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r

Dados Internacionais de Ca talogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)

P668i Piris, Eduardo Lopes; Grácio, Rui Alexandre (orgs.).


Introdução às teorias da argumentação /
Organizadores: Eduardo Lopes Piris e Rui Alexandre Grácio.
1. ed. - Campinas, SP: Pontes Editores, 2023. figs.; tabs.; quadros;

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-7 12-4.

1. Análise do Discurso. 2. Educação. 3. Linguística.


I. Título. II. Assunto. III. Organizadores ..

Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846

Índices para catálogo sistemático:

1. Argumento e persuasão. 168


2. Linguística. 41 O
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

4. A PRAGMÁTICA LÓGICA DE DOUGLAS WALTON:


A AVALIAÇÃO DE ARGUMENTOS
EM CONTEXTO DIALÓGICO

Patrícia Del Nero Velasco


Universidade Federal do ABC

A LÓGICA INFORMAL NA PERSPECTIVA DA PRAGMÁTICA


LÓGICA DE DOUGLAS WALTON

O canadense Douglas Walton é considerado um dos principais te-


óricos da intitulada Lógica Informal, movimento filosófico-educacional
surgido nos Estados Unidos em meados da década de 1970 com duplo
objetivo: do ponto de vista educacional, visava-se alterar os currículos
dos cursos universitários, de forma a priorizar o desenvolvimento do
pensamento crítico; sob a ótica filosófica, pretendia-se identificar os
critérios para a avaliação de argumentos em linguagem natural, argumen-
tos utilizados na vida cotidiana - em reportagens e editoriais veiculados
pelos meios de comunicação de massa, nos diálogos pessoais, nos debates
políticos, nos discurs~s publicitários etc.
Há inúmeros pensadores e correntes que pertencem à Lógica In-
formal 1, tendo como aspecto comum os critérios sugeridos por Johnson
e Blair (2005) para a avaliação de argumentos, quais sejam, o da acei-

Fundadores do movimento da Lógica Informal, Blair e Johnson (2002) apresentam a história


do conceito de lógica informal e as principais tendências e teóricos que ajudaram a dar forma e
identidade ao movimento em questão: Monroe (1950, 1956), Kahane (1971), Thomas (1973),
Scriven (1976), Fogelin (1978).

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

tabilidade da(s) premissa(s) e os critérios de relevância e de suficiência


desta(s) para a conclusão 2 . Pergunta-se: o que a teorização da Lógica
Informal realizada por Walton tem de distintivo? Para este, a Lógica
Informal caracteriza-se pelo estudo do raciocínio no contexto dialógico
em que a argumentação está inserida, sendo que estes contextos são de-
finidos pragmaticamente, tipificados em função dos objetivos que visam.
Antes de precisarmos o que o autor entende por raciocínio, argumento
e diálogo, contudo, vejamos como o próprio Walton caracteriza sua
pragmática lógica, contrapondo-a à teoria lógica.

Tradicionalmente, a teoria lógica tende a enfatizar as


relações semânticas, ou seja, as relações entre conjuntos
de proposições verdadeiras ou falsas [ ... ] .
A teoria lógica, então, se preocupa basicamente com as
proposições que constituem o argumento. A pragmática
lógica se interessa pelo uso racional dessas proposições
num diálogo, tendo em vista um objetivo, como, por
exemplo, construir ou refutar um raciocínio que apoie
um dos lados de uma questão controversa no contexto
dialógico. Ela se interessa pelo que é feito com essas
proposições nesse contexto, pelo uso dado a elas para
convencer o outro argumentador. A pragmática lógica
é uma disciplina prática, uma arte aplicada (WALTON,
2006a, p. 1-2, grifos nossos).

Interessam à teoria lógica as relações entre proposições avaliadas sob


a perspectiva dos valores de verdade (relações semânticas). Interessam,
igualmente, as relações formais (sintáticas): as relações de consequência
entre determinadas proposições, de modo que tomadas certas proposições
hipoteticamente aceitas como verdadeiras, pode-se inferir necessariamen-
te a verdade de outra proposição. Nestas perspectivas da teoria lógica, o

2 A aceitabilidade corresponde à verificação das premissas quanto ao seu caráter verdadeiro,


provável ou confiável. Os critérios de relevância e suficiência dizem respeito às relações de
consequência entre premissas e conclusão: a pertinência ou adequação das premissas para a
conclusão constitui o critério de relevância; a suficiência, como o próprio nome sugere, trata
de investigar se o material fornecido pelas premissas é suficiente para a obtenção da conclusão.

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

contexto dialógico não é considerado. A pragmática lógica de Douglas


Walton, por sua vez, considera que "um argumento é urna alegação que,
de acordo com os procedimentos adequados do diálogo racional, deve
ser pertinente à conclusão do argumentador, contribuindo para prová-la
ou estabelecê-la" (WALTON, 2006a, p. 2, grifos nossos). Na abordagem
em questão, a identificação do tipo de diálogo no qual ocorre o uso do
raciocínio (contexto) é imprescindível. O diálogo é tipificado em função
de sua finalidade e, desta tipologia, estabelecem-se normas para avaliar
o uso das proposições em cada contexto dialógico.
A noção de lógica corno ciência do raciocínio é, pois, refutada por
Walton, o qual propõe a seguinte definição:

[... ] lógica é o estudo de como modelos normativos de


raciocínio são usados em diferentes contextos de diálogo. O
principal objetivo da lógica deve ser avaliar argumentos a fim
de separar os bons argumentos (fortes, corretos, válidos) dos
maus argumentos (fracos, errôneos, falaciosos). Para colocar
isso na forma de uma nova platitude, a lógica é a avaliação
do raciocínio em argumentos (WALTON, 1990, p. 417)3.

A pragmática lógica do autor ora estudado compreende, portanto,


o estudo dos usos do raciocínio no contexto argumentativo, utilizando
modelos normativos de raciocínio considerados adequados para os obje-
tivos de vários tipos de argumentos. Dessarte, corno disciplina prática, a
pragmática lógica de Walton compreende um instrumento fundamental
para a avaliação crítica de argumentos.
Não obstante, em sua obra Lógica Informal: manual de argumen-
tação crítica, o autor ~alerta que é comum a falta de clareza com relação
aos fatores determinantes do contexto dialógico e, por conseguinte, a
dificuldade de avaliar a força ou fraqueza de um argumento que ocorre
em contextos incertos corno este. Para Walton (2006a, p. 4), todavia,
"[ ... ]antes que um argumento, ou o que parece ser um argumento, seja
considerado forte ou fraco, bom ou ruim, não é tarefa sem importância
3 São de nossa responsabilidade as traduções livres para o português de todas as citações do
original em inglês apresentadas neste capítulo.

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

determinar o que ele é ou parece ser. Boa parte do trabalho da pragmática


lógica reside nessa fase preliminar, quando deve ficar claro o que é um
argumento". Comecemos, pois, explorando o conceito em questão e seus
correlatos - raciocínio e diálogo.

RACIOCÍNIO, ARGUMENTO E DIÁLOGO

Walton abre o manual Fundamentais of Criticai Argumentation


avisando o leitor que "o termo 'argumento' é usado [no supracitado
texto] em um sentido especial, referindo-se a dar razões para apoiar ou
criticar uma tese que é questionável ou aberta a dúvidas" (WALTON,
2006b, p. 1). Consequentemente, usa-se o argumento em situações em
que é preciso dar uma (ou mais) razão(ões) para apoiar uma afirmação
questionável e dirimir a dúvida. As razões apresentadas são as premis-
sas do argumento; a tese do arguidor é a conclusão do argumento, cuja
sustentação se está tentando estabelecer.

A noção supramencionada de argumento é especificada e comple-


xizada por Walton em suas obras, como procuraremos expor na presente
seção. Uma das maneiras do autor precisar o conceito em voga é discu-
tindo suas partes constituintes: as proposições.

