nos

de uma
HISTORIA
BRASILEIRA

BUENAS IDEIAS
CAIXA: 150 anos
de urna HISTÓRIA BRASILEIRA
Eduardo Bueno

CAIXA: 15Canos
de uma HISTÓRIA BRASILEIRA

BUENAS IDEIAS
Governo Federal
Presidente
Luiz inácio Lula da Silva
Vice-Presidente
José Alencar Gomes da Silva
Ministro da Fazenda
Guido Mantega
Caixa Econômica Federal
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Presidente
Nelson Machado
Vice-Presidente
Maria Fernanda Ramos Coelho
Conselheiros
Alexandra Reschke
Ricardo Soriano de Alencar
Manoel Joaquim de Carvalho Filho
Paulo Fontoura Vaile
Marden de Meio Barboza
CONSELHO FISCAL
Titular-Presidente
José Mauro Gomes
Suplente
Quênio Cerqueira de França
Titulares
Adriano Pereira de Paula
Liana do Rego Motta Veloso
Luiz Roberto Biora
Paulo Henrique Feijó da Silva
Suplentes
Leopoldo Araújo Rodrigues
André de Sosa Vérri
Igor Montezuma
Ronise Pereira Lopes
CONSELHO DIREtOR
Presidente
Maria Fernanda Ramos Coelho
Vice-Presidência de Controle e Risco - VICOR
Marcos Roberto Vasconcelos
Vice-Presidência de Finanças - VIFIN
Márcio Percival Alves Pinto
Vice-Presidência de Atendimento e Distribuição - VIGAT
Carlos Augusto Borges
Vice-Presidência de Governo - VIGOV
Jorge Fontes 1-lereda
Vice-Presidência de Logística - VILOG
Sérgio Pinheiro Rodrigues
Vice-Presidência de Gestão de Pessoas - VIPES
Édilo Ricardo Valadares
Vice-Presidência de Pessoa Física - VIPFI
Fábio Lenza
Vice-Presidência de Pessoa Jurídica - VIPJU
Carlos Antonio de Brito
Vice-Presidência de Tecnologia da Informação - VITEC
Clarice Coppetti
VICE-PRESIDENTES SEGREGADOS
Vice-Presidência de Fundos de Governo e Lorenas - VIFUG
Joaquim Lima de Oliveira
Vice-Presidência de Gestão de Ativos de Terceiros - VI TER
Bolívar Tarragó Moura Neto
COMITfl DE AUDIIORIA
Presidente
Adilson Rodrigues Ferreira
Membros
Joáo Acir Verle
José Carlos Monteiro Medeiros
Membro Suplente
José Francisco Ribeiro Filho
 Apresentação

UM SÉCULO E MEIO DE HISTÓRIA

ma instituição, em qualquer tempo OU lugar, somente cumpre sua missão

quando ajuda a mudar para melhor a vida das pessoas. Muito além de
programas e metas, é o dia a dia que consolida um trabalho e revela o
quanto ele é capaz de fazer a diferença. Raras empresas logram alcançar tal
êxito por um largo período de tempo. l'or isso, ao completar 150 anos como uma presença
constante na vida de milhões de pessoas, fazendo a diferença para cada uma delas e para o
país, a Caixa é um motivo de orgulho para todos os brasileiros.
Orgulho que é ainda maior entre as dezenas de milhares de economiários que, desde
1861, vêm abrindo as portas da Caixa todas as manhãs para oferecer à população muito mais
do que simples produtos e serviços típicos de uma instituição bancária, mas também valores
tão intangíveis quanto essenciais: a materialização do sonho da casa própria, a possibilidade
de se tornar um milionário das Loterias, a concretização dos planos de expansão de empresas
de todos os portes, a aquisição de bens por meio de consórcio, a segurança de fazer urna
previdência privada ou de guardar as economias na poupança para dela se prover em tempos
difíceis ou, quem sabe, conquistar algum anseio longamente acalentado.
A Caixa é hoje o maior banco público da América Latina, conta com um corpo de 85
mil funcionários e está presente em todos os 5.561 municípios brasileiros por meio de mais
de duas mil agências e 17 mil pontos de atendimento. Ainda que amplamente expressivos,
esses seriam apenas números frios, não fossem igualmente grandes seu impacto e sua
importância na vida dos brasileiros e na vida da nação. Não são apenas os clientes da Caixa
que se beneúciam com suas ações, mas toda a população do país, urna vez que a instituição
financia e gerencia programas habitacionais e obras de saneamento, administra o FGTS e as
Loterias, patrocina o esporte, a cultura e iniciativas de responsabilidade socioambiental.
Este livro procura resgatar os primeiros 150 anos da Caixa. Um dos principais méritos
da obra que celebra o sesquicentenário é revelar o quanto a trajetória da Caixa sempre
esteve entrelaçada com a trajetória do país, fazendo dela a instituição bancária mais
querida e popular do Brasil. Mais do que uma narrativa histórica, trata-se de um tributo
aos homens e mulheres - tanto funcionários quanto clientes - que, desde os tempos do
Império, vêm ajudando a construir esta nação.

Caixa
 Caixa 150 Anos de Uma História Brasileira
© 2010 Divulgadora Buenas Idéias Ltda.

Concepção e Edição
Eduardo Bueno
Coordena ção de Produção
Fernando Bueno
Textos
Eduardo Bueno
Eliziário Gou!art Rocha
Editor Assistente
Eliziário Goulart Rocha
Revisão
Renato Deitos
Design e Direção de Arte
Ana Adams
Assistente de Arte e Diagrama ção
Fernanda Barroso
Fotografia
Fernando Bueno
(salvo onde os créditos indicarem outro fotógrafo)
Assistente de Produção
Liliana Reid
Impressão e Acabamento
Gráfica Pallotti

Buenas Idéias é marca fantasia da Divulga dura Bueno & Bueno LIda,
Rua Marianto, 200, talaS, Moinhos de \'oelo, Porto Alrgrc, RS, 90430-180
151/Fax: * 51 3084-0215. E-mail: buettasidrias@Ierra.com,br

CRÉDITO DA CAPA
Manipulação eletrônica sobre a imagem da moeda
original de 40 réis, em bronze, de 1875.
Foto Dudu Contursi

P. 2 - A CAIXA
Réplica da arca de madeira do século 19 que teria
sido usada para guardar os primeiros depósitos
confiados à Caixa Econômica da Corte, em 1861.
Museu da Caixu. BrasIlia

P. 8- TRABALHO COLETIVO
Abelhas numa colmeia - símbolo de previdência e
poupança -, decoram a porta de um dos elevadores
da agência da Caixa na praça da Sé, em São Paulo.
 Prefácio

CAIXA DE MUITAS HISTÓRIAS

E
m um país com pouco mais de 500 anos de história oficial, independente
há menos de 200 e com apenas 121 anos de vida republicana, não restam
dúvidas de que umséculo e meio configura um longo tempo. Não chega a ser
surpresa portanto, que, no momento em que completa 150 anos de existência,
a Caixa revele uma trajetória intensamente ligada à história do Brasil. Fundada nos
tempos do Império e da escravidão, a Caixa assistiu ao final de ambas as instituições - e
colaborou decisivamente para a derrocada da última. Rapidamente adequada aos tempos
republicanos, a Caixa sempre se manteve em conexão com os avanços e os desafios
enfrentados pelo país e ajudou a concretizar o processo de plena democratização da nação.
Olivro que o leitor tem em mãos é uma espécie de biografia do maior banco público
da América Latina, feito com a ajuda de Machado de Assis, Lima Barreto, Mário e Oswald
de Andrade, Di Cavalcanti, Djanira, Mano Quintana - cujas vidas, como as de tantos
milhões de brasileiros, misturamse à vicia da instituição criada para ser "o cofre seguro das
classes menos favorecidas" e que, 150 anos depois, veio a se tornar muito mais do que isso.
Publicada pela primeira vez em 2002, a obra ressurge agora, totalmente revista
e ampliada, com o propósito de celebrar o sesquicentenário de um banco que,
através das loterias, do sonho da casa própria, da administração dos recursos do
FGTS e dos investimentos maciços em saneamento básico e infraestrutura urbana,
de fato se relaciona com toda a população brasileira. Muito mais do que a história
de uma instituição financeira, aqui está um mergulho numa história genuinamente
brasileira no momento em que ela completa seus primeiros 150 anos.

Eduardo Bueno
Parte 1 A HISTÓRIA

CAIXA IMPERIAL 13
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1 O)
• 1 ()

CAIXA NA REpúBlicA VELhA 71

(ii)' - tl(
1889
1

CAIXA NA ERA VARGAS 113

1930 • 1954

CAIXA DA UNI FICAÇÃO 143

1954 • 1984

CAIXA NA REuE1ocIA1'Iz\çAO 167

1985 • 2002

CAIXA NO SÉculo 21 177

Parte II OS SERVIÇOS

POUPANÇA 189
PENHOR 207

CASA NOPRIA 219

FGTS 235

LOTERIAS 241

Parte III OS PATRIMÔNIOS

PATRIMÔNIO ARTÍSTICO 265

CAIXA CULTURAL 275

PATROCÍNIOS 293

ECONOMIÁRIOS 305
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 Parte

A IlISTORIA
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9
CAIXA IMPERIAL
186o . 1889

pós tinia série de debates que Redigida pelo então ministro da Fazenda, o

inflamaram a Câmara e o baiano Angelo Muni, da Silva Ferra,. (1812-1867),

Senado - gerando, segundo o futuro barão de Uruguaiana, a Lei dos Entraves

Jornal do Comniercio, "excessos trazia, entre suas várias determinações, a primeira

lamentáveis, de que nüo há exemplos nem mencão oficial á criacão das Caixas Econômicas

005 anoS mais tempestuosos de flOSS1 história no Brasil. E, mesmo que para o surgimento da

política" -' o imperador 1). Pedro II pôde enfim institiução ainda fosse necessária a publicação de

promulgar, em 22 de agosto de 1860, a Lei n° um novo decreto (assinado cinco meses depois),

1.083, que a Assembleia aprovara (por 70 votos não restam dúvidas de que a semente da Caixa

a 21) nas tumu]tuadas sessões dos dias 6, 7 e 8 foi plantada pela Lei dos Entraves. Talvez por isso

daquele mês. l)e acordo com o cabeçalho, a lei as radicais determinações de Silva Ferra, tenham

continha em seus oito artigos Providências sobre sido invariavelmente saudadas pelos autores que se

os bancos de emissão, meio circulante e diversas dedicaram a escrever a história da Caixa no Brasil —

companhias e sociedades. N'las estava destinada em sua maioria ec000miários.

a passar à história com um nome mais simples () depoimento de Jeronymo de Castilho é, nesse

e revelador — o nome com o qual os próprios sentido, dos mais eloquentes. Em seu livro Coisas

idealizadores se referiam a ela: Lei dos Entraves. da Velha Caixa, publicado em 1983, Castilho - que
Apesar de pouco conhecida lora dos entrou lia Caixa Econômica como datilógrafo em

meios académicos, a lei dos Entraves constitui 1922 e saiu dela presidente em 1964— afirma que a

uni marco na história econômica do Brasil, lei de 22 de agosto de 1860 foi instituída basicamente

simplesmente porque iria reger a política para "combater os juros escorchantes e inapeláveis"

monetária da naçáo pelos 30 anos seguintes. cobrados pelos "exploradores da miséria alheia":

Que seus efeitos tenham sido duradouros não é os "agiotas e casas de agiotagem" do Rio de Janeiro

tema que desperte controvérsia: na verdade, esse (e de outras cidades e províncias do Império), que

parece ser o único ponto sobre o qual concordam aceitavam penhores e emprestavam dinheiro a crédito.

tanto seus críticos quanto seus defensores. A Carlos Alfredo Simch, em seu bem

polémica é mais grave e mais complexa: gira em documentado Jubileu de Dianiante da Caixa
torno dos efeitos que a Lei n° 1.083 viria a ter no Econômica Federal do Rio Grande do Sul, publicado
desenvolvimento do país. em maio de 1950, é ainda mais taxativo. De acordo
14 CAIXA l\t I'lR I.\
VISCONDE DE I'rABoRAI
Minisrro conservador e um dos principais integrantes da
"tropa de choque" de D. Pedro II no Congresso Nacional.
Litogravura de 5. A. Si,,.,,, Biblioteca Nacional, Rio de laneiro
P. 10- O DECRETO INAUGURAL
Original do documento que criou a Caixa Econômica
da Corte, assinado em 12 de janeiro de 1861.
À rqops o Nacional, Reproduç5o Studia H, Ris, de laneiro
P. II - IMAGEM DE FUNDO - AVAL IMPERIAL
Rubrica de D. Pedro II no decreto que criou a Caixa
Econômica da Corte.
Ar5uiva Nacional, Rio de laneiro
P. 12- D. PEDRO II
Reprodução parcial de uma cédula de cinco mil réis
ilustrada com o rosto do imperador.
Mosca de VaI ,nrcs cio Fiar cd, Cenite., 1 dc, Brasil
com o então diretor da Caixa gaúcha, a Lei dos
Entraves nasceu para enfrentar "a dissolvente
subversão dos costumes que vogavam entre os
pregões da Bolsa, violentando as fronteiras da
dccéncia". O ministro Ferraz teria, portanto, agido
em nome do imperador, que estava "assustado
.) e instruído dos escândalos que a agiotagem
cometia e da necessidade de opor-lhe paradeiro".
Ltl opinião é compartilhada por outros autores
que se debruçaram sobre a história da Caixa, entre
eles dois dos mais conhecidos: João Gualberto de
Oliveira e De Plácido e Silva.
A Lei dos Entraves, porém, fez muito mais
do que combater os agiotas e determinar a criação
da Caixa Econômica. Ela surgiu basicamente para
impedir a emissão de títulos e dinheiro sem lastro,
uma vez que, a partir de então, todo o papel lançado
por um banco precisaria ter equivalente metálico
- ou seja, ouro - para garanti-lo. A despeito da
lógica de suas motivações, a Lei dos Entraves na
verdade tinha um objetivo mais complexo: acabar
com os bancos particulares, que, desde agosto
de 1857, vinham emitindo cada vez mais notas,
bilhetes e títulos. Essa emissão provocara um
nefasto surto especulativo, mas também gerara
uma movimentação sem precedentes no incipiente
mercado tinanceiro do Império.
Na prática, tratava-se de uma lei a favor
do monopólio bancário, concedido, a partir de
então, exclusivamente ao Banco do Brasil. Era
também uma lei criada para frear (virtualmente
impedir) o surgimento de sociedades anônimas,
estabelecendo, na opinião de alguns deputados,
banqueiros e comerciantes da época, "o mais
perfeito instrumento para matar o espírito de
associação e a própria iniciativa individual". Tal
atitude supostamente afastaria o país do "perigo
da anarquia bancária e da superabundância dos
papéis". pelo menos de acordo com as palavras do
então presidente do Banco do Brasil, o visconde de
ltaboraí, que, aliás, estava destinado a ser também o
primeiro presidente da Caixa Económica da Corte.
0 mais ruidoso opositor da Lei n° 1.083
era o barão de Mauá (1813-1889). Nada mais
natural: afinal, de certa forma, a Lei dos Entraves
fora planejada justamente para travar o avanço
de Mauá. Maior empresário privado do país,
dono de um conglomerado de 17 empresas cujos
ativos eram superiores a 115 mil contos de réis
(enquanto a receita do Império mal ultrapassava
os 64 mil contos), Mauá era francamente fiivorável
a uma economia desestatizada, vibrante e volátil.
() barão defendia uma economia "papelista"",
sendo contrário à rígida posição de contenção,
ortodoxa e "metalista", do governo imperial,
que apostava no padrão-ouro, posição já à
época considerada retrógrada pelos liberais.
Embora os principais defensores da Lei dos
Entraves fossem o lilinistro Angelo Muniz da Silva
Ferraz e seu antecessor na pasta da Fazenda, o
visconde de Itaboraí, ambos contunlazes inimigos
de Mauá, eles não agiram apenas em nome das
próprias convicções: como os mais efetivos membros
da "tropa de choque" do imperador no Congresso,
Ferraz e Itaborai cumpriam ordens. Afinal, mesmo
que gostasse de alimentar a versão segundo a qual,
no Brasil, ele só governava duas coisas ("minha casa
e o Colégio Pedro II"), 1). Pedro intluía profunda e
decisivamente nos destinos do país.
Apesar de serem os homens mais ricos do
Brasil, e vizinhos, 1). Pedro 11(1825-1891) e Mauá
tinham pouco em conium, além do endereço
na mesma rua. No fundo, eram opositores em
quase tudo. O imperador não via o empresário
com bons olhos: "Não lhe admirava as ousadias,
nem lhe perdoava certa altaneria no trato",
conforme o diagnóstico de Benedito Ribeiro
e Mário Guimarães em História dos Bancos e
do Desenvolvimento Financeiro do Brasil.
 CAIXA: 1 50 .\NOS VE LMA II ISTÕRLÃ BRASIlEIRA 15

A atitude era compreensível. Pois, enquanto D. perceber, observando o documento original,

Pedro Ii (compartilhando a tese de Ferraz e ltaboraí) preservado no Arquivo Nacional, que a lista de
imaginava a nação como uma espécie de "sólida cargos desempenhados por Ferraz ocupa quase

tiszenda de café, com sua sede imponente, a escravaria
disciplinada, a cultura perene, o trabalho para as
gerações e a imutabilidade dos ciclos de produção",
nas palavras de Jorge Caldeira, Mauá esforçava-se
para conectar o Brasil de 1 860 com a era industrial,
com os humores flutuantes do mercado e com o
inexorável avanço do capitalismo internacional.
Um vislumbrava o futuro, o outro estava atrelado
o mesmo espaço dedicado ao decreto em si.
De acordo com pelo menos um autor - o
já citado Jeronvmo de Castilho -, Mauá não só
atendeu ao chamado do imperador e do ministro
como teve "participação das mais importantes e
efetivas, por meio de debates em prol da instalação
da Caixa e de alterações subsequentes em seu
primitivo regularnento É possível que assim tenha

ao passado. Ainda assim, como se verá, logo ambos sido, embora Castilho não cite as fontes de tal

estariam reunidos em torno de uma causa em
comum: a fundação da Caixa Econômica.
Com efeito, por uma dessas ironias da
história, em 12 de janeiro de 1861, Mauá e o
informação, e o mais respeitado dos biógrafos de
Mauá, o já citado escritor Jorge Caldeira (autor do
best-seller Mauá: Empresário do Império, publicado
em 1996), sequer mencione o episódio.
'fendo ou não "participação das mais

imperador entrelaçaram seus destinos, devido importantes e efetivas" na fundação da Caixa, Mauá

justamente a um dos tantos desdobramentos da
Lei dos Entraves (aprovada menos de cinco meses
antes). Em seu artigo 2°, nos parágrafos 14 a 22,
a lei previa a criação das Caixas Econômicas do
Império. E, como o parágrafo 14 determinava que
as instituições fossem "dirigidas e administradas
muito possivelmente era favorável a cia. Afinal, as
Caixas tinham dado certo em vários países desde
que a primeira delas fora fundada em Brunswick,
na Alemanha, em 1765. A instituição se propunha
a ser o banco dos pobres - "o cofre seguro das
classes menos favorecidas", como diria anos depois

grcltuitamente por diretores nomeados pelo visconde do Rio Branco. E Mauá certamente

governo" - escolhidos dentre os mais destacados
membros da elite financeira da nação -, o
barão de Mauá acabou sendo eleito membro do
Conselho Inspetor e Fiscal da Caixa da Corte,
justamente em meio aos seus desafetos confessos.
A Caixa Econômica da Corte foi implantada
oficialmente pelo Decreto n°2,723, de 12 de
janeiro de 1861 Ei-a um decreto pequeno e
relativamente simples, com apenas 14 linhas
e três disposições, rubricado pelo imperador
e assinado por Ángelo Muniz da Silva Ferraz,
"membro do meu Conselho, senador do Império,
presidente do Conselho de Ministros, secretário
de Estado dos Negócios da Fazenda e presidente
via com bons olhos a ideia de incluir no sistema
bancário um número crescente de brasileiros,
cidadãos de um país ainda quase inteiramente
dividido entre a casa-grande e a senzala.
Mas, no terreno concreto dos fatos históricos,
certo é que o barão não participou das seis
primeiras reuniões do Conselho da Caixa, todas
elas i'ealizadas em urna sala da Escola Nacional de
Engenharia (antiga Escola Central), no largo de São
Fr'ncisco, no Rio, entre março e junho de 1861.
O primeiro encontro deu-se em 15 de março, e,
mesmo que tenha sido notada, a ausência de Mauá
com certeza não foi a mais sentida: naquele mesmo
dia, o primeiro presidente da Caixa, o visconde
BARÃO DE MAUÀ EM 1861
No ano em que ajudou a fundar a Caixa Econômica
da Corte, Irineu Evangelista de Sonsa, o barão de
Maná, estava com 47 anos e havia mais de 15 anos
era o principal industrial e um dos homens mais ricos
do Império. Armado,; banqueiro, empresário e grande
incentivador da indústria ferroviária, Mauá era contrário
à escravatura efavorúvel ao jogo de trocas mercantis,
lutando para conectar o Brasil co,,, o ciclo já globalizado
do capitalismo internacional. Em 1851, ele havia se
tornado um dos maiores acionistas do Banco do Brasil,
do qual se retirou em 1854 para fundar o Banco Mauá.
Embora determinados relatos sobre a histó ria da Caixa
da Corte afirmenz que o barão teve grande participação
da elaboração de suas regras normativas, o fato é que
ele se retirou do Conselho Fiscal da instituição ce,'ca de
quatro meses antes de a Caixa abrir suas portas no Rio.
A litografia acinra liS feita por S.A. Sisso,, para a Galeria
dos Represenla,,tes da Nação co, 1801.

do Tribunal do Tesouro Nacional", É curioso de ltaborai (1802-1872), não só não compareceu Bil,liotcca Nacional, Rio de laneiro
16 CAIXA IMI1 1 AI.
5.-
A PRIMEIRA SEDE, EMPRESTADA
Cúmara do Senado, no Rio, em cujas dependências
a Caixa da Corte iniciou suas operações, em
gravura publicada no livro Brazil and the
Brazilians, (los reverendos James Fletcher e D. P.
Kidder (Boston, 1866).
Biblioteca Nacional, Riu dc laneiro
ao encontro como enviou aos demais membros
do Conselho a Comunicação de que se afiastava
defniitivamente do cargo.
Itaboraí não estava saindo apenas da
presidência (e do Conselho) da Caixa: havia
duas semanas ele deixara o governo, porque no
dia 2 de março D. Pedro II derrubara o gabinete
conservador, presidido por Angelo Muniz Ferraz,
substituindo-o por outro, também conservador,
sob o comando do duque de Caxias. O período
de grandes transformações na cúpula política da
Corte parece ter causado reflexos instantâneos
no Conselho da Caixa, que também se modificou
bastante naqueles primeiros meses, com a saída de
dois presidentes (ltaboraí e seu sucessor, Manoel
Felizardo de Souza e MeIlo), um vice-presidente
(o comendador losé Antônio Pimenta Bueno) e
três conselheiros (os viscondes de Ipanema e de
Condeixas e o comerciante "grossista' ou de vendas
por atacado, Militão Máximo de Sousa, futuro barão
de Andaraí e primeiro a ser nomeado presidente da
Caixa após a proclamação da República).
A 21 de junho, foi a vez de Maná abandonar a
Caixa - mais de quatro meses antes do início efetivo
de suas operações. No entanto, por uma auspiciosa
coincidência, naquele mesmo dia tomou posse, como
ni embro do Conselho, Antonio Nicolau 'Iblentino
(1810-1888), um dos mais eficientes burocratas
do Segundo Reinado e que, como se verá, estava
destinado a se tornar o mais ativo dos presidentes da
Caixa ao longo de todo o período imperial, dirigindo
a instituição por 13 anos, de 1875 a 1888.
A partir da posse de Iblentino no cargo de
secretário, as reuniões do Conselho passaram a ser
realizadas na mansão do banqueiro e financista
António José Alves Souto, localizada na rua Direita,
um dos endereços mais cobiçados do Rio de
Janeiro. Três anos depois, a quebra da Casa Souto,
estabelecimento bancário de Alves Souto, arrastaria
Brasil para uma das mais profundas crises
financeiras de sua história.
Ainda assim, a Caixa Económica tem suas
dívidas para com o comendador Alves Souto: além
de ceder os aposentos de sua i'esidência para cerca de
dez reuniões do Conselho, foi ele quem providenciou
a mobília da sala da Câmara dos Deputados, no
prédio da Cadeia \Tlha (onde atualmente se ergue
I'alácio Tiradentes), na rua da Misericórdia,
na qual ficara decidido que a Caixa, na falta de
local mais apropriado, iniciaria suas atividades.
A sala foi cedida por empréstimo - e com
certa má vontade, como se pode supor pelos
constantes pedidos da Câmara para que a peça
fosse desocupada "assim que possível' No entanto,
ali a Caixa ficaria por 16 longos anos, até que uma
imponente sede própria fosse concluida, em janeiro
de 1887, no número 25 da rua D. Manoel, também
no coração do Rio de laneiro.
 CAIXA: 150 tNOS DE UNIA IIISI (IRiA BISDEIRA 17

E notável que a instituição, cujo início, A Caixa Econômica da Corte iniciou Ao correr OS olhos pela listagem dos 50

tão modesto, se deu em unia sala emprestada oficialmente suas operações às nove horas da manhã primeiros depositantes, repleta de Antônios, Josés,

a contragosto e na qual labutavam apenas de uma segunda-feira, 4 de novembro de 1861 - Joões e Joaquins, além de certa Maria Benedita, de

seis funcionários (uni tesoureiro, um guarda- dez meses após a assinatura do Decreto n° 2.723, Carlota, Emiliana e Adelaide, é como se o observador

livros, um leiloeiro, um porteiro, um contínuo embora este determinasse explicitamente em seu vislumbrasse, num instante, uma amostragem do

e um servente), tenha crescido a ponto de artigo 10 que "o referido estabelecimento deverá universo brasileiro de então, muito além da frieza dos

se tornar, 150 anos depois, o maior banco principiar dentro de seis meses, contados da data números e do anonimato silencioso e poeirento que

público da América Latina e o terceiro maior do presente regulamento". Durante aquele primeiro insiste em se depositar sobre aquelas letras e quantias,

banco comercial do Brasil, presente em todos dia, dez pessoas compareceram ao prédio da Cadeia como se fosse possível desvinculá-las devidas reais,

os 5.561 municípios do país, com mais de 17 Velha para depositar suas parcas economias, num de aflições cotidianas, de anseios genuínos. De

mil pontos de atendimento, cerca de 80 mil total de 190 mil-réis (190$000). sonhos e de esperanças raramente concretizados em

funcionários e quase 35 milhões de clientes. Nas cinco horas inaugurais (da abertura uni país que era então, e segue sendo, tão inj Listo na

Um século e meio após sua fundação, ao fechamento das portas, às duas horas da distribuição da renda.

pode-se dizer que a Caixa se mantém fiel ao tarde), a Caixa exibiu algumas tendências que Tal sensação adquire dimensões ainda mais

lema de ser "o cofre seguro das classes menos se consolidariam com o correr dos anos: em tangíveis quando, por um desses acasos afortunados,

favorecidas' Tanto é que, entre 2007 e 2010, primeiro lugar, mostrou que de fato tinha surgido torna-se possível mergulhar na história dos sucessos e

propiciou que mais de três milhões de pessoas para ser "o banco dos pohres' uma vez que as dos fracassos do primeiro homem que, naquela manhã

ingressassem no sistema bancário por meio da quantias depositadas eram bastante modestas; de 4 de novembro, aos 55 anos de idade, quem sabe

conta Caixa Fácil, tida como a maior ação de segundo, das dez primeiras contas, quatro foram curvado e combalido, dirigiu-se à Cadeia Velha e

inclusão bancária na história do Brasil. Mas a abertas por pais ou avós em nome de seus lá se postou em frente ao guichê para depositar

instituição não atende só seus clientes: vincula- filhos ou netos - um hábito ainda em voga. aqueles que talvez fossem os únicos dez mil-réis

se, na verdade, a todos os trabalhadores formais Em um país na época já marcado pela (10$000) que lograra amealhar em um pé-de-meia.

do Brasil, por meio do pagamento de FGTS, concentração de renda e pela exclusão social, Sim, porque em meio a 49 outros nomes

do PIS e do seguro-desemprego. Liga-se ainda por escândalos e por negociatas, é comovente cujos rastros e traços biográficos se perderam

à vida de milhões de brasileiros através das observar os depósitos dos 50 clientes iniciais da na voragem dos dias, a trajetória do primeiro

loterias e do financiamento da casa própria. Caixa da Corte ao longo de seus oito primeiros depositante da história da Caixa Econômica foi

Além disso, ao priorizar setores como dias de atividade. As somas variaram entre dez preservada para a história. Simplesmente porque

saneamento básico e infra-estrutura a mil (10$000) e 50 mil-réis (50$000), tendo Antônio Álvares Pereira Coruja, então morador

Caixa exerce, em pleno século 21, um papel havido o caso de uma cliente que depositou tão da rua da Guarda Velha, zona central do Rio,

decisivo no desenvolvimento urbano e, somente dois mil-réis (2$000). São valores quase não era uni homem comum - e não foi pioneiro

como consequência, na promoção da justiça irrisórios, quando se sabe que, naquele novembro apenas na hora de entregar seu dinheiro à Caixa

social. Responsável também pela gestão e de 1861, na sapataria da rua do Carmo, um par Econômica da Corte, como bem revela o pequeno

execução do Bolsa-Família, um dos maiores de botinas de couro custava oito mil-réis (8$000); ensaio redigido pelo professor Luís Augusto

programas de combate à pobreza em todo o que na Confeitaria do Leão, na rua do Ouvidor, Fischer, gaúcho e literato como Coruja, cultor

mundo, a Caixa também ajudou a fazer com uni sorvete em forma de pirâmide não saía por de sua obra e uni dos grandes incentivadores

que milhões de brasileiros tivessem uma real menos de 320 réis ($320); e que, embora fosse da reedição do delicioso Antigualhas, como se

melhoria de vida ao longo da última década. possível almoçar por 600 réis ($600) em algum chamam as crónicas escritas em 1888 por Antônio

