Você está na página 1de 6

MORFOLOGIA VERBAL: AFIXOS DERIVACIONAIS

Depois que nos debruçámos sobre afixos flexionais, nestes apontamentos vamos analisar os afixos
derivacionais no complexo verbal. Como o próprio nome sugere, estes afixos concorrem para a (i)
formação de novas palavras, para a alteração da (ii) sintaxe da base verbal (dum lado, um verbo
intransitivo pode tornar-se transitivo ou bitransitivo e, doutro, um verbo transitivo pode passar a
intransitivo) ou da (iii) semântica (regista-se uma modificação do significado inicial da base verbal).

Veja o exemplo com o verbo kuxava ‘comprar’ em Ronga.

Ku- xav- a > ku- xav- el- a

15 comprar vf 15 comprar ext vf

‘comprar (algo)’ ‘comprar (algo) para’

O verbo Kuxava ‘comprar’ , para ter sentido completo, requer um objecto (o que se compra).
Acrescentando-se-lhe um morfema de extensão (ext), -el-, resulta o verbo kuxavela ‘comprar para’, o
qual demanda dois objectos (o que se compra e para/a quem se compra).

VERBALIZADORES (VBZ)

Há verbos que resultam da derivação de nomes, adjectivos, ideofones, etc., como nos exemplos
retirados de Ngunga (2004:192).

(a) Sena gopa ‘medo’ > ku- gopa- is- a > kugopesa ‘amedrontar’

15 medo vbz vf

(b) Yaawo diitika ‘metade de ’ > ku- diitika- amy- a > kutikamya ‘pôr metade‘

15 metade de vbz vf

(c) Changana munhu ‘pessoa’ > ku- munhu- wat- a >kumunhuwata ‘personificar

15 pessoa vbz vf

Os nomes tornam-se verbos através da sufixação de morfemas verbalizadores (vbz). Em todas as línguas
Bantu existem verbalizadores. Assumindo variadas formas, estes morfemas podem ocorrer em todas as
palavras lexicais de todas as categorias gramaticais (Ngunga, 2004).
Trazemos-lhe quatro verbos obtidos de ideofones. Veja como se apresentam os respectivos
verbalizadores (em bold).

Sotho phatsi! (de brilho) > ku-phatsi-m-a > kuphatsima ‘brilhar’

Lenge ya! (de bater com a costa da mão’ > ku-ya-mas-a > kuyamasa ‘esbofetear com a costa da
mão’

Changana hefu! (de respiração) > Ku-hefu-mul-a > kuhefumula ‘respirar’

Ronga baa! (de limpo) > Ku-ba-s-a > kubasa ‘estar limpo’

Obtidas as novas classes gramaticais, elas passam a comportar-se como quaisquer verbos: podem
acomodar afixos flexionais e derivacionais.

EXTENSÕES VERBAIS

As extensões verbais são morfemas derivacionais que se acrescentam ao radical verbal para lhe
modificar o sentido, a morfologia e, geralmente, alterar-lhe as relações de transitividade (o número
inerente de argumentos internos (Ngunga, 2004). Estes morfemas apresentam regularmente a estrutura
-vc- ou -vcvc-.

Posição das extensões

Na forma canônica do infinitivo, as extensões verbais inserem-se entre o radical e a vogal final: KU-
RADICAL- EXTENSÃO-VOGAL FINAL.

Todavia, tem havido discussões entre os bantuístas em relação ao posicionamento dos morfemas de
extensão no complexo verbal: uns (como Ngunga,2000) consideram-nos exclusivamente sufixos; outros
admitem não só a ocorrência de extensões verbais na posição sufixal como também na prefixal.

Enquanto Ngunga e Simbine (2012:137) classificam o morfema -ti- como marca de objecto reflexo,
Matsinhe (1994), por exemplo, defende que o prefixo reflexo -ti- é extensão verbal, porque (i) reduz a
valência do verbo (funde dois argumentos num só) e (ii) altera o sentido do mesmo, como é a
característica destes morfemas. Atente no exemplo abaixo.

Changana: a) kukhoma ‘pegar’; b) kutikhoma ‘conter-se’.


Em a), o verbo kukhoma ‘pegar’ possui dois argumentos, sendo um externo, com a função de sujeito, e
outro interno, com a função de objecto. Acrescentando ao mesmo verbo o morfema -ti-, obtém-se o
verbo kutikhoma ‘conter-se’. Este novo verbo não só aglutina em -ti- os argumentos de sujeito e de
objecto como ainda ganha outro significado.

Outra discussão está, por exemplo, em tono no sufixo -nyana. Na estrutura verbal, ocupa a posição pós-
final (depois da vogal final). Enquanto autores como Sitoe (1994:325) classificam -nyana como extensão
diminutiva, Ngunga e Simbine (2012:143), embora reconhecendo tratar-se de um morfema derivacional,
opõem-se à tal classificação, porque, segundo eles, tanto pode ocorrer com nomes, adjectivos e
advérbios como com verbos. Sendo assim, não é extensão verbal, por não ser capaz de formar um
radical extenso ou derivado.

Harmonia vocálica

No processo de derivação observa-se, rigorosamente, em muitas línguas Bantu a harmonização vocálica:


a vogal do sufixo assimila traços da última vogal do radical. Veja os exemplos abaixo.

