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E D I Ç Ã O 1 • S E T E M B R O 2 0 0 4

1 9 1 4 - 1 9 1 8
O MARCO SANGRENTO ENTRE
O VELHO E O NOVO MUNDO
CARTA DO FRONT

Honra ao
mérito
Fundador: VICTOR CIVITA
(1907 - 1990)
Editor: Roberto Civita
Conselho Editorial: Roberto Civita (Presidente),
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V
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ocê deve se lembrar. Em junho, AVENTURAS DA HISTÓRIA
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Editores: Celso Miranda (texto), Débora Bianchi (arte), Luiz Iria (infografia)
lançou uma edição especial da II Guerra Mundial. Pois é.
A revista estourou nas bancas. Do sucesso, nasceu esta idéia:
GUERRAS
G R A N D E S

Colaboraram nesta edição: Karla Monteiro (edição de texto), Alessandro Meiguins


a Coleção Grandes Guerras. Nós, a equipe encarregada de con-
(edição de arte), Eliza Muto (subedição de texto), Carolina Lacreta (design),
Glauco Diógenes (tratamento de imagens), Jorge Cotrin (revisão)
ceber a primeira publicação da série, só temos a agradecer. Não foi uma
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outros 40 millhões foram mutilados. Como boa mãe
ca.
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você tem nas mãos, como costuma dizer o editor Celso
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Miranda, “entrega” o conflito que mergulhou o mundo
no caos – e inaugurou o que o escritor Eric Hobs-
ã
Vietn
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O ESPECIALVice-Presidentes:
GRANDES GUERRAS - PRIMEIRA
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Wright, Emílio Carazzai,MUNDIAL
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republicado pela Editora Caras S.A. em Agosto de 2020
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SUMÁRIO M A PA S

6 Dança das fronteiras


O MUNDO EM 1914, 1917 E 1918: GRANDES
IMPÉRIOS RUÍRAM E NOVOS PAÍSES FORAM CRIADOS

CRIANÇAS

24 Brincadeira sangrenta
CERCA DE 250 MIL GAROTOS INGLESES, ENTRE 13
E 16 ANOS, LUTARAM NOS CAMPOS DE BATALHA

GALLIPOLI

30 Fiasco
ATACAR A TURQUIA PARECIA O PLANO PERFEITO.
MAS SE TORNOU O MAIOR FRACASSO DOS ALIADOS

E U R O PA

36 Impasse no front
NO CORAÇÃO DA GUERRA, A BRIGA DUROU 1299 DIAS,
SEM VITÓRIAS CONCLUSIVAS DE NENHUM DOS LADOS

MEMÓRIA

44 Caixa postal
TONELADAS DE CORRESPONDÊNCIAS ENVIADAS PELOS
SOLDADOS REVELAM OS BASTIDORES DO CONFLITO

TRINCHEIRAS

50 Covas rasas
MAIS DE 4 MILHÕES DE SOLDADOS MORRERAM E
TIVERAM SEUS CORPOS DEVORADOS POR RATOS

E M BAT E N O M A R

54 Batalha naval
A BRIGA DE INGLESES E ALEMÃES PELA
SUPREMACIA NOS OCEANOS

FIM DOS IMPÉRIOS

76 Um novo tempo
A GUERRA BOTOU UM FIM NAS MONARQUIAS,
Inverno nas
trincheiras: PARIU A UNIÃO SOVIÉTICA E ALÇOU OS
neve e ventos ESTADOS UNIDOS AO POSTO DE POTÊNCIA
cortantes

©REPRODUÇÃO
12 BARRIL DE PÓLVORA 26 BEM-VINDOS
Um clima de tensão dominava a Europa Os Estados Unidos entram em campo

14 GOTA D’ÁGUA 27 GUERRA PARTICULAR


O assassinato de Francisco Ferdinando A luta do Japão por novos territórios

16 CONFLITO ANIMAL 28 INFERNO NO GELO


O encontro do velho e do novo mundo O sofrimento das tropas alpinas

18 PROIBIDO RESPIRAR 58 QUEM MATOU O BARÃO VERMELHO?


O embate inaugurou a guerra química Uma nova versão para a morte do ás

20 BANDEIRA BRANCA 64 AS INOVAÇÕES DA MORTE


Em 1917, a Rússia sai de cena A armas decisivas das batalhas

22 BAGDÁ, SEMPRE BAGDÁ 78 TOMOS E TELAS


Os ingleses de olho no petróleo Livros e filmes sobre a grande guerra
Conhecido como “Chanceler de
Por Fabiano Onça Ferro”, OTTO VON BISMARCK
(1815–1898) é considerado o
Mapas Artur Lopes mentor do Império Alemão.

28.
Internamente, ele unificou a mo
e as leis, agregando os feudos e
criando a Alemanha. Na política
externa, Bismarck costurou a
aliança com o Império Austro
Húngaro. Foi o fomentad

JUL.
do expansionismo
germânico.

Comandante da Força

1914
Expedicionária Britânica,
em 1915, DOUGLAS HAIG
(1861–1928), um oficial
da cavalaria, desprezava
novas invenções, como a
metralhadora. Seus ataques
frontais na batalha do

A PAZ POR Somme, em 1916, custaram


aos ingleses 60 mil mortos.

UM FIO GRÃ BRETANHA

A
ntes da I Guerra Mundial, LONDRES
o mundo vivia assim:
todos contra todos. As
grandes nações rivaliza-
vam entre si pelo controle
de mercados, matérias- ALEMAN
primas e territórios. No papel de potência
hegemônica, estava a Inglaterra, dona de
quase 1/5 do território mundial. A Ale-
manha ocupava a posição de país recém- PARIS
unificado, que ansiava por colônias e
novos mercados. Em meio ao clima hostil, BATALHA DO
iniciou-se a corrida armamentista. O MARNE ago 1914
processo ficou conhecido como “Paz Após contínuas
Armada”. Ou seja, a Europa havia se retiradas, franceses
transformado em um barril de pólvora. e ingleses finalmente O mote do Plano
Começaram a surgir alianças se- contra-atacam – Schlieffen, capitaneado SUÍÇA
cretas. De olho no crescimento da Ale- e conseguem deter pelo general germânico
manha, a Inglaterra juntou-se à França, os alemães a apenas ALFRED VON SCHLIEFFEN,
país derrotado pelos germânicos em 45 km de Paris. era flanquear as forças
1871. Já os alemães aliaram-se aos austro- francesas pelo norte,
húngaros e aos italianos, que faziam jogo FRANÇA invadindo a Bélgica.
duplo, já que mantinham relações com a A Alemanha tinha como ITÁLIA
Inglaterra e também com o Império alvo final a ocupação
Otomano. E a Rússia fechou parceria com de Paris. Já o estratagema
ingleses e franceses. Para completar o da França, conhecido
tabuleiro de xadrez, os russos decidiram como Plano 17, previa
também patrocinar a Sérvia em sua fúria o rompimento da linha ROMA
nacionalista, contrariando os interesses alemã pela Alsácia-Lorena,
do Império Austro-Húngaro. no sul. O plano alemão
Em 28 de julho de 1914, o mundo beirou a perfeição.
explodiu. A faísca que detonou a guerra O francês provou-se
foi o assassinato do arquiduque austro- um fiasco.
húngaro, Francisco Ferdinando. “No dia
seguinte, estava declarada guerra à Sérvia,
acusada do crime”, comenta Camile Bloch,
no livro The Causes of World War (As Teimoso e inflexível, JOSEPH JOFFRE
Causas da Guerra Mundial, inédito no (1852–1931) comandou as forças francesas
Brasil). Com ou sem crime, o conflito até 1916. É dele o fracassado Plano 17.
aconteceria. “Os austro-húngaros já que- Mas o general, em sua obstinada calma,
riam destruir a Sérvia”, afirma David foi o único a não entrar em pânico quando
Fromkin, em Europe’s Last os alemães estavam às portas de Paris.
Summer (O Último Verão da Ele salvou a França com a heróica reação
Europa, inédito no Brasil). Pelos na batalha do Marne, em 1914.
próximos quatro anos, a palavra
paz estaria excluída do vocabulário.

12 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


oeda
e

o-
dor

BATALHA DE
TANNENBERG ago 1914
A Rússia invade a Alemanha,
cai numa armadilha e é
massacrada. Diante da vitória
germânica, o general russo RÚSSIA O último imperador russo,
Samsonov se suicida. CZAR NICOLAU II (1868–1918),
assumiu o poder em 1894.
O imperador alemão KAISER WILHELM II (1859–1941) era um militarista. Durante seu reinado, lidou com
Desde 1888, quando assumiu o trono, investiu na ampliação das forças crescentes revoltas internas.
armadas. Seu sonho era bater a marinha britânica. Quando o herdeiro do Insatisfeito com as tropas,
NHA Império Austro-Húngaro foi assassinado, Wilhelm foi a favor das retaliações. Nicolau assumiu o comando
do exército em 1915. Com a
revolução de 1917, foi deposto
IMPÉRIO e capturado pelos bolcheviques.
AUSTRO-HÚNGARO Acabou executado junto com
todos os membros de sua família,
em Ekaterimburgo, Sibéria.

O imperador austro-
húngaro, FRANZ JOSEPH
(1830–1916), reinou durante
66 anos. Ciente da decadência
de seu reino, ele considerava a
derrota inevitável, bem como o
fim do Império Austro-Húngaro. O sultão MEHMED V
(1844–1918) assumiu o trono
do Império Otomano em 1909.
Mas a sua verdadeira paixão
ATENTADO EM não era o poder e, sim, a
SARAJEVO jul 1914 literatura persa. Durante o
O assassinato do arquiduque Ferdinando, conflito, virou marionete nas
príncipe-herdeiro do Império Austro- mãos de Enver Pasha, líder
Húngaro, é o estopim para a guerra. O dos chamados “jovens turcos”.
crime foi cometido pelo nacionalista sérvio Mehmed viu com reservas a
Gavrilo Princip, em Sarajevo, atual Bósnia. entrada de seu povo na guerra.
CENÁRIO
JAMES MCCUDDEN
REVOLTA (1895–1918), no

1915
IRLANDESA 1916 comando da 56ª
Separatistas irlandeses esquadrilha, foi o maior
tentam tomar Dublin e adversário do Barão
declarar independência da Vermelho. Dentre seus
Inglaterra. São duramente feitos, está a morte do

A
reprimidos e seus líderes ás germânico Verner
executados. Voss. “Eu não esquecerei
aquele piloto, que lutou
contra sete de nós por
dez minutos”, comentou.
McCudden morreria

1918
aos 23 anos, no dia
9 de julho.
JUTLÂNDIA 1916 FRENTE
De um lado, a marinha OCIDENTAL
inglesa perde
15 navios. Do outro,
a recém-construída
ANOS frota germânica tem
11 navios afundados.

MACABROS Resultado: empate


técnico.

N
o início do conflito, os
alemães tinham um pla- SOMME
no: massacrar os france- jul de 1916
ses em 40 dias e evitar a Mais de 1
guerra em duas frentes. milhão de
Contra todas as expecta- combatentes
tivas, a França resistiu. Mesmo com a morrem na
derrota da aliada Rússia, em Tannenberg, tentativa aliada PAR
o impasse estava criado. O desfecho fi- de quebrar a
nal passou a depender de uma vitória linha rival.
decisiva no Front Ocidental, uma longa
faixa de terra que ia do litoral francês
até a Suíça.
Só que alcançar uma vitória crucial
foi se revelando uma tarefa cada vez
mais difícil. Os dois lados da refrega
construíram trincheiras, cercadas de ara-
me farpado. O dia-a-dia era marcado por
ataques e contra-ataques, na chamada
“guerra de atrito”. Na batalha do Som- CAPORETTO
me, em 1916, por exemplo, os aliados set de 1917
perderam 500 mil homens em seis me- Vitória decisiva
ses de campanha para conquistar ape- das forças
nas 12 quilômetros de território. germânicas e
A primeira baixa do confronto foi o austro-húngaras
mito da “guerra romântica”, quando ca- contra a Itália.
valeiros emplumados duelavam por cau- Cerca de
sas nobres. A I Guerra Mundial inaugu- 300 mil italianos
rou o conflito de massas. Novos inven- são feitos
tos, como a metralhadora, os gases quí- prisioneiros ou
micos e o lança-chamas, devastavam os morrem. A Itália
campos de batalha. Mortos e feridos sai de cena.
atingiam a cifra dos milhões. E quanti-
dades imensas de material bélico saíam Conhecido como “o velho”, o jovem
das fábricas para alimentar uma guerra GEORGES GUYNEMER (1894–1917)
de proporções industriais. A sarcástica abateu 54 aviões inimigos, quatro
frase de Bertrand Russell, comentando deles em um único dia. E sobreviveu
a contribuição do economista John May- a sete acidentes em que seu avião
nard Keynes para o Tesouro britânico, foi derrubado. Ele era adorado na
resume o modelo de guerra que nascia França. Recebeu inúmeras propostas
aí: “Keynes encontrou meios de matar de casamento de fãs. Guynemer
o maior número possível de alemães”. morreu aos 23 anos.

12 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


YPRES out 1917
Ofensiva britânica
conhecida também
como batalha de REVOLUÇÃO
Passchendaele. RUSSA 1917
Os alemães se O movimento
defendem com gás político culmina
mostarda. Mais de com a deposição
600 mil mortos – e do czar Nicolau
nenhum vencedor. II. É a vitória do
comunismo – e
de Lênin.

CAMBRAI nov 1917


Pela primeira vez, os aliados utilizam
500 tanques de guerra. Inicialmente
um sucesso, os ganhos foram
anulados com um contra-ataque
alemão. Mais de 100 mil mortos.

Considerado o ás dos ases,


o alemão MANFRED VON
RICHTHOFEN (1892–1918)
ficou conhecido como o “Barão
LINHA Vermelho”. Frio e estratégico,
ALEMÃ ele abateu 80 aviões aliados,
MARNE jul de 1918 até morrer em ação aos 25 anos.
As tropas alemãs só são Filho da tradicional nobreza
RIS derrotadas graças à entrada LINHA DOS prussiana, Manfred era
dos americanos: 300 mil baixas. ALIADOS realmente barão. E seu avião,
totalmente pintado de vermelho.

VERDUN fev 1916


Assalto alemão ao complexo
de fortalezas francesas.
É a primeira vez que o
lança-chamas é utilizado.
Mais de 250 mil baixas, mas
Verdun resiste.

BAGDÁ mar 1917


A cidade cai sem
resistência.
GENOCÍDIO O comandante
ARMÊNIO 1915 otomano Khalil
Como punição pelo Pasha evacua
GALLIPOLI REVOLTA apoio aos russos, os Bagdá
abr 1915 ÁRABE 1916 otomanos deportam após lutas
Wiston Churchill, Sob o comando do 2 milhões de armênios preliminares
no comando da xeque Hussein – e para a Síria. Poucos com os
marinha britânica, com a influência de chegam ao destino. britânicos.
tenta tomar o Lawrence da Arábia,
estratégico estreito um agente inglês –,
de Dardanelos. os árabes se revoltam
Desastre: 500 mil contra o domínio do
pessoas mortas. Império Otomano. .

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 9


CENÁRIO

11
NOV
IRLANDA
A luta pela independência da
Irlanda deu as caras na frustrada
revolta de 1916. Em 1919,
nacionalistas liderados pelo
Exército Republicano Irlandês (IRA)

1918
renovaram a batalha e, finalmente,
em 1921, conquistaram a liberdade,
exceto por um enclave protestante
no norte do país, mantido pela
Inglaterra até hoje e conhecido
como Irlanda do Norte.

C OMEÇA UMA
NOVA ERA

O
mapa da Europa tinha de
ser redividido e retraça-
do, tanto para enfraque-
cer a Alemanha quanto
para preencher os gran-
des espaços vazios dei-
xados na Europa e no Oriente Médio pe-
lo colapso simultâneo dos impérios rus-
so, habsburgo e otomano”, comenta o
historiador Eric Hobsbawm em seu livro
a Era dos Extremos: Uma Breve
História do Século XX.
Na lista de preocupações dos vence-
dores, entre eles os Estados Unidos, a ALEMANHA
mais nova potência mundial, estava tam- O Tratado de Versalhes impôs duras
bém a recente revolução comunista, um condições à Alemanha. O país teve que
exemplo perigoso que tinha que ser con- admitir a culpa pelo conflito e pagar
tido. “Tornar o mundo seguro contra o exorbitantes reparações de guerra.
bolchevismo e remapear a Europa eram Seu exército foi restrito a 100 mil homens
metas que se sobrepunham”, afirma e sua marinha, a seis encouraçados.
Hobsbawm. Assim, um verdadeiro “cor- O país ficou proibido de ter aviação,
dão sanitário”, formado por vários novos tanques e qualquer tipo de artilharia
estados, foi criado para isolar a Rússia pesada. A Alemanha também foi punida
da Europa Ocidental. com perda de território para a França,
A criação de novos estados e a paz Polônia, Tchecoslováquia e Lituânia, além
humilhante concedida à Alemanha ape- de todas as colônias africanas e asiáticas.
nas camuflaram antigos problemas, que
durante todo o século 20 voltaram a per-
turbar a Europa. Sua pior manifestação
foi, sem dúvida, a II Guerra Mundial. Mais
recentemente, outras velhas questões
afloraram, como a Guerra da Bósnia, a
divisão da Tchecoslováquia e as disputas
entre húngaros e romenos pela Transil-
vânia. A guerra para acabar com todas
as guerras só gerou mais guerras.
FINLÂNDIA UNIÃO SOVIÉTICA
Aproveitando a Nascida oficialmente em
Revolução Russa, 1922, a União das Repúblicas
a Finlândia Socialistas Soviéticas (URSS)
declarou sua foi a maneira encontrada
independência pelos comunistas para
em 1917, que assegurarem o controle
foi reconhecida político de vastas áreas
formalmente pela no Cáucaso (Armênia,
Rússia em 1920. Azerbaijão e Geórgia), na
Ásia Central (Turcomenistão,
Tadjiquistão, Usbequistão)
e na Rússia européia (Moldávia,
Bielo-Rússia e Ucrânia).

ESTÔNIA, LITUÂNIA E LETÔNIA


Pelo tratado de Brest-Litovsk, os três países bálticos garantiram
sua independência da Rússia, em uma estratégia alemã de criar
um “cordão sanitário” entre a Europa e os eslavos. Estônia,
Lituânia e Letônia permaneceram livres até 1940, quando tropas
soviéticas invadiram e tomaram os territórios. Só reconquistariam
a liberdade em 1991, com o fim da União Soviética.