E justo afirmar, portanto, que, 150 anos restaLirante popular, uma boa refeição (sopa, bife, Álvares Pereira, republicadas em 1996 com notas

depois de sua fundação, a Caixa continua seguindo arroz com galinha, espinafre e doce de figo) não de Sérgio da Costa Franco, presidente do Instituto

os princípios que nortearam sua criação. resultaria numa conta inferior a dois mil-réis. Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
 -7
ACIMA - O JOVEM CORUJA,
REVOLUCIONÁRIO FARROUI'I LUA
Gravura anônima do primeiro depositante da Caixa,
no tempo em que ele ainda vivia em Porto Alegre.
In.sIitoits, Hsstãricoo Gcogrsiíico dc, Rio (ruido do S,,l
IMAGEM DE ËUNDO O PRIMEIRO ERRO
Dc'ta lhe do livro de contas mostra que o nome do
p tinteiro
deposita n te joi grafado com erro, jcí que
Antônio Alvores tornou-se Antônio "Alves''.
Museu da Caixa. Brasília
E. 19 - O PR 1 rol EI RO DEPOSIlAN TE
Litogra vi ira de A. Pin 6 o com o terra to de Coruja
con decora do com a O irlem da Rosa
Biblioteca Nacional Riade laneiro
ABAIXO - A SABIA CORUJA
Ex-! ibi-is de A titôn ia Áli'ares Pereira.
1-1 ,sIssrlc,sc 1 ,rcr'raticss cli, tio Grande di, Sul
O triste conto do Coruja
rimeiro depositante na Caixa, primeiro
P brasileiro a escrever unta gramática para
ensino - e com o topete nacionalista de chamá-la
Compêndio de Gramática da Língua Nacional,
e não "portuguesa" -, primeiro dialetologista do
Brasil (autor de lana Coleção de Vocábulos e Frases
Usados na Província de São Pedro do Rio Grande
do Sul, natltraln ente sua terra natal), primeiro
historiador gaácho, certamente um dos primeiros
professores a redigir livros didáticos tIO país, CO??
um olho no ensino e outro tio mercado, pioneiro no
uso do Método Lancaster de "ensino mútuo' Não é
pouco para utua n'mesma vida.
Especialmente para um sujeito nascido em
humildes condições, numa cidade ainda aldeã de
uma colônia portuguesa. AtI tônio Alva res Pereira o
'Coruja" entra mais tarde plesta história - nasceu em
30 de agosto de 1806, em Porto Alegre, aglomeração de
poucas décadas de vida e com cerca de seis mil almas.
Era o tempo do Brasil Colônia, era sua província
mais meridional (aquela que sI.tstentava afrorlteira
com o império espanhol) e era a acanhada capital
da província, pouco mais que um punhado de ruas,
alguma administração e certa presença militar.
Seus triodestos pais, Pedro José Álvares
de Souza Guiniarães e Felícia Maria da Silva,
imaginavam para o filho a carreira ecicsiástica,
daí o esforço para que o menino tivesse boas
letras, primeiro com certa Maria Josefa, dada
como poetisa, e depois com unI António D'Á vila,
popularmente conhecido corno Amansa-Burros.
Aprendeu a ajudar missa com o padre San/nido.
A seguir, a partir de 1816, cursa latim com o padre
Tomé Luís de Souza, de quem será sacristão e que
parece ter descoberto no aluno a vocação para o
magistério; c.iepois ainda, a partir de 1821, vai
estudtir o que na época se chamava filosofia moral
e racional (misto de filosofia, teologia e alguma
niateiflática) com outro padre, João de Santa
Bárbara. E certo que também aprendeu o francês
e estudou canto na mesnia altura, com colegas
mais adia n todos e mais velh os da aula de lat mI.
De seus colegas de classe, um alcançaria
nomeada no país: tratava-se de certo órfão
vocacionado para a pintura, de batismo chtlmado
Manoel José D'Araiíjo, que quando saiu de Porto
Alegre para estudar na Corte mudou seu nome
para Manoel de Ara I'Ijo Pitangueira por influência
de um político local, extremado de nacionalismo
an tilusitano, como aconteceu nt uito no momento da
independência. No Rio, as cartas de recomendação
que levou não significaram nada, o que fez com
que nosso Manoel, agora Pitangueira, procurasse
a proteção do senador Soledade, gaúcho também,
que o acolheu. Ocorre que o senador era opositor
daquele Pitangueira, e tal foi motivo bastante
para 110550 Manoel passar a assinar com o nome
pelo qual ficaria conhecido no futuro, Manoel de
Ara á jo Porto Alegre, poeta, caricaturista de mão
cheia e principalmen te pin tol; principal discípulo
do grande Jean-Baptiste Debret (de quem pintou
um retrato) e que seria agraciado pelo imperador
com o título de barão de Santo Angelo.
Isso e mui o mais q nem nos conta é o próprio
Coruja, cin uma série de rem iniscémicias saborosas
que ele chamou AnI igualhas, misto de crónica da

cidade natal, memórias pessoais e comentários
bem-humorados sobre todo assunto. Conta, por
exemplo, que na aula do padre Tomé recebeu o
apelido que ele mesmo agregaria a seu nome,
oficialmente, com o correr dos anos. O caso é que
seus pais, para a ocasião da entrada de Antônio
na prestigiosa aula de latim do padre, haviam
tnandado fazer-lhe tona roupa de pano simples,
"cor de pele do diabo ou cor de burro quando
foge"; entra o menino na sala, e um colega mais
velho partilhavam da mesma sala vários estágios
de aprendizado) diz, em voz alta: "Olhem, parece
mesmo tuna coruja' Antônio era narigudo e feio.
Um século mais tarde, seus descendentes
divulgariam a lenda de acordo com a qual o apelido
havia surgido do fato de Antônio Pereira postar-se
de madrugada sob a luz de lampiões, lendo na rua,
devido à precariedade de seus aposentos no Rio de
Janeiro. Mas a versão original evidentemente é mais
con fiável. E o que importa é que Antônio adotou
o apelido, incorporando-o ao nome e usando uma
coruja como sei.1 ex-Iibris.
De todo modo, a carreira eclesiástica não
prosperou, ejá antes dos 20 anos vamos encontrar
Coruja professor primário particular em Porto
Alegre. Espírito curioso, solicitou ao governo
provincial uma espécie de bolsa de estudos para ir
ao Rio aprender a grande novidade pedagógica da
época, o Método Lancaster. É atendido, passa dez
meses na Corte e, nos começos de 1827, volta à sua
cidade para abrir uma escola de primeiras letras
regulada pelas ideias de Joseph Lancaster, pedagogo
inglês (1778-1838) que desenvolveu um sistema de
CAIXA: () \\ 1)1 t\L\ UHflI.\ ].\tIIWL\ 19
ensino massivo para países pobres (Simón Bolívar o
convidou a ir à Venezuela, em 1825, onde Lancaster
treino t.i vários professores).
Trata -se de um método segundo o qual um
mesmo professor atende a várias dezenas de alunos
dispostos em filas, cada uma encabeçada por uma
espécie de monitor, que repassa os exercícios com
os demais alunos daquele grupo. Assim é que
um mesmo professor pode dar conta de várias e
distintas etapas de aprendizado - com alguma
superficialidade, muita memorização, pouca
criatividade e sempre sob severa disciplina. A grande
vantagem é oferecer um mínimo de conhecimento
a muitos sim ultanea mente. I'ara dar uma ideia da
força do método, basta dizer que, no Rio Grande
do Sul, logo nos primeiros anos da República, as
orienta ções deixadas por Coruja décadas antes
foram seguidas de perto, originando um dos mais
bem-sucedidos sistemas de ensino público no país.
Sua carreira docente só fazia prosperar - inicia
como professor primário e em 1831 conquista a
cátedra de latim no ensino público -, e começaram a
surgir suas primeiras contribuições escritas. Militou
no jornalismo provincial, escreveu sua Gramática e a
publicou em 1835, um ano depois de haver sido eleito
suplente de deputado provincial. Nessa altura, casa
com Catarina Lopes, que havia sido sua aluna e se
tornara também professora pública. Em 1834, o casal
adota um menino abandonado - "exposto' como se
dizia na época, na abominável mas afinal eficiente
"roda dos expostos" que havia em toda cidade
brasileira, junto às Santas Casas—, que será batizado
de Antônio Álvares Pereira Coruja Filho.
20 CAIXA \l['F]:F.\i,
Quem diz 1835 no Rio Grande do Sul está
dizendo Coisa grave. Como se sabe, é o ano da eclosão
do movimento rebelde conhecido como Guerra
dos Farrapos, também chamado de Revolução
Farroupil/sa, intenso conflito armado que cinde ao
meio a província, fundamentalmente em torno de
uma única questão, encarada por dois ángulos: a
te/na era a economia pecuária e o dia rque, e as duas
posições eram: uma, contra a modo como o governo
central tratava a província, e a outra, a segunda,
radicaln,ente contra o modo negligente como o
governo central brasileiro tratava os criadores e
charq ueadores sulinos, que queria/is privilégio de
colocação de seu produto no mercado nacional,
AfT!GIIÀLIIÂS
llieeieí,s de Porto Megre
Hoasni soU qii 55551 y pesas.
Traducçao livre
.I'iUo pcese alguem que o que aqui
- vai esoliplo IoVa ayua no bjco.
No tempo em que se veisdiáo os ovos a 2 e e 3-por
um eintcre, se tecia eia tubernas dez róje de melado
Rim egos, e no açougue (digo açougue no singulér, por-
que só boda um) se vendia e libra de corno a violem
eutjuinze sue, perece que tombam se vendigo nabos a
digo por nus viOlem, o quem os eendia, se é que os ven-
Cio, era uso tal José Autonjo da Sura, esmoler-m ór da
pobreza, que de parceria coro sua ytuinhsa Angelo, Linha
um arreraédo ou frége da essa de saude na rua do Arroio
mais ou monco ends morreu o Pedro Jacaré, talo é, da
zue da Igrejapara os lsdoa da do Arvorado; o Cerlo é
que a esse pedacinho se chamou enjOo a rua do Nabos a
Doze, ou simplesmente a rua do Nobos.
Nem se admirem de vér um nossa ao plural coma
artigo no singular, pois mato adianto teOo de vér urna
- noma masculino piecedido de artigo íomnlnirie, e outro
feminina Com artigo musculina.
O outro pedaço da rua do Arroio, di Igreja para a
Pr do F u a ra is e ente ao autuei a ri
NABOS A DOZE
Facs tini/e da primn eira página de Antigual lias, livro
de A ao tôn ia Á lvares Coruja sobre sua cidade natal.
Insti,u,u, Histórico e Geografico do Rio Grande d0 Sul
especialmente no Rio de Janeiro produtor de café,
mas recebiam um tratamento duro, de vez que
governo abria as portas ao charque uruguaio,
produzido de forma mais moderna (incluindo a
máquina a vapor) e com resultado mais barato
(no vizinho país a mão de obra era assalariada,
e não escrava, o que faz toda a diferença numa
eConomia sazonal como é a pecuária); essa posição
radical foi à guerra e proclamou a República do
Piratini por isso, ao passo que a outra posição,
que era apenas contra, preferiu negociar.
Todo o conflito se desencadeou de uma questão
menor, a posse de 14111 novo governador, que vinha
do centro do país e parecia apenas confirmar a
subor-dinação da província. Daí por que uma parte
da Assembleia resolvei., postergar a posse. Nessa
parte estava Coruja, que não era charqueador nem
fazendeiro, mas professava fé liberal, nessa altura
coma deputado efetivo e logo depois primeiro-
secretário da casa. Sua atuação política, de resto, não
é muito clara, salvo por alguns projetos ligados ao
mundo de ensino, Com definições de diretrizes para
escolas públicas e a sugestão do ensino mútuo.
Uni contemporâneo de Coruja diz que ele
"viu-se envolvido" na rebelião, ao passo que
outro afirma que nosso professor e gramático
era um dos anais engajados oradores e agitadores
do Iiomealto. De todo modo, é Certo que, tão
logo Porto Alegre foi retomada pelos chamados
"imperialistas" ou "cara/ai u rus" - favoráveis ao
entendimento caiu o governo central, apostos
aos rebeldes "farroupilhas" -, ele foi preso e
permaneceu alguns meses nessa condição.
Tudo sopesado, Coruja resolve mudar-se parc?
Rio de Janeiro /10 começo de 1837, para poder
viver cmi-, paz, o que certamente não conseguiria em
Porto Alegre, onde seria por milito tempo) marcado
por aquela opção política. (Uma fonte afirma
que a viagem foi determinada à sitio revelia.) Na
Corte, passará o resto de sua longa vida - só viria
a falecer em 1889 -, e sempre de noaneira operosa.
Já em 1839, depois de ser anistiado por decreto
e de recobrar a posição de professor público, será
sócio Jundador do prestigioso Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, assim como ajudará a
organizar outras associações, uma delas de vida
louguíssimna (tanto que ainda existe), a Sociedade
Rio-Grandense Beneficente e Humanitária.
Mais ainda, em 1841 fundará a própria
escola, o Liceu de Minerva, estabelecimento
que chega a te,; nos anos seguintes, externato e
internato, primeiras letras, preparatórios para
todas as academias e universidades existentes
e nona aula pública de filosofia, que parece ter
tido algnaici furna. Produz sua obra didática: sua
(iramática, de 1835, te,,] várias edições; em 1838,
publica o Manual dos Estudantes de Latim; em
1848, sai a primeira edição de outra obra famosa,
Compêndio de Ortografia da Língua Nacional; e
cru 1850 sai a Aritmética para Meninos. TodaS elas
obras de larga circulação.
O ano de 1856 marca o apogeu da trajetória
ascendente do professor provinciano: publica a
Coleção de \cábulos e Frases Usados na Provincia
de São Pedro do Rio Grande do Sul, edição feita
em Londres, e transfere seu bem-sucedido colégio
a auto-o professor. Mais de três décadas de docência
ternhiflavain aí. Mas sua atividade gregária
permaneceria ainda por milito te/ripa.
Daí por diante, porém, sua vida começa
a conhecer tropeças. Três associações ens que
entra, ligadas cio nu rindo fin.tnceiro, consumirão
suas economias, que não deveriam ser poucas.
Em 1860, associa-se para feardar a Companhia
de Seguros Feliz Lembrança, que só lhe trará
lembranças infelizes, pois logo foi à falência. No
ano segui!, te, alquebrado, torna-se o primeiro
depositante da Caixa. Em 1872, consorcia-se com
certo capitalista ciii enipreendimento bancá rio; e
finalmente, em 1879, funda co Sociedade Glória
 CAIXA:I '0.\\ DL 1.\t\ WHORL\ Mv\H 1 IL\ 2

do Lavradio, instituição ba ncá ria tatu bém, e nada

gloriosa, na qual o velho professor aposta todas
L-l/7
e/.
as restantes economias. Tudo riesa uda; a última
fá lê i cia OCO fia colOri já
rre em 1880, quando Coruja T,-,•'ze
74 anos. Aparentemente, foi traído por sua boa- az'! ..
--
/Jz-/ .
fo, aliada à in experié/ i cia em tn até ria bati cá ria, e / e'7
1
por antigos inescriipulosos. As garantias oferecidos -d

pela Caixa não foram suficientes para salva-lo.

Sobrava a fá tu ília conto refúgio, cia ro.Mos
sua esposa vem a falecer em 1880, encerrando
outro ciclo em sua vida. Pelo depoinien to de
con temporán eos, os dois ma ti tivera/ti m-elação dc
grande compa n heirismio até o fim. No ano seguiu te,
já vivendo em casa do filho - o professor não ficou
T7
com ;ienhimtua propriedade após aquelas aventuras .......
1
malsucedidas -, faz publicar um conjunto de
-4:
textos de mcm árias sou re sua cidade natal, as já .,../Z_ ...... . . ......Z • /7.

mencionadas An 1 igual has, calorosa dedo ração de - 7 ,7Z,. . •. ........ .2. ...

saudades e de autor por seu berço e por seu passado.

O filho, graças ao empenho dos pais adotivos,
tinha alcançado uma carreira de relativo sucesso
como funcionário público tio Rio de Janeiro.
Até essa fase de relativa calma, porém, viria a
acabar. Em 1888, morre Coruja Filho, tu esmo au o
em que o pai publica sua última obra destacada,
o Ano II istórico Sul - Rio-Grandense, coleção de
fá tos relevatu tes tia história da pro viu cia sulina
orçami iza da e tu fã rti a de calen dá rio. Cli ama a
atenção a folha de rosto da publicação, feita tio Rio
pela "Typograpliia de José Dias de Oliveira, à rua
do Ouvidot; 141 ": nela consta uni rol de obras -
livros, mas ta tubém folhas pautadas para caligrafia
e apostilas de ttie;tor elaboração - que são vendidas
em três livrarias, cujo endereço é mencionado,
e ti a casa do nuto m. Mes n io considera udo ser
relativa me ti te no ritial, à época, o a ti ú ti cio de livros
e publicações em geral, o aspecto da listagem dá
a tu ítida impressão de urgência e ii ecessidade.
Como se o velho e agora falido professor precisasse
muito de algum dinheiro para seus últimos dias.
A PRIMEIRA POUPANÇA
Prime ira livro de contas da Caixa da Corte, a heu't o ri a
pági na que mostra depósitos tia caderneta de Antônio
Álvares Pereira Coruja.
M,,,cu da Caixa, itra,í!ia
Dias que seião pavorosos. Após a morte do
filho, Coruja não tem, literalmente, onde dortrur.
Havia eu tregue tudo aos credotvs e, para seu
infortúnio, sobrevivera à esposa e ao filho. Nem
as vetidas que conseguisse fazer o livrariam da
tu iséria que o Cigna rdava nos últim os ttieses de
sua vida. l'recisou hospedar-se e/li repúblicas
de estuda ti tes, sendo considerado uun estorvo. O
mesmo ptofessor que terá / ratado generosa incute
várias gerações de alunos ter/li ina seus dias na
condição de trambolho, para estudantes que
- não é absurdo especular - seriam filhos ou
netos de ex-afim tios seus. Coruja morre tio Rio
de Jatieito a 4 de agosto de 1889, apenns ti-és
tiieses a ti tes da proclaniação da República.
Restou sima tti e//lúria, esta tnpada em seus
livros. A cidade que o viii ii asce r, nu tua de
ta ti tas homenagens eti viesadas, deu o tio me
Comendador Coruja a urna rua de l,airro.
Se ria i ou a li o ti iei i age tu razoá vel, ti ão fosse o
fato de que o cotuendador el-a o filho, e não
ele; o filho, que viveu itietios de ti-és atios em
Porto Alegre e nunca teve relação com a cidade,
e não o velho professor, que foi seu primeiro e
(111101,050 cro / listo, a léi u de ter s ido, tatu béi ti,
O primeiro clieti te da Caixa Econôni ida -
Luís Augusto Fischer
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LUTAS DO POVO BRASILEIRO

A GUERRA DOS GAÚCHOS

gaúcho Antônio Álvares Pereira Coruja, primeiro brasileiro a confiar seu

( pé-de-meia à Caixa, encontrava-se no Rio de Janeiro na manhã do dia
4 de novembro de 1861 porque havia decidido se mudar de seu estado
natal. Queria distância do radicalismo sectário que rachara o Rio Grande
do Sul ao meio após a eclosão da Revolução Farroupilha, ocorrida quase 30 anos antes.
A Guerra dos Farrapos é o mito fundador do Rio Grande. Embora ainda hoje siga
envolta numa aura lendária, não foi de todo o que se poderia chamar exatamente de um
levante popular. No entanto, como várias outras revoltas do povo brasileiro, teoricamente
travadas na luta pela construção de uma sociedade mais justa, serão abordadas ao longo
desse livro, é lícito incluir a "guerra dos gaúchos" entre elas. Até porque, dentre as supostas
bandeiras erguidas pelo levante, estavam a abolição da escravidão e os ideais republicanos.
E também porque, se a origem do gaúcho se perde no horizonte indistinto do
pampa, a consciência gaúcha tem dia, mês e ano de nascimento: 20 de setembro de
1835. A gestação foi longa; o parto, sofrido - e a fórceps. As contrações começaram na
madrugada daquele 20 de setembro, com a invasão de Porto Alegre por aqueles que
pretendiam libertá-la do jugo do Império do Brasil.
O que ninguém poderia supor é que o episódio fosse também um batismo de
sangue cujos desdobramentos iriam perdurar por dez longos e terríveis anos, ceifar
muitas vidas e ecoar por todo o Brasil até que, do turbilhão de pólvora e morte, o
gaúcho reemergisse como figura histórica reconhecível - com voz própria, anseios
próprios e, é claro, província própria, embora, ao final do conflito, ela se mantivesse
como parte do Império.
Antes da Revolução Farroupilha o gaúcho agonizava. Filho de ventre indígena e
pai desconhecido, nascido em uma terra de ninguém, o gaúcho construíra a própria
lenda, mas viu-se fulminado por ela. Tão logo o pampa e o gado passaram a ter dono
e cerca, o gaúcho virou "peão" ("aquele que anda a pé' em oposição a "cavaleiro").
O esforço dos estancieiros e terra-tenentes em suprimir o estilo de vida nômade
do gaúcho foi coroado com sua transformação em personagem literário. Para os
latifundiários, gaúcho bom era gaúcho a pé - ou em prosa e verso.
24 LUTAS DO Li \r) E.-\sI II-
P. 22- O PO\'O EM MARCI-IA
Painel exposto na Prefeitura de Piratin i
representa o 010? IÇO das forças go ii eh as no
suo luta contra o Império do Brasil.
Prilr .l iiIL PiraOr5
À DIREITA - O PRESIDENTE FARRAPO
Óleo de Go ilh ernie Lii ra o, p iii ta do em 1879,
mostro Bento Gonçolves com o faixa de
presidente e a bandeira rio-grandense.
Nitieu HisInrico Farroupilhai
ABAIXO - PALÁCIO FARROUPILDA
Caso na qual fniu eion ou o go ve riu o
da Repuíbliesu Rio-gua nclense.
Só que entho, de repente, por obra da mesma
elite rural que quase o extinguira, o gaúcho renasceu
- ainda como ideia, mas outra vez em carne e osso,
a ferro e fogo. os líderes da revolta farroupilha
nho estavam cm larrapos: eram estancieiros e
charqucadores, donos de muilas terras, muito
gado e muitos peões. Eles usaram a mística e os
ideais do gaúcho para defender uma causa justa.
A nobreza de sua luta mobilizou o fervor e a
paixüo dos homens do campo, esfarrapados ou flhC),
e que, de todo modo, sempre cultuarari a guerra e
nunca refutaram cima boa peleja.
A Guerra dos Farrapos foi, basicamente, uma
l uta contra o centralismo rapinante do liii pério,
a corrupçdo desenfreada e os desmandos de uma
corte frívola e ineficiente. Para mostrar aos donos
do poder que era preciso uma reforma tributhria e
que os impostos sobre o charque estavam salgados
demais, boa parcela da elite gaúcha pegou em armas
e liii h luta. Com eles, firam seus gaudérios.
Nilo por acaso, a chamada "zona de influéncia
6h rroupilha" foi a metade sul da província, nos
arredores da regiho charqueadora de lelotas e
tendo por capital a vizinha l'iratini. Cada arroba de
charque pagava seiscentos réis de imposto na corte,
ao passo que o charque uruguaio pagava a metade...
Além do mais, o sal - vindo de Setúbal, em Portugal
- também era sobretaxado.
Embora travada em nome de um ideal
igual itório, IlO canipo de batalha a guerra foi como
todas - suja e sórdida. O conflito durou 3.466 dias,
teve 56 encontros bélicos e custou a vida de pelo
menos 3 mil homens. Forjou muitos heróis e alguns
vilões - houve qriein desempenhasse os dois papéis.
Acima de tudo, a Revoluçho Farroupilha fez o Brasil
e o próprio Rio Grande redescobrirem que o gaúcho
tinha sangue nas veias e era um osso duro de roer.
 CAIXA:] 3(j:..0 liL. tt.\ ]IJSTORI,\ ItR . \5JI . lr. t2.\ 25

)ua semanas depos dos s)uSados

farroupilhas terem cruzado a Ponte da Ateu lia e
invadido Porto Alegre, uma centena de rebeldes
marchavam pelas ruas estreitas da vila de Piratini.
Era 8 de outubro de 1$35. Cercada por morros,
no alto da Serra do Sudeste, pouco mais de 300
quilômetros da capital da província, a localidade
era de fácil defesa. Sua origem açoriana a liav ia
dotado de diversas edificações em estilo colonial
português - casarios azulejados de um ou dois
andares, sobrados de madeira negra, pó direito
e portas altas. Era o cenário ideal para abrigar
o Centro de operações do movini ento. 'En to
que, uni ano niais tarde, já em 11 de setembro
de 1836, com a proclaniacão da república rio
grandeose, a cidade se tornaria de modo oficial a
primeira capital dos farroupilhas. Podemos dizer
que o processo era indireto, um tanto censitario
e que, apesar de secreto, poderia estar sujeito
a manipulações. Mas nada tira da cidade de
Pi ratin i o fato de ter sediado a primeira eleição
Desde a década de 1970, a Caixa não possui agência
para presidente ocorrida em solo brasileiro. aqui em Piratini, a antiga capital farroupilha. Nem por
As eleições para presidente do Estado isso a relação entre a instituição e a cidade histórica
revolucionário ocorreram em 6 de noveni b ro favorita dos gaúcbos deixou de existir. Afinal, a Lotérica
Vitória segue em pleno funcionamento, na avenida
de 1836. Bento Gonçalves era lançado como
Gomes Jardim, n' 95, próxima da casa onde morou
candidato único e não teve dificuldades para
Bento Gonçalves e do casarão que sedia o Museu
se eleger. O problema ó que ele não estava Histórico Farroupilha. Tal proximidade não é apenas
na província, nem sequer em liberdade, mas geográfica: aberta em 2001, a lotêrica pertence
encarcerado após ser pego pelos imperiais numa a Ricardo Lopes Amara] - filho do bibliotecário
e funcionário público Adão Amara], principal
emboscada quando tentava cruzar o rio Jacuí. Na
responsável pela criação e primeiro diretor do museu
sua ausncia, José Antônio \asconcelos Jardim que preserva a memória e o acervo da "guerra dos
assumiu interinamente. No pleito também foram gaúchos". O museu foi criado em outubro de 1952
escolhidos qLialro vice-presidentes para a nova e Adão assumiu sua direção em março de 1953.
Atualmente, o museu está sendo restaurado com
república. Bento só tomaria posse de seu cargo ciii
recursos do BNDES, repassados à instituição pela
16 de dezembro de 1837, quando conseguiu fugir
Caixa. A Lotérica Vitória paga quase duas mil Bolsas-
do Forte do Mar, na Bahia, auxiliado pela eclosão Família e mais de R$ 1 milhão em financiamentos
de outra das revoltas regenciais, a Sabinada. para a casa própria já foram liberados aqui.
26 lUtAS DO l'OV() BRASIlEIRO

A ORIGEM SALGADA DE PELOTAS

AS OFICINAS DE SALGAR CARNE
A clara faina dos es ,ai'os tias cliarc eadas foi
re Ira toda pelo pintor go ti cito Dou Oh io Goa ça ires,
e,,, arjit areias de alta dra tua ticida de,
iStLJsCLi fi,(harque, I'rtotas
() ano era 1777. No momento em que o
Tratado de Santo Ildefonso veio conceder linhas
estáveis à fronteira, a terrível "seca dos três setes"
chegou para virtualmente dizimar os rebanhos
do Ceará e do Piauí. Rebanhos que, dissecados e
salgados, alimentavam os braços produtores do
Império escravista do Brasil. Afugentado pela
inclemência da estiagem, o portugus losé Pinto
\lartins, CO tão radicado no Ceará, transferiu-
se para a cidade de Rio ( rande. Sua decisão iria
mudar para sempre a história dos gaúchos. Em
1779, ele montou a primeira das cerca de quarenta
charqueadas que, mais do que fazerem a fama
e a fortuna da vizinha cidade de Pelotas, foram
responsáveis pelo próprio nascimento da cidade.
Se não o d escob r itt, Pinto Mar ti ns com
certeza foi o primeiro a instalar-se ela um recanto
prodigioso: a planura do Pelotas, quase junto
ao local onde o arroio despeja suas mansas e
verdes águas no canal de São Gonçalo - justo
no coração da an figa Vacaria do Mar e a poucos
quilômetros da linha então estabelecida com a
fronteira. O charque já era produzido tio Rio
Grande do Sul. Mas a oficina de salgar carnes
do português vindo do Ceará iria inovar de
tal forma o processo produtivo, usufruir tão
bem dos recursos naturais e da abundáncia
do gado, e servir-se tão organicanlente das
tradições campeiras rio-grandenses, que l'into
Martins de fato merece as honras de pioneiro.
Trinta e cinco anos mais tarde, sua iniciativa
já havia ajudado a tornar o charque o terceiro
prod Ok) mais exportado pela província.
A aparente eficiência do negócio iria gerar
o que já foi chamado de "aristocracia do sebo'
e, ás margens do Pelotas e do São Gonçalo,
surgiram amplos casarões coloniais, muitos dos
quais abrigaram próceres farroupilhas, como a
ainda iimosa CharqLleada São João, que pertencia
a Antõnio José Gonçalves Chaves e onde, em
121, hospedou-se o viajante francês Auguste de
Saint 1 lilaire. O processo defiagrou tanibém o
surgimento da cidade de Pelotas, que, se por razões
de estratégia e logística militar não virou a capital
farroupilha, tornou-se seu centro econômico e
nevrálgico. Antes e depois da guerra, Pelotas se
manteve como uma cidade cosmopolita e rica,
que, no início do século 20, viveu seu apogeu
Beile Épocjue bem representado pelos prédios
requintados e tinia sofisticada vida cultural.
Apesar da suntuosidade das "casas grandes" e
do dinheiro que circulava lia cidade, a realidade por
trás das manufaturas escravistas de carne salgada
era macabra - e marcada pelo desperdício e pela
ineficiência. O principal obstáculo à modernização
do sistema era seu inabalável vínculo com a
escravidão. O escravo consumia o máximo possível
e trabalhava o menos que podia, além de exigir
gastos extras com feitores, capitães-do-mato e com
a própria Guarda Nacional, sempre estacionada na
região, não só por causa do inimigo estrangeiro mas
pela ameaça de tinia insurreição escrava. Embora
algLlmas hizendas possuíssem quase duzentos cativos,
a média era de oitenta escravos por charqueada.
() trabalho era sazonal. No começo de
outubro, a bandeira vermelha era içada anunciando
 CAIXA: 1 50 .-\NOS 1)1] L'MA 1-1 lSlORlA Rl(ãsllLIllA 27

