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REFORMA
AGRÁRIA
Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA
REFORMA
AGRÁRIA
Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA
A Associação Brasileira de Reforma Agrária é uma entidade civil, não governamental, sem fins
lucrativos, organizada para ajudar a promover a realização do processo agro-reformista no Brasil,
bem como contribuir para incrementar o padrão de vida da população rural, melhorando a pro-
dução, a distribuição dos alimentos e produtos agrícolas, aumentando as possibilidades de emprego,
contendo a deterioração ambiental e assegurado o respeito aos direitos fundamentais do homem.
Sumário
Editorial
PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO/ JOSÉ JULIANO DE CARVALHO FILHO ....................... 5
Homenagem
Homenagem a Hugo Silveira Herédia
JOSÉ VAZ PARENTE ................................................................................................ 13
Ensaios e Debates
Reforma Agrária a Chile
JACQUES CHONCHOL .............................................................................................. 19
Documento
Manifesto: Tanques Cheios às custas de Barrigas Vazias:
A Expansão da Indústria da Cana na América Latina ............................... 259
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Editorial
Editorial
O documento, hoje já nas mãos das organizações dos trabalhadores, será apre-
sentado e discutido no "Encontro Terra e Cidadania", em Curitiba, patrocinado pelo
O Instituto de Terras Cartografia e Geociência ITCG do Paraná e pela ABRA. Este
evento ocorrerá no próximo mês de maio e terá um dos dias reservado à apresen-
tação e discussão do trabalho. Estão previstas: uma mesa a respeito da temática
geral com a presença de lideranças da ABRA e dos movimentos so-ciais, e três ofic-
inas sobre os principais eixos do documento: Análise do modelo agrícola brasileiro
e políticas; Obtenção e redistribuição de terras para reforma agrária;
Desenvolvimento dos assentamentos. Por fim, haverá sessão dedicada ao tema
Expansão do agronegócio e a ameaça à soberania alimentar.
Editorial
Editorial
Editorial
Editorial
Abril de 2007.
Documento
QUAL É A QUESTÃO AGRÁRIA ATUAL?
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APRESENTAÇÃO
Mas, obviamente, ele terá que ser controlado pelo Estado brasileiro,
sob pena de agravamento da já muito grave situação do campo. O Es-
tado dispõe de instrumentos para esse fim, mas não terá condições de
utilizá-los enquanto não houver pressão popular suficientemente forte
para vencer as resistências do "status quo". Logo, a estratégia de um go-
verno comprometido com os interesses populares consiste em fortalecer
o campesinato, a fim de reforçar o pólo camponês da contradição bási-
ca do meio rural.
I. APRESENTAÇÃO
12. Por seu turno, do ponto de vista das relações sociais agrárias, o agro-
negócio também é um conjunto de problemas para o País. Por causa de sua
lógica concentradora de terras, de tecnologia e de riquezas associada às ques-
tões ambientais, gera poluição, destruição de florestas e uso indevido da água
para irrigação. Seu caráter concentrador tem expropriado milhares de famílias
agricultoras e intensificado o desemprego no campo. Mesmo ali onde cria em-
pregos, intensifica a superexploração dos trabalhadores assalariados, criando
tensão social e aumentando o nível de enfermidade no trabalho.
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14. É necessário lembrar, também, que o Brasil possui uma área terri-
torial de 850 milhões de hectares, dos quais as Unidades de Conservação
ocupavam, em 2003, cerca de 102 milhões de hectares; as terras indíge-
nas 129 milhões de hectares; as águas territoriais internas, as áreas
urbanas e as ocupadas por rodovias, outros 30 milhões de hectares. A
área total de imóveis cadastrados no INCRA chega a 420 milhões de
hectares. Além disso, cerca de 170 milhões de hectares são constituídos
por posses irregulares, em terras devolutas cercadas, ilegalmente, por
grandes proprietários, e 120 milhões de hectares compõem as grandes
propriedades improdutivas, segundo levantamento do INCRA, datado de
2003, realizado de acordo com a Lei nº 8.629/93.
23. Os demais tópicos do Art. 186 por não terem sido objeto de regu-
lamentação pelo Congresso Nacional, por ocasião da edição da Lei n.º
8.629/93, são até hoje considerados pelo Judiciário como insuscetíveis de
justificar desapropriações. Mesmo quando a polícia desvenda trabalho
escravo no imóvel rural, identifica queimadas clandestinas, cultivo de dro-
gas proibidas ou qualquer outro ilícito no imóvel rural, este não pode ser
desapropriado ou expropriado para fins de reforma agrária, alegada-
mente porque não há lei que o autorize.
24. O sistema agrário dominante precisa também ser avaliado por sua
capacidade de absorção da População Economicamente Ativa (PEA) da zo-
na rural tradicional e dos pequenos municípios (com até 20.000 habitantes),
cuja dinâmica econômica depende fortemente do setor primário. As obser-
vações estatísticas nacionais, a exemplo das PNADs, revelam, ano a ano,
queda da PEA rural, não obstante crescimento do Produto do Agronegócio.
26. A crítica ao sistema agrário dominante que a ABRA assume neste do-
cumento não é observação de natureza meramente retórica, mas um posi-
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37. O documento descreve trinta e nove medidas. Destas, dez foram con-
sideradas como avanços e acúmulos para a agricultura camponesa e refor-
ma agrária, enquanto vinte e nove foram tidas como derrotas para os cam-
poneses. Dentre as primeiras, excluída a mudança de atitude do governo
ante as lutas camponesas, constam providências pontuais que, por si só,
não significam a concretização da reforma agrária prevista em documentos
oficiais e esperada pelos movimentos sociais. Por outro lado, varias ações
relevantes para um processo de reforma fazem parte das medidas - ou falta
de medidas - que as organizações camponesas consideraram como derro-
2 - Versão preliminar: "Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário para uma Vida Digna no Campo". A ver-
são oficial retirou do título o termo "solidário".
3 - Organizações que assinam o documento: Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA; Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST; Movimento dos Atingidos por Barragem - MAB; Movimento das Mulheres Camponesas - MMC;
Comissão Pastoral da Terra - CPT; Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA.
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38. A ABRA não tem a pretensão neste texto de expor todo um conjun-
to de providências atinentes a todos os públicos afetados pela Questão
Agrária. Mas não pode se furtar de eleger a Reforma Agrária, o público
por ela demandante e ainda o desenvolvimento dos assentamentos já con-
stituídos, como eixos de enfretamento da Questão Agrária, sem prejuízo
de outras ações complementares da política agrária, que por ora não nos
cabe aprofundar.
41. A reforma agrária deve retomar seu sentido histórico, isto é, ser um
instrumento de alteração da estrutura fundiária e distribuição de riqueza.
A reforma agrária, portanto, há de ser feita em terras aptas para imediata-
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mente produzir, não só pela sua qualidade, mas também pela sua proxi-
midade com o mercado.
Por sua vez, as terras públicas fora da fronteira agrícola devem ser obje-
to de políticas que assegurem a permanência e reprodução de povos e
populações que tradicionalmente as ocupam de forma ambientalmente
sustentável.
43. Para esse fim, os meios jurídicos de obtenção podem ser: desapro-
priação, expropriação de glebas com culturas psicotrópicas (Lei n.
8.257/91), arrecadação de terras devolutas, anulação de títulos que ilegi-
timamente transferiram as terras públicas para o setor privado (grilagem),
arrecadação das terras adjudicadas para pagamento de dívidas públicas
(inadimplência de tributos, multas ambientais e por trabalho escravo, fi-
nanciamento de Bancos Públicos etc.) e compra pelo Poder Público.
45. Definido isso, as terras férteis dentro da fronteira agrícola que não este-
jam sendo produtivas como o determina a lei no largo espectro da função
social da propriedade, conforme define a Constituição, devem ser reformadas.
46. As terras obtidas para a reforma agrária deverão ser mantidas com
natureza pública mesmo depois de transferidas, quando for o caso, ao uso
particular ou comunitário. Apenas o uso deve ser transferido, o domínio
continuará público. Um instrumento jurídico a ser utilizado é a concessão
real de uso, preferentemente coletivo, em instituto similar às reservas extra-
tivistas (Lei n.º 9.985/2000). Isto porque o uso deve ser socialmente rele-
vante para que seja mantido, de tal forma que as áreas reformadas vivam
sob um regime jurídico especial, adequado à natureza das novas relações
fundiárias que estão sendo instituídas.
49. É necessário que haja uma apropriação coletiva dos imóveis refor-
mados, de tal forma que haja sua gestão pelas famílias assentadas, de
modo a permitir a substituição de famílias que deixem os assentamentos.
Por outro lado, é necessário criar mecanismos jurídicos e econômicos que
garantam a permanência dos filhos de assentados, para fazer face ao con-
tínuo parcelamento dos imóveis (já titulados individualmente) pela
sucessão hereditária nos moldes do Código Civil. Isto gera conflitos e pro-
duz fragmentação em minifúndios.
4 - Cf. "Programa de Desenvolvimento ..... para uma Vida Digna no Campo" - op.cit .
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Ensaios e
Debates
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O sentido histórico da
reforma agrária como
processo de redistribuição
da terra e da riqueza
Claus Germer*
Ensaios e Debates
Camada Intermediária
Pequena Burg. (20 -50 ha) 907 15,6 28,1 7,5 814 16,7 25,4 7,19
Produtor Simples (<20 ha) 554 9,6 7,7 2,1 482 9,8 6,7 1,9
Força de Trabalho
Semi-assalariado (<20 ha) 3.326 57,3 13,6 3,6 2621 54,0 10,9 3,1
Proletariado 4.958 3.673
O s e n ti d o h i s tó r i c o d a r e f o r m a a g r á r i a c o m o p r o c e s s o d e r e d i s tr i b u i ç ã o d a te r r a e d a r i q u e z a
2 - Deste ponto de vista os pequenos produtores podem ser divididos em dois grupos: os que sofrem e os
que não sofrem a concorrência de grandes produtores. Os que não enfrentam concorrentes de grande
escala de produção são mais resistentes à falência (Labini, 1983).
Ensaios e Debates
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Ensaios e Debates
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Ensaios e Debates
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Nas fases de transição social sempre surge um conflito entre os que dese-
jam a via das pequenas mudanças paliativas (tidas equivocadamente como
cumulativas) e os que desejam uma transformação estrutural que altere a
natureza do sistema. Na fase final da escravidão, no Brasil, por exemplo, os
que lutavam contra ela dividiam-se em duas correntes: uma entendia ser mais
sensato procurar melhorar gradualmente as condições de vida dos escravos,
limitando a violência do sistema, enquanto a outra desejava abolir de um gol-
pe a própria escravidão. Esta última corrente foi afinal vitoriosa, mas mesmo
assim o Brasil ainda apresenta sequelas da escravidão, pois a sua abolição
foi em grande parte apenas formal. A discussão atual sobre a reforma agrária
apresenta semelhanças com esta, pois opõem-se duas correntes: uma que
propõe ajustes limitados e progressivos, compatíveis com a estrutura do poder
real, e outra que propõe uma mudança estrutural massiva e integral.
Ensaios e Debates
um lado, que não conseguem alterar a estrutura agrária e social como dese-
jariam, por falta de força suficiente para tanto e, por outro lado, o Estado e
a burguesia que representa, que não conseguem esmagar os sem-terra, como
desejariam. Os assentamentos personificam assim, na hipótese otimista de
uma evolução favorável da correlação de forças entre as classes sociais em
disputa, uma figura de transição em direção a uma eventual transformação
global. Ou podem ser limitadas a um trunfo na reivindicação ao Estado por
políticas sociais de assistência e proteção dos sem-terra, que apenas atenuar-
iam em certa medida a sua fatal transição à condição de proletariado explí-
cito. Objetivamente as políticas do Estado expressam esta concepção, desti-
nando-se essencialmente a conter temporariamente o fluxo dos expropriados
do campo para as cidades por intermédio de políticas assistencialistas que,
ao mesmo tempo, amortecem o ardor reivindicatório dos mesmos.
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Ensaios e Debates
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Ensaios e Debates
7 - Segundo dados recentes, os 'assentamentos' na região Norte, de 1969 a 2005, representam aproxi-
madamente 70% da área e 43% das famílias assentadas. Dados referentes a um período mais recente se-
riam preferíveis.
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BIBLIOGRAFIA
GERMER, C.M. (1994). Perspectivas das lutas sociais agrárias nos anos 90.
In: STÉDILE, J.P. (Coord.). A questão agrária hoje. 3a. ed. Porto Alegre :
Editora da Universidade- UFRGS / Assoc. Nac. de Cooperação Agrícola, p.
259-284.
LABINI, P.S. (1983). Ensaio Sobre as Classes Sociais. Rio, Zahar Editores.
Guilherme C. Delgado
INTRODUÇÃO
Neste meio século, excluída a fase mais dura do regime militar, após o AI
05, as respostas políticas do estado brasileiro às demandas por Reforma
Agrária consistiram na adoção de variadas formas de distribuição de terra,
posses e medidas fundiárias tópicas, cuja resultante nos dias atuais é ainda
precária em termos de desconcentração fundiária nacional. Mas contém
alguns indicadores físicos, dignos de nota:
Ensaios e Debates
2. REFORMA AGRÁRIA E
DESENVOLVIMENTO DOS ASSENTAMENTOS
1 - Ver a este respeito de minha autoria "Questão Agrária no Brasil: 1950 - 2003" op.cit.
Ensaios e Debates
Ensaios e Debates
Ensaios e Debates
12 - Como se pode ver nos dados do Quadro 01, Minas Gerais ocupava a segunda posição em termos de
área de cana no Brasil. Contudo, naquela época esse estado não possuía uma estrutura de produção açu-
careira semelhante à de Pernambuco, Alagoas e São Paulo, marcada pela presença de usinas, mas sim pela
existência de inúmeros pequenos engenhos de açúcar mascavo, rapadura e aguardente.
13 - Estes processos já foram analisados por diversos autores, os quais foram utilizados em RAMOS, 1983 e
RAMOS, 1999. Aqui é feito um exercício de síntese sobre eles.
