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ANÁLISE DA ARGUMENTAÇÃO E DOS GÊNEROS DISCURSIVOS NO LIVRO

DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA1

Lúcia Chaves de Oliveira Lima (UFRN)


luciachavess@hotmail.com

Introdução

Este artigo apresenta uma análise da argumentação no livro didático de Língua


Portuguesa (LDP) do último ano do Ensino Médio (EM), da coleção Novas Palavras, dos
autores Emília Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite e Severino Antônio, Ano: 2009, 2010,
2011. A intenção é verificar como o assunto é exposto a fim de descobrir quais as práticas de
ensino e aprendizagem é proposto no ensino da argumentação e como é abordado o estudo
dos gêneros discursivos desse tipo textual.
O estudo foi desenvolvido a partir da análise de três segmentos organizacionais, que
nos permite perceber como a argumentação foi abordada no livro didático: os gêneros da
ordem do argumentar presentes no livro didático; o desenvolvimento teórico sobre
argumentação e as tarefas propostas para compreensão da argumentação: os exercícios e a(s)
sugestão(s) de produção textual.
O estudo da argumentação está inserido em uma unidade do livro Redação e Leitura.
Esta unidade foi dividida em vários capítulos e todos eles visam ao estudo da argumentação.
Conforme se observa no sumário abaixo, cada capítulo pretende trabalhar aspectos
relacionados à argumentação.

1 O mundo dissertativo
2 A delimitação do tema
3 Assumindo um ponto de vista
4 A argumentação causal – o(s) porquê(s)
5 A importância do exemplo
6 A estrutura do texto dissertativo
7 Jogos lógico-expositivos
8 A linguagem dissertativa

A argumentação e os gêneros da ordem do argumentar

Argumentar significa fundamentar, justificar, explicar, expor o ponto de vista sobre


um determinado assunto. Em geral, essas ações visam ao convencimento a partir do raciocínio
lógico. Perelman e Tyteca (apud RIBEIRO, 2009) dão início a uma nova concepção de
argumentação como produto da interação social, natural de processos discursivos. Para eles, a
maior riqueza das interações que se deve levar em conta é a força dos argumentos. E essa
força vai variar de acordo com o auditório com o qual interage e com o objetivo de
argumentação. Oswaldo Ducrot (1989), teórico da enunciação, define a argumentação como
um ato linguístico fundamental, um elemento estruturante do discurso. Para ele a
argumentação está inserida na própria língua, desempenhando o papel central na linguagem.
Os elementos da língua responsáveis pela orientação argumentativa são os operadores

1
Este artigo é resultado de Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Língua Portuguesa:
Gramática, Texto e Discurso, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte/2011.
argumentativos que assumem uma posição privilegiada em sua teoria, pois são eles que
apontam a força argumentativa dos enunciados.
Kock (2000) comunga com as ideias de Ducrot com relação aos operadores. Ele,
além de assumir a argumentação como uma atividade organizadora do discurso, assumi que
os operadores argumentativos articulados nos enunciados compõem o texto e também dão
conta da coerência e da progressão textual.
Em geral, no texto argumentativo, distinguem-se basicamente três componentes: a
tese, os argumentos (e estratégias argumentativas) e a conclusão. Essa estrutura é definida por
ADAM (1992) como sequência prototípica mínima, mas ele apresenta também a sequência
prototípica complexa.
Os gêneros da ordem do argumentar, devido a suas características de tratar de
problemas sociais controversos, polêmicos, são encontrados circulando no rádio, na TV, nos
jornais, nas revistas, internet e etc. Esses textos podem ser produzidos tanto oralmente quanto
por escrito, a escolha de um ou do outro vai depender da situação comunicativa. Por exemplo,
uma entrevista pode ser realizada oralmente ou por escrito, depende dos propósitos
comunicativos e de onde será veiculado o conteúdo da entrevista, se em revistas, jornais ou
apresentados em vídeos ou em programa de TV.
São vários os gêneros: artigo de opinião, editorial, propagandas, carta argumentativa,
debate, entrevista, etc. Todos implicam uma tomada de posição por parte do interlocutor leitor
ou ouvinte. Cabe ao professor criar condições para que seus alunos possam apropriar-se das
características discursivas e linguísticas desses gêneros em situações de comunicação real.
Conforme Antunes (2003, p. 22), é por meio dos gêneros discursivos que as práticas de
linguagem incorporam-se nas atividades dos alunos. Essa proposta vai ao encontro das
orientações dos PCNs que já privilegiam a dimensão interacional e discursiva da língua e
definem o domínio dessa língua como uma das condições para a participação do indivíduo em
seu meio social.

