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MÚSICA E EMOÇÃO
Como pode "mero som" organizado provocar emoções?
Orientador:
Prof.ª Isabel Ferreira
2022/2023
MÚSICA E EMOÇÃO – COMO PODE “MERO” SOM ORGANIZADO PROVOCAR EMOÇÕES?
1 ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 5
3 PESQUISA EMPÍRICA....................................................................................... 12
4 CONCLUSÕES ................................................................................................... 39
ANEXOS ................................................................................................................... 42
1. INTRODUÇÃO
Até ao momento, não foi encontrada uma única civilização na qual a música não tivesse
um papel a representar. As pinturas paleolíticas e flautas de osso, sobreviventes nas cavernas,
são testemunhas de que a arte musical é inerente à condição humana. Entende-se a música
como sendo uma linguagem que comunica algum tipo de informação emocional, no entanto, o
assunto é mais ambíguo quando tentamos perceber de que forma o faz. (STORR, 1992) De
acordo com o estudo de Charles Darwin (1872), aprendemos, ao longo da vida, como diferentes
cenários soam – do perigo ao conforto, existem pistas acústicas que levam a nossa mente a
fazer associações quase imediatas. Torna-se, assim, particularmente relevante compreender
esta relação íntima entre a música e a emoção de forma a melhor definir o conceito de “música”
e aquilo que faz com que esta seja considerada arte.
Esta é uma questão que tem sido respondida através de perspetivas multidisciplinares
que, em conjunto, foram construindo aquele que é o nosso conhecimento atual sobre o efeito
do som na nossa mente. Nomeadamente na psicologia onde se tenta compreender a função
particular de cada elemento de uma obra; Na filosofia, que questiona se as diferentes obras
musicais têm qualidades emocionais inerentes a si ou se a reação que provoca é puramente
subjetiva e culturalmente construída; E até na biologia, como é o caso de Darwin referido
previamente, que procura entender, de um ponto de vista evolucionário, de que forma esta
surgiu no auxílio à sobrevivência.
Com este projeto pretende-se ter uma melhor compreensão dos fatores que motivam o
tipo de reações que sentimos quando escutamos música respondendo à questão investigativa
“Como pode mero som organizado provocar emoções?”. Desta forma, será estudado o papel
dos três principais intervenientes numa obra musical: os compositores, e de que forma usaram,
ao longo da história, o entendimento da emoção na sua escrita; o intérprete, e quanto do que o
compositor pretende que uma obra transmita, cai na responsabilidade de quem a executa; e o
ouvinte, tanto de um modo geral, percebendo o que é intrínseco à compreensão da música pelo
Homem, como de modo particular, procurando perceber que fatores individuais podem
influenciar a experiência musical de pessoa para pessoa.
1
Escrito como dedicatória na cópia da Missa Solemnis presenteada a Rodolfo da Áustria.
2 PESQUISA TEÓRICA
2
Citado em Greatness: Who Makes History and Why, de Dean Keith Simonton
com a emoção, existem inúmeras alternativas para o fazer, no entanto, adotar-se-á neste
trabalho um conjugar de ambos os métodos de forma a responder da forma mais completa à
questão investigativa proposta.
melancólico de uma peça, não acreditamos, por exemplo, que esta sofre. Já o segundo questiona
o porquê de regressarmos recorrentemente a uma música que consideramos que nos deixa
tristes. Algo que tem vindo a ser justificado pela falta de entendimento dos efeitos da música
em nós próprios. (LEVINSON, 1997)
Modo
Vários estudos comprovam aquela que é a noção que temos de que acordes maiores têm
uma conotação positiva e acordes menores, negativa (HEINLEIN, 1928). Assim, os
compositores usam, geralmente, modos maiores e menores para provocar esse tipo de
inclinação. No entanto, um modo maior não é necessariamente condição para entender uma
obra como sendo positiva, da mesma forma que uma peça menor com um andamento rápido
pode, muito facilmente, transmitir alegria. Badinerie, da segunda Suíte orquestral de J. S. Bach
é um ótimo exemplo disto – encontra-se na tonalidade de Si menor mas, tendo em conta o
andamento, é dificilmente associada a emoções negativas.
