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Cultura

brasileira e
interculturalidade
Cultura brasileira e
interculturalidade

Iuri Aleksander Dias Fernandes de Souza


© 2016 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.
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eGTB Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Souza, Iuri Aleksander Dias Fernandes de


S719c Cultura brasileira e interculturalidade / Iuri Aleksander
Dias Fernandes de Souza. – Londrina : Editora e
Distribuidora Educacional S.A., 2016.
184 p.

ISBN 978-85-8482-358-1

1. Identidade cultural. 2. Cultura - Brasil. 3. Cultura


popular - Brasil. I. Título.

CDD 981

2016
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Sumário

Unidade 1 | Cultura popular brasileira 7

Seção 1 - O sentido da cultura 11


1.1 | Cultura popular: um conceito híbrido 11

Seção 2 - As manifestações da cultura no Brasil 17


2.1 | Bumba-meu-boi 17
2.2 | Os festejos de carnaval 22
2.3 | Os batuques de terreiro: batidas vindas da África 28
2.4 | Festas juninas 31
2.5 | Congadas 33
2.6 | Folia de reis 34
2.7 | A cavalhada 35
2.8 | Lendas e mitos do folclore brasileiro 35
2.9 | Brincadeiras populares 38

Seção 3 - A cultura popular em tempos de globalização: do


esvaziamento de sentido à ampliação de possibilidades 41
3.1 | A cultura popular na globalização 41

Unidade 2 | Identidade cultural 51

Seção 1 - Cultura e identidade 55


1.1 | O que é cultura? 55
1.2 | A globalização, a cidade e as identidades 68

Seção 2 - Identidade Nacional 73


2.1 | Construção histórica da identidade brasileira 73
2.2 | O que é ser brasileiro? 82

Unidade 3 | Manifestações artísticas 93

Seção 1 - Arte brasileira: da Pré-História ao início da república 97


1.1 | Arte rupestre 97
1.2 | Arte marajoara e cultura Santarém 98
1.3 | O barroco brasileiro 100
1.4 | Missão Artística Francesa 106
1.5 | A Arte Acadêmica 108
1.6 | A arte do início da República 110

Seção 2 - Arte moderna e contemporânea no Brasil 113


2.1 | Modernismo 113
2.1.1 | Semana de 22 114
2.1.2 | Principais artistas do primeiro período modernista 115
2.2 | Segunda e terceira gerações dos modernistas brasileiros 120
2.3 | Arte contemporânea brasileira 124
2.3.1 | Anos 1950 124
2.3.2 | Anos 1960: Neoconcretismo e Tropicália 127
2.3.4 | Anos 1970: a arte conceitual 129
2.3.5 | Anos 1980: o retorno da pintura 130
2.3.6 | Novos paradigmas: dos anos noventa até o presente 132

Unidade 4 | Arte e artesanato 141

Seção 1 - Artesanato: conceitos e funções 145


1.1 | Arte e artesanato 145
1.2 | Conceitos básicos do artesanato brasileiro 147
1.2.1 | Artesão 148
1.2.2 | Mestre artesão 148
1.2.3 | Arte popular 149
1.2.4 | Trabalho manual 150
1.2.5 | Matéria-prima 150
1.2.6 | Técnica 153
1.3 | Funções do artesanato 154

Seção 2 - Diversidade: Materiais, Técnicas e Regionais 157


2.1 | Materiais e técnicas 157
2.2 | O artesanato e as regiões 166
Apresentação

Olá, aluno!

Apresento a você o livro da disciplina Cultura Brasileira e Interculturalidade. No


correr das páginas, você terá a oportunidade de conhecer as diferentes expressões
culturais e artísticas que estão presentes no nosso país, as suas origens e influências,
bem como a importância delas na construção de uma identidade brasileira.

O conteúdo será abordado de forma objetiva, clara e crítica. O importante,


caro aluno, é que você consiga associá-lo a suas experiências de vida, para que ele
se torne realmente significativo e o seu aprendizado aconteça de forma efetiva.
Assim, espero que o livro possa auxiliá-lo e, também, instigá-lo nesta jornada que
será desbravada a cada nova página.

A unidade 1, "Cultura Popular Brasileira", é constituída por três seções. Na


primeira seção, "O sentido de cultura popular", o conceito de cultura popular será
abordado sob a perspectiva de autores que o estudam. Na segunda seção, "As
manifestações da cultura popular no Brasil", você terá a oportunidade de percorrer
os diferentes lugares e modos de expressão da nossa sociedade. Já na terceira
seção, "A cultura popular em tempos de globalização: do esvaziamento de sentido
à ampliação de possibilidades", você perceberá que a tradição não é um elemento
imóvel e que ela está em constante reformulação.

Na unidade 2, "Identidade Cultural", será abordado o conceito de identidade,


bem como o de cultura, globalização e todos seus desdobramentos, na
tentativa de indicar uma possível identidade nacional dentro de uma conjuntura
surpreendentemente complexa e diversificada que é nossa cultura. Na primeira
seção, "Cultura e Identidade", você poderá conhecer aspectos e perfis que envolvem
a noção de identidade, tendo como base a cultura brasileira, sendo exemplificada
por meio de diversas manifestações artísticas e culturais. Na segunda seção,
"Identidade Nacional", você entrará em contato com os diferentes diagnósticos da
identidade nacional ao longo de nossa história e verá como ela se manifesta no
indivíduo e nos povos que compõem uma nação.

Na unidade 3, "Manifestações Artísticas", você será levado a conhecer os períodos


artísticos ocorridos no Brasil e poderá analisar de que modo se expressa a arte na
atualidade. A primeira seção, "Arte brasileira: da pré-história ao início da república",
irá apresentar a arte brasileira que compreende o período anterior à chegada dos
portugueses até as suas influências clássicas e acadêmicas. Na segunda seção,
"Modernismo e arte contemporânea no Brasil", traremos arte brasileira do século
XX e XXI e seus principais nomes.

Por fim, a unidade 4, Arte e Artesanato, é composta por duas seções. Na


primeira seção, "Artesanato: Conceitos e funções", serão expostas as prováveis
significações, os conceitos práticos e as funções que o artesanato pode apresentar.
Na segunda seção, "Diversidade: materiais, técnicas e regionais", você poderá
observar os materiais e as técnicas mais comuns no artesanato brasileiro e como
ele se estabelece nas diferentes regiões do Brasil.

Ótima leitura e bons estudos!


Unidade 1

CULTURA POPULAR BRASILEIRA

Iuri Aleksander Dias Fernandes de Souza

Objetivos de aprendizagem

O objetivo desta unidade é mostrar a importância de conhecer os aspectos


que caracterizam a cultura popular brasileira nas suas mais diversas manifestações.
Você, leitor, perceberá que a cultura popular do Brasil e suas singularidades
são resultantes de uma sociedade ricamente heterogênea, o que reflete em
manifestações das mais variadas naturezas e traços.

Seção 1 | O Sentido da Cultura Popular


Nesta seção, iremos abordar o conceito de cultura popular tendo como base
alguns autores que debatem esse termo, explanando pontos de vista diversos,
tanto do passado como da atualidade.

Seção 2 | As Manifestações da Cultura Popular no Brasil


Com o intuito de valorizar a diversidade cultural no cenário nacional, na
segunda seção, você terá a chance de percorrer os diversos cantos do Brasil
e perceber os modos como cada sociedade se expressa por intermédio de
suas festas, danças e músicas. Também explanaremos os saberes populares
transmitidos através das tradições orais que se manifestam nas lendas e
costumes dos povos.

Seção 3 | A Cultura Popular em Tempos de Globalização: do


Esvaziamento de Sentido à Ampliação de Possibilidades
Já na terceira seção, o nosso foco está em mostrar que a tradição não é algo
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estático, que se mantém inalterado com o passar do tempo, mas, ao contrário,


está sempre em constante reforma, sendo um misto de tradição e inovação,
permanências e revoluções.

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Introdução à unidade

O que é cultura popular brasileira? Quais suas características? Qual a importância


dela na constituição de uma identidade nacional? Nesta unidade, buscaremos
responder a essas e outras questões. Para isso, faremos uma abordagem sobre as
festas, danças, música, folclore, ritos e mitos, levantando os aspectos simbólicos
e estéticos, assim como suas origens e as relações que estabelecem com as
comunidades e os espaços no qual acontecem. Você poderá perceber que a
cultura popular brasileira não está somente fundamentada em tradições imóveis no
tempo e espaço, mas, antes, se manifesta em meio a inúmeras trocas e hibridações
estabelecidas entre povos e suas culturas, bem como entre as heranças do passado
e as novidades do presente.

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10 Cultura popular brasileira


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Seção 1

O sentido de cultura popular


Nesta seção, iremos abordar as possíveis definições de cultura popular, apresentando
diferentes pontos de vista. Você perceberá que o conceito de cultura popular não é
estático e pode ser lido e interpretado de diferentes formas, de acordo com o tempo e
o lugar. Veremos que, no passado, o popular, o erudito e a cultura de massa eram tidos
como imutáveis, mas na contemporaneidade, cada vez mais tem-se aceito que essas
três instâncias na verdade estão constantemente se interligando num processo de
hibridação, e é esse pensamento que nos dará respaldo para tratar da cultura popular
brasileira ao longo desta unidade.

1.1 Cultura popular: um conceito híbrido


Ao abordar a cultura na modernidade, Arão Souza (2010, p. 1) diz que “as
sociedades (o ser humano) são moventes e, à medida que elas/eles se movem, o
seu habitat se transforma, se reinventa”. Como ser movente, consequentemente, as
culturas do homem também passam a ser. Ou seja, podemos dizer que a cultura é
algo que está sempre se reinventando e estabelecendo trocas. Esse é o pensamento
hegemônico sobre a cultura na atualidade. Mas ao voltarmos um pouco no tempo,
veremos que ouve momentos em que essa ideia ainda não era percebida, ou era
simplesmente ignorada pelos antropólogos em prol de classificações fechadas e
lineares, como foi o próprio entendimento de cultura popular, tida como algo quase
oposto ao erudito. Basicamente, presumia-se que a cultura popular, erudita e de
massa não se misturavam, sendo cada uma detentora de definições específicas.

Algumas características estavam relacionadas a cada uma das culturas:

• A cultura popular era entendida como aquela que possui um caráter de tradição,
ligada à oralidade, permanência e coletividade. Era normalmente associada aos
camponeses.

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Figura 1.1 | Festa junina: cultura popular brasileira

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Festa_de_São_João!.jpg?uselang=pt-


br>. Acesso em: 29 mar. 2016.

• A cultura erudita, por sua vez, valoriza o indivíduo criador, a obra pensada e
racionalizada dentro de um processo de estudos. Apesar de ter entre seus criadores
personagens de origens humildes, seus consumidores eram as classes mais
abastadas.

Figura 1.2 | Ballet: cultura erudita

Fonte: Pixabay. Disponível em: <https://pixabay.com/pt/bal%C3%A9-bailarina-desempenho-534357/>. Acesso em: 29 mar.


2016.

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• A cultura de massa seria aquela que se apropria da cultura popular e erudita


transformando-as em produtos para serem reproduzidos e comercializados. É uma
consequência do processo de industrialização e estava vinculada ao proletariado do
meio urbano.

Figura 1.3 | Histórias em quadrinhos: cultura de massa

Fonte: Istock. Disponível em: <http://www.istockphoto.com/vector/monster-stealing-a-pretty-lady-gm467825050-


61360038?st=a804c8a>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Porém, apesar dessas definições ainda serem usadas, segundo Néstor García
Canclini, antropólogo argentino nascido em 1939 e pesquisador das culturas na
contemporaneidade, “muitos são os fatos que vem conspirando contra essa rigorosa
distinção entre os sistemas simbólicos” (CANCLINI, 1983, p. 52). Já Abreu (2003, p.

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9), seguindo na mesma linha do outro autor, irá dizer que “pensar a interação e
compartilhamento entre estas culturas seria sempre uma boa opção”. Ou seja, apesar
dessas três instâncias ainda serem utilizadas numa análise da estrutura cultural, seus
limites nunca foram bem definidos e, de umas décadas pra cá, com o surgimento
da cultura de massa, as fronteiras entre uma e outra têm se tornado cada vez mais
difusas e maleáveis.

É possível ver a presença do popular no erudito, do massivo popular e do erudito


no popular. Vocês conhecem as composições clássicas e as adaptações para
corais de Heitor Villa-Lobos? Apesar de ser o protagonista da música modernista
brasileira na primeira metade do século XX, encontramos em suas composições a
incorporação de elementos da música popular. Muitas de suas canções carregavam
a ousadia de uma estética modernista, em compasso com as influências de diversas
regiões do Brasil. Por meio do canto de coral e da orquestra sinfônica, enalteceu
cantigas infantis tradicionais, além de canções indígenas e negras.

Figura 1.4 | Heitor Villa-Lobos

Fonte: Álbum Itaú Cultural. Disponível em: <http://albumitaucultural.org.br/radios/villa-lobos/>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Ouça a interpretação do coral Madrigal Renascentista interpretando a


adaptação de Villa-Lobos para "Nozani-ná", canção dos índios parecis:

YOUTUBE. Madrigal Renascentista - Nozani-ná (Villa-Lobos). 2015.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LWItVl1n3LY>.
Acesso em: 29 mar. 2016.

E, nas bandas de tocadores presentes em diversas festas populares, você já


percebeu que muitos instrumentos tocados eram usados em orquestras europeias?
Alguns grupos populares se apropriaram de elementos tidos como da cultura “culta”
ou erudita usando-os à sua maneira. Na tradicional procissão baiana da Nossa

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Senhora da Boa Morte, em meio a outros instrumentos populares, encontramos


violinos e clarinetes, típicos das orquestras sinfônicas de música erudita.

A partir de seus estudos sobre as culturas populares nos países latino-americanos,


incluindo o Brasil, Canclini, em seu livro Culturas Híbridas: estratégias para entrar e
sair da modernidade (1997), traçou o conceito de hibridismo. Segundo ele, o legado
latino-americano de abrigar ao longo da história uma gama de diferentes povos
levou à perpetuação de culturas ricas em misturas.

No Brasil, as tradições populares ainda permanecem de modo bastante vivo na


vida das pessoas. Podemos defini-las como o conjunto de criações e manifestações
espontâneas, originais e autênticas, nascidas e consumidas pelos próprios sujeitos
que as geraram. Porém, cada vez mais recebem influência das novas tendências da
modernidade. Nisso, nossa cultura também acaba por se encontrar no misto daquilo
que permanece através das tradições passadas de geração para geração, e das novas
influências que surgem diante de um olhar crítico e criador das novas gerações.

Vendo a atual situação no que se refere às influências dos


meios de comunicação e da globalização, você considera
a possibilidade de que um dia a cultura popular possa vir a
deixar de existir?

1. Quais são as três esferas que alguns teóricos do passado


usavam como forma de categorizar diferentes culturas?

2. Dando sequência à questão anterior, tendo como base o


pensamento de Néstor Canclini, pode-se dizer que essas três
instâncias são independentes? Por quê?

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Seção 2

As manifestações da cultura popular no Brasil


Ao longo desta seção, vocês poderão conhecer uma pequena parcela da
cultura popular brasileira por meio de suas manifestações nas festas, músicas, mitos,
religiosidades e brincadeiras. Devido à imensa multiplicidade da cultura em nosso país,
não será possível tratar de tudo que ela tem a oferecer. Porém, esperamos mostrar o
quão rica e diversa é a expressão popular brasileira, traçando suas raízes, os diálogos
entre as culturas negra, indígena e europeia e as suas diversas variações de acordo
com as regiões.

2.1 Bumba-meu-boi
Assim como o carnaval, a encenação do Bumba-meu-boi é uma das
manifestações culturais mais conhecidas do Brasil. Ela é marcada pela incorporação
de simbolismo religioso e assimilação das tradições culturais de diversos povos,
revelando características que se moldam nas várias regiões do país, prevalecendo as
culturas negra, indígena e europeia.

A tradição do Bumba-meu-boi é, antes de tudo, "uma grande celebração na qual


se confundem fé, festa e arte, numa mistura de devoção, crenças, mitos, alegria,
cores, dança, música, teatro, artesanato, entre outros elementos" (IPHAN, 2011, p.
8). Em todas as festas de Bumba-meu-boi, prevalece na indumentária o colorido
vibrante, o brilho, os símbolos, as texturas e o movimento, na utilização de elementos
como as fitas, as lantejoulas, as miçangas, as plumas, os desenhos e os diversos
tecidos. Diferente do que é hoje, houve um momento em que as festas de Bumba-
-meu-boi não eram bem aceitas pela comunidade branca, pois estavam ligadas às
classes menos privilegiadas.

No século XIX, essa manifestação popular era vista como


uma brincadeira agressiva, barulhenta e atentadora da moral.
Daí ter sido proibida, censurada, controlada e repudiada

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publicamente pelas classes mais abastadas, sendo reprimida pelos


órgãos estatais, chegando a ser proibida a sua apresentação, por
ordem da polícia, no período de 1861 a 1867. Essa aversão se deu,
pode-se dizer, por ser uma brincadeira produzida efetivamente
por negros, escravos, índios e alguns mestiços dos setores
populares (CASTRO, 2008, p. 7).

A música é um dos principais elementos da festa. Ela é resultado da combinação


de músicos talentosos acompanhados de suas zabumbas, matracas, pandeiros e
tambores; do canto coletivo de todos que participam e assistem; e do belo ritmo da
toada, estilo musical de melodia simples que narra as peculiaridades os costumes
regionais, podendo também abordar temas mais amplos, como problemas sociais,
política, entre outros.

Figura 1.5 | A festa do Boi de Parintins

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Boi-bumb%C3%A1#/media/


File:Festival_Folcl%C3%B3rico_de_Parintins.jpg>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Apesar de se manifestar com características próprias de cada região, há alguns


personagens comuns a todas as festas do Bumba-meu-boi, como o Pai Francisco,
a Catirina e o próprio Boi, sendo que o enredo se desenvolve em torno desses
personagens. O Pai Francisco, que surge como o vaqueiro, e Catirina, sua esposa
grávida, que surge como a trabalhadora do campo, ambos representados como a
figura do trabalhador negro, são presos pelos vaqueiros e/ou índios a mando do
coronel após matarem o belo boi do patrão, para que a mulher pudesse satisfazer
o desejo de comer a língua do animal. A custo de muita música e dança, o animal é

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revivido pelo pajé. Com sua volta, todos festejam o acontecimento. A moral do alto
gira em torno da ideia de que, um dia, o boi deixe de pertencer ao patrão e torne-se
do povo, como uma alegoria que representa o desejo de mudança e melhorias na
vida do povo trabalhador.

Figura 1.6 | Catirina e pai Francisco na festa do boi do Maranhão

Fonte: Anderson França. Disponível em: <http://maranhaomaravilha.blogspot.com.br/2014/03/carnaval-na-passarela-chega-


ao-fim-com.html>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Além dos personagens da trama central, outras figuras compõem a festa, tais
como os brincantes, os caboclos, as índias, os vaqueiros, os instrumentistas e os
personagens folclóricos próprios de cada região.

Como foi dito anteriormente, existem diversas expressões do boi no território


nacional, sendo a festa do Boi de Parintins, certamente, a maior e mais conhecida.
Nela, o momento mais importante é a disputa entre os bois Garantido (branco) e
Caprichoso (preto) que disputam a simpatia do público, vencendo aquele que, com
sua dança, fizer o público mais se animar. O Boi de Parintins é marcado pela forte
presença dos caboclos e das tribos indígenas, bem como de figuras lendárias da
Amazônia, como o Curupira. Inspirado na cultura negra e indígena, o Boi de Parintins
surge como uma forma de valorização e preservação da identidade regional
amazonense.

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Figura 1.7 | Garantido e caprichoso: festa do Boi de Parintins

Fonte: Melhores Destinos. Disponível em: <https://osmelhoresdestinos.wordpress.com/2015/06/17/desbravando-a-


amazonia/>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Nos primórdios de seu surgimento, a festa do boi no Amazonas acontecia de


forma simples nas ruas, casas e quintais, mas, com o tempo, devido ao aumento de
seu prestígio e número de adeptos, passou a ser realizada em uma grande arena e a
receber altos investimentos e atenção midiática.

Apesar da beleza exuberante e da grandiosidade da festa do Boi de


Parintins, hoje conhecida como a segunda maior festa popular do
mundo, atrás apenas do carnaval, muito se tem questionado sobre o
excesso de espetacularização da festa. Seus críticos falam da perda do
sentido original do cortejo do boi na relação com o povo, que produz e
assiste, para surgir como um grande entretimento de massa, envolvendo
estratégias para atrair investimento capital e visibilidade nacional e
internacional. Diz-se de um desenraizamento da cultura popular para
buscar estratégias inovadoras para capturar seus espectadores.

No Maranhão, a festa do Bumba-meu-boi é o principal evento das comemorações


juninas, marcadas como homenagem a São João, Santo Antônio e São Pedro. É
contextualizada pelo período colonial, enfatizando como questões centrais a
escravidão, o trabalho nas lavouras e a religiosidade cristã. O Boi de Reis de Minas e
Pernambuco, diferente das demais festas do boi que se desenvolvem junto com as
comemorações juninas, acontece no compasso das Folias de Reis, unindo a temática
do nascimento de Jesus e dos três Reis Magos, com o folguedo do Bumba-meu-boi.

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Figura 1.8 | O Bumba-meu-boi na Festa de Reis

Fonte: Diário do Sol. Disponível em: <http://diariodosol.com.br/noticias/2013/08/boi-de-reis-e-o-coco-de-roda-em-


mipibu/>. Acesso em: 29 mar. 2016.

O boi de Mamão, por sua vez, espalhou-se pela região sul do Brasil, agregando-se
à cultura tradicional gaúcha por meio da incorporação dos vaqueiros e das prendas.
Além do boi, outro personagem icônico dessa festa é a Bernúncia, espécie de bicho-
-papão que assusta as crianças.

Figura 1.9 | A Bernúncia

Fonte: Espaço Cultural Casa do Bruxo. Disponível em: <http://casadobruxoespacocultural.blogspot.com.br/p/cultura-


popular-de-santa-catarina.html>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Podemos citar, também, a festa do Cavalo-Marinho nordestino, que, apesar do


nome, é fundamentada no auto do Bumba-meu-boi. Nessa festa, o boi divide o
protagonismo com o coronel montado em seu cavalo alegórico. Um momento
marcante é a dança dos arcos, na qual os brincantes se cruzam, movimentando
belos arcos cobertos de fitas coloridas.

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Figura 1.10 | Dança dos arcos

Fonte: Arte Educação. Disponível em: <http://arteeducacao2011.blogspot.com.br/2011/09/cavalo-marinho-do-mestre-


zequinha.html>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Como pudemos ver, a festa de Bumba-meu-boi se espalhou por todo o Brasil,


adquirindo singularidades próprias ligadas às culturas locais, todas dotadas de beleza
e significados particulares. Isso se deve tanto pela extensão do nosso território como,
principalmente, pela heterogeneidade cultural construída ao longo da história do
país.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tem


disponível em seu site o dossiê do registro do Bumba-meu-boi como
Patrimônio Cultural do Brasil. Ele contém informações sobre a história e
os saberes e tradições que envolvem a festa do boi do Maranhão. Dispõe
também de um rico acervo de imagens referentes à festa. Confira:

IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível


em: <http://portal.iphan.gov.br/>. Acesso em: 29 mar. 2016.

2.2 Os festejos de carnaval


As festas de carnaval, apesar do aparente caráter profano, têm suas origens
ligadas à religião católica. Tradicionalmente, seus preparativos iniciam-se logo após
os festejos natalinos e vão até a quarta-feira de cinzas. Mas, dependendo da cultura
de cada lugar, podem haver comemorações antes ou após este período. A origem
da festa remonta aos antigos bailes de máscaras de Veneza e da França. A partir

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do século XIX, chega ao Brasil trazido pelos portugueses e, muito diferente do que
é hoje, era festejado apenas pela aristocracia do Rio de Janeiro. Porém, as classes
menos favorecidas economicamente, predominantemente formadas por negros,
passaram a fazer seus próprios carnavais e, influenciadas pelas músicas e danças de
origem africanas, formaram os blocos e os cordões de carnaval presentes até hoje.

A palavra “carnaval” tem sua origem na expressão italiana carne levare,


que significa “adeus à carne”, numa referência ao período abstinência
e jejum da quaresma, quando os fiéis deveriam abdicar das tentações
mundanas, entre elas, comer carne.

Figura 1.11 | Jean-Baptiste Debret, Marimba (Passeio de domingo à tarde), 1826

Fonte: Arqtodesca. Disponível em: <http://arqtodescadois.blogspot.com.br/2010/11/brasil-1818.html>. Acesso em: 29 mar.


2016.

No Rio de Janeiro, além dos blocos de rua, nasceram as escolas de samba que até
hoje organizam anualmente grandes desfiles de carros alegóricos. Como o próprio
nome diz, o samba é o ritmo predominante, seja na bateria, no samba-enredo ou
entre as passistas. O cortejo das escolas é dividido em alas, sendo elas a comissão de
frente, o mestre-sala e a porta-bandeira, as baianas, a bateria e as alegorias. A comissão
de frente tem por função abrir o desfile saudando o público e apresentando o samba
enredo. O mestre-sala e a porta-bandeira são a representação da nobreza do século
XVIII, trajando fantasias volumosas, com muito brilho e detalhes. A ala das baianas é
uma homenagem às tias que amparavam os sambistas no passado e é também uma

Cultura popular brasileira 23


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referência às origens do próprio samba na Bahia. A bateria é formada pelos músicos


que tocam, entre outros instrumentos, tamborim, pandeiro, reco-reco, tarol, cuíca e
repinique. Já a ala alegoria tem como principal função ilustrar, por meio das fantasias
e carros alegóricos, o tema abordado no samba-enredo. Ao final, o que permanece
é a alegria das passistas, a tradição e as raízes das baianas, a euforia da bateria e a
exuberância e imponência das fantasias e carros alegóricos.
Figura 1.12 | Mestre-sala e porta-bandeira da Portela

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:GRES_Portela_in_2009_-_Mestre_


sala_e_Porta_Bandeira_(3507377591).jpg?uselang=pt>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Ainda no Rio de Janeiro, sobretudo nas periferias, encontramos nos dias de


carnaval os Bate-bolas, ou simplesmente Clóvis. Foliões trajando coloridas e
impetuosas fantasias de palhaços saem pelas ruas importunando as pessoas que
encontram pelo caminho. No passado, cada mascarado levava nas mãos uma
bola de cheiro forte feita de bexiga de boi, fazendo com que as pessoas corressem
amedrontadas. Hoje, além das máscaras, casacas, sombrinhas, bandeiras e bonecos,
cada um segue batendo uma bola de plástico no chão, o que aumenta ainda mais a
apreensão daqueles que perambulam pelas ruas.
Figura 1.13 | Grupo de bate-bolas do Rio do Janeiro

Fonte: Imagens do Povo. Disponível em: <http://www.imagensdopovo.org.br/blogip/page/14/>. Acesso em: 29 mar. 2016.

24 Cultura popular brasileira


U1

Na Bahia, a principal marca do carnaval são as folias nas ruas ao ritmo do axé e
dos trios elétricos. Assim como o carioca, o carnaval de rua baiano, originalmente
ligado às classes mais pobres, surgiu em oposição aos carnavais em clubes privados.
A partir do sexto dia que antecede a quarta-feira de cinzas, os blocos e os foliões
saem para as ruas de Salvador atrás do trio elétrico, que pode ser um caminhão ou
ônibus, local onde ficam os músicos que animam a festa.
Figura 1.14 | Multidão no carnaval de Salvador

Fonte: Decolar. Disponível em: <http://www.decolar.com/blog/eventos/carnaval-de-salvador>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Dentre os elementos mais tradicionais e emblemáticos estão os blocos afros e os


afoxés. O primeiro bloco de designação afro foi o Ile Aiyê, sendo ainda hoje o maior
e mais influente. A principal marca do Ile Aiyê e de outros é exaltação da cultura
afro-brasileira, que se evidencia por meio dos cânticos cadenciados ao ritmo dos
tambores; da vestimenta, em que as padronagens geométricas e o colorido fazem
referência às indumentárias típicas de povos africanos; e do movimento presente
na dança que evidencia a relação com os rituais do candomblé, religião de origem
afro praticada no Brasil. Uma característica marcante desses blocos é a postura em
relação a questões sociais, como afirma Elias Guimarães (2001, p. 3):

O movimento realiza não somente as atividades carnavalescas,


mas também ações sociais, como a luta contra o racismo e a
discriminação, conjugando vontades, interesses, apropriação
de espaços, postura de resistência, consciência e valorização
do ser negro.

Ou seja, os blocos afros têm como principal fundamento a preservação e


propagação da cultura afro-brasileira por meio dos elementos estéticos e artísticos,
bem como pela valorização do negro, agindo socialmente dentro das comunidades
e pela mídia no combate ao racismo e aos processos de exclusão social.

Cultura popular brasileira 25


U1

Figura 1.15 | Bloco Ile aiyê

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Il%C3%AA_Aiy%C3%AA_


(6472510471).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Como os blocos afros, os afoxés se tornaram símbolo do carnaval baiano e de


expressão afro. Influenciados pela cultura dos povos iorubas africanos, os seguidores
do afoxé são, em geral, adeptos do candomblé. Levam para as ruas nos dias de
carnaval, além da animação e das mensagens de paz, um pouco dos ritos e da
cultura dos terreiros.

