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CARTA AO LEITOR
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FOTOS NELSON JR./SCO/STF; FABIANO ROCHA/AGÊNCIA O GLOBO

MISSÃO Ricardo Lewandowski, no tempo de ministro do STF,


e a violência: ele precisará se cercar de especialistas

MENOS TOGA,
MAIS AÇÃO
A SEGURANÇA PÚBLICA é um dos grandes dramas do
Brasil — e não apenas pelas lamentáveis 47 500 mortes vio-
lentas anotadas em 2022, ano com os dados completos já
contabilizados (o levantamento de 2023 ainda não foi divul-
gado). O problema ganha relevo, e impõe decisões rápidas e
vigorosas, dada a capilaridade das organizações criminosas.
No Rio de Janeiro, as milícias dominam bairros inteiros em
permanente jogo de chantagem. O autointitulado PCC saiu
de São Paulo, onde brotou, para o Norte — e rege na marra

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as regiões de garimpo. Os bandidos, ao bel-prazer, contro-


lam o tráfico de drogas e as penitenciárias de todo o país.
Mandam e desmandam. No cotidiano, especialmente nas
cidades grandes, os furtos de smartphones viraram norma.
Não é aceitável que a sociedade viva à sombra do medo.
Diante desse cenário, a escolha do ministro da Justiça
tem sido, já há alguns anos, uma decisão relevante para
qualquer governo. O ministro Flávio Dino, a caminho do
Supremo, dizia gastar 80% de seus dias com a segurança
pública, parcela de tempo que mostra o tamanho do enros-
co. Ao escolher Ricardo Lewandowski como o novo chefe
da pasta, o presidente Lula pôs a seu lado um amigo de lon-
ga data — servidor que, durante o tempo no STF, se preocu-
pou em achar saídas legais para os atropelos do petista nas
denúncias da Lava-Jato e teve papel central na decisão pela
soltura de Lula, depois de 580 dias de prisão em Curitiba,
com a suspeição sobre a imparcialidade do juiz Sergio Moro
e a anulação do processo porque a tramitação do caso ocor-
reu fora da jurisdição correta.
Há, porém, um imenso problema. Lewandowski tem
comprovada experiência em assuntos do Judiciário e, claro,
haverá de manter ótimo relacionamento com Lula. Contu-
do, parece inegável não ter desenvoltura com os nós da se-
gurança, numa engrenagem que envolve a violência de ar-
mas em mãos, mais evidente, mas também a bandidagem
eletrônica — e não por acaso o governo federal acaba de cri-
minalizar o chamado cyberbullying. Os planos de Lewan-

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dowski na seara de proteção dos cidadãos ainda não estão


claros, e nos primeiros dias ele foi lento demais na nomea-
ção de profissionais que o ajudarão na empreitada. Por natu-
ral, o novo ministro pode vir a ter assessores que conheçam
os intestinos do assunto — e, nesse aspecto, vale lamentar a
saída do número 2 de Dino, Ricardo Cappelli.
Mas há sempre tempo de aprendizado, e Lewandowski,
assim como sua equipe, pode vir a surpreender positiva-
mente. É preciso, porém, ir com rapidez, porque a bandida-
gem já está instalada — e ao Ministério da Justiça cabe dei-
xar um pouco de lado a ideologia, as disputas políticas, a to-
ga e suas liturgias, e concentrar-se imediatamente nessa es-
pinhosa — e urgente — missão. É o único modo de fazer re-
troceder o terror que anda pelas ruas. O zelo pela segurança
pública é atalho para uma nação mais digna, um direito dos
cidadãos que nela habitam e pagam impostos. ƒ

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ENTREVISTA RODRIGO AGOSTINHO
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IBAMA

SOMOS RECEBIDOS
À BALA
O presidente do Ibama conta como o crime
organizado ameaça hoje os agentes do órgão,
elogia o agronegócio responsável e diz que petróleo
na Amazônia só depende de análise técnica

VICTORIA BECHARA

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A PRIMEIRA VEZ que Rodrigo Agostinho, de 46


anos, incluiu o Ibama em seu currículo foi na adoles-
cência, na década de 1990, como estagiário. Não ima-
ginava que, anos depois, voltaria ao órgão como presi-
dente — e que assumiria o cargo em um dos momentos
mais complicados da história do instituto. Advogado
de formação, mas ambientalista desde cedo, iniciou
sua carreira política em Bauru (SP), onde a militância
o levou a ser vereador, secretário de Meio Ambiente e
prefeito por dois mandatos. Em 2018, eleito deputado
pelo PSB, presidiu a Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável da Câmara. Ao aceitar o
convite da ministra Marina Silva para ingressar no go-
verno Lula em 2023, Agostinho encontrou um Ibama
desmantelado pela gestão Jair Bolsonaro e o país de-
baixo de críticas da comunidade internacional pelos
rumos que havia tomado sua política ambiental. Em
seu primeiro ano, precisou lidar com taxas de desma-
tamento altíssimas e reforçar ações contra a criminali-
dade na Amazônia — um problema que continua as-
sombrando sua gestão. “Os fiscais têm sido recebidos à
bala”, relata a VEJA. Na entrevista, ele fala também da
polêmica em torno da exploração de petróleo na foz do
Rio Amazonas, diz que a grande maioria do agronegó-
cio não é contra a preservação e avalia que não só o
Brasil, mas o mundo, não está preparado para as emer-
gências climáticas.

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O Ibama foi mesmo sucateado na gestão Bolsonaro?


Chegamos a ter 6 000 servidores, mas encontramos
2 500 e um quadro bastante envelhecido. Grande parte
dos escritórios foi fechada. Como o Ibama é avaliado pe-
la capacidade de reduzir o desmatamento, fomos reto-
mando as ações de fiscalização com várias estratégias.
Por exemplo, temos um diagnóstico do Inpe que mostra
que metade do desmatamento acontece em dezessete
municípios da Amazônia, então priorizamos essas re-
giões. Trabalhamos quase num modelo de acupuntura.
Começamos a utilizar muitas ferramentas de tecnologia.

Qual o balanço das multas neste primeiro ano? Só na fis-


calização remota emitimos quase 1 200 autos de infração

“Temos sido ameaçados de


maneira muito pesada.
E estamos tendo de reforçar
muito o treinamento na
utilização de armamento, algo
que nunca foi nossa prioridade”
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e embargamos mais de 300 000 hectares de áreas desma-


tadas. Outra ação que foi muito forte ao longo do ano foi o
cerco ao garimpo ilegal. Fiscalizamos mais de 100 terras
indígenas, destruímos 580 balsas, 150 retroescavadeiras e
358 acampamentos. Apreendemos um número recorde
de 94 000 animais traficados e retomamos o combate à
pesca ilegal. Aumentamos em 103% a emissão de autos
de infração. Não é só um recorde. É deixar claro que o cri-
me ambiental não compensa, é combater a impunidade.

Apesar dessa avaliação positiva, servidores do Ibama


suspenderam recentemente suas atividades em cam-
po e ameaçam greve. O que houve? O Ibama participa
das negociações com as demais instâncias do governo no
que diz respeito às demandas. Estamos em diálogo cons-
tante para que haja um desfecho positivo, que leve em
conta as principais reivindicações, como a valorização e
a reestruturação das carreiras, algo no qual estamos tra-
balhando desde que assumi.

O primeiro ano de sua gestão foi marcado também pela


polêmica em torno da licença para a exploração de pe-
tróleo na foz do Rio Amazonas. O que falta para termi-
nar a análise da licença? Como avalia os documentos
entregues pela Petrobras? Estamos tratando de uma
área muito sensível, naquela região estão 70% dos man-
guezais do Brasil, é uma região de muita biodiversidade.

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E nós estamos licenciando mais de 100 empreendimen-


tos para a Petrobras, incluindo outras áreas na Margem
Equatorial, no Rio Grande do Norte, e a quarta fase do
pré-sal, com mais de 2 000 poços. A própria Petrobras
tem definido em conjunto com o Ibama quais são suas
maiores prioridades.

O senhor e a ministra Marina Silva já se manifestaram


contra a exploração. Mas Lula indicou ser a favor, além
do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, go-
vernadores e parlamentares. Considera essa uma bri-
ga perdida? Não tenho dúvidas de que a Petrobras é um
orgulho para todos os brasileiros, com capacidade de en-
tregar sempre os melhores estudos, mas a viabilidade
ambiental é prerrogativa do Ibama. O Ibama não faz po-
lítica energética. É assim que funciona.

O Ibama, muitas vezes, é visto como rigoroso demais


em relação a empreendimentos considerados estraté-
gicos para a economia nacional, como é o caso do pe-
tróleo na Amazônia. O senhor é muito pressionado por
isso? Sim. Eu encaro isso com naturalidade. O empreen-
dedor tem prazo, tem orçamento, quer executar a obra
no menor tempo possível, mas o Ibama continua fazendo
o trabalho técnico. O Brasil tem 20% das espécies vivas
do planeta, é considerado o país com maior biodiversida-
de do mundo, há mais de 500 povos indígenas, uma com-

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plexidade social enorme, seis biomas terrestres riquíssi-


mos. O Ibama é rigoroso porque temos uma legislação
ambiental que precisa ser cumprida.

Não há muita lentidão em todo esse processo de licencia-


mento? Estamos licenciando 3 400 empreendimentos com
menos de 200 analistas. A maior parte das atividades recebe
as licenças, tivemos poucas negativas em 2023. O que eu te-
nho visto é que mesmo projetos muito ruins, que dão entrada
com preocupações reduzidas de sustentabilidade, saem mui-
to melhores ao final do processo. E a maior pressão que so-
fremos é na fiscalização, não no licenciamento.

De onde vem essa pressão? Estamos enfrentando o


desmatamento em meio a uma verdadeira guerra. O cri-
me organizado urbano foi para a Amazônia e se apro-
priou dos delitos ambientais como forma de lavagem de
dinheiro. Os fiscais têm sido recebidos à bala durante as
operações. Isso para nós é, obviamente, de grande com-
plexidade. O Ibama acaba tendo que trabalhar sempre
em conjunto com a PF, a Polícia Rodoviária Federal ou a
Força Nacional. Isso não acontecia. Temos sido ameaça-
dos de maneira muito pesada ao atuar no combate ao
desmatamento, ao garimpo ilegal e à pesca predatória.
Estamos tendo de reforçar muito o treinamento, por
exemplo, na utilização de armamento, algo que nunca foi
a prioridade de nossas equipes.

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O senhor tem sido ameaçado? Tenho recebido um nú-


mero muito grande de ameaças, via redes sociais.

O crime organizado tem se multiplicado na Amazônia,


com a ampliação do leque de ilegalidades e da conexão
entre grupos criminosos. Quais são as dificuldades pa-
ra reverter esse quadro? O crime ambiental não era al-
go organizado e passou a ser. O dinheiro do tráfico de
drogas acaba sendo lavado no garimpo, na pesca ilegal.
As pessoas entenderam que a atividade econômica em
áreas florestais permite o enriquecimento rápido e a la-
vagem de dinheiro como em nenhum outro lugar. Esta-
mos enfrentando isso com o apoio de várias instituições
federais, inclusive das autoridades de segurança dos es-

“A agricultura é importantíssima
para nossa economia, e parte
significativa dela respeita
as normas ambientais.
O índice de não conformidade
é de 2% dos proprietários”
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tados. O desmonte pelo qual o Ibama passou no governo


anterior também acabou estimulando muito esse tipo de
crime. Terras indígenas foram ocupadas como nunca an-
tes. A retomada da capacidade de poder entrar nessas
áreas e tirar ocupantes ilegais não é um trabalho fácil.

Muitas lideranças políticas da Amazônia, incluindo pre-


feitos, parlamentares e governadores, têm uma postu-
ra de tolerância com atividades que degradam o meio
ambiente. Por que isso ocorre? Existe uma imagem de
que o desmatamento equivale a desenvolvimento. As
pessoas entendem que, quando o Ibama está combaten-
do o desmatamento ilegal, está atrapalhando o desenvol-
vimento da região. E os dados têm mostrado o contrário,
uma pobreza muito grande, exploração da mão de obra e
o desrespeito a uma série de direitos humanos justamen-
te nesses locais. Talvez isso explique um pouco a resis-
tência ao nosso trabalho. O Ministério do Meio Ambien-
te está colocando para funcionar uma série de estratégias
econômicas para que a floresta em pé tenha um valor
maior do que no chão. Enquanto isso, as ações de contro-
le são relevantes.

O agronegócio dificulta o avanço das pautas ambien-


tais? A agricultura brasileira é importantíssima para nos-
sa economia, e uma parte significativa dela respeita as
normas. O índice de não conformidade com a legislação

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ambiental é de 2% dos proprietários rurais, mas existem


resistências de alguns setores. Eu sou muito contrário a
qualquer tipo de generalização. Acho que a gente não po-
de colocar a responsabilidade no agronegócio como um
todo. Temos um desafio de que as atividades econômicas
sejam conciliatórias. Fizemos o maior Plano Safra da his-
tória e o maior projeto de agricultura de baixo carbono do
mundo. Ou seja, não são coisas excludentes.

O atual governo começou com a pretensão de liderar


as discussões sobre a questão ambiental no mundo,
em especial o debate relacionado às mudanças climáti-
cas. Acha que tem sido bem-sucedido? Nenhum país
reduziu mais suas emissões do que o Brasil. O país foi à
COP28 com ao menos 200 milhões de toneladas de gás
carbônico a menos em suas emissões por causa da redu-
ção do desmatamento. Isso tem uma importância enor-
me para as mudanças climáticas, mas também facilita
muito as negociações comerciais lá fora. Não tenho dúvi-
da de que o país está exercitando essa liderança, reco-
nhecida no mundo todo.

As últimas emergências climáticas tendem a acelerar


esse tipo de preocupação na agenda pública? Tenho
certeza disso. A série histórica mostra que, de maneira
sucessiva, os anos têm se tornado cada vez mais quentes.
O Acordo de Paris trabalhava com uma lógica de conter

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o aquecimento do planeta até o fim deste século para que


não ultrapassasse o aumento de 1,5 grau em temperatura
média. Em 2023 tivemos uma temperatura média supe-
rior em 2 graus no planeta. Isso nunca tinha acontecido
na história e é muito grave. Daqui para a frente, nós pas-
saremos a ter grandes perdas de diversidade, secas cada
vez mais intensas, isso pode prejudicar a produção agrí-
cola do Brasil. Em outras regiões nós teremos chuvas in-
tensas. Esse desequilíbrio é motivo de preocupação mun-
dial, e eu não tenho dúvida de que será a grande priori-
dade do mundo nos próximos anos.

Mas o Brasil está preparado? Acho que ninguém está. A


gente vai precisar adaptar todas as cidades brasileiras,
mudar a cultura que temos hoje. Tem um esforço aconte-
cendo no mundo inteiro, inclusive no Brasil, de adapta-
ção e de transição energética. Mas eu entendo que ne-
nhum país do mundo pode dizer que está preparado. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA
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UM SHOW DA NATUREZA

A CENA foi de tirar o fôlego, espetacular — mas perigosa e


assustadora, claro, para quem vive ao pé da montanha. No
domingo 14, o vulcão Fagradalsfjall, na Islândia,
encravado na pequena cidade de Grindavik, a apenas 40
quilômetros da capital Reykjavik, voltou a acordar da
hibernação. Um dia após as autoridades ordenarem a
evacuação dos cidadãos, como medida de emergência, uma
ICELANDIC COAST GUARD/GETTY IMAGES

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fenda se abriu no solo e por ela passou a lava, a um


só tempo bela e preocupante. Em novembro do ano
passado, grande parte dos 3 000 moradores do lugar já
tinha feito as malas e se instalado em residências afastadas
o suficiente do risco. Naquela oportunidade, o entalhe no
solo ganhou dimensão exagerada. Agora, contudo, embora
a fenda seja menor, ela brotou muito próxima da
comunidade de pescadores. Os especialistas insistem em
afastar a possibilidade de tragédia humana, dado o
esvaziamento dos lares, e mesmo danos severos para o
ambiente. Explica-se: o fluxo incandescente rapidamente se
dissipou e, devido sua constituição, não resultará em cinzas
expelidas para o ar, que quase sempre resultam em
fechamento do espaço aéreo. As estradas, porém, por
segurança, permanecem fechadas. Foi um susto, mas
convém lembrar que os islandeses estão habituados a
sobressaltos geológicos. Há, em todo o país insular nórdico,
32 vulcões ativos, prontos a entrar em atividade. E fica a
lembrança de um verso de Carlos Drummond de Andrade:
“A natureza dá shows em forma de vulcão”. ƒ

Luiz Paulo Souza

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CONVERSA RENER GRACIE
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“HUMILDADE É CRUCIAL”
O faixa preta, membro da lendária família do
jiu-jítsu brasileiro, explica em um novo livro, Os
32 Princípios, como aplicar os ensinamentos
da luta ao cotidiano mais comezinho
DIVULGAÇÃO

TATAME O campeão “hereditário”: neto do patriarca


Hélio e filho de Rorion

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O que diria a respeito das qualidades do jiu-jítsu para al-


guém que nunca teve contato com o esporte? O jiu-jítsu é
capaz de reprogramar uma pessoa a cada instante. Na prática,
se dois sujeitos estão lutando, um em cima do outro, na maio-
ria das vezes quem está ganhando é quem está no chão. So-
mos ensinados a ser efetivos nas piores situações. O oponente
que você achava invencível é derrotável, e seu corpo, que você
achava incapaz, está apto a realizar qualquer técnica.

Mas é possível aplicar essas observações a qualquer rea-


lidade da vida? Sim. O livro Os 32 Princípios (Editora In-
trínseca), que acabo de lançar, contém 32 ensinamentos pa-
ra resolver problemas, não importa quais sejam. De Mark
Zuckerberg, o criador do Facebook e praticante da modali-
dade, a uma criança ou uma dona de casa, todos temos pro-
blemas. O que o jiu-jítsu ensina é como navegá-los. Eu co-
nheço mil técnicas de luta, mas às vezes me encontro em si-
tuações nas quais não sei o que fazer.

E o que faz quando não sabe o que fazer? Nesses mo-


mentos, recorro aos princípios do jiu-jítsu. Cada problema é
uma solução esperando a hora de ser descoberta.

E qual dos 32 princípios elencados no livro merece relevo


especial? Depende. Sendo pai de família, elejo o Princípio da
Aceitação, que nos ajuda a assimilar que há coisas que podem
ser mudadas e outras, não. Como empresário, me apego ao

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Princípio do Rio, com o qual aprendemos a fluir. Humildade é


crucial, algo que aprendi desde pequeno, porque, numa famí-
lia de lutadores, sempre haverá alguém melhor que você.
Quando era mais jovem, eu me sentia pressionado por mim
mesmo, até para me encaixar na arte marcial. Depois percebi
que ser um Gracie é uma oportunidade, e não um fardo.

O trabalho, de algum modo, pode servir de autoajuda —


mas auxilia quem tem pouco contato com o tatame? Para
receber os benefícios, sim, é preciso ser um praticante da arte.
Mas insisto: todos podem viver com a eficiência de um faixa
preta. Por isso, quando comecei os contatos com a editora, ba-
ti o pé e disse que só escreveria se os leitores pudessem viven-
ciar o jiu-jítsu de verdade. Assim, no início de cada capítulo,
há um QR code que, ao escanear com o celular, direciona pa-
ra um vídeo. Nele, eu ensino a execução da luta, com calma e
didatismo, de modo que o leitor tenha alguma base ao aden-
trar na aplicação ao cotidiano. ƒ

Diego Alejandro

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Distribuição
DATAS
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OTAVIO DIAS DE OLIVEIRA

DÍVIDAS Cid Ferreira


e a mansão em São
Paulo: rombo de
2,1 bilhões de reais

ASCENSÃO E QUEDA
Poucos empresários brasileiros tiveram ascensão e queda
tão dramáticas quanto o economista e banqueiro Edemar
Cid Ferreira — comparável, talvez, na derrocada, apenas à
trajetória infeliz de Eike Batista. Ferreira fundou em 1989 o
Banco Santos, que viria a ser o décimo segundo maior do
país. Não demorou, contudo, para que uma série de desman-
dos o levasse à lona. Nos anos 2000, o Banco Central decre-
tou a falência da instituição, ao descobrir um rombo de 2,1

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bilhões de reais. Ferreira e outros


dezoito ex-dirigentes foram de-
nunciados pelo Ministério Públi-
co Federal por lavagem de di-
nheiro, formação de quadrilha e
gestão fraudulenta. Em maio de
2006, ele foi preso por 89 dias, e
desde então viveu para se defen-
der nas barras da Justiça.
Restou, como ícone incontes-
tável da grandeza dizimada, a
espetacular mansão do tamanho
de um clube, construída na Zona
LALO DE ALMEIDA/ FOLHAPRESS

Sul de São Paulo, com desenho


do renomado arquiteto Ruy
Ohtake e jardins feitos a partir
de croquis de Roberto Burle Marx. Ali, Ferreira mantinha
uma respeitada coleção de obras de arte de nomes como
Tarsila do Amaral, Jean-Michel Basquiat, David Hockney
e Frank Stella. Em 2020, tanto o acervo quanto a casa fo-
ram levados a leilão, de modo a reduzir a dívida, que pare-
ce impagável. Foi possível amealhar 151 milhões de reais
pelas obras e 27 milhões de reais pela construção. Nos últi-
mos anos, o magnata vivia isolado em um apartamento
alugado. Dirigia um modelo de carro simples e recebia aju-
da financeira dos três filhos. Ele morreu em 13 de janeiro,
aos 80 anos, em São Paulo.

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FICOU MONÓTONO
Muitos apontavam o no-
me do norueguês Erling
Haaland, do Manchester
City. A escolha do francês
Killian Mbappé, do PSG, pa-

TIM NWACHUKWU/GETTY IMAGES


recia muito provável. E eis
que, em 15 de janeiro, o ar-
gentino Lionel Messi foi
agraciado pela oitava vez co- O MUNDO É DELE
mo The Best, o melhor joga- Lionel Messi, agora em
dor de futebol do mundo, na Miami: oito vezes o melhor
escolha da Fifa. Deu-se, en-
tão, uma saraivada de críticas porque no período destinado
a definir os eleitos, entre o fim da Copa do Mundo, em de-
zembro de 2022, e agosto de 2023, o camisa 10 do Inter
Miami fez o básico.
Mas o básico, para Messi, é muita coisa. Na escolha, fo-
ram considerados votos de jogadores capitães de seleções
nacionais, treinadores, jornalistas e torcedores, em igual
proporção. Houve empate entre o gênio e Haaland — o ven-
cedor foi definido pelo sufrágio dos capitães. Ficou monóto-
no, mas não há dúvida: é Messi, e mais ninguém, ainda. O
Brasil ficou com dois prêmios de consolação: o de melhor
goleiro (Ederson, do City) e do gol mais bonito (Guilherme
Madruga, do Botafogo de Ribeirão Preto, na série B, por
uma bicicleta fenomenal). ƒ

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FERNANDO SCHÜLER

SOMA VARIÁVEL
“NINGUÉM DEVERIA ter 1 bilhão de reais!”, leio de um
ativista. Achei curioso. De onde vem uma ideia dessas? Co-
nheço uma empreendedora que abriu uma empresa, inves-
tiu, muita gente apostou, conquistou uma clientela enorme, e
em poucos anos suas ações valiam mais de 1 bilhão. O que
ela deveria fazer? Vender tudo que passasse da quota de 1
bilhão? Se ela ficasse com o dinheiro, não ia adiantar. Ela
poderia doar. O valor das ações passou de 1 bilhão, ela ven-
de e doa o dinheiro. Ou alguém do governo vai lá e confisca.
A pergunta previsível, neste caso, seria “mas então por que
eu iria continuar trabalhando, correndo risco?”. Por espor-
te? E se as ações caírem, depois do confisco? Deixa pra lá...
Em um desses “relatórios” sobre a desigualdade, li coi-
sas interessantes. Uma era a “denúncia” de que a riqueza
dos cinco mais ricos do mundo “dobrou desde 2020”. Ma-
landragem estatística escolher exatamente o ano de queda
abrupta dos mercados, com a pandemia. Mas ok. Um des-
ses ricos malvados é o Jeff Bezos. O self-made man que tro-
cou um bom emprego para abrir a Amazon. Sou um de seus
clientes. Não pela cor dos seus olhos, que aliás desconheço.
Compro lá porque a Amazon me vende livros a bom preço

1|6
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e entrega rapidinho. Porque a empresa do Bezos torna mi-


nha vida mais fácil. Aumenta minha “produtividade”, se al-
guém quiser um termo mais elegante. Os investidores sa-
bem disso. E é por isso que o “patrimônio” do Bezos do-
brou, desde a baixa de 2020. Assim como ele melhora a mi-
nha vida, ele faz isso com milhões de pessoas, do sacros-
santo ponto de vista de cada um.
Não há nenhum jogo de soma zero funcionando aí. A so-
ma é variável: ele ganha porque seus clientes e investidores
também ganham. Valendo o mesmo para as incontáveis
ONGs que a MacKenzie Scott, ex-esposa de Bezos, ajuda,
distribuindo incríveis doações. E é precisamente isso que
parece não entrar na cabeça de nossos ativistas.
Me lembro quando li O Capital no Século XXI, de Tho-
mas Piketty. Em um certo momento, ele diz que “as desi-
gualdades, a partir de um certo ponto, ameaçam os valores
básicos da democracia”. Fiquei curioso para saber qual seria
exatamente aquele “ponto”. Seria quando o 1% abocanhasse
25% da riqueza? (De “quem”, exatamente?) Ou quem sabe
20%? Ou 30%? À época, adquiri o hábito de perguntar às
pessoas qual era a distribuição da riqueza favorita de cada
um. Até colecionava os números, que iam da “igualdade to-
tal”, ao “padrão nenhum”. Depois desisti. Agora voltei a ler
coisas assim. De um economista, li que era um “absurdo”
que nosso top 5% “concentrasse” um terço da renda. Inútil
perguntar qual seria sua distribuição “não absurda”. Suges-
tão mais objetiva tive do Joseph Stiglitz, cuja distribuição fa-

2|6
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VIRADA A riqueza de Singapura: que tal aprender com


as economias asiáticas?

vorita seria “os 10% mais ricos não podem ter mais do que
os 40% mais pobres”. Só Deus sabe qual a “ciência” usada
aí. Nossos ativistas embarcaram: “Ganhou o Nobel, sabe das
coisas”, devem ter pensado. Me fez lembrar da turma cor-
rendo atrás do Forrest Gump. Mas isso é outra história.
Em qualquer matéria sobre “desigualdade”, o que ofere-
ce consistência ética ao problema é o fato da pobreza. Nin-
guém perde uma hora de sono preocupado com a diferen-
ça entre o que chamamos de “classe média alta”, que na
ANDREW WOODLEY/EDUCATION IMAGES/GETTY IMAGES

3|6
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“Mario Covas
nos falou sobre
um ‘choque de
capitalismo’,
em 1989”
verdade são os 5 ou 7% de maior renda, e os mais ricos. O
que efetivamente nos toca é o fato de que 90% da popula-
ção disponha de uma renda mensal inferior a 3 208 reais
(dados do IBGE). A pobreza, no Brasil, é um oceano. E é
nisso que deveríamos focar. Na pobreza que atinge 49%
das crianças de 0 a 14 anos, danificando suas chances de
vida. Tudo isso é sabido. Mas mobiliza muito pouco o ati-
vismo ideológico e a política profissional. Por que isso? Por
que achamos tão mais excitante falar mal do valor das
ações do Jeff Bezos do que focar em como melhorar a vida
real dos mais pobres? A maior razão, intuo, é política. A
retórica em torno da desigualdade é uma pauta de “comba-
te”. É discurso “contra” essa gente da lista da Forbes. O fo-
co na pobreza supõe um discurso “a favor”. É chato, exige
buscar eficiência em políticas públicas, demanda soluções
de mercado, com resultados de longo prazo. E dá menos

4|6
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ibope. Bom mesmo é “denunciar as desigualdades”, jogar


isso na cara daqueles bilionários, em Davos, entre um e ou-
tro jantar bacana.
Indermit Gill, do Banco Mundial, tem uma sugestão
simples, se queremos mudar o disco: aprender com as eco-
nomias mais bem-sucedidas na redução da pobreza. Países
asiáticos, como a Coreia do Sul, Singapura, Tailândia, Ma-
lásia, China, Indonésia e Vietnã. Todos contam a mesma
história: sucesso capitalista e forte investimento em educa-
ção. Rigorosamente nada a ver com “combater os bilioná-
rios”. Ao contrário. A pobreza foi de 28% para 8,5%, no
plano global, desde 2000, enquanto o número de bilioná-
rios saltou de 400 para 2 600. O país que mais ganhou bi-
lionários foi exatamente aquele que mais reduziu a pobreza:
a China. Logo atrás, a Índia. E isso não acontece porque
“bilionários reduzem a pobreza”. Acontece porque a redu-
ção da pobreza e o aumento da riqueza são duas faces da
mesma moeda: o crescimento econômico combinado a ins-
tituições “inclusivas”. Abertura de mercado, aumento da
produtividade, capacitação de pessoas, ética pública, racio-
nalidade no gasto governamental, bom ambiente de negó-
cios. Caminho perfeitamente inverso ao da Venezuela, que
conseguiu levar a pobreza a 90% da população e expulsar
os poucos bilionários que havia por lá.
Há 35 anos, o prestigiado IMD, International Institute
for Management Development, avalia o grau de competiti-
vidade, ou “ambiente de negócios”, em escala global. Ano

5|6
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passado, em um ranking de 64 países, o Brasil ficou na 60ª


posição. Só à frente de países como a Venezuela e a Argen-
tina (antes do Milei). Detalhe: em “eficiência governamen-
tal”, ficamos na 62ª posição. Se alguém estiver mesmo inte-
ressado em reduzir a pobreza, é nisso que deveria prestar
atenção. Qual educação estamos oferecendo, nas últimas
posições no Pisa? Que vias de inclusão ao mercado abrimos
aos dependentes do Bolsa Família? Qual a qualidade do
gasto público? O que significa 4,5% do PIB em incentivos
fiscais, sem avaliar seriamente a relação custo-benefício? E
os 5 bilhões de reais no “fundão eleitoral”? A Justiça e o Le-
gislativo entre os mais caros do mundo, enquanto os esper-
tos pedem mais carga tributária? E o que se passa quando
abrimos mão de reformas cruciais? Não precisamos ir lon-
ge, aqui. Mario Covas nos falou sobre um “choque de capi-
talismo”, na campanha de 1989, mas nunca conseguimos
produzir um consenso em torno disso, no Brasil. E talvez
seja este, ano após ano, nosso desafio. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

6|6
Distribuição
SOBEDESCE
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SOBE
BELO MONTE
A usina hidrelétrica no Pará bateu
seu recorde de produtividade,
gerando em um único dia energia
suficiente para o atendimento a
22,8 milhões de pessoas.

HARRISON FORD
O ator recebeu o Career
Achievement Award, um
prêmio que celebra toda a
filmografia do ator e contempla
sua carreira de sucesso.

VINICIUS JUNIOR
Melhor jogador brasileiro da
atualidade, o atacante do Real
Madrid marcou três gols na
final da Supercopa espanhola
contra o rival Barcelona.

1|2
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DESCE
SERGIO MORO
O ministro Dias Toffoli, do STF,
autorizou a abertura de um inquérito
para investigar o ex-juiz (hoje senador
do União Brasil) por irregularidades
cometidas na condução de um acordo
de delação premiada em 2004.