Considerações Sobre Gêneros Discursivos

Os gêneros discursivos têm atraído atenção de muitos linguístas, primeiro por


estudar a organização textual, e segundo, por contemplar o evento comunicativo como um
todo, ou seja, como instrumento que orienta para o mundo social. Os estudos e pesquisas, na
década de 1990, sobre os gêneros discursivos romperam com a abordagem tradicional e fixa
de leitura e produção textual limitada à narração, descrição e dissertação, enfatizando apenas
os aspectos estruturais do tipo textual e da língua.
A orientação hoje, a partir de várias pesquisas sobre gêneros caracterizam-se muito
mais como sequências linguísticas do que como textos. Podemos chamar essas categorias de
tipos ou sequências textuais: narrativa, argumentativa, explicativa, descritiva e injuntiva.
Em cada categoria discursiva pode-se encontrar uma infinidade de gêneros. Segundo
Marcuschi (2003.p.19) estamos numa fase denominada cultura eletrônica. O uso do telefone,
o gravador, o rádio, a TV e principalmente o computador e a internet, isto é, os novos meios
de comunicação nos proporcionam uma explosão de novos gêneros e novas formas de
comunicação, tanto na oralidade como na escrita. Sendo assim, podemos dizer que os gêneros
além de ser flexíveis são variáveis e que devemos observá-los pelo seu lado dinâmico, social,
e interacional, evitando a classificações e estrutura fixa. (MARCUSCHI, 2006, p.24).
Compartilho, portanto, com Mascuschi (2003), Bakhtin (1997), Bronckart (1999) e
Adam (1990) que a comunicação verbal só é possível por um gênero textual. Esta visão segue
uma noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva que privilegia a natureza
funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua. Sendo assim, á luz dos
1
pressupostos sobre a língua como ação sócio-interativa e dos gêneros textuais como ações
sócio-discursivas (BAKHTIN 2000) é que pretendo analisar como o LDP do EM tem tratado a
argumentação e os gêneros da ordem do argumentar.

O livro didático: um pouco de história

Antigamente, os professores faziam parte da elite cultural, e, apesar de falhas


didáticas, eram altamente capazes por vocação. Mas muita coisa mudou, na década de 70 e 80
houve um grande aumento da população escolar nas escolas públicas de São Paulo (1 milhão
e meio de crianças), exigindo que contratassem mais professores. O que se viu, então, foi a
formação de cursos rápidos e o aumento da rede de escolas em prédios improvisados e sem
segurança. Assim, o Livro Didático (LD) além de ser a solução para o despreparo do
professor, passa a ser livros que ensinam sozinho, ou seja, livros-roteiros para os professores.
Dessa forma, os professores passaram a utilizar o livro didático como instrumento
principal que orienta o conteúdo a ser administrado, além das atividades e avaliação. O LD
passa a ser um instrumento de ensino e aprendizagem.
Em 1993, preocupados com a qualidade do Livro Didático criaram uma comissão
para definir os critérios de avaliação. Então, a partir de 1996 os livros inscritos no Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), passaram a ser submetidos à avaliação oficial
sistemática pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), que considerou a avaliação como
pré-requisito para compra. Como pode-se observar o LD vem despertando atenção e
provocando debates de educadores, pesquisadores e autoridade políticas e intelectuais.
Segundo Rangel2 (2005) o PNLD, especialmente a partir da Avaliação, estabeleceu
perspectivas teóricas e metodológicas bastante definidas para o Livro didático de Português
(LDP), graças a uma movimentação no campo da reflexão de ensino da língua materna, a
virada pragmática, caracterizada como uma mudança na concepção do que seja ensinar a
língua materna. Diante disso, segundo o autor, criou-se vários questionamentos das
concepções e práticas do que é aprender.