A Caixa está presente aqui em Pelotas há mais

que a época da matança tinha se iniciado - iria
se prolongar até maio. A atividade então era
frenética: "Numa área de pouco menos de 30 km,
nos dias mais quentes do verão, perto de dois nul
trabalhadores africanos e afrodesccndentes, envoltos
pelo sangue e pelo sal, manufaturavam uma média
de 1.200 animais por dia' como bem descreveu a
pesquisadora Ester J. B. Gutierrez.
Apesar da prosperidade do negócio, metade
do boi ia fora: o gado gaúcho rendia de 66 a 82,5
quilos de charque por cabeça, contra 132 a 165 quilos
por boi no Prata. Os métodos platinos eram mais
de 120 anos. A primeira agência da instituição na
cidade foi aberta em julho de 1888, dois meses
após a abolição da escravatura, e logo se tornou
a segunda mais importante no Rio Grande do Sul,
suplantada apenas pela da capita]. Atualmente, a
Caixa tem apoiado inúmeros projetos de restauração
e preservação de prédios históricos em Pelotas,
dentre eles o que se localiza ao lado da modernissima
agência do bairro Fragatas (imagem abaixo). O
contraste entre a construção totalmente restaurada
(de paredes amarelas), que hoje funciona como
auditório da Caixa, e a agência feita segundo conceitos
de sustentabilidade não poderia ser mais revelador
do vínculo entre tradição e modernidade. A Caixa
lambém se mantém instalada na construção de linhas
arquitetônicas típicas da Era Vargas (orédio verde,
5 esquerda), onde funcionou a Casa de Poupança
Simões Lopes Neto, assim batizada em homenagem
ao grande escritor e correntista da Caixa. Atualmente,

eficientes não só por causa de) trabalho assalariado: ali funcionam terminais de autoatendimento.

também seu gado era melhor, seu sal, mais barato e

suas vias de escoamento, mais efetivas. O governo
iniperial também não ajudava os charqueadores
gaúchos. Os impostos eram salgados demais, o porto
de Rio Grande obsoleto e as ferrovias, quando enfim
chegaram, vieram defasadas. Além disse), o charque
alimentava não só os escravos, mas as classes menos
favorecidas do Sudeste, e, para não aumentar e)
custo de vida, o governo central achatava o preço do
produto. Ainda assim, a região foi capaz de superar as
dificuldades e se impor no cenário nacional.
A Caixa Econômica logo se instalou em
Pelotas e a agência da cidade se tornou a mais
importante do Rio Grande do Sul, atrás apenas
de Porte) Alegre. Como se a estreitar sua ligação
com grandes nomes da literatura nacional, o
escritor Simões l.opes Neto, natural de Pelotas,
abriu uma poupança na instituição e, passado
mais de um século, a Caixa ainda mantém
vínculos estreitos com esse autor genial.
28 lUlAS DO
ACIMA - UM CERTO CAPElÃO DA GUARDA NACIONAL
Retrato de Simões Lopes Neto, o pai
do regionalismo go ódio.
estilete Sinlõc, Lopt Neto
ABAIXO — JANEIRO DE 1895
Livro com registro de depósitos feitos por Simões Lopes
Neto ria cade ri lera o 1759 da Caixa de Pelota e.
Instituto Sintões 1.opes Neto
()V() l.\NlI.[JI;O
O PAI DO REGIONALISMO GAÚCHO
loao Simões Lopes Neto, o "escritor da alma
gaúcha' foi correntista da Caixa, assim como
Machado de Assis, Mário Quin lana e tantos
outios. () autor dOS Contos Gauc/tescos e das
Lendas do Sul cnn liou suas econoni ias à i nSli tu ição
na agencia de Pelotas, cidade onde nasceu em
1 865, ano cio que o conde d'Eu visitou a província
pela primeira vez e, impressionado, descreveu a
li ical idade em sua Viagem Milita i' ao Rio Gran de
do Sul: "Em certas ruas, as residências ricas;
HO litros as lojas. Especia foi ente na rua do Coniércio
e na S. Miguel vê-se unia fila contínua dessas lojas,
onde estão expostos estribos, esporas enormes,
peitorais e freios, tudo em prata, ostentando
esplendor cleslinnbrante, que iguala, não digo já
c) da ri/ti do Ouro, de Lisboa, nias até o da Strada
degli Orefici, de Gênova."
Naquela época — e ai ida por longos anos
o centro econômico do Rio Grande bcava
exatamente ali, às margens do canal São Gonçalo,
onde o abate de gado, a produção de charque e
as eniptesas correlatas alavancavam a economia
da Província. Nesse cenário, a Caixa inaugurou
sua agência em 1888, em julho, dois meses após a
abolição da escravatura, passando a disputar clientes
com outras instituições bancárias, num iiietcado
precioso e promissor. Nos volumosos livros que
assinalaiii os correntistas de então, registrados à
mão com canetas molhadas nos tinteiros, vê-se
que a Caixa guardava recursos de carpinteiros,
artistas, jornaleiros, estudantes, capitalistas (assim
eram conhecidos os que viviam de reiida), além
de mcii mas acolhidas iio "Asvlo de Orphãs'',
cujos padrinhos e madrinhas encarregavam -se
de proteger com pequenas somas depositadas,
para prover (1 início da tutura vida emancipada.
loão Simões Lopes Neto registrou-se como
cliente ciii 25 de janeiro de 1895, provavelmente
iitluenciado por seus tios João e José, que
trabalhavam co iii a Caixa desde o ano anterior.
Casado com Francisca de Paula Meirelles leite
há menos de três anos, é possível que Simões -
identi Ocado como comerciante - buscasse na
:ilixil a segurança de um banco federal para
guardar o pequeno capital de giro necessário
à sua atividade de despachante, cujo escritório
ticava na rua General Neto n° 9, telefone n" 50,
na reg ião do porto pelotense. Já conhecido por
suas publicações nos jornais locais, Simões era
a esse tempo tenente-secretário do 3" Batalhão
de lntiintaria da Guarda Nacional. Convém não
esquecer que o Rio Grande do Sul estava em
plena Revolução Federalista, onde homens de
lenços vermelhos brigavam contra homens de
lenços brancos, ii uma sangrenta luta de maragatos
 CAIXA:13(I LI\ }{]FO]\ Ei[\]tJJE\ 29

!JíIt

A CASA DO MESTRE
A residência na qual Simões Lopes Neto morou
e escreveu seus principais livros foi comprado
com din à eito que ele depositava na Caixa e
hoje sedia o instituto que leva seu no ole.

revoltosos contra pica-paus legalistas. Era tempo seguros. Finalmente, ciii 23 de agosto daquele oficial da ( uarda Nacional ( orgulhava-se de ter

de saque nas estàneias, tiroteios, degolas, n Lim 1895, na mesma rua XV de Noveni b ro onde a chegado ao posto de Capitão), também conhecido

ambiente bárbaro, repleto de assassinatos e outras Caixa funciona há tantas décadas, foi assinada como universo simoneano. Quem visita Pelotas

atrocidades, em meio a churrascos de ovclhas e a pacihcação pelo general lnocêncio Galvão de pode conhecer detalhes desta história na rua

novilhas gordas "requisitadas" pelos combatentes. Queiróz, representando a República - e pelo 1)om Pedro II, SI O, onde funciona o Instituto,

Não consta que o então tenente-secretário general João Nunes d a Silva'uivares, chefe do na casa assobradada, típica do final do século 19,

tenha disparado algum tiro naqueles tempos, Exército Libertador Federalista. em cujas instalações o escritor recebia os ani igos,

embo raae ionasse com frequência suas "Balas Seguramente restaram ódios e outras sequelas, tratava da criação de um clube de ciclismo, da

de Estalo", título escolhido para a coluna que corno a história mais tarde demonstrou. Mas, a exploração de minérios em Santa Catarina, de

publicava no Diário Popular, órgão oficial do parceria entre João Simões ea Caixa prosseguiu, unia pequena industria de vidros, de sua fábrica

Partido Republicano. Aliás, aquela foi a terceira sendo o maior escritor regionalista gaúcho de cigarros, mas, principalmente, de conceber e

fase das afamadas balas, anteriormente publicadas homenageado com unia agência batizada com seu redigir obras-primas como A Lenda do Negrinho

no jornal A Pátria, sempre identificadas nome e com u iii programa de apoio constante do Pastoreio. A Casa de Simões abre suas portas de

como de autoria de Sera Fim Bemol. da Superintendência Regional ao Instituto João segundasa sextas, das 14 às 18 horas, e não cobra
Sem recursos de herança por aqueles Simões Lopes Neto, nos projetos de publicações pelo ingresso dos visitantes, graças aos associados

tempos, vivendo do seu trabalho, cru março do e distribuição de livros para escolas da rede e a parcerias como a que mantém com a Caixa.

mesmo ano assumiu a gerência da New York pública, apresentações teatrais e musicais, bem

Life lnsurance, passando também à condição como a projetos voltados às artes visuais - todos José Henrique Medeiros Pires,
naquela conjuntura dificílima - de vendedor de inspirados no universo literário criado pelo antigo Presidente do Instituto João Simões Lopes Neto,
 - ê&
Primeiros depositantes da Caixa
4 DE NOVEMBRO DE 1861
Antônio Álvares Pereira Coruja, brasileiro ........................................................ 1 0$000
Antonio Carlos de Azevedo Coimbra, brasileiro ......... .....................................30$000
João Alves Xavier de MelIo, brasileiro ....... ....... ................................................ 2Q$000
Francisca Luiza de Souza, por seu pai,
Francisco Ignacio de Souza, brasileiro ....................................... ...................... 1O$000
Luiz Geraldo de Souza, por seu pai,
Francisco Ignacio de Souza, brasileiro ............................................................. 1O$000
Manoel José Vieira Cardoso, brasileiro ....... ..................................................... 40$000
Conselheiro Joaquim Manoel de Oliveira Figueiredo,
para seu filho do mesmo nome, brasileiro ....................................................... 20$000
Conselheiro Joaquim Manoel de Oliveira Figueiredo,
para seu neto José Caetano da Gama e Silva, brasileiro ............................... 20$000
José Caetano Quintal ........................................................................................ 1 5$000
Victor Annibal de Mattos, brasileiro ................................................................... 1 5$000
5/11
Major José Joaquim da Gama e Silva,
para seu filho de igual nome, brasileiro .............................. .............................. 12$000
Major José Joaquim da Gama e Silva,
para sua filha Maria das Mercês da Gama e Silva, brasileira ..................... 34$000
Major José Joaquim da Gama e Silva,
para sua filha Mauricia L. da Gama e Silva, brasileira ..................................... 38$000
Joaquim Moraes Ferreira, brasileiro .......... ...... .................................................. 15$000
Theodoro de Simas, portuguez ........................................................................ 50$000
Emiliana Maria da Conceição, brasileira ........... ................................................ 20$QOO
Guilherme Amedée Peret, francez .................................................................... 50$000
6/11
Maria Benedicta de Siqueira Campello, brasileira ........................................... 50$000
Francisco Jarivario da Gama Cerqueira, brasileiro ....................................... ... 50$000
Henrique Eleuterio Barbosa Lima, portuguez .................................................. 20$000
Joaquim José Ferreira, portuguez ......... ........................................................... 50$000
A. S. França, brasileiro .................... ............ ....................................................... 20$000
João Teixeira Bittencourt, brasileiro ...... ......... ................................................... 45$000
/Y £.
í
7/li
Marianna Carolina Marcondes da Costa, brasileira ............. ............................ 40$000
Luiz de Hollanda Cavalcanti de Albuquerque,
Juiz Municipal de Nictheroy, para sua filha
Emilia Amália Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, brasileira ........................ 30$000
Simão Marcollino Fragoso,
para seu neto Carlos Fernandes Eiras, brasileiro ............................................ 505000
O mesmo para seu neto Francisco de Paula Costa, brasileiro ...................... 505000
O mesmo para seu neto Eduardo de Paula Costa, brasileiro ......................... 50$000
Eduardo Antonio da Costa, brasileiro ................................ ............................... 50$000
Silverio Soares da Rocha, brasileiro ................................................................. 205000
José Manoel de Carvalho, brasileiro ................................................................. 105000
8/11
João Miguel da Silva, brasileiro ......................................................................... 5$000
Rosa Sobrinha de Jesus, portugueza .............................................................. 155000
Carlota Sebastiana Barata, brasileira ................................................................ 50$000
Affonso Guilherme Werné, brasileiro ........................ ......................................... 5$000
9/11
Francisco Medina Celly, para sua filha
Emilia Adelaide Medina Celly, brasileira ............................................................ 50$000
Luiz Maximo Pereira Pinto, portuguez .............................................................. 30$000
João Baptista de Freitas Amaral, brasileiro ...................................................... 55000
11/11
Luiza Christina Freire, brasileira .............................. .......................................... 50$000
Joaquim Antonio, portuguez ............................................................................. 1O$000
Adelaide Maria Gomes, brasileira ..................................................................... 25000
Coronel Pacifico Antonio Xavier de Barros, brasileiro ...................................... 205000
Anna Benedicta Ferreira, brasileira ................................................................... 305000
João Paulo Ferreira Dias, brasileiro ...... .................................. .......................... 10$000
Domingos José Lopes Guimarães Junior, brasileiro ........................................ 30$000
12/11
Luiz Xavier de Oliveira, brasileiro ....................................................................... 105000
Joanna Rosa de Oliveira, brasileira ............. ..................................................... 25$000
Paulino Manoel de Oliveira, brasileiro .......................... ... .................................. 25$000
José de Almeida Dias Junior, brasileiro ..................................................... 20$000
 CAIXA: 150 .\NU tIL UMA HISIURIA RRASII,LIk.\ 31

-..-.-- ..--..-.------- .-----.-- 7

A CAIXA, PRIMEIRA E ÚNICA

Arca na qual teriam sido guardados os primeiros depósitos
feitos na Caixa Econômica da Corte. Em primeiro plano,
à direita, réplica da original. Acima, duas fotos do baú
em diferentes momentos: com pés de metal em 1950 e com
pezinhos de madeira em 1981.

P. 30— IMAGEM DE FUNDO

OS PRIMEIROS CLIENTES E SEUS DEPÓSITOS
Folha de rosto do primeiro livro de depósitos da Caixa da
Corte, com a autorização do visconde de Albuquerque para
o início das operações, em 4 de novembro de 1861.
Museu da Caixa, Bra,ília

Obs: foram manlidas as grafias originais da tabela ao lado

 32 CAIXA NI I[RI AI.
OS "TIGRES"
Os escravos que transportavam as barricas repletas de
dejetos eram chamados de "tigres" devido à combinação
da cor de sua pele com as "rajadas" de imundícies que
transbordavam desse tonéis. Eles jogavam os dejetos ao
mar, na praia de D. Manoel, localizada nos fundos do
prédio que viria a ser a primeira sede própria da Caixa.
O desenho acima foi publicado na revista Semana
Ilustrada em 1861, ano de fundação da Caixa.
Revista Semana Ilustrada, 1861 - Reprodução. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
P. 33—A CIDADE MALSÃ
Panorama do Rio de Janeiro por Victor Frond, em 1861,
publicado em Brazil Pitoresco, de Charles Ribeyrolles.
Coleção José e Gaita Mmdli,,
Os primeiros 190 mil-réis (190$000)
depositados na Caixa da Corte, incluindo os
dez mil-réis de Coruja, ficaram em poder da
instituição por apenas uma semana. Isso porque,
de acordo com a Lei dos Entraves - explicitada
pelas determinações do Decreto n° 2.723 -, todo
o capital entregue aos cuidados da instituição
deveria, ao cabo de oito dias, ser repassado para o
Tesouro Nacional. Uma vez lá, poderia ser utilizado
pelo governo do modo que bem lhe aprouvesse. Tal
situação, frequentemente criticada por aqueles que
defendiam a maior autonomia da Caixa, manteve-
se desafortunadamente inalterada até 1934. E não
restam dúvidas de que foi isso que, por 73 longos
anos, travou o desenvolvimento da instituição.
O capital dos primeiros clientes da Caixa
lhes rendia juros de 6% ao ano, depositados
semestralmente em suas cadernetas. Essa
era a taxa de juros praticada pelo inercado
financeiro - e a mesma que o Império pagava
para os credores da dívida externa brasileira,
os bancos ingleses Rothschild e Baring
Brothers. No entanto, no mundo real do dia
a dia, qualquer cidadão de recursos medianos
que precisasse obter dinheiro emprestado,
recorrendo a agiotas e a casas de penhor, não
teria como pagar taxas inferiores a 4% ao mês.
Apesar da diferença brutal, que outra
opção restava para alguém que, em fins de 1861,
possuísse 50 mil-réis (50$000) e se dispusesse
a aplicá-los? Nenhuma - pelo menos não uma
que fosse segura. Afinal, embora suas taxas
fossem consideravelmente mais baixas do que
as praticadas pelas caixas econômicas mantidas
por financistas particulares, a Caixa da Corte
era a única "garantida pelo governo imperial"
(e, portanto, a única que não iria à falência, a
não ser, é claro, no caso bastante improvável
de a própria nação declarar insolvência).
Essas são, de qualquer forma, ponderações
retóricas, uma vez que a Lei dos Entraves havia
determinado a extinção das caixas particulares,
não deixando aos pequenos poupadores outro
caminho que não a Caixa Econômica da Corte.
No Natal de 1861, a Caixa já contava com
186 clientes que lá haviam depositado 1 l:438$986
(11 contos, 438.986 réis). Essa quantia configurava
um capital razoável e, caso não tivesse sido
inteiramente repassada para o saco sem fundo do
Tesouro Nacional, com certeza teria concedido
um certo peso político-financeiro à instituição
recém-nascida, especialmente porque a Caixa
e o Monte de Socorro já contavam com um
"fundo de operações" quase dez vezes maior, de
92 contos e 400 mil-réis (92:400$000), que lhe
fora concedido pelo governo. Esse capital inicial
correspondia ao imposto de 1% obtido a partir da
taxa de 12% que incidiu sobre as 77 extrações de
loterias que haviam corrido desde a promulgação
da Lei dos Entraves, como será relatado com mais
detalhes em Loterias, na Parte II desta história.
Tão logo confiado à Caixa, e antes de
ser repassado aos cofres públicos, o dinheiro
dos depositantes era deitado numa arca de
madeira. Essa arca (ou, na pior das hipóteses,
uma similar do mesmo período) ainda existe:
ela se encontra no museu da Caixa em Brasília
e é reconfortante saber que escapou do usual
descaso com a memória nacional. Trata-se de
um cofre de madeira nobre, com alças laterais
e presilhas de metal. Exibe a solidez que apenas
os anos concedem aos objetos. Ao observá-la -
ao vivo, em fotos ou mesmo numa réplica em
tamanho reduzido -, não é difícil considerá-la
"o cofre seguro das classes menos favorecidas".
Mais do que uma metáfora óbvia, trata-se
de uma evidência inescapável: ali está a Caixa.
Mas quantos foram os sonhos, os planos e os

projetos que ela abrigou é impossível saber. E
tal enigma talvez não possa ser esclarecido nem
mesmo com a ajuda das ferramentas concedidas
pela micro-história (como se convencionou
chamar as investigações em torno da história
da vida privada e da história do cotidiano).
Ainda assim, a tentação de revisitar
Rio de Janeiro da década de 1860 resulta
irresistível, e, embora não se possa assegurar
que se trate de uma jornada agradável, ela
com certeza fornece dados reveladores sobre
meio no qual a Caixa Econômica iniciou
seu um século e meio de existência.
Em 1861, o Brasil já tinha quase dez milhões
de habitantes - o primeiro recenseamento oficial,
realizado em 1872, apontaria uma população
de 10.112.061 pessoas. Com cerca de 250 mil
moradores, o Rio de Janeiro (cuja população, em
1872, seria de 274.972 habitantes) não apenas
sediava a Corte: era também a maior, mais rica
••
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CAIXA:15()
e mais conhecida cidade da nação. Embora o
anfiteatro montanhoso que a cercava obviamente
fosse o mesmo que pode ser observado atualmente,
e já então configurasse um espetáculo natural
sublime, "a moldura' como observou, com
certa ironia e algum desencanto, o comerciante
francês Charles Expilly, ali desembarcado em
agosto de 1861, era "bela demais, resplandecente
demais, para que a tela tenha seu efeito".
São viajantes, a maioria franceses como
Expilly, que nos permitem revisitar o Rio no
ano em que lá foi fundada a Caixa Econômica.
E o quadro pintado por eles é um tanto
constrangedor. Afinal, a decepção dos recém-
chegados, compartilhada por seus leitores,
contemporâneos ou não, iniciava-se já no próprio
ato do desembarque: "Escadas rotas, podres, onde o
pé resvala, ligam o mar à terra firme' revela Expilly.
"Ao mesmo tempo que o olho se entristece com essa
pobreza não esperada, o olfato é desagradavelmente
.••;• •.• 1, - --
oi. [L\ IIIHONI,\ aRASIlIIIt\ 33
afetado por um odor nauseabundo, penetrante,
que o assalta com violência. Os perfumes da baía
não são tão suaves quanto esse odor é infecto".
Expilly ficou especialmente mal impressionado
com a forma pela qual os cariocas administravam
sua produção diária de sujeira, agravada pela
condição tropical do país: "As casas do Rio,
construídas em terreno úmido, não têm fossas. 'lbdos
os detritos domésticos são atirados de qualquer
maneira em barris que de noite os escravos despejam
no mar. Dá para adivinhar a natureza das emanações
que exalam esses barris durante o dia, em meio
aos terríveis calores que reinam no lugar. Por volta
das seis, uma interminável procissão desemboca
de todas as rimas e dirige-se para a praia. É o Rio de
laneiro começando o seu tratamento de limpeza,
que entretanto não consegue livrá-lo inteiramente
da infecção que enche as suas casas. Esses negros
carregando o barril tradicional que os franceses
chamam de 'barrete' são como o símbolo da cidade".
34 CAIXA 1 NI PERIAL
A quebra da Casa Souto
E m 1862, um ano depois da fundação,
592 clientes haviam depositado quase 50
contos (49:91 1$087) na arca que fazia as vezes
de cofre da Caixa. No ano seguinte, OS clientes
ultrapassaram o primeiro milhar, e os depósitos
chegaram ao patamar dos cem contos de réis -
quantia considerável, embora tosse apenas um
milésimo da fortuna acumulada por Mauá. Mais
um ano se passou e então, primeiro os cariocas
(depositantes da Caixa ou não) e, a seguir, todos
os brasileiros tiveram de enfrentar um problema
bem mais sério do que os odores pútridos do
Rio. Ironicamente, ele foi provocado por uni dos
membros do Conselho Inspetor e Fiscal da Caixa
Econômica da Corte.
Em 18 de maio de 1863, a diretoria do Banco
do Brasil deu início ao que deveria ser uma reunião
de rotina. Durante as exposições de praxe, os
conselheiros foram informados de um problema
grave, possivelmente de sérias consequéncias para
a economia nacional, mas cujos desdobramentos
ainda não podiam ser adivinhados em toda a sua
assustadora extensão.
Horas antes, a casa bancária A. J. A. Souto
& Cia. havia comunicado a "necessidade real e
urgente de que o banco lhe prestasse auxílio,
fornecendo-lhe quantia necessária para satisfazer
os empenhos e compromissos do dia, visto que
à última hora lhe faltaram os recursos com que
contava' A Comissão de Desconto do Banco,
mesmo tendo manifestado anteriormente sua
contrariedade em exceder o crédito à casa (já
esgotado), acabou abrindo o cofre do BB mais uma
vez para socorrer a instituição antes que a diretoria
tivesse tempo de reunir-se. Depois foram exigidas
informações sobre o real estado da firma, mas
não houve resposta. Ainda assim, o Banco do
Brasil continuou lhe emprestando dinheiro, e o
débito chegou a 20 mil contos de réis, quantia
que, convém lembrar, era 200 vezes maior do que
os depósitos confiados à Caixa.
Embora tivesse obtido a exclusividade da
emissão, o Banco do Brasil jamais pôde contar
com fundos suficientes para bancar o volume
de dinheiro necessário ao desenvolvimento
econômico do país. Nessas circunstâncias,
emprestar a rodo para casas bancárias em situação
difícil era mais do que uma temeridade: era um
flerte com o abismo. As reuniões para tratar do
assunto eram sempre tensas, pois os diretores do
banco sabiam que pisavam em terreno pantanoso.
O cenário econômico incendiou-se de vez lia
manhã de 10 de setembro de 1863, quando
Antônio José Alves Souto decidiu encerrar as
operações de sua casa bancária.
A notícia espalhou-se como um rastilho
de pólvora, e logo se iniciou uma corrida aos
bancos. Às 15 horas daquele dia, a rua Direita
estava em rebuliço, tomada de credores e
depositantes que tentavam salvar seu dinheiro.
Os bancos fizeram de tudo para resistir ao
fluxo incessante de saques. Foram forçados a
seguir atendendo mesmo após o horário de
fechamento. Com os cofres raspados, muitos
deles receberam o socorro do Banco do Brasil,
também alvo de clientes apavorados.
OBB então solicitou ao governo que
determinasse a liquidação da Souto & Cia.,
 CAIXA: 150\NOS I)E L\IA JIISI ()RI\ III \SILFIRA 35

mas a medida demorou a ser tomada. Nos dias

subsequentes, o público empreendeu nova corrida,
desta vez para exigir do Banco do Brasil que trocasse
notas e títulos por ouro. As reservas de metal
da instituição estavam se esgotando. O governo - - -

autorizou o banco a aumentar a emissão até o triplo

do fundo disponível e empurrar os bilhetes do
banco, que ficou temporariamente dispensado de
trocá-los por ouro, conforme queriam os portadores
dos bilhetes. Também prorrogou os vencimentos de
letras, promissórias, protestos, garantias e prescrições
de títulos. Mas a tragédia já se configurara.
Em consequência da grande crise, 25
estabelecimentos comerciais do Rio de Janeiro
pediram falência ou concordata entre setembro de
1864 e março de 1865. As atividades econômicas
encolheram, o câmbio e as ações caíram, os
imóveis desvalorizaram-se e a cotação do ouro
disparou. Na continuação da crise, cinco bancos
pediram falência, entre eles, em 1866, a agência
do Banco Mauá, Mac Gregor & Cia., que seguiu
atuando apenas por meio de suas filiais no exterior
(em 1873, vitimado por nova crise econômica,
Mauá pediria moratória, tendo de enfrentar longa
demanda judicial e virtualmente encerrando sua
carreira como o grande empresário do Império).
Quando os brasileiros achavam que nada
pior do que uma crise com aquelas proporções
pudesse afligir o país, o velho ditado de acordo
com o qual os problemas não viajam sozinhos
comprovou-se mais uma vez. Em dezembro
EPICENTRO DA CRISE
de 1864, rebentou aquele que estava destinado
Sede do Banco do Brasil, em litografia de 1856,
a se tornar o pior conflito armado do qual publicada em Brasil Pitoresco e Monumental,
de Pedro Godofredo Bertichem.
o Brasil participaria em toda a história. Biblioteca Na cional, Rio de laneiro
36 CAIXA HILl LI
OS SOlDADOS GUARANIS
O exército paraguaio luto ii com b ra vil ia, mas
foi iiiassa crado até o iultiin o tio liie'lfl.
Museo Nacional de Relia., Aries, Ruieucis Aires. As50,ilii,a
P. 37- ASALTO DE LA 4° COLUNA A CURUPAYTÍ
Candido Lopez, óleo sobre tela, 1898.
Mune,, Nacional de Fichas Aries, Ilueçins Aires. Arsirtitina
A Guerra do Paraguai
F oi a guerra internacional niais violenta travada
em todo o mundo entre 1815 e 1914. Foi a
maior guerra da história da América Latina. E
foi também a mais longa, mais sanguinolenta e
mais destrutiva guerra na qual o Brasil jamais
seenvolveu. Uma guerra trágica, tola e sórdida
como todas. Acima de tudo, porém, a Guerra
do Paraguai — cujo nome mais apropriado seria
guerra contra o Paraguai - foi um grande negócio.
Certamente não para o Paraguai. Destroçado
pelos exércitos da Tríplice Aliança (formada por
Argentina, Uruguai e Brasil), o país viu ceifada mais
da metade de sua população masculina (cerca de
cem mil homens foram mortos) e teve de entregar
aos inimigos vastas porções de seu território. A
nação nunca se recuperou do terrível golpe.
Mas o confronto também não foi bom negócio
para os aliados Brasil, Uruguai e Argentina. Além
de perder 33 mil homens, o Brasil contraiu uma
enorme dívida de guerra. O território subtraído ao
Paraguai — um retángulo irregular, com cerca de
300 quilõmetros de extensão por 150 quilómetros
de largura, no atual Mato Grosso do Sul — não foi
suficiente para compensar a grave crise monetária
que se seguiu. Argentina e Uruguai também tiveram
baixas consideráveis e se viram compelidos a
contrair vultosos empréstimos internacionais.
A guerra igualmente não foi bom
negócio para milhares de escravos libertos e
ex-escravos enviados para a linha de frente
com a promessa (nem sempre cumprida) de
ganhar a liberdade após o conflito: as missões
niais perigosas em geral eram reservadas para
eles. A guerra com certeza também não foi
bom negócio para os milhares de indígenas
1 864
das nações Guarani, Guaicuru e Terena: a eles
coube o trabalho sujo da guerra de guerrilhas.
Para quem, então, a Guerra do Paraguai foi
um grande negócio? Para o "judeu Rothschild e seu
colega cristão Barings' de acordo com o poema
do inglês Lord Byron, que os apolitava como "os
senhores do mundo ( . . .) / cujos empréstimos
fundam uma nação ou derrubam uni trono'
Ao Brasil, os bancos pertencentes às famílias
Rothschild e Barings emprestaram dez milhões
de libras durante o conflito (após a guerra, entre
1871 e 1889, essa quantia chegaria a 45 milhões).
l)os mesmos credores, a Argentina recebeu seis
milhões de libras (mais 12 milhões ao final do
confronto). "A maldita guerra" acabou se revelando,
conforme as palavras do barão de Mauá, "a
ruína do vencedor e a destruição do vcncido'
A guerra da lripiice Aliança contra o Paraguai
prolongou-se por mais de cinco anos (de novembro
de 1$64 a março de 1870), consumindo cerca de
200 mil vidas. Foi urna guerra suja, travada em
pântanos e alagadiços, e na qual muitos soldados
morreram de tifo, cólera ou malária antes mesme)
de disparar o primeiro tiro. Foi também uma guerra
desastrosa, que teve um profundo impacte) sobre
a economia, a sociedade ea política dos países
envolvidos. O mais grave, porém, é que se tratou
de uma guerra desnecessária, que não apenas
era plenamente evitável corno não contava com
C) apoio popular (na verdade, a guerra revelou-
se impopular, em especial na Argentina).
Nem o Brasil nem a Argentina tinham uma
contenda suficientemente séria com e) Paraguai
que justificasse a eclosão de um conflito armado
— ainda mais nas dimensões que ele tomou. Mas
 CAIXA:! 30 ANOS DE UMA HISTORIA BRASILEIRA 37

a questão é que, possuidor do maior e mais bem forma, as imprudentes ações de López acabaram Surprcendentemente, porém, a guerra não

armado exército do continente, articulado sob precipitando a maior ameaça que poderia pairar teve consequências nefastas para a nascente Caixa

comando férreo do ditador Solanu Lopez, o sobre seu país: uma união entre dois vizinhos Económica. Embora ainda contasse com poucos

Paraguai se preparava havia anos para um confronto poderosos numa luta contra si. recursos e não tivesse influência política, seus

bélico. A ambição de López era transformar seu 1). Pedro II, sri postam ente um monarca depósitos aumentaram de pouco mais de 231 contos

país numa potêlicia continental. Seus interesses pacifista, avesso "à mais rudimentar experiência de réis (231:272S097) em 1865 para quase 900

bateram de frente com os anseios expansionistas de guerra' vislumbrou no conflito a ocasião ideal contos de réis (894:955$093) em 1870. Apesar de

do Império brasileiro - e, 1ogo a seguir, com os da não apenas para forjar uma nova imagem popular a Caixa ter sido virtualmente deixada de lado pelo

jovem nação argentina. Na conflituosa geopolítica - tendo passado a se autodenominar "voluntário governo, que concentrava sua atenção no conflito,

da Bacia do Prata, López acabou desempenhando número 1" ea vestir trajes de combate como foi como se os pequenos poupadores e os próprios

papel de fósforo em um paiol de pólvora. também a oportunidade para estabelecer uma soldados tivessem tratado de salvaguardar suas

Como observa o historiador inglês Leslie inquestionável influência brasileira na região, talvez economias naqueles anos instáveis.

