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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE ARTES
LICENCIATURA EM MÚSICA

RAFAEL NOVOSSAD

Ensino de violão: postura e ergonomia em métodos de violão erudito

PONTA GROSSA
2017
RAFAEL NOVOSSAD

Ensino de violão: postura e ergonomia em métodos de violão erudito


Trabalho apresentado como requisito parcial
para a obtenção do título de Licenciando em
Música pela Universidade Estadual de Ponta
Grossa.
Orientador: Prof. Me. Egon Eduardo Sebben

PONTA GROSSA
2017
AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo contínuo incentivo aos estudos.

Ao orientador, Prof. Me. Egon Eduardo Sebben, por orientar este trabalho
com dedicação e esmero.
RESUMO

O trabalho tem como enfoque a análise dos conceitos de postura que estão
presentes em métodos de violão erudito e em que medida estes conceitos são
ergonomicamente efetivos, ou seja, se preocupam com a ergonomia e a
antropometria do sujeito. Como objetivo geral, a presente pesquisa propôs analisar
como métodos de violão erudito abordam a questão da postura no ensino de
instrumento. Consequentemente, os objetivos específicos são: identificar em que
medida os métodos apresentam as informações, se elas divergem ou convergem
entre si; analisar se os métodos discutem a postura a partir de fundamentos
ergonômicos; discutir brevemente o desenvolvimento do ensino de instrumentos
musicais. A pesquisa é de natureza qualitativa e de viés bibliográfico, no qual a
coleta de dados se deu diretamente com os métodos e a fundamentação a partir de
publicações relacionadas a área (artigos, livros etc.). As fontes foram selecionadas a
partir de levantamento bibliográfico em editoras e por meio de contato com
professores de violão. A pesquisa revela a falta de fundamentação ergonômica dos
métodos, ainda que todos tratem do conceito de postura. Os materiais se baseiam
em um tipo de ensino repetitivo e acrítico, bastante negativo para o aluno, bem como
há uma preocupação muito mais técnica, focada em uma metodologia reprodutiva e
com heranças conservatoriais em que o aluno deve se adequar às informações. A
partir dos resultados, infere-se que os métodos necessitam ser flexíveis e não
tomados como dogmáticos, dando uma orientação concisa capaz de ser transposta
para a realidade antropométrica de cada aluno, em que este encontre a postura
mais confortável e livre de tensões com o auxílio do professor e que busque os
aparatos ergonômicos que mais se adequam às suas características.

Palavras Chave: Postura. Ergonomia. Violão erudito. Métodos.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Diferença entre postura de homem e mulher. Christopher Parkening:


The Christopher Parkening Guitar Method. vol. 1................................................ p. 36

FIGURA 2 – Postura Correta para Tennant. Scott Tennant: Pumping Nylon...... p. 37

FIGURA 3 – Uso de aparatos tradicionais e alternativos.................................... p. 48


Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 6
CAPÍTULO 1 .................................................................................................... 11
1.1 BREVE HISTÓRIA DO VIOLÃO: RELAÇÕES ENTRE O
INSTRUMENTO E A ERGONOMIA ............................................................. 11
1.2 ENSINO DE INSTRUMENTOS MUSICAIS................................ 15
1.3 POSTURA E ERGONOMIA ....................................................... 24
CAPÍTULO 2 .................................................................................................... 31
2.1 ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS ............................. 31
2.2 ANÁLISE DOS MÉTODOS ........................................................ 33
2.2.1 Christopher Parkening .................................................................. 34

2.2.2 Scott Tennant ............................................................................... 36

2.2.3 Emilio Pujol ................................................................................... 39

2.2.4 Henrique Pinto .............................................................................. 40

2.2.5 Jorge Cardoso .............................................................................. 41

2.2.6 Abel Carlevaro .............................................................................. 44

2.2.7 Aaron Shearer .............................................................................. 47

2.2.8 Postura e ergonomia no violão: uma meta análise dos métodos


investigados ....................................................................................................... 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 54


REFERÊNCIAS ................................................................................................ 57
6

INTRODUÇÃO

Dentre os diferenciais que colaboram para uma cisão conceitual entre violão
erudito1 e violão popular está presente a questão da postura. Visualmente é possível
identificar quem pertence a cada escola de violão. O instrumento apoiado sobre a
perna esquerda e esta apoiada em um banquinho pode ser considerado um “marco
postural” da escola erudita.
Quando vemos um violonista se utilizando deste tipo de postura logo
imaginamos que ele possui uma formação erudita, também chamada de clássica.
Porém, deixamos de lado as questões propriamente posturais e ergonômicas, ou
seja, que benefícios tal postura pode trazer para o músico, tanto em sua técnica
quanto em sua saúde.
Os adeptos da “escola erudita” argumentam que essa postura oferece mais
flexibilidade à técnica e uma maior desenvoltura na digitação do violão, bem como
reduz consideravelmente a quantidade de tensão presente nos músculos
(principalmente das costas e dos ombros), permitindo um maior tempo de atividade
musical.
Por sua vez, a “escola popular” considera esse tipo de preocupação como
algo exagerado, “erudito” por demasiado, e que prejudica um tipo de técnica mais
visceral e mais espontânea, característica desse tipo de música. Mas, a postura
comumente adotada por essa “escola” é a de o instrumento apoiado sobre a perna
direita, sem nenhum tipo de ajuste ou algo similar ao banquinho do violão erudito.
Nesse tipo de postura há uma grande tensão dos músculos das costas e do ombro,
o que pode reduzir o tempo de atividade musical e estar relacionada com certas
dores que surgem durante a prática.
Quando a dor muscular se faz presente no estudo musical, algumas vezes é
tratada como algo, em certa medida, natural, inerente ao aprendizado musical e que

1
Será empregado o termo “violão erudito”, o qual tem, na presente pesquisa, o mesmo sentido do
também empregado “violão clássico”. Vale destacar que ambos possuem imprecisões, tendo em vista
que o “erudito” denota uma erudição (um conhecimento aprofundado) que pode ser observada em
composições de música popular brasileira, por exemplo. Já o termo “clássico” remete a um dado
momento histórico da música, o Período Clássico, além de ser questionável pelo fato de que uma
música popular brasileira, por exemplo, reconhecida historicamente e referência de determinado
momento da história da música, também possa ser considerada um “clássico”. Juntamente com tais
considerações, o termo “clássico” incorre, igualmente, em definições que o relacionam a “tradicional”,
“exemplar”, “que serve de modelo”, ou mesmo “obra ou autor que constitui modelo digno de imitação”
(HOUAISS, 2004, p. 163), aspectos que se relacionam a um modelo de ensino de música que será
discutido na seção 1.2 do capítulo 1 da presente pesquisa.
7

o músico deve se acostumar e conviver com ela, até que seja superada. Este é um
conceito comum na aprendizagem de instrumentos musicais, mas deve ser
observado com atenção, pois a dor sempre é um sinal de alerta, de que algo não
está correto. E essa dor, muitas vezes, é causada por uma má postura adotada pelo
músico (com tensões musculares em excesso).
A temática da postura é bastante utilizada no campo da escola erudita do
violão, também denominada de violão clássico. Dentro dos campos da música
popular, tal temática não é abordada com tanta ênfase e muitas vezes é relegada a
um segundo plano. Este é um fato que deveria ser superado, assim como não dividir
o violão em escolas – algo que não faz sentido, segundo as palavras de Eduardo
Fernandez (2000) – uma vez que ambas as partes (erudito e popular) se debruçam
com o mesmo entusiasmo sobre o mesmo instrumento, o violão (que não difere em
sua construção e afinação entre popular e erudito).
Uma das características do estudo de violão erudito é sua sistematização
por meio de métodos de ensino. Para a efetivação do trabalho, o primeiro passo
para se tocar uma música é a definição da postura, que nessa escola se caracteriza
pelo violão apoiado na perna esquerda e essa sobre um banquinho2. Essa
adequação do indivíduo às exigências da postura é um trabalho que, geralmente,
acontece antes do trabalho técnico motor (do aparato motor dos braços, das mãos e
dos dedos).
Os métodos são um compêndio de informações necessárias ao
desenvolvimento do aluno. No caso específico do violão, constam informações sobre
a postura, técnica geral de mão esquerda e direita, exercícios progressivos de
técnica e musicalidade, certo tipo de repertório (de técnica aplicada ou não), e,
algumas vezes, algumas discussões sobre a interpretação musical, tais como
ansiedade na performance, tópicos sobre musicalidade, como preparar um recital
etc. Tais informações são, de maneira geral, superficiais e servem como uma
orientação preliminar, o que de certa forma faz sentido, tendo em vista que os
métodos acabam tendo essa função. Dadas tais circunstâncias, pode-se dizer que
um método de violão é como se fosse um “professor em papel”, já que sintetiza
informações importantes para o aluno de uma maneira acessível. Contudo, vale a
ressalva, um método não substitui um professor, é apenas um facilitador.

2
Essa postura, representativa do violão erudito, tem sido questionada por meio de propostas
alternativas, conforme será observado ao longo do trabalho.
8

Paralelamente aos questionamentos gerais sobre a postura e métodos de


ensino, o autor do presente trabalho se indagava durante os anos de estudo de
violão sobre o motivo da utilização de um banquinho (apoio de pé) e uma postura
diferenciada. Ao se deparar com o estudo regular do violão utilizando esse tipo de
postura, foram sendo percebidas diversas dores (advindas da adaptação necessária
do corpo a essa postura). Além disso, o conhecimento limitado de alguns dos
professores sobre esse aspecto e a naturalização da dor na execução do
instrumento, como algo que fazia parte do processo, aumentavam a desconfiança
sobre o assunto.
Como os métodos de violão erudito fazem parte da vida acadêmica do autor,
recorreu-se a eles em uma tentativa de se entender inicialmente por quais razões se
utilizava de um banquinho para o apoio do pé. Para essa pergunta não foi obtida
resposta satisfatória, apesar das dores ainda estarem presentes. Os métodos não
tratavam de forma clara e didática tal assunto – como deve ser uma boa postura,
livre de dores. Alguns possuíam informações bastante elementares e, inclusive,
endossavam a questão de que sentir dor é normal, como é o caso do método de
Jorge Cardoso (1998).
A partir das considerações apresentadas, o empreendimento da presente
pesquisa se justifica pela problemática da postura no ensino e estudo do violão – em
especial do erudito – tendo em vista as abordagens que articulam a temática ao
campo da ergonomia, assim como pelas experiências pessoais do autor no estudo
do instrumento. Desse modo, as reflexões conduzem ao seguinte problema: Como
os métodos de violão erudito abordam a questão da postura no ensino do
instrumento? Esse questionamento geral suscita perguntas paralelas, tais como:
Todos os métodos apresentam instruções similares, ou divergem entre si? Os
métodos discutem a postura a partir de fundamentos ergonômicos?
A elaboração das questões conduziu à definição dos objetivos da presente
pesquisa. Como objetivo geral, buscou-se analisar como os métodos de violão
erudito abordam a questão da postura no ensino do instrumento. Como objetivos
específicos foram definidos: Identificar em que medida os métodos apresentam as
informações, se elas convergem ou divergem entre si; Analisar se os métodos
discutem a postura a partir de fundamentos ergonômicos; discutir brevemente o
desenvolvimento do ensino de instrumentos musicais.
9

Como forma de compreender o campo da pesquisa foi desenvolvida uma


revisão de literatura, a qual teve como objetivo fazer um levantamento de trabalhos
já existentes sobre postura e ergonomia em geral e sobre ergonomia e postura no
violão. De postura e ergonomia geral foram encontrados os seguintes trabalhos:
Costa (2005a) faz uma abordagem sobre as práticas musicais e como a ergonomia
pode ter um viés preventivo. Andrade e Fonseca (2000) traçam um paralelo entre a
atividade do músico e a atividade de um atleta, no que concerne ao estresse físico e
às tensões musculares. Costa (2005b) aborda a ergonomia a partir da dimensão
física do músico, considerando o local de prática musical e as consequências para a
saúde do músico. Simonelli (2014) investiga o impacto causado pela atividade
musical na saúde dos instrumentistas de uma orquestra sinfônica, a partir de uma
base ergonômica. Oliveira e Vezzá (2010) tratam do assunto do surgimento de dores
musculares em instrumentistas de orquestra. Costa e Abrahão (2004) tratam do
tema de como a ergonomia pode ajudar a contribuir no entendimento das dores
causadas pela prática musical em violistas de orquestra. Teixeira, Kothe, Pereira,
Merino (2012) desenvolvem a temática sobre como os acessórios presentes no fazer
musical (estante e a partitura) fazem com que seja necessária uma adaptação da
postura do músico (no caso, violistas e violinistas).
De modo geral, a revisão permite observar que a temática tem sido pouco
explorada, ao menos no Brasil, tendo em vista que há muitas informações
repetitivas, principalmente pelo fato dos artigos citarem uns aos outros. Devido a
isso, optou-se por enfocar as referências nos trabalhos mais significativos, os quais
foram empregados como fundamento no decorrer da pesquisa. Ainda sobre
ergonomia geral, foram consultados os livros: Manual de Ergonomia: adaptando o
trabalho ao homem, de Etienne Grandjean (1998) em que o autor faz uma extensa
exposição sobre os fundamentos musculares do corpo humano, como o sistema
nervoso comanda os músculos, como se pode aperfeiçoar o trabalho muscular e
como o ambiente de trabalho pode ser modificado levando em consideração as
dimensões físicas das pessoas. A Técnica de Alexander: aprendendo a usar seu
corpo para obter a energia total, de Barker (1991) apresenta, de modo bastante
didático, uma espécie de minicurso escrito de técnica Alexander, e como isso pode
beneficiar a vida de cada um. Técnica de Alexander: postura, equilíbrio e
movimento, de Vieira (2009), no qual a autora faz um apanhado histórico da vida de
Alexander e como ele descobriu os princípios dessa técnica, e como ela ajudou e
10

ajuda muitas pessoas com problemas musculares e posturais. Também é a única


autora encontrada que faz um pequeno paralelo entre a prática musical e os
benefícios que a técnica de Alexander pode trazer para esta.
Sobre ergonomia e postura no violão, foi localizada uma única publicação
nessa área: Ergonomia de la Guitarra: su técnica desde la perspectiva corporal, de
Rodriguez (2014), na qual o autor faz um percurso Carlevariano, ou seja, parte da
postura e decompõe os aspectos da técnica (mão direita, mão esquerda). O que
diferencia esse trabalho do de Carlevaro são os pressupostos ergonômicos em que
o autor baseia suas exposições, principalmente na parte sobre postura geral e
mobilidade. Importa destacar que é um trabalho bastante recente (2014) o que pode
indicar que esta é uma área ainda pouco estudada e que está dando os primeiros
passos.
A estrutura do trabalho está dividida em dois capítulos. O capítulo 1
apresenta inicialmente um breve histórico do violão, o qual teve como enfoque seus
aspectos ergonômicos e a “evolução” do formato, até se consolidar como é
conhecido atualmente. A segunda seção discute os métodos de ensino gerais e
musicais, e como isso influencia o ensino de postura. Após fazer essas duas
explanações históricas, é apresentada uma abordagem sobre ergonomia e
antropometria e suas relações com o violão.
O capítulo 2 apresenta primeiramente as considerações metodológicas. A
pesquisa é de natureza qualitativa e empregou o método da pesquisa bibliográfica.
As fontes de pesquisa foram métodos de ensino de violão erudito e de uso
recorrente no ensino do instrumento no Brasil. Posteriormente, é apresentada a
análise dos dados, a qual foi empreendida a partir do levantamento das informações
sobre postura presentes nos métodos. O capítulo é finalizado com uma síntese dos
principais elementos sobre postura abordados nos métodos.
11