14 - Fogo Morto é um dos títulos da obra de José Lins do Rego que, como se sabe, imortalizou na literatura
brasileira os processos ocorridos na agroindústria canavieira de Pernambuco.
15 - Uma outra opção foi apontada por Celso Furtado: "Além da grande corrente migratória de origem européia
para a região cafeeira, o Brasil conheceu no último quartel do Século XIX e primeiro decênio deste um outro
grande movimento de população: da região nordestina para a amazônica" (FURTADO, 1977, p. 129).
16 - Ver DIÉGUES JÚNIOR, 1954. O trecho a seguir é retirado da página 164.
Ensaios e Debates
17 - Muitas obras já foram escritas sobre isto, entre as quais a da nota anterior e a de SIGAUD, 1979. Outras
serão mencionadas a seguir, quando for tratado o caso de São Paulo.
18 - Ver AZEVEDO, 1982. Embora o autor trate (página 59) como "meia verdade" a versão mais conhecida quan-
to à origem da "Liga Camponesa da Galiléia" como sendo a de "uma associação beneficente, com o objetivo
exclusivo de criar um fundo mútuo de ajuda para financiar caixões mortuários", ela pode ser tomada como um
sintoma da realidade vivida pelos trabalhadores da região.
Ensaios e Debates
23 - Os comentários a seguir devem ser considerados como uma síntese da análise contida em RAMOS, 2005.
24 - Não obstante isso, "Nos centros industriais como São Paulo e Rio de Janeiro, que eram responsáveis por
cerca de 50% do total dos empregos urbanos registrados, o valor do primeiro salário mínimo ficou abaixo da
média dos menores salários, enquanto que no restante das cidades o mínimo legal foi superior à média das
menores remunerações" (conf. POCHMANN, 1994, p. 648). O primeiro salário mínimo foi estipulado para o ano
de 1940. Um estudo sobre saída de trabalhadores agrícolas, por salário diário mais frequente, em 1952, reve-
lou que "os estados do Nordeste que mais tiveram municípios que perderam trabalhadores agrícolas foram os de
Ceará, Pernambuco e Bahia". Uma consulta aos anuários estatísticos do IBGE mostrou que "os salários agrícolas
mais frequentes pagos nos municípios do Nordeste eram, na esmagadora maioria (90%), inferiores ao salário mí-
nimo vigente em Salvador, e que este e aqueles eram bem menores que o salário mínimo médio estipulado para
São Paulo" (trechos extraídos de RAMOS, 2005, pp. 96 e 97).
Ensaios e Debates
25 - Os dados de um trabalho indicam que, em 1955, na "zona rural do Estado de São Paulo" a distribuição da
força-de-trabalho era a seguinte: "colonos"+"parceiros": 510 mil trabalhadores (36,4%); arrendatários: 215 mil
(15,4%); proprietários: 26,4%); "camaradas por dia"+"camaradas por mês": 307 mil (21,8%) (ver ETTORI, 1955,
p. 14). Outro indicador encontra-se em STOLCKE, 1986, p. 236, que mostra que o número de "colonos e suas
famílias" caiu 100% e o de "parceiros e suas famílias" caiu 96,9% nas propriedades cafeeiras paulistas entre 1958
e 1970.
26 - Alguns dados evidenciam este movimento: a importação de tratores e acessórios mecânicos agrícolas no
Brasil passou de 3.100 toneladas na média de 1937/48 para a de 18.200 na de 1949/53 e para 47.600 em
1954. Dados retirados de GNACCARINI, 1980, p. 83. Por sua vez, o número de tratores na agricultura brasileira
passou de 1.706 em 1920 para 3.380 em 1940, para 8.372 em 1950 e para 61.345 em 1960. Dados retira-
dos de SORJ, 1980, p. 35.
27 - Sobre isto ver RAMOS, 2005, páginas 111 e 112. Para ilustrar a afirmação basta destacar que, em 1960,
a relação AL/AT dos estabelecimentos de São Paulo ainda era de apenas 24,7%; a relação AT/AG (ou
AT/Superfície) era de 78%. Em dois estados da fronteira elas eram, respectivamente de 3,4% e 44,8% em Goiás
e de 1,3% e 21% no Mato Grosso.
28 - Não há espaço aqui para detalhes sobre isto. Ver RAMOS, 1999, páginas 159-165.
Ensaios e Debates
33 - Como pode ser visto no Quadro 13, a cana era, em 1959 a quinta cultura em área colhida no estado; atrás
do café, do milho, do arroz e do algodão.
34 - Ver, para um tratamento aprofundado do caso de São Paulo, STOLCKE, 1986. Na página 233, ela escreveu
sobre a Lei n. 5.889: "Ao invés de eliminar algumas das deficiências observadas no Estatuto, em relação ao estatu-
to legal dos trabalhadores eventuais, a nova lei simplesmente excluía da proteção legal essa categoria crescente
de trabalhadores de modo ainda mais eficaz".
35 - As singularidades da agroindústria canavieira desta área foram objeto de primorosas pesquisas publicadas
pela antropóloga Delma Pessanha Neves. Ver NEVES, 1981 e 1997.
Ensaios e Debates
QUADRO 13 – ESTADO DE SÃO PAULO – ÁREA TOTAL (AT) E ÁREA MÉ DIA (AM) COLHIDA
DAS PRINCIPAIS CULTURAS – 1959 – 1970 – 1975 – 1980 – 1985 (área total em mil hectares)
CULTURAS 1959 1970 1975 1980 1985
AT AM AT AM AT AM AT AM AT AM
1. Café 1.285,53 13,25 650,88 8,57 711,26 10,06 821,05 9,29 723,39 9,27
2. Milho 898,65 5,42 1.262,09 7,48 1.076,64 7,44 1.006,10 8,65 1.040,04 9,47
3. Arroz 488,49 3,78 447,73 4,46 446,21 4,24 259,63 3,51 228,70 3,45
4. Algodão 408,30 7,50 531,10 10,81 292,50 12,21 236,69 16,41 325,58 16,82
5. Cana 291,01 29,16 580,49 38,28 689,48 66,12 1.073,12 80,42 1.694,99 108,04
6. Feijão 185,62 1,68 130,18 1,88 145,76 2,37 306,22 3,99 287,02 3,96
7. Amendoim 166,39 4,77 322,55 6,94 159,48 6,52 149,42 8,47 106,24 9,34
8. Banana 43,99 2,64 ... ... 30,48 2,28 29,40 1,82 31,78 1,78
9. Laranja 31,05 1,49 112,06 3,99 188,16 5,28 347,77 8,64 485,76 12,14
10. Mandioca ... ... 35,69 2,80 ... ... ... ... 27,52 2,47
11. Batata ... ... 27,29 4,63 20,53 6,06 17,17 6,92 20,96 7,25
12. Soja ... ... 69,42 47,62 348,77 61,02 485,51 63,72 470,06 63,49
13. Trigo ... ... 12,68 25,41 ... ... ... ... 138,26 52,27
Fonte: IBGE, Censo agrícola de 1960 e Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980 e 1985.
Nota: O uso de ... significa que os censos não destacam a cultura como uma das p rincipais nos anos respectivos.
37 - Ver OLIVEIRA, 1981. Em outro trabalho encontra-se que "A utilização de volantes não implicou na unificação
do mercado de trabalho. Gostaríamos de sugerir aqui uma distinção analítica entre integração do mercado de
trabalho e unificação do mercado de trabalho. Se esta última não se deu, ocorreu, no entanto, grande integração
(...) pela fluidez maior da mão-de-obra rural e pela aproximação dos empregos rurais e urbanos" (CASTRO et.
al., 1979, p. 196).
38 - A distribuição da utilização de mão-de-obra entre as diferentes operações agrícolas nas propriedades das
usinas paulistas apresentou uma queda, durante a década de 1970, na participação da operação "tratos cultu-
rais", de 38 para 20% e, entre 1960/1 e 1981/2, um crescimento de 7 para 18% nas de "preparo do solo e plan-
tio", com a "colheita" absorvendo 61% em 1960/1 e 63% em 1981/2 (conforme dados apresentados por
GRAZIANO DA SILVA, 1997, p. 57). Dados sobre o uso de homens/dia em quatro culturas (algodão, café, cana
e feijão), em São Paulo, em 1974/5, evidenciaram que o algodão era a lavoura que tinha na colheita um nível
igual, 63% (dados de KAGEYAMA et. al., 1981, p. 127). O porcentual na colheita não é maior porque a partir
de 1960/1 passou a se disseminar em São Paulo o carregamento mecânico da cana cortada; sendo que a
queima da cana para o corte manual foi introduzida ainda na década de 1950. Conforme VEIGA FILHO, 1998
(Item 4.1), embora algumas colhedoras automotrizes de cana tenham entrado em operação em São Paulo ape-
nas no início da década de 1970, algumas experiências com máquinas importadas dos EUA haviam ocorrido na
década de 1950. Estima-se que ainda hoje a colheita totalmente mecânica de cana-de-açúcar em São Paulo não
passa de um terço do total colhido, havendo grande variação regional.
Ensaios e Debates
39 - É sabido que maior área média colhida não é indicador direto de grande propriedade, mas é inegável a
relação entre elas. De qualquer modo, o latifúndio canavieiro paulista está demonstrado também em RAMOS,
1999, págs. 229 e 232, em uma comparação com os casos da laranja e da soja, considerando-se as áreas totais
dos estabelecimentos que praticavam estas três culturas. Para dar dois destaques: em 1985, á área média total
dos que tinham na cana sua atividade econômica era de 231,7 hectares, face à 71,7 no caso da laranja e 141,4
no caso da soja. Nesse mesmo ano, os estabelecimentos com 1000 ou mais hectares de área total somaram
43,3% do total de cana colhida, face a 13,1% de toda a laranja e de 13,8% da soja colhida.
40 - HOFFMANN, CLEMENTE DA SILVA, 1986, páginas 153 e 155.
41 - O grande predomínio da cana industrial em São Paulo fica evidenciado com base nos seguintes dados: em
1964/5 e 1974/5, a área com cana forrageira correspondia a 10% da área daquela; em 1984/5, caiu para 4%
(conforme Informações Estatísticas do IEA).
42 - Ver, sobre este problema, além do mencionado a seguir, os trabalhos de LOPES, 1977, e de GRAZIANO DA
SILVA, 1982, cap. 8.
43 - Ver KAGEYAMA, 1982, página 7. Para o caso de São Paulo, as correções elevaram os números, respectiva-
mente, em 96,4% e em 92,5%. Para o caso de Pernambuco, os percentuais de elevação foram de 26,4 e de 19,7.
44 - Outros trabalhos sobre o tema, além dos já citados, são o do DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL-
FCA-BOTUCATU, 1982; o de D'INCAO E MELLO, 1978 e o de SCARFON, 1979.
45 - Trecho retirado de BRANT, 1977, p. 40.
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46 - Trecho retirado de POCHMANN, 1994, p. 652. Na página seguinte o autor observa que "Desde 1975, o salário
mínimo anual passou a ser inferior à renda per capita nacional" e na página anterior ele mostra que, em 1960 a
relação salário rural/salário mínimo, no Estado de São Paulo, passou dos 51,5% em 1960 para 133,9% em 1974.
47 - Ver, respectivamente, BACHA, 1979 e REZENDE, 1984 e 1985.
48 - BACHA, 1979, p. 592. Sobre a comparação feita entre os níveis e as evoluções dos salários urbanos e
rurais entre 1948 e 1977, conclui que "No final da década de 40, o diferencial entre salários urbanos e rurais
era aproximadamente de 100%. Diminuiu para 50% no início da década seguinte e então aumentou para
150% no final da década de 50 e início da de 60. Daí em diante, caiu regularmente através das décadas de
60 e 70, até atingir 28% em 1977" (p. 598).
49 - Ver ARAÚJO e. al., 1974, páginas 177 e 192, e SECRETARIA DA AGRICULTURA, 1972, p. 119.
50 - O trabalho de SENDIN, 1972, traz o índice de salários de diferentes categorias de trabalhadores rurais no Estado
de São Paulo entre 1948 e 1968. O do volante apresentou seu pico em 1965 e o do salário mínimo em 1961. Já a
relação percentual entre o número de diárias dos diaristas como um todo e o número de diárias dos volantes, entre
março de 1972 e novembro de 1985, sempre foi maior do que 100 (ver RAMOS, SZMRECSÁNYI, 1996, p. 101).
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A questão agrária:
mercado de terras, de trabalho
e o desenvolvimento
Leonam Bueno Pereira*
* Economista e Mestre em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente. O presente texto é uma sín-
tese do primeiro capítulo de minha dissertação de Mestrado defendida em 2004 no IE-UNICAMP sob orien-
tação do Prof. Dr. Pedro Ramos.
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Uma leitura de três autores que, em suas análises sobre a realidade agrária
brasileira, estabeleceram e delimitaram marcos teóricos que permitiram iden-
tificar um significado especial para o papel da estrutura agrária no processo
de desenvolvimento sócio-econômico do país é nossa preocupação. Não há
necessariamente um corte cronológico entre eles, de forma a colocá-los li-
nearmente no tempo. Ao contrário, aproveitamos de suas contribuições teóri-
cas, para sustentar uma argumentação, ou seja, o papel da estrutura agrária
na dinâmica sócio-econômica do país e da necessidade de sua modificação
através da Reforma Agrária.
Os autores aqui abordados são Ignácio Rangel, Caio Prado Jr. e Celso
Furtado. São os criadores de uma economia política original dentro do pen-
samento econômico brasileiro e, particularmente sobre a questão agrária,
apresentaram uma contemporaneidade dada pelos anos 60, a partir das dis-
cussões sobre as reformas de base.
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Por essa razão ele procura formular um arcabouço teórico que tem como
princípio a dualidade e a formação de relações de produção diferenciadas
que surgem dessa dualidade. Ao mesmo tempo em que tratava da questão
econômica, ele também tratava da superestrutura jurídico-político que essa
questão suscitava. É um clássico da economia política brasileira porque a
originalidade de seu pensamento esta em observar os movimentos contra-
ditórios e os tempos diferentes entre esses movimentos, como partes de um
mesmo processo cíclico de ascensão e crise da acumulação capitalista no
país. É isso que ele pretende enfatizar quando afirma que, em determinados
momentos, a questão torna-se política.
