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© Lucia Santaella 2018

Coleção Interrogações – Coordenação: Lucia Santaella Todos os direitos reservados.

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forem os meios empregados.

A grafia do texto foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor
no Brasil desde 2009.

Direção Editorial: Kathia Castilho e Lucia Santaella Projeto Gráfico, diagramação e produção do
ebook: Schaffer Editorial
Capa: Kalynka Cruz-Stefani Revisão: Lucia Santaella Coordenação: Lucia Santaella Conselho editorial:
Cleomar Rocha, Clotilde Perez, Dora Kaufman, Edméa Santos, Eneus Trindade, Fernando Almeida,
Fernando Andacht, Kathia Castilho, Massimo Di Felice, Rodrigo Petronio, Winfried Nöth

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


de acordo com ISBD

S231p
Santaella, Lucia

A Pós verdade é verdadeira ou falsa? [recurso eletrônico] / Lucia Santaella. - Barueri, SP : Estação das
Letras e Cores, 2018.
96 p. ; e PUB. - (Coleção Interrogações).

ISBN: 978-85-68552-79-7 (Ebook)


1. Jornalismo. 2. Fake news. 3. Pós-verdade. 4. Política. 5. Bolhas. I. Título. II. Série.

CDD 070
2018-1446 CDU 070

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410

Índice para catálogo sistemático:


1. Jornalismo 070

2. Jornalismo 070
Estação das Letras e Cores Editora Av. Real, 55 – Aldeia da Serra – Barueri 06429-200 – São Paulo – Tel:
55 11 4326 8200
www.estacaoletras.com.br
www.facebook.com/estacaodasletrasecoreseditora/
Onde cessa a solidão começa a praça pública; e
onde começa a praça pública começa também o
vozear dos grandes comediantes e o zumbido das
moscas venenosas.

(Nietzsche)
Apresentação

Não pode haver dúvida de que as tecnologias das redes digitais abriram
caminhos para a democratização do uso e consumo das mídias, mudando
sobremaneira o que, na era pré-redes, se costumava chamar de espaço público e
formação de opinião. De um número comparativamente pequeno de fontes de
informação destinadas a uma massa de receptores, hoje a multiplicação de
plataformas para redes sociais, blogs, sites e outras conveniências, permite a
qualquer um, de forma praticamente gratuita, disseminar quaisquer tipos de
conteúdo para quaisquer outros usuários que, podem, inclusive, mudar
instantaneamente seu papel de receptor para aquele de emissor em um jogo de
vai e vem ininterrupto.
Desde que a internet se tornou um ingrediente onipresente em nossas
vidas, interação e conexão passaram a assumir o papel principal em todas as
cenas. Estamos conectados à internet, ao wifi, aos motores de busca, a pessoas
em quaisquer pontos do planeta, vasculhando na web para receber e responder.
O que procuramos, o que é mostrado, que rotas seguimos, o que
compartilhamos, tudo isso recebe o nome-chave, “conexão”, funcionando
como um “abre-te Sezamo” proliferante.
Entretanto, tudo isso cobra seu preço em ambivalências, paradoxos e
contradições que vêm cada vez mais desafiando tanto os especialistas no tema,
quanto os profissionais da comunicação e mesmo os usuários mais críticos. No
momento, os desafios têm se concentrado nas questões relativas às notícias
falsas (fake news), que circulam abusivamente pela internet, e suas relações com
as bolhas, também chamadas de câmaras de eco, ou seja, o ecossistema
individual e coletivo de informação viciada na repetição de crenças
inamovíveis. Essas condições acabaram por redundar naquilo que vem sendo
chamado de “era da pós-verdade”.
De fato, nos últimos anos, especialmente depois da surpreendente vitória
de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos da América, as três
palavras – bolhas, notícias falsas e pós-verdade – entraram exaustivamente no
domínio público, em conversas, notas e matérias em jornais e revistas, posts e
compartilhamentos nas redes sociais, blogs, debates em eventos, conferências,
discussões filosóficas e pesquisas científicas. É tanta a frequência de seus
aparecimentos até o ponto de terem se tornado palavras obrigatórias. Diante de
tamanho transbordamento, poderia parecer dispensável retornar à discussão.
Contudo, o contexto da emergência desse novo domínio do discurso público, a
saber, a complexidade crescente da explosão digital – que incessantemente se
dilata, tomando conta de todas as atividades pessoais, culturais e sociais –
continua reclamando por estudos e reflexões capazes de acompanhar pari passu
o ritmo de suas metamorfoses. Dessas condições, este trabalho extrai sua
justificativa na medida em que pretende, antes de tudo, desatar analiticamente
os fios em que as bolhas, as notícias falsas e a propalada era da pós-verdade
encontram-se confusamente enroscados, para, a seguir, retomar suas
interrelações sob uma perspectiva tanto quanto possível bem fundamentada.
Capítulo 1

O que as bolhas ocultam

O que são bolhas? O nome filter bubbles (bolhas-filtro, bolhas de filtro, que
prefiro chamar de bolhas filtradas) foi cunhado pelo ativista da internet Eli
Pariser por volta de 2010 e discutido no seu livro best seller com esse mesmo
nome, em 2011, portanto, cinco anos antes dos dois acontecimentos que
chacoalharam o mundo: a eleição de Trump e o Brexit no Reino Unido.
Lembrar que Pariser escreveu seu livro bem antes desses acontecimentos é
considerar o caráter antecipatório desse livro, especialmente quando se sabe
que, dada a aceleração temporal do mundo das redes, a passagem de cinco anos
deve corresponder mais ou menos à passagem de 25 anos, antes das redes.
Nesse livro e no Ted protagonizado pelo autor que corre pela internet,
Pariser chama a atenção para o fato de que o Google personaliza o que cada
usuário obtém como resposta às suas buscas. Quando milhares de usuários
podem estar fazendo uma mesma busca ao mesmo tempo, o que pode explicar
esse aparente milagre? Ora, mais e mais, o monitor de nossos computadores é
uma espécie de espelho unilateral que reflete tão só e apenas nossos próprios
interesses, enquanto os algoritmos observam tudo o que clicamos. Essa é a
resposta de Pariser e todo o seu livro gira em torno desse estranho voyeurismo
que não serve apenas a interesses sexuais, mas, sobretudo, a interesses políticos
e mercadológicos. Em suma,

Tudo o que você gosta de ver e ouvir em serviços de streaming, quem você curte nas redes
sociais, o que você compra nas lojas online, o que você joga no seu videogame, suas
viagens, seus desejos, suas conversas por email ou mesmo no whatsapp; tudo isso está
sendo monitorado 24h pelo grande olho da rede. Essa grande máquina social invisível, fruto
da enorme personalização dos ambientes online, usa todos os dados coletados da sua vida
digital para te oferecer tudo aquilo que ela considera relevante para você. (...) O problema é
que esta personalização extrema da nossa vida conectada provoca o que alguns estudiosos
chamam de “câmaras de eco” ou “salas espelhadas”, onde tudo o que vemos e
consumimos é reflexo de nós mesmos. (MANSERA, 2015)

Uma espécie de prova de que é assim que as coisas funcionam veio com os
acontecimentos políticos de 2016. Quem havia tomado conhecimento do livro
de Pariser, estava melhor preparado para a grande surpresa do que estavam os
incautos. Além de “câmera de eco”, um termo que já costumava ser empregado
para se referir às mídias tradicionais e que foi também transferido para o
universo online, outra expressão que vem sendo usada para o fenômeno das
bolhas é “molduras ideológicas”. Ainda outro nome que também aparece é
“ciberbalcanização”, cunhada pelos pesquisadores do MIT, Van Alstyne e
Brynjolfsson. Este termo se refere à região da Europa que foi historicamente
subdividida por diferenças de linguagens, religiões e culturas. Diante disso,
desde 2016, não cessam de aparecer matérias em tom sensacionalista para
demonizar a internet:

Para cada site que você pode visitar, existem pelo menos 400 outros que não consegue
acessar. Eles existem, estão lá, mas são invisíveis. Estão presos num buraco negro digital
maior do que a própria internet. A cada vez que você interage com um amigo nas redes
sociais, vários outros são ignorados e têm as mensagens enterradas num enorme cemitério
online. E, quando você faz uma pesquisa no Google, não recebe os resultados de fato – e
sim uma versão maquiada, previamente modificada de acordo com critérios secretos. Sim,
tudo isso é verdade – e não é nenhuma grande conspiração. Acontece todos os dias sem
que você perceba. Pegue seu chapéu de Indiana Jones e vamos explorar a web perdida.
(GRAVATÁ, 2016)

Seja a personalização dos filtros promovida por algoritmos ou não, esteja o


indivíduo ciente disso ou não, o pior prejuízo para o nível pessoal,
reverberando no nível coletivo, segundo Pariser, consiste no fechamento que as
bolhas filtradas promovem contra novas ideias, assuntos e informações
importantes. No nível coletivo, os filtros são formas de manipulação que
colocam o usuário mal informado sobretudo a serviço de interesses políticos
escusos. De fato, pesquisas realizadas por fontes confiáveis confirmaram que
máquinas de buscas e mídias sociais promovem a segregação ideológica, pois o
usuário acaba por se expor quase exclusivamente a visões unilaterais dentro do
espectro político mais amplo. Quando muito arraigada devido à repetição
ininterrupta do mesmo, a unilateralidade de uma visão acaba por gerar crenças
fixas, amortecidas por hábitos inflexíveis de pensamento, que dão abrigo à
formação de seitas cegas a tudo aquilo que está fora da bolha circundante. Isso
acaba por minar qualquer discurso cívico, tornando as pessoas mais vulneráveis
a propagandas e manipulações, devido à confirmação preconceituosa de suas
crenças.
As fontes para a geração de filtros personalizados incluem a história de
buscas do usuário, o resultado de suas escolhas, sua interação com provedores
de serviços, seus interesses demonstrados por produtos e serviços. Além disso,
tudo que se posta e compartilha nas redes sociais é também engolido pelos
algoritmos de captura do perfil do usuário. Os críticos apontam para o fato de
que a viabilização dos serviços não é altruísta. Ao contrário, ela compromete a
privacidade e limita a visão de mundo do usuário, estreitando seus horizontes.
O grande problema, nesses casos, encontra-se na invisibilidade do modo
como, dentro das redes, os algoritmos funcionam. Empregados pelas poderosas
companhias de tecnologia têm seu design destinado a traçar com precisão o
perfil do usuário de modo a desenhar nitidamente a bolha a que pertencem.
Trata-se de uma questão paradoxal, que pouco tem a ver com a ideia do Big
Brother, no famoso livro de George Orwell, o grande irmão que te vigia. Nas
redes, não se trata mais de uma força superior inelutável que nos oprime e nos
cega. Os algoritmos são baseados nas próprias escolhas que fazemos, desenham
as predileções de que damos notícia nas redes. Portanto, não é mais uma mera
questão de apenas demonizar o poder das redes, pois elas não fazem outra coisa
a não ser nos devolver o retrato de nossas mentes, desejos e crenças.
As bolhas, portanto, são constituídas por pessoas que possuem a mesma
visão de mundo, valores similares e o senso de humor em idêntica sintonia.
Isso se constitui em um ambiente ideal para a proliferação de memes e de
trolagem, esta última uma espécie de trote que visa levar as pessoas a tomarem
a sério uma brincadeira enganadora até o ponto de se sentirem lesadas, quando
se comprova a funcionalidade da trolagem. Esses tipos de humor com
propósito de enganar são peças fáceis para se tornarem virais, especialmente
porque empregam como coadjuvantes imagens, legendas e chamadas
sensacionalistas.

Como opera a homofilia

Segundo Nikolov et al. (2015), a personalização dos filtros, tenha ela uma
base algorítmica ou social, ou uma combinação de ambos, seja ela utilizada de
modo deliberado ou não, apresenta tendenciosidades que afetam
significativamente o acesso à informação, na medida em que conduzem o
usuário a pontos de vista estreitos que impedem a exposição a ideias contrárias
aos seus preconceitos. Cria-se assim um solo fértil para a polarização e as
opiniões mal informadas (NYHAN; REIFLER, 2010). O problema se torna
ainda mais preocupante porque tais posições tendem a se tornar, com a
passagem do tempo, cada vez mais radicais (SALGADO, 2018). Esse tipo de
exposição seletiva, em que as escolhas são tanto explícitas quanto implícitas, é
alimentado pelas tendências homofílicas que fazem parte do funcionamento do
psiquismo humano e que foram sintetizadas em uma canção de Caetano
Velozo: “É que Narciso acha feio o que não é espelho/E à mente apavora o que
ainda não é mesmo velho”.
Em 2017, o programa Future Now da BBC promoveu uma enquete junto
a especialistas no mundo da ciência, filosofia e tecnologia, para obter respostas
sobre os desafios mais cruciais a serem enfrentados dessa data para o futuro1.
Em resposta ao item específico sobre o “Futuro da internet, mídia e
democracia”, Victoria Rubin apontou para o fato de que a psicologia humana é
o grande obstáculo para a obtenção de informações confiáveis, devido à falta de
vontade de buscar fatos e histórias que estão em desacordo com os pontos de
vista que as pessoas obstinadamente adotam.
Conforme Perosa (2017), “o poder da crença – em uma ideia, religião,
afinidade política e afins” já existia antes da internet. E não há argumentação
racional que possa suplantá-la. Trata-se daquilo que os psicólogos cognitivos
chamam de “viés da confirmação”, ou seja, “quando alguém é confrontado por
informações que contrariam sua visão de mundo, as chances de que aceitará o
novo dado como um fato, mudará sua opinião, ou questionará o próprio
sistema de crenças são um tanto baixas”. Isto porque aceitar as informações que
confirmam as nossas crenças fala mais alto do que “rejeitar aquelas que as
contradizem”.
A mente funciona por reconhecimento de padrões, sendo atraída por
padrões já conhecidos em detrimento dos desconhecidos. Justo por isso, gasta-
se muito menos esforço e energia mental diante da mesmidade do que diante
da alteridade, uma vez que esta última nos obriga a romper hábitos e criar
novos hábitos de pensamento. C. S. Peirce (CP 5.398) nos ensinou que hábitos
de pensamento funcionam como disposições e guias para a ação. Portanto,
mudar hábitos de pensamento implica mudança nos modos de agir. Essa
trajetória também ajuda a explicar porque evitamos novas informações que não
se alinham com aquilo que cremos ser verdade, pois isso nos desobriga de
pensar diferente, sentir diferente e, consequentemente, agir diferente.
Diante disso, é plausível a hipótese de que, mesmo que os algoritmos
fossem eliminados (o que é impossível), as pessoas ainda tenderiam a criar suas
próprias bolhas de filtro como garantia de aproximação de pessoas que
funcionam como espelhos de suas crenças, o que só fortalece as crenças na
medida em que o espelho cumpre a função de devolver as mesmas crenças de
modo redobrado, e assim progressivamente.

Distinções entre redes sociais e motores de busca

Para averiguar sobre o efetivo funcionamento das bolhas, Nikolov et al.


