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ESCOLA SUPERIOR DE ECONOMIA ET GESTĀO

RETÓRICA E ÉTICA EM DIREITO

ANO ACADÉMICO: 2023

INTRODUÇÃO GERAL

Pois, a abordagem do conceito retórica como do conceito ética não é tão

simples que parece. Perante os dois vocabulários nos encontramos face a uma

complexidade. Falando só de retórica ou da ética como conceito e sem nenhum

enquadramento pode ser difícil e pode até parecer vago. A retórica, dum lado, pode

dar a impressão de ser uma teoria ou um conjunto de teorias incertas, persuasivas

e demagógicas ou um discurso vago, vão ou enganador e de outro lado, a ética irá

parecer como uma pressão psicológica a fim de nos obrigar a viver ou a nos

comportar segundo ideia ou a crença dum indivíduo ou um grupo de indivíduos

(sábios, doutrinários, filósofos, ….)

PRIMEIRA PARTE: RETORICA

Capitulo I: PARAMETROS DEFINITÓRIOS

I 1. DEFINIÇÃO

É difícil directamente dar uma definição clara e completa ao conceito

“retórica”.

No sentido etimológico, a palavra retórica vem do grego: rhetor que

significa orador numa assembleia. É a arte de bem falar, mediante o uso de todos

os recursos da linguagem para atrair e manter a atenção e o interesse do auditório

para informá-lo, instrui-lo e principalmente persuadi-lo das teses ou dos pontos de

vista que o orador pretende transmitir.

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Do ponto de vista enciclopédico, a “retórica” é definida como a arte de bem

falar ou um conjunto das regras relativas a eloquência.

E do outro lado, a doutrina dá uma variedade de explicação ou definição à palavra

retórica. Consideramos a definição de Aristóteles que designa a “retórica” como

uma disciplina que busca o estudo do discurso persuasivo distinguindo dois limites

para sua aplicação:

O primeiro é aquele em que a tese demonstrada é evidente e se impõe a mente

atenta, não deixando liberdade alguma a vontade [neste caso o autor (Aristóteles)

demonstrava uma inclinação natural para a evidencia].

O segundo limite é aquele em que a tese se apresenta como arbitrária e não traz

nenhuma razão em seu favor e se impõe pela forca sem buscar a adesão da mente

dos que ouvem.

No contexto da nossa cadeira (retórica e ética em Direito) iremos definir a

retórica como a arte de bem persuadir em juízo.

I 2. AS FUNÇÕES SOCIAIS DA RETÓRICA

A necessidade de um estudo sobre a retórica advém do facto de que falta à

razão uma capacidade intrínseca de nos convencer das verdades que ela traz a

tona. Assim falando da função social da retórica é pensar em qual é a missão ou o

papel da retórica na sociedade.

Como vimos na definição, a retórica é um conjunto de regras relativas a eloquência;

da eloquência sobressai a argumentação do modo a persuadir em juízo o

interlocutor. Persuadir é mais que convencer: a persuasão acrescentaria à

convicção a forca necessária que é a única que conduzira a acção.

Segundo a enciclopédia espanhola: «convencer é apenas uma primeira fase, o

essencial é persuadir ou seja abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade

com a convicção que lhe foi comunicada»

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Dai as funções sociais da retórica são:

a) Tratar de um modo programado para persuadir através da fala;

b) Possibilitar-nos sustentar nossas opiniões e fazer que sejam admitidas pelos

outros. Então nesse caso podemos dizer que a retórica não tem, pois, como

objecto o verdadeiro, mas o opinável.

c) Não chegar apenas as verdades científicas, mas também ensinar e

despertar nos outros, exactamente as mesmas concepções que possuímos.

Neste caso é criar ou produzir uma interacção comunicativa

(convencimento), entre o interlocutor; processo pelo qual o interlocutor

compartilha da mensagem emanada do orador.

I 3. INTERDISCIPLINARIDADE DA RETÓRICA

Falar da interdisciplinaridade da retórica é falar da conexão da retórica com

outras disciplinas, falar dela como uma disciplina intermediária. É dita disciplina

intermediária pelo facto de ela estar não só presente mas também ao serviço de

outros saberes (literatura, psicologia, filosofia, direito, …).