Por que não fazer das situações de ensino um momento de interação planejada, se já
sabemos que é preciso interagir com o objeto de conhecimento e com outros
parceiros para aprender?
Por que ignorar as crenças e as hipóteses do aprendiz, se é com base nelas que o
sujeito elabora o conhecimento novo?
Por que não levar as práticas de ensino a tirarem parte significativa de sua força e
eficácia dos movimentos do próprio aprendiz em seu previsível esforço por
aprender?
Por que insistir em práticas de ensino que, por mais bem intencionadas que seja,
andam na contramão da aprendizagem?

Essas questões levaram o ensino de língua materna a rever, tanto os seus


pressupostos teóricos quanto os processos metodológicos.
Embora estejamos vivenciando o desenvolvimento das novas tecnologias, dos textos
digitais, da veiculação rápida da informação pela internet, o livro didático continua sendo o
mais fiel aliado do professor e um recurso para o aluno. E, ainda que se tenha conhecimento

2
Coordenador dos trabalhos das equipes da área ao longo de quatro edições do Guia do livro didático,
publicação responsável por subsidiar escolas públicas, por meio de resenha críticas dos volumes aprovados pela
Avaliação, no processo de escolha do livro mais adequado ao seu projeto pedagógico.
2
da virada pragmática, ainda em processo de andamento, o LDP ainda precisará enfrentar os
novos objetos didáticos do ensino de língua materna que encara o aprendiz como sujeito ativo
de seu próprio processo.
Para tais mudanças foram elencados, nos documentos: Parâmetros Curriculares
Nacionais, alguns critérios de análise para saber se o LDP inscrito no programa (PNLD):

Oferece ao aluno textos diversificado e heterogêneo, do ponto de vista do gênero e


do tipo de texto, de tal forma que a coletânea seja o mais possível representativa do
mundo da escrita,
Prevê atividades de leitura capazes de desenvolver no aprendiz as competências
leitoras implicadas no grau de proficiência que se pretende levá-lo a atingir,
Ensina a produzir textos, por meio de propostas que contemplem tantos os aspectos
envolvidos nas condições de produção, quanto os procedimentos e estruturas
próprios da textualização,
Mobiliza corretamente a língua oral, quer para o desenvolvimento da capacidade de
falar/ouvir, quer para a exploração das muitas interfaces entre oralidade e escrita;
Desenvolve os conhecimentos lingüísticos de forma articulada com as demais
atividades.

Vê-se claramente nessas propostas um ensino de língua materna que exponha os


alunos aos mais variados gêneros discursivos que circulam no cotidiano da vida social, tanto
escrito como o oral, afim de que não somente apreendam seu conteúdo e estrutura
composicional, mas também analisem e reflitam sobre como são usados os recursos
linguísticos para a construção do sentido e para os propósitos comunicativos.

Análise e resultados

Os gêneros da ordem do argumentar no Livro Didático de Português

A cada capítulo da unidade Redação e Leitura, o livro apresenta diversos textos da


ordem do argumentar. Essa diversidade de textos, em sua maioria, são exercícios que visam
ao ensino ou ao desenvolvimento da capacidade argumentativa. Todavia, a maioria desses
textos é nomeada somente como “textos”, visto que a menção a gêneros discursivos é feita em
pouquíssimos textos.
O quadro a seguir traz a relação da maioria dos textos presentes no livro didático,
visto não ser possível inserir todos na relação, pois muitos são fragmentos, o que torna
impossível o reconhecimento do gênero textual. Alguns fragmentos, mesmo apresentando
longos parágrafos, geraram dúvidas quanto ao gênero. Os textos que o livro faz menção ao
gênero estão todos inseridos na tabela. O número ao lado da indicação do gênero indica a
quantidade que aparece na sessão Redação e Leitura.

