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ORATÓRIA E RETÓRICA

Autoria: Neivor Schuck

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
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Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.ª Tathyane Lucas Simão
Prof. Ivan Tesck

Revisão de Conteúdo: Welder Lancieri Marchini


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Copyright © UNIASSELVI 2018
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

808.025
S383o Schuck, Neivor
Oratória e retórica / Neivor Schuck. Indaial: UNIASSELVI,
2018.

119 p. : il.

ISBN 978-85-69910-92-3

1.Retórica - Técnicas.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Neivor Schuck

Doutor em Ciências da Religião pela PUC/


SP, Mestre em Ciêcias da Religião) pela PUC/
SP. Pós Graduado em Psicopedagogia pelo Centro
Universitario São Camilo. Graduado em Filosofia
pelo Centro Universitário São Camilo. Professor de
Filosofia, atuando principalmente nos seguintes
temas: ética, política, educação, língua alemã,
pesquisa, espiritualidade, saúde e religião.
Sumário

APRESENTAÇÃO.....................................................................01

CAPÍTULO 1
Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória...................9

CAPÍTULO 2
A Retórica e a Oratória.........................................................49

CAPÍTULO 3
A Arte de Argumentar...........................................................85

CAPÍTULO 4
Implicações da Retórica......................................................101
APRESENTAÇÃO
Entendemos a necessidade do estudo da oratória e da retórica para os
estudantes de teologia devido às particularidades conceituais envolvidas. Para
podermos construir bons argumentos precisamos entender como estes são
produzidos e expostos. E é neste momento que a disciplina de oratória e retórica
merece ser apresentada como uma maneira fundamental de entender os conceitos
teológicos estudados.

Na disciplina de oratória e retórica o estudante pode desenvolver seu


entendimento das diferentes formas de argumentar e constitui uma ideia. É no
curso desta que o estudante poderá ampliar suas capacidades argumentativas de
construção e explicação de um argumento.

Neste sentido, esperamos que o estudante desenvolva essas capacidades.


C APÍTULO 1
Introdução ao Estudo da
Retórica e Oratória
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:

� Compreender a concepção da retórica e sua finalidade, identificando suas


funções e características.

� Identificar as fontes da retórica grega e a discussão com perspectiva platônica.

� Analisar as relações interpessoais e reconhecer as diferentes definições de


retórica e oratória.
Oratória e Retórica

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Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

Contextualização
O contexto do estudo da oratória e da retórica no mundo contemporâneo é
bastante amplo. Nesta disciplina queremos enfatizar a construção e exposição
dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade.
Vejamos como se considerava a arte retórica na antiguidade.

Havia-se deixado de lado, até aqui, um ponto importante sobre


o escopo da arte retórica. Por vezes, a retórica foi e ainda é
apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes. De
fato, muitos são os que associam uma boa retórica a um discurso
bem elaborado, destacado por diversos recursos de linguagem,
enfim, ornamentado. Essa definição guarda correspondência
com os primeiros discursos dos sofistas – portanto, anteriores ao
aparecimento do tratado de Aristóteles sobre a retórica – mas que
atingiu destaque e refinamento com a obra de Isócrates (436-338
a.C.), hábil e longevo retor, que se destacou pelo seu programa
de ensino baseado nas artes humanas, predominantemente
literárias (o Paideia). Isócrates se destacou por atacar tanto os
que praticavam e ensinavam a dialética erística (aqueles que
se propunham às disputas, a partir de posições antagônicas de
mundo, objetivando chegar a uma pretensão de descoberta,
a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza e/
ou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os
sofistas, que ensinavam a arte dos discursos políticos aos nobres.
Isócrates não acreditava que, da dialética erística, pudesse
emergir um conhecimento diferente dos demais, ou que o simples
fato de se arrebatar o maior número possível de seguidores fosse
um medidor da correção de um dado conhecimento. Tampouco,
poder-se-ia fazer qualquer juízo positivo da arte dos sofistas de
ensinar discursos políticos mecanicamente, já que as condições
para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a
desempenhar (GILL, 1994 apud VIEIRA, 2012, p. 8).

Estudar oratória e retórica pode parecer um tanto distante da realidade em


que estamos inseridos, mas se observarmos o cotidiano, perceberemos que
estamos permeados de argumentos retóricos, apresentando cada qual um tipo
de oratória. A você, estudante desta disciplina, convidamos para seguir conosco
neste caminho de descobertas.

Conceito de Retórica e Oratória

A retórica no conhecimento humano, especificamente na


filosofia, é uma forma de expressão de exposição de ideias utilizada
pelos sofistas. Segundo este grupo de pensadores gregos da
antiguidade, não existe uma verdade, o que há é apenas uma boa
forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar.

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Oratória e Retórica

Ao iniciarmos a discussão sobre a retórica, queremos expor quais são suas


características fundamentais e como estas características se relacionam com o
modo com o qual nos expressamos.

A vitalidade dos estudos retóricos até os nossos dias foi o que


levou à organização de um curso que levantasse os principais
problemas com que a Retórica se tem havido ao longo de
sua história, cheia de pontos altos, mas também de crises e
questionamentos. A bem dizer, é esta mesma dialética que está
no bojo de sua própria natureza, que implica em controvérsia,
discussão e, consequentemente, em influência e formação de
opinião. De fato, a Retórica tem sido colocada à prova pelos
mesmos princípios que a norteiam internamente e que fazem
com que ela refloresça sempre: aceitação da mudança, o
respeito à alteridade, a consideração da língua como lugar de
confronto das subjetividades. Partindo-se do princípio de que a
argumentatividade está presente em toda e qualquer atividade
discursiva, tem-se também como básico o fato de que argumentar
significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir
diante das propostas e teses que lhe são apresentadas. Equivale,
portanto, a conferir-lhe status e a qualificá-lo para o exercício da
discussão e do entendimento, através do diálogo. Na verdade,
o envolvimento não é unilateral, tendo-se uma verdadeira arena
em que os interesses se entrechocam, quando o clima é de
negociação, e em que prevalece o anseio de influência e de
poder (MOSCA, 2001, p. 16).

Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga, apontamos


para alguns autores deste período que representam muito bem a figura de um
retórico. Nesse sentido, merece destaque o filósofo Górgias, que muito bem
definiu o não ser. Podemos citar ainda o filósofo Protágoras de Abdera, que com
seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade.

A nossa discussão sobre a retórica e o papel da oratória na


Na disciplina de
Oratória e Retórica formulação e na exposição de argumentos passará necessariamente
queremos lembrar por Platão e Aristóteles. Estes dois filósofos da Antiguidade
a você, estudante, escreveram textos que detalham muito bem a arte retórica ou do bem
que a forma de bem
dizer as palavras ou dizer, se assim quisermos. De acordo com estes dois filósofos e com
a boa formulação os sofistas, devemos estar atentos para a boa formulação retórica de
de um discurso é
fundamental para um argumento e a boa oratória de exposição do mesmo. Na disciplina
que possamos de Oratória e Retórica queremos lembrar a você, estudante, que a
entender, expor forma de bem dizer as palavras ou a boa formulação de um discurso
e transmitir uma
mensagem. é fundamental para que possamos entender, expor e transmitir uma
mensagem.

Podemos observar isso na discussão da Antiguidade desenvolvida por


Sócrates. Platão, ao expor e escrever as ideias socráticas, nos passa a mensagem
de que Sócrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade. Já
alguns sofistas, como Sófocles, apresentam Sócrates como amigo dos sofistas e

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Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

um retórico. Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos
um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve.

O surgimento da Retórica na Grécia antiga prende-se à luta


reivindicatória de defesa de terras na Sicília, que haviam
caído em poder de usurpadores. Esse caráter prático, aliado
à eficácia, esteve sempre presente nas finalidades da Retórica
e é o que modernamente a situa junto à Pragmática. De fato,
para se decidir em que medida um discurso visa persuadir
e como o faz, há que levar em conta as características
fundamentais da situação em que ele se dá e as relações de
intersubjetividade dos interlocutores. Os efeitos perseguidos
pelos discursos persuasivos são produtos não de um simples
ato ilocutório, como também de elementos extraídos da
força ilocucionária da situação. Cabe ainda lembrar que o
ato de informar não existe em estado puro e serve antes a
convencer e persuadir do que por si próprio. Assim é que
discursos que se têm como informativos, tais como o científico
e o jornalístico, são o exemplo disso, uma vez que existem
em função de determinada finalidade prática a ser atingida.
Por esse motivo, coloca-se em questão a tradicional divisão
das modalidades dos gêneros jornalísticos em informativos,
interpretativos e opinativos, que, na realidade, serve apenas
para balizar a práxis jornalística, quando não mesmo para
despistar um leitor desavisado (MOSCA, 2001, p. 26).

Segundo Platão, a retórica é uma técnica indispensável para quem quisesse


governar a cidade, porque quem rege deve saber falar e dominar a exposição
de um argumento. Essa capacidade do governante impediria a manipulação e
o controle por outros membros do governo. Contudo, Platão coloca a retórica
abaixo da filosofia, e no diálogo Górgias expõe que o bem falar é uma arte de
convencimento independentemente do conteúdo, e por isso está abaixo do
conhecimento verdadeiro e rigoroso que é o filosófico.

Podemos entender que esta discussão é muito importante para as pessoas


que desejam lidar com o público em geral, pois há sempre uma escolha a ser
feita quando falamos aos outros: devemos falar bem e transmitir aquilo que os
interlocutores querem, sem se preocupar com a verdade, ou falamos bem e
transmitimos a verdade quer agrade ou não aos interlocutores. Este dilema
aparece toda vez que precisamos estabelecer um diálogo ou expressar uma ideia
em público. Neste sentido, o estudante de Oratória e Retórica precisa conhecer os
tipos, formas e métodos empregados pela retórica para formular um argumento, e
da oratória para expor o mesmo.

Outro filósofo já citado, Aristóteles, desenvolveu uma teoria acerca do que


seria a retórica. De acordo com ele, a retórica é uma arte empírica e cotidiana.

Neste sentido, precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um


discurso. Neste aspecto a retórica não é pura transmissão da verdade através da
oratória, ela envolve diferentes aspectos do ser humano, de sua personalidade e

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Oratória e Retórica

ambiente. Para Aristóteles, devemos considerar a personalidade do ouvinte para


expor um pensamento, pois se tivermos uma boa técnica, poderemos transmitir a
mensagem que queremos com mais facilidade.

Além disso, Aristóteles desenvolveu profundamente as características e


a forma de refutação e confirmação de um argumento. Seguindo essa linha de
raciocínio, podemos concluir que Aristóteles quis estabelecer uma clara finalidade
ao empregarmos a retórica. Ela serve tanto ao indivíduo que quer discutir assuntos
morais, quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade. Em
outras palavras, a retórica deve ser útil ao cidadão.

Segundo Aristóteles, devemos organizar nosso modo de pensar e se


expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias. Neste
sentido, a retórica contribui para aperfeiçoar a qualidade, e a oratória é a
exposição de um argumento.

Aristóteles foi o primeiro a desenvolver uma organização


detalhada desta ferramenta do saber humano. Inicialmente
precisamos entender que todos nós fazemos uso da retórica e da
oratória, pois são formas de nos expressarmos. Para Aristóteles,
convencer o outro é a essência de toda discussão sobre retórica. Ao
estabelecer formas de comportamento para o orador, modelos de
raciocínio, tipos de premissas e a divisão desta ferramenta, o filósofo
classifica e padroniza a retórica. A divisão apresentada por Aristóteles
é exórdio, construção, refutação e epílogo. Em alguns momentos o
filósofo coloca a narração após o exórdio.

Ao contrapor a dialética com a retórica, Aristóteles configurou a ela elementos


e características que estavam dispersos.

Retórica significa Após a elaboração aristotélica, a retórica e a oratória foram


bem falar e dialética desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores. Mencionamos
é a arte de bem
raciocinar. aqui os estoicos, os empíricos e a tradição romana de filósofo.
Diógenes, filósofo estoico grego, entendia que a retórica dialética
é parte da lógica, neste sentido, retórica significa bem falar e dialética é a arte
de bem raciocinar. Isso significa que a retórica é a invenção de argumentos e
desdobra-se em oratória quando expressamos esses em palavras ou discursos
organizados a um grupo de ouvintes. Para este grupo de filósofos, a retórica
se ocupa da forma de um argumento, enquanto que a dialética deve se ater à
veracidade ou à falsidade de um argumento.

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Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

O grupo de pensadores empíricos pode ser representado pelo epicurismo,


que entende a retórica como argumentos possíveis derivados de signos. Segundo
este, o método utilizado é a conjetura. Dito de outro modo, a retórica é uma ciência
que se opõe às ciências exatas, isto é, para bem falarmos e bem construirmos um
argumento, devemos seguir regras que provêm da experiência, como o objetivo
de considerar vários graus de probabilidade. De acordo com esses filósofos,
devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar
cuidado nos argumentos emotivos e, ao mesmo tempo, não cairmos no simplismo
do cotidiano. Por exemplo, em debates com amigos geralmente usamos lágrimas
e dramas para convencer o outro.

Entre os romanos destacamos Cícero, que entendia a retórica


e a oratória como algo fruto de muito conhecimento filosófico,
artístico e da ciência. Para ele, sem o saber aprofundado, a retórica
se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum
volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero, de oratóre, I, 17).

Para ser um bom orador, devemos conhecer todos os grandes problemas


filosóficos, científicos e artísticos. Devemos pensar com sabedoria e é nisto que a
retórica consiste para Cícero. O sábio consegue desenvolver bem a arte retórica
se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questões. Cícero
entende que a técnica da retórica deve produzir não só belos textos e belas
oratórias, mas também sábios justos.

Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retórica antiga,


passamos agora a expor algumas características do desenvolvimento da retórica
no período chamado de Idade Média. Neste período o Trivium, a partir do século
IX, constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais, nesta época a
retórica era entendida como arte do discurso. Destacamos que a constituição dos
argumentos não era puramente literária, havia uma preocupação com todas as
áreas de conhecimento para expor e defender os argumentos.

O desenvolvimento da retórica medieval encontrou amparo em grandes


teólogos e filósofos. Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradição
platônica articulando as suas ideias com a de Cícero e outros retóricos romanos.
Retomou também a tradição aristotélica da lógica para discutir os grandes
problemas nesta área de conhecimento.

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Oratória e Retórica

No movimento renascentista percebemos uma reelaboração dos problemas


retóricos baseados na eloquência ou no bem falar, remetendo à iluminação do
intelecto, satisfação da imaginação, desencadear as paixões e, por último, evocar
a vontade. Este processo culminou na completa distinção entre filosofia e retórica.
Se em Platão e Aristóteles, filosofia, oratória e retórica caminham juntas no início
da modernidade, elas se separaram, constituindo campos de saber distintos
dentro de um espaço geral de conhecimento.

Para explicarmos de maneira detalhada o que é retórica


evocamos o pensador Reboul, que define o termo: retórica é “a
arte de persuadir pelo discurso. Por discurso entendemos toda a
produção verbal, escrita ou oral constituída por uma frase ou uma
sequência de frases, que tenha começo e fim e apresente certa
ordem de sentido. De fato, um discurso incoerente, feito por um
bêbado ou por um louco, são vários discursos tomados por um só”
(REBOUL, 2004, p. 14).

Para este autor, só podemos chamar de retóricos aqueles


discursos que querem persuadir os ouvintes. Citamos alguns
exemplos: “pleito advocatício, alocução, política, sermão, folheto,
cartaz de publicidade, panfleto, fábula, petição, ensaio, tratado de
filosofia, de teologia ou de ciências humanas. Acrescenta-se a isso
o trama e o romance deste de que de tese e o poema satírico ou
laudatório“ (REBOUL, 2004, p. 14).

De acordo com Reboul (2004), a retórica sempre procura persuadir


De acordo com
Reboul (2004), a seus interlocutores pela oratória de algo. Neste sentido, queremos
retórica sempre fazer uma distinção entre convencer alguém a crer em nós e convencer
procura persuadir alguém a fazer algo. Do ponto de vista estritamente retórico, queremos
seus interlocutores
pela oratória de algo. deixar claro que convencer o outro a acreditar em nós é o núcleo da
retórica enquanto arte de persuasão. Neste aspecto, levar alguém a
fazer algo já é um passo além. Pascal (apud Reboul, 2004) destaca que podemos
usar elementos, como o dinheiro, para persuadir os outros de que nossa causa é
justa, mas isso não é um convencimento retórico, pois os argumentos não foram
contrapostos e não houve sequer uma argumentação.

Lembremos que a técnica retórica é ambígua, pois pode representar uma


habilidade espontânea ou uma capacidade adquirida. Se considerarmos a retórica
espontânea como forma de convencimento dos outros, precisamos entender que

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Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

sem a técnica adquirida, com o tempo não conseguiremos ter êxito em nossa
tarefa. Segundo Reboul, “o verdadeiro orador é um artista no sentido de descobrir
argumentos mais eficazes do que se esperava, figuras de que ninguém teria ideia
e que se mostram ajudadas; artistas cujos desempenhos não são programáveis e
que só se fazem sentir posteriormente” (REBOUL, 2004, p. 16).

Neste sentido, a constituição de um argumento retórico e a expressão


deste por um orador dependem da escolha que este fizer. Tudo isso implica em
considerar a finalidade da retórica. Queremos convencer ou enganar?

Como vimos, a persuasão é a forma de convencer a todo custo


um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponíveis.
Persuadir não é a mesma coisa que enganar. Existe uma sutil
diferença, mas que é substancial, enganar implica em usar argumentos
falsos e persuadir é convencer utilizando os argumentos disponíveis.

Para começarmos a responder a este questionamento, explicaremos o que


significa a arte da persuasão. Eis, pois, a mais antiga definição de retórica que
conhecemos, ou seja, a arte de persuadir. Neste sentido, vale lembrar que é
importante distinguir o que é argumentação e oratória.

A competência racional dos argumentos pode ser dividida


em duas partes: os que são componentes silogísticos e os que
se apoiam em exemplos. Neste sentido vale lembrar que, para
Aristóteles, a competência afetiva de um argumento é mais eficiente
que o silogismo. Isso significa que um silogismo, encadeamento
lógico de raciocínios, é destinado a um grupo técnico de ouvintes,
por exemplo, um júri, enquanto que um exemplo argumentativo se
destina ao grande público.

Segundo Reboul (2004), no que tange à afetividade, podemos distinguir o


caráter do ethos, em português caráter ético do orador, que procura convencer
os interlocutores, e o pathos, em português a paixão ou compaixão gerada pelo
discurso, cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu público.

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Oratória e Retórica

Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compõe de duas


partes: o argumentativo e o oratório. Assim, quando um orador se expressa, ele
está no modo oratório, neste sentido, metáforas e hipérboles constituem artifícios
retóricos, e são argumentativas quando condensam um argumento.

Hermenêutica
Passaremos agora ao modelo hermenêutico. Quando expressamos um
discurso, ele nunca está só, sempre está em diálogo com outros oradores, se
antepõe a este e dialoga com os mesmos.

Para convencer um interlocutor é preciso entender o argumento do outro


antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo. Este processo só é
possível por causa da possibilidade de interpretação que possuímos. Neste
sentido, a arte de interpretar textos, chamada de hermenêutica, é fundamental ao
orador que quer ser compreendido.

Heurística
Outra característica é a heurística, que significa encontrar algo remetendo ao
grego euro, ou eureka, ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano.
Não nos referimos diretamente à ciência, falamos do ponto de vista da pergunta sobre
qualquer assunto. Neste aspecto a heurística contribui para o confronto de ideias, na
demonstração delas e na descoberta de coisas que não sabemos.

Ainda merece menção a função pedagógica da retórica, que constitui um


caminho que engloba várias áreas de saber. De acordo com Reboul (2004, p. 22):

[...] no fim do século XIX a retórica foi abolida do ensino francês


e o próprio termo foi riscado dos programas. Todavia, como em
geral acontece no ensino, em se apagando a palavra não se
suprimiu a coisa. A retórica permaneceu, só que desarticulada,
privada de sua unidade interna e de sua coerência; em todo
caso, os professores, quase sempre sem saber, fazem retórica.

Assim, a função pedagógica da retórica e o estilo das construções verbais
permaneceram, mesmo que com dificuldades. Neste sentido, entendemos
que para bem dizer precisamos também aprender a ser, visto que aqueles que
formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu próprio estado
confuso da existência.

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Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

Para Que Serve a Retórica?


Você, aluno de Oratória e Retórica, pode se aprofundar no significado e na
serventia da retórica se observar o seu cotidiano. A retórica e a oratória podem
servir a diferentes fins. Destacamos alguns: servem para persuadir interlocutores
em debates filosóficos, religiosos, acadêmicos ou em outros ambientes sociais.
Na filosofia costumamos entender a retórica como o modo de formular bons
argumentos, para posteriormente, pela oratória, expô-los de modo a convencer
a maior parte dos sujeitos que quisermos. Na religião costuma-se usar a oratória
para desenvolver argumentos e convencer os fiéis daquelas verdades eternas
reveladas nas escrituras.

Assim, os religiosos utilizam a retórica com a finalidade de explicar as


questões controversas e, consequentemente, elucidar as dificuldades dos fiéis. Já
os acadêmicos utilizam métodos de retórica para convencer seus pares de suas
habilidades e qualidades para conseguirem títulos, promoções e debater ideias no
âmbito da conjetura intelectual. Destacamos ainda o uso da retórica e oratória no
meio social, no cotidiano das nossas existências, falamos da família, do círculo de
amigos e da convivência em nossos locais de trabalho.

Algumas pessoas pensam que argumentar é apenas expor os


seus preconceitos de uma forma nova. É por isso que muita gente
considera que argumentar é desagradável e inútil, confundindo
argumentar com discutir. Dizemos por vezes que discutir é
uma espécie de luta verbal. Contudo, argumentar não é nada
disso. [...] «argumentar» quer dizer oferecer um conjunto de
razões a favor de uma conclusão ou oferecer dados favoráveis
a uma conclusão. [...] argumentar não é apenas a afirmação de
determinado ponto de vista, nem uma discussão. Os argumentos
são tentativas de sustentar certos pontos de vista com razões.
Neste sentido, os argumentos não são inúteis; na verdade, são
essenciais. Os argumentos são essenciais, em primeiro lugar,
porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais
os melhores pontos de vista. Nem todos os pontos de vista
são iguais. Algumas conclusões podem ser defendidas com
boas razões e outras com razões menos boas. No entanto,
não sabemos, na maioria das vezes, quais são as melhores
conclusões. Precisamos, por isso, apresentar argumentos
para sustentar diferentes conclusões e, depois, avaliar tais
argumentos para ver se são realmente bons. Neste sentido,
um argumento é uma forma de investigação. Alguns filósofos
e ativistas argumentaram, por exemplo, que criar animais só
para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais
e que, portanto, é injustificado e imoral. Será que têm razão?
Não podemos decidir consultando os nossos preconceitos.
Estão envolvidas muitas questões. Por exemplo; temos
obrigações morais para com outras espécies ou o sofrimento
humano é o único realmente mau? Podem os seres humanos
viver realmente bem sem carne? Alguns vegetarianos vivem
até idades muito avançadas. Será que este fato mostra que as
dietas vegetarianas são mais saudáveis? Ou será irrelevante,

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Oratória e Retórica

tendo em conta que alguns não vegetarianos também vivem


até idades muito avançadas? (É melhor perguntarmos se há
uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem até
idades avançadas). Terão as pessoas mais saudáveis tendência
para se tornarem vegetarianas, ao contrário das outras? Todas
estas questões têm de ser apreciadas cuidadosamente, e as
respostas não são a partida óbvia (WESTON, 1996, p. 5).

A finalidade da A arte retórica e a oratória são elementos do ser humano que


retórica e da oratória bem utilizados podem produzir resultados plausíveis no que se refere
consiste, justamente,
na tentativa do à arguição e exposição de ideias. A finalidade da retórica e da oratória
convencimento consiste, justamente, na tentativa do convencimento alheio para
alheio para podermos transmitir um pensamento, uma convicção ou um projeto. Este
podermos transmitir
um pensamento, método de persuasão pode ser usado com a finalidade de promover
uma convicção ou o desenvolvimento do ser humano em suas várias especificidades ou
um projeto. pode servir para enganar, ludibriar e prejudicar outras pessoas.

Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retórica e da oratória,


Platão e Aristóteles, cada qual ao seu modo, procuraram estabelecer critérios ou
maneiras para evitarmos destruir a existência alheia. Platão, no diálogo Górgias,
inquiriu o mesmo sobre a implicação moral de determinadas posturas retóricas.
Assim, a arte da persuasão não é um vale-tudo, mas um conjunto organizado
de regras para bem expormos as questões que queremos discutir. Aristóteles
defendeu uma separação entre retórica e oratória para que ficasse claro qual
estilo de argumentação o indivíduo estava praticando. Deste modo, a retórica
serviria para desenvolvermos raciocínios claros e silogísticos sobre um assunto
específico, enquanto que a oratória serviria para expormos poesias e formas
literárias de estilo próprio.

Assim, conforme aponta Platão no diálogo Górgias, devemos considerar em


que consiste e para que serve a arte retórica.

A QUE SE REFERE UM DISCURSO – TRECHO DE PLATÃO

Sócrates — Então, diz a respeito de quê. A que classe de coisas


se referem os discursos de que se vale a retórica?

Górgias — Aos negócios humanos, Sócrates, e os mais


importantes.

Sócrates — Mas isso, Górgias, também é ambíguo e nada


preciso. Creio que já ouviste os comensais entoar nos banquetes
aquela cantilena em que fazem a enumeração dos bens e dizer que

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Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

o melhor bem é a saúde; o segundo, ser belo; e o terceiro, conforme


se exprime o poeta da cantilena, enriquecer sem fraude.

Górgias — Já ouvi; mas, a que vem isso?

Sócrates — É que poderias ser assaltado agora mesmo pelos


profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena, a
saber, o médico, o pedótriba e o economista, e falasse em primeiro
lugar o médico: Sócrates, Górgias te engana; não é sua arte que se
ocupa com o melhor bem para os homens, porém a minha. E se eu
lhe perguntasse: Quem és, para falares dessa maneira? Sem dúvida
responderia que era médico. Queres dizer com isso que o produto
de tua arte é o melhor dos bens? Como poderia, Sócrates, deixar
de sê-lo, se se trata da saúde? Haverá maior bem para os homens
do que a saúde? E se, depois dele, por sua vez, falasse o pedótriba:
Muito me admiraria, também, Sócrates, se Górgias pudesse mostrar
algum bem da sua arte maior do que eu da minha. A esse, do meu
lado, eu perguntara: Quem és, homem, e com que te ocupas? Sou
professor de ginástica, me diria, e minha atividade consiste em deixar
os homens com o corpo belo e robusto. Depois do pedótriba, falaria o
economista, quero crer, num tom depreciativo para os dois primeiros:
Considera bem, Sócrates, se podes encontrar algum bem maior
do que a riqueza, tanto na atividade de Górgias como na de quem
quer que seja. Como! Decerto lhe perguntáramos: és fabricante de
riqueza? Responderia que sim. Quem és, então? Sou economista. E
achas que para os homens o maior bem seja a riqueza? Voltaríamos
a falar-lhe. Como não! me responderia. No entanto, lhe diríamos, o
nosso Górgias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais
importante do que a tua. É fora de dúvida que, a seguir, ele me
perguntaria: Que espécie de bem é esse? Górgias que o diga. Ora
bem, Górgias; imagina que tanto ele como eu te formulamos essa
pergunta, e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os
homens o maior bem de que sejas o autor.

Górgias — Que é, de fato, o maior bem, Sócrates, e a causa


não apenas de deixar livres os homens em suas próprias pessoas,
como também de torná-los aptos para dominar os outros em suas
respectivas cidades.

Sócrates — Que queres dizer com isso?

Górgias — O fato de, por meio da palavra, poder convencer


os juízes no tribunal, os senadores no conselho e os cidadãos nas

21
Oratória e Retórica

assembleias ou em toda e qualquer reunião política. Com semelhante


poder, farás do médico teu escravo, e do pedótriba teu escravo,
tornando-se manifesto que o tal economista não acumula riqueza
para si próprio, mas para ti, que sabes.

Fonte: Platão (2005, p. 6-7).

A serventia do pensamento retórico e da oratória também varia conforme o


repertório do sujeito que se dispõe a praticar tal arte. Se considerarmos um sujeito
de aptidões variadas e qualidades profissionais e acadêmicas bem desenvolvidas,
a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existência.
Por outro lado, se considerarmos um sujeito que possui restrições intelectuais
e profissionais, não poderemos concluir a mesma coisa. Lembremos que não
estamos falando de condições sociais, nos referimos ao interesse profissional e
acadêmico de cada indivíduo.

Por isso a retórica serve a diversos fins, dependendo, como já disseram os


filósofos relativistas gregos, do contexto em que está inserida. Conforme aponta
Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”, a retórica e a oratória
são artes distintas que servem conforme a conveniência humana. Este modo de
pensar é atual e está presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver
nossas habilidades e não nos preocupamos com os problemas alheios.

Não é de hoje a presença da retórica entre nós no cotidiano.


Na Antiguidade observamos argumentações públicas, debates e
relações costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou
explicitações.

No período chamado de Idade Média a retórica foi usada como método de


interpretação dos textos sagrados, seguindo a tradição platônica em Agostinho,
e aristotélica em Tomás de Aquino. A apropriação desta arte no pensamento
medieval cedeu devido à necessidade de impor e apresentar o meio de
interpretação dos textos sagrados, visto que a comunidade estava imersa na
visão de mundo do catolicismo.

22
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

Ao retomarem as ideias platônicas, os exegetas do período chamado


primeira Idade Média, até o século IX, desenvolveram métodos e sugestões de
interpretação fundados na ideia de convencimento alheio. Configura-se neste
período uma grande ênfase na retórica argumentativa, que quer persuadir o outro
sobre uma verdade que está sendo transmitida.

Já os seguidores da tradição aristotélica desenvolveram uma retórica e uma


oratória mais sofisticadas, com diferentes gêneros e estruturas formais. Tomás
de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teológico utilizando o princípio da
refutação de provas fundado por Aristóteles, bem como seguiu a divisão proposta
por Aristóteles.

Percebemos neste período que a retórica e a oratória encontram-se


submersas em meio a toda a discussão teológica e o seu desenvolvimento
ocorreu nos debates e pregações dentro das igrejas.

Este processo, comumente chamado de adoção da retórica pela cristandade,


remonta ao livro da criação, pois é no livro dos Gêneses, 2,17 que Deus faz uma
pregação: “porque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morrerás”,
isso significa que também o Criador utilizou de argumentos retóricos para explicar
a sua criação para suas criaturas. Assim, a retórica e a oratória, no período
chamado de medieval, estão embebidas por conteúdos religiosos.