CAPÍTULO 1

1.1 BREVE HISTÓRIA DO VIOLÃO: RELAÇÕES ENTRE O INSTRUMENTO E A


ERGONOMIA

O violão tal qual é conhecido atualmente - tanto em relação ao tamanho,


dimensões e sonoridade – foi resultado do trabalho do luthier espanhol Antonio
Torres (1817-1892). Torres é considerado o luthier de maior influência, uma vez que
seu tipo de construção de violões é utilizada como modelo até os dias atuais.
O violão tal qual nós conhecemos hoje é resultado da soma de processos
estruturais que aconteceram durante o seu desenvolvimento histórico. Tais
processos acarretaram mudanças em seu formato, nas suas dimensões e na sua
sonoridade. Derivado destas mudanças (principalmente em seu formato) também
ouve mudanças com relação à postura.
Além das mudanças estruturais, deve-se ter em mente que o nome “violão” é
algo recente. Etimologicamente, o termo “Violão”, segundo Dudeque, (1994, p. 9)
remonta a Kytara, instrumento grego de origem caldeia-assíria3, o qual se modificou
na Idade Média em guitarra, guiterre, guiterne, guithern e guitar.
O ancestral mais antigo do violão moderno é o alaúde medieval. Ainda que
alguns autores não abordem esse instrumento nos compêndios de história do violão,
é possível afirmar que os alaúdes estão entre os primeiros instrumentos de cordas
dedilhadas a surgirem.
Os alaúdes possuem um corpo arredondado, braço pequeno e se utilizam de
um sistema de cravelhas4 e de 6 cordas duplas. O alaúde era dedilhado com a ajuda
de um plectro5 ou pelos dedos sem utilização de unhas. Com o passar do tempo, os
alaúdes eram tocados somente com os dedos, dispensando o plectro.
Ainda durante a Idade Média é criado um instrumento similar, porém de
dimensões diferentes, denominado vihuela. A vihuela possui um formato bastante
análogo ao violão moderno, com uma caixa de ressonância em formato de oito, bem
como uma abertura circular no tampo, para propagação do som. Contudo, o braço

3
Região da Mesopotâmia, atual Iraque e Kuwait.
4
As cravelhas são uma forma primitiva do que atualmente se denomina tarraxas. Se caracterizam
como pedaços de madeira em que se enrolam as cordas, de modo similar ao mecanismo do violino.
As tarraxas possuem mais mobilidade e permitem uma afinação mais precisa.
5
O plectro é uma peça pequena, feita de material diverso (principalmente plástico) e que serve para
pulsar as cordas. Atualmente a palheta é um ancestral do plectro.
12

da vihuela, seu tamanho e a quantidade de casas são diferentes do violão moderno,


bem como a forma de se prender as cordas nas cravelhas.
Segundo Dudeque (1994), a vihuela nasceu na Espanha Medieval e logo
substituiu o alaúde. Foi alvo de grande popularidade na Espanha Renascentista e
motivou a criação de um dos mais importantes repertórios de música instrumental. A
vihuela é dividida em três tipos: “a vihuela de arco, que era friccionada com um arco;
a vihuela de peñola, pulsada com um plectro e a vihuela de mano, na qual as cordas
eram pulsadas com os dedos.” (DUDEQUE, 1994, p. 9). Cabe lembrar aqui que as
dimensões do instrumento são as mesmas para os três, diferindo apenas na forma
de ser executado.
As dimensões da vihuela são bastante grandes. Sua caixa de ressonância,
afirma Dudeque (1994 p. 10), tem aproximadamente 58 cm e o comprimento das
cordas são de 80 cm. A caixa de ressonância é mais estreita do que a de um violão
moderno. Utilizava também doze cordas duplas presas por um sistema de cravelhas.
Em decorrência dos tipos de vihuela existentes na época, o termo “guitarra”
foi criado para designar um tipo em específico. Segundo Fuenllana (1981, apud
DUDEQUE, 1994, p. 25): “vihuela de quatro cordas que é chamada de guitarra”.
Bermudo (1968, apud DUDEQUE, 1994, p. 25) afirma que a guitarra é mais curta
que a vihuela, sendo que sua afinação é a mesma, excetuando a quinta e a sexta
corda.
Além da guitarra de quatro cordas (também chamadas de “ordens”) existe
também a guitarra de cinco ordens. As dimensões deste instrumento são de 55 cm
de comprimento de corda e um comprimento total de 76 cm (DUDEQUE, 1994, p.
31), sendo, portanto, menor que a vihuela.
Aos poucos as guitarras de cinco ordens foram se transformando em
guitarras de seis ordens. Tal foi uma fase de transição e consolidação de um novo
estilo: a transição entre a música barroca e a música clássica. Para a música
barroca, os alaúdes e as vihuelas eram utilizados como instrumentos de
acompanhamento, ficando a seu encargo a função de contínuo: o instrumento
deveria completar a harmonia entre o soprano e o baixo, complementando a música.
Com o advento da música clássica, os excessos e rebuscamentos barrocos
caíram em desuso, restando uma música limpa, com graça e beleza e grande senso
de equilíbrio entre expressividade e estrutura formal (BENNETT, 1986, p. 46). Assim,
os alaúdes e as vihuelas passaram a ser tratados como instrumentos solistas,
13

necessitando de modificações relacionadas ao volume sonoro e às possibilidades de


tratamento para peças solo.
As primeiras guitarras dessa fase de transição foram construídas por luthiers
espanhóis. As guitarras utilizavam um sistema de doze cravelhas, presumindo-se a
existência de seis cordas duplas (DUDEQUE, 1994). Segundo Turnbull (1976 apud
Dudeque, 1994, p. 55):

[…] os aros superior e inferior medem respectivamente 21,5 cm e 28,7 cm,


ligeiramente maior que a maioria das guitarras de cinco ordens, a
profundidade da caixa de ressonância, 9,7 e 10,5 cm, é muito semelhante
àquela dos instrumentos modernos, mas não é típica das guitarras do início
do século XIX.

Logo, pode-se perceber que a guitarra de seis ordens, já precursora do


modelo contemporâneo do violão, é um instrumento pequeno, com projeção sonora
reduzida e tessitura bastante limitada (mesmo com a utilização de tal modelo como
instrumento solo) – algo bastante diferente das concepções de violão moderno em
voga atualmente.
Com o desenvolvimento do período Clássico da música, a guitarra de seis
ordens como instrumento solista começou a ganhar força, surgindo os grandes
compositores e teóricos do instrumento. Dionísio Aguado, Fernando Sor e Mauro
Giuliani, considerados alguns dos principais compositores do instrumento na época,
também se destacaram no campo da pedagogia do violão. De Fernando Sor há seus
métodos e estudos, a Giuliani se deve a adoção do sistema de tarraxas em
substituição às cravelhas e a Dionísio Aguado atribui-se a criação de um aparato
ergonômico denominado tripodion.
O tripodion, segundo Dudeque, era: “uma espécie de tripé em que o
instrumento era apoiado, libertando as mãos para a execução do instrumento”. O
aparato foi recomendado, inclusive, pelo guitarrista Fernando Sor, o qual sugere a
utilização do tripodion em sua composição intitulada “Fantasia Elegíaca”
(DUDEQUE, 1994).
O tripodion pode ser considerado uma das primeiras tentativas de se
estabelecer uma ergonomia para o violão. Com a criação desse aparato é
observada uma preocupação com a posição do instrumento em relação ao corpo,
dando a entender o início de uma necessidade de ajustes ergonômicos para com o
instrumento e o instrumentista.
14

Devido ao tamanho reduzido da guitarra de seis ordens, em relação ao


violão moderno, a ergonomia e a adoção de uma postura eficaz não ocupava um
papel preponderantemente central na execução e nos métodos. Alguns guitarristas
utilizavam alças e alguns empregavam o tripodion de Aguado.
Com o advento do violão do luthier espanhol Antonio de Torres e suas
modificações estruturais, principalmente em relação ao tamanho do instrumento, tais
preocupações ergonômicas foram tomando forma e ocupando lugares centrais nos
métodos, sendo praticamente indispensável a compreensão de uma postura
considerada ergonomicamente efetiva para se alcançar bons resultados
interpretativos.
O violão de Torres, em comparação com a guitarra de seis ordens, é um
instrumento grande, o que propiciou uma preocupação ergonômica maior. O
tamanho da caixa de ressonância foi aumentado e o tamanho e a largura do braço,
bem como a quantidade de casas aumentaram. Tudo isso devido ao fato da busca
por uma excelência instrumental, técnica e de maior amplitude sonora.
O grande responsável pelas modificações ergonômicas e técnicas aplicadas
ao violão de Torres foi o compositor e violonista Francisco Tárrega. Tárrega foi o
primeiro a racionalizar uma técnica de digitação aplicada às peças musicais,
introduzindo uma nova postura de mão direita. Foi a partir de Tárrega que o dedo
mínimo deixou de ser apoiado no tampo do violão e a mão direita assumiu uma
postura perpendicular em relação às cordas. Tal fato foi desencadeado pelo violão
de Torres: a altura das cordas no violão de Torres é maior do que na guitarra de seis
ordens. (DUDEQUE, 1994).
Também a postura do instrumento foi definida por Tárrega. Dudeque (1994
p. 80-81) afirma a esse respeito que

A posição padrão adotada hoje em dia, em que o violão é apoiado sobre a


perna esquerda, foi consequência da introdução e uso dos violões de maior
tamanho construídos por Torres. O aumento nas dimensões do instrumento
permitiu que o violonista usasse esta posição de maior conforto, o que não
era possível com as pequenas guitarras clássicas.

Assim, é possível perceber que uma postura que levasse em consideração


as condições ergonômicas particulares do intérprete não era uma preocupação dos
vihuelistas e das guitarras de seis ordens pré Torres, uma vez que suas dimensões
não propiciavam o aparecimento de tais questões. Contudo, com o advento do
15

violão de Torres, e suas dimensões maiores, a postura ergonomicamente efetiva


deu seus primeiros passos com Tárrega, o qual procurou uma postura considerada
mais confortável para se tocar.
Depois de Tárrega surgiram diversos métodos e visões distintas da
ergonomia em relação ao instrumento, muitas delas até contrastantes entre si. A
grande maioria ainda adota a utilização do apoio do violão na perna esquerda, a
qual é apoiada sobre um banquinho. A mão direita também deixou de ser apoiada
no tampo por Tárrega e assim seguiu até os dias de hoje. Porém, nos novos
métodos se percebe a preocupação ergonômica não só com o instrumento, mas
também com o lugar aonde se deve sentar e a altura do banquinho em que se deve
apoiar o pé esquerdo.
A popularização do violão também suscitou o desenvolvimento de aspectos
relacionados ao ensino. Desse modo, a seção a seguir discute os conceitos sobre
ensino de instrumentos musicais em geral e do violão, em particular.

1.2 ENSINO DE INSTRUMENTOS MUSICAIS

O ensino de instrumentos musicais inicialmente acontecia de maneira similar


ao processo de ensino de artesãos, ou seja, o músico “mestre” formava seus
aprendizes a partir de sua especialidade. Como afirma Harnoncourt (1988, p. 29):
“Ia-se a um determinado mestre para aprender com ele o ‘ofício’, sua maneira de
fazer música”. Não havia uma metodologia de ensino bem determinada, sendo que
muitas vezes o músico mestre era apenas um grande intérprete de seu instrumento.
A ênfase dada ao ensino instrumental estava na técnica musical, na
composição e na utilização de retórica, como afirma Harnoncourt (1988): “Tratava-
se, antes de mais nada, da técnica musical: composição e instrumento; a esta
acrescentava-se a retórica, a fim de se tornar a música mais eloquente”.
Com o desenvolvimento histórico, o modelo mestre aprendiz começou a ser
questionado. Segundo Harnoncourt (1988), a partir da Revolução Francesa, a
música e o ensino de música começaram a ter uma relevância maior na vida social.
Diz Harnoncourt (1988, p. 29): “A relação mestre-aprendiz foi então substituída por
um sistema, por uma instituição: o conservatório”. Os conservatórios surgiram com o
papel de formação musical, mas também de formação política. Harnoncourt (1988)
16

afirma que a Revolução Francesa possuía os músicos ao seu lado, e a partir da


música era possível influenciar o povo.
No Brasil, o ensino conservatorial se fundava em bases europeias. Segundo
Viegas (2006, p. 85): “este modelo de conservatório compreendia um repertório
prioritariamente europeu, uma abordagem tecnicista e voltada para a formação de
virtuoses”. Juntamente com o destaque para a técnica na formação musical,
Fonterrada (2005, p. 71) afirma que o ensino de música difundido nos conservatórios
privilegiava aspectos de ordem individual e para a formação de virtuoses, os quais
ainda hoje se encontram presentes na formação de boa parte dos músicos.
Nesse processo o conhecimento musical era transmitido de forma
predominantemente oral, aspecto que se estendeu até a metade do século XIX
(HARDER, 2008). De acordo com Harder (2008, p. 133), ainda que fossem
publicados livros e orientações das articulações para cada instrumento, tais obras
eram acessadas por um reduzido número de pessoas. Desse modo, “os alunos
iniciantes frequentemente aprendiam as passagens de ouvido, procurando imitar o
professor nas partes desconhecidas” (HARDER, 2008, p. 133).
Com a popularização da música e a produção em larga escala de partituras
e de métodos para instrumentos: “apesar de a relação mestre-discípulo ser mantida,
agora os exercícios, mais técnicos que melódicos, passaram a serem estudados a
partir dos métodos musicais impressos” (HARDER, 2008, p. 133).
A partir desse ponto se percebe que a música deixou de ser ensinada “de
ouvido” e de modo imitativo, bem como a formação do músico começou a pender
para aspectos técnicos em detrimento dos criativos, como afirma Harder (2008, p.
133): “o advento dos métodos impressos levou a performance musical a se tornar
uma arte mais reprodutiva, com menos ênfase na criação e ênfase excessiva no
desenvolvimento de habilidades técnicas”.
No entanto, a aprendizagem de um instrumento musical, como afirma
Carlevaro (1979), não deve se limitar somente a aspectos técnicos e mecânicos,
mas, ao contrário, tais aparatos técnicos devem estar a serviço da música. A técnica,
para Carlevaro, “nunca pode ser um estado irreflexivo” (CARLEVARO, 1979, p. 31),
mas deve seguir a vontade soberana do cérebro. O autor afirma, ainda, que “é um
absurdo pretender fazer música utilizando a técnica como único fim, sem pensar em
mais nada, desumanizando a arte” (CARLEVARO, 1979, p. 32).
17

Assim sendo, é possível aferir que o trabalho puramente de ensino técnico é


algo prejudicial e que limita a aprendizagem e a execução instrumental, como afirma
Harnoncourt (1988, p. 31):

Esta formação não se deveria restringir apenas ao ensino de onde colocar o


dedo no instrumento para produzir um determinado som, ou de como
adquirir virtuosidade. Uma formação demasiado técnica não produz
músicos, mas acrobatas insignificantes.

