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1 9 1 4 - 1 9 1 8
O MARCO SANGRENTO ENTRE
O VELHO E O NOVO MUNDO
CARTA DO FRONT
Honra ao
mérito
Fundador: VICTOR CIVITA
(1907 - 1990)
Editor: Roberto Civita
Conselho Editorial: Roberto Civita (Presidente),
Thomaz Souto Corrêa (Vice-Presidente), José Roberto Guzzo, Maurizio Mauro
V
Diretor de Redação: Adriano Silva
ocê deve se lembrar. Em junho, AVENTURAS DA HISTÓRIA
Diretor de Arte: Alceu Chiesorin Nunes
Editores: Celso Miranda (texto), Débora Bianchi (arte), Luiz Iria (infografia)
lançou uma edição especial da II Guerra Mundial. Pois é.
A revista estourou nas bancas. Do sucesso, nasceu esta idéia:
GUERRAS
G R A N D E S
Não peurbro,
Tourinho, 147, Sala 303, Bairro Savassi, CEP 30112-000, Vania R. Passolongo, tel.: (31) 3282-
0630, fax.: (31) 3282-8003 Blumenau: R. Florianópolis, 279, Bairro da Velha, CEP 89036-150, coruja, acho que posso dizer sem pestanejar: a revista que
Em out
M.Marchi Representações Ltda., tel.: (47) 329-3820, fax: (47) 329-6191 Brasília:SCN, Q 01 Bloco
Ed. Brasília Trade Center, 14º andar, Sala 1408, CEP 70710-902, Solange Tavares, tels.: (61) 315-
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você tem nas mãos, como costuma dizer o editor Celso
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Diamantino, 13, Quadra 73, Morada da Serra, CEP 78055-530, Fênix Propaganda Ltda. Curitiba:
Miranda, “entrega” o conflito que mergulhou o mundo
no caos – e inaugurou o que o escritor Eric Hobs-
ã
Vietn
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Hadid e Ivan Rizental, tel.: (41) 250-8000, fax: (41) 252-7110 Florianópolis: R. Manoel Isidoro
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bawm chamou, com precisão, de “Era dos Extremos”.
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COLEÇÃO GRANDES GUERRAS edição 1 (EAN 789.3614.021959), setembro de 2004, é uma publica-
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Nunes
Editores: Celso Miranda (texto) ,
Débora Bianchi (arte) , Luiz Iria (infografia)
Colaboraram nesta edição:
Karla Monteiro (edição de texto) , O embarque
Alessandro Meiguins (edição de arte) ,
Eliza Muto (subedição de texto) , de soldados
Carolina Lacreta (design),
Glauco Diógenes (tratamento de imagens) ,
ingleses rumo
Jorge Cotrin (revisão)
Presidente do Conselho de Administração: Roberto Civita
a guerra.
Presidente Executivo: Maurizio Mauro em 1914`
O ESPECIALVice-Presidentes:
GRANDES GUERRAS - PRIMEIRA
Deborah GUERRA
Wright, Emílio Carazzai,MUNDIAL
foi publicadoJosé
emWilson
setembro dePaschoal,
Armani 2004 pelaValterEditora
PasquiniAbril S/A e
republicado pela Editora Caras S.A. em Agosto de 2020
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©REPRODUÇÃO
SUMÁRIO M A PA S
CRIANÇAS
24 Brincadeira sangrenta
CERCA DE 250 MIL GAROTOS INGLESES, ENTRE 13
E 16 ANOS, LUTARAM NOS CAMPOS DE BATALHA
GALLIPOLI
30 Fiasco
ATACAR A TURQUIA PARECIA O PLANO PERFEITO.
MAS SE TORNOU O MAIOR FRACASSO DOS ALIADOS
E U R O PA
36 Impasse no front
NO CORAÇÃO DA GUERRA, A BRIGA DUROU 1299 DIAS,
SEM VITÓRIAS CONCLUSIVAS DE NENHUM DOS LADOS
MEMÓRIA
44 Caixa postal
TONELADAS DE CORRESPONDÊNCIAS ENVIADAS PELOS
SOLDADOS REVELAM OS BASTIDORES DO CONFLITO
TRINCHEIRAS
50 Covas rasas
MAIS DE 4 MILHÕES DE SOLDADOS MORRERAM E
TIVERAM SEUS CORPOS DEVORADOS POR RATOS
E M BAT E N O M A R
54 Batalha naval
A BRIGA DE INGLESES E ALEMÃES PELA
SUPREMACIA NOS OCEANOS
76 Um novo tempo
A GUERRA BOTOU UM FIM NAS MONARQUIAS,
Inverno nas
trincheiras: PARIU A UNIÃO SOVIÉTICA E ALÇOU OS
neve e ventos ESTADOS UNIDOS AO POSTO DE POTÊNCIA
cortantes
©REPRODUÇÃO
12 BARRIL DE PÓLVORA 26 BEM-VINDOS
Um clima de tensão dominava a Europa Os Estados Unidos entram em campo
28.
Internamente, ele unificou a mo
e as leis, agregando os feudos e
criando a Alemanha. Na política
externa, Bismarck costurou a
aliança com o Império Austro
Húngaro. Foi o fomentad
JUL.
do expansionismo
germânico.
Comandante da Força
1914
Expedicionária Britânica,
em 1915, DOUGLAS HAIG
(1861–1928), um oficial
da cavalaria, desprezava
novas invenções, como a
metralhadora. Seus ataques
frontais na batalha do
A
ntes da I Guerra Mundial, LONDRES
o mundo vivia assim:
todos contra todos. As
grandes nações rivaliza-
vam entre si pelo controle
de mercados, matérias- ALEMAN
primas e territórios. No papel de potência
hegemônica, estava a Inglaterra, dona de
quase 1/5 do território mundial. A Ale-
manha ocupava a posição de país recém- PARIS
unificado, que ansiava por colônias e
novos mercados. Em meio ao clima hostil, BATALHA DO
iniciou-se a corrida armamentista. O MARNE ago 1914
processo ficou conhecido como “Paz Após contínuas
Armada”. Ou seja, a Europa havia se retiradas, franceses
transformado em um barril de pólvora. e ingleses finalmente O mote do Plano
Começaram a surgir alianças se- contra-atacam – Schlieffen, capitaneado SUÍÇA
cretas. De olho no crescimento da Ale- e conseguem deter pelo general germânico
manha, a Inglaterra juntou-se à França, os alemães a apenas ALFRED VON SCHLIEFFEN,
país derrotado pelos germânicos em 45 km de Paris. era flanquear as forças
1871. Já os alemães aliaram-se aos austro- francesas pelo norte,
húngaros e aos italianos, que faziam jogo FRANÇA invadindo a Bélgica.
duplo, já que mantinham relações com a A Alemanha tinha como ITÁLIA
Inglaterra e também com o Império alvo final a ocupação
Otomano. E a Rússia fechou parceria com de Paris. Já o estratagema
ingleses e franceses. Para completar o da França, conhecido
tabuleiro de xadrez, os russos decidiram como Plano 17, previa
também patrocinar a Sérvia em sua fúria o rompimento da linha ROMA
nacionalista, contrariando os interesses alemã pela Alsácia-Lorena,
do Império Austro-Húngaro. no sul. O plano alemão
Em 28 de julho de 1914, o mundo beirou a perfeição.
explodiu. A faísca que detonou a guerra O francês provou-se
foi o assassinato do arquiduque austro- um fiasco.
húngaro, Francisco Ferdinando. “No dia
seguinte, estava declarada guerra à Sérvia,
acusada do crime”, comenta Camile Bloch,
no livro The Causes of World War (As Teimoso e inflexível, JOSEPH JOFFRE
Causas da Guerra Mundial, inédito no (1852–1931) comandou as forças francesas
Brasil). Com ou sem crime, o conflito até 1916. É dele o fracassado Plano 17.
aconteceria. “Os austro-húngaros já que- Mas o general, em sua obstinada calma,
riam destruir a Sérvia”, afirma David foi o único a não entrar em pânico quando
Fromkin, em Europe’s Last os alemães estavam às portas de Paris.
Summer (O Último Verão da Ele salvou a França com a heróica reação
Europa, inédito no Brasil). Pelos na batalha do Marne, em 1914.
próximos quatro anos, a palavra
paz estaria excluída do vocabulário.
o-
dor
BATALHA DE
TANNENBERG ago 1914
A Rússia invade a Alemanha,
cai numa armadilha e é
massacrada. Diante da vitória
germânica, o general russo RÚSSIA O último imperador russo,
Samsonov se suicida. CZAR NICOLAU II (1868–1918),
assumiu o poder em 1894.
O imperador alemão KAISER WILHELM II (1859–1941) era um militarista. Durante seu reinado, lidou com
Desde 1888, quando assumiu o trono, investiu na ampliação das forças crescentes revoltas internas.
armadas. Seu sonho era bater a marinha britânica. Quando o herdeiro do Insatisfeito com as tropas,
NHA Império Austro-Húngaro foi assassinado, Wilhelm foi a favor das retaliações. Nicolau assumiu o comando
do exército em 1915. Com a
revolução de 1917, foi deposto
IMPÉRIO e capturado pelos bolcheviques.
AUSTRO-HÚNGARO Acabou executado junto com
todos os membros de sua família,
em Ekaterimburgo, Sibéria.
O imperador austro-
húngaro, FRANZ JOSEPH
(1830–1916), reinou durante
66 anos. Ciente da decadência
de seu reino, ele considerava a
derrota inevitável, bem como o
fim do Império Austro-Húngaro. O sultão MEHMED V
(1844–1918) assumiu o trono
do Império Otomano em 1909.
Mas a sua verdadeira paixão
ATENTADO EM não era o poder e, sim, a
SARAJEVO jul 1914 literatura persa. Durante o
O assassinato do arquiduque Ferdinando, conflito, virou marionete nas
príncipe-herdeiro do Império Austro- mãos de Enver Pasha, líder
Húngaro, é o estopim para a guerra. O dos chamados “jovens turcos”.
crime foi cometido pelo nacionalista sérvio Mehmed viu com reservas a
Gavrilo Princip, em Sarajevo, atual Bósnia. entrada de seu povo na guerra.
CENÁRIO
JAMES MCCUDDEN
REVOLTA (1895–1918), no
1915
IRLANDESA 1916 comando da 56ª
Separatistas irlandeses esquadrilha, foi o maior
tentam tomar Dublin e adversário do Barão
declarar independência da Vermelho. Dentre seus
Inglaterra. São duramente feitos, está a morte do
A
reprimidos e seus líderes ás germânico Verner
executados. Voss. “Eu não esquecerei
aquele piloto, que lutou
contra sete de nós por
dez minutos”, comentou.