BIELO-RÚSSIA E UCRÂNIA
Pelo tratado acordado com os
alemães em Brest-Litovsk, em
POLÔNIA 1917, a Rússia cedia o controle
Durante o desenrolar da guerra, o país sobre a Ucrânia e a Bielo-Rússia.
ganhou a independência após 120 anos As duas repúblicas, que de 1918
de colonialismo alemão. Em 1919, a a 1920 gozaram uma curta
Polônia foi invadida e dividida entre liberdade, foram anexadas
alemães e soviéticos. pela União Soviética em 1921.
Só alcançariam a independência
70 anos depois, em 1991.
ÁUSTRIA, HUNGRIA E TCHECOSLOVÁQUIA
Áustria e Hungria assinaram dois
diferentes tratados de paz: Saint
German e Trianon, respectivamente, IRAQUE, TRANSJORDÂNIA,
um indicativo de que o antigo Império PALESTINA, SÍRIA,
Austro-Húngaro seria desmembrado. Um LÍBANO E ARÁBIA
terceiro Estado surgiu do esfacelamento, Como resultado do Tratado
a Tchecoslováquia. A Áustria ainda de Versalhes, o Império
perdeu consideráveis territórios para Otomano perdeu todas
a Itália, Polônia, Romênia e Iugoslávia. as suas possessões.
Os britânicos e franceses
dividiram os atuais Iraque,
Síria, Líbano, Jordânia,
IUGOSLÁVIA Israel, Palestina e Arábia
Quando a guerra acabou, mais da Saudita entre si e
metade dos sérvios em idade militar tornaram-se mandatários
estavam mortos, feridos ou desses países até que suas
desaparecidos. Mas os nacionalistas populações estivessem
realizaram seu sonho. O rei da Sérvia, “maduras para governar
Peter I, tornou-se o soberano de um a si mesmas”. Uma prova
novo Estado, abrangendo a própria de que a história se repete.
Sérvia, a Bósnia e a Croácia. O novo
país foi chamado de Iugoslávia.
A divisão apenas adiou o conflito.
O caldeirão voltou a explodir em
1995, com a Guerra da Bósnia.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 11


CENÁRIO

Barril de pólvora
NO INÍCIO DO SÉCULO
E HOSTILIDADE DOMINAVA A EUROPA .
20, UM CLIMA DE TENSÃO
A EXPLOSÃO
DO MUNDO ERA UMA QUESTÃO DE TEMPO

P o r Ta m i s P a r r o n

N
ão é à toa que o historiador Eric Hobsbawm ape- destruição da Alemanha”, pregava o diá-
lidou o século 20 de a Era dos Extremos, título rio em 1897. Na França, o sentimento
do clássico que cobre o período de 1914 a 1991. antigermânico não era menos intenso.
Segundo ele, não há como compreender tal mo- Desde a derrota na Guerra Franco-Prus-
mento da história sem mergulhar nas trincheiras siana e a perda da Alsácia-Lorena em
dos conflitos totais. Em especial da I Guerra, que inaugurou um 1871, o país desejava revanche. Em to-
mundo onde paz “era coisa do passado”. “O século 20 foi mar- do o continente, a atmosfera também es-
cado pela guerra. Viveu e pensou em termos de guerra, mesmo tava carregada. Os povos dominados pe-
quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam”, es- los grandes impérios experimentavam
creveu Hobsbawm. “Em 1914, não havia grande guerra fazia um um sentimento nacionalista, transforman-
século. Aliás, não houvera em absoluto guerras mundiais”, com- do regiões, como os Bálcãs, num barril de pólvora.
pleta. Mas afinal de contas por que o planeta explodiu? Em meio a tanta hostilidade, a diplomacia teve papel fun-
Para entender o conflito que durou quatro anos e teve co- damental para sustentar o que ficou conhecido como “paz arma-
mo resultado uma segunda guerra mundial, é preciso decifrar os da”. Pelo menos nove acordos de aliança militar ditaram o ritmo
bastidores do cenário onde tudo aconteceu. Na Europa daquele de uma verdadeira dança das cadeiras. Alemanha, Rússia, Áus-
tempo reinava um clima de tensão e ressentimento. A rivalidade tria-Hungria, Itália e França trocaram de aliados inúmeras vezes.
entre as grandes potências beirava o intolerável. No meio do cal- Estavam do lado de quem atendesse seus interesses nacionalis-
deirão de vaidades estava a Alemanha, país que ameaçava o po- tas. O chanceler alemão Otto von Bismarck deu início às coali-
derio britânico e francês. De 1871 a 1914, a economia alemã zões em várias frentes. Em 1881, a Alemanha firmou acordos com
cresceu 600%; e em 1914, a produção de aço do país deixou na a Áustria-Hungria e a Itália, formando a Tríplice Aliança. A Fran-
poeira as indústrias da Inglaterra, França e Rússia juntas. ça também organizou seu tabuleiro. Anulou o apoio da Itália num
Os jornais britânicos, como o Saturday Review, inflamavam tratado secreto em 1881 e, em 1892, firmou parceria com a Rús-
os cidadãos contra a ameaça germânica. “Se a Alemanha fosse sia. Segundo o acordo, em caso de ataque germânico, as forças
extinta amanhã, não haveria depois de amanhã um só inglês no francesas e russas “devem se mobilizar com tal velocidade que a
mundo que não fosse mais rico do que é hoje. Por que não lutar Alemanha terá de lutar ao mesmo tempo a oeste e a leste”.
por um comércio de 250 milhões de libras? A Inglaterra desper- Inicialmente a Inglaterra manteve-se isolada, confiante no
tou para o que é a sua mais grata esperança de prosperidade: a poderio de sua esquadra. Mas assistia atenta ao despertar da

12 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004 © ARTUR LOPES


Alemanha. Para garantir seu lugar ao sol, os germânicos inves- SAIBA MAIS
tiam em uma força marítima capaz de desafiar a supremacia na-
LIVROS
val inglesa. A ilha britânica respondeu: em apenas 14 meses cons- A Grande Guerra, de Marc Ferro,
truiu o gigante encouraçado Dreadnought. Também decidiu as- Edições 70, 2002
sinar convenções com a Rússia e a França. Em 1907, nasceu a Deutsche Gesellschaftsgeschichte,
Tríplice Entente. E a Europa havia se dividido claramente em dois 1849-1914, de Hans-Ulrich Wehler,
Beck München, 1995
blocos. Com o mundo armado até os dentes, “o conflito de 1914
Era dos Extremos – O Breve Século
nasceu da crença ingênua de que a guerra seria breve e que o po-
XX, de Eric Hobsbawm, Companhia
der militar do próprio país triunfaria sobre os demais em pou- das Letras, 1995
cos meses”, avaliam Ian Cawood e David Bell no livro The First The First World War, de Ian Cawood
World War (A Primeira Guerra Mundial, inédito no Brasil). e David McKinnon-Bell, Routledge, 2001

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 13


O COMEÇO

Gota
d’água
C OM UM TIRO À QUEIMA - ROUPA ,
MATA O PRÍNCIPE
G AVRILO P RINCIP
AUSTRO - HÚNGARO, F RANCISCO
F ERDINANDO. É O PRETEXTO PARA A GUERRA

Por Andressa Rovani

P
or pouco, o plano não foi tribuíssem no caminho que seria feito pe-
por água abaixo. Inexpe- la comitiva de Ferdinando com destino à
rientes, os três jovens sér- prefeitura. O plano, no entanto, não saiu
vios, Gavrilo Princip, Ned- como eles imaginavam. Mas a sorte – ou
jelko Cabrinovic e Trifko azar – estava com Princip, que deu fim à
Grabez, estiveram a um passo do fracas- vida do herdeiro do trono austro-húnga-
so de sua missão: matar o herdeiro do tro- ro em 28 de junho de 1914.
ARMA DO CRIME
Depois de décadas desaparecida, a
no austro-húngaro, Francisco Ferdinan- No total, oito homens foram presos. pistola Browning, modelo 1910, usada
do. Mas uma trapalhada da segurança do Princip foi condenado à pena máxima: para matar Ferdinando e sua mulher,
arquiduque colocou Princip de cara com 20 anos de prisão. O que ele desejava, no Sofia, foi reencontrada em junho deste
ano. Logo após o assassinato, a arma
o seu alvo. O tiro atingiu Ferdinando no entanto, era morrer. “Minha vida já está ficou sob a guarda do padre jesuíta
pescoço. O crime foi a gota d’água para arruinada. Eu sugiro que me preguem em Anton Puntigam, que deu a extrema-
unção ao arquiduque. A guerra impediu
o início do conflito que deixou um saldo uma cruz e me queimem vivo. Meu cor- Puntigam de realizar seu desejo: abrir
de 10 milhões de mortos. po em chamas será uma tocha para ilu- um museu dedicado a Ferdinando. Sua
Por trás do atentado estava a socieda- minar meu povo no caminho para a li- idéia era reunir, além da pistola de
Princip, outros objetos ligados ao crime,
de secreta Mão Negra. A organização na- berdade”, declarou. Mas o jovem ainda como o uniforme usado por Ferdinando
cionalista não havia engolido a anexação viveria para ver, um mês mais tarde, a no momento do atentado, e também o
da Bósnia ao Império Austro-Húngaro, eclosão de um conflito que mobilizou to- carro imperial. Com a morte do sa-
cerdote, em 1926, a família do arqui-
em 1908. E, em 1914, contratou o das as grandes potências mundiais. duque solicitou os materiais, mas dei-
trio de sérvios para matar o arqui- Apesar da ameaça de guerra já xou a arma para trás. O convento vienen-
duque, em Sarajevo. Em segui- estar sendo gestada há anos pe- se Ignaz Seipal Platz encontrou a pistola
em seus arquivos e a entregou ao Mu-
da, os assassinos deveriam come- los dois lados, o ataque à famí- seu de História Militar, na capital aus-
ter suicídio com cianureto. Eles lia real austro-húngara mere- tríaca, onde agora está exposta.
foram escolhidos justamente cia uma resposta imediata –
porque já estavam condenados e à altura. Um ultimato, pre- SAIBA MAIS
à morte pela tuberculose. Não parado pelo conselho ministe- SITES
tinham o que perder. rial austríaco, tornou inevitável o http://www.firstworldwar.com/source/
harrachmemoir.htm (em inglês)
Com um arsenal de quatro confronto. Foi a última tentati-
http://www.lib.byu.edu/~rdh/wwi/1914/
pistolas e seis bombas, a va diplomática de paz. ferddead.html (em inglês)
idéia era que os ra- Princip morreria an- http://www.lib.byu.edu/~rdh/wwi/
pazes, com a ajuda tes do final da re- comment/blk-hand.html (em inglês)
de agentes da or- frega, em 28 de http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/
ganização, se dis- abril de 1918. FWWprincip.htm (em inglês)

Gavrilo Princip ©1 ©1 REPRODUÇÃO 2 ÉBER EVANGELISTA ©2


OBRA DO ACASO
O passo-a-passo do
atrapalhado assassinato
de Francisco Ferdinando

1 A CHEGADA
O relógio marca pouco mais de 10h,
quando Francisco Ferdinando e sua
esposa chegam à estação de trem
de Sarajevo, capital da Bósnia.
O casal segue em comitiva oficial
até a prefeitura. Mesmo alertado
dos rumores de atentado, o
arquiduque percorre a cidade
2 A PRIMEIRA TENTATIVA
em carro aberto. O primeiro Às 10h10, quando a comitiva passa
homem na rota traçada pela em frente à estação policial, Nedjelko
Mão Negra é Muhamed Cabrinovic joga uma granada na direção
Mehmedbasic. Com um policial do carro do arquiduque. Só que
bem nas suas costas, Mehmedbasic a bomba atinge o automóvel que
vacila e não atira a bomba. vem atrás, ferindo dois passageiros
e 12 pedestres. Confiante do sucesso,
Cabrinovic engole cianureto e se atira
no rio. Mas não morre, e é preso.
A velocidade dos carros no restante do
trajeto impede os outros três terroristas
de agirem. A comitiva se dirige para
a prefeitura e cumpre agenda oficial.

3 PALAVRAS FINAIS
“O que há de novo no seu
discurso? Eu venho a Sarajevo
para uma visita e sou recebido
com bombas. É um absurdo!”,
esbraveja Ferdinando,
interrompendo a recepção
de boas-vindas do prefeito.
Ao saber da situação dos feridos
pelo ataque, o arquiduque
insiste em visitá-los no hospital.
O general Oskar Potiorek,
responsável pela segurança
dos visitantes, garante que 4 O ERRO FATAL
o trajeto é seguro dizendo: Para evitar o centro da cidade,
“Você acha que Sarajevo Potiorek traça uma rota alternativa.
está cheia de assassinos?”. Só que ele se esquece de avisar
justamente o motorista de Ferdinando,
que segue o caminho original.
O erro foi fatal. Sem aparelhos de
comunicação, os terroristas não sabiam
do desenvolvimento do plano e, por
isso, continuavam atentos. Gravilo
Princip – que tomava um café na rua
Franz Joseph – dá de cara com o carro
oficial e dispara dois tiros, a cerca de
1,5 metro de distância do veículo oficial.
Às 11h30, o primeiro disparo fatal
acertou Sofia, supostamente grávida,
no estômago. O segundo atingiu
o pescoço de Francisco Ferdinando.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 15


TECNOLOGIA

Conflito
animal U
ma trupe de 500 soldados
americanos estava metida
em uma encrenca das bra-
vas. Cercados por alemães
em Verdun, no chamado
Front Ocidental, os combatentes só conse-
guiriam escapar se recebessem ajuda dos alia-
dos. Como as comunicações por rádio ainda
eram precárias, o jeito foi apelar para a força
NO AR , POMBOS - CORREIO E AVIÕES.
NA TERRA , aérea animal. Desesperados, os soldados sol-
CAVALOS , ESPADAS E METRALHADORAS. N O taram vários pombos-correio com mensa-
gens de socorro. Mas só uma das aves
MAR , A ESTRÉIA DOS SUBMARINOS. A SSIM conseguiu escapar dos tiros germânicos.
FOI A GRANDE GUERRA : UM ENCONTRO No meio do fogo cruzado, o pombo Cher
Ami voou rápido e atingiu o destino. A men-
DO VELHO E DO NOVO MUNDO sagem foi arrancada dos tendões expostos da
perna da ave. Graças ao bravo ás emplumado,
Por Fábio Marton 194 soldados sobreviveram à emboscada.
Cher Ami ganhou a Cruz de Guerra francesa,
uma condecoração reservada aos heróis.
Levado para os Estados Unidos, o bichinho
morreu um ano depois, em conseqüência dos
ferimentos. Hoje, seu corpo empalhado

Os veteranos pombos-correio dividiram o céu com os estreantes aviões


S A N T O S D U M O N T

POR QUE
POR QUE
SANTOS
ELE SE
DUMOND
MATOU?
SE MATOU?
O aviador Santos
Dumont se matou
em 1932, enforcan-
do-se com uma gra-
vata, no Guarujá, em
São Paulo. Segundo
alguns de seus bió-
grafos, o uso de aviões para fins milita-
res na guerra contribuiu para a depres-
são que já vinha derrubando o espírito
do aviador desde 1910, quando ele foi
obrigado a parar de voar devido a uma
esclerose múltipla. Durante o conflito, o
pacifista declarou publicamente seu re-
púdio aos ases do embate.
Não existe, no entanto, comprova-
ção histórica da relação entre o suicídio
de Santos Dumont e a transformação de
aviões em armas poderosas. A derrocada
do aviador é, na verdade, a soma de mui-
tos dissabores. Além de doente, ele não
se conformava com o fato de os irmãos
Wright terem lhe roubado o título de
inventor do avião. No livro O que Eu Vi,
O que Nós Veremos, Santos Dumont se
manifestou com argumentos até hoje
usados por seus defensores. Para com-
pletar o quadro, ele havia sido obrigado
As metralhadoras foram uma das grandes invenções tecnológicas da época. a deixar Paris e se refugiar no Brasil, acu-
Acabaram adaptadas em aviões, inaugurando as batalhas aéreas sado de espionagem.

encontra-se no Museu de História Ame- Em 1915, apareceram as metralhado- suprimentos, munições e peças de arti-
ricana, da Fundação Smithsonian, em ras frontais, mais fáceis de mirar. O pro- lharia no lombo dos eqüinos. No final
Washington. blema é que muitas vezes acertava-se a da guerra, os aliados contavam com o aju-
Assim foi I Guerra Mundial: novas e própria hélice. Era como fazer gol contra. da de 213 mil mulas. Mas as tropas mon-
velhas tecnologias se revezando nos cam- O francês Rolland Garros deu um jeito: tadas foram banidas durante o conflito.
pos de batalha. Ao mesmo tempo em que blindou as hélices do avião. Mais tarde os Os estrategistas perceberam que soldados a
técnicas rudimentares salvavam a pátria, alemães sincronizaram os tiros com a cavalo contra metralhadoras não era boa
inovações iam surgindo com o desenrolar rotação da hélice, uma novidade que lhes idéia. Em 31 de outubro de 1917, a cavala-
da refrega. Na tentativa de criar armas rendeu muitas vitórias até, claro, ser co- ria teve sua última glória. Montados em
mais potentes, muitas trapalhadas aconte- piada. No mar, mais situações hilárias. animais, ingleses e australianos, com tiros
ceram. No início, os pilotos dos aviões, Apavorados com os ataques dos submari- de fuzil e golpes de espada, massacraram
inconformados com as simples missões nos alemães, os ingleses precisavam en- os turcos na fortaleza de Bersheeba, na
de reconhecimento, tentaram atingir o contrar uma forma de tirar de combate os Palestina. Foi o último ataque de cava-
inimigo com tiros de revólver, granadas, malignos torpedos. Para solucionar o laria bem-sucedido da história.
tijolos e lanças. Soluções dignas da esqua- drama, decidiu-se atacar os U-Boats
drilha de Dick Vigarista, mas que resul- quando subiam à tona, jogando o próprio SAIBA MAIS
taram na idéia de instalar metralhadoras navio contra eles, numa manobra um SITES
nos aviões. A princípio, a arma ficava na tanto primitiva. Mas deu certo: 14 sub- http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/
(em português, disponibiliza o livro O que Eu Vi,
asa – ou na mão do co-piloto. O sujeito marinos alemães foram destruídos. O que Nós Veremos, de Santos Dumont)
tinha que se virar para atirar e também Em meio a experimentações estapa-
http://www.firstworldwar.com/features/forgotte
dar as coordenadas de vôo. E servia ainda fúrdias, cavalos e mulas continuaram narmy.htm (em inglês)
de lança-bombas, atirando-as – acredite sendo a espinha dorsal da logística de http://www.tepapa.govt.nz/wings/pigeons2.htm
se quiser – com as próprias mãos. apoio dos exércitos. Transportavam-se (em inglês)

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 17


GASES QUÍMICOS Os agentes
venenosos
impulsionaram o
desenvolvimento
de máscaras
de proteção

Proibido
respirar
NO VALE - TUDO DOS CAMPOS DE BATALHA , GASES TÓXICOS VIRARAM
ARMAS .
M AIS DE 90 MIL SOLDADOS FORAM VÍTIMAS DOS SOPROS
VENENOSOS . E STAVA INAUGURADA A GUERRA QUÍMICA

