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FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO

RODRÍGUEZ, Manuel. Ciencia, Ideologia y Poder. Reflexiones en torno a una


interpretacion politica de la critica a epistemologia positivista. Fragmentos de Filosofía,
ISSN 1132-3329, Nº 4, p.157-176.
Isabelle Vieira Barros
I
O autor começa questionando de que modo estava direcionado o ataque geral contra o
positivismo e a sua teoria da ciência, indagando, ainda, o que se atacava e o que se defendia
nesse esforço de desmembramento da teoria da ciência positivista. Em relação a isso,
Fernández Buey situa a discussão à consideração de que ocorreu uma mudança a respeito dos
temas e dos interesses intelectuais da filosofia da ciência positiva, nas décadas de 40 e 50,
uma mudança que discorreu da filosofia da ciência para a sociologia política da ciência -
consistindo em um redirecionamento dos problemas das estruturas das teorias científicas ao
problema da história. (p.157 e 158)
Essa mudança está relacionada ao aumento do interesse teórico pela função social do
conhecimento científico e pela preocupação, cada vez mais latente, das implicações do
complexo técnico-científico, o que, por sua vez, conduziu a uma crise de legitimidade da
própria ciência. Isso significa que houve um redirecionamento do que era, para a ciência
positiva, o tema da ciência. Nesse caso, se antes se tratava de um assunto analítico, agora é,
principalmente, social e político; houve uma mudança de interesses. (p.158)
A questão não era, necessariamente, se opor ao positivismo e a sua teoria da ciência,
mas tratava-se de um projeto muito maior cujo resultado foi a crise de legitimidade da ciência
e a aliança entre cientistas inescrupulosos e irracionalistas. Inescrupulosos porque, ao se
sustentar que sob o disfarce da maior parte das teorias científicas o que há é uma elucidação
de conhecimentos anteriores, pode-se visualizar a ciência e a tecnologia em seu sentido
estrito, em que o interesse cognitivo é apenas um meio para o domínio da natureza. Já ao
segundo grupo, pertencem ideias pelas quais se derivam justificações nas quais o controle
social está submetido à tecnologia. Então, têm-se os programas metafísicos de investigação,
pelos quais há uma visão de mundo, de uma representação que se faz de uma sociedade.
(p.158)
Por sua vez, é um mito considerar que exista um tipo de conhecimento distinto e
superior às crenças que constituem uma visão de mundo; a Ciência, conforme Feyerabend,
substituiu a religião de modo que a civilização tecnológica encontra na ciência uma instância
superior de autoridade intelectual. A questão seria, então, como estabelecer uma relação entre
a mudança de tema sobre a consideração da ciência e a sua crise de legitimidade, isto é, da
crise da autoridade da racionalidade científica. Não se trata, portanto, de um simples interesse
antipositivista, mas sim antiautoritário, de uma autoridade que a concepção positivista
outorgou para si. (p.159)