(2015) realizaram uma cuidadosa pesquisa quantitativa utilizando a
metodologia de mineração de uma enorme quantidade de dados relativos a
cliques na web. A proposta era verificar a relação entre a diversidade de fontes
de informação oferecida aos usuários tanto no nível individual quanto coletivo
e as buscas no Twitter. O método utilizou, como primeiro passo, uma enorme
coleção de cliques na rede, mais dois conjuntos de dados suplementares de
links compartilhados no Twitter e na AOL. Esses dados foram tratados com
algoritmos de mineração. Para medir a diversidade de exposições no contexto
das notícias, foi criado um conjunto de dados separado apenas para os cliques
em notícias. O método envolveu também o tratamento dos dados pela via do
conceito de entropia, cuja complexidade não cabe aqui descrever. O que
importa é colocar ênfase nas conclusões a que a pesquisa chegou.
Antes de tudo, foi evidenciado que a diversidade de informações alcançada
por meio das mídias sociais é mais baixa do que aquela que se obtém através de
uma base de buscas. Assim, há menos probabilidade para a diversidade das
fontes de informação nas mídias sociais do que nos motores de busca. À
medida que cresce o papel das mídias sociais na difusão de informações, há
também um perigo crescente de reforço das bolhas de filtro. Isso se repete no
caso do tráfico de notícias.
Portanto, pessoas que procuram notícias e informações nas mídias sociais
têm mais risco de cair na armadilha das bolhas coletivas do que aquelas que
usam os motores de busca. Essa diferença também evidencia um crescimento
das bolhas coletivas compartilhadas por indivíduos com a mesma forma
mental. Dada a importância do consumo de notícias para o desenvolvimento
do discurso cívico, essa evidência é especialmente relevante para a hipótese da
influência das bolhas no fortalecimento de preconceitos.
Evidentemente, tais resultados não podem levar a uma concepção
idealizada dos motores de busca. Embora não se possa negar que eles provocam
um certo efeito democratizante para as escolhas de informação, de outro lado,
os sinais de classificação dos algoritmos são baseados na popularidade e guiados
para fins mercadológicos. Por exemplo, a maior fonte de fundos do YouTube
vem da publicidade. Portanto, mesmo que os algoritmos de busca não
favoreçam a formação de bolhas, na mesma proporção com que os
compartilhamentos em rede o fazem, o problema aí apenas muda de figura.
Além disso, por não terem o hábito de checar a precisão do conteúdo daquilo
que recebem, os usuários tendem a crer que os motores de busca só ofertam
informações imparciais.
Outros lados da questão

Contudo, contra os perigos de um mero negativismo apressado e


apocalíptico, é preciso considerar que pesquisas também têm chegado a
conclusões relativizadoras, revelando que muitos consumidores podem também
usar os filtros para expandir seu gosto, por exemplo, por músicas ou livros.
Além disso, sabe-se que o Google permite que o usuário feche os atributos de
personificação, caso queira, por meio do apagamento do arquivo de sua
história de buscas e pela não permissão de que o Google possa se lembrar de
suas tags de buscas e links visitados no futuro. Muito depende, portanto, da
aprendizagem do usuário quanto aos prejuízos que advêm e aos benefícios que
pode obter. Isso é conquistado pelo esforço consciente de avaliar a que tipo de
informação está se expondo e de pensar criticamente se há engajamento em um
campo ampliado de conteúdos. Entretanto, isso envolve, evidentemente, que o
usuário tenha tido uma formação educacional segura que o habilite a colocar
seus preconceitos à prova, conforme será mais detalhadamente discutido mais à
frente.
É preciso também tomar conhecimento da existência de sites na internet,
tais como, apenas para exemplificar, allsides.com e hifromtheotherside.com que
oferecem ao usuário distintas perspectivas sobre um mesmo assunto, muitas
delas contraditórias em relação às suas crenças. Existem também apps de
notícias, como Read Across the Aisle, que revelam se o leitor está exposto ou não
a múltiplas perspectivas, inclusive ao permitir que sejam conhecidos os links
que estão ocultos em sua timeline.
Em síntese: o que parece ser necessário, entre outros fatores, é compreender
que estamos diante de uma transformação profunda nos modos como as
informações são produzidas, recebidas e reproduzidas. Sem isso, pode-se cair
em visões catastrofistas que, muitas vezes, advêm de uma percepção
inadvertidamente conservadora preenchida de expectativas de que a
informação se comporte exatamente de acordo com seus modos de produção
pré-internet. Conforme Di Felice (2018) nos alerta, no universo digital, não se
trata mais apenas das mudanças na estrutura e na quantidade de informação,
mas na própria cultura da informação, cujas experiências são qualitativamente
distintas daquelas que eram próprias da época dos small data. Agora o oceano
de dados dos milhões de informações emitidas por pessoas, coisas, robôs e
dispositivos não podem mais ser gerenciadas por humanos, mas sim por
algoritmos, softwares e inteligência artificial.
Isso não significa negar que estamos agora vivendo em bolhas filtradas, nas
quais impera a homofilia. Esta leva à aceitação automática apenas daquilo que
funciona como espelho de nós mesmos o que produz a impressão equivocada,
tida como legítima, de que nossas ideias são as corretas e aquelas que
predominam. Embora haja uma tendência do ser humano para buscar e
escolher aquilo que mais sintoniza com suas crenças, desde a era da cultura de
massas, cujo império hegemônico dominou até os anos 1970, passamos a sofrer
os impactos de uma mudança de escala no acesso à informação. Essas
mudanças estão se intensificando crescentemente em meio à avalanche
ininterrupta de informação que recebemos nesta era digital.
Diante disso, o outro lado da moeda também deve ser considerado. Quer
dizer, a formação de bolhas não depende apenas de escolhas, mas são também
formas de filtragem que, inclusive, de um lado, neutralizam a ansiedade que o
excesso informacional tende a provocar, de outro, também ajudam a
administrar as invasões à privacidade. O problema é que estamos em meio a
contradições irresolvíveis, pois, ao mesmo tempo que as bolhas tendem a
diminuir as instabilidades provocados pelo acúmulo de informação, quanto
mais impermeáveis elas se tornam, tanto mais agenciam a proliferação de
paisagens falsas que provocam efeitos sensíveis na vida real, especialmente na
política, campo sobre o qual recaem as maiores preocupações acerca das fake
news (notícias falsas), como será discutido no próximo capítulo. Isso se torna
ainda mais preocupante diante de pesquisas reveladoras de que, nos domínios
que estão fora do discurso político, há menos evidências de interferências das
bolhas. Sistemas de recomendação, por exemplo, apresentam mais diversidade
de efeitos sobre as compras do usuário (HOSANAGER et al., 2013), uma
diversidade que não se repete quando se trata de conteúdo político. Isso
relativiza a crença de que a lógica do mercado seja aquela que ocupa o papel de
antagonista principal ao uso saudável das redes.
O que fazer para furar as bolhas

Um dos maiores problemas relativos às bolhas consiste em que a grande


maioria dos usuários das redes não tem a menor ideia acerca de como as
mídias, especialmente as mídias digitais, funcionam. Adquirem os dispositivos,
instalam os aplicativos de seu interesse, fazem uso dos benefícios que lhes são
oferecidos sem qualquer preocupação com as perdas que sofrem e os riscos que
correm. Os recursos são utilizados em horizontes aparentemente abertos, no
desconhecimento de que esses horizontes estão se configurando em bolhas cada
vez mais impermeáveis. É preciso furar essas bolhas. Mas que caminhos são
oferecidos para isso?
Muitos têm chamado atenção para a necessidade política de formatos
regulatórios para as mídias digitais. Sem dúvida, regulamentos independentes e
imparciais são bem-vindos, todavia, as mídias digitais se constituem em um
campo extremamente amplo e intricado. Nele, nem tudo pode ser submetido a
fronteiras regulatórias, além de que fica difícil manter o passo com a velocidade
das mudanças que ininterruptamente se processam na paisagem midiática
(CHAPMAN, 2017). Como remediar esse problema?
Tem sido bastante citado pelos especialistas, o livro Net Smart: How to
rive Online (Net inteligente: como prosperar online), de um dos mais
conhecidos gurus do universo digital, Howard Rheingold (2012). A partir da
longa e larga experiência do autor com o funcionamento, especialmente social,
das redes, o livro está recheado de indicações de caminhos na direção de um
uso inteligente, humano e razoável desse meio complexo. Para isso, o primeiro
passo é abandonar a posição de receptores passivos. Neste ponto, é
fundamental a diferença que se estabelece entre a interatividade meramente
reativa e a interatividade participativa (PRIMO, 2000). Esta implica pensar
sobre o que estamos fazendo, quais são nossos objetivos, que contribuições essa
atividade pode trazer. Para isso, não é preciso transformar o uso das redes em
uma atividade sisuda. São muitas as possibilidades que a internet oferece,
inclusive a do entretenimento prazeroso que não precisa ser abandonado. O
importante é ter algum tipo de controle sobre a distração alienada e sobre o
desenvolvimento de hábitos saudáveis. Segundo Rheingold, saudável é aquilo
que conduz ao crescimento da confiança, da colaboração e da inteligência por
meio das redes. Isso envolve dois tipos de competência, tanto a competência
técnica para o uso das ferramentas disponíveis quanto a competência para a
interação e o engajamento social.
Dentro no mesmo espírito foi também lançado no Brasil o livro Como sair
das bolhas (FERRARI, 2018), com sinalizações dos caminhos e dos meios
disponíveis para furar as bolhas e delas escapar para desdobrar pontos de vista
e, sobretudo, responsabilizar-se por aquilo em que se crê (SANTAELLA,
2018a). Existe nas redes um grande número de publicações com
aconselhamentos de modos profícuos para furar as bolhas. Schreder (2018) nos
apresenta três: (a) conheça seus vizinhos nas redes; (b) mantenha uma dieta
midiática equilibrada; (c) navegue pelo feed de outras pessoas. Um site2
dedicado ao tema avança para cinco modos, enquanto Seiter (2017) vai ainda
além, ao apresentar doze modos cujo conteúdo está mais voltado para
combater preconceitos contra a diversidade racial.
Aconselhamentos são sempre promissores diante das preocupações
especialmente junto aos educadores relativas aos efeitos que o mau uso das
redes tem provocado. Sem dúvida é esse o campo, o da educação, no qual é
cabível depositar esperanças. O nome que se dá a isso é educação para as
mídias e nas mídias, um conceito dinâmico que envolve a busca de
procedimentos adequados para os desafios tecnológicos, sociais, culturais e
políticos que se apresentam e que não podem ser enfrentados com promessas
mágicas e ingênuas.

As pessoas formam opiniões e crenças por razões complexas e melhor equipar os cidadãos
com habilidades cognitivas para analisar conteúdos e contextos não significa que eles o
farão em todos os momentos ou que razões cognitivas podem vencer fatores morais e
socio-emocionais. Portanto, auxiliar as pessoas a desenvolver uma formação crítica para as
mídias não deve ser uma panaceia contra todas as doenças digitais, mas deve ser a
primeira defesa. (CHAPMAN, 2017)

Tal defesa só funciona por meio de pesquisa confiável, recursos e


experiências a serem compartilhados e reusados. Os projetos devem ser
escalonados e readaptados de acordo com a diversidade de cada situação. Ainda
de acordo com Chapman (ibid.), há uma década, supunha-se que as crianças
deveriam ficar a salvo, protegidas da internet. Hoje, ao contrário, o caminho é
tornar as crianças resilientes e empoderadas com as habilidades, o
conhecimento e o suporte que as auxiliarão a navegar tão seguramente quanto
possível. Essa é a tarefa da educação para e nas redes. Uma tarefa que exige
aprendizado contínuo, envolvendo mudança de hábitos estabelecidos e a reação
rápida a problemas à medida que emergem.
De acordo com Boyd (2017), saber em quais fontes confiar é um princípio
básico da educação midiática. Encorajar os estudantes a buscar as fontes de
informação de qualidade significa encorajá-los a pesquisar criticamente quem
está publicando o conteúdo, se é respeitado e quais poderiam porventura ser
suas parcialidades. Para a autora (ibid.) é preciso tornar as pessoas capazes de
prestar atenção às diferentes perspectivas que se apresentam e buscar sentido
em uma paisagem informacional complicada, muitas vezes, esmagadora. Para
que isso possa ser atingido, não adianta retornar aos padrões educacionais
herdados da tradição, pois todo o contexto social está passando por uma
virada.
Durante algum tempo também se acreditou que a educação para e nas
mídias deveria estar sob a responsabilidade de setores estritamente educativos.
Isso mudou drasticamente, pois o maior papel cabe agora à sociedade civil, por
meio do engajamento de um número cada vez maior de setores, projetos e
participantes. É por isso também que não basta considerar os intermediários da
informação, seja nas mídias tradicionais ou nas novas mídias, como os únicos
responsáveis pelos problemas. Ao contrário, é uma tarefa coletiva, nada fácil,
que reclama por ações criativas como antídotos à propaganda enganadora, às
falas de ódio, aos conteúdos preconceituosos e às notícias falsas.
O que tem de ser evitado são as variações que vão do pessimismo
catastrofista, passam pelos medos infundados até chegar ao outro extremo de
um otimismo cego. É preciso compreender como as mídias funcionam, como
estão alicerçadas em modelos de negócio totalmente distintos dos tradicionais.
É preciso se dar conta da maneira pela qual os dados são coletados e utilizados.
Sem isso, não pode haver escolha bem informada sobre conteúdos consumidos
e compartilhados, em quaisquer dos ambientes em que o usuário se encontrar,
seja ele um site de vendas, seja de notícias, de mídia social ou de busca.
A formação educacional para e nas redes é, assim, a chave para o
desenvolvimento de habilidades que tornam o usuário confiante na tarefa de
interrogar sobre a precisão de uma informação e desafiar representações
injustas, visões extremistas, violências simbólicas e brincadeiras ofensivas.
Sobretudo, merece ser considerado que a educação para e nas mídias deve estar
inserida em ambientes de formação educacional no seu sentido mais amplo,
aquela que é capaz de desenvolver a sutileza da sensibilidade, a arte do cuidado
com a alteridade e a ética da curiosidade em relação às complexidades psíquicas
e sociais que nos constituem como humanos.
Capítulo 2

A propagação de notícias falsas

Notícias falsas costumam ser definidas como notícias, estórias, boatos,


fofocas ou rumores que são deliberadamente criados para ludibriar ou fornecer
informações enganadoras. Elas visam influenciar as crenças das pessoas,
manipulá-las politicamente ou causar confusões em prol de interesses escusos.
Muitos comentadores têm chamado atenção para o fato de que a falsidade
das notícias não é um fenômeno inteiramente novo, pois já existia no tempo
dos gregos (MORGAN, 2018) e, mais recentemente, desde que o tema entrou
em pauta, não têm faltado artigos sobre o histórico das notícias falsas através
do tempo (MALIK, 2017, ver também VICTOR, 2017; HARARI, 2018),
inclusive um artigo oportuno com a indicação de livros cuja leitura é
substancial para a verificação bem fundamentada de que notícias falsas sempre
existiram sobretudo em momentos históricos cruciais (MILLER, 2017).
De fato, se a expressão significar a criação de informação falsa movida pelo
propósito de enganar, o conceito está longe de ser novo. Basta pensar na longa
história dos tabloides, das fofocas acerca da vida das celebridades, das táticas de
estilo das revistas para fisgar seu público. Sabe-se também como as estratégias
de sedução e persuasão da publicidade sempre funcionaram. Em quaisquer dos
casos, são mensagens de forte apelo visual, cujas chamadas são tão
inacreditáveis que se tornam irresistíveis. Nas redes, esses mesmos princípios
continuam presentes.
Embora estratégias de enganação não sejam emergências recentes,
resultantes dos efeitos pretensamente maléficos da internet e suas redes de
dispositivos, mídias, plataformas, cair no engodo, no extremo oposto, de que
nada é novo sob os céus da internet é sempre contraproducente para se
entender o que está realmente acontecendo.

