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Paulo Tiné Fluência no jazz, na harmonia e na música brasileira

VIOLAO
Ano 3 - Número 18 - Fevereiro 2017
www.violaomais.com.br

Paulo
Freire
O contador de histórias

E mais:
O poder das tríades
Estudo 1 Op.60 de Matteo Carcassi
Rasgueos e picados no flamenco
Viola caipira: acompanhando o rio
A música folclórica nas cameratas
“Ai Que Saudade D’Ocê” para você tocar

Danilo Oliveira Superviolonista, compositor e arranjador


editorial
Um ano e meio no ar!
Chegamos a uma importante marca: um ano e meio de edições! Realmente, é motivo para
comemorar. E muito! Nesse período em que Violão+ está com você, sentimos uma nova e
constante valorização do violão e seus parentes próximos. Muita gente boa tocando, muita
gente nova surgindo. O ambiente musical das cordas dedilhadas vai muito bem, obrigado!
Mas nem tudo são flores. Há um movimento no País, estranho mesmo, que tenta desmerecer
e desvalorizar a música e as artes. A palavra “crise” vem acompanhada de “corte”, que vem
acompanhada de “supérfluo”. Nos julgamentos de muitos desavisados, a arte tem um papel
desimportante na nossa sociedade. E muitos desses desavisados estão com a caneta na
mão, cortando orquestras, fomentos, incentivos à arte e à cultura. Não percebe que um povo
sem cultura perde sua razão de ser, perde o seu rumo. O Brasil, tão diverso e bonito, sofre...
Resistência é a palavra! Na capa de nosso número 18, encontramos o violeiro e contador
de histórias e causos Paulo Freire. Em uma entrevista deliciosa, ele conta como foi parar
no Urucuia, atrás das sonoridades sugeridas por Guimarães Rosa em seu Grande Sertão:
Veredas. Em Retrato, falamos de outro Paulo, o Tiné, professor da UNICAMP, que lançou
recentemente um livro de partituras com
músicas suas, contendo um CD. As colunas
estão sensacionais: Como Tocar, Em
Grupo, 7 Cordas, De Ouvido, Viola Caipira,
Siderurgia, Tecnologia, Flamenco, História...
está tudo muito lindo, caprichado, para
você. No espaço Você na Violão+, Danilo
Oliveira, um superviolonista, compositor
e arranjador. Vale demais a pena ouvi-lo.
Enfim, essa edição, como todas as outras,
está muito caprichada. Traz em si uma
marca especial: um ano e meio não é para
qualquer um. Independentemente disso, é
para você, músico e amante da música e
desses instrumentos maravilhosos.
Luis Stelzer
Editor-técnico

VIOLAO Ano 3 - N° 18 - Fevereiro 2017


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Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus
autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui
Editor-técnico
Luis Stelzer
editor@violaomais.com.br

Colaboraram nesta edição


Eduardo Padovan, Fabio Miranda,
Felipe Coelho, Reinaldo Garrido Russo,
Ricardo Luccas, Rosimary Parra, Samuca Muniz,
desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado Saulo Van der Ley,
para nossos arquivos. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo Valéria Diniz e Thales Maestre
dos anúncios publicados.
índice

4
Você na V+

6 26
Em Pauta Paulo Freire

8 48
No Player Tecnologia

10 57
Retrato De Ouvido

60
Sete Cordas

62
Siderurgia

22 66 72
História Como Tocar Viola Caipira

44 70 76
Em Grupo Flamenco Coda

Publisher e jornalista responsável Foto de capa


Nilton Corazza (MTb 43.958) Isabela Senatore
publisher@violaomais.com.br
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você na violão+
Edição 17
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4 • VIOLÃO+
você na violão+

Jovem e completo
Danilo Oliveira é violonista e compositor, abertura da novela Sol Nascente (Rede
natural da cidade de São Paulo. Começou Globo), passando a tocar nas rádios de
a tocar violão ainda garoto e teve como todo Brasil e alcançando o primeiro lugar
principais professores o violonista Marcelo no Top 10 em diversas cidades durante
Brazil (Professor Efetivo no Centro de semanas. O disco Todo caminho é sorte,
Cultura, Linguagens e Tecnologia da onde há três músicas em parceria com a
UFRB), o professor de violão popular cantora, foi indicado ao Grammy Latino
Valdo Luir (na antiga ULM) e o mestre de 2016 na categoria Melhor Disco
Henrique Pinto, orientador no curso de de Música Popular. Mas todo esse
bacharelado em violão erudito. Como currículo não impressiona tanto quanto
compositor, além de peças para violão seus arranjos para violão solo e suas
solo, o músico se dedica ao campo das composições. Seu canal do Youtube é
canções pop e MPB. Em 2012, a música o máximo, com muito suingue e levada
“Sete dias”, composta em parceria com precisa, conseguindo fazer melodias
a cantora e intérprete Roberta Campos, onde poucos teriam criatividade ou
fez parte da trilha sonora da novela Amor, habilidade. No link, o artista apresenta
Eterno Amor (Rede Globo). Em 2016, outra uma música de Djavan, tema de seu
parceria com a cantora, a música “Minha próximo projeto de lançamento em CD.
Felicidade” foi escolhida como tema de Aguardamos ansiosamente.

VIOLÃO+ • 5
EM PAUTA

ESTUDO
Os fãs de Egberto Gismonti
têm mais motivos para
comemorar: uma tese sobre
sua obra para violão de
seis cordas, recentíssima,
feita por Yuri Marchese
em 2016, está disponível
para download gratuito. O
trabalho trata do período de
1969 a 1973 e a performance
de Egberto Gismonti ao
violão de seis cordas
por meio de um estudo
que abarca as técnicas
instrumentais empregadas
na composição. Clique no
ícone para baixar.

MÚSICA DE CÂMARA Foi no século 20 que o violão recebeu


uma atenção especial por parte
dos compositores não violonistas e
praticamente todos os grandes autores
escreveram para esse instrumento. E a
música de câmara com o violão também
recebeu essa merecida atenção. Para
apresentar o uso do violão na música
de câmara do século 20, uma série
de 13 programas, apresentados por
Paulo Porto Alegre, um dos grandes
expoentes do instrumento no Brasil,
está disponível no site da Cultura FM.
Para conferir, clique no ícone!
6 • VIOLÃO+
agenda

A Lute SP, associação informal de


alaudistas de São Paulo, promove seu
primeiro evento. Trata-se da série Cordas
Dedilhadas na Sé, que traz concertos
com os músicos Alexandre Ribeiro
(Teorba, em 19/02), Anderson de Lima
(Guitarra Barroca, em 05/03), Amadeu
Rosa (Alaude Barroco e Alto Guitar, em
02/04), Leonardo Takiy (Teorba, em 07/05)
e Bruno Inacio (Alaúde renascentista, em
11/06) a serem realizados na cripta da
Catedral da Sé, em São Paulo, ao meio-
dia. A entrada é franca!

VIOLÃO+ • 7
NO PLAYER Por Luis Stelzer

Brasil Violão
Um disco que tenho há muito tempo e que, vira e
mexe, vai para o meu toca-discos (isso mesmo, toca-
discos), é Brasil Violão, de Celso Machado, violonista
brasileiro que, há muito tempo, se radicou no Canadá

Paulista de Ribeirão Preto, parte 14 de Violão+), que gravou sua música


mais quente do interior de São Paulo talvez a mais conhecida, chamada
(no sentido de calor, mesmo), Celso “Parazula”, no ano de 1986. Quando vi
Machado, de família musical (só pra um disco do Celso no sebo, enlouqueci:
sentir, é irmão do Filó Machado, capa da queria muito ouvir essa música, que adoro
edição número 9 de Violão+), começou e também toco, no original. Quase desisti
a tocar de ouvido. Depois, estudou de comprar o álbum ao perceber que ele
e passou a encantar a todos com seu não registrou essa música no disco. Mas
talento. Aos 25 anos, em 1977, gravou comprei, meio decepcionado. Levei uns
seu primeiro disco, Brasil Violão, pela dias até colocar essa bolacha no prato.
gravadora Discos Marcus Pereira. Fiquei hipnotizado! Seu som é muito
Comprei esse disco usado, em um sebo. bom, e seu toque, maduro, apesar
Mas já havia conhecido o trabalho de de ser um disco de estreia. Talvez as
Machado por meio do álbum de estreia de condições para a gravação não tenham
Cristina Azuma (capa da edição número sido as melhores, mas não tenho essa
informação. Muitos discos de violão da
época eram bastante ruins. Esse até que
está com um bom som. No repertório, Luiz
Gonzaga e Humberto Teixeira, Guerra-
Peixe, Jacob do Bandolim, Ernesto
Nazareth, Villa-Lobos, Eduardo Santos,
Armando Neves e Zé Ketti. Do próprio
Celso Machado, apenas uma, o “Estudo
no. 1”. Logo, um disco de intérprete.

Faixa a faixa
“Légua tirana” – “Assum Preto” - “Qui nem
jiló” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira):
com grande criatividade, Machado faz a
apresentação dos temas e varia sobre
eles, de maneira muito original.
8 • VIOLÃO+
NO PLAYER
“Asa Branca” (Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira): começa ao estilo dos grandes
tocadores de violão do Nordeste,
primeiramente no grave e, depois,
ponteando no agudo. Apresenta o tema
e sai tocando, variando e se mostrando
“enfurecido” nessas variações. A escala
nordestina está presente o tempo todo,
tirando sons de berimbau no violão.
Vigor impressionante.
“Ponteado” (Guerra-Peixe): percebe-
se o gosto de Machado pelos motivos pizzicatos e trêmulos nas reexposições.
nordestinos. A grande qualidade “Choro no. 2” (Armando Neves): como
com que leva esses temas nos faz se percebe, investiu-se no choro
acreditar que é de lá. As demais faixas neste repertório. Armando Neves é
demonstram que ele é um violonista do fantástico, e é bom que está sendo
mundo, versátil e capaz de se adaptar totalmente redescoberto nos últimos
aos mais diversos estilos. tempos, pela violonista e pesquisadora
“Cristal” (Jacob do Bandolim): chegando Paola Picherzky.
ao choro sem cerimônias, o violonista “Estudo no. 1” (Celso Machado):
mostra um lindo arranjo dessa delicada finalmente, ouvimos o compositor.
composição de Jacob. Muita fluência Pode-se perceber grandes influências
e tranquilidade na execução. Não de acordes de jazz, misturadas, talvez,
podemos nos esquecer que, em 1977, com um pouquinho de barroco com
o choro estava voltando a ser tocado, rock progressivo e toques de viola
depois de um período de ostracismo na caipira. Uma coisa que os estudos
música instrumental brasileira. costumam não ter, temos de sobra
“Odeon” (Ernesto Nazareth): igual aqui: melodias. Talvez tenha viajado
tranquilidade, como se fosse fácil tocar um pouco na análise...
Nazareth no violão. Nos choros, fica “A voz do morro” (Zé Ketti): ponto alto do
a impressão de que ele quis respeitar disco! Um marqueteiro a colocaria como
mais os originais. a primeira faixa, nunca como a última. A
“Choro no. 1” (Villa-Lobos): hoje é uma facilidade de Machado com o samba é
peça que as pessoas já estão meio absurda. Após expor o tema de Zé Ketti -
cansadas de ouvir, por causa do imenso por sinal, maravilhoso -, o instrumentista
número de gravações. Talvez seja o parte para a escola de samba no violão,
ponto menos forte do disco, embora com vários efeitos de batucada usando o
esteja tudo certo com a execução. Mas tampo e as cordas. Uma flanela úmida na
ela não brilha tanto quanto as outras. mão e, de repente, o som de uma cuíca
“Mágoas de africano” (Eduardo Santos): sai dos bordões! Depois de tudo isso,
peça que só conheço com a execução reexpõe, fazendo um stretto nos acordes
de Celso Machado. É de se destacar os finais. Maravilhoso, de aplaudir de pé!
VIOLÃO+ • 9
RETRATO Por Luis Stelzer

Paulo Tiné

10 • VIOLÃO+
RETRATO

Fluência
Paulo Tiné conta um pouco de sua trajetória e
expressa suas opiniões a respeito de diversos
assuntos referentes à música, como estudo, internet,
composição, contraponto e muito mais

Paulo José de Siqueira Tiné é um na Pompéia, em cima de um barzinho.


renomado professor, atualmente na Ele dava aulas com outros professores,
UNICAMP, tem livros publicados e com o Beto Vasconcelos e com o João,
CDs lançados. Seus instrumentos são um professor de Ribeirão Preto. Os três
o violão e a guitarra, mas seu perfil se davam aula juntos. Paralelamente, tive
difere do comum, por ser um compositor aulas com o Ricardo Rizek, isso tudo
e arranjador que trabalha com fluência antes de entrar na USP, quando fui ter
tanto pelo jazz e o improviso quanto aula com o Edelton Gloeden.
pelos clássicos e a música brasileira.
Maestro acidental, como ele mesmo Você tem um gosto incrível por
diz, dirige big bands para fins didáticos, arranjo e composição. Isso surgiu
além de ter grupos com formações bem naturalmente ou através dos próprios
interessantes. Lançou recentemente o estudos e oportunidades?
livro 10 Peças para Violão Solo Brasileiro Eu tinha, paralelamente com a USP e
(anos 90), com composições suas em professores de instrumentos, aulas com
partitura e CD. o Rizek, de harmonia e contraponto
tradicional. Isso me deu uma certa
Como você começou na música? Quem facilidade para lidar com arranjo. Isso
foram seus primeiros professores e é algo que, conversando com o Mário
influências? Campos que é professor de arranjo
Minha primeira professora de violão e prática de conjunto na UNICAMP, a
foi Júlia Nogueira, filha do Paulinho gente teve em comum. Quando o aluno
Nogueira. Mas eu queria muito tocar teve alguma prática com contraponto e
guitarra. Ela me indicou o professor vem para o arranjo, já vem mais bem
Wesley Caesar, que é guitarrista. Fiz preparado que o aluno que não tem essa
dois anos com a Júlia e fui para o Wesley. vivência. Eu fui um desses. Quando tive
Uma vez feito um ano de estudos de aulas de arranjo com Gil Jardim, ainda
guitarra, com ênfase no rock, passei a no departamento de Música da USP, logo
me interessar por jazz. Fui ter aulas com senti certa facilidade no aprendizado.
Aldo Landi, que tinha um estúdio de aulas Depois, terminei também tendo aulas
VIOLÃO+ • 11
RETRATO