Com essa visão dualista é possível identificar pelo menos duas dimensões
econômicas na conformação de um mercado de terras no país. Uma dimen-
são macroeconômica e outra microeconômica. O primeiro componente diz
respeito ao comportamento do sistema capitalista e corresponde ao estado
geral do desenvolvimento das forças produtivas da economia. Corresponde
também, à articulação que esse desenvolvimento engendra entre os diferentes
setores da sociedade, responsáveis pela valorização e acumulação de capi-
tal. Dessa forma, esse componente depende do estágio da técnica e de como
esta se difunde na sociedade. Em última instância, depende do estágio da
divisão social do trabalho existente na sociedade.
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Para Rangel, a taxa de lucro, ou como diz ele a taxa de exploração, exis-
tente na economia regula a taxa de inversão no sistema e possibilita uma
comparação das possibilidades de retorno que diferentes aplicações de capi-
tal encontram disponíveis para realização. Com isso forma-se na economia
capitalista o que ele chama de uma função social básica de produção,
(RANGEL, 1979). Essa função implica em um cálculo que considera os cus-
tos das combinações de dois fatores básicos: capital e trabalho. Assim, o pro-
dutor capitalista alterna a possibilidade de "reduzir seus custos de produção
por unidade de produto, seja reduzindo a participação do fator trabalho e au-
mentando a do fator capital, seja o inverso". (RANGEL, 1990: 35).
diata e respondem como uma solução da crise agrícola e estão dentro da esfera
da política agrícola resolve-los. Mais ainda, a solução de tais problemas inde-
pendem de modificações na estrutura agrária herdada. Nesse sentido, Rangel
antecipa o processo de modernização conservadora por qual iria passar o país.
Para ele o latifúndio também era composto por um caráter dual. Por um lado,
representava o setor moderno da economia, posto que através dele que se inter-
nalizavam bens e serviços do resto do mundo, responsabilizando-se pela susten-
tação do comércio exterior do país. A essa função externa, Rangel identificou ca-
racterísticas capitalistas assentadas principalmente na associação com os capitais
mercantis organizados no comércio de exportação e importação.
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colas. Para Rangel, as elevações dos preços dos produtos agrícolas também
decorriam de estrangulamentos existentes na comercialização, tendo em vista
basearem-se em estruturas oligopsónicas e oligopólicas de distribuição. Estes
elementos constituíam os problemas impropriamente agrários, configurando-
se problemas agrícolas, de solução na esteira do desenvolvimento pleno do
capitalismo no país (RAMOS, 1998: 91).
Seu método aponta para uma mesma direção de Rangel, no sentido de que
são relações sociais que estão no centro do processo de desenvolvimento
sócio-econômico do país. No entanto, a sua contribuição não envereda
somente para a análise econômica. Sua preocupação é apresentar propostas
alternativas que rompam com a situação de miséria que se encontravam as
populações rurais.
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Sua análise pode ser dividida sob dois aspectos. Por um lado, com a concen-
tração fundiária se propiciava uma base territorial para a expansão dos em-
preendimentos agromercantis, através do controle e da disponibilidade de ter-
ras de boa fertilidade e localização, mesmo onde o processo de ocupação ter-
ritorial do país já estivera praticamente completado. Esse argumento é funda-
mental para combater uma expressão obscura e muito veiculada, na época, de
que no país "existe muita terra para pouca gente" e por essa razão estaríamos
vivendo um processo natural de concentração da propriedade da terra devido
à baixa densidade demográfica em algumas regiões. Por outro lado, a expres-
são econômica da concentração da propriedade fundiária permitia "assegurar
ao empreendimento a mão de obra necessária e indispensável", para o proces-
so de expansão e acumulação capitalista. (PRADO JR., 1981: 43)
Para Caio Prado Jr. a intervenção política na questão agrária brasileira con-
sistia, essencialmente, em estabelecer um limite à expansão da propriedade
da terra (leia-se, ao latifúndio), eliminando com isso a concentração e
alterando a estrutura agrária em favor da constituição de pequenas e médias
propriedades e trazer a universalização da legislação trabalhista também para
o campo, de sorte a propiciar ao trabalhador rural as vantagens do trabal-
hador urbano no que concerne, principalmente, na independência sócio-
política, daquelas relações de dependência que ele identificava como
sobrantes do nosso capitalismo colonial.
Caio Prado antecipa assim algumas medidas técnicas que irão aparecer na
concepção do Estatuto da Terra. Medidas que invariavelmente estavam relacio-
1 - Esse foi um debate que Caio Prado Jr envolveu-se juntamente com a direção de seu partido.
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RAMOS (1998 e 1999) chama a atenção que esse processo assumiu uma
forma de deslocamento da agricultura, que no Brasil representa uma expan-
são da área cultivada sem muita exigência com a produtividade do trabalho
aplicado nessa terra. Existe um componente político-ideológico muito claro
nesse processo de expansão territorial. Junto com um aumento da produção
de forma extensiva, as relações políticas pendiam para aquele que detinha
Como aponta Furtado "convêm assinalar que, nas condições que prevale-
ciam no início da ocupação, a terra era bem de ínfimo valor. A instalação da
empresa agromercantil dependia principalmente de capacidade financeira".
(FURTADO, 1982: 97). (grifamos).
Dessa forma, não é o preço da terra, mas o preço do trabalho que é deter-
minado a partir da concentração da propriedade. Isso explica porque o
empreendimento agromercantil em um regime de escassez de mão de obra
torna-se viável.
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Além disso, por ser uma estrutura herdada do período colonial pouco trans-
formada pelos diferentes ciclos de expansão econômica, a concentração da
propriedade possibilitava subjugar o trabalho de forma mais precária e vil,
constituindo-se um corolário da forma de exploração e de acumulação primi-
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tiva e predatória, tal qual descrita por Caio Prado e desenhada por muitos ou-
tros autores, sobre a colonização da América Latina.
Enfim, embora lhe possam questionar uma ou outra afirmação quanto ao papel
do Estado nesse processo, Rangel é um autor a enxergar em nosso desenvolvi-
mento a solução de continuidade em outro condicionante que não o econômico.
Nesse sentido, muito mais próximo de Caio Prado do que de Furtado, para
ele o principal condicionante é político. Por isso sua preocupação com o insti-
tuto jurídico do latifúndio. Sua capacidade de sobreviver ao processo de
industrialização, mormente sua dupla condição no caso brasileiro, ou seja, de
apresentar um lado dinâmico - capitalista na terminologia de Rangel - e,
outro lado atrasado, reproduzindo relações pré-capitalistas de produção, os
chamados "restos feudais".
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É por essa razão que esses autores - Rangel, Caio Prado e Furtado, são
enfáticos em assinalar que é, no Brasil, a constituição do mercado de traba-
lho a expressão mais límpida da manutenção de uma estrutura fundiária con-
centrada. E nesse sentido também, o destravamento dessa questão abriria um
vazadouro para o re-equacionamento da questão urbana no país, de criação
de empregos e capacidade de geração de renda. Esse é o sentido mais pro-
fundo de que a questão agrária se expressa no plano da população.
(KAGEYAMA, 1993).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. Apresentação
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Assim, procurarei neste artigo fazer uma reflexão em três direções, uma
primeira, que aborda a Lei de Revisão Agrária em si e, sua importância; uma
segunda, que aborda as trajetórias destes assentamentos e, finalmente, a ter-
ceira, que resgata as duas anteriores, propondo uma interpretação para o
significado da própria reforma agrária, não apenas daquela relacionada à Lei
de Revisão Agrária, mas a da reforma agrária em si.
A fala da epígrafe que escolhi para dar início a este artigo dá o tom da dis-
cussão que quero fazer. Ela é de autoria de uma camponesa assentada no
município de Marília há mais de quarenta anos.
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2 - Sobre "Frente de Expansão" e "Zona Pioneira" ver, entre outros, Martins (1997) e Chaia (1981).
3 - Na tese, mapeei os conflitos no campo em São Paulo cobrindo um período de meio século: de 1945 a
2005. O primeiro período mapeado foi de 1945 a 1964. Ver Bombardi, 2005.
Neste sentido, a reforma agrária no Governo Carvalho Pinto - para ser bem
breve - vinha naquele momento com duas funções: a primeira de superar o
subdesenvolvimento (o Governo do Estado tinha uma posição extremamente
nacionalista e desenvolvimentista) e, a segunda, nitidamente, a de conter os
conflitos e os movimentos sociais no campo.
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tre outros, três fatores articulados que apontam um caminho no sentido dessa
explicação: o primeiro é o tipo de cultura que as famílias desenvolveram em
seus lotes, o segundo é a estrutura familiar tal como se apresentava quando
vieram para o lote, ou seja, o número de membros da família e a idade dos fi-
lhos e, o terceiro, é a relação que a família camponesa estabelece com o mer-
cado, tanto no sentido da comercialização, como no da própria distância.
lias vivem com um nível razoável de conforto, tendo acesso a bens de con-
sumo que costumamos conceber como exclusivos do meio urbano.
Uma pequena parte das famílias assentadas (apenas cinco, das setenta e
duas que foram assentadas) veio para o lote cultivando frutas, que elas já cul-
tivavam nos sítios dos pais e dos avós, ou seja, eram camponeses-proprietários,
cuja propriedade tornava-se exígua para a reprodução de todos os filhos.
Passou a ocorrer que estas famílias que cultivaram frutas obtinham uma
renda da terra maior do que as outras que produziam, por exemplo, algodão,
ou legumes, como apontado.
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Naquele período, no início dos anos 60, uma boa parte do óleo comestí-
vel consumido pela população urbana era feita de amendoim e, na região de
Marília, havia diversas indústrias processadoras. Esta foi a grande justificativa
dada pelo Estado, nos anos de implantação do assentamento, para que as
famílias se dedicassem quase exclusivamente a este cultivo.
Entretanto, este processo acabou virando uma faca de dois gumes, porque
A gravidade deste processo está em que a renda destas famílias ficou amar-
rada ao mesmo tempo nas três pontas possíveis de subordinação: a do cap-
ital comercial, a do capital financeiro e a do capital industrial.
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Ele conta que seu irmão financiou "tudo" com a indústria oleaginosa, ou
seja, não emprestou junto à indústria o montante apenas para a colheita. O
camponês foi então pesar e avaliar o amendoim em outros locais antes de
entregá-lo ao cerealista/indústria com quem tinha financiamento. Pesou o
amendoim em outra balança (a da Prefeitura, o que pode revelar que era
mais confiável, por ser uma balança pública) e avaliou sua mercadoria junto
a outro comprador. Ao ir entregar sua colheita na indústria em que havia feito
seu empréstimo, percebeu que foi duplamente usurpado: no peso de sua mer-
7 - Entrevista realizada na Fazenda do Estado (Marília) com o sr. João Teixeira, em setembro de 2004.
Este processo revela que é através do produto de seu trabalho que o cam-
ponês adquire a consciência de sua relação com o capital. Passa, portanto,
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a ver que somente a luta contra o capital abre caminho à sua reprodução e
principalmente à sua liberdade (Martins, 1990).
De todo modo, aquelas famílias que estão nas suas terras até hoje, encon-
traram formas de evitar a apropriação de sua renda pelo capital, principal-
mente com a criação de gado ou com cultivos permanentes.
Este aliás, deve ser compreendido como um dos eixos centrais na interpre-
tação das trajetórias dos assentamentos, trata-se da questão da subordinação
da renda camponesa ao capital, e, evidentemente, dos inúmeros mecanismos
encontrados pelo campesinato para driblar esta subordinação.
... daí o meu pai foi trabalhar na roça, ele com a minha mãe
plantaram o sítio inteirinho... algodão e milho, feijão, abóbo-
ra... até formar o figo, plantaram o figo, já quando chegaram
É a busca deste sonho que tem orientado a luta pela terra e na terra. As
falas são reveladoras da impressão que os próprios camponeses assentados
têm da condição conquistada após o acesso a terra.
10 - Entrevista realizada no Bairro Reforma Agrária (Campinas) com a Sra. Maria José de Freitas, em julho
de 2000.
11 - Sobre a territorialização do capital ver, entre outros, Thomaz Jr (1988).
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Parte das famílias, assim como em Marília, que estavam vivendo um proces-
so de subordinação de sua renda, não resistiu a este processo agressivo de
territorialização do capital e, portanto, não logrou permanecer em suas ter-
ras. O saudosismo com que se recordam dos tempos em que estavam na ter-
ra é unanimidade entre esses camponeses. Eles se lembram da terra e dos fru-
tos dessa terra através dos sons, das cores, dos sabores, dos cheiros e das tex-
turas! Ou seja, as lembranças ficaram impregnadas na memória através dos
sentidos. E isto é muito forte e significativo para pensar o sentido da reforma
agrária, que extrapola em muito o âmbito estritamente das relações econômi-
cas. Essa experiência cria marcas indeléveis nas vidas dos assentados, que ao
experienciarem a fartura e a liberdade jamais querem abrir mão delas.
A migração para uma terra mais distante foi um dos caminhos encontrados
no caso daqueles que não conseguiram ficar em suas terras, como possibilida-
de de realização do sonho da reprodução camponesa na "terra livre". Assim, a
saída da terra nem sempre foi pelo caminho da proletarização, alguns migra-
ram em busca de terras mais baratas. E há, também, aqueles que estão se re-
campenizando, somando as economias para comprar terras no Mato-Grosso.
As famílias que têm resistido à "adulação" - como eles dizem - dos fazen-
deiros e usineiros, têm conseguido isto com a criação de suínos e gado lei-
teiro. A criação de gado e suínos é uma atividade que a família sempre
desenvolveu paralelamente aos cultivos e, a partir do momento em que os
cultivos ficaram inviáveis, estas atividades que eram complementares, "para o
gasto", quer dizer para o consumo da família, tornaram-se comerciais.