Toda a estrutura dessa festa provém da ritualidade, as roupas


são ricamente ornamentadas com panos-da-costa, fios de
conta e torso nas cores do orixá patrono; o ritmo musical é o
“Ijexá”, que, proveniente do candomblé, além de caracterizar
a musicalidade também define os mitos da cultura ioruba. Os
instrumentos do “Ijexá” são os agbê’s, atabaques, agogôs e
xequerês; a dança é ritmada da mesma forma em que ocorre
no terreiro, pois na verdade tratam-se de homenagens aos
orixás, tendo por vezes algumas pessoas vestidas com a roupa
que simboliza o Orixá (MATRICARDI, 2011, p. 2).

Há muito tempo, o maior e, para muitos, o mais belo afoxé na Bahia foi o grupo
Filhos de Gandhy, propagadores da cultura Nagô. Desde seu surgimento, na década
de 1940, seus integrantes esforçam-se em preservar os aspectos tradicionais do
grupo, que vai desde a clássica indumentária azul e branca, os turbantes, colares,
até a restrição à partição de mulheres. Também existe um esforço em manter o
comportamento e os princípios durante os desfiles.

26 Cultura popular brasileira


U1

O nome “Filhos de Gandhy” é uma homenagem ao líder religioso indiano


Mahatma Gandhi, um dos mais conhecidos disseminadores dos princípios
de paz e não violência.

Figura 1.16 | Filhos de Gandhy

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Filhos_de_Gandhy_-_Bahia.


jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Já em Pernambuco, a maior expressão do carnaval é o Frevo. Surgiu, entre o


século XIX e XX, da combinação de ritmos, como as polcas, a capoeira, o ballet, as
marchinhas carnavalescas e as bandas marciais. Toda essa mistura resultou em uma
dança alegre e colorida, rica em acrobacias e expressividade. Assim como em outras
festas, o frevo deriva da união de expressões da cultura erudita, como o ballet, em
comunhão com as de origem popular, tal como a capoeira e as marchinhas.

Além dos movimentos complexos (ao mesmo tempo alegres e cativantes),


algumas das suas principais características são o colorido dos trajes e a sombrinha,
que se tornou o símbolo da festa. Apesar de ser uma expressão tipicamente
pernambucana, e sua prática ainda se restringir ao nordeste, o frevo é conhecido
em todo Brasil, dado seu poder de encantamento.

Cultura popular brasileira 27


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Figura 1.17 | Passistas de frevo

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Passistas_de_Frevo.jpg?uselang=pt-


br>. Acesso em: 29 mar. 2016.

2.3 Os batuques de terreiro: batidas vindas da África


Os escravos que vieram da África para o Brasil não trouxeram somente seus braços
e mãos para o trabalho forçado nas lavouras e casas dos senhores de engenho, mas
nos presentearam com os ritmos dos tambores tocados no outro lado do Atlântico.
Em seus momentos de folgas, os escravos africanos se reuniam para fazer suas
festas e tocar seus tambores e festejar os batuques.

A própria palavra do ponto de vista etimológico tem origem no continente africano.


Segundo Luis Nassif (2015), “a palavra ‘Batuque’ se originou da palavra ‘Batukajé’, um
termo Bantu, numa referência ao bater dos tambores”. Vale também ressaltar a relação
dos batuques de terreiro com o candomblé, em que o próprio tambor é tido como
um instrumento sagrado, sendo tocado do início ao fim das cerimônias. Atualmente,
os ritmos de batuque se espalharam de norte a sul do Brasil, adquirindo formas
específicas ligadas as suas origens e contexto no qual se inserem hoje.

Todas elas se combinaram e recombinaram, tanto entre si


quanto com outras danças, de maneira a dar uma grande
variedade de espécies herdeiras do batuque. Essas danças se

28 Cultura popular brasileira


U1

distribuíram por todo o Brasil, marcadas por três grandes zonas de


incidência, onde evoluíram distintamente da dança rural, diversão
de escravos para dança urbana e mesmo social (SANTOS FILHO,
2008, p. 44).

Entre as diferentes manifestações dos batuques, podemos citar o jongo, o


batuque de umbigada, o tambor de crioula, o samba de roda e de partido alto, entre
outros.

Se os Estados Unidos também tiveram mãos de obra de escravos vindos


do continente africano, por que lá não possui, como no Brasil, os sons
regados aos tambores?
Isso se deve a uma lei que proibia os negros de tocar seus instrumentos,
pois os brancos presumiam que as festas com batuques sempre
antecediam rebeliões e protestos dos escravos. Sem os tambores, os
negros tinham como únicos instrumentos as mãos, os pés e a voz. Isso
levou ao surgimento desde os cânticos gospel até a capela, ritmados
pelas palmas e pelo sapateado.

O jongo é uma dança de roda que se mantém desde os tempos da escravidão.


Alguns homens tocam seus atabaques, enquanto que os demais, juntamente com
as mulheres, dançam ao toque das batidas. No centro, um casal dança de forma
mais enérgica. Uma figura importante na festa é o jongueiro que narra o “ponto”,
espécie de charada cantada em versos que deve ser decifrada pelo oponente.

O batuque de umbigada leva esse nome pela presença de um movimento


conhecido como “punga”, no qual os dançarinos impulsionam a cintura um em
direção ao outro, tocando suas barrigas. Esse movimento representa a fertilidade, a
fecundidade da vida, seja do ser humano, do plantio ou da colheita na lavoura.

Cultura popular brasileira 29


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Figura 1.18 | A Punga no batuque de umbigada

Fonte: A Roda dos Brincantes. Disponível em: <http://arodadosbrincantes.blogspot.com.br/2012/03/dancas-de-umbigada.


html>. Acesso em: 29 mar. 2016.

O tambor de crioula é uma festa para homenagear São Benedito e pode acontecer
nos festejos juninos, como a celebração do Bumba-meu-boi. Assim como em outros
batuques, estão presentes os tocadores de atabaque e a punga, mas uma de suas
particularidades é que as mulheres dançam e rodopiam, levantando lindas e leves
saias de padrões florais.

Figura 1.19 | Tambor de crioula

Fonte: IPHAN. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/63>. Acesso em: 29 mar. 2016.

O samba de roda surgido na Bahia no século XIX e dançado principalmente pelos


trabalhadores negros das lavouras de cana pode ser considerado o pai do samba
moderno. Como outros batuques, é organizado em formato de roda, sendo que,
ao centro, um único dançarino samba, enquanto que os demais integrantes cantam
e tocam instrumentos como pandeiro, violas, atabaques, berimbaus, chocalhos e

30 Cultura popular brasileira


U1

pratos de cozinhas, que são raspados com uma faca.

Findado o ciclo da cana-de-açúcar, essa dança foi se tornando cada vez mais
urbana e, devido ao crescente deslocamento de trabalhadores para o Sudeste, o
samba de roda chegou à cidade do Rio de Janeiro, adquirindo uma nova cara. Com
isso, tornou-se o samba de partido alto, ou simplesmente o samba carioca, conhecido
e difundido em todo território nacional por todos os meios de comunicação. O samba
de partido alto tornou-se tipicamente urbano, sendo realizado principalmente nos
morros, locais em que se encontram as classes mais pobres. Sua celebração traz
consigo um sentimento de coletividade, envolvendo música, dança, comidas, bebidas
e conversas. O pandeiro, o cavaquinho, o violão e a cuíca dão o ritmo da festa.
Figura 1.20 | Amigos tocando bamba de partido alto

Fonte: Hebreu Suburbano. Disponível em: <http://hebreu-suburbano.blogspot.com.br/2010/09/samba-documentario-


sobre-o-partido-alto.html>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Como podemos perceber, todos os batuques de terreiro, apesar de receberem


características próprias de cada lugar em que foram difundidos, mantêm suas
principais características que se ligam diretamente a aspectos da cultura de países
africanos, como Congo, Angola e Moçambique, de onde veio a grande maioria dos
escravos. Diferente das festas de carnaval, que se originaram a partir de festejos
tipicamente europeus e que, com o tempo, adquiriram novas faces ao serem
incorporadas às culturas indígenas e negras, os batuques são, desde sempre, uma
expressão da cultura africana no Brasil. Desse modo, os batuques reafirmam a força,
a importância e a beleza da cultura negra no Brasil e a sua relevância na formação
de nossa identidade.

2.4 Festas juninas


As festas juninas fazem parte do ciclo em homenagem a São João, São Pedro
e São Paulo, sendo comemoradas pelos europeus muito antes de chegarem por

Cultura popular brasileira 31


U1

aqui. Na época do descobrimento como forma de lembrar São João, os jesuítas


acendiam grandes fogueiras e tochas que atraíam a atenção dos índios. Com isso,
a fogueira tornou-se um dos principais símbolos das festas de São João. Também
representava o momento de preparação para o plantio e colheita do alimento. Hoje,
as comemorações juninas ocorrem em todo o Brasil e estão presentes até nas
escolas, como parte do calendário festivo das instituições de ensino.
Figura 1.21 | Quadrilha em festa junina

Fonte: Jornalismo Junior. Disponível em: <http://jornalismojunior.com.br/sala33/festas-junina-na-tradicao-nordestina/>.


Acesso em: 29 mar. 2016.

A festa gira em torno de um casamento de caipiras, em que, além dos noivos,


temos a presença do padre, dos pais do futuro casal, dos padrinhos e dos convidados.
Declarados noivos, o casal e os outros participantes partem para compor a quadrilha
em comemoração aos recém-casados.

Diferente de outras manifestações populares, as festas juninas tiveram influência


de franceses e chineses. Diz-se que dos franceses foi herdado o estilo da dança
de quadrilha, em que casais realizam coreografias marcadas. Dos chineses, foi
apropriada a prática de colorir o céu com o brilho dos fogos de artifício.

Uma característica marcante das festas juninas são as comidas típicas, tais como
pipoca, bolo de fubá, quentão, chocolate quente, milho cozido, pamonha, pé de
moleque, entre outros. Nesse cardápio, percebemos uma grande quantidade de
pratos que têm como ingrediente principal o milho. Isso se deve ao período da
colheita desse vegetal que coincide com a data das comemorações.

Se quiser saber mais sobre as festas juninas, uma dica é a leitura do texto
a seguir, no qual a autora traça as origens remotas, as características e os

32 Cultura popular brasileira


U1

significados da festa:

RANGEL, Lúcia Helena Vitalli. Festas Juninas, Festas de São João – Origens,
Tradições e História. São Paulo: Publishing Solutions, 2008. Disponível em:
<http://www.bfp.uff.br/sites/default/files/servicos/documentos/festas_
juninas_festas_de_sao_joao_origens_tradicoes_e_historia.pdf>. Acesso
em: 29 mar. 2016.

2.5 Congadas
As congadas são festas ligas às irmandades de Nossa Senhora do Rosário, Santa
Efigênia e São Benedito, caracterizando um festejo popular inserido no calendário
católico desde os tempos coloniais. Assim como no Maracatu Nação, na congada
também existe a coroação do Rei do Congo, mas com algumas características
próprias, de acordo com cada região. No geral, caracteriza-se como procissão
com pessoas que representam escravos, capatazes, a nobreza, os músicos e o rei e
rainha, que, ao final do cortejo, serão coroados em uma igreja. Durante o caminho
ao som de muita música e festa, a procissão é descontinuada para a encenação de
batalhas com espadas. Esse momento surge como uma alegoria às batalhas entre
mouros e cristãos.

Uma das maiores riquezas da congada é, sem dúvida, a possibilidade de ver


nitidamente as culturas negra e europeia – o candomblé e o catolicismo, o rei do
congo e os soldados cristãos – sendo reinventadas pelo povo na constituição de um
ritual profundamente importante e expressivo para aqueles que participam.

Figura 1.22 | A congada

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Congada_Terno_de_Sainha_


Irm%C3%A3os_Paiva.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Cultura popular brasileira 33


U1

2.6 Folia de Reis


A Folia de Reis é uma festa que se fundamenta na comemoração do nascimento
de Jesus, acontecendo como parte dos festejos natalinos, cujos integrantes dirigem-
-se às residências, oferecendo suas músicas em troca de alimentos e bebidas. Teriam
chegado ao Brasil por meio dos portugueses, pois a comemoração do nascimento
de Jesus regada à música, danças e troca de presentes já era praticada no território
europeu antes de ser difundida aqui.

As comemorações foram implementadas pelos jesuítas em meados dos anos de


1500, como elemento de catequização dos índios e negros. Com o tempo, a Folia
de Reis foi se espalhando por todo o território nacional, sendo até hoje praticada nas
zonas rurais, em pequenas cidades do interior e nas regiões periféricas dos grandes
centros.

O principal momento da folia é o cortejo. Trajando vestimentas coloridas que


variam de grupo para grupo, e de região para região, a banda de tocadores e
cantores, acompanhada de três figuras mascaradas que representam os reis magos,
uma porta estandarte e o Bastião (palhaço que dança e realiza acrobacias e que
afasta os maus espíritos), caminha pelas ruas arrecadando donativos e oferecendo
belos espetáculos para a população local. O estilo das músicas é a toada, sempre
voltada aos temas religiosos. Já as movimentações dos bastiões são inspiradas no
lundu, dança africana trazida pelos escravos.
Figura 1.23 | Folia de Reis

Fonte: Infoescola. Disponível em: <http://www.infoescola.com/datas-comemorativas/folia-de-reis>. Acesso em: 29 mar.


2016.

Uma vertente da Folia de Reis que adquiriu características específicas é o Reisado


Alagoano. Além dos personagens da folia tradicional, são incorporadas outras
figuras, como: rei e rainha do Congo, Bumba-meu-boi, Mateus, Catirina e Jaraguá
– personagem lendário das culturas indígenas e africanas. Nessa versão da Festa de

34 Cultura popular brasileira


U1

Reis percebemos de modo muito mais evidente a miscigenação entre diferentes


culturas.

2.7 A cavalhada
Figura 1.24 | Cavaleiros na cavalhada de Pirenópolis

Fonte: Cidade de Pirenópolis. Disponível em: <http://cidadedepirenopolis.blogspot.com.br/2013/04/cavalhadas-daqui-um-


mes.html>. Acesso em: 29 mar. 2016.

A cavalhada, trazida para o Brasil pelos portugueses, descende das batalhas


medievais. Com o tempo, tornou-se uma celebração festiva de caráter religioso,
uma alegoria do bem contra o mal. Porém, quando chegou ao país, precisou passar
por novas reconfigurações ao entrar em contato com as culturas negra e indígena.
Ela ocorre em meio ao ciclo dos festejos do Divino Espírito Santo e está presente em
diversos estados, tais como Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul, sendo a celebração
da cidade de Pirenópolis a mais conhecida.

Assim como na Congada, as batalhas da cavalhada são as encenações das lutas


dos cristãos, representados pela cor azul, contra os mouros, que se vestem com a
cor vermelha. Os cavaleiros de ambos os lados carregam suas lanças e espadas e, ao
final de três dias, os cristãos vendem e convertem os mouros ao cristianismo. Uma
figura importante é o mascarado ou curucucu. Vários deles saem a galope pelas ruas
com suas máscaras de boi com a finalidade de atrair a população para a festa.

2.8 Lendas e mitos do folclore brasileiro


A palavra “folclore” tem origem na expressão folk-lore, que significa “saber do
povo”. Partindo dessa definição, o folclore abrange as manifestações populares
de maneira bastante ampla, englobando as produções materiais, bem como as
imateriais, transmitidas oralmente de geração para geração, estritamente ligadas ao

Cultura popular brasileira 35


U1

cotidiano das pessoas. Desse modo, fazem parte do folclore as festas, as religiões,
a medicina popular, o artesanato, as cantigas e os velhos costumes. A expressão
“folclore” pode, portanto, ser um sinônimo de cultura popular, expressão que dá
nome a esta unidade. Porém, apesar da amplitude do termo, iremos focar nas antigas
lendas e fábulas regionais que resistem ao passar do tempo e que não estabelecem
vínculos com autores, mas com a aceitação coletiva e com o anonimato.

As lendas populares estão presentes em todo o território nacional, podendo


adquirir diferentes aspectos, de acordo com suas origens e o contexto no qual se
desenvolvem. Há as lendas ligadas à cultura indígena, outras que se manifestaram
em meio à vida dos antigos escravos e as que têm forte influência europeia, em
especial provindas do catolicismo. Podem ser rurais ou urbanas, da lavoura ou da
floresta, e, com o tempo, agregam novas características no contato com novas
culturas e espaços.

Figura 1.25 | Lenda do negrinho do pastoreio

Fonte: Studio Clio. Disponível em: <http://www.studioclio.com.br/atividades/almoco-clio/evento/26587/horizontes-do-


imaginario-lenda-do-negrinho-do-pastoreio>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Pelo modo como certas lendas se espalharam Brasil afora, em muitos casos,
torna-se difícil localizar suas verdadeiras origens, embora alguns traços indiquem
uma possível procedência. A lenda do negrinho do pastoreio, por exemplo, tornou-
-se muito popular no Sul do Brasil, em meio ao sofrimento dos escravos diante de
seus patrões. A ressurreição do menino negro que, como punição por ter perdido
um cavalo, foi amarrado em um formigueiro, reflete o sentimento de revolta e da
fé dos negros escravos do passado. O mito do Caipora, por sua vez, é tipicamente
indígena. Dizem que, desde antes dos portugueses chegarem ao Brasil, os índios
transmitem às futuras gerações a história do anão ligado à caça e à proteção da

36 Cultura popular brasileira


U1

floresta, de cabelos vermelhos, com pelos sobre o corpo e dentes verdes.

Um exemplo de uma lenda que reflete a pluralidade da cultura brasileira é a do Saci


Pererê. Originada na região Sul do país, e hoje a figura mais conhecida do folclore
brasileiro, resultando da mescla das culturas indígenas, africanas e europeias. No
início, sua figura era a de um curumim de duas pernas e, posteriormente, tornou-se
um menino negro de uma perna só possuidor de poderes sobrenaturais, mas que os
utiliza somente para realizar travessuras, como trançar a crina dos cavalos, esconder
objetos e soltar os animais do curral. Sua história era contada para as crianças como
subterfúgio para assustá-las e evitar que realizassem certas travessuras. Seu nome
é de origem tupi, o cachimbo, africana, e o gorro, portuguesa. Por meio desses
elementos, podemos notar como as lendas não são imutáveis, mas se adequam às
necessidades e aos interesses dos diferentes povos, que agregam novos traços.

Figura 1.26 | Jean Marconi, Saci, 2007

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Saci_Perere_por_Marconi.


jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Além desses mitos citados, podemos mencionar a lenda da Iara, uma espécie
de sereia que enfeitiça os homens com sua beleza; a lenda urbana da pisadeira,
entidade que pisa sobre a barriga das pessoas enquanto dorme, provocando falta
de ar; o mito do Boto e da Vitória Régia, ligado aos rios da Amazônia; da Mula sem
cabeça, que tem ligação com o catolicismo; entre outros. Todas essas lendas fazem
parte da rica cultura popular brasileira e, apesar do caráter sobrenatural e mágico,
carregam um sentido prático na vida cotidiana daqueles que o vivenciaram ou dos
que ainda os vivenciam.

Cultura popular brasileira 37


U1

2.9 Brincadeiras populares


Outro elemento de fundamental importância na cultura brasileira são as
brincadeiras e os jogos populares. Por todos os cantos do país, vemos crianças
divertindo-se sem saber que muitas das brincadeiras de que participam existem há
muitos e muitos anos e podem ser heranças de povos e lugares dispersos no tempo
e no espaço.

Os jogos e cantigas de roda, por exemplo, são típicas expressões do folclore


brasileiro. Trazidas pelos portugueses, no Brasil receberam influência das culturas
africana e indígena. Dentre algumas cantigas de roda mais conhecidas, podemos citar
“Atirei o pau no gato”, “O cravo e a rosa”, “Roda pião” e “Sapo cururu”. A brincadeira
de roda escravos de Jó, ainda praticada por muitas crianças nas escolas, descende
dos tempos de escravidão, quando os negros a jogavam para decidir qual deles iria
fugir. A forma de música e a brincadeira eram um artifício para enganar os senhores
de engenho.
Figura 1.27 | Crianças brincando de escravos de Jó

Fonte: <http://arteivancruz.blogspot.com.br/2011/06/escravo-de-jo.html>. Acesso em 29 mar. 2016.

Além das cantigas de roda, muitas outras brincadeiras trazidas pelos portugueses
se popularizaram e se mantiveram como parte da cultura popular brasileira, mesmo
depois de séculos de sua chegada. Segundo Alves (2010, p. 5), “Grande parte dos
jogos tradicionais popularizados no mundo inteiro, como o jogo de saquinhos (cinco
marias), amarelinha, bolinha de gude, jogo de botão, pião, pipa e outros, chegou ao
Brasil por intermédio dos primeiros portugueses”.

De origem indígena, dentre as inúmeras brincadeiras ainda praticadas por esses


povos, podemos citar a peteca e a cama de gato. A primeira consiste em arremessar,
de uma pessoa para a outra, um pequeno peso com penas que lhe dão equilíbrio e

38 Cultura popular brasileira


U1

estabilidade no lançamento do objeto. O objetivo é não deixá-lo cair no chão.

Já a brincadeira cama de gato, jogo do cordel ou pé de galo, consiste em criar


formas trançando um barbante entre os dedos. Apesar de ser um jogo presente em
diversas partes do planeta, acredita-se que no Brasil foi iniciada pelos indígenas. Em
pesquisas de campo feitas entre diversos grupos indígenas, foi constatada a presença
da cama de gato em quase todos. As figuras formadas pelas crianças indígenas
representam imagens de seus cotidianos, tornando-se, também, um mecanismo de
aprendizado.

Figura 1.28 | Criança indígena brincando de cama de gato

Fonte: <http://www.fazfacil.com.br/lazer/jogo-cama-gato/>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Como necessidade humana e pelo caráter social das brincadeiras e jogos, é natural
que essas se prolonguem através dos anos, tornando-se elementos fundamentais na
consolidação das culturas populares.

A criança expressa-se pelo ato lúdico e é através desse ato


que a infância carrega consigo as brincadeiras. Elas perpetuam
e renovam a cultura infantil, desenvolvendo formas de
convivência social, modificando-se e recebendo novos
conteúdos, a fim de se renovar a cada nova geração. É pelo
brincar e repetir a brincadeira que a criança saboreia a vitória
da aquisição de um novo saber fazer, incorporando-o a cada
novo brincar (TEIXEIRA; ROCHA; SILVA, 2010, p. 103).

Mesmo que muitas dessas brincadeiras não sejam mais tão comuns na vida das
crianças, a necessidade do brincar nunca desaparecerá. Desse modo, as brincadeiras
sempre existirão na vida dos pequenos, que a cada novo momento de diversão

Cultura popular brasileira 39


U1

reinventam um pouco a cultura da qual fazem parte.

Sabemos que toda cultura é diferente da outra. Sabendo


disso, você considera que uma cultura possa ser mais
evoluída que outra?

1. Sobre os batuques de terreiro, podemos dizer que eles foram


introduzidos no Brasil por quais povos e a qual religião estão
associados?

2. Com base no que abordamos sobre o folclore, é correto


dizer que ele se resume às lendas e mitos passados oralmente
de geração para geração? Por quê?

40 Cultura popular brasileira


U1

Seção 3

A cultura popular em tempos de globalização:


do esvaziamento de sentido à ampliação de
possibilidades
Nesta seção, abordaremos a cultura popular em relação ao processo de
globalização, enfocando os perigos e as vantagens decorrentes desse contato.
Mostraremos como ela tem ora resistido ora incorporado novas tendências.

3.1 A Cultura Popular na Globalização


Dentro do mundo globalizado em que vivemos, existe a preocupação de
uniformizar e padronizar os modos de vida. Esse modo de vida se desenvolve de
acordo com as necessidades de um mercado capitalista, em que o único propósito
é o lucro, e de uma cultura de massa propagada pelos meios de comunicação
cada vez mais influentes em nossas vidas. Nesse ambiente, há quem diga que as
culturas locais correm o risco de, com o passar do tempo, perderem seus traços
mais expressivos a ponto de se descaracterizarem totalmente.

Diferente de um processo de mutação natural, de contribuições qualitativas


das novas gerações, a imposição mercadológica e midiática tende a levar a um
esvaziamento dos verdadeiros significados das manifestações das culturas populares
em prol de uma cultura globalizada, proclamada prioritariamente pelas sociedades
mais poderosas. Em seu livro Identidade Cultural na Pós-modernidade, Stuart Hall
trata de uma possível crise de identidade numa sociedade cada vez mais multicultura
e fragmentada. Diante disso, assinala as culturas que antes haviam promovido
localizações sólidas e duradouras e que hoje encontram novos desafios em um
ambiente de constantes reconfigurações.

As manifestações populares podem vir a tornar-se mais um produto a ser


disseminado pelos meios de comunicação, sendo consumido pelas massas e
capitalizado pelo sistema mercadológico. Nessa condição de produto, existem
alguns riscos, tais como a banalização, o foco no lucro e a necessidade de se criar
algo com o único propósito de atingir o maior número possível de consumidores.

Cultura popular brasileira 41


U1

Essas consequências podem levar a um enfraquecimento das culturas populares,


não apenas em seus produtos, mas na própria relação dos seus produtores com as
tradições e seus significados.

Podemos citar, por exemplo, os grandes desfiles carnavalescos no Rio de Janeiro


e em São Paulo, em que cada vez mais vemos seus idealizadores adequando as
apresentações de acordo com uma necessidade capitalista, em detrimento da
pura e verdadeira expressão do povo. Constantemente, vemos sambas-enredo e
carros alegóricos elaborados com temáticas que privilegiam os patrocinadores, as
celebridades da televisão e da música, entre outras personalidades. Essas, por sua
vez, desfilam em locais de destaque e são as principais estrelas das festas.

Figura 1.29 | Carro alegórico no carnaval do Rio de Janeiro

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carnaval_2014_-_Rio_de_Janeiro_


(12974274864).jpg>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Mas há quem diga que o sistema capitalista e os meios de comunicação em


massa, embora detenham um poder esmagador, também foram e são fundamentais
na preservação das culturas populares. Segundo Canclini, em Culturas Híbridas
(1997), apesar do crescente avanço dos meios de comunicações, as culturas
populares não foram suprimidas, e sim desenvolveram-se ao passo que sofriam
novas transformações. Ou seja, apesar da influência dos meios de comunicação
de massa e do mercado sobre as culturas tradicionais, essas ainda permanecem e
até se fortalecem. Segundo o autor, isso se deve tanto pela necessidade do próprio
mercado em assimilar essas culturas, bem como de sua própria resistência na
continuidade da produção de bens culturais.

42 Cultura popular brasileira


U1

A incorporação dos bens folclóricos a circuitos comerciais,


que costuma ser analisada como se os únicos efeitos fossem
homogeneizar os formatos e dissolver as características locais,
mostra que a expansão do mercado necessita ocupar-se também
dos setores que resistem ao consumo uniforme ou encontram
dificuldade para participar dele (CANCLINI, 1997, p. 216).

Para Canclini (1997), não se deve ignorar os efeitos negativos do sistema


capitalista nas culturas populares. No entanto, ao contrário do que se pensava antes,
a tendência não é findar com as culturas locais, mas sim garantir a sua manutenção.

Ainda segundo Canclini (2003, p. 40), “As identidades pós-modernas são


transterritoriais e multilinguísticas, delineando um novo perfil de cidadão. Supera-se a
ideia de que os membros da uma dada sociedade possuem uma cultura homogênea
e única”. Considerando esse contexto, vale perguntar: como as culturas populares
têm se modificado e se adequado à modernidade? Para responder essa pergunta,
vamos trazer alguns exemplos.

Além dos grupos que mantêm firmes suas tradições, resistindo ao processo de
massificação, como alguns dos que mencionamos nas sessões anteriores desta
unidade, existem outros que se fundamentam em suas raízes, mas também incorporam
e interagem com outras culturas. Um exemplo são os
Figura 1.30 | Chico Science, tradicionais bate-bolas do Rio de Janeiro. Sem perder a
figura do manguebeat essência de suas festas, inspiram-se em elementos da
cultura de massa para a criação de suas vestimentas, tais
como personagens de desenhos animados, histórias
em quadrinhos, novelas, marcas internacionais, entre
outras. Na verdade, hoje esses elementos já fazem
parte da tradição dos bate-bolas.

Podemos citar também o manguebeat, movimento


musical surgido no Recife nos anos 1990, formado
pela mistura de ritmos da região Nordeste, como o
maracatu, e outros ligados à cultura pop internacional,
como o rock e o hip-hop, tonando-se um estilo rico
em significado e esteticamente autêntico. Além da
riqueza artística que atingiu também o cinema, a
moda e as artes plásticas, o manguebeat tornou-se um
fenômeno importante no ressurgimento da cidade de
Fonte: Biblioteca MPB. Disponível em: Recife como um centro cultural de reconhecimento
<http://bibliotecampb.blogspot.com.
br/>. Acesso em: 29 mar. 2016. nacional.

Cultura popular brasileira 43


U1

Chico Science, junto com o grupo Nação Zumbi, lançou apenas dois
discos antes de sua morte. Apesar da curta carreira, suas obras já figuram
entre as mais importantes da música brasileira. Vale a pena conferir!

Um dos eventos mais marcantes da cultura popular brasileira certamente foi o


Tropicalismo, movimento de valorização da cultura brasileira que atingiu a música,
as artes plásticas, o teatro e o cinema, unindo o popular e as culturas de massa. Na
música, seus principais expoentes são Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e
Gilberto Gil. Nas artes plásticas, Hélio Oiticica foi o protagonista, sendo ele o criador
do termo “tropicália”, título dado a uma de suas obras que preconizam o movimento.
É com Glauber Rocha e o Cinema Novo que o Tropicalismo ganha as telas do
cinema e os palcos, com Zé Celso.