de arranjo com o Cláudio Leal Ferreira.Essa minha formação de maestro, na


Então, essa coisa de gostar de escreververdade, foi mais burocrática e acidental
música me deu esse caminho de fazer na minha vida do que uma coisa que
coisas não só para violão, mas para realmente planejei, ou tive alguma
diversos instrumentos, uma mesma ambição em relação a isso. O que
música passando por diferentes
aconteceu: quando prestei vestibular
formações, porque sempre gostei dessa para a USP, só para a gente se situar, se
coisa da escrita musical. Eu tinha um eu tivesse entrado em música popular
quarteto de música instrumental, quandona UNICAMP, teria sido da primeira
tinha 20 anos de idade, e o meu barato,turma. Terminei optando por fazer a USP,
antes do ensaio, era fazer as partituras
porque era em São Paulo, não precisaria
dos instrumentos, as transposições do me mudar para Campinas. Nem prestei
saxofone. Isso foi uma coisa que sempreo vestibular da UNICAMP. Mas eu não
gostei de fazer, mas acredito que gostei
tinha nível para fazer bacharelado em
porque tive essa prática de contrapontoviolão. Esse convite me foi feito depois
que me deu essa vontade de gostar de de eu ter feito violão complementar
escrever. durante seis anos com o próprio Edelton.
Naquela época isso era possível, então
Você também é maestro de formação. ele me convidou para ficar mais dois
Como foi isso? Você acha que o fato de anos e tirar o bacharelado em violão
ser maestro interfere na sua percepção clássico. Mas mudaram as regras, e
da música e na sua composição? eu teria que prestar todo o vestibular
12 • VIOLÃO+
RETRATO
de novo. Terminei não fazendo. Não ia Fale sobre seus trabalhos publicados.
estudar de novo matemática (risos)! Tenho dois livros publicados. O primeiro
Optei por regência porque, na época que é de harmonia: Harmonia - fundamentos
entrei, pensei: já estudo composição de arranjo e improvisação. Esse livro é
com o Rizek, então acho que vou fazer um resumo do meu curso de harmonia,
regência, que é uma coisa que eu não um curso que comecei a ministrar em
tenho habilidade nenhuma. E aí - a vida 1996, na Faculdade Santa Marcelina.
tem essas coisas de mudar de direção - Fui aprimorando o livro, porque a ideia
terminei caindo na questão de big band. era um curso de harmonia popular, quer
Quando montei uma big band, depois dizer, um curso que fosse voltado para
de um tempo, as pessoas sentiram a prática de música popular. Uma coisa
necessidade de alguém lá na frente, que pensei foi fazer uma conciliação das
mesmo com o pouco conhecimento teorias harmônicas, só que dentro de
que eu tinha de regência, porque uma realidade prática, com exercícios
realmente aprendi muito pouco, algo que fossem inserindo as técnicas de
bem básico mesmo. Numa situação de blocagem. Ou seja, há um determinado
big band, você não tem um maestro tópico de harmonia que é comum a vários
mesmo, mas uma pessoa dirigindo, tratadistas e teóricos, só que, para que
coordenando, ainda mais quando você esse tópico soe de forma mais própria
tem alunos. Há uma função didática ali: para a prática popular, em vez de seguir as
de ensinar os alunos como interpretar, regras de condução tradicional de vozes,
como tocar, como improvisar, delimitar proponho que o aluno faça exercícios
as improvisações... Então, terminei com as técnicas de arranjo. Então, o
virando uma espécie de maestro, coisa curso vai, paulatinamente, introduzindo
que nunca imaginei, mas dentro de uma técnicas de arranjo, associadas com
situação muito específica. Não sou um
maestro de orquestra, de sinfônica.
Sou uma pessoa que dirige big bands
e, ainda assim, big bands de alunos.
Uma big band profissional, dependendo
do repertório, talvez nem de regência
precise. Em uma situação didática, de
ensino, minha função é necessária,
não só de coordenação artística, mas
também pedagógica. Ou seja, ensinar
aos meninos como tocar, estimulá-los
à prática da improvisação, delimitar as
seções de improvisação, são coisas
que são mais importantes no ensaio do
que na própria apresentação.

Você é professor e autor de livros.


VIOLÃO+ • 13
RETRATO

tópicos de harmonia e, também, preocupação pedagógica. Foi uma


exemplos de análises harmônicas, de produção que realizei de adaptações
música popular. Outra parte importante para violão durante a década de 1990.
do livro é a relação escala-acorde, ou Foi uma época em que atuei mais
seja, dentro desse tópico de harmonia, como instrumentista. Cheguei a tocar,
dentro de um pensamento de escalas realmente, violão solo. Não que eu não
possíveis para determinado acorde, vou faça isso hoje, mas faço bem menos.
montando uma coisa passo a passo, Cheguei a atuar bastante e essas peças
gradual, em que vão se dando opções de foram construídas nessa época. Há um
escalas para os acordes. Essas opções CD com o livro de partituras. A principal
fundamentam um improvisador dentro ideia dessa publicação é que eu gostaria
de uma prática de jazz instrumental. Ele que outras pessoas tocassem essas
precisa conhecer essas escalas, que peças também.
são a sua base teórica. E o arranjador
usa essas mesmas escalas para colorir Neste recente lançamento, Dez peças
os acordes. Por isso o livro se chama para violão solo brasileiro (anos
Fundamentos de arranjo e improvisação. 90), você trabalha com peças que, à
Esse fundamento teórico é comum para princípio, não foram compostas para
essas duas coisas. E há um livro de violão violão solo. Essa adaptação deve ter
que é algo mais artístico, sem nenhuma dado muito trabalho. Como foi esse
14 • VIOLÃO+
RETRATO
processo? melodia no meio, ou inversões, a melodia
Eu tinha muito essa prática da passa para o grave e o contracanto para
transposição, ou seja, adaptar uma o agudo... Todas essas possibilidades
mesma música para várias realidades. fazem parte do leque de opções que um
Eu fazia a música e havia um grupo de transcritor ou arranjador tem quando faz
jazz em que eu tocava, um quarteto essas adaptações.
de música instrumental. Basicamente,
a versão para violão solo vem de um Onde dá aulas atualmente?
resumo daquilo que eu fazia no grupo, Sou professor do departamento de
que tinha baixo, piano, guitarra, bateria. música do Instituto de Artes da UNICAMP,
Havia as várias vozes que compunham exatamente nas cadeiras de Harmonia
aquela versão. Ao trazer isso para o e Arranjo. Também sou coordenador do
violão, há uma espécie de redução curso de Graduação em Música e atuo
desses arranjos. Em outros casos, a na pós-graduação, orientando mestrado
música transitou da versão quarteto para e doutorado.
big band, e depois reduzi para violão.
Por isso elas não foram compostas Como você tem sentido o
tocando violão. Posso ter até composto desenvolvimento dos alunos através
a melodia tocando e cantando, mas, do tempo? As questões de tecnologia
depois, tinha de fazer o arranjo. Então, e internet estão deixando o caminho
fazer o arranjo para violão implica em mais fácil? Essa facilidade de
fazer as vozes caberem ali. Você acaba encontrar uma partitura ou gravação
por retirar algumas coisas ou procura tem realmente ajudado ou essa
outras soluções: a linha que estava disponibilidade de informação cheia
escrita para o baixo faz nos bordões de coisas não confiáveis acaba
do violão, a linha do piano no agudo, a atrapalhando?

VIOLÃO+ • 15
RETRATO
preciso ter esse fator mais qualitativo,
da quantidade de informação versus o
que a gente consegue fazer com isso.
Então, minha resposta fica assim, sem
um certo ou um errado. Vejo muitas
coisas positivas, mas ainda não vejo
como eliminar o professor, não vejo
essa perspectiva de tirar o professor
presencial completamente. Acredito
que o acesso à informação é muito
grande, maior que a nossa capacidade
de assimilá-la. Informação não é
conhecimento. É preciso ouvir muitas
vezes o mesmo disco, conhecer todas
as sutilezas daquele disco. Isso vai
fazer você crescer, depois, para além da
informação. E é preciso ter a sabedoria
de utilizar o seu conhecimento. Pode
ter bastante conhecimento, mas é legal
saber onde aplicar cada coisa. Todo
esse caminho é trilhado pela pessoa,
mas é trilhado com a orientação de um
professor, que passe a visão dele da
música, do violão e, a partir dessa visão,
Olha, vejo as duas coisas. Por um lado, a aluno siga o seu caminho colecionando
vejo alunos tecnicamente mais bem visões e criando a dele também.
preparados e resolvidos. Muita gente
tocando muito bem, muita gente mais Você também trabalha acompanhando
bem informada por meio da internet. cantores e cada um tem um
Mas também vejo muita gente perdida conhecimento, um arcabouço, uma
nesse mar, porque se você não tem um forma diferente de trabalhar. Como
direcionamento de como encontrar boa é esse tipo de experiência? Como
informação, você facilmente se perde. você lida com essas diversas
Um aluno chega e fala: “estou com a personalidades?
discografia completa do Miles Davis aqui Minha experiência não é tão grande
(atualmente nem é mais CD nem DVD...), assim. Durante uma época, acompanhei
mas não tinha ouvido”. Ouvir muita coisa muitos, na noite. Depois, com o trabalho
em quantidade, não quer dizer que você, da big band, a gente passou a incluir
qualitativamente, achou aquilo que mais alguns números com vocais. A ideia
te interessa. Na nossa época, a gente do meu grupo, o Ensemble Brasileiro,
tinha um disco. Eu tinha um disco do agora, é ter números vocais. A ideia
Miles e ouvia até furar (risos)! Então, é de colocar cantores ou cantoras em
16 • VIOLÃO+
RETRATO
apresentações de música instrumental transcrição de Brahms, mas o que eu
é interessante, porque dá dinâmica para acho interessante é que, se você não
a apresentação, não fica aquela coisa souber que é Brahms, pensa que é
inteira de música instrumental, ajuda a música popular. É essa brincadeira que
aproximar do público leigo. No meu último pretendo fazer.
disco, Novos Quartetos E Canções, tem
três números com canto, com a Tatiana Quais os projetos atuais?
Parra. O que tento fazer é mostrar que Meu novo projeto é a gravação de um
existe um repertório brasileiro que não é CD do Ensemble Brasileiro, que é um
de música popular, que é do Nacionalismo grupo que estou dirigindo desde 2011.
e que é pouco conhecido. Não que eu A gente faz arranjos de composições
conheça profundamente, mas exploro, e, minhas dentro do que considero uma
numa roupagem de música popular, fica instrumentação “brasileira”, não de
muito interessante. A gente perde um instrumentos típicos do Brasil, mas de
pouco dessa divisão. Como a base da instrumentos que foram importantes na
música brasileira é a mesma, tanto dos caracterização da música brasileira,
nacionalistas quanto dos populares - os como, por exemplo, flauta, clarinete e
ritmos vindos de cada canto do Brasil, violão. Era uma formação maior, que eu
do Nordeste, do interior de São Paulo, chamava Orquestra Popular Brasileira,
de Minas Gerais, do Sul - é interessante que reduzi para ficar mais viável. Na
você pegar uma música do Fructuoso formação original, havia cavaquinho
Vianna, por exemplo, ou do Villa-Lobos, e bandolim, mas reduzi para uma
Radamés Gnattali, e apresentá-la em formação com dez músicos. É essa a
uma roupagem popular. Por outro lado, proposta: fazer música brasileira com
procurei no meu disco anterior fazer uma instrumentação própria. Com isso,
uma canção à moda antiga, ou seja, a gente também fez adaptações de
uma canção onde a gente parte do texto, arranjos históricos. Então, tem arranjos do
musicar a poesia. Isso é um jeito até mais Pixinguinha, adaptados daquela caixa “O
tradicional de fazer canção. Pensando Carnaval do Pixinguinha”. Tem arranjos
na tradição da música clássica, dos lied, que foram escritos para a Banda de Pau
é um jeito diferente de fazer do que se e Corda, pernambucanos de frevo. Tem
concebeu depois, na própria questão da essa coisa de tocar arranjos históricos,
canção popular. Basicamente, minhas fazer arranjos dentro de uma linguagem
intenções com o mundo vocal são mais brasileira, tentar não descaracterizar
essas do que o mundo interpretativo. quando a música é mais antiga, e das
Quando há um trabalho específico com minhas próprias composições com a
uma cantora ou cantor, tento encontrar linguagem instrumental brasileira.
qual repertório é mais próprio para essa
pessoa. Torno a dizer que, sempre que Você poderia ceder uma das partituras
possível, vou por esse caminho: as do seu novo livro para publicarmos?
adaptações de coisas brasileiras, que é Sim! A música “Biju”, que tem uma bela
o que também fiz no disco. Lá há uma interpretação do Gilson Antunes!
VIOLÃO+ • 17
RETRATO
“Biju”
Choro médio Paulo Tiné

18 • VIOLÃO+
RETRATO

VIOLÃO+ • 19
RETRATO

20 • VIOLÃO+
história Por Rosimary Parra

Arranjos de
canções para
violão solo
Como adaptar uma canção ao violão respeitando as possibilidades
técnicas e musicais do instrumento? Como trabalhar com algumas
limitações do violão quanto a tessitura e afinação?

A prática de arranjar uma canção para ainda, transcrições. As canções, ou


instrumento solista vem de longa data. chansons, gênero em voga na época,
Como já vimos em edições anteriores foram muito utilizadas como material para
de Violão+, grande parte da música tais arranjos, fato confirmado por Juan
para vihuela - instrumento de cordas Bermudo na seção de Tañer vihuela do
dedilhadas do século XVI - eram Livro IV de Declaración de instrumentos
arranjos de polifonia vocal, que ficaram musicales (Osuna, 1555). Nesse
conhecidas como entabulações ou, capítulo, Bermudo ensina o caminho
da adaptação de uma peça vocal para
a vihuela e considera essa atividade
como parte da formação do vihuelista.
Há indicações bem práticas e muito
conhecidas do universo violonístico:

“(...) e de tal maneira faça com que


a música a ser transcrita ande pelas
melhores cordas, e toque o quanto
puder sobre cordas soltas (porque é
mais tranquilo para a mão esquerda)
e que a tablatura não apresente
notas em posições tão distantes que
Leo Brouwer a mão não possa alcançar (...)”
22 • VIOLÃO+
história
Os violonistas da geração clássico-
romântica, como Fernando Sor e Dionysio
Aguado, falam de novos caminhos
abertos pelo violonista italiano Federico
Moretti (1769-1839), no que diz respeito
à possibilidade de tocar com clareza
ao violão, melodia e acompanhamento
simultaneamente.