O que é novo

O que difere agora é o modo como as notícias são produzidas,


disseminadas e interpretadas. Tradicionalmente, na era hegemônica da
comunicação de massas, as notícias eram fabricadas em fontes restritas,
relativamente confiáveis na medida em que deveriam seguir práticas baseadas
em códigos estritos de deontologia, ou seja, o conjunto de deveres, princípios e
normas adotadas por um determinado grupo profissional, nesse caso, a
profissão de jornalista. A partir da emergência da internet, da cultura digital e
das redes sociais, surgiram novos modos de publicar, compartilhar e consumir
informação e notícias que são pouco submetidos a regulações ou padrões
editoriais.
A internet e as redes sociais instauraram uma lógica inédita imensamente
facilitadora para a publicação e o compartilhamento. Tal lógica atingiu seu pico
a partir das mídias móveis que permitem a publicação e interação de qualquer
ponto do espaço, no momento em que se desejar. Qualquer pessoa pode abrir
um site, um blog ou um perfil em quaisquer plataformas que quiser. As mídias
não são mais consumidas à maneira que foi consolidada pelas mídias massivas,
hoje chamadas de mídias convencionais. O verbo, a imagem e o som, quase
sempre juntos, são agora criados, compartilhados, aceitos, comentados ou
atacados e defendidos de numerosas maneiras, em diversas plataformas, por
milhões de pessoas.
As notícias procedem das mais variadas e múltiplas fontes e, muitas vezes
por falta de compreensão dos modos pelos quais as redes funcionam, ou por
confusão diante do acúmulo de informações, torna-se mais difícil saber se as
estórias ou as notícias são confiáveis ou não. Uma vez que compartilhar é uma
das regras ou um dos apelos do funcionamento das redes sociais, geram-se aí as
condições para a disseminação de falsas notícias e de boatos. Por isso, costuma-
se dizer que as mídias sociais favorecem a fofoca, a novidade pela novidade, a
velocidade da ação impensada e do compartilhamento leviano. A autoridade e
a habilidade para publicar agora passam de mão em mão. Links do Facebook e
do Twitter se parecem uns aos outros, pois não são aquilatados com valoração
diferenciada. Não há regras para a aceitabilidade do que se pensa e se fala
quando as normas desvanecem. Foram erodidos os princípios daquilo que uma
conversação deve ser.
Inteiramente novo, portanto, é o modo inédito de operar e a grande
mudança de escala propiciada pelo poder de difusão do computador habilitado
pelas plataformas de redes sociais. As redes operam de acordo com a lógica dos
caça-cliques (clickbaits) em que o conteúdo online é valorizado pelo volume de
tráfico de um post ou de um site. Assim, pouco importa se a mensagem é falsa e
mentirosa, sua onipresença acaba por causar impacto, pois basta uma olhadela
para ser capturado por sua insistência. O usuário compartilha sem nem mesmo
ler o conteúdo, só passando os olhos na chamada e na imagem, cujo poder de
atração as colocam no foco central da atenção. Além disso, são mensagens que
buscam intensificar a reação emocional do receptor, provocando um efeito que
deve ir bem além do simples “curtir”. Esse é o poder de engajamento de que o
sensacionalismo está alimentado, ou seja, o poder que advém da exploração de
sensibilidades ingênuas e intempestivas. O sensacional atrai o clique que atrai
mais compartilhamentos. Quanto mais tráfico houver, tanto maior será a
difusão do engano cujo modo de propagação é regido, sobretudo, pelo apelo
emocional não filtrado pela razoabilidade do bom senso.
A bem da verdade, a imprensa em geral sempre teve e continua tendo um
pendor para o sensacionalismo. O consumo de notícias, seja no jornal, na TV
aberta ou fechada, no rádio e agora no smartphone é incentivado pelas más
notícias. Quanto mais trágica tanto melhor. Na moderna economia da atenção,
essa tendência se intensificou. Segundo Hervey (2017), más notícias são as
únicas notícias porque elas são viciantes. O que é bom fica invisível, pois não se
constitui em informação vendável. Nem é preciso recorrer a Freud ou a Bataille
para buscar explicações mais complexas sobre o papel do inconsciente na vida
psíquica. Os fatos falam por si. Portanto, a irresistível atração que o
sensacionalismo exerce sobre as emoções humanas está longe de ser uma
invenção da internet, embora esta tenha levado isso ao extremo, com a adição
agora da dificuldade de se diferenciar o trágico factual do trágico fantasiado.

As variações das Notícias Falsas (NFs)

Vivemos em um mundo no qual a desconfiança e a desinformação estão


criando um ambiente perfeito para a proliferação de Fake News (Notícias Falsas
– NFs), motivada por interesses que visam manipular atitudes, opiniões e
ações. Quando a confusão e a falta de confiança nas fontes se instalam, as
portas ficam abertas para que a desinformação tome o comando. Todas as
espécies de conteúdos duvidosos e mesmo perigosos se propagam longe do
controle das formas de escrutínio tradicionais. “As mídias digitais fornecem o
material de base (os dados) e as infraestruturas (mídias sociais), enquanto a
analítica (analytics) dos dados está evoluindo para o mais preciso mecanismo de
alvo que jamais foi visto” (CHAPMAN, 2017).
Ainda de acordo com a autora, as NFs, que atualmente se propagam pela
internet, apresentam três traços caracterizadores: desinformação, desconfiança e
manipulação. Elas são criadas para influenciar a visão que as pessoas têm dos
fatos, para causar confusão desinteressada ou interessada ou para alimentar um
programa político. Entretanto, o campo das notícias falsas não é tão redondo
quanto se costuma postular. Ele é diversificado e fuzzy (difuso). Existe um
conjunto de problemas: (a) conteúdo político que é deliberadamente falso; (b)
mensagens que são muito enganadoras, mas não necessariamente falsas; (c)
memes que não são nem verdadeiros nem falsos, porém capazes de produzir
uma impressão negativa ou incorreta. Muitos conteúdos não apresentam
relação factual que possa ser verificada, por exemplo, quando a opinião é
mascarada como fato. Há níveis diferenciados de malignidade. Por isso, é
conveniente diferenciar com mais precisão as árvores da floresta, como se
segue.
Menos prejudiciais são as notícias paródicas produzidas para provocar o
riso do entretenimento fácil. Rir é sempre bom, certamente, basta ver o caso
dos memes no Brasil, uma criação popular crivada de imaginação visual. O
problema aparece quando escorregam para o preconceito ou para a mentira.
Nesse caso, o riso sadio se converte em riso cúmplice. Além disso, há tipos de
paródia que, por não serem compreendidas como tal, podem produzir efeitos
indesejáveis. Um bom exemplo é o site O Sensacionalista que tem como slogan
“um jornal isento de verdade”. Esse site produz notícias falsas deliberadamente
com a finalidade de criticar, por meio do humor satírico, assuntos
internacionais e nacionais. Entretanto, usuários desatentos acabam acreditando
no que leem o que provoca o efeito invertido da crítica para a crença em uma
mentira.
Existem também os chamados caça-cliques, iscas de cliques, histórias com
chamadas e imagens sensacionalistas fabricadas especificamente para capturar a
atenção do usuário na direção de sites propagandísticos com finalidades
consumistas. Muitas vezes, esse tipo de conteúdo não é preciso e até mesmo
pode conter inverdades.
Outro caso é aquele das notícias híbridas, quer dizer, matérias muitas vezes
corretas, mas atrapalhadas pela falsidade sensacionalista das chamadas. É
bastante conhecida a força que os títulos e as imagens têm para fisgar a atenção
dos usuários das redes. Não é senão ao poder das imagens que se deve o
enorme sucesso do Instagram. No caso dos títulos, quanto mais sensacional ele
for, mais atração produzirá. Portanto, mesmo um jornalismo que se pretende
confiável pode cair na armadilha da falsificação.
Há ainda o caso de jornalismo online apressado e mal fundamentado que
sofre da publicação de histórias não confiáveis, aquelas que não passaram pela
necessária verificação dos fatos. Muitas vezes isso resulta da competição injusta,
no sentido do ineditismo da notícia, entre um jornalismo que se quer
respeitável e as notícias levianas, mal fundamentadas que ganham as redes com
uma velocidade ímpar.
Em sua dissertação de mestrado, Reule (2008 apud AQUINO
BITTENCOURT e BECKER ALEXANDRE, 2018) apresentou uma
discussão avant la lettre sobre o funcionamento dos rumores, antes que eles
tivessem se tornado uma grande preocupação devido ao seu poder proliferante
que hoje fere os princípios da civilidade. Segundo a autora, os rumores nascem
de uma informação não confirmada e que pode causar problemas graves
quando sua falsidade se revela.
Há ainda o exemplo das mensagens que são construídas com algum
engenho para confirmar parcialidades e preconceitos. Seu alvo é sempre
dirigido àqueles que se regozijam no conforto da rigidez de seus modos de
pensar e sentir, como garantias para maneiras de agir imutáveis.
O tipo mais prejudicial nesse elenco falsificador encontra-se nas
propagandas intencionalmente enganadoras com a finalidade de promover
pontos de vista tendenciosos, quase sempre para alimentar causas e programas
políticos. De fato, a área mais afetada pelas NFs é inegavelmente a da política,
justamente esse campo de atuação e decisão de que dependem os destinos da
democracia nesta era do pós-digital. A democracia implica que as pessoas
estejam devidamente informadas sobre temas candentes de modo a serem
capazes de debater e tomar decisões.
Dentro da mesma linha de busca diferenciadora, Claire Wandle (apud
MERELES, 2017), apresentou sete tipos de notícias falsas que devemos
identificar nas redes: (a) sátira ou paródia que, embora não tenha intenção de
causar mal, tem potencial para enganar; (b) conteúdo enganoso utilizado
contra um assunto ou pessoa; (c) falso contexto quando um conteúdo genuíno
é inserido em um contexto falso; (d) conteúdo impostor quando é colocado na
boca de fontes pessoais ou coletivas informações que não são suas; (e) conteúdo
manipulado em que uma informação verdadeira é manipulada para enganar o
público; (f ) conteúdo fabricado inteiramente falso construído com o intuito de
desinformar e causar dano.
A partir de ponderações bastante lúcidas sobre os usos e abusos a que a
expressão fake news vem sendo submetida, Frias Filho (2018, p. 43) concluiu
que essa expressão deveria ser compreendida como “toda informação que,
sendo de modo comprovável falsa, seja capaz de prejudicar terceiros e tenha
sido forjada e/ou posta em circulação por negligência ou má-fé, neste caso com
vistas ao lucro fácil ou à manipulação política.” O autor completa com o apelo
à prudência que exige “tudo indicar, isolar a prática, diferenciando-a da mera
expressão de pontos de vista falsos ou errôneos, assim como do entrechoque de
visões extremadas. Cabe também discernir entre a divulgação ocasional de
notícias falsas e sua emissão reiterada, sistemática, a fim de configurar a má-fé”
(ibid.).
O que se pode inferir das discussões levadas a cabo sobre o tema é que a
falsidade funciona em toda a sua potência propagadora porque as pessoas
tendem irrefreavelmente a se recolher dentro das bolhas de seus preconceitos.
Tornam-se, assim, presas fáceis de interesses dos quais não conseguem se dar
conta. Por estarem retidas dentro de suas próprias cavernas platônicas tornam-
se incapazes de furar o bolsão de suas crenças fixas para enxergar algumas
clareiras fora delas. Portanto, são as bolhas que expandem o poder exercido
pelas NFs. A rigor, as bolhas não são as causadoras diretas das NFs. Elas as
incubam e ajudam no seu processo de propagação. As pegadas, que vamos
deixando no uso que fazemos das redes, fornecem insights valiosos tanto para o
marketing quanto para as campanhas eleitorais.

Pesquisas para amparar ações eficazes

A pesquisa realizada por Vosoughi, Roy e Aral (2018) sobre “e spread of
true and false news online” (A propagação de notícias verdadeiras e falsas online)
chegou a resultados curiosos que dão muito o que pensar. A proposta foi a de
investigar a distinção na difusão de notícias falsas e de notícias verdadeiras no
Twitter, de 2006 a 2017. O volume de dados recolhido foi imenso e tratado
com algoritmos de big data. A diferença entre o verdadeiro, o falso e o meio
falso/meio verdadeiro foi calibrada de acordo com a consulta a agências de
checagem de fatos. A pesquisa cobriu-se de justificativas pois, segundo os
autores, embora as NFs sejam muito comentadas com exemplos ad hoc, faltam
pesquisas empíricas sobre a facilidade com que elas se espalham
comparativamente às notícias verdadeiras. Mais do que isso: quais os fatores
relativos aos julgamentos humanos capazes de explicar essa diferença?
Os autores começam com o diagnóstico de uma certa imprecisão na
própria definição de “news” (notícias) e avançam para a fluidez semântica
daquilo que é genericamente chamado de “fake news”, expressão que pode
cobrir os sentidos de notícias falsificadas, notícias falsas, rumores, cascata de
rumores etc. Além disso, o que é falso ou não acabou por perder muito de seu
significado sob a influência das estratégicas políticas de rotular suas próprias
tendências como confiáveis em detrimento das tendências contrárias. Por isso,
aproveitando-se de uma sutil diferença existente na língua inglesa, passaram a
usar “false news” em lugar de “fake news”. Trata-se de uma maneira de colocar
em relevo a veracidade das histórias que podem ser verificadas como
verdadeiras ou não. Esse relevo foi fundamental aos procedimentos da pesquisa
na medida em que a distinção nítida entre o verdadeiro e o falso era crucial
para a medição da quantidade e do tempo de propagação de uma e da outra.
“News”, por sua vez, foram definidas de modo amplo. Em lugar de tomar
como ponto de partida as fontes institucionais, foram consideradas como
notícias tudo aquilo que é publicado assertivamente, no Twitter, como sendo
notícia, suplementado por fontes confiáveis. Rumores, por outro lado, são
inerentemente sociais e envolvem o compartilhamento entre as pessoas com a
alegação de ser notícia. Cascadas de rumores têm início quando uma
afirmação, tanto verbal quanto fotográfica ou por meio de um link, é feita
sobre um tópico desencadeando uma ou mais cascadas e criando um padrão de
propagação de rumores.
Sobre tais bases foi feita a investigação da difusão diferencial de notícias
verdadeiras, falsas e meio verdadeiras/meio falsas que assim foram classificadas
por terem sido submetidas à aferição de seis organizações de checagem de fatos.
Só então passaram pela metodologia quantitativa. Tudo isso garantiu a
confiabilidade dos resultados que foram sumariamente os seguintes: política é a
categoria que mais se propaga, seguida de lendas urbanas, negócios, terrorismo,
ciência, entretenimento e desastres naturais.
Quando as difusões do verdadeiro e do falso foram comparadas, a falsidade
é significativamente difundida com mais rapidez, extensão, profundidade e
amplitude em todas as categorias. Quando foi estimado um modelo para a
probabilidade de se retuitar uma notícia, a falsidade é 70% mais provável do
que a verdade.
Para comparar o conteúdo emocional das respostas às notícias falsas e às
verdadeiras, os pesquisadores utilizaram o léxico curado pelo National Research
Council Canada, que apresenta 140 mil palavras associadas a oito tipos de
emoções: raiva, medo, antecipação, confiança, surpresa, tristeza, alegria e
desgosto. Então, os dados foram vetorialmente analisados de acordo com esses
oito tipos. A pesquisa já havia revelado que a novidade é um grande chamariz
para a propagação das notícias e que as notícias falsas parecem sempre mais
novas aos usuários do que as verdadeiras. Por isso mesmo, nas NFs, a emoção
vencedora foi a da surpresa, seguida pelo desgosto e pelo medo. O espectro de
emoções inspiradas pelas notícias verdadeiras, por seu lado, varia entre grande
tristeza, antecipação, alegria e confiança.
Por fim, a pesquisa ainda revelou que os humanos são muito mais
responsáveis do que os robôs pela proliferação de notícias falsas. Não é difícil
supor que isso se dá porque os robôs não são acionados por emoções, a grande
gasolina que move o psiquismo humano. Ao final, os pesquisadores
aconselham que compreender como as notícias falsas se propagam é um passo
importante para saber como se livrar delas, uma tarefa substancial quando se
pensa que a verdade e a precisão estão implicadas em quase todas as atividades
humanas.

Como se livrar das NFs?