A tropicália pode ser entendida como um movimento popular, de valorização


da cultura do povo, mas que também desenvolve inovações e rupturas, como o
movimento de vanguarda, aglutinando tendências artísticas e filosóficas vindas do
exterior, de modo autêntico. Além do seu valor como uma nova tendência estética,
artística e social no Brasil, a importância da tropicália está, também, na valorização
de ritmos da cultura popular, como o samba, o carnaval e os ritmos nordestinos que
ganharam destaque por meio da obra dos protagonistas desse movimento.

No mundo contemporâneo, fica cada vez mais claro que as culturas populares
não são mais práticas exclusivas a determinados grupos, mas, como percebemos nos
exemplos do manguebeat e da tropicália, um mesmo indivíduo pode participar de
diversas manifestações culturais, em lugares diferentes, sem mesmo ter sido criado
naquele ambiente. Os meios de comunicação nos permite vivenciar e assimilar
experiências culturais das mais diversas, mesmo estando longe no tempo ou no
espaço. No contexto em que vivemos, a multiplicidade é consequência natural e cabe
às culturas populares buscar modos de se colocar nesse contexto, para que não venha
um dia a perder o significado de sua presença na vida dos que a constituem.

No seu dia a dia, você consegue perceber elementos que


possam estar associados à cultura popular? Se sim, que tal
tentar pesquisar sobre sua origem e significado?

44 Cultura popular brasileira


U1

1. Cite um dos riscos que as culturas tradicionais podem correr


devido à forte influência dos meios de produção e comunicação
em massa.

2. No que os meios de comunicação em massa contribuem


para a permanência das culturas populares?

Nesta unidade, pudemos compreender um pouco mais da


cultura popular brasileira e suas características. Na primeira
seção, estudamos sobre a fragmentação da cultura popular,
cultura erudita e cultura de massa, compreendendo que são
esferas que não se relacionam. Como contraponto, conhecemos
uma visão contemporânea sobre essas categorias, observando
que elas não são estáticas, mas se interpenetram e estabelecem
constantes trocas. Na segunda seção, estudamos uma parcela
pequena de manifestações da cultura popular brasileira, mas
todas extremamente ricas em significados. Por meio das análises
pudemos perceber que a cultura popular brasileira é constituída
pela união de diversas raças, classes e etnias diferentes, que, nos
seus encontros, geram novas descobertas e novas tradições. Por
fim, na terceira seção, vimos que a cultura de massa tem agido cada
vez mais sobre as culturas populares, gerando efeitos negativos
e/ou positivos que podem levar a uma crise de identidade. Nesse
cenário, cabe às camadas populares posicionarem-se de modo
que assegurem sua permanência.

Cultura popular brasileira 45


U1

1. Realizado na região Amazônica, atualmente, o Boi de


Parintins é a maior e mais conhecida festa de Bumba-meu-
boi do Brasil, dado sua grande visibilidade na mídia e graças
aos altos investimentos que tem recebido. Com relação à
festa do Boi de Parintins, avalie as afirmações a seguir:

I – O Boi de Parintins teve grande influência da cultura


indígena, fundamentado nas figuras dos caboclos e índias.
II – Na festa do Boi de Parintins, o momento mais importante
é a disputa entre os bois Garantido (branco) e Caprichoso
(preto) que disputam a simpatia do público, vencendo aquele
que, com sua dança, fizer o público mais se animar.
III – Inspirado na cultura negra e indígena, o Boi de Parintins
surge como uma forma de valorização e preservação da
identidade regional amazonense.

É correto o que se afirma em:


a) I, apenas;
b) II, apenas;
c) I e III, apenas;
d) II e III, apenas;
e) I, II e III.

2. As festas de carnaval, apesar do aparente caráter profano,


têm suas origens ligadas à religião católica. Tradicionalmente,
seus preparativos iniciam-se logo após os festejos natalinos
e vão até a quarta-feira de cinzas. Mas, dependendo da
cultura de cada lugar, podem haver comemorações antes ou
após este período. Considerando os conhecimentos sobre
a origem da festa de carnaval e seu surgimento no Brasil,
assinale a opção correta:

a) A origem da festa remonta aos bailes de máscaras realizados


nos países nórdicos, como a Dinamarca e a Suécia.
b) O carnaval chega ao Brasil trazido pelos portugueses e, no
início, era somente festejado pelas classes menos favorecidas.
c) As classes menos favorecidas economicamente,
predominantemente formadas por negros, passaram a fazer

46 Cultura popular brasileira


U1

seus próprios carnavais e, influenciadas pelas músicas e


danças de origem africanas, formaram os blocos e os cordões
de carnaval, presentes até hoje.
d) O carnaval chega ao Brasil trazido pelos franceses e, muito
diferente do que é hoje, era festejado apenas pela aristocracia
do Rio de Janeiro.
e) A palavra “carnaval” tem sua origem na expressão italiana
carne levare, que significa “comer carne”, numa referência
ao período após a abstinência e jejum da quaresma, quando
os fiéis deveriam abdicar das tentações mundanas, entre elas
comer carne.

3. Há expressões da cultura brasileira em que se pode


identificar a mistura entre cultura popular e erudita ou cultura
popular e de massa. Considerando o contexto apresentado,
avalie as afirmações a seguir:

I – O frevo deriva da união de expressões da cultura erudita,


como o ballet, em comunhão com as de origem popular, tal
como a capoeira e as marchinhas.
II – O estilo Manguebeat é formado pela união de estilos de
música popular, como o afoxé, e de massa, como o rock.
III – O frevo deriva da união de expressões populares, como
as marchinhas, e de cultura de massa, como o rock.

É correto o que se afirma em:


a) I, apenas;
b) II, apenas;
c) I e II, apenas;
d) II e III, apenas;
e) I, II e III.

4. A brincadeira de roda Escravos de Jó, ainda praticada


por muitas crianças nas escolas, descende dos tempos de
escravidão, quando os:

a) negros a jogavam para decidir qual deles iria para o


castigo. A forma de música e brincadeira era um artifício para
proporcionar certa alegria em um momento tão ruim;
b) negros a jogavam para decidir qual deles iria para a casa-
-grande, realizar trabalhos mais "brandos", como limpar,

Cultura popular brasileira 47


U1

cozinhar, entre outros;


c) negros a jogavam para decidir qual deles iria dormir para
fora da senzala;
d) negros a jogavam para decidir qual deles iria fugir. A forma
de música e a brincadeira eram artifícios para enganar os
senhores de engenho;
e) negros a jogavam para decidir qual deles iria realizar o
plantio e colheita da cana de açúcar.

5. O boi, o Pai Francisco e a Catirina são os três personagens


principais de toda festa de Bumba-meu-boi. Considerando
essa afirmativa, avalie as alternativas a seguir:

I – O Pai Francisco e a Catirina, sua esposa grávida, surgem


como trabalhadores do campo, ambos representados como
a figura do trabalhador negro.
II – O boi foi morto por Francisco para que Catirina pudesse
comer a língua dos animais.
III – O Pai Francisco surge como o vaqueiro. O boi foi morto
por Francisco, mas depois foi revivido pelo pajé, o que levou
a uma grande festa.

É correto o que se afirma em:


a) I, apenas;
b) II, apenas;
c) I e II, apenas;
d) II e III, apenas;
e) I, II e III.

48 Cultura popular brasileira


U1

Referências

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Cultura popular brasileira 49


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2016.
Unidade 2

IDENTIDADE CULTURAL

Iuri Aleksander Dias Fernandes de Souza

Objetivos de aprendizagem

Nesta unidade, você poderá compreender o que é e como se estabelece a


noção de identidade cultural, tendo como base a estrutura cultural brasileira.
Nosso objetivo é evidenciar para você, caro leitor, que a cultura brasileira
é extremamente rica em sua diversidade e que, devido ao longo histórico
de hibridação de diferentes povos em nosso território, a definição do que
é a identidade cultural brasileira torna-se relativa e incerta, podendo variar
de tempos em tempos, de indivíduo para indivíduo, de lugar para lugar, de
cultura para cultura.

Seção 1 | Cultura e Identidade


Nesta seção, iremos conhecer os vários conceitos da palavra cultura, além
de compreender que a cultura não é estática. Você irá observar que todo
sistema cultural apresenta aspectos materiais e imateriais e que são esses
aspectos combinados que vão resultar nas singularidades de cada povo. No
correr da leitura, você entenderá que a identidade cultural, por sua vez, é um
sistema de representação das relações sociais, que envolve o compartilhamento
de patrimônios comuns. Assim, irá perceber a influência que a globalização
estabelece nas diferentes estruturas culturais pelo mundo, como evento que
pode gerar homogeneização e perda de referências locais.

Seção 2 | Identidade Nacional


Nesta seção, observaremos que a construção histórica da identidade brasileira
está conectada ao intento de estabelecer uma unidade em nossa sociedade.
U2

Você compreenderá o conceito de nação como algo que pode ser construído
historicamente, que a construção narrativa não determina que a nação seja
algo irreal e que ela não está resumida a ser apenas uma criação política, já que
pode existir o sentimento sincero de pertencimento a uma nação. Desse modo,
você irá observar que a busca ao longo do tempo por uma identidade nacional
brasileira ainda hoje permanece, sendo transformada a cada instante.

52 Identidade cultural
U2

Introdução à unidade

O que é identidade cultural? Como ela se estabelece na história e na atualidade do


Brasil? Como podemos definir uma possível identidade nacional dentro do cenário
extremamente heterogêneo que é a cultura brasileira? Essas e outras indagações
serão o norte que nos guiarão ao longo desta unidade.

Por meio deste material, você poderá identificar as particularidades que envolvem
a construção do que se entende por identidade cultural brasileira, analisando a
história e os exemplos concretos expressos nas manifestações artísticas e populares
do povo brasileiro.

Na primeira seção, "Cultura e Identidade", apresentaremos alguns termos e


características que fazem parte da noção de identidade, tais como o entendimento
de cultura, bens culturais (materiais e imateriais), globalização e identidade, sempre
tendo como norte compreender melhor a construção da identidade cultural
brasileira.

Na segunda seção, Identidade Nacional, por sua vez, realizaremos um resgate


histórico dos debates que envolveram a busca e a identificação de uma identidade
nacional tanto na literatura quando na política, para, num segundo momento, a
contrapor com a noção real, que se manifesta no indivíduo e no povo.

Identidade cultural 53
U2

54 Identidade cultural
U2

Seção 1

Cultura e identidade
Nesta seção, iremos conhecer os vários conceitos da palavra cultura, além de
compreender que a cultura não é estática. Você irá observar que todo sistema cultural
apresenta aspectos materiais e imateriais e que são esses aspectos combinados que
vão resultar nas singularidades de cada povo. No correr da leitura, você entenderá
que a identidade cultural, por sua vez, é um sistema de representação das relações
sociais, que envolve o compartilhamento de patrimônios comuns. Assim, irá perceber
a influência que a globalização estabelece nas diferentes estruturas culturais pelo
mundo, como evento que pode gerar homogeneização e perda de referências locais.

1.1. O que é cultura?


A noção de cultura teve constantes modificações no decorrer dos tempos. Em
latim, expressava o “cultivo da terra” e, simbolicamente, o cultivo do homem. O
conceito também foi conectado com o de civilização e utilizado como contrário ao
de barbárie. Civilizado era somente o homem que possuía acesso à educação. Os
indígenas e os negros no Brasil, por exemplo, eram considerados incultos, pois eram
associados a um modo de vida “primitivo” e rudimentar. Por sua vez, os europeus
que chegaram ao Brasil eram tidos como povos cultos, pois compreendia-se que a
cultura deles devia ser modelo para as demais sociedades.

Durante muito tempo no Brasil, os escravos vindos da África não puderam ou


tiveram restrições na manifestação de suas tradições. Nesse sentido, os sons e ritmos
dos batuques e das danças de origem africana eram considerados primitivos, já que
os brancos preferiam as músicas de origem europeia. Do mesmo modo, ainda hoje,
apesar da riqueza cultural e religiosa presentes no candomblé, esta prática ainda é
alvo de muito preconceito por parte da população, por conta de suas origens.

Identidade cultural 55
U2

Figura 2.1 | Baianas de Caetité – BA

Fonte: Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Baiana_(vestu%C3%A1rio)#/media/File:Caetit%C3%A9_


baianas.jpg>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Fatos como esse, entre outros, ajudaram no fortalecimento da associação da


palavra “cultura” como sendo o grau de “evolução intelectual” de um determinado
indivíduo. Porém, ela nem sempre está relacionada a um grau de evolução individual
ou coletivo. Houve uma diferenciação, no período romântico, entre cultura e
civilização. A cultura representava o intelecto, as construções imateriais (arte, ciência,
entre outros) e a civiliação estava ligada ao entendimento de progresso econômico
e tecnológico, portanto, material. Atualmente, as correntes contemporâneas da
sociologia e antropologia apresentaram uma nova maneira de se pensar a palavra
cultura, considerando que ela se estabelece como o conjunto completo das ações
humanas em uma determinada sociedade.

O conceito moderno de cultura foi formulado por Edward Tylor, em seu livro
Primitive Culture, de 1871, estabelecendo a cultura como “um complexo que
compreende os conhecimentos, as crenças e as artes, a moral, as leis, os costumes
e todos os demais hábitos ou aptidões adquiridas pelo homem na qualidade de
membro de uma sociedade” (TYLOR apud AZEVEDO, 1963, p. 31). Ou seja, podemos
dizer que cultura é tudo aquilo que rodeia e forma o indivíduo ou um grupo de
pessoas, sendo cada cultura única nas suas características.

Tylor (apud AZEVEDO, 1963) também irá dizer que não há conexão entre genética e
cultura. Cultura é todo o comportamento aprendido quando se está inserido em um
contexto especifico e não transferido geneticamente de pai para filho. Um recém-nascido
vai assimilar a cultura do ambiente em que cresceu, independentemente de sua herança
genética. A cultura é um processo acumulativo, ou seja, as experiências e os conhecimentos
são acumulados através das gerações e repassados às novas.

56 Identidade cultural
U2

Desse modo, a predominância de um tipo de vida em uma determinada


comunidade não está relacionada aos padrões genéticos, mas à construção cultural
que resiste ao longo dos anos. Podemos citar o caso do futebol no Brasil. O Brasil
é um dos países em que mais se encontra ótimos jogadores de futebol. Porém,
esse fato não está associado a uma qualidade biológica própria do brasileiro, mas à
cultura do futebol transmitida e ensinada ao longo de gerações.

Figura 2.2 | Futebol brasileiro

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Boys_playing_street_football_03.


jpg>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Portanto, podemos considerar o comportamento de um indivíduo em uma


determinada cultura depende de um aprendizado. A separação do que é feminino
e masculino, por exemplo, é resultante de um tipo de educação cultural, do
condicionamento da conduta aos padrões próprios de uma sociedade.

A ideia de que a cultura é transmitida por meio da experiência e do ensinamento é


uma das principais características de diferenciação do humano para os outros seres
da Terra. Com base nisso, em 1917, em seu artigo "O Superorgânico", Alfred Kroeber
torna mais amplo o conceito de cultura, eliminando a ligação entre o biológico e
o cultural. Ou seja, o homem diferente dos outros animais não precisa alterar seu
equipamento biológico.

Enquanto um animal que habita o Ártico, como o urso-polar, não poderia transferir-
se para um ambiente tropical, já que suas características biológicas são adaptadas
para as baixas temperaturas, contrariamente, um esquimó poderia deixar as baixas
temperaturas em que habita, apenas alterando suas vestimentas, alimentação, entre
outros hábitos, moldando-se ao novo habitat. Isto explica a presença de humanos

Identidade cultural 57
U2

em todos os cantos do planeta, cada um com uma cultura diferente da outra.

Certamente, o esquimó substituiria suas vestes pesadas e quentes por vestes


leves e frescas. Sua morada seguiria a mesma premissa e, consequentemente, os
outros aspectos culturais continuariam sendo aprimorados de acordo com o novo
habitat e logo ele estaria adaptado.

Do mesmo modo que os esquimós, os índios norte-americanos também tiveram


de criar mecanismos para suportar o frio da América do Norte, fabricando roupas
de couro que cobriam todo seu corpo, assim como ocas que os protegiam do
ambiente gelado. O índio brasileiro, por sua vez, teve de agir de acordo com o
clima tropical. Diferente dos norte-americanos, aqui, por muito tempo – e algumas
sociedades ainda preservam este costume –, os índios andavam nus ou apenas com
pequenos adereços.

Figura 2.3 | Debret, Família de um chefe Camacã se prepara para uma festa – Sem data

Fonte: Iba Mendes. Disponível em: <http://www.ibamendes.com/2012/05/blog-post_7897.html>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Figura 2.4 | Os esquimós

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alaska_and_the_Klondike_gold_


fields_-_containing_a_full_account_of_the_discovery_of_gold;_enormous_deposits_of_the_precious_metal;_routes_
traversed_by_miners;_(1897)_(14778334175).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 10 abr. 2016.

58 Identidade cultural
U2

Se você quer conhecer um pouco mais sobre as vestimentas do índio


brasileiro, acesse o site da Fundação Joaquim Nabuco e confira um texto
de Lúcia Gaspar:

GASPAR, Lúcia. Trajes e adornos de índios brasileiros. 2011.


Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.
php?option=com_content&view=article&id=833:trajes-e-adornos-de-
indios-brasileiros&catid=54:letra-t>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Todos esses mecanismos de adaptação irão compor a cultura das diferentes


sociedades espalhadas pelo globo e, devido a esta capacidade, o homem tornou-se tão
expansivo como nenhuma outra espécie animal, rompendo as barreiras das diferenças
ambientais e convertendo diversas partes do planeta em seu habitat.

Porém, é importante salientar que a cultura não é estática. Todo sistema cultural
pode sofrer transformações pelo dinamismo do próprio sistema cultural, resultando
em uma modificação que acontece naturalmente de geração para geração, por
uma transformação repentina, podendo ser causada por uma grande inovação
tecnológica ou uma catástrofe, ou por meio de aculturação, que é consequência do
encontro de uma cultura com a outra, modificando-as.

A estilista brasileira Goya Lopes tem como inspiração para a criação de


suas peças as padronagens africanas. Percebe-se aqui o encontro de
duas culturas: da moda ocidental com a moda tradicional africana. Para
conhecer mais sobre seu trabalho, acesse:

GOYA LOPES. Goya Lopes – Design Brasileiro. Disponível em: <https://


goyalopes.com.br/>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Identidade cultural 59
U2

Figura 2.5 | Processo de aculturação

Fonte: Istock – 27574047. Acesso em: 10 abr. 2016.

60 Identidade cultural
U2

Um exemplo de aculturação deu-se pela incorporação de padrões alimentícios


de costume indígena pelo colonizador português, como a farinha de mandioca.
Como aponta Freyre (2008, p. 191), “foi completa a vitória do complexo indígena da
mandioca sobre o trigo: tornou-se a base do regime alimentar do colonizador [...]”.
Assim como hábitos de higiene, como os banhos frequentes e a utilização da rede,
padrões culturais que ainda hoje possuímos como herança.

Além disso, a presença indígena também pode ser observada na nossa


língua, em palavras de origem tupi, como: Ubirajara, Paraná, Sergipe, Piratininga,
Pindamonhangaba, Anhanguera, Araraquara, Ubatuba, carioca, entre outras.

Contudo, é preciso observar que o contato do colonizador português provocou


mudanças mais drásticas na cultura dos povos indígenas do que a cultura indígena
sobre a europeia. Um exemplo seria as missões jesuítas que estabeleceram escolas
em aldeamentos indígenas. “A função das escolas jesuítas era fazer com que os
indígenas se distanciassem de suas culturas, adotando os costumes e os modos de
vida dos europeus” (FREIRE, 2013, p. 18), com a imposição da religião católica e do
idioma português.

Figura 2.6 | Vitor Meirelles, Primeira missa no Brasil – 1861

Fonte: Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Victor_Meirelles#/media/File:Meirelles-primeiramissa2.jpg>.


Acesso em: 10 abr. 2016.

Para conhecer mais da obra de Drebet, artista que registou, por meio de
suas obras, a vida e os costumes dos índios, negros e europeus no Brasil,
acesse o acervo da Enciclopédia Itaú Cultural:

Identidade cultural 61
U2

ITAÚ CULTURAL. Debret. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.


org.br/pessoa18749/debret>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Seja de maneira impositiva, como aconteceu em relação ao índio brasileiro, ou


naturalmente, pelas mudanças espontâneas ligadas às novas gerações, toda cultura
estará em constante mutação, por mínima que possa parecer. Tais transformações,
bem como as tradições que permanecem, são percebidas por meio dos bens
culturais, de caráter material ou imaterial, como veremos a seguir.

Bens culturais: aspectos materiais e imateriais da cultura brasileira

Todo povo é possuidor e produtor de patrimônio cultural. Mas o que Brasil,


acesse, portanto, o patrimônio cultural de um povo? Segundo o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), tendo como referência a cultura
brasileira, patrimônio cultural são os bens “de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (IPHAN, 2014,
on-line).

Ainda segundo o IPHAN (2014, on-line), sob essa definição de patrimônio cultural,
conclui-se que:

[...] estão as formas de expressão; os modos de criar, fazer


e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Ou seja, patrimônio cultural é tudo aquilo que é produzido, transformado e


propagado por uma determinada sociedade, seja pelo viés da ciência, das artes,
do meio natural, arquitetônico, entre outros, podendo ser de caráter material ou
imaterial.

Os bens materiais são os objetos ou os símbolos presentes no contexto


de determinada sociedade que são elementos importantes na identificação e

62 Identidade cultural
U2

preservação das identidades, podendo estar ligados à arquitetura, às vestimentas,


aos monumentos e aos objetos, artísticos ou não.

Um exemplo de bem material em nosso país, e que constitui uma parte da


identidade cultural nacional, é a cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais. Devido à
sua importância histórica e artística, Ouro Preto, com suas belas igrejas do período
barroco, o artesanato local característico e a forte presença de grandes nomes da
arte brasileira, tornou-se um dos principais representantes da cultura brasileira.

Figura 2.7 | Cidade de Ouro Preto

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Ouro_Preto#/media/File:OuroPreto1-


CCBYSA.jpg>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Os bens imateriais, por sua vez, são:

[...] práticas e domínios da vida social que se manifestam em


saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de
expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares
(como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas
culturais coletivas) (IPHAN, 2014).

Identidade cultural 63
U2

Podemos dizer que os bens imateriais condizem às experiências ligadas aos


processos de constituição e vivências culturais de um povo, no modo como se
relacionam com as tradições, com os novos valores e com o meio ambiente.
Uma das características dos bens imateriais é a capacidade de serem transmitidos
oralmente de geração para geração, tornando-se parte da identidade de um grupo.

Podemos citar a roda de capoeira, expressão genuinamente brasileira, com fortes


influências de matrizes africanas, como um importante bem imaterial de nossa
cultura. A capoeira se expressa na união dos cantos, dos sons dos atabaques e nos
berimbaus, na ginga e nos golpes marciais. Apesar de ter música, a capoeira não é uma
dança, como muitos pensam, mas uma luta disfarçada de dança, que, no passado,
servia como um treinamento corporal para enfrentar os capangas dos donos de
engenho. A capoeira também tem relação com as religiões africanas, expressas por
meio dos cantos e dos instrumentos. É considerada um dos principais símbolos do
Brasil, sendo tombada como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Figura 2.8 | Roda de capoeira: um bem imaterial da cultura brasileira

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://br.wikimedia.org/wiki/Arquivo:Capoeira_Luanda_Houston..jpg>. Acesso


em: 10 abr. 2016.

Além da capoeira, podemos citar também o samba, as práticas artesanais


indígenas, as folias de reis, o ofício das baianas do acarajé, a tradição gaúcha, entre
tantas outras tradições e manifestações culturais de caráter imaterial.

Podemos definir, portanto, que, enquanto os bens imateriais são os saberes, os


costumes e as tradições em si, os bens materiais são as manifestações concretas
dessas práticas, na forma de produtos físicos e perecíveis, sendo ambos elementos
importantes na constituição das identidades culturais.

64 Identidade cultural
U2

Em seu site, o IPHAN possui uma listagem de diversos bens materiais e


imateriais do Brasil, acompanhados de textos e imagens. Acesse e confira!

IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível


em: <http://portal.iphan.gov.br/>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Identidade cultural

Identidade cultural pode ser entendida como os aspectos próprios de cada cultura,
aquilo que a distingue das outras, tornando-a única e singular, manifestando-se por
meio dos bens materiais e imateriais.

A formação da identidade cultural ocorre pelos fenômenos que podem abranger


uma vasta quantidade de acontecimentos que vão desde o idioma, passando pelas
religiões e crenças, as artes, a arquitetura, a culinária, as festividades, entre outros.
Consideramos, dessa forma, que a identidade cultural é um sistema de representação
das relações sociais, envolvendo o compartilhamento de patrimônios comuns,
sendo um processo dinâmico e de fluxo entre a tradição e as inovações, entre aquilo
que permanece e aquilo que é agregado como novo.

A hibridação na formação das identidades culturais

Com o crescimento das sociedades modernas, houve uma enorme preocupação


que os avanços tecnológicos, econômicos e políticos colocassem em ameaça
as identidades das culturas tidas como tradicionais. Nesse contexto, estudos
antropológicos determinavam a preservação das tradições, de modo que essas
devessem se preservar do contato com as influências do mundo globalizado, como
única forma de sobrevivência dessas culturas.

Porém, Canclini (1997) e outros antropólogos contemporâneos irão propor


uma visão diferente dessa. Segundo o autor, “essa expansão modernizadora não
conseguiu apagar o folclore. Muitos estudos revelam que nas últimas décadas as
culturas tradicionais se desenvolveram transformando-se” (CANCLINI, 1997, p. 215).
Sendo assim, apesar da forte influência da globalização e do multiculturalismo, as
culturas tradicionais ainda estão presentes e, mesmo aquelas que passaram por
transformações decorrentes da globalização, não foram suprimidas, mas assumiram
novas formas de interagir com o mundo que as rodeiam.

Identidade cultural 65
U2

No momento atual de globalização, Canclini (1997) aparece como importante


pesquisador do meio cultural, principalmente na América Latina. O pesquisador
emprega o termo híbrido para suas reflexões sobre identidade cultural na sociedade
contemporânea. O termo abriga adequadamente em si a noção de mistura cultural,
entre o tradicional e o moderno, como também entre o popular, o culto e o massivo.

O hibridismo está fundamentado na concepção de que as diferentes culturas


se misturam para construir novas identidades culturais. Assim, não é mais possível
considerar a cultura e as identidades como um patrimônio cristalizado. Mesmo no
passado, muito antes da era da globalização, diferentes culturas já trocavam saberes
e experiências, fazendo com que se modificassem de forma natural ou impositiva,
como vimos no início dessa unidade, sobre as trocas culturais entre os índios e os
portugueses.

A hibridação sociocultural não é uma simples mescla de


estruturas ou práticas sociais discretas, puras, que existiam em
forma separada e, ao combinar-se, geraram novas estruturas e
novas práticas. Às vezes isto ocorre de modo não planejado, ou
é o resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos
ou de intercâmbio econômico ou comunicacional (CANCLINI,
1997, p. 113).

Figura 2.9 | Hibridismo cultural: roda de capoeira

Fonte: Istock - 15585552. Acesso em: 10 abr. 2016.

66 Identidade cultural
U2

De algumas décadas pra cá, notamos, por exemplo, a forte presença da música
americana no Brasil, como o rock e hip-hop. Estes estilos musicais, ao serem
introduzidos na cultura brasileira, tiveram de passar por adaptações, recebendo
influências da cultura vigente por aqui. O grupo Os Mutantes criou um estilo próprio
por meio da junção do rock (tendo como marca a guitarra elétrica) com as canções
populares do Brasil, característica típica do movimento tropicalista do qual faziam
parte. Já no hip-hop, grupos e cantores brasileiros, como Racionais Mcs, Emicida
e Criolo, apropriaram-se desse estilo musical norte-americano para narrar fatos
relacionados à cultura, política e questões sociais próprias de nosso país.

Figura 2.10 | O rapper Criolo

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://br.wikimedia.org/wiki/Arquivo:25o_Premio_da_Musica_Brasileira_


(14168094466).jpg>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Se quiser conhecer mais sobre a música de Criolo, acesse o site oficial


do artista:
CRIOLO. Criolo – Ainda há tempo. Disponível em: <http://www.criolo.
net/aindahatempo/>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Com base no conceito de hibridismo e nos exemplos citados, podemos perceber


que, hoje, as identidades passaram a ser compreendidas de forma ampliada e
flexível, podendo, por meio desses entrecruzamentos, serem criadas expressões
extremamente ricas. Sobre isso, o antropólogo francês Michel Agier irá atestar
que a identidade de uma cultura é afirmada “[...] enquanto todas as culturas são
produtos mestiços em transformação. E, quanto mais misturados, há mais trocas,

Identidade cultural 67
U2

mais riquezas e inovações dessa cultura" (AGIER apud DAMASCENO, 2010, p. 821).
O mesmo autor apresenta a tradição como um elemento inventivo e a identidade
como algo que se mantém em construção, manifestando-se de forma “múltipla,
inacabada, instável, sempre experimentada mais como uma busca que como um
fato” (AGIER, 2001, p.10).

Você já imaginou quais são os elementos culturais que


constituem a sua identidade?

A pluralidade cultural tem cada vez mais influenciado na formação das identidades
dos indivíduos, tornando-os cada vez mais fragmentados e múltiplos. Conforme Hall
(2000, p. 12): “O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e
estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias
identidades”.