Textos nomeados como gênero


Gênero Título Autor ou veículo de circulação
Tirinhas (2)
Editorial Todos os nomes Revista Educação
Charges (1)
Editorial Novo álbum de família Folha de S. Paulo
Textos nomeados como “textos”
3
Gênero Título (quando apresenta) Autor ou veículo de circulação
Crônica No meio do silêncio Carlos Heitor Cony
Artigo de opinião Os limites da ciência Folha de S. Paulo
Ensaio Passagem do livro Seis Propostas Ítalo Calvino
para o próximo milênio
Poema O homem; as viagens Carlos Drummond de Andrade
Crônica Carta a um adolescente Rubem Alves
Artigo de opinião Mitos da pobreza Oded Grajew
Artigo de opinião Nova humanidade Flávio Lobo
Entrevista Globalizar é um instinto humano Trecho de entrevista concedida
por Domenico de Masi à TV
cultura de S. Paulo.
Introdução de livro Por que Literatura? Olga de Sá
Quadro 1: Textos/gêneros do LDP analisado.

Após a análise dos gêneros acima mencionados podemos constatar que a maioria dos
textos apresentados são tratados como uniformes uma vez que as características e estruturas
que os diferem não são enfocadas.
Percebe-se que na unidade Redação e Leitura o LDP traz uma variedade de gêneros
textuais que não são modelos de textos argumentativos, mas por apresentarem um ponto de
vista servem para ilustrar ou exemplificar elementos estruturais da argumentação. Como
exemplo disso tem-se o poema de Carlos Drummond de Andrade, as tirinhas e a charge.
Todos esses estão inseridos no capítulo 2 da unidade Redação e Leitura. Como o assunto
desta unidade é a delimitação do tema, esses textos estão inseridos na questão em que é
solicitado que o aluno identifique o tema de cada texto.

Apresentação do conteúdo teórico da unidade Redação e Leitura do LDP

Os autores apresentam uma abordagem clássica da tipologia textual, trabalhando


exclusivamente com as três partes da sequência argumentativa prototípica: introdução,
desenvolvimento e conclusão de forma fragmentada, ou seja, trabalhando esses tópicos
separadamente.
Em cada capítulo é apresentados os conceitos relacionados ao título da seção e na
sequência é proposto atividades práticas.
O LDP traz no primeiro capítulo da unidade Redação e Leitura o conceito de
dissertação, ou seja, mostra que dissertar é debater sobre um tema e apresenta seus elementos
estruturais: tema, ponto de vista e argumentação.
No segundo e terceiro capítulos os autores propõem trabalhar a estrutura da
introdução: delimitar o tema e assumir um ponto de vista. Eles tratam o capítulo mostrando
apenas que o aluno deve se posicionar diante de um tema assumindo se concorda, discorda ou
concorda/discorda parcialmente. Os autores poderiam ter mencionado nesse capítulo, como
articular o posicionamento assumido diante do tema proposto no texto, por meio dos
conectores específicos representativos dos movimentos argumentativos – aprovação,
refutação ou concessão.
O quarto e quinto capítulos são direcionados para trabalhar a argumentação. O quarto
- A argumentação causal – o(s) porquê(s) - é considerado pelos autores “a principal técnica
de argumentação, é aquela que utiliza o raciocínio lógico-causal, que investiga as causas e
conseqüências daquilo que se afirma. Já o quinto capítulo - A importância do exemplo – é
considerado pelos autores do LDP “os mecanismos que dão vida ao nosso texto”, que
4
esclarece o raciocínio. Ele utiliza o nome “exemplos” para representar todas as outras
estratégias argumentativas³, como por exemplo, os fatos históricos ou atuais, os dados
estatísticos, as citações, as perguntas retóricas, etc.
Nesta seção – argumentação – não são considerados os mecanismos enunciativos: a
heterogeneidade discursiva, a coesão e a coerência, a progressão, os modalizadores e os traços
de subjetividade.
No sexto capítulo - A estrutura do texto dissertativo - os autores retomam o primeiro
Capítulo, que de início já mostra a estrutura do texto dissertativo, mas ainda continua
trabalhando de forma fragmentada. Observa-se no conteúdo teórico uma tentativa de tratar o
texto como um todo, ao amarrar as partes que foram tratadas de forma fragmentada nos
capítulos anteriores – introdução/ponto de vista – desenvolvimento/argumentos – conclusão/
reafirmação do ponto de vista (p. 278). No entanto, essa idéia é desfeita nas propostas de
atividades do capítulo. Veja o enunciado das atividades. (p. 279).