Figura 1 - Badinerie, Suite orquestral II, J. S. Bach - Compassos 1-9 da partitura de flauta
Ritmo e tempo
O tempo de uma obra é geralmente considerado o aspeto mais importante na expressão
emocional da música – principalmente o tempo subjetivo, que se refere não só à pulsação como
também à densidade de notas e outros fatores rítmicos. Andamentos mais rápidos costumam
provocar uma sensação de maior alegria do que os lentos, no entanto, esta perceção não é
absoluta, dependendo bastante do contexto, isto é, outros elementos estruturais.
(GABRIELSSON & LINDSTRÖM, 2011)
Propriedades melódicas
Falar das diferentes formas como uma melodia pode influenciar a perceção emocional
de uma obra, seria suficiente para dedicar todo o projeto a analisá-las. Um dos aspetos mais
notórios é o da noção de linhas melódicas ascendentes e descendentes – uma linha melódica
descendente provoca uma ideia de introspeção, quer positiva ou negativa, sendo que quando
esta é ascendente provoca a sensação oposta. (GABRIEL, 1978)
Intensidade
Música mais forte está associada a expressões de intensidade, excitação, tensão, raiva
e alegria; múscia mais piano com paz, descontração, tristeza e receio (GABRIELSSON &
LINDSTRÖM, 2011).
Timbre
A forma como cada timbre provoca diferentes sensações está, em grande parte
relacionada aos harmónicos – som com muitos, e mais presentes, harmónicos, provocam uma
sensação de maior agressividade, de um modo muito abrangente, relativamente a timbres com
menos harmónicos (IDEM, 2011).
3 PESQUISA EMPÍRICA
Tendo como base metodológica um inquérito realizado a uma amostra de 296 pessoas,
a análise dos dados, naturalmente, não tem como objetivo fazer descobertas inovadoras, nem
tão pouco investigar áreas menos estudadas no assunto. Esta secção cumpre a função de “papel
do ouvinte”, no seguimento lógico dos dois subcapítulos anteriores (papel do compositor e
papel do intérprete)
Utilizou-se esta pesquisa tendo como base cinco obras para clarinete, de modo a
compreender melhor de que forma cada uma delas “fala” ao ouvinte, com a intenção de as
analisar teoricamente, a posteriori, e compreender melhor o que provocou os resultados obtidos.
Na escolha das obras para objeto de inquérito, procurou-se obter variedade não só no
carácter da obra, como também das características teóricas. O objetivo passou, em grande parte,
por verificar se existia coerência em relação ao que se poderia deduzir com uma simples análise
teórica e com os resultados efetivos do questionário. Para manter esta parte do projeto objetiva,
escolheram-se quatro aspetos fundamentais no entendimento das reações que cada peça
provoca: o carácter da mensagem da obra de um ponto de vista racional; as respostas
emocionais genuínas dos ouvintes; tipos de reação física que possam ter sido provocadas; e
associações figurativas ou de memória que possam ter ocorrido ao escutar o excerto. Estes
pontos fora aferidos através das seguintes perguntas:
- Acha que a sua resposta emocional foi um sentimento genuíno ou uma perceção
racional do que escutou?
Esta pergunta é, provavelmente, a de maior relevância de todo o questionário. A
interpretação de um relato de uma pessoa em relação à carga emocional de uma obra, pode
tomar dois sentidos completamente diferentes caso o inquirido afirme ter realmente sentido as
emoções, ou apenas tê-las reconhecido na obra. A verdade é que grande parte das pessoas tem
a sensação de que as suas emoções ao escutar uma obra espelham o carácter da mesma, no
entanto, isto levantou grandes debates na filosofia da música, nomeadamente a questão já
referida neste trabalho de “como é que podemos considerar que música de carácter triste
efetivamente nos entristece quando recorrentemente ouvimo-las voluntariamente e gostamos
de o fazer?”.
