Você está na página 1de 15

1

Aula 2 – Responsabilidade enunciativa

Apresentação

Depois de focalizarmos considerações mais gerais a respeito dos gêneros


acadêmicos, os planos de textos e os usos da linguagem na esfera acadêmica, nos
centraremos, mais especificamente, na responsabilidade enunciativa.
Dando continuidade, faz-se necessário levarmos em consideração que os
textos acadêmicos, assim como quaisquer outros textos de outras esferas sociais,
encontram-se inseridos em um jogo dialógico que é perpassado por ideias e dizeres
de outrem, como por exemplo, os dados que circulam nas esferas dos saberes
científicos.
Em sua pesquisa, você precisará eleger, dentre as diversas possibilidades, um
aporte teórico-metodológico para encaminhar sua investigação. Isso justifica a
necessidade de explicitar as fontes do seu dito. Por consequência, muitas vezes, a
citação do discurso alheio será não só necessária para dar “autoridade ao seu dito”,
mas também agir com ética, evitando as questões de plágio. Para tanto, nesta aula,
apresentamos as diferentes perspectivas sobre a responsabilidade enunciativa e as
estratégias linguísticas que marcam a (não) assunção do locutor-narrador.

Objetivos
 Definir responsabilidade enunciativa.
 Compreender as estratégias de (não) assunção da responsabilidade
enunciativa.

Responsabilidade enunciativa: definições em diferentes perspectivas

Para darmos início às discussões sobre a responsabilidade enunciativa,


partiremos de algumas indagações no âmbito dos estudos da Análise Textual dos
Discursos.

 Quem assume a responsabilidade dos enunciados?


 Que marcas linguísticas são mobilizadas para delimitar a (não) assunção dos
enunciados?
2

 Como os locutores se posicionam diante dos enunciados de outrem?


 Como os locutores manejam os enunciados deles e dos outros de forma a
construir sentidos para o texto?

Você precisa entender também que os estudos da responsabilidade


enunciativa situam-se na Análise Textual dos Discursos (doravante ATD), postulada
pelo linguista Jean-Michel Adam. A ATD tem sua origem no âmbito da Linguística
Textual e da Linguística Enunciativa, essa perspectiva teórica leva em consideração
as condições de produção do texto em análise, além da superfície linguística do texto.
Nessa direção, adota também o aparato teórico e metodológico situado no quadro
mais amplo da Análise do Discurso.
A ATD propõe fazer uma articulação entre a Linguística Textual e a Análise do
Discurso. É “uma teoria da produção co(n)textual do sentido, que deve fundar-se na
análise de textos concretos” (ADAM, 2008, p. 13). Essa perspectiva teórica define a
Linguística Textual “como um subdomínio do campo mais vasto da análise das
práticas discursivas” (ADAM, 2008, p. 43).
Assim, para a análise de textos empíricos, Adam (2008) apresenta oito níveis,
ou seja: ação (n1), interação social (n2), formação sociodiscursiva (n3), textura (n4),
estrutura composicional (n5), semântica (n6), enunciação (n7) e (n8) atos de discurso.
Nesta aula, dentre os níveis propostos pelo autor, iremos nos dedicar ao nível (7), o
da enunciação. Para isso, além de Adam (2008 [2011]), nos apoiaremos em trabalhos
de outros autores, dentre eles Rabatel (2008, 2009), acerca do Ponto de Vista (PDV),
da assunção ou não da responsabilidade enunciativa; e Guentchéva (1994) sobre o
quadro mediativo. Por fim, Passeggi et al (2010) discorrem em diversos trabalhos
sobre o mesmo tema.
Adam (2011, p. 61), para Análise Textual de Discursos, apresenta o seguinte
esquema de níveis ou planos de análise de discurso:
3

Figura 1 – Níveis ou planos do texto e do discurso.


Fonte: Adam (2011, p. 61).

