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DEPARTAMENTO DE MÚSICA
TÉCNICAS DE ENSAIO
Ribeirão Preto
2023
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
DEPARTAMENTO DE MÚSICA
TÉCNICAS DE ENSAIO
Pesquisa de pós‐doutorado
apresentada ao Departamento
de Música da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto sob a supervisão
do Prof. Dr. Rubens
Russomanno Ricciardi.
Ribeirão Preto
2023
2
RESUMO
resultado final da interpretação do conjunto. Com esta perspectiva, este trabalho propõe
performance musical.
ABSTRACT
adopted in the development of this process directly influences the quality of the result
of the ensemble’s interpretation. From this perspective, this work proposes a systematic
study of techniques and strategies that can be applied in choral and orchestral rehearsals
3
Lista de figuras e exemplos musicais
Figura 11 – 8. Chramer gip die varwe mir (Carmina Burana) de Carl Orff.…………………………101
4
Sumário
INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 6
1. PRESSUPOSTOS DO ENSAIO MUSICAL ................................................................... 10
1.1 Aproveitamento do tempo ............................................................................................ 10
1.2 Desenvolvimento do senso comunitário ..................................................................... 18
1.3 Construção de conhecimentos musicais ..................................................................... 25
1.4 A condição acústica como determinante da sonoridade do conjunto .................... 27
2. QUESTÕES DE LIDERANÇA INTERPESSOAL NA MÚSICA................................. 32
2.1 Chefe ≠ Líder ............................................................................................................... 33
2.2 Desafios da liderança ..................................................................................................... 37
2.3 Articulação de sublideranças ........................................................................................ 41
2.3.1 Lideranças de naipe na orquestra ....................................................................... 42
2.3.2 Lideranças de naipe no coro ................................................................................ 45
2.4 A mudança do “eu” para “nós” .................................................................................... 49
3. A TÉCNICA VOCAL COMO DINÂMICA DE ENSAIO ........................................... 53
3.1 Aquecimento vocal......................................................................................................... 54
3.2 Aplicações dos fundamentos da técnica vocal ........................................................... 57
3.2.1 Respiração .............................................................................................................. 58
3.2.2 Articulação ............................................................................................................. 63
3.2.3 Registros vocais ..................................................................................................... 69
3.2.4 Ressonância ............................................................................................................ 74
3.3 Técnicas de aprimoramento da afinação de vozes e instrumentos ......................... 77
4. ESTRATÉGIAS E DINÂMICAS DE AÇÃO APLICADAS ......................................... 82
4.1 Técnicas de ensaio aplicadas à orquestra .................................................................... 87
4.1.1 Leitura de diagnóstico .......................................................................................... 88
4.1.2 Refinamento da expressão e sonoridade ........................................................... 90
4.1.3 Marcação de arcadas............................................................................................. 94
4.1.4 A música orquestral enquanto criação coletiva ................................................ 94
4.2 Técnicas de ensaio aplicadas ao coro ........................................................................... 96
4.2.1 A questão da leitura musical ............................................................................... 97
4.2.2 A utilização do piano como instrumento de referência ................................ 103
4.2.3 Questões de texto e prosódia ............................................................................. 106
4.2.4 Processos de memorização e construção da polifonia ................................... 110
5. AS IMPLICAÇÕES DO ESTILO NA PREPARAÇÃO DA PERFORMANCE ....... 122
5.1 A questão da interpretação estilística em conjunto ................................................. 124
5.2 O estabelecimento do estilo na música escrita ......................................................... 130
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 135
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 136
5
INTRODUÇÃO
devem ser trabalhados nos ensaios que antecedem a sua realização. Por esta
encontra‐se no centro desse processo (PAINE, 1988, p. 17). Johann van der Sandt
(2016, p. 10) reitera que “o ensaio é visto como a situação na qual a efetividade
musical coletiva, tais como a técnica gestual da regência. Este trabalho tem por
1“The rehearsal is seen as the situation where a conductor’s effectiveness is chiefly demonstrated. […] The
quality of the performance is influenced by the effectiveness of the rehearsal.” (tradução nossa).
6
comprometidos com a música a ser feita. Hermann Scherchen (2002, p. 1), ressalta
eficiente se inicia com o seu planejamento, ação esta que implica em antever as
conjunto por Henry Leck (2020), Johann van der Sandt (2016), Hermann
Scherchen (2002), Max Rudolf (1995), Ilya Mussin (1994), entre outros.
em conjunto. Uma das razões pelas quais optou‐se por abordar neste trabalho
7
comunitário, a construção de conhecimentos musicais e as condições acústicas
prática coral. Não se pretende oferecer aqui um guia para a preparação vocal de
articulação, que requerem unidade e precisão dos executantes que só podem ser
8
específicas aplicadas ao coro. Por princípio, compreendemos que não há regras
sistematizadas metodologicamente.
estilística das obras e a normatização dos aspectos musicais a ser adotada pelo
estilo na música escrita, cientes de que este possa ser o marco inicial de uma
9
1. PRESSUPOSTOS DO ENSAIO MUSICAL
ambiente no qual se realizam ensaios e concertos, que deve ser encarada como
3 Singkreise: prática comum na Europa de canto coletivo com finalidade recreativa ou ocupacional.
10
autonomia de administração do tempo de um trabalhador, tanto mais desafiador
estudantes, seu tempo de formação. O tempo, nestes três casos, deve ser
realizadas.
extensivos sem remuneração. Por esta mesma razão, não é raro encontrar
11
trabalhos de grupos voluntários que apresentam uma ótima qualidade – muito
amador – no melhor sentido do termo, como aquele que é músico por amor –
normalmente realiza uma dupla jornada de trabalho, e por isso sabe valorizar o
gratificante só é realizada se ela for consistente – isso significa ser feita com
exatamente por não dependerem dessa atividade para sobreviver, tem uma
melhores resultados.
12
A elaboração de estratégias de utilização do tempo de ensaio está
regente deve sempre ter em mente que toda polifonia é, em essência, uma
articulação que demanda tempo de ensaio. Portanto, ao ensaiar uma obra a quatro
de espera dos outros três naipes – situação esta que compromete seriamente a
por naipes ou por seções separadas constitui uma estratégia fundamental para
13
diminuir o tempo de espera dos diferentes grupos, enquanto o trabalho centrado
linha de sopranos – falha comum quando as vozes ensaiam sempre juntas, umas
ouvindo o ensaio das outras. A mesma situação ocorre entre tenores e baixos –
tenores uma oitava abaixo e, nos casos em que as linhas melódicas sejam muito
deve então conhecer estas tendências, provocadas em grande medida pelo fator
Segundo Emile Jaques Dalcroze (2013, pos. 2568), “os indivíduos que compõem
14
dramático enquanto estiverem atuando independentes uns dos outros”4. Uma
esta tarefa de forma bastante breve; entretanto, ainda que breve, esta etapa jamais
solistas: há uma parte única para cada executante, ainda que atuem de forma
são “corais”, uma vez que uma mesma parte é executada por muitos músicos
arco, entre outras questões, cujas resoluções não deveriam ser tratadas na
4 “The individuals composing a chorus, however gifted, will never produce a really dramatic effect so long
as they act independently of one another” (tradução nossa).
15
presença de instrumentos de sopros ou percussão. Estes, por sua vez, possuem
questões próprias, com pouca ou nenhuma ligação com a abordagem das cordas
e, portanto, podem ter seu tempo melhor aproveitado se estas questões forem
músicos são, entre outros, alguns dos problemas que impedem uma preparação
profissionais.
16
economia de tempo relativa aos problemas de divergência entre partes e
atenção e prepare todo o material gráfico a ser utilizado pelo grupo, seja um coro
Ainda assim, o regente deve verificar o material com a devida antecedência a fim
17
partituras do grupo5. Entretanto, a existência de uma pessoa encarregada da
18
esclarecer a sutileza desta questão, propomos a observação desta relação do
do repertório, entre outros fatores. Para além destas questões, é necessário que o
músico com a atividade para a qual foi contratado constitui um desafio que
tal qual descrito por Nietzsche (1999, p. 20)7, enfatizando a dimensão dionisíaca
inerente ao impulso criativo da música. Tal impulso criativo tem sua gênese no
próprio ato musical e dificilmente pode ser afetado por fatores não‐musicais que
em busca de seu sustento. Nestes termos, é evidente que a própria natureza deste tipo de
atividade não tem a qualidade artística como meta e, portanto, suas questões relacionam‐se mais
com a sociologia do que com as ciências da performance.
7 O nascimento da tragédia do espírito da música (Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste de Musik),
I.