Logo, o estudo único e exclusivo da técnica não é algo a ser almejado.


Contudo, muitos professores ainda insistem na ênfase dos aspectos técnicos em
detrimento de aspectos musicais o que, segundo Carlevaro (1979), estaria
desumanizando a música.
Muitos professores não refletem sobre suas práticas pedagógicas e ensinam
seus alunos da mesma forma que aprenderam, ou seja, a partir de experiências
empíricas dos seus professores, as quais são tomadas como exemplos ótimos,
muitas vezes sem a devida reflexão crítica e readaptação de tais exemplos ou, se
necessário, o descarte de tais exemplos (CERQUEIRA, 2009).
Soma-se a isso a abordagem centrada no conhecimento do professor e do
desenvolvimento dos referidos aspectos técnicos, elementos que acabam colocando
o aluno em segundo plano. De acordo com Harder (2008), esse processo de ensino
desmotiva e desvaloriza as capacidades dos alunos, o que não é benéfico para o
desenvolvimento musical. Em contrapartida a essa abordagem de ensino-
aprendizagem, “seria importante que o professor oferecesse aos estudantes a
oportunidade para este refletir a respeito do que está aprendendo e trabalhar suas
ideias e questionamentos” (HARDER, 2008, p. 132).
Também o professor é encarado pelo aluno, provavelmente devido a
manifestações históricas que legitimaram isso, como aquele que vai julgar o seu
trabalho interpretativo baseado nas suas ideias sobre a música e técnica, e não
necessariamente fará um trabalho sobre as concepções do aluno sobre
interpretação. Isso é definido por Fernandez (2000, p. 15), quando relata que os
alunos que tocam o fazem observando e procurando em seus professores sinais de
aprovação ou desaprovação. Como reflexo dessa prática, para Fernandez (2000, p.
16), o aluno perde grande parte de sua subjetividade e esta é tomada pelo
professor. Cabe ao professor evitar ao máximo que isso aconteça, estabelecendo
um diálogo formativo para com seu aluno, contrapondo, fomentando e sugerindo
18

novos meios de interpretação musical. Ao professor cabe mostrar ao aluno os


diversos caminhos presentes na interpretação, e não induzi-lo a seguir
dogmaticamente um único caminho.
Nesse sentido, os professores demandam mais tempo ensinando aspectos
técnicos em detrimento de aspectos expressivos ou artísticos da música. Pelo
contrário, o ensino de instrumentos necessita relacionar ambos os elementos –
técnicos e expressivos – compreendendo que possuem importância equivalente, de
maneira a haver equilíbrio entre eles (HARDER, 2008). Também Fernandez (2000)
aponta que a partir de um processo de condicionamento técnico, baseado na
repetição e imitação de movimentos, os professores transformam o aluno em um
robô, na qual: “a aprovação do professor equivale a uma recompensa e a
desaprovação em um castigo” (2000, p.13).
O desenvolvimento histórico do ensino de música levou a questionamentos
sobre o modelo de educação vigente, principalmente a partir do final do século XIX e
início do século XX. De acordo com Fonterrada (2005), o ensino era marcado, até
então, pela “produção de bons intérpretes musicais”. Ainda que reflexo das
características da sociedade e do conceito de ensino e de estética vigentes, “não
havia preocupação específica em cuidar do desenvolvimento e do bem-estar da
criança6, ou mesmo do jovem e do adulto” (FONTERRADA, 2005, p. 109).
Nesse sentido, o início do século XX foi marcado pelo desenvolvimento dos
métodos ativos em educação musical, elaborados de forma de inserir o aluno como
centro do processo educativo e enquanto sujeito ativo. Os métodos ativos em
educação musical foram marcados principalmente pelas propostas de Émile-
Jacques Dalcroze, Edgar Willems, Zoltán Kodály, Carl Orff e Shinichi Suzuki,
educadores musicais considerados como da primeira geração, que se estendeu até
o final da primeira metade do século XX (FONTERRADA, 2005). A segunda geração
foi representada em especial por George Self, John Paynter, Murray Schafer e Boris
Porena, os quais iniciaram o desenvolvimento de propostas a partir de 1950 e em
1960.
Os métodos ativos se constituíram como um importante momento histórico
para a educação musical, principalmente no sentido de promover a maior autonomia
do aluno na aprendizagem musical, colocando o professor como mediador do

6
Cabe destacar que a elaboração de conceitos de infância ocorreu a partir do final do século XVII,
após a consolidação dos modelos de ensino vigentes até o início do século XX.
19

conhecimento. Fonterrada (2005, p. 108) considera que os métodos ativos auxiliam


no desenvolvimento das aulas de música como meio de preparação, inclusive, para
o ensino de instrumentos musicais, tendo em vista que boa parte das experiências
nessa área “[...] se dá nos mesmos moldes das escolas do século XIX [...]”,
marcadas pelo individualismo e pela ênfase em aspectos técnicos, conforme
discutido anteriormente.
De modo a avançar no paradigma de ensino de música que acaba por deixar
o aluno em uma situação de agente passivo do processo de ensino, Hallam (1998
apud HARDER, 2008) considera que o ensino-aprendizagem de música deve estar
centrado no aluno, aonde ocorre um maior nível de interação entre aluno e
professor, no qual ambos buscam uma solução mais viável para determinado
problema. Dentro desse modelo, a autora ressalta um aumento do interesse, do
tempo de estudo extra-aula e da motivação dos alunos durante as aulas, havendo
progressos mais significativos no estudo.
A forma como os professores orientam seus alunos também gera impactos
sobre a aprendizagem. De acordo com Hallam (2006, apud Harder 2008, p.134): “os
professores corrigem de forma crítica seus alunos com quatro vezes mais frequência
do que oferecem demonstração”. O aluno toma, muitas vezes, seu professor como
modelo técnico e interpretativo, partindo deste as referências de excelência para o
aluno. Considerando que “tais correções são efetuadas principalmente através do
uso de declarações verbais” Hallam (2006, apud Harder 2008, p. 134), se o
professor dedica mais tempo falando sobre determinado assunto, ao invés de
exemplificá-lo, a probabilidade de cometer equívocos é maior.
No entanto, cabe enfatizar que o aluno não deve ter seu professor como
modelo infalível. Como dito anteriormente, aluno e professor devem ser capazes de
chegar juntos em um consenso – o professor cedendo autonomia para as ideias do
seu aluno e o aluno experimentando e acatando ou descartando tais ideias. Como
afirma Harder (2008, p. 134): “os professores podem despender grande parte do
tempo oferecendo sugestões e soluções, o que deixa poucas oportunidades para os
alunos expressarem suas ideias e opiniões, podendo tornar os alunos dependentes
de seus professores”. Tal autonomia do aluno também é bastante defendida por
Eduardo Fernandez em seus escritos (2000).
Além disso, o planejamento da aula é um elemento fundamental, mas por
vezes negligenciado pelo professor. Desse modo, a aula de instrumento é vista
20

como o momento em que o professor acompanha a prática do aluno e interfere nela,


muitas vezes somente em considerações técnicas.
Com isso, percebe-se que o suporte metodológico fica em segundo plano.
Tal falta de preocupação faz com que os professores usem os mesmos modelos e
exercícios com que aprenderam, sem levar em consideração que tais modelos e
exercícios podem não ser mais válidos para resolver os problemas que se
apresentam a esse professor (HARDER, 2008).
Outro desdobramento deste fato é que “professores de instrumento
continuam se vendo obrigados a construir individualmente, aos poucos, ao longo de
sua carreira suas próprias técnicas de ensino” (HARDER, 2008, p. 136). E para
construírem suas técnicas particulares, os professores tomam como base suas
experiências e a influência de seus próprios professores, que, muitas vezes, é
utilizada sem análise objetiva nem adaptação ao contexto e/ou necessidade do
aluno. Como diz Cerqueira (2009, p. 106): “a maioria dos trabalhos se baseia no
relato de experiências empíricas de intérpretes”, ou seja, se é um modelo que uma
grande maioria faz uso, deve ter um valor significativo e deve ser efetivo para o
aprendizado.
Além disso, deve ser levado em conta que o conhecimento é algo dinâmico
e sempre está em desenvolvimento. Mas, muitas vezes, alguns conceitos estão
atrelados a concepções de tempos passados, como aponta Kraemer (2000, p. 54):
“As ações da teoria e da prática pedagógico-musical estão voltadas para o tempo
presente, mas ainda ligadas a ideias de gerações passadas”.
Um método bastante utilizado para o ensino de instrumento é a repetição
mecânica, e por repetição mecânica se entende um fazer não reflexivo, mas
somente repetitivo com o intuito de “memorizar” as partes, sem levar em
consideração aspectos musicais, como cita Fernandez (2000, p. 10):

demasiadamente cedo se propõe ao estudante, expressamente ou não, um


método de trabalho que se baseia principalmente na repetição mecânica:
trabalhar o trecho a ser estudado, e por trabalhar entende-se, na maioria
dos casos, a simples repetição até que o aluno se canse e desista.

Com essa repetição mecânica, não se dá a devida atenção a pequenos


desconfortos que ocasionalmente podem surgir e nos quais se insere a postura,
levando a sérios problemas que, se não tratados devidamente, podem impedir o
desenvolvimento do aluno. É nesse sentido que se faz a relação entre ensino,
21

representado especificamente por meio dos métodos na presente pesquisa, e a


postura. Fernandez (2000, p. 14), ao comentar sobre a postura no caso específico
do violão afirma:

uma mudança na maneira de se sentar provocará, cedo ou tarde, uma


alteração da posição da mão direita e, consequentemente, uma alteração
no uso dos dedos no ataque e, além disso, uma mudança nas atividades do
grupo muscular que intervém no trabalho do movimento do braço esquerdo.

Uma alteração demasiado brusca de postura (seja do corpo todo ou


somente do braço) pode ocasionar dores, segundo essa mesma lógica, em outros
locais além daquele que foi alterado, modificando todo um sistema de equilíbrio
previamente arquivado na memória sinestésica.
Devido ao ensino demasiadamente técnico os alunos utilizam seu professor
como referência para tais aspectos, o que leva a uma execução instrumental que se
caracteriza pela reprodução técnica, comprometendo os outros elementos que
compõem a performance, tais como os de ordem artística e estilística. Como afirma
Fernandez (2000, p. 15): “muitos alunos, quando apresentam uma lição, tocam
observando continuamente o professor, à espera de qualquer sinal de aprovação ou
desaprovação”.
Quando os alunos reclamam da ineficiência de algum de seus membros (por
exemplo, dificuldade de movimentar determinado dedo; ruído das unhas) percebe-se
claramente, segundo Fernandez (2000), que não são eles que controlam esses
movimentos, já que cabe ao professor controlá-los. Logo, o professor se torna o
responsável por uma expropriação da subjetividade motora: “Uma expropriação tal
da subjetividade motora não pode menos que, logicamente, levar a uma desconexão
da subjetividade do aluno dos resultados obtidos por estas partes de seu corpo que
já não são ‘suas’”. (FERNANDEZ, 2000, p. 16).
A breve exposição sobre o ensino de instrumentos musicais mostra que seu
histórico decorre de aspectos que podem ser sintetizados no que Pereira (2012)
intitula de “habitus conservatorial”, o qual se caracteriza pela ênfase na técnica,
individualidade e reprodução de modelos.
Os conceitos de “músico professor” e de “professor de música”, conforme
desenvolvidos por Jardim (2008), são igualmente observados no processo de
ensino. A autora considera o professor de música como o docente com formação
pedagógica, enquanto o músico professor possui a formação técnico-instrumental,
22

mas realiza atividades de ensino, as quais decorrem das próprias restrições


impostas pelas condições de trabalho no campo da performance, levando ao ensino
(JARDIM, 2008).
Experiências que envolvem a atuação de indivíduos com conhecimento
apenas no campo técnico-musical são observadas com frequência no ensino de
música. Almeida (2005) mostra que projetos sociais na cidade Porto Alegre
contratavam professores apenas com conhecimento técnico-musical, sem qualquer
formação acadêmica específica em educação musical.
Outro exemplo diz respeito ao veto do Art. 2º da Lei 11.769/2008, que
versava sobre a obrigatoriedade do ensino da música nas escolas de Educação
Básica. O artigo em questão afirmava: “O ensino da música será ministrado por
professores com formação específica na área”. Ainda que o previsto no artigo fosse
questionável, tendo em vista que a música continuava sendo parte do componente
curricular Arte, o qual tem professores formados nas áreas de Artes Visuais, Dança
e Teatro, além da Música, a justificativa ao veto refletia o conceito de ensino de
música e de professor recorrente na sociedade. De acordo com o texto do veto:
“vale ressaltar que a música é uma prática social e que no Brasil existem diversos
profissionais atuantes nessa área sem formação acadêmica ou oficial em música e
que são reconhecidos nacionalmente” (BRASIL, 2008).
Considerações dessa natureza levam ao conceito de notório saber, o qual
ficou recentemente em evidência no campo do ensino de música a partir da
declaração do Senador Pedro Chaves dos Santos Filho (PSC/MS7), presidente da
comissão especial que discute a reforma do Ensino Médio no Congresso Nacional.
O Senador, afirmou que “professores” com notório saber seriam contratados
somente em áreas sem formação acadêmica, como seria o caso, segundo o
Senador, da música8.
Os exemplos citados mostram que os conceitos de música e ensino de
música, difundidos nos mais diversos setores e níveis da sociedade, consideram que
a atividade docente na área pode ser realizada por qualquer indivíduo que apresente