P o r Ta m i s P a r r o n

18 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


Q
uando nuvens coloridas se metros de território livre para o avanço Mais de 90 mil
soldados
aproximavam dos palcos alemão. Fritz Haber, chefe do serviço de morreram
de batalha, gongos e ma- guerra química germânica, dirigiu pes- vítimas dos
tracas avisavam os com- soalmente a investida com o cloro gasoso. gases tóxicos
batentes da ameaça mor- Em 1918, Haber ainda seria laureado com
tal trazida pelo vento: os o Prêmio Nobel de Química.
gases tóxicos. Respirando lentamente, a Os aliados não deixaram por menos.
soldadesca revezava os equipamentos de Em resposta ao ataque alemão, decidiram
proteção. Eram momentos de muita ten- investir em agentes tóxicos. Com isso uma
são. Afinal, até respirar tornava-se risco de arma mais potente começou a ser testada
vida. O manto dos agentes venenosos co- nos campos de batalha: o fosgênio. Trai-
briu as trincheiras durante quase toda a I çoeiro, não provocava efeitos imediatos.
Guerra. O conflito, aliás, batizou o uso Mas matava soldados até 48 horas após a
sistemático de armas químicas. Entre 1915 inalação. Ainda em 1915, os franceses cria-
e 1918, foram produzidas 113 mil ram granadas de fosgênio, que não de-
toneladas de gases, como cloro, mostarda pendiam mais de bons ventos para bafe-
e fosgênio. O resultado dos sopros peçon- jar as faces inimigas. Enquanto as armas
hentos não poderia ter sido mais assusta- químicas eram aperfeiçoadas, os equipa-
dor: quase 90 mil mortos e mais de 1 mil- mentos de proteção começavam a sur-
hão de feridos. “Os primeiros minutos gir. Das precárias máscaras de algodão,
com a máscara decidiam sobre a vida e a os ingleses passaram a utilizar cilindros
morte. Toda a questão residia em saber se de respiração com antídotos contra os
o equipamento seria impermeável”, es- gases. Até o final do conflito, diversas
creveu Erich Maria Remarque no livro Na- máscaras e também compostos quími-
da de Novo no Front. cos foram criados. O mais famoso: o
Os alemães são os pais da guerra gás mostarda, uma invenção alemã.
química de fato, embora os franceses te- Muito à frente na pesquisa de ar-
nham usado gás lacrimogênio antes. A mas químicas, a Alemanha empregou o
inauguração das investidas com gases ve- gás mostarda em 1917. O vento amare-
nenosos aconteceu assim: em 22 de abril lo mostrou-se capaz de devastar as linhas
de 1915, em Ypres, na Bélgica, uma névoa adversárias mesmo em meio às tropas com
de um verde cinzento começou a soprar máscaras de proteção. Em contato com
em direção às linhas das tropas aliadas. Em qualquer parte da pele, provocava bolhas,
pânico, milhares de soldados tentaram es- atacando em seguida os olhos e os pul-
capar, deixando armas e mochilas para trás. mões. Sua vítima mais ilustre foi o então
Outros milhares se arriscaram com más- soldado Adolf Hitler. Em 1918, o futuro SAIBA
caras improvisadas. Psicologicamente, o kaiser, então com 29 anos, ficou tempo- MAIS
ataque cruel dos germânicos foi um suces- rariamente cego, em uma batalha em Ypres. LIVROS
so. Os inimigos desertaram em massa, Em 1925, o bom senso deu as caras e as Der Gaskrieg, de
Dieter Martinetz,
deixando uma brecha de mais de 6 quilô- grandes potências assinaram um acordo Bernard & Graefe,
que proibia o uso de armas 1996
químicas em campos de batal- First World War,
ha. Mas 11 anos depois, Mus-
VÍTIMAS DO VENTO solini já apelava para o gás
de H. P. Willmott,
Dorling Kindersley,
PAÍS FORA DE COMBATE MORTOS 2003
mostarda na Etiópia. Os ja-
Áustria-Hungria 100 000 3 000 Nada de Novo
poneses, por sua vez, come- no Front, de Erich
Grã-Bretanha 188 706 8 109
çaram a testar novos compos- Maria Remarque,
França 190 000 8 000
tos em chineses a partir de L&PM Editores,
Alemanha 200 000 9 000 2004
Itália 60 000 4 627 1937. E Hitler parece nem ter
Rússia 419 340 56 000 se lembrado do próprio sofri- SITES
Estados Unidos 72 807 1 462 mento em sua política de ex- www.
Outros 10 000 1 000 firstworld
termínio dos judeus, durante a war.com
Fonte: www.firstworldwar.com II Guerra Mundial. (em inglês)
Os soldados russos foram mais atingidos pelos gases venenosos,
uma vez que não possuíam equipamentos de proteção
RÚSSIA

branca
Bandeira
C OM A VITÓRIA DO SOCIALISMO , EM
ASSINA O ACORDO DE PAZ COM A
E SE RETIRA DOS CAMPOS DE BATALHA

Por Carla Aranha


1917,
A LEMANHA .
A R ÚSSIA

O
fracasso russo na guer- perdeu dois regimentos inteiros. Foram
ra pode ser traduzido 250 mil mortos. O czar não se deu por
como a crônica de uma satisfeito: mandou mais tropas para o
desgraça anunciada. front. O país fervia, a fome aumentava,
Quando o conflito co- a guerra continuava – e Vladimir Lênin,
meçou, o país enfrentava toda a sorte de Leon Trotski e seus companheiros viam
revoltas internas – e uma briga fora de o sonho comunista se aproximar.
casa não estava nos planos do povo. Des- Mal equipados, os russos morriam
de 1905, camponeses e operários já ha- feito moscas. No final de 1916, contabi-
viam se juntado para derrubar o regime lizavam-se 1,7 milhão de soldados mor-
vigente. Naquele ano, a Rússia vivera tos e 5 milhões de feridos. Diante do mas-
uma prévia do que seria a revolução de sacre, a população se revoltou. E Nico-
12 anos depois, que inauguraria o socia- lau II não teve saída: renunciou. Assu-
lismo no mundo. Mesmo contra tudo e miu um governo provisório, formado por
todos, o czar Nicolau II juntou-se com liberais e socialistas moderados. Pressio-
ingleses e franceses na chamada Tríplice nado pelos aliados, o novo líder, Alexan-
Entente. O resultado não poderia ter der Kerenski, tentou manter as tropas
sido outro. No primeiro ano nas trincheiras. Só que grande parte do
do embate, depois de exército abandonou o barco. “Os deser-
apenas duas batalhas, tores engrossaram as fileiras que ocupa-
a de Tannenberg e a vam as propriedades rurais na Rússia,
dos Lagos Mansu- promovendo a reforma agrária”, diz o
rian, o exército historiador Paulo Fagundes Vizentini, da
russo Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, um dos autores de Enciclopédia de
Guerras e Revoluções do Século XX.
No Front Oriental, a situação se com-
plicava a cada dia. Ao mesmo tempo em
que os alemães marchavam Rússia aden-
tro, o general Kornilov, contrário ao
novo governo, decidiu dar um golpe
Leon Trotski liderou, junto com Lênin,
a Revolução de Outubro
de Estado. Reuniu as tropas no Báltico
para destituir o governo provisório. Mas
o golpe fracassou. E a tentativa de ascen-
são nacionalista só fez enfraquecer o va-
cilante poder de Kerenski. Foi a cereja no
bolo que Lênin vinha confeitando. Em
25 de outubro de 1917, aconteceu o fa-
to político mais importante do século 20:
os comunistas tomaram o poder na Re-
volução de Outubro. E, em dezembro, Na foto de 1916,
assinaram o armistício com a Alemanha, o czar e seu filho
entre oficiais da
no acordo de Brest-Litovsk. Os germâ- guarda imperial
nicos ficaram livres então para partir pa-
ra o Front Ocidental. “Se a paz entre Ale-
manha e Rússia não tivesse coincidido
com a entrada dos Estados Unidos na
guerra, a migração das tropas alemãs pa-
ra o Front Ocidental teria prolongado o
conflito”, avalia o historiador Francisco
Teixeira da Silva, da Universidade Fede- N I C O L A U I I
ral do Rio de Janeiro.
A situação interna continuou russa, O ÚLTIMO
O ÚLTIMO CZAR
CZAR
com o perdão do trocadilho. Revolucio- Veredicto: culpado. O último czar da Rússia, Nicolau II, en-
nários lutavam contra direitistas e con- trou para a história como o sujeito por trás da fracassada cam-
panha russa na grande guerra – e também como o homem que
tra as tropas enviadas pela Entente para abriu o caminho para o triunfo do socialismo no Leste Europeu.
combater o socialismo. Nasceu aí o Exér- Não por acaso o governo do czar foi um desastre. Na infância,
cito Vermelho. “Durante o inverno de ele viveu encarcerado em palácios, sem nunca ter visto a reali-
dade de seu país. Foi educado para governar como um déspota.
1920-1921, os revolucionários derrota- E assim o fez.
ram as forças contra-revolucionárias e in- Quando assumiu o trono, em 1894, aos 26 anos de idade,
tervencionistas”, conta o historiador Pau- Nicolau Romanov tinha como principal meta expandir os
domínios da Rússia, sem levar em consideração o bem-estar do
lo Fagundes Vizentini, em O Século Som- povo ou a economia capenga do país. Já em 1904 ele tentou
brio. Nunca tantos russos haviam tom- concretizar seu sonho ao liderar uma desastrosa campanha con-
bado de uma só vez. Entre mortos da I tra o Japão. O fiasco foi mais uma gota no crescente descon-
tentamento dos russos com seu líder.
Guerra e da Guerra Civil, o país perdeu Para piorar a situação, o czar havia virado fantoche nas
mais de 10 milhões de homens. É quase mãos de sua esposa, Alexandra, uma princesa de origem
o mesmo número de mortos de todas as alemã, e do mago Gregory Rasputin, um de seus conselheiros.
As más-línguas, aliás, diziam que a czarina e Rasputim eram
nações envolvidas no conflito. Fim da his- bem mais do que apenas bons amigos. O poder de Alexandra
tória da participação da Rússia na guer- foi comprovado quando Nicolau II deixou a Rússia sob seus
ra: alemães fortalecidos, triunfo do socia- mandos e desmandos para comandar pessoalmente as tropas
do país no Front Oriental, em 1915.
lismo – e o início de uma nova fase na his- A revolta popular atingiu então níveis intoleráveis. Em
tória econômica e política do mundo. 1916, Nicolau II foi alertado por nobres fiéis sobre o iminente
risco chamado comunismo. Enquanto ele perdia batalha após
batalha no Front Oriental, camponeses e operários se organi-
SAIBA MAIS zavam para tomar o poder. Teimoso e surdo aos apelos de seus
LIVROS defensores, ele optou por ignorar o povo. Deu no que deu.
O Século Sombrio, de Francisco Carlos Teixeira A morte encerrou a trapalhada trajetória do líder russo.
da Silva (org.), Campus, 2004. Em 15 de março de 1917, Nicolau II foi forçado a abdicar do
trono. E, junto com a família, acabou exilado na Sibéria. No ano
Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século seguinte, o czar e todos que o cercavam foram fuzilados pelos
XX, de Francisco Carlos Teixeira da Silva (org.), socialistas, que agora mandavam no país. Para eliminar qual-
Campus, 2004. quer prova da execução, tiveram seus corpos esquartejados e
História da Riqueza do Homem, de Leo queimados com ácido. O que restou do corpo do último czar da
Huberman, Editora Zahar, 1986. Rússia foi enterrado em uma vala comum na floresta siberiana.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 21


ORIENTE

Bagdá
N ÃO É DE HOJE QUE OS OCIDENTAIS COBIÇAM O PETRÓLEO
IRAQUIANO. A CIDADE , ÀS MARGENS DO RIO
O PRINCIPAL ALVO DOS BRITÂNICOS JÁ EM

Por Fabiano Onça


sempre Bagdá
T IGRE ,
1914
TORNOU - SE

O
que é que Bagdá tem? A estouro do conflito, a Inglaterra havia Com a vitória em Basra garantida,
resposta é simples: petró- investido em oleodutos e refinarias em os ingleses miraram sua máquina de
leo. Não é de hoje que os Basra, porto localizado no Golfo Pérsi- guerra para Bagdá, uma presa valiosa
ocidentais cobiçam o ou- co. Com a guerra batendo à porta, os em termos políticos. Em menos de um
ro negro que jorra das britânicos agiram rápido. Em 16 de ou- ano, Qurna, Shaiba, Amara, Nassiriah
profundezas da terra na- tubro de 1914, uma frota com 5 mil e Kut caíram em mãos britânicas. Só
quela região. Desde o século 19 os bri- soldados zarpou na Índia rumo ao Gol- que a conquista da cidade às margens
tânicos tentavam – em vão – se apode- fo. O objetivo: zelar pelos interesses pe- do rio Tigre não seria moleza. Os tur-
rar dos torrões férteis da Mesopotâmia, trolíferos da Grã-Bretanha. Um mês de- cos se esmeraram na defesa de Ctesi-
onde hoje se localiza o Iraque. Com a pois, quando os otomanos declaram phon, o último obstáculo antes de Bag-
eclosão da I Guerra Mundial, tal ter- guerra aos ingleses, a cidade de Basra já dá: reuniram 18 mil soldados. Contra
ritório virou o alvo principal da ambi- estava ocupada. Para justificar a inves- tal contingente, os britânicos apresen-
ção da Grã-Bretanha. Afinal, o petró- tida, o governo britânico usou a mes- taram 11 mil homens. A batalha inicia-
leo era essencial para manter a vasta ma retórica que George Bush viria usar da em 2 de novembro de 1915 termi-
marinha inglesa. Para conseguir abo- em 2003, quase um século depois. nou sem vencedor. Os britânicos per-
canhar o valoroso quinhão, no entan- “Viemos como libertadores, não como deram 40% da tropa. Os turcos tiveram
to, seria preciso varrer os turcos do pe- conquistadores”, disse Percy Cox, che- 9600 baixas.
daço. A região vivia sob domínio do fe da inteligência britânica.
Império Otomano há mais de 500
anos. Uma década antes do

Os turcos enfrentaram os ingleses


montados em camelos

22 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


Os ingleses recuaram para Kut, on- se toda a sorte de problemas sociais: dis-
de sofreram uma das mais humilhantes puta de poder entre tribos, ameaças a mi-
derrotas da guerra. Em 7 de dezembro de norias étnicas e uma luta dos nacionalis-
1915, eles foram cercados por 10 mil oto- tas pela independência. Era uma bomba
manos. Cinco meses depois, renderam- prestes a explodir. O assassinato de um
se ao inimigo. A situação, aliás, estava crí- clérigo xiita foi o estopim da chamada L A W R E N C E
tica para os britânicos no Oriente Mé- Grande Revolução Iraquiana. O governo D A A R Á B I A
dio. A península de Gallipoli, na Palesti- britânico prendeu milhares de pessoas e
na, havia sido desocupada em dezembro, bombardeou Bagdá, em 1921. E insta- O XEQUE INGLÊS
em outra derrota. O governo inglês rea- lou um rei fantoche, Faisal, para garan-
giu ao insucesso na região e reforçou suas tir sua influência no pedaço. A história Lawrence da Arábia foi um impor-
tropas. Era o início da virada. Sob o co- definitivamente se repete. tante elo entre britânicos e árabes na
mando de Frederick Maudesos, tomaram luta contra os turcos. O jovem de tur-
bante e adaga virou herói de guerra.
Kut em 29 de janeiro de 1917. Mas terminou seus dias amargurado
Próxima parada: Bagdá. Assim co- SAIBA MAIS por ajudar seus compatriotas a trair o
mo na Guerra do Iraque, de 2003, a povo que tanto amou.
LIVROS No final da I Guerra, Thomas Edward
cidade se rendeu sem derramento de san- Bush na Babilônia: a Recolonização do Iraque, Lawrence, o Lawrence da Arábia, era
gue, em 11 de março de 1917. As forças de Tariq Ali, Record, 2003 uma celebridade internacional. A ima-
gem do jovem de pele clara e olhos
turcas haviam recuado para Samarra. Não História Ilustrada da Primeira Guerra Mundial,
azuis vestido de xeque atraía a curiosi-
de John Keegan, Ediouro, 2003
seria possível lutar. Os turcos totalizavam dade das multidões. Todos queriam co-
apenas 12 mil homens contra 60 mil bri- SITES nhecer a trajetória do herói britânico
que ajudou os árabes contra os turcos
tânicos. Politicamente, a conquista de www.1914-1918.net (em inglês)
no conflito mundial.
Bagdá foi um duro golpe contra os oto- www.grandesguerras.com.br (em português) O namoro entre Lawrence e o Ori-
manos. Mas a luta dos ingleses pelo do- www.firstworldwar.com (em inglês) ente Médio começou ainda em 1909,
quando ele se embrenhou no calor
mínio da região estava só começando. O escaldante da Síria, do Egito e do Sinai
Iraque virou um inferno. À frustração da para participar de escavações arqueo-
população somou- lógicas. Começava aí um flerte que ter-
minaria em casamento. Seduzido pela
cultura árabe, Lawrence logo adotou a
língua, as vestimentas e os costumes
locais. O europeu de turbante e adaga
não teve problemas para conquistar a
simpatia do Oriente.
Com a eclosão da guerra, Law-
rence se tornou um espião do gover-
no britânico. Quando a revolta árabe
contra o Império Otomano explodiu,
em 1916, ele foi designado como elo
entre ingleses e árabes, que, então,
lutavam para construir uma nação
unificada. O jovem emergiu da refre-
ga como grande comandante. Mas,
também, mutilado física e emocional-
mente. O episódio do estupro sofrido
em 1916, relatado no livro autobio-
gráfico Os Sete Pilares da Sabedoria,
exacerbou sua obsessão pela castida-
de. Muitos biógrafos consideram até
que Lawrence era virgem quando so-
freu o abuso.
Sua desilusão foi ainda maior com
a traição de seus compatriotas. Os ter-
ritórios pelos quais os árabes haviam
lutado foram partilhados entre Ingla-
terra e França ao final da guerra. Era o
fim do sonho de uma nação árabe uni-
ficada. Amargurado, Lawrence varreu
o passado: trocou seu nome pelos
pseudônimos John Hume Ross e T. E.
Shaw. Aos 46 anos, morreu em um
acidente de motocicleta.
Ç
CRIANCAS

P ESQUISA REVELA QUE


250 MIL GAROTOS INGLESES ,
Os pequenos SEDUZIDOS PELA PROPAGANDA
soldados
pegaram em EFICAZ , ACABARAM NAS
armas e até
fuzilaram FRENTES DE BATALHA .
desertores
D ESSE TOTAL , 120 MIL
MORRERAM EM COMBATE

Por Cynthia de Miranda


C
onhecer outros países, fugir da rotina da casa dos pais,
passar uma temporada emocionante e divertida – e tu-
do pago pelo governo. À primeira vista, tal pacote turís-
tico era, de fato, muito atraente para qualquer adoles-
cente de sangue aventureiro. Só que o destino das férias
não poderia ser mais sombrio: as frentes de batalha da I Guerra Mun-
dial. Em agosto de 1914, o ministro britânico, Lord Kitchener, pre-
cisava aumentar em mais de 500 mil homens o contingente do seu
exército para conseguir fazer frente à Alemanha. Foi aí que milhares
de pôsteres com dizeres apaixonados, em prol da defesa da pátria, con-
quistaram a simpatia de jovens país afora. Como resultado da publi-
cidade, 250 mil garotos, com idade entre 13 e 16 anos, embarcaram M A T A H A R I
na perigosa aventura do grande conflito. Desse total, 120 mil morre-
ram nos quatro anos de embate, de 1914 a 1918. DA CAMA PARA
Oficialmente, o alistamento militar era restrito a maiores de
18 anos. Mas as autoridades inglesas fizeram vista grossa e aceitaram A HISTÓRIA
a adesão da meninada. Afinal, vencer os germânicos estava na ordem Nos cabarés da Paris de 1905, surge
do dia – e em nome da vitória valia qualquer negócio. “O sargento em cena Mata Hari, uma morena de
perguntou a minha idade e eu disse que tinha 16 anos. Ele ordenou 1,70 metro e traços orientais. Seus
shows de strip-tease tiravam o fôlego
então que eu desse meia-volta e falasse a resposta certa. Respondi da platéia. E logo viraram mania na
que estava com 19 anos e fui aceito”, conta John Cornwell, ex-com- cidade. Só que Mata Hari era, na verda-
batente entrevistado no documentário Britain’s Boy Soldiers, produ- de, uma grande farsa. Em meio a criati-
vas lorotas, a holandesa, nascida Mar-
ção inglesa da Testimony Films. Segundo o programa, uma comis- garetha Gertudre Zelle em 1876, conta-
são que cuidava dos cemitérios de guerra enviou formulários para as va que era indiana, filha de uma dança-
rina do deus Shiva. Um prato cheio
famílias dos soldados mortos em combate. O questionário continha para os amantes do exotismo. A carrei-
informações pessoais, incluindo a idade. “Cerca de 50% dos for- ra nos tablados parisienses, no entan-
mulários são de soldados com menos de 18 anos”, diz Richard to, durou pouco. Imitações do estilo
Mata Hari logo se espalharam pelos
van Emden, produtor do documentário. rendez-vous. Ela, então, tornou-se
O caso da Inglaterra é o primeiro em que registros compro- prostituta de luxo. Entre um amante e
vam a participação de adolescentes na guerra. Há indícios de que outro, conheceu Georges Ladoux, um
capitão da contra-espionagem france-
outros países tenham feito o mesmo. Dentre os questionários re- sa. Era o ano de 1914 e a I Guerra
cebidos pela comissão, há alguns de famílias australianas e cana- Mundial já pegava fogo. Ciente do po-
denses, cujos rapazes falsificaram a nacionalidade para servir no exér- der de sedução da dançarina, Ladoux
acabou por convencê-la a entrar para
cito britânico. No front, as missões dos garotos eram múltiplas. Era o ramo da bisbilhotagem. Nascia aí a
parte do dever de casa cavar e limpar trincheiras, participar de equi- desastrada espiã Mata Hari.
Após duas missões fracassadas – na
pes médicas e até mesmo fuzilar desertores. Alguns também cumpri- última trazendo informações falsas da
ram papel de soldados regulares. Em outubro de 1914, em batalha na cama de um oficial alemão, em feve-
cidade belga de Ypres, a Força Expedicionária Britânica apresentou oi- reiro de 1917 –, Mata Hari foi presa.
Acreditava-se que a dançarina tinha se
to divisões formadas apenas por adolescentes. “Quando souberam das tornado uma agente dupla. Após me-
notícias trágicas vindas da França, muitos pais pediram ao governo que ses de cárcere, acusada de ser responsá-
trouxessem seus filhos de volta. Centenas retornaram. Mas muitos ou- vel pela morte de milhares de soldados
franceses e ganhando a infame alcunha
tros soldados preferiram ficar no front com os colegas”, afirma van de “nova messalina”, ela foi condena-
Emden. Afinal, a brincadeira ainda não tinha terminado. da à morte. E, em 15 de outubro do
mesmo ano, executada. Seu último
gesto foi soprar um beijo para os sol-
dados do pelotão de fuzilamento. Re-
SAIBA MAIS centemente, em 2001, o Ministério da
Justiça da França aceitou um recurso
LIVROS dos cidadãos da cidade holandesa de
Death’s Men: Soldiers of the Great War, de Denis Winter, Penguin Books, 1988 Leewarden, pedindo a reabertura do
Veterans: The Last Survivors of the Great War, de Richard van Emden e Steve processo contra a espiã.
Humphries, Pen & Sword Books/Leo Cooper, 1998 Por Fábio Marton