- Leia este texto dissertativo e divida-o em 3 parágrafos.


- Agora, procure identificar neste texto até onde vai a introdução e onde
começa a conclusão.
LDP - Novas Palavras

No sétimo capítulo – Jogos lógico-expositivos – trata dos modos de expor idéias, de


desenvolver o raciocínio dissertativo para enriquecer o repertório de possibilidades lógico-
expositivas: definição do tema, comparação, citação, histórico, exemplo, estatística, resumo,
pergunta. Os autores dão sugestões de como iniciar uma introdução utilizando esses recursos,
ou seja, as estratégias argumentativas. Veja um exemplo de introdução proposto no Livro
didático de Portuguesa. (p. 283 – 284, anexo 3)

Definição:
- Pode-se começar a dissertar escrevendo uma definição do tema, para
atribuir maior clareza e objetividade ao texto. Por exemplo:
Violência é.....A violência se caracteriza como.....Um ato é violento
quando...
- Em seguida, expõe-se o ponto de vista e segue-se o processo dissertativo já
sugerido.
LDP - Novas Palavras

No final ele orienta o aluno a utilizar mais de um recurso para demonstrar a idéia
defendida e mostra que pode-se adotar essa estratégia em outras partes que compõem o texto
argumentativo, o que ele deveria ter proposto nos capítulos quarto e quinto que trata da
argumentação.

_______________________

³ As estratégias argumentativas são todos os recursos (verbais e não verbais) utilizados para envolver o
leitor/ouvinte, para impressioná-lo, para convencê-lo melhor, para persuadi-lo mais facilmente, para
gerar credibilidade, etc...(ADAM, 1992)

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Essas diferentes sugestões são algumas das possibilidades de apresentação
de idéias, que podem aparecer em inúmeras combinações diferentes.
- Por exemplo: uma pergunta seguida de definição e de uma comparação; um
exemplo seguido de uma comparação e uma pergunta, etc.
- Não se esqueça que esses modos de exposição de idéias podem aparecer
também no desenvolvimento ou na conclusão da dissertação. Nossas
sugestões se ativeram à introdução porque é o início do texto que delineia a
organização lógica das idéias e que determina a sequência do raciocínio.
LDP - Novas Palavras

No último capítulo – A linguagem dissertativa – os autores propõem além do uso da


norma culta, utilizar os recursos da linguagem lógico-expositiva: adequação, clareza,
concisão coesão e expressividade. Muito importante, mas esses recursos de linguagem
deveriam ter sido tratados no decorrer dos capítulos anteriores para que o aluno pudesse
utilizar com mais propriedades nas atividades extenuantes de produção textual solicitadas no
LD, e não como foi proposto nesse último capítulo, de forma mecânica, descontextualizada,
com frases inventadas. Veja os enunciados das atividades propostas no livro didático:

1. Reescreva as frases seguintes, adequando-as à norma culta.


2. Reescreva as frases seguintes, resolvendo a ambiguidade.
3. Reescreva as frases seguintes, dando concisão à linguagem.
4. Reescreva as frases seguintes, com linguagem organizada e coesa.
LDP - Novas Palavras

Se os autores do livro trouxessem a proposta de trabalhar com a noção de gêneros


discursivos, ele poderia mostrar, por exemplo, que a adequação da linguagem dependeria do
gênero e do público alvo conforme proposto por vários estudiosos da linguagem e não da
forma trabalhada, e que a ambiguidade não se encontra totalmente excluída, já que à
argumentação se desenrola numa língua natural.