“At that time (c. 1800) he (Sor) heard


the brother of General Solano play
on this instrument a piece in which
one could distinguish a melody and
un accompaniment. The composer
of the piece was Moretti (...), who
was the first to understand the true
character of the guitar. Moretti’s
music gave a new direction to Sor
(…)” - Encyclopédie Pittoresque de
la Musique, vol. I (Paris, 1835)
Miguel Llobet
“Don Federico Moretti fue il primero
que empezó á escribir la musica de o estilo do arranjo, como por exemplo:
guitarra de manera que si distinguisen • Escolha da tonalidade;
dos partes, una de canto y otra de • Uso da harmonia original, mesmo que
acompañamento. Vino despues Don seja muito simples, ou rearmonização;
Fernando Sor (...)” – Escuela de • Definição ou clareza da melodia: fazer
Guitarra (Madrid, 1825) - Dionysio ou não alterações rítmicas na melodia
Aguado original;
• Textura harmônica ou contrapontística;
Assim, é comum encontrarmos no • Acréscimo de novas seções: variações
repertório clássico e romântico, arranjos sobre o tema, improvisação escrita ou
de árias de óperas apreciadas na época, não sobre a estrutura harmônica;
ou outras canções famosas. Esse material • Elaboração de introduções, pontes e
poderia servir também como tema principal codas;
para a apresentação de uma sequência • Uso ou não de elementos técnicos
de variações sobre o mesmo. virtuosísticos – grandes arpejos,
escalas, rasgueios, dentre outros;
A prática do arranjo • Ligação do estilo do arranjo com
Uma mesma canção pode ser arranjada a essência da canção, quanto a
para violão solo com abordagens muito mensagem do texto e caráter da
distintas. Alguns aspectos irão determinar melodia original.
VIOLÃO+ • 23
história
Um bom arranjo permite ao violonista da mesma. Desta forma, podemos
fazer soar em seu instrumento uma perceber quais foram as escolhas
canção em sua totalidade - melodia no processo de arranjo. Quanto o
com acompanhamento harmônico – e, violonista guardou daquela canção e
ainda, desenvolver muitas habilidades como a devolve a partir do domínio dos
criativas. As canções arranjadas para elementos composicionais da obra,
violão normalmente tornam-se tão das questões técnicas do instrumento,
assumidas por seus arranjadores, que da sua musicalidade e criatividade.
é natural que muitos arranjos se tornem Sendo assim, deixo sugestões de
referências de tais composições. apreciação de arranjos partindo da
Assim, canções famosas ou muito obra de Miguel Llobet e chegando
apreciadas em uma determinada em referências atuais brasileiras,
época chegam, muitas vezes, até os como Marco Pereira, Paulo Belinatti
nossos ouvidos por meio de arranjos e Yamandu Costa, dentre outros.
para violão solo. Embora seja um leque muito variado de
Os arranjos de Miguel Llobet para as arranjos, não deixa de ser apenas um
canções catalãs, de Leo Brouwer para recorte diante da grande produção que
canções cubanas, e de Manuel Ponce é possível encontrar, principalmente
para sua própria canção “Estrellita”, entre os violonistas brasileiros.
tornaram-se tão adequadas em suas
versões para o instrumento solista No mês de janeiro de 2017 foi
que, muitas vezes, parecem mesmo realizado em São Paulo, pelo
obras criadas originalmente para Centro de Pesquisa e Formação do
violão solo. SESC, um ótimo workshop, com o
Uma maneira de acompanhar como violonista Marco Pereira, que tratou
cada violonista desenvolve o arranjo de arranjos para violão solo pelo
para uma canção é ter em mente a viés da música brasileira. A canção,
essência da melodia original e as dentre outros gêneros, foi assunto
primeiras referências de interpretação relevante durante o encontro.

Yamandu Costa Marco Pereira

24 • VIOLÃO+
história

Para ouvir

“Valsa de Eurídice”, de Vinícius de Moraes

Arranjo para violão Baden Powell

“Beatriz”, de Edu Lobo e Chico Buarque

Paulo Belinatti Arranjo para violão de Marco Pereira

“El testament d’Amelia” “Modinha”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes


Canção tradicional catalã

Arranjo para violão de Miguel Llobet Arranjo para violão de Yamandu Costa

“Ojos brujos” “Luiza”, de Tom Jobim


Canção criolla de Gonzalo Roig

Arranjo para violão de Leo Brouwer Arranjo para violão de Rafael Rabelo

“Estrellita” “Gabriela”, de Tom Jobim


Composição original de Manuel Ponce

Arranjo de Manuel Ponce Arranjo para violão de Paulo Belinatti

“Na baixa do sapateiro”, de Ary Barroso “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá

Arranjo para violão Dilermando Reis Arranjo para violão de Barbosa Lima

Referências bibliográficas
ESPINOSA, D. A. Juan Bermudo “On playing the vihuela from Declaración
de instrumentos musicales” (Osuna, 1555). In: Journal of the Lute Society
of America, v. XXVIII-XXIX, p. 59-60, 1995-1996.
HECK, Thomas F. Mauro Giuliani: A life for the guitar. Rosimary Parra
LIMA JUNIOR, Fanuel Maciel de. A elaboração de arranjos de canções Violonista com mestrado em Música pela Universidade
populares para violão solo. Dissertação de Mestrado. Unicamp -2003 Estadual Paulista (UNESP). Professora de violão clássico na
PEREIRA, MARCO. Cadernos de harmonia. Vol. II Fundação das Artes de São Caetano do Sul (FASCS).

VIOLÃO+ • 25
matéria de capa

Vai
ouvindo...
Por Luis Stelzer

A conversa com Paulo Freire


é prosa: o violeiro, famoso
pelos causos e pela contação
de histórias com a sua viola,
surpreendentemente, é da cidade
grande, paulistano, mas, desde cedo,
foi um cara muito atirado, sem medo
de se embrenhar pelo desconhecido
e trazer sua essência

Conversando com Paulo Freire, novas surpresas:


começou com violão e guitarra, a viola apareceu bem
depois, na vontade de conhecer os sons do Brasil,
vontade essa despertada ao ler Guimarães Rosa.
Com uma longa estrada já trilhada, fez trilha para
televisão, vários CDs gravados, uma diversidade
imensa. Tem até trabalho infantil e livros lançados.
É muito, mas muito bom mesmo, ouvir os causos do
Paulo. Então, vai ouvindo.
matéria de capa

Seu currículo é encantador! Haja Tuco, dois anos e meio mais velho que
história, hein? Como tudo começou? eu, começou a tocar violão. Eu, com
Quais foram seus primeiros contatos uns dozes, treze anos, também quis,
com o mundo da música? influenciado por ele. Perto de casa, tinha
Meus primeiros contatos com a música... um professor particular. Até que a gente
Bem, eu sou filho do Roberto Freire, do entrou no CLAM, a escola do Zimbo
escritor!. Minha mãe, Gessy, cantava Trio. Eu devia ter meus dezesseis para
bem. Então, em casa, a gente cantava dezessete anos. E ali, foi uma revelação.
bastante e o meu pai foi jurado de Aquela escola fantástica, de grandes
alguns festivais da Record dos anos 60. mestres como o Luiz Chaves, o Cláudio
Então, ele conhecia aquele povo todo. Celso de guitarra... O Sabá também
Ele também fez a direção do espetáculo deu aulas para mim. A convivência
Morte e Vida Severina, com músicas do com aqueles músicos todos foi muito
Chico Buarque. Esse povo frequentava bacana. Com os professores que tive,
a minha casa. Também o Agostinho dos sempre fui mantendo uma relação de
Santos (cantor) ia bastante lá. Então, amizade também. A gente assistia a
eu ficava vendo esse povo todo junto, muitos shows, via o Zimbo Trio tocando,
fui assistir alguns festivais. Éramos o Heraldo do Monte, o Hector Costita. O
muito bons ouvintes de música, então Luiz me indicou grandes shows - como,
ouvi muito, desde pequeno. Meu irmão por exemplo, Milagre dos Peixes, do
28 • VIOLÃO+
matéria de capa
Milton Nascimento -, tudo que vinha paraEu e meus amigos entramos também.
São Paulo, os estrangeiros também. Começamos a ter vários encontros, com
Teve o show do Bill Evans, maravilhoso! pessoas de várias profissões. E foram
Os shows de fim de ano da escola eram se abrindo vários horizontes. Meu pai
incríveis. Aí, fui criando gosto pelo nos deu uma série de livros para ler. Fui
violão e pela guitarra. Também estudei virando um devorador de livros e, entre
no Colégio Equipe, na época em que esses, tinha o Grande Sertão: Veredas.
o Serginho Groismann estava lá. Acho Ficamos muito impressionados com toda
que era o diretor do Grêmio ou algo a história e também com a linguagem
assim. Ele levou para lá Cartola, Nelsonque o Guimarães Rosa inventou, com
Cavaquinho, Clementina de Jesus, aquele texto fantástico. Na edição antiga
Paulinho da Viola, Gilberto Gil e Novos do Grande Sertão, havia um mapa na
Baianos, então essa oportunidade de orelha do livro. A gente ficou pensando:
ter visto isso adolescente, na época do se o Guimarães Rosa conseguia tanta
colegial, hoje chamado ensino médio, musicalidade naquele texto, era porque
foi fundamental para minha formação. a região que ele retratava no livro devia
ter uma música muito incrível também,
Você, paulistano, violonista e uma coisa assim de sentimento.
guitarrista, de repente, descobre a Ficamos tão encantados com o livro
viola caipira. Como isso se deu? É que resolvemos conhecer a região que
verdade que o livro “Grande Sertão: ele retratava. Então, em 1977, eu, João,
Veredas”, de Guimarães Rosa, teve Anthony Cleaver e Rodolfo fomos para
influência nessa descoberta?
Quando estava terminando o Equipe,
me juntei com alguns músicos, como
o Rodolfo Stroeter, depois, mais tarde,
com o João de Bruçó, o Adriano Busko,
o Xico Guedes e o Anthony Cleaver.
A gente formou um grupo, chamado
Sexteto Guaraná e fazia um som
bem influenciado pelo que estávamos
estudando e ouvindo. Foi se firmando
em mim e nos meus companheiros uma
vontade de conhecer o Brasil, de fazer
uma música de acordo com o que a
gente estava buscando naquela época
como ser humano. Começamos a fazer
várias leituras. Entrei na faculdade de
jornalismo, na FAAP, mas abandonei
depois de seis meses, não aguentei. Meu
pai, com alguns amigos dele da revista
Realidade, formou um grupo de estudo.
VIOLÃO+ • 29
matéria de capa
Pernambuco e conversamos com Ariano de Manga, no Urucuia. Foi assim que a
Suassuna, que tinha criado o Movimento gente chegou lá. Não todos: o Rodolfo
Armorial. Ele nos encaminhou para voltou antes.
o Antonio Madureira, que tocava no
Armorial e tinha uma pesquisa incrível. E como foi ficar no Urucuia durante
Compositor, violonista, também tocava anos, pegando na enxada e escutando
viola. Ele nos deu umas orientações. causos?
Fomos entrando pelo sertão de A gente foi lá procurando os violeiros,
Pernambuco até chegar no Urucuia, que procurando a música do lugar, as
é o lugar que Guimarães Rosa falava manifestações culturais que tinham. A
muito, no noroeste de Minas Gerais, gente chegou lá em junho, no final das
perto de Goiás e da Bahia. Para sair festas juninas (que, lá, nem tão forte
de Pernambuco e chegar no Urucuia, a são). Sempre perguntando dos violeiros.
gente pegou um vapor no São Francisco, As pessoas foram indicando um violeiro
de Juazeiro até Januária. Em Minas, aqui, outro ali. Conhecemos as folias
fomos pegando ônibus, pau-de-arara, de reis também. Para mim, foi um
várias conduções até chegar em Porto grande aprendizado participar primeiro
somente como um acompanhante,
depois como folião, tocando. As folias
saem de casa em casa, pelo sertão. São
grupos de músicos que vão cantando
toda a história do nascimento de Jesus,
a fuga, Herodes... Então, é tudo muito
bonito. E eles só andam lá no sertão à
noite, porque os reis magos só andavam
à noite, para seguir a estrela-guia. É
como se fosse a viagem dos reis magos,
mesmo. Saem à noite, vão cantando
de casa em casa. É muito bonito você
andar no sertão a noite inteira, parando
de casa em casa, sendo recebido
pelos sertanejos, geralmente em casa
sem luz, iluminadas por lampião, por
vela, os donos da casa chegando, os
meninos chegando pela madrugada,
toda a festa, as danças. Depois da parte
religiosa, vem a parte das brincadeiras.
Durante o dia, a folia para, porque
os reis magos não podiam andar de
dia. Isso é respeitado. Então, a gente
descansava e ficava aquela prosa,
compunha-se músicas, os violeiros
30 • VIOLÃO+
matéria de capa

ensinavam os toques, causo em cima no terreiro da casa dele, observando a


de causo, naquela camaradagem boa natureza e a transformando em música.
dos foliões. Então, passei esse tempo Foi um aprendizado fundamental na
lá no sertão, encostando em alguns minha vida de violeiro e de músico. E
violeiros, principalmente no Manoel convivendo com a família dele toda.
de Oliveira (Mestre Manelim), com Aquilo que eu disse sobre o Luiz Chaves,
quem fiquei morando um tempo. O seu que virei um grande amigo dele, também
Manoel morava na Taboca, que era virei um “filho” do Seu Manoel. Essa
perto de Porto de Manga, um povoado aproximação com os mestres, para
que virou uma cidade chamada Urucuia. mim, é fundamental. Você conviver com
Ele morava a uns três quilômetros de eles, uma coisa muito estreita mesmo.
distância, mais ou menos, na beira de Não é só a parte musical que a gente
um rio, na roça, mesmo. Eu trabalhava tem que aprender. Foi maravilhoso
de dia na roça, com ele. No fim da esse tempo todo que passei no
tarde, ficava no terreiro da casa. Ele Urucuia, fiquei durante dois anos indo
me ensinando a tocar, mostrando os e voltando. Peguei umas doenças -
toques de viola. Lá no Urucuia, esses hepatite, toxoplasmose -, me curava
toques tem uma ligação muito grande em São Paulo e voltava para o sertão.
com a natureza: tem o toque do sapo e Depois, voltei para cá e montamos um
do veado, o toque do canto da inhuma grupo com esses amigos, mas não deu
ou do papagaio... Então, ele ficava lá muito certo. Depois juntou-se ao nosso
VIOLÃO+ • 31
matéria de capa
grupo o Adriano Busko, percussionista, Eu falei: “do zero, Henrique?”. Ele: “do
que ficou um tempão lá comigo. A gente zero. Se quiser fazer aula comigo, vai
toca junto até hoje. ter que rever mão direita, mão esquerda,
tudo”. Como estava querendo muito ter
Depois que voltou a São Paulo, você aulas com ele, concordei! Então, com
estudou violão com Henrique Pinto, o Henrique, foi assim: só a mão direita,
que foi mestre de uma grande parte tirando o som do violão, sabendo como
dos violonistas do Brasil. Como foi a tocar, depois só a mão esquerda,
sua relação com ele? Como você vê exercícios... A convivência com ele foi
o legado que nos deixou em relação fantástica, acabei virando muito amigo
ao ensino de violão? dele também. A gente tinha um negócio
O procurei para ter aula. Não o de trocar livros, de conversar sobre
conhecia, parecia um cara muito sério. literatura. Ele era muito engraçado.
Eu já tocava, já tinha ido pro Urucuia, Eu continuava a tocar sem ser erudito,
já tinha estudado no CLAM um tempão, mais popular, violão e guitarra. Fui
tocava com bastante gente. Quando morar na França, aí o Henrique me
fui lá, ele falou: toca um pouco aí para indicou o Betho Davesaky, que também
mim. Eu toquei, ele ouviu e falou: “eu foi fantástico. Passei um bom tempo
te dou aula, mas tem uma coisa... você com o Betho lá. Tem um “causo” muito
tem paciência para começar do zero?”. engraçado com o Henrique: eu estava

