Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
E FEMINISMO
HISTÓRIA E DESAFIOS
Maringá / 2022
MULHERES E FEMINISMO: história e desafios
Copyright© 2022 by
Daniele de Andrade Ferraza
Hilusca Alves Leite
Todos os direitos para a língua portuguesa reservados pela editora. Qualquer parte desta publicação
poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema “retrieval” ou transmitida de qualquer modo ou por
qualquer outro meio, seja eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação ou outros, desde que autori-
zado previamente, por escrito, pela editora.
Direção Geral
Maria Goreti Sposito
Editor
José Artur Molina
Diretor Editorial
Marcelo Costa
Diagramação
Lorena Gonzalez Donadon Leal
Obra da capa
Faifi
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bibliografia.
ISBN 978-65-994871-9-4
22-112988 CDD-305.42
Índices para catálogo sistemático:
Apresentação 8
CAPÍTULO 1 14
ENÕRÃIRÕ KUÑA HÁICHA. SOMOS MAIS QUANDO
ESTAMOS TODAS
Bárbara Cossettin Costa Beber Brunini
CAPÍTULO 2 28
FEMINISMO EM SEUS MOVIMENTOS DE LUTA E
RESISTÊNCIA CONTRA A NORMALIZAÇÃO DO CORPO
FEMININO E A DESIGUALDADE DE GÊNERO
Daniele de Andrade Ferrazza
CAPÍTULO 3 57
FEMINISMO MARXISTA: UTILIZANDO O MATERIALISMO
HISTÓRICO PARA ANALISAR AS MÚLTIPLAS
ESPOLIAÇÕES PELAS QUAIS PASSAM AS MULHERES
Bianca Valoski
CAPÍTULO 4 92
MULHERES NA REVOLUÇÃO RUSSA: O FEMINISMO
MARXISTA E A LUTA PELA EMANCIPAÇÃO
Nataly Batista de Jesus
CAPÍTULO 5 110
RELAÇÃO SAÚDE DOENÇA NO CONTEXTO CAPITALISTA:
UMA LEITURA DE GÊNERO
Tamires Lombardi Mezzon
Hilusca Alves Leite
CAPÍTULO 6 132
PSIQUIATRIZAÇÃO DO CORPO DA MULHER E
A RESISTÊNCIA FEMINISTA NA LUTA PELO CUIDADO
EM SAÚDE MENTAL
Daniele de Andrade Ferrazza
Mariana Frediani Sant’Ana
CAPÍTULO 7 155
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DAS MULHERES
NA MÍDIA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DOS ANOS
2000 A 2018
Débora Nicolau de Oliveira
Deborah Karolina Perez
1 Por se tratar de uma obra sobre os Estudos Feministas, optou-se por utilizar o nome por
completo das autoras sempre que for a primeira vez em que aparecem nos respectivos
capítulos desta obra. Com esta prática intentamos dar visibilidades às mulheres autoras/
pesquisadoras.
9
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
postas que vão desde o combate à violência contra a mulher aos en-
frentamentos quanto aos retrocessos de direitos sobre a saúde sexual
e reprodutiva de mulheres e meninas, principalmente no contexto pan-
dêmico mundial. Evidenciando o conservadorismo machista e misógi-
no arraigado no governo de Jair Bolsonaro, o Ministério das Relações
Exteriores, em nota, alegou que expressões consideradas “ambíguas”,
como direitos sexuais e reprodutivos, impediram o apoio brasileiro à
declaração da ONU (CHADE, 2021). Distanciando-se de outros países
do mundo, representantes governamentais brasileiros seguem com as
estratégias contrárias a apoiar compromissos internacionais que vi-
sam à garantia de direitos femininos, preocupações recentes da ONU
Mulher (2020), sob a alegação de que os termos direitos sexuais e re-
produtivos estão relacionados ao apoio a práticas abortivas. Estamos
vivenciando a terceira década do terceiro milênio, e ser mulher neste
país significa não ter, portanto, liberdade de escolha sobre seu próprio
corpo, sobre suas próprias vontades. Essas são as características de
um governo de direita no país, que desde 2018 prolifera discursos e
práticas antifeministas marcadas por declarações que apresentam vi-
sões estereotipadas do feminismo e das feministas, mostram a dimi-
nuição das lutas e defesas pelos direitos das mulheres e apresentam,
em diversos enunciados discursivos, uma compreensão distorcida
sobre a noção de gênero (Bruna AGUIAR; PEREIRA, 2019).
Nesse contexto, o livro Mulheres e feminismo: história e de-
safios se propõe a apresentar, nas diferentes perspectivas adotadas
pelas autoras, discussões sobre as movimentações feministas de
suas trajetórias históricas aos debates contemporâneos. Pretende,
também, sensibilizar e mobilizar mulheres em diferentes contextos
para uma única luta relacionada aos enfrentamentos contra relações
patriarcais, machistas e falocêntricas que reproduzem violências de
gênero e impedem a igualdade de direitos de mulheres na contempo-
raneidade brasileira (Margareth RAGO; PELEGRINI, 2019).
Assim, o primeiro capítulo, escrito por Bárbara Cossettin Costa
Beber Brunini, intitulado ENÕRÃIRÕ KUÑA HÁICHA: somos mais quan-
do estamos todas, é uma carta-convite a aventurar-se pelos debates
10
Mulheres e feminismo: história e desafios
11
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
Referências
12
Mulheres e feminismo: história e desafios
13
https://doi.org/10.33872/edufatecie.mulheresefeminismo.cap1
CAPÍTULO 1
ENÕRÃIRÕ KUÑA HÁICHA.
SOMOS MAIS QUANDO
ESTAMOS TODAS
Escrevo, mas o projeto é de, quiçá um dia, estar com você, lei-
tora, debaixo de um pé de árvore, sobre uma porteira, na barranca do
rio em que você pesca, nas ruas nas quais transita, nas salas de aula,
no meio da roça, sob as lonas do assentamento, vivenciando seu co-
tidiano na aldeia, dirigindo um trator... onde você desejar estar. Sou
admiradora de encontros, acredito demais nos afetos vindos desses
acontecimentos. Por isso, este capítulo se apresenta como uma car-
ta, que você poderá ler quando tiver tempo e vontade, retomar suas
linhas, passear comigo entre os parágrafos e permitir-se afetar por
estas contações de histórias.