O conceito de uma proposição é fundamental para a argu-


mentação crítica, pois argumentos são feitos de premissas
e conclusões que são proposições. Uma proposição tem
duas características definidoras. Primeiro, é algo que é,
em princípio, verdadeiro ou falso.[ ... ]

Uma segunda característica de uma proposição [ ... ] é que


normalmente está contida em um tipo especial de ato de
fala. Está contida em um enunciado que faz uma declara-
ção. [ ... ] Enunciados ambíguos não são proposições. [ ... ]

Enunciados ambíguos contêm proposições. Mas um


enunciado ambíguo não é ele mesmo uma proposição. A
razão é que ele não tem a propriedade de, por si só, ser
verdadeiro ou falso (WALTON, 2006b, p. 9-10).

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

As proposições estão contidas em enunciados declarativos e, em


princípio, são verdadeiras ou falsas. Por isso, enunciados ambíguos
não são proposições e não podem constituir argumentos. Logo, pode-se
dizer que Douglas W alton adota uma concepção proposicional de racio-
nalidade: considera que a argumentação tem uma natureza propositiva,
cabendo àqueles que participam da argumentação, alterar ou fortalecer
as proposições em jogo.
A concepção supra referida está relacionada à redefinição reali-
zada pelo autor dos conceitos de raciocínio (reasoning) e argumento
(argument). Entre a tradição lógica que considera um argumento como
uma tese sustentada em razões e a abordagem pragma-dialética de van
Eemeren e Grootendorst (1984) segundo a qual um argumento é "um
tipo de discussão regido por regras, firmado por duas ou mais partes,
a fim de resolver um conflito de opinião" (WALTON, 1990, p. 400),
Douglas Walton problematiza o modo como o raciocínio relaciona-se
com o argumento. Para tanto, toma como ponto de partida a diferenciação
realizada por Trudy Govier (1989, p. 117):

Um argumento é um instrumento de persuasão publi-


camente expresso. Normalmente é preciso pensar para
construir um argumento. Raciocinar é distinto de argu-
mentar neste sentido: raciocinar é o que você pode fazer
antes de argumentar e o seu argumento expressa algo de
seu (melhor) raciocínio. Mas muitos raciocínios são feitos
antes e fora do contexto do argumento.

Walton concorda com Govier que o raciocínio tem lugar no argumen-


to, salientando, além d,isso, que se trata de "um instrumento de persuasão
social, interactivo e dirigido a objetivos" (WALTON, 1990, p. 401 ), mas
que não se encerra na persuasão. Define raciocínio, então, "corno um tipo
de estrutura abstrata, que pode ainda assim ser dinâmica e interativa em
alguns casos, como estática e solitária em outros. Nesta ótica, o raciocínio
é caracteristicamente usado no argumento, mas pode também ser usado em
outros contextos pragmáticos" (WAL TON, 1990, p. 401 ).

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

Em outra passagem de seu artigo de 1990, Walton - tendo como


base a noção de inferência e o conceito toulminiano de garantia4 define
raciocínio de maneira mais precisa:

Raciocínio é a criação ou concessão de pressupostos


chamados premissas (pontos de partida) e o processo de
mover-se na direção das conclusões (pontos finais) a partir
destes pressupostos através de garantias. Uma garantia
é uma regra ou estrutura que permite a mudança de um
ponto para o próximo ponto na sequência do raciocínio
(WALTON, 1990, p. 403, grifos do autor).

A ideia de sequência do raciocínio é primordial na teorização de


Walton: o raciocínio pode ser definido como uma sequência de passos que
partem de alguns pontos (as premissas) a outros (as conclusões), sendo
estes passos- como supracitado -possibilitados pelas garantias. Os pon-
tos encadeados sequencialmente pelo raciocínio podem representar tanto
proposições quanto questões, sentenças imperativas e outros atos de fala.
Outra característica do raciocínio, segundo Walton, diz respeito
à direção. Para ele, geralmente o raciocínio tem uma direção, sendo
que esta depende da forma como o raciocínio é usado no contexto do
argumento. Isso porque é neste contexto que o raciocínio é dirigido para
algum objetivo como, por exemplo, o de provar um ponto de vista. E ao
dirigir-se a um objetivo, assume uma função. Embora o autor advirta que
nem todo raciocínio possui uma direção ou propósito e, por conseguinte,
uma função, defende que é na medida que sustenta ou impede a realização
do objetivo a que se dirige que um raciocínio deveria ser julgado.
Walton assume, portanto, a perspectiva lógica do raciocínio (re-
conhecendo, contudo, as demais possibilidades de abordagem, como a

4 Em sua obra Os usos do argumento, Stephen Toulmin estabelece um /ayout de argumentos.


As garantias são parte constituinte deste: "precisa-se de afirmações gerais, hipotéticas, que
sirvam como pontes, e autorizem o tipo de passo com o qual nos comprometemos em cada um
de nossos argumentos específicos [ ... ]: 'dados do tipo D nos dão o direito de tirar as conclu-
sões C (ou de fazer as alegações C) [ ... ]. Chamarei as proposições desse tipo de garantias"
(TOULMIN, 2006, p. 141, grifos do autor).

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

psicológica e a sociológica). O estudo lógico do raciocínio implica um


ponto de vista normativo que permitirá julgar o raciocínio em termos de
força ou fraqueza, validade etc. Este julgamento será realizado em função
do objetivo a que se dirige o raciocínio (e que o enquadra em termos fun-
cionais) e os tipos de raciocínio são definidos a partir de quatro categorias
de suma importância para Walton, a serem exploradas na sequência.
A primeira categoria diz respeito à interatividade e permite adis-
tinção entre os raciocínios dialéticos (interativos) e os mono/éticos. Os
primeiros ocorrem em contextos em que há interatividade entre os parti-
cipantes, os quais raciocinam juntos, sendo que as etapas do raciocínio de
um são integradas às do outro. Os raciocínios monoléticos, por sua vez,
carecem da integração em questão: não há aproveitamento de passos de
raciocínio dos participantes; os raciocínios deste tipo funcionam sozinhos.
O tipo de base que sustenta o raciocínio caracteriza a segunda ca-
tegoria distintiva de raciocínios, definindo os a/éticos em contraposição
aos epistêmicos. Estes ocorrem em relação a uma base de conhecimento
admitida como verdadeira; aqueles têm como base somente o valor de
verdade das proposições.
A terceira categoria apresentada por Walton compreende o dina-
mismo (ou a falta dele). Os raciocínios cujas premissas são pré-fixadas
e não podem ser alteradas são chamados de estáticos. Já os raciocínios
que permitem mudar o conjunto de premissas a cada etapa, revisando os
pontos de partida, são ditos dinâmicos.
A quarta e última categoria definida pelo autor refere-se à orien-
tação do raciocínio: os raciocínios práticos, como o nome indica,
têm orientação prática, buscando - em uma situação particular - uma
linha prudencial de ~onduta para um agente; os raciocínios teóricos
(discursivos) têm orientação cognitiva, buscando razões para aceitar
a verdade ou a falsidade de determinada proposição. Logo, enquanto
os primeiros têm como problema decidir se uma ação é prudente ou
não, os raciocínios teóricos enfrentam um problema de outra nature-
za: decidir se uma proposição pode ou não ser justificada com base
naquilo que sabemos.

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

Walton ainda explora as distinções entre as premissas de raciocí-


nios teóricos e práticos, afirmando que as primeiras são suportes do tipo
dedutivo, indutivo ou plausível, enquanto as premissas dos raciocínios
práticos descrevem metas e conhecimentos, sendo estes incertos ou in-
completos, acerca de uma situação particular e mutável.
Desta forma, salienta o autor que:

Raciocínios teóricos e práticos são veículos para resolver


diferentes tipos de problemas. Portanto, os métodos utili-
zados são diferentes, embora se sobreponham. O raciocí-
nio prático caracteristicamente surge em uma situação que
é um conflito prático, onde, não importa o que um agente
faça, ele viola um ou outro de seus compromissos. [ ... ]
O conceito comparável de raciocínio teórico é o de incon-
sistência lógica, em que há um conjunto de proposições
que são logicamente inconsistentes, significando que não
é logicamente possível (isto é, semanticamente possível)
que todas sejam verdadeiras (WALTON, 1990, p. 406,
grifos do autor).