Como já foi referido, o objeto do questionário realizado foram cinco obras para
clarinete a acompanhamento das quais apresentou-se apenas o início de forma a preservar a
objetividade das respostas obtidas.
Assim sendo, são ainda mais evidentes as diferenças entre os excertos: o primeiro
andamento das Cinco Bagatelas de Gerald Finzi, Prelude, onde a composição assenta em
melodias simples com articulação leve, predominantemente em dó maior mas com polarizações
a diferentes tonalidades, energizando ainda mais um por si só enérgico Allegro Deciso; a
Fantasia para clarinete e piano de Carl Nielsen, um Andante Cantabile introspetivo, onde a
melodia tem valores mais longos e articulação suave, com auxílio da tonalidade de sol menor
e mudanças de dinâmicas extremas; a Sonatina para clarinete e piano de Malcolm Arnold onde
os dois instrumentos têm um diálogo algo agressivo nas dinâmicas, ritmo, melodia, articulação
e a própria harmonia, por ser bastante dissonante; um arranjo para clarinete e acordeão da obra
Oblivion de Astor Piazzolla, caracterizado pelo uso de harmonia rica em torno de dó menor e
melodia esticada nos valores rítmicos; e uma versão para clarinete acompanhado por acordeão,
guitarra, contrabaixo e percussão do arranjo de Michele Mangani da obra Blues – do filme Um
americano em Paris – de George Gershwindo, obra num Tempo di Blues com características
jazzísticas em torno da tonalidade de mi bemol maior com melodias cativantes e memoráveis.
Apesar destas considerações, a obra foi, essencialmente, descrita como sendo alegre, e
uma peça que transmite alegria geralmente tem as seguintes características:
Tonalidade
As composições em tonalidades maiores comunicam uma sensação de brilhantismo e
otimismo. Como verificado nos estudos de Heinlein (1928)3 e Kastner com Crowder (1990)4,
tonalidades, acordes e escalas maiores estão normalmente associadas a emoções positivas e
edificantes.
Andamento
Um estudo demonstrou que o andamento é um fator ainda mais importante na perceção
emocional de uma peça do que o modo (DALLA BELLA, PERETZ, & GOSELIN, 2001).
3
Heinlein investigou a reação de ouvintes a acordes maiores e menores com diferentes
intensidades e tons.
4
Kastner e Crowder apresentaram 12 melodias em tonalidades maiores e menores a crianças
do ensino pré-escolar e primário e pediram que estes associassem o que ouviram a uma de quatro
expressões faciais - feliz, satisfeita, triste, zangada
Contornos melódicos
Obras que transmitam felicidade, frequentemente possuem melodias cativantes e
memoráveis com um sentido de otimismo e flutuabilidade. Os compositores criam estas
características de várias formas, nomeadamente, escrevendo melodias com saltos, movimentos
ascendentes ou com um fio condutor que nos leve gradualmente ao ponto culminante da obra
em vez de este surgir de forma repentina (GABRIEL, 1978).
Talvez por alguma coincidência, este excerto é o exemplo perfeito daquilo que Clive
Gabriel (1978) considera ser comum numa peça alegre. Finzi escreveu melodias repletas de
movimento ascendentes com alguns saltos que fornecem leveza à música e repete ideias
melódicas com pequenas nuances, criando alguma tensão que faz com que os pontos
culminantes soem ainda mais positivos.
Entendemos, assim, que esta obra transmitiu uma mensagem de tristeza de um modo
geral, mas, mais inclinada para a melancolia.
Tonalidade
Composições em tonalidades menores comunicam uma sensação de tristeza, saudade e
introspeção que podem contribuir para um sentimento de melancolia (KASTNER &
CROWDER, 1990).
