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A MODALIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIA ARGUMENTATIVA:


DA PROPOSIÇÃO AO TEXTO

Erivaldo Pereira do Nascimento - UFPB/Proling

É nosso objetivo, neste trabalho, tratar do fenômeno da modalização como uma estratégia
semântico-argumentativa presente em diferentes gêneros discursivos. No entanto, para considerar esse
fenômeno lingüístico como tal, é necessário enxergá-lo como um ato de fala particular que permite ao
locutor, além de deixar marcas de suas intenções, agir em função do seu interlocutor. Inicialmente,
faremos uma revisão teórica de alguns estudiosos que tratam a modalização como um fenômeno
lingüístico dentro das fronteiras do enunciado e que permite ao locutor expressar sua subjetividade.
Aqui a modalização ou modalidade (já que tomaremos um termo pelo outro) é trabalhada,
inicialmente, a partir de Lyons (1977), Cervoni (1989), Castilho e Castilho (1993) e Koch (2002).
Em seguida, apoiados nas investigações realizadas pelos estudiosos do Laboratório
Semântico-Pragmático de Textos (LASPRAT), da Universidade Federal da Paraíba, serão
questionados alguns dos pressupostos dos estudiosos apresentados, a fim de considerar como a
modalização se constitui em um fenômeno argumentativo. Esse questionamento visa também
demonstrar como o fenômeno da modalização vai do enunciado ao texto, ultrapassando as fronteiras
da proposição para o discurso como um todo.
A partir das investigações realizadas por Nascimento (2005), Silva (2007), Chaves (2007) e
Batista (2008), que descreveram o fenômeno da modalização em diferentes gêneros
textuais/discursivos (notícia jornalística, pareceres técnicos e jurídicos, entrevista e cartas oficiais), é
possível perceber que a modalização não se limita às fronteiras do enunciado e que, ao modalizar o seu
discurso, o locutor além de deixar expresso um posicionamento, age em função do seu interlocutor.
Convém pontuar que, nesse sentido, a teoria da modalização se apresenta como uma teoria que
explica como um locutor deixa registrado, no seu discurso, marcas de sua subjetividade através de
determinados elementos lingüísticos e, portanto, imprime um modo como esse discurso deve ser lido.
Dessa forma, age em função da interlocução. A modalização consiste, portanto, em uma das
estratégias argumentativas que se materializam lingüisticamente, e que se constitui em um ato de fala
particular.
Não faremos distinção aqui entre modalidade e modalização. Apoiando-nos em Castilho e
Castilho (1993), trataremos um termo por outro, por considerarmos que não há como separar a
subjetividade (que estaria para a modalização), da intersubjetividade (que estaria para a modalidade).
Compreendemos que as duas ocorrem em conjunto, no processo de interação verbal, uma vez que
sempre que nos expressamos, o fazemos em função do outro. E isso é argumentar.

1. Modalização e Modalidade

Castilho e Castilho (1993, p. 217) afirmam que o termo modalização expressa um julgamento
do falante perante a proposição. No entanto, dois termos têm sido empregados nesse sentido:
modalidade e modalização. O primeiro quando “o falante apresenta o conteúdo proposicional numa
forma assertiva (afirmativa ou negativa), interrogativa (polar ou não-polar) e jussiva (imperativa ou
optativa)”. O termo modalização tem sido usado quando “o falante expressa seu relacionamento com o
conteúdo proposicional”. Esse relacionamento consiste em julgar o teor de verdade da proposição, ou
expressar um julgamento sobre a forma escolhida para verbalizar o conteúdo da proposição.
No entanto, os autores preferem usar os termos indistintamente, pois “há sempre uma
avaliação prévia do falante sobre o conteúdo da proposição que ele vai veicular” (1993, p.217). Eles
acrescentam que decorrem daí as decisões do falante sobre afirmar, negar, interrogar, expressar
dúvida, certeza etc.
A partir de Dubois (1973), a pesquisadora Santos (2000, p. 1) afirma que a modalização é uma
categoria que permite ao falante expressar uma atitude em face do enunciado que produz. A
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modalidade, por sua vez, é sinônima de modo e indica o tipo de comunicação instituído pelo falante
entre ele e o seu interlocutor.
Lyons (1977, p. 329) afirma que, na lógica tradicional, o termo modalidade é utilizado para
descrever a quantificação do predicado.