GOL
As ações da companhia aérea
começaram a cair depois que
circularam notícias de um
possível pedido de recuperação
judicial nos Estados Unidos.

GATONET
As TVs pagas passaram a incluir
em seus pacotes serviços de
streaming para tentar frear o
crescimento da pirataria.

2|2
Distribuição
VEJA ESSA
100% gratuita
DENNIS STENILD/KONGEHUSET
- Clube de Revistas

“Minha esperança é me tornar


um rei unificador para o futuro.”
FREDERIK X, coroado no domingo 14, em Copenhague, na
Dinamarca. Sua mãe, a rainha Margrethe, abdicou depois de 52 anos

1|5
Distribuição 100% gratuita - Clube de Revistas

“As diferenças políticas, críticas


que fiz a ela, que ela fez a mim,
isso só mostra que não é uma aliança de
duas pessoas que pensam
da mesma forma.”
GUILHERME BOULOS, deputado federal pelo PSOL,
sobre a aliança com Marta Suplicy para as
eleições municipais em São Paulo

“Sinto que preciso provar quatro vezes


que sou competente.”
AYOMI DOMENICA, atriz, filha do
compositor e cantor Mano Brown

“Não tem comparação.


O Lula é um camarada do povo.
O Lula é completamente
diferente do Bolsonaro.”
VALDEMAR COSTA NETO, presidente do PL,
partido do ex-presidente

“Posso ser horrível, mas o


outro cara é péssimo.”
JAIR BOLSONARO, ao ironizar
o comentário de Valdemar

2|5
Distribuição 100% gratuita - Clube de Revistas

“Defino aquele período


como o dos Carnavais
de protesto.”
DANIELA MERCURY, ao resumir as festas durante os anos
de Bolsonaro na Presidência e a pandemia de Covid-19

“Essa parte da
minha vida acabou.”
ROGER DALTREY, cantor da banda The Who, que há anos
não se apresenta para o grande público

“A idade não pode decretar o fim de nada,


não estamos mortas, estamos vivíssimas
e mais poderosas do que nunca.”
PAULA BERGAMIN, 62 anos, conhecida como a Vovó Musa
de Vila Isabel, nos preparativos para mais um Carnaval, em
entrevista para VEJA Gente

“Me dou o direito.”


SIDNEY MAGAL, 73 anos, ao revelar ser bissexual

“Não me deixam em paz.”


PAOLLA OLIVEIRA, retrucando as
críticas negativas ao seu corpo

3|5
Distribuição 100% gratuita - Clube de Revistas

“Quero agradecer
a todos os gays malvados.”
JENNIFER COOLIDGE, vencedora do prêmio
Emmy de melhor atriz coadjuvante em série de drama pelo
papel da divertida Tanya McQuoid-Hunt em The White Lotus.
No discurso de agradecimento, ela brincou com
a frase da personagem que viralizou:
“Esses gays estão tentando me matar”

“O próximo Beethoven pode


estar aí ao lado, na rua, pedindo
ajuda com dinheiro.”
JENNIFER STUMM, violista americana, criadora de um
projeto de desenvolvimento de talentos musicais no interior de
São Paulo — o Ilumina, fundado em 2015 — e que acaba de
se apresentar na Sala São Paulo

“Quando íamos dormir, tínhamos de


deixar a porta aberta e esperar que ele
passasse à noite para deixá-lo
falar conosco. Ele dizia
que era o único momento que tinha
para falar conosco pessoalmente
— e tinha o dia todo.”
JENNI HERMOSO, atacante de futebol da seleção da
Espanha, a respeito da postura abusiva do treinador Jorge Vilda

4|5
Distribuição 100% gratuita - Clube de Revistas

“O seu
inglês
é melhor do
que o meu?”
SOFÍA VERGARA,
51 anos, a Gloria
Pritchett de Modern
Family, depois de
um apresentador
de TV da Espanha
brincar com o
sotaque da atriz
colombiana

CINDY ORD/GETTY IMAGES

5|5
Distribuição
RADAR
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ROBSON BONIN

Com reportagem de Gustavo Maia,


Nicholas Shores e Ramiro Brites

Devassa completa da União. A devassa para


A pedido dos técnicos do identificar ilegalidades con-
TCU, os ministros da Corte tra a Lei das Estatais e cor-
de Bruno Dantas aprova- rupção na cúpula desses ór-
ram a realização de um am- gãos cobrirá os últimos cin-
plo e inédito pente-fino nos co anos de gestão de Jair
bancos públicos e empresas Bolsonaro a Lula.

LUPA Dantas: TCU fará pente-fino em bancos públicos e


estatais atrás de crimes

TCU

1|6
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Follow the money teúdo das mensagens, os in-


O pente-fino do TCU come- vestigadores não identifica-
çará pelos bancos públicos e ram crimes para agir.
durará 180 dias. Nesse perío-
do, o tribunal vai organizar o Covarde e irresponsável
roteiro para fiscalizar estatais Em outro caso arquivado,
como Petrobras, Codevasf, um homem chegou a ser in-
Correios e outros focos fa- terrogado por investigado-
mosos de corrupção pública. res depois de ter acusado
Lula de pedofilia. “Lula fez
Motivos não faltam sexo com crianças, adoles-
Os bilionários prejuízos das centes e até idosos a partir
estatais e as denúncias de de 2002”, escreveu o alo-
corrupção em 2023 moti- prado num site.
varam o TCU a agir para
acabar com a farra ilegal Saiu barato
nesses órgãos. Aos investigadores, o sujeito
admitiu autoria, se disse ar-
O ódio nosso de cada dia rependido e tudo ficou por
O MPF arquivou recente- isso mesmo. “Em que pese a
mente investigações contra reprovabilidade da conduta
alvos que difamaram Lula e (...) não se vislumbra dolo
Janja na internet. Em um específico”, diz o MPF.
dos casos, Lula era compa-
rado a Hitler num vídeo. Muito a fazer
Apesar de reconhecer “dis- Ricardo Lewandowski e in-
sabor e indignação” no con- tegrantes da sua equipe es-

2|6
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tão preocupados com essa dos pela Lava-Jato nos


largada no Ministério da tempos de... Sergio Moro.
Justiça. Avaliam que a pas-
ta está há muitas semanas Todos os esqueletos
“no piloto automático” e Em setembro, o corregedor
que precisarão fazer muita Luis Felipe Salomão levou a
coisa do zero. Flávio Dino uma prévia das
ilegalidades encontradas
Plano de voo pelo CNJ na 13ª Vara Fede-
A interlocutores, o minis- ral de Curitiba. Agora Le-
tro tem dito que será ne- wandowski receberá o ma-
cessário cumprir uma lon- terial completo. Uma força-
ga agenda de reuniões pa- tarefa da PF já foi anuncia-
ra definir o plano de voo da para tocar o caso.
da pasta. Alguns progra-
mas nacionais já estão de- Próxima missão
senhados por Lewando- Terminada a correição da
wski, mas os anúncios vi- Lava-Jato, aliás, o CNJ vai
rão depois desse “choque mergulhar a fundo no caso
de realidade”. Braskem em Maceió.

O verão passado Ajuda dos amigos


Apesar de a Segurança Pú- Com 271 milhões de reais
blica ser prioridade, Le- no orçamento de 2024, o
wandowski terá um tema ministro do Turismo, Cel-
imediato na Justiça: a inves- so Sabino, teve de pedir
tigação de crimes cometi- socorro aos colegas da

3|6
Distribuição 100% gratuita - Clube de Revistas

Câmara e suas emendas


parlamentares. Resultado:
terá 2,5 bilhões de reais
para gastar.

Golpe premiado
Flagrado clamando por um
RUY BARON/BARONIMAGENS
golpe militar na gestão de
Jair Bolsonaro, o coronel
Jean Lawand Junior com-
pletou nesta semana quinze FAKE NEWS Moraes: TSE
dias de sua doce reserva re- cria linha direta com Anatel
munerada no Exército. para bloquear sites

Devagar e sempre quisa histórica na Corte. Te-


O caso das joias e do gol- rá 22 profissionais.
pismo no Exército, apura-
do no âmbito da delação de Telefone vermelho
Mauro Cid no STF, entrou O TSE de Alexandre de
o ano no estágio de produ- Moraes acaba de fechar um
ção de provas. acordo de cooperação com
a Anatel. A Corte tem agora
Recordar é viver um canal direto com o ór-
O STF vai investir, neste gão para efetivar o bloqueio
ano, 3,2 milhões de reais judicial de sites com con-
para criar um inédito nú- teúdo criminoso. Tudo em
cleo de museologia e pes- tempo real.

4|6
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Guerra ao jogo sujo Bilhões de razões


Na próxima semana, o TSE O BNDES acaba de liberar
deve endurecer a regra que já 3 bilhões de reais a produ-
proíbe impulsionamento de tores no Plano Safra. E Bol-
notícias negativas na campa- sonaro dizendo que “o ho-
nha eleitoral. O conteúdo pa- mem do campo não acredi-
go do candidato não poderá ta nesse governo”.
citar o adversário.
Banco do Centrão
2026 é logo ali A cúpula da Caixa espera pa-
Ronaldo Caiado apoia An- ra os próximos dias a nomea-
tonio de Rueda para o co- ção dos novos VPs do banco.
mando do União Brasil Sobrou vaga no banco até pa-
buscando fortalecer seu ra indicados do... PL.
nome como presidenciável
em 2026. Já tem até ban- A todo vapor
deira de campanha: segu- Com o Brasil presidindo o
rança pública. G20, a CNI, que comanda o
fórum de engajamento mais
Meta do semestre influente do grupo, o Business
Emissários do Republicanos 20, fará a primeira reunião do
no Paraná tentam conven- ano no dia 29, no Rio de Ja-
cer Ratinho Jr. a se filiar à si- neiro, com 450 empresários.
gla ainda neste semestre pa-
ra iniciar o plano presiden- Hora de investir
cial. O governador tem se Dados da CNI mostram que
esquivado dessa conversa. o empresário começa o ano

5|6
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REFAVELA 40
Gil: a produtora
do documentário
está na mira
da Ancine
INSTAGRAM @GILBERTOGIL

mais otimista do que estava A conta não fechou


na posse de Lula. Sucesso internacional, o do-
cumentário Refavela 40, so-
Preço a pagar bre a história do icônico dis-
A área militar do governo co de Gilberto Gil, virou dor
iniciou 2024 com um gran- de cabeça para a Conspira-
de abacaxi por descascar: a ção Filmes. A Ancine notifi-
despesa (nada modesta) da cou a produtora a sanar fa-
megaoperação de resgate lhas na prestação de contas
de brasileiros em Gaza até do projeto, sob o risco de so-
hoje não foi quitada. frer graves penalidades. ƒ

6|6
Distribuição 100%
BRASIL GOVERNO
gratuita - Clube de Revistas
BRENNO CARVALHO/AGÊNCIA O GLOBO

PARA ONDE? Lewandowski: primeiros passos indicam um


perfil técnico na pasta e incertezas sobre o combate ao crime

UM TIRO NO ESCURO
Ricardo Lewandowski assume o Ministério da
Justiça de forma discreta em momento delicado
para o país na área de segurança pública devido
à preocupante escalada do crime organizado
LAÍSA DALL’AGNOL, VICTORIA BECHARA
E ADRIANA FERRAZ

1 | 11
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E
m uma cerimônia rápida na quinta 11, o presiden-
te Luiz Inácio Lula da Silva confirmou Ricardo
Lewandowski como ministro da Justiça. Teceu
elogios ao ex-membro do STF, a quem chamou de
“companheiro”, fez piada com a suposta resistên-
cia da esposa do indicado e mandou uma analogia sobre
futebol dizendo que não escala o time de ninguém, ao co-
mentar sobre quem fica e quem sai na pasta. Lewandows-
ki, que só assumirá em 1º de fevereiro, entrou mudo e saiu
calado — até a quinta 18, ainda não havia dado declara-
ções sobre o futuro da pasta. Flávio Dino, que fica no pos-
to até a troca, idem. No mesmo dia, o único a se manifestar
foi o secretário-executivo Ricardo Cappelli, que não irá fi-
car no cargo. Mas foi uma declaração prosaica, dizendo
que sairia de férias.
A leveza, o vazio e a falta de urgência que transpiraram
durante a transição do ministério contrastavam com a
crescente angústia da população em relação à segurança
pública. Exemplos como o do Equador aumentaram por
aqui o estado de alerta. No dia anterior à cerimônia de pos-
se de Lewandowski, Daniel Noboa, presidente do país sul-
-americano que vive clima de pânico, decretara uma espé-
cie de guerra civil para conter o assustador espetáculo pro-
porcionado pelas facções criminosas, que tomaram as
ruas, os presídios e até uma emissora de TV em uma afron-
ta à autoridade do Estado. Um alerta em alto e bom som ao
Brasil, onde o avanço das organizações criminosas, com

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conexões cada vez maiores com quadrilhas dos vizinhos


de continente — e o rastro de violência que ele desencadeia
—, é o maior desafio à espera do novo ministro da Justiça
(veja o quadro ao lado).
Não por acaso, Lewandowski priorizou o tema no início
da montagem de sua equipe, escalando o procurador-geral
de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, para a Secretaria
Nacional de Segurança Pública. Desde que assumiu o co-
mando do Ministério Público paulista, em 2020, ele colo-
cou como meta combater as organizações criminosas, em
especial o PCC, hoje a maior facção armada do país, com
DIVULGAÇÃO/PF

ALERTA Andrei Rodrigues: conexão


entre facções preocupa diretor da PF

3 | 11
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ramificações em diversos estados e conexões com o tráfico


de drogas nas Américas, na Europa e na África. Em setem-
bro de 2020, deflagrou a Operação Sharks, que, com ou-
tras ações, conseguiu bloquear mais de 1 bilhão de reais
em bens do bando. Também aumentou o investimento no
Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organi-
zado (Gaeco), que hoje faz uma operação a cada quatro
dias, em média.
Ao mesmo tempo que começou a se cercar de homens
com o perfil de Sarrubbo, Lewandowski dá sinais de que
haverá uma “despartidarização” do ministério. As primei-

SETE DESAFIOS PARA


RICARDO LEWANDOWSKI
Segurança pública é um dos temas
que mais pressionam o governo

1 FAC Ç Õ E S C R I M I N O S A S

A convulsão no Equador, provocada por


grupos criminosos armados, disparou o alerta.
Quadrilhas sul-americanas de países como
Peru, Colômbia, Paraguai, Bolívia e Venezuela
têm conexões com PCC e Comando Vermelho,
com os quais negociam armas e drogas

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2 SEGURANÇA PÚBLICA

Pesquisa Datafolha de setembro mostrou


que seis em cada dez brasileiros têm medo
de andar nas ruas. Pela primeira vez,
segurança virou a principal preocupação.
Crimes como estupro e feminicídio tiveram
alta no governo Lula, segundo o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública

3 FOCOS DE VIOLÊNCIA

Alguns estados têm dificuldades para conter


a violência, o que desgasta o governo Lula.
O mais emblemático é a Bahia, administrada
pelo PT, onde a polícia está em guerra com
grupos criminosos. No Rio, vence no dia
31 de janeiro a intervenção da Força
Nacional de Segurança Pública

4 USO DAS FORÇAS ARMADAS

Governo terá que decidir se prorroga ou não


as operações de Garantia da Lei e da Ordem
(GLO) nos principais portos e aeroportos do
Rio e São Paulo. O uso de militares para
combater o tráfico de drogas, decidido por
Lula, foi discutido com o Ministério da Justiça

5 | 11
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5 AMAZÔNIA

A região é alvo crescente de organizações


criminosas que atuam não só no tráfico
de drogas, mas no garimpo, caça e pesca
ilegais. Estudo do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública mostrou que 22 facções
atuam na região, sendo sete delas
de países vizinhos

6 INDÍGENAS

A ação na Terra Indígena Yanomami,


iniciada em fevereiro de 2023 durante crise
humanitária, não agradou ao presidente,
que pediu no início deste ano mais
efetividade na proteção dos indígenas.
Órgãos do Ministério da Justiça, como PF
e PRF, têm papel central na operação

7 C R I M E S D I G I TA I S

Tanto o atual ministro Flávio Dino quanto


outros líderes do governo têm defendido
a necessidade urgente de uma nova
regulação para conter a proliferação
de crimes de ódio, fake news e extremismo
político nas redes sociais. O tema deve
ser uma das prioridades de 2023

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ras movimentações indicam uma troca substancial do ti-


me liderado por Flávio Dino, com a prevalência de nomes
considerados técnicos e ligados ao meio jurídico, mas es-
sencialmente de confiança do novo ministro. A primeira
convidada foi a advogada Ana Maria Alvarenga Mamede
Neves para a chefia de gabinete. Ela está com Lewandows-
ki desde 2010, quando assumiu o mesmo cargo no STF.
Para secretário-executivo, número 2 da pasta, Lewando-
wski levará Manoel Carlos de Almeida Neto, ex-secretá-
rio-geral do Tribunal Superior Eleitoral e do STF. Ele assu-
mirá o lugar de Ricardo Cappelli, que chegou a ser cotado
para suceder Dino — ambos eram filiados ao PSB, assim
como Augusto de Arruda Botelho, secretário nacional de
Justiça, que também deverá ser trocado.
De certa forma, a saída de Dino neste momento foi con-
veniente para o governo. Para algumas alas importantes
do PT, embora mereça elogios pelo espírito combativo, o
ex-ministro não deixou legado importante na área de se-
gurança, além de trazer o problema para o colo do Palácio
do Planalto, com impacto negativo na popularidade de Lu-
la. A ideia é que Lewandowski traga novidades nas estra-
tégias de combate ao crime organizado, mexendo em al-
guns vespeiros, como a política de encarceramento em
massa (o Brasil tem hoje 670 000 detentos). Num sistema
sobrecarregado e incapaz de oferecer condições de reabili-
tação, o resultado prático é a transformação das cadeias
em escolas de formação de novos soldados para facções

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ECUADOREAN ARMED FORCES/AFP

CONEXÕES Presos após levante no Equador


(acima), combate ao tráfico na fronteira do Brasil
com a Colômbia (à esq.) e ato contra a violência no
Rio (à dir.): a criminalidade pressiona o poder público

VANESSA ATALIBA/ZIMEL PRESS/AGÊNCIA O GLOBO


CMA/DIVULGAÇÃO

como o PCC. Em 2018, Lewandowski defendeu que o sis-


tema prisional era responsável por agravar o quadro de in-
segurança e violência. Agora, uma das cotadas para a Se-
cretaria Nacional de Justiça é a advogada Dora Cavalcanti,
que atua contra o encarceramento em massa e o racismo
no sistema criminal.
É preciso lembrar que os problemas a serem enfrenta-
dos por Lewandowski no Ministério da Justiça não surgi-

8 | 11
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ram agora — e foram se agravando ao longo das décadas,


o que aumenta o grau de desafio no seu enfrentamento. A
atuação de grupos como PCC e Comando Vermelho há
muito deixou de ser algo apenas da conta dos governos es-
taduais, porque se expandiu pelo país e gerou uma prolife-
ração de grupos menores — a estimativa é que o Brasil te-
nha mais de cinquenta grupos armados. As falanges nacio-
nais hoje têm conexões com gangues vizinhas e até de lon-
ge da América do Sul, como o Cartel de Sinaloa, no Méxi-
co, e a máfia italiana ‘Ndrangheta. Embalada pelo crescen-
te volume do tráfico de armas e drogas, a expansão dessas
gangues tem alimentado a espiral de violência em vários
estados, como Rio de Janeiro e Bahia. A localização na
fronteira com os principais produtores de pó e maconha,
aliada à superlotação dos presídios e problemas sociais e
estruturais, faz do país um terreno fértil para o crime. Se-
gundo estudo da ONU, o Porto de Santos, em São Paulo,
ocupou a segunda posição na lista de maiores apreensões
de cocaína com destino à Europa em 2021, atrás só de
Guayaquil, no Equador.
Os distúrbios no país sul-americano, aliás, ligaram de
vez todos os alertas. Logo após a eclosão da violência no
Equador, Flávio Dino mandou a Força Nacional de Segu-
rança para o Mato Grosso do Sul, que se tornou uma espé-
cie de base do PCC para conexões com grupos do Para-
guai e de outros países. O controle das fronteiras é um pro-
blema antigo e nunca devidamente solucionado. No dia 8

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de janeiro, o Comando Militar da Amazônia iniciou a Ope-


ração Espelhada, em parceria com o Exército da Colôm-
bia, para trocar informações de inteligência e combater o
tráfico na fronteira. O país, no extremo oeste do Amazo-
nas, faz fronteira também com o Peru, que, ao lado da Co-
lômbia, está entre os maiores produtores de cocaína da
América do Sul. Levantamento feito pelo Fórum de Segu-
rança Pública apontou 22 facções atuando na Amazônia,
sendo sete de outros países, como as gangues venezuela-
nas que atuam até na Terra Indígena Yanomami, em Ro-
raima. “A ausência do Estado potencializou a presença
dessas facções, que ocuparam os vazios de poder”, afirma
Aiala Couto, um dos responsáveis pelo estudo.
Há um outro desafio nada desprezível no horizonte: de-
volver aos cidadãos a sensação de segurança. Seis em cada
dez brasileiros disseram ao Datafolha sentir medo de andar
nas ruas. O mesmo instituto apontou em dezembro que
50% dos entrevistados consideravam ruim ou péssima a
gestão Lula na segurança, enquanto 29% a avaliavam co-
mo regular e só 20%, como ótima ou boa. Alguns crimes
subiram no atual governo, como estupro (16%) e feminicí-
dio (2,3%). O número de homicídios teve leve queda (3,2%),
mas o altíssimo número de mortes não permite comemorar.
Entre janeiro e outubro foram 31 000 assassinatos — mais
do que o número de mortos nos conflitos em Gaza (20 000)
e Ucrânia (10 000). Também há preocupação com a alta le-
talidade policial, que deixou 5 200 mortos no ano passado.

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Responsável agora por lidar com todas essas questões,


Lewandowski tem o perfil considerado ideal para tentar
implementar um plano nacional de segurança mais efeti-
vo. “O combate ao crime organizado exige diplomacia, in-
terlocução com outros países. Mas também depende de in-
tegração entre os estados, de trabalho institucional inter-
no”, afirma Leandro Piquet, do Núcleo de Pesquisas em
Políticas Públicas da USP. Também, claro, será preciso
avaliar os programas existentes e ver o que se deve man-
ter. “O controle do crime não se dará com medidas esporá-
dicas e pontuais, ele precisa de continuidade”, diz Joana
Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à
Segurança Pública da FGV. Dino ainda deixou tarefas pen-
dentes, como a promessa de lançar um programa de re-
compra das armas em poder de civis. “Não há controle,
pois a fiscalização é inadequada”, afirma Bruno Langeani,
gerente do Instituto Sou da Paz. Há quase três milhões de
armas com civis no Brasil.
Diante do extenso rol de problemas e da maneira crítica
com que a população avalia o trabalho do governo nessa
área, seria desejável que a troca de guarda no ministério
emitisse algum sinal de preocupação e um sentido de ur-
gência. O crime organizado e a angústia da sociedade não
têm trégua. ƒ

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BRASIL SEGURANÇA
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A AMEAÇA DA VEZ
O uso de deepfakes desponta como candidato a vilão nas
próximas eleições e põe a inteligência artificial na mira da
Justiça e do Congresso ISABELLA ALONSO PANHO E
ADRIANA FERRAZ

ALVO David Almeida, prefeito de Manaus, na PF: candidato à


reeleição, ele foi vítima de um áudio falso contra professores

VALDO LEÃO/SEMCOM MANAUS

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TRÊS DIAS antes do último Natal, o prefeito de Manaus,


David Almeida (Avante), acordou pouco antes das 5 da
manhã. Ao pegar o celular, viu que circulava em grupos
de WhatsApp um áudio, com uma voz bastante parecida
com a sua, que chamava os professores da rede pública
de “vagabundos”, além de proferir outros impropérios.
O episódio aconteceu dias depois do anúncio de que o pa-
gamento de um abono para a categoria não seria feito.
Alertado por assessores de que poderia ser uma mídia
montada de maneira criminosa, ele foi à Polícia Federal.
“Ter a sua imagem ligada a algo que você não fez é muito
ruim”, disse o prefeito a VEJA. O caso se transformou em
um inquérito, protegido por sigilo, que será usado de pa-
radigma de como enfrentar aquele que se insinua como o
inimigo de turno das eleições limpas: o uso da inteligên-
cia artificial para constranger adversários, espalhar fake
news e, ao fim, distorcer a avaliação do eleitor.
Por causa de episódios como esse, a nova tecnologia
entrou na mira da Justiça Eleitoral. Na tentativa de se an-
tecipar a problemas como o vivido pelo prefeito de Ma-
naus, que é candidato à reeleição, o TSE trabalha para
criar uma normativa que discipline o uso da IA. O texto,
que ainda vai ser analisado em audiências públicas e terá
de ser aprovado pelo plenário da Corte, prevê que con-
teúdos feitos por IA precisam ter aviso que os identifique.
Se esses materiais contiverem notícias falsas sobre candi-
dato ou o processo eleitoral, o caso será tratado como

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ISTOCK/GETTY IMAGES

FÁCIL Criação de vídeo fake: criminosos têm material


abundante na internet

abuso de poder ou crime eleitoral de disseminação de no-


tícias falsas, cuja pena é de até um ano de prisão ou mul-
ta. Também poderá, a depender da gravidade, provocar a
cassação da candidatura e a perda do mandato.
O Congresso também está se movimentando. Na Câ-
mara, há quatro projetos de lei com o intuito de proibir a
manipulação de conteúdos e punir autores e dissemina-
dores de deepfakes. No Senado, existe uma comissão es-
tudando o assunto, além de um projeto de lei do presi-

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dente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que almeja a


criação de um Marco Civil da Inteligência Artificial. O
relator da comissão, Eduardo Gomes (PL-TO), e o presi-
dente dela, Carlos Viana (Podemos-MG), prometem uma
normativa sobre o tema ainda em 2024.
A inteligência artificial, por si, não é exatamente um
problema. Como qualquer nova tecnologia, há vários
usos positivos para ela. A velocidade do raciocínio da
máquina permite a análise de documentos e dados em
prazo recorde, economizando tempo de trabalho huma-
no e com margens de erro muito menores. Nesta semana,
o INSS, por exemplo, anunciou um teste com IA para
identificar fraudes em atestados médicos apresentados
em pedidos de auxílio-doença. O Supremo Tribunal Fe-
deral (STF) faz uso da tecnologia para separar por assun-
to os milhares de processos que chegam à Corte. O pro-
blema é quando a ferramenta é colocada a serviço de pro-
pósitos pouco republicanos ou até mesmo criminosos.
“Tem muitos riscos a inteligência artificial. Um deles é
este, o seu impacto sobre as democracias, as potenciali-
dades da desinformação e do deepfake. Porque a demo-
cracia é feita da participação esclarecida das pessoas”,
disse o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, no Fó-
rum de Davos (Suíça), na quarta-feira 17.
A grande ameaça ao sistema eleitoral é o deepfake, no-
me dado à junção das expressões deep learning (aprendi-
zado da máquina) e fake (falso). A tecnologia pode ser

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usada para criar vídeos falsos, com o rosto e a voz prati-


camente idênticos aos da vítima. Não é fácil, porém, pro-
duzir um conteúdo com a qualidade técnica necessária
para se passar por verdadeiro. Mesmo um deepfake capaz
de enganar o eleitor mediano exige o trabalho de um pro-
fissional. Mas o acesso aos programas de IA é pouco con-
trolado. Há vários aplicativos que disponibilizam a ferra-
menta e, na maioria, o cadastro nem checa a identidade
do usuário. “A pessoa pode cadastrar qualquer e-mail,
qualquer nome, e não há uma checagem disso. Ela fica
protegida pelo sigilo dos seus dados pessoais”, diz Álvaro
Machado Dias, pesquisador da Unifesp. Não há entidade
ALEJANDRO ZAMBRANA/SECOM/TSE

DE OLHO Alexandre de Moraes, presidente do TSE:


Corte prepara resolução

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governamental, no Brasil ou no mundo, que controle o


uso desses programas ou quem faz uso deles.
Outro gargalo é a abundância de recursos à disposição
de quem quer produzir uma montagem. A matéria-prima
de um deepfake são os dados fornecidos por usuários en-
quanto navegam na internet. Um registro de segundos, que
mostre o interlocutor falando por alguns ângulos, é mate-
rial mais do que suficiente para criar um vídeo falso. O áu-
dio precisa de ainda menos recursos. Políticos produzem
esse tipo de material em abundância ao disponibilizarem
vídeos, áudios e fotos nas redes sociais. “O problema é que
todo mundo tem algum tipo de coleta de voz. Você pode

CINCO VEZES QUE A POLÍTICA


ENTROU NA MIRA DA IA
Líderes mundiais como Trump e Zelensky
foram vítimas do mau uso da nova tecnologia

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estar falando com uma central de atendimento do seu ban-


co e sua voz estar sendo gravada”, diz Ricardo Vieira, ad-
vogado e presidente do Legal Cyber Institute.
O enfrentamento ao mau uso das ferramentas da in-
ternet vai muito além do Judiciário. O sucesso desse tipo
de empreitada depende muito de mecanismos legais para
FOTOS REPRODUÇÃO

OBAMA “BOCA SUJA”


Abril de 2018

Viraliza um vídeo em que o democrata


Barack Obama chama Trump de “imbecil”
e usa palavras de baixo calão. O quase
imperceptível deepfake foi uma montagem
feita pelo cineasta Jordan Peele para
alertar sobre os perigos da IA na política

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regular o serviço, o que sempre avança — quando avança


— com muita resistência. Depois da implementação do
Marco Civil da Internet, em 2014, a legislação brasileira
passou a ter um pouco mais de controle sobre a coleta de
dados dos usuários, mas o terreno ainda é bastante pan-
tanoso. Atrás de um deepfake existe um trabalho organi-

RENDIÇÃO DA UCRÂNIA
Março de 2022

Em vídeo adulterado, o presidente


ucraniano, Volodymyr Zelensky, anuncia
a rendição do país à Rússia e pede que
o povo de seu país baixe as armas.
O material circulou no Facebook
e foi derrubado pela Meta

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zado de coleta de dados e produção de conteúdos arqui-


tetados para viralizar. Essa cadeia produtiva ainda não
está completamente regulada. Em 2023 o Brasil viu uma
tentativa de regulamentar a ação das “big techs” — o pro-
jeto de lei 2630/20, conhecido como PL das Fake News
— morrer na praia mesmo com a intervenção direta do

ABERTURA DO JORNAL NACIONAL


Setembro de 2022

Circula nas redes e aplicativos de mensagem


uma montagem com a escalada do JN em
que a âncora Renata Vasconcellos anunciava
que o ex-presidente e então candidato Jair
Bolsonaro (PL) estava liderando as pesquisas
de intenção de votos, o que nunca ocorreu

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presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A votação


acabou adiada em meio à pressão das companhias de tec-
nologia, mas deve voltar à pauta neste ano.
Pressionadas, especialmente pelo Judiciário, as platafor-
mas cederam em alguns pontos. Um deles foi a criação de
protocolos para remoção de conteúdos falsos, o que não re-

