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Capa

Coleção História em Debate

História em debate
Renato Mocellin, Rosiane de Camargo

2
Ensino Médio

História

Editora do Brasil
Página 1

Coleção História em Debate

História em debate
2
História - Ensino Médio

Renato Mocellin
Bacharel em Direito e licenciado em História pela UFPR
Pós-graduado em História da Arte pela PUC-PR
Mestre em Educação pela UFPR
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná
Professor do Ensino Médio

Rosiane de Camargo
Licenciada em História pela UFPR
Pós-graduada em História do Brasil pela Faculdade Bagozzi (PR)
Professora do Ensino Fundamental e do Ensino Médio

4ª edição, São Paulo, 2016

Editora do Brasil
Página 2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Mocellin, Renato
História em debate, 2 / Renato Mocellin, Rosiane de Camargo. – 4. ed. – São Paulo : Editora do Brasil, 2016. – (Coleção história em debate ; v. 2)
Bibliografia.
ISBN 978-85-10-06163-6 (aluno)
ISBN 978-85-10-06164-3 (professor)
1. História (Ensino médio) I. Camargo, Rosiane de. II. Título. III. Série.
16-02894
CDD-907
Índices para catálogo sistemático: 1. História : Ensino médio 907

© Editora do Brasil S.A., 2016


Todos os direitos reservados

Direção geral: Vicente Tortamano Avanso


Direção adjunta: Maria Lúcia Kerr Cavalcante de Queiroz

Diretoria editorial: Cibele Mendes Curto Santos


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Supervisão de controle de processos editoriais: Marta Dias Portero
Supervisão de revisão: Dora Helena Feres
Consultoria de iconografia: Tempo Composto Col. de Dados Ltda.

Coordenação editorial: Priscilla Cerencio


Edição: Luis Gustavo Reis
Assistência editorial: Andressa Pontinha, Carolina Ocampos e Rogério Cantelli
Coordenação de revisão: Otacilio Palareti
Copidesque: Ricardo Liberal
Revisão: Alexandra Resende, Ana Carla Ximenes, Elaine Fares e Maria Alice Gonçalves
Coordenação de iconografia: Léo Burgos
Pesquisa iconográfica: Elena Ribeiro e Maria Magalhães
Coordenação de arte: Maria Aparecida Alves
Assistência de arte: Samira Souza
Design gráfico: Alexandre Gusmão
Capa: Patrícia Lino
Imagem de capa: © Shiota, Chiharu/AUTVIS, Brasil, 2016. Fotografia: Nelson Almeida/ AFP Photo
Ilustrações: Alex Argozino, Christiane Messias, Cristiane Viana, Departamento de Arte e Editoração (DAE), Paula Radi e Vagner Coelho
Produção cartográfica: Alessandro Passos da Costa, DAE (Departamento de Arte e Editoração), Studio Caparroz e Sonia Vaz
Coordenação de editoração eletrônica: Abdonildo José de Lima Santos
Editoração eletrônica: Elbert Stein, Gabriela César e José Anderson Campos
Licenciamentos de textos: Cinthya Utiyama, Jennifer Xavier, Paula Harue Tozaki e Renata Garbellini
Coordenação de produção CPE: Leila P. Jungstedt
Controle de processos editoriais: Beatriz Villanueva, Bruna Alves, Carlos Nunes e Rafael Machado

© Shiota, Chiharu/AUTVIS, Brasil, 2016./Fotografia: Nelson Almeida/AFP Photo

Visitante olha para a instalação Thank you Letters (Cartas de agradecimento), de Chiharu Shiota, durante a exposição Chiharu
Shiota – Em busca do destino, em São Paulo, 2015.

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Rua Conselheiro Nébias, 887 – São Paulo/SP – CEP 01203-001
Fone: (11) 3226-0211 – Fax: (11) 3222-5583
www.editoradobrasil.com.br
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Apresentação
CARTA AOS JOVENS ESTUDANTES
Somos bombardeados diariamente com centenas de informações. Elas são como
ruídos que nos chegam pelos sentidos e são processados pelo cérebro. Já pensou se
todas elas ficassem retidas na memória? Seríamos como supercomputadores. Mas
como isso não é possível, nem necessário, elas são filtradas e apenas as mais
relevantes permanecem.

A disciplina de História é repleta de informações. Elas não são dadas somente para
você memorizá-las, mas também para que você possa refletir sobre elas, mudar sua
vida e, consequentemente, a sociedade em que vive. Esta é a grande mágica da
aprendizagem: transforma informações em conhecimento.

Este livro, por meio da abordagem temática, suscita diversas reflexões. Não são
priorizados dados como nomes, datas e fatos, que podem ser descartados pelo
cérebro por não serem significativos ou até mesmo podem ser acessados na internet e
armazenados no computador.

Refletindo acerca dos temas propostos neste material, você será capaz de confrontar a
realidade que conhece com outros contextos ou desenvolver uma nova maneira de
olhar para a mesma questão. Nesse processo, poderá aplicar as novas informações
históricas à sua realidade e modificá-la ou reconstruí-la.

Esperamos que esta coleção, um entre tantos recursos disponíveis de informação,


possa auxiliá-lo nesse caminho.

Que ele seja agradável e proveitoso!

Os autores
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Organização do livro
Este livro está organizado em dez capítulos. No início de cada capítulo, você encontrará uma grande imagem, que
representa o assunto que será trabalhado e uma introdução que inspira uma reflexão inicial.

O texto principal, desenvolvido de forma clara e objetiva, começa sempre em uma nova página, facilitando sua
localização nas aulas e no estudo em casa.

Os principais conceitos são aprofundados em quadros que favorecem o estudo e a compreensão.

O Glossário, ao trazer a explicação dos termos em destaque, amplia o vocabulário.


Página 5

A seção Viajando pela história traz os acontecimentos organizados cronologicamente, facilitando assim a
compreensão do tema estudado, são retomados conceitos e assuntos desenvolvidos no livro.

Na seção Organizando ideias, em questões que envolvem análise e interpretação de textos e imagens, são
retomados conceitos e assuntos desenvolvidos no livro.

Na seção Pausa para investigação há atividades de pesquisa e análise de temas cotidianos.

Aspectos culturais específicos, relacionados ao assunto abordado no capítulo, são explorados na seção Resgate
cultural.
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A seção Debate interdisciplinar traz uma temática, tratada no capítulo, que dialoga com outras disciplinas,
possibilitando a você relacionar os diferentes conhecimentos escolares entre si.

Questões do Enem e dos principais vestibulares do país você encontra na seção Testando seus conhecimentos.

Nas seções Para você ler, Para você assistir e Para você navegar, há sugestões de livros, filmes e sites sobre temas
tratados no capítulo.
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Sumário
1 Direitos humanos 10
Direitos humanos: somos todos iguais? 12
A origem dos direitos humanos 15
A conquista dos direitos sociais 24
A terceira geração dos direitos humanos 26
Direitos de quarta e quinta gerações: Bioética e paz 30
Debate interdisciplinar: Em busca de direitos humanos ambientais 32
Testando seus conhecimentos 34

2 A dominação da América e a visão do outro 36


A visão do outro: europeus e americanos 38
A chegada dos europeus à América 42
A América antes dos europeus 47
A conquista da América 59
Debate interdisciplinar: Intercâmbio de alimentos entre a Europa e a América 72
Testando seus conhecimentos 74

3 Colonização da América: exploração e resistência 76


A América do século XXI 78
A empresa colonial espanhola 79
A empresa colonial portuguesa 88
A colonização da América Inglesa 93
Revolução Americana: a primeira reação americana contra a metrópole 97
Independências na América Espanhola 98
Independência da América Portuguesa 104
Debate interdisciplinar: A transformação dos metais 108
Testando seus conhecimentos 110

4 Direitos na América Latina: lutas e conquistas 112


A América independente 114
O regime neocolonial 116
Os conflitos na América Latina 119
O imperialismo na América Latina 127
As revoluções 133
O populismo 144
As ditaduras 145
As guerrilhas 148
Debate interdisciplinar: Che Guevara – da guerrilha para o mercado 150
Testando seus conhecimentos 152
Página 8

5 O imperialismo na Ásia 154


O imperialismo 156
A diversidade das ações imperialistas 158
China 160
Japão 164
A conquista da Índia 168
Debate interdisciplinar: Semelhanças e diferenças entre os sistemas linguísticos de China, Índia e
Coreia 172
Testando seus conhecimentos 174

6 África: do escravismo ao imperialismo 176


A escravidão na África 178
O comércio de pessoas 182
O colonialismo europeu 183
O imperialismo e a partilha da África 185
Movimentos de resistência 191
Debate interdisciplinar: Extração de diamantes na África 194
Testando seus conhecimentos 196

7 As emancipações nacionais na Ásia e na África 198


Os processos de emancipação nacionais 200
Emancipações na Ásia 201
Emancipações na África 207
Debate interdisciplinar: África um rico continente 216
Testando seus conhecimentos 218
Página 9

8 A era da globalização 220


O que é globalização? 222
A globalização neoliberal 225
Globalização e localismo 228
Aspectos positivos e negativos da globalização 231
O Brasil na era da globalização 233
Globalização e direitos humanos 234
Debate interdisciplinar: A música e a transposição de barreiras 236
Testando seus conhecimentos 238

9 Direitos violados 240


Desrespeito aos direitos humanos 242
Miséria em toda parte 243
Violência: o valor da vida 250
Discriminação, intolerância e corrupção 258
Debate interdisciplinar: Fome × Obesidade – efeito dos dois extremos no organismo humano 262
Testando seus conhecimentos 264

10 Conquistas nas lutas pelos direitos humanos 266


Vivendo na era dos direitos 268
Novos sujeitos, novas abordagens 274
Debate interdisciplinar: ONGs e os direitos humanos 282
Testando seus conhecimentos 284

Referências 286
Página 10

1 Direitos humanos
Neste capítulo
Direitos humanos: somos todos iguais?
A origem dos direitos humanos
A conquista dos direitos sociais
A terceira geração dos direitos humanos
Direitos de quarta e quinta gerações: Bioética e paz

Jewel Samad/AFP

Ativistas e comunidades muçulmanas exibem cartazes com mensagens relacionadas a direitos humanos, durante uma
manifestação em solidariedade aos refugiados sírios e iraquianos. Nova York (EUA), 2015.

Os meios de comunicação referem-se constantemente aos direitos humanos, porém, na


maioria das vezes, somente para alertar sobre a violação ou o desrespeito a eles.

Mas que direitos são esses que igualam todos os seres humanos? Como eles foram
historicamente declarados? Quem elaborou os tratados e as convenções internacionais
sobre direitos humanos e em que contexto?
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Por que, apesar de aceitos e discutidos por muitas sociedades, os direitos ainda são
violados e, em alguns casos, sumariamente ignorados? Importante e polêmico, esse tema
tem sido alvo constante de discussões nos âmbitos nacional e internacional. É preciso ter
claro que esse assunto e todas as suas ações concretas afetam a todos os habitantes do
planeta tanto individual como coletivamente. Essas e outras questões serão abordadas
neste capítulo.
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Direitos humanos: somos todos iguais?


Para grande parte das pessoas do século XXI, alguns direitos são considerados fundamentais, como o
direito à vida, à liberdade de escolha e de expressão, à saúde e à segurança, enfim, os direitos que
garantem a satisfação das necessidades básicas de todo ser humano. São os chamados direitos
humanos.

A discussão sobre os direitos humanos, tema debatido nas sociedades contemporâneas e nas relações
entre os países, nem sempre esteve presente na história da humanidade.

Na Europa feudal do século X, por exemplo, não havia a noção de direitos individuais e coletivos, já que
a sociedade feudal mantinha uma ordenação social diferente da que estamos sujeitos atualmente no
Brasil. Naquela época, a Igreja Católica e a aristocracia feudal detinham o poder e, portanto, os direitos
e privilégios. Esses privilégios não se estendiam aos camponeses, que realizavam todos os tipos de
trabalho no regime de servidão feudal.

Historicamente, o tema direitos humanos começou a ser discutido a partir do século XVI, durante a
transição do feudalismo para a sociedade burguesa, no período de formação do Estado Nacional
Moderno.

No decorrer dos séculos, muitos lutaram e morreram pela liberdade de direitos, como votar e ser
votado; contra a onipotência de reis que se julgavam representantes divinos e, portanto, acima de
todos, podendo, inclusive, dispor da vida de seus súditos; também contra a segregação étnica ou a
escravização, além de muitos outros motivos que incitaram diversas lutas para que fossem asseguradas
as condições fundamentais de existência e igualdade a todos os seres humanos.

Essas lutas, porém, ainda não terminaram. Necessidades básicas, como moradia, alimentação e
educação, não têm sido asseguradas à população de forma igualitária, o que abre precedentes para
constantes manifestações com o objetivo de cobrar dos governantes solução para esses problemas.

Entende-se por direitos humanos o conjunto de princípios, de caráter universal e universalizante,


formalizado no contexto do Estado liberal-democrático tal como ele se desenvolveu no mundo
ocidental no curso do século XIX, que proclamam como direitos inalienáveis do homem os direitos
à vida e às liberdades civis e públicas. Sua efetivação requer ação dos governos no sentido de
protegê-los contra qualquer espécie de violação ou abuso. Compreendem prioritariamente os
direitos civis, mas também os direitos sociais e políticos.

CARDIA, Nancy; ADORNO, Sergio. Das análises sociais aos direitos humanos. In: BROOKE, Nigel; WITOSHYNSKY, Mary (Org.). Os 40
anos da Fundação Ford no Brasil: uma parceria para a mudança social. São Paulo: Edusp; Rio de Janeiro: Fundação Ford, 2002. p.
206.
Jacqueline Lau/Demotix/Corbis/Glow Images

Milhares de manifestantes seguem em direção ao Parlamento britânico em protesto contra as medidas de austeridade planejadas
pelo governo. Os cartazes pedem melhores condições de moradia e educação, apoio aos imigrantes, fim do envolvimento do país
em guerras, entre outros. Londres, Inglaterra, 2015.
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Organizando ideias
Em dupla, converse com o colega sobre as questões a seguir e depois debatam, em sala de aula,
suas conclusões.

1. O que significa dizer que os direitos humanos foram conquistados por meio de lutas ao longo do
tempo?

2. Juntos, pesquisem os principais fatos ocorridos no Brasil e no mundo noticiados pela imprensa
no último mês. De acordo com as notícias que vocês encontraram, é possível concluir que
atualmente os direitos humanos são efetivos para todas as pessoas? Justifiquem sua resposta
exemplificando.

3. A charge a seguir foi criada por Angeli no ano de 1998. Analise-a e faça o que se pede.

Angeli

Angeli. Declaração dos Direitos Humanos. A charge foi publicada no jornal Folha de S.Paulo em 11 de dezembro de 1998.

a) Que crítica à sociedade brasileira a charge expressa?

b) É possível afirmar que a charge retrata a realidade de parte da população brasileira? Justifique.
c) Elabore um pequeno texto estabelecendo relação entre a charge e o título “Direitos humanos:
somos todos iguais?”.
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Viajando pela história


Direitos na Antiguidade
A noção de direitos humanos, ou direitos naturais, tal como os concebemos hoje, teve origem no século
XVI. Isso não significa, porém, que antes desse período não houvesse pessoas preocupadas com as
condições mínimas para que os seres humanos vivessem com dignidade.

O mais antigo documento que envolve direitos humanos encontrado até agora é o Cilindro de Ciro. O
texto escrito pelo rei da Pérsia (atual Irã), Ciro II, foi gravado em um cilindro de barro em 539 a.C.

Album Art/Latinstock

Cilindro de Ciro. Acervo do Museu Britânico, Londres.


Os decretos escritos pelo rei Ciro II foram gravados em língua arcadiana, em um cilindro de barro cozido. Esse objeto histórico foi
descoberto em 1879 e traduzido em 1971.

O documento escrito por Ciro apresentava características diferenciadas para a época: declarava a
liberdade de religião, libertava os escravos e lhes dava a oportunidade de participar do corpo de
funcionários do reino. Por suas características humanitárias, é considerado precursor das declarações de
direitos humanos.

Em Atenas, na Grécia, entre os séculos V e IV a.C., ocorreram as primeiras experiências democráticas


relacionadas aos princípios que concediam aos cidadãos o direito de se expressar livremente e de
participar das decisões da comunidade. Esse exemplo mostra preocupação com a liberdade de
manifestação e de participação nas decisões políticas, mas o direito era restrito somente aos homens
adultos, atenienses e livres.

Outro documento que merece destaque é o Pacto dos Virtuosos (Hifl-al-fudul), concluído por tribos
árabes por volta de 590 d.C., considerado uma das primeiras alianças em prol dos direitos humanos. Ele
foi elaborado por cinco tribos da cidade de Meca após uma guerra ocorrida na região, entre 586 e 590
d.C., com a finalidade de defender os oprimidos da cidade, além de restaurar seus direitos.

Documentos posteriores, como a Carta Magna da Inglaterra, de 1215, e a Carta de Mandén, de 1222,
também são exemplos de textos relacionados aos direitos humanos.

A Carta de Mandén (ou Carta de Kurukan Fuga) é considerada a declaração constitucional do Império de
Mali, fundado no século XI e unificado por Sundiata Keita, em 1222, imperador que a proclamou. Esse
documento incorpora um conjunto de práticas cujos pontos principais são: o respeito pela vida humana,
a solidariedade com a comunidade, a liberdade individual (em conformidade com a comunidade) e a
oposição ao sistema de escravidão vigente na região. A carta é considerada um dos primeiros modelos
de constituição e o primeiro documento escrito em território africano a abordar direitos humanos.

A Carta Magna, manuscrita, redigida em latim e assinada pelo rei João Sem Terra diante de barões
e do alto clero em 1215, foi considerada o primeiro documento oficial com o propósito explícito de
garantir as liberdades e direitos dos súditos e impedir os abusos de poder real. Em termos gerais,
estabelecia que nenhum homem está acima da lei, nem mesmo o rei, por dádiva divina ou favores
da igreja. Os 63 artigos exigiam direitos estamentais e limitação do poder real, a partir de um
entendimento com a nobreza, prioritariamente com os barões e, em seguida, com os demais
súditos. O princípio básico que inspirou a formatação final do documento foi a sujeição do poder
do rei às liberdades individuais de seus súditos.

GUIMARÃES, Elisabeth da Fonseca. A construção histórico-sociológica dos direitos humanos. Revista ORG & DEMO, Marília:
Unesp/Boitempo, v. 11, n. 2, p. 99, jul./dez. 2010.
Página 15

A origem dos direitos humanos


Entre os séculos XV e XVIII, a Europa passava por transformações advindas das Grandes Navegações,
que incorporaram ao mundo conhecido até então as terras que hoje formam o continente americano e
parte da Ásia.

As ideias e a organização político-social predominante, que permaneciam desde a Idade Média,


passaram a ser questionadas por pensadores ingleses, como David Hume (1711-1776) e Thomas Hobbes
(1588-1679), e por intelectuais chamados de iluministas, como John Locke (1632-1704), Voltaire (1694-
1778), Jean-Jacques Rousseau (1712 -1778) e Montesquieu (1689-1755); eles propunham uma nova
visão de mundo, com base no uso da razão e na libertação dos seres humanos de toda forma de
opressão.

Nesse período, a sociedade era estamental, ou seja, não havia mobilidade entre uma camada social e
outra. A nobreza detinha privilégios e o poder estava concentrado nas mãos dos reis; o sistema político
dominante era o absolutismo. Os trabalhadores (sobretudo os camponeses) e os burgueses – nova
classe relacionada ao comércio e à prestação de serviços e que também não tinha direitos assegurados,
apesar do acúmulo de capital – passaram a questionar a arbitrariedade e as injustiças cometidas pelos
nobres e pelos reis absolutistas, além de agir contra esses desmandos, dando origem às chamadas
Revoluções Burguesas.

Coube aos pensadores liberais disseminar e fazer valer mecanismos capazes de frear o autoritarismo
estatal dos absolutistas. De acordo com as ideias iluministas, a razão passou a ser o instrumento de
conhecimento do mundo. Em uma sociedade não mais baseada no poder da Igreja Católica Romana, o
direito divino dos reis começou a ser questionado.

Portanto, os primeiros direitos conquistados por meio das Revoluções Burguesas foram os direitos
individuais, ou seja, aqueles considerados naturais.

Nesse período histórico, a caminhada rumo à conquista da liberdade e igualdade entre os seres
humanos deu um primeiro, mas fundamental, passo por meio da luta pelo reconhecimento dos
direitos civis e políticos, isto é, as prerrogativas dos indivíduos e grupos de indivíduos que não
podem sofrer a intervenção despótica do Estado, podendo competir de maneira igualitária. [...]

A partir de então, a figura do indivíduo que só tem deveres a prestar em relação ao príncipe
(súdito) começa a ser substituída pela do sujeito que possui direitos que devem ser respeitados
pelos governantes (o cidadão). [...]

Em suma, estamos tratando aqui de uma mudança de eras, da substituição de uma “era dos
deveres” por uma “era dos direitos”. [...]

Porém, assim como essa nova “era dos direitos” nasce por intermédio da conquista dos direitos
civis e políticos, ela também tem uma precisa localização espacial, uma geografia própria –, seu
berço encontra-se em três países precisos: Inglaterra, Estados Unidos e França.

Será exatamente no curso dos acontecimentos históricos que levaram esses três países à
modernidade que subirão à tona as primeiras vitórias da luta incessante travada em nome da
afirmação dos direitos da cidadania no mundo. [...]
MONDAINI, Marco. Os direitos humanos no período pré-Revolução Francesa: a conquista dos direitos civis e políticos I. In:
______________. Direitos humanos. São Paulo: Contexto, 2006. p. 22.

Pausa para investigação


Em grupo, pesquise quais eram as propostas dos pensadores David Hume, Thomas Hobbes, John
Locke, Voltaire, Jean-Jacques Rousseau e Montesquieu. Tragam os resultados para a sala de aula e
apresentem-nos aos colegas.
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A Revolução Inglesa e a Declaração de Direitos


Durante todo o século XVII, a Inglaterra passou por grandes transformações políticas, econômicas e
sociais. Economicamente, detinha a manufatura têxtil mais desenvolvida de toda a Europa, além de ser
uma potência militar e naval.

Nesse período, consolidava-se uma rica camada de produtores rurais ligada à produção de lã e à
agricultura comercial. Esse grupo, aliado à burguesia urbana, opunha-se ao absolutismo, defendido pelo
clero anglicano e também pelos nobres aristocratas.

A insatisfação da burguesia e da população em geral com a monarquia absolutista aumentava a cada


ano. Embora o Parlamento confrontasse o rei em razão dos muitos impostos, por perseguir pessoas que
não aderissem à religião oficial do Estado e porque participava de guerras seguidas, ele era
constantemente silenciado, pois o rei o dissolvia quando era de seu interesse.

Uma sucessão de acontecimentos mudou esse quadro a partir de 1640.

O anglicanismo estava diretamente relacionado à monarquia britânica. A posse de grandes extensões


territoriais pela Igreja Católica, somada à crescente influência dessa instituição nas decisões políticas,
limitava o poder da Coroa britânica. Nesse contexto, o rei Henrique VIII (1491 -1547), além de pressionar
o Parlamento para que novas leis de restrição à Igreja Católica fossem votadas, fundou a Igreja
Anglicana.

D.H.Teuffen/ip archive/Glow Images

Chegada de Guilherme de Orange a Londres, 18 dez.1688. Gravura.


Alex Argozino
Página 17

Para assumir a Coroa, o Parlamento obrigou Guilherme de Orange e sua esposa a assinarem um
documento de compromisso com os cidadãos denominado Declaração de Direitos (Bill of Rights, 1689),
que inaugurou um novo tipo de Estado, voltado aos cidadãos: um estado de direito.

[...] os ditos lordes espirituais e temporais, e os comuns, respeitando suas respectivas cartas e
eleições, estando agora reunidos como plenos e livres representantes desta nação, considerando
mui seriamente os melhores meios de atingir os fins acima ditos, declaram, em primeiro lugar
(como seus antepassados fizeram comumente em caso semelhante), para reivindicar e garantir
seus antigos direitos e liberdades:

1. Que é ilegal o pretendido poder de suspender leis, ou a execução de leis, pela autoridade real,
sem o consentimento do Parlamento.

2. Que é ilegal o pretendido poder de revogar leis, ou a execução de leis, por autoridade real, como
foi assumido e praticado em tempos passados.

3. Que a comissão para criar o recente Tribunal de comissários para as causas eclesiásticas, e todas
as outras comissões e tribunais de igual natureza, são ilegais e perniciosos.

4. Que é ilegal a arrecadação de dinheiro para uso da Coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem
autorização do Parlamento, por um período de tempo maior, ou de maneira diferente daquela
como é feita ou outorgada.

5. Que constitui um direito dos súditos apresentarem petições ao Rei, sendo ilegais todas as prisões
ou acusações por motivo de tais petições.

6. Que levantar e manter um exército permanente dentro do reino em tempo de paz é contra a lei,
salvo com permissão do Parlamento.

7. Que os súditos que são protestantes possam ter armas para sua defesa adequadas a suas
condições, e permitidas por lei.

8. Que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento.

9. Que a liberdade de expressão e debates ou procedimentos no Parlamento não devem ser


impedidos ou questionados por qualquer tribunal ou local fora do Parlamento.

10. Que não deve ser exigida fiança excessiva, nem impostas multas excessivas; tampouco infligidas
punições cruéis e incomuns.

11. Que os jurados devem ser devidamente convocados e nomeados, e devem ser donos de
propriedade livre e alodial os jurados que decidem sobre as pessoas em julgamentos de alta
traição.

12. Que são ilegais e nulas todas as concessões e promessas de multas e confiscos de pessoas
particulares antes de condenação.
13. E que os Parlamentos devem reunir-se com frequência para reparar todos os agravos, e para
corrigir, reforçar e preservar as leis.

E reclamam, pedem e insistem que todas essas premissas constituem seus direitos e liberdades
inquestionáveis; e que nenhumas declarações, julgamentos, atos ou procedimentos, para prejuízo
do povo em alguma das ditas premissas, devem ser, de alguma maneira, tomadas no futuro como
precedente ou exemplo.

Declaração Inglesa de Direitos (1689). In: ISHAY, Micheline R. (Org.). Direitos humanos: uma antologia – principais escritos
políticos, ensaios, discursos e documentos desde a Bíblia até o presente. São Paulo: Edusp; Núcleo de Estudos da Violência, 2006.
p. 172-173.

Glossário
Alodial: bem imóvel livre de vínculos ou pendências relacionadas à sua posse.

Organizando ideias
De acordo com seus conhecimentos, responda às questões a seguir.

1. Qual é a diferença entre a monarquia absolutista e a proposta da monarquia constitucional?

2. Quais são os direitos humanos expressos na Declaração Inglesa de Direitos?

3. Quais são as disposições gerais relacionadas ao governante e à forma de governar presentes na


Declaração Inglesa de Direitos?
Página 18

A Declaração de Independência dos Estados


Unidos
Na época da Revolução Inglesa, a Grã-Bretanha possuía, em parte do território da América, 13 colônias.
Assim como em todas as colonizações americanas, a relação entre a metrópole e as colônias era
conflituosa, situação que se intensificou no final da Guerra dos Sete Anos (1756-1763).

Após a vitória da Inglaterra e a assinatura do Tratado de Paris (1763) – pelo qual a Inglaterra obteve da
França os territórios do Canadá, Nova Escócia, São Vicente, Dominica, Tobago, Granada e Minorca –, os
colonos americanos ainda desejavam explorar novas terras, mas seus projetos foram restringidos pela
metrópole, que tinha uma visão diferente sobre como a ocupação deveria acontecer. A partir de então,
os desentendimentos entre colônia e metrópole se intensificaram, principalmente por causa das
seguidas taxações impostas pela Inglaterra às colônias americanas, descritas no quadro a seguir.

1764 Lei do Açúcar Aumentava os impostos pagos pelos colonos sobre o melaço com o
objetivo de obrigá-los a consumir o açúcar comercializado pelos ingleses.
1765 Lei do Selo Estabelecia que todas as correspondências em circulação na colônia
deveriam receber selos da metrópole. O selo era pago.
1766 Lei Declaratória Reafirmava o poder do Parlamento inglês sobre as colônias em todos os
aspectos, incluindo seu direito de tributá-las.
1767 Leis Townshend Entre outras medidas, aumentavam as taxas alfandegárias sobre produtos
britânicos básicos, como vidro, papel, tinta e chumbo.
1773 Lei do Chá Aumentou os impostos sobre o chá – produto bastante consumido na
colônia – e instituiu seu monopólio comercial à Companhia das Índias
Orientais, sediada em Londres.
1774 Leis Coercitivas (Leis Diversas leis foram promulgadas pelo Parlamento britânico com o objetivo
Intoleráveis) de implantar várias medidas, entre elas o fechamento do Porto de Boston
e a transferência das despesas das forças britânicas na colônia para os
próprios colonos.

A Guerra dos Sete Anos foi travada pela Inglaterra e pela Prússia contra a França e a Áustria, e
estendeu-se por toda a Europa e América do Norte.

A grande rivalidade econômica e colonial entre ingleses e franceses, tanto na América quanto na Índia,
foi a principal motivadora do conflito, uma vez que ambos os países reivindicavam a posse de diversos
territórios coloniais na América do Norte, Índia e África.

Apesar de ter vencido o conflito, a Inglaterra contraiu uma grande dívida, que foi repassada aos colonos
americanos. Além de arcar com os custos da guerra pagando altos impostos, os colonos sofreram
restrição nas transações comerciais e foram proibidos de ocupar as terras francesas conquistadas. Esse
panorama incitou os colonos a iniciar uma série de conflitos e batalhas contra a dominação britânica.

Os colonos não ficaram passivos diante desses acontecimentos. A princípio, reagiram pacificamente
exigindo o direito de eleger representantes para o Parlamento de Londres e assim discutir e votar leis,
mas depois passaram a boicotar mercadorias inglesas e protestar. Essas reações forçaram o governo
britânico a não adotar algumas das medidas, mas isso não foi suficiente para satisfazer os colonos. O
conflito agravou-se ainda mais quando o governo britânico passou a enviar tropas para conter os
protestos.
Diomedia

Destruição do chá no Porto de Boston, 1773. Ilustração, de autoria desconhecida, que retrata o protesto dos colonos contra a Lei
do Chá.
Página 19

Como resposta, em 1774 os representantes das colônias americanas, exceto Geórgia, enviaram seus
delegados a Filadélfia (estado da Pensilvânia) para um congresso que tinha o objetivo de dar voz política
aos colonos. No Primeiro Congresso Continental de Filadélfia, os delegados decidiram não mais
comerciar com a Inglaterra enquanto não fossem restabelecidos todos os direitos coloniais anteriores a
1763, e foi redigida e divulgada uma Declaração de Direitos.

Os objetivos desse primeiro congresso não foram alcançados, e a tensão entre colônias e metrópole
aumentou até que, em 1775, começaram os conflitos militares entre ingleses e americanos. Nesse
mesmo ano, os líderes dos colonos se reuniram novamente em um segundo congresso, agora com a
participação do representante da Geórgia, e decidiram declarar as colônias “em rebeldia”. A Coroa
britânica reagiu, assim como os colonos, até que a tensão contínua deu início a uma guerra que
culminou com a independência.

A Declaração de Independência, datada de 4 de julho de 1776, representa um manifesto da burguesia


americana influenciada claramente pelos ideais iluministas.

NO CONGRESSO, 4 de julho de 1776.

DECLARAÇÃO UNÂNIME DOS TREZE ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,

Quando, no curso dos acontecimentos humanos, torna-se necessário a um povo dissolver os laços
políticos que o ligam a outro e assumir, entre os poderes da Terra, situação independente e igual a
que lhe dão direito as Leis da Natureza e de Deus, o correto respeito às opiniões dos homens exige
que se declarem as aulas que o levam a essa separação.

Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais,
que são dotados pelo Criador de certos Direitos inalienáveis, que entre estes estão a Vida, a
Liberdade e a busca da Felicidade. – Que para garantir esses direitos são instituídos entre os
Homens Governos que derivam de seus justos poderes de consentimento dos governados; Que
toda vez que uma Forma qualquer de Governo ameace destruir esses fins, cabe ao Povo o Direito
de alterá-la ou aboli-la e instituir um novo Governo, assentando sua fundação sobre tais princípios
e organizando-lhes os poderes de forma que pareça mais provável de proporcionar Segurança e
Felicidade. [...]

DRIVER, Stephanie Schwartz. A Declaração da Independência dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. p. 53.

A Revolução Americana não foi apenas uma luta pela independência, pois implicou mudanças sociais e
políticas. No período em que ocorreu, significou um grande avanço, pois trazia uma concepção política e
uma abordagem inovadoras para os conceitos de liberdade e cidadania. A revolução representou não só
a libertação das colônias inglesas na América como também a afirmação de alguns direitos básicos, por
exemplo, o direito à vida, à liberdade e à segurança, que eram, naquele momento, cerceados e violados
pela metrópole, contudo, nativos e escravizados não eram contemplados com tais direitos.

A Revolução Americana, também conhecida como Guerra da Independência dos Estados Unidos,
começou em 1773 e terminou oficialmente em 1783. Tinha como intuito inicial protestar contra a
cobrança abusiva de impostos pela metrópole inglesa, mas com o apoio de diversos países antagonistas
da Inglaterra, desencadeou, depois de muitos episódios, a assinatura do tratado em que a
independência norte-americana foi reconhecida.
Glossário
Delegado: alguém que recebe autorização para representar outra pessoa, comissário.
Passivo: aquele que não reage a algo, indiferente.
Página 20

Organizando ideias
Em dupla, analise a conjuntura da Independência dos Estados Unidos da América e juntos façam o
que se pede.

1. No texto da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América consta a frase: “que
todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos Direitos inalienáveis,
que entre estes estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”. Expliquem-na no contexto do
período.

2. O trabalho escravo foi mantido nos Estados Unidos ainda após a independência. Esse fato estava
de acordo com os preceitos da Declaração de Independência? Expliquem.

3. A Declaração deixa claro que os governos são instituídos pelo povo, e cabe a este destituí-los em
caso de não agirem em benefício desse mesmo povo. Expliquem essa afirmação e escrevam sua
opinião sobre ela argumentando favoravelmente ou não.

Liberdade, igualdade e fraternidade: a Revolução


Francesa
A Revolução Francesa é um dos mais importantes acontecimentos históricos na discussão sobre os
direitos humanos e representou os anseios do povo francês, até então totalmente desfavorecido em
relação ao clero e à nobreza. Ela ocorreu por meio de grandes embates contra as péssimas condições de
vida das classes mais pobres, a cobrança de altos impostos – diante da grave crise econômica pela qual o
país passava –, o absolutismo monárquico e os privilégios das outras classes.

O marco inicial dessa revolução foi a Tomada da Bastilha – uma antiga prisão que havia na cidade de
Paris –, em 14 de julho de 1789. Em seguida, ocorreu uma série de modificações na organização social e
política da França.

A Queda da Bastilha representa até hoje um marco na defesa dos direitos humanos e um dos fatos da
Revolução Francesa que mais contribuiu para substituir a política abusiva da monarquia francesa por
uma sociedade menos segmentada. Apesar disso, 14 de julho não é o dia comemorativo da Queda da
Bastilha.
Dea Picture Library/Getty Images

Jean-Baptiste Lallemand. A prisão da Bastilha em 14 de julho de 1789, 1789. Óleo sobre tela, 80 cm × 104 cm.

A bastilha foi construída para ser um portal de entrada para o bairro parisiense de Saint-Antoine.
Entretanto, entre 1370 e 1383, foi ampliada para dar espaço a uma prisão e passou também a guardar
parte do exército e do aparato bélico francês.

Em 1789, em razão do boato de que a população não nobre seria atacada pelas tropas parisienses como
represália às manifestações contrárias à cobrança abusiva de impostos e às péssimas condições de vida,
o povo invadiu a Bastilha para se armar, já que lá o governo francês armazenava pólvora e cartuchos.

Tomada da Bastilha ou Queda da Bastilha, um dos principais eventos da Revolução Francesa, levou a
discussões que contribuíram para a instituição da Assembleia Nacional Constituinte e, posteriormente,
da Constituição francesa.

Para o povo parisiense, o episódio significou o rompimento com a monarquia, sua política e os abusos
até então cometidos pela Igreja Católica.
Página 21

Em 1790, na mesma data, soldados federados entraram em Paris e desfilaram da Bastilha ao Campo de
Marte. Foi então organizada a Festa da Federação, para celebrar uma decisão da Assembleia
Constituinte, que reunia várias militâncias de cidadãos presentes na Revolução Francesa, ratificando-a e
celebrando a união nacional.

A Revolução Francesa é lembrada até hoje por seu slogan: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Esses
preceitos foram decisivos para que as mulheres, que até então não tinham muito espaço na sociedade
francesa, participassem ativamente dos movimentos sociais que desencadearam a revolução, sem,
contudo, obterem direitos políticos.

Na discussão a respeito dos direitos dos cidadãos, não havia distinção hierárquica (nobres ou não
nobres), econômica (ricos ou pobres) ou de gênero (homens ou mulheres), o que imprimiu à Revolução
Francesa um papel relevante no processo de construção da cidadania. Com o propósito de sintetizar os
princípios básicos necessários à cidadania, foi elaborada a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, em 26 de agosto de 1789. Nos 17 artigos desse documento, estão expressos os direitos
considerados fundamentais para toda a humanidade.

Museu Carnavalet, Paris

Jean-Jacques-François Le Barbier. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1791. Óleo sobre madeira, 56 cm × 71 cm.

Quando a Constituição francesa foi elaborada, em 1791, algumas normas estabelecidas alteraram o
conceito de cidadania original da declaração. Uma das questões era a definição de cidadão ativo: para
compor a Assembleia Nacional ou participar da vida política era preciso preencher certos requisitos que
definiam a pessoa como cidadão ativo, incluindo o pagamento de impostos e o acúmulo de terras e
riquezas. Dessa forma, muitos foram alijados da condição de cidadãos, pois foi estabelecida uma nova
classe de privilegiados e outra de excluídos.
Glossário
Alijar: impedir contato, desprezar.

Entre 1789 e 1791, a vitoriosa burguesia moderada, atuando através do que tinha a esta altura se
transformado na Assembleia Constituinte, tomou providências para a gigantesca racionalização e
reforma da França, que era o seu objetivo. A maioria dos empreendimentos institucionais
duradouros da revolução data deste período, assim como os seus mais extraordinários resultados
internacionais, o sistema métrico e a emancipação pioneira dos judeus. Economicamente as
perspectivas da Assembleia Constituinte eram inteiramente liberais: sua política em relação aos
camponeses incluía o cerco das terras comuns e o incentivo aos empresários rurais; para a classe
trabalhadora, a interdição dos sindicatos; para os pequenos artesãos, a abolição dos grêmios e
corporações. Dava pouca satisfação concreta ao povo comum, exceto, a partir de 1790, com a
secularização e venda dos terrenos da Igreja (bem como dos terrenos da nobreza emigrante) que
tinha a tripla vantagem de enfraquecer o clericalismo, fortalecer o empresário rural e provinciano e
dar a muitos camponeses uma retribuição mensurável por suas atividades revolucionárias. A
Constituição de 1791 rechaçou a democracia excessiva através de um sistema de monarquia
constitucional baseada em um direito de voto censitário dos “cidadãos ativos” reconhecidamente
bastante amplo. [...].

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 113-114.
Página 22

Organizando ideias
Em dupla, leia os textos a seguir e, juntos, façam o que se pede.

Texto 1

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)

Os representantes do Povo Francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a


importância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do Homem são as únicas causas das
desgraças públicas e da corrupção dos Governos, resolveram enunciar, numa Declaração solene, os
direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, a fim de que esta Declaração,
constantemente presente a todos os Membros do corpo social, lhes lembre incessantemente seus
direitos e seus deveres; a fim de que seus atos do poder legislativo, e os do poder executivo,
podendo ser a cada instante comparados com o objetivo de toda instituição política, sejam por isso
mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, fundamentadas doravante em
princípios simples e incontestáveis, tenham sempre em mira a preservação da Constituição e a
felicidade de todos.

Em consequência, a Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do


Ser supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

Art. 1º Os homens nascem e continuam livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem
ter outro fundamento senão a utilidade comum.

Art. 2º A finalidade de toda associação política é a salvaguarda dos direitos naturais e


imprescritíveis do Homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a
resistência à opressão.

Art. 3º O princípio de toda Soberania reside essencialmente na Nação. Nenhum corpo social,
nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

Art. 4º A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício
dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites senão aqueles que asseguram aos
outros Membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Somente a Lei pode determinar esses
limites.

Art. 5º A Lei não tem o direito de proibir senão os atos prejudiciais à Sociedade. Tudo o que não é
proibido pela Lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser obrigado a fazer o que ela não
ordena.

Art. 6º A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer,
pessoalmente ou por seus Representantes, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos,
seja para proteger, seja para punir. Todos os Cidadãos, sendo iguais a seus olhos, são igualmente
admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem
outra distinção senão a de suas virtudes e de seus talentos.
Art. 7º Nenhum homem pode ser acusado, preso ou detido, salvo nos casos determinados pela Lei,
e de acordo com as formas que ela prescreveu. Aqueles que solicitam, expedem, executam ou
mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas todo cidadão convocado ou detido
em virtude da Lei deve obedecer imediatamente: torna-se culpado se resistir.

Art. 8º A Lei deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser
punido senão em virtude de uma Lei instituída e promulgada anteriormente ao delito e legalmente
aplicada.

Art. 9º Sendo todo homem presumidamente inocente até que seja declarado culpado, se for
julgado indispensável prendê-lo, todo rigor que não seja necessário para apoderar-se de sua pessoa
deve ser reprimido severamente pela Lei.

Art. 10. Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que sua
manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei.

Art. 11. A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do
Homem: todo Cidadão pode, portanto, falar,
Página 23

escrever, imprimir livremente, sob condição de responder pelo abuso dessa liberdade nos casos
determinados pela Lei.

Art. 12. Para garantir os direitos do Homem e do Cidadão, é necessária uma força pública: essa
força é instituída, portanto, para a vantagem de todos, e não para a utilidade particular daqueles a
quem é confiada.

Art. 13. Para a manutenção da força pública, e para as despesas de administração, é indispensável
uma contribuição comum: deve ser distribuída igualmente entre todos os cidadãos,
proporcionalmente às suas possibilidades.

Art. 14. Todos os cidadãos têm o direito de comprovar, por si mesmos ou por representantes, a
necessidade da contribuição pública, consenti-la livremente, acompanhar-lhe o emprego e
determinar-lhe a proporção, a distribuição, a cobrança e a duração.

Art. 15. A Sociedade tem o direito de pedir contas a todo Agente público de sua administração.

Art. 16. Toda Sociedade em que a garantia dos Direitos não seja assegurada, nem a separação dos
Poderes estabelecida, não possui Constituição.

Art. 17. Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode dela ser privado, a não
ser quando a necessidade pública, legalmente comprovada, o exigir claramente e sob a condição
de justa e prévia indenização.

ISHAY, Micheline R. (Org.). Direitos humanos: uma antologia. São Paulo: Edusp, 2006. p. 243-245.

Texto 2

A revolução que queremos

Povo da França!

Por quinze séculos tu viveste escravo, e consequentemente infeliz. Há seis anos tu mal respiras, na
espera da independência, da felicidade e da igualdade.

A igualdade! Primeira promessa da natureza, primeira necessidade do homem, e principal vínculo


de toda associação legítima [...]. Pois bem! Nós pretendemos doravante viver e morrer iguais como
nascemos: queremos a igualdade real ou a morte; eis o que precisamos [...].

A Revolução Francesa não passa de mensageira de uma outra revolução muito maior, muito mais
solene, e que será a última [...]. Chegou o momento de fundar a REPÚBLICA DOS IGUAIS, esse
grande asilo aberto a todos os homens. Chegaram os dias da restituição geral. Famílias gementes,
vinde se sentar à mesa comum posta pela natureza para todos os seus filhos [...]. Já no dia seguinte
dessa verdadeira revolução, eles se dirão muito surpresos: Ora essa! A felicidade de todos
dependia de tão pouco? Bastava que a quiséssemos. Ah, por que não a quisemos mais cedo?

MARÉCHAL, Sylvain. Manifesto dos iguais, 1796 apud BEAUD, Michel. História do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 132.
1. Analisem os preceitos da declaração. Mesmo tendo sido escrita em 1789, os direitos que ela
reivindica dizem respeito à nossa realidade social?

2. Expliquem o que se entendia por independência, felicidade e igualdade no contexto da


Revolução Francesa.

3. O que significa a República dos Iguais, citada no texto 2?

4. As palavras de ordem na Revolução Francesa eram: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.


Expliquem o que elas representam atualmente no Brasil.

5. Elaborem um texto relacionando a Revolução Francesa à construção da cidadania com base nos
direitos humanos.

Glossário
Gemente: que emite gemidos, lamentos, lamúrios.
Página 24

A conquista dos direitos sociais


Os direitos conquistados até o século XVIII, que englobam liberdade, igualdade, vida e moradia, são
chamados de direitos humanos de primeira geração e abriram espaço para a conquista de outros
direitos, como os sociais, entre eles, as liberdades coletivas e a igualdade política.

Os direitos de primeira geração referem-se aos indivíduos. Eles não traziam as garantias sociais e
econômicas necessárias para que a igualdade entre todos fosse efetivada. Percebeu-se, por exemplo,
que sem trabalho digno ou vivendo com fome e na miséria, o direito à vida, que é um dos mais
relevantes, estava sendo amplamente desrespeitado. Essa percepção de alguns grupos suscitou novas
discussões e lutas em prol dos direitos necessários para que todos os seres humanos pudessem ter uma
vida digna.

As discussões sobre os direitos humanos de segunda geração – que possibilitam o acesso da população
aos direitos sociais – têm como objetivo a garantia de cultura e desenvolvimento econômico e social a
todos os governados por regimes democráticos. Esses direitos fundamentam-se em um preceito de
reciprocidade: se a população tem o direito de eleger seus representantes no sistema governamental,
também deve ter assegurado o direito aos serviços de educação, saúde, assistência social, trabalho,
transporte e outros necessários à assistência vital.

Rogério Reis/Pulsar Imagens

Pessoas utilizando transporte público na cidade do Rio de Janeiro (RJ), 2014.

Nos séculos XVIII e XIX, a exploração dos operários nas fábricas suscitou discussões em busca de
soluções e fez muitas pessoas com ideias humanitárias levantarem a voz para denunciar as contradições
do sistema capitalista e do Estado liberal. Nesse contexto de crítica, alguns pensadores elaboraram um
conjunto de teorias políticas e econômicas que se opunham à ordem social vigente e sugeriam uma
sociedade sem classes, verdadeiramente igualitária. Esse conjunto de teorias recebeu o nome de
socialismo. Para esses pensadores, a igualdade só se efetivaria quando acabassem as desigualdades
sociais e econômicas criadas pelo capitalismo e pelo liberalismo.

Através, principalmente, da reflexão de Karl Marx sobre os direitos fundamentais proclamados


pelas declarações americana e francesa se desenvolveu o pensamento crítico sobre o alcance dos
direitos humanos enquanto produto de enunciados formais de caráter individualista, que,
dirigindo-se a todos os seres humanos e a todos os povos, e pretendendo ter um caráter universal,
na realidade expressavam anseios e interesses de uma classe que conseguira, em sua luta contra o
absolutismo feudal, traduzir em um único projeto os sentimentos da ampla maioria do povo. [...]

O século XIX viu, portanto, nascer um confronto que se estende ao século XX, sobre o conteúdo dos
direitos humanos. Os direitos fundamentais do ser humano seriam os direitos individuais
enunciados pelas revoluções burguesas do século XVIII? Ou seriam novos direitos de natureza
social que garantiriam coletivamente as condições de existência humana? A dúvida e a polêmica
perduram até os dias de hoje.

DORNELLES, João Ricardo W. O que são direitos humanos? São Paulo: Brasiliense, 2007. p. 23-24 e 28.

O movimento socialista buscava a transformação da realidade por meio da discussão de questões


relativas aos direitos sociais, econômicos e culturais. A doutrina proposta por Karl Marx e Friedrich
Engels foi a base de formação dos partidos de classe operária e dos movimentos operários em busca de
novas condições de vida e de trabalho. O movimento socialista desenvolveu-se progressivamente e
principalmente em 1848, com a chamada Primavera dos Povos.
Página 25

O impulso revolucionário produziria nova e mais formidável vaga em 1848: a “Primavera dos
Povos”, como ficou conhecida, devido a seu internacionalismo e forte presença popular. Uma crise
econômica fizera recrudescer o desemprego desde o início da década e as classes populares
voltaram a se agitar. No primeiro semestre desse ano, a maioria das regiões da Europa central e
ocidental – França, Alemanha, Itália, Áustria, Hungria, Polônia e Bálcãs – foi tomada por
insurreições de conteúdo nacionalista, antimonárquico, democrático ou operário (às vezes tudo
isso junto). Todas foram vitoriosas a princípio e, logo a seguir, todas foram esmagadas com muito
sangue. A grande novidade da Primavera dos Povos, destacadamente na França, foi a emergência
dos operários reivindicando uma “república democrática e social” – muito além do que estavam
dispostos a ir os liberais das revoluções anteriores.

TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Peirópolis, 2011. p. 128.

Podemos afirmar que, depois do movimento socialista, a discussão e a implantação dos direitos
humanos foram ampliadas para o reconhecimento dos direitos sociais. Estes são essencialmente
coletivos e de natureza social, como o direito ao trabalho e demais direitos trabalhistas (férias,
aposentadoria, greve, segurança no trabalho, organização sindical etc.); direito ao lazer; à saúde; à
moradia; à educação; à segurança; aos serviços públicos, entre outros direitos econômicos, sociais e
culturais que devem beneficiar toda a sociedade.

Fernando Favoretto/Criar Imagem

Crianças caminham em frente a escola. São Paulo (SP), 2016. A educação é um dos direitos sociais consolidados.

Organizando ideias
O manifesto a seguir é de Louis Blanc, um socialista que participou da Revolução de 1848, na
França. Leia-o e faça o que se pede.

Todos os homens são irmãos

Onde a igualdade não existe, a liberdade é uma mentira.

A sociedade só pode sobreviver através da desigualdade das aptidões e da diversidade de funções.


Mas aptidões superiores não devem conferir maiores direitos. Elas impõem deveres maiores.

Tal é o princípio da igualdade: a associação é a sua forma necessária. [...]


Os trabalhadores foram escravos, foram servos, são hoje assalariados: é preciso esforçar-se para
fazê-los passar à categoria de associados.

Esse resultado só pode ser atingido pela ação de um poder democrático.

Um poder democrático é o que tem a soberania popular por princípio, o sufrágio universal por
origem e por objetivo a realização da fórmula: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Os governantes, numa democracia bem constituída, são apenas os mandatários do povo: devem
ser responsáveis e sujeitos à demissão.

As funções públicas não são distinções e não devem se constituir em privilégios: são deveres. [...]

A educação dos cidadãos deve ser comum e gratuita. É ao Estado que compete fornecê-la. [...]

Ao cidadão vigoroso e apto, o Estado deve o trabalho; ao velho e ao enfermo, deve ajuda e
proteção.

BLANC, Louis apud FALCON, Francisco; MOURA, Gerson. A formação do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Campus, 1989. p.
69.

1. Segundo Louis Blanc, qual é a relação entre democracia e direitos humanos?

2. Qual deve ser o papel dos governantes em um Estado democrático? Você concorda com a
opinião do autor? Justifique.

3. Explique a afirmação de que os governantes, em um Estado democrático, estão “sujeitos à


demissão”.
Página 26

A terceira geração dos direitos humanos


A terceira fase na luta pela ampliação dos direitos humanos ocorreu nos anos que se seguiram à
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), na segunda metade do século XX. Após a guerra, surgiu um
inconformismo com o fato de que, efetivamente, os direitos humanos conquistados historicamente
ainda não se estendiam a todos. Foi um pe río do de busca pelos direitos dos povos, também chamados
de direitos da solidariedade, que são, ao mesmo tempo, direitos individuais e coletivos, com o objetivo
de beneficiar toda a humanidade.

Historicamente, o período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial foi caracterizado pela ascensão
dos estados totalitários, como o nazismo de Hitler, na Alemanha, e o fascismo de Mussolini, na Itália.
Essas ditaduras foram marcadas por violações constantes dos direitos humanos, por exemplo, nos
campos de concentração nazistas onde foram massacrados cerca de 6 milhões de judeus, além de
outros grupos, como os de ciganos, homossexuais e deficientes mentais.

No fim da Segunda Guerra Mundial, o saldo foi aproximadamente 60 milhões de mortos e uma nova
realidade mundial: a divisão do mundo em dois blocos de poder: de um lado, os Estados Unidos –
capitalista – e de outro, a União Soviética (URSS) – socialista. Iniciou-se um período conhecido como
Guerra Fria, em que a ameaça de uma guerra nuclear era constante; acreditava-se na possibilidade
concreta de destruição de todo o planeta.

A Guerra Fria era velada, disputada por meio da aquisição de armamentos, do desenvolvimento de
tecnologia nuclear e da disputa pela influência em países ainda não aliados a cada bloco de poder. Nesse
ambiente de tensão, surgiram novas discussões a respeito dos direitos a ser garantidos em conjunto
pelo Estado e pelos indivíduos representantes dos diferentes setores das sociedades e também das
diferentes nações. As questões incluíam o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio
ambiente saudável e à utilização do patrimônio comum da humanidade (por exemplo, o uso do mar –
seja a superfície ou o fundo dele –, o espaço extra-atmosférico e a Antártica). Em suma, eram discutidos
os direitos dos povos, que complementavam os direitos individuais e sociais, já estabelecidos
anteriormente.
ip archive/Glow Images

Seleção de pessoas doentes para a câmara de gás no campo de concentração de Auschwitz, 1963. Desenho de Jerzy Potrzebomsky
(ex-prisioneiro).
Página 27

Nessa frente de luta pelos direitos humanos, surgiu o conceito de crime contra a humanidade, que são
os crimes caracterizados por ações de perseguição e extermínio, praticados contra grupos específicos –
étnicos, religiosos etc. –, e considerados crimes contra a população mundial. O novo ciclo de debates,
lutas e propostas de expansão dos direitos humanos estava focado na exigência de estender a
democracia a toda a humanidade. Após a Segunda Guerra Mundial, formulou-se um conjunto de leis,
conhecido como Direito Internacional, que valeria para vários países.

[...] Os crimes aqui enunciados são puníveis como crimes perante o Direito Internacional.

a) Crimes contra a paz: planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra de agressão ou para a
guerra, em violação aos tratados e acordos internacionais, ou participar de um plano comum ou
conspiração para a realização das referidas ações;

b) Crimes de guerra: violações ao Direito e ao Direito costumeiro da guerra. Tais violações devem
incluir – mas não devem ser limitadas a esses atos – assassinato, tratamento cruel, deportação de
populações civis que estejam ou não em territórios ocupados, para trabalho escravo ou para
qualquer outro propósito, assassinato ou tratamento cruel de prisioneiros de guerra ou de pessoas
em alto-mar, assassinato de reféns, saques à propriedade pública ou privada, destruição de vilas ou
cidades, devastação injustificada por ordem militar;

c) Crimes contra a humanidade: assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou outro ato


desumano cometido contra a população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguições baseadas
em critérios raciais, políticos e religiosos, para a execução de crime ou em conexão com crime de
jurisdição do Tribunal, independentemente se em violação ou não do Direito Doméstico de
determinado país em que foi perpetrado.

Art. 6º do Estatuto do Tribunal de Nuremberg apud VASCONCELOS NETO, José Ramos de. Democracia no terceiro milênio. São
Paulo: Nobel, 2002. p. 142.

Um dos fatos marcantes do período pós-guerra foi a tentativa de universalização dos direitos humanos,
o que estabeleceu compromissos internacionais expressos em declarações, pactos e convenções que
vêm sendo constantemente assinados, reiterados e expostos a todas as nações, visando ao
cumprimento das deliberações referentes aos direitos de todos os povos do mundo.
Bill Ingraham/AP Photo/Glow Images

Uma comissão de manifestantes organizaram um protesto contra a sala de concerto no Instituto Negro Choir, que não permitia
negros em suas dependências. Washington (EUA), 3 de junho de 1946.
Página 28

Entre os documentos que visam à proteção dos direitos humanos, um merece destaque por ser o mais
expressivo: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada por uma comissão da Organização
das Nações Unidas (ONU) e aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de
1948. Esse documento serviu, e ainda serve, de base e de referência para a promoção dos direitos
humanos em todo o mundo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 inicia-se com um preâmbulo contendo sete
considerações, a primeira das quais aponta o espírito geral do documento: “o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

Nas considerações seguintes, o preâmbulo deplora os “atos bárbaros” que resultaram do


desrespeito desses direitos; proclama a aspiração humana à liberdade e à vida sem temor; clama
pela proteção dos direitos sob o “império da lei”, admitindo, porém, “como último recurso, a
rebelião contra a tirania e a opressão”; defende a amizade entre as ações; reafirma o primado da
dignidade da pessoa humana e sustenta a igualdade entre homens e mulheres; anuncia o
compromisso dos Estados-membros da ONU de respeitar os direitos humanos; e sustenta a
importância de uma compreensão comum desses direitos e liberdades. Seguem-se, então, os trinta
artigos da Declaração propriamente dita. Os vinte e um primeiros artigos arrolam e atualizam,
segundo a compreensão da época, os tradicionais direitos civis e políticos (direitos e garantias do
indivíduo). Entre os artigos 22 e 28 são enunciados os direitos econômicos, sociais e culturais de
modo abrangente. O artigo 29 registra a responsabilidade do indivíduo em relação à sua
comunidade e as condições de exercício de seus direitos. Por fim, o artigo 30 veda qualquer
interpretação da Declaração de modo a “destruir” os direitos e liberdades nela estabelecidos.

Assim, [...], a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 inaugurou o direito internacional
dos direitos humanos (até então não havia nenhum documento internacional que se dedicasse ao
assunto com tanta abrangência e importância) [...].

TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Peirópolis, 2011. p. 192-193.

A Declaração de 1948 já foi complementada com outros pactos aprovados posteriormente, pois não é
estanque, ou seja, continua sendo debatida com o objetivo de buscar uma forma global de evitar
atrocidades similares às cometidas contra a humanidade em diferentes momentos históricos, e que
continuam acontecendo contra alguns grupos.

O ponto mais significativo da Declaração Universal é que o estado de direito, preconizado no


documento, fornece aos indivíduos os instrumentos jurídicos que lhes garantem proteção e apelação
contra as violações cometidas pelo próprio sistema estatal ou por qualquer outro grupo ou entidade.
Dessa forma, a contestação dos atos arbitrários cometidos contra os cidadãos na esfera privada ou
pública tem respaldo internacional. A todos os cidadãos são assegurados os direitos e as condições
legais de apelação internacional contra a violação dos direitos humanos.

O direito de ter direitos


Os direitos humanos, além de contemplarem os conteúdos moral e ético, têm conteúdo político, pois
são parte da realidade das sociedades e estão imbuídos de componentes históricos, sociais e
econômicos. Portanto, essa não é apenas uma questão teórica, expressa em preâmbulos, documentos e
tratados: os direitos são, essencialmente, de natureza prática, porque devem ser efetivados no
cotidiano das sociedades e vigorar plenamente entre as pessoas.

Os direitos humanos também têm um sentido de universalidade, pois contemplam, principalmente


depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos os seres humanos, sem distinção, seja a de
caráter biológico (natural), seja a de caráter cultural, econômico e social.

A universalidade parte da premissa de que todos são iguais perante a lei, portanto, nenhum indivíduo
pode sofrer qualquer tipo de discriminação étnica, cultural, econômica, política, ideológica, de gênero,
de orientação sexual ou religiosa.

Essas garantias estão presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém isso não é
suficiente para que elas sejam realmente efetivas, pois, nos diferentes países, há desigualdades que se
revelam em formas diversas de violação desses direitos.
Página 29

Por isso, a luta por direitos deve ser percebida e entendida como um instrumento de transformação
social, que visa a uma sociedade mais justa.

A defesa dos direitos humanos ocorre de forma mais efetiva em países onde vigora o regime
democrático de governo. Nos países com regimes ditatoriais não há liberdade de expressão e a violência
pode partir do Estado, impedindo que os direitos humanos sejam realmente efetivados para a
população. Além disso, as questões referentes aos direitos humanos envolvem numerosos fatores, entre
eles, os culturais, que são específicos em cada país.

picture alliance/dpa/Glow Images

Manifestantes fazem um minuto de silêncio pelas crianças sírias em frente ao Portão de Brandemburgo. Berlim, Alemanha, 2013.

Organizando ideias
Forme um grupo com alguns colegas e, juntos, leiam os textos e façam o que se pede.

Texto 1

A quem pretenda fazer um exame despreconceituoso do desenvolvimento dos direitos humanos


depois da Segunda Guerra Mundial, aconselharia este salutar exercício: ler a Declaração Universal e
depois olhar em torno de si.

Será obrigado a reconhecer que, apesar das antecipações iluminadas dos filósofos, das corajosas
formulações dos juristas, dos esforços dos políticos de boa vontade, o caminho a percorrer ainda é
longo. E ele terá a impressão de que a história humana, embora velha de milênios, quando
comparada às enormes tarefas que estão diante de nós, talvez tenha apenas começado.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 44.

Texto 2

Os direitos humanos permanecem no topo da agenda de luta pelo progresso da humanidade. É


indispensável defender o que já se conquistou e avançar em direção de objetivos mais altos.
GORENDER, Jacob. Direitos humanos: o que são (ou devem ser). São Paulo: Senac, 2004. p. 32.

1. Analisem os dois textos. O que eles têm em comum?

2. Leiam a Declaração Universal dos Direitos Humanos disponível em:


<www.humanrights.com/pt/what-are-human-rights/universaldeclaration-of-human-rights/articles-
01-10.html> (acesso em: mar. 2016).

a) Após a leitura, dividam os artigos da declaração em partes para fazer o exercício proposto na
primeira frase do texto 1.

b) Cada grupo deve apresentar sua conclusão sobre se está acontecendo, na prática, o que foi
proposto na parte do texto que lhe coube.

c) Apresentem sugestões de como essa situação pode ser transformada.

3. Quais são os “objetivos mais altos” a que o autor do texto 2 faz referência? Como você imagina
que é possível alcançá-los?
Página 30

Direitos de quarta e quinta gerações: Bioética e paz


O início do século XXI caracterizou-se pelo avanço tecnológico, que promoveu novas iniciativas em
diversas áreas do conhecimento científico, modernizou o aparato de tecnologia e abriu espaço para
pesquisas inovadoras e discussões nos campos da Medicina e da Bioética.

Nesse contexto, teve início a quarta geração dos direitos humanos, caracterizada pelo incentivo à
pesquisa biológica e científica e pela defesa do patrimônio genético, necessários em razão do rápido
avanço tecnológico.

Essa geração pauta os padrões de Bioética defendendo o respeito ao patrimônio genético, tanto
individual quanto de grupos étnicos, com o objetivo de colocá-lo acima da corrida pelo avanço
tecnológico e da Medicina.

Pirvu Marius/Alamy Stock Photo/Latinstock

Toda pessoa tem o direito de saber os detalhes do medicamento que está consumindo. Por essa razão, as empresas farmacêuticas
são obrigadas a informar na bula todas as indicações, contraindicações e possíveis efeitos colaterais do remédio. A transparência é
uma ação que envolve bioética.

Paz, um direito fundamental


O direito à paz é mencionado na terceira geração de direitos humanos e reiterado, devido a sua
importância, como direito fundante da quinta geração. Ele compõe parte essencial do direito à vida,
portanto é condição indispensável para o desenvolvimento de todas as nações.

Nestas primeiras décadas do século XXI, em que atrocidades, crimes, atentados contra indivíduos e
nações e outras formas de violação contra a vida continuam a acontecer, é responsabilidade de todos os
seres humanos, bem como dos Estados e povos, utilizar meios, valores e comportamentos que busquem
estimular uma cultura da paz para toda a humanidade.

A cultura da paz pode ser definida como um conjunto de valores, atitudes e posturas, enfim, modos de
vida que rejeitem a violência e procurem prevenir e resolver conflitos por meio de negociações e,
principalmente, do diálogo permanente.

Assim como a violência, a paz não é inerente à humanidade. Ela precisa ser aprendida e estimulada,
buscando permanentemente um mundo mais harmonioso.
Glossário
Bioética: campo de estudo referente às implicações éticas de certos procedimentos médicos e
biológicos, como transplantes de órgãos, engenharia genética e cuidados com doentes terminais.

Pausa para investigação


Em grupo, pesquise situações em diferentes lugares do mundo que ameaçam o direito à paz.
Juntos, busquem reportagens recentes em mídia impressa ou sites. Elaborem um trabalho escrito
sobre o assunto seguindo os passos a seguir.

1. Selecionem duas reportagens sobre assuntos diferentes e anotem os dados principais como:
onde a situação ocorreu, consequências, se houve solução imediata ou não e como chegaram à
solução.

2. Para cada reportagem, estabeleçam a relação entre o assunto e o modo como essa questão
afeta a população mundial.

3. Apresentem os trabalhos em sala de aula e organizem um debate sobre o papel de cada um na


efetivação do direito à paz.
Página 31

Resgate cultural

Quem protege os cidadãos do Estado?


O conjunto de leis nacionais, assim como de tratados e declarações internacionais ratificados pelos
países, busca garantir aos cidadãos o acesso pleno aos direitos conquistados. Há, no entanto,
inúmeras situações em que o Estado coloca a população em risco, estabelecendo políticas públicas
autoritárias, investindo poucos recursos nos serviços públicos essenciais e envolvendo civis em
conflitos armados, por exemplo.

Existem diversas organizações internacionais que atuam de forma a evitar que haja risco para a
vida das pessoas nesses casos, como a Anistia Internacional, a Cruz Vermelha e os Médicos sem
Fronteiras. Por meio de acordos internacionais, essas instituições conseguem atuar em regiões de
conflito onde há perigo para a população.

Os Médicos sem Fronteiras, por exemplo, nasceram de uma experiência de voluntariado em uma
guerra civil, na Nigéria, no fim dos anos 1960. Um grupo de médicos e jornalistas decidiu criar uma
organização que pudesse oferecer atendimento médico a toda população envolvida em conflitos e
guerras, sem que essa ação fosse entendida como uma posição política favorável ou contrária aos
lados envolvidos. Assim, seus membros conseguem chegar a regiões remotas e/ou sob forte
bombardeio para atender os que estão feridos e sob risco de vida.

Para que a imparcialidade dos Médicos sem Fronteiras seja possível, é preciso que as partes
envolvidas no conflito respeitem os direitos dos pacientes atendidos. Assim, a organização informa
a localização de suas bases e o tipo de atendimento que deve ocorrer ali; o objetivo é proporcionar
uma atuação transparente, que sublinhe o caráter humanitário da ação dos profissionais da
organização.

1. Você conhece alguma situação de conflito no Brasil em que a defesa dos direitos foi feita
principalmente por uma instituição internacional?

MSFBrasil
Em 3 de outubro de 2015, o hospital administrado pelos Médicos sem Fronteiras na cidade de Kunduz, no Afeganistão, foi
bombardeado pelo exército dos Estados Unidos, o qual atua no país sob a justificativa de combater membros do grupo Talibã, que
tenta retomar o poder. Nas imagens acima, de antes e depois do bombardeio, é possível observar que o ataque foi bastante
preciso: apenas o prédio do hospital foi atingido – ao longo de quase uma hora, diversas partes do edifício receberam bombas,
apesar de a organização ter informado aos dois lados do conflito que se tratava de um hospital. Foram mortas 19 pessoas – 12
membros dos Médicos sem Fronteiras e sete pacientes, entre os quais três eram crianças.
Página 32

Debate interdisciplinar
Em busca de direitos humanos ambientais
Na segunda metade do século XX muitas pessoas, em diversos países, começaram a se organizar em
associações e organizações devido a preocupações com o esgotamento de um recurso natural ou um
pequeno conjunto deles. Essas pautas ambientais de lutas e manifestações desde o início
caracterizaram-se pela diversidade de concepções a respeito das relações entre as sociedades e o meio
físico – alguns grupos ambientais entendem o modo de vida das populações tradicionais como a
principal referência para a humanidade e propõem mudanças radicais no modo de vida urbano-
industrial; outros, no entanto, acreditam poder resolver o esgotamento dos recursos naturais com a
sofisticação dos meios tecnológicos de sua apropriação.

Há, no entanto, convergências entre os movimentos ambientalistas, dentre as quais se destaca o


reconhecimento do direito das gerações futuras aos recursos naturais do planeta. Trata-se de um
acréscimo nos direitos humanos a serem assegurados a todas as populações: ter acesso ao que é
necessário a sua sobrevivência.

A Carta da Terra, um documento feito coletivamente na década de 1990 com propostas de superação da
crise ambiental, ressalta esse direito já nos primeiros princípios:

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade
deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e
frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir
adiante, devemos reconhecer que no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de
vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos
somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos
direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz.

[...]

4. Garantir as dádivas e a beleza da Terra para as atuais e as futuras gerações.

a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das
gerações futuras.

b. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apoiem, em longo prazo, a
prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra.

Carta da Terra. Disponível em: <www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/carta_terra.pdf>. Acesso em: fev. 2016.

Assim como muitos outros direitos humanos, “garantir as dádivas e a beleza da Terra para as atuais e as
futuras gerações” não é uma tarefa simples. Isso envolve interesses bastante diversos: de distintos
grupos sociais, de distintos países e de modos de vida igualmente distintos. É bastante provável que
uma enquete a respeito da contenção do desmatamento receba respostas favoráveis: grande parte da
população mundial se pronuncia a favor de medidas de proteção de florestas. No entanto, pelo fato de
o desflorestamento ser necessário a certas demandas sociais, como o avanço agrícola, a construção de
barragens para a produção de energia elétrica e a exploração de minérios, quando se trata de
transformar as práticas sociais construídas sob os modelos econômicos vigentes, a adesão é menor.
Glossário
Recurso natural: elemento da natureza que serve à vida humana. É uma expressão que se refere a
elementos físicos do planeta que podem ser utilizados pelas sociedades para suprir as necessidades da
espécie humana.
Página 33

Atividade
1. Os mapas a seguir foram feitos com base em estimativas e possibilidades. O objetivo da autora é
alertar sobre a substituição das florestas por pastagem e terras agrícolas. Observe-os e faça o que
se pede.

© DAE/Sonia Vaz

Fonte: RAISSON, Virginie. 2033: atlas des futurs du monde. Paris: Robert Laffont, 2010. p. 144.

© DAE/Sonia Vaz

Fonte: RAISSON, Virginie. 2033: atlas des futurs du monde. Paris: Robert Laffont, 2010. p. 144.

• A Carta da Terra menciona, em diversos trechos, a formação de uma “sociedade civil global”.
Observe a distribuição desigual das florestas e pradarias e discuta com os colegas a necessidade do
estabelecimento de regras globais de uso e apropriação dos recursos naturais.
Página 34

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (Enem) Compreende-se assim o alcance de uma reivindicação que surge desde o nascimento da
cidade na Grécia antiga: a redação das leis. Ao escrevê-las, não se faz mais que assegurar-lhe
permanência e fixidez.

As leis tornam-se bem comum, regra geral, suscetível de ser aplicada a todos da mesma maneira.

VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992 (adaptado).

Para o autor, a reivindicação atendida na Grécia antiga, ainda vigente no mundo contemporâneo,
buscava garantir o seguinte princípio:

a) Isonomia — igualdade de tratamento aos cidadãos.

b) Transparência — acesso às informações governamentais.

c) Tripartição — separação entre os poderes políticos estatais.

d) Equiparação — igualdade de gênero na participação política.

e) Elegibilidade — permissão para candidatura aos cargos públicos.

2. (Vunesp-SP) “Aprovada em 1948, é o documento base da luta universal contra a opressão e a


discriminação, defende a igualdade e a dignidade das pessoas e reconhece que os direitos
humanos e as liberdades fundamentais devem ser aplicados a cada cidadão do planeta”.
(www.brasil.gov.br). As sinale a alternativa que aponta corretamente o nome do documento de
direitos humanos de que trata essa conceituação.

a) Carta Democrática Interamericana.

b) Declaração Universal dos Direitos Humanos.

c) Convenção Americana de Direitos Humanos de São José da Costa Rica.

d) Carta das Nações Unidas.

e) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

3. (UEMT) A Declaração de Direitos, imposta a Guilherme de Orange após a Revolução Gloriosa na


Inglaterra, estabeleceu, entre outros pontos, que:

a) a autoridade do monarca sobrepõe-se à do Parlamento.

b) a origem divina da Monarquia concede-lhe privilégios.


c) o poder da lei é superior ao poder do monarca.

d) o Parlamento legisla por delegação especial do rei.

e) a vontade do rei, independentemente do Parlamento.

4. (UFPB) A Revolução Francesa teve numerosos desdobramentos, possibilitando transformações


políticas no Estado e na sociedade em vários países. Considerando os impactos sociais e políticos da
Revolução Francesa, identifique as afirmativas corretas:

1) O fim do absolutismo e a instauração de monarquias e repúblicas constitucionais, especialmente


na Europa.

2) O fim da propriedade privada, como resultado direto dos ideais inscritos na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, declara inspiração socialista.

4) Uma base político-ideológica, a partir do jacobinismo, para os modernos movimentos de origem


popular de contestação à ordem burguesa.

8) O fim da servidão e a afirmação da igualdade jurídica entre todos os cidadãos, independente da


sua origem social.

16) O fortalecimento do domínio ideológico da Igreja, especialmente sobre o ensino, e a


consolidação da sua hegemonia nas questões de Estado.
Página 35

Responda no caderno

5. (Vunesp-SP) Assinale a alternativa correta com relação ao conceito de direitos humanos.

a) Direitos humanos são aqueles que estão previstos de forma expressa em uma Constituição e que
se referem somente a direitos das pessoas que respondem a um inquérito ou a um processo penal.

b) Considerando o que prevê a Constituição de 1988, os direitos humanos se dão por meio da
propriedade, que se impõe como um valor incondicional e insubstituível, que não admite
equivalente.

c) No âmbito da filosofia, a expressão direitos humanos significa a independência do ser humano,


tratando exclusivamente do direito de liberdade.

d) Direitos humanos é uma forma sintética de se referir a direitos fundamentais da pessoa


humana, aqueles que são essenciais à pessoa humana, que precisa ser respeitada pela dignidade
que lhe é inerente.

e) Como os direitos humanos são inerentes à natureza humana, somente derivam do espírito
humano e não devem ser positivados nas leis.

Para você ler


• Direitos humanos e cidadania, de Dalmo de Abreu Dallari. São Paulo: Moderna, 2004. O autor discute
a ideia de que, apesar de cada ser humano ser um indivíduo único, há certos direitos que devem ser
acessíveis a todos, em qualquer lugar do planeta. Alguns exemplos são o direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à educação, entre outros, que são as bases para uma sociedade mais justa.

• O que são direitos humanos?, de João Ricardo W. Dornelles. São Paulo: Brasiliense, 2007. Apresenta
um estudo sobre as principais lutas políticas que buscaram assegurar (ou eliminar) os direitos das
pessoas nos últimos dois séculos, além de discutir as diferentes concepções do que seriam os direitos
fundamentais do ser humano e como é possível garanti-los a todos.

• Você é livre!, de Dominique Torres. São Paulo: Autêntica, 2012. O livro conta a história de Amsy e sua
família que, em pleno século XXI, ainda são escravos de um grupo de tuaregues. Em uma manhã, um
homem desconhecido se propõe a levá-lo para a cidade, onde ele poderá viver livre, porém, para isso,
Amsy precisará lutar muito e vencer barreiras pessoais.

Para você assistir


• Quem se importa, direção de Mara Mourão. Brasil, 2012, 96 min. O documentário acompanha as
ações de 19 empreendedores sociais nas Américas, na África e Ásia traçando o perfil dessas pessoas que
investem em ideias com o objetivo de transformar as comunidades onde vivem.

Para você navegar


• Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Disponível em: <www.sdh.gov.br>. Acesso em: fev. 2016.
A Secretaria Especial dos Direitos Humanos é responsável por articular e implementar políticas públicas
voltadas à promoção e proteção desses direitos. O site oferece informações sobre as ações realizadas
pela secretaria, dá acesso a uma biblioteca virtual sobre o assunto, entre muitas outras opções de
informação e comunicação com o órgão.

• Unidos pelos Direitos Humanos. Disponível em: <br.humanrights.com/#/what-are-human-rights>.


Acesso em: fev. 2016. Unidos pelos Direitos Humanos é uma organização internacional que se dedica a
difundir o conhecimento a respeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos disponibilizando
recursos e atividades educacionais sobre o assunto.
Página 36

2A dominação da América e a
visão do outro
Neste capítulo
A visão do outro: europeus e americanos
A chegada dos europeus à América
A América antes dos europeus
A conquista da América

Palácio Nacional, Cidade do México/The Bridgemantart/Keystone ne

O mercado de Tlatelolco, detalhe do mural A grande cidade de Tenochtitlan, de Diego Rivera, 1945.

No processo de construção da noção de direitos humanos, é necessário o estudo das


culturas que habitavam a América e da conquista e colonização desse continente, pois
ocorreu a negação do outro e o desrespeito à diversidade – o que hoje entendemos como
negação de direitos, mas encaixava-se no pensamento social, político e econômico da
época.

Os habitantes do continente que se convencionou chamar de América têm uma longa


história anterior à chegada dos europeus. Existiam formas diferentes de organização
social, econômica e política dos povos nativos que habitavam essas terras.
Página 37

Eram universos culturais distintos uns dos outros e também do universo dos europeus que
aqui chegaram.

Os fatos históricos da formação das Américas espanhola, portuguesa e inglesa são


importantes exemplos de negação de direitos que atualmente compreendemos como
básicos: direito à vida e à liberdade.

Neste capítulo, estão descritos alguns aspectos da conquista e da colonização do


continente americano e suas consequências.
Página 38

A visão do outro: europeus e americanos


O continente americano ocupa 28% das terras emersas do planeta. Esse vasto continente está dividido
em América do Norte, América Central e América do Sul. Pelo critério cultural, considerando os povos
colonizadores após o século XV, podemos dividi-lo em América Anglo-Saxônica e América Latina. A
expressão América Latina foi cunhada no século XIX, expressando desde o início uma disputa de ordem
política e ideológica. As polêmicas envolveram, de um lado, franceses e ingleses no século XIX, e, de
outro, latino-americanos e norte-americanos nos séculos XIX e XX.

No final do século XV, em 1492, os espanhóis aportaram em terras americanas e, em 1500, foi a vez dos
portugueses. A partir daí, começou o processo de conquista e colonização do continente por povos da
Europa. Nos anos seguintes, diversos deles, como os franceses, ingleses e holandeses, desembarcaram
em terras americanas, formando colônias e buscando riquezas.

Dessa forma, em vários lugares do continen te americano, no decorrer do século XVI, europeus foram se
organizando e tomando posse de terras que já eram habitadas por comunidades com raízes culturais há
muito definidas. Esses povos estavam distribuídos por diferentes pontos do continente e organizavam-
se em sociedades com características próprias, muitas delas altamente complexas, causando admiração
aos recém-chegados.

Entretanto, a colonização, para os europeus, sempre esteve relacionada à expansão territorial e


comercial, o que, de certa forma, restringiu o contato entre eles e os nativos à obtenção

© DAE/Studio Caparroz
Fonte: ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. 17. ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 19.

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. 17. ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 19.
Página 39

de gêneros cuja extração ou produção gerasse acúmulo de riquezas nos cofres europeus. Esse fato,
somado à grande importância da religião na cultura europeia, contribuiu para que os costumes
europeus fossem impostos em detrimento dos costumes nativos.

Assim, inicialmente, o contato entre europeus e povos nativos alterou os costumes vigentes nas terras
encontradas. Com menor impacto, os conquistadores defrontaram-se com realidades e costumes
diferentes dos conhecidos na Europa. Além da relação América-Europa, a colonização do novo
continente alterou a realidade africana, com a implantação do sistema de trabalho escravista, que
realocou milhares de africanos para suprir a necessidade de mão de obra na América.

As relações que se seguiram à chegada dos europeus com a chamada conquista da América (e também
de outros continentes) foram de dominação, trocas culturais, assimilação e destruição de muitas das
organizações sociais nativas. Nessas relações, a inexistência da noção de direitos humanos – somada à
certeza dos europeus de que seu modo de vida e religião eram os corretos –, além da intenção de
explorar as novas terras, contribuíram para a desintegração quase completa de diversas culturas nativas.

É possível afirmar que a colonização das Américas, assim como a que ocorreu em outros lugares no
período, seguindo a lógica das expansões marítimas e comerciais, foi um processo marcado pelo
etnocentrismo – os europeus priorizaram suas crenças e objetivos comerciais, deixando de lado os
costumes preestabelecidos pelos povos nativos.

Superstock/Glow Images

Encontro do navegador e conquistador espanhol Francisco Pizarro com a população inca no Peru. Gravura de Theodore de Bry
para o livro Historia Americae, publicado em 1602.

Quando a visão de mundo de um grupo é privilegiada em detrimento da de outros, temos a


manifestação de um fenômeno das relações humanas denominado etnocentrismo. A atitude
etnocêntrica implica a desvalorização do outro por ter uma cultura diferente. Estabelece-se, então, uma
situação preconceituosa em relação a tudo o que é considerado diferente, porque um grupo considera-
se superior aos demais.

Organizando ideias
Leia a charge, reflita sobre a mensagem e depois faça o que se pede.

1. Nesta charge, é possível identificar etnocentrismo? Explique.


2. Relacione a visão apresentada na charge com a dos europeus sobre os nativos americanos.

http://www.evanscartoons.com
Página 40

Viajando pela história


Povoamento da América
Um dos maiores questionamentos sobre os habitantes da América é sua origem. Arqueólogos e
historiadores realizaram, e ainda realizam, diversas pesquisas pautadas em vestígios materiais – como
utensílios, restos de ossos, habitações etc. –, estudos antropológicos, etnográficos e linguísticos, com o
objetivo de descobrir a origem dos povos que habitavam nosso continente antes da chegada dos
europeus.

Foram elaboradas diversas teorias sobre esse assunto, e a mais popular é a teoria de Betty Meggers
(1921), que defende a ideia de que os primeiros habitantes das Américas teriam vindo da Ásia, por meio
do atual Estreito de Bering, durante a Era Glacial. Essa teoria se vale do seguinte argumento: um grande
volume de águas teria sido retido pelo surgimento de extensas geleiras, o que, estima-se, entre 30 mil e
10 mil anos atrás, abriu um caminho terrestre raso o suficiente para ser percorrido por seres humanos,
possibilitando assim a penetração dos asiáticos no continente americano.

Um pesquisador mais antigo, Paul Rivet (1876-1958), afirmava que os primeiros habitantes americanos
teriam vindo da região da Oceania por meio do Oceano Pacífico. Ele acreditava ter cumprido a função de
interligar a Ásia, a Oceania e o Novo Mundo. Essa conclusão se deve ao fato de os vestígios dos
primeiros americanos encontrados terem traços semelhantes aos da população oriental atual.

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: DUBY, Georges (Dir.). Atlas histórico mundial. 3. ed. Barcelona: Larousse Editorial, 2011. p. 14-15.
Entre as inúmeras opiniões, há ainda a da arqueóloga brasileira Niède Guidon (1933), que defende a
tese da origem
Página 41

múltipla dos primeiros habitantes da América. Ela chegou a essa conclusão por meio do estudo do sítio
arqueológico de Pedra Furada, no Piauí. Segundo ela, nos últimos 100 mil anos, diferentes povos
chegaram a nosso continente das mais variadas maneiras, porém deixa claro que o estudo está focado
em desvendar a história dos povos que habitaram a região do Piauí, e não o continente todo.

As controvérsias das teorias não dizem respeito apenas às vias de acesso dos primeiros habitantes
americanos, mas também à época em que chegaram.

Algumas teorias afirmam que a presença humana na América teria começado entre 40 mil e 12 mil anos,
mas nem todas as linhas de pesquisa aceitam esse período.

Os vestígios arqueológicos humanos mais antigos encontrados nas Américas são de indivíduos de
comunidades do México, América Central, Equador e Bolívia, que viviam, aparentemente, em pequenos
grupos, da caça e coleta de alimentos. Com o passar do tempo, esses povos foram avançando em
direção ao sul, o que, segundo os pesquisadores, caracterizou uma grande mudança de ambiente, que
favoreceu a transformação dos meios de vida e dos hábitos de nossos ancestrais americanos, incluindo o
desenvolvimento da agricultura.

Apesar de não ser possível confirmar concretamente nenhuma das teorias sobre a chegada dos
primeiros habitantes à América, grandes discussões têm ocorrido ao longo dos muitos anos de pesquisa,
e é a própria imprecisão e impossibilidade de uniformização das afirmações que faz com que todas elas
tenham as mesmas chances de aceitação.

Davidson/The Washington/Getty Images

Biólogos e arqueólogos em sítio arqueológico na Virgínia, Estados Unidos, 2013.

Organizando ideias
Pensando a respeito da origem dos povos americanos, responda às questões seguintes.

1. Quais são as teorias citadas no texto sobre o povoamento da América? O que elas afirmam?
2. Em sua opinião, por que as pesquisas sobre a chegada dos primeiros habitantes ao continente
americano divergem tanto?
Página 42

A chegada dos europeus à América


A chegada dos europeus à América está relacionada ao processo de expansão marítima que interligou
regiões do mundo até então desconhecidas.

Foram vários os acontecimentos que impulsionaram essa expansão. Entre eles, destacamos a tomada de
Constantinopla pelos turcos, que prejudicou o lucrativo comércio de especiarias entre o Ocidente e o
Oriente e intensificou a necessidade de os europeus encontrarem novas rotas comerciais. Além disso, o
aperfeiçoamento das técnicas de navegação, o surgimento das caravelas e a invenção de novos
instrumentos náuticos foram fundamentais para a expansão europeia dos séculos XV e XVI.

O caso dos espanhóis


A serviço da Espanha, Cristóvão Colombo (1451-1506) chegou ao continente que mais tarde foi
chamado de América no dia 12 de outubro de 1492, aportando em uma ilha que os indígenas
denominavam de Guaanani, pertencente ao atual arquipélago das Bahamas, a qual ele batizou de São
Salvador. Acreditando ter chegado às ilhas do continente asiático, na região que era chamada
genericamente de Índias, denominou os nativos de índios.

Colombo realizou ainda mais três viagens à América (1493-1494; 1498; 1502-1504), sempre acreditando
tratar-se da Ásia Oriental. O nome América apareceu pela primeira vez em um mapa de Martin
Waldseemüller (1507), como homenagem ao navegador florentino Américo Vespúcio, que, na obra
Mundus Novus (Novo Mundo), relatara suas viagens ao novo continente.

Em seus contatos com os povos originários da América, Colombo escreveu que nunca tinha encontrado
pessoas de tão bom coração e tanta franqueza, e descreveu os indígenas como curiosos e amistosos
com os desconhecidos. No entanto, desde o primeiro momento, deixou claros seus objetivos
colonizadores construindo um forte e aprisionando alguns indígenas para enviá-los como curiosidade ao
rei Fernando e à rainha Isabel, da Espanha.