Bethel], foi a intervenção do exército de Solano em toda a América do Sul. E, sobretudo, firmar uma O Eito de os exércitos da I'riplice Aliança terem

López em um episódio relativamente corriqueiro hegemonia do Brasil sobre o Paraguai, em vez de sido financiados por bancos ingleses fez surgir,

da longa guerra civil travada entre cobrados e unia liegemonia argentina. lias décadas de 1960 e 1970, entre historiadores

6/ancas no Uruguai que pipilo ri o conflito. N ão se pode dizer que o plano do i iii perado e jornalistas de esquerda, unia interpretação

"A necessidade de se defender da agressão ten lia falhado Se ri custo, porém, foi alt issi nio: "revisionista' do conflito, de acordo com a qual a

paraguaia - fosse ela em grande parte provocada cerca de 33 mil brasileiros sucumbiram nos guerra teria sido incen tivada pela 1 ngla lerra, com o

ou justificada - acabou oferecendo ao Brasil e cdmpos de batalha, e as finanças da nação objetivo não só de endividar o Brasil e a Argentina

à Argentina a oportunidade de fazer uni 'ajuste forani brutal mente abaladas. A guerra contra como também sufocar o modelo econõmico

de contas' com o Paraguai, o que lhes permitiria l'araguai custou ai) Brasil mais de 600 mil paraguaio - supostanlente desvinculado do

punir e enfraquecer, talvez até mesmo destruir, um contos de réis (as despesas elevaram-se a "imperial isnio britãnicu' \.lasa tese não se sustenta

poder emergente que começava a surgir dentro 613.1 83:262$695), numa época em quea receita em provas docunicntais e nenhuma evidência textual

de sua área de influência", analisa Bethell. Dessa anual do país mal ultrapassava os 80 mil contos. pe rm i te tom á - la como ri iii fato.

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VTSCONI)E DO RIO BRANCO

Lifogravura de S.A. Sisson, de 1871.
HiI,Iiotcca Nacional, Rio de laneiro

A Caixa nas outras províncias
E mbora tenha endividado pesadamente
opaís, o grande negócio que foi a
Guerra do Paraguai acabou, por outro lado,
movimentando a economia do Império devido
ao esforço bélico que implicou a fabricação do
maquinário de combate, a construção de navios,
a produção de mantimentos e de uniformes
para os combatentes. A luta teve muitas outras
consequências: uma delas foi a assinatura da
Lei n° 1.349, de 12 de setembro de 1866, que,
ao retirar do Banco do Brasil a prerrogativa
de emissão de moeda, revogou parcialmente
as rígidas restrições da Lei dos Entraves.
A principal motivação do imperador e
de seus assessores ao determinar a cassação do
privilégio do BB foi a necessidade de utilizar todas
as reservas metálicas do país no financiamento da
Guerra. Como medida complementar, logo em
seguida o Império requisitou todo o metal ainda
em poder do banco. Com o fim da Guerra, em
1870, o país retomaria o rumo do crescimento.
Destinada a coletar depósitos de poupadores
e a fazer empréstimos de pequeno porte, a Caixa
sobreviveu às crises e se mostrou eficiente em
seus propósitos. Pode-se mesmo supor, embora
faltem dados concretos para a investigação,
que pelo menos alguns dos cerca de 140 mil
soldados enviados para o front nos lodaçais do
Paraguai tenham depositado na Caixa parte de
suas economias antes de partir rumo às cruéis
incertezas do campo de batalha. De qualquer
CAIXA: 150
forma, um destino mais fulgurante estava reservado
para a instituição. E ele logo iria desabrochar.
José Maria da Silva Paranhos (1819-1880),
visconde do Rio Branco, assumiu a presidência
do Conselho de Ministros um ano após o fim
da Guerra do Paraguai, dando início, em março
de 1871, àquele que seria o mais duradouro e
um dos mais importantes gabinetes do Segundo
Reinado. Acumulando, como de hábito, o
cargo de ministro da Fazenda e presidente
do Tribunal do Tesouro, Rio Branco assinou,
em abril de 1874, um decreto no qual teceu
as seguintes considerações sobre a Caixa:
"A Lei n° 1.083, de 22 de agosto de 1860,
reconhecendo a utilidade e importância das
Caixas Econômicas, pela salutar influência
que exercem nos hábitos e condição das classes
menos abastadas da sociedade, autorizou o
governo a criar estabelecimentos dessa espécie,
dirigidos e administrados por diretores de sua
escolha, a fim de receberem dinheiros a prêmios
e depositá-los em Estações da Fazenda, vencendo
ojuro anual de 6%, taxa que nos termos da
Lei n° 1.507, de 26 de setembro de 1867, pode
ser alterada, quando for conveniente'
Aquele estava destinado a ser um decreto-
chave, pois, como fica claro no trecho que se segue,
a partir dali a Caixa começaria a se tornar uma
instituição de abrangência nacional. De fato, as
primeiras linhas do Decreto o" 5.594, assinado
ANOS DE UMA 1-JISTÕRIA BRASILEIRA 39
em 18 de abril de 1874, rezavam: "Convindo
estender às províncias os benefícios que se têm
colhido da Caixa Econômica e do Monte de
Socorro, fundados nesta Corte em conformidade
da Lei n° 1.083, de 22 de agosto de 1860, hei
por bem ( ... ) criar nas capitais das províncias
Caixas Econômicas e Montes de Socorro'
O efeito mais imediato deu-se na própria
Corte. Afinal, a Caixa do Rio de Janeiro logo tratou
de abrir filiais em Campos, Valença, São Fidelis,
Cantagalo, Angra dos Reis, Vassouras, Paraíba
do Sul, Barra Mansa, Petrópolis e Rezende, não
por acaso cidades localizadas, em sua maioria, no
Vale do Paraíba, o que significa dizer que estavam
no coração da zona cafeeira. Nunca é demais
recordar que o café e a escravatura eram os pilares
econômicos do Império.
ti) Decreto n° 5.594 não determinou uma
gestão única para as Caixas de todo o país,
expediente que somente seria adotado no século
seguinte. O governo imperial apenas as regulava
e nomeava os conselheiros fiscais, mas a seguir
elas adquiriam autonomia administrativa,
inclusive em relação aos presidentes das
províncias. Mas o que importa assinalar é que
no dia 5 de setembro de 1874 o visconde do
Rio Branco expediu uma circular autorizando
a criação das Caixas Econômicas e Montes de
Socorro nas capitais das províncias de São Paulo,
Paraíba, Pernambuco, Paraná, Minas Gerais,
Espírito Santo, Ceará e Rio Grande do Sul.
40 CAIXA IIll}tl\I
- .--.- -.--
-.-
A Caixa em São Paulo
E m São Paulo, que começava a se tornar a
província mais importante do Brasil - já
fervilhante de ideais republicanos e abolicionistas
-,a Caixa foi insta]ada a 25 de janeiro ele 1875,
data do aniversário de sua capital. Aquela que se
converteria em uma gigantesca metrópole no século
20 nascera em 1554, de uma capelinha erguida
pelos jesuítas às margens do rio Anhangabaú,
quase na confluéncia com o Tamanduateí.
Em 1875, São Paulo completava 321 anos
e era a capital da província de mesmo nome,
governada por João 'lèodoro Xavier, tido como
governante paulista mais eficiente do século
19. O Conselho Fiscal e Inspetor que instalou a
Caixa de São Paulo era formado por Clemente
Falcão de Sousa Filho (presidente), Antônio
Aguiar de Barros (vice), coronel Antônio Proost
de Rodovalho, tenente-coronel Bento José Alves
Pereira e Joaquim José Vieira de Carvalho.
A posse ocorreu em uma reunião realizada
ao meio-dia nos escritórios da Companhia Paulista
de Vias Férreas e Fluviais, no casarão situado na
rua da Fundição (hoje Floriano Peixoto) esquina
com a rua do Carnio (atual Roberto Simonsen), no
coração da cidade e a poucos metros do local onde
Nóbrega e Anchieta tinham fundado seu colégio.
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;--'_
- -.-- - ,
O primeiro quadro de funcionários também foi
registrado em ata: Domingos de MelIo Rodrigues
Loureiro (gerente), Francisco Raymundo Ferreira
(guarda-livros), major João Martins ele Azevedo
(tesoureiro), capitão Joaquim Alves da Silva Lopes
(perito) e Carlos Augusto de Andrade (porteiro!
contínuo). Em 1893,0 porteiro Carlos de Andrade,
que estava destinado a ascender lia empresa, da qual
se tornaria gerente, já estava havia quase vinte anos
na Caixa quando teve um filho, batizado Mário Raul
de Morais Andrade. Em 1922, o Brasil ouviria falar
daquele Mário: além de ter publicado, nesse mesmo
ano, seu primeiro romance, Pauliceja Desvairada,
ele se transformaria em um dos principais nomes da
Semana de Arte Moderna.
A Caixa Econômica e o Monte de Socorro da
Província de São Paulo abriram suas portas em 10
de setembro de 1875. A delonga se explica: o decreto
definindo a criação das duas instituições continha
um artigo de acordo com o qual o Monte de Socorro
(veja o capítulo Penhor) só poderia começar a
funcionar mediante o depósito prévio de 25 contos
de réis (25:000$000). O problema era de onde sairia
dinheiro - especialmente porque, ainda sentindo
os devastadoi-es efeitos da Guerra do Paraguai, o
governo imperial estava com as finanças abaladas.
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'1
IM
A inflação castigava a economia brasileira,
e a monarquia já emitia sinais de definhamento.
Com os cofres públicos sem condições de sllprir a
nova instituição, o jeito foi ir atrás ele quem pudesse
bancar a quantia, como, aliás, o próprio Decreto n°
5.594 sugeria que se fizesse. O escolhido para abrir
bolso foi o comerciante e capitalista barão de
Itapetininga. E ele o fez no dia 4 ele julho.
A palavra Itapetininga é de origem tupi-
guarani e, ironicamente, signihca "caminho das
pedras secas Joaquim José dos Santos Silva, o
barão de Itapetininga, também conhecido como
Cadete Santos, era um dos homens mais ricos
ele São Paulo no século 19. Em 1822, ano da
independéncia do Brasil, ele comprara a chácara
do brigadeiro Xavier, que ocupava quase todo o
Vale do Anhangabaú. Ali plantou chá e ergueu
uni palacete, cuja frente ficava para a atual rua
Xavier de l'oledo. Em 1831, destacou-se pela
benemeréncia ao promover melhorias em hospitais
e prisões. Em 1864, ganhou ei título de barão.
Itapetininga concedeu o empréstimo a juros
anuais ele 6% e prazo ele pagamento indeterminado.
Em 13 de novembro de 1875, o governo Imperial
colocou o dinheiro a ser restituído ao barão à
disposição da Caixa de São Paulo, que levou quatro
 CAIXA:] $ o w L] }lI)L\ Cl\HlLIC.\ 41

meses para retirá-lo, fazendo-o em 4 de março de

1876. O barão entã) recebeu 26 contos e 133.330 réis.

Logo depois, a 11 de julho de 1876, ele veio a falecer.

Quando a Caixa começou a funcionar, em 1 de

setembro de 1875, a cidade de São Paulo tinha cerca

de 35 mil habitantes, e a província, 840 mil. O Banco

do Brasil instalara sua primeira agência ali em 18.20,

fechara-a em 1829 e a reabrira em 1855. Até 1857,

havia em São Paulo apenas a caixa filial do Banco do

Brasil, na qual trabalhavam 16 empregados. Em 1$73.

dois anos antes da instalação da Caixa Econômica

e Monte de Socorro, existiam somente qLlat ro

estabelecimentos bancários na capital.

Fora a partir de 1872, com o advento da

lavoura de café e a chegada dos primeiros imigrantes.

que o grande surto de desenvolvimento na

cidade se iniciara. O então presidente provincial,
João Feodoro Xavier, pronioveu a abertura e a

iluminação de dezenas de ruas, reformou jardins

e outros locais públicos. A rede de água e esgoto

foi melhorada e ampliada, o niesmo ocorrendo
com as vias férreas, providência ditada pcla

necessidade de facilitar a comunicação com o

interior e permitir o rápido escoamento do café.

A Caixa, no entanto, passou por momentos

difíceis no início de suas atividades em São Paulo.

De acordo com a lei, ela deveria ser sustentada por

parte da receita do Monte de Socorro, proveniente

dos juros cobrados sobre os empréstimos dados

sob penhor, e das multas por extravios de

cadernetas. Atendendo a uni pedido de auxílio,

governo imperial concedeu à Caixa paulista

benefício de quatro loterias. Foram realizadas

três extrações com arrecadação total de 15 contos

de réis ( 15:000S000). Mas era pouco. Embora

sempre lutando com dificuldades, a Caixa de São

Paulo, ao contrário do Império, chegaria viva ao CORAÇÃO PULSANTE

final do século. E não restam dúvidas de que a
pujança trazida pelo café e o devotado esforço
dos imigrantes tiveram muito a ver com isso.
Mapa da Capiral da Pcia. de S. Paulo, feito por Jules
Martin. O centro histórico da cidade aparece com
detalhes, justo na confluência dos rios Tamanduateí
e Anhangabaú (hoje canalizado).
Coleção de Pedro Corria do Lago. São Paulo
P. 40-VISTA GERAL DA IMPERIAL CIDADE DE SÃO PAULO
Litogravura de Jules Marrin, e. 1875.
Coleção 1050 Moreira Garcez, São Paulo
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O café e os imigrantes
E ra a droga ideal para o século que em
breve nasceria. Ilegal até o século 16, estava
agora plenamente liberada e pronta para virar
coqueluche mundial. Quente, estimulante,
precedido da fama de "provocar ideias" e sorvido
de forma quase ritual, o café iria se tornar cada
vez mais barato e acessível, deliciando poetas em
Paris, músicos em Viena, banqueiros em Berlim
e, em especial, multidões em Nova York e caubóis
no Velho Oeste. Por uma série de circunstâncias
- econômicas, ecológicas, políticas -, caberia ao
Brasil o papel de alimentar esse vício global.
Ocafé chegara ao país em 1727 pelas mãos
do português Francisco de Meilo Palheta, que, em
passagem pela Guiana Francesa, obtivera mudas
da ruhiácea, embora a saída das plantas daquele
país estivesse proibida. Introduzido na América
pelo francês Gabriel de Clicu em fins do século 15,
café, originário da Etiópia, enfim desembarcava
no território a partir do qual conheceria notável
expansão. Cultivada de início no Pará, a lavoura
do café espalhou-se rapidamente pelo país. i-\
Baixada Fluminense foi o centro de irradiação
do produto, que dali subiu a serra e atingiu as
matas localizadas às margens do rio Paraíba
do Sul, chegando então ao oeste do estado de
São Paulo - a província que iria enriquecer,
l)epois de declarar sua indepeiidência em
1776, os Estados Unidos passaram a importar
CAIXA: 150 ANOS DE UMA 1-IISTÕRIA I3RASII.EIRA 43
1870.1880
café brasileiro em larga escala. Em 1871,
superadas as provações de uma terrível geada, o
Brasil produziu dois milhões e meio de sacas de
60 quilos (contra 150 mil em 1822). Em 1874, a
lavoura cafeeira chegava às riquíssimas terras roxas
do oeste de São Paulo. Só no primeiro semestre
daquele ano a produção atingiu quase dois
milhões de sacas (1.975.754, para ser exato). O
suave declive do planalto paulista havia facilitado
a construção de estradas de ferro, e, em 1875, era
inaugurado o trecho que unia Jundiaí a Itu. Nos
anos seguintes, uma sélie de problemas climáticos
e cambiais acabaram fazendo com que o preço e a
produção despencasscm, mas o café já se firmara
como o principal produto de exportação do Brasil.
Tanto é que, na virada do século 19 para o
século 20, o país respondia por 4/5 da produção
mundial. Os 74 milhões de sacas colhidas entre
1891 e 1900 iriam transformar definitivamente
café no "ouro verde" brasileiro. As florestas
haviam sido implacavelmente derrubadas, e
quase um milhão de eScra'os foram trazidos da
África desde o início da expansão cafeeira. Novas
cidades, novas fortunas e novos latifúndios eram
construídos da noite para o dia. O café gerou uma
nova classe social e, a seguir, política. Fez o país
criar ferrovias e aparelhar os portos do Rio e de P. 42- COLHEITA DE CAFË EM ARARAQUARA, SÃO PAULO
Santos. Catapultou o crescimento de São Paulo no Colotipia publicada em lembrança de São Paulo, de G.
Gaensly [1902?].
rumo da metrópole que se tornaria no século 20 e BihIiooa NnionaI, Rio kJuniro
44 CAIXA

AO lADO E NA P. 45- VIDA NOVA. DURA \'IDA

Retratos de [a iii ilias de imigra n es em São Paulo nas
últimas décadas do século 19 e primeiras do século 20.
Memorial do Imitrairle, Sao Paulo

incentivou a vinda dos trabalhadores assalariados e cruzado o oceano em condições insalubres,

os niligrantes trazidos da Europa. Por tim, a)udoLl às vezes hitais, lia esperança de encontrar a

a derrubar o império que tornara tuigLirante. prosperidade no suposto Eldorado sul-americano.

A vertigi nosa expansão da lavoura cafeeira Depois de enfrentar a terrível viagem,

no Vale do Paraíba coincidiu com o início da amontoados em porões infectos e quase sem

campanha abolicionista no Rio e em São Paulo. com ida, eram enviados à Hospedaria dos

Os lati lii ndiários até se mostravam dispostos a liii igrantes, Clii São Paulo. Ali, após se regisi rarem,

abrir mão dos braços negros na lavoura, contalilo negociavam postos de trabalho Na verdade,

que lhes Rsseni concedidas facilidades para a quase não passavam de escravc,s brancos,

"aquisição" de braços europeus. No O nal da explorados por cafeicultores que se recusavam

década de 1870, uma série de acordos e convênios a aceitar os novos tempos. De 1 891 a 1900,
o

assinados entre o Brasil e alguns países da Europa Brasil recebeu 1,2 milhão de imigrantes. Depois

deu inicio à grande imigração. Em nienos de dois dos italianos, vieram em maior quantidade os

anos, 150 mil trabalhadores chegaram ao Brasil, espanhóis alemães e japoneses. Liii to com índios,

quase todos italianos: eram camponeses pobres portugueses e negros, os recém-chegados forjaram

CIUC haviam deixado a terra natal com a família as feições iii ulti rraciais que o país hoje exibe.
 CAIXA: 1 31; \u 1)L L\IX iliS lúRiA B!\SILL1RA 45

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 46 CAIXA IMPlIOÀL
BARÃO DO CAI
Retrato do primeiro presidente da Caixa
Econômica do Rio Grande do Sul.
Acervo da Caixa, Rio Grande do Sul
P 47—PORTO DOS CASAIS
Porto Alegre vista do Hospital, aquarela
de Hertnann Rudolf Wendroth, 1852.
1 nsti uro Histórico e Geogrdfico do Rir, Grande do Sul
A Caixa no Rio Grande do Sul
E mbora a Caixa de São Paulo estivesse
destinada a tornar-se a segunda mais
importante do Império, atrás apenas da Caixa
da Corte, ela não foi a primeira a abrir as
portas. Com efeito, apenas quatro meses após
a assinatura da circular de 5 de setembro de
1874 e 17 dias antes da nomeação do Conselho
da Caixa paulista - em 8 de janeiro de 1875,
portanto - reuniram-se, ás 11 horas da manhã,
na casa do barão de Caí, recém-nomeado
presidente da Caixa Econômica da Província
de São Pedro do Rio Grande do Sul, os demais
membros do Conselho Fiscal da Caixa gaúcha.
Ao meio-dia, quando a sessão foi encerrada,
estavam eleitos o tenente-coronel Francisco
Oliiito de Carvalho (vice-presidente), Felipe
Benício de Freitas Noronha (secretário) e Estácio
Monteiro (conselheiro) - aliás, as únicas quatro
pessoas presentes àquele encontro inaugural.
Ficou decidido que o vice- presidente
Olinto de Carvalho se encarregaria de "alugar
uma casa apropriada para o funcionaiiento
do estabelecimento' enquanto o barão de
Caí comprometeu-se em "mandar aprontar
a mobília e mais objetos necessários para a
instalação da mesma Caixa Econômica e Monte
de Socorro' O Conselho agiu com presteza,
pois a reunião seguinte, em 30 de abril de 1875,
já foi realizada numa casa alugada e mobiliada,
no número 279-281 da rua dos Andradas,
mais conhecida como rua da Praia, a principal
via do centro de Porto Alegre. Interessante
observar que a sede principal da Caixa no Rio
Grande do Sul segue instalada na mesma rua.
Em 3 de maio de 1875, a Caixa gaúcha
iniciava as operações, ás 11 horas da manhã,
após nova reunião do Conselho. Foram feitos
então 20 depósitos, num total de 280 mil-
réis (280$000), quase o dobro do que fora
depositado no primeiro dia de funcionamento
da Caixa da Corte, embora seja forçoso
observar que 15 anos já se haviam passado.
Como no caso do Rio, a lista dos primeiros
depositantes gaúcbos acabou sendo preservada,
e ela permite lançar o mesmo e comovente
olhar sobre as finanças, o cotidiano e os sonhos
de pelo menos duas dúzias de brasileiros.
Mas esse relatório não apenas traz a idade,
o endereço e a profissão dos depositantes: junto
a ele, o Conselho Fiscal da Caixa gaúcha teve o
cuidado de anotar também as despesas feitas com a
mobília e o material de escritório. Tal providência
facilita enormemente o trabalho daqueles
dispostos a fazer uma análise comparativa de
valores. Pode-se saber, dessa forma, que, naquele
maio de 1875, uma mesa com duas gavetas custava
20 mil-réis (20$000), e o preço de uma grade de
ferro era de cinco mil-réis (5$000), enquanto uma
balança de precisão valia 20 mil-réis (20$000),
um anúncio no Jornal do Comrnercio saía por
oito mil-réis (8$000) e um vidro pequeno de
ácido sulfúrico podia ser comprado por 720 réis
($720). Pode-se afirmar, portanto, que, como
no Rio de Janeiro (e nas demais províncias
da Corte), os primeiros depósitos feitos por
poupadores gaúchos foram bastante modestos.
 CAIXA:! 51) r\NOS I)i:, iiiSloi,uA BRASILEIRA 47

Os primeiros depositantes da Caixa gaúcha

Dionisio José Monteiro - 19 anos, solteiro - caixeiro desta Província - Rua Gal. Câmara, n° 54 ...........................................................................20$000
Balbina Monteiro - 14 anos, solteira - desta Província - Rua Gal. Câmara, n° 54 ..............................................................................................20$000
Luiz José Monteiro - 7 anos, solteiro, filho de Estácio José Monteiro, desta Província - Rua Gal. Câmara, 54 .........................................................20$000
(Estes 3 primeiros depositantes eram filhos do diretor Estácio José Monteiro)

Antonio Francisco Velho -55 anos, casado - empregado público desta Província - Rua da Igreja, 135 ................................................................ 10$000
Augusto Paranhos da Silva Veloso - 28 anos, solteiro - empregado público - Rua dos Andradas - Hotel Brasil ..................................... ................ 5$000
Maria da Glória Flores Soares - 1 ano, solteira, filha de José Soares Júnior - desta Província - Rua 7 de Setembro, n° .......... .... ...................... ..... 10$000

João Antônio Ferreira - solteiro, ferreiro, desta Província - Rua da Conceição ... ... .................................................................................. ........... 50$000
D° Maria José de Carvalho - 22 anos, solteira, desta Província - Rua Duque de Caxias ................................................................ .... ....... .......... 50$000
D° Armanda de Carvalho - 11 anos, solteira, desta Província - Rua Duque de Caxias ......................... ................................................ .............. 5$000
Da Ignacia Fernandes Teixeira -25 anos, solteira, desta Província - Rua Duque de Caxias ................................................................................. 10$000
D° Evarista Fernandes -24 anos, solteira, desta Província - Rua Duque de Caxias ................... ... .................. .... .............. ..................... .... ........ 10$000
D° Alzira Teixeira Hebnenn - 18 anos, casada, desta Província - Rua Duque de Caxias ..................................................................................... 1 0$000
Aquiles J. Gomes Porto Alegre - 25 anos - empregado público, desta Província - Barão do Triunfo .............................. ........ ............... ................ 50$000
Operários Militares do Arsenal de Guerra - Entregue pelo Tesoureiro da Fazenda pelo ofício de 3 do corrente (1 4/5/1 875) ........................................ 7:396$395
Joséfa - "Liberta" -9 anos, filha de creoula Margarida, escrava de José Antonio Coelho Jr. - n°49- (6/5/1 875),caderneta n°30 ................ ............. 20$000
D° Alice Ferreira Porto - 6 anos, filha do Barão de Cahy, desta Província - Rua dos Andradas - (5/5/1875) .................... ....................................... 25$000
D° Maria Luiza Ferreira Porto - O anos, filha do Barão de Cahy, desta Província - Rua dos Andradas (5/5/1875) ... ...... 25$000 (30/6/1881) ......221$700
Luiz Ferreira Porto -8 meses, filho do Barão de Cahy, desta Província - Rua dos Andradas (11/5/1875) ...................25$000 (1 4/9/1 875) ......41 1$000
D. Salustiano Orlando de Araujo Costa - 41 anos, casado, magistrado de Sergipe - Rua do Rosário - (5/5/1875) ................. .................... ............ 50$000
D° Laura Francisca Velho -27 anos, solteira, desta Província, Duque de Caxias, n° 135, maio 1875 ......................... 50$000 (30/6/1 882) ......622$200

Até 31 de maio de 1875— No primeiro inês de operações da Caixa foram feitos 241 depósitos na iruportóncia de 15:039$000 (quinze contos e 39 mil-réis).
Obs, íora ii, nu, ,,tidas as grafias do documento original.