A cultura, tendo como base essa linha de pensamento, consiste em um amplo


campo de significações, que foi e está sendo construído constantemente pelos
indivíduos ao correr das gerações. As várias identidades – coletivas e individuais
– convertem os elementos desse amplo campo de significações em múltiplos e
até divergentes. Assim, o percurso entre cultura e identidade é complexo, social e,
principalmente, plural.

1.2 A Globalização, a cidade e as identidades


Por vezes, um comportamento está tão enraizado em determinada cultura que
se torna difícil perceber a influência que a globalização estabelece nas diferentes
culturas espalhadas pelo mundo. A proximidade com outros idiomas e com a
culinária de outros povos faz com que alguns comportamentos se tornem habituais.
Por exemplo, comemos hot dog e fast food tão frequentemente que não nos damos
conta de que sua origem é norte-americana, e que hoje está espalhada por todos os
cantos do globo.

68 Identidade cultural
U2

Figura 2.11 | Globalização

Fonte: Istock – 16630194. Acesso em: 10 abr. 2016.

Outro exemplo simples desse comportamento está no uso de palavras estrangeiras,


incorporação denominada de estrangeirismo. O empréstimo de palavras originárias
do idioma inglês, como shopping, delivery, diet, internet entre outras, aparecem em
nosso cotidiano de modo tão banal que não nos atentamos para sua origem. Tudo
isso é consequência direta da globalização.

Stuart Hall (2000, p. 75) aponta a globalização como um evento integralizador


que ultrapassa fronteiras nacionais:

A globalização se refere àqueles processos, atuantes


numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais,
integrando e conectando comunidades e organizações em
novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo,
em realidade e em experiência, mais interconectado. A
globalização implica um movimento de distanciamento da
ideia sociológica clássica da sociedade como um sistema
bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que
se concentra na forma como a vida social está ordenada ao
longo do tempo e do espaço.

Identidade cultural 69
U2

Sobre a globalização, Hall (2000) afirma que ela colabora para que as identidades
percam suas referências locais, levando a uma homogeneização de culturas, já que
a globalização integra todas as diferentes identidades culturais em um único local.
Sobre homogeneização e a perda de referências locais, escreve Hall (2000, p. 69):

As identidades nacionais estão se desintegrando, como


resultado do crescimento da homogeneização cultural e do
“pós-global”. As identidades nacionais e outras identidades
“locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela
resistência à globalização. As identidades nacionais estão em
declínio, mas novas identidades – híbridas – estão tomando
seu lugar.

Assim, nesse único local onde todas as diferentes identidades culturais são
integradas e postas, novas maneiras de conhecimento, de cultura e de identidades
podem se manifestar de modo híbrido.

Nesse contexto, os cenários urbanos possibilitam um ambiente propício para


a construção de identidades híbridas. As cidades se estabelecem como locais de
amplo convívio e relacionamento, por isso nelas são produzidas manifestações
significativas, além de criações culturais novas provenientes de mesclas culturais. É
só andarmos alguns minutos pelas ruas de uma grande cidade brasileira para termos
contato com dezenas de vestígios de culturas vindas de outros países e que se
tornam comuns em nosso dia a dia.

Vemos o restaurante japonês, o vendedor de esfiha árabe, o outdoor de uma


marca estrangeira de roupas, o prédio com a mesma arquitetura presente em outros
países, o desenho animado norte-americano sendo transmitido na TV, as notícias
da guerra na Síria no jornal local e pessoas que passam por nós falando o idioma
espanhol. Ou seja, estamos cotidianamente em contato com uma enorme carga de
informação e somos influenciados pelos produtos que vêm de fora.

Agier (apud DAMASCENO, 2010, p. 828) estabelece que:

[...] os contextos urbanos, os processos urbanos, eles


experimentam de maneira muito explícita os processos sociais,
em geral. Hibridação, mestiçagem, fundação de lugares,
relação de identidade e alteridade, etnicidade [...], o próprio
contexto urbano é o encontro, eventualmente o conflito, o
encontro com o outro.

70 Identidade cultural
U2

Portanto, o meio urbano intensifica os encontros de diferentes culturas. Essas


carregam em si suas peculiaridades, ou seja, suas identidades – as características
étnicas, regionais, religiosas, entre outras. Os encontros atuam modificando as
características originais dessas culturas. Assim, “as identidades são relacionais e
mudam em cada relação” (REIS, 2006, p. 12).

Figura 2.12 | A cidade: encontro de diferentes culturas

Fonte: Istock – 15907064. Acesso em: 10 abr. 2016.

Identidade cultural 71
U2

Mas por que a cidade tornou-se o terreno mais fértil para o contato entre culturas
e surgimento de novas identidades? Simples: a cidade é o local único e exclusivo
do ser humano. Como homens, compartilhamos uma identidade comum, a de
humanos. E esse minúsculo grau de identidade nos possibilita dialogar com todos
os outros humanos. Esse atributo particular humano instala o entendimento, mesmo
que mínimo, entre todas as culturas e os diferentes cenários a que viermos nos
relacionar.

1. O que podemos compreender por bens de origem material


e bens de origem imaterial?

2. Com base no texto, o que podemos entender por identidade


cultural?

72 Identidade cultural
U2

Seção 2

Identidade nacional
Nesta seção, observaremos que a construção histórica da identidade brasileira
está conectada ao intento de estabelecer uma unidade em nossa sociedade.
Você compreenderá o conceito de nação como algo que pode ser construído
historicamente, que a construção narrativa não determina que a nação seja algo irreal
e que ela não está resumida a ser apenas uma criação política, já que pode existir o
sentimento sincero de pertencimento a uma nação. Desse modo, você irá observar
que a busca ao longo do tempo por uma identidade nacional brasileira ainda hoje
permanece, sendo transformada a cada instante.

2.1 Construção histórica da identidade brasileira


Na atualidade, sabemos que o Brasil é formado por uma gama de culturas que se
entrecruzaram ao longo de nossa história. No entanto, houve momentos em que se
buscou a negação dessa grande mistura que é nosso país. Em certo momento de
nossa história, depois de já estabelecida a presença das culturas indígenas, negras
e portuguesas, o processo de construção histórica da identidade brasileira esteve
conectado ao intento de se constituir uma unidade em nossa sociedade, tendo a
inauguração da preocupação em traçar uma identidade própria brasileira.

Antes da Independência, em 1813, José Bonifácio, para muitos, o patriarca da


independência e um dos incentivadores do movimento abolicionista, atenta para
as adversidades culturais e sociais envolvendo negros, índios e europeus. Usando
a expressão “amalgamação”, discorre sobre como seria difícil a tarefa de reunir a
diversidade brasileira em um mesmo Estado. “Amalgamação muito difícil será a liga
de tanto metal heterogêneo, como brancos, mulatos, pretos livres e escravos, índios,
etc. em um corpo sólido e político” (SILVA, 1813, p. 2).

Identidade cultural 73
U2

Figura 2.13 | Debret, uma senhora brasileira em seu lar – 1823

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa18749/debret>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Logo após a Independência do Brasil, a luta de José Bonifácio se concentrou


na transformação de uma ex-colônia em uma sociedade civilizada. No entanto,
segundo Miriam Dolhnikoff, o interesse de Bonifácio era o da “homogeneidade
cultural, racial e do estatuto civil e político da população, a fim de viabilizar a nação
e constituir uma identidade nacional, com ordem interna e desenvolvimento
econômico, em benefício da própria elite” (1996, p. 1). Ou seja, sua preocupação
era, em um país formado por diferentes culturas, desenvolver uma unidade nacional
segundo os padrões europeus e em benefício da burguesia. Apesar de lutar pelo fim
da escravidão e pela independência, estava claro que sua intenção não era beneficiar
as classes exploradas e o desenvolvimento do Brasil, mas sim uma pequena parcela
da população.

No século XIX, período em que as pesquisas historiográficas passam a ganhar


força na Europa, é criado no Brasil, sob o domínio do Estado, em 1838, o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), com o intuito de revisitar (agora não mais
sob a ótica de europeus) e pensar a história do Brasil, a fim de garantir ao país, como
afirma Manoel Guimarães, “uma identidade própria no conjunto mais amplo das
‘Nações’, de acordo com os novos princípios organizadores da vida social do século
XIX” (1988, p. 2). Ou seja, com o IHGB e suas pesquisas históricas, juntamente com
a produção artística e literária da época, pretendia-se “moldar a personalidade do
Estado-nação no Brasil” (ROUSTON ROUSTON JUNIOR, 2010, p. 37), reconhecendo
uma cultura e criando uma identidade para o jovem país.

74 Identidade cultural
U2

Figura 2.14 | Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)

Fonte: IHGB. Disponível em: <https://www.ihgb.org.br/ihgb/historico.html>. Acesso em: 10 abr. 2016.

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, além de publicar a Revista do


Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), possui em seu portal
o conteúdo histórico desde sua primeira edição, de 1838, integralmente
digitalizado e disponível. Acesse:

IHGB. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Disponível em: <https://


www.ihgb.org.br/>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Nesse processo, foi convocada a exaltação de personagens típicos e heróis


nacionais como símbolos da identidade nacional. Na historiografia, assim como na
literatura romântica, o índio surge como símbolo nacional.

A temática do indígena reforçaria também a questão de que,


além do desejo de se fundar uma historiografia nacional e
original, havia a intenção de não apenas ensinar e divulgar
conhecimentos, como também formular uma história que,
a exemplo dos demais modelos europeus, se dedicasse à
exaltação e glória da nação (ROUSTON JUNIOR, 2010, p. 40).

Identidade cultural 75
U2

Enquanto cabia à historiografia o resgate da história, a fim de se construir as


bases para um futuro, será por meio da literatura, e também das artes plásticas, que
a figura indígena, do mameluco e outras serão extensamente exploradas na tentativa
mitificadora de se estabelecer os traços característicos da cultura brasileira.

No romance Iracema (1865), de José de Alencar, o personagem Moacir surge


como filho da índia Iracema e do português Martim. Moacir aparece na época como
a personificação da mistura entre raças e culturas presentes no país. O nacionalismo
do Romantismo também é representado por meio de uma valorização da paisagem
natural, bem como do passado histórico. Nas pinturas de Vitor Meirelles – que produziu
obras no estilo neoclássico e romântico –, podemos encontrar a representação do
índio – como no quadro "Moema" –, dos temas históricos – presentes na obra A
primeira missa no Brasil – e a paisagem – em algumas de suas aquarelas.

Porém, apesar dessa exaltação do índio como símbolo do Brasil, na prática,


o desfecho será diferente. As culturas indígena e negra, de acordo com o projeto
histórico pretendido pelos governantes, deveriam ser incorporadas aos padrões
ligados a uma cultura europeia. Em Iracema (1865) e em O Guarani (1857), ambos de
José de Alencar, os índios idealizados aparecem como “bons selvagens, belos, fortes,
livres e plenamente subservientes ao branco” (ROUSTON JUNIOR, 2010, p. 45). Tanto
nessas quanto em outras obras da literatura, não apenas os nativos, mas também a
natureza são apresentados subservientes ao homem europeu e sua cultura.

Em substituição ao primitivismo romântico, nos anos de 1870, em decorrência


de transformações econômicas e sociais, as ideias do positivismo e evolucionismo
chegam ao Brasil, favorecendo a construção da identidade a partir de um viés
cientificista. O político e crítico literário Silvio Romero, inspirado por essas duas
correntes, propõe que o caráter nacional se desenvolve em função do ambiente e
da raça. A partir de um discurso redutor, Romero diz que o brasileiro é uma sub-raça,
formada por duas raças inferiores – indígena e negra – e uma superior – a branca.
Para ele, a solução para a nação seria o embranquecimento da população, com a
chegada dos imigrantes europeus.
Figura 2.15 | Medeiros, "Iracema" – 1881

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra3043/iracema>. Acesso em: 10 abr. 2016.

76 Identidade cultural
U2

As ideias de Romero serão contrapostas pela literatura de Machado de Assis. Ainda


na segunda metade do século XIX, Machado de Assis, considerado o introdutor do
Realismo no Brasil, apresenta o índio e o negro de forma mais realista e menos
idealizada e estereotipada, do mesmo modo que desconstrói a visão evolucionista
de Romero. No texto "Instinto de Nacionalidade", publicado nos EUA, Machado de
Assis critica “o afã de mostrar brasilidade, expressão do projeto romântico” (SILVA,
2011, p. 15).

Segundo Silva (2011, p. 15), o interesse de Machado de Assis não era “tirar o índio
da literatura, nem fazer dele seu único assunto”. Para ele, o indígena, assim como
o negro e branco, faz parte da realidade brasileira, portanto deve estar na literatura,
sem a necessidade de se criar idealizações ou exclusões. Machado de Assis destaca
a beleza e esplendor da cultura indígena e negra, sem necessariamente tratá-las de
forma estereotipada e exótica.

No início do século XX, questões ligadas à nacionalidade brasileira tiveram


continuidade com novos literatos. Com a obra Os Sertões (1902), Euclides da Cunha,
a partir da figura do sertanejo, irá desvendar uma região pouco conhecida do Brasil,
o interior, distante do engenho e da escravidão. O sertanejo, distante do litoral e
das cidades de importância econômica, e, ainda, herdeiro do sangue indígena e
europeu, representaria uma espécie de brasileiro genuíno.

Nesse momento, destacam-se diversos cronistas, como Lima Barreto e João


do Rio, que se utilizarão da literatura como veículo de crítica à sociedade e suas
desigualdades.
Figura 2.16 | Landseer, sertanejo ou vaqueiro do sertão de pernambuco – Sem data

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra20458/certanejo-or-cattle-driver>. Acesso


em: 10 abr. 2016.

Identidade cultural 77
U2

Em 1920, questões referentes à identidade cultural brasileira assumem uma nova


cara com o Modernismo. O escritor Mário de Andrade elabora, em seu romance
Macunaíma (1928), a representação do multiculturalismo brasileiro. O personagem
Macunaíma agrega em si peculiaridades das três raças: a branca, a negra e a indígena.
Macunaíma é um anti-herói e, ao contrário do índio encontrado em José Alencar
e do sertanejo de Euclides da Cunha, não possui apenas qualidades. E assim, na
ambiguidade, o personagem exprime que a busca pela identidade é singular e não
segue parâmetros definidos.

As ideias modernistas também estavam presentes na obra do compositor erudito


Heitor Villa-Lobos, que incorpora elementos da cultura popular brasileira. Juntamente
com Mário de Andrade, ele será um dos principais responsáveis pela inserção do
ensino de música nas escolas, sobretudo por meio do canto orfeônico. Em sua obra
"Bachianas Brasileiras" fica evidente a mistura entre o estilo erudito e a música popular.

Figura 2.17 | Amaral, "O Batizado de Macunaíma" – 1956

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2489/o-batizado-de-macunaima>. Acesso


em: 10 abr. 2016.

Entre os séculos XIX e XX, o Brasil irá presenciar uma forte onda da chegada
de novos imigrantes vindos da Europa, da Ásia e da África. Da Europa veio uma
quantidade significativa de italianos, suíços e alemães. Do Oriente Médio e de
países do norte da África vieram judeus, sudaneses e libaneses. Chegou ao Brasil,
também, um grande número de japoneses, que se deslocaram na tentativa de fugir
do sofrimento causado pelas guerras. A vinda desses povos fez com que a cultura
brasileira se tornasse ainda mais heterogênea e, consequentemente, diversificada.

No século XX, surgiu, também, um novo ideal nacionalista, estimulado por

78 Identidade cultural
U2

diversos fatores, como a Primeira Guerra Mundial, o processo de industrialização


e urbanização, o surgimento do partido comunista e a crise de 1930. Segundo
Damião da Silva (2002, p. 1), “era necessário um ideário que pudesse dar conta de
tantas modificações e o elemento que mais se identificou com todo esse processo
de modificações foi, exatamente, o nacionalismo”. Ainda segundo o autor, nesse
período, ao contrário do nacionalismo europeu, que teve sua base nas classes
menos favorecidas, no Brasil, foram os militares os principais articuladores dessa
nova onda, sob uma ideologia positivista e autoritária.

O nacionalismo brasileiro no século XX, juntamente com outros fatores decisivos


já apontados, caminhou junto com a ascensão do poder das forças armadas, que
culminou no golpe de 1937, de Getúlio Vargas, dando início ao Estado Novo. O
sentimento nacionalista chegou a diversos setores da sociedade, como a educação,
a ciência e a cultura.

Nesse período, surgiram artistas e escritores que traziam em seus trabalhos uma
discussão sobre a formação da cultura e da raça brasileira, que está expressa nas obras
de dois importantes autores. O primeiro, Gilberto Freyre, em seu livro Casa-Grande
& Senzala (1933), apresenta a mestiçagem do povo brasileiro de maneira positiva.
Assim como ele, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1936), também
não compreende a miscigenação como um elemento danoso na construção da
raça brasileira.

Figura 2.18 | Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1785/gilberto-freyre>. Acesso em: 10 abr.


2016.

Os dois autores mencionados anteriormente buscaram investigar a formação da


sociedade brasileira. Eles usaram diversos tipos de documentos de pesquisa, como
diários, e elementos psicológicos, como a crença e a sexualidade, para sustentar suas
reflexões, reestruturando ou contestando a história oficial do Brasil até então concebida.

Identidade cultural 79
U2

Segundo Reis (1999, p. 118), Sérgio Buarque de Holanda deseja legitimar “a inclusão
de negros, índios, mulheres, pobres de todo tipo, enfim, de todos os marginalizados
da sociedade oligárquica, do passado, os quais deverão ser integrados à sociedade
brasileira no futuro” e, para Dias (1998, p. 16), ao se atentar para documentos e
elementos não utilizados em pesquisas históricas no Brasil em determinado período,
ele “enfatizava o provisório, a diversidade, a fim de documentar novos sujeitos
eventualmente participantes da história”.

Figura 2.19 | Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35533/raizes-do-brasil>. Acesso em: 10 abr.


2016.

Para Sérgio Buarque de Holanda, todos os indivíduos componentes da nação,


sejam aqueles que fazem parte da elite, os intelectuais ou, principalmente, os
marginalizados, precisariam ser incorporados na história brasileira, pois somente
uma pluralidade de visões poderia conceber diversos entendimentos, ou seja, não
seria estabelecida uma única verdade, acabada e perfeita, mas múltiplas verdades
que coexistiriam se completando, sem causar a invalidação de nenhuma.

A influência militar sobre o Estado brasileiro atingiu seu ponto mais crítico com
a instauração da ditadura militar, em 1964. Dando continuidade à divulgação e
exaltação do nacionalismo, que passava por fortes interesses políticos, e rechaçando
qualquer discurso que contestasse o que lhes era conveniente, o governo passou
a se utilizar da repressão policial e censura, com o intuito de manter seu poder
inabalável frente às massas. Nesse sentido, vemos o surgimento de uma sociedade
brasileira, com seus artistas, intelectuais e jornalistas, privada de se expressar
livremente, pois qualquer opinião desfavorecida pelos governantes poderia levar a
sérias consequências, tais como o exílio, a prisão e, até mesmo, a tortura.

80 Identidade cultural
U2

Figura 2.20 | A censura e a ditadura militar

Fonte: Portal R7. Disponível em: <http://bedelho.r7.com/editorial-o-desejo-de-censura/>. Acesso em: 10 abr. 2016.

Nos anos 1980, com a redemocratização, o Brasil se afastou do autoritarismo


e conservadorismo dos períodos de 1930-1940 e 1960-1970. Há, a partir daí, o
desenvolvimento do raciocínio do mercado globalizado, refletindo, assim, em um
predomínio da ideia liberal de que todos os indivíduos são iguais diante do mercado,
um conceito de identidade nacional distante da lógica unificada e integralizada
observada nos períodos anteriores.

Portanto, podemos observar o conceito de nação como algo que pode ser
construído historicamente, conduzindo as ações e se fixando como afirmação,
imposição ou desvalorização de identidades culturais. Atualmente, a compreensão
do que seria a identidade do povo brasileiro experimenta uma reavaliação, indicando
o pluralismo e a inserção de manifestações culturais marginalizadas e excluídas do
processo histórico indenitário. Nesse cenário, tem-se percebido, por exemplo, uma
grande valorização das expressões culturais provenientes das periferias e favelas.

Desse modo, podemos concluir que, apesar do longo histórico do Brasil como
um país miscigenado, ainda existem o esforço e a necessidade de inserção de
determinadas culturas, ainda excluídas e tidas como inferiores a outras. Tal esforço
tem surtido efeitos positivos para a cultura brasileira, tornando-a, além de diversificada,
também inclusiva, democrática e igualitária.

Identidade cultural 81
U2

Figura 2.21 | Graffiti na Favela do Vidigal (Rio de Janeiro)

Fonte: Pinterest. Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/352828952029106247/>. Acesso em: 10 abr. 2016.

2.2 O Que é ser brasileiro?


Diante de uma forte influência das criações historiográficas referentes à identidade
nacional, em que lugar estaria o povo e o indivíduo com suas visões nesse processo?
Poderíamos determinar a identidade de um povo ou de uma pessoa conforme o
que fora estabelecido por interesses políticos e econômicos dos governantes, ou
idealista, a partir de escritores e historiadores?

Para Hall, existe o que ele nomeou de “narrativa da nação” (2000, p. 52),
propagada por meio das histórias e da literatura, nos meios de comunicação e
na cultura popular de um país. Já Reis (2006, p. 26) irá dizer que “a narrativa não
coincide ingenuamente com o real, não representa o que de fato ocorreu. Ela é uma
construção do historiador”.

Contudo, é necessário entender que a construção narrativa não determina que


a nação seja algo inventado, imaginado ou irreal, e sim que ela seja uma construção
simbólica e subjetiva, gerando e mantendo “linguagens, códigos, imagens, eventos,
personagens históricos, datas históricas” (REIS, 2006, p. 17), produzindo referências
internas e externas. “Talvez a identidade nacional popular seja um ‘sonho coletivo’,
‘uma imaginação compartilhada’, o que está longe de ser irreal e irrelevante” (REIS,
2006, p. 16).

82 Identidade cultural
U2

Ou seja, tentar formular uma definição para o que é ser brasileiro, ou o que
consiste a identidade do povo brasileiro, é algo difícil de ser atingido, pois tanto no
nível individual quanto no coletivo as noções de identidade e de pertencimento são
extremamente subjetivas e circunstanciais. Portanto, a identidade, segundo Coracini
(2003, p. 203):

[...] não é inata nem natural, mas naturalizada, através de


processos inconscientes, e permanece sempre incompleta,
sempre em processo, sempre em formação. O sujeito é,
assim, fruto de múltiplas identificações – imaginárias e/ou
simbólicas – com traços do outro que, como fios que se tecem
e se entrecruzam para formar outros fios, vão se entrelaçando
e construindo a rede complexa e híbrida do inconsciente e,
portanto, da subjetividade.

Nesse sentido, a identidade não pode ser percebida como essência fixa de uma
determinada sociedade, mas como algo fluido e inconstante, “como um processo
nunca completado e sempre transformado” (REIS, 2006, p. 16).

Talvez você possa considerar que o futebol ou o carnaval represente a identidade


nacional, ou discordar, pelo simples fato de não gostar de futebol. O sentimento de
pertencimento a uma nação pode não emergir em todas as diversas situações e,
também, pode gerar discordâncias entre o que significa ser ou não brasileiro. Assim,
podemos compreender que a noção de pertencimento ligada à identidade pode ou
não ser assumida ou adquirida pelos indivíduos de uma determinada comunidade,
pois é apenas mais um sentimento de identificação presente no vasto campo de
significações de determinada cultura, do mesmo modo que, em um espaço em que
a pluralidade cultural é fator substancial, definir a identidade de um povo torna-se um
procedimento complexo e, em muitos casos, redutor.

1. Qual o propósito da criação do Instituto Histórico e


Geográfico Brasileiro (IHGB)?

2. Durante o Romantismo, houve um interesse de artistas e


escritores pela figura indígena como símbolo idealizado de

Identidade cultural 83
U2

uma identidade brasileira. Porém, Machado de Assis propõe


uma visão do índio sob um ponto de vista que diverge dos
seus antecessores. Explique.

Nesta unidade, observamos que não há conexão entre genética e


cultura, ou entre o biológico e o cultural. Além disso, observamos
que a cultura depende da transmissão dos saberes, seja entre
gerações ou culturas diferentes. Vimos também que o homem
usa sua capacidade de adaptação cultural para converter diversas
partes do planeta em seu habitat.

Você pôde perceber que a cultura é dinâmica, que a aculturação


é consequência do encontro de uma cultura com a outra,
fazendo com que a identidade cultural seja compreendida
como um sistema movente e fragmentado. Assim, a cultura e as
identidades não são um patrimônio cristalizado.

Também abordamos a importância dos cenários urbanos


como um ambiente propício para a construção dos processos
indenitários, pois intensificam os encontros, as relações. Ao final,
concluímos que o sentimento de identidade nacional e cultural
é relativo, seja no nível pessoal ou coletivo, podendo variar
conforme o contexto e o sentimento de pertencimento.

O percurso que vai da cultura para a identidade e seu recíproco,


como observamos ao longo da unidade, é complexo, social e,
principalmente, plural. Para estender seu conhecimento sobre
cultura e identidade cultural, o livro Cultura - Um Conceito
Antropológico, de Roque de Barros Laraia, pode ser de ótima
ajuda. O livro introduz o leitor, de forma didática, clara e simples,
ao assunto.

84 Identidade cultural
U2

1. Sobre a questão da identidade cultural brasileira, considere


as afirmações a seguir:
I – É essencialmente plural e híbrida, devido a sua diversidade
cultural.
II – Tem como principais estruturas culturais a indígena, a
negra e a europeia.
III – É fixa e imutável, pois nunca houve em nosso país grande
miscigenação que pudesse abalar as tradições.
IV – Hoje, é totalmente dominada pela influência norte-
americana, que impôs seu estilo de vida aos brasileiros,
apagando as culturas locais.

Com base nas afirmações, estão corretas:


a) I, apenas;
b) I e II, apenas;
c) I, II e IV, apenas;
d) I, II, III e IV;
e) III e IV, apenas.

2. Com base nos conteúdos debatidos no texto, sobre o


conceito de hibridismo proposto por Canclini, é correto
afirmar que:
a) está relacionado às misturas genéticas no entrecruzamento
de raças distintas;
b) faz menção às misturas e às diversidades culturais, em
especial no período da globalização;
c) hibridismo cultural é algo negativo, pois elimina as tradições
e os antigos costumes;
d) refere-se unicamente à mistura cultural entre índio, negro
e branco no Brasil;
e) para Canclini, essa noção não passa de um sentimento
utópico.

3. Entre os séculos XIX e XX, qual evento afetou de maneira


significativa a cultura brasileira?
a) A influência da cultura de massa, propagada por meio da
TV e da internet.
b) A ditadura militar; com o seu programa nacionalista.

Identidade cultural 85
U2

c) A influência norte-americana que, no século XIX, tornou-se


o modelo cultural para todo o mundo.
d) A Semana de Arte Moderna, que promoveu os novos rumos
da arte brasileira.
e) A imigração de povos vindos da Europa e Ásia, trazendo
consigo seus costumes e tradições.

4. A partir dos anos 1920, surgiu também um novo ideal


nacionalista, estimulado por diversos fatores como a Primeira
Guerra Mundial, o processo de industrialização e urbanização,
o surgimento do partido comunista e a crise de 1930. Sobre
esse período e a influência dos ideais nacionalistas nas
produções artísticas, cientificas e literárias, considere as
afirmações:
I – Por meio de suas composições de caráter erudito, Villa- Lobos
exaltou a cultura brasileira, fazendo com que a música popular
tornasse um dos símbolos da brasilidade.
II – A influência dos ideias nacionalistas teve suporte no
livro Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre,
que apresenta a mestiçagem do povo brasileiro de maneira
positiva.
III – As atitudes de Vargas foram reprovadas por intelectuais
como Caetano Veloso e Chico Buarque, que defendiam a
liberdade de expressão.
IV – O livro de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil
(1936), surge como uma produção própria desse período e
que que está em acordo com o pensamento de Vargas, não
compreendendo a miscigenação como um elemento danoso
à construção da raça brasileira.

Estão corretas:
a) I e III, apenas;
b) II e IV, apenas;
c) III, apenas;
d) I, II e IV, apenas;
e) I, II, III e IV.

5. Tendo como base o atual cenário cultural vigente no Brasil


e no mundo, considere as afirmações:
I – A globalização tem perdido força, devido à resistência das
culturas tradicionais em assimilar as influências vindas de fora.

86 Identidade cultural
U2

II – Os centros urbanos são lugar propício para a intensificação


das relações interculturais.
III – Os meios de comunicação de massa têm agido de forma
cada vez acentuada no dia a dia das pessoas.
IV – As identidades culturais têm se tornado cada vez mais
fragmentadas e heterogêneas.
Estão corretas:
a) I e II, apenas;
b) I, II e III, apenas;
c) II e III, apenas;
d) II, III e IV, apenas;
e) I, II, III e IV.

Identidade cultural 87
U2

88 Identidade cultural
U2

Referências

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Identidade cultural 89
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90 Identidade cultural
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VARELA, Alex Gonçalves. Naturalista e homem público: a trajetória do ilustrado José
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2009.

Identidade cultural 91
Unidade 3

MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS

Iuri Aleksander Dias Fernandes de Souza

Objetivos de aprendizagem:

O objetivo desta unidade está em proporcionar a você, leitor, uma


compreensão histórica das manifestações artísticas no Brasil, em uma
linha cronológica que se estende da arte pré-histórica e indígena até a arte
contemporânea. Você também deverá compreender as transformações
estilísticas e as singularidades de cada período.