TRUMP PRESO
Março de 2023

Um jornalista americano publicou


cinquenta fotografias — que na verdade
são montagens — do ex-presidente dos EUA
brigando com policiais e sendo preso. Até a
ex-primeira-dama Melanie Trump aparece nas
edições, que confundiram muitos usuários

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solve completamente o problema. Hoje não existem ferra-


mentas que controlem quantas pessoas estão armazenando
nos seus celulares um vídeo falso, por mais que ele tenha si-
do removido das plataformas. Depois que “caiu na rede”, o
estrago está feito. “O que me preocupa é a velocidade de dis-
seminação. A combinação de notícias falsas que podem ser

CHUMBO TROCADO
Novembro de 2023

Na eleição argentina, circulou um deepfake


em que o peronista Sergio Massa aparecia
usando cocaína. A campanha dele desmentiu
o vídeo, mas foi acusada de também usar
IA para mostrar o liberal Javier Milei em
montagem elogiando Margaret Thatcher

11 | 13
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feitas em meia hora pela IA é absurda”, afirma Carlos Irineu


da Costa, pesquisador e consultor de IA.
O dilema é mundial. Vários países estão construindo
regulamentações na tentativa de lidar com algo que está
em constante mudança. Na União Europeia, o Threads,
concorrente do X (antigo Twitter), enfrentou uma série de
entraves para poder funcionar. As empresas também es-
tão se movimentando, mas não na mesma velocidade. Na
segunda 15, a OpenAI, proprietária do ChatGPT, divul-
gou um comunicado proibindo o uso da ferramenta para
fins eleitorais. Em novembro de 2023, a Meta (que admi-
nistra WhatsApp, Facebook, Instagram e Threads) pas-
sou a exigir que os anunciantes divulguem o uso de IA em
seus conteúdos. O Google disse que suas políticas “proí-
bem conteúdo e anúncios que confundam os eleitores so-
bre como votar”. Apesar desses esforços, os algoritmos
das big techs e as informações pessoais que podem ser co-
letadas ainda são um dado confidencial, o que impede
ação mais efetiva do poder público no controle da IA. “Es-
sas plataformas se tornaram espaços virtuais do debate
público. Seus algoritmos deveriam deixar de ser um se-
gredo industrial”, defende o professor Carlos Peres de Fi-
gueiredo Sobrinho, da Universidade Federal de Sergipe.
O inimigo da vez do processo eleitoral é, na verdade, a
reencarnação de um velho problema: o uso de fake news co-
mo estratégia. O dilema começou a se desenhar em 2018, com
o disparo massivo por meio do WhatsApp e Facebook que

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ANDRE BORGES/EFE

FREIO LEGAL Rodrigo Pacheco: presidente do Senado é


autor de projeto para criar um marco civil para a IA no Brasil

marcou a campanha de Jair Bolsonaro. Quatro anos depois,


surgiu um novo vilão, o Telegram, aplicativo de origem russa
que sequer tinha representantes no Brasil — e que chegou a
ser retirado do ar pelo TSE. A guerra, complexa, às vezes pa-
rece infrutífera. Em 2022, a Justiça fez talvez o seu maior es-
forço nesse sentido, mas não conseguiu impedir que a prolife-
ração de fake news fosse uma triste marca da disputa. O mé-
todo vai ficando mais sofisticado, e a estratégia de enfrenta-
mento usada na eleição passada já não serve mais para a pró-
xima. Mais do que punir resultados danosos com o pulso fir-
me do Judiciário, o poder público precisa se debruçar sobre a
regulamentação desse mercado para separar, com urgência, o
joio do trigo no uso das novas tecnologias. ƒ

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BRASIL POLÍTICA
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APELAÇÕES
EM EXCESSO
Partidos reclamam da intromissão do Judiciário,
mas acionaram o STF mais de 800 vezes desde
2018, até para reverter derrotas no Congresso
BRUNO CANIATO E ADRIANA FERRAZ

RESISTÊNCIA Parlamentares de esquerda e indígenas:


protesto em votação do marco temporal na Câmara

LULA MARQUES/AGÊNCIA BRASIL

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A DEFINIÇÃO de um marco temporal para a demarcação de


terras indígenas foi, talvez, o maior cabo de guerra institucio-
nal travado no ano passado. Depois de o STF reconhecer que a
tese era inconstitucional, o Congresso aprovou um projeto de
lei na direção contrária. O governo Lula vetou então o PL, que
foi derrubado por 321 deputados e 53 senadores. Assim que o
presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-
-MG), promulgou a lei, no fim de dezembro, cinco partidos go-
vernistas (PT, PSOL, Rede, PV e PCdoB) foram ao Supremo
para pedir que ela fosse derrubada. Do outro lado, PL, PP e
Republicanos entraram com uma ação para pedir o contrário:
que a Corte garantisse o que foi decidido pelo Parlamento. Ou
seja, por enquanto, vale a posição do Legislativo sobre o tema,
mas tudo pode mudar após nova apreciação do STF.
Embora o imbróglio em torno do marco temporal seja
bastante ilustrativo, está longe de ser um caso isolado. Le-
vantamento feito por VEJA mostra que recorrer ao STF vi-
rou carta marcada do jogo político — desde 2018, os parti-
dos moveram nada menos que 807 ações de inconstitucio-
nalidade para contestar leis aprovadas em plenário, anular
decisões do Executivo e do Legislativo ou forçar governan-
tes a agir em casos em que se acreditava estar havendo
omissão. Segundo o Supremo, mais de 75% desses processos
foram protocolados por partidos de esquerda após terem si-
do derrotados no Congresso ou terem pedidos negados pela
União. Os campeões são PDT, PSB, Rede, PT e PSOL, todos
eles da base do governo (veja o quadro na pág. ao lado).

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A POLÍTICA
NOS TRIBUNAIS
As siglas que mais entraram com ações
no Supremo entre 2018 e 2024

PDT 108
PSB 106
REDE 105
PT 100
PSOL 91
PCdoB 57
SOLIDARIEDADE 48
PV 44
PRD 44
PODEMOS 34

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807 AÇÕES
FORAM PROTOCOLADAS PELAS
LEGENDAS NESSE PERÍODO

75%
DOS PROCESSOS FORAM MOVIDOS
POR AGREMIAÇÕES DE ESQUERDA

12 DEMANDAS
FORAM APRESENTADAS PELO NOVO DESDE
QUE LULA TOMOU POSSE, EM JANEIRO
DE 2023, O QUE FAZ DELE O PARTIDO QUE
MAIS ACIONOU O STF NESSE PERÍODO
Fonte: STF

As circunstâncias que motivaram as ações variam. Há


muitas solicitações feitas durante a pandemia para obrigar o
governo de Jair Bolsonaro a comprar vacinas. Outras ações
exigem o uso de câmeras corporais pelas Polícias Militares,
o que enfrenta resistência da parte de alguns estados. Há
também tentativas de fazer com que o STF imponha uma
nova regra legal, que deveria ser discutida no Congresso, co-
mo uma ação do PDT que pretende obrigar operadoras de
TV por assinatura a incorporar canais abertos em seus catá-
logos. Embora a esmagadora maioria dos pedidos venha de

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legendas de esquerda, é possível observar que a recorrência


ao Judiciário tende a ser um artifício de quem é oposição —
o Novo, por exemplo, protocolou doze processos na Corte
desde o início do terceiro mandato de Lula (o que faz dele o
campeão na atual gestão), mais do que as oito movidas pelo
partido durante os quatro anos da gestão Bolsonaro.
O entra e sai de partidos no STF contrasta com um discur-
so adotado pelo Legislativo no fim do ano passado, quando
acusou o Supremo, com frequência, de intromissão na princi-
pal prerrogativa dos parlamentares, que é legislar. As críticas
subiram muito de tom na esteira de decisões da Corte em
questões controversas, como o próprio marco temporal e a
descriminalização do aborto e da maconha para uso pessoal.
Em alguns casos, parlamentares foram ao Supremo para obri-
gar o Legislativo a discutir alguma coisa. Na última sessão de
2023, o STF, por exemplo, julgou uma ação na qual decidiu
que o Congresso estava sendo omisso há anos ao não regula-
mentar a licença-paternidade e ainda deu dezoito meses para
que os parlamentares fizessem o seu trabalho. “O Congresso
Nacional, às vezes, quando decide não legislar, está legislan-
do. Não abre espaço para que outros poderes o façam”, disse o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no último dia 2
de janeiro, tentando contemporizar a situação. A realidade,
porém, mostra que a presença cada vez maior do STF no de-
bate político é fomentada pelas próprias legendas.
Essa estratégia, no entanto, está perto de sofrer um duro
revés. Uma ideia que vem ganhando força nos bastidores da

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Câmara, apadrinhada pelo


próprio Arthur Lira, é limi-
tar o número de partidos
que podem mover ações de
inconstitucionalidade no Su-
premo — a proposta, inclusi-
ve, tem sido discutida com o
SUAMY BEYDOUN/AGIF/AFP
ministro Gilmar Mendes.
Trata-se do projeto de lei
3640/23, de autoria do de-
putado Marcos Pereira (Re- INSATISFEITO Arthur Lira:
publicanos-SP), vice-presi- com o seu apoio, avança
dente da Câmara e candida- projeto para criar barreira a
to a suceder a Lira em 2025. ativismo judicial de nanicos
Ele propõe uma espécie de
“trava” com base na representação partidária. O texto usa
como régua a cláusula de barreira, que restringe o acesso a
recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita eleito-
ral somente a siglas que conquistaram uma votação mínima
na última eleição. “Se apenas entidades com alcance nacio-
nal podem ter acesso ao Supremo, o mesmo deve ser feito
em relação aos partidos”, defende o relator do projeto, Alex
Manente (Cidadania-SP).
Os alvos são os partidos com poucos deputados, mas
muito ativos no Supremo, como Rede e PCdoB, que não su-
peraram a cláusula de barreira, embora tenham mantido
seus direitos por terem se juntado em federações partidá-

6|9
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GLÁUCIO DETTMAR/AG. CNJ


LOBBY Barroso recebe deputadas para discutir licença-
paternidade: logo depois, STF mandou Congresso regular o tema

rias. Se a “trava” for aprovada, a restrição ameaçaria ainda


partidos como Novo. A turma, naturalmente, tenta barrar a
iniciativa. “A prerrogativa dos partidos políticos de aciona-
rem o STF para o controle constitucional é uma garantia as-
segurada pela própria Constituição”, afirma o coordenador
nacional da Rede, Giovanni Mockus. A presidente nacional
do PSOL, Paula Coradi, fala em retrocesso. “A democracia
ganha com os questionamentos”, argumenta. O Novo, curio-
samente, se divide em torno do tema. “As ações tornaram-se
ferramentas de revisão de derrotas de matérias no Legislati-
vo. Contribuem para a judicialização da política e o ativismo
político do Judiciário”, opina o cientista político Luiz Felipe
d’Avila, presidenciável da sigla em 2022. A bancada, no en-
tanto, se posiciona de forma diferente. “O papel do Supremo

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é defender a Constituição, por isso qualquer partido deve ter


o direito de acessá-lo. Impedir isso seria um ataque à demo-
cracia brasileira”, afirma Adriana Ventura (SP), líder da le-
genda na Câmara.
Limitar o acesso de partidos ao Supremo é, de fato, uma
ideia polêmica. Para muitos especialistas, a proposta é anti-
democrática e põe em risco uma das principais conquistas
da Constituição. O amplo acesso ao Judiciário é visto como
um mecanismo fundamental para o maior controle do po-
der público pela sociedade civil e seus representantes eleitos.
“Alterar o rol de entidades que podem acessar o STF é uma
proposta de quem está insatisfeito com a derrota e quer virar
a mesa”, avalia Thiago Hansen, professor de história do di-
reito da UFPR. Ele acrescenta que reconhecer a legitimidade
do STF para julgar a constitucionalidade das leis previne ce-
nários que se repetiram ao longo das ditaduras no Brasil,
quando o Executivo ameaçava cassar ou extinguir o Judi-
ciário por meio da força bruta.
Por esse e outros motivos, de acordo com alguns estudio-
sos, a tão criticada “judicialização da política” está longe de ser
um problema. Pelo contrário. Segundo eles, esse é um proces-
so natural que evita que direitos de minorias sejam atropelados
por interesses políticos no Congresso. “É imoral criar uma bar-
reira no acesso ao STF, isso abre espaço para que partidos
maiores tenham o monopólio de questionar a constitucionali-
dade de uma lei”, afirma José Eduardo Faria, professor do De-
partamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito e decano da

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ZECA RIBEIRO/CÂMARA DOS DEPUTADOS

FORA Zeca Dirceu, líder do PT na Câmara: a sigla não seria


afetada por restrição

Faculdade de Direito da USP. O problema, segundo pesquisa-


dores, não está no número de processos no Supremo, mas na
incapacidade dos partidos de buscarem consensos. “O contra-
ditório não é a participação do STF na política, mas a incorpo-
ração do Judiciário como um ‘terceiro turno’ na estratégia par-
tidária”, avalia Ana Claudia Santano, professora de direito elei-
toral da UFC e coordenadora da ONG Transparência Eleitoral.
Ainda falta clareza às regras em discussão no Parlamento
para se tentar conter os atuais excessos de provocações ao STF.
O que se espera é que qualquer mudança seja feita levando-se
em consideração o bom funcionamento das instituições, a auto-
nomia entre os poderes e os direitos dos representantes eleitos.
Mas é preciso também que haja moderação nesse movimento de
levar questões de natureza política aos tribunais, ainda mais ao
Supremo, já tão apinhado de causas que fogem ao seu papel. ƒ

9|9
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CRISTOVAM BUARQUE

DEMOCRACIA
CIVILIZADA
É fundamental melhorar a educação
de base para o crescimento do país

NÃO É CIVILIZADA a democracia que precisa consultar


os quartéis para saber se generais nos gabinetes e militan-
tes nos quintais concordam com o resultado das eleições
que elegeram um novo presidente e se respeitam as insti-
tuições que coordenaram o processo eleitoral. Mas tam-
pouco é civilizada a democracia que despende parte subs-
tancial do orçamento público para fazer funcionar estas
instituições e para realizar as eleições. Onde os eleitos che-
gam a receber salários (além de outros benefícios) equiva-
lentes a trinta vezes o salário mínimo que os seus eleitores
recebem com trabalho, e sessenta vezes mais do que a Bol-
sa Família para seus eleitores pobres sem emprego. Em
uma democracia que tolera a corrupção direta de roubo ou
indireta no desvio de dinheiro público para prioridades
sem compromisso social, para mordomias e obras ostenta-
tórias ou para financiar seus partidos; deixando dezenas
de milhões com escolas deficientes, sem água ou esgoto
em suas casas, ou morando nas ruas.

1|3
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Não é civilizada a democracia que, depois de décadas em


funcionamento, mantém a renda nacional concentrada nos
dez por cento mais ricos que recebem em média 8 000 reais
per capita por mês, deixando metade da população com
apenas 1 500 reais e os quarenta por cento mais pobres com
míseros 250 reais, menos de 10 reais por dia. Que assegura
o mesmo direito de voto a cada pessoa, mas segrega a popu-
lação em um sistema de apartação onde poucos vivem em
condomínios com serviços da qualidade dos ricos do Pri-
meiro Mundo e milhões em favelas desprovidas, como se vi-
vessem na profundidade do Terceiro Mundo.
Não há civilização quando a violência assassina ao redor
de 50 mil pessoas por ano, a maior parte delas afrodescen-
dente e diversas por feminicídios. Onde parte da população
está faminta, apesar de o país ser o maior exportador de ali-
mentos no mundo. A civilização da democracia exige eco-
nomia com produtividade elevada, capacidade de inovação
e de inserção internacional, com sustentabilidade e, sobretu-

“Deve-se valorizar o
nosso maior recurso:
a inteligência
da população”
2|3
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do, distribuição justa de renda. Deve-se valorizar nosso


maior recurso: a inteligência da população, formando-a com
liberdade e competência para buscar a felicidade pessoal e
para construir o país. A falta de escolaridade na idade certa
faz com que dez milhões de adultos sejam incapazes de re-
conhecer a própria bandeira, por não ler o lema escrito nela,
e condena os matriculados a um sistema educacional segre-
gado entre “escolas senzala” e “escolas casa-grande”, repro-
duzindo gerações de analfabetos para a contemporaneida-
de, com baixa produtividade na criação da renda nacional e
sem participação na sua distribuição com justiça.
Um ano depois, parte da população ainda apoia o ato gol-
pista de 8 de janeiro, e os demais acreditam que basta defen-
der as instituições democráticas. Além da repulsa à tentativa
de golpe, é hora de união para civilizar a democracia. A de-
fesa da democracia requer também unidade nacional para
construir uma nação com eficiência, justiça, cultura, harmo-
nia e integração no mundo: uma democracia civilizada. Pa-
ra tanto, é preciso romper com a principal fábrica de nossas
barbaridades: a baixa qualidade e a imensa desigualdade
com que a educação de base é oferecida hoje aos que pode-
riam civilizar o país no futuro. ƒ

3|3
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BRASIL RIO DE JANEIRO
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TÁ TUDO
POLARIZADO
Favorito nas pesquisas, o prefeito carioca Eduardo
Paes tenta se manter no centro, enquanto lida com
a pressão à esquerda de aliados petistas
MAIÁ MENEZES E LUCAS MATHIAS
MAURO PIMENTEL/AFP

ASSUNTO TABU Paes e Lula: os dois aliados acham que


ainda é muito cedo para falar de eleição

1|7
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PELA TERCEIRA VEZ no cargo, com uma administra-


ção bem avaliada por 54% da população, o prefeito do Rio
de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), tinha tudo para caminhar
tranquilo para a reeleição do jeito que queria: exaltando os
feitos da sua gestão em uma chapa “puro-sangue” com o
deputado federal e aliado de sempre Pedro Paulo, que o
sucederia quando deixasse o cargo para disputar o gover-
no estadual. Aí entrou no meio a inexorável polarização
política nacional, que faz da capital fluminense um territó-
rio estratégico para os dois lados na briga pelo Palácio do
Planalto em 2026. O presidente Lula tem interesse em
manter o aliado Paes no cargo e recuperar o espaço perdi-
do no Rio, que já lhe deu muitas vitórias, mas preferiu Jair
Bolsonaro nos dois últimos pleitos. O bolsonarismo, por
sua vez, conta com a máquina estadual do governador
Cláudio Castro, seu parceiro — sobre quem paira uma
sombra incômoda: ele é acusado de haver recebido, no pas-
sado, propina de empresários da saúde na casa dos
400 000 reais —, para conquistar a vitória em seu ninho e
mostrar que segue vivo e influente. Nessa conjuntura de
objetivos mais altos, a reeleição de Paes ganha novos e
complicados contornos.
Pesquisa recente de intenção de voto da AtlasIntel mos-
tra Paes na frente, com 36,2% da preferência do eleitorado.
Alexandre Ramagem (PL), ex-presidente da Agência Bra-
sileira de Inteligência (Abin) e candidato de Bolsonaro,
aparece em segundo lugar, com 19,1% — bem menos, mas

2|7
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INSTAGRAM @ANIELLEFRANCO

CAMPANHA Anielle, com a cabo


eleitoral Janja: ela quer emplacar a ministra

ainda assim bastante para um novato que nunca teve o no-


me testado nas urnas. Fincado no centro do espectro polí-
tico, o prefeito corre o risco de ficar no meio da sangrenta
troca de tiros entre direita e esquerda. “Paes terá de encon-
trar uma maneira de ser um antibolsonarista moderado”,
diz o cientista político Felipe Nunes, CEO da Quaest Pes-
quisa e Consultoria. “O ideal para ele é evitar ao máximo a
polarização no campo ideológico.”

3|7
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Ciente de sua posição, o prefeito evita falar de eleição e ca-


la-se mais ainda se o assunto é seu vice, um ponto que já co-
meça a semear discórdia com os aliados petistas: ele faz
questão de um nome amplamente palatável, seja de que par-
tido for, enquanto uma ala da legenda de Lula (mas não Lula,
diga-se) quer partir para a luta aberta e emplacar um quadro
mais à esquerda na chapa. As articulações correm soltas.
Uma das possibilidades ventiladas ultimamente é Anielle
Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã de Marielle, a
vereadora do PSOL assassinada em 2018. A ministra, que
pretende se filiar ao PT em breve, tem a simpatia da primeira-
dama, Janja, que lançou seu nome sem consultar ninguém e
tem defendido a ideia em conversas com ministros e com a
bancada fluminense. Já em clima de campanha, Anielle visi-
tou o Rio e municípios da Baixada Fluminense assolados pe-
las intensas chuvas dos últimos dias e, no palanque virtual
das redes, classificou a tragédia como “racismo ambiental”
— definição que causa arrepios à turma de Paes, preocupada
em não alijar eleitores mais conservadores. Bolsonaro alfine-
tou: “Por onde anda Lula, braço do Eduardo Paes, para aju-
dar o Rio de Janeiro nessas enchentes?”.
O sonho de emplacar o vice de Paes tem sido motivo de
bate-boca no PT — como sempre. O diretório estadual
pressiona a favor de algum dos três secretários que já par-
ticipam do governo municipal. Um grupo próximo do Pla-
nalto vai em outra direção e reconhece que tem muito pou-
co a oferecer em troca do cobiçado cargo. “Não dá para o

4|7
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BRUNO KAIUCA/AFP

PALANQUE Chuva que assolou o Rio: assunto


para políticos já em plena campanha eleitoral

Eduardo sair para governador em 2026 e nós exigirmos


que ele abra mão da prefeitura”, admite o pragmático
Washington Quaquá, vice-presidente do partido e um dos
caciques fluminenses. Uma das saídas que se desenham é a
filiação ao PT de uma pessoa de confiança do prefeito, que
seria seu companheiro de chapa. O mais citado é Felipe
Santa Cruz (hoje no PSD), ex-presidente da OAB e também
amigo de Lula. “O nome agrada”, afirma um petista com
acesso privilegiado ao presidente da República.

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Nos últimos dias, circulou com certo entusiasmo entre


os apoiadores de Paes a indicação para vice de Ricardo
Cappelli (PSB), secretário executivo do Ministério da
Justiça que vai ficar sem cargo depois que Ricardo Le-
wandowski assumir a pasta e já foi convidado pelo pre-
feito para a Secretaria de Ordem Pública. Em férias nos
Lençóis Maranhenses, Cappelli desconversa. Mas, por
sua postura de apoio a operações contra o crime organi-
zado, ele tem potencial para reforçar um ponto fraco da
esquerda: a área da segurança, onde o bolsonarismo ga-
nha adeptos defendendo uma política dura contra a ban-
didagem. “O eleitor do Rio é o mais suscetível do país em
relação ao tema”, diz Nunes.
Embora a responsabilidade da segurança pública seja
do governo estadual, a população cobra o prefeito, e Paes
se esforça para mostrar serviço. Ele deixou a rivalidade
eleitoral de lado e se uniu a Castro para ingressar com um
recurso contra a decisão da Justiça que impedia a apreen-
são de menores — salvo em flagrante — durante as ações
da polícia nas praias do Rio, onde arrastões se tornaram
frequentes. Também denunciou no X que uma das princi-
pais milícias do estado tentou cobrar 500 000 reais de
uma empreiteira para liberar as obras de um parque na Zo-
na Norte e que moradores do Jardim Botânico estão sendo
achacados por grupos que vendem segurança privada.
A despeito da intensa movimentação nos bastidores, até
agora não há definição à vista da chapa do prefeito para a

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MAURO PIMENTEL/AFP

DISPONÍVEL Cappelli: de saída do


Ministério da Justiça, ele pode ser convidado

eleição deste ano. Paes e Lula, os dois principais interessa-


dos em um alinhamento, mantêm contato constante, mas
evitam tratar do assunto. O presidente, como é seu costu-
me, emite sinais de que quer ter mais clareza da situação
antes de propor qualquer acerto, enquanto Paes, por mais
que não queira, vai sendo arrastado para o cenário da po-
larização. Certo, por ora, é que, entre as três principais ca-
pitais do Sudeste — Rio, São Paulo e Belo Horizonte, o cha-
mado Triângulo das Bermudas das ambições eleitorais —,
a fluminense é a que apresenta maior chance de vitória pa-
ra o governo federal. Todo o cuidado será pouco para não
atrapalhar a maré a favor. ƒ

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MURILLO DE ARAGÃO

AS MALAS PESADAS
DO GOVERNO
A administração federal consome
capital político com muitos erros

NA ABERTURA DO ANO, o governo desperdiça capital


político com uma sucessão de erros e tropeços. A sequên-
cia preocupa pelo fato de o primeiro ano do terceiro man-
dato do presidente Lula ter chegado ao fim marcado por
um crescimento da avaliação desfavorável de sua gestão
na Presidência da República. Pelo menos três equívocos
parecem evidentes na virada de 2023 para 2024.
Logo no fim de dezembro, o governo emitiu uma medi-
da provisória para “reonerar” a folha de pagamento ape-
nas quinze dias depois de o Congresso haver derrubado
alguns vetos, mantendo a desoneração. A ação revelou
falta de sensibilidade política e desrespeito ao Congresso
Nacional por parte do Executivo. A impressão deixada
junto aos parlamentares é a de que o governo, inconfor-
mado com a derrota dos vetos, se vinga editando uma MP
em vez de tentar negociar uma alternativa.
O evento em torno da lembrança do 8 de Janeiro foi
outra iniciativa mal concebida e pobremente executada. A

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cerimônia adequada deveria ter sido organizada pelos


presidentes dos Poderes, e não pelo cerimonial do Planal-
to. Idealmente, deveria ocorrer no Panteão da Democra-
cia, simbolizando a resistência das instituições aos ata-
ques que receberam no início de 2023. A baixa participa-
ção de governadores e o impacto limitado na opinião pú-
blica indicam que o tema foi mal planejado e mal apresen-
tado e, no fim das contas, pouco acrescentou aos propósi-
tos do governo.
O terceiro erro foi a decisão de Lula de entrar precoce-
mente na campanha eleitoral municipal em São Paulo.
Com quatro partidos aliados federais na disputa paulista-
na, Lula deveria ter se mantido à margem e permitido que
o cenário se desenvolvesse antes de tomar uma posição. A
mensagem dada por Lula é a de que ele não será neutro
em relação à disputa. O que, no mínimo, vai gerar descon-
fianças entre seus aliados no nível federal.

“Lula está sozinho na


formulação política e seu
ministério não o acompanha,
salvo exceções”
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A lista de equívocos persiste, tanto no que diz respeito


à política externa quanto ao funcionamento deficiente do
ministério como um todo. O governo tem um ministério
grande demais, que parece se destacar mais por suas con-
trovérsias do que por suas realizações. Como um todo, o
governo é uma colcha de retalhos de narrativas e iniciati-
vas contraditórias. O núcleo central do governo é forçado
a suportar um ministério que, muitas vezes, em vez de au-
xiliar, tende a atrapalhar. Existem ainda ministérios fan-
tasmas, que ainda não mostraram a que vieram. E, quan-
do há contribuições positivas, elas permanecem em gran-
de parte despercebidas.
Enfim, o governo consome capital político sem ter
criado uma grande narrativa, sem engajar a população
em seu projeto, sem mobilizar as forças econômicas de
forma decisiva. Sem, sobretudo, ter uma marca. Objetiva-
mente, o governo do terceiro mandato de Lula é mais efi-
ciente do que parece, mas enfrenta dificuldades em de-
monstrar esse fato. Prevalecem as intenções de projetar
percepções estereotipadas do mundo, impulsionar con-
ceitos polêmicos, como o racismo ambiental, atacar as
forças do mercado e dar vazão a declarações “lacrado-
ras”. No fim das contas, Lula está sozinho na formulação
política e seu ministério não o acompanha como deveria,
salvo raras exceções. ƒ

3|3
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BRASIL MINISTÉRIO
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ADVERSÁRIOS
ÍNTIMOS
Investigado por uso indevido de dinheiro público,
o ministro da Secretaria-Geral da Presidência conta
nos bastidores que denúncias contra ele teriam partido
dos próprios petistas LARYSSA BORGES

DESGASTE Macêdo: Carnaval fora de época, candidatura,


cargo cobiçado e estranhas coincidências

INSTAGRAM @MARCIOMACEDOP

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ANTES de assumir o cargo de ministro-chefe da Secre-


taria- Geral da Presidência da República, o petista Már-
cio Macêdo coordenou o comitê financeiro da campanha
de Lula, em 2022, função que carregava um estigma.
Três tesoureiros petistas foram presos por corrupção nas
últimas duas décadas. Até onde se sabe, Macêdo saiu-se
muito bem. O Tribunal Superior Eleitoral atestou que ele
geriu corretamente um caixa que movimentou mais de
135 milhões de reais. Depois disso, além de ser recom-
pensado com um cargo extremamente importante, Ma-
cêdo ganhou o privilégio de integrar o chamado “núcleo
duro” do governo, a restrita equipe de auxiliares que par-
ticipam das principais decisões no Palácio do Planalto.
Os laços com o presidente também se solidificaram nesse
período. O ministro foi o único auxiliar convidado a pas-
sar o réveillon com a família Lula na base naval da Res-
tinga de Marambaia, no Rio de Janeiro. Esse prestígio,
porém, está ameaçado.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da
União pediu abertura de uma investigação que, no limite,
pode levar o ministro a ser enquadrado por improbidade
administrativa. Ele teria usado dinheiro público para
bancar a viagem de três assessores para Aracaju, onde
acontecia, no fim do ano passado, uma tradicional festa
de Carnaval fora de época. Macêdo é pré-candidato do
PT à prefeitura do município. Um dos funcionários con-
templados com passagens aéreas e diárias era fotógrafo

2|6
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ETTORE CHIEREGUINI/AGIF/AFP

EMBARAÇO Gleisi Hoffmann: “Versões mentirosas e


maliciosas sob covarde anonimato”

da Presidência da República que, durante três dias, acom-


panhou o ministro na folia e captou imagens que foram
postadas em redes sociais. Instado a dar explicações, o
ministro garantiu que não sabia de nada, atribuiu o caso
a um erro administrativo, anunciou que os funcionários
devolveriam o dinheiro e abriu uma sindicância para
apurar o caso. Reservadamente, porém, ele apresentou
uma versão mais intrigante.
Macêdo disse a um outro ministro ter certeza de que
foi vítima de fogo amigo. O ardil, segundo ele, teria sido
armado pelos próprios petistas com o intuito de desgastá-

3|6
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-lo. A incentivadora da trama seria ninguém menos que a


presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann. Na
conversa com o interlocutor, o ministro reafirmou que
não autorizou a viagem dos assessores e que pagou do
próprio bolso as suas despesas. Não haveria, portanto, ra-
zão para tanto barulho. Ele responsabiliza duas ex-asses-
soras pelo caso, ambas exoneradas recentemente. Uma
delas é a ex-presidente da Caixa Maria Fernanda Ramos
Coelho, que, de acordo com o ministro, espalhou a versão
de que ela teria deixado o cargo por se recusar a endossar
a viagem dos servidores. A outra, a advogada Tânia Ma-
ria de Oliveira, que já trabalhou no gabinete de Gleisi no
Senado, deixou a secretaria em novembro, dias depois da
ida do ministro ao Carnaval. Não teriam sido meras coin-
cidências. Essa teia de intrigas teria como pano de fundo a
disputa pelo lugar do próprio Márcio Macêdo.
O PT, que comanda dez dos 38 ministérios, quer mais
espaço no governo. Gleisi, preterida de um cargo na Es-
planada ainda na primeira formação ministerial, nunca
escondeu seu projeto de integrar a equipe de Lula. Existi-
ria um acordo tácito para que ela assumisse a Secretaria-
Geral quando Macêdo deixasse o posto para se dedicar à
campanha em Aracaju. O ministro, porém, não tem apa-
recido bem nas primeiras pesquisas eleitorais, o que tem
levado o PT de Sergipe a considerar a possibilidade de
formar uma aliança para apoiar um candidato de outro
partido. Nessa configuração, o ministro continuaria che-

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TCU
IMPROBIDADE Lucas Furtado: “Evidente desvio de
finalidade no uso de recursos públicos”

fiando a pasta, travando as pretensões da colega petista.