Os problemas enfrentados pelos raciocínios teóricos e práticos são


distintos ( conflito prático ou inconsistência lógica), mas ambos têm em
comum o fato de poderem se orientar a partir de uma suposição de mundo
fechado (em que as premissas são consideradas exaustivas e suficientes)
ou de mundo aberto ( assumindo que novas informações podem afetar o
raciocínio). No primeiro caso, constituem-se os já mencionados racio-
cínios estáticos; no segundo, os raciocínios dinâmicos.
Uma vez que Walton dedica-se a estudar os raciocínios nos dife-
rentes contextos em que ocorrem, diz-se que o autor trata dos raciocí-
nios práticos. Walton alerta que usualmente o raciocínio ocorre em um
contexto de uso (pragmático) e este frequentemente é o argumento. Não
obstante, cita o raciocínio realizado durante uma partida de xadrez e
aquele usado na oferta de explicações para exemplificar raciocínios que
não ocorrem necessariamente em um argumento. De todo modo, como

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

são diferentes os contextos argumentativos, os raciocínios que nestes


ocorrem são, igualmente, distintos, pois usados de maneira variada.
Segundo Walton, os raciocínios que ocorrem no contexto do argumento
são orientados, uma vez que os argumentos são, essencialmente, dirigi-
dos por objetivos. Assim sendo, os raciocínios práticos estudados por
Walton, direcionados por objetivos, só podem ser avaliados em função
dos referidos propósitos e contextos 5 •
Nessa perspectiva, o autor rejeita a definição lógica tradicional
segundo a qual um argumento é um processo de raciocínio localizado,
compreendendo tão somente as razões para aceitação de determinada
conclusão. Aproxima-se da concepção cunhada por van Eemeren e Groo-
tendorst ( 1984, p. 1-9), autores para os quais a argumentação é uma forma
de atividade comunicativa interacional, direcionada por objetivos, em que
duas partes procuram resolver um conflito de opiniões. Na abordagem
pragmática de Walton (1990, p. 410), "[o termo] 'Argumentação' refere-
se ao processo global de defender e criticar uma tese (ponto de vista)
que abrange todo o contexto de discussão" e é coextensivo à definição
de argumento dada pelo autor:

Argumento é um meio social e verbal de tentar resolver


(ou pelo menos de se haver com) um conflito ou diferença
que surge ou existe entre duas (ou mais) partes. Um argu-
mento envolve necessariamente uma tese que é adiantada
por pelo menos uma das partes. [ ... ]Os diferentes tipos
de argumento são modos diferentes de tentar resolver
estes conflitos (WALTON, 1990, p. 411, grifo do autor).

Do ponto de vis~ de Walton, portanto, a noção de argumento está


intimamente relacionada à tentativa de solução de conflitos entre duas

5 Entre os trabalhos que deram notoriedade a W alton, tornando-o um dos expoentes da Lógica
Informal, estão Argumentation Schemes for Presumptive Reasoning (I 996) e Argumentation
Schemes (2008), este escrito em coautoria com C. Reed e F. Macagno. Nestas obras, o autor
identifica inúmeros esquemas argumentativos a partir dos padrões típicos de raciocínio que
caracterizam os argumentos. Mostra, igualmente, formas usuais de falhas argumentativas (nem
sempre identificadas como falaciosas). Dada a extensão do assunto e o propósito do presente
capítulo, não apresentaremos neste texto os mencionados esquemas argumentativos.

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INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

(ou mais) partes, sendo que ao menos uma dessas partes possui uma tese
ou ponto de vista. Já o processo dinâmico de conexão dos argumentos
para determinado objetivo é dito argumentação. As razões oferecidas
para apoiar a conclusão constituem o cerne do argumento; todavia, Wal-
ton (2006b, p. 2) salienta que "em tomo deste núcleo há também uma
estrutura de uso argumentativo na qual a argumentação é utilizada para
algum propósito em um diálogo".
Como anteriormente dito, são muitos os contextos argumentativos.
Igualmente, são variados os contextos de atividades nos quais um argu-
mento pode ocorrer. Um destes contextos é o dialógico. Os raciocínios que
ocorrem em argumentos que, por sua vez, ocorrem em um diálogo, são
ditos raciocínios dialéticos. Estes são os argumentos preferencialmente
investigados por Walton e, por conseguinte, os contextos dialógicos são,
igualmente, objeto de estudo do autor.
Walton (1990, p. 412) ressalva que há uma interpretação, distinta
da dele, segundo a qual todo o contexto argumentativo é dialógico, pois
até em situações solitárias como no planejamento ou resolução de um
problema, pode-se dizer que há raciocínio interativo com si próprio. A
pessoa em questão faz o duplo papel de arguidor e interlocutor. Embora
afirme que um argumento pode não ocorrer em um diálogo, para Walton
(2006b, p. 1) "a noção de um argumento é mais bem elucidada em ter-
mos de seu propósito quando usada em um diálogo". E o que seria um
diálogo? Nas palavras do autor,

Um diálogo é uma sequência de trocas de mensagens ou


atos de fala entre dois (ou mais) participantes. Tipicamen-
te, porém, um diálogo é uma troca de perguntas e respostas
entre duas partes. Cada diálogo tem um objetivo, cuja
realização depende da cooperação entre os participantes.
Isso significa que cada participante tem a obrigação de
trabalhar pela realização do próprio objetivo e de coo-
perar com o outro participante na realização do objetivo
dele. Em geral, um argumento é considerado um mau
argumento quando uma dessas obrigações básicas deixa
de ser cumprida (WAL TON, 2006a, p. 4-5).

120
r
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

Um bom argumento, desse ponto de vista, necessariamente cumpre


as obrigações mencionadas pelo autor, a saber, buscar realizar seu obje-
tivo no diálogo e contribuir com seu interlocutor para que este realize o
objetivo a que se propôs também. A concretização dos objetivos do diálo-
go, dessa forma, depende da cooperação entre os participantes. Diálogos
podem conter explicações, instruções e outros elementos. Mas aqueles
que contêm argumentação - e esta é bem-sucedida - costumam ocorrer
com os participantes revezando-se, cada qual tendo a oportunidade de
declarar seu(s) argumento(s). São vários os tipos de diálogo argumen-
tativo expostos por Walton, nos quais há sempre uma parte procurando
convencer a outra sobre determinado ponto de vista. De acordo com a
maneira como a intervenção dos participantes ocorre, os diferentes tipos
de diálogo argumentativo são classificados. A referida classificação será
apresentada na seção subsequente.

OS TIPOS DE DIÁLOGO (E OS ESTÁGIOS DE UMA SEQUÊNCIA


DIALÓGICA) SEGUNDO WALTON

Em 1989, Douglas Walton apresentou, em seu livro Informal


Logic: A Handbook for Critica! Argumentation, um quadro com oito
diferentes tipos de diálogo, acompanhados de seus respectivos "situação
inicial", "método" e "objetivo". Um ano mais tarde, no artigo "What is
reasoning? What is an argument?", Walton (1990, p. 413) enunciou um
quadro similar, com oito tipos de diálogo argumentativo. Neste quadro,
porém, ao invés da coluna "método", exibiu os "benefícios" de cada
tipo de diálogo mencionado. Na obra conjunta com Krabbe, publicada
em 1995, apresentou sete tipos de diálogo, repetindo este número no
artigo "The Place of {)ialogue Theory in Logic, Computer Science and
Communication Studies" (2000, p. 336). Neste último, indicou colunas
distintas para os "objetivos dos participantes" e os "objetivos do diálogo",
bem como incluiu a deliberação 6 entre os tipos de diálogos. O Quadro 1
procura sintetizar os tipos de diálogos argumentativos identificados por

6 Como exploraremos opo1tunamente, não se trata exatamente de uma inclusão, mas de uma
alteração na nomenclatura dos diálogos até então intitulados "comissão de planejamento" e
"busca de ação".