II
A evolução da percepção do problema da ciência propôs que, se antes a ciência era a
linguagem racional e conduzia certos tipos de problemas à reflexão, agora é um fenômeno
social e político. Essa linha se estende por 3 eixos. Um deles é o apontado por Fernández
Buey e que fazem parte, por vias distintas, Popper, Kuhn e Lakatos, além de Feyerabend e
outros. Para este, a tensão fundamental estava na interpretação da distinção entre ciência e
crença; de certa forma, o problema estava em explicar o que direcionava a mudança. Para
alguns, o problema se devia à metodologia racional, para outros se devia ao mecanismo
mediante os quais se mudavam as crenças em uma comunidade. (p.159 e 160)
Num segundo eixo, estavam Adorno e Habermas, sustentando que, na teoria
positivista, não residia a Razão, mas sim a Razão instrumental. Os frankfurtianos,
convencidos de que o Iluminismo foi uma catástrofe, empenharam-se em um conflito no qual
a tensão estava entre a ciência e a ideologia. Agora, essa tensão se produz na base da
identidade, ou não, dos interesses cognitivos e produtivos, ou seja, da distinção entre ciência e
técnica. (p.160)
O terceiro, em meados dos anos setenta, provém da controvérsia entre mertonianos e
cognitivistas no centro da sociologia da ciência. A questão era a redutibilidade da cognição ao
social, ainda, a autonomia entre a ciência enquanto fenômeno social e o problema da validade
do conhecimento científico. (p.160)
Apesar dessa mudança ter se desenvolvido em 3 direções diferentes, cabe examinar e
entender o seu resultado: a crise de legitimidade e a negação da existência da ciência. O autor
argumenta que a crise de legitimidade da ciência está posta, em grande parte, na filosofia e
nas ciências sociais, e que, em geral, a maioria das pessoas ainda sustenta a autoridade da
tecnologia moderna e, assim, das teorias científicas. O que ele pretende questionar é se essa
crise de legitimidade corresponde a um fenômeno cultural devido a expectativas sociais ou se
se trata de interesses de intelectuais que respondem a motivações diferentes que ao medo e à
veneração frente à técnica atual. (p.161)
A segunda questão apontada é que há um tendência, entre os intelectuais, de confundir
radicalismo com exagero. De que, de certa forma, há um caráter retórico em relação à crise
da legitimidade científica, respondendo, mais retoricamente a uma vontade de radicalismo do
que outra coisa. A crise de legitimidade científica pôs em questão a legitimidade da
autoridade da racionalidade científica e não está relacionada a algum tipo de prevenção ou
interesse pela função social da ciência. (p.161 e 162)
Sabemos, pois, que: 1) a epistemologia não gera ciência e que a filosofia da ciência
não gera história da ciência; que, 2) a reflexão sobre a ciência mudou de tema; e 3) que há
filósofos e cientistas sociais que afirmam que a ciência não existe. A negação da existência da
ciência - a derrubada do mito positivista - se apoia nesse tripé: de que não há descontinuidade
entre ciência e crença, de que não há descontinuidade entre ciência e técnica, de que não há
descontinuidade entre o cognitivo e o social. (p. 162)
Há de se atentar que uma aproximação radical ao estudo social da ciência significa se
opor ao próprio conceito de ciência e que, embora do ponto de vista tradicional a separação se
deu ao estudo da ciência, da tecnologia e da sociedade, o ponto de vista radical considera que
as mesmas se sobrepõem entre si. Dessa forma, a consequência ao estudo sobre a radicalidade
da ciência não é nada menos de que os conceitos ''social'' e sociedade se tornam redundantes -
podendo inferir que a única epistemologia é a sociologia da ciência. (p. 162 e 163)
Feyerabend resumiu que o êxito científico é o resultado da combinação entre invenção
e controle, que os cientistas têm ideias e dispõe de métodos especiais para melhorá-los.
Conforme o autor do artigo, essa combinação, servindo para diferenciar e demarcar os
domínios das teorias científicas em relação às demais crenças, implicava, também, que
existem ideias e que existem o uso instrumentalizado das ideias, ou seja, a diferenciação entre
ciência básica e aplicada. O positivismo pretendia que a reflexão sobre a ciência consistia em
uma determinação metodológica das regras de constituição e justificativa das teoria
científicas. (p.163)