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 25


ESTADOS UNIDOS

Soldados
americanos, vitais
para a vitória
aliada, comemoram

Bem-vindos
o fim da guerra

C OM A ENTRADA DOS E STADOS U NIDOS , OS ALIADOS SE FORTALECEM – E


VENCEM . C OMEÇAVA AÍ O PODERIO HEGEMÔNICO AMERICANO

Por Andressa Rovani

N
o ano de 1917, a Alema- mânica de afundar qualquer navio – ci- germânica. Eles fizeram sua estréia na Ba-
nha vivia dias de glória. vil ou militar – que se aproximasse da In- talha de Cantigny, em 28 de maio de
A Revolução de Outubro glaterra. A idéia era matar os britânicos 1918, quando cerca de 4 mil homens to-
havia instaurado o socia- de fome, interceptando o fornecimento maram o vilarejo francês. Algumas sema-
lismo na Rússia – e o país de suprimentos. O anúncio da nova po- nas depois, 85 mil soldados americanos
aliado se retirara do conflito. O Front lítica veio em janeiro de 1917. Em 6 de decidiram a Batalha de Marne. As divi-
Oriental estava, então, nas mãos dos ger- abril, os Estados Unidos declararam guer- sões alemãs foram massacradas no segun-
mânicos. Depois de assinar o tratado de ra à Alemanha e, oito meses depois, à Áus- do dia da ofensiva. Em pouco tempo, a
paz com os russos, os alemães partiram tria-Hungria. “Esta é uma guerra da Ale- recém-superioridade bélica dos aliados
em massa para o Front Ocidental. A vi- manha contra todas as nações. Navios prevaleceu sobre Bulgária, Turquia e Áus-
tória parecia ser uma questão de tempo. americanos têm sido afundados e vidas tria-Hungria, que acabaram abandonan-
Só que uma nova peça no tabuleiro de xa- americanas, tomadas”, justificou o presi- do a luta. A Alemanha resistiu sozinha
drez da guerra mudou o rumo das coisas. dente Woodrow Wilson alguns dias an- até o fim, em novembro de 1918.
Naquele mesmo ano, entraram em cam- tes de anunciar a intervenção americana.
po os Estados Unidos. Os recursos béli- Por trás da decisão estavam, na ver- SAIBA MAIS
cos e financeiros americanos salvaram a dade, os bilhões de dólares dos podero- LIVROS
Fighting the Flying Circus: The Greatest True
Entente – e encerraram o conflito. sos de Wall Street. Uma fortuna havia Air Adventure to Come Out of World War I, de
Até então os Estados Unidos vinham escoado dos bancos americanos para cus- Edward Rickenbacker, Doubleday Books, 2001

se mantendo neutros. Só que um erro tear as tropas inglesas e francesas. Os alia- SITES
político dos alemães deu a desculpa que dos não podiam perder. Interesses eco- http://memory.loc.gov/ammem/sgphtml/ (em
inglês)
os americanos precisavam para entrar na nômicos à parte, o fato é que os Esta- http://www.pbs.org/greatwar/historian/hist_
guerra. A gota d’água foi a decisão ger- dos Unidos contribuíram para a derrota kennedy_01_wilson.html (em inglês)

26 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


JAPÃO
Os nipônicos nem
quiseram saber do
conflito na Europa
e concentraram-se
no Oriente

Guerra
O J APÃO
ALEMÃS NA
particular
ENTROU NO CONFLITO PARA CONQUISTAR TERRAS .
Á SIA E SAIU DO EMBATE FORTALECIDO NO CENÁRIO INTERNACIONAL
T OMOU COLÔNIAS

Por Andressa Rovani

N
o início do século 20, o Japão já despontava co- agosto, os nipônicos deram um ultimato à Alemanha, exigindo
mo grande potência. A tradição guerreira e o a retirada de suas tropas dos mares japoneses e chineses e a en-
sentimento nacionalista dos nipônicos mescla- trega da ilha ao controle do Japão. Os alemães não deram ouvi-
ram-se para transformar a terra do sol nascen- dos e, em 2 de setembro, uma tropa de 23 mil soldados atacou
te em um país que pesava na balança interna- Tsingtao, contando ainda com o reforço enviado pelo governo
cional. O poderio militar japonês ficou evidente na vitória con- inglês, atento aos acontecimentos na região.
tra a Rússia, em 1904-1905. Só que o Japão queria muito mais. A vitória veio dois meses depois, em 7 de novembro. Satis-
Com a eclosão da I Guerra, os japoneses viram surgir a oportu- feitos com a conquista, os nipônicos deram também seu recado
nidade para abocanhar novos territórios. E, estrategicamente, aos aliados: não tinham intenção de se envolver no conflito na
em 23 de agosto de 1914, declararam guerra à Alemanha. Europa. Queriam apenas o seu quinhão no Oriente. Kato dei-
Esse era o pretexto perfeito para dar início à investida so- xou claro que os japoneses iriam concentrar seus esforços con-
bre regiões da Ásia e do Pacífico. “A posse da Alemanha de uma tra a Alemanha e a Áustria na região do Pacífico. Ao final da
base para atividades estratégicas em uma região do Oriente dis- guerra, o Japão controlava as colônias alemãs na China, além de
tante não foi somente um sério obstáculo para a manutenção da parte da Manchúria e da Mongólia. E, em 1920, ainda se apo-
paz permanente, mas também ameaçou os interesses imediatos derou das ilhas Carolinas, Marshall e Marianas, antes germâni-
do império japonês”, disse o então ministro de Relações Exte- cas. O arranjo foi fruto dos acordos estabelecidos pela Liga das
riores do Japão, Kato Takaaki, ao declarar guerra à Alemanha. Nações, órgão criado no pós-guerra para garantir a paz.
O império nipônico desejava se apoderar das ilhas germâ-
nicas no Pacífico, além de pressionar a China a fazer novas con- SAIBA MAIS
cessões territoriais a seu favor. A primeira investida do Japão foi SITES
http://www.firstworldwar.com/battles/tsingtao.htm
sobre a colônia alemã de Tsingtao. A ilha, na costa nordeste da http://www.channel4.com/history/microsites/F/firstworldwar/
China, era a base naval dos germânicos no Oriente. Em 15 de comba_japan.html

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 27


ALPES
Inferno no

N EVE
gelo
E RISCO DE AVALANCHES : AS TROPAS ALPINAS
PENARAM PARA DEFENDER SUAS FRONTEIRAS

Por Eliza Muto

U
m inimigo muito poderoso precisava ser vencido pelos solda-
dos italianos e austro-húngaros: os gélidos Alpes. Era preciso
coragem – e preparo físico – para enfrentar a neve, o frio e ain-
da o risco de avalanches. E ninguém melhor que os próprios
habitantes da região para guardar – cada um do seu lado – a
fronteira entre a Itália e o Império Austro-Húngaro. Mais familiarizados com
o clima e a geografia da cadeia montanhosa, os jovens camponeses foram re-
crutados para integrar as chamadas tropas alpinas. Com um acessório espe-
cial – esquis –, os combatentes avançaram na neve para atingir pontos es-
tratégicos. Abriram trilhas, construíram abrigos e túneis, tudo para manter o
inimigo a distância. Apesar das adversidades da região, as tropas alpinas
acabaram conhecidas pelo forte espírito de equipe. Afinal, todos se conhe-
ciam – e muitos eram até bons amigos. No lado italiano, os soldados com-
puseram dezenas de canções sentimentais e melancólicas. “Se você tem se-
de, pegue seu caneco, a neve vai matar sua sede”, diz a música “Monte Cani-
no”, composta em 1915. As canções ganharam popularidade com o final
da guerra. E tornaram-se parte da tradição alpina, sendo cantadas até hoje.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 29


O EMBATE NA A linha de
BAÍA DE SUVLA defesa turca

GALLIPOLI Aliados
Desembarque
em 6 de agosto
de 1915

DESEMBARQUE TRÁGICO Turcos

3 BAÍA DE SUVLA
Deu tudo errado na invasão de Gallipoli Às 22h de 6 de agosto, 20 mil homens
desembarcam na baía, praticamente sem
Depois da tentativa fracassada de bombardear os turcos no Estreito de resistência turca. Na manhã seguinte,
Dardanelos, os aliados optaram pelo desembarque das tropas na península de mais 5 mil soldados britânicos chegaram
Gallipoli. Só que sem mapas precisos da região, muitos botes acabaram em ao local. Com novos reforços, Churchill
praias que não estavam nos planos. E, claro, os soldados viraram alvo fácil preparou uma operação para ligar Suvla a
para a artilharia inimiga. A investida começou em 25 de abril de 1915. Só foi Anzac Cove. Havia dois montes – e ape-
bem-sucedida em dois pontos: no cabo Helles, ao sul da península, e em Ari nas 5 quilômetros a serem vencidos entre
Burnu, local que passou a ser chamado de Anzac Cove (Abrigo Anzac), em os pontos. Trincheiras foram construídas
homenagem às tropas neozelandesas e australianas, maioria no local. Em 6 de no acidentado terreno. Novamente os
agosto de 1915, novas tropas aliadas desembarcaram na baía de Suvla. turcos levaram a melhor. Foi a gota
Contudo, nem o reforço nem as ofensivas planejadas impediram uma retirada d’água para os aliados decidirem pela
nada honrosa dos soldados da Entente no ano seguinte, em janeiro de 1916. retirada de Gallipoli.

1 CABO HELLES 2 ANZAC COVE


Em 25 de abril, 35 mil homens Mais de 17 mil soldados chegam à região
desembarcam ao sul da península. em 25 de abril. O comandante William
Alguns dias depois, três ofensivas O ATAQUE EM
ANZAC COVE Birdwood conseguiu avançar no território,
foram lançadas com o objetivo de mas a investida foi contida pelos turcos
atingir Krithia. A fortaleza turca foi menos de um mês depois. Em 19 de maio,
ARI BURNU
atacada pelas tropas aliadas em as tropas da Turquia desferiram um ata-
abril, maio e junho. Todas as tenta- Aliados
que contra os soldados estacionadas no
tivas terminaram rechaçadas pelo Local real de Turcos setor. Eram 42 mil turcos contra 17 mil
general alemão Liman von Sanders, desembarque
soldados australianos e neozelande-
que reorganizou as defesas ses. Os vigias aliados conseguiram
GABA
otomanas. Os aliados também con- TEPE A linha de soar o alarme. Em menos de seis
taram com a incompetência dos defesa turca
horas, 3 mil turcos morreram.
militares, que não souberam A praia é hoje um grande
Local planejado
aproveitar a chance de conquistar de desembarque mausoléu em homena-
o setor. Após a terceira investida, o Objetivo
inicial dos gem aos heróis
comandante britânico Aymler nacionais.
aliados
Hunter-Weston teve uma crise ner-
vosa e foi enviado de volta a
Londres.
A CAMPANHA
EM HELLES Objetivo inicial
dos aliados
Aliados
Turcos

A linha de
1-5 de maio
de 1915 defesa turca

28 de abril
de 1915

25 de abril O maior
de 1915
avanço aliado
8 de maio de 1915

Pontos de desembarque

CABO
HELLES
1
3 BAÍA DE SUVLA

SARI BAIR

ARI BURNU

DARDANELOS
ANZAC 2
COVE
PLATÔ
KILID BAHR
TURQUIA
GABA TEPE MAR EGEU

PONTO ESTRATÉGICO
Com a conquista da
península de Gallipoli, os
aliados pretendiam matar
dois coelhos com uma
só cajadada. Além de
proporcionar rápido acesso à
capital turca, Constantinopla,
o controle da região daria
passagem para o Mar
MONTE de Marmara. Com isso,
ACHI BABA a Grã-Bretanha e a França
poderiam ajudar a Rússia
no Front Oriental.

KRITHIA

O GRANDE MENTOR
Winston Churchill é
apontado como o mentor
da investida sobre a
península na costa da
Turquia. O plano de tomar
o Estreito de Dardanelos
já estava sendo gestado
há algum tempo. Mas
gracas ao empenho do
então alto comandante
da marinha britânica,
a desastrada campanha
foi levada a cabo.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 33


GALLIPOLI
A operação saiu da cabeça do alto Dardanelos. Com apenas 7 quilômetros
EM OUTUBRO comandante da marinha britânica, de largura, o estreito liga o Mar Me-
DE 1915, Winston Churchill. A estratégia tinha
objetivos militares. Mas também psico-
diterrâneo ao Mar de Marmara, acesso
para Constantinopla e para o Mar
OS ALIADOS lógicos. Ingleses e franceses estavam
desapontados com a estagnação da
Negro, que costeia a Rússia. O bombar-
deio, no entanto, não obteve êxito. “O
DEIXARAM guerra no Front Ocidental. Há meses,
a luta nas trincheiras rendia poucos
ataque naval dos aliados fracassou devi-
do à falta de bons equipamentos de
A PENÍNSULA frutos. Para Churchill, a idéia de abrir busca de minas e à eficiente artilharia
uma nova frente de combate acenava turca, estacionada em ambos os lados
DE GALLIPOLI com possibilidades de sucesso para a do estreito”, afirma Timothy Travers,
Entente. E maior ânimo para as tropas autor de Gallipoli e professor de história
DERROTADOS aliadas. A tal operação em Gallipoli da Universidade de Calgary, no Canadá.
pareceu ainda melhor depois que a De acordo com ele, as minas marítimas
Turquia entrou na guerra para ajudar provocaram grandes estragos nos navios
os alemães. Os aliados russos, por britânicos e franceses.
outro lado, passavam sérias dificulda- Decepcionados, os aliados percebe-
des no Front Oriental. O czar Nicolau ram que a única forma de furar a defesa
II pediu auxílio em forma de tropas e turca, que contava com reforços e co-
munição. Portanto, um ataque bem- mandantes alemães, como o experiente
sucedido contra a capital turca, Cons- Otto Von Liman, seria uma invasão por
tantinopla, mataria dois coelhos com terra. Mais soldados teriam de entrar em
uma só cajadada: representaria uma cena. Os franceses convocaram 18 mil
derrota para a Tríplice Aliança e abriria homens de suas colônias, principalmen-
um flanco de auxílio aos russos. Era o te da África Ocidental. Os ingleses in-
FORA DE plano – quase – perfeito cluíram em seus planos os 75 mil volun-
COMBATE tários das Anzac, sigla para as tropas aus-
O número de soldados mortos PLANO X AÇÃO tralianas e neozelandesas, que estavam
nos nove meses da campanha em Para colocar a idéia em ação, contu- no Egito a caminho da Europa. Para
Gallipoli é incerto: 60 mil aliados e do, era necessário reunir tropas e navios. chefiar a operação, o governo inglês in-
90 mil turcos, segundo as estima-
tivas. Curiosamente, os vencedo- O exército britânico dispunha de ape- dicou o general Ian Hamilton. Com os
res perderam mais homens do que nas uma divisão de infantaria – ou seja, homens reunidos na ilha grega de
os derrotados. “Os comandantes 12 mil homens – para a empreitada. A Lemnos, o general planejou o desembar-
turcos, incluindo Mustafa Kemal,
usaram ataques no estilo onda maior parte de seus soldados lutava nas que na costa da península de Gallipoli.
humana em momentos cruciais e trincheiras européias. Os franceses, com Não era uma tarefa fácil. A geografia aci-
sofreram severas baixas nessas seu território ameaçado pelos alemães, dentada da região, a rapidez com que os
ocasiões”, afirma o professor Ti-
mothy Travers. também não tinham muito a oferecer. planos foram mudados e o despreparo
Além de usar táticas que cus- Além disso, a eficiente armada de guer- das tropas, principalmente das Anzac,
tavam muitas vidas, o exército ra inglesa estava bastante ocupada no faziam com que a operação fosse bastan-
otomano era pobre em recursos
médicos. Muitos feridos morriam Mar do Norte, lutando contra os navios te arriscada. Os preparativos terminaram
por falta de tratamento. Entre os alemães. Como, então, reverter o plano e a data do ataque foi escolhida: 23 de
aliados, a situação também não em ação? A solução foi utilizar os pou- abril de 1915. Mas devido à chuva e ao
era muito diferente. Boa parte
dos soldados que morreu durante cos homens que restavam – e os navios mar agitado, o comando teve de esperar
a campanha foi vítima de doen- já aposentados. Com esse arranjo tosco, até o dia 25 para iniciar o desembarque.
ças. Expostos a corpos insepultos a idéia começou a virar prática em feve- Quando as nuvens carregadas se
nas trincheiras e sem comida sufi-
ciente, os soldados ficavam à reiro de 1915. O objetivo era usar a foram, os soldados remaram até a
mercê das infecções. frota naval para atacar as fortalezas tur- costa. Só que, devido a uma inexplicá-
cas que defendiam o Estreito de vel mudança de rota, a maior parte dos