McCudden morreria
1918
aos 23 anos, no dia
9 de julho.
JUTLÂNDIA 1916 FRENTE
De um lado, a marinha OCIDENTAL
inglesa perde
15 navios. Do outro,
a recém-construída
ANOS frota germânica tem
11 navios afundados.
N
o início do conflito, os
alemães tinham um pla- SOMME
no: massacrar os france- jul de 1916
ses em 40 dias e evitar a Mais de 1
guerra em duas frentes. milhão de
Contra todas as expecta- combatentes
tivas, a França resistiu. Mesmo com a morrem na
derrota da aliada Rússia, em Tannenberg, tentativa aliada PAR
o impasse estava criado. O desfecho fi- de quebrar a
nal passou a depender de uma vitória linha rival.
decisiva no Front Ocidental, uma longa
faixa de terra que ia do litoral francês
até a Suíça.
Só que alcançar uma vitória crucial
foi se revelando uma tarefa cada vez
mais difícil. Os dois lados da refrega
construíram trincheiras, cercadas de ara-
me farpado. O dia-a-dia era marcado por
ataques e contra-ataques, na chamada
“guerra de atrito”. Na batalha do Som- CAPORETTO
me, em 1916, por exemplo, os aliados set de 1917
perderam 500 mil homens em seis me- Vitória decisiva
ses de campanha para conquistar ape- das forças
nas 12 quilômetros de território. germânicas e
A primeira baixa do confronto foi o austro-húngaras
mito da “guerra romântica”, quando ca- contra a Itália.
valeiros emplumados duelavam por cau- Cerca de
sas nobres. A I Guerra Mundial inaugu- 300 mil italianos
rou o conflito de massas. Novos inven- são feitos
tos, como a metralhadora, os gases quí- prisioneiros ou
micos e o lança-chamas, devastavam os morrem. A Itália
campos de batalha. Mortos e feridos sai de cena.
atingiam a cifra dos milhões. E quanti-
dades imensas de material bélico saíam Conhecido como “o velho”, o jovem
das fábricas para alimentar uma guerra GEORGES GUYNEMER (1894–1917)
de proporções industriais. A sarcástica abateu 54 aviões inimigos, quatro
frase de Bertrand Russell, comentando deles em um único dia. E sobreviveu
a contribuição do economista John May- a sete acidentes em que seu avião
nard Keynes para o Tesouro britânico, foi derrubado. Ele era adorado na
resume o modelo de guerra que nascia França. Recebeu inúmeras propostas
aí: “Keynes encontrou meios de matar de casamento de fãs. Guynemer
o maior número possível de alemães”. morreu aos 23 anos.
11
NOV
IRLANDA
A luta pela independência da
Irlanda deu as caras na frustrada
revolta de 1916. Em 1919,
nacionalistas liderados pelo
Exército Republicano Irlandês (IRA)
1918
renovaram a batalha e, finalmente,
em 1921, conquistaram a liberdade,
exceto por um enclave protestante
no norte do país, mantido pela
Inglaterra até hoje e conhecido
como Irlanda do Norte.
C OMEÇA UMA
NOVA ERA
O
mapa da Europa tinha de
ser redividido e retraça-
do, tanto para enfraque-
cer a Alemanha quanto
para preencher os gran-
des espaços vazios dei-
xados na Europa e no Oriente Médio pe-
lo colapso simultâneo dos impérios rus-
so, habsburgo e otomano”, comenta o
historiador Eric Hobsbawm em seu livro
a Era dos Extremos: Uma Breve
História do Século XX.
Na lista de preocupações dos vence-
dores, entre eles os Estados Unidos, a ALEMANHA
mais nova potência mundial, estava tam- O Tratado de Versalhes impôs duras
bém a recente revolução comunista, um condições à Alemanha. O país teve que
exemplo perigoso que tinha que ser con- admitir a culpa pelo conflito e pagar
tido. “Tornar o mundo seguro contra o exorbitantes reparações de guerra.
bolchevismo e remapear a Europa eram Seu exército foi restrito a 100 mil homens
metas que se sobrepunham”, afirma e sua marinha, a seis encouraçados.
Hobsbawm. Assim, um verdadeiro “cor- O país ficou proibido de ter aviação,
dão sanitário”, formado por vários novos tanques e qualquer tipo de artilharia
estados, foi criado para isolar a Rússia pesada. A Alemanha também foi punida
da Europa Ocidental. com perda de território para a França,
A criação de novos estados e a paz Polônia, Tchecoslováquia e Lituânia, além
humilhante concedida à Alemanha ape- de todas as colônias africanas e asiáticas.
nas camuflaram antigos problemas, que
durante todo o século 20 voltaram a per-
turbar a Europa. Sua pior manifestação
foi, sem dúvida, a II Guerra Mundial. Mais
recentemente, outras velhas questões
afloraram, como a Guerra da Bósnia, a
divisão da Tchecoslováquia e as disputas
entre húngaros e romenos pela Transil-
vânia. A guerra para acabar com todas
as guerras só gerou mais guerras.
FINLÂNDIA UNIÃO SOVIÉTICA
Aproveitando a Nascida oficialmente em
Revolução Russa, 1922, a União das Repúblicas
a Finlândia Socialistas Soviéticas (URSS)
declarou sua foi a maneira encontrada
independência pelos comunistas para
em 1917, que assegurarem o controle
foi reconhecida político de vastas áreas
formalmente pela no Cáucaso (Armênia,
Rússia em 1920. Azerbaijão e Geórgia), na
Ásia Central (Turcomenistão,
Tadjiquistão, Usbequistão)
e na Rússia européia (Moldávia,
Bielo-Rússia e Ucrânia).
BIELO-RÚSSIA E UCRÂNIA
Pelo tratado acordado com os
alemães em Brest-Litovsk, em
POLÔNIA 1917, a Rússia cedia o controle
Durante o desenrolar da guerra, o país sobre a Ucrânia e a Bielo-Rússia.
ganhou a independência após 120 anos As duas repúblicas, que de 1918
de colonialismo alemão. Em 1919, a a 1920 gozaram uma curta
Polônia foi invadida e dividida entre liberdade, foram anexadas
alemães e soviéticos. pela União Soviética em 1921.
Só alcançariam a independência
70 anos depois, em 1991.
ÁUSTRIA, HUNGRIA E TCHECOSLOVÁQUIA
Áustria e Hungria assinaram dois
diferentes tratados de paz: Saint
German e Trianon, respectivamente, IRAQUE, TRANSJORDÂNIA,
um indicativo de que o antigo Império PALESTINA, SÍRIA,
Austro-Húngaro seria desmembrado. Um LÍBANO E ARÁBIA
terceiro Estado surgiu do esfacelamento, Como resultado do Tratado
a Tchecoslováquia. A Áustria ainda de Versalhes, o Império
perdeu consideráveis territórios para Otomano perdeu todas
a Itália, Polônia, Romênia e Iugoslávia. as suas possessões.
Os britânicos e franceses
dividiram os atuais Iraque,
Síria, Líbano, Jordânia,
IUGOSLÁVIA Israel, Palestina e Arábia
Quando a guerra acabou, mais da Saudita entre si e
metade dos sérvios em idade militar tornaram-se mandatários
estavam mortos, feridos ou desses países até que suas
desaparecidos. Mas os nacionalistas populações estivessem
realizaram seu sonho. O rei da Sérvia, “maduras para governar
Peter I, tornou-se o soberano de um a si mesmas”. Uma prova
novo Estado, abrangendo a própria de que a história se repete.
Sérvia, a Bósnia e a Croácia. O novo
país foi chamado de Iugoslávia.
A divisão apenas adiou o conflito.
O caldeirão voltou a explodir em
1995, com a Guerra da Bósnia.
Barril de pólvora
NO INÍCIO DO SÉCULO
E HOSTILIDADE DOMINAVA A EUROPA .
20, UM CLIMA DE TENSÃO
A EXPLOSÃO
DO MUNDO ERA UMA QUESTÃO DE TEMPO
P o r Ta m i s P a r r o n
N
ão é à toa que o historiador Eric Hobsbawm ape- destruição da Alemanha”, pregava o diá-
lidou o século 20 de a Era dos Extremos, título rio em 1897. Na França, o sentimento
do clássico que cobre o período de 1914 a 1991. antigermânico não era menos intenso.
Segundo ele, não há como compreender tal mo- Desde a derrota na Guerra Franco-Prus-
mento da história sem mergulhar nas trincheiras siana e a perda da Alsácia-Lorena em
dos conflitos totais. Em especial da I Guerra, que inaugurou um 1871, o país desejava revanche. Em to-
mundo onde paz “era coisa do passado”. “O século 20 foi mar- do o continente, a atmosfera também es-
cado pela guerra. Viveu e pensou em termos de guerra, mesmo tava carregada. Os povos dominados pe-
quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam”, es- los grandes impérios experimentavam
creveu Hobsbawm. “Em 1914, não havia grande guerra fazia um um sentimento nacionalista, transforman-
século. Aliás, não houvera em absoluto guerras mundiais”, com- do regiões, como os Bálcãs, num barril de pólvora.
pleta. Mas afinal de contas por que o planeta explodiu? Em meio a tanta hostilidade, a diplomacia teve papel fun-
Para entender o conflito que durou quatro anos e teve co- damental para sustentar o que ficou conhecido como “paz arma-
mo resultado uma segunda guerra mundial, é preciso decifrar os da”. Pelo menos nove acordos de aliança militar ditaram o ritmo
bastidores do cenário onde tudo aconteceu. Na Europa daquele de uma verdadeira dança das cadeiras. Alemanha, Rússia, Áus-
tempo reinava um clima de tensão e ressentimento. A rivalidade tria-Hungria, Itália e França trocaram de aliados inúmeras vezes.
entre as grandes potências beirava o intolerável. No meio do cal- Estavam do lado de quem atendesse seus interesses nacionalis-
deirão de vaidades estava a Alemanha, país que ameaçava o po- tas. O chanceler alemão Otto von Bismarck deu início às coali-
derio britânico e francês. De 1871 a 1914, a economia alemã zões em várias frentes. Em 1881, a Alemanha firmou acordos com
cresceu 600%; e em 1914, a produção de aço do país deixou na a Áustria-Hungria e a Itália, formando a Tríplice Aliança. A Fran-
poeira as indústrias da Inglaterra, França e Rússia juntas. ça também organizou seu tabuleiro. Anulou o apoio da Itália num
Os jornais britânicos, como o Saturday Review, inflamavam tratado secreto em 1881 e, em 1892, firmou parceria com a Rús-
os cidadãos contra a ameaça germânica. “Se a Alemanha fosse sia. Segundo o acordo, em caso de ataque germânico, as forças
extinta amanhã, não haveria depois de amanhã um só inglês no francesas e russas “devem se mobilizar com tal velocidade que a
mundo que não fosse mais rico do que é hoje. Por que não lutar Alemanha terá de lutar ao mesmo tempo a oeste e a leste”.
por um comércio de 250 milhões de libras? A Inglaterra desper- Inicialmente a Inglaterra manteve-se isolada, confiante no
tou para o que é a sua mais grata esperança de prosperidade: a poderio de sua esquadra. Mas assistia atenta ao despertar da
Gota
d’água
C OM UM TIRO À QUEIMA - ROUPA ,
MATA O PRÍNCIPE
G AVRILO P RINCIP
AUSTRO - HÚNGARO, F RANCISCO
F ERDINANDO. É O PRETEXTO PARA A GUERRA
P
or pouco, o plano não foi tribuíssem no caminho que seria feito pe-
por água abaixo. Inexpe- la comitiva de Ferdinando com destino à
rientes, os três jovens sér- prefeitura. O plano, no entanto, não saiu
vios, Gavrilo Princip, Ned- como eles imaginavam. Mas a sorte – ou
jelko Cabrinovic e Trifko azar – estava com Princip, que deu fim à
Grabez, estiveram a um passo do fracas- vida do herdeiro do trono austro-húnga-
so de sua missão: matar o herdeiro do tro- ro em 28 de junho de 1914.