Nesse esquema, observamos as categorias da ATD, definidas por Adam (2011,


p. 63) para “teorizar e descrever os encadeamentos de enunciados elementares no
âmbito da unidade de grande complexidade que constitui o texto”.
Ressaltamos que a responsabilidade enunciativa é uma das principais noções
e categorias da ATD e é tratada por Adam (2011) de forma sintética e aberta, assim
como a maioria dos conceitos desenvolvidos por esse autor.
Adam (2011) apresenta a responsabilidade enunciativa, conforme Passeggi et
al (2010, p. 298), em dois momentos: “primeiro, enquanto dimensão indispensável da
unidade textual elementar, a proposição enunciado [...]; segundo, na discussão
específica do escopo dos marcadores de responsabilidade enunciativa”.
Vale destacar que pesquisas desenvolvidas sobre o fenômeno linguístico
“Responsabilidade Enunciativa” ainda não atingiram um grau de difusão
correspondente à relevância do assunto para os estudos linguísticos. Ainda, no
processo de tessitura da textualidade, o enunciador e/ou locutor adota estratégias ora
para eximir-se da responsabilidade pelo que enuncia, ora para atribuir a si mesmo
4

certa enunciação, quando lhe é conveniente. Ressaltamos que, conforme Rodrigues,


Passeggi e Silva Neto (2010, p. 153), “a noção de Responsabilidade Enunciativa não
é consensual” para os autores que se dedicam a estudá-la.
De acordo com Culioli (1971, p. 4031), “toda enunciação supõe
responsabilidade enunciativa do enunciado por um enunciador”, em outras palavras,
a enunciação é indissociável da responsabilidade. Assim, a RE é posta como condição
necessária para a enunciação e, nesse sentido, apresenta-se anterior à enunciação,
sendo a primeira de ordem cognitiva, não estritamente enunciativa, o que a distingue
também da modalização que passa a existir apenas no ato da enunciação. Dessa
maneira, Culioli (1971) indica quatro ordens de modalidades:

a) categorias da asserção (afirmação, negação, interrogação);


b) categorias do certo/não certo, provável, necessário, possível, contingente;
c) apreciações tais como ele está triste, alegre, estranho, claro que;
d) valores complexos que dependem da relação entre sujeitos.

Com base nessa perspectiva, visualizamos que o engajamento materializa-se


pelo ato de dizer, de afirmar algo, onde o sujeito se compromete em dizer algo, assim
como os destinatários, sendo o interlocutor que valida ou completa o enunciado.
Assim, a RE pode ser utilizada para descrever duas coisas: a asserção no sentido
estrito e o simples fato de dizer.
Todavia, para o grupo da Escandinávia (ScaPoline – Teoria Escandinava da
Polifonia Linguística), formado por Nolke, Flottum e Norén (2004, p. 31), assumir a
responsabilidade enunciativa é ser fonte do enunciado, é estar na origem, é “assumir
a paternidade”.
Consoante os proponentes da ScaPoline, o ponto de vista é definido da
seguinte maneira: “os pontos de vista (abreviados pdv) são entidades semânticas
compostas por uma fonte, um julgamento e um conteúdo” (NOLKE; FLOTTUM;
NORÉN, 2004, p.31). Essa definição é apresentada por eles da seguinte forma: “[x]
JULGA (p), onde [x] simboliza a fonte, JULGA o julgamento e (p) o conteúdo” (NOLKE;
FLOTTUM; NORÉN, 2004, p. 31).
Então, “ser fonte de um ponto de vista” equivale a “ter esse ponto de vista”.
Nessa direção, os pontos de vista são entidades semânticas em cujos elementos que
os constituem está incluído a fonte. Esta, por sua vez, é variável, segundo Nolke
5