19
o artista vulnerável em seus mais profundos afetos, potencializa sua força e seu
se, portanto, de um pacto pela qualidade do que se realiza – quanto mais robusto
esse pacto, tanto mais audacioso poderá ser o objetivo, pois a confiança
senso comunitário é mais evidente, uma vez que a adesão ao grupo é voluntária
material. O músico voluntário, por sua vez, tem em sua satisfação pessoal o
principal (e, talvez, o único) critério para se engajar em uma atividade musical
20
indivíduos para uma convivência positiva em sociedade.”8 (LAKSCHEVITZ,
2006, p. 9).
propósito, uma vez que a realização musical não constitui a finalidade em si, e
21
aprendizado de seu instrumento principal e normalmente mostra‐se predisposto
quando seus integrantes não têm o canto como sua atividade musical principal,
apuro técnico de sua expressão vocal, causando certa rejeição ao canto. Portanto,
instrumentista que ele pode cantar bem e fazer música cantando. Esse processo de
a trabalhar repertórios mais complexos com seus instrumentos e, por isso, têm a
atuação como instrumentista, bem como vislumbrar no canto coral uma ação que
22
simplificados de canções folclóricas9, e o regente, ao realizar a programação do
foram feitos no devido tempo? Muitas vezes o regente depara‐se com o dilema:
9 Não se pretende aqui emitir qualquer juízo de valor com relação ao repertório clássico em
relação à música folclórica ou popular. Toda música tem o seu valor estético próprio intrínseco e
quaisquer comparações são evidentemente impróprias. Entretanto, o termo clássico já define que
há um reconhecimento comum em torno do valor artístico de determinadas obras, enquanto o
trabalho com repertórios inovadores, sejam eles relacionados com manifestações populares ou
experimentais, estão sujeitos a carecer, em seu processo de preparação, ter o seu propósito
artístico manifesto ou claramente explicitado na proposta. Quando o propósito é substancial e
sua consistência artística é enfatizada pelo regente, certamente é possível conquistar o
engajamento de qualquer músico, seja cantor ou instrumentista, que terá a oportunidade de
desenvolver sua sensibilidade musical para além da música histórica, usualmente privilegiada
pelas instituições de ensino.
23
começar pontualmente um ensaio faltando muitas pessoas, ou atrasar o ensaio
82) propõe, no contexto do canto coral: “Dê o pontapé inicial nas vozes fazendo‐
os cantar algo que já experimentaram, mas que ainda precisa de trabalho. Então,
trabalhe continuamente com material mais difícil até que estejam completamente
instrumentistas, o regente deve estar preparado para iniciar o ensaio com aquela
24
1.3 Construção de conhecimentos musicais
conhecimentos musicais.
“pacto comunitário” que se forma em torno da prática musical deve ter como
25
prejudiquem, e assim, a qualidade do som do conjunto seja da mais alta
condição possível.10
ensaio, mas que não deve se limitar a este. O planejamento de cursos, oficinas e
este assunto com diferentes regentes, surgiram relatos sobre a atividade de corais
excessivo que era necessário para o aprendizado de obras de duas ou mais vozes
com esses grupos. Questionamos: será que o excessivo tempo que era utilizado
10 “A complete choral sound can be achieved only when the singers within the ensemble use their
voices efficiently. It is the duty of the choir director to teach the choristers how to become efficient
singers, so that they will profit from, and not be injured by, the musical demands placed on them, and
so that the quality of sound from the ensemble is of the highest possible order.”
26
para o aprendizado exclusivamente “de ouvido” de obras novas não seria muito
teoria musical e do solfejo? Constatamos que não só o tempo teria sido melhor
pois a leitura de partitura garante não só um aprendizado mais ágil das partes
que conduzir um grupo musical significa também formá‐lo e capacitá‐lo; que ser
original italiana:
A atividade do professor de música, nos mais diversos contextos de sua
atuação, está estreitamente ligada à figura do regente de coro ou de
orquestra. Uma das principais evidências desta proximidade é a forma
de tratamento comumente atribuída aos regentes – a palavra italiana
maestro. [...] Desde a educação infantil até o ensino superior todos os
professores na Itália são chamados de maestros, ou seja, um termo muito
mais próximo de nosso termo mestre do que da designação regente, o
qual, na terra de Vivaldi e Verdi, é chamado de direttore (CAMARGO,
2018, p. 43‐44).
melhores condições acústicas para a música que executam. Esta observação não
deve ser compreendida como uma coincidência – pelo contrário, conclui‐se que
27
estádio de Futebol. Partindo‐se desta perspectiva, propomos uma reflexão sobre
ensaios de seu grupo que, como pressuposto de uma atuação de qualidade, deve
locais que apresentem condições acústicas adequadas para o repertório que será
28
apresentado. Trata‐se de um princípio fundamental, que se aplica igualmente a
– todos são igualmente afetados e, por esta razão, devem fazer todo o possível
atividades.
homofônica.
ambiente no qual realizará seus concertos. Entretanto, é evidente que esta não é
essencial que o planejamento dos ensaios contemple, pelo menos, ensaios gerais
desfavorável. Obras mais complexas podem ter sua execução comprometida caso
29
necessários para adaptar a interpretação àquelas condições verificadas. O ensaio
grupo.
talvez seja melhor que o coro disponha de um local menor, com menos
inadequados, deve ser considerada com muito cuidado, pois não se pode perder
30
homogênea que depende da condição acústica – não havendo essa condição, a
sonoridade não se constrói e, portanto, não pode ser captada por microfones, que
amplificação que não fossem sua própria sonoridade e as condições acústicas dos
antigas práticas.
31
2. QUESTÕES DE LIDERANÇA INTERPESSOAL NA MÚSICA
coletivas.
de uma orquestra que este seja o líder dos ensaios, pois o seu posto compreende
32
uma ferramenta útil, mas limitada. As pessoas desejam mais do que
uma relação formal, baseada em autoridade, com o seu chefe11.
ou um líder?
do senso de comunidade nas práticas musicais em conjunto, foi dito que o fazer
11 “It’s a common mistake to think management is defined by formal authority – the ability that comes with
a title to impose your will on others. In fact, formal authority is a useful but limited tool. People want more
than a formal, authority-based relationship with the boss” (tradução nossa).
33
realizado a partir de uma motivação intrínseca ao fazer artístico. Este é justamente o
relação de dependência que os músicos profissionais têm com o seu trabalho para
realizar a sua música, de seu jeito – não será a música de um grupo, mas a música
realizada em conjunto não deve ser a música de uma pessoa, mas a música de
engajamento desse grupo. Esta perspectiva constitui uma nova tendência, que
contrasta com a visão antiga da regência no século XX, pela qual a condução dos
34
se sua autonomia expressiva, em um processo de mediação promovido pelo
mostram a relação entre a tarefa e o objetivo principal, a missão, a causa. Nós não
gostamos de tarefas, mas gostamos de causas. O bom líder não é aquele que dá
a tarefa, mas o que dá a causa” (CORTELLA, MUSSAK, 2009, p. 76, grifos nossos).
de conjunto. Referindo‐se à regência coral, Samuel Kerr faz uma síntese do que
A ideia de construção de um projeto sonoro, tal qual referido por Kerr, pode
ser igualmente aplicada a corais e orquestras. Entende‐se que este projeto sonoro
35
é algo que transcende a interpretação de uma única obra, ou um único programa
plano coletivo – estes dois aspectos são complementares, pois não é possível um
grupo se desenvolver plenamente se, durante este processo, não houver também
ainda mais forte nos grupos humanos e nas organizações, criando uma barreira
paulatinas – portanto, são mudanças de longo prazo. Por esta razão, a persistência
36
diretamente da relevância de sua proposta. Nos grupos musicais, pode‐se dizer
coragem para sua implantação, mas é o propósito que garante força e persistência
atitudes de outras pessoas. Hill e Lineback (2019, p. 16) sintetizam esta questão
de forma precisa, quando afirmam que “Liderar é difícil por causa de seus
paradoxos inerentes. [...] Você é responsável por aquilo que os outros fazem [...]
e, para focar no trabalho, você terá que focar nas pessoas fazendo o trabalho”12
(grifos nossos). Esta observação deve ser cuidadosamente refletida pelo líder,
as metas, é a atenção que se deve ter à dimensão emocional das pessoas que estão
práticas musicais não deveríamos estar ainda mais atentos a esse aspecto? As
12“Management is difficult because of its inherent paradoxes. […] You are responsible for what others
do. […] To focus on the work, you must focus on people doing the work.” (Tradução nossa)
37
comportamentais de indivíduos e de grupos – portanto, para influenciar
nos estudos de Kurt Lewin, Gérald Mailhiot (2013, p. 30) apresenta relevantes
este que gera a empatia necessária para a criação de laços de confiança. O espaço
13 “Management is responsibility for the performance of a group of people. […] To carry out this
responsibility, you must influence others, which means you must make a difference not only in what they
do but in the thoughts and feelings that drive their actions. Management is defined by responsibility but
it’s done by exerting influence” (Tradução nossa)
38
de escuta busca permitir que todos possam ter garantida sua individualidade,
Esta atenção ao outro, incluindo este espaço de escuta, deve estar presente
não só nas relações verticais entre o líder e o grupo, mas também deve ser
partir de uma postura, baseada em valores, que perfaz uma ação consciente,
39
deliberada e contínua, que pode ser aprendida e desenvolvida. Richard Barrett
e na competência:
Os principais componentes da confiança são caráter e competência [...] O
caráter é um reflexo de como você é internamente – a sua intenção, e do
nível de integridade que você exibe em seu relacionamento com os
outros [...] A intenção é demonstrada por cuidado, transparência e
abertura, e a integridade é demonstrada por honestidade, justiça e
autenticidade. A competência é um reflexo de como você é
externamente – a sua capacidade e os resultados que você atinge em seu
papel [...] A capacidade é demonstrada por habilidades, conhecimentos
e experiência. Os resultados são demonstrados por credibilidade,
reputação e performance.
de seu potencial.