ARMA DO CRIME
Depois de décadas desaparecida, a
no austro-húngaro, Francisco Ferdinan- No total, oito homens foram presos. pistola Browning, modelo 1910, usada
do. Mas uma trapalhada da segurança do Princip foi condenado à pena máxima: para matar Ferdinando e sua mulher,
arquiduque colocou Princip de cara com 20 anos de prisão. O que ele desejava, no Sofia, foi reencontrada em junho deste
ano. Logo após o assassinato, a arma
o seu alvo. O tiro atingiu Ferdinando no entanto, era morrer. “Minha vida já está ficou sob a guarda do padre jesuíta
pescoço. O crime foi a gota d’água para arruinada. Eu sugiro que me preguem em Anton Puntigam, que deu a extrema-
unção ao arquiduque. A guerra impediu
o início do conflito que deixou um saldo uma cruz e me queimem vivo. Meu cor- Puntigam de realizar seu desejo: abrir
de 10 milhões de mortos. po em chamas será uma tocha para ilu- um museu dedicado a Ferdinando. Sua
Por trás do atentado estava a socieda- minar meu povo no caminho para a li- idéia era reunir, além da pistola de
Princip, outros objetos ligados ao crime,
de secreta Mão Negra. A organização na- berdade”, declarou. Mas o jovem ainda como o uniforme usado por Ferdinando
cionalista não havia engolido a anexação viveria para ver, um mês mais tarde, a no momento do atentado, e também o
da Bósnia ao Império Austro-Húngaro, eclosão de um conflito que mobilizou to- carro imperial. Com a morte do sa-
cerdote, em 1926, a família do arqui-
em 1908. E, em 1914, contratou o das as grandes potências mundiais. duque solicitou os materiais, mas dei-
trio de sérvios para matar o arqui- Apesar da ameaça de guerra já xou a arma para trás. O convento vienen-
duque, em Sarajevo. Em segui- estar sendo gestada há anos pe- se Ignaz Seipal Platz encontrou a pistola
em seus arquivos e a entregou ao Mu-
da, os assassinos deveriam come- los dois lados, o ataque à famí- seu de História Militar, na capital aus-
ter suicídio com cianureto. Eles lia real austro-húngara mere- tríaca, onde agora está exposta.
foram escolhidos justamente cia uma resposta imediata –
porque já estavam condenados e à altura. Um ultimato, pre- SAIBA MAIS
à morte pela tuberculose. Não parado pelo conselho ministe- SITES
tinham o que perder. rial austríaco, tornou inevitável o http://www.firstworldwar.com/source/
harrachmemoir.htm (em inglês)
Com um arsenal de quatro confronto. Foi a última tentati-
http://www.lib.byu.edu/~rdh/wwi/1914/
pistolas e seis bombas, a va diplomática de paz. ferddead.html (em inglês)
idéia era que os ra- Princip morreria an- http://www.lib.byu.edu/~rdh/wwi/
pazes, com a ajuda tes do final da re- comment/blk-hand.html (em inglês)
de agentes da or- frega, em 28 de http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/
ganização, se dis- abril de 1918. FWWprincip.htm (em inglês)
1 A CHEGADA
O relógio marca pouco mais de 10h,
quando Francisco Ferdinando e sua
esposa chegam à estação de trem
de Sarajevo, capital da Bósnia.
O casal segue em comitiva oficial
até a prefeitura. Mesmo alertado
dos rumores de atentado, o
arquiduque percorre a cidade
2 A PRIMEIRA TENTATIVA
em carro aberto. O primeiro Às 10h10, quando a comitiva passa
homem na rota traçada pela em frente à estação policial, Nedjelko
Mão Negra é Muhamed Cabrinovic joga uma granada na direção
Mehmedbasic. Com um policial do carro do arquiduque. Só que
bem nas suas costas, Mehmedbasic a bomba atinge o automóvel que
vacila e não atira a bomba. vem atrás, ferindo dois passageiros
e 12 pedestres. Confiante do sucesso,
Cabrinovic engole cianureto e se atira
no rio. Mas não morre, e é preso.
A velocidade dos carros no restante do
trajeto impede os outros três terroristas
de agirem. A comitiva se dirige para
a prefeitura e cumpre agenda oficial.
3 PALAVRAS FINAIS
“O que há de novo no seu
discurso? Eu venho a Sarajevo
para uma visita e sou recebido
com bombas. É um absurdo!”,
esbraveja Ferdinando,
interrompendo a recepção
de boas-vindas do prefeito.
Ao saber da situação dos feridos
pelo ataque, o arquiduque
insiste em visitá-los no hospital.
O general Oskar Potiorek,
responsável pela segurança
dos visitantes, garante que 4 O ERRO FATAL
o trajeto é seguro dizendo: Para evitar o centro da cidade,
“Você acha que Sarajevo Potiorek traça uma rota alternativa.
está cheia de assassinos?”. Só que ele se esquece de avisar
justamente o motorista de Ferdinando,
que segue o caminho original.
O erro foi fatal. Sem aparelhos de
comunicação, os terroristas não sabiam
do desenvolvimento do plano e, por
isso, continuavam atentos. Gravilo
Princip – que tomava um café na rua
Franz Joseph – dá de cara com o carro
oficial e dispara dois tiros, a cerca de
1,5 metro de distância do veículo oficial.
Às 11h30, o primeiro disparo fatal
acertou Sofia, supostamente grávida,
no estômago. O segundo atingiu
o pescoço de Francisco Ferdinando.
Conflito
animal U
ma trupe de 500 soldados
americanos estava metida
em uma encrenca das bra-
vas. Cercados por alemães
em Verdun, no chamado
Front Ocidental, os combatentes só conse-
guiriam escapar se recebessem ajuda dos alia-
dos. Como as comunicações por rádio ainda
eram precárias, o jeito foi apelar para a força
NO AR , POMBOS - CORREIO E AVIÕES.
NA TERRA , aérea animal. Desesperados, os soldados sol-
CAVALOS , ESPADAS E METRALHADORAS. N O taram vários pombos-correio com mensa-
gens de socorro. Mas só uma das aves
MAR , A ESTRÉIA DOS SUBMARINOS. A SSIM conseguiu escapar dos tiros germânicos.
FOI A GRANDE GUERRA : UM ENCONTRO No meio do fogo cruzado, o pombo Cher
Ami voou rápido e atingiu o destino. A men-
DO VELHO E DO NOVO MUNDO sagem foi arrancada dos tendões expostos da
perna da ave. Graças ao bravo ás emplumado,
Por Fábio Marton 194 soldados sobreviveram à emboscada.
Cher Ami ganhou a Cruz de Guerra francesa,
uma condecoração reservada aos heróis.
Levado para os Estados Unidos, o bichinho
morreu um ano depois, em conseqüência dos
ferimentos. Hoje, seu corpo empalhado
POR QUE
POR QUE
SANTOS
ELE SE
DUMOND
MATOU?
SE MATOU?
O aviador Santos
Dumont se matou
em 1932, enforcan-
do-se com uma gra-
vata, no Guarujá, em
São Paulo. Segundo
alguns de seus bió-
grafos, o uso de aviões para fins milita-
res na guerra contribuiu para a depres-
são que já vinha derrubando o espírito
do aviador desde 1910, quando ele foi
obrigado a parar de voar devido a uma
esclerose múltipla. Durante o conflito, o
pacifista declarou publicamente seu re-
púdio aos ases do embate.
Não existe, no entanto, comprova-
ção histórica da relação entre o suicídio
de Santos Dumont e a transformação de
aviões em armas poderosas. A derrocada
do aviador é, na verdade, a soma de mui-
tos dissabores. Além de doente, ele não
se conformava com o fato de os irmãos
Wright terem lhe roubado o título de
inventor do avião. No livro O que Eu Vi,
O que Nós Veremos, Santos Dumont se
manifestou com argumentos até hoje
usados por seus defensores. Para com-
pletar o quadro, ele havia sido obrigado
As metralhadoras foram uma das grandes invenções tecnológicas da época. a deixar Paris e se refugiar no Brasil, acu-
Acabaram adaptadas em aviões, inaugurando as batalhas aéreas sado de espionagem.
encontra-se no Museu de História Ame- Em 1915, apareceram as metralhado- suprimentos, munições e peças de arti-
ricana, da Fundação Smithsonian, em ras frontais, mais fáceis de mirar. O pro- lharia no lombo dos eqüinos. No final
Washington. blema é que muitas vezes acertava-se a da guerra, os aliados contavam com o aju-
Assim foi I Guerra Mundial: novas e própria hélice. Era como fazer gol contra. da de 213 mil mulas. Mas as tropas mon-
velhas tecnologias se revezando nos cam- O francês Rolland Garros deu um jeito: tadas foram banidas durante o conflito.