As denúncias de mau uso do dinheiro público, segundo
Macêdo, teriam o objetivo de constrangê-lo e dar ao pre-
sidente argumentos para substituí-lo na reforma ministe-
rial que deve acontecer nos próximos meses.
Se foi isso mesmo que aconteceu, o plano foi bem-suce-
dido. A partir da revelação de que o ministro, dolosamen-
te ou não, foi o responsável por autorizar a expedição dos
assessores a Aracaju, o procurador do Ministério Público
no TCU, Lucas Furtado, pediu que o caso fosse investiga-

5|6
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do por improbidade administrativa. “A compra de passa-


gens pelo ministro Márcio Macêdo para ‘curtir’, com seus
apaniguados, as folias de Carnaval fora de época no seu
reduto eleitoral atenta contra a moralidade administrativa
e constitui evidente desvio de finalidade no uso de recur-
sos públicos”, disse o procurador. A oposição anunciou
que vai convocar Macêdo a se explicar na Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. O minis-
tro será notificado para apresentar defesa antes de o cor-
po técnico do tribunal decidir se o gasto de cerca de
18 500 reais em diárias e passagens do trio de funcioná-
rios deve ou não gerar novas reprimendas. Os valores já
foram devolvidos, mas o desgaste político foi inevitável.
Procurados para comentar o caso, o ministro e a presidente
do PT divulgaram uma nota conjunta. Segundo eles, não hou-
ve qualquer desentendimento entre os dois. “A deputada já ex-
pressou e reitera sua solidariedade ao ministro no episódio da
viagem a Aracaju, destacando que Márcio Macêdo esclareceu
que viajou num fim de semana, pagou as próprias passagens,
não recebeu diárias e tomou medidas para ressarcir despesas
com os servidores”, diz o comunicado. Sobre o seu suposto in-
teresse em assumir o ministério, Gleisi diz que seu mandato no
PT vai até 2025 e ressalta a lealdade e apoio que sempre dedi-
cou ao ministro. Por fim, a nota ressalta que ambos repudiam
as “versões mentirosas e maliciosas” que, “sob covarde anoni-
mato”, tentam criar embaraços entre a deputada e o ministro.
Resumindo, meras intrigas. Nada além disso. ƒ

6|6
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BRASIL POLÍCIA
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REPRODUÇÃO

O EQUADOR É ALI
Deputado entrega à Polícia Federal dossiê que
aponta ligações do crime organizado com
autoridades do Amazonas RICARDO CHAPOLA

1|6
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INFILTRAÇÃO Dossiê: o Comando Vermelho teria conexões


na polícia e na política do estado

NO INÍCIO do mês, o deputado Amom Mandel (Cidadania-


-AM) foi parado pela Polícia Militar quando trafegava por
uma avenida de Manaus. O que seria uma simples aborda-
gem terminou numa monumental confusão. O parlamentar,
sentindo-se intimidado, deu voz de prisão aos PMs. Há duas
versões para o caso. A Secretaria de Segurança Pública do
Amazonas diz que o carro do deputado foi abordado porque
estava com as luzes apagadas, ziguezagueava na pista e usa-
va uma película ilegal que impedia a visualização interna.
Advertido, ignorou vários sinais sonoros e luminosos emiti-
dos pela viatura. Interceptado, teria desembarcado, se iden-
tificado como congressista e protestado de maneira veemen-
te contra a abordagem. Nervoso, ligou para o secretário de

2|6
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Segurança, que enviou um oficial ao local para tentar con-


tornar a situação. Irritado, acusou os agentes de abuso de
autoridade. O quiproquó invadiu a madrugada e terminou
em troca de acusações numa delegacia.
Amom garante que nada do que os policiais relataram é
verdadeiro. Segundo ele, os PMs apareceram de repente, in-
terceptaram o carro e apontaram uma arma para sua namo-
rada. Afirma que a abordagem truculenta não foi obra do
acaso, mas parte de um processo de intimidação que vem
sofrendo desde que pediu à Polícia Federal, no fim do ano
passado, que investigasse a infiltração do crime organizado
no poder público do estado. Na terça-feira 16, o presidente
da Câmara, Arthur Lira, enviou um ofício à superintendên-
cia da PF no estado solicitando reforço na segurança pessoal
do deputado. O congressista conta que passou a receber
ameaças depois de repassar às autoridades um dossiê pro-
duzido pelo serviço de inteligência da própria Secretaria de
Segurança do Amazonas que mostra as relações próximas
das facções criminosas com o alto escalão da polícia local e,
mais recente, também com personagens da política.
VEJA teve acesso ao dossiê entregue pelo parlamentar à
Polícia Federal. É um compilado de relatórios de investiga-
ção e análises. Se autenticada a veracidade das informações,
elas, de fato, contêm indícios graves sobre o nível da infiltra-
ção das organizações criminosas nos poderes estadual e
municipal. Há, por exemplo, detalhes de uma suposta par-
ceria realizada na campanha eleitoral de 2020 entre um dos

3|6
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JOÃO VIANA/SEMCOM MANAUS

DENÚNCIA Wilson Lima e David Almeida: relatório cita


pessoas ligadas ao governador e ao prefeito

chefes do Comando Vermelho e pessoas ligadas à campa-


nha do atual prefeito de Manaus, David Almeida (Avante).
“Era de interesse do CV/AM (Comando Vermelho), à época,
ter essa aproximação com políticos, pois praticavam a inva-
são de terras, vendendo lotes, traficando drogas e cobrando
uma espécie de condomínio de cada residência. Esse tipo de
dinâmica foi interessante para a campanha de David Almei-

4|6
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da, pois poderia levar ser-


viços básicos a esses lo-
cais e aproveitar o voto de
cabresto dessa população
vulnerável”, informa um
dos documentos.
O prefeito disse que as
suspeitas são levianas e
infundadas. “Esse dossiê

BRUNO SPADA/CÂMARA DOS DEPUTADOS


teria sido supostamente
feito pela inteligência da
Secretaria de Segurança,
mas não foi reconhecido
pelo Executivo e sequer RETALIAÇÃO Amom:
está assinado”, diz uma o parlamentar diz que foi
nota divulgada pela pre- intimidado e ameaçado
feitura de Manaus. A mes-
ma parceria também teria sido feita em 2022 com pessoas
ligadas à equipe de campanha do governador Wilson Lima
(União Brasil). Em nota, a PF confirmou que há uma investi-
gação sigilosa em curso. Deputado de primeiro mandato,
Mandel se projetou na política amazonense com o discurso
de combate ao crime organizado. Nos documentos que ele
apresentou, há transcrições de conversas, fotografias e com-
provantes de depósitos bancários de criminosos em favor de
assessores de prefeitos e vereadores de municípios amazo-
nenses. “Tais informações corroboram a tese de uma orga-

5|6
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nização bem estruturada que, além de se utilizar dos tráfi-


cos de drogas, busca expandir suas conexões no universo da
política do estado do Amazonas”, diz o relatório.
Um detalhe curioso: o dossiê tem um capítulo intitulado
“Conjecturas sobre consequências futuras”, que sugere dez
prováveis desdobramentos caso os dados coletados pelos
agentes da Secretaria de Segurança viessem a público. Dois
deles chamam a atenção. O primeiro, assertivo demais, diz
que o prefeito poderia ter o mandato cassado diante da gra-
vidade dos fatos. O segundo, mais colaborativo, sugere que
o governador se prepare para enfrentar ataques relaciona-
dos ao suposto envolvimento de autoridades com o Coman-
do Vermelho. Diz o analista: “É necessário que os agentes
políticos tenham entendimento dos contextos citados para
minimizar o quanto antes os efeitos colaterais ao governa-
dor Wilson Lima, propondo estratégias que blindem o man-
dato nos próximos quatro anos”. Não se sabe se essa reco-
mendação chegou a ser repassada ao governador. Procura-
do, ele não quis se manifestar. ƒ

6|6
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BRASIL EDUCAÇÃO
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A BANDEIRA
RESISTENTE
Apesar de ter o seu fim decretado pelo governo Lula,
as escolas cívico-militares defendidas por
Bolsonaro ganham sobrevida em vários estados,
como São Paulo e Paraná LAÍSA DALL’AGNOL
GILSON ABREU/AEN

SENTIDO Alunos no Paraná: Ratinho Jr. vai quase dobrar o


orçamento no estado que mais investe nesse modelo de ensino

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“TEM QUE BOTAR na cabeça dessa garotada a importância


dos valores cívico-militares, como tínhamos há pouco no go-
verno militar, sobre educação moral e cívica, sobre respeito à
bandeira”, disse Jair Bolsonaro no dia 5 de setembro de 2019,
não por acaso na Semana da Pátria, quando lançou aquela que
talvez seja sua ação de governo mais resiliente. O Programa Na-
cional de Escolas Cívico-Militares (Pecim) não criou o modelo,
que existe desde os anos 1990 nos estados e municípios, mas o
alçou à condição de política pública nacional. Difusoras de
ideais que inspiram o bolsonarismo, como patriotismo e disci-
plina, as escolas federais se espalharam até chegar a 202 unida-
des. Pelo alto teor ideológico, o programa entrou na mira do go-
verno Lula já no seu início e foi enterrado em julho passado.
Mas não morreu. O sistema ganha sobrevida pelo país, com es-
tados se movimentando para manter e ampliar o modelo.
A afinidade ideológica, claro, norteia o interesse. Os esta-
dos com mais identificação com o bolsonarismo são os que
mais investem na manutenção ou ampliação do número de
unidades, como São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Santa Ca-
tarina, Distrito Federal e Goiás — todos sob a gestão de polí-
ticos que estão ou já estiveram no palanque do ex-presidente.
Mesmo em estados gerenciados por quem nunca foi alinhado
ao capitão há esforços para manter o sistema, como o Rio
Grande do Sul do tucano Eduardo Leite. Há ainda locais co-
mo Rio de Janeiro e Pará, que nunca tiveram escolas vincu-
ladas ao programa do MEC, mas têm — e pretendem manter
— projetos próprios coordenados pela Polícia Militar.

2|4
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MARCOS CORRÊA/PR

CARTILHA Bolsonaro: para ele, crianças


devem aprender disciplina e hierarquia

O modelo nunca foi bem aceito pelos especialistas por


causa da contaminação militarista do ambiente de ensino.
Nesse sistema, as escolas recebiam verba federal e profissio-
nais das Forças Armadas. Os militares atuavam em questões
como a disciplina, mas não podiam interferir no conteúdo
pedagógico. Apesar disso, é comum ver alunos repetindo em
sala de aula gestos como marchar ou prestar continência. Pa-
ra justificar o ponto-final à iniciativa bolsonarista, o ministro
Camilo Santana elencou três razões: a baixa adesão (0,15%
das 138 000 escolas de educação básica), a subutilização de
recursos (0,24% do montante repassado foi usado para me-
lhorias) e a ausência de previsão legal para esse modelo, uma
vez que não consta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nem do Plano Nacional de Educação.
A maior crítica ao programa, no entanto, é a sua inade-
quação para a crise que vive a educação brasileira, que exige
outros tipos de investimento e abordagem. Os resultados do
Pisa mostram que o Brasil segue na rabeira internacional,

3|4
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SECOM/GOVERNO DE GOIÁS

ORDEM Caiado visita uma unidade no


padrão militar em Goiás: “Não muda nada”

com notas muito abaixo da média. “O país precisa de políti-


cas públicas que efetivamente garantam a aprendizagem”,
diz Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de
Administração do Cenpec, entidade da sociedade civil vol-
tada à educação pública.
Apesar das ressalvas, o modelo motiva muita gente. No
Paraná, que tem o maior número de unidades (208), o go-
vernador Ratinho Jr. (PSD) anunciou mais 83 escolas e o au-
mento do orçamento de 26 milhões de reais para 48 milhões
de reais. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos)
vai regulamentar programa próprio para as dezesseis uni-
dades sob esse modelo, além de ampliar o número. Romeu
Zema (MG), Ibaneis Rocha (DF), Jorginho Mello (SC) e Ro-
naldo Caiado (GO) também decidiram encampar as escolas.
“Sabemos da eficiência dos colégios. Então, não muda na-
da”, disse Caiado. A depender da disposição de políticos co-
mo ele, a bandeira levantada por Bolsonaro vai seguir sendo
tremulada. ƒ

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Distribuição 100%
RADAR ECONÔMICO
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VICTOR IRAJÁ

Com reportagem de Diego Gimenes,


Felipe Erlich e Pedro Gil
VIAVAL/ALAMY/FOTOARENA

DESFILE Mickey na Disney: empresa


é alvo de disputa na Justiça por patentes

A todo o vapor Mickey na mira


O Tribunal de Justiça do Algumas das ações envol-
Rio de Janeiro (TJ-RJ) e o vem colossos americanos,
Superior Tribunal de Justi- como Apple, Disney e Net-
ça (STJ) analisam pelo me- flix. Os processos alegam
nos trinta ações relativas a que eles utilizam tecnologias
proteção de patentes. sem pagar pelos direitos.

1|3
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Mantega, não! capital da brasileira Agro-


Os principais acionistas tis, empresa de tecnologia
da Vale costuram uma de- para o campo, na Euro-
cisão pacífica para o im- next, a maior bolsa da Eu-
bróglio nos cargos de ropa. Envolvidos no IPO
chefia na mineradora. O garantem que o anúncio
negócio está no seguinte sai até junho.
estágio: segundo eles,
Guido Mantega pode até Até o último dia
ser indicado ao conselho Edemar Cid Ferreira, que
da empresa — mas como morreu no último fim de
presidente, não. semana, passou seus der-
radeiros dias estudando
Consenso os processos na Justiça
A escolha do presidente da contra o Banco Santos,
Vale seguirá a velha regra fundado por ele. Ferreira
dentro da companhia: um chegou a redigir relató-
consenso entre os princi- rios sobre o caso.
pais acionistas. Indicado
por um fundo de pensão Em família
de estatal, Mantega não O ex-banqueiro olhava
tem apoio de outros man- com lupa as decisões do
dachuvas da mineradora. interventor judicial. Sua
preocupação era saber
IPO adiado quanto do velho patrimô-
Uma reorganização socie- nio sobraria para seus fa-
tária atrasou a abertura de miliares.

2|3
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Água cristalina 2022, foi de 28%. Sua esti-


Grandes empresas interna- mativa é que as perdas su-
cionais voltaram os olhos perem a marca dos 40%.
para o setor de água e esgo-
to do Brasil desde a aprova- Pressão no BC
ção do Marco do Sanea- Bradesco, Itaú e Santander
mento, em 2020. Uma gi- querem que o Banco Central
gante europeia, por exem- limite a oferta de CDBs de
plo, mergulhou a fundo nos bancos menores, colocados
números da Sabesp, que no mercado a taxas mais
atua em São Paulo. vantajosas. Eles temem que
a conta, caso os bancos me-
Pelo ralo nos tradicionais fechem,
A empresa diz que o des- acabe no colo deles. ƒ
perdício de água nas ope-
rações é muito maior do OFERECIMENTO
que o divulgado pela Sa-
besp, que oficialmente, em

3|3
Distribuição 100%
ECONOMIA CONJUNTURA
gratuita - Clube de Revistas

ANDRII BILETSKYI/ALAMY/FOTOARENA

EM OBRAS Rodovia em construção nos EUA: o governo


investiu em infraestrutura

VOO ARRISCADO
Para revigorar a economia americana, o governo
Biden elevou gastos, mas isso fez a dívida pública
alcançar o maior nível da história. O Brasil já viu
esse filme — com resultados trágicos
PEDRO GIL

1|9
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O
velho mito é conhecidíssimo. Dédalo, um habili-
doso artífice da Grécia Antiga, construiu asas de
cera para si mesmo e para o filho Ícaro, o que
lhes deu a habilidade de voar. No entanto, Ícaro
subiu alto demais e a engenhoca derreteu com o
calor do sol. Desde que assumiu a Presidência dos Estados
Unidos, em janeiro de 2021, o democrata Joe Biden tem se
apoiado na arriscada política de aumento dos gastos pú-
blicos como forma de acelerar o crescimento. O problema
é que as despesas voaram para além dos limites aceitáveis
e agora o país enfrenta níveis de endividamento sem pre-
cedentes. Sua dívida pública supera a casa dos 33 trilhões
de dólares — é o maior valor da história americana —, e
não há sinais de que vai recuar. “Não é um cenário de in-
solvência, mas a situação preocupa por mostrar uma ten-
dência de alta na trajetória da dívida”, diz Alberto Ramos,
diretor de pesquisa macroeconômica do banco americano
Goldman Sachs. O Brasil, registre-se, já viu e continua
vendo esse filme, e o resultado costuma ser sempre ruim.
Como manda a cartilha do Partido Democrata, Biden
não tem sido cioso com os gastos públicos em seu manda-
to. Logo que assumiu a Presidência, lançou o American
Rescue Plan, um pacote colossal de 1,9 trilhão de dólares
para estimular a economia e combater os efeitos danosos
da pandemia de Covid-19. Em seguida, anunciou outra
pancada no Tesouro: 550 bilhões de dólares para um pa-
cote de obras como construção e reforma de rodovias e

2|9
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LINDSEY NICHOLSON/UCG/GETTY IMAGES

HÁ VAGAS Loja procura empregados:


mercado de trabalho aquecido

redes de internet. Além disso, o governo introduziu o In-


flation Reduction Act, um plano de dez anos que inclui
descontos de energia e créditos fiscais para acelerar a
transição energética, com impacto esperado de 430 bi-
lhões de dólares nas contas públicas. A mais recente ini-
ciativa da lista é o Chips Act, projeto que busca incentivar
a instalação de empresas de tecnologia de ponta ao custo
de 280 bilhões de dólares.

3|9
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ACIMA DO LIMITE
A dívida americana em relação ao PIB (em %)

122,6
121,5 119 120
104,5
103,8
100

2018 2019 2020 2021 2022 2023*


* Até setembro
Fonte: Federal Reserve Economic Data

4|9
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O “Bidenomics”, expressão que passou a circular nos


Estados Unidos, assemelha-se em diversos aspectos ao re-
ceituário petista, e por aqui a história ensina que o modelo
pode até levar ao crescimento econômico por breves pe-
ríodos, mas seus efeitos no longo prazo são desastrosos. “É
a ideia de que o investimento público se paga, mas o pro-
blema é que a dinâmica do endividamento muda”, afirma
Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central do Brasil e
atualmente professor da Universidade Georgetown, nos
Estados Unidos. De fato, a lógica é perversa. O rombo vem
aumentando em ritmo veloz — cresceu 1 trilhão de dólares
em menos de quatro meses. Em ano eleitoral como 2024, a
estratégia tende a ser turbinada, já que despejar dinheiro
público costuma ser um bom meio de angariar votos. O
Brasil conhece bem esse mecanismo, usado costumeira-
mente por governantes de diferentes matizes ideológicos.
Embora Biden tenha grande culpa no cartório, é im-
portante dizer que a ascensão da dívida americana tam-
bém se deve, em alguma medida, ao ex-presidente Donald
Trump, do Partido Republicano. Em 2017, Trump lançou
o maior pacote de corte de impostos da história dos Esta-
dos Unidos, o que não deixa de ser louvável. Entretanto,
ele não buscou outros meios de equilibrar as contas públi-
cas, sendo o mais recomendável deles o controle rigoroso
de gastos. Longe disso. Sua gestão foi marcada por refor-
ços no Departamento de Defesa, que teve seu orçamento
elevado para recordistas 740 bilhões de dólares. No final,

5|9
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DREW ANGERER/GETTY IMAGES

GOVERNO GASTADOR Joe Biden: a dívida pública


disparou em seu mandato

a reforma trumpista resultou, apenas ela, em um rombo


de 1,4 trilhão de dólares nos cofres do país.
O caso americano é preocupante. Sua dívida pública
equivale atualmente a 120% do produto interno bruto.
O número já foi maior — chegou a 122,6% em 2020, no
auge da pandemia de Covid-19. À exceção desse período
dramático, o porcentual nunca foi tão alto. Em 2019, antes
de a crise sanitária chegar, a relação estava em 104,5%.

6|9
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EM ASCENSÃO
A dívida pública dos Estados Unidos nunca
foi tão alta (em trilhões de dólares)
35
33

30

25

20

17

15

2013 2023*
* Até setembro
Fonte: Federal Reserve Economic Data

7|9
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Para efeito de comparação, o endividamento brasileiro


equivale a 74% do PIB. Somam-se à escalada da dívida
americana o aumento dos juros e a inflação. Ainda que o
Federal Reserve (Fed) tenha prometido começar a baixar
a taxa básica de juros no início deste ano, é consenso no
mercado que a fase do “dinheiro de graça” ficou para trás.
Ou seja: até pouco tempo atrás, os Estados Unidos contra-
tavam dívida e compensavam o aumento emitindo moe-
da. Agora, isso está bem mais caro.
Não à toa, a agência de classificação de risco Moody’s
revisou no fim do ano passado a nota de crédito dos Esta-
dos Unidos de “estável” para “negativa”, citando grandes
déficits fiscais e um declínio na capacidade de pagamento.
Outra agência de risco, a Fitch, também rebaixou o rating
soberano do país. Ainda assim, espe-
cialistas dizem que não há perigo de
calote — os Estados Unidos jamais
deixaram de honrar seus compro-
missos financeiros. “Temos sinais
de estresse no sistema, mas calote
é inimaginável”, diz o eco-

DESPESAS
Trump: o ex-
presidente americano
aumentou os gastos
na área de defesa

PETER FOLEY/EPA/EFE

8|9
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nomista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central.


“Seria traumático e uma tremenda irresponsabilidade.”
Embora a situação preocupe, não é recomendável
“apostar contra a economia americana”, para usar uma
frase consagrada pelo megainvestidor Warren Buffett.
Ao longo da história, a economia dos Estados Unidos
provou ser capaz de resistir a tudo, sejam guerras, crises
imobiliárias ou pandemias. O PIB pode até recuar por
períodos isolados, mas depois inevitavelmente se recupe-
ra. O cenário atual comprova a teoria. No início de 2023,
não foram poucos os economistas que afirmaram haver
risco de recessão nos Estados Unidos, mas ela não veio, e
certamente não surgirá tão cedo.
Conforme dados do fim de dezembro, o PIB americano
cresceu 4,9% de julho a setembro de 2023 em termos
anualizados, bem acima das expectativas do mercado.
Nesse contexto, ganhou força a teoria do soft landing, ou
pouso suave, segundo a qual a economia se recupera de
crises sem sobressaltos. O mercado de trabalho é um
exemplo concreto do extraordinário vigor do país. Mês
após mês, o payroll, como é chamado o indicador de em-
prego nos Estados Unidos, surpreende, aniquilando as
apostas de que a economia estaria perdendo fôlego. Ape-
nas em dezembro, o país criou 216 000 vagas fora do setor
agrícola, bem acima das projeções. Ainda assim, a gastan-
ça desenfreada da gestão Biden deve exigir ajustes e dar
trabalho para o próximo presidente — seja ele quem for. ƒ

9|9
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MAÍLSON DA NÓBREGA

AÇÕES E CONCEITOS
EQUIVOCADOS
Seus custos e distorções inibem
o crescimento do país

O BRASIL PADECEU (e ainda padece) de atrasos institu-


cionais e de equívocos (inclusive conceituais) muito comuns
nos campos fiscal e monetário, que provocavam (e ainda
provocam) expansão inadequada de gastos e redução do po-
tencial de crescimento da economia.
Até 1986, o Banco do Brasil (BB) executava funções típi-
cas de um banco central. O Orçamento da União era execu-
tado por um de seus departamentos (a Secretaria do Tesou-
ro Nacional surgiu naquele ano). O exercício do monopólio
estatal das operações de câmbio cabia a outro departamen-
to. A maior parte dos recursos para a concessão de crédito
vinha da “conta movimento”, que permitia ao BB sacar sem
limites no Banco Central (BC), a custo zero. Já o BC atuava
como banco de fomento, financiando indiretamente a agri-
cultura e a agroindústria.
Essas disfunções eram causa de inflação. Em vez de cor-
rigi-las, optou-se por criar duas outras disfunções: 1) a dívi-
da pública passou a servir para financiar o Orçamento Mo-

1|3
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netário (OM), e não para cobrir déficits no Orçamento da


União; 2) a expansão da dívida era autorizada pelo Conselho
Monetário Nacional (CMN), e não pelo Congresso.
O Orçamento da União compreendia apenas uma par-
cela das despesas federais. Outra parte, muito grande,
constava do OM, o qual cobria também despesas com
subsídios e com a compra de produtos agrícolas. Finan-
ciava feiras e exposições. Até a Ponte Rio-Niterói recebeu
dinheiro do OM.
Todo esse arranjo acarretava expansão farta do crédito
do BB e do BC. Ampliava os gastos públicos. O BB chegou a
ser, sem muito sentido, o oitavo maior banco do mundo. Tais
distorções foram corrigidas entre 1986 e 1987. A “conta mo-
vimento” e as funções de fomento do BC foram extintas.
Aboliu-se o OM. O Orçamento da União passou a abranger
todas as receitas e despesas da União.

“O Brasil padeceu
(e ainda padece)
de atrasos institucionais
nos campos fiscal
e monetário”
2|3
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Ainda persiste, todavia, uma grave distorção, a de que o


Orçamento é “autorizativo”. Isso não está na Constituição
nem na prática de países que levam a sério o assunto, nos
quais não existe contingenciamento de despesas pelo Execu-
tivo. Apoiada por economistas e jornalistas, a medida piora
a alocação dos recursos e inibe o crescimento.
Conceitos equivocados são comuns. É o caso da ideia de
que “gasto é vida”, proclamada pela ex-presidente Dilma
Rousseff e esposada pelo PT. Outro é considerar o BC co-
mo instrumento do governo, a quem cumpriria, via juros
baixos, contribuir para a expansão da economia. Daí o
combate à sua independência.
Conhecido empresário defendeu publicamente um corte
ousado na taxa Selic em 2024 para estimular os investimen-
tos e o consumo. Sabe-se há mais de um século que a contri-
buição do BC para o desenvolvimento vem de seu papel no
controle da inflação e na estabilidade do sistema financeiro.
Se usado como quer o empresário, colher-se-á apenas mais
inflação e menos crescimento da economia.
Pelo que se vê, todavia, ainda vamos levar tempo para
aprender. Essa é uma das razões por que o Brasil não fica rico. ƒ

3|3
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INTERNACIONAL DEMOCRACIA
- Clube de Revistas

O PODER DO VOTO
Metade da população mundial vai comparecer
às urnas em 2024, ano recorde em eleições.
E os ventos parecem soprar na direção de
populistas com pendor autoritário
ERNESTO NEVES

AGORA VAI Primária em Iowa: largada republicana para


definir disputa pela Casa Branca

CHRISTIAN MONTERROSA/AFP

1|5
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O
ano de 2024 entrará para a história como o maior
exercício de democracia já experimentado pela
humanidade. Desde a instituição do sufrágio uni-
versal na França, em 1792, nunca houve um pe-
ríodo com tamanha concentração de eleições.
Cerca de quatro bilhões de pessoas, metade da população
mundial, vão exercer seu direito de escolha em 68 países
— resultado mais do que louvável do fortalecimento do re-
gime democrático que, nas últimas décadas, substituiu di-
taduras em boa parte da Ásia, África, Europa Oriental e
América Latina. Entre as dez nações mais populosas do
mundo, oito vão votar: Estados Unidos, a mais antiga e po-
derosa democracia, Índia, a maior em população, Brasil,
México, Paquistão, Rússia, Indonésia e Bangladesh.
Essa gigantesca marcha às urnas, no entanto, não deve
ser tranquila — prevê-se no seu decorrer um dilúvio de fa-
ke news, brigas renhidas por resultados e a formação de
uma onda autoritária capaz de chacoalhar o globo. “Estão
em jogo os rumos da ordem internacional”, diz Leslie Vin-
jamuri, da Chatham House, de Londres.
Tamanho volume de disputas eleitorais é uma raridade
que só deve se repetir em 2048. A primeira do ano aconte-
ceu em 7 de janeiro, em Bangladesh, com resultado contro-
verso: a primeira-ministra, xeica Hasina, venceu pela
quarta vez com a oposição fora do páreo, abstenção de
60% e a suspeita de que o país caminha para o partido úni-
co. Uma semana depois, foi a vez de Taiwan, um dos pon-

2|5
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GABY ORAA/GETTY IMAGES

PAVEL BEDNYAKOV/AFP
SAM PANTHAKY/AFP

AMEAÇA AUTORITÁRIA O ditador venezuelano Nicolás


Maduro, o populista Modi (de barba) e o todo-poderoso “czar”
Putin (à dir.): o voto não resolve todos os problemas

tos mais tensos do planeta, onde foi eleito presidente Lai


Ching-te, partidário da independência da China, que por
sua vez não reconhece a soberania da ilha.
Na segunda 15, os Estados Unidos deram início formal
à corrida pela Casa Branca, uma prova de obstáculos de
295 dias que se encerra em 5 de novembro. A arrancada
foi nas primárias republicanas de Iowa, nas quais Donald
Trump, mesmo enrolado em processos judiciais, confir-
mou seu favoritismo conquistando 51% dos votos. Tudo

3|5
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aponta para uma disputa entre ele e o virtual rival demo-


crata, o presidente Joe Biden, repetindo o embate de 2020.
“Não há dúvidas de que será uma eleição disputada voto a
voto”, antecipa Henry Olsen, cientista político do Centro
de Ética e Políticas Públicas de Washington.
Na maratona de votações globais, as questões mais
prementes são as de sempre: emprego, inflação, seguran-
ça e confiança no futuro. No pano de fundo, porém, agi-
ta-se a bandeira do nacionalismo, um fator presente em
quase todos os pleitos na última década, insuflado pelo
fluxo descontrolado de imigrantes ilegais em busca de vi-
da melhor. O tema é explorado incessantemente por po-
pulistas como Trump, que classificou quem cruza a fron-
teira com o México de “terrorista”, e empurra para um
novo patamar de influência — inclusive, em alguns ca-
sos, para o próprio governo — partidos ultradireitistas na
Itália, Portugal, França, Alemanha e Holanda. Sonda-
gens apontam a subida nas intenções de voto da bancada
Identidade e Democracia, de viés ultranacionalista, na
renovação do Parlamento Europeu, em junho, uma me-
gaeleição que mobiliza 400 milhões de pessoas nos 27
países do bloco. Nesse rol à direita, a moda lançada por
Trump de contestar resultados vem fazendo estragos. Em
duas votações recentes, na Polônia e na Guatemala, os
conservadores tentaram de todas as formas — ameaças,
protestos, ações na Justiça, puxadas de tapete — cancelar
sua derrota. Felizmente, não conseguiram.