A retórica clássica acabou por abarcar um campo enorme dos múltiplos saberes

humanos na aspiração de ser a alma dos estudos humanísticos. O caudal da

sabedoria que a retórica antiga nos transmite é enorme, pois, não só nos ensina as

estratégias lógicas do discurso mas suas mais diversas formas, como também nos

leva a reflectir sobre a língua do texto, a identificar e usar as figuras de estilo, a

classificar as figuras, os estilos e as diferentes classes de questões colocadas ao

ser humano, a educar e formar os discípulos, a filosofar e fazer critica literária.

Hoje ela de novo se nos apresenta não só como retórica filosófica e literária, mas

também como retórica didáctica, científica, da imagem, do cinema, da publicidade.

Na actualidade a retórica tem vivido um grande surgimento e seus ensinos

utilizam-se em publicidade, na academia, na política, bem como na defesa do ponto

de vista durante os julgamentos civis como penais. A retórica como teoria da

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educação é um saber que se inspira em múltiplos saberes e se põe ao serviço de

todos os saberes. É um saber interdisciplinar no sentido pleno da palavra, na

medida em que se afirmou como arte de pensar e arte de comunicar o pensamento,

arte de ver, ouvir e ler; e arte de comunicar o que se vê, ouve e lê.

Na retórica nos encontramos o saber como teoria, o saber como arte, o saber como

ciência, um saber teórico e um saber técnico, um saber artístico e um saber

científico. O duplo valor da retórica como arte e ciência faz dela também um

instrumento mediante o qual continuamente podemos inventar, reinventar e

solidificar a nossa própria educação.

Para iscrates, a retórica é a fonte inspiradora de todos os saberes que fecundam a

cultura humana, pois se dedica ao ensino de “todas as formas de discurso em que a

mente humana se expressa”

RETÓRICA E FILOSOFIA

Ao adaptar o modelo do raciocínio filosófico, à retórica, Aristóteles

reconheceu que, alem da dialéctica, que prefere a educação de princípios

gerais, havia uma retórica que igualmente formula argumentos dedutivos a

partir de princípios particulares. Reconheceu também que esta mesma

retórica tinha a faculdade de argumentar indutivamente a partir de

exemplos, analogias e citações de autoridade. Isócrates define a sua escola

como escola superior da filosofia mas descreve a sua filosofia como o

estudo do discurso político, um discurso mais dirigido para a implementação

da justiça, do carácter e da sã conduta do que para proficiência oratória.

Portanto, digamos que a retórica é também bem usada no discurso

filosófico; a partir dos métodos: indução e a dedução, lógica formal

(silogismo)…

RETÓRICA E DIREITO

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Considerando a retórica e o direito, isto nos mandará a falar de

retórica jurídica. Precisamos, pois, de ter algumas ideias minimamente

claras sobre três conceitos: Retórica jurídica no sentido lato, Retórica

jurídica em sentido estrito e tópica jurídica.

A tópica é o arsenal de ideias e de argumento com que, por um lado,

pensamos e organizamos o nosso pensamento, e, por outro lado, nos

preparamos para as batalhas solitárias de convencer um publico ou vencer

um adversário.

O conceito mais vasto afigura-se-nos ser o de Retórica jurídica em sentido

lato. Aqui se compreende, não apenas a tópica e a dialéctica jurídicas, mais

como também toda a forma de expressão persuasiva ou retratística: desde

a palavra, à organização dos espaços (arquitecturas), aos símbolos, aos

adereços. Nesta lata acepção cabem retóricas de todas fontes de Direito,

pelo menos todas fontes voluntarias. Não sendo para nos claro afirmar-se

que os usos ou até o costume, por exemplo, se afirme com uma retórica, já é

evidente que a lei está impregnada de retórica: desde as discussões

políticas, parlamentares, trabalhos de comissão, até se plasmar tal retórica

em exposições de motivos, preâmbulos, e até campanhas públicas de

divulgação e promoção de certa legislação, etc. O mesmo se diga, ou quase,

para a jurisprudência. Os juízes (todo o tribunal, na verdade) assumem uma

retórica desde logo denotada pela arquitectura dos lugares de

administração da justiça, que se adensa, em círculos concêntricos, desde os

espaços exteriores e dos símbolos que os palácios da justiça ostentam nas

entradas e corredores, até à decoração e disposição das salas de audiência,

passando vestes forenses, e finalmente desembocando na linguagem verbal

ritualizada do Direito. Na mesma perspectiva, digamos que o ritual

judiciário é, em grande medida, uma questão retórica.