(2001, p. 31 apud FERNANDES, 2013). Em outras palavras, para ScaPoLine, ser


responsável de pdv significa ao mesmo tempo "ser fonte de pdv” e "ser agente de um
julgamento particular”. Assim, “ser responsável” implica ter um pdv, porque todo pdv
tem, entre seus componentes, uma fonte e “ser responsável” é ser fonte.
Guentchéva (1994) fornece-nos a noção do “mediativo”, que é de suma
relevância para a discussão empreendida por Adam (2011), no que se refere à
Responsabilidade Enunciativa, no âmbito da ATD. Guentchéva (1994, p. 8) esclarece
que diversas línguas possuem procedimentos gramaticais que permitem ao
enunciador significar os diferentes graus de distância que ele toma no que tange à
Responsabilidade Enunciativa dos conteúdos veiculados no enunciado, ou seja, essa
noção permite materializar, de maneira explícita, quando o enunciador não é a
primeira fonte da informação e quando ele não assume a responsabilidade pelo
conteúdo veiculado no texto.
Nessa perspectiva, o enunciador não assume nenhuma garantia pelos
conteúdos reportados. O enunciado não se constitui, pois, uma afirmação do discurso
citante, que não se compromete com afirmações referenciais. Portanto, a categoria
do mediativo se caracteriza pelo fato de o “enunciador não assumir a responsabilidade
pelo conteúdo que ele enuncia, estabelecendo uma distância entre ele e os fatos
reportados” (GUENTCHÉVA, 1994 apud RODRIGUES, 2010, p. 142).
Adam (2008) postula a Responsabilidade Enunciativa como assunção ou não
assunção por determinadas entidades ou instâncias acerca do que é enunciado, ou
na atribuição de alguns enunciados a certas instâncias. Esse autor propõe ainda que
“o ponto de vista (PdV) permite dar conta do desdobramento polifônico” (p. 110).
Destacamos que Adam (2008) não faz distinção quando se refere à
Responsabilidade Enunciativa e ao ponto de vista. Para esse autor, a mediação
epistêmica se dá quando uma zona textual depende de uma zona do saber, enquanto
a mediação perceptiva “repousa numa focalização perceptiva” (ver, ouvir, sentir, tocar,
experimentar etc.) ou numa focalização cognitiva (saber ou pensamento
representado).
A responsabilidade enunciativa pode ser individual ou coletiva e é
compreendida como a assunção por determinadas entidades ou instâncias acerca do
que é enunciado, ou como a atribuição de alguns enunciados a certas instâncias.
É por meio do PdV do enunciador que se estabelece a assunção ou a atribuição
da responsabilidade enunciativa, ou seja, conforme seja conveniente ou não esse
6

enunciador irá assumi-la. No caso da negativa da conveniência, o enunciador poderá


atribuí-la a outra fonte do saber ou apresentar um ponto de vista anônimo ou até
mesmo se distanciar do que está sendo veiculado.
Outro linguista que tem se dedicado ao estudo do ponto de vista e da
responsabilidade enunciativa é Rabatel (2008, p. 21 apud Passeggi et al. 2010, p.
306), o qual define que,

o sujeito, responsável pela referenciação do objeto, exprime seu PDV


tanto diretamente, por comentários explícitos, como indiretamente,
pela referenciação, ou seja, através de seleção, combinação,
atualização do material linguístico.

Para esse autor, o PDV tem natureza dialógica, uma vez que se constitui,
necessariamente, no cruzamento de perspectivas.
O PDV é uma categoria transversal (RABATEL, 2005) e se define a partir de
meios linguísticos por meio dos quais um sujeito visa um objeto, em todos os sentidos
do verbo visar, seja esse sujeito singular ou coletivo. Quanto ao objeto, ele pode
corresponder a um objeto concreto, mas também a um personagem, a uma situação,
a uma noção ou a um acontecimento, uma vez que em todos os casos se trata de
objeto do discurso (PASSEGGI et al., 2010, p. 306).
Rabatel (2009, p. 71) trata da noção de “quase-RE”1 partindo de uma definição
culioliana da asserção. Essa noção revela que é possível imputar um PDV para os
enunciadores segundos, mesmo que eles não tenham enunciado nada. Dessa
maneira, tal autor se distancia de Ducrot (1987), pois, para esse último autor, assumir
a Responsabilidade Enunciativa é falar, é dizer. Esse direcionamento de Rabatel
(2009) também o distancia da ScaPoline, tendo em vista que, para ele, é possível
imputar um ponto de vista (PDV), mesmo a quem não tenha falado, mesmo a quem
não está na origem do enunciado. Portanto, a “quase-RE” postula que os PDVs são
atribuídos por L1/E1 (Locutor 1 e Enunciador 1) a enunciadores segundos, não sendo
assumidos integralmente por L1/E1.
Vale considerar que o PDV foi alvo de interesse e preocupação no campo da
literatura concernente ao estudo das questões sobre o narrador, mas, não iremos