Histórias com “H”, como indica a ortografia, ao fazer referência
à importância das vivências de todas nós, mulheres múltiplas em suas
singularidades, convidadas a tencionar o instituído sobre o gênero fe-
minino, o corpo, o gesto, o estar mulher. Esta é uma carta-convite,
para o estar entre, para o estar com, para o estar coletivos que movem
nossas existências e comemoram nossas conquistas, reconhecendo
Mulheres e feminismo: história e desafios
15
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
16
Mulheres e feminismo: história e desafios
17
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de ca-
beça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres
juntas aqui devem ser capazes de consertá-lo, colocando-o
do jeito certo novamente. E agora que elas estão exigindo fa-
zer isso, é melhor que os homens as deixem fazer o que elas
querem. Agradecida a vocês por me escutarem, e agora a ve-
lha Sojourner não tem mais nada a dizer.
18
Mulheres e feminismo: história e desafios
19
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
20
Mulheres e feminismo: história e desafios
21
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
Por isso estou hoje aqui, em curto-circuito de tudo o que foi im-
posto ao meu corpo de mulher pesquisadora. Nestas páginas escrevo
sobre afetos em tempos áridos, ousadias tecidas no cotidiano, po-
tência transgressora de um devir minoritário desterritorializador dos
regimes de poder/saber que desenvolvo nos nossos encontros.
Na condição de mulher, mãe, trabalhadora, docente e militante
em que estou, emergente de aventuras científicas em férteis territó-
rios de onde extraio forças para deslocar o olhar do mesmo, univer-
sos vigentes tornam-se obsoletos e o novo dá passagem à exposição
de subjetividades estéticas contadoras das nossas histórias (Suely
ROLNIK, 1989), principalmente quando sinalizam a necessidade de
alteração política e de vida. Também, quando exigem do olhar certo
deslocamento para outros continentes e uma escrita correlata à des-
colonização das práticas eurocêntricas, liberta da pretensão do co-
nhecimento descrito como produtor de verdades absolutas.
Aceitei a sugestão de Anzaldúa (2000, p. 235): ‘[...] escrevam
sobre o que mais nos liga a vida, a sensação do corpo, a imagem vista,
a expansão da psique em tranquilidade; momento de alta intensidade,
seus movimentos, sons, pensamentos’, desse modo, sinto-me mais
próxima de TODAS e pertencente aos movimentos feministas inter-
seccionais e decoloniais.
É importante falar que optar por certo fazer contrário a muito do
que a prática acadêmica teima em insistir, não significa perder a ética,
o rigor ou a perspectiva teórica de uma atividade profissional; é des-
territorializar não só o corpo, mas o saber institucionalizado por uma
prática ainda sinalizada pela razão do saber colonizado.
A dificuldade em apropriar-se de novos fazeres e permitir-se
transitar por outras formas de atuação limitam a reflexão e a criticida-
de, provocando a domesticação da atividade frente à demanda eleva-
da e à escassez de diálogos sobre a importância de lugares de fala so-
bre os corpos visibilizados pela perspectiva interseccional, que é um
convite ao fazer subversivo, abusado e comprometido, contestador de
práticas e discursos fabricantes de corpos e que estão presentes em
todas as instituições, relações, tempos e acontecimentos.
22
Mulheres e feminismo: história e desafios
23
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
24
Mulheres e feminismo: história e desafios
Referências
25
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
26
Mulheres e feminismo: história e desafios
27
https://doi.org/10.33872/edufatecie.mulheresefeminismo.cap2
CAPÍTULO 2
FEMINISMO EM SEUS
MOVIMENTOS DE LUTA
E RESISTÊNCIA CONTRA A
NORMALIZAÇÃO DO CORPO
FEMININO E A DESIGUALDADE
DE GÊNERO
29
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
30
Mulheres e feminismo: história e desafios
31
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
32
Mulheres e feminismo: história e desafios
33
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
34
Mulheres e feminismo: história e desafios
35
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
37
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
38
Mulheres e feminismo: história e desafios
39
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
40
Mulheres e feminismo: história e desafios
41
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
42
Mulheres e feminismo: história e desafios
43
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
44
Mulheres e feminismo: história e desafios
vo. Dados referentes ao Brasil mostram que somos o quinto país com
maior índice de feminicídio no mundo. Ainda segundo esses dados,
uma mulher é assassinada a cada duas horas, sendo que 61% dessas
mulheres são negras e 88,8% dos autores dos casos de feminicídio
são seus companheiros ou ex-companheiros (RELATÓRIO DE SEGU-
RANÇA PÚBLICA, 2019).
Nessa perspectiva, conforme comenta Akotirene (2018, p. 16),
a estarrecedora violência cometida por racistas e o alto índice de as-
sassinatos de jovens negros no Brasil, que alguns definem como ge-
nocídio da população negra, permitem reflexões sobre a condição das
mulheres negras brasileiras, as quais, ainda na atualidade, “temem en-
terrar seus filhos vitimados pelas necropolíticas”, ou seja, aquilo que
Mbembe (2018), filósofo negro camaronense inspirado no conceito
de biopolítica de Foucault, define como estratégia do Estado escolher
quem deve viver e quem deve morrer. É o Estado Moderno engendran-
do métodos de controle populacional e determinando o extermínio de
determinadas camadas da população. É o Estado que adota a política
da morte, o uso da força e do aniquilamento de pessoas considera-
das abjetas (MBEMBE, 2018), como o que ocorre com o extermínio de
pessoas negras e pobres nas favelas e periferias das grandes cidades
brasileiras, onde a polícia mata nos lugares em que parece haver uma
“licença para matar” (Mariana FERRARI, 2019). Dados do Relatório de
Segurança Pública (2019) indicam que 75% dos jovens mortos pela
polícia no Brasil são negros.
