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MORFOLOGIA VERBAL: AFIXOS FLEXIONAIS

Todos os morfemas flexionais incorporam informações sintácticas tais como: tempo, aspecto,
sujeito, objecto, modo, negação, participantes, etc. no complexo verbal podem ser prefixos ou
sufixos. Em línguas como Chichewa (Mchombo, 2004), os morfemas flexionais são proclíticos;
noutras podem ocorrer antes e/ou depois do radical (Ngunga,2000).

Na última sessão debruçámo-nos sobre dois prefixos de concordância com a classe do sujeito e
do objecto: a marca do sujeito (MS) e a marca do objecto (MO). Estes morfemas, como vimos,
apresentam vestígios ou marcas do nome (ou da pessoa gramatical) a que se referem no
complexo verbal. Por estarem posicionados antes do Radical, diz-se que ocupam a posição pré-
verbal. A MS ocupa a posição inicial (em frases de polaridade positiva) e a MO está adjacente à
esquerda do radical.

Nesta sessão analisaremos outros morfemas flexionais, na posição pré-verbal e/ou pós verbal.

Tempo e aspecto. Os morfemas usados para denotar as categorias de tempo-aspecto podem ser
(i) marcas de tempo (Tp), (ii) marcas de tempo e aspectuais (TA) e (iii) marcas de aspecto (MA).
Embora seja difícil dissociar estas duas categorias no complexo verbal, as marcas de tempo
indicam o tempo, apenas; as marcas de tempo-aspecto apresentam simultaneamente informações
sobre o momento e a forma ou natureza da realização da acção, ao passo que as marcas do
aspecto informam sobre o decurso dessa acção. Vejamos os seguintes exemplos do Cilenge.

a. Nixava mapawa

Ni- ø- xav- a ma-pawa


1sg MS tp comprar vf 6-pão
‘compro pães’
b. Naxava mapawa
Ni- a- xav- a ma-pawa
1sg MS tp comprar vf 6-pão
‘compro pães (regularmente)
c. Noxava mapawa
Ni- o- xav- a ma-pawa
1sg MS TA comprar vf 6-pão
‘estou a comprar pães’
Em a., b. e c. estamos perante o tempo presente. Enquanto a. e. b apresentam simplesmente
marcas de tempo (-ø-, -a-), embora se possa depreender uma acção habitual em b., em c. o
morfema -o- contém simultaneamente informações sobre o tempo e o aspecto progressivo. Pode-
se afirmar que, normalmente, a marca de tempo coincide com a marca de aspecto, no complexo
verbal.

Marca de tempo

Em muitas línguas Bantu, as marcas de tempo são sempre prefixos posicionados depois da
marca do sujeito (em frases de polaridade positiva), mas há certas línguas em que ocorrem em
diversas posições na estrutura verbal, como se pode observar nos exemplos de Xichangana.

a. Presente: vafana vaxava nyama


Va-fana va- a- xav- a nyama
2-rapaz 2MS PRES comprar vf 9 carne
‘os rapazes compram carne’

b. Futuro: vafana vataxava nyama


Va-fana va- ta- xav- a nyama
2-rapaz 2MS FUT comprar vf 9 carne
‘os rapazes comprarão carne’

c. Passado: vafana vaxavile nyama

Va-fana va- xav- ile nyama


2-rapaz 2MS comprar PASSADO 9 carne
‘os rapazes compraram carne’
d. Imperfeito: Vafana avaxava nyama
Va-fana a- va- xav- a nyama
2.rapaz IMP 2MS comprar vf 9 carne

‘os rapazes compravam carne’

Em a. e b., as marcas de tempo (-a-, -ta-) ocupam a posição imediatamente a seguir à marca do
sujeito, ou seja, ocupam a posição pós-inicial, ao passo que em c. ocorre na posição final do
complexo verbal. Já em d. a marca de tempo (a-) ocupa a posição pré-inicial, isto é, antes da
marca do sujeito. Como se pode ver, a partir de uma só língua, o estudo das marcas de tempo é
complexo e profundo.

Há línguas com múltiplos passados (passado recente e distante, passado hodierno, passado de
ontem e passado distante) e futuros (futuro recente e futuro distante, futuro hodierno, futuro de
amanhã e futuro distante). Damos-lhe alguns exemplos em Cilenge.

a) Nixavile cipuni
Ni- xav- ile ci-puni

1sg MS comprar PASSADO 7-colher


‘comprei uma colher’

b) Nitangaxava cipuni
Ni- ta- nga- xav- a ci-puni
1sg MS PASSADO1 PASSADO2 comprar vf 7-colher

‘comprei uma colher há muito tempo’

c) Sinaxava chukela
Si- na- xav- a chukela
8MS FUT comprar vf 9 açúcar
‘comprarão açúcar’

d) Sinataxava chukela
Si- na- ya- xav- a chukela

8MS FUT1 FUT2 comprar vf 9 açúcar


‘comprarão açúcar depois’

Em a) e b) há informação sobre o tempo passado: b) situa os factos num tempo distante (há
muitos anos), ao passo que a) nos remete para factos passados recentemente (hoje, ontem…). A
marca do passado distante é bimorfémica, tal como veremos no futuro posterior em d).

Observando c) e d), nota-se que os factos descritos ocorrem no tempo futuro, mas podemos
considerar que em c) o futuro é recente e que em d) o futuro é distante (o comprar), na acepção
de que só ocorre depois da realização de uma outra acção (o ir).

ACTIVIDADE

Sugerimos-lhe que se debruce sobre as marcas de tempo e as respectivas informações na língua


Bantu da sua preferência. Poderá socorrer-se de Sitoe (1996), Dicionário changana-português.