40
Esta reflexão sobre os caminhos de construção dos processos de confiança
[e não um dom]: ela já nasce com a virtude, mas terá que desenvolvê‐la, praticar
seu potencial de liderança”. Portanto, entendemos que a liderança não deve ser
vista como uma capacidade inata, mas uma habilidade a ser aprendida e
de liderança, tais como regentes e professores, devem sempre refletir sobre sua
sublideranças. Quanto mais numeroso for o grupo, tanto maior será o número de
problema é justamente o professor ser capaz de identificar qual é (ou quais são)
forma que sua postura desagregadora passe então a servir o propósito da aula.
41
2.3.1 Lideranças de naipe na orquestra
de naipe tem a capacidade de liderar através do som que ele produz. E não pode
haver dúvida que a liderança provocada pelo som na música é mais forte que o
se não houver um músico líder que esteja diretamente conectado a esse gesto e
com a leitura que ele faz desse gesto. Por esta razão o papel de spalla nas
principal responsável pela condução da orquestra – pode‐se até mesmo dizer que
execução das partes. Neste contexto passam a destacar‐se cada um dos chefes de
42
trompa, a primeira flauta, o primeiro oboé, o primeiro trompete, o primeiro
Segundo Max Rudolf (1995, p. 297), os gestos da regência não regem tudo,
e violas, bem como os sforzatti dos sopros, cordas graves e tímpano, é essencial
43
Este constitui um exemplo típico da liderança musical do spalla, mas no
e viola.
é a razão pela qual as orquestras mais importantes do mundo são geridas por
conselhos artísticos fortalecidos, nos quais os chefes de naipe tem efetivo papel
decisório. O regente deve ter em mente que seu ponto de vista em relação à
orquestra sempre terá um viés vertical, de forma que o spalla terá sempre a visão
44
privilegiada de observar a situação do ponto de vista dos instrumentistas. Assim,
processos de ensaio.
vezes sua atuação para uma postura mais discreta, ou eventualmente atuando
podem conduzir ensaios de naipe, apesar desta função ser atribuída usualmente
45
Isto acontece porque, por sua natureza, músicos amadores tendem a sentir‐se
vez que a voz do chefe de naipe constituirá uma referência segura para ser
seguida por cada um dos naipes. Além do evidente benefício técnico e musical
Por esta razão, recomenda‐se também que o regente realize, ao término de cada
ensaio, uma breve conversa com cada chefe de naipe, colhendo suas impressões
aprende por imitação. Desta forma, é evidente que todo coral precisa ter cantores
cantores experientes que acabam desempenhando este papel, mesmo não sendo
46
podemos deduzir que a qualidade de um coro amador depende diretamente da
regente. Em outras palavras, pode‐se dizer que, para iniciar um trabalho coral
essencial que sua voz seja mais volumosa e projetada, a fim de servir de
referência para o naipe que está estudando a obra – o chefe de naipe deve ter
voz, de forma que seu som individual não se sobressaia sobre o naipe, facilitando
seguro para preservar sua voz e evitar o desgaste de seu aparato vocal. Nestes
melódica do naipe.
qualificados que pudessem também dar aulas de técnica vocal, refinando cada
47
vez mais a sonoridade do naipe em que atuam. Mas sabemos que a atividade
coral no Brasil ainda é pouco valorizada – muitas vezes, nem mesmo aos regentes
regente reivindique e tenha como meta constituir uma equipe coral profissional,
desta equipe pareça um objetivo remoto para a maioria dos corais do país, o
regente, ao pensar em médio e longo prazo, deve compreender que uma equipe
substancial em um curto espaço de tempo, algo que pode atrair o interesse dos
por não apresentarem boa qualidade, ou os corais têm qualidade limitada por
e técnica vocal. Entende‐se que um grupo voluntário que não tenha qualificação
se voluntarie justamente pela oportunidade que eles terão, junto a esse grupo, de
aprender o que ainda não sabem. Portanto, é importante considerar que um coral
que não qualifica seus membros não tem sustentabilidade a longo prazo.
Assim como os chefes de naipe de uma orquestra, toda a equipe coral deve
tendo em vista que “a liderança é uma autoridade que se constrói pelo exemplo,
por isso ocorre ser tão comum haver chefias de naipe não institucionalizadas na
48
maioria dos grupos – liderar é uma atitude natural. Mesmo assim, a valorização
pode comprometer totalmente o andamento de um ensaio que, por sua vez, pode
naipe pode se sentir fragilizado pela ausência de seu líder. Esta é uma das
produtivo do que realizá‐lo. Neste caso, a melhor opção seria dispensar o naipe
que está sem líder e realizar ensaios de naipe com aqueles grupos que estiverem
completos.
decisivamente para a percepção que os outros tem daquilo que falamos: “eu
quero”, “eu prefiro” e mesmo “eu gostaria” estabelecem, ainda que de forma
subliminar, uma relação hierárquica – “eu mando, vocês obedecem”. Por outro lado,
49
quando o regente faz uma observação sobre determinada passagem da música
que está sendo ensaiada, dizendo: “sopranos, por favor, no compasso 4, ficará
melhor se fizermos todas as notas ligadas”, esta expressão denota que esta música
nós fazemos juntos. Ainda que seja uma linguagem metafórica (afinal, o regente
não canta de fato a parte junto com as sopranos do coro), a mera mudança de
líder.
und Paul na cidade de Freiburg (Alemanha), distrito de St. Georgen, nos anos
estudante. Mas nunca tinha parado para refletir sobre a linguagem que eu
ao final de 2001 para meu retorno ao Brasil, foram realizadas audições para os
silêncio constrangedor. É claro que aquele candidato não foi escolhido para
50
minha sucessão, mas aquela situação me fez refletir – afinal, qual era o termo que
eu usava com o grupo, uma vez que também me incomodava utilizar a forma Sie
pessoa do plural – uma vez que a forma nós não possui distinção de tratamento
“sopranos, por favor, vamos cantar a frase do compasso 10 mais forte”. Assim
compreende‐se que líder não é aquele que manda fazer, mas aquele que faz junto.
Barrett (2017, p. 23) faz uma reflexão que se relaciona diretamente com este
potencial de sinergia humana que aponta para o futuro – e talvez seja esta a razão
51
pela qual a música coral e sinfônica seja universalmente tão fascinante. Cabe
na medida em que a prática da música em conjunto nos ensina que, juntos, somos
52
3. A TÉCNICA VOCAL COMO DINÂMICA DE ENSAIO
canto coral, não obstante alguns aspectos aqui abordados terem aplicação
um coro.
em que são desenvolvidas atividades de canto coral compreende‐se que haja uma
uma premissa do canto coral (cf. SANDT, 2016, p. 28). A partir dessa perspectiva,
53
Portanto, compreende‐se que o planejamento do trabalho com um grupo
coral deve conter um programa de ações de preparo vocal que possa desenvolver
clareza quanto aos desafios técnicos que aquele repertório impõe e adotar
aplicação em ensaio.
15“Most people speak at least an octave below where they sing […] New information can be imparted and
old information should be reinforced. The warm‐up period is a pedagogical moment”.