7
Partido Socialista Cristão, Mato Grosso do Sul.
8
Disponível em <http://www.brasilpost.com.br/2016/10/19/presidente-comissao-ensino
medio_n_12557216.html> Acesso em 16 de jan. de 2017.
23

conhecimentos musicais, em detrimento de uma formação tanto em música quanto


em educação.
Cabe destacar que há inúmeras experiências de ensino bem sucedidas
realizadas por “músicos professores” (de acordo com os termos de Jardim, 2008).
Nesse sentido, aspectos específicos da performance musical são essenciais ao
ensino-aprendizagem de música, sendo que no caso particular do ensino de
instrumentos musicais, tais considerações se somam aos diversos níveis de
execução instrumental que podem ser alcançados pelo aluno, os quais demandam,
consequentemente, um conhecimento técnico-musical cada vez mais aprofundado
por parte dos professores, para que possam orientar o aluno.
Contudo, uma sólida formação pedagógica deve ser considerada elemento
central para a realização de tais atividades, tendo em vista que sua negação
incorreria no conceito difundido, conforme aponta Penna (2007), de que para ensinar
música os conhecimentos técnico-instrumentais seriam suficientes, ou, nos dizeres
da autora de que “[...] para ensinar, basta tocar” (p. 51). Penna (2007, p. 51)
complementa essa consideração ao afirmar que “isso parece se basear na (falsa)
crença de que não há necessidade de uma preparação específica para a atuação
docente, como expressa o ditado popular ‘quem não sabe ensina’”.
Desse modo, o processo de ensino necessita avançar para além da relação
muitas vezes hierárquica entre professor e aluno, buscando colocar o aluno como
sujeito ativo na aprendizagem da música. Mudanças nesse paradigma incorrem,
inclusive, em uma reestruturação dos próprios cursos de formação de músicos9,
tendo em vista que o campo de trabalho tem exigido a atuação docente por parte
desses profissionais.
Em certa medida, resistências dos cursos de formação de músicos a
adequações dessa natureza apenas afirmariam os já referidos modelos
conservatoriais e de mestre-aprendiz recorrentes nas formações de músicos,
conforme discutido a partir de Pereira (2012), Jardim (2008), Harder (2008),
Fonterrada (2005) e Harnoncourt (1988), além de negarem o próprio
desenvolvimento do campo da educação e da educação musical. Nesse sentido,
ainda que tais modelos de formação tenham respondido a um determinado momento

9
Cabe destacar que reformulações curriculares de cursos de formação na área do bacharelado em
música já vem sendo realizadas, de modo a atender às demandas de trabalho na área do ensino.
24

histórico, as mudanças sociais e no campo específico do ensino de música e de


instrumentos musicais, demandam atualizações nos modos de ensino na área.

1.3 POSTURA E ERGONOMIA

A exposição sobre o desenvolvimento do violão e o ensino de instrumentos


musicais mostra que o conceito de postura e ergonomia está, em maior ou menor
grau, ligado a esses dois assuntos.
A postura não é algo rígido e imutável. Barker (1991, p. 29) afirma a esse
respeito que “O esforço para manter uma postura deliberada, qualquer que seja, é
contínuo e envolve fadiga física e mental”. Para Barker (1991), postura não se
relaciona com o alinhamento do corpo, mas a determinadas atitudes que nós
tomamos para realizar determinadas tarefas, como entrar em uma sala de aula para
dar aula ou subir em uma escada.
Além disso, “é absurdo pensar em obter uma postura ideal e depois apegar-
se a ela durante todas as atividades subsequentes” (BARKER, 1991, p. 29). O
conceito de postura idealizada muitas vezes é algo hiper-real, que ultrapassa os
limites fisiológicos e musculares de cada indivíduo. Sempre devemos ter em conta
que “você não é uma estátua que se escora em diversas sobreposições para
atender às diversas exigências das atividades que realiza” (BARKER, 1991, p. 29).
Ou seja, nosso corpo assume diversas posições para as inúmeras atividades que
realizamos no dia a dia e seria errôneo acreditar que todas essas atividades exigem
a mesma configuração muscular.
Soma-se a isso a heterogeneidade muscular e corporal dos seres humanos.
Não há duas pessoas com configurações corporais idênticas. Devido a isso, não
podemos acreditar que existe uma única posição certa e que ela será aplicável para
todas as pessoas, independentemente da configuração de seus corpos, pois “não
existe uma pose ‘certa’ para qualquer posição, e, mesmo se houvesse, ela seria
diferente para cada pessoa deste planeta, pois cada ser humano possui um corpo
distinto” (BARKER, 1991, p. 29).
Muitas vezes acreditamos que a postura se refere ao corpo em repouso,
mas isso não é verdadeiro. “Ocorre que a postura se refere também ao corpo em
movimento, e não existe uma única posição que se aplique a todos os casos e a
todos os momentos” (VIEIRA, 2009, p. 53).
25

Deve-se levar em conta também que a postura não necessariamente se


refere a uma configuração simétrica do corpo, mas está relacionada com o equilíbrio
do corpo, e a sua efetivação depende do contexto e da maneira como se utiliza e
mantém tal equilíbrio, já que o corpo pode ser “uma estrutura articulada, com muitas
possibilidades de equilíbrio e movimento, que podem estar corretas ou não,
dependendo da maneira como coordenamos os movimentos”. (VIEIRA, 2009, p. 53).
Ter consciência das articulações, dos músculos e de suas localizações é
importante para podermos entender a estrutura do nosso corpo e os possíveis
arranjos de equilíbrio. Mas os músculos não são os responsáveis pela coordenação
do movimento, eles apenas são os executores. Os músculos são comandados pelo
sistema nervoso, e parte do sistema nervoso produz um tipo de informação bastante
importante para a configuração corporal: a informação sinestésica ou sensorial.
(VIEIRA, 2009).
Mas, quem comanda o sistema nervoso é o cérebro. Nele, as informações
sinestésicas e motoras são processadas e arquivadas a partir de nossas
experiências sensoriais e motoras. Assim, para o aprendizado de alguma atividade
nova, “o indivíduo vai aplicar um conhecimento geral que o cérebro formou a partir
de experiências anteriores. Ou seja, o aprendizado se desenvolve conforme a
história do movimento de cada um”. (VIEIRA, 2009, p. 57).
Para que tudo isso ocorra, é necessário ainda que o cérebro tenha uma
representação interna do corpo, para, a partir dela, fazer as modificações e enviar as
informações sinestésicas VIEIRA (2009). Esse modelo é algo flexível para poder
perceber pequenas inflexões ou apreender alguma informação nova. Se a pessoa
tem uma representação interna do corpo que corresponde à sua realidade corporal,
ela será capaz de coordenar os movimentos de forma eficiente. Mas, se a sua
representação interna não condiz com a realidade corporal, isto se manifestará a
parir de tensões e afetará sua coordenação e seu desempenho. (VIEIRA, 2009).
O estresse também pode causar reflexos na motricidade e sinestesia do
sistema nervoso e muscular. Consequentemente, alterações posturais podem ser
causadas pelo estresse, já que

o estresse é um processo de aceleramento que leva o sistema nervoso ao


cansaço. O cansaço, por sua vez, reduz a eficiência. No caso dos
movimentos, afeta o desempenho e a postura: a pessoa tende a se curvar,
como que pedindo para deitar e descansar, e, se isso não é possível
26

naquele momento, o corpo cria tensões compensatórias para se manter em


pé (VIEIRA, 2009, p. 58).

Engana-se quem acredita que um músico utiliza somente parte do corpo


para tocar um instrumento e, no caso do violão, que apenas os braços estão
envolvidos. O corpo humano é um complexo interligado entre todas as suas partes,
em que uma pequena alteração na maneira de se sentar pode causar uma
modificação na postura da mão direita (FERNANDEZ, 2000).
Devido a isso, além de uma postura eficiente é necessário ter em conta os
fatores ergonômicos envolvidos no processo de tocar um instrumento, por que:

a ergonomia pode ser definida como a ciência da configuração de trabalho


adaptado ao homem. [...] o alvo da ergonomia é o desenvolvimento de
bases científicas para a adequação das condições de trabalho às
capacidades e realidades da pessoa que trabalha (GRANDJEAN, 1998, p.
7).

Deste modo, ter consciência da totalidade corporal aplicada no ato de tocar


um instrumento é primordial para o músico, uma vez que o corpo todo deve estar em
harmonia e não existe de fato uma única forma de se obter isso, já que:

o corpo é uma estrutura que pode apoiar-se e equilibrar-se de muitas


maneiras, mas o que determina a eficiência [...] é o equilíbrio de forças na
parte central formada pela cabeça, pescoço e tronco, de forma a permitir
que o alongamento da coluna seja uma constante, liberando as articulações
dos braços e pernas de tensões compensatórias, e facilitando a
movimentação. (VIEIRA, 2009, p. 82).

Quanto menos tensões compensatórias se fizerem necessárias no ato de


tocar, mais eficiente será esse ato de tocar, pois em tensões compensatórias o
corpo estará em desequilíbrio, prejudicando a movimentação dos braços. Eliminando
ao máximo tais tipos de tensões, o ato de tocar irá se tornar mais fluído.
Além disso, a construção de uma boa técnica passa por uma boa postura,
tendo em vista que “o uso do corpo sempre influi na sonoridade do instrumento”
(VIEIRA, 2009, p. 82). Porém, muitos músicos não têm essa consciência e as
exigências da performance, como aponta Costa (2005b), bem como as longas horas
de preparo do músico, podem agravar as tensões compensatórias, que muitas vezes
são negligenciadas por músicos ou estes acreditam que o desconforto é sinal de
progresso.
27

Mas, devido à falta de informação sobre os malefícios de uma postura ruim,


que ocasiona tensões compensatórias, “os músicos constituem um dos principais
grupos de risco de adoecimento ocupacional” (COSTA, 2005b, p. 54). Muitos
músicos não têm acesso a esse tipo de informação, e negligenciam pequenos
desconfortos que futuramente podem causar danos graves, e até mesmo
irreversíveis, que podem contribuir para o abandono da atividade musical.
A formação dos músicos e de professores de música também negligencia
esse tipo de (in)formação, como demonstra Costa (2005b, p. 54):

Neste particular (em relação a distúrbios de dor e má postura), o período de


formação apresenta dois desafios intrínsecos: a orientação específica
relacionada à prática instrumental, a ser oportunizada aos alunos de
música, e a capacitação dos docentes para este fim, possibilitando o
exercício de papéis ativos em prol da saúde ocupacional.

Uma visão mais integrada das áreas da saúde e da música, de forma


também interdisciplinar, como aponta Costa (2005b), é um dos fatores que pode
visar a contribuir para uma conscientização dos músicos e integrar a prática musical
e a qualidade de vida no exercício da vida musical.
Para se tocar um instrumento musical, o corpo humano adota um parâmetro
de trabalho estático. Segundo Grandjean (1998) “o trabalho estático caracteriza-se
por um estado de contração prolongada da musculatura, o que geralmente implica
um trabalho de manutenção de postura”. O trabalho estático é aquele em que o
corpo humano permanece em repouso, mas os músculos estão tensionados, ou
seja, não há movimento, mas há trabalho muscular.
O trabalho estático é, em certa medida, prejudicial para o ser humano, já que

o músculo que faz uma grande parte do trabalho estático, não recebe
açúcar nem oxigênio do sangue, e deve usar suas próprias reservas. Além
disso, os resíduos não são retirados, ao contrário, acumulam-se e causam a
aguda dor e fadiga do músculo. (GRANDJEAN, 1998 p. 19).

Com relação à fadiga muscular, “[...] aparecerá em um trabalho estático tão


mais rápido quanto maior for a força exercida ou maior for a tensão do músculo”
(GRANDJEAN, 1998 p. 21). Como resultado da fadiga ocorre a dor, e devido a isso
se torna insustentável um trabalho estático porque “não se pode aguentar por muito
tempo um trabalho estático: a dor obriga interromper o trabalho” (GRANDJEAN,
1998 p. 19).
28

Devido às exigências da performance musical e das muitas horas


despendidas para o estudo e preparo do músico (COSTA, 2005b), e devido ao fato
de esse estudo necessitar de um trabalho estático que é mantido por um grande
período de tempo, é possível afirmar que em determinado momento a fadiga
muscular e a dor irão aparecer, como nos diz Grandjean (1998 p. 22): “o trabalho
muscular estático provoca nos músculos exigidos uma fadiga penosa, que pode
evoluir até dores insuportáveis”. Contudo, como no estudo de um músico o trabalho
estático se mantém por um período grande de tempo,

[...] podem se estabelecer incômodos maiores ou menores, nos membros


atingidos, sendo que as dores se localizam não só nos músculos, mas
também nas articulações, nas extremidades dos tendões e em outros
tecidos envolvidos. (GRANDJEAN, 1998 p. 22).