In traditional logic (based on a bipartite analysis of propositions into subject and


predicate), modality was commonly described as quantification of the predicate. 1

No entanto, Lyons (1977, p. 327) aponta que, tanto na lingüística como na lógica, o termo tem
provocado uma série de interpretações conflitantes, devido a sua aproximação com os termos modo e
modal. O autor reconhece que há uma aproximação etimológica óbvia entre esses três termos, mas
acrescenta que prefere reservar o termo modo para o sentido que lhe atribui a Gramática Tradicional,
para se referir às categorias gramaticais denominadas de indicativo, subjuntivo e imperativo.
Lyons ainda acrescenta que o único tipo de modalidade reconhecido pela lógica tradicional é o
que relaciona as noções de necessidade e possibilidade ao valor de verdade e falsidade das
proposições, ou seja, a modalidade alética.

The only kind of modality recognized in traditional modal logic is that which has to
do with the notions of necessity and possibility in so far as they relate to the truth
(and falsity) of propositions: aletheutic, or alethic modality. (1977, p. 328, grifo do
autor)2.

Os lógicos relacionam a modalidade alética, segundo Lyons, mais à necessidade do que à


possibilidade. Necessidade é definida em termos de verdade em todos os universos possíveis e
possibilidade em termos de verdade em alguns universos possíveis (1977, p. 329). Para exemplificar a
modalidade, Lyons cita o enunciado abaixo, da língua inglesa.

Exemplo 1
He may not come (Ele pode não vir)

Ao utilizar o exemplo acima, Lyons afirma que, nessa sentença, a modalidade é mais
epistêmica e deôntica do que alética.
Cervoni (1989, p. 53) afirma que o termo modalidade implica a idéia de que uma análise
semântica permite distinguir, em um enunciado, um conteúdo proposicional (dito) de um ponto de
vista do falante sobre esse conteúdo (modalidade). Para o autor, a modalidade é constitutiva da
significação fundamental do enunciado, o que a distingue da conotação.
Para Cervoni, o fenômeno da modalidade na Lingüística, embora tenha suas raízes na lógica e
conserve alguma coisa de sua significação original (idem, p. 54), deve ser tratado com a máxima
atenção à morfologia, à sintaxe e ao léxico (idem, p. 61). Por essa razão ele retoma a noção tradicional
de que só ocorre modalidade quando essa incide sobre a proposição como um todo, para afirmar que,
nas teorias lingüísticas contemporâneas, a partir da análise das formas de superfície e do implícito, se
discute a modalidade incidindo sobre parte da proposição, o sintagma nominal, por exemplo.

Conforme a definição tradicional, só serão consideradas modalidades as


determinações referentes a uma proposição. Mas, para o lingüista, não há hipótese
de ver proposições apenas nas frases que têm uma forma canônica (Sócrates corre,
educa os jovens, é um homem...). As teorias lingüísticas contemporâneas
demonstraram a vantagem de se supor estruturas subjacentes para as formas de
superfície e de dar lugar ao implícito na análise das frases. (ibidem, p. 62)