III
A filosofia da ciência pretendeu ser uma autocompreensão auto suficiente da ciência,
no sentido de que o conhecimento científico foi pôsto por objeto científico, ou seja, como
uma racionalização da própria racionalização da experiência. Nesse caso, apesar da ciência
constituir um fenômeno histórico, social, econômico e político, essa autocompreensão e auto
suficiência convertia a compreensão da ciência em um problema lógico, de modo que a sua
conexão com outras perspectivas era puramente sistemática. (p.163 e 164)
Assim, o problema em compreender o fenômeno da ciência moderna, de entendê-la
enquanto característica e produto de toda uma cultura, torna-se diferente do problema da
natureza do conhecimento científico, sendo esse um problema epistemológico, ou seja, de
uma reconstrução racional de como se deveria proceder o pensamento científico. Contudo,
essa pretensão não alcançou os seus objetivos, pois os cientistas não só desempenhavam o seu
trabalho de modo independente, como também o desempenhavam contra o que certas
metodologias esperavam; em todo caso, o modelo clássico de filosofia da ciência, como
também a epistemologia ''de obediência'' popperiana, deram por certo que a ciência real é
apenas algo proveniente de uma certa metodologia. (p.164)
O autor, então, questiona: por conta disso, podemos concluir que qualquer pretensão
de uma teoria da ciência é conservadora e ilegítima? ou, ainda, que mediante o insucesso das
análises das estruturas científicas estamos autorizados a afirmar que a ciência não existe, que
é um mito?. De qualquer forma, a auto suficiência da epistemologia científica, de sua
autonomia, não poderia se manter frente aos questionamentos de Kuhn - sobre como, na
prática investigativa, os cientistas escolhiam entre teorias rivais e sobre qual é a estrutura do
processo de mudança científica. Sobre isso, o autor expõe que os processos de tomada de
decisão envolvidos na mudança científica, estão estruturadas mediante imperativos cuja
natureza é social e psicológica. (p.165 e 166)
O enfoque admitido por Kuhn era, contudo, superfluo, pois mantinha uma pretensão
epistemológica e normativa do conhecimento científico ao abarcar a necessidade de uma
consideração sociológica da ciência e relativizar a reivindicação de uma epistemologia auto
suficiente e autônoma da abordagem social e histórica. Ele está numa posição centrista, de
modo que sustenta uma epistemologia, enquanto teoria normativa da ciência, como uma
racionalização de interesses sociais indispensável para entender a atividade científica. (p.166
e 167)
As diferentes posições vão desde os conservadores, popperianos, aos radicais,
sociólogos cognitivos - Feyerabend, passando pela centro-direita, Lakatos, até a centro-
esquerda, Kuhn. Por fim, é preciso indicar que, na distinção ciência-crença e cognitivo e
social, adotar uma posição conservadora é no sentido de idealista, de manter a autonomia
abstrata popperiana, sendo radicais a diferença de ir à raiz da gênese social das crenças. Essa
oposição é análoga à observada entre conservadores e críticos. (p.167)

IV
De encontro ao ponto de vista dos radicais, que o problema com a teoria da ciência é o
seu afastamento da prática real e a sua substituição por algo abstrato e irreal, para Heidegger,
Adorno, Horkheimer, Marcuse e Habermas o positivismo é a própria essência do fenômeno
histórico e cultural que é a ciência moderna, de modo que, conforme apercebido por Kant, é
inevitável para o pensamento científico um momento técnico de representação da natureza
relacionado com o momento lógico, constitutivo, do conhecimento científico. (p.167 e 168)
Essa representação técnica se trata de uma representação da natureza na medida em
que, dotada de um aparato de pesquisa, constitui uma racionalidade que investiga a natureza,
que ainda não pode explicá-la ou determiná-la, mas a toma como objeto pelo qual se busca
uma legalidade. Representar tecnicamente significa representar a natureza como constituída
de uma lógica interna, cuja realidade pode ser controlada por uma dispositivo lógico; a
experiência é produzida enquanto realidade por um aparato lógico. É preciso ressaltar que
ciência e técnica são diferentes, para Kant, aquela é uma lógica que determina a experiência
na medida em que a explica objetivamente, e a técnica é uma lógica que produz uma
realidade. (p.168)
Acontece que, na ciência moderna, não basta apenas representar tecnicamente a
natureza ou comprovar determinadas teorias mediante a técnica, mas é preciso representar um
saber tecnicamente utilizável; o que se busca é um dispositivo que controle o processo de tal
modo que, quando há um algoritmo, haja um efeito de controle intelectual sobre a ciência. Se
for tecnicamente utilizável, temos, portanto, o fenômeno da tecnologia e a substituição de um
processo natural por um artificial. (p.168 e 169)
Diante disso, a diferenciação entre racionalidade técnica e científica é impossível, pois
a racionalidade técnica sub sumiu, com o modo moderno de investigar a natureza, a
racionalidade teórica e, com ele, o interesse produtivo pelo teórico. O autor, ao citar
Habermas, expõe, ainda, que nas sociedades industriais avançadas a base material é um
sistema formado pela retroação e articulação entre ciência, técnica e a sua utilização social -
um sistema cujas conexões não são estabelecidas pelos sujeitos, mas sim de um processo
progressivamente autônomo. (p.169)

