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RESENHA

SITUAÇÃO DOS ESTUDOS DE ARGUMENTAÇÃO:


DE DESLEGITIMAÇÕES A REINVENÇÕES1

Plantin, C. Situação dos Estudos de Argumentação: de deslegitimações a reinvenções.


In: A Argumentação. São Paulo, Parábola, 2008.

Elisandra Benedita Szubris2

Não há como dizer sobre a situação atual dos estudos de argumentação e nem
pensar em suas projeções, sem antes fazermos um recuo à história e a tradição desses
estudos, é o que nos leva a refletir o texto Situação dos estudos de argumentação: de
deslegitimações a reinvenções de autoria de Christian Plantin. O texto que tem por
objetivo fazer um esboço da história de ideias contemporâneas sobre os estudos da
argumentação diz que o confronto das teorias praticadas ao longo da história foi
decisivo para que o conceito de argumentação se afirmasse como autônomo.

No texto, dentre tantos pontos importantes, destacamos o item sobre a Virada do


final do século XIX, pois ali o autor apresenta como a argumentação se comportou ao
ser discutida no interior das disciplinas da retórica, justamente no momento em que esta
disciplina fora compreendida como um “não-saber”, incapaz de produzir conhecimento
científico; e da lógica, que passou por um processo de formalização em que perdera as
características presentes na base de sua constituição . A “virada”, nesse sentido, se
refere à deslegitimação da retórica, que era símbolo de uma educação religiosa
“duplamente” retrógrada. Plantin diz que foi necessário redefinir o campo universitário,
em nome de um Estado laico e de uma ciência positiva. Em nota de rodapé, o autor
afirma que apenas a história da retórica foi considerada no campo universitário e que o
estudo das práticas discursivas agregou-se aos estudos da análise de discurso entre
outros. A partir daí, assiste-se ao desaparecimento dos estudos retóricos no ensino
secundário e nas universidades. Vale questionar em que medida essas mudanças foram
válidas para os estudos de argumentação, uma vez que foi a retórica jesuítica a excluída
dos currículos, e esta não era centrada na argumentação, mas ao praelectio.

1
Trabalho realizado para a disciplina de Tópicos em Semântica, ministrada pelos professores Eduardo
Roberto J. Guimarães e Taisir Mahmudo Karim.
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Linguística.
Um novo status para a lógica também se colocou como desfavorável aos estudos
de argumentação, a instituição de uma lógica formal deixou de lado aquilo que estava
em sua base, ou seja, o discurso racionalmente argumentado. A publicação da obra
Begriffschrift de Gottlob Frege (1879) demarcou a passagem da lógica vista como a
“arte de bem pensar” para a “arte de calcular”. O interesse pela argumentação resistiu
apenas no currículo filosófico neotomista, o Papa Leão XIII publica a encíclica Aeterni
Patris, que não por coincidência, datou-se do mesmo ano da obra de Frege, e nela
promovia-se a lógica como fundamento do pensamento o que contrariava de imediato, a
posição científica sustentada nesse período.

Nos anos seguintes o que se vê são publicações que produzem certa


incompatibilidade entre o discurso argumentativo e a realidade da prova científica.
Plantin indaga se essas novas orientações científicas são capazes de produzirem um
novo estilo argumentativo e chega à conclusão de que essa narrativa só poderá ser
alterada ou percebida nos anos após a Segunda Guerra Mundial.

O início da renovação dos estudos de argumentação na Europa pode ser


considerado a partir da obra de Serge Tchakotine, uma de suas publicações mais
importantes foi A violação das multidões pela propaganda política que caracterizou a
propaganda pelo apelo aos instintos irracionais. Outros autores que também se
destacaram foram S. Toulmin e C. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca, para eles a
argumentação foi reconstruída sobre um modelo jurídico de racionalidade que se deve a
um caráter estritamente ideológico de mostrar, através da propaganda política, um
discurso democrático e racional. Em uma perspectiva mais comunicacional e complexa,
o livro A propaganda política, de Jean-Marie Domenach, afirma que a propaganda tem
a função de “criar e transformar ou confirmar opiniões”, concepção estritamente ligada
não mais a retórica, mas a dialética.

O período ideológico, como ficou caracterizado os anos de 1950, na França, foi


sucedido por um momento de estudos lógico-linguísticos. A partir de 1970, entende-se
que a argumentação não está mais nos discursos em circulação, mas na língua. O
período abarca duas perspectivas interessantes, de um lado têm-se os trabalhos de
Oswald Ducrot e Jean-Claude Ascombre que buscam um conceito de argumentação
capaz de sê-lo linguístico e científico e de outro os trabalhos de Grize que mostram os
aspectos cognitivos da argumentação. Há ainda, uma terceira perspectiva, mas em
trabalhos de língua inglesa, que se colocam como o estudo de um diálogo crítico, tendo
como objetivo questionar os discursos através da identificação de falácias, esses estudos
introduzidos por C. L Hamblin trazem a noção de jogo dialógico. Em seguida, já na
década de 1980, temos uma renovação na abordagem do diálogo crítico, ele passa a ser
regido por regras aceitas pelos interlocutores, é o que destaca a Nova dialética de Fran
van Emeren e Rob Grootendorst.

A partir de 1990 percebe-se que o objeto dos estudos de argumentação tem-se


caracterizado por perspectivas multidisciplinares, há um retorno ao trabalho de
Perelman, pouco privilegiado na década de 1960, que apresenta algumas influências no
campo do direito, filosofia, na educação e na análise de discurso político. Os modelos
de Ducrot, Grize e Perelman, embora definidos por objetos e objetivos de pesquisas
diversos possuem grande peso e têm sido seguidos por diversas disciplinas. Essa
perspectiva multidisciplinar que abre caminhos para novas metodologias é
compreendida por Platin como Uma situação delicada, pois o que está em jogo é a
preocupação em se manter a organização do interesse comum pela argumentação e ter
metodologias suficientemente capazes de assegurar a autonomia do conceito de
argumentação.

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