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ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA

O domínio do discurso argumentativo – a procura de


adesão do auditório

Este ponto centra-se na Retórica, uma disciplina das mais antigas e com
a qual a Filosofia manteve uma relação complexa ao longo da
história. A retórica foi muito usada pelos sofistas e deve a Platão a sua
conotação negativa - por se associar o retórico à excessiva preocupação
estilística e à despreocupação com a verdade dos conteúdos
(proposições). A retórica recebeu, nas últimas décadas do século XX,
uma cuidada atenção por parte dos filósofos (Perelman), sob a forma de
uma nova retórica.
Vimos que a lógica estuda as condições de validade do raciocínio e do
argumento, isto é, estuda as condições formais que o argumento deve
cumprir para ser considerado correto ou válido. Ao atender apenas à
estrutura formal de um raciocínio ou da sua expressão linguística - o
argumento -, a lógica deixa de lado o seu conteúdo, a sua matéria, a sua
verdade material. A verdade e a falsidade da matéria (ou conteúdo) das
proposições que fazem parte do raciocínio não podem ser detetadas
pelas regras formais.
Uma vez que a racionalidade humana não se esgota na sua validade
formal (esta seria uma perspetiva demasiado redutora), é necessário
prestar, também, atenção aos argumentos que não dependem de
critérios lógicos, mas de critérios dialéticos e retóricos, isto é, a
argumentos desencadeados a partir de opiniões geralmente aceites.
Assim, os dois grandes domínios da racionalidade filosófica - Lógica
Formal e Retórica - implicam procedimentos distintos, embora não
totalmente separáveis (podemos sempre combiná-los de forma criativa):
-para conduzir alguém a uma conclusão necessária e universal,
precisamos apenas de o demonstrar seguindo as regras da lógica formal;
-para conduzir alguém a uma conclusão que é apenas verosímil,
plausível, preferível e razoável, teremos de argumentar seguindo os
critérios da retórica.
Torna-se, por isso, necessário entender as principais diferenças entre a
demonstração e a argumentação.
Vejamos como Aristóteles, um filósofo da Grécia antiga, distingue a
argumentação, característica da retórica, da demonstração.
As demonstrações são inferências dedutivamente válidas. Na
demonstração, as premissas são admitidas como verdadeiras e não
deixam lugar para qualquer dúvida, a conclusão é uma consequência
que decorre delas de forma necessária, ou seja, uma vez que as
premissas são inquestionavelmente verdadeiras e o raciocínio é
dedutivamente válido (obedece às regras), não podemos deixar de
aceitar a conclusão, somos obrigados logicamente a aceitá-la.
A argumentação retórica não consiste unicamente na apresentação de
demonstrações. O orador não tem de partir de premissas
inquestionavelmente verdadeiras, as premissas de que parte podem
consistir apenas em opiniões (acordos = factos, verdades, presunções ou
valores, hierarquias, juízos) aceites pelo auditório. Ao orador chega que
as premissas sejam prováveis e pareçam verosímeis ao auditório. O
orador não deve estar empenhado em mostrar escrupulosamente que a
conclusão se segue validamente às premissas, uma vez que se o
auditório, no seu conjunto, tem uma capacidade muito limitada para
seguir raciocínios, está emocionalmente envolvido. Por isso, é
possível apresentar os argumentos de uma forma abreviada e sugestiva
recorrendo à dedução e ao raciocínio não dedutivo (seja através de
entimemas, exemplos isolados, analogias ou recorrendo a autoridades).
No quadro seguinte, encontramos os principais aspetos distintivos entre
a demonstração e a argumentação.
Demonstração Argumentação

- visa mostrar a relação necessária entre a - visa provocar a adesão do auditório;