121
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

Walton nas supramencionadas obras, mesclando as informações obtidas


em cada qual 7 •

Quadro 1 -Tipologia de diálogos argumentativos segundo Douglas Walton

Tipo de Situação Objetivo dos Objetivo


Método Benefícios
Diálogo Inicial Participantes do Diálogo
Discussão
Convencer a Resolver ou Melhor
Crítica Diferença Prova (interna
outra parte de esclarecer o compre-
(Persuasão (conflito) de e externa) da
seu ponto de conflito de ensão das
ou Diálogo opinião própria tese
vista opinião posições
Persuasivo)
Persuadir Regido por Claiifi-
Confron-
terceiros Oferecer regras de cação do
to com
(impressionar argumentos procedimento assunto;
Debate adversário
a plateia), para ambos os que detenni- divulgação
(disputa
conquistando lados nam a vitória de infor-
forense)
vitória verbal verbal mação
Argumenta-
ção baseada
Falta de em conheci-
Achar e verifi-
prova; Provar mento (em
car evidências;
ignorância ou refutar proposições Obtenção
contribuir para
Investigação ou falta de conjecturas reconhecidas de conhe-
incrementos
conheci- (estabelecer como verda- cimento
de conheci-
mento a ser provas) deiras) e na
mento
superada cooperação
entre os parti-
cipantes
Obter (ou
Acordo Barganha,
Conflito (di- maximizar) Acordo,
razoável com acordos em
Negociação ferença) de ganhos (pesso- troca de
o qual ambos troca de
interesses ais); fazer um concessões
podem viver vantagem
bom negócio
Dissemi-
nação de
Pedagógico Ignorância Transferência conheci-
Ensinar e
(Educacio- (de uma de conheci- Ensino mento;
aprender
na!) parte) mento transfe-
rência de
reserva

7 Há outras obras em que Walton apresenta sua tipologia de diálogos. Consideramos para a
finalidade deste capítulo que as obras aqui selecionadas são representativas das tipologias
expostas nas demais.

122
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

Altercação Atacar verbal-


Conflito Ataque ad Oportu-
(Bate-boca, mente e atingir Revelar um
pessoal, hominem nidade de
Discussão, (humilhar) o conflito mais
inquietação (contra a dar vazão a
Diálogo oponente profundo
emocional pessoa) emoções
Erístico)
Comissão de Dispersão
Ação coleti- Plano comum
Planeja- ------ ------ de obje-
va requerida ou decisão
mento ções
Produzir ação;
fazer com que
Busca de Necessidade a outra parte Imperativos
Ação de agir siga determi- do tema
------ ------
nado curso de
ação
Contem-
Agir após
plação das Promover
reflexão; Formu-
consequên- objetivos
Decidir o lação de
Deliberação cias futuras; pessoais; coor-
melhor curso prioridades
dilema ou denar metas e ------
disponível de pessoais
escolha ações
ações
prática
Necessi-
Conheci-
Consulta dade de
Decisão para mento de
Especiali- consultoria
zada especiali-
ação ------ ------ segunda
mão
zada
Encontrar
informações
Falta (e Trocar Contribui-
(que suposta-
Busca de necessi- informações, Questiona- ção para a
mente a outra
Informação dade) de transferir co- mento atividade
parte tem);
informação nhecimento pretendida
adquirir ou dar
informações

Fonte: Walton (1989; 1990; 2000)

l,

Walton (2006a, p. 11) considera a persuasão, a investigação e a nego-


ciação "os tipos básicos de diálogo quando se pretende estudar as espécies
fundamentais de crítica e argumentação racionais". Mas julga pertinente
o conhecimento das demais tipologias, visto que "erros e equívocos im-
portantes podem ocorrer quando há uma passagem (dialética) de um tipo
de diálogo a outro. Se uma passagem dessas não for percebida, pode levar

123
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

a interpretações equivocadas, a erros e a uma argumentação enganosa"


(WALTON, 2006a, p. 12). Neste sentido, vejamos, ainda que brevemente,
cada qual dos tipos de diálogo indicados no Quadro 1.
A discussão crítica ou diálogo persuasivo é considerada(o) pelo
autor como o modelo normativo do bom diálogo. Ao estabelecer um
padrão do que deve ser um bom diálogo a partir do conjunto de regras
normativas que possui, a discussão crítica acaba sendo, para Walton,
o mais significativo tipo de diálogo. Mas no que consiste a persuasão?
Trata-se de um diálogo em que dois participantes são livres para aceitar
as proposições e, partindo de uma situação inicial de conflito de opini-
ões, tem como objetivo convencer a outra parte acerca do seu ponto de
vista, de forma a resolver ou esclarecer a diferença de opinião. A fim de
persuadir sobre a tese defendida, cada participante tentará provar essa
tese, tomando como premissa aquilo que é consentido pelo outro. Para
tanto, pode-se usar tanto provas internas (a inferência de uma proposição
a partir do que foi consentido pelo outro) quanto externas (novos fatos
introduzidos e que devem ser acatados por todos para que possam ser
usados na discussão crítica, como provas científicas e demais fontes es-
pecializadas). Neste tipo de diálogo há cooperação entre os paiiicipantes,
os quais, além de tentar provar sua própria tese, colaboram com respostas
honestas que possam ser utilizadas como premissas pelo interlocutor.
O debate (disputa forense) é outro contexto de diálogo exposto por
Walton. Neste, há juízes (ou uma plateia) que avaliam qual participante
argumentou melhor e, portanto, persuadir e impressionar o público é o
principal objetivo dos debatedores. Há, igualmente, regras que estabe-
lecem o momento e o tempo de cada pronunciamento e, eventualmente,
tais regras incluem restrições com relação aos ataques pessoais e demais
procedimentos agressivos e/ou falaciosos. Mas estes últimos podem ser
recursos úteis para conquistar a vitória verbal; logo, muitas vezes são
tolerados (quando não valorizados) como tática argumentativa. Nas
palavras de Walton (2006a, p. 6-7, grifos do autor),

[ ... ] no contexto de um debate, nem sempre um argumento


bem-sucedido é um argumento racional do ponto de vista

124
r
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

da lógica. Dar a impressão de ter um argumento racio-


nal pode ser uma boa estratégia, mas o mais importante
não é tê-lo realmente. O que importa é vencer o debate.
Assim, os padrões do debate forense não representam
necessariamente, ou de maneira confiável, bons padrões
de argumento racional.

Se em alguns diálogos os participantes têm liberdade para acatar


ou não as proposições que quiserem, na investigação, por partir de uma
situação de ignorância e objetivar comprovações sobre bases sólidas,
admite-se como premissas apenas informações confiáveis por todos os
envolvidos. A argumentação é baseada em conhecimento (em proposições
reconhecidas como verdadeiras) e na cooperação entre os participantes,
dos quais se espera a maior neutralidade possível. Destarte, a investi-
gação tem caráter cumulativo e distingue-se tanto do debate (enquanto
este contexto dialógico é competitivo, aquele se pretende colaborativo)
quanto da discussão crítica (nesta, como visto, os participantes são livres
para aceitar as premissas, as quais não necessariamente são informações
reconhecidamente verdadeiras).
Um quarto tipo de contexto dialógico, intitulado negociação, abre
mão do compromisso com a verdade das premissas, bem como da prova
lógica e da investigação objetiva, centrando-se na obtenção ou maximi-
zação de ganhos pessoais. De caráter competitivo, a negociação usa a
barganha como método, e o bom negócio é o objetivo maior. Para tanto,
eventualmente são feitas concessões. Mas estas não têm caráter colabo-
rativo ou de compromisso entre os participantes; trata-se tão somente de
acordos que visam alguma vantagem futura.
O diálogo pedatógico ou educacional é outro contexto argumen-
tativo citado por Walton. Usualmente os participantes são o professor
e o aluno. Parte-se do pressuposto que o professor tem acesso a um
conhecimento que o aluno ignora, sendo função do professor transmitir
este conhecimento, propagando-o.
O último tipo de contexto dialógico citado por Walton em todas
as três obras supramencionadas (1989; 1990; 2000) configura-se por