4.3 Análise das Atividades do Livro Didático de Português

Capítulos do LDP Atividades


- Identificar nos textos frases opinativas, que revelam o ponto de vista assumido
pelos autores.
1 O mundo dissertativo - Identificar nos textos, o tema, o ponto de vista e os argumentos principais.
- Indique os trechos que correspondem a introdução, ao desenvolvimento e a
conclusão, justificando sua resposta.
- Nos textos que seguem e nas imagens, procure delimitar o tema. (4 textos e 2
imagens)
- Delimite o tema destas duas propostas de dissertação. Em seguida, escolha
A delimitação do uma dessas propostas para desenvolver sua redação de no mínimo 20 linhas e
2
tema no máximo 35.
- Reconheça na charge e nas duas tirinhas o tema que apresentam.
-Com base na leitura dos quadrinhos e dos textos redija um texto dissertativo-
argumentativo.
-Leia o texto e identifique as opiniões expostas pelo autor. Carta a um
Assumindo um ponto adolescente (Crônica). Em seguida, escreva uma carta resposta, expressando seu
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de vista ponto de vista, se concorda ou não com o que se afirma.
- Escolha uma das propostas abaixo e crie sua dissertação (p. 256 LD)

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- Redação: Redija uma dissertação em prosa relacionando os três textos abaixo.
(fragmentos).
- Faça um resumo do texto entre 10 e 15 linhas e de um título a ele – Mitos do
combate a pobreza
Reconhecer no texto um argumento que justifique duas hipóteses antagônicas
quanto à clonagem humana.
A argumentação
- Jogo: Convencer alguém a comprar coisas absurdas.
4 causal – o(s)
- Produção de texto a partir de fragmentos.
porquê(s)
- Sofismo: descobrir o que tem de errado no raciocínio a seguir. (é uma tabela
com dados est.)
- Encontre um ou dois exemplos para cada uma das colocações a seguir.
- Reconheça exemplos do mundo de hoje (histórico) e acrescente ao textos
A importância do sobre globalização dois que revelem a aniquilação das diferenças humanas.
5
exemplo - Procure um ou dois exemplos para cada um dos seguintes assuntos: a,b,c.
- Escolha uma das propostas e crie sua dissertação.
- Produção textual. (p. 273)
- Dividir o texto em 3 parágrafos
A estrutura do texto Identificar introdução e conclusão
6
dissertativo Escrever a introdução e a conclusão para o texto dado.
Ordenar os parágrafos em sequência lógica.
- Cada um dos textos a seguir apresenta mais de um processo lógico-expositivo.
Reconheça dois desses processos em cada um dos textos.
- Procure reconhecer na introdução de textos dissertativos a seguir (16 textos ou
fragmentos) o(s) processo(s) lógico-expositivo(s) predominante(s) . Definição,
comparação, citação, histórico, exemplo, estatística, resumo e pergunta.
- A partir das charges, elabore duas introduções diferentes, cada uma com dois
Jogos lógico-
7 processos lógico-expositivos, sobre o tema.
expositivos
- A partir dos excertos abaixo, redija um texto dissertativo- argumentativo
enfocando o assunto.
- Após a leitura atenta do editorial , verifique qual é o seu tema e sobre ele
escreva uma dissertação clara e coerente.
- com base na leitura dos textos acima e no seus conhecimentos, elabore uma
dissertação em prosa. Dê um titulo adequado ao tema
Reescreva as frases seguintes, adequando-as à norma culta.
Reescreva as frases seguintes, resolvendo a ambigüidade.
Reescreva as frases seguintes, dando concisão à linguagem.
Reescreva as frases seguintes, com linguagem organizada e coesa.
A linguagem Reescreva as frases abaixo, utilizando uma linguagem sem clichês.
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dissertativa Procure reconhecer o ponto de vista tão confusamente apresentado.
Leia as frases a seguir que circula na internet. Elas apresentam muitos
problemas quanto a clareza, coesão e coerência. São confusas
ambíguas,desconexas e contraditórias. Escolha algumas que você considere
mais insólito.
Quadro 2: descrição das atividades do LDP