34 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


integrantes das Anzac desembarcou a 2 sem juntos. A Entente precisava da
quilômetros do ponto planejado. No vitória. Os alemães haviam acabado de AGOSTO
local, que ganharia o nome de Anzac massacrar os russos no Front Oriental. SANGRENTO
Cove (Abrigo Anzac), os homens Mas, de novo, nada deu certo. Se-
encontraram um terreno bastante difí- gundo Travers, vários problemas se Durante o desembarque de
tropas aliadas na baía de Suvla,
cil de atravessar, com muitos barrancos acumulavam: “Era o começo da guer- em 7 de agosto de 1915, ocorreu
e uma vegetação cortante. Mesmo ra e as tropas aliadas esbanjavam inex- um dos episódios mais sangrentos
assim eles conseguiram se estabelecer periência, especialmente em ofensi- de Gallipoli. Os aliados sabiam
que em menos de 24 horas os
na região. A outra base foi instalada em vas. Tinham mais facilidade de defen- inimigos atacariam suas bases no
Helles, na ponta da península, exata- der uma posição do que atacar, como continente. Ao mesmo tempo, ti-
mente como planejado. A partir daí, precisavam fazer em Gallipoli. Tam- nham de distraí-los para que a
operação em Suvla tivesse êxito.
começaram os confrontos terrestres. A bém havia sérios problemas de coman- Portanto, teriam de promover
luta era penosa, principalmente para os do no lado aliado. Hamilton usou táti- uma ofensiva terrestre, que seria
soldados aliados. Enquanto eles ti- cas erradas e obsoletas. Em contraste, auxiliada pela artilharia da frota
de navios.
nham de avançar em condições duras, os turcos eram duros defensores – e Entre os soldados escalados
subir e descer barrancos, cavar trin- tinham bons comandantes”. para a investida em terra estavam
os integrantes da cavalaria aus-
cheiras, carregar armas, os turcos con- Enquanto isso, a Sérvia, país aliado traliana Light Horse. Apesar de
tavam com fortalezas e linhas de abas- à Entente, era invadida pelos alemães. ser uma brigada montada, os sol-
tecimento terrestre contínuo. Os alia- Uma nova frente se fazia necessária para dados encontravam-se a pé, já
que não era possível desembarcar
dos também sofreram com o calor defendê-la – e muitos homens teriam de animais e utilizá-los em um ter-
abrasador, com os insetos atraídos por ser enviados para lá. O general Ian reno tão desigual. A operação,
corpos em decomposição, com as con- Hamilton passou a disputar reforços claro, foi um desastre. Dos 300
homens, 220 morreram. “O maior
dições inadequadas de higiene e de ali- com a novíssima frente de luta. E nin- problema foi que a artilharia alia-
mentação, além da potente artilharia guém queria dispor de mais soldados da e a munição dos navios não
inimiga. para as batalhas no território turco, onde atingiram o armamento e as trin-
cheiras turcas antes da ofensiva
a mortalidade atingia números inacredi- terrestre”, diz Timothy Tavers.
SANGUE, SUOR táveis e os resultados eram pífios. Sem O episódio foi tema do filme
Gallipoli, de 1981, estrelado por
E LÁGRIMAS outro caminho, o comando aliado deci- Mel Gibson. Na superprodução, a
Nos meses seguintes, os aliados diu-se por uma retirada de Gallipoli, em culpa pelo envio de mais homens
tentaram por três vezes atacar a região outubro de 1915. Hamilton protestou, para uma batalha perdida é dos
ingleses. Mas, na verdade, os co-
de Krithia. Todas as incursões foram alegando que haveria muitas mortes. mandantes da operação eram aus-
reprimidas pelo general Von Liman. O Ele foi trocado por um novo coman- tralianos. “Na película, os navios
fracasso das operações provocou a dante, que recomendou uma saída à pararam de atirar sete minutos
antes do combinado devido a um
demissão de um dos almirantes do lado francesa. Em dezembro, o governo problema de sincronização de re-
britânico – e também de Churchill, britânico deu a ordem de capitulação. lógios. E isso teria permitido que
que futuramente ocuparia o cargo de Somando, ainda restavam 140 mil os turcos atacassem. Mas os na-
vios cortaram o fogo exatamente
primeiro-ministro da Grã-Bretanha. homens em Anzac Cove, Suvla e para não atingir seus próprios sol-
Em junho, o comando aliado se reuniu Helles. O último deles embarcou de dados”, corrige Travers.
para elaborar uma nova estratégia para volta em 9 de janeiro de 1916. Iro-
reverter a situação. Uma leva de ho- nicamente, foi a operação de maior
mens foi enviada para a costa turca. Ao êxito dos aliados em Gallipoli. Depois SAIBA MAIS
mesmo tempo, as tropas otomanas, co- de tantos fracassos, houve apenas três LIVROS
mandadas por Mustafa Kemal, que baixas na campanha. “Por um lado, o Gallipoli, de Alan Moorehead, Perennial
viria a se tornar o fundador do Estado plano era bom. Por outro, os turcos Classics, 2002
moderno turco, ganharam reforços. A sabiam da retirada e resolveram não Gallipoli: 1915, de Timothy Travers, Templus
Publishing, 2004
trupe aliada chegou à baía de Suvla em interferir porque não queriam perder
agosto de 1915. A intenção era que eles mais homens em um ataque desneces- FILME
se unissem às tropas Anzac e avanças- sário”, afirma Travers. Gallipoli, de Peter Weir, 1981

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 35


EUROPA

Impasse
no front A FRENTE OCIDENTAL , NO CORAÇÃO
DA E UROPA , FOI O PRINCIPAL PALCO
DE BATALHAS . N O TERRITÓRIO QUE
IA DA S UÍÇA ATÉ A B ÉLGICA , OS ALEMÃES
LUTARAM CONTRA OS ALIADOS POR
1 299 DIAS , SEM QUE NENHUM
DOS LADOS EXPERIMENTASSE
VITÓRIAS CONCLUSIVAS

Por Fabiano Onça

Os canhões, com diversos


calibres e alcance
distintos, foram
protagonistas nos
campos de batalha da
I Guerra. Na foto, um
canhão de 120 quilos
© REPRODUÇÃO

36 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


E
ram 19 horas em ponto do dia 2 de agosto de 1914. Os alemães invadem
o pequeno reino de Luxemburgo. Na mesma noite, a Bélgica também rece-
be um ultimato: ou abre passagem para as tropas germânicas cruzarem seu
território ou enfrenta o poderio bélico da Alemanha. O governo belga tinha
12 horas para assumir uma posição. Começou exatamente assim o conflito
no chamado Front Ocidental. Na mira da investida alemã, estava a França.
A idéia era abrir caminho até Paris. Custasse o que custasse. O que parecia
ser uma ofensiva fácil – e com vitória relâmpago dos germânicos – virou uma
pendenga que se estendeu por 1299 dias. E foi marcada pelo impasse, sem
vitórias conclusivas de nenhum dos lados. O campo de batalha europeu ia da
fronteira da Suíça até o litoral da Bélgica. Nesse pedaço de terra, com cerca de 600 quilômetros de
extensão, alemães enfrentaram franceses, ingleses e, no final do embate, também americanos.
O Front Ocidental foi a principal zona de combate da desavença geral que tomou conta do plane-
ta nos anos sangrentos da I Guerra Mundial. Havia focos do conflito espalhados pela África, Orien-
te Médio, Bálcãs e Rússia. Mas era ali, bem no meio da Europa, o coração da grande guerra.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 37


EUROPA

Nas trincheiras,
os soldados
viviam meses
seguidos sob
o solo, onde se
protegiam dos
inimigos – e do
frio. Nos dias
de calmaria,
um combatente
sempre era
escalado para
ficar de guarda,
enquanto os
companheiros
descansavam

38 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


Com a investida sobre a Bélgica, os Mancha, o longo braço alemão faria
alemães acabaram dando um recado ao a curva para o sul, rumo a Paris”. As
mundo: queriam briga. O ultimato soou tropas inimigas seriam, então, flan-
como um desrespeito ao acordo de cava- queadas. A capital, conquistada. E a
lheiros, firmado com franceses e ingle- guerra, concluída. “A invasão da Bél-
ses, em 1839. No distante ano, os três gica era essencial para uma vitória im-
países concordaram em manter o terri- perativa”, afirma o historiador Wolf-
tório belga neutro, devido à localização gang Mommsen, professor da Univer-
estratégica. Por que, então, os germâni- sidade de Düseldorf, na Alemanha.
cos decidiram se tornar os vilões do pla- “Os germânicos ansiavam para que os
neta, descumprindo o compromisso? E belgas não resistissem, o que significaria Os franceses ficaram
sem a proteção das
por que forçar a guerra contra os france- destruição de pontes e ferrovias, e o con- linhas de trincheiras
ses através da Bélgica, se a Alemanha seqüente atraso no rígido cronograma
fazia fronteira com a França? Para enten- ao qual o Estado-Maior era tão apaixo-
der a aparente trapalhada, é preciso vol- nadamente afeiçoado”, escreveu a jorna-
tar três décadas no tempo, na concepção lista Barbara Tuchman, no livro Canhões
do “Plano Schlieffen”. Desde que assu- de Agosto, ganhador do prêmio Pulitzer ERRO TÁTICO
de jornalismo.
A idéia era boa: colocar um
ponto final no impasse que havia se
NÃO, NÃO E NÃO
A INVASÃO Contra todas as expectativas, a pe-
transformado a guerra no Front Oci-
dental. Na prática, no entanto, a
tática revelou-se um fracasso. Em
DA BÉLGICA quena Bélgica disse “não” à exigência
germânica. Por duas longas semanas, as
fevereiro de 1916, o comandante
alemão Erich Von Falkenhayn deci-
MARCOU tropas da Alemanha ficaram retidas no
complexo de fortalezas belgas, em Liége
diu atacar o complexo de fortalezas
de Verdun, um ponto estratégico

O COMEÇO e Namur. Foi preciso o uso de bombar-


deios com zepelins e canhões de assalto
para os franceses. O oficial imagi-
nou estar armando uma ratoeira,

DA BRIGA para romper a linha – e, enfim, abrir


atraindo os inimigos para um mes-
mo ponto. Acreditando piamente na
estratégia, Falkenhayn decidiu man-
caminho para a invasão da França. “A
EM CAMPOS resistência atrasou a marcha germânica. ter seu plano em segredo absoluto.
Não revelou o objetivo do ataque
Isso foi considerado um desastre. Tudo
EUROPEUS dependia de um avanço relâmpago”,
nem mesmo para suas tropas.
O comandante germânico inau-
comenta Wolfgang Mommsen. O atra- gurou a batalha com um dos bom-
so poderia, sim, ter resultado em uma bardeios mais violentos de toda a
guerra. Um dos batalhões da França
miu o comando geral das forças germâ- reação francesa. Só que o general Jofre, perdeu no ataque inicial 420 dos
nicas, em 1891, Alfred Von Schlieffen já comandante das tropas gaulesas, não seus 600 homens. “Os soldados
calculava uma futura revanche da Fran- reforçou a guarda na fronteira. Por quê? gauleses em Verdun sentiam-se
ça, que havia sido humilhada pelos ale- Porque os franceses também tinham um completamente abandonados. Não
havia mais uma linha de trincheiras
mães em 1871, na Guerra Franco-Prus- plano engavetado, o Plano 17, que co- porque as bombas haviam destruí-
siana. Schlieffen também previa uma meçou a ser arquitetado em 1900. do tudo. Restavam trechos com sol-
aliança entre franceses e russos, o que se- A essência da tática da França esta- dados sozinhos ou em pequenos
ria fatal para a Alemanha, obrigando-a va na chamada offensive à outrance – ou grupos. Nem sequer a comida e as
cartas conseguiam ser entregues”,
a lutar em duas frentes. Assim o mare- ofensiva em excesso. “Para os gauleses, resume Stephane Audoin-Rozeau.
chal trabalhou anos em um plano a falta de ‘espírito ofensivo’ fora o prin- A sorte dos aliados é que Ver-
(quase) perfeito para nocautear os gaule- cipal culpado pela derrota na Guerra dun contava com um mestre na arte
ses em 40 dias – e, em seguida, encarar Franco-Prussiana. Durante meio século, da defensiva: o general Petáin. Com
a frase: “Ils ne passeront pas!” (eles
também a Rússia. as escolas de guerra glorificaram o ata- não passarão!) como lema, o oficial
A estratégia de Schlieffen previa o que e excomungaram a defesa”, aponta francês aceitou entrar no jogo san-
movimento das forças germânicas pelo Tuchman. A idéia era realizar a investida grento. Foi um morticínio dos dois
norte da França. Quando, nas palavras pela fronteira sul da Alemanha. Se tudo lados. Verdun prolongou-se por seis
meses. Saldo: 434 mil alemães mor-
do próprio Schlieffen, “o último ho- desse certo, o primeiro território con- tos ou feridos. E 550 mil baixas
mem da ala direita esbarrar no Canal da quistado seria a Alsácia-Lorena, perdida entre os franceses.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 39


EUROPA
no conflito de 1871. Quando começa- Sambre. O coman-
ram a chegar as primeiras notícias de que dante francês recuou
forças alemãs tinham invadido a Bélgica, para não perder seu
o general Joffre comemorou. “Melhor exército. Ele depois
para nós”, disse, já imaginando um enfra- seria demitido por
quecimento germânico no sul. E o con- Joffre por “falta de espí-
seqüente sucesso do Plano 17. rito agressivo”.
Enquanto isso, em
PAPELÃO Mons, os ingleses tenta-
Em 4 de agosto de 1914, dois dias vam segurar o peso da
após a invasão de Luxemburgo, a Europa máquina alemã. Mas
explodiu. A Alemanha declarou guerra à também foram obrigados
França. E a Inglaterra, por sua vez, decla- a retroceder. A ala norte
rou guerra à Alemanha. A confusão esta- dos aliados desmoronou. E
va armada. No dia 7, enquanto o exérci- o caminho para Paris ficou
to germânico castigava a Bélgica, os fran- livre. Foi só aí que, enfim, Peter Weil, autor de 50
ceses botaram em prática o plano 17, ata- França e Inglaterra se deram conta do Batalhas que Mudaram o Mundo. Ao
cando os alemães pela Alsácia-Lorena. perigo – e perceberam que haviam subes- fazer tal movimento, deixaram seu exér-
Um fiasco. A ofensiva gaulesa, baseada timado a força da Alemanha. No dia 30 cito desprotegido, ao alcance do impro-
em técnicas ultrapassadas em que solda- visado sexto exército francês, que guarda-
dos corriam de frente para o inimigo va Paris. Joffre, percebendo a oportuni-
empunhando baionetas, foi contida
pelos alemães com uma nova e mortífera
EM 4 dade, ordenou um ataque conjunto no
dia 6 de setembro, no Marne. Mesmo
arma: a metralhadora. “Os franceses fo- DE AGOSTO assim, a batalha travada nas cercanias da
ram trucidados. Eles ainda vestiam anti- capital francesa quase se transformou em
gos uniformes, com cores vivas”, descre- DE 1914, A mais uma derrota aliada.
ve o historiador Trevor Wilson, da Uni-
versidade de Adelaide, na Austrália. ALEMANHA Acredite se quiser: França e Ingla-
terra foram salvas pela intervenção dos
No norte, a Alemanha também sa-
boreava vitórias. No dia 20, Bruxelas es- DECLARA taxistas parisienses. Como não havia tem-
po para organizar transporte, os carros de
tava conquistada. O exército germânico
era tão extenso que demorou três dias
GUERRA praça acabaram convocados como auxi-
liares de guerra. Conseguiram levar, em
para atravessar a cidade. O general Laren-
zac, comandante do quinto exército gau-
À FRANÇA 600 veículos, mais de 6 mil soldados para
a área do conflito. “O espírito ofensivo
lês, encarregado de defender a fronteira, estava vivo nos franceses. Essa é a razão
esbravejou. Farejando o desastre, implo- de agosto, a capital francesa foi então pela qual as tropas resistiram e venceram
rou por mais tropas. “Joffre respondeu a desocupada e o governo transferido para no Marne”, conclui o historiador Stepha-
Larenzac que os germânicos não tinham Bordeaux. No mesmo dia, as tropas rus- ne Audoin-Rouzeau em seu livro 14-18:
coisa alguma preparada naquela região”, sas haviam sido massacradas pelos germâ- Understanding the Great War (14-18:
conta Tuchman, comentando a notória nicos na batalha de Tannemberg, no Entendendo a Grande Guerra, inédito no
teimosia do marechal. As esperanças de Front Oriental. No meio do naufrágio Brasil). Já para Tuchman, “o Marne foi
Larenzac voltaram-se então para o Corpo aliado, o único a permanecer impertur- decisivo não por ter definido quem iria
Expedicionário Inglês, que havia desem- bável era o comandante Joffre. vencer a guerra, mas por determinar que a
barcado dia 14 de agosto em Boulogne, guerra continuaria”.
com 80 mil soldados. Se agissem em con- BATALHA NO MARNE A partir daí, a grande guerra virou
junto, poderiam, pelo menos, retardar a A oportunidade de deter a Ale- um grande impasse. Nos meses seguin-
colossal onda alemã. manha surgiu graças à ambição germâni- tes, os alemães recuaram para o rio Aisne,
Não foi o que aconteceu. Os germâ- ca. “Em vez de marcharem para Paris, os e os soldados cavaram abrigos na terra.
nicos desbarataram a tropa do general alemães rumaram para o sudoeste, a fim Em pouco tempo, trincheiras de ambos
Larenzac, no dia 22, na batalha do rio de acabar com o quinto exército”, afirma os lados cobriam todo o Front Ocidental.

40 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


BOMBAS X BALAS
CHOVEU BOMBAS No Somme, o comandante-chefe
Para desviar a atenção dos alemães de das tropas inglesas, Douglas Haig,
Verdun, complexo de fortalezas fran- apostou em um bombardeio intenso
cês atacado em fevereiro de 1916, os para massacrar os alemães. Durante
ingleses deram início à batalha do uma semana, choveram bombas
Somme, uma tragédia que virou um no front inimigo. Com a ofensiva,
dos marcos mais sangrentos da guerra. os ingleses esperavam ter reduzido
Entre mortos e feridos, 420 mil britâni- os germânicos a pó. De fato, a
cos, 200 mil franceses e 500 mil germâ- soldadesca rival quase enlouqueceu,
nicos. A carnificina durou cinco meses. enfurnada em abrigos subterrâneos.
A batalha começou com uma se- Quando o bombardeio cessou, os
mana de fogo de barragem, onde 1,5 alemães emergiram dos buracos e
milhão de projéteis de artilharia foram receberam os ingleses a balas.
despejados sobre as cabeças dos ale-
mães. Assim que terminou o bombar-
deio, veio o ataque. “Os britânicos saí-
ram de suas trincheiras e, ombro a
ombro, ao longo de quase 20 quilôme-
tros, avançaram pela terra de ninguém
(território que separava as trincheiras
inimigas). Deram de cara com os
germânicos, saídos dos es-
conderijos onde haviam
permanecido durante
uma semana. Milhares
de soldados foram mor-
tos pelas metralhadoras
alemãs à queima-
roupa”, afirma o historiador
inglês John Keegan, autor do
livro História Ilustrada da Primeira
Guerra Mundial.
As baixas inglesas, principalmente
no primeiro dia (60 mil homens), fo-
AVANÇO PATÉTICO
ram absurdas. Em diversas unidades, Graças a seu elaborado
100% dos soldados foram mortos. sistema de trincheiras
(abaixo), os alemães
Para piorar, muitas dessas unidades
reduziram o avanço
eram formadas por pessoas oriundas inglês a apenas
de uma mesma cidade ou de um 12 quilômetros em
mesmo bairro. Eram os pal batallions quase cinco meses
(batalhões de amigos), grupos que se de ofensiva.
alistavam juntos para servir na mesma
unidade. No Somme, tal política do
exército britânico revelou-se desastro-
sa. Afinal, cidades inteiras choraram a
morte, num único dia, de todos os
jovens conterrâneos.
EUROPA
“O que havia começado como um con- complexo de fortalezas vital para os
flito de movimento tornou-se uma luta
estática. Todos ficaram desorientados
SÓ NAS franceses, atacado em 21 de fevereiro.
A batalha de Verdun resultou em
quando perceberam que seus planos ha-
viam falhado”, afirma o professor
BATALHAS uma carnificina: 434 mil alemães mortos
ou feridos. E 550 mil gauleses fora de
Robert Wohl, historiador da Univer- DE VERDUN combate. A trágica investida só terminou
sidade da Califórnia, nos Estados graças a outro massacre. Em 1º de julho
Unidos. Em 1915, tanto os aliados E SOMME, começava a batalha do Somme, ofensiva
quanto a Alemanha tentaram, em vão,
rompimentos nas linhas inimigas. Os MAIS DE britânica que tinha como objetivo des-
viar a atenção germânica de Verdun. Para
germânicos atacaram em Yprès, no
norte, com 168 toneladas de gás de clo-
2 MILHÕES se ter uma idéia do desastre, apenas no
primeiro dia, o exército britânico sofreu
ro: cerca de 59 mil britânicos e 10 mil
franceses morreram, contra 35 mil ale-
DE MORTOS o macabro recorde de 60 mil baixas.
Após cinco meses de luta, a Inglaterra
mães. Os aliados responderam com pôs fim ao combate. O país havia perdi-
investidas em Artois, onde perderam sob as quais viviam como – e com – ratos do 420 mil homens. Os franceses contri-
300 mil homens. Os franceses tentaram e piolhos”, aponta Eric Hobsbawm, no buíram com 200 mil cadáveres, e os ale-
quebrar a linha em Champagne, a um clássico Era dos Extremos: o Breve Século mães, com 500 mil. O prêmio? Cerca de
custo de 250 mil vidas. XX. Se 1915 foi ruim, 1916 foi ainda 12 quilômetros de terreno conquistado.
Ao final de um ano de combates, pior. Do lado alemão, o comandante
nenhum dos lados havia avançado Erich Von Falkenhayn decidiu pôr em A ÚLTIMA CARTADA ALEMÃ
sequer 10 quilômetros. “O Front Oci- ação uma estratégia: atacariam em uma Como romper o impasse no Front
dental tornou-se uma zona de massacre região imprescindível para os aliados. Ocidental? Os dois lados da refrega vi-
sem precedentes na história das guerras. Quando as tropas inimigas estivessem viam o mesmo dilema. Milhares de sol-
Milhões de homens ficavam uns diante aglomeradas, ele as aniquilaria com um dados já haviam morrido – e a situação
dos outros nos parapeitos de trincheiras, ininterrupto fogo de artilharia. O pon- continuava a mesma, como retrata o fil-
to estratégico escolhido me clássico Sem Novidade no Front, de
foi Verdun, um 1930, uma adaptação do livro Nada de