Um viés ergonômico seria uma possibilidade de se aliviar as tensões


compensatórias, bem como na efetivação de uma postura equilibrada e bem
equacionada com o campo de atuação do músico. No caso, a relação entre corpo,
violão e, em alguns casos, aparelhos de complementação ergonômica, como apoio
para o pé.
Muitos músicos negligenciam tais condições ergonômicas de adaptação do
trabalho, no caso tocar, às suas capacidades e suas realidades. Um instrumento
demasiadamente grande, que gere tensões e dores é um instrumento
ergonomicamente inviável. Porém, alguns músicos acreditam que tais dores são
referentes ao seu progresso técnico-instrumental. (COSTA, 2005b).
Aplicando a ergonomia no fazer musical do instrumentista, “o correto
dimensionamento e o arranjo apropriado do posto de trabalho favorece a otimização
da atividade e uma maior eficiência no fazer musical” (COSTA, 2005b, p. 56). Deve-
se lembrar de que a ergonomia não se refere somente às relações harmoniosas de
postura do ser humano, mas à relação entre este e os seus objetos de trabalho.
Para o músico, os objetos de trabalho e o campo de ação compõem-se
“geralmente de cadeira ou banco, de estante de partituras e do suporte para o
instrumento” (COSTA, 2005b p. 56). A negligência ergonômica em relação a esses
objetos pode trazer consequências graves para o músico, o que acarreta uma
adoção e manutenção de uma postura forçada, a qual se desdobraria em desgastes
físicos que dificultariam a execução da atividade.
29

O conceito de postura é ainda bastante mitificado, devido ao fato de “o ser


humano não manter uma mesma postura por muito tempo, dada as necessidades de
irrigação sanguínea, de condução de oxigênio e de nutrientes aos músculos”
(COSTA, 2005b, p. 57). Uma postura efetiva e em harmonia com o espaço de
trabalho é aquela que, além de manter o corpo em equilíbrio e não gerar tensões
compensatórias, “resulta de uma solução de compromisso entre as exigências da
tarefa, o mobiliário disponível e o estado de saúde do sujeito. [...] Um bom posto de
trabalho é aquele que permite variações posturais” (COSTA, 2005b, p. 57).
No caso específico do violão, a boa postura também está ligada ao
desenvolvimento de uma técnica efetiva, pois “o conhecimento das regularidades do
funcionamento muscular (tensão, relaxamento, flexibilidade, tônus), da mobilidade e
dos ritmos de trabalho e repouso permite ao executante um ótimo rendimento”
(RODRIGUEZ, 2011, p. 11).
Contudo, o conhecimento das regularidades do funcionamento muscular
deve ser de todo o corpo, não somente daqueles músculos que se considera serem
utilizados no ato de tocar. Isto se deve a uma falha na formação do instrumentista,
porque “[...] muitos instrumentistas ainda trabalham como se o marco físico da
execução se limitasse unicamente às mãos, começando pelos dedos e terminando
na munheca” (RODRIGUEZ, 2011, p. 11). Para amenizar tal situação, o músico
deveria:

junto a uma exigente formação teórica, [...] procurar o mais amplo


conhecimento de seus recursos corporais e empregá-los de maneira
consciente, algo que não só permitirá evitar lesões, mas alcançar resultados
qualitativamente superiores (RODRIGUEZ, 2011, p. 10).

Ou seja, uma maior consciência corporal não só é capaz de prevenir lesões


e tensões desnecessárias, mas também é capaz de dar maior efetividade e
qualidade na técnica instrumental.
No instrumento, além dos benefícios técnicos já expostos, a adoção de uma
postura equilibrada e livre de tensões dará ao violonista, “um saudável
aproveitamento das possibilidades biomecânicas no ato de tocar” (RODRIGUEZ,
2005, p. 17). Como o violonista toca seu instrumento sentado, a noção de postura
estática deve ser abandonada em detrimento de um conceito adaptado a essa
situação, porque
30

a partir de uma perspectiva estática, a postura normal supõe um equilíbrio


básico, mas em relação ao instrumento é mais apropriada a ideia de uma
plataforma postural flexível, a partir da qual se produzam as necessárias
adaptações durante a execução (RODRIGUEZ 2005, p.17).

Esta plataforma postural flexível nada mais é do que o conceito de equilíbrio


postural adaptado ao complexo motor instrumentista-instrumento, aonde são
permitidos pequenos movimentos para se ajustar o corpo e o instrumento em uma
relação harmoniosa.
Assim, dado os fatores apresentados ao decorrer desta parte, é de suma
importância ter consciência corporal em relação ao instrumento, devido ao fato de
prevenir lesões que uma postura inadequada pode criar, assim como também
efetivar uma técnica mais eficiente e menos laboriosa e dolorida.
A partir dos conceitos expostos nesse primeiro capítulo, a próxima parte da
pesquisa apresenta a análise de alguns dos principais métodos empregados no
ensino de violão em Conservatórios e escolas de música. Estes métodos
apresentam conceitos e discussões sobre a consciência corporal e seus benefícios,
tanto técnicos quanto ergonômicos.
31

CAPÍTULO 2

2.1 ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa se enquadra em critérios de pesquisa qualitativa, uma vez


que, não emprega um “instrumental estatístico como base de processo de análise de
um problema” e “não pretende numerar ou medir unidades ou categorias
homogêneas” (RICHARDSON, 2012, p. 79).
Além disso, a investigação qualitativa é descritiva, uma vez que “os dados
recolhidos são em forma de palavras ou imagens, não em números” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 48). Também, há ênfase na escrita e na descrição dos objetos e
dos resultados, tendo em vista que “a palavra escrita assume particular importância
na abordagem qualitativa, tanto para o registro dos dados quanto para a
disseminação dos resultados” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49).
Por ser descritiva, “os resultados escritos da investigação contém citações
feitas com base nos dados para ilustrar e substanciar a apresentação” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 48). Na análise dos dados presentes nos métodos, estes foram
analisados tal qual apareciam, “em toda a sua riqueza” e “respeitando, tanto quanto
possível, a forma que estes foram registrados” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 48).
Devido ao fato de certo modelo de abordagem da postura no estudo do
violão ter se manifestado na grande maioria dos métodos é possível afirmar que “as
abstrações são construídas à medida que os dados particulares que foram
recolhidos vão se agrupando” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 50). Ou seja, a
identificação de tal modelo comum de abordagem da postura só foi possível após a
verificação dos métodos e a comparação e o agrupamento das informações de cada
um.
Tendo como encaminhamento geral a pesquisa de natureza qualitativa, o
presente trabalho empregou como método de coleta e análise de dados a pesquisa
bibliográfica, a qual “[...] é desenvolvida com base em material já elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002, p. 44).
Para se estabelecer uma base teórica de materiais já elaborados para a
análise dos métodos, foram utilizados livros sobre ergonomia, artigos sobre
ergonomia aplicados a prática musical e livros da técnica de Alexander, com a
finalidade de se conceituar uma postura efetiva e levantar quais elementos
32

contribuem para tal. Isso pode ser considerado como um levantamento bibliográfico
preliminar, o qual “[...] irá possibilitar que a área de estudos seja delimitada e que o
problema possa finalmente ser definido.” (GIL, 2002, p. 61). Também tal
levantamento serviu para proporcionar familiaridade com o campo de estudo e
facilitar a delimitação do problema. Depois, foram localizadas nos métodos
analisados as possíveis relações com os elementos de postura encontrados nos
referenciais acima.
A partir desse levantamento bibliográfico foi possível delimitar o objeto de
estudo: a postura e como ela é tratada em métodos de violão erudito. Um plano
provisório de assunto foi construído para definir uma estrutura lógica do trabalho
para que “as partes estejam sistematicamente vinculadas entre si e ordenadas em
função da unidade de conjunto” (SALVADOR, 1982 apud GIL 2002, p. 63).
A definição dos métodos de violão erudito analisados na pesquisa tomou
como critério inicial um levantamento dos cursos de bacharelado10 em violão
oferecidos no Brasil. Para tanto, foi acessada a plataforma E-MEC11 e a partir dela
foram localizados os cursos de bacharelado em violão no país e seus respectivos
projetos e programas de disciplina.
Neste aspecto, a busca se deu por meio de palavras chave em uma base de
dados, a qual também pode ser utilizada como fonte de pesquisa. A esse respeito
Gil (2002, p. 68) afirma: “em virtude da ampla disseminação de materiais
bibliográficos em formato eletrônico, assume grande importância a pesquisa feita por
meios de bases de dados e sistemas de busca”.
O processo de levantamento dos cursos resultou em um total de oito
universidades (UFMT, UFU, UFU, UDESC, UNESP, UFJF, UFRJ, UFPEL), porém
nenhum dos cursos disponibilizava digitalmente um programa no qual pudessem ser
consultadas as referências bibliográficas da disciplina de instrumento, e quando
apresentava apenas citava que as referências eram critérios (que parecem ser
subjetivos) do professor de instrumento.
Tendo em vista a indisponibilidade dos programas de disciplina, a alternativa
encontrada foi a realização de um levantamento em editoras musicais, assim como o

10
A opção pela delimitação nos cursos de bacharelado se justifica devido ao estudo mais prolongado
e aprofundado do instrumento e um enfoque técnico-interpretativo que se aproxima dos objetivos da
pesquisa. Contudo, vale destacar a possibilidade futura de um estudo em cursos de licenciatura em
música que oferecem o violão.
11
<http://emec.mec.gov.br/>
33

contato informal com professores de violão a respeito dos métodos empregados em


suas aulas. Também foram considerados métodos que estiveram presentes na
formação violonística do autor.
O processo de levantamento dos métodos de violão erudito resultou nos
seguintes títulos: Christopher Parkening: The Christopher Parkening Guitar Method
vol. 1 e 2; Scott Tennant: Pumping Nylon; Emilio Pujol: Escuela Razonada de la
Guitarra, libro primo; Henrique Pinto: Iniciação ao Violão Princípios Básicos e
Elementares para Principiantes; Jorge Cardoso: Ciência y Método de la Guitarra;
Abel Carlevaro: Escuela de la Guitarra Exposición de la Teoria Instrumental; Aaron
Shearer: Learning Guitar Classic vol. 1. São materiais reconhecidos no campo do
ensino de violão e empregados em conservatórios e escolas de música. O contato
com professores bacharéis em violão também sinalizou a presença de alguns dos
métodos durante a formação dos mesmos.
Nos métodos foi aplicado um processo de leitura seletiva, que, segundo Gil
(2002, p. 78) “é a seleção do material que realmente importa e é relevante para a
pesquisa”. Neste caso, como os métodos são um compêndio de vários assuntos a
serem ensinados para o aluno, a leitura seletiva focou nas partes relacionadas
especificamente à postura.
O processo de definição da metodologia de trabalho e das fontes de
pesquisa possibilitou empreender a discussão dos dados, a qual é realizada na
seção seguinte.

2.2 ANÁLISE DOS MÉTODOS

Devido ao conservatório ter se tornado o lugar de ensino de instrumento por


excelência, muitos desses métodos são amplamente utilizados nesses espaços.
Além disso, os cursos de bacharelado em violão também se utilizam desses
métodos, uma vez que os alunos desses cursos são em grande parte os professores
dos conservatórios. Dentro disso também está presente uma proposta de ensino
bastante pautada na relação “mestre e aprendiz”, na qual o professor é considerado
como detentor de todo o conhecimento, e o transmite ao aluno, que não possui
conhecimento algum; e muitas vezes da mesma maneira que estes professores
foram ensinados por seus professores.
34

Tais métodos são empregados como materiais didáticos pelos professores.


Um material didático é definido como: “[...] acessível, facilmente manuseável [...], e
no qual se propõe uma sequencia para as atividades, o que cria a ideia de
segurança em relação a um saber sistematizado e pronto para ser ensinado”
(BARBOSA, 2013, p. 15).
Um método sistematiza todo o conhecimento básico que o estudante de
deverá possuir. Todos os métodos criam uma sequência progressiva para o estudo
e são uma organização desse conhecimento básico, geralmente aplicado tal qual ele
aparece nos métodos, muitas vezes sem a devida reflexão por parte do professor.
No decorrer das análises esses conceitos serão observados com mais ênfase.
Importa destacar que a lógica de exposição do conteúdo dos métodos apresenta
incialmente considerações sobre a estrutura geral da proposta, seguida dos dados
referentes especificamente à postura.

2.2.1 Christopher Parkening

O método de Christopher Parkening, intitulado “The Christopher Parkening


Guitar Method”, foi publicado em 1972 e revisado em 1999 pela editora Hal Leonard.
É dividido em dois volumes, e o primeiro começa com uma pequena explanação das
partes do violão, sendo sucedida pelos apontamentos relacionados à postura e à
forma considerada correta de se sentar. Após isso surgem informações sobre como
afinar o instrumento e os cuidados com as mãos e as unhas. Logo após, há uma
parte sobre notação musical, sendo sucedida por exercícios técnico-progressivos, os
quais têm início com o trabalho em cordas soltas. Entre os exercícios há pequenas
peças de técnica aplicada e duetos. Também há uma coletânea de peças
progressivas, divididas por períodos da história da música ocidental.
O volume 2 traz algumas considerações sobre técnicas mais refinadas
(vibratos, dedo pivô), efeitos especiais (harmônicos artificiais, percussões, tremolos,
pestanas), com repertório para praticar as técnicas em questão e um compêndio
maior de peças, que são tecnicamente mais complexas que as presentes no volume
1.
A forma considerada ideal para o apoio do violão, segundo Christopher
Parkening, deve abranger uma postura com as costas retas, uma cadeira sem
braços e um apoio para pé de 4 a 6 polegadas de altura para se apoiar a perna
35

esquerda. Além disso, o executante deve se sentar na borda da cadeira se


inclinando para frente em direção ao violão.
O instrumento deve ser apoiado em quatro partes distintas: próximo ao
corpo, no antebraço, próximo do peito ao lado direito, sobre a perna esquerda na
curva do violão. O executante também deve estar atento ao espaço entre o fundo do
violão e o seu corpo, o qual deve ser suficiente para o fundo vibrar sem encostar no
corpo, a fim de possibilitar uma máxima projeção sonora.
Para a efetivação de um estudo satisfatório, Parkening estabelece uma
relação de equilíbrio entre segurança, relaxamento e habilidade, e como resultado
destes três fatores está a produção de um som de qualidade.
As relações ergonômicas presentes no método são poucas e bastante
resumidas. Primeiramente, Parkening inicia a seção sobre a postura correta com o
violão dizendo para se sentar com as costas retas. Segundo Vieira (2009), manter
as costas retas é uma forma de se alinhar a coluna, e a partir desse alinhamento da
coluna as articulações do tronco e dos braços podem se movimentar livremente e
com menos tensão.
Contudo, a partir do momento em que o apoio para o pé (banquinho) é
introduzido como recurso ergonômico para a execução do violão, se produz um
desequilíbrio na configuração muscular, uma vez que os apoios foram modificados
com a elevação da perna esquerda, bem como a tensão sobre a articulação do
joelho será maior em relação aos dois pés apoiados no chão. Além disso, no método
de Parkening a distância do apoio do chão é arbitrária, com uma pequena margem
de adaptação de três polegadas, não podendo ser modificada levando em
consideração as necessidades individuais de cada um.
Não fica claro se o aluno deve se adaptar ao instrumento ou se o
instrumento deve se adaptar, nas devidas proporções, a ele, uma vez que a
ergonomia estuda a relação entre o homem e o trabalho, o adaptando às
necessidades de cada indivíduo (GRANDJEAN, 1998).
Na parte final, Parkening cita um importante dado ergonômico, “a fusão de
segurança, relaxamento e habilidade para se produzir um som de qualidade12”
(PARKENING, 1972, p. 11). Como afirma Rodriguez (2011), o relaxamento muscular
é a base para se conseguir segurança e uma boa habilidade técnica.

12
Strive to achieve a balance between security, relaxation, and the hability to produce a good sound,
no original.
36

Acompanhando as explicações sobre a postura existem imagens que


demonstram a postura ideal para Parkening:
Parkening

Figura 1 – Diferença entre postura de homem e


mulher. Christopher Parkening: The Christopher
Parkening
arkening Guitar Method Vol. 1. p.
p 10.