Após a descrição das atividades (na tabela acima) podemos observar que os autores
utilizam os textos para trabalhar atividades mecânicas de identificação e reconhecimentos dos
elementos estruturais da dissertação, ou para orientar o aluno na realização da produção
textual, em sua maioria apenas partes de textos.
Na primeira atividade é proposto que o aluno reconheça nos textos o tema, o ponto
de vista e a conclusão. Já na segunda pede-se que o aluno identifique a introdução o
desenvolvimento e a conclusão. Por fim, ele sugere a produção de um texto dissertativo-
argumentativo a partir da leitura de uma tirinha e de alguns fragmentos de textos. No 6º
capítulo – A estrutura do texto dissertativo – que trata do mesmo assunto, ele continua com as
mesmas atividades de reconhecimento dos elementos estruturais e propõe a produção de
partes de textos. Veja os enunciados das atividades do capítulo 6:

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1. Leia este texto dissertativo e divida-o em três parágrafos.
2. Agora, procure identificar neste outro texto até onde vai a introdução e onde
começa a conclusão.
3. Escreva um parágrafo de introdução e um de conclusão para os textos a seguir.
Cada um deve ter entre 3 e 6 linhas. Sugestões: Texto 1 e Texto 2 .
(p. 280 LDP - Novas Palavras)

Como podemos observar as atividades servem para que o aluno aprenda a estrutura
da dissertação, sem tratar da relação de coesão e coerência que envolve as partes.
Nesse capítulo os autores poderiam avançar no conteúdo já que o assunto já foi dado
anteriormente no primeiro capítulo.
Na terceira atividade acima, em que ele, simplesmente, pede para que o aluno
escreva a introdução, ele poderia sugerir que o aluno avançasse para o capítulo 7 – Jogos
lógico-expositivos (p.283, anexo 2). Esse capítulo apresenta algumas propostas de como
elaborar a introdução. São os muitos modos de expor idéias, de desenvolver o raciocínio
argumentativo. E isso, com certeza, norteariam melhor o aluno na realização da atividade. O
professor poderia acrescentar, propondo que os alunos trouxessem revistas ou jornais, e além
de trabalhar com o conceito de gênero, já que não é proposto no LDP, observaria na prática
várias formas de iniciar um texto argumentativo, observando o gênero e comparando com o
conteúdo do LDP sobre esses mecanismos.
Ainda na mesma atividade (3) é proposto que o aluno escreva a conclusão do texto.
No entanto, o aluno não é orientado em como realizar a atividade, a proposta ainda é
orientada apenas para conhecer as partes que compõe o texto argumentativo. Podemos
observar que o LDP não dá a devida atenção à conclusão, ele diz apenas que a conclusão
reafirma a tese.
O professor poderia utilizar o mesmo material (revistas ou jornais) e analisar junto
com os alunos como o autor o constrói. Ou seja, se ele faz apenas um resumo das proposições
(do ponto de vista ou argumentação) dadas nos textos, ou conclui com uma informação nova,
dando um arremate final ao texto.
As atividades propostas para a produção textual, em geral, vem com o enunciado
“Elabore um texto dissertativo a partir do texto abaixo”. O aluno tem a disposição três ou
quatro opções de temas, alguns deles fragmentos de textos para escolher. No entanto, não é
definido em que gênero será produzido o texto. Ele é tratado apenas como Texto dissertativo,
sendo que os textos apresentados nas propostas de atividades são de gêneros variados como já
foi mencionado na tabela 1 sobre textos/gêneros no LDP (página 2).
Esses gêneros, a maioria da ordem do argumentar, tratam de temas atuais e
polêmicos, como por exemplo, globalização, clonagem, mundo digital, educação, falta de
água, efeito estufa, pobreza, adolescentes, ciência entre outros. Como vemos, os gêneros
discursivos são instrumento que orientam a atenção para o mundo social (FAIRCLOUGH,
2001).
O Problema é que, apesar de serem temas atuais que levariam o aluno a interagir
como o mundo social, se posicionando sobre esses fatos, o LD não trabalha nessa perspectiva.
São vários assuntos, mas nenhuma atividade explora o tema ou recortes do tema, ele trata os
temas como se o aluno já detivesse conhecimento suficiente para falar com propriedade do
assunto. Veja o enunciado da atividade proposto no LD: “Com base na leitura dos textos
acima e nos seus conhecimentos, elabore uma dissertação em prosa. Dê um título adequado
ao tema”. Em nenhum momento o aluno é solicitado a pesquisar, nem a debater sobre o
assunto antes da produção escrita. Fica bem claro que o objetivo da unidade é fazer com que o
aluno reconheça um texto argumentativo e não prepará-lo para um leitor/escritor crítico
participante das práticas sociais.