Existem sites especializados em auxiliar nos processos educativos contra as


NFs3. Neles pode-se encontrar uma lista de conselhos úteis, tais como: (a)
olhar com atenção e atentar para a confiabilidade das fontes; (b) ir além das
chamadas e reconhecer sinais de sensacionalismo; (c) procurar por outras
fontes; (d) verificar os fatos, sua data de publicação; (e) conferir se o conteúdo
afeta seus preconceitos; (f ) reconhecer quando se trata de brincadeira e conferir
se vem de uma fonte piadista.
Conselhos não faltam. Mais ou menos similares aos citados acima, a
Federação Internacional das Associações e Instituições de bibliotecária (IFLA)
publicou algumas dicas para ajudar na identificação de NFs; (a) considerar a
fonte da informação; (b) ler além do título; (c) checar se os autores existem e
são confiáveis; (d) procurar fontes de apoio confirmadoras das notícias; (e)
checar a data da publicação, se está atualizada; (f ) questionar se não passa de
uma piada; (g) revisar preconceitos afetando seus julgamentos; (g) consultar
especialistas em busca de mais conhecimento sobre o assunto. Costa (2018, p.
13-14) também apresenta uma lista de alertas para se evitar as armadilhas das
FNs.
A organização Childnet4, ligada ao UK Safer Internet Centre levantou os
principais desafios que hoje se apresentam à luta contra as NFs: (a) a
desinformação que pode vir mascarada por um design e imagens altamente
atraentes; (b) o sensacionalismo dos caça-cliques; (c) o alvo direto no perfil do
usuário em função da bolha em que se insere; (d) NFs como fonte para ganho
financeiro.
A partir do levantamento desses desafios, o desenvolvimento de
pensamento crítico foi eleito como o antídoto mais eficaz contra os efeitos
nefastos das NFs. Além disso, métodos estão sendo buscados especialmente
com alvo no desenvolvimento da resiliência de um público infantil e jovem.
Para isso, o foco principal está voltado para a questão da confiança. Em quem
confiar e com que meios? Guias para professores na sua ação pedagógica foram
desenvolvidos com recursos adicionais, uma espécie de lista primeiros socorros
foi distribuída, a saber:

Sites de checagem: www.politifact.com ou www.snopes.com e para checar imagens: Google


Reverse Image Search.
Roteiro de como criar uma notícia falsa como demonstrativo de quão fácil é realizar essa
atividade: www.react365.com
Ensinamentos sobre o poder de manipulação da imagem: Safer Internet Day 2017 Education
Packs.
As diferenças entre ver e acreditar: youth photography campaign

Felizmente, assistimos a uma multiplicação de sites internacionais e


nacionais dedicados à criação de antídotos à proliferação de NFs, cujos
endereços para consulta, são, por exemplo:

Fact Check: factcheck.org/


BBC Reality Check: bbc.com/news/reality-check
Channel 4 Fact Check: channel4.com/news/factcheck

A proximidade das eleições no Brasil e o perigo que corre da invasão de


NFs têm sido assunto contínuo de matérias jornalísticas. Pacete (2018), por
exemplo, apresenta algumas das plataformas em prol da checagem como Aos
Fatos e a Lupa, da Revista Piauí. Além disso, menciona o novo projeto do
Facebook, o Vaza, Falsiane!, curso online contra NFs voltado ao público em
geral. Outra iniciativa é “o desenvolvimento de um bot no Messenger que
orientará as pessoas sobre como trafegar no universo de informações na
internet para que elas próprias possam checar informações. O nome do bot é
Fátima – que remete a “FactMa”, abreviação de FactMachine” (ibid.).
Multiplicam-se os endereços em que a questão é colocada na ordem do dia.
Alguns deles, com comentários, podem ser encontrados no livro de Ferrari
(2018). Bastante recente é também o artigo de Aquino Bittencourt e Becker
Alexandre (2018, p. 146-149), no qual as autoras desenvolvem uma discussão
atualizada sobre instituições de checagem no Brasil, baseada em um cuidadoso
levantamento de fontes, recheado de links. Com sua mira na política, há três
agências no país realizando trabalho sério de verificação dos fatos: Truco,
Agência Lupa e Aos Fatos. A primeira delas pertence à Agência Pública, a
segunda está encubada na Revista Piauí e a terceira é um site.
Para organizar suas atividades de verificação, a Lupa estabeleceu uma
interessante classificação, uma peneira fina das gradações do verdadeiro ao
falso: (a) verdadeiro, a informação está comprovadamente correta; (b)
verdadeiro, mas ... a informação está correta, mas o leitor merece mais
informações; (c) ainda é cedo para dizer, a informação pode vir a ser
verdadeira, mas ainda não é; (d) exagerado, a informação está no caminho
correto, mas houve exagero; (e) contraditório, a informação contradiz outra
difundida antes pela mesma fonte; (f ) insustentável, não há dados públicos que
comprovem a informação; (g) falso, a informação está comprovadamente
incorreta; (h) de olho, etiqueta de monitoramento (ibid., p. 147).

Essas três iniciativas são as únicas parceiras do Google no Brasil no projeto que insere um
selo de verificação das informações no Google Notícias, novidade que chegou em fevereiro
de 2017 ao país (GOOGLE BLOG, 2017). Ainda, Pública, Lupa e Aos Fatos integram a
International Fact-Checking Network (IFCN), rede organizada pelo Poynteer Institute for
Media Studies que reúne as principais ações na área no mundo. Dentre as atividades da
IFCN estão o monitoramento do trabalho de checagem, a organização de congressos para o
debate do tema, a proposição de um código de conduta aos checadores e a oferta de
suporte, treinamentos e informações acerca dos procedimentos de fact-checking aos seus
membros. (ibid., p 148)

Além disso, as autoras chamam atenção para outras ações jornalísticas


envolvidas na checagem de fatos no país, como aquelas desenvolvidas pela
Folha de S. Paulo, a Zero Hora e algumas em sites de notícias. A tarefa é
complementada por cursos gratuitos de capacitação para jornalistas e outros
interessados em procedimentos de checagem (ibid.). Existem ainda práticas de
aconselhamento e instruções voltadas para a sociedade, visando criar
sinalizações para evitar o descuido.
Quanto mais se aproximam as eleições de 2018 no Brasil, mais ações são
implementadas. No dia 28 de junho 2018, durante o Congresso Internacional
de Jornalismo Investigativo, realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo, foi lançado o Comprova, ligado ao First Draft da Universidade
de Harvard. Trata-se da junção de 24 veículos de imprensa que atuam no
Brasil, inclusive o Poder 360, que investigará a desinformação online durante as
eleições de 2018. Em 06 de agosto-2018, o projeto promete publicar suas
análises da desinformação nas redes. Essas análises passarão por checadores de
três redações distintas. A esperança é que o Comprova adquira papel tão
relevante a ponto de se tornar o primeiro lugar que a pessoa vai olhar quando
recebe um WhatsApp (RODRIGUES e GOMES, 2018; LAGO e
MONNERAT, 2018).
Pouco depois, em 30 de julho-2018, o G1 lançou a seção Fato ou Fake com
o propósito de alertar os usuários sobre conteúdos duvidosos nas redes,
esclarecendo sobre o que é notícia (fato) e o que é falso (fake). O
monitoramento promete ser diário e para a apuração dos fatos devem
participar equipes do G1, O Globo, Extra, Época, Valor, CBN, GloboNews e
TV Globo. “Também haverá um “bot” (robô) no Facebook e no Twitter que
responderá o que é falso ou verdadeiro, caso o assunto já tenha sido verificado
pelos jornalistas da Globo. Além disso, por meio de um número de WhatsApp,
usuários cadastrados poderão ver os links das checagens realizadas”5.
Em suma: iniciativas têm se multiplicado não apenas no Brasil como
também no restante do mundo. O que está em causa, no frigir dos ovos, são os
riscos de dissolvência dos princípios de civilidade, estes que se constituem em
valores magnos e que não podem ser perdidos mesmo em um mundo no qual
todas as cartas do jogo estão embaralhadas. É preciso, portanto, encontrar
caminhos para que as cartas encontrem novas formas de composição.
Boyd (2017) é bastante radical nos seus julgamentos. De fato, desde 2016,
as NFs se tornaram uma obsessão e os especialistas estão prontos para colocar a
culpa na estupidez humana. A pesquisadora, entretanto, considera insuficiente
o solucionismo em voga: mais especialistas são necessários para rotular o falso,
é preciso investir na educação para e nas mídias, as mídias sociais têm a
obrigação de deter a propagação das NFs. Ela não crê que isso seja suficiente
para segurar a avalanche. Além da rotulação do falso é preciso ligar um sistema
de alerta para o fato de que aquilo que está em questão é a capacidade humana
de fazer sentido, confiar e compreender o papel de cada um e de todos em um
mundo em metamorfose.
Tocando na mesma tecla, para Frias Filho (2018, p. 44), “o mais eficiente
anteparo contra as fake news – a melhor barreira de proteção da veracidade –
continua sendo a educação básica de qualidade, apta a estimular o
discernimento na escolha das leituras e um saudável ceticismo na forma de
absorvê-las”. Portanto, tanto contra as bolhas, que servem de alimento para as
FNs, quanto contra a sua cega disseminação não pode haver melhor proteção
do que o processo educativo pessoal, coletivo e público.
Capítulo 3

Uma era da pós-verdade?

Em setembro de 2016, a matéria de capa da revista britânica e Economist


tinha como título “Arte das mentiras: Política pós-verdade na era das mídias
sociais”. A matéria colocava em discussão a campanha eleitoral do praticante
maior dessa arte, Donald Trump, e o plebiscito Brexit, este também envolvido
em uma torrente de notícias falsas. Com a palavra “pós-verdade”, a revista
pretendia colocar em “evidência o cerne do que há de novo na política: a
verdade já não é falseada ou contestada; tornou-se secundária”. No passado, as
mentiras políticas visavam criar “uma visão enganosa do mundo. As mentiras
de homens como Trump não funcionam assim. Seu intuito não é convencer, e
sim reforçar preconceitos”6.
Ora, onde os preconceitos proliferam? O título da matéria dá a resposta:
nas mídias sociais. Daí para frente, o adjetivo “pós-verdade” foi se tornando
cada vez mais popular para ganhar sua plena notoriedade após a vitória de
Trump em outubro de 2016. De fato, o uso da palavra cresceu 2,000% nesse
ano em comparação ao ano anterior, 2015. Não deu outra: a partir de uma
lista selecionada para capturar o ethos, o humor, as preocupações e para refletir
as principais tendências e eventos sociais, culturais, políticos, econômicos e
tecnológicos de 2016, “pós-verdade” (post-truth) foi escolhida como palavra
internacional desse ano pelo Dicionário Oxford (Oxford Dictionaries). O
adjetivo foi eleito por denotar “circunstâncias nas quais fatos objetivos são
menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à
crença pessoal”. O nome deveria fazer jus àquilo que o Dicionário chamou de
doze meses “politicamente altamente inflamados”7.
O Dicionário chamava atenção para o fato de que o conceito de pós-
verdade não era novo. Já havia sido utilizado por Steve Tesich na revista e
Nation (1992) para se referir ao escândalo do Iran e da Guerra do Golfo,
lamentando que “como povos livres, livremente decidimos que queremos viver
em algum mundo de “pós-verdade”. Em 2004, Ralph Keyes publicou um livro
sob o título de e post-truth era.

A expressão “política da pós-verdade” parece ter sido cunhada por um blogueiro, David
Roberts, no dia 1 de abril de 2010 para nomear uma cultura política em que a política
propriamente dita, ou seja, a opinião pública e as narrativas midiáticas se desconectaram
inteiramente das policies, ou seja da policy, ou seja, das feerrramentas pelas quais são
debatidas, estruturadas e implementadas as políticas públicas e, ao fim e ao cabo, a própria
substância da legislação em Estados democráticos de direito. (BUCCI, 2018, p. 27)

Para o Dicionário, por sua vez, a “pós-verdade” deve ser entendida em dois
sentidos diferentes: de um lado, o significado “depois que a verdade tenha se
tornado conhecida”, de outro lado, o significado inaugurado pelo artigo de
Tesich, a saber, o fato de que a verdade se tornou irrelevante (ibid.). Assim, no
seu sentido expandido, o prefixo “pós” não mais significa apenas “depois de um
evento ou situação específica” como, por exemplo, na expressão “pós-guerra”,
mas também implica “um tempo em que um conceito se tornou irrelevante ou
sem importância”, com foi o caso de pós-nacional, em 1945 (ibid.).
Essa distinção é bastante crucial quando se sabe quanta ambiguidade, com
teor inclusive político, existe em torno do prefixo “pós” desde os debates sobre
pós-moderno e pós-modernidade, especialmente nos anos 1980 (ver HARVEY,
1989) e hoje em torno do pós-digital (ver SANTAELLA, 2016). Na questão da
pós-verdade, o presidente do Dicionário Oxford, Casper Grathwohl,
considerou que a munição para o seu advento é dada pelas mídias sociais no
seu papel de nova fonte de notícias e de crescente desconfiança nos fatos
veiculados pelo establishment, completando com a afirmação de que não ficaria
surpreso se “pós-verdade” viesse a se tornar uma das palavras definidoras do
nosso tempo, muito particularmente no seu sentido de “pós-verdade política”
(ibid.).
No extrato que foi publicado de seu novo livro 21 Lessons for the 21st
century8, aparece a seguinte declaração do famoso escritor Yuval Noah Harari:
“Não importa o lado em que nos colocamos, parece que, de fato, estamos
vivendo em uma terrificante era da pós-verdade, quando não apenas incidentes
militares, mas histórias e nações inteiras podem ser falsas”. Entretanto, Harari
relativiza esse desastre ao chamar atenção ao fato, para ele inexorável, de que
nós humanos

sempre vivemos em uma era da pós-verdade. O Homo sapiens é uma espécie da pós-
verdade, cujo poder depende da criação e crença em ficções. Desde a era da pedra, mitos
foram reforçados a serviço da união da coletividade humana. Realmente, o Homo sapiens
conquistou este planeta graças, sobretudo, à habilidade humana única de criar e disseminar
ficções. Somos os únicos mamíferos que podemos cooperar com inúmeros estranhos porque
podemos inventar histórias ficcionais, espalhá-las e convencer milhões de outros a acreditar
nelas. Na medida em que todos acreditam nas mesmas ficções, obedecemos às mesmas
leis e podemos, então, colaborar efetivamente (ibid.)

O autor complementa seu argumento com afirmações sobre situações


recentes em que cada nação cria sua própria mitologia nacional, “enquanto
movimentos como o comunismo, o fascismo e o liberalismo desenvolveram
elaborados credos autorreforçadores”. Cita, então, o exemplo do grande mago
das mídias na era moderna, o propangandista do nazismo, Joseph Goebbels,
cujo método pode ser sintetizado na seguinte frase: “uma mentira dita uma
única vez permanece como mentira, mas uma mentira repetida milhares de
vezes torna-se verdade”.
Idêntica lógica de fixação da ficção falsa opera no marketing e na
publicidade. A confiabilidade em uma marca depende da repetição incansável
da mesma história ficcional até levar as pessoas a se convencerem de que elas
são verdadeiras. A Coca Cola, por exemplo, por décadas investiu bilhões de
dólares para se aliar à ideia de” juventude, saúde e esportes – e bilhões de
humanos subconscientemente acreditam nessa aliança” (ibid., ver também
SANTAELLA, 2018b).
Harari tem razão quanto à existência e disseminação da mentira como
fruto do poder humano para criar histórias oportunistas, uma vez que a
organização das massas depende da crença em alguma mitologia. Contudo, ele
não é o primeiro nem o único a considerar a anterioridade do fenômeno da
pós-verdade. O que Harari deixa de considerar, pelo menos nesse extrato
citado, é o diferencial que se instalou na disseminação da mentira a partir do
tsunami das redes e dos aplicativos da internet: mentiras repetidas,
compartilhadas e comentadas milhões de vezes dissolvem todas as fronteiras
que as separam de uma possível verdade. Se assim for, a expressão “pós-
verdade” merece, antes de tudo, um escrutínio cuidadoso e prudente.