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48 CAIXA IMPERIAl.
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COMPROVANTE PRESERVADO
Caderneta do terceiro cliente da Caixa de Pernambuco,
Francisco Augusto Pacheco, que depositou 50 mil-réis
(50$000) em 1877.
Acervo Museu da Caixa, Brasilia
P. 49 ACIMA - PRIMEIRO ENDEREÇO
Lago do Corpo Santo - Recife, em ilustração de Fernando
Costa. À esquerda do largo ficava a rua do Comércio,
onde estava instalada a Caixa pernambucana. A rua do
Comércio (que não existe mais) era uma continuação da
rua da Cadeia, hoje avenida Marquês de Olinda.
Acervo Museu da Caixa. Brasilia
P. 49 ABAIXO - TUDO EM CASA
O sobrado no qual foi instalada a Caixa de Pernambuco,
na rua do Comércio 0048, pertencia ao comendador
João Inácio de Medeiros Rego, que havia sido nomeado
presidente do Conselho Fiscal da instituição.
Acervo Museu da Caixa. Brasilia
A expansão da Caixa
D epois do Rio Grande do Sul e de São
Paulo, a Caixa Econômica começou a se
espalhar por todas as províncias do Império. Em
Minas Gerais, a Caixa instalou-se no dia lo de
outubro de 1875 em Ouro Preto, então capital
da província. O Conselho Fiscal, presidido pelo
comendador João Batista Teixeira de Souza,
fora nomeado no dia 27 de fevereiro daquele
ano e dele faziam parte o também comendador
Francisco Teixeira do Amaral (vice-presidente), o
secretário, tenente Manoel Costa da Fonseca, mais
Valeriano Ribeiro de Carvalho e Antonio Maria
Soares de Albergaria. O primeiro gerente-geral foi
Anacleto Magalhães Rodrigues.
Oinício das operações da Caixa no
Espírito Santo deu-se no dia 1" de dezembro
de 1875, quaido foram feitos dez depósitos.
O primeiro cliente foi Michael Ferreira Penna,
juiz municipal, residente em Cachoeiro
do Itapemirim, que depositou 50 mil-réis
(50$000), soma que, 21 dias mais tarde, ele já
havia ampliado para 200 mil-réis (200$000).
A primeira agência da Caixa no Pará foi
aberta na capital da província, Belém, no dia lo
julho de 1876. O primeiro presidente do Conselho
era Antônio Gonçalves Nunes e o primeiro cliente
foi um certo João Comes de Faria. Outros 15
depositantes abriram suas cadernetas naquele
primeiro dia de funcionamento da Caixa paraense,
deixando um total de 50 mil-réis (50$000) nos
cofres da instituição. O dado mais revelador é que,
daqueles 16 clientes iniciais, 14 eram mulheres,
entre as quais duas Josefinas, unia Balbina, uma
Belmira e uma Florisbela, homônima da primeira
depositante da Caixa paulista.
Por coincidência, no mesmo 10 de julho
de 1876 nascia também a Caixa do Paraná, em
Curitiba. Sua sede ficava no Edifício do lcsouro
Provincial, na rua do 1esouro, na zona central
da capital da província. Seu primeiro Conselho
Fiscal, nomeado (como todos os demais) pelo
governo imperial, era constituído por Lourenço
Sá Ribas, tenente-coronel Inácio José de Morais,
José Barros Fonseca, Caetano José Munhoz e
Manoel da Cunha Bittencourt. Sete mulheres
e três crianças estavam entre os IS primeiros
depositantes paranaenses.
Na Bahia, a Caixa Econômica só começou
a funcionar quatro anos depois da assinatura
do Decreto n° 5.594. A agência instalada no
pavimento térreo da Intendência Municipal,
localizada no centro de Salvador, abriu as
portas em 3 de fevereiro de 1878 (embora
o Conselho Fiscal já tivesse se reunido pela
primeira vez quase dois anos antes, no dia 15 de
novembro de 1876). O Conselho era formado
pelo presidente Antônio Ladislau Figueiredo
Rocha, pelo vice Luiz Rodrigues Dutra Rocha,
pelos diretores José de Barros e Severino Gomes
e pelo secretário Felisberto da Silva Horta.
de () primeiro depositante baiano foi um
Manoel José de Seixas, que favoreceu seus
filhos Antônio, João e Augusto. No primeiro
ano de funcionamento, os depósitos atingirani
quantia considerável: 426 contos e 976 mil-réis
(426:976$000). No período, foram emitidas
1.738 cadernetas, embora 105 delas tenham sido
encerradas no mesmo exercício. O primeiro
gerente da Caixa da Província da Bahia foi
Francisco José Comes, que ocupou o cargo de
agosto de 1877 a novembro de 1898.
Em Fortaleza, capital da província do
Ceará, a Caixa abriu as portas no dia 17 de
fevereiro de 1879. Seu presidente era João da
 CAIXA:15(L\Nos I)F t\.A HIStORIA HItASII[IR.\ 49

Rocha Moreira. O primeiro cliente foi o guarda Caixa pernambucana. Um dos mais influentes

civil Pedro Artur de Vasconcelos, casado, 28 exportadores de açúcar da província, oficial

anos, que depositou 50 mil-réis (50$000) numa da Ordem da Rosa e cavaleiro da Ordem de -- -
caderneta que só seria encerrada no século Cristo, Medeiros Rego deve ter sido o principal
—.'--- --
seguinte, em outubro de 1908, quando seu titular articulador da liberação do empréstimo

já contava 57 anos de idade. Naquele mesmo de 16 contos de réis (16:000000) que o

dia de fevereiro de 1879, outras 16 cadernetas governador Manuel Carneiro da Cunha havia

de poupança foram abertas na Caixa do Ceará, repassado sem juros para que a instituição

totalizando depósitos de 655 mil-réis (655$000). pudesse funcionar. O primeiro depósito foi

Instalada na antiga residência dos capitães- feito pelo comendador Antonio da Cunha
mores, mais tarde rebatizada de Palácio da Ferreira Baltar, diretor do Conselho. O terceiro

Tesouraria da Fazenda, a Caixa da Paraíba também cliente foi Francisco Augusto Pacheco, que /
5d0 esquerdo deste
foi urna das pioneiras no Brasil, iniciando suas depositou 50 mil-réis (50$000) numa caderneta 1Ç, 71argorscavaaBuaaocanerccoouderoi1ns / / A-
t lada e inaugurada a 2 16 ixa Seonoelca. 2
L
atividades no primeiro semestre de 1875. cujo original encontra-Se preservado.

No dia 4 de junho de 1877, uma segunda-

feira, o Diário de Pernambuco publicava o
seguinte anúncio: "Caixa Econômica e Monte
de Socorro - Instalaram-se, no sábado, no andar
térreo do sobrado n° 48 da rua do Comércio,
com frente para a praça do Corpo Santo, esses
dois estabelecimentos, garantidos pelo governo
imperial, de acordo com o Decreto n° 5.594,
de 18 de abril de 1874. A Caixa Econômica
recebe de cada pessoa desde 1$000 (mil-réis), ou
múltiplos dessa quantia, até 50$000 (cinquenta
mil-réis), por semana, aos juros de cinco por
cento (ao ano). O Monte de Socorro empresta
quantias de 5$000 (cinco mil-réis) até 100$000
(cem mil-réis) sobre penhores de ouro, prata ou
diamantes, ao juro de um por cento (1%) ao ués'
Corno o próprio anúncio revela, a Caixa
Econômica de Pernambuco abrira as portas no
dia 2 de junho de 1877. O sobrado localizado
no número 48 da rua do Comércio pertencia
ao comendador João Inácio de Medeiros
Rego, que no dia 15 de maio anterior fora % .0 -;u_—
nomeado presidente do Conselho Fiscal da
 50 CAIXA L\[HJI.\I
ABAIXO - A CAMINHO DA ROÇA
Gravura de Victor Frond, 1861.
Colcçso d loé GiMidli,,
P. 51- A LIBERDADE TEM UM PREÇO
Reprodução do texto grafado na caderneta
da escrava Joana eni 1887. O original se
enconti-a no Museu da Caixa em Brasília.
A Caixa e os escravos
E m março de 1861, dois meses após a
assinatura do decreto que criou a Caixa
Econômica da Corte, estreou no Rio de Janeiro
a peça Mãe, de José de Alencar (1829-1877). O
enredo era melodramático: im jovem senhor
herda e a seguir vende a mãe escrava sem
sabê-lo, descobrindo o parentesco apenas no
Último ato, que termina com o suicídio dela.
Embora José de Alencar fosse um
deputado conservador, conhecido por posiçÕes
retrógradas e escravagistas (ao contrário opi
e homónimo, que sempre se batera por cailsas
liberais), viu-se compelido a entronizar em seu
drama a tigilra de Joana, a cativa que se imola
pelo filho. Vinte e sete anos antes da Lei Áurea,
tema da escravidão já polarizava a sociedade
brasileira e era assunto em todas as rodas.
Mas não teria sido preciso carregar tanto
nas cores, como fez José de Alencar na sua peça
A própria realidade fornecia material de alta
voltagem dramática. Basta um Único exemplo:
assinado em maio de 1887 por urna escrava -
coincidentemente chamada Joana -, um recibo
emitido pela Caixa Econômica rezava:
"Cedo e transpasso o direito que tenho na
presente caderneta ao senhor tenente José da Silva
Rondon por haver do mesmo recebido minha
liberdade, pela quantia de 600 mil-réis, preço por
que fui alforriada"
Difícil imaginar situação mais comovente: uma
mulher nascida escrava em Mato Grosso, em algum
momento da década de 1840, consegue comprar
a liberdade graças a sua caderneta de poupança,
pagando a seu senhor 565 mil-réis (quantia 56 vezes
superior ao depósito feito pelo primeiro cliente da
Caixa, António Álvares Pereira Coruja). Um alio
depois, é decretada a abolição da escravatura...
É compreensível que relatos sobre a história
da Caixa concedam especial relevo às poupanças
abertas por escravos 011 por seus senhores
destinadas à compra da carta de alforria. Desdc
início, -a prática fez parte do cotidiano da Caixa
da Corte. lhnto é que, já em 16 de novembro de
1861, 12 dias depois de a instituição ter iniciado
suas operações, Margarida l,uíza, escrava de
Joaquim José Madeira, abriu a caderneta de
poupança li 0 59 da história da Caixa. Ela a
encerrou três anos mais tarde, no dia 5 de janeiro
 CAIXA: 150 ANOS DE UMA HISTÓRIA BRASILEIRA 51

de 1865, retirando os 353.542 réis (3535542)

com os quais comprou a carta de alforria.
Cerca de dez dias depois de Margarida
Luíza ter iniciado sua poupança, foi a vez
de Felipa Nery, uma "liberta"- ou seja,
ex-escrava - abrir a caderneta n° 75 em nome
de sua filha, Felismina, de apenas dois anos. Ao
contrário da mãe, a menina continuava sendo
propriedade de um certo Antonio Fernandes.
Em 14 de maio de 1866, um escravo de nome
Gil também abriu urna caderneta, de número 7.327.
É provável que centenas de outros cativos tenham
feito o mesmo, embora os documentos originais
não tenham sido preservados: a maior parte deve ter
sido queimada pelo governo republicano durante
aquela espécie de auto de fé que selou a campanha
abolicionista no Brasil. O dinheiro, como se vê, poderia ser fazer era tentar espichar o preço'! comenta Sidney
De todo modo, aquelas primeiras cadernetas proveniente de doações, legados e heranças. Como Chalhoud em Visões da Liberdade - Uma História
constituíam uma exceção e não a regra. Foi somente tais ocorrências com certeza eram raríssimas na das íJlti?nas Décadas da Escravidão na Corte.
a partir da assinatura da Lei n° 2.040 - conhecida 'ida dos escravos— o que poderiam eles herdar, e de "No caso de senhor e escravo não chegarem a um
como 1,ei do Ventre l.ivre -, aprovada em meio a quem? Quem lhes doaria algo? -, os pecúlios eram, acordo, o valor da indenização seria determinado
grandes controvérsias, em 2$ de setembro de 1871, na absoluta maioria dos casos, fruto do próprio em arbitramento judicial", completa Chalhoud.
que o governo imperial autorizou os escravos a trabalho, realizado em breves horas vagas. A fonte Mas a aprovação da lei, por mais cauteloso
abrirem um pecúlio cuíos fundos poderiam ser de renda dos cativos se resumia, em geral, à venda que fosse seu texto final, seria precedida por
usados na compra da carta de alforria. de produtos nas ruas das cidades. ataques furibundos da bancada conservadora.
O projeto de lei enviado pelo governo No entanto, como deixavam claro as emendas l'cdro de Araújo Lima, o marquês de Olind-a, cujo
à Câmara dos Deputados estabelecia em seu parlamentares incluídas no texto da lei ao longo reacion-arismo irritava até O. Pedro II, disparou: "As
artigo 4°: "É permitido ao escravo a formação dos fervorosos debates no Congresso, os escravos alforrias forçadas não terão outro resultado senão
de um pecúlio com o que lhe provier de doações, só poderiam trabalhar com "o consentimento fazer perder aos senhores toda a força moral perante
legados e heranças que lhe aconteçam, ou do senhor'! Os cativos que obtinham permissão os escravos... Voto contra tudo!"
com o que, por consentimento do senhor, para trabalhar em atividades que auferissem
obtiver de seu trabalho e eco,iomias' renda para seus senhores e para si mesmos Foi justamente para disciplinar o que
O parágrafo 20 do mesmo artigo eraainda eram chamados de "escravos de ganho'! fora previsto em lei que Surgiu o Decreto n°
mais direto: "O escravo que, por meio de seu pecúlio, As disposições asseguravam que qualquer 5.153, assinado em 13 de novembro de 1872,
ou por liberalidade de outrem, ou por contrato de escravo que conseguisse obter dinheiro suficiente determinando à Caixa Econômica a obrigatoriedade
prestação de futuros serviços, obtiver meios para para pagar seu preço e indenizar seu senhor teria de aceitar depósitos dos escravos, o que passou
indenização de seu valom; terá direito à alforria'! direito à liberdade. "Tudo o que o senhor poderia a ocorrer primeiro na Corte e a seguir nas várias
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COM GA1tAT1A DO GOVERNO IMPERIAL
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54 CAIXA 1 NII'ERIAL

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províncias que, a partir de 1875, começaram a ao instituidor, no ato de estabelecer a caderneta,

CRIOULO FUGIDO. contar com uma agência da instituição. A Caixa que não poderá ser retirada quantia alguma sem
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- escravos constava o nome do senhor. A conta de um
Al-do fuçkIo, desde o dia 18 de Oulofle, de ISM, o
,ioravoer vou, de ,u*ule
FORTI N.tTO.
de t)ruiIl000 Role, do lodo rojo fofo dejlre,r_s,ua
inale. Com pelIca e,' oeoIluu,ua barlio, baixa r000rçodo,
epiradodelonugas qIo-le,elinilejieo0ooi3O.
,aeI,oio. 1001 eju0000dje. roliO upeeladoe 10'1' O LI0eo
Cheio II bonde poro u clix-, 00011000 ão 00000 alojar
alçodo Iflhjlojaudo-oo forro. edjo,,,d o,louna,_o,
PorIot,lgIaLjjjwa do Silo,. Salw roojoliar
CRIOULO FUGIDO
Cartaz oferecendo recompensa de 50 mil-réis pela
captura de um escravo fugido, de nome Fortunato,
publicado no Rio de Janeiro, em 1854.
Biblioleca Nocional, Rio de Jooj,iro,
emitia urna caderneta de controle de depósitos e
retiradas, como o fazia no caso do depositante de
condição livre. A diferença é que na caderneta dos
escravo, incluída na lógica vertical de urna sociedade
escravocrata, só podia ser aberta com a autorização
de seu dono, precedida por uma autorização do
Juízo de Órfãos, o órgão governamental ao qual os
escravos estavam submetidos.
O assunto continuou gerando polêmica. Tanto
é que, -ao ser consultado por senhores de escravos que
qrleriarn abrir poupanças para seus cativos, o então
gerente da recém-inaugurada Caixa de São Paulo,
Domingos de MeIo Loureiro, ainda desconhecendo o
procedimento padrão, julgou mais prudente repassar
a questão para a direção da Caixa da Corte. Em
ofício datado de 18 de setembro de 1875, Loureiro
informou ao primeiro presidente da Caixa paulista,
Clemente Falcão Filho, o resultado da consulta:
"Vários senhores e possuidores de escravos
desejam recolher na Caixa Econômica o pecúlio
competente alvará do Juízo de Órfãos, o qual
deverá ser requerido pelo senhor do instituido.
"Sendo esta a prática estabelecida na Caixa
Econômica da Corte para com a entrada do pecúlio
dos escravos, VOU com apresente exposição solicitar
ao esclarecido juízo de VSa. ldnla resolução definitiva
a respeito, a fim de servir ela de regra na Caixa
Econômica desta província"
Clemente Falcão determinou então que fosse
adotado em São Paulo o rnenio procedimento
da Caixa da Corte. A partir daí, os senhores
começaram a abrir poupanças para seus escravos.
Conforme consta nos arquivos da Caixa de São
Paulo, a primeira poupança de um cativo foi aberta
pelo monsenhor Joaquim Manuel de Andrade em
favor do "Negro Judas, de 54 anos' Essa caderneta
está preservada no Museu da Caixa.
Em 25 de junho de 1883, o então ministro
da Fazenda, Lafaiete Rodrigues Pereira, alarmado
com vários casos que caracterizavam desleixo ou

destes, independentemen te da autorização do Juízo deliberado descuido, emitiu um alerta aos Juízos de
P. 52 E 53-POUPANÇA E ALFORRIA
Diversas cadernetas de escravos usadas de Órfãos, regida pelo regulamento que baixou com Órfbos admoestando-lhes para que, sempre que lhes
para comprar a liberdade.
Acervo da Cdi ou nos museus de Brasília, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo
Decrelo n° 5.594, de 18 de abril de 1874, artigo 11, fossem entregues os pecúlios, tratassem de depositá-

P. 55-COZINHA NA ROÇA
isto porque, segundo dizem eles, não tem semelhante
Gravura de VictorFrond, 1861. exigência outro mérito ,?ais do que criar delongas e
Coleção de José e Cciii M ind liii
dificuldades bem conhecidas.
"Apesar de ser o referido artigo 11 bastante
claro e terminante, pareceu-me conveniente
consultar ao gerente da Caixa Econômica da Corte
sobre o modo pró tico ali estabelecido em tais casos.
Em solução foi-me respondido pelo respectivo chefe
da escrituração que, no intuito de facilitar a entrada
do pecúlio dos escravos para a dita Caixa, tem-se ali
adnlltido que, independentemente da autorização do
Juízo de Órfãos, o senhor ou possuidor de escravos
institua caderneta para estes, declarando no segundo
caso a quem eles pertencem, observando-se porém
los "com toda a brevidade" nas Caixas Econômicas,
"a fim de lhes assegurarem o juro de 5%, pois que
as quantias que ficam recolhidas nos Cartórios
dos Juízos de Órfãos, sem vencer/tIros, retardam
a liberdade do escravo ( ... ), o que é contrário ao
pensamento da Lei de 28 de setembro de 1871 e
prejudica, assim, o findo de emancipação'
Apesar de as contas dos escravos serem
motivo de orgulho para a Caixa Econômica,
há controvérsias sobre a real motivação dos
senhores. A a)erlura de cadernetas muitas
vezes era mais uma estratégia do que um ato de
generosidade. Mediante a promessa de poder
comprar a própria liberdade, os cativos ficavam
 CAlXA:l5U\\u [)L LI.\ lIIIOIIA uu\II 1 11, \ 55

mais dóceis, menos propensos a participar de do livro número 5. Naquele dia, ela depositou crioula escrava' o "cabra" Valeriano, a "liberta" Eva e

rebeliões e empreender planos de fuga que 50 mil-réis. Em 15 de fevereiro, mais 50 mil-réis, já citado "negro Judas". Em seu silêncio eloquente,

poderiam comprometer a obtenção pacífica e seguidos por um terceiro depósito de igual valor aqueles frágeis pedaços de papel registram uma

supostameflte garantida da carta de alforria. no dia 20 daquele mês. Seis meses depois, em 11 história de dor, superação e dignidade. Contemplá-

Escravos casados, além de obter vantagens dentro de setembro, ela colocou apenas dez mil-réis na los equivale - quando não suplanta - à leitura de

da senzala em razão da necessidade de prover a conta. Mais de um ano se passou até que em 12 qualquer estudo sobre o horror da escravidão.

mulher e os filhos, também encontravam melhores de outubro de 1885 ela dispusesse de 40 mil-réis. Graças a tais documentos, que constituem

condições e maior motivação para a realização Foi preciso esperar por 1886 para que, nos dias 18 alguns dos poucos registros sobre a escravatura

de uma poupança que, algum dia, poderia servir e 31 de maio, Joana depositasse respectivarnente no Brasil, o Museu da Caixa foi incluído no Guia

para comprar a liberdade de toda a família. 30 mil-réis e 20 mil-réis, encerrando os depósitos Brasileiro de Fontes para a História da África,

Havia, contudo, quem abrisse poupanças daquela temporada em 6 de dezembro, quando da Escravidão Negra e do Negro na Sociedade

para seus escravos porque, numa lógica um mais 50 mil-réis entraram na caderneta. Então, Atual, publicação patrocinada pela Unesco e pelo

tanto cínica, queria mesmo dar-lhes a liberdade, a 25 de maio de 1887, sabe-se lá de que forma e Conselho Internacional dos Arquivos como parte

mas não estava disposto a fazê-lo de graça. com quanto esforço, a escrava conseguiu colocar de um programa de abrangência mundial. Cerca de

Especialmente porque a cada dia ganhava força 265 mil-réis em sua poupança - perfazendo os 600 60 das 85 cadernetas vieram de Cuiabá, em Mato

movimento abolicionista. A abertura de mil-réis que, naquele mesmo dia, lhe pagaram a Grosso, onde pesquisas feitas no Cartório do 20
uma poupança lhes proporcionaria, portanto, liberdade. Como poderia Joana imaginar que, dali Ofício de Registro de Imóveis acabaram indicando

alguma capitalização por ocasião da alforria. a 350 dias, com a abolição da escravatura, ela teria que, além de Joana, pelo menos outro escravo, de

Foi justamente esse o caso que, obtido de graça o que tanto lhe custara comprar? nome Clementino, conseguiu comprar sua carta de

deliberadamente ou não, acabou favorecendo o alforria mediante a entrega dos direitos sobre sua

tenente José da Silva Rondon - tanto quanto há O Museu da Caixa em Brasília possui 85 caderneta para seu senhor. l)eixou, portanto, de ser

de ter amargurado sua escrava Joana. No dia 23 de cadernetas de poupança de escravos entre elas a servo ao quitar uma dívida cujo valor era o preço

janeiro de 1884, Joana, com a devida autorização da desafortunada Joana e as de outros cativos sobre dele próprio - uma funesta lembrança dos tempos

do Juízo de Úrfãos de Mato Grosso, abriu uma os quais virtualmente nada se sabe, além de seus tenebrosamente longos durante os quais, no Brasil,

caderneta de poupança, registrada na folha 129 nomes sem sobrenome: "Lourença, liberta' "Anua, seres humanos podiam ser comprados e vendidos.
 56 CAIXA IMPERIAL

A abolição da escravatura

lei tinha apenas dois artigos. Fora redigida por

O SENHOR E OS HOMENS DE SUA PROPRIEDADE
Fologralia de Mi/dão Auçusto de Azevedo, e. 1870.
iliblionoca Nacional, li iodo
P. 57-AGORA SIM
Eriq neta para tecidos, de Saiu icei, Iriiiã os & Cio, /888.
Arquivo Nacional. Rio clv lanciro
A antes de alterar sua ordem económica e social
LXum calígrafo famoso em pergaminho finíssimo.
A princesa assinou-a com uma pena de ouro
cravejada de brilhantes, adquirida por subscrição
popular e usada naquela única vez. O artigo 1°
dizia:tt É declarada extinta a escravidão no Brasil' O
artigo 20 estabelecia: "Revogam-se as disposições em
contrário' Mas o radical despojamento do texto não
disfarçava - talvez até reforçasse - a complexidade
que antecedera (e sucederia) a Lei Áurea.
A luta pela abolição da escravatura no
Brasil - única nação independente que, quase
na aurora do século 20, ainda possuía escravos -
fora a mais longa, intrincada e tortuosa de todas
as campanhas sociais e lutas populares jamais
realizadas no país. Tinha durado 80 anos, ao longo
dos quais cerca de 1,5 milhão de escravos entraram
no país (pelo menos 700 mil deles de modo
ilegal) e envolvera toda a nação, desvendando-
lhe as incertezas, as omissões, os descarninhos.
É. evidente que a simples assinatura da princesa
Isabel em um pergaminho rebuscado, libertando, a
partir daquela data, os 723.719 escravos oficialmente
existentes no país, não resolveria a questão como
num passe de mágica. Três séculos de escravidão
(durante os quais mais de 4,5 milhões de escravos
haviam sido trazidos para o Brasil) não seriam
apagados por um mero rabisco num papel, por mais
sucinto, requintado e direto que fosse o texto.
O espelho da historiografia costuma refletir
imagens côncavas e convexas. Mas, para além de
todas as interpretações já feitas sobre o processo
abolicionista, a imagem real em frente do espelho
parece revelar uma nação rude, dividida, de espírito
escravista e antilegalista, que relutou ao máximo
baseada na exploração do trabalho escravo. Uma
nação que, às três horas e 15 minutos de urna tarde
ensolarada de domingo, 13 de maio de 1888, não
apenas não se livraria de seu passado tenebroso
como, ainda hoje, parece incapaz de lidar com ele.
A canipanha pela libertação dos escravos no
Brasil tomou corpo 15 anos antes da criação da Caixa
Econômica da Corte - e foi deflagrada por pressões
feitas pelos ingleses, para quem a escravidão deixara
de ser lucrativa. O processo se precipitou com a
assinatura, em agosto de 1845, do Bili Aberdeen,
decreto com o qual a Inglaterra se autoconcedeu
direito de apreender navios negreiros e julgar
seus comandantes, mesmo em águas territoriais
brasileiras. De imediato, o decreto provocou o
aumento do tráfico e do preço dos escravos: só no
ano seguinte à sua promulgação entraram no Brasil
50 mil novos escravos. Três anos depois, o número
chegou a 60 mil, apesar de dezenas de incidentes
envolvendo a armada inglesa e OS navios negreiros.
O auge da pressão deu-se em março de
1850, quando o primeiro-ministro inglês William
Gladstone ameaçou fazer o Brasil cumprir os tratados
"à ponta da espada, pela guerra até o extermínio"
Diante da gravidade da situação, o país finalmente
aprovou, em 4 de setembro de 1850, a Lei Euséhio de
Q ueirós, proibindo oficialmente o tráfico de escravos.
O Império levaria mais 21 anos para dar o
próximo PSSO no caminho da abolição. Em 27 de
maio de 1871,0 gabinete conservador liderado pelo
visconde do Rio Branco apresentou ao Congresso
projeto de lei n° 2.040. A chamada Lei do \'ntre
Livre foi aprovada em 28 de setembro do mesmo
ano. 0 texto rezava: "Os filhos da tnul/ier escrava

que nascerem no Império desde a data desta lei
serão considerados de condição livre. Os ditos filhos
menores ficarão em poder e sob a autoridade dos
senhores de suas mães, os quais terão obrigação
de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos
completos. Chegando o filho da escrava a esta
idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber
do Estado a indenização de 600$000 (seiscentos
mil-réis), ou de utilizar-se dos serviços do menor
até a idade de 21 anos completos. Qualquer desses
menores poderá remir-se do ônus de servir, mediante
prévia indenização pecuniária, que por si ou por
outrem ofereça ao senhor de sua mãe ( ... )"
Naquele momento, o Brasil tinha oticialmente
1,2 milhão de escravos. Embora tenha arrancado
a bandeira aholicjonista das mãos dos liberais,
bloqueando ações mais efetivas pelos 13 anos
seguintes, a Lei do Ventre Livre, ao prever a concessão
de liberdade ao escravo por meio da formação de
um pecúlio, estabeleceu uma conexão entre a Caixa
Económica e o início do fim da escravatura.
A próxima lei sobre os escravos tardaria uma
década e meia antes de ser assinada. Foi a Lei dos
Sexagenários, cujo objetivo era a libertação dos cativos
com mais de 60 anos de idade. Promulgada em 28
de setembro de 1883, a Lei dos Sexagenários, ou Lei
Saraiva-Cotegipe, de número 3.270, regulamentava
"a extinção gradual do elemento servil'
A lei determinou ainda a realização de um
recadastramento de todos os escravos do Império,
com nome, idade, sexo, filiação, ocupação e preço,
calculado de acordo com a seguinte tabela: escravos
menores de 30 anos valiam 900 mil-réis; entre 30
e 40 anos, 800 mil-réis; entre 40 e 50 anos, 600
mil-réis; entre 50 e 53 anos, 400 mil-réis, e entre
CAIXA: 150 A\OS nc
33 e 60 anos, 200 mil-réis, Os preços das mulheres
seguiam a tabela, mas com 25% de desconto.
Quem não cadastrasse seus cativos perderia
direito sobre eles, que seriam considerados livres
para todos os efeitos. Os matriculados poderiam ser
libertados mediante indenização. O valor original
constante na tabela sofreria depreciações anuais, de
2% no primeiro ano até 12% no décimo primeiro.
Após esse período, o escravo mudava de faixa.
Apesar de ter provocado calorosas discussões,
como tudo que envolvia o tema, a lei não teve,
ao menos em seu objetivo central, um grande
efeito prático. Dadas as péssimas condições de
vida, o trabalho árduo e os maus tratos, os cativos
encontravam dificuldades em alcançar aquela idade, e,
quando logravam consegui-lo, tinham uma saúde tão
precária que, cinismos à parte, era-lhes mesmo muito
difícil sobreviver sem a guarida de seu senhor. Mas a
Lei Saraiva-Cotegipe proporcionou avanços indiretos
e também impulsionou a abertura de cadernetas de
poupança de escravos na Caixa Econômica
UA HiSTORIA BRASILEIRA 57
O ano seguinte, 1888, marcou, como já se
viu, o fim de séculos de escravidão no Brasil. A
libertação total dos cativos faria a monarquia
perder o apoio da aristocracia rural, o que abriu
caminho para o golpe republicano, perpetrado no
ano seguinte. Dois anos depois da abolição, em
1890, Rui Barbosa, então ministro da Fazenda,
determinou aos órgãos de sua pasta que todos os
registros sobre escravos fossem encaminhados ao
Rio de Janeiro, onde seriam queimados.
A medida se destinava, principalmente, a livrar
governo das indenizações que poderia ter de pagar
aos ex-senhores de escravos. Mas o ministro também
achava que a queima dos arquivos faria o país apagar
mais rapidamente aquela mancha vergonhosa que
perdurara por mais de 300 anos:
"Considerando que a nação brasileira, pelo
mais sublime lance de sua evolução histórica,
eliminou do solo da pátria a escravidão - a
instituição funestíssima que por tantos anos
paralisou o desenvolvimento da sociedade,
infeccionou-lhe a atmosfera moral;
"Considerando que a República está
obrigada a destruir esses vestígios por honra da
pátria, e em homenagem aos nossos deveres de
fraternidade e solidariedade para com a grande
massa de cidadãos que pela abolição do elemento
servil entraram na comunhão brasileira"
O Hino da Proclamação da República, de
Medeiros de Albuquerque, que contém a célebre frase
"Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós", inclui
um trecho que resume tal pensamento: "Nem cremos
que escravos outrora tenha havido em tão nobre país".
O "nobre país" fora a última nação do Ocidente
a abolir "a instituição funestíssima" da escravidão.
LUTAS DO POVO BRASILEIRO