Andamento
Andamentos lentos têm tendência a provocar um sentimento de introspeção que pode
facilmente ser levado para emoções como a paz e tranquilidade, no entanto, quando associado
a uma tonalidade menor, a tendência é a obra em questão evocar sensações mais próximas da
tristeza (MOTTE-HABER, 1968). O andamento da Fantasia de Nielsen é um Andante
Cantabile, o que não é particularmente lento mas, pelo carácter da obra, uma grande parte dos
intérpretes opta mesmo por aproximar-se mais de um Adagio, o que foi o caso na versão
escolhida para o questionário.
Melodia e harmonia
Peças que evocam melancolia contêm, frequentemente, linhas melódicas com
movimentos descendentes, passagens modelantes ou cromatismos dentro da tonalidade. A
harmonia, por sua vez, cria tensão com sons dissonantes ou acordes não resolvidos, dando
profundidade emocional à música e um sentimento agridoce. Composições associadas à
melancolia tendem também a empregar dinâmicas mais suaves, criando uma sensação de
intimidade e vulnerabilidade. Passagens delicadas evocam um sentimento de introspeção e
sensibilidade (GABRIEL, 1978).
Este andamento possui, em grande parte, aquilo que se considera essencial para que
uma peça transmita uma mensagem de melancolia. Como podemos observar na imagem,
mediante e dominante, bem como algumas dissonâncias no piano e acordes não resolvidos
culmina numa repetição da nota ré por parte do clarinete e chegada em fortíssimo ao si bemol,
algo que não pode ser enquadrado na tendência de passagens delicadas e dinâmicas suaves das
constitui um momento de descompressão e gera um sentimento que pode ser descrito como
“otimismo”, no entanto é um otimismo fútil, pois a peça rapidamente nos leva de volta para o
carácter melancólico inicial. Claro que é uma especulação, mas há uma forte possibilidade de
ser estes momentos de descompressão frequentes que levaram várias pessoas a acrescentar a
Tonalidade e harmonia
A tonalidade é algo que, numa peça tumultuosa como a que estamos a analisar, acaba
por não ser tão determinante, por conta de outros fatores que se sobrepõe. No entanto, existem
aspetos da composição musical que, não sendo essenciais para a transmissão de uma mensagem
de excitação, contribuem neste sentido. Uma harmonia forte e dissonante, podendo usar
acordes de agrupamento de tons ou mudanças repentinas do polo tonal, ajuda na produção de
tensão e intensidade numa obra que almeja ser explosiva (GABRIELSSON & LINDSTRÖM,
THE ROLE OF STRUCTURE IN THE MUSICAL EXPRESSION OF EMOTIONS, 2011).
Andamento
Naturalmente, a excitação estará associada a música com andamentos rápidos. Esta
associação foi explicada em vários estudos da psicologia que demonstraram que o ser humano
adapta a sua frequência cardíaca ao andamento de uma peça que esteja a escutar. (JUSLIN,
LILJESTRÖM, VÄSTFJÄLL, & LUNDQVIST, 2011)
Malcolm Arnold idealizou este andamento num Allegro com brio, com indicação de
semínima igual a 138, o que não só é adequado ao carácter deste, como acrescenta à mensagem
de euforia.
3.1.3.2 Melodia
Uma melodia energética deve focar-se em vários aspetos: complexidade rítmica,
especialmente quando associada a acentos, cria um sentimento de urgência e força; passagens
virtuosísticas que, normalmente, são sinónimas de maior densidade de notas, logo, intensidade;
contraste extremo nas dinâmicas; linhas melódicas com grandes saltos, súbitas mudanças de
direção e contornos irregulares (IDEM, 2011). Todos estes aspetos podem ser constatados nas
três frases presentes na seguinte imagem, justificando, em grande parte, os resultados obtidos
no questionário.
De facto, quando observamos os excertos lado a lado, vemos mais semelhanças do que
diferenças. A Fantasia de Nielsen, como já analisado, encontra-se numa tonalidade menor, num
Andante, caracterizado por melodias expressivas e harmonia dissonante com acordes não
resolvidos. Todos estes aspetos encontram-se no Oblivion.