4|5
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Outro ponto a considerar nesse exercício planetário de


escolha é o fato de que ir às urnas nem sempre é sinônimo
de democracia. Na Rússia, Belarus, Irã e Venezuela, regi-
mes autoritários bloqueiam a possibilidade de mudanças
significativas mesmo com o direito a voto. Até onde há li-
berdade existe risco: relatório divulgado pelo Instituto In-
ternacional para a Democracia e Assistência Eleitoral
(Idea), de Estocolmo, constatou a progressiva erosão das
normas democráticas na Hungria, Polônia, Turquia e Eslo-
váquia, entre outras nações com votações marcadas este
ano. Entidades de direitos civis também acenderam o aler-
ta para a Índia, governada há quase dez anos pelo primeiro-
ministro Narendra Modi, que usa e abusa de sua populari-
dade entre a maioria hindu para reprimir opositores e mi-
norias, sobretudo muçulmanos. “Políticos de viés autoritá-
rio estão implementando uma série de ações sofisticadas
para manter ou ampliar seu poder”, diz Tony Banbury,
cientista político da Fundação Internacional para Sistemas
Eleitorais. Em ano de muitas e variadas eleições, a demo-
cracia vai requerer mais vigilância do que nunca. ƒ

5|5
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INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO
- Clube de Revistas

TENSÃO NO MAR
Os hutis, do Iêmen, promovem ataques em
série contra navios ocidentais numa das maiores
rotas comerciais do planeta e levantam o temor
de que a guerra se espalhe AMANDA PÉCHY

AÇÃO E REAÇÃO Navio dos EUA:


vigília no Mar Vermelho

PETTY OFFICER 3RD CLASS SAMANTHA ALAMAN/U.S. DEPARTMENT OF DEFENSE

1|5
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PAÍS de pouco mais de 30 milhões de habitantes, o Iêmen


se situa em um ponto para lá de estratégico da Península
Arábica: está debruçado sobre a entrada do Mar Verme-
lho, que desemboca no Canal de Suez e constitui uma ne-
vrálgica rota comercial entre Ásia e Europa. Pois é justa-
mente essa localização central que agora põe sob holofo-
tes globais uma de suas tribos, os hutis. Apesar de muito
barulhentos e bem armados, quase ninguém sabia de sua
existência até que, justificando apoio aos terroristas do
Hamas na guerra com Israel, começaram a promover ata-
ques e sequestros de navios mercantes de nações ociden-
tais, em novembro passado, afetando dramaticamente o
intenso fluxo de cargas. Em 12 de janeiro, Estados Unidos
e Reino Unido reagiram disparando mísseis contra terri-
tórios controlados pelo grupo iemenita, e a temperatura
subiu ainda mais. Os dias subsequentes têm sido de atos
contra embarcações internacionais, desencadeando repre-
sálias. Na quarta-feira 17, os americanos atingiram pela
quarta vez instalações hutis e deixaram no ar a dúvida:
será que o conflito na Faixa de Gaza vai transbordar para
aqueles lados do Oriente Médio?
Tudo pode rapidamente mudar, mas as análises de
quem se debruça sobre a tensão nas águas do Mar Verme-
lho são de que o mais provável é que ela não escale aos ní-
veis de uma guerra, já que não interessa nem ao governo
de Joe Biden, desgastado pelo apoio dos Estados Unidos a
Israel, nem ao próprio Irã, que municia os hutis. “Nós não

2|5
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FLUXO TR AVAD O
Onde se concentram os ataques dos hutis, a
milícia do Iêmen que vem bloqueando a entrada
para o Mar Vermelho, uma das principais artérias
comerciais do mundo

ISR A E L
9

Canal
de Suez

ARÁBIA
SAUD ITA
E GITO

MAR
VER MELHO

SU D Ã O
IÊ MEN

ESTREITO DE
BABELMÂNDEBE

E TIÓPIA

Fonte: Lloyd’s List

3|5
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queremos expandir isso”, disse o porta-voz do Conselho


Nacional de Segurança americano, John Kirby. Os estra-
gos, porém, são concretos. A série de ataques fez baixar
em 90% o tráfego pela rota responsável por cerca de 15%
do comércio marítimo mundial e encareceu as taxas de
seguro e de remessas, forçando empresas a procurar al-
ternativas para conduzir os bens asiáticos ao continente
europeu — por ora, o jeito é contornar o Cabo da Boa Es-
perança, no sul da África, trajeto quase dez dias mais len-
to. Na semana passada, o preço do petróleo subiu e as gi-
gantes automobilísticas Tesla e Volvo paralisaram suas li-
nhas de montagem na Alemanha e na Bélgica, respectiva-
mente, devido ao atraso na entrega de peças. Até o Brasil
pode sentir o baque, uma vez que 30% do comércio por
navegação do país passa por aquelas águas.
Diante de tamanho risco às cadeias de abastecimento,
os Estados Unidos, que antes não cogitavam se envolver
militarmente no imbróglio, repensaram a decisão, pas-
sando a liderar uma força-tarefa de vinte países, a maio-
ria europeus, para vigiar o Mar Vermelho e, se preciso,
atacar. É um xadrez de potencial explosivo: o exército hu-
ti é mais equipado do que o do Hamas, com arsenal de
150 000 mísseis. “Os hutis estão transformando uma
guerra localizada numa batalha global, que afeta a todos,
ao menos economicamente”, avalia o historiador Sean
Foley, do Middle East Institute, em Washington. E seus
motivos vão muito além do propósito de se mostrar soli-

4|5
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dários ao Hamas. “Os ataques aumentaram sua visibili-


dade e popularidade”, explica o especialista.
Muçulmanos da vertente xiita, os hutis travaram san-
grenta guerra civil contra os sunitas no poder de seu país,
duelo que se arrastou por quase dez anos, opondo as duas
grandes potências do Oriente Médio: a Arábia Saudita,
pró-governo local, e o Irã, que armou os rebeldes, tam-
bém impulsionados pelo suporte logístico e militar do
grupo libanês Hezbollah. Em 2011, empunhando bandei-
ras em prol do extermínio de Estados Unidos e Israel e
embalados pelos ventos da Primavera Árabe, os hutis
capturaram a capital, Sanaa, mas o confronto estourou
mesmo em 2014, com o dramático saldo de 350 000
mortos. Dois anos atrás, as partes selaram um acordo em
que fatiaram o território do Iêmen — um cessar-fogo ins-
tável e com gosto de vitória para os hutis. Agora, a milí-
cia da pobre nação às margens do Mar Vermelho ganha a
cena como uma perigosa peça no já explosivo tabuleiro
do Oriente Médio. ƒ

5|5
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ENTRE DÚVIDAS
E CERTEZAS
Como manter a bússola moral num
mundo cheio de contradições?

DONALD TRUMP ou Joe Biden? Israel ou palestinos?


Inteligência artificial é para o bem ou para o mal? Micro-
soft e Apple com valor de mercado encostando em 3 tri-
lhões de dólares, um terço a mais do que o PIB do Brasil,
mostram o formidável potencial dos humanos focados no
progresso ou são um retrato do risco de acumulação de
poder sem precedentes na história da humanidade? O
mundo está melhorando ou piorando? E, finalmente, a
questão mais difícil de todas: Elon Musk é uma força posi-
tiva ou negativa?
Quem tem respostas definitivas geralmente também
acha que está numa posição de superioridade moral. Todos
nós, os outros, sofremos com dúvidas e falta de respostas
simples para questões complexas. Não estamos sozinhos.
Muitos americanos patinam nas dúvidas que já nos assola-
ram: detestam ter que escolher entre Trump e Biden e não
querem se identificar com nenhum dos dois partidos que
dominam a política. Uma pesquisa da Gallup mostrou que

1|3
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43% deles hoje se declaram independentes. Num país em


que a identidade partidária era tão definida, republicanos e
democratas estão empatados com apenas 27%. Pesquisas
anteriores mostram que “idade, idoso” são as palavras
mais associadas ao presidente que estará a dias dos 82
anos quando disputar a eleição de novembro. “Corrupto” e
“vigarista” adjetivam Trump. Quem seria melhor — ou
menos pior — para os EUA e, consequentemente, para o
mundo? Vantagens e desvantagens de cada um se neutra-
lizam mutuamente — daí que, na média das pesquisas,
Trump esteja com 45,4% das preferências contra 44,4% de
Biden, efetivamente empatados.
Musk, o homem mais polêmico do planeta depois de
Trump, teve palavras de apoio para um único pré-candi-
dato republicano, Vivek Ramaswamy, que saiu da disputa
antes de ser possível cravar se era para valer ou um im-

“Quem tem respostas


definitivas acha
que está numa
posição de
superioridade moral”
2|3
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postor, versão americana (de origem indiana) de Javier


Milei, outra personalidade cismática capaz de incendiar
qualquer jantar em família. Milei vai transformar a Ar-
gentina com seu projeto de choque libertário ou dentro de
alguns meses deixará a Casa Rosada de helicóptero? Os
detentores das respostas definitivas sabem exatamente
como responder. Nós ficamos engasgados em dúvidas.
Outro espanto: a quantidade de especialistas em um dos
assuntos mais complexos do planeta, a criação de Israel e
a sua história, anterior e subsequente, comprovando Mo-
lière em sua constatação de que “um tolo instruído é mais
tolo que um tolo ignorante”.
Concluir que Israel tem o direito de eliminar uma enti-
dade maligna capaz de atrocidades em massa e focada na
erradicação do país não significa ignorar o preço terrível
que essa guerra cobra em vidas de civis. Não existiriam
palestinos mortos ou passando fome sem o horror dos ata-
ques de 7 de outubro — e o legítimo desejo de um Estado
independente não teria retrocedido ao atual ponto da qua-
se impossibilidade. É triste ver o poder da mentira, da
doutrinação cega e das imagens fake propagadas como
certezas em redes sociais, com seu poder sem contrape-
sos, que levam tantos jovens a execrar Israel e achar que
estão do lado do bem. Têm a desculpa da juventude, o que
não acontece com governos que aderiram à sádica acusa-
ção de genocídio contra Israel. Sobre esses, não existem
dúvidas, só certezas. ƒ

3|3
Distribuição
GENTE
100% gratuita - Clube de Revistas
VALMIR MORATELLI

ESTADO DE GRAÇA
No auge dos cinco meses de gra-
videz, FERNANDA PAES LE-
ME, 40 anos, quer ir até a reta fi-
nal na ativa e, por dever do ofício,
promete seguir exibindo a barriga
cada vez mais pronunciada. Ela
continuará no ar com Na Piscina,
com Fê Paes Leme, novo progra-
ma do GNT no qual arranca intimi-
dades de celebridades — habilida-
de que desenvolveu não faz muito
tempo, em um podcast ao lado de
Giovanna Ewbank. “Sou curiosa.
Quando as pessoas veem, estou
tirando tudo delas”, orgulha-se.
Na atual empreitada, que assinou
sem saber estar esperando be-
bê, ela trava conversas à beira da
piscina desfilando maiôs e biquí-
nis que vão se adaptar conforme
o parto se aproximar. “Estou ado-
rando mostrar o corpo neste mo-
mento tão especial da minha vida.
Vergonha zero”, garante a atriz.
AJOTA NUNES

1|5
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CASACO PARA QUÊ?


No dia em que completou 60 anos, JEFF BEZOS, atualmente no
terceiro posto entre os mais ricos do planeta, perdeu os holofotes
para sua noiva, a ex-apresentadora de TV LAUREN SÁNCHEZ,
54. Sem dar atenção às
temperaturas congelantes
de Milão, ela surgiu com um
Dolce & Gabbana rendado
que deixava à mostra as
roupas íntimas. Juntos há
cinco anos, estavam ali para
prestigiar um dos filhos dela,
que desfilou na badalada
Semana de Moda da cidade
italiana. Não demorou, e as
implacáveis redes começa-
ram a disparar contra Lau-
ren, criticando o look “sem
noção” ornado por um pale-
tó, que viralizou. Mais bem
agasalhado, de terno de ve-
ROBINO SALVATORE/GC IMAGES/GETTY IMAGES

ludo, o dono da Amazon fez


questão de se derreter num
post em defesa da noiva:
“Feliz de dar mais uma volta
em torno do sol com você”.

2|5
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ENTRE CACAU E MULAS


Longe da raia dos galãs arrumadinhos em que sempre navegou, o
ator HUMBERTO CARRÃO, 32 anos, dá vida agora a José Ino-
cêncio, o protagonista que suja a mão na terra no remake de Re-
nascer, a nova trama global das 9. “É uma novela que tem macum-
ba, festa, tudo para dar certo”, aposta ele, que nas gravações em
propriedades de Ilhéus, na Bahia, diz que se despiu das mundanas
preocupações estéticas. “Quero fazer bem-feito esse fazendeiro
que trabalha todo dia debaixo de sol”, fala o ator, que vem pegando
mesmo no pesado: numa cena, saltou de um caminhão em meio a
200 mulas; noutra transportou toneladas de cacau a bordo de uma
balsa até um navio. “Nunca tem um diazinho tranquilo, é sempre
aventura”, conta, já exausto.
FÁBIO ROCHA/TV GLOBO

3|5
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FOTOS REPRODUÇÃO; STEVE GRANITZ/FILMMAGIC/GETTY IMAGES

NO LIMITE
O ator ORLANDO BLOOM, sempre lembrado
como o Legolas da trilogia O Senhor dos Anéis, resolveu enfrentar
estes dias de gélidos termômetros nos Estados Unidos se lançan-
do à neve numa estação de esqui com os amigos, para celebrar o
aniversário de 47 anos. Exposto a temperaturas bem abaixo de ze-
ro, ele fez questão de se deixar fotografar em pleno choque térmi-
co, saindo de shorts de uma jacuzzi fervendo, figurino com o qual
deslizou barriga abaixo em meio à brancura da paisagem. “Estou
mantendo tudo gelado”, postou o noivo da cantora Katy Perry, que
ficou muito bem agasalhada na calefação de Nova York. Flertar
com o perigo não parece cansá-lo. Adepto de esportes radicais,
Bloom estreia em abril nova temporada da série To the Edge, so-
bre limites físicos e mentais do corpo humano.

4|5
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ENFIM, O SIM
Após muito adiar, JACINDA
ARDERN, 43 anos, acaba
de oficializar a união com
CLARKE GAYFORD, 47,
apresentador de um progra-
ma de pesca na TV, com
quem está há uma década e
tem uma filhinha, Neve, de 5.
“Clarke, finalmente vamos
nos casar”, postou a normal-
mente discreta ex-primeira-
ministra da Nova Zelândia, lo-
go depois de deixar o cargo,
um ano atrás. O casório já
havia sido marcado para
FELICITY JEAN/AFP

2019, mas aí veio a pandemia


— período em que Jacinda se
projetou mundialmente pelas boas práticas, mas depois se desgas-
tou —, e tudo ficou para mais tarde. Em cerimônia reservadíssima
em uma vinícola vizinha à capital, Wellington, foi Neve quem condu-
ziu o pai ao altar, onde a mãe aguardava com um vestido que, se-
gundo divulgou, era todo feito à base de práticas sustentáveis —
assunto ao qual ela se dedica hoje, como consultora de empresas.
Sucinta, voltou às redes: “13.01.2024. Valeu a pena esperar”, escre-
veu a ex-premiê. ƒ

5|5
Distribuição
GERAL
100% gratuita
INTERNET
- Clube de Revistas

ALERTA Perigo na
tela: 77% das jovens
brasileiras relataram
em pesquisa já
terem sofrido
assédio pela internet

HALFPOINT IMAGES/MOMENT/GETTY IMAGES

O CERCO AO
CYBERBULLYING
Governo dá importante passo ao criminalizar
ataques virtuais, um problema que está perto
de se tornar uma epidemia entre os jovens

VALMAR HUPSEL FILHO

CAPA: MONTAGEM DE BETO NEJME COM ILUSTRAÇÕES DE SHUTTERSTOCK

1 | 17
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O
Brasil está entre os líderes mundiais no uso da in-
ternet e das interações por meio das redes sociais.
São 181,8 milhões de pessoas (84% da população)
conectadas diariamente à rede mundial de com-
putadores, numa média de oito horas por dia.
Nesse universo, 152,4 milhões (70%) possuem conta em
alguma rede social, conforme dados de 2023 da DataRe-
portal. Essas ferramentas ajudam a conectar familiares,
aproximar amigos, acelerar a troca de informações e fo-
mentar novas relações pessoais e profissionais. Ao mesmo
tempo, o mau uso delas produziu um gravíssimo efeito co-
lateral, tendo como vítimas principais jovens e adolescen-
tes. Com o advento desses canais e de sua disseminação na
sociedade, a prática do bullying, antes limitada a ambien-
tes físicos, se estendeu ao plano virtual. O alcance dos ata-
ques desse tipo ganhou uma nova dimensão e, por conse-
quência, os efeitos nocivos se multiplicaram. Assim, a difa-
mação atingiu a velocidade da luz e o Brasil passou a ocu-
par um espaço negativo em outro ranking do universo di-
gital: é o segundo país no mundo com maior incidência de
episódios de cyberbullying.
Há muito tempo vêm se debatendo medidas mais efeti-
vas para tentar conter o problema e, na última segunda, 15,
houve um avanço importante. O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva sancionou uma lei aprovada em dezembro no
Congresso que inclui o bullying e o cyberbullying no rol
dos crimes previstos no Código Penal. A pena em caso de

2 | 17
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condenação por bullying é de multa, mas é agravada para


dois a quatro anos de prisão, mais multa, em caso de cyber-
bullying. É uma punição mais pesada do que para o crime
de furto, por exemplo. A nova medida não coloca sob a mi-
ra da Justiça apenas o responsável pelo ataque. “Adminis-
tradores de grupos, de comunidades e de redes sociais pas-

PROBLEMA MUNDIAL
O Brasil é o segundo país com
maior número de casos de
cyberbullying*

1º 2º

ÍNDIA BRASIL

37% 29%

* Proporção de pais ou responsáveis consultados que relataram


que os filhos já foram vítimas de violência on-line

3 | 17
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sam também a responder pessoalmente e criminalmente


pelos atos cometidos pelos integrantes”, diz a advogada
Ana Paula de Moraes, especialista em direito digital.
O cerco legal ao cyberbullying entra em vigor no Brasil
após casos rumorosos de pessoas que tomaram atitudes
extremas depois de serem vítimas de violentos e sucessi-
vos ataques nas redes sociais, de fake news a montagens de
fotos criadas com o propósito de humilhá-las. A multipli-
cação do problema foi quantificada pelas pesquisadoras da
Unicamp Telma Vinha e Cléo Garcia, em um estudo para a
associação sem fins lucrativos Dados para um Debate De-

3º 4º

ESTADOS UNIDOS BÉLGICA

27% 26%

4 | 17
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mocrático na Educação. Segundo o levantamento, regis-


traram-se no Brasil 36 episódios de ataques com armas
dentro de escolas desde 2001. A maioria (21) ocorreu nos
anos de 2022 e 2023. Um dos mais recentes foi o caso de
um estudante de 16 anos que entrou armado na Escola Es-
tadual Sapopemba, em São Paulo, em outubro passado, e
atirou a esmo, matando uma colega e ferindo outras três.
Em depoimento à polícia, alunos disseram que o assassino
sofria bullying, tanto na escola quanto nas redes sociais.
Os jovens e adolescentes estão entre os principais cau-
sadores e vítimas de cyberbullying por uma série de ra-

5º 6º

ÁFRICA DO SUL MALÁSIA

25% 23%

5 | 17
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zões. A superexposição de intimidade em redes como Ins-


tagram e TikTok transformou esses veículos em platafor-
mas para lustrar a imagem pessoal e testar a capacidade
de cada um de fazer parte e de ser admirado por uma de-
terminada comunidade, algo especialmente importante
nessa fase da vida. Assim, qualquer comentário negativo
pode provocar a sensação de isolamento social e ter um
efeito explosivo sobre a autoestima. Ao mesmo tempo, um
tipo de comportamento irresponsável explica a prolifera-
ção de ataques. Para os integrantes da geração de nativos
digitais, muitas vezes o compartilhamento de materiais de

7º 8º

SUÉCIA CANADÁ

25%
23% 20%
23%

6 | 17
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internet é feito sem nenhum filtro ou critério, pois eles con-


sideram o mundo virtual um campo no qual esse tipo de
atitude não terá consequências na vida real. “O grupo de
maior risco para efeitos negativos de redes sociais, causan-
do sintomas como depressão, é o de meninas entre 10 e 20
anos de idade”, afirma Tiago Pianca, psiquiatra da infância
e adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Não é possível afirmar que o cyberbullying seja o agente
causador direto de transtornos mentais nos jovens, uma vez
que eles são multifatoriais, mas é fato que as vítimas que já
possuem vulnerabilidades preexistentes são atingidas mais

9º 10º

TURQUIA ARÁBIA SAUDITA

25%
19% 19%
23%

Fonte: Instituto Ipsos

7 | 17
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ARQUIVO PESSOAL
TRAGÉDIA Jéssica Canedo: suicídio
após ser alvo de campanha difamatória

profundamente por ele — não raro, com consequências trá-


gicas. Foi o que ocorreu com a estudante mineira Jéssica
Canedo, de 22 anos, em dezembro passado. Ela foi alvo de
intensa campanha de difamação nas redes sociais depois
que perfis supostamente noticiosos apontaram a jovem co-
mo um affair do humorista Whindersson Nunes, algo que
foi negado por ambos. Jéssica chegou a publicar uma exten-
sa mensagem em seu perfil explicando a situação, mas o
apelo também foi alvo de ataques. A estudante, segundo a
família, “não resistiu à depressão e a tanto ódio”. Resultado:
tirou a própria vida ingerindo medicamentos. O caso de
Jéssica é semelhante ao de Lucas Santos, que se suicidou
em agosto de 2021, aos 16 anos, após ser alvo de campanha

8 | 17
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OS RISCOS NA TELA
Pesquisas internacionais recentes
dimensionaram o alcance do problema

UMA EM CADA QUATRO CRIANÇAS


SOFREU CYBERBULLYING E UMA
EM CADA SEIS PRATICOU ASSÉDIO
VIRTUAL CONTRA OUTRAS

APENAS 10% DAS VÍTIMAS


RELATARAM O CASO A SEUS PAIS
OU ADULTOS MAIS PRÓXIMOS

QUANTO MAIS CEDO O USO DE


SMARTPHONE, MAIOR A CHANCE
DE UM JOVEM SE ENVOLVER EM
PROBLEMAS DO TIPO

POR INFLUÊNCIA DIRETA DO USO


DE SMARTPHONES E DAS REDES
SOCIAIS, TAXAS DE SUICÍDIO ENTRE
GAROTAS DE 10 A 14 ANOS
TRIPLICARAM NOS ÚLTIMOS
QUINZE ANOS

Fonte: Cyberbullying Research Center

9 | 17
Distribuição 100% gratuita - Clube de Revistas

difamatória na internet desencadeada pela publicação de


um vídeo com amigos. No final daquele mês, o governo da
Paraíba deu o nome de Lucas Santos ao programa estadual
de combate ao cyberbullying.
Um dos primeiros estudos a alertar para a relação di-
reta entre esse tipo de ataque virtual e o aumento de ca-
sos de suicídio foi feito na Inglaterra em 2017. Segundo o
levantamento, as vítimas de bullying tinham 8,4 vezes
mais probabilidade de desenvolver ideias suicidas. Quan-
do esses ataques são feitos no meio digital, esse índice so-
be para 11,5. “Não há dúvida de que o bullying grave é
uma das causas mais frequentes de suicídio de jovens e a
principal causa de ataques em escolas, em qualquer épo-
ca e em qualquer país”, afirma o pediatra Daniel Becker.
Professor do Departamento de Psicologia da Aprendiza-
gem, Desenvolvimento e Personalidade do Instituto de
Psicologia da USP, Antonio Serafim observa que a escola
e os pais precisam ficar atentos porque o cyberbullying
provoca reações que nem sempre são facilmente percep-
tíveis. É algo que ocorre de forma silenciosa e gradativa
e, em geral, mina o poder de defesa da vítima, atrapalha
sua capacidade cognitiva e produz disfunções emocio-
nais. Nos casos mais graves, a vítima passa a buscar o
isolamento e fica ruminando o sentimento, o que pode le-
var a pensamentos distorcidos, catastróficos e destruti-
vos. “Sem uma rede de proteção, o risco aumenta sensi-
velmente”, alerta o estudioso.

10 | 17
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PETER LEONE/OFOTOGRÁFICO/FOLHAPRESS

DESOLAÇÃO Sapopemba, em São Paulo:


uma aluna morta e três feridas

Não por acaso, há um consenso entre especialistas de que


é preciso tornar menos precoce o acesso de menores aos
meios digitais. “Não adianta a escola criar regras se os pais
continuam a priorizar o celular na educação”, afirma o presi-
dente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Esta-
do de São Paulo, José Antonio Antiório. No ano passado, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o vício em te-
las no Classificação Internacional de Doenças (CID), ao lado
da adição a drogas. Diversos estudos apontam que a exposi-
ção excessiva ao ambiente virtual causa problemas de com-
portamento, de sono, de desvios na formação de valores, na
relação interpessoal, na capacidade de assimilação de episó-
dios violentos e na maneira como a pessoa se vê e aos outros.

11 | 17
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PREFEITURA GUARUJÁ

PREVENÇÃO Oficina em colégio: esforço


redobrado para evitar problemas

A Sociedade Brasileira de Pediatria orienta que os pais proí-


bam o acesso de seus filhos a celulares até os 2 anos de idade
e imponham limite de duas horas de uso até os 18 anos, sem-
pre sob supervisão. Um crescente número de psicólogos e
educadores defende hoje que o celular deveria ser proibido
nas escolas, inclusive nos recreios, e em casa, para crianças
de até 12 anos. “É um desafio que os pais não necessariamen-
te identificam como tal, mesmo porque muitos dos adultos
também se comportam de maneira infantil nas redes”, afir-
ma a pediatra e psicanalista de crianças e adolescentes Luci
Pfeiffer. Ela compara o ambiente na internet à rua: “Você dei-
xaria sua criança pequena na rua até tarde da noite, falando
com estranhos? A internet é a rua com bilhões de estranhos”.

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DING LEI/XINHUA/AFP

REAÇÃO China: país adotou medidas para aprimorar


respostas aos ataques virtuais

Não bastassem os problemas trazidos pelas redes, há ris-


cos também embutidos em plataformas de jogos on-line e
em aplicativos de trocas de mensagens. “As funcionalidades
oferecidas pelo avanço de tecnologias proporcionam benefí-
cios, mas também abrem mais espaços seguros para o seu
uso por agentes maliciosos”, alerta Michele Prado, pesquisa-
dora de radicalização, extremismo e terrorismo on-line do
Monitor do Debate Político no Meio Digital (USP) e da So-
cial Change Initiative (Belfast). Para se ter uma ideia, uma
pesquisa mundial com 14 000 adolescentes e jovens mulhe-
res revelou que 58% delas dizem já ter sofrido assédio pela
internet. No Brasil, o índice chegou a 77%.
Como se vê, não faltam motivos para a criação de novas

13 | 17
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DAVID PAUL MORRIS/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

PROCESSO Zuckerberg: após pressão, Meta anunciou


regras mais rígidas para menores no Instagram

ferramentas legais para tentar conter o estrago. A recente


modernização na legislação brasileira segue uma tendência
apontada por outros países. Em outubro, Estados Unidos,
China e Inglaterra deram passos importantes para promover
maior proteção aos usuários de redes sociais. Entre as medi-
das anunciadas pelo primeiro-ministro chinês, Li Qiang, está
a que obriga as plataformas a aprimorar mecanismos de aler-
ta precoce, detecção e resposta ao cyberbullying. No territó-
rio americano, quarenta estados entraram com processo
contra a Meta, controladora de Facebook e Instagram, com a
alegação de que as redes “prejudicam a saúde mental dos jo-
vens”. Pressionada, a empresa anunciou regras para promo-
ver proteções adicionais a usuários menores de 18 anos. Isso,

14 | 17
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no entanto, é uma exceção. Em geral, as iniciativas, no Brasil


e no exterior, de promover maior regulação esbarram na re-
sistência das administradoras das redes. “Não adianta a con-
duta ser criminalizada se os autores ficam protegidos. As pla-
taformas têm de colaborar”, defende o advogado especializa-
do em direito digital, Ricardo Vieira de Souza.
De fato, ainda é preciso avançar muito nesse campo. Em
artigo publicado na internet no dia da inclusão da lei do
cyberbullying no Código Penal brasileiro, o frade dominica-
no Carlos Alberto Libânio Christo, conhecido como Frei Bet-
to, pediu o aprimoramento da regulação das redes sociais, de
forma a “evitar a ‘fakecracia’ com suas calúnias, perjúrios e
difamações impunes e graves consequências à honra das
pessoas”, escreveu. No final do ano passado, Frei Betto con-
duziu em São Paulo a missa de sétimo dia de um garoto que
havia acabado de completar 20 anos quando se atirou do 10º
andar do prédio onde morava com os pais. Deixou um bilhe-
te atribuindo a decisão à injusta acusação feita por um coleti-
vo feminista de sua faculdade, que havia incluído seu nome
numa lista de “abusadores”. O post foi apagado depois de
pouco tempo, mas o estrago psicológico provocado pela di-
vulgação da fake news permaneceu atormentando o jovem,
que não suportou o fardo. As autoridades, os especialistas e a
sociedade têm avançado na percepção e no combate ao
cyberbullying, mas histórias como a lembrada por Frei Betto
mostram que é preciso um esforço ainda maior de todos para
evitar a repetição desse tipo de tragédia. ƒ

15 | 17
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“SOU VÍTIMA
HÁ TRÊS ANOS”

ARQUIVO PESSOAL
Pesquisadora da USP de com-
portamento extremista na inter- RESPOSTA
net e autora de livros sobre o as- Michele Prado: após
sunto tem sido alvo do cyber- crises de pânico, estudiosa
bullying tanto de radicais de di- entrará com processos
reita quanto de esquerda. contra criminosos

O cyberbullying é um problema mundial? Sim. E os im-


pactos na saúde mental e em outros âmbitos, especialmente em
relação a crianças e adolescentes, ainda estão sendo estudados.
Isso se agravou muito e seus efeitos são vistos principalmente
dentro do campo de estudo da radicalização e extremismo on-line.

Acontece de que forma? Vai desde o chamado gender trol-


ling, os assédios on-line direcionados que definem alvos a partir
de critérios de gênero, e que atingem principalmente mulheres e a
comunidade trans, ao executado por extremistas que visam des-
qualificar, humilhar, atingir a honra e a imagem. Há também os
ataques sem conotação político-ideológica, mais frequentes en-
tre jovens. Tem difamação, ameaças, calúnias, injúrias e até ex-
torsão, chantagem e exploração sexual de menores mediante
ameaças de exposição de informações.

16 | 17
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Onde estão os principais problemas? Os protocolos de


segurança das plataformas digitais ainda são muito frágeis pe-
rante o cyberbullying. Entre os gamers, eles são quase inexisten-
tes. Quando existem, não há transparência.

A senhora também foi vítima? Fui e ainda sou. Durante os


últimos três anos fui vítima de cyberbullying de um grupo específi-
co de influenciadores digitais da extrema esquerda. Desde antes
de lançar meu primeiro livro, sou difamada, injuriada, assediada e
caluniada de forma recorrente. Fizeram montagens nas quais eu
sou retratada como um hipopótamo, criaram apelidos que visam
desqualificar meu trabalho e me difamaram para pesquisadores
estrangeiros. Vivo um inferno diariamente. E de grupos da extrema
direita também sou alvo. Em vídeo do MBL, sugeriram que eu fosse
assassinada, e minha imagem é eventualmente utilizada em seus
vídeos no YouTube com a descrição “tarja preta”, por exemplo.