Coleção particular
Martin Waldseemüller. Mapa Universalis cosmographia secundum Ptholomaei traditionem et Americi Vespucii alioru[m]que
lustrationes, 1507. Xilogravura, 1,37 m × 1,44 m.
Página 43

A atitude de Colombo para com os índios decorre da percepção que tem deles. Podemos distinguir,
nesta última, duas componentes, que continuarão presentes até o século seguinte e, praticamente,
até os nossos dias, em todo o colonizador diante do colonizado. Estas duas atitudes já tinham sido
observadas na relação de Colombo com a língua do outro. Ou ele pensa que os índios (apesar de
não utilizar estes termos) são seres completamente humanos com os mesmos direitos que ele, e aí
considera-os não somente iguais, mas idênticos e este comportamento desemboca no
assimilacionismo, na projeção de seus próprios valores sobre os outros ou então parte da
diferença, que é imediatamente traduzida em termos de superioridade e inferioridade (no caso,
obviamente, são os índios inferiores): recusa a existência de uma substância humana realmente
outra, que possa não ser meramente um estado imperfeito de si mesmo. Estas duas figuras básicas
da experiência da alteridade baseiam-se no egocentrismo, na identificação de seus próprios valores
com os valores em geral, de seu eu como o universo; na convicção de que o mundo é um.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 51.

A partir do século XVI, os espanhóis instalaram-se nos territórios americanos, apropriaram-se deles e
submeteram a população local pela força, assumindo desse modo o controle da região.

Coleção particular

Representação do primeiro encontro entre Cristóvão Colombo e nativos americanos. Litografia colorida à mão, de D. K. Bonatti,
1827.

Organizando ideias
O texto a seguir é do cronista Gonzalo Fernandes de Oviedo, que descreve, no século XVI, a
conquista espanhola da América.

O Almirante Colombo encontrou, quando descobriu esta ilha Hispaniola, um milhão de índios e
índias [...] dos quais, e dos que nasceram desde então, não creio que estejam vivos, no presente
ano de 1535, 500, incluindo tanto crianças como adultos, que sejam naturais, legítimos e da raça
dos primeiros índios [...]. Alguns fizeram esses índios trabalhar excessivamente. Outros não lhes
deram nada para comer como bem lhes convinha. Além disso, as pessoas desta região são
naturalmente inúteis, corruptas, de pouco trabalho, melancólicas, covardes, sujas, de má condição,
mentirosas, sem constância e firmeza [...]. Vários índios, por prazer e passatempo, deixaram-se
morrer com veneno para não trabalhar. Outros se enforcaram pelas próprias mãos. E quanto aos
outros, tais doenças os atingiram que em pouco tempo morreram [...]. Quanto a mim, eu
acreditaria antes que Nosso Senhor permitiu, devido aos grandes, enormes e abomináveis pecados
dessas pessoas selvagens, rústicas e animalescas, que fossem eliminadas e banidas da superfície
terrestre [...].

OVIEDO, Gonzalo Fernandes de. In: ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da conquista colonial. São Paulo: Perspectiva, 1973. p. 76.

1. Qual é a opinião do cronista sobre os nativos da América?

2. Segundo o autor, qual foi a justificativa para o massacre dos nativos americanos?

3. A visão do cronista denota etnocentrismo? Explique.


Página 44

O caso dos portugueses


No decorrer do século XV, os portugueses enviaram várias expedições em busca de caminhos
alternativos para alcançar as Índias. Assim, encontraram diversas regiões habitadas e passaram a
conquistá-las. A primeira foi Ceuta, em 1415, seguindo a exploração das regiões costeiras do continente
africano. Somente em 1498, numa expedição comandada por Vasco da Gama, os portugueses
aportaram em Calicute, na Índia.

Após o retorno de Vasco da Gama, a Coroa portuguesa enviou uma nova expedição para formalizar as
relações comerciais com as Índias. Essa expedição, que partiu de Portugal em março de 1500, era
comandada por Pedro Álvares Cabral, que, propositalmente ou não, desembarcou em terras ao sul do
atual estado da Bahia em 22 de abril de 1500.

Assim como as regiões a que os espanhóis chegaram, a porção sul da América era habitada por povos
étnica e culturalmente diferentes, espalhados por um imenso território.

Os contatos iniciais foram pacíficos, conforme relata o escrivão Pero Vaz de Caminha na carta escrita ao
rei de Portugal, Dom Manuel, descrevendo as terras e os povos que habitavam a Ilha de

Vera Cruz, primeiro nome dado às terras que hoje formam o Brasil. Nas expedições dos anos seguintes,
eles perceberam que não se tratava de uma ilha e alteraram o nome para Terra de Santa Cruz.

A primeira riqueza encontrada nessas terras e enviada à Europa foi o pau-brasil, árvore abundante, de
cujo tronco se extraía um corante para tecidos de alto valor comercial. Nas primeiras décadas (1500-
1530), os portugueses vieram ao Brasil basicamente para extrair pau-brasil. Essa árvore acabou
inspirando um apelido para as novas terras portuguesas: Terra do Brasil.

Inseridos no modo de pensar europeu, os portugueses não procuraram compreender o universo cultural
do indígena. Sua concepção de mundo estava fundamentada na religião e nas práticas mercantilistas, e
era difícil entender as crenças e práticas dos nativos que cultuavam elementos da natureza e praticavam
(alguns grupos) a antropofagia. Os nativos também não entendiam o conceito europeu de propriedade
da terra ou de exploração de seus recursos naturais para a obtenção de lucro.
Cartografia Histórica/USP, São Paulo

Giacomo Gastaldi, Giovanni Battista Ramusio. Delle navigazioni e viaggi, 1556. Aquarelado à mão, 29,8 cm × 39,2 cm. Neste
mapa, é possível visualizar a retirada do pau-brasil pelos indígenas, que o entregavam aos portugueses em troca de utensílios
europeus, numa relação de escambo.

A relação dos indígenas com a terra era bem diferente da estabelecida pelos europeus. Além de usufruir
coletivamente dela, os nativos identificavam nos elementos naturais suas representações religiosas.
Página 45

Dessa forma, não tinham a intenção de explorar a terra com exclusividade, uma vez que eles se
consideravam parte dos elementos presentes nela.

Apesar da associação dos indígenas à imagem de passividade, a curiosidade e amorosidade iniciais,


descritas nos relatos de colonizadores e visitantes do Novo Mundo, foram substituídas por reações
contrárias à colonização a partir do momento em que as intenções portuguesas de implantação de um
sistema agrícola para exploração, escravização e catequização dos povos indígenas, entre outros
objetivos religiosos e mercantilistas, foram reveladas.

Antropofagia é o ato de um ser humano ingerir uma ou várias partes do corpo de outro ser humano
durante um ritual mágico ou cerimonial.

A antropofagia era comum em diversas comunidades espalhadas por quase todos os continentes, já que
muitos povos cultivavam a crença de que, ao se alimentar da carne de seus inimigos, podiam tomar para
si as melhores características deles.

Organizando ideias
O trecho a seguir é parte da carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, na ocasião da
chegada dos portugueses a terras americanas. Leia-o e depois faça o que se pede.

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha
vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-
e-Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas;
infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das
águas que tem!

Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve
ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do

que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais,
disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento
da nossa fé!

CAMINHA, Pero Vaz. A carta. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000292.pdf>. Acesso em: mar.
2016.

1. No trecho da carta ao rei de Portugal, o autor reafirma o objetivo mercantil que norteava a
Expansão Marítima portuguesa nos séculos XV e XVI. Explique essa afirmação.

2. De acordo com a visão religiosa católica dos portugueses, eles deveriam “salvar” os indígenas.
Essa visão é etnocêntrica? Explique.

O caso dos britânicos


Os ingleses não foram pioneiros na chegada ao território que hoje conhecemos como América do Norte.
Há, por exemplo, vestígios concretos da presença dos vikings no atual Canadá, quase cinco séculos antes
da chegada de Colombo ao continente.
Franceses, espanhóis e muitos outros já haviam chegado aos atuais Estados Unidos e até mesmo feito
contato com as populações indígenas da região. Entretanto, a partir do século XV, os portugueses e
espanhóis, que detinham o controle hegemônico da navegação no Oceano Atlântico, dividiram a nova
porção de terras encontrada com o intuito de explorá-la com exclusividade.

Contestando o controle do novo continente exercido por Portugal e Espanha, a Inglaterra passou a
praticar pirataria realizando muitos saques às riquezas carregadas pelas embarcações das potências de
então.

Glossário
Entre Douro e Minho: região ao Norte de Portugal situada entre o Rio Ninho (ao norte) e o Rio Douro
(ao sul).
Página 46

A Inglaterra, todavia, não se concentrou apenas em roubar os navios ibéricos. No fim do século XV, a
Coroa inglesa nomeou encarregados para explorar a América e, na década de 1580, a rainha Elizabeth I
concedeu permissão para que a colonização na região fosse iniciada.

A princípio, o projeto de colonização inglês era parecido com os projetos ibéricos, nos quais o soberano
europeu concedia partes das novas terras a nobres, que passavam a ser responsáveis por seu
povoamento e desenvolvimento econômico.

Mesmo assim, os ingleses inicialmente tiveram muitas dificuldades para se instalar nas novas terras, pois
sofreram com doenças e ataques indígenas. No entanto, a partir de 1600, o grande aumento da
população nas cidades inglesas fez com que a ideia de uma colônia que abrigasse parte dessas pessoas e
ainda gerasse acúmulo de riquezas fosse vista com simpatia.

A partir de então, muitos grupos de pessoas, chamados de companhias, com diferentes objetivos,
dirigiram-se para a América com o apoio financeiro da Coroa inglesa. Órfãos, mu - lheres pobres e
grupos religiosos, entre outros, passaram a ocupar o território da América do Norte lentamente, dando
início ao que se tornaria as Treze Colônias inglesas e, mais tarde, os Estados Unidos.

Three Lions/Getty Images

Currier & Ives. A chegada dos peregrinos em Plymouth. Gravura, nov. 1620.

Organizando ideias
O texto a seguir aborda aspectos da colonização inglesa na América do Norte. Leia-o e depois faça
o que se pede.

O processo de êxodo rural estava acentuando-se no decorrer do século XVII. Esse processo
inundava as cidades inglesas de homens sem recursos. A ideia de uma terra fértil e abundante, um
mundo imenso e possível de enriquecer a todos era um poderoso ímã sobre essas massas.

Naturalmente as autoridades inglesas também viam com simpatia a ida desses elementos para
lugares distantes. A colônia serviria, assim, como receptáculo de tudo que a metrópole não
desejasse. [...]

Ao contrário de Portugal, nação de pequena população, a Inglaterra já vivia problemas com o


crescimento demográfico no momento do início da colonização dos Estados Unidos. Portugal
sofreu imensamente com o envio dos contingentes de homens para o além-mar. A Inglaterra faria
da colonização um meio de descarregar no Novo Mundo tudo o que não fosse desejável no Velho.
[...]

Em 1620, a Companhia de Londres [empresa responsável pela colonização na América] trazia cem
órfãos para a Virgínia. Da mesma maneira, mulheres eram transportadas para serem leiloadas no
Novo Mundo. É natural concluir que estas mulheres, dispostas a atravessar o oceano e serem
vendidas na América como esposas, não eram integrantes da aristocracia intelectual ou financeira
da Inglaterra.

KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007. p. 44-45.

1. De acordo com o autor, o que levava a Coroa inglesa a incentivar a imigração para a América?

2. Analisando as informações, descreva o perfil dos imigrantes ingleses que iam para a América.

3. Compare a imagem de Currier & Ives com o texto de Leandro Karnal. Anote as semelhanças e
diferenças no modo como os ingleses que vieram colonizar a América do Norte são representados.
Página 47

A América antes dos europeus


Estudar a história da América antes da invasão europeia é uma tarefa difícil, pois muitas sociedades
ameríndias não deixaram textos escritos, e os documentos encontrados até hoje sofreram diversas
interpretações, o que dificulta uma percepção adequada de como os nativos americanos viviam.
Devemos destacar ainda que inúmeros povos desapareceram sem deixar muitos vestígios, tornando o
estudo complexo e sujeito a constantes revisões.

A procura e a interpretação desses vestígios feitas pelos arqueólogos – que buscam, em objetos,
pinturas e outros registros, indícios de costumes, cultos religiosos, hierarquia social, alimentação,
hábitos funerários, entre outras pistas – possibilitam-nos entender melhor as sociedades ameríndias
anteriores à chegada dos europeus.

Um grande desafio surge quando não há documentação escrita produzida pela sociedade
estudada, naquilo que chamamos, por convenção, de Pré-História. O historiador que se volta para
o passado mais recuado confronta-se com vestígios materiais, em geral, muito limitados. Ossos
fossilizados de animais e/ou de humanos, indícios de ocupação no solo, como fogueiras ou buracos
feitos por suportes de barracas, restos de objetos de pedra, ou líticos, e, nos casos mais recentes,
de cerâmica. Como então avançar na pesquisa? [...]

Na pesquisa e na análise histórica, as fontes que surgem integram-se ao que já é conhecido sobre a
sociedade estudada e sobre as sociedades humanas, em geral, e em particular sobre aquelas
semelhantes ou comparáveis àquela que nos interessa. No caso das sociedades sem escrita, há que
se estudar, antes, o que se disse ou se registrou sobre tais sociedades, o que se sabe sobre o papel
da oralidade nesses grupos sociais, as relações pessoais e face a face, sua interação com o meio
ambiente, sua religiosidade. São, portanto, leituras de caráter metodológico, antropológico e
filosófico que devem ser feitas pelo pesquisador.

FUNARI, Pedro Paulo. Os historiadores e a cultura material. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo:
Contexto, 2006. p. 94-95.

Durante longo período, o continente americano foi povoado por caçadores e coletores. Somente por
volta de 5000 a.C. iniciou-se na região um processo que culminou na agricultura. Esse processo não
abrangeu todas as sociedades, e aquelas que desenvolveram a agricultura não o fizeram da mesma
forma.

Enquanto alguns grupos de nativos americanos mantiveram a caça e a coleta como atividades principais
– como os esquimós, que habitavam as regiões geladas –, outros incorporaram também a agricultura a
suas atividades, por exemplo, algumas sociedades indígenas brasileiras. Outras sociedades – como a dos
maias, astecas e incas –, por sua vez, organizaram-se em torno de Estados, com uma hierarquia bem
definida e construção de grandes centros habitacionais e áreas agrícolas capazes, inclusive, de produzir
excedentes utilizados em relações de troca de produtos.

Quando os europeus chegaram à América, no século XV, encontraram sociedades organizadas em


Estados vivendo na região da América do Norte, da Mesoamérica (terras do atual México e parte da
América Central) e na região andina (atuais territórios do Peru, Equador, norte do Chile e Bolívia).
Algumas dessas culturas apresentavam sistemas de escrita, desenvolvimento matemático e
astronômico, calendários (muitos deles mais precisos que os dos europeus) e grandes centros
habitacionais que chegavam a surpreender os recém-chegados.
Glossário
Ameríndio: nome dado aos indígenas da América.
Lítico: formado por fragmentos de rochas.
Página 48

Os maias
A civilização maia desenvolveu-se na Península de Yucatán, onde hoje é o sul do México, Guatemala,
Belize e partes de El Salvador e Honduras.

A mais antiga inscrição maia data de 292 a.C. e foi encontrada em Tikal, atual Guatemala. Contudo,
sabe-se que essa civilização começou a se desenvolver muito antes e foi influenciada culturalmente por
povos que a antecederam na região, destacando-se os olmecas, zapotecas e teotihuacanos.

A base da economia maia era a agricultura. As terras eram cultivadas coletivamente, porém os
camponeses tinham de pagar tributos pelo seu uso, já que, em última instância, elas pertenciam ao
Estado.

Do ponto de vista político, os centros urbanos estavam ligados a vários tipos de “confederações” ou
“reinos”. Uma elite formada por sacerdotes e militares detinha o poder e executava as cerimônias
religiosas. À frente dos “reinos”, estava o halac uinic (o “homem verdadeiro”), uma espécie de rei-
sacerdote. Corporações de artistas, artesãos, camponeses e escravos completavam o quadro social.

Os maias eram politeístas, sua religião deificava a natureza e seus cultos eram singulares. Os ritos
sacrificais tinham um papel fundamental na religião. Eles acreditavam que o sangue humano era o que
tinham de melhor para oferecer às divindades, procurando nutri-las para mostrar agradecimento ou
apaziguá-las em caso de escassez ou seca. Sacrificavam também animais, especialmente o jaguar. Os
sacrifícios acompanhavam todos os tipos de cerimônias: coroações de soberanos, festas do calendário,
casamentos dos monarcas e ritos de consagração dos templos. Havia também o autossacrifício, que
consistia na oferta do próprio sangue obtido pela punção de certas partes do corpo. Reis, rainhas e
sacerdotes perfuravam a própria língua e os órgãos sexuais com instrumentos pontiagudos. Essa prática,
junto com a dança e a ingestão de substâncias alucinógenas, levava-os a um estado de transe e a ter
visões alucinatórias. O autossacrifício era realizado para alimentar a terra visando a boas colheitas.

Em razão da falta de registros precisos, não podemos afirmar com segurança quais foram os motivos
que levaram ao declínio da sociedade maia. Entretanto, acredita-se que, por volta do ano 900, tenha
começado um processo de desestruturação social que levou a população a abandonar os grandes
centros e a se dispersar. Supõe-se que, com a queimada e a devastação das matas, causadas pela
agricultura itinerante, houve desgaste do solo, dificultando a alimentação da população, então já bem
numerosa. Nesse contexto, ocorreram muitas revoltas internas motivadas pela falta de alimentos e de
recursos, o que, somado a um longo período de seca e à invasão da Península de Yucatán, fragmentou
gradativamente a sociedade maia.
World History Archive/Ann Ronan Collection/Easypix Brasil

Afresco do século XI, localizado no sítio arqueológico de Bonampak (Chiapas, México). Na imagem vemos o chefe (chamado de
Batabob) vestindo uma roupa cerimonial feita com pele de jaguar.

Depois que abandonaram os grandes centros urbanos, os maias voltaram a se reorganizar ao norte da
Península de Yucatán. Essa fragmentação tornou possível a conquista do território pelos espanhóis, que
chegaram à península em 1511 e depois no final da década de 1520. O fato de a sociedade maia ter se
dispersado nas regiões ao norte da península fez com que o processo de dominação pelos espanhóis
acontecesse lenta e gradualmente, mas não de modo menos incisivo, já que a estratégia de colocar uma
região contra a outra causou grandes guerras entre os diferentes agrupamentos maias.
Página 49

Organizando ideias
1. Com base em seus conhecimentos sobre a sociedade maia, responda às questões.

a) Como a sociedade maia era organizada?

b) De que forma a organização dos maias, no começo do século XVI, facilitou a conquista espanhola
da Península de Yucatán?

2. Leia o texto a seguir para, depois, responder às perguntas.

Na antiga língua maia, “Popol” significa reunião, comunidade, casa, junta; e “Vuh”, árvore de cujo
corte se fazia papel, por extensão, livro. Popol Vuh é o mais precioso relato – e legado – da
antiguidade americana; é o livro sagrado dos índios que habitavam uma região onde é hoje a
Guatemala. É em essência um conjunto mítico e teogônico, dividido em três partes: a primeira é
uma descrição da origem do mundo e da criação do homem; a segunda trata das aventuras dos
jovens semideuses Hunahpu e Ixbalanqué no reino sombrio de Xibalbay; e, finalmente, a terceira
parte refere-se à origem dos povos indígenas da Guatemala, suas guerras e emigrações, com o
predomínio dos quíchua-maias até pouco antes da conquista espanhola. O livro teria sido escrito
no começo do século XVI, possivelmente em pele de veado, e foi transcrito para o latim em 1542,
por frei Alonso Del Portillo de Noreña. A versão espanhola apareceu em 1701, feita pelo frei
Francisco Ximenez.

COSTA, Flávio Moreira da. Uma flor misteriosa, solitária, na imensidão da América adormecida. In: _______ (Org.). Os melhores
contos da América Latina. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 15.

a) O que é o Popol Vuh?

b) Como o Popol Vuh foi composto?

c) Qual é a importância de algo como o Popol Vuh para um povo?

Os astecas
Ao chegar ao México, vindos da região de Aztlán, os astecas (ou mexicas), guerreiros conquistadores,
foram paulatinamente influenciados pelas culturas toltecas e zapotecas, que já estavam em declínio.

Por volta de 1325, os mexicas fundaram Tenochtitlán, que se tornou uma das mais importantes cidades
astecas. Depois de violentas lutas durante o reinado de Itzcoatl (Serpente de Obsidiana), este, em
aliança com o governante de Texcoco, formou a Tríplice Aliança (Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopán).
IT–ip Images/Glow Images

Segundo a lenda, o deus Huitzilopochtli ordenou aos mexicas que se estabelecessem onde encontrassem “uma águia num cacto,
em uma ilhota, devorando uma serpente”. Na região pantanosa do Lago Texcoco, fundaram Tenochtitlán. A atual Cidade do
México foi construída sobre as ruínas da capital dos astecas. Acima, página inicial do Codex Mendoza apresentando o mito
fundador, 1548.

Os astecas chamavam a si mesmos de mexicas, e eram chamados assim também pelos espanhóis. O
termo asteca deriva de aztecatl que, na língua nativa dos mexicas, designava os povos vindos da região
de Aztlán, sua terra natal, segundo a lenda. Essa denominação passou a ser utilizada pela historiografia a
partir do século XIX, popularizando-se desde então.
Página 50

O fortalecimento militar, combinado com a confiança que os mexicas tinham em seu próprio destino,
possibilitou a contínua expansão política e econômica. Povos de línguas e costumes diferentes – como
os totonacas, huaxtecas, mixtecas, zapotecas e outros – foram submetidos de maneiras diversas pelos
mexicas.

Com relação à estrutura social, sabe-se que a sociedade asteca era estratificada e diretamente
relacionada com a hierarquia política e econômica. O grupo dominante, dividido em vários níveis
hierárquicos, referentes a cargos e títulos diversos, controlava os altos cargos administrativos e não
pagava tributos. Ciosos de seus privilégios, os nobres teriam forjado a imagem de que eles eram os
responsáveis pela urbanização e embelezamento da cidade, pelo estabelecimento de rotas comerciais,
por artes e ofícios, pela propagação da língua náhuatl, pela boa administração e pela manutenção e
renovação do Sol e da humanidade por intermédio das oferendas, cujo objetivo era a restauração da
energia divina. O poder político era centralizado e o tlatoani (“aquele que fala” ou “que comanda”) era
eleito vitaliciamente pela elite mexica.

Os escravos, situados na faixa mais baixa da escala social, tinham um estatuto curioso.
Trabalhavam sem salário, eram bem tratados e moravam na casa de seus donos, que os
alimentavam e vestiam.

As dívidas de jogo eram a causa mais corrente da escravatura, pois, diante da impossibilidade de
pagá-las, os devedores ofereciam-se volun - tariamente para a ocupação servil. Em outros casos,
uma família que passava necessidades vendia um de seus membros. E, entretanto, esse estatuto
não era perpétuo: o escravo ou seus parentes podiam comprar de volta a liberdade, e seus filhos,
ne cessariamente, nasciam livres. Além disso, não se podia vendê-los sem seu consentimento.

ACOSTA, Rosário. Astecas: da grandeza à tragédia. História viva, São Paulo, Duetto Editorial, ano 4, n. 44, p. 46.

Os mexicas estabeleceram uma área de comércio intenso na qual os produtos eram exibidos por
setores. Na ala dos comestíveis havia feijões, pimenta, cebolas, sal, coelhos, rãs, patos, peixes,
cachorros, mel, perus, girinos e milho de diversas variedades. Na ala das vestimentas havia tangas,
casacos de peles de coelho, de raposa e de jaguar. No mercado de Tlatelolco era possível comprar
utensílios de obsidiana, sílex, cerâmica policromada e louças de vários tipos. Os comerciantes, chamados
de pochtecas, constituíam um grupo social diferenciado, que, além dos produtos trazidos pelos
mercadores, recebiam tributos pagos pelos povos dominados.

O milho era a base da alimentação, além de legumes, amendoins, flores, formigas, vermes, insetos,
gafanhotos, perdizes, rãs, pombos, coelhos e até moscas. As mulheres cuidavam da casa, da tecelagem,
dos filhos e do preparo de alguns alimentos.

A principal atividade econômica era a agricultura. Cultivavam-se milho, feijão, baunilha, pimenta,
tomate e diversas espécies de algodão, amendoim, abóbora e cacau.

Os astecas adotavam um calendário solar com 18 meses de 20 dias, mais um décimo nono mês de cinco
dias, perfazendo 365 dias. A cada ciclo de 104 anos, acrescentavam 25 dias. Havia também um
calendário divinatório de 260 dias. Os dois calendários só começavam no mesmo dia de 52 em 52 anos –
era o ce-atl, que acreditavam trazer grandes mudanças, uma espécie de nova era.

A arquitetura asteca era grandiosa e sofisticada. A cidade de Tenochtitlán tinha pontes, canais, calçadas,
praças e avenidas. Os manuscritos hieroglíficos e pictográficos (chamados códices) atestam a habilidade
dos escribas-pintores, que, para escrever, usavam diversos materiais (pele de veado, panos de algodão
ou papéis produzidos com a casca da figueira ou do agave).

Photo Researchers/New York Public Library/Diomedia

Calendário asteca esculpido em basalto. Também chamada de Pedra do Sol, a obra foi encontrada em 1790, tem 3,58 m de
diâmetro e está em exposição no Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México (México).
Página 51

Já a religião mexica caracterizou-se pela variedade de manifestações, pelo politeísmo, pela origem
heterogênea e pelos sacrifícios aos deuses. Os astecas empreendiam as chamadas “guerras floridas”
(xochiyaoyaotl) para conseguir prisioneiros que, depois, seriam sacrificados. O texto a seguir aborda as
razões para os sacrifícios.

A missão do homem em geral, e mais particularmente da tribo asteca, povo do Sol, consistia em
conjurar infatigavelmente o assalto do nada. Para isso era preciso garantir ao Sol, à Terra e a todas
as divindades a “água preciosa”, sem a qual a engrenagem do mundo deixaria de funcionar: o
sangue humano. Dessa noção fundamental decorrem as guerras sagradas e a prática de sacrifícios
humanos. Ambas, segundo os mitos, iniciaram-se com a criação do mundo. O Sol exigia sangue: os
próprios deuses lhes haviam dado o seu; e depois homens, sob suas ordens, haviam exterminado
as serpentes de nuvens do Norte. Huitzilopochtli nasceu guerreando. A única exceção foi
Quetzalcóatl, símbolo das teocracias pacíficas da alta época clássica, que nada desejara sacrificar
senão borboletas, pássaros e serpentes. Tezcatiploca, porém, o vencera, e os deuses exigiam o seu
“alimento”.

SOUSTELLE, Jacques. A civilização asteca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987. p. 76.

Organizando ideias
O conquistador espanhol Bernal Diaz del Castilho registrou, em 1519, sua surpresa ao deparar-se
com a organização de um mercado da cidade asteca de Tenochtitlán.

[...] Quando lá chegamos, ficamos atônitos com a multidão de pessoas e a ordem que prevalecia,
assim como com a vasta quantidade de mercadorias [...]. Cada espécie tinha seu lugar particular,
que era distinguido por um sinal. Os artigos consistiam em ouro, prata, joias, plumas, mantas,
chocolate, peles curtidas ou não, sandálias e outras manufaturas de raízes e fibras de juta, grande
número de escravos homens e mulheres, muitos dos quais estavam atados pelo pescoço, com
gargalheiras, a longos paus. O mercado de carne vendia aves domésticas, caça e cachorros.
Vegetais, frutas, comida preparada, sal, pão, mel e massas doces, feitas de várias maneiras, eram
também lá vendidas. Outros locais na praça eram reservados à venda de artigos de barro,
mobiliário doméstico de madeira, tais como mesas e bancos, lenha, papel, canas recheadas com
tabaco misturado com âmbar líquido, machados de cobre, instrumentos de trabalho e vasilhame
de madeira profusamente pintado. Muitas mulheres vendiam peixe e pequenos “pães” feitos de
uma determinada argila especial que eles achavam no lago e que se assemelhava ao queijo. Os
fabricantes de lâminas de pedra ocupavam-se em talhar seu duro material e os mercadores que
negociavam em ouro possuíam o metal em grãos, tal como vinha das minas, em tubos
transparentes, de forma que ele podia ser calculado, e o ouro valia tantas mantas, ou tantos
xiquipils de cacau, de acordo com o tamanho dos tubos. Toda a praça estava cercada por “piazzas”
sob as quais grandes quantidades de grãos eram estocadas e onde estavam, também, as lojas para
as diferentes espécies de bens.

DEL CASTILHO, Bernal Diaz apud MEGGERS, Betty J. América pré-histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 96-97.

1. A palavra atônitos revela a surpresa dos espanhóis. O que os surpreendeu? Justifique a


resposta.

2. O local descrito por Bernal pode ser comparado a uma cidade atual? Explique.
Glossário
Assaltar: no sentido utilizado no texto, pode ser entendido como ataque súbito, de surpresa.
Conjurar: tramar, reunir pessoas para fins comuns.
Infatigável: que não sente fadiga, incansável.
Página 52

Os incas
Na região da Cordilheira dos Andes, na costa oeste da América, desenvolveu-se um grande império: o
Império de Tawantinsuyu – que significa “quatro caminhos” –, também chamado de Império Inca. A
origem dos incas é incerta, mas sabe-se que eles se estabeleceram na região a partir do século XIV,
tendo Cuzco como o centro de seu império.

Ao longo do século XIV, uma série de monarcas guerreiros conquistou a hegemonia local e Cuzco passou
a ser o centro do mundo incaico.

A maioria da população inca vivia em uma multiplicidade de pequenas coletividades agropastoris.

Cada aldeia era habitada por um conjunto de famílias unidas por laços de parentesco ou aliança,
que representavam um ayllu. Esse grupo localizado e de tendência endogâmica não era, contudo,
nem um clã nem uma linhagem. No interior do ayllu, ao que parece, a filiação se traçava em linha
masculina direta para os homens e em linha feminina direta para as mulheres, de tal modo que os
homens descendiam de seu pai e as mulheres de sua mãe. Esse sistema de descendência paralela
era particularmente difundido nos Andes centrais e meridionais [...].

Reduzida ao casal e aos filhos celibatários, a família representava a unidade de produção e


consumo no interior da qual se operava a divisão do trabalho. À mulher cabiam as tarefas de
cozinhar e cuidar da habitação. Ao homem competiam os trabalhos da lavoura, assim como certas
atividades artesanais, tais como a cerâmica e mesmo a tecelagem. O casal constituía-se após um
período mais ou menos longo de coabitação matrimonial que os cônjuges virtuais utilizavam para
testar sua compatibilidade sob a vigilância estrita de seus pais. Uma vez formalizado, o matrimônio
– graças ao qual o indivíduo adquiria a completa autonomia e se tornava membro integral de seu
ayllu – não poderia ser dissolvido senão por motivos graves. Ainda que homens de status superior
tivessem às vezes numerosas esposas, o casamento monogâmico constituía a regra geral e a união
poligâmica, a exceção.

FAVRE, Henri. A civilização inca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. p. 31-32.
F. A. Alba/Shutterstock.com

Vista da cidade de Machu Picchu, Peru, 2015.

Glossário
Celibatário: solteiro, que não se casou.
Endogamia: casamento entre pessoas da mesma família.
Página 53

O chefe do ayllu era o kuraka, que, entre outras funções, distribuía terras, organizava os trabalhos
coletivos e era responsável pela resolução dos conflitos. O território do ayllu chamava-se marka. Cada
família tinha, para usufruto, lotes de terra. Extensas áreas de estepes eram utilizadas coletivamente
para a atividade agropastoril, com a criação da alpaca e da lhama, animais típicos da região.

A terra, em última instância, pertencia ao Império Inca, que recebia parte da produção e tinha o direito
de exigir a prestação de serviços dos súditos. Todos tinham de trabalhar, somente os inválidos e doentes
estavam dispensados. Os instrumentos de trabalho eram simples, como a enxada de madeira, chamada
taclla.

Os incas cultivavam cerca de 300 variedades de batata. Nos vales mais quentes, plantavam milho,
alimento muito importante para eles, com o qual também produziam uma bebida chamada de chicha.
Nas áreas úmidas, cultivavam a coca; a mastigação das folhas dessa planta reduzia a fome e o cansaço,
além de ter importância em rituais religiosos. Produziam, ainda, quinoa, arroz andino, amendoim e
legumes diversos. As técnicas agrícolas eram avançadas, com a construção de terraços e canais. O guano
(excremento de aves marinhas) era utilizado como fertilizante.

A sociedade inca era hierarquizada e subdividia-se em diversos grupos. No topo da pirâmide social
estava o sapa inca (o “único inca”), soberano absoluto e adorado como um deus.

Os incas construíram milhares de quilômetros de estradas pavimentadas, por meio das quais os correios
reais (chasquis) levavam e traziam mensagens com grande rapidez. Os templos e palácios, bem como as
fortalezas, destacam-se, ainda hoje, pelas técnicas de construção. As construções eram integradas às
paisagens andinas, como podemos observar em Machu Picchu e Ollantaytambo.

Em relação à produção de cerâmica e de tecido, os incas assimilaram os avanços das outras culturas
andinas. Havia um sistema de contabilidade baseado nos kipus, uma combinação de cordas com nós de
várias espessuras e cores, nos quais os diferentes números eram registrados com nós de tamanhos
diversos.
De Agostini/G. Dagli Ori/Getty Images

Ilustração que indica um contador inca e seu kipu. Gravura do séc. XVI.

Quanto à religião, os incas eram politeístas e idólatras. O culto ao Sol (Inti) ocupava lugar de destaque.
Acreditavam num deus criador, Viracocha, cultuavam os mortos e realizavam sacrifícios, principalmente
de animais, mas também de humanos. Os soberanos eram mumificados e guardados no templo do Sol.
Procissões, sacrifícios, danças, jejum e abstinência sexual caracterizavam o ritual dos diversos festivais
religiosos.

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Máscara inca produzida antes da chegada dos europeus. Cuzco, Peru.


Página 54

Organizando ideias
Analise as informações do texto e responda às questões.

Chamavam lei de irmandade à que mandava que todos os moradores de cada cidade se ajudassem
uns aos outros a lavrar, a semear, e a colher suas colheitas, e a lavrar suas casas, e outras coisas
desta sorte, e o fizessem sem levar pagamento nenhum. [...]

Tiveram lei sobre o gasto cotidiano, que lhes proibia o fausto com os vestidos ordinários, e as
coisas preciosas, como o ouro e a prata, e as pedras finas; eliminava totalmente o supérfluo dos
banquetes e comidas; e mandava que duas ou três vezes ao mês comessem juntos os moradores
de cada cidade diante de seus curacas, e se exercitassem em jogos militares ou populares para que
se reconciliassem os ânimos e guardassem perpétua paz, e para que os pastores e outros
trabalhadores do campo se alentassem e regozijassem. A lei em favor dos que chamavam pobres, a
qual mandava que os cegos, mudos e coxos, os entrevados, os velhos e velhas decrépitos, os
enfermos de longa enfermidade, e outros impedidos que não podiam lavrar suas terras para vestir
e comer por suas mãos e trabalho, os alimentassem dos depósitos públicos.

Também tinha a lei que mandava que dos mesmos depósitos públicos provessem os hóspedes que
recebessem, os estrangeiros, e peregrinos, e os caminhantes, para todos os quais tinham casas
públicas, que chamam corpahuaci, que é a casa de hospedagem, onde lhes davam de graça e em
abundância todo o necessário. Ademais disto, mandava a mesma lei que duas ou três vezes ao mês
chamassem aos necessitados, que acima os citamos, aos banquetes e refeições públicas, para que
com o regozijo comum aliviassem parte de sua miséria.

Outra lei chamavam caseira; continha duas coisas: a primeira que ninguém ficasse ocioso; pelo que,
como atrás dissemos, mesmo as crianças de cinco anos se ocupavam em coisas mui leves,
conforme sua idade; os cegos, coxos e mudos, se não tinham outras enfermidades, também o
faziam trabalhar em diversas coisas. A demais gente, enquanto tinha saúde, ocupava-se cada um
em seu ofício e benefício, sendo entre eles coisa de muita infâmia e desonra castigar em público a
alguém por ocioso.

Além disto, mandava a mesma lei que os índios comessem e ceassem com as portas abertas, para
que os ministros dos juízes pudessem entrar mais livremente a visitá-los. Porque havia certos juízes
que tinham o encargo de visitar os templos, os lugares e edifícios públicos e as casas particulares:
chamavam-se llactacamayu. Estes por si, ou por seus ministros, visitavam frequentemente as
casas, para ver o cuidado e diligência que tanto o varão como a mulher tinham acerca de sua casa e
família, e a obediência, solicitude e ocupação dos filhos.

LA VEGA, Garcilaso de. O universo incaico. São Paulo: Educ, 1992. p. 94-96.

1. Qual é a importância das leis descritas nesse relato?

2. Como se pode descrever a sociedade inca com base no texto?

3. Há alguma lei no Brasil semelhante às descritas pelo autor? Se sim, quais?


4. Na sociedade inca, os deficientes físicos podiam trabalhar. Como essa questão é tratada no Brasil
atual? Se necessário, busque informações.

Glossário
Coxo: manco.
Curaca: tipo de tigela utilizada nas refeições.
Decrépito: muito idoso ou enfraquecido fisicamente.
Entrevado: paralítico, que não pode se mover.
Fausto: luxo, ostentação.
Ordinário: no sentido em que aparece no texto, pode ser entendido como usual, comum, habitual.
Regozijar-se: alegrar-se, ter grande satisfação.
Página 55

Os nativos do Brasil
No território do Brasil atual, os portugueses entraram em contato com povos diversos. Havia grande
heterogeneidade étnica, linguística e cultural. A maioria dos grupos vivia da coleta, da caça e da pesca, e
alguns praticavam a agricultura.

Não há um consenso entre os especialistas sobre a quantidade de nativos que vivia no território hoje
pertencente ao Brasil quando ocorreu a invasão portuguesa. Os números oscilam entre 2,5 e 5 milhões
de pessoas pertencentes a centenas de povos. Cada povo tinha costumes e tradições próprios.

De forma geral, pode-se dizer que os povos indígenas se organizavam em aldeias fixas ou itinerantes (no
caso dos grupos nômades), dependendo do grupo.

A visão religiosa era semelhante, respeitando a diversidade de cada grupo. Cultuavam elementos e
algumas forças da natureza, como o Sol, a Lua, o trovão, as águas. Organizavam rituais, danças e festas,
criavam adornos e faziam pinturas corporais com motivos religiosos.

Não havia entre eles a noção atual de propriedade. A terra e o que nela fosse produzido ou coletado
eram bens comuns a todos da mesma aldeia.

As aldeias eram organizadas hierarquicamente e havia um chefe, responsável pela tomada de decisões e
pela liderança do grupo em caso de guerras. As decisões eram tomadas de acordo com os costumes de
cada grupo: alguns consultavam os membros masculinos ou os homens mais idosos, por exemplo.

Alguns grupos relacionavam-se com outros, mantendo contatos pacíficos e por vezes reunindo-se em
festas e rituais. Outros eram considerados inimigos e era comum guerrearem.

Os nativos produziam instrumentos e utensílios usados para caça, coleta, agricultura e armazenamento.
As técnicas de produção também diferiam entre os grupos, dependendo da cultura e do local onde
habitavam; alguns, por exemplo, usavam cerâmica queimada, outros não.
© DAE/Studio Caparroz

Fonte: ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. 17. ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 35.
Página 56

Album/akg-images/Latinstock

Albert Eckhout. Tapuia-homem, c.1641. Óleo sobre tela, 2,72 m × 1,65 m.

Para os portugueses, o contato com os saberes dos indígenas foi muito importante. Eram os nativos que
conheciam as matas e seus recursos, como as plantas comestíveis ou as que podiam ser usadas como
remédios, bem como a localização de fontes de água.

O contato inicial dos portugueses foi com os tupis, habitantes do litoral. Por isso, os missionários que
fizeram parte da colonização do Brasil elegeram o tupi como língua geral, desconsiderando a imensa
variedade linguística entre os nativos.

Muitas manifestações culturais e línguas indígenas, que existiam quando os portugueses fizeram
contato com eles, permanecem entre seus descendentes nos diversos grupos indígenas atuais.

Os tupis se referiam aos demais grupos indígenas como tapuia, que quer dizer “inimigo”. Por isso, os
portugueses classificaram os indígenas brasileiros em dois grupos: tupis, os do litoral, e tapuia, os do
interior do território.

Organizando ideias
O texto a seguir é do francês Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592), que escreveu sobre as
tradições culturais dos tupinambás. Esses povos eram criticados pelos europeus em razão dos
rituais de antropofagia, os quais Montaigne compara com as guerras realizadas pelos franceses em
nome da religião. Leia-o e depois responda às questões.
[…] não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade, cada qual
considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. […] Não me parece excessivo julgar bárbaros
tais atos de crueldade [o canibalismo], mas que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à
cegueira acerca dos nossos. Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer
depois de morto; e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos
poucos, ou entregá-lo a cães e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o lemos mas
vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrâneos; e isso em verdade é bem mais grave do que
assar e comer um homem previamente executado. […] Podemos, portanto qualificar esses povos
como bárbaros em dando apenas ouvidos à inteligência, mas nunca se compararmos a nós
mesmos, que os excedemos em toda sorte de barbaridades.

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios I. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 199.

1. Montaigne considera os indígenas bárbaros ou selvagens? Como eles eram geralmente tratados
pelos europeus? Explique.

2. Na comparação entre os indígenas e os franceses, qual a conclusão de Montaigne?


Página 57

Os indígenas da América do Norte


Centenas de grupos indígenas habitavam a região hoje chamada de América do Norte antes da chegada
dos europeus. E assim como nos outros lugares do continente, os indígenas norte-americanos também
apresentavam grande diversidade étnica e cultural. Estima-se que havia mais de 300 línguas diferentes
na região.

Havia tribos nômades e sedentárias que ocupavam a extensão entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
Sioux (ou dacotas), apaches, comanches iroqueses, cheroquis, algonquinos, cheyennes e crow são
alguns dos grupos indígenas norte-americanos.

Nas regiões do Ártico, viviam os inuítes ou esquimós, com características bastante distintas dos demais
grupos em razão da adaptação a um ambiente extremamente hostil. A economia desse grupo estava
fundamentada na busca pelo que a natureza oferecia, como caça de focas e aves, pesca de baleia e
outros animais de grande porte. Dos animais caçados, aproveitavam a pele para o vestuário, e o marf im
e os ossos para a confecção de instrumentos de caça, como pontas de lanças e f lechas, além da
produção de esculturas. A domesticação do cachorro possibilitou aos esquimós o uso de trenós para
locomoção e caça.

Cada etnia indígena tinha seu idioma e, entre os grupos diferentes, a comunicação ocorria por meio de
sinais.

Entre as tribos nômades, uma das formas de obter alimentos era a caça de grandes animais, como
antílopes, alces, búfalos e bisões.

Dentre os grupos citados destacaram-se os iroqueses, que ocupavam a área dos Grandes Lagos e dos
Apalaches centrais. Sua organização social era matriarcal. Tinham uma forte estrutura guerreira, o que
lhes possibilitou resistir por quase dois séculos à dominação inglesa, dificultando a expansão das
colônias.
Heritage Images/Diomedia

Corrida de cavalos dos índios sioux próximo ao Forte Pierre. Ilustração do livro Travels in the Interior of North America,
publicado em 1843. A vida dos sioux, que habitavam a planície do oeste, foi modificada pelo uso do cavalo trazido pelos
espanhóis, prática que se espalhou pelo continente. As montarias facilitaram a caça de búfalos e bisões.
Página 58

Organizando ideias
Leia o texto a seguir e faça o que se pede.

Centenas de tribos indígenas habitavam a América do Norte até a chegada dos europeus. Há uma
variedade enorme nessas tribos: só em línguas diferentes encontraram-se mais de trezentas.

Grupos indígenas como os cherokees, iroqueses, algonquinos, comanches e apaches povoavam


todo o território, do Atlântico até o Pacífico. Alguns outros grupos deram nomes à geografia dos
EUA: Dakota, Delaware, Massachusetts, lowa, IlIinois, Missouri. Por toda a América, a história
dessas tribos seria profundamente modificada pela chegada dos europeus.

As opiniões dos colonos sobre os indígenas variaram, mas foram, quase sempre, negativas. [...] O
preconceito [...] não foi o único dano que os ingleses causaram aos índios. Mesmo se não fossem
agressivos, os europeus já seriam perigosos. A imigração europeia havia introduzido na América do
Norte doenças para as quais os nativos não tinham defesa. As epidemias nas colônias inglesas
atingiram os indígenas da mesma forma que nas áreas ibéricas. O sarampo matou milhares de
indígenas em toda a América.

A ocupação das terras indígenas por parte dos colonos baseava-se em argumentos de ordem
teológica. Os peregrinos haviam se identificado com o povo eleito que Deus conduzia a uma terra
prometida. Tal como Deus dera força a Josué (na Bíblia) para expulsar os habitantes da terra
prometida, eles acreditavam no seu direito de expulsar os que habitavam a sua Canaã. John Cotton,
pastor puritano, fez vários sermões nos quais destacou a semelhança.

Embora o fato seja bem pouco conhecido da História norte-americana, os índios também foram
escravizados. Os colonos das Carolinas, em particular, desenvolveram o hábito de vender índios
como escravos. Em 1708, a Carolina do Sul contava com 1.400 escravos índios. Essa prática
permaneceria até a Independência.

É natural imaginar uma reação indígena. A expansão agrícola por sobre áreas indígenas originou
violentos ataques às terras dos colonos. No começo da colonização, mais de uma aldeia inglesa foi
arrasada por ataques de índios, como, por exemplo, a de Wolstenholme, na Virgínia. [...]

A ideia da predestinação, o ideal da empresa, tudo colaborou para enfraquecer a mestiçagem e a


catequese dos índios. O mundo inglês conviveria com o índio, mas sem amálgama.

De várias formas os índios resistiram à violência da colonização. Uma maneira comum era fugir
para o interior, estratégia que seria utilizada até o século XIX. [...] Ao longo dos séculos XVII e XVIII,
os índios fizeram várias alianças com franceses contra os ingleses.

É importante dizer, por fim, que nem todos os colonos tinham o mesmo grau de agressividade
contra os índios. Grupos quakers e menonitas recusavam a violência contra índios e também a
violência da compra de escravos negros. Porém, quakers, menonitas, católicos e puritanos
ocupavam de igual modo as terras que foram, originalmente, dos índios.

KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007. p. 59-62.
1. A conquista de colônias na América pelos ingleses provocou a morte de milhares de indígenas.
Explique como isso ocorreu.

2. Todos os grupos de colonizadores agiram da mesma forma? Explique.

3. Quais eram as estratégias adotadas pelos indígenas para resistir à dominação inglesa?

4. Com base no que você estudou, compare a dominação espanhola com a dominação inglesa das
terras americanas e sua relação com a população nativa, ou seja, com os diversos povos indígenas
que ali viviam. Que semelhanças e diferenças você identifica?
Página 59

A conquista da América
A conquista da América pelos europeus não foi um acontecimento rápido. Foi um longo, contínuo e
complexo processo que durou vários séculos sob a visão etnocêntrica do colonizador europeu,
acrescida de outros elementos, como a dominação militar (principalmente no caso dos espanhóis), a
religiosidade e a desestruturação (demográfica, econômica, social e espiritual) provocada pelo choque
entre culturas tão distintas nas sociedades indígenas da América. A religião influenciou tanto os
dominadores, que impuseram suas crenças, quanto os dominados; os astecas, por exemplo,
interpretaram miticamente que a chegada dos espanhóis era o cumprimento de presságios e sinal de
novos tempos.

As primeiras décadas após a chegada europeia foram as mais marcantes. Estima-se que grande parte da
população nativa americana tenha sido dizimada nos primeiros 50 anos, principalmente na América
Hispânica. Portanto, o contato entre Europa e América pode ser considerado um dos mais violentos da
história da humanidade.

A natureza, o clima e os animais encontrados pelos europeus na América encantavam cronistas,


viajantes e colonizadores. Isso fez com que plantas como milho, abacaxi, batata e outras fossem levadas
e introduzidas na alimentação de suas metrópoles. O “Novo Mundo” começava a inf luenciar os
costumes do “Velho Mundo”.

Ao mesmo tempo, a organização de algumas sociedades causava espanto, surpresa e admiração, como
pode ser observado na descrição da cidade de Tenochtitlán na imagem e no texto a seguir.

De modo simples, o etnocentrismo pode ser definido como uma visão de mundo fundamentada
rigidamente nos valores e modelos de uma dada cultura: por ele, o indivíduo julga e atribui valor à
cultura do outro a partir de sua própria cultura. Tal situação dá margem a vários equívocos,
preconceitos e hierarquias, que levam o indivíduo a considerar a sua cultura a melhor ou superior.

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2006. p. 127.
The Bridgeman/Keystone Brasil

Mapa de Tenochtitlán elaborado por Alonso de Santa Cruz, México, 1560.

Glossário
América Hispânica: refere-se às regiões da América colonizada pelos espanhóis.
Página 60

Os espanhóis andam pela cidade (Tenochtitlán) e observam embasbacados o imenso mercado de


Tlatelolco. Cada tipo de mercadoria ocupa um lugar determinado. Seus olhares colocam-se sobre
os objetos de ouro e prata, sobre as pedras preciosas, as roupas de algodão e os vendedores de
cacau. Os mercadores pochtecas têm o aspecto e a autoridade dos grandes mercadores de Burgos
e Sevilha.

Um espanto ainda maior arrebata os conquistadores quando chegam ao alto da pirâmide e


descobrem a extensão da capital dos astecas. O lago está coberto por uma infinidade de canoas
que abastecem a cidade e partem lotadas de mercadorias. Talvez fosse preciso chegar aos relatos
de Marco Polo para ter tal emoção. México-Tenochtitlán, com seus 200 ou 300 mil habitantes, era
comparável às capitais do mundo conhecido europeu.

BERNAND, Carmen; GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência europeia (1492-
1550). São Paulo: Edusp, 1997. p. 347.

Já os costumes e modos de vida dos grupos indígenas causavam perplexidade aos recém-chegados.
Ainda que admirassem alguns aspectos, outros causavam rejeição e foram severamente combatidos,
como a nudez de alguns grupos ou práticas como politeísmo e poligamia. Para a maioria dos europeus,
os indígenas viviam em um estágio atrasado, sem normas e religião. Esse discurso foi a base da
exploração e do processo de colonização instituído, principalmente, com violência.

Os indígenas foram analisados com base nos parâmetros da sociedade europeia e apontados como
primitivos, brutos, sem alma, obscenos. Eram raros os defensores, como Frei Bartolomé de Las Casas e o
filósofo francês Michel de Montaigne.

A reação dos indígenas foi variada. A chegada de pessoas tão diferentes nos modos de vestir, agir e falar
deve ter causado curiosidade e estranheza. De maneira geral, foram amistosos, como nos relatos de
Colombo e Cabral. Em alguns casos, como entre os astecas, os colonizadores foram vistos como deuses,
e sua chegada, o cumprimento de profecias. Houve também casos de hostilidade, revelando que os
indígenas também resistiram à presença estrangeira.

Mesmo com reações diferentes a princípio, assim que perceberam a real intenção dos estrangeiros que
invadiam seu espaço e sua vida, os indígenas reagiram com lutas, fugas e até mesmo acordos. De
qualquer maneira, a chegada dos europeus significou, para os nativos, perda do território, necessidade
de deslocamento, escravidão e morte.

Organizando ideias
Leia o texto a seguir e responda às questões.

[...] Interessava aos conquistadores compreender, tomar e destruir, usando as palavras de Tzvetan
Todorov, o que fizeram com rapidez e obstinação. De outro lado, as civilizações do Novo Mundo
que cresceram e se desenvolveram de maneira autônoma, sem contatos com culturas muito
diferentes de seus padrões de comportamentos. Para incas, astecas e maias, paralisados por
dúvidas e incertezas, o problema era compreender o fato adverso surgido com a chegada dos
estrangeiros. Se, num primeiro momento, o aparecimento repentino daqueles estranhos homens
confirmava as antigas profecias que anunciavam a volta das divindades criadoras do Universo, mais
tarde eles foram qualificados como piores que diabos. Ao mesmo tempo que os estrangeiros se
diziam naturais de uma civilização superior e portadores da única e verdadeira fé, agiam com
extrema crueldade e nas batalhas não se limitavam a prender o inimigo, como era a tradição, mas
sim matá-lo – atitude que para os astecas era intolerável do ponto de vista ético.

FERREIRA, Jorge Luiz. Conquista e colonização da América espanhola. São Paulo: Ática, 1992. p. 9.

1. De que forma o autor do texto caracterizou os conquistadores e as civilizações do Novo Mundo?

2. Por que os indígenas estavam confusos com a chegada dos espanhóis?

3. Houve motivo para que os nativos americanos considerassem os espanhóis “piores que diabos”?
Explique.
Página 61

Espanhóis na América
Os espanhóis chegaram à América em razão da expansão marítima e comercial, impulsionados pelos
princípios mercantilistas. Assim, ao instalar-se no Novo Mundo, buscaram submeter os povos nativos,
com o intuito de conquistar suas terras e procurar nelas produtos que lhes rendessem algum tipo de
benefício.

A América simbolizava o Eldorado, uma terra que fazia parte do imaginário europeu e que garantiria
rápido enriquecimento pela abundância de ouro e prata que lá haveria.

Além da riqueza, a América representava a possibilidade de expansão do catolicismo, que enfrentava,


naquele momento, crises causadas pelas reformas religiosas na Europa.

Para se apossar das terras, foram enviadas expedições, a partir do século XVI, encarregadas de explorar
a terra e também iniciar a colonização. Colonizar era importante, pois as notícias de riquezas
abundantes atraíam a cobiça de outros europeus, pondo em risco a hegemonia espanhola.

A conquista dos astecas


A princípio, os conquistadores levaram vantagem militar nos confrontos com os nativos.

A superioridade militar – expressa na vantagem bélica dos espanhóis, que detinham o domínio do
cavalo, das armas de fogo e do aço (usado em espadas, lanças etc.) – ficou explícita nas campanhas do
espanhol Hernan Cortés, a partir de 1519, na região do México: mesmo com menor número de
soldados, ele massacrou os astecas.

Ao chegar a Tenochtitlán, capital do Império Asteca, Cortés foi recebido pacificamente pelo governante
Montezuma II. A princípio, o líder mexica pensou que os espanhóis fossem deuses, que, segundo as
profecias, voltariam para dominar o império. Diante disso, Cortés iniciou a invasão da cidade, numa
operação de guerra que massacrou parte da população e matou seu líder.

As doenças, principalmente a varíola, também auxiliaram os europeus durante a conquista. Além disso,
o apoio das nações inimigas dos astecas (os tlaxcaltecas, por exemplo) tiveram um peso decisivo para o
sucesso da conquista espanhola. Outro elemento importante foi a visão mística que os astecas tinham
dos espanhóis, hipótese que explicaria a recepção pacífica aos invasores. Num primeiro momento os
astecas viram os espanhóis como representantes do deus Quetzalcoatl, porém ao perceberem que eram
humanos e que agiam com crueldade passaram a combatê-los e a resistir até serem conquistados.
Museu Nacional de Arte, Cidade do México

Felix Parra. Episódios da conquista, 1877. Óleo sobre tela, 68 cm × 109 cm.
Página 62

Organizando ideias
O conceito asteca da conquista

[...] O primeiro traço fundamental da visão asteca da Conquista é o que se poderia descrever como
o quadro mágico no qual esta haveria de se desenvolver. Os astecas afirmam que, alguns anos
antes da chegada dos homens de Castela, houve uma série de prodígios e presságios anunciando o
que haveria de acontecer. No pensamento do senhor Motecuhzoma [Montezuma], a espiga de
fogo que apareceu no céu, o templo que se incendiou por si mesmo, a água que ferveu no meio do
lago, a voz de uma mulher que gritava noite adentro, as visões de homens que vinham
atropeladamente montados numa espécie de veados, tudo isso parecia avisar que era chegado o
momento, anunciado nos códices, do regresso de Quetzalcoátl e dos deuses.

Mas, quando chegaram as primeiras notícias procedentes das margens do Golfo sobre a presença
de seres estranhos, chegados em barcas grandes como montanhas, que montavam uma espécie de
veados enormes, tinham cães grandes e ferozes e possuíam instrumentos lançadores de fogo,
Motecuhzoma e seus conselheiros ficaram em dúvida. De um lado, talvez Quetzalcóatl houvesse
regressado. Mas, de outro, não tinham certeza disso. No coração de Motecuhzoma nasceu, então,
a angústia. Enviou, por isso, mensageiros que suplicaram aos forasteiros para que regressassem ao
seu lugar de origem.

A dúvida a respeito da identidade dos homens de Castela subsistiu até o momento em que, já
hóspedes dos astecas em Tenochtitlán, perpetraram a matança do templo maior. O povo em geral
acreditava que os estrangeiros eram deuses. Mas quando viram seu modo de comportar-se, sua
cobiça e sua fúria, forçados por esta realidade, mudaram sua maneira de pensar: os estrangeiros
não eram deuses, mas popolocas ou bárbaros, que tinham vindo destruir sua cidade e seu antigo
modo de vida.

As lutas posteriores da Conquista, registradas pelos historiadores indígenas, testemunham o


heroísmo da defesa. Mas a derrota final, ao ser narrada nos textos astecas, já é depoimento de um
trauma profundo. A visão final é dramática e trágica. Pode-se ver isto claramente no seguinte
“canto triste” ou icnocuícatl:

Nos caminhos jazem dardos quebrados;


os cabelos estão espalhados.
Destelhadas estão as casas,
incandescentes estão seus muros.
Vermes abundam por ruas e praças,
e as paredes estão manchadas de miolos arrebentados.
Vermelhas estão as águas, como se alguém as tivesse tingido,
e se as bebíamos, eram água de salitre.
Golpeávamos os muros de adobe em nossa ansiedade
e nos restava por herança uma rede de buracos.
Nos escudos esteve nosso resguardo,
mas os escudos não detêm a desolação [...]*.

* Manuscrito anônimo de Tlatelolco (1528).


**Libro de Los Coloquios de Los Doce.

As palavras anteriores encontram novo eco na resposta dos sábios aos doze franciscanos chegados
em 1524:

Deixem-nos, pois, morrer, deixem-nos perecer, pois nossos deuses já estão mortos!** Muitas outras
citações poderiam acumular-se para mostrar o que foi o trauma da Conquista para a alma indígena.
[...] Não se deve esquecer que os astecas eram seguidores do deus da guerra, Huitzilopochtli; que
se consideravam escolhidos do Sol e que, até então, sempre creram ter uma missão cósmica e
divina de submeter a todos os povos dos quatro cantos do universo. Quem se considerava
invencível, o povo do Sol, o mais poderoso da Mesoamérica, teve de aceitar sua derrota. Mortos os
deuses, perdidos o governo e o mando, a fama e a glória, a experiência da Conquista significou algo
mais que tragédia: ficou cravada na alma e sua recordação passou a ser um trauma.

LEÓN-PORTILLA, Miguel. A conquista da América Latina vista pelos índios. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 16-18.

1. Explique a visão de “quadro mágico” a que o autor se refere no texto.

2. De acordo com o autor do texto, os estrangeiros passaram de deuses a bárbaros na visão dos
astecas. Por que isso ocorreu?

3. Como é descrita a destruição da civilização asteca no icnocuícatl?

4. Qual é a visão do autor a respeito da derrota asteca?


Página 63

A conquista das terras incas


A conquista das terras incas ocorreu sob o comando do espanhol Francisco Pizarro. Em 1527, Pizarro
explorou a costa do atual Peru e recolheu informações úteis sobre os territórios andinos. Ficou sabendo
das riquezas dos incas, que eles tinham muitos inimigos e que o império estava mergulhado em uma
disputa de poder entre os irmãos Huáscar e Atahualpa. Com essas informações, em 1532, Pizarro entrou
na cidade de Cajamarca e aprisionou Atahualpa. Houve muitas mortes no confronto e Atahualpa,
mesmo pagando um grande resgate em ouro e prata, foi executado. Já Huáscar foi morto por
comandantes leais à Atahualpa. Assim, a cidade de Cuzco foi tomada pelos espanhóis. No entanto, a
resistência nativa continuou até 1572, quando o último soberano inca, Tupac Amaru, foi executado.

O relato desse primeiro encontro com Atahualpa foi feito por diversas testemunhas oculares [...].
Por meio de seu testemunho, a cena aparece para nós, hoje, como um confronto entre duas visões
incompatíveis do mundo: de um lado, a de um soberano para quem a própria natureza do poder
que encarna proíbe a comunicação direta com seus súditos e o recurso a mediadores; do outro, a
de dois hidalgos espanhóis, Soto e Hermando Pizarro, para os quais os reis são interlocutores
diretos a despeito de sua majestade. Quebrando sistematicamente as barreiras rituais que os
separam do Inca, apagando os códigos de polidez e de hierarquia, os conquistadores vão marcar
uma primeira vitória sobre um homem fechado em sua dignidade solar. Pois, mais do que as armas,
são os gestos e as palavras que vão solapar a solenidade do Filho do Deus Sol, anunciando o fim de
um império do qual o Inca era a chave-mestra. [...]

ip archive/Glow Images

BERNAND, Carmen; GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo: da descoberta à conquista, uma experiência europeia (1492-
1550). São Paulo: Edusp, 1997. p. 499-500. Execução do inca Atahualpa, em gravura colorida no relato de viagem de Theodore de
Bry, 1597.

Glossário
Hidalgo: fidalgo, pessoa nobre.
Página 64

Organizando ideias
Forme dupla com um colega e, juntos, leiam o texto a seguir e façam o que se pede.

A cruz realizou um trabalho complementar à espada. Um conjunto de circunstâncias de ordem


religiosa entre algumas nações indígenas facilitou a tarefa dos dominadores, já que tanto no
México como no Peru uma série de profecias e sinais asseguravam a chegada iminente de novos
deuses. E os europeus, manipulando o imaginário destes povos, não tiveram dúvidas em se
apresentar como tais. O domínio do sagrado sobre o profano se materializou até nas construções
das igrejas católicas, ao se aproveitar algumas pirâmides e templos como alicerces para a
edificação de suas catedrais. [...]

Juan de Zumáraga, primeiro arcebispo do México, se orgulhava, em uma carta de 1547, de que
seus sacerdotes haviam destruído até então mais de 500 templos indígenas e queimado cerca de 2
mil ídolos. Ele próprio ajudou a incinerar os arquivos existentes em Texcoco. O mesmo fez o bispo
de Yucatán, Diego de Landa, ao atirar ao fogo purificador os manuscritos maias – único povo da
América pré-colombiana que havia criado uma escrita –, fazendo com que se destruíssem os
principais documentos históricos e literários.

RAMPINELLI, Waldir José. A falácia do V Centenário. In:; OURIQUES, Nildo Domingos (Org.). Os 500 anos: a conquista interminável.
Petrópolis: Vozes, 2000. p. 30-31.

1. Explique a relação entre a cruz (religião) e a espada (guerra) na dominação dos povos que viviam
na América pelos espanhóis.

2. Pode-se dizer que os nativos americanos sofreram influência religiosa dos espanhóis? Explique.

3. Há poucos documentos escritos deixados pelos povos que habitavam a América antes da
conquista europeia. Assim, quase todas as informações foram colhidas de documentos espanhóis e
achados arqueo lógicos. Podemos afirmar, com base nessa ponderação, que temos versões dessa
história, mas a maioria delas do ponto de vista dos habitantes das Américas? Explique como isso
afeta o conhecimento histórico.

Direito e etnocídio na conquista da América indígena


A maioria dos historiadores enfatiza a superioridade bélica dos espanhóis – o uso de canhões,
arcabuzes, couraças de aço, espadas, cavalos e cães – e também sua habilidade diplomática,
especialmente de Cortés e Pizarro, que se aproveitaram das rivalidades entre os nativos. Entretanto, as
superstições sustentadas pelas profecias, que anunciavam grandes mudanças, não devem ser
negligenciadas. Além disso, as doenças – sarampo, varíola e gripe – tiveram papel essencial, matando
mais que as próprias guerras.

Essa trilogia – doenças, desunião dos indígenas e o aço espanhol – responde por boa parte do
resultado da Conquista. Basta remover um de seus elementos para que a probabilidade de fracasso
das expedições lideradas por Cortés, Pizarro e outros fique muito alta [...].

Um quarto fator também desempenhou um papel importante: a cultura bélica. Por exemplo, os
astecas foram prejudicados por certas convenções de batalha ignoradas pelos hispânicos. Os
métodos de guerra astecas salientavam a observação de cerimônias que antecediam as batalhas –
que eliminavam a possibilidade de ataques de surpresa – e a captura de inimigos para posterior
execução ritual, em vez de matá-los no ato [...]. Por fim, a Conquista espanhola só pode ser
plenamente compreendida se situada no contexto histórico mais amplo da expansão ultramarina.
Essa história mais ampla não fala de uma superioridade espanhola, ou mesmo da Europa Ocidental,
mas aborda, ao contrário, um complexo fenômeno da história mundial que transcende as
peculiaridades da Conquista espanhola das Américas [...].

RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 240-242.
Página 65

A violência foi a tônica da conquista e da colonização da América, principalmente na parte espanhola.


Guerras, escravidão, maus-tratos, assassinatos em massa, difusão de doenças e catequização foram os
principais mecanismos utilizados no que pode ser considerado um massacre dos povos indígenas.

A barbárie cometida pelos conquistadores espanhóis foi descrita em relatos como este, do frei
Bartolomé de Las Casas:

Os espanhóis, com seus cavalos, suas espadas e lanças começaram a praticar crueldades estranhas;
entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as crianças e os homens velhos, nem as
mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e as faziam em pedaços como se
estivessem golpeando cordeiros fechados em seu redil. Faziam apostas sobre quem, de um só
golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade, ou quem, mais habilmente e mais
destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria as entranhas de
um homem de um só golpe. Arrancavam os filhos dos seios da mãe e lhes esfregavam a cabeça
contra os rochedos [...]. Faziam certas forcas longas e baixas, de modo que os pés tocavam quase a
terra, um para cada treze, em honra e reverência de Nosso Senhor e de seus doze Apóstolos (como
diziam) e deitando-lhes fogo, queimavam vivos todos os que ali estavam presos. Outros, a quem
quiseram deixar vivos, cortaram-lhes as duas mãos e assim os deixavam.

LAS CASAS, Bartolomé de. O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias. Porto Alegre: L&PM, 1996. p. 30.

Art Images Archive/Glow Images

Execução de dois índios paraguaios acusados de matar o expedicionário Juan de Ayolas. Gravura publicada em livro de Mattaeus
Merian, Frankfurt, 1631. As imagens contribuíram para reforçar os posicionamentos de Las Casas e ajudaram a provocar e
sustentar uma onda de indignação europeia – principalmente nos países subordinados à Espanha – contra a violência impingida
pelos conquistadores espanhóis. Eles foram responsabilizados pela destruição de grande parte das populações e culturas nativas.

Glossário
Destramente: com destreza, habilidade.
Fender: dividir ao meio, abrir uma fenda.
Parturiene: mulher que está prestes a parir, em trabalho de parto, ou que acaba de dar à luz.
Redil: curral para gado de carneiros e cabras.
Página 66

Toda essa violência era justificada pela visão “religiosa” da desigualdade entre os seres humanos, por
meio da qual uns eram considerados superiores aos outros, e também pela busca desenfreada por
riquezas. Todo empecilho para a obtenção da riqueza deveria ser eliminado, mesmo que fosse um ser
humano. Historicamente, os espanhóis estavam na fase de transição entre a Idade Média, dominada
pela religião, e a Idade Moderna, na qual os bens materiais subiram ao topo da escala de valores. Era
essa mentalidade que justificava suas ações.

Assim, o declínio da população indígena foi muito rápido, conforme os dados da tabela a seguir.

POPULAÇÃO INDÍGENA ESTIMADA (EM MILHÕES)


México América Andina
1519 25 1530 10
1532 16,8 1560 2,5
1548 6,3 1590 1,5
1568 2,65
1580 1,9

Fonte: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina colonial. 2. ed. São Paulo: Edusp; Funag, 1998. v. 1. p. 201.

Na Idade Moderna, ainda não havia um sistema de leis que pudesse minimizar essas ações. O fato de
Igreja e Estado ainda dividirem o poder fazia com que a Igreja justificasse os atos do Estado. Um
exemplo é a Bula Intercoetera, documento de 1493 que legalizava a soberania e o domínio da Coroa
espanhola sobre as terras do Novo Mundo e, em contrapartida, os reis deveriam difundir a fé católica
entre os nativos.

Outro documento favorável aos reis espanhóis foi o Requerimento, elaborado em 1514 por Palácio
Rúbios, jurista e conselheiro dos reis espanhóis. Trata-se de um importante documento jurídico, que
autorizava o domínio e a intervenção nas colônias. A justificativa centrava-se na crença de que Jesus
Cristo teria dado a São Pedro a posse do continente americano, e este a transferiu ao chefe da Igreja
Católica, o papa, que, por sua vez, concedeu essas terras aos reis Fernando de Aragão e Isabel de
Castela. Portanto, a Igreja legitimava a posse e as atitudes dela decorrentes.

Esse documento deveria ser lido a toda comunidade indígena antes de subjugá-la, mesmo que os
nativos não falassem a mesma língua e, portanto, não o compreendessem. A partir de então os
indígenas passavam a ser subordinados à Coroa espanhola. Caso houvesse resistência, o documento
autorizava a guerra justa e a escravização.

O ideário da colonização desenvolveu-se com base nesses documentos. De acordo com esses princípios,
as populações indígenas que sobreviveram aos massacres iniciais foram forçadas a pagar tributos à
Coroa espanhola, a se converter à fé cristã e também a se adaptar aos hábitos europeus, em um
processo de etnocídio que se estendeu durante toda a colonização.

A violência cultural empregada pelos espanhóis se traduziu em ações como a queima de livros (códices),
destruição dos templos e ídolos religiosos, além da renomeação dos lugares onde viviam os indígenas
usando nomes escolhidos pelos espanhóis.

Guerra justa era o embate autorizado pela Coroa (metrópole) ou pelos governadores, como as guerras
travadas em legítima defesa contra os ataques indígenas.
Glossário
Etnocídio: destruição sistemática da cultura e dos costumes de uma etnia por grupo étnico de formação
diferente.
Página 67

Organizando ideias
Junte-se a um colega para formar uma dupla e, juntos, leiam os textos a seguir. Ambos fazem parte
de um debate realizado entre 1550 e 1551, na Espanha, entre o frei Bartolomé de Las Casas e o
jurista espanhol Juan Ginés Sepúlveda.

O debate discutia se os indígenas americanos eram ou não bárbaros e se seria justo ou não
guerrear com os nativos para propagar o cristianismo na América. Esse debate foi de extrema
importância, pois envolvia questões que permearam todo o período da modernidade. Nele, foi
exposta, de um lado, a visão etnocêntrica, defendida por Sepúlveda, de imposição de verdades
consideradas universais, em que predomina a intolerância diante dos valores do outro. Do outro
lado, Las Casas defendeu a autodeterminação dos povos e o respeito à diversidade, ainda que com
restrições, pois apoiava o ensinamento da fé católica aos nativos.

Reflitam sobre o exposto e depois façam o que se pede.

Texto 1

Aqueles que pretendem que os índios são bárbaros, responderemos que essas pessoas têm aldeias,
vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa [...].
Eles superavam também a Inglaterra, a França, e algumas de nossas regiões da Espanha [...]. Pois a
maioria dessas nações, senão todas, foram muito mais pervertidas, irracionais e depravadas, e
deram mostra de muito menos prudência e sagacidade em sua forma de se governarem e
exercerem as virtudes morais. Nós mesmos fomos piores, no tempo de nossos ancestrais e sobre
toda a extensão de nossa Espanha, pela barbárie de nosso modo de vida e pela depravação de
nossos costumes.

LAS CASAS, Bartolomé apud LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 38-39.

Texto 2

É justo e útil que [os indígenas] sejam servos, e vemos que isso é sancionado pela própria lei divina,
pois está escrito no livro dos provérbios: “o tolo servirá aos sábios”. Assim são as nações bárbaras e
desumanas, estranhas à vida civil e aos costumes pacíficos. E sempre será justo e de acordo com o
direito natural que essas pessoas sejam submetidas ao império de príncipes e de nações mais
cultivadas e humanas, de modo que graças à virtude dos últimos e à prudência de suas leis, eles
abandonam a barbárie e se adaptam a uma vida mais humana e ao culto da virtude. E se recusam
esse império, é permissível impô-lo por meio das armas e tal guerra será justa, assim como declara
o direito natural [...].

Concluindo: é justo, normal e de acordo com a lei natural que todos os homens probos,
inteligentes, virtuosos e humanos dominem todos os que não possuem essas virtudes.

SEPÚLVEDA, Juan Ginés apud WOLKMER, Antônio Carlos (Org.). Direito e justiça na América indígena: da conquista à colonização.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 70.

1. Os textos mostram posturas diferentes. Descreva cada uma delas.


2. Analise os argumentos utilizados por Las Casas para a defesa dos indígenas.

3. Analise os argumentos de Sepúlveda contrários aos indígenas.

4. De acordo com o que foi visto até agora, qual visão prevaleceu?

5. Pode-se considerar que nesse embate aparecem valores relativos a direitos humanos? Explique.

Glossário
Permissível: admissível, que pode ser permitido.
Probo: íntegro, honesto.
Prudência: cautela, moderação, sensatez.
Sagacidade: sutileza, perspicácia, inteligência.
Página 68

Resgate cultural

Os cuidados com os mortos na cultura mexicana


O catolicismo destaca em seu calendário uma data em que os mortos são lembrados e
reverenciados, o dia 2 de novembro – no Brasil, essa data é comumente referida como Dia de
Finados. No México, os rituais relacionados a esse dia mobilizam as pessoas de forma bastante
singular, com festividades que começam antes do Dia dos Mortos.

Ao contrário do Brasil, onde o Carnaval é a maior festa popular, com milhares de pessoas entregues
à folia por três dias consecutivos, no México, a maior mobilização festiva e popular ocorre no Dia
dos Mortos. Na realidade, geralmente as festividades acontecem em vários dias, entre 31 de
outubro e 2 de novembro, e em muitas cidades elas começam já no dia 28 de outubro. Parentes,
amigos e convidados festejam o retorno de seus finados com grande variedade de comidas,
bebidas, doces e frutas em banquetes espetaculares. De tão importante, o acontecimento foi
declarado patrimônio cultural da Humanidade pela Unesco.

Maria Teresa Toribio Brittes Lemos. A doce vida dos mortos. Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 2 fev.
2012. Disponível em: <www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/a-doce-vida-dos-mortos>. Acesso em: fev. 2016.

De Agostini Picture Library/Grupo Keystone

Vestígios de oferendas astecas dos séculos XIV-XVI em exposição no Museu Arqueológico da Cidade do México (México). A antiga
cidade asteca de Tenochtitlán, onde atualmente se localiza a Cidade do México, é uma importante fonte de achados arqueológicos
no México. Na área do chamado Templo Superior de Tenochtitlán, vestígios arqueológicos possibilitaram a estudiosos
compreender alguns rituais do povo asteca. Na fotografia acima, vemos um sepulcro onde foram encontrados cerca de 14 mil
objetos enterrados com o objetivo de proporcionar ao morto um trajeto seguro até Mictlán. Nesse lugar também foi encontrado o
esqueleto de um canídeo (fotografia abaixo) – com diversos objetos em ouro e pedras preciosas, indicando que o dono se tratava
de alguém poderoso na sociedade asteca –, que serviria, de acordo com as crenças daquela sociedade, para guiar o morto.

Eduardo Verdugo/AP Photo

Esqueleto de um lobo usado como oferenda pelos astecas. Cidade do México, México.
Página 69

Trata-se de um exemplo complexo de sincretismo religioso-cultural nas sociedades americanas. Os


rituais ligados à morte marcavam as práticas religiosas dos povos nativos das atuais terras
mexicanas: nessas sociedades, acreditava-se que morrer correspondia a uma vontade dos deuses
de que o falecido fosse conduzido a um espaço divino chamado Mictlán. Para chegar lá, os mortos
deveriam atravessar determinados lugares, por isso eram colocados junto a seus sepulcros
determinados objetos e até mesmo animais, com o intuito de que fizessem essa travessia em
segurança.

Yaacov Dagan/Alamy/Latinstock

Desfile de carnaval do Dia dos Mortos em Oaxaca, México, 2015. Um dos rituais da festa do Dia dos Mortos no México
corresponde a decorar e, muitas vezes, iluminar o caminho entre o cemitério onde o parente está enterrado e sua residência.

A festa do Dia dos Mortos

Ofertar, no Dia dos Mortos, é compartilhar com os defuntos o pão, o sal, as frutas, as delícias
culinárias, a água e, se são adultos, o vinho. [...]

O altar do Dia dos Mortos é uma mistura cultural para a qual os europeus contribuíram com flores,
velas e lamparinas; os indígenas agregaram o defumador de copal, as comidas e a flor do cravo-de-
defunto. O altar, como o conhecemos hoje, é também um reflexo do sincretismo do velho e do
novo mundo.

Ofrendas de día de muertos. Comisión Nacional para el desarrollo de los pueblos indígenas, 13 out. 2009. Disponível em: <
www.cdi.gob.mx/index.php?option=com_content&task=view&id=563>. Acesso em: mar. 2016.

(Tradução nossa).

O cuidado que muitas famílias no México têm em indicar o caminho entre a residência e o
cemitério, assim como em comunicar seus novos endereços no sepulcro dos parentes, remete à
ideia vigente na sociedade asteca de que os vivos poderiam empreender esforços para que os
mortos pudessem se deslocar com segurança.

1. Como é celebrado o Dia dos Mortos no Brasil? Ele tem um caráter festivo como o mexicano?
Responda no caderno.
Página 70

América Portuguesa: entre a cruz e a espada


Assim como na América Espanhola, no processo de colonização do Brasil houve união entre o Estado
português e a Igreja, ou seja, entre colonização e catequese. Em alguns casos, ocorreram conflitos entre
esses dois poderes, pois os interesses dos colonos causavam prejuízos ao processo de catequização dos
nativos.

Nos primeiros contatos com os portugueses, os indígenas trabalharam no corte e carregamento de pau-
brasil, que era trocado por produtos desconhecidos pelos nativos. Com o desenvolvimento da
agricultura, eles passaram a ser escravizados.

No decorrer do processo de colonização, com as guerras, a miscigenação e as doenças, as populações


indígenas foram bastante reduzidas.

No que se refere à catequização, a América Portuguesa recebeu religiosos de várias ordens, destacando-
se os jesuítas da Companhia de Jesus. Esses padres procuraram estabelecer uma relação com os
indígenas aprendendo a língua deles. A forma encontrada para a catequização e educação dos indígenas
nos princípios cristãos foi reuni-los em aldeamentos, chamados de missões ou reduções jesuíticas. Os
jesuítas tentavam, nesses locais, convencer os indígenas a abandonar seus costumes e ensinavam, além
da religião, a ler, escrever, contar e tocar instrumentos musicais.

Foram estabelecidas missões em quase todo o território que hoje é o Brasil, avançando inclusive para
além dos limites portugueses determinados pelo Tratado de Tordesilhas.

Nas missões, a liberdade era garantida aos aldeados, não se permitia a escravização. Os indígenas
podiam trabalhar para colonos, porém mediante remuneração. Assim, nesses locais havia reserva de
mão de obra, o que contribuiu para a colonização de vários pontos do território, sobretudo no interior.

Em 1570, uma lei proibiu a escravização dos indígenas, porém eles deveriam ser educados, adotar a
religião dos portugueses e submeter-se à autoridade deles. Caso contrário, prevaleceria o conceito de
guerra justa.

Os indígenas resistiram de diferentes formas: fugiam dos aldeamentos missionários e de outros tipos de
cativeiro, atacavam as vilas e as fazendas dos colonizadores e negociavam com europeus que estavam
em disputas com grupos indígenas inimigos. O suicídio e o sincretismo religioso também eram práticas
de resistência adotadas pelos nativos.

Um dos exemplos de resistência armada foi a Confederação dos Tamoios, aliança de indígenas da região
onde hoje é São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. O objetivo era resistir à ocupação portuguesa na
capitania de São Vicente. Nesse contexto, na tentativa de ocupar a região da Baía de Guanabara e
formar a França Antártica, os franceses aliaram-se aos tamoios, liderados por Cunhambebe. Em
contrapartida, os portugueses aliaram-se aos indígenas temiminós (liderados por Arariboia), inimigos
ferrenhos dos tamoios.

O conflito gerou um grande número de mortos, resultando na expulsão dos franceses da região em
1567. Os tamoios foram massacrados, e os temiminós presenteados com terras pelos portugueses.
Esse embate não foi apenas entre portugueses e franceses, mas também entre grupos indígenas
tradicionalmente inimigos que se aproveitaram do conflito entre os europeus para resolver suas
questões e disputas.

Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Rodolfo Amoedo. O último tamoio, 1883. Óleo sobre tela, 1,83 m × 2,61 m.
Página 71

Pausa para investigação


Junte-se a alguns colegas e forme um grupo. Pesquisem o que diz a atual Constituição em relação
aos povos indígenas. Em seguida, procurem reportagens que mostrem a situação indígena atual.
Comparem a lei com os fatos noticiados. A que conclusão vocês chegaram? Elaborem um texto
com o resultado.

A conquista da América do Norte


Centenas de grupos, como os cheroquis, iroqueses, comanches e apaches, habitavam a atual América do
Norte até a chegada dos europeus. Após sua chegada e instalação, os colonos precisaram lidar com um
problema: a conquista das terras indígenas.

Com o intuito de aumentar os territórios das colônias e o pretexto da necessidade de pregar o


cristianismo, os ingleses começaram a avançar nas terras dos nativos, expulsando-os de seus territórios.

O contato dos ingleses com os indígenas, seguido de guerras, massacres e epidemias, exterminou
grande parte deles. Se no período dos primeiros contatos havia entre 10 e 12 milhões de nativos
povoando a região, depois da conquista restaram aproximadamente 250 mil.

Relatos mostram que a epidemia de varíola, que assolou a população indígena por volta de 1630, foi
considerada uma dádiva, e “confirmava” o direito divino da exploração das novas terras pelos ingleses.

Apesar de haver poucos relatos do fato, os ingleses, assim como os portugueses no Brasil, escravizaram
e comercializaram a população indígena norte-americana.

Os indígenas tentaram de várias formas resistir à violência da colonização, tanto fugindo para o interior
quanto enfrentando os colonos.

Apesar de nem todos os grupos de colonos se oporem aos nativos e das estratégias de resistência, a
intensificação da conquista dos territórios fez com que a população indígena dos Estados Unidos
diminuísse drasticamente, o que, por sua vez, possibilitou, junto a outros fatores e investimentos, a
expansão dos colonos para o interior do país e a conquista efetiva da região.

Organizando ideias
O texto a seguir descreve a opinião dos colonos ingleses sobre os indígenas.

As opiniões dos colonos sobre os indígenas variaram, mas foram, quase sempre, negativas. Um dos
mais antigos relatos sobre eles, de 1628, de autoria de Jonas Michaëlius, mostra bem isso:

Quanto aos nativos deste país, encontro-os totalmente selvagens e primitivos, alheios a toda
decência; mais ainda, incivilizados e estúpidos, como estacas de jardim, espertos em todas as
perversidades e ímpios, homens endemoniados que não servem a ninguém senão o diabo [...]. É
difícil dizer como se pode guiar a esta gente o verdadeiro conhecimento de Deus e de seu
mediador Jesus Cristo.
Jonas Michaëlius parte de um ponto de vista europeu. Como os índios não têm uma cultura
semelhante à europeia, ele os considera incivilizados. [...]

KARNAL, Leandro. Estados Unidos: a formação da nação. São Paulo: Contexto, 2007. p. 59.

1. A postura dos colonos ingleses em relação aos indígenas da América do Norte foi a mesma dos
outros europeus nas regiões que colonizaram. Em dupla, elabore um texto descrevendo de forma
geral os grupos que habitavam as Américas e a visão etnocêntrica dos europeus sobre os nativos.
Página 72

Debate interdisciplinar

Intercâmbio de alimentos entre


a

Europa e a
América
A chegada dos europeus à América foi o começo de uma das transformações mais revolucionárias nos
hábitos alimentares dos seres humanos. Nos primeiros anos da conquista, os espanhóis resistiram a
comer produtos nativos americanos, por isso trouxeram consigo plantas e animais de sua terra natal.
Todavia, os espanhóis enviavam à Europa todos os alimentos exóticos que os nativos lhes ofereciam
para, de alguma forma, apaziguar a Coroa pelas dificuldades que tinham de encontrar os tão desejados
metais preciosos. Progressivamente, por meio dessa troca entre América e Europa, a fauna e a flora de
ambos os continentes foram modificadas, pois diversas plantas e animais adaptaram-se aos novos
climas. Com isso, a dieta dos habitantes das duas regiões foi enriquecida.

A domesticação dos animais


Araras, periquitos, papagaios, macacos, serpentes e tantos outros animais eram recolhidos das florestas
tropicais e enviados para a Europa, além de outros que eram criados nas aldeias pelos nativos. Esse
hábito foi prontamente adotado pelos europeus com suas espécies nativas.

1 Xoloitzcuintle
É uma raça de cães sem pelos, da Mesoamérica, considerada a mais antiga das raças puras de cachorro,
com registros arqueológicos de mais de 3 mil anos. Esse cachorro poderia ser criado em casa como
animal de estimação, mas sua carne também era usada pelos nativos como alimento e bastante
apreciada em rituais como os jogos de bola.

2 Perus
Os astecas consumiam a carne e os ovos de diferentes espécies de perus.

3 Cavalos 4
Os espanhóis trouxeram cavalos à América para auxiliar no transporte e nos combates militares.

4 Trilogia dos animais


Porcos, cabras e ovelhas eram a “trilogia de animais” favorita dos conquistadores. Os porcos
multiplicavam-se rapidamente e eram bem aceitos na culinária. As vacas demoraram mais para se
reproduzir.

Cabras e ovelhas
Forneciam carne, leite e algodão.

Vacas
Multiplicaram-se de modo selvagem.

Porcos
Eram fáceis de criar e todas suas partes eram utilizadas.

Galinhas
Essas aves domésticas espalharam-se em razão da riqueza de seus ovos
e de sua carne.

Palmeiras
Elas forneciam palmito, coco e outros produtos considerados exóticos na Europa.

Cavalos, burros e jumentos


Eram utilizados pelos nativos americanos para transporte de cargas.

©Sol 90 Images
Página 73

O impacto da criação de animais


O encontro entre europeus e nativos americanos foi espantoso para os dois povos, que se
surpreenderam com as diferenças físicas, culturais e alimentares entre eles. Os conquistadores
trouxeram ao Novo Mundo diversos animais que facilmente foram integrados à diversidade geográfica e
às tradições culinárias locais.

Atividades
1. Qual foi o impacto nos hábitos alimentares dos seres humanos após a chegada dos europeus à
América?

2. Explique a influência da domesticação dos animais na cultura europeia.


Página 74

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (UFPA) Em 1533, ao descobrir a cidade de Cuzco, os espanhóis ficaram impressionados com o


plano harmonioso de suas dimensões. O edifício mais notável da cidade era o Templo do Sol, o que
revela a importância do culto solar, tanto que o Imperador Inca

a) ao ser investido no cargo era transformado em “filho do Sol”, constituindo-se em mediador


privilegiado nas relações deste mundo com o sobrenatural.

b) assumia o controle de todas as cerimônias religiosas, visto que o imperador era considerado da
linhagem dinástica de Manko Kapaq.

c) desposava uma irmã, o que o envolvia cada vez mais com os laços familiares, tornando o incesto
uma instituição necessária à manutenção da dinastia de Kapaq.

d) era apresentado como “órfão e pobre”, embora reconhecesse o grupo de parentesco como
condição necessária para que fosse reconhecido como “filho do Sol” e tivesse o direito de morar no
Templo do Sol.

e) estabelecia alianças com outras dinastias Incas, com o propósito de fortalecer o mito de Manko
Kapaq e garantir a perpetuação de uma linhagem, ao mesmo tempo, divina e terrena.