Seção 1 | Arte Brasileira: da Pré-História ao Início da


República

Nesta seção, serão apresentadas as diversas manifestações artísticas que


estiveram presentes no Brasil desde a pré-história até o começo do período
republicano. Assim, você poderá observar as peculiaridades, as potencialidades
e as diferenças de grupos culturais e de estilos que habitaram nosso país no
decorrer desses séculos.

Seção 2 | Arte Moderna e Contemporânea no Brasil

Nesta seção, você irá compreender o desenvolvimento da arte brasileira


do início do século XX até o momento atual. Perceberá como a chegada do
Modernismo no país levou a Arte nacional a importantes rupturas que resultaram,
posteriormente, na Arte Contemporânea, cuja multiplicidade de linguagens e
pensamentos convive de forma equilibrada, mas, ao mesmo tempo, mantendo
ricas e constantes trocas.
U3

94 Manifestações artísticas
U3

Introdução à unidade

Como era desenvolvida a arte dos povos nativos antes da chegada dos portugueses
no Brasil? A arte europeia clássica e acadêmica influenciou as produções estéticas
em nosso país? Como os artistas brasileiros se posicionaram frente aos novos
paradigmas da Arte modernista e contemporânea?

Essas e outras questões serão os pontos de partida para o desenvolvimento


desta unidade, que aborda a Arte brasileira em um cenário amplo de inúmeras
transformações ocorridas ao longo de nossa história.

Na primeira seção, "Arte brasileira: da pré-história ao início da república",


abordaremos conceitos da Arte brasileira, que se estende do período que antecede
a chegada dos europeus – com a arte pré-histórica e indígena – até o recebimento
de suas influências clássicas e acadêmicas – com os estilos barroco, neoclássico,
romântico e impressionista.

Já na segunda seção, "Modernismo e Arte contemporânea no Brasil", abordaremos


a arte do século XX e XXI no Brasil. Nesse período, surgiu o Modernismo, que se
manifestou por meio de inúmeros estilos e manifestos, e a arte contemporânea, cuja
multiplicidade de linguagens, estilos e pensamentos foi o seu maior legado para a
arte brasileira.

Manifestações artísticas 95
U3

96 Manifestações artísticas
U3

Seção 1

Arte brasileira: da Pré-História ao início da


República
Nesta seção, serão apresentadas as diversas manifestações artísticas que estiveram
presentes no Brasil, desde a pré-história até o começo do período republicano. Assim,
você poderá observar as peculiaridades, as potencialidades e as diferenças de grupos
culturais e de estilos que habitaram nosso país no decorrer desses séculos.

1.1 Arte rupestre


A Arte da pré-história, conhecida como rupestre, é a expressão artística mais
antiga dos seres humanos. Os principais registros encontrados desse período que
chegaram até os dias de hoje são, entre outros, pinturas ou gravuras realizadas em
paredes rochosas, executadas dentro de grutas e cavernas, como também ao ar
livre. O Brasil abriga importantes sítios arqueológicos, dentre os quais se destacam
os sítios de São Raimundo Nonato, no Piauí, e a Lapa da Cerca Grande, em Minas
Gerais, que possui em seu interior pistas do cotidiano pré-histórico das populações
que habitaram a região.

Em São Raimundo, no ano de 1978, uma missão franco-brasileira realizou


escavações, documentou as pinturas e gravações rupestres e recolheu informações
arqueológicas. Os pesquisadores acreditavam que as obras rupestres existentes na
região pertenciam aos primeiros homens que a habitaram, que provavelmente datam
do ano de 6.000 a.C. ou de um período ainda mais distante. Eles se apropriavam das
cavernas como local de resguardo e proteção, mesmo que temporariamente, visto
que possivelmente eram nômades e seminômades, além de caçadores-coletores.

Também foram observados e identificados pelos estudiosos dois estilos distintos


presentes na arte rupestre da região: o estilo naturalista e o geométrico. No estilo
naturalista, o que prevalece são as figuras humanas em múltiplas atividades –
caçando, trabalhando ou em guerra – e as mesmas figuras aparecem solitárias ou em
grupo. Existe, também, a representação de animais variados. No estilo geométrico,
nota-se uma gama diversificada de elementos – espirais, conjunto de pontos, linhas
paralelas, círculos, cruzes e triângulos.

Manifestações artísticas 97
U3

Figura 3.1 | Pintura rupestre com motivo naturalista

Fonte: FUMDHAM. Disponível em: <http://www.fumdham.org.br>. Acesso em: 11 abr. 2016.

Para saber mais sobre os sítios de São Raimundo Nonato, acesse o site a
seguir:
FUMDHAM. Parque Nacional Serra da Capivara. Disponível em: <http://
www.fumdham.org.br/>. Acesso em: 11 abr. 2016.
Você poderá conferir a Biblioteca Digital, com publicações da revista
Fumdhamentos e trabalhos acadêmicos sobre o Parque Nacional Serra
da Capivara e, também, conferir o trabalho da Fundação Museu do
Homem Americano (FUMDHAM), que possui a missão de preservar o
parque, listado como patrimônio da humanidade pela UNESCO.

Os pesquisadores nomearam como “Várzea Grande” o estilo artístico encontrado


em São Raimundo Nonato, que tem como aspecto principal o uso da tinta vermelha
e predominância dos motivos naturalistas – figuras antropomorfas, ou seja, que, pela
aparência, se assemelham ao homem, e zoomorfas, que possuem forma de animal.
Também é possível encontrar cenas com numerosos assuntos e personagens.

1.2 Arte marajoara e cultura Santarém


A noção indígena de beleza pode ser constatada na perfeição ao se produzir
um objeto, seja ele um arco ou uma peça em cerâmica, para algo que ultrapassa
uma solicitação utilitária, ou seja, o objeto produzido não deve se apresentar apenas
como útil; ele deve ser essencialmente perfeito.

98 Manifestações artísticas
U3

Dentro da extensa produção indígena, foi constatado que seus artefatos não
estão ligados à noção de arte como é entendida por nós, do gênio criador e das
inovações, mas, antes, é a manifestação de tradições que ultrapassam séculos
de existência. Assim, a boa criação não é a que inova, mas aquela que representa
da maneira mais digna possível a tradição cultural de cada grupo. Dentro dessas
tradições, os artefatos podem tanto estar ligados às crenças religiosas quanto ao
utilitarismo e aos rituais em homenagem aos mortos.

A arte indígena sugere um conceito artístico que é primordialmente coletivo em


sua produção, já que ela expõe os costumes de determinado grupo, representando,
assim, o coletivo e não as concepções individuais do componente dessa população
que produziu ou irá produzir um objeto. Desse modo, cada grupo indígena desfruta
de características próprias, seja na cerâmica, na pintura do corpo, na arte plumária,
entre outros locais e, consequentemente, os estilos variam de grupo para grupo.

A arte marajoara consiste na produção artística, especialmente em cerâmica,


realizada pelos habitantes da Ilha de Marajó, no Pará. A região comportou cinco
gerações culturais ou fases arqueológicas distintas, sendo que a quarta fase,
denominada de marajoara, inclui em si os objetos mais representativos. A produção
marajoara possui como particularidade o vasto e refinado número de objetos rituais,
utilitários e decorativos.
Figura 3.2 | Urna funerária procedente da Ilha de Marajó – PA

Fonte: Brasil Artes Enciclopédias. <http://www.brasilartesenciclopedias.com.br/internacional/brasil_arte_pre04.html>. Acesso


em: 11 abr. 2016.

Geralmente, a sua padronagem decorativa se estabelece em alto e baixo relevo,


por meio de desenhos que formam labirintos que se repetem, como também pelas
linhas simétricas. Os objetos podem apresentar coloração cromática ou acromática,
entalhes, aplicações e figuras zoomorfizadas ou antropomorfizadas.

Já o termo “cultura Santarém” provém dos resquícios culturais identificados


próximos à união do Rio Tapajós com o Amazonas. As estatuetas da cultura Santarém
se mostram mais realistas. Assim, a representação humana e animal é construída
com maior fidelidade ao real do que aquelas encontradas na Ilha de Marajó. As

Manifestações artísticas 99
U3

cerâmicas são mais complexas – já que não possuem apenas pinturas e desenhos
–, apresentam relevos e as cariátides, que são figuras antropomorfas e zoomorfas,
confeccionadas como suporte para a composição superior de um vaso.

Figura 3.3 | Vaso da cultura Santarém

Fonte: Brasil Artes Enciclopédias. <http://www.raulmendessilva.com.br/brasilarte/tablet/internacional/brasil_arte_pre14.php>.


Acesso em: 11 abr. 2016.

Os artefatos indígenas, durante um longo período, receberam


o conceito de arte primitiva, ou seja, de uma produção
artística que não possuía complexidade e sofisticação como
a arte de origem europeia? Você ainda acha que a produção
indígena se encontra em um grau de evolução distante
daquelas de origem eurocêntricas?

1.3 O barroco brasileiro


O desenvolvimento do barroco no Brasil se deu de modo tardio, se comparado
ao desenvolvido na Europa. Trazido pelos portugueses, começou a apontar por aqui
no século XVII, desenvolvendo-se ao longo do XVIII, perdurando até os primeiros
vinte anos do século XIX.

No Brasil, puderam ser observados dois estilos distintos: o barroco das regiões
mais abastadas, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, cujos
entalhes em madeira eram revestidos por camadas de ouro, e o barroco desenvolvido
em outras localidades, como na cidade de São Paulo, sendo que, não havendo
a presença do ouro ou do açúcar, as obras, tanto na arquitetura como nas artes
plásticas, manifestaram características específicas. Podemos citar a utilização da
taipa nas igrejas e o barro como matéria-prima nas esculturas. Porém, vale ressaltar

100 Manifestações artísticas


U3

que essas divisões regionais nunca foram bem marcadas, dado que, na Bahia, por
exemplo, há esculturas de barro com características muito próximas às paulistas e
a arquitetura de taipa está presente nas regiões Sudeste e Nordeste onde este estilo
se desenvolveu.

A cidade de Salvador, que foi a capital do Brasil até 1763, teve um período
economicamente próspero, que perdurou até meados do século XVIII. Como um
dos principais centros econômicos e políticos da época, a cidade apresentou-se
como ambiente propício para trocas constantes com Portugal, tanto de hábitos
como de artistas e produtos. Assim, em Salvador e em outras partes da região
Nordeste, pudemos observar a construção de igrejas suntuosas e requintadas, como
a igreja de São Francisco de Assis e o seu convento.

A igreja de São Francisco de Assis, com sua construção iniciada no século XVII,
exibe um interior exuberante, com dourado abundante que recobre toda a sua talha,
estando presente também nas colunas, nos altares e nas paredes, bem como nas
placas que ornamentam o teto da nave central. O espaço é composto pela nave
central e mais duas naves laterais, que se encontram em um nível mais baixo e
possuem altares secundários. Na parte externa da igreja, o frontão, ou seja, o remate
em cima das portas e janelas possui linhas curvilíneas, aspecto que caracteriza o
estilo barroco na fachada.
Figura 3.4 | Interior da Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador - BA

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=18575045>. Acesso em:


11 abr. 2016.

A descoberta de ouro (1695) e diamante (1730) em Minas Gerais permitiu que


o Rio de Janeiro, por intermédio de seu porto, se estabelecesse como ponto de
ligação entre Portugal e as regiões mineradoras. Assim, a região de Minas Gerais
e a cidade do Rio de Janeiro, esta última transformada em capital da colônia em
1763, ficaram em evidência e se desenvolveram economicamente, tendo como

Manifestações artísticas 101


U3

principal apoio a extração de ouro e de diamante. E são nesses locais e no mesmo


período que aparecem dois dos grandes artistas barrocos: Valentim da Fonseca e
Silva, conhecido por Mestre Valentim (Serro, 1745 – Rio de Janeiro, 1813), no Rio de
Janeiro, e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (Vila Rica, atual Ouro Preto, 1738
– idem 1814), em Ouro Preto e imediações.

Mestre Valentim, escultor, entalhador, arquiteto e urbanista, possuía um estilo


que aliava formas barrocas, rococós e uma estética com influência neoclássica.
Diferente de outros artistas do barroco, desenvolveu não só trabalhos em igrejas, mas
também na arte civil, executando obras de saneamento e abastecimento de água,
assim como obras para embelezar a cidade, iniciando, desse modo uma tradição
de escultura pública não religiosa. Seus trabalhos estão localizados em diferentes
igrejas no Rio de Janeiro, como a igreja da Ordem Terceira do Carmo, a igreja de São
Francisco de Paula e a igreja de Santa Cruz dos Militares, como também no conjunto
formado pelo Passeio Público, primeiro jardim público da cidade do Rio de Janeiro
e do país.

Figura 3.5 | São Mateus, de Mestre Valentim

Fonte: Museu Histórico Nacional. Disponível em: <http://www.museuhistoriconacional.com.br/images/galeria20/mh-


g20a023.htm>. Acesso em: 11 abr. 2016.

Ainda no Rio de Janeiro, a igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, projeto


que pertence ao engenheiro militar José Cardoso Ramalho, coloca-se como uma
das primeiras a utilizar uma planta com nave poligonal, ou seja, a maioria das igrejas
construídas anteriormente possuía três naves, dentre elas, uma central e duas na
lateral ou, em outros casos, somente uma única nave retangular.

102 Manifestações artísticas


U3

Figura 3.6 | Fachada da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, no Rio de Janeiro - RJ

Fonte: Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rio-GloriaChurch-Exterior.jpg>. Acesso em: 11 abr.


2016.

Figura 3.7 | Planta da Igreja de Nossa


Senhora da Glória do Outeiro, no Rio de
Janeiro - RJ Em seu interior, não há a talha dourada,
mas uma composição de paredes brancas
e pilares confeccionados em pedra. Ao
contrário, a igreja da Ordem Terceira de
São Francisco da Penitência, que possui
em seu interior a talha executada pelos
artistas portugueses Manuel de Brito e
Francisco Xavier de Brito, apresenta um
Fonte: Coisas da arquitetura. Disponível em: <https:// intenso e suntuoso dourado.
coisasdaarquitetura.wordpress.com/2012/05/09/
morfologia-das-igrejas-barrocas-ii/>. Acesso em: 11
abr. 2016.

Figura 3.8 | Interior da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, no Rio de
Janeiro – RJ

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=20985680>. Acesso em:


11 abr. 2016.

Manifestações artísticas 103


U3

A talha dourada é um método escultórico no qual a madeira é esculpida


e depois envolvida por uma fina camada de ouro.

Em Minas Gerais, o uso da taipa de pilão na construção de igrejas barrocas era


frequente. A igreja de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto, fez uso desse material
em sua construção, porém ele não possibilitava criar construções complexas. Os
espaços, portanto, eram organizados de modo retangular, com paredes paralelas e
lisas, bem distantes das curvas almejadas no barroco. Por isso, o artista português
Francisco Antônio Pombal cobriu as paredes internas da igreja de Nossa Senhora do
Pilar com madeira, para que elas pudessem comportar de maneira mais dinâmica sua
intensa decoração em talha, organizando a planta da igreja em formato poligonal.

Figura 3.9 | Planta da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto - MG

Fonte: Coisas da Arquitetura. Disponível em: <https://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2012/05/09/morfologia-das-


igrejas-barrocas-ii/>. Acesso em: 11 abr. 2016.

A taipa de pilão é uma antiga técnica de construção de paredes e


muros, na qual, em camadas horizontais, o barro é comprimido em
formas de madeira, chamadas de taipais, produzindo estruturas sólidas
e duradouras. Outra técnica utilizada no barroco é o adobe, uma lajota
com formato aproximado de 20 x 20 x 40 cm, confeccionada de barro
condensado manualmente em formas de madeira e, que, depois de seca,
era assentada com barro e coberta com argamassa de cal e areia. Mesmo
que se possam encontrar construções realizadas inteiramente com essa
técnica, ela era utilizada comumente para divisórias interiores.

Ainda em Ouro Preto, na igreja de São Francisco de Assis, encontramos o trabalho


de Manuel da Costa Athaide (Mariana MG 1762 – idem 1830). Pintor, dourador,
encarnador, entalhador, Athaide é um importante artista do barroco e do rococó

104 Manifestações artísticas


U3

mineiro. Suas obras demonstram sua apurada técnica na pintura de perspectiva


sobre forros de igrejas – o forro da nave da igreja de São Francisco reproduz o céu e
estabelece a sensação ilusória de que o mesmo continua para o infinito. No entanto,
o artista também ficou conhecido por seus anjos e virgens mulatos, possivelmente
inspirados em sua esposa e filhos.

Figura 3.10 | Teto da Nave da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto – MG

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=40299902>. Acesso em:


11 abr. 2016.
Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15415023>. Acesso em:
11 abr. 2016.

Na igreja de São Francisco de Assis, também podemos encontrar a obra de


Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. O risco (croqui ou esboço do desenho
da igreja), o frontispício, os retábulos laterais e do altar-mor, os púlpitos e o lavabo
são de sua autoria. Aleijadinho, que atuou como escultor, entalhador, arquiteto e
carpinteiro, é considerado um dos principais artistas do período colonial. Concebeu
em várias cidades históricas do Estado de Minas Gerais importantes obras de arte
sacra brasileira. Seus trabalhos estão situados entre o estilo rococó e o barroco,
porém existem historiadores que reconhecem em sua obra características do gótico
tardio alemão.

Suas esculturas mais importantes estão localizadas na cidade de Congonhas,


no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, com sessenta e quatro esculturas de
madeira que retratam a Paixão de Cristo, dispostas em seis pequenas capelas, que
se situam frente ao adro da igreja. Além disso, o santuário abriga em seu adro (área
externa com escadarias em frente à igreja) outro conjunto escultórico composto por
doze esculturas confeccionadas em pedra-sabão que retratam os doze profetas. As
esculturas estão fixadas em pontos variados da escadaria e projetam a impressão de
movimento das figuras.

Manuel da Costa Athaide fez a douração e a encarnação (pintura do rosto,


mãos, pés ou outras partes do corpo da escultura que estão aparentes, para ficarem

Manifestações artísticas 105


U3

com aspecto de carne humana) das esculturas em madeira dos Passos da Paixão,
esculpidas por Aleijadinho, como também na pintura das Capelas dos Passos do
Horto e da Prisão e no reparo da pintura do teto da nave do santuário.

Figura 3.11 | Adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo


– MG

Fonte: Wikimedia Commons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:12_Profetas_no_Santu%C3%A1rio_


do_Bom_Jesus_de_Matozinhos,_em_Congonhas-MG_(1511529663).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 11 abr. 2016.

1.4. Missão Artística Francesa


Na iminência de uma invasão das tropas napoleônicas em Portugal, Dom João
VI e sua corte se transferiram para o Brasil no começo do século XIX. Eles chegam
primeiro na Bahia e depois se deslocam para o Rio de Janeiro. Assim, a cidade, que
havia se tornado sede do governo, no século XVIII, passou a ser sede do império
também e ingressou em reformas de caráter administrativo, socioeconômico e
cultural para acomodar melhor seus nobres moradores. Após oito anos da vinda de
Dom João VI e sua corte, a Missão Artística Francesa, no ano de 1816, desembarcou
no Brasil, com o objetivo de criar a primeira Academia de Arte no Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves, tendo em sua liderança o secretário recém-destituído do
Instituto de France, Joachim Lebreton (Saint-Méen-le-Grand, França, 1760 – Rio de
Janeiro, 1819).

No grupo estavam o pintor e ex-aluno de Jacques-Louis David, Jean Baptiste


Debret (Paris, França, 1768 – idem 1848), o pintor de paisagem Nicolas Antoine Taunay
(Paris, França, 1803 – Vila Bela de Mato Grosso, 1828), seu irmão, o escultor Auguste-
Marie Taunay (Paris, França, 1768 – Rio de Janeiro, 1824), o arquiteto e urbanista
Grandjean de Montigny (Paris, França, 1776 – Rio de Janeiro, 1850) e o gravador de
medalhas Charles-Simon Pradier (Genebra, Suíça, 1783 – Mornex, França 1847).

Dentre os artistas que compunham grupo da Missão, os que mais se destacaram


foram Taunay e Debret. Taunay, na Europa, trabalhava na corte de Napoleão e havia
participado de diversas exposições. Nos cinco anos em que esteve no Brasil, pintou

106 Manifestações artísticas


U3

assuntos de temática brasileira, produzindo cerca de trinta paisagens do Rio de


Janeiro e proximidades. Foi o grande responsável pelo desenvolvimento da pintura
de paisagem no país.

Figura 3.12 | Nicolas Antoine Taunay, "Vista do Outeiro, Praia e Igreja da Glória" – 1817

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa24452/nicolas-antoine-taunay>. Acesso


em: 11 abr. 2016.

Debret, na Europa, realizava pinturas encomendadas pela corte francesa, com


temática napoleônica. No Brasil, além de trabalhar como pintor da corte, lecionou
pintura e teve como alunos Araújo Porto Alegre, August Müller e Simplício de Sá. Ele
também se dedicou a documentar as cenas cotidianas do Rio de Janeiro, traçando
um panorama social da cidade. Em 1831, regressou à França e uma parcela de suas
aquarelas realizadas no Brasil ilustra seu livro (em três volumes) publicado entre 1834
e 1839, intitulado Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.

Figura 3.13 | Jean-Baptiste Debret, "Negros Vendendo Galinhas e Peru" – 1820

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa18749/debret>. Acesso em: 11 abr. 2016.

Existem duas interpretações sobre a origem da Missão. A primeira remonta ao


pedido de Dom João ao Marquês de Marialva, que na época era o representante do
governo português na França, solicitando a contratação de um grupo de artistas que
fossem aptos a fundar os pilares de uma instituição de ensino em Artes, no Rio de
Janeiro. O Marquês Marialva, por intermédio do naturalista Alexander von Humboldt,

Manifestações artísticas 107


U3

conhece Lebreton que assume a responsabilidade de compor o grupo.

A segunda interpretação coloca os integrantes da Missão como os principais


responsáveis pela vinda ao Brasil. Ou seja, os artistas, por vontade própria, ofertaram
seus serviços a Portugal. Com o retorno dos Bourbon ao poder, os artistas, partidários
de Napoleão Bonaparte, não se sentiram seguros e, por isso, escolheram vir até o
Brasil. Assim, Dom João os acolheu, enxergando neles a perspectiva de que o grupo
pudesse auxiliar nos processos de reforma do Rio de Janeiro e de consolidação da
corte.

Porém, historiadores recentes procuram um ponto intermediário entre as


duas interpretações, apontando para uma fusão de interesses, tanto do rei, que se
mostrou favorável à criação de uma academia, como de Lebreton, que, tendo esse
conhecimento e com intento de sair da França, ofertou os seus serviços, levando
consigo outros artistas que, como ele, queriam se refugiar no Brasil.

Desse modo, a vinda da Missão Artística Francesa propôs a introdução do estilo


neoclássico no Brasil, estabelecendo uma quebra com o estilo barroco. Entretanto,
esse não cessou de ser produzido de imediato, visto que a sua produção se estendeu
até as duas primeiras décadas do século XIX. Também vale dizer que o estilo rococó
(uma variação do barroco), iniciado no século XVIII, perdurou durante o século XIX,
essencialmente na ornamentação dos interiores de inúmeras igrejas barrocas.

A Missão Artística Francesa não só inaugurou o ensino artístico formal no Brasil,


como também propiciou um novo entendimento sobre a figura do artista. A visão
do artista-artesão, essencialmente subordinado à igreja, condição observada nos
séculos passados, foi substituída por uma visão na qual o artista aparece como ser
autônomo, que passa a ter liberdade sobre seus trabalhos e temas.

1.5 A arte acadêmica


No contexto histórico de economia próspera e segurança política, ocorridas na
metade do século XIX, estão localizadas as obras de Pedro Américo de Figueiredo e
Mello (Areia, 1843 – Florença, Itália 1905) e Vítor Meireles (Nossa Senhora do Desterro,
atual Florianópolis, 1832 – Rio de Janeiro, 1903), ambos alunos da Academia de
Belas-Artes. O café fornecia bases para a prosperidade e o governo de Dom Pedro II
também buscava estimular o aspecto cultural do país.

A pintura de Pedro Américo – pintor, desenhista, professor, caricaturista e escritor


– é essencialmente acadêmica, de estilo neoclássico e representa temas bíblicos
e históricos. Porém, ele também produziu retratos, como a obra "Dom Pedro II"
na Abertura da Assembleia Geral, de 1872. Entre seus quadros mais importantes e
conhecidos estão: "Batalha do Avaí" (1872) e "O Grito do Ipiranga" (1888).

108 Manifestações artísticas


U3

Figura 3.14 | Pedro Américo, "O Grito do Ipiranga" – 1888

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa21332/pedro-americo>. Acesso em: 11 abr.


2016.

Os trabalhos do pintor, desenhista e professor Victor Meirelles de Lima têm como


temática a pintura histórica, bíblica e de retratos. Em Paris, Victor Meirelles concebeu
sua pintura mais conhecida, a Primeira Missa no Brasil, realizada no ano de 1861. Em
terras brasileiras, realizou o quadro "Moema" (1866), retratando a personagem do
poema Caramuru, de José de Santa Rita Durão (Mariana, 1722 – Lisboa, 1784). A partir
do ano de 1886 até o fim de sua vida, passou a realizar pinturas de panoramas que
deviam não apenas mostrar as belezas naturais, mas também o desenvolvimento
urbanístico da cidade do Rio de Janeiro. Dentre seus panoramas, destacam-se o
Panorama Circular da Cidade do Rio de Janeiro (1885) e a Entrada da Esquadra Legal
no Porto do Rio de Janeiro (1894).

Figura 3.15 | Victor Meirelles, "Primeira Missa no Brasil" – 1860

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8725/victor-meirelles>. Acesso em: 11 abr.


2016.

Manifestações artísticas 109


U3

José Ferraz de Almeida Júnior (Itu, 1850 – Piracicaba, 1899), com quadros de temas
que variam entre os históricos, religiosos e regionalistas, aparece como importante
pintor do período, juntamente com Vítor Meireles e Pedro Américo. Apesar de a sua
pintura estar ligada ao estilo neoclássico, Almeida Júnior, na última fase de sua vida,
se desvinculou das temáticas eurocêntricas ligadas a esse movimento, realizando
pinturas que retratam a vida simples, os costumes e as paisagens regionais, como
nas obras "Caipira picando Fumo" (1893) e "Cozinha Caipira" (1895).

O conceito neoclássico defende uma beleza perfeita e idealizada que não pode
ser encontrada na natureza. O artista deve reinventar a realidade, seguindo os
preceitos da Arte Clássica (greco-romana). Porém, no Brasil, a arte acadêmica se
manifestou na forma de um Neoclassicismo ajustado ao cenário natural e cultural
da sociedade brasileira. Desse modo, o estilo acadêmico desenvolveu-se, sobretudo
no gênero da pintura de paisagem. Rompendo os cânones europeus do neoclássico
da pintura de cavalete confinada dentro do ateliê do artista, o Grupo Grimm (1884)
buscou uma luz própria dos trópicos, deslocando os cavaletes para pintar ao ar livre,
buscando capturar a luz natural da paisagem brasileira, bem diferente da luz europeia
que os artistas neoclássicos representavam em seus quadros.

Desse modo, os ideais neoclássicos que perduraram entre os artistas brasileiros


na primeira metade do século XIX começaram a perder força. Alguns dos pintores
nacionais entraram em proximidade com o Impressionismo e o Pontilhismo, após
de viagens para o continente europeu; e essas influências podem ser conferidas em
alguns trabalhos de Belmiro de Almeida (Serro, 1858 – Paris, França, 1935), que, a
partir de 1874, torna-se estudante da Academia Imperial de Belas Artes. Entre 1884 e
1885, Belmiro de Almeida viajou para a Europa, entrando em contato com a pintura
pós-impressionista e importantes artistas e escritores da época e se aproximando
das ideias realistas dos escritores Émile Zola e Gustave Flaubert e da produção de
Édouard Manet e Edgar Degas. Ele pintou temas da vida cotidiana e assuntos mais
prosaicos da sociedade da época, com uma abordagem mais realista. Trabalhou
como caricaturista no Rio de Janeiro e foi um dos criadores do Salão dos Humoristas,
em 1914, e membro do Conselho Superior de Belas Artes, de 1915 a 1925.

1.6 A arte do início da República


A partir da segunda metade do século XIX o estilo impressionista chegou ao Brasil,
trazido da Europa. A pintura impressionista se manifestava por meio do clareamento
da paleta, o interesse pelas variações cromáticas em função da luminosidade
natural, a recusa de temas históricos em prol de cenas cotidianas e a evidenciação
da pincelada (fragmentada e gestual). Essas características que marcam a pintura
impressionista no Brasil estão presentes na obra do artista Eliseu Visconti (Salerno,
Itália, 1866 – Rio de Janeiro, 1944).

110 Manifestações artísticas


U3

Nascido na Itália, Visconti chegou ao Brasil ainda pequeno, entre os anos de 1873
e 1875. Em 1892, ele recebeu o prêmio de viagem ao exterior concedido pela Escola
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro e foi para a Europa. Em Paris, aprofundou
seus conhecimentos na Escola Nacional e Especial de Belas Artes e cursou Arte
Decorativa na École Guérin. Com sua tela "Gioventú", realizada na França, em 1898,
participou da Exposição Internacional de Paris, ocorrida no ano de 1900.

As pinturas de Visconti rompem com o vínculo neoclássico e se estabelecem


como representantes dos novos estilos europeus, como o Pontilhismo, o Simbolismo
e, sobretudo, o Impressionismo. O artista se interessava pela incidência da luz natural
sobre os objetos representados, seja em seus retratos ou nas paisagens feitas a céu
aberto.