Marne: batalha travada a


45 quilômetros de Paris

42 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


Novo no Front, de Erich Maria Re- Paris. A França estava de no-
marque. “Esse era o problema para am- vo por um fio.
bos, pois sem vitórias nesse setor, nin- A tropas de Ludendorff,
guém venceria a guerra”, aponta Hobs- o grande cérebro militar ale-
bawm. Duas notícias, no entanto, altera- mão, chegaram a cruzar o rio
ram o rumo do conflito. Em abril, os Marne. Mas foram detidas
Estados Unidos declararam guerra à no último momento pelos Os tanques foram uma
Alemanha, despejando soldados e di- recém-chegados americanos, novidade na I Guerra.
nheiro nos campos de batalha. Por outro na chamada segunda bata- Na foto, um
exemplar francês
lado, no Front Oriental, a Alemanha lha do Marne. “Os avanços
liberou milhares de combatentes após germânicos levaram seu
assinar a paz com a Rússia, no acordo de exército cada vez mais para
Brest-Litovsk. dentro das linhas inimigas, sacrificando
Foi então que os alemães decidiram as últimas reservas de soldados sem al-
dar a cartada final. Em 27 de maio, os cançar nenhum objetivo de real valor”,
germânicos iniciaram a terceira batalha diz Trevor. O destino da guerra estava
do Aisne, com um fogo de artilharia sus- decidido. Nos meses seguintes, os alia-
SAIBA MAIS
tentado por 4 mil canhões. “Os alemães dos empurraram os alemães para longe LIVROS
haviam evoluído no uso da artilharia. da França. O armistício decretando o História Ilustrada da Primeira Guerra Mundial,
Além disso, tinham desenvolvido táticas fim do conflito foi assinado em 11 no- de John Keegan, Ediouro, 2003
de infantaria”, comenta o professor Tre- vembro de 1918. No saldo final do con- Canhões de Agosto, de Barbara Tuchman,
vor Wilson. A estratégia funcionou. Em flito, a Alemanha perdeu, entre mortos e Bibliex, 1998

um dia, os germânicos conquistaram 15 feridos, nada menos do que 1,9 milhão 14-18: Understanding the Great War (14-18:
Entendendo a Grande Guerra), de Stephane
quilômetros de território, feito inédito de homens. A França, 1,3 milhão. A Audoin-Rozeau e Annette Becker, Hill & Wang,
até então. No dia 30 de maio, mais de Inglaterra, 950 mil. E os Estados Uni- 2003
50 mil soldados aliados caíram prisionei- dos, em poucos meses de atividade, SITES
ros. E, no dia 3 de junho, as forças ger- 116 mil homens. A mais sangrenta das www.firstworldwar.com (em inglês)
mânicas chegaram a 90 quilômetros de guerras havia terminado. www.grandesguerras.com.br (em português)

Os escombros de Verdun, após


os bombardeios dos alemães
Caixa
LEMBRANÇAS

postal N AS TONELADAS DE CORRESPONDÊNCIAS ENVIADAS


DOS CAMPOS DE BATALHA , OS SOLDADOS FALAVAM
DE FOME , DOENÇA , MEDO, DESESPERANÇA E TAMBÉM
DE AMOR . OS RELATOS SÃO UM RETRATO SOMBRIO
E , AO MESMO TEMPO, ROMÂNTICO DO CONFLITO

P o r A d r i a n a Küchler

T
odo santo dia eram disparados das frentes francesas cerca de 5
milhões de cartas e cartões-postais. Em quatro anos de conflito, os
soldados alemães enviaram para casa 28 bilhões de correspondências.
O vasto material virou uma espécie de retrato sombrio – e também
romântico – dos bastidores da grande guerra. Enquanto a propagan-
da oficial e as notícias publicadas nos jornais da época vendiam a
idéia de um embate travado por homens de grandes ideais, os com-
batentes gritavam por socorro. Os relatos, escrevinhados em papéis
amarrotados, revelam jovens desesperados, que repudiavam a carnificina a sua volta.
Não importa em qual lado lutavam, vitória para eles significava uma única coisa: sobre-
viver. E, claro, voltar para casa. “O conteúdo das cartas contradiz totalmente a propa-
ganda veiculada pela imprensa. Fragmentos das correspondências tiveram um efeito
prolongado na percepção popular e histórica da guerra”, comenta Jean-Pierre Guéno,
no livro Paroles de Poilus: Lettres et Carnets du Front 1914-1918 (Palavras de Soldados:
Cartas e Diários do Front 1914-1918, inédito no Brasil).

© REPRODUÇÃO
44 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004
"Coragem, heroísmo, isso ainda existe?

l
Eu duvido. Nas batalhas, não vejo nada
nos rostos dos meus companheiros além
de medo, preocupação e desespero"
Dominik Richert, soldado alemão – agosto de 1914

Na crueldade da guerra, os
soldados despejavam nas cartas o
rancor pelo conflito e, claro, a
saudades de casa
LEMBRANÇAS

Escreve e, ler viiraram


armas podorosas para
manter a sanidade
"Nas trincheiras, não tenho outra ocupação além
de escrever e conversar com meus colegas.
A 300 metros, os mortos de ontem estão deitados. Todos
têm que admitir que não há nada mais terrível que a guerra"
Georg Schenk, soldado alemão – setembro de 1914
No papel, os soldados despejavam toda a sorte de amarguras. Mas, para conseguir
partilhar a desesperança dos campos de batalha, também era preciso lutar. Assim como
os ratos e cadáveres, a censura rodeava a soldadesca. “Eles eram proibidos de revelar
onde estavam ou de escrever sobre sentimentos ‘não-patrióticos’. Mas milhões o faziam.
O volume de cartas era grande demais para que todas fossem abertas e lidas”, conta o
historiador Leonard Smith, que escreveu o livro France and the Great War, 1914-1918
(França e a Grande Guerra, 1914-1918, inédito no Brasil). Para driblar a lei dos fronts,
valia qualquer negócio. Os combatentes escreviam em códigos, dialetos ou imploravam
para que colegas de licença postassem a correspondência nas cidades onde gozavam as
folgas. Segundo o historiador alemão Benjamin Ziemann, um dos autores de Was ist
Militaergeschichte? (O que É História Militar?, sem tradução em português), alguns ofi-
ciais se sentiam tão ofendidos com o conteúdo das cartas criticando superiores que
impunham punições aos já tão castigados sujeitos. “Até 1916, soldados alemães podiam
ser julgados e presos por até um ano se tratassem desses assuntos”, comenta Ziemann.

"Eu seria morto se alguém importante pegasse esta carta. Mas a verdade
é que ninguém mais tem um grama do que chamamos de patriotismo.
Ninguém liga se a Alemanha conquistou a Alsácia, a Bélgica ou
a França. Tudo que se deseja é terminar com isso e ir para casa"
Laurie Rowlands, soldado inglês – fevereiro de 1918

"Se você quiser que eu receba todas as suas cartas, não me fale da guerra.
A censura, você sabe, não tem pena. Nós, soldados, já aprendemos que não
devemos ter a língua grande. É revoltante, mas é assim"
Henri Bouvard, soldado francês – dezembro de 1917

Nem fraqueza, nem heroísmo. O desatino dos soldados tem duas explicações muito
simples. Por um lado, eles, de fato, suportaram condições de vida inimagináveis. As trin-
cheiras eram o inferno na terra: fétidas, lamacentas e infestadas de ratos que devoravam
os cadáveres espalhados pelo chão. Como se não bastasse, faltavam comida e medica-
mentos, e o frio completava a desgraça. Por outro lado, os combatentes da I Guerra
Mundial não tinham experiência militar. Era apenas gente comum, que sofria de sauda-
des e não sabia exatamente por que estava lutando. Cerca de 50% do exército francês e
30% do alemão foram formados por camponeses. “Eles não tinham nenhum conheci-
mento geopolítico. Não viram a guerra chegar”, explica o historiador francês Jean-Pierre
Guéno. Ele lembra ainda que a guerra não foi feita por homens. Mas por garotos:
“Grande parte dos franceses contava entre 17 e 23 anos. Mas eles percebiam rapidamen-
te que os alemães eram como eles, vítimas de um turbilhão da história que os engolia”.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 47


LEMBRANÇAS
"Eu não tomo banho há seis semanas e não devo
tomar em breve, já que nem penso em usar a pouca água
de beber que recebo em meu cantil para fins de limpeza"
Albert P. Smith, soldado americano, outubro de 1918

Nos abrigos cavados na


terra, os soldados sonhavam
com a volta para casa

48 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


Sem conseguir entender a lógica política de tal luta, os jovens soldados incluíam as SAIBA MAIS
paixões deixadas para trás no sonho da sobrevivência – e da volta para casa. É o lado,
digamos, romântico dos fronts. Boa parte das toneladas de correspondências enviadas – LIVROS
France and the Great War, 1914-1918,
e também recebidas – nos campos da batalha destinava-se a namoradas e esposas. de Leonard Smith, Stéphane Audoin-
Rouzeau e Annete Becker, Cambridge
University Press, 2003

"Eu não espero mais receber suas cartas antes de escrever porque
German Students' War Letters, de Philipp
Witkop (org.), Pine Street Books, 2002
você teria que esperar muito e acho que você gosta de receber o máximo possível. Paroles de Poilus: Lettres et Carnets du

Queria que você estivesse aqui. Sua sempre amada garota" Front 1914-1918, de Jean-Pierre Guéno
e Yves Laplume (orgs.), J'ai Lu, 2001
Emily Chitticks, noiva de inglês William Martin – março de 1917 War Letters of Fallen English Men,
de Laurence Housman (org.), Pine
Street Books, 2002
Was ist Militaergeschichte, de Benjamin
As últimas cartas de Emily nunca chegaram ao destinatário. Ela recebeu em casa um Ziemann e Thomas Kühne (orgs.),
Ferdinand Schöningh Verlag, 2000
pacote com cinco correspondências que mandara ao namorado, com a inscrição “morto
em combate”. William havia morrido no dia 27 de março de 1917. Cumprindo a pro- SITE
http://news.bbc.co.uk/1/hi/special_
messa de amá-lo para sempre, Emily nunca se casou. Em 1974, antes de morrer, pediu report/1998/10/98/world_war_i/194197.stm
aos parentes para que as cartas fossem enterradas com ela. (em inglês)
TRINCHEIRAS

O
Buracos, como este na
Alsácia, protegiam os s corpos são aban-
soldados do inimigo donados na terra
de ninguém, o pe-
daço de chão que
separa as trinchei-
ras inimigas. Qual-
quer um que tente
resgatar os restos
mortais de um soldado amigo se torna
alvo fácil para as metralhadoras e gra-
nadas rivais. Os ratos, então, fazem a
festa, começando pelos olhos dos
mortos, sua iguaria preferida. A cena é
grotesca. E rotineira: são tantos os ca-
dáveres, que os roedores engordam
como porcos e atingem o tamanho de
gatos. Ao final do conflito, os núme-
ros de baixas traduzem as atrocidades
de tais frentes de combate. Um terço
dos soldados, cerca de 4 milhões de
pessoas, morreu nos fétidos buracos
onde se travavam lutas sangrentas. Nas
contas oficiais, não estão incluídos os
homens mutilados. As trincheiras, uma
das principais estratégias de combate
da I Guerra, viraram covas rasas. “Os

Covas
combatentes passaram por todos os
suplícios: fome, sede, frio, chuva, falta
de sono. E, o pior, o odor pestilento

rasas
dos excrementos e dos cadáveres em
putrefação”, descreve o historiador
francês Gerard Vincent em História da
Vida Privada, da Primeira Guerra aos
Nossos Dias.
Quando o conflito ainda estava na
cabeça dos generais, a luta estática,
dentro de trincheiras, não fazia parte
dos planos. “Esse tipo de guerra foi
conseqüência do fracasso das estraté-
gias previstas pelos arquitetos do con-
flito, que imaginaram batalhas em
movimento”, diz o historiador Fran-
A LUTA DE TRINCHEIRAS MARCOU A cisco Carlos Teixeira da Silva, da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro
I G UERRA . N O CENÁRIO ARMADO PARA (UFRJ). Com as tropas em campo,
AS BATALHAS , MAIS DE 4 MILHÕES franceses e alemães viram que seu
poder de fogo era equivalente. E, para
DE SOLDADOS MORRERAM E TIVERAM
não perder as possessões conquistadas,
SEUS CORPOS DEVORADOS POR RATOS decidiram pela construção de trinchei-
ras. A idéia era barrar o avanço inimi-
Por Carla Aranha go. Já no final de 1914, a Europa foi

50 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


tomada por buracos lamacentos, colo-
ridos por sangue e infestado por ratos.
As trincheiras estendiam-se do litoral
da Holanda, no Mar do Norte, ao lon-
go da fronteira com a Alemanha, até a
Suíça, no Front Ocidental. O Front
Oriental ia do Golfo de Riga, na Le-
tônia, até o Mar Negro, na Romênia,
passando pela Ucrânia. Havia trinchei-
ras também nos Alpes italianos, na
fronteira da Itália com a Áustria.
Trincheiras não são uma invenção
da I Guerra Mundial. Foram usadas
durante a Guerra Civil Americana, de
1861 a 1865, quando ficou claro que o
avanço das tropas passaria a represen-
tar um suicídio coletivo, já que pela
primeira vez as armas podiam disparar
uma quantidade de tiros muito maior
do que jamais visto. Na grande refrega
de 1914, o conceito de guerra estática
foi levado à máxima potência, ajudado
pela invenção do arame farpado, que
propiciava mais proteção aos soldados.
Só que os estrategistas do conflito não
contavam com as novidades tecnológi-
cas que surgiram em cena: a metralha-
dora, a granada e os bombardeios aé-
reos. Criadas durante o desenrolar do
embate, acabariam por transformar as
trincheiras em túmulos a céu aberto.
Os gases tóxicos, por exemplo, torna- Os soldados precisavam ser ágeis e rápidos nas investidas contra o adversário.
Os retardatários não tinham uma segunda chance: acabavam atingidos pelos tiros inimigos
ram a soldadesca alvo fácil. As doen-
ças, causadas pelas péssimas condições
sanitárias, eram outro tormento. Em
uma época em que a penicilina ainda
não havia sido inventada, morria-se de
tudo – de disenteria, doença muito co- O J O V E M H I T L E R
mum, gripe e toda a sorte de infecções.
A grande guerra deu origem até a uma
ELE ESTAVA LÁ
nova moléstia: trench foot, ou pés de Se para muitos as trincheiras da I Guerra representa-
vam o triunfo da barbárie sobre os valores humanos,
trincheira. Quando chovia, a água acu- para outros era uma oportunidade de lutar pela pátria e
mulava-se nos fossos e os soldados não ver de perto uma batalha. Foi assim para o jovem Adolf
tinham meias para trocar. No frio e na Hitler. Em 1909, ele já havia tentado se alistar no serviço
militar da Áustria, onde nasceu em 20 de abril de 1889.
umidade, os pés gangrenavam e, em Não foi bem-sucedido. Hitler não tinha os pré-requisitos
alguns casos, eram amputados. físicos necessários para a função militar. Mas quando a
grande guerra estourou, ele foi aceito no exército ale-
Ratos, doenças, sopros de veneno e mão. Seus colegas de frente de batalha o descreviam
bombas caídas do céu não eram tudo o como alguém “estranho” e “peculiar”.
que os combatentes enfrentavam nas Sua tarefa era levar mensagens dos quartéis-gene-
rais até as trincheiras, sendo condecorado com cinco
trincheiras. Eles sofriam também com medalhas. Quando o conflito terminou, Hitler estava em
a fome. Sim, estavam constantemente um hospital para se recuperar de uma cegueira tempo-
rária causada por gás venenoso. Enquanto todo o Oci-
dente festejava, o jovem entrava em depressão pelo fim
da guerra. Hitler despertava para sua vocação bélica
e colocaria o mundo em chamas duas décadas depois.
TRINCHEIRAS
MUNDO CÃO
Neste pedaço de chão, viviam – e morriam – soldados
As trincheiras eram formadas por três linhas. A primeira ficava de frente
para o front inimigo. Era uma espécie de corredor, construído em
ziguezague para evitar que uma rajada de metralhadora no sentido
horizontal, disparada na lateral, dizimasse toda a tropa. Logo atrás ficavam
as trincheiras de apoio e a reserva, onde os soldados descansavam

RESERVA
Quem estava renovando as forças para
lutar novamente ficava nesta área.
Quando o batalhão perdia muitos homens,
os soldados da trincheira reserva eram
chamados. Os alemães construíam buracos
embaixo dessas trincheiras para se
proteger de bombardeios pesados.

APOIO
Os homens da trincheira de apoio,
bem atrás da linha de frente,
ficavam aguardando no caso de
a batalha apertar no front. Abrigos
equipados com metralhadoras,
localizados nas trincheiras
de apoio, permitiam que eles
ajudassem os colegas dali mesmo.

COMUNICAÇÃO
Os corredores que ligavam
as trincheiras eram
usados para a movimentação
de soldados e o transporte
de comida.

LINHA DE FRENTE
Metros de arame farpado, fincados
numa profundidade de até 3 metros,
protegiam a linha de frente, também
defendida por sacos de areia.
Os soldados em combate comiam
e dormiam no corredor.

LATRINAS
Buracos cavados em cada
uma das três linhas da trincheira.
Alguns soldados eram destacados
para limpá-las, o que geralmente
constituía uma punição por
algum desacato a um superior.
AVIÕES
Os primeiros aviões eram UMA NOVA
rudimentares. E as bombas,
claro, também. Mas faziam
estragos consideráveis na
DOENÇA SURGE
linha de frente, podendo
acabar com todo um NAS FRENTES
batalhão de uma vez só.
DE BATALHA
DA I GUERRA:
OS PÉS DE
TRINCHEIRA
mal alimentados. Os países que ocupa-
vam os campos de batalhas se viram
sem recursos para fornecer carne e pão
às tropas. Os britânicos, por exemplo,
passaram a ter direito a apenas uma
sopa de ervilha por dia. O escritor ale-
mão Erich Maria Remarque, que lutou
nas trincheiras, lembra que um dos
objetivos ao atacar o inimigo era rou-
bar seu jantar. “A batalha abranda. Pre-
cipitamo-nos a fim de nos apoderar-
mos de todas as latas de comida que
conseguirmos apanhar, principalmente
manteiga e carne em conserva”, relata o
escritor no clássico Nada de Novo no
Front. A situação tornou-se tão dramá-
TERRA DE NINGUÉM tica que o jeito encontrado para ame-
Era o terreno que separava as tropas nizar o sofrimento foi encher a cara.
inimigas. Depois dos combates, Sim, embebedar os soldados se tornou
ficava abarrotado de corpos e buracos
feitos pelas bombas e granadas. política de guerra. Cada batalhão inglês,
formado por 20 mil homens, recebia
300 galões de rum sempre que possível.
Os franceses e alemães não ficavam
atrás: os combatentes eram abastecidos
com vinho e brandy. A bebedeira ajuda-
va a camuflar o horror.