2. (Enem) Segundo a explicação mais difundida sobre o povoamento da América, grupos asiáticos
teriam chegado a esse continente pelo Estreito de Bering, há 18 mil anos. A partir dessa região,
localizada no extremo noroeste do continente americano, esses grupos e seus descendentes teriam
migrado, pouco a pouco, para outras áreas, chegando até a porção sul do continente. Entretanto,
por meio de estudos arqueológicos realizados no Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí),
foram descobertos vestígios da presença humana que teriam até 50 mil anos de idade. Validadas,
as provas materiais encontradas pelos arqueólogos no Piauí

a) comprovam que grupos de origem africana cruzaram o Oceano Atlântico até o Piauí há 18 mil
anos.

b) confirmam que o homem surgiu primeiramente na América do Norte e, depois, povoou os


outros continentes.

c) contestam a teoria de que o homem americano surgiu primeiro na América do Sul e, depois,
cruzou o Estreito de Bering.

d) confirmam que grupos de origem asiática cruzaram o Estreito de Bering há 18 mil anos.

e) contestam a teoria de que o povoamento da América teria iniciado há 18 mil anos.

3. (Enem) O índio era o único elemento então disponível para ajudar o colonizador como
agricultor, pescador, guia, conhecedor da natureza tropical e, para tudo isso, deveria ser tratado
como gente, ter reconhecidas sua inocência e alma na medida do possível. A discussão religiosa e
jurídica em torno dos limites da liberdade dos índios se confundiu com uma disputa entre jesuítas e
colonos. Os padres se apresentavam como defensores da liberdade, enfrentando a cobiça
desenfreada dos colonos.

CALDEIRA, J. A nação mercantilista. São Paulo: Editora 34, 1999 (adaptado).

Entre os séculos XVI e XVIII, os jesuítas buscaram a conversão dos indígenas ao catolicismo. Essa
aproximação dos jesuítas em relação ao mundo indígena foi mediada pela

a) demarcação do território indígena.

b) manutenção da organização familiar.

c) valorização dos líderes religiosos indígenas.

d) preservação do costume das moradias coletivas.

e) comunicação pela língua geral baseada no tupi.

4. (ESPM-SP) Figura ativíssima durante o século XVI, quando os espanhóis conquistaram e


exploraram a América, o frei Bartolomeu de las Casas tornou-se conhecido por:
Página 75

Responda no caderno

a) atuar como grande defensor da vida, da liberdade e da dignidade dos índios, tendo enfrentado
diversos teólogos que defendiam a legitimidade da conquista e a escravidão dos mesmos.

b) haver sido o principal teórico a fornecer a justificativa teológica para a conquista espanhola da
América e a escravização da população indígena.

c) criticar intransigentemente a utilização de escravos africanos nas regiões da América espanhola,


sob a alegação de negros e espanhóis pertencerem à raça humana e de terem sido criados à
imagem e semelhança de Deus.

d) teorizar sobre o direito ou não de os espanhóis escravizarem os indígenas embora jamais tenha
vivido em terras da América.

e) elaborar a obra Brevíssimo relatório da destruição das Índias, que admitia o direito da coroa
espanhola de conquistar a América e escravizar os indígenas em casos de guerra justa.

5. (Fuvest-SP) A colonização, apesar de toda violência e disrupção, não excluiu processos de


reconstrução e recriação cultural conduzidos pelos povos indígenas. É um erro comum crer que a
história da conquista representa, para os índios, uma sucessão linear de perdas em vidas, terras e
distintividade cultural. A cultura xinguana – que aparecerá para a nação brasileira nos anos 1940
como símbolo de uma tradição estática, original e intocada – é, ao inverso, o resultado de uma
história de contatos e mudanças, que tem início no século X d.C. e continua até hoje.

FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

Com base no trecho acima, é correto afirmar que:

a) o processo colonizador europeu não foi violento como se costuma afirmar, já que preservou e
até mesmo valorizou várias culturas indígenas.

b) várias culturas indígenas resistiram e sobreviveram, mesmo com alterações, ao processo


colonizador europeu, como a xinguana.

c) a cultura indígena, extinta graças ao processo colonizador europeu, foi recriada de modo
mitológico no Brasil dos anos 1940.

d) a cultura xinguana, ao contrário de outras culturas indígenas, não foi afetada pelo processo
colonizador europeu.

e) não há relação direta entre, de um lado, o processo colonizador europeu e, de outro, a


mortalidade indígena e a perda de sua identidade cultural.

Para você ler


• Breve história dos astecas, de Marco Antonio C. Obregón. Rio de Janeiro: Versal editores, 2015. O
livro aborda a história dos astecas, suas origens míticas, as crenças e os rituais religiosos, além de
destacar as construções monumentais desse povo. Traça ainda um panorama da conquista de seus
territórios pelos espanhóis.

• Índios no Brasil, de Manuela Carneiro da Cunha. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. A autora
examina aspectos da história dos indígenas no Brasil e procura desconstruir preconceitos sobre a
organização desses povos. Apresenta ainda um histórico dos direitos indígenas no país e os
fundamentos para sua implementação.

Para você assistir


• 1492: a Conquista do Paraíso, direção de Ridley Scott. EUA/Espanha/França/Inglaterra, 1992, 155 min.
Lançado em 1992, em comemoração ao 500º aniversário da chegada de Cristóvão Colombo às Américas,
o filme mostra os efeitos desastrosos da chegada dos europeus sobre os habitantes nativos e a luta de
Colombo para conquistar o Novo Mundo.

Para você navegar


• Museu Nacional de Antropologia do México. Disponível em: <www.mna.inah.gob.mx>. Acesso em:
mar. 2016. O site, em espanhol, dá acesso virtual ao museu, cujo acervo conta a história do país desde
antes da chegada de Cristóvão Colombo.
Página 76

3Colonização da América:
exploração e resistência
Neste capítulo
A América do século XXI
A empresa colonial espanhola
A empresa colonial portuguesa
A colonização da América Inglesa
Revolução Americana: a primeira reação americana contra a metrópole
Independências na América Espanhola
Independência da América Portuguesa

Museu de Arte de São Paulo/The Bridgeman Art Library/Getty Images

Jean-Baptiste Debret (1768-1848). O caçador de escravos. Óleo sobre tela, 27 cm × 25,2 cm.

A chegada dos conquistadores ao continente americano no século XV mudou o “mapa do


mundo”, pois essas terras não eram conhecidas até então, ao menos pelos europeus que
aqui chegaram. E, ao desembarcarem no continente, eles depararam-se com uma enorme
diversidade étnica e cultural.

Depois, veio a colonização. Espanhóis, portugueses e ingleses instalaram-se em seus


domínios coloniais. Das terras que hoje formam o continente americano, retiraram metais
preciosos, e nelas iniciaram produções agrícolas que visavam ao enriquecimento e ao
sustento das metrópoles.
Página 77

O processo de colonização ocorreu de maneira diferente em cada região, pois dependeu


dos interesses e da organização de cada metrópole.

Neste capítulo, abordaremos o processo de conquista e colonização do continente


americano, as sociedades coloniais, a organização política, o trabalho, a vida cultural, as
contradições entre metrópoles e colônias, os movimentos de rebelião e os processos
emancipatórios.
Página 78

A América do século XXI


O continente americano que conhecemos hoje é fruto da combinação entre a colonização europeia, que
se iniciou no século XVI, e a diversidade de povos que aqui viviam. Naquele período, os europeus
encontraram um continente habitado por povos com enorme diversidade étnica e cultural. Algumas
sociedades eram, inclusive, altamente organizadas social e economicamente.

Enquanto em países como a Bolívia e o Peru a maioria da população é formada por descendentes de
indígenas, em outros, como a Colômbia e a Venezuela, predomina a descendência espanhola. No Brasil,
temos ao mesmo tempo algumas áreas onde predominam os descendentes europeus e outras com
grande número de afrodescendentes.

A atual divisão do continente em países é fruto dos movimentos de independência das metrópoles.
Foram lutas que aconteceram de formas diversas em busca da libertação do jugo das nações
conquistadoras. Assim se fez a América e assim ela se tornou dos americanos.

No texto a seguir, o autor define a América Latina no século XXI. Seu conceito pode ser estendido a todo
o continente.

Mark Green/Alamy Stock Photo/Latinstock

Mulheres da etnia quíchua vendendo tecidos tradicionais no Vale de Lares. Cuzco, Peru, 2013.
Meridith Kohut/Bloomberg/Getty Images

Família de venezuelanos. Venezuela, 2014.

A América Latina pode ser vista como um vasto, complexo e movimentado laboratório de culturas
e civilizações, formas de sociabilidade e jogos de forças sociais, etnias e racismos; compreendendo
estruturas de dominação e apropriação, nativismo e nacionalismo, colonialismo e imperialismo;
ingressando na época do globalismo. Parece um labirinto ou nebulosa, experimentando ciência e
tecnologia, realizações e frustrações, ideologias e utopias. [...]

Ainda não se sabe se a América Latina é um continente, um conglomerado de territórios e


fronteiras, ilhas e arquipélagos; uma coleção de nações geradas por dentro e por fora do
colonialismo, imperialismo e globalismo, atravessadas pelo escravismo, enraizadas no indigenismo,
afro-americanismo, iberismo, europeísmo, americanismo e ocidentalismo.

IANNI, Octávio. Enigmas do pensamento latino-americano. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo. p. 2-3. Disponível em: <www.iea.usp.br/textos/iannienigmas.pdf>. Acesso em: mar. 2016.
Página 79

A empresa colonial espanhola


A colonização da América foi parte do processo de expansão comercial europeia. Espanhóis e
portugueses procuravam explorar suas colônias, colocando em prática uma política mercantilista. De
acordo com essa política, as relações entre a metrópole e a colônia sempre beneficiariam a primeira,
que reservava para si o monopólio (exclusividade) do comércio com suas colônias. Era o pacto colonial.
matérias-primas e gêneros tropicais

A mineração tornou-se, logo de início, a atividade econômica básica do império hispano-americano,


conforme descrito no texto a seguir.

A busca das minas foi o motor da conquista: o processo da economia mineira – explorar até o
esgotamento e, depois, partir para mais longe – marcou toda a economia da América Latina.
Situadas pela natureza no coração da cadeia dos Andes, a 3.400 metros de altitude, e por vezes
mais [...] as minas americanas foram devoradoras de índios fornecidos pela mita (rezava-se por
eles o ofício dos mortos antes da partida). [...]

As minas americanas não marcaram apenas a economia do Continente: têm as maiores


responsabilidades na história europeia. Houve entre a América e a Europa um amplo intercâmbio.
[...] A América deu à Europa o fumo, o milho [...] mas deu-lhe sobretudo os seus metais preciosos.
A sua responsabilidade na história europeia é capital. Quando, impelida pela sede de ouro e prata
tanto quanto pela sua sede de especiarias, a Europa foi ao encontro da América, encontrou
primeiro o ouro das Antilhas em pequena quantidade, mas, a partir de 1530-1540, a descoberta
das minas de prata do México e do Peru, e a adaptação aos minérios americanos (1558- 1560, na
Nova Espanha; 1572-1575, no Peru) do processo de fabrico por amálgama com o mercúrio, fez dar
à produção de prata no Novo Mundo um salto prodigioso. Foi esse fato que desencadeou a crise
dos preços no século XVI e salvou a Europa de uma nova Idade Média, permitindo a reconstituição
de seu estoque metálico. A prata do México e, sobretudo, a do Peru escoam regularmente, [...], a
partir de Sevilha, ponto inicial, através da Espanha, depois entra na França, na Itália, na Inglaterra,
na Alemanha e nos Países Baixos, fortalecendo por todo o lado a economia, à sua passagem.
Graças principalmente à abundância das espécies monetárias, o século XVI é um período de
prosperidade.

CHAUNU, Pierre. História da América Latina. São Paulo: Difel, 1976. p. 55-56.

Mita foi o nome utilizado no Peru para designar uma organização de trabalho indígena que os espanhóis
herdaram dos incas no Período Colonial. Essa forma de trabalho compulsório consistia em deslocar certo
número de indígenas de suas comunidades para atuar quase ininterruptamente na extração de
minérios. Como a atividade tinha prazo determinado, os indígenas trabalhavam por uma quantidade de
meses, que variava de acordo com a região. Embora eles recebessem pelo serviço, as quantias eram
irrisórias.
Página 80

© DAE/Sonia Vaz

Fonte: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina Colonial, 2. ed. São Paulo: Edusp; Brasília: Funag, 1998. v. 1. p.
100-101.

Pela leitura do texto, é possível perceber que os metais preciosos da América foram de suma
importância para a economia europeia do período. Entre os anos de 1503 e 1660, chegaram à Espanha
oficialmente (cabe salientar que o contrabando era intenso) cerca de 85 mil quilos de ouro e 16 milhões
de quilos de prata. Apesar de todas essas riquezas, a Coroa espanhola estava com graves problemas
financeiros. Sem indústrias, com uma aristocracia dependente da Coroa, enfrentando guerras em
diversas frentes, os espanhóis viviam na ilusão de que eram ricos e poderosos – já que, na verdade, as
riquezas extraídas da América iam parar nas mãos de holandeses, franceses, italianos, ingleses e
alemães como forma de pagamento das dívidas contraídas pela Espanha. Como se percebe, por
intermédio da Espanha e também de Portugal, a América financiava as transformações no modo de
produção europeu.
Página 81

ENTRADAS DE OURO E PRATA AMERICANOS NA CASA DE CONTRATAÇÃO DE SEVILHA


Período Kg de ouro Kg de prata Valor total das entradas em
milhões de pesos
1551-1560 42620 303121 17,86
1561-1570 11530 942858 23,34
1571-1580 9429 1118592 29,15
1581-1590 12101 2103027 53,20
1591-1600 19451 2707626 69,60
1601-1610 11764 2213631 53,38
1611-1620 8855 2192255 52,10
1621-1630 3889 2145339 49,67
1631-1640 1240 1396759 31,98
1641-1650 1549 1056430 24,36

Fonte: VILAS, Pierre. Oro y moneda en la historia (1450-1920) apud SANTIAGO, Théo (Org.). América Colonial. São Paulo: Ícone, 1988. p.
144.

A grande afluência de metais preciosos provocou a chamada “revolução dos preços” na Europa, ou seja,
um gigantesco processo inflacionário. De acordo com o preceito mercantilista adotado pelos espanhóis,
o acúmulo de metais preciosos representava o enriquecimento da nação. A consequên cia dessa política
podia ser notada na pobreza da produção de manufaturas, no encarecimento dos meios de subsistência,
no comércio especulativo e nos gastos exagerados de uma aristocracia improdutiva, o que contribuiu
para aprofundar a pobreza das camadas sociais exploradas. Em suas colônias americanas, as autoridades
espanholas não aplicaram integralmente a doutrina mercantilista, pois toleraram a continuidade da
produção artesanal nativa mediante o sistema chamado de obraje.

As obrajes eram manufaturas de tecidos e roupas de lã da América Espanhola. Desenvolveram-se na


região de Quito e no México. Para essa atividade, utilizou-se, de forma mais intensa, o trabalho escravo
e a mão de obra livre assalariada. Indígenas e criminosos eram sentenciados a trabalhar nas obrajes por
meses e até anos. As principais tarefas eram lavar, cardar, fiar e tecer. Eram oficinas de exploração, com
baixa remuneração e péssimas condições de trabalho e alimentação.

Os colonos produziam os mais diversos artigos. À medida que as especialidades aumentaram, a


produção colonial passou a fazer frente, com relação a qualidade e preços, à produção metropolitana.

O rendimento da economia colonial era baixo em razão dos métodos de exploração: as relações de
produção – escravidão e relações “servis” – e a exploração metropolitana, que impedia o
desenvolvimento das forças produtivas.

Nas colônias, as atividades mineradoras causaram grande impacto, por exemplo, o aumento dos
rendimentos das coroas e também mudanças no dia a dia dos colonos, que passaram a ser escravizados
para as atividades mineradoras.

Muitos vilarejos, e posteriormente cidades, desenvolveram-se graças ao aumento das atividades


mineradoras. O caráter exploratório dessa relação fez com que a metrópole promovesse a retirada de
minérios até o limite em determinadas regiões, o que, além de esgotar os recursos naturais da região,
expunha as populações nativas ao trabalho exaustivo nas minas.

Um exemplo desse processo foram as minas de prata do Potosí, localizadas no Cerro de Potosí, no Alto
Peru, atual território boliviano. Inicialmente, as
Glossário
Cardar: destrinchar, desembaraçar.
Página 82

minas foram lavradas e exploradas externamente, ou seja, em veios que corriam na superfície das
montanhas. Entretanto, no decorrer da exploração, foram cavados túneis para explorar o interior das
montanhas e retirar dali o máximo possível de riquezas.

Com o declínio da atividade mineradora, a exploração agropecuária – como as plantações de cana-de-


açúcar, os engenhos, as plantações de cacau e café e a criação de gado, sobretudo nos pampas e
planícies – passou a ter muita importância. O predomínio dos latifúndios, da mão de obra escrava
africana e a produção voltada para o mercado externo caracterizaram esse período.

O trabalho nas minas


Nos séculos XVI e XVII, a busca por metais preciosos levou os espanhóis a ocupar todos os cantos do
território americano, o que constituiu uma contribuição marcante para a rápida exploração e
colonização do continente.

Bildarchiv Steffens/AKG-Images/LatinStock

Antonio de Herrera y Tordesillas. As minas de Potosí, c. séc. XVI-XVII. Gravura.

Com o objetivo de encontrar ouro, os espanhóis colonizaram, primeiramente, as Antilhas, mas, tendo
encontrado pouca quantidade desse metal, instalaram-se gradativamente em Istmo, Nova Espanha
(atual México), e em seguida no Peru, regiões dotadas de muitas jazidas. Na busca por minérios,
descobriram jazidas no atual México e, na América do Sul, nos Andes centrais orientais.

Conforme os distritos começaram a gerar aumento de renda para a Espanha, novas vilas foram surgindo
em regiões antes habitadas apenas pela população nativa. As estradas e o comércio expandiram-se
proporcionalmente ao desenvolvimento dos novos centros econômicos, possibilitando a circulação,
pelas vilas mineiras, de mercadorias como roupas e vinhos, escravos da África, seda e especiarias do
Oriente. Os habitantes das vilas pagavam por tudo isso com enormes quantidades de metais preciosos,
o que gerou um grande acúmulo de minérios pelos espanhóis.

Nessas regiões, a mineração também estimulou o cultivo agrícola e a criação de gado bovino, o que
contribuiu para o crescimento econômico e populacional.

Entretanto, esse grande crescimento se apoiou na exploração da mão de obra indígena, tendo em vista
que as atividades mineradoras utilizaram o trabalho dos nativos em larga escala. As péssimas condições
de trabalho, contudo, somadas à alimentação precária, ao alcoolismo (incentivado pelos europeus) e ao
crescente endividamento – considerando os sistemas de exclusividade e cadernetas de compras nas
vendas das vilas mineradoras –, contribuíram para desestruturar comunidades nativas. Os mitaiosque
atuavam nas minas raramente voltavam para casa. A expectativa de vida era baixíssima em razão das
doenças, dos acidentes e das duras condições de trabalho.

Essas condições contribuíram para a extinção de grande parte das populações nativas da América
Espanhola, que migraram do ambiente rural para o urbano. Nesses locais, além de terem sido, muitas
vezes, escravizados ou forçados ao trabalho em troca de pagamentos irrisórios, os indígenas tiveram sua
cultura esmagada pelo sistema de produção imposto pelos colonizadores.

Glossário
Mitaio: no sentido em que aparece no texto, refere-se aos trabalhadores das minas.
Página 83

DEA/G. DAGLI ORTI/Getty Images

Índios escravos trabalhando em uma mina em Cuba. Gravura de livro de André Thevet, séc. XVI.

Organizando ideias

Leia o texto a seguir e responda às questões. As repercussões sociais da mineração

Tanto para os indivíduos quanto para as comunidades nela envolvidas, a mineração exerceu
profundos efeitos sociais. Para o imigrante da Espanha ou para o colono pobre, a mineração
oferecia um caminho rápido, embora perigoso, para alcançar a distinção social. Os pouco
afortunados, por exemplo, que descobriram um veio no norte da Nova Espanha, na segunda
metade do século XVI, tornaram-se figuras de proeminência social. [...] A riqueza proveniente da
mineração era fonte não só de projeção social, como também de poder político. [...] Naturalmente,
porém, a mineração podia elevar um homem a altas posições sociais e políticas e em seguida lançá-
lo no abismo. Se o veio se perdesse, ou as galerias de repente ficassem inundadas, então uma mina
engoliria a prata com a mesma velocidade com que a havia vomitado. Os credores fechavam o
cerco, tomando terras, casas e bens pessoais. [...]

Também para os índios a mineração podia trazer profundas alterações sociais. A mais radical delas
foi a mudança da zona rural para a urbana que a mineração frequentemente impunha, a mudança
das comunidades agrícolas tradicionais para as vilas relativamente grandes, dominadas pelos
espanhóis. Essa transferência foi imposta a muitos índios pelo recrutamento forçado de mão de
obra; no entanto, alguns não retornaram a seu lugar de origem e decidiram permanecer no local
para onde haviam sido transferidos, criando dessa forma nos centros maiores, a partir do final do
século XVI, um corpo de mineiros profissionais que trabalhavam em troca de salários e passavam a
adotar hábitos espanhóis. [...] Foram, assim, perdendo pouco a pouco a sua identidade indígena e
passaram à categoria demestizo, na cultura, quando não no tipo genético. Evidentemente, essa
proletarização e aculturação dos índios não era rara nas cidades coloniais, uma vez que estas
constituíam o centro da presença espanhola, enquanto a zona rural permanecia
predominantemente indígena.
BAKEWELL, Peter. A mineração na América Espanhola Colonial. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: América
Latina Colonial. São Paulo: Edusp; Brasília: Funag, 2004. v. II. p. 127-128.

1. De acordo com o texto, de que maneira a mineração contribuiu para que colonos e imigrantes
espanhóis conseguissem distinção social? Pode-se afirmar que essa nova situação era definitiva?
Explique.

2. Qual foi o impacto social e cultural que a mineração causou nas populações indígenas?
Justifique.

3. De que maneira a mineração colaborou para o surgimento de vilas e centros urbanos?


Página 84

A exploração da mão de obra


A mão de obra nativa foi largamente utilizada na América Espanhola, especialmente nas regiões com
alta densidade demográfica, como o Peru e o México. A escravização legal e ilegal dos indígenas, para
serem usados como força de trabalho, ocorreu nas áreas periféricas. Apesar de a prática escravagista ser
proibida, senhores espanhóis moviam guerras para justificar a escravização dos indígenas. No México e
no Peru, no início da colonização, os conquistadores sistematizaram o trabalho sob a forma da
encomienda.

A encomienda era a instituição por meio da qual a Coroa entregava, aos senhores espanhóis, “em
encomenda”, indígenas que deveriam ser protegidos e catequizados; em troca disso, os nativos tinham
de lhes pagar tributos. A partir de 1542, a encomienda só poderia comportar tributos, não serviços, mas
a modificação não foi obedecida em várias regiões. A princípio, os indígenas foram entregues
provisoriamente aos encomenderos, porém, com o passar do tempo, a entrega tornou-se permanente.

A encomienda representava um meio-termo entre a escravidão e o princípio do trabalho livre, desejado


pela Coroa. Na realidade, os nativos eram sobrecarregados com trabalho, maltratados e subnutridos, e,
apesar da proibição da lei, indígenas de encomienda eram vendidos ou alugados. Em muitos lugares, a
encomienda não durou mais que duas ou três gerações. A causa de sua extinção foi a dizimação da
população nativa, que sucumbia às doenças, à fome e à fadiga impostas no processo de exploração do
trabalhador. O rei espanhol Carlos V suprimiu todas as formas de encomienda em 1549.

Outro modo de exploração foi o chamado repartimiento, que, no Peru, ficou conhecido como mita e, no
México, como cuatéquitl. Os vocábulos são de origem indígena, pois a instituição já existia antes da
chegada dos europeus. No Peru, por exemplo, a mita era o tributo pago pelas comunidades aos
governantes incas.

O repartimiento de indígenas era uma forma de trabalho compulsório, temporário e remunerado que as
comunidades nativas tinham de prestar aos espanhóis.

O trabalho compulsório imposto aos nativos, além das longas jornadas e péssimas condições de
trabalho, alojamento e alimentação, resultou na morte de muitos indígenas, fator determinante para a
diminuição das populações naturais da América.

Departamento de História da Marinha, França


Theodore de Bry. Índios da Flórida plantando milho, 1591. Gravura colorida. Os nativos americanos desempenharam diversas
funções na sociedade colonial espanhola, desde as relacionadas à manutenção da vida cotidiana até as que sustentavam a
empresa colonial.

Nestas últimas, intervinham os mestiços e os índios já desligados das comunidades: terrazgueras e


peones (México), yanaconas (Peru), inquilinos (Chile), huasipungos (Equador). Tais formas foram,
na verdade, bem heterogêneas, desde o yanacona andino, que era praticamente um servo, até o
arrendatário ou parceiro, passando pelo típico peão residente ou acasillado, que recebia algum
dinheiro, rações de alimentos, uma cabana, um lote de subsistência e crédito no barracão. Os
peões por dívidas – dívidas que se originavam dos adiantamentos monetários e das compras feitas
na tienda de raya – difundiram-se como forma de obter trabalho rural no século XVIII, garantindo o
núcleo de trabalhadores residentes permanentes à disposição da fazenda [...].

CARDOSO, Ciro Flamarion S. O trabalho na América Latina. São Paulo: Ática, 1985. p. 49.
Página 85

Localizadas nas haciendas, as tiendas de raya eram armazéns onde se pagavam os salários e se vendiam
artigos para os trabalhadores. O papel das tiendas, entretanto, trazia outras implicações, uma vez que,
tendo de consumir os produtos de necessidade básica fornecidos pelas haciendas, os trabalhadores
acabavam criando dívidas com seus senhores. Dessa forma, quando recebiam o salário, pagavam o que
deviam e já precisavam de mais produtos, obtendo dívidas que só seriam saldadas no próximo
pagamento, o que impedia que se desvinculassem da atividade nas propriedades.

A diminuição do número de indígenas, a desagregação das comunidades nativas, o aumento no número


de mestiços e o avanço de uma economia monetária propiciaram o aparecimento de novas formas de
trabalho, sobretudo nas fazendas.

A dificuldade de empregar a mão de obra na tiva nas operações comerciais levou os europeus a utilizar o
trabalho de africanos escravizados na agricultura, nas minas, no artesanato, na indústria de confecções,
na Marinha Real e em uma série de outros lugares e práticas. Por serem considerados caros, os
africanos eram usados nas atividades mais rentáveis. Enquanto a escravidão dos indígenas provocou
duras condenações por parte de religiosos, a africana raramente foi criticada até o século XVIII. Com a
gradativa diminuição das populações indígenas, os africanos escravizados foram sendo introduzidos em
diversas regiões, sobretudo na costa da Venezuela e da Colômbia.

Coleção particular

Theodore de Bry. Negros trazidos de sua terra natal para trabalhar como escravos na América Espanhola, c.1541-1556. Gravura.

A escravidão negra esteve presente na América espanhola desde a chegada dos europeus. Cortés e
Pizarro receberam licença para a importação de escravos como uma compensação pelos gastos
pessoais ocorridos na conquista. O tráfico negreiro realizava-se muitas vezes como contrabando e,
portanto, seus números são imprecisos. [...] estima que chegaram aos territórios espanhóis 75 mil
escravos no século XVI; 125 mil no período de 1600-1650 e 344 mil entre 1651-1760 (média anual
de 3 mil). Enquanto isso, na América portuguesa, o mesmo autor estima que entraram 560 mil, só
no século XVII, perfazendo 41,8% do total de escravos remetido à América. A escravidão negra foi
empregada nas zonas de baixa densidade populacional, principalmente para o trabalho em minas
(México no século XVI, e Nova Granada), ou nas re giões onde a população autóctone havia sido
dizimada, prioritariamente nos cultivos tropicais de exportação, as plantations.
Foi uma relação minoritária na maior parte dos territórios espanhóis, mas adquiriu importância no
século XVIII nas costas caribenhas da Nova Granada e da Venezuela (com o cultivo do cacau), nas
faixas litorâneas do Equador e Peru e na ilha de Cuba (açúcar). As ordens religiosas utilizaram muito
a mão de obra escrava em suas propriedades. Os jesuítas possuíam, quando de sua expulsão dos
domínios espanhóis, em 1767, 5.224 escravos em suas fazendas peruanas, dos quais 62% na
plantation açucareira e 30% nos vinhedos. Comumente recebiam parcelas para cultivar seus
próprios alimentos [...], como ocorreu em outras áreas escravistas. [...]

WASSERMAN, Claudia (Coord.). História da América Latina: cinco séculos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010. p. 50-51.
Página 86

Os escravos africanos não trabalharam apenas nas grandes plantações. Muitos se tornaram artesãos,
criados domésticos, capatazes, pequenos comerciantes, barbeiros, lojistas e rea lizavam tarefas
remuneradas a terceiros. Na América Portuguesa esses escravos eram chamados de “escravos de
ganho”. Alguns deles economizavam e, com seus rendimentos, compravam a alforria. Alguns senhores,
por gratidão ou dificuldade econômica, libertavam seus cativos. As fugas também eram comuns, daí a
formação de quilombos no Brasil e de palenques na América Espanhola.

Quilombo é uma palavra de origem banta, que, no período escravista da América Portuguesa, foi
utilizada para designar o ajuntamento de escravos fugitivos. Nos quilombos, os negros se reuniam para
fugir do trabalho escravo, proteger-se do “resgate” de seus senhores, cultivar lavouras para sua
subsistência e dar continuidade a suas práticas culturais e religiosas. O mais famoso quilombo brasileiro
foi o Quilombo dos Palmares (fim do século XVI e início do século XVII), na região que hoje pertence ao
estado de Alagoas.

Na América Espanhola, o mesmo tipo de comunidade se organizava, mas sob a denominação de


palenque.

Organizando ideias
Leia o texto a seguir, sobre a escravidão africana na América Espanhola, e faça o que se pede.

Os negros trabalham principalmente na produção de minérios preciosos e nas plantações. O


trabalho nas minas, extremamente duro, consome rapidamente a mão de obra, de modo que os
espanhóis preferem os índios, cuja morte prematura não lamentam, pois não pagavam nada por
eles. [...]

Em regiões como Nova Granada (Colômbia) utiliza-se quase que exclusivamente negros na extração
de minérios, pois não há índios disponíveis. [...]

O ritmo de reprodução biológica do escravo é muito lento; em todo caso, menor que as
necessidades de reposição de mão de obra. Na América espanhola não há nada parecido com os
criadores de escravos da Virgínia e Carolina do Sul (Estados Unidos) destinados à venda para
plantações de algodão localizadas mais ao sudoeste. Pelo contrário: é notória a alta taxa de abortos
provocados deliberadamente pelas mulheres escravas, ou então como consequência das duras
condições de trabalho. Além disso, para o proprietário, uma mulher grávida é mão de obra forçada
a trabalhar menos. Assim, para não perder os dias de trabalho, os amos preferem que as mulheres
abortem.

No geral, tendeu-se – e não somente nas colônias espanholas – a importar muito mais homens
negros que mulheres. [...] O homem é preferido por razões produtivas. No que se refere às crianças
que nascem, a enorme mortalidade existente nas plantações faz com que somente 10% delas
chegue à idade adulta. [...]

Geralmente os amos possuem negros de diferentes origem tribal e cultural. Quanto menos se
entenderem entre si, menores são as possibilidades de entrar em acordo para ações comuns de
reivindicações. [...]
Quando a escravidão e a servidão são abolidas legalmente, sem que isso signifique ao mesmo
tempo mudanças fundamentais na estrutura da sociedade, os valores antigos persistem, assim
como os hábitos e usos, os preconceitos raciais e o simbolismo inerentes à sociedade legalmente
superada, mas não nas relações reais, atuantes e eficazes. O que usualmente se chama de
“mentalidade” se prolonga, se petrifica em favor da permanência daquilo que, dia a dia, hora a
hora, segrega essa “mentalidade”. [...]

POMER, León. História da América Hispano-Indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 116-121.

1. Aponte as características do sistema escravagista citadas pelo autor.

2. Segundo o autor, os proprietários de escravos utilizavam diferentes estratégias para evitar


resistência e união dos escravos. De acordo com as informações anteriores, é possível afirmar que
essa estratégia sempre funcionava? Explique.

3. Explique a que “mentalidade” o autor faz referência no último parágrafo do texto.


Página 87

Resgate cultural

Imigrantes latino-americanos no Brasil


Nas últimas décadas o Brasil passou a atrair um grande número de imigrantes, especialmente de países
da América Latina. Entre as dificuldades enfrentadas por essas populações, a que mais se destaca é a
dificuldade de inserção no mercado de trabalho.

Em 2013, dos estrangeiros com vínculo formal de trabalho, cerca de 40% tinham curso superior e pouco
mais de 30% haviam completado o Ensino Médio. Esses dados contribuem para compor um perfil
aproximado da integração dos estrangeiros ao mercado de trabalho formal do Brasil. Observe alguns
dados no fim da página.

E o trabalho informal? Os dados mais reveladores das más condições de trabalho de estrangeiros no
Brasil dizem respeito às autuações de empresas que oferecem aos trabalhadores condições análogas à
escravidão. Diferentemente do que é representado segundo o imaginário social, trabalhadores são
resgatados de condições degradantes não apenas em fazendas isoladas no interior do país, mas também
em grandes centros urbanos. Conheça uma dessas histórias.

Doze haitianos e dois bolivianos foram resgatados de condições análogas às de escravos em uma
oficina têxtil na região central de São Paulo. [...] As vítimas trabalhavam no local há dois meses
produzindo peças para a confecção As Marias, mas nunca receberam salários e passavam fome.

[...] No local também ficavam os quartos onde os doze haitianos, um casal de bolivianos e seu filho
de quatro anos dormiriam. Com colchões em mal estado no chão, mofo, infiltrações e péssimas
condições de higiene [...].

De segunda a sábado, submetidos a uma jornada que podia chegar a até 15 horas por dia, os
bolivianos teriam a função de ensinar às demais vítimas a costurar. Assim, os haitianos tiveram suas
carteiras de trabalho assinadas na função de “aprendiz de costureiro”. [...] O artifício tinha a função
de permitir o registro em carteira com salário de R$ 724 [...].

Apesar de baixo, o salário nunca veio. [...] Quando, quase dois meses depois do início do trabalho,
as vítimas reclamaram que queriam ser pagas, receberam da dona da oficina um vale de R$ 100.
Em contrapartida, deixaram de receber comida.

WROBLESKI, Stefano. Fiscalização resgata haitianos escravizados em oficina de costura em São Paulo. Repórter Brasil, 22 ago.
2014. Disponível em: <www.reporterbrasil.org.br/2014/08/fiscalizacao-resgata-haitianos-escravizados-emoficina-de-costura-em-
sao-paulo>. Acesso em: fev. 2016.

1. Por que muitos trabalhadores estrangeiros, mesmo com alto nível de escolaridade, acabam
enganados por empregadores envolvidos com o chamado trabalho escravo?
Paula Radi

Fonte: CAVALCANTI, Leonardo et al. A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Brasília: Cadernos do Observatório das
Migrações Internacionais, 2014. Disponível em: <www.freelists.org/archives/colombiamigra/11-2014/pdfMIS5kdHQv1.pdf>. Acesso em:
mar. 2016.
Página 88

A empresa colonial portuguesa


Entre 1500 e 1530, a Coroa portuguesa não demonstrou interesse em colonizar o Brasil, pois passava
por um momento de grande lucro em seu comércio de especiarias orien tais, apenas se interessando
pela explo ração do pau-brasil em suas terras ame ricanas.

Somente após outros países realizarem incursões pela costa brasileira, ameaçando a posse de Portugal e
a diminuição de lucros no comércio, os portugueses iniciaram a colonização do território da América.

A expedição colonizadora pioneira chegou em 1530 e fundou a primeira vila no Brasil, a de São Vicente,
no litoral do atual estado de São Paulo. Ali se iniciou o plantio de cana-de-açúcar, que movimentou a
economia local durante quase todo o Período Colonial (1530-1822).

As relações sociais e econômicas dessa época foram pautadas na monocultura de cana-de-açúcar em


grandes extensões de terra, no uso da mão de obra escrava (indígena e africana) e na exploração de
metais e pedras preciosas.

Inicialmente, o território da colônia foi dividido em 15 faixas de terra denominadas capitanias


hereditárias. Cada lote era cedido a um nobre português, os capitães-donatários, que podiam doar
sesmarias, fundar povoações, exercer a administração, aplicar a justiça e também eram isentos de
impostos. Em troca deveriam defender e povoar a terra, além de torná-la produtiva.

Por vários motivos, entre eles, a falta de recursos financeiros dos donatários, esse sistema acabou
fracassando. Para tentar centralizar o poder, a segunda forma de administração foi o governo-geral, que
começou em 1548. Cabia aos governadores que se sucederam no poder, entre outras coisas, a
administração da colônia, o incentivo à implantação de engenhos e a criação de vilas e cidades,
garantindo o povoamento local. O governador-geral era o representante da Coroa portuguesa no Brasil.

Cartografia Histórica-USP

Georg Mattheus Seutter. Recens Elaborata Mapa Geographica Regni Brasiliae in América Meridionali Maxime Celebris Accurate
Delineata, 1750. Gravação em metal aquarelada, 53 cm × 60 cm. Neste mapa podemos observar a divisão das capitanias
hereditárias.
Trabalho e trabalhadores
No período dos primeiros contatos entre portugueses e povos nativos, quando o único produto tirado
das novas terras era o pau-brasil, a mão de obra indígena foi largamente utilizada na extração dessa
árvore.

Em geral, esses indígenas eram capturados, escravizados e forçados a extrair recursos naturais e cultivar
produtos destinados à exportação.

Assim como na América Espanhola, a utilização de grandes contingentes indígenas como mão de obra
colocou as populações nativas em contato com doenças europeias, que, somadas às péssimas condições
de vida e às longas e desgastantes jornadas de trabalho, acabaram devastando os povos originários do
atual Brasil.

A atividade econômica que se seguiu fundamentou-se no cultivo de cana-de-açúcar, organizado num


sistema de grandes propriedades monocultoras de plantio para exportação. Essas áreas utilizavam a
mão de obra de escravos africanos, e sua produção era destinada sobretudo ao mercado europeu, que
consumia o açúcar como uma especiaria cara.
Página 89

Espalharam-se os engenhos por várias regiões do litoral brasileiro, mas foram os do atual Nordeste,
principalmente de Bahia e Pernambuco, que tiveram produção mais significativa e duradoura.

Entre 1550 e 1650, o Brasil foi o maior produtor mundial de açúcar. Para atender a essa produção
surgiram outras atividades econômicas, como a pecuária.

Aos portugueses e, em menor grau, aos castelhanos, coube sem dúvida a primazia no emprego do
regime que iria servir de modelo à exploração latifundiária e monocultora adotada depois por
outros povos. E a boa qualidade das terras do Nordeste brasileiro para a lavoura altamente
lucrativa da cana-de-açúcar fez com que essas terras se tornassem o cenário onde, por muito
tempo, se elaboraria em seus traços mais nítidos o tipo de organização agrária mais tarde
característico das colônias europeias situadas na zona tórrida. A abundância de terras férteis e
ainda mal desbravadas fez com que a grande propriedade rural se tornasse, aqui, a verdadeira
unidade de produção. Cumpria apenas resolver o problema do trabalho. E verificou-se, frustradas
as primeiras tenta ti vas de emprego de braço indígena, que o recurso mais fácil estaria na
introdução de escravos africanos.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 17.

Palácio do Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores, Brasília

Frans Post. Engenho, s.d. Óleo sobre madeira, 50 cm × 74,5 cm.

Apesar de os portugueses terem optado inicialmente pela escravização de indígenas, a partir do século
XVI os nativos foram sendo substituídos por escravos trazidos da África. Entre os principais motivos
estavam o interesse da Coroa portuguesa pelo rentável tráfico de escravos africanos devido à dupla
taxação – no momento do embarque na África e do desembarque no Brasil, o que aumentava a renda
da Coroa – e a diminuição da população nativa por extermínio ou fuga para o interior, dificultando a
captura.

Para os colonos, a substituição tinha várias vantagens, entre as quais o desconhecimento do território
pelos africanos, o que dificultava as fugas.

Os escravos africanos trabalharam em quase todas as atividades econômicas do Brasil Colonial: nas
plantações de cana, na mineração, nos centros urbanos como escravos de ganho ou de aluguel, nas
lavouras de subsistência, como transportadores de cargas e de gente, na limpeza das ruas, nos serviços
domésticos. Por quase 400 anos o Brasil foi um país escravista.
De forma geral, os escravos dos engenhos eram submetidos a longas jornadas de trabalho (de 14 a 17
horas), sob a vigilância constante dos feitores. Eram punidos caso não cumprissem as ordens de seus
senhores ou os contrariassem de alguma forma. Muitos castigos eram aplicados em público para servir
de exemplo aos demais.

As ações impositivas também se estendiam aos escravos que trabalhavam no ambiente urbano, tendo
em vista a exploração à qual eram submetidos.

Muitos escravos serviam como fonte de renda para seus senhores, os chamados escravos de ganho,
sendo alugados para outros senhores ou atuando em diferentes funções, como vendedores, artesãos,
costureiros, pedreiros, pintores, entre outras. Os escravos de ganho podiam receber do senhor parte do
lucro obtido com sua atividade. Havia também escravos que eram obrigados pelos donos a mendigar
nas ruas, principalmente nas portas das igrejas, entregando a seu proprietário parte do que arrecadava.

Vários escravos de ganho gozavam de certa autonomia e liberdade de locomoção, e muitos deles só
retornavam para pagar, diária ou semanalmente, a parte que cabia a seus senhores.

Glossário
Primazia: prioridade, primeiro lugar.
Página 90

Organizando ideias
A descrição a seguir é de um cirurgião naval inglês, Thomas Nelson, que presenciou o desembarque
de um navio negreiro no Rio de Janeiro em fevereiro de 1841.

Amontoados no convés, e obstruindo as passagens em ambos os lados, agachados, ou melhor,


curvados, trezentos e sessenta e dois negros, com doença, deficiência e miséria estampadas com
intensidade de tal forma dolorosa que excedia qualquer poder de descrição. A um canto, um grupo
de miseráveis estirados, muitos nos últimos estágios da exaustão e todos cobertos com as pústulas
da varíola.

Observei que muitos deles tinham rastejado até o lugar em que a água havia sido servida, na
esperança de conseguir um gole do líquido precioso; mas incapazes de retomar a seus lugares,
jaziam prostrados ao redor da tina. Aqui e ali, em meio ao aglomerado, havia casos isolados da
mesma doença repugnante em sua forma confluente ou pior, e casos de extrema emaciação e
exaustão, alguns em estado de completo estupor, outros olhando penosamente ao redor,
apontando com os dedos para suas bocas crestadas. Em todos os lados, rostos esquálidos e
encovados tornados ainda mais hediondos pelas pálpebras intumescidas e pela ejeção puriforme
de uma violenta oftalmia, da qual parecia sofrer a maioria, além disso, havia figuras reduzidas a
pele e osso, curvadas numa postura que originalmente foram forçados a adotar pela falta de
espaço, e que a debilidade e rigidez das juntas forçaram-nos a manter.

NELSON, Thomas apud CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 56.

Coleção particular

Seção de um navio negreiro. Ao regressar à Europa em 1829, a embarcação em que viajava o Rev. Robert Walsh, irlandês, abordou
em alto-mar um navio negreiro. Este transportava em condições desumanas 562 cativos negros trazidos da África.

1. De acordo com a imagem e as descrições do texto, quais eram as condições de saúde dos cativos
encontrados no navio e que fatores provocavam essa situação?

2. Em dupla, reflita e anote suas hipóteses para responder à seguinte questão: Como os escravos
eram mercadorias que só tinham valor comercial vivos, por que eram mantidos em condições que
propiciavam a morte durante o trajeto?
Glossário
Crestado: queimado.
Ejeção puriforme: secreção de pus.
Emaciação: magreza extrema.
Encovado: diz-se de rosto magro, com depressões.
Esquálido: referente à magreza extrema e desnutrição.
Estupor: paralisia da capacidade de exibir reações motoras e perceber o ambiente.
Intumescido: inchado.
Oftalmia: inflamação dos olhos.
Pústula: ferida, pequena erupção na pele.
Tina: vasilha grande feita de tábuas, como um barril.
Página 91

Resistência dos escravos


Os escravos procuravam diversas maneiras de reagir ao cativeiro. Alguns usavam formas de sabotagem
no trabalho ou nos equipamentos, desde diminuição do ritmo de trabalho à paralisação da produção, e
também destruição de ferramentas e incêndio das plantações.

Várias foram as formas de resistência do escravo negro ao regime escravista. Mesmo com todas as
limitações que a estrutura do sistema impunha ao cativo, ele, ao contrário do que afirmam aqueles
que seguem a chamada historiografia acadêmica, resistiu de várias formas e níveis de importância
durante todo o tempo em que a escravidão perdurou. Resistiu usando desde formas ativas, como
as insurreições citadinas que não se esgotaram com a de Salvador, ocorridas durante o século XIX,
até os quilombos, disseminados em todo o território nacional – do Rio Grande do Sul ao Pará – e as
guerrilhas que permeavam as duas formas fundamentais de resistência.

Na verdade, estamos esquematizando um pouco, para melhor apreender o conjunto do processo.


Várias outras formas de resistência poder-se-iam incorporar às acima enunciadas: há o assassínio
individual do senhor pelo escravo, a fuga isolada, o suicídio, e mesmo formas extremas, como o
aborto praticado pela escrava e o banzo, quando o escravo se deixava morrer de melancolia. Houve
mesmo formas de violência extrema como o assassínio em massa do escravo pelos próprios
companheiros, como aconteceu no interior de São Paulo. Evidentemente, em movimentos não
escravos ele também participou, embora sem nunca ter conseguido, com essa participação, a
conquista de níveis de poder político após a sua vitória. Um exemplo disto foi a Independência.

MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 94-95.

Entre as formas de resistência estavam as fugas, das quais surgiram esconderijos na mata denominados
quilombos.

Os quilombos chegavam a reunir milhares de pessoas que buscavam uma forma de organização baseada
em seus costumes. O mais famoso e duradouro deles foi o Quilombo de Palmares, na Serra da Barriga –
área que hoje pertence ao estado de Alagoas e na época fazia parte da capitania de Pernambuco.

Esses locais eram, quando descobertos, alvo de expedições militares que visavam destruí-los e
reescravizar sua população.

Além das fugas, revoltas e outras ações, os escravos buscavam pequenos espaços de negociação. Nesses
casos, muitas vezes conseguiam, por meio de pressões e negociações com os senhores, mais autonomia,
menos repressão e esporadicamente até a liberdade.

A repressão aos escravos era explícita não só no âmbito do trabalho mas no que dizia respeito a cultura,
religião e outros inúmeros costumes, trazidos das diversas regiões do continente africano das quais se
originavam.
Coleção Sergio Fadel, Rio de Janeiro

François Auguste Biard. Fuga de escravos, 1859. Óleo sobre madeira, 33 cm × 52 cm.
Página 92

A primeira reação dos senhores no Brasil foi a repressão desses costumes, já que acreditavam que
permitir as práticas religiosas e culturais promoveria maior união dos escravos, o que poderia facilitar a
resistência ao trabalho.

Entretanto, assim como resistiram à condição de trabalho imposta, os escravos também se opuseram à
proibição de suas práticas culturais, tanto que, ainda hoje, podemos perceber muitos traços de
diferentes culturas africanas que se fundiram à que já havia no Brasil, dando origem a novos costumes.
São inúmeros os exemplos de resistência cultural, como a música, a dança, a capoeira e as religiões afro-
brasileiras.

O que é possível detectar quando falamos de religiões afro-brasileiras é o sincretismo que uniu cultos a
divindades das diversas regiões africanas às tradições cristãs, para dar origem a religiões como o
candomblé e a umbanda.

O surgimento dessas religiões pode ser caracterizado como parte de uma estratégia de sobrevivência
cultural que promoveu a integração étnica entre os escravos africanos no ambiente brasileiro, criando,
em última análise, espaço para uma forma inicial de organização e inserção deles na sociedade que se
constituía.

Os terreiros – locais de culto às divindades e prática dos rituais religiosos afro-brasileiros – passaram,
nesse contexto, a constituir um local de assistência e apoio comunitário aos escravos. Dessa forma,
promoveram a resistência e a preservação de tradições culturais que perduraram ao longo dos séculos
e, presentes ainda hoje em todas as regiões do país, funcionam como meio de resgate às origens
africanas da cultura brasileira.

Sergio Pedreira/Pulsar Imagens

Babalorixá dando bênção no Terreiro Ile Axe Ala Obatalandê, Lauro de Freitas (BA), 2015.

Pausa para investigação


Em 1956 a ONU (Organização das Nações Unidas) promulgou a Convenção Suplementar sobre
Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura.
Esse documento proíbe definitivamente a escravidão em sua forma direta e também em condições
análogas, que podem ser definidas como “o exercício do trabalho humano em que há restrição, em
qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos
para o resguardo da dignidade do trabalhador”.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Trabalho análogo à condição de escravo e degradante: antítese do trabalho decente. Revista do
Direito Trabalhista, Brasília, Consulex, ano 14, n. 3, mar. 2008.

Faça uma pesquisa e elabore um texto sobre a existência de escravidão ou condições análogas à
escravidão no Brasil contemporâneo analisando os casos à luz dos direitos humanos. Procure
informações também sobre as punições previstas em lei e busque saber se são aplicadas. Esse
assunto pode ser pesquisado na internet e em periódicos.
Página 93

A colonização da América Inglesa


Em 1607 foi fundada a primeira colônia inglesa na América do Norte: Virgínia. Pouco tempo depois, a
partir de 1620, várias famílias, sobretudo de protestantes ingleses, aportavam nas terras da América
Inglesa, hoje Estados Unidos da América.

Até o século XVII foram fundadas 13 colônias na América do Norte, todas subordinadas à metrópole
inglesa.

De acordo com o tipo de colonização implantado, essas colônias podem ser classificadas em duas
categorias, descritas a seguir.

• Colônias do norte: eram povoadas principalmente por religiosos puritanos, e nelas multiplicaram-se as
pequenas propriedades rurais baseadas na agricultura familiar e produção diversificada. Subsistiam
também da pecuária, da pesca e das serrarias, onde a madeira era beneficiada para a construção de
casas e navios. A produção era destinada ao mercado local, e o • excedente ia para o mercado regional.

• Colônias do sul: tinham sua economia baseada na monocultura de exportação, encaixando-se nas
práticas mercantilistas do período.

A crise socioeconômica e as perseguições políticas e religiosas levaram ingleses, escoceses, irlandeses,


alemães, suecos e outros povos europeus a emigrarem para essa região, já que a Europa – em especial a
Inglaterra – sofria um período de graves conflitos entre protestantes e católicos, além de passar por um
processo de cercamento – privatização de terras que antes eram comunais.

Esses fatores, somados à união entre Estado e burguesia na busca por novos mercados consumidores,
incentivaram a atividade colonizadora e, posteriormente, o desenvolvimento das colônias.

Como poucos podiam arcar com os custos da viagem, visto que esses primeiros imigrantes eram, na
maioria, pequenos burgueses, artesãos, comerciantes, camponeses e pequenos proprietários rurais, a
solução foi o financiamento da viagem por pessoas de recursos. Com isso, muitos imigrantes
comprometiam-se a pagar as despesas depois de instalados nas novas terras, gerando o que pode ser
chamada de servidão temporária.

Durante o século XVII, a principal força de trabalho nas colônias inglesas eram esses servos temporários,
sobretudo nas colônias do norte.

Já nas colônias do sul, essa força de trabalho servil não foi suficiente para a demanda exportadora,
motivo pelo qual foi preciso recorrer ao lucrativo comércio de escravos africanos.
Fototeca/Leemage/Glow Images

Os peregrinos: embarque de 102 famílias em 1620 a bordo do navio Mayflower. Gravura do século XVII de autoria desconhecida.
Essa imagem faz alusão às primeiras famílias de ingleses que desembarcaram na América do Norte.

Glossário
Beneficiamento: conjunto de procedimentos efetuados em matérias-primas antes da industrialização.
Página 94

A mão de obra africana


Assim como no Brasil e em parte da América Espanhola, os escravos africanos também foram mão de
obra nas colônias inglesas. Há estimativas de que, entre os anos de 1619 e 1860, cerca de 400 mil
africanos tenham ido para a América do Norte como escravos.

Nas colônias inglesas, trabalhavam nas grandes plantações de tabaco, linho e algodão, produtos que
causavam rápido esgotamento do solo, aumentando cada vez mais a área das propriedades.

Estima-se que no século XVII, na Virginia e Carolina do Sul, a maioria da população constituía-se de
africanos escravizados. Com isso, foram criadas leis específicas para regulamentar a vida deles. Havia
leis, por exemplo, proibindo-os de se reunir nas cidades aos domingos, para evitar aglomerações e
insurreições contra seus senhores. Também era proibido o porte de armas, e os crimes cometidos por
eles eram julgados com mais rigor, principalmente nos casos de rebeliões coletivas.

A resistência escrava se fazia por meio de fugas, destruição de plantações, quebra de ferramentas,
diminuição no ritmo de trabalho, insurreições e fingimento de doenças.

Organizando ideias
1. Observe o mapa e responda às questões propostas.

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: <www.census.gov/prod/cen2010/briefs/c2010br-06.pdf>. Acesso em: mar. 2016.

a) De que forma a população afro-americana se distribui pelo território dos Estados Unidos nos
dias atuais?

b) Como se explica, historicamente, essa distribuição?


2. Em 2015, houve nos Estados Unidos inúmeros protestos contra casos de violência policial que
envolviam jovens afro-americanos, desencadeando discussões sobre o racismo no país. Forme uma
dupla com um colega e, juntos, pesquisem a permanência desse tipo de violência e as
manifestações da população que visam mudar essa situação. Apresentem o resultado na sala de
aula e debatam o tema com a turma.
Página 95

Viajando pela história A crise do sistema colonial


O antigo sistema colonial foi constituído no final do século XV e ao longo dos séculos XVI e XVII.
Inicialmente, Espanha e Portugal, seguidos por França, Inglaterra e Holanda, colonizaram o continente
americano.

No processo de colonização da América, a doutrina econômica dominante foi o mercantilismo, que pode
ser entendido como uma política econômica própria dos Estados europeus modernos, nos quais
predominava o regime absolutista. No sistema mercantilista, podemos destacar as seguintes

• características principais: forte presença estatal, por meio de leis e regulamentos intervencionistas;

• defesa do mercado nacional em formação;

• tentativa de assegurar à nascente burguesia as condições de monopólio econômico e oferta da mão


de obra indispensável, favorecendo o processo de acumulação do capital;

• balança comercial favorável;

• concessão de privilégios às empresas consideradas merecedoras.

As práticas mercantilistas variaram de acordo com a época, bem como de um país para outro. O
mercantilismo ibérico foi essencialmente metalista (privilegiava o acúmulo de metais preciosos) e
mantinha monopólio sobre o comércio com suas colônias (o chamado pacto colonial); já os ingleses
priorizaram uma balança comercial favorável.

De forma geral, as colônias americanas deveriam fornecer matérias-primas e metais preciosos, comprar
produtos da metrópole e empregar os excedentes populacionais metropolitanos.

A partir da metade do século XVIII e à medida que as forças produtivas avançavam, o Antigo Regime
entrou em profunda crise.

Cada vez mais fortalecida, a burguesia passou a questionar os privilégios do clero e da nobreza. No
campo, começaram a ser contestadas as relações sociais baseadas no regime de servidão e erradicados
os resquícios feudais que impediam a implantação completa do capitalismo.

A filosofia iluminista também teve papel relevante na derrocada do Antigo Regime e, por extensão, do
antigo sistema colonial.
Dudley Wood/Alamy; Stock Photo/Latinstock

Palácio dos Marqueses da Fronteira, Lisboa, Portugal, 2013.

O Antigo Regime da Europa centro-oci dental do século XV ao XVIII caracterizou-se pelo Estado
absolutista, pelas práticas mercantilistas, pela sociedade de ordens (distinções sociais e privilégios com
base no nascimento) e por uma visão de mundo essencialmente aristocrática.

O termo iluminista indica um movimento de ideias que teve suas origens no século XVII, mas que
atingiu o apogeu no século XVIII, chamado de Século das Luzes.

Os pensadores adeptos dessa filosofia acreditavam na razão e no progresso, combatiam o misticismo, o


absolutismo, a Igreja Católica, a tortura, a intervenção do Estado na economia, enfim, todas as forças
que se opunham ao “progresso” e ao “desenvolvimento”.
Página 96

Em síntese, os séculos XVIII e XIX foram palco de inúmeras mudanças, sobretudo para o mundo
europeu, como a queda das monarquias absolutistas e suas práticas mercantilistas, a difusão dos ideais
iluministas, os movimentos que transformaram as estruturas políticas, econômicas e sociais, como a
Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Essas mudanças espalharam-se pela Europa e para além de
suas fronteiras geográficas, atingindo as colônias europeias na América.

Os ideais de liberdade e igualdade defendidos pela Revolução Francesa difundiram-se pelas colônias
motivando lutas por sua realização. Essas lutas levaram à independência das colônias e à formação de
novos países.

Bianchetti/Leemage/Other Images

Revolução de 1848: reunião em clube republicano. Gravura anônima do século XIX.

Organizando ideias
Leia, a seguir, o fragmento de um documento assinado por Larcher, capitão francês de um navio
em expedição ao Brasil no século XVIII, e responda às questões.

O Povo, que eu tive a honra de Vos descrever na minha memória de 27 Prairéal 5º, é aquele de São
Salvador na Baía de Todos os Santos, capital da mais considerável Capitania do Brasil cuja
População é avaliada em sessenta mil almas.

Os habitantes investidos dos direitos do homem clamam sua independência; eles a pedem à
República francesa, e não a Desejam senão de Vós.

Quinze Milhões no mínimo em matérias de ouro e prata, diamantes, preciosas madeiras de


construção, açúcares, café, e algodões serão o testemunho desta Vontade, e Vós podeis julgar por
aí a importância que eles dão a isso: eles estão tão cansados do Governo real e teocrático, tiveram
tantos desgostos que todos os seus possíveis sacrifícios lhes parecerão pequenos, se eles puderem
alcançar seu objetivo.

[...]
Assim que o comandante da divisão tiver lançado o sinal combinado, a colônia se levantará em
massa, as tropas se reunirão aos habitantes que tomarão a casa da moeda, cofres, depósitos, e o
arsenal: destituem-se todas as autoridades do Governo, e criam-se outras Populares [...].

Esta revolução terá um efeito elétrico sobre as outras capitanias do Brasil, a experiência nos prova:
todas elas se reunirão para formar um povo livre. [...]

Um tratado de aliança com a República francesa terá lugar imediatamente: um outro de Comércio
deve necessariamente o seguir: a República francesa poderá exigir a exclusividade durante um
certo número de anos em que sua proteção será indispensável a este novo Povo [...].

Projeto de expedição contra São Salvador (Brasil) pelo cap. de navio Larcher – 24 de abril de 1797 apud JANCSÓ, István; MOREL,
Marco. Novas perspectivas sobre a presença francesa na Bahia em torno de 1798. Topoi, v. 8, n. 14, p. 220, jan./jun. 2007.

1. O que estava acontecendo na cidade de Salvador?

2. Qual era a expectativa de Larcher sobre o desenlace dos eventos?

3. Faça uma pesquisa sobre a época em que o documento foi redigido e responda:

a) Pode-se afirmar que esses eventos em Salvador eram atos isolados?

b) Quais eram os estímulos que alimentavam o movimento baiano?


Página 97

Revolução Americana: a primeira reação americana contra a


metrópole
A administração das colônias inglesas gozava de relativa autonomia política, principalmente nas colônias
do norte.

A partir da segunda metade do século XVIII, porém, o Parlamento britânico foi tomando uma série de
medidas coercitivas que intensificaram o controle sobre o comércio e, com isso, prejudicaram os
colonos americanos. Essas medidas visavam aumentar a arrecadação fiscal da metrópole.

Foram diversas leis que incluíam proibições, taxações e perda do monopólio das colônias. Entre elas
estão a Lei do Açúcar (1764), a Lei do Selo (1765) e a Lei do Chá (1773). O golpe final da metrópole veio
com as Leis Intoleráveis (1774), um conjunto de medidas altamente repressivas que visavam conter as
reações dos colonos às outras leis.

Essas medidas provocaram reação imediata das elites coloniais, que, temendo a perda de sua relativa
autonomia, contestavam a cobrança abusiva de impostos.

As colônias se reuniram, em 1774, no Congresso Continental da Filadélfia para pedir o fim das medidas
restritivas a seu desenvolvimento. A metrópole reagiu aumentando ainda mais a repressão.

O que se seguiu foi uma série de conflitos armados que contribuíram para a adesão de alguns setores
conservadores das colônias do sul às reivindicações e para o retorno da autonomia. Começava, então, a
guerra pela independência das 13 colônias.

Em 1775 houve o Segundo Congresso da Filadélfia, no qual se iniciou a redação da Declaração Unânime
dos Treze Estados Unidos da América, finalizada em 4 de julho de 1776. Esse documento se tornou a
Declaração de Independência das colônias que mais tarde formariam os Estados Unidos da América.

A Revolução Americana de 1776 foi a primeira rebelião bem-sucedida do mundo colonial. O processo
emancipador foi pautado em diversos ideais iluministas, como liberdade, justiça e combate à opressão.

Organizando ideias
Leia o texto a seguir e faça o que se pede.

Em 4 de julho de 1776, as treze colônias que vieram inicialmente a constituir os Estados Unidos da
América (EUA) declaravam sua independência e justificavam a ruptura do Pacto Colonial. Em
palavras candentes e profundamente subversivas para a época, afirmavam a igualdade dos homens
e apregoavam como seus direitos inalienáveis: o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade.
Afirmavam que o poder dos governantes, aos quais cabia a defesa daqueles direitos, derivava dos
governados. Portanto, cabia a eles derrubar o governante quando ele deixasse de cumprir sua
função de defensor dos direitos e resvalasse pelo despotismo.

Esses conceitos revolucionários que ecoavam o Iluminismo foram retomados com maior vigor e
amplitude treze anos mais tarde, em 1789, na França.

COSTA, Emília Viotti da. Apresentação da coleção. In: WINN, Peter. A Revolução Chilena. São Paulo: Unesp, 2003. p. 6.
1. Por que a autora afirma que as ideias iluministas eram subversivas para a época?

2. Explique por que a Declaração de Independência dos Estados Unidos é considerada um marco de
luta pelos direitos humanos.

Glossário
Apregoar: como foi utilizado no texto, o termo tem o sentido de divulgar, denunciar.
Candente: muito intenso; entusiasmado, ardoroso.
Página 98

Independências na América Espanhola


No final do século XVIII, a Espanha apresentava economia agrária, sociedade rigidamente hierarquizada
e uma administração que, de certa forma, dificultava a implantação de mudanças.

O reinado de Carlos IV (1788-1808) pautava-se pelo absolutismo e por uma frágil política econômica. As
colônias na América deveriam essencialmente pagar tributo, fornecer metais preciosos e comprar as
onerosas manufaturas metropolitanas.

Nas últimas décadas do século XVIII, os reis da Dinastia Bourbon procuraram modernizar a Espanha,
bem como suas relações com as colônias. Foi implantado um modelo mais eficiente de tributação e de
arrecadação dos impostos. Por outro lado, foram abrandadas as regras relativas ao comércio entre a
América e a metrópole. A medida desagradou os comerciantes espanhóis, que perdiam o monopólio, e
tampouco satisfez os criollos (brancos nascidos na América), que consideravam as mudanças
insuficientes.

Essas reformas tornaram mais difícil a ascensão dos criollos aos altos cargos administrativos e
eclesiásticos, o que aumentava o ressentimento em relação à metrópole. Quanto aos segmentos mais
pobres da sociedade, nada foi feito pela Coroa para que a situação mudasse.

À medida que os interesses econômicos da elite criolla iam sendo cada vez mais contidos pela
administração colonial, as diferenças entre colônia e metrópole se intensificavam, instigando ainda mais
o desejo dos colonos de romper com a estrutura vigente.

[...] na década de 1770, quando um cacique de Tinta, ao sul de Cuzco, começou a desenvolver
ambições políticas reformistas, mudou seu sobrenome de Condorconqui para “Tupac Amaru”,
nome do último inca a resistir aos espanhóis no século XVI, e afirmou ser, talvez legitimamente,
descendente direto do imperador rebelde.

Como Tupac Amaru ele liderou um grupo que, em novembro de 1780, executou o corregedor local
por abusar da população índia, recrutou um grande exército de maioria indígena, travou batalhas
contra a resistência armada espanhola, ameaçou Cuzco e, por algum tempo, dominou grande
extensão da área do altiplano, até que se organizaram forças para derrotá-lo e executá-lo em maio
de 1781. Mas se a revolta tinha base indígena, sua liderança era, em grande parte, crioula e
mestiça – gente dos níveis médios das sociedades da província. O próprio Tupac Amaru tinha certa
ascendência espanhola, fora educado em espanhol e tinha esposa espanhola. E se, por um lado, ele
enfatizou o patriotismo inca entre os índios, entre os não índios falava de impostos mais baixos e
justos, tribunais melhores e economia regional mais aberta. [...]

SCHWARTZ, Stuart B.; LOCKHART, James. A América Latina na época colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 468-
469.
Georgios Kollidas/Alamy/Glow Images

Por sua atuação como líder da resistência indígena, Tupac Amaru II foi considerado um herói nacional no Peru. Com isso, passou a
ser representado em diferentes símbolos nacionais, como nessa cédula de 50 soles de oro, moeda em circulação em 1977.

Peru
O contingente indígena tinha um peso significativo. No Peru, por exemplo, em uma população de 1 115
207 habitantes (em 1795), 58% eram indígenas; 20%, mestiços; 10%, negros livres e escravos; e 12%,
brancos. A elite – europeus e descendentes – temia os nativos e suas revoltas.

Uma dessas temidas revoltas foi a rebelião de Tupac Amaru, em 1780, no Peru, um movimento indígena
que teve a participação de africanos e afrodescendentes interessados no fim da escravidão.
Página 99

A elite criolla perdia paulatinamente a confiança no governo espanhol, desencadeando uma série de
movimentos contestatórios. Eram revoltas contra tributos, o europeu e toda e qualquer forma de
sujeição.

A invasão da Espanha por tropas de Napoleão Bonaparte, em 1808, acelerou o processo


emancipacionista. Reunida nos cabildos (câmaras municipais), a elite criolla jurou fidelidade ao rei
deposto. As juntas governativas instaladas no poder, em teoria, continuavam subordinadas à Espanha,
mas com autonomia crescente.

Com a derrota de Napoleão, em 1813, o rei Fernando VII voltou ao trono. Sem considerar as mudanças
que haviam ocorrido, procurou manter a mesma política mercantilista e arbitrária em relação às
colônias. Com isso, os interesses dos criollos foram prejudicados pela metrópole.

México
No México, ocorreu uma tentativa emancipadora com participação ativa dos grupos mais pobres da
população. A Nova Espanha (atual México) era a mais rica das colônias espanholas. Com uma população
de pouco mais de 6 milhões de habitantes, era responsável por um terço da população total do império
ultramarino.

Indígenas, mestiços, africanos, afrodescendentes, europeus e seus descendentes pobres viviam em


condições precárias. Apesar de existirem leis que protegiam os índios, muitas vezes essa legislação não
era aplicada, pois as autoridades estavam comprometidas em defender os interesses dos colonos.

Uma parte da elite criolla não apoiou os movimentos emancipacionistas. Alguns lutaram do lado dos
espanhóis. Outros passaram a conspirar contra a metrópole.

O padre Miguel Hidalgo, inspirado pelos ideais iluministas, aderiu ao movimento, objetivando melhorar
a vida de indígenas e mestiços.

Na manhã de 16 de setembro de 1810, Hidalgo proferiu seu “Grito de Dolores”. Invocando a proteção
de Virgem de Guadalupe – padroeira do México –, convocou indígenas e mestiços a se juntarem a ele
num levante cujos objetivos eram eliminar o domínio espanhol, defender a religião, abolir a escravatura
e promover a devolução das terras às comunidades indígenas.

Os rebeldes chegaram a formar um exército de 80 mil homens, que saquearam aldeias e povoados,
executaram espanhóis e chegaram a amea çar a Cidade do México. Entretanto, os realis tas
desencadearam uma violenta contraofensiva, e Hidalgo foi preso e fuzilado. Ainda assim, a rebelião não
estava vencida e, sob o comando do padre José Maria Morelos, o movimento revolucionário renasceu.
Museu Miguel Hidalgo, Dolores Hidalgo/John Mitchell/Alamy/Other Images

Grito de Independência em 16 de novembro de 1810, pintura de autoria desconhecida a respeito da Independência do México e
do líder Miguel Hidalgo. Em exposição na Museo Casa de Hidalgo, antiga casa de Miguel Hidalgo, na cidade de Dolores Hidalgo,
estado de Guanajuato (México).
Página 100

[...] Morelos adotou também medidas importantes, que tornaram mais claros os objetivos políticos
e sociais da revolta [...]. Seu programa tinha em mira a independência (proclamada em 1813), uma
forma congressional de governo e reformas sociais – entre elas, a abolição do tributo, da
escravidão, do sistema de castas e de barreiras legais ao avanço das classes baixas, bem como a
introdução do imposto de renda. Defendeu também a distribuição das terras aos que nela
trabalhavam [...] atenuou sua revolução social com declarações sobre o primado absoluto da Igreja
Católica [...]. Tentou atrair abertamente o apoio dos “criollos” com declarações mais moderadas,
mas, como Hidalgo, não conseguiu obtê-lo.

ANNA, Timothy. A Independência do México e da América Central. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: da
independência a 1870. São Paulo: Edusp; Brasília: Funag, 2004. v. III. p. 89.

Morelos foi capturado, levado para a Cidade do México, julgado e condenado à morte.

Apesar disso, a emancipação política do México foi retomada pelas forças conservadoras. Agustín de
Iturbide, militar que se destacara nas lutas contra Hidalgo e Morelos, considerou o processo de
independência irreversível e negociou com o líder rebelde Vicente Guerrero. Em Iguala, proclamou seu
plano: o México deveria ser governado por Fernando VII ou outro príncipe que ele designasse, criollos e
espanhóis teriam direitos iguais e a Igreja Católica seria a única a manter todos os seus privilégios.

Como nenhum monarca europeu foi designado para governar o México, Agustín de Iturbide foi
declarado imperador do México.

Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Honduras e Costa Rica aderiram ao Império Mexicano, que durou
pouco mais de um ano (de 1822 a 1823). Agustín de Iturbide foi deposto pelo general Antonio López de
Santa Anna, que proclamou a república. Também em 1823, a antiga capitania da Guatemala separou-se
do México, formando a federação independente das Províncias Unidas da América Central, a qual mais
tarde se fragmentou formando vários novos países.

Gianni Dagli Orti/The Art Archive/The Picture Desk/Afp Photos

Arturo Michelena. Entrega da bandeira vencedora de Numancia ao batalhão Sem Nome, 1883. Óleo sobre tela. (detalhe).
América Andina
Na América Andina, o grande articulador e executor do movimento emancipatório foi Simón Bolívar. De
família rica, Bolívar recebeu excelente educação, que incluiu o estudo dos pensadores iluministas, e,
depois de viajar para a Europa e os Estados Unidos, engajou-se nas lutas pela independência.

Apoiou Francisco Miranda quando este proclamou a Primeira República Venezuelana, em 1810, que
acabou fracassando. Em 1812, fundou a Segunda República Venezuelana, que também sucumbiu diante
da reação espanhola. Refugiou-se na Jamaica e, depois, viajou ao Haiti, onde recebeu o apoio do
presidente Alexandre Pétion.

Em 1816, Bolívar retornou à Venezuela, iniciando uma campanha de emancipação das colônias que
resultou na independência da Colômbia, da Venezuela e do Equador.
Página 101

Outra personalidade considerada um “líder da independência” na América Latina foi José de San Martín.
Nascido na Argentina, ele destacou-se na liderança das lutas pela independência da Argentina, do Chile
e do Peru. Suas ações no Peru foram importantes para que José Antonio Sucre, lugar-tenente de Bolívar,
derrotasse o último batalhão espanhol na América. Quanto ao encontro de San Martín e Bolívar em
Guayaquil, pouco se sabe de fato. Basicamente, os dois tinham projetos diferentes sobre o futuro da
América Espanhola. Bolívar esperava a unidade, já San Martín argumentava em prol da criação de vários
Estados independentes, pois entendia que as barreiras geográficas e os interesses locais impediriam a
união.

Resumidamente, as independências na América Espanhola foram obra da elite criolla. Indígenas,


afrodescendentes e mestiços foram incorporados ao processo pelas partes em conflito de acordo com
seus interesses e necessidades.

Museu Histórico Nacional, Buenos Aires

J. Collignon. Entrevista de Guayaquil em 1822, 1843. Litografia colorida. A imagem retrata o encontro de San Martín e Simón
Bolívar.

[...] a elite “criolla” exercia seu papel de misto de bombeiro e carcereiro durante todo o século XIX.
Independência, sim, mas branca, latifundiária e controle social. A ruptura com a Espanha abriria um
novo ciclo de ditaduras na América Hispânica. Como escreveu o jurista argentino Juan Bautista
Alberdi: “Agora que nos libertamos da Espanha, quem nos libertará de nossos libertadores?”

KARNAL, Leandro. Um mundo às vésperas do colapso. História Viva, São Paulo, Duetto Editorial, n. 48, p. 45, out. 2007.

Organizando ideias
Leia o texto a seguir e faça o que se pede.

A posição dos habitantes no hemisfério americano tem sido, no decorrer dos séculos, puramente
passiva; a sua existência política era nula.
Nós, os do sul, estávamos num grau mais baixo da servidão, e, como tal, com mais dificuldades
para nos elevarmos ao prazer da liberdade.

Permita-me estas considerações para assentar a questão. Os Estados são escravos pela natureza de
sua Constituição, ou por abuso da mesma, de modo que um povo é escravo quando o governo, por
essência ou por vício, calca ou usurpa os direitos do cidadão ou súdito. Aplicando estes princípios,
diremos que a América não só estava privada da sua liberdade, mas também de uma tirania ativa e
dominante [...].

É uma ideia grandiosa pretender formar o Mundo Novo uma só nação, com um único vínculo
ligando suas partes entre si e com o todo.

Visto que tem uma origem, uma língua, costumes e uma religião, deveria ter um só governo que
confederasse os diferentes Estados que venham a se formar, mas não é possível, porque climas
remotos, situações diversas, interesses opostos, características não semelhantes dividem a
América.

Trecho da Carta de Jamaica, escrita por Simón Bolívar em 1815.

1. Existe alguma relação entre o pensamento de Bolívar expresso no documento anterior e a atual
situação americana? Explique.
Página 102

Haiti
No século XVII, os franceses ocuparam parte da ilha, dizimaram a população indígena e deram início à
lavoura açucareira, fundamentada no trabalho escravo dos africanos. A partir do século XVIII, Saint-
Domingue seria a mais rica de todas as colônias ultramarinas francesas. Em 1789, quando teve início a
Revolução Francesa, a população era de 800 mil habitantes, 85% dos quais escravos.

Durante a Revolução Francesa, no período da Convenção (1792-1795), foi decretada a abolição da


escravidão nas colônias. Toussaint L’Ouverture, líder popular, lutou pela República Francesa. Sob sua
liderança, os exércitos espanhóis e ingleses foram derrotados, a ilha foi unificada e uma constituição
votada. Saint-Domingue se tornou um país autônomo, mas sem deixar de ser parte da nação francesa.

Mais tarde, quando a França esteve sob o domínio de Napoleão Bonaparte, algumas conquistas se
perderam. Após diversos combates, L’Ouverture entregou-se aos franceses. Enviado para a França,
morreu num presídio em 1803.

Em 1802, os líderes negros Alexandre Pétion, Henri Christophe e Jean-Jacques Dessalines uniram-se para
combater os franceses. Em janeiro de 1804, a colônia francesa de Saint-Domingue tornou-se
independente, adotando o nome nativo de Haiti. Os escravos foram libertos.

Dessalines coroou-se imperador, com o título de Jacques I. Como adotou métodos autoritários de
governo – arrendamento de terras e cobrança abusiva de impostos –, ocorreram muitos protestos e
conflitos, que resultaram no declínio de seu império, seguido pela recuperação da parte leste da ilha
pelos espanhóis. As ações adotadas por Dessalines resultaram em uma conspiração de generais,
culminando em seu assassinato em 1806.

Os planejadores da conspiração acabaram se envolvendo em uma guerra civil, que resultou na divisão
do país entre dois líderes: Henri Christophe – que governou o norte sob o título de Henri I – e Alexandre
Pétion – que governou o sul.

Com a morte de Pétion (1818), foi eleito Jean-Pierre Boyer, que, após o suicídio de Henri (1820),
promoveu a unificação do país e conquistou a parte oriental da ilha.

O último “ajuste” do território haitiano ocorreu em 1843, quando a República do Haiti, na parte
ocidental, foi separada da República Dominicana, na oriental.
Coleção particular

Gravura que retrata a Revolta em Leocane (Haiti), em 1791. Autoria desconhecida, 1840.
Página 103

Organizando ideias
Leia os textos a seguir e responda às questões propostas.

Texto 1

Ao ataque de lança ou golpes de facão, foram os expropriados os que realmente combateram,


quando despontava o século XIX, contra o poder espanhol nos campos da América Latina. A
independência não os recompensou: traiu as esperanças dos que tinham derramado seu sangue.
Quando a paz chegou, com ela se reabriu uma época de cotidianas desditas. Os donos da terra e os
grandes mercadores aumentaram suas fortunas, enquanto se ampliava a pobreza das massas
populares oprimidas. Ao mesmo tempo, e ao ritmo das intrigas dos novos donos da América Latina,
os quatro vice-reinados do império espanhol se quebraram em pedaços e múltiplos países
nasceram como cacos da unidade nacional pulverizada. A ideia de “nação” que o patriciado latino-
americano engendrou parecia-se demasiado à imagem de um porto ativo, habitado pela clientela
mercantil e financeira do império britânico, com latifúndios e socavãos à retaguarda. A legião de
parasitas, que recebera os comunicados da guerra de independência dançando o minueto nos
salões das cidades, brindava pela liberdade de comércio em taças de cristais britânicas. Puseram na
moda as mais altissonantes palavras de ordem da burguesia europeia: nossos países punham-se ao
serviço dos industriais ingleses e dos pensadores franceses. Porém, qual “burguesia nacional” era a
nossa, formada pelos donos de terras, os grandes traficantes, comerciantes e especuladores, os
políticos de fraque e doutores sem raízes? A América Latina logo teve suas constituições burguesas,
muito envernizadas de liberalismo, mas não teve, em compensação, uma burguesia criadora, no
estilo europeu ou norte-americano, que se propusesse à missão histórica do desenvolvimento de
um capitalismo nacional pujante. As burguesias destas terras nasceram como simples instrumentos
do capitalismo internacional, prósperas peças da engrenagem mundial que sangrava as colônias e
semicolônias. Os burgueses de vitrina, agiotas e comerciantes, que açambarcaram o poder político,
não tinham o menor interesse em impulsionar a ascensão das manufaturas locais, já mortas ao
nascer quando o livre-cambismo abriu as portas à avalanche de mercadorias britânicas.

Seus sócios, os donos das terras, não estavam, por sua vez, interessados em resolver “a questão
agrária”, senão na medida de suas próprias conveniências. O latifúndio consolidou-se sobre o
saque, ao longo do século XIX. A reforma agrária foi, na região, uma bandeira precoce. Frustração
econômica, frustração social, frustração nacional: uma história de traições sucedeu à
independência.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. p. 128-129.

Texto 2

O latifúndio, a servidão, a escravidão e outros males prolongaram-se após a independência, está


claro que com o livre-comércio, com os criollos governando e um novo senhor desenhando-se à
vista de todos: a loura e perversa Albion – ou, se quiserem, a Inglaterra. E, o que é pior, um senhor
mais poderoso que o de antes, que não demorou a engendrar meios para ficar com uma parte
considerável da riqueza produzida pela sociedade. E tudo isto sem a necessidade de manter uma
administração colonial, pagar exércitos e ditar leis incômodas.

POMER, Leon. A independência da América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 12.
1. De acordo com os textos, os objetivos da independência foram atingidos? Justifique.

2. Que situações permaneceram após a independência?

3. Como os autores descrevem a presença da Inglaterra durante e após o processo de


independência na América?

4. Trace um paralelo entre a situação atual da América Latina e o projeto de independência da


época. Quais são as semelhanças e as diferenças?
Página 104

Independência da América Portuguesa


Assim como ocorreu nas porções espanhola e inglesa das Américas, a independência na América
Portuguesa ocorreu em meio à crise do sistema colonial e à disseminação das ideias iluministas de
liberdade e igualdade, ainda que estas não tenham sido divulgadas por toda a extensão do Brasil.

Aliados a essas questões, alguns acontecimentos na Europa auxiliaram o processo de separação do


Brasil de sua metrópole, Portugal.

No início do século XIX, a França era governada por Napoleão Bonaparte. Com o objetivo de tornar esse
país uma potência continental, as ambições expansionistas do imperador esbarravam na Inglaterra, sua
maior rival. Consciente da impossibilidade de vencer os ingleses militarmente, Napoleão resolveu
prejudicá-los economicamente. Em 1806, ele decretou o Bloqueio Continental, que proibia as nações
europeias de comercializarem com a Inglaterra, sob a ameaça de ter seus territórios invadidos pelas
tropas francesas caso não cumprissem as determinações do bloqueio. Essa medida gerou um problema
para Portugal, pois o país dependia economicamente da Inglaterra.

Desejando manter boas relações com ambos os países, o monarca português D. João optou pela
neutralidade, mas não pôde sustentar essa posição por muito tempo. Em 1807, a pressão francesa
aumentou e Napoleão determinou a invasão de Portugal, enviando as primeiras tropas para a região.

Com o risco de perder o trono, D. João resolveu transferir a Corte portuguesa para o Brasil, contando
com o apoio e a escolta de navios ingleses. O projeto de transferência da Corte já havia sido cogitado na
metade do século XVIII, visando aumentar a eficiência da administração da região mineradora.

Quando D. João e a Corte portuguesa mudaram-se para o Brasil, em 1808, a cidade do Rio de Janeiro
tornou-se a nova capital.

Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro


Francisco Bartolozzi. Embarque de D. João e toda família real, no Porto de Belém, Portugal, em 27 de novembro de 1807. Gravura
de Francisco Bartolozzi a partir de pintura de Nicolas Delariva, 52,5 cm × 71 cm.
Página 105

Em 1815, com a queda de Napoleão Bonaparte, D. João foi chamado a reassumir seu trono em Portugal,
o que lhe criou um impasse, já que não poderia mais governar a metrópole vivendo na colônia.

Para resolver a situação, D. João elevou o Brasil a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, igualando-o
assim politicamente a Portugal. Esse passo, apesar de não mudar efetivamente a situação da colônia,
possibilitou o surgimento das condições para a independência brasileira.

Em 1820, a situação político-econômica do Brasil era estável. Já em Portugal, houve piora na crise
política, militar e econômica, o que levou à deflagração da Revolução Liberal do Porto na cidade
homônima. Entre as reivindicações dos líderes desse movimento estavam o retorno de D. João VI para
assumir o trono e, com isso, a convocação de uma Assembleia Constituinte.

Pressionado por esses acontecimentos, D. João VI partiu em abril de 1821 para Portugal, deixando no
comando do Brasil seu filho e herdeiro, o príncipe regente D. Pedro de Alcântara.

As Cortes Portuguesas desejavam reverter as conquistas políticas e econômicas alcançadas pelo Brasil.
Diante disso, a classe dominante da colônia se sentiu impelida a buscar a independência, pois não queria
mais a antiga subordinação.

A Revolução Liberal do Porto, entre outras reivindicações, era a favor da volta do pacto colonial e da
elaboração de uma Constituição para Portugal e seus domínios ultramarinos. Esse processo levou à
criação das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, também conhecidas como Cortes
Portuguesas e Soberano Congresso – reunidas entre 1821 e 1822 –, que foram, de maneira geral, o
primeiro Parlamento português, interferindo bastante no regime político de Portugal. Para compor as
Cortes, foram eleitos deputados representantes de Portugal e das províncias brasileiras, que, além da
participação na Constituição, tinham a incumbência de analisar e orientar as ações empreendidas pela
Coroa em seu período de vigência.

Em 1821 houve em Portugal uma reunião das Cortes, para a qual o Brasil, como parte do império,
também deveria enviar representantes. Mas as Cortes se reuniram antes da chegada desses
representantes, exigindo que o rei assinasse um documento que anulava o título de regente de D.
Pedro, o que reduziria a autonomia da colônia. Reivindicavam, ainda, o retorno imediato de D. Pedro a
Portugal.

No Brasil, além de sofrer a pressão vinda de Portugal, D. Pedro era pressionado internamente,
sobretudo pelos dois grupos políticos locais: o Partido Português, integrado por militares e comerciantes
de origem lusitana que apoiavam as decisões da metrópole, e o Partido Brasileiro, composto de
comerciantes, proprietários de terras e profissionais liberais que queriam a manutenção da autonomia
do país.

No início de 1822, foi entregue a D. Pedro um manifesto elaborado pelas elites brasileiras com centenas
de assinaturas pedindo-lhe que ficasse no Brasil. Esse abaixo-assinado o levou a decidir sua permanência
em 9 de janeiro do mesmo ano. Esse foi o primeiro de uma série de episódios protagonizados por D.
Pedro que desagradaram as Cortes Portuguesas, culminando com a separação do Brasil de Portugal.
Dentre eles, destacam-se:

• a nomeação de José Bonifácio de Andrada e Silva, membro do Partido Brasileiro, para chefiar o
ministério;
• em maio de 1822, a decretação de que nenhuma ordem vinda das Cortes Portuguesas seria cumprida
sem sua prévia autorização;

• em junho, a convocação de uma Assembleia Constituinte e Legislativa;

• em agosto, a proibição da entrada das tropas portuguesas no Brasil sem sua autorização.

No início de setembro, em resposta a essas ações, as Cortes Portuguesas enviaram despachos ao Brasil
tornando nulas as decisões de D. Pedro e ordenando seu imediato retorno a Portugal.

Naquele momento, o príncipe regente estava em São Paulo, onde recebeu esses despachos das mãos de
um mensageiro junto com um aconselhamento de José Bonifácio de romper os laços com a metrópole.
Página 106

Diante dessa situação, D. Pedro declarou a Independência do Brasil. Isso aconteceu no dia 7 de
setembro de 1822. Em 12 de outubro, ele foi aclamado imperador e, em 1º de dezembro, coroado com
o título de D. Pedro I, Imperador do Brasil.

A independência do Brasil, ao contrário do que ocorreu na América Espanhola, foi instaurada de forma
rápida e sem fragmentação da colônia em diversos países. Houve graves conflitos armados em algumas
províncias (entre elas Bahia, Piauí e Pará) como reação à independência, mas todos foram debelados até
o fim de 1823.

[...] o Sete de Setembro representa um momento simbólico destacado de um longo processo de


ruptura iniciado até antes da vinda da corte e que levou, ao fim e ao cabo, a uma solução
monárquica, implantada bem no meio das Américas. [...] O evento é expressão visível de uma série
de tensões e arranjos que se colavam à crise do sistema colonial e do absolutismo, tão
característicos do período moderno. Era todo o Antigo Regime que se desintegrava, e com bases do
colonialismo mercantilista.