Nessa conjuntura, o feminismo interseccional pode ser com-
preendido como um movimento que se propõe a enfrentar de forma
dialógica o racismo estrutural, as explorações do modo de produção
capitalista e as imposições de discursos e práticas do “cishetero-
patriarcado”, que submete e atravessa corpos normatizados de mu-
lheres, ignorando a diversidade de gênero, de sexualidade, de perfor-
mances corporais e de tipos de corpos (gordos ou magros) dessas
mulheres. Esse feminismo se propõe a tratar, em um mesmo pata-
mar de igualdade analítica, raça, classe e gênero (AKOTIRENE, 2018).
De acordo com Audre Lorde (2019, p.139) “não existe hierarquia de
45
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
opressão”, porque para ela não é possível lutar contra uma única for-
ma de opressão.
Não obstante, no contexto latino-americano e, mais especifica-
mente brasileiro, a interseccionalidade dos estudos feministas parece
não contemplar significativas ponderações e debates decoloniais. A
proposta da descolonização feminista oferece, como afirma a afro-
-domenicana Ochy Curiel (2020), um pensamento crítico para ques-
tionar a historiografia oficial eurocêntrica e imperialista. Além do mais,
critica o feminismo hegemônico branco, que ignora a complexa rela-
ção de entrelaçamento entre raça, classe, idade, performance sexual e
corporal. O feminismo decolonial, termo proposto por Maria Lugones
(2018), intelectual feminista argentina, propicia a valorização da po-
tência metodológica das epistemes latino-afro-caribenhas, vistas, em
diversas ocasiões, pelo feminismo europeu e estadunidense como um
mero ativismo improdutivo (AKOTIRENE, 2018).
Assim, a subalternidade do feminismo latino-americano e afri-
cano se dá por meio de atravessamentos de discursos e práticas es-
tabelecidos historicamente pelos processos de colonização. Segundo
Lugones (2020), a proposta de um feminismo decolonial nos serve para
pensar nas políticas interseccionais de gênero, classe, nação e sexua-
lidade, até mesmo compreendendo a produção dessas diferenças no
âmbito do capitalismo colonial para enfrentar o androcentrismo euro-
peu de padrão hétero-branco hebraico-cristão.
Segundo essa lógica, as mobilizações de um feminismo deco-
lonial aparecem para denunciar que a experiência masculina eurocên-
trica tem sido privilegiada ao longo da história, enquanto a feminina,
negligenciada e desvalorizada. O feminismo decolonial entende o gê-
nero como elemento estruturante do processo de colonização viven-
ciado pelas mulheres africanas, caribenhas e latino-americanas; e
denuncia a imbricação entre heteronormatividade, classificação racial
e capitalismo, propondo estratégias de enfrentamento da exclusão ra-
cial e do capitalismo colonial.
46
Mulheres e feminismo: história e desafios
47
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
48
Mulheres e feminismo: história e desafios
49
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
50
Mulheres e feminismo: história e desafios
Referências
51
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
54
Mulheres e feminismo: história e desafios
56
https://doi.org/10.33872/edufatecie.mulheresefeminismo.cap3
CAPÍTULO 3
FEMINISMO MARXISTA:
UTILIZANDO O MATERIALISMO
HISTÓRICO PARA ANALISAR AS
MÚLTIPLAS ESPOLIAÇÕES PELAS
QUAIS PASSAM AS MULHERES
Bianca Valoski
dades são pensados para quem deve dar uma dedicação exclusiva. As
necessidades produtivas organizam o tempo social, sem ter em conta
o tempo necessário para a reprodução da vida. Dessa forma, nas posi-
ções sociais que trabalham para a reprodução da vida, manifestam-se
a desigualdade e a hierarquia do atual modelo civilizatório. O cuidado
da vida, que implica a cotidiana alimentação, a higiene do habitat, aten-
ção especial e frequente às crianças, aos idosos e outros dependentes,
cuidados com a saúde, companhia e afeto, revela a divisão sexual do
trabalho e as derivadas injustiças (Alba CAROSIO, 2010).
Soma-se a isso o fato de que as sucessivas políticas de ajuste
econômico tiveram um grande impacto social, aumentando a pobre-
za e o desemprego. Esse impacto foi muito maior para as mulheres,
que passaram a sofrer significativamente a pobreza, a sobrecarga de
trabalho e a piora das condições de saúde, educação e moradia (Mag-
dalena VALDIVIESO, 2010). Diversos fatores inseriram as mulheres em
uma posição mais crítica em tempos de crise, entre eles: taxas de em-
prego mais baixas, menor acesso à propriedade e aos recursos, con-
centração em empregos informais e com salários mais baixos, menor
proteção social e responsabilidade quase exclusiva pelo trabalho do-
méstico. Se, em tempos de expansão capitalista a equidade de gêne-
ro não foi alcançada, em tempos de crise, a inequidade se acentuou
(VALDIVIESO, 2010). Os dados recentes sobre o Brasil confirmam isso.
Nos impactos com relação a gênero, a taxa de desocupação do
Brasil, no 1º trimestre de 2020, foi de 12,2% da população. Entre as
mulheres era de 14,5%, e entre os homens, 10,4% (EBC, 2020). Entre
as mulheres, quanto à força de trabalho potencial – ou seja, as que
estavam disponíveis para trabalhar, mas não procuraram trabalho –,
um motivo aparece com destaque, segundo o IBGE (2019). De acor-
do com esses dados, 19,7% das mulheres afirmaram não ter buscado
trabalho por precisarem cuidar dos afazeres domésticos, dos filhos ou
de outro parente. O mesmo motivo representou, em 2018 apenas 2,2%
das respostas dos homens. Na análise por grupo de atividade econô-
mica, observou-se que as atividades que mais concentraram pessoas
em ocupações informais foram os serviços domésticos (72,2%) e a
58
Mulheres e feminismo: história e desafios
3 TINA é o acrônimo do inglês para there is no alternative, slogan político cuja criação é
usualmente atribuída a Margaret Thatcher, quando ela era a primeira-ministra do Reino
Unido. É utilizado com o sentido de que não há alternativa às leis do mercado, ao capita-
lismo, ao neoliberalismo e à globalização.