Vemos na parte do piano uma harmonia extramente dissonante, criando enorme tensão
sem necessidade de recorrer a ritmo ou dinâmicas agressivas. No entanto, há uma característica
que se evidencia assim que observamos a partitura – uma densidade baixíssima de notas por
parte do clarinete. Para além de provocar uma sensação de maior lentidão, uma menor
densidade de notas enaltece alguma característica de introspeção que a obra já possa possuir
(SCHELLENBERG, 2001).
o excerto que provoca mais reações físicas intensas ser aquele que leva mais gente a não relatar
nenhuma sensação?
Tonalidade
Também esta peça se enquadra perfeitamente nas características tradicionais da música
que suscita emoções semelhantes, estando na tonalidade de mi bemol maior, algo evidenciado
pela progressão harmónica inicial com os acordes de dó menor com sétima (vi6/5), mi bemol
maior com uma interessante sétima da dominante na tónica (I4/3), fá menor com sétima (ii7) e
quinto grau com sétima (V7), regressando ao primeiro grau.
Andamento
Como podemos observar na imagem, a indicação de andamento dada é de um Tempo
di blues que é um andamento com movimento, mas não muito acelerado. Apesar de não ter
indicação nesse sentido, muitos intérpretes optam por pensar num swing, como é o caso de
Corrado Giufreddi, o intérprete da gravação inserida no questionário. O swing enaltece ainda
mais o carácter jazzístico da obra, bem como uma sensação de fluidez contagiante e
flutuabilidade que cria um carácter lúdico.
imediatamente o motivo de esta ser feita – tratam-se dos dois maiores polos do jazz no mundo
e, como já analisado, esta obra contém vários elementos jazzísticos. Apesar do jazz também ter
raízes bem assentes em França, e este ser certamente um motivo da associação ser feita, outro
fator é ter o acordeão, ícone da cultura francesa – instrumento levado para França por
imigrantes italianos, rapidamente aceite e amplamente usado na música dos cafés e cabarés. Já
a associação aos anos 20 pode ser explicada pelas duas associações anteriores – foi uma época
de grande proeminência, tanto do jazz nos EUA, como dos cabarés na França.
Algumas respostas mencionaram e, de certa forma, comprovam, a origem destas
associações: “Pensei num ambiente tipo Cabaret, com dançarinas e muitas pessoas a
divertirem-se, músicos a atuarem ao vivo. Anos 1920, talvez.”; “Estados Unidos nos anos 20
do século 20. Novas oportunidades, tertúlias, música e dança nos cafés.”
Ao realizar um questionário, é difícil não ter espectativas para as respostas que se vai
obter e, apesar de muitas vezes estas especulações se terem confirmado, os resultados
acabaram por, em várias ocasiões, desafiar o esperado.
de 62% respondeu ter o seu estado de espírito genuinamente influenciado pela música. No
entanto, existem duas exceções: no Prelude, onde os valores foram consideravelmente mais
baixos (51%), e no Blues onde estes atingiram valores bastante superiores (72,3%)
provocar reações físicas visto que, como nos dizem estudos como o de Alf Gabrielsson (2011),
peças de carácter triste ou próximo disso, exigem-nos uma disponibilidade emocional maior
do que os de carácter alegre.
Tabela 11 - Percentagem de pessoas de cada faixa etária que respondeu positivamente à questão:
Sentiu que o excerto continha uma mensagem emocional clara?
Verificou-se também que quanto mais velho o ouvinte, maior a probabilidade de uma
possível associação figurativa ao escutar música ir em concordância com a maior tendência de
resposta. Ou seja, as associações que a música provoca a pessoas mais jovens está mais sujeita
à personalidade do que nas pessoas mais velhas, com a particularidade dos participantes com
idade acima dos 64, onde 46,15% que escolheu descrever uma associação, fê-lo da forma mais
comum em todos os participantes. Este dado é algo surpreendente – podíamos esperar que, por
ter mais tempo de vida, estes participantes fariam associações baseadas em memórias ou
experiências pessoais e não na conotação construída culturalmente.