SAIBA MAIS
Enciclopédia das Guerras e Revoluções
do Século XX, de Francisco Carlos Teixeira
da Silva (org.), Campus, 2004
Nada de Novo no Front, de Erich Maria
Remarque, L&PM Editores, 2004
História da Vida Privada, da Primeira
Guerra aos Nossos Dias, de Antoine
Prost e Gerard Vincent (orgs.),
Companhia das Letras, 1992

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 53


BRIGA NO MAR

Com sua frota de


dreadnoughts, a marinha
britânica era a maior
potência naval da época
Batalha
naval O EMBATE É SEMPRE LEMBRADO PELOS HORRORES DAS
TRINCHEIRAS E PELOS ROMÂNTICOS COMBATES AÉREOS .
AFINAL , O QUE ACONTECEU NOS OCEANOS ENTRE

Por Fábio Marton


M AS ,
1914 E 1918?

A
I Guerra Mundial comércio e se voltassem novamente para
ainda nem tinha co- o controle de colônias. Em 1914, 20% DESASTRE
meçado e a Europa do planeta se encontrava sob domínio das
já vivia um corre- potências da Europa. E, em um mundo NO MAR
corre. A partir da se- de territórios controlados à longa distân- A maior explosão não nucle-
gunda metade do sé- cia, ter uma frota poderosa virou questão ar de todos os tempos aconteceu
na I Guerra Mundial. E ocorreu
culo 19, os europeus fundamental. A Inglaterra tinha também por puro acidente. Em 6 de de-
experimentaram um uma razão particular para apostar na zembro de 1917, um navio fran-
frenesi armamentista marítimo. Entre os marinha. Sendo uma ilha, acreditava cês carregado de explosivos en-
trava na baía de Halifax, no Ca-
protagonistas da querela nos mares esta- estar a salvo de ataques se conseguisse nadá, quando colidiu com um
vam Inglaterra e Alemanha. Os dois paí- proteger as águas que rodeiam seu territó- cargueiro belga saindo do porto.
ses disputavam no mano a mano quem rio. Isso foi verdade absoluta até 1915, O navio francês incendiou-se e foi
abandonado, rumando desgover-
produzia navios mais poderosos. Os in- quando as primeiras investidas com diri- nado em direção ao píer. Quando
gleses encasquetaram com a idéia de gíveis mostraram que a ameaça também explodiu, todas as janelas da ci-
manter uma frota capaz de derrotar ou- podia vir do ar. dade se quebraram, 1 600 pessoas
morreram na hora e outras fica-
tras duas grandes potências mundiais ao ram cegas com o clarão.
mesmo tempo. Tal desafio ficou conheci- NOVIDADES AQUÁTICAS A explosão destruiu tudo
num raio de 4,5 quilômetros. Uma
do como “política de duas potências”. Só Os investimentos na marinha ren- onda gigantesca criada pela de-
que com uma rival como a Alemanha no deram frutos. Até 1850, os navios ainda tonação varreu a costa, inclusi-
páreo foi ficando cada vez mais difícil eram caixotes de madeira, que depen- ve uma aldeia indígena. Cerca
de 3 mil toneladas de fragmentos
garantir tamanha supremacia. Assim, diam do vento para manobrar e cujos foram sugadas do fundo da baía e
varrer os germânicos do jogo tornou-se canhões levavam sete minutos entre um disparadas em todas as direções:
essencial para os britânicos. A chamada disparo e outro. A estratégia de comba- a âncora do navio foi encontra-
da a cerca de 4 quilômetros do
“questão naval” acabou sendo um dos fa- te mais comum consistia em abordar e local da explosão. Um cogumelo
tores que desencadearam o conflito. invadir o navio inimigo, em vez de de 3 quilômetros foi visto no céu.
A obsessão européia por navios tem afundá-lo com canhonaços. Com a tec- A cidade foi incendiada e, para
completar o desastre, ao final do
explicação. A “Longa Depressão”, de nologia do vapor, as embarcações torna- dia, a baía de Halifax foi atingida
1873 a 1896, fez com que os países in- ram-se fortalezas de metal – maiores e pela pior tempestade da década.
dustrializados abandonassem o livre- mais ágeis. Os canhões aumentaram de

© REPRODUÇÃO SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 55


BRIGA NO MAR
tamanho e, carregados pela cula- Alemanha perdeu, 106 foram tragados
tra, passaram a disparar com assim. Outra novidade, ainda meio tosca,
maior rapidez. Em 1905, a Ingla- foram os porta-aviões. Durante toda a
terra lançou o encouraçado SS guerra, eram apenas navios que carrega-
Dreadnought, uma invenção tão vam hidroaviões e os traziam de volta por
revolucionária que os encouraça- guindastes. Em 1918, já nos últimos ins-
dos anteriores passaram a ser tantes do combate, os ingleses consegui-
chamados de “pré-Dreadnought”. ram lançar o HMS Argus, o primeiro
O Dreadnought era maior, mais porta-aviões da história, com possibilida-
veloz e duas vezes mais armado de de decolagem e pouso.
que qualquer navio da época. Durante toda a guerra, ingleses e ale-
Em 1914, no entanto, quando a mães se enfrentaram no mar. E se reveza-
I Guerra começou, o original ram no posto de nação vencedora – ou
inglês havia sido superado pelas perdedora. A Alemanha manteve ataques
embarcações que o imitaram, e furtivos de submarinos, afundando isola-
não entrou em combate. damente navios civis e militares. A Grã-
Além de modernos navios, Bretanha mostrou sua força logo no início
a corrida armamentista fez sur- da refrega. Em 28 de agosto de 1914, em
gir em cena também os subma- um ataque surpresa às forças germânicas
rinos. Os U-Boats germânicos que patrulhavam a ilha de Heligoland , a
não ficavam submersos por 70 quilômetros da costa noroeste da
mais de três horas. Mas seus Alemanha, obteve uma vitória acacha-
torpedos representavam uma pante: os germânicos perderam quatro
grande ameaça. Como o sonar navios e 1200 homens, enquanto os
ainda não havia sido inventa- ingleses saíram ilesos. Em 1º de novem-
do, afundar um submarino não bro, a Alemanha deu o troco. Afundou
era tarefa fácil. A saída foram dois velhos cruzadores bri-
as minas e cargas submarinas, tânicos próximos à cida-
bombas que explodem a uma de de Coronel, na
determinada profundidade. costa do Chile,
Dos 200 submarinos que a levando ao fundo

Cruzador alemão SMS


Blucher, afundado em
24 de janeiro de 1915 na
batalha de Dogger Bank

56 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004 © REPRODUÇÃO


1600 marujos. Empolgado com a vitó- O almirante John Jellicoe, comandante
ria, o almirante Maximiliam Spee,
comandante da empreitada, resolveu
JUTLÂNDIA britânico, preferiu não segui-los. Ima-
ginou erroneamente que os germânicos
reabastecer em Valparaíso, passando
próximo às Ilhas Malvinas, então sob
FOI A planejavam uma emboscada com sub-
marinos. E rumou na direção contrária
domínio inglês. Os britânicos enviaram
cruzadores modernos para deter Spee e,
GRANDE para bloquear o caminho de volta à
Alemanha. As duas frotas se encontra-
em menos de sete horas, 2200 alemães
foram mortos.
BATALHA ram outra vez – e os alemães bateram em
retirada de novo. Às 20h10, deu-se o

A ÚLTIMA BATALHA
NAVAL último encontro da grande batalha, com
a frota de Hipper protegendo a fuga do
O maior embate marítimo entre
germânicos e ingleses ainda estava por
DA GUERRA restante dos alemães. No resultado final,
os ingleses perderam 14 navios contra 11
vir. Em 31 de maio de 1916, as esqua- dos alemães. Suas baixas também foram
dras comandadas pelos almirantes Franz Alemanha. Três navios ingleses foram maiores: 6550 contra 2550. Ambos os
Von Hipper e David Beatty se encontra- vaporizados pela explosão de sua própria lados, no entanto, cantaram vitória. Os
ram na batalha de Jutlândia, no Mar do munição, incendiada por disparos ale- britânicos comemoraram a fuga ger-
Norte. A briga foi feia. Tudo começou mães. O resto da frota germânica, co- mânica. E os alemães, os estragos na fro-
quando o almirante alemão Reinhardt mandada por Scheer, juntou-se a Hipper, ta inglesa. A batalha de Jutlândia foi o
von Scheer, comandante da frota de alto- complicando ainda mais a situação dos último combate naval da I Guerra. Os
mar germânica, resolveu testar os bri- britânicos, que logo também receberiam altos custos em vidas e material fizeram
tânicos. Para tal, enviou uma frota de reforços. os países rivais desistirem de brigar nos
40 navios para a Dinamarca, comandada Com a artilharia inglesa calibrada, oceanos. Após o fim do conflito, a frota
pelo almirante Von Hipper. A Inglaterra os alemães fugiram alemã foi conduzida à Scapa Flow, na
enviou no encalço o almirante Beatty. Às para o norte. Inglaterra, onde se tornou atração turís-
15h45, eles abriram fogo. Beatty tinha tica. Em 4 de junho de 1919, um almi-
mais navios, mas levou a rante alemão inconformado ordenou
pior. A posição que seus marinheiros afundassem os
do sol favorecia próprios navios. Os destroços po-
a artilharia da dem ser vistos até hoje.

O B R A S I L

PATRULHA NO ATLÂNTICO
Em 4 de fevereiro de 1915, a Alemanha alardeou para os quatros cantos do
mundo: destruiria qualquer navio que se aproximasse da Inglaterra ou da Irlanda.
Era o início da chamada “Batalha do Atlântico”. A idéia era evitar a chegada de
suprimentos para os países inimigos. Mas acabou se revelando um desastre di-
plomático. Nações que nada tinham a ver com a guerra acabaram se juntando aos
aliados.
Foi o caso dos Estados Unidos. Após o incidente com o transatlântico Lusitânia,
em 1915, a opinião pública americana repudiou os alemães. E, em 6 de abril de
1917, os EUA entraram na guerra com um pretexto perfeito. No mesmo ano, o
Brasil também teve sete cargueiros civis afundados. Como indenização, confiscou
navios germânicos – e também entrou no conflito. A participação brasileira foi
pequena: alguns pilotos de aviões, apoio médico e a promessa de patrulhar o
Atlântico Sul. Quando finalmente a marinha do Brasil entrou em ação, em novem-
bro de 1918, a guerra já estava no fim.
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o dia 21 ofen, o Barão Ve o vale

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q u a n d o sob té hoje,
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foi mort me, na França. A o que
m tir
do rio So onde partiu o iloto
ab e a o certo d e
avia ç ã o . Foi o p o
não se s o peito do às da lç
seu enca
t ra vesso u n , q u e estava em barão se
a row do
se Roy B vião vermelho us-
canaden s d e o a
o s a tir adores a
a n t e i um d Força
pouco o chão? Fo olo? Segundo a iro.
a r n
espatif do do s tor do tiro certe
disparan au tra que
tralianos nica, Brown é o o , demons uto
B rit â nt a n t
Aérea
ova versã
o, no e lusão é fr i-
. A conc s
A mais n mesmo do chão alha feita com
v e io od a b a t de ais
m
a bala o nstituiçã e o que há
a r ec la se r
de um , raio
es de vôo em análise balís
tica.
mulador at u a l

No dia da sua morte, Von


Richthofen ainda se recu-
perava de ferimentos
sofridos em combate. Mas
o piloto, que dizia sentir
prazer em abater o inimi-
go, insistia em continuar
voando.
Manfred Von Richthofen nasceu em 2 de
maio de 1892, filho de uma família aris-
tocrata alemã. Ainda criança, ingressou
na carreira militar para se tornar anos
mais tarde o maior piloto de todos
os tempos.

Quando a guer-
ra estourou, o céu era o limi-
te para Von Richthofen. O jovem am-
bicioso foi transferido para a Força Aérea em
maio de 1915 e logo se destacou por sua habili-
dade. Era capaz de liquidar até três caças por dia.

O triplano Fokker DR 1 – o terror dos ares, que atingia


165 km/h – era a companhia perfeita para Von Richtho-
fen. Para dar um clima mais sensacional às pelejas, ele
coloriu todo o avião de vermelho. Queria ser reconhe-
cido pelos inimigos a distância – daí seu apelido.
ASES
Durante sua breve carreira, o Barão
Vermelho abateu 80 aviões, matan-
do 127 aviadores franceses, ingleses
e americanos. O governo da França
foi o primeiro a determinar que o tí-
tulo de “ás” seria concedido aos pi-
lotos que derrubassem cinco aviões
inimigos. A Alemanha aderiu à idéia,
mas exigia que seus aviadores abates-
sem no mínimo oito inimigos – e
mais tarde 16 – para serem conside-
rados ases. Os britânicos precisavam
derrubar oito adversários para rece-
ber o título. O Barão Vermelho foi o
maior ás da I Guerra, seguido pelo
francês René Fonck, com 75 vitórias.

O barão estava perseguindo aquela que


seria sua vítima número 81, quando se
desgarrou de sua esquadrilha para der-
rubar um avião Sopwith Camel inglês.

No afã de abater a presa, o Barão Vermelho


se viu sob fogo duplo – do ar e da terra. E o
pior: em território inimigo e sem apoio de
um segundo piloto que lhe desse cobertura.
48 HISTÓRIA JUNHO 2004 | EDIÇÃO EXTRA
Um relato divulgado em 1969 infor-
mava que um artilheiro desconhecido
do 51º Batalhão de Infantaria aus-
traliano havia acertado o barão quan-
do ele sobrevoava as linhas inimigas.
ASES
Outro artilheiro australiano, R. Buie,
também reivindica o tiro fatal…

Mas o sargento australiano C. B. Popkin morreu sem saber que acertara


um mito. Ele atirou quando percebeu que o barão desistira de perseguir os
aviões inimigos e tentava voltar para as linhas alemãs.

Às vésperas de completar 26 anos, Von Rich-


thofen foi atingido nas costas por uma ba-
la, que percorreu seu corpo, atravessou o
coração e saiu pelo peito esquerdo.
Aviões ingleses sobrevoaram as
linhas germânicas lançando fo-
lhetos que informavam sobre a
morte de Manfred Von Richtho-
fen, o herói voador da Alemanha.
ARMAMENTOS

morte
As inovações da
NA TERRA , NO MAR OU NO CÉU, AS NOVAS ARMAS
MUDARAM PARA SEMPRE A CARA DAS BATALHAS

Por Roberto Navarro | Ilustrações Kako

N
o início do século 20, os londrinos costumavam dizer que para
ficar rico bastava inventar uma arma capaz de matar mais gente,
na maior velocidade possível. A indústria armamentista vivia um
verdadeiro frenesi, com encomendas feitas por todos os países. O
clima de animosidade entre as grandes potências da época anun-
ciava tempos sombrios – e se armar era uma questão de sobrevivência. Com o
início da guerra, claro, a produção de armamentos aumentou em escala assusta-
dora. Começou a surgir em cena toda a sorte de inovações. De um lado e de ou-
tro do conflito, pipocavam novidades cada vez mais mortais. Para os combates
terrestres, surgiram os tanques de combate, as metralhadoras e os lança-chamas.
No mar, apareceram os encouraçados, os submarinos e as minas, que serviam
para impedir o desembarque de soldados inimigos. E, no ar, os aviões, uma in-
venção recente, viraram uma poderosa arma de guerra. No início, eram usados
apenas para o reconhecimento de terreno. Depois, assumiram a função estraté-
gica de bombardear centros industriais, destruindo a capacidade do país rival de
se manter na batalha. Nas próximas páginas, uma amostra de tais inovações, que
serviram de sentença de morte para milhares de soldados – e, também, de em-
brião para o desenvolvimento da tecnologia de guerra.
LANÇA-CHAMAS
No começo do século 20, o alemão Richard Fiedler inventou
uma engenhoca que soltava fogo. A novidade logo caiu nas
graças do exército germânico. Quando a guerra começou,
o tal do lança-chamas foi copiado pelos aliados. E muitos
modelos diferentes surgiram em cena. Adaptado em uma
mochila de costas, a arma tinha dois cilindros: um para o
líquido inflamável e outro para ar pressurizado misturado
com dióxido de carbono ou nitrogênio. Uma válvula
acionada por gatilho fazia o líquido pressurizado passar
pelo mecanismo de ignição, onde uma faísca elétrica
incendiava a mistura. O lança-chamas fez estragos
durante o embate. Dizimava tropas e servia como
arma de efeito psicológico. Com o desenrolar do
conflito, foi adaptado nos tanques de guerra.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 65


ARMAMENTOS
Comandado por
um oficial, o tanque
geralmente levava
TANQUE DE GUERRA
um ou dois
mecânicos, Em junho de 1915, o veículo dotado de blindagem de
encarregados
de reparos de
aço foi apresentado às autoridades britânicas. A máquina
emergência, se deslocava sobre esteiras e transportava metralhadoras
principalmente no ou canhões. O então jovem oficial Winston Churchill
sistema de esteiras,
sujeito a problemas caiu de amores pela novidade. Em dezembro do mesmo
freqüentes. ano, a arma recebeu o nome-código de tanque. Motivo:
1. comandante o formato lembrava um tanque de água. A estréia nos
2. piloto campos de batalha aconteceu em 15 de setembro de
3. artilheiros 1916. Embora inventado pelos ingleses, foram os
4. mecânicos franceses que construíram o maior número de tanques
5. motor durante a I Guerra Mundial, com 3 870 unidades,
6. radiador contra 20 dos alemães. Os germânicos não acreditaram
7. combustível na eficiência dos blindados.

66 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


GÁSES TÓXICOS
Em agosto de 1914, os franceses usaram gás lacrimogênio METRALHADORAS
nos campos de batalha. Mas foram os alemães que E GRANADAS
inauguraram a guerra química, com sopros de gás cloro,
em 22 de abril de 1915. Os aliados retaliaram na mesma No início da refrega, as metralhadoras pesavam até 60 quilos.
moeda. No fim do conflito, cerca de 200 mil alemães, Eram necessárias carretas para transportá-las até os campos
190 mil franceses e 188 mil britânicos foram mortos ou de batalha. O exército britânico não gostou da novidade.
feridos por gases tóxicos, apesar da invenção de máscaras Acredite se quiser: consideraram a arma letal demais. Já os
e sistemas de proteção. alemães não tiveram pudores. Produziram em larga escala o
modelo criado pelo americano Hiram Maxim. O exército
germânico chegou a ter 100 mil exemplares. As metralhadoras
só conquistaram os campos de batalha quando surgiram em
cena os modelos portáteis. Na guerra de trincheiras, no
entanto, a protagonista foi a granada de mão, uma pequena
bomba com mecanismo temporizador. Os britânicos usaram
o modelo Mills, de formato ovalado e dotado com um
detonador de retardo, que disparava a granada 4 segundos
após a retirada do pino de segurança. Os alemães preferiram
montar seu próprio explosivo. A trava de segurança
ficava na extremidade de um cabo de madeira. O
aspecto peculiar rendeu um apelo para a granada
germânica: amassador de batatas.

