Você está na página 1de 9

A nova retórica na publicidade: a presença do discurso

persuasivo masculino em anúncios publicitários


na Revista Nova

Márcia Acebedo Lois1

O que é retórica?

A retórica é multidisciplinar e pluralista, utilizada por vários


especialistas diferentes no que concerne à comunicação. Obriga
orador e público a repensarem nas crenças e valores de ambas as
partes, já que a verdade resulta da sintonia comunicativa. Além
disso, resolve e cria conflitos, reforça ou modifica normas
sociais. Está presente em muito mais áreas do que apenas em
suas origens clássicas.
Olivier Reboul (2004) entende retórica como a arte de
persuadir pelo discurso, seja pela produção verbal, escrita ou
oral, sem o uso de ameaça ou suborno. A aptidão para persuadir
pode ser inata ou ensinada através de técnicas de comunicação e
expressão, apesar da retórica ser considerada muito mais que
simples técnicas.
Para Sócrates (470–399 a.C.), trata-se da arte de encontrar
argumentos para persuadir em qualquer situação. Entendendo-
se “arte” como “artifício”, esta consiste em organizar o texto,
dispor de recursos e colocar as palavras de modo que a ideia
principal do discurso possa ser exposta da forma como o autor
1
Graduada em Letras pela UFSCar e Especialista em Língua Portuguesa
pela PUC-SP. Cursa, atualmente, o Mestrado em Língua Portuguesa na
PUC-SP e é integrante do Grupo de Estudos Retóricos e Argumentativos
da mesma instituição (Grupo ERA – PUC-SP).
marcia_lois@terra.com.br

111
ou orador do texto quer que o público a entenda e seja, assim,
induzido, ou melhor, persuadido a acreditar no ideal proposto
na determinada situação.

Breve história da retórica

Desde que o homem passou a utilizar a linguagem para a


comunicação, pode-se afirmar que a arte retórica tem sido
utilizada. Entre os séculos V e VI a.C., os gregos a inventaram
como uma disciplina que ensinava técnicas para que qualquer
causa ou tese fosse defendida – e depois, criaram-na como
ciência, para que os mecanismos retóricos fossem
compreendidos.
A retórica e a filosofia surgiram juntamente com o
desenvolvimento das cidades. O “palco” foi o judiciário, que
objetivava a aplicação dessas normas da sociedade e, também,
facilitar o acesso aos benefícios judiciários através da linguagem.
Podem ser considerados como representantes deste período
Córax e Tísias, discípulos de Empédocles. Também surgiu uma
retórica a serviço da beleza da linguagem, da literatura, ou seja,
fora do âmbito judicial. Esta pode ser representada por Gorgias,
também discípulo de Empédocles.
Um tempo depois, a função persuasiva da retórica em
detrimento da verdade recebeu atenção nas mãos dos sofistas. A
retórica era, então, vista como arte de persuadir pelo discurso
e, também, como um instrumento utilizado através de um
ensinamento sistemático e geral, fundamentado em uma
determinada visão de mundo.
Isócrates uniu as duas linhas (persuasão e beleza). Ele
acreditava que a retórica precisava de estilo, técnicas judiciárias
e poéticas, ensino e filosofia, a partir, acima de tudo, de um
objetivo claro, sendo que todas as técnicas deveriam ser

112
aplicadas de acordo com esse objetivo. Pregava a moralidade no
discurso, ou seja, este deveria estar a serviço de uma causa
nobre. Platão reforçou esta linha ao definir retórica como
verdade manipulada. Refletiu, também, sobre a dialética, que,
para ele, era a comunicação a serviço da verdade, ao passo que a
retórica visava apenas ao entretenimento.
A sistematização efetiva desta ciência foi feita, de fato, com
Aristóteles, que a abordava como a habilidade de aplicar a
persuasão, de acordo com o público a quem o discurso era
direcionado. Os estudos retóricos, então, permaneceram
estagnados por, aproximadamente, dois milênios e meio,
considerados pelo senso comum como “coisa empolada,
artificial, declamatória, falsa”.
No começo dos anos 60, foi retomada através da teoria da
argumentação, com os estudos de C. Perelman e L. Olbrechts –
Tyteca (que abordaram a retórica como “a arte de argumentar”,
convencer), Morier, G. Genetti, J. Cohen e Grupo (retórica,
para eles, seria o estudo do estilo e mais particularmente das
figuras, ou seja, aquilo que torna um dado texto como
literário). Perelman e Olbrechts-Tyteca, em Traité de
L´argumentation: na nouvelle rhétorique, propõem uma
releitura da retórica clássica. Estudar a argumentação é, além da
seleção de dados, analisar as suas possíveis interpretações, ou
seja, o efeito que se pode causar no público. Interpretação de
texto corresponde a uma interação a partir de seu
conhecimento prévio, de suas paixões, necessidades.