Introduzo, assim, a discussão das últimas duas áreas que são as da Fazenda
Jacilândia em Meridiano e a Fazenda Pirituba em Itapeva.
12 - Sobre a discussão de Bairro Rural ver, entre outros, Queiroz (1967), Castro Oliveira (1998) e Bombardi
(2004b).
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A permanência das famílias nessas terras tem se dado, nos últimos anos,
através da criação de gado leiteiro. Como os lotes não são grandes e o tra-
balho demandado é pequeno, não há um grande número de membros da
família trabalhando no sítio. Entretanto, há casos em que os camponeses têm
procurado superar essa situação através do piqueteamento do pasto, de tal
modo que o número de cabeças que é possível criar na mesma área seja sig-
nificativamente maior.
Com relação à Fazenda Pirituba, em Itapeva, talvez ela seja o caso mais em-
blemático no que diz respeito à luta pela terra. Essa área era uma fazenda públi-
ca no início da década de 50, quando o Governador Adhemar de Barros (em
sua primeira gestão) cedeu a área para que um agrônomo italiano implantasse
um projeto piloto de cultivo de trigo. Implementos agrícolas foram importados
da Itália para essa implantação e casas foram construídas para que os "colonos
italianos" viessem cultivar o trigo na área. Ocorreu que a Fazenda Pirituba já era
ocupada por camponeses, ora na situação de posseiros, ora na de rendeiros,
quando a área foi destinada ao projeto. Esses camponeses foram forçados a
trabalhar como carpinteiros e pedreiros na construção das casas que os ita-
lianos viriam habitar, em troca da permanência na terra. Os italianos não vie-
ram, o projeto não foi implantado e passou a haver um longo e duro processo
de grilagem dessa área pelo agrônomo e seus descendentes, procurando expul-
sar os camponeses e arrendando a área a terceiros.
Para tanto, mapeei os diversos conflitos no campo em São Paulo, em três pe-
ríodos diferentes: de 1945 a 1964, de 1964 a 1981 e de 1980 a 2005. O
primeiro período compreende justamente a época da elaboração e proposição
da Lei de Revisão Agrária, chegando às vésperas do Golpe Militar, período este
em que os conflitos marcavam o campo em São Paulo, particularmente na re-
gião do Noroeste do Estado. O segundo período, de 1964 a 1981, que cor-
responde à época da ditadura militar, foi também marcado por inúmeros con-
flitos, o que mais surpreende tendo em vista o quanto a repressão esteve pre-
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sente naquele momento histórico. O terceiro período, que vai dos anos 80 até
a atualidade, sobre o qual há mais dados, está marcado por uma intensa mo-
bilização e conflitos no campo em praticamente todo o estado.
Vale dizer que ao nomear este item como "Conflito de Classe e Reforma
Agrária" estou afirmando que o campesinato e o conflito de classe, estão no
centro da interpretação para desvendar a reforma agrária. Desta forma pro-
ponho que a reforma agrária é a apropriação de frações do território que o
campesinato - consciente de sua unidade e de seus interesses - conquista
através da luta e do enfrentamento de classe.
outro aspecto, que também caracteriza esta classe social, que é a sua forma
econômica de produzir. Neste sentido, novamente remeto o leitor a autores
como o Ariovaldo U. de Oliveira, ao José de Souza Martins, ao Shanin, e tam-
bém à Rosa Luxemburgo, que mostram que a produção camponesa não-ca-
pitalista é necessária à reprodução do próprio capital.
Isto quer dizer que temos, duplamente: uma forma econômica não pauta-
da pelo lucro que é informada pela ordem moral camponesa e, ao mesmo
tempo também a informa.
Assim, é no âmbito dessa concepção que este artigo está sendo desenvolvi-
do, em uma perspectiva de que a compreensão do campesinato e sua inser-
ção e reprodução - contraditória - na sociedade capitalista é que possibilitam
uma abordagem profícua da realidade e, especificamente, da realidade dos
assentamentos, desvendando o lugar dos conflitos de classe no país e o sig-
nificado da reforma agrária.
Isto quer dizer que no âmbito de uma leitura que é marxista, eu estou enten-
dendo que o campesinato dá o salto - que Marx chama de econômico para
político - transformando-se de classe em si em classe para si.
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pação de terra e conflitos por terra)13 demonstra esta questão de uma maneira
absolutamente explícita. Ou seja, os dados revelam que a reforma agrária
está - como sempre esteve - ligada à ocupação de terra, à mobilização políti-
ca camponesa.
Esta reforma agrária, que é buscada através da luta camponesa por sua re-
produção, cria marcas no território. Territorializa-se e transforma a experiên-
cia das famílias que a vivenciam. Essa experiência - quando a família se re-
produz na terra - é traduzida de uma maneira extremamente positiva nas falas
colhidas em trabalho de campo e que são a âncora para a construção de
uma teoria sobre a reprodução camponesa. Um dos exemplos que traduzem
esta afirmação, e que eu retomo, é a fala trazida na epígrafe, gravada em
2003, de uma camponesa assentada em Marília, que me disse o seguinte a
respeito da reforma agrária do Governo Lula: "E essa reforma que o Governo
quer fazer agora? Não é assim que ele quer fazer? Lotear as terras para o
pessoal que não tem terra? Mas, se o governo conseguisse fazer isso, ia aca-
bar a fome do mundo! ... Porque todo mundo ia plantar e ia colher!"
13 - O conjunto de mapas ao qual me refiro envolve os seguintes mapas: "Geografia dos Conflitos Sociais no
Campo no Estado de São Paulo (1945-1964)", "Geografia dos Conflitos Sociais no Campo no Estado de São
Paulo (1964-1981)", "Geografia dos Conflitos Sociais no Campo no Estado de São Paulo (1980-2004)",
"Geografia das Ocupações de Terra e dos Conflitos Sociais no Campo no Estado de São Paulo (1980-2004)"
e "Geografia dos Assentamentos Rurais no Estado de São Paulo (1980-2004)". Ver Bombardi, 2005.
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5. Referências Bibliográficas
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INTRODUÇÃO
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O C B e Di ta d u r a : u m p r o j e to c r i s ta l i z a d o p e l o d i r e i to
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O C B e Di ta d u r a : u m p r o j e to c r i s ta l i z a d o p e l o d i r e i to
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17 - Caio Prado Júnior é preciso ao analisar a forma de atuação dos Estados Unidos na década de 1960. "É
sobretudo depois de 1960, e quando o governo norte-americano, em seguida aos acontecimentos de Cuba,
se lança abertamente em sua política intervencionista na América Latina, que a opinião pública brasileira
começa a tomar consciência mais clara do problema. O presidente Kennedy, com a sua hábil maneira de tratar
os países latino-americanos, conseguiu em parte disfarçar o rumo que a política exterior norte-americana esta-
va tomando. Assim mesmo não impediu que ganhasse corpo a convicção, cada vez mais distinta e generaliza-
da, que as pretensões da política norte-americana se dirigiam francamente no sentido da completa subordi-
nação dos países da América Latina, e naturalmente do Brasil também. A própria dinâmica daquela política,
a sua natureza profunda tendia fatalmente para isso, quaisquer que fossem os disfarces e lenitivos com que se
apresentasse - Aliança para o Progresso ou outro semelhante. E assim quando a situação internacional se
aguça, e as contradições daí decorrentes se agravam - tudo isso acrescido do prematuro desaparecimento do
Presidente Kennedy, o que precipita o deslocamento do eixo político norte-americano para o lado dos setores
mais extremados -, desmascara-se por completo o seu intervencionismo, que, entre outros, tão claramente se
afirmaria no caso de São Domingos. E no que diz respeito em particular ao Brasil, se fez patente, e até mesmo
escandaloso, a partir de 1964." (PRADO JÚNIOR, C. A Revolução Brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense,
2004, p. 201-202).
18 - COGGIOLA, O. Governos Militares na América Latina. São Paulo: Editora Jaime Pinsky, 2001. p. 19.
19 - LIEUWEN, E. Generales contra... p. 167.
20 - GRACIARENA, J. O Poder e as Classes Sociais... p. 28.
O C B e Di ta d u r a : u m p r o j e to c r i s ta l i z a d o p e l o d i r e i to
21 - DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado: Ação Política, Poder e Golpe de Classe.
Petrópolis: Editora Vozes, 1981. p. 125-126.
22 - DREIFUSS, R. A. 1964: A Conquista do Estado... p. 126.
23 - DREIFUSS, R. A. 1964: A Conquista do Estado... p. 126.
24 - DREIFUSS, R. A. 1964: A Conquista do Estado... p. 128.
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Jânio Quadros, nesse contexto, acreditava que a governabilidade pela via de-
mocrática esgotava-se naquele momento histórico e considerava que o cami-
nho para manter-se no poder seria mediante um golpe de Estado27. Em 25 de
agosto de 1961, Quadros deu início ao seu plano golpista: renunciou, oito me-
ses após a posse, acreditando que a parte significativa dos trabalhadores, do
empresariado e dos militares lhe conduziria novamente ao poder. Entretanto, o
desdobramento dos fatos direcionou-se de forma diametralmente oposta.28
O C B e Di ta d u r a : u m p r o j e to c r i s ta l i z a d o p e l o d i r e i to
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bem como pelo setor agrário que produzia gêneros alimentícios para o mer-
cado interno".34
O governo entendia que para realização desse projeto era necessário que
fosse implementada, primeiramente, uma real transformação no campo, por
meio da reforma agrária,41 sob duas razões: a) econômica, pois havia neces-
34 - DREIFUSS, R. A. 1964: A Conquista... p. 130.
35 - TOLEDO, C. N. de. O Governo Goulart... p. 29.
36 - TOLEDO, C. N. de. O Governo Goulart... p. 29.
37 - TOLEDO, C. N. de. O Governo Goulart... p. 29.
38 - TOLEDO, C. N. de. O Governo Goulart... p. 29.
39 - TOLEDO, C. N. de. O Governo Goulart... p. 31.
40 - Moniz Bandeira aponta que as Reformas de Base "não eram reformas socialistas; eram inclusive a refor-
ma agrária, reformas burguesas, que visavam viabilizar o capitalismo brasileiro." (BANDEIRA, A. L. Moniz.
Desenvolvimento Econômico e Superestrutura Política. In: Cadernos de Debate 5. Repensando o Nacionalismo.
São Paulo: Editora Brasiliense, 1978, p. 22).
41 - O projeto de Reforma Agrária do Governo João Goulart foi configurado no Decreto nº 53.700, de 13
de março de 1964, pelo deputado Plínio de Arruda Sampaio, porém não foi analisado pelo Congresso
Nacional, tendo em vista o golpe militar de 1º de abril de 1964. O Decreto previa, em seu artigo 3º, que as
áreas desapropriadas estavam condicionadas, entre outros fatores, ao estabelecimento e a manutenção de
colônias, núcleos ou cooperativas agropecuárias e de povoamento.
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Por outro lado, Jango não concretizava as medidas de interesses dos grupos
nacionalistas e de esquerda, as quais não dependeriam de reforma constitucio-
nal e, sim, de iniciativa exclusiva do Executivo. Pode-se destacar, por exemplo, a
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A tônica assumida a partir do golpe foi manter o controle social por meio
da centralização do poder e da repressão. No tocante ao ordenamento jurídi-
co pátrio, foram editadas normas estruturantes para regular setores estratégi-
cos do país, dentre eles o cooperativismo.
53 - GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, v. 1, p.299-300.
54 - No dia 02 de abril de 1964, os Estados Unidos já reconheciam a deposição de Jango e felicitavam o
novo Presidente da República, o Deputado Federal, Paschoal Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara, que foi
empossado às pressas, à noite, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. (GASPARI, E. As Ilusões Armadas:
A Ditadura Envergonhada. 1ª Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.115).
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Quer dizer: se, por um lado, o governo editava normas que tinham o
condão de restringir e ceifar os aparelhos que se postavam contrários ao
regime, de outro, conforme se verificará adiante, fomentava a constituição de
espaços de sustentação de sua ideologia na sociedade civil.
O Direito, assim, servia e serve como "a projeção normativa que instrumen-
taliza os princípios ideológicos (certeza, segurança, completude) e as formas
de controle de poder de um determinado grupo social",57 pois
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62 - Ata de Constituição da Organização das Cooperativas Brasileiras, fl. 1, datada de 2 de dezembro de 1969.
63 - Ata de Constituição da Organização das Cooperativas Brasileiras, fl. 2, datada de 2 de dezembro de 1969.
64 - Ata de Constituição da Organização das Cooperativas Brasileiras, fl. 4, datada de 2 de dezembro de 1969.
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aram por quase dois anos na construção da fusão das entidades,65 demons-
tra a concretização formal de uma relação que já era exercida substancial-
mente. A declaração de que a entidade organizada colaboraria de forma
franca e leal com as autoridades constituídas sinaliza o rumo que parcela
quantitativamente importante do movimento cooperativo assume, isto é, de
afirmação do Estado ditatorial.
A OCB, que teve Antonio José Rodrigues Filho como primeiro Presidente ,
emerge, assim, "como produto dos interesses da classe governamental, que
se utiliza destes aparatos privados de hegemonia do Estado, para desarticu-
lar ou organizar determinados setores e frações de classe".67
65 - Organização das Cooperativas Brasileiras. Cooperativismo Brasileiro: uma história. Ribeirão Preto: Versão Br
Comunicação e Marketing, 2004, p. 43.
66 - Antonio José Rodrigues Filho foi o primeiro Presidente da OCB, encabeçando uma diretoria que em 6 meses
deveria constituir a nova entidade. A Assembléia Extraordinária de 30 de junho de 1970 aprovou o Estatuto Social
da OCB e deu posse à diretoria, que de provisória conquistou um mandato completo, permanecendo até 1973
no comando da nova entidade. (Organização das Cooperativas Brasileiras. Cooperativismo Brasileiro... p. 43).
67 - VÉRAS NETO, F. Q. Cooperativismo:... p. 109.