conclusão e as premissas;
- é do domínio da evidência, da necessidade, - é do domínio do verosímil, do plausível, do
do constringente; preferível, do provável;
- caracteriza-se pela univocidade própria da - caracteriza-se pela equivocidade própria da
lógica e das suas regras; linguagem natural;
- permite uma única interpretação pela - permite uma pluralidade de interpretações
pobreza da linguagem formal; pela riqueza da linguagem natural;
- reduz-se a um cálculo lógico-formal; - apresenta razões a favor ou contra uma
determinada tese;
- é independente da matéria ou conteúdo; - é dependente da matéria ou conteúdo;
- é impessoal ao nível da prova: a validade - é pessoal, pois dirige-se a indivíduos em
não depende em nada da opinião; relação aos quais se esforça por obter adesão;
- é isolada de todo o contexto; - é contextualizada;
- é dominada pela autoridade lógica; - é dominada pela intersubjectividade;
- é independente do orador e do auditório; - é dependente do orador e do auditório,
- é válida ou inválida. - é forte ou fraca.
Do quadro:
Demonstrar é fornecer provas lógicas irrecusáveis, encadeando
proposições de tal modo que, a partir da primeira, se é racionalmente
constrangido a aceitar a conclusão. A demonstração faz uso apenas do
raciocínio dedutivo.
Argumentar é fornecer razões a favor ou contra uma determinada tese
ou conclusão, tendo por finalidade provocar a adesão das pessoas a
essa tese, pelo que é necessário que ela lhes pareça razoável. A
argumentação combina raciocínio dedutivo e não dedutivo (analogia,
indução e abdução).