1
Tradução literal, nossa: Na lógica tradicional (baseada na análise bipartida entre sujeito e predicado), a
modalidade foi comumente descrita como quantificação do predicado.
2
Tradução literal, nossa: O único tipo de modalidade reconhecida pela lógica tradicional de modo é aquela que
tem a ver com as noções de necessidade e possibilidade na medida em que elas se relacionem com a verdade (e a
falsidade) das proposições: modalidade aletética ou alética.
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Por essa razão, o autor (1989, p. 63) apresenta uma classificação, segundo a qual se pode
distinguir o que é tipicamente modal, do que é parcialmente modal e do que é possível e vantajoso
excluir do campo das modalidades. O que é tipicamente modal, ele denominou de núcleo duro, o que é
parcialmente modal foi denominado de modalidade impura.
Dentro do núcleo duro foram incluídas as modalidades proposicionais e os auxiliares de modo,
uma vez que ambos “têm uma significação essencialmente modal perfeitamente explícita”
(CERVONI, 1989, p. 63).
Ocorrem modalidades proposicionais em frases do tipo “(unipessoal) + é + Adjetivo + que P
ou Infinitivo”, como no exemplo “É possível que as aulas comecem em julho”. Neste caso, a
modalidade expressa pela estrutura “é possível” incide sobre toda a proposição “que as aulas comecem
em julho”. Os auxiliares de modo são constituídos por verbos como poder, dever, querer, saber, em
frases como “Ele deve chegar cedo”. A modalidade expressa pelo verbo dever, de probabilidade,
também incide sobre todo o conteúdo proposicional “Ele chegar cedo”.
Com relação ao verbo querer, o autor ainda afirma que esse é um verbo potencial, uma vez que
se trata de um verbo que nem sempre é modal. Em frases como “Ela quereria ser bela”, pode significar
apenas um simples desejo ou um mero sonho do sujeito (ibidem, p. 65).
Com relação à modalidade impura, o autor afirma que essa inclui “os casos em que a
modalidade é implícita ou mesclada num lexema, num mesmo morfema, numa mesma expressão, a
outros elementos da significação” (ibidem, p. 68). Nesse grupo, estão incluídos alguns adjetivos
avaliativos, como útil, agradável, interessante, grave etc., os verbos dicendi, e os modos verbais.
No entanto, ao tratar dos adjetivos avaliativos, Cervoni (1989, p. 70) afirma que esses só serão
modais quando for possível recuperar a forma canônica.

Os adjetivos avaliativos que podem fornecer uma expressão unipessoal determinam


ou uma proposição – eventualmente “reativada” (ex.: Sua queda é grave = É grave
que tenha caído), e então eles se vinculam às modalidades – e, ou um nome não
“reativável” (ex.: Um ferimento grave), e, neste caso, não cabe considerá-los como
portadores de modalidade.