Como reagiu? Sofri um colapso na saúde mental no ano pas-


sado. Foi um ano inteiro de crises de ansiedade e pânico, episó-
dios de ideação suicida, sentimento de impotência e desespero.
Minha vida parou durante um ano. Mas, com o auxílio de uma rede
de apoio e de um escritório de advocacia, aos poucos fui me re-
cuperando, e neste ano protocolaremos todos os processos nos
quais trabalhamos no ano passado recolhendo evidências e pro-
vas dos crimes.

17 | 17
Distribuição 100%
GERAL COMPORTAMENTO
gratuita - Clube de Revistas

NÃO CONTE
PARA NINGUÉM
No mundo hiperconectado, manter segredos virou
um desafio humano. Pois uma pesquisa mostra que,
em muitos casos, isso traz alegria e bem-estar
DUDA MONTEIRO DE BARROS E PEDRO CARDONI

BOCA
FECHADA
O bom do
silêncio: chance
para refletir
MIX AND MATCH STUDIO/500PX/GETTY IMAGES

1|6
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NUMA ERA em que não há freios para o que se expõe sob


os holofotes das redes, segredos se tornaram artigo raro. Ter
a um clique uma vitrine virtual de amplo alcance, afinal, aca-
ba funcionando como um estímulo incontornável para con-
tar tudo a vastas plateias, fenômeno que reconfigura o pró-
prio conceito de intimidade. É neste ambiente de comparti-
lhamentos a toda que uma nova pesquisa desponta no cená-
rio lembrando: guardar sentimentos, conquistas e novidades
para si mesmo tende a produzir um imenso bem, sobretudo
quando são positivos, como uma mudança de patamar pro-
fissional à vista ou uma relação afetiva que está por se esta-
belecer. O silêncio aí pode ser a chave para atravessar estas
chacoalhadas da vida com mais plenitude, afirmam os espe-
cialistas envolvidos na investigação. Postar, nem pensar.
O estudo, conduzido pela Universidade Columbia, em
Nova York, e recém-publicado no periódico científico The
Journal of Personality and Social Psychology, ouviu quase
3 000 pessoas de diferentes idades, distinguindo aquelas
que, diante de uma boa nova, disseminam o fato das que o
preservam para si. Conclusão: a turma que costuma manter
segredo apresenta níveis mais elevados de satisfação frente a
suas realizações. “Quando a pessoa não passa a história
adiante, ainda que por um tempo, ela consegue absorvê-la
melhor, fazer uma reflexão e extrair dela mais prazer, sem
interferências”, analisou a VEJA Michael Slepian, professor
de psicologia que coordenou a pesquisa, autor do livro O Se-
gredo dos Segredos.

2|6
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ARQUIVO PESSOAL

FATOR SURPRESA
A especialista em marketing Beatriz Trindade,
30 anos, deu um passo com o qual sonhava há
tempos — a compra do primeiro apartamento.
Manteve a decisão para si mesma, saboreando a ideia e
aproveitando a novidade sozinha. “Quando falei para todo
mundo, tive aquela boa sensação de compartilhar minha
alegria no tempo certo”, conta

3|6
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No momento em que o período de discrição é rompido, o


que em muitos casos ocorre, os efeitos do compartilhamen-
to (para usar o vocábulo da vez) são mais intensos, diz Sle-
pian. Isso vale, inclusive, para assuntos bem terrenos. “De-
cidi fechar a compra de um apartamento, segurei aquilo pa-
ra mim, saboreei a ideia e, ao falar aos outros, foi bom de-
mais dividir este passo”, relata a especialista em marketing
Beatriz Trindade, 30 anos.
Como tudo o que é excessivo, trancar-se e não repartir
nada com ninguém — nem uma angústia profunda com um
amigo em quem se deposita a maior confiança — pode tra-
zer desdobramentos indesejáveis. Muitos estudos já foram
feitos sobre as consequências do confinamento em si mes-
mo, frequentemente motivado por medo, culpa ou vergonha
de exibir algo ruim à sociedade. “Ao guardar um segredo
que a atormenta, a pessoa acaba ruminando aquele pensa-
mento e às vezes amplifica perigosamente o incômodo”, ob-
serva o psicólogo Vicente Cassepp-Borges, da Universidade
Federal Fluminense (UFF). Ao fechar-se dispensando um
olhar de fora, capaz de pesar os fatos com a vantagem de
manter deles uma distância, corre-se o risco de uma exaus-
tão física e psicológica, segundo outro levantamento da Uni-
versidade Columbia, que alerta: transtornos como ansieda-
de e depressão podem brotar em situações nas quais um se-
gredo dolorido é mantido a sete chaves.
No território das boas notícias, em que um like nas re-
des funciona como um selo de aprovação, a exposição da

4|6
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O DISCRETO
O carioca Fernando
Fernandes, 24 anos,
do ramo da hotelaria,
não tem o impulso
de falar tudo o que
acontece para os
amigos. Ao contrário,
ele prefere manter
histórias que ainda
estão se desenrolando,
como uma recente
promoção, em
segredo. “Assim,
não gero expectativas
e sinto que estou
no controle da
informação”, diz
ARQUIVO PESSOAL

intimidade, das realizações e vitórias predomina, num ci-


clo em que é preciso ter a cada dia o que contar — um ou-
tro extremo, em que o espaço para informações não com-
partilhadas encolhe. “Nestes tempos, as pessoas têm ne-
cessidade não só de vencer, mas de mostrar isso, para co-
lher aplausos que são tão importantes quanto o próprio
acontecimento, sem lugar para segredos”, avalia o antro-
pólogo Bernardo Conde, da PUC-Rio. Uma armadilha
contida aí é a comparação com o post do vizinho. Uma
pesquisa da Universidade Humboldt, em Berlim, constatou

5|6
Distribuição 100% gratuita - Clube de Revistas

que o principal sentimento despertado pela assídua nave-


gação nas redes sociais é a inveja — caso de um em cada
três entrevistados, que assume almejar a conquista alheia
nos campos profissional e amoroso. Dentre o grupo dos
que contam tudo e mais um pouco, 20% queixam-se de ser
pouco notados, mesmo com tamanha exposição.
Guardar segredos, além de raridade, é também um her-
cúleo desafio humano que extrapola todos os tempos. O
próprio Sigmund Freud (1856-1939), pai da psicanálise, di-
zia: “Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo.
Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos”. De algum mo-
do, portanto, os indivíduos entregam os acontecimentos que
lhes ocupam a mente e sacodem suas emoções, ainda que
sejam apenas pistas do que se passa no mundo interior. Re-
centemente, Fernando Fernandes, 24 anos, que trabalha no
ramo da hotelaria, esmerou-se em não dar nenhuma dica de
que estava prestes a avançar na carreira. Não queria gerar
expectativas nem tampouco deixar de vivenciar a alegria
antes de dividi-la. “Achei muito bons aqueles dias que passei
sozinho”, diz o jovem. “Quanto mais a pessoa está preenchi-
da com sua conquista, menos ela precisa contá-la”, enfatiza
Bernardo Conde. Certamente que nesta era de smartphones
em punho, que a tudo flagram e postam, manter discrição e
silêncio exige esforço extra. Mais do que nunca, vale revisi-
tar as sábias palavras de Sêneca (4 a.C-65 d.C), o estoico fi-
lósofo dos tempos romanos: “Se queres teus segredos guar-
dados, guarda-os você mesmo.” ƒ

6|6
Distribuição
GERAL SAÚDE
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É O CORPO,
É A ALMA
Um estudo inglês parece ter posto um ponto-
final numa polarização desnecessária: o bem-
estar pressupõe cuidar simultaneamente dos
pensamentos e do organismo PAULA FELIX

COMBO
O bom conselho:
cuca tranquila e
força física

KLAUS VEDFELT/DIGITAL VISION/GETTY IMAGES

1|6
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FOI SEMPRE uma coisa ou outra, sem concessões — a al-


ma ou o corpo. Durante muito mais tempo do que se deve-
ria, a relevância para o ser humano de se movimentar um
pouquinho que seja foi relegada ao fundo das prioridades. O
bom mesmo era pensar, cuidar da cabeça, estar psicologica-
mente bem. Mas então, em meados do século XX, estudos
mostraram que o exercício físico é fundamental. Nos anos
1940, um revolucionário trabalho de um médico inglês com

OS BENEFÍCIOS PARA...

...A CABEÇA

Motivação para se exercitar

Autoestima

Noção de limites, sem


pré-julgamentos exagerados

2|6
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cobradores de ônibus demonstrou que a ocorrência cada vez


maior de problemas cardíacos estava ligada muito mais ao
sedentarismo do que à idade ou ao estresse crônico. E então
o mundo percebeu que não poderia ficar parado — e dá-lhe
abandonar os fundamentais cuidados com a cuca.
Mas como a roda não para de girar, em eterno vaivém,
por mais de uma vez foram dadas ordens contrárias, isso
ou aquilo. De um lado, os fervorosos defensores do chama-

...O ORGANISMO

Redução do estresse

Vitalidade para as
atividades do cotidiano

Ciclos de atividade e
treinamento benéficos
para o metabolismo
Fonte: Universidade de Bath

3|6
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do mindfulness, a técnica para acalmar os pensamentos e


trabalhar a atenção plena. Do outro, os amantes dos exer-
cícios físicos e toda a prazerosa cascata hormonal que eles
desencadeiam. Aqui e ali algumas vozes apontaram o ca-
minho do bom senso, mas o tempo tratou de calá-las. Tho-
mas Jefferson (1743-1826), o terceiro presidente dos Esta-
dos Unidos, um pensador de escol, intuiu que havia algo
errado e disse uma frase que seria celebrada: “Não menos
de duas horas por dia devem ser devotadas ao exercício, e
levando o clima em pouca consideração. Se o corpo for fra-
co, a mente não será forte”.
A polarização incessável virou mau hábito, um labirinto
sem saída, de portas fechadas e donos da verdade. Seria pre-
ciso algum freio de arrumação, o necessário equilíbrio para
pôr as duas frentes na balança, sem privilégios, em igualda-
de de condições. Parece, enfim, ter chegado a hora. Um ro-
busto trabalho da Universidade de Bath, na Inglaterra, reve-
la que costurar os dois aspectos — a cabeça e o organismo
— é o que nos faz viver mais e melhor. Soa simples, quase
banal, talvez seja, mas eis aí uma conclusão que merece ser
celebrada. Os estudiosos mergulharam em mais de 7 500 re-
ferências científicas sobre o tema. Buscaram os prós e con-
tras de cada vertente e do combo extraíram um enredo —
uma postura ajuda a outra, simples assim. “Ficar mais aten-
to, com a mente alerta, ajuda a treinar as forças psicológicas
que precisamos para praticar exercícios corporais”, disse a
VEJA Masha Remskar, cientista comportamental de Bath,

4|6
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uma das responsáveis pelo pioneiro levantamento. “O mind-


fulness e o fitness se complementam incrivelmente bem,
multiplicando os benefícios para a saúde mental.”
Os dados existentes comprovam as respostas de cada li-
nha, isoladamente. A movimentação física é alimento para o
ânimo, o bem-estar fundamental para tocar a vida. O zelo
mental é atalho para a satisfação no dia a dia.
A junção das duas pontas — e adeus polarização — tem
extraordinário poder multiplicador. É o que revela a minera-
ção da vasta pesquisa agora divulgada e que muitos especia-
listas recomendam com veemência. Ter a mente calma aju-
da a manter o ritmo nas academias e ruas. Ter o corpo forte
é apoio para bons pensamentos, e eis o ciclo positivo estabe-
lecido com pompa. “Uma das formas de não deixar a mente
à deriva é manter o corpo em movimento”, resume Marcelo
Demarzo, coordenador do Centro Mente Aberta, da Uni-
fesp, que atua com mindfulness.
Tudo resolvido? Não. As evidências ajudam a abrir ave-
nidas e a demolir os lugares-comuns. Os xiitas da ginástica
e os fanáticos pela reflexão vão naturalmente perder espaço,
mas as dificuldades do cotidiano da vida moderna oferecem
obstáculos, muitos intransponíveis. Como, por exemplo, ter
força para abandonar o smartphone e as redes sociais? Co-
mo associar o personal trainer com o terapeuta de consultó-
rio, com tempo curto e dinheiro escasso? Não por acaso, nas
crises econômicas — ou em momentos de espanto da civili-
zação, como na pandemia de Covid-19 — as duas práticas

5|6
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costumam ser abandonadas, por supérfluas, e vive-se ao


Deus dará. Mas cabe estar sempre atento ao conselho fun-
damental: é vital cuidar de tudo. “A saúde mental deficiente
é um dos problemas mais comuns e onerosos de nosso tem-
po”, diz Masha Remskar, da Universidade de Bath. “Zelar si-
multaneamente pelo que vai na mente e o que o organismo
pede é crucial para as estratégias dos serviços públicos de
saúde.” Um estudo da Federação das Indústrias do Estado
de Minas Gerais mostrou que, no Brasil, os transtornos
mentais levam à perda de 4,7% do PIB todos os anos, com
menor produtividade e redução de postos de trabalho.
Vale, portanto, como resolução para o ano que mal co-
meçou, a vigilância permanente. Os aplicativos recentemen-
te lançados para acalmar têm utilidade. Uma caminhada em
volta do quarteirão, idem. O fundamental é saber que não
são excludentes. É o que intuía, com delicadeza, o composi-
tor Walter Franco (1945-2019) em uma de suas canções, de
1978: “Tudo é uma questão de manter / a mente quieta / a
espinha ereta / e o coração tranquilo”. Boa ideia. ƒ

6|6
Distribuição 100%
GERAL NEGÓCIOS
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JOGADA INTELIGENTE
Inovações em inteligência artificial e computação
em nuvem levam a Microsoft a superar a Apple
e se tornar a empresa americana de maior valor
de mercado LUANA ZANOBIA
JAAP ARRIENS/NURPHOTO/GETTY IMAGES

REVOLUÇÃO OpenAI, criadora do ChatGPT: o sistema


foi responsável pelo avanço da Microsoft

1|7
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FUNDADAS com a diferença de apenas um ano, Micro-


soft (nascida em abril de 1975) e Apple (abril de 1976) se-
guiram em suas trajetórias caminhos bem distintos. En-
quanto a empresa criada por Bill Gates foi, durante muito
tempo, sinônimo de software, a companhia da maçã fi-
cou marcada pela genialidade inventiva de Steve Jobs.
Em outras palavras: a Microsoft era necessária e a Apple,
sexy. No século XXI, a discrepância se intensificou com
o lançamento do iPhone, que conquistou a condição de
objeto de desejo de consumidores do mundo inteiro. Não
à toa, a Apple se tornou, em 2023, a primeira empresa da
história a alcançar valor de mercado de 3 trilhões de dó-
lares. Nos últimos meses, contudo, o jogo mudou, e a Mi-
crosoft voltou a ocupar o posto de corporação mais va-
liosa dos Estados Unidos, após três anos fora do topo.
A que se deve a virada?
Há uma razão principal que explica o movimento: ino-
vação. Depois de muito tempo — pelo menos desde a era
da computação pessoal —, a Microsoft voltou a liderar
uma transição tecnológica. Desta vez, ela está à frente da
chamada inteligência artificial regenerativa, tecnologia
que responde perguntas e gera imagens a partir de suges-
tões feitas por usuários. A mudança foi gestada em 2019,
quando, por determinação do chefão global, Satya Na-
della, a Microsoft investiu em uma startup desconhecida,
a OpenAI, que estava desenvolvendo um novo sistema de
inteligência artificial. Em 2022, o ChatGPT chegou ao

2|7
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mercado e o mundo foi tomado por uma revolução. Nos


últimos quatro anos, a big tech injetou 2 bilhões de dóla-
res na OpenAI, e um novo aporte de 10 bilhões de dóla-
res foi anunciado recentemente. “Decisões assertivas do
CEO contribuíram para a valorização da empresa”, diz
André Miceli, líder no Brasil da MIT Technology Re-
view, plataforma de conteúdo do Instituto de Tecnologia
de Massachusetts.
A IA não foi a única aposta certeira da Microsoft. A em-
presa fez incursões bem-sucedidas no lucrativo negócio de
computação em nuvem. A Azure, seu braço de negócios no
ramo, é hoje a principal concorrente da Amazon na oferta

ANNEGRET HILSE/DPA/AFP

LIDERANÇA Cook (à esq.),


CEO da Apple, e Nadella, da
Microsoft: corrida pela IA

JOSH EDELSON/AFP

3|7
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DISPUTA ACIRRADA
As big techs têm números parecidos

VALOR DE
MERCADO*

2,89
TRILHÕES DE
DÓLARES

Desempenho ALTA DE
das ações no ano* 5%
Desempenho ALTA DE
das ações em 2023 57%

4|7
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VALOR DE
MERCADO*

2,82
TRILHÕES DE
DÓLARES

Desempenho QUEDA DE
das ações no ano* 7%
Desempenho ALTA DE
das ações em 2023 48%
* Valores referentes ao fechamento
de 17 de janeiro de 2024
Fonte: Nasdaq

5|7
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JUSTIN SULLIVAN/GETTY IMAGES

APOSTA Óculos de realidade virtual Vision Pro: tentativa da


Apple de encontrar novas fontes de receitas

desse tipo de serviço, e foi decisiva para o bom desempe-


nho financeiro da Microsoft em seu mais recente balanço.
No primeiro trimestre do atual ano fiscal, o lucro da Azure
cresceu 29% na comparação anual, acima dos ótimos 26%
registrados pela companhia como um todo.
Enquanto isso, a Apple vive tempos desafiadores. A em-
presa está atrasada na corrida da inteligência artificial e,
para piorar, não há projeto consistente na área. Em conver-
sa recente com analistas, o presidente Tim Cook afirmou
que a companhia tem um trabalho “em andamento” no
campo de IA, mas não deu detalhes sobre o que seria. Co-

6|7
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mo se não bastasse, as vendas de iPhone também não em-


polgam como antes. A situação é tão complexa que, nos úl-
timos dias, a Apple passou a dar descontos — algo inusual
em sua história — nos smartphones vendidos na China, na
tentativa de enfrentar a concorrência de marcas como Xia-
omi e Huawei, que avançam sem parar. No ano passado, as
vendas de iPhones no mercado chinês tombaram 30%.
Ainda assim, a Apple fechou 2023 como líder do mercado
global de smartphones.
Empresas de tecnologia enfrentam o desafio perma-
nente de se reinventar. Foi assim com a Microsoft, que en-
controu na inteligência artificial um novo caminho pro-
missor. A própria Apple sabe o que é isso — a empresa, afi-
nal, deixou de ser só uma fabricante de computadores para
revolucionar o mercado de aparelhos de celular. Nesta se-
mana, a estratégia de diversificação foi revigorada com o
lançamento dos óculos de realidade virtual Vision Pro. Se-
rá suficiente para dar novo fôlego à Apple? Ninguém sabe
a resposta, mas não é recomendável duvidar de uma em-
presa que, assim como a Microsoft, mudou o mundo. ƒ

7|7
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GERAL CIÊNCIA
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DOLLY 2.0
Quase trinta anos depois da clonagem original de
uma ovelha, o experimento com um macaco rhesus
inaugura uma nova era, de naturais avanços e
menos dúvidas éticas LUIZ PAULO SOUZA
CHINESE ACADEMY OF SCIENCES

SAUDÁVEL O celebrado animal trazido ao mundo por


chineses: 3 anos e meio de idade e crescendo firme e forte

1|6
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FOI UM ESTRONDO. Em fevereiro de 1997, o anúncio do


nascimento da ovelha Dolly, pelas mãos do embriologista es-
cocês Ian Wilmut (1944-2023), marcou uma virada na histó-
ria da civilização e da ciência. A humanidade brincava de
Deus. “Como Eva no Velho Testamento, feita com uma das
costelas de Adão, Dolly veio ao mundo como um pedaço de
outro ser adulto”, anotou VEJA em reportagem de capa. Seria,
enfim, a partir dali, possível clonar qualquer mamífero e, no
limite, criar exércitos de seres humanos idênticos? Na prática,
sim. Na realidade, experiências semelhantes deram errado.
Agora, depois de 28 anos de fracassos, parece ter chega-
do a hora de uma nova era, a Dolly 2.0. Um artigo publicado
na renomada revista científica Nature Communications re-
vela ter ocorrido a reprodução em laboratório, como cópia,
de um macaco rhesus. O feito foi realizado por um grupo de
pesquisadores da China. “Quando vimos que funcionou, fi-
camos radiantes de felicidade”, disse o autor e líder do estu-
do, Qiang Sun, em entrevista a VEJA. “Agora, o macaco clo-
nado já atingiu a idade de 3 anos e meio e está se desenvol-
vendo bem.” O trabalho com um símio, dado ser genetica-
mente mais próximo do ser humano do que uma ovelha, na-
turalmente atrai interesse, embora do ponto de vista técnico
as semelhanças entre um método e outro, o de trinta anos
atrás e o de agora, sejam muitas.
Retira-se o núcleo de uma célula adulta, como a da pele
ou a do fígado, de modo a inseri-la em um óvulo desprovido
de DNA. No caso da Dolly, o núcleo de uma célula da mama

2|6
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foi a origem do material genético — por esse motivo, aliás,


ela recebeu o charmoso nome, em referência à voluptuosa
atriz e compositora Dolly Parton. Houve, contudo, naquele
arranjo e em muitos outros que vieram depois, um imenso
nó. O principal motivo: na clonagem, as placentas não se de-
senvolvem a contento, dada a quantidade de etapas biológi-
cas atropeladas. Com o rhesus, os especialistas desenvolve-
ram o pulo do gato: depois de deflagrada a cópia, logo no
início da gestação trataram de substituir as células suposta-
mente defeituosas para a formação do tecido que abrigaria o
feto por outras saudáveis, perfeitamente adaptadas. É salto

CÓPIAS IMPERFEITAS
Uma pequena história da clonagem

1 8 8 5
A experiência inaugural foi com um
ouriço-do-mar, a partir de um embrião

1 9 2 8
Pela primeira vez a prática foi realizada com a
transferência de um núcleo (parte da célula
que contém informações genéticas)

3|6
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MAURICE MCDONALD/PA IMAGES/GETTY IMAGES


1 9 9 6
A ovelha Dolly fez história. De modo inédito,
os cientistas usaram células adultas — neste
caso, o núcleo de uma célula mamária foi
transferido para um óvulo

2 0 1 8
Em um ruidoso experimento, pesquisadores
chineses alegaram ter clonado as células de
um embrião humano para gerar um bebê
sem desordens genéticas herdadas dos pais

4|6
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simples e extraordinário — e assim caminham os avanços


memoráveis. “É desafiador, por ser completamente antina-
tural”, diz a professora do Departamento de Genética e Bio-
logia Evolutiva do Instituto de Biociências na Universidade
de São Paulo (USP), Lygia da Veiga Pereira.
O primata chinês celebrado com pompa e circunstância
foi o único, entre onze embriões testados, a vingar. É taxa
de sucesso muito superior à das irmãs da Dolly, que não
vieram ao mundo. Falta, contudo, muita estrada para que,
enfim, cante-se a vitória total diante dos freios da natureza.
O passar do tempo tratou também de acalmar os temores,
de estabelecer limites e possibilidades para a multiplicação
de iguais. A ideia dos clones onipresentes hoje é tola, e con-
vém lembrar que mesmo os pais da Dolly tentaram deixar
claro o que pretendiam, e não se tratava de reinventar a ro-
da, como se pudéssemos replicar amados animais de esti-
mação ou estúpidos líderes autoritários. O objetivo foi sem-
pre outro, mais modesto e nem por isso menos ruidoso.
Em entrevista à Nature, em 2014, os embriologistas en-
volvidos na criação do adorável animal de pelo branco ima-
ginavam um imenso rebanho de ovinos idênticos capazes de
produzir, em seu leite, substâncias de interesse para a medici-
na humana. Hoje, mira-se, por ora, apenas o mundo animal
— e nós, bípedes, teremos de esperar mais um pouco. “A clo-
nagem viabilizaria a produção de animais idênticos na pe-
cuária, o que pode tornar a produção muito mais eficiente”,
diz o professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de

5|6
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Alimentos da USP, Flávio Meirelles. Trata-se, enfim, da pos-


sibilidade de multiplicação dos bovinos com a melhor carne
ou com a produção leiteira mais generosa. Pode ser extraor-
dinário, e não seria o fim dos tempos da ética e sensatez.
Contudo, os riscos com a Dolly 2.0 não podem ser des-
cartados, de modo algum. Tome-se como exemplo um triste
episódio de 2018. Naquele ano, o chinês He Jiankui anun-
ciou o nascimento de gêmeas com o DNA modificado para
que pudessem resistir ao vírus da aids que o pai havia con-
traído. Houve espanto, houve genuína grita. Pouco tempo
depois, um tribunal da cidade de Shenzhen (província de
Guangdong), onde ficava o laboratório do transgressor, con-
denou He Jiankui por “ter realizado ilegalmente a manipu-
lação genética de embriões com fins reprodutivos”.
O rhesus clonado, tal qual a Dolly, é personagem atrelado
ao conhecimento humano. Não pode provocar medo e tam-
pouco desleixo. Há no horizonte extraordinárias janelas de
oportunidade que ajudarão o ser humano a lutar contra
doenças e a aprimorar a alimentação. Mas há também ar-
madilhas perigosas. Wilmut, o genitor de Dolly, deu a deixa,
com tranquilidade: “As pressões para a clonagem humana
são poderosas. Mas, embora seja provável que alguém, em
algum momento, tentará, não precisamos supor que isso se
tornará uma característica comum ou significativa da vida
humana”. Que assim seja. ƒ

6|6
Distribuição 100%
GERAL ESPORTE
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CANARINHO
DESBOTADA
Empossado como novo técnico da seleção
brasileira, Dorival Júnior quer recuperar o prestígio
da camisa amarela, mas precisa combinar com os
torcedores ALESSANDRO GIANNINI

POSSE Dorival em sua apresentação: apelo


ufanista que não se resolve por decreto

STAFF IMAGES/CBF

1|7
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PERDEU-SE no tempo o momento em que o torcedor


brasileiro cortou laços com a seleção masculina de fute-
bol. A genealogia do desastre é complexa. Supõe-se que
tenha começado na Copa de 1982, na Espanha, com a
derrota do excepcional time de Telê Santana para a Itália
do carrasco Paolo Rossi. A partir de então, mesmo com
as honrosas e meritórias conquistas de 1994, nos Estados
Unidos, e 2002, no Japão e Coreia, tempo de Romário,
Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho, construtores do tão pro-
palado penta, a liga nunca mais foi refeita. A ponto de a
famosa camisa canarinho, símbolo de nossa supremacia
no esporte, ter sido sequestrada nos últimos anos como
uniforme de passeata por apoiadores do ex-presidente
Jair Bolsonaro. A virada política do ano passado pressu-
punha renascimento do interesse pela amarelinha, mas
não. Polarização? Nesse terreno, parece nem mesmo
existir, e o descaso com o escrete soa tristemente unâni-
me no país do futebol.
Ao ser empossado como novo treinador da seleção, Do-
rival Júnior lembrou do divórcio, e não por acaso avisou
que sua primeira convocação seria “o povo brasileiro”. O
tom ufanista não resolve o problema central: é improvável
refazer a relação de amor por decreto. O modo como Dori-
val foi tirado pela Confederação Brasileira de Futebol
(CBF) do São Paulo, aliás, dá pistas do tamanho da dificul-
dade de recomposição. O técnico campeão da Copa do
Brasil no ano passado com o tricolor paulista virou primei-

2|7
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ra opção como comandante da seleção depois que o italia-


no Carlo Ancelotti renovou contrato com o Real Madrid.
Afastado e posteriormente reconduzido à presidência
da CBF em eterno e caótico vaivém feito de politicagem e
processos, Ednaldo Rodrigues nunca escondeu que Ance-
lotti era seu objeto de desejo. Garantia ter feito acordo com
ele, mas terminou como conversa para boi dormir. Ance-
lotti, que não é bobo nem nada, disse não. E, então, o inte-
rino Fernando Diniz, que dividia seus afazeres com o Flu-
minense até a chegada de um messias, foi sumariamente
defenestrado. “Uma seleção do tamanho do Brasil não po-
de ter interino”, disse Muricy Ramalho, coordenador téc-

LARGADA RUIM
As piores campanhas até as seis
primeiras partidas das Eliminatórias

PARA A COPA DE 1994

61%
de aproveitamento
Técnico:
CARLOS ALBERTO
3 VITÓRIAS, 2 EMPATES, 1 DERROTA PARREIRA

3|7
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nico do São Paulo, amigo de Dorival. “Para mim, o Diniz


tinha de continuar, tinha de ser o técnico, não dava para
esperar o Ancelotti. Acho que, se ele chegasse aqui e visse
a bagunça, não iria ficar nem cinco minutos.”
O resultado de tanta confusão pode ser medido pelo
ano de Diniz nas Eliminatórias — o pior da história (veja

PARA A COPA DE 2002

61%
de aproveitamento
Técnico:
LUIZ FELIPE
3 VITÓRIAS, 2 EMPATES, 1 DERROTA SCOLARI

PARA A COPA DE 2010

50%
de aproveitamento

Técnico:
2 VITÓRIAS, 3 EMPATES, 1 DERROTA DUNGA

4|7
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no quadro), com um melancólico sexto lugar, com três der-


rotas sucessivas para Uruguai, Colômbia e Argentina. Res-
salte-se haver escassez de grandes jogadores e o melhor
deles, hoje contundido, Neymar, preocupa-se mais com o
que vai fora do gramado do que com a bola nos pés. E não
é de hoje. Viralizou nas redes sociais, a partir de 2016, a

PARA A COPA DE 2018

50%
de aproveitamento

Técnico:
2 VITÓRIAS, 3 EMPATES, 1 DERROTA TITE

PARA A COPA DE 2026

38%
de aproveitamento

Técnico:
2 VITÓRIAS, 1 EMPATE, 3 DERROTAS FERNANDO DINIZ*
* Diniz fez meia dúzia de jogos até ser demitido

5|7
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imagem do menino que du-


rante a Olimpíada do Rio
riscou o nome do camisa 10
e escreveu o de Marta. O
Brasil dos homens, naquele
ano, levou a medalha de
ouro, e as mulheres não.
Mas os humores pouco mu-
daram e ainda agora aquela
imagem perpetua a cons-
trangedora falta de motiva-
ção pelo futebol da seleção.
O primeiro passo de um
futuro melhor — atrelado
ao tolo slogan “Novos so-
BRUNA MURARO

nhos para sonhar”, imagi-


nado pela CBF para 2024 DESGOSTO O menino em
— pressupõe vitórias em 2016: o nome de Neymar
campo e paz nos gabinetes. riscado da camisa
Em meio à cruzada por
reaver o prestígio perdido da seleção, Dorival já tem defi-
nidas suas primeiras partidas como comandante: dois
amistosos, um contra a Inglaterra e outro contra a Espa-
nha, no fim de março — as Eliminatórias voltam apenas
em junho. Enquanto isso, o cartola Rodrigues tem se pro-
tegido como pode de futuras investidas — e de novas de-
núncias — contra sua permanência na presidência da CBF.