68 - SEIBEL, J. E. Estado e instituições públicas: caso do cooperativismo. Perspectiva economia, v. 29, n.º 84. Série
Cooperativismo, n.º 35. 1994, nota de rodapé, p. 25. APUD: VÉRAS NETO, F. Q. Cooperativismo: nova abor-
dagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá, 2003. p. 109.
69 - Organização das Cooperativas Brasileiras. Cooperativismo Brasileiro... p. 43.
70 - Organização das Cooperativas Brasileiras. Cooperativismo Brasileiro... p. 44.
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O Projeto de Lei encaminhado, identificado sob n.º 292, foi lido na 95ª
Sessão da 1ª Sessão Legislativa da 7ª Legislatura, em 24 de agosto daquele
ano, e publicado no Diário do Congresso Nacional, na Seção I, no dia 25 do
corrente mês, juntamente com a Exposição de Motivos.
O Projeto de Lei n.º 292 foi convertido na Lei n.º 5.764, de 16 de dezem-
bro de 1971, a qual substituiu toda a legislação anterior relacionada ao
cooperativismo. O texto aprovado, em cotejo com as disposições fixadas ini-
cialmente no Projeto de Lei, apresentou sensíveis alterações, principalmente,
no tocante à competência decorrente do status de representante do sistema
cooperativista nacional atribuído à OCB e à inovação que tornou cogente a
filiação das sociedades cooperativas à entidade.
73 - Ata da 1ª Reunião da Diretoria Provisória da Organização das Cooperativas Brasileiras, fl. 2, datada de 24
de dezembro de 1970.
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77 - Os agricultores de assentamentos de reforma agrária encontram resistência nas Juntas Comerciais para con-
seguirem arquivar os atos constitutivos das cooperativas criadas, sob argumentos diversos. Cita-se o caso que
ocorreu, no ano de 2004, na Junta Comercial do Estado de São Paulo, em que o arquivamento foi impedido,
pois a denominação social da entidade não poderia conter a expressão "reforma agrária" ou que as profissões
dos cooperados não se compatibilizam com o seguimento cooperativista.
78 - "La STC 5/1996, de 16 de enero, puntualiza que el art. 22.1 CE reconoce el derecho de asociación en su
más amplia dimensión, es decir, proyectado tanto sobre las asociaciones en sentido escricto como sobre las
sociedades, si bien en cuanto expresión de un valor fundamental de libertad tiene una dimensión y alcance "que
sobrepasa su mera consideración imprivatista". En este sentido advierte que: "El art. 22.1 CE reconoce el derecho
de asociación sin referencia material alguna, de modo que este derecho se proyecta sobre la totalidad del fenó-
meno asociativo en sus muchas manifestaciones y modalidades (SSTC 67/1985, 23/1987 y 56/1995). Ahora
bien, este reconocimiento genérico se complementa con otras determinaciones, expressivas de una viva voluntad
histórica de reacción frente a un pasado inmediato de represión de las libertades públicas. Así, el art. 22 CE, lejos
de ser una disposición de mero reconocimiento, es también la expresión de un estatuto mínimo y ordenado a la
garantía de la existencia de determinadas asociaciones sin necesidad de la previa intermediación del legislador.
[...]". En definitiva: "[...]el derecho de asociación, en tanto que derecho fundamental de liberdad, tiene una dimen-
sión y un alcance mucho más amplio, que sobrepasa su mera consideración iusprivatista".
Y, de para cerrar la exposición, de la doctrina del Tribunal Constitucional hasta aquí e de maiofectuada, baste
apuntar que la STC 145/1996 reconoce expresamente la titularidad del derecho de asociación en su vertiente
negativa (derecho a no formar parte de una determinada asociación) a una sociedad anónima." (JIMÉNEZ,
Guillermo J. Libertades y Derechos de las Sociedades Mercantiles Susceptibles de Amparo Constitucional. IN:
Persona e Derecho: Revista de Fundamentación de las Instituiciones Jurídicas y de Derechos Humanos. Pamplona:
Servicio de Publicaciones de la Universidad de Navarra, 2001. p. 320).
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79 - MIRANDA, J, Manual de Direito Constitucional - tomo IV - Direitos Fundamentais, Coimbra: Coimbra Editora,
2000, p. 476.
80 - PERIUS, Vergílio Frederico. Cooperativismo e Lei. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001, p. 28-29.
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Cumpre lembrar, neste sentido, que o parágrafo único do artigo 170 asse-
gura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independen-
temente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
E, mais adiante, no artigo 173, os contornos da intervenção estatal e a explo-
ração direta pelo Estado de atividade econômica estão gizados pelo impera-
tivo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, para, finalmente,
dispor, no parágrafo 2º do artigo 174, que: "A lei apoiará e estimulará o
cooperativismo e outras formas de associativismo".
83 - Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. PROCESSO - REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRI-
BUNAL FEDERAL - DISCIPLINA - PERSISTÊNCIA NO CENÁRIO NORMATIVO. As normas processuais insertas no
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, relativas a ações e recursos situados na respectiva competência,
foram recepcionadas pela Constituição de 1988, no que com esta harmônicas (sic). Inexistindo o instituto da
inconstitucionalidade formal superveniente, o conflito entre normas processuais, sob o ângulo material, resolve-se
mediante a consideração da revogação tácita. Agravo regimental nos Embargos de Divergência dos Embargos
Declaratórios do Recurso Extraordinário nº 212455 - Distrito Federal. Arioaldo Salau Pinheiro e União Federal.
Relator: Ministro Marco Aurélio. Julgado em 14 de novembro de 2002. IN: Diário da Justiça de 11 de março de
2003, v. 02106-04, p. 70.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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FONTES PRIMÁRIAS
O processo organizativo do
Assentamento Sepé Tiaraju -
SP: novos ânimos no cenário
dos movimentos sociais da
região de Ribeirão Preto
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2 - O Acampamento foi assim chamado para homenagear o cacique Guarani que morreu em 1756, na
Guerra dos Guaranis, lutando contra a ocupação de terras indígenas pelos colonizadores portugueses e espan-
hóis na área onde hoje se localiza o estado do Rio Grande do Sul.
3 - Nesta região localizam-se as principais usinas-destilarias brasileiras, responsáveis por 45% da produção
nacional de cana-de-açúcar http://www.fenasucro.com.br/new/br/op_regiao.asp, consultado em 07 de
janeiro de 2007.
4 - Em 1989 havia cinco assentamentos na região da Divisão Regional Agrícola de Ribeirão Preto (Ferrante &
Bergamasco, 1995), permanecendo o mesmo número em 1994 (Bergamasco, Blanc-Pamard & Chonchol,
1997). Segundo representantes da Feraesp-Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São
Paulo, em março do ano 2000 havia 12 assentamentos oriundos do processo de reforma agrária e seis áreas
ocupadas em disputa pela posse da terra (Scopinho, 2003). A criação da Secretaria Regional do MST/RP trouxe
mais dois assentamentos e um acampamento para a região de Ribeirão Preto.
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uma grande figueira antiga. Ali havia uma área coletivamente cultivada com
horta orgânica (hortaliças e plantas medicinais) e ruínas de prédios da antiga
fazenda. Um dos prédios tornou-se a Escola Paulo Freire de alfabetização de jo-
vens e adultos e também era utilizado para realização de outros cursos, reuniões
e assembléias; num outro prédio foi instalada uma espécie de secretaria, onde
se guardavam ferramentas e documentos, que também funcionava como cabine
de vigilância, porque dali se avistavam as moradias da agrovila, a escola, a hor-
ta, o morro, a entrada do acampamento e a rodovia que o corta.
Organizar o Sepé Tiarajú com base nessas diretrizes, para além de ser uma
questão de seguir as diretrizes organizativas do MST, era essencial para a
sobrevivência dos trabalhadores, dadas as suas condições objetivas, ou seja,
a falta de recursos e a necessidade de produzir para sustentar a ocupação.
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O grupo de apoio formado pelos Amigos tem sido fundamental para ga-
rantir a resistência e a permanência das famílias no Sepé Tiarajú, em dois sen-
tidos: fora do assentamento, contribuindo com o MST na mediação das re-
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10 - A nossa experiência com o processo organizativo do Sepé Tiarajú mostra que, às vezes, a manutenção da
relação exigia o afastamento para não interferir no processo decisório ou criar relações de dependência ou,
ao contrário, exigia um posicionamento e contribuição técnica e/ou política explícita, muitas vezes, documen-
tada e tornada pública.
11 - A partir da oficialização do assentamento no segundo semestre de 2004, foi possível implantar projetos
tais como o Cimas - Centro de Irradiação e Manejo da Agrobiodiversidade, financiado pelo MMA e desen-
volvido através de parceria entre o MST, o Incra, a Embrapa-Jaguariúna e a Associação Ecológica e Cultural
Pau Brasil, ONG localizada em Ribeirão Preto. Criados em vários estados, o objetivo dos Cimas é levar
assistência técnica e apoio à conservação genética de sementes e animais aos assentamentos, reduzir o custo
de acesso à tecnologia, preservar e recuperar as matas nativas e iniciar a transição do modelo convencional
de produção agrícola para um modelo sustentável, através da formação de agentes multiplicadores em ofici-
nas de formação e treinamento, visitas e práticas de campo. As atividades desenvolvidas com os trabalhadores
assentados no âmbito deste projeto foram: cursos de capacitação técnica e política; elaboração de cartilha;
intercâmbio de experiências a partir de visitas realizadas por 50 trabalhadores assentados em três cooperati-
vas rurais localizadas na região sul do país; desenvolvimento de experiências práticas de formação de SAFs -
Sistemas Agro-Florestais, de adubação verde e, principalmente, de produção de sementes.
cluir várias outras lutas sociais que hoje são importantes na região de Ribeirão
Preto, especialmente aquelas que dizem respeito à preservação do meio ambi-
ente tais como a luta contra as queimadas dos canaviais e a de preservação
do aqüífero Guarani. E assim foi se preenchendo um vazio deixa-do pelo movi-
mento sindical rural, que fez papel de vanguarda na década de 1980 (Alves,
1991) mas, perdeu força política no cenário regional para en-frentar os pro-
blemas sócio-ambientais por conta do desemprego provocado pela intensifi-
cação da mecanização das lavouras a partir de meados dos anos de 1990.
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A propósito, a partir deste breve retrato das trajetórias de migração e das expe-
riências profissionais dos trabalhadores assentados no Sepé Tiarajú, é possível
pensar que eles sofriam da "doença do desenraizamento" que é imposta aos tra-
balhadores, como referiu Weil (1996). Simone Weil argumentou que a necessi-
dade mais importante e desconhecida da alma humana é o enraizamento, que
ocorre através da participação real, ativa e natural na existência de uma coletivi-
dade, conservando viva a memória do passado e as expectativas em relação ao
futuro. Esta capacidade de participação vem automaticamente da origem, do
nascimento, da profissão e do lugar onde o homem se insere. As influências ex-
ternas e as mudanças são importantes e atuam como estímulos que tornam a vi-
da mais intensa, mas se elas forem coercitivamente impostas promovem a "doen-
ça do desenraizamento". Weil referia-se a um processo não somente geográfico,
mas, sobretudo moral, provocado por um determinado modo como se desen-
volvem as relações sociais e a dominação econômica.
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(...) nós queremos fazer uma coisa bonita. Não assim melhor,
mas agradável, para todo mundo chegar e gostar, não é? [e di-
zer] Ah! Olha o Sepé Tiarajú como é que está, eu nem espera-
va que fosse ser assim.
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não quer dizer... Faz parte, mas isso para mim não é riqueza. A
grande riqueza é o bem de todos, não só a minha família o meu
núcleo, até o país, o mundo. Isso é que é para mim a grande
riqueza e acho que a gente tem que pensar grande mesmo, ser
rico mesmo. Sem fome... Fome não é só de alimento. Isso que
o ser humano precisa. Até o canto dos pássaros, tudo é isso.
Nós temos que lutar por isso, não simplesmente por um pedaci-
nho de terra, um pezinho de mandioca. E para isto tem que ter
unidade. A companheirada tem que estar junto. Veio até agora
junto e tem que continuar mais junto ainda. Para quê? Para
eliminar este afundamento aí de enxada com cavalo atrás e não
sei mais o que [referência à base técnica tradicional da peque-
na agricultura]. Introduzir máquinas para a companheirada pro-
duzir melhor, para sobrar tempo para jogar truco, rezar, tomar
banho no córrego, enfim... Para perceber que os pássaros can-
tam, as folhas balançam para a gente ... Esse é o meu ponto de
vista. Tem que pensar no todo e criar a possibilidade de ser feliz
mesmo. Só assim que a gente vai conseguir, não é?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Quadro 1 – Expectativas dos A ssentados do Sepé Tiarajú – Serra Azul, SP em relação ao assentamento
- construir a casa
- ter um lugar gostoso para morar - se especializar com as aulas
- ter a própria terra - filhos na universidade
- estabilidade, casa para morar - voltar a estudar
- esperar o crédito para construir a casa - garantir o futuro dos filhos e o estudo deles na universidade
- casa simples, mas que tenha as coisas para sobreviver - (...) escola, ciranda
- ter um porto seguro (...) prazer de viver, cuidar da família
- fazer uma casa gostosa, com uma varanda de 40 m - se auto-sustentar
- casa própria, sair do aluguel - ter comida pa ra se alimentar e vender o restante para comprar o
Satisfação de que precisar
Necessidades - ter os filhos por perto - o bom é que não precisa ir para a cidade comprar para comer
Sociais Básicas - deixar algo para a família - ter mesa farta
- trazer a mãe para morar junto - água para beber, comida saudável
- ter qualidade de vida para a família e os próximos
- que os netos se lembrem de mim quando virem o pomar - estar tranqüilo com a cabeça
- realizar os sonhos do marido - uma vida melhor
- expandir a família - voltar a ter dignidade por que lá fora a gente não tem dignidade
- condições para cri ar os filhos. - não é ficar rico... é ter um lugarzinho que seja meu para
- voltar com a esposa, trazer os filhos plantar, para criar o que quiser, construir o que quiser
- fazer tudo para dar certo, pois pretende findar (morrer) no
assentamento
- deve haver harmonia, viv er tranqüilo
- trabalhar bastante - plantar de tudo um pouco: alho, frutas, mandioca, café
- trabalho - ter um lote todo trabalhado, com animais
- produção e renda - criar (vaquinha de leite, uns bichos), progredir, plantar
- deslanchar, progredir: plantar, vender, ter dinheiro para
- investir em animais para o próprio consumo e para comprar comprar algumas coisas
mais animais - plantar tomate, milho, mandioca, ter criação pequena
- criar pequenos animais (galinha, peru, marreco) e plantar - tirar sustento da ter ra no individual , mexer com maracujá
- fazer pasto, criar gado, cavalos, vaca leiteira, aves e porco - mexer com porco, criação
- ter espaço para fazer um pasto - plantar milho, mandioca, ter criação
- que dê para tirar o sustento e pagar o financiamento e ter sobra
Trabalho e - granja e hidroponia para a área individual .