1
Passeggi et al. (2010, p. 306) esclarece que “Quase-PEC” = é igual a quase-Responsabilidade
Enunciativa (Quase-RE), com base nos estudos de Rabatel (2009, p. 72). Explicamos que, para Rabatel
(2009, p. 72), “as aspas destacam que a PEC não é verdadeiramente uma, mas que ela é necessária
para que L1/E1 possa se posicionar em relação ao PDV”.
7

tecer considerações sobre isso. Consideramos, nesta pesquisa, a abordagem


enunciativo-interacional com base em Cortez (2011) que amplia o escopo do PDV não
restrito ao domínio literário, convocando a discussão sobre as “vozes” ou “espaços
enunciativos” que interferem na construção do PDV. A complementação da expansão
da noção de PDV e sua reformulação a partir do campo dos estudos literários, tal
como empreendido inicialmente por Rabatel (2009), colocou em destaque a
complexidade do fenômeno, sendo percebida uma noção no intercâmbio entre
estudos linguísticos e literários, dialogando com temas, tais como a focalização
narrativa, a manifestação da subjetividade e as formas de transmissão do discurso
outro.
Para exemplificar, o autor apresenta que em um enunciado como “eu não amo
essas questões de responsabilidade enunciativa”, eu é a fonte e o validador, ou seja,
aquele que confirma a verdade do conteúdo proposicional, entendendo fonte como “a
iminência enunciativa da origem do PDV” (RABATEL, 2009, p. 78).
Nesse contexto, é preciso considerar que, para Rabatel (2009), há diferentes
modos de representar um PDV e eles estão diretamente ligados às relações ocorridas
entre locutor/enunciador. As relações são oriundas do modo como o locutor e o
enunciador, enquanto produtores do texto, posicionam-se em relação ao PDV de
outros enunciadores, ou seja, como se posicionam em relação ao discurso de outrem
que eles expõem em seus textos. Sobre o discurso de outrem e as relações entre
locutor e enunciador constituem tópicos a serem discutidos nas aulas 2 e 3 deste
módulo.

Atividade 1

A partir do exposto neste tópico, explique a sua compreensão sobre a


responsabilidade enunciativa. Observe o seu posicionamento enunciativo e discuta
sua resposta com o tutor da disciplina.
8

Marcas linguísticas de (não) assunção da responsabilidade enunciativa

Para Adam (2008), a Responsabilidade Enunciativa (RE) ou Ponto de Vista


(PdV) pode ser materializado textualmente por diversas marcas que caracterizam o
grau de RE de uma proposição. Para tanto, o autor (2008) enumera 08 (oito) grandes
categorias que apresentamos no quadro seguinte.

Ordem Categorias Marcas linguísticas


01 Índices de pessoas Meu, teu/ vosso, seu
02 Dêiticos espaciais Advérbios (ontem, amanhã, aqui, hoje)
e temporais Grupos nominais (esta manhã, esta porta)
Grupos preposicionais (em dez minutos)
Alguns determinantes (minha chegada)
03 Tempos verbais Oposição entre presente e o futuro do pretérito
Oposição entre presente e o par pretérito imperfeito
e pretérito perfeito.
04 Modalidades Modalidades sintático-semânticas maiores:
Téticas (asserção e negação)
Hipotéticas (real)
Ficcional e
(4) Hipertéticas (exclamação)
Modalidades objetivas
Modalidade intersubjetivas
Modalidade subjetivas
Verbos e advérbios de opinião
Lexemas afetivos, avaliativos e axiológicos
05 Diferentes tipos de Discurso direto (DD)
representação da Discurso direto livre (DDL)
fala Discurso indireto (DI)
Discurso narrativizado (DN)
Discurso indireto livre (DIL)
9

06 Indicações de Marcadores como segundo, de acordo com e para


quadros Modalização por um tempo verbal como o futuro do
mediadores pretérito.
Escolha de um verbo de atribuição de fala como
afirmam, parece
Reformulações do tipo é, de fato, na verdade, e
mesmo em todo caso
Oposição de tipo alguns pensam (ou dizem) que X,
nós pensamos (dizemos) que Y
07 Fenômenos de Não coincidência do discurso consigo mesmo (como
modalização se diz, para empregar um termo filosófico)
autonímica Não coincidência entre as palavras e as coisas (por
assim dizer, melhor dizendo, não encontro a palavra)
Não coincidência das palavras com elas mesmas (no
sentido etimológico, nos dois sentidos do termo)
Não coincidência interlocutiva (como é a expressão?
Como você costuma dizer)
08 Indicações de um Focalização perceptiva (ver, ouvir, sentir, tocar,
suporte de experimentar)
percepções e de Focalização cognitiva (saber ou pensamento
pensamentos representado)
relatados
Quadro 1 – Grau de responsabilidade enunciativa: categorias e marcas linguísticas.
Fonte: (PASSEGI et al, 2010, p. 300-301).