A pós-verdade no tsunami das fake news

Segundo Perosa (2017), as notícias falsas se transformaram em verdadeira


indústria de alta produtividade, tornando-se terreno fértil para o império da
pós-verdade. A autora menciona três fatores que colaboram para isso: (a) a alta
polarização política que trabalha contra o debate racional e o apreço pelo
consenso até o ponto de colocar os nervos à flor da pele e causar tumulto,
principalmente em períodos de campanhas eleitorais; (b) a descentralização da
informação, que a internet distribui por muitos canais de comunicação
diferenciados, alternativos e independentes. Isso seria louvável, caso muitos
desses canais não se estreitassem em uma agenda política ligada a tendências
propagandistas e ideológicas, sem marcar seus compromissos com a informação
factual; (c) o ceticismo generalizado do público em relação às instituições
políticas e democráticas representadas pelo governo, os partidos e a mídia
tradicional. Esta última sofre constantes ataques das mídias alternativas que a
desqualifica como mentirosa e, principalmente, cooptada com o sistema, o que
alimenta o sentimento de desconfiança generalizada em relação às mídias
convencionais.
Quebraram-se, assim, para as pessoas, as instituições tradicionais não
apenas de transmissão de informação, mas também aquelas responsáveis pela
divulgação do conhecimento. Isso tem levado, por exemplo, ao extremo da
descrença na crise climática e até a aberrações lastimáveis como a da terra plana
de que resultam crenças parcialmente verdadeiras, majoritariamente falsas até
as redondamente falsas. Os ambientes cognitivos tornam-se de tal maneira
confusos e caóticos que fica muito difícil lidar e, porventura, controlar a
disseminação de pós-verdade cujo poder de proliferação aumenta em situações
ultrapartidárias, quando a veracidade ou a falsidade da informação é o que
menos importa (ibid.). Mesmo no caso de artigos com alguma base na
realidade dos fatos, os veículos ultrapartidários dão conta de distorcer
formando ecossistemas nebulosos quanto aos fatos, mas potentes na inculcação
confirmadora de crenças. É por isso que, para o professor do MIT, Ethan
Zuckerman, não basta checar os fatos. É preciso desmascarar os interesses que
estão em jogo por trás desses sites ou posts (apud PEROSA, ibid.).
Isso tudo não revela outra coisa senão a crise de valores provocada, entre
outros fatores, pela sobredeterminação que a emoção exerce na racionalidade
humana, pela ausência do debate público e de formas de consenso que as redes
sociais pulverizaram, em suma, problemas que o ajuste de algoritmos, por si só,
não consegue resolver e que, ao fim e ao cabo, evidenciam o sintoma maior,
para o qual muitos especialistas têm chamado atenção: o desfalque das
democracias representativas.
Fisher et al. (2017, 2018) desenvolveram pesquisas sobre o comportamento
humano em conversações politicamente polarizadas, de resto, um tipo de
comportamento que acaba por reverberar em quaisquer tipos de conversação
antagônica. A animosidade das divergências políticas tende a se intensificar
porque o crescimento das mídias transformou o modo de consumir informação
o qual se dá por meio de notícias personalizadas para servir às preferências
políticas da pessoa. Quanto mais o conteúdo induz à indignação mais
aumentam suas chances de se propagar naquilo que os autores chamam de
“ambientes tóxicos”, quer dizer, ambientes em que a discussão não visa ao
desenvolvimento de um argumento, mas sim, discutir para ganhar.
Para analisar esses ambientes, os autores estabeleceram a diferença entre
questões para as quais existem respostas objetivamente certas e outras que
dependem, de um lado, de gosto, de outro, questões para as quais não existe
uma resposta correta única, pois elas dependem da opinião. Estas podem ser
opostas, sem que ninguém esteja exatamente errado. Tais situações estão sendo
empiricamente estudadas pela psicologia e pela ciência cognitiva cujas
conclusões em nível básico evidenciam a distinção entre pessoas mais
objetivistas e pessoas mais relativistas. Os primeiros tendem a responder de
uma maneira mais fechada, porque, se acreditam na objetividade, julgam
inócuo ouvir aqueles que pensam diferentemente, pois, eles deverão, em
princípio, estar errados.
Como teste dessa teoria, Fisher et al. (ibid.) fizeram experimentos nos quais
adultos participavam online de conversações políticas polarizadas sobre temas
polêmicos. Um grupo de participantes foi estimulado a discutir para ganhar em
um ambiente competitivo. O outro grupo foi encorajado a discutir para
aprender. Os resultados do primeiro grupo apenas confirmaram suas certezas,
enquanto, no segundo grupo, os resultados tomaram a direção da
compreensão. Entretanto, depois do experimento, a pergunta sobre crença em
uma verdade objetiva, que foi dirigida aos participantes de ambos os lados,
obteve como resultado que as pessoas “ficaram mais objetivistas após
discutirem para ganhar do que ficaram após argumentar para aprender” (ibid.,
p. 69). Assim, o modo de discussão adotado muda nossa compreensão acerca
de uma questão.
Quanto mais argumentamos para vencer, mais sentimos que há uma única
resposta objetivamente correta e que todas as outras estão equivocadas. Em
contrapartida, quanto mais argumentamos para aprender, mais sentimos que
não há uma única verdade objetiva e que diferentes respostas podem estar
igualmente corretas (ibid.).
Ao fim e ao cabo, pesquisas experimentais chegam à oposição fundamental
que vem sendo debatida há anos pela filosofia da ciência: a oposição entre
objetivismo e relativismo. O recente aquecimento da pós-verdade não poderia
deixar incólume o campo da ciência, tanto é que discussões controversas sobre
o tema têm aparecido com nova frequência em periódicos filosóficos e
científicos.
A guerra na ciência

O ponto de partida para se compreender minimamente de onde vêm as


atuais controvérsias encontra-se na reviravolta provocada pela obra A estrutura
das revoluções científicas de omas Kuhn (1962) nas precedentes concepções
da história e filosofia da ciência. Antes de Kuhn, a ciência era concebida como
reunião de fatos, teorias e métodos, cujo desenvolvimento se dá de forma
gradativa, através de contribuições isoladas que vão se adicionando
cumulativamente ao estoque de conhecimento e técnicas existentes. Assim, a
história da ciência se preocupava com os obstáculos e avanços no
desenvolvimento científico, registrando autoria e cronologia de descobertas e
denunciando os erros, superstições e mitos que impediam uma acumulação
mais rápida do conhecimento. Foi justamente contra essa visão linear e
progressiva que a obra de Kuhn se insurgiu, produzindo uma verdadeira
revolução na historiografia da ciência.
A tese kuhniana, em síntese, é a de que o avanço científico ocorre por
saltos, ou seja, por episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais as
realizações científicas universalmente reconhecidas entram em crise, sendo
substituídas total ou parcialmente por outras, que se mostram incompatíveis
com o que antes era aceito como inquestionável. As realizações científicas
universalmente reconhecidas podem ser compreendidas sob o nome de
paradigmas, e os episódios de desenvolvimento não-cumulativo que colocam
esse reconhecimento em crise, como mudanças de paradigma. O termo
paradigma suscitou muitas discussões que levaram Kuhn a substituí-lo por
“matriz disciplinar”.
Sem entrarmos na discussão do imenso impacto e das controvérsias
provocadas pela obra de Kuhn, para os nossos propósitos basta colocar ênfase
no fato de que sua tese acabou por evidenciar, para além das preocupações
epistemológicas, a interpenetração da ciência nas dimensões históricas,
sociológicas e psicológicas. Desse modo, a obra acabou por reverberar nas
discussões sobre relativismo que tomaram conta dos debates sobre pós-
modernidade dos anos 1970 em diante (ver RORTY, 1991). Assim, no campo
da sociologia da ciência, desenvolveu-se uma corrente de pensamento que ficou
conhecida como Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) a qual tem se
aproveitado do pensamento de Kuhn, nem sempre com muita fidelidade. Para
a CTS, “fenômenos como globalização, nova economia, sociedade de risco e a
própria relação da humanidade com o entorno natural só se entendem quando
forem postos em relação com as atuais condições do processo tecnocientífico e
com os marcos de poderes, interesses e valores em que se desenvolvem”
(BAZZO, ed., 2003).
O que se tem aí é uma corrente de pensamento que concebe a ciência e o
desenvolvimento tecnológico sob o ponto de vista dos efeitos sociais que eles
provocam e das causas que os determinam. Isso explica a pouca fidelidade que
mantém com o pensamento de Kuhn e outros filósofos da ciência, como
Lakatos e Feyerabend, por exemplo. Estes conhecem a ciência por dentro e,
sem negar a historicidade de seus processos, são capazes de penetrar nos
procedimentos, protocolos, métodos e justificativas constitutivos dos atributos
que são próprios da ciência e que um olhar de fora não dá conta de captar.
Por isso mesmo, o verdadeiro ou falso na ciência é uma questão a ser
resolvida internamente e não por critérios que lhe são estranhos. Vem daí a
crítica que Oliveira (2018) disfere contra o movimento CTS e suas posições
leve ou intensamente relativistas em oposição ao possível objetivismo da
ciência.

A CTS não se destaca pela coesão, dividindo-se em várias linhagens em disputa. Para nossos
propósitos, é suficiente caracterizá-la em termos gerais, dizendo que nela predominam, de
uma forma ou de outra, posições relativistas, antirrealistas e irracionalistas. Relativistas
porque negam o caráter objetivo do conhecimento científico, e desconstroem a ideia de
verdade, passando a admitir o uso do termo apenas entre aspas. O antirrealismo figura da
maneira mais direta e explícita na vertente construtivista, centrada na tese de que não
apenas o conhecimento científico é uma construção social (o que ninguém de bom-senso
contesta), mas também que o objeto do conhecimento, os fenômenos que a ciência procura
explicar, são construções sociais. O irracionalismo, por sua vez, consiste na interpretação do
desenvolvimento da ciência não como um processo dotado de certa racionalidade, mas
como uma disputa de interesses, cujo resultado é fruto da correlação de forças. (ibid.)

Aquele que o movimento tomou como um de seus arautos mais


prestigiosos foi Bruno Latour, autor que se notabilizou pela defesa de que fatos
não existem em si, mas são construídos por comunidades de cientistas.
Contudo, em 1994, o biólogo Paul Gross e o matemático Norman Levitt
acusaram Latour e outros sócio-contrutivistas pelo descrédito na profissão do
cientista e pela obstrução da confiança na ciência. A acusação acionou um
debate sob o nome de “Science Wars” (Guerras da Ciência) que durou anos
(VRIEZE, 2017).
O debate acirrou os ânimos e, entre outras coisas, conduziu à exacerbação
do relativismo, à desconstrução da ideia de verdade na ciência e consequente
perda de sua credibilidade até o ponto da “proliferação de teorias conspiratórias
e lendas urbanas envolvendo total desrespeito pelas evidências” (OLIVEIRA,
ibid.). Diante disso, Latour deu alguns passos para trás, ao reconhecer que a
crítica da ciência forneceu munição a um pensamento anticientífico.
Felizmente, as reconsiderações de Latour se deram antes que o CTS começasse
a ser tomado como antecessor da era da pós-verdade ou conforme foi muito
bem lembrado por Oliveira: “Não seria o CTS um movimento pós-verdade
avant la lettre? Não terá servido de apoio para o negacionismo do clima?”
Em entrevista recente sobre o tema concedida a Vrieze (ibid.), Latour
afirma que é preciso reganhar a autoridade da ciência. Na situação atual, os
cientistas devem reaver sua respeitabilidade. Entretanto, isso ainda implica
“apresentar a ciência em ação. Concordo que seja um risco, porque tornamos
as incertezas e controvérsias explícitas”.
O contexto está aquecido e os especialistas se preocupam com o papel que
o desprezo à ciência pode estar desempenhando para a constituição de uma era
da pós-verdade. Prova disso é o editorial intitulado Post-truth? em uma das
revistas mais importantes no campo da CTS, de punho do próprio editor,
Sergio Sismondo (2017), no qual ele reivindica que a CTS não pode ser
responsabilizada pelo surgimento da política da pós-verdade. Os debates
internos desse movimento acerca da natureza do conhecimento não têm nada a
ver com essa política. Mesmo assim, a clima político atual exige, mais do que
nunca, análises empiricamente informadas sobre a expertise científica e a forma
de vida da ciência (COLLINS et al., 2017).
Contraditoriamente, há autores que defendem veementemente a
intimidade da ciência com a pós-verdade. É o caso do enfant terrible da CTS,
Steve Fuller, que se intitula filósofo pós-moderno e tem publicado artigos mais
opinativos do que argumentativos nos quais atira pedras contra a ciência. O
artigo sob o título de “Science has always been a bit post-truth” (A ciência
sempre foi um pouco pós-verdade), publicado no e Guardian, tem início
com uma interpretação tendenciosa de Kuhn e continua com boutades do tipo:
“o que aproxima da pós-verdade a concepção kuhniana da ciência é que a
ciência não é mais o árbitro do poder legitimado, mas muito mais a máscara da
legitimidade que é vestida por todos que perseguem o poder” (FULLER,
2016).
Em um outro artigo ainda mais incisivo, sob o título de “In defense of
post-truth” (Em defesa da pós-verdade), Fuller (2017) lança seus ataques
contra os filósofos, ao declarar que “os filósofos veem a verdade por aquilo que
ela é: o nome de uma marca sempre em busca de um produto que todos são
compelidos a comprar”. É por isso que “os filósofos apelam para a verdade
quando tentam persuadir não filósofos, estejam eles em tribunais ou em salas
de aula”, continua o autor para completar com a afirmação de que “a verdade
acaba sendo qualquer coisa que é decidida pelo juiz que está no poder no caso
em questão”.
Evidentemente tais pontos de vista não poderiam passar despercebidos aos
praticantes e aos filósofos da ciência. Afinal, quando Foucault aliou o saber ao
poder, conforme será discutido mais à frente, ele não reduziu o saber
inteiramente ao poder. Em meio a numerosos artigos que vêm colocando a
pós-verdade em discussão no campo da produção de conhecimento9, Baker e
Oreskes (2017a, 2017b) responderam aos pronunciamentos de Fuller, no
contexto de uma crítica ao conceito da ciência como jogo, conceito este
comumente empregado nos estudos teóricos da ciência.
No artigo sob o título de “It’s no game: Post-truth and the obligations of
science studies” (Não é jogo: Pós-verdade e as obrigações dos estudos da ciência)
Baker e Oreskes defendem que “caracterizar a ciência como jogo é
epistemológica e politicamente problemático, (...) pois nega a caráter público
do conhecimento factual sobre um mundo comumente acessível”. Pior que
isso, tal caracterização não permite, de um lado, a crítica a argumentos
científicos, de outro, a possibilidade de ação coletiva construída no
conhecimento público. Contra isso, a ciência deve usar de modo confortável
conceitos como verdade, fatos, a realidade lá fora e a aceitação de que a
avaliação de reivindicações do conhecimento deve necessariamente implicar
julgamentos normativos. “Padrões normativos são indispensáveis em um
mundo no qual os resultados das interações dentro das comunidades científicas
importam imensamente às pessoas que estão fora dessas comunidades”.
Quando termos avaliativos como “legitimidade, desinformação, precedência,
evidência, adequação, reprodutibilidade, natural vs sobrenatural e, sim,
verdade” são relativizados e esvaziados de sentido, o vencedor nesse jogo
particular é quase sempre o status quo do poder. Por isso mesmo, “para a
política democrática contemporânea, a ciência importa” (ibid., 2017a).
Oliveira (2018) termina seu artigo com ponderações prudentes ao afirmar
que, embora tenha partido da hipótese plausível de que a CTS tenha
contribuído para o advento da pós-verdade, isso não significa que a hipótese
seja verdadeira. “Outra hipótese é a de que o relativismo da CTS e o fenômeno
da pós-verdade sejam ambos frutos de um processo histórico mais profundo”.
Por isso, o autor deixa a resposta em aberto, lançando a decisão para necessárias
investigações futuras mais amplas sobre o tema.
Capítulo 4

A reivindicação da verdade no
jornalismo

Sempre foi tarefa precípua do jornalismo reivindicar para si a veracidade


dos fatos noticiados, fatos no sentido de acontecimentos existentes, quer dizer,
situações que ocorreram ou estão ocorrendo. Diante da torrente de notícias,
muitas vezes enganadoras, que hoje engrossa e viaja a velocidades inéditas pelas
redes, essa tradicional tarefa do jornalismo veio à tona com força jamais vista.
Contudo, não faltam críticos que têm alertado para falhas cometidas pelo
jornalismo convencional, esse mesmo jornalismo que hoje aponta dedos
acusatórios para as redes sociais como se o seu próprio passado não apresentasse
máculas.
Tirando proveito do seu vasto conhecimento histórico, Harari (2018) não
poupou comentários sobre mentiras, nada mais, nada menos do que mentiras,
que foram sustentadas pelo jornalismo institucional, antes que as redes
ocupassem o centro das atenções. Basta citar, por exemplo, o caso notório de
Saddam Hussein que envolveu nações devidamente apoiadas por notícias
proclamadas como verdadeiras. Com menos fleuma do que aquela que Harari
costuma apresentar, Clark (2016), visivelmente irritado, apontou para essa
mesma questão do Iraque, mentira que não foi “criada, disseminada e repetida
por ´blogueiros obscuros’ e ‘nova mídia’, mas por políticos ocidentais da mais
fina estirpe, de partidos ‘sérios’, e ‘especialistas’ aprovados pelos altos padrões de
seriedade e respeitabilidade a serviço de BBC/ITV/CNN etc., e colunistas de
jornal os mais ‘sérios’ e ‘respeitáveis’ dos veículos mais idem e idem”. Em suma,
As mesmas pessoas – políticos, jornalistas, “especialistas”, mercenários ativos em várias
áreas – que disseminaram tantas falsas notícias por tanto tempo e que ainda vivem
incorporados no establishment político e nas mídia-empresas ocidentais, mesmo depois dos
fracassos no Iraque e na Líbia, puseram-se agora a espernear contra “mentiras”, pela
suficiente razão de que já não controlam a narrativa, como antes. (ibid.)