Produção - plantar café, pagar o financiamento, mobiliar a casa, comprar - quer plantar milho, fazer um pomarzinho de laranjas e criar
carro e animais porco
- plantar pimenta, maracujá, feijão, milho, abóbora, quiabo, - trabalhar com abelhas
arroz, horta, mandioca, batata , banana, acerola, frutas
- maracujá, porque usa mais a cabeça e trabalha menos - fábrica de farinha
- ter uma horta, porque sabe que terá retorno na região - agroindústria de doces e compotas
- fazer pomar bem diversificado
- Plantar de tudo um pouco (diversificar a produção) - ter uma mercearia no assentamento
- ter uma plantação e criação de a nimais no individual - vender a produção no próprio acampamento ou na cidade
- ter o lote estruturado com frutas, plantações - vender a produção primeiro para o MST e depois na cidade
- começar com o básico: mandioca, milho. Depois investir em
café, horta, fazer pomar, galinha e porco no lote individual
- sair de zero a duzentos que nem a Ferrari. Ajudar o Lula a - montar e participar da associação
matar a fome do povo - organizar uma associação para todos
- viver num Brasil mais justo, sem fome, violência, sem tantas - ficar só no coletivo [não trabalhar individualmente]
desigualdades - ter o melhor para todos e cada um ter o que sempre desejou
- construir novos valores, como solidariedade, companheirismo, - conseguir trabalhar no coletivo no grupo Dandara para que ele
amor ao próximo, para apagar as marcas do individualismo, da sirva de exemplo
ganância - superar deficiências das pessoas que não entendem o coletivo
- ter um futuro brilhante para provar para o governo que somos - que o assentamento inteiro fosse coletivo, até a comida fosse
Participação capazes coletiva
Social e - ter todo mundo trabalhando unido, as molecadas trabalhando
Política - ajudar o MST em outras ocupações tudo igual
- ajudar em outras ocupações, lutar contra a fome e fazer
parceria com aqueles que lutam pela pr eservação do meio - ter um Centro de Formação no próprio assentamento
ambiente - ter praças, flores, parquinho, bosque com brinquedos
- realizar os projetos que o próprio movimento está propondo - um local mais bacana para as pessoas viverem com
- conseguir demonstrar para a sociedade da região que os tranqüilidade
assentamentos que deram errado não são os que o movimento
idealiza e mostrar um assentamento de acordo com os i deais do
MST
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Discurso e Resistência
na Luta pela Terra*
1. Introdução
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3 - Cf. Dados do DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra - NERA, 2003.
4 - JST, Jornal dos Trabalhadores Sem Terra. Publicação do MST. Os recortes utilizados nesse texto, são retira-
dos desse jornal de 1990 a 2004, período que recobre o nosso recorte de pesquisa.
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Frente ao descaso dos governos estaduais e federal, a repressão à luta dos tra-
balhadores sem terra, o MST reafirma sua posição: os problemas sociais no
campo tem causas estruturais, na concentração na terra e do poder, e somente
se resolverão com uma ampla reforma agrária. (JST, jul/ago., 1990, nº 95, p.2).
Do final dos anos de 1980 até 1990, o Brasil passou por um processo de
transição democrática, por eleições para presidente e, nessa conjuntura, a
questão agrária colocada em pauta pelo Movimento, não passou de reforma
de papel, se houve avanços estes se deram em função da atuação e organi-
zação dos trabalhadores. O Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), no
Governo Sarney não passou de uma falácia e mostrou que, para que a
democratização do acesso à terra acontecesse, os trabalhadores deveriam
continuar mobilizados.
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6 - Segundo Fernandes (1996, p. 159), (...) o Pontal do Paranapanema possui 444.130,12 hectares que estão
com processos de ações discriminatórias a iniciar ou em andamento. A maior parte destas terras estão sob o
domínio dos grandes grileiros-latifundiários. O Itesp tem instaurado diversas ações discriminatórias na região
que se encontram nas seguintes condições: 1) em andamento, são perímetros em que as ações já foram
ajuizadas e aguardam decisão judicial definitiva; 2)concluídas e aguardando conclusão ou reavaliação do
Plano de Legitimação de Posses. 3) processos de legitimação em andamento.
7 - A esse respeito Lima (2002; 2004) tem desenvolvido pesquisas que apontam para os vários fracionamen-
tos das frentes de Luta pela Terra no Pontal. Se até 1994 o MST representava e orientava as ocupações e lutas
pela terra no Pontal, nos últimos anos têm comparecido em público algumas divergências e dissensões, inclu-
sive com o reconhecimento na imprensa da existência de outros grupos: MAST, MSLT, UNITERRA, entre outros.
8 - Em entrevista a um dos dissidentes do MST e publicada no jornal Folha de São Paulo em 17/08/97 e
05/04/94 e no dia 16/04/94, temos exemplos claros da forma como o jornal busca explorar e evidenciar
esses aspectos.
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É também nessa escala que surge o debate sobre novas temáticas, como gê-
nero9, meio ambiente e sustentabilidade10, as quais passam a integrar o coti-
9 - A esse respeito Franco Garcia (2004) e Valenciano (2004) desenvolveram pesquisas sobre os encaminha-
mentos das discussões de gênero no MST.
10 - Oliveira (2003) desenvolveu pesquisa ligada à discussões que envolviam as inovações tecnológicas no
corte de cana de açúcar e as implicações do uso dessas tecnologias no mundo do trabalho.
diano das lutas no campo. No geral, observa-se que a luta política, que colo-
ca no cenário nacional os problemas decorrentes das paisagens desiguais da
distribuição fundiária é, sem dúvida, a face mais visível da questão agrária.
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Essa vitória a que se refere o MST diz respeito ao acréscimo, na lei, do con-
ceito de função social da terra e que representou um avanço na questão da
reforma agrária13. Entretanto, na prática, fica a mercê de interpretação de juí-
zes, pois a julgar pelo número de despejos a que os trabalhadores são sub-
metidos e a agilidade em que são impetrados mandados de reintegração de
posse quando uma área é ocupada, significa que não há questionamento se
a função social da terra está sendo comprida. Por essa razão, a necessidade
da ocupação como forma de agilizar o processo.
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presos. Essa medida, prender as lideranças, acabou por provocar uma rea-
ção de apoio de vários setores da sociedade, entre Igreja, sindicatos, partidos
políticos (deputados, senador), entre outros. Foram muitas as prisões a partir
daí, agravando a situação de assentados e acampados, mas não diminuindo
a capacidade de dar respostas com marchas, mais acampamentos, ocupa-
ções etc, e também muitas mortes e perseguições a sem-terra no país14.
E, assim, se passa boa parte dos anos de 1990, com poucas medidas con-
cretas por parte dos governos estadual e federal, além das já mencionadas
prisões e perseguição às lideranças e como conseqüência o aumento dos
conflitos no campo. Em 1997, o MST mobiliza as atenções do país com a
Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça, sendo esta uma
das maiores mobilizações populares das últimas décadas15:
14 - É desse período o massacre de Corumbiara (1996) e de Eldorado dos Carajás (RO), que até hoje estão
impunes os responsáveis.
15 - Neste período, abril de 1997, o MST foi alvo de 163 manchetes só no jornal F. de São Paulo, sendo
manchete principal por quase 15 dias.
uma sociedade mais justa. Atualidade legitimada pela luta, pelo conflito e
pelo questionamento do monopólio fundiário.
5 . P o r u m B r a s il s e m la tif ú n d io ( 2 0 0 0 -2 0 0 4 )
Ensaios e Debates
E mais uma vez decidem o apoio à candidatura Lula. E, nesse contexto te-
mos o mesmo movimento de desqualificação, de desfavorecimento da luta
pela terra, enfim do mesmo deslocamento de sentidos para as ações do MST
já mencionadas. A recorrência desse enquadramento dos jornais já não re-
presenta novidade, senão questionamentos.
6. Considerações Finais
Assim, nas passeatas, nas marchas, nos bloqueios das rodovias, esses tra-
balhadores delineiam paisagens que, portadoras de sentido não se revelam
apenas como quadro onde se estampa a trama das práticas sociais: configu-
ram-se em representações de práticas sociais que lhes dão um novo conteú-
do. As paisagens construídas revelam sua estrutura social e conformam lu-
gares, territórios. As paisagens do trabalho e os territórios da Luta pela Terra.
A idéia de lugar nos remete a reflexão de nossa relação com o mundo. Induz
a análise geográfica a uma outra dimensão - a da existência- "pois refere-se a
um tratamento geográfico do mundo vivido" (SANTOS, 1997, p. 32). Isto impli-
ca em compreender o lugar através de nossas necessidades existenciais quais
sejam, localização, posição, mobilidade, interação com os objetos e/ou com as
pessoas. Identifica-se esta perspectiva com a nossa corporeidade e, a partir dela,
o nosso estar no mundo, no caso, a partir do lugar como espaço de existência
e coexistência. Mas o lugar pode também ser trabalhado na perspectiva de um
mundo vivido, que leve em conta outras dimensões do espaço geográfico.
Ensaios e Debates
capital, uma outra ordem produtiva alternativa, sob forma de uma busca de
realização de potencialidades deixadas abertas e de onde as representações
e as idealizações são uma maneira de dar sentido e transformar o mundo das
realidades cotidianas da Luta pela Terra.
lo que reconhece ser seu. No duplo sentido: terra que é sua e que lhe susten-
ta, e terra que lhe permite (re)construir sua história. Ou seja, é a perda da
identidade juntamente com a perda da terra que moldam o movimento que
se autodefine pela falta: eles são sem-terra.
6. Referências Bibliográficas
Ensaios e Debates
THOMAZ JR., A., 2002). THOMAZ JR, A. Por trás dos canaviais
os (nós) da cana. A relação capital x trabalho e o movimento
sindical dos trabalhadores na agroindústria canavieira paulista.
São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.
INTRODUÇÃO
Ensaios e Debates
M u i to a l é m d a s c a r a b i n a s : r e s i s tê n c i a e l u ta p e l a te r r a n a s tr i n c h e i r a s d a i m p r e n s a -
a experiência histórica dos posseiros de Formoso e Trombas- GO (1950-1964)
Ensaios e Debates
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a experiência histórica dos posseiros de Formoso e Trombas- GO (1950-1964)
6 - Ao cunhar o conceito de resistência ampliada procuro entendê-la como ações desencadeadas em difer-
entes espaços de luta, tais como a imprensa, o parlamento, espaços que, conjugados à defesa armada das
terras, constituíram um conjunto de práticas de resistência.
7 - Constam com freqüência nos vários relatos sobre as violências sofridas o episódio no qual grileiros teriam
obrigado posseiros a comerem as fezes um do outro. Outra prática sempre lembrada consistia no uso do
"caixote", uma caixa feita de tábuas e colocada na praça de Formoso. Nela, o fazendeiro João Soares prendia
posseiros que ousassem desafiá-lo e os deixava sem comida até dois dias.
Ensaios e Debates
Formoso e Trombas também podem ser lidos sob a ótica da atuação do Partido
Comunista do Brasil (PCB) no campo. Vista por setores do partido como um im-
portante foco detonador para a implementação de um processo revolucionário, a
luta dos posseiros chamou a atenção do partido, que em 1954 enviaria militantes
para a região. Os comunistas ajudariam os posseiros na luta pela terra, fornecen-
do armas, auxiliando na criação de uma associação rural, além de iniciar uma
importante campanha na imprensa, por meio do jornal O Estado de Goiás.
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a experiência histórica dos posseiros de Formoso e Trombas- GO (1950-1964)
Fica afastado, portanto, o argumento de que as idéias trazidas "de fora" por
agentes "externos" sejam superiores aos saberes formulados pelos próprios
posseiros como resultante de suas experiências diretas. O que se pode afir-
mar, olhando de perto os eventos em Formoso e Trombas, é que o contato
com militantes comunistas trouxe novas questões que foram sendo incorpo-
radas e transformadas durante o processo de luta, o que contribuiu para a
ampliação do repertório de respostas elaboradas pelos posseiros frente às
contradições vivenciadas, como um amálgama de idéias que, por força das
circunstâncias históricas do momento, complementaram-se (RUDÉ, 1982.).
Mas isso não seria possível se os militantes do PCB não tivessem se depara-
do com um terreno propício e, em grande medida, já preparado pela prática
obstinada de uma resistência construída a partir da percepção de que, o que se
apresentava como ameaça real era a desintegração das condições de repro-
dução de um modo de vida baseado em concepções costumeiras de uso e di-
reito à terra. Experimentado pelas famílias de posseiros como uma conquista, a
certeza de que agiam em nome de um direito reconhecido conferia legitimi-
dade, revestindo de teimosia e coragem as ações em defesa da posse da terra.
Ensaios e Debates
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Ensaios e Debates
14 - A revista O Cruzeiro faria duas reportagens sobre os acontecimentos em Formoso e Trombas. A primeira,
em 14 de abril de 1956, e a segunda em 30 de março de 1957.