Resistindo para além do século XIX, o Impressionismo acabou por influenciar a


obra de inúmeros artistas antes e após a passagem para o século XX, sendo o estilo
dominante até a chegada das vanguardas modernistas, como veremos a seguir.

Figura 3.16 | Eliseu Visconti, "Gioventú" – 1898

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9281/eliseu-visconti>. Acesso em: 11 abr.


2016.

Manifestações artísticas 111


U3

1. A vinda da Missão Francesa inaugurou o ensino artístico


formal no Brasil, além de propiciar um novo entendimento
sobre a figura do artista. Qual foi esse entendimento?

2. Onde está localizado o grupo de esculturas mais importantes


de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho?

112 Manifestações artísticas


U3

Seção 2

Arte moderna e contemporânea no Brasil


Nesta seção, você irá compreender o desenvolvimento da arte brasileira do início
do século XX até o momento atual. Perceberá como a chegada do Modernismo no
país levou a arte nacional a importantes rupturas que resultaram, posteriormente, na
arte contemporânea, cuja multiplicidade de linguagens e pensamentos convive de
forma equilibrada, mas, ao mesmo tempo, mantendo ricas e constantes trocas.

2.1 Modernismo
No início do século XX, no Brasil, percebemos o desabrochar de transformações
de caráter social, político, econômico e cultural que levaram a uma profunda
mudança na vida do homem moderno. Essa mudança afetou todos os setores da
sociedade brasileira, inclusive a arte e a cultura, em geral.

Na arte, tanto a vinda de artistas ligados às vanguardas para o Brasil como a ida
de jovens promessas da arte brasileira para o velho mundo, com o intuito de estudar
as tendências da Arte Moderna que estavam sendo desenvolvidas por lá, contribuiu
para o surgimento de uma arte modernista brasileira.

Dentre os primeiros artistas a receberem influência da Arte Moderna europeia estão


os literatos Mário de Andrade (São Paulo, 1893 – idem 1945), Menotti Del Picchia (São
Paulo, 1892 – idem 1988) e Oswald de Andrade (São Paulo, SP, 1890 – idem 1954), que
já mencionava a tendência futurista italiana e criou, junto com a artista plástica Tarsila
do Amaral (Capivari, 1886 – São Paulo, 1973), o "Manifesto Pau-Brasil" (publicado em
1924, no jornal "O Correio da Manhã"), que propunha à arte brasileira uma abertura
para novas tendências e a valorização de uma identidade nacional.

Nas artes plásticas, destacamos a artista Anita Malfatti (São Paulo, 1889 – idem
1964) que, antes da década de 1920, realizou uma exposição (1917) cujas obras
mostravam uma forte influência da arte moderna europeia, fato que chocou os
críticos que defendiam o academicismo. Podemos considerar esta exposição como
um dos prelúdios da arte que viria a surgir posteriormente e que teria como marco a
Semana de Arte Moderna de 1922.

Manifestações artísticas 113


U3

Figura 3.17 | Anita Malfatti, "Tropical" – 1915

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8938/anita-malfatti>. Acesso em: 11 abr.


2016.

2.1.1 Semana de 22
Realizada entre 13 e 18 de fevereiro do ano de 1922, em São Paulo, a Semana
de Arte Moderna é considerada o mais importante evento para o surgimento do
Modernismo no Brasil. Durante sua realização, ocorreram exposições de pintura
e escultura, debates literários e concertos que proclamavam os novos rumos da
arte brasileira, marcando um momento de rompimento com a arte tradicional
academicista e naturalista, ao passo que almejava a “criação de uma arte brasileira
autônoma” (ITAÚ CULTURAL, 2016).

No Teatro Municipal de São Paulo, é realizada uma grande exposição, que contou
com a participação dos pintores Di Cavalcanti (Rio de Janeiro, 1897 – idem 1976),
Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro (Recife, 1899 – idem 1970), Zina Aita (Belo
Horizonte, 1900 – Nápoles, Itália, 1967), Ferrignac (Rio Claro, 1892 – idem, 1958),
Jonh Graz (Genebra, Suíça, 1891 - São Paulo, 1980), Yan de Almeida Prado (Rio
Claro, 1898 – São Paulo, 1991), Antônio Paim Vieira (São Paulo, 1895 – idem 1988) e
Alberto Martins Ribeiro (S/D). Representando a escultura, estavam Victor Brecheret
(São Paulo, 1894 – idem 1955), Hildegardo Velloso (Palmares Paulista, 1899 – Rio
de Janeiro, 1966) e Wilhelm Haarberg (Kessel, Alemanha, 1891 – Alemanha, 1986).
Estavam presentes também os arquitetos Antônio Moya (Granada, Espanha, 1891 –
São Paulo, 1949) e Georg Przyrembel (Polônia, 1885 – São Paulo, 1956). Na literatura
e poesia, marcaram presença Graça Aranha (São Luís, 1868 – Rio de janeiro, 1931),
Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira
(Recife, 1886 – Rio de Janeiro, 1968), entre outros. Na música, o destaque esteve
na interpretação de Guiomar Novaes (1895-1979) e Ernani Braga (1888-1948) de
composições de Heitor Villa-Lobos (Rio de Janeiro, 1887 – idem 1959) e do francês
Debussy (Saint-Germain-en-Laye, França, 1862 – Paris, França, 1918).

114 Manifestações artísticas


U3

Figura 3.17 | Catálogo e Cartaz de Promoção da Semana de Arte Moderna de 1922

Fonte: Prefeitura de São Paulo. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas/


noticias/?p=9997>. Acesso em: 11 abr. 2016.

Além do ideal de renovação e ruptura com o passado, os protagonistas do evento


defendiam a busca de uma identidade nacional, que acabou sendo incorporada tanto
nas obras de escritores quanto de artistas plásticos. Desse modo, pintores como
Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Zina Aita e Vicente do Rego Monteiro passaram a
representar em suas obras símbolos e temas brasileiros, como as frutas tropicais, o
trabalhador negro, o índio e as paisagens típicas como forma de enaltecer certos
traços da cultura brasileira.

2.1.2 Principais artistas do primeiro período modernista


a) Lasar Segall

Natural da Lituânia, e tendo se mudado para o Brasil em 1923, um ano após


a Semana de 22, Lasar Segall (Vilna, Lituânia, 1891 – São Paulo, 1957) é um dos
primeiros artistas a difundir as tendências modernistas nas artes plásticas no Brasil.
Apesar de passar por fases em que percebemos traços das diversas vanguardas
europeias, sua obra é marcada, sobretudo, pela influência do Expressionismo, nítida
por meio da deformação das figuras humanas, da expressividade do gesto e do
caráter psicológico evidente em suas representações. Dentre sua extensa produção,
podemos citar obras icônicas, como "Bananal" (1927), "Mãe Preta" (1930) e "Navio
de Emigrantes" (1939). Assim como os demais artistas modernistas, com o tempo,
Segall passou a representar a vida do povo e as paisagens brasileiras.

Manifestações artísticas 115


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Figura 3.19 | Lasar Segall, "Bananal" – 1927

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1506/bananal>. Acesso em: 11 abr. 2016.

b) Anita Malfatti

No começo da carreira de Anita Malfatti, que estudou pintura na Alemanha e nos


Estados Unidos, nota-se a predominância da pintura tradicional, tanto nos temas
como no tratamento pictórico, adquirida no tempo em que estudou na Academia
Imperial de Belas Artes de Berlim. Porém, em um determinado momento, nota-se
a influência de artistas do Modernismo europeu, como os expressionistas alemães
(entre eles, Lovis Corinth, que foi seu professor de pintura) e fauvistas franceses
(como Henri Matisse).

Em suas obras "A boba" (1915) e "A estudante" (1915), é possível identificar as
características expressionistas evidentes nas pinceladas fragmentadas e dinâmicas
e fauvistas, visível no modo como trabalhava as cores, usando tons puros e
contrastantes.

Um momento marcante em sua carreira foi uma exposição de 1917, que ganhou
notória atenção devido aos julgamentos conservadores que recebeu, dentre eles, um
artigo de Monteiro Lobato (Taubaté, 1882 – São Paulo, 1948) intitulado "A propósito
da exposição Malfatti", no qual o escritor faz duras críticas à artista e aos movimentos
da arte moderna europeia.

116 Manifestações artísticas


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Figura 3.20 | Anita Malfatti, "A boba" – 1915

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1381/a-boba>. Acesso em: 11 abr. 2016.

c) Vicente do Rego Monteiro

Em 1911, o pintor, desenhista e escultor realizou uma viagem à Paris, entrando em


contato com as produções de Amadeo Mondigliani, Fernand Léger, Georges Braque
e Juan Miró. Dentre suas influências europeias, Monteiro assimilou especialmente o
Cubismo Sintético, evidenciado na maneira como trabalha as figuras, simplificando-
-as de modo quase geométrico. Por conta do modo como opera a planaridade e
os efeitos de luz e sombra, as figuras em suas pinturas e desenhos parecem ser
esculpidas em alto-relevo, sendo essa uma das características mais marcantes de sua
obra. Desde 1920 já demonstrava em suas telas um interesse pela cultura popular
brasileira, retratando as lendas e mitos amazonenses, afeição que se manteve ao
longo de sua carreira. Desse modo, assim como vários de seus contemporâneos, a
obra de Monteiro é marcada pela junção entre o tradicional (a cultura popular) e o
inovador (o Modernismo).

Manifestações artísticas 117


U3

Figura 3.21 | Vicente do Rego Monteiro, "Baigneuse (As nadadoras)" – 1924

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1648/baigneuse>. Acesso em: 11 abr. 2016.

d) Tarsila do Amaral

Apesar de não ter participado da Semana de 22, Tarsila do Amaral tornou-se uma
das principais artistas do Modernismo brasileiro da primeira metade do século XX.
Dentre os artistas que buscavam em suas obras a valorização da identidade nacional,
Tarsila do Amaral certamente foi uma das que mais se empenharam nesse projeto.
Sua carreira é marcada por duas fases: Pau-Brasil (influenciada pelo manifesto de
Oswald de Andrade) e Antropofágica. A fase Pau-Brasil é caracterizada, como afirma
Milliet, crítico de arte que participou da Semana de 22, por “cores ditas caipiras, rosas
e azuis, as flores de baú, a estilização geométrica das frutas e plantas tropicais, dos
caboclos e negros, da melancolia das cidadezinhas, tudo isso enquadrado na solidez
da construção cubista” (MILLIET apud AMARAL, 2003, p. 452). Portanto, nessa fase,
existe uma preocupação da artista em retratar símbolos da brasilidade, ao mesmo
tempo que se apropria de questões formais do Cubismo. Dentre suas obras desse
período, podemos citar "A feira" (1924) e "O vendedor de frutas" (1925).

Figura3.22 | Tarsila do Amaral, "O Vendedor de Frutas" – 1925

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2327/vendedor-de-frutas>. Acesso em: 11 abr.


2016.

118 Manifestações artísticas


U3

Já a fase Antropofágica está ligada à necessidade do Modernismo em absorver


(devorar) os movimentos artísticos europeus para, a partir disso, criar uma arte
com feições nacionais. Nesse momento, Tarsila também será influenciada pelos
surrealistas. Veremos em suas obras uma atmosfera onírica e um interesse pelo
universo do inconsciente, revelando seres imaginários e de características fantásticas,
como acontece na obra "Abaporu" (1928). Na língua tupi-guarani, a palavra “abaporu”
significa “homem que come gente”. Foi, portanto, a partir desta obra que teve origem
o movimento antropofágico de 1928, criado por Oswald de Andrade e Tarsila que,
além da valorização da cultura brasileira, foi fortemente influenciado pelas ideias de
André Breton, poeta e teórico do Surrealismo e as pesquisas psicanalíticas de Freud.

No ano de 1933, após uma viagem à União Soviética, Tarsila do Amaral passou a
realizar trabalhos voltados para a temática social, como "Operários" (1933) e "Segunda
Classe" (1933).

Figura 3.23 | Tarsila do Amaral, Abaporu – 1928

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1628/abaporu>. Acesso em: 11 abr. 2016.

e) Di Cavalcanti

Sendo um dos idealizadores da Semana de Arte, Di Cavalcanti foi um dos artistas


mais influentes do Modernismo brasileiro. Antes de 1922, assimilara a estética
impressionista e, após viver em Paris entre 1923 e 1925, pôde conhecer a obra de
Picasso, Braque, Matisse e Gauguin, contato esse que fez suas obras adquirirem
características ligadas ao Cubismo e Fauvismo. Do mesmo modo que os modernistas,
seu contato com os artistas clássicos na Itália também contribuiu no desenvolvimento
de sua obra. Em uma publicação do próprio artista, podemos constatar as diversas
influências que sofrera de modernistas, neoclássicos e renascentistas:

Manifestações artísticas 119


U3

[...] descubro sobretudo El Greco, Cezanne, Delacroix,


Gauguin, Renoir, Lautrec, Manet e Pisarro. Dou um pulo
à Itália, viagem que durou 20 dias: Giotto, Paolo Uccello,
Boticelli, Piero Della Francesca, surgem diante de meus olhos
como anjos (CAVALCANTI, 1971 apud FABRIS, 1996, p. 18).

Apesar da impotência da absorção de tendências europeias na sua formação


artística, Di Cavalcanti empenhou-se no desenvolvimento de trabalhos com
temáticas sociais referentes à vida do brasileiro. Essa característica em sua obra está
associada à aproximação aos muralistas mexicanos, que desenvolveram uma arte
figurativa fortemente engajada nas questões sociais e políticas.

Em suas obras, a figura da mulher negra é a mais recorrente, seja do campo ou


da cidade, mas também vemos uma forte tendência à representação do trabalhador
do campo, assim como de festas populares, como o samba. Podemos citar, dentre
suas obras, "Samba" (1925) e "Ciganos" (1940) como umas das mais representativas.

Figura 3.24 | Di Cavalcanti, "Samba" – 1925

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2558/samba>. Acesso em: 11 abr. 2016.

2.2 Segunda e terceira gerações dos modernistas brasileiros


Nos anos 1920, um dos propósitos maiores dos artistas modernistas foi a
superação da arte acadêmica. Porém, a partir da década de 1930, vemos a arte
moderna tornar-se cada vez mais aceita pelas instituições, pelos críticos e pelo

120 Manifestações artísticas


U3

público. Como prova deste novo momento, em 1931, Anita Malfatti, Tarsila do
Amaral, Lasar Segall, Di Cavalcanti, entre outros, foram convidados a expor na 38°
edição da tradicional Exposição Geral das Belas Artes, no Rio de Janeiro, que ficou
conhecida como o Salão Revolucionário, ou Salão do Tenentes. Além dos artistas da
primeira geração, esta exposição foi marcada pela presença de uma nova remessa
de modernistas, representada por Alberto da Veiga Guiginard (Nova Friburgo, 1896 –
Belo Horizonte, 1962), Candido Portinari (Brodósqui, 1903 – Rio de Janeiro, 1962) e
Flávio de Carvalho (Amparo da Barra Mansa, 1899 – Valinhos, 1973). Além destes que
participaram do salão, compõem essa segunda geração nomes como Alfredo Volpi
(Lucca, Itália, 1896 – São Paulo, 1988), Cicero Dias (Escada, 1907 – Paris, França,
2003) e José Panceti (Campinas, 1902 – Rio de Janeiro, 1958).

Esses novos artistas dão continuidade aos ideais antiacademicistas proclamados


por seus antecessores, no entanto sem o sentimento de subversão próprio daquela
geração, pois a estética modernista já estava amplamente difundida no cenário
nacional.

Para conhecer mais sobre o Salão Revolucionário, indicamos este breve


texto do MAC-USP:

MAC-USP. Salão Revolucionário. Disponível em: <http://www.mac.usp.


br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernidade/eixo/
salaorev/index.html>. Acesso em: 11 abr. 2016.

a) Candido Portinari

Na década de 1920, enquanto os artistas da primeira geração modernista


ganhavam destaque, Portinari estudava pintura tradicional na Escola Nacional de
Belas-Artes e pintava retratos no estilo acadêmico. Porém, após o contato com
artistas europeus e com os modernistas brasileiros, sua produção passou por fortes
transformações. “Conhece as obras dos mestres italianos Giotto (ca.1266-1337) e
Piero della Francesca (ca.1415-1492) e da cena europeia: Henri Matisse (1869-1954),
Amedeo Modigliani (1884-1920), Giorgio de Chirico (1888-1978) e Pablo Picasso
(1881-1973)” (ITAÚ CULTURAL). Em 1931, ele retorna ao Brasil e pinta, sobretudo,
retratos antenados com a tendência do Retorno à Ordem que acontecia na Europa.

Sua obra apresenta temas variados com forte preocupação social e política. É
por meio da representação dos retirantes, da vida dura do trabalhador rural, dos
negros e índios que sua obra será nacional e internacionalmente reconhecida. Na
pintura "Lavrador de café" (1934), vemos a representação do trabalhador negro e

Manifestações artísticas 121


U3

a sua ligação com o campo, lugar de onde tira seu sustento. Nesse e em outros
trabalhos de Portinari, as figuras humanas apresentam traços característicos, como o
corpo robusto e enormes mãos (seja homens ou mulheres), atributos que reforçam
a ligação das personagens com o trabalho.

A obra "Guernica", de Pablo Picasso, em 1939, adquire uma forte carga dramática,
manifestando-se por meio da multifacetação das figuras, da utilização das cores ou
dos temas carregados de inquietações.

Outro fator decisivo em sua carreira foi o contato com os muralistas mexicanos,
que realizavam pinturas de grandes dimensões e com forte teor político e social.
Segundo o artista, “a pintura mural é a mais adequada para a arte social, porque o
muro geralmente pertence à coletividade e ao mesmo tempo conta uma história
interessando a um maior número de pessoas” (PORTINARI, 2005, p. 313).

Figura 3.25 | Candido Portinari, "Paisagem de Brodósqui" – 1940

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10686/candido-portinari>. Acesso em: 11


abr. 2016.

b) Cícero Dias

Nascido em Escada, no Pernambuco, Cicero Dias entrou em contato com os


artistas modernistas no ano de 1929, passando a colaborar nas publicações da revista
Antropofagia. Em 1931, no Salão Revolucionário, expos a obra "Eu Vi o Mundo... Ele
Começava no Recife", que chamou a atenção tanto por suas grandes dimensões,
pela utilização de materiais banais, como o papel de embrulho, guache e aquarela,
quanto pela ousadia na representação de mulheres nuas, fato que teve como
consequência a restrição de parte do trabalho original, diminuindo seu tamanho.
Além isso, uma característica marcante desta obra é a inserção de figuras aleatórias,
resultando em uma espécie de colagem fragmentada de símbolos diversos, com
significados distintos, como uma referência aos sonhos e ao inconsciente.

122 Manifestações artísticas


U3

Como os outros modernistas, em sua ida à Europa, entrou em contato com as


obras de Georges Braque, Henri Matisse, Fernand Léger e Pablo Picasso, artistas que
influenciaram de modo decisivo sua produção. Com características de tendência
surrealista e cubista, suas obras são marcadas pelas cenas fantasiosas e geometrização
das figuras, além do colorido excessivo, que revela as influências fovistas.

Figura 3.26 | Cicero Dias, "Recife Lírica" – 1930

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1787/cicero-dias>. Acesso em: 11 abr. 2016.

c) Volpi

Alfredo Volpi nasceu na Itália, mas com aproximadamente 1 ano de idade mudou-
-se para o Brasil, passando a residir em São Paulo. Na década de 1920, sua obra ainda
apresentava características fortemente naturalistas, porém, a partir do estudo das
fachadas de antigos casarios e das bandeiras e fitas presentes em festas, sua pintura
adquiriu traços muito singulares. Por meio de um processo de repetição de padrões
geométricos presentes nos elementos que usa como referência, sua pintura foi
naturalmente se dirigindo para um abstracionismo formal. Sua preocupação não
estava na representação, nem nas narrativas, mas na composição e simplificação
das formas e no estudo de cores
Figura 3.27 | Alfredo Volpi, Fachada com Nossa Senhora de Aparecida – década de 1950

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1610/alfredo-volpi>. Acesso em: 11 abr.


2016.

Manifestações artísticas 123


U3

d) Guignard

Ao longo de sua trajetória como artista, Alberto da Veiga Guignard dedicou-se


a vários gêneros na pintura, tais como pintura religiosa, retratos, naturezas-mortas
e paisagens. Quando estudou na Alemanha, teve contato com os expressionistas
e, na França, entrou em contato com a pintura fovista e cubista. Apesar de abordar
diversas temáticas na pintura (festas tradicionais, a paisagem do Rio de Janeiro e de
Minas Gerais, o retrato de familiares, entre outros), percebemos uma preocupação
não apenas com o significado, mas com o desenvolvimento da própria pintura a
partir de suas características formais.

Figura 3.28 | Guignard, "Natureza-morta" – 1936

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em:<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8669/guignard>. Acesso em: 11 abr. 2016.

2.3. Arte contemporânea brasileira


Sob influência das discussões artísticas em voga na Europa e nos Estados
Unidos, a arte brasileira, em meados dos anos 1950, foi deixando velhos preceitos
e se inserindo no cenário cultural da época, sendo que a industrialização, os
meios de comunicação em massa e as técnicas artísticas inovadoras tornaram-se
terreno fértil para novas experimentações e posicionamentos. Se no Modernismo
as criações tinham o desafio das rupturas com os preceitos academicistas, na arte
contemporânea a multiplicidade e as divergências passam a ser fundamentais na sua
identificação.

2.3.1 Anos 1950


A arte contemporânea da década de 1950 é marcada pelo despontar da
arte concreta brasileira. Ela descende do Concretismo do início do século XX,

124 Manifestações artísticas


U3

desenvolvido a partir das experiências do grupo holandês De Stijl (O Estilo), criado


em 1917 por Piet Mondrian (Amersfoort, Países Baixos, 1872 – Nova Iorque, EUA,
1944), Gerrit Thomas Rietveld (1888-1964) e Theo van Doesburg (Utrecht, Países
Baixos, 1883 – Davos, Suíça, 1931), sendo este último o responsável por redigir o
manifesto Arte Concreta, de 1930, desenvolvido em oposição às outras tendências
abstracionistas da época. Em seu manifesto, Van Doesburg diz que a arte concreta
não é abstrata, pois, segundo ele, nada é mais concreto, mais real, que uma linha,
uma cor, uma superfície.

Esses artistas defendiam a ideia de que a arte não deveria proferir qualquer
conotação simbólica, narrativa ou lírica. Sob influência da arte concreta europeia,
artistas brasileiros do período pós-guerra passaram a realizar trabalhos em que o
quadro, formado por planos geométricos e cores, não deveria estar associado e
nem representar nada que fosse exterior a ele.

As principais bases para o pensamento concreto no Brasil foram as teorias e as


experiências do artista plástico, designer e arquiteto suíço Max Bill (1908 – 1994),
que desenvolveu pesquisas referentes à bidimensionalidade pictórica do quadro,
fundamentando-se nas teorias sobre percepção visual da Gestaut. Sua exposição no
Brasil, em 1951, e a presença de artistas suíços na I Bienal Internacional de São Paulo
foram os principais eventos que marcaram a difusão das orientações concretistas
no país.

A arte concreta no Brasil desenvolve-se em paralelo ao processo de modernização


e industrialização do país, sendo que cidades como Rio de Janeiro e São Paulo
iniciam-se no processo de metropolização. Desse modo, o ambiente urbano, cada
vez mais industrial e racionalista, age diretamente na Arte. Segundo Philadelpho
Menezes (apud SILVA, 2009, p. 36), a arte concreta brasileira, tanto na poesia de
Augusto de Campos (São Paulo, 1931), Haroldo de Campos (São Paulo, 1929 – idem
2003) e Décio Pignatari (Jundiaí, 1927 – São Paulo, 2012), quanto nas pinturas de Ivan
Serpa (Rio de Janeiro, 1923 – idem, 1973), Luiz Sacilotto (Santo André, 1924 – São
Bernardo do Campo, 2003) e Waldemar Cordeiro (Roma, Itália, 1925 – São Paulo,
1973), estava:

[...] intimamente associada ao movimento de boom


desenvolvimentista que levanta o país nos anos 50, simbolizado
exemplarmente pelo plano de criação de Brasília, [...] uma
cidade dentro dos moldes mais racionalistas idealizados pelo
urbanismo modernista europeu [...].

Brasília surgia como um marco dos avanços e do cenário industrial, urbanístico e


político, que influenciaram diretamente a arte concreta brasileira.

Manifestações artísticas 125


U3

Nesse período, vemos o despontar de dois grupos ligados ao Concretismo, o


Ruptura, de São Paulo, e o Frente, do Rio de Janeiro. O grupo paulista, formado por
Waldermar Cordeiro (fundador), Luiz Sacilloto, Geraldo de Barros (Chavantes, 1923
– São Paulo, 1998), Hermelindo Fiaminghi (São Paulo, 1920 – idem 2004), Maurício
Nogueira Lima (Recife, 1930 – Campinas, 1999), Judith Lauand (Pontal, 1922), Lothar
Charoux (Viena, Áustria, 1912 – São Paulo, 1987) e Kazmer Fejer (Pécs, Hungria, 1923
– Sesimbra, Portugal, 1989), defendia a geometrização não figurativa como forma de
valorização da objetividade concreta. Para esses artistas, a arte figurativa não condizia
com a realidade da industrialização e do urbanismo do momento. As principais
características dos artistas do grupo Ruptura são pinturas predominantemente
geométricas e de cores chapadas, sendo eles os que mais se mantiveram fiéis às
teorias de Max Bill.

Figura 3.29 | Waldemar Cordeiro, "Movimento" – 1951

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa297/waldemar-cordeiro>. Acesso em: 11


abr. 2016.

O Frente, principal representante do Concretismo carioca, realizou, em 1954, a


exposição na galeria Ibeu (Rio de Janeiro) que deu visibilidade ao grupo. Na mostra,
estavam presentes obras de Ivan Serpa (1923-1973), Carlos Val (Rio de Janeiro,
1910 – idem 1977), Décio Vieira (1922-1988), João José da Silva Costa (Piauí, 1931
– Rio de Janeiro, 2014), Lygia Clark (Belo Horizonte, 1920 – Rio de Janeiro, 1988),
Lygia Pape (Nova Friburgo, 1927 – Rio de Janeiro, 2004) e Vicent Ibberson (S/D). Os
artistas integrantes do grupo contavam também com o aporte teórico e crítico dos
escritores Ferreira Gullar (São Luís, 1930) e Aluísio Carvão (Belém, 1920 – Poços de
Caldas, 2001).

Diferente do grupo paulista, que esteve centrado na objetividade da forma, o


grupo carioca explora a experimentação das linguagens artísticas, enfatizando a
arte enquanto experiência, enquanto processo. Mesmo que ainda desenvolvam a

126 Manifestações artísticas


U3

pintura com base na geometrização não figurativa, apresentam inúmeras técnicas


e materiais, tais como xilogravura, pintura, escultura cinética, colagem, entre tantas
outras. Para esses artistas, a geometrização não é redutora e objetiva, mas sim um
espaço que possibilita ampliar os horizontes.

O desvencilhamento axiomático com as teorias concretas de Max Bill torna-se


ainda mais palpável na segunda exposição do Frente, em 1955, no MAM, do Rio
de Janeiro. Esse momento já conta com a participação de novos nomes, como
Abraham Palatnik (Natal, 1928), Franz Weissmann (Knittelfeld, Áustria, 1911 – Rio de
Janeiro, 2005), Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, 1937 – idem, 1980), Rubem Ludolf
(Maceió, 1932 – Rio de Janeiro, 2010), Elisa Martins da Silveira (Piauí, 1912 – Rio de
Janeiro, 2001) e Emil Baruch (Rio de Janeiro, 1954 – Pensilvânia, Estados Unidos,
1983). Entretanto, é na 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada em 1957,
em São Paulo e no Rio de Janeiro, sob a coordenação dos concretos paulistas,
em parceria com os artistas cariocas, é que se evidencia os diferentes rumos
tomados por cada grupo. Tal exposição também irá marcou o futuro dos artistas
cariocas, naquele momento, empenhados em uma arte transgressora dos princípios
concretistas, acarretando no movimento neoconcreto.
Figura 3.30 | Abraham Palatnik, "Sequência com intervalos" – 1954

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9891/abraham-palatnik>. Acesso em: 11


abr. 2016.

2.3.2 Anos 1960: Neoconcretismo e Tropicália


O movimento neoconcreto inicia-se em 1959, com a publicação de seu
manifesto, assinado por Amilcar de Castro (Paraisópolis, 1920 – Belo Horizonte,
2002), Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark e Lygia Pape, que marca a
ruptura de seus integrantes com os ideais concretistas em voga nos anos 1950. Nas
linhas do manifesto, já é destacado o cessar com o racionalismo exacerbado da
arte concreta e a abertura da arte para novos rumos, ou seja, “contra as ortodoxias
construtivas e o dogmatismo geométrico, os neoconcretos defendem a liberdade
de experimentação, o retorno às intenções expressivas e o resgate da subjetividade”
(ITAÚ CULTURAL, on-line). Defenderão também a noção de arte que se manifesta
no processo criativo, nas inquietações e questionamentos que se desenovelem

Manifestações artísticas 127


U3

durante o fazer, e não apenas na objetividade das obras.

Existia uma preocupação nas relações entre arte e espectador, ou entre arte
e sociedade, entendendo-se que um e outro estabelecem constantes trocas na
construção e significação da obra de arte. Nesse período, muitos trabalhos de Lygia
Clark, como a série Bichos e Caminhando, passam a ser desenvolvidas como obras
interativas, nas quais o espectador deixa o lugar de nulidade para atuar de forma
incisiva na criação de sentido da obra.