[...] Se o movimento foi liberal, porque rompeu com a dominação colonial, mostrou-se conservador
ao manter a monarquia, o sistema escravocrata e o domínio senhorial. Além do mais, se o processo
de emancipação foi deflagrado pela vinda da corte, o que explica o formato final é o movimento
interno de ajustamento às pressões de dentro e de fora, e principalmente um processo de
substituição de metrópoles: com o atual reinando bem na região Centro-Sul do recém-fundado
país. Por outro lado, se uma nova unidade política foi implantada, prevaleceu uma noção estreita
de cidadania, que alijou do exercício da política uma vasta parte da população e ainda mais o
extenso contingente de escravizados. […].

SCHWARCZ, Lilia Moritz. STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 222.
In: Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Coleção particular.

Jean-Baptiste Debret. Cerimônia de coroação de D. Pedro I, Imperador do Brasil, 1822. Aquarela, 27,5 cm × 20,5 cm.
Página 107

Organizando ideias
1. Leia o texto a seguir e faça o que se pede.

A transição de colônia para império independente caracterizou-se por um grau extraordinário de


continuidade econômica e social. Dom Pedro I e a classe dominante brasileira assumiram o
aparelho do Estado português existente, que, de fato, nunca deixou de funcionar. A economia não
sofreu grandes desarranjos: os padrões de comércio e investimento se alteraram (em particular, a
Inglaterra tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil e fonte de capital), mas tanto o modo
“colonial” de produção quanto o papel do Brasil na divisão internacional do trabalho não foram
grandemente afetados. Não houve rebeliões sociais de maior importância: as forças populares, que
de qualquer forma eram fracas – e divididas por classe, cor e posição – foram contidas com
sucesso; nenhuma concessão relevante foi feita aos grupos menos privilegiados da sociedade;
sobretudo, a instituição da escravidão sobreviveu (embora o tráfico de escravos estivesse agora
sob ameaça). Fora feita uma revolução conservadora. [...]

BETHELL, Leslie (Org.). A independência do Brasil. In: História da América Latina: da Independência até 1870. São Paulo: Edusp;
Brasília: Funag, 2004. v. III. p. 229-230.

a) Explique a “continuidade política” citada pelo autor com relação ao Brasil independente.

b) O que significou de fato a independência para o Brasil?

2. Observe as imagens e faça o que se pede.

Museu Imperial, Petrópolis

François-René Moureaux. A Proclamação da Independência, 1844. Óleo sobre tela, 2,44 m × 3,83 m.
Museu Paulista/USP, São Paulo

Pedro Américo. Independência ou morte, 1888. Óleo sobre tela, 4,15 m × 7,60 m.

a) Qual é a ideia de independência transmitida nas imagens?

b) Em dupla, responda: Qual é o papel das pinturas históricas na construção da memória nacional?
Página 108

Debate interdisciplinar
A transformação dos metais
Durante a exploração europeia na América, a extração de metais foi a principal atividade econômica. A
extração de prata e ouro, por exemplo, foi responsável pelo aumento das receitas da Coroa espanhola.
Além dos metais preciosos, outros metais eram explorados com o objetivo de compor ligas metálicas
utilizadas na fabricação de diversos artefatos, incluindo armas para a repressão dos povos nativos.

Minerais metálicos
Os minerais metálicos são recursos naturais não renováveis encontrados em estruturas geológicas muito
antigas. Correspondem a substâncias compostas, entre outros elementos, de químicos de metal, como a
hematita, que tem em sua composição o óxido de ferro (Fe 2O3), e a bauxita, que contém óxido de
alumínio (Al2O3). Os minerais metálicos mais abundantes são o cobre (Cu), o alumínio (Al), o zinco (Zn), o
ferro (Fe) e o chumbo (Pb). Em contrapartida, os mais escassos são o ouro (Au) e a prata (Ag). Como os
metais não se encontram de forma pura na natureza, é preciso extraí-los e purificá-los. A obtenção dos
minerais metálicos ocorre por meio de processos químicos.

Obtenção de ferro
O ferro é um dos elementos mais abundantes e um dos mais importantes do ponto de vista econômico,
pois é utilizado como base na siderurgia, setor industrial que produz a liga metálica mais utilizada no
mundo: o aço.

O ferro é obtido da hematita (Fe2O3), da magnetita (Fe3O4), da limonita (2 Fe2O3 3 H2O) ou da siderita
(FeCO3). O princípio básico da formação do ferro é a interação de seus minérios com o monóxido de
carbono (CO), produzindo ferro metálico e gás carbônico.

Fe2O3 + 3 CO → 2Fe + 3 CO2

óxido de ferro "mais" monóxido de carbono "gera" ferro metálico "mais" gás carbônico

Essa é uma reação de oxidorredução na qual o monóxido de carbono (CO) é o agente redutor, pois
causou a redução do ferro.

Outros metais, como o alumínio, são obtidos por eletrólise, que é a redução dos minérios por meio de
corrente elétrica, método econômico e eficiente.
Phil Clarke Hill/In Pictures/Corbis/Latinstock

Vista aérea da mina de ferro Carajás, Pará, 2014.


Página 109

Ligas metálicas
Muitos dos materiais encontrados no cotidiano são considerados metais, embora na maioria sejam, de
fato, ligas metálicas.

Uma liga metálica corresponde à união de dois ou mais elementos químicos, no qual pelo menos um
deles (o predominante) é um metal e os outros podem ser outros metais ou diferentes elementos. Essa
união dá origem a um material com propriedades metálicas, criado para modificar ou acrescentar
propriedades diferentes das propriedades dos metais formados. Veja alguns exemplos a seguir.

1. Bronze – a liga entre o cobre (Cu) e o estanho (Sn) produz um material flexível e resistente à
corrosão. Principais usos: industrial (fabricação de parafusos, ferramentas, aparelhos elétricos, conexões
hidráulicas etc.); fabricação de sinos, instrumentos musicais e objetos de decoração.

2. Latão – a liga entre o cobre (Cu) e o zinco (Zn) produz um material resistente à corrosão em
atmosfera ambiente e água do mar. As aplicações do latão são vastas, desde armamento e munições,
passando pela ornamentação, até tubos de condensador e terminais elétricos.

3. Aço carbono – liga entre o ferro (Fe) e pequenas quantidades de carbono (C). Dentro do aço, o
carbono se junta ao ferro e forma um composto chamado carboneto de ferro ou cementita (Fe 3C), uma
substância muito dura que é responsável pela dureza do aço, pois aumenta sua resistência mecânica.
Esse tipo de liga constitui a mais importante categoria de materiais metálicos usada na construção de
máquinas, equipamentos, estruturas, veículos etc.

Formação da cementita

3 Fe + C → Fe3C

ferro metálico "mais" carbono "gera" carboneto de ferro

Zoonar/Artem Merzlenko/Alamy/Latinstock

Trabalhadores fundindo metal. Fotografia de 2014.

Fundição de metais
Existem vários processos de transformação dos metais e ligas metálicas em peças para inúmeras
utilidades. Dentre eles, a fundição se destaca, pois, além de ser um dos métodos mais antigos, é muito
versátil, sobretudo quando se consideram os diferentes formatos e tamanhos das peças produzidas por
esse processo.

Na fundição, o metal é derretido e colocado em moldes para que se solidifique, formando os objetos
metálicos. Esse processo não se restringe apenas ao ferro, pode ser empregado com diferentes metais e
ligas metálicas, observando-se sempre as propriedades de cada um, por exemplo, a tem peratura de
fusão.

Aleksandr Kondratuk/Sputnik/Glow Images

Trabalhador da indústria siderúrgica fundindo aço. Fotografia de 2015.

Atividade
1. Atentando para o conceito de que muitos materiais encontrados em nosso cotidiano sejam, na
verdade, ligas metálicas, cite outros exemplos de ligas, assim como suas características,
importância e principais usos.
Página 110

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (Enem)

O canto triste dos conquistados: os últimos dias de Tenochtitlán

Nos caminhos jazem dardos quebrados;


os cabelos estão espalhados.
Destelhadas estão as casas,
Vermelhas estão as águas, os rios, como se alguém
as tivesse tingido,
Nos escudos esteve nosso resguardo,
mas os escudos não detêm a desolação...
PINSKY, J. et al. História da América através de textos. São Paulo: Contexto, 2007 (fragmento).

O texto é um registro asteca, cujo sentido está relacionado ao(à)

a) tragédia causada pela destruição da cultura desse povo.

b) tentativa frustrada de resistência a um poder considerado superior.

c) extermínio das populações indígenas pelo Exército espanhol.

d) dissolução da memória sobre os feitos de seus antepassados.

e) profetização das consequências da colonização da América.

2. (Unesp) Octávio Paz, escritor mexicano, assim se referiu à participação de índios e mestiços no
movimento de Independência do México:

“A guerra se iniciou realmente como um protesto contra os abusos da metrópole e da alta


burocracia espanhola, mas também, e sobretudo, contra os grandes latifundiários nativos.

Não foi a rebelião da aristocracia contra a metrópole, mas sim a do povo contra a primeira. Daí que
os revolucionários tenham concedido maior importância a determinadas reformas sociais que à
independência propriamente dita: Hidalgo decreta a abolição da escravatura; Morelos a divisão dos
latifúndios. A guerra de Independência foi uma guerra de classes e não se compreenderá bem o
seu caráter se ignorarmos que, diferente do que ocorreu na América do Sul, foi uma revolução
agrária em gestação.”

PAZ, Octávio. O labirinto da solidão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

Segundo o autor, a luta pela Independência do México


a) contou com o apoio dos proprietários rurais, embora eles considerassem desnecessária a
questão da ruptura com a Espanha.

b) opôs-se aos ideais políticos do Iluminismo europeu, dividindo o país em regiões politicamente
independentes.

c) recebeu a solidariedade de movimentos revolucionários europeus, dado o seu caráter de guerra


popular.

d) enfraqueceu o Estado Nacional, favorecendo a anexação de territórios mexicanos pelos Estados


Unidos da América.

e)apresentou um caráter popular, manifestando questões sociais de longa duração na história do


país.

3. (Fuvest-SP) Uma observação comparada dos regimes de trabalho adotados nas Américas de
colonização ibérica permite afirmar corretamente que, entre os séculos XVI e XVIII,

a) a servidão foi dominante em todo o mundo português, enquanto, no espanhol, a mão de obra
principal foi assalariada.

b) a liberdade foi conseguida plenamente pelas populações indígenas da América espanhola e da


América portuguesa, enquanto a dos escravos africanos jamais o foi.

c) a escravidão de origem africana, embora presente em várias regiões da América espanhola,


esteve mais generalizada na América portuguesa.

d) não houve escravidão africana nos territórios espanhóis, pois estes dispunham de farta oferta de
mão de obra indígena.

e) o Brasil forneceu escravos africanos aos territórios espanhóis, que, em contrapartida, traficavam
escravos indígenas para o Brasil.

4. (UFPR) A mão de obra utilizada nas plantations que se estabeleceram nas colônias europeias na
América era formada majoritariamente por escravos trazidos da África e seus descendentes.
Página 111

Responda no caderno

Sobre os processos de independência na América e sua relação com a escravidão de africanos e


afrodescendentes, é correto afirmar que:

a) A libertação dos escravos na América do Norte foi o principal motivador da Independência das
treze Colônias inglesas.

b) Os escravos e os negros e mestiços livres haitianos armaram-se para a luta e tiveram papel
fundamental nos levantes contra as autoridades francesas que culminaram na Independência do
Haiti e na abolição da escravidão nesse território.

c) As palavras Liberdade, Igualdade, Fraternidade, tornadas lema da Revolução Francesa, foram


estendidas às suas colônias e concretizadas quando o governo revolucionário da França aboliu
simultaneamente a escravidão em todos os seus territórios na América, desencadeando as guerras
de independência.

d) Somente Colômbia, Venezuela e Equador levaram a cabo a abolição da escravidão durante seus
processos de independência.

e) O Haiti e as Treze Colônias inglesas declaram sua independência das metrópoles,


respectivamente França e Inglaterra, proibindo o tráfico de escravos nas últimas décadas do século
XVIII.

5. (UFMG-MG) Assinale a alternativa que caracteriza o sistema de trabalho conhecido como "mita".

a) Trabalho escravo de negros nas plantações de açúcar do Caribe.

b) Trabalho forçado de índios mestiços nas plantações de café da Colômbia.

c) Trabalho forçado de índios nas minas de ouro e prata do Peru e Alto Peru.

d) Trabalho escravo de índios nas minas de salitre e cobre do Chile.

Para você ler


• A conquista do México, de Hernan Cortez. Porto Alegre: L&PM, 2007. Coletânea de cinco cartas
escritas por Hernan Cortez, capitão que subjugou a civilização asteca ao imperador Carlos V. Nelas,
Cortez narra todos os detalhes de sua viagem, desde a partida de Havana até a completa conquista do
território dos astecas.

• As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Porto Alegre: L&PM, 2010. Descreve o
processo de dependência social e econômica da América Latina com relação aos europeus desde sua
chegada ao Novo Mundo.

• Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos, de Cyril Lionel Robert
James. São Paulo: Boitempo, 2000. O livro aborda aspectos da História do Haiti e descreve
minuciosamente a insurreição de escravos que expulsaram os colonizadores franceses da região.
Para você assistir
• Manuela Sáenz, direção de Diego Risquez. Venezuela, 2000, 97 min. O filme retrata os últimos anos
de Manuela Sáenz, companheira de Simón Bolívar, um dos maiores heróis da América do Sul.

• A outra conquista, direção de Salvador Carrasco. México, 1998, 105 min. O filme retrata os conflitos
entre o modo de vida asteca e o dos europeus que estavam conquistando a América. Em 1520, os
espanhóis dizimaram os astecas durante uma cerimônia religiosa, evento que ficou conhecido como o
Massacre do Grande Templo. Um habilidoso escriba asteca, filho ilegítimo do imperador Montezuma,
sobrevive escondendo-se sob um cadáver. O longa-metragem acompanha o jovem enquanto ele
testemunha a nova ordem instaurada em sua terra, então sob o domínio espanhol.

Para você navegar


• Agencia Latinoamericana de Información. Disponível em: <http://alainet.org>. Acesso em: mar. 2016.
O site oferece um espaço amplo, democrático e descentralizado para a difusão de informações acerca
da situação dos direitos humanos, igualdade de gêneros e cidadania na América Latina.

• Memorial da América Latina. Disponível em: <www.memorial.org.br>. Acesso em: mar. 2016. Nesse
site é possível acessar publicações em formato digital, fazer uma visita virtual ao Memorial e agendar
visitas físicas.
Página 112

4Direitos na América Latina: lutas


e conquistas
Neste capítulo
A América independente
O regime neocolonial
Os conflitos na América Latina
O imperialismo na América Latina
As revoluções
O populismo
As ditaduras
As guerrilhas

Museu Nacional de História, Cidade do México

David Alfaro Siqueiros. O povo pega em armas, 1957. Detalhe.

O direito à vida na América Latina tem sido violado desde os primórdios do processo
colonizador. Foram séculos de exploração até que as colônias conseguissem a
independência. Seguiu-se então um longo processo de for mação das nações latino-
americanas. Da independência aos dias atuais, os países latino-americanos têm lutado
para sua afirmação na ordem mundial. Nesse caminho amargaram, de forma geral,
situações de violação aos direitos humanos quando sofreram com o imperialismo, as
ditaduras e os conflitos armados.
Página 113

A luta é contínua e atual. Muito já se conseguiu, mas ainda há muito que se buscar no que
se refere a direitos para os povos latino-americanos.

Neste capítulo serão abordados assuntos referentes às nações americanas após suas
respectivas independências e às situações atuais de dependência econômica, além de
conflitos, imperialismo, revoluções e ditaduras que marcaram a história da América Latina.
Página 114

A América independente

Museo Nacional de Arte, Cidade do México (INBA)

José María Velasco. Hacienda de Chimalpa, 1893. Óleo sobre tela, 1,04 m × 1,59 m. Comum a toda a América Colonial, a grande
propriedade rural, ao lado do sistema escravista, representou a base de sustentação do sistema colonial. Para muitos, sua
manutenção após o processo de independência é a causa da desigualdade social nos países latino-americanos.

A emancipação política não alterou substancialmente as estruturas econômicas e sociais dos países da
América Latina. As propostas das elites eram conflitantes. Algumas pessoas propunham uma
organização centralizada de governo, outras defendiam mais autonomia, optando pelo federalismo.
Com a adoção da forma republicana de governo, cujo poder político deveria emanar da sociedade, era
necessário realizar eleições. Contudo, por meio de mecanismos diversos (voto censitário, eleições
fraudulentas, abuso do poder econômico, entre outros), os setores populares permaneceram afastados
das decisões políticas, sem afetar a ordem social.

A grande propriedade manteve-se ao longo do século XIX. No México, alguns poucos proprietários
possuíam haciendas de até 100 mil hectares. No Chile, 600 potentados rurais controlavam metade das
terras cultiváveis. No Brasil, o binômio escravidão e latifúndio atravessou quase todo o século.

As constituições das recém-criadas nações latino-americanas consagravam, em seus diversos artigos, os


princípios liberais e até ensaiavam a instauração de regimes democráticos. No entanto, a realidade era
bem diferente.
Glossário
Binômio: utilizado no texto como sinônimo de equação, soma.
Potentado: soberano, pessoa de grande influência e autoridade.
Página 115

Liberal, e mesmo democrática, em teoria, cada República, de fato, é presa a facções que disputam
violentamente os postos de governo. Raramente são preenchidas as condições necessárias ao
funcionamento de um regime constitucional. Além disso, as guerras de independência puseram em
evidência a figura do chefe, o caudilho. [...]

Não há governo em cuja origem não se encontre ou um pronunciamento ou uma eleição


fraudulenta, e que não desapareça em meio à confusão e vítima de uma ilegalidade. O México tem
em média um presidente por ano, durante os trinta e seis anos consecutivos à queda do seu
primeiro caudilho, Iturbide. Na Venezuela verificam-se cinquenta e duas revoltas em menos de cem
anos. A Bolívia é teatro de sessenta sublevações militares, muda dez vezes de constituição, mata ou
deixa morrer seis de seus presidentes. O Paraguai não sai da ditadura. A revolução de 1879, na
Colômbia, ao que se diz, causa 80.000 vítimas.

SCHNERB, Robert. O século XIX: as civilizações não europeias. In: CROUZET, Maurice (Dir.). História geral das civilizações. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. t. VI. v. 14. p. 50.

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico: geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. p. 162.
Página 116

O regime neocolonial
Pode-se dizer que a independência da América Latina foi apenas política, pois, economicamente, as
jovens nações subordinaram-se à Inglaterra. Os ingleses apoiaram os colonos americanos nas lutas
contra Espanha e Portugal porque seu interesse era controlar o comércio naquela rica região. Para
concretizarem esse objetivo, os ingleses contaram com o apoio da aristocracia local dos países então
recentemente independentes.

No geral, as elites da América Latina foram coniventes com a expansão imperialista. No México, por
exemplo, durante o governo de Porfirio Díaz, empresas britânicas e norte-americanas tiveram benefícios
diversos. Havia uma aliança entre as camadas dirigentes e as potências imperialistas. Eram comuns as
cisões entre grupos das elites, bem como conflitos entre as empresas que faziam investimentos nos
países latino-americanos. É preciso destacar que mesmo os ideólogos liberais acreditavam que não
podia haver democracia, pois a maioria da população estava “despreparada” para tal regime político.

No contexto americano de disputas por poder político e de tensões geradas pela ruptura com a
Espanha, a Revolução Industrial abalou o frágil equilíbrio econômico da América Latina. Esse quadro
encaminhou a maioria dos países latino-americanos a governos ditatoriais, cuja estratégia econômica
era a produção para o mercado externo.

Biblioteca de João Moreira Garcez Filho

Jean-Baptiste Debret. Real fábrica de ferro de São João de Ipanema, Sorocaba, 1827. Aquarela.

O repentino processo de abertura da América Latina ao mercado exterior gerou mudanças significativas
em diferentes aspectos econômicos e sociais do Novo Mundo. Entre eles, podem ser citados a
modernização das cidades, a expansão da produção agrícola – e em alguns casos do uso de tecnologia
agrícola – e o aumento do número de imigrantes.

A industrializada Inglaterra enviava aos mercados latinos uma grande quantidade de tecidos e diversos
produtos manufaturados, levando em troca, a preços baixos, o café do Brasil, o cobre do Chile, o couro
dos países platinos, o ouro, o nitrato e o guano do Peru – entre outros gêneros –, além de obter
enormes lucros com o tráfico de escravos africanos.

Com isso, a pequena indústria de alguns países latino-americanos no início do século XIX, que com
incentivos poderia crescer e se consolidar, foi sufocada pela concorrência estrangeira. Na Bolívia, por
exemplo, havia uma bem-sucedida produção têxtil. Só na cidade de Cochabamba, milhares de pessoas
dedicavam-se à fabricação de lenços, panos e toalhas. Os bolivianos fabricavam ainda mantas, ponchos,
tecido de linho e de algodão, chapéus etc. Todavia, diante da concorrência inglesa, a produção boliviana
quase desapareceu. Os portos dos países latino-americanos ficavam lotados de mercadorias inglesas,
que iam de caixões a patins de gelo, passando por vestimentas e outros tantos produtos.

A subordinação econômica refletia-se nos planos cultural e político. Nas cidades da América Latina, as
inovações já eram visíveis na segunda metade do século XIX. O estilo de vida em Buenos Aires, por
exemplo, assemelhava-se ao das cidades europeias. Havia certa estabilidade econômica e os avanços
técnicos contribuíam para as diversas mudanças. Ruas pavimentadas, iluminação a gás, construção de
teatros e uma aristocracia europeizada caracterizavam esse período.

Glossário
Guano: adubo resultante de excremento (fezes) e de cadáveres de aves marinhas, como alcatrazes e
gaivotas.
Página 117

S. Rimathé/Alinari Archives, Florence/Alinari/Getty Images

Vista do Boulevard Callao, Buenos Aires, Argentina, 1890.

[...] A nova riqueza e os novos contatos culturais se manifestam mediante inovações


arquitetônicas, consideradas maravilhosas: a costa do rio da Prata, nos arredores de Buenos Aires,
cobre-se de vilas de duvidoso estilo normando, enquanto – é o que Sarmiento escreve, com ar de
importância – o estilo dórico predomina em Zárate (uma aldeia aos arredores da capital argentina).
O diagnóstico nem sempre é tão seguro: em Santa Fé (Argentina), foi construída uma casa estilo
chinês, mas um admirado cronista considera tratar-se, ao contrário, de estilo indiano. Em Santiago
do Chile, as novas casas senhoriais não mais se constroem em torno de um pátio e de um poço:
têm uma escada construída com madeira importada da Europa, salões com teto pintado e profusão
de mármores igualmente importados [...]. Assim, a América Latina ostenta os signos exteriores de
um progresso que mal começa a atingi-la.

DONGHI, Tulio Halperin. História da América Latina. São Paulo: Círculo do Livro, s.d. p. 178.

Apesar da maior disponibilidade de capitais, a rápida transformação da economia e dos padrões de


consumo do período na América Latina ocasionou um processo de endividamento, já que para atingir
tais padrões foi necessário contratar empréstimos nas bolsas europeias.

Quanto à inserção comercial externa no continente, podemos observar diferentes estruturas produtivas
e implicações econômicas, políticas e sociais. Enquanto no Brasil e no Caribe implantou-se uma
economia baseada na agricultura tropical e no trabalho extensivo com baixo nível tecnológico, na
Argentina, no Chile e no Uruguai, implantou-se a agricultura temperada como base econômica. No
segundo caso, podemos destacar como diferença o uso extensivo da terra com grande nível de
tecnicização. Países como México, Peru, Chile e Bolívia passaram a investir na mineração, com uso
intensivo de capital e de força de trabalho.

A diferença básica entre a agricultura de clima tropical e a de clima temperado é o conjunto de


características geográficas das regiões do globo em que elas ocorrem.
O sistema agrícola implantado no Brasil e no Caribe demandava menos técnicas e instrumentos, uma
vez que o plantio de certos gêneros introduzidos nessas áreas era favorecido pelo clima (tropical) e boas
condições dos solos.

Já no caso de algumas áreas do Chile, da Argentina e do Uruguai, a proximidade de zonas de fronteiras


entre um clima e outro tornou mais difícil o cultivo, o que trouxe à tona a necessidade do uso de
maquinário nas plantações.
Página 118

The Bridgeman Art Library/Keystone

Escravos plantando cana. Gravura colorida de William Clark para o livro Dez vistas da Ilha de Antígua, 1823. A cana-de-açúcar foi
um dos gêneros agrícolas favorecidos pelo clima tropical.

Dessa forma, como reflexo dos governos autoritários e da atividade econômica voltada à exportação,
surgiu na América Latina uma sociedade caracterizada por uma relação predatória com a terra e pelo
consumo nas cidades. Os estrangeiros instalados em novo território apropriavam-se de grandes
extensões de terra no interior do continente com o intuito de produzir para exportação, o que serviu
como ponto de partida para a formação de uma sociedade rural, pautada pela desigualdade de renda e
pelo modo de vida entre os grandes proprietários e os trabalhadores.

Nesse panorama, o grande desafio dos recém-constituídos países latino-americanos era assumir o
controle político e econômico de seus próprios territórios, para que fosse possível governar e produzir
de acordo com suas necessidades, e não mais com as necessidades do mercado europeu, contornando
as novas regras estabelecidas pelo capitalismo industrial e financeiro do período.

Os governos autoritários são caracterizados por ressaltar o papel dominante do Estado. Geralmente,
têm como característica principal a centralização do poder em torno de uma pessoa ou instituição, que
se excede no exercício da autoridade a ela investida. Uma das formas de autoritarismo bastante
presentes na história da América Latina foi o que chamamos de caudilhismo, na qual grandes líderes ou
políticos de determinadas nações se utilizaram do carisma e do caráter populista para governar de
forma ditatorial, controlando as atividades não apenas econômicas e políticas mas muitas vezes
também sociais, como a liberdade da população.

Organizando ideias
1. De que forma se relacionam o desenvolvimento do capitalismo, a Revolução Industrial e a
estrutura política da América Latina?
2. Compare as relações econômicas entre as metrópoles ibéricas e suas colônias na América na
época do mercantilismo com o que ocorria no século XIX entre a Inglaterra e a América Latina.

3. Sobre os diferentes sistemas produtivos na América Latina, responda às questões a seguir.

a) Como eles se organizaram nas diversas regiões do continente?

b) Quais foram as consequências dessas estruturas produtivas para as áreas mencionadas?


Página 119

Os conflitos na América Latina


Ao longo do século XIX sucederam-se diversas guerras entre as nações latino-americanas, que tinham
como causa, basicamente, as questões de fronteira e os interesses econômicos.

Dentre os conflitos mais significativos, destacamos a Guerra do Paraguai, a Guerra do Pacífico e a Guerra
do Chaco. Esses três embates chamam a atenção porque violaram constantemente os direitos humanos.

A Guerra do Paraguai (1864-1870)


A Guerra do Paraguai (também conhecida por Guerra da Tríplice Aliança), que envolveu o Brasil, a
Argentina e o Uruguai contra o Paraguai, foi o conflito de maior impacto nos direitos humanos ocorrido
na América Latina no século XIX.

Na historiografia tradicional brasileira, em meados do século XX, Solano López, o ditador paraguaio, era
visto como um tirano; já o Exército Brasileiro teria lutado em prol da liberdade e teve, no Duque de
Caxias (Luís Alves de Lima e Silva), seu herói maior. Por outro lado, para os paraguaios, a guerra foi um
massacre e Solano López teria sido um paladino das causas nacionais.

Na década de 1970, alguns historiadores afirmaram que a guerra foi causada pela Inglaterra, desejosa
de destruir o Paraguai, que não se subordinava aos interesses do imperialismo inglês. A tese teve o
mérito de desmistificar a visão de que o exército aliado libertou os paraguaios de uma tirania, mas a
afirmação de que o conflito resultou de manobras políticas do imperialismo britânico não se sustentou.

No panorama da busca por afirmação econômica, a maioria dos países latino-americanos voltou-se para
atividades ligadas à antiga economia agroexportadora. O Paraguai, em contrapartida a essa tendência,
preferiu implementar um conjunto de medidas que modernizaria o país.

Entre as décadas de 1810 e 1860, muitos avanços ocorreram em decorrência dessas ações e tornaram
propício o surgimento de uma indústria autônoma e competitiva, consequentemente melhorando a
condição de vida da população. Dentre essas medidas, destacam-se a erradicação do analfabetismo, a
instalação de fábricas com subsídio estatal e a melhora do abastecimento alimentício – conseguida por
meio da reforma agrária, que deu aos produtores terras onde trabalhar, insumos e materiais.

Atualmente, os pesquisadores acreditam que as origens do conflito podem estar no processo de


consolidação dos Estados Nacionais no Rio da Prata e que as intervenções brasileiras no Uruguai, os
problemas internos na Argentina, as pretensões de Solano López e o fracasso das soluções diplomáticas
provocaram o conflito.

Em 1862, Solano López chegou ao poder. Ele tinha como objetivo dar continuidade aos avanços
conquistados pelas administrações anteriores. Um dos maiores problemas paraguaios à época era a
falta de áreas litorâneas, o que dificultava o escoamento das mercadorias produzidas. Para chegar aos
portos, estas precisavam atravessar a região da Bacia do Prata, que abrangia territórios brasileiros,
uruguaios e argentinos.

Glossário
Insumo: na economia é chamado de insumo qualquer maquinário, energia ou força de trabalho
utilizado na produção de mercadorias ou na prestação de serviços.
Página 120

A principal vertente da historiografia atual defende que a guerra teria sido incitada pelo próprio
Paraguai. Com o intuito de controlar a região do Prata e conseguir uma saída para o mar, o país teria se
voltado à produção de armamentos e ampliação do exército visando lutar pelo controle da bacia
hidrográfica.

Ainda segundo essa versão, a Argentina – partidária da consolidação de um novo governo uruguaio, que,
unido ao paraguaio e ao argentino faria ressurgir o antigo Vice-Reinado do Prata – mostrou-se favorável
às intenções paraguaias.

O Brasil, sob o comando de D. Pedro II, contrário a tal tendência e defendendo a livre navegação na
região do Prata, decidiu invadir o Uruguai. A resposta a tal ato, entretanto, foi o aprisionamento do
navio brasileiro Marquês de Olinda, em novembro de 1864, episódio que motivou a declaração
brasileira de guerra contra o Paraguai. A aproximação de Solano López com os federalistas argentinos e
com membros do Partido Blanco no Uruguai despertou no presidente argentino Bartolomé Mitre
receios quanto à consolidação do Estado Nacional argentino. No Uruguai, as divergências entre
membros do Partido Blanco e do Partido Colorado, que eram aliados dos governos brasileiro e
argentino, levaram o país a se envolver no conflito.

Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

Victor Meirelles de Lima. Combate naval do Riachuelo, final do século XIX. Óleo sobre tela, 4 m × 8 m.

Sendo assim, em 1865, Uruguai, Brasil e Argentina formaram a Tríplice Aliança, com o objetivo de
derrotar o Paraguai.

No início do conflito, os paraguaios obtiveram alguns êxitos. Logo, porém, a contraofensiva aliada
resultou na invasão do país. Os paraguaios passaram por diversas derrotas, mas tinham forte
resistência. O embate foi arrastado por quase cinco anos e, em 1869, o Paraguai foi rendido.

Apesar da vitória, o saldo brasileiro tampouco foi positivo, uma vez que o governo imperial contraiu
muitas dívidas com a Inglaterra. O Exército Brasileiro, que ganhou corpo e força durante a guerra,
passou a interferir nas questões políticas nacionais, o que, unido à insatisfação da população, foi um dos
fatores que impulsionaram o início do governo republicano no Brasil.
Museu Nacional de Artes Plásticas, Montevidéu

Juan Manuel Blanes. A paraguaia, c. 1880. Óleo sobre tela, 100 cm × 80 cm.
Página 121

Em resumo, a guerra teve as seguintes consequências:

• o Paraguai perdeu grande parte de sua população e entrou em uma enorme recessão econômica; a
guerra frustrou o desenvolvimento do país e, após o conflito, ocorreu a privatização das terras públicas
– com a consolidação do latifúndio –, a estrada de ferro passou para as mãos dos ingleses e os
monopólios estatais desapareceram;

• o Brasil teve compensações territoriais e manteve seu domínio sobre a região do Prata; além disso,
ocorreu o aumento da dívida externa, o Exército ganhou força política e o movimento abolicionista foi
acelerado;

• a Argentina obteve vantagens comerciais e territoriais.

Negros escravos na Guerra do Paraguai


O conflito na região do Prata foi travado em um contexto de pesadas críticas ao sistema escravista e
incentivo à abolição na América Latina, numa onda de defesa dos direitos da população escravizada que
vivia nas Américas. Há algum tempo, a historiografia vem ressaltando a grande participação de escravos
negros na Guerra do Paraguai e os impactos na abolição.

Não só o Brasil mas também o Paraguai utilizavam a força escrava em suas tropas, que, em determinado
momento do conflito, chegaram a ser constituídas quase que unicamente por negros.

No caso específico do Paraguai, que ainda não havia abolido a escravidão, os negros começaram a ser
recrutados aproximadamente um ano após o início do conflito, para preencher as baixas de mortos,
feridos e doentes do exército em combate.

Para incentivar a participação dos escravos na guerra, as autoridades paraguaias convocavam os


proprietários de escravos a fazer doações “voluntárias”, oferecendo uma indenização em troca dos
homens “doados”.

Já no Brasil, a participação escrava na guerra iniciou-se por outros motivos. Como o efetivo do Exército,
à época da Guerra do Paraguai, era insuficiente para defender os interesses brasileiros, foram utilizados
reforços da Guarda Nacional das províncias do Império e de um grupo de Voluntários da Pátria, criado
em janeiro de 1865.

A eclosão de vários levantes que questionavam a estrutura política centralizada do Período Regencial
levou seus dirigentes a autorizar, em agosto de 1831, a criação da Guarda Nacional, que consistia numa
força paramilitar para defender tanto o Brasil quanto o governo regencial de ataques internacionais.

Já os Voluntários da Pátria foram corpos militares do Período Imperial incorporados ao Exército


brasileiro no início da Guerra do Paraguai com o intuito de reforçar as tropas. Apesar do nome, nem
todos os militares eram voluntários, já que o que motivava os soldados a se alistar era o fato de o
governo assegurar vantagens e prêmios aos que se juntassem às tropas.
Museu Nacional de Artes Plásticas, Montevidéu

José Wasth Rodrigues. Corpos de Voluntários da Pátria, c. 1865-1870. Bico de pena, 30 cm × 41 cm.
Página 122

Apesar da insistente e entusiasmada campanha pró-alistamento, o acréscimo de homens às tropas não


foi suficiente, o que impulsionou o governo brasileiro a iniciar, em 1865, o alistamento forçado.

Diante dessa situação, os cidadãos desprovidos de posses ou recursos não tinham como escapar ao
alistamento. Já aqueles que dispunham de melhores condições podiam se esquivar da convocação
doando recursos e equipamentos ao Exército e, sobretudo, enviando escravos para auxiliar no combate.

Como incentivo à participação de escravos na guerra, o próprio imperador D. Pedro II instituiu a alforria
de todos que fossem enviados ao conflito, deixando sem opção os menos abastados quanto à entrada
no embate.

Foi esse descaso que, criticado pelos abolicionistas e somado à campanha contrária ao império, feita
pelos militares – que ganharam força no pós-guerra –, levou ao enfraquecimento do governo imperial.

Sendo assim, tanto no Paraguai quanto no Brasil, a participação dos negros na guerra esteve ligada à
questionável cidadania relacionada à questão étnica. O alistamento maciço atingia igualmente os
escravos e os pobres, mostrando que os direitos individuais não eram respeitados nem na monarquia
escravocrata brasileira nem na pretensa república paraguaia.

Organizando ideias
De acordo com as informações anteriores sobre a Guerra do Paraguai, faça o que se pede.

1. O que diferenciava o Paraguai das outras nações da América do Sul em meados do século XIX?

2. Como se aliaram os países que participaram da Guerra do Paraguai?

3. Analise a participação dos negros escravos na Guerra do Paraguai, tanto do lado paraguaio como
do brasileiro.

4. De acordo com a leitura dos dois textos a seguir, como se encontram as condições do Paraguai
antes e depois da guerra?

Texto 1

Até a sua destruição, o Paraguai se destacava como uma exceção na América Latina: a única nação
que o capital estrangeiro não havia deformado. [...] O Estado, onipotente, paternalista, ocupava o
lugar de uma burguesia nacional que não existia, na tarefa de organizar a nação e orientar seus
recursos e seu destino. Francia [o ditador Gaspar Rodríguez de Francia (1815-1840)] apoiava-se nas
massas campesinas para esmagar a oligarquia paraguaia [...]. As expropriações, os desterros, as
prisões, as perseguições e as multas não tinham servido de instrumento de consolidação do
domínio interno dos latifúndios e comerciantes, mas, ao contrário, tinham sido usados para sua
destruição. Não existiam – nem surgiriam mais tarde – as liberdades políticas e o direito de
oposição, mas naquela etapa histórica só os saudosos privilégios perdidos estranhariam a falta de
democracia. Não havia grandes fortunas privadas quando Francia morreu, e o Paraguai era o único
país da América Latina que não tinha mendigos, famintos e ladrões [...]. O agente norte-americano
Hopkins informava em 1845 ao seu governo que no Paraguai “não há criança que não saiba ler e
escrever” [...].
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2016. E-book.

Texto 2

Terminada a Guerra da Tríplice Aliança e ainda sob a ocupação das tropas brasileiras, teve início o
processo de reorganização do Estado Paraguaio, com a instalação de um governo provisório.

Essa reorganização do Estado se deu num cenário de miséria e dominação estrangeira, resultantes
da guerra que não só destruiu todo o setor produtivo, mas também consumiu mais da metade da
sua população. Além disso, Brasil e Argentina impuseram ao país derrotado uma dívida de guerra
de 19 milhões de peso ouro e anexaram, a seus territórios, cerca de 160 quilômetros quadrados de
território paraguaio.

MORAES, Ceres. Paraguai: a consolidação da ditadura de Stroessner (1954-1963). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 13. (Coleção
História, 34).
Página 123

A Guerra do Pacífico (1879-1883)


A Guerra do Pacífico, como ficou conhecida, foi o conflito do Chile contra a Bolívia e o Peru.

Essa guerra começou devido à pretensão chilena de se apossar da província boliviana de Antofagasta,
rica em salitre e guano.

A fragilidade econômica da Bolívia de fato levava à exploração da região pelos chilenos. Inicialmente
eles não tinham grande interesse em dominá-la, mas depois, com a descoberta do valor comercial
desses produtos, passaram a ter ambições também de se apossar da província peruana de Tarapacá,
abundante em tais riquezas.

A disputa por territórios entre os países envolvidos ocasionou a Guerra do Pacífico, que, apesar de mais
modesta que a Guerra do Paraguai, envolveu mais de 70 mil pessoas, deixando um saldo de milhares de
mortos.

A guerra começou quando o governo boliviano resolveu aumentar os impostos sobre o mineral, ferindo
os interesses chilenos.

Em 1879, aproveitando-se da fragilidade militar da Bolívia, tropas chilenas ocuparam Antofagasta com o
intuito de aumentar o domínio territorial de seu país e garantir a exploração do salitre na região. O Peru
quis mediar a contenda, mas os chilenos não só rejeitaram a mediação como declararam guerra ao país.

Com o intuito de dominar a região, o Chile resolveu iniciar uma ofensiva, porém a dificuldade em
avançar pelo deserto levou o país a investir em combates navais e invasões anfíbias.

Inicialmente os ataques ocorreram no Porto de Iquique, no Peru, onde depois de algum tempo de
conflito os peruanos conseguiram afundar sete navios chilenos e expulsar os invasores.
© DAE/Studio Caparroz

Fonte: BLACK, Jeremy. World history atlas. Londres: Dorling Kindersley, 2008. p. 151.

Glossário
Invasão anfíbia: é um tipo de operação militar que começa no mar e envolve o desembarque dos
navios em uma praia inimiga.
Salitre: é o nome comum do nitrato de potássio, substância utilizada como fertilizante e como
componente de explosivos.
Página 124

Após o episódio, como represália, os chilenos capturaram um dos principais navios da esquadra
peruana. Usando-o contra as próprias forças do Peru, só então conquistaram o almejado porto.

A partir de então, os chilenos iniciaram uma série de investidas contra o Peru e a Bolívia, em batalhas
que ocasionaram a morte de milhares de pessoas.

A guerra só chegou ao fim com a assinatura do Tratado de Ancón. O Peru perdeu a província salitreira
de Tarapacá e algumas ilhas guaneiras, enquanto a Bolívia perdeu Antofagasta, onde hoje os chilenos
exploram uma das maiores minas de cobre do mundo, e o acesso ao mar. Como compensação, os
bolivianos teriam livre acesso ao Porto de Arica e seria construída uma estrada de ferro ligando a região
a La Paz.

A consequência mais importante da Guerra do Pacífico para o Chile foi a incorporação de amplas áreas
onde se concentravam a exploração do salitre. O eixo da economia do país passou da agricultura para a
mineração, cujo controle se encontrava nas mãos de capitalistas ingleses. O Estado se fortaleceu em
razão dos impostos que cobrava das exportações. Os gastos públicos aumentaram e cresceram as
camadas médias ligadas ao aparelho estatal. Nasceu também uma combativa classe operária mineira.

[...] A Guerra do Pacífico foi a primeira na qual os capitalistas europeus (e, em menor proporção, os
norte-americanos) tomaram abertamente partido, fazendo-o em favor do Chile e contra a aliança
do Peru e da Bolívia […]. A conquista do norte, onde estão as jazidas de salitre, significa também
um importante ganho para os grupos dominantes da sociedade chilena.

No Peru, a aristocracia urbana das regiões costeiras e em particular de Lima se reconstruiu,


sobretudo sobre à generosidade do fisco. Mas a elite que reconquista suas riquezas primitivas
guarda as distâncias; enraizada, pelo menos em parte, no passado da capital, usa contra o governo
tanto o moralismo (apresentado intermitentemente em oposição às linhas políticas que não a
favorecem) quanto a fidelidade das camadas médias e da plebe urbana, dispostas a colaborar para
a conquista do poder político, que já há muito aparece como domínio exclusivo dos generais
mestiços da serra.

Na Bolívia, nada disso acontece: uma economia estagnada minou a superioridade das elites
tradicionais e constituiu um novo grupo de governo, formado por oficiais vulgares, cujos modos
grosseiros e cuja facilidade de corrupção podem ser objeto de denúncias enérgicas, mas que não
parecem ter maiores consequências que aquelas determinadas pelo estilo administrativo dos
representantes das velhas elites, impopulares por terem imposto sacrifícios em vista de objetivos –
como o saneamento monetário e a depuração administrativa – cujas vantagens não eram
facilmente perceptíveis.

[...]

No Chile, a situação foi [...] diferente da peruana e mais ainda da boliviana. O regime conservador
começou a limitar a força do exército; com a primeira guerra do Pacífico, as forças armadas
chilenas adquirem um prestígio nacional sem paralelo no resto da América Latina. Os oficiais do
exército chileno compreenderam as vantagens de ser a expressão armada da nação, e, só muito
discretamente e em segundo plano, os garantidores da ordem pública; tanto é assim que aceitaram
sem dificuldade a missão “política” que lhes foi conferida pelo novo regime […]. O fato de que o
exército pudesse ser, ao mesmo tempo, expressão do país e da facção dominante era, para os
observadores mais benevolentes, outro índice de uma experiência excepcional, mais europeia que
latino-americana, e isso explica – pelo menos em parte – as características peculiares da evolução
do país.

DONGHI, Tulio Halperin. História da América Latina. São Paulo: Círculo do Livro, s.d. p. 225.

Pausa para investigação


Em 2015, a Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia, decretou parecer favorável para a
Bolívia com relação a sua saída para o mar, perdida ao final da Guerra do Pacífico.

Forme um grupo com os colegas e, juntos, busquem informações sobre a atual situação dessa
questão. Houve finalização do julgamento? Qual foi a consequência da decisão da Corte?
Página 125

A Guerra do Chaco (1932-1935)


A Guerra do Chaco foi um conflito travado entre Paraguai e Bolívia pelo domínio de uma área
supostamente rica em petróleo.

Sua principal motivação foi a conquista da região do Chaco Boreal, que, além de apresentar grande
quantidade de petróleo, era crucial para a Bolívia como via de acesso ao Oceano Atlântico por meio do
Rio Paraguai.

À época do antigo Vice-Reinado do Rio da Prata, a região do Chaco pertencia à Bolívia, que, tendo
perdido a costa para o Chile na Guerra do Pacífico em 1879, não queria perder o domínio da área e,
consequentemente, do petróleo existente nela.

Por muitos anos, Paraguai e Bolívia tentaram chegar a um acordo que ajustasse suas fronteiras para
atender tanto um quanto outro, assinando uma série de tratados que não foram cumpridos. Isso
agravou ainda mais o problema, somado às perdas territoriais dos dois países em conflitos
internacionais ocorridos durante o século XIX.

A partir de 1920, a descoberta de petróleo na região do Chaco tornou a disputa ainda mais intensa.
Tanto o Paraguai quanto a Bolívia fizeram concessões de suas reservas a companhias internacionais –
esta para a Standart Oil Co. e aquele para a Shell. Entretanto, a produção boliviana precisava ser
transportada pelo Rio Paraguai para chegar ao Oceano Atlântico, e a empresa que administrava o
petróleo paraguaio, dominando a região dos Chacos meridionais, impedia a passagem de sua
concorrente.

Diante do conflito, o Chile, interessado no rompimento entre Paraguai e Bolívia com o intuito de
expandir sua atuação no mercado petrolífero, declarou apoio à Bolívia. O Paraguai, por sua vez, recebeu
o apoio da Argentina, sua grande parceira comercial.

A partir de tal impasse, os dois países começaram a organizar seus exércitos. Apesar de ter melhores
condições e mais reservas monetárias disponíveis para o investimento em suas tropas, os bolivianos
foram derrotados, devido à falta de costume com o ar rarefeito e com o clima quente do Chaco Boreal.
© DAE/Studio Caparroz

Fonte: BLACK, Jeremy. World history atlas. Londres: Dorling Kindersley, 2008. p. 152.
Página 126

O fim das investidas militares aconteceu em 1935, quando a Liga das Nações interferiu no conflito com
o intuito de apaziguá-lo.

A Liga das Nações foi uma organização internacional criada em 1919 com o objetivo de reunir todas as
nações do mundo para manter a paz e a ordem e evitar conflitos entre elas. Fundada durante a Primeira
Guerra Mundial, mediava os conflitos entre países de forma satisfatória para todos os envolvidos.

Apesar de apoiar a criação da Liga, o Congresso norte-americano recusou-se a aprovar o Tratado de


Versalhes – que punha fim à Primeira Guerra –, o que levou os Estados Unidos a ser o único país a ficar
fora dessa organização.

Em abril de 1946, a Liga se dissolveu e transferiu suas responsabilidades para a recém-criada


Organização das Nações Unidas (ONU).

O tratado de paz entre os dois países foi assinado somente em 1938, com o Paraguai saindo vitorioso. A
Bolívia ficou apenas com o domínio da Planície do Chaco. Apesar disso, a empresa que gerenciava o
petróleo boliviano antes do acordo ficou com o controle petrolífero da região somente até 2006,
quando este voltou às mãos paraguaias.

Como consequência da guerra, a Bolívia perdeu parte de seu território para o Paraguai. O conflito
deixou cerca de 90 mil mortos entre paraguaios e bolivianos, num dos maiores massacres da América
Latina.

Album/akg-images/Latinstock

Membros das tropas bolivianas em frente à Catedral de La Paz durante a Guerra do Chaco (1932-1935).

Organizando ideias
Leia o texto e faça o que se pede.

Aqui os países mais pobres do continente, os únicos sem saída para o mar, lutaram a guerra dos
desesperados, que deixou, numa estimativa conservadora, 80 mil soldados mortos. A Guerra do
Chaco terminou há setenta anos. O Paraguai tentou ocupar a região, mas quem se deu bem foi o
gado. Há dez cabeças para cada pessoa e quase nenhuma infraestrutura para o ser humano. Pela
geografia, é possível imaginar o desastre que esperava o Exército da Bolívia, que buscava
conquistar, através do rio Paraguai, uma saída para o Oceano Atlântico, para compensar o que
havia perdido para o Chile no Pacífico. Treinados por alemães e armados com o que havia de mais
moderno na Europa, os invasores deslocaram tanques Vickers de 6 toneladas para a mata fechada.
A gasolina para abastecer os motores era escassa. A água para matar a sede dos soldados mais
ainda.

Graças às manobras ligeiras comandadas pelo então coronel José Felix Estigarribia, o Paraguai
ganhou a guerra. Esperava retirar do solo a recompensa, petróleo farto, como já havia em território
boliviano.

Parece até maldição. Todas as descobertas subsequentes foram do lado boliviano da fronteira
definida pelo Tratado de Buenos Aires, de 1938, que pôs fim ao conflito.

O Paraguai ficou maior e mais pobre.

AZENHA, Luiz Carlos. Poeira e conspiração no Chaco paraguaio. Carta Capital, São Paulo: Editora Confiança, n. 493, p. 10, 30, abr.
2008.

1. Analisando as informações sobre a Guerra do Chaco expostas pelo autor, responda: O Paraguai
saiu realmente vitorioso desse conflito? Justifique.
Página 127

O imperialismo na América Latina


Os direitos humanos da população latino-americana no século XIX não foram somente desrespeitados
graças às guerras e ao descaso dos governantes. Mesmo a distância, a política imperialista também foi
responsável por uma série de violações.

Na Inglaterra, durante o século XIX, houve um significativo avanço técnico em algumas áreas, como a
produção de aço em grande escala e as invenções – por exemplo, o motor de combustão, o automóvel
movido a gasolina e a fotografia. Todas essas e outras inovações provocaram profundas mudanças nas
relações econômicas internacionais.

A Segunda Revolução Industrial provocou o surgimento de grandes indústrias, que foram


gradativamente absorvendo as menores. Também ocorreram nesse período o surgimento e a
consolidação de importantes e poderosos bancos.

Nesse contexto, alguns Estados que já se destacavam como potências econômicas – como França,
Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos – começaram a praticar uma política imperialista, que consistia
em conquistar e dominar territórios fora de suas fronteiras, neste caso, na Ásia, na África e na América
Latina.

Os países que haviam se industrializado necessitavam de matérias-primas e mercados consumidores,


fatores amplamente encontrados nas regiões dominadas. A posse das colônias atendia aos interesses
capitalistas e insuflava valores nacionalistas.

A Segunda Revolução Industrial foi um processo de transformação da estrutura produtiva da Inglaterra


entre 1780 e 1800. Tem como característica o surgimento dos grandes aglomerados urbano-industriais
como espaços político-econômicos centrais, que despontaram com o grande crescimento industrial
decorrente do uso de novas fontes de energia, como o petróleo, a eletricidade e o gás, que por sua vez
permitiam uma maior produção que o uso do carvão como combustível. As mudanças da segunda fase
da Revolução Industrial ocasionaram a disseminação das ferrovias, do uso do motor de combustão, do
automóvel, do rádio, da televisão etc., transformando de maneira marcante e permanente não apenas
os meios de produção mas também o conceito de trabalho e vida em sociedade no século XIX.

O Imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das características


fundamentais do capitalismo geral. [...] É a substituição da livre concorrência capitalista pelos
monopólios capitalistas [...], mas esta começou a transformar-se diante dos nossos olhos em
monopólios, criando a grande produção, [...] os cartéis, os sindicatos, os trustes e, fundindo-se com
eles, o capital de uma escassa dezena de bancos que manipulam milhões.

LÊNIN, Vladimir I. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Centauro, 2008. p. 88.

O imperialismo é caracterizado por alguns fatores específicos, como:

• a concentração da produção e do capital, levada a um alto grau de desenvolvimento que criou os


monopólios, os quais desempenham papel decisivo na vida econômica;

• a fusão do capital monopolista industrial com o capital bancário, e o aparecimento do capital


financeiro e da oligarquia financeira;
• a exportação de capitais, ao contrário da exportação de mercadorias, adquire importância
particularmente grande;

• a formação das associações monopolistas internacionais, que partilham economicamente o mundo


entre si;

• a partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes.

Na América Latina, as razões econômicas tiveram papel decisivo na expansão imperialista.

Os trustes são empresas ou grupos de empresas que se unem com o objetivo de controlar seu mercado
econômico de atuação visando neutralizar a livre concorrência. Frequentemente essas empresas se
organizam para controlar todas as etapas da produção de suas mercadorias, desde a exploração para
retirada de matéria-prima até a distribuição.
Página 128

O imperialismo britânico
No século XIX, o imperialismo inglês preponderou na América Latina, pois, apesar de independentes
politicamente, as jovens nações ainda não haviam conseguido se organizar a ponto de produzir e
comercializar seus produtos com total autonomia.

A penetração do imperialismo no continente se deu por via comercial e financeira. Desde o começo
do século XIX, o capital britânico esteve presente para financiar o comércio exterior, e desde a
metade deste século, para explorar minas, agricultura, vias de comunicação, portos etc.

Ao iniciar-se o século XX, a América Latina já absorvia 20% dos investimentos totais do mundo.

Os investimentos britânicos [...] estavam distribuídos de forma desigual pelo continente, pois
dependiam da importância de cada país em termos de produção de matérias-primas necessárias ao
mercado mundial.

BRUIT, Héctor H. O imperialismo. São Paulo: Atual, 2002. p. 44.

INVESTIMENTOS BRITÂNICOS NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL NO PERÍODO DE 1825 A 1913 (EM MILHÕES
DE LIBRAS)
Ano América Latina Brasil
1825 24,6 4,0
1840 30,8 6,9
1865 80,9 20,3
1875 174,6 30,9
1885 246,6 47,6
1895 552,5 93,0
1905 688,3 122,9
1913 1.177,5 254,8

Fonte: SILVA, S. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1986.

Na segunda metade do século XIX, os ingleses controlavam a maior parte do comércio exterior e da rede
bancária em quase todos os países latino-americanos.

Com o aumento da dívida externa, as nações endividadas entregavam os lucros das alfândegas e até a
exploração das ferrovias.

Para melhor compreensão dessa estratégia econômica, tomemos como exemplo o Brasil. Em 1823,
emprestamos dos bancos ingleses a quantia de 3 686 200 libras, dando como garantia parte das rendas
das alfândegas do Rio de Janeiro, da Bahia, de Pernambuco e do Maranhão. Essa dívida deveria ser paga
até 1854, porém, quando o prazo findou, tínhamos amortizado apenas 513 mil libras. Após avanços e
retrocessos, o referido emprésti- mo foi liquidado em 1890, 67 anos depois de contraído.

Para garantir seus investimentos, as grandes potências não hesitavam em intervir na política interna dos
países latino-americanos. Estudiosos das práticas imperialistas relatam que se aplicou com certa
frequência a técnica do bloqueio marítimo ou simplesmente o bombardeio dos portos mais
importantes.
A lista das intervenções indiretas ou diretas é longa. Dentre elas, destacamos: a conquista do Texas, do
Novo México e da Califórnia pelos estadunidenses (1845-1848); a tentativa de instaurar o protetorado
americano nas Ilhas Galápagos, no Equador (1854), e o italiano no Uruguai (1863); a invasão francesa do
México com o apoio de Inglaterra e Espanha (1862-1867); a Guerra de Reconquista Espanhola em São
Domingos (1866); a intervenção espanhola no Peru e no Chile (1864).

Outros conflitos também podem ser relacionados aos interesses econômicos e políticos das potências
imperialistas na América Latina, por exemplo, a Guerra da Independência de Cuba (1866) e a Guerra do
Pacífico (1879-1883).

Glossário
Amortização: pagamento de uma dívida por meio de parcelamento com cálculo de juros.
Página 129

Pausa para investigação


Ilhas Malvinas: disputa territorial e formação da identidade

As Ilhas Malvinas, situadas a aproximadamente 500 km da costa argentina, são, desde o final do
século XIX, um território em disputa entre os governos da Argentina e da Inglaterra.

Desde sua ocupação, em 1690, o território foi disputado por Reino Unido, França e Espanha, que
buscavam o domínio da região devido à abundância de baleias existentes no local, cuja caça era
economicamente importante naquele período.

Ao longo dos anos, muitos ataques e conflitos bélicos ocorreram na região, envolvendo
especialmente a Argentina e a Inglaterra. Em 1833, as ilhas passaram para o domínio britânico e,
em 1982, as forças conjuntas argentinas ocuparam-nas. Após um assertivo bombardeio britânico, a
Argentina se rendeu, cedendo o domínio da região à Inglaterra.

Mais de duas décadas depois, a então presidente, Cristina Kirchner, decidiu reclamar novamente a
soberania sobre a ilha, reavivando o clima de tensão entre as duas nações.

No início de 2013, o governo britânico propôs uma solução diplomática para o conflito: a realização
de um plebiscito na região, por meio do qual a própria população mostraria sua predileção – fazer
parte do Reino Unido ou da Argentina.

Na ocasião, a população mostrou-se favorável ao domínio inglês, ostentando até mesmo símbolos
britânicos pelas ruas das Ilhas. Apesar disso, a presidente argentina insistiu em continuar a
campanha pela retomada das Malvinas, não encerrando a questão.

Martin Zabala/Xinhua Press/Corbis/Latinstock

Mulher vota em referendo para decidir se as Ilhas Malvinas permanecem como território ultramarino do Reino Unido ou aceitam a
soberania da Argentina. Puerto Argentino, Ilhas Malvinas, 2013.

Esse episódio é um dos muitos exemplos das distintas possibilidades de identificação nacional, que
muitas vezes transpassam os limites territoriais como elemento de formação de uma unidade para
se apropriar de outros modos de identificação, como a origem e os costumes.
1. Pensando a respeito da disputa pelo domínio das Ilhas Malvinas e dos diversos fatores
envolvidos nos processos de formação das identidades nacionais, pesquise a chegada britânica à
Argentina e a influência cultural europeia no país.

Estados Unidos: o novo imperialismo


Os estadunidenses – únicos na América que já haviam consolidado sua economia no século XIX –, com
base na doutrina Monroe, intitula- ram-se defensores do continente contra as investidas das potências
europeias.

A doutrina Monroe, instituída pelo presidente norte-americano James Monroe (1823), defendia a não
intervenção dos europeus nos assuntos dos americanos. O lema “América para os americanos”
reafirmava as independências recém-conquistadas na América Latina e reprimia qualquer tentativa de
retomada das colônias pelas antigas metrópoles europeias.

Na prática, significou o fim do domínio europeu e o início da influência norte-americana no continente.


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Photos 12-Archive/Diomedia

A doutrina Monroe atualizada. Cartum publicado na revista semanal norte-americana Judge, 1903.

O avanço da colonização estadunidense para o oeste e o sul seguia a crença no chamado Destino
Manifesto, que consistia na ambição de dominar as regiões periféricas, apresentando, como justificativa
moral, o argumento de que essa seria uma missão que agradaria à providência divina. Com esse
pretexto, os estadunidenses travaram guerra contra o México, apossando-se do Texas, do Novo México
e da Califórnia.

No final do século XIX, durante a presidência de William McKinley (1897-1901), o general Alfred T.
Mahan proclamava a necessidade dos estadunidenses de ocupar as ilhas do Caribe e controlar o Golfo
do México. Nessa época, os Estados Unidos ocuparam as ilhas de Cuba e Porto Rico e instalaram bases
navais em Guantánamo e Vieques.

Em 1904, o governo do então presidente, Theodore Roosevelt, enviou ao Congresso um documento que
ficou conhecido como “Corolário Roosevelt”, uma espécie de complemento à Doutrina Monroe. Na
prática adotou-se a política do Big Stick (Grande Porrete). O governo aconselhava seus compatriotas a
“falar manso com o porrete na mão”. Em outras palavras, os Estados Unidos reservavam-se o direito de
utilizar a força para intervir nos assuntos internos e externos das repúblicas latino-americanas.

Com o governo de Teodoro Roosevelt iniciou-se a fase do “big stick” e organizou-se a União Pan-
americana, com a finalidade de implantar uma espécie de protetorado americano sobre todo
território da América Latina. Com esta política sucederam-se intervenções dos “marines” em
numerosos países, como o Haiti (1915-33), a República Dominicana (1916-24), a Nicarágua (1912-
25 e 1926-33) etc. A intervenção era feita sempre para defender interesses das empresas
estadunidenses ou impor governos que servissem a esses interesses. Entre os ditadores famosos
por sua subserviên cia, salientaram-se Machado e Batista em Cuba, Trujillo na República
Dominicana, Somoza na Nicarágua e os Duvalier no Haiti.

ANDRADE, Manuel Correia de. O Brasil e a América Latina. São Paulo: Contexto, 1991. p. 68.
No governo Roosevelt (1901-1909), os estadunidenses chegaram a interceder em prol da formação de
um país – o Panamá – com o objetivo de atingir melhor seus desígnios imperialistas.
Página 131

Granger/Glow Images

Charge norte-americana do início do século XX que satiriza a política do Big Stick. Tio Sam, que representa os Estados Unidos, faz
um arco com as pernas cobrindo a América e segura um porrete com os dizeres “Doutrina Monroe”.

Em 1879, o engenheiro francês Ferdinand Lesseps obteve do governo colombiano a concessão para
construir um canal que ligaria os oceanos Atlântico e Pacífico. Dez anos depois, o empreendimento de
Lesseps faliu e grande parte de sua companhia foi comprada pelos Estados Unidos, que, sem se importar
com os legítimos direitos da Colômbia, tinham pressa em começar as obras.

[...] Foi então que o Big Stick a atingiu. Os funcionários da companhia sediada no Panamá foram
estimulados a proclamar a independência da região. Vindo em socorro de um movimento
autonomista, os fuzileiros desembarcaram em Cólon, impedindo a reação dos colombianos. Em
novembro de 1903, firma-se o Tratado Hay-Bunau-Varilla [John Hay – Secretário de Estado norte-
americano e Philippe Jean Bunau-Varilla], que dava aos Estados Unidos o domínio perpétuo sobre
uma zona de 16 km de largura através do istmo. Em troca, os Estados Unidos pagariam 10 milhões
de dólares e um arrendamento de 250 mil dólares anuais. […] Em 1904, o governo americano
tomou posse formalmente da Zona do Canal, dando início às obras que seriam concluídas dez anos
depois, quando, em 15 de agosto de 1914, o Canal era aberto ao comércio do mundo. Os Estados
Unidos passavam assim a ser uma potência que tinha a possibilidade de exercer o controle sobre os
dois grandes oceanos.

SCHILLING, Voltaire. EUA × América Latina: as etapas da dominação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984. p. 23-24.

Na presidência de William Howard Taft (1909-1913), foi aplicada a política chamada de diplomacia do
dólar, a qual visava à obtenção de facilidades financeiras e comerciais para empresários estadunidenses.
O objetivo era dominar economicamente as repúblicas centro-americanas e estender a influência norte-
americana por toda a América Latina.

Os Estados Unidos adotavam uma política preventiva, fazendo o possível para abortar revoluções ou
aniquilar pretensões nacionalistas de alguns governantes latino-americanos. Na Nicarágua, por exemplo,
o presidente José Santos Zelaya foi derrubado por “ferir os interesses dos cidadãos norte-americanos”,
mais especificamente da empresa de transporte United States-Nicarágua Concession.

No governo de Woodrow Wilson (1913-1921), os Estados Unidos passaram a intervir ainda mais
intensamente nos países latino-americanos. As principais ações desse período foram:

• intervenções no México (1914);

• ocupação do Haiti por fuzileiros navais norte-americanos (1915);

• ocupação da República Dominicana (1915);

• perseguição a Pancho Villa em pleno território mexicano (1916).

As guerras e as intervenções econômicas relacionadas ao imperialismo se explicam pela necessidade de


alimentação da máquina industrial, que desencadeia também a necessidade de expansão territorial.

Glossário
Istmo: porção de terra estreita, cercada de água dos dois lados, que liga um continente a uma
península ou duas grandes porções de terra.
Página 132

Desse modo, os Estados Unidos assumiram a função de polícia a serviço das relações financeiras
instauradas durante o período de maturidade do neocolonialismo. Os fatos iriam posteriormente
demonstrar com que seriedade os Estados Unidos cumpririam os seus novos deveres nos trinta
anos seguintes. Não era essa a única novidade nas relações da América Latina com o seu vizinho
cada vez mais poderoso, e nem era sequer a única causa das intervenções norte-americanas. Só
raramente os Estados Unidos intervinham inspirados pelo desejo de orientar um Estado hispano-
americano qualquer no sentido de uma política mais sadia. As intervenções norte-americanas eram
muito variadas: por vezes, basea vam-se numa espécie de puritanismo político que, em outros
casos, desmentiam categoricamente e eram frequentemente escolhidas com um misto de
indignação e incredulidade na América Latina, terminando também com frequência por
comprometer a causa que pretendiam sustentar [...].

DONGHI, Tulio Halperin. História da América Latina. São Paulo: Círculo do Livro, s.d. p. 240.

Na segunda metade do século XIX, alguns países europeus – França, Alemanha, Bélgica e Itália – e os
Estados Unidos despontaram no cenário industrial mundial como grandes potências. Buscando expandir
suas margens de lucro por meio do aumento do mercado consumidor e da diminuição do custo de
produção (obtida com a utilização de matéria-prima e mão de obra mais baratas), essas potências
começaram a se dirigir para os territórios da África e da Ásia. Esse movimento é chamado de
neocolonialismo, um termo que faz referência ao período de domínio europeu na América e na África,
com a diferença de que, enquanto no caso colonial a justificativa para as ações chamadas imperialistas
era a disseminação do cristianismo, no neocolonialismo o ideal ressaltado foi a disseminação da ciência
e da tecnologia.

Organizando ideias
Leia os textos a seguir e desenvolva as atividades solicitadas.

Texto 1

A influência da mídia é tão forte que globaliza o indivíduo. Gradativamente, os seres humanos vão
perdendo a sua identidade, individualidade, diferença, cultura. Um exemplo claro para nós da
região Nordeste do Brasil, mais precisamente no sertão paraibano, é o crescimento das festas de
Halloween.

Disponível em: <www.bvsde.paho.org/bvsaidis/mexico26/x-004.pdf>. Acesso em: fev. 2016.

Texto 2

“O Halloween sem reflexão é a mera importação de valores culturais. Mas, a escola deve ser um
espaço para formar cidadãos críticos que possam desvendar a lógica da padronização cultural. Por
isso, não podemos ensinar as crianças a cultuar valores que não são nossos”, afirma [Marilza
Suanno, pedagoga e mestre em Ciências da Educação Superior, da Universidade Estadual de Goiás].

Disponível em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/roteiropedagogico/recursometod/3665_Halloween.PDF>.

Acesso em: fev. 2016.

Texto 3
Os cursos de língua inglesa também colaboram para a propagação da festa [de Halloween] em
território nacional, pois valorizam e comemoram esta data com seus alunos: uma forma de
vivenciar com os estudantes a cultura norte-americana e britânica.

Disponível em: <www.globalexchange.com.br/artigo.asp?txtid=702>. Acesso em: fev. 2016.

1. Você estudou a intervenção política e econômica norte-americana. Já os textos aqui citados


mencionam outro tipo de intervenção. Você consegue identificar que tipo de intervenção é essa?
Em sua opinião, o tipo de questão abordada nesses textos é uma forma de imperialismo? Justifique
sua resposta.

2. Pesquise as origens históricas da celebração citada pelos textos.

3. Qual é sua opinião sobre as comemorações do halloween no Brasil?


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As revoluções
A forte intervenção norte-americana na economia dos países das Américas, a reor ganização econômica
de alguns deles e o grande aumento populacional nas cidades primárias, que proporcionou o
surgimento de uma vasta classe trabalhadora urbana, era o panorama da época. Ele fez surgir
movimentos que questionavam tanto a intervenção americana nas demais economias da América Latina
quanto os governos que incentivavam políticas de apoio ao imperialismo.

A Revolução Mexicana
Trinta e quatro anos depois da independência do México, subiu ao poder no país um grupo político de
ideais liberais, que almejava alcançar a produtividade e a estabilidade econômica conseguidas pelos
Estados Unidos após sua independência.

A essa época, os mexicanos já haviam perdido quase metade de seu território para os Estados Unidos na
guerra travada entre 1846 e 1878, na qual o México tentou impedir a expansão da nova potência em
seu território.

Bridgeman Images/Keystone Brasil

Entrada das tropas dos Estados Unidos na Cidade do México. Litografia de Thomas S. Wagner e James Mc Guigan. 10,6 cm × 18
cm.

Os liberais buscavam assegurar a autonomia mexicana não só tentando manter seu território mas
também por meio de medidas como a redução do poder político da Igreja – que havia se alinhado aos
defensores do conservadorismo –, a retomada das terras pertencentes a ela e a retirada do catolicismo
do papel de religião oficial do Estado mexicano. Assim como a Igreja, o exército, também partidário dos
conservadores, perdeu muitas propriedades de terras e regalias.

No plano interno, em meio a tais acontecimentos, conservadores e liberais estavam em constante


conflito. Os primeiros desejavam manter a sociedade mexicana sem grandes mudanças; já os outros
pretendiam realizar algumas reformas econômicas e sociais com o intuito de modernizar o país.

A guerra entre eles chegou ao fim em 1857, com a vitória dos liberais. O primeiro representante destes
a governar o México foi Benito Juárez, líder de origem indígena que implantou uma Constituição liberal,
nacionalizou os bens da Igreja e procurou criar uma classe de pequenos produtores.
Os grandes proprietários de terra e a Igreja recorreram à ajuda externa para retomar o poder, mas os
Estados Unidos, em plena Guerra de Secessão, não puderam ajudá-los. Os conservadores procuraram
então a França, propondo a Napoleão III a criação de um protetorado francês sobre o México. Sendo
assim, em 1863, as tropas francesas derrotaram os liberais e forçaram a substituição de Juárez por
Maximiliano de Habsburgo, irmão do imperador da Áustria. Entretanto, a população mexicana opunha-
se à presença de Maximiliano no poder.

Em 1867, tropas chefiadas por Benito Juárez depuseram e fuzilaram Maximiliano, abrindo espaço para a
volta dos liberais ao poder, sob o comando do próprio Benito.

A Guerra de Secessão, ou Guerra Civil Americana, ocorreu nos Estados Unidos entre 1861 e 1865,
marcando o embate entre os estados do sul – latifundiários, aristocratas e defensores da escravidão – e
os estados do norte – industrializados e favoráveis à abolição. Os dois lados divergiam quanto às
atividades econômicas regionais – e, por conseguinte, às políticas de importação e exportação adotadas
– e à questão abolicionista.
Página 134

Stadtische Kunsthalle, Mannheim, Alemanha.

Édouard Manet. A execução do Imperador Maximiliano, 1867. Óleo sobre tela, 2,52 m × 3,05 m.

A partir de então, o governo de Juárez, ao mesmo tempo que combateu os setores reacionários da
sociedade mexicana, abriu as portas do país aos investidores estran geiros, sobretudo aos
estadunidenses, e à produção para o exterior, discriminou índios e mestiços pobres e substituiu a
autonomia dos estados pelo centralismo. Tais medidas se consolidaram com a ditadura de Porfirio Díaz
(1876-1911), durante a qual a elite de produtores e representantes dos capitais estrangeiros tomou
conta da economia e das propriedades mexicanas como se o país fosse uma propriedade rural.

Durante o governo de Porfirio, o México reergueu sua agricultura, empregando técnicas modernas e
consolidando a implantação do capitalismo agrário e exportador. Por outro lado, os setores de oposição
foram duramente reprimidos, os estados perderam completamente sua autonomia, a população
camponesa vivia sob condições de exploração e miséria e o operariado teve os salários congelados,
situação que se opunha aos benefícios concedidos a uma minoria privilegiada.

Em 1910, deveria haver uma nova eleição presidencial, mas, como Díaz mantinha o controle do jogo
eleitoral, sua vitória era tida como certa. Mesmo assim, Francisco Madero lançou-se candidato à
Presidência.

Na época das eleições, Madero foi preso e as urnas deram mais uma vitória a Porfirio, que obteve 99%
dos votos. Diante disso, era perceptível que Díaz provavelmente só seria derrubado pela força, motivo
pelo qual Madero convocou o povo para se posicionar contra o governo, mesmo que fosse necessário
um combate.

Em 20 de novembro de 1910, iniciou-se a revolução armada nas cidades de Puebla e Chihuahua. Em


maio do ano seguinte, o ditador, derrotado, embarcou para a Europa e um governo provisório convocou
eleições, vencidas por Madero. A administração de Madero caracterizou-se por algumas reformas
democráticas e pela instabilidade militar, e também pelo descaso com os camponeses, os que mais
necessitavam de medidas de auxílio.

Glossário
Reacionário: contrário à democracia, aquele que se opõe a qualquer mudança política ou social.
Página 135

Se no início do processo a hegemonia pertence aos liberais, no desenrolar dos acontecimentos os


camponeses deixam de ser simplesmente uma classe-apoio da burguesia, apresentando seu
projeto de revolução.

É esta singularidade que confere à Revolução Mexicana uma distinção radical em relação às
numerosas lutas intraoligárquicas, típicas da história da América Latina.

A derrota dos exércitos camponeses nos campos de batalha permitirá ao Estado manipular as suas
demandas e incorporar a mística de Villa e, sobretudo, Zapata ao projeto burguês de dominação. A
especificidade dos vários movimentos revolucionários é diluída e surge uma nova burguesia
pretensamente herdeira dos precursores e agentes da revolução. Este apagamento das diferenças
e a realização de algumas reformas reivindicadas pelos dominados permitiram legitimar
ideologicamente os novos donos do poder e preservar o regime político mais estável da América
Latina neste século.

VILLA, Marco Antonio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Ática, 1993. p. 8.

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: BETHELL, Leslie. História da América Latina: de 1870 a 1930. São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. v. 5.
p. 22.

Emiliano Zapata, líder dos camponeses do estado de Morelos, a princípio apoiou Madero. No dia 8 de
junho de 1911, num encontro entre eles, Zapata mostrou a Madero que os camponeses exigiam a
restituição de suas terras arrebatadas pelos latifundiários durante o governo de Porfírio Díaz. Madero
procurou convencer Zapata de que a questão exigia tempo e os trâmites jurídicos deveriam ser
respeitados.
Madero tomou o poder, aclamado como "o Redentor", mas os problemas econômicos, políticos e sociais
herdados do governo de Porfirio permaneceram.

Emiliano Zapata Salazar (1879-1919) foi um mestiço, descendente de brancos e indígenas, cuja
ocupação era treinar cavalos. Inconformado com o abandono da população pobre do México durante a
gestão de Porfirio Díaz, Zapata organizou-se e lançou um manifesto, sob o lema “Terra e Liberdade”,
unindo-se, a partir de então, a um grupo de indígenas e camponeses que realizavam ações de guerrilha,
ocupavam e repartiam as terras dos grandes proprietários. Também fez alianças políticas com outros
líderes na luta contra o governo autoritário de Díaz.
Página 136

Em novembro de 1911, os zapatistas proclamaram o Plano de Ayala, no qual exigiam a recuperação das
terras usurpadas.

O plano [de Ayala] advertia que a “imensa maioria das gentes e cidadãos mexicanos não são mais
donos senão do terreno que pisam”, e promulgava pela nacionalização total dos bens dos inimigos
da Revolução, a devolução a seus legítimos proprietários das terras usurpadas pela avalanche
latifundiária e a expropriação da terça parte das terras dos fazendeiros restantes. O Plano de Ayala
converteu-se num ímã irresistível que atraía milhares e milhares de camponeses às fileiras do
caudilho reformista. Zapata denunciava “a infame pretensão” de reduzir tudo a uma simples troca
de pessoas no governo: a Revolução não era feita para isso.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. p. 159.

O governo de Madero enviou exércitos bem equipados para combater as forças zapatistas, embora tal
ação não tenha sido suficiente para derrotar o movimento revolucionário. Este tomou força com a
população dos campos, que enfrentou a repressão, e as massas populares nas cidades, que por sua vez
se organizaram em diversas associações com o intuito de derrubar o governo.

Apic/Leemage/Getty Images

Mulheres mexicanas no exército revolucionário. Página do jornal francês Le Petit Journal, 16 nov. 1913.

A partir de então, ficou claro que o movimento revolucionário não reivindicava apenas mudanças
políticas superficiais mas também transformações econômicas e sociais que tivessem efeito positivo
sobre a vida da população pobre e trabalhadora – rural e urbana – do México.

Tendo em vista tais reivindicações, os Estados Unidos sentiram que seu interesse econômico no México
poderia ser atrapalhado pelos ideais da revolução. Passaram então a apoiar as forças reacionárias,
fomentando o golpe de Estado que levou ao poder, no lugar de Madero – fuzilado com outros membros
do governo –, o general Victoriano Huerta, numa jogada aprovada pelo alto clero, pelos grandes
industriais e comerciantes e pelos banqueiros ingleses, interessados nas riquezas minerais do país.
Entretanto, a subida ao poder nos Estados Unidos de um democrata – Woodrow Wilson – transformou a
visão do país imperialista com relação aos governos autoritários. A nova administração americana
defendia a formação de nações democráticas na América, o que, somado ao apoio inglês ao presidente
Huerta, colocou os EUA contra o México, numa ação totalmente contraditória, visto que o país passou a
se opor ao governo que ele mesmo ajudara a instituir.

Foi nesse momento que os Estados Unidos decidiram intervir no governo mexicano novamente, apoi
ando as forças militares que depuseram Huerta, e colocaram em seu lugar o chefe militar e
revolucionário Venustiano Carranza.

Nessa época, grandes reservas de petróleo haviam sido descobertas no território mexicano, o que
aumentou o interesse dos Estados Unidos na política do vizinho, uma vez que os norte-americanos
buscavam garantir a permanência de um governo favorável à sua interferência na economia local. Os
ingleses, apesar da menor intervenção nos conflitos internos do país, tinham os mesmos interesses nas
riquezas minerais mexicanas.
Página 137

A gestão de Carranza buscava conciliar a abertura do México para a exploração do petróleo pelos EUA
com as reivindicações de melhores condições de vida e trabalho feitas pelos trabalhadores rurais e
urbanos. Apesar disso, as camadas populares encontravam-se bastante insatisfeitas, e a oposição de
Pancho Villa e Zapata atrapalhou a consolidação do regime.

Pancho Villa, como se denominava José Doroteo Arango, nasceu em Urango, no norte do México, em
1887. Trabalhador rural, aos 16 anos foi acusado de matar um fazendeiro que havia violentado sua irmã,
sendo obrigado a fugir. Tornou-se, então, um “bandido” que saqueava fazendas para distribuir os
produtos aos pobres. Após alistar-se no exército mexicano, lutou em 1910 contra a ditadura de Porfirio
Díaz e a favor de Madero, com quem rompeu logo depois da vitória. Villa passou a ser a maior liderança
revolucionária no norte do país, enquanto Zapata priorizou a luta no sul.

Pressionado pelo governo estadunidense, pelas companhias de petróleo, pelo clero, pelos latifundiários
e pelos camponeses, Carranza ficou cada vez mais isolado e acabou sendo assassinado. O mesmo
aconteceu com Zapata, em 1919, e Villa, em 1923. Pouco a pouco, a revolução foi imobilizada e
institucionalizada. Contudo, o Estado oligárquico foi suprimido, uma reforma agrária realizada, o capital
estrangeiro teve suas ações limitadas e a classe operária direitos garantidos, mas também uma nova
elite política formou um Estado clientelístico e um sistema eleitoral corrupto.

Estado clientelístico é aquele que se mostra política e economicamente aberto a interferências de


outras nações.

Organizando ideias
A Revolução Mexicana, assim como outros episódios da história mundial, foi eternizada pela arte.
Nesse caso, foram principalmente os muralistas (artistas que fazem pinturas em murais)
mexicanos, como José Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros e Diego Rivera, que legaram à
posteridade cenas que retratam o povo mexicano como o grande herói da revolução.

Considerando o contexto da Revolução Mexicana, analise a imagem a seguir e descreva-a.

Museu de Arte Moderna, Nova York


José Clemente Orozco. Zapatistas, 1931. Óleo sobre tela, 1,14 m × 1,40 m.
Página 138

Pausa para investigação


O Movimento Zapatista atua no México por meio das ações do Exército Zapatista de Libertação
Nacional (EZLN), uma organização formada por uma maioria de diferentes grupos indígenas. Em
janeiro de 1994, o EZLN tomou o controle de parte da província de Chiapas. Observe a imagem e
busque informações sobre o EZLN para responder às questões a seguir.

Beatriz Aurora

Beatriz Aurora. Trece demandas zapatistas, 1997. Acrílico sobre papel, 50 cm x 70 cm.

1. Como a artista retrata o EZLN?

2. Por que as principais palavras que aparecem na imagem estão relacionadas aos direitos
humanos?

3. Como o EZLN se impôs na política mexicana?

4. De que maneira o EZLN ressurgiu no cenário político atual?

5. Qual é o grande desafio a ser enfrentado pelo EZLN?

6. Com base no estudo do capítulo, por que esse grupo se autodenomina zapatista?

A Revolução Cubana
Cuba foi um dos últimos países latino-americanos a se tornar independente. Dominada pelos espanhóis,
a ilha do Caribe só se emancipou politicamente em 1898.

O país passou por alguns movimentos que visavam à independência, como a Primeira e a Segunda
Guerras de Independência – a última destacada pela maior significância política –, iniciados em 1895,
que surgiram em um contexto de descontentamento com a tributação elevada, as dificuldades
econômicas da burguesia açucareira devido à má safra de 1894, a política alfandegária desfavorável aos
comerciantes de tabaco e o crescente desemprego gerado pela crise econômica.

Os generais Máximo Gómez e Antonio Maceo e o poeta José Martí, que já haviam participado da
primeira tentativa de conseguir a independência, tomaram uma iniciativa que buscava a emancipação
refletida nas reivindicações dos nacionalistas e reformistas da pequena burguesia.

A luta antiespanhola tornou-se, então, radical, com a utilização de táticas de guerrilha e a adesão cada
vez maior dos setores populares urbanos e rurais, que levaram a própria burguesia e os Estados Unidos
a temerem os rumos revolucionários do movimento de libertação.

Em reação, os Estados Unidos iniciaram uma campanha contrária às medidas


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repressivas das tropas espanholas, com o intuito de mobilizar a opinião pública para a intervenção
norte-americana no conflito.

Em 15 de fevereiro de 1895, um barco norte-americano explodiu em Havana. À época acreditava-se que


a explosão havia sido causada por uma mina espanhola (hoje se sabe que foi um acidente). A explosão
foi o estopim para que os Estados Unidos declarassem guerra à Espanha, justamente quando os
revolucionários cubanos estavam próximos da vitória.

Em poucos meses a Espanha foi derrotada e obrigada a aceitar o Tratado de Paris. O acordo marcou o
fim do domínio espanhol em Cuba, mas também o início da ocupação norte-americana, legitimada com
a aprovação de uma emenda criada pelos Estados Unidos à Constituição cubana, a Emenda Platt. Essa
emenda autorizava o país a intervir na economia e política cubanas sempre que achasse necessário,
colocando então a ilha sob seu domínio.

Da independência formal até 1959, a história de Cuba caracterizou-se por eleições fraudulentas, golpes
de Estado, corrupção e torturas, sob o olhar vigilante das autoridades estadunidenses, que, quando
necessário, intervinham direta ou indiretamente na vida política e econômica da ilha. Nesse contexto,
Eduardo Chibás fundou, em 1947, o Partido do Povo Cubano, também conhecido como Partido
Ortodoxo, que passou a ter grande força política.

Foi convocada uma assembleia constituinte para definir o novo tipo de regime que deveria vigorar
em Cuba, mas o seu funcionamento foi fortemente condicionado pela presença das tropas norte-
americanas e pela vigorosa ação do nascente imperialismo ianque. Depois de várias ameaças
explícitas do governo norte-americano, foi aprovada em 1901 a chamada Emenda Platt,
apresentada por um senador norte-americano com esse nome. Por essa emenda, Cuba aceitaria a
tutela econômica e militar dos EUA, o que incluía, entre outras coisas, o direito norte-americano de
instalar bases militares e portos na ilha, além de outras concessões territoriais e privilégios
econômicos que violavam abertamente a soberania política da ilha, recém-libertada do jugo
colonial espanhol.

SADER, Emir. A Revolução Cubana. São Paulo: Moderna, 1995. p. 10.

Com seu estilo eloquente, Chibás agitava grandes setores do povo com palestras radiofônicas e
comícios públicos, em que fazia denúncias concretas sobre casos de corrupção do governo.

Quando não conseguiu provas para certificar legalmente uma denúncia que tinha feito, sentindo-se
com a honra ofendida, Chibás se suicidou em pleno programa radiofônico, como protesto contra a
situação do país, em plena campanha eleitoral, em que era candidato favorito para a presidência
da República.

SADER, Emir. A Revolução Cubana. São Paulo: Moderna, 1995. p. 16.

Mesmo com a morte de Chibás, Fulgêncio Batista – que já havia comandado a ilha de Cuba duas vezes –
percebeu que não venceria as eleições presidenciais novamente. Por isso, com aval das autoridades
norte-americanas, deu um golpe de Estado em março de 1952 e passou a governar ditatorialmente.

A ditadura de Batista gerou um descontentamento popular muito grande. A juventude cubana ansiava
por mudanças. Entre esses jovens, encontrava-se Fidel Alejandro Castro Ruiz – filho de um fazendeiro –,
que se formara em Direito pela Universidade de Havana e militava na oposição.
Em 26 de julho de 1953, Fidel e 126 opositores à ditadura de Batista tentaram tomar o quartel de
Moncada e a fortaleza de Bayamo. As operações militares dos rebeldes acabaram fracassando, Fidel foi
condenado a 15 anos de prisão, e seu irmão Raúl, a 13 anos. Os demais participantes receberam penas
menores. Em 1955, a população cubana, descontente com o governo de Batista, fez grande pressão para
que o ditador anistiasse os rebeldes.

A anistia ocorreu, mas as opiniões e ideias de Fidel a respeito do governo vigente passaram a ser
censuradas. Temendo ser assassinado pelos agentes de Batista e ciente do pouco espaço político que
tinha em Cuba, Fidel e seus companheiros exilaram-se no México.
Página 140

Photo12/Glow Images

Fidel Castro e seus companheiros na Cidade do México, após terem sido exilados de Cuba, 1953.

No exílio, buscaram fomentar tanto a luta política contra o governo de Batista quanto a unificação dos
cubanos que se encontravam no exterior em favor da deposição do regime, além de trabalhar na
preparação militar dos exilados que regressariam ao país.

No México, Fidel conheceu o médico argentino Ernesto Guevara de La Serna, que, em 1953, apoiara o
governo progressista de Jacob Arbenz, presidente da Guatemala, o qual acabou sendo deposto por ter
nacionalizado a companhia norte-americana United Fruits. Guevara foi apelidado pelos cubanos de
“Che”.

Juntos, Fidel Castro e Che Guevara planejaram a invasão de Cuba e a tomada do poder, numa investida
que recebeu o nome de “26 de Julho”, em homenagem ao ataque ao quartel de Moncada – a tentativa
de golpe anterior ao exílio de Fidel e seus companheiros.

Num velho iate, o Granma (hoje nome do jornal oficial do governo cubano), os rebeldes partiram do
México em 24 de novembro de 1956. Eram 82 guerrilheiros sob o comando de Fidel Castro. Em Cuba,
um levante organizado pelos partidários de Fidel foi sufocado pelas tropas governamentais, que se
preparavam para enfrentar os rebeldes.