6|7
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Obteve apoios da Confederação Sul-Americana de Fute-


bol (Conmebol) e da Federação Internacional de Futebol
(Fifa), além dos quarenta clubes das duas principais divi-
sões brasileiras. A decisão liminar que o reconduziu ao
gabinete, assinada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF,
ainda deve ser julgada pelo plenário da Corte, o que só
acontecerá depois do fim do recesso.
Há pressa, o tempo passa e logo estaremos nos acrésci-
mos. Como então reconquistar o brio e a paixão? Há quem
apele ao “Sobrenatural de Almeida”, o codinome do perso-
nagem salvador da pátria de Nelson Rodrigues, há quem
brinque porque não há outro modo — e brinca-se até com a
postura religiosa dos atletas. “Nas entrevistas, os jogadores
brasileiros, mesmo os que atuam lá fora, agradecem a Deus
em primeiro lugar. E o que Ele tem a ver com o gol feito,
com a defesa quase impossível?”, diz o escritor Mario Prata,
autor do romance histórico O Drible da Vaca, sobre os pri-
mórdios do ludopédio. Não está fácil para ninguém. ƒ

7|7
Distribuição 100%
GERAL HISTÓRIA
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HUMOR
SUBTERRÂNEO
Exposição no Museu Judaico de Berlim resgata
a trajetória fascinante e a ironia ácida de Curt Bloch
e sua revista satírica clandestina, criada no
auge da perseguição nazista LIGIA MORAES

RISO Capas de duas das 95 edições


de Het Onderwater Cabaret: textos jocosos
para animar as vítimas do horror

FOTOS STIFTUNG JÜDISCHES MUSEUM BERLIN

1|5
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É POSSÍVEL rir na tragédia? Sim, é o que revela a fascinan-


te obra do judeu alemão Curt Bloch (1908-1975), cuja me-
mória será lembrada a partir de fevereiro numa exposição
do Museu Judaico de Berlim. Refugiado na Holanda duran-
te o período mais sombrio da II Guerra Mundial, o jovem
advogado escapou das garras do nazismo escondendo-se no
sótão da casa de uma governanta e um agente funerário. Pa-
ra afastar o drama da situação, ele produziu uma revista de
humor artesanal com a ajuda de dois outros ocupantes do
esconderijo. Intitulada Het Onderwater Cabaret (O Cabaré
Submerso, na tradução do holandês), a publicação era uma
espécie de almanaque satírico com textos e poemas escu-
lhambando os carrascos alemães.
Todas as semanas, de agosto de 1943 a abril de 1945,
Bloch produziu com seus “colaboradores” uma nova edição
de Het Onderwater Cabaret. Criou 95 livretos de pequeno
formato, com capas feitas a partir de colagens e contendo
um total de quase 500 poemas, nos quais escreveu sobre os
crimes dos nazistas e seus colaboradores, o curso da guerra,
a situação na clandestinidade, o destino da família e a derro-
ta iminente das potências do Eixo. É um trabalho fascinan-
te, considerando que foi feito de modo clandestino, em meio
a uma guerra de grandes proporções e a uma perseguição
genocida. O trabalho circulava entre alguns leitores, não
mais do que vinte ou trinta. Graças a uma organização bem
articulada de mensageiros que traziam comida, as revistas
alcançavam outros esconderijos.

2|5
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No início da guerra, Bloch es-


colheu se fixar na Holanda em
razão da política externa de neu-
tralidade e se refugiou em Ams-
terdã. Quando a Alemanha, com
planos de conquistar a França,
invadiu os Países Baixos na ma-

HET ONDERWATER CABARET/WBOOKS


drugada de 10 de maio de 1940,
conseguiu fugir para a cidade de
Enschede. Ele e outros dois ju-
deus encontraram abrigo na ca-
sa de Aleida e Bertus Menneken, LEGADO O judeu-
onde compartilhariam um pe- alemão Curt Bloch
queno sótão pelos dois anos se- (1908-1975): obra
guintes. Estima-se que pelo me- recuperada pela neta
nos 10 000 judeus se esconde-
ram na Holanda e conseguiram viver à sombra — entre eles,
a menina Anne Frank, que não exige apresentação.
Num pequeno espaço abaixo das vigas da casinha de tijo-
los, uma discreta janela iluminava as “sacadas” de Bloch,
que se mantiveram bem-humoradas, apesar da situação. Es-
crevia — tanto em alemão quanto em holandês — textos e
poemas jocosos, nos quais fazia críticas, muitas vezes em
tom de deboche, aos principais líderes do Reich. Joseph
Goebbels, propagandista de Hitler, era um alvo frequente.
No poema O Caminho para a Verdade, o autor aconselha:
“Se ele escreve reto, leia torto / Se ele escreve torto, leia reto /

3|5
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Sim, apenas vire suas palavras


ao contrário / Em todas as suas
palavras úteis, há dano”. Era um
bom conselho.
Bloch e seus companheiros de
quarto sobreviveram no sótão —
ou na redação, por assim dizer —
até a primavera de 1945, quando
a Alemanha se rendeu, a cami-

ANNE FRANK HOUSE


nho da libertação do jugo nazis-
ta. A última edição traz na capa
duas pessoas emergindo de uma SÍMBOLO
escotilha, com o título declaran- Anne Frank (1929-
do que estavam finalmente “aci- 1945): dois anos no
ma da água”, prontos para respi- “Anexo Secreto”
rar. Naquela mesma publicação,
ele escreve: “Herr Hitler, não canta hoje / Ele está sentindo,
após algum atraso / Uma gravata ao redor do pescoço”.
Bloch emigrou para Nova York, onde — ao lado de sua
companheira e sobrevivente de Auschwitz, Ruth Kan —
criou dois filhos. As publicações remanescentes, evidente-
mente amareladas pelo tempo, foram guardadas em uma
prateleira da casa. Só saiam de lá quando o antigo redator-
chefe, um tanto tímido e desconfiado, resolvia ler algumas
páginas para a família. Simone, filha de Bloch, hoje com 64
anos, lembra-se de ver os exemplares enquanto crescia, em-
bora revele não ter compreendido a relevância do material

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empoeirado. “Pré-adolescente rebelde”, conforme sua pró-


pria descrição, nunca se conectou com o pai, que morreu
quando ela tinha 15 anos. Muito tempo depois, porém, a fi-
lha de Simone, Lucy, se interessou pela papelada, não ape-
nas como lembranças da vida privada em família, mas co-
mo marcadores de uma história maior, que não pode ser
apagada, de modo algum. Ela conseguiu uma bolsa de pes-
quisa para viajar para a Alemanha, onde pôde estudar mais
sobre a história do avô. Simone então passou anos procuran-
do uma maneira de trazer a público as revistas, que repre-
sentavam uma das poucas tentativas literárias a documen-
tar o Holocausto na Europa.
Het Onderwater Cabaret é registro fundamental para
compreender o cotidiano de milhares de pessoas que foram
obrigadas a viver “submersas”, escondidas de um regime que
criminalizava a sua existência. Naquela época, a escrita era
não apenas uma forma de documentar a guerra, mas tam-
bém uma ferramenta capaz de espiar as angústias e os an-
seios — ou um simples passatempo, um divertimento, uma
réstia de luz na escuridão. Anne Frank e Curt Bloch, lembre-
se, estavam separados por apenas 160 quilômetros. Ela es-
creveu histórias curtas, começou um romance, anotou várias
passagens de livros e descreveu o que acontecia no Anexo
Secreto durante os dois anos que passou escondida. As me-
mórias da moça de olhar terno, assim como a verve de Bloch,
são documentos de um tempo sombrio, doído, mas que preci-
sa ser iluminado para que não se repita, nunca mais. ƒ

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Distribuição 100%
GERAL ENTRETENIMENTO
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O LEGADO DO
ROCKET MAN
O leilão de peças do vestuário e da coleção
de arte de Elton John revela a vontade de mostrar
ao mundo a intimidade de um solitário,
apesar da fama FÁBIO ALTMAN
CHRISTIE’S IMAGES LTD. 2024

DESPRENDIMENTO O compositor:
“Uma decisão emotiva”, segundo o marido

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HÁ POUCAS baladas tão bonitas e de tanto sucesso quanto


Rocket Man, de 1972, de Elton John e seu parceiro, o letrista
Bernie Taupin. É obra-prima de um gênero, as canções do
tempo em que o ser humano pisou na Lua pela primeira vez
e viu a Terra do espaço. Faz parte dessa restrita galeria Spa-
ce Oddity, de David Bowie, e aqui no Brasil a linda e esque-
cida Lunik 9, de Gilberto Gil. Rocket Man — que não por
acaso virou título do filme biográfico sobre o compositor e
cantor britânico — emociona. “E acho que vai demorar mui-
to, muito tempo / até que a aterrissagem me traga de volta
para descobrirem / que não sou o homem que acham que
sou em casa”, chora o astronauta. Parece estar claro, ainda
que toda interpretação corra o risco de falhar, por leviana: é
metáfora da solidão do artista.
A solidão de Elton John, um olhar para sua intimidade,
começa a ser revelada, nua e crua, nos próximos dias em um
leilão promovido pela Christie’s de Nova York. São mais de
900 objetos, avaliados em pelo menos 10 milhões de dóla-
res, que serão vendidos a partir de 21 de fevereiro. Compu-
nham a decoração de um imenso apartamento em Atlanta,
nos Estados Unidos, com mais de 1 200 metros quadrados,
quase um museu, e que foi vendido no ano passado por 7 mi-
lhões de dólares. Há de tudo: peças de uso pessoal, sinôni-
mo de sua celebrada extravagância, e obras de arte, reflexo
do bom olho — e de muito dinheiro, claro. Chama a atenção
o par de botas plataforma prateadas, de couro finíssimo,
com as iniciais “E” e “J”, usadas nos shows dos anos 1970,

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cujo valor de largada é de 5 000 dólares. Celebra-se a oferta


do piano Yamaha, de 1992, avaliado em pelo menos 30 000
dólares, que estava na sala principal do imóvel americano.
Ali ele compunha. Não faltam os óculos de sol que se torna-
ram marca registrada. Resumo da ópera-rock: é memorabi-
lia que confirma e reconfirma o jeitão espalhafatoso, provo-
cativo e genuinamente kitsch do gênio pop.
Contudo, um passeio pela coleção artística autoriza uma
outra conclusão, dada a qualidade — e os tons mais reserva-
dos, diga-se — do que ele colecionou. Há pinturas de Andy

ÉBANO E MARFIM
O piano que estava na
sala do imenso
apartamento de Atlanta:
uma joia rara
CHRISTIE’S IMAGES LTD. 2024

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Warhol e um Banksy para


lá de clássico (o desenho de
um homem mascarado
com flores, o item mais ca-
ro, na ordem de 1,5 milhão
de dólares), colagens de
Damien Hirst e uma vasta
galeria de fotografias feitas

CHRISTIE’S IMAGES LTD. 2024


por Helmut Newton, Ro-
bert Mapplethorpe e Ri-
chard Avedon. Um retrato
em especial — o de uma FINGIMENTO A fotografia
mulher com chapéu e ren- de Irving Penn, feita em 1950:
da, registro de Irving Penn a discrição no avesso do
para uma capa da revista espalhafato de sempre
Vogue de 1950, coisa de
100 000 dólares, por baixo — ajuda a iluminar o aspecto
mais preto no branco de um artista coloridíssimo do ponto
de vista público. “Temos imenso orgulho de apresentar um
conjunto refinado de fotografias, obras de arte e figurinos
de moda”, diz Tash Perrin, responsável pelo braço da Chris-
tie’s nas Américas. “É o testemunho da visão eclética e do
talento artístico de um homem.”
O leilão, com dinheiro destinado a benemerência, é
também um canto do cisne. Depois de abandonar os pal-
cos, é pouco provável que Elton John volte a gravar em es-
túdio, com a saúde fragilizada. Fez, portanto, por meio da

4|5
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Christie’s, um testamento
em vida. É quase uma ceri-
mônia de adeus de um pe-
ríodo fundamental de sua
existência, já no tempo da
maturidade. O apartamento
de Atlanta é lugar de espe-

CHRISTIE’S IMAGES LTD. 2024


cial afeição para o composi-
tor. Foi ali, no início dos
anos 1990, que ele encon- PISADA FIRME
trou apoio e consolo para o O par de botas plataforma,
alcoolismo que o consumia com as letras do nome do
aceleradamente. Tratou-se gênio pop: lance inicial de
em um dos centros de recu- 5 000 dólares
peração mais conhecidos —
e mais caros — dos Estados Unidos, voltou a viver sóbrio e
fechou-se no lar transformado em ninho. “A oferta é um
retrato de como ele viveu e amou nos últimos trinta anos”,
afirma Darius Himes, reputado curador americano. “É co-
mo abrir a porta e espreitar dentro de seu mundo.” Com
dor, claro. “Elton nunca gostou de se separar das coisas
que comprou ou ganhou”, afirma David Furnish, marido e
empresário. “Mas sempre se chega a um estágio no qual já
não se pode apenas continuar a acumular. Foi uma decisão
emotiva.” Aos 76 anos, quis em vida contar sua história.
Da letra de Rocket Man: “É solitário lá fora, no espaço /
num voo infinito assim”. ƒ

5|5
Distribuição
GERAL ESTILO
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A HORA AMERICANA
Depois de meio século adormecida, a indústria
de relógios dos Estados Unidos busca aliar
inovação com tradição para competir com os
grandes nomes da Suíça ANDRÉ SOLLITTO

RETOMADA O novíssimo modelo Resurgence, do relojoeiro


J.N. Shapiro, de aparência antiga: 70 000 dólares a unidade

DIVULGAÇÃO/J.N. SHAPIRO

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NENHUM PAÍS domina de forma tão contundente a re-


lojoaria de luxo quanto a Suíça. É lá que são produzidas
as marcas mais caras e cobiçadas do mundo, como Ro-
lex, Patek Philippe, Audemars Piguet ou Vacheron Cons-
tantin, vistas no pulso de esportistas, ícones pop e em-
presários — e ímã de esquisitas transações de ex-presi-
dentes ao sul do Equador, é bom lembrar. Para além das
fronteiras do pequeno país europeu, apenas um punhado
de companhias afeitas a marcar as horas conquistou grau
de reconhecimento e fama semelhantes, como os france-
ses da Cartier, os alemães da A. Lange & Söhne ou os ja-
poneses da Grand Seiko. Agora, os Estados Unidos ten-
tam recuperar espaço nesse seleto grupo com criações
que buscam retomar uma antiga tradição americana, bu-
rilada na primeira metade do século XX e que se perdeu
com o tempo.
Quem está à frente desse audacioso movimento é o relo-
joeiro Josh Shapiro, responsável pela grife que leva seu no-
me, J.N. Shapiro. Fundada em 2018, a marca cresceu rapi-
damente nos últimos anos a ponto de mudar do modesto
escritório para um enorme galpão em Los Angeles. O des-
taque é o modelo Resurgence, apresentado em meados do
ano passado. Trata-se do primeiro relógio totalmente fabri-
cado nos Estados Unidos em mais de cinquenta anos. Ma-
nufaturado em ouro rosé e com movimento (o mecanismo
interno) próprio, elaborado com um padrão decorativo co-
nhecido como damaskeening, popular em relógios de pulso

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FOTOS DIVULGAÇÃO/HAMILTON INTERNATIONAL

CLÁSSICO Elvis Presley com o


modelo Ventura, da Hamilton, popular
nos anos 1960: tempo perdido

antigos, no qual se vê pela transparência a engrenagem a


rolar. É item para poucos: o preço, a partir de 70 000 dóla-
res, é equivalente ao dos primos suíços de escol.
Parece estar na hora, de fato, de a indústria americana
crescer e aparecer. Shapiro não é o único a buscar reco-
nhecimento. Há um grupo de relojoeiros que oferecem
peças exclusivas, em pequenas edições, elaboradas com

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atenção aos detalhes. A RGM, grife que leva o nome do


artesão Roland G. Murphy, lançou o Pennsylvania Tour-
billon. A Vortic tem recuperado designs antigos que re-
metem ao tempo das ferrovias do Velho Oeste. A Devon
Works, cria modelos totalmente únicos e diferentes, co-
mo o Tread1, finalista do prestigioso Grand Prix d’Hor-
logerie Genève.
O movimento dá as mãos, reafirme-se, a uma tradição
antiga. Nos anos 1850, a indústria relojoeira americana era
maior que a suíça. Pioneira, a Waltham Watch Company
criou um modelo industrial que usava peças de tamanho-
padrão, facilmente substituíveis — antes, cada relógio era
único. A mudança transformou a indústria, como a Ford
fez com os automóveis. Grifes como Hamilton e Bulova
floresceram. Na II Guerra, as fábricas foram requisitadas
para produzir armamentos, e depois do fim do conflito os
fabricantes sofreram para reacender a produção. A última
a fechar as portas nos EUA foi a Hamilton, criadora do po-
pular Ventura, usado até por Elvis Presley, em 1969.
O desafio é complexo, dada a competência suíça. Mas
há espaço, devido ao permanente interesse dos cidadãos
nos Estados Unidos por novidades e qualidade. “É uma so-
ciedade de consumo afeita a ineditismos e histórias por
trás dos produtos”, diz Andréia Meneguete, especialista
em branding e professora da pós-graduação da ESPM. Ca-
be um antigo adágio: “As horas podem ser todas iguais,
mas o jeito que você olha para elas, não”. ƒ

4|4
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LUCILIA DINIZ

A REVOLTA
DO ESTRESSE
Por que o corpo resiste no momento de descanso?

“É SÓ PARAR que tudo vem.” Quantas vezes você já ouviu,


ou disse, uma variante dessa frase? É só chegar aquela sema-
na de descanso que, com ela, chegam também uma dor aqui,
uns espirros ali, uma queda de pressão ou aquela moleza. No
fim de ano, um conhecido meu passou por isso. Na hora de
fechar as malas para viajar, febre alta. A bateria de exames às
pressas para descartar Covid e outros contágios não encon-
trou nada. Só alguns dias depois, já no destino escolhido para
o réveillon, o corpo entendeu que podia, sim, descansar.
Estimulado pelos hormônios que produz para lidar com
o estresse, o corpo não sabe como reagir quando para. A
resposta, muitas vezes, é um mal-estar súbito e, aparente-
mente, sem explicação. A ciência já estuda esse fenômeno há
alguns anos. Em 2001, um pesquisador holandês, Ad Vin-
gerhoets, já falava em “síndrome do lazer”. Mas ela se tor-
nou tão comum que, em inglês, ganhou um apelido. É o let
down effect. O nome é curioso e inteligente, porque sugere
mais de um significado — e cada um deles permite um pon-
to de vista diferente sobre a questão.

1|3
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No dicionário, o primeiro sentido de let down é decepcio-


nar. É como se, diante da mudança repentina de ritmo, o cor-
po, decepcionado, não soubesse como lidar e se queixasse:
“O que eu faço com toda a adrenalina e o cortisol que joguei
na sua corrente sanguínea para você dar conta de tudo?”. O
que o corpo faz é pedir cama. Quando um veículo em veloci-
dade máxima tem de brecar, a inércia faz com que ele conti-
nue em movimento por uns metros. E aí pode acontecer um
acidente. Da mesma forma, o corpo frenético, ao ver toda a
atividade cortada, sofre uma espécie de bug. No caso, a “frea-
da brusca” é o segundo sentido de let down: relaxamento.
Seguindo nessa metáfora, a saída pode vir do que faze-
mos quando estamos de fato dirigindo um carro: desacele-
rar antes de frear. O ideal seria não bater com ímpeto total
no portão de embarque, mas ir diminuindo o ritmo nos dias
prévios à parada total. E não só do mundo das máquinas e
engrenagens vêm os sinais. Mesmo a natureza alterna seus
ritmos; como dizem os versos de Octavio Paz, até “o sol dor-

“Se você não conseguiu


desacelerar antes de
parar, talvez o melhor
seja mesmo não parar”
2|3
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me, e a luz descansa / sobre a curva do dia”. Porém nem


sempre é possível “programar” essa desaceleração como de-
finimos, na agenda, uma parada para descansar. O mais co-
mum é fazer tudo na última semana. O que o let down suge-
re é que seria bom, além de manter alimentação, sono e
exercícios na rotina, espaçar os compromissos e reservar pe-
quenas doses de relaxamento.
Ironias da língua, o mesmo termo que descreve o proble-
ma traz embutida uma outra solução. Let down também sig-
nifica “permitir uma descida gradual”. É o avião se aproxi-
mando da pista de pouso suavemente. Portanto, se você não
conseguiu desacelerar antes de parar, talvez o melhor seja
mesmo não parar. Ao menos, não de uma vez. Nos primei-
ros dias de descanso, exercícios curtos e regulares — uma
caminhada, uma corrida de poucos minutos — podem dar
uso aos hormônios que, em excesso, sobrecarregam o siste-
ma. Exercitar a mente também ajuda, e nisso valem quebra-
cabeças, palavras cruzadas e similares. Não decepcione seu
corpo. Coloque o descanso como um objetivo, não como
uma boia de resgate. ƒ

3|3
Distribuição 100%
PRIMEIRA PESSOA
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ARQUIVO PESSOAL

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DO SERTÃO AO LOUVRE
O artista Eduardo Lima, 46 anos, fala dos preconceitos que
venceu até expor no espetacular museu de Paris

MINHA HISTÓRIA com a arte vem de longe, mas nun-


ca imaginei que um dia chegaria às paredes de um dos
museus mais conhecidos do mundo. Cresci na cidade de
Capim Grosso, a mais de 200 quilômetros de Salvador,
no sertão baiano. Meu pai trabalhava em olarias, fabri-
cando peças de cerâmica, e, enquanto as outras crianças
brincavam de pipa e pião, eu estava sempre no meio do
barro, desenhando. Aí o tempo passou, veio a realidade, e
comecei a trabalhar como frentista ao completar 18 anos.
Voltei ao desenho por uma dessas reviravoltas imprevisí-
veis: fui atropelado, me machuquei feio e fiquei de repou-
so em casa. A arte quebrava o tédio. Meus amigos iam
me visitar e elogiavam muito as telas. Aquilo me encora-
jou e comecei a vender uma obra aqui, outra ali. E o que
era hobby passou a fazer parte do meu dia a dia. Retornei

2|4
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ao batente no posto de gasolina e pessoas que eu nem co-


nhecia me procuravam para encomendar quadros. Virei
o “artista plástico frentista”.
Não foi fácil me ver como artista e, enfim, depois de dez
anos, ganhar coragem para pedir demissão do emprego, no
posto, para abraçar a carreira. Comprei um carro e, com
minha esposa, rodamos o sertão vendendo arte. Não havia
nada de romântico na escolha e logo senti o baque de não
ter estabilidade financeira. Antes, meu salário não era alto,
mas era certo que entraria todo mês. Vez ou outra, o carro
quebrava e ainda havia os custos da manutenção. Frequen-
temente, me expulsavam de espaços públicos, quando ten-
tava fazer uma venda. Sentia aquela dor da humilhação. Um
dia, o automóvel pegou fogo, perda total, e tinha de andar
de ônibus com as telas debaixo do braço. Minha mulher e
meus dois filhos não perderam a confiança no meu talento.
Eu perdi: arranjei um trabalho durante o dia, na construção
civil, e a arte ficou restrita ao turno da noite.
O reconhecimento só veio mesmo quando decidi divul-
gar meu trabalho nas redes sociais. Fechava o negócio on
-line e enviava as telas pelo correio. Foi na pandemia, sur-
preendentemente, que a coisa deslanchou. As obras chega-
ram a esgotar. Estava tão eufórico que organizei uma ex-
posição com outros pintores sertanejos, Raízes do Sertão
Nordestino, e visitei várias cidades disseminando nossa ar-
te e a cultura da região, à qual sou tão ligado. Em 2023, re-
cebi uma daquelas notícias que muda tudo. Era um e-mail

3|4
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do Louvre, local que eu tanto admirava, mas não imagina-


va conhecer nesta vida. Inacreditável: me convidaram pa-
ra exibir minhas telas em uma galeria de artistas do mun-
do inteiro. Quando pisei na França, minha trajetória até ali
passou na cabeça como um filme — as dificuldades, as hu-
milhações, tudo. Chorei muito.
Ser artista plástico exige muito mais do que se dedicar
à pintura. Acabei desenvolvendo um lado empreendedor
e, hoje, sei definir o preço de um quadro e valorizá-lo.
O Brasil ainda tem dificuldade de entender a arte como
um produto. Muitas vezes, querem que a gente faça de
graça, como se fosse brincadeira. Encontrei um caminho
artístico ao contar a história de um lugar que as pessoas
não conhecem tão bem e sobre o qual têm uma ideia cari-
cata — é como se tudo fosse seca, cactos e pobreza no ser-
tão. Até hoje me perguntam por que não pinto cenas de
sofrimento. Quero mudar essa visão negativa, ao colocar
nas telas o cotidiano, a alegria e as cores tão fortes da re-
gião. Depois do Louvre, galerias de Portugal, Espanha e
da própria França me chamaram para expor este ano, que
promete ser de agenda cheia. Mas sempre voo de volta ao
sertão. É lá que mora minha inspiração. ƒ

Depoimento dado a Duda Monteiro de Barros

4|4
Distribuição 100%
CULTURA MÚSICA
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ESTRELAS
ARTIFICIAIS
Do ABBA ao Kiss, artistas estão recriando
suas imagens digitalmente em shows
com reproduções hiper-realistas, em mais
uma revolução trazida pela tecnologia
FELIPE BRANCO CRUZ

AVATARES Show em Londres dos clones


do ABBA: viagem nostálgica lucrativa

JOHAN PERSSON/ABBA VOYAGE/DIVULGAÇÃO

1|6
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H
á um mês, quando o Kiss tocou o último acorde de
seu hit Rock and Roll All Nite no Madison Square
Garden, em Nova York, encerrando a infindável
turnê de despedida The End of the Road, havia en-
tre os fãs a sensação de que, bem, a tão alardeada
aposentadoria talvez não fosse para valer mais uma vez.
Embora os quatro integrantes, com idades entre 63 e 74
anos, já não suportem (literalmente) o peso de seus figuri-
nos, os lucros com os shows têm compensado o sacrifício de
permanecer na estrada por mais de cinco décadas.
Ao final da apresentação, veio o sinal de que, graças a
uma nova tecnologia, a banda encontrou enfim um jeito de
curtir a velhice sem parar de faturar nos palcos. Nos telões,
os quatro integrantes surgiram recriados digitalmente como
avatares com feições hiper-realistas para tocar God Gave
Rock and Roll to You. Livres do peso da idade e das limita-
ções da física, os personagens encarnados pelos músicos bo-
taram para quebrar: Starchild soltava fogos de sua guitarra,
Demon abria assustadoras asas e cuspia fogo, Catman toca-
va uma inacreditável bateria flutuante e Space Man pousava
majestoso na Terra.
Com esse gran finale, o Kiss anunciou aos fãs que se ini-
ciava ali uma nova era da banda — e um novo capítulo na
larga crônica de farsas da história do rock’n’roll. Os fãs, ao
que parece, vão engolir mais esse truque. Ele engrossa uma
tendência que ganhou tração com o avanço da inteligência
artificial: shows ultrarrealistas, nos quais artistas já idosos

2|6
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BAILLIE WALSH/ABBA VOYAGE/DIVULGAÇÃO

ORIGINAIS O quarteto veterano na vida real: sensores


captam falas e movimentos para criação de suas cópias virtuais

ou mortos são substituídos em cena por versões digitais de


fidelidade e desenvoltura assombrosas. Quase num passe de
mágica, é como se eles recobrassem o vigor de seu auge sob
a forma de projeções holográficas.
Por trás da transformação do Kiss está a empresa sueca
Pophouse — a mesma que criou no ano passado o bem-
sucedido espetáculo ABBA Voyage, com avatares (ou “ab-
batars”) do quarteto pop em suas versões mais jovens, atra-
ção de um espetáculo ao vivo numa arena com capacidade
para 3 000 pessoas no Parque Olímpico de Londres. O gru-
po, que havia acabado de lançar o primeiro disco de inéditas
em quarenta anos, queria fazer shows ou um filme sobre o

3|6
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REPRODUÇÃO

ETERNIZADOS Clones do Kiss:


“sucessores” da banda daqui em diante

novo trabalho, mas a saúde dos integrantes, com idades en-


tre 73 e 78 anos, não permitia. Com a ajuda da Industrial
Light & Magic, empresa fundada por George Lucas, vence-
dora de vários Oscars e responsável por desenvolver tecno-
logia de captação de movimentos de filmes como Star Wars
e Avatar, o quarteto teve seus movimentos registrados por
meio de sensores colocados em seus corpos. Posteriormen-
te, suas performances ao vivo foram recriadas à perfeição
nos avatares.
Não se trata, vale esclarecer, de hologramas como aque-
les de iniciativas de alguns anos atrás que reviveram ídolos
como o rapper Tupac Shakur e os cantores Roy Orbinson e

4|6
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Elvis Presley. Na época, ví-


deos dos artistas eram retra-
balhados para causar uma

POPHOUSE ENTERTAINMENT
sensação tridimensional —
um recurso rudimentar perto
dos avanços de hoje. O que se
vê no palco agora é uma cria- TECNOLOGIA Simmons
ção totalmente digital e de na gravação: até caretas e a
efeito muito próximo do real. língua recriadas iguais
A partir daí, é possível fazer virtualmente
com que eles contem piadas,
interajam entre si e até cantem músicas atuais, dando um ar
de naturalidade à apresentação. O efeito 3D é proporciona-
do por um telão posicionado no centro do palco com altíssi-
ma resolução (impressionantes 65,3 milhões de pixels, a 50
quadros por segundo). Desde a estreia, mais de 2 milhões de
ingressos foram vendidos, arrecadando cerca de 200 mi-
lhões de dólares. O show deveria ficar em cartaz até o fim
do ano passado, mas foi prorrogado indefinidamente.
Poucas bandas parecem tão aptas a aproveitar esse fi-
lão quanto o Kiss. Especialistas em explorar comercial-
mente sua marca, os roqueiros do grupo surgido em Nova
York nunca tiveram pudor em dizer que gostam de ganhar
dinheiro, vendendo desde histórias em quadrinhos até pre-
servativos. A solução dos avatares digitais se mostrou per-
feita para perpetuar o quarteto. Para a criação do show
com recursos da IA, contrataram o profissional Thierry

5|6
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Coup, responsável por atrações


dos parques da Disney e da Uni-
versal. Até a língua quilométrica e
as caretas do líder e baixista Gene
Simmons foram gravadas com o
músico em estúdio para a perfor-

FOTOS INTERNATIONAL/GETTY IMAGES


mance do avatar ser perfeita.
A evolução da tecnologia trará
não só a possibilidade de uma apo-
sentadoria mais confortável para os
artistas veteranos: será possível tur- ELE NÃO
binar os ganhos da indústria musi- MORREU? Elvis:
cal também com ídolos mortos. El- novo show previsto
vis Presley, cujos direitos de ima- para o fim do ano
gem pertencem à Authentic Brands
Group, ganhará um espetáculo semelhante em novembro,
também em Londres, criado pela empresa Layered Reality.
Ironicamente, será a primeira vez que um show dele aconte-
cerá no exterior, pois em vida Elvis jamais se apresentou fo-
ra dos Estados Unidos. A turnê viajará o mundo e, claro,
passará por Las Vegas.
A nova tecnologia, contudo, levanta um debate: a recria-
ção digital pode causar a mesma emoção? A julgar pelo AB-
BA, a resposta é sim. Quem viu garante que estar num am-
biente com pessoas que compartilham a mesma paixão fez
com que se embarque na fantasia digital. Com o empurrão
da IA, o show não vai parar. ƒ