Figura 3.31 | Lygia Clark, "Bichos" – 1962

Fonte: Wikiart. Disponível em: <http://www.wikiart.org/en/lygia-clark/bicho-em-si-1962>. Acesso em: 11 abr. 2016.

Nos anos 1960, vemos também o surgimento de um movimento artístico


que se estendeu para as artes plásticas, cinema, música e teatro, impelindo a
concretização de uma Arte com a verdadeira cara do Brasil: a Tropicália. Os artistas
ligados ao Tropicalismo têm o experimentalismo das vanguardas, juntamente com
a defesa da arte como arma de crítica social, como suas principais características.
Nas artes plásticas, grande parte dos seus protagonistas foram integrantes da arte
neoconcretista, como Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica, sendo esse último o
responsável pela criação do conceito “tropicália”, nome dado a uma de suas obras.

As instalações, esculturas e objetos de Oiticica expressavam a brasilidade provinda


de suas próprias experiências cotidianas e estéticas na sua relação com as ruas, com
o samba e com a favela. Nas artes plásticas, tanto na obra de Oiticica como nas
de Lygia Clark e Lygia Pape, e outros artistas, vemos um interesse pela exploração
sensorial nas relações entre o espectador e a obra, entre o corpo e as coisas, entre
o espírito e a matéria.

128 Manifestações artísticas


U3

Figura 3.32 | Hélio Oiticica, Parangolé, p. 15, Capa 11, "Incorporo a revolta" – 1967

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa48/helio-oiticica>. Acesso em: 11 abr. 2016.

Na música, lugar onde a tropicália ganhou maior visibilidade, destacam-se as


canções de Caetano Veloso (Santo Amaro, 1942), Gilberto Gil (Salvador, 1942) e
Mutantes, que misturavam tendências modernas com influências da cultura popular.
No cinema, Glauber Rocha (Vitória da conquista, 1939 – Rio de Janeiro, 1981) é
certamente o maior representante do Tropicalismo com a criação do Cinema
Novo. A representação no teatro ficara por conta do Teatro Oficina, comandado
por José Celso Martinez Corrêa (Zé Celso – Araraquara, 1937), sempre despontando
na vanguarda do teatro brasileiro, trabalhando por meio da união entre encenação,
música e artes plásticas.

2.3.4 Anos 1970: a arte conceitual


Os anos 1970, no Brasil, é marcado pelo endurecimento das repressões
promovidas pelo regime militar, o que levou ao surgimento de uma arte alinhada
politicamente contra a ditadura. Nesse período, a arte conceitual, no exterior
e no Brasil, despontava como a principal tendência artística. Nela, a obra de arte
desenvolve-se a partir da constituição de uma questão, ou seja, o objeto final não
mais é a obra, mas apenas um componente de sua elaboração, que é, antes de
tudo, mental, conceitual. No Brasil, devido às circunstâncias políticas e sociais, a arte
conceitual adquiriu uma faceta fortemente engajada.

Motivados pela crescente utilização de novos materiais e técnicas, nos anos 1970,
veremos artistas intensificando a investigação de linguagens como a fotografia, o

Manifestações artísticas 129


U3

vídeo, a instalação e apropriação. Dentre os atores desse momento na arte brasileira,


podemos citar Cildo Meireles (Rio de Janeiro, 1948) e Nelson Leirner (São Paulo,
1932). Cildo Meireles utiliza as novas possibilidades da Arte para se posicionar
criticamente frente ao cenário social e político do Brasil da época, marcado pelo
regime militar e a influência cada vez mais forte dos produtos e da cultura de
massa na vida da população. Um de seus trabalhos mais icônicos é "Inserções em
circuito ideológico: Projeto Coca Cola" (1971). Nessa obra, o artista se apropria das
embalagens da bebida norte-americana e, sobre elas, grafa a frase “Yankees go
home”, como forma de evidenciar o poder imperialista e dominador dos americanos
no mundo contemporâneo.
Figura 3.33 | Cildo Meireles, "Inserções em circuito ideológico: Projeto Coca Cola" – 1970

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10593/cildo-meireles>. Acesso em: 11 abr.


2016.

Nelson Leirner se apropria de elementos produzidos industrialmente e da cultura


de massa, como brinquedos, figurinhas, estatuetas de santos e utilitários, desviando
seus sentidos na elaboração de colagens, instalações e esculturas. Em suas
montagens, percebemos sempre o encontro entre elementos de cultura popular,
de massa e erudita, bem como do sagrado e do profano.

2.3.5 Anos 1980: o retorno da pintura


Se nos anos 1970 vemos a predominância da exploração de novas linguagens
(fotografia, vídeo e instalação, por exemplo), a arte contemporânea brasileira
da década de 1980, por sua vez, será marcada pelo retorno à pintura. Esse
movimento é percebido não apenas no Brasil, mas também na arte internacional,
recebendo diversas alcunhas: na Alemanha e nos Estados Unidos será chamado de

130 Manifestações artísticas


U3

Neoexpressionismo e, na Itália, será intitulado Transvanguarda.

Figura 3.34 | Nuno Ramos, sem título – 1989

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2459/nuno-ramos>. Acesso em: 11 abr.


2016.

Nesse cenário de ressurgimento da pintura, a arte passa a ser desenvolvida sob


novos preceitos, como a extrapolação dos limites do quadro e da bidimencionalidade
(como na obra de Nuno Ramos, que passa a anexar em suas pinturas materiais e
objetos diversos), uma forte tendência à expressividade do gesto e a predominância
das grandes dimensões. Vemos também a atenuação dos limites entre as linguagens
artísticas, de modo que pintura, escultura, fotografia, desenhos, entre outras, passam
a dialogar e estabelecer trocas entre si na configuração das obras.

Os jovens artistas desse momento buscam referência na arte do passado, ao


mesmo tempo que investem na exploração de novas possibilidades pictóricas,
sendo que, segundo o crítico e artista Ricardo Basbaum (2001, p. 301), essas obras se
originaram a partir de duas orientações distintas: “imagens preservadas pela tradição
(história da arte, arte popular, banco de dados) e imagens que compõem o meio
urbano contemporâneo (indústria, mass media)”. Desse modo, o principal legado
dos anos 1980 é, sobretudo, a apropriação das tradições, com foco na reatualização
da Arte sob as novas possibilidades da arte contemporânea e do cenário urbano e
industrial vigente.

Dentre os artistas que ganharam destaque nesse período e que influenciaram as


gerações seguintes, podemos citar Daniel Senize (São Paulo, 1979), Leda Catunda
(São Paulo, 1961), Adriana Varejão (Rio de Janeiro, 1964) e Nuno Ramos (São Paulo,

Manifestações artísticas 131


U3

1960), cada qual seguindo linhas diversas em suas produções.

Figura 3.35 | Daniel Senise, sem título - 1986

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8971/daniel-senise>. Acesso em: 11 abr.


2016.

O historiador de Arte, Benjamin Buchloh, assim como o teórico da Arte,


Hall Foster, alegam que a predominância da pintura na década de 1980
deve-se muito a uma vontade de celebração de gêneros tradicionais e
da necessidade sentida de produzir obras que antecedem a um mercado
consumidor.

2.3.6 Novos paradigmas: dos anos noventa até o presente


Como consequência das longas transformações e rupturas que vêm desde o
Modernismo, a arte contemporânea tornou-se extremamente heterogênea, seja
do ponto de vista conceitual ou técnico. Pintura, escultura, desenho, fotografia,
videoarte, performance, instalação e ações coletivas passam compor um leque cada
vez maior de possibilidades.

132 Manifestações artísticas


U3

Na arte, hoje, notamos a incorporação da informática e das mídias digitais como


mais uma ferramenta para criação. Presenciamos obras que se desenvolvem no
ambiente dinâmico da internet, instalações interativas formuladas com base nas
novas tecnologias, poéticas que incorporam a linguagem dos jogos de videogame,
entre tantas outras possibilidades que o mundo digital oferece.

Outro fator de importância são as trocas entre artes visuais, música, cinema e
dança, linguagens que antes eram mais limitadas a seus campos específicos de
atuação. Nesse cenário, intensifica-se a valorização dos processos criativos e mentais
de cada artista, sendo o objeto final e as técnicas apenas uma parte do trabalho na
sua integridade.

Figura 3.36 | Cao Guimarães, "Inventário das Pequenas Mortes (sopro)" – 2000

Fonte: Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa17099/cao-guimaraes>. Acesso em: 11 abr.


2016.

Figura 3.37 | Nino Cais, "Sem Título" – 2007

Fonte: Central Galeria de Arte. Disponível em: <http://www.centralgaleriadearte.com/resultado.php?artista_ext=cais&gr2_


ext=bi12>. Acesso em: 11 abr. 2016.

Manifestações artísticas 133


U3

1. Como os artistas brasileiros representavam a identidade


nacional defendida pelo movimento modernista?

2. Fale um pouco sobre as divergências entre os grupos Ruptura


(São Paulo) e Frente (Rio de Janeiro) e sobre o modo como
esses se relacionavam com os ideais concretistas.

Nesta unidade, "Manifestações Artísticas", você pôde acompanhar


o desenvolvimento da arte brasileira, que vai da arte pré-histórica
até as tendências mais atuais da arte contemporânea. Abordamos
as teorias ligadas aos movimentos e estilos artísticos, os principais
artistas dos diferentes períodos e as transformações dos modos de
produção poética, tanto ao que concerne às técnicas e linguagens
como aos conceitos.

Ao longo dessa unidade, você pôde conhecer um pouco das


manifestações artísticas no Brasil, no entanto sabemos que a arte
neste país é extremamente rica e heterogênea. Na sala de aula,
assim como no processo de criação artística, a compreensão dos
diversos momentos da arte brasileira é de fundamental importância
no esclarecimento e contextualização das práticas artísticas e
docentes. Desse modo, é essencial aos futuros arte-educadores e
artistas, estudarem a poética de artistas específicos pelos catálogos
e entrevistas, visitar museus e galerias e conhecer as teorias artísticas
do passado e do presente formuladas por importantes teóricos.

134 Manifestações artísticas


U3

1. Sobre os artistas Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e


Manuel da Costa Athaide, avalie as seguintes afirmações:
I – A pintura do forro da nave da igreja de São Francisco
de Assis realizada por Athaide, em Ouro Preto, pode ser
considerada um exemplo da apurada técnica do artista na
pintura de perspectiva.
II – Na igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto,
podemos encontrar as doze esculturas em pedra-sabão que
retratam os doze profetas, de autoria de Aleijadinho.
III – Athaide realizou a encarnação das esculturas que retratam
a Paixão de Cristo, esculpidas por Aleijadinho e situadas no
Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
IV – O grupo escultórico mais importante de Aleijadinho
conta com sessenta e quatro esculturas feitas em madeira e
que retratam a Paixão de Cristo, como, também com doze
esculturas confeccionadas em pedra-sabão que simbolizam
os doze profetas.
É correto o que se afirma em:
a) I e IV, apenas;
b) I, II e III;
c) I, III e IV, apenas;
d) II e III, apenas;
e) III e IV, apenas.

2. Sobre os artistas Pedro Américo e Vitor Meireles, analise:


I – O artista Pedro Américo concebeu o quadro Moema
(1866), no qual retrata a personagem de José de Santa Rita
Durão, em seu poema "Caramuru".
II – Dentre os panoramas realizados por Pedro Américo,
destacam-se o Panorama Circular da Cidade do Rio de
Janeiro (1885) e a Entrada da Esquadra Legal no Porto do Rio
de Janeiro em 1894 (1894).
III – A Primeira Missa no Brasil (1861) é de autoria de Victor
Meirelles e a obra Batalha do Avaí (1872) foi realizada por
Pedro Américo.
IV – A partir do ano de 1886, até o fim de sua vida, Victor
Meirelles passou a realizar pinturas de panoramas, que,
não apenas mostravam as belezas naturais, mas também o
desenvolvimento urbanístico da cidade do Rio de Janeiro,

Manifestações artísticas 135


U3

servindo de cartão postal para os novos imigrantes europeus.


É correto o que se afirma em:
a) I e IV, apenas;
b) I, II e III;
c) II, III e IV;
d) II e III, apenas;
e) III e IV, apenas.

3. Realizada entre 13 e 18 de fevereiro do ano de 1922, em


São Paulo, a Semana de Arte Moderna é considerado o mais
importante evento para o surgimento do Modernismo no Brasil.
Durante sua realização, ocorreram exposições de pintura e
escultura, debates literários e concertos que proclamavam os
novos rumos da arte brasileira, marcando um momento de
rompimento com a arte tradicional academicista e naturalista,
ao mesmo passo que almejavam a “criação de uma arte
brasileira autônoma”. Sobre a Semana de Arte Moderna de
1922 e o Modernismo brasileiro, podemos afirmar que:
a) defendiam as inovações com base na modernidade
europeia como oposição à identidade nacional;
b) a Semana de Arte, na verdade, só ganhou importância nos
anos 1950, com os concretistas do Rio e de São Paulo;
c) por meio da representação de elementos típicos do Brasil
em suas obras, os artistas uma identificação com a cultura
popular do Brasil, ao passo que assinalavam a nova estética
modernista;
d) entre os artistas que participaram da Semana de 22,
destacam-se Hélio Oiticica e Lygia Clark;
e) a Semana de 22 não surtiu nenhum efeito na arte brasileira,
dado que o academicismo voltou a predominar dos anos
1930 em diante.

4. A arte conceitual, no exterior e no Brasil, despontava como


a principal tendência artística. Na arte conceitual, a obra de
arte desenvolve-se a partir da constituição de uma questão,
ou seja, o objeto final não mais é a obra, mas apenas um
componente de sua elaboração, que é, antes de tudo, mental,
conceitual. Com base nesse trecho sobre a arte conceitual no
Brasil, é correto afirmar que:
a) privilegia o gesto da pincelada e a expressividade do artista;
b) iniciou-se no Brasil por volta dos anos 1920, com a primeira
geração dos modernistas brasileiros;

136 Manifestações artísticas


U3

c) o objeto artístico passa a ter mais importância do que as


ideias propostas pelo artista;
d) teve, entre seus protagonistas, Cildo Meireles e Nelson
Leirner que, nos anos 1970, utilizaram a arte como crítica à
ditadura militar;
e) influenciou diretamente a obra de Tarsila do Amaral,
principalmente na fase antropofágica.

5. Sobre a arte contemporânea brasileira, avalie as seguintes


afirmações:
I – Notamos a incorporação da informática e das mídias
digitais como mais uma possibilidade de criação.
II – a Arte tornou-se extremamente heterogênea, seja do
ponto de vista conceitual, ou técnico. Pintura, escultura,
desenho, fotografia, videoarte, performance, instalação e
ações coletivas passam a compor um leque cada vez maior
de possibilidades.
III – A arte contemporânea brasileira é marcada, sobretudo, a
um retorno de questões clássicas, como a representação fiel
do real e o primado da técnica.
IV – Vemos nos anos 1980 um retorno da pintura no cenário
artístico brasileiro. Este movimento é percebido não apenas
no Brasil, mas também na arte internacional, recebendo
diversas alcunhas. Na Alemanha e nos Estados Unidos será
chamado de Neoexpressionismo e, na Itália, será intitulado
Transvanguarda.

É correto o que se afirma em:


a) I e II, apenas;
b) I, II e IV;
c) III e IV, apenas;
d) II, III e IV;
e) I, II, III e IV.

Manifestações artísticas 137


U3

138 Manifestações artísticas


U3

Referências

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brasileiro: representação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. Editora
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AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: Introdução ao estudo da cultura no Brasil.
6. ed. Brasília: Editora da UnB/Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.
BARDI, Pietro. O modernismo no Brasil: banco francês e italiano para a América do
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CASTRO, Amílcar et al. Manifesto neoconcreto. Jornal do Brasil, Suplemento
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CANTON, Katia. Novíssima arte brasileira: um guia de tendências. São Paulo:
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1996. 512 f. Tese (Doutorado)-Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
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FABRIS, Annateresa. Cândido Portinari. São Paulo: Editora da Universidade de São
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LEITE, Luciana de Almeida; PECCININI, Daisy V. M. Como vai você, Geração 80?. 1984.
Disponível em: <http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo6/
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Manifestações artísticas 139


U3

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Acesso em: 11 abr. 2016.
MENEZES, Fhiladelfo (Org.). Poesia sonora, poéticas e experimentais da voz do século
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NEVES, Luciana Dilascio. Paralelos e dissonâncias: Di Cavalcanti e as concepções
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PILLOTTO, Silvia Sell Duarte. BR80: pintura Brasil década 80. São Paulo: Instituto Arte
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PORTINARI, Candido. Sentido Social del Arte. In: GIUNTA, Andrea (Org.). Candido
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SILVA, Fábio da. Educação Patrimonial: Um olhar sobre a Integração da Obra de Athos
Bulcão na Arquitetura Brasiliense. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo – UnB, Brasília, 2009.
ZANINI, Walter (Org.). História geral da arte no Brasil. 2 vs. Instituto Walther Moreira
Salles/Fundação Djalma Guimar

140 Do Moderno ao Contemporâneo


Unidade 4

ARTE E ARTESANATO

Iuri Aleksander Dias Fernandes de Souza

Objetivos de aprendizagem

O conteúdo desta unidade tem por objetivo permitir ao aluno uma


compreensão das diferentes manifestações do artesanato brasileiro, por
meio de uma apresentação dos conceitos, técnicas e materiais que envolvem
determinadas práticas. Caberá ao aluno buscar meios de aprofundar o
conteúdo trazido de forma introdutória neste material.

Seção 1 | Artesanato: Conceitos e Funções

Nesta seção, em um primeiro momento, vocês terão contato com o


entendimento conceitual sobre o que é o artesanato, através da contraposição
com a arte culta. Em seguida, iremos tratar de alguns aspectos do artesanato,
abordando alguns conceitos básicos que envolvem esta prática, bem como as
funções que envolvem os diversos tipos de artesanato, podendo ser de caráter
utilitário, religioso, decorativo ou souvenir.

Seção 2 | Diversidade: Materiais, Técnicas e Regionais

Nesta seção, abordaremos as diferentes matérias-primas empregadas no


artesanato brasileiro e as técnicas aplicadas em sua manipulação. Veremos,
também, que o artesanato do nosso país é extremamente heterogêneo, pois,
ao longo dos anos, recebeu influências de diferentes culturas, fazendo com que
em cada região fossem estabelecidas características próprias.
U4

142 Arte e artesanato


U4

Introdução à unidade

Esta unidade foi pensada com o propósito de proporcionar um entendimento


sobre o artesanato no Brasil do ponto de vista cultural, no modo como ele se
desenvolve em diferentes sociedades e lugares em nosso país, bem como de uma
visão prática, oferecendo a você, aluno, a possibilidade de conhecer diferentes
materiais e técnicas.

Na seção 1, "Artesanato: Conceitos e funções", iremos tratar sobre as possíveis


definições de artesanato, partindo da dualidade entre arte e artesanato. Num segundo
momento, nessa mesma seção, traremos alguns conceitos práticos ligados ao
artesanato e também trataremos das diferentes funções que o artesanato pode ter.

Na seção 2, "Diversidade: materiais, técnicas e regionais", primeiramente,


levantaremos algumas técnicas e materiais utilizados na produção de artesanato.
Será apresentado um mapeamento da presença do artesanato em diferentes
localidades no Brasil, ressaltando suas particularidades.

Bons estudos!

Arte e artesanato 143


U4

144 Arte e artesanato


U4

Seção 1

Artesanato: conceitos e funções


Nesta seção, em um primeiro momento, vocês terão contato com o entendimento
conceitual sobre o que é o artesanato, através da contraposição com a arte culta. Em
seguida, iremos tratar de alguns aspectos do artesanato, abordando alguns conceitos
básicos que envolvem esta prática, bem como as funções que envolvem os diversos
tipos de artesanato, podendo ser de caráter utilitário, religioso, decorativo ou souvenir.

1.1 Arte e artesanato


Antes de falar sobre as técnicas, características e as funções que envolvem as
produções artesanais no Brasil, é necessário entendermos o que se define por
artesanato. Para isso, é impossível fugir das questões que envolvem as discussões
entre arte e artesanato.

Existe uma linha de pensamento (hoje considerada limitada e desatualizada)


que não ultrapassa as barreiras entre o artístico e o artesanal. O artístico (ou a arte),
nesse caso, pode ser entendido como a produção culta e moderna, ligada às classes
dominantes e quase sempre sendo exclusivamente um produto dos meios urbanos.
Já o artesanal liga-se logo aos povos “humildes”, estando associado à cultura popular,
às comunidades do campo e, em alguns casos, das florestas.

Sob essa ótica, a arte está associada ao sublime e à individualidade do gênio


criador e ao inovador e nunca ao utilitarismo, enquanto que o artesanato não se
dissocia da sua função prática na vida dos que o produzem, do mesmo modo que
não carrega as marcas do seu criador, mas do grupo, e representa a continuidade
repetitiva de uma tradição coletiva.

Arte e artesanato 145


U4

Figura 4.1 | Escultura de Mestre Vitalino

Fonte: Artesanato Passo a Passo Já. Disponível em: <http://www.artesanatopassoapassoja.com.br/artesanato-folclorico-


brasileiro/>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Porém, entre os historiadores da Arte e antropólogos contemporâneos, há aqueles


que defendem a ideia de que esta divisão não é tão precisa como se pensava. Ernesto
Garcia Canclini constatou que as produções de artefatos dos povos tradicionais não
são vazias de significados íntimos, de criatividade ou do aprofundamento intelectual
que envolve uma pesquisa poética. Segundo Canclini (1997, p. 245):

Demonstrou-se que nas cerâmicas, nos tecidos e retábulos


populares é possível encontrar tanta criatividade formal,
geração de significados originais e ocasionais autonomias
com respeito às funções práticas quanto na arte culta.

Ou seja, conforme defende Canclini (1997), fora dos museus existe uma fértil
produção, seja ela artística ou não, extremamente rica em significados, sejam eles
pessoais ou coletivos. Mas apesar desta abertura entre arte e artesanato, ainda é
preciso demarcar as diferenças e as singularidades de cada modelo de criação.

146 Arte e artesanato


U4

Ou seja, conforme defende Canclini (1997), fora dos museus existe uma fértil
produção, seja ela artística ou não, extremamente rica em significados, sejam eles
pessoais ou coletivos. Mas, apesar dessa abertura entre arte e artesanato, ainda é
preciso demarcar as diferenças e as singularidades de cada modelo de criação.

Figura 4.2 | Obra de Véio, renomado artesão brasileiro

Fonte: Galeria Estação. Disponível em: <http://www.galeriaestacao.com.br/en/artist/7#prettyPhoto>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Portanto, com base nesses preceitos, iremos ver o artesanato como uma
produção que envolve as tradições e os saberes de um determinado grupo, sem
nos esquecermosdo seu potencial criativo e poético, e que não é fechado e livre de
contaminaçõesda cultura de massa, cada vez mais disseminada entre as sociedades.
Desse modo, não cabe a nós definirmos o que é, mas, sim, mostrar as características
e os modos de produção que envolvem essa prática tão complexa a que chamamos
de artesanato.

O artesanato é uma prática presente em todo o Brasil. Em


sua cidade, no seu cotidiano ou em sua casa você consegue
identificar exemplos de objetos artesanais e identificar suas
origens culturais?

1.2 Conceitos básicos do artesanato brasileiro


O artesanato está relacionado às criações de povos tradicionais que possuem
uma certa ligação com determinado tipo de produção de artefatos envolvendo

Arte e artesanato 147


U4

memória e inovação, coletividade e criatividade individual. Com base nesses


preceitos, organizamos alguns conceitos que envolvem a prática do artesanato, de
modo a clarificar o seu entendimento.

1.2.1 Artesão
É o indivíduo que produz artesanato, assim como o artista é aquele que produz
arte. O artesão tem como uma das principais características a realização de trabalhos
manuais e nunca feitos automaticamente por máquinas. As ferramentas auxiliam
o artesão, mas não substituem o domínio manual dele. Ele se apropria de uma
matéria-prima e, com auxílio das ferramentas e técnicas especificas, a converte em
um objeto detentor de valor estético, poético e/oufuncional.

Figura 4.3 | Dona Irinéia, artesã de cerâmica que faz cabeças de barro

Fonte: Vitrine do Design. Disponível em: <http://vitrinedodesign.com.br/design-e-o-artesanato/>. Acesso em: 12 abr. 2016.

1.2.2 Mestre artesão


O mestre artesão é o produtor de artesanato que atingiu um elevado prestígio
da comunidade da qual faz parte pelo domínio de técnicas ou por realizar trabalhos
com qualidades únicas. Na cultura brasileira, um mestre artesão pode ser aquele que
reproduz com regularidade e excelência as antigas técnicas de seus antepassados,
como acontece nas sociedades indígenas, ou aquele que se apropria de técnicas
tradicionais e inova na criação de objetos originais. O mestre artesão Espedito
Seleiro, por exemplo, que produz bolsas e sapatos de reconhecimento internacional,
dominou as técnicas dos antigos seleiros da região onde nasceu (Olinda) e inovou na

148 Arte e artesanato


U4

criação de peças de características únicas, que despertaram o interesse de grandes


grifes.

Figura 4.4 | O mestre artesão Espedito Seleiro trabalhando em seu ateliê

Fonte: Diário do Nordeste. Disponível em: <http://blogs.diariodonordeste.com.br/cariri/cultura/mestre-espedito-seleiro-tera-


exposicao-e-mostra-do-atelie-a-passarela-neste-dia-17-em-juazeiro-do-norte/>. Acesso em: 12 abr. 2016.

1.2.3 Arte popular


Caracteriza-se como arte popular o conjunto de práticas que resultam na
produção de bens com forte caráter plástico e estético, como danças, músicas,
indumentárias e o próprio artesanato. A arte popular está associada às comunidades
tradicionais que realizam produções que detêm características específicas que
remontam aos costumes passados de geração para geração.

Figura 4.5 | O artesanato como parte da Arte Popular de Palmácia -CE

Fonte: WikimediaCommons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Artesanato_em_Barro_de_


Palm%C3%A1cia.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Arte e artesanato 149


U4

1.2.4 Trabalho manual


Trabalho manual é o procedimento de que se vale o artesão quando dá forma
às coisas utilizando suas mãos, podendo ter auxílio de ferramentas, conferindo a
cada produção sutis ou demasiadas singularidades. Por meio do trabalho manual,
seja no artesanato ou na arte, é possível perceber o gesto do criador e determinar o
domínio em relação à técnica. Um exemplo de trabalho manual é a cerâmica, seja
ela realizada a partir da modelagem, ou com a utilização do torno.

No objeto final, em alguns casos, será possível determinar a ação corporal


do artista sobre o objeto, o controle da mão na modelagem com o torno ou a
delicadeza e a precisão do gesto na confecção de uma escultura.

Figura 4.6 | Talhador Trabalhando em Olinda

Fonte: WikimediaCommons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Street_Craftsman_in_Olinda.jpg>.


Acesso em: 12 abr. 2016.

1.2.5 Matéria-prima
Matéria-prima é o material bruto e primordial que deve ser manipulado e
transformado pelo artesão no processo de fabricação artesanal. A matéria-prima em
si, normalmente, não detém nenhum significado próprio, sendo que adquirirá um
sentido simbólico após sofrer a interferência do artesão.

150 Arte e artesanato


U4

Figura 4.7 | Argila: matéria-prima da cerâmica

Fonte: Istock. Disponível em:<http://www.istockphoto.com/photo/muddy-hands-of-pottery-craftsman-making-terracotta-


gm477602346-67283289?st=d1b592c>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Arte e artesanato 151


U4

Na atualidade, cada vez mais a indústria da moda e da arte têm se


apropriado dos artesanatos tradicionais de maneira desmedida, fazendo
com que a tradição torne-se produto mercadológico. Há pouco tempo,
uma grande grife francesa tomou posse dos direitos de um tipo de
bordado típico da região de Oaxaca, no México, feito por seus moradores
há 300 anos.

HOLA ATIZAPÁN. Francesa roba patente de bordados oxaqueños, los


indígenas ya no podránusarlos. [espanhol]. Disponível em: <http://www.
hola-atizapan.com/francesa-roba-podran-usarlos/>. Acesso em: 12 abr.
2016.

As matérias-primas podem variar em suas origens, podendo ser vegetal (como o


algodão, a madeira e as fibras de vime), animal (como o couro, as sedas e as penas),
mineral (as pedras e pigmentos) e, hoje em dia, industrial (os materiais reciclados ou
feitos especialmente para o artesanato, como massas de modelar específicas). Cada
tipo de matéria-prima possui qualidades plásticas singulares que exigem métodos de
manuseio específicos.

Figura 4.8 | O algodão

Fonte: Istock. Disponível em: <http://www.istockphoto.com/photo/cotton-field-3-gm494002704-77222611?st=7e0d497>.


Acesso em: 12 abr. 2016.

152 Arte e artesanato


U4

Um fator importante que pode definir a utilização de determinado material é a


cultura e a geografia local. Por exemplo, na cidade Ouro Preto, em Minas Gerais,
tornou-se uma tradição a utilização da pedra-sabão na confecção de diversos
objetos, desde panelas, até estatuetas e relicários, devido à ampla disponibilidade
desse mineral naquela região.

Figura 4.9 | Pequenas esculturas de pedra-sabão em Ouro Preto – MG

Fonte: WikimediaCommons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Artesanato_em_pedra_sab%C3%A3o.


jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 12 abr. 2016.