Alguns dos autores que assinaram artigos no dossiê da Revista Usp 116
(2018), dedicado ao tema da pós-verdade e o jornalismo, não deixam de
relembrar justamente casos pregressos do jornalismo institucional situados
longe da veracidade dos fatos. Genesini (2018, p. 48) aponta para a
ingenuidade daqueles que sustentam que as notícias falsas são responsáveis por
estarmos vivendo em um mundo pós-verdadeiro. “O real é que tal mundo
nunca existiu. A impossível e improvável expectativa de que algum dia as
notícias falsas desaparecerão não trará de volta o nirvana de uma verdade
perdida que nunca houve”.

Imprecisões entre a verdade e a inverdade

Ademais, o que é verdade vs o que é inverdade não admite precisão similar


àquela do dois mais dois são quatro. Por isso mesmo, Claire Wardle, diretora
de pesquisa do First Draft, instituto ligado à Universidade de Harvard, prefere
não usar o termo fake news, porque, segundo ela, ele não dá conta da
complexidade da questão. Prefere por isso utilizar a palavra disinformation
“(informação maliciosa), criação deliberada de mentiras para atingir um
objetivo; e misinformation (desinformação), o compartilhamento impensado de
informação falsa” (apud LAGO e MONNERAT, 2018). Wardle duvida da
busca de legislação sobre o tema das notícias falsas, dado o amplo espectro do
problema. Antes de tudo, é preciso enfrentar o desafio da definição, pois não se
pode legislar quando não se tem clareza sobre o que significa desinformação e
conteúdo enganoso. É muito raro termos “absoluta certeza de que algo é
verdade e 100% de certeza de que algo é completamente falso”. A maior parte
do conteúdo, que Wardle chama de “desinformação em forma de notícia “é do
tipo que induz ao erro”, sem que tenha sido estritamente fabricado (ibid.).
Genesini (2018, p. 55) entra no mesmo coro, opinando que a saída não é
exigir que haja mais intervenção e regulação de autoridades externas.
“Aceitamos como razoável quando o controle começa, mas nunca sabemos
onde e quando acaba. O risco de transformar-se em censura e cerceamento à
liberdade de expressão é real e sempre presente”.
Chapman (apud SUDHIR, 2017) também comenta que está se tornando
cada vez mais difícil distinguir entre fato e opinião já que, nas redes, o relato
dos fatos comumente fica mesclado a inserções de pessoalidade e marcas de
subjetividade disfarçadas ou explícitas que só os especialistas em análise do
discurso podem diagnosticar com agudeza. Realmente, como lembra Genesini
(ibid., p. 52), a questão crucial é intrincada. “A parte da ‘verdade’ que pode ser
efetivamente verificada, preto no branco, é pequena. A verdade efetivamente
factual é, feliz ou infelizmente, limitada e incapaz de refletir aspectos relevantes
da realidade”. Mais do que isso:

Fica clara a dificuldade em carimbar muitas afirmações taxativamente de verdadeiras e


falsas. Muitos enunciados têm contexto, têm timing, têm subtextos, usam números e
estatísticas como argumento para sustentar um ponto de vista. Em alguns casos é possível
ser exato. Em muitos outros, o trabalho de checagem é muito mais de análise e agregação
de informações que um veredito final (ibid., p. 53).

As sutilezas não param aí. Comentando comparativamente sobre a


imprensa e o Judiciário, Mesquita (2018, p. 37) afirma que é possível “não
denunciar um culpado e ignorar um fato existente sem ser necessariamente
acusado de mentir”. Uma denúncia levada a uma redação não pode ser
escondida impunemente, “mas pode-se facilmente escolher a quais dossiês dar-
lhe ou não ‘acesso’ e, uma vez dentro das redações, decidir quais serão
publicados, cercados ou não de todos os emocionantes recursos de son et
lumière possíveis”. Tudo isso porque as linguagens humanas e as ações a que
elas nos conduzem são ardilosas. É isso que a continuidade dos comentários de
Mesquita (ibid., p. 37) a seguir nos revela:
Pode-se fazer minguar uma culpa muito grande falando baixo e pouco dela ou inflar uma
culpa muito pequena falando alto e insistentemente nela. Pode-se “relacionar”, “envolver”
ou “ligar” fortemente alguém a alguém mesmo que essa ligação seja tênue e fortuita, com
a mera justaposição de matérias. Pode-se descontextualizar um fato para fazê-lo parecer o
que não é, condenar à não existência midiática alguém que vive de voto, brincar com a
inversão da relevância do que alguém disse ou deixou de dizer até fazer do sujeito o avesso
de si mesmo. Pode-se promover o linchamento moral de quem não declamar pela cartilha
“correta” até que a mentira deixe de ser uma questão moral e se transforme numa questão
de sobrevivência.

Além disso, de fato, a precisão absoluta da linguagem em relação àquilo


que ela se refere é impossível. Isso nos faz lembrar da lógica da vagueza que foi
desenvolvida por Charles Sanders Peirce (ver SANTAELLA, 2010, p. 339-
368).

A inelutável vagueza das linguagens

A lógica proposicional, com suas tabelas do verdadeiro e falso, buscou


domesticar a imprecisão, a indeterminação, a incerteza, a vagueza e a
ambiguidade que são inalienavelmente constitutivas das línguas naturais e
provavelmente, em alguma medida, também constitutivas de quaisquer outros
sistemas de linguagens, visuais, sonoros e audiovisuais.
Embora o pensamento de C. S. Peirce tenha estado plantado na lógica,
trata-se de uma lógica de tipo especial, a lógica semiótica, segundo a qual a
vagueza não é meramente uma opacidade de superfície. Ela está no núcleo da
língua e das linguagens, na própria essência do pensamento. Peirce negou que a
vagueza seja devida a um defeito da fala, dos signos ou do pensamento, pois
além de ser epistêmica e lógica, a vagueza é também objetiva, pois a própria
realidade também é irredutivelmente geral e vaga. Há, pelo menos, duas fontes
da vagueza: (a) aquela que deriva da indeterminação de nossas crenças e
hábitos; (b) aquela que deriva do real e de sua mutabilidade constante.
É da natureza de toda linguagem apresentar, indicar ou representar algo.
Mas a linguagem só funciona como tal quando encontra um intérprete
responsável por um ato interpretativo que instaura uma relação comunicativa.
É por isso que a vagueza, como uma das figuras da indeterminação, só poderia
ser erradicada, como quer a lógica simbólica, quando os termos e expressões
são arrancados do terreno da vida dos signos, vida que viceja nos processos
interpretativos em intercursos comunicacionais.
Conclusão: nenhuma comunicação entre indivíduos pode se livrar da
vagueza, pois estamos destinados a interpretar e a interpretação sempre envolve
nossos desejos e seus conflitos. Não há signos seguros na comunicação, pois
eles envolvem sugestões, adivinhações e negociações de sentido. Nas palavras de
Peirce:

Nenhuma comunicação de uma pessoa a outra pode ser inteiramente definida, isto é, não-
vaga. Podemos razoavelmente esperar que os fisiologistas poderão algum dia encontrar os
meios de comparar as qualidades dos sentimentos de uma pessoa com os de uma outra
pessoa, de modo que não seria justo insistir sobre suas incomparabilidades como uma
inevitável fonte de mal-entendidos. Além de que isso não afeta o propósito intelectual da
comunicação. Mas qualquer que seja o grau ou qualquer outra possibilidade de variação
contínua que subsista, precisão absoluta é impossível. Muito mais do que isso deve ser
vago, pois nenhuma interpretação que uma pessoa tem das palavras baseia-se na mesma
experiência de outra pessoa. Mesmo nas nossas concepções mais intelectuais, quanto mais
lutamos para sermos precisos, mais inatingível a precisão parece (CP 5.506).

Discorrer sobre a vagueza constitutiva de toda linguagem e


consequentemente de todo ato comunicativo, como na passagem acima, não
deveria, entretanto, levar ao extremo de negar a objetividade de que a
linguagem também é capaz. Uma negação extremada encontra-se, por
exemplo, na declaração de uma das curadoras da Bienal de São Paulo-2018,
Sofia Borges (apud SALLES, 2018, p. 16), quando afirma ter, por anos,
procurado “através da imagem, desvendar o estado de representação das coisas
até que entendi se tratar de uma questão sem solução”. A partir disso a
curadora conclui que “a linguagem é em si trágica, porque ambígua, e não se
pode usar uma matéria para falar de outra”.
Embora, de fato, toda linguagem, verbal, visual, audiovisual, seja portadora
de algum grau de ambiguidade, a questão não é tão insolúvel quanto poderia
parecer. Aliás, é disso que a semiótica trata para nos ajudar a compreender que
cada tipo de linguagem, no caso a imagem, tem um modo de referência, de
significação e de interpretação que lhe é próprio. Desse modo, a fotografia não
significa do mesmo modo que o discurso verbal, o poder de significação de um
gráfico é distinto daquele de um desenho, e assim por diante.
Afinal, toda linguagem fala direta ou indiretamente, explícita ou
implicitamente de algo. Há aí uma relação objetiva, embora sujeita à vagueza,
pois é impossível a precisão exata nessa relação. Conforme será melhor
explicitado mais à frente, a relação entre a linguagem e aquilo a que ela se
refere pode variar, principalmente, entre ser uma relação de possibilidade, uma
relação existencial ou factual e uma relação de lei ou baseada em convenções, o
que traz consequências para o seu modo de significar e de ser interpretada. É de
uma relação existencial, por exemplo, que trata o magnífico ensaio de Hannad
Arendt, “Verdade e política” (1972, p. 282-325) ao versar sobre a verdade
factual, ou melhor, a verdade dos fatos. Nesta proclamada era da pós-verdade, é
imprescindível a oportunidade de se voltar para esse texto de Arendt, como foi
devidamente lembrado por Genesini (2018, p. 57) quando afirma que

a maioria das fake news não pode ser classificada simplesmente como falsa ou verdadeira.
O que pode reduzir seu efeito danoso são análises e pontos de vistas diversos e bem
fundamentados. Não há pessoa ou instituição que faça isso com mais autoridade e mérito
do que o bom – e mesmo o médio e medíocre jornalismo. Portanto, a solução para o
problema das fake news e do Facebook não é menos, mas é mais jornalismo. Hannah
Arendt, se estivesse viva, certamente concordaria.

Aí está uma afirmação irrecusável quando se sabe que o jornalismo é o


responsável mais legítimo pelo campo ou atividade humana que lida com um
tipo específico de semiose ou processo de significação que tem, na existência
dos fatos, dos acontecimentos, das ocorrências vividas, seu objeto de referência,
de registro e de interpretação. Foi justamente isso que Arendt (ibid.) tratou sob
o nome de “verdade factual” e que Bucci (2018) competentemente discutiu à
luz da questão da pós-verdade, conforme será tratado no próximo capítulo10
Capítulo 5

A verdade fatual e o jornalismo

No texto sobre “Verdade e política” (1972, p. 282-325), Arendt discute a


questão da verdade, nas suas relações com a política, em dois eixos principais:
(a) a verdade racional e a verdade factual; (b) a verdade e a opinião. A autora
não propõe discutir a legitimidade intrínseca do primeiro eixo, pois sua
intenção é “descobrir que dano é o poder político capaz de infligir à verdade”
(ibid., p. 287). Assim, por verdade racional é entendida aquela que é produzida
pela mente humana na matemática, na ciência, na filosofia até às espécies
comuns desse tipo de verdade. A verdade factual, por sua vez, é aquela que está
mais sujeita aos assédios do poder. Portanto é esta que será objeto de discussão
na maior parte de seu texto.
Se tomarmos por base alguns elementos da semiótica de Peirce, ou seja, sua
classificação dos modos de ser das linguagens, que ele chama de processos de
signos ou semioses, estes apresentam-se sob três grandes modos de referência: a
apresentação, a indicação e a representação (ver NÖTH e SANTAELLA, 2018,
p. 35-90). O primeiro modo, que chamo de apresentação, é mais característico
da arte e da literatura, e está ausente da discussão de Arendt. Os outros dois, a
saber, a indicação e a representação, ajustam-se com justeza ao modo de ser da
fatualidade e da racionalidade repectivamente, correspondendo, portanto, à
verdade factual e à verdade racional. Deixarei o primeiro modo, o da
apresentação, que levaria a uma espécie de verdade do possível, característico da
arte e literatura, e o modo da representação, que é próprio da ciência e da
filosofia, para serem tratados no capítulo 6. Com isso, o presente capítulo
estará dedicado ao acompanhamento das ideias de Arendt, que buscarei
fortalecer com as noções semióticas relativas à potência indicial daquilo que
Arendt chama de “verdade fatual”, tendo em vista evidenciar a relação desse
tipo de verdade com o jornalismo. “Nenhuma permanência, nenhuma
perseverança da existência podem ser concebidas sem homens decididos a
testemunhar aquilo que é e que lhes aparece porque é”, diz Arendt (ibid., p.
285). Compreendo que esses homens são os jornalistas, por profissão e por
vocação.