59
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
60
Mulheres e feminismo: história e desafios
61
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
62
Mulheres e feminismo: história e desafios
63
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
uso mais produtivo do tempo livre, movimento que acontece por meio
do cerceamento físico operado pela privatização da terra, bem como o
social: a reprodução dos trabalhadores converte-se em campo aber-
to para o lar, da comunidade para a família, do espaço público (a terra
comunal, a Igreja) para o privado (FEDERICI, 2017). Além do mais, isso
se deu com a introdução da assistência pública do Estado, que passa
a reivindicar a “propriedade” da mão de obra, ao mesmo tempo em que
instituía uma “divisão do trabalho” capitalista dentro da própria clas-
se dominante. Essa divisão permitia que os empregadores renuncias-
sem a qualquer responsabilidade na reprodução dos trabalhadores. Por
meio dessa inovação, houve um salto na administração da reprodução
social, resultando na introdução de registros demográficos (organiza-
ção de censos, registro das taxas de mortalidade e de natalidade e dos
casamentos) e na aplicação da contabilidade nas relações sociais (FE-
DERICI, 2017).
A crise populacional dos séculos XVI e XVII intensifica a perse-
guição às mulheres. Novos métodos disciplinares são adotados pelo
Estado no período, com a finalidade de regular a procriação e quebrar
o controle feminino sobre a reprodução. Percebe-se aí a origem da
vigilância sobre a escolha da maternidade, persistente até hoje. Sobre
os fatores para isso acontecer, segundo Federici (2017), devem-se in-
cluir a crescente privatização da propriedade e as relações econômi-
cas que, dentro da burguesia, geraram uma nova ansiedade com rela-
ção à paternidade e à conduta das mulheres. Federici (2017) também
diz que, na França e na Inglaterra, o Estado adotou um conjunto de
medidas pró-natalistas, que, combinadas com a assistência pública,
formaram o embrião de uma política reprodutiva capitalista. Foi dada
uma nova importância à família como instituição chave que assegura-
va a transmissão da propriedade e a reprodução da força de trabalho.
Lança-se então uma verdadeira guerra contra as mulheres, cla-
ramente orientada para quebrar o controle que elas haviam exercido
sobre seus corpos e sua reprodução. Adotaram-se se novas formas
de vigilância, a fim de assegurar que as mulheres não interrompessem
a gravidez, bem como a entrada de médicos e homens na sala de par-
66
Mulheres e feminismo: história e desafios
tos (por uma suposta suspeita sobre a índole das parteiras). As auto-
ridades tinham medo do infanticídio, daí esse comportamento. Com a
marginalização das parteiras, começa o processo pelo qual as mulhe-
res perderam o controle que haviam exercido sobre a procriação, sen-
do reduzidas a um papel passivo no parto, enquanto médicos homens
passaram a ser considerados “aqueles que realmente davam a vida”
(FEDERICI, 2017, p. 177). Com essa mudança, também teve início o
predomínio de uma nova prática médica que, em caso de emergência,
priorizava a vida do feto em detrimento da vida da mãe; para que isso
ocorresse, a comunidade de mulheres que se reunia em torno da cama
da futura mãe teve que ser expulsa da sala de partos, condição que
Federici (2017, p. 178) assim explica nesta passagem:
Enquanto na Idade Média as mulheres podiam usar métodos
contraceptivos e haviam exercido um controle indiscutível so-
bre o parto, a partir de agora seus úteros se transformaram em
território político, controlados pelos homens e pelo Estado: a
procriação foi colocada diretamente a serviço da acumulação
capitalista.
69
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
70
Mulheres e feminismo: história e desafios
72
Mulheres e feminismo: história e desafios
73
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
74
Mulheres e feminismo: história e desafios
5 Por exemplo, uma pessoa que trabalha em uma fábrica de tecidos, não precisa exata-
mente de todo o tecido que vai produzir para sobreviver, assim receberá um salário que
a permitirá adquirir os bens e serviços para sua existência. Diferente do período feudal,
onde produzia suas roupas, suas ferramentas, cultivava suas plantações para seu próprio
consumo, e uma parte destinava ao senhorio.
75
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
necessário não apenas produzir valor de uso, mas valor de uso para
outros (valor de uso social); então, para tornar-se mercadoria, é preci-
so que o produto seja transferido a quem vai servir como valor de uso
por meio do seu valor de troca (MARX, 1985a). O modo de produção
capitalista caracteriza-se pelo fato de que “o valor de troca penetra
todos ou a maioria dos artigos produzidos, estes se determinam como
e enquanto mercadorias, e a própria força de trabalho ganha a mesma
determinação” (SAFFIOTI, 2013, p. 53). Assim:
Se o trabalhador originalmente vendeu sua força de trabalho
ao capital, por lhe faltarem os meios materiais para produção
de uma mercadoria, agora sua força individual de trabalho
deixa de cumprir seu serviço se não estiver vendida ao capi-
tal. Ela apenas funciona numa conexão que existe somente
depois de sua venda, na oficina capitalista. Incapacitado em
sua qualidade natural de fazer algo autônomo, o trabalhador
manufatureiro só desenvolve atividade produtiva como aces-
sório da oficina capitalista (MARX, 1985a, p. 283).
76
Mulheres e feminismo: história e desafios
77
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
79
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
80
Mulheres e feminismo: história e desafios
81
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
83
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
86
Mulheres e feminismo: história e desafios
Referências
88
Mulheres e feminismo: história e desafios
89
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
la, 2005.
HAUG, Frigga. Para uma teoria das relações de gênero. In: BORON,
A. A., AMADEO, J., & GONZÁLEZ, S. (orgs). A teoria marxista hoje:
problemas e perspectivas. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoa-
mericano de Ciencias Sociales, 2007. p. 345-359.
HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e con-
substancialidade das relações sociais. Tempo Social, Revista de
Sociologia da USP, 2014, v. 26, n. 1, p. 61-73.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sín-
tese de Indicadores Sociais Uma Análise das Condições de Vida da
População Brasileira. 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.
gov.br/visualizacao/livros/liv101678.pdf Acesso em: 30 set. 2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). PNAD
Contínua 2017: realização de afazeres domésticos e cuidados de
pessoas cresce entre os homens, mas mulheres ainda dedicam qua-
se o dobro do tempo. 2018. Disponível em: https://goo.gl/8hedJG.
Acesso em: 30 set. 2020.
KOWARICK, Lucio. Espoliação Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979.
LUXEMBURGO, Rosa. A Acumulação do Capital. 2. ed. São Paulo:
Nova Cultural, 1985.
MACHADO, Barbara A. Interseccionalidade, consubstancialidade e
marxismo: debates teóricos e políticos. In: Colóquio Internacional
Marx e o Marxismo 2017: De O Capital à Revolução de Outubro, 2017,
Niterói.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Volume I, Livro
primeiro, Tomo I. São Paulo: Editora Nova Cultural. 1985a.
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Volume I, Livro
primeiro, Tomo II. São Paulo: Editora Nova Cultural. 1985b.
OXFAM BRASIL. Relatório Tempo de Cuidar - O trabalho de cuidado
não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade. 2020.
Disponível em: https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economi-
ca/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/. Acesso em: 30
90
Mulheres e feminismo: história e desafios
set. 2020.
REVISTA DA FAPESP. A África nos genes do povo brasileiro. 2020.
Sem paginação. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/a-
-africa-nos-genes-do-povo-brasileiro/. Acesso em: 07 out. 2020.
SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: Mito e realida-
de. 3. ed. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2013.
TEIXEIRA, Marilane O. A crise econômica e as políticas de austerida-
de: efeitos sobre as mulheres. In: ROSSI, P; DWECK, E; OLIVEIRA, A. L.
M. (orgs). Economia para poucos: impactos sociais da austeridade
e alternativas para o Brasil. São Paulo: Editora Autonomia Literária,
2018. p. 281-300.
VALDIVIESO, Magdalena. Mujeres, Desarrollo y Crisis. In: Girón, Alícia
(coord.). Crisis económica: una perspectiva feminista desde América
Latina. Caracas, Venezuela: Consejo Latinoamericano de Ciencias
Sociales, 2010. p. 75-93.
WOOD, Ellen M. Democracia contra capitalismo a renovação do ma-
terialismo histórico. São Paulo: Editora Boitempo, 2017.
ZETKIN, Clara. O que as mulheres devem a Karl Marx. 1903. Sem
paginação. Disponível em: https://medium.com/@zetkin.clara33/o-
-que-as-mulheres-devem-a-karl-marx-1903-7ed22a1397f. Acesso
em 5 ago. 2020.
91
https://doi.org/10.33872/edufatecie.mulheresefeminismo.cap4
CAPÍTULO 4
MULHERES NA
REVOLUÇÃO RUSSA:
O FEMINISMO MARXISTA E A LUTA
PELA EMANCIPAÇÃO
6 Faz-se relevante destacar que o calendário empregado na Rússia nesse período era o
juliano, e por isso há uma diferença de treze dias se comparado ao calendário gregoriano
(nosso atual). Para a exposição neste capítulo nos ancoramos no calendário da época,
tradicionalmente utilizado por escritores clássicos.
93
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
94
Mulheres e feminismo: história e desafios
95
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
96
Mulheres e feminismo: história e desafios
97
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
98
Mulheres e feminismo: história e desafios
99
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
100
Mulheres e feminismo: história e desafios
101
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
102
Mulheres e feminismo: história e desafios
103
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
104
Mulheres e feminismo: história e desafios
105
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
106
Mulheres e feminismo: história e desafios
que são lutas permanentes. Da mesma forma que um raio não cai em
dia de céu azul, o fim das opressões também não virá dessa maneira.
Não é uma etapa, não é espontâneo, requer reeducação da classe tra-
balhadora, e para isso devemos combater o machismo, o racismo e a
LGBTfobia25 para unir as classes.
Aliás, os trabalhadores mais explorados são as mulheres, os ne-
gros e negras, e LGBTs, os quais estão nas condições mais precárias
de trabalho, na informalidade ou desempregados. Não há como pensar
a luta de classes sem um combate permanente às opressões. Não há
sociedade igualitária enquanto houver alguém sendo oprimido.
Dessa maneira, nem o capitalismo no país mais desenvolvido
proporcionou ou proporcionará a emancipação humana e seu desen-
volvimento pleno. Por essa razão, defendemos que a revolução é ne-
cessária para emancipar os explorados e oprimidos, mas essa cons-
trução é permanente no processo pré e pós-revolucionário. Em outras
palavras, não é possível reformar o sistema capitalista para que ele se
torne igualitário, pois o capitalismo já está podre e precisa ser substi-
tuído em sua totalidade.
A Revolução Russa apresenta inúmeras lições, entre as quais
a de que ainda estamos lutando sobre as mesmas questões de apro-
ximadamente cem anos atrás (e outras mais recentes). Outra dessas
lições é que, sob o capitalismo, por mais que conquistemos direitos de
igualdade, esta sociedade de classes engendrada sobre as opressões,
jamais emancipará a classe trabalhadora, as mulheres, os negros e
negras, os LGBTs e os povos originários.
25 LGBT é a sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Travestis. Quando a palavra é
seguida do sufixo fobia significa medo, aversão, ódio ao que antecede a palavra. Ou seja,
LGBTfobia é manifestada pelo ódio às LGBTs, que no capitalismo é intensificada e refor-
çada ainda mais pelas desigualdades. Recomendamos a leitura do livro Homossexuali-
dade: da opressão à Libertação (2015), escrito por Hiro Okita, para introdução ao debate.