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 67


ARMAMENTOS
SUBMARINOS E MINAS
Em 6 de agosto de 1914, dois dias depois de a Grã-Bretanha
declarar guerra à Alemanha, 10 U-Boats germânicos realizaram,
no Mar do Norte, a primeira patrulha de guerra submarina da
história. A missão foi um fracasso. Dois submarinos acabaram
afundados – e a frota britânica não sofreu nenhum dano. Mas
as patrulhas prosseguiram. Em 5 de setembro do mesmo ano, Cerca de 30 homens
os submarinos tiveram sua primeira vitória em combate. Ao tripulavam os
submarinos alemães
longo da guerra, diversos modelos foram desenvolvidos para da Classe UC,
diferentes finalidades: caça a comboios, lançamento de minas, abrigados em
patrulha costeira e transporte. Os U-Boats tinham motores a estreitos beliches
dispersos por três
diesel, com velocidades de 18 nós – ou 35 km/h na superfície. alojamentos ao longo
Submersos, eram acionados por baterias elétricas, com velocidade do casco. O número
de 8 nós, cerca de 15 km/h. A autonomia de mergulho não de camas era inferior
ao de homens,
passava de uma hora. O UC (ilustração) levava 14 minas, lançadas que precisavam
através de seis tubos. A classe UC 44 era formada por submarinos dormir em turnos.
usados para colocar minas marítimas em águas costeiras. Tais 1. dormitórios
explosivos, instalados em cápsulas de ferro, eram presos por 2. sala de controle
correntes a âncoras fixadas no fundo do mar. As minas podiam 3. motor
ser detonadas não apenas pelo choque de uma embarcação, mas 4. motor elétrico
também via dispositivos magnéticos, que detectavam a pro- 5. torpedos traseiros
ximidade de barcos, e até mesmo por controle remoto, com 6. torpedos dianteiros
sinais de rádio. 7. minas
SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 69
ARMAMENTOS

Criado em dezembro de 1906, o navio britânico HMS


DREADNOUGHT

Dreadnought era um encouraçado de 18110 toneladas:


uma revolução no conceito de barcos de guerra, com
baterias de dez canhões de 12 polegadas e motores
com turbinas a gás. A velocidade atingia 21 nós – ou
41 km/h. O nome dreadnought batizou toda uma classe
de navios, construídos inclusive por outros países, e
durante décadas foi sinônimo de encouraçado. O
HMS Dreadnought lutou no Mar do Norte nos dois
primeiros anos da grande guerra. Mas a partir de 1916
foi posicionado no rio Tâmisa para enfrentar a ameaça
de bombardeios contra Londres.

70 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


ARMAMENTOS
BOMBARDEIRO HANDLEY
PAGE 0/400
Em 25 de maio de 1917, os alemães inauguram os bombardeios
aéreos. Mas o avião ideal para os ataques norturnos era o
britânico Handley Page 0/400: um biplano, com 31 metros
de envergadura e 20 metros de comprimento, que voava a
156 km/h e tinha alcance superior a mil quilômetros. Movido
por dois motores de 360 HP, carregava três tripulantes, armados
com duas metralhadoras Lewis duplas e uma simples, e
transportava oito bombas de 113 quilos ou 12 bombas de
66 quilos, lançadas com as mãos pelo bombardeador. Em maio
de 1918, à frente de uma força que incluía 49 bombardeiros,
o general inglês Hugh Trenchard estabeleceu um novo tipo
de missão. Em vez de simplesmente jogar bombas ao acaso
sobre grandes cidades, ele inventou as ofensivas contra os
centros industriais da Alemanha, criando assim o conceito
de bombardeio aéreo estratégico.

O atirador
dianteiro ocupava
um cockpit com
uma instalação
circular. Com isso,
era possível girar
a metralhadora
em direção a
alvos vindos
de vários lados

72 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


No início da guerra,
as bombas eram
atiradas com
as mãos pelos
tripulantes durante
os ataques aéreos
ARMAMENTOS

DIRIGÍVEIS
Com cerca Enquanto duelos espetaculares entre ases solitários chamavam
de 158 metros a atenção no Front Ocidental, outro tipo de guerra aérea surgia:
de comprimento,
quase 15 metros os bombardeios realizados por dirigíveis. Graças aos esforços
de diâmetro, os do pioneiro conde Zeppelin, a Alemanha entrou na guerra com
zepelins chegavam uma frota de 30 dessas aeronaves, usadas para bombardear
a 84 km/h e tinham
alcance de até cidades com o objetivo de abalar o moral das populações. Em
5 mil quilômetros, 31 de maio de 1915, aconteceu o primeiro ataque com dirigíveis
nos modelos contra Londres, seguido por várias outras incursões, geralmente
mais avançados.
Podiam levar noturnas, que nos meses seguintes mataram mais de 520 pessoas.
duas metralhadoras A altitude que atingiam, de até 6500 metros, os tornava pratica-
de 7,92 mm mente invulneráveis aos caças da época, mesmo usando um gás
na cabine, para
defesa contra altamente inflamável, o hidrogênio. Mas o aperfeiçoamento da
caças inimigos, defesa antiaérea e os problemas operacionais, além da lentidão,
e transportavam levaram ao gradual abandono dos zepelins, como os dirigíveis
entre 5 e
7 toneladas eram chamados por britânicos e franceses, que jamais con-
de bombas seguiram construí-los na quantidade e eficiência dos alemães.

74 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004


ALBATROS D.III
Este foi um dos melhores caças de escolta da Grande Guerra.
Sua entrada na refrega, em janeiro de 1917, permitiu ao
Serviço Aéreo Imperial alemão obter superioridade aérea
incontestável no Front Ocidental até meados daquele ano.
O avião era equipado com motor Mercedes de 160 HP,
adaptado para melhor rendimento em grandes altitudes, e
podia voar por até duas horas, atingindo 175 km/h. Suas
duas metralhadoras de 7,92 mm, montadas sobre o capô
do motor, atiravam em sincronismo com a hélice. Mas o
avião tinha um ponto fraco: a asa inferior costumava partir-
se durante mergulhos acentuados. A de-
ficiência foi explorada pelos pilotos
inimigos, que procuravam obrigar o
Albatros D.III a realizar ma-
nobras extremas durante
combates aéreos.
FIM DOS IMPÉRIOS

tempo
A LÉM
Um novo
DO FIM DAS MONARQUIAS ABSOLUTISTAS ,
O CONFLITO PARIU A
OS E STADOS U NIDOS
U NIÃO S OVIÉTICA
COMO POTÊNCIA MUNDIAL
E LANÇOU

Por Cynthia de Miranda e Cristiano Dias

A
cabou! No dia 11 de no- na Rússia; os Habsburgo, na Áustria; os ris, veio o consenso: o Tratado de Versa-
vembro de 1918, a Alema- Hohenzollern, na Alemanha; e os sultões lhes, de 28 de junho de 1919. Longe de
nha hasteou a bandeira da Turquia. Do ponto de vista humano, selar a paz, o documento era a senten-
branca. Era o fim de uma o saldo do conflito choca: 9 milhões de ça condenatória de uma nação, a Ale-
guerra que prometia “aca- mortos e 40 milhões de feridos. Muitos manha, responsabilizada pela guerra e
bar com todas as guerras”, como define países perderam gerações inteiras de ho- obrigada a pagar indenização bilioná-
o historiador Eric Hobsbawm em Era mens em idade produtiva. É o caso da ria. No plano militar, as sanções aos ale-
dos Extremos – O Breve Século XX. De Inglaterra. Meio milhão de britânicos mães incluíam a limitação do exército
fato, o embate tomou proporções colos- com menos de 30 anos morreram. As na- em 100 mil homens, a entrega dos na-
sais, mas não resolveu as pendengas en- ções envolvidas na refrega saíram dos vios de guerra e a desmilitarização do
tre as superpotências da época. Pelo con- campos de batalha ainda economicamen- território à margem esquerda do Reno.
trário. No fim, a animosidade que paira- te mutiladas. Rios de dinheiro escoaram A Alemanha ficava ainda proibida de
va no ar era ainda maior do que antes. para a atividade bélica, e o continente en- possuir armamentos estratégicos, como
Começou a se delinear o cenário que cul- trou nos anos 20 com a infra-estrutura força aérea, canhões pesados e subma-
minaria na II Guerra Mundial, 20 anos produtiva em frangalhos. Para enfrentar rinos. Parte do território foi entregue à
depois. “A situação criada era inerente- as dificuldades, os protagonistas da guer- França, Bélgica, Dinamarca e Polônia.
mente instável, sobretudo na Europa, mas ra recorreram à emissão de papel-moeda, Ao todo, o país perdeu 15% do ter-
também no Extremo Oriente, e, portan- gerando inflação, e contraíram emprés- ritório e um décimo da população, pas-
to, não se esperava que a paz durasse”, timos, agravando a dívida externa. Essa, sando assim a alimentar um ódio revan-
afirma Hobsbawm. “A insatisfação com aliás, foi a brecha para os Estados Unidos chista. “Os aliados arrancaram até os dor-
o status quo não se restringia aos estados emergirem como grande potência. mentes das estradas de ferro alemãs”, co-
derrotados, embora estes, notadamente menta a historiadora Maria Helena Se-
a Alemanha, sentissem que tinham bas- ERROS DE VERSALHES nise, da Universidade Estadual de Cam-
tante motivos para ressentimentos”, com- Com o velho continente em panda- pinas, Unicamp. Só que Versalhes teve
pleta. recos, as potências vitoriosas – Estados um aspecto ainda mais desastroso. Os
No aspecto político, a conseqüência Unidos, Inglaterra, França e Itália – se aliados, ao assinarem o tratado com um
da guerra foi varrer as últimas monar- sentaram à mesa para discutir o destino governo alemão legítimo, reconheceram
quias absolutas da Europa: os Romanov, do planeta. Em uma conferência em Pa- a unidade do território germânico. Na

76 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004 © REPRODUÇÃO


À esquerda,
multidão
na porta
do Palácio
de Versalhes.
Na foto à
direita, o
comandante
dos aliados,
Ferdinand
Foch, assina
o armistício
que põe um
ponto final
no conflito.
E na foto ao
lado, Lloyd
George, Georges
Clemenceau
e Woodrow
Wilson,
respectivamente
primeiro-ministro
britânico,
primeiro-ministro
da França e
presidente dos
Estados Unidos

prática, a Alemanha ficou com a faca e o ra evitar conflitos entre sérvios, croatas cia soviética e a constante ameaça da
queijo na mão para sabotar o acordo a e eslovenos, o rei Alexandre I radicalizou. revolução comunista ajudou na consoli-
hora que quisesse. “Os aliados erraram, Caminho parecido seguiram a Espanha, dação de uma extrema direita, que apa-
não em aplicar sanções pesadas à Alema- do marechal Primo de Rivera, e Portugal, recia como contraponto e se organizava
nha, mas sim em aplicá-las sobre uma do general Antônio Carmona, um ensaio para barrar o avanço revolucionário. Sur-
Alemanha unida e autônoma, capaz de para a ditadura de Antônio Salazar. giam assim os nacionalismos alemão e
se preparar para uma revanche”, analisa Em suma, no período do entreguer- italiano. O cenário não era dos mais ani-
Luiz César Rodrigues, autor de A Pri- ras, um vento de ditaduras varreu as frá- madores. A paz estava na corda bamba.
meira Guerra Mundial. geis democracias européias. Entre as no- Versalhes foi seguido de vários trata-
vidades trazidas pelo fim do conflito es- dos complementares, que redesenharam
CORDA BAMBA tava ainda o nascimento da União Sovié- o mapa da Europa. A característica co-
Aos olhos do Ocidente, Versalhes foi tica, mãe de todas as ditaduras, alçada à mum dos acordos foi o princípio do “di-
a vitória da democracia. Alemanha e Áus- condição de superpotência. A experiên- reito das nacionalidades” (veja abaixo).
tria se tornaram repúblicas e adotaram
constituições liberais. O Império Oto-
PRÓS E CONTRAS DOS TRATADOS
mano também, com o nome de Turquia.
TRATADO QUANDO QUEM GANHOU QUEM PERDEU
Para evitar que conflitos se repetissem, Trianon Junho A Sérvia incorporou a Croácia; A Hungria perdeu
foi criada a Liga das Nações, embrião das de 1919 a República Tcheca ganhou todos esses
Nações Unidas. Só que enfiar a demo- a Eslováquia. A Romênia territórios
incorporou a Transilvânia
cracia goela abaixo de países que nunca
vivenciaram uma experiência democrá- Saint- Setembro Tchecoslováquia, Reino dos A Áustria teve
Germain- de 1919 Sérvios, Croatas e Eslovenos de conceder porções
tica tinha tudo para dar errado. E deu. en-Laye e Polônia tiveram sua de seu território
Aos poucos, as novas nações caíram nas independência. E a Itália aos novos países
mãos de regimes ditatoriais. A Itália ce- abocanhou terras dos austríacos
deu ao fascismo. Na Polônia, assumiu o Neuilly Novembro A Grécia anexou a Trácia. A Bulgária
marechal Josef Pilsudski. Na Turquia, o de 1919 O Reino dos Sérvios, Croatas perdeu todos
militar Mustafa Kemal. Na Grécia, o ge- e Eslovenos ficou com esses territórios
a Macedônia
neral Ioannis Metaxas. Na Iugoslávia, pa- Sèvres Agosto França e Inglaterra dividiram as A Turquia teve seu
de 1920 terras turcas no Oriente Médio. território reduzido.
Grécia e Armênia anexaram É o fim do
parte da Turquia Império Otomano
TOMOS E TELAS
CLÁSSICO

De amor e de guerra
E M A DEUS ÀS A RMAS , O ESCRITOR E RNEST H EMINGWAY NARRA A BRUTALIDADE
DO CONFLITO COM A INTIMIDADE DE QUEM ESTEVE NOS CAMPOS DE BATALHA

C
om 18 anos e cheio de entusias- mesmo tempo, uma história de amor e de conhece Catherine, ele começa a questio-
mo, o jovem americano Ernest guerra, escrita bem ao estilo Hemingway: nar a hostilidade à sua volta. Como ob-
Hemingway encasquetou com a simples e apaixonante. servador da luta do homem contra o ho-
idéia de virar combatente na I Guerra O livro narra o amor do tenente ame- mem, o tenente põe no seu caldeirão de
Mundial. Conseguiu. Virou motorista de ricano Frederic Henry pela enfermeira es- questionamentos até mesmo a existência
ambulância da Cruz Vermelha. Só que a cocesa Catherine Barkley. No pano de de um Deus que olha pelo mundo.
sua contribuição nas frentes de batalha fundo, revela a desilusão do combatente Contra tal brutalidade, só o amor.
durou pouco. Depois de algumas sema- – e do escritor, claro – com a insana guer- Assim Henry e Catherine se refugiam na
nas na Europa, Hemingway foi gravemen- ra. No início da trama, Henry – não por paixão, sempre interrompida pela reali-
te ferido na perna. E teve que voltar pa- acaso um motorista de ambulância – é dade dos campos de batalha: ora Henry
ra casa, carregando na bagagem uma me- indiferente ao conflito que mobilizava to- é ferido, ora é recrutado de volta ao front.
dalha de honra e uma rica experiência, das as grandes potências do mundo. Sempre sob o ponto de vista do tenente,
que, dez anos depois, serviria de muni- “Aquela guerra nada tinha a ver comigo. Adeus às Armas descortina a crueldade da
ção para as páginas de Adeus às Armas, li- Parecia tão perigosa para mim como uma guerra. Com maestria, Hemingway pin-
vro publicado em 1929. A novela é, ao guerra de cinema”, diz. Mas, depois que ta um quadro do conflito desprovido de

Os horrores das frentes de batalha – o medo, a mutilação e


a morte – são o pano de fundo da obra de Ernest Hemingway
disfarces e rebuços, por meio de sua pro- retirada. Uma zona inteira da Itália mo-
sa simples e direta, a marca registrada do via-se, acompanhando o exército”.
gênio da literatura americana. Ganhador A descrição de Hemingway é tão
do Nobel de Literatura de 1954, o escri- emocionante que até mesmo italianos
tor quer “mostrar” em vez de “contar” que participaram da retirada de Capo-
o horror das frentes de luta. retto declararam que alguém só poderia
Hemingway recorre também às ima- ter escrito com tal emoção se tivesse so-
gens da natureza para contrapor o amor frido na pele a humilhante derrota da
do jovem casal à carnificina anárquica das Itália. Mas, na verdade, nem tudo o que
trincheiras. A chuva, que está presente em está em Adeus às Armas é autobiográfico.
quase todo o desenrolar da novela, mui- Assim como Henry, o escritor america- Adeus às Armas
Ernest Hemingway
tas vezes é um presságio de uma tragédia. no foi ferido em combate e, sob cuida- Bertrand Brasil
Em um dos momentos mais emocionan- dos de uma linda enfermeira, acabou se 352 páginas
tes da narrativa, a batalha de Caporetto, apaixonando. Mas as semelhanças ter- R$ 40,00
a chuva cai incessantemente. O autor des- minam por aí. Na vida real, a enfermei-
creve a retirada histórica das tropas italia- ra era americana e se chamava Agnes von
nas, após a vitória esmagadora do exérci- Kurowsky. Segundo biógrafos de He-
to alemão e austro-húngaro em outubro mingway, a enfermeira e o autor tiveram
de 1917: “Chovia constantemente e o um rápido affair, terminado por carta. O
exército de Bainsizza afastava-se do platô autor de clássicos como Paris É uma Festa
onde grandes vitórias haviam sido ganhas e O Velho e o Mar também não testemu-
na primavera daqueles anos”. Em outro nhou a histórica derrota italiana. Na épo-
momento, escreve: “Eu não havia devida- ca, já trabalhava como repórter no jor-
mente calculado o extraordinário vulto da nal Kansas City Star. ELIZA MUTO

SETEMBRO 2004 GRANDES GUERRAS 79


TOMOS E TELAS
ACERVO

Um olhar Uma obra-prima


distante de de Kubrick
um jornalista E m 1957, Stanley Kubrick já polemi-
zava e mostrava por que viria a ser
brasileiro um dos maiores diretores da história do
cinema. Nesse filme que marcou sua es-
tréia internacional nas grandes telas, Ku-

T odas as segundas-feiras, o jor-


nalista Júlio Mesquita presen-
teava os leitores do jornal O Estado de
brick disseca a estupidez e a futilidade
da guerra. A história se passa nas trin-
cheiras do grande conflito mundial, quan-
S.Paulo com suas análises sobre o desen- do o alto escalão francês ordena um ata-
rolar da I Guerra Mundial. Suas crôni- que suicida contra os alemães. A missão
cas – publicadas de agosto de 1914 a fracassa e, para justificar o engano de sua
outubro de 1918 e agora reunidas nes- estratégia militar, os generais determi-
ta obra de quatro volumes – são mais nam a execução de três soldados inocen-
que meros relatos de guerra. Com um tes. É aí que entra em cena o coronel Dax,
olhar distante, Mesquita consegue vi- vivido por Kirk Dou-
sualizar as frentes de batalha sem per- glas, que tenta defender
der os planos de fundo, para decifrar de todas as formas seus
essa “história cheia de som e fúria”. Tal- homens. Kubrick até
vez por isso, passados mais de 80 anos pensou em forçar um fi-
da I Guerra, seus boletins minuciosos nal feliz para o filme,
e precisos revelam o trabalho de um ver- A Guerra
mas mudou de idéia. O
dadeiro historiador. Em seus artigos, o (1914-1918) resultado não poderia Glória Feita de Sangue
jornalista já previa a Revolução Russa, Júlio Mesquita ser melhor – é um dos Direção: Stanley Kubrick
Terceiro Nome Estados Unidos, 1957
a derrota da Alemanha e o surgimento 920 páginas mais belos finais da his- 87 minutos
do nazismo. E.M. R$ 200,00 tória do cinema. E.M. R$ 39,00

O conflito em imagens
J ohn Keegan volta sua atenção novamente para os eventos que mar-
caram o mundo entre 1914 e 1918 em História Ilustrada da Primeira
Guerra Mundial. O livro é uma versão atualizada da aclamada obra
de Keegan A Primeira Guerra Mundial, com algumas novas conside-
rações e interpretações. O diferencial agora é que sua brilhante
narrativa é enriquecida por mais de 500 fotografias, pinturas,
História Ilustrada da charges e pôsteres que revelam a face do conflito, ao retratar os
Primeira Guerra Mundial homens e as mulheres que sofreram na pele os horrores da guer-
John Keegan ra. As imagens nos levam ao coração das batalhas de Gallipoli,
Ediouro
496 páginas Verdun e Somme, e também mostram a vida de jovens solda-
R$ 59,00 dos nas trincheiras do front. E.M.

80 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004

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