125
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

conflitos pessoais e inquietação emocional. Traduzido por altercação,


bate-boca, discussão (ou ainda diálogo erístico ), tem como objetivo
atacar verbalmente o outro participante, humilhando-o. Costuma revelar
um conflito mais profundo entre os envolvidos e, por conseguinte, o
único beneficio indicado por Walton diz respeito à possibilidade de os
participantes darem vazão às suas emoções. Contudo, ressalva o autor
que a altercação costuma terminar em arrependimento e, nesse sentido,
dificilmente podemos falar que houve efetivamente algum beneficio
neste tipo de diálogo cuja característica distintiva é o ataque ad hominem
(contra a pessoa), conhecida falácia que visa desqualificar o arguidor ao
invés de refutar o argumento em jogo. Por essas razões:

A altercação representa o nível mais baixo da argumen-


tação. É preciso estipular padrões razoáveis de procedi-
mento para impedir que uma argumentação se deteriore e
se transforme em altercação pessoal. Em geral, as lições
lógicas que se podem extrair de uma altercação são pa-
tológicas. Ela representa o mau argumento, o argumento
exaltado, instrumento de falácias, ataques cruéis e críticas
unilaterais que deveriam ser evitados ou desestimulados
pelo diálogo racional. Quando um argumento desce ao
nível da altercação, geralmente se encontra em grande
dificuldade (WALTON, 2006a, p. 5).

Para Walton, ainda que sejam muitos os elementos que compõem


os diferentes tipos de diálogo, o crivo lógico ocupa significativo papel na
avaliação de um padrão argumentativo como bom ou mau. Ao se afastar
radicalmente de razões lógicas, a altercação corresponde, para o autor,
ao pior tipo de diálogo argumentativo.
O comitê de planejamento é um tipo de diálogo citado no artigo de
1990. O voto (ou procedimento similar) marca o término das discussões
de pontos de vista neste contexto argumentativo. Este tipo de diálogo
costuma envolver raciocínio lógico; os participantes procuram chegar
a um acordo sobre objetivos comuns e sobre os melhores meios para
implementá-los em uma dada situação particular, usando o raciocínio

126
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

prático para combinar os objetivos com os meios disponíveis para realizá-


los. Ainda que busque objetivos comuns, o resultado de um diálogo
do tipo comitê de planejamento pode, eventualmente, ser pautado em
interesses próprios.
Na mesma obra supracitada, Walton faz menção à consulta especia-
lizada, um tipo de diálogo em que um participante solicita um especialista
em uma habilidade ou domínio do conhecimento no qual é leigo, pro-
curando obter um conselho sobre uma decisão ou um problema. Walton
(1990) afirma que a consulta especializada em muito se aproxima do
diálogo pedagógico, mas enquanto neste a obrigação fica exclusivamente
a cargo do professor (que deve transmitir o conhecimento), naquela am-
bas as partes possuem encargos: cabe ao especialista oferecer respostas
claras e em linguagem acessível de forma que o leigo possa compreender
o assunto que o ajudará a resolver o problema; para tanto, cabe ao leigo
perguntar, de forma igualmente clara, questões relevantes.
Já em Informal Logic (1989), são outros dois tipos de diálogo que
Walton acresce aos seis primeiros. Um deles é a busca de informação,
diálogo que tem como método o questionamento e, como objetivo (como
o nome sugere) adquirir informações que, supostamente, a outra parte
envolvida possui. O outro é a busca de ação, atribuído pelo autor a Mann
(1988). Neste tipo de diálogo, um participante busca fazer com que o
outro siga determinado curso de ação.
Por fim, no suprarreferido artigo "The Place of Dialogue Theory
in Logic, Computer Science and Communication Studies" (2000, p.
336), Walton faz menção à deliberação como um tipo de contexto
dialógico. Também presente na obra publicada com Krabbe, Com-
mitment in Dialogu~: Basic Concepts of lnterpersonal Reasoning
(1995), a deliberação é mencionada como um tipo de diálogo, não
ficando claro, todavia, se corresponde à busca de ação anteriormente
enunciada. Sobre esta afirma somente que é um diálogo que tem como
objetivo fazer com que um participante siga o curso da ação pretendida
pelo outro. Já a deliberação tem como objetivo decidir o melhor curso
disponível de ações, partindo de uma situação inicial que envolve um

127
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

dilema ou uma escolha prática. Nesse sentido, mais do que à busca de


ação, a deliberação corresponderia ao tipo de diálogo anteriormente
apresentado como comitê de planejamento.
Além de elencar os tipos de diálogos argumentativos, Walton utiliza
a ideia de quatro estágios do diálogo de van Eemeren e Grootendorst
(1984), afirmando que são quatro os estágios em que qualquer sequência
dialógica argumentativa pode ser fraccionada.
O primeiro estágio, ou estágio inicial, compreende a etapa em que
se explicita o tipo de diálogo, as partes dão anuência ou mostram dispo-
sição para participar e se esclarecem as regras de procedimento. Estas
últimas são quatro: as regras de locução (determinam os tipos de atos
de falas que são permitidos), de diálogo (estipulam normas a respeito de
quem pode se pronunciar e em quais momentos), de comprometimento
(explicitam o comprometimento dos participantes de acordo com cada
tipo de locução) e, por fim, as regras estratégicas (prescrevem a sequência
de locú.ções correspondente ao alcance do objetivo proposto no diálogo,
sacramentando o ganhador e o perdedor deste).
O segundo estágio de uma sequência dialógica é o da confron-
tação, momento em que o tema do diálogo - os dois lados do assunto
problemático que origina o diálogo - é posto, elucidando o objetivo em
voga. O estágio de argumentação, por sua vez, é a fase em que as partes
devem cumprir suas obrigações de alcançar o objetivo do diálogo e de
possibilitar à outra parte o cumprimento das respectivas obrigações. O
momento em que o objetivo do diálogo foi atingido ou acordado como
encerrado pelas partes constitui o estágio final.
Além dos quatro estágios do diálogo, Walton (2006a) ainda men-
ciona três tipos de regras a serem seguidas pelos participantes: regras
de pertinência (as quais evitam que os participantes se desviem do
tema), regras de cooperação (que demandam que a participação seja
colaborativa e compromissada) e as regras de nível de informação
(as quais requisitam que os participantes ofereçam apenas informa-
ções úteis ao convencimento da outra parte). Apesar da exigência de
cooperação entre os participantes do diálogo, o autor adverte que,

128
,...--
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

dado o objetivo de persuadir o outro ( ou a plateia) a respeito de um


tema controverso, o diálogo racional inevitavelmente possui um
aspecto competitivo.

[ ... ] essa natureza competitiva não é, em si mesma, ruim


nem contrária à razão, já que, numa [ ... ] disputa a respeito
de uma questão controversa, onde a convicção racional é o
máximo que se pode esperar, o argumento é avaliado com
base no fato de poder ou não ser refutado por argumentos
contrários num diálogo racional. Assim, o aspecto com-
petitivo do diálogo racional é, ou ao menos pode ser, uma
parte importante daquilo que o toma racional (WALTON,
2006a, p. 32-33).