V
A teoria da ciência fornece um mito conservador, mas, no conflito entre conservadores
e radicais ou conservadores e críticos, o que se supõe conservar e o que se supõe transformar?
Fernández Buey propõe que a mudança de tema a respeito da reflexão sobre a ciência
relacionada com a percepção da ameaça social e política que, aparentemente, a ciência
positivista parece engendrar, ocorreu devido a uma modificação radical da forma de se pensar
a ciência, atribuindo a isso a institucionalização de disciplinas como a filosofia da ciência. O
autor, no entanto, propõe algo diferente, que tem a ver não com a institucionalização, mas
com a crise do pensamento radical nos anos sessenta. (p.169 e 170)
Nessa crise, há 2 mudanças importantes: uma é que o campo histórico de realização da
revolução passou do sócio político ao cultural, e o outro é que a vanguarda do movimento
revolucionário deixou de ser um proletariado aburguesado e desmobilizado para passar ao
intelectuais e aos grupos marginais. Essa mudança de pensamento é proveniente do
desenvolvimento do capitalismo avançado e das modificações estruturais da sociedade, em
que o conhecimento e a técnica passaram a constituir uma base de poder cada vez mais
crescente. (p.170)
A partir disso, a sugestão é entender o debate sobre a ciência envolvido no contexto de
modificação das sociedades industriais, supondo um deslocamento nas bases materiais de
poder e promovendo, portanto, questionamentos a respeito da autoridade, da liberdade e da
responsabilidade no quadro das novas interações sociais que surgem em sociedade
democráticas e industrializadas, que tem a ciência e a tecnologia como uma das características
axiais da cultura e da organização social. (p.171)

VI
Conforme o autor, trata-se, portanto, de um tema político, de um debate sobre o poder
- mas não porque haja certas implicações políticas sobre o tema, mas porque a base do
problema é o poder nas sociedades industriais, de adotar um posicionamento frente ao poder
político e social da ciência e da tecnologia enquanto instituições de uma cultura na sociedade.
(p.171 e 172)
Feyerabend sustenta que a ciência real não tem mais autoridade que outras crenças e
que, por isso, o respaldo estatal à autoridade científica é tão ilegítimo quanto a pretensão de
justificar esse poder mediante o mesmo tipo de sanção científica. Feyerabend pretende, com
isso, recuperar o aspecto político radical que, de certa forma, foi esquecido com a
consolidação da institucionalização de formas democráticas e burguesas. A questão é que uma
ciência que reivindica para si possuir o único método correto e os únicos resultados
aceitáveis, é ideologia. (p.172)
O alinhamento entre Habermas, Feyerabend e a revisão crítica do positivismo
coincidem no seguinte: a teoria da ciência, do positivismo, estava incorreta porque a ciência
real não coincide como resultado da aplicação dessa teoria, pois a prática científica não
obedece a pautas normativas. Assim, a pretensão positivista de autocompreensão da ciência,
objetivando uma epistemologia, supõe uma idealização da teoria da ciência. Acontece que, ao
institucionalizar tal idealização, o positivismo outorgava à racionalidade científica uma
autoridade intelectual, um poder pertencente à ideologia - à uma justificação de legitimidade
de poder. É um fenômeno que, de certa forma, transcende a ciência é a técnica. (p.172 e 173)
A crítica radical ao positivismo é um impulso político e objetiva o questionamento do
poder nas sociedades industriais. Questão é que a institucionalização de uma autoridade
absoluta, baseada na validade do conhecimento científico, não pode ser combatida com a
afirmação de que a ciência não existe, pois a questão está num contexto ideológico, isto é,
enquanto o poder se justifica como eficácia. (p.173)
Podemos questionar, com isso, se: a correção dos fins sociais e políticos se aplicam à
ciência e à tecnologia ou se esse assunto independe da validez e eficácia do conhecimento
científico e tecnológico. Sobre isso, o autor defende que a determinação de fins corretos deve
ser uma responsabilidade política e social democraticamente exercida, não submetida a
nenhuma instância superior de autoridade. Logo, o assunto vem a ser sobre o sentido da
liberdade e responsabilidade em uma sociedade tecnocrática. (p.174)
Por fim, questiona-se se a decisão acerca da validade de um conhecimento é independente da
correção moral, social e política do fim que se pode realizar mediante determinado
conhecimento. Para uns, a correção de fins e a validade dos meios são decisões em âmbitos
diferentes, para outros a decisão sobre a validade está sujeita ao controle democrático.
Contudo, esse debate não é necessariamente sobre o problema das relações entre ciência,
tecnologia e sociedade, mas sim sobre a conexão entre epistemologia e ideologia. Trata-se de
visualizar o conflito entre a oposição da ideologia tecnocrática e da ideologia contracultural.
(p.174 e 175)

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