pos de batalha. Ao mesmo tempo em que blindou as hélices do avião. Mais tarde os Os estrategistas perceberam que soldados a
técnicas rudimentares salvavam a pátria, alemães sincronizaram os tiros com a cavalo contra metralhadoras não era boa
inovações iam surgindo com o desenrolar rotação da hélice, uma novidade que lhes idéia. Em 31 de outubro de 1917, a cavala-
da refrega. Na tentativa de criar armas rendeu muitas vitórias até, claro, ser co- ria teve sua última glória. Montados em
mais potentes, muitas trapalhadas aconte- piada. No mar, mais situações hilárias. animais, ingleses e australianos, com tiros
ceram. No início, os pilotos dos aviões, Apavorados com os ataques dos submari- de fuzil e golpes de espada, massacraram
inconformados com as simples missões nos alemães, os ingleses precisavam en- os turcos na fortaleza de Bersheeba, na
de reconhecimento, tentaram atingir o contrar uma forma de tirar de combate os Palestina. Foi o último ataque de cava-
inimigo com tiros de revólver, granadas, malignos torpedos. Para solucionar o laria bem-sucedido da história.
tijolos e lanças. Soluções dignas da esqua- drama, decidiu-se atacar os U-Boats
drilha de Dick Vigarista, mas que resul- quando subiam à tona, jogando o próprio SAIBA MAIS
taram na idéia de instalar metralhadoras navio contra eles, numa manobra um SITES
nos aviões. A princípio, a arma ficava na tanto primitiva. Mas deu certo: 14 sub- http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/
(em português, disponibiliza o livro O que Eu Vi,
asa – ou na mão do co-piloto. O sujeito marinos alemães foram destruídos. O que Nós Veremos, de Santos Dumont)
tinha que se virar para atirar e também Em meio a experimentações estapa-
http://www.firstworldwar.com/features/forgotte
dar as coordenadas de vôo. E servia ainda fúrdias, cavalos e mulas continuaram narmy.htm (em inglês)
de lança-bombas, atirando-as – acredite sendo a espinha dorsal da logística de http://www.tepapa.govt.nz/wings/pigeons2.htm
se quiser – com as próprias mãos. apoio dos exércitos. Transportavam-se (em inglês)
Proibido
respirar
NO VALE - TUDO DOS CAMPOS DE BATALHA , GASES TÓXICOS VIRARAM
ARMAS .
M AIS DE 90 MIL SOLDADOS FORAM VÍTIMAS DOS SOPROS
VENENOSOS . E STAVA INAUGURADA A GUERRA QUÍMICA
P o r Ta m i s P a r r o n
branca
Bandeira
C OM A VITÓRIA DO SOCIALISMO , EM
ASSINA O ACORDO DE PAZ COM A
E SE RETIRA DOS CAMPOS DE BATALHA
O
fracasso russo na guer- perdeu dois regimentos inteiros. Foram
ra pode ser traduzido 250 mil mortos. O czar não se deu por
como a crônica de uma satisfeito: mandou mais tropas para o
desgraça anunciada. front. O país fervia, a fome aumentava,
Quando o conflito co- a guerra continuava – e Vladimir Lênin,
meçou, o país enfrentava toda a sorte de Leon Trotski e seus companheiros viam
revoltas internas – e uma briga fora de o sonho comunista se aproximar.
casa não estava nos planos do povo. Des- Mal equipados, os russos morriam
de 1905, camponeses e operários já ha- feito moscas. No final de 1916, contabi-
viam se juntado para derrubar o regime lizavam-se 1,7 milhão de soldados mor-
vigente. Naquele ano, a Rússia vivera tos e 5 milhões de feridos. Diante do mas-
uma prévia do que seria a revolução de sacre, a população se revoltou. E Nico-
12 anos depois, que inauguraria o socia- lau II não teve saída: renunciou. Assu-
lismo no mundo. Mesmo contra tudo e miu um governo provisório, formado por
todos, o czar Nicolau II juntou-se com liberais e socialistas moderados. Pressio-
ingleses e franceses na chamada Tríplice nado pelos aliados, o novo líder, Alexan-
Entente. O resultado não poderia ter der Kerenski, tentou manter as tropas
sido outro. No primeiro ano nas trincheiras. Só que grande parte do
do embate, depois de exército abandonou o barco. “Os deser-
apenas duas batalhas, tores engrossaram as fileiras que ocupa-
a de Tannenberg e a vam as propriedades rurais na Rússia,
dos Lagos Mansu- promovendo a reforma agrária”, diz o
rian, o exército historiador Paulo Fagundes Vizentini, da
russo Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, um dos autores de Enciclopédia de
Guerras e Revoluções do Século XX.
No Front Oriental, a situação se com-
plicava a cada dia. Ao mesmo tempo em
que os alemães marchavam Rússia aden-
tro, o general Kornilov, contrário ao
novo governo, decidiu dar um golpe
Leon Trotski liderou, junto com Lênin,
a Revolução de Outubro
de Estado. Reuniu as tropas no Báltico
para destituir o governo provisório. Mas
o golpe fracassou. E a tentativa de ascen-
são nacionalista só fez enfraquecer o va-
cilante poder de Kerenski. Foi a cereja no
bolo que Lênin vinha confeitando. Em
25 de outubro de 1917, aconteceu o fa-
to político mais importante do século 20:
os comunistas tomaram o poder na Re-
volução de Outubro. E, em dezembro, Na foto de 1916,
assinaram o armistício com a Alemanha, o czar e seu filho
entre oficiais da
no acordo de Brest-Litovsk. Os germâ- guarda imperial
nicos ficaram livres então para partir pa-
ra o Front Ocidental. “Se a paz entre Ale-
manha e Rússia não tivesse coincidido
com a entrada dos Estados Unidos na
guerra, a migração das tropas alemãs pa-
ra o Front Ocidental teria prolongado o
conflito”, avalia o historiador Francisco
Teixeira da Silva, da Universidade Fede- N I C O L A U I I
ral do Rio de Janeiro.
A situação interna continuou russa, O ÚLTIMO
O ÚLTIMO CZAR
CZAR
com o perdão do trocadilho. Revolucio- Veredicto: culpado. O último czar da Rússia, Nicolau II, en-
nários lutavam contra direitistas e con- trou para a história como o sujeito por trás da fracassada cam-
panha russa na grande guerra – e também como o homem que
tra as tropas enviadas pela Entente para abriu o caminho para o triunfo do socialismo no Leste Europeu.
combater o socialismo. Nasceu aí o Exér- Não por acaso o governo do czar foi um desastre. Na infância,
cito Vermelho. “Durante o inverno de ele viveu encarcerado em palácios, sem nunca ter visto a reali-
dade de seu país. Foi educado para governar como um déspota.
1920-1921, os revolucionários derrota- E assim o fez.
ram as forças contra-revolucionárias e in- Quando assumiu o trono, em 1894, aos 26 anos de idade,
tervencionistas”, conta o historiador Pau- Nicolau Romanov tinha como principal meta expandir os
domínios da Rússia, sem levar em consideração o bem-estar do
lo Fagundes Vizentini, em O Século Som- povo ou a economia capenga do país. Já em 1904 ele tentou
brio. Nunca tantos russos haviam tom- concretizar seu sonho ao liderar uma desastrosa campanha con-
bado de uma só vez. Entre mortos da I tra o Japão. O fiasco foi mais uma gota no crescente descon-
tentamento dos russos com seu líder.
Guerra e da Guerra Civil, o país perdeu Para piorar a situação, o czar havia virado fantoche nas
mais de 10 milhões de homens. É quase mãos de sua esposa, Alexandra, uma princesa de origem
o mesmo número de mortos de todas as alemã, e do mago Gregory Rasputin, um de seus conselheiros.
As más-línguas, aliás, diziam que a czarina e Rasputim eram
nações envolvidas no conflito. Fim da his- bem mais do que apenas bons amigos. O poder de Alexandra
tória da participação da Rússia na guer- foi comprovado quando Nicolau II deixou a Rússia sob seus
ra: alemães fortalecidos, triunfo do socia- mandos e desmandos para comandar pessoalmente as tropas
do país no Front Oriental, em 1915.
lismo – e o início de uma nova fase na his- A revolta popular atingiu então níveis intoleráveis. Em
tória econômica e política do mundo. 1916, Nicolau II foi alertado por nobres fiéis sobre o iminente
risco chamado comunismo. Enquanto ele perdia batalha após
batalha no Front Oriental, camponeses e operários se organi-
SAIBA MAIS zavam para tomar o poder. Teimoso e surdo aos apelos de seus
LIVROS defensores, ele optou por ignorar o povo. Deu no que deu.
O Século Sombrio, de Francisco Carlos Teixeira A morte encerrou a trapalhada trajetória do líder russo.
da Silva (org.), Campus, 2004. Em 15 de março de 1917, Nicolau II foi forçado a abdicar do
trono. E, junto com a família, acabou exilado na Sibéria. No ano
Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século seguinte, o czar e todos que o cercavam foram fuzilados pelos
XX, de Francisco Carlos Teixeira da Silva (org.), socialistas, que agora mandavam no país. Para eliminar qual-
Campus, 2004. quer prova da execução, tiveram seus corpos esquartejados e
História da Riqueza do Homem, de Leo queimados com ácido. O que restou do corpo do último czar da
Huberman, Editora Zahar, 1986. Rússia foi enterrado em uma vala comum na floresta siberiana.
Bagdá
N ÃO É DE HOJE QUE OS OCIDENTAIS COBIÇAM O PETRÓLEO
IRAQUIANO. A CIDADE , ÀS MARGENS DO RIO
O PRINCIPAL ALVO DOS BRITÂNICOS JÁ EM
O
que é que Bagdá tem? A estouro do conflito, a Inglaterra havia Com a vitória em Basra garantida,
resposta é simples: petró- investido em oleodutos e refinarias em os ingleses miraram sua máquina de
leo. Não é de hoje que os Basra, porto localizado no Golfo Pérsi- guerra para Bagdá, uma presa valiosa
ocidentais cobiçam o ou- co. Com a guerra batendo à porta, os em termos políticos. Em menos de um
ro negro que jorra das britânicos agiram rápido. Em 16 de ou- ano, Qurna, Shaiba, Amara, Nassiriah
profundezas da terra na- tubro de 1914, uma frota com 5 mil e Kut caíram em mãos britânicas. Só
quela região. Desde o século 19 os bri- soldados zarpou na Índia rumo ao Gol- que a conquista da cidade às margens
tânicos tentavam – em vão – se apode- fo. O objetivo: zelar pelos interesses pe- do rio Tigre não seria moleza. Os tur-
rar dos torrões férteis da Mesopotâmia, trolíferos da Grã-Bretanha. Um mês de- cos se esmeraram na defesa de Ctesi-
onde hoje se localiza o Iraque. Com a pois, quando os otomanos declaram phon, o último obstáculo antes de Bag-
eclosão da I Guerra Mundial, tal ter- guerra aos ingleses, a cidade de Basra já dá: reuniram 18 mil soldados. Contra
ritório virou o alvo principal da ambi- estava ocupada. Para justificar a inves- tal contingente, os britânicos apresen-
ção da Grã-Bretanha. Afinal, o petró- tida, o governo britânico usou a mes- taram 11 mil homens. A batalha inicia-
leo era essencial para manter a vasta ma retórica que George Bush viria usar da em 2 de novembro de 1915 termi-
marinha inglesa. Para conseguir abo- em 2003, quase um século depois. nou sem vencedor. Os britânicos per-
canhar o valoroso quinhão, no entan- “Viemos como libertadores, não como deram 40% da tropa. Os turcos tiveram
to, seria preciso varrer os turcos do pe- conquistadores”, disse Percy Cox, che- 9600 baixas.
daço. A região vivia sob domínio do fe da inteligência britânica.