54
Compreende‐se, portanto, que o aquecimento vocal é o momento em que se
funcionamento para a música que vai ser executada. Por esta razão, recomenda‐
técnica vocal, em especial aqueles que serão mais exigidos pelo repertório a ser
55
de um concerto e o tempo efetivamente disponível – quando há um repertório
aquecimento é, portanto, flexível, mas não deve ser negligenciado, pois ele
contribui de forma decisiva para a saúde vocal dos cantores e seu desempenho
de entrada para o mundo da música, que tem uma atmosfera própria, preparando
os cantores para sua atuação. É justamente essa atmosfera que traz tanto bem‐estar
da performance, pois o regente deve considerar que o ambiente canta junto com
56
tenham a percepção acústica necessária para dimensionamento do excesso ou
que o coro execute os exercícios sem que a melodia seja continuamente apoiada
pelo piano em uníssono. Ainda que o piano sustente o acorde relativo à altura
piano não deve duplicar o vocalise, pois essa prática desestimula a autonomia das
vozes, que tendem a se “apoiar” nas notas atacadas pelo piano. Ao apresentar o
exercício para o grupo, é favorável tocá‐lo uma vez ao início, para que o grupo
tenha clareza de seu perfil melódico. Uma vez iniciada a sequência, permita que
57
Para alcançarmos essa assertividade do trabalho da técnica vocal no
Tendo a clareza a respeito destas quatro questões que são decisivas para
isolada, não perfazem um programa de preparação vocal – todo coro deve ter
plano maior. Ainda assim, verifica‐se que os quatro problemas aqui mencionados
referem‐se exatamente a quatro dos elementos mais importantes que podem ser
3.2.1 Respiração
58
maior parte do tempo, as pessoas estão condicionadas a utilizarem apenas 10%
ar inspirado compatível com a capacidade vital que, para isso, exige o empenho
ativados nas atividades do dia a dia. Por esta razão, a respiração ideal para o
capacidade vital.
para a arte do canto. Não é possível desenvolver outros aspectos da técnica vocal
59
potência da corrente de ar que incide nas pregas vocais, causando sua vibração.
própria altura das notas que estão sendo cantadas, influindo diretamente na
configuração das pregas vocais, como se imagina inicialmente, mas são resultado
sistema respiratório do cantor deve produzir uma pressão própria específica para
pressão subglótica, gerando uma sonoridade deficiente. Por isso, é necessário que
legato ou sostenuto. Sundberg (2018, p. 74) explica que “cantar em staccato envolve
também a habilidade de diminuir a pressão subglótica até zero entre cada uma
pressão relativa a cada nota cantada, diferente de ter que ajustar a pressão de
uma nota diretamente para a outra, como deve ocorrer no legato ou sostenuto. Este
60
processo facilita o condicionamento da ação respiratória à configuração das
pregas vocais, a fim de que o som produzido seja afinado e ressonante. Esta é a
124).
uma vogal única neutra [ʌ], ou fechada [ɑ]/[ɔ]. Logo o regente perceberá que
também a sonoridade. Uma vez que a linha musical estiver bem dominada, a
passagens com notas rápidas ou curtas. Mesmo em trechos pesantes, nos quais
61
A agilidade e o sostenuto são polos opostos da proficiência vocal, mas
ambos são produzidos pelos mesmos participantes musculares [...] É
essencial para qualquer categoria vocal, quer a literatura daquele tipo
de voz exija isso, quer não, que a agilidade seja parte da prática diária
do cantor.
cantores. Estes dois recursos são interdependentes, uma vez que qualquer
técnica que vença uma quantidade insuficiente de ar. Por esta razão, o regente
respirações de frase que devem ser seguidas por todos e marcadas na partitura.
frase musical.
62
3.2.2 Articulação
imagem16 comprovam essa relação, que também pode ser verificada na prática
ainda não foi abordado de forma aprofundada pelos estudiosos da técnica vocal:
pode exigir uma abertura da mandíbula que seja incompatível com a vogal
atribuída a ela.
Mesmo conscientes das escolas de canto históricas que pregam o si canta come si
63
parla17, compreendemos que a abertura da mandíbula é uma condição para o
seja uma condição da sonoridade, teremos que assentir que a configuração das
configuração original das vogais da fala. A estratégia de ajuste das vogais à altura
agudas: estudar as linhas sem texto, em forma de melismas, com uma vogal neutra
evitando‐se as vogais frontais [e] e [i], que em sua configuração original requerem
da mandíbula necessária para o alcance das notas e, uma vez que o grupo tiver a
segurança na execução das passagens mais difíceis, passar então a uma gradual
64
Identifica‐se então outro problema físico de difícil contorno para a performance
conclui‐se que diferentes vogais resultam em diferentes timbres. Esta constitui uma
timbre e, portanto, precisa encontrar uma estratégia para sua resolução. A esse
22), por sua vez, propõe que “a consistência da cor da vogal melhora com menos
arredondamento dos lábios em uma projeção das comissuras labiais para frente,
solistas enfrentam circunstâncias diferentes das vozes corais, propomos que este
compreendemos que as vogais frontais [i, I, e, ɛ, æ, a], por seu padrão espectral
canto coral seja baseada na neutralização das vogais, de forma que diferentes
65
que esta técnica deve ser aplicada em circunstâncias específicas, tais como a
vogais principais /a e i o u/, iniciando‐se ainda com a consoante nasal /m/ para
Esta estratégia vai ao encontro de práticas propostas por Leck (2020, p. 28),
para quem “as vogais cantadas exigem mais espaço na boca do que as vogais
afirma que “escurecer o som das vogais é uma estratégia para alcançar um som
homogêneo, pois há uma redução nos harmônicos agudos que contribuem para
66
devem ajustar a ‘cor’ de suas vogais de modo a adequá‐las à homogeneidade
sonora do grupo coral, algo que não se aplica a cantores solistas”. Leck (2020, p.
3) adota como premissa que “o timbre de um coro será resultado direto das
fôrmas das vogais ensinadas pelo regente”, que pressupõe que as tais “fôrmas”
que
o cantor deve buscar a homogeneidade da vogal ao longo das diferentes
notas: isto é, quando passa de uma nota para a outra, a vogal cantada
deve manter a mesma posição ou produção e a mesma intensidade.
Além disso, não somente a forma de cada vogal deve permanecer ao
longo das oito notas cantadas, mas todas as cinco vogais devem ser
semelhantes em posição e intensidade.
da melodia. Robert Donington (1992, p. 524) enfatiza que “a maioria dos textos
67
cantado; cabe ao executante decidir qual sílaba deve coincidir com qual nota”19.
com a antiga discussão sobre a compreensão dos textos cantados. A esse respeito,
difíceis, sejam privilegiados os ajustes vocais para a boa execução das notas em
19“Most early texts are casual, incomplete and inaccurate in their underlaying of the words; it is
for the performer to decide which syllable should go to which note or notes” (tradução nossa).
68
frequência, enquanto uma voz canta uma passagem bastante difícil, outra voz
situações, o resultado sonoro final é certamente satisfatório, ainda que a voz mais
aguda tenha que adaptar o texto às necessidades articulatórias das notas, tal qual
(figura 7), no qual todas as vozes entoam o texto de forma homofônica, mas
partes. Emmons e Chase (2006, p. 88) corroboram esta prática, afirmando que
Quando todos estão cantando forte, usando a mesma frase já repetida
anteriormente, como é típico em uma coda, deixe que os naipes que
estiverem cantando notas realmente agudas virtualmente abandonem
as consoantes, deixando as tarefas de enunciação aos naipes que estão
cantando notas mais razoáveis.
69
das diferenças que há entre as práticas populares, as práticas midiáticas e as
vocal que nem sempre são comuns a outras práticas vocais. Dessa forma, muitos
254 reitera que “saber lidar com a questão da registração vocal é fundamental
outras vozes tendem a cantar em uma tessitura acima de sua região falada. A voz
20Acionamento do músculo tireoaritenóideo que permite que as pregas vocais fiquem menos
tensas. Segundo Miller (2019, p. 414), “a amplitude de vibração é maior no registro grave porque
a glote se abre mais, e há um movimento vibratório completo das pregas a partir da posição
paramediana.”
70
de robusta, é caracterizada por parciais não‐harmônicas que conferem uma certa
afinação. Por esta razão, os timbres de voz de peito tendem a ser muito
de um coro em que todos cantem com voz de peito21. Já a voz de cabeça, por sua
vez, é realizada pelo mecanismo leve22, que produz um timbre puro e cristalino,
notas da região extrema grave só conseguem ser realizadas com a voz de peito.
tem uma tendência natural a resistir à mudança da voz de peito (identificada com
seu registro de fala) para a voz de cabeça, registro que raramente é utilizado no
21 A voz de peito constitui a essência da técnica denominada Belting, que não é compreendida
como uma voz coral, mas uma voz solista que faz uso de microfone. Utilizadas basicamente na
música midiática, há muitas controvérsias sobre essa prática, tanto do ponto de vista artístico
como fisiológico (cf. SUNDBERG, 2018, p. 275‐277).