Para Walton, o caráter competitivo só passa a ser problemático quan-


do se sobrepõe aos demais aspectos do diálogo, enfatizando-se a vitória
pessoal a qualquer custo em detrimento dos padrões da crítica imparcial:
"É preciso saber reconhecer aqueles pontos críticos em que o diálogo
deixa de ser racional ou se afasta de uma linha melhor de argumentação.
Na verdade, saber reconhecer esses pontos e saber lidar com eles através
do questionamento crítico correto são habilidades fundamentais da lógica
informal como disciplina" (WALTON, 2006a, p. 33).
Os pontos críticos a que o autor faz menção são objeto de estudo de
grande parte das produções de Walton. Em suas obras, discute exaustiva-
mente os tipos de táticas de ataque utilizadas nos diálogos argumentativos
e às quais denomina de falácias informais 8• Estas são estratégias argu-
mentativas que visam pressionar o oponente e atingir o objetivo proposto.
Todavia, ao contrário½da avaliação lógica tradicional que considera todo
argumento falacioso como fraudulento e ilegítimo, os estudos de Walton
enfatizam que, dependendo do contexto argumentativo em que ocorrem,
as falácias não configuram qualquer transgressão às regras do diálogo.
Logo, há que se avaliar as falácias dentro deste contexto.

8 Ver Walton (1992; 1996; 1999a; 1999b; 2001; 2002; 2006a; 2006c; 2009; 2014), Walton e
Macagno (2009; 2015), Walton, Reed e Macagno (2008).

129
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

A obra Lógica Informal (2006a) talvez seja o expoente mais didático


e representativo das ideias de Walton a respeito das falácias informais
e de seus diferentes contextos de uso. Acompanhadas de esquemas de
argumentação e de questionamento crítico por parte do autor, as falácias
são apresentadas ao leitor de forma que "nos permite avaliar os defeitos
e os méritos reais dos argumentos, em vez de meramente concordar ou
discordar de suas conclusões, ou julgá-las compatíveis ou não com nossa
posição pessoal a respeito de uma questão" (W ALTON, 2006a, p. 35).
Fica o convite para a leitura da referida obra, dado que uma exposição
pormenorizada dos principais tipos de falácias informais não cabe no
escopo do presente capítulo. A este compete ainda expor os limites da
pragmática lógica de Walton, proposta da seção ulterior.

NOTAS SOBRE OS LIMITES DA PRAGMÁTICA LÓGICA DE W ALTON

Se, por um lado, são inegáveis as contribuições de Douglas Walton


para o delineamento e a consolidação da lógica informal enquanto área
de conhecimento, tendo em vista seus estudos sobre o raciocínio prático,
por outro, são também muitos os pontos problemáticos apontados por
seus críticos - como Kock (2007; 2009), Goodwin (2009), Gilbert (2000)
e Grácio (2010; 2012; 2013a, 2013b).
O primeiro rol de críticas à pragmática lógica de Walton diz respeito
à perspectiva lógico-analítica que a embasa e a caracteriza. Ainda que o
modelo avaliativo proposto pelo autor pretenda dirigir-se à argumentação
prática e se distinga dos padrões lógicos tradicionais que abstraem o con-
texto dialógico-argumentativo de suas análises, mantém - segundo seus
críticos - uma abordagem extremamente analítica. Isso porque o modelo
em pauta (1) é centrado na noção de inferência, (2) assenta-se em uma
concepção proposicionalista, (3) mantém-se submetido aos princípios
lógicos do terceiro excluído e da não contradição e, nesse sentido, (4)
a argumentação é apresentada como oposição entre argumentos (e não
como oposição discursiva).

130
,....---

INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

A pragmática lógica de Walton é também criticada por seu caráter


fimcionalista e normativo. Este segundo rol de críticas é intimamente
relacionado com o primeiro, como procuraremos explorar na sequência.
Iniciemos com as críticas à abordagem analítica atribuída ao modelo
do autor-tema deste capítulo. Para tanto, tomemos por empréstimo as
palavras de Christian Kock (2007, p. 240-241):

[ ... ]a tentativa de Walton de ver a argumentação prática


em termos de raciocínio presuntivo leva a resultados
bastante contra-intuitivos. Como usualmente na teoria
argumentativa, um argumento "bom" em seu modelo de
argumentação prática é um que licencia uma inferência;
no entanto, a inferência é presumível ou inviável, e o que
é inferido não é uma proposição, mas uma ação.

Segundo Kock, na teoria da argumentação bons argumentos que


dizem respeito a ações licenciam tão somente uma inferência. Não são,
como se costuma considerar, autorizações para a ação. Além disso, os
argumentos que não licenciam inferências são, usualmente, invalidados
- prática igualmente criticada por Kock (2007). Para este, argumentos
refutados não devem ser considerados nulos ou sem efeito. No caso
padrão de argumentação deliberativa, há bons argumentos de ambos os
lados envolvidos e estes não se excluem mutuamente. O comportamento
de procurar a qualquer custo negar a relevância dos argumentos alheios,
distorcê-los ou simplesmente ignorá-los impede que o público tenha a
oportunidade de avaliar os prós e os contras de cada um dos argumentos
de cada proponente, comparando-os. O almejado em uma argumentação
deliberativa seria que,, os participantes prestassem atenção redobrada
aos argumentos do oponente, dando oportunidade ao público de fazer
o mesmo.
Outro aspecto que aproxima, segundo os críticos, a pragmática ló-
gica de Walton da perspectiva lógico-analítica é a concepção proposicio-
nalista adotada pelo autor. A noção de proposição ocupa espaço nuclear
na proposta de Walton, como exposto na seção precedente "Raciocínio,

131
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

argumento e diálogo". Na ocasião, reproduzimos uma citação do próprio


autor em que este afirma que as proposições estão contidas em enuncia-
dos declarativos, os quais têm a propriedade de serem verdadeiros ou
falsos. A crítica à visão proposicional da argumentação é sinteticamente
apresentada por Gilbert (2000):

[ ... ] quando se argumenta está sempre em jogo muito


mais do que aquilo que possa ser identificado como uma
proposição. A verdade de uma afirmação pode certamente
ser uma questão numa argumentação, mas como é que
essa afirmação se tornou num assunto em questão, como
é identificada, para que associações remete, que conexões
emocionais tem, a que atitudes se liga e qual o tipo de re-
lacionamento entre os argumentadores são apenas alguns
do largo espectro de factores envolvidos e relacionados
com a argumentação [ ... ] As posições são muito mais
complexas do que declarações que servem apenas para
encapsular a rede de componentes multimodais que for-
mam a posição complexa que está realmente em questão
(GILBERT, 2000, p. 1-5 apud GRÁCIO, 2010, p. 50,
grifos do tradutor).

Para os críticos de Walton, as proposições contidas em enunciados


declarativos não encerram a complexidade (exemplificada na citação)
das perspectivas envolvidas nas argumentações. Ademais, ao se restringir
aos enunciados declarativos, a pragmática lógica de Walton obedece aos
princípios clássicos do terceiro excluído (de duas proposições, sendo uma
a negação da outra, uma delas é verdadeira; ou seja, ambas não podem
ser concomitantemente falsas) e da não contradição (de duas proposições,
sendo uma a negação da outra, uma delas é falsa; ou, em outros termos,
ambas não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo) - incorrendo em uma
noção de oposição amplamente criticada por Grácio (2012, p. 301-302):

[ ... ] quando argumentamos, mais do que comprometidos


com proposições, estamos comprometidos com perspec-

132
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

tivas. [ ... ] [Na teoria de Walton] a apresentação de um


contra-argumento equivale a uma refutação do argumento
original.[ ... ] Temos assim[ ... ] duas formas de oposição:
a que propõe uma alternativa ( e, quando é assim, apenas
uma pode vingar- trata-se de uma oposição forte) e a que
se limita a resistir a aceitar os argumentos do outro, perma-
necendo na dúvida (trata-se de uma oposição mais fraca).