Marca de aspecto

No complexo verbal, a marca do aspecto, como já fizemos alusão, está associada à marca de
tempo. Ocorrendo isolado, posiciona-se imediatamente depois da marca do sujeito. Vamos
procurar exemplos em que o aspecto se apresenta isolado.

Xichangana: a) maphoyisa mahataja tinyama


Ma-phoyisa ma- ha- ta- j- a ti-nyama
6-polícia 6MS MA FUT comer vf 10-carne
‘os polícias ainda comerão carnes’
b) maphoyisa amahaja tinyama
ma-phoyisa a- ma- ha- j- a ti-nyama
6-polícia IMP 6MS MA comer vf 10-carne

‘os polícias ainda estavam a comer carnes’

Marca de negação
De acordo com Ngunga e Simbine (2012:141), a marca de negação ocupa diferentes posições da
estrutura verbal. Dependendo da língua, pode ocorrer na posição prefixal ou sufixal.

Guthrie (1948:32) apresenta as seguintes estratégias de negativização:

 O tom aparece como o único sinal de negação em determinados tempos verbais. Veja o
seguinte exemplo em Ronga (S.54). (O acento agudo assinala o tom alto): ánifámbi ‘devo
ir’ vs anífámbí ‘não vou’.

 A simples inserção do morfema de negação na frase afirmativa, como ocorre em Lundu


(A.15): nalangaka ‘estou a ler’ vs nasalangaka ‘não estou a estudar’.

 A colocação de um advérbio de negação na parte final da construção, como em Basa


(A.43a): agatimpa ‘ele voltará’ vs agatimpa bi ‘ele não voltará’

 A utilização de dois elementos de negação (afixo descontínuo), como em Duma (B.51):


bisulivovi ‘falámos’ vs kabisulivoviva ‘não falámos’.

 A supressão de segmentos (para a redução da palavra), como em Benga (A.34):


hukabapandi ´carregaremos’ vs huabapa ‘não carregaremos’.

Ao debruçar-se sobre as línguas da Zona S, Gowlett (2003:603) identifica dois paradigmas de


negação:

(a) Marca de negação em posição pré-inicial, com ou sem a simultânea marca sufixal, como
em Copi (S.61): hadya ‘comemos’ khahidyi ‘não comemos’.
(b) Marca de negação pós-inicial, com ou sem a simultânea marca sufixal, como em Lenge
(S.611): nadya ‘como’ vs nikadyi ‘não como’.

A negativização através de afixos descontínuos no complexo verbal pode apresentar-se de


diversas maneiras, de acordo com o tempo verbal. Observemos os exemplos de Changana (S.53),
extraídos de Ngunga e Simbine (2012:142).

(i) Passado: hilumile ´mordemos vs ahilumanga ‘não mordemos’

(ii) Presente: haluma ´mordemos’ vs ahilumi ´não mordemos’

(iii)Futuro: hitaluma ‘morderemos’ vs ahingataluma ‘não morderemos’

Em (i) e o morfema descontínuo a-…-nga ocorre na posição pré-inicial (antes da MS) e pós-final
(depois da vogal final), no tempo passado. É, simultaneamente, prefixo e sufixo.

Tratando-se do tempo futuro, o mesmo morfema a-…-nga em (iii) ocorre na posição prefixal:
pré-inicial (a-) e pós-inicial (-nga-).

No tempo presente, em (ii), o morfema marca de negação a-…-i é simultaneamente prefixo (a-),
em posição pré-inicial, e sufixo (-i) em posição final.

Além do tempo, a nagtivização pode manifestar-se de diferentes maneiras, dependendo do modo


verbal. Vejamos os exemplos de Xichangana apresentados em Sitoe (1996:326-7).

(i) Modo infinitivo: kutirha ‘trabalhar’ vs kungatirhi ‘não trabalhar’

(ii) Modo potencial: ndzingavona ‘posso ver’ vs ndzingevoni ‘não poderei ver’

(iii) Modo imperativo: teka ‘leva’ vs ungateki ‘não leves’

No plural: tekani ‘levai/levem’ vs (a) mingateki ‘não leveis/não levem’ (plural de dois)
ou (b) mingatekeni ‘não leveis/não levem’ (plural de mais de dois).

Como se pode observar, no infinitivo (i), a marca de negação é -nga-…-i, ao passo que no
potencial (ii) assume a forma -nge-…-i.No imperativo (iii), a marca de negação é -nga-…-i, para
a 2ª pessoa do singular e do plural de dois, e -nga…-e, na 2ª pessoa do plural de mais de dois.
Nota: o morfema pós-final -ni indica os participantes. Os exemplos seguintes pretendem aclarar
isso.

Citshwa: (a) Famb-a


Ir vf
‘vai (tu)’

(b) Famb- a- ni
Ir vf plu
‘vão’
(c) a- hi- famb- e
Tp 1pl MS ir MOD
‘vamos (eu e tu)’

(d) a- hi- famb- e- ni


Tp 1pl MS ir MOD plu
‘vamos (eu + tu + tu + tu…)’

Veja uma tentativa de apresentação da estrutura do complexo verbal das línguas Bantu.

MEEUSSEN (1967)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Pré- Inicial Pós- Formati Limitativ Infixo Radi Pré- Final Pós-
inicial inicial vo o cal inicia final
l
Relativo Prefixo MN MTA Modo/ MO RV MA/ MT/ Plural
indirecto verbal aspecto ExV VF do
/forma perfectiv imper
negativa o fectiv
absolutiv o
a

Onde: MN (marca de negação) MTA (marca de tempo e aspecto), MO (marca do objecto), RV


(raiz verbal), MT/VF (marca de aspecto/ vogal final).

ACTIVIDADE

A partir de uma língua Bantu, forme um corpus que lhe permita estabelecer um paradigma de
negativização.

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