107
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
108
Mulheres e feminismo: história e desafios
Referências
109
https://doi.org/10.33872/edufatecie.mulheresefeminismo.cap5
CAPÍTULO 5
RELAÇÃO SAÚDE DOENÇA
NO CONTEXTO CAPITALISTA:
UMA LEITURA DE GÊNERO
26 Partimos da definição proposta por Marx e Engels (2008) de que as relações sociais
se estabelecem por meio das formas de produzir e reproduzir a vida. Assim, diferentes
momentos da história da humanidade trazem a hegemonia de uma forma de produção. O
momento atual é marcado pela venda da força de trabalho por parte daqueles que não são
donos dos meios de produção, ou seja, o avanço e manutenção daquilo que é produzido
para permitir o desenvolvimento social advém da capacidade produtiva de trabalhadores
e trabalhadoras. No entanto, nesta forma de produção social, ocorre também uma divi-
Mulheres e feminismo: história e desafios
são do trabalho que é marcada pelo sexo dos indivíduos, em que, cabem às figuras do
sexo feminino reprodução de uma forma de trabalho considerada “mais simples” que são
as atividades domésticas (cuidados com lar e da prole) (Cinzia ARRUZA, Tithi BHATTA-
CHARYA & Nancy FRASER, 2019).
27 Aos leitores interessados em discussões a partir desse viés metodológico recomenda-
mos a leitura de duas pesquisas recentes: Luana G. Corbelo (2019) e Letícia de S. Ribeiro
(2020).
111
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
112
Mulheres e feminismo: história e desafios
113
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
114
Mulheres e feminismo: história e desafios
115
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
29 A teoria Histórico-Cultural tem entre seus principais fundadores a figura de L.S. Vygot-
sky (1896-1934). A.R. Luria (1902-1977) e A.N. Leontiev (1903-1979). Existem variações
nas grafias para o nome do primeiro autor (Vigotski, Vygotski, Vygotsky, etc), utilizaremos
a grafia de acordo com a obra consultada.
116
Mulheres e feminismo: história e desafios
117
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
118
Mulheres e feminismo: história e desafios
31 Trazemos aqui a definição de Carla C. Garcia (2018) a respeito desse termo. Segundo a
autora, o sexismo pode ser entendido como o conjunto de mecanismos empregados em
todos os âmbitos da vida e das relações humanas para manter em situação de domina-
ção o sexo feminino. Trata-se de uma ideologia que defende a inferioridade, subordinação
e exploração das mulheres, e todos os métodos utilizados para a sustentação dessa de-
sigualdade.
119
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
120
Mulheres e feminismo: história e desafios
121
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
122
Mulheres e feminismo: história e desafios
123
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
124
Mulheres e feminismo: história e desafios
127
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
Referências
128
Mulheres e feminismo: história e desafios
129
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
v. 1, t. 2 (Os economistas).
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São
Paulo: Expressão Popular, 2008.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Saúde mental: nova concep-
ção, nova esperança: relatório mundial da saúde. Lisboa: OMS; 2002.
Disponível em: https://www.who.int/whr/2001/en/whr01_po.pdf.
Acesso em: 16 mar. 2021.
RIBEIRO, Letícia de Souza. Diálogos entre Heleieth I. B. Saffioti e Da-
niil B. Elkonin: uma contribuição à análise histórico-cultural da idade
pré-escolar. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) — Uni-
versidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de
Ciências e Letras (Campus Araraquara), 235 f. Araraquara, 2020.
SILVA, Paula Adriana da; ALMEIDA, Leticia Yamawaka & SOUZA, Ja-
cqueline de. O uso de benzodiazepínicos por mulheres atendidas em
uma Unidade de Saúde da Família. Revista da escola de enfermagem
da USP. v. 53, p. 1-8. Universidade de São Paulo. São Paulo-SP, 2019.
SOUZA, Ana Rosa Lins de; OPALEY, Emérita Satiro; NOTO, Ana Regi-
na. Contextos e padrões do uso indevido de benzodiazepínicos entre
mulheres. Ciência & Saúde Coletiva, v. 18, n. 4, p. 1131-1140, 2013.
SOUZA, Vera Lucia Trevisan de; ANDRADA, Paula Costa de. Contri-
buições de Vygotsky para a compreensão do psiquismo. Estudos de
Psicologia, Campinas, v. 30, n. 3, 355-365, 2013.
VIEIRA, Elizabeth Meloni. A medicalização do corpo feminino. Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002. 84 p.
VIGOTSKI, Lev Semionovich. Quarta aula. In: VYGOTSKY, L. S. Sete
aulas de L.S. Vygotsky sobre os fundamentos da pedologia. Orga-
nização e tradução de Zoia Prestes, Elizabeth Tunes; 1. ed. Rio de
Janeiro: EPapers, 2018. p. 73-91.
VYGOTSKI, Lev Semiónovic. (2000). El problema del desarrollo de las
funciones psíquicas superiores. In: VYGOTSKY, L.S. Obras escogidas
(tomo III, Cap. 1, pp. 11-46). Madrid: Visor. (obra original publicada
em 1931).
VYGOTSKY, Lev. A transformação socialista do homem. Arquivo de
130
Mulheres e feminismo: história e desafios
131
https://doi.org/10.33872/edufatecie.mulheresefeminismo.cap6
CAPÍTULO 6
PSIQUIATRIZAÇÃO DO COR-
PO DA MULHER E A RE-
SISTÊNCIA FEMINISTA NA
LUTA PELO CUIDADO EM
SAÚDE MENTAL
133
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
de isolamento e quarentena.