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a experiência histórica dos posseiros de Formoso e Trombas- GO (1950-1964)
Significativo da estratégia de discurso adotado por Porfírio seria sua carta pu-
blicada na segunda reportagem de O Cruzeiro, em março de 1957. Reproduzi-
remos aqui a íntegra da carta tal qual foi escrita pelo posseiro em 12 de feve-
reiro de 1957 e publicada pela revista (conservando a ortografia de Pofírio):
Ensaios e Debates
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Ainda que com a promessa do governador de que não haveria qualquer tipo
de violência contra os posseiros, e que a presença policial visava apenas evi-
tar novos confrontos entre posseiros e grileiros, que voltavam a ameaçar os
posseiros no período das colheitas, a população temia uma nova onda de
violência policial como a que ocorrera antes da reação armada, quando
homens eram presos e espancados, mulheres violentadas, representando,
portanto, uma constante ameaça.
Uma nova campanha foi realizada pela retirada das tropas policiais. Dessa
vez, os posseiros puderam contar com um leque mais amplo de apoio. Foi cri-
ada em fevereiro de 1957 a Comissão de Solidariedade aos Posseiros de
Formoso e Trombas. A Comissão era composta por políticos, lideranças sindi-
cais, advogados, jornalistas, estudantes, pequenos comerciantes, e grande
número de simpatizantes. Dentre as finalidades da Comissão estavam o
empenho na promoção de uma "cobertura jornalística" que combatesse no
próprio campo da informação as várias reportagens que procuravam "incom-
patibilizar os posseiros com o governo, com as autoridades e a opinião públi-
ca". A Comissão ainda se comprometia em "facilitar a compra e o escoamen-
to da grande safra da região(...) principalmente agora que uma enorme leva
humana se encaminha para Brasília e precisa comer".16
Ao que parece, mais essa pressão, contando agora com amplos setores da
sociedade goiana, foi capaz de desmobilizar o governo em seu intuito de
manter a polícia na região do Formoso. Entretanto, a obtenção dos títulos de
posse das terras de Formoso e Trombas pelos posseiros seria ainda adiada.
Ensaios e Debates
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a experiência histórica dos posseiros de Formoso e Trombas- GO (1950-1964)
Rui Facó ainda acrescenta que o acordo incluía, além da distribuição dos
títulos de posse aos posseiros, "a criação de escolas, um posto médico,
estradas e ajuda para a fundação de uma cooperativa de produção e con-
sumo na região." As terras deveriam ser divididas entre os posseiros de acor-
do com os critérios de distribuição adotados pelos próprios posseiros por
meio da Associação dos Lavradores do Formoso. Os títulos de posse seriam
entregues logo após as demarcações feitas pelo governo, seguindo orien-
tação previamente estabelecida pelos posseiros.
18 - Porfírio, atuando como Deputado, se engajou diretamente na sindicalização dos trabalhadores rurais em
todo o Estado. Durante o Governo Mauro Borges, foi realizada uma massiva campanha pela sindicalização
rural. Essa campanha, que esteve a cargo do Idago (Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás), objetiva-
va converter as inúmeras associações rurais espalhadas pelo estado em sindicatos reconhecidos pelo governo.
Ensaios e Debates
Considerações finais:
Alguns críticos do campesinato dirão tratar-se apenas de uma luta pela pro-
priedade da terra, o que converteria os movimentos camponeses em lutas con-
servadoras, pequeno burguesas, portanto, incapazes de questionar o estatuto de
propriedade privada capitalista. O equívoco dessas análises é não compreender
os significados que assumem a terra para o camponês. Para os camponeses que
dão a vida por um pedaço de terra, lutar por ela equivale a lutar pela vida. O
que está em jogo é o direito de decidir pelo próprio destino, o que o processo
capitalista que expropria o camponês de sua terra se encarrega de aniquilar. Lu-
tar pela terra é, portanto, e não apenas isso, uma luta por autonomia.
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a experiência histórica dos posseiros de Formoso e Trombas- GO (1950-1964)
BIBLIOGRAFIA:
Ensaios e Debates
____. "La Sociedade Inglesa del Siglo XVII: Lucha de Clases sin
Clases?" In.: Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase.
Editorial Crítica, Barcelona, 1989. pp. 13-61.
O discurso da magistratura
fluminense nos conflitos de
terra no Rio de Janeiro
Mariana Trotta Dallalana Quintans*
INTRODUÇÃO
* Advogada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado do Rio de Janeiro Professora de
Direito Constitucional
Ensaios e Debates
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Ensaios e Debates
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Ensaios e Debates
Nesta ação não foi feita pelo proprietário da área a correta individualiza-
ção do pólo passivo, ou seja, determinado nominalmente a quem ela se des-
tinava. O Ministério Público pronunciou-se pela correção do pólo passivo,
condicionando o segmento da ação ao aditamento da inicial, o autor deve-
ria acrescentar a expressão "a todos os demais invasores" em seu pedido.
"(...) pela parte autora, que pediu que no pólo passivo, além
daquelas duas pessoas, também constasse a expressão genéri-
ca 'todos os demais invasores', diante da notória impossibilidade
de se identificar os integrantes do MST que ocuparam as suas
fazendas. (...)"
O d i s c u r s o d a m a g i s tr a tu r a f l u m i n e n s e n o s c o n f l i to s d e te r r a n o R i o d e J a n e i r o
1 - QUINTANS, Mariana Trotta Dallalana. A Magistratura Fluminense: seu olhar sobre as ocupações do MST.
Dissertação de Mestrado. PUC-Rio: 2005.
2 - Dessas trinta e quatro ocupações realizadas pelo MST no território fluminense, entre os anos 1996 e 2006, não
temos informações processuais sobre quatro e em dois casos o proprietário não ingressou com ação possessória.
Ensaios e Debates
Vê-se, então, que desde sua origem os cursos de direito no Brasil estiveram
ligados às classes dominantes e à formação das elites políticas do país.
Mesmo com todas as mudanças introduzidas por reformas no sistema univer-
sitário, como a criação de faculdades públicas e diversas alterações curricu-
lares, não se conseguiu alterar significativamente o caráter elitista das facul-
dades de direito.
3 - NEDER, Gizlene. Discurso Jurídico e Ordem Burguesa no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1995, p. 103.
4 - CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 74-75
O d i s c u r s o d a m a g i s tr a tu r a f l u m i n e n s e n o s c o n f l i to s d e te r r a n o R i o d e J a n e i r o
Tentamos buscar as explicações para este fato nas teses do filosofo francês
Pierre Bourdieu sobre o poder simbólico do Poder Judiciário: "(...) por mais
que os juristas possam opor-se a respeito de textos cujo sentido nunca se
impõe de maneira absolutamente imperativa, eles permanecem inseridos num
corpo fortemente integrado de instâncias hierarquizadas que estão à altura de
resolver os conflitos entre os intérpretes e as interpretações. E a concorrência
entre os intérpretes está limitada pelo facto de forças políticas a medida em
que apresentem como resultado necessário de uma interpretação regulada de
textos unanimemente reconhecidos: como a Igreja e a Escola, a Justiça orga-
niza segundo uma estrita hierarquia não só as instâncias judiciais e os seus
poderes, portanto, as suas decisões e as interpretações em que elas se apói-
am, mas também as normas e as fontes que conferem a sua autoridade a
essas decisões."5
Por tal motivo, é comum que indivíduos com diferentes vivencias sociais e
oriundos de diversas classes, quando ingressam neste aparelho, passam a
incorporar a postura e o discurso hegemônico nele presente. Pois, "o poder
simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com
a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou
mesmo que o exercem."8
Desta forma, muitas vezes os magistrados não percebem que sua atividade
profissional lhes permite diferentes interpretações da lei e a descoberta de
novas formas de mediação de conflito. Acabando por reproduzir as posições
majoritárias, adotando-as como "verdades absolutas".
5 - BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico, 7ª edição. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004, p. 213-214.
6 - "Reforçando a adaptação dos novos magistrados à cultura organizacional do Poder Judiciário, o próprio
sentido de hierarquia - estritamente vinculado à política de promoção por mérito - funciona como mecanis-
mo para reduzir a renovação da jurisprudência. Para o juiz preocupado com sua carreira é fundamental estar
de acordo com o Tribunal e estar de acordo com a jurisprudência dominante, de forma a não Ter suas sen-
tenças sistematicamente revogadas." (JUNQUEIRA, Eliane Botelho [et ali] Juízes retrato em preto e branco. Rio
de Janeiro: editora Letra Capital, 1997, p. 164)
7 - DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996, p. 34.
8 - Ibid. p. 7-8.
Ensaios e Debates
Por esse motivo, na maior parte dos casos torna-se mais fácil a adesão dos
magistrados as teses dos proprietários do que a aceitação dos argumentos
que levam trabalhadores sem-terra a promoverem a ocupação de uma pro-
priedade privada.
Conclusão
O d i s c u r s o d a m a g i s tr a tu r a f l u m i n e n s e n o s c o n f l i to s d e te r r a n o R i o d e J a n e i r o
Dessa forma, os movimentos que lutam pelo acesso à terra não têm encon-
trado no judiciário um campo propício para a concretização de suas reivindi-
cações. Entretanto, estes movimentos continuam atuando no sentido de
democratizar o Poder Judiciário, promovendo o debate com a sociedade,
realizando marchas, ocupações de terra e resistindo a reintegrações de posse
concedidas com base no discurso proprietário.
Bibliografia
Ensaios e Debates
Outras publicações
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por principal objetivo instigar dentro e fora do meio
acadêmico uma discussão necessária, porém pouco enfrentada, sobre a ve-
lada existência da violência judicial contra os movimentos populares de luta
pelo acesso a terra no Estado do Paraná.
Ensaios e Debates
Essa peleja contínua e crescente pela aquisição e extensão dos direitos soci-
ais, políticos, econômicos e culturais está intimamente associada ao exercício
pleno da cidadania coletiva. No entanto, importante parcela do Poder
Judiciário nacional e em especial o paranaense, tem-se demonstrado exces-
sivamente refratário às demandas populares organizadas, externando em
suas decisões judiciais posições político-ideológicas conservadoras e violen-
tas sob o prisma sociológico.
2 - Ocurre que se confunde - seguramente - el concepto de masa social con el de integración asociativa, y lo
cierto es que el hombre sin asociaciones mediadoras se masifica, y masificado se desindividualiza. LAVIÉ, Hum-
berto Quiroga. Los Derechos Públicos Subjetivos y la Participación Social, Buenos Aires: Depalma, 1985, p. 96.
V i o l ê n c i a j u d i c i a l c o n tr a o s m o v i m e n to s p o p u l a r e s d e l u ta p e l o a c e s s o a te r r a n o P a r a n á
3 - ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. O Manifesto Comunista, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p.9-10.
4 - o antagonismo entre o proletariado e a burguesia é uma luta de uma classe contra outra, luta que, levada
à sua expressão mais alta, é uma revolução total. [...] Não se diga que o movimento social exclui o movimento
político. Não há, jamais, movimento político que não seja, ao mesmo tempo, social. MARX, Karl. Luta de Classes
e Luta Política, 1847, http://www.marxists.org/portugues/marx/1847/04/luta-class-luta-polit.htm.
5 - LENIN, Vladmir Ilich Ulianóv. Karl Marx, São Paulo: Mandacaru, 1990, p.27.
6 - FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro, 6ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p.93.
7 - PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira, 3ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1968, p.139.
Ensaios e Debates
Dos textos da autora alemã colhemos sua reflexão sobre o problema da vio-
lência, que começa pela distinção terminológica entre os conceitos de "poder"
(power), "vigor" (strenght), "força" (force), "autoridade" e "violência"12. No pensa-
mento arendtiano "poder" consiste na habilidade humana para agir em concer-
to, "vigor" designa algo no singular, uma propriedade inerente a um objeto ou
pessoa e pertence ao seu caráter, podendo provar-se a si mesmo na relação
com outras coisas ou pessoas, mas sendo essencialmente diferente delas13.
8 - Na via prussiana a transformação capitalista não "revoluciona" a realidade agrária pré-existente, mas pro-
move uma evolução ou adaptação dela ao capitalismo: por um lado, transforma paulatinamente o latifundiário
em capitalista (ou seja, promove uma "modernização", em termos econômicos e técnicos, mas raramente em ter-
mos políticos-ideológicos) e os diversos tipos de pequenos agricultores dependentes ou agregados, em trabal-
hadores assalariados. GERMER, Claus Magno. Perspectivas das Lutas Sociais Agrárias nos Anos 90. in STÉDILE,
João Pedro (org.). A Questão Agrária Hoje, Porto Alegre: UFRGS, 1990, p.262.
9 - A 'industrialização da agricultura' caracteriza-se pela passagem de uma atividade de apropriação das
condições naturais existentes para uma atividade de fabricação dessas mesmas condições, quando ausentes.
SILVA, José Graziano da. A Modernização Dolorosa: estrutura agrária, fronteira agrícola e trabalhadores rurais
no Brasil, Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p.126.
10 - Sob o novo projeto, a modernização das áreas rurais aparece como imperativa. Ele contribuirá para a espe-
cialização regional e para a introdução de novos modelos de consumo que possibilitarão a difusão ou a expan-
são de uma economia monetária. A necessidade de capital será aprofundada juntamente com uma tendência
para o assalariamento e com uma diminuição da mão-de-obra rural. A 'Revolução Verde' … implicou a for-
mação ou consolidação de uma burguesia agrária e na proletarização de camponeses. SANTOS, Milton.
Economia Espacial - Críticas e Alternativas, São Paulo: USP, 2003, p.30-31.
11 - Realizamos esta classificação na linha dos trabalhos clássicos de Lênin e Mao, que utilizam o termo campo-
nês para designar os substratos ricos, médios e pobres, especificamente nos textos: LENIN, Vladimir Ilich Ulianóv.
On The Agrarian Question: For the Second Congress of the Communist International, 4th ed., Moscow: Lenin
Collected Works, Vol. 31, 1965, pages 152-164, http://www.marxists.org/archive/lenin/works/1920/jun/x01.htm e
TUNG, Mao Tse. Como Determinar las Clases en las Zonas Rurales, Obras Escogidas, Pequim, 1976, t.I, 1933,
p.149 e ss. http://www.ucm.es/info/bas/utopia/html/mao.htm.
12 - ARENDT, Hannah. Sobre a violência, Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 36.