22 Ação do músculo cricotireóideo que provoca o alongamento e tensionamento das pregas vocais,
71
do conjunto, constitui o timbre modelo a ser seguido por todo o coro, pela
voz mista deve ser sempre preferencial à voz de peito. A esse respeito, Miller
Esta é uma das razões pela qual o aquecimento vocal é tão necessário no
cabeça e à voz mista na região média e grave. Leck (2020, p. 3) propõe indicações
aplica não só ao aspecto harmônico das diferentes vozes, mas também da linha
melódica ao longo da escala, uma vez que os registros tendem a se modificar nas
também no trabalho direto com o repertório o regente deve sempre ter em mente
que o timbre da voz de cabeça deve ser trazido para toda a frase, todo o conjunto.
Miller (2019, p. 205) aponta que “trazer a voz de cabeça para baixo até o registro
72
grave não é um ato de separação de registro, mas sim uma técnica para combinar
dinâmica forte, bastante comuns nos naipes de tenores, com frequência levam a
da fala, devem também procurar sempre uma sonoridade mais próxima à voz
mista. Miller (2018, p. 199) reitera que “alguma sensação de voz de cabeça deverá
excessivo uso da voz de peito. Entre todas as vozes do coro, a experiência mostra
que a as partes de contralto, por sua tessitura mais grave, são as mais suscetíveis
parte do repertório de coro infantil. Emmons e Chase (2006, p. 52) alertam que
“não se deve requerer de nenhuma voz infantil ou juvenil cantar forte as notas
graves, ou na voz de peito pura”. O cuidado com as vozes infantis e com o naipe
de contraltos deve partir do princípio que as notas mais graves não devem ser
73
executada, observando as passagens que oferecem risco e adiantando‐se na
3.2.4 Ressonância
vocais. Portanto, uma vez que o grupo domine o correto ajuste dos registros às
seções corais homofônicas com notas longas, tais como ocorrem na música coral
posteriores, Paul Lohmann (1996, p. 28) afirma que “esse espaço de ressonância,
74
nasofaringe. Podemos denominá‐lo espaço do timbre”23. O autor propõe,
ressonância e faz uma indicação prática bastante assertiva para sua aplicação,
afirmando que
A presença ou a falta de ‘ressonância’ na voz cantada é ligada
diretamente a ajustes feitos na região velofaríngea. [...] Um dos
melhores modos de desenvolver uma boa função acústica no ajuste dos
ressonadores é através do uso de continuantes nasais.
emissão sonora (figura 8). A respeito deste vocalise, Miller (2019, p. 139) afirma
que “[estes vocalises] são um meio de checar aquele equilíbrio acústico tão
estes vocalises sejam praticados pelo menos alguns minutos por dia.”
23“Derjenige Klangraum, dessen Einschaltung zum Singen und dessen Ausweitung wir am eindeutigsten
beherrschen, ist der Nasenrachenraum. Wir könnten ihn den Raum des Timbres nennen” (tradução
nossa).
75
Uma indicação bastante prática para a realização deste vocalise é fazer
objetivo do exercício passa a ser que a vibração sentida em bocca chiusa possa
lenta e gradual dos lábios. Miller (2019, p. 138) explica ainda que
Quando os lábios se separam, nenhuma continuação da nasalidade de
fato deve estar presente no som, mas a mesma sensação deve pertencer
às áreas do nariz e dos seios nasais (a ressonância simpática
experimentada pelo cantor principalmente através da condução de
osso e cartilagem).
pela ressonância nasofaríngea. Incluir o fonema [m] antes do início de uma nota
[n] constitui uma alternativa para a construção de uma ressonância mais frontal
76
3.3 Técnicas de aprimoramento da afinação de vozes e instrumentos
desafinação harmônica, e estes dois tipos devem ser tratados de forma específica.
O que podemos entender como desafinação melódica são aquelas ocorrências que
comuns nos instrumentos de arco e nas vozes quando os músicos estão inseguros
naipe. Nas vozes, é necessário realizar ensaios de naipe com o estudo específico
por instrumentos. Esta é uma questão específica que deve ser tratada diretamente
afinação em grupo constituem, em regra geral, uma consequência, e não uma causa
77
por si. Dessa forma, compreende‐se que, para combater uma consequência
que o músico deve emitir. É interessante recordar que, nas obras do período
som: nos instrumentos de arco, uma maior pressão da crina sobre as cordas aliada
sopro de palheta, maior material vibrante da cana etc. Nas vozes, a dinâmica forte
78
instrumentos quando há indicação dinâmica forte são percebidas como um
força é inimiga da afinação. Isso não significa que não seja possível uma sonoridade
24“Blending difficulties increase considerably as the dynamic level increases [...] it is easiear to achieve good
blend when working in soft passages” (tradução nossa).
79
mais homogêneo. Por esta razão, o registro de voz de cabeça deve sempre ser o
(2003, p. 118), “quanto mais registro de cabeça estiver contido em um som, tanto
vibrato, por sua vez, apesar de contribuir de forma decisiva para a ressonância
Portanto, o trabalho com os naipes de corda deve atentar para uma unificação
25 “Je mehr Kopfregister (Randstimme) ein Ton beinhaltet, umso »süßer«, »flötender« wird seine
Timbrierung” (tradução nossa).
80
do que as consonâncias perfeitas, e seu amplo emprego na música popular e
atenção especial a elas. Nestes casos, constitui uma estratégia prática justamente
No caso de oitavas paralelas, nas quais o cuidado tem que ser sempre redobrado,
superior estiver sempre mais suave do que a voz inferior – afinal, o objetivo de
que a fusão de timbres resulte em uma linha melódica única, mais encorpada. No
isolar os intervalos justos, a fim de resolver estas questões pontuais, para então
harmônica, localize os intervalos justos – na maior parte dos casos, são eles os
81
4. ESTRATÉGIAS E DINÂMICAS DE AÇÃO APLICADAS
Entretanto, é importante que o regente tenha a clareza que o ensaio não pode ser
que vai ser executada, e este constitui um processo intelectual. Por esta razão
ser planejado como tal. Neste ponto já se observa que a definição do repertório
executadas? Quantos movimentos (ou atos) tem cada obra? Existe uma espécie
por obra. Não que a programação dos ensaios seja feita dessa maneira – em um
82
ensaio podem e devem ser ensaiadas mais de uma obra e, próximo ao ensaio
ensaios/obras é importante para se ter uma ideia do tempo total disponível que
há para cada obra. A partir desse raciocínio, o regente poderá avaliar, de acordo
para cada obra. É comum que obras sinfônicas tenham movimentos nos quais
cantatas algumas vezes apresentam partes nas quais cantam somente vozes
instrumental ou vocal exigido pela partitura, de forma que músicos não sejam
83
representar uma substancial economia de recursos; em conjuntos com efetivo fixo
propõe. Leck (2020, p. 82) faz uma proposta baseada em sua experiência no canto
o autor,
Um ensaio deve ser projetado com base na proporção áurea, um pouco
como um programa. Planeje trabalhar na música mais desafiadora [ou
na parte mais desafiadora da música] quando houver concentração
máxima a dois terços percorridos do tempo total de ensaio. Pode ser
uma nova peça ou uma que requeira grande resistência vocal. [...]
Termine o repertório desafiador antes que o ensaio ultrapasse dois
terços percorridos do tempo total de ensaio. Isso é quando eles estão se
concentrando e envolvidos. Use o último terço do ensaio para refinar
peças que eles conhecem bem. Termine com uma peça que eles gostam.
Isso dá um sentido de fechamento, realização e bem‐estar para que os
coristas saiam com melodias flutuando através de suas mentes.
84
trabalho – o músico leva na memória uma impressão positiva que o motivará
momento ocioso se prolongar. Por esta razão, o regente deve evitar ouvir naipes
das seções reservado para os ensaios de naipe, que devem ser realizados em
momento anterior aos ensaios tutti. Se for imprescindível ouvir alguma seção
musical e seu reinício, uma vez que o regente não pode dar a entrada para a
orquestra antes que todos estejam concentrados e olhando para si. Esta é uma
prática que deve ser mitigada, se possível, passando a ensaiar um trecho menos
Se isto não for possível, o regente deve ser mais assertivo nas intervenções: nunca
qual é a indicação ou correção que deve ser feita, e em qual lugar, deixando claro
85
corte. Quando o regente interrompe uma execução e se abaixa para procurar
essa atitude muitas vezes pode custar minutos valiosos do ensaio. Caso diferente
quais nem sempre os participantes têm uma disposição intrínseca. Nestes casos,
repreensão verbal.
devem também ter critérios rigorosos – o regente precisa sempre ter em mente
que os músicos estão lá para fazer música, e não ouvir discursos. Portanto, a
indicando exatamente aquilo que se quer corrigir e de qual maneira deve ser
86
e, por isso, deve ser bem aproveitado e potencializado. Descontrair um momento
de forma mais ágil quando comparados às vozes que, além de ler as notas,
que implica em um tempo maior para a leitura. A orquestra, por sua vez, tem a
87
desafio da preparação da orquestra em um ritmo adequado à sua capacidade
técnica e artística.