Verificamos pregações por todo esse período, desde Agostinho (354-430


d.C.) até o século XV. Esse período é claramente marcado pela eloquência, fervor
e tentativa de persuasão que resultou na expansão do modelo de religião por
grande parte do mundo conhecido. Podemos atribuir a retórica da predicação
a Agostinho e organização do Trivium, grupo de textos que deve ser lido para
entender e discutir um assunto com propriedade, como constituintes da estrutura
da retórica. Também os seguidores de Aristóteles desencadearam classificações
e tipificações para os estudos bíblicos. A principal mudança que esses fizeram
foi adaptar o princípio do verossímil transformando de uma possibilidade para
uma verdade última e dogmas. Merece destaque o teólogo Isidoro (560-636), que
dividiu a retórica em: exórdio, narração, argumentação e, por último, conclusão.
Esta divisão didática da retórica serve para fins de entendimento da interpretação
dos diferentes pensadores sobre o problema da separação das partes da retórica.

Muitos são os autores que nesta época configuraram uma retórica cristã.
O que podemos entender é que há uma imensa variedade de soluções para
problemas teológicos apresentados durante a chamada Idade Média. Assim,
percebemos que a adoção de princípios platônico-aristotélicos configurou por
volta do século XIII a retórica comumente usada nos sermões. Essa nova oratória
servia muito bem para convencer os corações dos fiéis e lhes trazer o conforto

23
Oratória e Retórica

religioso. Neste período se incluíram fábulas ou pequenas histórias durante o


sermão para que os fiéis, geralmente leigos, pudessem compreender as escrituras
de maneira mais viva e objetiva.

A função desta formulação retórica pode ser resumida em três partes: 1)


ler o texto; 2) discutir o texto; e 3) fazer uma pregação. Esta divisão serve até
nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratória e
Retórica em uma faculdade de Teologia. Os sermões mais elaborados ocorriam
nas universidades medievais, mas nas igrejas, especialmente nos finais de
semana, podíamos observar pregações com organização e estrutura retórica. Um
exemplo é o estudo bíblico, em que se pode utilizar deste método retórico para se
aprofundar no entendimento das camadas do texto.

Neste sentido, a retórica clássica se expandiu na chamada Idade Média e


configurou um imenso campo de discussão que outrora estava restrito à Grécia
ou a Roma.

A serventia da retórica se justifica por três aspectos. Veja a seguir:


A serventia da
retórica se justifica
por três aspectos: 1. Transmitir uma mensagem: nesta perspectiva a retórica serve aos
1. Transmitir uma indivíduos para podermos formular argumentos que expressam nossas
mensagem.
2. Persuadir os ideias de modo que os demais consigam entendê-las.
interlocutores. 2. Persuadir os interlocutores: neste quesito a retórica praticamente
3. Finalidade.
não se modificou desde Platão, em seu diálogo Górgias é que se
encontra esta definição.
3. Finalidade: este aspecto pode ser encontrado em Aristóteles, que com
sua classificação entendia que um discurso deve ter um propósito, um fim,
portanto ela serve àquilo que tivermos como fim.

A retórica em nosso meio serve a diversas finalidades, mas nem sempre


percebemos. Quando temos uma enfermidade e consultamos um médico, temos
que convencê-lo, através de palavras e explicações, de que sofremos de uma
moléstia. Caso nossa moléstia não seja aparente, então fica ainda mais difícil,
pois ele precisa acreditar nos argumentos retóricos que nós propusemos para que
continue a consulta e nos traga uma solução para a moléstia.

Este exemplo deixa claro como a retórica e a oratória estão presentes em


nosso meio sem ao menos percebermos, por isso sua finalidade vai além da
produção e configuração de discursos, argumentos e debates.

Se considerarmos a retórica como parte do nosso meio, perceberemos a


importância do estudo e da dedicação a tal arte do bem falar, proporcionando aos
interlocutores, e a nós, maior qualidade e eficácia na transmissão de ideias.

24
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

Se retomarmos o pensamento da retórica clássica, isto é, da Antiguidade,


notaremos que quando organizamos um raciocínio, conforme aponta Aristóteles,
estamos organizando também nossas próprias ideias, visto que, em geral, nós
temos ideias desarticuladas, e é pelo exercício da retórica que conseguimos
contrapor ideias e contribuímos para o método dialético que opõe verdades. Deste
modo, retirarmos algo provisório para montarmos nosso raciocínio.

Sob esta ótica, precisamos entender o que são silogismos. Aristóteles


explica que silogismos retóricos e dialéticos são os que existem em nossa
mente sob diferentes assuntos, contudo um silogismo organizado deve passar
pelo crivo específico da razão, do contrário serão somente ideias desconexas.
Os raciocínios silogísticos, antes de qualquer coisa, devem versar sobre algum
assunto particular, distinguindo-se lugares, espécies, gêneros e formas. Para
entendermos isto, precisamos saber quais são os gêneros da retórica, segundo
Aristóteles. Este assunto é um dos constituintes mais importantes da arte retórica,
de modo que os elementos que compõem o gênero retórico são: 1) O orador; 2)
o assunto; 3) o ouvinte. Sem estes elementos não se faz a arte retórica, portanto
o orador deve expor o seu discurso, precisa estar atento ao seu assunto, e os
interlocutores precisam ouvir e, por conseguinte, saber distinguir as diversas
finalidades de um discurso.

Características da Arte de Falar Bem



As características para desenvolvermos uma boa retórica e uma boa oratória
podem ser resumidas em três aspectos fundamentais: 1) conteúdo do discurso; 2)
forma do discurso; 3) objetivo do discurso.

• No primeiro elemento, denominado conteúdo do discurso, o orador
deve estar atento à formulação retórica dos argumentos. Neste sentido, o
conteúdo deve abranger aquilo a que ele se propõe e expor sem dificuldades
e correções ou ambiguidades.

• A segunda característica é a forma do discurso, que deve deixar claro se


os argumentos retóricos elencados pelo orador são narrativos, metafóricos,
parábolas ou explicações científicas, como silogismos lógicos. Isto significa
que antes de começarmos um discurso e expor a forma que iremos usar,
pode ser falada qual é a forma ou durante a apresentação expor esta forma.

• A terceira característica de uma boa formulação retórica é o objetivo de um


discurso. Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar
sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a
qual nos propomos.

25
Oratória e Retórica

Dito isso, seguimos a esteira dos passos iniciais da retórica inaugurada pelos
sofistas na Grécia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode
nos ajudar no cotidiano. É no pensamento sofístico que encontramos esboço
de gramática, formas de prosa, tanto ornada como erudita. Segundo esses
filósofos, não há transmissão da possibilidade da verdade em um debate, isto é,
completamente contrário ao ideal socrático, que sempre está em busca de uma
verdade.

Esses pensadores desenvolveram características que a partir do Kairós,


tempo oportuno, possibilitaram entender que uma discussão sempre está tentando
evitar a fuga das coisas, ela se agarra à oportunidade de uma réplica, eis que há
elementos substanciais para formulação posterior da retórica aristotélica.

Os sofistas constituíram o fundamento da retórica ocidental, sob a ideia da


controvérsia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussões. O mundo
desses filósofos sofistas não tem realidade objetiva, muito menos verdade, para
eles a única coisa viável é o discurso, ou seja, a retórica. Neste sentido, dizer que
um discurso é verdadeiro ou verossímil é só um artifício retórico para calar a boca
de alguém.

A retórica inaugurada pelos sofistas não está abaixo do saber, seu objetivo é
o poder; em outras palavras, os sofistas como pedagogos podem ser entendidos
como aqueles que ensinam “a governar bem suas casas e suas cidades”
(REBOUL, 2004, p. 10). Isso significa que o que importa é servir o poder.

Sob esta perspectiva, podemos entender que a retórica satisfez à


necessidade técnica jurídica, bem como a prova literária à filosofia e ao ensino na
Grécia antiga. Isócrates, pensador grego, desenvolveu uma retórica que abrange
esses aspectos mencionados. Em sua longa vida de 99 anos, Isócrates (436-
338 a.C.) libertou a retórica da sofística grega, ele contribuiu para desenvolver
e ampliar as características da arte retórica. Após sofrer um processo fiscal que
lhe custou a casa, tendo ele escrito sua própria defesa, resolveu publicar o texto
intitulado “A troca”, foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande
professor de retórica.

Seu método de ensino partia da reflexão dos alunos, com os quais ele
sentava e discutia as questões, corrigindo em conjunto os problemas de seus
discursos e argumentos. Segundo ele, não são todas as pessoas que podem
praticar a boa oratória, deve haver algumas condições para que o sujeito possa
desenvolver esta arte.

Para ele, é necessário aptidão natural, prática constante e ensino sistemático


para que se configure um bom orador. Há uma clara discordância entre ele e os

26
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

sofistas, pois para Isócrates não se pode criar um bom orador, apenas se pode
aperfeiçoar alguém com aptidão para tal arte. De acordo com Reboul, Isócrates
queria um modelo de retórica “sóbria, clara, precisa, isenta de termos raros, de
neologismos, de metáforas brilhantes, de ritmos marcados, mas sutilmente bela e
profundamente harmoniosa” (REBOUL, 2004, p. 11).

Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder


e ignorava o saber. Isócrates afirma que a retórica deve seguir uma causa honesta
e nobre. Para ele, as pessoas são livres para bem usar os artifícios retóricos, mas
devemos estar preocupados com a formação moral e literária dos oradores para
que estes não caiam no acaso, logo estaremos ensinando um estilo de vida e
um modo de governar os excessos de nossa existência. Segundo ele, o que nos
distingue dos animais é a palavra, e essa característica deve ser usada para o
bom desenvolvimento entre os humanos. Neste sentido, é a língua e a cultura
humana que podem nos fazer renunciar às guerras.

A retórica é um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma


condição de linguagem e arguição persuasiva frente aos seus interlocutores.
O orador pode falar de virtudes, paixões e outros assuntos com qualidade e
precisão, caso saiba estruturar o seu discurso.

A razão de ser da retórica, que constitui uma das suas principais características,
é justamente o fato de ela querer convencer alguém, logo, ela aborda elementos
que são comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade. O orador deve
saber formular silogismos, que são raciocínios lógicos, sobre as provas empíricas
que ele escolher. Um bom silogismo deve conter premissas plausíveis, sendo que
não pode haver confusão entre as partes descritas.

Um bom orador estabelece as características mais prováveis para um


acontecimento, seu raciocínio sempre considera probabilidades e não descarta
sob nenhum aspecto as possibilidades que existem. Ele deve considerar todas as
situações viáveis, e por eliminação e contradição, sustentar aquela que melhor se
constituir como elemento fundamental e demonstrável.

Para entendermos como se configurou a retórica moderna, devemos


entender como se deu o processo de assimilação durante o período medieval,
pois este período herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Clássica. De
acordo com Costa (2008):

Diretamente herdeira da Retórica clássica, a Retórica medieval


desenvolveu seu manancial a partir basicamente de três fontes:
a Retórica a Herênio, a Doutrina oratória (Institutio oratória, de
Quintiliano [35-95]) e a tradição cristã (desde São Jerônimo
[340-420] até Santo Agostinho [354-430]).

27
Oratória e Retórica

Um dos manuais de Retórica mais estimados na Idade Média


foi a Retórica a Herênio (Rethorica ad Herennium), texto então
atribuído a Cícero (106-43 a.C.), mas, na verdade, de autor
desconhecido. Escrito no século I antes de Cristo, em meio à
crise da República romana, o tratado não deixava de destacar as
técnicas para se obter a docilidade e a benevolência dos ouvintes
– como é típico dos tópicos da Retórica –, mas as fundamentava
no conceito de justiça e, especialmente, na diferença entre o
bem e o mal, como se depreende nessa passagem:
Convém que todo o discurso daqueles que sustentam um
parecer tenha a utilidade como meta, de modo que o plano
inteiro de seu discurso venha a contemplá-la. No debate político
a utilidade divide-se em duas partes: a segura e a honesta [...]
A matéria honesta divide-se em reto e louvável. Reto é o que
se faz com virtude e dever. Subdivide-se em prudência, justiça,
coragem e modéstia. Prudência é a destreza que pode, com
certo método, discernir o bem e o mal [...].
Esse sólido alicerce ético exposto na Retórica a Herênio tem,
por sua vez, raiz em Aristóteles (384-322 a.C.). Em sua Retórica,
o Estagirita sustentou as bases filosóficas da virtude, da justiça,
do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retórica:
[...] os homens têm uma inclinação natural para a verdade e a
maior parte das vezes alcançam-na. E, por isso, ser capaz de
discernir sobre o plausível é ser igualmente capaz de discernir
sobre a verdade. [...] Mas a retórica é útil porque a verdade e a
justiça são por natureza mais fortes que os seus contrários. De
sorte que se os juízos se não fizerem como convém, a verdade e
a justiça serão necessariamente vencidas pelos seus contrários,
e isso é digno de censura (COSTA, 2008, p. 31).

Essa assimilação da retórica no período medieval permitiu que ela fosse
adotada para o âmbito religioso. As exegeses e sermões começaram a conter
elementos da forma grega de argumentar. Depois de algum tempo já havia
sistemas estruturados de interpretação dos textos que permitiam análises e
explicações detalhadas das escrituras sagradas.

Um bom argumento deve conter raciocínios irrefutáveis, pois, do contrário,


não chegaremos a uma conclusão viável.

Entre as características da retórica, gostaríamos de fazer uma pequena


distinção entre a função teológica e a função filosófica da retórica. Para a filosofia,
a retórica deve elucidar argumentos filosóficos e o conteúdo de seus conceitos,
permitindo ao público e ao estudante desta arte uma compreensão clara e distinta
acerca dos problemas da filosofia.

Na filosofia, a arte da persuasão deve servir à elucidação dos grandes


problemas teóricos e para exposição de argumentos para formular um debate
entre diferentes ideais. Os primeiros manuais de retórica publicados por Córax e
Tísias, por volta do século V a.C., formularam os elementos para tais exposições.
Já Górgias (483-380 a.C.) valorizou o significado da palavra como fundadora,
pois para este é a palavra que comanda um exército, faz um porto ou determina

28
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

a natureza de um Estado. Durante este período, inúmeras caracterizações


diferenciaram a retórica, mas em geral todas concordam que uma boa retórica
proporcionará uma possibilidade de se formar um orador. Neste sentido,
distinguimos a característica da retórica de formular discursos da oratória que
definimos pela arte de se expressar em público.

Na teologia a retórica e a oratória assumiram características de eloquência


nos sermões e nos debates teológicos. Destacamos que os principais motivos
desta formulação remetem à tentativa de converter os infiéis e produzir uma
interpretação bíblica.

De modo resumido, podemos dizer que os modos de persuasão ajudam os


indivíduos em um debate para que estes possam formular pela retórica e expor
pela oratória as suas verdades. Se na Idade Média o Trivium e o Quadrivium
eram as constituintes da formação humana, na Modernidade percebemos uma
pulverização destas artes e uma constante divisão que gerou uma técnica distinta
do conteúdo da retórica.

Os significados de Trivium e Quadrivium são, respectivamente:


Os três caminhos que levam ao homem a eloquência: 1) gramática;
2) retórica; 3) lógica; Quadrivium: Os quatro caminhos para a
sabedoria do homem, que são: 1) aritmética; 2) música; 3) geometria;
4) astronomia.

Neste sentido, se na Antiguidade e na Idade Média, retórica e oratória se


articulavam e completavam-se formando uma área de saber, na Idade Moderna
ocorreu o processo de tecnificação, que resultou em uma retórica específica para
profissão.

Embora a Retórica de Aristóteles tenha sido pouco lida, o fato é


que a tradição grega contrária aos sofistas elevou a Retórica à
categoria de valor. Mesmo Platão (c. 429-347 a.C.), tão avesso
à Retórica em sua República ideal, fez Sócrates afirmar que ela,
para deixar de ser uma adulação, deveria estar a serviço da
filosofia da educação, como “arte de guiar a alma por meio de
raciocínios (Fedro, 261a) para se chegar à verdade, à justiça e ao
bem”. Assim, desde a filosofia de Platão, a verdadeira finalidade
da Retórica não deveria ser o ato de agradar aos homens, como
defendiam os sofistas, mas agradar a Deus (Fedro, 273e).

29
Oratória e Retórica

Em outras palavras, a tradição clássica grega legou aos


romanos a noção de que a verdadeira Retórica deveria estar
a serviço da ética, e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro
retórico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas
ações com o intuito de infundir a justiça nas almas dos cidadãos,
fazendo com que neles reinassem a prudência, a moderação, e,
sobretudo, desaparecesse o destempero: todas as energias do
Estado e do indivíduo deveriam, portanto, dedicar-se à busca
do bem, não à satisfação dos desejos. Esses pressupostos
estão muito presentes em Quintiliano, afamadíssimo professor
de Retórica do primeiro século de nossa era. Ao escrever
sua obra-prima em 95 d.C., a Doutrina oratória, este romano-
espanhol de Calahorra não teve qualquer receio em seguir a
tradição de Catão (234-149 a.C.) e definir, em seu Livro XII,
o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer,
mas, sobretudo, um homem bom (“vir bonus, dicendi peritus”),
particularmente por seus costumes. Todo esse manancial ético
clássico que norteou a Retórica foi generosamente sorvido
pela tradição cristã, especialmente através de São Jerônimo
(c. 340-420) e Santo Agostinho (354-430), que a retransmitiram
aos medievais (Jerônimo através de suas cartas e Agostinho
em suas Confissões). Isidoro de Sevilha (560-636), por fim,
fortaleceu a ponte entre os dois mundos, e dedicou um livro de
suas Etimologias (Livro II) à Retórica e à Dialética. Nele, o bispo
realizou uma importante compilação de excertos e circunscreveu
a Retórica ao discurso forense, sem, contudo, abandonar seu
cariz ético: “Retórica é a ciência do bem dizer nos assuntos
civis, com a eloquência própria para persuadir o justo e o bom”.
Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a
Idade Média. A partir de então, o estudo da Retórica ficou
restrito ao universo monástico, ou seja, tanto educandos quanto
educadores, salvo raríssimas exceções, não a colocavam em
prática. Isso só ocorreria a partir do século XI, quando a Retórica
passou a ser utilizada na composição de cartas e documentos, e
tornou-se uma epistolografia: era o nascimento da ars dictaminis
(ou dictandi). E foi dessa época a defesa acadêmica da Retórica
feita por Gilberto de la Porrée e João de Salisbury contra os
cornificianos (COSTA, 2008, p. 32).

Essa fragmentação da retórica após o século XVII (Idade Moderna),


conforme aponta Reboul (2004), Introdução à Retórica, praticamente fez
desaparecer do meio acadêmico a disciplina de Retórica. Depois da metade do
século XX a retórica se recuperou gradativamente, mas o processo começou pelo
âmbito do marketing. Aos poucos, e de fora para dentro, o debate sobre a retórica
recomeçou, e em nossos dias já temos algumas instituições de Ensino Superior
que retomaram essa disciplina, contudo no ensino básico simplesmente se ignora
o papel da retórica e da oratória.

Retórica e Oratória em Nosso Meio


Passamos agora a discutir um pouco o problema da retórica em nosso
meio para entendermos que ela não é uma coisa distante e sem sentido, que foi
esquecida por ser sem utilidade. Para Duran (2009, p. 9):

30
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

Três autores estiveram diretamente empenhados no estudo


da retórica e da eloquência no Brasil do século XIX: Roberto
de Oliveira Brandão, com seus estudos sobre os manuais de
retórica e poética brasileiros do século XIX (1972), Roberto
Acízelo de Souza, com o livro O Império da Eloquência: Retórica
e Poética no Brasil Oitocentista (1999), e Eduardo Vieira
Martins, com a Fonte subterrânea (2005). Roberto de Oliveira
Brandão selecionou os manuais e compêndios de retórica e
poética, publicados ao longo do século XIX, como seus objetos
de estudo. Sua preocupação foi definir qual estrutura textual se
oferecia nesses livros para a literatura nacional. Em trabalhos
posteriores, como no texto Os manuais de retórica brasileiros
do século XIX (1988), o autor apresentou avanços acerca dessa
temática, abordando a função e a permanência da retórica e da
eloquência na educação nacional. Roberto Acízelo de Souza,
por sua vez, estudou a retórica e a poética por meio dos planos
de ensino da segunda metade do século XIX no Colégio Pedro
II. Souza esforçou-se ainda por comprovar a continuidade do
uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado, tendo em vista
algumas orações da época e as práticas educativas de então.
Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos à mudança
estrutural da disciplina que, em meados de 1830, deixou de ter
as obras de Quintiliano ou Cicero como referência e passou a
ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair. A permanência
da retórica e da eloquência na cultura brasileira também foi
abordada nesta pesquisa, a partir das obras de Francisco Freire
de Carvalho e José de Alencar. Em seus trabalhos, esses três
autores referiram-se à segunda metade do século XIX, quando
a disciplina já possuía certa uniformidade. Entre suas fontes
se pode encontrar manuais, compêndios, planos de ensino,
registros de aulas, decisões e ordens do Estado brasileiro, fontes
que lhes serviram como referência para localizar a contribuição
que a retórica e a eloquência forneceram à educação. Quanto
à formação de um discurso brasileiro, senão de uma literatura
nacional, um deles recorreu a um literato da época, José de
Alencar, enquanto os demais mantiveram-se atentos à produção
de uma literatura didática ou pedagógica. Excetuando a distinção
de gênero, pode-se afirmar que ambas possuíam uma unidade
prescritiva de caráter edificante.

Neste aspecto, pensar a retórica em nossas terras é importante para
sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadêmico
se manifestou, ficando à literatura o papel de preservar sua existência de modo
a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio. Em alguns lugares
do país foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e
defender argumentos.

A longevidade da retórica e da eloquência na cultura local foi


garantida por meio dos periódicos cariocas que, a partir de
1822, tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em
“arrogar no coração do povo aquele bem entendido e luminoso
entusiasmo, aquela zelosa energia, que constituem verdadeiro
mérito moral e político e acrisola decidido patriotismo” (JORNAL
SCIENTÍFICO, ECONOMICO E LITERÁRIO, 1826, NÚMERO
1: MAIO, p. 81). Regrada pela retórica, a comunicação dos
cariocas do primeiro quartel do século XIX modelou uma

31
Oratória e Retórica

eloquência que gradativamente ganhou ares de naturalidade e


forneceu todo um universo vocabular, formal e temático para a
invenção de uma literatura nacional e, paralelamente, de uma
identidade brasileira (DURAN, 2009, p. 9).

Os jesuítas contribuíram de modo muito importante sobre a preservação


e difusão da arte retórica, sobretudo no meio religioso. Seus textos exegéticos
foram fundamentais para que as vertentes de retórica e oratória se espalhassem
no meio literário brasileiro.

Foi publicado, em 23 de dezembro de 1770, o Compêndio


histórico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da
Invasão dos denominados jesuítas, no Palácio Nossa Senhora
da Ajuda, em Lisboa. O opúsculo dava notícia de aspectos do
método de ensino dos jesuítas durante o século XVIII nos cursos
de Teologia, Cânones, Leis e Medicina da Universidade de
Coimbra, apresentando as matérias conforme a sucessão das
aulas durante a semana. Prima, Terça e Véspera eram aulas
permanentes que aconteciam, respectivamente, às segundas,
terças e quartas-feiras, certamente muito importantes, a julgar
pelo maior honorário pago aos mestres. As quintas-feiras
eram livres, como na França, e os domingos, reservados para
o descanso e a missa. Um dia por semana servia para que o
aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse
dificuldades, geralmente as sextas-feiras, quando se realizava
a Noa. Nas Catedrilhas, Institutas ou Avicena, que se seguiam
irregularmente durante a semana, realizava-se a revisão dos
temas já estudados ou a leitura dos textos das próximas aulas
de Prima, Terça ou Véspera. Dedicadas a rememorar os temas
já discutidos, tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de
passar a matéria, e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido
como passante. O passante era, na maioria dos casos, um aluno
que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiência,
ou, ainda, um jovem recém-formado com as mesmas qualidades.
Além do passante, havia o lente, um tipo de mestre responsável
pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Véspera,
antecedendo a explicação do mestre titular da cadeira nas aulas
de Prima e Terça. A relevância dos lentes e passantes estava
no estabelecimento de um exercício contínuo de memorização
da matéria, pois a intenção era que os estudantes chegassem
a decorar os textos de maior importância, fato que, num mundo
de poucos impressos, era um traço distintivo de inteligência.
Em todas as matérias o estudo era guiado por uma obra de
referência, impreterivelmente em latim. A predominância do
latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa
língua eram considerados os mais importantes e aprofundados.
Soma-se a isso a crença de que o estudo da obra original, das
ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor, tinha
maior mérito, por constituírem um conhecimento puro, capaz de
sustentar um saber genuíno (DURAN, 2009, p. 15).

Além desse caráter de decorar um assunto, o ensinamento de um argumento
possibilita aos indivíduos uma capacidade de memorização que os distingue dos
demais, visto que há poucos textos escritos nessa época e a eloquência com que se
elencava um argumento fazia toda a diferença quando se queria convencer alguém.

32
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

Segundo Duran (2009), para alguns pensadores do final do século XVIII não
era mais possível seguir sem a disciplina de retórica em nossos bancos escolares,
e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes
uma maior polidez e qualidade em suas ideias.

No sistema criado por Verney, as matérias História, Geografia


e Gramática deveriam ser acompanhadas da Retórica, depois
disso, Grego e mais História deveriam ser as matérias dos
anos subsequentes. A Retórica alinhavava esses saberes,
disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais
poder-se-iam expressar opiniões acerca das matérias
estudadas. [O mestre de Retórica] Logo mandará compor
alguma coisa em Português, começando por assuntos breves
nos três gêneros de Eloquência. Começará, primeiro, pelas
cartas portuguesas, dando somente aos rapazes o argumento
delas, e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer
contra a sua própria língua e contra a Gramática. E por esta
razão é supérfluo neste ano ler mais autores portugueses,
porque esta composição é o melhor estudo que se pode fazer
da língua portuguesa. Depois, passará ao estilo histórico, e
tirará algum argumento da mesma História que se explica pela
manhã, para que os estudantes a dilatem, escrevendo o dito
caso mui circunstanciado, e variando isto segundo o arbítrio
do Mestre, ou também a descrição de um lugar e de uma
pessoa, ou coisa semelhante. Em terceiro, lugar, segue-se dar-
lhe algum argumento declamatório, mas breve. Para facilitar
isto, o melhor meio é este: Quando o mestre propõe algum
argumento que se deve provar, perguntará ao rapaz que razões
ele dá sobre aquele ponto. Ouça as que ele dá, e ajude-o a
produzi-las, pois desta sorte acostuma-se a responder de
repente e escrever com facilidade (VERNEY, 1952, p. 63).
Para Verney, o exercício repetido da comunicação era propício
para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do
discípulo. Esse, agora, não era mais um escolhido entre os
iniciados e sua fala não se destinava somente aos grandes,
nem deveria seguir os padrões de apenas um único modelo;
por isso, estudariam os discursos deliberativo, demonstrativo
e judicial, e [...] quando o estudante tiver bastante notícia dos
três gêneros de Eloquência, em tal caso pode empregar-se em
compor Latim, e isto pelo mesmo método que o fez em Vulgar.
Nesta composição latina, não terá dificuldade alguma, visto ter
vencido todas na composição portuguesa; somente lhe faltarão
as palavras latinas e frases particulares da língua, ao que deve
acudir e suprir o Mestre, emendando-as ou sugerindo-as.
Encomende também aos rapazes que leiam muito as orações
de Cícero; não digo as Verrinas, que são enfadonhas e só se
podem ler salteadas, mas as outras mais fáceis e breves, das
quais com facilidade se passa para as outras. E esta classe é
necessário que frequentem todos os que estudam Latinidade;
porque, sem ela, nenhum pode entender e escrever bem
Latim; e com ela pode saber muita coisa útil para todos os
exercícios da vida, e, principalmente, para toda a sorte de
estudos (VERNEY, 1952 apud DURAN, 2009, p. 15).

O retorno da retórica aos âmbitos escolares como disciplina parece


fundamental para que os indivíduos pudessem se expressar sem as amarras
da linguagem embotada em elementos físicos e materiais. Com a retomada

33
Oratória e Retórica

da retórica temos também o retorno de figuras de linguagem, comparações e


estruturas mais rebuscadas.

Platão e Aristóteles
Segundo Platão, a retórica se caracteriza pela capacidade de persuasão dos
interlocutores, essa capacidade nos traz a atualidade do diálogo em Górgias de
Platão acerca de uma educação retórica. Embora estejamos enfeitiçados pela
tecnologia, quando encontramos alguém que sabe se expressar muito bem,
percebemos quão importante é saber falar e organizar as ideias.

No diálogo Górgias, Calicles e Sócrates iniciam a discussão


sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra, e ao incorporarem
Querefonte na discussão, Calicles propõe ouvirmos o que Górgias
pensa sobre o ato de dialogar. Neste sentido, Sócrates apresenta o
problema do que seria esta arte de argumentar, convidando todos ali
presentes a perguntar algo e a se manifestar. Górgias se dispõe a
responder todas as perguntas, gabando-se de que ninguém havia o
pego desprevenido.

Em determinado momento do diálogo, Sócrates inquire Górgias para que


este explique de que se trata sua arte e quais as consequências desta, pois
para Sócrates existe uma diferença entre oratória e diálogo, sendo a oratória
instrumento dos falaciosos. Segundo Górgias, “me prezo de ser” um bom orador
(PLATÃO, 1970, p. 52). Ao se considerar como tal, Górgias assume que é
capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo. Na sequência do
diálogo, Sócrates pede para que Górgias exponha sua arte de maneira clara e
concisa. Górgias concorda em expor esta oratória de que tanto se fala e compara
concordando com Sócrates, com a tecelagem e a música.

Ao responder a Sócrates, Górgias afirma que sua arte consiste em organizar e


dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes,
por exemplo, a medicina, pois a oratória não trata de todas as palavras. Segundo
Górgias, seguindo Sócrates a oratória capacita as pessoas e as torna capaz de falar
bem. E aparece assim a primeira contradição de Górgias, que dissera há pouco, no
diálogo com Sócrates, que a oratória não tem nada a ver com a medicina, mas agora,
quando Sócrates reformula a questão, Górgias concorda que a medicina reflete sobre

34
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

as doenças e, por conseguinte, usa a palavra. Ao falarmos de moléstias, segundo


Sócrates, utilizamos palavras, também faz uso de palavras a ginástica que se refere
ao corpo, logo concluímos que, seguindo o raciocínio socrático, todas as demais artes
utilizam palavras para se expressar, e surge a principal questão até o momento: “por
que não dar o nome de oratória às demais artes?” (PLATÃO, 1970, p. 54). A resposta
de Górgias é que as demais artes trabalham com as mãos, enquanto a oratória é
a arte da palavra, isto é, “sua atividade e operação se realizam todas por meio de
palavras” (PLATÃO, 1970, p. 54).

Na sequência do diálogo a discussão se encaminha para artes que usam


as palavras, sendo que a oratória não abarca estas atividades. Neste sentido
podemos ainda falar da geometria e da aritmética, que usam termos, palavras
e sinais na escrita, mas em nenhum momento se expressam, sendo que a estas
também não chamamos de oratória, logo, a oratória é a mais importante das
atividades e que opera por meio de palavras.