(a) Sena: -pit- ir- a

passar ext vf

‘passar por’

(b) .-gon- er- a

dormir ext vf

‘dormir sobre’

Nestes exemplos, verificam-se dois alomorfes: /-ir-/ e /-er-/. O alomorfe /-ir-/ ocorre somente com
vogais primárias (a, i, u) do radical. O alomorfe /-er-/ ocorre com vogais secundárias (e, o) do radical. Ou
seja: a última vogal do radical determina a qualidade da vogal do sufixo.
PRINCIPAIS EXTENSÕES VERBAIS

Ao radical podem associar-se vários morfemas derivacionais. No entanto existem aqueles mais usados e
outros menos ou pouco usados. Uma mesma extensão pode receber designações diferentes por parte
de autores diferentes. Devemos sublinhar o seguinte: apesar de cada extensão possuir geralmente um
significado particular, existem aquelas que são polissémicas e as que formam pares mínimos. Duas ou
mais extensões podem ser aplicadas simultaneamente ao mesmo radical (Sitoe, 1996:322).

Vejamos as que consideramos mais frequentes.

 Extensão passiva (-w-, -iw-…)

A forma passiva do verbo obtém-se pela sufixação deste morfema, como se ilustra a seguir.

Tswana: a) Kereka dipodi ‘compro cabritos’ vs b) Dipodi direkwa kenna ‘os cabritos são comprados por
mim’

A extensão passiva reduz a valência do verbo em um lugar.

 Extensão aplicativa (-el-, -ir-, -il-…)

A aplicativa forma do verbo significa que a acção é realizada em benefício ou prejuízo de ou em relação
a um determinado lugar. Este morfema aumenta a valência do verbo.

Changana: a) Kufa ‘morrer’ b) kufela tiko ‘morrer pela pátria’

Nestes exemplos o verbo intransitivo kufa ‘morrer’ torna-se transitivo kufela ‘morrer por’.

 Extensão neutro-passiva ( -ek-, -ik-, -eg-…)

A forma neutra do verbo significa estado ou qualidade, possibilidade, sem intervenção do agente
(passiva sem agente).

Tswana: a) -roba ‘partir’ -robega ‘susceptível de se partir’

Nota-se que esta extensão reduz a valência do verbo.

 Extensão causativa (-is-, -es-)

A forma causativa do verbo indica fazer com que, mandar, ajudar ou obrigar a fazer.
Changana: a) kuluma ‘morder’ b) kulumisa ‘fazer com que seja mordido’

A extensão causativa aumenta a valência do verbo.

 Extensão estativa (-al-, -akal-)

A forma estativa do verbo revela estado ou qualidade imanente, possibilidade.

Changana: a) kutwa ‘ouvir’ b) kutwala ‘ser audível’ c) kutwakala ‘ser audível’

Tal como a passiva e a neutra, a extensão estativa reduz o número de argumentos.

 Extensão recíproca (-an-)

A forma recíproca do verbo revela que a acção é realizada simultaneamente por dois indivíduos ou
grupos de coisas. Expressa a ideia de reciprocidade: um ao outro.

Lenge: a) kuranda ‘amar’ b) kurandana ‘amar um ao outro, amarem-se’

A extensão recíproca reduz a valência do verbo.

 Extensão frequentativa (-etel-)

A forma frequentativa do verbo expressa ideia de repetição, frequência, reiteração diminuída da acção.

Ronga: a) kuxava ‘comprar’ b) kuxavetela ‘comprar várias vezes’

A extensão frequentativa não altera a valência do verbo.

 Extensão intensiva (-isis-)

Tal como o nome sugere, a forma intensiva do verbo indica que a acção é realizada com cuidado, com
força ou intensidade.

Changana: a) kutwa ‘ouvir’ b) kutwisisa ‘ouvir com atenção, perceber’

A extensão intensiva não afecta a estrutura argumental do verbo.

 Extensão reversiva (-ul-,-ai-, -oh-…)


A forma separativa do verbo expressa efeito contrário (como acontece com os antónimos), anulação do
efeito.

Sotho: a) ho- tl- a vs ho- tl- oh- a

15 vir vf 15 vir revers vf

‘vir’ ‘ir’

b) ho- hlom- a vs ho- hlom- ol- a

15 plantar vf 15 plantar revers vf

‘plantar’ ‘desplantar’

Changana: c) -pfula ‘abrir’ vs -pfala ‘fechar’

d) -yimbela ‘enterrar’ vs -yimbula ‘desenterrar’

Em certas construções, como a) e b) em Sotho, é possível identificar a base verbal não derivada.
Noutras, como c) e d) em Changana, torna-se difícil (ou mesmo impossível) identificar a base não
derivada, devido à evolução da língua.

A extensão reversiva não altera a valência do verbo.

 Extensão perfectiva (-elel-…)

Como diz Sitoe (1996:324), a forma perfectiva do verbo expressa a ideia de perfeição, exactidão,
acabamento, perseverança na acção.

Changana: -vona ‘ver’ vs -vonelela ‘vigiar, controlar’

A extensão perfectiva não afacta os argumentos do verbo.

Você também pode gostar