As imagens acima demonstram a posição considerada correta para


Parkening,, que foi descrita anteriormente. Porém, Parkening ainda sugere a divisão
de uma postura entre homem e mulher. A figura que apoia e exemplifica a postura
considerada correta pelo autor é a masculina. Há outras imagens de outros ângulos
ilustrando a postura certa, mas sempre com um homem. A postura sugerida para as
mulheres vai totalmente à contramão do explicando anteriormente sobre uma boa
postura. É observada uma posição de desequilíbrio nas imagens da postura das
mulheres, havendo uma grande tensão
t nos ombros,
mbros, estando esses desnivelados (o
que corrobora para o acúmulo de tensão) em relação à figura masculina.

2.2.2 Scott Tennant

O método de Scott Tennant, intitulado Pumping Nylon,, foi publicado em 1995


pela editora Alfred Publishing.
Publishing Sua organização parte
te de exercícios de aquecimento
37

e trabalhos com técnica pura, progressivamente dispostos, com exercícios de


autoria de Tennant e de compositores consagrados tanto de períodos passados
quanto do momento contemporâneo. Também é proposto um pequeno repertório
com as técnicas aplicadas.
O método começa com uma breve explicação sobre a posição das mãos.
Para Tennant, o trabalho de conscientização dos movimentos é algo que a maioria
m
dos violonistas não faz,, e por isso tem problemas físicos. Com relação às mãos, o
autor afirma que elas devem estar em um estado de relaxamento constante, livre de
tensões excessivas. Relacionado ao corpo, Tennant também afirma que este deve
estar em um estado de relaxamento, em que os ombros não devem estar
tensionados para cima, em direção
direção ao pescoço. Com relação à postura corporal, há
imagens ilustrativas.

Figura 2 – Postura Correta para Tennant. Scott Tennant: Pumping Nylon,


Nylon p. 8.

Para Tennant, o violão deve ser encostado ao corpo em três pontos


distintos, criando um triângulo, nas seguintes partes: peito, perna esquerda e parte
interior do braço direito. Vale salientar aqui que tais informações servem também
para pessoas canhotas, mas que devem ser lidas ao contrário.
As considerações de Tennant a respeito da postura para canhotos levantam
certos questionamentos. Alguns professores argumentam que independentemente
da lateralidade do aluno, todos devem se utilizar do instrumento com o mesmo
38

senso de lateralidade que, unanimemente, é o lado direito13; e que não se deve


adaptar o instrumento ao aluno, mas este que deve se adaptar àquele.
Tal afirmação, em primeiro lugar, é totalmente antiergonômica, considerando
que ergonomia pode ser definida como adaptar o trabalho (no caso, o fazer musical)
ao homem e não o inverso. Logicamente, a falha se dá porque a mão dominante do
canhoto é a esquerda, e é esta a mão mais proeminente (e consequentemente o
lado como um todo) e mais ergonomicamente viável para uma adaptação
ergonômica do fazer musical, em detrimento da mão direita.
Se forçarmos um canhoto a utilizar da mão destra como mão proeminente,
estaremos indo contra a natureza antropométrica do sujeito, forçando-o a adaptar
um senso de lateralidade totalmente invertido e totalmente ineficiente para ele,
porque além de ser algo antinatural, o canhoto ainda precisaria refinar seus
movimentos com o lado destro, o que o colocaria em desvantagem em relação aos
destros de natureza.
Então, reitera-se aqui que se deve respeitar a lateralidade natural de cada
um. Não se deve forçar um canhoto a tocar um instrumento como se fosse um
destro, mas ele deve possuir a sua subjetividade como ser humano, não se tornando
uma extensão dos movimentos (e por que não da lateralidade) do seu professor,
como afirma Fernandez (2000), nem como um fantoche inexpressivo que é
preenchido com a subjetividade e a lateralidade de seu professor.
O autor prossegue na exposição sobre a postura apontando que um bom
som deve ser resultado do ângulo do violão em relação ao corpo. O violão não pode
estar encostado diretamente no peito, devendo haver uma distância entre o fundo do
instrumento e o corpo do executante, aspecto igualmente presente nas
considerações de Parkening.
Não há nenhuma informação sobre tensões musculares que podem se
originar a partir de uma postura defeituosa, nem como isso afeta a técnica
instrumental. Tampouco é citada a posição da coluna e seu alinhamento necessário
para uma postura livre de tensões, conforme discute Vieira (2009), sendo que
Tennant apenas sugere que o corpo fique em total estado de relaxamento.
A falta de informações sobre relaxamento e de como se desfazer tensões
desnecessárias sugerem que Tennant não tem como aspecto principal a

13
Pelo padrão, a mão esquerda é posicionada no braço do instrumento e a direita na região do
tampo.
39

preocupação com os fatores ergonômicos de adaptação individual, deixando a


responsabilidade para cada um encontrar uma postura adequada, a partir das
informações fornecidas.

2.2.3 Emilio Pujol

O método de Emílio Pujol, intitulado “Escuela Razonada de la Guitarra” foi


publicado em 1956 pela editora Ricordi Americana em Buenos Aires e é dividido em
quatro cadernos. O primeiro caderno trata de explicações de caráter teórico e
bastante densas com relação ao violão e sua história. Os três cadernos
subsequentes são cadernos de técnica, minuciosamente desenvolvidas em
rigorosas partes progressivas, bem como com alguns estudos e repertórios de
técnica aplicada.
A organização do método de Pujol é diferente dos discutidos até agora. O
autor inicia com uma explicação histórica do instrumento e uma breve explicação
sobre a escola de Tárrega, o qual é de grande influência para o autor. Após essa
introdução, Pujol explica as partes do violão, as qualidades necessárias em um bom
instrumento (construção, madeiras, forma de se guardar), sobre as cordas, sobre as
afinações possíveis, a extensão do instrumento, a organização do braço do violão,
os intervalos de uníssono e as peculiaridades do instrumento em relação a isso,
sobre os intervalos gerais, sobre a história da notação para o instrumento, digitação
e sonoridade para finalmente chegar à postura corporal. Após a postura corporal,
Pujol ainda fala sobre as mãos, sobre técnicas de estudo e sobre abreviações
utilizadas na música para violão.
Com relação à postura corporal, Pujol afirma que o executante deve se
sentar em uma cadeira sem braços, que seja firme e de altura proporcional ao corpo
a fim de se ter uma estabilidade perfeita. O violão deve ser apoiado sobre a coxa
esquerda, aproximando suavemente o corpo do violão ao peito, e o executante deve
inclinar ligeiramente o corpo para frente.
O ato de inclinar o corpo para frente, segundo Grandjean (1998), faz tornar
necessário um esforço menor do tronco para realizar qualquer atividade.
Intencionalmente ou não, Pujol apresenta uma solução ergonômica bastante
simples, porém com um resultado efetivo.
40

A perna esquerda deve ser apoiada sobre um banquinho, devendo formar


um ângulo ligeiramente agudo em relação ao corpo, o que, para Pujol, proporcionará
uma estabilidade perfeita. As dimensões do banquinho podem ser adaptadas em
relação ao executante, dependendo de sua constituição física. O braço direito deve
ser apoiado sobre o aro superior do violão.
Em Pujol percebe-se que o executante deve buscar uma postura em que
consiga estabilidade perfeita. Estabilidade perfeita, para Pujol pode ser definida
como o corpo em equilíbrio total. Já fora visto que o corpo em equilíbrio é uma das
bases de uma boa postura e de uma boa técnica, conforme aponta Vieira (2009).
Nesse sentido, é possível afirmar que o autor trata de relações ergonômicas e
pequenas adaptações que podem ser feitas para uma postura mais equilibrada e
estável, ainda que em nenhum momento a palavra ergonomia ou a preocupação
com as particularidades físicas do executante sejam citadas explicitamente, mas
apenas sugeridas.
Não há, como nos métodos anteriores, nenhuma imagem ilustrativa de como
seria a postura ideal para Pujol. Novamente, fica relegado ao executante se adaptar
conforme as instruções dadas em uma postura que seja confortável e cumpra os
requisitos definidos por Pujol.

2.2.4 Henrique Pinto

O método de Henrique Pinto, intitulado “Iniciação ao Violão” foi publicado


pela editora Ricordi em 1978. É o único brasileiro de todos os métodos analisados.
Henrique Pinto possui também outras publicações importantes sobre o violão. O
método em questão foi escolhido por ser um método introdutório e possuir
informações sobre uma boa postura, o que as outras publicações não trazem.
A primeira informação que Henrique Pinto disponibiliza em seu método é
referente à postura, onde e como se sentar. Logo após, há algumas considerações
sobre a mão direita e alguns exercícios com cordas soltas. Com o progredir do
método, os exercícios vão ficando mais complexos. Junto com os exercícios de
técnica são expostas pequenas peças de técnica aplicada. Ainda são desenvolvidos
os assuntos sobre pestana e ligados. Ao final do método existe uma coletânea de
peças progressivas.
41

Com relação à forma de se sentar e se colocar o violão, Henrique Pinto


afirma que existem posições que tornam a execução mais fácil e mais cômoda, na
qual o instrumento se adapta às necessidades anatômicas individuais. O
instrumento, para Henrique Pinto, deve se harmonizar perfeitamente com o corpo do
executante. Tal afirmação apresenta uma preocupação ergonômica, já que a
ergonomia deve adaptar o trabalho ao homem levando em consideração suas
dimensões ergonômicas (GRANDJEAN, 1998).
Uma postura efetiva, para Henrique Pinto, deve ser aquela em que o
executante se senta para frente e para a direita na cadeira normal (o autor não
define o que seria uma cadeira normal). Além disso, o pé esquerdo deve ser
colocado em um banquinho de aproximadamente 14 centímetros de altura.
Importante salientar que Henrique Pinto afirma que a altura do banquinho é variável
conforme especificidades físicas de cada um, para que resulte em um equilíbrio
entre tronco, membros e instrumentos.
A coluna também deve adotar uma posição que não seja forçada, uma vez
que isso acarretará dor nas costas e gerará cansaço precoce no executante.
Percebe-se aqui claramente que a partir da liberação da coluna de tensões
desnecessárias há maior liberdade de movimento e maior relaxamento, resultando
em um trabalho mais ergonomicamente efetivo (VIEIRA, 2009).
Com relação ao relaxamento, que é uma das bases para uma postura
ergonomicamente efetiva e uma boa qualidade técnica (FERNANDEZ 2000),
Henrique Pinto afirma que o executante deve ter a sensação de relaxamento de uma
forma consciente, bem como toda tensão deve ser eliminada em sua origem.
A partir dessas afirmações, pode-se concluir que Henrique Pinto tem uma
visão ergonômica baseada na eliminação das tensões do corpo, principalmente as
localizadas na coluna e de uma consciência corporal e eliminação de tensões, o
que, segundo Vieira (2009) são fatores importantes em relação a uma boa postura.

2.2.5 Jorge Cardoso

O método de Jorge Cardoso, intitulado Ciencia y Método de la Guitarra foi


publicado no ano de 1988 pelo Editorial de la Universidad de Costa Rica. É dividido
em duas partes. A primeira traz apontamentos sobre os músculos do ombro, braço,
antebraço e mão; sobre mobilidade; fisiologia; psicologia e aprendizagem. A
42

segunda parte trabalha com exercícios técnicos de escalas, arpejos, ligados,


tremolos, pestana e a postura.
O método inicia com uma explicação fisiológica e anatômica dos músculos
do braço e das mãos, e seus respectivos movimentos e suas funções. Na parte
fisiológica, Jorge Cardoso faz uma detalhada explicação sobre a ação do músculo
esquelético relacionado com impulsos nervosos. Vale salientar que é nessa parte
que o autor coloca o um conceito geral sobre postura:

Em condições normais, o músculo estriado recebe estímulos nervosos de


baixa frequência que o mantém em um estado de semicontração
permanente, em certo grau de contração denominado tônus muscular, que
representa a parte estática, a postura, indispensável para a execução de um
movimento correto (CARDOSO, p. 30).

Como já visto anteriormente, uma boa postura se faz refletir nos movimentos
das mãos e dos braços. Uma boa postura será fundamental para uma boa técnica e
uma boa qualidade sonora. (RODRIGUEZ, 2011).
Além disso, Jorge Cardoso compara o estudo de um violonista com a
ginástica: o consumo de energia, a circulação sanguínea, o metabolismo, etc. Para
que o “estudo-ginástica” seja efetivo, é necessária a combinação de alguns fatores:
relaxamento, força, regularidade, velocidade, resistência, dinâmica etc.
Antes de começar de fato a falar sobre como o violonista deve se sentar,
Jorge Cardoso ainda faz algumas considerações de caráter psicológico e de
maneiras de se estudar e aprender uma peça.
Quando o autor começa a explanação sobre a maneira correta de se sentar,
novamente define o que é postura:

postura é a colocação do corpo no espaço. Existe a opinião unânime que


sustenta que a melhor postura para o violonista é aquela que possibilita a
mais ampla margem de mobilidade segundo os requerimentos técnicos
exigidos pelo instrumento e que, além de ser cômoda e flexível, deve ser
adaptável às características corporais de cada indivíduo (CARDOSO, p. 53).

Vale salientar que é a primeira vez que são mencionados os termos


“cômoda e flexível” como atributos de uma boa postura, aspecto não observado nos
métodos anteriores, nos quais havia indicações para se adaptar da melhor maneira
possível à postura exposta pelos autores.
Outro fator importante aqui é a questão de separar uma postura para homem
e outra para mulher. Sobre isso, Jorge Cardoso afirma: “[...] abandonar já o critério
43

que a postura deve ser distinta segundo seja homem ou mulher.” (CARDOSO, p.
53). Porém o autor não dá explicações posteriores relacionadas a tal fato.
O autor aponta para a necessidade de um estudo relacionado com as
implicações da postura na coluna e nas articulações:

curiosamente, ninguém se preocupou com os efeitos que esta postura


(maior liberdade de movimentos e sem nenhuma tensão) acarreta a curto,
médio e longo prazo no esqueleto e nas articulações. [...] não existe
nenhum estudo global que permita quantificar este problema, traduzido na
maioria das vezes por dores na coluna. (CARDOSO, p. 53).