Devemos questionar agora se a oratória possui realmente este poder de


persuasão defendido por Platão na obra que estamos utilizando para aplicar o
debate. Para Górgias, a palavra é uma das formas que pode congregar cidadãos
e colocar todos os demais que não dominam esta arte sob seus pés. É a arte
retórica, do uso das palavras, que pode convencer as massas. “Com ênfase
exalta Górgias a sua arte! Na apologia, Sócrates conta como saíra a interrogar
os homens que passavam por sábios: políticos, poetas, artífices; cada qual por
entender bem de sua especialidade se imaginava sapientíssimo nos demais
domínios” (PLATÃO, 1970, p. 59). Aqui a palavra massa não tem nenhuma
referência moderna. É uma referência à assembleia grega.

Neste sentido, a retórica é um modo de persuasão que cria convicções nos


interlocutores. Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasão.
A persuasão, que é uma consequência da oratória, é o convencimento por meio
de bons argumentos retóricos e o bom uso da oratória. No diálogo, Sócrates quer
saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim, e mais, se a arte pode
produzir uma persuasão parecida ou igual à da retórica. Antes de continuar esta
reflexão sobre a persuasão, precisamos explicar que existe uma diferença entre
persuasão didática e persuasão patética. A didática se refere ao convencimento
do intelecto, enquanto a patética indica um convencimento mediante as emoções.

Seguindo a linha de raciocínio de Sócrates no diálogo com Górgias,


entendemos que outras artes também produzem o convencimento, cabe agora
sabermos que tipo de convencimento a retórica produz. Para responder a isso,
Górgias diz que a persuasão produzida pela oratória é aquela que se refere ao
justo e ao injusto.

Percebemos que a oratória referida por Górgias é aquela jurídica e que está
restrita aos tribunais. Sócrates distingue dois tipos de persuasão: 1) a crença sem

35
Oratória e Retórica

o saber; e 2) a ciência, logo conclui-se que o orador fala da crença e não da


ciência, visto que no tribunal ele não expõe o que é justo e injusto, simplesmente
quer convencer os interlocutores.

Neste sentido devemos indagar, assim como Sócrates indagou Górgias:


que proveito há em estudar esta arte retórica? A resposta a esta pergunta é a
seguinte: quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente,
procuramos um profissional médico, quando queremos falar bem, procuramos
um especialista em oratória. Assim, quem aprende uma habilidade como esta, ou
seja, a arte retórica, está habilitado a discutir com qualquer pessoa, pois domina
os conceitos. Deste modo, cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela
para o bem da polis.

Até agora a exposição da arte retórica e o modelo de oratória em Platão


situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso, de modo
a permitir que o estudante entenda a retórica como uma forma de construção
de argumentos e a retórica como um modo de persuasão dos interlocutores. O
diálogo platônico Górgias trouxe a discussão para o patamar da escolha individual
de cada indivíduo, assim, é o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou
convencer a todo custo.

Seguindo o diálogo platônico, Sócrates retoma a questão que propusera


acerca da capacidade de se fazer um orador. Nesta perspectiva, Górgias
concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posição. O diálogo se inclina
agora para a discussão da capacidade das demais artes de debater um tema
com a mesma eloquência de um orador. Neste aspecto, Sócrates pede a Górgias
que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratória. Górgias concorda
seguindo em tudo o que Sócrates diz a respeito do conhecimento de um orador.
Concluindo este raciocínio, Sócrates e Górgias concordam que a oratória é um
tipo de arte injusta.

No pensamento platônico, o debate acerca da retórica e da


oratória remete ao diálogo Górgias apontando na direção estética
e literária. “Nascido por volta do ano 485 a.C., Górgias viveu 109
anos, sobrevivendo, pois, a Sócrates. Também siciliano e discípulo
de Empédocles, em 427 a.C. foi para Atenas numa embaixada,
diz-se que ali sua eloquência encantou os atenienses a tal ponto
que ele teve de prometer-lhes que voltaria” (REBOUL, 2004, p. 4).
Percebemos aqui como a arte retórica ganhou força a partir dos
textos e argumentações neste período citado. Até então, na Grécia,
literatura e poesia eram consideradas idênticas. Por sua vez, a prosa
procurava organizar e transcrever a linguagem oral.

36
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

Górgias criou o discurso epidictieo, que significa um elogio público, também


desenvolveu uma prosa eloquente que, com suas rimas, metáforas e perífrases,
formula um modelo que captura os espectadores. Citamos um exemplo de tamanha
eloquência: o Elogio de Helena, que era uma mulher perfeita, bela, esposa de
Menelau, que permitiu ser capturada por Páris, lançando os gregos em uma guerra
de uma década. Górgias expõe a beleza de Helena em um discurso proferido ao
público na época da guerra, no texto Górgias dá as justificativas pelas quais Helena
permitiu ser raptada. Dentre elas, destacamos algumas: foi um decreto dos deuses,
ou foi o destino; teria ela sido levada à força? Ou convencida por belas palavras? E,
ainda, o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos?

Para Górgias, Helena foi convencida pela arguição de um belo discurso, e


como tal não é culpada. Górgias defende Helena como pretexto para defender
a retórica. “O discurso é um tirano poderosíssimo; esse elemento de pequenez
extrema e totalmente invisível alça à plenitude as obras divinas: porque a palavra
pode pôr fim ao medo, disse para a tristeza estimular a alegria, aumentar a
piedade (GÓRGIAS apud REBOUL, 2004, p. 5).

Para Górgias, Helena é inocente, pois ela não pode ter decidido livremente
juntar-se aos troianos, logo, para Górgias, a argumentação sofística de que um
ato involuntário não implica em culpa. Assim, a arte retórica expressa na oratória
de Górgias passou a ser chamada de sofista.

Eis aí um dos momentos marcantes da retórica antiga, pois surge a figura


do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquência e sua
arte de convencimento. Inaugura-se neste período um modo de educação
intelectual profundo que não tem a ver com uma profissão ou religião, pois era o
conhecimento pelo conhecimento; em outras palavras, Górgias deu à retórica a
capacidade de falar do belo.

Além do debate entre Platão e Górgias protagonizado por Sócrates e seus


interlocutores, temos outros pré-socráticos que desenvolveram a retórica como a
arte de argumentar. Destacamos a figura de Protágoras de Abdera (486-410 a.C.)
como um destes representantes, que, além de defender o agnosticismo, formulou
a famosa máxima retórica em relação à moral: “o homem é a medida de todas
as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são”. No
que se refere aos seres sagrados ou deuses, Protágoras formulou: “quanto aos
deuses, não estou em condição de saber se existem ou não existem, nem mesmo
o que são” (REBOUL, 2004, p. 7). Este pensamento retórico lhe custou a pena de
morte, mas como tinha medo da morte, fugiu.

Quanto à oratória e à retórica, a principal preocupação de Protágoras era


com os substantivos, suas formas e variações. Também desenvolveu uma nova
gramática e fundou a erística, que significa a contraposição de ideias, resultando,
tempos depois, na dialética. Por éris Protágoras entendeu que uma boa discussão

37
Oratória e Retórica

deve conter ideias contraditórias, visto que em grego a palavra erística vem de
éris, que significa controversa. Desta maneira, segundo Protágoras, qualquer
argumento pode ser refutado ou sustentando, eis que esta é a condição da técnica
erística, ou seja, os modos e formas para vencer um debate. A discussão e a
controvérsia, mediante o uso da retórica e da oratória, é que conferem a condição
de um debate.

Estas características que elencamos até agora representam a propedêutica


ou preparação para iniciar a discussão acerca do fundamento da retórica e da
oratória. Em Aristóteles, a retórica se configura em diálogo com a dialética. Neste
sentido, ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado.

No pensamento retórico aristotélico há uma distinção entre saber como arte


e conhecimento como ciência. No desenvolvimento da retórica, desde Aristóteles
até nossos dias, ocorreu uma transformação desta que passou da arte persuasiva
para uma hermenêutica interpretativa.

Retomamos o cuidado com o significado da retórica e da oratória em nossos


tempos. Em Aristóteles, a retórica não é simplesmente persuadir ou convencer os
outros, ela é também fruto da experiência de vários oradores que desenvolvem
técnicas para melhorar e exercitar esta arte. A tradição grega, desde Homero, sempre
se preocupou em formular bons argumentos retóricos e excelentes oradores, assim,
além de agir heroicamente, as personagens gregas deviam falar bem.

Inúmeros são os exemplos na história grega que relatam estes


acontecimentos. Todo o processo de transformação da oratória grega passa
basicamente por Platão, Isócrates e Aristóteles, chegando às legiões romanas
através de Cícero, que, com seus discursos e pronunciamentos no Senado
Romano, imortalizou a retórica no meio latino. De acordo com Lausberg (1960),
nunca houve um sistema retórico clássico, isso implica na necessidade de
estarmos atentos ao modo como cada um dos indivíduos e pensadores organizou
as ideias acerca da arte retórica e da oratória.

Para explicarmos de maneira resumida as definições de retórica, elencaremos


algumas que facilitam o nosso entendimento, mas todas essas definições
concordam em um ponto: a retórica possui fins persuasivos.

a) A definição de Córax, Tisias, Górgias, Platão: segundo estes, a


retórica é geradora de persuasão.
b) Aristóteles: é capaz de descobrir as formas de persuasão sobre um
assunto.

38
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

c) Hermágoras: é a forma de bem falar no que tange aos assuntos


públicos.
d) Quintiliano, retóricos estoicos, que significa a ciência de falar bem.

Queremos deixar
Essas definições partem do princípio de que retórica é um corpo claro que retórica e
de conhecimento ou método para se expressar bem; assim como oratória são formas
pensamos a retórica, devemos levar em conta os seus usos. No que de comunicação
que compartilham
tange à finalidade de um discurso, não há muita diferença entre o técnicas, mas se
âmbito teórico e prático da eloquência. distinguem enquanto
execução. À retórica
cabe a elaboração
Queremos deixar claro que retórica e oratória são formas de e à oratória a
comunicação que compartilham técnicas, mas se distinguem enquanto apresentação de
um argumento.
execução. À retórica cabe a elaboração e à oratória a apresentação de Desta maneira,
um argumento. Desta maneira, a formulação e a exposição caminham a formulação
e a exposição
juntas. caminham juntas.

Passamos agora ao entendimento de retórica segundo Aristóteles, que


escreveu em seu livro Retórica sobre os fins persuasivos desta arte, e no livro
Poética defende a evocação imaginária para discursos poéticos e literários. Faz,
assim, uma distinção fundamental entre o caráter retórico e o poético.

Percebemos aqui uma severa crítica de Aristóteles para os seus antecessores,


que mantinham unidas dimensões tão distintas. A novidade apresentada por
Aristóteles é a presença do argumento lógico, logo, há uma relação entre prova,
raciocínio, silogismo e argumentação persuasiva. Este método serve tanto às
ciências empíricas quanto à filosofia, e, além disso, pode ser usado também para
interpretar textos.

Aristóteles dividiu a retórica em sete partes: 1) A distinção de


duas categorias formais de persuasão: provas técnicas e não
técnicas; 2) Identificação de três meios de prova [...]: a lógica
do assunto, o caráter do orador e a emoção dos ouvintes; 3)
A distinção de três espécies de retórica: judicial, deliberativa
e epidíctica; 4) A formulação de duas categorias retóricas:
entimema, prova dedutiva; o exemplo usado na argumentação
indutiva [...]; 5) A concepção e o uso de várias categorias de
tópicos na construção dos argumentos: tópicos de cada gênero
de discurso, tópicos aplicáveis a todos os gêneros e tópicos
de estratégias de argumentação; 6) concepção de normas
básicas de estilo e composição, nomeadamente de clareza
à compreensão de diferentes tipos de linguagem e estrutura
formal e a explicação do papel da metáfora; 7) a classificação
e ordenação das várias partes do discurso (ARISTÓTELES,
2005, p. 35).

39
Oratória e Retórica

A classificação proposta por Aristóteles permite entendermos como se


organiza um discurso para diferentes finalidades.

A sistematização de regras do discurso, observando ao mesmo


tempo as interações necessárias aos três elementos envolvidos:
o orador, o ouvinte e o objeto do discurso, teve por finalidade dar
consistência a essa técnica, inserindo-a no campo das artes. Esse
era, sem dúvida, o objetivo de Aristóteles no seu tratado sobre a arte
retórica e a arte poética: retirar das sombras essa parte da dialética –
como o autor considerava a retórica – neutralizando, de certo modo,
algumas acusações como as de Platão, sobre o alcance do discurso
persuasivo (VIEIRA, 2012, p. 7).

Se quisermos falar a um público ou a um grupo seleto de pessoas, devemos


escolher o método apropriado e o estilo conforme a classificação aristotélica indica.
Para o pensador grego, retórica e oratória se complementam, mas são distintas
enquanto sua finalidade, pois a retórica serve para a boa formulação de raciocínio e
a oratória possui uma finalidade literária que implica na beleza do discurso.

Atividades de Estudos:

1) Leia o texto indicado a seguir e responda às questões:

Artigo: Retórica e nova retórica: a tradição grega e a teoria da


argumentação, de Chaim Perelman. Disponível em: <http://www.egov.
ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/25334-25336-1-PB.pdf>.

a) O que é retórica?
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b) Para que serve a retórica?


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Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

c) O que é oratória?
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____________________________________________________

d) Para que serve a oratória?


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O Bem Falar e a Verdade


Falar bem sempre foi visto como uma característica humana que diferencia
pessoas de qualidade daquelas com outras aptidões. A retórica e a oratória ensinam
o ser humano a pensar e se expressar bem, e por isso merecem a nossa atenção.

Ao falar temos diferentes opções para nos expressarmos, podemos optar


pelo cinismo, pelo relativismo, pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela
simples e velha atitude dogmática. A escolha que fizermos implicará em um modo
de exposição dos argumentos e justificação das ideias e, consequentemente, em
implicações morais.

Conforme já apontamos, a retórica e a oratória não possuem,


necessariamente, um compromisso com a verdade, pois são uma arte formal que
para alguns se confundem e para outros se distinguem. A transmissão de uma
mensagem através de argumentos ou pela exposição lógica de ideias pode levar
em conta uma verdade, por exemplo, como ocorre com Platão, que tem em vista
uma verdade última que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo
das ideias. Por outro lado, falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer
referência à verdade, conforme aponta Protágoras. Para este filósofo grego, a
verdade é inatingível e por isso não existe nada a ser transmitido neste sentido, o
que há é a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos.

A verdade e a retórica não andam juntas o tempo todo, às vezes elas se


aproximam e às vezes elas se distanciam. Neste sentido, somos impelidos pela
curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os
elementos que as distanciam.

No âmbito cotidiano, a retórica e a oratória estão em constante relação com a


verdade, mas geralmente passam desapercebidas. Quando estamos no trabalho

41
Oratória e Retórica

ou em um convívio social de lazer, somos inquiridos e formulamos respostas, nem


percebemos que este exercício é o mesmo que, em pequena escala, um modo de
fazer retórica e oratória. Por exemplo, você quer convencer seu chefe de que um
projeto seu é bom para a empresa, você usará argumentos retóricos e a forma
como os apresentar será a sua oratória.

É Aristóteles quem define a retórica com mais modéstia do que Platão e os


sofistas, reabilitando assim uma visão sistemática que se incorpora no mundo.
Aristóteles dividiu a retórica em quatro partes, a primeira parte chamou de
invenção, a segunda denominou de disposição, à terceira parte deu o nome de
elocução e à quarta denominou de ação. Esta divisão permaneceu válida até
nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores.

Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes:

• A invenção, do grego se chama de heurésis, é o modo como o orador articula


a persuasão, como o tema do discurso, aspectos, são os meios de persuasão
presentes no tema que irão contribuir para a organização do discurso.
• A disposição, em grego taxis, é o modo como se organizam estes argumentos,
ou o plano interno do discurso. Nesta parte há uma necessidade de organização
para que possamos perceber a sequência dos argumentos.
• A elocução, do grego lexisé, o estilo do discurso. Posteriormente, alguns autores
chamaram estas formas de expressão de um discurso de figuras de estilo.
• Por fim, a ação, do grego hypocrisis, é a expressão do discurso pela voz com
gestos ou mímicas. Lembramos que no período romano acresceu-se a memória.

Para o indivíduo que deseja formular um bom discurso de retórica e oratória


lembramos que, caso negligencie um destes elementos, sua retórica e oratória
será inaudível, mal escrita ou vazia. No cotidiano chamamos isso de opiniões de
senso comum, que são desarticuladas e sem sentido.

Quando falamos em verdade e retórica, devemos lembrar


que para Aristóteles a retórica é parecida ou ao menos comparada
com a dialética. Usamos a definição de dialética expressa no coro
grego que canta uma estrofe e, na sequência, ouve a antístrofe
(ARISTÓTELES, 2005, p. 36).

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Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

É na contraposição de verdades que a retórica adquire sua utilidade, segundo


Aristóteles. A utilidade da retórica se dá justamente por causa da sua capacidade
argumentativa. Por isso, um orador deve saber contrapor os argumentos para
desenvolver bem um debate, visto que temos que considerar as evidências e os
meios de persuasão. Para determinar a natureza da retórica, Aristóteles afirma:

[...] a retórica é a outra face da dialética, pois ambas se


ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento
comum e não correspondem a nenhuma ciência em particular.
De fato, todas as pessoas de alguma maneira participam de
uma ou de outra, pois todas elas tentam em certa medida
questionar e sustentar um argumento, defender-se ou acusar
(ARISTÓTELES, 2005, p. 89).

Assim, as pessoas praticam a retórica com o resultado do hábito no cotidiano,
sem se dar conta do óbvio.

Queremos esclarecer que aqui falamos da retórica e da oratória como um


método para elaboração, estruturação e exposição de argumentos, mas algo que
valorize a experiência prática do indivíduo. Segundo Aristóteles:

[...] os que até hoje compuseram tratados de retórica ocuparam-


se apenas de uma parte desta arte, pois só os argumentos
retóricos são próprios dela e todo o resto é acessório. Eles,
porém, nada dizem dos entimemas, que são afinal o corpo da
prova, antes dedicam maior parte de seus tratados a questões
exteriores ao assunto; porque o ataque verbal, a compaixão, a
ira e outras paixões da alma semelhantes a estas não afetam o
assunto, mas sim o juiz (ARISTÓTELES, 2005, p. 90).

Ao expor esta dificuldade, Aristóteles chama a atenção para a necessidade
de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para, por
intermédio da retórica, esclarecer os problemas de argumentação retórica, pois
verdade e justiça são mais fortes que seus opostos.

Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protágoras coloca


a verdade em segundo plano e eleva a arte retórica a um patamar superior,
queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retórica e a
oratória no seu cotidiano, a saber: devemos nos preocupar em transmitir a
verdade aos interlocutores ou é mais pertinente a beleza de um discurso?

Evidentemente que Aristóteles responderia que devemos utilizar a retórica


em consonância com a dialética para evitarmos a postura relativista. Na prática,
esta escolha metodológica implica que os indivíduos devem conhecer, além
da estrutura gramatical e lógica de um argumento, a finalidade, o conteúdo e a
estrutura interna deste para poder formular uma oratória condizente.

43
Oratória e Retórica

Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo, pretendemos esclarecer


que, dependendo da escolha que fizermos, o bem falar e o bem argumentar terão
implicações que precisam ser conhecidas. Se optarmos pela forma em detrimento
do conteúdo de um argumento, colocaremos em risco a transmissão da verdade.
Por outro lado, se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma,
teremos dificuldades em ser ouvidos, devido à robustez e falta de polimento de
uma argumentação. É por isso que Aristóteles, ao dividir e organizar a retórica,
defende um equilíbrio entre as partes, pois sem este equilíbrio estaremos em
algum exagero.

É sabido que no mundo contemporâneo ocorrem diversos exageros no que


se refere à retórica e oratória praticadas em diferentes âmbitos da sociedade.
Citamos como exemplo os políticos, que utilizam vários tipos de sofismas,
argumentos falsos, para poder convencer seus eleitores e, posteriormente, uma
vez eleitos, esquecer e até desmentir o que prometeram. Se pensarmos esta
realidade no meio grego, especialmente no período de Aristóteles, teríamos sérias
dificuldades em considerar plausível tal atitude.

De acordo com Aristóteles, argumentar persuasivamente é condição


necessária para que os indivíduos possam fazer bom uso da arte retórica e, por
conseguinte, se evite a imoralidade. Devemos estar atentos para que ninguém
argumente contra a justiça, pois se alguém o fizer, devemos estar atentos para
refutar o indivíduo. São entimemas, ou seja, silogismos, que nos permitem
desenvolver argumentos antepondo contrários para permitir o bom uso da retórica
para Aristóteles.

É neste ponto, ou seja, na contraposição de ideias, que retórica e dialética


se aproximam. A retórica é útil aos indivíduos porque permite esclarecer quais
são os meios de persuasão utilizados em uma disputa, logo, a retórica é a forma
de descobrir o que é adequado para se persuadir em uma determinada situação.

Platão também se preocupou em demasia com a necessidade


de uma definição acabada do que viria a ser a retórica, e não a
encontrando clara (a não ser pela sua associação com a persuasão),
alimentou alguns preconceitos. Em Aristóteles, por outro lado, nota-se
maior preocupação em demarcar os limites e o alcance da arte retórica
na obra que leva esse mesmo nome, ao estabelecer as bases para o
uso e a compreensão dessa arte. Associando a retórica a um saber
prático, ou técnica, que se diferenciaria de muitas ciências e mesmo de
outras artes por não se concentrar em algum objeto em si, Aristóteles

44
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

disse que a retórica seria “a faculdade de ver teoricamente o que,


em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão, [...] descobrir o
que é próprio para persuadir. Por isso [...] ela não aplica suas regras
a um gênero próprio e determinado” (ARISTÓTELES, 2005, p. 33).
Para esse autor, a retórica se utilizaria de figuras de linguagem como
recurso para a conquista do público (o uso das metáforas, por exemplo,
foi tratado formalmente nessa obra). Apontando para todo esse
conjunto de regras, explicitamente, Aristóteles demarcou os elementos
principais do discurso persuasivo dividindo-os em três gêneros: o
deliberativo, o demonstrativo e o judiciário, os quais teriam finalidades
diferentes. Assim sendo, seriam variados os tipos de argumentos
válidos para a conversação e também as reações esperadas dos
ouvintes e os efeitos despertados nestes. Nessa clássica obra de
Aristóteles sobre a retórica, o autor apresentou uma longa discussão
destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese, as ocasiões
e os objetos que deveriam ser reunidos, a forma de apresentá-los ao
público etc. (VIEIRA, 2012, p. 6).

Nisto a retórica difere das demais artes, pois ela abrange todas as demais
no que tange à instrução e à persuasão. Ainda merece destaque a necessidade
de encontrarmos provas de persuasão próprias da retórica. Algumas estão no
caráter do orador, outras no ouvinte e, por último, temos aquelas presentes nos
discursos. É importante salientar que explicaremos cada uma das formas das
provas de persuasão:

• A persuasão pelo caráter ocorre quando o orador é digno de fé. Isso ocorre
porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas
demais. Esse meio é o modo mais importante de persuasão, faz com que os
indivíduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito.

• Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um


discurso proferido devido à emoção que sentem durante o mesmo. Neste
aspecto, quando estamos sob efeito de emoções, temos mais facilidade em
acreditar, especialmente se o orador explorar as paixões do público.

• Por último, precisamos falar daqueles que se convencem pelo conteúdo do


discurso, pois aquilo que está sendo dito parece verdadeiro se comparado
aos fatos. Parece que a retórica é um ramo da dialética e que deságua na
política, entendendo esta última como a busca pelo bem da polis.

45
Oratória e Retórica

Para Aristóteles, “[...] a retórica é uma parte da dialética e a ela se assemelha,


como dizemos no princípio; pois nenhuma das duas é ciência de definição de
um assunto específico, mas mera faculdade de proporcionar razões para os
argumentos” (ARISTÓTELES, 2005, p. 97).

Segundo Aristóteles, estruturar um argumento leva em conta a retórica,
porque é através dela que se constituirá uma argumentação detalhada e se fará o
exame das provas. Aristóteles inaugurou um modelo de verificação de argumento
que vigorou na história da filosofia até o pensamento moderno. Somente com
Immanuel Kant é que se distinguiu prova de demonstração. Desde então,
sabemos que prova é algo rigoroso quando estamos argumentando, enquanto
que demonstração é algo mais racional e sem verificação empírica.

A retórica é a ciência da construção de bons argumentos, enquanto a oratória


é a exposição destes. Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e
não somente em demonstrações lógicas. Mesmo sendo difícil distinguirmos uma
prova de uma demonstração, precisamos nos esforçar para que formulemos uma
argumentação convincente.

Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retórica filosófica, um


argumento deve ser curto e claro, isto é, deve ser objetivo e abranger a maior
quantidade de fenômenos possíveis sem ambiguidades. No âmbito da linguagem
humana, expressar tais ideias nem sempre é fácil, pois toda a nossa linguagem
possui ambiguidades.

A tarefa de um A tarefa de um bom orador é proporcionar uma clareza em sua


bom orador é exposição e dominar os conteúdos aos quais se refere. Ele pode fazer
proporcionar uma
clareza em sua uso de ambiguidades, mas estar ciente de como e quando pode citar
exposição e dominar tais exemplos. Assim, se em Platão convencer com bons argumentos
os conteúdos aos era o objetivo da retórica, para os sofistas todo o resto acerca da
quais se refere.
verdade não importa, por isso devemos convencer a todo custo.
Enquanto isso, a retórica em Aristóteles ganhou ares de disciplina organizada em
vista de um bem na polis e uma classificação para uso dos acadêmicos. Já em
Roma, os oradores, como Sêneca, por exemplo, se preocupavam em fazer bons
discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em
que viviam.

No processo de assimilação da retórica pela cristandade notamos que


Agostinho, e posteriormente Tomás de Aquino, desenvolveram a exegese e a
interpretação dos textos sagrados seguindo as orientações das propostas da
retórica platônica e aristotélica, respectivamente.

Após desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade,


a retórica e a oratória passaram por um período de dificuldades no início
da Modernidade e ganharam ares profissionais, ficando em segundo plano.

46
Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória

Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retórica


precisamos retomar as propostas da Antiguidade, visto que no século XX a
retórica quase desapareceu do âmbito do debate acadêmico.

Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a


pesquisa em retórica e oratória, para conseguirmos refletir de maneira adequada
sobre este assunto:

• Primeiro: entre os filósofos pré-socráticos e os sofistas, a retórica e a oratória


assumiram um caráter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendê-
las, sem distinção, exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas.

• Segundo: para Platão e Aristóteles a retórica e a oratória possuem características


que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa prática da justiça.

• Terceiro: a retórica e a oratória medieval possuem particularidades que não


podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium, logo, os autores
deste período utilizaram de modo genuíno os elementos propostos por Platão e
Aristóteles para fazer suas reflexões religiosas, bem como para estruturar suas
doutrinas.

• Quarto: a retórica e a oratória passaram por períodos de esquecimento na


Modernidade até o início do século XX, sendo reincorporadas de modo incipiente
por causa da influência do marketing nos E.U.A. após os anos de 1950.

Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um


apontamento didático para o estudante de Oratória e Retórica construir o seu
mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retóricas
que encontramos no mundo contemporâneo.

Algumas Considerações
Este capítulo abordou a história da retórica e da oratória para distinguir
algumas características. Deste modo, argumentar bem não significa enganar o
interlocutor, é, antes de tudo, saber escolher a estratégia adequada, como nos
ensinam Platão, Sócrates, Aristóteles e os outros autores referidos no texto.

Por isso cabe a você, estudante de Oratória e Retórica, escolher quais os
caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as
ferramentas disponíveis.

47
Oratória e Retórica

Referências
ARISTÓTELES. Arte Poética e Arte Retórica. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

COSTA, R. A Educação na Idade Média: a Retórica Nova (1301) de Ramon Llull.


Notandum ESDC. Porto. 2008.

DURAN, M. R. da C. Retórica e eloquência no Rio de Janeiro: 1759-1834.


Franca: UNESP, 2009.

LAUSBERG, H. Handbuch der literarischen Rhetorik München. Max Hüber. 1960.

MOSCA, L. L. S. Retóricas de Ontem e de Hoje. Velhas e novas retóricas:


convergências e desdobramentos. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2001.

PLATÃO. Górgias ou a Retórica. São Paulo: Difel, 1970.

PLATÃO. Fedro. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2005.

REBOUL, O. Introdução à Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

VIEIRA, J. G. S. A retórica como a arte da persuasão pelo discurso. Curitiba,


2012.

WESTON, A. A arte de argumentar. Lisboa: Gradiva, 1996.

48
C APÍTULO 2
A Retórica e a Oratória

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Apresentar as formas de se expressar.

� Conhecer os modos de formulação de um argumento, estrutura e modelo.

� Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos.

� Averiguar as diferentes formas de convencimento e construção de discursos.


Oratória e Retórica

50
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

Contextualização
Neste capítulo destacamos a formulação e exposição de um argumento.
Partimos da noção e conceituação grega, pois retórica e oratória não nasceram na
modernidade, e nos colocamos no caminho dos grandes sábios e pensadores que
refletiram sobre o problema. Convidamos o estudante desta disciplina a seguir
este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas
que tanto almejamos.

O Que é Argumentar Bem?


A retórica e a oratória
entendidas como
A retórica e a oratória entendidas como a arte de construir bons a arte de construir
argumentos e a arte de expor bem estes argumentos é a temática deste bons argumentos e
capítulo, que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de a arte de expor bem
estes argumentos
ambas. Queremos expor neste capítulo de modo mais detalhado cada é a temática deste
parte da construção e exposição de um bom argumento. capítulo, que quer
esclarecer ao
estudante sobre as
Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formação dos modos particularidades de
de falar, para tanto deve conhecer um pouco a formação histórica da ambas. Queremos
expor neste capítulo
retórica no Ocidente. Diferentemente do que muitos podem pensar, de modo mais
a retórica e a oratória não são jovens e não começaram ontem, há detalhado cada
parte da construção
um longo caminho para chegarmos às formas atuais de exposição e e exposição de um
construção de argumentos. bom argumento.

Consideremos a possibilidade de construir uma retórica de boa qualidade para


podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar. O conhecimento da
retórica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos
ignorantes sobre este tema de extrema importância.

A FORMAÇÃO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETÓRICA


COMO SEU INSTRUMENTO DE AÇÃO NO PRINCIPADO

[...] a retórica só apareceu em Roma, em sua forma latina, por


volta do século I a.C. A primeira escola de retóricos latinos foi aberta
em 93 a.C. por L. Plócio Galo, um cliente de Caio Mário, sendo
fechada no ano seguinte pelos cônsules Cneu Domício Ahenobarbo
e Lúcio Licínio Crasso, por ser considerada uma transgressão
aos costumes ancestrais. Essa primeira iniciativa, relevando as
hostilidades políticas contra a sua intenção, foi a primeira a propor um

51
Oratória e Retórica

tipo “moderno” de retórica, oposto em certo grau à retórica clássica


das escolas gregas.