O QUILOMBO DOS PALMARES

e todas as lutas contra a escravidão no Brasil nenhuma foi mais
emblemática, duradoura e mitológica do que a travada pelos habitantes
do quilombo dos Palmares, como se denominava o conjunto de doze
mocambos erguidos no início do século 17, na serra da Barriga, em
Alagoas a 90 quilômetros de Maceió. Ainda assim, passados mais de três séculos
da epopeia, sua história permanece repleta de lacunas, envolta em penumbra e
mistificações. Seu próprio líder, Zumbi, virou figura mais mitológica do que histórica.
A partir de 1991, porém, um programa de escavações arqueológicas -
financiado por entidades internacionais, entre as quais a norte-americana
National Geographic e com eventual apoio da Caixa - foi desenvolvido no
mocambo do Macaco, a "capital" dos Palmares, ajudando a elucidar pelo menos
em parte um episódio que já foi interpretado sob diversos pontos de vista.
Ironicamente, Palmares entrou para a história pelas mãos de um rico
senhor de engenho, Sebastião da Rocha Pita, que em 1724, em sua História
da América Portuguesa, "celebrou o fim tão útil como glorioso (da) guerra
que fizemos aos negros dos Palmares". As poucas fontes originais relatando a
resistência épica e a trágica derrocada do quilombo foram redigidas pelas mesmas
miios que o destruíram. Nenhum combatente deixou seu relato pessoal.
A partir da década de 1950, a história dos Palmares começou a ser lida por uma
visão "de esquerda". Embora historiadores como Edison Carneiro e Décio Freitas tenham
publicado documentos inéditos, o velho quilombo de Zumbi continuou sendo utilizado
como símbolo e metáfora. A realidade - menos emblemática e glamourosa, mais efetiva e
complexa segue enterrada nas covas abertas na terra. Ainda assim, pode-se afIrmar que,
mais de 300 anos após a sua destruição, Palmares renasceu das próprias cinzas: atualmente,
transformada em parque e parcialmente reconstituída, a localidade mítica se tornou o
principal símbolo da resistência e dos movimentos negros e um ponto de peregrinação.
No seu auge, Palmares pode ter tido 20 mil habitantes e seis mil casas. O quilombo
começou a ser erguido em 1602 por quarenta escravos fugidos de engenhos em
Pernambuco. Como só foi destruído em fevereiro de 1694, sua existência prolongou-se
por didiase um século.
60 LI.'TAS DO POVO ORAS! LEIR()
ACIMA E ABAIXO -. NA SERRA DA BARRIGA
Erguido no topo da verdejante elevação da Serra da
Barni'a, o Qu ilo,nbo dos Palmares foi o principal centro
de resisténcia à escravidão no Brasil colô ia. Atualmente
local abriça uto par(Juc memorial onde algiunos das
,difo,coes oniçi, liisfoia,u 'i('stiIi)I,lOS ([. á)).
P. 58—/VMEI 1)05 I'AL\jARES
Õleo de A ,,tÔnio Pa n'eiras recria a iuiogenl do nuns
fiinioso liilcr da resisu.ncia negra no Brasil. "is
verdadeiras feições dc Zumbi não são conhecidas,
pois ele jamais foi retratado eu, uida.
' ...\:.L , I'.
O local escolhido para abrigar aquela
que já foi chamada de "'1 roia Ni Ocava
no cume da Serra da Barriga Mas a área de
iii fluência do qu ii ombo era muito maior:
espalhava-se por cerca de 200km2 , pelos atuais
estados de Pernambuco e Alagoas. Negros de
todos os grupos étnicos, e tanibém indígenas
e até brancos fora da lei, buscaram refúgio
em Si território No quilombo do Macaco,
com cerca de dois mil habitantes, viveram o
"rei" Ganga Zumba e Si sobrinho Zumbi,
De 1656 a 1678, o líder do quilombo
foi Ganga Zumba (ou "Grande Senhor"). Em
novembro de 1678, /,umba foi a Recife e lã firmou
tratado de paz com o governador Souza Castro:
si livres os negros nascidos em Palmares,
ao passo que os outros habitantes do qui lombo
deveriam ser entregues às autoridades. Zumbi
discordou do acordo, destituiu (',anga Zumba e
assumiu o movimento de resistência dus l-'almarcs.
Ao longo de sua luta quase secular,
Palmares foi atacado 25 vezes. As primeiras
expedições foram enviadas pelos holandeses em
1644 e 1645. Em 1692, II)omingos Jorge Velho,
bandeirante paulista, foi contratado para atacar
quilonibo. Palmares cai ri cm 6 de fevereiro
de 1694, mas Zumbi conseguiu escapar. Foi
morto por André Furtado Nlendonça quase
dois anos depois. Sua cabeça foi exposta eni
praça pública "para satisfazer os ofendidos e
justamente queixosos e aterrorizar os negros,
que o julgavam i mortal 7 Não se sabe exata mente
quem ZLImbi de fato foi, que feições tinha e como
se deram os evenlos que levaram à sua morte.
O mistério, no entanto, apenas adensou a aura
mítica que ainda cerca aquele que se tornou mm
maior símbolo da resistència negra no país que
recebeu o nlaior nó micro de escravos em toda
a história do Novo Mundo e que foi a última
nação do Ocidente a abolir a escravidão.
 CAIXA: 1 30 ANDS 1)0 UMA IIISI(IttA BItASIIFIRA 61

A "redescoberta" de Palmares se iniciou

no inicio da década de 1990, quando a Serra da

Barriga foi tombada como património histórico,

arqueológico, etnogrático e paisagístico. A seguir,

foi criado o Parque Memorial Quilombo dos

Palmares, onde foram reconstituidas várias casas

de barro e palha, supostamente similares às que

r.
eram habitadas pelos escravos fugidos e pelos :jjj4 .
Oti
Ira ç
homens livres nascidos lá. Visitado por milhares --
de turistas e militantes do movimento negro, o , A-

local emana uma magia transcendente, repleta

A Caixa está presente aqz em Palmares, tanto

na lotérica Zumbi dos Palmares, onde milhares de
apostadores fazem sua "fezinha" nas loterias da
Caixa (abaixo), quanto na agência principal, aberta
em novembro de 1978, atualmente com mais de
11 mil clientes e na qual 24 mil famílias recebem
o Bolsa-Família. A região de Palmares quase foi
destruída por uma enchente em 2010— e a Caixa
foi uma das instituições que mais liberou verbas
para a reconstrução do vale do Mundaú, onde ficam
Palmares e várias outras cidades alagoanas.

'-

de simbolismo e emoção. O poeta Jorge de I,ima,

natural da cidade de Palmares, escreveu os versos:

"Serra da Barriga!/ Barriga de negrainina! As

outras ,,;ontaní,as se cobrcin de ,meves,/ De noiva,

de iii, vens, de verde/ E iii, de Luanda, de panos-da-

costa,/ De argolas, de coo Ias, de q u iloniL'os/ Serra

da Barriga! Te vejo da casa em que il asci/ Que

medo do negro fujào..."

Em 21 de março de 1997, um decreto federal

reconheceu Zumbi como herói nacional.

62 CAIXA IMPERIAl,
O VELHO CONSELHEIRO
Foto de Tolentino por Henschel & Benque, final do
século 19, publicada aqui acima de sua assinatura.
Foro: Coleção particular, São Paulo
Asuinarura: Bibliorera Nacional, Rio de laneiro
A Era Tolentino
E mbora não seja difícil encontrar referências
a Antonio Nicolau Tolentino (1810-1888)
flOS documentos relativos aos anos inaugurais da
Caixa Econômica da Corte, menções ao seu nome
praticamente inexistem nos livros de história do
Brasil. O destaque dado ao papel de Tolentino
na estruturação da Caixa é mais do que justo: a
instituição deve muito ao seu trabalho metódico, à
sua visão prática e eficiente - em uma palavra, ao
seu tirocínio. Mas o conselheiro Tolentino fez muito
mais do que apenas redigir os primeiros regimentos
internos da Caixa, obter financiamento para a
construção de sua primeira sede própria e propor
uma série de modificações em suas leis e decretos.
Ele foi um dos mais eficazes burocratas do Segundo
Reinado: um homem respeitado tanto por liberais
quanto por conservadores (embora simpatizasse
com os últimos), um administrador eficiente, um
funcionário exemplar que dedicou 30 anos de sua
vida à carreira no Tésouro Nacional.
()anonimato no qual Tolentino se encontrava
submerso começou a ser dissipado há menos de
uma década graças a uma circunstância fortuita.
O conselheiro do Império que tantos serviços
prestou à nação, o contínuo de repartição que,
por obra do próprio esforço, tornou-se presidente
da província do Rio de Janeiro em 1856, o self-
made ,nan nascido num país de fortunas herdadas
ou escusas foi resgatado do esquecimento
simplesmente porque um dos mais luminosos
intelectuais do Brasil é seu descendente. Antonio
Nicolau Tolentino é bisavô de Antonio Candido, o
genial autor de Formação da Literatura Brasileira.
Dando início áquilo que poderia resultar
tão somente em um elogiável exercício de
devoção familiar, Candido dispôs-se a resgatar
a trajetória do parente injustamente olvidado.
Terminou produzindo um ensaio esclarecedor. Um
Funcionário da Monarquia é urna biografia que,
embora construída em traços ligeiros, preserva as
características que definem o trabalho de Antonio
Candido: a consistência, a leveza e a exatidão.
Redigido de modo intermitente entre 1975 e
1985, Um Funcionário da Monarquia manteve-se
inédito por quase duas décadas. Apenas em 2002,
por iniciativa da editora carioca Ouro sobre Azul,
livro acabou publicado. Graças ao apoio cultural
da estatal Petrobras, o texto ganhou urna edição
suntuosa, transformando-se em álbum de luxo, cuja
meticulosa pesquisa iconográfica convida o leitor
a um passeio pelas ruas e repartições do Rio de
Janeiro do Segundo Reinado.
Um Funcionário da Monarquia faz mais
do que apenas nos conduzir pelos meandros da
cidade: o livro também destrincha os desvãos
da burocracia imperial e, ao fazê-lo, desvenda as
tortuosas veredas do poder. Seu próprio subtítulo
aponta a trilha a ser seguida em meio a um
labirinto de ordens e contraordens, interesses
contrariados, desvios de rota (e de verbas),
desmandos, despropósitos e descaminhos: Um
Funcionário da Monarquia é, como propõe seu
autor, um Ensaio sobre o Segundo Escalão.
Não deixa de ser uma circunstância reveladora
fato de que um dos cargos de relevo ao qual
Antonio Nicolau Tolentino foi alçado, em 21 de
junho de 1861, foi o de membro do Conselho
Inspetor e Fiscal da Caixa Econômica da Corte.
A Caixa, convém lembrar, havia sido fundada
exatos cinco meses antes, em 21 de janeiro. No
dia 2 de março, a queda do gabinete presidido por
Angelo Muniz da Silva Ferraz colocou no poder
gabinete Caxias, cujo mentor era José Maria da
Silva Paranhos, futuro visconde do Rio Branco.
 CAIXA: 150 ANOS DE EMA HISTÕRIA BRASILEIRA 63

Nomeado ministro da Fazenda, Paranhos era amigo tão importante que a chamavam de "o sétimo

e admirador de Tolentino e provavelmente foi quem ministério" (e depois da criação da pasta da

o indicou para o posto na Caixa. Agricultura, em 1860, o "oitavo"). De todo modo,

Mas a primeira passagem de Tolentino Tolentino aceitou o cargo a contragosto, apenas

pela instituição - que uma década e meia mais para servir ao amigo Paranhos, pois, de acordo

tarde ele iria presidir por 13 anos— seria breve. com Antonio Candido, a Alfândega era "um antro

Tolentino entrou para o Conselho em 21 de junho, famoso de irregularidades e uma causa permanente

substituindo o visconde de Condeixas (nomeado de graves problemas para seus dirigentes'

presidente da província de Minas Gerais). Naquele Tão logo foi empossado, Tolentino pôde

mesmo dia, o comendador José de Araújo Coelho verificar "o descalabro da repartição, a inviabilidade

também entrava para o Conselho, na vaga aberta do regulamento em vigor (de 30 de setembro de

pelo barão de Mauá. Sendo, nas palavras de 1860, em mais um dos desdobramentos da Lei dos

Antonio Candido, "um burocrata predestinado' Entraves, de agosto daquele ano), a desídia e a

Tolentino foi encarregado de elaborar os modelos corrupção dos funcionários desonestos' Autorizado

de escrituração da instituição. No início de agosto, por Paranhos a tomar uma série de medidas

ao ser nomeado secretário do Conselho, ele já havia racionalizadoras e moralizadoras, "tentando pôr as

concluído aquele projeto. coisas em ordem sem violência nem precipitação,

Porém, no dia 17 de outubro (três semanas como era do seu feiticio, Tolentino, ainda assim,

antes da abertura oficial da Caixa), Tolentino envolveu-se em uma das polêmicas mais rumorosas

Comunicou seu afastamento aos demais membros de sua carreira, "uma encrenca tremenda, que

do Conselho: é que, 48 horas antes, fora nomeado rebentou logo depois da posse e quase levou por

inspetor da Alfândega da Corte. Tolentino foi água abaixo todo o seu lento esforço de vida".

substituído por José Joaquim de Lima e Silva Burocrata eficiente e discreto, Tolentino

Sobrinho, futuro conde de l'ocantins. Mas, antes trombou de frente com o ex-presidente do

que saísse, o presidente do Conselho, visconde Conselho de Ministros, ex-ministro da Fazenda,

de Alhuquerque, solicitou-lhe que redigisse o ex-inspetor da Alfândega e senador Angelo Muniz

regimento interno da Caixa. Tolentino aceitou a da Silva Ferraz - e, embora a razão estivesse

incumbência, e, no dia em que a instituição abriu com ele, a corda rompeu do lado mais fraco.

suas portas segunda-feira, 4 de novembro de 1861 O caso nasceu da apreensão, em novembro de

-, a papelada estava pronta. 1861, de um avultado contrabando de vinhos,

E espantoso que o conselheiro Tolentino cujo autor era o cônsul honorário do Peru,
tenha sido capaz de se desincumbir da tarefa com "comerciante inescrupuloso e contrabandista

tal rapidez. F.specialrnente porque a Alfândega, notório". A mercadoria foi apreendida, e a questão

para onde ele fora transferido, era a mais vasta e possivelmente se teria encerrado em breve, não

complexa das repartições do Ministério da Fazenda. tivesse o corrupto diplomata contratado como IMORTALIZADO EM BRONZE

advogado o ex-ministro Ferraz. O processo que se Busto de Antonio Nicolau Tolentino, feito
Com centenas de funcionários, configurava
por Francisco Chaves Pinheiro em 1877.
uma das maiores fontes de renda do Império, seguiu foi longo e explosivo, ganhou as páginas dos Mas,,, 1). IaM VI, pado da raioria da UFRI, Riode Jaa,iro
 64 CAIXA lPIRIAI,
jornais e... terminou Com a injusta demissão de
Tolentino, em novembro de 1862.
Então, pelos dez longos anos seguintes,
Antonio Nicolau foi jogado no ostracismo, não
mais recebendo honrarias, cargos ou comissões.
Como as desgraças geralmente não andam
desacompanhadas, em novembro de 1864 ele
perdeu bastante dinheiro na falência da Casa
Souto, de onde, apesar de advertido, não quisera
retirá-lo por solidariedade ao proprietário, seu
amigo e ex-colega no Conselho da Caixa.
Somente a partir de março de 1871 a sorte
voltou a sorrir para Tolentino. No dia 7 daquele mês,
amigo Paranhos, já então visconde do Rio Branco,
assumiu a presidência do Conselho dos Ministros.
Não pode ser mera coincidência o fato de, a 16 de
outubro de 1871, Tolentino ter voltado ao Conselho
A MARCA DO CONSELHEIRO
Monograma de Antonio Nicolau Tolentino.
Bibliooc Nacional, Rio do lanoiro
Inspetor e Fiscal da Caixa Econômica da Corte.
() gabinete Rio Branco caiu em junho de
1875 e foi substituído, no dia 25 daquele mês,
pelo gabinete presidido pelo duque de Caxias -
também amigo e admirador de Tolentino. Devem
ter sido essas as circunstâncias que fizeram com
que Antonio Nicolau se tornasse, a 27 de novembro
de 1875, o sétimo presidente da Caixa Econômica.
Aquele era até então um cargo de alta rotatividade:
apenas o antecessor de Tolentino, José de Araújo
Ribeiro, o visconde de Rio Grande, havia se
mantido no posto por um período superior a
uni alio (o visconde presidiu a Caixa de 15 de
maio de 1869 a 26 de novembro de 1875).
Mas lolentino não era homem de usar
cargos públicos como "uni encosto secundário' ao
feitio de muitos políticos de hoje e de então. Com
energia inquebrantável e eficiência metódica, ele
costumava, nas palavras de seu ilustre biógrafo,
"projetar-se para fora do limite apertado das
repartições' E foi exatamente o que fez à frente da
Caixa, em cuja presidência permaneceu ao longo
de 13 anos, até sua morte, em junho de 1888.
Antonio Tolentino fez muito pela Caixa.
Supõe-se que o Decreto n° 5.594, de 1874, que
determinou a criação da instituição nas demais
províncias do Império, tenha sido elaborado
por ele, embora assinado por Paranhos. Seu
papel renovador ficaria ainda mais claro a partir
de outubro de 1881, qilaliclo o então ministro
da Fazenda e presidente do Conselho, José
Antônio Saraiva, nomeou uma comissão para
"estudar novos meios de melhorar e aumentar
a atuação das Caixas". O grupo, altamente
qualificado, era constituído por Tolentino,
seu antigo colega no Tesouro Nacional João
Cardoso de Meneses e Sousa (futuro barão de
Paranapiacaba), Antônio Luís Fernandes da
Cunha e Jacinto Vieira do Couto Soares.
Em 21 de agosto, a comissão apresentou ao
novo presidente do Conselho, visconde de Paranaguá,
um elaborado parecer, do qual Tolentino foi com
certeza o relator, como se verifica não apenas porque
assina em primeiro lugar, mas também porque, como
diagnosticou Antonio Candido, "são inconfundíveis
a redação elaborada e clara dos períodos longos,
tom sentencioso e a inclinação, muito dele, de
levar tudo para o terreno da discussão moral'
`4 introdução de corte doutrinário' analisa
Candido, "repousa sobre uma antinornia, à luz da
qual (Tolentino) procura caracterizar o brasileiro.
De um lado está a poupança, que é ofundamento
das Caixas e exerce papel 'regenerador sobre
certas classes sociais pois onde elas prosperam
diminuem os crimes e os vícios. De outro
lado está a miragem de 'riqueza instantânea
representada pelo amor ao jogo e concretizada
na 'cancerosa enfermidade das loterins, que vai
fundamentalmente gangrenando o corpo sociaiY'
"Em verdade, parece incompatível a coexisténcia
das Caixas Econômicas e das loterias' conclui o
relatório assinado por 'l'olentino. "São duas entidades
repelentes e antagónicas entre si, e, no embate
deplorável da luta em que se agitam, vive uma à
custa dos despojos da outra." E assim, segundo as
conclusões do Parecer sobre as Caixas Econômicas
e Montes de Socorro apresentadas pela comissão
incumbida de verificar as causas de seu atraso e de
indicar as providências tendentes a desenvolver estas
instïtuições no Império (Rio, Tipografia Nacional,
1882), a única forma de afastar o brasileiro das
paixóes do jogo residia em estirnLllar o papel da
poupança, "uni elemento regenerador de seu caráter'
Que diria o velho conselheiro Tolentino se
soubesse que, 120 anos depois de seu julgamento,
as loterias não apenas são administradas pela
Caixa Econômica Federal, como constituem
um de seus mais sólidos esteios?
 CAIXA: 130 ft LM. [1 T (R1A IRÀIJLI 65

BUROCRATA EXEMPLAR
Litogravura de Tolentino feita porAugusto 0ff em 1877.
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
lis!' Id
!

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Ij.- ___________
- I

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A Caixa em casa própria
o dia 2 de junho de 1883, o presidente da
N Caixa Econômica e Monte de Socorro da
Corte, Antonio Nicolau Tolentino, abriu a reunião
do Conselho Fiscal da instituição anunciando-
se portador de notícias alvissareiras: acabara de
receber um convite do barão Nogueira da Gama,
mordomo da Casa Imperial, para comparecer ao
paço de São Cristóvão, onde lhe seria entregue
a escritura, assinada pelo imperador D. Pedro
II, de um terreno situado à rua 1). Manoel, e de
usufruto da Coroa, para a construção do novo
prédio da Caixa. Em outra reunião, em 4 de julho,
Tolentino foi novamente mensageiro de boas
novas: ele havia obtido do Tesouro Nacional 60
contos de réis para dar início à construção da
sede. Os demais conselheiros o ouviram com
alívio. Até então, a Caixa dependera dos favores da
Câmara dos Deputados, em cujas dependências
se instalara proviSoriamente havia 16 anos e das
quais fora insistentemente convidada a retirar-se.
iblentino foi autorizado pelo Conselho Fiscal
a receber propostas para a construção do prédio.
Entre oito empreiteiras candidatas ao trabalho,
venceu a de Antônio Alves Moreira do Couto,
que se dispôs a realizá-lo por 268 contos, o que
significa que Tolentino teve de visitar o mordomo
da Casa Imperial várias outras vezes em busca de
mais verbas. Uma reunião do Conselho inaugurou
a nova sede em 26 de janeiro de 1887. Lá, a Caixa
permaneceria por mais de nielo século.
Um relatório do então ministro da Fazenda,
Francisco Belizário de Sousa, que morreu dois anos
depois de o prédio da Caixa do Rio ficar pronto,
revela a atenção dedicada ao empreendimento.
"E assobradado, sendo a decoração dórico-
romana, tendo na fachada principal um corpo
central de estilo coríntio" escreveu 0 ministro.
CAIXA: 150 ANOS I)E C\IA HISTóRIA BRASILEIRA 67
Oconselheiro Tolentino, cujo empenho antiga sede de O Jornal, na rua 13 de Maio, 33-35.
e boas relaçôes na Casa Imperial haviam sido
fundamentais para que a Caixa da Corte tivesse
Foi uma mudança provisória, apenas enquanto
uma impressionante sede própria, localizada no
sua sede própria, resolvera não registrar o imóvel quarteirão formado pelas avenidas Rio Branco e
em nome da instituição, provavelmente movido Almirante Barroso, rua Bittencourt da Silva e largo da
por uma cautela excessiva, uma vez que o terreno Carioca, era construída segundo o projeto de Ortigão
fora doado por 1). Pedro 11 e as verbas fornecidas Tiedemann. Com 30 andares, 22 elevadores e 120
pela União. Em artigo publicado no jornal A mil metros quadrados, era, simplesmente, o "maior
Defesa, em 16 de janeiro de 1928, o economiário edifício da América do Sul' O prédio foi inaugurado
Ariovisto de Almeida Rego levantou a questão por parcial e simbolicamente no dia do centenário da
certo relevante, mas aparentemente surrealista: "De Caixa, em 4 de novembro de 1961. Quase meio
quem é o edifício da Caixa Econômica do Rio?" século depois, a Caixa continua instalada nesse
"Por que, funcionando em um belo e custoso mesmo prédio, no coração do Rio.
edifício que todos conhecem e cujo valor saberão
calcular, não figura, então, a Caixa Econômica
do Rio de janeiro, corno as suas congêneres, na 11
.a'.5 •J ?fr.
respectiva conta (de imóveis)?A esta pergunta, que
naturalmente fará quem tiver tomado a si o trabalho :1t-.:
de levantar o tal balanço, o seu próprio bom senso se
..z='•_.
encarregará de responder que o fato se explica por se
tratar de um prédio nacional. Se, porém, por espírito
de curiosidade, tomar a deliberação de ir procurar
cru outro relatório, em que figuram os bens imóveis
da União, passará, certamente, pelo dissabor de não
encontrar tanibém a menor referência ao citado
imóvel, cujo valor atual deve representar, eu tretan to,
urna cifra respeitável, por isso que se trata de um
edifício que, construído com a melhor cantaria, ocupa
uma área de 1.591 metros quadrados, em local que
cada vez mais se valoriza." O valorizado prédio que
sediou a Caixa jamais lhe viria a pertencer. Hoje ele é
ocupado pela Procuradoria Geral do Estado.
Durante 53 anos, a Caixa Econômica do Rio de
janeiro funcionou na sólida sede da rua 1). Manoel,
25. Mas, com o correr dos anos, "o velho casarão se
P. 66 E 67 A VELHA SEDE
tornou acanhado para abrigar os serviços centrais'
Primeira sede própria da Caixa Econômica da Corte,
Em julho de 1940, a Caixa se transferiu para a hoje ocupada pela Procuradoria Geral do Estado.
68 CAIXA IMPERIAL
A proclamação da República
N
ão houve um só tiro para mostrar que se
tratava de um golpe e não de uma mera
parada militar. Se ecoassem disparos (até houve
dois, mas ninguém os escutou), talvez aqueles
600 soldados percebessem que não estavam lá
para participar de um desfile, e Sim para derrubar
um regime. Na verdade, alguns dos militares de
alta patente ali presentes sabiam que estavam
tomando parte em uma quartelada. Mas mesmo
os que pensavam assim achavam que quem estava
sendo derrubado era o presidente do Conselho
de Ministros, visconde de Ouro Preto. Jamais
imperador 1). Pedro II - e muito menos a
monal-quia que ele representava.
Não é de estranhar a ignorância dos
soldados do 1° e do 3° Regimentos de Cavalaria
e do 90 Batalhão. Afinal, até poucas horas
antes, o próprio líder do levante se mostrava
indeciso. Mais-, estava doente, de cama, e só
chegou ao Campo de Santana, na zona central
do Rio de Janeiro, quando os canhões dos
insurretos já apontavam para o quartel. 'Iblvez
ele não tenha gritado o "Viva o imperador" que
alguns juraram ter ouvido. Mas com certeza
impediu que pelo menos um cadete berrasse
"Viva a República" - o grito que, supostanlente,
estava entalado em muitas gargantas.
A cena foi realmente bem estranha. Montado
em seu belo cavalo, o marechal Deodoro da
Fonseca desfilou longa lista de queixas, pessoais
e corporativas, contra o governo - o governo
do ministro Ouro Preto, não o do imperador.
O imperador - isso o rebelde fez questão de
deixar claro - era seu amigo pessoal: "Devo-lhe
favores' O Exército, porém, fora maltratado. Por
isso, derrubava-se o ministério. Difícil imaginar
que, naquele instante, Deodoro estivesse dando
um golpe, ainda mais um golpe republicano.
Afinal, além de legalista, o marechal sempre
fora monarquista. Ao seu lado estava o tenente-
coronel Benjaniin Constant, militar que odiava
andar fardado, não gostava de guerras nem de
armas e, até cinco anos antes, também falava
mal do regime republicano. Ambos, Deodoro
e Constant, contavam agora com o apoio de
republicanos civis. Mas não havia sinal de
"paisanos" por perto, eles apenas haviam
incentivado a aventura golpista dos dois militares.
O tato é que, naquele confuso alvorecer
de 15 de novembro de 1889, o ministro Ouro
Preto foi preso e todo o seu gabinete derrubado.
Mas ninguém teve coragem de flilar em
república. Apenas na calada da noite, quando
golpistas civis e militares se reuniram na casa
de Deodoro, foi que proclamaram, na surdina
e provisoriamente, o advento de uma i-epública
federativa. Provisoriamente, porque se aguardaria
"o pronunciamento definitivo da nação, livremente
expressado pelo sufrágio popular'
Por falar em vontade popular, por onde
andava o povo a todas essas? Bem, o povo
assistiu a tudo "bestializado, atônito, surpreso,
sem conhecer o que significava' de acordo com
depoimento do deputado Aristides Lobo,
testemunha ocular da história. Embora I,obo
tosse republicano convicto e membro do primeiro
ministério do novo governo, sua opinião tem
sido contestada por alguns historiadores (que
citam as várias revoltas populares ocorridas
naquele período como um indicativo do grau de
insatisfação com o regime imperial). De qualquer
forma, o Segundo Reinado, que havia começado
em 1840 com um golpe branco, terminava agora
com um golpe esmaecido. A monarquia não
caiu com um estrondo, mas com um suspiro.
E o plebiscito para referendar a República foi
convocado em 1993 -, com 104 anos de atraso.
Os dias imperiais do Brasil já haviam terminado.
Para a Caixa, como se verá, a República
não trouxe em princípio grandes modificações.
A instituição continuou subaproveitada, e apenas
a partir dos decretos assinados em 1913 é que a
Situação começaria a melhorar. Mas não restam
dúvidas de que, para seus antigos dirigentes e
para muitos dos poupadores, há de ter sido um
duro golpe ver o velho imperador zarpando para
um exílio sem volta. Porque, independentemente
de qualquer Outi'O julgamento histórico, ao fim
e ao cabo, o homem forçado a abrir mão da
coroa e a deixar o Brasil era também o homem
que havia fundado a Caixa Econômica.
P. 69-0 GRI'I'O QUE NÃO HOUVE
Quadro de Benedito Calixto reconstitui, modificando
a história real, o momento cru que o marechal Deodoro
proclamou a República no Brasil.
i'rcfcitura Municipal dc São Paulo
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CAIXA NA REPÚBLICA VELHA
1889 . 1930

meio à complexa fragilidade que jurídica da instituição, De Plácido e Silva observou,