Apesar de se poder distinguir a demonstração da argumentação, tal facto


não se traduz numa absoluta e definitiva separação dos dois domínios.
Por um lado, no decurso de processos demonstrativos, somos forçados a
recorrer à argumentação (um raciocínio demonstrativo é um argumento);
por outro lado, uma argumentação forte e credível deve apoiar-se nas
leis lógicas da demonstração. Nos diferentes discursos persuasivos são
combinados processos simultaneamente demonstrativos e
argumentativos.
De entre as diversas definições de retórica, apresentamos a seguinte,
que julgamos aceitável:
A retórica é a arte de persuadir através do discurso ou o
estudo e a prática da argumentação.
A retórica é uma arte no sentido em que consiste num conjunto de
técnicas, que implicam conhecimentos teóricos e práticas, para atingir
um objetivo preciso. Aqueles que estudam retórica dominam técnicas
que permitem persuadir ou convencer através do discurso e persuadir
através do discurso é convencer alguém unicamente através do uso da
palavra e do discurso. A persuasão através da violência ou da sedução
física, por exemplo, está fora do âmbito da arte da retórica. Embora os
conceitos persuadir e convencer sejam bastante próximos, alguns
(Perelman) defendem que o conceito persuadir deve ser usado quando o
discurso é dirigido a um auditório particular, tendo em conta a sua
especificidade e o conceito convencer deve ser usado quando o discurso
é dirigido a um auditório universal, tendo em conta argumentos racionais
e universalizáveis. Mas combinando o discurso argumentativo a arte de
persuadir com a de convencer, não estabelecemos uma distinção rígida
entre estes conceitos.
O retor ou orador é aquele que recorre ao discurso para persuadir um
auditório. O auditório é o conjunto de pessoas que o orador visa
persuadir. O objetivo do orador é influenciar o auditório para obter a sua
adesão do, isto é, o orador leva, pela palavra, o auditório a aceitar que
uma determinada tese é verdadeira, ou pelo menos plausível, ou que
uma determinada decisão é a mais racional, justa ou conveniente. A
retórica proporciona ao orador instrumentos para que este obtenha a
adesão do auditório à sua opinião ou decisão.
Foi na Grécia antiga, mais precisamente em Siracusa, que surgiu
a retórica, tendo sido conceptualizada por Corax e Tísias de
Siracusa. Foi, no entanto, a Retórica de Aristóteles a obra deste período
mais influente sobre este domínio do conhecimento. De acordo com
Aristóteles, a retórica parece ser capaz de descobrir os meios de
persuasão relativos a cada assunto. A retórica e o estudo da retórica
visam a criação de discursos com fins persuasivos. Se um orador não é
capaz de obter a adesão de um auditório a todas e quaisquer
perspetivas, deve, pelo menos, ter a capacidade de descobrir as formas
mais eficazes de persuadir.
A retórica, defende Aristóteles, é aplicável a qualquer assunto, apesar de
não ter um objecto determinado, exerce-se num âmbito muito definido: o
âmbito do discurso feito em público com fins persuasivos. Aristóteles
distingue três espécies de discurso público: o discurso deliberativo ou
político, que decorre numa assembleia ou conselho e visa mostrar a
vantagem ou desvantagem de uma acção, é exortativo ou dissuasor; o
discurso judicial ou forense, que decorre perante um tribunal e visa
mostrar a justiça ou injustiça do que foi feito, é de acusação ou de
defesa; e o discurso demonstrativo ou epidíctico, que se destina a louvar
ou a censurar uma pessoa ou coisa, mostrando a virtude ou defeito.
A Retórica é, para Aristóteles, uma arte que o orador pode aperfeiçoar.
Para isso, dispõe de meios de persuasão, técnicos, que dependem de si
(outros, não técnicos, não dependem de si, mas são também dados
disponíveis para a persuasão - testemunhas, contratos escritos, factos,
conhecimentos científicos, etc.). Os meios técnicos que dependem de
si determina-se a partir de três domínios distintos e constituem-se
igualmente em três tipos de estratégias argumentativas. São elas:
1. O ethos - que remete para o carácter do orador;
2. O pathos - que implica o estado emocional do auditório despertado
pelo orador;
3. O logos - que assenta na própria argumentação.
No caso 1 obtém-se a persuasão quando o próprio discurso e a
notoriedade (e não, por exemplo, a aparência física) causa no auditório a
impressão de que o orador é digno de confiança, que não tem ideias
reservadas ou segundas intenções. Para inspirar confiança, o orador
deve sugerir inteligência prática (racionalidade), um carácter virtuoso
(excelência) e boa vontade (benevolência).
No caso 2 obtém-se a persuasão quando o próprio discurso suscita no
auditório sentimentos que o tornam receptivo à perspectiva do orador. O
conhecimento do auditório é fundamental para despertar as emoções
adequadas aos intentos do orador.
No caso 3 obtém-se a persuasão por meio de argumentos verdadeiros
ou prováveis que levam o auditório a acreditar que a perspectiva do
orador é correta. Uma estratégia centrada no logos (os argumentos e a
sua apresentação) é dirigida à racionalidade do auditório.
O domínio do discurso argumentativo – principais tipos
de argumentos e falácias informais
Desenvolver um texto argumentativo, e depois expressá-lo oralmente, é
uma tarefa que exige o cumprimento de alguns requisitos fundamentais.
Qualquer discurso argumentativo possui uma estrutura própria. Para
Aristóteles, a ordem para a organização das partes de um discurso
argumentativo, e que deveriam ser seguidas de um modo rígido, são as
seguintes:
1. Exórdio, que incluía a apresentação do tema a tratar e visava
despertar a atenção do auditório para o discurso
2. Narração dos factos.
3. Plano de argumentação, que incluía a posição do orador, a ordem
dos argumentos e as eventuais objeções.
4. Apresentação, Começava nesta etapa a argumentação propriamente
dita, em que os argumentos se desenvolviam numa sequência ordenada
para sustentar convenientemente a tese.
5. Ampliação dos argumentos pessoais ou refutação dos contrários.
6. Conclusão em que ficava provada a tese do orador.
Antes, Corax (século V a. C), um dos primeiros escritores de um manual
de retórica, considerava que todo o discurso argumentativo se organiza
em torno de quatro momentos fundamentais, cada qual com a sua
função:
Exórdio - momento em que se tenta captar a adesão do auditório.
Apresentação dos factos - momento em que se expõe a tese.
Discussão - momento em que se fornecem argumentos a favor da tese,
considerando objeções possíveis.
Peroração - momento em que se termina com uma fórmula sintética.
Podemos dizer que a estrutura do processo argumentativo compreende
sempre uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão.
A introdução deve ser o mais breve possível, atendendo à apresentação
do tema e à descrição sumária da tese que o orador se propõe defender,
em função do auditório a que se dirige;
O desenvolvimento deve consistir na apresentação dos argumentos
favoráveis à tese, bem como dos argumentos que servem para combater
teses opostas ou objeções, do modo mais claro possível;
A conclusão não deve afirmar mais do que aquilo que se mostrou.
Tipos de Argumentos
A validade de um argumento dedutivo depende unicamente da sua forma
lógica. A capacidade de persuadir e de convencer de um discurso
argumentativo, pelo contrário, não depende apenas da sua forma lógica,
mas do tipo de argumentos usados. Para Aristóteles, as provas comuns
a todas as espécies de retórica são o argumento pelo exemplo (indução)
e o entimema (dedução).
As orientações para efeitos de avaliação sumativa externa das
aprendizagens na disciplina de Filosofia indicam que, em 2.2. O discurso
argumentativo - principais tipos de argumentos e falácias
informais,"(…) deverão ser abordado os critérios para avaliar os
argumentos indutivos, por analogia e de autoridade." Além destes três
tipos de argumentos não dedutivos, trataremos o argumento dedutivo
entimema.