Assim que desembarcaram, os guerrilheiros foram atacados pela força aérea. Eles procuraram se
esconder sob as árvores, no meio de pantanais com água muitas vezes até o pescoço; alguns
conseguiram se instalar nas montanhas e florestas de Sierra Maestra. Dos 82 rebeldes, sobraram pouco
mais de 20.

A insatisfação com o governo autoritário de Batista reforçava o apoio popular aos guerrilheiros.
Camponeses, estudantes e pessoas de variados segmentos sociais passaram a combater pela revolução.
O número de militantes do Movimento 26 de Julho aumentou, tanto no campo quanto nas cidades. Os
rebeldes fizeram o exército sofrer importantes derrotas.
No início de 1958, os cubanos iniciaram uma greve geral, que foi violentamente reprimida pelas tropas
de Batista. Somado a um discurso inflamado de Fidel Castro em uma rádio de Cuba, esse fato fez a
população rebelde se mobilizar com os guerrilheiros exilados, passando então à efetiva ofensiva contra
o governo ditatorial.

Batista tentou diversas manobras para barrar a vitória da revolução; mas, finalmente, indicou um
substituto para comandar a ilha, fugindo para o exílio, na República Dominicana.

Sendo assim, a revolução havia vencido – em janeiro de 1959, os guerrilheiros foram recebidos
triunfalmente em Havana.
Página 141

Pictures from History/Bridgeman Images/Grupo Keystone

Camilo Cienfuegos foi o primeiro comandante das forças revolucionárias a entrar em Havana e o responsável por organizar a
tomada do Regimento Columbia, um dos maiores símbolos da força militar de Fulgêncio Batista. Após desaparecer
misteriosamente em uma viagem que fazia de avião entre as províncias da ilha, Camilo nunca mais foi encontrado.

A Revolução Cubana teve um caráter democrático-popular e contou com o apoio de diversos setores da
sociedade. Depois da vitória, Fidel Castro, que se tornara primeiro-ministro, encampou as empresas de
pessoas ligadas ao governo anterior, as indústrias de grande porte e as empresas estrangeiras. Fez que
fosse aprovada a Lei de Reforma Agrária e desencadeou uma dura repressão aos antigos colaboradores
do regime de Batista, que foram sumariamente julgados e, na maioria, fuzilados.

Quando as novas leis começaram a ser aplicadas, os que se sentiram prejudicados passaram a aumentar
o bloco de oposição, que continha de antigos companheiros de Fidel descontentes com os rumos
tomados pela revolução a aliados do regime deposto.

De 1959 a 1965, ocorreram diversos conflitos entre governistas e oposicionistas, com muitos mortos de
ambos os lados. Nos três primeiros anos da revolução, 265 mil cubanos migraram para os Estados
Unidos, sobretudo para a Flórida, dando origem a uma influente comunidade anticastrista, que, nas
décadas seguintes, aumentaria significativamente.

O governo cubano, ao ferir os interesses dos EUA, provocou a reação do presidente norte-americano
Dwight D. Eisenhower (1953-1961), que logo iniciou as represálias. Primeiro, deixou de importar o
açúcar cubano. Fidel reagiu nacionalizando as companhias açucareira, telefônica, petrolífera e de
eletricidade, bem como os bancos es ta dunidenses. Diante desses fatos, os norte-americanos
bloquearam economicamente Cuba, que passou a ser “a ilha proibida” na América Latina.

Em 16 de abril de 1961, uma tentativa de tomada do poder foi tramada pelos contrarrevolucionários
cubanos que viviam nos Estados Unidos. Segundo o jornal The New York Times, os invasores foram
treinados, equipados e financiados pelos Estados Unidos e eram supervisionados diretamente pela
Central Intelligence Agency (CIA). Eles desembarcaram na Baía dos Porcos, mas a invasão foi um
fracasso, tendo como saldo a morte de cerca de 80 revoltosos e a prisão de 1 179 deles. Além disso, um
barco foi afundado e cinco aviões derrubados.
Glossário
Encampar: no sentido utilizado no texto, diz respeito à tomada de posse de algo por parte do
governo mediante o pagamento de indenização.

Picture Alliance/Easypix Brasil

Aeronave norte-americana sobrevoando navios de guerra soviéticos no litoral da Costa Rica, out. 1962. A tensão causada pela
Crise dos Mísseis fez com que a Guerra Fria atingisse também as ilhas caribenhas.
Página 142

Diante das pressões dos Estados Unidos em uma época marcada pela Guerra Fria, Fidel Castro buscou se
aliar à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Em maio de 1961, Fidel declarou que adotaria
o marxismo-leninismo, o que aumentou ainda mais as divergências entre o governo cubano e o norte-
americano.

Em outubro de 1962, ao descobrir que mísseis soviéticos estavam sendo instalados em Cuba, os Estados
Unidos, que já buscavam razões para se opor à ilha e prejudicar seu avanço econômico, bloquearam-na
militarmente e se prepararam para uma invasão.

Para evitar um conflito de consequências graves, a URSS retirou os mísseis e o bloqueio foi cancelado.
Isolada no continente americano, Cuba atrelou-se à economia dos países socialistas, especialmente da
União Soviética. O país viveu em função do açúcar, da reexportação do petróleo fornecido pela URSS e,
em escala menor, do fumo, do níquel e de frutas cítricas.

Organizando ideias
De acordo com as informações anteriores sobre a Revolução Cubana, faça o que se pede.

1. É correto afirmar que a Emenda Platt selou a paz com a Espanha e garantiu a total liberdade e
soberania de Cuba? Por quê?

2. Como foi possível que Fidel Castro e Che Guevara obtivessem sucesso em seu movimento
revolucionário se tão poucos combatentes sobreviveram aos ataques no momento em que
desembarcaram em Cuba?

3. Caracterize os primeiros anos do governo de Fidel Castro.

4. O que aconteceu em 1962? Qual foi a importância desses eventos?

Avanços sociais
Apesar do embargo econômico que os Estados Unidos impuseram a Cuba e da oposição do grupo que se
beneficiava do poder econômico e político da ilha antes da revolução, o governo estabelecido se propôs
a superar a pobreza extrema herdada da ditadura.

[...] Fidel Castro fez da educação uma das mais importantes prioridades revolucionárias. Em 1961,
designado o “Ano da Educação”, foi iniciada uma campanha maciça de alfabetização para crianças
e adultos. Mais de 100 000 alunos das escolas secundárias das grandes e médias cidades foram
enviados ao campo para ensinar as primeiras letras para a população analfabeta. No final do ano,
os princípios básicos de leitura tinham sido ensinados a cerca de 700 000 adultos.

Nos anos que se seguiram à revolução, milhares de novas escolas foram construídas na área rural
cubana e foi instituído um programa maciço de bolsas de estudo para estudantes, cujo objetivo era
levar as crianças pobres do campo para os internatos nas áreas urbanas. O número de crianças
inscritas na escola elementar dobrou e, em 1985, havia três vezes mais professores que em 1958
[...].
Cuba teve amplas vitórias contra a fome, um problema que permanece na maioria dos países do
terceiro mundo [...].

A saúde dos cidadãos cubanos melhorou notavelmente depois da Revolução. As faculdades de


Medicina foram requisitadas para desenvolver um trabalho na área rural. Grandes programas
preventivos e campanhas de vacinação em massa eliminaram a poliomielite e reduziram a febre
tifoide e a malária. Doenças tipicamente associadas à pobreza, como a diarreia aguda e a
tuberculose, deixaram de figurar entre as principais causas de mortalidade infantil. Em 1983, este
índice foi de 16,3 (por 1 000 nascimentos), o que colocava Cuba ao lado dos países mais avançados
do mundo.

VAIL, John J. Fidel Castro. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 101-102. (Coleção Os Grandes Líderes).
Página 143

Esses dados positivos, referentes à década de 1980, não permanecem dessa forma e também não
apagam problemas e fatos negativos do período, por exemplo:

• a subserviência à política externa soviética;

• a ausência de crítica, a qual, quando muitas vezes feita, era confundida com oposição ao regime e
levava à prisão dos dissidentes;

• o cerceamento da liberdade de ir e vir das pessoas;

• os fracassos econômicos, quase sempre justificados pelo bloqueio norte-americano;

• a corrupção nos vários escalões do governo, escondida e não admitida pelo regime;

• a permanência da homofobia, do racismo e do sexismo, apesar da igualdade legal.

Após a desintegração da União Soviética, ocorrida em 1991, Cuba passou a enfrentar muitas
dificuldades, já que não podia mais contar com o grande aliado econômico e político. Paulatinamente, a
ilha desenvolveu novas estratégias para lidar com os problemas, sobretudo os relacionados aos
investimentos no turismo.

Roberto Machado Noa/LightRocket/Getty Images

Shopping center em Havana, Cuba, 2015.

As reformas econômicas – principalmente investimentos estrangeiros, incentivo ao turismo, legalização


do dólar, envio de recursos de exilados cubanos que vivem nos Estados Unidos aos familiares, cortes de
despesas, fazendas estatais convertidas em cooperativas, indústrias estatais abertas aos investimentos
privados, trabalho autônomo – e outras medidas desencadearam um crescimento econômico, mas
também desigualdades sociais.

Depois de mais de 52 anos de embargo econômico dos Estados Unidos a Cuba, medida criticada pelos
organismos internacionais, no final de 2014 o presidente estadunidense, Barack Obama, declarou o
restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, além de outras medidas.
Pablo Martinez Monsivais/AP Photo/Glow Images

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama (à direita), e o de Cuba, Raúl Castro (à esquerda), em encontro durante a Cúpula
das Américas, Panamá, 2015.

A aposentadoria de Fidel Castro, a ajuda venezuelana após a ascensão de Hugo Chávez (1998), a
aproximação com a Igreja Católica, a maior inserção do país na América Latina, o aprofundamento das
reformas, o aumento das desigualdades e o reatamento das relações diplomáticas com os Estados
Unidos são alguns dos fatos relevantes da história cubana no começo do século XXI.

Pausa para investigação


Em grupo, busque informações sobre a situação atual de Cuba.

A pesquisa deve considerar os seguintes aspectos:

• economia (sistema econômico);

• política (sistema de governo, sistema eleitoral);

• educação;

• saúde (rede hospitalar, atendimento, saneamento básico);

• relações internacionais (com quais países mantém relações);


Página 144

O populismo
Populismo é o termo usado para se referir às práticas políticas que visam ao estabelecimento da relação
entre um líder carismático e a população sem o intermédio de instituições políticas. Nessa relação, o
povo é colocado como personagem central da ação política, tendo em vista que as ações tomadas pelos
governantes objetivam sempre a satisfação da população para que esta não interfira nas decisões
tomadas por eles e seus representantes.

[...] O populismo não pode ser explicado basicamente pela simples aparição de um líder que,
demagogicamente, carrega e dirige as massas para a direção que lhe aprouver. Há inúmeras
variantes que interferem no processo histórico e o conhecimento delas é que nos pode aproximar
do real. O carisma de uma Eva Perón, por exemplo, é mais um dado que obviamente deve ser
levado em conta por parte do analista, na compreensão do fenômeno populista. Mas não pode ser
entendido como fator determinante, como se as massas caíssem nos braços do primeiro demagogo
que se lhes surgisse à frente.

[...] o fenômeno populista corresponde a uma manipulação das massas por parte do líder, mas
também corresponde a uma satisfação de aspirações longamente acalentadas. Dessa maneira, o
líder populista, em geral com forte dose de carisma, ao mesmo tempo em que procura manipular
as massas para que elas se enquadrem dentro dos limites por ele impostos, também ativa
mecanismos de satisfação de velhas aspirações – um exemplo, apenas, a legislação social – das
massas trabalhadoras.

[...] o populismo assume uma postura econômica favorável à industrialização e à preponderância


da indústria sobre as demais atividades econômicas. A industrialização é entendida como sinal de
desenvolvimento, e o papel do Estado também passa a ser visto de outra maneira, na medida em
que o populismo prega a intervenção estatal na economia, como elemento propulsor e
incentivador do crescimento das forças produtivas capitalistas.

[...] o populismo latino-americano representou uma ampla mobilização das classes populares e sua
inserção direta nas lutas políticas, transformando-as num dos principais setores sociais de que o
sistema político necessitava para a sua legitimação.

PRADO, Maria Ligia. O populismo na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 74-77.

De maneira resumida, podemos elencar as seguintes características do populismo:

• presença de um líder carismático;

• atendimento de certas demandas sociais;

• estatização de determinados setores da economia;

• aumento dos gastos públicos;

• nos casos de Perón, na Argentina, e Getúlio Vargas, no Brasil, viés autoritário;

• política nacionalista com substituição das importações;


• propaganda oficial maciça;

• capacidade de mobilização das massas.

Tivemos vários governos populistas na história da América Latina. Getúlio Vargas, no Brasil, e Juan
Domingo Perón, na Argentina, foram exemplos significativos. Em ambos, os operários obtiveram ganhos
reais em termos de salário e conquistaram direitos sociais consideráveis, mas o autoritarismo, a
burocratização e a intensa corrupção marcaram esses governos, tão bem avaliados pelas classes
populares.

O populismo entrou em crise por não conseguir atender aos anseios das camadas populares e passou a
sofrer forte oposição das elites econômicas. Durante a Guerra Fria, a política externa independente de
alguns líderes latino-americanos ia na contramão dos interesses dos Estados Unidos.

É importante destacar que o conceito de populismo não é unânime entre os estudiosos da história
latino-americana, bem como os regimes chamados de populistas tiveram características diferentes,
dependendo do país e da época.

Organizando ideias
1. O que foi o populismo na América Latina?

2. Quais são as características principais dos líderes populistas? Se necessário, pesquise sobre
Vargas e Perón e busque as semelhanças entre as duas ações políticas.
Página 145

As ditaduras
A América Latina foi palco de diversos golpes militares, os quais, pode-se dizer, foram desfechados para
conter o avanço das forças democráticas a fim de impedir mudanças na estrutura econômica e social
dos países da região. Com raras exceções, eles não contaram com o apoio popular.

Com o objetivo de “garantir a ordem”, esses golpes de Estado tiveram o apoio das camadas
conservadoras e da burguesia, aliadas ao capital estrangeiro, as quais, em alguns regimes democráticos,
sentiam-se ameaçadas pelas constantes pressões populares que pretendiam mudanças não só políticas
como, sobretudo, econômicas e sociais.

Para que esses golpes se efetivassem, em geral,

• havia algumas forças de respaldo, como: Forças Armadas atreladas à doutrina de Segurança Nacional
do Pentágono (EUA) – de luta contra a expansão do comunismo;

• grandes proprietários rurais que se opunham às mudanças nas estruturas agrárias. No Brasil, por
exemplo, os grandes proprietários temiam que João Goulart concretizasse uma reforma agrária;

• a burguesia ligada ao capital estrangeiro, que defendia a livre circulação de capitais, mercadorias e
serviços, opondo-se ao intervencionismo estatal, bem como à excessiva tributação;

• os setores conservadores da Igreja Católica. Havia, dentro da Igreja, setores e pessoas favoráveis às
mudanças, bem como defensores das mais amplas liberdades democráticas e sociais. Os conservadores
estavam amedrontados com a possibilidade do avanço do comunismo.

Aplicou-se um conjunto de normas mais ou menos parecidas: as eleições foram abolidas ou limitadas, a
imprensa ficou sob censura, os partidos políticos foram dissolvidos, as atividades sindicais reprimidas, os
parlamentos depurados, líderes oposicionistas cassados e, com frequência, assassinados. O movimento
estudantil foi atingido, bem como os movimentos sociais. O direito à vida foi desrespeitado, houve
muita corrupção, os desníveis de renda aumentaram e poucos enriqueceram com os benefícios do
crescimento econômico.
Paula Radi

Fonte: LE MONDE diplomatique. El atlas histórico. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2011. p. 62.
Página 146

Argentina
A Argentina, por exemplo, entre 1943 e 1976, passou por vários golpes militares. Todos os regimes
oriundos deles se caracterizaram por flagrantes atentados contra o direito à vida. A ditadura imposta em
1976, além de violar os direitos humanos, adotou uma drástica política econômica.

A junta militar inaugurou uma política de abertura às importações que liquidou um terço da
estrutura produtiva; foram anuladas conquistas trabalhistas obtidas ao longo de meio século e o
salário real ficou reduzido à metade do seu valor. As economias regionais acabaram asfixiadas pelas
altas taxas de juros e até a oligarquia pecuarista dos pampas foi afetada pela generalizada
transferência de recursos que beneficiou o setor financeiro: o rebanho de gado bovino se reduziu a
dez milhões de cabeças.

O desemprego levou muita gente a emigrar. A dívida externa chegou a 40 bilhões de dólares, dos
quais se estima que cerca de 15 bilhões correspondam à compra de armamentos. E ainda, a partir
de 1980, também ocorreu a quebra dos bancos e sociedades financeiras.

GUIA DO TERCEIRO MUNDO. Rio de Janeiro: Terceiro Mundo, 1986. p. 139.

Quando o regime militar estava em declínio, o general Leopoldo Galtieri planejou, como estratégia para
obter apoio popular, invadir as Ilhas Malvinas, que, embora sob o poder britânico, eram reivindicadas
pelos argentinos desde o século XIX.

Retomar o poder das ilhas traria de volta a credibilidade nacional e garantiria o controle estratégico do
tráfego marítimo austral e das recém-descobertas áreas de exploração de petróleo na região. Por pouco
tempo, o regime gozou de apoio popular; porém, com a derrota nas Malvinas (1982), os militares saíram
de cena.

Em pleito direto, Raul Alfonsín chegou à Presidência em 1983. Processos contra os militares, crise
econômica e tentativas de golpe marcaram seu governo. De Alfonsín até a reeleição de Cristina
Kirschner, em 2011, a Argentina, apesar das crises, mantém-se dentro da legalidade democrática.
Museu de Ciência, Londres/Diomedia

Ingleses comemoram a vitória na Guerra das Malvinas. Londres (Inglaterra), 13 out. 1982.

Chile
No Chile, a vitória do socialista Salvador Allende, em 1970, marcou uma tentativa de implantar o
socialismo por via pacífica e democrática. Allende concorreu pela Unidade Popular, que congregava uma
aliança de forças de esquerda.

No poder, Allende aprimorou a reforma agrária, iniciada pelo ex-presidente Eduardo Frei, nacionalizou
importantes empresas estrangeiras, procurou estatizar os bancos, intensificou a construção de casas
populares e deu um papel de destaque à educação e aos movimentos populares.

Diante dessa política de esquerda, os setores mais conservadores da sociedade chilena se organizaram
para desestabilizar o presidente. Com o apoio dos Estados Unidos e de empresas multinacionais,
desfecharam o golpe militar que derrubou o governo constitucional de Allende, dando início à Era
Pinochet.

A instauração da ditadura de Pinochet foi o começo de uma gestão autoritária, que não tolerava a
presença de esquerdistas ou quaisquer outros opositores. Além disso, o governo ditatorial estava sujeito
a satisfazer todos os interesses dos Estados Unidos.
Página 147

Assim como na Argentina e no Brasil, a ditadura do Chile torturou, sequestrou e matou milhares de
opositores ao regime, que durou 16 anos.

Em 1980, Augusto Pinochet promulgou uma Constituição que tornava legal seu governo ditatorial. Tal
fato, entretanto, aumentou significativamente as pressões de grupos contrários ao regime, dando
origem a uma mobilização popular de grandes proporções. O movimento reivindicou a realização de um
plebiscito em 1987 que acabou impedindo a permanência de Pinochet no comando do país.

Dois anos depois, Patrício Aylwin foi eleito presidente do Chile, pondo fim ao governo ditatorial e
punindo os envolvidos na ditadura.

Durante a ditadura de Pinochet, milhares de pessoas deixaram o país, outras tantas foram assassinadas
ou simplesmente desapareceram.

Com a redemocratização, a Era Pinochet é atualmente lembrada com certo saudosismo por uns – devido
ao crescimento econômico – e detestada por muitos, em razão das violações aos direitos humanos.

Martin Bernetti/AFP/Getty Images

Manifestantes carregam placas em que se lê “Pinochet assassino” em frente ao palácio presidencial La Moneda, em Santiago
(Chile), 10 set. 2006. Pinochet foi julgado pelos crimes cometidos durante sua ditadura, mas morreu em 2006, antes de ser
condenado.

Guatemala
Assim como no Chile, a ditadura na Guatemala foi incentivada pela intervenção dos Estados Unidos,
que, observando as várias reformas favoráveis à economia e à população implantadas pelo governo
democrático de Jacobo Arbenz Guzmán – a redistribuição de terras, por exemplo –, entenderam que a
política do país estava ligada ao comunismo.

A CIA organizou então, entre 1953 e 1954, o que chamou de “exército de libertação”, uma força militar
com aproximadamente 400 homens, treinados e equipados pelo exército americano. Numa invasão à
Guatemala, eles tomaram o poder no país, instaurando uma ditadura que permaneceu por
aproximadamente quatro décadas.
Nesse período, houve uma sucessão de ditadores no poder, o que gerou inúmeros levantes da
população contra o governo, causando a morte e o desaparecimento de mais de 140 mil pessoas.

Diante de tal fato, em 1993 a própria CIA resolveu interferir nos conflitos, ajudando a população
guatemalteca a instaurar um regime democrático.

Pausa para investigação


Em grupo, pesquise como foram as evoluções políticas das ditaduras na Nicarágua, no Haiti, no
Paraguai e na República Dominicana, apresentando os resultados em seminários.

Ao final das apresentações, juntos, componham, com a ajuda do professor, um painel que
contenha as principais informações de cada pesquisa.
Página 148

As guerrilhas
Guerrilha é um tipo de conflito armado não convencional, no qual os combatentes têm grande
mobilidade entre as áreas onde ocorrem os embates. Além dessa característica, aponta-se nas
guerrilhas o que alguns historiadores chamam de movimentação híbrida, ou seja, a possibilidade de as
tropas em ação se unirem a forças colaboradoras de determinadas regiões ou lutarem sozinhas em
busca de seu ideal político ou social.

Durante o período das ditaduras latino-americanas, surgiram muitas guerrilhas que lutavam pelo fim da
imposição política, por melhores condições de vida para a população e liberdade política e de expressão.
Nesse processo, alguns personagens da história acabaram se destacando. A personalidade mais
significativa no movimento de guerrilhas na América Latina foi o argentino Ernesto Che Guevara.

Poucos personagens do século XX conseguiram sensibilizar tanto a juventude quanto Che Guevara. Seu
retrato – com a boina estrelada, o fuzil na mão, cabelos e barbas longas – tornou-se símbolo das
manifestações estudantis de 1968.

Após o triunfo da Revolução Cubana, Guevara ocupou cargos importantes. Declarando-se “um
guerrilheiro do mundo”, abandonou Cuba e foi lutar secretamente no Congo. Voltou à América e tentou
formar um foco de guerrilhas na Bolívia. O plano de Guevara – criar outros núcleos guerrilheiros nos
países vizinhos à Bolívia – fracassou. Isolado, foi morto em 9 de outubro de 1967.

As ideias de Che Guevara influenciaram a esquerda latino-americana na década de 1960. Sua teoria do
foco guerrilheiro encontrou grande acolhida em todo o continente.

O ponto de partida da teoria do foco consistia na afirmação da existência de condições objetivas


amadurecidas para o triunfo revolucionário em todos os países latino-americanos. Guevara dizia
que a revolução latino-americana seria continental, impondo-se por cima de diferenças nacionais
secundárias, e diretamente socialista [...].

Se já existiam as condições objetivas, também eram necessárias as condições subjetivas, conforme


ensina o marxismo. Ou seja, a vontade de fazer a revolução por parte das forças sociais por ela
beneficiadas. Aqui entrava a grande descoberta: as condições subjetivas podiam ser criadas ou
rapidamente completadas pela ação de um foco guerrilheiro. Este funcionava como um pequeno
motor acionador do grande motor – as massas.

GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1998. p. 20.

A guerra de guerrilhas foi largamente empregada na América Latina ao longo do século XX. Inspiradas
total ou parcialmente no foquismo, surgiram guerrilhas em países como Colômbia, Venezuela, Peru,
Guatemala, Argentina e Brasil. Para esses grupos, as mudanças nas arcaicas estruturas econômicas e
sociais só seriam possíveis se houvesse a derrubada violenta da ordem vigente.

Em muitos casos, a luta armada foi a forma encontrada para combater regimes ditatoriais. Apenas dois
movimentos guerrilheiros alcançaram o poder: o de Cuba e o da Nicarágua, este último por meio da
Frente Sandinista de Libertação Nacional.
Phillip A. Harrington/Corbis/Fotoarena

Um dos guerrilheiros de destaque na Colômbia foi Camilo Torres Restrepo. Camilo foi um padre dominicano que, depois de tentar
melhorar os problemas sociais colombianos por via pacífica, entrou para a luta armada. Fotografia de 1962.
Página 149

Em praticamente todos os países latino-americanos, movimentos guerrilheiros de vários matizes


ideológicos – nacionalistas, marxistas, maoistas, guevaristas etc. – pegaram em armas para combater
regimes ditatoriais e, até mesmo, governos constitucionais. Como exemplos podem ser citados o
Sendero Luminoso, no Peru, atuante nas décadas de 1970 e 1980, e as Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (Farc), que surgiram em 1964.

Essas tentativas de guerrilhas na América Latina fracassaram por várias razões. Eis algumas:

• falta de apoio popular;

• confinamento em lugares isolados e remotos;

• primazia do fator militar sobre o fator político;

• descaso com as peculiaridades históricas de • cada país;

• falta das condições ideais ou, quando existiam, aproveitamento inadequado delas.

À época das reações armadas aos regimes ditatoriais, nas décadas de 1960 e 1970, os direitos humanos
foram violados tanto pelos governos quanto pelos guerrilheiros. Nos porões das ditaduras, pessoas
eram torturadas e mortas. As guerrilhas promoviam sequestros, emboscadas e assassinatos de civis,
policiais e soldados. A população muitas vezes era vítima de ações retaliativas tanto das forças
governistas quanto dos grupos rebeldes.

Yamil Lage/AFP Photos

O presidente colombiano, Juan Manuel Santos (à esquerda), aperta a mão do chefe da guerrilha das Farc, Timoleón Jiménez,
conhecido como Timochenko (à direita), mediado pelo presidente de Cuba, Raúl Castro (centro), durante reunião em Havana
(Cuba) em 23 de setembro de 2015. O governo colombiano e membros da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (Farc) iniciaram negociações de paz com o objetivo de acabar com o conflito mais duradouro do país. Entre os temas do
acordo estão reforma agrária, participação política de ex-rebeldes e drogas ilícitas. As negociações de paz dividem as opiniões dos
colombianos, principalmente sobre a situação jurídica dos ex-rebeldes após o fim da guerrilha.
Pausa para investigação
Em grupo, busque informações sobre os temas a seguir. Juntos, apresentem o resultado em sala de
aula.

• A Argentina no século XXI.

• O combate ao narcotráfico nos países latino-americanos.

• A atuação do Brasil nas políticas de integração da América Latina.


Página 150

Debate interdisciplinar
Che Guevara: da guerrilha para o mercado
A imagem mais conhecida de Che Guevara é uma fotografia tirada pelo cubano Alberto Korda Gutierrez
em 5 de março de 1960, durante um evento em homenagem às vítimas da explosão de um barco que
matara 136 pessoas. O fotógrafo oficial de Fidel Castro imortalizou a imagem do guerrilheiro em uma
expressão que seria reproduzida incontáveis vezes após aquela data. Contudo, a fotografia não se
tornou conhecida logo após o evento, nem foi publicada logo após ter sido tirada.

Superstock/Glow Images

Alberto Korda (1928-2001) exibindo a famosa fotografia tirada por ele.

Foi o italiano Giangiacomo Feltrinelli que, alguns anos mais tarde, editou, reproduziu e espalhou-a ao
redor do mundo em forma de monotipo, tornando sua arte um material de domínio público, o que
facilitou sua reprodução em muros, cartazes e camisetas.

A monotipia é uma técnica que transforma uma imagem colorida ou preto e branco (que na realidade
apresenta vários tons de cinza) em uma mancha de uma só cor. A mancha reproduz a mensagem da
imagem original, ressaltando alguns pontos mais escuros e deixando o vazado para as partes claras. Essa
mancha pode ser reproduzida mais facilmente, pois necessita de apenas um molde e uma cor de tinta,
uma vez que não há gradação de cor. Assim, diversas técnicas de reprodução podem utilizar a imagem
de modo mais barato.

São usadas diferentes técnicas para esse tipo de reprodução, por exemplo, a serigrafia, que exige
apenas uma tela para aplicação de uma única cor, tornando o processo rápido e fácil, e o estêncil, que
consiste em fazer moldes vazados em papéis, geralmentekraft, que são colocados na superfície na qual a
imagem será aplicada e, em seguida, recebem tinta spray. A parte vazada, isto é, recortada, fica pintada.
Fernando Favoretto/Criar Imagem

Camiseta com fotografia de Che Guevara estampada.

A princípio, a imagem de Che Guevara foi utilizada por diversas gerações de militantes, partidos políticos
e jovens em protestos e passeatas que se identificavam com os ideais do guerrilheiro ou com o
comunismo.

Contudo, quanto mais sua imagem foi reproduzida, mais ela se afastou do verdadeiro sentido das lutas
travadas por ele, até tornar-se um objeto de consumo de gerações que querem parecer revolucionárias,
contestadoras, mas que, em suas práticas, estão mais vinculadas com o capitalismo do que com o
comunismo.
Página 151

Banalizada, a imagem passou, então, a figurar não apenas em cartazes e manifestações de cunho
político mas também em objetos dos mais variados tipos. Ela pode ser encontrada em relógios de
parede, canecas, chaveiros, bonés, agendas, descansos de copo etc., todos à venda. É uma imagem com
bastante saída no mercado de consumo; logo, reproduzi-la dá lucro.

Reproduzir o rosto de Che Guevara dá tanto lucro que algumas empresas de grande porte chegaram a
utilizar sua imagem em anúncios publicitários ou em seus produtos. Em um caso, uma indústria
automotiva recorreu ao guerrilheiro para a publicidade de um modelo de luxo. A fotografia original foi
editada, e no lugar da estrela da boina foi colocada a logomarca, que utilizou o mote “Viva la
revolución”. Anos antes, uma empresa de bebidas alcoólicas também usou o rosto de Che em anúncios.
Uma marca de roupas de praia fez uma estampa com dezenas de imagens reproduzidas em um biquíni,
e até relógios suíços também tiveram uma edição limitada com a imagem do guerrilheiro e a bandeira
de Cuba.

Esses produtos, nem de perto, representam os ideais comunistas. Ao contrário, fazem parte do imenso
mercado que tenta conquistar mais consumidores apelando para todos os públicos. Afinal, quem
compraria um relógio de marca com o rosto de Che Guevara estampado? O quão distante esse tipo de
produto está das lutas travadas pelos grupos comunistas em todo o mundo?

Em virtude desse abuso, os herdeiros de Che Guevara têm entrado na Justiça contra as empresas que
buscam lucrar com a imagem do guerrilheiro, distorcendo seus ideais de luta e de revolução ou a
afastando deles. As ações têm sido movidas uma a uma e, em alguns casos, o parecer foi favorável aos
herdeiros de Che, que detêm o direito sobre sua imagem e não a querem vinculada a produtos de lógica
capitalista.

Mauricio Lima/AFP/Getty Images

A modelo brasileira Gisele Bündchen desfila no São Paulo Fashion Week de 2002 para uma grife de roupas de praia usando biquíni
com estampa do rosto de Che Guevara.

Atividade
1. Observe as imagens a seguir.

© Renato S. Cerqueira/Futura Press

Rosto do guerrilheiro Che Guevara desenhado com giz na calçada da Avenida Paulista, São Paulo (SP), nov.2014.

© Soeren Stache/dpa/Corbis/Latinstock

Barras de chocolate que têm em sua embalagem o rosto do guerrilheiro Che Guevara. Berlim, Alemanha, jan. 2008.

a) Você consegue distinguir quais são as técnicas utilizadas na reprodução da imagem de Che?
Justifique.

b) Como você vê o uso da mesma imagem nas duas artes?

c) Em sua opinião, qual é o objetivo de cada uma das imagens?


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Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (Enem)

Acervo Iconographia/Reminiscências

Charge de Ângelo Agostini de 1870, De Volta do Paraguai, publicada no jornal "Vida Fluminense", em 12 de junho de 1870.

Na charge, identifica-se uma contradição no retorno de parte dos “Voluntários da Pátria” que
lutaram na Guerra do Paraguai (1864- 1870), evidenciada na

a) negação da cidadania aos familiares cativos.

b) concessão de alforrias aos militares escravos.

c) perseguição dos escravistas aos soldados negros.

d) punição dos feitores aos recrutados compulsoriamente.

e) suspensão das indenizações aos proprietários prejudicados.

2. (Unicamp-SP) A ditadura de Porfírio Díaz (1876- 1911) produziu no México uma situação de
superficial bem-estar econômico, mas de profundo mal-estar social. [...] Fizeram-no chefe de uma
ditadura militar burocrática destinada a sufocar e reprimir as reivindicações revolucionárias. [...]
Amparavam-na os capitalistas estrangeiros, tratados então com especial favor.

MARIÁTEGUI, José Carlos. A Revolução Mexicana. São Paulo: Ática, s/d. (Coleção Grandes Cientistas).

a) Quais as características do desenvolvimento econômico mexicano durante esse período?


b) Explique a situação socioeconômica da população indígena e camponesa durante a ditadura de
Porfírio.

c) Que grupos sociais e políticos se opuseram à ditadura de Porfírio Díaz e desencadearam o


processo da revolução mexicana?

3. (Fuvest-SP) Na América Latina, no século XX, aconteceram duas grandes revoluções: a Mexicana
de 1910 e a Cubana de 1959. Em ambas, os

a) camponeses sem terra lideraram sozinhos os movimentos.

b) EUA enviaram tropas que lutaram e quase derrotaram os rebeldes.

c) grupos socialistas iniciaram a luta armada, tornando hegemônicas suas ideias.

d) revolucionários derrubaram governos autoritários e alcançaram a vitória.

e) programas revolucionários foram cópias de movimentos europeus.

4. (FGV-SP) Sobre a Revolução Mexicana, afirma-se:

I. Durante o longo governo de Porfírio Díaz (1876-1911), os recursos nacionais do subsolo foram
entregues ao controle estrangeiro e se manteve a forte concentração fundiária.

II. Pressionado pelas massas camponesas e operárias, Francisco Madero estabelece uma reforma
agrária radical, que incluía o fim dos latifúndios.

III. A institucionalização do processo revolucionário tem como marco a promulgação de uma carta
constitucional em 1917, na qual se preconizava a nacionalização do solo e do subsolo.

IV. Após a renúncia de Porfírio Díaz, assumiu Francisco Madero, que, com o apoio dos Estados
Unidos, governa o México até o início dos anos 1930.

V. O assassinato à traição de Emiliano Zapata, em 1919, revela as fortes divergências ideológicas


entre o líder camponês e o presidente Venustiano Carranza.
Página 153

Responda no caderno

São corretas as afirmativas:

a) I, III e V, apenas.

b) I, IV e V, apenas.

c) II, III e V, apenas.

d) I, II, III e V, apenas.

e) I, II, III, IV e V.

5. (Uessba) O período da história republicana do Brasil que vai da queda do Estado Novo (1945) ao
movimento militar (1964) é caracterizado como populismo. O populismo não foi um fenômeno
exclusivamente brasileiro, mas latino-americano que floresceu no período pós-guerra.

KOSHIBA, 1996, p. 317.

Sobre o populismo, é correto afirmar:

a) Este fenômeno, historicamente, não foi uma forma assumida de controle governamental do
Estado sobre a população.

b) Uma de suas características é o controle do movimento sindical atrelado ao Estado, de quem é


dependente, aliado ao desenvolvimento de legislação trabalhista.

c) As forças armadas latino-americanas e os Estados Unidos, através de uma ação conjunta,


promoveram o desenvolvimento da doutrina da “segurança nacional”, fortalecendo o populismo.

d) O populismo de Perón, presidente da Argentina, como os demais da América Latina, visava


manter o capitalismo agrário-exportador, responsável pela permanência do dirigente no poder.

e) Os militares, ao assumirem o governo do Brasil em 1964, mantiveram o caráter populista do


governo anterior, como, por exemplo, o político trabalhista, com o objetivo de acalmar a
população.

Para você ler


• Cuba, Chile, Nicarágua, de Emir Sader. São Paulo: Atual, 2011. O livro analisa a América Latina em
relação às experiências socialistas de Cuba, Chile e Nicarágua, explicando as bases do socialismo e
examinando as consequências negativas do capitalismo sobre o continente latino-americano.

• Revoluções na América Latina contemporânea, de Everaldo de Oliveira Andrade. São Paulo: Saraiva,
2000. O livro relata as revoluções contemporâneas ocorridas no México, na Bolívia e em Cuba, nas quais
os respectivos povos se levantaram para defender a independência nacional durante o século XX.
Para você assistir
• Diários de motocicleta, direção de Walter Salles. Argentina/Brasil/Chile/Inglaterra/Peru, 2004, 130
min. Aos 23 anos, o estudante de medicina Ernesto Guevara decide acompanhar seu amigo em uma
viagem de motocicleta pela América do Sul, começando por Buenos Aires. Nessa viagem, conhecem o
continente onde vivem e Guevara descobre sua verdadeira vocação.

• No, direção de Daniel Dreifuss. Chile/França/EUA, 2012, 110 min. Quando o ditador Augusto Pinochet
realiza um referendo para que o povo decida se ele continua ou não no poder, seus opositores
convencem um jovem publicitário a liderar sua campanha. Apesar dos recursos limitados e da censura, o
publicitário e seu time elaboram um engenhoso plano para vencer o referendo e libertar seu país da
opressão.

Para você navegar


• Guerra do Paraguai – Biblioteca Nacional. Disponível em: <http://bndigital.bn.br>. Acesso em: mar.
2016. O portal, parte da Rede da Memória Virtual Brasileira, oferece informações sobre a história do
que é considerado o maior conflito armado da América do Sul. O site contém textos, galerias de imagens
e dá acesso à pesquisa on-line em diversas bases de dados da Biblioteca Nacional.

• Fundação Salvador Allende. Disponível em: <www.fundacionsalvadorallende.cl>. Acesso em: mar.


2016. Disponibilizado em espanhol e em inglês, o site da Fundação Salvador Allende reú ne informações
sobre a história do presidente que lhe dá nome e notícias sobre as atividades da fundação, além de
possibilitar acesso a acervos audiovisuais e fotográficos.
Página 154

5 O imperialismo na Ásia
Neste capítulo
O imperialismo
A diversidade das ações imperialistas
China Japão
A conquista da Índia

DEA Picture Library/Album Art/Latinstock

Cavalaria inglesa atacando os sikhs na Batalha de Aliwal, 1846, durante as guerras coloniais na Índia.

O imperialismo caracteriza-se pela dominação política e econômica de uma nação sobre


outra. Essa dominação pode ser direta ou indireta.

O conceito de império surgiu na Antiguidade e um dos grandes exemplos é o Império


Romano. Mas essa definição não é tão exata, e cada tipo de imperialismo pode se
diferenciar de outros. Mesmo os estudiosos divergem sobre o uso do termo para analisar
determinados fenômenos históricos.
Página 155

As ações imperialistas que estudaremos neste capítulo foram resultado direto da Segunda
Revolução Industrial, ocorrida no final do século XIX. Nesse contexto, os Estados europeus
e os Estados Unidos da América estenderam seus domínios para outros continentes em
busca de novos mercados, de lugares de onde pudessem extrair matéria-prima para as
indústrias e, ainda, que oferecessem mão de obra barata.

A forma pela qual ocorreu esse processo e as consequências dele para os povos asiáticos
serão algumas das questões abordadas neste capítulo.
Página 156

O imperialismo
Em meio às discussões relacionadas aos direitos humanos no decorrer da história, o imperialismo
destaca-se como um dos fatores que mais contribuíram para o desrespeito à cultura, à economia e ao
domínio territorial de diversos povos espalhados por todo o globo.

De forma geral, e independentemente do sentido empregado ou do período histórico, o termo


imperialismo remete a ações de expansão e domínio territorial, cultural e econômico de um império,
nação, região, povo etc. sobre outro, semelhante ou não.

A generalização e a possibilidade de adequação do termo a diferentes processos de dominação no


decorrer da história popularizaram seu uso em diferentes épocas, fazendo com que surgissem
expressões como “imperialismo an tigo” – em referência aos processos de expansão da Grécia e de
Roma – e “imperialismo mercantilista”.

Alguns impérios da Antiguidade, ao se expandirem, escravizaram diversos povos, que, depois de


derrotados nas guerras, tiveram seus territórios anexados.

Durante e após o período das Grandes Navegações, continentes inteiros – como a África e as Américas –
foram ocupados por nações europeias, suas terras foram exploradas e seu povo foi subjugado e
escravizado, impedido de rea lizar cultos religiosos e propagar seus costumes.

O termo imperialismo começou a ser utilizado na segunda metade do século XIX e fazia referência às
pessoas e regiões partidárias de um imperador ou de uma forma imperial de governo.

No final do século XIX, esse termo designava uma forma de organização política na qual um centro
imperial governava muitas áreas coloniais. Entretanto, no começo do século XX, depois dos processos de
independência das colônias, passou a indicar um sistema econômico de investimento externo e controle
de mercados, firmado com a consolidação das grandes potências econômicas, como os Estados Unidos
e, atualmente, a China.
Rene Fluger/CTK Photo/Grupo Keystone

Restaurante de origem estadunidense no centro de Xangai, China, 2014.


Página 157

Os processos de ocupação têm em comum não apenas o caráter domina tório como também a
imposição de padrões cul turais, de consumo, de produção, de modo de trabalho, entre outros, aos
povos e nações dominados.

As ações imperialistas são legitimadas pelas potências de cada época, de acordo com as atividades em
voga no período, relacionadas ou não ao comércio e à obtenção de lucro. Tal situação já caracterizaria a
não garantia dos direitos humanos, mas a violência muitas vezes utilizada nesses processos confirma a
oposição entre imperialismo e garantia dos direitos humanos.

Atualmente, a grande corrida comercial dos países impõe um padrão de consumo que determina a
inserção cultural e econômica das pessoas e nações, caracterizando uma nova fase do imperialismo.
Semelhante às fases anteriores, esta também segrega e desfavorece determinadas parcelas da
população e estabelece novas relações de exploração pautadas na produção, no consumo e nas
transações de mercadorias e tecnologia ao redor do mundo. Não podemos esquecer, além disso, que,
em razão da grande integração entre as nações atualmente, o processo afeta quase toda a população
mundial.

Leemage/Universal Images Group/Getty Images

Capa do periódico francês Le Petit Journal de 19 de novembro de 1911, em que a França é retratada como provedora da
civilização no Marrocos. O texto abaixo da imagem diz: “A França poderá livremente levar ao Marrocos a civilização, a riqueza e a
paz”.

Organizando ideias
Analise a tirinha e responda às questões.
André Dahmer

1. Quais são as duas concepções expressas pelos personagens da tirinha?

2. O que esse diálogo revela sobre a sociedade contemporânea?

3. Em sua opinião, o dinheiro pode comprar tudo? Discuta com os colegas.


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A diversidade das ações imperialistas


No início da Idade Moderna, a expansão comercial europeia resultou na formação dos impérios
coloniais (como o português, o espanhol, o inglês, o francês e o holandês), que, por meio do domínio da
navegação, espalharam-se por diversas partes do globo com o intuito de suprir a necessidade
mercantilista de acumulação de capital que imperava à época.

Diversos Estados europeus espalharam-se por todos os continentes estabelecendo relações de trocas
comerciais e culturais, muitas vezes firmadas por meio de ações impositivas.

Da mesma maneira que diversas nações europeias apossaram-se de territórios das Américas e da África,
especialmente entre os séculos XV e XVIII, mais tarde elas trataram também de explorara Ásia e
desenvolver relações comerciais com o continente asiático. Essas relações intensificaram-se na segunda
metade do século XIX e no começo do XX.

Com a independência das colônias europeias, as antigas metrópoles passaram a procurar novas fontes
de lucro, ocupando regiões com as quais já haviam consolidado relações comerciais. O obje tivo era
buscar novos mercados para o investi mento do capital excedente europeu, especialmente após a
Segunda Guerra Mundial. Nesse panorama, a Ásia foi um dos principais continentes envolvidos com o
mercado comercial.

Os ingleses destacaram-se na exploração do território asiático promovendo uma série de conquistas,


principalmente na Índia. Os americanos, holandeses, alemães, russos e franceses também dominaram
outras partes do continente asiático, opondo-se então aos japoneses, que já haviam começado um
processo paralelo de domínio na região. Muitas batalhas foram travadas com o objetivo de consolidar o
domínio territorial na Ásia.
© DAE/Sonia Vaz

Fonte: World history atlas. Londres: Dorling Kindersley, 2008. p. 95.


Página 159

Esse contraste nos modos do expansionismo foi realçado por mudanças ocorridas durante a
evolução do próprio capitalismo. A expansão geográfica inicial dos países europeus que confinam
com o Ocea no Atlântico esteve estreitamente vinculada à ascensão do capitalismo mercantilista.
Nesse período, quando as atividades manufatureiras eram relativamente subdesenvolvidas e em
geral subservientes ao capital comercial, a riqueza e o poder das nações europeias em expansão (e
dos colonos originários dessas terras) tiveram origem em quatro principais condições: 1) a absorção
de grande parcela do comércio intra-asiático tradicional, depois de eliminados os antigos
mercadores, e a ascensão dos europeus à situação de senhores das rotas marítimas mundiais; 2) a
exploração do ouro e da prata das Américas, bem como dos tesouros descobertos em outros
territórios conquistados; 3) a aquisição de produtos nativos da Ásia e das Américas para os quais
existia, ou podia ser criada, demanda na metrópole; e 4) o desenvolvimento do comércio escravista
africano. O âmago dessa atividade foi a apropriação direta dos excedentes dos territórios
dominados, cabendo notar que as guerras entre as potências europeias foram na maior parte,
embora não exclusivamente, motivadas pela divisão dos despojos do comércio e das possessões
coloniais. Em última análise, contudo, havia limites a esse tipo de “imperialismo”. Enquanto a
produtividade permanecesse virtualmente estagnada e a maioria dos povos do mundo mal
produzisse o suficiente para uso próprio, não poderia haver grande crescimento do excedente que
pudesse ser surrupiado.

O expansionismo entrou em nova fase com o florescimento de um sistema econômico que


dependia de uma revolução contínua nos métodos de produção. Para isso, o progresso acelerado
do comércio mundial preparara o caminho. Os aumentos que se fizeram acompanhar na produção
para troca e no uso da moeda contribuíram para a desintegração, em certas regiões da Europa
Ocidental, do modo feudal de produção e armaram o palco para a transição que culminou no
capitalismo plenamente desenvolvido.

Este último, contudo, não se desenvolveu na mesma ocasião e em igual medida em todas as nações
que lideraram a revolução comercial nos séculos XVI e XVII. O novo modo de produção
amadureceu apenas nos países onde a necessária base vinha evoluindo desde os tempos medievais
e onde o Estado e as relações de classe criavam um ambiente suficientemente favorável.

MAGDOFF, Harry. Imperialismo: da era colonial ao presente. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. p. 9.

Pausa para investigação


No final do século XIX e início do XX, os países europeus buscavam, além de matéria-prima e mão
de obra mais barata, novos mercados consumidores para suas mercadorias, produzidas cada vez
em maior escala nas fábricas, o que acabou impulsionando a ocupação do território asiático por
eles. Atualmente, os produtos asiáticos é que são distribuídos ao redor do mundo, aumen tando
ainda mais o mercado de consumo de empresas da Ásia, em especial o de novas tecnologias.

Pesquise quais produtos são os mais exportados por empresas asiáticas atualmente e como eles
influenciam a relação dos países ocidentais com a tecnologia.

Glossário
Subserviente: que concorda em seguir as ordens de outra pessoa, servil.
Página 160

China
Durante muito tempo, os países europeus não conseguiram estabelecer um grande volume de comércio
com os chineses. Alguns produtos, como sedas e chás, eram comercializados; a China, porém,
permanecia fechada para a influência cultural ou maior penetração dos costumes ocidentais em seus
domínios.

Foi somente durante a Dinastia Ming que se intensificou a penetração ocidental na China. Os
portugueses ocuparam Macau (1557) e missionários católicos converteram muitos chineses ao
cristianismo. A despeito das conquistas dos exércitos da Dinastia Ming, a crise econômica, as
intempéries climáticas e as epidemias enfraqueceram a hege monia Ming. Na Corte as disputas entre
grupos rivais de ministros, generais e eunucos impossibilitava uma reação coordenada contra a
crescente ameaça dos manchus (conhecidos como a Dinastia Qing).

Akg-Images/Latinstock

Recipiente esmaltado com desenhos de lótus produzido durante a Dinastia Ming. Cobre esmaltado, 12,4 cm de diâmetro, c. 1450-
1456.

A Dinastia Ming governou a China de 1368 a 1644 e foi lembrada por estimular o retorno às tradições
chinesas.

Nessa dinastia, muitos projetos foram levados adiante, como a reconstrução do Grande Canal da China e
o término da construção da Muralha da China. Foi formado também um grande exército, de
aproximadamente 1 milhão de pessoas, conforme estimativa.

Nesse período, o incentivo à produção rural gerou muitos excedentes, que passaram a ser
comercializados, aumentando assim as rotas de venda de produtos na China.

A Dinastia Ming terminou quando os manchus, originários da Sibéria, tomaram Pequim em 1644,
dominando toda a China em poucos anos.

Mesmo procurando preservar suas raízes culturais, os manchus tiveram de se aliar ao grupo étnico
chinês conhecido como han. Com a paz interna, foi possível realizar a expansão na Ásia Central,
impondo um protetorado à Mongólia, ao Tibet, a Kashgar e à Coreia.

A princípio, os manchus tinham uma inclinação favorável em relação aos missionários cristãos,
especialmente os jesuítas, que lhes proporcionavam importante assistência técnica nos campos da
astronomia, cartografia e artilharia. Mas a “Controvérsia dos Ritos” (os jesuítas procuraram se
adaptar à realidade cultural chinesa), decidida por Roma contra os jesuítas, prejudicou seriamente
a sua posição; assim, em 1717, o cristianismo foi proibido e, em 1724, os missionários foram
expulsos. O governo chinês impôs um controle estrito dos contatos com estrangeiros e deixou de
acompanhar o progresso tecnológico que o Ocidente estava fazendo nessa época, chegando a
esquecer boa parte do que os jesuítas tinham ensinado.

JAGUARIBE, Hélio. Um estudo crítico da História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. v. 2. p. 138.

O esforço para manter a paz interna, aliado à unificação dos países da região, afastou os chineses do
comércio e dos costumes europeus, fazendo com que se isolassem em relações comerciais internas e
costumes próprios, abstendo-se de qualquer relação com o Ocidente.

Guerra do Ópio
A China procurou se fechar em relação ao Ocidente, tanto que, quando uma missão diplomática inglesa
visitou o país, em 1793, com o objetivo de solicitar aos chineses o direito de estabelecer uma embaixada
em Pequim, o imperador, polidamente, respondeu que ela não era necessária.

Os britânicos buscavam capital para investir na indústria e tinham muito interesse nos produtos
chineses, como a seda e o chá, vendidos a altos preços na Europa. Assim, pesquisaram um
Página 161

produto que despertasse o interesse dos orientais, com o objetivo de estabelecer relações comerciais
com eles. Desco briram então a papoula, principal matéria-prima do ópio.

O ópio era produzido em larga escala na Índia e na Indonésia, que já permitiam certa abertura ao
comércio britânico, e passou a ser vendido para a China, possibilitando a comercialização dos preciosos
produtos chineses.

Em 1825, o imperador Daoguang recebeu um relatório informando que a quantidade de prata usada
para pagar o ópio contrabandeado pelos ingleses crescera enormemente. Na década de 1830, o
aumento foi demasiado, prejudicando a economia nacional. A questão econômica e a saúde da
população, cada vez mais abalada pelo consumo da droga, levaram o imperador a reunir seus
conselheiros.

Após ouvir os altos funcionários, em 1838, o imperador Daoguang decidiu erradicar o tráfico de ópio e
combater seu consumo. Para aplicar o decreto, escolheu um funcionário de nome Lin Zexu.

Em proclamações públicas, Lin procurou alertar as pessoas sobre os perigos do uso da droga para a
saúde. Em relação aos estrangeiros, argumentou que eles deveriam continuar com seus negócios
legítimos – como o chá, a seda e o ruibarbo – abdicando do ópio. Complementando sua medida, usou a
força contra os que desobedeceram ao decreto imperial. Milhares de chineses foram presos e toneladas
de ópio foram confiscadas.

Quando as notícias do bloqueio e do confisco do ópio chegaram à Inglaterra, as firmas e as câmaras


de comércio com a China nas principais áreas industriais lançaram intensas campanhas para
pressionar o Parlamento a tomar medidas retaliatórias [...]. O Parlamento, porém, não declarou
guerra à China, mas apenas autorizou o envio de uma frota e a mobilização de mais tropas na Índia
para obter “satisfações e reparações” e, se necessário, “prender em custódia os navios chineses e
suas cargas”. O total da força chegou a dezesseis belonaves armadas com 540 canhões, quatro
vapores armados recentemente projetados, 28 navios de transporte e 4 mil soldados, além de 3 mil
toneladas de carvão para os vapores e 16 mil galões de rum para os homens.

SPENCE, Jonathan D. Em busca da China moderna: quatro séculos de história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 165.

Nas proximidades de Hong Kong, ocorreram os primeiros combates da chamada Guerra do Ópio (1839-
1842) entre os navios ingleses e os juncos chineses. Os chineses foram derrotados e assinaram os
termos do Tratado de Nanquim, em 29 de agosto de 1842. Entre as várias imposições, destacam-se:

• a abertura de cinco cidades chinesas para a residência de súditos britânicos e suas famílias, bem como
para o comércio;

• a entrega de Hong Kong aos britânicos;

• a indenização aos comerciantes que tiveram o ópio confiscado;

• o pagamento aos ingleses pelas despesas que tiveram com a guerra;

• a anistia aos chineses que colaboraram com os ingleses.


Museu Nacional Marítimo, Londres

Edward Duncan. Nemesis destruindo os juncos chineses na Baía de Anson em 1841, 1843. Aquarela.

Glossário
Ruibarbo: gênero de planta de raiz medicinal.
Página 162

Na esteira do Tratado de Nanquim, outras potências conseguiram privilégios semelhantes, caso dos
Estados Unidos e da França, em 1844. Os chineses fizeram mais duas importantes concessões: o
princípio da extraterritorialidade – o direito de ser julgado por suas próprias leis quando alguém cometia
um crime em território chinês – e o princípio que garantia plena tolerância religiosa, beneficiando tanto
católicos quanto protestantes.

No fim da guerra, a China estava abalada por vários fatores:

• a população aumentava mais do que a produção de alimentos, gerando fome e epidemias;

• a saída de prata do país debilitava o Estado;

• dificuldade da elite culta em encontrar emprego;

• declínio da capacidade dos exércitos;

• desmoralização da burocracia pelos fracassos administrativos;

• aumento progressivo do consumo de ópio;

• Estado inoperante e alta corrupção.

Pausa para investigação


Em 1997, Hong Kong foi palco de um acontecimento diplomático que pôs fim a uma situação que
se prolongava desde meados do século XIX. Sobre esse evento, faça uma pesquisa e responda: O
que acon-. teceu com Hong Kong em 1842? Quais são as causas históricas desse evento? Por que
1997 foi um ano importante? Apresente os resultados ao professor em forma de texto.

Imperialistas na China
Muitos países tinham interesse em dominar os territórios e mercados asiáticos. Além da Grã-Bretanha, a
França, a Alemanha e mesmo a Rússia empreenderam ações com o intuito de controlar alguma parte da
Ásia, especialmente da China.

O país com mais interesses econômicos na Ásia era a Grã-Bretanha, que detinha o controle de quase
70% do comércio marítimo da China, além de controlar a dívida externa do país e possuir 30% dos
investimentos diretos chineses, calculados – no início do século XX – em 150 milhões de dólares. O
controle do mercado chinês pelos britânicos havia se tornado, então, uma questão de manutenção dos
ganhos obtidos, que, por si só, já era bastante lucrativo.
Print Collector/Diomedia

As indústrias inglesas em Cantão. Ilustração de B. Clayton e Piqua para o livro A História da China e da Índia, de Miss Corner,
publicado em 1847.
Página 163

A França, por sua vez, dominava as planícies meridionais asiáticas, região mineradora e com linhas
ferroviárias. O controle desse local era muito lucrativo para os franceses, o que fazia com que
empregassem grandes esforços em manter sua integridade territorial.

A Alemanha, apesar de entrar atrasada na partilha territorial, conseguiu firmar solida mente seu
comércio e seus investimentos na partilha colonial. No início do século XX, os alemães haviam
conquistado 28% das obrigações do governo chinês. Ocupavam o terceiro lugar em porcentagem de
dominação na China, atrás apenas dos ingleses e dos russos. Seu domínio foi tanto que, em 1898,
conseguiram concessão para a cons trução de duas ferrovias em Chaotung, o direito de explorar
reservas minerais num raio de 17 quilômetros de cada lado dessas ferrovias, a prioridade de fornecer
conhecimentos práticos, capital e material para qualquer finalidade na província de Chaotung, além do
arrendamento do Porto de Kiaostschu (Kiachau) por 99 anos. Em 1914, o governo chinês cancelou a
concessão.

Já os estadunidenses, até 1880, não se interessaram muito em dominar a China. Sua participação não
era muito intensa, pois estavam envolvidos na guerra com a Espanha pelo domínio de Cuba. Apesar
disso, também apoiavam a integridade territorial chinesa com o intuito de, no futuro, abrir mais espaço
para suas transações comerciais no território.

A Rússia tratava o controle do território e comércio da região como assunto de política nacional, o que
levou ao comando de toda a região da Sibéria para evitar o avanço do domínio britânico.

Os russos começaram suas investidas no território chinês no século XVII dominando a Sibéria e
conquistando uma base no Pacífico em território chinês. Aos poucos, eles foram avançando e
conquistando diversas regiões, como o Estreito de Bering, as ilhas Curilas e Aleutas e o Alasca.

Quando o imperialismo moderno começou, a Rússia já havia estendido sua influência sobre toda a
região asiática, dos Montes Urais ao Pacífico.

A ampliação do comércio com a China ajudou muito no desenvolvimento industrial da Rússia, que teve
um crescimento estimado em 350%, entre 1824 e 1854, relacionado especialmente à indústria têxtil.

A Rússia foi um dos grandes dominadores do território e comércio chineses, exercendo seu controle até
aproximadamente 1904, quando os japoneses começaram sua empreitada imperialista na China.

Organizando ideias
Analise a imagem e faça o que se pede.
Coleção particular

Henry Meyer. A partilha da China pelos europeus. Charge publicada no Le Petit Journal, jan. 1898.

1. O que está sendo representado?

2. Qual é o papel de cada personagem dessa imagem?

3. Associe a imagem às informações anteriores e escreva um pequeno texto sobre o imperialismo


na China.
Página 164

Japão
A palavra Japão, utilizada no Ocidente, é de origem chinesa e quer dizer “ilha do Sol nascente”. Já
aqueles que os ocidentais denominaram de japoneses chamam seu país de ninhon ou nippon ou, ainda,
nihonjin, palavras que remetem ao mesmo significado.

O arquipélago japonês é povoado há milhares de anos. Os ainos dominaram o território por um grande
período, mas foram pouco a pouco suplantados por outros povos, a maioria de origem chinesa, que se
estabeleceram no local, assim como os de origem coreana. No século VI, foi introduzido o budismo. No
século seguinte, o primeiro Estado japonês alcançou estabilidade. Havia forte influência chinesa nos
protocolos, nas insígnias hierárquicas, no calendário, bem como na escrita, que foi sendo adaptada ao
idioma nipônico.

A organização política do Japão foi modificada algumas vezes, em períodos sucessivos, passando por
fases de governo imperial, oligárquico e militar, todos marcados por fracas relações comerciais e
culturais com o Ocidente.

Ainos é a denominação de um grupo étnico que surgiu por volta do século XII, em Hokkaido, nas ilhas
Curilas e Sacalina, atual Japão. Sua cultura pode ser encontrada, ainda hoje, na região do Tibete e nas
Ilhas Andamão, no Oceano Índico.

A abertura japonesa
Assim como a China, o Japão inicialmente evitou a influência ocidental em seu território e em sua
economia; porém, em 8 de julho de 1853, uma esquadra norte-americana apareceu na Baía de Edo
(hoje Tóquio).

O comodoro Matthew Calbraith Perry exigiu a presença de um emissário de xógum para entregar uma
carta do presidente estadunidense Millard Fillmore, que dava um ultimato aos japoneses: estabelecer
relações comerciais pacíficas ou sofrer as consequências de uma guerra.

Sabendo o que acontecera com a China, as autoridades japonesas cederam às pretensões


estadunidenses. Pelo Tratado de Kanagawa, assinado em 1854, o Japão cedia os portos de Shimoda e
Hokkaido, e um consulado dos Estados Unidos foi aberto no país. Mais tarde, britânicos, russos e
holandeses obtiveram privilégios semelhantes.

A abertura acelerou o processo de mudança. A oposição ao xogunato aumentou, levando o jovem


imperador Mutsuhito a assumir o poder em 1868.

Esta crise econômica é acompanhada de crise política e torna as classes populares das cidades e
dos campos mais turbulentas. Cresce a hostilidade aos estrangeiros e por volta de 1858-1860
adquire a forma de numerosos atentados individuais.

Estes atingem também políticos japoneses favoráveis à política pró-ocidental do xógum. Esta
política de concessões é vivamente criticada pelos adversários tradicionais dos Tokugawa, em
particular os grandes daimios do sul cujos feudos, mais evoluídos economicamente, estão
sufocados no quadro vetusto do Antigo Regime japonês. O sobressalto nacional cristaliza-se em
torno do imperador e de seus conselheiros de Kyoto: é o movimento “lealista”, sustentado por
jovens samurais [...]. Em seus espíritos, o tradicionalismo conservador mescla-se confusamente
com uma sincera aspiração reformista. As casas comerciais sustentam o Movimento e fornecem
fundos aos adversários do xógum.

CHESNEAUX, Jean. A Ásia Oriental nos séculos XIX e XX. São Paulo: Pioneira, 1976. p. 43-44.

Dentre as diretrizes gerais desse movimento, destacavam-se: unir todas as classes de alto a baixo;
destruir os “maus hábitos” e adotar, como base, os costumes do Ocidente; buscar o conhecimento em
todas as partes do mundo; e convocar assembleias para resolver assuntos de Estado.

Glossário
Vetusto: velho, antigo, ultrapassado.
Xógum: designação do general que comandava o exército japonês. Era quem efetivamente governava o
país.
Página 165

No plano político, foi promulgada uma Constituição nos moldes ocidentais. A nobreza perdeu o direito
de usar armas, e a linhagem cedia lugar à capacidade. A ascensão social só seria possível por mérito, e
não mais pelo nascimento.

Em pouco tempo, mais de 3 mil especialistas estrangeiros trabalhavam no país; o exército foi
modernizado; o serviço militar e o ensino das crianças tornaram-se obrigatórios; e o sistema educacional
foi reformado, seguindo o modelo francês e depois o alemão. Milhares de jovens japoneses foram
estudar no exterior. O governo financiava a pesquisa e investia na formação de técnicos. O processo de
industrialização acelerou-se.

Print Collector/Diomedia

Retrato da imperatriz Shoken (1850-1914), que foi casada com o imperador Meiji, século XIX. Na pintura, observa-se a
incorporação dos costumes ocidentais. Tanto as vestimentas da imperatriz quanto o cenário e a técnica são característicos do
Ocidente.

Os japoneses compreenderam que, para se ajustar ao novo modelo de governo e comércio a que
haviam se submetido, era necessário agir como as potências ocidentais. Assim, rapidamente tornaram-
se também uma potência imperialista.

Ao contrário da China, o Japão não sofreu durante muito tempo com o colonialismo do Ocidente.
Herbert Norman, no seu estudo pioneiro Japan’s emergence as a modern state, escreveu que “o
cadáver vasto e prostrado da China serviu como escudo do Japão diante da cobiça mercantil e
colonial das potências europeias”. Em pouco tempo, o império japonês se apresentaria como um
rival ao mundo ocidental, utilizando uma agressiva política de expansão regional. A Restauração
Meiji, ao abolir as antigas estruturas feudais sem, todavia, alterar profundamente as bases da
sociedade japonesa, permitiu aos privilegiados da antiga ordem reciclar-se em homens de
negócios, mantendo a crença social nas fortes tradições ancestrais.

COGGIOLA, Osvaldo. Japão: 500 anos de história, 100 de imigração – 1854-2008. São Paulo: Duetto, 2008. v. 2. p. 23.
O sucesso japonês foi rápido. Em pouco tempo, já exportava para os mercados europeus e a agricultura
tornou-se eficiente; a seda desempenhou um papel importante, bem como a indústria de produtos de
algodão. A mão de obra qualificada e instruída, aliada à cultura que valorizava o trabalho, facilitou esse
progresso.

Os japoneses demonstraram os frutos férteis de seu sucesso econômico derrotando a China na


Guerra de 1895, tomando Taiwan, aumentando a influência que exerciam sobre a Coreia e
conseguindo uma posição na luta por esferas de influência na China. Eles se afirmaram de forma
ainda mais impressionante na guerra contra a Rússia em 1904. O Japão arrasou a Rússia e foi a
primeira vez na História Moderna que uma potência asiática derrotou uma europeia. O ataque
naval no estreito de Tsushima em maio de 1905, particularmente, chocou os europeus. A armada
japonesa se mostrou mais rápida, mais moderna e melhor equipada do que a frota russa, que foi
completamente destruída.

FRIEDEN, Jeffry A. Capitalismo global: história econômica e política do século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 77.

Glossário
Meiji: a Era Meiji ou "governo iluminado".
Prostrado: fraco, desfalecido, que se encontra abatido.
Página 166

O Japão na Coreia
A Coreia manteve, durante muito tempo, boas relações com o Japão, especialmente do século III ao V,
quando os japoneses começaram a ocupar uma parte da Península Coreana.

Por meio do contato com a Coreia, os japo neses conheceram aspectos que se enraizaram em sua
cultura, como o confucionismo, o taoismo e o budismo, este último também por influência da China.

Ao longo dessa relação, muitos coreanos se instalaram no Japão, fato que, aliado à distribuição dos
territórios no leste da Ásia, fez a Coreia se tornar uma ponte quase obrigatória entre o Japão e a China.
Esse fato despertou, na década de 1580, a disputa entre chineses e japoneses pelo território coreano.

A Coreia, governada desde o século XIV pela Dinastia Yi, tinha uma identidade cultural própria, porém
sofreu grande influência das sociedades chinesa e japonesa.

Em 1894, o governo coreano, que pagava tributos aos chineses, solicitou apoio militar da China para
reprimir uma rebelião interna. Na ocasião, tanto China como Japão enviaram auxílio, o que intensificou
a presença de ambos na região e aumentou a tensão entre os dois países.

Essa tensão culminou com a Guerra Sino-Japonesa (1894-1895), vencida pelo Japão, que, em 1910,
anexou a Coreia e iniciou um processo de colonização na península.

Horace Bristol/Corbis/Latinstock

Hasteamento da bandeira em frente a uma tropa de soldados em formação após a declaração da independência da Coreia. Seul
(Coreia), 1946.

Embora tenha possibilitado alguma modernização com a construção de escolas, estradas e hospitais, a
ocupação japonesa impôs significativas restrições aos coreanos, como a proibição do uso do idioma local
e o uso obrigatório de nomes japoneses. Além disso, os melhores cargos públicos na Coreia eram
ocupados por japoneses.

A Coreia tornou-se para o Japão uma colônia rural de exploração. Assim, trabalhos penosos e forçados
foram impostos a milhares de coreanos.
Foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que a Coreia conseguiu conquistar a independência, mas
divergências ideológicas em seu território fizeram com que o país se dividisse em Coreia do Norte e
Coreia do Sul.

A ocupação da Manchúria
A Manchúria – região localizada a nordeste da China – faz fronteira com a Rússia, a noroeste, e com a
Coreia do Norte, a sul. É considerada muito importante estrategicamente por estar justamente entre o
Japão e a China, além de apresentar abundância em minérios de ferro e recursos agrícolas.

Inicialmente, o território pertencia à China; porém, com o declínio do Império Chinês, foi disputado na
Guerra Russo-Japonesa (1905-1910).

Enquanto os japoneses procuravam expandir seu território, numa investida de conquistas pela Ásia, o
objetivo dos russos era conquistar a região para expandir a ferrovia transiberiana, que os levaria das
principais cidades russas ao Extremo Oriente e possibilitaria o abastecimento da região da Sibéria,
também anexada pela Rússia.

Depois de várias batalhas e tentativas diplomáticas de acabar com o confronto, os japoneses tomaram o
Porto de Arthur – principal da região – e derrotaram os russos. Foi a primeira vez que um país asiático
derrotou um país europeu.

O Japão, então, dominou a Manchúria e consolidou sua posição criando o Estado de Manchukuo. Apesar
disso, com a derrota dos japoneses na Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Manchúria voltou a
pertencer à China, que na ocasião também anexou portos e estradas da região.
Página 167

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: LE MONDE diplomatique. Atlas der Globalisierung. Taz: Berlin, 2011. p. 30.

Organizando ideias
Leia a seguir o trecho da reportagem e responda às questões.

ONU: China acusa Japão de roubar ilhas

O ministro chinês das Relações Exteriores, Yang Jiechi, acusou nesta quinta-feira o Japão de roubar
da China um arquipélago no Mar da China Oriental disputado pelos dois países, durante seu
discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.

“A China exorta firmemente o Japão a cessar imediatamente todas as atividades que violam a
soberania territorial chinesa, a adotar ações para corrigir seus erros e a voltar ao caminho para
resolver a disputa mediante negociações”, declarou Yang.

“O Japão roubou estas ilhas em 1895, ao final da guerra sino-japonesa, e forçou o governo chinês e
firmar um tratado desigual para ceder estes territórios”.

O chanceler reafirmou que as ilhas “formam parte integrante do território chinês desde a
antiguidade”.

“As ações tomadas pelo Japão são totalmente ilegais e inválidas. Não podem, de nenhuma
maneira, mudar o fato histórico de que o Japão roubou as ilhas Diaoyu e que a China tem soberania
territorial sobre elas”, proclamou Yang.

As tensões entre Pequim e Tóquio cresceram após o Japão decidir nacionalizar as ilhas, chamadas
de Senkaku pelos japoneses.
O primeiro-ministro japonês, Yoshihiko Noda, afirmou na quarta-feira nas Nações Unidas que “não
há compromisso” possível com a China sobre a soberania das ilhas Senkaku.

O arquipélago, situado 200 km a nordeste de Taiwan e 400 km a oeste de Okinawa, no sul do


Japão, é desabitado, mas fica em uma área rica em pesca e possivelmente sobre importantes
recursos minerais.

ONU: China acusa Japão de roubar ilhas. Agence France-Press (AFP).

1. Do que trata a reportagem?

2. Qual é a opinião do governo chinês em relação ao assunto abordado pela reportagem?

3. Por que os dois países estão tão interessados nesse arquipélago?

4. As ações japonesas citadas na reportagem pertencem exclusivamente ao presente? Explique.


Página 168

A conquista da Índia
Os europeus interessavam-se pela Índia desde o século XV, período das Grandes Navegações e da
chegada de Vasco da Gama ao local, mas foi durante o século XVIII que a Inglaterra dominou a região.

Os ingleses, com seu costume de ter os olhos fixos no horizonte, já tinham tomado a iniciativa do
comércio direto com o Extremo Oriente. Em 1600, ainda entusiasmada pela derrota infligida à
Invencível Armada de Felipe II da Espanha, a rainha Elizabeth I concedeu um monopólio de
comércio à Company of Merchants of London Trading to the East Indies. A guerra contra a Espanha
tinha cortado todo o abastecimento de pimenta, antes carregada em Lisboa, e foi essa iguaria,
cujos preços nas partidas comercializadas pela Holanda haviam explodido, que levou os londrinos a
criar sua própria companhia. [...]

A missão de um navio da Companhia das Índias durava muitos meses. Às vezes a embarcação só
voltava ao porto de origem dois anos depois da partida, pois, além de as negociações comerciais no
Oriente serem muito demoradas, era preciso esperar por ventos favoráveis para tomar o caminho
de volta. Desde os portos do noroeste da Europa até Cantão, situado na costa chinesa, na
embocadura do rio das Pérolas, um grande centro comercial, contam-se de 15 a 16 mil milhas. [...]

A companhia possuía cerca de 30 navios, número que passou a 37 em 1757, dos quais os maiores,
como Le Condé, Le Centaure, La Chine e Le Robuste chegavam a 1.500 toneladas. Cerca de três a
quatro navios desapareciam por ano, entre 1723 e 1744. Nesse período, o tráfego de navios foi
irregular, até mesmo em extremos: do total de embarcações, 35 fizeram 61 viagens de Lorient às
Índias e à China; outros 19 percorreram a rota só uma vez, oito trafegaram duas, seis fizeram três e
somente dois, quatro viagens. Essa média tão baixa pode ser atribuída a diferentes fatores.

Além das tempestades, de encalhes devidos à má previsão de rotas, um grande número de barcos
foi capturado ou incendiado, e outros foram retirados de circulação.

Nas 14 mil viagens ao Oriente efetuadas em três séculos, pelas diferentes versões da Companhia
das Índias, 1,5 milhão de homens não voltaram mais. Muitas vozes se ergueram contra esses
empreendimentos, cujas frotas enviadas pela Inglaterra, por Portugal e pela Holanda sugavam todo
o dinheiro da Europa para “comprar mercadorias inúteis”. Na verdade, seus lucros fabulosos e seu
poder inquietavam as nações. A partir de 1874, a Inglaterra não renovou mais a carta da East
Company. [...]

CASTELBAJAC, Bernadette de. Companhia das Índias, grandes negócios em muitas versões. História Viva. Disponível em:
<www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/companhia_das_indias_grande_negocio_em_muitas_versees.html>. Acesso em: fev.
2016.

Entre o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, os britânicos, por meio da Companhia
das Índias Orientais, conquistaram militarmente a Índia.

Durante a dominação da Índia, os ingleses pautaram-se pela seguinte premissa: dividir para dominar.
Para alcançar esse objetivo, usaram estratégias como: utilização de mercenários de uma região para
impor domínio sobre outras; concessão de vantagens a certos governantes ou etnias; aprofundamento
das divergências religiosas; superioridade econômica e bélica.
A presença britânica na Índia era altamente lucrativa: proporcionava empregos aos militares,
cobradores de impostos, juízes e burocratas, que dificilmente teriam oportunidades semelhantes na
metrópole. A colônia era uma válvula de escape para muitos.

Na área econômica, os mercados indianos absorviam as manufaturas britânicas, o que provocou a ruína
de muitos produtores locais. De exportadores de produtos têxteis, os indianos tornaram-se
importadores. Em outros setores, a produção artesanal sucumbiu diante de concorrência de artigos
metropolitanos.

Os altos impostos, o desrespeito às tradições culturais indianas, a deposição de príncipes que não se
submetiam aos ditames dos colonizadores e as humilhações a que os nativos foram submetidos
contribuíram para que ocorresse uma grande rebelião contra os britânicos.
Página 169

O motim de 1857, conhecido como Revolta dos Cipaios (também sepoys ou saphis, soldados indianos
que serviam no exército britânico), iniciado como uma revolta de quartel, expandiu-se com o apoio
popular e de príncipes, e os insurretos chegaram a controlar Délhi e outras cidades.

Coleção particular

Gravura anônima sobre a Revolta dos Cipaios, c. 1895.

Apesar de algumas vitórias iniciais, os rebeldes acabaram vencidos. Já os britânicos contaram com a
ajuda de príncipes protegidos, grandes proprietários enriquecidos e tropas originárias de outras regiões.
Durante a revolta, os dois lados praticaram atrocidades. Rebeldes massacraram mulheres e crianças
inglesas. Por outro lado, aldeias foram queimadas, insurretos foram massacrados e diversos líderes
nativos acabaram executados.

O que se verificou após o motim de 1857 foi a intensificação do racismo. A cidade de Délhi foi saqueada,
e os muçulmanos, alvos principais, foram duramente reprimidos.

Em 1858, a Coroa britânica havia assumido diretamente o governo da colônia. Mais tarde, em 1877, a
rainha Vitória foi proclamada imperatriz da Índia.

O imperialismo britânico beneficiou alguns poucos indianos que foram cooptados das mais diversas
formas. Como resultado, houve um grande processo de ocidentalização da sociedade indiana. Na
década de 1880, por exemplo, havia cerca de 8 mil indianos com diploma universitário em meio a um
crescente movimento de modernização das cidades, que contava com a implantação de ferrovias e
telégrafos.

[...] A rainha Vitória fez publicar solenemente em todas as grandes cidades uma proclamação
conciliadora, na qual se comprometia a proteger os príncipes e a respeitar as religiões e os
costumes indígenas, e também concedia seu perdão a todos os rebeldes, exceto aos assassinos de
súditos britânicos. Às veleidades reformistas e ao intervencionismo político da época precedente,
sucederam-se circunspecção e conservadorismo social. Suspenderam-se as anexações de Estados
principescos e seus soberanos foram cobertos de honrarias. Favo re ceu-se a aristocracia das terras
para atrair essa classe que fornecera demasiados chefes à revolta e para enquadrar mais
eficazmente, através dela, as massas camponesas que lhe eram fiéis. De maneira geral, reforçaram-
se as hierarquias sociais. Ao mesmo tempo, o exército das Índias foi reequilibrado (cem mil cipaios
a menos, vinte mil europeus a mais) e reorganizado com base nas castas e nas religiões. Fracionado
em comunidades homogêneas, ele de fato se tornou menos suscetível de unir-se em bloco contra
seus senhores. Assim garantida a ordem, a dominação britânica na Índia entrava em sua fase de
apogeu, que duraria até a Primeira Guerra Mundial.
POUCHEPADASS, Jacques. In: FERRO, Marc (Org.). O livro negro do colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 339.

Coleção particular

Novas coroas para os mesmos velhos. Charge de John Tenniel, publicada em 15 de abril de 1876, que mostra o primeiro-ministro
Benjamin Disraeli oferecendo a coroa da Índia à rainha Vitória.

Glossário
Circunspecção: cautela, moderação.
Veleidade: fantasia, utopia.
Página 170

Organizando ideias
Em dupla, analise os textos que descrevem o imperialismo britânico na Índia. Depois façam o que
se pede.

Texto 1

No caso da Índia, algumas vezes alega-se que o status do país como uma preciosidade militar
essencial para a Coroa britânica retardou o crescimento devido à negligência colonial em relação às
necessidades econômicas. É verdade que o principal gasto da Grã-Bretanha na Índia, a construção
de um sistema ferroviário extenso, fora motivado por razões militares. Mas, longe de retardar o
desenvolvimento, as ferrovias provavelmente foram a maior fonte de qualquer sucesso econômico
registrado na Índia. No entanto, tal fato sozinho era insuficiente. Da mesma forma como os
governantes da China e do Império Otomano, tanto os britânicos quanto seus aliados indianos
preocupavam-se prioritariamente em manter o controle político, e viam com suspeita as medidas
desenvolvimentistas agressivas.

FRIEDEN, Jeffry A. Capitalismo global: história econômica e política do século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 112.

Texto 2

A expansão imperialista é acompanhada pela luta do capital contra as ligações sociais e econômicas
dos nativos, os quais são espoliados dos seus meios de produção e força de mão de obra.

A catástrofe da comunidade nativa é um resultado direto da rápida e violenta ruptura das


instituições básicas da vítima (se a força é ou não usada no processo, não parece absolutamente
relevante).

Essas instituições são rompidas pelo fato de uma economia de mercado ser impingida a uma
comunidade de organização completamente diferente; o trabalho e a terra são transformados em
mercadorias, o que, mais uma vez, é apenas uma fórmula curta para a liquidação de toda e
qualquer instituição cultural em uma sociedade orgânica [...]. As massas indianas na segunda
metade do século XIX não morreram de fome porque eram exploradas por Lancashire [região de
grande produção têxtil na Inglaterra]; pereceram em grande número porque tinha sido destruída a
comunidade de aldeia indiana.

POLANYI, Kan. In: DAVIS, Mike. Holocaustos coloniais. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 20.

1. De acordo com os textos, como o imperialismo britânico alterou a sociedade indiana?

2. Por que era importante manter o controle político na região dominada? Expliquem.

3. Expliquem a frase final do texto 2: “[...] pereceram em grande número porque tinha sido
destruída a comunidade de aldeia indiana”.

4. Associem a imagem abaixo aos textos e respondam: Quais foram as consequências do domínio
britânico sobre a Índia?
Coleção particular

Primeira página do suplemento ilustrado do periódico Le Petit Journal, 1897.


Página 171

Resgate cultural

Holi e o Festival das Cores


Todos os anos os habitantes da Índia e de vários países de cultura hindu saúdam o início da
primavera, na primeira lua cheia do mês de março, no festival Holi. Essa festa popular guarda
práticas culturais que representam a vitória do bem sobre o mal. Trata-se de uma celebração
tradicional da religião hindu que perdura por milhares de anos.

Ancient Art & Architecture Collection/Alamy/Glow Images

Krishna e Rahda comemorando o Holi com companheiros, c. 1775-1780. Pintura feita com guache exposta no Museu Victória &
Albert, Londres, Inglaterra.

Durante o Holi é realizado o chamado Festival das Cores: milhares de pessoas saem às ruas para
colorir umas às outras com bexigas cheias de água, pétalas, pó e tintas de diversas cores. Como
outras práticas culturais relacionadas ao início da primavera, o arremesso de água e pó colorido
celebra o começo do período de fertilidade e prosperidade – nas sociedades tradicionais de base
agrícola, esse período é representado no imaginário como o tempo da renovação, já que as
temperaturas se elevam e se podem plantar diversas espécies.

[...] Anualmente, o evento que reúne um maior número de pessoas e que mais chama a atenção é
o Festival de Cores que se realiza no segundo dia de Holi e que consiste em lançar balões d’água,
pétalas e pó de cores – denominados gulal – entre as pessoas que estão nas ruas, enquanto se
desejam um “Feliz Holi”.

Os pós coloridos eram preparados inicialmente com ervas medicinais, mas com o tempo foram
sendo incluídos materiais sintéticos para que o pó durasse mais tempo no corpo dos participantes e
também para experimentar novas tonalidades. Ainda assim, as cores utilizadas não são escolhidas
aleatoriamente, e sim devem transmitir alegria e desejos positivos. Assim, foram mantendo certas
cores como tradicionais dentro da celebração, como o amarelo, que evoca piedade, o laranja, que
representa otimismo, o azul, que simboliza a calma, o vermelho, que é usado para o amor e a
pureza, e o verde para a vitalidade. Entre as novas cores a que mais se destaca é o rosa.

GAETE, Constanza Martínez. Trad. De Victor Delaqua. “Festival de Cores Holi”: Boas-vindas da primavera na Índia. Archdaily, 23
abr. 2013. Disponível em: <www.archdaily.com.br/br/01-109957/festival-de-cores-holi-boas-vindas-da-primavera-naindia>.
Acesso em: fev. 2016.
TUSHAR SHARMA/CITIZENSIDE.COM/AFP Photos

Crianças brincando no festival de primavera Holi, Kisorimohanpur, Índia, 2015.

Adeptos da religião hindu influenciaram a cultura de diversos países ocidentais, os quais abrigam
comemorações inspiradas no Festival das Cores – trata-se, em geral, de uma festa que celebra a
alegria e a harmonia entre as pessoas. Recentemente várias festas de música eletrônica adotaram
o uso do pó colorido em seus eventos; algumas chegam a utilizar o nome do festival indiano – no
Brasil, por exemplo, elas ocorrem o ano todo, sem que guardem relação com o início da primavera.
No entanto, trata-se de eventos esvaziados de sentido religioso em que foram atribuídos novos
significados.

1. Forme um grupo com uns colegas e, juntos, pesquisem os novos significados do Holi para a
juventude indiana: Que práticas culturais são aceitas durante o festival?
Página 172

Debate interdisciplinar
Semelhanças e diferenças entre os sistemas linguísticos de
China, Índia e Coreia
A língua chinesa, que tem mais de 1,2 bilhão de falantes no mundo, é composta de diversos dialetos e
variações, como o mandarim e o cantonês, espalhados por todo o território chinês e também por países
onde há comunidades chinesas. As trocas culturais constantes entre a China e outros países do Leste
Asiático resultaram na influência do idioma chinês em línguas como o coreano, o japonês e o vietnamita.
Por outro lado, recebeu influências de outras línguas devido às transações comerciais estabelecidas pela
Rota da Seda. Muitas palavras do vocabulário chinês foram emprestadas de idiomas falados nos países
ligados por essa rota, como a Índia e a Pérsia.

Algumas influências linguísticas da Índia ocorreram por meio do budismo. Nesse processo, missionários
indianos traduziram documentos budistas, escritos em sânscrito, para o chinês. A importância da
literatura budista na China cresceu à medida que China e Índia tornavam-se países cada vez mais
próximos. Esse foi um período de muitas trocas culturais em diversas áreas, como a matemática, a
música, a astronomia e a medicina. A tradução dos textos indianos para o chinês mantinha os dois
países em contato constante, proporcionando também enriquecimentos linguísticos. Atualmente, há
forte tendência à valorização do sânscrito na China. Existem até mesmo cantores pop escrevendo letras
de música nessa língua.

The Bridgeman Art Library/Keystone

Página do códice Madhandeya Purana, escrito em sânscrito, c. 1756.


Página 173

The Bridgeman Art Library/Keystone

Certificado de nobreza chinesa, c. 1644-1661.

A língua oficial da Coreia, o coreano, é falada por 78 milhões de pessoas no mundo atualmente. Suas
origens, segundo estudiosos, não são muito claras. Uma hipótese é que o coreano seja uma língua
isolada, que não tem semelhanças com nenhuma outra língua do mundo. Entretanto, o uso do chinês na
Coreia se dá desde o século IV. Por muito tempo, a escrita coreana foi uma adaptação dos caracteres
chineses hanzi, chamados de hanja na Coreia. Por volta dos séculos XIX e XX, o alfabeto fonético
coreano, chamado hangul, passou a ser mais utilizado e o hanja ficou para trás. Hoje em dia, é
necessário saber hanja quando se deseja estudar a História da Coreia ou melhorar seu vocabulário em
coreano, pois conhecer o hanja permite saber mais da etimologia das palavras, apesar de mesmo as
palavras de origem chinesa serem escritas com o hangul a maior parte das vezes.

Estima-se que mais de 50% das palavras coreanas tenham origem chinesa. Esse grupo de palavras é
chamado de vocabulário sino-coreano, e é composto de palavras emprestadas do chinês e palavras
criadas em coreano tendo como base os caracteres chineses. O budismo também foi responsável por
levar a cultura indiana à Coreia por meio de textos budistas traduzidos para o chinês.

Assim como a China abriga muitos idiomas e dialetos diferentes, a Índia conta com cerca de 1 652
línguas nativas, sendo o hindi o idioma oficial do país e o inglês secundário. O sânscrito, língua utilizada
no budismo, além de ter influenciado as línguas faladas na China e na Coreia, também influenciou o
japonês, pois o budismo tornou-se uma das principais religiões do arquipélago.