Neves (2000, p. 188), por sua vez, apresenta casos de adjetivos exprimindo valores modais,
em que não é possível recuperar a estrutura canônica tradicional. Isso ocorre no enunciado “Pareceu-
me o meio mais simples de evitar uma possível crise na família”. Neste exemplo da autora, o adjetivo
“possível” possui um valor epistêmico e, no entanto, incide sobre o sintagma nominal “crise na
família”, sendo impossível recuperar a estrutura canônica a que Cervoni faz referência.
Segundo Lyons (1977, p. 331), todas as línguas naturais provêem seus falantes com recursos
prosódicos (acentuação e entonação) com os quais eles expressam tipos distintos de enunciados
epistêmicos. Alguns, mas nem todos, são gramaticalizados (categoria de modo), alguns são
lexicalizados ou semilexicalizados (verbos modais – dever; adjetivos modais – possível; advérbios
modais – possivelmente; partículas modais – talvez).
Castilho e Castilho (1993, p. 215) também afirmam que a modalização movimenta diferentes
recursos lingüísticos. Entre os quais, citam a prosódia, os modos verbais, verbos auxiliares como dever
e querer, verbos que constituem orações parentéticas e matrizes como achar, crer e acreditar,
adjetivos, advérbios, sintagmas preposicionados com função adverbial, entre outros. Da mesma forma
como a modalização pode se lexicalizar de diversas maneiras, diferentes tipos de modalidade podem
ser veiculados com um mesmo item lexical, segundo Koch (2002, p. 72). Este é o caso do verbo dever,
que pode veicular possibilidade, probabilidade, dúvida, certeza etc. Koch (2002, p. 85) ainda apresenta
uma lista de vários tipos de lexicalização das modalidades, o que inclui performativos explícitos,
auxiliares modais, advérbios modalizadores, operadores argumentativos, entre outros.
Pelo que se observa acima, a modalização tem sido vista, pelos diferentes autores, como uma
estratégia inerente ao enunciado, recaindo ora sobre o enunciado como um todo, ora sobre parte deste.
Percebe-se ainda, que a distinção entre o que é modalização e o que é modalidade não é um problema
resolvido. A não resolução desse problema tem sua base na distinção entre subjetividade e
intersubjetividade, como também, pelo fato de considerar que é possível separar o subjetivo do
intersubjetivo. Ora, no processo de interação esses fenômenos não são tão separáveis assim, tampouco
na própria estrutura da língua, como afirma Ducrot (1988, p. 50).
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Assim, ao asseverar em enunciado “É certo que Pedro venha”, o locutor além de expressar
certeza com relação ao fato da vinda futura de Pedro, ele o faz em função do seu interlocutor, ou
porque queira que seu interlocutor acredite também que essa informação é verdadeira, ou porque tem
uma outra intenção, que, algumas vezes, só é recuperada pela enunciação.
Não nos parece produtivo separar a atitude do falante (expressar certeza, logo modalização),
da sua intenção (fazer que o locutor acredite que isso é uma verdade, logo modalidade). Tampouco é
produtivo separar a escolha em asseverar, (expressar uma certeza = modalização), do julgamento feito
pelo falante (eu considero isso uma verdade = modalidade). Esses fenômenos não estão separados,
como observaram Castilho e Castilho (1993) e constituem-se, como afirma Nascimento (2005), em
uma estratégia de argumentação.

2. Classificação dos Modalizadores

Os modalizadores, elementos lingüísticos que materializam a modalização, são agrupados por


Castilho e Castilho (1993, p. 222) em três tipos de modalização, revelando diferentes posições do
falante em face da proposição ou do conteúdo da proposição ou enunciado: Modalização Epistêmica,
Deôntica e Afetiva.
A Modalização Epistêmica ocorre quando o locutor expressa uma avaliação sobre o valor de
verdade da proposição. Essa se divide em asseverativa, em que o falante considera verdadeiro o
conteúdo da proposição, quase-asseverativa, em que o falante considera o conteúdo da proposição
quase certo ou como uma hipótese a ser confirmada e por isso não se responsabiliza pelo valor de
verdade da proposição e delimitadora, que estabelece os limites dentro dos quais se deve considerar o
conteúdo da proposição.
O segundo tipo é denominado de Modalização Deôntica. Seus modalizadores indicam que o
falante considera o conteúdo da proposição como algo que deve ou precisa ocorrer obrigatoriamente,
de acordo com Castilho e Castilho (1993, p. 223).
O terceiro tipo é denominado por Castilho e Castilho de modalização afetiva, pois segundo os
autores se constitui naquela em que o falante verbaliza suas reações emotivas em face do conteúdo da
proposição, excetuando-se qualquer consideração de caráter epistêmico ou deôntico.
Nascimento (2005, p. 64) preferiu denominar esse terceiro tipo como modalização avaliativa,
porque, mais do que revelar um sentimento ou emoção do locutor em função da proposição ou
enunciado, esse tipo de modalização indica uma avaliação da proposição por parte do falante, emitindo
um juízo de valor e indicando, ao mesmo tempo, como o falante quer que essa proposição seja lida.
Neves (2000, p. 188), ao estudar os adjetivos, também percebeu que alguns desses verbalizam
uma modalidade avaliativa, exprimindo valores modais, que não são epistêmicos, nem deônticos. O
fato de a modalização indicar juízos de valor também é previsto por Koch. Esse tipo de modalização
ainda é denominado pela autora de “modo axiológico” (2002, p. 78) que, segundo a autora, assim
como os deônticos, também “referem-se a conceitos que constituem como que a sua face subjetiva:
disposições do sentimento, no caso dos valores, disposições normativas, no caso dos imperativos”.
No entanto, convém ressaltar que em todos esses adjetivos modalizadores relatados acima por
Koch (bem e mal, útil, nocivo, agradável, desagradável), é possível perceber a presença de uma
avaliação do locutor ou falante em face da proposição ou parte dela. É em decorrência dessa avaliação
que se pode falar em juízo de valor. Por essa razão, Nascimento (2005, p. 66) preferiu o termo
modalização avaliativa em vez de axiológica e apresentou o quadro abaixo, que passaremos a utilizar.