Argumentos com base em exemplos ou Indução -


generalizações e previsões
Para Aristóteles, os argumentos por exemplos podiam ser usados como
evidência ou epílogo para os entimemas. São argumentos do tipo
indutivo, porque através deles retiramos uma conclusão geral a partir de
um elenco de casos particulares ou exemplos. Entre os argumentos
indutivos, podemos distinguir as generalizações das previsões.
Uma generalização indutiva é um argumento com uma conclusão geral
extraída de casos particulares ou de proposições menos gerais do que a
conclusão.
Uma previsão indutiva também parte de um conjunto de casos
particulares, mas a conclusão inferida é particular e anuncia algo de igual
que ocorrerá no futuro.
Para exemplificar esta diferença, atentemos aos dois argumentos:
1. Cada um dos corvos observados até agora é preto. Logo, todos os
corvos são pretos.
2. Cada um dos corvos observados até agora é preto. Logo, o próximo
corvo que observarmos será preto.
A premissa partilhada por estes argumentos diz respeito àquilo que se
observou em diversos casos particulares, que constituem uma amostra
(parte de um universo = extensão). Em ambos os casos, a conclusão
ultrapassa a informação contida nas premissas. Estabelece um salto do
conhecido para o desconhecido, da parte para o todo. No argumento 1,
generalização, conclui-se que todos os corvos, e não só os que foram
observados, são pretos. No argumento 2, previsão, conclui-se que o
próximo corvo que será observado, à semelhança dos que já foram
observados, será preto.
Os argumentos indutivos não são logicamente válidos, logicamente
apenas se pode inferir a falsidade de uma proposição universal a partir
de uma particular, mas podem ser indutivamente verosímeis
ou plausíveis. Sê-lo-ão se as suas premissas, caso sejam verdadeiras,
constituírem uma razão para acreditarmos que é muito provável que a
conclusão seja verdadeira. Ora, como podemos saber se uma
generalização ou uma previsão é indutivamente verosímil? Não é pela
forma destes argumentos que conseguimos determinar em que medida é
legítimo retirar determinada conclusão dos exemplos. Contudo, podemos
apresentar três critérios que reforçarão a relação de
sustentabilidade entre as premissas e a conclusão, e a sua não
observância originará falácias.
1. Os casos (a amostra) em que a indução se baseia têm de ser
representativos.
2. Não devem existir contraexemplos para os exemplos apresentados.
3. Não se deve omitir informação relevante.