Para além destes aspetos, notou-se também mais relatos de que a música não provocou
sensações físicas quanto mais jovem a amostra, demonstrando ou uma maior abertura
emocional por parte das gerações mais velhas ou de facto um maior impacto da música nesta
faixa etária.
Finalmente, algo a ser referido é que a faixa etária dos 35 aos 44 foi aquela que
considerou menos as suas reações como sendo um sentimento genuíno (52,76% em média)
enquanto os participantes entre os 55 e os 64 foram os mais crentes na veracidade das suas
emoções (82,4% em média). Apesar dos dois valores das extremidades se encontrarem
consideravelmente distantes, as respostas dos restantes grupos etários esteve bastante próxima,
sendo que nenhum padrão pôde ser verificado. No entanto, um dado que, apesar de não ter
números concretos nem ter sido averiguado no questionário, é o de que uma grande parte dos
inquiridos com idades compreendidas entre os 55 e 64 possuem formação e trabalho em áreas
artísticas não musicais – algo que não aconteceu noutros grupos etários. Isto deve-se à forma
como a partilha do inquérito foi feita mas, de qualquer modo, teria sido interessante perguntar
a área de trabalho ou formação diretamente no questionário para que se pudesse averiguar a
influência deste fator de forma mais concisa.
mais superficial utilizado nesta parte do trabalho, não se verificou a diferença esperada entre
estudantes e não estudantes de música.
4 CONCLUSÕES
Um ótimo ponto de partida para a conclusão deste projeto, é uma das respostas obtidas
relativamente à descrição de eventuais associações ou memórias provocadas pela música:
“Lembrei-me de momentos em que me sinto assim” – o “assim” referindo-se ao carácter da
obra. Ora, o carácter emocional de uma obra não é factual, mas em grande parte dos casos
provocam sensações tão marcadas que se torna difícil acreditar que não seja unânime a todas
as pessoas. Apesar de não responder da forma mais adequada ao que foi solicitado na questão,
esta resposta representa o aspeto definidor da relação do ser-humano com a música – a crença
de que a linguagem desta é objetiva apesar de, como referido no trabalho, ser a mais abstrata
das artes.
Com a pesquisa teórica, compreendemos que não podemos ter música erudita sem
compositor (é este quem idealiza a obra e mensagem emocional que esta deverá carregar),
intérprete (que está encarregue de transmitir a mensagem do compositor, com a liberdade de
lhe a sua própria interpretação, “falando” da forma que entende tocar mais ao ouvinte – de lhe
dar vida), e ouvinte (sem ouvintes não há música, são um elemento imprescindível da obra
musical, sendo eles quem determina que emoções esta contém, por muito que um compositor
as possa idealizar – o carácter da obra é, nada mais, do que aquilo que o ouvinte sente).
No que toca à pesquisa empírica, esta veio confirmar os conhecimentos que temos sobre
a música e a forma como os fatores estruturais provocam diferentes reações – isto aconteceu
mesmo quando os resultados foram surpreendentes. Esta parte do projeto, quando conciliada
com a informação teórica recolhida, foi essencial para que possamos responder à questão
“como pode ‘mero’ som organizado provocar emoção?”: fá-lo a partir de reações biológicas à
música que criam paralelismos a situações e emoções reais (uma peça energética associa-se a
momentos intensos, provocando uma aceleração do ritmo cardíaco, a reação natural a essas
ocasiões); construções culturais e sociais da noção de certos conceitos teóricos (como o caso
do timbre do acordeão estar associado ao amor, ou do carácter frenético da Sonatina de
Malcolm Arnold com cenas de perseguição no cinema); e através de uma relação íntima entre
o compositor, intérprete e ouvinte (o compositor escreve uma mensagem de emoções que é
“declamada” pelo intérprete para que o ouvinte a possa receber).
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ANEXOS
Anexo 2 – Partitura oferecida a Rodolfo da Áustria, com a dedicatória “Von Herzen – Möge
es wieder- Zu Herzen ghen!”