Atividade
1. Em virtude da chegada dos portugueses ao Japão entre os anos de 1542 e 1543, há muitas
palavras japonesas cuja origem está na língua portuguesa. Os portugueses foram os primeiros a
traduzir o japonês para uma língua ocidental. Missionários jesuítas elaboraram um dicionário e o
publicaram em 1603. A maior parte das palavras de origem portuguesa no japonês refere-se a
costumes e produtos que chegaram ao arquipélago por meio dos comerciantes portugueses. Você
consegue identificar a palavra portuguesa que deu origem a cada uma destas palavras japonesas:
arukôru, birôdo, iesu, agirisu, kappa, shabon, kompeitô, iruman, furasuko?
Página 174

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (UERJ) A palavra “imperialismo”, no sentido moderno, desenvolveu-se primordialmente na


língua inglesa, sobretudo depois de 1870. Seu significado sempre foi objeto de discussão, à medida
que se propunham diferentes justificativas para formas de comércio e de governo organizados.
Havia, por exemplo, uma campanha política sistemática para equiparar imperialismo e “missão
civilizatória”.

WILLIAMS, Raymond. Um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2007.

No final do século XIX, os europeus defendiam seus interesses imperialistas nas regiões africanas e
asiáticas, justificando-os como missão civilizatória. Uma das ações empreendidas pelos europeus
como missão civilizatória nessas regiões foi:

a) aplicação do livre-comércio

b) qualificação da mão de obra

c) padronização da estrutura produtiva

d) modernização dos sistemas de circulação

2. (Uesc-BA) No século XVII, os tecidos leves de algodão representavam 60% a 70% das
exportações indianas. Com a industrialização, a Inglaterra produziu máquinas 350 vezes mais
rápidas do que um operário indiano. Graças à posição dominante, a Inglaterra pôde introduzir
livremente seus tecidos na Índia. O resultado foi que, em menos de um século, a indústria dos
algodões indianos havia praticamente desaparecido.

(Ferro. In: Vicentino, p. 337)

A análise do texto e da relação entre Revolução Industrial, capitalismo e imperialismo permitem


afirmar:

a) A Índia enfrentou a concorrência inglesa, porque dispunha de um maior número de operários.

b) Os tecidos ingleses, de pior qualidade que os indianos, pagavam altos impostos de circulação em
âmbito local.

c) O imperialismo inglês, na Índia, baseou-se nos princípios da cooperação e do respeito às


tradições do artesanato local.

d) A produção de tecidos foi desarticulada, porque os seus responsáveis desistiram da ajuda inglesa
para a aquisição de máquinas modernas.

e) A “posição dominante” da Inglaterra decorrida do poder econômico oriundo do capitalismo


industrial e do poder político e militar, decorrente do imperialismo.
3. (UFMG) Em relação à expansão imperialista na Ásia, na segunda metade do século XIX, pode-se
afirmar que o Império Chinês foi:

a) anexado ao Japão anulando a ameaça imperialista.

b) desmembrado em colônias pelas potências europeias.

c) dividido em zonas de influência pelos países ocidentais.

d) incorporado ao Império Britânico compondo a Commonwealth.

4. (UERJ) “Se tivéssemos de definir o imperialismo da forma mais breve possível, diríamos que ele é
a fase monopolista do capitalismo.”

LENIN, V. I. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1987.

Indique, tomando como ponto de referência o texto acima, dois fatores que estimularam a
expansão imperialista.

5. (UFPB) O texto a seguir, relativo ao imperialismo, apresenta lacunas que devem ser preechidas
corretamente.

Com a Conferência de Berlim, em 1884-1885, consolida-se um processo conhecido como


________, expressão que indica um conjunto de ações e intervenções de nações europeias nesse
continente, buscando novas colônias para assegurar o controle de mercados, especialmente de
matérias-primas e de fontes de energia. Processo similar se verificou na Ásia, quando os europeus
ocuparam boa parte do seu Sudeste. Assim, contra a ________, a Inglaterra empreendeu a
________, finalizada com o Tratado de Nankin, ampliando o acesso dos europeus a esse mercado.
Página 175

Responda no caderno

As lacunas são preenchidas, respectivamente, por:

a) Partilha da África/China/Guerra do Ópio

b) Partilha da Ásia/Índia/Revolta dos Cipaios

c) Partilha da África/África do Sul/Guerra dos Boêres

d) Partilha da Ásia/Indochina/Primeira Guerra do Vietnã

e) Partilha da Ásia/Coreia/Guerra dos Boxers

6. (Unirio-RJ) Foi essa consciência de nossa superioridade inata que nos permitiu conquistar a
Índia. Por mais educado e inteligente que seja um indígena, por mais valente que ele se manifeste
e seja qual for a posição que possamos atribuir-lhe, penso que jamais ele será igual a um oficial
britânico.

(Lord Kitchener, in: PANIKKAR, K. M., A Dominação Ocidental na Ásia. Tradução de Nemésio Salles, Rio de Janeiro: Saga, 1965, p.
160.)

A expansão imperialista europeia sobre o continente asiático, ao longo do século XIX e o início do
século XX, atingiu uma de suas principais expressões na dominação britânica sobre duas das mais
antigas civilizações da Ásia: a China e a Índia.

Marque a opção a seguir que apresenta uma característica correta da dominação imperialista
inglesa sobre a China ou a Índia.

a) Na Índia, a extinção do sistema religioso de castas favoreceu a inclusão dos indianos na


sociedade inglesa, porque foram utilizados como mão de obra barata no parque industrial da
Inglaterra.

b) Na China, a vitória militar dos ingleses sobre os exércitos imperiais chineses na Guerra do Ópio
(1841) determinou a instalação do monopólio da Inglaterra sobre o comércio chinês de especiarias
com o Ocidente.

c) Na Índia, a dominação britânica provocou a destruição da economia tradicional voltada para a


subsistência e sustentada por manufaturas têxteis incapazes de concorrer com a produção inglesa
de tecidos de algodão.

d) Na China, a hegemonia política e econômica inglesa impediu a atuação de outras potências


imperialistas porque isolou o território chinês pelo Tratado de Pequim (1860).

e) Na Índia, uma alta burocracia de indianos exercia a administração das áreas conquistadas para
reduzir os custos elevados gerados pelos gastos militares com dominação imperialista.

Para você ler


• O que é imperialismo, de Afrânio Mendes Catani. São Paulo: Brasiliense, 2002. Esse livro examina o
fenômeno do imperialismo, que se caracteriza pela expansão territorial e econômica das grandes
potências por meio do estabelecimento de colônias em diferentes regiões do globo.

Para você assistir


• O motim, direção de Ketan Mehta. Índia, 2005, 144 min. Depois de cem anos sendo explorados pela
Companhia Britânica das Índias Orientais, os indianos começam a vislumbrar a ideia de revolução e
mudança. Em dura batalha, Mangal Pandey lidera o povo em motim contra o império estrangeiro.

• Lagaan – era uma vez na Índia, direção de Ashutosh Gowariker. Índia, 2001, 225 min. Quando o
Império Britânico ameaça dobrar o imposto cobrado dos moradores de uma pequena vila na Índia
Vitoriana, o jovem Bhuvan propõe uma maneira inusitada de resolver a questão: jogadores veteranos de
críquete disputariam contra os moradores da vila pelo controle do local.

• A Guerra do Ópio, direção de Xie Jin. China, 1997, 110 min. Em 1839, negociantes britânicos de ópio
são executados porque o comércio da droga está destruindo o Império. Depois que a China queima 20
mil caixas de ópio, a Inglaterra declara guerra, pois o ópio queimado era propriedade de um importante
comerciante britânico.
Página 176

6África: do escravismo ao
imperialismo
Neste capítulo
A escravidão na África
O comércio de pessoas
O colonialismo europeu
O imperialismo e a partilha da África
Movimentos de resistência

Fototeca/Leemage/Glow Images

O mercado de escravos em Zanzibar (África), 1871.

Ao analisar as relações imperialistas no século XIX, percebemos que o continente africano


foi o mais submetido ao domínio europeu. Seu território foi dividido entre as potências
econômicas do período e serviu tanto como região fornecedora de matéria-prima para a
indústria e posteriormente de mão de obra para as colônias quanto como mercado
consumidor para os produtos dos dominadores.

A partilha do continente pelos países europeus não respeitou a multiplicidade étnica, as


distintas organizações políticas e a grande diversidade cultural dos povos africanos.
Página 177

A milenar cultura africana foi uma das mais subjugadas pelos povos colonizadores, tendo
em vista a opressão e a escravização às quais foi submetido o povo africano.

Neste capítulo estudaremos a partilha imperialista da África, bem como os processos e


mecanismos utilizados pelos países africanos na busca pela união das culturas e territórios
separados pelo imperialismo europeu.
Página 178

A escravidão na África
Assim como outras regiões, a África esteve intimamente ligada à história da escravidão, por servir como
fonte principal de mão de obra escrava para as sociedades antigas, o mundo islâmico, a Índia e as
Américas e ser uma das regiões onde a escravidão era mais comum.

A escravidão já existia no continente africano séculos antes do início do tráfico de escravos realizado
pelos portugueses, mas sem o caráter mercantil que foi incorporado a essa prática. Havia diversas
formas de escravidão doméstica, o que não caracterizava o escravo como um produto a ser consumido,
ele era uma ferramenta a mais para ajudar na colheita, caça, pecuária, mineração e nas campanhas
bmilitares; enfim, atividades do cotidiano de agrupamentos familiares, aldeias, cidades etc.

[...] A maior fonte de escravos sempre foram as guerras, com os prisioneiros sendo postos a
trabalhar ou sendo vendidos pelos vencedores. Mas um homem podia perder seus direitos de
membro da sociedade por outros motivos, como a condenação por transgressão e crimes
cometidos, impossibilidade de pagar dívidas, ou mesmo de sobreviver independentemente por
falta de recursos. [...]

Se considerarmos a escravidão como: situação na qual a pessoa não pode transitar livremente nem
pode escolher o que vai fazer, tendo, pelo contrário, de fazer o que manda o seu senhor; [...]
situação na qual o escravo não é visto como membro completo da sociedade em que vive, mas
como ser inferior e sem direitos, então a escravidão existiu em muitas sociedades africanas bem
antes de os europeus começarem a traficar escravos pelo oceano Atlântico. [...]

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006. p. 47.

Havia diferentes formas de organização social e também vários modos de escravidão na África. Entre
alguns povos africanos, por exemplo, os escravos acabavam se tornando membros da sociedade, já que,
entre eles, a condição de escravo não designava uma classe social, e sim o tipo de atividade
desempenhado pelos trabalhadores. Havia, inclusive, casos de sociedades em que os escravos podiam,
se fossem fiéis a seus senhores, assumir cargos de grande prestígio local.

Prisma/Album Art/Latinstock

Hildibrand. Mercado de escravos em Zanzibar, 1882. Gravura.


Variava, por exemplo, de região para região, de cultura para cultura e de grupo para grupo, o
número de pessoas habitualmente aprisionadas e postas a trabalhar à força pelos captores. [...]

O escravo de um grupo agrícola era utilizado de modo distinto ao de um grupo


predominantemente pastoril. Aqui, seria tratado como pessoa da família, ou quase, a comer na
mesma gamela que o amo. Ali, com a violência e as humilhações que merece o inimigo – nu ou com
um trapo amarrado à virilha, a alimentar-se de restos lançados ao chão, sem conhecer descanso
entre os empurrões e as bofetadas. Acolá, com o mesmo cuidado que uma cabra ou uma ovelha,
uma vez que tinha, como esses animais, valor de uso e troca. [...]

SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira;
Fundação Biblioteca Nacional, 2002. p. 80-81.

Organizando ideias
1. Levante hipóteses sobre o que significa a escravização do ponto de vista do escravo. Depois,
apresente-as em sala de aula e busque documentos para comprovar ou confrontar as questões
apontadas.
Página 179

As religiões e a escravidão
Embora as três grandes religiões monoteístas – cristianismo, islamismo e judaísmo – incentivem, em
seus preceitos, o respeito ao próximo, o tema “escravidão” provocou reações distintas entre os
representantes religiosos ao longo dos anos, que, geralmente de acordo com os interesses de suas
instituições, assumiram diferentes posturas no que diz respeito à utilização do trabalho escravo e ao
tratamento dispensado aos escravizados.

No cristianismo, por exemplo, Paulo de Tarso (século I), um de seus maiores difusores, apesar de ter
afirmado que, perante Cristo, não existe senhor ou escravo, não se opôs ao sistema escravista romano.
Já Agostinho de Hipona (354-430) dizia que a escravidão era consequência do pecado, motivo pelo qual
o indivíduo merecia ser escravizado. Para Tomás de Aquino (1225-1274), embora a escravidão fosse
dolorosa, era útil e necessária. No século XVI, os europeus passaram a utilizar um velho argumento
árabe: como os africanos descendiam dos filhos de Cam, que fora amaldiçoado por Noé (relato bíblico),
eram escravos.

Algumas vozes se opuseram ao tráfico negreiro e à violência da escravidão, embora pouquíssimas


tenham chegado a propor sua abolição, ao menos nos séculos XVI e XVII, pois era difícil imaginar o
funcionamento da América Portuguesa sem o trabalho do africano escravizado. Para o Padre Antonio
Vieira, por exemplo, a escravização de indígenas era uma perversão moral, sobretudo os que não eram
escravizados segundo os critérios da “guerra justa”. No caso dos africanos, contudo, ele pregava que
aceitassem sua condição e os infortúnios, pois seus sofrimentos eram semelhantes aos de Cristo. Caso
suportassem sem se revoltar, assim como Cristo, alcançariam a redenção.

Entre os islâmicos, a escravização de não muçulmanos era aceita, não importando a etnia. Já entre os
judeus, a relação tinha dois vieses: quando se tratava de escravizados de origem judaica, que se
encontravam em tal condição devido a dívidas, roubos ou outros motivos, o tratamento era brando e
durava o tempo limitado de sete anos; já no que se referia a escravos africanos, o tratamento e o tráfico
ocorreram de maneira bem parecida com a que aconteceu na América Portuguesa, por exemplo.

Em suma, os fundamentos legais da escravidão, bem como os preconceitos em relação ao escravizado,


não variavam muito, independentemente da orientação religiosa. Muçulmanos e cristãos, no início da
Era Moderna, traf icaram e escravizaram seres humanos, sem considerar as possíveis restrições
humanitárias que seus credos, em tese, propagavam.

Organizando ideias
A Mauritânia, um país localizado na costa ocidental da África, foi o último país do mundo a abolir a
escravidão, em 1981. Contudo, somente em 2007 essa prática se tornou crime, sendo processado e
condenado um único senhor de escravos. De 4% a 17% da população (dados da ONU em 2015) vive
na condição de escravo, mas o governo do país nega-se a reconhecer que a prática escravista ainda
exista.

A vastidão de seus territórios, os amplos domínios do Deserto do Saara e a baixa densidade


populacional dificultam a execução das leis, sobretudo nas áreas rurais, onde os senhores de
escravos mantêm-se quase escondidos. Por ser uma nação muito pobre, com altos índices de
analfabetismo, na qual quase metade da população sobrevive com 2 dólares por dia, a procura por
uma vida fora da escravidão é tarefa muito difícil.
Alguns líderes religiosos locais, os imãs, principalmente nas zonas rurais, têm sido historicamente
favoráveis à escravidão. Eles afirmam que a submissão é uma maneira de alcançar o paraíso.

Com base no texto, faça o que se pede.

1. Quais são os fatores que justificam a escravização na Mauritânia?

2. Identifique como a religião se insere no caso desse texto.


Página 180

Viajando pela história


Formas de escravidão na África
Na África da Antiguidade, como resultado das guerras e da dominação de um povo sobre outro, havia
relações de escravidão no continente.

Escravidão doméstica
Nos confrontos entre os vilarejos africanos era comum que os vitoriosos escravizassem alguns dos
vencidos, numa relação que hoje chamamos de escravidão doméstica, cujo objetivo era utilizar a força
de trabalho dos cativos em geral na agricultura de pequena escala, familiar.

Nesse tipo de relação, os escravos eram poucos e, apesar de sua posse assegurar poder e prestígio aos
senhores, acabavam associados à unidade familiar, porque representavam a capacidade de
autossustentação da linhagem.

A preferência para o cativeiro, nesse caso, era por mulheres e crianças, que garantiriam a ampliação do
grupo do qual passavam a fazer parte, sendo gradativa a incorporação dos escravos na família: como os
filhos de escravos não podiam ser vendidos ou trocados, iam, de geração em geração, perdendo a
condição de cativos e se assimilando à linhagem.

A guerra não era o único meio de escravização na África da Antiguidade. Em muitas sociedades, o
cativeiro servia de punição a quem fosse condenado por roubo, assassinato e, dependendo da
sociedade, feitiçaria e adultério. Outras maneiras de obter escravos consistiam na penhora, no rapto
individual, na troca e na compra etc. Entretanto, apesar da incorporação dos escravos aos núcleos
familiares, sentenciar alguém à escravidão ainda significava desenraizá-lo.

Escravidão no mundo islâmico


Após a ocupação do Norte da África pelos egípcios, entre os séculos VII e VIII, a escravidão doméstica
passou a conviver com o comércio intenso de escravos.

A presença muçulmana modificou a escravidão africana, com a organização, pelos árabes, do tráfico de
escravos como empreendimento comercial em grande escala no continente.

A partir do final do século VIII, os árabes disseminaram a crença no islamismo por meio da palavra, dos
acordos comerciais e do uso de armas, em episódios que ficaram conhecidos como jihad – ou guerra
santa. As expedições tinham o objetivo de islamizar a população.

Entre os povos que se recusassem a aceitar o islamismo, eram escolhidos membros para ser
escravizados e seguir com as caravanas, servindo como moeda de troca e carregadores de bagagens,
mantimentos e mercadorias nas viagens pelas longas rotas que cortavam o Deserto do Saara.

Os escravos transportados por essas caravanas eram trocados por outras mercadorias e vendidos em
grandes centros comerciais. Todo o mundo árabe foi, aos poucos, revelando-se um ótimo mercado para
a comercialização dos escravos levados da África, da Índia, da China e do sudeste da Ásia à Europa
Ocidental.

Biblioteca Nacional da França, Paris/Akg-Images/Latinstock

Ilustração em manuscrito árabe de 1237 que representa um mercado de escravos.


Página 181

Uma nova fase da islamização começou no século XVIII, também auge da época escravista. A
servidão já existia em várias sociedades altamente hierarquizadas da África Ocidental [...]. Porém o
rapto de seres humanos se acelerou e novos Estados, tais como Dahomey e Ashanti (atual Gana)
surgiram no litoral em resposta à crescente demanda europeia por escravos africanos – na sua
maioria trazidos para a América. Os fuzis que os vendedores indígenas de escravos receberam em
troca da mercadoria humana facilitavam novas caças que vitimaram populações inteiras, enquanto
transformavam os grupos caçadores e mercadores em novas elites. Parte dos escravos vendidos
eram muçulmanos. Foram eles que trouxeram os primeiros núcleos do islã para as Américas. No
entanto, na África Oriental, escravos comercializados pelo sultão de Zanzibar foram para o próprio
Oriente Médio.

DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2004. p. 141-142.

Comércio intercontinental de escravos


O comércio de escravos no continente africano teve origem por volta de 2680 a.C., quando o faraó
Snefru retornou de sua campanha na Núbia com milhares de prisioneiros. Mais tarde, gregos, romanos,
bizantinos, árabes e outros povos continuaram a traficar e escravizar seres humanos.

Esse comércio era pequeno se comparado com o tráfico inaugurado pelos europeus na Era Moderna.
Embarcavam-se algumas dezenas ou centenas de cativos, sem provocar nenhum grande abalo
demográfico.

A expansão islâmica aumentou significativamente o tráfico de africanos, bem como o número de


pessoas escravizadas. Nas sociedades islâmicas, contudo, os cativos podiam ser usados no governo e no
serviço militar, o que aumentava as chances de se tornarem livres. Além disso, era comum a
emancipação de escravas concubinas que tivessem filhos com seu amo. Ainda assim, há de se considerar
que populações inteiras foram escravizadas no período.

Os portugueses, no entanto, foram os primeiros a praticar o comércio intercontinental de pessoas. Após


chegarem ao continente africano em 1415, quando conquistaram Ceuta, passaram a realizar diversas
expedições em busca de mercadorias. Nesses contatos iniciais, eles se depararam com os escravos. Em
troca das mercadorias europeias, passaram a levar ouro e escravos, primeiro para Portugal e, a partir do
século XVI, para sua colônia na América. Para os africanos comerciantes de escravos, além da obtenção
de mercadorias, havia a possibilidade de se livrar dos inimigos, que eram então levados para regiões
distantes, de onde não poderiam voltar.

A presença portuguesa e, posteriormente, de outros povos europeus na África, deu ao comércio de


escravos uma dimensão intercontinental. A partir de então, algumas porções do continente africano
passaram a ser exportadoras de mão de obra para as novas regiões conquistadas na América.

Organizando ideias
Leia o texto e faça o que se pede.

Na sua forma primitiva, a escravidão funcionava a margem da sociedade. Existiam alguns cativos
que não tinham conseguido pagar dívidas, que tinham sido condenados por crimes, acusados de
bruxaria, capturados por guerra [...]. Entretanto, a estrutura básica da sociedade era a unidade de
parentesco. Os escravos emergem quase como produtos incidentais da interação entre grupos
familiares. [...] Uma vez que os comerciantes organizaram a coleta de escravos, a troca foi
transformada. Da mesma forma que os escravos continuavam a se movimentar de um lado para
outro entre os grupos de parentesco, com pouca, se é que havia alguma, discrepância no equilíbrio
de seu fluxo, agora os cativos também eram dirigidos para o mercado de exportação. O efeito foi a
perda pela África desses escravos e a substituição de seres humanos por mercadorias importadas.

LOVEJOY, Paul. A escravidão na África: uma visão de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 84-85.

1. Explique a relação de escravização na África antes da chegada dos europeus.


Página 182

O comércio de pessoas
No contexto da expansão comercial europeia, os portugueses exploraram, ao longo do século XV, a
costa africana. O tráfico de escravos pouco a pouco se tornou uma atividade rentável. Com a
colonização da América, a demanda por cativos aumentou. A importância econômica do tráfico elevou-
se, e os lusitanos ganharam concorrentes: ingleses, holandeses, franceses e espanhóis.

O tráfico atlântico gerou mudanças na África, pois o aumento ou a diminuição da escravidão interna
estavam relacionados a uma maior ou menor demanda externa.

Na busca por cativos, os conflitos entre africanos aumentaram, as economias foram desarticuladas. Em
algumas regiões, as perdas demográficas – sobretudo de pessoas do sexo masculino – foram tão
grandes que não há como medi-las.

© DAE/Alessandro Passos da Costa

Fonte: ELTIS, David; RICHARDSON, David. Atlas of the transatlantic slave trade. New Univertiy Press, 2010. p. 18-19.

Organizando ideias
A eficácia e abrangência do tráfico não seria alcançada se não houvesse cumplicidade das
sociedades africanas. [...]

No entanto, vale repetir: foi provavelmente graças à existência da escravidão na África Atlântica
pré-colonial que os navios negreiros puderam ser rapidamente abastecidos. Os europeus não
inventaram a instituição, mas sim destinaram para outro fim – o comercial, cujas dimensões eram
então inéditas.

DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma introdução à história da África Atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004. p. 38 e 40.
1. De acordo com as informações do texto, explique o que significa a dimensão “comercial” da
escravidão inaugurada pelos portugueses.
Página 183

O colonialismo europeu
A necessidade de metais preciosos, cereais e especiarias impulsionou os portugueses a tentar alcançar
as Índias por via marítima. Para isso, era necessário contornar a costa africana. A tomada de Ceuta, em
1415, foi o marco inicial. O Cabo Bojador foi vencido em 1434; o Forte de São Jorge da Mina (entreposto
de ouro e escravos) foi construído em 1482; já o Cabo da Boa Esperança, na extremidade sul do
continente, foi alcançado em 1488 e, finalmente, Vasco da Gama conseguiu, em 1498, chegar às Índias.

No século XVI, a África Ocidental passou para a órbita do capitalismo europeu, que estava em franca
expansão. Por um lado, os africanos exportavam matérias-primas, mão de obra (escravos) e metais
preciosos; por outro, consumiam manufaturas europeias.

Até meados do século XIX, o controle político europeu no continente era mínimo, reduzindo-se a
pequenos enclaves com objetivos comerciais. Contudo, havia algumas exceções: os portugueses
ocuparam a costa de Angola e parte de Moçambique, os holandeses fundaram a colônia do Cabo em
1652 e os britânicos fundaram Freetown (Serra Leoa) para abrigar escravos libertos.

Print Collector/Diomedia

David Livingstone, missionário escocês e explorador da África, c. 1878. Ilustração.

No século XIX surgiram novos fatores de transformação na história do continente, que tinham como
base o desejo dos países europeus de levar seu comércio para a África e, assim, intervir na vida social e
econômica das populações locais.

As economias europeias mais desenvolvidas e industrializadas necessitavam de novos mercados


consumidores. Isso impulsionou a colonização, uma vez que as colônias representavam pontos
estratégicos nesse sentido.

Para que o comércio fosse instituído, os europeus precisaram conhecer melhor a população e os
recursos do interior do continente, acabar com o tráfico negreiro e estabelecer a exportação africana de
determinados produtos. Os missionários tinham papel importante nessa tarefa, uma vez que, por meio
da tentativa de imposição da maneira cristã de viver aos nativos, abriam espaço também para a
assimilação dos conceitos de consumo europeus e ajudavam na compreensão das atividades locais.
As novas relações comerciais estimularam as trocas de produtos que já havia no continente, mas não
criaram novas atividades econômicas. Representaram apenas o aumento do comércio instituído na
época do tráfico negreiro, configurando a permanência de sistemas políticos, da rede de rotas
comerciais, das relações sociais e econômicas e do sistema de produção agrícola preexistentes.

Assim, no início do século XIX, as tradições herdadas do século anterior tiveram muito mais importância
que as mudanças vindas da nova instalação europeia, que só passaram a exercer maior influência nos
períodos seguintes da relação Europa -África.

Glossário
Enclave: território cujas fronteiras geográficas estão totalmente localizadas dentro de outro território.
Página 184

Organizando ideias
Com base nas informações do texto e do quadro, responda às questões propostas.

O óleo de palma é uma gordura vegetal obtida a partir da polpa da fruta da palmeira de óleo
africana, conhecida no Brasil como dendezeiro, cujo nome científico é Elaeis guineensis. É nativa do
Oeste Africano, na região do Golfo da Guiné, sendo encontrada também originalmente na África
Central, Leste Africano e em algumas localidades da ilha de Madagascar. [...]

Com a emergência da Revolução Industrial Inglesa, se tem uma demanda de óleo de palma para
velas e para servir de lubrificante para o maquinário. Com isso se inicia a produção de óleo de
palma para a exportação, ainda incipiente, que tem registros na primeira metade do século XIX na
África subsaariana, no Reino de Daomé (hoje Benin) e no Delta do Níger (Nigéria) [...].

Depois de 1900, há um grande crescimento nas plantações e exportações de óleo de palma na


África Central – Congo – com a chegada dos irmãos Lever (transformada depois na multinacional
Unilever). Com a invenção do processo de hidrogenação em 1902, é aberto um mercado gigantesco
para os óleos vegetais, incluindo aí o óleo de palma.

Após a Segunda Guerra Mundial, ocorrem melhorias no refino e no transporte de óleo de palma,
que fazem com que seu uso se difunda no Ocidente sem precisar aplicar a tecnologia de
hidrogenação.

A partir desse período, tem-se a intensificação da plantação da palmácea no Sudeste Asiático, que
se adapta perfeitamente aos solos e ao clima da região, ganhando em produtividade em relação às
plantações africanas. O óleo de palma foi utilizado principalmente pela Malásia e Indonésia, como
símbolo de um processo de diversificação econômica, tentando fugir da dependência econômica da
produção e exportação da borracha.

ALBANO, Gleydson Pinheiro. Globalização da agricultura na Oceania: óleo de palma, a última fronteira. Revista GEOTemas, Pau
dos Ferros, Rio Grande do Norte, v. 2, n. 1, p. 49, jan./jun. 2012.

USOS DO ÓLEO DE PALMA


Alimentação Margarinas vegetais, pães, biscoitos, massas, tortas, sorvetes,
óleos para salada e de cozinha.
Medicina Antioxidantes, na prevenção de doenças do coração e do
câncer.
Produtos de limpeza Sabões, sabões em pó, sabonetes, xampus, detergentes,
emulsificantes.
Indústria Na obtenção de glicerina, ácidos graxos, ésteres e outras
substâncias.

1. O óleo de palma, extraído da planta que no Brasil é conhecida como dendezeiro, é utilizado em
vários produtos, como você pôde observar no quadro.

a) Qual é a relação entre o quadro e o texto?

b) Cite alguns produtos de seu uso diário que tenham, em sua composição, óleo de palma.

2. Observe o gráfico a seguir.


Paula Radi

Fonte: ALBANO, Gleydson Pinheiro. Globalização da agricultura na Oceania: óleo de palma, a última fronteira. Revista GEOTemas,
Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, v. 2, n. 1, p. 49, jan./jun. 2012.

a) O que o gráfico apresenta?

b) Em que ano, aproximadamente, houve o cruzamento das duas linhas? O que isso significa?

c) Qual é a relação entre o gráfico e o texto?


Página 185

O imperialismo e a partilha da África


De 1880 a 1914, os territórios da África foram divididos entre as principais potências europeias,
notadamente a Grã-Bretanha e a França.

A partilha do continente africano decorreu dos anseios por crescimento econômico dos países que
haviam se industrializado no século XIX. A busca por matérias-primas, mercados consumidores e locais
para a aplicação dos excedentes de capital de forma lucrativa impulsionou as conquistas. Além dos
fatores econômicos, destaca-se a importância do poder político e das questões ideológicas.

[...] a primeira coisa que o historiador tem de restabelecer é o fato óbvio que ninguém teria
negado, nos anos 1890, de que a divisão do globo tinha uma dimensão econômica. [...]

O desenvolvimento econômico não é uma espécie de ventríloquo, com o resto da história como
seu boneco. Neste sentido, mesmo o homem de negócios mais limitado, à procura do lucro em,
digamos, minas sul-africanas de ouro e diamantes, jamais pode ser tratado exclusivamente como
uma máquina de ganhar dinheiro. Ele não ficava imune aos apelos políticos, emocionais,
ideológicos, patrióticos ou mesmo raciais associados de modo tão patente à expansão imperial.
Entretanto, embora seja possível determinar uma conexão econômica entre as tendências do
desenvolvimento econômico no centro capitalista do mundo na época e sua expansão na periferia,
torna-se muito menos plausível imputar todo o peso da explicação do imperialismo a motivos que
não tenham uma conexão intrínseca com a penetração e a conquista do mundo não ocidental.

E mesmo os que parecem ter, como os cálculos estratégicos das potências rivais, devem ser
analisados tendo em mente a dimensão econômica.

HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios: 1875-1914. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. p. 95.

Também há outras questões que podem explicar a expansão imperialista, como a crescente influência
europeia na África.

Os defensores da teoria da dimensão africana:

Admitem que foram motivos de ordem essencialmente econômica que animaram os europeus e
que a resistência africana à invasão crescente da Europa precipitou a conquista militar efetiva.
Parece, de fato, que a teoria da dimensão africana oferece um quadro global e histórico que
explana melhor a partilha do que as teorias puramente eurocêntricas.

UZOIGWE, Godfrey N. A África sob dominação colonial, 1880-1935. In: BOAHEN, A. Adu (Coord.). História geral da África: África
sob dominação colonial, 1880-1935. 2. ed. Brasília: Unesco, 2010. v. VII. p. 31.

Diversas teorias foram utilizadas para justificar a ação imperialista na África, entre elas o darwinismo
social e o cristianismo evangélico – todas atreladas a um imaginário coletivo baseado na crença em uma
superioridade racial e cultural europeia. De acordo com o darwinismo social, os “superiores” (europeus)
dominariam naturalmente os “inferiores” (africanos). Além disso, muitos evangélicos acreditavam que a
conversão dos africanos ao cristianismo por meio do imperialismo seria um caminho de “salvação”.

Alguns fatores contribuíram para a dominação europeia na África, como a superioridade do armamento
e dos aparatos de comunicação utilizados pelos europeus, em especial no início do século XX; os
progressos da medicina europeia, como o uso doquinino no controle da malária; o acesso dos europeus
a informações sobre o território africano – graças às atividades de missionários e exploradores; e o
grande número de conflitos que envolvia diferentes povos nativos.

Glossário
Imputar: atribuir a algo ou alguém a responsabilidade por um ato ou acontecimento negativo.
Quinino: substância natural retirada da casca de uma planta medicinal, utilizada como complemento no
tratamento da malária.
Página 186

Em relação ao grande número de conflitos, aproveitando-se da situação os países europeus assinavam


tratados de “proteção” com determinados povos, que, por sua vez, eram trapaceados.

O rei Lobengula, dos ndebeles, por exemplo, assinou um contrato com o empresário britânico Cecil
Rhodes em troca de “proteção”. O problema é que o monarca não sabia ler nem falava inglês. No
contrato, nada havia sobre “proteção”. Apesar dos protestos de Lobengula, Rhodes, com o apoio do
governo da Grã-Bretanha, abriu caminho para a exploração do território ndebele (hoje Zimbábue), de
onde muito ouro foi retirado.

O crescente avanço francês, no início da década de 1880, exacerbou as rivalidades pelas disputas de
colônias, aumentando o risco de guerra entre as potências imperialistas europeias.

Com o intuito de organizar “a corrida por territórios na África” e abrandar os ânimos, o chanceler
alemão Otto von Bismarck e o primeiro-ministro francês, Jules Ferry, convocaram uma conferência
internacional das grandes potências, realizada em Berlim. A Ata Geral da Conferência (28 de fevereiro
de 1885), em linhas gerais, estabeleceu: o reconhecimento do “Estado Livre do Congo”, atendendo aos
interesses econômicos do rei Leopoldo II, da Bélgica, escolhido para ser presidente da Associação
Internacional Africana, com sede em Bruxelas; o direito de livre navegação e livre-comércio nas bacias
do Níger e do Congo; a proteção e instrução dos nativos para “a compreensão e apreciação das
vantagens da civilização”; e a aceitação da necessidade de acabar com a escravidão e o comércio de
escravos na África.

A decisão que teve maiores consequências foi o estabelecimento da norma de que um país europeu
tinha de ocupar efetivamente um território para reivindicá-lo. Instalou-se uma corrida desenfreada
entre as potências imperialistas para dominarem novos territórios.

A demarcação das fronteiras prosseguiu até após a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918). Houve ainda
outros tratados entre os países europeus para efetivar acertos dessa partilha. Com essas ações o
território da África foi quase totalmente dividido.

Organizando ideias
Observe a charge, leia a citação e faça o que se pede.
Photos.com

Gravura de Cecil Rhodes publicada na revista Punch em 10 de dezembro de 1892.

O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido, conquistado,
colonizado. Pense nas estrelas que vemos à noite, esses vastos mundos que jamais poderemos
atingir. Eu anexaria os planetas se pudesse; penso sempre nisso.

RHODES, Cecil apud HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 204.

1. Relacione a imagem à citação. Qual era a pretensão de Rhodes com relação à África?

2. Explique se essa pretensão foi alcançada.

3. Considerando o contexto imperialista, explique a frase “Eu anexaria os planetas se pudesse”.


Página 187

A disputa por territórios


O Norte da África esteve ligado ao Ocidente desde a Antiguidade, tanto que uma ampla região fizera
parte do Império Romano.

Após ter ficado sob o domínio bizantino e árabe, a África setentrional passou para o domínio do Império
Otomano.

A decadência turca levou ingleses e franceses a disputar a região. Napoleão Bonaparte invadiu o Egito
em 1798, mas os britânicos logo voltaram a exercer influência sobre o governo egípcio.

No começo do século XIX, alguns países europeus procuraram exercer influência comercial e política na
costa norte da África. Os espanhóis mantinham enclaves na região; os franceses e, depois, os italianos
tinham ambições pelas áreas mediterrânicas do continente.

Em 1830, os franceses anexaram a Argélia e, paulatinamente, foram ocupando grande parte da África
Ocidental. Foram seguidos pelos ingleses, que passaram de um domínio indireto ao domínio direto
sobre o Egito e, depois, sobre o Sudão.

Na África Ocidental, os ingleses estenderam sua influência na região do Rio Níger. Os franceses se
estabeleceram na Costa do Marfim, no Senegal e adjacências. Em 1884, os alemães se fixaram no Togo e
criaram o Protetorado de Camarões. Os portugueses ocuparam a região da Guiné (atual Guiné -Bissau).

No centro-oeste africano, os espanhóis ocuparam a Guiné Equatorial, enquanto os portugueses se


fixaram em São Tomé e Príncipe, além de Angola. A França vinculou, pouco a pouco, o território do
Congo (hoje República Popular do Congo) a seus domínios.
© DAE/Studio Caparroz

Fonte: DUBY, Georges (Dir.). Atlas histórico mundial. 3. ed. Barcelona: Larousse Editorial, 2011. p. 246.

Glossário
Enclave: no texto, território ou região situada em território alheio.
Página 188

No nordeste da África, os italianos ocuparam a Eritreia em 1885 e, após grandes dificuldades, a Etiópia
em 1936. A Somália foi ocupada pelos ingleses e pelos italianos. Os franceses também ocuparam uma
área na entrada meridional do Mar Vermelho, a que chamaram Somalilândia, hoje Djibuti.

Os ingleses dominaram grande parte das regiões leste e sudeste da África, já os alemães dominaram a
África Oriental Alemã, e os portugueses preservaram Moçambique. No Oceano Índico, os franceses
dominaram Madagascar, Ilhas Maurício, Reunião e Ilhas Comores, enquanto os britânicos ocuparam as
Ilhas Seychelles.

O Estado Livre do Congo


Na década de 1870, o rei da Bélgica, Leopoldo II, tinha a ambição de possuir uma colônia privada. Seu
interesse pela região centro-oeste da África deveu-se aos escritos de Henry Morton Stanley, enviado à
África pelo jornal New York Herald com o objetivo de encontrar o missionário David Livingstone, que
estava perdido. Os dois se encontraram perto do Lago Tanganica. O monarca belga foi ainda
influenciado pelo relato de Verney Lovett Cameron, que, a serviço da Sociedade Real Geográfica
Britânica, também fora em busca de Livingstone. Em ambos os escritos, salientavam-se as riquezas da
região e as amplas possibilidades de empreendimentos lucrativos.

Em 1876, o monarca organizou a Conferência Geográfica de Bruxelas. Nesse evento, incitou as nações
participantes a promover a integração do continente africano por meio da abertura de estradas,
incentivando a paz entre os chefes tribais.

Nos anos seguintes, Leopoldo II, por meio de seus prepostos, assinou diversos acordos com chefes locais
e, usando a força, criou em 1885 o “Estado Livre do Congo”, uma colônia do rei belga (não do Estado
belga), cujo administrador foi Henry Morton Stanley.

Primeiro, o marfim e, depois, a borracha possibilitaram um retorno lucrativo dos investimentos do rei no
Congo. Entretanto, para alcançar esse retorno, o monarca utilizou-se de meios violentos para conseguir
a cooperação dos habitantes da floresta.

Para explorar a borracha, os belgas escravizaram a população local. Os africanos eram convocados sob a
mira de armas, trabalhavam em turnos de até 18 horas e tinham a mão direita cortada caso não
atingissem a cota estabelecida. Consequentemente, suas lavouras ficaram abandonadas e, sem
alimentos, logo teve início a fome.
Images of Empire/Getty Images

Retrato de duas crianças mutiladas, vítimas do regime do rei Leopoldo II. Estado Livre do Congo, c. 1905. A prática de mutilação
das mãos dos africanos pelos belgas percorreu o mundo por meio de fotografias publicadas nos jornais denunciando a crueldade
aplicada pela administração belga no Congo.

No começo do século XX, a situação agravou-se com a intensificação da exploração dos nativos em
busca de lucros cada vez maiores. Por outro lado, com a crescente divulgação internacional da
exploração belga, foram fundadas associações humanitárias que pregavam o fim da colonização belga e
surgiram campanhas na imprensa que alcançaram uma dimensão até então inédita.

Com a constante pressão externa, em 1908 chegou ao fim o Estado Livre do Congo, após a entrega dos
direitos da colônia ao Estado belga. A partir de então teve início o chamado Congo Belga, com uma
administração também rígida, mas menos brutal que a exercida pelo rei Leopoldo II.

Glossário
Infenso: adverso, contrário.
Página 189

Abrir para a civilização a única parte do globo ainda infensa a ela, penetrar na escuridão que paira
sobre povos inteiros é, eu diria, uma cruzada digna deste século de progresso... Será que preciso
dizer que, ao trazer os senhores a Bruxelas, não fui guiado por nenhum sentimento egoísta? Não,
cavalheiros, a Bélgica pode ser um país pequeno, mas está feliz e satisfeita com seus rumos; e eu
não tenho outra ambição que não seja a de servi-la bem.

[...] Nossas tarefas consistem na localização de rotas a serem abertas com sucesso pelo interior do
continente e a instalação de postos hospitaleiros, científicos e pacificadores, como forma de abolir
o tráfico de escravos, estabelecer a paz entre os chefes tribais e fornecer-lhes arbitragem justa e
imparcial.

Leopoldo II apud HOCHSCHILD, Adam. O fantasma do rei Leopoldo: uma história de cobiça, terror e heroísmo na África Colonial.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 54-55.

Organizando ideias
Em 1894, um missionário sueco registrou uma canção congolesa que retratava a insatisfação em
relação ao colonialismo europeu. Leia um trecho do poema e faça o que se pede.

Estamos cansados de viver sob esta tirania.


Não aguentamos mais ver nossas mulheres e filhos
roubados e maltratados pelos selvagens brancos.
Nós vamos guerrear [...]
Sabemos que vamos morrer, mas queremos morrer.
Queremos morrer.
HOCHSCHILD, Adam. O fantasma do rei Leopoldo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 184.

1. De acordo com o poema, os congoleses aceitaram pacificamente a dominação estrangeira ou


pensavam em reagir? Explique.

2. Escreva um texto explicando por que os congoleses queriam morrer ou não se importavam em
morrer na guerra.

A Guerra dos Bôeres


Em 1806, a Colônia do Cabo, até então sob o controle da Holanda, passou a ser dominada pela
Inglaterra, gerando rivalidades com os bôeres, descendentes de colonos holandeses. A região era
habitada também por europeus miscigenados com escravos procedentes da Malásia, da África Oriental
e Ocidental, conhecidos como “vermelhos”, os quais, ao se deslocar para o leste, entraram em choque
com os khoisans e os xhosas, grupos étnicos que habitavam a região.

Em 1820, colonos britânicos se estabeleceram na região. Anos depois, os bôeres – motivados por fatores
como a abolição da escravidão, efetuada pelas autoridades inglesas, à qual eram contrários; os
ressentimentos com os novos colonizadores e a deterioração econômica – penetraram no interior da
África do Sul e fundaram o Estado Livre de Orange e do Transvaal. Para impedir que os bôeres
reivindicassem a costa, os britânicos anexaram Natal.
Com a expansão dos europeus e dos bôeres, reduziram-se os territórios ocupados pelos africanos, que
passaram a competir entre si. Os zulus, que tinham formado um poderoso Estado expansionista,
provocaram uma redistribuição de povos na África meridional. Para se defender dos zulus, os povos dos
Estados Swazi, Sotho e Tsuana fizeram alianças com os colonizadores europeus e com os bôeres.

Com a descoberta de diamantes em Orange e ouro no Transvaal – província da África do Sul entre 1910
e 1994 –, aguçou-se a cobiça pela região. A Primeira Guerra dos Bôeres, entre britânicos e descendentes
de holandeses, ocorreu entre 1877 e 1880, terminando com a derrota inglesa. No final do século, os
britânicos voltaram a atacar, naquela que ficou conhecida como a Segunda Guerra dos Bôeres (1899-
1902), e venceram.

Nessa guerra, os ingleses fizeram uso de campos de concentração. Homens, mulheres, crianças e idosos
que haviam auxiliado as tropas bôeres foram levados para redutos insalubres; antes disso, suas fazendas
foram destruídas e seus bens confiscados. A falta de saneamento, a água escassa e poluída, a comida de
má qualidade e os poucos cuidados médicos fizeram
Página 190

perecer mais de 20 mil pessoas (os campos abrigavam 120 mil) em consequência da subnutrição e de
moléstias diversas.

Durante a guerra, os britânicos queimaram fazendas, destruíram plantações e mataram animais. Ao final
do conflito, muitos dos fazendeiros bôeres estavam na miséria e tiveram de trabalhar nas minas ou
fábricas. Apesar do declínio econômico, como eram brancos, eles viviam separados dos negros e
obtinham melhores empregos e salários.

Com o fim da Guerra dos Bôeres, o presidente da província do Transvaal foi deposto e, nos termos do
tratado de paz assinado, as repúblicas bôeres retornaram à condição de colônias britânicas. O rei da
Inglaterra, Eduardo VII, foi reconhecido como soberano legítimo desse povo, o que marcou o início da
unificação política da África do Sul.

Universal History Archive/Getty Images

Soldados ingleses renderam-se aos bôeres em Doornbosch, Transvaal. Ilustração publicada no periódico Le Petit Journal, em 8
dez. 1901.

Organizando ideias
Analise os textos e responda às questões no caderno.

Texto 1

A ideologia do imperialismo na voz de um francês

Afirmo que esta política colonial é um sistema concebido, definido e limitado do seguinte modo:
repousa sobre uma tríplice base: econômica, humanitária e política.
No tempo em que vivemos e na crise que atravessam todas as indústrias europeias, a fundação de
uma colônia é a criação de uma válvula de escape.

É preciso dizer abertamente que as raças superiores têm direitos sobre as raças inferiores, porque
têm um dever para com elas – o dever de civilizá-las.

Discurso do francês Jutes Ferry, em 28 de julho de 1885. In: BRUNSCHWIG, Henri. Mythes et réalités de l’impérialisme colonial
français. Paris: Armand Colin, 1960. p. 73. (Tradução nossa).

Texto 2

A realidade do imperialismo na voz dos africanos

Nós tentávamos, indo sempre mais longe, dentro da floresta, e quando não conseguíamos nada, ou
a borracha era pouca, os soldados vinham ao povoa do e nos matavam. Muitos eram fuzilados,
outros ficavam sem orelhas; outros eram levados amarrados pelo pescoço. Às vezes, os brancos do
posto não sabiam das coisas que os soldados faziam conosco, mas eram eles que enviavam os
soldados para nos punir por não trazermos bastante borracha.

Os diários negros. In: ROBERTS, J. M. (Org.). História do século XX. São Paulo: Abril, 1968. v. 1. p. 314.

1. Qual é a ideologia presente no texto 1?

2. Analisando o texto 1 no contexto em que foi escrito, as afirmações nele contidas são
justificáveis? Explique.

3. Como o imperialismo é descrito pelos africanos no texto 2?

4. As duas versões do mesmo fato são diferentes? Justifique.


Página 191

Movimentos de resistência
Os africanos não aceitaram resignados a dominação europeia. Eles resistiram de diversas formas, da luta
armada à resistência cotidiana.

No território argelino, por exemplo, os nativos, sob o comando de Abd-al -Eladir, resistiram às invasões
francesas de 1834 a 1847, quando foram vencidos por um exército de cerca de 100 mil homens.

Já a resistência cotidiana caracterizava-se por algumas formas efetivas de enfrentamento, como


simulações de doenças, sabotagens de equipamentos, fugas, pilhagens de armazéns e diminuição no
ritmo de trabalho.

Entre os séculos XIX e XX, muitas ações de resistência tiveram destaque, caracterizadas por um forte
sentimento religioso, por motivações econômicas ou ainda por divergências culturais:

• a Rebelião Ashanti (onde hoje é Gana), contra os britânicos (1890 a 1900), ocorreu após a deposição
de chefes tradicionais considerados sagrados. Os chefes escolhidos pelos britânicos não foram
reconhecidos pelos habitantes locais, que se rebelaram contra os ingleses;

• a Rebelião de Mamadou Lamine (1898-1901), no alto Senegal, ocorreu devido à crença de que os
muçulmanos não deveriam se sujeitar a não muçulmanos. Portanto, deveriam se rebelar contra os
trabalhos forçados a que eram submetidos.

• a Revolução dos Maji Majis (1905-1907), na África Oriental Alemã (hoje Tanzânia), foi o levante mais
grave e extenso (atingiu quase 26 mil quilômetros quadrados) contra o colonialismo até 1914. O conflito
ocorreu porque os nativos, que viam sua economia de subsistência ameaçada, não aceitaram a
crueldade, injustiça e submissão a trabalhos forçados imposta pelos alemães;

• a Revolta de “Maluma” (1909) na Niassalândia, liderada por Maluma, sacerdote de Tonga,


reconhecido como guardião espiritual, pretendia expulsar os colonizadores das terras africanas em
nome da liberdade dos nativos;

• a revolta do imposto da palhota (habitação), em Serra Leoa (1898), teve como estopim o conjunto de
medidas repressivas impostas pelos britânicos na região, como a perda de terras, o trabalho
compulsório e, sobretudo, a cobrança de um imposto anual sobre as palhotas;

• a Revolta dos Akambas, no Quênia (1911), deu-se inicialmente por razões econômicas, mas
transformou-se numa revolta anticolonial na medida em que incorporou questões mais amplas, como a
falta de liberdade e a imposição de padrões culturais europeus;
Museu de Londres, Londres

Derrota do povo ashanti perante as forças britânicas em 11 jul. 1824. Litografia colorida de J. Ronis, publicada em 1825.
Página 192

• a Revolta do Bailundo, em Angola (1902- 1904), reuniu “reinos” umbundos e ovambos na luta contra a
imposição de padrões e valores culturais. Teve êxito inicial ao expulsar comerciantes e colonos
portugueses.

Além das revoltas, havia muitas formas de resistência cotidiana. Simulação de doença, sabotagem de
equipamentos, fugas, pilhagem de armazéns e diminuição do ritmo de trabalho, entre outras, eram
parte da estratégia dos africanos.

Todas essas rebeliões foram reprimidas violentamente. Um exemplo significativo foi o modo com que os
alemães, que dominavam o chamado Sudoeste africano (hoje Namíbia), trataram o povo herero, que,
em 1904, insurgiu-se porque suas terras e seu gado haviam sido confiscadas, atacando fazendas e
matando aproximadamente uma centena de alemães.

Os massacres contra o povo herero não tardaram, sendo cerca de 80 mil africanos
(aproximadamente 80% da população) dizimados, enquanto por volta de 14 mil foram confinados
em campos de concentração. Vale a pena observar que nesse movimento salta aos olhos a estreita
relação entre violência inerente às próprias relações econômicas e o rico espectro sociocultural
garantidor da cooptação e organização combativa dos hereros. Não causa por isso estranheza que
a administração alemã tenha proibido a reconstituição de instituições etnoculturais e a prática de
cerimônias tradicionais. Além disso, os hereros tiveram que se converter em massa ao cristianismo.

HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à História Contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. p. 122.

Nesse contexto, o banditismo social, representado por parte das populações africanas que organizavam-
se em grupos com o objetivo de resistir ao domínio europeu, tornava-se uma alternativa para as massas
rurais. Mapondera – considerado bandido por portugueses e ingleses – atuou, nas regiões onde hoje é
Moçambique e Zimbábue, de 1892 a 1903. Para as populações camponesas tornou-se um mito, pois
protegia os trabalhadores dos recrutadores de mão de obra, dos coletores de impostos, dos agentes das
companhias e das autoridades coloniais.

Organizando ideias
Leia atentamente o texto a seguir e responda às questões propostas.

Se é certo que a resistência à conquista colonial foi importante, a que se seguiu e se opôs ao
sistema implantado não foi menos notável, por seu caráter perpétuo, ininterrupto, a cessar aqui
para ressurgir acolá, sempre a renascer, deixando zonas inteiras quase indomáveis e o colonizador
numa perpétua incerteza [...]. É igualmente notável o engenho de que os africanos deram mostras
para contestar esse sistema, desde a recusa individual até aos motins regionais, desde a reação
imediata a um dos efeitos da colonização até à vontade profunda de mudar as coisas. A resistência
era passiva ou ativa, local ou alargada, eclodia em meio rural ou urbano, assumia formas antigas ou
modernas, e colocava-se no terreno econômico, social, político sem excluir o religioso. Implicava
ora as populações, ora as elites tradicionais, ora ainda as elites modernas, desencadeava alianças
entre essas diferentes camadas sociais, fazia nascer ou renascer consciências de classe ou de
pertença étnica – tudo isso com conteúdos ideológicos mais ou menos claros, objetivos mais ou
menos elevados. A diversidade dessas resistências é tão desconcertante, que o estudo global passa
necessariamente por uma abordagem tipológica; porém, toda e qualquer descrição setorial é
forçosamente exclusiva. [...]
M'BOKOLO, Elikia. África negra: história e civilizações. Salvador: Edufba; São Paulo: Casa das Áfricas, 2011. p. 524.

1. É correto afirmar que os povos africanos não aceitaram passivamente a colonização? Explique.

2. As formas de resistência sempre foram iguais? Justifique sua resposta.


Página 193

Resgate cultural

Identidades nacionais e regionais africanas em


construção
Os anos 1970 correspondem a minha adolescência e minha vida de jovem. Nessa época, minha
consciência política e meu sentimento de identidade cultural se formavam com dificuldade e, como
muitos que se tornavam adultos naquele período, a música de Fela Kuti teve um papel decisivo. [...]
O aparecimento da televisão e das rádios FM, assim como o acesso crescente aos transportes
aéreos, tinha reforçado a influência da cultura ocidental em Gana e na Nigéria. [...] Fela e seu
Afrobeat nos enraizou firmemente no orgulho de nossas identidades africanas.

MAHAMA, John Dramani. Qu’aurait pensé Fela de l’Áfrique d’aujourd’hui? SlateAfrique, 2 ago. 2012. Disponível em:
<www.slateafrique.com/2631/nigeria-fela-kuti-musique-democratie-goodluck-jonathan >. Acesso em: mar. 2016. (Tradução
nossa).

O depoimento do presidente de Gana traz elementos interessantes sobre a construção de


identidades nacionais na África: elas convivem entre si e, inclusive, com a identidade africana.
Grande parte dos países do continente compõe-se de populações culturalmente bastante diversas
– algumas são frequentemente denominadas multiculturais. No entanto, o movimento musical
Afrobeat, liderado pelo músico nigeriano Fela Kuti (1938-1997), é apontado por John Mahama
como um elemento que contribuiu para a formação de uma identidade africana.

Em diversos países que se formaram após longa luta pela independência, foram proibidos alguns
elementos culturais tradicionais, expressões dos vários povos que ocupavam o território. Os
chamados primeiros regimes nacionalistas africanos, que estavam muito associados à luta pela
independência, buscaram, de várias maneiras, levar a cabo a formação de identidades nacionais de
forma autoritária, controlando e censurando a produção artístico-cultural.

Jacob Crawfurd/Demotix/Corbis/Latinstock

O cantor Fela Kuti em apresentação no Reino Unido, 1989.


Xu Lingui/Xinhua Press/Corbis/Latinstock

Apresentação de dança da máscara em Harare, Zimbábue, 2013.

Werner Forman Archive/Heritage Image/Grupo Keystone

Estatueta fang talhada em madeira entre os séculos XIX e XX. A obra está em exposição na Galeria de Entwistle, Londres,
Inglaterra.

Arte e cultura tiveram um papel essencial na resistência à colonização africana, ganhando ainda
mais relevância com a independência. As formas pelas quais governo e grupos sociais lidaram com
os movimentos artísticos e as expressões culturais tradicionais possibilitam depreender o enorme
valor que eles tiveram na consolidação dos Estados Nacionais africanos.

1. Faça uma pesquisa sobre o movimento Afrobeat e a censura às culturas tradicionais e responda:
Por que foram vistos como um desafio à construção de identidades nacionais na África?
Página 194

Debate interdisciplinar
Extração de diamantes na África
Apesar do atual discurso de "liberdade ao povo africano" defendido por muitos países ocidentais,
algumas situações que envolvem os países da África e os aspectos da economia ocidental levam a crer
que o domínio do ocidente sobre o antigo continente perdura até os dias de hoje.

Um grande exemplo desse domínio é o processo de extração de diamantes que ocorre em diversos
países, mas de forma mais exploratória em Serra Leoa, onde milhares de pessoas são submetidas a
precárias e insalubres condições de trabalho a fim de abastecer o mercado de joalherias dos países
desenvolvidos.

Em Serra Leoa, a produção de diamantes representa uma grande fonte de renda, entretanto, durante
muito tempo, ela foi financiada e esteve sob o controle de grupos armados, que coordenavam o
trabalho nas minas com o intuito de contrabandear as pedras encontradas para diversas partes do
globo, sem repasse dos lucros à população ou pagamento de impostos.

Entre os grupos armados de maior influência no contrabando de diamantes estava a Frente


Revolucionária Unida (FRU), que, sob o comando de ex-integrantes do exército local, controlava grande
parte do contrabando dos diamantes, extraídos da maneira mais exploratória, mantida por meio de
violência, mutilação, sequestro e estupro. Pessoas que, por falta de opções de trabalho, submetiam-se
às condições sub-humanas da extração de diamantes das minas em troca da mais baixa remuneração. A
FRU ficou conhecida pela utilização, em suas milícias, de crianças que eram obrigadas a cometer
diversas atrocidades, como o assassinato dos próprios pais. Atualmente, a FRU é um partido político
sem expressividade no Parlamento e com pouca influência na sociedade de Serra Leoa.

Fabian von Poser/imageBROKER/Grupo Keystone


Pessoas trabalhando em mina de diamantes em Serra Leoa, 2013.
Página 195

Anistia Internacional

Reprodução de panfleto da Anistia Internacional. Na imagem lê-se: "Qual é o preço desses diamantes? Não ao comércio de armas
e matéria-prima com países que violam os direitos humanos".

Esse sistema exploratório já existia, mas se intensificou com o fim da Guerra Fria, como resultado de
campanhas para o financiamento de exércitos e guerrilhas locais na África Ocidental, que buscavam
controlar áreas específicas da região por meio da imposição e de conflitos armados.

O tráfico de diamantes na África pode ser comparado ao narcotráfico nas Américas, chegando –
segundo pesquisas britânicas – a responder por aproximadamente 15% do comércio mundial de
diamantes.

Atualmente, os governos de países africanos, em especial de Serra Leoa, vêm tentando demonstrar
maior transparência nas exportações de pedras preciosas, influenciados por iniciativas dos países
compradores, que passaram a investir mais no material extraído e comercializado pelas vias legais,
apesar do pagamento de altos impostos.

Mesmo com essa iniciativa, boa parte da população ainda se encontra sob o domínio dos controladores
do contrabando, trabalhando em condições degradantes e vivendo em condições piores ainda,
enquanto grupos armados permanecem lucrando com o comércio ilegal de diamantes.

Atividade
1. Assim como alguns países da África, o Brasil também é um exportador de diamantes, e a
extração deles é bastante controversa. Com base nessas informações, pesquise essa prática em
terras brasileiras, suas vantagens e desvantagens, e escreva um texto informativo para apresentar
em sala de aula.
Página 196

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (Fuvest-SP) O tráfico de escravos africanos para o Brasil:

a) teve início no final do século XVII, quando as primeiras jazidas de ouro foram descobertas nas
Minas Gerais.

b) foi pouco expressivo no século XVII, ao contrário do que ocorreu nos séculos XVI e XVIII, e foi
extinto, de vez, no início do século XIX.

c) teve início na metade do século XVI, e foi praticado, de forma regular, até a metade do século
XIX.

d) foi extinto, quando da Independência do Brasil, a despeito da pressão contrária das regiões
auríferas.

e) dependeu, desde o seu início, diretamente do bom sucesso das capitanias hereditárias, e, por
isso, esteve concentrado nas capitanias de Pernambuco e de São Vicente, até o século XVIII.

2. (Enem) Torna-se claro que quem descobriu a África no Brasil, muito antes dos europeus, foram
os próprios africanos trazidos como escravos. E esta descoberta não se restringia apenas ao reino
linguístico, estendia-se também a outras áreas culturais, inclusive à da religião.

Há razões para pensar que os africanos, quando misturados e transportados ao Brasil, não
demoraram em perceber a existência entre si de elos culturais mais profundos.

SLENES, R. Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do Brasil. Revista USP, n. 12, dez./jan./fev. 1991-92 (adaptado).

Com base no texto, ao favorecer o contato de indivíduos de diferentes partes da África, a


experiência da escravidão no Brasil tornou possível a

a) formação de uma identidade cultural afro-brasileira.

b) superação de aspectos culturais africanos por antigas tradições europeias.

c) reprodução de conflitos entre grupos étnicos africanos.

d) manutenção das características culturais específicas de cada etnia.

e) resistência à incorporação de elementos culturais indígenas.

3. (Furg-RS) “Dividir para reinar” era o lema das potências imperialistas europeias na conquista do
território africano. Essa ação produziu nefastas consequências ao povo africano, sendo correto
afirmar que:
a) até o século XIX, apenas a França envolveu-se com o tráfico de escravos para a América, que só
foi extinto pela ação direta dos ingleses através do famoso conflito do Bôeres.

b) os únicos países africanos que não foram colônias da Europa foram o Egito e a Etiópia.

c) a Conferência de Bandung foi a primeira a falar e a afirmar que o imperialismo e o racismo são
crimes, propondo a criação do Tribunal da Descolonização.

d) a presença de países como a Alemanha, Itália e Holanda no continente africano subsistiu até o
final da I Guerra Mundial, quando se iniciou o processo de independência da maioria dos países
africanos sob domínio europeu.

e) os movimentos de independência só se iniciaram em solo africano depois que suas riquezas


naturais haviam se esgotado e as ideias de extremo nacionalismo haviam se expandido pela África.

4. (Enem) A identidade negra não surge da tomada de consciência de uma diferença de


pigmentação ou de uma diferença biológica entre populações negras e brancas e (ou) negras e
amarelas. Ela resulta de um longo processo histórico que começa com o descobrimento, no século
XV, do continente africano e de seus habitantes pelos portugueses, descobrimento esse que abriu
o caminho às relações mercantilistas com a África, ao tráfico negreiro, à escravidão e, enfim, à
colonização do continente africano e de seus povos.

K. Munanga. “Algumas considerações sobre a diversidade e a identidade negra no Brasil”. In: Diversidade na educação: reflexões
e experiências. Brasília: SEMTEC/MEC, 2003. p. 37.
Página 197

Responda no caderno

Com relação ao assunto tratado no texto anterior, é correto afirmar que:

a) a colonização da África pelos europeus foi simultânea ao descobrimento desse continente.

b) a existência de lucrativo comércio na África levou os portugueses a desenvolverem esse


continente.

c) o surgimento do tráfico negreiro foi posterior ao início da escravidão no Brasil.

d) a exploração da África decorreu do movimento de expansão europeia do início da Idade


Moderna.

e) a colonização da África antecedeu as relações comerciais entre esse continente e a Europa.

4. (UPE) A extração de diamantes e de ouro na região do Orange provocou lutas entre os ingleses,
comandados pelo governador Cecil Rhodes, e os africanos de origem holandesa que habitavam a
região. Esses confrontos ficaram conhecidos como:

a) Guerra do Opium.

b) Guerra dos Boxers.

c) Revolta dos Cipaios.

d) Guerra dos Bôeres.

e) Revolta dos Malês.

Para você ler


• A África explicada aos meus filhos, de Alberto da Costa e Silva. Rio de Janeiro: Agir, 2008. De maneira
simples e ao mesmo tempo fascinante, esse livro explora os contrastes do continente africano: de um
lado, sua exuberância, suas riquezas e sua cultura; de outro, a miséria, a exploração e a tirania a que foi
submetido. Além disso, o autor explica como a trajetória do povo brasileiro está intimamente ligada à
história do continente africano.

• A África na sala de aula: visita à história, de Leila Leite Hernandez. São Paulo: Editora
Contemporânea, 2008. O livro mostra que não há uma única África, ou seja, um continente cujos países
têm a mesma identidade, como muitos imaginam. A proposta é olhar para a África e reconhecê-la como
um entrelaçamento de diversas culturas e processos históricos, de identidades complexas e, muitas
vezes, contraditórias.

Para você assistir


• Invictus, direção de Clint Eastwood. EUA, 2009, 134 min. O filme retrata Nelson Mandela
imediatamente após a extinção do apartheid na África do Sul, na condição de presidente. Recém-eleito,
Mandela sabe que seu país permanece dividido racial e economicamente mesmo após o fim do
apartheid. Acreditando na possibilidade de unificar a população por meio do esporte, Mandela apoia o
desacreditado time da África do Sul na Copa Mundial de Rúgbi de 1995, que faz uma incrível campanha
até as finais.

• Quase deuses, direção de Joseph Sargent. EUA, 2004, 110 min. O filme conta a história real de um
afro-americano que sonhava em ser médico e, após conseguir emprego numa clínica como faxineiro,
começa a estudar para alcançar seu objetivo. Em seu trajeto profissional, o protagonista precisou
enfrentar muitas situações discriminatórias e racistas. Sua competência e dedicação foram reconhecidas
muito tardiamente por meio do prêmio de Doutor Honoris Causa.

Para você navegar


• Museu Afro Brasil. Disponível em: <www.museuafrobrasil.org.br>. Acesso em: mar. 2016. O Museu
Afro Brasil é um espaço de preservação e celebração da cultura, memória e história do Brasil na
perspectiva negro-africana. O site dá acesso à programação do museu, a sua organização e a galerias de
imagens das exposições.
Página 198

7As emancipações nacionais na


Ásia e na África
Neste capítulo
Os processos de emancipação nacionais
Emancipação da Ásia
Emancipação da África

Afolabi Sotunde/Reuters/Latinstock

Estudantes participam de um espetáculo de dança cultural durante as celebrações para comemorar o 55º Dia da Independência da
Nigéria. Abuja, Nigéria, 2015.

O processo de colonização da Ásia e da África pelas potências europeias foi pautado por
muita violência e opressão. Contudo, o contexto da Segunda Guerra Mundial enfraqueceu
o poderio econômico e bélico das metrópoles, o que tornou a dominação menos intensa e
proporcionou concessões a algumas colônias.

Nesse cenário houve a proliferação de ideais nacionalistas e libertários nas colônias, além
da consolidação de propostas políticas renovadas. Tudo isso se deu no contexto da Guerra
Fria, na qual as duas superpotências – Estados Unidos e União Soviética – buscavam
aliados para ampliar suas influências.
Página 199

Na busca pelo domínio do espaço geopolítico, o continente africano tinha grande


importância. Esse conjunto de fatores possibilitou uma série de emancipações nacionais
durante a segunda metade do século XX.

Neste capítulo estudaremos os processos de emancipação na Ásia e na África com ênfase


no surgimento dos grupos de resistência e na relevância deles como aglutinadores de
diferentes etnias e religiões em prol de um objetivo comum – a liberdade.
Página 200

Os processos de emancipação nacionais


Muitos estudos generalizaram os processos de emancipação na África e na Ásia. Entretanto, há
consideráveis diferenças entres eles, como a forma e o motivo de cada um ou o tempo em que
ocorreram. A emancipação do Benin (antigo Daomé), por exemplo, ocorreu depois de uma forte
resistência popular por meio de greves, manifestações, publicação de jornais e formação de uma Liga
dos Direitos Humanos e de um Comitê Franco -Muçulmano, além de longas negociações. Já a
emancipação política da Argélia foi conquistada após vários anos de guerra entre nativos e franceses.
Com o uso de táticas de guerrilha e ações violentas, os argelinos obrigaram os franceses a reconhecer o
direito dos nativos à soberania.

O período marcado pelo fim dos impérios teve muitos desdobramentos e questionamentos a respeito
da permanência das relações de poder instituídas séculos antes pelos países europeus. Isso gerou
diversos conflitos não apenas entre as nações envolvidas no processo mas também internos, tanto das
colonizadoras quanto colonizadas, o que ocasionou o surgimento de mudanças constantes nas relações
entre esses grupos.

Universal History Archive/Getty Images

Britânicos e zulus durante a Guerra Anglo-Zulu (1879). Ilustração publicada em 1900.

Desse processo de mudanças faz parte também a alteração dos conceitos de colonização e
descolonização.

[...] Para os povos que foram colonizados há muito tempo, essas palavras chocam.

Em vez de “colonização”, eles escolhem falar de “colonialismo”, o que é um julgamento negativo


da presença europeia nas colônias.

Em vez de “descolonização”, termo que pressupõe que a saída dos colonizadores se deve às
metrópoles, eles preferem a expressão “luta pela emancipação nacional”, que os transforma em
agentes de sua própria história.

FERRO, Marc. O século XX explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 71-72.

Decadência dos impérios


O período posterior às duas guerras mundiais caracterizou-se pela reorganização das estruturas políticas
e econômicas em todo o planeta. Surgiram países e formas de governo que buscavam cada vez mais a
autonomia dos territórios e das populações até então governados pelas potências europeias de acordo
com suas necessidades.

O fim da Primeira Guerra Mundial enfraqueceu o Império Britânico e provocou o desmantelamento do


Império Otomano, que até então tinham grande representatividade no domínio das colônias e,
consequentemente, das transações econômicas entre os países.

Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha, outra potência imperialista da época, ficou econômica e
fisicamente destruída, portanto com seu potencial imperialista enfraquecido. Nesse período, a maioria
dos impérios coloniais (britânico, japonês, francês, português, belga, holandês e o que restava do
espanhol) acabou destruída, uma vez que o enfraquecimento dos dominadores dificultava, quando não
impedia, o controle exercido sobre as colônias.

Desde a chegada dos europeus, os nativos expressaram seu descontentamento, mas foram reprimidos
pelas potências imperialistas. No entanto, um contexto mundial mais favorável no pós-guerra e o
amadurecimento dos movimentos de resistência foram elementos fundamentais para o sucesso
emancipatório das regiões colonizadas.

O declínio dos antigos sistemas de domínio influenciou a proliferação de movimentos nacionalistas nas
colônias, dando início a inúmeras lutas por independência. Aos poucos, elas culminaram no surgimento
de muitos países e muitas formas de governo, abrindo caminho para a constituição de grande parte do
mundo tal qual conhecemos hoje.
Página 201

Emancipações na Ásia
O primeiro movimento significativo de emancipação nacional foi o asiático, consequência tanto do
declínio das potências europeias ocasionado pelos combates da Segunda Guerra Mundial quanto das
lutas pela emancipação da Ásia.

Diante de um contexto de controle político e exploração – tanto dos mercados como da população – e
submetidos às leis e privações impostas por seus dominadores no que diz respeito à cultura e religião,
os asiáticos buscaram diversas estratégias, incluindo apoio externo, para retomar o controle de seu
respectivo país.

Somado a isso, destaca-se no processo o apoio concedido pelas potências que despontavam no período
da Guerra Fria: Estados Unidos e União Soviética. Ambas buscavam afirmar seus ideais e políticas de
governo e mercado, aumentando a área de influência, respectivamente, capitalista e socialista.

O sucesso das reivindicações por independência na Ásia foi o grande incentivador dos movimentos de
emancipação de outras colônias, por exemplo, as africanas.

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. p. 155.

Índia
Como vimos no Capítulo 5, a colonização inglesa na Índia foi marcada pela violência e repressão à
cultura indiana, o que causou muitos transtornos e revoltas ao longo do século XIX.
Para os britânicos, os indianos eram cidadãos de segunda classe, a quem cabia somente trabalhos
considerados inferiores. Com essa justificativa, aos poucos o povo foi perdendo seus direitos políticos e
a liberdade, além de ser privado dos benefícios do crescimento econômico. Sob o
Página 202

domínio britânico, os indianos foram obrigados até a usar o inglês como língua comum.

A permanência dos ingleses por um longo tempo no território indiano proporcionou o crescimento de
uma elite local, fruto de acordos políticos e enriquecimento econômico. Em 1817 foi criada a primeira
instituição de ensino para a elite indiana, o Colégio Hindu. Em 1913 a Índia havia se tornado a principal
importadora de produtos britânicos, com destaque para os têxteis, ferro, aço e maquinários. Por sua
vez, fornecia à Grã-Bretanha produtos agrícolas, como algodão, índigo, juta, arroz, chá e oleaginosas.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918), os indianos foram convocados a integrar as forças
armadas britânicas. Passaram então a exigir maior participação no governo, o que em tese se
concretizou com um acordo assinado pelo governo britânico, pelo Partido do Congresso Nacional
Indiano e pela Liga Muçulmana, que propunha uma reforma constitucional que abrangesse a instituição
de um autogoverno e o direito ao voto para os indianos.

Apesar do tratado, os britânicos não cumpriram as exigências indianas, reprimindo violentamente a


oposição a seu governo. Dessa forma, em um contexto de questionamento do papel dos ingleses no
país, decepção com acordos quebrados pelos colonizadores, crescente miséria e precariedade causadas
pelo desemprego nas cidades e, somadas à existência de milhões de camponeses sem terra, o Partido
do Congresso ganhou mais força.

A princípio, o Partido do Congresso funcionava como um fórum para a atividade política de caráter
nacionalista em toda a Índia. Durante a década de 1920, foi liderado por Mohandas Gandhi e
Jawaharlal Nehru, representando os hindus. Em alguns momentos, contou com a participação de
Mohamed Ali Jinnah, que representou os muçulmanos.

Compondo quase um quarto da população indiana, os muçulmanos entravam em choques constantes


com os hindus. O Partido do Congresso e a Liga Muçulmana competiam por espaço político. Membros
do Congresso hostilizavam líderes muçulmanos, que, por sua vez, reclamavam que símbolos hindus
eram exaltados por parte dos governos do Congresso. A partir de 1939 muitos muçulmanos passaram a
defender a ideia de que formavam uma nação com direito a um Estado separado. Já o Congresso
defendia a unidade. Essa rivalidade foi incentivada pelos colonizadores britânicos como meio de dividir a
população e enfraquecer os movimentos independentistas.

O Partido do Congresso Nacional Indiano (conhecido como Partido do Congresso) é a mais antiga
organização política ativa na Índia e, atualmente, um dos maiores partidos do país. Foi fundado em 1885
pela elite nativa – formada pelas bases da educação ocidental – e tinha caráter nacionalista.

Fundada em 1906, por uma elite fundiária e aristocrática, a Liga Muçulmana tomou como objetivo
defender os interesses de todos os muçulmanos. Seu principal líder, Mohamed Ali Jinnah (1875-1948),
membro de uma família tradicional, estudou Direito em Londres e passou a advogar com sucesso em
Bombaim. Em meio às lutas por direitos civis na Índia, a Liga aproximou-se do Partido do Congresso
Nacional, mas ambos não chegaram a nenhum acordo quanto às garantias constitucionais para os
muçulmanos.

Mohandas Karamchand Gandhi é o nome original de Mahatma Gandhi, que assim passou a ser
popularmente chamado como uma alusão a seus ideais libertários. O termo mahatma vem do sânscrito
e significa “grande alma”.

Gandhi nasceu numa família influente do estado de Guzerate, no ano de 1869. Estudou Direito em
Londres (1888-1891) e foi trabalhar na África do Sul de 1893 a 1914, onde procurou defender os direitos
dos trabalhadores indianos. Após retornar à Índia, liderou protestos de trabalhadores em Bihar e em
Guzerate. Em 1920 conseguiu o apoio do Congresso Nacional indiano para sua estratégia de
desobediência civil e não violência. Defensor da resistência pacífica à dominação britânica e da
tolerância religiosa, Gandhi foi preso muitas vezes e praticou diversos jejuns em defesa dessas causas.
Morreu em 1948, aos 78 anos, assassinado por um hindu que não concordava com a tolerância religiosa
defendida por ele.

A participação de Gandhi na luta pela autonomia política indiana ocorreu de maneira pacífica, por meio
de uma campanha que pregava a não violência e cujo objetivo era afastar seus seguidores das posições
governamentais e estatais de destaque,
Página 203

promovendo a desorganização da estrutura de governo até então em vigor. Sempre que os britânicos
reagiam à oposição com violência, o líder iniciava longos jejuns, como forma de chamar a atenção dos
governos mundiais para a necessidade de autonomia indiana e para as atrocidades cometidas pelos
colonizadores, exercendo assim um papel importantíssimo no processo de independência indiano.

Para combater a dominação e a violência britânicas, Gandhi propunha a resistência pacífica por meio da
desobediência civil. Com campanhas pelo país, recomendava aos indianos que não pagassem os
impostos nem comprassem produtos ingleses, boicote que ficou conhecido como swadeshi. Estimulou-
os a vestir o khadi, traje caseiro, interrompendo a compra dos têxteis britânicos. E, acima de tudo, pedia
que não aceitassem as leis que os discriminavam em sua própria terra. O objetivo era não cooperar com
os colonizadores, isolando-os e enfraquecendo-os.

Eric Lafforgue/age fotostock/Grupo Keystone

Mulher indiana vestindo e confeccionando o khadi, uma vestimenta típica indiana feita em casa. Madurai, Índia, 2013.

Como precaução contra novas manifestações, o governo inglês da Índia promulgou o Decreto Rowlatt,
ato legislativo que impunha duras medidas destinadas a sufocar o movimento independentista, além de
autorizar a detenção preventiva e o julgamento sem júri. O presidente do Conselho Legislativo Imperial,
juiz Sidney Rowlatt, justificou as medidas repressivas como uma forma de combater o terrorismo. A lei
entrou em vigor em março de 1919. Houve reações com greves e protestos em todo o país. A repressão
foi violenta e culminou no massacre do Jallianwala Bagh (o jardim Jallianwala). Na ocasião, tropas
britânicas dispararam contra uma multidão de manifestantes indianos, provocando a morte de 370
pessoas e deixando mais de mil feridos.

Na década de 1920, cresceu a luta nacionalista, quando o comando de Mahatma Gandhi no Partido do
Congresso passou a ser importantíssimo, em razão de seus jejuns e da visibilidade mundial conquistada
por suas campanhas, assim como pela liderança exercida sobre a população indiana. Em 1930, Gandhi
liderou seguidores numa marcha de 300 quilômetros até o mar, onde tomou em mãos o sal, desafiando
as leis britânicas que proibiam a posse do produto que não fosse adquirido do monopólio
governamental. Em 1934 foi substituído como dirigente máximo do Partido do Congresso por Jawaharlal
Nehru.
Mary Evans/Diomedia

Fotografia de Mahatma Ghandi durante a Marcha do Sal publicada no periódico The Illustrated London News em 26 de abril
1930.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o poder político e bélico da metrópole enfraqueceu e, ao
mesmo tempo, os movimentos populares pela independência da Índia se fortaleceram. Pressionados
pelos indianos e desgastados pela guerra, os britânicos abriram as negociações para a transferência do
poder. O objetivo era preparar a independência com a criação de uma Assembleia Constituinte,
formando um governo transitório indiano, que deveria obrigatoriamente preservar o território e
assegurar os inúmeros interesses econômicos do Reino Unido na região. Entretanto, os planos ingleses
nunca foram realizados, pois as divergências entre muçulmanos e hindus impediam a unidade.

Diante daquele quadro, o governo britânico já não podia mais resistir às manifestações contrárias a seu
domínio nem controlar os graves conflitos entre hindus e muçulmanos, e a independência
Página 204

do povo indiano foi conquistada em 15 de agosto de 1947. Apesar disso, a recém-formada Índia não
tinha como lidar com as inúmeras lutas religiosas que estouravam em seu território, o que ocasionou
sua fragmentação em dois países.

A Liga Muçulmana, liderada por Mohamed Ali Jinnah, fundou o Paquistão, reunindo os muçulmanos em
territórios a oeste e a leste do subcontinente indiano. A República da Índia (multiétnica e plurirreligiosa)
passou a ser dirigida por Jawaharlal Nehru.

A formação do Estado Paquistanês ocasionou intenso deslocamento populacional – mais de 12 milhões


de pessoas migraram: os indianos muçulmanos para o Paquistão e os paquistaneses hinduístas para a
Índia. Esse fluxo acirrou a guerra civil com massacres dos dois lados, deixando cerca de 200 mil mortos.
Nesse contexto de violência religiosa e disputa por territórios, o líder Mahatma Gandhi, partidário da
união entre os povos hindus e muçulmanos, foi assassinado, em 1948, por um radical hindu.

Em 1971, com o apoio da Índia, o Paquistão Oriental rom peu com o Paquis tão Ocidental e formou a
República de Bangladesh.

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: DUBY, Georges. Atlas histórico mundial. Larousse, 2010. p. 306.

Pausa para investigação


A Caxemira está localizada na região do Himalaia, na fronteira entre a Índia e o Paquistão. A região
vem sendo objeto de disputa entre os dois países desde sua independência, em 1947. Além da
disputa territorial, uma grave questão relacionada ao conflito é a religiosa, uma vez que a
população da Caxemira é de origem paquistanesa, ou seja, de religião muçulmana, enquanto a
religião predominante na Índia é o hinduísmo, o que agrava os embates entre as duas partes.
Forme um grupo com uns colegas e, juntos, utilizando periódicos impressos ou on-line, pesquisem
e identifiquem a situação atual da Caxemira. Anotem as informações que considerarem relevantes
– sobre conflitos, negociações de paz, cessar-fogo, aspectos econômicos e sociais – e as
apresentem em sala de aula.
Página 205

Indochina
A Indochina é a região que abrange os países do Sudeste Asiático localizados entre a China e a Índia.

A França dominou a região desde 1858, quando tomou o controle da porção sul do Vietnã. Em 1885, o
país venceu um embate contra a China, que controlava a parte norte do país, consolidando a hegemonia
francesa com a fundação da chamada Indochina Francesa, que anexou também o Camboja. Ainda no fim
do século XIX, a potência agregou a seus domínios o território pertencente ao Laos, controlando
significativamente a região.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Império Japonês ocupou o norte da Indochina Francesa com o
intuito de impedir que a China importasse armas e combustíveis, enfraquecendo assim o domínio
francês na região. A Tailândia aproveitou-se da fragilidade da França e também reivindicou seus
territórios perdidos anteriormente. Com o declínio da influência francesa na Indochina, a região passou
a ser controlada pelos japoneses.

Com o fim da guerra, o Japão, mesmo afetado pelo conflito, viu-se sem condições de continuar
controlando a região. Ciente disso, a França tentou retomar seu domínio. No entanto, foi barrada pelo
movimento independentista denominado Vietminch (sigla da Liga para a Independência do Vietnã),
comandado por Ho Chi Minh (1890-1969). O objetivo da liga era expulsar do Vietnã tanto os japoneses
quanto os franceses. Inicialmente tiveram apoio dos Estados Unidos contra os japoneses (1943-1945) e,
após a guerra, voltaram-se para a retirada dos franceses. Em 1945, o líder do movimento declarou a
independência do Vietnã. A reação francesa iniciou uma luta armada que terminou com a derrota dos
franceses em 1954.

Em julho de 1954, na Conferência de Genebra, reunida a fim de buscar uma solução para os conflitos na
Indochina, foi acordado que o Vietnã, o Laos e o Camboja se tornariam independentes. O Vietnã foi
dividido em Norte e Sul.

O Vietnã do Norte tornou-se uma república socialista, enquanto o Vietnã do Sul transformou-se em um
forte aliado dos Estados Unidos. Essa situação acabou mantendo a região em estado de tensão e
provocando uma nova guerra (1964- 1975), que contou com intensa participação estadunidense, cujo
governo temia que a região fosse dominada pelo comunismo.
Mapas: © DAE/Studio Caparroz

Fonte: ARRUDA, José Jobson A. Atlas histórico básico. 17. ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 34.

Fonte: LE MONDE Diplomatique. El atlas histórico. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2011. p. 64.
Página 206

O Sudeste Asiático

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: BLACK, Jeremy. World history atlas. Londres: Dorling Kindersley, 2008. p. 251.

O arquipélago indonésio esteve sob o domínio da Holanda desde o século XVII, quando os neerlandeses
estabeleceram na região a Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundando a colônia das Índias
Orientais Neerlandesas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Países Baixos foram ocupados pela Alemanha, cujo poderio
sobre as colônias havia enfraquecido. Os japoneses então, vendo o caminho livre, dominaram a
Indonésia.

Apesar das tentativas neerlandesas de retomar o controle da Indonésia, a população, dando início à
Revolução Nacional Indonésia – que durou mais de quatro anos –, conseguiu forçar o reconhecimento
formal de sua independência em dezembro de 1949.

As Filipinas, por sua vez, foram colonizadas no século XVI pela Espanha, permanecendo sob seu domínio
até o século XIX. Os nativos combateram a presença espanhola em seu território com o apoio dos
americanos, que tinham interesse em controlar a região. O domínio espanhol foi então substituído pelo
norte-americano em 1898, quando a Espanha vendeu o arquipélago aos Estados Unidos.
Os filipinos lutaram para tornar o país independente dos EUA e, assim como os indonésios, passaram
por um período de domínio japonês, só conseguindo recuperar a autonomia em 1946.

Já a Malásia tornou-se colônia britânica em 1824. Bem como os demais países do Sudeste Asiático,
passou a ser controlada pelos japoneses na Segunda Guerra Mundial. Com o apoio dos britânicos, o país
retomou o poder de seu território, sendo proclamado independente em 1957.
Página 207

Emancipações na África
Nas primeiras décadas do século XIX, todo o continente africano foi invadido e segmentado em
possessões e colônias de domínio europeu. Essa divisão provocou sérios problemas por unir grupos
distintos e desrespeitar os diferentes aspectos étnicos e culturais.

A resistência dos povos africanos ao controle europeu foi bastante grande, várias vezes assumindo o
caráter de guerras e conflitos armados pela retomada dos territórios e das práticas tradicionais
redefinidas pelo olhar dos colonizadores, sempre voltado à exploração comercial.

Negros de origem antilhana, bem como africanos de Serra Leoa, Libéria, Nigéria, Costa do Ouro,
Somália, Cabo Verde e Etiópia, fundaram em 1897 a Associação Africana, que em 1900 formulou um
documento manifestando a solidariedade aos “irmãos africanos menos favorecidos”. Foi nessa época,
sobretudo nos Estados Unidos, que as ideias de pan-africanismo surgiram com mais força e radicalismo.
Esse movimento visava unir os africanos e seus descendentes numa comunidade ligada por uma união
de sentimentos e de conscientização, com o objetivo de combater a opressão colonialista.

Na esteira da desorganização política e econômica advinda da Segunda Guerra Mundial, na década de


1950 surgiram os movimentos de independência no Norte da África, e seus resultados práticos
apareceram na década seguinte. De modo geral, eles se organizavam em frentes políticas e militares de
combate aos países colonizadores, como no caso da Argélia (ocupada pela França).

Mas o que é pan-africanismo? É um movimento político ideológico centrado na noção de raça,


noção que se torna primordial para unir aqueles que a despeito de suas especificidades históricas
são assemelhados por sua origem humana e negra. O movimento pan-africano surgiu como um
mal-estar generalizado que ensaiava o tema da resistência à opressão, pensando a libertação do
homem negro.

HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2008. p. 138.
© DAE/Studio Caparroz

Fonte: VICENTINO, Cláudio. Atlas histórico geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2011. p. 154.
Página 208

Colônias britânicas
O nacionalismo africano se espalhou rapidamente após o fim da Segunda Guerra Mundial. Nessa época,
africanos que iam estudar na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos percebiam ainda mais claramente a
discriminação racial a que estavam submetidos. Os britânicos viam nas emancipações uma
oportunidade para expandir seus mercados consumidores e manter seus domínios pela via comercial.
Entretanto, os nacionalistas africanos fizeram intensas e, algumas vezes, violentas campanhas para pôr
fim à dominação colonial.

África do Sul
No período de partilha do continente, no século XIX, os britânicos dominaram a África do Sul depois de
vencerem inúmeras batalhas contra grupos africanos e bôeres, consolidando então sua ação
imperialista no território, cujo governo era exercido pela minoria branca. Nessa organização, efetivada
em 1910 com a constituição da União Sul-Africana, prevaleciam os interesses europeus, e cada vez mais
se impôs o regime de segregação racial. O estabelecimento de um Estado de hegemonia da minoria
branca impunha a exploração da maioria negra da população. Em 1911 o governo estabeleceu um
conjunto de leis que limitava ainda mais os direitos dos negros em relação a trabalho, residência e até
relações sexuais. Por essa lei, os trabalhadores eram proibidos de fazer greves e não podiam ter
trabalhos especializados, por exemplo. A resposta a tais medidas foi a criação, em 1912, do Congresso
Nacional Africano (CNA), destinado a reivindicar os direitos da população negra.