13 - ARENDT, Op. cit., 1994, p. 37.
V i o l ê n c i a j u d i c i a l c o n tr a o s m o v i m e n to s p o p u l a r e s d e l u ta p e l o a c e s s o a te r r a n o P a r a n á
14 - OLIVEIRA, Waléria Fortes de; e GUIMARÃES, Marcelo Resende. O conceito de violência em Hannah Arendt
e sua repercussão na educação, http://www.educapaz.org.br/html/modules/wfsection/article.php?articleid=19.
15 - Sua argumentação se processa no sentido de refutar afirmações como a de Wright Mills (Toda política é
uma luta pelo poder, a forma básica de poder é a violência), de Max Weber (O domínio do homem pelo
homem baseados nos meios de violência legítima) ou de Bertrand de Jouvenel (Para aquele que contempla o
desenrolar das eras, a guerra apresenta-se como uma atividade que pertence à essência dos Estados).
Ensaios e Debates
V i o l ê n c i a j u d i c i a l c o n tr a o s m o v i m e n to s p o p u l a r e s d e l u ta p e l o a c e s s o a te r r a n o P a r a n á
18 - O recurso foi autuado em 09/12/2003. Sua conclusão ocorreu em 18/03/2004 e em 08/06/2004 foi
feito pedido de pauta. Julgado em 23/06/2004.
19 - TJPR - 2a Câm. Cív. - Ap. Cív. n.º 0148368/3 - Ac. n.º 23982 - Rel. Des. Bonejos Demchuk - unan. -
j.23/06/04 - pub. 23/08/04 - DJ 6691.
20 - Autos sob n.º 425/2000, que tramitaram perante a 2a Vara de Fazenda Pública de Curitiba, PR.
21 - 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, autos sob n.º 35554, sentença de p. 261/272.
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V i o l ê n c i a j u d i c i a l c o n tr a o s m o v i m e n to s p o p u l a r e s d e l u ta p e l o a c e s s o a te r r a n o P a r a n á
esse Estado num dos principais focos de violência no campo a partir de 1998.
De 1995 a 2000 foram registrados 16 (dezesseis) assassinatos de trabalhadores
rurais, 31 (trinta e uma) tentativas de homicídio, 07 (sete) casos de tortura, 322
(trezentos e vinte e dois) trabalhadores feridos e 470 (quatrocentos e setenta)
presos, em 130 (cento e trinta) ações de despejo. No período de 2001 a 2003
foram registrados 04 (quatro) assassinatos, 21 (vinte e um) casos de ameaças
de morte, 07 (sete) trabalhadores feridos e 49 (quarenta e nove) presos.25
25 - Dados extraídos com base nos relatórios da Comissão Pastoral da Terra - CPT. Conflitos no Campo no
Brasil, Goiânia: Loyola, 2003, 2003 e 2004.
26 - O caso foi encaminhado à Comissão Interamericana da OEA, vez que na via jurisdicional nacional, além
da demora injustificada das investigações e responsabilizações, a Juíza foi totalmente absolvida de sua condu-
ta criminosa: 'Muito embora se observe condutas funcionalmente censuráveis, não vejo como atribuir pelo que
foi apurado a prática de crime em exame à magistrada …' (Autos de Investigação Criminal n.º82.516-5, de
Curitiba, fls. 384) Relatório de violações de direitos humanos contra trabalhadores rurais sem terra, encami-
nhado em 13 de outubro de 2004 ao Relator Especial sobre Independência dos Juízes e Advogados da
Organização das Nações Unidas - ONU.
Ensaios e Debates
V i o l ê n c i a j u d i c i a l c o n tr a o s m o v i m e n to s p o p u l a r e s d e l u ta p e l o a c e s s o a te r r a n o P a r a n á
O dito popular "a união faz a força" traduz a forma concreta encontrada
pelos mais fracos para nivelar a correlação de forças decorrentes da luta de
classes.
Todos esses fatores são fundamentais para que os direitos sociais reclama-
dos pelos movimentos populares acabem tornando-se impraticáveis, seja
pelo exegético respeito de parcela dos direitos constitucionais, seja pela
prevalência da denominada "reserva do possível" sobre o chamado "mínimo
existencial"31, quando as condições materiais mínimas de existência de todos
os brasileiros ficam subordinadas aos compromissos do Estado com os
prestamistas internacionais.
Ensaios e Debates
fez esse mesmo Poder Judiciário com a antiga redação do § 3o, do artigo
192 da Carta Magna, no que se tornou co-responsável pelo agravamento da
crise da dívida pública brasileira durante a década de 90 do século XX.
V i o l ê n c i a j u d i c i a l c o n tr a o s m o v i m e n to s p o p u l a r e s d e l u ta p e l o a c e s s o a te r r a n o P a r a n á
Parece existir uma hierarquia para alguns magistrados entre o direito à pro-
priedade (art. 5o, XXII, CF/88) e o direito ao cumprimento da função social
da propriedade (art. 5o, XXIII, CF/88), de tal forma que um suposto desres-
peito ao primeiro corolário induz a desconsideração total da existência do se-
gundo. Essa opção ideológica acarreta o esvaziamento das normas constitu-
cionais referentes à política urbana (arts. 182 e 183 da CF/88) e a política
agrícola e fundiária e da reforma agrária (arts. 184 a 191 da CF/88). É a
contenção via repressão da cidadania coletiva para conservação de injustiças
sociais e de estados de fato que acalantam inconstitucionalidades de fato.
Ensaios e Debates
35 - A crítica à neutralidade do juiz deu-se a partir do momento em que se começou a investigar a concepção
do Judiciário como instância política. Foram os cientistas políticos que primeiro viram nos tribunais um subsis-
tema do sistema político global. Um e outro partilhavam a característica de processarem uma série de inputs
externos constituídos por estímulos, pressões, exigências sociais e políticas e, através de um mecanismo de con-
versão, produzirem outputs (as decisões) portadoras de impacto social e político nos restantes subsistemas. Desta
constatação advinham duas conseqüências: 1a, as motivações sentenciais variavam conforme a classe, a for-
mação, a idade e a ideologia do juiz e por conseqüência; 2a, restava desmentida a idéia de justiça como função
neutra e eqüidistante dos interesses das partes (Santos, B., 1989, p. 51). PORTANOVA, Op. cit., 1997, p. 72/73.
36 - PORTANOVA, Op. cit., 1997, p. 38.
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37 - A divergência entre julgados do mesmo tribunal e entre tribunais diversos contraria a finalidade do proces-
so e da própria jurisdição (Tubelis, 1988, p. 336), além de debilitar a autoridade do Poder judiciário e causar
profunda decepção às partes. (Buzaid, 1985, p. 192) PORTANOVA, Op. cit., 1997, p. 42/43.
38 - Autos sob n.º 425/2000, que tramitaram perante a 2a Vara de Fazenda Pública de Curitiba, PR.
39 - Autos sob n.º 35554, que tramitaram perante a 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, sentença, p.
261/272.
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CF/88); o direito à vida (art. 5o, caput, CF/88); e, finalmente, o direito as de-
cisões judiciais fundamentadas (art. 93, IX, CF/88); caem por terra quando
apenas parcela do ordenamento jurídico é observada e acatada.
43 - Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte,
no momento de proferir a sentença. Código de Processo Civil.
44 - Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural
que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária,
com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano
de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. Constituição da República Federativa do Brasil.
45 - hay un principio básico de racionalidad que prescribe que cuando un individuo tiene dos o más intereses
que no pueden satistacerse simultáneamente, debe dar preferencia a sus intereses más importantes, cualquiera
que sea el criterio para jerarquizar tales intereses. Lo mismo se debería hacer con los intereses en conflicto de
varios individuos cuando se adopta el punto de vista del observador ideal: deben prevalecer aquellos intereses
de mayor jerarquía. (…) Esta suma de intereses también la debería hacer el observador ideal com los intere-
ses de distintos individuos con los que se identifica, de modo que, siendo los intereses de igual jerarquía,
prevalecen los de mayor número de individuos, no por originarse en una mayoría - lo que es, en sí mismo,
irrelevante, pues implica el cómputo de distintos individuos - sino simplesmente por constituir más intereses.
NINO, Carlos Santiago. Ética y Derechos Humanos - Un ensayo de fundamentación, 2a ed., Buenos Aires:
Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1989, p. 255/256.
46 - Art. 931. Aplica-se, quanto ao mais, o procedimento ordinário. Código de Processo Civil.
47 - Art. 273. (…): § 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão
fundamentada. Código de Processo Civil.
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No início deste tópico destacamos que algumas normas protetoras dos dire-
itos fundamentais da humanidade foram consagradas pelo texto constitu-
cional brasileiro, enquanto que as demais estão sendo progressivamente
incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio. Destacamos também, que nas
relações internacionais a República Federativa do Brasil defende a prevalên-
cia dos direitos humanos (art. 4o, II, CF/88).
49 - Desinteressado no conflito, subordinado à lei e protegido de influências políticas e outras pressões, o juiz
imparcial faz o Judiciário independente, democrático e baluarte das liberdades individuais. O Judiciário só
existe porque é imparcial e sujeito à lei ('sobre a justiça da lei há outro foro, os plenários dos legislativos em
primeiro lugar'). A justiça consiste num método, e esse método é o das decisões imparciais. O juiz não se deve
comprometer. Sua imparcialidade é seu apanágio. Parcialidade é perversão. 'O ordenamento é, pois, suposto
da justiça. E nele, imparcialmente, não comprometidamente, trabalhará o juiz' (Müeller, 1989, p. 121). É
importante a imparcialidade judicial, dada a natureza secundária e substitutiva de sua atividade, ou seja, a
jurisdição só ocorre nas hipóteses em que os litigantes não realizaram a atividade primária afastadora da ilic-
itude. Age, por isto, o Judiciário, na substituição das partes para lograr a pacificação social (Arruda Alvim,
1975, p. 39). PORTANOVA, Op. cit., 1997, p. 42.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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52 - BICUDO, Hélio. Direitos Humanos e sua Proteção, São Paulo: FTD, 1997, p. 94.
53 - GOHN, Maria Glória (org.). Movimentos Sociais no Início do Século XXI - antigos e novos atores sociais,
Petrópolis: Vozes, 2003, p. 14/15.
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52 - BICUDO, Hélio. Direitos Humanos e sua Proteção, São Paulo: FTD, 1997, p. 94.
53 - GOHN, Maria Glória (org.). Movimentos Sociais no Início do Século XXI - antigos e novos atores sociais,
Petrópolis: Vozes, 2003, p. 14/15.
54 - Art. 14. A Corregedoria-Geral da Justiça, que tem como incumbência a inspeção permanente dos
Magistrados, das serventias do foro judicial e dos serviços do foro extrajudicial, terá sua competência e
atribuições estabelecidas no Regimento Interno.
Art. 16. O Corregedor-Geral da Justiça, além de realizar inspeções e correições permanentes nos serviços judi-
ciários, terá sua competência e atribuições estabelecidas no Regimento Interno.
Parágrafo único. O Corregedor Adjunto terá sua competência e atribuições estabelecidas no Regimento
Interno. In Lei n.º 14277, de 30 de dezembro de 2003 - Código de Organização e Divisão Judiciária do Estado
do Paraná - CODJ-PR.
Art. 16. Compete à Corregedoria da Justiça a inspeção permanente sobre todos os juízes e auxiliares da justiça,
para instruí-los, emendar-lhes os erros e, em relação a estes, punir lhes as faltas e abusos, devendo manter,
para isso, cadastro funcional próprio.
Art. 20. Ao Corregedor de Justiça compete: (…) VI - receber e processar as reclamações contra juízes, funcio-
nando como relator em seu julgamento pelo Conselho da Magistratura; (…) XI - verificar, determinando as
providências que julgar convenientes, para a imediata cessação das irregularidades que encontrar: (…) d) se
consta a prática de erros ou abusos que devam ser emendados, evitados ou punidos, no interesse e na defesa
do prestígio da justiça; (…) f) os autos cíveis e criminais, apontando erros, irregularidades e omissões havidas
em processos findos ou pendentes; RESOLUÇÃO NORMATIVA nº 04/86, de 08 de maio de 1986, publicada
no Diário da Justiça do dia 23 de junho de 1986, Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
55 - O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), previsto no artigo 103-B da Constituição Federal de 1988, foi
incorporado ao ordenamento jurídico pátrio por meio da Emenda Constitucional n.º 45, de 08/12/2004.
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Isto significa dizer, que um modo de produção pautado pela produção so-
cial das mercadorias e a apropriação privada dos excedentes está inevitavel-
mente condenado à superação histórica por um novo modelo, que necessa-
riamente deverá contemplar a substituição do paradigma da concorrência pe-
la solidariedade, da resistência à exclusão pela promoção da inclusão, da
concentração da riqueza pela distribuição de direitos fundamentais da huma-
nidade. Nas palavras do mestre Fábio Konder Comparato:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
56 - COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 3a ed., São Paulo: Saraiva,
2003, p. 540.
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MANIFESTO
Tanques Cheios às
custas de Barrigas Vazias
A Expansão da Indústria da Cana na América Latina
No Brasil, a partir dos anos 70, quando houve a chamada "crise" mundial
do petróleo, a indústria da cana passa a produzir combustível, o que justifi-
caria sua manutenção e expansão. O mesmo ocorre a partir de 2004, com
o novo Pró-Álcool, que serve principalmente para beneficiar o agronegócio.
Documento
monocultivo da soja. Para legitimar essa política e camuflar seus efeitos destrui-
dores, o governo estimula a produção diversificada de biodiesel por pequenos
produtores, com o objetivo de criar o "selo social". As monoculturas têm se ex-
pandido em áreas indígenas e em outros territórios de povos originários.
As mulheres trabalhadoras no corte da cana são ainda mais exploradas, pois rece-
bem salários mais baixos ou, em alguns países, como na Costa Rica, não recebem
seu salário diretamente. O pagamento é feito ao marido ou companheiro. É comum
também a prática do trabalho infantil em toda a América Latina, assim como a
exploração de jovens como principal mão-de-obra no estafante corte da cana.