Império Otomano há mais de 500
anos. Uma década antes do
Soldados
americanos, vitais
para a vitória
aliada, comemoram
Bem-vindos
o fim da guerra
N
o ano de 1917, a Alema- mânica de afundar qualquer navio – ci- germânica. Eles fizeram sua estréia na Ba-
nha vivia dias de glória. vil ou militar – que se aproximasse da In- talha de Cantigny, em 28 de maio de
A Revolução de Outubro glaterra. A idéia era matar os britânicos 1918, quando cerca de 4 mil homens to-
havia instaurado o socia- de fome, interceptando o fornecimento maram o vilarejo francês. Algumas sema-
lismo na Rússia – e o país de suprimentos. O anúncio da nova po- nas depois, 85 mil soldados americanos
aliado se retirara do conflito. O Front lítica veio em janeiro de 1917. Em 6 de decidiram a Batalha de Marne. As divi-
Oriental estava, então, nas mãos dos ger- abril, os Estados Unidos declararam guer- sões alemãs foram massacradas no segun-
mânicos. Depois de assinar o tratado de ra à Alemanha e, oito meses depois, à Áus- do dia da ofensiva. Em pouco tempo, a
paz com os russos, os alemães partiram tria-Hungria. “Esta é uma guerra da Ale- recém-superioridade bélica dos aliados
em massa para o Front Ocidental. A vi- manha contra todas as nações. Navios prevaleceu sobre Bulgária, Turquia e Áus-
tória parecia ser uma questão de tempo. americanos têm sido afundados e vidas tria-Hungria, que acabaram abandonan-
Só que uma nova peça no tabuleiro de xa- americanas, tomadas”, justificou o presi- do a luta. A Alemanha resistiu sozinha
drez da guerra mudou o rumo das coisas. dente Woodrow Wilson alguns dias an- até o fim, em novembro de 1918.
Naquele mesmo ano, entraram em cam- tes de anunciar a intervenção americana.
po os Estados Unidos. Os recursos béli- Por trás da decisão estavam, na ver- SAIBA MAIS
cos e financeiros americanos salvaram a dade, os bilhões de dólares dos podero- LIVROS
Fighting the Flying Circus: The Greatest True
Entente – e encerraram o conflito. sos de Wall Street. Uma fortuna havia Air Adventure to Come Out of World War I, de
Até então os Estados Unidos vinham escoado dos bancos americanos para cus- Edward Rickenbacker, Doubleday Books, 2001
se mantendo neutros. Só que um erro tear as tropas inglesas e francesas. Os alia- SITES
político dos alemães deu a desculpa que dos não podiam perder. Interesses eco- http://memory.loc.gov/ammem/sgphtml/ (em
inglês)
os americanos precisavam para entrar na nômicos à parte, o fato é que os Esta- http://www.pbs.org/greatwar/historian/hist_
guerra. A gota d’água foi a decisão ger- dos Unidos contribuíram para a derrota kennedy_01_wilson.html (em inglês)
Guerra
O J APÃO
ALEMÃS NA
particular
ENTROU NO CONFLITO PARA CONQUISTAR TERRAS .
Á SIA E SAIU DO EMBATE FORTALECIDO NO CENÁRIO INTERNACIONAL
T OMOU COLÔNIAS
N
o início do século 20, o Japão já despontava co- agosto, os nipônicos deram um ultimato à Alemanha, exigindo
mo grande potência. A tradição guerreira e o a retirada de suas tropas dos mares japoneses e chineses e a en-
sentimento nacionalista dos nipônicos mescla- trega da ilha ao controle do Japão. Os alemães não deram ouvi-
ram-se para transformar a terra do sol nascen- dos e, em 2 de setembro, uma tropa de 23 mil soldados atacou
te em um país que pesava na balança interna- Tsingtao, contando ainda com o reforço enviado pelo governo
cional. O poderio militar japonês ficou evidente na vitória con- inglês, atento aos acontecimentos na região.
tra a Rússia, em 1904-1905. Só que o Japão queria muito mais. A vitória veio dois meses depois, em 7 de novembro. Satis-
Com a eclosão da I Guerra, os japoneses viram surgir a oportu- feitos com a conquista, os nipônicos deram também seu recado
nidade para abocanhar novos territórios. E, estrategicamente, aos aliados: não tinham intenção de se envolver no conflito na
em 23 de agosto de 1914, declararam guerra à Alemanha. Europa. Queriam apenas o seu quinhão no Oriente. Kato dei-
Esse era o pretexto perfeito para dar início à investida so- xou claro que os japoneses iriam concentrar seus esforços con-
bre regiões da Ásia e do Pacífico. “A posse da Alemanha de uma tra a Alemanha e a Áustria na região do Pacífico. Ao final da
base para atividades estratégicas em uma região do Oriente dis- guerra, o Japão controlava as colônias alemãs na China, além de
tante não foi somente um sério obstáculo para a manutenção da parte da Manchúria e da Mongólia. E, em 1920, ainda se apo-
paz permanente, mas também ameaçou os interesses imediatos derou das ilhas Carolinas, Marshall e Marianas, antes germâni-
do império japonês”, disse o então ministro de Relações Exte- cas. O arranjo foi fruto dos acordos estabelecidos pela Liga das
riores do Japão, Kato Takaaki, ao declarar guerra à Alemanha. Nações, órgão criado no pós-guerra para garantir a paz.
O império nipônico desejava se apoderar das ilhas germâ-
nicas no Pacífico, além de pressionar a China a fazer novas con- SAIBA MAIS
cessões territoriais a seu favor. A primeira investida do Japão foi SITES
http://www.firstworldwar.com/battles/tsingtao.htm
sobre a colônia alemã de Tsingtao. A ilha, na costa nordeste da http://www.channel4.com/history/microsites/F/firstworldwar/
China, era a base naval dos germânicos no Oriente. Em 15 de comba_japan.html
N EVE
gelo
E RISCO DE AVALANCHES : AS TROPAS ALPINAS
PENARAM PARA DEFENDER SUAS FRONTEIRAS
U
m inimigo muito poderoso precisava ser vencido pelos solda-
dos italianos e austro-húngaros: os gélidos Alpes. Era preciso
coragem – e preparo físico – para enfrentar a neve, o frio e ain-
da o risco de avalanches. E ninguém melhor que os próprios
habitantes da região para guardar – cada um do seu lado – a
fronteira entre a Itália e o Império Austro-Húngaro. Mais familiarizados com
o clima e a geografia da cadeia montanhosa, os jovens camponeses foram re-
crutados para integrar as chamadas tropas alpinas. Com um acessório espe-
cial – esquis –, os combatentes avançaram na neve para atingir pontos es-
tratégicos. Abriram trilhas, construíram abrigos e túneis, tudo para manter o
inimigo a distância. Apesar das adversidades da região, as tropas alpinas
acabaram conhecidas pelo forte espírito de equipe. Afinal, todos se conhe-
ciam – e muitos eram até bons amigos. No lado italiano, os soldados com-
puseram dezenas de canções sentimentais e melancólicas. “Se você tem se-
de, pegue seu caneco, a neve vai matar sua sede”, diz a música “Monte Cani-
no”, composta em 1915. As canções ganharam popularidade com o final
da guerra. E tornaram-se parte da tradição alpina, sendo cantadas até hoje.
GALLIPOLI Aliados
Desembarque
em 6 de agosto
de 1915
3 BAÍA DE SUVLA
Deu tudo errado na invasão de Gallipoli Às 22h de 6 de agosto, 20 mil homens
desembarcam na baía, praticamente sem
Depois da tentativa fracassada de bombardear os turcos no Estreito de resistência turca. Na manhã seguinte,
Dardanelos, os aliados optaram pelo desembarque das tropas na península de mais 5 mil soldados britânicos chegaram
Gallipoli. Só que sem mapas precisos da região, muitos botes acabaram em ao local. Com novos reforços, Churchill
praias que não estavam nos planos. E, claro, os soldados viraram alvo fácil preparou uma operação para ligar Suvla a
para a artilharia inimiga. A investida começou em 25 de abril de 1915. Só foi Anzac Cove. Havia dois montes – e ape-
bem-sucedida em dois pontos: no cabo Helles, ao sul da península, e em Ari nas 5 quilômetros a serem vencidos entre
Burnu, local que passou a ser chamado de Anzac Cove (Abrigo Anzac), em os pontos. Trincheiras foram construídas
homenagem às tropas neozelandesas e australianas, maioria no local. Em 6 de no acidentado terreno. Novamente os
agosto de 1915, novas tropas aliadas desembarcaram na baía de Suvla. turcos levaram a melhor. Foi a gota
Contudo, nem o reforço nem as ofensivas planejadas impediram uma retirada d’água para os aliados decidirem pela
nada honrosa dos soldados da Entente no ano seguinte, em janeiro de 1916. retirada de Gallipoli.
A linha de
1-5 de maio
de 1915 defesa turca
28 de abril
de 1915
25 de abril O maior
de 1915
avanço aliado
8 de maio de 1915
Pontos de desembarque
CABO
HELLES
1
3 BAÍA DE SUVLA
SARI BAIR
ARI BURNU
DARDANELOS
ANZAC 2
COVE
PLATÔ
KILID BAHR
TURQUIA
GABA TEPE MAR EGEU
PONTO ESTRATÉGICO
Com a conquista da
península de Gallipoli, os
aliados pretendiam matar
dois coelhos com uma
só cajadada. Além de
proporcionar rápido acesso à
capital turca, Constantinopla,
o controle da região daria
passagem para o Mar
MONTE de Marmara. Com isso,
ACHI BABA a Grã-Bretanha e a França
poderiam ajudar a Rússia
no Front Oriental.
KRITHIA
O GRANDE MENTOR
Winston Churchill é
apontado como o mentor
da investida sobre a
península na costa da
Turquia. O plano de tomar
o Estreito de Dardanelos
já estava sendo gestado
há algum tempo. Mas
gracas ao empenho do
então alto comandante
da marinha britânica,
a desastrada campanha
foi levada a cabo.