Em 1948, o governo decretou o apartheid, um conjunto de leis ainda mais rígido e explícito de
segregação étnica.

Apartheid era um sistema rígido de segregação racial, de separação entre brancos e negros, que
teriam lugares separados onde morar [...]. Os contatos entre os dois grupos deveriam restringir-se
às relações de trabalho, nas quais os brancos estavam destinados a ser os patrões e os negros, os
empregados. [...] Na lógica do apartheid, cabia aos brancos a riqueza e aos negros, a pobreza. E
estes últimos não eram cidadãos.

SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 140.

Diante desses acontecimentos, o CNA lançou uma forte campanha de desobediência civil, que culminou,
em 1960, na morte de dezenas de pessoas durante uma manifestação contrária ao apartheid em
Sharpeville, bairro negro próximo a Johanesburgo. Esse massacre mobilizou o mundo todo contra as
políticas segregacionistas, num movimento que praticamente obrigou a Grã-Bretanha a declarar o país
independente em 1961.

Apesar disso, o congresso foi declarado ilegal pelo governo independente – Partido Nacional, sob o
comando dos africânderes –, e a repressão aos não europeus cresceu cada vez mais. Esse fato levou à
prisão do líder do CNA, Nelson Mandela, em 1963.

O regime do apartheid, entretanto, passou a ser criticado pelas demais nações. A pressão aumentou
com as independências dos demais países africanos. Nesse contexto, em 1991 o regime chegou ao fim,
quando o então presidente Frederick de Klerk o declarou encerrado oficialmente e libertou os líderes
políticos presos no período de vigência do apartheid, incluindo Nelson Mandela, que pouco tempo
depois foi eleito presidente do país.
Walter Dhladhla/AFP Photos

O presidente Nelson Mandela durante cerimônia de sua posse. África do Sul, 1994.
Página 209

Nigéria
Nigéria deriva de Níger, nome do rio que atravessa parte do território do país, cujos limites foram
traçados pelo colonialismo britânico. Atualmente é o país mais povoado da África e um dos mais ricos
graças a suas jazidas petrolíferas.

Entre os séculos XVII e XIX, o comércio de escravos foi a atividade comercial estabelecida com os
europeus, tendo em vista a crescente necessidade de mão de obra nas lucrativas lavouras americanas.
Em meados do século XIX, entretanto, essa atividade foi substituída pelo comércio das commodities
europeias.

Commodity, em inglês, significa literalmente mercadoria. O termo é utilizado para se referir às matérias-
primas, produtos de base utilizados na fabricação de outros bens. Geralmente, as commodities são
produzidas em grande escala, com destino à exportação.

Com o intuito de difundir sua influência e comercializar suas mercadorias, bem como explorar as
matérias-primas locais disponíveis, o governo britânico criou, em 1886, a Companhia Real do Níger,
empresa mercantil cujo objetivo era explorar a capacidade comercial da região. Em 1900 foram
instituídos os protetorados britânicos da Nigéria, com o objetivo de fundir todo o território em uma
única colônia.

A Nigéria era a maior das colônias britânicas na África, com uma população de mais de 60 milhões. A
região tinha – e ainda tem – grande diversidade cultural e religiosa, mas isso foi ignorado pelos
colonizadores, que pretendiam aglutinar todos em um mesmo território, sem respeitar as diferenças
entre essas populações. Essa tentativa britânica não foi bem-sucedida, e as tensões entre as populações
locais seguiram, fato que dificultou a administração colonial dos ingleses.

Em 1960, a Nigéria tornou-se independente sem haver solucionado as contradições resultantes da


associação, pelo império Britânico, de três regiões com estruturas, economias, etnias e culturas
diferenciadas e antagônicas, politicamente unificadas e cristalizadas pelo Império Britânico. O
trágico resultado foi a Guerra Civil de Biafra de 1967 a 1970, quando essa província rica em
petróleo proclamou sua independência e foi derrotada pelo governo federal. A Nigéria
independente foi o resultado mais negativo da política britânica de administração imperial indireta
e de agrupamento territorial artificial.

VISENTINI, Paulo Fagundes; RIBEIRO, Luiz D. T.; PEREIRA, Analúcia D. História da África e dos africanos. Petrópolis: Vozes, 2013. p.
94-95.

Organizando ideias
Leia o texto e responda às questões.

Junto com os movimentos de libertação cresceu a ideia de uma unidade africana, só possível de ser
criada a partir dos efeitos da colonização, e que foi batizada com o nome de “pan-africanismo”. Por
trás dessa ideia havia um forte sentimento anticolonial e de valorização do que foi chamado de
“negritude”, ou seja, um conjunto de características culturais próprias das sociedades africanas e
afro-americanas, formadas a partir da diáspora atlântica. A ideia de negritude é fruto do contato
com Ocidente, com a escravidão, com a dominação colonial e com o racismo. Ela não existe em
africanos que não passaram por um processo de formação ocidental, que não foram assimilados
pelos valores da sociedade colonizadora. A ideia de negritude incorpora a contribuição ocidental,
além de recuperar as raízes africanas.

Por ter se formado a partir do contato com as culturas ocidentais, o movimento da negritude
contém a ideia de raça à medida que defende uma diferenciação entre o negro e o branco. Nesse
movimento, a ideia de raça negra é um forte elemento de sustentação da possibilidade de
africanos e afrodescendentes pensarem a África como uma unidade [...].

MELLO E SOUZA, Marina de. África e Brasil africano. São Paulo: Ática: 2006. p. 167 -168.

1. De acordo com o texto, pan-africanismo e negritude remetem à ideia de uma África para os
africanos. Explique essa afirmação.

2. Explique a afirmação de que a ideia de negritude não existe para os africanos que não passaram
pelo processo de formação ocidental.
Página 210

Colônias francesas
Argélia
Antes mesmo dos combates da Segunda Guerra Mundial, a população argelina estava muito
descontente com os privilégios dos franceses e da elite argelina que descendia deles. Com o fim do
conflito e o enfraquecimento da Europa, o povo argelino intensificou sua insatisfação com o confisco de
suas melhores terras, que ficavam nas mãos dos franceses.

A resistência ao domínio francês ocorreu por meio da chamada Guerra da Argélia (1954 -1962), na qual
diversos grupos argelinos pró-libertação organizaram-se em ataques de guerrilhas e atos de violência
contra os representantes da metrópole.

Leemage/Glow Images

Capa do periódico italiano La Domenica del Corriere, publicado em 16 de junho de 1957. Na chamada da reportagem de capa, lê-
se: "Terror na Argélia: um bando de foras da lei, os membros da Frente de Libertação Nacional (FLN) têm ocupado uma aldeia ao
sul da Argélia e abatido todos os habitantes masculinos, poupando apenas mulheres e crianças".

O político argelino Mohamed Ahmed Ben Bella (1916-2012) ajudou a organizar o Movimento pelo
Triunfo das Liberdades Democráticas, que pleiteava igualdade para os argelinos, porém a iniciativa foi
declarada ilegal em 1949 pela França.

Em abril do mesmo ano, ele e outros ex-militares locais atacaram o correio da cidade de Orã, iniciando a
revolta contra a França. Em 1950, Ben Bella encabeçou a formação da Frente de Libertação Nacional
(FLN), um partido de ideologia socialista que buscava livrar a Argélia do domínio francês e instituir um
novo governo com representantes de origem argelina.
Inicialmente a França obteve vantagem na resistência contra os argelinos. Como estratégia, a FLN
organizou ataques urbanos na Argélia e na França, dando início, em 1954, a uma série de investidas e à
formação de guerrilhas focadas nos representantes do governo francês, tendo como objetivo conquistar
a independência da Argélia.

Em 1961, convocado a interferir nos conflitos, o exército francês promoveu sequestros seguidos de
tortura, morte e diferentes formas de violência contra a população. Foi instituído inclusive, em 5 de
outubro, o toque de recolher para todos os “muçulmanos franceses da Argélia”.

A resposta da FLN foi a eclosão de mais uma série de atentados contra as forças francesas no país com
ataques no próprio território francês. Um exemplo foi o ocorrido em fevereiro de 1962 na estação de
metrô parisiense Charonne, que causou a morte de 9 franceses, cujo enterro reuniu mais de meio
milhão de pessoas em protesto contra a batalha travada.

Em decorrência disso, no dia 13 de fevereiro foram assinados os Acordos de Evian, que previam o
cessar-fogo entre França e Argélia. A FLN decidiu, então, organizar uma ação de massas: proclamou um
alto nas ações armadas

Glossário
Alto: solenidade ou ato público que ocorre por determinação legal. No texto, a expressão se refere
à paralisação dos ataques da FLN aos representantes do governo francês na Argélia.
Página 211

e deu instruções para que a população desrespeitasse o toque de recolher, convocando uma greve geral
e outras manifestações. Dessa vez, a natureza pacífica das iniciativas foi ressaltada com palavras de
ordem e cartazes.

Neste contexto, em 1962 foi ratificada a independência da até então colônia, que se tornou um país
autônomo politicamente. Seu primeiro presidente, o próprio Ben Bella, foi eleito democraticamente
quase por unanimidade no ano seguinte.

Organizando ideias
A seguir, encontra-se um pequeno trecho de um livro que conta a história de Paris, capital da
França. Leia-o e, depois, faça o que se pede.

Os novos surtos de violência na Argélia coincidiram com novas ondas de imigração em Paris, a
maioria vinda da África do Norte. Entre 1947 e 1953, os números oficiais registram que, somente
da Argélia, 740 mil imigrantes chegaram a Paris. O número real provavelmente era muito maior, é
claro.

[...]

Os norte-africanos em Paris perceberam rapidamente que muitas das promessas [...] em relação à
tolerância racial nunca seriam cumpridas ou já haviam sido quebradas. Eles enfrentavam
preconceitos diariamente e, como os judeus antes deles, começaram a se reunir em grupos ao
redor da cidade, muito mais por sua própria segurança do que por qualquer outra coisa.

HUSSEY, Andrew. A história secreta de Paris. São Paulo: Amarilys, 2011. p. 472.

1. Como os argelinos e os outros norte-africanos que viviam em Paris nas décadas de 1940 e 1950
foram tratados?

2. Como esses imigrantes fizeram para tentar se proteger? Essa tática havia sido uma inovação?

3. Correlacione esse texto ao fim do imperialismo francês na África.

Djibuti
O Djibuti é um país de pequenas dimensões localizado no nordeste africano, inicialmente colonizado
pelos portugueses, que, em sua expansão comercial e territorial em direção ao Oriente, acabaram
perdendo o interesse pela região.

Foi só em 1888 que a França, em decorrência da partilha do território africano entre as potências
europeias, tomou posse dele, estabelecendo uma colônia chamada de Costa Francesa da Somália, cuja
capital era o Djibuti.

A emancipação do Djibuti foi bem específica, se comparada aos demais processos das possessões
francesas, pois ocorreu de maneira pacífica.
No panorama de emancipação dessa região, alguns grupos étnicos defenderam a permanência do país
na Comunidade Francesa (união que propunha a liderança política da França sobre suas colônias e ex-
colônias em troca de auxílio financeiro), enquanto outros repudiaram a ideia.

Apesar do impasse, em 1967 um plebiscito aprovou a vinculação à França. O quadro só mudou com um
novo plebiscito realizado em 1977, quando a população finalmente decidiu pela conversão do Djibuti
em Estado independente.

O movimento de emancicipação das possessões francesas, impulsionado pelas consequências da


Segunda Guerra Mundial, foi responsável não apenas pela independência da Argélia e de Djibuti mas
também de outros territórios.

Em 1956, a França abriu mão do controle das colônias do Marrocos e da Tunísia, que haviam se
rebelado contra seu domínio e exigido a independência.

Apesar disso, a metrópole tentou uma última manobra para impedir a concessão definitiva da
independência às colônias. A “libertação” seria concedida sob a condição de que fossem realizadas
eleições a fim de decidir se as colônias fariam parte da Comunidade Francesa. A Guiné foi a única
colônia que votou pela independência imediata. Outras, como Senegal e Sudão, tentaram se organizar e
instituir conselhos ou federações com outros territórios. De todo modo, as ex-colônias francesas foram
pouco a pouco conquistando sua autonomia, independentemente das diferentes formas de
organização.
Página 212

Colônias portuguesas
Guiné-Bissau
A Guiné-Bissau foi colônia de Portugal desde o século XV até 1973, quando, por meio de luta armada,
conseguiu conquistar a independência. Apesar de ter obtido a liberdade apenas na década de 1970, a
Guiné foi a primeira colônia portuguesa na África a ser declarada independente.

As reações contrárias ao domínio português começaram em 1956, em razão da insatisfação popular e


pela atuação do político Amílcar Cabral (1924-1973) que liderou a fundação do Partido Africano para a
Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Esse fato foi seguido por um período de luta armada
contra o regime colonial.

A guerra de independência na Guiné começou em 1963, com as ações de guerrilha. Durante muito
tempo, a reação da metrópole foi a defesa aos ataques do PAIGC por meio da organização de grandes
operações militares, mas sem muito sucesso, uma vez que os esforços portugueses estavam
concentrados na luta contra os angolanos, que também reivindicavam independência.

AFP/Getty Images

Guerrilheiros do PAIGC reunidos na Guiné-Bissau, 1971.

Amílcar Cabral foi assassinado, em 1973, por líderes de seu próprio partido sob a suspeita de defender
os ideais da elite guineense. Entretanto, mesmo com sua morte, o PAIGC continuou a lutar pela
emancipação, declarando, ainda no mesmo ano, a independência da Guiné-Bissau.

Nos meses que se seguiram, os guineenses tiveram o ato reconhecido em vários países, sobretudo nos
territórios africanos de ideais socialistas. Os portugueses, entretanto, só aceitaram a independência da
Guiné-Bissau em 1974, após o encaminhamento dos conflitos relacionados à concessão da autonomia
angolana.
Moçambique
Em 1964 começaram os conflitos por independência em Moçambique, motivados pela exploratória e
violenta ocupação portuguesa, agravada pela falta de acesso à educação e escassez de empregos para a
população.

A manifestação oficial das reivindicações ocorreu por meio da criação da Frente de Libertação de
Moçambique (Frelimo) – fundada e dirigida por Eduardo Mondlane (1920-1969) e posteriormente por
Samora Machel (1933-1986). A estratégia de articulação era a criação de “zonas libertadas” do controle
português, que funcionavam com um sistema de organização próprio, como se fossem um Estado à
parte dentro do território moçambicano.

A guerra por independência em Moçambique durou cerca de dez anos, num movimento de instituição
de áreas livres do domínio colonial que passaram a servir como bases de abastecimento e comunicação
das forças revoltosas.

Apenas com a assinatura dos Acordos de Lusaka o conflito se encaminhou para o fim. Em setembro de
1974, estabeleceu-se um governo provisório composto de representantes tanto da Frelimo quanto de
Portugal, e, em junho de 1975, foi proclamada oficialmente a independência de Moçambique.
Página 213

Angola
O Movimento Popular pela Libertação da Angola (MPLA), fundado por Agostinho Neto (1922-1979), foi o
principal grupo que lutou pela independência do país.

Assim como ocorreu com as demais colônias portuguesas, o governo da metrópole não queria negociar
a independência, reagindo agressivamente a qualquer tentativa por parte do povo angolano.

A guerrilha entre os grupos independentistas e o exército português começou em 1962. Em 1966, foi
criada a União Nacional para Independência Total de Angola (Unita), que passou a figurar no embate
entre o imperialismo português e os vários projetos para uma Angola livre.

Em 1974, Angola finalmente se tornaria independente, após a queda do sucessor de Salazar, Marcelo
Caetano (1909-1989), na Revolução dos Cravos.

Em 11 de novembro, a independência foi declarada pelo MPLA, reconhecido pelas autoridades


portuguesas como representante oficial do povo angolano.

Keystone-France/Gamma-Keystone/Getty Images

Manifestantes pedindo a independência de Angola, 1960.

A Revolução dos Cravos foi o movimento que derrubou o governo ditatorial de Antonio de Oliveira
Salazar em Portugal, restabelecendo as liberdades democráticas, que haviam sido vetadas à população.

A revolta começou em 25 de abril de 1974. Previamente organizados, à espera de uma música escolhida
para tocar na emissora de rádio Renascença como senha para o motim, os oficiais de média patente do
exército português saíram às ruas exigindo a deposição de Marcelo Cae tano, sucessor de Antonio
Salazar.

A revolução recebeu esse nome porque, ao comemorar nas ruas a vitória do golpe, a população
portuguesa distribuiu cravos aos soldados participantes.
Organizando ideias
Antonio de Oliveira Salazar (1889-1970) governou Portugal de forma ditatorial entre 1932 e 1968.
Durante seu mandato, as colônias começaram o processo de independência. Entre elas, estava o
Estado Português da Índia, cuja capital era Goa. Considerado um enclave territorial, era ocupado
pelos portugueses desde o século XVI. Sobre as lutas de libertação dessa região, veja a seguir o que
Salazar escreveu ao governador da Índia.

Não prevejo possibilidade de tréguas nem de prisioneiros portugueses, pois sinto que apenas pode
haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos.

Carta de Salazar a Vassalo e Silva (general e governador da Índia), 14 de dezembro de 1961.

1. O que Salazar quis dizer com essa frase? Interprete-a à luz do que acontecia na época não só
com Portugal mas também com as outras potências europeias.
Página 214

Resgate cultural

O cinema africano e a divulgação das diferenças


O cinema pode ser compreendido como ferramenta de múltiplas utilidades, às vezes fábrica de
sonhos e fantasias, às vezes instrumento de poder e divulgação ideológica, servindo como agente
histórico-social que leva à reflexão das muitas dinâmicas sociais das localidades retratadas nos
filmes. Um dos papéis assumidos pelo cinema é o de retrato artístico de como as grandes nações se
enfrentam pelo controle da política e da economia em diversas regiões.

A África pode ser tratada como um caso específico, uma vez que, durante o Período Colonial, foi
muito retratada por cineastas do Ocidente. Por meio de sua arte, eles apresentaram ao mundo um
continente estigmatizado pela ideia da fome e da miséria, levando em conta apenas a noção de
desenvolvimento pautada no poder de consumo, e não seus diversos aspectos culturais.

Morgan Creek/Album/Latinstock

Cena do filme Ace Ventura 2 - Um maluco na África. O filme, estrelado pelo ator Jim Carrey (retratado em primeiro plano na
imagem), apresenta a África como um continente selvagem e exótico. Estados Unidos, 1995.

Até a década de 1960, a visão da África transmitida pelo cinema era a ocidental. O primeiro filme
reconhecido como genuinamente africano foi África sobre o Sena, realizado por alunos do Instituto
de Artes e Estudos Cinematográficos (IDHEC), os quais, proibidos de fazer gravações em seus
respectivos países de origem, resolveram retratar a vida de imigrantes africanos em Paris.

Já o primeiro festival de cinema africano de fato foi o Jornadas Cinematográficas de Cartago (JCC),
em 1966, que buscou, por meio de obras dirigidas e produzidas por africanos, mostrar que a
riqueza do continente estava além daquela associada aos valores da sociedade de consumo. O
movimento teve seguimento três anos depois, com o Festival Pan -Africano de Cinema e Televisão
de Ouagadougou.
Tahar Cheriaa

Cartaz da 26ª edição do Festival de Cinema de Cartago, realizado em novembro de 2015. O cartaz mostra a imagem dos dois
fundadores do festival, Tahar Cheriaa (em primeiro plano) e Ousmane Sembène (em segundo plano). Tunísia, 2015.

A partir de então, o novo momento histórico vivenciado pelas independências conquistadas no


continente levou cineastas africanos a deixarem claro o repúdio aos estereótipos usualmente
utilizados nas produções cinematográficas referentes à África, criando um grande
comprometimento com as questões das várias identidades nacionais africanas.
Página 215

Foi a partir do ano 2000 que, de fato, o cinema africano ganhou grande destaque no mundo.
Surgiram os festivais de cinema africano, como o Dockanema, o Festival de Cinema de Ruanda, o
Curtas-Metragens de Madagascar e o Afrykamera, marcando o momento histórico em que o povo
africano passou a divulgar sua multiplicidade, contribuindo para o engrandecimento do patrimônio
cultural da humanidade como um todo.

Inicialmente o cinema africano teve – levando em conta o período da pós-independência de muitos


países do continente – um caráter bastante vinculado à denúncia das práticas imperialistas.

Atualmente, o cinema africano reflete a necessidade e a vontade da construção de um sentimento


de respeito e união entre as diversas culturas do continente, permeando suas formas de
organização, peculiaridades e a importância da divulgação da cultura como um meio de imposição
da África como um todo, sem remeter aos abusos cometidos pelo imperialismo europeu.

Haile Addis Pictures/Truth Aid/Archives Du 7Eme Art/Photo12/Afp Photos

Capa do filme Difret, Etiópia, 2014.

Tom Gilks/Rupert Sagar-Musgrave/Alamy Stock Photo/Latinstock

Quenianos em filmagem de programa televisivo. Nairóbi, Quênia, 2013.


1. Os filmes produzidos na África vêm procurando mudar o olhar estrangeiro a respeito do
continente. Por outro lado, os filmes já produzidos sobre a África por não africanos, muitas vezes,
veiculam estereótipos, promovendo uma ideia de África que nem sempre corresponde à realidade.

Em grupo, realize um debate sobre como os filmes e a mídia em geral fortalecem ou criam imagens
estereotipadas de pessoas, situações ou lugares, e de que forma essa situação pode ser
modificada. No caso da produção interna africana, que busca essa mudança, até que ponto ela está
sendo eficaz, ou seja, alcançando outros continentes e fortalecendo a identidade africana?
Página 216

Debate interdisciplinar

África: um rico continente


O processo de emancipação nacional, na segunda metade do século XX, libertou politicamente as
nações africanas.

Entretanto, não houve desenvolvimento econômico após as emancipações capaz de elevar o padrão de
vida da população. A economia ainda se baseia na exportação de produtos agrícolas e minerais.
Petróleo, diamantes, cobre, alumínio, urânio e coltan são alguns dos materiais naturais mais
encontrados no subsolo africano. Apesar dessa imensa riqueza, os países africanos estão entre os mais
pobres do mundo, de acordo com indicadores internacionais.

Fonte: Atlas geográfico escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

As reservas naturais
As reservas naturais do continente africano tornam a região atraente para os países dependentes de
matérias-primas, como os Estados Unidos e a China. Os EUA, por exemplo, desenvolveram uma ofensiva
comercial, diplomática e militar para ampliar sua influência no continente. O objetivo é garantir o acesso
às fontes de energia e assegurar militarmente as vias de transporte, explorando as riquezas naturais. Os
norte-americanos dependem de algumas matérias-primas fornecidas pela África, como manganês (para
produção de aço), cobalto, cromo, ouro, flúor e os diamantes industriais.

Zaire e Zâmbia têm metade do cobalto do planeta; as maiores reservas de cromo do mundo estão na
África do Sul e no Zimbábue, que também concentram as maiores reservas de metais da platina.
Entretanto, o petróleo é a grande questão. A África Subsaariana produz diariamente quase a mesma
quantidade de barris que o Irã, a Venezuela e o México juntos. A Nigéria é o principal produtor africano,
seguida por Angola. O Sudão também passou a exportá-lo, assim como a Guiné Equatorial, que tem
potencial para se tornar um dos grandes produtores africanos de petróleo bruto.
Página 217

© Sol 90 Imagens/Cristiane Viana

Atividades
1. Quais são os principais produtos exportados pelo continente africano?

2. Qual é a importância do petróleo na economia dos países africanos?


Página 218

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (Enem)

Voz do sangue
Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue.
Ó negro esfarrapado
do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South
Ó negro da África
negros de todo o mundo
Eu junto
Ao vosso magnífico canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.
Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo.
Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a nossa história
meus irmãos.
Disponível em: www.agostinhoneto.org. Acesso em: jun. 2015.

Nesse poema, o líder angolano Agostinho Neto, na década de 1940, evoca o pan-africanismo com o
objetivo de

a) incitar a luta por políticas de ações afirmativas na América e na África.

b) reconhecer as desigualdades sociais entre os negros de Angola e dos Estados Unidos.

c) descrever o quadro de pobreza após os processos de independência no continente africano.

d) solicitar o engajamento dos negros estadunidenses na luta armada pela independência em


Angola.

e) conclamar as populações negras de diferentes países a apoiar as lutas por igualdade e


independência.

2. (Unifesp-SP) Nelson Mandela, ex-presidente da República da África do Sul (1994-2000), ganhou o


prêmio Nobel da Paz, em conjunto com Frederik de Klerk, em 1993, e hoje é nome de rua em Paris,
Rio de Janeiro, Dacar e em Dar Es -Salam; é nome de praça em Salvador, Haia, Glasgow e em
Valência; é nome de escola em Bangalore, Berlim, Birmingham e em Baton Rouge. Essa
extraordinária popularidade de Nelson Mandela deve-se, sobretudo,

a) aos vinte anos que passou injustamente encarcerado pelo regime racista então vigente na África
do Sul.

b) à sua campanha incansável em favor dos milhões de africanos vitimados pela Aids e deixados
sem assistência.

c) ao fim, negociado e sem revanchismo, do regime do apartheid e ao seu desprendimento com


relação ao poder.

d) à sua luta contra o imperialismo e em favor da independência de todos os países do continente


africano.

e) ao seu êxito em implantar na África do Sul um programa educacional que eliminou o


analfabetismo do país.

3. (Unicamp -SP) O ativista negro Steve Biko, um dos críticos do Apartheid, que vigorou
oficialmente na África do Sul entre 1948 e 1990, afirmou: “Nós, os negros, temos que prestar muita
atenção à nossa história se quisermos tornar-nos conscientes. Temos que reescrever nossa história
e mostrar nossa resistência aos invasores brancos. Muita coisa tem que ser revelada e seríamos
ingênuos se esperássemos que nossos conquistadores escrevessem uma história imparcial sobre
nós. Temos que destruir o mito de que a nossa história começa com a chegada dos holandeses.”

Adaptado de Steve Biko, I write what I like: a selection of his writings. Johannesburg: Picador Africa, 2004. p. 105, 106.

a) Segundo o texto, por que os negros necessitariam reescrever a história da colonização sul-
africana?

b) O que foi o regime denominado Apartheid na África do Sul?


Página 219

Responda no caderno.

4. (Fuvest -SP) As resistências à descolonização da Argélia derivaram essencialmente:

a) da reação de setores políticos conservadores na França, associados aos franceses que viviam na
Argélia.

b) da pressão das grandes potências que temiam a implantação do fundamentalismo islâmico na


região.

c) da iniciativa dos Estados Unidos que pressionaram a França a manter a colônia a qualquer preço.

d) da ação pessoal do general De Gaulle que se opunha aos projetos hegemônicos dos Estados
Unidos.

e) da atitude da França que desejava expandir suas colônias, após a Segunda Guerra Mundial.

5. (UEM -PR) Após a Segunda Guerra Mundial, surgiram no mundo várias nações independentes,
que se formaram principalmente na Ásia e na África em consequência da luta destes povos para se
libertarem dos antigos domínios coloniais. Esse processo é conhecido como descolonização. A esse
respeito, assinale a(s) alternativa(s) correta(s).

I. Com o fim do domínio britânico no subcontinente indiano, as divisões internas entre hindus e
mulçumanos levaram ao surgimento de dois países: Índia e Paquistão.

II. No Vietnã, a luta pela independência terminou na década de 1970, com a vitória das forças
comunistas.

III. A independência da Argélia foi obtida no início da década de 1950, de forma consensual com
sua antiga metrópole.

IV. A Revolução dos Cravos, em Portugal, na década de 1970, acelerou o processo de


reconhecimento da independência das ex-colônias na África, pondo fim ao que restava do velho
império colonial português no continente.

V. A libertação do Congo belga da dominação colonial só foi conseguida com sangrentas lutas. Tais
conflitos se estenderam, após a independência, com confrontos entre etnias e grupos políticos
rivais.

Para você ler


• A descolonização da Ásia e da África, de Letícia Bicalho Canedo. São Paulo: Atual, 2002. A autora
aborda de maneira crítica e reflexiva o processo de descolonização da Ásia e da África, após o período
em que foram dominadas, direta ou indiretamente, por nações industrializadas e economicamente mais
poderosas.
• Gandhi – Coleção Biografia, de Christine Jordis e Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2007. Conheça a
história da vida de Mohandas Karamchand Gandhi, mais conhecido como Mahatma Gandhi, o apóstolo
da não violência que inspirou movimentos por direitos civis no mundo todo.

Para você assistir


• Gandhi, direção de Richard Attenborough. Inglaterra, 1982, 188 min. Após ser preso inúmeras vezes e
receber a atenção do mundo todo por sua campanha pacífica pelos direitos dos indianos na África do
Sul, Gandhi volta à Índia como herói nacional. Lá continua sua luta liderando milhões de indianos em
uma iniciativa de não violência e não cooperação para conseguir a independência do país e o fim do
domínio do Império Inglês sobre a Índia.

• Hotel Ruanda, direção de Terry George. Itália/Reino Unido/África do Sul, 2004, 117 min. Em Ruanda,
nos anos 1990, duas etnias entram em conflito, os tútsis e os hútus. Quando estes últimos chegam ao
poder, promovem um genocídio contra os tútsis. Paul Rusesabagina é um gerente de hotel que,
inspirado pelo amor por sua família, salva a vida de mais de mil refugiados da etnia tútsi abrigando-os
no estabelecimento onde trabalha.
Página 220

8 A era da globalização
Neste capítulo
O que é globalização?
A globalização neoliberal
Globalização e localismo
Aspectos positivos e negativos da globalização
O Brasil na era da globalização
Globalização e direitos humanos

Maksym Yemelyanov/Alamy Stock Photo/Latinstock

O século XXI é marcado pela globalização e pela relação dos seres humanos com a tecnologia.

O conceito de globalização vem sendo muito utilizado mundialmente como sinônimo de


integração – tanto econômica quanto cultural – entre os países.

Tal integração, ocorrida ao longo do século XX, abrangeu diversos fatores que nem sempre
colocaram todos os países envolvidos em posições favoráveis. Esse processo se deu num
movimento de interligação e uniformização de vários aspectos, que criaram novos padrões
mundiais para a difusão de informações, mercadorias e culturas.
Página 221

De acordo com essa realidade, quase tudo o que acontece não atinge somente uma região
ou um país, mas todo o planeta. Os problemas políticos, sociais e econômicos passaram a
ter escala mundial, impactando direta ou indiretamente as distintas partes do globo. Neste
capítulo, estudaremos como a globalização efetivou-se nas diferentes sociedades e como
elas passaram a se conectar. Também veremos os aspectos positivos e negativos da
globalização e a relação entre esta e os direitos humanos.
Página 222

O que é globalização?
O termo globalização surgiu na década de 1980 para designar e sintetizar as modificações econômicas,
políticas e culturais que o mundo, num contexto bastante amplo, começou a viver a partir daquele
período.

O desenvolvimento tecnológico, sobretudo nas áreas de comunicação e transportes, é, sem dúvida, um


dos requisitos básicos para que a globalização se concretize. Entretanto, essas áreas não são as únicas
atingidas – ao mesmo tempo em que são um fator importante, são também uma consequência.

Esse termo é ainda usado para definir a interconexão e a interdependência econômica, política e
cultural entre as diferentes sociedades. A partir do momento em que grande parte do mundo se
globalizou, os problemas sociais passaram a ser de ordem mundial, por exemplo, a questão ambiental e
o aumento da temperatura mundial, que afetam a sobrevivência de todos os seres vivos. Outros casos
podem ser a violência a determinados grupos – como as mulheres e as crianças – e os crimes contra os
patrimônios históricos da humanidade.

A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala
mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados
por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético,
porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção inversa às relações muito
distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a
extensão lateral das conexões sociais através do tempo e espaço. [...]

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Unesp, 1991. p. 69-70.

Glossário
Dialético: relativo à dialética, lógica que considera qualquer processo (por exemplo, o histórico) sob
dois pontos de vista que se opõem.

Organizando ideias
1. Quais ideias você associa à palavra globalização?

2. Defina com suas palavras o que é globalização.

3. Relacione as imagens ao processo de globalização.


GUIZIOU Franck/hemis.fr/Alamy Stock Photo/Latinstock

Entrada de supermercado em Dubai, Emirados Árabes Unidos, 2013. De origem francesa, essa rede de supermercados pode ser
encontrada em diversos países.

Léo Burgos

Fachada de loja de equipamentos eletrônicos em São Paulo (SP), 2015. Com produtos vendidos em todo o mundo, a tecnologia
dessa empresa é concebida nos Estados Unidos e os componentes de seus equipamentos são fabricados em países da Ásia e
Oceania.
Página 223

melaço pescado e cereais

Viajando pela história Mundialização e


globalização

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: AQUINO, Rubim Santos Leão de et al. História das sociedades americanas. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 134.

Conforme dito, o termo globalização surgiu na década de 1980, mas o fenômeno da mundialização
data de tempos mais antigos.

Mundialização é a denominação dada ao processo de aproximação dos seres humanos localizados em


diferentes espaços geográficos. Esse processo, que ocorre desde os primórdios da humanidade, foi
constantemente ampliado devido às trocas comerciais entre povos de diferentes culturas e localidades.

O contexto de globalização em que estamos inseridos consiste em uma fase da mundialização na qual a
sociedade mundial está interligada por relações econômicas que são, por sua vez, legitimadas pela
ideologia neoliberal.

A intensificação desse processo remonta ao período das Grandes Navegações europeias, durante os
séculos XV e XVI. A possibilidade de circum-navegação e a chegada dos europeus ao continente
americano redesenharam o mapa do mundo conhecido até então. Com essas novas rotas, foram abertas
mais possibilidades de intercâmbio, inicialmente comercial e depois político (relação metrópole-colônia)
e cultural (novos hábitos, novos valores sociais).

A expansão comercial mercantilista estruturou o chamado comércio triangular entre a Europa – que
fornecia produtos manufaturados –, a África – fornecedora da mão de obra (escravos) – e a América –
exportadora dos produtos coloniais e consumidora das manufaturas europeias.

Um segundo momento da mundialização foi a Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, com o
desenvolvimento dos transportes terrestres (ferrovias) e oceânicos (navios a vapor) e das comunicações
(telégrafo). Isso mudou radicalmente as relações de mercado e trabalho, provocando o fim das
monarquias (Revolução Francesa) e alterando as relações sociais (surgimento da burguesia e do
proletariado).

A doutrina econômica predominante nesse período foi o capitalismo laissez-faire, ou liberalismo


econômico. Essa teoria defendia o livre-cambismo e a não interferência do Estado no mercado.

Segundo o economista Adam Smith, um de seus maiores difusores, o comércio internacional isento de
impostos alfandegários favoreceria sobremaneira as nações envolvidas com benefícios maiores do que
os obtidos por meio da proteção à produção nacional. Dessa forma, autorizar a livre troca de
mercadorias entre países ajudaria a economia mundial.

A indústria moderna estabeleceu o mercado mundial, para o qual a descoberta da América havia
aberto caminho. Esse mercado desenvolveu enormemente o comércio, a navegação, a
comunicação por terra.

A necessidade de um mercado em expansão constante para seus produtos persegue a burguesia


por toda a superfície do globo. Precisa instalar-se em todos os lugares, estabelecer conexões em
Página 224

todos os lugares. A burguesia, por meio de sua exploração do mercado mundial, deu um caráter
cosmopolita para a produção e o consumo em todos os países. [...]

As indústrias nacionais antigas foram destruídas ou seguem sendo destruídas dia após dia. Elas são
desalojadas por novas indústrias, [...] por indústrias que não mais trabalham com matéria-prima
nacional, mas matéria-prima extraída de zonas remotas; cujos produtos são consumidos não só no
próprio país, mas em todos os cantos do globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas com
a produção do país, encontramos novas necessidades, exigindo, para satisfazê-las, produtos de
terras e climas distantes. [...]

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. p. 11-12 e 15.

Esse período também foi marcado por uma nova era de colonialismo, o imperialismo, que significou a
ocupação e o domínio de partes da Ásia, da África e da América Latina por países europeus e pelos
Estados Unidos. As disputas imperialistas em busca de novas colônias, para facilitar a expansão
econômica e o aumento da política belicista, causaram duas guerras mundiais no século XX: a primeira
entre 1914 e 1918, e a segunda entre 1939 e 1945.

O aspecto positivo da mundialização foram os produtos advindos do desenvolvimento tecnológico –


como o telefone e o avião –, que encurtaram as distâncias e facilitaram o intercâmbio entre as nações,
criando a sensação de que nada estava tão longe assim.

Durante a Guerra Fria, os países que compunham o bloco socialista, liderado pela URSS, permaneceram
isolados do processo de integração internacional dos mercados, constituindo-se, assim, em barreira
geográfica para a globalização. Fora desse grupo, a interdependência entre os países, no que se refere
sobretudo à economia, aprofundou-se gradativamente.

A partir de 1986, o presidente russo Mikhail Gorbatchov abriu a economia soviética, por meio da política
da glasnost. Entre outras consequências, o muro construído para separar o mundo entre socialismo e
capitalismo foi derrubado, em novembro de 1989, em Berlim. Esses dois fatos abriram o caminho para o
bloco socialista começar a participar da economia mundial, não restando mais barreiras para a
globalização.

Organizando ideias
Não há uma globalização, mas sim globalizações, nem todas convergentes. Essas globalizações
manifestam a realidade de um mundo que se tornou comum. Elas correspondem a um processo
que não é nem novo nem dotado de um sentido único, e no qual frequentemente se alternam
abertura e fechamento. [...]. Os grandes descobrimentos, a constituição dos impérios coloniais
europeus e depois a exploração da África e das ilhas do Pacífico extinguiram de modo irrevogável a
compartimentação das civilizações. Assim, o mundo tornou-se na prática um mundo unificado. [...]

CANTO-SPERBER, Monique. A globalização com ou sem valores. In: BARRET-DUCROCQ, Françoise. Globalização para quem? São
Paulo: Futura, 2004, p. 50.

1. Explique a afirmação da autora do texto de que o que há são globalizações em vez de


globalização.

2. O que significa dizer que hoje o mundo é unificado?


3. Quais foram os eventos históricos atribuídos pela autora para que se chegasse ao atual estado
de integração global?

Glossário
Cosmopolita: termo que faz referência à ideia de cidade atual que contém grande número de
pessoas, muitas vindas de outros lugares. Diz-se da união de características culturais de diversos
lugares do globo e do respeito a elas.
Página 225

A globalização neoliberal
A globalização pode ser observada na internacionalização da informação, da política, da economia e da
cultura. Essa nova ordem mundial é consequência das políticas de liberalização, do desenvolvimento de
tecnologias da informação e da comunicação.

As mudanças tecnológicas ocorridas com o desenvolvimento das telecomunicações, dos meios de


transmissão e da expansão da internet possibilitam acesso rápido às informações e mais agilidade a
todos os setores – no econômico, por exemplo, elas facilitam as transações comerciais internacionais.

Economia e política
Analisando-a pela perspectiva econômica, a globalização é a mundialização financeira por meio da
integração dos mercados e das bolsas de valores, bem como da intensificação dos fluxos de
investimento e de capital em escala global.

O caráter global das relações comerciais ficou mais explícito no fim da década de 1970, após Margaret
Thatcher tornar-se primeira-ministra da Inglaterra (1979) e Ronald Reagan ser eleito presidente dos
Estados Unidos (1980). A partir de então, essas duas grandes potências colocaram em prática novos
padrões econômicos pautados na não interferência do Estado na economia, visando aumentar a
competitividade do mercado internacional e estimular a influência das megaempresas americanas e
inglesas em outros países. Esse movimento consolidou a implementação das novas políticas de mercado
neoliberais e deu início à implantação das grandes empresas multinacionais em diversas partes do
globo.

As empresas multinacionais são aquelas que, geralmente sediadas em países estabilizados


economicamente, instalam filiais em outras nações em busca de aumentar o mercado consumidor e
conseguir matéria-prima, energia e mão de obra mais baratas.

AP Photo/Glow Images

Primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (centro) e o presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan (esquerda) analisam o
modelo da futura estação espacial. Londres (Inglaterra), 6 jun. 1984.
Na esfera política, o neoliberalismo caracteriza-se como a ideologia da globalização. Essa política tem
como princípios básicos a abertura de mercados, o incentivo à indústria nacional, a mínima intervenção
estatal na economia, as privatizações de empresas públicas (hegemonia do setor privado) e a
desburocratização do Estado.

Muitos cientistas políticos e economistas defendem a globalização econômica como um processo que
gera riquezas e desenvolvimento para as nações envolvidas. Entretanto, também é causadora de
desemprego e subempregos.

Com o advento do “pensamento único” ou das chamadas políticas neoliberais, passou a prevalecer
[...] a ideia de que os Estados abandonassem a cena, abrindo suas fronteiras ao livre jogo das forças
do mercado e das finanças internacionais, desregulamentassem quaisquer mecanismos de
proteção à economia nacional ou às garantias dos trabalhadores e submergissem junto com toda a
sociedade sob uma liberalização geral, em benefício da atuação mais desinibida das grandes
corporações. Os argumentos em favor desse rearranjo enfatizam o que é caracterizado como seus
aspectos positivos: a difusão das ideias e informações, a atualização e transferência das
tecnologias, o rebaixamento dos custos das mercadorias e a ampliação das opções para os
consumidores.

SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 42.
Página 226

Organizando ideias
1. Observe o mapa a seguir e faça o que se pede.

© DAE/Studio Caparroz

Fonte: WESSEL, David. U. S. Firms Keen to Add Foreign Jobs. The Wall Street Journal, 22 nov. 2011. Disponível em:
<online.wsj.com/article/SB10001424052970203710704577052220096932832.html>. Acesso em: mar. 2016.

a) Identifique os dois países onde houve o maior número de empregos criados e os dois que
tiveram o maior crescimento percentual.

b) Relacione as informações do mapa com a política neoliberal estadunidense.

Cultura
O termo cultura vem do latim colere, que faz referência a “plantio”, “cultivo da terra”. Sendo assim,
cultura é o cultivo de costumes, rituais e técnicas artísticas, que, reunidos, formam o conjunto de
características que unem e identificam determinada população. Na sociedade neoliberal, entretanto, a
cultura passou a ter novos papéis.

Muitos historiadores e sociólogos discutem o papel da cultura no neoliberalismo. Algumas teorias


defendem a transformação dos aspectos culturais em produtos, na qual uma cultura global, construída
por meio de estudos de mercado ou com base em aspectos culturais das grandes potências econômicas,
é comercializada pela chamada indústria cultural, funcionando como um mecanismo de imposição de
valores pre estabelecidos sob a justificativa de integração da humanidade.
A expressão indústria cultural foi criada pelos sociólogos alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max
Horkheimer (1895-1973) na década de 1940, como referência aos novos padrões estéticos que
afloravam com o início do neoliberalismo. Segundo os autores, esses modelos se repetiam a fim de
formar uma nova percepção artística e cultural voltada para o mercado de consumo.
Página 227

A disseminação da cultura – vinda das grandes potências comerciais – como produto de consumo foi
facilitada pela utilização coordenada da imprensa, do cinema, do rádio e da televisão como meios
divulgadores do consumo em geral de todos os bens passíveis de se tornar mercadorias.

A ideia de indústria cultural evidencia a busca pela universalização de valores, como se isso ocorresse
em forma de intercâmbio, com a valorização de variadas culturas. Entretanto, de maneira geral e
simplificada, os valores e as mentalidades propostos como mundiais são advindos do Ocidente, mais
precisamente dos grupos hegemônicos economicamente – alguns países da Europa e os Estados Unidos
da América.

KAZUHIRO NOGI/AFP/Getty Images

Desfile de Halloween nas ruas de Kawasaki (Japão), 2015.

Outras teorias se atentam para como os padrões culturais ditados pelo mercado em diversas partes do
mundo interferiram nas tradições e características particulares de diversas culturas.

Como exemplo, podemos citar a ideia de multiculturalismo, que ressalta a existência de diferentes
culturas em determinado campo, o que proporciona a formação de novos costumes em alguns casos.
Essa “reunião cultural” existe em decorrência do colonialismo, que inseriu os conceitos ocidentais de
cultura em diversas sociedades da África, América e Ásia, somando diferentes conceitos e noções de
mundo, relações sociais e representatividade.

[...] o termo “multiculturalismo” é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para


governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades
multiculturais. É usualmente utilizado no singular, significando a filosofia específica ou a doutrina
que sustenta as estratégias multiculturais. “Multicultural”, entretanto, é por definição, plural.
Existem muitos tipos de sociedade multicultural, como por exemplo, os Estados Unidos da América,
a Grã-Bretanha, a França, a Malásia, o Sri Lanka, a Nova Zelândia, a Indonésia, a África do Sul e a
Nigéria. Estes são, de forma bastante distinta, “multiculturais”. Entretanto, todos possuem uma
característica comum. São, por definição, culturalmente heterogêneos. [...]

HALL, Stuart. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 50.
Na teoria multiculturalista, há diversas maneiras de analisar os distintos aspectos e tradições que
formam a cultura de um povo, que se valem de diferentes pressupostos, como o mercado comercial, a
visão pluralista de mundo e a crítica à imposição de padrões culturais. Entretanto, o que diferencia o
multiculturalismo de outras teorias a respeito da cultura no mundo neoliberal é a exaltação dos
movimentos de resistência e valorização/preservação das culturas locais.

Pausa para investigação


Forme uma dupla com um colega e, juntos, façam uma pesquisa sobre as comunidades tradicionais
– aquelas formadas por grupos culturalmente diferentes, que em geral habitam uma área há muito
tempo, preservando os hábitos adquiridos por seus familiares – de sua região. Busquem descobrir
se onde vocês moram há comunidades desse tipo e qual é o papel da venda de produtos artesanais
na fonte de renda delas. Se sim, observem os tipos de produtos vendidos e os perfis das pessoas
que os consomem. Caso não haja comunidades tradicionais onde moram, pesquisem outras que
despertem o interesse de vocês.
Página 228

Globalização e localismo
Ainda no âmbito da discussão sobre globalização está a ideia de localismo, presente no conceito de
cultura ou economia globais, já que qualquer aspecto da vida na sociedade neoliberal, por mais que
esteja em condição global, tem uma raiz local. Sendo assim, a propagação de um aspecto cultural ou
uma empresa multinacional como exemplos globais implica a localização de outros aspectos culturais e
empresas multinacionais. Nessa lógica, a afirmação de um padrão global enquadra tudo o que não se
encaixa nele por ser considerado exótico ou étnico, num movimento de reafirmação de raízes culturais
em todas as instâncias.

[...] Quer isto dizer que, uma vez identificado determinado processo de globalização, o seu sentido
e explicação integrais não podem ser obtidos sem se ter em conta os processos adjacentes de
relocalização com ele ocorrendo simultânea ou sequencialmente, a globalização do sistema de
estrelato de Hollywood contribuiu para a etnização do sistema de estrelato do cinema hindu.
Analogicamente, os actores franceses ou italianos dos anos 60 – de Brigitte Bardot a Alain Delon,
de Marcello Mastroiani a Sofia Loren – que simbolizavam então o modo universal de representar,
parecem hoje, quando revemos seus filmes, provincianamente europeus, se não mesmo
curiosamente étnicos. A diferença do olhar reside em que, de então pra cá, o modo de representar
hollywoodesco conseguiu globalizar-se. Para dar um exemplo de uma área totalmente diferente, à
medida que se globaliza o hambúrguer ou a pizza, localiza-se o bolo de bacalhau português ou a
feijoada brasileira, no sentido em que serão cada vez mais vistos como particularismos típicos da
sociedade portuguesa ou brasileira.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais,
Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, n. 48, p. 15, jun. 1997.

Dessa forma, um fenômeno local pode ser globalizado com sucesso, como ocorre no chamado localismo
globalizado, a exemplo do uso da língua inglesa como língua universal ou da disseminação do fast-food
americano. Por outro lado, pode haver o impacto de práticas e imperativos de fora em culturas locais, o
chamado globalismo localizado, que desestrutura a resposta aos produtos da globalização devido à
grande necessidade de adaptação, como é o caso das zonas francas, da destruição maciça de recursos
naturais para a produção de empresas estrangeiras, do uso turístico de lugares históricos etc.

Comparando as duas tendências, é possível perceber que o globalismo localizado acaba sendo mais
nocivo às culturas locais, tendo em vista que a definição dos padrões de globalização varia de acordo
com a condição econômica dos países envolvidos no processo. Dessa forma, enquanto as nações
desenvolvidas são aquelas que “exportam” aspectos globais, as mais pobres são obrigadas a lidar com
os aspectos globais vindos de fora.
Taba Benedicto/Futura Press

Lanchonete itinerante de comida mexicana em São Paulo (SP), 2014.

Glossário
Adjacente: diz-se de algo que está próximo, vizinho.
Étnico: relativo à etnia; algo que faz parte das características físicas, culturais e linguísticas de uma
comunidade.
Exótico: algo diferente, extravagante, que difere daquilo com que se está acostumado.
Fast-food: “comida rápida”, em inglês. É o nome dado aos alimentos que podem ser preparados e
ingeridos em pouco tempo.
Imperativo: imposição, autoritarismo.
Página 229

Resgate cultural

Redes sociais virtuais


O enorme avanço tecnológico na segunda metade do século XX implicou transformações bastante
profundas nas sociedades; a internet, por exemplo, reúne inovações na informática e nas
telecomunicações. Por meio da rede mundial, transita uma infinidade de dados, entre empresas,
instituições, governos e também, claro, pessoas.

Há alguns anos, uma parte significativa do fluxo de dados que circulam pela internet entre pessoas
é mediada por redes sociais virtuais. Nelas, pessoas, assim como empresas, conectadas entre si de
maneiras diversas, trocam informações, comentários e conteúdos audiovisuais.

As redes sociais estão transformando a forma pela qual as pessoas se reúnem e atuam
coletivamente. Se, antes, a proximidade geográfica e os encontros presenciais eram essenciais para
formar e manter um movimento social, atualmente há experiências muito interessantes de uso das
redes sociais virtuais para formar redes de atuação coletiva.

A ocupação de escolas da rede estadual paulista, no fim de 2015, por estudantes da educação
básica é um exemplo de rede de atuação coletiva impulsionada pela internet. A decisão do governo
do estado de fechar escolas e transferir alunos para outras unidades, chamada de “reorganização
escolar”, levou muitos estudantes a ocupar suas escolas como forma de protesto.

• O Facebook, uma das principais redes sociais virtuais, tem uma forma de selecionar o que as
pessoas verão em seus respectivos “feed de notícias”. Veja algumas regras na figura a seguir e
responda: Qual é a tendência nessa rede social: diversidade ou homogeneidade? Justifique sua
resposta.
Arte AE/Estadão conteúdo
Página 230

As empresas multinacionais e as transnacionais


A consolidação do neoliberalismo no final do século XIX e decorrer do século XX transformou as noções
de comércio e relacionamento entre os países do globo, interferindo diretamente na estrutura de
produção das indústrias e em suas políticas comerciais.

As empresas passaram então a atuar além das fronteiras de seus países de origem. Implantando filiais
em outras nações, elas viram a possibilidade de aumentar suas forças na competição com as
concorrentes por meio da instalação em regiões com abundância de matéria-prima, mão de obra a
menores custos e incentivos fiscais.

Embora estejam presentes em diversas regiões do mundo, as empresas multinacionais têm matrizes
bem definidas, das quais parte o planejamento da produção e da participação no mercado,
característica mais marcante na diferenciação entre elas e as transnacionais.

Assim como as multinacionais, as transnacionais buscam o controle do mercado e o barateamento dos


custos de produção; entretanto, sua organização atravessa as barreiras nacionais não apenas na
produção e no comércio, mas também na montagem dos processos.

Essas empresas, apesar de terem filiais, não concentram nelas o controle de sua produção.

DAE
DAE

Pausa para investigação


O Brasil também tem empresas multinacionais. Utilizando essa informação, pesquise quais são as
principais e em quais ramos atuam. Discuta em sala de aula os resultados de sua pesquisa e
identifique os aspectos nos quais essas empresas se diferenciam e se assemelham.
Página 231

Aspectos positivos e negativos da globalização


A consolidação da globalização como novo panorama para as relações comerciais e de difusão de
informações provocou mudanças em todos os aspectos da vida cotidiana. Isso afetou as populações do
planeta com a afirmação de novos hábitos e padrões de consumo e a difusão de informações comuns
que vieram para aproximar cada vez mais as distâncias e linguagens no que se refere à economia,
política, cultura etc.

Apesar de ter promovido mudanças positivas, a globalização, que por si só passa uma ideia de
uniformidade e acessibilidade, tem outro lado, como vimos, que localiza e exclui as iniciativas e os
aspectos que se encontram fora do esquema global.

Como aspectos positivos da globalização, podemos citar a expansão dos mercados comerciais e o
aumento da facilidade de distribuição de produtos, assim como a disponibilidade de capital para
investimento em novas tecnologias de diversas áreas, como a medicina, a física etc.

O aumento da produtividade também é visto como fator positivo, já que a produção em larga escala,
especialmente quando realizada nos países em desenvolvimento – com mão de obra e matéria-prima
mais baratas e incentivos fiscais –, além de baratear os custos, gera mais empregos e crescimento
econômico em diferentes áreas do globo.

O acesso à tecnologia também deu um grande salto com o advento da globalização, sobretudo com a
criação da internet, que revolucionou e barateou os meios de comunicação, intensificando as relações
internacionais e aproximando distâncias e interesses sociais, culturais, políticos, econômicos e
tecnológicos.

Como aspectos negativos, destacam-se a perda de autonomia política e econômica – tendo em vista o
aumento crescente da relação entre países – e a necessidade constante de planejar estruturas
financeiras sólidas com base em investimentos de longo prazo e ideias cada vez mais inéditas, já que a
concorrência entre as companhias por mercados consumidores aumenta a cada dia no mundo global.

A crescente necessidade de atualização da mão de obra empregada no processo de produção global


desencadeou uma onda de desemprego mundial, tendo em vista que a automação dos processos exige
cada vez menos pessoas trabalhando diretamente na produção, gerando a falta de mão de obra
especializada.

Eduardo Zappia/Pulsar Imagens

Casas construídas com material de pré-moldagem de concreto. São João da Boa Vista (SP), 2014.
No campo econômico, inúmeros processos foram intensificados com a globalização da produção e das
relações econômicas, como as grandes mudanças cambiais, o aumento da inflação, a elevação de juros e
o crescimento da dívida externa, já que, para entrar no esquema global de consumo e fornecimento de
materiais e informações, os países precisam fazer grandes adequações.

A população dos países que se enquadram nas especificações exigidas pelo novo mundo global desfruta
os benefícios da comunicação espontânea e o acesso aos mais variados e modernos produtos.
Entretanto, quem vive nas nações que se encontram à margem do processo não tem acesso algum às
condições mínimas de sobrevivência, quanto mais à internet e aos bens de consumo tão populares nos
países centrais.

A automação é o processo de substituição da mão de obra humana por máquinas, com o intuito de
tornar a produção mais precisa, rápida e econômica.
Página 232

De fato, o que impede a globalização de alcançar o sucesso absoluto é a existência de países totalmente
excluídos e marginalizados do processo, uma vez que o intuito dela é o rompimento de fronteiras como
o excesso de impostos e as barreiras alfandegárias. Mesmo assim, os produtos e serviços fornecidos
pelas nações em desenvolvimento ainda enfrentam muitos obstáculos criados pelas nações mais ricas,
os quais pesam sobre as populações carentes dos países excluídos.

As barreiras alfandegárias são exigências comerciais impostas pelos governos para controlar o
intercâmbio internacional de mercadorias. Entre as formas mais comuns de barreiras estão as tarifas e
licenças de importação, que acarretam certa dificuldade às transações e maior domínio para alguns
países.

Organizando ideias
Analise a charge a seguir e responda às questões.

Moisés

Fonte: <www.sergeicartoons.com/Cartoons/politica/globalizacao.htm>. Acesso em: out. 2008.

1. Que situação está representada? Explique.

2. Que aspectos da globalização podem provocar a situação descrita? Escolha um deles e explique.

3. Analisando esses aspectos, responda:

a) Quais são os limites da globalização?

b) Quem ela alcança e quem é deixado de fora? Em outras palavras, quem ganha e quem perde
com a globalização?

c) A globalização afeta todas as pessoas da mesma maneira?


Página 233

O Brasil na era da globalização


O Brasil sempre esteve presente no processo histórico da globalização. A colonização o inseriu em uma
rede de mercado, de movimentação de pessoas e fornecimento de matérias-primas ao extrair seus
recursos naturais para a exportação.

Após a Independência, em 1822, o Brasil passou do jugo português para o inglês, atendendo às
demandas de uma nova ordem de mercado. Posteriormente, o Brasil tornou-se um dos maiores
exportadores de café. Hoje há uma economia no país que se destaca pelo desenvolvimento social,
político e cultural.

Para o Brasil se inserir no fenômeno da globalização, foi preciso provocar algumas mudanças radicais em
sua base política e econômica.

Com a criação do Plano Real, em 1994, o país tornou-se atrativo para investimentos diretos de
estrangeiros, conseguindo ao longo dos anos financiar os crescentes déficits existentes.

A economia brasileira é aberta, o que integra o país ao mercado financeiro internacional, aumentando o
investimento externo. Isso representa uma alternativa para financiar o desenvolvimento, criar novas
vantagens competitivas, desenvolver projetos de exportação, expandir a produção e diminuir a
importação.

O acesso aos mercados internacionais gera a entrada de produtos no país, que muitas vezes são mais
baratos ou mais aprimoradas que os fabricados aqui. Isso, por um lado, aumenta a possibilidade de
consumo para a população, mas, por outro, cria grande concorrência para as indústrias nacionais, que
nem sempre conseguem se manter no mercado.

Culturalmente, a globalização e, sobretudo, a internet facilitaram o acesso dos brasileiros a


manifestações artísticas de diferentes partes do mundo, proporcionando o intercâmbio cultural com
outros países.

O acesso ao conhecimento científico também foi bastante beneficiado com as facilidades de


comunicação e difusão de informações.

Organizando ideias
Com base nos dados apresentados na tabela a seguir, faça o que se pede.

EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS EM 2015


Produto Participação nas Produto Participação nas
exportações (%) exportações (%)
Soja em grão 11,9 Café em grão 2,9
Minério de ferro e seus 9,2 Celulose 2,9
concentrados
Petróleo bruto 6,3 Carne bovina 2,4
Carne de frango 3,3 Milho em grão 2,2
Farelo de soja 3,1 Aviões 1,8
Açúcar 3,0 Automóveis 1,7

Fonte: <www.desenvolvimento.gov.br>. Acesso em: fev. 2016.


1. Quais itens são matérias-primas e quais são produtos industrializados?

2. O que é possível afirmar sobre os três itens que mais se destacam?

3. Com base em sua análise da tabela, reflita sobre o papel do Brasil no mercado global.
Página 234

Globalização e direitos humanos


Quanto à universalidade, os direitos humanos muito se assemelham ao fenômeno da globalização, uma
vez que ambos, pelo menos teoricamente, têm como preceito a aproximação das populações, seja em
termos culturais, econômicos ou de condições de vida equivalentes.

Nesse sentido, a globalização pode servir como um aspecto positivo na implantação dos direitos
humanos, ao facilitar a difusão de informações sobre as diferentes culturas ao redor do mundo e a
comunicação entre os países, com o intuito de traçar objetivos comuns às condições de vida das
populações que, ao mesmo tempo, respeitem as particularidades das sociedades em pauta e igualem o
acesso à alimentação, educação, saúde etc.

Apesar disso, o aspecto econômico da globalização privilegia o barateamento dos custos de produção e
a obtenção de maiores lucros no mercado comercial. E faz isso deixando de lado a possibilidade de
integração igualitária entre os países e dificultando essa tarefa a partir do momento em que incentiva a
exploração de matérias-primas e mão de obra das nações em desenvolvimento e, num
contramovimento, afasta cada vez mais aquelas que já estão fora do fluxo global de produção e capital.

Essa realidade da globalização acaba suprimindo a concretização dos direitos humanos, o que gera
novas questões a serem pensadas e novos desafios a serem enfrentados.

Culturas tradicionais no mundo globalizado


No que diz respeito às identidades culturais, ao aproximar as distâncias e os tempos históricos, a
globalização torna disponível o acesso a culturas e às tradições de diversos lugares para todos os povos.
Esse movimento leva os indivíduos, mesmo que inconscientemente, a absorver elementos de culturas
diferentes das suas, apresentadas por meio da televisão, do rádio e da internet. Esse fato, ao mesmo
tempo em que aumenta o leque de informações da população global, incentiva o resgate às culturas
tradicionais próprias.

Duas vertentes de pensamento se mostram aparentes na análise desse processo. A primeira ressalta o
caráter de homogeneização cultural proporcionado pela ascensão do sistema global de relações, com a
imposição de padrões ocidentais de pensamento, ação e vivência às outras partes do planeta. A
segunda, entretanto, chama a atenção para a busca à distinção por parte dos indivíduos inseridos no
processo de globalização, que se afirmaria por meio da manutenção de culturas tradicionais ou locais.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que a globalização impõe padrões de consumo e comportamento às
populações dos países, surge a ação contrária, de resgate, preservação e defesa de seus referenciais
identitários, com o intuito de preservar as memórias locais, ocasionando o surgimento de diversos
movimentos culturais com raízes em tradições do passado.

Esse movimento não afeta apenas os indivíduos mais velhos, mas também os jovens, que procuram
resgatar suas raízes encontrando pontos de conexão entre as culturas tradicionais e os novos fatores
culturais. Isso pode ser observado em diversos casos brasileiros, como o movimento manguebeat, a
tradição das rendeiras do Ceará e de Santa Catarina – que se mantém por meio do aprendizado da
atividade pelas novas gerações –, a capoeira, entre outros.
O manguebeat (também grafado manguebit ou mangue beat) é um movimento musical pernambucano
de contracultura que surgiu na década de 1990. Por meio de letras e ritmos, o movimento, que une o
maracatu – elemento regional – com ritmos como o rock, o funk e a música eletrônica, faz crítica ao
descaso socioeconômico com a região dos mangues e denuncia as desigualdades sociais do Recife, tão
semelhantes às dos outros grandes centros urbanos brasileiros.

Um dos principais nomes e divulgadores do manguebeat foi o músico Chico Science, que, liderando a
banda Nação Zumbi, disseminou as ideias do movimento tanto no Brasil quanto no mundo.
Página 235

A ideia de resguardar as tradições, não apenas culturais, como também “naturais”, ou seja, conservar a
fauna e a flora de todos os países, está associada ao desenvolvimento de novas tecnologias – sobretudo
a biotecnologia. Elas estão relacionadas à atual ênfase dada à cultura da sustentabilidade, cuja base é o
conceito de biodiversidade e a preservação dos mais diversos recursos naturais. Esse fato inaugurou
uma nova faceta do que se entende por respeito e preservação, incorporando elementos diferentes ao
conjunto de características regionais.

A biodiversidade ou diversidade biológica é a compreensão da variedade das formas de vida


encontradas na Terra, incluindo plantas, animais e microrganismos. As diversidades biológicas estão
divididas em: diversidade genética, diversidade orgânica e diversidade ecológica.

Organizando ideias
Observe as imagens a seguir e suas respectivas legendas.

Cesar Diniz/Pulsar Imagens

Apresentação do Maracatu Baque do Vale durante a Festa do Divino Espírito Santo. São Luiz do Paraitinga (SP), 2015.

Gerson Gerloff

Família guarani toma chimarrão enquanto prepara a refeição matinal. Saldo do Jacuí (RS), 2015.
Roberto Couto/Tyba

Apresentação do Boi Garantido durante o Festival de Folclore de Parintins, Amazonas (AM), 2015.

Allan Torres/Framephoto

Adulto lê literatura de cordel para crianças em Gravatá (PE), 2016.

1. Com base nas imagens e no que você aprendeu, elabore um texto que apresente hipóteses
sobre como essas culturas tradicionais combatem a hegemonia cultural difundida pela
globalização.
Página 236

Debate interdisciplinar
A música e a transposição de barreiras
A história de Cuba é marcada por conflitos ideológicos e pelo embargo econômico rigoroso imposto
pelos Estados Unidos, que ocasionou muitas limitações ao povo da ilha, como a restrição de acesso à
informação e ao consumo dos mais diversos tipos de produtos. As viagens para fora do país também
foram proibidas.

O embargo teve início em 7 de fevereiro de 1962, e foi transformado em lei em 1992. Atu almente, a
grande maioria dos países se declara contra o embargo e até mesmo a ONU condenou-o formalmente,
porém não chegou a enfraquecê-lo.

Apesar das restrições e imposições à economia, política e liberdade pessoal, a população da ilha
caribenha prezou pela preservação de suas riquezas imateriais e culturais, em especial a música, que
conseguiu ultrapassar as barreiras e tornar-se mundialmente conhecida. Com ricos arranjos, improvisos,
timbres e percussão, a música de Cuba é uma mistura de ritmos e influências múltiplas: da música
africana – evidente pelo uso de instrumentos de origem africana, como na rumba, no guaguanco e na
comparsa; dos ritmos europeus, especialmente os espanhóis; de elementos culturais de origem
francesa, com a tumba – tipo de dança com influência da França; e até mesmo da música chinesa, com o
uso de cornetas típicas.

Com esse potencial nasceu o grupo Buena Vista Social Club, cujo nome faz referência a uma famosa e
antiga casa de shows de Havana que funcionou até a década de 1950, onde muitos cantores renomados
se apresentavam. Ao ganhar o mundo com sua música, o grupo assumiu o papel de legítimo
representante da arte cubana e seus integrantes são prova de que o embargo econômico imposto pelo
governo norte-americano, embora tenha debilitado a economia, não diminuiu a capacidade de
transposição de barreiras da música.
Matthias Oesterle/ZUMA Press/Corbis/Latinstock

Apresentação do grupo Buena Vista Social Club no Festival de Música de Pedralbes, Barcelona, Espanha, 2015.
Página 237

A trajetória do grupo teve início em 1996, quando o guitarrista e produtor norte-americano Ry Cooder,
contrariando a lógica dos governantes de seu país (que inibe a visitação turística à Cuba), foi até a ilha
para conhecer os artistas locais, se inspirar e gravar um disco com eles. Chegando lá, ficou fascinado
com o som e os testemunhos dos artistas e teve a ideia ousada e revolucionária de, juntamente com
outros músicos – como o pianista Rubén González –, instrumentistas e o compositor e instrumentista
Compay Segundo, produzir o CD Buena Vista Social Club. Essa obra projetou a música cubana na mídia
mundial e, sem dúvida, colocou-a em seu ponto alto, com o alcance do reconhecimento, da qualidade e
da importância cultural do país. Os cubanos chegaram a fazer um show em Nova York e sua música foi
reconhecida com o maior prêmio da música na atualidade, o Grammy.

O exemplo do Buena Vista Social Club é uma confirmação do papel da música nas sociedades, que é
misturar elementos como forma de expressão, colocando em pauta tanto a realidade de seus autores
quanto dos que são por ela cantados. Assim, a música cubana, que expressa a mescla da identidade
latina com a africana, fala, canta e toca o universo de um povo que, apesar das limitações, busca das
mais variadas formas mostrar ao mundo sua identidade nacional originária, que vai além da imposta
pelo regime socialista, mostrando como os traços culturais podem ultrapassar qualquer fator na
organização e formação da realidade de um país.

Ebet Roberts/Redferns/Getty Images

Apresentação do grupo Buena Vista Social Club no Carnegie Hall para o álbum dos vencedores do Grammy, Nova York (EUA), 1º
jul. 1998.

Atividade
1. Embora a ilha de Cuba enfrente muitos problemas econômicos, tem também uma importante
característica: sua riqueza cultural que, muitas vezes, ameniza as dificuldades impostas à
população. De certa forma, essa também é uma característica do Brasil: apesar dos desafios
econômicos e problemas sociais, contamos com uma rica diversidade musical, fruto de nossas
diferentes raízes culturais.
Forme um grupo com alguns colegas e, juntos, pesquisem as diversas formas de expressão musical
presentes em nosso país. Realizem, então, uma apresentação aberta à comunidade com os ritmos
e as expressões musicais pesquisados. Pode ser um festival cultural incluindo outras turmas ou um
sarau, por exemplo.
Página 238

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (UECE) A globalização tem sido vista, de maneira muito simplificada, como simples abertura de
fronteiras e geração de um espaço mundial comum. É natural a construção ideo ló gica segundo a
qual nosso mundo encolheu dramaticamente e qualquer ponto do planeta está a nosso alcance,
através do teclado do computador ou da tela da televisão. Considere os seguintes itens a respeito
da globalização:

I. A produção globalizada e a informação globalizada permitem a emergência de um lucro em


escala mundial, buscado pelas firmas globais que constituem o verdadeiro motor da atividade
econômica contemporânea.

II. A globalização é o estágio supremo da internacionalização e o maior destaque desse mais


recente período é o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, a permitir que o mundo
se torne socialmente mais justo e igualitário.

III. Num mundo globalizado, as realidades geográficas se renovam, contribuindo para vivermos
num espaço sem fronteiras, uma aldeia global onde todos podem conhecer extensivamente e
profundamente o planeta.

É(são) correta(s) apenas

a) I e III.

b) II e III.

c) II.

d) I.

2. (UFPI) No que diz respeito ao processo de globalização hoje dominante no espaço mundial,
analise as seguintes afirmações.

I. A expansão das multinacionais vem provocando a descentralização das atividades produtivas, das
aplicações de capitais e a interligação dos mercados em escala mundial.

II. O desenvolvimento científico-tecnológico constitui-se em um dos principais fatores para a


retração do capitalismo globalizado.

III. As cidades globais ou metrópoles mundiais são os centros de decisões do capital, as sedes das
principais empresas financeiras, polos de pesquisa tecnológica e de comando da economia
mundial. De acordo com as afirmações acima, é correto afirmar que:

a) I e II são verdadeiras.
b) I e III são verdadeiras.

c) I, II e III são verdadeiras.

d) apenas I é verdadeira.

e) apenas II é verdadeira.

3. (Unicamp-SP) Faz cerca de vinte anos que “globalização” se tornou uma palavra-chave para a
organização de nossos pensamentos no que respeita ao funcionamento do mundo. A palavra
“globalização” entrou recentemente em nossos discursos e, mesmo entre muitos “progressistas” e
“esquerdistas” do mundo capitalista avançado, palavras mais carregadas politicamente passaram a
ter um papel secundário diante de “globalização”. A globalização pode ser vista como um processo,
uma condição ou um tipo específico de projeto político.

(Adaptado de: HARVEY, David. Espaços de Esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2006. p. 79.)

a) Identifique uma característica política e uma cultural do processo de globalização.

b) Quais as principais críticas econômicas dos movimentos antiglobalização?

4. (PUC-RJ) “A economia mundial depende de um clique do mouse”. Na ótica neoliberal, o


equilíbrio da economia é dado pela ação do mercado. Ao contrário dos padrões reguladores
adotados anteriormente, o novo marco regulatório interliga o mundo todo. A globalização está
funcionando e modificando o nosso cotidiano de maneira definitiva. O capital vai para onde é
desejado e só permanece onde é bem-aceito. O funcionamento dessa nova ordem econômica está
baseado:
Página 239

Responda no caderno

a) no acesso à informação.

b) no equilíbrio da balança comercial.

c) na instabilidade do dólar.

d) na restrição à circulação do capital.

e) na intervenção do Estado nacional.

5. (Udesc) Na década de 1980, Ronald Reagan (nos Estados Unidos) e Margaret Thatcher (na
Inglaterra) levaram a cabo políticas formuladas com base nas ideias econômicas desenvolvidas em
meados dos anos 1970, que defendiam transformações substanciais no capitalismo, a fim de
superar a crise da década. Esse conjunto de ideias e medidas – adotado pela maioria dos países
desenvolvidos no período – pode ser explicado, de modo geral, (1) ________ e ficou conhecido
como (2) ________.

Assinale a alternativa correta que preenche os espaços (1) e (2) na sequência estabelecida, com as
respectivas definições.

a) (1) pela intervenção direta do Estado na economia nacional, política econômica baseada na
teoria do economista inglês John Keynes – (2) New Deal.

b) (1) pelo aumento da produção industrial e pela participação no comércio internacional, bem
como políticas de valorização da moeda por parte do Estado, com o objetivo de fortalecer a
economia nacional – (2) capitalismo monopolista.

c) (1) pela não intervenção do Estado na economia; ao Estado cabia apenas a gerência sobre a
formação dos trustes e cartéis – (2) mão invisível do mercado.

d) (1) pela não intervenção do Estado na economia, o que incluía deixar de defen der a
manutenção dos empregos, e o corte significativo de gastos públicos na área social – (2)
neoliberalismo.

e) (1) pela intervenção estatal na economia; para proteger o mercado interno, o governo
armazenou a produção do setor agrícola, a fim de aumentar os preços no mercado interno e a
elevação de taxas de importação etc. – (2) neoliberalismo.

Para você ler


• Globalização: Estado nacional e espaço mundial, de Demétrio Magnoli. São Paulo: Moderna, 2003. A
década de 1990 foi marcada pelo processo da globalização, dando início a um período de prosperidade e
euforia para os países economicamente favorecidos. Mas para os países subdesenvolvidos não houve
crescimento econômico e as desigualdades sociais só aumentaram. Conheça os mecanismos da
globalização, suas consequências e os motivos que iniciaram seu atual esgotamento.
Para você assistir
• Babel, direção de Alejandro González Iñárritu. EUA/França/México, 2006, 142 min. Quatro histórias se
entrelaçam quando um tiro acerta uma turista americana no Marrocos: o casal de turistas americanos
em busca de tratamento médico, seus filhos deixados nos EUA com a babá mexicana, pai e filha
tentando superar a morte da esposa e mãe no Japão, e os policiais do Marrocos, que suspeitam de um
ataque terrorista.

• Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá, direção de Sílvio Tendler. Brasil,
2007, 89 min. Com base no pensamento do geógrafo brasileiro Milton Santos, o filme discute o processo
de globalização em relação à realidade nacional e os efeitos cotidianos da globalização e dos novos
modos de trabalho do capitalismo moderno.

• Maracatu, Maracatus, direção de Marcelo Gomes. Brasil, 1995, 14 min. Disponível em:
<portacurtas.org.br>. Acesso em: fev. 2016. Esse curta-metragem revela os aspectos religiosos e
culturais do ritual afro-indígena chamado Maracatu, que se originou nos engenhos de açúcar de
Pernambuco.

Para você navegar


• Fórum Social Mundial. Disponível em: <http://memoriafsm.org>. Acesso em: fev. 2016. O Fórum
Social Mundial proporciona um espaço de debates e reflexão. O portal dá acesso à programação de
atividades do Fórum Social Mundial e de outros fóruns com objetivos semelhantes.
Página 240

9 Direitos violados
Neste capítulo
Desrespeito aos direitos humanos
Miséria em toda parte
Violência: o valor da vida
Discriminação, intolerância e corrupção

Criança recolhe lixo em Daca, Bangladesh, 2016.

Mohammad Ponir Hossain/NurPhoto/Corbis/Latinstock

Nas primeiras décadas do século XXI, mesmo diante de várias ações globais e políticas
públicas implementadas em muitos países, o número de pessoas sem acesso a condições
mínimas de sobrevivência ainda é grande. Essa não é a realidade apenas das nações
consideradas em desenvolvimento. Mesmo países desenvolvidos têm dificuldade em
proporcionar qualidade de vida adequada a toda a população.

Nesse contexto, a violência aparece como reflexo da exclusão de grande parte da


população do modo de consumo capitalista, o que abre margem para a existência da
miséria.
Página 241

A violação dos direitos humanos aparece não apenas nas notícias de roubos e mortes
exibidas na televisão mas também quando a população é privada das condições mínimas
de vida em sociedade.

Neste capítulo são introduzidas reflexões sobre os temas da miséria, violência,


discriminação, intolerância e corrupção. São temas atuais que afetam a todos os povos em
diferentes partes do mundo. Nesse sentido, refletir sobre eles é discutir um dos direitos
humanos fundamentais: o direito à vida.
Página 242

Desrespeito aos direitos humanos


Apesar de o século XXI ser considerado por diversos estudiosos o “século dos direitos humanos”,
milhões de pessoas ao redor do mundo têm condições abaixo das consideradas necessárias para uma
vida digna.

As situações de desrespeito aos direitos humanos são muitas e estão relacionadas tanto à carência de
condições básicas para a sobrevivência quanto a violações físicas e morais.

O descumprimento desses direitos pode ser identificado em muitas partes do globo, nas mais variadas
formas, dentre as quais podemos destacar a miséria e a violência, presentes no decorrer da história em
diferentes sociedades. Situações de miséria causadas por guerras, aumento populacional e outros
motivos podem ser facilmente encontradas nos estudos históricos em diferentes períodos. São comuns
também exemplos de violência como a Inquisição, a colonização na América, as guerras de conquista
romanas, a escravização e outros tantos casos.

Diante dos avanços nas discussões sobre os direitos humanos e com tantas ações concretas para seu
cumprimento, como é possível que esses dramas sociais perdurem atualmente? Essa questão não tem
uma resposta simples, pois são vários os motivos que desencadeiam a violência ou produzem as
situações de miséria. Eles incluem desigualdade social, discriminação e crises econômicas, apenas para
citar os mais comuns.

Miséria é a situação de pobreza extrema, entendendo-se pobreza como carência material (que envolve
as necessidades da vida cotidiana, por exemplo, alimentação, vestuário, moradia e cuidados de saúde),
falta de recursos econômicos e carência social (exclusão social, falta de acesso à educação e à
informação).

Violência refere-se a qualquer força física ou moral empregada contra uma pessoa.

Mohamed al-Sayaghi/Reuters/Latinstock

Menino descansa em local cercado de lixo. Iêmen, 2013.

Pausa para investigação


Em dupla, pesquise em jornais e revistas (impressos ou on-line) exemplos de situações de miséria e
violência no estado onde vivem.

Juntos, selecionem três reportagens e analisem as situações descritas. Para cada notícia,
destaquem os fatores que influenciam a violência e a pobreza e elaborem um comentário
abordando as possíveis causas e soluções.

Finalizem a atividade com o levantamento de questões sobre violência e miséria. Elas devem ser
retomadas nos estudos do final do capítulo.
Página 243

Miséria em toda parte


A miséria pode ser entendida como a total falta de oportunidade ao ser humano para que conquiste
uma vida saudável, digna e com padrões decentes de alimentação, vestuário e outras necessidades
básicas. No modelo atual da sociedade capitalista, essas necessidades têm sido supridas por meio da
remuneração do trabalho.

A pobreza extrema afeta diretamente os direitos humanos, na medida em que nega o direito ao bem-
estar, à saúde e à qualidade de vida. Também compromete o princípio da liberdade de escolha, já que
não é possível gozar a liberdade sem condições mínimas de vida e sobrevivência. Em suma, ela prejudica
os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, pois uma pessoa que vive em situação de
miséria, desprovida de recursos mínimos para garantir alimentação, saúde e outros recursos necessários
à manutenção de sua vida, passa a ser ignorada como sujeito, uma vez que lhe é negado o exercício
desse direito.

Bruno Fernandes/Fotoarena

Homem em situação de rua. São Paulo (SP), 2015.

O crescimento da riqueza mundial, proporcionado pela modernização e pelo aumento dos volumes de
produção dos mais variados gêneros de consumo, foi, ao longo do século XX, proporcional à expansão
da pobreza nas regiões mais carentes do globo. As implicações desse processo se encontram nas novas
relações de exploração de matérias-primas e mão de obra. Embora essas relações envolvam diversas
regiões do globo na produção dos mais variados gêneros, elas não o fazem quando se trata da
distribuição do lucro adquirido.

Pesquisas apontam que entre as décadas de 1940 e 1990, ao mesmo tempo em que a riqueza mundial
cresceu cerca de sete vezes, o número de pessoas em situação de pobreza ao redor do mundo triplicou.

A pobreza também pode ser consequência da discriminação étnica, sexual e etária, na medida em que
atinge sobremaneira os grupos minoritários, como mulheres, crianças, idosos e populações das áreas
mais pobres do globo.

Os direitos estão consagrados em instrumentos legais, como leis, tratados e declarações, mas em
nenhum desses documentos consta uma cláusula coercitiva ao Estado para que os cidadãos em
situação de miséria tenham seus direitos efetivamente garantidos. Lamenta-se a situação dos países
com maiores índices de miséria, mas não há um mecanismo legal que exija do Estado ações diretas para
a solução do problema.
Organizações não governamentais e outras procuram minimizar a gravidade da situação apelando para
a solidariedade, o que não é garantia de solução, já que essas medidas são apenas paliativas.

Logo, é difícil erradicar a pobreza sem alterar as estruturas econômicas e sociais. Na busca pela solução
efetiva, é preciso fomentar a distribuição de renda e o investimento em educação, considerando, é
claro, os fatores culturais de cada sociedade. No entanto, ainda há muitas questões a discutir e ações a
implementar para que sejam atendidas as necessidades humanas básicas – alimentação, vestimenta,
moradia, educação, saúde, trabalho, segurança e serviços públicos, como água e saneamento – e todos
tenham garantido o pleno exercício de seus direitos.

Em todo o mundo, e já há bastante tempo, são inúmeras as discussões sobre a miséria e as tentativas de
implementar leis e diretrizes para erradicá-la. Entretanto, concretizá-las tem se

Glossário
Coercitivo: que se impõe pela força, que reprime.
Paliativo: meio ou recurso empregado para atenuar um problema ou adiar uma crise, sem resolvê-
los.
Página 244

tornado um grande desafio para os governos ao redor do globo. O documento a seguir – reproduzido
em partes – foi criado com esse fim.

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos afirma que a pobreza extrema e a exclusão social
constituem uma violação da dignidade humana e que devem ser tomadas medidas urgentes para
se ter um conhecimento maior do problema da pobreza extrema e suas causas, particularmente
aquelas relacionadas ao problema do desenvolvimento, visando a promover os direitos humanos
das camadas mais pobres, pôr fim à pobreza extrema e à exclusão social e promover uma melhor
distribuição dos frutos do progresso social. É essencial que os Estados estimulem a participação das
camadas mais pobres nas decisões adotadas em relação às suas comunidades, à promoção dos
direitos humanos e aos esforços para combater a pobreza extrema.

Artigo 25 da Declaração e Programa de Ação de Viena (1993). Disponível em:


<http://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/IIIPAG3_1_9.htm>. Acesso em: dez. 2012.

Os documentos resultantes de acordos internacionais buscam a cooperação de todos para que esse
grave problema seja sanado.

Em 2000, durante a Cúpula do Milênio – evento promovido pela ONU que reuniu representantes de 189
países para debater os principais problemas que afetam o mundo – foi firmado um compromisso
conhecido como Declaração do Milênio. Nele foram estabelecidas oito metas chamadas de Objetivos do
Milênio (ODM), que no Brasil foram chamadas de oito maneiras de mudar o mundo. Essas metas
deveriam ser cumpridas até dezembro de 2015. A primeira das metas era erradicar a extrema pobreza e
a fome.

Em 2015, após alguns documentos produzidos pela ONU, foram tomadas novas decisões visando
melhorias globais. Formularam-se os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados na
Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (25 a 27 de setembro 2015), que estão
explicitados no documento Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento
sustentável.

São 17 objetivos e 169 metas que visam estimular ações em áreas de importância crucial para a
humanidade e para o planeta, conforme se pode observar na imagem a seguir.
ONU

A Agenda de Desenvolvimento Sustentável Pós-2015, chamada Agenda 2030, corresponde ao conjunto de programas, ações e
diretrizes que orientarão os trabalhos das Nações Unidas e de seus países-membros rumo ao desenvolvimento sustentável.

Nesse documento, os dois primeiros objetivos são: acabar com a pobreza e a fome em todos os lugares,
alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável.

Portanto, as questões relativas à fome e à pobreza permanecem no topo das discussões e dos
documentos relativos às garantias de direitos humanos a todos.

Para efetivação desses e dos demais objetivos, é necessária uma parceria global com a participação ativa
de todos: governos, sociedade civil, setor privado, Nações Unidas etc.

O combate à pobreza tornou-se prioridade na agenda internacional depois que se constatou seu
aumento em nações onde os índices eram baixos e seu agravamento em países em desenvolvimento
que já sofriam com essa mazela.

Os documentos resultantes dos acordos internacionais buscam a cooperação de todos para que esse
grave problema universal possa ser sanado ou ao menos minimizado.
Página 245

Organizando ideias
1. Analise a charge a seguir. Com base no que você já estudou até o momento, interprete a
situação apresentada e responda às questões.

Angeli

Angeli. A Charge foi publicada no jornal Folha de S. Paulo em 8 de junho de 2000.

a) Descreva o que está representado na imagem.

b) Explique a última frase da charge considerando a efetivação dos direitos.

c) Ainda convivemos com o tema retratado na charge?

2. Forme uma dupla com um colega e, juntos, analisem e descrevam um dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) listados na página anterior. Depois, apresentem propostas
concretas relacionadas a ele. Vocês podem pesquisar a efetivação dessas propostas na região ou
estado em que moram. Apresentem o resultado em sala de aula.
Página 246

O paradoxo da miséria no Brasil


A miséria, como conhecemos atualmente, relacionada à privação dos direitos humanos básicos,
acentuou-se no Brasil desde a primeira metade do século XX, em decorrência das mudanças causadas
pela industrialização, assim como dos processos de trabalho, que promoveram grandes alterações nos
padrões de consumo da população em geral.

Para calcular a quantidade de pessoas que vivem em situação de miséria no Brasil, é preciso, primeiro,
definir matematicamente o que é miséria e o que é pobreza. Assim, é possível chegar aos percentuais de
pobreza e miséria do país por meio de censos e pesquisas. Na linha da pobreza, são incluídas as pessoas
com renda insuficiente para cobrir os gastos mínimos com a manutenção da vida: alimentação, moradia,
transporte e vestuário. Para esses dados, são desconsideradas a educação e a saúde oferecidas
gratuitamente pelo governo. No percentual da miséria, são consideradas as pessoas incapazes ou
impossibilitadas de ganhar o bastante para garantir a alimentação.

Essas pessoas se encontram abaixo da linha da pobreza, numa situação clara de flagelo social.

O fato é que, independentemente de medidas e critérios, a condição de miserabilidade atinge uma


parte bastante significativa da população brasileira, mesmo considerando os recentes esforços dos
governos para diminuir esse problema.

Falar de miséria no Brasil é falar de subnutrição, analfabetismo, exclusão social, perda da cidadania, ou
seja, falta de atendimento às necessidades básicas de alimentação, moradia, educação, transporte,
saneamento, saúde, emprego etc.

Os estudos sobre a fome no país apontam a falta de renda para uma alimentação adequada como um
de seus fatores determinantes. Segundo estudiosos do tema, ela provém da desigualdade social,
agravada pelo desemprego e pela falta de políticas efetivas no campo da segurança alimentar.

Isso não quer dizer que nada está sendo feito. Existem vários programas públicos tanto federais quanto
locais que buscam minimizar o problema, mas a solução definitiva ainda não foi encontrada.

Nelson Antoine/Fotoarena

Pessoas almoçam em restaurante popular na cidade de São Paulo (SP), 2014.


Pausa para investigação
O Brasil serve como exemplo de país em que o combate à fome está surtindo bons resultados.
Busque informações sobre quais ações estão sendo implementadas em sua comunidade para o
combate à fome.
Página 247

Condições de miserabilidade: a fome no mundo


Os dados mundiais indicados em estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e o
Programa Mundial de Alimentos (PMA), apresentados em 2015, mostram que, apesar dos progressos
nas últimas décadas, ainda há cerca de 805 milhões de pessoas, a maioria em zonas rurais, sem alimento
suficiente no planeta.