Quadro 1: Tipos de modalização


Modalização Imprime no enunciado
Epistêmica Considerações sobre o valor de verdade do seu conteúdo
proposicional.
Deôntica O conteúdo proposicional do enunciado deve ou precisa ocorrer.
Avaliativa Uma avaliação ou juízo de valor a respeito do seu conteúdo
proposicional, excetuando-se qualquer avaliação de natureza
epistêmica ou deôntica.
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Koch (2002, p. 82) ainda postula que é muito comum a existência de modalizadores, de forma
implícita, nos textos, e que isso é uma estratégia argumentativa:

A ocultação da modalidade epistêmica, contudo, deixa sempre um traço: a


enunciação aí está, o locutor apenas finge esquecê-la para dar a impressão de que
seu ato é neutro, de que ele não manifesta nenhuma atitude com relação a ela, de que
o valor de seus enunciados é objetivo.

Essa ocultação é acompanhada de uma “retórica do neutro”, de acordo com Koch, em que o
locutor oculta sua enunciação para melhor convencer por meio de seu enunciado. Ela acrescenta que
se fossem buscar as razões para a ocultação dessa operação, “poder-se-ia considerar a atualização da
modalização como uma situação normal e sua ausência como uma lacuna, uma ocultação que revelaria
um certo interesse do locutor” (2002, p. 82)
Koch ainda acrescenta que os textos que não apresentam modalidade não são neutros e que
podem ser lidos de duas maneiras possíveis: sob o modo de opinião ou sob o modo do saber. Desta
maneira, constitui-se uma modalidade ambígua: “ou a enunciação pertence a um discurso autoritário
(eu sei, portanto é verdade) ou a um discurso de tolerância (eu creio, portanto é possível)”.

3. A modalização nas Pesquisas do LASPRAT

Nas pesquisas realizadas por diferentes estudiosos do LASPRAT, entre os quais nos
incluímos, a modalização tem sido vista como uma estratégia argumentativa, em diferentes gêneros
textuais. As investigações empíricas têm mostrado, como veremos a seguir, que a distinção entre
modalidade e modalização não é produtiva, como também não é produtivo considerar que a
modalidade (ou modalização) deva ser vista dentro das fronteiras do enunciado.
Chaves (2007), em seu estudo sobre o sufixo -inho, no gênero entrevista, percebeu que esse
pode funcionar como um elemento modalizador que, na maioria das vezes, recai sobre o próprio
lexema, mas não sobre o enunciado como um todo. Nesse caso, trata-se de um modalizador avaliativo,
que imprime um ponto de vista do locutor, e isso é feito, também, em função da interlocução.

O uso desse elemento modalizador mostra que, em seu enunciado, o locutor


expressa um juízo de valor a respeito de algo. Isso permite dizer que o sufixo, aqui
estudado em adjetivos e substantivos, é carregado de efeitos de sentido os mais
diversos. Estes podem modalizar o dizer, ou seja, revelar como este dizer deve ser
realmente compreendido. (CHAVES: 2007, p. 18)

O exemplo abaixo, retirado da própria pesquisadora, mostra o sufixo –inho funcionando como
modalizador avaliativo, expressando ironia.

Exemplo 2
E* Como definiria amor e paixão?
I* Puxa, perguntinha, heim? Bom, amor é o que você sente por uma pessoa e não acaba logo não, e
paixão é só fogo de palha.