Apesar de influenciada por fundamentos da retórica grega, a


obra Retórica dedicada a Herênio, composta por um aluno desta
escola, reage contra a acumulação de regras e defende um ensino
aproximado da prática e da vida. Questões da política contemporânea
passam a ser incluídas. Essa medida repressora fez com que o
ensino da eloquência só se elevasse novamente com Cícero, em
finais do século I a.C., momento no qual optimates e populares
discutem no Senado.

Deixando por um momento as condições do ensino da retórica


em Roma, iremos falar do desenvolvimento da gramática antiga e
de sua evolução. Se existe já na Antiguidade uma reflexão sobre a
relação entre as palavras e as coisas, desse interesse vemos que os
primeiros estudiosos da linguagem, como Platão em Crátilo, tentaram
realizar, mediante uma análise das correlações possíveis entre forma
e sentido das palavras, o encontro de uma forma supostamente
“verdadeira”, o acerto entre o nome e a coisa representada.

Já por volta do século II a.C, uma nova questão entrará em pauta


associada às perspectivas do primeiro debate. Passou-se a discutir
se havia ou não uma regularidade que regia tanto o funcionamento
quanto as mudanças de significados das palavras ao longo do
tempo. O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da
irregularidade, na analogia e anomalia.

Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas


formais, significando que palavras de uma mesma categoria
gramatical tinham idênticas terminações e semelhante estrutura
prosódica, podendo ser autocomparáveis, enquanto os anomalistas
procuravam valorizar tudo aquilo que fosse “natural”. A língua para
estes, devido as suas raízes, deveria ser encarada tal qual era
apresentada, mesmo que parecesse irracional.

A clássica definição de gramática remonta a Dionísio Trácio.


Representante da escola alexandrina, este definiria a disciplina
como o conhecimento prático do uso linguístico comum a poetas e
prosadores. A arte de escrever bem se tornaria mais tarde também a
arte de falar corretamente. À gramática caberia determinar quais os
usos que seriam corretos e legítimos, enquanto à retórica caberia a
atualização, num discurso, de determinados usos com vistas a torná-
lo eficiente e persuasivo.

52
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

Retornando ao panorama latino, sem deixar de dar


prosseguimento ao desenvolvimento da gramática, Varão de Reate
propõe o respeito ao latim padrão em detrimento do latim vulgar,
falado pelo populus na República e no Principado. Em sua obra,
de língua latina, ele propõe a divisão da gramática em morfologia,
sintaxe e etimologia, que não chegaram a ser aplicadas.

Com Prisciano e Donato, aplica-se um aprofundamento da


sintaxe, que em definição seria “[...] assim como a palavra é a unidade
mínima da estrutura da frase, esta é a expressão de um pensamento
completo (dictio est pars minima orationas constructae, oratio est
ordinatio dictionum congrua, sententiam perfectam demonstratus)”.
Dentro do quadro da educação aplicada ao cidadão romano, como
foi dito um pouco acima, no ensino superior, trata-se em primeiro
lugar do ensino da retórica. Sabendo que a possibilidade de ingresso
nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da
sociedade romana, vemos que o ensino da arte oratória é confiado a
um mestre especializado, o rhetor.

Numa hierarquia de valores, o rhetor ocupa um posto mais


elevado em relação aos seus colegas, o magister ludi e o grammatici,
responsáveis pelo ensino primário e secundário, respectivamente.
Ensinando à sombra dos pórticos dos foros, tinha a sua disposição
salas arranjadas como pequenos teatros, abertas ao fundo dos
pórticos. O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domínio da
arte oratória, a princípio assegurada na técnica tradicional, o sistema
complexo das regras, procedimentos e normas estabelecidos pela
escola grega: ensino formal de comunicar as regras e habituar o
aluno a se utilizar delas.

Para Marrou, não há retórica propriamente latina: esta arte teria


sido inventada, elaborada e aperfeiçoada pelos gregos. O trabalho
dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulário
dos gregos, transcrevendo pacientemente cada palavra para seu
sinônimo em latim. A retórica latina permanece, durante todo o
Império, em contato muito estreito com a retórica grega.

Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do


falar, jamais desconheceram a força poderosa e sedutora da palavra,
pois oradores são conhecidos desde os primórdios da história de
Roma. Embora os contatos com o mundo grego tenham existido
desde períodos sem relatos, as relações entre as duas civilizações
começaram a ganhar força a partir do século III a.C. O domínio
político de Roma sobre a Grécia e o Oriente abriu as portas para
o surgimento de uma cultura híbrida, helenizada e de bilinguismo,

53
Oratória e Retórica

fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da


Grécia, e depois do helenismo.

Uma clara verificação disso foi o surgimento do ideal romano


e do culto da humanitas, através de homens cultos da aristocracia,
que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a
montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas. O
Círculo dos Cipiões, cujos conhecimentos marcados por uma linha
de pensamento baseado em preceitos do estoicismo, forneceu base
teórica grega ao ideal da virtus romana.

Efetivamente, humanitas deriva de humanus, que por sua


vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra): existe
a probabilidade da noção de um “ser terreno”, ligado a modos de
comportamento que lhe são próprios, incluindo o comportamento e a
natureza dos homens. Certos exemplos de Cícero indicam também
outras variantes complementares deste termo:

Quem poderá chamar corretamente homem o que


se nega a ter com os seus concidadãos, como todo
o gênero humano, qualquer comunidade jurídica,
solidariedade humana (humanitas societas)?
A essas obras de arte, não as compreendia o famoso
Cipião, homem tão instruído e culto (humanissimus). E
tu, que não tens saber, nem humanitas, nem talento,
nem letras, é que as compreende e avalias!

Nestes extratos, vemos que Cícero emprega humanitas como


termo de acumulação de civilidade, doutrina, saber; humanitas é
aquilo que torna o homem profundamente homem, e se perpetua
mesmo com a expiração do ser. Humanitas torna o homem digno,
fazendo-o humanus e politus, ajustando este conceito as suas
gravitas, auctoritas e dignitas, atitudes de caráter romano.

Ferrenho opositor a essa assimilação foi, dentre muitos, Marco


Pórcio Catão, cuja facção senatorial tentou impedir a invasão maciça
da cultura e costumes gregos, que somada às mudanças políticas
inevitáveis da expansão imperialista, poderia corroer as bases ético-
políticas do Estado romano, e de seu regime autocrático.

A influência de Catão no século II a.C foi a última defesa


da sobrevivência da retórica nos moldes clássicos, que eram
caracterizados por uma linguagem agressiva, robusta, direta,
desprovida de ornamentos; o tom grave e distinto que aparentava a
simplicidade direta e firme da linguagem arcaica.

54
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

De Catão podemos extrair a máxima que define o caráter do


orador nos moldes da retórica clássica: “Vir bônus peritus dicendi”.
O homem nobre, hábil no falar. E também diz respeito a uma visão
pragmática, e de certa forma, desintelectualizada do discurso, uma
genuína retórica romana. Na passagem do século II para o século
I a.C, dois oradores são lembrados: Marco Antônio e Lúcio Licínio
Crasso. Dois optimates, que divergiam quanto à maneira de abordar
a importância da matéria do discurso, ou da técnica de elocução: a
persuasão.

Fonte: Campos (2008, p. 4-6).

Por isso, conhecer estas divergências expostas no texto entre retórica e oratória
permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que
ele não é o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso.
Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos. Conforme
aponta Campos (2008), em seu artigo acadêmico, a retórica romana assumiu
muitos elementos da retórica grega na questão da estrutura e, ao mesmo tempo,
assumiu características novas devido ao meio romano na qual estava imersa.

Embora saibamos que a essência da retórica e da oratória não se altera


com o passar do tempo, é importante entendermos que a forma está sempre em
desenvolvimento. Este modo de exposição das nossas ideias constitui a vida da
oratória, ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que está sendo
produzida.

Este processo de desenvolvimento da retórica, mesmo em Roma (sec. I a.C.,


sec. I d.C.), não foi tranquilo e sem problemas. Segundo Silveira (2012), existiram
muitas crises e dificuldades na formação da oratória e da retórica romanas.

O crescimento da cidade de Roma, sua organização e suas


conquistas, que fizeram desta uma das cidades mais importantes
da antiguidade, não foi algo que se deu da noite para o dia. Seu
crescimento, enquanto Império, deu-se principalmente pela
organização de seu comércio, suas instituições, seu exército e,
sobretudo, pelo corpo social forte e unido, chamado Nobilitas
(ALFOLDY, 1975, p. 59). Lembrando que a formação do
Império Romano foi um longo processo, podemos, no entanto,
destacar três fases que fizeram parte deste imperialismo. Na
primeira fase, conhecida como “Guerra de Defesa”, Roma não
promove ataques, mas se defende daqueles que, atraídos pelo
seu crescimento, resolvem atacá-la. É importante destacarmos
que, ao se defender dos ataques e invasões, Roma anexa as
cidades vencidas: a região da “Salina”, a mais próxima, foi a
primeira região conquistada. Mais tarde, em 273 a.C., teremos

55
Oratória e Retórica

a conquista das cidades da Magna-Grécia; estas cidades se


encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos. Após
ter conquistado toda a península itálica, Roma dá início à
conquista do Império Cartaginês, o qual possuía a hegemonia
da região da Sicília. Esta fase é conhecida como Guerra de
expansão hegemônica ou “Guerras Púnicas”: esta culminará
com a destruição da cidade de Cartago, no norte da África.
Quanto à terceira fase, esta tem início em 133 a.C., quando,
financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a
sociedade dos republicanos, Roma inicia a chamada “Guerra
de Expansão Econômica”, passando, assim, de Cidade-
Estado a Cosmo-Pólis, dominando todo o mundo conhecido. É
importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava
fortalecido, devido ao seu poder que foi aumentado, bem como
seu aparelho militar, o qual se encontrava mais organizado
e poderoso, contando com generais de renome, vistos
muitas vezes como deuses. Com a entrada em Roma de
grande quantidade de tributos, derivado de suas conquistas,
esta conhece um período de inflações: seu custo de vida é
aumentado, o que irá gerar mudanças nas formas de produção
(SILVEIRA, 2012, p. 2-3).

Estes caminhos antigos da retórica e da oratória nos permitem entender
como podemos convencer alguém sobre as mensagens que queremos passar
em uma época como a atual. A dinâmica das relações de trabalho no mundo
contemporâneo se modifica rapidamente, mas os elementos substanciais dos
oradores antigos são os mesmos até hoje.

A moral de orador, a sua eloquência, a credibilidade etc., nada disso pode ser
dispensado em um mundo como o nosso. E você, estudante de oratória e retórica,
precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem.

Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de


falar bem, percebemos que elas destacam algumas características que devem
estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos.

Assim, saiba que você só conseguirá convencer ou persuadir


se transmitir credibilidade em sua maneira de falar. Fica
evidente que a credibilidade é um dos fatores fundamentais
para o sucesso da comunicação. Por isso, é importante saber
quais os requisitos para conquistar a confiança das pessoas,
construir sua reputação como orador que inspire respeito,
credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem
resistências. Para que você conquiste credibilidade, falando
dentro ou fora dos parlatórios, precisará de pelo menos seis
requisitos fundamentais: Naturalidade: a mais importante
qualidade da oratória. Não existe técnica em comunicação – por
mais elaborada que seja – mais relevante que a naturalidade.
Você precisa ser um orador natural e espontâneo. Agora,
veja: ser natural, no entanto, não significa, por exemplo, levar
para o auditório os erros e as negligências da comunicação
deficiente, como a pronúncia incorreta das palavras. Emoção
e envolvimento: além da naturalidade, você precisa falar com
disposição, com energia, com envolvimento, com emoção.

56
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

Como convencerá o público se nem mesmo você mostrar


interesse no que diz? Revele sua emoção no entusiasmo com
que abraça o seu discurso. Gerry Spence, advogado americano,
que em mais de 40 anos nunca perdeu uma única causa
criminal, diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre
(1995) o seguinte: “Concentradas em seus sentimentos, as
pessoas que estão dizendo a verdade falam com o coração,
que é incapaz de compor precisamente o raciocínio linear
de um cérebro laborioso. E ao ouvir o que é expresso pelo
coração, o ouvinte também é levado a ouvir com o coração”.
Imagem bem construída: na política pode haver a possibilidade
de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construção
da imagem do político perante a sociedade. O orador, por
sua vez, deve estar ciente de que, independentemente de
marqueteiros, ele tem que gerenciar seu próprio marketing
pessoal, construindo e preservando a boa imagem, ancorada
na honestidade, na justiça, no respeito, na honra, na ética,
bem como em todos os bons valores sociais e individuais.
Conhecimento e autoridade sobre o assunto: a sua credibilidade
como orador está intimamente relacionada ao conhecimento
que você demonstra ter sobre o assunto pela forma como se
expressa. Empenhe-se para ter muito mais informações do
que aquelas que você necessitará em sua exposição. Leia,
estude, pesquise, se possível, entreviste outras pessoas mais
experientes que já tratam do tema de sua exposição. Prepare-
se com antecedência e durante o maior tempo possível sobre a
ideia que irá defender em seu discurso. Prepare-se da melhor
maneira que puder para fazer a apresentação. Ensaie todos
os detalhes, teste os equipamentos que pretende utilizar,
enfim, não deixe nada ao acaso. Confiança: a confiança em
si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo.
De acordo com Lena Souza (2011), “a fisiologia do medo é
caracterizada por uma descarga de adrenalina que pode fazer
as pernas tremerem, as mãos suarem, o coração bater mais
forte etc.”. E diz ainda que: “ninguém perde o medo e, sim,
o vence. E o medo é como o sal, na dose certa, ele nos é
muito importante, inclusive essa adrenalina do medo pode ser
convertida em favor do orador” (SILVA, 2012, p. 8-9).

Estas indicações não são prontas a você, estudante de oratória e retórica,
na verdade são indicações para que você possa trabalhar suas dificuldades
e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem
também são. Lembre-se: ninguém nasceu com todos os conhecimentos, se você
quiser melhorar, deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas
dificuldades.

Antes de entrarmos na definição de retórica e oratória, queremos


esclarecer uma questão fundamental ao estudante. Na academia não podemos
simplesmente emitir opiniões, pois conforme ensina Platão, a doxa, opinião, não é
o conhecimento, ela é o ponto de partida de uma tentativa de conhecer. Portanto,
doxa, opinião, não é conhecimento, episteme. Conhecimento é o resultado de
uma reflexão racional, que em filosofia sempre pode ser repensado, de forma
minuciosa e profunda (Platão). O conhecimento é algo minimamente seguro para

57
Oratória e Retórica

se dizer que temos um conceito. Sem um conceito não podemos fazer academia.
Deste modo, propomos a você, estudante de oratória e retórica, um pequeno
exercício que pode contribuir no entendimento deste problema.

Atividade de Estudos:

1) Leia o texto disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-


americo-persuasao-0.pdf>, página 77 a 79, e identifique, de
acordo com o texto, quando opinião é diferente de conhecimento,
e explique o que você entendeu sobre este problema. Como se
entende o papel da retórica?
____________________________________________________
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Agora que você já sabe que o conhecimento acadêmico não é uma mera
opinião de qualquer pessoa, passamos ao entendimento da arte retórica e da
oratória como formas de compreensão da expressão do intelecto humano de
maneira mais clara e distinta.

Neste sentido, um estudo aprofundado sobre a retórica é importante para


desenvolver uma maneira de argumentação e construção de argumentos. De
acordo com Platão, a retórica serve basicamente para o convencimento e para
a persuasão dos interlocutores. Para sofistas como Isócrates e Protágoras, a
retórica serve para produzir uma boa reflexão, um modo de defender uma hipótese
sem se preocupar com a verdade. No caso de Aristóteles, a retórica serve para
uma forma mais prática e se aproxima da dialética, oposição de conceitos, para
produzir um debate.

Ao pensarmos a retórica como sendo uma atividade pela qual


o ser humano tenta, através de seu discurso, levar o ouvinte
a crer nas ideias ali defendidas, nos deparamos com uma
prática tão antiga quanto difícil de estabelecer o seu início na
humanidade. A retórica não é um privilégio reservado aos povos
antigos e, nos dias de hoje, ela continua envidada na política,
nas campanhas publicitárias, em mensagens midiáticas, no
comércio e em tantas outras relações que nos circundam.
É nesse sentido que Halliday (1990, p. 26), professora de

58
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

Comunicação Pública que realizou pesquisas sobre a retórica,


afirma que todos nós agimos retoricamente, partindo do
princípio de que isso significa “[...] usar a linguagem como um
meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que
elas entendam”. Essa autora também tem em vista que cada
indivíduo pode fazer uso da persuasão para convencer a si
próprio sobre alguma ideia, haja vista que “a consciência é o
primeiro público”, e cita o eufemismo como um dos alicerces
importantes e sutis nessa arte. Embora a prática persuasiva
tenha historicamente existido em culturas diversas, o estudo
dessa arte recebeu significativa atenção de antigos filósofos
gregos, entre os quais destacamos Aristóteles (384 – 322
a.C.), pensador que escreveu a obra Retórica, sendo esta aqui
demarcada como o foco principal deste trabalho. Aristóteles
viveu em uma época de fortes transformações e agitações
sociais na antiga Grécia. O ceticismo se expandia, com cada
indivíduo querendo viver para os seus próprios negócios e,
principalmente em Atenas, uma cidade que servira como
referência intelectual e política, havia uma carência do espírito
coletivo, assim como de orientações que conquistassem a
confiança dos cidadãos para guiá-los no campo discursivo
da verossimilhança. Diante de uma sociedade ameaçada por
posturas egoístas e confusas, e do risco da desarticulação
extrema das inter-relações sociais, o filósofo de Estagira
percebeu a importância de ordenar a construção dos discursos
a serem proferidos em ambientes diversos (jurídicos, fúnebres,
deliberativos etc.). A arte retórica ganha, com Aristóteles, o
sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que é
capaz de gerar a persuasão; o exame acurado das formas
que compõem o discurso (ou rethón), levando em conta cada
situação social; de acordo com o momento, o ambiente, a
cultura e as pessoas envolvidas. Diante dessa concepção
aristotélica, a presente investigação procura responder ao
seguinte questionamento: é possível identificar conexões
entre a Retórica de Aristóteles e o que este filósofo idealiza
para o exercício das inter-relações sociais na pólis grega?
Adiantamos, nesse momento, que concebemos uma resposta
positiva para esta primeira pergunta (LIMA, 2011, p. 14-15).

Logo, definimos, de acordo com Reboul (2004), a retórica como a arte de
construir bem um argumento e a oratória como a arte de expor com qualidade e
técnica este argumento.

Isso significa que a construção da arte retórica envolve tanto o convencimento


por intermédio do texto escrito quanto pelo convencimento oral. Por ter estas
diferentes dimensões é que se costuma separar retórica de oratória. Retórica
escrita e elaborada metodicamente e oratória oral com uma conotação mais
apaixonada.

O termo arte, techné em grego, é visto por Reboul (2004, p. XVI)


como detentor de uma ambiguidade, sendo “até duplamente
ambíguo”. O autor ressalta que o termo faz referência tanto a
uma habilidade espontânea quanto ao que é adquirido por meio
do ensino. Ora traduz o sentido de uma simples técnica, ora, ao
contrário, “[...] o que na criação ultrapassa a técnica e pertence

59
Oratória e Retórica

somente ao ‘gênio’ do criador. Em qual ou em quais desses


sentidos se está pensando quando se diz que a retórica é uma
arte? Em todos”. Cabe aqui perguntarmos: qual é o sentido de
techné concebido por Aristóteles? Para este filósofo, a techné
é um saber fazer bem feito o que se faz, seja na construção
de um artefato ou de um discurso; um fazer com arte cujo
sentido é o de produzir tecnicamente bem, com habilidade, o
que o indivíduo se propõe a produzir. Isto fica claro na Ética a
Nicômaco (ARISTÓTELES, VI, 5, 1140b), assim como o caráter
imitativo da arte frente à natureza. Porém, tal imitação não
significa copiar, pois na visão aristotélica a imitação artística
metamorfoseia reproduzindo, como nos lembra Stirn (1999,
p. 65) em sua obra Compreender Aristóteles. Sendo assim,
o artista não está limitado a copiar mecanicamente o que vê,
havendo uma abertura para a transformação e a criatividade.
Isso também ocorre na proposta aristotélica de Retórica. Ao
defini-la como “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada
caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”, Aristóteles (Ret.,
I, II, 1) não exclui o caráter de a retórica ser uma arte, mesmo
estando presente a palavra faculdade em vez de arte. Pois,
logo em seguida, ele acrescenta: “Nenhuma outra arte possui
esta função, porque as demais artes têm, sobre o objeto que
lhes é próprio, a possibilidade de instruir e de persuadir”. Com
isso, deixa implícito que a retórica também é uma arte entre as
demais por ele observadas. Na Retórica, embora o retor conte
com uma estrutura discursiva geral pré-organizada, não é raro
ele se deparar com aspectos imprevisíveis da vida prática e do
mundo das opiniões. Frente a estes, o Estagirita situa a arte
retórica também como uma sabedoria do lidar com as surpresas
(discursivas e sociais), e de possivelmente transformar (ou
manter) situações práticas a partir do discurso persuasivo.
É aqui que a ideia aristotélica de thechné nos permite uma
aproximação do sentido de “’gênio’ criador” citado por Reboul.
A arte retórica requer (do retor) conhecimento e criatividade,
pois não basta copiar e decorar fórmulas quando a vida prática
tem sua margem de mistério e de imprevisibilidade; fatores
estes que exigem mais do que a mera cópia de um modelo de
discurso. Afinal, pela retórica aristotélica, aquele que discursa
busca persuadir o ouvinte, e não necessariamente copiar para
persuadir (LIMA, 2011, p. 24-25).

Neste sentido, o modo de construção de uma argumentação está diretamente
relacionado ao modelo de expressão de cada indivíduo que se propõe a um
discurso público. Não basta, como afirma Lima (2011), copiar fórmulas para
construir discursos, é preciso construir um modo de escrever e falar. Ao citar
Reboul, Lima (2011) esclarece que para explicar a questão da persuasão
precisamos dois cenários:

Reboul (2004, p. XV), ao procurar esclarecer o sentido de


persuasão, utiliza dois exemplos, são eles: “1) Pedro persuadiu-
me de que sua causa era justa. 2) Pedro persuadiu-me a
defender sua causa”. Vejamos a distinção feita pelo autor (id.,
ibid., p. XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se
a persuasão: [...] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar
em alguma coisa, enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a
fazer alguma coisa, não se sabendo se acredito nela ou não. A
nosso ver, a persuasão retórica consiste em (1), sem redundar

60
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

necessariamente no levar a fazer (2). Diferentemente de


Reboul, Perelmam (2004, p. 58), filósofo do direito cujos estudos
de retórica recebem fortes influências aristotélicas, destaca a
ação (o fazer) como sendo essencial à persuasão: Para quem
se preocupa sobretudo com o resultado, persuadir é mais do
que convencer: a persuasão acrescentaria à convicção a força
necessária que é a única que conduzirá à ação. Abramos a
enciclopédia espanhola. Dir-nos-ão que convencer é apenas a
primeira fase – o essencial é persuadir, ou seja, abalar a alma
para que o ouvinte aja em conformidade com a convicção
que lhe foi comunicada. Por outro lado, Reboul (2004, p. XIV)
critica aqueles que distinguem rigorosamente “persuadir” de
“convencer”, afirmando que tal distinção se fundamenta numa
filosofia – ou mesmo ideologia – exageradamente dualista,
“[...] visto que opõe no homem o ser de crença e sentimento ao
ser de inteligência e razão, e postula ademais que o segundo
pode afirmar-se sem o primeiro, ou mesmo contra o primeiro”.
Entretanto, vale observar que Perelman não joga o ser de
razão contra o ser de sentimento, e nem postula que o segundo
possa afirmar-se sem o primeiro, ele apenas põe o primeiro
como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo. Por
tal característica (entre outras), as ideias de Perelman estão
em afinidade com a Retórica aristotélica, como já percebera
Guimarães (2004, p. 145), em seu artigo Figuras de Retórica e
Argumentação: “Assim, modernamente, a obra de C. Perelman,
autor belga, diligencia reabilitar uma teoria da argumentação
que reencontre a tradição aristotélica” (LIMA, 2011, p. 30-31).

Para entendermos essa dinâmica de formação de um modo próprio de
expressão de nossas ideias através de argumentos, propomos um exercício
de entendimento do desenvolvimento da retórica antiga. Sabemos que
para convencermos alguém temos que usar de eloquência, precisamos ser
convincentes. Entre os gregos, a retórica e a oratória ganharam força quando se
desenvolveram técnicas de argumentação e estruturação de discursos.

Atividade de Estudos:

1) Sabemos que a retórica surge entre os gregos antigos. Leia


o texto disponível em <http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-americo-
persuasao-0.pdf>, páginas 5 a 8, e explique o que você entende
dessa leitura proposta.
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61
Oratória e Retórica

Ora, o modo de eloquência se relacionava diretamente com a honestidade,


com o compromisso com a verdadeira filosofia. Evidentemente que na história
posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que
enfatizam a forma e não o conteúdo do discurso. Nos regimes democráticos o
nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna,
pois sem a retórica sofística a democracia não se sustentaria. É a rejeição da
verdade na antiguidade que transformou a retórica em modo sagaz
A boa argumentação
se apoia em de convencimento. Neste sentido, podemos falar em um triunfo dos
três aspectos sofistas em relação a Platão, uma vez que para o autor dos Diálogos
fundamentais, de platônicos a retórica e a verdade se mantinham unidas.
acordo com Platão.
Primeiro é preciso
articular bem a Essa separação entre retórica e verdade resultou na modernidade
verdade com o
discurso que se no aparecimento de outra divisão fundamental. É Maquiavel que
profere. Segundo, constatou que política e ética não pertenciam mais ao mesmo espectro.
devemos estar Deste modo, a retórica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir
atentos à forma do
discurso. uma arte da persuasão sem compromisso com a verdade.

A boa argumentação se apoia em três aspectos fundamentais, de


Por isso, falar bem acordo com Platão. Primeiro é preciso articular bem a verdade com o
implica, antes de
tudo, saber como discurso que se profere. Observamos isso no diálogo Górgias, de Platão,
montar um discurso que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental.
e qual a finalidade Segundo, devemos estar atentos à forma do discurso. Se for uma forma de
de um discurso.
Esse entendimento explanação ao público em geral ou se é um discurso particular. E terceiro, a
permite ao quem se dirige o discurso, se é uma plateia que possui um repertório amplo
estudante de
oratória e retórica ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado.
desenvolver o
entendimento Por isso, falar bem implica, antes de tudo, saber como montar um
de que pensar e
falar bem estão discurso e qual a finalidade de um discurso. Esse entendimento permite
diretamente ao estudante de oratória e retórica desenvolver o entendimento de que
articulados.
pensar e falar bem estão diretamente articulados.

Atividade de Estudos:

1) Leia o texto disponível em <http://repositorio.ul.pt/


bitstream/10451/18457/3/ulfl183093_tm_3.pdf>, páginas 3 a 5, e
responda: Como você entende esse desenvolvimento da retórica?
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62
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

Quando estamos diante de um texto religioso, por exemplo, devemos estar


atentos ao processo hermenêutico, ou seja, de interpretação para posteriormente
montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido. É por isso que
para se desenvolver uma boa oratória e uma boa retórica, o estudante deve se
preocupar em entender bem e saber estudar um texto. É condição prévia para se
montar um bom discurso saber interpretar um texto, dominar a língua em que se
escreve e fundamentar bem suas posições nos autores escolhidos.

Deste modo, argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer
expor de modo claro e distinto, conforme aponta Descartes em seu discurso do
Método, pois algo confuso e misturado não pode transmitir uma mensagem clara
aos interlocutores.

A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possível,


pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser, visto que
a oratória e a retórica não visam somente ao convencimento dos outros. Ela
procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida, visto que vivemos em
um mundo plural. Ninguém precisa concordar com o orador somente por ele ter
palavras ardilosas e sedutoras. Evidentemente que se o orador for sedutor e ao
mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores,
podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relação aos
argumentos enunciados.

De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior, podemos


utilizar alguns artifícios retóricos que nos ajudam a convencer os interlocutores.
Esses artifícios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador
com a verdade. Conforme defende o sofista Górgias no diálogo platônico, é o
orador que escolhe como e de que modo quer convencer. Evidentemente que
Platão, por ter um compromisso maior com a verdade, não concorda com isso.
Por isso falamos, no início deste capítulo, que depende do compromisso com a
verdade que nós temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para
sabermos se um argumento é de fato verdadeiro e bem exposto.

Uma boa exposição de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos


esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros
ambientes. Deste modo, cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um
determinado ambiente e medir as consequências de suas afirmações. Lembremos
também que, de acordo com Reboul (2004), o estilo de discurso deve estar em
consonância com o orador e o público a que se expõe os argumentos.

Logo, a arte de falar bem não é exata, como as pessoas que não estudam
a área pensam, emitindo opiniões vazias. Devemos evitar generalidades, ensina
o grande retórico antigo Aristóteles em seu texto chamado posteriormente de
Metafísica, pois elas produzem efeitos contraditórios e enganosos.

63
Oratória e Retórica

Desta maneira, Desta maneira, falar bem é consequência direta da boa construção
falar bem é e exposição de argumentos. Se bem formularmos um argumento,
consequência direta
da boa construção poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir.
e exposição de
argumentos. Se
bem formularmos Neste sentido, falar bem é aprender a pensar bem, escrever bem
um argumento, e expor bem um determinado argumento. Se não formos capazes de
poderemos explicar um argumento, não podemos dizer que falamos bem, pois
apresentar bem
a mensagem que falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que
queremos transmitir. nós queremos passar.

A Construção do Argumento
A construção de A construção de um argumento se processa de maneira muito
um argumento se
processa de maneira detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base sólida
muito detalhada e para expor o que queremos.
existe a necessidade
de construirmos
uma base sólida Inicialmente, para se fazer e expor um bom argumento é preciso
para expor o que escolher o estilo a ser utilizado na exposição deste. Depois precisamos
queremos.
escolher o modo como se fará esta exposição. É claro que supomos
uma determinada mensagem que já foi escolhida para ser transmitida. Logo, para
se construir um bom argumento é preciso ter um assunto a ser transmitido, um
estilo de exposição, um modo pelo qual o orador irá se manifestar e um plano
lógico para executar todo o processo de transmissão da mensagem.

Como podemos escolher um tema para expor? Ora, se estamos


Ora, se estamos
interessados em interessados em apresentar um argumento, é porque temos interesse
apresentar um que os outros saibam o que nós queremos expor. Se existe esta
argumento, é porque
temos interesse que motivação interior, ela deve ser elaborada, pois nossa vontade de
os outros saibam o querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo
que nós queremos precisa de esmero. É neste momento que a retórica e a oratória podem
expor.
ajudar você a se manifestar de maneira clara e eloquente.