32 • VIOLÃO+
matéria de capa
morando em Paris, passei por uma
banca de jornal e vi um cartaz escrito
assim: seja concertista em dois meses,
por hipnose. Pedi o cartaz para o
dono da banca, ele me deu. Enrolei,
pus num envelope e mandei para o
Henrique. Escrevi uma carta assim:
“Olha, Henrique, fiquei pelejando dois
anos com você, estou aqui na França
estudando pra caramba, mas posso
virar um concertista em dois meses,
só por hipnose! Estou perdendo o meu
tempo!”. Achei que ele ia ler aquilo, achar
graça, guardar numa gaveta ou jogar
fora. Depois, fiquei sabendo que ele
colou esse cartaz na parede do estúdio
onde dava aula e mostrava para os
alunos novos que chegavam: “olha, ou
você fica aqui estudando, ou tem essa
outra possibilidade também”. Ele era
muito bem-humorado, por trás daquela muito a sério o estudo. Lá em Paris,
seriedade. Era muito inteligente. E o quando fiz meu primeiro exame de
legado dele é fantástico! O que tem de final de ano, não gostei do clima. Acho
“filhote” do Henrique por aí... Quando que deve ser geral na música erudita,
eu fazia os cursos de verão dele, uma pressão muito grande para ser um
ficava vendo os alunos tocando nos concertista. Olhando hoje, para trás,
concertos. Há toda uma geração de eu não teria a menor condição de ser
grandes violonistas, todos começaram um concertista... Bom, não gostei, mas
ou passaram pelo Henrique. Coloco ele ganhei a medalha. O Betho, antes de
naquele rol de mestres com que tive eu fazer o exame, estava super feliz
convivência. O Henrique foi um grande com o jeito que eu estava tocando, com
acontecimento para o violão no Brasil. meu desempenho. Depois, ganhei uma
segunda medalha, mas ele me deu a
Você foi estudar violão na França, maior bronca porque eu tinha ficado
ganhou até medalha por lá. Quando nervoso. Aí ele ficou desanimado,
a viola caipira tomou a frente falou que não tinha nada ver ficar
definitivamente na sua vida musical? nervoso, que era uma bobagem. Esse
Na França, aconteceu o seguinte: eu negócio de banca eu não gostei, não.
estudava com o Betho Davezac e tocava Principalmente por causa desse exame
com grupos brasileiros lá. Eu digo que e porque a minha vida profissional
sempre fui um bom aluno, me aplicava estava deslanchando também mais
muito, estudava muito. Sempre levei para o lado da música popular. Resolvi
VIOLÃO+ • 33
matéria de capa
guitarra, violão, tudo que nem viola. Tudo
parece viola”. O Betho também tinha me
falado: “Paulo, eu te dou aula de violão,
mas o seu instrumento é a viola caipira”.
Ficava aquela coisa, parecia que a viola
estava chamando mesmo. Os outros
instrumentos foram ficando de lado
em casa, fui passando pra frente, eu
tinha instrumentos muito bons, guitarra,
violão, mas que não usava mais. A viola
foi tomando esse espaço cada vez maior.
Nem sei direito como explica, mas me vi
completamente violeiro.

Acompanho o seu trabalho já há


muito tempo e há alguns trabalhos
específicos que assisti e gostei
demais. Então, vamos falar
diretamente sobre esses trabalhos: o
primeiro é aquele que você fez com o
Roberto Corrêa e o Badia Medeiros,
muito legal mesmo, chamado
parar de estudar violão clássico. Entrei “Esbrangente”. Como foi fazer esse
em alguns grupos de música brasileira trabalho?
pela Europa e viajei um bocado por lá, Eu já era amigo do Roberto. A gente,
naquele esquema de mulata sambando, embora sem tocar juntos, entrou quase
músicas de carnaval. Quando a gente que ao mesmo tempo firmes no mundo
tocava um repertório de Elis Regina com da viola. Em 1977, eu num lugar e ele
os arranjos do Cesar Camargo Mariano, em outro, começamos a abraçar esse
falavam que era o jazz brasileiro... Toquei mundo. A gente escutava notícias um
muito, em quantidade mesmo. Foi bom, do outro, até que nos conhecemos em
tudo que peguei na época, consegui algum festival de viola. Fomos ficando
tocar em frente. Depois, quando voltei ao cada vez mais amigos. O Sesc Nacional
Brasil, foi uma misturada: eu tocava viola chamou o Roberto para fazer o Sonora
caipira num grupo, jazz no outro, uma Brasil, em 2002. Precisava de outros
guitarra sintetizadora de rock no outro, dois violeiros. O Roberto me convidou
aquela coisa de você ter vinte e cinco e também ao Badia. Eu tenho esse
anos e estar procurando um caminho. A trabalho com viola, um pouco diferente,
viola, como é muito ciumenta, foi tomando o Roberto também e o Badia veio com a
conta. O Grande Swami Jr, , que é meu linguagem do sertão. Juntamos os três,
parceiro desde pequeno, mesmo, me com as história próprias de cada um. No
deu um toque: “olha Paulo, você toca Sonora, você ficava 50 dias viajando,
34 • VIOLÃO+
matéria de capa
fazia cerca de 35 apresentações, o Anima em Campinas e a Orquestra
uma coisa assim, por vários Estados Popular de Câmera em São Paulo. A
brasileiros. Foi fantástico! A gente Orquestra veio primeiro: juntar com
montou o repertório, cada um entrando aqueles músicos fantásticos da cena
no universo do outro, para formar esse instrumental de São Paulo, convivência
“Esbrangente”. É uma expressão do muito boa, uma liberdade muito grande
Badia Medeiros que, nas palavras dele para tocar. Gravamos o primeiro disco
mesmo, é definida assim: abrangente é da Orquestra e, ao mesmo tempo que
quando você cerca o seu terreno que acontecia tudo isso, vim morar em
tem uma mina d’água, e essa cerca Campinas: casei com a Ana Salvagni
abrange o seu terreno. Mas se a mina e me mudei. O Grupo Anima era de
d’água começa a ultrapassar a cerca Campinas. Eles me convidaram para
e ir embora, ela está “esbrangindo” fazer parte. Já conhecia o trabalho
do seu terreno. Então, a gente achou deles, gostava muito. Eles misturam
que aquela música de viola tinha que música antiga com a tradição oral
“esbrangir” da nossa música. A gente brasileira, que tem muito a ver com a
fez essa série de concertos, tanto na viola caipira também. E as pessoas
parte musical quanto na amizade, cada do Anima, os músicos, são incríveis.
vez maior. Uma das frases mais bonitas Trabalhos muito diferentes, mas ambos
que o “ Seu” Badia falou foi no último importantíssimos. Com o Anima, a
dia: a nossa amizade era como se gente gravou o “Especiarias”. Deram
você pegasse um cadeado, fechasse e muita liberdade para criar, participar
jogasse a chave no fundo do mar. Nada dos arranjos, colocar a minha música
mais ia abrir aquele cadeado. Ou seja, de viola. No Anima, usei viola caipira,
é para sempre! Foi fantástica essa
convivência e a nossa amizade dura até
hoje. A gente continua se encontrando,
tocando junto. É uma grande irmandade
mesmo. A parte cênica do show também
era muito bacana: o Badia sapateava, eu
contava causo, o Roberto fazia aqueles
instrumentais dele. Para mim, foi muito
importante.

Outro trabalho sensacional foi junto


ao grupo Anima, que é um fenomenal
grupo de música antiga e tradição
oral. A sua participação foi muito
marcante. Como foi isso?
Vou citar o Anima e um outro projeto
que aconteceu ao mesmo tempo, que,
para mim, foram muito importantes:
VIOLÃO+ • 35
matéria de capa
viola de coxo e o violaúde, que era um
de quando você está fazendo outro
instrumento Fernando Vanini, luthiertipo de música, com tempo mais
de Campinas que gosta de inventar definido?
instrumentos. Ele fez uma mistura deNa verdade, eu não fiz muitas trilhas,
não. Não é um campo em que eu
viola com alaúde que usei bastante no
grupo. A gente viajou muito, Estadosenveredei muito. Um dos primeiros
trabalhos que fiz foi junto com o Tuco,
Unidos, várias turnês pelo Brasil. O ato
meu irmão. Imagina: foi uma trilha
de tocar com o Anima era uma delícia,
porque a gente ensaiava muito, todospara uma pornochanchada chamada
os dias, várias horas. Isso cria um “Campineiro Garotão para Madames”!
corpo fantástico, cada vez que você Começo dos anos 1980, acho. Foi
muito divertido. E num tempo em que
entra em cena está inteiro, pronto para
se fazia edição do filme junto com a
ficar à vontade, inventar moda a partir
de tudo o que foi ensaiado. Foi uma música com durex, pegava o filme e
época muito proveitosa. a fita que estava a música, recortava
com tesoura e colava com durex, fazia
Você já fez um número razoável de a música caber na imagem. Ou você
trilhas para televisão. Como esses gravava com aquela minutagem precisa,
trabalhos surgiram em sua vida? E o para caber na cena, ou você tinha que
processo de composição, é diferente resolver tudo na mão, mesmo. Mas foi

36 • VIOLÃO+
matéria de capa

muito divertido fazer tudo aquilo, além e editava. Eu fui um dia para o Rio de
do filme ser muito engraçado! Depois Janeiro, também para ver como era o
de algum tempo, já com a viola, eu processo, assistir a uma edição. Até
participei da trilha do “Grande Sertão fiquei meio espantado porque vi como
Veredas”, na Globo, minssérie. A é complicado fazer um trabalho para a
gente ficou sabendo por meu pai que Globo, com tantos interesses rolando
teria a série e que o Júlio Medaglia em volta. O Júlio tinha que brigar pela
faria a trilha. Fomos conversar com o música, porque senão o conceito ia
maestro Júlio, eu, o João, o Anthony embora. Depois, fiz algumas para a série
e o Adriano, falando que a gente tinha Malu Mulher, com a Regina Duarte, que
morado na região do Urucuia e que a meu pai escreveu. Depois, comecei a
gente conhecia a linguagem musical de a fazer trilha para o Globo Rural, que
onde se passava a trama do “Grande foi um processo bem legal, porque eu
Sertão”. O Júlio ficou muito animado, via as reportagens e a partir daí criava
chamou a gente para participar. as músicas. Isso vai de encontro ao
Tocamos várias coisas, passamos que você disse na pergunta, ou seja,
várias horas no estúdio gravando. se adaptar ao tempo, não atrapalhar
Participamos bastante da trilha. Mas, o que está sendo mostrado e compor
ali, éramos totalmente orientados pelo para aquela cena. Fiz algumas trilhas
Júlio, nem víamos as cenas. Ele nos para o Globo Rural, era um trabalho
orientava, gravava, depois ia até o Rio que eu gostava muito de fazer e, por
VIOLÃO+ • 37
matéria de capa
que você desenvolveu esse talento,
como isso foi aparecendo? Já assisti
show seu em que tudo está amarrado
na história. Como você consegue
fazer isso?
Bom, o “causo” é um mundo à parte.
Tem muito a ver com o mundo da
literatura, que admiro desde pequeno,
influenciado pelo meu pai. A minha
família tem grandes contadores de
história: meu pai, meus tios velhinhos,
que juntavam a molecada e ficavam
contando histórias antigas. Então, eu
tinha desde cedo esse prazer de ouvir
histórias. Todo violeiro gosta de contar
história, mas a maioria cai pro lado da
piada. Comecei a querer desenvolver o
negócio de contar a história tocando ao
mesmo tempo. Ou segurando alguma
levada e contando a história, ou até
fazendo a harmonia andar um pouco
mais e contando a história ao mesmo
conta dessas trilhas, fiquei muito amigo tempo. Com o tempo, a gente vai
de várias pessoas do programa que pegando uma certa independência entre
estão lá até hoje, por conta desse fazer o tocar e o falar. Lá no sertão é muito
arte juntos. Depois, acabei trabalhando interessante, porque cada toque de viola
com algumas trilhas de filme, mas tem uma história por trás. Quando o Seu
raramente eu via alguma cena. Fiz para Manoel me ensinava a corrida do sapo
o filme “Deus é brasileiro”, depois para e do veado - o sapo desfiando o veado
“O Menino da porteira”, mas sempre para uma corrida, mas, na verdade, o
dentro de um estúdio e com a direção sapo não corria, porque combinou com
de alguém. Eu gosto, mas não faço os amigos de ficarem escondidos no
muito. Na verdade, o que gosto mesmo brejo -, eles contam a história e depois
é de estudar e dos shows. Não gosto tocam a música. É muito divertida essa
muito de gravar, não, sendo sincero. É maneira de se comunicar, de transmitir
chato ficar em estúdio. Não tem janela. esse conhecimento. Eu acredito
que a contação de história é muito
Você também é um grande contar importante, é o momento em que você
de histórias, contador de “causos”. está trabalhando com a imaginação,
Tem a ver, obviamente, com a coisa com a palavra cuidando da imaginação
da viola, mas tem muito violeiro que e como cada um enxerga de um jeito.
não conta história nenhuma. Como é Isso é maravilhoso. Você não tem
38 • VIOLÃO+
matéria de capa
uma imagem formada sobre a mesma 2002. Resultado: achei que não ia dar
história, cada um vai formar as suas certo, mas ficou aquela pulga atrás da
imagens. A televisão, o filme, acabam orelha. Voltei da viagem, preparei o
dando uma certa limitada. Quando você espetáculo, e de lá para cá já participei
usa a palavra, lê um livro, forma todo um de 10 edições do projeto em Santa
universo na sua cabeça. Tudo isso para Catarina, por várias cidades. E é um
falar que escrevo também, tenho os projeto muito bacana, porque te leva
livros, tenho os discos. Mas eu contava para assentamentos, escolas, alunos
pouco causo em show. Durante a turnê da APAE, teatros, quintais, você conta
do “Esbrangente”, quando a gente histórias em diversos espaços, para
estava em Santa Catarina, um técnico diversos públicos. A partir daí, fui me
do Sesc assistiu ao show e me viu firmando no ofício de contador de
contando umas histórias. Me chamou no histórias, levando isso de uma maneira
fim do show e perguntou se eu não tinha mais profissional. E procuro contar as
um show só de contação de história. histórias através dos mitos brasileiros.
Eu falei que ninguém aguentaria um Morando lá no sertão, num lugar que
show assim. Ele retrucou. Disse que não tem luz elétrica, telefone, correio
estavam montando um projeto chamado nem internet, você acaba vendo muito
Baú de Histórias e se interessava para mais coisa que mora na mata, ao seu
mim montar um espetáculo. Isso, em redor, do que quando você tem muita luz.