Como afirma Chaves, o segundo locutor (I – informante), modaliza o enunciado do locutor


anterior (E – entrevistado), ironizando-o. Observe-se aqui o efeito semântico e discursivo gerado por
essa estratégica argumentativa: a modalização sai do discurso do próprio locutor para o enunciado do
seu interlocutor, ou seja, o locutor não avalia seu próprio enunciado, mas o enunciado alheio, daquele
com quem interage.
Nascimento (2005), estudando o gênero notícia, verificou também que a modalização pode ser
utilizada por um locutor para avaliar o discurso de um outro locutor. Isso ocorre porque no discurso da
notícia, por natureza polifônico, o locutor responsável pela notícia (doravante L1) traz para seu texto o
discurso de diferentes locutores (L2, L3 etc) e vai assumindo posições com relação a esses locutores.
Essa avaliação, em alguns casos, é assinalada por verbos dicendi, como se vê no exemplo abaixo,
retirado do próprio autor (2005, p. 154).
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Exemplo 3
‘Eu e Patrícia somos um casal bastante feliz’, reage candidato

No exemplo acima, o locutor responsável pela notícia (L1) apresenta o discurso de um


segundo locutor (L2 – o candidato Ciro Gomes) através do verbo discendi reagir. Esse verbo indica
que o discurso entre aspas deve ser lido pelo interlocutor da notícia como uma reação de L2 (a críticas
que lhe haviam sido feitas anteriormente).

Com relação aos verbos dicendi, a conclusão mais relevante é que eles não são
apenas meros introdutores de discurso ou relato. Além dessa função, eles são
portadores de sentido e podem indicar o modo como esse discurso ou relato deve ser
lido. Funcionam, nesse caso, como modalizadores epistêmicos ou avaliativos.
(NASCIMENTO, 2005, p. 195)

Esses estudos demonstram mais um caso de modalização como estratégia argumentativa e


assinalam como, em um único discurso, um locutor pode trazer um discurso de outro locutor e avaliá-
lo. No entanto, isso não é feito sem intenções. O locutor o faz, como deixa claro Nascimento, dando
pistas para seu interlocutor de como o discurso dos outros locutores deve ser lido.
As investigações de Silva (2006) e Batista (2008) assinalam de maneira bastante explícita
como a modalização funciona como estratégia argumentativa, em função do interlocutor.
Silva (2006, p. 110), estudando os pareceres técnicos e jurídicos, afirma que constatou a
presença de elementos lingüísticos modalizadores que evidenciam a “intenção do parecerista em
demonstrar sua opinião e compreensão sobre um determinado fato e, ainda, buscando atuar sobre a
opinião de seu interlocutor, ora de forma sutil, ora de forma expressiva.”
O exemplo abaixo, de um parecer analisado pela autora mostra como pode se processar esse
fenômeno, no gênero em estudo:

Exemplo 4
(PT-01, Anexo A, p. 131)
“Para que o(a) estudante tenha acesso ao ensino superior, tenha oportunidade de se qualificar, mantendo
o seu ‘status’ de universitário(a) no Brasil, e obter (sic) o título de bacharel em direito, terá que se
submeter ao concurso vestibular, apenas isto, conforme exige a legislação” (grifo da autora).

Com a expressão “terá que”, afirma Silva (2006, p. 44), é possível ver uma tensão,
expressando obrigatoriedade, e o locutor se envolve claramente, deixando marcado o que pensa e o
que espera que seja realizado pelo interessado. Neste caso, a solução apresentada pelo parecerista é
clara e a única possível, devendo ser obedecida pelo interlocutor (o interessado).
Esse exemplo de Silva é importante para perceber como os aspectos subjetivos e
intersubjetivos estão intrinsecamente relacionados: o locutor apresenta o enunciado “se submeter ao
concurso vestibular” como uma obrigatoriedade – algo que obrigatoriamente tem que acontecer – e o
faz em função do interlocutor – o interessado não tem outra escolha senão fazê-lo. Não há, portanto
como separá-los, uma vez que a subjetividade (marca de obrigatoriedade) só existe em função do outro
(intersubjetividade).
Fenômeno análogo ocorre em Batista (2008). Estudando cartas oficiais, a pesquisadora
descobriu, entre outras coisas, que a modalização ocorre em função da interlocução, como se pode
observar nos dois exemplos abaixo, retirados da autora.