Para Grácio, da argumentação centrada na proposição decorre


a ideia de oposição, tanto no sentido fraco (permanece-se na dúvida
ao rejeitar os argumentos alheios) quanto no sentido forte do termo
(diante de um argumento e seu contra-argumento, apenas um deles é
aceitável). Mas Grácio alerta que nem sempre, em uma argumentação,
há contradição; há contextos em que há apenas incompatibilidade de
pontos de vista. Por isso, para o crítico, na argumentação a oposição é
entre discursos ( e não argumentos) e "a divergência entre as perspec-
tivas pode ter uma raiz prática que não é susceptível de ser reduzida a
uma forma proposicional e de se submeter ao critério do verdadeiro e
do falso" (GRÁCIO, 2012, p. 302).
Além das críticas às suas bases lógico-analíticas, a pragmática lógica
de Walton é contestada, como supracitado, por seu caráter funcionalista
e normativo. Sobre este, há um artigo de Jean Goodwin- intitulado "A
argumentação não tem função" - inteiramente dedicado a mostrar que um
argumento não tem função determinada. Afirma o crítico que, ainda que o
tivesse, as normas da prática argumentativa não poderiam ser fundadas em
tais funções. Não obstante, a crítica de Goodwin incide especificamente
sobre a acepção de funcionalidade/funcionalismo adotada pela pragmática
lógica: "Subscrevo fqrtemente a funcionalidade (propósito, utilidade,
valor, eficácia, dignidade) da argumentação neste sentido alargado. O
funcionalismo que me levanta objecções é, pelo contrário, um modo de
construção teórica - um modo específico de modelizar a funcionalidade
geral da argumentação" (GOODWIN, 2009, p. 125).
Segundo Goodwin, nas argumentações concretas não dispomos,
como pretende Walton com a sua tipologia de diálogos, de todas as fer-

133
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

ramentas para a avaliação argumentativa. Nas interações reais, as tipolo-


gias são artificiais e se distanciam dos vínculos que cada argumentador
mantém com sua argumentação - vínculos particulares e, como tais, não
classificáveis segundo as finalidades previamente especificadas pelos
tipos de diálogos. Em contrapartida, o crítico propõe "uma perspectiva
design, a qual se concentra na forma como os participantes estrategi-
camente subsumem e impõem normas sobre eles próprios de modo a
conferirem força aos seus argumentos" (GOODWIN, 2009, p. 123).
Embora não seja pretensão deste capítulo a exposição da abordagem
design de Goodwin, a síntese que o próprio autor faz de sua concepção,
em contraste com a tese funcional, ajuda-nos a explicar as críticas usuais
à pragmática lógica de Walton:

A característica determinante do contexto de uma argu-


mentação é a conversa onde, e através da qual, a argu-
mentação é construída. Não assumimos que o contexto
venha logo organizado em formas sociais como "diálogos"
ou "discussões críticas". Em vez disso, consideramos a
conversa através e no interior da qual os argumentos são
desenvolvidos como o meio primário por intermédio
do qual as pessoas organizam um contexto para a sua
interação. [ ... ]
Um falante desenha assim essa conversa para criar no(s)
seu( s) receptor( es) uma razão para responder como deseja.
[ ... ] em vez de assumir que a conversa argumentativa é
funcional, perguntamos como é que é desenhada para
ter força.
As normas da argumentação incluem aquelas obrigações
(padrões, ideais, etc.) que a sua argumentação tem de
assegurar (estar à altura, realizar, etc.) para que a sua
conversa tenha força. [ ... ] será frequentemente saliente
que o mesmo "terreno normativo" que obriga os recep-
tores a responder também obriga o falante a argumentar
bem. Estes requisitos de qualidade estão entre as normas
pragmáticas dependentes do contexto da argumentação
(GOODWIN, 2009, p. 140-141).

134
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

Na perspectiva design, a argumentação é construída através da


conversa. Esta compreende o contexto argumentativo, o qual não ne-
cessariamente está organizado no formato de diálogo. O cerne dessa
abordagem não é a função argumentativa, mas a forma como a conversa
é desenhada para ter força. E essa força depende das normas da argu-
mentação, as quais, por sua vez, dependem do contexto argumentativo.
Já Walton, tal como van Eemeren, Grootendorst e Snoeck-Henkemans
(1996) e Johnson (2000), apresenta uma visão funcional da argumentação:
os diálogos enquanto contextos de avaliação de argumentos têm como
objetivo alcançar bens sociais que fundam normas, a saber, as próprias
normas contextuais avaliativas dos argumentos.
A crítica de Goodwin à pragmática lógica incide, em suma, sobre
a falta de evidências quanto à relação entre a atualização dialógica e a
produção de bens sociais, bem como à possibilidade de extrair normas
da atividade argumentativa:

[ ... ] para Walton os diálogos argumentativos "ajustam" o


nosso sistema social através da promoção de um consenso
racional, entendimento mútuo, decisões consistentes e
relações sólidas. [ ... ] como é que estes teóricos sabem
que a atividade conjunta produz, de facto, consequências
sociais úteis como estas? Onde está a sua evidência?[ ... ]
A minha questão quanto aos multifuncionalistas como
Walton é antes: dado este largo espectro de atividades
conjuntas possíveis ou "tipos de diálogo", como é que se
sabe qual deles é que está a ser atualizado numa transação
argumentativa específica? Porque, a não ser que o objetivo
"
coletivo da atividade conjunta possa ser identificado com
segurança, as normas que a governam não podem dela ser
derivadas e aplicadas (GOODWIN, 2009, p. 132-133).

Para os críticos de Walton, o caráter dinâmico e circunstanciado


da argumentação prática não é condizente com a proposta de derivar
normas formais para a avaliação de argumentos, sendo que nem sempre

135
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

os participantes estão cientes dos objetivos do diálogo do qual fazem


parte. Questiona Goodwin (2009, p. 137): "Todo o argumentador tem,
indubitavelmente os seus propósitos. Mas porque ficará ele obrigado a
atuar de forma a alcançar o propósito do diálogo, especialmente se ele
nem está consciente desse propósito?". A argumentação concreta não
exige essa clareza de propósitos de seus atores, faz uso de uma linguagem
que contém ambiguidades, situa-se no escopo do preferível (e não do
evidente) e caracteriza-se por um dinamismo que escapa à normativida-
de. Ou, nas palavras de Grácio (2013b, p. 124), a fraqueza da tipologia
proposta por W alton

[ ... ] revela-se de um ponto de vista prático: as interações


não vêm organizadas sob a forma de diálogos tipificados
nem dirigidas apenas a uma finalidade. Numa argumenta-
ção há um assunto que está em questão e o seu contexto,
em termos de finalidades, é não só multidimensional
como vai sendo construído na própria interação. Neste
sentido, o isolamento da tipificação coloca problemas com
o que se passa nas interações reais e, apesar de Walton
tentar resolver este problema através da atenção dada às
oscilações e mudanças que se verificam numa interação
em termos do tipo de diálogo, vendo mesmo nessas pos-
síveis mudanças a emergência de falácias, parece-nos que
esta teorização, sendo construída de cima para baixo (de
tipos para situações concretas) passa ao lado do próprio
desenho dos assuntos na interação, cuja captação é mais
consonante com uma leitura que parte do concreto e do
casuístico do que de tipos ideais.