VIOLÃO+ • 39
matéria de capa
A luz acaba espantando os mitos, eles embrenhei bastante nesse mundo do
moram no escuro, e o escuro está cada causo e da contação de história com
vez mais longe de nós. Guimarães Rosa a viola. Com essa coisa de misturar a
disse que tudo que tem nome, existe. viola com a contação e com o causo,
Então, acabei vendo e convivendo acabei sendo convidado para festivais
com um bocado desses mitos, me de contação de histórias. E sempre levo
embrenhando na história deles. Gosto a viola, é claro. Participei de grandes
demais da mitologia brasileira. Comecei festivais. O mais importante deles é
a fazer o trabalho com eles (os mitos). o Boca do Céu, que é bienal em São
Um foi o “Nuà”, um CD com livro, em que Paulo. Já participei de quatro. É um
eu conto 12 causos de mitos, compus encontro maravilhoso! Acredito que
as músicas e dei para arranjadores de ali também um novo mundo se abriu
São Paulo fazerem os arranjos, toquei para mim, assistindo aos contadores
junto, fiz uma pequena turnê pelo de história do mundo inteiro, oficinas
Brasil apresentando. Depois, escrevi o deles também, vendo a importância
Jurupari, que é a história de um violeiro que tem as histórias, que existem há
rodando o Brasil inteiro sendo guiado tantos anos, que são curtidas no sertão
pela viola e pela mitologia. Então, me daqui ou em qualquer sertão do mundo.
Elas vêm com uma força muito grande.
Graças ao Boca do Céu, peguei umas
histórias e musiquei com muito do que
aprendi com essa lida.

E o trabalho voltado ao público


infantil? Qual sua visão sobre a
música para crianças e como você
desenvolveu seu trabalho nesse
sentido?
Primeiro, quando meus filhos começaram
a nascer, comecei a ter mais esse
contato com elas. Sempre gostei de
crianças, mas essa convivência diária
de pai é outra coisa. Então, escutando
a Ana cantar para os meninos, contando
histórias para eles antes de dormir,
durante anos, esse momento que está
no seu quarto, só você e seu filho, é um
momento lindo, quando ele está indo
para o mundo dos sonhos. Eu gostava
de ficar inventando histórias na hora,
ali mesmo. É maravilhoso você ter
esses momentos na vida. Fui também
40 • VIOLÃO+
matéria de capa

muito amigo dos amigos deles, vendo- quarto e juntei num livro. Agora, mais
os crescerem juntos. Fui criando um recentemente, há uns três anos, lancei
gosto incrível pelas crianças. Gravei o o “Violinha Contadeira”. Aí, já é mais
“Brincadeiras De Viola” em 2003, com a viola ligada a um causo. São quatro
esse universo da música de criança, a canções de viola, duas que aprendi
Ana cantando várias músicas, algumas no sertão e duas que criei em cima
instrumentais, chamei alguns amigos de tabuadas, e quatro causos ligados
para participar... Foi muito gostoso à mitologia, com fundo de viola e a
fazer e muito natural, também, porque participação de alguns instrumentistas
eu não tinha preocupação nenhuma amigos. Inspirado em tudo que fiz no Baú
com mercado. Era o prazer de estar ali de Histórias, do Sesc Santa Catarina.
fazendo uma arte que eu estava vivendo Então, foi uma continuação desse
junto de meus filhos. Foi muito prazeroso trabalho. Com isso, acabei descobrindo
gravar esse trabalho. Depois, fiz um que adoro fazer show cantando, tocando
livro chamado “O Céu Das Crianças”, viola e contando causos para crianças
que saiu pela Companhia das Letrinhas, também, provocando a participação
com dez histórias que contei. Escolhi as delas. Elas tem aquela coisa direta, não
dez que meus filhos mais gostaram das fingem que estão gostando ou prestando
que eu contava sobre as estrelinhas atenção. Então, ou você está com eles,
que tínhamos grudado no teto do ou você está perdido. Eu gosto desse
VIOLÃO+ • 41
matéria de capa

tipo de desafio. Prefiro tocar pra uma de causos com a viola. Este é o CD em
escola cheia de menino danado do que que mais faço isso. No ano seguinte,
tocar num teatro com as crianças meio fiz o Violinha Contadeira, de causos
espalhadas, com os pais cuidando. Eu para crianças. No ano passado, lancei
gosto é do maremoto mesmo, junto com o Porva: doze temas instrumentais,
as crianças. todas composições minhas de viola
solo. Eu nunca tinha feito um CD de
Para encerrar, o que vem por aí? viola solo, então achei que tinha que
Os últimos trabalhos foram um por ano: fazer esse. Chamei Porva porque são
em 2014, lancei o Auto Grande, que é um como pequenas ideias que corressem
CD na linha dos que eu vinha fazendo, pelo rastilho e explodissem logo na
algumas músicas instrumentais, outras frente. Fui desenvolvendo as ideias, as
com causos e também canções, tudo músicas sempre têm uma história por
meio misturado. Gostei bastante de trás, e compus todas elas no período
fazer, mostrando esses vários caminhos de virada de ano. Fiquei em casa, à
que estou percorrendo, de criação com a toa, me preparei. Tenho me preparado
viola e tentando me firmar como contador nesses últimos anos para ficar uns dois
42 • VIOLÃO+
matéria de capa
ou três meses estudando, trabalhando sobre o preconceito em torno da viola:
as músicas e criando. Entre 2015 e “viola é que nem mortadela, tomo mundo
2016 fiz uma viagem pelo Brasil com gosta, mas tem vergonha de comer na
o grande violeiro Levi Ramiro, também frente dos outros”. Bom, voltando à
pelo Sonora Brasil. Fizemos 120 shows turnê, viajamos pelo Brasil todo. Como
por todos os Estados brasileiros. Foi gosto de publicar nas redes sociais,
incrível esse projeto do Sesc. A gente fui colocando momentos da nossa
apresentou a viola caipira e a viola viagem, um diário de bordo. O negócio
do sertão do Sudeste. Tinha violas do foi ficando sério, os amigos dando
Nordeste, violas de concerto, tinha de força. Fui gostando daquilo, levando
tudo. Montamos o repertório em cima esses relatos mais a sério. Conclusão;
do que aprendi no sertão e da música estou finalizando um livro sobre essa
caipira, mesmo. Basicamente, música experiência de conhecer todos os
instrumental. Tinha poucos causos Estados brasileiros e fazer tantos shows
e duas ou três músicas cantadas. E pelo Brasil com essa ideia de levar a
a gente ia contando para o público música de viola por todos os cantos,
como são essas músicas, como foram a reação da plateia, das caminhadas
compostas, a importância dos ritmos que fiz por várias cidades... O Brasil
caipiras, quem eram os grandes tem muitos assuntos que a gente nem
compositores... Foi um trabalho muito desconfia. Estou finalizando esse diário
legal conhecer o Brasil inteiro tocando agora, e vou colocar ele para andar. Acho
viola. E com o Levi, que é um grande que até o fim do ano, se tudo der certo,
mestre. Foi divertido, porque eu tinha ele está saindo. E estou guardando uns
esse conhecimento da viola do sertão e grandes causos para fazer uma espécie
o Levi da viola caipira. Quando a gente de “Pedro e o Lobo”, grandes histórias
se encontrou e começou a misturar os musicadas. Uma delas, por exemplo,
dois mundo, vi o tanto que eu tinha que está com a Léa Freire, minha querida
aprender da viola caipira. Foi um grande prima, essa musicista incrível, dona de
aprendizado nesses dois anos. Quem é um dos maiores trabalhos da música
do ramo sabe a dificuldade. Quem não brasileira. Entreguei a ela esse grande
é, acha que é tudo muito simples, que causo e a gente está querendo musicá-
a música caipira é muito fácil, mas vai lo. Estou trabalhando em outros dois,
tocar! O ritmo é muito difícil de tocar que vou entregar para outros músicos.
da maneira certa. E são vários. Há um Quero colocar esses causos pra frente
preconceito muito grande em cima da também. E tocando aqui e ali, vivendo
viola. Etá melhorando, diminuindo, mas a tal da crise, mas, segundo o irmão do
ainda existe. O Renato Andrade, que Levi, a gente tem que aproveitar o caos,
é o maior violeiro que vi tocar, viveu porque é uma oportunidade incrível
a fase mais difícil. Lançou seu discos também estar vivendo dentro do caos.
nas décadas de 1970 e 1980, quando Temos que aproveitar a parte boa dele
era impensável ter um trabalho de viola que é a arte de criação no meio dessa
instrumental. Ele tinha uma frase genial turbulência, dessa efervescência.
VIOLÃO+ • 43
em grupo

Peça folclórica
Thales Maestre
Nesta edição, compartilharei mais um arranjo simples, thalesmaestre@gmail.com
voltado para classes que se encontram nos primeiros
estágios de desenvolvimento. Trata-se, na verdade,
da continuidade do que foi abordado na edição 17 de
Violão+, quando levantei algumas reflexões acerca do
papel e da função do educador e compartilhei também
um arranjo simples.
Os arranjos estão dentro de um mesmo contexto
pedagógico, tanto no que se refere às exigências técnicas
quanto no que diz respeito ao gênero. Ambos podem ser
aplicados em grandes agrupamentos, o que configura
uma possibilidade de formação de cameratas de violões
com estrutura mais simples. Podemos considerar tal
estrutura como um trabalho de formação que precede
os de maior complexidade, cuja estrutura foi descrita em
edições anteriores de Violão+, um trabalho de prática
de conjunto que dará ao aluno a vivência necessária para
que se aproprie dos elementos básicos que constituem o
trabalho em grupo. Essa proposta, de formação elementar
de camerata, foi apresentada na edição 14, na qual tratei
das 30 Peças Fáceis de Paulo Porto Alegre.
O arranjo desta edição é da conhecida “Terezinha
de Jesus”. O contexto, a exemplo da edição anterior,
é o folclore brasileiro. Toda escolha de repertório é
excludente, então é importante que o professor esteja
ciente dos diversos aspectos que fundamentam uma
escolha. Uma aula é um momento de aquisição de
valores e é preciso que saibamos valorar o conteúdo
que escolhemos. Assim, o professor pode ser mediador
de um rico momento, cujo propósito é aproximar o aluno
dos possíveis diálogos que o conteúdo realiza com
diversas áreas, aproximando-os de valores históricos,
sociais, culturais, técnicos, literários e matemáticos,
entre outros.
A escolha de uma peça folclórica carrega componentes
didáticos relevantes. O professor pode abordar a
importância da tradição oral e das cantigas de roda ou
aguçar o interesse do aluno pela maneira como são
44 • VIOLÃO+
em grupo
construídos os versos. Pode tirar proveito do potencial
de musicalização que uma melodia folclórica possui,
e, diante de sua fácil assimilação, permitir a prática no
instrumento sem recorrer ao conhecimento prévio da
leitura. De maneira simples e estratégica, aproxima o
aluno de manifestações culturais brasileiras, da ciranda,
da versificação. Por meio da execução dessas melodias,
proporcionam-se vivências de musicalização e práticas
instrumentais efetivas, constituindo o elo de afetividade
com o desenvolvimento da prática musical.
Aproveito para sugerir aos professores que considerem
a possibilidade de alunos em diferentes estágios da
aprendizagem participarem da execução deste arranjo.
Embora os três naipes estejam escritos, não há problema
algum em acrescentar uma melodia simples, na primeira
posição, feita por alunos que podem até não dominar a
leitura. Essa convivência é saudável.
O arranjo apresentado está dividido em três naipes. Um
quarto naipe pode ser considerado com a execução de um
acompanhamento simples, baseado nas cifras propostas.
Gosto sempre de considerar essa característica do
violão como instrumento acompanhante. Costumo,
inclusive, escrever as linhas de acompanhamento em
muitos arranjos, para que o naipe trabalhe de forma
homogênea e não soe embolado. Como neste arranjo a
linha de acompanhamento não está escrita, aconselho os
professores a criarem um padrão de mão direita dentro do
compasso ternário, visando à homogeneização do naipe.
Cada naipe explora determinada altura: agudos, médios
e graves, distribuídos respectivamente nos naipes 1, 2
e 3. O tema é exposto duas vezes, ora com a melodia
no agudo, ora no grave. Os naipes 2 e 3 trabalham
basicamente a primeira posição do violão (o naipe 2 faz
uma breve passagem pela terceira posição), enquanto
o naipe 1 depende do conhecimento da nona, décima e
décima segunda posições. Há parâmetros na construção
da leitura rítmica: trabalha-se somente até o grupo de
colcheias e a noção de contratempo.
O arranjo tem característica contrapontística e,
dependendo da experiência da turma com práticas em
grupos, é possível que surja alguma dificuldade na
manutenção das linhas melódicas.
VIOLÃO+ • 45
em grupo
Quando há alguma dificuldade, não costumo abandonar
o arranjo: coloco-me à espera da aquisição dos pré-
requisitos necessários para executá-lo. Assim, podem
ser extraídos do próprio arranjo os conteúdos que se
pretende desenvolver, construindo-os paralelamente à
sua aprendizagem. Por exemplo: se a turma nunca teve
contato com a ideia de contratempo, será uma ótima
oportunidade para abordar o tema e fazer que todos
experimentem o naipe 2, até que compreendam a linha
melódica e alcancem execução fluente.
Como última sugestão, para aqueles que experimentarem
com seus alunos, recomendo a execução do arranjo de
“Nesta Rua” (publicado na edição 17 de Violão+) seguida
do arranjo de “Terezinha de Jesus”, sem interrupção
entre um e outro. Funciona como um bom momento de
apresentação pública dos trabalhos!
Além da partitura, disponho um vídeo aos leitores
com a execução desse arranjo, registro feito durante
uma capacitação de professores que ministrei para
os professores do Programa Guri, na qual foi possível
abordar com profundidade os conhecimentos pedagógicos
relacionados ao conteúdo. Na ocasião, os professores
fizeram uma leitura do arranjo, que consta no registro.
Essa capacitação estava aberta a profissionais de outros
projetos do Governo do Estado de São Paulo, como o
Fábricas de Cultura. Agradeço a Luis Stelzer, editor da
Violão+, que nos prestigiou com sua honrosa presença,
à belíssima equipe de professores do Programa Guri e
ao supervisor Santiago Steiner pela oportunidade de
compartilhar experiências!
Aproveitem o arranjo! Até a próxima!