Silvia Federici (2020), ao analisar o contexto pandêmico, co-
menta que as mulheres sempre sofrem mais por estarem na linha de
frente do trabalho assistencial e sanitário precarizado, por assumirem
uma carga maior de trabalho em casa, ao cuidar de filhos em tempo
integral, e por serem responsáveis pelos afazeres domésticos. O le-
vantamento realizado pelo IBGE no ano de 2017 mostra que as mu-
lheres brasileiras dedicam o dobro de horas em tarefas domésticas e
cuidados de pessoas (crianças, idosos, deficientes). Isso representa
cerca de 21,3 horas; já os homens dedicam 10,9 horas às mesmas ati-
vidades (IBGE, 2018). Além disso, conforme informações divulgadas
pelo IBGE no ano de 2012, “94,85% das mulheres exerciam dupla jor-
nada de trabalho (trabalhavam fora e dentro de casa), contra somente
5,2% dos homens” (Valeska ZANELLO, 2018, p. 140). A ONU Mulheres
também enfatiza os investimentos na melhoria das condições de tra-
balho das mulheres, que representam 70% da mão de obra no setor
da saúde e assumem cargos de nível e salário inferiores (ONU, 2020).
Nesse contexto, é inevitável pensar que a sobrecarga de trabalho
feminino estabelecida nas duplas e triplas jornadas, além das situações
de violência moral, psicológica, patrimonial, física, sexual, relacionadas
às situações marcadas pelo machismo, são fatores que, cotidianamen-
te, acarretam o sofrimento psíquico e o adoecimento subjetivo de mu-
lheres. Dessa forma, pode-se compreender que diversos elementos que
compõem a desigualdade de gênero e marcam a sociedade patriarcal
brasileira influenciam a constituição subjetiva e a condição da Saúde
Mental de mulheres que vivenciam sofrimentos psíquicos e mal-estares
subjetivos, muitas vezes interpretados e compreendidos pelos saberes
clínicos, como a psiquiatria e ginecologia, como problemas exclusiva-
mente individuais, de ordem neuroquímica, por exemplo, e que devem
ser tratados exclusivamente com medicações psicofarmacológicas.
Nessa perspectiva, o objetivo do presente trabalho é analisar
os discursos e práticas médicas e psiquiátricas que determinam es-
tratégias de controle e normalização do corpo feminino. Mais espe-
cificamente, pretendemos examinar os processos históricos de psi-
134
Mulheres e feminismo: história e desafios
135
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
136
Mulheres e feminismo: história e desafios
137
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
138
Mulheres e feminismo: história e desafios
140
Mulheres e feminismo: história e desafios
141
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
142
Mulheres e feminismo: história e desafios
143
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
144
Mulheres e feminismo: história e desafios
145
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
146
Mulheres e feminismo: história e desafios
Referências
150
Mulheres e feminismo: história e desafios
151
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
152
Mulheres e feminismo: história e desafios
lheres-e-meninas-devem-estar-no-centro-dos-esforcos-de-respos-
ta-a-covid-19/. Acesso em: 08 jun. 2020.
PEREIRA, Melissa; PASSOS, Rachel. (Org.). Luta antimanicomial e
feminismos: discussões de gênero, raça e classe para a reforma psi-
quiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Autografia, 2017.
PINA, Rute. Laqueadura forçada retoma processo de higienização
contra negras e pobres, diz médica. Brasil de fato. São Paulo, 12 jun.
2018. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/06/12/
laqueadura-forcada-retoma-processo-de-higienizacao-contra-ne-
gras-e-pobres-diz-medica/. Acesso em: 08 jun. 2020.
RABELO, Ionara Vieira Moura. Nunca pensei nisso como problema:
estudo sobre gênero e uso de benzodiazepínicos na estratégia saúde
da família. São Paulo: UNESP-USP, 2011.
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar e
a resistência anarquista. Brasil 1890-1930. São Paulo: Paz & Terra,
2014.
REIS, José Roberto Franco. Degenerando em barbárie: a hora e a
vez do eugenismo radical. In: BOARINI, Maria Lucia. (Org.). Higiene e
Raça como projetos: higienismo e eugenismo no Brasil. Maringá/PR:
Eduem, 2003, p.185-216.
SAKAMOTO, Leonardo. Defender que menina estuprada pelo tio não
possa abortar leva ao inferno... UOL, 2020. Disponível em: https://
noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/08/16/voce-
-e-contra-o-direito-de-meninas-estupradas-poderem-fazer-aborto-
-jura.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 17 ago. 2020.
SILVA, Thaiga Danielli Momberg; GARCIA, Marcos Rober-
to Vieria. Mulheres e loucura: a (des)institucionalização e as
(re)invenções do feminino na saúde mental. Psicol. pesq.,
Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p. 42-52, abr. 2019. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1982-12472019000100005&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 02 mar.
2021.
SOUZA, Neuza Santos. Tornar-se Negro: as vicissitudes da identida-
de do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Ed. Graal,
1983.
153
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
154
https://doi.org/10.33872/edufatecie.mulheresefeminismo.cap7
CAPÍTULO 7
AS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DAS MULHERES NA
MÍDIA BRASILEIRA:
UMA ANÁLISE DOS ANOS
2000 A 2018
156
Mulheres e feminismo: história e desafios
157
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
158
Mulheres e feminismo: história e desafios
159
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
160
Mulheres e feminismo: história e desafios
161
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
162
Mulheres e feminismo: história e desafios
163
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
164
Mulheres e feminismo: história e desafios
(DUARTE, 2003).
Em 1870, Francisca Senhorinha da Mota Diniz (?-1910) publi-
cou o jornal O segundo sexo, com um alerta segundo o qual o grande
inimigo das mulheres era não saber de seus direitos, algo que os ho-
mens se encarregavam de manter. Em seu jornal, Francisca Senhori-
nha afirmava que somente por meio dos estudos era possível vencer
tal inimigo. Ela também defendeu o direito aos estudos e ao trabalho,
e denunciou a educação miserável oferecida às meninas. Alguns jor-
nais que antes se restringiam a dar conselhos sobre a vida doméstica,
trazer receitas e novidades da moda, também passaram a produzir
artigos reivindicando o ensino superior e o trabalho remunerado para
as mulheres (DUARTE, 2003).