Assim sendo, percebe-se que para o autor uma boa postura é aquela que
está livre de causar dores, seja cômoda e se preocupe com a saúde muscular do
executante. Logo, pode-se dizer que Jorge Cardoso possui uma preocupação
ergonômica.
Para a efetivação de uma boa postura, de acordo com Jorge Cardoso, é
necessário um assento ergonômico, que é definido pelo autor como um assento
adequado. Para que um assento seja considerado ergonômico ele deve reunir
algumas características: deve ser de um material duro, em que a pessoa não afunde
ao se sentar; que a altura do assento possa ser regulada de acordo com a altura da
pessoa; deve ter profundidade de aproximadamente 38 cm; de largura deve ter
aproximadamente 40 cm; deve possuir um apoio posterior para manter a
estabilidade do tronco e deve ser ligeiramente inclinado de cima para baixo e de
frente para trás.
Vale salientar aqui que Jorge Cardoso não menciona a utilização de apoios
para pés nem a necessidade de se apoiar o violão na perna esquerda, aliás, não
afirma como e onde se deve apoiar o violão, apenas onde o executante deve se
sentar.
Outro fator importante é que Jorge Cardoso reconhece que o trabalho diário
em uma postura específica acarretará invariavelmente em dores. O autor não
trabalha com possibilidades de postura para que tais dores sejam eliminadas ou
retardadas ao máximo, ou seja, não leva a preocupação ergonômica e preventiva ao
fim, apenas citando uma postura que deve ser livre de tensões para não causar
dores, mas não desenvolvendo um conceito de postura ergonomicamente aplicada
que seja livre de tais tensões.
44

Para algumas dores, de acordo com Jorge Cardoso, o auxílio médico é o


único capaz de solucionar. Mas, como prevenção o autor pede para que se façam
pausas durante o estudo para se alternar os estados de contração muscular e que
se adquira o hábito de se movimentar dentro da postura adotada.
Por fim, pode-se perceber que Jorge Cardoso tem uma preocupação
ergonômica, fato justificado pelo extenso estudo de fisiologia que precede a parte
sobre postura. No entanto, não leva essa preocupação a cabo, ficando em um nível
superficial em que não há uma proposta de postura livre de tensões e descansada,
apenas há a indicação geral de uma postura considerada adequada, mas não quais
fatores musculares e ergonômicos são necessários para se adquirir tal postura.

2.2.6 Abel Carlevaro

O método de Abel Carlevaro, intitulado “Escuela de la Guitarra: Exposición


de la Teoria Instrumental” foi publicado pela Barry Editorial em 1979.
Carlevaro inicia a teoria instrumental com o posicionamento14 do violão e,
consequentemente, a elaboração de considerações sobre postura. Para Carlevaro, o
instrumento e o corpo devem formar uma unidade anatômica que evite qualquer tipo
de posição forçada e facilitando qualquer movimento que esteja a serviço da música.
Com a finalidade de se evitar esforços desnecessários, Carlevaro afirma ser
necessária a adoção de um estado de equilíbrio estável. O equilíbrio estável é um
estado em que o corpo é impulsionado por duas ou mais forças contrárias que se
anulam. Assim, o corpo se manterá em equilíbrio sobre a cadeira. Para que isso seja
possível, Carlevaro diz que os pés devem ser utilizados como elementos motores
para a estabilidade e mobilidade do corpo.
O pé esquerdo deve estar apoiado em um banquinho situado na frente da
cadeira e o pé direito deve ficar em uma posição recuada em relação ao pé
esquerdo, para assim gerar as forças contrastantes que se anulam. O executante
também deve se sentar ao lado direito da cadeira e para frente, com o intuito de
evitar obstáculos.
Carlevaro também afirma que, dada a explicação sobre o equilíbrio, não faz
sentido diferenciar uma postura para o homem e outra distinta para a mulher. Aqui

14
O autor emprega o termo “colocación”, que em tradução livre significa colocação.
45

há uma semelhança com o método de Jorge Cardoso, que também salienta a


inviabilidade de uma distinção por sexo em relação à postura.
Para Carlevaro, somente após o executante ter encontrado uma posição de
equilíbrio estável é que o instrumento deve ser introduzido nesse sistema e que este
não deve alterar o equilíbrio. O autor também afirma que os critérios para a
colocação do instrumento não devem ser levados como dogmáticos, mas como
orientações gerais moldáveis à constituição física de cada um. De acordo com
Carlevaro (1979, p. 11): “Uma má posição do instrumento significa prejudicar o
executante e, como consequência, a música. O executante se verá obrigado a
adotar posições defeituosas que irão contra sua anatomia [...]”.
Com esta frase podemos perceber claramente que uma boa relação entre
corpo e instrumento é algo imprescindível para uma boa interpretação, bem como
uma má postura prejudicará a anatomia do sujeito, forçando-o a adotar posições não
naturais nem condizentes com sua constituição física, o que ocasiona dores e lesões
que, devidas as proporções, podem ser irreversíveis.
Uma boa relação executante instrumento deve permitir uma liberdade de
movimentos tanto nas zonas agudas quanto graves do instrumento. Além disso, o
complexo motor deve ser encarado como um todo organizado e dependente, e que
os movimentos não são fatos isolados, mas desdobramentos do complexo motor.
Esta preocupação com a integridade motora e a busca por um equilíbrio
perfeito demonstra uma preocupação com os fatores antropométricos (relativos às
medidas do corpo) e ergonômicos do executante, já que “a acomodação do
instrumento mantendo sua estabilidade sem entorpecer os movimentos do corpo
deve ser o ponto de partida para a organização posterior de uma escola
violonística.” (CARLEVARO, 1979, p. 9).
A partir dessa afirmação, percebe-se que Carlevaro leva a preocupação com
a estabilidade, que pode ser considerada como o equilíbrio corporal livre de tensões
(VIEIRA 2009), como o aspecto fundamental para a ordenação de uma metodologia
de técnica e de interpretação. Nesse sentido, a postura deve ser a pedra angular de
qualquer proposta metodológica para o ensino de violão.
Carlevaro elege cinco pontos em que o violão deve estar em contato com o
corpo, os quais denominou pontos de contato. Segundo o autor, em ordem de
importância são: perna esquerda, perna direita, braço direito, mão esquerda, lado
direito do corpo.
46

Os quatro pontos iniciais são denominados pontos de apoio ativos, porque


com eles podemos estabilizar o instrumento no corpo. O quinto ponto de apoio é
considerado um ponto neutro, e devido a isso não dever ser considerado como parte
dos pontos necessários para se estabilizar o instrumento.
A perna esquerda, para Carlevaro, é o elemento básico de sustentação do
instrumento, o ponto de apoio mais estável e por isso é o ponto de referência para
os demais. Mesmo com a introdução de aparatos ergonômicos que substituem o
banquinho, é possível afirmar que a perna esquerda continua sendo o elemento
básico de apoio do instrumento.
Ao observar violonistas que não têm formação erudita, o apoio do
instrumento se dá na perna direita e não na esquerda, conforme afirma Carlevaro.
Tal forma de se apoiar o instrumento causa uma inclinação prejudicial do ombro
esquerdo para baixo e para frente, desalinhando a coluna e tencionando os
músculos do abdômen e os das costas.
A perna direita deve, para Carlevaro, junto com a perna esquerda, contribuir
para a estabilidade do instrumento e para manter a posição inclinada. O braço direito
apoia o instrumento naturalmente a partir de seu peso. A mão esquerda tem relação
com um processo a parte e bastante específico. No caso, não será considerada
como ponto de apoio geral, devido à sua aplicação restrita. O lado direito como
apoio neutro, uma vez que o instrumento apenas se apoia nele, é justificado devido
a uma nociva inclinação do ombro direito para frente, caso o instrumento fosse
apoiado no lado esquerdo. O corpo, para Carlevaro, pode se movimentar livremente,
da maneira que a execução exigir. Para realizar este movimento, os elementos
principais são os pés, que funcionam como elementos motores.
Com relação à coluna, Carlevaro afirma que “é inconveniente utilizar a
coluna como único elemento motor, dobrando-a para frente de forma defeituosa,
obrigando a esforços prejudiciais e contrários ao livre desenvolvimento da mecânica”
(CARLEVARO, 1979, p. 17).
Aqui Carlevaro demonstra uma preocupação ergonômica relacionada à
coluna. Com um esforço prejudicial, a coluna iria prejudicar e tencionar os
movimentos dos braços e eles não poderiam se movimentar livremente,
ocasionando tensões compensatórias. Ao tirar parte do foco relacionado ao
movimento unicamente à coluna e dividindo essa função com os pés, a possibilidade
47

de se criarem tensões compensatórias e prejudicar os movimentos dos braços é


bastante diminuída.

2.2.7 Aaron Shearer

O método de Aaron Shearer, intitulado Learning the Classic Guitar foi


publicado em 1990 pela editora Mel Bay e consta de três volumes.
O método começa com uma explicação sobre o instrumento, suas partes e
como se deve instalar as cordas. Após, há uma explicação de como se afinar o
instrumento. Em seguida são apresentadas orientações de como se estudar um
instrumento, como produzir som e as qualidades que um professor deve ter. Antes
de iniciar a parte sobre postura, o autor ainda explica brevemente sobre os músculos
da mão e como eles funcionam, de forma prática e não fisiológica.
A parte sobre postura começa com a seguinte frase: “acomodar o violão no
seu corpo é à base de seu desenvolvimento técnico” (SHEARER, 1990, p. 12). Uma
boa postura com o instrumento, segundo Shearer, é necessária para a eliminação
de tensões contraprodutivas. Estas tensões contraprodutivas podem ser
consideradas como tensões compensatórias, conforme o termo empregado por
Vieira (2009), as quais prejudicam da mesma maneira o ato de tocar. As tensões
localizadas nas costas e nos ombros podem, segundo o autor, se espalhar pelos
braços e mãos, reduzindo a sensação sinestésica e dificultando o desenvolvimento
da coordenação.
Para uma posição confortável, segundo o autor, os músculos das costas
devem estar alinhados e os ombros erguidos. O posicionamento do violão envolve o
princípio de alinhamento muscular. Logo, há uma preocupação postural com relação
ao equilíbrio corporal e alinhamento, evitando que se criem tensões compensatórias
devido à tensão excessiva de determinado músculo, no caso das costas.
Para uma postura sentada, o autor afirma que se deve ajustar um apoio de
pé com sete polegadas de altura na parte de trás e com oito polegadas na parte da
frente. Aqui, é percebida certa negligência com a antropometria de cada individuo,
uma vez que cada sujeito possui dimensões diversas (estatura, peso, tamanho das
mãos, dos braços, etc.) e fixar uma altura determinada para o banquinho e fazê-la
universal desconsideraria todas as citadas particularidades. O autor também sugere
que se sente na parte da frente da cadeira, na mesma direção do apoio para o pé.
48

Além disso, o executante deve se sentar em um ângulo em que a perna direita não
seja impedida de se mover.
mover
O violão deve estar em contato com o lado esquerdo do corpo, para o autor.
Ainda, o aro superior deve encostar-se
encostar se ao peito. O autor ainda salienta que ambos
os ombros devem estar nivelados.
Depois dessas orientações gerais, o autor parte para o ajuste da postura
pos à
individualidade de cada um,
um, aspecto que em certa medida contraria o inicialmente
apresentado a respeito da altura do apoio de pé. Para isso, afirma que cada pessoa
deve fazer experimentos e encontrar a postura mais confortável para si. Além disso,
Shearer
hearer salienta que uma postura boa para determinada pessoa pode não ser boa
para outra pessoa. Para finalizar essa parte, o autor ainda afirma que a postura é
algo processual e gradual, ela vai se moldado com o passar do tempo e a
experiência adquirida pelo
pe executante.
Vale salientar que o autor cita também modos alternativos de se apoiar o
violão. Segundo Shearer, muitos violonistas não utilizam o apoio para pé, o que gera
um excesso de tensão no ombro esquerdo, que deve se abaixar para uma
mobilidade de mão esquerda mais efetiva. Tal movimento gera uma quantidade
bastante grande de tensão e desequilíbrio em relação à coluna. Para resolver isso, o
autor sugere a utilização de um suporte ajustável que adere ao violão. As vantagens
decorrentes desse apoio, segundo
segundo Shearer, é que ambos os pés podem ficar
confortavelmente apoiados no chão, e a quantidade de tensão sobre a coluna será
ainda menor em relação ao apoio de pé. O autor exemplifica o uso do apoio de pé e
do apoio com ventosas a partir das seguintes imagens:
im

Figura 3 – Uso de aparatos tradicionais e alternativos.


alternativos
Aaron Shearer: Learning
Learn the Classic Guitar part 1. p. 15 e 19,, respectivamente.
49

Para finalizar, o autor adverte que a posição sem o apoio de pé, quando de
longas durações, não é recomendada: “Quando você tiver experiência com a
postura, você pode testar meios alternativos à postura tradicional” (SHEARER, 1990,
p.19).
Dos métodos analisados, o de Shearer é o único a tratar do tema “formas
alternativas de se sentar”, fortalecendo a ideia de que a postura não deve ser algo
dogmático e regido por postulados universais. Por mais que o autor apresente
alguns desses postulados universais (como a medida do apoio de pé), ele não
defende apenas a postura com o pé, já que, como ele próprio cita, a postura dever
ser encontrada de maneira individual, e com a experiência do executante ele pode
fazer alterações e modificações que acredite ser valorosas.
Além dos métodos analisados acima, foram consultados os métodos de
Fernando Sor, Dionísio Aguado, Isaías Savio (escola moderna do violão vol. 1 e 2) e
Julio Sagreras (Lecciones de guitarra, em quatro volumes), Mário Rodriguez Arenas
(La escuela de la guitara, em sete volumes), Ruggero Chiesa (Tecnica
Fondamentale della Chitarra, em dois volumes). Os métodos citados não
apresentaram informações a respeito da postura e/ou maneira considerada correta
de se apoiar o instrumento.
Também foi consultado o método de Gaspar Sanz (Instruccion de música
sobre la guitarra española, de 1697), que também não trazia informação alguma
sobre postura. Este método também não foi analisado em outros requisitos por ser
um método ainda para vihuela, instrumento que já caiu em desuso em nossos dias –
salvo grupos de performance história, mas estes são mais exceção do que regra. Foi
igualmente consultado o método de Angelo Gilardino (Nuovo Trattado di Técnica
Chitarristica de 1993). Porém, devido ao fato de este método estar em língua
italiana, o que dificultaria uma análise, este não foi incluído na análise. Mas, tal
método trata também sobre a postura.