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em grupo

“Terezinha de Jesus”
Arranjo: Thales Mestre Folclore Brasileiro

VIOLÃO+ • 47
tecnologia

De onde veio a tal


música eletrônica? Saulo Van der Ley
saulowan@icloud.com

Nos anos 60, 70 e 80, quem queria profissionalizar-se


como músico sonhava ser um instrumentista animal,
um compositor genial ou um cantor superlegal. A
mediocridade da decadente indústria fonográfica oficial
está conseguindo fazer que o sonho se resuma a ser
um DJ sem conhecimentos básicos do que é, de fato, a
chamada música eletrônica. Nada contra os DJs, desde
que saibam o que estão fazendo. Felizmente, a última
geração desses profissionais está se voltando para a
música em si e compondo, ainda que não se autointitulem
compositores, e sim “produtores” musicais. Produzir
música é fazer música; logo, compor música.
Decepção à parte, os jornalistas ditos “especializados” em
música contribuem animadamente para a desinformação
crônica, chamando o produto dos DJs de “música
eletrônica”. Além de usarem mal o rótulo, revelam sua

48 • VIOLÃO+
tecnologia
ignorância histórica quando chamam músicas malfeitas e
de má qualidade de música eletrônica. Música eletrônica
é a música produzida a partir de não instrumentos ou
de instrumentos adaptados de forma a produzirem sons
modificados pela eletricidade. Vamos a alguns fatos que
podem ajudar a quem se interessar a não fazer de seu
ouvido um penico.

O telefone e a música, desde o começo


Em 1859 David Hughes inventou um telégrafo que usava
um teclado parecido ao do piano (Figura 01) e, em 1876,
já se prenunciava a cumplicidade do telefone – ou da
telemática – com a música. Elisha Gray inventou o piano
eletromusical, que transmitia sons através de fios. Gray
foi o verdadeiro inventor do telefone. O detalhe é que
Bell chegou duas horas antes e registrou a patente.
Como não existia ainda a válvula, e consequentemente
amplificadores, para ouvir o som criado só o sistema de
telefonia estava disponível.
Como todos sabem, em 1877 Thomas Alva Edison
inventou o fonógrafo, a princípio usando papel e depois
um cilindro de metal. Em 1897 Edwin Scott Votey
inventou a pianola, instrumento que usava uma fita
de papel perfurado. Na virada do século, em 1906 (o
século demorava uns cinco anos para virar, na época)
Thaddeus Cahill inventou o Dynamophone, instrumento
que produzia duzentos sons por meio de dínamos e os
transmitia por fios telefônicos. No mesmo ano, Lee De
Forest inventou a primeira válvula, o Triode.

VIOLÃO+ • 49
tecnologia
Em 1910, mais uma parceria com a música: o rádio, com
a primeira transmissão ao vivo em Nova York. Em 1912,
os italianos Luigi Russolo e Filippo Marinetti decretavam a
música eletrônica no movimento futurista, cujo manifesto
se chamava Música Futurista, “[...] para agregar aos temas
centrais do poema musical o domínio das máquinas e o
vitorioso reinado da eletricidade.” O Intonorumori– ruído
afinado – era uma “banda” que tocava caixas produtoras
de ruídos com arranjos organizados e afinados.
Em 1920, o russo Leon Theremin inventou o Aetherphone,
que usava osciladores a vácuo para produzir notas musicais.
As notas eram aumentadas ou diminuídas de volume
pela posição da mão do executante contra uma antena,
e movendo a outra mão por uma haste se alteravam as
alturas entre o grave e o agudo. A banda de rock inglesa
Led Zeppelin e muitos outros artistas contemporâneos
usaram o Theremin, como ficou conhecido o instrumento.
Nos anos 1990, a Roland o reinventaria nos sintetizadores
para guitarra VG-88 e VG-99.
Por mais que os DJs achem que os avós da música eletrônica
foram o Kraftwerk, que não queriam saber se o Kraft iria
existir ou não, os alemães destruíram na Segunda Guerra
três dos principais instrumentos criados por Jorg Mager
em 1922: o Spharophon, o Partiturophon e o Kaleidophon,
aplicados em produções teatrais.
Em 1928, o francês Maurice Martenot inventou um instrumento
parecido com o Theremin, que substituía a antena por

50 • VIOLÃO+
tecnologia

um captador de eletrodo que os executantes disparavam


passando um anel pelo teclado. Ficou conhecido como
Ondes Martenot. Sua principal característica era um arame
paralelo ao teclado, que podia disparar as frequências em
glissandos, e o acionamento por teclas musicais.
Em 1929, em plena depressão norte-americana, o ianque
Laurens Hammond inventou o órgão eletromecânico
que usava 91 discos eletromagnéticos rotatórios
coordenados por um motor e outros mecanismos que
variavam os parâmetros dos sons. Meia dúzia de anos
mais tarde, em 1935, os alemães contra-atacaram criando
o primeiro gravador de fita magnética, o Allgemeine
Elektrizitätsgesellschaft (AEG).
Em 1937 a chamada multimídia começou a rolar. O diretor
de cinema Orson Welles foi o primeiro a usar em seus filmes
(War Of The Worlds) as técnicas da música eletrônica.
Em 1944, a música eletrônica entrou na dança. Percy
Grainger e Burnett Cross inventaram uma máquina que
criava sons a partir de performances humanas. Bastou
que o Bell Labs desenvolvesse o transistor, em 1947,para
que a música eletrônica chegasse ao rádio de vez.
A verdadeira música eletrônica
Em 1948 um técnico de som da Radiodiffusion Télévision
Française (RTF) compôs uma peça baseada em sons
VIOLÃO+ • 51
tecnologia
gravados que não se originavam de nenhum instrumento
musical. Pierre Schaeffer criava, assim, a música
concreta, ainda confundida com a música eletrônica. Outra
modalidade, a música eletroacústica, também teve ali a
sua origem, estendida a todo o planeta, inclusive no Brasil,
onde foram fundadas a Sociedade Brasileira de Música
Eletroacústica e o Núcleo Música Nova – do qual participei
como membro fundador.
Muitos compositores se debruçaram sobre a música
eletroacústica, concreta e eletrônica (a verdadeira), como
os mestres Conrado Silva, Raul do Valle, José Augusto
Mannis, Gilberto Mendes e colegas como Anselmo Guerra,
Sérgio Pinto, Wilson Sukorski e outros, que transmitem a
seus alunos a continuidade de suas pesquisas e obras.
O Núcleo Música Nova continua ativo no Uruguai, mas
desacelerou suas atividades no Brasil, onde mantinha o
Festival Música Nova anualmente.
Em 1951, surgiu uma boa ideia: o estúdio da RTF
se transformou oficialmente na sede do Grupo de
Música Concreta, reunindo a nata dos compositores
contemporâneos, como Olivier Messiaen e seus alunos
George Barraque, Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen
(foto abaixo). No ano seguinte, uma dissidência: Boulez e
Stockhausen saem do grupo e vão para outra emissora de
rádio em Colônia (Alemanha), a Westdeutscher Rundfunk
(WDR), onde, com Herbert Eimert, começam a produzir a

52 • VIOLÃO+
tecnologia
chamada Elektronische Musik – a pioneira, verdadeira e
bem delineada música eletrônica.
Em 1954, Stockhausen, baseado nas pesquisas de
Helmholtz, compõe os Estudos I e II, construindo sons
sintetizados mais complexos, baseados em frequências de
som puras. No ano seguinte, o computador já engatinhava:
Harry Olson e Belar, ambos da RCA, inventam o Electronic
Music Synthesizer, que usava determinadas formas de onda
filtradas. A máquina era programada através de um teclado,
tipo máquina de escrever, auxiliado por tiras de papel
perfurado com código binário em 40 canais (foto abaixo).
Em 1958, acontece a primeira performance multimídia
em instalação no Philips Pavilion – prédio projetado pelo
famoso arquiteto Le Corbusier –, que usava 425 caixas
de som acompanhadas de projeções de imagens. Já em
progressão geométrica de desenvolvimento, em 1959, Max
Mathews e Joan Miller, do Laboratório Bell, escreveram os
primeiros softwares sintetizadores, o Music4 e o Music5,
em linguagem FORTRAN.
Mas nem tudo eram “flowers & powers” nos EUA nos anos
60 e, em 1961, aconteciam os primeiros concertos de
música eletrônica no estúdio da Columbia, em Princeton,
recebidos com hostilidade pelo meio acadêmico. Robert
Moog e Herbert Deutsch criavam o sintetizador baseado em
voltagem controlada. Em 1964, o sintetizador Moog teve sua
versão final lançada graças à miniaturização dos circuitos

VIOLÃO+ • 53
tecnologia

eletrônicos. Gottfried Michael Koenig usou o software PR-1,


ainda em FORTRAN, em um computador IBM 7090.

A popularização da eletrônica
Em 1967, a música popular, mais exatamente o rock,
começava a usar a música eletrônica. O Grateful Dead
lançou o álbum Anthem of The Sun – e Frank Zappa, o
Uncle Meat, ambos usando manipulação eletrônica. Dois
anos depois, Godfrey Winham e Hubert Howe adaptaram
o software Music4 para um computador IBM 7094 em
linguagem ASSEMBLY. O Music5 ganhou versões para
IBM 360. Mathews e Richard Moore desenvolveram o
programa Graphics 1 para sintetizadores analógicos.
Em 1972, a música eletrônica continua se popularizando,
e o Pink Floyd lançou o álbum Dark Side Of The Moon,
usando sintetizadores e gravações de música concreta.
Em 1977, Peter Samson cria o Systems Concepts Digital
Synthesize (SCDS) – que criava sinais e os processava
em tempo real. Tinha 256 osciladores, 128 modificadores
de sinal e memória considerável. Em 1981, Moore
continua aperfeiçoando o Music5, que passa a ser escrito
em linguagem C de programação, logo ganhando o nome
de CMusic.
Em 1983, foi criado o Musical Instrument Digital Interface
(MIDI) para padronizar a comunicação entre computadores
e instrumentos musicais eletrônicos. Atualmente, ao se
falar em MIDI, estamos nos referindo a três elementos:
a linguagem MIDI (especificações técnicas), o conector
54 • VIOLÃO+
tecnologia
MIDI (um hardware) e o formato MIDI (como temos
formatos de imagem, texto etc.). Em 1985, foi lançada
a linguagem Hierarchical Music Specification Language
(HMSL), baseada numa série de informações chamadas
morphs (de morphological; design morfológico).
Em 1986, o software foi desenvolvido em linguagem C por
Miller Puckette e lançado pela empresa Opcode. Era o
primeiro programa a usar interface gráfica em plataforma
Macintosh, que David Zicarelli aperfeiçoou a partir de
1989. Desde 1987, o Macintosh II já era comercializado
pela Apple, enquanto a plataforma PC adotava o protocolo
MIDI e o primeiro gravador de DAT era comercializado.
O Musical Interface for Digital Instrument, vulgo MIDI, é,
sem dúvida, a maior contribuição dessa evolução para a
música.
Além de ser aparentemente a última vez que os fabricantes
se sentaram à mesa para criarem juntos e não competir
uns com os outros, o MIDI reduziu o tamanho de arquivos
de som para tamanhos compatíveis com a transmissão de
dados na época – até hoje pouco melhorados no Brasil –
e tornou o ensino musical muito mais claro, entre vários
melhoramentos. Compreende hardware e software, e,
ainda nos dias do século 21, continua em franca evolução,
ao contrário de muitos “produtores” em declínio criativo,
para dizer o mínimo.

VIOLÃO+ • 55
tecnologia
A chegada das DAWs
Em 1989, a Digidesign apresentava ao mercado o sistema
Sound Tools para computador Macintosh modelo 1604. O
Sound Tools deu origem à Digital Audio Workstation (DAW)
Pro Tools, hoje controlada pela comercialíssima AVID.
Em 1990, a Sony lançava oficialmente o CD gravável,
conhecido como CDR (Compact Disk Recordable) e, não
contente, lançava em 1991 o Minidisc (MD), enquanto a
Alesis apresentava o sistema ADAT, que usava fitas VHS
para registrar som. Algumas mídias não se firmaram,
como o Minidisc, outras evoluíram como o CD para DVD,
e há até as que ainda são usadas, como os ADAT e DATs.
Atualmente, temos uma variedade imensa de hardwares
e softwares disponíveis para quem se dispõe a trabalhar
com música eletrônica. Mas na proporção inversa, temos
alunos e professores despreparados para esclarecer,
formar e evoluir o potencial do gênero, mesmo que
utilizado por diversos segmentos da mídia. Cabem a
estes acelerar os processos de formação, educação e
produção musical, termo ainda mais mal utilizado do que
a própria música eletrônica e confundido com produtores
executivos de gravadoras.
Muitos outros instrumentos foram criados e desenvolvidos
neste mais de um século. O que acabou sendo conhecido
equivocadamente como “música eletrônica”, foi o boom
de vendas de aparelhos eletrônicos usados na era pós-
discoteca, vide John Travolta, que proporcionou aos
aficionados pelo estilo uma tentativa de continuá-lo com
retoques tecnológicos de gosto duvidoso. Mas, como dizia
meu pai, que detestava Led Zeppelin, Pink Floyd e tudo
o que não teve oportunidade ou vontade de entender, “é
melhor ouvir isso do que ser surdo”…