A Retórica jurídica em sentido estrito contém a tópica, pelo menos naquela

medida em que a tópica seja de índole forense. Mas no seio do drama ou

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encenação da justiça o que sempre apesar de tudo ganha mais relevo, é a

retórica propriamente forense, a retórica dos causídicos, sobretudo, deve

dizer-se, o pleitear oral, na barra do tribunal, e especialmente nas causas

penais.

Em fim, a retórica está bem presente em filosofia como em

Direito. Tal como na filosofia se não pode partir de verdades absolutas, mas

apenas do acordo mínimo que permita discutir, também no Direito se parte

de opiniões que têm de ser testadas pelo confronto, dentro de certas

regras, e assentando numa base de concordância das partes. Mas a

diferença é que a filosofia prossegue o seu colóquio contínuo, numa conversa

sem fim e não há juiz que decida da maior probabilidade de uma filosofia

face a outra. Já o Direito, que os romanos consideravam filosofia prática,

não pode se dar ao luxo do non liquet ou nem sequer do reatar contínuo das

discussões. O Direito persegue, evidentemente, a justiça e o fim da arte

jurídica não é outro senão a justiça. Há que estabelecer alguma paz social e

certeza nas relações jurídicas, o juiz acolhe a versão de uma parte ou uma

sua própria. E assim digamos que no Direito está viva a retórica no seu

melhor.

Capitulo II: RETÓRICA NUMA PERSPECTIVA DIACRÓNICA

HISTÓRICO

A arte da retórica nasceu na Sicília, em meados dos séculos V a.C.,

quando a politica dos tiranos cedeu lugar à democracia. No mondo grego, a

oratória veio a ser uma necessidade fundamental do cidadão, que teria de

defender seus direitos nas assembleias. Os primeiros maestros que se

dedicaram a esta disciplina foram Córax de Siracusa, primeiro a escrever

um tratado sobre o tema, e seu discípulo Tisias que o divulgou. As figuras

destes dois primeiros maestros de retórica são bastante escuras. Nenhum

escrito deles tem chegado até nossos dias. Conhece-se sua existência por

menções de rétores posteriores. A Atenas podemos conhecer a retórica

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através dos discursos que deixaram grandes oradores como Demóstenes,

Lisias ou Isócrates. Heródote e Tucídides em suas obras sobre a história,

alem de acontecimentos, também escreveram discursos pronunciados por

personagens históricas. Pouco a pouco, começaram a surgir profissionais da

retórica, os primeiros advogados (synegors ou syndikos), que ainda não

representavam os seus clientes na tribuna, mas orientavam os seus

discursos, quando não os escreviam totalmente, obrigando os clientes a

decorá-los, para realizar uma exposição correcta e obter ganho de causa. A

arte da retórica foi sistematizada por Aristóteles (384-322 a.C.) no

tratado tekne rhetorike (Arte retórica), em que como qualidades máximas

para o estilo a clareza, e a adequação dos meios de expressão ao assunto e

ao momento do discurso. Em Roma, houve também muitos estudiosos da arte

de falar em público. Citamos Catão, Cícero e Júlio César.

II 1. ANTIGUIDADE CLÁSSICA

Na Atenas clássica não existe uma distinção entre a Retórica e a

filosofia. Por este motivo, há que ter muito em conta esta última disciplina. A

Tragédia e a Comédia, muito unidas ao político, são também importantes

para conhecer a retórica na Atenas Clássica. Na Grécia do século V a.C., os estudos

sobre a retórica adquirem um novo estatuto a partir da concepção que dela fez

Aristóteles. A retórica aristotélica consiste, assim, em um exercício filosófico de

busca do conhecimento da verdade e um exercício de investigação dos

procedimentos linguageiros que permitem comunicar as ideias a um auditório quase

sempre heterogéneo. Para persuadir, o orador deve, então, adaptar as variadas

formas de expressão e de persuasão ao ouvinte.

Como lópez Eire nos sugere, três factores concorreram na antiguidade para a

formação do Canon retórico e a utilização prática do seu potencial argumentativo.