111

caracterizou, o golpe republicano com propriedade: "Não foram as Caixas Econômicas

sem dúvida estabeleceu uma ruptura atingidas com o surto das novas conquistas, que

na história do Brasil, determinando remodelaram e trans formaram as demais instituições

início de uma nova era e apontando outros nacionais, para repiíblicanizá-las. Continuaram, de

rumos para o futuro da nação. Em vários sentidos, fato, iinperializadas, regidas que ficaram, por muito e

porém esse rompimento não foi tão radical muito tempo, pelas primitivas leis da monarquia'

quanto se supõe, e pode-se afirmar que, naquela Conforme De Plácido e Silva, "a não

ocasião (como em outras), o Brasil mudou ser por uma ou outra lei que apenas alterava

apenas para continuar igual. Os privilégios das ligeira disposiçao dos antigos regulamentos

elites e o domínio das oligarquias, por exemplo, ou tomava uma ou outra providéncia sem

mantiveram-se inalterados depois de 15 de relevância' a organi2ação das Caixas manteve-

novembro de 1889. Talvez por isso mesmo a ordem se quase iniutável até 15 de dezembro de 1915,

econômica republicana tenha conservado muito quando foi promulgado o Decreto n" 11.820.

da estrutura e dos objetivos da ordem economica O novo texto "revogou todas as disposições em

imperial. Não chega a ser surpresaS portanto, que, contrário para, somente ele, Com todas as suas

por mais de 15 anos, as Caixas Econômicas não disposições vigorantes servir de lei única'

tenham sofrido nenhuma modificação substancial, Considerando-se as atribulações que afligiram

permanecendo virtualmente sem transformações os primeiros anos da República, especialmente na

ao longo da primeira década e meia após a área econômica, é natural que o novo regime não

proclamação da República. tenha tido tempo, ánimo ou condições de alterar

lál situação já foi diagnosticada por um os estatutos e o modos operandi das Caixas. 1-lavia

dos maiores estudiosos da história das Caixas, o problemas financeiros mais sérios e mais urgentes

advogado De l'lácido e Silva, economiario e diretor para serem tratados. Nem mesmo o fato de os

da Caixa Econômica do Paraná, na qual ingressou depósitos das cadernetas terem sofrido queda
expressiva no primeiro ano da República provocou
em 1930. Autor de As Caixas Econômicas Federais,
um importante volume publicado em 1937, no alarme ou mudanças. Afinal, tal decréscimo -

qual compilou toda a legislação e transcreveu os quindo os fundos da Caixa do Rio caíram dos

principais decretos que definiram a personalidade 13 contos e 520.539 réis (13:5205539) de 1889
 72 CAIXA N.\ RII' lLIC\ \LIH\
P. 70- "PRUDENTE DEMAIS
Anverso da cédula de 200 mil-réis emitida em 1924 pelo
Tesouro Nacional, com a efígie de Prudente de Morais,
apelidado pelo povo de "prudente demais".
Museu de Valores do Banco Central do Brasil
P. 73-FEBRE ESPECULATIVA
Ilustração da capa do livro O Encilhamento, do visconde
de Taunay, originalmente publicado em junho de 1893.
Reprodução d0 livro da Edições Melhoramentos (Sã,, Paulo, 1931)
P. 74-A ÁGUIA DE HAIA
Anverso da cédula de dez mil cruzeiros, emitida em 1986.
Museu de Valores do Banco Central do Brasil
P. 75-ISENTA DE SELOS
Reprodução de anúncio publicado pela Caixa em 1905.
Museu da Caixa, Brasilia
para 11 contos e 499.120 réis (! 1499$ 120) em
1890 - foi considerado uma "consequência natural
da queda de um regime que imperara no Brasil
durante quase 70 anos" e que por cerca de três
décadas tinha sido a garantia mais sólida de que
aqueles depósitos eram seguros e resgatáveis. Como
se para comprovar que tal tese estava correta,
em 1891 os depósitos já tinham ascendido para
14: 163$762 (14 contos e 163.762 réis), conforme
dados coligidos pelo próprio De Plácido e Silva.
Para entender melhor a situação vivida pelas
Caixas nos primeiros anos da década de 1890, é
preciso recordar o contexto econômico no qual elas
se viram inseridas já nas semanas subsequentes ao
movimento militar de 15 de novembro. O ponto
mais relevante é que aqueles dias turbulentos foram
marcados pela continuidade do fervoroso debate
que, desde a promulgação da l,ei dos Entraves (em
agosto de 1860), colocara em polos diametralmente
opostos duas visões sobre os caminhos que
Brasil deveria seguir para incrementar seu
desenvolvimento económico. De um lado estavam
os chamados "papelistas", de tendência liberal; do
outro, os "metalistas", ortodoxos e conservadores.
O baiano Rui Barbosa (1849-1923),
primeiro ministro da Fazenda da República, era
"papelista", ou seja, a favor de constantes emissões
e contra a adoção do padrão-ouro. Para suprir
a óbvia necessidade de mais dinheiro (ou de
meio circulante), a pasta de Rui Barbosa criou,
em 17 de janeiro de 1890, uma nova lei bancária
autorizando a realização de emissões regionais.
Cabe lembrar que, desde 1860, tal prática era
de exclusividade do governo federal. Muitos
consideram o desenfreado "papelisnio" do ministro
principal responsável pelas turbulências dos anos
seguintes, especialmente aquelas que se deram
durante o período do chamado Encilhamento.
Independentemente de qualquer análise que
se possa fazer daquela determinação ministerial,
não restam dúvidas de que foi a excessiva (e, em
muitos casos, irresponsável) emissão realizada
por vários bancos durante o Encilhamento que
levou ao descontrole da inflação, desencadeando
a vertiginosa crise financeira que se seguiria. Por
outro lado, foi também por conta da mesma política
OS que a quantidade de dinheiro em circulação no
Brasil triplicou em dez anos.
As limitações impostas pela Lei dos Entraves
- a mesma que também havia lançado o embrião
da Caixa Econômica - já tinham começado a ser
derrubadas pela política financeira do último
ministro da Fazenda e último presidente do
Conselho de Ministros do governo imperial, o
visconde de Ouro Preto (1836-1912). Enquanto
fora possível, Ouro Preto tinha mantido o câmbio
acima do par, a tal ponto que "o povo reclamava do
peso das moedas em circulação, preferindo papel,
conversível a ouro, de igual para igual a esse ponto'
Mas em 24 de novembro de 1888, um ano
antes do golpe republicano, o gabinete Ouro Preto
decretara uma lei de reforma bancária e uma larga
concessão de crédito para compensar os ex-senhores
de escravos. Metade do dinheiro viria dos cofres
públicos e metade dos bancos. A medida não
ajudou em nada as instituições financeiras, mas
foi, literalmente, a salvação da lavoura para muitos
ex-escravistas. Não salvou, no entanto, os insolventes
cafeicultores do Vide do Paraíba. Ainda assim, não
deixa de ser uma ironia que a política de Rui Barbosa
nada mais tenha sido do que uma continuação das
determinações do ministro que Deodoro derrubou
na confusa quartelada de 15 de novembro de 1889.
E também não deixa de ser irônico que todas as
nefastas sequelas do Encilhamento continuem sendo
atribuidas aos supostos equívocos de Rui Barbosa.
 (AlXA:.

O Encilhamento

entre todos os deslizes da política ec000inica

brasileira, poucos foram Oo desastrosos
quanto O Lncilhameiito - como ticou conhecida a
série de decretos baixada por Rui Barbosa, ministro
da Fazenda do governo provisorio instaurado
pelo mai'eehal 1 )eodoro da Fonseca logo apos
o golpe rep 111)1 icano de novembro de 1889. Rui
era uni intelectual de pi- i meira grandeza, dono
de biblioteca formidóvel (a maior do país) e
principal responsóvel pela priilieira Constitu iço
i'epublicana, aprovada em 1891. (,omo economista,
poram, revelou-se uni completo fracasso.
Os problemas iniciaram-se em 17 de janeiro de
1890, com a assinatura do 1 )ecreto li ,> 165. Com ele, o
governo permitia que os bancos emitissem dinheiro
lasti-eado apenas por bonus governamentais e uSo
por lundos de reservas. 1)essa firma, foram lancad s
no mercado 45)) mil contos - o dobro da quantia
ent5o ciii eirculaçõo no pais. Na verdade, o decreto l)ai
baixado justamente para suprir a auséncia crônica de
meio circulante (quantidade de moeda em circulaçso
no país), deflagrando um novo rouund na luta entre
"papelistas" (favordveisa constantes emissões de papel-
moeda, nicsmo sem lastro) e "metalistas" (partidarios
da niaflutenÇüo do chamado "padr50-ouro`
Desde os últimos anos do Império era evidente
que nüo havia papel-moeda sri ficiente para suprir
as necessidades impostas pelo trabalho assalariado,
realizado por mais dc um niilh5o de escravos libertos
e imigrantes recém-chegados. Em tese, portanto,
a nova medida estava correta A questao é que o
1)ecreto n° 165 incentivava também a criaç5o de
sociedades anônimas e liberava o crédito, desfazendo
as limitações impostas pela Lei dos Entraves.
Surgiu, assim, a ideia de que a República seria o
"reino dos negõeios' Deseneadeou-se uma corrida
74 (;AIxA \.\kl .}'La] IL.\ \•FI II.\
A O1O9O8616 A c H
- governo retomou as rédeas do processo económico,
x DrusSic.rLCcm
desenfreada às bolsas de valores, e os bancos faziam
"chover dinheiro' como ironizavam os mordazes
caricaturistas da época.
Milhares de empresas — muitas delas fictícias
- foram criadas da noite para o dia. A especulação
atingiu níveis estratosléricos. A enlouquecida disputa
pela preferência dos investidoi-es nos pi-egões foi logo
identificada com o encilhaniento dos cavalos antes da
largada no hipódi-omo - instante no qual a atividade
dos apostadores se torna frenética. E a expressão
acabou batizando o "pacote'
Em menos de uni ano, o balão estourou.
Muitas ações não tinham lastro ou correspondência
monetária — eram títulos falsos de empresas
fhntasmas. No início de 1891, a crise começou: o
preço das ações despencou, a intiação e o custo
de vida dispararam, a falência atingiu iii ilhares de
empresas e bancos, o desemprego veio em massa,
valor da moeda brasileira ciii relação à libra
desabou. O projeto do industrialista Rui Barbosa
gerara unia febre especulativa extremamente nociva
à economia produtiva. Com o país mergulhado no
caos, o ministro se demitiu.
Desde o princípio - e por princípio - os
cafeicultores paulistas tinham sido contrários
ao decreto de Rui Barbosa. A medida, afinal,
(1:i
iO
\ emissão (e soltar as amarras da especulação), o
RUIBARBOSA
era parte de uma política industrialista que
visava diminuir a dependência do Brasil de
produtos vindos do mercado externo e, para os
cafeicultores, quanto mais importações, melhor.
l'ortanto, houve euforia entre as oligarquias
rurais quando Rui Barbosa deixou a Fazenda.
Mas a alegria durou pouco: o Encilhamento
deixou o Brasil pesadamente endividado. O país,
que devia 30 milhões de libras em 1890, já estava
devendo 44,2 milhões em 1900. Em 1913, a
dívida chegara a 144,3 milhões. Rodrigues Alves
e Bernardino de Campos, os dois ministros que
ocuparam a pasta da Fazenda durante o governo de
Prudente de Morais, deram início a uma política
"detlacionista' reduzindo a circulação da moeda
em todo o país e retomando o pagamento da
dívida externa. No governo seguinte, o de Campos
SalIes, o ministro Joaquim NIurtinho submeteria
país às agruras exigidas pelo fiinding Ioa,i, como
se chamou o enipréstinio liberado pela Inglaterra
para que o Brasil pudesse pagar — à própria
Inglaterra — os juros de empréstimos anteriores.
Como em todas as crises econômicas
e períodos de carestia, a Caixa Econômica
foi duramente afetada pelos desarranjos
provocados pelo F;ncilhamento.
A Era da Incerteza
Dois anos depois de Rui Barbosa liberar a
já que o país se encontrava mergulhado no caos.
O Banco da República do Brasil tornou-se outra
vez o único autorizado a emitir dinheiro. Em 1896,
a prerrogativa passou a ser do lesouro Nacional.
Mas a casa só começaria a ser arrumada no final
da década, quando Joaquim Murtinho, ministro da
Fazenda do governo Campos Salles (de 1898 a 1902),
lançou um pacote de medidas amargas que incluíam
a renegociação da dívida externa e o controle da
inflação. O pacote seria de certa forma exitoso, mas,
como efeito colateral, provocaria um período de
estagnação econômica e a quebradeira de empresas.
Na década de 1890, ocorreram também duas
grandes crises cambiais. As flutuações do preço do
café no mercado internacional contribuíram para
esse processo. A produção crescia vertiginosamente,
passando de 220 milhões de pés em 1890 para 520
milhões cm 1900. Enquanto os preços se niantinham
estáveis, o Brasil lucrava enormemente, mas, quando
excesso de oferta derrubava os preços e o governo
tinha de comprar o produto para regular o mercado,
fazia-o mediante empréstimos, o que provocava o
aumento da dívida externa.
O café não era o único culpado pelas crises
cambiais. A quebra da Casa Baring Brothers, de
Londres, e a moratória argentina também ajudaram
a derrubar o cámbio em 1891. Uni comentário dos
banqueiros Rothschild mostra a preocupação com o
efeito dominó na região: "0 desafortunado estado
de coisas que recentemen te se tem observado na
República Argentina teve um efeito deplorável sobre
todos os papéis e sobre todas as questões financeiras
relacionadas aos estados sul-americanos'
As preocupações dos banqueiros ingleses
estavam corretas. Afinal, não só crises argentinas

anteriores já haviam atingido o Brasil - numa
antecipação daquilo que, nos anos 70 do século 20,
viria a ser chamado de "efeito Orloff" (ou seja, a
Argentina é o Brasil amanhã) -, como a inconstância
e as fragilidades da própria economia brasileira
eram evidentes. Um dos reflexos mais claros dessa
debilidade estava na incipiêncía dos serviços
bancários da jovem nação republicana, como bem
revela um artigo da revista The Economist, publicado
em 23 de dezembro de 1890:
"Era raro (no Brasil) o uso de cheques, com o
hábito comum ali de reterem os indivíduos em seu
poder largas quantias, em vez de depositá-las em
bancos. Os pequenos negociantes, os taverneiros do
Rio de Janeiro, por exemplo, apenas excepcionalmente
depositam nos estabeleci o cio los. De ordinário
preferem ter consigo seu dinheiro até a época dos
pagamentos ( ... ), satisfazendo então os seus débitos
com as somas acumuladas em casa no decurso de
seis a nove meses. O mesmo sucede com as classes
que vivem de salário ( ... ); os agricultores e outros
habitantes do interior amuam grandes somas para
satisfazer às suas necessidades, e esse dinheiro leva
meses, ou anos, para ir ter aos bancos. A receita das
alfândegas, em vez de se depositar em bancos, e por
eles transmitir-se ao Rio de Janeiro, acumula-se em
somas importantes, expedidas periodicamente pelos
paquetes para a capital"
Os brasileiros não guardavam dinheiro
embaixo do colchão apenas por hábito ou
comodidade. A fragilidade do sistema bancário
estimulava tal prática. Havia no país, naquele
momento, 0,04 agência bancária para cada dez
mil habitantes, o que tornava dificil o acesso ao
sistema. Na maioria dos casos, a distância, num
tempo de transportes e estradas igualmente
precários, encarregava-se de inviabilizar os
depósitos. A imagem dos bancos entre a
população também não ajudava: eles eram vistos
como instituições pouco confiáveis, fadadas a
Caixa Econoniica
Garantida pelo Governo
ISEITA DE SELLOS
DEPOSITOS EM CONTA CORRENTES :4 AO ANNO
EMITTE CHEQUES
ENPEST1MOS
Sobre titules Federaes : 8 1' ao anno.
Sobre penhores: 101' ao anno.
Quaqner posea poderá faser na mesma occasiáo mais de
E em ompreSlimo até cinco contes de réis, desde que apresente -
rara cada um joas do valor suffiointo.
Msstriz—Rua D. t1nI ri. 28
FILIES EM PETROPOLIS E NIOTNLIOY
AGENCIAS:
N. 1 - Largo da Carioca (Editicio da Imprensa Nacional)
1! N. 2— Ilua Dias da Cruz o. 13 (Meyer)
N. 3 — Avenida Laura Mulier e. lO
N. 4— Rua O. Pedro 1, e. 19 (antiga EspiritoSailo)
quebrar e a arrastar consigo os depositantes.
Sem clientes em quantidade suficiente, OS
bancos não cresciam e, não crescendo, não atraíam
clientes. Além disso, as características da economia
nacional implicavam sérios problemas de fluxo de
caixa. A ênfase na agricultura provocava períodos
de forte procura por crédito, e, justamente nesses
momentos, os depósitos escasseavam. Sem contar
que inúmeras vezes os bancos eram utilizados pelo
governo para socorrer Setores em dificuldades.
Ainda assim, a economia brasileira no início
da República caracterizou-se pelo fortalecimento
do país no cenário internacional. O fim da
escravidão teve papel decisivo no processo pelo
simples fato de ter derrubado as restrições que
alguns países, como a Inglaterra, levantavam
em relação ao livre comércio com o Brasil.
A chegada em massa de imigrantes também
reforçou os laços do país com o mundo. Como
já foi dito, mais de 200 mil estrangeiros entraram
no Brasil nos dois anos seguintes à abolição.
A utilização de mão de obra assalariada no
país transformou-se no grande diferencial do
final do século 19. 0 pagamento de salários e o
CAIXA: 1 50 \NOS VE UNIA iitsT oI&it 1tR\SllFII;t 75
crescimento da atividade económica aumentaram,
em muito, a necessidade de ampliação do volume de
dinheiro em circulação. E o Brasil teve de enfrentar
várias vezes, ao longo do século, o problema da
escassez de moeda. Em 18 de julho de 1885, por
exemplo, fora aprovada lei autorizando o governo
a emitir 25 mil contos de réis para socorrer os
bancos da Corte. Na prática, isso representou
a
11011 aumento de 20% na base monetária.
Nem o fato de haver mais dinheiro em
circulação no país iria estimular o governo
j republicano a dedicar maior atenção às Caixas
Econômicas. Embora no dia 5 de outubro de 1896
o senador Leopoldo de Bulhões (1856-1928) tivesse
apresentado "à consideração de seus pares" cioii
projeto inovador no qual propunha a remodelação
da instituição, suas sugestões foraore solenemcnte
ignoradas, "pois nem mesmo conseguiu obter parecer
da comissão) goveroiamental para a qual (o projeto)
foi enviado pelo presidente do Senado'
Onze anos antes, em 3 de julho de 1885,
ainda nos tempos do Império, o mesmo Leopoldo
de Bulhões eoltregara à Câmara um relatório
miolucioso no qual, servindo-se amplamente de
sugestões dadas pelo visconde de Ouro Preto e
por Laíayette Rodrigues Pereira, propusera uma
completa reforouiulação das Caixas. Também
naquela ocasião, seu projeto "não foi incluído nas
ordens do dia, razão pela qual jamais chegou a
ser cliscutido' conforme revela, desapontado, o
econonuário Ariovisto de Almeida Rego em seu
Resumo Histórico da Caixa Econômica e Monte de
Socorro, publicado em 1914.
As Caixas Econômicas acabaram
encontrando uma maneira de sobreviver em meio
a um período de grandes incertezas. Incertezas que
se tornaram ainda mais agudas quando, em fins de
setembro de 1896, nos sertões da Bahia, estourou
uma das mais trágicas e sangrentas guerras civis
da história do Brasil: a Guerra de Canudos.
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LUTAS DO POVO BRASILEIRO

A GUERRA DO FIM DO MUNDO

remeluzindo sob o sol inclemente do sertão, o arraial de Canudos erguia-se

onde antes existira apenas a desolação da caatinga. Embora parecesse urna
favela, era um aglomerado impressionante: possuía 5.200 casas e cerca de 25
mil habitantes. Números espantosos quando se sabe que Juazeiro, a maior
cidade no norte da Bahia, não possuía mais de três mil moradores em fins de 1896, e a
capital, Salvador, não ultrapassava os 200 mil. A diferença é que a absoluta maioria dos
habitantes de Canudos era composta de sertanejos indigentes, agrupados em torno da
figura misteriosa de um beato conhecido como Antônio Conselheiro.
No solo miserável do sertão, Conselheiro encontrara terreno fértil para sua pregação
messiânica. A decadência dos engenhos, o fim da escravidão, a terrível seca de 1878
(durante a qual, só no Ceará, cerca de cem mil pessoas morreram de fome), a limitação do
mercado de trabalho provocada pelo fluxo incessante de imigrantes europeus. tudo havia
contribuído para mergulhar o Nordeste no caos social. Foi nesse ambiente de vertigem e
desespero que surgiu a figura magnética de Conselheiro.
Antônio Vicente Mendes Maciel nascera no Ceará, em 1828. Filho de um comerciante
que pretendia fazer dele um padre, Antônio tinha sido professor e ambulante, quando
problemas financeiros e domésticos o converteram em beato - unia espécie de nômade
do sertão, um cangaceiro místico e asceta que por 17 anos peranibulou pela caatinga,
conclamando o povo a construir e reconstruir igrejas, reerguer os muros dos cemitérios e
levar uma vida de penitência e meditação. Em 1886, preocupados com o ajuntamento em
torno de Conselheiro, a Igreja e o governo começaram a transformá-lo em mártir.
Falsamente acusado de matar a mulher e o filho, Conselheiro foi preso. Julgado
inocente, foi liberado e retornou à deriva no mar arenoso do sertão. Em 1893, depois de
quase duas décadas de peregrinação, e já com cerca de oito mil seguidores, ele encontrou
seu porto seguro em urna fazenda abandonada, nos confins da Bahia. Ali surgiria o
arraial de Belo Monte, mais tarde rebatizado de Canudos. Em poucos meses, Conselheiro
- ajudado por homens como João Abade, Pajeú, Joaquim Tranca-Pés, Raimundo Boca-
Torta, Chico Ema, Antônio Beato e Manoel Quadrado - começou a materializar a utopia
de uma sociedade evangélica autossuficiente. Em Canudos não havia propriedade privada:
 78 LEIAS DO I(O•() EIL\sl[ 1 E])

terra, rebanhos e lavouras pertenciam a todos.

Milho, feijão, mandioca e Cana eram cultivados

coletivamente. Cabras forneciam carne, queijo e

ii
leite. Suas peles curtidas eram vendidas em Juazeiro In
e exportadas até para os Estados Unidos. Canudos

se tornou a meca dos desvalidos. Um novo mundo.

Uiii Outro Brasil.

A pI'oclaiT/ação da Repóbl ica, em 1 $89,

desagradara Coiiselheii-o - especialmente porque,

além de ter criado novos impostos municipais, havia

decretado a separação entre o Estado e a Igreja, o

que acabou com a obrigatoriedade cio casamen Lo

L

rei igioso, sacramentando o casamento civil. Em

IM
1893, na cidade de Bom Conselho, Ccmselheiro

mandara arrancar e queimar as ordens de cobrança

de impostos e se complicara com a lei. A seguir,
---.-----
uma série de Outros problemas, pequenos e

corriqueiros, acabaria deflagrando unia das maiores
tragédias da história do Brasil.
Julgando que os seguidores de Conselheiro
fossem ferrenhos monarquistas, o governo
NUVENS PESADAS P. 76- AS FACES DO HORROR
Estátua de Antônio Conselheiro em frente ao Museu Sobreviventes do massacre de Canudos fotografados cru
1-listórico de Canudos, no sertão da Bahia. 1897 por Flávio de Ba nos, depois da re ucliçãa do arraial.
\iusCLi ia RepLiblica, Iii,, de Jineir,'

republicano enviou trõs expedições punitivas contra

o arraial de Canudos. Surpreendentemente, todas
elas foram vencidas pelos sertanejos.A rebelião
dos desvalidos tornou-se então um problema de
"scgurança nacional". Em julho de 1897, chegaram a
Canudos niais de quatro mil soldados, armados até
os dentes e contando com os préstimos inestimáveis
de uni canhão \Vithwortli 32, apelidado de
"i\ latadeira' tão grande que para ilio\'iliientá-lo eram
necessárias 20 juntas de bois. Uni mõs depois, 20 mil
sertanejos estavam mortos e de Canudos restavam
apenas escombros fumegantes.
Uni experimento social, de cunho religioso,
fora esmagado simplesmente porque o Brasil das
elites urbanas mais uma vez não havia sido capaz
de tentar entender o Brasil dos despossuídos.
CANUDOS - AQUI O BRASIL SANGROU
Portador de antigas profecias, o beato Antônio
Conselheiro vagava pelos confins do Nordeste
anunciando: "O sertão vai vi/-ar iiiiii, o mar vai virar
sertão". O mar ainda não virou sertão, mas o sertão,
ao menos no centro de sua pregação, de certa fornia
virou mar. O arraial de Canudos, construído pela
utopia evangélica de Conselheiro e destruído ciii
1897 pelo exército republicano, ainda paira co/no
sombra sobre a história do Brasil. inundado por
uma represa em 1969, o vilareio ergue-se como um
esqueleto das águas do açude Cocorobó, quando, em
tempos de seca, o mar simbólico volta a virar sertão.
Mesmo afogado, o espectro de Canudos teima em
ressurgir. E não só em meio á desolação da caatinga.
Afinal, é preciso lembrar que os soldados
que transformaram o mais exuberante exemplo
de urbanização não planejada n Lini deserto
calcinado de cinzas e funiaça retorna ram ao
Rio de Janeiro alimentando a esperança de ser
recompensados com a casa própria. Seu sonho
não se realizou. Sem ter onde morar, eles e suas
famílias subi ram os morros do centro da cidade.
() amontoado de casebres que se formou foi
batizado como "Rivela", cru alusão ao Morro
da Favela, uiii dos tantos de onde os canhões
bom bardearani o vi tarejo de (_onselliei ro. I'or
amarga ironia, Canudos forneceu o nome do que
se tornaria emblema do terrível problema de falta
 CAIXA: 1 ii \\( ) , I'I U.\L\ lH[(flJ.\ liuAEIEFRA 79

de moradias no pais - como se verá no capitulo

Embora forasteiros ainda sejam recebidos com
Casa Própria, na Parte II deste livro. alguma desconfiança na região, a Caixa está aqui
A atual Canudos, na verdade a terceira, em Canudos - o lugar onde o Brasil sangrou.

uma vez que a segunda submcrgiu junto
com os escombros da primeira, localiza-se
a dez quilometros da original, no norte da
Bali ia, região de clima sem iárido. Seus 1 3
liii] habitantes sobrevivem da agricultura,
cm especial do cultivo de lia ia na e coco no
perímetro irrigado pelo notl rio rio Vaza- Barris.
A Caixa mantém unia lotérica no local, mas,
para abrir uma conta, ainda é necessário ir
até Serrinha, localizada a 220 qu ilonictros.
Na nova cidade encontram -se algumas
i'eliquias históricas, como o cruzeiro original da
Claro que não se trata de uma agência na acepção
plena da palavra: o que a reencarnação do arraial
de Belo Monte possui é uma Unidade de Serviços
Lotéricos (USL), atendida pelo casal Gilson Alves
Gama e Dorisneide Soares Silva Gama e pela filha
deles, Thaise Soares Gama, que também atua como
guia de turismo e participa de um grupo criado
pela Universidade da Bahia para estudar e divulgar
a cultura de Canudos. Localizada na rua Santo
Antônio, ni, 14, a Canudos Loterias - inaugurada
no ano de 2000 nunca pagou grandes prêmios
(o maior foi uma quadra da quina, no valor de R$
1.054,00). Em compensação, paga 8 mil Bolsas-
Farnilia na cidade de 13 mil habitantes.

primeira igreja, hoje em uma capela. Também

estão lá as toras de madeira que deram origem

ao conflito. Encomendadas por Conselheiro

para a construção de unia igreja, tiveram a

entrega proibida por uni juiz, que ainda alertou

o governo sobre o perigo de a mercadoria, que

já estava paga, ser retirada á força. A chegada

dos primei ros soldados e a resisténcia dos

sertanejos lorani o capítulo inicial dc uni dos

mais obscuros episódios da história do Brasil.