6|6
Distribuição 100%
CULTURA PERFIL
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UM GALÃ
DE CLASSE
Como o australiano
Jacob Elordi
driblou os
percalços da fama
e o risco de ser um
eterno astro juvenil
para angariar
respeito e brilhar
em produções
como Priscilla e
o cultuado
Saltburn

NAS ALTURAS
Elordi a VEJA: “Fico
feliz que continuem me
deixando fazer filmes”

FRAZER HARRISON/GETTY IMAGES

1|3
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PARA A CINEASTA e vencedora do Oscar Emerald Fen-


nell, colocar Jacob Elordi no papel do jovem ricaço e sedu-
tor que chama a atenção no hit Saltburn foi escolha fácil:
“Você logo compreende que ninguém seria capaz de resis-
tir a essa pessoa”, disse à revista Vanity Fair. O mesmo atri-
buto conquistou outra diretora incensada, Sofia Coppola:
ela constatou que podia confiar no australiano para ser o
Elvis de Priscilla após levá-lo para tomar um café e notar
que as garotas do recinto deixaram suas conversas de lado
para encará-lo. Aos 26 anos, ele já ganhou uma linha de
velas que emulam o suposto aroma da água usada em sua
banheira e, diariamente, testemunha o compartilhamento
de milhares de imagens suas nas redes sociais. O ator de
1,96 metro se encaixa facilmente em chavões como “sex
symbol” e “estrela de cinema”. Elordi, porém, prefere a
modéstia. “Só fico feliz que continuem me deixando fazer
filmes”, disse em entrevista a VEJA.
O galã do momento nas telas despontou com a franquia
juvenil Barraca do Beijo, lançada pela Netflix em 2018. O
sucesso veio a galope, mas com uma pegadinha: assim co-
mo o americano Noah Centineo, ele corria o risco de ficar
engessado no papel de bonitinho de filmes teen. Mas teve
sabedoria (e boa assessoria, claro) para evitar a armadilha.
Impondo-se como um ator com mais a oferecer que o rosto
de menino sensível, vem brilhando nos festivais de cinema e
acaba de ser indicado ao BAFTA, prêmio máximo do Reino
Unido. Seus projetos futuros indicam que seguirá apostando

2|3
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PRIME VIDEO

ARISTOCRATA Com o colega Barry


Keoghan em Saltburn: rico e sedutor

na ousadia: estará em filmes dos cineastas Guillermo del


Toro e Paul Schrader.
Ironicamente, ele quase desistiu da carreira logo no iní-
cio, após se tornar alvo de paparazzi e de fofocas nas re-
des. Especulações, sobretudo, a respeito de seus namoros:
teve um affair com Zendaya, colega na série Euphoria, e
hoje está com a herdeira e influenciadora Olivia Jade. Va-
cinado contra os excessos da fama, Elordi prefere agora fo-
car numa vida artística sustentável e sadia: “Idolatria e re-
verência são nocivas. Mantenho tudo isso a distância”. En-
fim, um galã de classe. ƒ

Thiago Gelli

3|3
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CULTURA CINEMA
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DIAMOND FILMS

LEOA NO BANCO
DOS RÉUS
No filme Anatomia de uma Queda, uma mulher
poderosa é suspeita pela morte do marido — um
mote que subverte papéis de gênero e rende um
thriller de tribunal potente MARCELO MARTHE

1|5
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TRAGÉDIA Sandra e o filho


diante do corpo: sangue na neve

NO CHALÉ isolado nos Alpes onde vive com o marido e o


filho, Sandra Voyter recebe a visita de uma estudante de li-
teratura. A moça foi entrevistá-la por uma razão palpável:
Sandra é uma romancista e tradutora famosa — e seduz
com seu carisma, personalidade forte e ousadia ao mesclar
ficção com realidade nos livros. Acostumada aos holofo-
tes, ela está prestes a dar mais um show intelectual. Mal a
conversa se inicia, porém, vem o balde de água fria: o am-
biente é invadido por uma música insuportável, tocada em

2|5
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volume provocativo. “É meu marido trabalhando”, diz


Sandra, com olhar aborrecido. A tiete literária então vai
embora, enxotada pelo barulho. Na sequência, a escritora
sobe ao andar de cima, enquanto o filho, deficiente visual,
sai para passear na neve com seu cão. Ao retornar, a crian-
ça desaba diante da cena que dá título ao acachapante
Anatomia de uma Queda (Anatomie d’une Chute, França,
2023), que chega aos cinemas na quinta-feira 25: o corpo
de Samuel, o marido inconveniente, jaz em meio à neve e
ao sangue debaixo da janela do chalé. Os fatos sugerem as-
sassinato. A única suspeita: a própria Sandra.
Criada em conjunto com sua intérprete, a atriz alemã
Sandra Hüller (extraordinária em cada cena), a protagonista
de Anatomia de uma Queda não destoa de outras persona-
gens dos filmes da diretora francesa Justine Triet. Nos qua-
tro longas que realizou, a cineasta de 45 anos nunca pôs a
mulher em posição de fragilidade — se há tantos filmes por
aí que as mostram sendo abusadas ou mortas pelos homens,
disse em entrevista recente, ela não vê razão para seguir o
mesmo caminho. No caso da escritora julgada na cidade
francesa de Grenoble por supostamente matar o marido
com um golpe na cabeça e um empurrão janela abaixo, a
força feminina só torna o suspense mais aflitivo e de desen-
lace imprevisível perante o júri.
A fibra de Sandra Voyter introduz na trama, na verdade,
um elemento mais disruptivo: a perspectiva de um julga-
mento no qual é uma mulher em posição dominante, e não

3|5
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DIAMOND FILMS

ACUSADA A alemã Hüller como a escritora no tribunal:


inocente ou assassina?

homem, quem está no banco dos réus por um crime passio-


nal. À maneira da regente abusiva vivida por Cate Blan-
chett em Tár (2022), outro filme que dinamita lugares-co-
muns sobre feminismo e machismo, Sandra não sofre da
falta de autoestima. Questionada por que mentiu sobre de-
talhes da morte, ela admite sem remorso que o fez para não
se incriminar; acusada de roubar a ideia de um romance
que o errático Samuel (o francês Samuel Theis) abandona-
ra, frisa que transformou o argumento de poucas páginas
num romance de mais de 300. E dá de ombros, como quem
não se vê obrigada a pagar pela insegurança de um macho.

4|5
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Anatomia de uma Queda tem a subversão dos papéis de


gênero como diferencial — mas não foi só em razão disso
que Justine Triet se consagrou em 2023 como a terceira mu-
lher na história a levar a Palma de Ouro de melhor filme em
Cannes. Da figura ambígua de Sandra se extrai um thriller
de tribunal de primeira, em que cada certeza vai sendo de-
molida diante de novas revelações. Quando uma briga do
casal gravada em segredo pelo marido vem à tona, a escrito-
ra é vista como mulher gélida. Mas o áudio também eviden-
cia que Samuel era uma figura infantil e difícil. O filho Da-
niel (Milo Machado Graner), de 9 anos, é também uma in-
terrogação: seu turbilhão de sentimentos nubla a memória
sobre o dia da morte do pai.
Como única testemunha, Daniel tem o destino da mãe em
suas mãos. A Justiça tenta protegê-lo da influência de San-
dra, mas é impossível livrá-lo não só dela, como do circo da
mídia e das redes. A reação pública ao caso, aliás, é lapidar.
A exemplo de sua intérprete, a escritora é alemã e prefere se
comunicar em inglês — o que causa antipatia e tensões, já
que ela e o filho têm de falar em francês na corte (essa ironia
idiomática, dizem as más línguas, fez o filme ser preterido na
escolha do representante da França ao Oscar). Como se veria
em qualquer lugar, o peso das aparências também é imenso:
a hipótese de uma autora conhecida matar o marido é mais
sedutora, afinal, que a versão proposta pela defesa, de que o
Samuel teria se suicidado. Firme e imperscrutável, Sandra é
um enigma difícil de julgar. ƒ

5|5
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CULTURA CINEMA
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JOGO DAS
APARÊNCIAS
Ao rever o caso real da mulher mais velha que
seduziu um menino, Segredos de um Escândalo
usa do sarcasmo para expor não apenas o abuso,
mas a hipocrisia em torno dele THIAGO GELLI

RELAÇÃO PECULIAR Julianne Moore e Charles Melton


como esposa e marido: união rumorosa de professora e aluno

NETFLIX

1|4
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LOIRA, suburbana e tradicional, a professora americana


Mary Kay Letourneau chocou o mundo ao ser exposta por
trair o marido com um de seus alunos da sexta série, de me-
ros 12 anos, em 1997. Condenada a sete anos de prisão por
abuso, ela carregou duas filhas do relacionamento no cár-
cere e, quando saiu, se casou com o menino, com quem
manteve matrimônio estável até 2019, um ano antes de sua
morte. Sensacionalista por natureza, a história dominou ta-
bloides por anos e até ganhou seu próprio filme de baixo
orçamento para TV, Mais que uma Lição (2000). Passados
mais de vinte anos, porém, a espetacularização gratuita é
trocada por sátira dilacerante, sensibilidade afiada e divas
de alto nível no filme Segredos de um Escândalo, que aca-
ba de chegar aos cinemas do país após ser aclamado em
Cannes e se tornar uma das apostas para o Oscar.
Sem amarras com a história original, o longa apenas se
inspira no caso para debater não a psiquê da criminosa
real, como fazem tantas outras obras do true crime, mas
para caçoar da indústria de entretenimento e da hipocrisia
americana em relação aos bons costumes. Nele, a atriz Eli-
zabeth (Natalie Portman) viaja para a cidadezinha de Sa-
vannah, Geórgia, para estudar de perto a mulher que in-
terpretará em um filme independente: Gracie (Julianne
Moore), que passou pelas mesmas situações que Letour-
neau com o marido Joe (Charles Melton), 23 anos mais jo-
vem. Com pompa de estrela, a atriz busca pela verdade
com tanto afinco quanto cinismo, enquanto a observada

2|4
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rebate com inocência dissimulada e frieza. Chocando-se


ou em simbiose, a dupla vive um rali cênico que é prato
cheio para as oscarizadas Portman e Moore.
Realçando o cenário suburbano e a presunção de am-
bas as personagens, o diretor Todd Haynes promove uma
inversão do melodrama clássico — mesma ferramenta que
usou para destrinchar a vida doméstica em longas como
Mal do Século, Longe do Paraíso e Carol. Expoente do ci-
nema indie dos anos 1990, Haynes se tornou mestre desse
artifício logo cedo e nunca deixou de recorrer à afetação tí-
pica do melodrama para dar cores sarcásticas a seus tra-
balhos: em Segredos, essa marca está na peruca de Port-
man, na trilha emprestada de O Mensageiro (1971) e na
língua presa de Moore. Esses elementos evocam o camp,
humor baseado em exageros cujos exemplos vão da ópera
até drag queens.
A abordagem é utilizada para ridicularizar o senso de au-
toimportância da atriz — que enxerga o filme como tarefa
magnânima, apesar do asco pelo interior — e também a fe-
minilidade capciosa de Gracie, que assume o papel de espo-
sa convencional para elevar o marido ao status de homem, a
fim de disfarçar a dinâmica claramente abusiva da união.
Para atingir o potencial completo, entretanto, a comédia é
equilibrada com preocupação genuína pela gravidade da si-
tuação e pelas figuras retratadas na trama — como Joe, ho-
mem adulto cuja inteligência emocional nunca passou da
puberdade, de quem o longa jamais ri.

3|4
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Ex-astro teen da fantasiosa Riverdale, é Melton quem


mais surpreende. Contido, melancólico e manipulado por
ambas, seu personagem desvela gradualmente o segredo do
título: escândalos podem ser cartunescos e primadonas po-
dem ser chamativas, mas a verdade é mais quieta, dolorosa
e íntima que qualquer obra de ficção. ƒ

4|4
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WALCYR CARRASCO

A FORÇA DO HÁBITO
Rever nossos costumes e manias é difícil,
mas às vezes faz bem

UM AMIGO PAULISTA sempre pega a condução, desce


no seu ponto e entra à direita para chegar em casa. De fé-
rias no Rio de Janeiro, desceu do ônibus, virou à direita e,
quadras depois, foi parar numa comunidade em pleno
confronto policial. Simples: estava hospedado à esquerda,
mas a força do hábito o fez pegar o caminho errado. As
muitas escolhas que fazemos diariamente podem parecer
muito elaboradas, tomadas com bastante reflexão. Mas,
de fato, não é assim que funciona. Nossas ações são mais
baseadas no costume que em decisões racionais. Agora
mesmo realizamos vários rituais enraizados nas tradi-
ções, nos conectando com nossos ancestrais. Mas por que
damos presente de Natal, mesmo? Onde tudo isso come-
çou? Quem pulou as sete primeiras ondas? Cleópatra fa-
zia amigo secreto? O que tem a ver o nascimento de Cristo
com pinheiros cintilantes?
Em lugares diferentes, comemora-se a passagem do
ano com outros hábitos, frutos de outras histórias. O Car-
naval de Veneza é mascarado, o nosso quase pelado. Há
quem coma feijão no café da manhã; eu prefiro minhas

1|3
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belas torradas. Mas quem decidiu que a sobremesa tem de


ser após o bife? Para responder a tudo isso, a gente preci-
saria consultar historiadores.
É dificílimo mudar um comportamento arraigado. Hou-
ve um tempo em que a virgindade feminina era questão de
honra. Uma separação era inaceitável para as famílias. Sexo,
só para reprodução. Veio a pílula anticoncepcional e, com
ela, a liberdade sexual e novos hábitos surgiram. Inclusive o
de falar mal de quem tem vida sexual.
Há um livro chamado O Poder do Hábito, de Charles
Duhigg. Repórter investigativo do New York Times, ele de-
fende que a chave para o sucesso é entender como os hábi-
tos funcionam e como podemos transformá-los. Embora

“Quem decidiu que


a sobremesa tem
de ser após o bife?
É dificílimo mudar
um comportamento
arraigado”
2|3
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isoladamente pareçam ter pouca importância, com o tempo


os hábitos causam enorme impacto na nossa saúde, produ-
tividade, estabilidade financeira e felicidade. No livro en-
tendemos por que algumas pessoas têm tanta dificuldade
em mudar, enquanto outras parecem conseguir isso da noi-
te para o dia. Eu tenho um amigo que sempre comia frango,
galinha. Mudou-se para uma chácara e começou a criar as
penosas. Um dia fui visitá-lo e ele havia dado nome para ca-
da uma das aves. “Vai mal”, pensei. Não deu outra. De acor-
do com seus hábitos, não se devora quem tem nome. As ga-
linhas foram engordando, chocando ovos. Ele, inventando
nomes. A última vez que falei com ele foi antes da pande-
mia. Já tinha 52 galinhas e estava entrando no vermelho
para pagar os sacos de ração.
Eu sou um exemplo de alguém que consegue se livrar de
um hábito, palmas para mim. Fumei um charuto por noite
durante anos. Até que peguei um voo internacional. Quando
desembarquei, no dia seguinte, pensei: “Se eu parei uma noi-
te, não posso deixar de vez?”. Nunca mais fumei charutos.
Sei que não é simples assim, podia ser um vício e eu não me
livraria tão fácil. Mas entre hábito e vício há uma diferença.
O hábito é possível evitar. Com vantagens até. Pensando
bem, os charutos eram muito caros. ƒ

3|3
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CULTURA VEJA RECOMENDA
- Clube de Revistas
ELIZABETH MORRIS/NETFLIX

MADRINHA DO TRÁFICO Griselda (Sofía Vergara):


império de cocaína em um negócio controlado por homens

TELEVISÃO
GRISELDA (Estreia na quinta-feira, 25, na Netflix)
Obrigada a se deitar com seu cunhado para pagar uma dívida
do marido traficante, Griselda Blanco (Sofía Vergara) mata o
parceiro para se vingar e deixa a Colômbia na tentativa de re-
começar sua vida em Miami — entretanto, velhos hábitos são
difíceis de abandonar. Com seu charme e carisma, a colom-
biana enfrenta destemidamente os traficantes locais para
criar seu próprio império de cocaína — de fato, um dos mais
lucrativos da história — na cidade dos sonhos dos latinos nos
Estados Unidos, numa jornada regada a violência, descon-
fiança e inúmeras mortes. Baseada na vida real da mulher co-
nhecida mundialmente como Madrinha do Cartel de Medel-
lín das décadas de 1970 e 1980 e precursora de Pablo Escobar,
a minissérie narra em seis episódios como a criminosa bata-
lhou para liderar um mercado dominado por homens.

1|8
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A MORTE ENTRE OUTROS MISTÉRIOS (Disponível no Star+)


Ainda na infância, Imogene Scott (Violett Beane) sofreu
uma decepção: perdeu a mãe em uma explosão, e o detetive
que prometeu solucionar o caso foi embora sem lhe dar res-
postas. Anos depois, os dois se encontram novamente em
um navio luxuoso. Quando um dos passageiros é morto
misteriosamente, Imogene vira a principal suspeita do cri-
me e precisa trabalhar ao lado do homem que desprezou a
vida toda para descobrir o verdadeiro culpado. Instigante e
dinâmica, a trama (que já tem dois episódios disponíveis)
segue a fórmula magnética dos whodunits e convida o pú-
blico para solucionar o mistério junto com os personagens.
HULU

MISTÉRIO NO MAR Violett Beane


como Imogene Scott: na mira do crime

2|8
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DISCO
ORQUÍDEAS,
de Kali Uchis (disponível nas
plataformas de streaming)
Em seu quarto álbum, a colombiana Kali Uchis, dona da im-
pressionante marca de mais de 1 bilhão de streamings, entre-
ga uma elegante mistura de pop, jazz e R&B, firmando-se co-
mo um dos grandes nomes da música latina atual. Todas as
faixas são escritas em espanhol e soam dançantes o suficiente
para não se afastarem do pop, mas também revelam-se refi-
nadas e capazes de agradar ouvidos mais apurados. Em Te
Mata, ela se joga com galhardia no bolero. Já em Heladito,
Kali perfaz uma divertida mistura do jazz com a salsa. ƒ

3|8
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CULTURA OS MAIS VENDIDOS
- Clube de Revistas

FICÇÃO
1 a BiBlioteCa da meia-noite
Matt Haig [1 | 70#] BERTRAND BRASIL

2 é assim Que aCaBa


Colleen Hoover [2 | 122#] GALERA RECORD

3 tudo é rio
Carla Madeira [3 | 68#] RECORD

4 veritY
Colleen Hoover [4 | 85#] GALERA RECORD

5 é assim Que Começa


Colleen Hoover [6 | 60] GALERA RECORD

6 antes Que o Café esfrie


Toshikazu Kawaguchi [5 | 9#] VALENTINA

7 a revolução dos BiCHos


George Orwell [7 | 239#] VÁRIAS EDITORAS

8 a PaCiente silenCiosa
Alex Michaelides [9 | 27#] RECORD

9 a emPreGada
Freida McFadden [8 | 6#] ARQUEIRO

10 onde estão as flores?


Ilko Minev [0 | 27#] BUZZ

4|8
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NÃO FICÇÃO
1 nação doPamina
Anna Lembke [2 | 26#] VESTÍGIO

2 BoX BiBlioteCa estoiCa: Grandes mestres


Vários autores [7 | 24#] CAMELOT EDITORA

3 ráPido e devaGar
Daniel Kahneman [0 | 188#] OBJETIVA

4 Quarto de desPejo — diário de uma favelada


Carolina Maria de Jesus [5 | 59#] ÁTICA

5 saPiens: uma Breve História da Humanidade


Yuval Noah Harari [6 | 353#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

6 em BusCa de mim
Viola Davis [4 | 63#] BEST SELLER

7 o PrínCiPe
Nicolau Maquiavel [0 | 29#] VÁRIAS EDITORAS

8 PeQueno manual antirraCista


Djamila Ribeiro [0 | 128#] COMPANHIA DAS LETRAS

9 a vida não é útil


Ailton Krenak [0 | 4#] COMPANHIA DAS LETRAS

10 o diário de anne franK


Anne Frank [9 | 314#] VÁRIAS EDITORAS

5|8
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AUTOAJUDA E ESOTERISMO
1 Café Com deus Pai 2024
Júnior Rostirola [1 | 4#] VÉLOS

2 Café Com deus Pai: Porções diárias


de renovação Júnior Rostirola [2 | 42#] VIDA

3 o Homem mais riCo da BaBilônia


George S. Clason [4 | 151#] HARPERCOLLINS BRASIL

4 os seGredos da mente milionária


T. Harv Eker [3 | 445#] SEXTANTE

5 HáBitos atômiCos
James Clear [5 | 32#] ALTA BOOKS

6 Como faZer amiGos & influenCiar Pessoas


Dale Carnegie [7 | 113#] SEXTANTE

7 forte
Lisa Bevere [8 | 6#] THOMAS NELSON BRASIL

8 a PsiColoGia finanCeira
Morgan Housel [6 | 20#] HARPERCOLLINS BRASIL

9 essenCialismo
Greg McKeown [10 | 27#] SEXTANTE/GMT

10 Pai riCo, Pai PoBre


Robert Kiyosaki e Sharon Lechter [9 | 116#] ALTA BOOKS

6|8
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INFANTOJUVENIL
1 o PeQueno PrínCiPe
Antoine de Saint-Exupéry [3 | 401#] VÁRIAS EDITORAS

2 malala — a menina Que Queria ir Para a esCola


Adriana Carranca [9 | 31#] COMPANHIA DAS LETRINHAS

3 melHor do Que nos filmes


Lynn Painter [5 | 4#] INTRÍNSECA

4 BoX triloGia Caraval


Stephanie Garber [1 | 2] GUTENBERG

5 a droGa da oBediênCia
Pedro Bandeira [0 | 5#] MODERNA

6 HarrY Potter e a Pedra filosofal


J.K. Rowling [7 | 410#] ROCCO

7 divinos rivais
Rebecca Ross [2 | 2] ALT

8 o CáliCe dos deuses


Rick Riordan [6 | 7#] INTRÍNSECA

9 o ladrão de raios
Rick Riordan [4 | 40#] INTRÍNSECA

10 diário de Pilar na amaZônia


Flávia Lins e Silva [0 | 1] PEQUENA ZAHAR

7|8
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[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas
Pesquisa: Bookinfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra Bonita:
Real Peruíbe, Barueri: Travessa, Belém: Leitura, SBS, Travessia, Belo Horizonte: Disal,
Jenipapo, Leitura, Livraria da Rua, SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim:
Leitura, Blumenau: Curitiba, Brasília: Disal, Leitura, Livraria da Vila, SBS, Vozes,
Cabedelo: Leitura, Cachoeirinha: Santos, Campina Grande: Leitura, Campinas: Disal, Leitura,
Livraria da Vila, Loyola, Senhor Livreiro, Vozes, Campo Grande: Leitura, Campos do
Jordão: História sem Fim, Campos dos Goytacazes: Leitura, Canoas: Mania de Ler,
Santos, Capão da Canoa: Santos, Caruaru: Leitura, Cascavel: A Página, Colombo: A
Página, Confins: Leitura, Contagem: Leitura, Cotia: Prime, Um Livro, Criciúma: Curitiba,
Cuiabá: Vozes, Curitiba: A Página, Curitiba, Disal, Evangelizar, Livraria da Vila, SBS,
Vozes, Florianópolis: Curitiba, Catarinense, Fortaleza: Evangelizar, Leitura, Vozes, Foz
do Iguaçu: A Página, Frederico Westphalen: Vitrola, Goiânia: Leitura, Palavrear, SBS,
Governador Valadares: Leitura, Gramado: Mania de Ler, Guaíba: Santos, Guarapuava: A
Página, Guarulhos: Disal, Leitura, Livraria da Vila, SBS, Ipatinga: Leitura, Itajaí:
Curitiba, Jaú: Casa Vamos Ler, João Pessoa: Leitura, Joinville: A Página, Curitiba, Juiz de
Fora: Leitura, Vozes, Jundiaí: Leitura, Limeira: Livruz, Lins: Koinonia, Londrina: A Página,
Curitiba, Livraria da Vila, Macapá: Leitura, Maceió: Leitura, Livro Presente, Maringá:
Curitiba, Mogi das Cruzes: A Eólica Book Bar, Leitura, Natal: Leitura, Niterói: Blooks,
Palmas: Leitura, Paranaguá: A Página, Pelotas: Vanguarda, Petrópolis: Vozes, Poços de
Caldas: Livruz, Ponta Grossa: Curitiba, Porto Alegre: A Página, Cameron, Disal, Leitura,
Macun Livraria e Café, Mania de Ler, Santos, SBS, Taverna, Porto Velho: Leitura,
Recife: Disal, Leitura, SBS, Vozes, Ribeirão Preto: Disal, Livraria da Vila, Rio Claro:
Livruz, Rio de Janeiro: Blooks, Disal, Janela, Leitura, Leonardo da Vinci, Odontomedi,
SBS, Rio Grande: Vanguarda, Salvador: Disal, Escariz, LDM, Leitura, SBS, Santa Maria:
Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo André: Disal, Leitura, Santos: Loyola,
São Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano do Sul: Disal, Livraria da Vila, São João de Meriti:
Leitura, São José: A Página, Curitiba, São José do Rio Preto: Leitura, São José dos Campos:
Amo Ler, Curitiba, Leitura, São José dos Pinhais: Curitiba, São Luís: Hélio Books, Leitura,
São Paulo: A Página, B307, Círculo, Cult Café Livro Música, Curitiba, Disal, Dois
Pontos, Drummond, HiperLivros, Leitura, Livraria da Tarde, Livraria da Vila,
Loyola, Megafauna, Nobel Brooklin, Santuário, SBS, Simples, Vozes, Vida, WMF
Martins Fontes, Serra: Leitura, Sete Lagoas: Leitura, Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga:
Leitura, Taubaté: Leitura, Teresina: Leitura, Uberlândia: Leitura, SBS, Umuarama: A
Página, Vila Velha: Leitura, Vitória: Leitura, SBS, internet: A Página, Amazon,
Americanas.com, Authentic E-commerce, Boa Viagem E-commerce, Canal dos
Livros, Curitiba, Leitura, LT2 Shop, Magazine Luiza, Shoptime, Sinopsys,
Submarino, Travessa, Um Livro, Vanguarda, WMF Martins Fontes

8|8
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JOSÉ CASADO

VERÃO DE MARIELLE
O GOVERNO prevê para as próximas semanas o epílogo
das investigações sobre o assassinato da vereadora carioca
Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Será
a “elucidação definitiva”, nas palavras do ministro da Justi-
ça, Flávio Dino, ou “a resposta final”, na definição do dele-
gado Andrei Rodrigues, diretor da Polícia Federal.
O momento do anúncio é relativo na agenda governa-
mental. Pode ocorrer na próxima semana, quando Dino
deixará o ministério — ele voltará ao Senado para renun-
ciar ao mandato para assumir a cadeira de juiz no Supre-
mo Tribunal Federal na quinta-feira 22 de fevereiro. Na
contagem regressiva da polícia, pode acontecer até as
águas de março fecharem o verão.
Marielle foi morta em 2018, aos 38 anos de idade. Sua
história é incomum na paisagem de pobreza às margens da
Baía de Guanabara: trabalhou como camelô e dançarina de
funk antes de se diplomar em sociologia. Foi recrutada pelo
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no ativismo em de-
fesa das vítimas (civis e policiais) do faroeste carioca. Tinha
um ano de mandato de vereadora e um projeto de lei ruim
para os negócios imobiliários das máfias do Rio, quando foi

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fuzilada dentro do carro, com o motorista, na quarta-feira


14 de março de seis anos atrás.
A resolução “definitiva” desses assassinatos, numa noite
de lua minguante no Centro da cidade, depende de apura-
ção que vá além da contundência da trama das mortes por
encomenda e dos personagens envolvidos, alguns já presos.
A “resposta final” será verossímil, mas pouco densa, se não
iluminar os porões da política no eixo Rio-Brasília. Arrisca-
se à tibieza, se não expuser ao público as alianças palacianas
que impulsionam máfias na guerra pelo domínio territorial
de comunidades pobres, como a Maré de Marielle, relevan-
tes na logística do contrabando de drogas e armas e, tam-
bém, na exploração de serviços de construção, transporte,
gás, luz, televisão a cabo e internet.
O Rio é vitrine cosmopolita do crime organizado. Tem
peculiaridades como a cobrança de “pedágio” (500 000
reais) na instalação de canteiro de obra pública, segundo o
prefeito Eduardo Paes (PSD). Mas, na essência, “não é muito
diferente do resto do Brasil”, lembra o juiz Luís Roberto Bar-
roso, presidente do STF.
É o enclave portuário do Atlântico Sul onde mais vicejam
grupos armados sob patrocínio estatal, na simbiose do ban-
ditismo policial e gangues do narcotráfico patrocinada por
políticos beneficiários. Juntos, avançam em terreno demar-
cado pela ausência do Estado e, principalmente, em espaços
institucionais — governo, Judiciário e Legislativo. Em 2022,
por exemplo, o ex-chefe da polícia fluminense Allan Turno-

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“‘Resposta final’ só
com luz nos porões da
política Rio-Brasília”
wski tentava se eleger deputado federal pela fração bolsona-
rista do Partido Liberal, quando foi preso como agente du-
plo, acusado de servir à lei e ao crime. Não é casual que 43
políticos do estado do Rio tenham sido assassinados nas úl-
timas duas décadas. Entre eles, a repórter Julia Noia identifi-
cou 23 vereadores, como Marielle.
Na política, prevalece a cegueira deliberada. O governo fe-
deral empurra a insegurança pública para os governos esta-
duais, que devolvem com a cobrança de mais vigilância e re-
pressão nos 15 000 quilômetros de fronteira seca com dezena
de países da América do Sul. Enquanto isso o “PIB do crime” se
expande, com narcomilícias já disputando liderança entre prin-
cipais empregadoras no Sudeste, no Nordeste e na Amazônia.
Um painel sobre a engrenagem política de amparo ao cri-
me organizado está no recém-lançado Decaído, de Sérgio
Ramalho. É um passeio pela história de Adriano da Nóbre-
ga, antigo capitão do Batalhão de Operações Especiais da
Polícia Militar fluminense que se tornou milionário chefão
do “Escritório do Crime”, agência de matadores de aluguel
empreitada na execução de Marielle.

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O livro mostra como o banditismo policial cresce no fa-


roeste urbano das máfias, sob proteção dos clãs políticos.
Foi o caso de Nóbrega, “caveira” do Bope, ligado aos Bolso-
naro. Os deputados Jair e o filho Flávio, hoje senador, o aju-
daram na carreira policial, empregaram seus parentes em
gabinetes parlamentares, sem exigência de trabalho, o ho-
menagearam como “herói” em discursos e deram-lhe me-
dalha por “serviços relevantes”.
No verão de 2020, início da pandemia, Nóbrega viu-se
cercado numa fazenda baiana. Telefonou para o senador
Flávio Bolsonaro. Não foi atendido. Morreu com dois tiros
de fuzil no tórax. O senador Bolsonaro divulgou a suspeita
de que teria sido torturado e executado por ordem do gover-
no do PT na Bahia. Na Presidência da República, Jair lem-
brou o “heroísmo” do decaído. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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