A retórica na publicidade: a Revista Nova

Quando o assunto diz respeito ao movimento passional


ligado à sedução em processos argumentativos, é aconselhável
recorrer aos estudos de Michel Meyer, professor da

113
Universidade Livre de Bruxelas, berço do Grupo . Seus
estudos se pautam na relação retórica entre perguntas e
respostas, o que ele determina como problematologia. Em seus
livros A problematologia, Questões de retórica: linguagem,
razão e sedução e A retórica (dentre outras publicações não
menos importantes), o autor expõe a influência da retórica nos
mais variados campos de atuação, da literatura às ciências
naturais. Aborda a persuasão promovida com o movimento
passional despertado pelas palavras e imagens, de acordo com as
figuras, emoção, sedução e subjetividade presentes no discurso e
no público-alvo. Propõe análise retórica, levando em
consideração a negociação entre as partes envolvidas, suas
posições sociais, discursos proferidos, o éthos e, também a
capacidade persuasiva inclusa no evento, ou seja, na cena
persuasiva, dados por aspectos psicológicos, sociais, culturais
que envolvem os participantes do processo discursivo-
persuasivo. Assim, considera-se o fator emoção e sua utilização,
para que o público possa ser persuadido. Para ele, perguntas
suscitam respostas, que levam a novos questionamentos.
Perguntar também pode significar a transmissão de uma
mensagem específica, assim como a resposta também pode
desempenhar esse papel. Ou seja, o ato de “interrogar” o
questionamento nos direciona à sistematização dos princípios do
pensamento na relação entre as partes envolvidas no discurso, o
que promove a revelação da origem da ação persuasiva presente
na situação dada.
O corpus de análise deste trabalho corresponde a anúncios
publicitários extraídos da revista NOVA. Em circulação mensal
há trinta e seis anos no mercado, é produzida para o público
feminino e publicada, mensalmente, pela editora Abril. O
periódico em questão prega a ideia de que, para a mulher, não
existe vida sem homens – fato esse que a incentiva a produzir-se

114
como produto para o “consumo” masculino. Apesar disso, a
revista promove uma certa emancipação feminina, ao defender,
por exemplo, a conquista do parceiro através do sexo e cuidados
com a beleza ao invés de ser pelos “dotes” de dona de casa. O
trabalho visual riquíssimo e linguagem atraente estão
fortemente presentes em toda a publicação e constituem armas
essenciais para convencer a leitora a seguir os ideais propostos.
De acordo com o site de divulgação dos produtos da Editora
Abril (http://publicidade.abril.com.br/homes.php? MARCA=
32), a publicação tem o seguinte objetivo:
NOVA incentiva e orienta a mulher na busca pela realização pessoal e
profissional. Estimula a ousadia e a coragem para enfrentar os desafios,
a busca pelo prazer sem culpa e a construção da auto-estima e da
autoconfiança.

A página de vendas na internet da empresa


(http://www.assineabril.com.br/index.jsp?projeto=905)
também divulga a mesma informação, mas de forma diferente:

NOVA é uma revista completa, feita especialmente para a mulher que


tem um sonho e deseja realizá-lo. Para quem quer ser cada vez mais
bem-sucedida em seus relacionamentos, crescer num tempo de muitas
mudanças e viver com mais prazer.

Assim, com base nos dados expostos, pode-se afirmar que o


público-alvo da revista é a leitora que busca melhores condições
de vida pessoal e profissional, ou seja, objetiva o prazer após um
dia longo e duro de trabalho (seja através do sexo ou de algum
hobby), a ascensão na carreira ou mudança no ramo de atuação,
além de satisfação emocional ao lado da “pessoa amada”. O foco
na “conquista do parceiro” está presente em toda a publicação,
ou seja, é fácil constatar a presença de reportagens especiais,

115
que buscam dar subsídios para que as leitoras satisfaçam o sexo
oposto e sejam felizes por ter um parceiro.
E os objetivos dos anúncios publicitários publicados nesse
periódico não poderiam ser diferentes. A seguir, temos dois
anúncios, publicados na revista NOVA em novembro de 2009.
O primeiro divulga a marca de amaciante de roupas Comfort e
o segundo é responsável pela divulgação de um perfume da
marca Versace:

Figura 1 Figura 2

Na figura 1, verifica-se que a publicidade de lançamento de


um amaciante concentrado de roupas apela mais para o caráter
resolutório do produto, ao passo que, na figura 2, constata-se o
foco principal na sedução, no charme, enfim, na criação de uma
necessidade para a aquisição do perfume. Nesse sentido,