Uma vez definida a obra (ou o movimento) que será trabalhado no ensaio,
partes com diferentes ritmos entre si, é comum que o andamento leve algum
tempo para se unificar, até que os instrumentos que tocam notas mais longas –
adaptar às partes dos instrumentos que tocam notas mais curtas – que tendem a
adequado para sua execução, tal qual ocorre no segundo movimento Andante da
88
figura melódica que surge a partir do compasso 18 praticamente requer sua
movimento inteiro pelo menos uma vez, sem que cada instrumentista tenha
89
leitura de diagnóstico logo no início do ensaio. A realização deste procedimento
resolução.
um repertório, mas também nos demais ensaios, uma vez que, vencida a leitura
avaliação dos elementos que já foram trabalhados nos ensaios anteriores, o que
já foi consolidado e o que ainda falta ser refinado. A leitura inicial passa a ser um
grupo temático principal, até a cesura média. O regente não deve se preocupar
por utilizar muito tempo em uma seção tão curta da obra – pelo contrário, esse
treinada que seja a orquestra, leva algum tempo para que a sonoridade do estilo
28 Questões relativas ao estilo serão tratadas de forma mais aprofundada no capítulo 5 deste
trabalho.
90
da obra se consolide de forma unificada entre os executantes. Cada minuto
dedicado ao trabalho na seção de exposição terá grande proveito, uma vez que,
compreendido.
tocando a mesma linha melódica (ou o mesmo ritmo) estejam realmente tocando
avançar no trabalho sem estar certo de que toda a orquestra executa exatamente
91
o primeiro movimento – assim, todas as vezes que o motivo reaparece, sua
cânone, pelos primeiros violinos, dobrados pelos oboés e flautas. Verifica‐se aqui
certificar‐se que as notas longas tocadas por trompas e trompetes não encubram
como os segundos violinos (que estão simplesmente mantendo uma nota pedal).
92
Esta prática é importante não só para que cordas e madeiras possam escutar‐se
devem estar em primeiro plano enquanto eles tocam notas longas, que devem
estar em segundo plano (ainda que tenham uma indicação de dinâmica forte).
mencionamos que os músicos precisam aprender a obra para além de sua própria
parte, pois
Observando do ponto de vista dos instrumentistas de uma orquestra
ou cantores de um coro, a situação prática mais comum é que cada
executante tende a concentrar sua atenção na execução de sua própria
parte; no caso de uma orquestra, os músicos sequer têm acesso às partes
escritas executadas pelos outros instrumentos. Essa situação propicia
um estado inicial de alienação do músico partícipe em relação à
integralidade da obra, ou seja, a concepção geral de sua estrutura e
sonoridade, desde os fatores extramusicais (ou extratextuais) até o
conhecimento minucioso de cada singularidade e cada necessidade
manifesta no texto musical. Esse estado de alienação vai se dissolvendo,
aos poucos, durante a realização dos ensaios, nos quais os músicos
passam a interagir auditivamente com todo o grupo (CAMARGO, 2020,
p. 1)
que tem a capacidade de tocar de forma contínua por longos períodos de tempo,
músicos para emitirem uma boa sonoridade, e estes tem um alto fator de desgaste
durante a execução. Portanto, deve se ter, como regra geral, o princípio de poupar
93
4.1.3 Marcação de arcadas
fazer, e o regente pode participar ou não desse processo. Quando a definição das
padronização, muitas vezes o spalla toma a decisão por si. De qualquer forma, é
intangível ao regente e, por essa razão, ele muitas vezes pode ter ideias musicais
94
regentes e músicos, Michele Biasutti (2012, p. 62) anotou de um dos participantes
processo de escuta – o regente deve sempre estar atento às propostas que surgem
manifestar no ensaio:
A prática do trabalho conjunto com músicos profissionais demonstra
que muitos executantes experientes se colocam de forma ativa nos
ensaios, fazendo sugestões ou mesmo trazendo novas propostas a
partir de suas experiências, muitas vezes notavelmente pertinentes.
Isso ocorre especialmente nos ensaios orquestrais, nos quais se verifica
uma especialização dos músicos em seus instrumentos. Já no canto
coral isso ocorre com os pianistas acompanhadores, solistas, assistentes
e também com os cantores. Ou seja: apesar da concepção geral de uma
obra ser de responsabilidade do regente que conduz o grupo, ele não
deve perder de vista que a interpretação de uma obra em conjunto
constitui essencialmente uma criação coletiva¸ que deve ser
desenvolvida a partir de um diálogo de visões e concepções estéticas
(CAMARGO, 2020, p. 2).
coletiva e cabe ao regente realizar a mediação das diversas ideias e das diferentes
visões que se unem para executar uma obra em conjunto. Quando os músicos
29“Group study is more difficult because several personalities are involved and new ideas appear and you
have to mix and merge them” (tradução nossa).
95
efetiva para a economia de tempo e potencialização do trabalho conjunto em
J. B. Hylton (apud SANDT, 2016, 79) determina que “uma regência clara e
efetiva”30.
tempo necessário para se realizar uma leitura satisfatória de uma obra polifônica,
seria improdutivo não utilizar este processo também para trabalhar a sonoridade
e as questões de articulação.
30“Clear and expressive conducting is one of the most important atributes of effective rehearsal technique”
(tradução nossa).
96
Considerando ainda que o canto apresenta uma sensibilidade maior em
poderão ser dispensadas algumas das etapas propostas. Não obstante, serão
procedimentos que serão propostos a seguir, que tem por objetivo principal a
Toda pessoa que inicia uma trajetória em canto deve se conscientizar dessa
partitura seja um pré‐requisito para o canto coral – pelo contrário, a prática coral
97
estimulados a ler música durante os ensaios desenvolvem esta
habilidade de maneira espantosa.
Portanto, aquele que se inicia no canto coral deve ter claro que o domínio
da leitura musical e do solfejo não constitui uma etapa anterior à prática coral,
que o canto coral deve ser universalizado e, em sua prática, devem ser incluídas
partitura das obras cantadas nos processos de ensaio, ainda que venham a cantar
consciência que estão cantado notas musicais que constroem as frases melódicas
que aprendem, e isso é feito através da utilização de partituras, com o seu devido
treinamento.
98
tempo empregado nessa atividade formativa. Entre as vantagens dessa prática
aprofundamento do aprendizado.
foi utilizado como estratégia para a criação de grupos corais em áreas remotas no
projeto piloto da Associação Coral da Cidade de São Paulo31 nos anos de 2002 a
99
2004. Foi anunciada nas comunidades da COHAB Raposo Tavares, Butantã e
bases dos novos núcleos corais – quem aprende quer logo colocar em prática o
que aprendeu e, após uma semana, todos os participantes dos cursos estavam
melismáticas ou trechos sem texto das obras musicais, tais como a parte de coro
grande do movimento 8. Chramer gip die varwe mir da cantata Carmina Burana de
Carl Orff (figura 11), previsto para ser cantado em bocca chiusa. O sistemático
fixação das alturas das notas das diferentes vozes em grupos que tem pouca
fluência em solfejo.
100
Figura 11 – 8. Chramer gip die varwe mir (Carmina Burana) de Carl Orff.
(2016), bem como exercícios adaptados de Henry Leck (2020), tais como o estudo
101
É importante reiterar, entretanto, que a leitura de obras corais com nomes
normalmente não tem aplicação entre coros amadores que ainda têm
melismáticos ou sem texto. O regente deve ponderar que o solfejo com nomes de
notas existe para auxiliar a leitura, e não criar uma dificuldade a mais para o
habilidade técnica com a utilidade do solfejo como habilidade técnica nas práticas
corais: treinamentos e técnicas devem ser realizados, cada um com seu propósito
– portanto, forçar um grupo que ainda não tem pleno domínio da leitura de
partituras a cantar uma obra inteira com nomes de nota constitui um processo
de notas.