Miséria e fome são inseparáveis, pois quem vive em situação de pobreza extrema geralmente não tem o
que comer ou tem pouquíssimo acesso a alimentos. Mas o que é fome? Segundo a definição dos
dicionários, fome é a condição em que o indivíduo não recebe a quantidade mínima de alimento para
um dia. Nesses casos, se os intervalos entre as refeições são muito longos ou não há ingestão de
alimento, o organismo tende a avisar por meio da sensação de desconforto, evidenciado por tonturas,
mal-estar, fraqueza e dor no estômago.

Entre as possíveis causas de fome no mundo, há aquelas de origem natural (adversidades relativas ao
clima e ao solo, como secas, inundações, terremotos, além de pragas de insetos e doenças na lavoura
que prejudicam a agricultura e consequentemente a produção de alimentos) e as causadas por
problemas sociais (como a concentração desigual de terra e de renda, o desemprego, as guerras e
conflitos civis etc.).

Embora essas causas possam ser usadas como explicação, elas não são as únicas e tampouco podem ser
consideradas individualmente. Em geral, a fome é o resultado de um conjunto de motivos que difere de
um país para o outro; portanto, cada caso deve ser analisado em seu contexto. A fome é hoje um
problema universal, muitas vezes “justificado” pela produção insuficiente de alimentos – apesar de esse
fato ser bem questionável.

De acordo com dados oficiais da ONU, a quantidade de alimentos produzida no mundo atual seria
suficiente para prover uma pessoa com cerca de 2 kg de comida por dia, desde que sua distribuição
fosse correta. Portanto, a produção de alimentos não é o problema, e sim sua distribuição e, sobretudo,
o acesso a eles, ou seja, a condição dada para adquiri-los.

A fome tampouco é um problema causado exclusivamente pelo crescimento populacional


(superpopulação), pois não há uma relação direta entre esses dois fatores, já que a fome atinge tanto
países com alta concentração demográfica quanto outros com baixa concentração.

Num mundo globalizado e tecnologicamente desenvolvido, as causas naturais também não podem mais
ser as únicas responsáveis pela fome, pois já há, por exemplo, como se prever muitas das catástrofes
naturais e/ou minimizar seus efeitos. Além disso, essas situações não são permanentes.

Analisando essas questões, percebe-se que a fome é, de fato, um problema social que só pode ser
solucionado por meio de ações políticas nos âmbitos nacional e internacional.

A fome é uma violação aos direitos humanos não só no que diz respeito ao direito à alimentação como
também ao exercício dos demais direitos. Ela não é insolúvel, podendo ser eliminada por políticas
adequadas e pelo trabalho conjunto de todas as nações. Obviamente, o resultado só virá em longo
prazo e, para chegar a ele na atual globalização, as medidas devem fazer parte de políticas de
desenvolvimento que abranjam as diversas regiões do mundo.
Flavio Florido/Frame Photo

Crianças almoçam alimentos saudáveis em escola. São Paulo (SP), 2015.


Página 248

Organizando ideias
Forme uma dupla com um colega e, juntos, analisem o mapa a seguir. Em seguida, respondam às
questões.

© DAE/Sonia Vaz

Fonte: Programa Mundial de Alimentos. Disponível em: <www.wfp.org/content/hunger-map-2015>. Acesso em: fev. 2016.

1. Quais países têm maior porcentagem de população com fome? 2. Quais países têm o menor
percentual de pessoas que passam fome?

3. No ano de 2015, apenas um país da América Latina foi classificado com o nível muito alto. Que
país é esse? Qual contexto resultou nessa classificação? Se necessário, pesquisem.

4. Pela classificação do Brasil no Mapa da Fome, é possível concluir que as ações de combate à
fome em nosso país têm gerado resultados positivos? Justifiquem.

Consequências da fome
As consequências imediatas e mais visíveis da fome são a perda de peso, os problemas relativos ao
desenvolvimento das crianças e a desnutrição. A desnutrição é resultante da falta de alimentos ou da
quantidade insuficiente de alimentos apropriados por um período longo.

Em situações de miséria e de fome, a desnutrição pode atingir um grande número de pessoas. Quando
severa, ela pode causar falência dos órgãos, anemia, infecção generalizada e outras patologias graves,
levando inclusive à morte, sobretudo de crianças. A fome também é responsável pelo aumento da taxa
de mortalidade infantil.
Página 249

Mas nenhum atestado de óbito se refere à fome como causa da morte de um indivíduo. Então, como se
pode afirmar que a fome mata?

Christian Minelli/Photoshot/Grupo Keytone

Família de refugiados descansam na Ilha de Lesbos (Grécia), 2015.

Os efeitos da fome

Ninguém morre de fome, pelo menos segundo os atestados de óbito, que registram apenas as
doenças e problemas causados por ela, como infecções ou falência de órgãos vitais. Após um dia
sem comer, a pessoa tende a apresentar apatia, cansaço e fraqueza. O metabolismo e a pressão
tendem a cair, resultando em sonolência e sensação de frio.

O organismo começa a produzir cetonas, o que causa mau hálito. Após uma semana sem se
alimentar, a pessoa começa a ter câimbras, redução da atividade cerebral, perda de peso e massa
muscular e diminuição do volume sanguíneo, o que dá à pele um tom amarelado. Quatro semanas
sem comer levam, entre outros sintomas, a arritmias cardíacas, por falta de potássio, confusão
mental, infecções na pele e nos intestinos, queda do cabelo, insuficiência renal e riscos de entrar
em coma, caso a temperatura corporal caia a menos de 35 ºC. A fome prolongada, portanto, afeta,
de uma maneira ou de outra, todos os órgãos do corpo.

NORONHA, Ana Beatriz. Fome crônica da cidadania. Radis, Rio de Janeiro, Fiocruz, n. 8, p. 11, abr. 2003. Colaboração de Kátia
Machado).

Organizando ideias
“Cooperativas agrícolas alimentam o mundo” é o tema do Dia Mundial da Alimentação 2012, em
reconhecimento do papel que elas desempenham na melhora da segurança alimentar e na
erradicação da fome.

Praticamente uma em cada sete pessoas sofre de desnutrição, mas o mundo tem os meios para
eliminar a fome e promover o desenvolvimento sustentável. Há um amplo acordo de que os
pequenos agricultores fornecerão grande parte dos produtos necessários para alimentar mais de
nove bilhões de habitantes em 2050. Uma das medidas necessárias para obter a segurança
alimentar é apoiar as cooperativas, organizações de produtores e outras instituições rurais
investindo nelas.

Várias histórias de sucesso em todo o mundo mostram que as instituições rurais, como
organizações de produtores e cooperativas, contribuem para a segurança alimentar ajudando os
pequenos agricultores, pescadores, criadores de gado, silvicultores e outros produtores a obter
acesso às informações, ferramentas e serviços de que necessitam. Isso permite que eles aumentem
a produção de alimentos, comercializem os seus produtos e criem empregos, melhorando a sua
subsistência e aumentando a segurança alimentar no mundo. [...]

COOPERATIVAS AGRÍCOLAS ALIMENTAM O MUNDO. Disponível em: <www.fao.org.br/download/WFD2012.pdf>. Acesso em: fev.
2016.

1. Pode-se afirmar que a fome é um fenômeno mundial? Explique.

2. O que significa alimentação adequada? Se necessário, pesquise.

3. Nas discussões sobre a fome no mundo, é recorrente a expressão “segurança alimentar”. O que
isso quer dizer no contexto dos Direitos Humanos?

4. De acordo com o texto, qual é a importância das cooperativas agrícolas para minimizar a fome
no mundo?
Página 250

Violência: o valor da vida


Violência é outro dos grandes males que afetam a vida dos seres humanos. Atualmente, a relação entre
direitos humanos e violência é um assunto bastante polêmico.

Para entender como a violência afeta nosso cotidiano, faça o seguinte teste: pergunte a colegas e
pessoas próximas o que mais lhes causa medo. Possivelmente, o medo de assaltos, assassinatos e
sequestros estará entre os citados, sobretudo se as pessoas investigadas residirem em grandes centros
urbanos. Outra forma de perceber a forte presença da violência é a observação da paisagem urbana:
casas com muros e grades altas, cercas eletrificadas, cadeados, correntes e outros aparatos que
denotam a busca constante por proteção.

Violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física ou os
recursos do corpo para exercer sua força vital). Essa força torna-se violência quando ultrapassa um
limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou
maléfica. É, portanto, a percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que
vai caracterizar o ato como violento, percepção essa que varia cultural e historicamente.

ZALUAR, Alba. Violência e crime. In: MICELI, S. (Org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995). São Paulo: Sumaré;
Anpocs, 1999. p. 28.

Thiago Bernardes/FramePhoto

Moradia em São Paulo (SP), com muros altos e cerca elétrica, 2016.

A violência é um fenômeno social presente no cotidiano de todas as sociedades sob várias formas.
Em geral, ao nos referirmos à violência, estamos falando da agressão física. Mas violência é uma
categoria com amplos significados. Hoje, esse termo denota, além da agressão física, diversos tipos
de imposição sobre a vida civil, como a repressão política, familiar ou de gênero, ou a censura da
fala e do pensamento de determinados indivíduos e, ainda, o desgaste causado pelas condições de
trabalho e condições econômicas. Dessa forma, podemos definir violência como qualquer relação
de força que um indivíduo impõe a outro.

Consideremos o surgimento das desigualdades econômicas na história: a vida em sociedade


sempre foi violenta porque, para sobreviver em ambientes hostis, o ser humano precisou produzir
violência em escala inédita no reino animal.

Por outro lado, nas sociedades complexas, a violência deixou de ser uma ferramenta de
sobrevivência e passou a ser um instrumento da organização da vida comunitária. Ou seja, foi
usada para criar uma desigualdade social sem a qual, acreditam alguns teóricos, a sociedade não se
desenvolveria nem se complexificaria. Essa desigualdade social é o fenômeno em que alguns
indivíduos ou grupos desfrutam de bens ou valores exclusivos e negados à maioria da população de
sua sociedade. Tal desigualdade aparece em condições históricas específicas, constituindo-se em
um tipo de violência fundamental para a constituição de civilizações.

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2006. p. 412.
Página 251

As formas de violência variam de uma sociedade para outra e são determinadas pelo momento
histórico.

Nas décadas de 1950 e 1960, ocorreram várias revoltas populares e guerras civis contra governos
ditatoriais. Esses movimentos são exemplos de violência ideo ló gi ca, ou seja, luta política empreendida
por intelectuais e grupos engajados. Nesses casos, a violência era direcionada não às pessoas, e sim aos
governantes, ao Estado constituído, sob a forma de atos violentos.

A partir da década de 1970, e sobretudo depois de 1980, a violência se espalhou, atingindo mais
diretamente a população comum. Grandes cidades – como Los Angeles e Detroit (EUA), Johanesburgo
(África do Sul), Paris (França), Hamburgo (Alemanha), Birmingham (Inglaterra), São Paulo e Rio de
Janeiro, para citar apenas algumas – passaram a conviver com o que podemos chamar de guerras civis.
Nesses e em outros grandes centros, aumentaram consideravelmente o número de homicídios e crimes
violentos, os atos de vandalismo (depredação de bens como carros, prédios etc.) e as agressões físicas
diretas (algumas resultantes de assaltos e roubos, outras de brigas de rua, de trânsito etc.), deixando a
população em estado de medo e alerta.

Portanto, nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, a violência direta contra a pessoa – e
não mais contra as instituições – tornou-se mais contundente.

Flavio Sosa/Xinhua/ZUMAPRESS/Keystone Brasil

Policiais controlam motim entre gangues rivais em presídio de Escuintla. Guatemala, 2015.
Página 252

Esse e outros exemplos suscitam os debates atuais sobre o que está acontecendo com a sociedade e o
Estado contemporâneos. Os questionamentos e as pesquisas buscam entender por que nações com
baixo índice de violência passaram, nas últimas décadas, a registrar números cada vez maiores de
crimes, agressões e outros comportamentos destrutivos e antissociais.

A temática da violência urbana é um objeto de preocupação mundial. Como explicar o ódio, o prazer de
espancar, violentar seu semelhante? A crueldade e a frieza no trato com o outro são uma realidade em
todas as sociedades contemporâneas.

Para a análise do crescimento da violência, o mundo deve ser considerado no contexto da globalização.
Todavia, há particularidades que ajudam a compreender as diferentes manifestações de violência nos
âmbitos nacional, regional e local.

Apesar disso, o principal foco deve ser sempre a prevenção: estabelecer uma cultura de paz para
prevenir a violência.

EZRA ACAYAN/Reuters/Latinstock

Centenas de pessoas participam de marcha pela paz na cidade de Quezon (Filipinas), 2015.

Organizando ideias
1. De forma geral, você considera que a violência no Brasil tem aumentado ou diminuído?
Justifique sua resposta.

2. O que você considera serem as causas mais prováveis da violência? Explique.


3. Você já presenciou alguma cena de violência ou já foi vítima de uma? Relate.

4. A educação é apontada como um dos caminhos para a prevenção da violência. Você concorda?
Apresente argumentos para justificar sua opinião.
Página 253

A violência na realidade brasileira


O Brasil figura entre os países mais violentos do mundo, chegando a superar os índices de mortalidade
ocasionados pela violência de algumas regiões em situação de guerra.

O alto índice de assaltos, sequestros, assassinatos, violência doméstica e violência no trânsito contribui
para que o Brasil ocupe essa posição. Quando analisados esses casos, chega-se a algumas causas
prováveis: pobreza, má distribuição de renda, desemprego, desarticulação familiar e alcoolismo, apenas
para citar as mais recorrentes.

TAXA DE MORTALIDADE POR ARMA DE FOGO (2008/2012)


País Taxa (por 100 mil hab.) Classificação
Venezuela 55,4 1º
lhas Virgens (EUA) 49,7 2º
El Salvador 45,6 3º
Trinidad e Tobago 38,1 4º
Guatemala 32,3 5º
Colômbia 31,0 6º
Iraque 27,7 7º
Bahamas 25,1 8º
Belize 24,8 9º
Porto Rico 24,8 10º
Brasil 21,9 11º
Panamá 17,7 12º
México 15,1 13º
Ilhas Cayman 13,9 14º
Santa Lúcia 13,6 15º
São Vicente e Gran. 10,6 16º
Estados Unidos 10,2 17º
Uruguai 9,5 18º
República Dominicana 9,3 19º
Bermudas 8,8 20º

No cenário urbano brasileiro, é possível perceber mais acentuadamente o crescimento de alguns tipos
de violência:

• aumento da chamada delinquência urbana, expressa sobretudo pelos crimes contra o patrimônio –
roubos, assaltos, extorsão mediante sequestros – e contra a pessoa – homicídios, agressões;

• aumento da criminalidade organizada, em especial relacionada ao tráfico de drogas;

• aumento da violência institucional, praticada pelos representantes do Estado para manter a ordem e
reprimir a violência (forças policiais);

• aumento de conflitos das mais variadas ordens, que podem terminar em desfechos fatais, como brigas
de trânsito, atritos entre torcedores rivais de futebol, desavenças familiares, desentendimentos entre
vizinhos, confrontos escolares etc.

Esses fatos têm uma característica comum: a violência. No entanto, suas causas e consequências são
específicas.

Fonte: WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2015: mortes matadas por armas de fogo. Brasília: Secretaria Nacional da Juventude,
2015. p. 87.
Cadu Rolim/Fotoarena/Folhapress

Moradores e Polícia Militar enfrentam-se em reintegração de posse no bairro de Rio Vermelho, Florianópolis (SC), 2014.
Página 254

O tráfico de drogas
Atualmente, um dos maiores problemas e desafios mundiais é o controle do tráfico e do uso de drogas –
mais precisamente, o controle e a destruição da indústria do crime organizado, que se espalhou pelo
mundo e afeta drasticamente países como o Brasil, que se encontra na rota da distribuição de drogas.

Esse mercado ilegal conta com uma logística eficaz, que garante seu funcionamento em várias nações.
Pode-se afirmar que hoje o mercado das drogas é um dos setores econômicos mais desenvolvidos do
mundo e movimenta uma grande rede financeira de lavagem de dinheiro. Esse mercado mistura
legalidade e ilegalidade para garantir sua eficácia. As redes financeiras usadas para a legalização do
capital (lavagem de dinheiro) provêm de atividades como o contrabando e o tráfico de armas.

O crime organizado transnacional aumentou em muito a violência em alguns setores,


especialmente o do tráfico de drogas. Os que ocupam posições estratégicas nas grandes redes de
conexões transnacionais podem ter rápidos ganhos em razão de uma combinação de poucos
limites institucionais, violência e corrupção. Mundialmente, eles fomentam práticas subterrâneas e
violentas de resolução de conflitos: as ameaças, a intimidação, a chantagem, a extorsão, as
agressões, os assassinatos e, em alguns países, até mesmo o terrorismo. [...]

ZALUAR, Alba. Democratização inacabada: fracasso da segurança pública. Estudos avançados, São Paulo, IEA/USP, v. 21, n. 61,
set./dez. 2007.

Estudos recentes apontam a relação entre o crescimento de crimes violentos e do crime organizado,
pois esse mercado é responsável pela entrada de um grande contingente de armas ilegais no país. Como
as estruturas da ilegalidade e a criminalidade vêm aumentando no mesmo período, pode haver uma
relação direta entre ambas.

As atividades econômicas ilegais – neste caso, o tráfico de drogas e armas – são altamente lucrativas.
Com tanto lucro, a corrupção policial e a institucional (Justiça) é facilitada. Isso não quer dizer que toda a
polícia e os órgãos de justiça estejam implicados nela, mas, da parte envolvida, advêm as facilidades
para o aumento e a proteção dessas atividades. E, como elas são ilegais, todos os conflitos e disputas
são resolvidos com violência.

O crime organizado é uma das faces da violência urbana e, por estar constantemente sendo propalado
pela mídia, é um dos assuntos mais recorrentes quando se discute a violência.

O tema não se esgota neste nem em outros exemplos, mas deve ser constantemente debatido e,
sobretudo, combatido.
Fagner Alves/Código19/Folhapress

Drogas apreendidas são incineradas em Bragança Paulista (SP), 2015.


Página 255

Organizando ideias
Observe o infográfico a seguir e faça o que se pede.

Alex Argozino

Fonte: United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report 2015. New York: United Nations, 2015.

1. Qual é a droga ilícita mais produzida e mais consumida no mundo?

2. Menos de 1% dos consumidores de drogas permanecem consumindo-a por toda a vida. Elabore
hipóteses que expliquem esse fenômeno.

3. O vírus HIV é o causador da aids. De que modo a transmissão desse vírus pode estar relacionada
com o uso de drogas? Se necessário, pesquise.

4. Alguns analgésicos e sedativos utilizados atualmente na medicina são derivados de opiáceos. A


prescrição e o uso responsável dessas substâncias não representam risco à saúde nem causam
dependência física. Sabendo disso, elabore um texto sobre a importância de nunca consumir
medicamentos sem prescrição e acompanhamento médico.
Página 256

Resgate cultural

O papel social do hip-hop


O que é o hip-hop?

BREAK

“Dança de passos robóticos, quebrados e, quando realizada em equipe, sincronizados.”

Mike Segar/Reuters/Latinstock

Dançarinos realizam apresentação no teatro United Palace. Nova York, Estados Unidos, 2015.

GRAFITE

“Pintura, normalmente feita com spray, aplicada nos muros da cidade.”

Arquivo Pessoal/Grupo Opni

Grafite realizado pelo Grupo Opni em Taubaté (SP), 2013

DJ (disc-jóquei)

“Aquele que seleciona as músicas tocadas em discotecas, rádios, festas etc.”


Anna Bryukhanova/iStock

DJ em apresentação em Miami, Estados Unidos, 2013.


Página 257

MC (mestre de cerimônias)

“Aquele que canta ou declama as letras sobre as bases eletrônicas criadas e executadas ao vivo
pelo DJ”

Scott Dudelson/Getty Images

O rapper Danny Brown em apresentação na Califórnia, Estados Unidos, 2015.

O movimento hip-hop p nasceu nos Estados Unidos atrelado a diversas expressões da cultura negra
do país e em meio a movimentos sociais de conquista dos direitos civis pela população afro-
americana, desde a década de 1960. Caracterizam as produções de hip-hop p (gráficas, musicais e
de dança) “a valorização da ascendência étnica negra, o conhecimento histórico da luta dos negros
e de sua herança cultural, o combate ao preconceito racial”.

ZENI, Bruno. O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva. Estudos Avançados, n. 18, 2004, p. 230. Disponível em:
<www.scielo.br/pdf/ea/v18n50/a20v1850.pdf>. Acesso em: fev. 2016.

O rap, que reúne DJs e MCs, é a expressão do movimento hip-hop mais conhecida das pessoas;
muitos rappers participam de apre- sentações musicais desvinculadas do grafite e do break.

No Brasil, a cidade de São Paulo ocupou durante longo tempo uma enorme centralidade na cultura
hip-hop: a produção artística de jovens negros de periferia circulava para muito além das cidades,
chegando às periferias de outros centros urbanos e influenciando sua produção. Entre os muitos
temas abordados nas canções, destaca-se a atuação da polícia em bairros e comunidades pobres
das periferias.

São homens da lei, reis da zona sul


Vestidos bonitinhos no seu traje azul
Somem pessoas, onde enfiam eu não sei
E não podemos dizer nada, pois não somos da lei
THAÍDE & DJ HUM. Homens da lei. In: VÁRIOS. Hip-hop cultura de rua. São Paulo: Eldorado, 1988. LP. Lado A. Faixa 6.
Apesar de as denúncias contra a atuação da polícia reportarem principalmente ações locais
(“Somem pessoas”), muitas letras estabelecem correlações entre o comportamento dos policiais e
as regras sociais que vigoram no país, como o racismo, a segregação socioespacial e a
discriminação contra a população pobre, negra e migrante.

1. Como a denúncia social por meio da arte atua na transformação das sociedades? Em sua
opinião, o movimento hip-hop p influencia mudanças na sociedade brasileira?
Página 258

Discriminação, intolerância e corrupção


A pobreza e a violência estão entre os obstáculos mais visíveis e imediatos de violação dos direitos
humanos essenciais, ocupando lugar de destaque na realidade global entre os vários entraves à
concretização deles.

A discriminação e a intolerância caminham juntas e têm sido motivo de preocupação nas discussões da
ONU desde a década de 1990. Um exemplo disso é que, em 1995, a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aprovou a Declaração de Princípios sobre a Tolerância.

Já em seu primeiro artigo, ficam claros o conceito de tolerância e sua necessidade nas sociedades, o que
motivou as Nações Unidas a elaborar esse documento.

Declaração de Princípios sobre a Tolerância

Aprovada pela Conferência Geral da Unesco em sua 28ª reunião, Paris, 16 de novembro de 1995.

Preâmbulo

[...] Alarmados pela intensificação atual da intolerância, da violência, do terrorismo, da xenofobia,


do nacionalismo agressivo, do racismo, do antissemitismo, da exclusão, da marginalização e da
discriminação contra minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas, dos refugiados, dos
trabalhadores migrantes, dos imigrantes e dos grupos vulneráveis da sociedade e também pelo
aumento dos atos de violência e de intimidação cometidos contra pessoas que exercem sua
liberdade de opinião e de expressão, todos comportamentos que ameaçam a consolidação da paz e
da democracia no plano nacional e internacional e constituem obstáculos para o desenvolvimento.
[...]

Artigo 1º – Significado da tolerância

1.1 A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas de


nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de
seres humanos.

É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de


pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não só é um
dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica. A tolerância é uma virtude
que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz.
[...]

Disponível em: <www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/paz/dec95.htm>. Acesso em: fev. 2016.

De acordo com esse documento, qualquer manifestação de intolerância é uma ameaça à efetivação dos
direitos humanos e, sobretudo, à paz.

A tolerância nada mais é que o reconhecimento de que o “outro” é diferente e isso deve ser respeitado.
Nenhum valor político ou social pode se sobrepor a esse princípio básico de aceitação, pois a tolerância
é condição imprescindível para que se possa estabelecer e manter a ordem social.
A tolerância pratica-se por meio do diálogo, da aceitação, da compreensão mútua, que são atitudes
difíceis, pois as pessoas têm ideias e comportamentos diferentes, mas necessárias para a construção da
cultura da paz.

A discriminação refere-se à separação, à segregação, ao tratamento desigual dado às pessoas em


função de suas características étnicas, sociais, religiosas, sexuais etc.

Glossário
Antissemitismo: doutrina ou movimento contra os judeus.
Xenofobia: sentimento de antipatia ou desconfiança de quem julga alguém alheio a sua cultura,
ambiente de convivência ou país.
Página 259

De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo 1

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição.

2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou
internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território
independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de
soberania. […]

Artigo 7

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos
têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Disponível em: <www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Acesso em: fev. 2016.

As leis punitivas contra a discriminação existem em muitos países, por exemplo, no Brasil, onde essa
questão é tratada tanto na Constituição Federal quanto em outras leis. Nelas, o racismo deixou de ser
contravenção penal, tornando-se crime: “Serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou
preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de
1989).

Para entender o que é discriminação, é preciso também entender o que é preconceito, já que, na
sociedade brasileira, esses dois termos são, às vezes, usados como sinônimos.

Preconceito é a opinião formada com base em pouco conhecimento sobre um fato ou assunto. Traduz-
se em intolerância ou aversão a outras etnias, religiões, condição social etc.

De acordo com essas definições, uma pessoa preconceituosa é aquela que analisa ou julga o outro sem
ter ancorado sua argumentação na realidade, baseando-se apenas em sentimentos ou opiniões. O
preconceito não é algo palpável, e sim abstrato – uma intolerância.

Ocorre, por exemplo, quando alguém julga o outro como menos capaz por ele ser de outra etnia,
nacionalidade, religião, orientação sexual, idade ou condição social.

A discriminação acontece quando o preconceito se traduz em ações, como quando alguém ofende, trata
com indiferença, de forma humilhante ou impede o acesso de uma pessoa de outra etnia ou com
deficiência física, por exemplo, ao que está garantido pela Constituição (emprego, serviço público etc.).
Juridicamente, no Brasil, os termos preconceito e discriminação não se distinguem, pois as leis tratam
do preconceito de raça, cor e etnia como racismo.

Legalmente, há quase uma fusão desses termos, o que, na prática, criminaliza qualquer ação resultante
de discriminação e preconceito.

Os casos de discriminação sexual ainda precisam de legislação específica para que possam ser punidos
com mais rapidez e rigor. Para esses casos, vale o que está determinado na Constituição, na qual consta
que não são permitidos preconceitos de nenhuma natureza.

Contudo, é preciso esclarecer que os meios legais e as sanções penais, apesar de importantes para a
prevenção e a eliminação da discriminação, não bastam.

É necessária uma transformação de mentalidade para que realmente seja possível eliminar a
discriminação. Alguns dos meios mais eficazes para alcançar os objetivos são, em longo prazo, a
educação e, em curto prazo, o uso dos meios de comunicação de massa, que podem efetivamente
empreender uma intensa luta contra todas as formas de discriminação.

O terrorismo, o crime organizado e a corrupção também são fortes ameaças aos direitos humanos
constituídos.

Glossário
Corrupção: a palavra deriva do latim corruptus, que significa “quebrar em pedaços”. Encontramos
no dicionário: “Ato ou efeito de corromper; suborno; peita”.
Página 260

Olicio Pelosi/Futura Press

Manifestação feminista conhecida por Marcha das Vadias, Bauru (SP), 2015.

As ações terroristas em todas as suas formas, assim como as práticas do crime organizado (tráfico de
drogas, lavagem de dinheiro, violência, tráfico de pessoas etc.), são ameaças constantes à democracia, à
liberdade e aos direitos humanos. Elas comprometem a segurança dos cidadãos e dos Estados, a
integridade territorial e a estabilidade dos governos constituídos legitimamente.

Já a corrupção é uma constante ameaça ao desenvolvimento social, econômico e político,


comprometendo a justiça social e, consequentemente, os direitos humanos.

Presente em vários níveis, a corrupção pode ser definida, grosso modo, como todas as atitudes cujo
único objetivo é obter vantagem pessoal a qualquer custo, inclusive causando prejuízos à sociedade.

No que tange aos direitos humanos, a corrupção mais danosa é a praticada no exercício da função
pública, ou seja, nas atividades realizadas por um indivíduo em nome do Estado ou a serviço dele ou de
suas entidades, em qualquer de seus níveis hierárquicos. Essas ações lesam diretamente os cidadãos e
atentam contra seus direitos.

Existem meios de combate à corrupção? Certamente, e um deles é acabar com a impunidade, ou seja, é
premente punir quem pratica atos de corrupção. Há legislações internacionais, como a Convenção
Interamericana Contra a Corrupção (29 de março de 1996), que abordam os casos de corrupção e os
mecanismos de prevenção e punição.

Mas não podemos esquecer que toda a sociedade civil é responsável por combater e denunciar os atos
de corrupção.
Alexandre Tokitaka/Pulsar Imagens

Marcha contra a corrupção, São Paulo (SP), 2012.


Página 261

Organizando ideias
Analise a história em quadrinhos a seguir e, depois, responda às perguntas.

2008 Dik Browne

Dik Browne. O melhor de Hagar. Porto Alegre: L&PM, 1996.

1. O que está sendo retratado?

2. Existe alguma forma de discriminação ou preconceito implícita? Qual?

3. A situação descrita ainda ocorre? Exemplifique.

4. De que outras formas o preconceito e a discriminação contra mulheres podem ser


manifestados?

5. Você já ouviu alguma piada ou frase que denote preconceito ou discriminação referente a
mulheres ou outros grupos? Exemplifique.

6. Você considera as piadas e frases populares formas de disseminar ou manter ideias


preconceituosas e discriminatórias? Explique.

Pausa para investigação


A corrupção no Brasil está constantemente nos noticiários e jornais. Pesquise um caso e apresente-
o para discussão na sala de aula.

Discuta com os colegas o que cada um deve fazer para erradicar a corrupção.

Traga o resultado para a classe e, juntos, façam uma mesa-redonda sobre a corrupção e os meios
de resolvê-la.
Página 262

Debate interdisciplinar
Fome × Obesidade: efeito dos dois extremos no organismo
humano
A discrepância de renda entre países de diferentes partes do globo e as dificuldades de organização do
processo de distribuição de alimentos entre as populações, atreladas a aspectos específicos do cotidiano
das pessoas em sociedades distintas – como a cultura da ociosidade no Ocidente e os diferentes hábitos
alimentares relacionados às particularidades culturais de países da África, por exemplo –, fazem com
que surjam situações extremas, tanto relacionadas à fome quanto à obesidade, ao redor do mundo.

De maneira geral, a energia necessária para manter o organismo em perfeito funcionamento é obtida
por meio da ingestão dos nutrientes encontrados nos alimentos, como proteínas, carboidratos e
gorduras.

A glicose, um monossacarídeo com fórmula molecular C 6H12O6, é resultado da quebra de dissacarídeos e


polissacarídeos e constitui a principal molécula utilizada como fonte de energia pelos seres vivos. Sua
ingestão ocorre da seguinte maneira: depois que a glicose é formada, entra na corrente sanguínea pelo
intestino e segue para o interior das células. Dentro da célula, a glicose é transformada em energia,
numa conversão feita pela respiração celular.

A respiração celular, na grande maioria dos seres vivos, é feita por meio do consumo de oxigênio pelo
corpo (a respiração aeróbica). Essa reação ocorre na mitocôndria da célula, na qual a glicose, na
presença do oxigênio, forma gás carbônico e água com liberação de energia.

C6H12O6 + 6 O2 → 6 CO2 + 6 H2O + energia

As reações metabólicas precisam estar sempre balanceadas no organismo para que a energia necessária
à manutenção da vida seja suficiente, evitando a falta ou o acúmulo dela, o que pode gerar
consequências para o corpo humano.

Vagner Coelho

Consequências biológicas da fome


Quando uma pessoa não se alimenta, ela deixa de consumir os nutrientes necessários para a
manutenção do corpo, principalmente a glicose. Sem esses nutrientes, o organismo procura reservas
alternativas nele mesmo, provocando diferentes resultados.

STRINGER/INDIA/Reuters/Latinstock

Criança em situação de desnutrição aguarda atendimento em hospital de Bihar, Índia, 2015.


Página 263

Primeiramente, o organismo recorre ao tecido adiposo e começa a “queimar gordura” para se manter
vivo. A pessoa inicia a perder peso. Após consumir toda a gordura do corpo, e se a condição de fome
persistir, o organismo começa a retirar energia dos músculos, transformando glicose, oxigênio, gás
carbônico, água, sais minerais e proteínas musculares em glicose. Nessa fase, ocorre perda de massa
muscular, e o indivíduo fica “pele e osso”.

Como a energia obtida é distribuída para todo o organismo, o cérebro também sofre consequências,
como a perda da capacidade de comandar o restante do corpo. Os sintomas nessa fase incluem
tonturas, enjoos, náuseas e dificuldade de raciocínio. Se nesse momento a pessoa não conseguir obter
nutrientes por meio da alimentação, restará ao organismo pouquíssima energia e ele passará a
economizá-la; então, os níveis de produção de substâncias fundamentais, como enzimas e hormônios,
começarão a cair. Finalmente, se o organismo usar toda a reserva e a fome persistir, ocorrerá o óbito.

Consequências biológicas da obesidade


O excesso de peso e de gordura corporal é resultado de sucessivos balanços energéticos positivos. Nos
indivíduos obesos, observa-se, normalmente, uma ingestão maior de alimentos, o que aumenta os
níveis de nutrientes no organismo, incluindo a glicose. Aliada a essa dieta de muitas calorias, a vida
sedentária impede que o corpo gaste a energia necessária para manter o peso adequado e,
consequentemente, há acúmulo de gordura. Os fatores que levam a esse desequilíbrio são complexos e
podem ter origem genética, metabólica, ambiental, emocional e comportamental.

Muitos são os malefícios da obesidade, dos quais podem ser destacados: doenças cardiovasculares,
diabetes, hipertensão arterial, colesterol alterado e problemas ortopédicos em razão do excesso de
peso sobre os ossos. Além das consequências biológicas, há as psicológicas, pois, frequentemente,
ocorre discriminação social, causando isolamento, depressão e perda de autoestima.
Peter Werner/Alamy/Latinstock

Mulher obesa lendo livro em 2014.

Atividade
1. Atualmente, a obesidade é considerada problema de saúde pública e, portanto, alvo de
discussões e projetos cujo objetivo é diminuir essas taxas, principalmente em crianças e
adolescentes, e incentivar a alimentação saudável nas escolas. Considerando o elevado número de
crianças e adolescentes obesos no país, busque informações sobre os principais riscos biológicos e
psicológicos causados pela obesidade nessa faixa etária.
Página 264

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (UFF-RJ) “Uma valorização do eufemismo parece importante na dinâmica das relações sociais.
Seu emprego permitiria, em parte, contornar o valor negativo que certas expressões espelham. O
eufemismo, no entanto, não afronta o estigma. Seu uso indica uma relação de cortesia, necessária,
no curso das trocas sociais que se passam com aqueles que não podem se desfazer de suas marcas.
Observamos que este uso é generalizado entre diferentes grupos sociais – a mesma preocupação
pode levar a substituir o termocomunidade por outro equivalente, como morro ou bairro.
Sabemos todos que nas trocas sociais o mais importante é o sentido que se elabora no interior das
suas dinâmicas. O esforço continuado para não ferir as pessoas que acompanham as trocas sociais
correntes motiva o uso do termo comunidade em muitos momentos, inclusive por aqueles
diretamente concernidos – as pessoas que moram em favelas –, quando se referem a seus locais de
moradia. Empregado pela mídia, pelo governo, pelas associações locais, pelas ONGs, o termo
comunidade muitas vezes explicita a dificuldade dessa operação de levar em conta o que pensam
os que se veem nomeados de uma forma negativa.

Se este uso eufemístico é recorrente, vale observar que, em muitas circunstâncias, do ponto de
vista dos moradores, o que é mais reivindicado é a não identificação, ou seja, preferencialmente, a
anulação de qualquer referência à identidade territorial em trocas sociais diversas.

O termo ‘comunidade’ em seus usos eufemísticos não é capaz de impedir a associação da pessoa
com os traços negativos provenientes dessa identificação; somente indica a suspensão destes pelo
uso momentâneo de aspas que podem ser retiradas quando for preciso.”

BIRMAN, Patrícia. “Favela é comunidade?”. In: SILVA, L. A. (Org.). Vida sob cerco. Violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 106-107. (Adaptado).

“Falar de favela é falar da História do Brasil desde a virada do século passado [século XIX]. É falar
particularmente da cidade do Rio de Janeiro na República, entrecortada por interesses e conflitos
regionais profundos. Pode-se dizer que as favelas tornaram-se uma marca da capital federal, em
decorrência (não intencional) das tentativas dos republicanos radicais e dos teóricos do
embranquecimento [...] para torná-la uma cidade europeia.”

ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (Org.). Um século de favela. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 7.

Tomando-se o texto de L. A. Silva e o de Alba Zaluar e Marcos Alvito como ponto de partida, é
possível afirmar que as favelas, na História do Brasil, em geral, e do Rio de Janeiro, em particular,
podem ser percebidas como:

a) espaços a serem apartados do restante da cidade, a partir da construção de muros e cercas, em


1950 e na atualidade.

b) espaços sociais cujas representações a seu respeito naturalizam uma visão dualista do espaço
urbano, tanto em 1950 como hoje em dia.
c) redutos exclusivos de nordestinos migrados do campo, na década de 1960 e na atualidade,
apenas como espaços do crime e das quadrilhas.

d) espaços exclusivos de afirmação da verdadeira cultura popular brasileira, nos inícios do século
XX e na atualidade.

e) “fantasmas” da escravidão, cujos descendentes forneceram a totalidade de seus habitantes,


ontem e hoje.

2. (UFPR) “Tem muita gente boa aplaudindo Barack Obama porque ele proibiu a prática de torturas
contra presos. O suplício mais conhecido era a simulação de afogamento. Um pedaço dessa mesma
plateia emocionou-se com a valentia do Capitão Nascimento no filme Tropa de Elite e com o poder
de persuasão de seus sacos de plástico. É um novo tipo de esquizofrenia política. O sujeito é
Obama nos Estados Unidos e George Bush no Brasil.”

Elio Gaspari, O Globo, jan. 2009.


Página 265

Responda no caderno

Sobre esse texto, considere as afirmativas a seguir:

1. A esquizofrenia política a que o autor se refere é a atitude paradoxal de algumas pessoas que
apoiam Obama e o Capitão Nascimento ao mesmo tempo.

2. O Capitão Nascimento representa uma simbiose de Obama e George Bush, mas em lugares
diferentes.

3. O texto critica a interferência de George Bush no modo de agir da polícia brasileira.

4. No que se refere a respeitar os direitos humanos, o autor coloca Barack Obama e George Bush
em polos opostos.

Assinale a alternativa correta.

a) Somente a afirmativa 2 é verdadeira.

b) Somente as afirmativas 1 e 4 são verdadeiras.

c) Somente as afirmativas 1, 2 e 3 são verdadeiras.

d) Somente as afirmativas 3 e 4 são verdadeiras.

e) Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras.

Para você ler


• A fome na atualidade, de Maria Elisa Marcondes Helene. São Paulo: Scipione, 1997. Na atualidade, a
fome é uma consequência dos modelos econômicos adotados, e não está ligada à produção de
alimentos. Esse livro examina os problemas políticos e éticos envolvidos na situação de fome no Brasil e
no mundo.

• Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Alfaguara Objetiva, 2007. Morte
e vida severina conta a história de um retirante nordestino que deixa a Paraíba e sai em busca de uma
vida melhor no litoral.

• O que é fome?, de Ricardo Abramovay. São Paulo: Brasiliense, 1991. Por meio do trabalho, o homem
é responsável por seu próprio sustento, produzindo, armazenando e distribuindo alimentos. Entretanto,
milhares de pessoas no mundo passam fome. Nesse livro, o autor explica o fenômeno e suas causas.

Para você assistir


• Cidade de Deus, direção de Fernando Meirelles e Kátia Lund. Brasil, 2002, 130 min. O dia a dia da
favela Cidade de Deus é impregnado de violência. Buscapé, jovem negro e sensível, teme tornar-se
também um criminoso. Mas seu talento como fotógrafo o leva por outro caminho, ao mesmo tempo em
que, por meio de seu olhar atrás das lentes, conhecemos o cotidiano da comunidade onde vive.

• Um dia de fúria, direção de Joel Schumacher. EUA/França/Reino Unido, 1992, 113 min. Quando
William Foster é demitido, sua frustração o leva a perder o controle e responder com violência a todas
as “injustiças” encontradas em seu caminho pela cidade.

Para você navegar


• Instituto Sou da Paz. Disponível em: <www.soudapaz.org>. Acesso em: out. 2015. Com o objetivo de
incentivar ações contra a violência, o instituto desenvolve projetos nos locais mais afetados por ela,
lidera mobilizações, monitora políticas públicas e leis e assessora governos na prevenção da violência e
promoção da segurança pública.

• Núcleo de Estudos da Violência (NEV). Disponível em: <www.nevusp.org/portugues>. Acesso em: out.
2015. Com o propósito de apoiar pesquisas, o núcleo investiga as relações entre violência, democracia e
direitos humanos. Pesquisadores de diversas áreas examinam, no Brasil, a violação de direitos humanos
e a construção da democracia. O site dá acesso a publicações, mapas, vídeos e outros materiais sobre o
assunto.
Página 266

10Conquistas nas lutas pelos


direitos humanos
Neste capítulo
Vivendo na era dos direitos
Novos sujeitos, novas abordagens

Arquivo Pessoal/Grupo OPNI

Grafite retrata uma comunidade sendo observada por uma mulher. Embora faltem oportunidades, transborda solidariedade.
São Paulo (SP), 2012.

Um mundo no qual as pessoas são consideradas detentoras de direitos inalienáveis é uma


grande conquista, pois revela a consolidação do princípio de que todos os homens são
iguais e devem ter direitos idênticos, correspondentes a suas necessidades básicas de
sobrevivência.

Ao longo do século XX foram travadas muitas batalhas em prol do avanço e cumprimento


dos direitos humanos. Embora a discussão a respeito do assunto tenha resultado em
diversas conquistas, ainda há vários obstáculos a serem transpostos.
Página 267

Além da dificuldade de efetivação de muitos direitos, é importante reafirmar que o


reconhecimento deles ainda permeia as discussões em seminários e conferências
internacionais e não é, absolutamente, assunto considerado resolvido e encerrado.

Neste capítulo, abordaremos os avanços relacionados à garantia dos direitos humanos, a


necessidade de sua efetivação para todos no presente – período que pode ser considerado
a “era dos direitos” – e o muito que ainda pode ser feito nesse sentido para o futuro da
humanidade.
Página 268

Vivendo na era dos direitos


Podemos dizer que vivemos a “era dos direitos”. Teoricamente, essa afirmação é verdadeira.

Na prática, a simples existência dos direitos expressos em tratados ou constituições das nações não é
suficiente – é preciso que as pessoas possam exercê-los em todos os lugares do planeta. Para tanto, faz-
se necessário que os Estados não só os garantam em suas leis, mas ofereçam condições sociais,
econômicas e políticas que possibilitem a todos os cidadãos o exercício pleno da cidadania e,
consequentemente, de seus direitos. Para que esses direitos sejam efetivados, é imprescindível a
participação dos Estados e dos cidadãos. Se todos os conhecerem e, principalmente, interessarem-se
por eles, não ficarão alheios às injustiças ou a outras ações que desrespeitam os direitos em sua
essência – nem à mercê delas.

É preciso que as pessoas percebam que a ofensa ao direito de qualquer pessoa que não for
imediatamente punida ou corrigida enfraquece todo o conjunto de regras de direito. Isso porque se
cria a impressão de que os que forem suficientemente fortes ou malandros para fugir à punição
não precisam respeitar as regras. No final das contas, os próprios arbitrários acabam prejudicados,
pois chegará um momento em que seus direitos também não serão respeitados e eles não poderão
reagir para ajudá-los, porque todos estarão acostumados a ver o direito desrespeitado.

Assim, portanto, não é necessário que uma pessoa sofra um prejuízo imediato, atingindo sua
integridade física ou moral ou seu patrimônio, para que seu direito tenha sido ofendido. A
imposição de leis injustas e as ações arbitrárias ferem os direitos de todos e de cada um. Para que
isso não ocorra, ou pelo menos se reduza ao mínimo, é indispensável que todas as pessoas
procurem conhecer seus direitos e exijam sempre que eles sejam respeitados.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O que são direitos da pessoa. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 60.

Dessa perspectiva, o papel de cada um – respeitar, defender e exigir o cumprimento das leis – é
essencial para que as teorias e aspirações relativas aos direitos humanos sejam concretizadas
indiscriminadamente.

A atuação da ONU
Os direitos são, a princípio, protegidos pelos Estados. Além disso, há uma proteção mais ampla, de
âmbito internacional, representada pela Organização das Nações Unidas (ONU). A principal meta da
ONU é buscar a cooperação internacional para o desenvolvimento e fortalecimento do respeito aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos, sem nenhum tipo de distinção – étnica,
linguística, sexual ou religiosa. Essa organização é regida e orientada pelo Estatuto das Nações Unidas.
Todos os países-membros da ONU devem cumprir o estatuto – que tem força de lei internacional –,
sobretudo em relação à promoção do respeito e à observância dos direitos humanos. Por isso, é comum
nos depararmos, nos noticiários, com ações impetradas pela ONU de ajuda humanitária a vítimas de
catástrofes naturais ou em áreas de conflito. Portanto, há proteção internacional aos direitos humanos.
MIKE SEGAR/Reuters/Latinstock

Membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas em reunião sobre mulheres, paz e segurança. Nova York, Estados Unidos,
2015.

Mas, com tanto aparato de proteção e controle, por que os direitos ainda são violados e ignorados por
muitos paí ses e pessoas em várias partes do mundo? Para responder a essa questão, é preciso
considerar que nem todos os países fazem parte da ONU e muitos resistem à interferência internacional
em seu território. Outro ponto diz respeito ao próprio estatuto da ONU,
Página 269

que não permite a intervenção em questões internas essenciais de nenhum Estado, o que, de certa
forma, limita as ações da entidade, mas assegura a soberania dos países. É um assunto polêmico e
complexo, que suscita diferentes interpretações.

Entre as deliberações da ONU está a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), escrita para
servir de norma a todos os povos de todas as nações, com o objetivo de ser uma orientação única sobre
os direitos inalienáveis. Ela é o documento de caráter universal mais aceito para orientar a conduta de
todos, tanto que partes dele são citadas nas constituições de vários países, em tratados regionais e em
outros documentos internacionais. A Declaração é um parâmetro a ser seguido, mas não é uma lei;
portanto, não é obrigatório cumpri-la. Outros pactos, declarações e tratados a têm confirmado e
complementado, atendendo a algumas especificidades, como os direitos das crianças e das mulheres,
entre outros.

Em dezembro de 1966, foram aprovadas outras duas seções complementares da Lei Internacional dos
Direitos Humanos – da qual a Declaração faz parte –, compostas de pactos internacionais. Uma é
relativa aos direitos econômicos, sociais e culturais, e outra, aos direitos civis e políticos. Apesar disso,
só entraram em vigor em 1976, após sua validação pelos Estados-membros.

Os tratados internacionais são a base da Lei Internacional dos Direitos Humanos. Mas há outros
instrumentos, como declarações e princípios, adotados em âmbito internacional, que auxiliam na
compreensão e no desenvolvimento desses direitos fundamentais. Para que se efetive o respeito aos
direitos humanos, são necessárias leis, tanto nacionais quanto internacionais.

As leis, os tratados e as convenções internacionais de direitos humanos estabelecem obrigações que os


Estados precisam cumprir. Esses documentos são validados pelos países, que assumem o compromisso
de respeitar, proteger e implementar os direitos humanos em seu território, bem como programar
medidas internas (nacionais) visando à efetivação das obrigações estabelecidas nos tratados
internacionais. Esses instrumentos legais de âmbito local são monitorados por comitês internacionais
que implantam os direitos definidos nos acordos e fiscalizam se estão sendo colocados em prática. Os
comitês também apuram as denúncias sobre os abusos cometidos pelas nações comprometidas com os
tratados.

Além desses instrumentos, há muitos outros com o status legal de declarações, princípios, regras ou
recomendações, que não são necessariamente obrigatórios, mas têm força moral e conduzem os
Estados em suas deliberações locais. Seu cumprimento só é obrigatório aos países que os ratificam.

Glossário
Ratificar: confirmar, validar.

Organizando ideias
Em 2008, houve a comemoração dos 60 anos da publicação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Esse fato foi amplamente celebrado, pois a Declaração foi e continua sendo uma
referência moral ao desenvolvimento e fortalecimento dos direitos e às liberdades fundamentais
dos seres humanos, sem exceção.

Observe o cartaz criado pelo governo brasileiro para essa comemoração e faça o que se pede.
Divulgação

1. Descreva-o, identificando o significado da imagem e da frase.

2. Elabore um pequeno texto que relate a importância desse documento para todos e descreva o
papel de cada cidadão na efetivação dos parâmetros descritos na Declaração.
Página 270

Viajando pela história


Os direitos humanos e a cidadania no Brasil
Os direitos humanos no Brasil estão assegurados pelas leis da Constituição e em outros documentos,
como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estatuto do Idoso, o Código de Defesa do
Consumidor e as leis ambientais.

[...] A lei nº 8.069, de 1990, reuniu experiências da sociedade civil e botou no papel desafios que
deveriam ser as ambições de qualquer nação civilizada que pretenda tornar-se socialmente justa e
desenvolvida quando crescer. Um de seus artigos-chave estabelece que “é dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária” para todas as crianças (até 12 anos de idade) e adolescentes (até 18) – faixa etária em
que se encontra menos de um terço da população brasileira.

Não é preciso andar muito pelas cidades para encontrar trabalhando ou pedindo esmola jovens
que deveriam estar na escola ou brincando; ou que se sentem mais seguros expostos aos riscos da
vida nas ruas do que dentro de casa junto da família. São sintomas evidentes de que o ECA ainda é
uma criança frágil, que tem um longo caminho para atingir a maioridade e se tornar uma lei que
pegou.

STEFANEL, Xandra. Um Brasil para os pequenos. Disponível em: <www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Um-


Brasil-para-os-pequenos/5/11208>. Acesso em: dez. 2015.

A luta por direitos humanos no Brasil tem sido árdua. Para traçar um histórico deles no país, é preciso
retornar ao Período Colonial, no qual a maioria da população estava excluída dos direitos civis e
políticos. Por exemplo, os africanos escravizados não tinham acesso nem aos direitos mais elementares,
como à integridade física e, por vezes, à vida. A exclusão e a discriminação social também se estendiam
aos indígenas, aos homens livres pobres e às mulheres em geral.

Com a independência, em 1822, não houve mudanças significativas no panorama já descrito. Uma das
heranças coloniais foi a escravidão.

A partir desse momento, podemos traçar um panorama da trajetória dos direitos humanos com base no
estudo das constituições.

Em 1824, foi outorgada a Constituição Imperial, que prevaleceu até o fim da monarquia, em 1889. Esse
documento regulou os direitos políticos. Podiam votar os homens com mais de 25 anos que tivessem
renda mínima anual de 100 mil-réis. A lei permitia também o voto aos analfabetos. A exigência da renda
não era, de fato, diretamente excludente, pois a maioria da população trabalhadora ganhava mais do
que a renda exigida. Mas os escravos e as mulheres continuavam excluídos.
Coleção particular

Angelo Agostini. O país que não vê festejar o dia 7 de setembro senão pelo canhão e foguetório oficial. Litografia veiculada na
Revista Illustrada, 1881, 21,5 cm × 29 cm. O artista retrata dois grupos sem direitos no Brasil do século XIX: africanos e indígenas.

A Constituição de 1824 garantia os direitos civis e políticos fundamentados na liberdade e na segurança


individual, mas também na propriedade.

Contudo, em 1881, houve um retrocesso: a Câmara dos Deputados aprovou uma lei que, entre outras
questões, mudou a exigência de renda para 200 mil-réis, proibiu o voto aos analfabetos e instituiu o
voto facultativo. As regras para a comprovação de renda se tornaram mais rígidas, o que passou a
impedir de votar muitos
Página 271

que antes estavam aptos. Como o número de analfabetos era grande, a nova determinação excluía
cerca de 80% dos eleitores masculinos. Mulheres, soldados e membros de ordens religiosas também
não tinham direito ao voto. Todas essas proibições estavam em sintonia com a mentalidade do período.

Em 1889, com a Proclamação da República, o novo regime herdou os resquícios da escravidão – abolida
em 1888 –, a manutenção das grandes propriedades rurais e muitos vícios do sistema eleitoral, como as
constantes fraudes.

Os direitos civis não existiam na prática, apesar de estarem previstos na Constituição de 1891, a
primeira do regime republicano. O conceito de igualdade estava presente nas leis, mas não foram
oferecidas condições mínimas aos ex-escravos para uma vida digna. Não lhes foi garantido o acesso a
empregos, terra, moradia nem escola. Sem essas condições, muitos nem chegaram a sair das fazendas e
passaram a se sujeitar à baixa remuneração, vivendo em condições muito parecidas com as de antes da
abolição. Os que foram para os centros urbanos acabaram por engrossar a massa de trabalhadores sem
emprego fixo.

As consequências disso foram duradouras para a população negra. Até hoje essa população ocupa
posição inferior em todos os indicadores de qualidade de vida. É a parcela menos educada da
população, com os empregos menos qualificados, os menores salários, os piores índices de
ascensão social. Nem mesmo o objetivo dos defensores da razão nacional de formar uma
população homogênea, sem grandes diferenças sociais, foi atingido. A população negra teve que
enfrentar sozinha o desafio da ascensão social, e frequentemente precisou fazê-lo por rotas
originais, como o esporte, a música e a dança. [...]

A libertação dos escravos não trouxe consigo a igualdade efetiva. Essa igualdade era afirmada nas
leis, mas negada na prática. Ainda hoje, apesar das leis, aos privilégios e à arrogância de poucos
correspondem o desfavorecimento e a humilhação de muitos.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 52 -53.

A trajetória dos direitos no Brasil Republicano


Durante a Primeira República (1889 -1930), os direitos civis e políticos continuaram precários. Os
direitos sociais limitavam-se ao assistencialismo de algumas associações particulares ou irmandades
religiosas. Quase não havia legislação trabalhista, e a Constituição de 1891 retrocedeu ao retirar a
obrigatoriedade do Estado de fornecer educação primária (que constava na Constituição Imperial de
1824).

Essa Constituição instituiu o sufrágio direto para a eleição de deputados, se na do res, presidente e vice-
presidente da República. No entanto, permaneciam excluídos desse processo mendigos, analfabetos,
religiosos e mulheres. Foi abolida a exigência de renda.

Os poucos avanços legais desse pe río do para a garantia dos direitos foram a legitimação dos sindicatos
(1903 – sindicatos rurais; 1907 – sindicatos urbanos), a instituição do Código de Menores (1927), a
criação do fundo de aposentadoria e pensão dos ferroviários (1923) – que pode ser considerada a
primeira lei eficaz de assistência social – e a fundação do Instituto Previdenciário da União (1926).

Sob o comando de Getúlio Vargas (1930 -1945), o governo instituiu o Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, além de uma vasta legislação trabalhista e previdenciária, que culminou com a criação da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Mas essa legislação social foi instaurada ao mesmo
tempo em que os direitos políticos e civis estavam bastante limitados. É importante salientar que a CLT
é fruto da luta da classe operária brasileira, que, no período da Primeira República, organizou-se em
sindicatos, fez greves, lutou pela jornada de trabalho de oito horas, pelo fim do trabalho infantil, enfim,
deu passos significativos para a construção de uma identidade trabalhista nacional. Não foi um presente
do governo.

A Constituição de 1934 incorporou a legislação já existente com relação aos direitos sociais,
estabelecendo normas de proteção ao trabalhador, como a proibição do trabalho a menores de 14 anos,
a instituição do repouso
Página 272

semanal remunerado, a limitação das horas de trabalho e a criação do salário mínimo (que vigorou a
partir de 1940). Ela também instituiu o voto secreto e a justiça eleitoral, além de validar o voto feminino,
já permitido pelo Código Eleitoral de 1932.

Já em 1937, começou o período chamado de Estado Novo, durante o qual Getúlio Vargas, como ditador,
outorgou a Constituição de 1937, que suspendia drasticamente a liberdade e os direitos de todos os
cidadãos.

Vargas deixou o poder em 1945 e, com o novo governo (Eurico Gaspar Dutra), o Brasil entrou em uma
fase democrática. A Constituição de 1946 restaurou os direitos e garantias individuais, manteve as
conquistas sociais e garantiu direitos políticos, civis e culturais.

Em 1964 foi instaurado o Regime Militar no Brasil. Duas constituições foram elaboradas nesse período –
a de 1964 e a de 1967 –, com o objetivo de legalizar a ditatura.

Por esses documentos, os direitos políticos e civis dos cidadãos foram cerceados. Era o fim da liberdade
de expressão, de reunião, de publicações, incluindo a restrição ao direito de greve.

No período da Ditadura Militar, o desrespeito aos direitos humanos intensificou-se a partir do Ato
Institucional número 5 (AI -5), em 1968, que ampliou o poder público, dando-lhe a prerrogativa de
confiscar bens, suspendeu o habeas corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a
ordem socioeconômica e a economia popular; enfim, legalizou as arbitrariedades do governo. Com o
endurecimento do regime, as torturas e os assassinatos políticos foram amplamente praticados em
nome da manutenção da lei e da ordem. A força

Arquivo/Estadão Conteúdo
Placa da Universidade de Brasília pichada por estudantes. Em 1966, os universitários, armados de pedaços de pau e ferro, atrás de
barricadas improvisadas, transformaram o campus em um “território livre” da ditadura.
Página 273

do AI -5 levou a Constituição de 1969 a vigorar, na prática, somente depois de 1978.

A partir de 1974, o Brasil entrou em um lento processo de abertura política e alguns direitos
ressurgiram. A revogação do AI -5, em 1978, o fim da censura prévia e o retorno de exilados políticos
representaram passos significativos em direção a alguns direitos cerceados pelo Regime Militar.

No governo do general Figueiredo, em 1979, foi aprovada a Lei da Anistia, abolido o bipartidarismo –
possibilitando a criação de novos partidos políticos – e permitida a eleição direta para governadores.

Fazendo um balanço geral dos governos militares, podemos concluir que os direitos sociais foram
ampliados, ao mesmo tempo em que foram cerceados duramente os direitos políticos e,
principalmente, os civis.

A Constituição de 1988, elaborada depois do fim do Regime Militar, é chamada de “Constituição


Cidadã”, sendo considerada um marco importante na trajetória histórica dos direitos humanos no Brasil.

Esse documento ampliou os direitos de cidadania aos brasileiros, já que garantiu uma participação mais
ativa na sociedade e no governo. Além de assegurar os direitos historicamente conquistados e
ratificados por vários documentos internacionais, a Constituição ampliou o leque deles, dando aos
cidadãos direitos como apresentar projetos de lei, participar de plebiscitos ou referendos, propor ações
judiciais visando sobretudo à garantia dos direitos fundamentais, impetrar ações populares e mandados
de segurança para impedir o abuso de autoridades. Esses direitos de cidadania possibilitam que os
brasileiros participem mais ativamente da vida pública.

Portanto, em termos legais, os direitos no Brasil estão garantidos. Falta apenas todos se conscientizarem
deles para rei vin di cá-los e exigir seu cumprimento, sempre que necessário. Também é essencial a
garantia do Estado de que essa legislação inovadora realmente se efetive.

Pausa para investigação


Junte-se a alguns colegas e forme um grupo. Cada grupo ficará responsável pela pesquisa de uma
das constituições brasileiras (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967/1969, 1988), buscando nelas os
artigos referentes às garantias de direitos.

Apresentem o resultado em sala de aula. Para finalizar, pode ser feito um resumo ou um quadro
em que constem as constituições e suas referidas conquistas na área do Direito. Assim, será
possível uma análise dos direitos na trajetória constitucional.

Organizando ideias
1. Podemos dizer que a consciência sobre os direitos humanos aumentou no Brasil? Justifique.

2. O que ainda falta para efetivar os direitos constitucionais para todos?

3. A quem compete a afirmação e a execução dos direitos fundamentais ao ser humano (ao Estado,
aos cidadãos, às organizações etc.)? Explique o papel de cada um desses atores sociais nesse
processo.
4. Qual é o papel da educação na construção da consciência dos direitos humanos? 5. Relacione os
direitos humanos ao exercício da cidadania no Brasil.
Página 274

Novos sujeitos, novas abordagens


Hoje parece haver consenso entre os estudiosos de que a democracia é um fator indispensável para os
direitos humanos contemplarem todos os cidadãos, pois, sem os princípios democráticos, ou seja, em
condições ditatoriais e de cerceamento das liberdades individuais, a efetivação dos direitos não pode ser
garantida. É preciso deixar claro que democracia e direitos humanos são interdependentes e, juntos,
fortalecem um ao outro.

Para que realmente seja instituída uma ordem internacional, na qual prevaleçam os direitos humanos –
que garantem as liberdades individuais e a igualdade –, é necessária a observância da justiça, da lei, do
respeito, da autodeterminação dos povos, da tolerância e da paz. Vale reforçar que esses preceitos se
tornam realidade com mais facilidade em regimes democráticos.

E, nesses regimes, os cidadãos se organizam e promovem ações sociais individuais, coletivas ou por
meio de movimentos sociais em busca da efetivação dos direitos para todos.

No Brasil e em outros lugares do mundo são vários os movimentos que lutam para garantir a efetivação
de direitos a grupos historicamente excluídos ou discriminados. Essas mobilizações buscam dar
identidade a sujeitos sociais que têm necessidades específicas a serem contempladas. Nesse perfil se
encaixam os movimentos de gênero, etários, étnicos, de deficientes, enfim, todos os movimentos
inclusivos que buscam construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Os movimentos étnicos englobam as lutas de grupos como os indígenas e os afro-brasileiros, em busca


do fim da exclusão social e econômica, da discriminação, do preconceito. A instituição do sistema de
cotas nas universidades, a demarcação de áreas indígenas e o reconhecimento das áreas remanescentes
de quilombos são exemplos das conquistas obtidas para atender a necessidades históricas decorrentes
da exclusão social desses grupos.

Dos movimentos de gênero fazem parte as organizações feministas e anti-homofóbicas. Ambas têm
conseguido avanços significativos, como o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (homoafetivo),
já regulamentado em vários países, e diversas conquistas femininas, como a Lei Maria da Penha, no
Brasil, relativa à punição da violência contra a mulher.
M. Stan Reaves/Demotix/Corbis/Latintock

Ativistas protestam contra o racismo e a islamofobia em Nova York, Estados Unidos, 2015.
Página 275

Os chamados movimentos etários englobam as demandas relativas a garantias específicas relacionadas


à faixa etária. As principais demandas têm se concentrado entre os grupos de idosos e crianças. Entre as
conquistas estão o ECA e o Estatuto do Idoso, que garantem o atendimento de necessidades
decorrentes da vulnerabilidade de cada um desses grupos.

Com relação aos deficientes, suas muitas necessidades específicas precisam ser atendidas garantindo
acessibilidade e outras formas de inclusão na sociedade. Nesse quesito os avanços podem ser vistos
com as vagas reservadas a cadeirantes em estacionamentos, a inclusão de painéis em braile em
elevadores e em outros lugares, a presença de tradutores de programas em Libras (Linguagem Brasileira
de Sinais), entre outros.

A prática de inclusão social em todas as áreas (educação, trabalho, cultura, propriedade etc.) baseia-se
nos princípios da aceitação das diferenças individuais, da valorização de cada indivíduo, da convivência
com respeito à diversidade, da aprendizagem por meio da cooperação e da garantia de atendimento às
necessidades específicas.

Organizando ideias
1. Forme dupla com um colega e, juntos, analisem as imagens a seguir, associem-nas às discussões
mais recentes sobre os direitos humanos e escrevam a respeito delas. Apresentem o resultado na
sala de aula e conversem sobre o papel de cada um na garantia do respeito aos direitos de todos.

Nelson Antoine/Framephoto

Indígenas Guaranis e integrantes de movimentos sociais fazem protestos pela demarcação de terras indígenas em São Paulo (SP),
2013.
Notimex/Foto/Especial/Cor/Hum/Afp Photo

Ativistas protestam contra a homofobia no Dia Internacional contra a Homofobia na cidade de Yucatán, México, 2014.
Página 276

Sustentabilidade: direito à vida no planeta


Atualmente, outros direitos humanos estão sendo considerados. Um deles, imprescindível para a
manutenção da vida humana no planeta, tem suscitado amplas discussões: o direito ao
desenvolvimento sustentável. Esse conceito abrange o desenvolvimento socioeconômico e a proteção
ambiental, que são indiscutivelmente interdependentes.

Luis Salvatore/Pulsar Imagens

Área de convivência em escola pública mobiliada com materiais reciclados. Natal (RN), 2014.

Uma das grandes preocupações atuais diz respeito ao meio ambiente, assunto que interessa a toda a
humanidade, porque a destruição ambiental fere o princípio fundamental de direito à vida.

No que se refere à proteção ambiental, podemos contar hoje com um grande número de documentos
internacionais, a maioria deles específicos (sobre mares, oceanos, vida selvagem etc.), que tratam da
proteção da biosfera e da busca por soluções para as degradações ambientais.

Essas questões se referem diretamente à proteção das condições de saúde e à qualidade de vida.
Portanto, são urgentes e necessárias, suscitando soluções locais, nacionais e internacionais. Temas
como as mudanças climáticas já são considerados globais, por se tratar de um “bem comum da
humanidade”.

A defesa dos direitos humanos e a proteção ambiental compartilham, portanto, interesses. Entre eles
está a proteção aos grupos considerados vulneráveis, como os povos indígenas, as minorias étnicas,
religiosas e linguísticas, pessoas com deficiência etc. Essa proteção está prevista nas legislações
ambientais e de direitos que colocam o ser humano no centro das discussões sobre desenvolvimento
sustentável.
A expansão do corpo normativo internacional de direitos humanos e de meio ambiente tem sido
motivada pela necessidade de proteção diante de novas ameaças e de situações de não
observância ou violação dos direitos humanos e de deterioração do meio ambiente, que exigem
respostas ou reparação e regulamentação.

À abordagem global contemporânea dos direitos humanos e do meio ambiente, corresponde uma
proteção global ou integral. Os direitos à informação e à participação democrática são de extrema
importância nesse contexto, bem como a ideia elementar da solidariedade.

É decerto com base na solidariedade (mais do que na soberania) que os Estados – individualmente
tão vulneráveis – vão conter o armamento nuclear, combater a fome e a pobreza da maioria de sua
população, resistir a epidemias, recuperar-se dos desastres naturais e beneficiar-se com a
transferência de tecnologia e com as comunicações internacionais.

A proteção do meio ambiente e a proteção dos direitos humanos ocupam a vanguarda do


ordenamento internacional contemporâneo e nela com certeza permanecerão pelos próximos
anos. [...]

Ao menos, é difícil duvidar que os vínculos entre a proteção dos direitos humanos e a proteção do
meio ambiente não estejam claramente
Página 277

definidos hoje. Trata-se de dois grandes desafios do nosso tempo e de um interesse legítimo
comum a toda a humanidade. [...]

TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Os direitos humanos e o meio ambiente. In: SYMONIDES, Janusz (Org.). Direitos humanos:
novas dimensões e desafios. Brasília: Unesco Brasil; Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003. p. 198 -200.

Nessa árdua luta de proteção, estão envolvidos diversos atores sociais, como grupos, associações,
ONGs, formadores de opinião, cientistas, governos, instituições internacionais, pois esses dois grandes
desafios contemporâneos – proteção aos direitos e ao meio ambiente – exigem participação coletiva.

É hora de pensar: O que posso fazer hoje para assegurar a existência da humanidade em um ambiente
adequado? E a resposta é: múltiplas e pequenas ações, que vão desde o fechamento de uma torneira
para economizar água potável até soluções para o desmatamento e o aquecimento global, entre outras.

Direitos humanos: presente e futuro


Os fundamentos dos direitos humanos já foram convertidos em leis, tratados e em diversos tipos de
documentos internacionais e locais. Talvez a questão pertinente hoje seja como protegê-los, assegurar
sua plena e efetiva vigência e criar mecanismos de ação para impedir violações.

Eduardo Zappia/Pulsar Imagens

Vista áerea de plantação de mudas de árvores típicas da Mata Atlântica para reflorestamento em área rural. Rio de Janeiro (RJ),
2014.
Página 278

A concretização e a defesa dos direitos ocorrem de maneira mais significativa nos Estados democráticos.
Direitos humanos e democracia são indissociáveis.

Nos Estados onde vigoram regimes ditatoriais, autoritários ou despóticos, são mais comuns as violações
aos direitos inerentes ao ser humano.

Gustau Nacarino/Reuters/Latinstock

Voluntários da Anistia Internacional colocam centenas de barcos de papel com o escrito “SOS Europa” e mostram cartazes com os
dizeres “Não há mais mortes no mar”, “Salvar vidas”, “Mortes no Mediterrâneo até quando?” em Barcelona, Espanha, 2015.

[...] Constitui ideia central da democracia o governo ou o controle popular sobre a tomada de
decisões coletivas. A democracia tem por ponto de partida o cidadão, não as instituições
governamentais. Rezam seus princípios definidores que todos os cidadãos têm o direito de opinar
sobre os assuntos públicos, tanto por meio das associações da sociedade civil quanto pela
participação no governo; e que esse direito deve ser igualmente acessível a todos. O controle dos
assuntos coletivos pelos cidadãos e a igualdade entre estes no exercício desse controle são os
princípios democráticos fundamentais. O controle pode ser exercido diretamente nas sociedades
ou associações pequenas e simples, mediante a participação nas decisões coletivas, ao passo que
só pode ser indireto naquelas que são grandes e complexas: por meio do direito de candidatar-se a
cargos públicos, eleger representantes em sufrágio universal, fiscalizar o governo e aprovar
diretamente os termos de qualquer mudança constitucional. [...]

No coração da democracia, repousa, assim, o direito do cidadão de opinar nos assuntos públicos e
de exercer controle sobre o governo, em pé de igualdade com os demais. Para que esse direito seja
efetivo, importa, por um lado, que existam as instituições políticas familiares à experiência das
democracias já consolidadas (eleições, partidos, legislaturas, e assim por diante). Por outro lado, é
necessária a garantia dos direitos humanos rotulados de civis e políticos e inscritos em acordos
internacionais, como no Pacto dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Europeia para a
Proteção dos Direitos do Homem.

Ambos se mostram indispensáveis à realização dos princípios democráticos básicos. Trata-se,


portanto, de uma ligação muito mais intrínseca do que extrínseca, já que os direitos humanos
necessariamente fazem parte da democracia.
BEETHAM, David. Democracia e direitos humanos: direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. In: SYMONIDES, Janusz
(Org.). Direitos humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: Unesco Brasil; Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003. p.
109-110.

As questões relativas aos direitos humanos envolvem inúmeras variáveis de cunho político – a existência
ou não de democracia –, além de outras, como a soberania e os fatores culturais.

E como serão respondidas essas questões no futuro? Todos os obstáculos relativos à efetivação dos
direitos devem ser considerados e solucionados, como a miséria, as guerras, a intolerância,
Página 279

as diversas formas de discriminação, a violência e a corrupção. É importante garantir um futuro no qual


a realidade seja o reflexo da teoria. Mas como podemos mudar a realidade? Uma possível resposta são
ações concretas na área da educação.

A educação em direitos humanos é o meio pelo qual se pode desenvolver uma cultura desses direitos,
na qual os grupamentos possam resolver conflitos de maneira pacífica.

Processo de longo prazo, o estabelecimento dessa cultura pressupõe a participação da sociedade civil.
Só por meio de uma cultura fundamentada nos direitos humanos será possível promover relações
amigáveis entre as diferentes comunidades mundiais, bem como o entendimento e a tolerância entre os
povos, como atributos essenciais para a conquista da paz.

A paz – não entendida aqui como ausência de conflito entre os seres humanos, e sim como estado de
bem-estar compartilhado – é assunto recorrente nas discussões sobre os direitos humanos, pois a
ausência deles é uma permanente ameaça a ela.

Portanto, a observância e o respeito aos direitos humanos não são necessariamente um estado de paz,
mas a ausência de paz ameaça os direitos humanos. Assim, ambos os valores (paz e direito) devem ser
observados quando se almeja uma sociedade mais justa e igualitária, na qual todos possam ter um
padrão de vida adequado à dignidade humana.

Organizando ideias
No filme O Grande Ditador, produzido, dirigido e estrelado por Charles Chaplin em 1940, é feita
uma crítica ao autoritarismo, que, entre outras características, é marcado pelo desrespeito aos
direitos humanos. Leia a seguir o discurso de encerramento do filme e responda às questões.

O último discurso de “O Grande Ditador”

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a
felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos
outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as
nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça
envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e tem-nos feito marchar a
passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos
enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos [...]. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de
afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

[...]

Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo,
tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto –
em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo
novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e
segurança à velhice.

[...]

Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e
à prepotência.

CHAPLIN, Charles. O grande ditador. apud SIMÕES JR., José Geraldo. O pensamento vivo de Charles Chaplin. São Paulo: Martin
Claret, 1984. p. 13-15.

1. Como é possível relacionar o texto ao tema do capítulo?

2. É possível afirmar que o discurso é atual? Justifique.


Página 280

Resgate cultural

Desafios para a conquista de direitos em questões


de gênero
Desde o nascimento, podemos identificar nas diferentes sociedades desigualdades no exercício dos
direitos fundamentais da pessoa. Algumas desigualdades são bastante sutis, outras mais evidentes.
Dentre os inúmeros critérios relacionados à desigualdade de direitos destacam-se as questões de
gênero.

Em grande parte das sociedades, nascer mulher implica viver desafios específicos de sua condição
no exercício pleno de direitos. No Brasil há enormes desafios, como a baixa participação política, as
oportunidades desiguais no mercado de trabalho, o machismo nas relações familiares e a violência
física, vivida, em sua maioria, em ambiente doméstico.

A luta das mulheres por igualdade de direitos conta com marcos importantes, como o direito ao
voto, em 1932, e a equiparação total de direitos com os homens, na Constituição Federal de 1988.

Os enormes avanços alcançados pela sociedade brasileira quanto aos direitos das mulheres
estabelecidos em lei não se refletiram, como esperado, na diminuição da violência contra elas. Em
2006, a Lei Maria da Penha entrou em vigor alterando a possibilidade de seus agressores,
principalmente em ambiente doméstico, obterem penas alternativas para seus crimes. A Lei Maria
da Penha também é considerada um marco na luta das mulheres por igualdade de direitos, já que
transforma a percepção social do papel das mulheres.
Christiane S. Messias

Fontes: WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Disponível em: <www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>.
Acesso em: fev. 2016; Estatísticas de Gênero: uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2014.
Página 281

Já as questões de gênero abrangem, ainda, grupos sociais minoritários e muito discriminados,


como homossexuais e transexuais. As conquistas desses grupos quanto ao reconhecimento oficial
da igualdade de seus direitos são ainda mais recentes que as das mulheres. No Brasil, as principais
conquistas ocorreram a partir da década de 2000.

Os casais homossexuais, além da discriminação, viviam em uma grande instabilidade jurídica: como
não eram reconhecidos como um núcleo familiar, não tinham os mesmos direitos dos casais
heterossexuais. Foram inúmeras as situações em que, após muitos anos de vida conjugal e da
construção de um patrimônio comum, com a morte de um dos cônjuges, o outro perdia sua
residência e demais bens. Além disso, não tinha direito de requerer pensão nem de receber outros
auxílios reservados aos cônjuges heterossexuais.

Christiane S. Messias

Fonte: A trajetória contra o preconceito. Terra, 2013. Disponível em <http://noticias.terra.com.br/brasil/diretos-homossexuais>.


Acesso em fev: 2016.

Embora os homossexuais tenham avançado na conquista de direitos garantidos em lei, são


recorrentes os episódios de violências praticadas contra esses grupos por parcelas da sociedade
brasileira.

A violência contra homossexuais e transexuais, no entanto, ainda não conta com legislação
específica, sendo sua condução jurídica estabelecida, em muitos casos, como crime de ódio. Desde
2006, tramita pelo Congresso brasileiro um projeto de lei que criminaliza a homofobia e a
transfobia.

1. Qual é o papel das leis na conquista de direitos humanos? Justifique sua resposta com exemplos
relacionados às questões de gênero.
Página 282

Debate interdisciplinar
ONGs e os direitos humanos
As organizações não governamentais (ONGs) são entidades sem fins lucrativos que constituem uma
poderosa ferramenta de mobilização social. Surgiram no Brasil na década de 1970 – sob grande
influência de Paulo Freire –, como alternativa à crise do Estado na promoção do bem-estar social. Elas
representam uma opção às demandas da população relacionadas a questões econômicas, ambientais,
raciais e até mesmo reivindicações de melhorias nas condições de vida e fiscalização do poder público.

Paulo Freire foi um filósofo e educador brasileiro. Influenciou o movimento “pedagogia crítica”,
fundamentado em preceitos marxistas, que propõe uma forma de educação pautada em um processo
contínuo composto de cinco etapas: “desaprender, aprender, reaprender, refletir e avaliar”, com o
objetivo de formar cidadãos mais críticos e cientes dos processos democráticos.

Sunil Ghosh/Hindustan Times/Getty Images

Alunos participam de um concurso de pintura organizado por uma ONG no Dia Internacional de Pessoas com Deficiência, em
Noida, Índia, 2015.

O termo ONG nasceu após a Segunda Guerra Mundial para denominar organizações supranacionais e
nacionais estabelecidas por acordos governamentais. Somente após a redemocratização da sociedade
brasileira, na década de 1990, surgiram as principais organizações não governamentais do país, com a
proposta de romper com o assistencialismo ligado a partidos políticos ou entidades religiosas.

O significado do termo supranacional expressa um poder de mando superior aos Estados,


resultando da transferência de soberania operada pelas unidades estatais em benefício da
organização comunitária, permitindo-lhe a orientação e a regulação de certas matérias, sempre
tendo em vista anseios integracionistas.

STELZER, Joana. União Europeia e supranacionalidade: desafio ou realidade? 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 67-68.

A ONG é uma forma de organização que cumpre um importante papel na democracia brasileira, pois
está intimamente ligada às necessidades da população. Empenha-se em atividades e localidades não
alcançadas pelo estado de direito e bem-estar social ou nas quais ele não cumpre suas funções com
excelência.

As ONGs são criadas e dirigidas por membros da sociedade civil. Em muitos casos, para que possam
fazer um trabalho de qualidade, elas estabelecem parcerias com o próprio Estado, que pode ter o
dinheiro, mas não a mão de obra, o conhecimento ou mesmo a infraestrutura para desempenhar
determinadas atividades. Elas podem também fazer parcerias com instituições privadas. Ao se engajar
em projetos sociais, uma empresa consegue abatimento de impostos, uma vez que o Estado
compreende que ela pode proporcionar à sociedade brasileira um bem maior do que o pagamento de
tributos à União.

As organizações não governamentais são uma forma de atender com rapidez às demandas sociais.
Sempre que fazem parceria com órgãos públicos, estão sujeitas à prestação de contas ao Tribunal de
Contas da União.

São instituições que trabalham para garantir o pleno exercício da cidadania de forma democrática.
Quando a sociedade civil se organiza e coloca
Página 283

em prática projetos que atendem às diversas carências da população, os muitos benefícios superam o
assistencialismo. O melhor deles é o exercício da cidadania, pois o maior ganho social é que o povo saiba
exigir o cumprimento de seus direitos.

Sem dúvida, a luta pelos direitos humanos é uma tarefa difícil, mas é obrigação de todos vigiar e
verificar seu cumprimento e, no caso de não serem respeitados, denunciar aos órgãos competentes. As
ONGs se encaixam nesse papel como alternativa de organização civil, mas há outras, como as fundações
e as entidades beneficentes.

Sempre que nos envolvemos com o cuidado e a preservação do bem-estar social, tornamo-nos
politicamente mais fortes e conhecedores de nossos direitos. Essa conscientização facilita a
reivindicação e cobrança aos governantes de condições dignas para todos, reforçando, com nossas
ações, a jovem democracia brasileira, em um processo que é fortalecido pela atuação das ONGs.

Anderson Nascimento/FramePhoto

Pacientes internados em hospital recebem visita de ONG. Durante a visita, palhaços cantam e tocam paródias de carnaval.
Pernambuco, 2016.

YASSINE GAIDI/ANADOLU AGENCY/AFP Photos


Participantes do Fórum Social Mundial realizam marcha contra o terrorismo. Tunísia, 2015.

Atividade
A organização da sociedade civil é essencial para fiscalizar o trabalho do governo e cobrar ações
práticas relacionadas à qualidade de vida e aos direitos básicos dos cidadãos, tarefa que pode ser
facilitada pelo trabalho das ONGs.

1. Pesquise se há alguma ONG em sua localidade, de que modo ela trabalha e qual é sua
contribuição para a sociedade; depois apresente suas descobertas aos colegas.
Página 284

Testando seus conhecimentos


Responda no caderno

1. (Unir-RO) Sobre a Organização das Nações Unidas (ONU) e seu símbolo, analise as afirmativas.

I. Surgiu no fim da Segunda Guerra Mundial e sua sede fica em Nova Iorque.

II. Tem por objetivo preservar a paz e a segurança mundial.

III. Possui várias agências que atuam em vários setores como o PNUD, a FAO entre outros.

IV. O símbolo da ONU é uma projeção conforme que distorce a forma, mas mantém o tamanho real
dos países.

Estão corretas as afirmativas

a) I, II, III e IV.

b) I e IV, apenas.

c) I, II e III, apenas.

d) II, III e IV, apenas.

e) III e IV, apenas.

2. (Unesp) A respeito da Constituição de 1988, é correto afirmar que:

a) o direito de promover ações de inconstitucionalidade foi retirado do Ministério Público, que se


enfraqueceu.

b) o direito de voto foi assegurado a todos os brasileiros e brasileiras com idade a partir dos 16
anos desde que alfabetizados.

c) os direitos foram amplamente assegurados, sendo a prática de racismo classificada como crime
inafiançável.

d) o direito de o poder público intervir nos sindicatos foi assegurado, aumentando o controle do
Estado sobre os trabalhadores.

e) o direito à informação ampliou-se, ainda que o governo possa impor censura prévia à imprensa.

3. (UFPE) As constituições são documentos importantes porque definem a natureza do governo, a


origem do poder e a forma de organização. As constituições imperial (1824) e republicana (1891)
excluíram a grande maioria da população brasileira do exercício da cidadania. Nas alternativas a
seguir, marque verdadeiro (V) ou falso (F):
a) ( ) na constituição Imperial, as eleições eram realizadas de forma indireta em dois graus e apenas
os proprietários podiam votar.

b) ( ) a constituição republicana de 1891 proibiu os analfabetos de votar e retirou do texto


constitucional a obrigação do governo em fornecer instrução primária.

c) ( ) na constituição republicana de 1891 o presidente, chefe do poder executivo, era eleito pelo
voto censitário.

d) ( ) o poder moderador explícito na Constituição de 1824 figurou ainda na Constituição de 1891.

e) ( ) a Carta de 1891 criou a Guarda Nacional formada pelos proprietários rurais e seus agregados.

4. (PUC-RJ) A Constituição brasileira de 1988 é conhecida como a “Constituição cidadã”. Dentre


suas decisões, instaurou e possibilitou a vigência de medidas e códigos legais relacionados aos
direitos de grupos específicos, entre os quais podemos identificar:

I. O Estatuto da Criança e do Adolescente.


II. O Estatuto do Idoso.
III. A afirmação do racismo como crime inafiançável.
IV. A demarcação das terras indígenas.

Assinale:

a) Se apenas a afirmativa I está correta.


b) Se apenas as afirmativas I e III estão corretas.
c) Se apenas as afirmativas II e IV estão corretas.
d) Se apenas as afirmativas I, II e III estão corretas.
e) Se todas as afirmativas estão corretas.

5. (Unirio-RJ) A ideia de desenvolvimento sustentável tem sido cada vez mais discutida junto às
questões que se referem ao crescimento econômico. De acordo com este conceito considera-se
que:
Página 285

Responda no caderno

a) o meio ambiente é fundamental para a vida humana e, portanto, deve ser intocável.

b) os países subdesenvolvidos são os únicos que praticam esta ideia, pois, por sua baixa
industrialização, preservam melhor o seu meio ambiente do que os países ricos.

c) ocorre uma oposição entre desenvolvimento e proteção ao meio ambiente e, portanto, é


inevitável que os riscos ambientais sustentem o crescimento econômico dos povos.

d) deve-se buscar uma forma de progresso socioeconômico que não comprometa o meio ambiente
sem que, com isso, deixemos de utilizar os recursos nele disponíveis.

e) são as riquezas acumuladas nos países ricos, em prejuízo das antigas colônias durante a
expansão colonial, que devem, hoje, sustentar o crescimento econômico dos povos.

Para você ler


• Direitos humanos no Brasil, de Marco Mondaini. São Paulo: Contexto, 2009. Nessa obra, o autor
examina a questão dos direitos humanos no Brasil ao longo da história, desde a República Nova,
passando pela Ditadura Militar, até a universalização dos direitos humanos com a conquista da
democracia.

Para você assistir


• Em minha terra, direção de John Boorman. Reino Unido/Irlanda/África do Sul, 2004, 103 min. Um
jornalista norte-americano vai à África do Sul para fazer a cobertura dos depoimentos dados à Comissão
da Verdade e Reconciliação, que julga os crimes cometidos durante o apartheid. Assim, ele conhece a
violência e a crueldade do regime de segregação racial.

• Dez vezes venceremos, direção de Cristian Jure. Argentina, 2011, 75 min. Depois de sete anos de
prisão e exílio na Argentina, o filho do líder de uma comunidade mapuche, do sul do Chile, retorna à
terra natal para auxiliar os indígenas a divulgar sua luta por meio de rádio pirata.

Para você navegar


• Nações Unidas no Brasil. Disponível em: <http://nacoesunidas.org>. Acesso em: dez. 2015. O site da
ONU no Brasil reúne notícias e informações sobre a instituição, que desenvolve projetos em parceria
com o governo, a iniciativa privada, instituições de ensino e ONGs com o objetivo de superar as
dificuldades que cercam a busca pelo desenvolvimento humano.

• Unicef Brasil. Disponível em: <www.unicef.org.br>. Acesso em: 4 dez. 2015. No site do Unicef Brasil é
possível conhecer os projetos da instituição, saber como colaborar com eles e ter acesso às principais
notícias sobre suas atividades.

• Conectas Direitos Humanos. Disponível em: <www.conectas.org>. Acesso em: 13 fev. 2013. Conectas
é uma organização internacional que promove a efetivação dos direitos humanos e do Estado
Democrático de Direito nos países localizados no Hemisfério Sul. No site é possível conhecer a
organização, aprender direitos humanos e acompanhar notícias e publicações on-line.

• Movimento Nacional de Direitos Humanos. Disponível em: <www.mndh.org.br>. Acesso em: 4 dez.
2015. O Movimento Nacional de Direitos Humanos tem por objetivo lutar pela vida e contra a violência,
promovendo os direitos humanos por meio de projetos voltados à mídia e à sociedade em geral, além
de atuar em órgãos públicos nacionais e internacionais.
Página 286

Referências
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n. 44. 2007.

ALBANO, Gleydson Pinheiro. Globalização da agricultura na Oceania: óleo de palma, a última


fronteira. GEOTemas, Pau dos Ferros, v. 2, n. 1, jan./jun. 2012.

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AZENHA, Luiz Carlos. Poeira e conspiração no Chaco paraguaio. Carta Capital, São Paulo: Confiança,
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