São eles, a oralidade, a democracia e a filosofia.

A) ORALIDADE

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Muito antes de haver rádio, televisão, cinema, computadores ou mesmo

imprensa, as pessoas dependiam, do canto, dança, dos jogos e discursos para

se entreterem e informarem. A literatura era no princípio oral, os poetas,

supostamente inspirados pelas Musas, foram os primeiros educadores da

Grécia. Foi ao nível da oralidade que, na literatura grega mais antiga, se gerou

e plasmou todo um conjunto de estratégias e regras pré-retóricas que a

memória registou, e o ensino oral acabou por consagrar e perpetuar. A

oralidade foi, de facto, indispensável ao nascimento da retórica, pois foi nela

que germinaram e se configuraram os padrões de construção, expressão e

expressividade oratória que vieram a marcar a diferencia nas convenções da

retórica clássica. Modelos paradigmáticos como o paralelismo, a antítese,

inclusão, o quiasmo, o encadeamento, o refrão e a simetria concêntrica estão

presentes em toda a literatura grega como indeléveis de uma cultura

caracterizada pela interacção da oralidade com a escrita; também figuras

retóricas como o símile, a metáfora, a metonímia, a anáfora, a antístrofe, ….

Mas não foi só a oralidade que preparou o caminho para a retórica. Foi

sobretudo a democracia e uma maneira mais pragmática de encarar a

filosofia.

B) A DEMOCRACIA

Como sabemos, a retórica nasceu e floresceu com a democracia. Primeiro em

Siracusa (Cecília) e depois em Atenas, a retórica foi concebida, ensinada,

exercitada e colocada ao serviço do povo tanto para a defesa dos seus

interesse individuais e comunitários como para a afirmação dos princípios e dos

valores que sustentam a justiça, o direito, e a liberdade. A defesa dos valores

da liberdade e da democracia, tanto no plano da igualdade no direito ao uso da

palavra como no plano da liberdade de expressão, determinou um número

crescente de intervenções orais públicas no palco das assembleias e dos

tribunais. E este por sua vez, obrigou a sociedade a organizar-se no sentido de

proporcionar e fomentar a aprendizagem da retórica; terreno propício ao

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surgimento e proliferação de logógrafos ou redactores de discursos, e retores

ou professores de retórica o compor dos discursos. O estado democrático de

direito foi o terreno ideal para nele brotar, crescer e se desenvolver

cabalmente a retórica; pois nele até ao lobo feroz se oferece a possibilidade de

defender a sua causa em tribunal, mesmo que ele exiba as fauces manchadas

com o sangue do cordeiro que acabara de devorar.

C) A FILOSOFIA

Os retores de retórica eram, em muitos casos, filósofos que, com seu

relativismo, praticavam uma espécie de filosofia democrática ou pragmática.

Entretanto, três abordagens se cruzaram na tradição retórica ao longo da sua

longa história: a estilística, a aristotélica, e a da comunicação em geral. -- A

abordagem estilística, representada pela tradição sofística, é a mais redutora

de todas. De acordo com os sofistas, a retórica é mais pragmática do que

epistemológica. Segundo Górgias, nós não conhecemos a verdade directamente.

Conhecemos apenas uma visão da verdade, uma visão materializada em palavras

e não a realidade em si mesma; pois é pela magia da palavra que pensamos e

explicamos a realidade. O que pode e deve é concentrar-se no uso da palavra,

para com ela resolver os problemas do contraditório no plano do consensual e

provável, e deleitar, seduzir e encaminhar as almas para soluções plausíveis no

âmbito do que é justo, útil, conveniente e necessário, com base em estratégias

de carácter estético e psicológico. Mas segundo Platão o ingrediente

fundamental de todo o discurso retórico é a verdade que apenas se alcança pelo

reflexivo dialogo filosófico que se chama “dialéctica”. Assim, antes de falar, o

orador deve conhecer a verdade do que vai dizer. E para conhecer a verdade,

deve começar para estudar a filosofia. Em especial, Platão, no Fedro, quer tirar

a retórica do nível das regras do falar com o único objectivo de convencer o

interlocutor jogando em ampla medida com a mera opinião (o “ considerar

verdadeiro”) para transforma-la na arte de dizer a verdade. E justamente por

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isso quer fundamenta-la na dialéctica, que é o único método capaz de chegar a

verdade e exprimi-la de modo adequado.