102
4.2.2 A utilização do piano como instrumento de referência
afinação. Quando o coro canta com suas partes dobradas por um piano,
103
justamente nos problemas decorrentes do choque entre a afinação pitagórica das
que sua prática está alinhada a uma situação favorável, na qual as crianças são
treinadas desde cedo a cantar nos registros mais propícios à afinação (voz mista
e voz de cabeça pura), bem como ao estrito estudo do solfejo e leitura musical.
admirável e nos indica caminhos utópicos para a educação musical no Brasil, que
devemos todos buscar construir a longo prazo. Entretanto, temos que reconhecer
participantes do coro não tem o domínio estrito do solfejo cantado, ou ainda não
tem a técnica vocal suficientemente desenvolvida para uma correta utilização dos
uníssono.
de naipe. Entretanto, é necessário que haja sempre uma alternância entre o canto
regente deve ter sempre como objetivo a autonomia das vozes em relação ao
104
possível. Nos ensaios tutti, quando se trabalha um repertório a capella, é
claramente perceptível.
Esta reflexão sobre a utilização do piano nos ensaios deve ser considerada
105
instrumentos de cordas dedilhadas, como o violão, viola caipira e bandolim, que
imprecisa distribuição silábica do texto nas notas, e constitui uma prática comum
que o regente promova alterações nessa distribuição, que podem ser baseadas
tratadas de maneira própria, diferente das situações nas quais seja possível
muitas vezes são gratos aos regentes por aprimorarem a escrita de suas obras.
106
Em suma, a divisão do texto cantado deve merecer a mesma atenção e cuidado
Por isso, não se deve compreender que haja um português “correto”, mas
regra geral, a pronúncia usual do lugar onde o coro se encontra – corais do Rio
estilístico, uma vez que cantar obras que referenciem lugares ou culturas
que cante obras da tradição baiana adotando sua vocalidade característica. Além
pois a prática demonstra que os cantores têm maior resistência a realizar o ajuste
em língua estrangeira.
107
Ao planejar o ensaio, o regente deve ter em mente que a pronúncia de
estrangeira é comum que o coro aprenda com maior facilidade as notas e as linhas
vocais antes mesmo de ter automatizado a pronúncia do texto. Neste caso, o texto
sentido em “desgastar” a voz do coro repetindo uma obra cantando várias vezes
para corrigir uma dificuldade que poderia ser corrigida falando, e não cantando.
depois a frase completa. Quando necessário, utilize outras palavras com o mesmo
cantores. Entretanto, sua utilização requer uma capacitação específica que nem
108
O estudo do texto cantado deve ser compreendido como um aliado no
observa que
Ao praticarem a fala do texto, os cantores estariam ativando sua
memória muscular, estariam promovendo o início de uma codificação
mecânico‐vocal para aquela música e estariam pré‐condicionando a
futura codificação rítmico‐melódica devido à associação fonético‐
melódica que sabemos existir em nossa memória.
de entoação das notas corretamente – é mais fácil repetir uma mesma nota
cantando o mesmo nome. Por esta razão, trabalhando‐se com coros que já
notas. Por outro lado, quando o coro ainda não tem fluência na leitura de
cantado com cada uma das passagens melódicas, de forma que a memória
109
Figura 13 – Requiem KV 626 de W. A. Mozart – Offertorium
Associação fonético‐melódica e memória muscular
clareza dos processos cognitivos que envolvem o canto polifônico. Diferente dos
multilaterais, razão pela qual o ensaio coral deve ter como objetivo a construção
polifonia.
de memorização. Isso não tem nenhuma relação com o fato de se cantar ou não
ainda que, a partir de determinado momento, ela não seja mais necessária. A
110
partitura é justamente a garantia de que o cantor não seja traído pela própria
processo de leitura. Por esta razão, mesmo quando um coro esteja treinado para
importante realizar, durante o ensaio, pelo menos uma execução com todos os
que podem não ter sido devidamente memorizados, ou podem ter sido
(2013, p. 11),
Com relação ao conteúdo, as memórias podem ser divididas em dois
grandes grupos: as declarativas (eventos, fatos, conhecimentos) e as de
procedimentos ou hábitos, que adquirimos e evocamos de maneira
mais ou menos automática. [...]
Todas as memórias são associativas: se adquirem através da ligação
entre um grupo de estímulos (um livro, uma sala de aula) e outro
grupo de estímulos (o material lido, aquilo que se aprende; algo que
causa prazer ou penúria). O do segundo grupo, que é de maiores
consequências biológicas, chama‐se estímulo condicionado ou reforço.
Em algumas formas de aprendizado, associa‐se um grupo de estímulos
com a ausência do outro ou de qualquer outro. A forma mais simples
dessas formas de “aprendizado negativo” associa um estímulo repetido
(um som, uma cena) com a falta de qualquer consequência; esse tipo de
aprendizado se chama habituação. (grifos nossos)
111
linhas melódicas cantadas de uma memória declarativa para uma memória de
ainda que esteja consolidada, depende de um tempo de latência das sinapses que
por sua vez, também constitui uma ordem acumulativa, quando consideramos
112
principais: o trabalho seccionado por frases e o estabelecimento da linha de
notas. Por esta razão, o regente deve delimitar uma frase ou um período com
vozes. Por melhor que seja a qualidade do coro, não há nenhum sentido em se
trabalhar a linha completa de uma única voz durante um ensaio tutti – estando‐
tanto para se reduzir a ociosidade das demais vozes no tempo de espera, quanto
dos cantores: quanto mais difícil uma frase, tanto mais curto deverá ser seu
tanto mais longa poderá ser a frase ou a seção a ser trabalhada. Este
seccionamento pode ser revisto durante o ensaio: caso o regente perceba que os
reduzir essa delimitação para frases ou membros de frase menores, até que os
moteto Jesu meine Freude BWV 227 de J. S. Bach (figura 14). Trata‐se de uma frase
que sua leitura deva ser iniciada por um trabalho cuidadoso da pronúncia36 antes
113
de qualquer estudo melódico. Tendo o grupo vencido as dificuldades de
linhas vocais.
deve dedicar uma clara ênfase no trato da linha de baixos, que é o “alicerce” da
harmonia: nada pode ser construído se não houver um alicerce sólido. Portanto,
o primeiro passo sempre será o ensaio da linha mais grave. Na passagem dessa
então para a linha de tenores. Constitui uma prática muito produtiva que, ao
114
baixo como referência – antes de estudar as linhas das outras vozes, o regente
forma que não só as alturas sejam fixadas, mas também a afinação harmônica
terá que relembrar a linha de baixos antes de ensaiar as duas juntas; entretanto,
em pouco tempo isso não será mais necessário, principalmente se a linha de baixo
estiver sempre sendo tocada, qualquer que seja a voz que esteja sendo ensaiada.
resultado positivo, o regente deve ensaiar então as três vozes juntas – contralto,
notas graves, certamente não será mais preciso repetir a linha de baixos isolada:
da âncora harmônica que cada uma das vozes precisa para ter sua linha melódica
consolidada.
estudo das outras vozes, certamente as sopranos terão mais facilidade para
115
sua linha melódica de forma privilegiada, uma vez que pode ser ouvida como
repetições durante o ensaio, enquanto a voz de soprano foi a voz menos ensaiada.
116
interrupções, o regente deve manter o ritmo da música ensaiada internamente,
uma voz, a pulsação deverá continuar mentalmente, de forma que haja o tempo
certo para dar instruções para a próxima voz, que continuará no ritmo
Figueiredo (in LAKSCHEVITZ, 2006, p. 15), reitera que “todo bom ensaio tem
117
Utilizando‐se então este método, a leitura da obra musical vai sendo
da polifonia. Nos ensaios seguintes o processo deve ser repetido, não obstante o
fato de que o coro irá cantar cada vez com maior facilidade, até ser capaz de
de vozes.
regente deve utilizar o mesmo processo, mas iniciando com a última frase,
seguindo para a penúltima frase sequenciada à última e assim por diante até
ressalta ainda que “é necessário, por exemplo, trabalhar seções diferentes de uma
mesma obra, sempre em ordem diversa, para que o cantor perceba que a música
é feita de seções e que cada uma tem uma finalidade em si mesma”. De forma
118
Figura 16 – Estrutura esquemática do roteiro de ensaio por seções.