Outra jornalista destacada por Duarte (2003) é Josefina Álvares
de Azevedo (1851-1913), que questionou com mais veemência a cons-
trução ideológica do gênero feminino e exigiu mudanças radicais na
sociedade, por meio de seu jornal, A família, o qual também se sobres-
saiu ao lutar em prol da emancipação feminina, ao questionar a tutela
masculina, ao denunciar a opressão em protestos contra o egoísmo
dos homens em não reconhecer o direito da mulher ao ensino superior,
ao divórcio, ao trabalho remunerado e ao voto. Publicou o livro O voto
feminino e o encenou no Teatro Recreio. Josefina Álvares foi, portanto,
uma das pioneiras a defender o direito ao voto feminino e à cidada-
nia. Ela também viajou pelo país, divulgando seu jornal e lançando uma
campanha nacional em favor do sufrágio universal.
Com tantos jornais dirigidos por mulheres surgindo e ganhando
notabilidade, a literatura, o teatro e a imprensa desenvolvida por ho-
mens começaram a se manifestar, ridicularizando e menosprezando
as jornalistas e escritoras, sob a alegação de que seria impossível à
mulher manter um casamento, cuidar dos filhos e exercer qualquer
profissão. A ridicularização era dirigida à reivindicação das mulheres
das camadas sociais alta e média que desejavam se profissionalizar.
Para os homens que faziam tais sátiras, as mulheres deviam dedi-
car-se inteira e exclusivamente ao lar e à família; porém, para as que
eram pobres, não havia empecilhos para se dedicarem ao trabalho nas
165
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
166
Mulheres e feminismo: história e desafios
39 Da biopolítica advém o poder disciplinar, que, por meio da criação de saberes legítimos,
produz discursos de verdades sobre as maneiras de viver. Essas disciplinas produzem e
veiculam um discurso que será o da regra; não uma regra jurídica, mas uma regra tida
como “natural”, a qual se torna um código, uma lei da normalização, que define como se
deve viver, como ser; que define a verdade sobre tudo, pois é através dessa norma que
os sujeitos são julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e
destinados a uma certa maneira de viver ou morrer (FOUCAULT, 1979).
167
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
168
Mulheres e feminismo: história e desafios
170
Mulheres e feminismo: história e desafios
40 “Sim, nós podemos”. Essa frase deriva do termo “We Can Do It!” e pode ser traduzi-
da como: “nós podemos fazer isso!”. Foi usada durante a década de 1980, nos Estados
Unidos da América, como slogan do movimento feminista e com o objetivo de divulgar o
feminismo para a população. O “isso” da frase tem o intuito de dizer que as mulheres po-
dem fazer as atividades que, tradicionalmente, são próprias do sexo masculino. Portanto,
a frase questiona as diferenças de gênero e desconstrói a ideia machista de que a mulher
é o sexo frágil (Lisandra SOUZA, 2015).
171
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
7. 6 Discussão
172
Mulheres e feminismo: história e desafios
173
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
plus size não representam a mulher gorda brasileira, pois tais modelos
apresentam cintura sem barriga aparente, conseguidas à custa de ci-
rurgias plásticas, ou seja, um modelo irreal. As partes do corpo explora-
das e fotografadas ainda são sempre fartos seios, coxas grossas e um
glúteo volumoso, figura que acaba hiperssexualizando a mulher.
Assim, é possível pensar em como os discursos vindos dos mo-
vimentos feministas, acabam sendo despojados de seus significados,
tornando-se mercadorias dentro do movimento capitalista. Termos
e conceitos provenientes do movimento feminista acabaram tornan-
do-se palavras esvaziadas, como o conceito de empoderamento, que
agora se transformou em tema para a venda de diversos produtos.
Conclui-se assim que, no decorrer do tempo, as revistas ende-
reçadas às mulheres mudaram bastante com relação às dirigidas ao
público feminino do século XIX, embora algumas dessas revistas já
tivessem traços revolucionários e interesse em divulgar o feminismo.
A apropriação das mídias pelo mercado capitalista, como as revistas
aqui estudadas, veicula a apresentação de modelos femininos irreais
às mulheres, a fim de aprisioná-las e subjugá-las, levando-as a não
aceitar seus corpos, principalmente. É possível que tais revistas se
renovem, como é o caso das revistas Marie Claire e da Vogue, que pas-
saram por uma transformação perceptível ao longo dos anos. Mesmo
ainda apregoando modelos femininos distantes da realidade, prin-
cipalmente corpos magros, as revistas femininas deram um grande
passo e podem continuar avançando na propagação de representa-
ções sociais de mulheres reais e na ampliação de temas de discussão,
com problemáticas realmente necessárias para serem discutidas.
As mudanças aqui observadas possibilitam a seu público uma
maior representatividade, ao permitir que outras formas de ser mulher
sejam vistas como possíveis e passem a integrar o múltiplo universo
feminino, lembrando que há diversas maneiras para isso. Essas mo-
dificações afetam também as representações sociais da mulher na
contemporaneidade, ao começar a oferecer ao imaginário social ou-
tros modos femininos de ser.
174
Mulheres e feminismo: história e desafios
Referências
175
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
176
Mulheres e feminismo: história e desafios
177
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
178
SOBRE AS AUTORAS
Bianca Valoski
Assessora Técnica das Comissões Parlamentares da Câmara Munici-
pal de São José dos Pinhais e Educadora Popular da Rede Emancipa.
Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Para-
ná. Membro do Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia
Econômica – NESDE. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6537-5175.
Contato: biancavaloski@gmail.com.
Daniele de Andrade Ferrazza e Hilusca Alves Leite (Org.)
181
Daniele de Andrade Ferrazza
é docente do Departamento
de Psicologia da Universida-
de Estadual de Maringá
(UEM) e do Programa de
Pós-Graduação em Psicolo-
gia – PPI/UEM. Doutora e
mestre em Psicologia pela
Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita
Filho (UNESP-Assis/SP).
Coordenadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas “Femi-
nismo, Saúde Mental e
Gênero”.