Considerando as diferentes vozes presentes em um enunciado, Adam (2008,


p. 109) menciona que

toda proposição-enunciado compreende dimensões complementares


às quais se acrescenta o fato de que não existe enunciado isolado:
mesmo aparecendo isolado, um enunciado elementar liga-se a um ou
a vários outros e/ou convoca um ou vários outros em resposta ou como
simples continuação.

Sob esses aspectos, percebemos que a identificação e análise da


responsabilidade enunciativa nem sempre é clara e objetiva, já que todo enunciado é
primordialmente dialógico e polifônico.
10

Vale salientar que a assunção ou a atribuição da responsabilidade enunciativa


pelo locutor é possível por meio de PdV do enunciador, que conforme lhe seja
conveniente poderá assumi-lo ou não. Nesse sentido, temos:

a) Mediação epistêmica – constitui-se quando identificamos estratégias


linguísticas explicitando que uma zona textual depende de uma zona do saber,
ou seja, quando por meio de estratégias linguísticas explícitas o produtor do
artigo credita a responsabilidade pelo que é dito a outrem (remete a outras
fontes do saber).

“De acordo com Marcuschi (apud DIONÍSIO, 2002), a ideia de que os gêneros
textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social,
fruto de trabalho coletivo e que contribuem para ordenar as atividades comunicativas
do dia a dia, já é algo trivial [...]”.

b) PdV anônimo – refere-se à presença de formas verbais na terceira pessoa do


singular, mas isso dependerá do contexto linguístico, uma vez que nem toda
forma verbal na terceira pessoa do singular implica PdV anônimo. Nessa
direção, Rodrigues (2010) explica que o PdV anônimo, materializado na
terceira pessoa do singular, poderá ser um tipo de mediação perceptiva. Isso
dependerá do valor semântico da forma verbal que esteja na terceira pessoa
do singular.

“[...] Vive-se portanto num mundo de incertezas, onde o consumo em demasia


compromete todo o desenvolvimento individual, fazendo com que o homem perca sua
identidade de sujeito criativo, servindo dessa forma, para servir ao sistema
dominante”.

c) Mediação perceptiva – define-se como uma estratégia linguística marcada


explicitamente por meio de uma forma verbal a qual “repousa numa focalização
perceptiva” (ver, ouvir, sentir, tocar, experimentar etc.) ou numa focalização
cognitiva (saber ou pensamento representado).
11

“[...] O romance entre os dois só se realiza longe da pensão, quando então é possível
conhecê-la melhor. Parece que o personagem retoma as rédeas do seu destino e
conto caminha poeticamente para um final feliz [...]”.

d) Formas verbais da 1ª pessoa do plural.

“Examinemos então a maneira como se dá o processo de referenciação no texto


‘Inteligência corporal’, concentrando-nos sobre as diferentes estratégias linguísticas
utilizadas na categorização e recategorização dos objetos-de-discurso, e verificando
as funções que estas desempenham na produção e recepção do texto. Para isso,
selecionamos apenas o trecho que julgamos mais relevante para a análise”.