116
Quanto mais um problema está explícito em uma publicidade, mais a
linguagem utilizada é literal, e mais esse mundo comum entre o éthos e
o páthos apela a um éthos projetivo, próximo do éthos efetivo.
(...)
Por outro lado,
Quanto mais a retórica publicitária oculta o problema que o produto
deve resolver, mais o discurso utilizado é figurativo e mais o éthos
efetivo e o éthos projetivo são dissociados, em uma diferença que é
aquela que a mensagem publicitária quer ressaltar. (MEYER 2007:122)

Sob o ponto de vista da retórica, éthos e pathos


correspondem, respectivamente, à relação entre intenção do
autor ao elaborar o discurso e à aceitação do exposto por seu
público-alvo. Assim, éthos projetivo é a imagem do anúncio a
ser passada ao público e éthos efetivo significa a identidade real
do produto. “Expressar o éthos efetivo seria um modo por
demais direto de vender, de propor ao outro, e o publicitário
joga então com o éthos projetivo” (MEYER 2007:121). As duas
subdivisões de éthos estão presentes nos anúncios publicitários
em geral, de modo que se pode verificar a maior presença de
uma ou outra subdivisão de acordo com os objetivos dos
anunciantes.
Assim, na figura 1, os anunciantes apelam para uma boneca
de pano, inspirada na apresentadora Ana Maria Braga, famosa
entre as mulheres brasileiras devido a seu programa matinal de
variedades exibido na Rede Globo de Televisão. Verifica-se que,
na mensagem, o foco está na utilidade do produto e a única
necessidade projetada ao consumidor trabalhada no anúncio é o
fator econômico, supostamente atribuído ao lançamento. O
foco está na “mulher que precisa lavar roupas com economia”,
ou seja, há uma maior presença do éthos efetivo, associada à
forte presença do discurso masculino cristalizado na sociedade
de que “mulheres lavam roupas”.

117
Por outro lado, na figura 2, verifica-se um maior uso do
éthos projetivo, no que diz respeito à atmosfera de sedução,
charme e magia que envolve o anúncio do perfume. A
necessidade do público-alvo de adquirir o produto está associada
à persuasão através da imagem e da atmosfera mágica
prometida, ainda que o público-alvo, conscientemente, saiba
que se trata de um plano imaginário. A retórica, neste caso,
ultrapassa os limites da realidade, de modo que os anunciantes
conseguem atingir os seus objetivos comerciais. Não está nítida
a questão da “necessidade da mulher de se produzir para o sexo
oposto”, porém, subentende-se que o clima de sedução que
transparece no anúncio tenha esse objetivo.

Conclusão

O foco principal das editoras é o lucro obtido com venda de


publicações e merchandising. Para que a vendagem tenha um
percentual satisfatório, o público-alvo deve ser conquistado
através de apelos visuais e linguísticos, que façam com que o
leitor se identifique com o que lê. E boas vendas atraem
patrocinadores, que trazem influências variadas ao conteúdo
geral das revistas ou jornais.
Assim, a partir do momento em que o fator venda influencia
a forma como as reportagens são publicadas, é evidente a
presença de artifícios utilizados para que o consumidor se
interesse tanto pelas publicações quanto pelos produtos
anunciados. Se os assuntos “produzir-se para o sexo oposto” e
“ter um parceiro” fazem parte das ideias expostas pela
publicação analisada, naturalmente, os anúncios publicados
deverão atender às necessidades do público-alvo. A breve análise
exposta neste trabalho busca demonstrar, no campo da retórica,

118
os mecanismos utilizados pelos anunciantes para que as
“vontades” das leitoras sejam atendidas ou despertadas.
Sem dúvida, os estudos retóricos associados ao
desenvolvimento de uma leitura crítica tornam-se cada vez mais
essenciais, dado que vivemos em uma sociedade capitalista e
artifícios persuasivos com objetivos comerciais são elementos
essenciais para qualquer produto que tenha como foco atingir
grandes percentuais de consumo. À medida que os estudos
retóricos forem mais intensificados, novas constatações em
trabalhos serão realidade.

Referências

DUBOIS, J. Retórica geral. São Paulo: Cultrix: 1974


HALLIDAY, T. L. O que é retórica. São Paulo: Brasiliense, 1990.
MOSCA, L. L. S. (org.). Retóricas de ontem e de hoje. 3ª ed, São Paulo:
Associação Editorial Humanitas, 2004
REBOUL, O. Introdução à retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2004
Revista NOVA, edição 434, ano 37, nº 11. São Paulo: Editora Abril,
novembro de 2009.
SILVA, S. L. O movimento passional na construção de uma “verdade”
jurídica. São Paulo: PUC-SP, 2006
MEYER, M. A retórica. São Paulo: Ática, 2007
______. Questões de retórica: linguagem, razão e sedução. Lisboa: Edições
70, 1998

Sites consultados em 14 de março de 2010:


http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=32
http://www.assineabril.com.br/index.jsp?projeto=905
http://nova.abril.com.br
http://www.abril.com.br

119

Você também pode gostar