como princípios e não regras estritas. Cada obra apresenta suas particularidades
seccionamento, uma vez que as frases das diferentes vozes se sobrepõe de forma
não sincronizada; obras que apresentam alguma espécie de cantus firmus exigirão
que a construção da polifonia seja baseada na voz que conduz a linha principal,
119
pois dificulta a unidade da respiração e do fraseado, que implica em dificuldades
– regentes que conduzem ensaios sentados ao piano acabam, por vezes, omitindo
exigem que o coro cante exclusivamente de memória, sem o uso da partitura nas
negro spiritual, bem como coros de óperas, têm como requisito de sua execução
120
outro caminho a não ser programar um cronograma extensivo de ensaios, que
desvencilha do uso da partitura. Neste processo, uma vez que o coro já tenha
121
5. AS IMPLICAÇÕES DO ESTILO NA PREPARAÇÃO DA
PERFORMANCE
que sejam capazes de executar diferentes obras de diferentes estilos. Esta é uma
período da obra. Segundo Sandt (2016, p. 77), “as características particulares que
fazem uma obra diferente das outras, assim como o modo pelo qual são
enfatizando que
É um erro fatídico crer – como acontece hoje em larga escala – que as
figuras de notação, as indicações de caráter e tempo, e as dinâmicas
têm, ainda hoje, o mesmo significado de antigamente. Este conceito
errôneo sustenta‐se pelo fato de que, há séculos, vem sendo usado o
mesmo tipo de grafia musical; o que se esquece, todavia, é que a escrita
musical não é simplesmente um método atemporal e internacional para
transcrever a música, que possa permanecer o mesmo com o correr dos
séculos. Juntamente com as mudanças estilísticas na música, com as
ideias dos compositores e dos executantes, transforma‐se também o
significado dos diferentes símbolos de notação. Ela adquire um
significado peculiar a cada época que pode, por um lado, ser estudado
em obras didáticas ou, por outro, pode ser abstraído do contexto
musical e filológico, o que, de certa maneira, não exclui a possibilidade
de haver conclusões incorretas. A escrita musical é, portanto, um
complicado sistema de códigos. [...] Deveria ser claro para todo músico
37“The particular characteristics that make a work different from others, and the mode in which it is
expressed, represent musical style” (tradução nossa).
122
que esta notação é muito inexata, que ela não nos indica com precisão as
coisas que nos diz: nada informa a respeito da duração de uma nota,
sobre sua altura, nem sobre o andamento, pois os critérios necessários
a este tipo de informação não podem ser transmitidos através da
notação.
também que estes acordos são válidos para uma determinada obra, pertencente
tanto por parte do regente, como também por parte dos executantes. O ensaio é
um ato de aprendizado coletivo e, por isso, deve ser valorizado. Portanto, não
de uma obra musical em conjunto, dentro do seu estilo, dentro de sua proposta.
123
Apresentar obras do mesmo compositor ou de estilos análogos em um mesmo
maior o grupo, seja vocal ou instrumental, tanto mais difícil será a execução
124
difícil treinar o grupo para executar, de forma consistente, as obras de acordo
com seu estilo – por esta razão, um grupo amador sempre levará um tempo muito
pertinente a suposição de que seja favorável realizar ensaios mistos, nos quais se
utilizamos aqui o termo estilo de maneira ampla – é claro que, dentro das obras
38“A conductor’s aim has to be to create the ambience or aura of different stylistic periods” (tradução
nossa).
125
de um mesmo compositor, pode‐se dizer que há vários estilos – ninguém toca um
ainda que
Certamente, nenhum violinista do século XVII poderia, por exemplo,
tocar o Concerto de Brahms, da mesma forma que um violinista que toca
Brahms não é capaz de executar irrepreensivelmente uma obra difícil
da literatura violinística do século XVII. Exigem‐se técnicas diferentes
num e noutro caso, e cada uma delas é igualmente difícil.
126
descaracteriza as marcações de estilo, comprometendo seriamente a coerência
interpretativa do programa39.
consideradas como alguns dos maiores desafios daqueles que dirigem atividades
musicais em conjunto, por razões estéticas e técnicas. Não existem conjuntos com
capacidades ilimitadas – seja pela habilidade técnica de seus integrantes, seja pela
39Este é mais um efeito da influência da indústria da cultura sobre as práticas musicais a partir
do século XX pois, segundo Adorno e Horkheimer (1969, p. 130), “a disposição do público que,
pretensamente e de fato, viabiliza o sistema da indústria da cultura constitui uma parte do
sistema, e não sua justificação. Quando um ramo artístico procede a partir da mesma receita que
outro, cujo meio e conteúdo são em grande medida distantes deste, [...] ou quando a ‘adaptação’
distorcida de um movimento de Beethoven é realizada do mesmo modo que a adaptação de um
romance de Tolstoi pelo cinema, o expediente de atender aos desejos espontâneos do público
torna‐se um pretexto leviano” (tradução nossa). [“Die Verfassung des Publikums, die vorgeblich und
tatsächlich das System der Kulturindustrie begünstigt, ist ein Teil des Systems, und nicht dessen
Entschuldigung. Wenn eine Kunstbranche nach demselben Rezept verfährt wie eine dem Medium und dem
Stoff nach weit von ihr entlegene; [...] oder wenn die antastende “Adaptation” eines Beethovenschen Satzes
nach dem gleichen Modus sich vollzieht wie die eines Tolstoiromans durch den Film, so wird der Rekurs
auf spontane Wünsche des Publikums zur windigen Ausrede”].
127
propor a realizar este desafio e cumpri‐lo de forma satisfatória – observamos tão
tenderá a formar uma linguagem musical mais consistente, tanto para os músicos
foi composta – mesmo obras compostas no mesmo período podem ser altamente
128
sua sonoridade galante enfatizada, e a orquestra conseguirá incorporar mais
A música coral, por sua vez, é mais influenciada pelos seus gêneros – a
música sacra, por sua tradição, mesmo tendo sido composta em diferentes épocas
ressaltar também que a música sacra constitui um repertório que foi concebido
reverberante por natureza. Portanto, há uma razão musical para que este
não coincida com o local dos ensaios do coro, o regente deve realizar ensaios
impacto muito grande nas duas práticas e, por esta razão, não se recomenda sua
sonoro dos arranjos corais da música popular brasileira, uma vez que são
129
suma, reconhecendo que “diferentes estilos requerem diferentes sonoridades”
indicamos caminhos para uma compreensão cada vez mais consistente das
Apesar de ter o foco nas relações entre ritmo e movimento, esta observação
música escrita. Até o século XVI toda a música grafada era baseada
que era natural nas canções populares e na música com instrumentos dos bailes,
40 “In a great number of the instrumental pieces of the sixteenth and seventeenth centuries, the rhythm is
of a manifestly corporal origin. The same rhythms permeate the choral music of the seventeenth century.
The majority of the chorales of Albert, Schein, Hassler, Kreiger, etc., are really dance music” (tradução
nossa).
130
Renascença constitui, portanto, o processo de estilização da música, que se
escrita.
Expression, Form and Style, Leonard Ratner (1980, p. 9) analisa os efeitos desse
41“Dances, by virtue of their rhythm and pace, represented feeling. Their trim and compact forms served
as models for composition, They were written by the thousands by classic composers; Mozart composed
more than 300 minuets and contredanses; Beethoven and Haydn produced a comparable number. Books of
dances were issued periodically for the fashionable world much as popular music is published, today. Dances
were used to teach composition and to instruct in performance; they furnished material for opera and
131
Analisando de forma mais aprofundada o panorama da música anterior
danças, que posteriormente foram reunidas em suítes, que deram origem aos
concertos grossos, que deram lugar à forma sonata. Ainda que se verifique as
Dalcroze, conclui‐se que, na prática, toda música a partir do barroco passa a ser
Mesmo o estilo conhecido com cantabile pode ser compreendido a partir das árias
chamber music, for arias, sonatas, concertos, symphonies, serenades, and even invaded church music.
Kirnberger, in Recueil, 1783, emphasizes the importance of dance music as a basis for elaborate
compositions and especially for the understanding of the rhythmic nature of various types of fugues. Joseph
Riepel, in his Anfangsgründe, 1752, says that the working out of a minuet is no different than that of a
concerto, aria, or symphony. Koch, 1793, makes the same point. Mozart used dances to teach composition.
Dance rhythms virtually saturate classic music; therefore, one of the principal points of attention for the
student, listener, and performer is the recognition of specific dance patterns that can provide important
clues to the expressive quality of a composition” (Tradução nossa).
132
que a compreensão histórica dessas figuras características, com suas
tempo.
109) afirma que “foi a música galante que atingiu a transição crucial entre música
barroca e música clássica”42 – observação esta que traz uma orientação bastante
destes dois períodos que, com certa frequência, são executadas sem as devidas
executada.
42 “It was galant music which achieved the crucial transition between baroque music and classical music”
(tradução nossa).
133
de sua escrita trazer elementos alheios às marcações típicas originárias do estilo.
variação, que constituem muitas vezes elementos estruturadores das obras, mas
preparação, de forma que a sua interpretação, nos dias atuais, seja capaz de
transmitir a música de cada época com sua sonoridade e seu espírito próprios,
enfatizando as singularidades que fazem essas obras únicas e que justificam sua
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS
quanto o próprio repertório, acreditamos ter dado um passo, ainda que modesto,
si (tal qual observado na maioria dos livros sobre regência), para o processo de
135
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