Para construir um argumento, segundo Platão, precisamos


Com efeito, o dominar com absoluta clareza o que queremos expor. Se soubermos,
conhecimento de
um determinado por exemplo, um determinado argumento e dominamos suas variações,
argumento permite estamos aptos a expô-lo.
calcular o alcance de
nossa exposição, de
nossa argumentação. Com efeito, o conhecimento de um determinado argumento permite
Se dominamos, calcular o alcance de nossa exposição, de nossa argumentação. Se
por exemplo, o
argumento da lei da dominamos, por exemplo, o argumento da lei da gravidade, ou seja, todos
gravidade, os objetos sobre a superfície da Terra caem à mesma velocidade devido

64
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

à lei da gravidade, podemos explicar isso aos outros, bem como suas variações.
Agora, se temos dúvidas e não sabemos qual é a lei da gravidade universal, não
conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento. Deste modo
devemos, antes de tudo, averiguar se realmente sabemos um argumento de
maneira a podermos expor o mesmo com qualidade. Conforme ensina Sócrates
referido por Luz (2010, p. 49-50):

[...] em vez de censurar, o que é preciso é desculpar os que,


por desconhecimento da dialética, não estão em condições de
definir o que seja retórica. Com toda sua ignorância, por haverem
encontrado casualmente uns poucos conhecimentos, pensam
que descobriram a retórica, e pelo fato de transmitirem a outras
pessoas essas mesmas noções, estão convencidas de que lhes
ensinaram a arte de bem falar. A dialética é o caminho da alma
para que se possa alcançar a beleza e a justiça, base para todo
ensino verdadeiramente filosófico – conhecimento da alma e
amor à verdade, na busca dos princípios eternos. Ao passar
por todas estas definições ambicionadas a colocar a retórica
a serviço do conhecimento filosófico e verdadeiro, Platão –
utilizando-se do discurso socrático –, parte do divino para dirigir
o debate para um campo epistemológico e ético, opondo-se
aos oradores de sua época. A retórica, portanto, depende da
dialética, que por se esforçar em atingir o verdadeiro, depende
do verossímil procurado por ela, que depende “diretamente”
de valores que são da ordem do inteligível (levando em
consideração que o homem não é a medida de todas as
coisas). Ao longo de suas obras, Platão define a retórica sofista
como um longo discurso contínuo, que visa persuadir os seus
ouvintes por meio de vários procedimentos que se sustentam
uns aos outros, fazendo com que o retórico impressione pelo
conjunto da obra, mais do que pela solidez de cada argumento
explicitado. Entretanto, quando em vista do método dialético,
cada raciocínio se desenvolve pouco a pouco, sendo cada
passo testado e confirmado pela concordância do interlocutor,
só havendo uma passagem para a “tese seguinte”, para uma
segunda argumentação, quando a primeira for apreendida
corretamente; quando a adesão daquele a quem se dirige
garante a verdade de cada elo da argumentação. No caso do
diálogo erístico, há uma preocupação única em se vencer o
adversário, o que implicaria numa total indiferença em relação
à verdade. Tal retórico é motivado pelo desejo de vencer, de
deixar o interlocutor embaraçado, fazendo com que o seu
ponto de vista pessoal injustificado, e não a verdade, triunfe.
Predigo-te que este jovem, seja qual for a sua resposta, será
obrigado a contradizer-se. O diálogo crítico, característica
eminente do discurso socrático, o interlocutor trata-se de testar
uma tese, na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade
com as outras argumentações formuladas por ele. A coerência
interna do discurso é que fornece o critério para investigação,
ou ainda, interrogação crítica, que serve de alicerce para se
testar a compatibilidade argumentativa. Quando o diálogo
deixa de ser crítico para adentrar no caráter verdadeiramente
filosófico – adquirindo um interesse construtivo para além da
coerência interna do discurso –, os interlocutores procuram
entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antemão
foi considerado dialeticamente verdadeiro. O diálogo
filosófico é impreterivelmente dialético, é ele que determina

65
Oratória e Retórica

as características do método dialético – “nele a concordância


dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para
argumentação, não porque se trataria de um concurso de duas
opiniões divergentes, mas porque essa concordância seria a
expressão de uma adesão generalizada às preposições em
questão”. O método dialético é o método de toda filosofia que
pretende dar conta das considerações inesgotáveis do saber
filosófico.

Ora, embora a retórica e a dialética sejam distintas, há uma relação que
permite ao orador formular argumentos retóricos para ser um bom debatedor.
Neste sentido, a retórica é um modo para se buscar a verdade.

Quando falamos de leis da física parece um tanto mais distinto e direto, agora
quando falamos de argumentos filosóficos e teológicos, a situação é um pouco
mais complicada. Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenêutica, ou
seja, a interpretação de textos, o argumento, muitas vezes, é confundido com a
interpretação.

Cabe a você, estudante de retórica e oratória, distinguir um argumento de


uma interpretação. Um argumento é sempre a exposição lógica de uma ideia, por
exemplo, “Deus é o ser do qual não podemos pensar nada maior” (ANSELMO,
1991) e a interpretação que você faz dessa frase do pensador Anselmo.

Este argumento é chamado de argumento ontológico, pois


independentemente do lugar onde se aplique, Deus sempre será, para
Santo Anselmo, o maior de todos os seres que podem ser pensados.

São várias as formas como você entende este argumento. E, mesmo sendo
lógico e formalmente irrefutável, você pode ignorá-lo, logo, a interpretação é
sempre um movimento subjetivo e introspectivo. Mesmo com método determinado
e um argumento, é a mensagem lógica que se passa por intermédio da linguagem.

Os Gêneros do Discurso
Um gênero de discurso é, antes de tudo, a opção que o orador faz para expor
seu argumento e seu modo de pensar. O pensar pode ser exposto de diferentes
modos, podemos fazer textos, construir esculturas, montar peças de teatro, pintar
quadros, fazer gestos e muito mais.

66
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

Aristóteles nos fornece uma classificação dos gêneros retóricos que


praticamente não mudou em mais de dois mil anos. De acordo com Lima (2011),
ao citar Artistóteles:

Aristóteles (Ret. I, III, 11), uma vez tendo considerado que cada
gênero retórico – deliberativo, judiciário e epidítico - deve ser
baseado numa demonstração (éntechnos), tem em vista que a
retórica deve se desenvolver a partir do método das evidências
e, sendo a demonstração uma evidência, afirma: “pois que a
nossa confiança é tanto mais firme quanto mais convencidos
estivermos de ter obtido uma demonstração”. A evidência
retórica, conforme Aristóteles, é caracterizada pela aplicação
do entimema, ou seja, pelo uso de um raciocínio que não tem
o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado
pelo silogismo, mas que busca ser evidente. O silogismo deriva
de premissas lógicas, enquanto o entimema tem origem nas
premissas retóricas (LIMA, 2011, p. 48).

Na retórica e na oratória se configuram gêneros de um discurso, as maneiras
que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos. Platão e Aristóteles
fizeram uma classificação dos gêneros de um discurso conforme apontamos no
capítulo primeiro do texto.

O Tratado do Amor de Lísias começa pelo fim; pela conclusão


a que o orador chegou e pretende que todos cheguem – como o
amante deve se portar com seu amado – fazendo com que as outras
partes do discurso se desenvolvam “numa grande emburrilhada”.
A crítica socrática consiste na dificuldade do sofista em discorrer
longamente sobre um determinado assunto e ao talento em
conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas. Enfatiza
que a carta está calcada nos saberes não filosóficos, sendo uma
peça bem trabalhada, mas carente de um nexo causal entre as
partes constituintes – poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas
do discurso. Segundo Sócrates, esta deveria ser constituída por
um todo artisticamente considerado, no qual as partes estejam em
perfeita sincronia com a ideia do conjunto. [...] todo discurso precisa
ser construído como um organismo vivo, com um corpo que lhe seja
próprio, de forma que não se apresente sem cabeça nem pés, porém
com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si
e com o todo. A fim de não mais aborrecer Fedro, através da crítica
ferrenha à construção do discurso de seu adorado Lísias, o diálogo
socrático passa à análise da arte da eloquência, tendo em vista
que os dois argumentos explicitados sobre a relação entre amado
e amante – em que “um pretende que só deve ceder às instâncias

67
Oratória e Retórica

do indivíduo que ama, e o outro, às de quem não revele amor” (265


a) – se contradizem reciprocamente, fazendo com que Sócrates
retomasse a ideia das Manias Divinas e, principalmente, aquela
referida ao amor.

Fonte: Luz (2010, p. 47).

Para retomarmos à discussão, lembramos ao estudante de retórica e oratória


estes gêneros de discurso. Em Platão há um compromisso com as premissas e
com a verdade. Há uma divisão entre verdade e forma de um discurso:

Platão, por sua vez, pretendeu ao longo de suas obras


contextualizar e estabelecer a essência e o valor de verdade
da retórica (dita como tal) instituída pelos sofistas. O filósofo
afirmava, ainda, que a retórica deveria ser considerada
segundo razões de todo análogas àquelas pelas quais a arte
deve ser condenada. A retórica é a contrafação da verdade. Tal
como a arte tem a pretensão de retratar as coisas sem delas
ter verdadeiro conhecimento, imitando puramente as suas
aparências, a retórica, através do método persuasivo, pretende
convencer o homem acerca de tudo, sem ter conhecimento
algum. A retórica cria crenças ilusórias. O retórico é aquele
que, devido a sua habilidade persuasiva, joga com o discurso
que encontra-se calcado nas aparências da verdade, em
verossimilhanças e não na verdade em si mesma. Tanto
quanto acontece na arte, a retórica se dirige à pior parte da
alma, àquela que é crédula e instável, suscetível de emoção
e sensível ao prazer. Pode-se dizer que o retórico lida com
o falso para além do artista, tendo em vista que esse último
ao menos representa as aparências do verdadeiro, enquanto
que o retórico tem a malícia do conhecimento calcado num
falso saber. A filosofia dialética deve corromper e substituir a
retórica, no que diz respeito ao seu caráter de verdade. No
Fedro, Platão explicita que na arte dos discursos, enquanto
retórica, é reconhecido um direito à existência, entretanto, sob
a condição de que se submeta à verdade e, por conseguinte,
à filosofia. E para alcançar a verdade, pela qual a retórica
teria de se submeter, se faz necessária a aprendizagem da
doutrina das Ideias e a dialética – “seja no seu momento
ascendente que leva do múltiplo ao uno, seja no seu momento
descendente e diairético que ensina a dividir as Ideias segundo
as articulações que lhe são próprias”, e conhecer a alma, visto
que a arte da persuasão se dirige necessariamente à alma.
Só se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por
discursos, conhecendo a natureza das coisas e a natureza
da alma humana. A escritura só faz aumentar a aparência
(doxa) do saber não fortalecendo a memória, mas oferecendo
meios para trazer à memória aquilo que de antemão já era
conhecido pela alma. O escrito é sem alma, sendo incapaz
de defender-se sozinho contra críticas, exigindo sempre
a intervenção constante do seu autor. O discurso oral, e só
ele, é capaz de penetrar na alma daquele que o apreende,
sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que

68
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

se encontra na dimensão da oralidade. Para ser conduzido,


segundo as regras da arte, o escrito implica no conhecimento
da verdade dialeticamente fundada e, por conseguinte, implica
no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige – há um
jogo metódico pelo qual quem escreve deve se submeter. Por
definição, a palavra é um aspecto da realidade, é uma palavra
eficaz. No entanto, a potência da palavra não se encontra
apenas orientada para o real, ela se mostra, da mesma forma,
irrevogavelmente tal como uma potência sobre o outro. Logo,
a potência da palavra se mostra perigosa, visto que pode ser
tomada como a ilusão do real. Ou seja, a sedução da palavra é
tal que pode se fazer passar pela realidade; o logos pode impor
objetos que se assemelhem à realidade confundindo-se com
ela, sendo, entretanto, não mais do que uma imagem vã. Este
fato levanta uma nova questão, traz um problema fundamental
pertinente à relação entre palavra e verdade. A ambiguidade
da palavra, então, torna-se polo de reflexão sobre a linguagem
tal como instrumento do pensamento racional, onde há, por um
lado, o problema da potência da palavra sobre a realidade e,
por outro lado, o problema da potência da palavra sobre o outro
– perspectiva fundamental no desvelamento retórico e sofístico
(LUZ, 2010, p. 43-44).

Ainda de acordo com Platão, um discurso deve ser entendido como um
modo de produção de conhecimento no qual as almas se relacionam para se
aprimorarem, de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo
perfeito ou mundo das ideias, que para Platão é o único mundo real.

Sabemos que Platão (428-7 – 348-7 a. C) considerava que os


sofistas eram habilidosos praticantes da erística, e comumente
capazes de defender e atacar uma mesma questão, conforme
o que lhes era mais conveniente a cada debate. Isso fica
claro nos diálogos platônicos Górgias e Eutidemo, nos quais
o filósofo procura mostrar que a retórica não é uma ciência e
nem uma verdadeira arte, pois, pelo que consta no Górgias
(465 a), ela é somente uma empeiria, ou seja, uma habilidade
prática decorrente da experiência. A negação dessa prática
como ciência não é novidade naquele contexto social, pois na
tradição retórica, dos pitagóricos a Górgias, como concorda
Plebe (1978), a retórica era situada no mundo da doxa (opinião),
e não da ciência. Entretanto, Platão acrescenta uma provocação
ao afirmar que a retórica também não é uma arte, ou seja, não
é thécnerhetoriké como defendia Górgias, considerando-a
apenas como habilidade. Este filósofo está mais interessado
na dialética, a qual é vista por ele como uma arte que se volta
tanto para a forma quanto o conteúdo. Entretanto, ele (Platão)
discute sobre a retórica por reconhecer que tal atividade, tendo o
caráter de experiência tecno-prática, não seria de todo inútil. Na
visão platônica, portanto, a retórica seria diferente da dialética
e também da sofística, como pode ser constatado no Górgias
(465), no qual a sofística aparece como contrafação da arte de
legislar (nomothetiké), e a retórica como contrafação da arte de
administrar a justiça (dikaiosyne) (LIMA, 2011, p. 43).

Ainda seguindo a definição precisa apresentada por Platão, as fontes das


habilidades devem ser distinguidas.

69
Oratória e Retórica

Platão considera que essas duas formas de habilidades


são contrafações de um gênero de habilidade que não é
arte, o qual ele denomina kolakeía (adulação), mas admite
que tal gênero é contrafação da arte. Em resumo, embora
reconheça que os sofistas são dotados de um espírito ousado
e imaginativo, a filosofia platônica vê a retórica como discurso
vazio de conteúdo. Já na sua maturidade, Platão passa a
considerar a retórica como sendo uma versão disparatada e
distorcida da dialética, conforme consta em seu diálogo Fedro,
e, por outro lado, a idealizar a existência de uma verdadeira
retórica, a qual ele identifica com a própria dialética. Assim,
Platão equipara a falsa dialética com a retórica, ao mesmo
tempo em que identifica a retórica verdadeira com a dialética,
tornando a retórica reprovável somente quando esta última
não se identifica com a primeira. Por conseguinte, segundo
Platão, qualquer sofista, uma vez não praticante da dialética,
da orientação das paixões ao aprimoramento da eupraxia,
não merece confiança, por maior que seja a sua habilidade
oratória. Nesse sentido, em um trecho do Fedro (LII, 268 b-c),
ele faz uma comparação entre as características da retórica
e o perfil de um falso médico. Descreve que o suposto doutor
alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio, de
provocar vômitos ou evacuações, entre outros efeitos, e que o
mesmo acrescenta: “E porque sei tudo isso tenho-me na conta
de médico e também com a capacidade de fazer um médico da
pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos ........”. Esse
trecho é seguido imediatamente pela citação que registramos
adiante: Sócrates – Como imaginas que lhe responderia quem
o ouvir expressar-se dessa maneira? Fedro – Que mais poderia
fazer, a não ser perguntar se também sabia a quem aplicar
tudo aquilo, o tempo certo e a dose para cada caso? Sócrates
– E se ele contestasse: Dessas coisas não entendo patavinas;
porém suponho que quem aprender comigo aquilo tudo, ficará
em condições de responder a tais perguntas. Fedro – Diriam,
segundo penso: Este homem é louco! Só porque leu um livro,
ou porque encontrou casualmente alguns remédios, considera-
se médico, ainda que nada entenda de tal arte. Ao considerar
o praticante da retórica como alguém cujo conhecimento não
é confiável, Platão (opus cit., LVII, 272 d-e) afirma que “Nos
tribunais, por exemplo, ninguém se preocupa no mínimo com a
verdade, só se esforçando por persuadir”, e que toda a arte da
oratória consiste em manter a verossimilhança do início ao fim
do discurso. Portanto, esse pensador tem em vista que todo
filósofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela
verdade, ao invés de priorizar as aparências dos discursos só
para persuadir a qualquer custo. Por outro lado, embora tenha
feito tantas críticas à retórica, o citado filósofo reconhece a
importância de se identificar os diferentes tipos de auditórios
que podem inspirar construções oratórias distintas entre si -
mantendo em comum a busca pela verdade -, e, sendo assim,
já prepara, de certo modo, o caminho para a sistematização
aristotélica da retórica que virá logo depois. Tanto é assim que
alguns aspectos, que serão valorizados por Aristóteles em sua
obra Retórica, já constam nas seguintes palavras de Platão
(Ibid., LVIII, 273d-274a): [...] quem não fizer a enumeração
exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de
acordo com as respectivas espécies e não souber reduzir a
uma ideia única todas as ideias particulares, jamais dominará
a arte da oratória, dentro das possibilidades humanas. Mas,
sem trabalho ninguém consegue chegar a esse ponto. Não

70
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

é para falar com os homens nem para tratar com eles que o
sábio despende tanto esforço, mas para falar o que agrade aos
deuses e também para lhes comprazer com suas ações, na
medida do possível. Porque o homem de senso [...] não deverá
esforçar-se para agradar seus companheiros de escravidão;
pelo menos não porá nisso o principal intento, nem o fará de
ligeiro, porém a bons mestres e de boa origem. Eis que fica
clara a preocupação de Platão em estabelecer parâmetros
éticos para a prática da oratória, e, nesse sentido, veremos,
após alguns parágrafos adiante, que a mesma preocupação
pode ser identificada em Aristóteles no que concerne a sua
sistematização (LIMA, 2011, p. 44).

Segundo Aristóteles, a exposição de um argumento se divide em invenção,
disposição, elocução e ação.

Deste modo, a invenção consiste na escolha do material para se formular


um argumento. Nesta etapa o retórico ou orador se atém aos elementos dispersos
e reúne aqueles que ele considerar adequados.

Na disposição o retórico ou orador se preocupará em organizar os elementos


argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de
modo a escrever bem seu discurso.

Na elocução o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu


argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para
não cair em contradição e se perder na execução do discurso.

Já a ação consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos
três aspectos anteriores, de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento
da mensagem que se quer transmitir. Neste momento, o orador usa de todas as
capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou
naturais que possui.

Desta maneira, Aristóteles difere de Platão, por entender que a retórica


e a oratória são importantes para o debate, não só para o convencimento dos
interlocutores. Conforme confirma Lima (2011, p. 47):
Aristóteles, diferentemente de Platão, vê a retórica como algo
que normalmente faz parte da vida social e política, como uma
arte importante para o desenvolvimento dessas áreas. Tal
pensador tem em vista que a distinção conceitual, envolvendo
o estudo dos termos e como estes podem contribuir para
a composição lógica e persuasiva dos argumentos, é
fundamental para que o ser humano possa clarificar suas
ideias e comunicá-las socialmente. É nessa perspectiva que
ele propõe a formação de um retor que saiba identificar as
vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construção de
cada discurso, visando estabelecer, conforme suas próprias
palavras, “[...] quase por completo os fundamentos sobre os
quais devemos basear os nossos argumentos, quando falamos
a favor ou contra uma proposta”.

71
Oratória e Retórica

Logo, em Aristóteles existe uma mudança da retórica, que passa a ser


um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentações políticas,
jurídicas e dos problemas mais simples da existência humana. Conforme aponta
Lima (2011), ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar
acerca de um determinado tema:

O Estagirita, pensando na vida prática, situações reais do


dia a dia em que, geralmente, não se dispõe de muito tempo
para os encontros discursivos, tem em vista a importância
de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o
ouvinte compreenda o raciocínio do orador com tão pouca
demora. Mas ele também alerta para que não se cometa
excessos no uso dos entimemas: Não se deve também, a
propósito de toda e qualquer questão, procurar empregar os
entimemas, pois nesse caso chegaríeis ao mesmo resultado
que certos filósofos que demonstram, por meio de silogismos,
proposições mais conhecidas e mais persuasivas do que
aquelas donde deduzem seus raciocínios. (Ret., III, XVII,
7) Os lugares comuns, de entimemas demonstrativos e
refutativos, compõem uma ampla variedade de argumentos
que são estudados, enumerados e tipificados por Aristóteles,
hierarquizados segundo a eficácia de persuasão. Os lugares
comuns são assim chamados por serem linhas de argumentos
de interesses das partes envolvidas na discussão. Vejamos,
por exemplo, o seguinte tópoi (lugar) que consta no Livro II
da Retórica de Aristóteles (XXIII,1): Primeiramente há um lugar
para os entimemas demonstrativos: aquele que se tira dos
contrários. Com efeito, importa examinar se o contrário está
contido no contrário; se não está compreendido, refutaremos
o adversário; se está compreendido, estabeleceremos nossa
própria tese; por exemplo, defenderemos que ser temperante
é bom, porque viver na licenciosidade é nocivo. Ou então,
como no discurso sobre Messênia: “Visto a guerra ser a causa
dos males atuais, é pela paz que devemos remediá-los”. Em
mais um exemplo, Aristóteles (Ret., II, 23, 4) apresenta, entre
outros entimemas, o seguinte: “se os deuses não sabem tudo,
muito menos os homens”. E logo em seguida ele afirma que
esse entimema corresponde ao seguinte tópoi: “se um atributo
não pertence a um sujeito, ao qual mais deveria pertencer,
evidentemente que também não pertence ao sujeito, ao qual
deveria pertencer menos”. E também é do Estagirita (ibid., II,
XXIII, 7) o seguinte trecho: “Um outro lugar tira-se das palavras
contra nós e que voltamos contra o adversário. Este lugar é
excelente [...]” (LIMA, 2011, p. 50-51).

Em Aristóteles a retórica assumiu uma conotação prática, ou seja, ela deve


servir ao homem para argumentar na resolução de problemas do cotidiano. Assim,
a retórica passa a ser uma ferramenta acessível a todos os sujeitos que queiram
pleitear algo.

Em sua Ética a Nicômaco, Aristóteles (I, 8, 1099 a) considera


a finalidade da vida política como o melhor dos fins, e que
“o principal empenho dessa ciência é fazer com que os
cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações”. Tal nobreza
inclui a observação de que embora já seja desejável o bem

72
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

para um só indivíduo, é mais nobre e mais divino alcançar o


bem para uma nação ou para as cidades-Estado (opus cit.,
I, 1094 b). Para o Estagirita (id.,ibid.), a ciência política é a
mais prestigiosa de todas, visto que a ciência política utiliza as
demais ciências e, ainda, legisla sobre o que devemos fazer
e sobre o que devemos nos abster, a finalidade dessa ciência
deve necessariamente abranger a finalidade das outras,
de maneira que essa finalidade deverá ser o bem humano.
“A cosmologia de Aristóteles coloca certo número de seres
superinteligentes, as inteligências que governam as estrelas e
os planetas, acima do Homem na escala do ser, assim como
Deus, o Movimentador Imóvel” (LIMA, 2011, p. 53).

Neste caso, o homem que se dedica à prática retórica é capaz de resolver os
problemas da vida cotidiana, pois consegue argumentar melhor para reivindicar
seus pleitos. Sendo o retórico e o orador um sujeito que possui responsabilidades
com aquilo que se está transmitindo, é importante mencionar o significado da
honestidade do orador na construção e exposição dos argumentos, para que os
sujeitos interlocutores se convençam da mensagem.

Atividade de Estudos:

1) Explique, com suas palavras, por que é importante a


honestidade retórica? Leia o texto para poder entender melhor o
problema.

LIBERDADE OU MANIPULAÇÃO?

É por isso que este mesmo autor, considerando que a


característica da boa argumentação não é suprimir o aspecto
retórico, pois em nenhum caso uma argumentação inexpressiva
se torna, só por isso, obrigatoriamente mais honesta – adianta
dois critérios gerais a que se deve submeter a boa retórica:

1. Critério da transparência: que o ouvinte fique consciente, ao


máximo, dos meios pelos quais a crença está a ser modificada.

2. Critério de reciprocidade: que a relação entre o orador e o
auditório não seja assimétrica, para que fique assegurado o
direito de resposta.

Respeitados tais critérios, Reboul considera que a argumentação


não se torna por isso menos retórica, e sim mais honesta. Mas
parece evidente que, sem pôr em causa a eficácia destes dois

73
Oratória e Retórica

critérios, o fato deles conterem os conceitos indeterminados que


o ouvinte fique consciente ao máximo e não seja assimétrica
sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da
sua concretização. Por outro lado, pode acontecer também que
a incompetência argumentativa do auditório crie a ilusão de uma
relação retórica desigual e leve a que se veja manipulação no
orador quando, na realidade, essa desigualdade se fica a dever
à insuficiente capacidade crítica revelada por aqueles a quem se
dirige.

Fonte: Sousa (2000, p. 96).

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Ethos, Pathos, Logos

Neste texto utilizamos ethos com o sentido de ética, pathos no


sentido de paixão e logos no sentido de discurso.

Passamos agora à discussão de aspectos da estrutura do conteúdo dos


argumentos e a forma como são usados para expor determinados discursos.

O ethos da retórica está ligado inteiramente ao modo como expressamos um


discurso. O ethos do comportamento humano, para Reboul (2004), passa em sua
grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar.

Segundo Aristóteles, podemos construir uma parte do ethos, mas a outra


parte é totalmente natural. Por isso, precisamos nos dedicar e desenvolver a parte
que nos cabe.

74
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

As virtudes dianoéticas, entre as quais a sapiência (shofia)


é tida como a mais importante, são vistas por Aristóteles
como mais elevadas do que as virtudes éticas, pois lidam
com a captação intuitiva de princípios por meio do intelecto,
coincidindo com as ciências teoréticas (principalmente com
a metafísica). Por outro lado, as virtudes éticas lidam com
o contingente e o variável no humano, apoiando-se numa
prudência (phrónesis) que é razão prática. Na abertura do livro
II (opus cit.), Aristóteles observa que as virtudes intelectuais
são geradas e crescem, em grande parte, em decorrência do
ensino, e por isso precisam de experiência e tempo, enquanto
as virtudes éticas são adquiridas em resultado do hábito. Esse
termo – hábito – decorre da tradução de uma das formas de
escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethiké), palavra
que também pode significar costume (LIMA, 2011, p. 71).

Um ethos no debate é um modo de se expressar, é a maneira com a qual
nos expressamos. Saber se expressar é uma condição necessária para sermos
verdadeiramente humanos.

No início de sua Retórica (2007, I, 1, p.19), Aristóteles


estabelece que “os modos de persuasão são as únicas
verdades constituintes dessa arte, tudo o mais é mero
acessório”. Diante de tais palavras, poderíamos imaginar a
possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado
um sistema de ideias destituído de propostas éticas, ou seja,
meramente instrumental, sem necessariamente manifestar um
vínculo efetivo com a busca pelo bem comum, pela justiça,
pela cidadania, entre outros valores significativos e atrelados
ao desenvolvimento social. Entretanto, podemos identificar
que Aristóteles assume, em vários momentos de sua Retórica,
um discurso que procura nortear os comportamentos morais
e posicionar a ética em sintonia com um exercício de livre
escolha de ideias. Em vários trechos (opus cit.), o Estagirita
elege determinados modelos morais como os mais dignos de
serem vividos e compartilhados em sociedade, e não o faz
por considerar tais preceitos como meros acessórios, pois em
vez disso, procura mostrar que um homem de boa formação
moral tem, no seu próprio caráter, um referencial em que pode
alicerçar o seu discurso. Sendo assim, como bem esclarece
o autor, a consistência moral do orador também deve compor
o modo pelo qual o ouvinte é persuadido. Aristóteles toma o
cuidado de firmar a arte retórica em uma responsabilidade
social, propondo uma produção discursiva que possa participar
da construção moral do homem e, por conseguinte, da sua
condição política (Ret.,2007, p. 23) (LIMA, 2011, p. 74).

O homem, ao se apresentar como um ser que escreve e fala, precisa dominar


estes dois modos de se apresentar. Por isso, um hábito de falar bem e escrever
bem produz uma mensagem de boa qualidade.

O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao


modo como nós falamos.

75
Oratória e Retórica

A primeira questão tratada é que para se realizar um discurso é


preciso ter conhecimento sobre aquilo que está sendo dito, em prol
de sua autenticidade enquanto verdade. Os sofistas se servem da
persuasão, utilizando o domínio que têm sobre a linguagem para
discursar sobre uma mesma coisa, com uma mesma ênfase ou
intensidade – não se baseiam num conhecimento verdadeiro, mas
no senso comum. “A perversão da retórica transforma a escrita em
técnica de simulação e converte a habilidade oratória em exploração
verbal e persuasiva do verossímil”. Através de uma lógica da
ambiguidade, contrariam o que deveria ser indissociável no interior
de um discurso, a ligação entre dizer, pensar e ser – limitam-se a
uma tautologia do logos, que é voltado sobre si mesmo. A eficácia
alcançada pelo discurso, entretanto, não significa que tais “retóricos”
tinham o conhecimento real do assunto que tratavam, eles não tinham
a preocupação de se interrogar sobre suas referências – calcavam-
se na probabilidade, no verossímil para o estabelecimento de suas
conclusões que, de antemão, eram estabelecidas – utilizando-se
da potência da palavra como uma arma para persuadir pessoas
tão ignorantes quanto eles. “O estatuto da verdade se transfigura e
se perde em sua migração da enunciação para o enunciado” (LUZ,
2010, p. 45).

Neste sentido, retórica e oratória são elementos do ser humano


Ao falarmos que se articulam na existência e o ajudam a expor seu sentido na
de pathos, ou
afetamento de um linguagem. O ethos da oratória e da retórica é uma forma, é a maneira
discurso, podemos de dizermos os modos de se apresentar. A linguagem escrita e falada é
entender que quando
nos referimos a uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos.
um determinado
grupo de pessoas Ainda de acordo com Reboul (2004), o conhecimento do ethos de
nós despertamos
as paixões destas um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para
pessoas e também sabermos o que realmente queremos falar.
estamos implicados
no discurso. O nível
do pathos é um Ao falarmos de pathos, ou afetamento de um discurso, podemos
aspecto de pura entender que quando nos referimos a um determinado grupo de
paixão que nos
envolve ou dispersa pessoas nós despertamos as paixões destas pessoas e também
em um determinado estamos implicados no discurso. O nível do pathos é um aspecto de
discurso.
pura paixão que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso.