Argumentos por analogia


As analogias são outro tipo de argumentos não dedutivo e na
classificação aristotélica podiam integrar claramente os argumentos por
exemplos, pois um argumento por analogia é um exemplo baseado numa
generalização (a comparação é aparente).
Consideremos dois exemplos de argumentos deste género:
I. O universo é uma máquina.
As máquinas são criadas por seres inteligentes. Logo, o universo foi
criado por um ser inteligente.
II. O sistema imunitário dos chimpanzés é muito semelhante ao dos
seres humanos.
A vacina X resultou nos chimpanzés.
Logo, a vacina X há de resultar nos seres humanos.
Como estes exemplos revelam, os argumentos por analogia têm,
geralmente, a seguinte estrutura: dado que duas coisas são semelhantes
(isto é, são análogas, possuem notoriamente aspetos iguais) e dado que
uma delas tem uma certa característica, conclui-se que a outra tem,
também, essa mesma característica, propriedade ou atributo.
Os argumentos por analogia também não são dedutivamente válidos.
Aliás, as analogias são classificadas frequentemente como uma forma de
indução, a par das generalizações e das previsões. A força das
analogias, tal como a das generalizações e a das previsões, também não
depende apenas da sua forma. Para determinar em que medida é
legítima a aparente comparação que sustenta a conclusão, indicamos
dois critérios.
Um deles é o seguinte:
As semelhanças devem ser relevantes e não pode haver diferenças
relevantes. Uma analogia não é sustentável se os objectos confrontados
não forem semelhantes nos aspectos relevantes (características
essenciais). Com este critério, pode-se questionar o argumento I,
alegando que o universo não é realmente como uma máquina, já que
existem diferenças significativas entre o universo e as máquinas. Por
exemplo, as máquinas desempenham uma função, mas não é óbvio que
o universo tenha uma função.
O outro é:
O número de semelhanças verificadas. A força de uma analogia é tanto
maior, quanto mais forem as semelhanças relevantes entre os objectos
análogos. No exemplo II, se aquilo que está em questão é a eficácia de
uma vacina nos seres humanos, então o número das semelhanças entre
o nosso sistema imunitário e os chimpanzés é importante. Em princípio,
quanto maiores forem as semelhanças desse tipo entre os seres
humanos e os primatas, maior será a probabilidade de uma vacina ser
eficaz nos seres humanos, uma vez que se mostrou eficaz nesses
animais.
Argumentos com base na autoridade
Ao considerar os argumentos com base na autoridade como
testemunhos, julgo não estar a cometer nenhum erro se disser que
Aristóteles também os considera argumentos por exemplos e, segundo
ele, devem ser usados como epílogo dos entimemas, pois são muito
persuasivos. Comecemos por considerar um argumento de autoridade:
Se Platão e Descartes acreditavam na imortalidade da alma humana,
então a alma humana é imortal.
A partir deste exemplo, torna-se fácil perceber o que caracteriza os
argumentos deste género:
Num argumento de autoridade conclui-se que uma determinada
proposição é verdadeira porque uma certa autoridade (um ou vários
indivíduos de reputação pública) defende que essa proposição é
verdadeira. Os argumentos de autoridade não são dedutivamente
válidos, mas as suas premissas podem sustentar a conclusão, isto é,
podem torná-la provavelmente verdadeira. Um testemunho de um
homem influente, mesmo que seja único, é poderoso. Mas para que isso
aconteça, é preciso que a autoridade invocada satisfaça certas
condições.
Uma condição é as autoridades serem reconhecidos especialistas na
questão em causa.
A autoridade invocada tem de ser competente no que respeita ao
assunto em causa e não podem existir autoridades igualmente
competentes que a contradigam. Isto mostra que o argumento é
insatisfatório. É verdade que Platão e Descartes foram grandes filósofos
que reflectiram profundamente sobre a imortalidade da alma humana.
Por isso, são uma autoridade competente no que respeita a este
assunto. Porém, muitos outros filósofos igualmente reputados negaram
que a alma humana seja imortal. Isto significa que existem autoridades
igualmente competentes que contradizem a opinião de Platão e de
Descartes sobre a imortalidade da alma, pelo que não podemos tomar a
sua opinião como uma justificação satisfatória para acreditar que temos
uma alma imortal.
A outra é que as autoridades não discordem entre si significativamente,
isto é, sobre as matérias em discussão deve haver consenso entre os
especialistas.
Isto mostra, também, que o argumento é insatisfatório. Em filosofia, os
argumentos com base na autoridade são quase sempre
falaciosos. Ocupando-se a filosofia de problemas em aberto, os filósofos
discordam entre si quanto à sua solução, apesar da imparcialidade e da
objectividade que os norteia. Só devemos usar argumentos de
autoridade caso os outros filósofos, quanto à questão em causa, não
discordem do filósofo que estamos a invocar.
Argumentos dedutivos o Entimema
Os silogismos (argumentos canónicos) são próprios dos livros de lógica,
mas quando argumentamos informalmente, por diversas razões, não
explicitamos todas as premissas com as quais pretendemos defender
uma tese. Os entimemas são, assim, próprios da argumentação
discursiva.
Um entimema é um argumento dedutivo (silogismo) ao qual falta uma
premissa que se dá por subentendida.
Dois exemplos de entimemas:
a. Se fosse possível viajar no tempo, seria possível ultrapassar a
velocidade da luz.Logo, não é possível viajar no tempo.
b. Todas as pessoas têm o direito à vida. Logo, os fetos humanos têm o
direito à vida.
Para transformar estes entimemas em silogismos perfeitos e válidos,
teríamos de acrescentar as premissas em itálico:
a.
Se fosse possível viajar no tempo, seria possível ultrapassar a
velocidade da luz.
Não é possível ultrapassar a velocidade da luz.
:. Não é possível viajar no tempo.
(Silogismo Hipotético do modo Tollens)
b.
Todas as pessoas têm direito à vida.
Os fetos humanos são pessoas.
:. Os fetos humanos têm direito à vida.
(Silogismo Categórico do modo AAA, figura I)
Ao nível do discurso argumentativo, os entimemas podem ser úteis, pois
em muitos casos, torna-se desnecessário apresentar premissas óbvias e
que sabemos não ser objecto de contestação, pelo que estas podem
ficar implícitas. Por exemplo, os cientistas sabem perfeitamente que não
é possível ultrapassar a velocidade da luz. Assim, quando nos estamos a
dirigir a um auditório especializado, não vale a pena, e pode ser mesmo
fastidioso, tornar explícito o óbvio. Outras vezes, e se as premissas
subentendias forem controversas ao ponto de tornar o argumento
facilmente objectável, é preferível omiti-las, pois se fossem apresentadas
explicitamente teriam que ser justificadas. A premissa subentendida - Os
fetos humanos são pessoas - do entimema b é discutível, mesmo entre
um auditório especializado.