O que é verdade fatual

Enquanto, na ciência, o contrário de uma asserção tida como racionalmente


verdadeira é fruto do erro ou da ignorância, e, na filosofia, é ilusão ou opinião,
“a falsidade deliberada, a mentira cabal somente entra em cena no domínio das
afirmações fatuais”. Arendt mal podia supor a que ponto a mentira organizada
seria levada hoje, com as redes sociais, a desempenhar seu papel de arma
adequada contra a verdade factual. Mas afinal, o que é a verdade factual?
Podem os fatos existirem independentes da interpretação e da opinião? Arendt
está ciente da impossibilidade da determinação dos fatos sem interpretação.
“visto que é mister colhê-los de um caos de puros acontecimentos (e decerto os
princípios de escolha não são dados fatuais) e depois adequá-los a uma estória
que só pode ser narrada em uma certa perspectiva, que nada tem a ver com a
ocorrência original”. Todavia, isso não pode constituir argumento “contra a
existência de matéria fatual, e tampouco pode servir como uma justificação
para apagar as linhas divisórias entre fato, opinião e interpretação, ou como
uma desculpa para o historiador manipular os fatos a seu bel-prazer” (ibid., p.
296).
Para essas afirmações, a semiótica lhe dá respaldo. Fatos constituem-se em
objetos de referência das semioses indexicais. O que isso quer dizer? Há signos
indiciais genuínos, como um dedo apontando, uma fotografia não manipulada,
um sinal vermelho, uma chamada de alerta. Que tipo de signo é esse? É aquele
que está em uma conexão existencial com seu objeto de referência. Ele, de fato,
aponta para algo que está ou esteve lá, constituindo-se assim uma relação dual,
de fato existente no tempo e no espaço, entre o signo e seu objeto. Mas existe
também um outro tipo de indexicalidade que é chamada “designativa” quando
o discurso verbal ou misto (acompanhado ou não de imagens) tem como
objeto de referência um acontecimento, uma situação, uma ocorrência que
existiu no tempo e no espaço. O objeto a que o discurso se refere não é fruto
da imaginação ou dos humores de quem enuncia o discurso. Nem é fruto da
abstração racional. Ao contrário, aquilo a que o discurso se reporta, de fato,
existiu, aconteceu no fluxo do tempo e em um corte do espaço, produzindo
efeitos reais no mundo da natureza e dos homens. Esse é o campo semiótico
que é precípuo do jornalismo e, então, do historiador.
Embora todo discurso seja por natureza interpretativo e traga, mesmo que
involuntariamente, marcas da pessoalidade de quem o enuncia, o fato, o
acontecimento, a situação a que o discurso se reporta são indestrutíveis.
Inegavelmente, ocorreram. A tarefa do jornalismo é reportar, trazê-los à luz por
meio de interpretações tanto quanto possível lúcidas. Mas, infelizmente, a
verdade dos fatos pode ser tripudiada, vilipendiada, manipulada até se
converter em mentira deslavada. É por isso que não passa de idiotice proclamar
a existência de fatos alternativos, como quis a conselheira de Trump, a Sra.
Kellyanne Conway que, diante da chuvarada de críticas, corrigiu a tolice por
“fatos adicionais ou informação alternativa”. Fatos adicionais sempre há.
Quanto à informação alternativa, a questão é mais complexa, pois depende do
recorte da realidade que é selecionado e que, muitas vezes, pode
deliberadamente levar a distorções. O que é ainda mais complexo e precisa ser
considerado é que toda ocorrência ou situação existente atualiza uma dentre
outras potencialidades inerentes. Para Arendt, os fatos são contingentes porque
poderiam sempre ter sido diferentes. Mas, uma vez dada a ocorrência, trata-se
de fait accompli (fato consumado). Não há como mudar o passado a bel prazer
a não ser pela mentira ou pelas falhas da memória.
Por isso, “a marca distintiva da verdade fatual consiste em que seu contrário
não é o erro, nem a ilusão, nem a opinião, nenhum dos quais se reflete sobre a
veracidade pessoal, e sim a falsidade deliberada, a mentira”. Não se pode negar
que o erro também é possível no que diz respeito à verdade factual. Afinal,
errar é humano, como professa o falibilismo que rege a filosofia peirciana, o
que não significa que, por isso, tenhamos que abandonar a busca da verdade.
Ao contrário, significa aumentar o rigor dessa busca. “O problema é que, com
relação a fatos, há uma outra alternativa, e esta, a falsidade deliberada, não
pertence ao mesmo gênero que as proposições, as quais certas ou equivocadas,
não pretendem nada mais que dizer o que é ou como alguma coisa que é me
parece” (ibid., p. 308). O mais importante nisso tudo é bem lembrado por
Arendt (ibid., p. 318) quando afirma que

o resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos fatos por mentiras não é
passarem estas a ser aceitas como verdade, e a verdade ser difamada como mentira, porém
um processo de destruição do sentido mediante o qual nos orientamos no mundo real –
incluindo-se entre os meios mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e
falsidade.

O que tudo isso me leva a advogar, apoiada em Arendt, é que existe uma
verdade fatual, ou seja, há uma correspondência que deve ser buscada, na
medida do possível, entre os acontecimentos e os discursos que os reportam.
Uma correspondência que precisa ser rigorosamente buscada a despeito dos
ardis da linguagem. Caso contrário, o jornalismo e a historiografia perderiam
sua razão de ser e as interpretações não passariam de um troca-troca de jogos de
linguagem. Embora os jogos sejam constitutivos dos discursos, todo discurso
está determinado por aquilo que ele visa reportar. No caso da verdade fatual,
que podemos também chamar de semiose indicial, aquilo que é reportado, de
fato, aconteceu no mundo dos vivos. E quando o discurso ignora, desrespeita,
distorce, manipula os fatos, entramos, sem dúvida no universo da pós-verdade.
Isso significa que, para responder à questão colocada no título deste pequeno
livro, no campo da verdade factual, a pós-verdade é e sempre foi verdadeira.
Quer dizer, deve haver uma verdade, aquela dos fatos ocorridos, que as fake
news estão hoje levando à derrocada, o que legitima a denominação de “pós-
verdade”.
É por isso que existe hoje tanto movimento voltado para a checagem dos
fatos, justo porque eles existem. Alguns têm considerado que as inúmeras
instituições voltadas para essa atividade representam uma espécie de revanche
do jornalismo convencional contra as redes sociais. Se levarmos em conta que a
verdade fatual tem por base um dado de existência, tal julgamento não
convém. Pouco importa se a checagem dos fatos vem do jornalismo
tradicional, do jornalismo digital, de instituições convencionais, de ongs ou de
qualquer fonte que seja. O que elas representam, na realidade, é a defesa da
verdade do próprio jornalismo. Quando essa verdade é vilipendiada, entramos,
certamente, no campo da pós-verdade. Portanto, quando se trata do
jornalismo, não custa repetir, a resposta à pergunta proposta no título deste
livro é: sim, a pós-verdade é verdadeira. Não se pode dizer o mesmo em outros
tipos de semiose, conforme será discutido no próximo capítulo. Tendo a
verdade factual esclarecida, podemos passar para um outro tópico importante
no texto de Arendt: a relação entre a verdade e a política.

A verdade na cena da política

Arendt abre o seu artigo com uma afirmação ao mesmo tempo


perturbadora e indubitável. Para ela, não se pode colocar em dúvida “que
verdade e política não se dão bem uma com a outra, e até hoje ninguém que eu
saiba, incluiu entre as virtudes políticas a sinceridade”. Mas por que as
mentiras “são ferramentas necessárias e justificáveis ao ofício não só do político
ou demagogo, como também do estadista?” Mais que isso: não será a verdade
impotente tão desprezível quanto o poder que não dá atenção à verdade? Nisto
o pragmaticismo de Peirce estaria em perfeita conjunção com o pensamento de
Arendt, pois, para o filósofo, o significado dos conceitos intelectuais
corresponde aos efeitos sensíveis, ou seja, às marcas que deixam na realidade,
no longo curso do tempo. Por isso, para ele, a essência da verdade consiste em
sua resistência a ser ignorada (CP 2.139).
O problema da verdade factual, contudo, é que ela é muito mais vulnerável
do que a verdade racional. Isto porque poder e fatos convivem no mesmo
domínio da realidade. Esse é o argumento de Arendt (ibid., p. 287). “A verdade
factual é pequena, frágil, efêmera. Como um primeiro registro dos
acontecimentos, um primeiro – e precário – esforço de conhecer o que se passa
no mundo, a verdade factual é mais vulnerável a falsificações e manipulações”
(BUCCI, 2018, p. 24). As possibilidades de sobrevivência dos fatos aos
assédios do poder são por demais escassas, sob o perigo que eles correm de
serem eliminados do mundo. Esta é também a lição implícita no filme Blow
up, de Antonioni (1966)). Se não houver registro do fato, ele não existiu.
Ademais, se dissimulado pela mentira, poderá ser difícil redescobrir um fato,
pois eles existem no tempo e no espaço. Se não forem gravados em algum tipo
de memória, viram poeiras perdidas no tempo. Apesar de poderem ser
mantidos separados, fatos e opiniões também pertencem ao mesmo domínio
da realidade.

Fatos informam opiniões, e as opiniões, inspiradas por diferentes interesses e paixões,


podem diferir amplamente e ainda serem legítimas no que respeita à sua verdade fatual. A
liberdade de opinião é uma farsa, a não ser que a informação fatal seja garantida e que os
próprios fatos não sejam questionados. Em outras palavras, a verdade fatual informa o
pensamento político como a verdade racional informa a especulação filosófica. (ARENDT,
1972, p. 295-296)

Isso não implica negar a possibilidade da opinião imparcial, competente e


representativa de uma posição exterior ao domínio político, pois, infelizmente,
a verdade, quando impotente, é sempre perdedora em um choque frontal com
o poder. Felizmente, por outro lado, a verdade fatual possui uma força própria:
não existe substituto viável para ela. A persuasão e a violência podem destruir a
verdade, tanto racional quanto religiosa e também fatual, mas jamais poderão
substituí-la (ibid., p. 320).
A relação, discutida por Arendt. entre jornalismo e política é explorada
detalhadamente por Bucci (2018, p. 25-26). Existe uma separação posicional
entre a verdade fatual e a ação política. O adjetivo “posicional” entra aí para
evidenciar que não se trata de uma separação entre ambas, mas de posições
distintas ocupadas no espectro social, ou melhor, “uma cisão de métodos; uma
coisa é a esfera abrangida pela política; outra bem distinta, é aquela em que os
fatos são apurados, investigados, pesquisados, narrados, historiados” (BUCCI,
ibid., p. 25). Enquanto a política se apropria dos fatos, as representações desses
fatos são elaboradas em outros domínios, especialmente no jornalismo.
Portanto, a tarefa de “apontar a verdade, bem como a função de difundi-la, não
tem seu lugar no domínio político. A política se vale – e deve mesmo se valer –
da verdade factual, mas, para tanto, precisa ir buscá-la fora de seus domínios”
(ibid.).
A política lida com conflitos e interesses extraídos do coletivo nas suas
agregações e oposições. Não é dela a função de proclamar a verdade, pois esta
requer independência. Portanto, conforme Bucci (ibid.) esclarece, para Arendt,
aqueles que buscam a verdade fatual devem estar situados fora da política. A
política, por seu lado, para evitar fanatismos irracionais precisa ancorar suas
decisões nos fatos, estes apurados e elaborados fora dela. Isso significa que, para
evitar ser corrompida, a política deve se colocar à escuta das vozes
problematizadoras que provêm da imprensa e dos cientistas políticos quando
estes estimulam os debates em torno da justa interpretação dos eventos. A
relevância do papel da imprensa é inquestionável, pois, sem os jornalistas “não
poderíamos nos movimentar em um mundo em contínua mudança, e, no
sentido mais literal possível, nunca saberíamos onde nos encontraríamos”. Mas,
a rigor, o dizer da verdade abrange mais do que a informação diária suprida
pelos jornalistas, além de que a imprensa deve estar protegida do poder
governamental e da pressão social (ARENDT, 1972, p. 322).
Para Lipmann (1997, apud BUCCI, ibid., p. 23), “a função da notícia é
sinalizar um evento. A função da verdade é trazer luz para fatos ocultos,
relacioná-los a outros, e traçar o retrato da realidade a partir do qual os homens
possam atuar”. Bucci explicita que sinalizar um evento significa noticiá-lo,
avisar sobre o que se passa para ajudar “o cidadão a modular suas expectativas
em relação ao futuro próximo”. Mais do que isso não cabe à imprensa, mas à
filosofia, sobre a qual darei breves pinceladas no próximo capítulo.
Para ficarmos na imprensa e política e para evitar que se entenda o campo
de ambas como apartados, Bucci (ibid., p. 26) evidencia suas relações
indissolúveis, mas nem sempre idílicas: embora o domínio da imprensa não
esteja contido no domínio político, ela não deixa de ter um olho ali dentro.
Embora a política não seja inquilina da imprensa, vive tentando lhe pôr o pé
na porta.
Os conflitos, oposições e mesmo complementaridades entre jornalismo e
política se reduziriam ao desenho diferencial de seus campos caso o mundo
informacional não estivesse hoje sendo atravessado por um tsunami que está
levando de roldão e dissolvendo no ar qualquer expectativa de solidez tanto da
imprensa, quanto da política mesmo quando são bem-intencionadas. As bolhas
e as fake news, em prol da disseminação de crenças enrijecidas por ideias fixas e
inflexíveis, trabalham para minar a confiabilidade de quaisquer fontes de
registros e transmissão da efetiva ocorrência dos fatos.
Mesmo que assim seja, em quaisquer campos e esferas das atividades
humanas em que estivermos, os refúgios da verdade não podem ser
abandonados sob pena de deserção da longa história da busca desinteressada da
verdade, aquilo que Arendt (ibid., p. 324) reclama sob o nome de objetividade
– “essa curiosa paixão (...) pela integridade intelectual a qualquer preço. Sem
ela ciência alguma jamais poderia ter existido”. Com isso, ficam abertas as
portas para que, no próximo capítulo, passemos brevemente a tratar de outras
verdades: a verdade provisória da ciência, o pensamento da verdade na filosofia
e, por fim, as verdades possíveis da arte e da literatura. Antes mesmo de colocar
essas variações da verdade em discussão, já posso adiantar que, para esses
campos, a nomenclatura da pós-verdade não cabe. Portanto, na ciência, na
filosofia e nas artes, a pós-verdade é falsa. Vejamos o porquê.
Capítulo 6

Outras verdades

Dou início a este capítulo ainda na companhia de Hannah Arendt,


quando, ecoando Nietzsche, afirma que “entre os modos existenciais de dizer a
verdade sobrelevam-se a solidão do filósofo, o isolamento do cientista e do
artista, a imparcialidade do historiador e do juiz e a independência do
descobridor de fatos, da testemunha e do relator” (ARENDT, 1972, p. 320).
Uma leitura semiótica da frase acima nos redireciona para tipos
diferenciados de verdade. O historiador, o juiz, o descobridor de fatos, a
testemunha e o relator estão, de uma forma ou de outra, ligados e
responsabilizados pela verdade dos fatos, ou seja, aquela que, no capítulo
anterior, foi caracterizada sob a égide de uma relação indexical em que o
discurso verbal ou híbrido dá expressão a ocorrências vividas. Esse não é o caso
do cientista, nem é o do filósofo e nem é igualmente o do artista.
Frente aos oceânicos contextos da ciência, da filosofia e da arte, a ambição
deste capítulo é bem modesta. Em breves pinceladas, pretende-se evidenciar
por que é improcedente e incabível a nomeação de “pós-verdade” para esses três
campos, sendo, inclusive um insulto para as ciências.
Arendt faz a distinção entre verdade fatual e verdade racional. Esta última
deve se referir tanto ao universo da ciência quanto ao da filosofia. Embora
ambas trabalhem com a razão, assim o fazem de modo diverso, uma distinção
que busco caracterizar como as verdades provisórias da ciência e a reflexão
sobre a verdade na filosofia. O que une ambas, a semiótica peirciana nos ajuda
a esclarecer. A classificação mais geral, que Peirce estabeleceu dos tipos de
referência de que as linguagens são capazes, apresenta uma distinção entre (a)
referências possíveis (a serem apreciadas mais à frente), (b) existenciais e (c)
gerais. Das existenciais provêm as verdades de fato, esboçadas no capítulo
anterior. Das gerais provêm as verdades racionais. As verdades de fato mantêm
uma relação dual entre os fatos e a expressão que recebem em discursos que os
indicam e que os dão a conhecer. Entre o discurso e os fatos que eles indicam,
há uma relação dual, existencial. De outro lado, as relações entre a verdade
racional e seu objeto são muito mais complexas. No caso da ciência, elas são
mediadas por sistemas codificados de leis que são expressas em teorias
caracterizadas por redes de conceitos interligados, métodos para atingir seus
objetivos, procedimentos, protocolos e justificativas. Comecemos, portanto,
pela ciência.