Impasse
no front A FRENTE OCIDENTAL , NO CORAÇÃO
DA E UROPA , FOI O PRINCIPAL PALCO
DE BATALHAS . N O TERRITÓRIO QUE
IA DA S UÍÇA ATÉ A B ÉLGICA , OS ALEMÃES
LUTARAM CONTRA OS ALIADOS POR
1 299 DIAS , SEM QUE NENHUM
DOS LADOS EXPERIMENTASSE
VITÓRIAS CONCLUSIVAS
Nas trincheiras,
os soldados
viviam meses
seguidos sob
o solo, onde se
protegiam dos
inimigos – e do
frio. Nos dias
de calmaria,
um combatente
sempre era
escalado para
ficar de guarda,
enquanto os
companheiros
descansavam
um dia, os germânicos conquistaram 15 feridos, nada menos do que 1,9 milhão 14-18: Understanding the Great War (14-18:
Entendendo a Grande Guerra), de Stephane
quilômetros de território, feito inédito de homens. A França, 1,3 milhão. A Audoin-Rozeau e Annette Becker, Hill & Wang,
até então. No dia 30 de maio, mais de Inglaterra, 950 mil. E os Estados Uni- 2003
50 mil soldados aliados caíram prisionei- dos, em poucos meses de atividade, SITES
ros. E, no dia 3 de junho, as forças ger- 116 mil homens. A mais sangrenta das www.firstworldwar.com (em inglês)
mânicas chegaram a 90 quilômetros de guerras havia terminado. www.grandesguerras.com.br (em português)
P o r A d r i a n a Küchler
T
odo santo dia eram disparados das frentes francesas cerca de 5
milhões de cartas e cartões-postais. Em quatro anos de conflito, os
soldados alemães enviaram para casa 28 bilhões de correspondências.
O vasto material virou uma espécie de retrato sombrio – e também
romântico – dos bastidores da grande guerra. Enquanto a propagan-
da oficial e as notícias publicadas nos jornais da época vendiam a
idéia de um embate travado por homens de grandes ideais, os com-
batentes gritavam por socorro. Os relatos, escrevinhados em papéis
amarrotados, revelam jovens desesperados, que repudiavam a carnificina a sua volta.
Não importa em qual lado lutavam, vitória para eles significava uma única coisa: sobre-
viver. E, claro, voltar para casa. “O conteúdo das cartas contradiz totalmente a propa-
ganda veiculada pela imprensa. Fragmentos das correspondências tiveram um efeito
prolongado na percepção popular e histórica da guerra”, comenta Jean-Pierre Guéno,
no livro Paroles de Poilus: Lettres et Carnets du Front 1914-1918 (Palavras de Soldados:
Cartas e Diários do Front 1914-1918, inédito no Brasil).
© REPRODUÇÃO
44 GRANDES GUERRAS SETEMBRO 2004
"Coragem, heroísmo, isso ainda existe?
l
Eu duvido. Nas batalhas, não vejo nada
nos rostos dos meus companheiros além
de medo, preocupação e desespero"
Dominik Richert, soldado alemão – agosto de 1914
Na crueldade da guerra, os
soldados despejavam nas cartas o
rancor pelo conflito e, claro, a
saudades de casa
LEMBRANÇAS
"Eu seria morto se alguém importante pegasse esta carta. Mas a verdade
é que ninguém mais tem um grama do que chamamos de patriotismo.
Ninguém liga se a Alemanha conquistou a Alsácia, a Bélgica ou
a França. Tudo que se deseja é terminar com isso e ir para casa"
Laurie Rowlands, soldado inglês – fevereiro de 1918
"Se você quiser que eu receba todas as suas cartas, não me fale da guerra.
A censura, você sabe, não tem pena. Nós, soldados, já aprendemos que não
devemos ter a língua grande. É revoltante, mas é assim"
Henri Bouvard, soldado francês – dezembro de 1917
Nem fraqueza, nem heroísmo. O desatino dos soldados tem duas explicações muito
simples. Por um lado, eles, de fato, suportaram condições de vida inimagináveis. As trin-
cheiras eram o inferno na terra: fétidas, lamacentas e infestadas de ratos que devoravam
os cadáveres espalhados pelo chão. Como se não bastasse, faltavam comida e medica-
mentos, e o frio completava a desgraça. Por outro lado, os combatentes da I Guerra
Mundial não tinham experiência militar. Era apenas gente comum, que sofria de sauda-
des e não sabia exatamente por que estava lutando. Cerca de 50% do exército francês e
30% do alemão foram formados por camponeses. “Eles não tinham nenhum conheci-
mento geopolítico. Não viram a guerra chegar”, explica o historiador francês Jean-Pierre
Guéno. Ele lembra ainda que a guerra não foi feita por homens. Mas por garotos:
“Grande parte dos franceses contava entre 17 e 23 anos. Mas eles percebiam rapidamen-
te que os alemães eram como eles, vítimas de um turbilhão da história que os engolia”.
"Eu não espero mais receber suas cartas antes de escrever porque
German Students' War Letters, de Philipp
Witkop (org.), Pine Street Books, 2002
você teria que esperar muito e acho que você gosta de receber o máximo possível. Paroles de Poilus: Lettres et Carnets du
Queria que você estivesse aqui. Sua sempre amada garota" Front 1914-1918, de Jean-Pierre Guéno
e Yves Laplume (orgs.), J'ai Lu, 2001
Emily Chitticks, noiva de inglês William Martin – março de 1917 War Letters of Fallen English Men,
de Laurence Housman (org.), Pine
Street Books, 2002
Was ist Militaergeschichte, de Benjamin
As últimas cartas de Emily nunca chegaram ao destinatário. Ela recebeu em casa um Ziemann e Thomas Kühne (orgs.),
Ferdinand Schöningh Verlag, 2000
pacote com cinco correspondências que mandara ao namorado, com a inscrição “morto
em combate”. William havia morrido no dia 27 de março de 1917. Cumprindo a pro- SITE
http://news.bbc.co.uk/1/hi/special_
messa de amá-lo para sempre, Emily nunca se casou. Em 1974, antes de morrer, pediu report/1998/10/98/world_war_i/194197.stm
aos parentes para que as cartas fossem enterradas com ela. (em inglês)
TRINCHEIRAS
O
Buracos, como este na
Alsácia, protegiam os s corpos são aban-
soldados do inimigo donados na terra
de ninguém, o pe-
daço de chão que
separa as trinchei-
ras inimigas. Qual-
quer um que tente
resgatar os restos
mortais de um soldado amigo se torna
alvo fácil para as metralhadoras e gra-
nadas rivais. Os ratos, então, fazem a
festa, começando pelos olhos dos
mortos, sua iguaria preferida. A cena é
grotesca. E rotineira: são tantos os ca-
dáveres, que os roedores engordam
como porcos e atingem o tamanho de
gatos. Ao final do conflito, os núme-
ros de baixas traduzem as atrocidades
de tais frentes de combate. Um terço
dos soldados, cerca de 4 milhões de
pessoas, morreu nos fétidos buracos
onde se travavam lutas sangrentas. Nas
contas oficiais, não estão incluídos os
homens mutilados. As trincheiras, uma
das principais estratégias de combate
da I Guerra, viraram covas rasas. “Os
Covas
combatentes passaram por todos os
suplícios: fome, sede, frio, chuva, falta
de sono. E, o pior, o odor pestilento
rasas
dos excrementos e dos cadáveres em
putrefação”, descreve o historiador
francês Gerard Vincent em História da
Vida Privada, da Primeira Guerra aos
Nossos Dias.
Quando o conflito ainda estava na
cabeça dos generais, a luta estática,
dentro de trincheiras, não fazia parte
dos planos. “Esse tipo de guerra foi
conseqüência do fracasso das estraté-
gias previstas pelos arquitetos do con-
flito, que imaginaram batalhas em
movimento”, diz o historiador Fran-
A LUTA DE TRINCHEIRAS MARCOU A cisco Carlos Teixeira da Silva, da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro
I G UERRA . N O CENÁRIO ARMADO PARA (UFRJ). Com as tropas em campo,
AS BATALHAS , MAIS DE 4 MILHÕES franceses e alemães viram que seu
poder de fogo era equivalente. E, para
DE SOLDADOS MORRERAM E TIVERAM
não perder as possessões conquistadas,
SEUS CORPOS DEVORADOS POR RATOS decidiram pela construção de trinchei-
ras. A idéia era barrar o avanço inimi-
Por Carla Aranha go. Já no final de 1914, a Europa foi
RESERVA
Quem estava renovando as forças para
lutar novamente ficava nesta área.
Quando o batalhão perdia muitos homens,
os soldados da trincheira reserva eram
chamados. Os alemães construíam buracos
embaixo dessas trincheiras para se
proteger de bombardeios pesados.
APOIO
Os homens da trincheira de apoio,
bem atrás da linha de frente,
ficavam aguardando no caso de
a batalha apertar no front. Abrigos
equipados com metralhadoras,
localizados nas trincheiras
de apoio, permitiam que eles
ajudassem os colegas dali mesmo.
COMUNICAÇÃO
Os corredores que ligavam
as trincheiras eram
usados para a movimentação
de soldados e o transporte
de comida.
LINHA DE FRENTE
Metros de arame farpado, fincados
numa profundidade de até 3 metros,
protegiam a linha de frente, também
defendida por sacos de areia.
Os soldados em combate comiam
e dormiam no corredor.
LATRINAS
Buracos cavados em cada
uma das três linhas da trincheira.
Alguns soldados eram destacados
para limpá-las, o que geralmente
constituía uma punição por
algum desacato a um superior.
AVIÕES
Os primeiros aviões eram UMA NOVA
rudimentares. E as bombas,
claro, também. Mas faziam
estragos consideráveis na
DOENÇA SURGE
linha de frente, podendo
acabar com todo um NAS FRENTES
batalhão de uma vez só.
DE BATALHA
DA I GUERRA:
OS PÉS DE
TRINCHEIRA
mal alimentados. Os países que ocupa-
vam os campos de batalhas se viram
sem recursos para fornecer carne e pão
às tropas. Os britânicos, por exemplo,
passaram a ter direito a apenas uma
sopa de ervilha por dia. O escritor ale-
mão Erich Maria Remarque, que lutou
nas trincheiras, lembra que um dos
objetivos ao atacar o inimigo era rou-
bar seu jantar. “A batalha abranda. Pre-
cipitamo-nos a fim de nos apoderar-
mos de todas as latas de comida que
conseguirmos apanhar, principalmente
manteiga e carne em conserva”, relata o
escritor no clássico Nada de Novo no
Front. A situação tornou-se tão dramá-
TERRA DE NINGUÉM tica que o jeito encontrado para ame-
Era o terreno que separava as tropas nizar o sofrimento foi encher a cara.
inimigas. Depois dos combates, Sim, embebedar os soldados se tornou
ficava abarrotado de corpos e buracos
feitos pelas bombas e granadas. política de guerra. Cada batalhão inglês,
formado por 20 mil homens, recebia
300 galões de rum sempre que possível.