Exemplo 5
Certo de contar com a especial atenção de vossa magnificência ao meu pleito, agradeço
antecipadamente.

O exemplo acima, afirma Batista (2008, p. 6), é de uma carta oficial do Gabinete de um
Deputado Federal destinada ao Reitor de uma Universidade Pública reiterando um pedido de
transferência de um professor, de um Campus para outro. Segundo Batista, ao utilizar a expressão
modalizadora epistêmica asseverativa “certo de”, além de expressar uma avaliação sobre o valor de
verdade do conteúdo da proposição, o locutor dirige-se ao seu interlocutor, para que esse “não tenha
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outra saída a não ser atender ao pedido feito”, tentando persuadi-lo. Logo, no caso acima, a
modalização recai sobre parte do enunciado (contar com a especial atenção ao pleito), mas em função
da interlocução (Eu sei que você irá me atender, por isso eu vou agradecer antecipadamente).
No exemplo abaixo, da mesma autora o efeito da persuasão gerada pelo modalizador é mais
explícito, e recai não sobre o enunciado como um todo, ou parte deste, mas sobre todo o texto.

Exemplo 6

ESTADO DA PARAÍBA
PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO TINTO
Procuradoria Jurídica

Oficio nº002
Rio Tinto, 03 de Maio de 2006

Considerando a necessidade de organizar o serviço nessa procuradoria, principalmente no que diz


respeito a contratos administrativos de prestação de serviços, solicitamos a todos os contratados desta edilidade
Municipal que compareçam a procuradoria Jurídica do Município munidos de cédula de identidade, CPF e
comprovante de residência (recibo de água, luz ou telefone), para assinatura de seu contrato referente ao ano de
2006.

Cumpra-se

Dr. XXXXX XXXXXXXX


Procurador Geral

No exemplo acima ocorrem dois modalizadores deônticos de necessidade, como afirma


Batista (2008, p. 20). O primeiro modalizador, a palavra necessidade, é utilizado pelo locutor para
modalizar primeiro enunciado do texto, “ao afirmar que há uma ‘necessidade’ de organizar o serviço
da procuradoria”. Acrescenta a autora, que ao utilizar o termo necessidade, o locutor expressa a
obrigatoriedade de organizar os serviços da Procuradoria Jurídica do município, por isso que é
solicitada a renovação de contratos. Esse modalizador, justifica, portanto, a solicitação que é feita em
seguida, agindo, portanto, sobre a interlocução.
No exemplo acima, ainda afirma Batista (idem, ibidem), com o verbo cumprir no modo
imperativo, o locutor refere-se “a tudo que foi dito anteriormente, transformando a solicitação feita na
carta em uma ordem”, que deve ser cumprida pelo interlocutor. Veja que a modalização não recai
sobre parte de um enunciado ou sobre o enunciado como um todo, mas sobre todo o conteúdo da carta.
Observe-se como o modalizador “cumpra-se” age de forma mais eficaz sobre o
interlocutor do que o modalizador “necessidade”. No entanto, em ambos, essa ação sobre o
interlocutor ocorre, e, acrescente-se, o efeito de sentido do segundo modalizador ratifica o primeiro.
Trata-se de uma estratégia argumentativa bastante eficiente, que coincide com a modalização:
Apresenta-se o primeiro conteúdo como uma necessidade para pedir a existência de uma solicitação,
depois transforma-se a solicitação e tudo o que foi dito anteriormente em uma necessidade mais
imperativa ainda, não deixando nenhuma possibilidade de escolha para o interlocutor que não seja
obedecer à ordem dada.
Esse exemplo de Batista é útil para se perceber que a modalização não recai somente sobre a
proposição ou parte dela, mas pode recair sobre o texto, ou o discurso como um todo. Além disso,
corrobora nossa hipótese, defendida desde o início deste trabalho de que, na modalização, não se pode
separar subjetividade (marca do locutor) de intersubjetividade (ação sobre o interlocutor). No exemplo
acima, o locutor exprime uma avaliação (o que estou enunciando é uma obrigatoriedade) e o faz em
função da interlocução (você tem a obrigação de cumprir o que está sendo enunciado).