O direcionamento operado por Walton às tipologias de raciocínio


em contexto dialógico, portanto, não considera - segundo seus críticos
- o caráter multidimensional, interacional e concreto da argumentação.
Nem todas as construções dos assuntos-tema das argumentações são
resultantes de processos dialéticos. Mas W alton ( 1997) utiliza exclusi-
vamente o critério dialético para diferenciar os raciocínios que estão nas

136
, INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

explicações e aqueles que estão nos argumentos. Para ele, haveria um


tipo de "porque" (why-question) diferente para cada uso do raciocínio:
no uso do raciocínio como explicação, o "porque" diz respeito a uma
proposição sobre a qual não pairam dúvidas; no uso como argumento,
a proposição em voga requer elucidação, exigindo razões para sua acei-
tação. De todo modo, os critérios para essa diferenciação são menos
importantes, segundo Walton (1997, p. 612), "do que o reconhecimento
de que tal julgamento é melhor visto como sendo de natureza dialética.
[ ... ] É uma questão de como esse raciocínio foi usado (tanto quanto
podemos dizer) em um contexto de diálogo".
Já para Grácio (2009, p. 21 ), ao invés da distinção do "porquê?"
incidindo sobre explicações ou argumentos, "seria mais simples distinguir
entre 'why-question' e 'how-question': o 'porquê?' como colocando em
causa a perspectiva e o 'como?' colocando em causa o raciocínio enquan-
to via de fundamentação daquilo que antecipadamente se pretende que
funcione como resposta". Desta forma, teríamos dois níveis intervindo na
construção do tema da argumentação: o da perspectiva (o modo como o
tema é apresentado enquanto questão) e o da fundamentação da resolução,
de acordo com o objetivo posto.
Como os próprios críticos reconhecem, contudo, os tipos de "por-
que" (why-question) associados aos diferentes usos do raciocínio são
parte da proposta de Douglas Walton de uma tipologia de raciocínios
(que ocorrem em argumentos) em contexto dialógico. A tentativa de
formalizar estes contextos e avaliar argumentos em termos de raciocínio,
como amplamente explorado no presente capítulo, constitui o cerne da
teoria funcional de Walton. E compreende, igualmente, o último aspecto
crítico a ser levantado neste texto: a pragmática lógica pertenceria pro-
1,
priamente ao escopo da Lógica Informal? A ideia de formalização dos
contextos dialógicos, o fato do conceito de proposição ocupar espaço
central na proposta de W alton, a consideração da altercação como o pior
tipo de diálogo argumentativo (justamente por se afastar completamente
das razões lógicas), entre outros aspectos aqui discutidos, não colocariam
sob questionamento a presença de Walton entre os teóricos da Lógica
Informal?

137
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

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142
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

5. A ESCOLA DE AMSTERDÃ: A PERSPECTIVA


PRAGMADIALÉTICA DE VAN EEMEREN,
GROOTENDORST E COLABORADORES

Paulo Roberto Gonçalves-Segundo


Universidade de São Paulo

INTRODUÇÃO

A Pragmadialética consiste em uma teoria da argumentação que


descende de um diálogo entre as abordagens dialéticas (formais) sobre
argumentação da segunda metade do século XX (HAMBLIN, 1970;
BARTH; KRABBE, 201 O[ 1982]), a perspectiva pragmática dos estudos
da linguagem (GRICE, 1967; SEARLE, 1979) e, mais recentemente, o
arcabouço retórico, com especial atenção aos trabalhos de Perelman e
Olbrechts-Tyteca (1996 [1958]) e Tindale (2004; 2015). Ela vem sendo
desenvolvida, a partir de seu núcleo na Universidade de Amsterdã, desde
a década de 1970, em um ritmo de constante refinamento dos compo-
nentes filosófico, teórico, empírico, analítico e prático, que integram seu
programa de pesquisq,.
Podemos destacar como a primeira obra sistemática da teoria,
com relativo alcance na comunidade internacional, o livro Speech Acts
in Argumentative Discussions, de 1984, no qual seus autores, Frans
H. van Eemeren e Rob Grootendorst, discutem as premissas teóricas
e filosóficas da perspectiva que se consolidaria nos anos seguintes.
Na sequência, em 1987, o artigo Fallacies in pragma-dialectical

143
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

perspective, publicado no v. 1, n. 3 do hoje renomado periódico Argu-


mentation, acaba se tornando um grande marco, na medida em que os
autores discutem uma nova abordagem para as falácias, que, em vez de
tratá-las como erros, falhas ou desvios de raciocínio, as entende como
desvios em relação a um código de conduta ancorado em parâmetros
dialético-normativos. Por muito tempo, inclusive, a teoria acaba sendo
conhecida por esse tratamento diferenciado acerca das falácias. Sua
primeira versão consolidada de fato será, contudo, apenas publicada
em 2004, no livro A Systematic Theory ofArgumentation: the pragma-
dialectical approach, quatro anos após o falecimento de Rob Grooten-
dorst, em 2000. Atualmente, o livro que discute, de forma mais detida
e atualizada, os pressupostos teóricos, empíricos e analíticos da teoria
é Argumentation Theory: A Pragma-Dialectical Perspective, de van
Eemeren, publicado em 2018.
Tomando como ponto de referência esta última sistematização,
podemos afirmar que a Pragmadialética se constitui, em primeiro
lugar, em uma teoria ancorada em uma perspectiva multidisciplinar.
É possível depreender diálogos sistemáticos entre Filosofia, Lógica,
Retórica, Linguística, Análise da Conversação e Análise do Discurso.
Em segundo lugar, é visível que ela busca equilibrar empirismo des-
critivo e normatividade crítica; em outros termos, ao mesmo tempo
em que a teoria fornece categorias, instrumentos e modelos para a
análise de práticas argumentativas concretas, ela propõe um conjunto
de regras e parâmetros para a avaliação dos argumentos em termos
de validade objetiva (pensada em termos de resolução do problema/
conflito de opinião) e validade intersubjetiva (compreendida em ter-
mos de aceitabilidade e de acordos entre os participantes da interação
argumentativa). Em terceiro lugar, ao analisarmos os livros organiza-
dos nos últimos dez anos pelos grandes nomes da teoria - como van
Eemeren, Garssen, Snoeck-Henkemans e Peng-, podemos depreender
que ela vem incorporando em seu arcabouço cada vez mais conceitos e
instrumentos da perspectiva retórica, de modo a equilibrar as demandas
por eficácia e razoabilidade na sua teorização sobre argumentação e na
sua operacionalização analítica. Em quarto lugar, a teoria é eclética em

144
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO

termos de procedimentos metodológicos e designs de pesquisa, tendo


em vista os diversos objetos pertinentes a seu programa teórico, em
termos de conceitos; a seu programa empírico, em termos de modelos
e categorias; e a seu programa analítico, em termos de padrões argu-
mentativos. Nesse sentido, ela ressalta a importância tanto de análises
qualitativas e quantitativas, quanto de experimentação. Por fim, trata-se
de uma teoria que se interessa pela aplicabilidade de suas propostas
no desenvolvimento da competência argumentativa dos atores sociais,
inclusive em termos do Ensino Básico e Superior.
Considerando, então, sua amplitude e seus distintos objetos de
reflexão, qualquer texto que se proponha a fazer um panorama de seu
estado-da-arte precisa recorrer a recortes. Reconhecendo isso, propomo-
nos, neste capítulo, a focar, em especial, nos seus componentes teórico,
empírico e analítico, uma vez que eles dialogam mais claramente com
os objetivos gerais deste livro e permitem maior comparabilidade com
as outras teorias ou modelos debatidos nesta obra.
Nesse sentido, começaremos a discussão pela apresentação dos
princípios metateóricos que subjazem às suas formulações e garantem seu
lugar epistemológico no âmbito das diversas teorias sobre argumentação.
Durante esse processo, teceremos comparações breves com abordagens
que priorizam o justificatório, como o modelo de Toulmin (TOULMIN,
2006 [1958]) ou a Lógica Informal (JOHNSON; BLAIR, 2006 [1977]);
com as perspectivas que priorizam a potencialidade persuasiva, como a
nova retórica (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996 [1958]); e
com os modelos interacionistas, como o de Plantin (2008).
Na sequência, trataremos do Modelo de Discussão Crítica, desta-
cando sua função dial~tico-normativa. Além de descrever suas etapas,
também apresentaremos o código de conduta da discussão crítica, sinte-
tizado no que ficou conhecido como os "Dez Mandamentos" 1•
Por fim, trataremos dos recentes desdobramentos da teoria, que
dizem respeito à incorporação do retórico e, em certa medida, do discur-
Houve, ao longo do tempo, várias versões do código de conduta e dos dez mandamentos.
Traremos, neste capítulo, a última versão de que temos conhecimento, que pode ser encontrada
em van Eemeren et a!. (2014).

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