56 • VIOLÃO+
de ouvido

Revisão –
exercícios sobre Reinaldo Garrido Russo
www.musikosofia.com.br
duemaestri@uol.com.br

acordes naturais
O mais importante por ora é darmos uma pequena parada
para respirar. A quantidade enorme de exercícios e a
dificuldade de entender a teoria que os regem causam
confusão e certa sensação de não saber onde estamos.
Por isso é que devemos fazer o exercício mais importante
de todos: a repetição/questionamento.
O corpo físico nos ensina a forma correta nos primeiros
estágios do aprendizado do violão: faz-se o movimento dos
dedos conforme observamos e entendemos, e o repetimos
até que obedeçam sem esforço. Se há algo errado no
movimento (tensão, por exemplo) o sinal de alerta surge
em forma de dor. Se acaso questionarmos o movimento
e encontrarmos um caminho simples e sem esforço, a
repetição será bem-vinda e sem dor.
O aprendizado não ocorre no mesmo dia, pois é preciso
que haja a “acomodação” do objeto aprendido. Possuímos
memória corporal que guarda informações justas, precisas
e nominadas adequadamente. Quando executamos um
movimento complexo, torna-se complexo organizar nessa
memória – composta da sensação tátil que temos quando
tocamos e do movimento dos dedos – especificamente
o movimento da dança que os dedos fazem. Sentimos
dificuldade em tocar um violão desconhecido, com medidas
e tensão novas, e então precisamos de certo tempo para
a adaptação.
Analogamente, devemos compreender que a mente se
exercita da mesma forma. Não é prudente e nem eficaz
exigi-la sem o devido descanso. Então, sugiro rever o que
aprendemos até aqui.
Começamos com um questionamento sobre o belo, o porquê
de eventualmente acharmos algo feio ou bonito. Bem, essa
é uma das muitas questões que os estetas propõem, e eu
concordo com a que expus na primeira edição de Violão+
VIOLÃO+ • 57
de ouvido
por conta da experiência pessoal, única – como é única
também a experiência de outra pessoa qualquer. Podemos
ter o mesmo ponto de vista ou não.
Adiante, sugiro em todos os aspectos o uso correto da
linguagem e precisão dos conceitos. Por isso foi importante
apontar com precisão o uso da palavra “nota musical” no lugar
da mais correta, “tom”. Estudei e observei o pragmatismo
existente nos livros escritos e editados nos Estados Unidos
e constatei que a precisão e a sistematização da linguagem
musical, tanto teórica quanto prática, é imprescindível.
É o que estamos buscando em nosso País. O subjetivismo
europeu cansou pelo excesso de “derrapagem na pista”.
Como diriam os músicos de estúdio: “rodaram muito a
lâmpada”. Na minha humilde opinião, adentraram em terras
profundas e encontraram pedras.
Alongamo-nos em exercícios práticos sem delongas e até
cansar, por exemplo, na busca dos tons e das distâncias
entre estes, ou seja, notas e respectivas distâncias. Daí o
descanso tão necessário para a devida “acomodação”. Ter
consciência dos tão pequenos e frágeis sentimentos ao
cantar ou tocar pequenos grupos de notas, ou simplesmente
um intervalo qualquer, nos faz cientistas de nós mesmos.
Dar a devida importância ao aspecto musical, puro, simples,
e conhecer a transformação que nos causa, tem absoluta
importância.
O resultado vem mais tarde em nossas vidas com a
compreensão profunda e mais fácil de uma obra musical
de referência. Quando sugeri ao aluno colocar seus
sentimentos na busca da canção preferida para tornar o
primeiro intervalo uma referência auditiva, eu não estava
sendo negligente com a seriedade. Aprendi isso com
meus queridos professores, desde muito jovem, e depois
na faculdade, em aulas extremamente sofisticadas com
professores concertistas.
Lembro-me de Zezé Carrasqueira, exímia pianista, dizer
que devemos cantar “tocabile” e tocar “cantábile”. Tão
simples a frase e de grande valor, que pude verificar o
seu significado ao longo da minha vida profissional. Não
esqueço jamais quando Roberto Schnorrenberg, maestro
maravilhoso, entrou na classe, abriu seis livros em línguas
diferentes, grego inclusive, e mostrou-nos as discrepâncias
das citações, costumeiramente feitas em livros ditos sérios,
58 • VIOLÃO+
de ouvido
em relação aos originais.
Essa experiência equiparou-se a quando li a obra “Como
se faz uma tese”, de Umberto Eco, livro de referência para
quem quer pensar e escrever sem amarras inúteis. Com
Köellrreutter o aprendizado maior foi sobre os primeiros
exercícios do Mikrokosmos, de Béla Bartók, quando
presenciei o fazer música com poucas notas musicais.
Comecei a entender, daí, o processo da memória afetiva.
Com o mesmo mestre tive a sensação de arrependimento
de ter lido os muitos críticos de arte quando ele nos contou
a história da inscrição no festival nacionalista, do Estado
Novo, do qual seu aluno Cláudio Santoro queria participar,
mas não se sentia à vontade em fazê-lo, porque sua sinfonia
não era nacionalista, mas sim uma obra dodecafônica. O
mestre fez a revisão da obra a pedido do compositor e
intitulou-a “Sinfonia para Volta Redonda”. Mostrou-nos,
depois de contar essa passagem histórica, um recorte de
jornal em que o crítico fazia elogios ao jovem, autor da
peça que ganhara o primeiro lugar no festival, dizendo
aproximadamente: “Quando ouvimos esta sinfonia, temos a
impressão de estarmos dentro da Usina de Volta Redonda”
Ora, é ou não para questionarmos o que lemos e o
que ouvimos? Questionem-me também. Perguntem os
porquês aos seus professores. Questionem-se, mesmo
não encontrando as respostas. Façam uma análise do que
foi escrito até aqui, desde o primeiro artigo que escrevi, e
perguntem-se o que realmente conseguiram apreender.
Até a próxima edição!

Claudio Santoro

VIOLÃO+ • 59
sete cordas

O poder das
tríades Samuca Muniz
muniz.samuca@gmail.com

O assunto desta edição são as tríades e seu vasto


poder na construção de ótimas frases. Existem várias
maneiras e técnicas de utilizá-las, ótimos livros no
mercado falando sobre o tema, mas nem tanto quando
o assunto é 7 cordas. Grandes músicos já utilizaram e
vem utilizando essa forma de pensamento para criação
e aprimoramento de seu fraseado.
A ideia inicial consiste em retirar tríades maiores das
escalas geradas pelos campos harmônicos maiores,
menores e diminutos, criando uma vasta possibilidade
de combinações dessas tríades.

Procuro alternar explicitamente a variação das tríades


de Fá Maior, Dó Maior, somando-se à tríade do próprio
acorde de Ré menor. É muito comum este fraseado em
instrumentos melódicos – especialmente nos de sopro.

60 • VIOLÃO+
sete cordas
No segundo compasso do exemplo 2, no acorde de A7,
procuro misturar as tríades de Dó Maior e Ré Maior,
causando um efeito um pouco mais diluído, porém
tenso. Isso caracteriza um blue note com a nota Dó,
enarmônica de Si#, e o Fá#, sexta maior de Lá Maior.
Já no terceiro compasso, reforço a tríade de Lá Maior
dentro do acorde de Dm, evidenciando a 7ª Maior, e
concluo me aproximando cromaticamente da 7ª menor
do arpejo de G7(13).

Neste exemplo, utilizo a técnica de pensar nas tríades


apenas em um trecho dessa frase, para não causar
monotonia ao fraseado; misturar ideias é sempre mais
interessante. Do segundo para o terceiro compasso, uso a
corda Ré solta para trocar de região, e utilizo a tríade de Mi
Maior misturada às notas Dó e La#, que podem ser vistas
como aproximações cromáticas da nota Si (5ª justa de Mi
Maior, e 9ª Maior do acorde de Am). Seria interessante rever
a matéria sobre aproximações cromáticas, na Edição 15
de Violão+. Finalizo com mais aproximações cromáticas,
e a escala Lá menor natural, até o repouso na nota Fa# -
caracterizando novamente a escala de Lá menor melódica,
ou até mesmo o Lá menor dórico.
Sendo assim, aproveite para criar seu próprio fraseado
utilizando esse recurso. Bons estudos!

VIOLÃO+ • 61
siderurgia

“Ai Que
Saudade D’Ocê”
Eduardo Padovan
edupadovan@gmail.com

Nesta edição, continuarei com a proposta de arranjos para


violão solo sempre a fim de aplicar a bagagem musical –
prática e teórica – dos assuntos que venho abordando.
Pensando nisso, escolhi uma canção brasileira que
trouxesse um desafio harmônico, melódico e rítmico
para que o nosso desenvolvimento seja o mais completo
possível. Decidi pela canção “Ai Que Saudade D’Ocê”,
do compositor Vital Farias, que ficou bastante conhecida
por todo o Brasil em gravações de Elba Ramalho, Fagner
e, mais recentemente, Zeca Baleiro e Lucy Alves.
Minha sugestão de procedimento de estudo é a mesma da
edição anterior: antes de aprender o arranjo por completo,
escute a música, aprenda separadamente a melodia,
a harmonia (os acordes) e o ritmo (levada) da canção,
depois toque o arranjo. É importante que a música lhe
seja familiar.
Falando mais tecnicamente, perceba que utilizei acordes
em diversas inversões. Isso porque penso os acordes
de maneira que deem suporte e destaque à melodia. Ou
seja, as notas da melodia são sempre as mais agudas do
grupo de notas tocado, sejam do acorde ou não.
Nos quatro primeiros compassos, faço uma sequência de
arpejos utilizando cordas soltas. A ideia é, como na maioria
das introduções de músicas, apresentar a tonalidade e o
ritmo da música. Então, toco a cadência D (Ré Maior),
Dm (Ré menor) e A (Lá Maior), sequência que aparecerá
algumas vezes durante a composição.
Um ponto importante se relaciona ao que fiz no início da
melodia (compasso 5), quando o acorde tocado é A (Lá
Maior) e a melodia tem as notas Lá, Si, Lá, Si. Observe
que, nesse momento, toco apenas duas notas da tríade
de A (Lá Maior), as notas Lá e Dó Sustenido, como
acompanhamento da melodia. Trata-se de uma redução
da tríade que normalmente se faz quando há necessidade
de evidenciar outras notas, sejam da melodia ou uma
62 • VIOLÃO+
siderurgia
extensão do acorde. Opta-se por não tocar a quinta justa
do acorde, no caso a nota Mi, pelo motivo de não ser
decisiva na qualificação dos acordes maiores e menores,
já que está presente em ambos.
Para concluir, note a existência de tétrades (acordes com
sétimas) na harmonia da canção. Futuramente vamos
realizar estudos mais aprofundados sobre o assunto. O
mais importante para este momento é a percepção auditiva
desse tipo de acorde. Tente diferenciá-lo sonoramente
das tríades vistas até o momento.
Espero que gostem do arranjo e que ele possa dar ideias
úteis a vocês e seus futuros arranjos. Grande abraço!

“Ai Que Saudade D’Ocê”


Arranjo: Eduardo Padovan Ai que saudade d'ocê Vital Farias
Ai que saudade d'ocê
(compositor: Vital Farias) arr. Eduardo Padovan
D/A (compositor:
Dm/ A Vital Farias) A

 4             
arr. Eduardo Padovan
  
 4  
 4                             
Violão D / A Dm/ A A

 4  
Violão
  0 
   0 
  0 

0 0 0
7 7 6 6 0 0
Violão 7 7 7 7 6 6
0 0 0 0 7 7


0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
7 7 6 6 0 0
Violão 7 7 7 7 6 6
0 0 0 0 7 7
0 0 0 0 0 0

D / F♯ Dm/ F
      
A
 D/ F♯       
4

     A        

Dm/ F
              
Viol. 4
            
                
 

  
Viol.
          
 3

0 0 0 0 0 0
0 0 3 3 3 3 3 2

Viol. 6 6 4 4 2 2 2 7 2 2 2

 5 5
7 7 7 7 7 7 00 0 7 00 2

    2
0 0 0 0 4 4 0 0
0 0 223 223 3 13 3 3 2
 7
54 5 54 5 5 21
 1 
Viol. 6 6 2 7 2
7 7 7 7 7 0 0 7 0 2
5 5 2 
0 0 4 4
5 5 5 5 5 2 1

D / F♯ Dm/ F  
 
A
  / F♯     Dm/F     
7

  A       D
Viol. 7
                    VIOLÃO  + • 63

   
Viol. 7 7  7 7 7 7 0 0 7 0 2

   
0 7 0 7 7 47 4 7 7 0 0 7 0 2
0 0 5 5 5 54 54 5 5 2 2 1 1
 
5 5 5 5 5 5 5 2 2 1 1
siderurgia
D / F♯ Dm/ F
 
A D / F♯ Dm/ F
              
7
A
 
7

Viol.
     
 
            
 
          
Viol.
     
  


0 0 0 0


03 3 3 0 3 03 3 0 2
Viol. 4 4 23 23 3 2 73 23 3 2 2
Viol. 7 4 7 4 7 7 02 02 2 7 02 2 2

   
7 47 4 7 7 0 0 57 0 2
5 5 5 54 54 5 5 2 2 15 1
 
5 5 5 5 5 5 5 2 2 1 1

                       


9 A A7+ A7 B7 Bm7
A A7+ A7 B7 Bm7
          
9

Viol.

    
                         

  
Viol.
     
    

Viol.
Viol.


2
2
2
2
2
2
2
2
2
24
64
2
24
64
2
2
2
2
2
24
54
0
0
0
2
2
2
0 2
0
2
2
5
25
25
3 2
3 2 2
2
0
02
21
0
20
21
0
0
1
2
2
0
20
21
2
2
21
0
0
0
0
2
2
02

     
02 2 06 06 05 0 45 21 21 1 21 21 20


0 0 0 0 0 4 2 2 2 2 2

    
E7 A A7 D / F♯ Dm/ F A
E7 D / F♯ Dm/ F
           
A A7 A
      
12

                        


12


             
         

Viol.
Viol.
       
 
   


3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 1 1 1 0


2 0 2 0 2 0 2 3 3 23 23 3 3 23 23 2 2 23 3
1 1 1 20
Viol. 2 0 2 0 21 0 2 2 2 2 2 23 23 23 23 2
Viol. 02 0 01 2 2 2 2 2 2 2 2 24 24 4 4 24 23 3 3 2

     
20 0 02 20 0 2 2 02 02 2 2 4 04 4 4 4 3 3 3 2
2 2 0 0 0 0 0

A7 D / F♯ Dm/ F A
A7 D / F♯
         
Dm/ F A
            
15

                      


15


            
           
Viol.
Viol.
    
  


3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 1 1 1 0


3 3 23 23 3 3 23 23 2 2 23 3
1 1 1 20 0 0 0 1
Viol. 2 2 23 23 23 23 2 2 0 2 0 2 0 21
Viol. 2 2 2 2 2 2 24 24 4 4 24 23 3 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2 23

     
0 2 2 02 02 2 2 4 04 4 4 4 3 3 3 2 0 2 2 02 02 2 2 3
0 0 0 0 0 0 0 3

64 • VIOLÃO+
18 F E A F E
Viol. 2
2 2
2 2
2 2
2 22 22 44 44 44 44 44 3
3 3
3 3
3 22 22 22 22 22 22 22 3
3
     
00 00 00 00 00 00 00 3
3

siderurgia


18
18 F E A F E
             
     
             
        
Viol.
      
 

Viol.  1
1
22
3
3
22
3
3
11
22
33
00
11
2
2
00
11
22
11
22
00
11
22
22
22
22
22
22
22
00
22
22
22
00
22
22
22
00
22
11
22
33
11
22
33
22
3
3
11
22
33
00
22
11
00
22
11 11
22
00
11
22
22
22
 
3
3 22 22 00 00 00 00 3
3 3
3 22 22 00
00 00

A A Ad
Ad lib.
 1.
lib.
      
21
21

          
2.
Viol.          
      
 Ad
Ad lib.
lib. 

 
00 00 00 00
00 00 00 00 22 22 22 22 22 22 22 22 22
22 22

Viol. 66 66 22 44 44
22 22 77 77 22 66 55


00 00 00 00 00 00 00

 


                              
24
24 C♯° B° B♭° B7 Bm7 E7/ B


22

           
Viol.