Os franceses e alemães não ficavam
atrás: os combatentes eram abastecidos
com vinho e brandy. A bebedeira ajuda-
va a camuflar o horror.
SAIBA MAIS
Enciclopédia das Guerras e Revoluções
do Século XX, de Francisco Carlos Teixeira
da Silva (org.), Campus, 2004
Nada de Novo no Front, de Erich Maria
Remarque, L&PM Editores, 2004
História da Vida Privada, da Primeira
Guerra aos Nossos Dias, de Antoine
Prost e Gerard Vincent (orgs.),
Companhia das Letras, 1992
A
I Guerra Mundial comércio e se voltassem novamente para
ainda nem tinha co- o controle de colônias. Em 1914, 20% DESASTRE
meçado e a Europa do planeta se encontrava sob domínio das
já vivia um corre- potências da Europa. E, em um mundo NO MAR
corre. A partir da se- de territórios controlados à longa distân- A maior explosão não nucle-
gunda metade do sé- cia, ter uma frota poderosa virou questão ar de todos os tempos aconteceu
na I Guerra Mundial. E ocorreu
culo 19, os europeus fundamental. A Inglaterra tinha também por puro acidente. Em 6 de de-
experimentaram um uma razão particular para apostar na zembro de 1917, um navio fran-
frenesi armamentista marítimo. Entre os marinha. Sendo uma ilha, acreditava cês carregado de explosivos en-
trava na baía de Halifax, no Ca-
protagonistas da querela nos mares esta- estar a salvo de ataques se conseguisse nadá, quando colidiu com um
vam Inglaterra e Alemanha. Os dois paí- proteger as águas que rodeiam seu territó- cargueiro belga saindo do porto.
ses disputavam no mano a mano quem rio. Isso foi verdade absoluta até 1915, O navio francês incendiou-se e foi
abandonado, rumando desgover-
produzia navios mais poderosos. Os in- quando as primeiras investidas com diri- nado em direção ao píer. Quando
gleses encasquetaram com a idéia de gíveis mostraram que a ameaça também explodiu, todas as janelas da ci-
manter uma frota capaz de derrotar ou- podia vir do ar. dade se quebraram, 1 600 pessoas
morreram na hora e outras fica-
tras duas grandes potências mundiais ao ram cegas com o clarão.
mesmo tempo. Tal desafio ficou conheci- NOVIDADES AQUÁTICAS A explosão destruiu tudo
num raio de 4,5 quilômetros. Uma
do como “política de duas potências”. Só Os investimentos na marinha ren- onda gigantesca criada pela de-
que com uma rival como a Alemanha no deram frutos. Até 1850, os navios ainda tonação varreu a costa, inclusi-
páreo foi ficando cada vez mais difícil eram caixotes de madeira, que depen- ve uma aldeia indígena. Cerca
de 3 mil toneladas de fragmentos
garantir tamanha supremacia. Assim, diam do vento para manobrar e cujos foram sugadas do fundo da baía e
varrer os germânicos do jogo tornou-se canhões levavam sete minutos entre um disparadas em todas as direções:
essencial para os britânicos. A chamada disparo e outro. A estratégia de comba- a âncora do navio foi encontra-
da a cerca de 4 quilômetros do
“questão naval” acabou sendo um dos fa- te mais comum consistia em abordar e local da explosão. Um cogumelo
tores que desencadearam o conflito. invadir o navio inimigo, em vez de de 3 quilômetros foi visto no céu.
A obsessão européia por navios tem afundá-lo com canhonaços. Com a tec- A cidade foi incendiada e, para
completar o desastre, ao final do
explicação. A “Longa Depressão”, de nologia do vapor, as embarcações torna- dia, a baía de Halifax foi atingida
1873 a 1896, fez com que os países in- ram-se fortalezas de metal – maiores e pela pior tempestade da década.
dustrializados abandonassem o livre- mais ágeis. Os canhões aumentaram de
A ÚLTIMA BATALHA
NAVAL último encontro da grande batalha, com
a frota de Hipper protegendo a fuga do
O maior embate marítimo entre
germânicos e ingleses ainda estava por
DA GUERRA restante dos alemães. No resultado final,
os ingleses perderam 14 navios contra 11
vir. Em 31 de maio de 1916, as esqua- dos alemães. Suas baixas também foram
dras comandadas pelos almirantes Franz Alemanha. Três navios ingleses foram maiores: 6550 contra 2550. Ambos os
Von Hipper e David Beatty se encontra- vaporizados pela explosão de sua própria lados, no entanto, cantaram vitória. Os
ram na batalha de Jutlândia, no Mar do munição, incendiada por disparos ale- britânicos comemoraram a fuga ger-
Norte. A briga foi feia. Tudo começou mães. O resto da frota germânica, co- mânica. E os alemães, os estragos na fro-
quando o almirante alemão Reinhardt mandada por Scheer, juntou-se a Hipper, ta inglesa. A batalha de Jutlândia foi o
von Scheer, comandante da frota de alto- complicando ainda mais a situação dos último combate naval da I Guerra. Os
mar germânica, resolveu testar os bri- britânicos, que logo também receberiam altos custos em vidas e material fizeram
tânicos. Para tal, enviou uma frota de reforços. os países rivais desistirem de brigar nos
40 navios para a Dinamarca, comandada Com a artilharia inglesa calibrada, oceanos. Após o fim do conflito, a frota
pelo almirante Von Hipper. A Inglaterra os alemães fugiram alemã foi conduzida à Scapa Flow, na
enviou no encalço o almirante Beatty. Às para o norte. Inglaterra, onde se tornou atração turís-
15h45, eles abriram fogo. Beatty tinha tica. Em 4 de junho de 1919, um almi-
mais navios, mas levou a rante alemão inconformado ordenou
pior. A posição que seus marinheiros afundassem os
do sol favorecia próprios navios. Os destroços po-
a artilharia da dem ser vistos até hoje.
O B R A S I L
PATRULHA NO ATLÂNTICO
Em 4 de fevereiro de 1915, a Alemanha alardeou para os quatros cantos do
mundo: destruiria qualquer navio que se aproximasse da Inglaterra ou da Irlanda.
Era o início da chamada “Batalha do Atlântico”. A idéia era evitar a chegada de
suprimentos para os países inimigos. Mas acabou se revelando um desastre di-
plomático. Nações que nada tinham a ver com a guerra acabaram se juntando aos
aliados.
Foi o caso dos Estados Unidos. Após o incidente com o transatlântico Lusitânia,
em 1915, a opinião pública americana repudiou os alemães. E, em 6 de abril de
1917, os EUA entraram na guerra com um pretexto perfeito. No mesmo ano, o
Brasil também teve sete cargueiros civis afundados. Como indenização, confiscou
navios germânicos – e também entrou no conflito. A participação brasileira foi
pequena: alguns pilotos de aviões, apoio médico e a promessa de patrulhar o
Atlântico Sul. Quando finalmente a marinha do Brasil entrou em ação, em novem-
bro de 1918, a guerra já estava no fim.
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Quando a guer-
ra estourou, o céu era o limi-
te para Von Richthofen. O jovem am-
bicioso foi transferido para a Força Aérea em
maio de 1915 e logo se destacou por sua habili-
dade. Era capaz de liquidar até três caças por dia.
morte
As inovações da
NA TERRA , NO MAR OU NO CÉU, AS NOVAS ARMAS
MUDARAM PARA SEMPRE A CARA DAS BATALHAS
N
o início do século 20, os londrinos costumavam dizer que para
ficar rico bastava inventar uma arma capaz de matar mais gente,
na maior velocidade possível. A indústria armamentista vivia um
verdadeiro frenesi, com encomendas feitas por todos os países. O
clima de animosidade entre as grandes potências da época anun-
ciava tempos sombrios – e se armar era uma questão de sobrevivência. Com o
início da guerra, claro, a produção de armamentos aumentou em escala assusta-
dora. Começou a surgir em cena toda a sorte de inovações. De um lado e de ou-
tro do conflito, pipocavam novidades cada vez mais mortais. Para os combates
terrestres, surgiram os tanques de combate, as metralhadoras e os lança-chamas.
No mar, apareceram os encouraçados, os submarinos e as minas, que serviam
para impedir o desembarque de soldados inimigos. E, no ar, os aviões, uma in-
venção recente, viraram uma poderosa arma de guerra. No início, eram usados
apenas para o reconhecimento de terreno. Depois, assumiram a função estraté-
gica de bombardear centros industriais, destruindo a capacidade do país rival de
se manter na batalha. Nas próximas páginas, uma amostra de tais inovações, que
serviram de sentença de morte para milhares de soldados – e, também, de em-
brião para o desenvolvimento da tecnologia de guerra.
LANÇA-CHAMAS
No começo do século 20, o alemão Richard Fiedler inventou
uma engenhoca que soltava fogo. A novidade logo caiu nas
graças do exército germânico. Quando a guerra começou,
o tal do lança-chamas foi copiado pelos aliados. E muitos
modelos diferentes surgiram em cena. Adaptado em uma
mochila de costas, a arma tinha dois cilindros: um para o
líquido inflamável e outro para ar pressurizado misturado
com dióxido de carbono ou nitrogênio. Uma válvula
acionada por gatilho fazia o líquido pressurizado passar
pelo mecanismo de ignição, onde uma faísca elétrica
incendiava a mistura. O lança-chamas fez estragos
durante o embate. Dizimava tropas e servia como
arma de efeito psicológico. Com o desenrolar do
conflito, foi adaptado nos tanques de guerra.
O atirador
dianteiro ocupava
um cockpit com
uma instalação
circular. Com isso,
era possível girar
a metralhadora
em direção a
alvos vindos
de vários lados
DIRIGÍVEIS
Com cerca Enquanto duelos espetaculares entre ases solitários chamavam
de 158 metros a atenção no Front Ocidental, outro tipo de guerra aérea surgia:
de comprimento,
quase 15 metros os bombardeios realizados por dirigíveis. Graças aos esforços
de diâmetro, os do pioneiro conde Zeppelin, a Alemanha entrou na guerra com
zepelins chegavam uma frota de 30 dessas aeronaves, usadas para bombardear
a 84 km/h e tinham
alcance de até cidades com o objetivo de abalar o moral das populações. Em
5 mil quilômetros, 31 de maio de 1915, aconteceu o primeiro ataque com dirigíveis
nos modelos contra Londres, seguido por várias outras incursões, geralmente
mais avançados.