Atividade 2
Observe a análise do seguinte fragmento:

Resenha 2 – Ao longo da nossa vida escolar, e também, ao longo da nossa vida


acadêmica, muitas vezes nos deparamos com a questão argumentativa.
[...]
“Já afirmava Ducrot que a língua dispõe de mecanismos próprios que são
responsáveis pela sua infraestrutura. Ele não estava precipitado.” (grifos nossos)

No exemplo citado, há a assunção da responsabilidade enunciativa quando o


enunciador faz uso dos índices de pessoas, como os pronomes possessivos “nossa”
e construções na primeira pessoa do plural (expressões em itálico). Percebemos uma
mistura de posicionamentos no segundo período, quando o produtor mostra uma
afirmação de Ducrot e comenta a mesma, dizendo que “ele não estava precipitado”
ao fazer aquela constatação, avaliando a declaração do autor e, desse modo,
deixando claro o seu ponto de vista.
A partir da análise de Santos (2011), você pode observar o reconhecimento de
marcas linguísticas que sinalizam para a identificação da responsabilidade enunciativa
no texto.
12

Como atividade prática, selecione fragmentos de gêneros acadêmicos e


identifique as marcas linguísticas. Depois, explique se o produtor do texto assume ou
não a responsabilidade enunciativa.

Leituras complementares

ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos.


Tradução de Maria das Graças Soares Rodrigues, João Gomes da Silva Neto, Luis
Passeggi e Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Cortez,
2011.
Este livro de Jean-Michel Adam viabiliza uma teoria da produção co(n)textual
de sentido que deve, necessariamente, ser fundamentada na análise de textos
concretos. Os estudos aqui apresentados procuram atender amplamente aos
interesses dos especialistas do texto/discurso. Com efeito, o autor discute e teoriza
diversas tensões que perpassam a relação texto/discurso, a partir de análises e
discussões rigorosas dos vários posicionamentos teóricos e epistemológicos sobre o
tema, propondo, assim, pensar e integrar texto e discurso em um novo quadro teórico.
No capítulo 2 desta obra, você encontra o tópico que trata sobre responsabilidade
enunciativa dos enunciados, tema tratado nesta aula.

Acesse o artigo:
RODRIGUES, Maria das Graças Soares. Gêneros discursivos acadêmicos: de
quem é a voz? Disponível em: <http://www.simelp2009.uevora.pt/pdf/slg26/01.pdf>
13

Este artigo discute a responsabilidade enunciativa em gêneros discursivos


produzidos por alunos da graduação em Letras, seguindo o método comparativo, com
base nos pressupostos teóricos da Análise Textual dos Discursos de Adam (2008)

Resumo

Nesta aula, compreendemos que a responsabilidade enunciativa é constitutiva


da produção de sentido do texto/discurso. Vimos, a partir das perspectivas
apresentadas no primeiro tópico, que ela se configura com base nas dimensões
discursivas e argumentativas e em enunciados anteriores e posteriores.
Considerando, portanto, os diferentes posicionamentos, destacamos que a noção de
responsabilidade enunciativa apresenta divergências conforme os teóricos que se
dedicaram ao assunto, visto que eles não demonstram um pensamento uniforme
sobre a temática. No entanto, esses estudiosos compartilham do princípio dialógico
inerente a todo enunciado e da assertiva de que o locutor-narrador pode se encarregar
de assumir, ou não, o conteúdo proposicional dos enunciados. Percebemos, conforme
Adam (2008), que na construção de textos existem enunciados não assumidos pelo
locutor-narrador. Nesse caso, tais enunciados são atribuídos a outro enunciador, a
outra fonte de saber. Nesse sentido, os enunciados podem ser ou não assumidos pelo
locutor-narrador. Observamos que a responsabilidade enunciativa pode ser
materializada por diferentes categorias que englobam marcas linguísticas que a
delimitam nos textos. Essas categorias permitem o estudo da responsabilidade
enunciativa ou do PdV em suas várias formas de materialização.

Autoavaliação

Vimos que os gêneros acadêmicos, assim como quaisquer gêneros


discursivos/textuais de outras esferas sociais, encontram-se inseridos em um jogo
dialógico que é perpassado por ideias e dizeres de outrem. Você, na condição de
produtor de textos acadêmicos e pesquisador, deve utilizá-los, orientado pelos
diferentes propósitos comunicativos.
Como atividade de análise e reflexão sobre a temática estudada, realize
pesquisa em periódicos da sua área (acesse o endereço
<www.periodicos.capes.gov.br/>). Por conseguinte, selecione alguns textos e observe
14

como os autores dos diferentes gêneros acadêmicos conduziram, no desenvolvimento


dos seus textos, as vozes alheias. Observe também se o produtor do texto assumiu
ou não a responsabilidade pelo dito, identificando as marcas linguísticas de (não)
assunção da responsabilidade enunciativa.