«A arte dizer (a verdade), portanto, deve segundo Platão, basear-se nestes

três pontos fundamentais:

1) Deve conhecer a verdade acerca do que deseja falar;

2) Deve conhecer a natureza da alma em geral e especialmente das almas às

quais se dirige para poder convencê-las de modo adequado;

3) Deve ter a consciência da natureza e do alcance dos meios de comunicação,

especialmente a diferencia entre escrita e oralidade.» (Reale, 1999,p251)

- A abordagem aristotélica fixa-se no campo argumentativo do discurso

oratório, mas admite a sua aplicação aos demais géneros. Para Aristóteles o

discurso retórico tem sobretudo a ver com a lógica e a psicologia da

argumentação ligadas à oratória política, forense e demonstrativa. A sua visão

filosófica da educação retórica pode resumir-se no seguinte objectivo:

proporcionar a formação para a alma como a ginástica a proporciona para o

corpo; isto é, produzir líderes de elevado valor moral que proporcionem sábio

conselho em todas as matérias de importância cívica.

- A abordagem da retórica come arte de comunicação abrange praticamente

todas as tipologias do discurso, tendo em isócrates a sua principal fonte de

inspiração.

II 2. TEMPO MEDIEVAL

A Idade Média é caracterizada pelo insucesso da arte de falar, isto devido ao

sentido pejorativo que a retórica revestiu neste tempo. A partir do século XIV,

a retórica passa a adquirir uma conotação negativa. Como vimos anteriormente,

na antiguidade clássica, a palavra retórica era usada exclusivamente para a

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disseminação da verdade. No decurso do tempo, acabamos exercitando mais a

forma do que o conteúdo, o que nos propiciou maior preocupação com o


malabarismo da voz e dos gestos do que com o tema em si mesmo, sendo assim

frequentemente, a retórica foi associada a um discurso artificial, a uma fala

pomposa e grandiloquente. Os três géneros oratórios, o judicial, o deliberativo


e o epidíctico entraram em decadência; já que a militarização do império fazia

inútil os conhecimentos da oratória; no entanto seus conhecimentos foram

transvazados à literatura em geral, que se retorisou notavelmente perdendo

bastante de sua inspiração originaria e a sua frescura. Assim veio a concluir o

grande estudioso da literatura medieval Ernst Robert Curtius em sua

Literatura europeia e Idade Média latina, traduzido ao castelhano em 1955.

Capítulo III. GENEROS DA RETORICA

ASPECTOS GERAIS

Consolidados na Grécia antiga com Aristóteles, incorporados ao estudo dos

textos literários na escola, questionados pela critica literária antes de serem

actualizados por Bakhtin e, finalmente, elevados ao status de conceito fundamental

na linguística do discurso e aplicada ao ensino de línguas, os géneros foram se

constituindo ao longo do tempo como um conceito instável e um objecto de estudo

longe de ser esgotado. Na linguagem retórica, género é sinónimo de forma ou tipo;

e retórica como arte de falar ocupa-se de como tratar um discurso ou uma

exposição diante de um público. Falar de géneros da retórica é falar de formas ou

tipos ou classificação de discursos. O discurso retórico tem dois (2) elementos

estreitamente dependentes entre eles, os quais são: o orador e o auditório ou o

público a quem é destinada a mensagem do orador. O orador é quem funda o

processo retórico mas sem mensagem do orador exposta em público nada se

concretiza. É por isso que antes de abordar os três géneros da retórica, é preciso

falar de dois conceitos:

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- O discurso que é a mensagem do orador;

- O auditório que é o público a quem é destinada esta mensagem.

A. O DISCURSO

A elaboração do discurso e sua exposição ante um auditório são aspectos que

exigem a atenção a cinco dimensões que se complementam entre si: a invenção, a

disposição, a elocução, a memória, a pronunciação. A cinco dimensões podem ser

subdivididas em dois momentos:

- a estrutura linguística que engloba a invenção, a disposição e a elocução;

- a actividade oral que contem a memoria e a acção.