76
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

Por isso, ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma


fala, estamos optando em ser ou não apaixonantes em nossa exposição escrita
ou oral. É no pathos de um discurso, ou seja, na paixão, que se irá prender ou
não os interlocutores. As belas palavras podem levar os sujeitos às mais absurdas
atitudes ou simplesmente não significar nada aos ouvintes. Tudo depende do
modo com o qual, você que se expressa, o faz.

O pathos de um discurso é determinante em relação à longevidade de uma


mensagem. Por exemplo, Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo
deixou marcas profundas na vida das pessoas, seu modo de ser serve de conduta
religiosa, moral e ética para todas as épocas.

O logos, o discurso
Deste modo, é a forma de se expressar em uma linguagem clara, propriamente dito,
direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e precisa de um ritmo,
transmitir sua mensagem de modo a alcançar seu objetivo. de uma forma, de
um modo e de uma
estrutura. O logos
O logos, o discurso propriamente dito, precisa de um ritmo, de de um argumento
procura convencer
uma forma, de um modo e de uma estrutura. O logos de um argumento ou transmitir a
procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado mensagem para um
público. determinado público.

De acordo com Reboul (2004), um discurso é uma tentativa de se transmitir uma


determinada mensagem. É a mensagem bem transmitida que pode produzir o resultado
esperado em um discurso. Se soubermos transmitir a mensagem, poderemos alcançar
maior êxito em nossas intenções. Fica evidente que, mesmo quando não queremos
dizer algo relevante, sempre há um sentido no discurso proferido.

Estamos falando de transmissão de conteúdos através da linguagem, mas


antes de seguirmos para os elementos do discurso, precisamos esclarecer o que
é a verossimilhança, pois sem entender isso não podemos entender por que a
retórica e a oratória estão em constante tensão com a verdade.

Atividade de Estudos:

1) Explique o que você entende por verossimilhança.


Leia o artigo disponível em: <https://repositorio.ufrn.br/jspui/
bitstream/123456789/16482/2/MarcosAL_DISSERT_PARCIAL.
pdf> para lhe ajudar a responder.
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77
Oratória e Retórica

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Disposição, Elocução, Ação e


Invenção
Já nos referimos à invenção, que é a escolha dos argumentos pelo orador.
Passamos agora para a disposição, que de acordo com Reboul (2004), é a
maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala. É a retórica
da organização formal de um discurso, seu plano de execução.

A elocução, de A elocução, de acordo com Reboul (2004), é o estilo escrito do


acordo com Reboul texto, é a redação do discurso através de frases e palavras, conferindo
(2004), é o estilo um modo ou estilo de argumentação. Por isso, esta parte não se refere
escrito do texto, é a à fase oral do discurso, como muita gente pode pensar.
redação do discurso
através de frases e
palavras, conferindo Para Aristóteles, a retórica assume uma dimensão de amor à
um modo ou estilo sabedoria. É o amor à sabedoria que permite à retórica se aproximar
de argumentação.
Por isso, esta parte da dialética, pois é a oposição de argumentos que produz um
não se refere à fase desenvolvimento da discussão.
oral do discurso,
como muita gente Assim, o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber
pode pensar. conhecer a realidade social sobre a qual se debruça o retor. As
práticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em
que o ser humano desenvolve uma boa construção oratória, ou
seja, sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniões,
e também com as opiniões sobre o mundo. Por conseguinte, a
retórica é pensada por Aristóteles como uma manifestação de
amor à sabedoria, e esta podendo elevar o homem a sua meta
de felicidade, inclusive com o aprimoramento do próprio saber
exposto nesse jogo social que é a arte retórica. Pelas razões acima
citadas, Reboul (2004, p. 40) compara a retórica de Aristóteles
com a de Isócrates: A retórica de Aristóteles está bem próxima
da retórica de Isócrates em termos de conteúdo. A diferença é
que em Aristóteles a retórica é uma arte situada bem abaixo da
filosofia e das ciências exatas. Estas, “demonstrativas”, atingem
verdades “necessárias”, que, como os teoremas, só podem ser
o que são, possibilitando compreender e prever. A retórica, por
sua vez, só atinge o verossímil, aquilo que acontece no mais das
vezes, mas que poderia acontecer de outra forma. Como caminho
que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria, a
retórica se insere em um devir educativo que envolve cada orador
em uma dinâmica social de desenvolvimento de seus respectivos
potenciais e, ao mesmo tempo, do aprimoramento de suas leis e
costumes. Creio não ser exagero afirmar que, em Aristóteles, a
retórica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais

78
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

que liguem o homem às soluções de seus problemas pessoais


e coletivos e às melhores opções para a educação dos jovens.
Essa arte também é compromisso em educar para a sabedoria
e, nesse sentido, cada cidadão necessita orientar e harmonizar a
partir de seu intelecto, os seus sentimentos, desejos, ambições,
não esquecendo o bem da sociedade, em busca da eudaimonia
(felicidade) (LIMA, 2011, p. 80).
A ação em um discurso
A ação em um discurso consiste na exposição dos argumentos que consiste na exposição
queremos apresentar. Neste ponto se adicionam ao desempenho do dos argumentos
que queremos
orador, bem como gestos, mímicas e outros modos de expressão oral. apresentar. Neste
É a execução final do discurso que foi planejado de modo a se expor o ponto se adicionam
que se quer. ao desempenho do
orador, bem como
gestos, mímicas e
Quando a ação retórica se manifesta por intermédio de um outros modos de
discurso, destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade expressão oral. É
a execução final
do sujeito na execução daquilo que se propõe a fazer. Neste sentido, do discurso que foi
Aristóteles destaca na antiguidade que o sujeito que não transmitir planejado de modo a
confiabilidade em seu discurso não convence ninguém. se expor o que se quer.

Diante de ideias conflitantes entre si, é comum as pessoas buscarem


identificar as propostas que sejam mais confiáveis, merecedoras
de crédito. Nessa perspectiva, os encontros sociais entre retores
podem ser bastante úteis como oportunidades para tal busca e,
na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor
lhe apraz, surge um sentimento de grandeza da própria razão
naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicável,
compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo.
É esse o sentimento denominado de sublime, ou sublimidade. Para
melhor compreendermos o sentimento do sublime, recapitulemos
que a verossimilhança é caracterizada por conflitos de ideias e
incertezas que não possibilitam respostas irrefutáveis, e que não
é raro o homem sentir-se constrangido, inseguro e com medo,
diante do que é apenas verossímil, ou seja, do que não lhe oferece
a garantia de uma resposta seguramente irrefutável. Visto por esse
lado, o que pomos em foco não é o constrangimento diante de
forças fenomênicas de uma natureza ameaçadora e externa ao ser
humano (como vendavais, tempestades, maremotos, terremotos
etc.), pois numa abordagem mais voltada para a produção dos
discursos em um contexto social e cotidiano, em muitos casos, o
homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando não encontra,
por exemplo, respostas suficientemente confiáveis proferidas por
oradores que atuam no campo da verossimilhança. A superação
desse momento de constrangimento, a “volta por cima” através do
intelecto que identifica qual é o melhor discurso, a vitória de uma
racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos
persuasivos, eis o que provoca o sentimento de sublimidade
da razão, gerando um alívio pela suposta segurança diante da
diversidade de ideias antagônicas entre si. Em Aristóteles, o ato
de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhança -
deve ser decorrência direta da atitude genuína de um ser que busca
clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiável possível) e,
nesse encaminhamento, o faz sob o predomínio da parte intelectiva
da alma (a racionalidade), que seria, segundo o Estagirita, a
melhor parte do homem (conforme já vimos anteriormente). Nessa

79
Oratória e Retórica

perspectiva, revisemos que o ser humano precisa saber pesar os


argumentos a fim de diferenciar não só entre o que é o bem do
que é o seu extremo contrário, mas também distinguir o que é um
bem maior diante de um bem menor, escolhendo pelo primeiro a
fim de se realizar como ser ético, além da importância de saber
defender as suas escolhas publicamente. Eis que o sentimento
do sublime, nos termos aqui propostos, aparece quando a razão
humana se depara com o verossímil em busca da superação
do constrangimento inicial rumo ao possível sentimento de
superioridade da razão. A insegurança argumentativa, que levaria
a um não saber identificar uma resposta confiável, como costuma
ocorrer na verossimilhança, seria algo análogo ao que ocorre
quando o homem sente medo diante da grandeza estética de
algum fenômeno da natureza. Neste último caso, o sentimento do
sublime é tido quando o homem consegue explicar racionalmente
os porquês de existirem os fenômenos ameaçadores (como
tempestades, maremotos, vendavais, etc.) cuja grandiosidade
estética constrange inicialmente o ser humano. Em se tratando
da retórica, o sublime pode vir quando a racionalidade humana
adentra o mundo das opiniões e encontra formas de identificar
quais são as ideias mais confiáveis entre tantas que se oferecem
para crédito. Portanto, em Aristóteles, na sua obra Retórica, o
homem é idealizado como aquele cuja determinação e coragem
devem servir para a busca da superação do constrangimento inicial
frente à verossimilhança. Nesta, o ser humano sente-se humilhado
diante das próprias incertezas e das “verdades” oferecidas por
discursos diversos que o circundam, não sabendo em qual delas -
as supostas “verdades” – acreditar, mas transformando em ato as
suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiçoamento
dos discursos (LIMA, 2011, p. 104-105).

Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhança,


poderá desenvolver uma retórica de boa qualidade, que não se confunde com
aquilo que parece ser a verdade, mas não é a verdade lógica.

Atividade de Estudos:

1) Leia o texto sobre o problema da presunção, antever um


argumento, disponível em <http://w3.ufsm.br/ppgf/wp-content/
uploads/2011/10/PERELMAN.pdf>, página 35 e 36, e construa
um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar. Por
exemplo, o seu trabalho, seu lazer etc. O texto é inspiração para
a construção do argumento.
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80
Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

O desenvolvimento da retórica através dos séculos proporcionou


Transmitir bem
um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em uma mensagem vai
nossa época atual, por causa das diferentes formas de discurso que além de construir
bons argumentos
podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a e expor estes bem,
nossa mensagem. contudo é condição
necessária para
um bom orador
Transmitir bem uma mensagem vai além de construir bons dominar seu tema
argumentos e expor estes bem, contudo é condição necessária para um para poder transmitir
essa mensagem.
bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem. Sem dominar bem
Sem dominar bem o tema é impossível ao orador mensurar e demonstrar o tema é impossível
suas qualidades como retórico. Por isso, antes de querer expor um ao orador mensurar
e demonstrar
argumento, você, estudante, precisa dominar o conteúdo a ser exposto, suas qualidades
de modo a permitir que não seja enganado pela própria linguagem. como retórico.
Por isso, antes de
querer expor um
Este capítulo é fundamental a você, estudante, para saber como a argumento, você,
história da retórica trabalhou o problema da formulação, estruturação e estudante, precisa
dominar o conteúdo
divisão dos discursos. Lembre-se, você não é o primeiro a querer expor a ser exposto, de
uma ideia, um argumento, por isso não se engane, seus interlocutores modo a permitir que
não seja enganado
entendem ou não o que você quer expor, na medida em que você se coloca pela própria
de modo claro e distinto. Se sua linguagem não for adaptada ao local em linguagem.
que você fala, sua mensagem não será transmitida como você quer.

BRISSON, Luc. Leituras de Platão. Trad. Sônia Maria Maciel.


Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

BRUNSCHWIG, J. Diccionaire Critique: Le Savoir Grecce.


Org. Geossvey Lloyd. Paris: Flammarion, 1996.

CLAÏM PERELMAN. Retóricas. Trad. Maria Ermantina Galvão


G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

DELEUZE, G. Lógica dos Sentidos. Trad. Luiz Roberto Salinas


Fontes. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2000.

DERRIDA, Jacques. A Farmácia de Platão. Trad. Rogério da


Costa. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2005.

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Dialético. Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, 2002.

81
Oratória e Retórica

MARCUSE, H. Eros e Civilização. Trad. Álvaro Cabral. 4. ed.


Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.

MORAES, J. Q. Epicuro: as luzes da ética. São Paulo: Ed.


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NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia. Trad. J. Guinsburg.


São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

PERINE, M. (Org.). Estudos Platônicos. Sobre o ser e o


aparecer, o belo e o bem. Coleção Estudos Platônicos. São Paulo:
Edições Loyola, 2009.

Algumas Considerações
A história da oratória e da retórica permite o entendimento de como somos
capazes de organizar e exprimir uma ideia. Desta maneira, um discurso bem
feito e bem apresentado depende do esforço do estudante que escolhe bem os
elementos argumentativos e os dispõe de modo adequado.

Com efeito, este capítulo se empenhou em apresentar uma parte da história


da retórica para deixar você, estudante, em condições de escolher bem suas
formas de argumentar.

Referências
ANSELMO. Monológio. São Paulo: Victor Civita, 1991.

CAMPOS, R. C. A Formação Educacional do Orador e a Retórica como seu


Instrumento de Ação no Principado. Fênix – Revista de História e Estudos
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<www.revistafenix.pro.br>. Acesso em: 26 maio 2017.

SOUSA, A. de. A Persuasão - Estratégias da comunicação influente. 2000.


Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-americo-persuasao-0.pdf>.
Acesso em: 22 maio 2017.

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Capítulo 2 A Retórica e a Oratória

LIMA, M. A. A retórica em Aristóteles: da orientação das paixões ao


aprimoramento da eupraxia. Natal: IFRN, 2011.

LUZ, A. R. L. Ensaios Filosóficos. V. 1, outubro/2010. Disponível em: <http://


www.ensaiosfilosoficos.com.br/Artigos/Artigo2/Ana_Rosa.pdf>. Acesso em: 27
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REBOUL, O. Introdução à retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

SILVA, R. Curso de Oratória A Arte de Falar em Público ou a Habilidade de


Falar em Público? 2012. Disponível em: <http://consulpam.com.br/wp-content/
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SILVEIRA, Cássio Rodrigo Paula. Relendo Cícero: A formação do orador e sua


inserção na política romana (Século I a C). 2012.

83
Oratória e Retórica

84
C APÍTULO 3
A Arte de Argumentar

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Apontar as diferentes formas de argumentos.

� Apresentar as implicações de um argumento. Compromisso com a verdade ou


com a forma.

� Fazer um argumento, suas fragilidades e pontos fortes.

� Convencer ou defender a verdade.


Oratória e Retórica

86
Capítulo 3 A Arte de Argumentar

Contextualização
Este capítulo se destina a apresentar a você, estudante, uma perspectiva
filosófica com desdobramentos teológicos para a construção e exposição de
argumentos. Destacaremos brevemente a sutil conexão com a lógica, sobretudo a
silogística, concatenação em sequência de premissas para formular um argumento.

Oratória e Retórica Filosófica



Na filosofia, a oratória e retórica cumprem um papel substancial, pois é por
intermédio dos argumentos e da exposição destes argumentos que se transmitem
as mensagens e as verdades. Observamos que nas maiores universidades da
Europa a retórica e a oratória perderam muito espaço no ambiente acadêmico.

A Retórica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituições


europeias de ensino, ao contrário do que aconteceu nos
Estados Unidos da América. Embora tenham surgido na Europa
algumas revistas, sociedades de Retórica, reimpressões de
textos clássicos e se tenham publicado séries de estudos sobre
Retórica em editoriais de renome, é impossível hoje qualquer
consenso quanto à asserção de M. Capella sobre a Retórica
como «potens rerum omnium regina» ou quanto à promoção
da Retórica a «rainha antiga e nova das ciências» assinada pelo
professor de Retórica de Tuebingen W. Jens, que antecipou
a visão utópica da Retórica como «uma ciência do futuro»,
proposta por J. Dubois. Porém, o fim da Retórica como disciplina
ou «Rhetoricadocens» não coincide com o desaparecimento
da práxis retórica (Rhetoricautens, Oratoria, Eloquentia),
tampouco com a extinção da sua existência residual em teorias
de composição literária, em regras de comportamento, em
expressões do discurso pragmático nem com a cessação da
sua eficácia histórica na tipologia variada da história das ideias
e da cultura. É sobretudo a teoria retórica do texto e a sua
influência histórica, a que o Ocidente se expôs, que merecem
uma particular atenção, dadas as suas estreitas relações com a
Hermenêutica e a Filosofia (PEREIRA, 1994, p. 6).

Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retórica e a oratória são


consideradas subáreas de conhecimento filosófico, entendemos que para discutir
bem o problema da argumentação precisamos de uma discussão profunda e
adequada para deixar bem explicado o valor da retórica no debate de ideias.

A história da Retórica foi de fato a de uma «restrição generalizada»,


na expressão de G. Genette, ou de uma «extinção progressiva»
segundo R. Barthes, até se confundir com uma teoria dos tropos,
se recordarmos que a queda da cidade democrática arrastou
consigo a morte da intervenção política da Retórica e forçou o
seu exílio estético, de cuja impotência brotou a figura de uma
«eloquentia tacens», embora no tribunal e na festa prosseguisse
a Retórica judiciária e epidíctica, respectivamente. Expressões

87
Oratória e Retórica

como «renascimento» ou «reabilitação da Retórica», «Rhetorica


rediviva», «Rhetoric revalued», «return of Rhetoric», «Rhetoric
resituated» etc., não só repõem a Retórica na raiz histórica de
muitas disciplinas modernas, mas fazem dela um «potencial
sugestivo» para a reformulação da problemática do homem
contemporâneo, embora se reconheça com P. Ricoeur que a
sua existência como disciplina se finou quando deixou de figurar
no cursus studiorum dos colégios em meados do séc. XIX. A
Retórica de Aristóteles foi uma teoria da argumentação, que se
articulava com a sua vizinha lógica da demonstração e com a
filosofia, uma teoria da elocução e uma teoria da composição do
discurso. Com a sua redução tradicional a uma simples teoria da
elocução e depois a uma teoria dos tropos, a Retórica perdeu o
laço que a prendia à Filosofia e tornou-se «uma disciplina errática
e fútil». O esquema da Retórica de Aristóteles representou a
racionalização de uma disciplina, que se propusera reger todos
os usos da palavra pública, sobretudo o seu poder de decisão
e o seu domínio no tribunal, na assembleia política, no elogio
e no panegírio. O poder de dispor dos homens mediante o
domínio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de
sedução e mentira a história do discurso humano. A lógica da
verossimilhança aparecia como uma solução de recurso para
uma Retórica ferida de substancial ambiguidade. As suas provas
não se regem pela lógica da necessidade, mas do verossímil e
do contingente, porque os problemas humanos decididos nos
tribunais e nas assembleias não obedecem aos quadros rígidos
de uma axiomática dogmática. O grande mérito de Aristóteles foi
ter elaborado o laço entre o conceito retórico de persuasão e o
conceito lógico de verossímil e ter construído sobre esta relação o
edifício inteiro de uma Retórica filosófica (PEREIRA, 1994, p. 7).

Assim, a retórica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito


tempo. Ao retomarmos o estudo dos gregos, percebemos o grande valor desta na
construção dos argumentos filosóficos.

Deste modo, a oratória grega surge como um modo de exposição de conceitos


e definições que permitem o entendimento das grandes questões filosóficas e dos
grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiáveis.

Sabemos que a discussão filosófica somente é possível se considerarmos


a existência de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias. Eis que
a retórica para você, estudante, é uma das ferramentas mais importantes a ser
considerada se você quiser transmitir com qualidade a sua mensagem. Por isso,
a importância da retórica é substancial na organização e difusão de um discurso
elaborado e de boa qualidade.

A Retórica partilha com a Poética e a Hermenêutica o terreno


do discurso articulado em configurações mais extensas do que
a frase ou unidade mínima em que alguém diz algo a alguém
sobre alguma coisa, realizando a tríplice mediação entre homem
e mundo, homem e outro homem e homem e si-mesmo. O
discurso retórico é o mais antigo discurso racional hiperfrástico
do Ocidente, nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no séc.
VI a.C., mas dominado pela ambição de cobrir o campo inteiro

88
Capítulo 3 A Arte de Argumentar

do uso discursivo da linguagem. Por isso, o modelo retórico de


argumentação pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razão
prática (moral, direito, política) e do campo inteiro da Filosofia.
Orientada para o ouvinte, a argumentação retórica é uma técnica
de persuasão em que dizer é fazer, é conquistar o assentimento do
auditório e, por isso, o discurso retórico é ilocutório e perlocutório.
Neste caso, a argumentação não inova, porque o orador se adapta
à temática das ideias admitidas, limitando-se a transferir para as
conclusões a adesão concedida às premissas e desenvolvendo
técnicas intermediárias sempre em função da adesão efetiva ou
presumida do auditório. A vulnerabilidade do discurso retórico
está patente: pode deslizar da arte de persuadir para a arte
de enganar, do acordo prévio sobre ideias admitidas para a
trivialidade dos preconceitos, da arte de agradar para a arte de
seduzir, do discurso da constituição imaginária da sociedade e da
sua identidade para a perversão do discurso ideológico. No início
da década de 80, falava-se da marcha imparável da Retórica, que
invadia a Estilística Estrutural, a Teoria do Texto e da Literatura e a
Semântica Linguística, enquanto as Ciências Sociais e Humanas
vinham registrando intramuros influências marcantes da Retórica,
regressada para os mais entusiastas do exílio após a calúnia, de
que teria sido vítima (PEREIRA, 1994, p. 8).

Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retórica e da


oratória, existem outros tantos que reconhecem seu caráter imprescindível na
elaboração e exposição de textos filosóficos e teológicos. Ao estudante de oratória
e retórica deve ficar bem explicado que há um método que pode ser muito bem
usado para construir e expor seus argumentos.

O relativismo influenciou de modo muito forte as formulações retóricas de


todo o pensamento ocidental. Pereira (1994) reconhece essa influência e explica
o problema de maneira bastante detalhada.

A filosofia de Protágoras é uma fundamentação da Retórica,


pois o «homo mensura» enquanto «homo loquens» condensa a
Antropologia da Retórica em que o acordo é realizado no e pelo
discurso no interesse de possibilidades práticas de cooperação
e de socialização, porque faltam no ponto de vista biológico
«regulações prévias» e «estruturas de adaptação», e esta falha
não pode ser compensada com êxito por evidências teóricas e
normativas nem por mecanismos de coação política. A Sofística
como resposta à crise provocada pela perda de crença nas
grandes narrações coletivas tentou criar uma comunidade de
consenso gerado na comunicação linguística, sem qualquer
referente real, mas com poder de decidir do sentido da realidade.
Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor, deixou
a Retórica de emprestar roupagens a verdades nuas para se
tornar uma forma de racionalidade inultrapassável e jamais
definitiva, mas sempre convencional e provisória. Com o
«linguisticturn» proveniente da Filosofia Analítica da Linguagem
e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L.
Wittgenstein, a linguagem deixou de ser mera expressão da
consciência, mas o acontecimento da própria consciência, cuja
estruturação linguística se tornou objeto da reflexão filosófica.
Enquanto J. Habermas só no começo dos anos 80 realizou a sua
viragem linguística, tomando por modelo de ação comunicativa

89
Oratória e Retórica

a concepção de linguagem de K. Buehler, os estudos realizados


por K. O. Apel nos anos 50 prepararam já a transformação
linguístico-hermenêutica do Kantismo e a sua tese de habilitação
intitulada A Ideia de Linguagem na Tradição do Humanismo de
Dante até Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto
mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no
pensamento moderno. A Filosofia da Linguagem tornou-se a
nova «Prima Philosophia», que substituía a velha Ontologia, por
ser a radicalização da crítica kantiana do conhecimento e a sua
transformação em crítica da linguagem, que é uma grandeza
transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de
comunicação sem exclusões nem repressões. A valorização da
Sofística e da Retórica não reprimiu a consciência dos perigos
dos equívocos históricos do discurso retórico e, por isso, K.
O. Apel distingue da Retórica da persuasão psicológica a
Retórica da convicção, cuja lógica de argumentação pragmática
permite reconstruir idealmente as condições de um consenso
verdadeiro e universalizável ou do auditório universal, segundo
a terminologia de Ch. Perelman. Na comunicação argumentativa
de J. Habermas é indissolúvel a vinculação de teoria e práxis,
pois a ciência não é neutra, mas orientada por determinados
interesses, que são as suas condições transcendentais de
possibilidade. J. Habermas apropriou-se de uma divisão do
saber, que em 1929 Max E. Scheler propusera na sua obra Visão
Filosófica de Mundo: «saber de domínio», «saber formativo» e
«saber salvador» (PEREIRA, 1994, p. 50-51).

O caminho percorrido pela retórica referenciado anteriormente mostra as


variações entre teoria e prática ao longo dos séculos no Ocidente. Com efeito, as
variações apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os
problemas concernentes à argumentação.

Oratória e Retórica Teológica


A retórica e a oratória teológica não são muito diferentes da retórica e oratória
filosófica, mas o objetivo é outro. Se a retórica filosófica se propõe ao debate de
ideias e sua contraposição para produzir um debate e uma estrutura dialética, a
oratória e a retórica teológica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta
que produza no sujeito um efeito de convencimento. Para construir um argumento
que convença a plateia, o orador deve observar alguns critérios. Reboul (apud
SEGUNDO, 2006, p. 75):

[...] pontua as cinco características que diferenciam


fundamentalmente a demonstração da argumentação:
1. nesta, o discurso sempre se dirige a um auditório, que, para
Reboul, é sempre particular, de modo que o auditório universal
se constitui apenas em uma pretensão, abstração ou ideal
argumentativo;
2. além disso, a argumentação expressa-se em língua natural,
sofrendo as consequências de sua opacidade;

90
Capítulo 3 A Arte de Argumentar

3. por trabalhar com o verossímil, as premissas argumentativas


nunca são verdades propriamente ditas, o que demanda uma
relação interpessoal de confiança, atenção e reconhecimento
de autoridade da parte do auditório em relação ao orador;
4. nesse sentido, a progressão dos argumentos depende
do orador, que procurará ordená-los de modo a satisfazer as
condições de persuasão projetadas por ele acerca daquele
auditório;
5. por conseguinte, as conclusões tornam-se sempre
contestáveis, já que o auditório pode rejeitá-las ou aceitá-
las mediante seu julgamento. Consequentemente, não cabe
na argumentação isolar razão e emoção. As duas caminham
necessariamente juntas, na medida em que crenças são
intrinsecamente afetivas e afetarão o julgamento e a conclusão,
independentemente do caminho racional da disposição
argumentativa apresentada (SEGUNDO, 2006, p. 75).

Desta maneira, a principal diferença presente no modo de expor um


argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais
eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teológicas
em questão. Por isso, a verdade teológica transmitida pela chamada oratória e
retórica teológica deve levar o interlocutor ao convencimento. Neste aspecto, o
conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser
profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem.

A você, estudante da disciplina de Oratória e Retórica, deve ficar claro que na


teologia não podem ser produzidas questões que colocam o sujeito crente frente
a dilemas humanos sem solução. Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente
capaz e claro em suas exposições sobre aquilo que a dimensão teológica abarca
e o que escapa a este modo de pensar. Citamos na sequência um exemplo
de discurso para que você, estudante de Oratória e Retórica, entenda como
podemos interpretar os diversos significados. A discussão toda gira em torno da
possibilidade da vida em Marte.

Figura 1 – Exemplo de discurso: tirinha Mafalda

Fonte: Disponível em: <http://astropt.org/blog/wp-content/uploads/2012/01/Mafalda1.jpg>.


Acesso em: 10 jul. 2017.

91
Oratória e Retórica

Observamos que a discussão não possui nenhum argumento empírico que


sustente a possibilidade evocada, mas mesmo assim os interlocutores se debatem
no tema com todo o ardor.

Na teologia observamos uma terminologia própria que o indivíduo que quer


discutir ou construir um texto precisa conhecer, vejamos um exemplo.

Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica,


Jesus lhe responde com outra pergunta: “Que está escrito
na Lei? Como interpretas?” - que, embora de forma implícita,
estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princípios
da sagrada Lei de Deus. Inquirido, o intérprete da Lei respondeu:
“Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a
tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento;
e a teu próximo como a ti mesmo”. A resposta evidencia uma
correlação de dois textos mosaicos: Deuteronômio 6, 5 e
Levítico 19, 18. Utilizados assim, permitem ao intérprete da Lei
estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essência
de toda a religião. Ao findar o primeiro instante do debate,
Jesus respondeu, de maneira notável, à pergunta inicial de seu
inquisidor ao afirmar: “Respondeste corretamente; faze isto e
viverás”. O verbo grego ποιέω, comumente traduzido por “fazer”,
“praticar”, encontra-se, nesse versículo, no particípio imperfeito
ποίει, expressando, dessa forma, uma ideia de ação constante,
de prática vitalícia. Com efeito, a resposta de Jesus instaura uma
necessidade latente de se estabelecer uma convergência entre
ortodoxia e ortopraxia. A premissa teológica do doutor da Lei
estava de acordo com o ensino mosaico e, concomitantemente,
com o evangelho de Jesus. Entretanto, o cerne da questão era:
Será que este intérprete da Lei estava disposto a vivenciar o que
de fato estava propondo? A disposição cognitiva deste doutor era
excelente; no entanto, seu desempenho ainda era questionável.
Ao analisar essa parábola, Joachim Jeremias afirma: O fato de
Jesus surpreendentemente remetê-lo ao agir como sendo a vida
para a vida, deve se entender a partir igualmente desta situação
concreta: todo o conhecimento teológico de nada serve, se
o amor para com Deus e para com o próximo não determinar
a direção da vida. A proposta filosófica da ética da alteridade
encontra profundas raízes nesta premissa teológica. É inevitável a
identificação do projeto filosófico levinasiano com a Lei de Moisés,
uma vez que Levinas fora instruído em um contexto marcado por
um profundo espírito de dedicação à Lei. Nilo Ribeiro Júnior, ao
descrever a relação entre Levinas e as Escrituras, sublinha que “o
ponto de partida do pensamento filosófico levinasiano é a Escritura
considerada como fonte não filosófica da filosofia”. Emmanuel
Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profético de
amor a Deus e ao próximo. Essa nova concepção da tarefa da
filosofia rompeu com a clássica definição da filosofia, enquanto
“amor à sabedoria”, estabelecendo-a como “sabedoria de amar”.
Em Levinas, a verdadeira sabedoria não consiste em uma reflexão
teorética, ou mesmo em um vil conhecimento científico que tende
a reduzir os sujeitos a objetos, mas consiste em uma vivência de
amor compassivo, que se faz responsabilidade pelo outro como
expressão radical do amor a Deus e escopo do ser humano.
Dessa forma, toda a reflexão levinasiana é um postulado do amor,
proposto pela Lei mosaica, interpelando o logos proposto pela
filosofia grega (CHACON; ALMEIDA, 2016, p. 51-52).

92
Capítulo 3 A Arte de Argumentar

Deste modo, o teólogo articula uma sequência teológica de argumentos com


um pensamento filosófico de um autor contemporâneo, tomando o cuidado de
complementar as ideias.