Referências

ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise textual dos


discursos. Tradução Maria das Graças Soares Rodrigues et al. 2. ed. rev. e aum.
São Paulo: Cortez, 2011.

______. Lingüística textual: introdução à análise textual dos discursos. Tradução


Maria das Graças Soares Rodrigues et al. São Paulo: Cortez, 2008.

CORTEZ, Suzana L. A construção textual-discursiva do ponto de vista: vozes,


referenciação e formas nominais. 2011. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto
de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2011.

CULIOLI, A. Rubriques de linguistique de l´Encyclopédie Alpha. Paris: Grange


Batelière, 1971.

COLTIER, D. de; DENDALE, P.; BRABANTER, P. de. La notion de prise en


charge: mise en perspective. Langue Française, Paris, n. 162, p. 3-27, juin. 2009.
La notion de prise charge en linguistique.

DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.

FERNANDES, Emiliana Souza Soares. A (não) assunção da responsabilidade


enunciativa no gênero acadêmico artigo científico produzido por alunos do
curso de Letras. 2012. 91f. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação
em Estudos da Linguagem. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2012.Disponível em: < http://bdtd.bczm.ufrn.br/tde_arquivos/20/TDE-2012-09-
25T010303Z-4498/Publico/EmilianaSSF_DISSERT.pdf>. Acesso em 05 jul 2013.

GUENTCHÉVA, Z. Manifestations de la catégorie du médiatif dans les temps du


français. Langue Française, Paris, v. 102, n. 1, p. 8-23, 1994. Les sources du
savoir et leurs marques linguistiques. Disponível em: <http://www.persee.fr>. Acesso
em: 10 out. 2009.

PASSEGGI, L. et al. A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção
co(n)textual de sentido. In: BENTES, A. C.; LEITE, M. Q. (Orgs.). Linguística de
15

texto e análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo:


Cortez, 2010. p. 262-314.

NOLKE, H., FLOTTUM, K., C. NORÉN. ScaPoLine: La théorie scandinave de la


polyphonie linguistique. Paris: Kimé, 2004.

RABATEL A. Prise en charge et imputation, ou la prise en charge à responsabilité


limitée...La notion de prise en charge en linguistique, Langue Française, [s. l.],
n.162, p. 71-87, 2009.

______. Le point de vue, une catégorie transversale. Le Français aujourd'hui,


Paris, n. 151, p. 57-68, 2005. Disponível em: <www.cairn.info/revue-le-francais-
aujourd-hui-2005-4-page-57.htm>. Acesso em: 10 jun. 2011.

______. Homo narrans: pour une analyse énonciative et interactionnelle du récit. t.


2. Dialogisme et polyphonie dans le récit. Limoges: Lambert-Lucas, 2008.

RODRIGUES, M. G. S. A não assunção da Responsabilidade Enunciativa. In:


SANTOS, Derivaldo dos; GALVÃO, Marise Adriana Mamede; DIAS, Valdenides
Cabral de Araújo (Orgs.). Dizeres díspares: ensaios de Literatura e Linguística.
João Pessoa: Ideia, 2010.

RODRIGUES, M. G. S. Gêneros discursivos acadêmicos: de quem é a voz?


2010. Disponível em: <http://www.simelp2009.uevora.pt/slgs/slg26.html>. Acesso
em: 10 nov. 2011.

RODRIGUES, M. G. S.; PASSEGGI, L.; SILVA NETO, J. G. “Voltarei. O povo me


absolverá...”: a construção de um discurso político de renúncia. In: ADAM, Jean-
Michel; HEIDMANN, Ute; MAINGUENEAU, Dominique. Análises textuais e
discursivas: metodologia e aplicações. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS, Julianne Pereira dos. Análise textual dos discursos: a responsabilidade


enunciativa em textos de alunos iniciantes do curso de Letras. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE LINGUÍSTICA APLICADA, 9., 2011, Rio de Janeiro. Anais
eletrônicos... Rio de Janeiro: ALAB, 2011. Disponível em:
<http://www.alab.org.br/eventos/ix-cbla/87>. Acesso em: 10 abr. 2013.

Você também pode gostar