1. A INVENÇAO: O termo invenção procede do latim invenire que significa

“achado”. Nesta fase o orador selecciona, acha, encontra pensamentos

adequados à matéria conforme o interesse do auditório. Na invenção tudo

trata-se mentalmente. Porque de invenire “achar” na memória tópicos, ideias

próprias e adequadas ao tema susceptíveis de ser utilizadas no discurso.

Nesta fase estabelece-se mentalmente os conteúdos do discurso.

2. A DISPOSIÇAO: a finalidade desta parte da preparação discursiva é a

organização dos elementos da invenção em um tudo estruturado. Trata-se

da escolha e da ordenação dos pensamentos das formulações linguísticas e

das formas artísticas para o discurso (sempre visando a favorecer a

persuasão do auditório). Esta fase trata da estrutura do discurso em se-

mesma. A sua vez a disposição divide-se em seis partes, as quais são:

exórdio, preposição, a divisão, a narração, a argumentação e a peroração.

a) O exórdio: aqui o orador pretende fazer do seu auditório simpático,

atento, dócil. A função desta etapa é dar sinal que o discurso começa, atrair

a atenção do receptor, acalmar as animosidades, angariar a simpatia, fixar o

interesso do receptor e definir o tema ou objectivo mas sem anuncia-lo

claramente.

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b) A proposição: enunciação breve e clara do tema que se vai tratar.

c) A divisão: é enumeração das partes do discurso. Quanto as partes, o


discurso pode apresentar uma estrutura bipartita (duas partes) ou

tripartita (três partes); a estrutura mais frequente é a tripartita,

constituindo duma parte inicial que tem por objectivo captar a atenção do

ouvinte, é a introdução ou o exordio; duma segunda parte que é uma

exposição do assunto e a tese do orador ao respeito, é o desenvolvimento ou

narração; e terceira parte, uma recapitulação do dito com apelação ao

auditório, é a conclusão ou peroração.

d) A narração ou exposição narrativa: a narração, o desenvolvimento ou a


exposição é o relato mais extenso do discurso e conta os elementos ou

factos necessários para estabelecer ou demonstrar a conclusão que se

segue. Se o tema tem subdivisões é preciso adoptar uma ordem conveniente

a fim de evitar o desvio do tema. É por isto, esta secção ensina ao público

os pontos fortes que o orador defende. E isso se fará com clareza (é

impossível convencer a opinião pública dentro obscuridade ou ambiguidade)

e a probabilidade de conclusão (como disse Aristóteles, é preferível a

verdade falsa improvável plausível). Neste ponto a ética não tem nada a ver

com a retórica. A exposição deve ser interrompido com digressões breve

para evitar o stress e aliviar a monotonia do público.

e) A argumentação: é a parte onde alegam-se as provas de seu


posicionamento que confirmam a tese da exposição (confirmação) e refuta a

tese de que o publico apoia (refutação ou repreensão). A confirmação

requer a utilização de argumentos lógicos e figuras de estilo como ênfase

(consiste a exaltar, valorizar). Aqui usa-se uma lógica retórica, a dialéctica.

Esta lógica retórica não tem nada a ver com a lógica científica porque aqui o

objectivo não é achar a verdade mas convencer.

f) A peroração: é a conclusão ou o resumo e é projectado para inclinar a


vontade do ouvinte despertando ou suscitando suas emoções, utilizando

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móveis éticos ou pragmáticos a fim de provocar a sua compaixão e de

indignação (falar de ruim, da sorte, da doença, a desgraça...) para atrair a

sua piedade e conseguir sua participação emotiva. Ela resume e sintetiza o

que foi desenvolvido para facilitar a memória ou a lembrança dos pontos

fortes e fazer uma apelação. Pode até ser um bom lugar ou momento para

lançar algo novo, inesperado e interessante que reforça todos os outros e

que fará que o ouvinte chegasse a criar uma impressão positiva e favorável

final.

3. A ELOCUÇAO: é o modo de expressar verbalmente de maneira adequada os


pensamentos encontrados pela invenção e ordenados pela disposição e traz

nela o estilo e a gramática. Ela exige que a gramática e a sintaxe sejam

correctas.

4. A MEMORIA: é a memorização do discurso, o que também apresenta uma


teoria para facilitar o trabalho do orador.

5. A ACÇAO OU PRONUNCIAÇAO: é a enunciação do discurso que engloba,


alem dos recursos vocais, a métrica (organização e sucessão dos versos)

necessária

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