1.2.6 Técnica
A técnica é o que liga o artesão com a matéria-prima. Ou seja, é por meio dela
que o artesão irá transformar o material. Cada material exige técnicas diferentes ou
vice-versa. O que irá definir a técnica, também, não são apenas as qualidades do
material, mas o propósito e as qualidades que se pretende em relação à peça que
será construída.
Figura 4.10 | A escultura em madeira

Fonte: SAP. Disponível em: <http://www.sap.cultura.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=428&evento=95>. Acesso


em: 12 abr. 2016.

Arte e artesanato 153


U4

No site do canal de TV Arte Brasil, você pode conferir um extenso


acervo de vídeos que ensinam diferentes técnicas de artesanato. Além
do conteúdo de caráter prático, podemos também conhecer um pouco
mais do artesanato de culturas tradicionais. Vale a pena conferir!

Programa Arte Brasil. Disponível em:<http://www.programaartebrasil.


com.br/index.asp>. Acesso em: 12 abr. 2016.

1.3 Funções do artesanato


O artesanato pode ser classificado de acordo com sua funcionalidade, podendo
variar entre diversas aplicações de ordem utilitária, religiosa ou ornamental. A seguir,
citaremos alguns dos fins para os quais são destinadas as produções artesanais no Brasil:

• Utilitários: são em geral elaborados para exercer uma função prática nas
atividades cotidianas. O valor dessas peças, apesar de transmitir preocupações
plásticas por parte de seu criador, não está em seu caráter estético, mas na sua
aplicabilidade no dia a dia. Um exemplo são os belos balaios feitos pelos índios
kaingang com fibras de bambu, utilizados para o armazenamento de alimentos.

Figura 4.11 | Balaios kaingang

Fonte: Flickr. Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/portelinha/3872053167>. Acesso em: 12 abr. 2016.

154 Arte e artesanato


U4

• Decorativo: o artesanato decorativo tem por função servir de ornamentação


em espaços, objetos, com a finalidade proporcionar ao lugar em que foi inserido um
novo valor plástico.
Figura 4.12 | Artesanato decorativo

Fonte: Disponível em: <http://viverdeartesanato.com/conheca-os-5-tipos-de-artesanatos-mais-usados/>. Acesso em: 12 abr.


2016.

• Religioso: esse tipo de artesanato surge como uma forma de tradução das
crenças religiosas de determinadas culturas, ligando-se às divindades. Podem se
manifestar por meiode estátuas de cunho sagrado, como as estatuetas de santos e
relicários, amuletos de caráter místico, como mandalas e filtros dos sonhos, ou ser
elemento de importância em rituais, como vasos cerimoniais.

Figura 4.13 | Bandeiro do Divino Espírito Santo

Fonte: Ecoviagem. Disponível em: <http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/social/artesanato-regional/artesanato-brasileiro-e-


sucesso-no-salao-do-turismo-12054.asp>. Acesso em: 12 abr. 2016.

• Souvenir: podem ser objetos feitos à mão para serem vendidos às pessoas que
visitam certas localidades, servindo como um objeto de lembrança do lugar visitado.
Normalmente, traz a representação de elementos típicos de determinada cultura,
podendo se referir às festas,roupas, crenças ou arquitetura.

Arte e artesanato 155


U4

Figura 4.14 | Namoradeira

Fonte: WikimediaCommons. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Namoradeira.jpg?uselang=pt-br>.


Acesso em: 12 abr. 2016.

1. Sobre a definição de artesanato, fale um pouco sobre a visão


que traça uma linha de divisão entre arte e artesanato.

2. Sabemos que o artesanato pode ter diversas funções. Cite


ao menos duas finalidades possíveis para o artesanato.

156 Arte e artesanato


U4

Seção 2

Diversidade: materiais, técnicas e regionais


Nesta seção, abordaremos as diferentes matérias-primas empregadas no
artesanato brasileiro e as técnicas aplicadas em sua manipulação. Veremos, também,
que o artesanato do nosso país é extremamente heterogêneo, pois, ao longo dos
anos, recebeu influências de diferentes culturas, fazendo com que em cada região
fossem estabelecidas características próprias.

2.1 Materiais e técnicas


Cada matéria-prima exige uma forma de atuação e de procedimento específico,
gerando, assim, práticas variadas. No trabalho em madeira, por exemplo, será
necessário o emprego da talha, prática na qual se esculpe com a utilização de
ferramentas duras que rompe a superfície removendo os excessos até que o
material adquira a forma desejada. Já na escultura em cerâmica, o entalhe não é
possível, devido à maleabilidade do material. Nesse caso, deve-se utilizar a técnica de
modelagem, na qual o artesão vai ajustando a forma manualmente ou com o auxílio
de ferramentas. Já oalgodão, transformado em fios devido a sua fibrosidade, exigirá
outras técnicas específicas para o seu manuseio, como o bordado ou a tecelagem.
Ou seja, a utilização de determinado material poderá indicar quais técnicas e
ferramentas serão necessárias para sua manipulação e transformação.

Porém, para uma mesma matéria-prima, poderão ser requeridas técnicas


diferentes quando se pretende atingir resultados específicos. Na cerâmica, por
exemplo, quando se pretende a construção de um vaso, pode-se utilizar a modelagem
com torno giratório. Assim, se a intenção for criar uma escultura em argila, o uso do
torno giratório faz-se dispensável, sendo necessário apenas as mãos e pequenas
ferramentas no processo de modelagem. Desse modo, podemos concluir que
cada material e cada técnica geram singularidades – habilidades, ferramentas e
equipamentos próprios.

Com base nisso, iremos trazer aqui uma breve apresentação das matérias-primas
mais utilizadas por artesãos brasileiros e as técnicas quem envolvem a manipulação
destes, dentre os quais podemos citar: o barro, o couro, as fibras vegetais, os fios,

Arte e artesanato 157


U4

a madeira, os metais, as pedras e o vidro. Vamos falar de suas composições e suas


utilizações.

a) Barro (argila)

As argilas são compostas principalmente por silicatos de alumínio, ferro e


magnésio, possuem textura terrosa, grão finos e, ao serem misturadas com água,
manifestam grande plasticidade. Desse modo, em seu estado natural, podem ser
moldadas.

A técnica em que se utiliza a argila como matéria-prima é conhecida como


cerâmica e está presente em todo o território nacional. Ela está em terras brasileiras
muito antes da chegada dos europeus, pois já era uma prática comum entre os
indígenas.

Figura 4.15 | Cerâmica dos índios aparaí

Fonte: WikimediaCommons. Disponível em:<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cer%C3%A2mica_-_Apara%C3%AD_


MN_02.jpg>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Dentro da cerâmica, é possível desdobrar outras técnicas específicas, como a


modelagem à mão, rolinho, placas ou torno. Utilizamos a modelagem à mão quando
pretendemos criar detalhes minuciosos, como os detalhes de uma escultura. As
figuras nordestinas feitas em argila são exemplos de artesanato em que se utiliza a
modelagem à mão.

158 Arte e artesanato


U4

Figura 4.16 | Luiz Antônio, Alto do Moura, Caruaru

Fonte: Arte Popular Brasil. Disponível em: <http://artepopularbrasil.blogspot.com.br/2012/09/mestre-luiz-antonio.html>.


Acesso em: 12 abr. 2016.

Já as técnicas de rolinho, placas e torno são utilizadas na confecção de cerâmica


utilitária, como vasos, pratos, vasilhas, entre outras. A técnica de rolinho compreende a
sobreposição de rolinhos de argila até atingir a forma necessária, para depois cobrir as
paredes do objeto com o mesmo material. A técnica de placas traduz-se na montagem
de um objeto a partir de placas uniformes de argila passada em uma prensa. Já o
torno giratório é utilizado para a elaboração de itens de forma arredondada, em
que o artesão vai dando forma à peça ao passo que regula a velocidade do giro do
equipamento. A maior vantagem do torno é sua praticidade e o tempo requerido,
dado que os métodos de rolinhos e placas costumam ser mais demorados.

Figura 4.17 | Técnica de rolinho

Fonte: Japiacu. Disponível em:<http://japiacu.blogspot.com.br/2011/03/da-argila-arte-de-fazer-ceramica.html>. Acesso em:


12 abr. 2016.

Arte e artesanato 159


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Figura 4.18 | Técnica de placas

Fonte: Oficina Cerâmica. Disponível em:<http://oficinaceramica.blogspot.com.br/2009/07/1-de-junho-tecnica-da-placa-


realizacao.html>.Acesso em: 12 abr. 2016.

Figura 4.19 | Técnica de torno

Fonte: Japiacu. Disponível em:<http://japiacu.blogspot.com.br/2011/03/da-argila-arte-de-fazer-ceramica.html>.Acesso em:


12 abr. 2016.

Depois de modelada, a argila deve ser queimada em altas temperaturas. Esse


processo de queima é que dá nome à técnica de cerâmica. Os tipos de queima
irão variar de acordo com as necessidades, bem como da cultura de cada lugar. As
tradicionais Paneleiras de Goiabeiras, de Vitória, no Espírito Santo, utilizam a técnica
da fogueira para a queima. Alguns artesãostradicionais, podem também utilizar
fornos de barro. Porém, a grande maioria utiliza modernos fornos industriais que

160 Arte e artesanato


U4

permitem atingir temperaturas mais altas, o que eleva a durabilidade das peças.

Figura 4.20 | Paneleiras de goiabeira: queima com fogueira

Fonte: Pra quem quiser me visitar. Disponível em: <http://www.praquemquisermevisitar.com/brasil-adentro/Paneleiras+de+G


oiabeiras:+panela+de+barro+%C3%A9+que+faz+moqueca+boa,519>.Acesso em: 12 abr. 2016.

As argilas mais empregadas na fabricação de cerâmica são:

• Terracota: possui alto teor de óxido de ferro. Após a queima, assume o tom
que pode ir do creme ao avermelhado. A coloração é produzida de acordo com a
concentração de ferro presente no material. Está presente em filtros de água, vasos,
entre outros. Para transformá-la em impermeável, é necessário acabamento vítreo.

• Caulim e petuntsê: o primeiro, um mineral argiloso branco, o outro, um


silicato, que combinados e sujeitados a temperaturas elevadas (1200oC a 1500°C),
adquirem uma consistência dura e lisa, que gradativamente é convertida em vítrea,
se transformando em porcelana, essencialmente translúcida.

• Massa para louça ou faiança: é uma massa porosa, de cor marfim ou branca,
que necessita de uma vitrificação posterior.Possui resistência menor que a porcelana.
Os produtos feitos com a massa para louça abrangem aparelhos de jantar, de chá,
peças para decoração, entre outros.

Arte e artesanato 161


U4

Para aprofundar mais seus conhecimentos sobre cerâmica, faça a leitura


a seguir que realiza uma rica pesquisa sobre o assunto, abordando tanto
os procedimentos, quando a história e a presença da argila na cultura
brasileira:

RODRIGUES, Maria Regina. Cerâmica. Universidade Aberta do Brasil:


Vitória, 2011. Disponível em: <https://issuu.com/diannisalla/docs/
ceramica>. Acesso em: 12 abr. 2016.

b) Couro

O artesanato produzido com peles e couro de animaisé muito comum em todo


país e possui um vasto universo de produtos. No Nordeste, por exemplo, ficaram
famosas as roupas, as bolsas e as sandálias em couro do período do Cangaço,
tornando-se um material típico dessa região. Já no outro extremo do Brasil, no Rio
Grande do Sul, tornou-se tradicional a utilização do couro na confecção de botas,
facas e celas.

A origem da matéria-prima utilizada provém, em sua maioria, do couro de gado


e de outras espécies, como de caprinos, de répteis e peixes. Entre os ofícios ligados
às práticas artesanais em que se utiliza o couro, podemos citar o coureiro e o seleiro.

O coureiro é especializado na fabricaçãode acessórios de utilização pessoal, como


bolsas, malas e sapatos, da mesma maneira que utensílios domésticos, estofados
e móveis. Por sua vez, a técnica da selaria abrange o trato artesanal do couro, sua
modelagem, sua costura e demais processos. O seleiro pode fabricar roupas e chapéus
para montaria, assim como outros acessórios (selas, arreios, entre outros).
Figura 4.21 | Caixa em madeira e couro

Fonte: A Casa. Disponível em:<https://www.acasa.org.br/reg_mv/OB-00568/9f86d17c2180ff26e5a6d572f2ff2892>. Acesso


em: 12 abr. 2016.

162 Arte e artesanato


U4

O processo de produção em couro é realizado por meiodo curtimento


ou curtume artesanal – método de curtir, ou melhor, de tornar a pele
animal em um produto de duração indeterminada, sem que apresente
deterioração – logo após o abate.

c) Fibras vegetais

As fibras vegetais são materiais maleáveis que se curvam facilmente. Por conta
dessa sua característica, é possível produzir peças variadas e de utilizações distintas. A
palha de milho, o bambu, a juta e o vime são algumas das fibras vegetais que são usadas
na fabricação de objetos artesanais, podendo ser classificados em três categorias
ligadas ao tipo de produto confeccionado. A primeira é a cestaria, que compreende
objetos diversos, tais como um balaio até objetos de uso pessoal, como um chapéu.
Na segunda categoria, estão os tapetes e esteiras. E a última abrange móveis e objetos
decorativos. Todos são realizados por meio da técnica de trançado.

No Brasil, o artesanato feito de fibras vegetais mais conhecido é aquele de


origem indígena. Além do caráter funcional, podem ser acrescentados aos objetos
elementos que irão lhes conferir qualidades estéticas, como padrões geométricos,
formas e cores diversas. São essas características formais que irão indicar os estilos
e as marcas especificas do artesanato de cada povo.
Figura 4.22 | Cestaria, povos baniwa, bacia do rio Içana

Fonte: A Casa. Disponível em: <https://www.acasa.org.br/reg_mv/OB-00311/8d2435ac09ee9a299924c240ee52e078>.


Acesso em: 12 abr. 2016.

Arte e artesanato 163


U4

d) Fios

As fibras que compõem os fios podem ser de origem natural – quando tiradas
da natureza, sem que haja nenhum tipo de melhoramento executado pelo homem,
como o tratamento com produtos químicos. Elas também podem ser de origem
animal (lã, seda, entre outros) e de origem vegetal (algodão, juta, entre outros). As peças
confeccionadas com esses fios se localizam em quatro categorias: tecelagem (redes,
tapetes, cobertores), rendas e crochê (bilro, gripier, entre outros), labirintos ou crivo
(técnica que retira certa quantidade de fios de um tecido, estabelecendo uma grade,
que então é tecida para construir desenhos) e bordados (ponto cruz, filé, entre outros).

As Bordadeiras de Minas são um exemplo de comunidade que utiliza osfios na


criação de artesanato. Elas preservam as antigas características do bordado mineiro,
representando, em suas obras, elementos que fazem parte da cultura local, como
pés de café, peneiras e a agricultura familiar.

Figura 4.23 | Bordado, Grupo Matizes Dumont, Pirapora - MG

Fonte: Dcoração. Disponível em:<http://www.dcoracao.com/2014/06/oficina-de-bordados-com-o-grupo-matizes.html>.


Acesso em: 12 abr. 2016.

e) Madeira

Assim como a argila, a madeira é um material amplamente utilizado como matéria-


-prima para artesanato. Desde muito tempo, os povos primitivos, no Brasil e em outros
lugares do planeta, já criavam figuras e utilitários esculpindo e cavando a madeira.

164 Arte e artesanato


U4

Por ser um material resistente e, ao mesmo tempo, maleável, a técnica mais


indicada na feitura de artesanato em madeira é a talha, ou entalhe. O entalhe pode
ser utilizado na concepção de esculturas, na ornamentação de móveis e casas e na
fabricação de objetos utilitários.

Um dos ofícios ligados ao artesanato em madeira, e que também pode envolver


o entalhe, é a marcenaria. A marcenaria compreende a fabricação de moveis e
utensílios de madeira, podendo ser utilizado máquinas de corte, parafusos, colas, entre
outros instrumentos. Já a marchetaria, compreende o método de ornamentação
de superfícies com finas camadas de madeira de diversas cores, formas e texturas,
formando desenhos, geométricos ou figurativos.

Figura 4.24 | Caixa em marchetaria

Fonte: A Casa. Disponível em:<https://www.acasa.org.br/reg_mv/OB-00143/f7c636fde0df9ee1ec3a5739997750a1>. Acesso


em: 12 abr. 2016.

f) Outros materiais

Abordamos aqui alguns dos mais comuns e tradicionais materiais e técnicas


artesanais em nossa cultura, porém, devido à rica diversidade de nosso país, é
possível constatar a presença de outras matérias-primas e métodos de fabricação.
Podemos citar os metais e pedras utilizados na confecção de joias, adornos para o
corpo e vestimentas – no Brasil, as sementes também são amplamente empregadas
para esse fim –, ou na elaboração de outros tipos de objetos, como as esculturas e
panelas feitas de pedra-sabão em Minas Gerais.

Também podemos incluir os materiais de origem industrial e reciclados,


amplamente empregados em trabalhos artesanais nos últimos anos, sendo mais
uma característica do artesanato da cidade.

Como podemos perceber, no Brasil, são empregados diversos materiais e


técnicas na fabricação de diferentes tipos de objetos artesanais. Tal diversidade só
reforça a qualidade na cultura brasileira de ser extremamente heterogênea e única,

Arte e artesanato 165


U4

trazendo características específicas de cada região, como veremos a seguir.

2.2. O artesanato e as regiões


O artesanato brasileiro é extremamente rico e diversificado, assim, cada região
produz um artesanato com peculiaridades únicas. Na região Norte, há um encontro
de culturas indígenas, das populações vindas de outros Estados do Brasil, como,
também, de outros países. Essa junção propicia que o artesanato produzido na
região adquira formas variadas. As peças são geralmente realizadas em barro, látex,
couro, madeira, pedra-sabão e, também, são utilizadas fibras, entre outros materiais.
Um exemplo do artesanato dessa região pode ser observado nas peças de capim
dourado da região de Jalapão, em Tocantins, bem como nos entalhes produzidos
em Novo Airão, no Amazonas.

Figura 4.25 | Bolsa em Capim Dourado da Região do Jalapão

Fonte: A Casa. Disponível em:<https://www.acasa.org.br/reg_mv/OB-01685/b7d396d2c0fd5e13a2a240a55de09f41>. Acesso


em: 12 abr. 2016.

Figura 4.26 | Entalhes de Novo Airão, no Amazonas

Fonte: CNFCP. Disponível em:<http://www.cnfcp.gov.br/pdf/CatalogoSAP/CNFCP_sap157.pdf>.Acesso em: 12 abr. 2016.

166 Arte e artesanato


U4

No Nordeste, o artesanato provém de materiais que compõe a fauna e flora


nativas da região. Há peças de fibras vegetais realizadas em palha de bananeira, de
brejaúva (espécie de palmeira natural da mata atlântica) e de milho, de diversos cipós,
de sementes nativas, de conchas, com tecido, madeira, couro, entre outros. Como
exemplo, temos a xilogravura realizada na cidade de Bezerros, em Pernambuco, e
a tecelagem produzida no tear por mulheres da cidade de Dom Pedro II, no Piauí,
com fios de algodão coloridos e desenhos diversos e a produção da renda labirinto,
na Paraíba, além das já citadas figuras de barro e roupas e utilitários em couro, do
tempo do Cangaço.
Figura 4.27 | Tecelagem em Pedro II, no Piauí

Fonte: CNFCP. Disponível em: <http://www.cnfcp.gov.br/pdf/CatalogoSAP/CNFCP_sap152.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Figura 4.28 | Xilogravura na Cidade de Bezerros, em Pernambuco

Fonte: CNFCP. Disponível em:<http://www.cnfcp.gov.br/pdf/CatalogoSAP/CNFCP_sap154.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Arte e artesanato 167


U4

Figura 4.29 | Renda Labirinto, na Paraíba

Fonte: CNFCP. Disponível em:<http://www.cnfcp.gov.br/pdf/CatalogoSAP/CNFCP_sap156.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016.

A região Centro-Oeste confecciona seu artesanato se apropriando das matérias-


-primas que a vegetação do cerrado oferece. São utilizados pedra, madeira, couro,
fibras, frutos, folhas, sementes e outros diversificados elementos. Há também o uso
da cerâmica, que pode ser exemplificada nas bonecas ritxòkò, do povo indígena
karajá, em Goiás. Podemos citar também as figuras da roça feitas em madeira ou
argila, bem como de animais presentes na região.

Figura 4.30 | Bonecas cerâmicas ritxòkò em fase de pintura

Fonte: IPHAN. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/bcrE/pages/folBemCulturalRegistradoE.jsf%3Bjsessionid=4C4EE918


C3344169D7ECC875FF87FC3C?idBemCultural=52g0_%5B3y3p600001n%5D8%3Am2090_%5Bd36_%4018c5551n%5D8%3
Am208%2F-nop.-nop.%3Bz%40s1%5Bv8%3Ax3331n%5D8%3Am207>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Na região Sudeste, em especial no estado de Minas Gerais, existe uma forte


tradição do artesanato local. Lá, trabalha-se com diversos materiais, tais como couro,
madeira, pedras (especialmente a pedra-sabão) e cerâmica. Dentre as manifestações
do artesanato do Sudeste, estão as paneleiras de Vitória, capital do Espírito Santo. Para
a realização das panelas, suas criadoras utilizam diversos materiais, como conchas,
renda e palha de bananeira, vime, madeira, mármore, entre outros. Mas as mais

168 Arte e artesanato


U4

conhecidas e tradicionais são as singulares panelas pretas feitas de barro. No Rio de


Janeiro e em São Paulo, diferentes técnicas e materiais são utilizadas na fabricação
artesanal de souvenirs. Alguns dos principais representantes do artesanato paulista
são os figureiros de Taubaté, produtores do Pavão Azul (escultura feita a partir da
técnica de cerâmica), um dos símbolos do artesanato no estado de São Paulo. No
Rio de Janeiro, a produção artesanal está, sobretudo, relacionada ao carnaval, na
confecção de fantasias, máscaras, carros alegóricos e souvenirs.
Figura 4.31 | Carrancas de Madeira, Pirapora – MG

Fonte: Codevasf. Disponível em: <http://www.codevasf.gov.br/noticias/2014/carranqueiros-atraem-turistas-e-mantem-viva-


tradicao-em-pirapora-mg/>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Figura 4.32 | Pavão Azul, de Taubaté

Fonte: Terra Paulista. Disponível em: <http://www.terrapaulista.org.br/arte/artesanato/caracteristicas/caracteristicas01.asp>.


Acesso em: 12 abr. 2016.

Arte e artesanato 169


U4

No Sul do país, entre os indígenas, encontramos artesanatos feitos a partir


de cerâmica e fibras naturais na forma de fios. Podemos encontrar também os
artesanatos de tradição gaúcha, no qual utiliza-se amplamente as peles de animais,
as lãs e as rendas. Também está presente o artesanato dos povos europeus que
se estabeleceram nesta região, como é o caso das tradicionais pêssankas de
origem ucraniana encontradas em Santa Catarina. As pêssankas são ovos ricamente
decorados, normalmente em formatos de desenhos geométricos extremamente
detalhados sobre a casca.
Figura 4.33 | Pêssankas, em Iracema, Santa Catarina

Fonte: CNFCP. Disponível em:<http://www.cnfcp.gov.br/pdf/CatalogoSAP/catPessaSAP144.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Apesar dessa divisão por regiões do Brasil, devemos estar cientes que as práticas
de determinados tipos de artesanato não mais restringem-se a um único lugar ou a
uma única cultura. Um exemplo tópico dessa disseminação país afora do artesanato
tradicional é a namoradeira, escultura típica da região de Tiradentes-MG. Hoje, em
qualquer cidade do Brasil é possível encontrar uma namoradeira sobre a janela de
um restaurante mineiro ou mesmo de uma casa. Do mesmo modo ocorre com os
fuxicos, pequenas peças ornamentais feitas com restos de tecidos, que se originaram
há mais ou menos 150 anos no Nordeste, e hoje tornaram-se comuns em qualquer
lugar do país.

170 Arte e artesanato


U4

Figura 4.34 | Fuxico

Fonte: Istock - 85330973. Acesso em: 12 abr. 2016.

No site do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), você


pode encontrar muitas informações sobre o artesanato brasileiro. O
CNFCP reúne um vasto acervo de objetos, documentos bibliográficos
e documentos audiovisuais, acerca do folclore e da cultura popular
brasileira. Confira:

CNFCP. Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.Disponível em:


<http://www.cnfcp.gov.br/>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Tendo como base o texto desta unidade, você considera o


artesanato uma prática de menor valor (cultural, estético e
poético) se comparado às artes? Por quê?

Arte e artesanato 171


U4

1. Na cerâmica, quando se pretende construir um vaso, pode-


-se utilizar a modelagem com torno giratório. Porém, se a
intenção for criar uma escultura em argila, qual técnica é mais
apropriada?

2. O processo de produção em couro é realizado por meio de


qual procedimento?

Nesta unidade, tratamos do artesanato brasileiro apresentando as


suas diversas manifestações, seja no que concerne à localidade,
aos povos, às técnicas e aos materiais. Você pode perceber que
o artesanato é uma expressão plástica muito rica em sentidos e
significados, além de exigir de seus produtores, sensibilidade e
domínio técnico.

Neste material, você pôde conhecer alguns aspectos técnicos


que envolvem as práticas artesanais no Brasil, referentes aos
conceitos, modos de fazer e materiais. Mesmo com esse
apanhado, para uma plena apreensão sobre o assunto, além
do estudo teórico, social e histórico das práticas artesanais,
consideramos essencial o contato manual. Se você se interessou
pela cerâmica, que tal botar a mão na massa e tentar compreender
na prática como se desenvolve essa técnica? Ou, quem sabe, a
talha de madeira ou o bordado? Existem saberes que só podem
ser apreendidos plenamente pela experiência, pelo fazer, pelo
gesto, e o artesanato certamente é um deles.

172 Arte e artesanato


U4

1. Trabalho manual é o procedimento de que se vale o artesão


quando dá forma às coisas utilizando suas mãos, podendo
ter auxílio de ferramentas, conferindo, a cada produção, sutis
ou demasiadas singularidades. Com base no trecho sobre
trabalho manual, é correto afirmar que:

a) a ideia de trabalho manual também pode ser associada


à utilização de máquinas automáticas na elaboração de
artesanato;
b) o trabalho manual possibilita a apreensão do gesto do
artista, revelando o domínio que ele tem sobre o material;
c) o trabalho manual não está de modo algum relacionado
com o artesanato, pois, na atualidade, o artesanato é feito
apenas com elementos já transformados;
d) o trabalho manual pode ser considerado o oposto de
artesanato;
e) o trabalho manual não pode ser acompanhado de
ferramentas que apenas auxiliam o artesão.

2. Sobre o artesão, considere as seguintes afirmações:

I – É considerado primitivo, pois ainda não evoluiu a ponto de


ser considerado um artista.
II – O artesão tem como uma das principais características a
realização de trabalhos manuais nunca feitos automaticamente
por máquinas.
III – O artesão não se imposta com as tradições de seu povo,
pois, assim como os vanguardistas, seu interesse está em
subverter o que está posto.
IV – Pode terceirizar o trabalho manual, ficando, ainda assim,
com os créditos da produção.

Dentre as afirmações, estão corretas:

a) I, apenas;
b) II, apenas;
c) I e II, apenas;
d) III e IV, apenas;
e) I, II, III e IV.

Arte e artesanato 173


U4

3. Sobre as funções do artesanato, considere as afirmações:

I – Não tem função, pois a arte não tem função.


II – Pode ter função religiosa, ligada às crenças de determinada
cultura.
III – Possui apenas função decorativa e utilitária, pois, diferente
da arte, não tem nenhum valor sensível e poético.
IV – As funções podem variar de lugar para lugar, de cultura
para cultura, de material para material.

Dentre as afirmações, estão corretas:


a) I e II, apenas;
b) I, II e III;
c) III, apenas;
d) II e IV, apenas;
e) I, II, III e IV.

4. As fibras vegetais são materiais maleáveis que se curvam


facilmente. Por conta dessa sua característica, é possível
produzir peças variadas e de utilizações distintas. Com base
nessa afirmação, avalie as asserções a seguir:

I – As peças em fibra vegetal são realizadas por meio da


técnica de cestaria.
II – Podem ser produzidos móveis e objetos decorativos com
a utilização da fibra vegetal.
III – A palha de milho, o bambu, a juta e o vime são algumas
das fibras vegetais que são usadas na fabricação de peças do
artesanato brasileiro.
IV – A produção de peças em fibra vegetal apresenta três
categorias, e uma delas é a cestaria.

É correto o que se afirma em:


a) I e II, apenas;
b) I, II e III;
c) III e IV, apenas;
d) II, III e IV;
e) I, II, III e IV.

5. Depois de modelada, a argila deve ser queimada em altas

174 Arte e artesanato


U4

temperaturas. Esse processo de queima é que dá nome à


técnica de cerâmica. Considerando os conhecimentos sobre
queima em cerâmica, avalie as afirmações a seguir:

I – Os tipos de queima variam de acordo com as necessidades,


bem como com acultura de cada lugar.
II – Alguns artesãos tradicionais podem utilizar fornos de
barro para queimar suas peças.
III – As tradicionais Paneleiras de Goiabeiras, de Vitória, no
Espírito Santo, utilizam a técnica da fogueira para a queima.
IV – A grande maioria dos artesãos utiliza modernos fornos
industriais que permitem atingir temperaturas mais altas, o
que eleva a durabilidade das peças.

É correto o que se afirma em:


a) I e II, apenas;
b) I, II e III, apenas;
c) III e IV, apenas;
d) II, III e IV;
e) I, II, III e IV.

Arte e artesanato 175


U4

176 Arte e artesanato


U4

Referências

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org.br/arte/artesanato/saibamais.asp>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Arte e artesanato 177

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