Considerações Finais
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As pesquisas realizadas pelos estudiosos do LASPRAT, acima relacionados, permitem-nos


fazer algumas observações sobre o fenômeno da modalização e da modalidade:
1. A modalização ou modalidade é uma estratégia argumentativa que imprime, no enunciado,
uma avaliação ou ponto de vista de um locutor sobre o conteúdo de sua enunciação ou sobre a própria
enunciação;
2. Essa avaliação ou ponto de vista é sempre em função da interlocução ou do interlocutor.
Isso significa que ao imprimir uma avaliação, o locutor o faz em função do outro, deixando pistas do
que deseja ou de como quer que seu discurso seja lido;
3. Como se trata de uma avaliação em função da interlocução, não nos parece produtivo
separar aspectos subjetivos de intersubjetivos, pois esses estão intrinsecamente relacionados (um só se
manifesta em função do outro). Logo também não se é produtivo, a priori, separar modalidade de
modalização, pelo menos quando formos tratar esse fenômeno como uma estratégia argumentativa.
Para tal, gostaríamos de nos apoiar também em Ducrot (1988, p. 50) que reúne os aspectos subjetivos
e intersubjetivos dos enunciados em um único aspecto, por ele denominado de valor argumentativo
dos enunciados;
4. A modalização ou modalidade pode recair sobre o enunciado, parte deste ou sobre todo o
texto, ou discurso. Pode ainda recair sobre o enunciado de outrem (de um segundo locutor ou do
interlocutor);
5. Pelas razões acima apresentadas, a modalização constitui-se em um fenômeno lingüístico-
discursivo e/ou um ato de fala bastante específico, com características muito peculiares.
Essas considerações somente são possíveis por conta das investigações empíricas realizadas
pelos pesquisadores já referidos. A revisão teórica que aqui tentamos realizar são frutos da reflexão a
respeito das investigações realizadas e tentam dar conta da modalização como fenômeno inerente à
interação, presente em diferentes gêneros textuais/discursivos, que veicula argumentatividade e se
constitui em um ato particular de linguagem. Em outras palavras, o que queremos dizer é que, quando
decidimos modalizar um discurso, realizamos um ato de fala e não o fazemos à toa. Isso sempre ocorre
com intenções e essas intenções se constroem na interação verbal.
Temos consciência, no entanto, que por se tratar de um fenômeno complexo e que implica
uma série de fatores de ordem lingüística e de ordem pragmática, é necessário investigar ainda mais a
Modalização em diferentes gêneros textuais/discursivos, e que as considerações aqui apresentadas são
reflexões primeiras sobre esse fenômeno tão presente na linguagem humana.

Referências
BATISTA, Silvana Lino. A Estrutura Semântico-Argumentativa do Gênero Carta Oficial.
(Relatório de Pesquisa PIBIC Cnpq/UFPB) João Pessoa, UFPB, 2008. (mimeo)
CASTILHO, A. T.; CASTILHO, C. M. M. de. Advérbios Modalizadores. IN: ILARI, Rodolfo (org.)
Gramática do Português Falado. Vol. II: Níveis de Análise Lingüística. 2ª Edição. Campinas:
Editora da UNICAMP, 1993.
CHAVES, Anna Líbia Araujo. O sufixo –inho no gênero textual entrevista – elemento modalizador
discursivo. In: Anais do I Simpósio Nacional Linguagem e Gêneros Textuais. João Pessoa, Editora
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