2.2.8 Postura e ergonomia no violão: uma meta análise dos métodos investigados

Em todos os métodos analisados existem alguns assuntos que estão


presentes em praticamente todos, ou na grande maioria. Um desses aspectos se
refere aos pontos de apoio do instrumento, indicado em 6 dos 7 métodos
analisados.
50

Os métodos de Tennant e Pujol apresentam três pontos de apoio para o


instrumento. Para Tennant, o violão deve ser apoiado no peito, na perna esquerda e
na parte interior do braço direito. Para Pujol, o violão deve ser apoiado no peito, na
coxa esquerda e no braço direito. Pode-se perceber que ambos os métodos
apresentam praticamente a mesma configuração de pontos de apoio. Os dois
métodos diferem em 39 anos das suas datas de publicação15, porém as informações
sobre postura são praticamente as mesmas.
O método de Parkening também apresenta pontos de apoio, mas para ele
são quatro pontos em vez de três. Para Parkening, o violão deve ser apoiado
próximo ao corpo, no antebraço, no peito e sobre a perna esquerda. Por mais que
Parkening tenha adicionado um novo ponto de apoio, a ideia principal continua a
mesma, se comparado com Tennant e Pujol. A perna esquerda, o braço direito e o
peito estão presentes nesses três métodos. O método de Parkening é de 1972, ou
seja, mais recente que Pujol e mais antigo que Tennant. Porém, nele ainda estão
presentes elementos que serão repetidos nos métodos mais recentes.
Já o método de Carlevaro apresenta cinco pontos distintos de apoio ao
instrumento. São eles a perna esquerda, a perna direita, o braço direito, a mão
esquerda e o lado direito do corpo. Em Carlevaro os pontos de apoio sugerem uma
organização mais racional e anatomicamente pensada, devido ao fato de Carlevaro
se debruçar sobre aspectos físicos e biológicos da postura com o violão e buscando
de fato argumentos nessas áreas para sustentar sua proposta, o que difere um
pouco dos métodos acima. Mas, ainda estão presentes os elementos já citados
anteriormente (peito, perna esquerda e braço direito).
Os métodos de Henrique Pinto e de Aaron Shearer não apresentam
informações explícitas sobre tais pontos, porém a partir das imagens presentes
nesses métodos se percebe a presença desses pontos primordiais de apoio (perna
esquerda, braço direito e peito), e tais métodos se baseiam na aprendizagem a partir
da imagem.
Outro ponto que se repete praticamente em todos os métodos é a adoção de
uma postura livre de tensões. Todos os métodos salientam os benefícios de se
tocar sem nenhuma tensão, mas não avançam nesse sentido. Uma postura livre de
tensões não só propicia uma performance mais efetiva, com também previne certas

15
O método de Pujol foi publicado em 1956 e o de Tennant em 1995.
51

lesões que poderiam acontecer com a tensão muscular (VIEIRA, 2009). Mas, nesses
métodos não há uma forma de consciência corporal para se eliminar a tensão,
denotando a necessidade de o executante descobrir por contra própria. Porém, até a
tomada de consciência do corpo livre de tensões, o executante já pode ter se
lesionado por um excesso de tensão. Além disso, a utilização de um apoio para pé é
praticamente unânime em todos os métodos, com exceção do de Jorge Cardoso.
Todos os métodos inserem o apoio para o pé e alguns colocam uma medida
específica para ele, outros somente o citam e defendem a sua utilização. O método
de Parkening o cita e define suas medidas, assim como o método de Pujol. Os
demais métodos não citam explicitamente o banquinho, mas nas imagens e fotos ele
aparece como que parte integrante que não necessariamente necessita de
explicação.
Isso nos faz definir o próximo ponto em comum dos métodos: a utilização
de imagens com função pedagógica. O uso de imagens para explicar melhor um
texto não é de todo condenável. Porém, na grande maioria dos métodos as imagens
são usadas como fim em si mesmo, ou seja, como se tivessem caráter
autoexplicativo. Bastaria o executante imitar aquilo que está na imagem e
automaticamente a postura estaria correta. Este fato desconsidera todas as
peculiaridades anatômicas e antropométricas do sujeito, como já dito anteriormente,
porque nenhum ser humano possui as mesmas dimensões e as mesmas medidas
que outro. A preocupação ergonômica e anatômica não deve se restringir a certas
medidas, mas deve ser acessível a todas as pessoas.
De modo geral, a postura “real” não difere muito da postura mostrada pela
imagem. Por mais que sejam consideradas as peculiaridades individuais de cada
um, a postura que é mostrada na imagem torna-se um ideal a se alcançado, como
se ela fosse a reprodução da postura de um grande mestre que deve ser seguido.
Outro ponto importante que apareceu em alguns métodos é a diferença
entre uma postura para homens e uma postura para mulheres. Os métodos que
dividem a postura são os métodos de Parkening e de Pujol.
O método de Parkening traz figuras ilustrativas de uma postura para homens
e uma para mulheres, mas a postura para mulheres não segue todo o roteiro
descrito pelo autor nem a preocupação com uma execução livre de tensões. Nas
imagens, pode-se ver claramente uma grande quantidade de tensão, principalmente
nos ombros, na postura feminina, bem como o banquinho não é usado com a
52

mesma finalidade. Já o método de Pujol não traz imagens, somente orienta as


mulheres a cruzarem “graciosamente” a perna direita sobre a esquerda e então
apoiar o violão.
Em contrapartida, é nos métodos de Jorge Cardoso e Abel Carlevaro que
essa divisão vai ser excluída, tomando como fundamento aspectos ergonômicos. A
partir de sua explicação anatômica, Jorge Cardoso afirma que não há sentido em
dividir uma postura para homem e outra para mulher. Carlevaro, da mesma maneira,
após um extensivo estudo sobre os pontos de apoio e as suas utilidades, chega à
mesma conclusão: é inviável separar uma postura para homem e outra para mulher.
Nestes casos, o que vale mais é a relação anatômica, antropométrica e
ergonômica em relação ao violão, e não a diferença de gênero. Adaptar o
instrumento ao seu corpo para se prevenir lesões e dores deve ser algo ao alcance
de todos.
Além disso, a maioria dos métodos cita o apoio para pé, em que o membro
esquerdo ficaria elevado sobre esse apoio, permitindo uma inclinação do
instrumento. Porém, além desse apoio existem outros tipos de acessórios que,
segundo Vasconcelos (2013) apresentam uma alternativa. São eles: o A-frame, “um
suporte fixável ao violão por ventosas, com hastes de metal e regulável por uma
base de tecido” (GLISE, 1997 apud VASCONCELOS, 2013 p. 33); o Dynarette “uma
espécie de almofada não regulável” (GLISE, 1997 apud VASCONCELOS, 2013 p.
33); e o Ergoplay, que é um “suporte de base rígida levemente convexa fixável ao
violão por ventosas, com haste de altura regulável” (VASCONCELOS, 2013 p. 37).
Os métodos, como citado no início do capítulo, muitas vezes são utilizados
de forma irreflexiva pelos professores, que apenas aplicam os conceitos presentes
nesses métodos aos seus diversos alunos, como se o método fosse uma receita
pronta de uma massa de conceitos que caberia da mesma forma em todos os
alunos.
Parte dessa falta de reflexão e consideração pelo individual pode ser
considerada como reflexo de uma educação conservatorial e na relação “mestre-
discípulo” estabelecida entre aluno e professor, em que o professor sabe e o aluno
não sabe e deve se sujeitar as ordens do professor.
Estes professores muitas vezes são alunos de cursos de bacharelados,
como aponta Maura Penna (1995), que somente encontram campo de trabalho
53

dando aulas. E como esses alunos ensinam da mesma maneira que aprenderam,
este modo de ensino se conservou sem questionamentos, porque:

esse ensino ‘conservatorial’ dificilmente questiona suas práticas e os


pressupostos dessa, o que talvez seja parte do seu relativo isolamento, que
o protege de grande parte dos problemas e dos processos de
questionamento da educação brasileira. (PENNA, 1995, p. 105).

O ensino conservatorial, como citado anteriormente, tem muito mais como


finalidade formar tecnicamente o aluno, com grande ênfase no virtuosismo. A partir
disso, cai-se no mito do talento e do dom, porque se um aluno não consegue
completar satisfatoriamente um exercício questiona-se a incapacidade do aluno, e
não a falta de eficiência dos métodos, como afirma Penna (1995, p. 109): “se
qualquer problema é atribuído à falta de talento [...], não se discute a ineficácia de
tais metodologias, nem sua incapacidade de atender as necessidades dos alunos,
que passam a ser responsabilizados pelo seu fracasso”.
Porém, deve-se levar em conta que o fracasso pode ser consequência das
dificuldades do aluno e não necessariamente da ineficácia de determinado método.
Aqui, contudo, cabe a ação do professor de refletir e ponderar sobre as
metodologias de ensino de instrumento, questionando até que ponto a metodologia
é suficiente e se encaixa no fazer musical do aluno. Às vezes é mais fácil culpar uma
suposta falta de “dom” do aluno do que procurar falhas metodológicas. A dificuldade
do aluno pode estar presente em apenas uma falta de esclarecimento em algum
ponto não devidamente observado pelo professor. Novamente, cabe ao professor
distinguir quais são as capacidades de seu aluno e quais metodologias serão mais
eficientes em relação a essas capacidades.
54

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, a questão da postura e, de certa forma, da saúde do músico,


estudante e intérprete do violão esteve em pauta, em uma tentativa de se cobrir uma
lacuna presente na formação da maioria dos violonistas: uma visão mais ampla
sobre a postura e suas implicações corporais, por meio da ergonomia, na tentativa
de desmistificar alguns temas tratados como paradigmas (o banquinho, por
exemplo).
Dentro deste aspecto, como foi visto durante o trabalho, pesa muito a
formação que o professor teve, a qual muitas vezes foi baseada em metodologias
reprodutivas e com ênfase em aspectos técnicos (FONTERRADA, 2005; HARDER,
2008), pautadas em um ensino generalizador, ou seja, um único modelo que deve
ser aplicado a todas as pessoas, independentemente de suas características
individuais e das necessárias mudanças daí decorrentes. A herança conservatorial
do ensino de instrumento é igualmente um aspecto que reforça essa tendência
reprodutiva do ensino, conforme aponta Pereira (2012).
Tais metodologias têm perdurado sem as modificações e atualizações
necessárias advindas do avanço das discussões e pesquisas tanto no campo da
educação musical, do ensino de instrumentos, da formação de professores e
também de músicos, assim como da Educação em geral. As metodologias de ensino
têm avançado no sentido de colocar o aluno como sujeito ativo da relação ensino-
aprendizagem, de modo que o professor atue como mediador do conhecimento,
principalmente devido ao acesso e fruição musical advindo do cotidiano. Contudo,
cabe ressaltar que tais avanços ainda são intercalados por experiências
desatualizadas de ensino, que se pautam na já referida ênfase técnica e reprodutiva.
A preocupação com tais aspectos do ensino também se justifica pelo fato da
presente pesquisa ter sido realizada no âmbito de um curso de Licenciatura em
Música. Ainda que o enfoque do referido curso não seja a performance musical,
considera-se que o diálogo com elementos pedagógicos provenientes de uma
formação dessa natureza são essenciais para a atuação de professores de
instrumento.
No ensino de violão podem ser observadas situações em que os violonistas
apresentam tensões desnecessárias e se mostram desconfortáveis com a forma de
se acomodar o violão ao corpo (vale o questionamento de “quem toca quem” e de se
55

o violão é dominado pelo violonista ou o violonista é dominado pelo violão), devido


ao banquinho demasiado alto ou demasiado baixo, ou, provavelmente, por dores
causadas pelo banquinho (que gera uma grande carga de tensão compensatória –
equilíbrio).
Tal desconforto também é fruto de desconsiderações com as características
físicas de cada um, o que impede, portanto, a padronização de uma postura.
Caberia a cada um, dentro de sua constituição física, procurar uma postura mais
adequada e livre de tensões. Neste caso, faz-se imprescindível que o professor de
violão tenha um conhecimento de como transpor as informações sobre postura de
forma adequada para cada aluno, independentemente de sua constituição física.
Resistências a ressignificações e atualizações do ensino de instrumento,
assim como em relação a alternativas posturais no caso do violão, podem ser
compreendidas a partir do próprio habitus conservatorial que marca boa parte das
experiências de ensino aprendizagem de música em seus diferentes espaços, tanto
na formação de professores em uma licenciatura, quanto na formação de cursos de
bacharelado em instrumento16.
Tendo em vista tais considerações, se torna interessante uma maior
flexibilização na utilização de aparatos ergonômicos, em especial o banquinho, em
detrimento de outros aparatos que podem ter resultados ergonomicamente mais
satisfatórios para determinadas constituições físicas. Adaptações como essa
também devem ser ponderadas tendo em vista que muitos violonistas trilharam todo
seu percurso formativo com base nos conceitos tradicionais do violão e uma
mudança radical de postura poderá acarretar em uma adaptação lenta e que não
condiz com a realidade profissional de cada um.
Tais considerações propõem que a saúde do músico seja tratada de forma
mais aberta e fundamentada (aspecto que não se observou nos métodos
analisados), uma vez que se vê claramente no decorrer do trabalho que com uma
postura livre de tensões, a possibilidade de se ocorrer algum tipo de lesão é muito
menor e a prática musical pode ser estendida por mais tempo, bem como o aparato
técnico motor funcionará com mais eficiência. Assim, uma boa postura livre de
tensões só tem a agregar a um estudante de música, bem como age de forma

16
Conforme discutido na seção 1.2 do capítulo 1.
56

preventiva, evitando lesões que, muitas vezes, podem impedir permanentemente a


atividade musical.
Assim, a proposta é de uma maior abertura à utilização de aparatos
ergonômicos alternativos que produzem uma elevação do instrumento17 e
possibilitam a colocação de ambos os pés no mesmo nível. O emprego de aparatos
dessa natureza, ao invés do baquinho (que deixa ambos os pés em níveis
diferentes) necessita, contudo, sempre ser acompanhado por uma avaliação
criteriosa com relação à adaptação do estudante a uma postura que emprega tais
recursos.
Considerando que os dados recolhidos nos métodos analisados mostram
uma tendência a se negligenciar tais características físicas pessoais, assim como o
papel central de tais materiais no estudo do instrumento, o que geralmente se
observa é uma lacuna no conhecimento sobre postura e ergonomia por parte dos
professores de instrumento, fazendo do método a forma para se adaptar o aluno, e
não o aluno como forma para se adaptar o método.
Nesse sentido, os métodos necessitam ser flexíveis e não tomados como
dogmáticos, dando uma orientação concisa capaz de ser transposta para a realidade
antropométrica de cada aluno, em que este encontre a postura mais confortável e
livre de tensões com o auxílio do professor e busque os aparatos ergonômicos que
mais se adequam às suas características.

17
Tais aparatos são colados a partir de ventosas no instrumento, sem prejudicar o equilíbrio corporal
nem manchar ou deformar o instrumento, além de serem mais leves e menores que os apoios para
pé.
57

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