Por isso, a oratória e a retórica teológica possuem forte inclinação ao


convencimento e à persuasão que dependem, sobretudo, do caráter e da
formação do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir
radicalismos ou mal-entendidos. Em outras palavras, a formação moral dos
dirigentes religiosos, padres, pastores, e outros, precisa ser muito bem estruturada
e com enfoque na qualidade moral do sujeito.

Moral e Retórica: Aspectos


Fundamentais
A relação entre moral e retórica é uma das questões muito importantes
para você, estudante de Oratória e Retórica, pois é uma questão que implica
na exposição dos argumentos. Antes de detalharmos o problema da moral,
precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a
explicação de fenômenos e de seus signos e representações.

Das narrações míticas chegaram-nos as metáforas da morada


e do caminho, da retidão da vida e da errância, e foi ainda em
termos de êxodo que I. Kant definiu a Aufklaerung como ruptura
inauguradora de uma nova época da razão: «Aufklaerung é a
saída do homem da sua menoridade culpável». Esta libertação
da casa-prisão da razão menor teve uma provocante tradução
na secularização dos quatro sentidos da Escritura: em vez do
sentido literal ou histórico da realidade, a posição transcendental
constituinte de objetos para nós com a suspensão da inatingível
coisa-em-si; em vez do sentido tropológico ou moral inseparável
da teologia, a pergunta ética racional pelo que eu devo fazer;
em vez do sentido alegórico ou simbólico, a pergunta da razão
pelo que se pode humanamente conhecer; em vez do sentido
anagógico ou místico, a pergunta racional pelo que se pode
esperar. A maioridade da razão está na redução de todas as
perguntas à pergunta pelo homem e, consequentemente, de
todas as respostas a proposições racionais dentro dos limites
humanos do conhecer, do agir e do esperar. Após a eliminação
kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploração,
dentro da filosofia da vida, da linguagem enquanto notificadora de
vivências do sujeito, G. Frege distinguiu em 1892 na concepção
global de sentido dois momentos, o do sentido propriamente
dito e o da relação às coisas, que a versão francesa traduziu
por «denotação» e a inglesa por «referência». À distinção
entre a realidade material e as dimensões psicológica, lógica
e referencial do signo, G. Frege acrescentou que não é o ato
do intelecto, mas o signo, que, pelo sentido e pela referência,
realiza a verdade como adequação ou trânsito do sentido para
a referência modelarmente realizado pelas ciências (PEREIRA,
1994, p. 23).

93
Oratória e Retórica

O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant)


das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relação à
linguagem e o alcance de seus discursos retóricos. Conforme entende Reboul
(2004), a retórica e a oratória possuem estilos estabelecidos na antiguidade
grega que sofreram apenas variações, não há evolução no pensamento filosófico
retórico. É a moral do orador que continua a valer para se expor bem um
argumento.

Neste sentido, a moral (Kant) do orador, ou seja, as virtudes morais do orador,


são importantes para que se possa produzir um modo de exposição adequado
das ideias ou argumentos.

A questão da autoridade moral ligada à pessoa do orador se


recoloca: em um primeiro sentido, trata-se realmente dos seus
caracteres reais. Assim, Bourdaloue afirma que “1. o orador
convencerá por argumentos, se, para bem dizer, ele começar
por pensar bem. 2. Ele agradará pelos seus modos, se, para,
pensar bem, ele começar por bem viver”. Bernard Lamy fala das
qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os
espíritos. No entanto, Le Guern retoma as teorias desenvolvidas
pelas retóricas de Gibert, de Crevier e de outros, para mostrar
que a questão da moralidade não elidia nos clássicos a ideia
de uma construção do orador pelo seu discurso. É o sentido
dos “caracteres oratórios” ou imagem produzida pelo discurso,
a ser distinguido dos caracteres reais. Distinguimos caracteres
oratórios de caracteres reais. Isso não apresenta dificuldades,
pois, quer alguém efetivamente honesto, quer seja piedoso,
religioso, modesto, justo, fácil no convívio com o mundo, ou, ao
contrário, quer seja corrompido, [...], aqui está o que chamamos
caracteres reais. Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo
discurso, isso se chama caracteres oratórios, quer ele seja tal
como pareça ser, quer pareça mesmo sem o ser. Pois pode-
se mostrar algo sem sê-lo; e pode-se não parecer tal, e ainda
assim o ser; pois isso depende da maneira como se fala. A
preocupação com a moral impede a dissociação clara dos
dois planos assim distinguidos. Gibert nota que os caracteres
“marcados e difundidos na maneira como se fala fazem que
o discurso seja como que um espelho que reflete o orador...”.
Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais clássicos
que a eficácia do discurso deriva claramente dos caracteres
oratórios e não dos caracteres reais. É interessante notar que
ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a
subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas
discursivas do locutor convida a uma análise do ethos definido
como a construção de uma imagem de si correspondente à
finalidade do discurso (AMOSSY, 2005, p. 18).

Com efeito, a moral do orador ou da retórica não é regra aplicada aos outros,
mas a você que deseja ser um bom expositor de pensamentos. É fundamental
a intenção do orador, se sua intenção é ludibriar, convencer a qualquer custo o
interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites
com certos valores fundamentais. Na retórica de nossos dias, muitos defenderam
a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexão mais profunda.

94
Capítulo 3 A Arte de Argumentar

Uma teoria do ethos, fundada na união entre a retórica e a


narratologia, foi igualmente desenvolvida pelo canadense
Albert W. Halsal para a “narrativa pragmática”. Ela se funda no
exame da concepção aristotélica de autoridade aplicada a uma
questão frequentemente debatida na poética da narrativa: a da
credibilidade do narrador. A escola americana do “ponto de vista”,
iniciada por Percy Lubbock, a narratologia de Käte Hamburguer e
de Doritt Cohn, as taxionomias de Gérard Genette e de Mieke Bal
fornecem noções (como a voz e o modo narrativos, a focalização)
e as distinções (entre autor/narrador/personagem, e também
entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a
questão da imagem do locutor no quadro específico da narração.
Halsall combina esses dados com os fornecidos não só pela
Retórica, mas também pela Poética de Aristóteles, para ver como
e em que condições o enunciador parece confiável aos olhos do
leitor. Ao fazê-lo, Halsall reformula a problemática do “narrador
digno de confiança” em termos greimasianos de “contrato
fiduciário”. Toda comunicação está fundada em uma confiança
mínima entre os protagonistas, e cabe a uma retórica narrativa,
segundo o autor, determinar como “a enunciação contribui
para criar, no enunciatário, uma relação de confiança fundada
na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje
convencer”. O interesse pela narrativa provém, segundo Halsall,
da complexidade e, frequentemente, da ambiguidade produzidas
pelas perspectivas narrativas. De fato, o ponto de vista e a voz
do personagem não remetem necessariamente aos do narrador
homo ou heterodiegético. A autoridade acordada a um ou a outro
não é natural e deve ser negociada. As diferentes possibilidades
são o apanágio do narrador que se mantém fora da diegese
(ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual, por exemplo) e
do narrador intradiegético (ele pode utilizar as figuras do logos
para se justificar). Entretanto, a narrativa pode apresentar um
narrador que se engana ou que gostaria de enganar, oferecendo,
assim, numerosos casos de indefinição acerca da confiabilidade
do enunciador e, consequentemente, do sentido do enunciado.
A narrativa pragmática que visa a persuadir tende a reduzir ao
máximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem
a um consenso. Nessa ótica, Halsall examina as diferentes figuras
que a retórica coloca à disposição da narração para assegurar a
autoridade do narrador. O autor as divide, seguindo Aristóteles,
em dois grupos: o dos argumentos exteriores provenientes
de testemunhos, e o dos argumentos internos ao discurso. Na
primeira categoria, ele agrupa o apelo aos princípios atestados,
ou apodeixis (a nota aforística), o provérbio ou a sentença, o
apelo à própria experiência ou martyria, as figuras de apelo
intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc. A segunda
categoria compreende o panegírico dos ouvintes (comprobatio),
a declaração de boas intenções (eucharistie) etc. Outras figuras
pertencem ao pathos: a simulação de submissão (philophronèse)
e o eulogie ou bênção. A autoridade do narrador depende de sua
maneira de manipular essas figuras e de adaptá-las às estratégias
narrativas. Halsall o demonstra em diversas narrativas literárias,
entre as quais O último dia de um condenado, de Victor Hugo
(AMOSSY, 2005, p. 20-22).

Essa teoria que une a retórica com a narrativa permite entender porque
o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e
articulada. Não basta um modelo estilístico, é preciso construir uma narrativa que
configure um sentido para as ideias a serem apresentadas.

95
Oratória e Retórica

Atividade de Estudos:

1) Leia o texto disponível em: <https://www.ufmg.br/online/


arquivos/anexos/Livro_trecho.pdf>, página 25 a 26, e explique o
que você entende sobre a possibilidade de uma retórica integrada
à linguística. Explique com suas palavras.
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Argumentação Pedagógica,
Filosófica
A argumentação retórica pode ser pedagógica ou filosófica. Uma
argumentação pedagógica é aquela que produz um efeito educativo, quer
constranger o outro indivíduo a seguir aquilo que está sendo exposto ou enunciado
em um determinado argumento (SOUKI, 2012). Já a argumentação filosófica é
aquela em que se prioriza a exposição de ideias e que implica, necessariamente,
em um debate ou na exposição linear e concatenada de argumentos.

Uma argumentação pedagógica pode produzir resultados esperados desde


que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte. Com efeito, para falarmos
de uma retórica e de uma oratória pedagógica, precisamos entender o significado
de cada uma destas estruturas argumentativas.

A Pedagogia Retórica, por conseguinte, ressaltou, especialmente,


o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores. Por
essa razão, era, por natureza, canônica. Segundo Burton (1994,
p. 96), a Pedagogia Retórica repousa numa íntima relação entre
leitura/escrita e observação/composição. Divide-se em dois
tipos de atividade hierarquicamente situadas: análise (dirigida
pelo rector em uma verdadeira dissecação do texto modelo,
praelectio) e gênese. A observação de sucessivos discursos e
textos precede e aperfeiçoa a fala e a escrita. Assim, o incentivo à
leitura não se deve somente à busca do conteúdo, mas, também,
à busca de técnicas e estratégias úteis. Tais técnicas podem
ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos
aprendizes, através de vários tipos de exercícios de imitação –

96
Capítulo 3 A Arte de Argumentar

Imitatio. Esse termo imitatio/mímesis (imitação), em sua origem,


refere-se à ação ou faculdade de imitar, de copiar, de reproduzir
ou representar a natureza, o que, para Aristóteles, é o fundamento
da arte. Entretanto, a imitatio não é exclusividade da gênese
da arte. Toda ação humana inclui procedimentos miméticos,
a aptidão do ser humano de aprender tem muito a ver com a
imitação. Desse modo, Aristóteles defendia que é a mímesis
que distingue o ser humano dos animais (ARISTÓTELES,
Poética, 1, IV). Portanto, a imitatio é, sem dúvida, o maior pilar
da Pedagogia Retórica. Outra concepção basilar para a Retórica
é a divisão entre “o que é” comunicado por meio da linguagem e
“como” isso é comunicado: a distinção entre forma e conteúdo –
para Aristóteles, logos e lexis; res e verba para Quintiliano, bem
como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luís Vives. Essa
divisão, embora questionável e questionada – já que se defende
hoje a natureza fundamentalmente indivisível da expressão
verbal e das ideias –, é muito útil se entendida como um artifício
para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia
Retórica na qual a prática da imitatio era a que mais exigia dos
estudantes analisarem forma e conteúdo (SOUKI, 2012, p. 2).

Nesse sentido, o sujeito que utiliza da argumentação pedagógica sempre


se preocupa em expor um argumento para alguém e, como consequência, quer
convencer ou ensinar algo para este interlocutor.

Se a opção do orador for utilizar argumentação filosófica, deve ficar claro


que o sujeito supõe uma oposição de argumentos ou uma exposição com
sequência lógica e com uma finalidade de expor as ideias, não necessariamente
o convencimento.

Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados


finais de uma exposição de argumentos. Você, estudante de Oratória e
Retórica, deve ter em mente essa distinção para escolher o modo adequado de
argumentação.

É importante recordar alguns pontos fundamentais da retórica e da oratória


para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua
vida, bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela.

Embora se deva a Hermágoras o mais antigo tratamento dos


estudos retóricos, foi Cícero que, efetivamente, legou para a
posteridade essa divisão dos estudos retóricos, como os Cânones
da Retórica (Cícero, De Inuentione, 1.7, Cícero, De Oratore, 1.31-
142; Quintiliano, Institutio Oratoria, 3.3). Foram organizados em
cinco categorias: invenção (Inuentio); arranjo (Dispositio); estilo
(Elocutio); memória (Memoria); e apresentação/performance
(Pronuntiatio). Esses tratados serviam de alicerce e suporte
para a crítica do discurso e, portanto, se configuravam em um
padrão para a educação retórica e para o ensino da gênese
dos discursos. Particularmente, o cânone heuresis/inuentio,
que significa descoberta de fontes para a persuasão discursiva,
está latente em todo problema retórico. O próprio termo latino

97
Oratória e Retórica

inuentio, do grego heuresis, em português significa invenção ou


descoberta. Esse cânone foi, na antiguidade, um dos processos
mais teorizados por estudiosos retóricos da época, principalmente
por Aristóteles, que definia a Retórica como invenção. Por isso, a
categoria invenção está relacionada à essência da persuasão e
argumentação dessa arte milenar. Para ele, a Retórica era uma
das melhores formas de persuasão (ARISTÓTELES, Retórica, I,
2). A Retórica pode ser considerada uma disciplina prática cujos
preceitos se dão a partir de ferramentas a serem aplicadas na
prática. E como a Retórica, na antiguidade, não dispunha de
uma matéria própria, os oradores tinham, como mérito, poder
falar sobre qualquer assunto. Na prática, entretanto, os discursos
eram para os oradores um desafio. Isso na medida em que era
necessário propor argumentos apoiados em pontos de vista que
se queriam defender. Como preconizava Cícero, além do gênio
inato, era necessário ao orador o método, isto é, a Retórica,
para então buscar os melhores argumentos. Ele defendia que o
orador que tivesse o dom da Retórica já estaria em vantagem, e
que, na falta dele, era imperioso ao orador buscar artifícios para
descobrir argumentos. Nesse caso, a invenção, ou heuresis/
inuentio, era o método para demarcar a descoberta desses
argumentos. Dessa maneira, é fundamental, nesta parte,
salientar os dois grandes tipos de argumentos, de acordo com
Aristóteles. São os seguintes: os não retóricos e os retóricos.
Os primeiros não faziam parte da Retórica, eram argumentos
externos à arte. Os oradores, ao utilizá-los, não necessitavam
inventá-los, descobri-los. Dessa maneira, precisavam apenas
localizá-los e adequá-los ao discurso. Acontece, entre outros
processos, por meio do raciocínio lógico... Por sua vez, ocorre
por indução ou dedução. Cabe enfatizar que registramos aqui
essa categoria de argumentação, ou seja, a utilização dos
argumentos não retóricos, já que se faz importante conhecê-los,
compreendê-los e, então, utilizá-los adequadamente, quando
conveniente (SOUKI, 2012, p. 4).

Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um
pensamento é a capacidade que irá distinguir um bom estudante e orador de um
simples cumpridor de tarefas diante de um público. Desta maneira, conforme já
apontou Sócrates, devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos
mediante a análise dos argumentos.

A parte do diálogo platônico apresentada na sequência permite a você,


estudante, um entendimento e uma aproximação detalhada de um discurso
retórico refinado.

Estrangeiro — Logo, se há discurso verdadeiro e discurso falso,


e o pensamento se nos revelou como conversação da alma
consigo mesma, e opinião como a conclusão do pensamento,
vindo a ser o que designamos pela expressão, imagino, uma
mistura de sensação e opinião, forçoso é que algumas sejam
falsas, dadas suas afinidades com o discurso.
Teeteto — Sem dúvida.
Estrangeiro — Como já percebeste, apanhamos mais depressa
do que esperávamos a falsa opinião e o falso discurso, pois,
não faz muito, tínhamos receio de haver empreendido com
semelhante pesquisa uma tarefa irrealizável.

98
Capítulo 3 A Arte de Argumentar

Teeteto — Já percebi, realmente.


XLVIII — Estrangeiro — Por isso, não desanimemos ante o que
ainda nos falta realizar; e já que conseguimos chegar até aqui,
voltemos a tratar de nosso processo de divisão.
Teeteto — Que divisão?
Estrangeiro — Distinguimos duas classes na arte de fazer
imagens: a da cópia e a dos simulacros.
Teeteto — Certo.
Estrangeiro — E também nos confessamos em dificuldade
para incluir o sofista numa delas.
Teeteto — Isso mesmo.
Estrangeiro — E no auge de nossa confusão, trevas ainda mais
densas nos envolveram, com apresentar-se-nos o argumento
de contestação universal, de que não existe absolutamente
nem cópia nem simulacro, visto não ser possível haver, seja
onde for, qualquer espécie de falsidade.
Teeteto — Falaste com muito acerto.
Estrangeiro — Porém, uma vez provada a existência de falsos
discursos e de opiniões falsas, é possível que haja imitação
dos seres, e que dessa disposição do espírito nasça uma arte
da falsidade.
Teeteto — É possível (PLATÃO, 1980a, p. 66).

Cabe ao estudante de Oratória e Retórica escolher o argumento apropriado


que mais se adapte ao seu caráter e a suas convicções pessoais para explicar e
expor uma mensagem teológica, filosófica ou de outra ordem.

Figuras de Pensamento e Figuras de


Construção
As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos
em seus interlocutores (REBOUL, 2004). Desta maneira, podemos falar de simples
comparações que são simplesmente cotidianas em nossos argumentos. Podemos
falar também de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que são muito
comuns em meios jurídicos para suavizar determinados atos. Merecem menção
ainda os eufemismos linguísticos que querem suavizar uma situação insuportável.
Entre outros, podemos falar ainda de argumentos comparativos, indicativos,
ambíguos, literais e implícitos.

De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento,


o efeito resultante será condicionado à amplitude da possibilidade que este tiver.
Por exemplo, para convencer um determinado público, o orador escolhe um
argumento indicativo e direto. O resultado está condicionado ao nível da plateia
e ao tipo de argumento que ele escolheu. Evidente que o estilo do orador pode
contribuir ou não no convencimento, mas o tipo do argumento é o principal
determinante.

99
Oratória e Retórica

Agumas Considerações
Os aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como
a retórica e a oratória, no decorrer da história do conceito, se desenvolveram.
E conforme aponta Reboul (2004), não existe uma evolução positivista na
construção dos argumentos.

Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retórica e da


oratória, com períodos de destaque e outros de esquecimento. Deve ficar claro
que tanto a retórica, construção de argumentos, quanto a oratória, exposição
destes, são componentes do cotidiano de nossas existências.

Referências
AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. Imagens
de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, p. 9-28, 2005.
Disponível em: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/anexos/Livro_trecho.pdf>.
Acesso em: 12 jun. 2017.

CHACON; Almeida. Deus no Outro: a noção cristã de espiritualidade e sua


interface com a ética da alteridade. Revista Eletrônica Espaço Teológico. Vol.
10, n. 18, jul/dez, 2016, p. 48-60. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.
php/reveleteo>. Acesso em: 15 jun. 2017.

PLATÃO. Fedro. Pará: Universidade Federal do Pará, 1980a.

_______. Górgias. Pará: Universidade Federal do Pará, 1980b.

REBOUL, O. Introdução à retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

PEREIRA, M. P. Retórica, hermenêutica e filosofia. Revista filosófica de


Coimbra. n. 5, v. 3, 1994. pp. 5-70. Disponível em: <http://www.uc.pt/fluc/dfci/
publicacoes/retorica__hermeneutica_e_filosofia>. Acesso em: 10 jun. 2017.

SEGUNDO, P. R. G. Resenha de Olivier Reboul. Introdução à Retórica. 2. ed.


São Paulo: Martins Fontes, 2006.

SOUKI, J. D. O. Argumentação: a pedagogia retórica como uma das


possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva.
2012. Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/
faculdadedireitoarnaldo/article/download/20/14>. Acesso em: 13 jun. 2017.

100
C APÍTULO 4
Implicações da Retórica

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Escolher argumentos e formas de oratória para alguns grupos de pessoas.

� Diferenciar as hipóteses de teses e posturas retóricas acerca de um tema.

� Construir um argumento retórico que convença.

� Formular uma oratória para um determinado público.


Oratória e Retórica

102
Capítulo 4 Implicações da Retórica

Contextualização
Neste capítulo procuramos apresentar a você, estudante de oratória e
retórica, uma reflexão sobre as implicações das escolhas de determinados
argumentos e as devidas consequências destas escolhas.

Implicações do Argumento
Quando enunciamos um argumento, devemos saber quais as devidas
implicações do que estamos expondo. Ao apresentarmos um determinado
argumento, devemos saber de suas fontes, se ele tem ou não alguma relação
com a verdade, no sentido platônico que remete à epistemologia dos fatos ou se é
uma mera suposição do intelecto que produz determinadas situações como fruto
de nossa imaginação.
Um argumento
precisa ter uma
Um argumento precisa ter uma sequência lógica de raciocínios, sequência lógica
ele não pode ser um enunciado vazio sem coerência interna. Para que de raciocínios, ele
não pode ser um
você, estudante de oratória e retórica, entenda o que está sendo dito, enunciado vazio sem
daremos alguns exemplos. coerência interna.

Exemplo: (a) Sócrates é homem. Todos os homens são


mortais. Logo, Sócrates é mortal. (b) Vovó se chama Ana.
Vovô se chama Lúcio. Consequentemente, eu me chamo Ana
Lúcia. (c) Há exatamente 136 caixas de laranja no depósito.
Cada caixa contém pelo menos 140 laranjas. Nenhuma caixa
contém mais do que 166 laranjas. Deste modo, no depósito
estão pelo menos seis caixas contendo o mesmo número de
laranjas (VIANA, 2012, p. 4).

Não queremos entrar em detalhes lógicos formais dos argumentos, pois o
estudante de oratória e retórica não precisa de formalidades filosóficas com
detalhamentos matemáticos. Ele deve ter em mente que para fazer um bom
argumento precisa dominar o tema, os estilos e a finalidade de seu argumento.

Deste modo, as implicações de um determinado argumento são mensuráveis,


ou seja, calculáveis. Com efeito, você, estudante de oratória e retórica, fique
atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento
de aguardar o devido silêncio. Em muitos momentos da convivência humana,
argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada,
logo o silêncio também é um argumento, saber o que ele significa e para quais
momentos deve ser usado, por isso citamos um texto jurídico para o aluno
distinguir do de teologia.

103
Oratória e Retórica

Argumentar é o ato de produzir argumentos. Produzir um


argumento é apresentar razões em defesa de uma conclusão.
Essa não é a única definição possível do ato de argumentar.
Por exemplo, há quem prefira entender argumentos como
diálogos, isto é, como séries (mais ou menos longas) de
afirmações, objeções e réplicas. Essa concepção – que
poderia ser descrita como “dialógica” – não está errada. Ela
é útil em certos contextos e para certos propósitos; mas ela
não parece particularmente útil para explicar a interlocução
jurídica. Devemos adotar uma noção de argumento que seja
capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso
da argumentação jurídica. Argumentar não é exatamente
um ato privado ou monológico (afinal, argumentos jurídicos
são produzidos caracteristicamente no contexto de debates
públicos), mas cada argumentador é responsável por seus
próprios argumentos. Cada argumentador, ao produzir um
argumento, apresenta as suas razões em defesa da sua
conclusão. Isso não quer dizer que argumentação jurídica seja
sempre competitiva ou conflituosa. No ambiente acadêmico,
por exemplo, há muito espaço para a colaboração intelectual
(SCHECAIRA, 2012, p. 1).

Por isso, saber o alcance de um argumento e as devidas
Saber o alcance consequências é uma forma de o orador saber o que está fazendo.
de um argumento
e as devidas Não basta falar e expor bem um argumento, é preciso saber se é o
consequências é local e o momento adequado. Atenção: calcular as consequências
uma forma de o de seus argumentos não é somente considerar matematicamente as
orador saber o que
está fazendo. Não probabilidades e determinar uma relação utilitária, é, antes de tudo, ter
basta falar e expor a sensibilidade de saber o que, quando e para que serve o que estamos
bem um argumento, expondo. Percebemos estas dificuldades em situações extremas, por
é preciso saber se é
o local e o momento exemplo, quando há uma tragédia, ou quando há uma enfermidade
adequado. grave em nosso meio. Quantas vezes queremos confortar os outros
falando e argumentando, sendo que naquele momento ninguém tem
condições emocionais de escutar um argumento. Consequentemente, acabamos
por falar em um momento em que as palavras não são o mais importante. O
contrário também é verdadeiro. Quantas vezes já nos chamaram a expor um
argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos.

Os elementos que formam um argumento são proposições.


Segundo uma compreensão clássica, proposições podem ser
verdadeiras ou falsas, segundo corretamente expressem, ou
não, aquilo que “corresponde aos fatos”. Já os argumentos,
sendo estruturas de proposições, não são passíveis de verdade
ou falsidade. [...] O seu “valor” epistêmico se expressa pelas
noções de validade e relevância. Um argumento será válido
se, e somente se, for impossível que sua conclusão seja falsa
quando se assume que todas as premissas são verdadeiras.
Com essa caracterização, fica claro que somente argumentos
do tipo lógico podem, estritamente, ser válidos. Nos outros tipos,
deve-se adotar um padrão [...] mais fraco de exigência para a
avaliação do argumento. Assim, muitos filósofos propuseram
critérios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos
poderiam ser classificados em melhores ou piores, ou seja,
capazes, em maior ou menor grau, de conferir plausibilidade

104
Capítulo 4 Implicações da Retórica

a suas conclusões, quando se assume que suas premissas


são verdadeiras. Um argumento será dito relevante se, e
somente se, além de válido, todas as suas premissas forem, de
fato, verdadeiras. Se contiver ao menos uma premissa falsa,
será irrelevante, porque a existência de falsidade entre suas
premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusão
é de fato verdadeira, mesmo o argumento sendo válido.
(Um argumento válido “transmite” a verdade das premissas
para a conclusão; se entre as premissas houver alguma que
seja falsa, sua falsidade poderá (mas não necessariamente)
“passar” para a conclusão.) (CHIBENI, s.d., p. 2).

Logo, identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa irá contribuir para
que o estudante de oratória e retórica se organize, e conforme entende Reboul
(2004), saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstância.

Atividade de Estudos:

1) Indique o que você entendeu do texto a seguir sobre o


esquecimento da retórica. Explique com suas palavras!

Se a retórica, com a revolução romântica, entrou em descrédito,


rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade
poéticas, se os estudos retóricos foram, depois, perdendo
importância, sobretudo nas escolas da Europa continental, tal
fato não significou, como muitos pensaram e alguns desejaram, a
morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 séculos,
nem a sua exclusão, pelas forças criadoras do gênio, para o limbo
das coisas inúteis.

Ao contrário do que se poderia supor, foi a retórica, em tempos de


fascínio pela utilidade imediata dos saberes e técnicas, de entre as
artes da palavra, aquela que veio a revelar-se o instrumento mais
necessário e eficaz nas sociedades que, ao longo do século XX,
sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleração histórica.

Com efeito, se a comunicação, no passado, era naturalmente


limitada pelo espaço – do tribunal, da assembleia, da igreja, da
praça pública –, por não haver maneira de propagar mais além a
voz humana, no nosso tempo, instrumentos e técnicas cada vez
mais aperfeiçoadas permitiram dar à palavra força incoercível e
eficácia inaudita.

É verdade que há muito o homem vencera as barreiras do tempo,


por meio da escrita, e lograra a propagação do discurso através

105
Oratória e Retórica

do livro impresso: a retórica constitui-se como arte na Grécia


do século V a. C., quando se expande o conhecimento e uso
da escrita; a retórica renasce na Itália do Quattrocento, quando
se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de
Guttenberg; com a imprensa, a retórica pôde transformar-se em
retórica literária. Mas esse era um tempo diferido, que alterava as
condições da situação comunicacional, e quando, em diferentes
momentos e por razões várias, a retórica é reduzida à técnica
de análise e composição, perde a sua dinâmica; padecendo de
letteraturazione, deleita, talvez ensine, deixa porém de impelir
à ação: a distância entre orador e ouvinte dificulta o ofício de
persuadir. Esse foi o tempo da retórica senza microfono.

O século passado viu nascer a comunicação de massas, a


difusão do discurso, escrito e oral, à escala planetária, mercê
de poderosos meios de amplificação da voz humana; o meio frio
da galáxia de Guttenberg, rapidamente substituído pelos canais
quentes da era de McLuhan; mas viu também como tamanho
poder perverte a verdadeira comunicação; na pólis deste nosso
tempo, saturado de discurso e informação, de novo manda a
palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983: 23-56 e
Verdelho 1986: 139-156).

[...] Na Europa a recuperação da retórica processou-se sobretudo a


dois níveis, no plano filosófico e no campo dos estudos linguísticos
e literários. A filosofia há muito tempo que excomungara a
retórica; Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude
antirretórica que desde Platão marcava o pensamento filosófico. A
reabilitação da retórica neste domínio inicia-se em 1952, quando
Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletânea
de artigos sob o título Rhétorique et Philosophie; aí proclamam
o seu propósito de estudar «les moyens d’argumentation, autres
que ceux relevant de la logique formelle, qui permettent d’obtenir
ou d’accroître l’adhésion d’autrui aux thèses qu’on propose à son
assentiment» (Lempereur 1990: 117). Em 1958 sistematizam essa
teoria no Traité de l’argumentation que apresentam como nouvelle
rhétorique. Para resolver o velho dissídio entre retórica e filosofia,
Perelman regressa à tradição clássica elegendo como texto
fundacional a Retórica de Aristóteles (SOARES, 2011, p. 19-22).
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106
Capítulo 4 Implicações da Retórica

Os Sofistas e a Retórica de Hoje


O nascimento da retórica no Ocidente se relaciona de modo substancial com
um movimento filosófico antigo que foi contemporâneo ao pensamento platônico
por volta do século IV a.C., que foi chamado de sofista. Os sofistas são um grupo
de pensadores da época de Platão e que não acreditavam na possibilidade de
se transmitir a verdade pelo discurso. Logo, surgiu a contenda em que Platão
os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade. A
disputa entre Sócrates e os sofistas, descrita por Platão, visto que Sócrates nada
escreveu, mostra este problema da discussão sobre a elaboração de um discurso
presente entre os gregos. Passamos agora para alguns trechos do diálogo
Sofista de Platão, para evitarmos a falsa impressão de que a retórica e a oratória
evoluíram. O diálogo começa com Sócrates e Teodoro, um amigo da época.