Podiam levar noturnas, que nos meses seguintes mataram mais de 520 pessoas.
duas metralhadoras A altitude que atingiam, de até 6500 metros, os tornava pratica-
de 7,92 mm mente invulneráveis aos caças da época, mesmo usando um gás
na cabine, para
defesa contra altamente inflamável, o hidrogênio. Mas o aperfeiçoamento da
caças inimigos, defesa antiaérea e os problemas operacionais, além da lentidão,
e transportavam levaram ao gradual abandono dos zepelins, como os dirigíveis
entre 5 e
7 toneladas eram chamados por britânicos e franceses, que jamais con-
de bombas seguiram construí-los na quantidade e eficiência dos alemães.
tempo
A LÉM
Um novo
DO FIM DAS MONARQUIAS ABSOLUTISTAS ,
O CONFLITO PARIU A
OS E STADOS U NIDOS
U NIÃO S OVIÉTICA
COMO POTÊNCIA MUNDIAL
E LANÇOU
A
cabou! No dia 11 de no- na Rússia; os Habsburgo, na Áustria; os ris, veio o consenso: o Tratado de Versa-
vembro de 1918, a Alema- Hohenzollern, na Alemanha; e os sultões lhes, de 28 de junho de 1919. Longe de
nha hasteou a bandeira da Turquia. Do ponto de vista humano, selar a paz, o documento era a senten-
branca. Era o fim de uma o saldo do conflito choca: 9 milhões de ça condenatória de uma nação, a Ale-
guerra que prometia “aca- mortos e 40 milhões de feridos. Muitos manha, responsabilizada pela guerra e
bar com todas as guerras”, como define países perderam gerações inteiras de ho- obrigada a pagar indenização bilioná-
o historiador Eric Hobsbawm em Era mens em idade produtiva. É o caso da ria. No plano militar, as sanções aos ale-
dos Extremos – O Breve Século XX. De Inglaterra. Meio milhão de britânicos mães incluíam a limitação do exército
fato, o embate tomou proporções colos- com menos de 30 anos morreram. As na- em 100 mil homens, a entrega dos na-
sais, mas não resolveu as pendengas en- ções envolvidas na refrega saíram dos vios de guerra e a desmilitarização do
tre as superpotências da época. Pelo con- campos de batalha ainda economicamen- território à margem esquerda do Reno.
trário. No fim, a animosidade que paira- te mutiladas. Rios de dinheiro escoaram A Alemanha ficava ainda proibida de
va no ar era ainda maior do que antes. para a atividade bélica, e o continente en- possuir armamentos estratégicos, como
Começou a se delinear o cenário que cul- trou nos anos 20 com a infra-estrutura força aérea, canhões pesados e subma-
minaria na II Guerra Mundial, 20 anos produtiva em frangalhos. Para enfrentar rinos. Parte do território foi entregue à
depois. “A situação criada era inerente- as dificuldades, os protagonistas da guer- França, Bélgica, Dinamarca e Polônia.
mente instável, sobretudo na Europa, mas ra recorreram à emissão de papel-moeda, Ao todo, o país perdeu 15% do ter-
também no Extremo Oriente, e, portan- gerando inflação, e contraíram emprés- ritório e um décimo da população, pas-
to, não se esperava que a paz durasse”, timos, agravando a dívida externa. Essa, sando assim a alimentar um ódio revan-
afirma Hobsbawm. “A insatisfação com aliás, foi a brecha para os Estados Unidos chista. “Os aliados arrancaram até os dor-
o status quo não se restringia aos estados emergirem como grande potência. mentes das estradas de ferro alemãs”, co-
derrotados, embora estes, notadamente menta a historiadora Maria Helena Se-
a Alemanha, sentissem que tinham bas- ERROS DE VERSALHES nise, da Universidade Estadual de Cam-
tante motivos para ressentimentos”, com- Com o velho continente em panda- pinas, Unicamp. Só que Versalhes teve
pleta. recos, as potências vitoriosas – Estados um aspecto ainda mais desastroso. Os
No aspecto político, a conseqüência Unidos, Inglaterra, França e Itália – se aliados, ao assinarem o tratado com um
da guerra foi varrer as últimas monar- sentaram à mesa para discutir o destino governo alemão legítimo, reconheceram
quias absolutas da Europa: os Romanov, do planeta. Em uma conferência em Pa- a unidade do território germânico. Na
prática, a Alemanha ficou com a faca e o ra evitar conflitos entre sérvios, croatas cia soviética e a constante ameaça da
queijo na mão para sabotar o acordo a e eslovenos, o rei Alexandre I radicalizou. revolução comunista ajudou na consoli-
hora que quisesse. “Os aliados erraram, Caminho parecido seguiram a Espanha, dação de uma extrema direita, que apa-
não em aplicar sanções pesadas à Alema- do marechal Primo de Rivera, e Portugal, recia como contraponto e se organizava
nha, mas sim em aplicá-las sobre uma do general Antônio Carmona, um ensaio para barrar o avanço revolucionário. Sur-
Alemanha unida e autônoma, capaz de para a ditadura de Antônio Salazar. giam assim os nacionalismos alemão e
se preparar para uma revanche”, analisa Em suma, no período do entreguer- italiano. O cenário não era dos mais ani-
Luiz César Rodrigues, autor de A Pri- ras, um vento de ditaduras varreu as frá- madores. A paz estava na corda bamba.
meira Guerra Mundial. geis democracias européias. Entre as no- Versalhes foi seguido de vários trata-
vidades trazidas pelo fim do conflito es- dos complementares, que redesenharam
CORDA BAMBA tava ainda o nascimento da União Sovié- o mapa da Europa. A característica co-
Aos olhos do Ocidente, Versalhes foi tica, mãe de todas as ditaduras, alçada à mum dos acordos foi o princípio do “di-
a vitória da democracia. Alemanha e Áus- condição de superpotência. A experiên- reito das nacionalidades” (veja abaixo).
tria se tornaram repúblicas e adotaram
constituições liberais. O Império Oto-
PRÓS E CONTRAS DOS TRATADOS
mano também, com o nome de Turquia.
TRATADO QUANDO QUEM GANHOU QUEM PERDEU
Para evitar que conflitos se repetissem, Trianon Junho A Sérvia incorporou a Croácia; A Hungria perdeu
foi criada a Liga das Nações, embrião das de 1919 a República Tcheca ganhou todos esses
Nações Unidas. Só que enfiar a demo- a Eslováquia. A Romênia territórios
incorporou a Transilvânia
cracia goela abaixo de países que nunca
vivenciaram uma experiência democrá- Saint- Setembro Tchecoslováquia, Reino dos A Áustria teve
Germain- de 1919 Sérvios, Croatas e Eslovenos de conceder porções
tica tinha tudo para dar errado. E deu. en-Laye e Polônia tiveram sua de seu território
Aos poucos, as novas nações caíram nas independência. E a Itália aos novos países
mãos de regimes ditatoriais. A Itália ce- abocanhou terras dos austríacos
deu ao fascismo. Na Polônia, assumiu o Neuilly Novembro A Grécia anexou a Trácia. A Bulgária
marechal Josef Pilsudski. Na Turquia, o de 1919 O Reino dos Sérvios, Croatas perdeu todos
militar Mustafa Kemal. Na Grécia, o ge- e Eslovenos ficou com esses territórios
a Macedônia
neral Ioannis Metaxas. Na Iugoslávia, pa- Sèvres Agosto França e Inglaterra dividiram as A Turquia teve seu
de 1920 terras turcas no Oriente Médio. território reduzido.
Grécia e Armênia anexaram É o fim do
parte da Turquia Império Otomano
TOMOS E TELAS
CLÁSSICO
De amor e de guerra
E M A DEUS ÀS A RMAS , O ESCRITOR E RNEST H EMINGWAY NARRA A BRUTALIDADE
DO CONFLITO COM A INTIMIDADE DE QUEM ESTEVE NOS CAMPOS DE BATALHA
C
om 18 anos e cheio de entusias- mesmo tempo, uma história de amor e de conhece Catherine, ele começa a questio-
mo, o jovem americano Ernest guerra, escrita bem ao estilo Hemingway: nar a hostilidade à sua volta. Como ob-
Hemingway encasquetou com a simples e apaixonante. servador da luta do homem contra o ho-
idéia de virar combatente na I Guerra O livro narra o amor do tenente ame- mem, o tenente põe no seu caldeirão de
Mundial. Conseguiu. Virou motorista de ricano Frederic Henry pela enfermeira es- questionamentos até mesmo a existência
ambulância da Cruz Vermelha. Só que a cocesa Catherine Barkley. No pano de de um Deus que olha pelo mundo.
sua contribuição nas frentes de batalha fundo, revela a desilusão do combatente Contra tal brutalidade, só o amor.
durou pouco. Depois de algumas sema- – e do escritor, claro – com a insana guer- Assim Henry e Catherine se refugiam na
nas na Europa, Hemingway foi gravemen- ra. No início da trama, Henry – não por paixão, sempre interrompida pela reali-
te ferido na perna. E teve que voltar pa- acaso um motorista de ambulância – é dade dos campos de batalha: ora Henry
ra casa, carregando na bagagem uma me- indiferente ao conflito que mobilizava to- é ferido, ora é recrutado de volta ao front.
dalha de honra e uma rica experiência, das as grandes potências do mundo. Sempre sob o ponto de vista do tenente,
que, dez anos depois, serviria de muni- “Aquela guerra nada tinha a ver comigo. Adeus às Armas descortina a crueldade da
ção para as páginas de Adeus às Armas, li- Parecia tão perigosa para mim como uma guerra. Com maestria, Hemingway pin-
vro publicado em 1929. A novela é, ao guerra de cinema”, diz. Mas, depois que ta um quadro do conflito desprovido de
O conflito em imagens
J ohn Keegan volta sua atenção novamente para os eventos que mar-
caram o mundo entre 1914 e 1918 em História Ilustrada da Primeira
Guerra Mundial. O livro é uma versão atualizada da aclamada obra
de Keegan A Primeira Guerra Mundial, com algumas novas conside-
rações e interpretações. O diferencial agora é que sua brilhante
narrativa é enriquecida por mais de 500 fotografias, pinturas,
História Ilustrada da charges e pôsteres que revelam a face do conflito, ao retratar os
Primeira Guerra Mundial homens e as mulheres que sofreram na pele os horrores da guer-
John Keegan ra. As imagens nos levam ao coração das batalhas de Gallipoli,
Ediouro
496 páginas Verdun e Somme, e também mostram a vida de jovens solda-
R$ 59,00 dos nas trincheiras do front. E.M.