Falácias Informais
As falácias informais são argumentos em que as premissas, que se
apresentam, não sustentam a conclusão por causa do seu conteúdo. O
erro que ocorre, nestes argumentos, resulta do conteúdo significativo das
proposições, das características da linguagem ou da sua irrelevância
para sustentar a tese em causa.
As orientações para efeitos de avaliação sumativa externa das
aprendizagens na disciplina de Filosofia indicam que, em 2.2. O discurso
argumentativo - principais tipos de argumentos e falácias
informais, "(…) deverão ser abordadas (…) as seguintes falácias
informais: petição de princípio, falso dilema, apelo à ignorância, ad
hominem, derrapagem (ou "bola de neve") e boneco de palha.»

Petição de Princípio (Petitio Principii).


Pretende-se provar uma conclusão, partindo de uma premissa que é a
própria conclusão, isto é, a conclusão é adotada como premissa,
admitindo-se, desta forma, como provado algo que se pretende provar.
Exemplos:
a) Toda a gente sabe que as autarquias são corruptas. Por isso, não faz
sentido provar o contrário.
b) O aborto é um crime; logo, comete um crime quem aborta.
c) A Bíblia é indiscutível, porque é a palavra de Deus.
Falso Dilema.
Ocorre quando alguém apresenta duas alternativas como sendo as
únicas existentes em dado universo. Ao serem apresentadas, apenas,
duas alternativas, são ignoradas ou omitidas outras e faz-se crer que as
duas apresentadas são as únicas.
Exemplos:
a) Quem não está por mim, está contra mim.
b) É pegar ou largar!
c) O Joaquim é genial ou idiota. Como não se revelou genial, é um idiota.
Apelo à Ignorância (Argumentum ad Ignorantiam).
Utiliza-se uma premissa baseada nainsuficiência de evidências para
sustentar ou negar uma dada conclusão. Ocorre quando alguém apela à
ignorância, defendendo que determinada afirmação deve ser verdadeira,
só porque não há provas de que seja falsa; ou ao invés, isto é,
defendendo que determinada afirmação deve ser falsa, só porque não há
provas de que seja verdadeira.
Exemplos:
a) Só acreditarei na existência de Deus, se me forem apresentadas
provas.
b) Deus existe porque ainda não foram apresentadas provas que
neguem a sua existência.
Ataque Pessoal ( Argumentum ad hominem).
Coloca-se em causa a credibilidade do oponente, através de ataques ao
seu carácter (ethos), de forma a desvalorizar a importância dos seus
argumentos. Uma forma muito conhecida deste argumento consiste em
refutar os outros, referindo que padecem do mesmo vício ou defeito que
querem corrigir.
Exemplos:
a) Esta mulher afirma que foi roubada! Mas que confiança nos pode
merecer alguém que vive com uma ladra?
b) Foi a Maria que te disse isso, ela é uma aldrabona. Por isso, não
acredites em nada do que disser.
Derrapagem ou Falácia da Bola de Neve ( Argumentum ad
consequentian).
Exagera-se nas consequências que podem resultar se se aceitar uma
dada tese.
Exemplos:
a) Os pequenos delitos se não forem severamente reprimidos, abrem
caminho aos crimes mais hediondos.
b) Se vou à escola, tenho de estudar. Se estudar, canso-me. Se me
canso, posso adoecer. Se adoeço, posso morrer. Então, se não quero
morrer, é melhor não ir à escola.
Boneco de Palha ou Falácia do Espantalho.

Consiste em atribuir a outrém uma opinião fictícia ou deturpar as suas


afirmações de modo a poderem ser facilmente refutadas.
Exemplos:
a) As pessoas que querem legalizar a eutanásia, não gostam dos seus
pais. Nós somos eticamente responsáveis. Por isso, a eutanásia não
deve ser legalizada.
b) Aqueles que não estão prontos a defender o seu país não são
patriotas. Logo, as pessoas que estão contra esta guerra não são
patriotas. As suas vozes não devem ser escutadas.

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