Viol.  00
00
22 22 2
2 55
33
55
33
11
33
22
00
22
00
22
11
00
22
11
22 00 22
22
11
00 22 00 22
22
00
00 00 22 00 22
11
00
00 22

00 44 22 11 22 22 22 22 22

    
27
 
A
  

27

   
Viol.

 


00 55 77 99 12
12 12
12
22 3
3 10
10
Viol. 22 99
22 44 11
11
00 00

VIOLÃO+ • 65
COMO TOCAR

Estudo 1 Op.60,
Matteo Carcassi
Ricardo Luccas
rnluccas@gmail.com

Nesta edição, darei continuidade ao Estudo 1 dos 25


Estudos Melódicos e Progressivos Op. 60, de Matteo
Carcassi. Como citado na edição anterior, é peça obrigatória
do repertório de um estudante de violão. Segue a obra
novamente com sugestão de digitação.
Nesta nova imagem, há a correção da digitação de uma
nota no compasso 25. Lembro que a digitação a seguir é
uma sugestão. Em relação aos códigos usados até agora,
temos:
• Números no início de cada linha da pauta se referem ao
número do compasso;
• As letras P, I, M e A se referem respectivamente aos
dedos polegar, indicador, médio e anular da mão direita;
• O número 0 é indicação de corda solta;
• Os números 1, 2, 3 e 4 se referem aos dedos da mão
esquerda;
• O número dentro de um círculo representa a corda a ser
tocada. Em geral, usamos esse recurso para identificar
uma nota presente na primeira posição, mas que deve
ser tocada em outra corda, portanto, outra posição da
mão esquerda;
• Os algarismos romanos representam a posição do
dedo 1 da mão esquerda em relação à casa no braço
do instrumento: quando o algarismo romano I aparecer,
estaremos com a mão esquerda na I posição do braço
do violão, ou seja, dedo 1 na casa 1. Imaginando os
outros dedos paralelos a esse, teremos uma colocação
longitudinal – com o dedo 2 na casa 2, dedo 3 na casa
3 e dedo 4 na casa 4. Dessa forma, quando o algarismo
romano for V, por exemplo, significa que o dedo 1 estará
na casa 5, o dedo 2 na casa 6, dedo 3 na casa 7 e o
dedo 4 na casa 8;
• A letra C na digitação representa cejilla, que significa
pestana. O “C”, quando cortado, representa meia pestana
66 • VIOLÃO+
VIOLÃO+ • 67
COMO TOCAR
(em geral pestana até a 3ª ou 4ª cordas). Esta aparece
acompanhada de um número, que se refere à casa.
A novidade nesta edição está no estudo da mecânica da
mão esquerda. Vamos, então, estabelecer alguns códigos:
• AL – ataque longitudinal da mão em relação ao braço
do instrumento (os dedos ficam paralelos e de frente ao
braço);
• AO – ataque oblíquo da mão em relação ao braço do
instrumento (os dedos ficam oblíquos em relação ao
braço do instrumento; o cotovelo se posiciona mais
aberto ou mais fechado em relação a outra posição);
• Aprox. – aproximar o dedo de determinada corda;
• Prep. – preparar o dedo que vai entrar em ação;
• ¨ Quadrado – desenhado em determinada nota de corda
solta, deve ser usado para marcar o salto, a mudança
de posição;
• s Triangulo invertido – indica mudança de eixo, da
rotação em torno de determinado dedo, conforme
anotação do número do dedo no triângulo;
• Traço (-) – indica dedo guia; a movimentação da mão se
dará em função do dedo. Por exemplo: 1 – 1;
• Traço (-) – também indica alargamento de posição
quando aparece entre números diferentes, ou seja,
dedos diferentes. Por exemplo, 1 – 2: o dedo está na 1ª
casa e o dedo será tocado na 3ª casa;
• Cruz – indica movimentação de dedo com indicação de
cruzamento no movimento. Por exemplo: em determinada
posição, o dedo 2 está na 4ª corda casa 5, e o dedo 3
logo abaixo na 3ª corda e casa 5. Na próxima posição, o
dedo 3 estará na 4ª corda casa 5, e o dedo 2 estará na
3ª corda casa 4, gerando um cruzamento de dedos na
mudança de posição.
Vamos à peça analisada:
Iniciem o estudo desta peça observando a mecânica e o
funcionamento da mão esquerda com os novos códigos.
Aguardo dúvidas e sugestões.
Vou lançar um desafio para a próxima edição. Analisem, de
acordo com o que entenderam até aqui, o III dos 25 Estudos
em questão, o Andantino em Lá Maior. Vou publicar e dar
os créditos a quem enviar este estudo analisado para a
próxima edição. O prazo para envio fica limitado a 03 de
março de 2017. Abraços e até a próxima edição.
68 • VIOLÃO+
COMO TOCAR

VIOLÃO+ • 69
Flamenco e música brasileira

Rasgueos e
picados Felipe Coelho
coelhoexperiment@gmail.com

Esta coluna foi direcionada a dar um foco maior sobre as


diferentes formas de ‘rasgueo’ e diferentes sugestões de
exercícios, além de alguns conselhos introdutórios para a
técnica de picado.

Rasgueos
Tradicional: médio, anular, indicador e volta indicador para
cima;
Rasgueo de 5 movimentos: dedo mínimo, médio, anular,
indicador e volta indicador para cima;
Rasgueo de 3 movimentos: médio, indicador e volta
indicador;
Rasgueo de 3 movimentos (segunda opção): anular,
indicador e volta indicador;
Rasgueo abanico: polegar para cima, dedos para baixo e
polegar para baixo;
Rasgueo abanico 4 movimentos: polegar para cima, anular
para baixo, indicador para baixo e polegar para baixo.
É necessário que não apenas se execute o rasgueo
colocando o acento no um, mas propondo diferentes ciclos
rítmicos (3, 4, 5, 6 etc) a fim de alternar o acento “um” para
cair em diferentes movimentos.

70 • VIOLÃO+
Introdução ao picado
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tocar blues?
O picado é uma técnica de exposição melódica, também
conhecida como toque apoiado. É usada para maior
projeção de nota e proporciona boa velocidade. Dois
conselhos são importantes para quem visa desenvolvê-lo:
1. É necessário engajar todo o braço e ombro a fim de
buscar a posição de mão que proporcione melhor equilíbrio
e menor movimentação possível entre o ataque do indicador
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e ataque do médio. Em busca desse equilíbrio, é necessário
estudar de forma que a execução de(solos/Play
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inclua também a preparação para o próximo movimento.

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Ao fim de cada movimento entre anular e médio, a mão
deve encontrar-se em postura de ataque para o próximo
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movimento.
2. O uso da mentalidade rítmica é essencial para se
promover boa fluidez. Nunca praticar “tocar rápido” sem
propor um ritmo na execução das notas. A subdivisão é
justamente o que ajudará seu cérebro a organizar a vez e
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promovendo equilíbrio
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Tudo os violeiro
Gosta de pontiá
Mal pegam a viola
Já fazem ela falá
Mas num pode esquecê
De também acompanhá
Que é u’a arte antiga
Dos que gosta de tocá
Pra fazê isso bem feito
Tem que se esmerá

Lembro duma ocasião


Se a memória num faiá
De um acontecido
Que ajuda a ilustrá
Uma vez fomo de barco
pelo rio paraguá
Descemos aquele rio
Eu e mais dois rapá
Que são dos bão violeiros
Santos e Chico Jatobá
um é mandingueiro
Bruxo de assustá
E o outro é bão violeiro
O tal do Jatobá
Descemos numa chalana
O sol tava de rachá
E lembramo daquela moda
Que brasileiro adora cantá
Lembrando das terra verde
Ali daquele lugá

72 • VIOLÃO+
VIOLA caipira
La vai uma chalana
Bem longe se vai
Riscando o remanso
Do rio Paraguai
Oh chalana sem querer
Tu aumentas minha dor
nessas águas tão serenas
Vai levando o meu amor

Eu e mais meu compadre


Tiremo a viola do saco
E afinemo aqueles acorde
O Jatobá que não é fraco
Já ornou a nossa cantiga
Puxando um toque rasgado
E eu ainda estudante
Fui catando cavaco
Nosso velho amigo Santos
Na fumaça do tabaco
Me disse: esse é macaco velho
Mas tá longe de ser velhaco
Eu vendo o seu manejo
Peguei de volta meu caco
Imitando o Jatobá
E vendo se desempaco
Aprendi um pouco mais
Sem sofrer um piripaco

Antes de tudo meus amigo


Preste muita atenção
Arrepare como se toca
As cordas com a mão
O rasgueado na viola
É como a respiração
Pra funcionar sem aperrêio
Pode pensá nela não
Olha o Chico jatobá
Na guarânia do sertão

VIOLÃO+ • 73
VIOLA caipira
Agora que o rasqueado
Tá bunito de se ver
Arrepare na outra mão
o que vai acontecer
as posição vão criano
os acorde pra fazê
a harmunia vai formano
pra canção se acolhê
só precisa três acorde
pra coisa acontecê
borá usar uma fatia
pra mode não esquecê!

Agora que aprendemo


a usar as duas mão
vamo fazê dum jeito
que vai ser muito do bão
vamo juntar as pata
pra mode a ocasião
de acompanhá o ponteado
dessa linda canção
juntando os ragueio doído
da guarânia do sertão
com os acordes sentido
dessas três posição

74 • VIOLÃO+
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VIOLÃO+ • 75
coda

Limitação?
Luis Stelzer
Corria o ano de 1987. Eu, animadíssimo, finalmente viveria só
de música e para a música! Tinha acabado de pedir demissão
do meu antigo emprego, no qual eu era concursado, tinha
estabilidade e um ótimo salário. Mas não tinha o principal:
a vontade, o tesão de continuar naquela área. Eu queria a
música, o violão, as salas de concerto! Tinha lutado muito
por isso, agora era a minha vez! Mas nem tudo é como a
gente quer...

Naquele janeiro, empolgadíssimo, fiz o Terminei acabado, mas muito feliz! Era
curso de verão do Henrique Pinto, na questão de tempo: logo estaria tocando
época, na Faculdade Mozarteum, zona bem o suficiente para os meus primeiros
Norte de São Paulo. Era a primeira vez concertos... Apenas uma sensação
que podia fazer um curso inteiro desses! estranha nas costas me incomodava um
Achei o máximo. Quando ele terminou, pouco.
começaram as aulas do último ano do Ao fim de uma semana, o panorama tinha
Bacharelado em instrumento que eu mudado muito. Primeiro dia, cinco horas.
fazia. Lá fui eu, atrás do meu sonho! Segundo, quatro. Terceiro, três. Parecia
Tinha uma programação forte para contagem regressiva. O cansaço nas
aproveitar o tempo costas era enorme,
livre. Queria chegar a De repente, um concerto de não uma dor, mas uma
seis horas diárias de dormência. Eu não
estudo, considerando um violonista americano, estava entendendo:
esse tempo ainda David Starobin. Ele entra não conseguia
o mínimo para ter estudar mais do que
uma performance
com o seu violão, com uma duas horas sem que
razoável. Fui para correia. E pode? a dormência nas
o violão, babando; costas chegasse
nunca tinha tido tanto tempo assim! e transformasse minha euforia em
Como eu tinha guardado dinheiro para profundo desânimo.
um ano de estudos, não estava lá muito Com uma vergonha que não deveria
preocupado em arrumar conservatórios, ter sentido, não comentei com meus
escolas de música, alunos particulares, mestres. Fui tentando levar do jeito
para me sustentar. Tinha alguns alunos, que dava, estudando as minhas duas
uma escola, e era o suficiente. Nesse horinhas, uma hora e meia, meia hora...
primeiro dia, me arrumei na postura A tristeza tomou conta de mim, ficou
clássica, banquinho no pé esquerdo, difícil. Pensei em parar, sinceramente
concentração... Estudei por cinco horas! falando. Continuei porque meus colegas
76 • VIOLÃO+
coda
de faculdade eram fantásticos. Porque fosse a postura clássica a vilã do meu
tinha apoio da minha companheira. E problema? Como tinha dois violões,
porque não se desiste de um sonho cheguei em casa, improvisei uma correia
assim, sem luta. em um deles. Toquei por quatro horas
Minhas visitas aos ortopedistas não seguidas, sem nada sentir! Não sei nem
foram felizes. Sempre soube da minha explicar a alegria que senti. Não fiquei
escoliose que, embora grande, nunca com raiva por não ter descoberto antes,
tinha me impedido de fazer nada até afinal o tempo não volta e fiz muita coisa
então. Ouvi de radiologistas frases do legal. Também já não tinha a mesma
tipo “como você anda?”. Não foi legal. vontade de ser concertista. A febre tinha
Quando, por fim, falei com meus mestres, passado. Mas a descoberta de uma
algumas alternativas foram ventiladas, nova possiblidade, um novo jeito que
mas nada de concreto consegui, Fui me me beneficiava mais, me tornou o cara
conformando: não ia ser concertista... A mais feliz do mundo naquela noite.
sorte é que a música é um vasto campo, Dali pra frente, fiz uma série de
e eu poderia fazer muitas coisas sem descobertas sobre a postura para tocar.
ser concertista. Descobri, antes de tudo, que muitas
Em 1988, descobri a Orquestra de vezes o que funciona para um, não
Violões. Em 1989, já era professor funciona para outro. No mesmo curso
universitário de música e arranjador para do Sesc, ouvi falar pela primeira vez em
violão. Segui tocando, me dedicando ao técnica de Alexander. Anos depois, fruto
violão popular. Consegui tocar o meu da minha idade + relaxo + sedentarismo,
barco. E bem. Fiquei feliz com o que comecei a ter fortes dores lombares.
consegui, mas sempre com aquela pulga Descobri o Pilates, que me revigora e
atrás da orelha, por não ter conseguido me deixa pronto para tudo. Quando há
chegar nem perto do meu limite como um ensaio longo, ou quando tenho que
instrumentista. estudar muito, tenho que arrumar outra
Chegou o ano de 1997, ou seja, dez desculpa para reclamar: a coluna não
anos depois. Vários cursos e seminários dói, as costas não adormecem mais. E
de violão, métodos idealizados por mim, fica a dica, para quem quiser: quando
arranjos, duos, trios, conservatórios, desejar muito uma coisa e não conseguir
faculdades. Uma vida na música! Houve de um jeito, tente de outro. Quem sabe,
um curso de violão no Sesc Consolação. dá certo?
Baden Powell, Egberto Gismonti, só
coisa fina. Fazia já um bom tempo que
eu não participava de um curso tão
bom. De repente, um concerto de um
violonista americano, David Starobin.
Ele entra com o seu violão, com uma
correia. E pode? Enquanto ele tocava,
por sinal maravilhosamente, minha
cabeça entrava em parafuso: e se
VIOLÃO+ • 77

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