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No capítulo 3 – Assumindo um ponto de vista – não poderia deixar de comentar, pois
é o único momento em que é proposta uma atividade mais significativa, no entanto acontece
alguns equívocos. O autor sugere que o aluno identifique no texto as opiniões expostas, o
ponto de vista do autor do texto “Carta a um adolescente”, e, em seguida, pede que o aluno
escreva uma carta resposta, expressando seu ponto de vista, se concorda ou não com as idéias
do autor do texto.
O problema é que o texto não é do gênero carta, é uma crônica com o título “Carta a
um adolescente”, o que pode confundir e comprometer o aluno quanto à produção do gênero
solicitado: carta resposta. O autor não comenta que o texto é uma crônica, então, é provável
que o aluno siga o mesmo modelo. Nesse caso, o aluno não é orientado quanto ao gênero
solicitado, não foi mencionado em nenhum momento as características da carta.
Em seguida, pede para o aluno escolher uma das propostas. Veja abaixo o enunciado:

“Escolha uma das propostas abaixo e crie sua dissertação. Não se esqueça do título:
Proposta 1 A - Pense duas vezes antes de agir.
B - Aja duas vezes antes de pensar.
Proposta 2 A - Na hora de escolher uma profissão, é preciso seguir a vocação,
para que se tenha felicidade profissional.
B - Na hora de escolher uma profissão, é preciso seguir o mercado,
para que se tenha sucesso profissional.
“Podemos concordar com A (e discordar de B) ou concordar com B (e discordar de
A) Podemos ainda concordar parcialmente com A e com B (e, obviamente, discordar
parcialmente tanto de A como de B).”

Nessa atividade, o objetivo é que o aluno defenda um ponto de vista e por isso ele dá
sugestões de temas para que o aluno escolha por um e se posicione. Ele poderia aproveitar e
mostrar os operadores argumentativos que direciona a posição assumida pelo autor.

Considerações finais

Após a análise minuciosa das atividades propostas no LDP, podemos constatar que,
uma única vez o texto foi tratado como gênero, e falou-se sobre coerência: “Após a leitura
atenta do editorial, verifique qual é o seu tema e sobre ele escreva uma dissertação clara e
coerente”. Os outros gêneros foram tratados apenas como textos.
A argumentação foi tratada a partir de conceitos estruturais, fazendo com que o aluno
reconheça e identifique partes que compõem o texto argumentativo.
Para demonstrar (ou maquear) que trabalham numa perspectiva fundamentada nos
PCNs os autores trazem atividades que são propostas de produção textual extraídas do exame
de vestibulares e do Enem, mas não significa dizer que o LDP trabalha a argumentação
considerando as propostas dos PCNs, ou seja, como produto da interação social. Em geral, os
exercícios exaustivos proposto no LDP visam apenas fazer com que o aluno aprenda a
conhecer a estrutura e a produzir textos que seguem o modelo dissertativo-argumentativo
proposto, como se fosse uma prática dissociada da sua realidade.
Chegamos à conclusão de que o LDP não é suficiente para atender as necessidades
contemporâneas quanto à proposta de linguagem como prática social. Cabe, então, ao
professor a tarefa de cobrir as “fissuras” deixadas pelo LDP com relação aos novos objetos
didáticos de ensino/aprendizagem dos gêneros discursivos e da argumentação.

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Referências:

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Anexo 1 (p. 283 e 284 )

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