As verdades provisórias da ciência

Segundo Newton da Costa (1977, p. 40), “conhecimento científico é


crença verdadeira e justificada”. Falar em verdade e justificação, contudo, é
tocar nas questões mais discutidas por um dos ramos da filosofia da ciência: a
epistemologia. Do grego episteme, conhecimento, e logos, explicação, a
epistemologia é o estudo da natureza do conhecimento e da justificação,
especificamente, o estudo dos traços definidores, das condições substantivas e
dos limites do conhecimento e da justificação. Temas fundamentais da
epistemologia são: (a) a natureza do conhecimento; (b) a origem do
conhecimento; (c) os tipos de conhecimento; (d) as formas do conhecimento;
(e) as condições das crenças, (f ) as condições da verdade, (g) as condições da
justificação etc.
Infelizmente costuma-se confundir o fazer da ciência com um mero
cientificismo e, pior do que isso, confundir esse fazer com a apropriação
perversa que a lógica do capitalismo extrai dos seus efeitos e produtos. Embora
essa apropriação exista, ela não diz respeito aos critérios internos de verdade
estabelecidos pelas práticas científicas.
Junto com o enorme desenvolvimento das ciências e com a multiplicação
de seus ramos a partir do final do século XIX, multiplicaram-se também as
tendências epistemológicas voltadas para a discussão da natureza da ciência, da
validade de seus métodos e das justificativas que legitimam suas conclusões.
Não obstante as controvérsias, não são colocados em xeque os rigores de que a
ciência deve se cercar para validar suas conclusões.
Não há dúvida de que existem pseudociências, isto é, procedimentos,
discursos e crenças que pretendem se fazer passar por ciência, sem ter seu
estatuto. Existem também, como nos lembra Schulz (2018), invasões no
território da ciência, como aquelas que se dão em práticas ilegítimas de
publicação desobedientes aos critérios que garantem a qualidade e
confiabilidade da produção. Há ainda os predadores da ciência que maquiam
ou falseiam os resultados de suas investigações, incentivados pelo produtivismo.
São todos eles, ao fim e ao cabo, falseadores da ciência ou praticantes de uma
ciência de baixo nível. Isso, no entanto, não justifica a nomenclatura de pós-
verdade para a ciência, pois a ciência contém dentre seus procedimentos filtrar
o joio do trigo e diagnosticar os falsificadores com as devidas sansões.
É evidente que as ondas da pós-verdade não estão deixando ilesa nenhuma
área de atividade humana, atingindo, inclusive, questões de cunho científico.
Assim são as crenças acerca do terraplanismo e do criacionismo, por exemplo.
Entretanto, tais crenças e comodismos, que frutificam na ignorância, não
atingem o fazer da ciência para o qual não cabe a pecha de pós-verdade. Por
que não? Pelo simples fato de que a ciência não trabalha com verdades
indiscutíveis, mas discutíveis (LATOUR apud SCHULTZ, 2018). Quando
uma nova ideia, teoria, método ou solução são propostos, é necessário
apresentá-los no tribunal dos pares e defendê-los frente a discordâncias, o que
não se dá “no grito, na força ou por argumentos de autoridade” (MELO,
2018). Ao contrário,

Para convencer os demais cientistas, procuramos realizar experimentos que podem nos
provar errados. Se tal experimento não cumpre essa tarefa, nossa teoria ganha força; se o
experimento mostra nosso equívoco, temos que modificar nossa teoria ou até mesmo
abandoná-la. É esse aspecto fundamental que faz com que os resultados científicos sejam
confiáveis. (ibid.)
Isso significa que, na ciência, toda verdade é provisória. Isto porque a
ciência é alimentada pela pesquisa e pela investigação cujo objetivo não é
chegar à verdade total e para sempre verdadeira, mas sim, atingir, como diria
Peirce, um novo estado da crença que, mais cedo ou mais tarde, levará a uma
nova dúvida, e assim por diante. Uma investigação pode ser considerada
finalizada quando ela é capaz de resolver uma dúvida ou problema, quer dizer,
ao obter uma nova crença sobre a questão proposta, sem que isso signifique o
ganho de uma verdade para sempre inquestionável.
Na sua defesa do método da ciência em oposição aos outros métodos de
fixação de crenças, a saber o método da tenacidade, o da autoridade e o método
a priori, Peirce (1972, ver também SANTAELLA, 2004) afirma que o método
da ciência apresenta dois aspectos básicos: (a) o de ter, de fato, levado ao
estabelecimento de teorias amplamente aceitas; (b) o de nos forçar a atentar
para a permanência externa das coisas, isto é atentar para a evidência de que a
realidade insiste. Além disso, o método atende ao impulso social do ser
humano. Embora sua investigação possa ser realizada na busca solitária de
resoluções para suas dúvidas, o cientista não se fecha em casulos. Ao contrário,
usa as opiniões e experiências conflitantes para despertar dúvidas genuínas em
relação à verdade de crenças estabelecidas. Seu impulso social está voltado para
a comunidade da espécie humana e não para a satisfação autocomplacente de
pequenos ou grandes grupos.
Justamente porque lida apenas com verdades provisórias é que não cabem à
ciência os rótulos de pós-verdade, como também não cabem à filosofia.

O pensamento da verdade na filosofia

Há séculos a questão da verdade tem sido objeto das reflexões filosóficas,


desde que Platão a pensou como inseparável do bem e do belo. Nenhum
tratado, por mais extenso que seja, poderia dar conta das modulações que a
verdade foi adquirindo na passagem do tempo, especialmente porque as
filosofias são, em maior ou menor medida, sistemas de escritura do mundo,
não admitindo a atomização e isolamento de um conceito desgarrado do
conjunto.
Na absoluta impossibilidade de irmos muito longe no assunto, mas, ao
mesmo tempo, diante da necessidade de discorrer sobre o diferencial da
filosofia no tratamento da verdade, este tópico irá se limitar a mencionar alguns
filósofos do século XX como exemplos capazes de fornecer munição para a
afirmação de que a filosofia tem desempenhado, ao longo dos séculos, o papel
de pensar sobre a verdade. Qual a natureza da verdade? Quais seus limites e
intensidades? Essas e outras perguntas não são fáceis de serem respondidas
requerendo a demora paciente do discurso reflexivo, alimentado na leitura,
diálogo e confronto com o discurso do outro.
Segundo Arendt (ibid.), ciência e filosofia colocam-se sob o domínio da
verdade racional, aquela que provém dos poderes benignos da razão. Embora
ambas se caracterizem sob esse prisma, o racional da ciência não é o mesmo da
filosofia. Enquanto a primeira é sustentada pelo método e seus sucedâneos, a
segunda é sustentada pela reflexão. Para que isso se evidencie, basta apresentar
em brevíssimas pinceladas as ideias de dois filósofos que se notabilizaram no
século passado, entre outros fatores, por suas concepções sobre a verdade:
Michel Foucault e Richard Rorty.
A escolha desses dois filósofos é de certo modo arbitrária. Existem
inúmeros outros filósofos que poderiam ser apresentados para ocuparem a
posição a que ambos estão sendo chamados. Entretanto, trata-se de dois
pensadores que colocaram a verdade em proeminência, a partir de genealogias
de pensamentos muito distintas, um no contexto da filosofia continental pós-
estruturalista, o outro na esteira neo-pragmatista norte americana, no contexto
dos debates sobre pós-modernidade.
Foucault abandonou os tradicionais privilégios de um sujeito do
conhecimento, um ego transcendente sem história, e, consequentemente,
abandonou também a relação sujeito-objeto do conhecimento como universal
e necessária. Pensou, então, a verdade como inseparável dos vários lugares em
que ela se forma, relacionando sua produção com as formas de subjetivação, os
domínios de objetos, discursos saberes e poderes. A verdade, portanto, não tem
caráter essencialista, pois não está dissociada do tempo e do espaço das práticas
concretas.
Ainda mais original e fincada na ética é a derradeira concepção de verdade
foucaultiana, aquela que comparece na obra A coragem da verdade (2004), na
qual a verdade é inseparável da vontade e da ação, pois molda nossas condutas.
Mas por que a verdade exige coragem? Se ela funciona como norte da
sabedoria, a verdade precisa ser dita, em quaisquer circunstâncias, mesmo
quando expressá-la está cercado de perigos.
Rorty foi um grande admirador de Dewey e deste tomou como princípio
que “a filosofia não pode oferecer nada mais que hipóteses, e essas hipóteses
têm valor apenas à medida que tornam as mentes humanas mais sensíveis à
vida ao seu redor” (DEWEY apud RORTY, 2005, p. xiii).
A concepção que Rorty tinha de verdade consiste em sua recusa em
compreender a relação palavra-mundo como ajustamento, correspondência ou
representação acurada (ibid., p. x). Isso se deve ao seu abandono de qualquer
procura de correspondência entre pensamento-linguagem e mundo (RORTY,
1991). Assim, em lugar da aspiração pelas essências suprassensíveis ou pelas
profundidades inefáveis, para Rorty, a finalidade da investigação não é atingir a
verdade, mas sim solucionar problemas, pois, em meio a tensões transientes de
dinâmicas em evolução, os horizontes da investigação estão em constante
expansão. Portanto, todo trabalho filosófico deve se direcionar para a busca de
acordos intersubjetivos, sem a ilusão da promessa de validade universal. Essa é
a chave da contribuição que pode ser prestada pelos filósofos para a
conversação da humanidade consigo mesma. Uma conversação que segue
caminhos imprevisíveis, mas sempre na mira da superação de problemas que
não cessam de gerar novos problemas.

As verdades possíveis da arte e da literatura

A semiótica triádica de Peirce nos ajuda a pensar em uma outra


modalidade da verdade que não é nem fatual ou indicial, nem é produzida
pelas potencialidades do pensamento racional como se dá na ciência e na
filosofia, cada uma à sua maneira, mas ambas sempre críticas de quaisquer
pressupostos de verdades indubitáveis e universalistas.
A modalidade que foge da dicotomia entre fato e razão é aquela do
sensório, do sensível e da sensibilidade. Trata-se fenomenologicamente do
território em que imperam a possibilidade, a indeterminação, a ambiguidade,
que rebate semioticamente nas formas de quase-representação, ou melhor, de
presentificação, processos de linguagem em que vem à tona a potência da
presença, cujas formas de manifestação mais privilegiadas encontram-se nas
artes, na literatura, na música e na poesia.
Karl Marx, atento ao papel que as artes desempenham na educação dos
cinco sentidos, considerava que a afirmação humana no mundo objetivo não se
dá “apenas no pensar, mas também com todos os sentidos”. Para isso, são as
artes que entram em cena.

...é primeiramente a música que desperta o sentido musical do homem; para o ouvido não
musical, a mais bela música não tem sentido algum. (...) É somente graças à riqueza
objetivamente desenvolvida da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana
subjetiva é em parte cultivada, e é em parte criada, que o ouvido torna-se musical, que o
olho percebe a beleza da forma, em resumo, que os sentidos tornam-se capazes de gozo
humano, tornam-se sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas (MARX,
1974, p. 18).

As artes e a literatura abrem os olhos do espírito humano para aquilo que


ainda não se sabe e que ainda não foi experimentado ou sentido, criando as
condições para se olhar com olhos novos, como queria Oswald de Andrade.
Não é preciso ir muito longe nos argumentos para se concluir que não existe
lugar para a pós-verdade no universo da regeneração da sensibilidade que é
conquistada pela ação das artes do som, da visualidade e da escrita. Olhar com
olhos novos o mundo ao redor e sonhar com mundos possíveis, aqueles que
poderiam e deveriam ser, eis por que o único compromisso das artes com a
verdade é enunciar e fazer ver verdades possíveis, algo que só pode ser atingido
quando os signos são tomados em sua radicalidade.
A originalidade é, pois, o preço que se deve pagar pela esperança de ser acolhido (e não
somente compreendido) por quem nos lê. Essa é uma comunicação de luxo, já que muitos
pormenores são necessários para dizer poucas coisas com exatidão, mas esse luxo é vital,
pois, desde que a comunicação é afetiva (esta é a disposição profunda da literatura), a
banalidade se torna para ela a mais pesada das ameaças. (BARTHES, 1970, p. 20)

Ao abrir linhas de fuga da banalidade e dos clichês, muito especialmente


no mundo contemporâneo sobrecarregado de mensagens midiáticas, produtos
estereotipados de consumo simbólico que circulam pelos dispositivos de
subjetivação, as artes e a literatura funcionam como as barreiras mais
intransponíveis contra a invasão da pós-verdade, pois é difícil enganar
sensibilidades regeneradas.
Referências

ARENDT, Hannh. Verdade e política. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, pp. 282-
325, 1972.

BAKER, Erik & ORESKES, Naomi. It’s no game: post-truth and the obligations of science studies.
Social Epistemology Review and Reply Collective 6(8), pp. 1-10, 2017a. https://social-
epistemology.com/2017/07/10/its-no-game-post-truth-and-the-obligations-of-science-studies-erik-
baker-and-naomi-oreskes/.

________. Science as a game, marketplace or both: a reply to Steve Fuller. Social Epistemology Review
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5 https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2018/07/30/g1-lanca-fato-ou-fake-novo-servico-
de-checagem-de-conteudos-suspeitos.ghtml?utm_source=facebook&utm_medium=share-bar-
desktop&utm_campaign=share-bar

6 https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,arte-da-mentira,10000075581

7 https://en.oxforddictionaries.com/definition/post-truth

8 https://www.theguardian.com/culture/2018/aug/05/yuval-noah-harari-extract-fake-news-
sapiens-homo-deus

9 https://iainews.iai.tv/articles/issue-54-the-limits-of-reason-auid-791

10 Devo meus agradecimentos a Eugenio Bucci por ter generosamente colocado em minhas
mãos os lúcidos textos elaborados como base para seu concurso de Livre-Docência na ECA/USP,
em que as questões relativas à pós-verdade estão discutidas em mais detalhes do que
comparecem na sua publicação de 2018 na Revista USP. Devo também confessar que foi esse
texto de Bucci que me fez retornar ao brilhante e esclarecedor artigo de Hannad Arendt sobre
Verdade e política (1972).
Coleção Interrogações

Vivemos saturados de informações em sociedades arquicomplexas. Desde


as labutas da vida cotidiana até as tarefas mais especializadas, tudo parece ter
perdido a solidez em um emaranhado de incertezas. Interrogações não faltam
ao amanhecer de cada dia. Esta coleção, que A Estação das Letras e Cores
Editora lança ao público em geral, busca colocar em discussão questões
candentes com que a realidade social, na teia entrecruzada de seus fios
políticos, culturais, tecnológicos, psíquicos e educacionais, está nos desafiando.
Estratégias responsivas não são possíveis sem que os impasses sejam
devidamente pensados. Não se trata de buscar respostas acabadas, mas sim
desenvolver o apetite pela reflexão capaz de alimentar o pensamento crítico.
Sobre a autora

Lucia Santaella é pesquisadora 1 A do CNPq, professora titular na pós-


graduação em Comunicação e Semiótica e coordenadora da pós-graduação em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUCSP). Doutora em Teoria
Literária pela PUCSP e Livre-docente em Ciências da Comunicação pela USP.
Foi professora convidada em várias universidades no exterior. Já levou à defesa
248 mestres e doutores. Publicou 46 livros e organizou 19, além da publicação
de mais de 400 artigos no Brasil e no exterior. Recebeu os prêmios Jabuti
(2002, 2009, 2011, 2014), o prêmio Sergio Motta (2005) e o prêmio Luiz
Beltrão (2010).

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