I — Teodoro — Fiéis, Sócrates, a nossa combinação de


ontem, aqui estamos na melhor ordem. Trouxemos conosco
este Estrangeiro, natural de Eleia; é amigo dos discípulos de
Parmênides e de Zenão, e filósofo de grande merecimento.
Sócrates — Não se dará o caso, Teodoro, de, sem o saberes,
teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro,
segundo aquilo de Homero, quando diz que, de regra, os
deuses, e particularmente o que preside à hospitalidade,
acompanham os cultores da justiça, para observarem o orgulho
ou a equidade dos homens? Quem sabe se não veio contigo
uma dessas divindades, para surpreender-nos e refutar-nos
argumentadores tão fracos todos nós algum deus disputador?
Teodoro — Não, Sócrates; não é do caráter do nosso
Estrangeiro; ele é mais modesto do que todos esses amantes
de discussões. Não acho, absolutamente, que o homem seja
alguma divindade. Porém divino terá de ser, sem dúvida; não é
outro o qualificativo que costumo dar aos filósofos.
Sócrates — E com razão, amigo. Porém talvez a raça dos
filósofos não seja, por assim dizer, muito mais fácil de conhecer
do que a dos deuses. Em virtude da ignorância da maioria,
esses varões percorrem as cidades sob as mais variadas
aparências, contemplando, sobranceiros, a vida cá de baixo.
Não me refiro aos pretensos filósofos, porém aos de verdade.
Aos olhos de algumas pessoas, eles carecem em absoluto de
merecimento; para outros, são dignos de toda a consideração.
Ora se apresentam como políticos, ora como sofistas, havendo,
até, quem dê a impressão de ser completamente louco. Por
isso mesmo, gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro, caso
nada tenha a opor, como pensam a esse respeito lá por suas
bandas e como os denominam (PLATÃO, 1980, p. 2-3).

Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou força


sob a fundamentação retórica do relativismo e das correntes filosóficas que se
apoiam nele. Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e
vender seus ensinamentos para sobreviver, inaugurando a profissão de professor
ambulante, seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande
velocidade, suplantando a busca da verdade da filosofia socrático-platônica.

107
Oratória e Retórica

E para irmos ao cerne do problema, nos referimos à definição dada


por Sócrates no texto escrito por Platão sobre os sofistas e seus estilos de
argumentação em defesa da não existência da verdade.
III — Estrangeiro — Belas palavras; porém sobre isso tu mesmo
resolverás no decorrer de nossa discussão. No momento, o que
importa é te associares comigo para darmos início ao nosso estudo, a
começar, segundo penso, pelo sofista; investiguemo-lo e mostremos
com nossa análise o que ele venha a ser. Por enquanto, eu e tu
apenas num ponto estamos de acordo: o nome. Mas, quanto à coisa
designada por esse nome, talvez cada um de nós faça ideia diferente.
Porém, em toda discussão o que importa, antes de tudo, é ficar em
concordância com relação à própria coisa, por meio da explicação
adequada, não apenas a respeito do nome, sem aquela explicação. A
tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar não é fácil de definir.
Mas para levar a bom termo empresas grandes, segundo preceito
antigo de aceitação geral, só será de vantagem experimentar antes as
forças em temas menores e mais fáceis, e só depois passar para os
maiores. Por isso, Teeteto, o que na presente situação sugiro para nós
dois, já que reconhecemos ser difícil e trabalhosa a raça dos sofistas,
é nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples, a menos que te
ocorra indicar um caminho mais cômodo.
Teeteto – Não; nada me ocorre nesse sentido. Estrangeiro —
Concordas, então, em escolhermos um exemplo singelo e apresentá-
lo como modelo para o maior?
Teeteto — Concordo.
Estrangeiro — Que assunto, pois, escolheremos, simples, a um tempo,
e fácil de conhecer, mas cuja explicação não exija menor número de
características do que temas importantes? O do pescador, talvez? Não
é assunto bastante conhecido e não nos merece a maior atenção?
Teeteto – Isso mesmo.
Estrangeiro – Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie
a definição mais condizente com o nosso intento.
Teeteto – Seria ótimo.
IV — Estrangeiro — Pois então comecemos por aí. Dizei-me uma
coisa: como devemos concebê-lo: é artista ou sujeito carecente de
arte, porém dotado de alguma outra capacidade?
Teeteto – De jeito nenhum poderá ser carecente de arte.
Estrangeiro – Mas todas as artes se reduzem a duas espécies.
Teeteto – Como assim?
Estrangeiro – A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal; depois,
tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados, a
que damos o nome de utensílios; e, por último, a imitação: não será
justo designar tudo isso por um único nome?
Teeteto – Como assim, e que nome será?
Estrangeiro – Damos o nome de produtor a quem traz para a existência
o que antes não existia, denominamos produto o que passa a existir
em cada caso particular.
Teeteto – Certo.
Estrangeiro – Então, designemos tudo aquilo por um nome único:
serão as artes produtivas.
Teeteto – Seja.
Estrangeiro – Depois dessas, vem a classe inteira das artes da
aprendizagem e do conhecimento, as do ganho, a da luta e a da caça,
as quais nada fabricam, mas que, por meio da palavra ou da ação,
procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido, ou impedir que
outros se apropriem. O nome genérico mais indicado para todas essas
atividades seria o de arte aquisitiva (PLATÃO, 1980, p. 5-6).

108
Capítulo 4 Implicações da Retórica

Neste sentido, os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o


embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platão e Aristóteles.
Isso não significa em superação, pois em filosofia não existe conhecimento
retórico ultrapassado. Você, estudante de oratória e retórica, deve saber disso,
não há conhecimento superado em filosofia. Deste modo, você pode optar entre
as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retórico mais
adequado.

Precisamos mencionar neste capítulo que a passagem da arte da enganação,


como era conhecida a retórica e a oratória entre os gregos, para a arte do falar
bem, envolve uma dinâmica que implica em evolução. O que ocorreu é uma
retomada da perspectiva dos sofistas da época platônica, pois embora Platão os
combatesse, valorizava a arte retórica destes.

Houve tempos em que a retórica foi tratada como sinônimo


de enganação. A leitura do diálogo Górgias de Platão deixa
evidente que a dupla serventia da persuasão – ora podendo
estar a serviço do bem, ora do mal - acabou lhe deixando uma
marca pesada demais para carregar. O ensino e o uso da
retórica e da oratória para fins políticos também contribuíram
para o seu afastamento do elenco dos métodos científicos.
Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de águas que
marcou o momento em que a retórica caiu no esquecimento.
Por isso mesmo, na esteira das contestações pragmática
e behaviorista, no século XX, abriu-se caminho para o
ressurgimento da retórica. A retórica não se trata, portanto,
de uma corrente de pensamento, mas sim de um instrumento.
E não é correto também ligar esse instrumento com alguma
corrente de pensamento específica, como alguns críticos já o
fizeram no Brasil, ao atacarem os seguidores da retórica, em
diversos momentos, como sendo difusores de instrumentos a
serviço do neoliberalismo. O objetivo do projeto retórico é o
estudo pormenorizado do alcance da técnica. E é justamente
por isso que o estudo da retórica enquanto técnica de persuasão
deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da
área da economia, a fim de permitir uma melhor leitura do que
se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento
do tempo. Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a
atenção para a necessidade de se dar valor ao pluralismo
metodológico em detrimento da unicidade de método; alertam
para a necessidade de não se jogar fora o contraditório, de
evitar reduzir tudo ao formalismo frio e às tratativas impessoais
tão presentes no hardcore neoclássico. Chamam ainda a
atenção para a necessidade de facilitar a comunicação entre
os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam
falar (VIEIRA, 2016, p. 17).

É importante mencionar que as técnicas retóricas formais de construção de
um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais, mas
em nenhum momento podemos falar de progresso positivo. A filosofia e a retórica
filosófica funcionam com a contraposição das ideias e não com descobertas
científicas. Deste modo, a filosofia e sua subárea, a retórica, são maneiras de

109
Oratória e Retórica

pensar que permitem ao homem, desde seus modelos conhecidos na Grécia e em


outros lugares, se debruçar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do
positivismo como algo melhor. Os sofistas em geral eram professores ambulantes
que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da
Grécia e arredores.

Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional


como professores de retórica parece ser a maneira menos
controversa de defini-los. Eles supriram a demanda por
uma educação juvenil destinada a formar homens capazes
de distinguirem-se dos demais nos assuntos públicos e
privados. Vistos positivamente, eles eram “os transmissores
de competências valorizadas no seu tempo como instrumentos
decisivos do sucesso na carreira política e, de um modo geral,
nos êxitos mundanos” (SOUSA; PINTO, 2002, p. 13-14). Seu
ensino era pago e eram procurados, principalmente, por jovens
de famílias abastadas que pretendiam alcançar poder político
através do domínio das técnicas do discurso persuasivo.
Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e
utilizassem, futuramente, os ensinamentos sofísticos com fins
inescrupulosos era um risco da profissão e algo pelo qual os
sofistas foram muitas vezes responsabilizados. O estudo da
retórica orientado pelos sofistas incluía desde o conhecimento
de pequenos detalhes gramaticais até a discussão de assuntos
de composição, estrutura e argumentação. O objetivo destes
estudos era a construção do discurso não apenas mais
adequado e convincente, mas do melhor e mais envolvente.
Suas práticas pretendiam o aprimoramento no uso de
técnicas discursivas tais como: o uso do argumento provável
ou verossimilhante; contra-argumentação e justaposição de
argumentos contrários; adequação à ocasião (causa, público,
situação etc.); figuras de linguagem, efeitos causados sobre o
público etc. (PREZOTTO, 2008, p. 242).

Depois deste detalhamento importante, queremos apontar como a
modernidade se desenvolveu sobre a definição sofística de que não existe a
verdade. O homem moderno resultado do desenvolvimento científico chegou a
acreditar em uma máxima relativista elencada por Protágoras, sofista grego, “o
homem é a medida de todas as coisas”, de modo a excluir qualquer possibilidade
da busca da verdade.

De um modo geral, alguns professores esclarecidos da geração


anterior assemelhavam-se aos sofistas, como os preceptores
de Péricles, que ensinavam sobre astronomia, geografia e física
e mantinham com seus alunos discussões dialéticas acerca de
problemas diversos. No entanto, embora partilhassem com seus
predecessores o ofício de treinar os jovens para os deveres,
as atribuições e os acontecimentos da vida adulta, privada ou
pública, os sofistas distinguiram-se [...] por trazer à tarefa uma
gama maior de conhecimento, com uma maior multiplicidade de
tópicos científicos e outros - não só poderes mais impressionantes
de composição e discurso, servindo como um exemplo pessoal
ao aluno, mas também uma compreensão dos elementos da boa
oratória, para poder transmitir os preceitos conducentes àquela
realização - um tesouro considerável de pensamento acumulado

110
Capítulo 4 Implicações da Retórica

em moral e assuntos políticos, destinado a tornar sua conversa


instrutiva - e discursos prontos, sobre temas gerais ou ‘lugares
comuns’, para que os alunos aprendessem de cor (GROTE, 1907,
p. 317). Acreditar que os sofistas transmitissem apenas técnicas
e aptidões específicas é simplificar o escopo de sua atuação.
Influenciados pela filosofia jônica, os sofistas são racionalistas e
inquiridores. As explicações ‘naturais’, de Anaximandro em diante,
para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o
tratamento dos eventos como problemas perscrutáveis, não
mais como mistérios intangíveis em que os papéis fundamentais
eram representados pelos deuses. O contato com outros povos,
a percepção da relatividade dos valores morais, dos costumes,
da religião, foi outro fator que contribuiu para a formação da
nova geração de pensadores relativistas e humanistas. Outra
característica dos sofistas é a de serem itinerantes assim como
os antigos aedos. Viajavam pelo mundo grego, visitando várias
cidades, transmitindo os seus conhecimentos em palestras a
pequenos grupos, em conferências maiores ou em epídeixeis.
Também se apresentaram em festivais e em outras ocasiões
públicas. Dos sofistas mais famosos desta época, apenas Antífon
parece ter sido ateniense; Protágoras era de Abdera (na costa da
Trácia), Górgias de Leontinos (na Sicília), Pródico de Céos (em
território jônico) e Hípias de Élis (nordeste do Peloponeso). Todos
eles estiveram, em algum ou vários momentos de suas vidas,
em Atenas, pois “Atenas, por uns 60 anos, na segunda metade
do século V a. C., era o verdadeiro centro do movimento sofista.
De fato, tanto isso é verdade que, sem Atenas, é provável que o
movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO, 2008, p.
243-244).

Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na
modernidade procura explicar coisas para as quais não pode dar uma resposta
definitiva, ou ainda atribui à ciência essa tarefa que não pode ser cumprida, pois
à ciência compete investigar fenômenos e não coisas em si, conforme ensinou o
filósofo alemão Immanuel Kant (2005).

Todas as características do movimento sofista até aqui expostas


suscitam tanto admiração como repulsa. A nova educação
que promove é satirizada por Aristófanes em As Nuvens.
Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento
imoral e pernicioso, ensinando os jovens a justificarem más
ações com argumentos retóricos, livrando-se assim de suas
consequências. Os ricos e conservadores consideravam-nos
uma ameaça pelas mudanças e discussões que incitavam;
os mais pobres, que não tinham acesso ao seu ensino, viam-
nos com preconceito, como os detratores dos bons e velhos
costumes. Neste ambiente hostil, ‘sofista’ passa a ser um título
depreciativo, usado para intelectuais, adivinhos, pedantes,
ateus, físicos, filósofos etc., implicando charlatanismo e
velhacaria ou astúcia, esperteza em sentido pejorativo. A má
reputação dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de
Platão, cuja opinião continua, ainda hoje, a influenciar a visão
que se tem do período sofístico. Apenas a partir do séc. XIX é
que se começa a desvincular o estudo do movimento sofista da
visão legada por Platão. A crítica platônica, em linhas gerais,
recai sob duas acusações: 1) os sofistas não são pensadores
sérios e 2) eles são indivíduos imorais. A primeira acusação diz
respeito ao empreendimento platônico que busca ridicularizar

111
Oratória e Retórica

as proposições ou as possíveis conclusões advindas da


reflexão sofista, negando às doutrinas sofísticas valor filosófico.
A energia gasta por Platão neste empreendimento, por si só, já
é indício da influência exercida por estes pensadores. Grosso
modo, os sofistas difundiam uma concepção relativista aplicada
aos níveis ontológico e epistemológico, e à questão da verdade,
e foram considerados rivais por Platão, que desenvolvia uma
filosofia essencialmente ‘absolutista’. Embora Platão tenha
tratado Protágoras e Górgias com respeito, diferenciando-
No âmbito da os dos homens medíocres ligados mais tardiamente ao
retórica e da oratória, movimento, ele transmite um entendimento fundamentalmente
a tentativa de negar errôneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento
a possibilidade de sofista (PREZOTTO, 2008, p. 245).
se buscar a verdade
produziu inúmeras
tentativas de reduzir No âmbito da retórica e da oratória, a tentativa de negar a possibilidade
tudo ao modelo de se buscar a verdade produziu inúmeras tentativas de reduzir tudo ao
relativista e produziu modelo relativista e produziu consequências morais devastadoras na
consequências
morais devastadoras construção e exposição de argumentos. Podemos observar bem esse
na construção problema na modernidade, no âmbito do direito e da religião. Devemos
e exposição de mencionar outra acusação grave aos sofistas, a de que restringiram o papel
argumentos.
da educação, retirando dela a condição do ensino da Arete, virtude.

A segunda acusação envolve as críticas direcionadas à


atividade profissional dos sofistas, visando desmerecer o valor da
educação que ofereciam. São caracterizados, no diálogo sofista,
como caçadores de jovens ricos e comerciantes do ensino. Como
Kerferd (2003, p. 47-49) elucidou, para entender esta crítica é
necessário considerar a oposição conservadora a que qualquer um
tenha acesso à formação política simplesmente pagando. Como dito
anteriormente, até este momento a educação juvenil era restrita aos
membros das famílias nobres e acontecia numa relação de amizade
entre o jovem e seu mestre. Que a instrução estivesse acessível
a todos que pudessem pagar por ela forçava a reconsideração de
estruturas internas da sociedade. O ambiente da pólis democrática
era propício a tais questionamentos, mas a polêmica foi grande e
deu origem a um dos grandes debates da época: saber se aretē
pode ou não ser ensinada. Tradicionalmente, aretē era palavra
usada para referir-se à qualidade inata dos grandes homens, os
que se destacaram historicamente pela coragem, força, valentia,
sabedoria, liderança; mas também havia um outro uso desta palavra,
que denotava a excelência em uma tarefa ou função específica, e
relaciona-se ao domínio de uma técnica, téchnē, termo comumente
traduzido por arte. No diálogo Protágoras, Platão apresenta Sócrates
e Protágoras debatendo esta questão. Ao afirmar que ensina téchnē

112
Capítulo 4 Implicações da Retórica

política (319a), Protágoras é confrontado com dois argumentos


socráticos que pretendem demonstrar que ‘essa’ aretē não é um
conhecimento que possa ser transmitido. Os argumentos socráticos
são: 1) em questões técnicas os atenienses consultam especialistas,
já em questões políticas, qualquer um pode opinar, ninguém se opõe
a isto acreditando que é preciso ter estudado ou frequentado um
professor (319b-d); 2) os melhores e mais sábios cidadãos não foram
capazes de transmitir sua aretē a outros, cita Péricles (319e-320b).
Protágoras expõe sua opinião através de um mito e conclui que todos
os homens são dotados de qualidades que os tornam capazes de
participar da téchnē política: justiça e respeito, díkē e aidōs – apenas
por possuírem todos estas qualidades é que a vida em sociedade é
possível (320d-323c).

Fonte: Prezotto (2008, p. 246).

No período final da Idade Média temos um desenvolvimento de características


que podemos denominar de incorporadas aos estudos das áreas de filosofia e
teologia. Em seguida, nos séculos XVII e XVIII, é esquecida.

Na historiografia do século XVI, as narrativas marítimas de


países desconhecidos, de fenômenos naturais, de paragens de
outras latitudes e climas, manifestam, de par com a presença
do maravilhoso, a importância que assume a experiência, a
componente realista e empírica. São frequentes as marcas da
enunciação ‘eu vi’, ‘eu ouvi’, que servem no discurso do narrador
para dar maior credibilidade aos factos, que apontam para uma
história contemporânea, baseada nos pressupostos teóricos
de Tucídides. Além disso, a verdade factual, nutrida por estas
marcas de enunciação é a cada passo confrontada com os relatos
míticos de um Heródoto, com a Cosmografia de um Ptolomeu, a
Geografia de um Estrabão, ou a ciência de um Pompónio Mela ou
de uma História Natural de Plínio. As crônicas de João de Barros,
de Castanheda, de Diogo do Couto, ou de forma mais evidente
o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D. João de
Castro, as obras de Garcia de Orta, de Duarte Pacheco Pereira,
de Pedro Nunes, dão-nos a cada passo exemplos significativos.
Poderemos concluir que, na época do Renascimento, a história,
além de se afirmar como gênero literário, que se impõe pela arte
da escrita, como opus oratorium, é disciplina formativa do carácter
em repositório de paradigmas, é manancial de exempla que
informam a tradição retórica, é ponto de referência da exaltação
épica das glórias nacionais, é suporte de novos modelos
ideológicos e de formulação política em termos modernos, é
fundamento de novos horizontes culturais e científicos (SOARES,
2011, p. 146-147).

113
Oratória e Retórica

Se na Idade Média ocorreu uma valorização e desenvolvimento da retórica,


no início da modernidade ela foi deixada de lado e até demonizada por diversos
autores.

Produziu-se uma total confusão de pensamento que em muitos casos deixou


de lado até mesmo as convicções doutrinais tanto do direito quanto da religião.
Com isso, temos inúmeros argumentos artificiais que simulam determinadas
situações apenas para efeito performático.

Atividade de Estudos:

1) Leia o texto e explique o que você entendeu sobre a arte das


disputas, a erística e a importância da purificação da linguagem.
Explique com suas palavras.

Estrangeiro — Isso mesmo. Conforme já vimos, é do gênero


lucrativo, da arte erística, da arte de disputas, das controvérsias,
da arte do combate, da arte da luta e do ganho, segundo neste
momento provou nossa argumentação, que o sofista provém.

Teeteto — Nada mais verdadeiro.

XIII — Estrangeiro — Como vês, é muito acertado dizer-se que se


trata de um animal de múltiplas facetas. Daí, confirmar-se o dito,
de que nem tudo se pode pegar só com uma das mãos.

Teeteto — Pois empreguemos duas.

Estrangeiro — Sim, é o que precisaremos fazer, empenhando


nisso todos os nossos recursos, a fim de acompanhar-lhe o
rastro. Dize-me o seguinte: não temos designações especiais
para determinadas ocupações servis?

Teeteto — Muitas, até; porém, no meio de tantas, a quais


particularmente te referes?

Estrangeiro — Penso nas seguintes: coar, peneirar, joeirar,


debulhar.

Teeteto — E daí?

114
Capítulo 4 Implicações da Retórica

Estrangeiro — E também: cardar, fiar, urdir e mil outras de


emprego corrente em ocupações congêneres, não é isso mesmo?

Teeteto — Onde queres chegar com tais exemplos e para que


tantas perguntas?

Estrangeiro — De modo geral, todos esses vocábulos exprimem


a ideia de separação.

Teeteto — Certo.

Estrangeiro — Ora, de acordo com o meu raciocínio, se uma arte,


apenas, abrange todas essas ocupações, teremos de atribuir-lhe
um único nome.

Teeteto — E como a denominaremos?

Estrangeiro — Arte de separar.

Teeteto — Que seja.

Estrangeiro — Considera agora se nos será possível distinguir


duas espécies.

Teeteto — Impõe-me uma tarefa muito rápida.

Estrangeiro — Porém nas distinções por nós feitas, já se tratou


da separação entre o pior e o melhor, e também entre semelhante
e dessemelhante.

Teeteto — Dita dessa maneira, parece-me bastante clara.

Estrangeiro — Não conheço o nome geralmente aplicado a esta


última separação; porém sei o que dão à outra, a que retém o
melhor e rejeita o pior.

Teeteto — Dize qual seja.

Estrangeiro — No meu entender, todas as separações desse tipo


são geralmente chamadas purificação.

Teeteto — Com efeito; é como as denominam.

115
Oratória e Retórica

Estrangeiro — E todo o mundo não perceberá que há duas


espécies de purificação?

Teeteto — Depois de refletir, é possível; eu, pelo menos, não


percebo purificação alguma ...

Estrangeiro — Primeiro, as dos seres vivos, que operam no interior


do corpo, graças a uma discriminação exata pela ginástica e a
medicina, como a purificação externa, de designação corriqueira,
alcançada pela arte do banho; depois, a dos corpos inanimados,
que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral, de
infinitas modalidades, cujos nomes são considerados ridículos.

Teeteto — É muito certo.

Estrangeiro — Certo, não, Teeteto: certíssimo. Mas o método


argumentativo não dá maior nem menor importância à purificação
por meio da esponja do que à obtida com poções medicamentosas,
jamais perguntando se os benefícios de uma são mais ou menos
relevantes do que os da outra. Para alcançar o conhecimento é
que ela se esforça por observar as afinidades ou dissemelhanças
entre as artes, honrando a todas igualmente, e quando chega a
compará-las, não conclui que uma seja mais ridícula do que a
outra. Não considera, ainda, mais importante quem ilustra a arte
da caça com o exemplo do estratego do que com o do matador
de pulgas, porém mais pretensioso. Do mesmo modo, agora, no
que entende com o nome para designar o conjunto das forças
purificadoras dos corpos, quer sejam animados quer não sejam,
não se preocupa no mínimo de saber que nome é de aparência
mais distinta. Limitar-se-á a separar a purificação da alma,
deixando num único feixe as outras purificações, sem indagar
do objeto sobre que se exercem. Seu intento exclusivo consiste
nisto, precisamente: separar das demais purificações a que tem
por objetivo a alma, se é que compreendemos... (PLATÃO, 1980,
p. 16-17).
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116
Capítulo 4 Implicações da Retórica

Verdade e Verossimilhança de Um
Argumento
A verdade e a verossimilhança merecem destaque por que você, estudante
de oratória e retórica, precisa entender quando um argumento é verossimilhante e
quando ele é verdadeiro.

Platão, ao discutir os gêneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos


sofistas, já levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente. Deste
modo, o problema da verdade de um discurso não fica somente na elaboração
formal e acadêmica de um debate, mas envolve também a vida cotidiana dos
sujeitos. Para entendermos a diferença entre aquilo que parece ser verdade e
aquilo que é verdade de fato em um discurso. Vejamos a polêmica suscitada no
diálogo Sofista e até hoje sem solução:
LII — Estrangeiro — Onde iremos, então, buscar a designação
apropriada para cada um? Evidentemente, é tarefa por demais
árdua, porque nisso de dividir os gêneros em espécies, parece
que os antigos sofriam de uma velha e inexplicável indolência
que nunca os levou pelo menos a tentá-la; dar essa carência
tão acentuada de nomes. De um jeito ou de outro, e embora se
no afigure um tanto forte a expressão, para melhor diferençá-la
daremos o nome de doxomimética à imitação que se baseia na
opinião, e a que se funda no conhecimento, mimética histórica
ou erudita.
Teeteto — Isso mesmo.
Estrangeiro — Vamos ocupar-nos com a primeira; o sofista não
se inclui no número dos que sabem, mas no dos que imitam.
Teeteto — Perfeitamente.
Estrangeiro — Examinemos, então, o imitador que se apoia
na opinião, como o faríamos com um fragmento de ferro, para
vermos se se trata de uma peça uniforme ou se nalgum ponto
revela defeito de estrutura.
Teeteto — Sim, examinemo-lo.
Estrangeiro — Pois em verdade aqui está ele, e bem patente.
Entre esses tais, há o tipo ingênuo que acredita saber o que
apenas imagina; o outro, pelo contrário, que se deixa arrastar
por seus próprios argumentos, não esconde a suspeita e
o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura
aparentar que sabe.
Teeteto — Sem dúvida, há esses dois tipos que acabaste de
descrever.
Estrangeiro — Ao primeiro, então, daremos o nome de imitador
simples, e ao outro, o de imitador dissimulado?
Teeteto — Seria de toda a conveniência.
Estrangeiro — E este último gênero, diremos que é simples ou
duplo?
Teeteto — Examina-o tu mesmo.
Estrangeiro — Examino e creio perceber dois gêneros.
No primeiro, distingo o indivíduo capaz de dissimular em
público com discursos prolixos; no outro, o que em círculos
mais restritos, com sentenças curtas leva seu interlocutor a
contradizer-se.
Teeteto — É muito certo o que dizes.

117
Oratória e Retórica

Estrangeiro — E o homem dos discursos longos, como o


designaremos? É estadista ou orador popular?
Teeteto — Orador popular.
Estrangeiro — E o outro, que denominação lhe cabe à justa:
sábio ou sofista?
Teeteto — Sábio, não é possível, pois já provamos que ele é
ignorante. Mas, por ser imitador do sábio, é fora de dúvida que
alguma coisa do nome deste há de passar para ele. E agora
me ocorre que de um tipo assim é que podemos dizer com toda
a segurança: um sofista acabado!
Estrangeiro — Nesse caso, fixemos aqui mesmo seu nome,
como fizemos antes, entrelaçando-o de ponta a ponta em
todos os seus elementos?
Teeteto — Perfeitamente.
Estrangeiro — Sendo assim, a espécie imitativa e suscitadora
de contradições da parte dissimuladora da arte baseada na
opinião, pertencente ao gênero imaginário que se prende à
arte ilusória da produção de imagens, criação humana, não
divina, desse malabarismo ilusório com palavras: quem afirmar
que é de semelhante sangue e dessa estirpe que provém o
verdadeiro sofista, só dirá, como parece, a pura verdade
(PLATÃO, 1980, p. 69-71).

Com efeito, ao deixar a questão em aberto no final do diálogo, Platão nos dá
um apontamento para uma aproximação da identidade do sofista. No entanto, nos
deixa um grande ensinamento, as opiniões são diferentes dos discursos sobre
a verdade. Os discursos sobre a verdade são de natureza nobre e as opiniões
sobre um assunto não são conhecimento.

E essa diferença nem sempre é clara como parece ser. Com isso, em muitos
momentos de nossa existência pensamos que algo é verdadeiro simplesmente por
parecer, e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante, aquilo
que parece ser verdadeiro, mas se olharmos mais de perto não é, só parece ser.

Outro problema muito aparente na modernidade é a generalização de


argumentos que produz efeitos catastróficos em muitos segmentos da existência
humana. Por exemplo, escutamos por vezes vários argumentos deste tipo, “todo
homem é machista”, “todo político é ladrão”, “os padres são imorais”; todos esses
argumentos possuem falsas associações grotescas, atribuem a todo um grupo de
pessoas o comportamento de uma minoria. Isso significa que sequer argumentos
são, podemos chamá-los de enunciados vazios, mas que são muito populares em
nosso cotidiano.

Portanto, a verdade de um argumento não está somente em sua forma,


ou somente em seu conteúdo, mas na combinação da disposição de ambas
as características que, ao se combinarem, produzem uma estrutura sólida na
exposição de um pensamento (MOSCA, 2004).

Com efeito, cabe aos estudantes de oratória e retórica saberem construir um


argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade.
Não existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento. Antes disso há

118
Capítulo 4 Implicações da Retórica

uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se está inserido


para poder convencer.

Algumas Considerações
Agora você, estudante de oratória e retórica está pronto para seguir seu
caminho, escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situação para
expor suas ideias com clareza e objetividade.

A construção e exposição de argumentos com qualidade implica em


considerar as habilidades de cada um, o material disponível e a plateia para a qual
o indivíduo irá se dirigir. Neste capítulo destacamos as implicações das escolhas
argumentativas que fizemos.

Referências
CHIBENI, S. S. Notas sobre tipos de argumentos. [s.d.]. Disponível em: <www.unicamp.
br/~chibeni/textosdidaticos/argumentos.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2017.

MOSCA, L. do L. S. (Org.). Retóricas de ontem e de hoje. 3. ed. São Paulo: Associação


Editorial Humanitas, 2004.

PLATÃO, Sofista. Brasília: UFB, 1980.

PREZOTTO, J. Protágoras, Górgias, os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de


aretē. Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 241-250, 2008. Disponível em: <http://portal.fclar.
unesp.br/ec/BANCO%20DE%20DADOS/XXIII%20SEC/TEXTOS/ARTIGOS%20PDF/
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REBOUL, O. Introdução à retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

SCHECAIRA, F. Argumentação: noções básicas. 2012. Disponível em: <https://fabios


hecaira.wikispaces.com/file/view/Introdu%C3%A7%C3%A3o+%C3%A0+argumenta
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SOARES, N. C. A retórica e a construção da cidade na Idade Média e no


Renascimento: homo eloquens homo politicus. Coimbra: Coimbra University Press, 2011.

VIANA, P. Validade, Forma e Conteúdo de Argumentos. 2012. Disponível em: <http://


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VIEIRA, José Guilherme Silva. A retórica como a arte da persuasão pelo discurso. 2016.

119

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