Meros troncos, que deflagrarani uma

carnificina, são hoje atração turística de uma

Canudos na qual a desolação provocada pela seca

divide espaço com belezas naturais que incluem os

morros graníticos, a vegetação típica e as aves só

encontradas por ali O perfil eriçado da serra do

Cocorohó, por vezes envolto ciii nuvens sombrias
e passageiras, de onde raras vezes cai chuva, ergue-

se como unia senti nela a proteger não se sabe se

os habitantes ai uais Oh as assombrações do arraial
do Bel o AI on te, como os seguidores de António
onselhciro preferiam chamar Si comunidade. ;
80 CAIXA X-\ R1i1i'I31.r CA VELHA
Em 1892, quatro anos antes da eclosão
da tragédia de Canudos, as Caixas tinham sido
contempladas com urna determinação ministerial
que, em tese, poderia ter ajudado no florescimento
da instituição. No dia 17 de dezembro daquele ano
foi assinado o Decreto n° 1.168, que, ao revogar
as rígidas imposições do Decreto n° 9.748 (de 2
de abril de 1887), tornava "novamente autônomas
e independentes as Caixas dos estados do Pará,
Maranhão, Paraná, Ceará, Amazonas, Goiás, Mato
Grosso, Alagoas, Paraíba, Sergipe, Espírito Santo, Santa
Catarina, Piauí, Rio Grande do Norte e Minas Gerais".
No entanto, de acordo com as observações de
Paulo Martins, um funcionário do Ministério da
Fazenda sempre interessado na história das Caixas
e que em 1926 escreveu um utilíssimo opúsculo
(Caixas Econômicas do Brasil: Comentários), o
decreto de dezembro de 1892 se revelaria afoito e
precipitado: "Não se preparara o campo em que
as Caixas estaduais deviam operar; não se lhes
alargara o campo de operações; não se lhes dera
fundos para acionar seu mecanisnio' Resultado:
cerca de cinco anos depois, em 19 de abril de 1898,
um mês após a eleição de Campos SaIles, quarto
presidente da era republicana, o Decreto n" 1.168
foi revogado, já que a autonomia, "externporinea
e inoportunao, não podia "gerar bons frutos".
Então, com a assinatura do Decreto n°
2.882, todas as Caixas - com exceção das do Pará,
Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do
Sul - viram-se novamente anexadas às Delegacias
Fiscais (na época chamadas Tesourarias da Fazenda),
perdendo a breve autonomia que, segundo as
análises mais equilibradas, lhes fora concedida
prematuramente. Pouco depois, em 3 de junho de
1898, a Caixa do Pará também foi incorporada à
Tesouraria da Fazenda. Conforme Paulo Martins,
efeito mais evidente do Decreto n° 2.882, de
abril de 1898, foi, pura e simplesmente, "revigorar
a regulamentação assinada em 1 887' t'.izendo com
que as Caixas voltassem a funcionar em moldes
muito similares àqueles que tinham sido propostos
urna década antes, em pleno regime imperial, pelo
conselheiro Antonio Nicolau Tolentino.
Não se pode estranhar, portanto, a indignação
de Paulo Martins com tal situação: "Se a diretiva
estabelecida para o encaminhamento das Caixas
Econômicas não foi seguida; se não se persistiu
no esforço de ampliar a ação e desenvolver suas
operações de crédito; se a ação dos poderes públicos
se descurou por completo; se não se procurou
adaptar as Caixas à evolução do tempo, dando-
lhes oportunidade efeição contemporânea,
como, pois, esperar delas, por si mesmas, surtos
de atividade, de transformação de ntétodos, de
aplicação de obrigações ativas? Muito elas têm
feito, no circuito estreito do regulamento atual,
acreditando-se cada vez mais para com o público,
facilitando-lhe o recebimento e entrega de dinheiro
com rapidez, igualando-se, nesse expedien te,
aos melhores bancos. Mas o que lhes vale isso, se
um voo mais largo não podem empreender?"
A própria história dos presidentes da Caixa
Econômica durante os primórdios do período
republicano é um bom exemplo do marasmo que
injuriava Paulo Martins. Por ocasião do golpe
de 15 de novembro, o presidente da instituição
era Francisco José Pacheco Júnior, visconde de
São Francisco, que assumira o cargo um ano
antes, em 20 de novembro de 1888, quatro
meses após a morte de Tolentino. Mesmo com
a mudança de regime, o visconde permaneceu
na presidência, sendo substituído apenas dali a
quatro anos, em 20 de setembro de 1892, por
Militão Máximo de Souza, barão de Andaraí.
Ora, o barão já fazia parte do Conselho
Fiscal da Caixa desde o dia de sua fundação
(na verdade, saíra em outubro em 1861, antes
da abertura oficial, mas retornara em julho de
1869). Sua eleição para o cargo 31 anos depois da
criação da instituição revela o continuísmo entre
os propósitos imperiais e os republicanos, pelo
menos em relação à Caixa Econômica. Como o
decreto que tornara as Caixas autônomas fora
aprovado em 17 de dezembro de 1892 (apenas três
meses após a posse do barão de Andaraí, em 20
de setembro) - e seria revogado em abril de 1898,
um ano após sua saída da presidência -, parece
lícito associar o projeto de autonomia das Caixas
provinciais (e seu insucesso) à gestão do barão.
Em 25 de abril de 1897, foi a vez de
Domingos Azevedo Júnior assumir a presidência
da Caixa. Mas o substituto do barão de Andaraí
ficou apenas um ano e meio no cargo. Em 17
de setembro de 1898, tomou posse o barão de
Quartin. F. aqui novamente se desvela com clareza
a conexão entre o regime imperial e o republicano
no que se refere à administração da Caixa. Sim,
porque, como o barão de Andaraí, também o barão
de Quartin era conselheiro da instituição desde os
tempos de D. Pedro 11: ele havia entrado para o
Conselho Fiscal em junho de 1888.
O português António 'lbmás Quartin, barão
de Quartin, foi uma das mais destacadas figuras
da chamada Belle Épo que carioca. Filho de um
rico fazendeiro, corretor de café e banqueiro que
mantinha estreitas ligações com o visconde de
Itaboraí, Antônio Tomás (1857-1911) herdou do
pai não apenas o nome e a fortuna, mas a teia
de bons relacionamentos. Tornou-se uni notável
investidor, não só na lavoura de café, mas em ferrovias
e mineração. Ancorado nessa situação, Quartin
presidiria a Caixa por cinco anos, até o início de 1903.
l'ode-se dizer que o barão de Quartin foi
homem do governo Campos SalIes na Caixa
Econômica, já que o quarto presidente republicano
dirigiu o país de novembro de 1 898 a outubro de
1902. Criador da chamada política do café com
leite, Manuel Ferraz de Campos SalIes (1841-1913)

implantou o imposto do selo (que taxava o consumo
sobre produtos nacionais), aumentou as tarifas
de importação, enxugou a máquina do governo
e suspendeu o pagamento da dívida externa. Sua
política econômica saneadora (criada para refrear a
especulação causada pelo Encilhamento) provocou
inúmeras falências e o tornou um dos presidentes
mais impopulares da história do Brasil. Campos
Sailes deixou o Palácio do Catete em outubro de
1902, sob estrondosa vaia, chamado pelo povo de
"Campos Selos" numa referência ao imposto que
criara e do qual. aliás, OS juros sobre os depósitos na
Caixa Econômica estavam isentos.
CAIXA: 1 () \Nus I)!, t Nl..\ HHkI.\ h\SIJEiR.\ 81
F.m novembro de 1902 tomou posse o quinto BERÇO PARAENSE
O palacete à direita foi a sede da primeira agência da
presidente: o cafeicultor paulista Francisco de Paula Caixa no Pará e hoje abriga uma biblioteca. No prédio
Rodrigues Alves (1848-19 19). Como vários dirigentes da esquerda funciona um teatro. O complexo está
localizado na praça da República, no centro de Belém.
da Caixa, ele também era figura proeminente desde
o Império. Ao assumir, Rodrigues Alves anunciou
à nação que colocaria em prática sua promessa
de campanha: "Remodelar o porto do Rio de
Janeiro e reurbanizar a cidade para atrair mais
imigrantes' Foi o que ele fez, dando início a urna
autêntica revolução urbana que passaria à história
com o nome de Bota-Abaixo e em meio ao qual
eclodiu a virulenta Revolta da Vacina, mais uma
das lutas populares que fizeram sangrar o Brasil.
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LUTAS DO POVO BRASILEIRO

A CABANAGEM
entre as lutas travadas pelo povo brasileiro ao longo de sua história, algumas
das que foram selecionadas para pontuar as páginas do presente livro
eclodiram antes da fundação da Caixa. Todas elas, porém, de alguma forma,
vinculam-se com a trajetória da instituição. A Cabanagem, por exemplo, tigura
aqui porque é tremendamente reveladora dos conflitos que primeiro a província e depois o
estado do Pará sempre travaram com o governo central, também presentes na história da
Caixa naquele estado. E não apenas por isso, mas também porque o próprio nome da grande
revolta popular que incendiou a cidade de Belém e arredores já indica que OS revoltosos
viviam em casebres e que a falta de habitações condizentes e as injustiças sociais foram os
principais motivos para a eclosão do conflito.
Apesar de ter se iniciado por causa da cisão entre dois grupos da elite local em torno da
nomeação do presidente da Província do Pará, a Cabanagem foi a maior e mais sangrenta
revolta social já ocorrida no Brasil, uma autêntica insurreição popular. De início, o levante
reuniu cerca de três mil mestiços, indígenas destribalizados e negros libertos, embora, mais
tarde, a eles tenha se juntado boa parte da população de baixa renda de Belém e arredores.
Essas minorias eram chamadas de cabanos, uma clara referência às condições de vida nas
cidades da Amazônia, com suas casas de palha e barro - análogas às favelas de hoje -, em
geral construídas umas junto às outras e abrigando milhares de famílias.
O fermento da insatisfação popular no Pará vinha desde antes da independência do
Brasil. Aquela era urna região remota e miserável. Por problemas de navegação, os vínculos
com Portugal, antiga metrópole, continuavam mais fortes do que com a corte do Rio de
Janeiro, mesmo após 1822. Imposta pelo distante e omisso governo central, a nomeação dos
presidentes da província causava indignação entre os paraenses.
Na madrugada de 7 de janeiro de 1835 - nove meses antes que eclodisse, no outro
extremo do país, a Guerra dos Farrapos -, os cahanos tomaram quartéis e pontos-chave de
Belém, matando, em pleno palácio do governo, o presidente da província e o comandante
militar do Pará. O líder da rebelião, Félix Antônio Malcher, assumiu o poder. Durante um
ano, os cabanos foram os verdadeiros senhores de Belém.
84 LUTAS DO POVO BRASI lEI ltD

ervas daninhas recobrindo as ruas, e esgotos a

,
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OS CAI3ANOS
No alto, nion u,ncnto feito por Oscar Nierneyer;
acim a, o quadro O Ultinio Gaba 110; 00 p. 85 o
pahí cio to um do pelos rebeldes dum o te a re i'oli a
retratada na tela reproduzida na p. 82.
Em 21 de janeiro de 1836, no entanto,
estourou Um violento choque entre Félix Maicher e
seus aliados, os líderes populares Eduardo Angelim
e Francisco Pedro. Angelim era uni retirante
cearense, fugido da seca, que adotara o nome de
unia madeira "forte e rija corno ele próprio" e
que virou o principal líder intelectual da revolta.
O confronto entre as duas facções rivais foi feroz
e brutal e enfraqueceu ambas, mesmo antes do
início da repressão oficial. Maicher chegou a
ordenar o bombardeamento da cidade, depois
de se refLigiar em uni navio de guerra ancorado
no porto. () caos instaurou-se em Belém.
Em abril de 1836, quando o mrechal
Francisco José Andreia - um "restaurador",
conhecido por sua dureza e rispidez - conseguiu
retoma r a capital do Pa rã em nom e da Regéncia,
deparou-se com um quadro desolador: a cidade
despovoada, quase inteiramente em ruínas, com
céu aberto. Embora o "exército" rebelde tivesse se
dispersado pela floresta, ou fLigido utilizando-se
da vasta rede Iluvial vizinha a Belém, o marechal
Andreia determinou que os insurretos fossem
perseguidos e duramente reprimidos, ao longo de
todo o ano de 1836. Preso em outubro daquele
ano, Eduardo Angelim foi um dos poucos a
escapar da morte: foi enviado para o exílio na ilha
de Fernando de Noro n lia.
A repressão foi tão sangrenta que cerca
de 30 mil pessoas - 30% do total de habitantes
da Província do Pará - teriam sido mortas. A
Gabanagem só foi considerada inteiramente
debelada em 25 de março de 1840, quando
(;onçal\'es Jorge de Magalhães, tido como o
õltimo cabano, enfim se rendeu. Mas o episódio
não se encerraria sem que viesse a figurar, para
sempre, na história nacional da infániia. Até
porque, dentre os estopins para o levante esteve
um acontecimen ti) que se constitui num dos
mais sórdidos de toda a trajetória da repressão
aos movimentos populares no Brasil: em 1831,
256 rebeldes - que haviam se levantado contra as
péss mas condições de vida em Belém - morreram
asfixiados no porão de um navio (o brigue
Palhaço), onde tinham sido amontoados depois de
condenados a seguir para o exílio, no Acre.
A memória do movimento segue viva em
Belém. Em janeiro de 1985, foi inaugurado o
Memorial da Gabanagem, um monumento de
IS metros de altura por 20 de comprimento,
todo em concreto, feito por Oscar Niemeyer.
A escultura aponta para a v ila de Icoaraci,
onde muitos combatentes cabanos fo ram
mortos e enterrados. A "mão fraturada" (sem
o polegar) faz referéncia à pacificação ocorrida
após o levante, quando quem era pego com
armas de fogo tinha o polegar cortado.
CAIXA: 1 50 \NOS DE I\ H!STOR[A BRASILLIRÀ 85
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LUTAS DO POVO BRASILEIRO

O BOTA-ABAIXO E A REVOLTA DA VACINA

o alvorecer do século 20, o Rio de Janeiro continuava urna cidade de ruas

sujas e cstreitas, vielas tortuosas c epidemias mortiferas - conservava o
cunho desolador dos velhos tempos do rei e dos vice-reis' Embora tida
mundialmente como uma cidade belíssima, era linda apenas vista de um navio.
Tanto que muitas linhas de navegação ofereciam "trânsito direto para Buenos Aires, sem
passar pelo Brasil e pelos perigosos focos de febre amarela do Rio de Janeiro' Ironicamente,
fora através dos navios que as duas doenças mais graves que assolavam a população haviam
chegado à cidade. Um cargueiro norte-americano havia trazido a peste bubônica por volta
de 1890. Com os navios dos imigrantes chegara a varíola. Era justamente para receber mais
imigrantes - braços para o café - que o presidente eleito em niarço de 1902, o cafeicultor
Rodrigues Alves, pretendia remodelar a cidade. "A capital da República não pode continuar
a ser apontada como sede de vida difícil, quando tem fartos elementos para se constituir no
mais notável centro de atração de braços, de atividades e de capitais nesta parte do mundo",
dissera em seu discurso de posse. Empossado, partiu da teoria para a prática.
Com um empréstimo de oito milhões de libras tomado na Inglaterra e com uma
equipe afinada com seus objetivos, Rodrigues Alves deflagrou a grande revolução urbana,
cujo ponto focal era a construção da avenida Central (hoje avenida Rio Branco). As obras
do chamado "Bota-Abaixo" começaram em 29 de fevereiro de 1904. Em nove meses, 614
imóveis foram derrubados "sob o hino jubiloso das picaretas regeneradoras". Os aluguéis
dispararam e o "povaréu prosaico e mal-indumentado" foi expulso do centro.
O fascínio com o esplendor urbano era tanto que no carnaval de 1904 surgiu a
marchinha que dizia: "Sem igual no mundo inteiro/ Cidade Maravilhosa! Salve o Rio de
Janeiro' Mas nem tudo eram elogios. Enquanto as classes mais altas bebericavam café nas
niesinhas na calçada da nova avenida, a insatisfação corroía as classes mais baixas. A política
anti-inflacionária adotada no governo Campos Saies deixara os pobres mais pobres e os
ricos mais ricos. A avenida Central custara mais de quarenta mil contos - e os trabalhadores,
como sempre, pagaram a conta.
 88 LUTAS DO POVO 1311.\SIlI!R()

Seria graças a uni t'o braço da política

reurbat]izadOra do governo RodriguesAlves - o

braço sanitarista, operado pelo jovem cientista

(.)svaldo Cruz — que uma revolta popular eclodiria

em 1904, com o no]ne iii usi tudo de Revolta da

Vacina. Por trás dela, além da insatisbição do

povo, escondiam-se as frustrações dos chamados

"jacobinos positivis1as' dispostos a instaurar uma

ri itadura que restaurasse a "pureza" original dos

ideais republicanos.

O estopim da virulenta insurreição ppular

que eclodj ri no Rio dc Janeiro cm novetii bro

de 1904 foi, de fato, a recusa de boa parte da

população da cidade - em especial as classes

baixa e média - em aceitar o cumprimento

da lei que tornava obrigatória a vacina contra

a varíola. Aprovada pelo Congresso em 31

de outubro, a lei era uma vitória pessoal do

jovem méd ci) Oswaldo Cruz - sanitarista

que, poucos anos antes, retornara da Europa

disposto a erradicar uma série de epidemias que

assolavam duas das maiores cidades portuárias
do Brasil, entre elas o Rio de Janeiro,

1 )esconhecida no Brasil, a vacina contra a

varíola - já testada com éxito em vários países
da Europa - era encarada com desconfiança

pelos brasileiros em geral e pelos cariocas em

particular. Por isso, tão logo as chamadas Brigadas

Sanitárias passaram a entrar em todas as casas da

Ni lo Peçanha - Eminente sabio t Os meus fervorosos parabens pela sua descoberta scienlilica do microbio da variola. E' cidade, acompanhadas da polícia, para vacinar
rnats uma gloria para o nosso Director da Saude Publica e para o nosso pau. De homens como você, trabalhadores infatigaveis -e
modestos, é que o Brazi! prectsa
- Zé Povo; - Pelo amor de Deus. Se Doutor 1 Veja se use descobre lambem o microb!o da politicagem 1 Do contrario, its moradores á torça, os adversários da medida
estou ttqoidado 1
Oswaldo Cruz: - Oh t pois sscé nao sabe que aqui o Dr. Nilo já descobria isso ? Tanto assim, que clie está upplicando O
melhor seram contra a po!ulicagem a ad,nn;slrile isto é - fazer Só udminislração.., começaram a chamá-las de "violadoras de lares" e
"tumulos da liberdade'
OS MICRÓBIOS E OS DOUTORES A eclosão da revolta era mera questão de
Charge publicada na revista (,arda revela a "guerra do
ridículo" a qual foi submetido o médico Oswaldo Cruz. tempo. E não foi preciso esperar muito: quando,
Biblioteca Nacional, Rio dc laneiro num comício contra a vacina, realizado 11(1 centro

P. 86— REVOLTA VIRULENTA do Rio de Janeiro, n o dia 1 1) de noveni bro, um

Popu lares saíram is ruas do Rio de Janeiro em orador Cd preso em plen o palanque, a fl] llltidã()
novel oh ro de 1904 Ionibando õ n ib t.,s e quiosques
em luta contra a vacina obrigatória. partiu para o confronto. 1 móveis derrubados pelo
lltl,lioleca Naic,i,a]. Rio de t.i,ictre
prefeito Pereira Passos forneciam grande quantidade
 CAIXA:! 50.\\5 1)1. i1 m,t IIISlOIOA n\sII iII.\ 89

de pedras. Com elas, o povareu passou a alvejar os

policiais. A revolta espalhou-se como um rastilho

de pólvora: ao longo de quatro dias, os revoltosos

dominaram o centro da cidade, tombando e

incendiando bondes, depredando e saclucando

estabeleci iientos comerciais, destruindo os novos

postes de luz estilo art nouveau.

-
() que poderia estar por trás de uma revolta
com tais proporções?
No dia 14 de novembro, unia das principais e

talvez a mais reveladora das várias faces da rebelião - . -

iio

começou a se desvendar: a Escola Militar da l'raia

- - r'. -':•'.'•'
-:---:::..
-.; •1::i$' - :' i.-
\'crmelha decidiu "unir-se" ao povo e aderir ao '• --. . 21,
..
levante. Ficou evidente que "a vacina" era apenas
.
uni pretexto para a eclosão de uni movimento II
*
-
político-social. A carestia, a inflação, o achatamento _•l

salarial, o aumento abusivo dos aI uguéis. o projeto

1 . '. . - -. ........... 1.

excludente e elitista da remodelação do centro do

Rio - tudo havia provocado ri iii genuíno clamor

entre as classes média e baixa.

Para os cadetes positivistas da Escola Militar
O BOTA-ABAIXO
da Praia Vermelha não se tratava apenas de unia Quase 700 inióveisforani derrubados na zona central
do Rio de Janeiro para abrir caminho para a avenida
traição aos ideais do golpe republicano de 1889:
Cenrral. Os desalojados foram morar nos morros.
tratava-se também da ocasião providencial para

derrubar os cafeicultores paulistas que haviam

assumido o controle da nação a partir de 1894. De pelo general Travassos, saíram ãs ruas dispostos a prerrogativas do regime de exceção, a polícia e

fato, desde o afastamento dos marechais [)eodoro tomar o Catete. Mas o governo reagiu com rapidez as tropas fiéis ao governo invadiram cortiços e

da Fonseca e Floriano Peixoto, o Brasil era presidido e dureza Após declarar que "só morto" sairia do favelas, prendendo não apenas quem participara do

por civis diretamente ligados ao café e a São Paulo palácio, Rodrigues Alves conseguiu arregimentar motim, mas desempregados e desvalidos em geral.

Prudente dc Morais, Campos Saies e o então tropas leais ao governo, decretando a repressão à Centenas deles foram enliados em porões de navios

presidente Rodrigues Alves). Os militares achavam revolta. Após um terrível tiroteio, travado ao longo e despachados para o longínquo Acre (território

que já era mais rir) que hora de reinstaurar uma de quase toda noite do dia 15 de novembro ) não que o Brasil acabara de conquistar da Bolívia). A

ditadura republicana: ou seja, rmi "governo de por acaso, aniversário o décimo qrnnto da vacinação, suspensa no dia 11, foi então reiniciada

salvação nacional exercido no interesse do povo''. O proclamação da República), o general Travassos e em larga escala. Dali a poucos meses, a varíola

homem providencial, naquele caso, era o tenente- cerca de 200 cadetes estavam mortos, o tenente- estava erradicada do Rio de Janeiro.

coronel Lauro Sodré - que seria "proclamado coronel Lauro Sodré fora ferido e preso e a rebelião Bom bardeada durante o levan te, a Escola

ditador" tão logo o levante vingasse. havia sido sufocada. ditar da Praia Vermelha foi fechada e desativada
Militar

Contando com o auxilio dos "jacobinos" e No dia seguinte, Rodrigues Alves solicitou, naquele mesmo més de iiovenibro de 1904. A seguir,

tendo a certeza de que obteriam o apoio rir) restante e o Congresso aprovou, a decretação do estado até o prédio foi derrubado. j\ ditadura positivista
da população, os cadetes da Escola Militar, liderados de sitio, válido por uni més. Apro.eitando-se das teria que esperar até 1930.
90 CAIXA N.\ RLI lUICA \EIIL-\
A Caixa e as lavadeiras
C
erca de um ano e meio antes de Lima Barreto
escrever Clara dos Anjos, o Conselho Fiscal
da Caixa Econõmica do Rio Grande do Sul havia
se reunido em Porto Alegre, no dia 28 de outubro
de 1902, para analisar um ofício no qual o gerente-
geral, Afonso Coelho Borges, reclamava "a mudança
da repartição do prédio onde mal e acanhadamente
funciona, por não 11ais se prestar às exigências
do serviço". Coelho Borges alertava ainda para "a
conveniéncia de funcionar esta repartição em prédio
próprio, a exemplo do que se fez na capital federal". O
Conselho tomou na devida consideração as sugestões
do gerente e, de imediato, deu inicio às tratativas
Co No coRoo] ica - Porto Á Icgr e para comprar um terreno e construir uma sede
lada lo li0 (iroorle do Sol - lIra]5
própria para a Caixa gaúcha - então a terceira maior
do país, atrás apenas das do Rio e de São Paulo.
Assim, em novembro de 1904, a Caixa adquiriu
por 55 contos, amplo terreno localizado em uma
das esquinas da praça da Alfândega, ponto dos
mais nobres e centrais de Porto Alegre. A agência
central da Caixa no Rio Grande do Sul está até hoje
no mesmo local, embora infelizmente em Outro
prédio, já que o original foi derrubado em 1939.
Somente um ano e meio após a compra do
terreno, em 1" de agosto de 1906, veio a permissão
do Ministério da Fazenda para que a Caixa gaúcha
despendesse até 200 contos com a Construção da nova
sede. Em 5 de dezembro de 1906, o engenheiro Rodolfo
Ahrons, vencedor da concorrência pública, recebeu
sinal verde para dar início às obras. Afortunadamente,
o principal arquiteto da Construtora Ahrons era,
naquela época, o alemão Theo Wiederspahn, artista
brilhante, responsável pelo projeto arquitetônico de
UMA JOIA ARQUITETÔNICA
A primeira sede própria da Caixa do Rio Grande do Sul. dois outros belíssimos prédios que já adornavam a
Acervo da Caixa, Rio Grande do Sul
praça da Alfândega - e ali permanecem: são as atuais
P91 LAVA ROUPA TODO DIA
sedes do Museu de Arte do Rio Grande do Sul e do
Doca das Frutas, óleo sobre tela de Angelo Guido.
Coloçlo Zilah Elzhrrgrr Memorial do Rio Grande do Sul.
Como as demais obras de Wiederspahn, a
primeira sede própria da Caixa no Rio Grande
do Sul era uma joia arquitetônica - como bem a
definiu a Revista de Engenharia, publicada em 1910,
de onde foi extraído o texto que se segue: "A sede d.a
Caixa Econômica em Porto Alegre, inaugurada em
16 de junho de 1908, foi erguida ,zo estilo gótico de
transição, ou tardio, também chamado pelos alemães
de speet-gotisch. A harmonia das linhas é perfeita,
tanto no exterior quanto no lindo interiol; onde tuna
decoração condizente cm a finalidade da instituição
realça o efeito gótico tardio'
Quatro anos após a inauguração de sua bela
sede, a Caixa gaúcha passou por momentos de
grave aflição, resultantes de um curioso levante
que, coincidentemente, havia se iniciado nas
proximidades do edifício projetado por 'l'heo
Wiederspahn. O prédio recém-construído pela
Caixa erguia-se quase às margens do Guaíba (que,
embora continue sendo chamado de rio, na verdade
é um lago). A menos de um quilômetro da nova
sede ficava um trecho de praia (hoje aterrado) onde
centenas de lavadeiras profissionais se reuniam para
a realização de seu árduo trabalho.
Como o economiário Carlos Alfredo
Simch relembra em seu livro Jubileu de
Diamante da Caixa Econômica Federal do
Rio Grande do Sul, os três primeiros meses de
1914 registraram um intenso movimento de
retiradas - liderado justamente pelas lavadeiras,
incitadas por um misterioso tipo que circulou
entre elas, assegurando que a Caixa "estava sob
iminente falência". É interessante reproduzir
não apenas o relatório da sessão ordinária do
Conselho da Caixa gaúcha realizada a 14 de
março de 1914, como também os posteriores
comentários de Carlos Simch sobre o episódio:
 "Na 156 SL'SSãO or(lina Ia do Conselho,
senhor gerente informou que vai declinando
sensivelmente o movimento de retiradas de
depósitos que, de janeiro para cá, se tem
evidenciado em consequência de propaganda
Contra esta Caixa, feita por gente perversa e
Cujo intuito é desacreditar este estabelecimento,
que no longo período de 39 anos tão bons
serviços tem prestado à população laboriosa, ou
melhor, a todas as classes da nossa sociedade, às
quais tem servido com máxima pontualidade,
não dando nunca motivos para desconfianças
que aqui foram lançar sobre o mesmo, gente
interessada nisso com propósitos menos dignos."
"Como se evidencia" - quem escreve agora
é o citado Carlos Simch -' "foram dois meses o
período desta corrida contra os cofres da Caixa.
Nao coaseiinuos identificar o aia or ilesta ijiaijobia
de descrédito, embora os primeiros clientes a correr
em busca de sua parca economia tivessem descrito
tipo que os fora procurar (eram lavadeiras) na
sua penosa tarefa à beira da praia, assustando-as
e incitando-as a fazer de imediato suas retiradas.
Esta propaganda continuou sempre entre gente
humilde, sem melhor orientação, onde lhes era
contado que a Caixa estava sob iminente falência.
Mas a medida tomada pela direção de pagar logo
com integral retirada dos depósitos e a afirmativa
da segurança das economias aqui depositadas
sob fiança absoluta do governo restabeleceu a
calma, e as ovelhas tresmalhadas pela pérfida e
malévola cantiga desse anônimo malfazejo voltam
ao aprisco, e aqueles que haviam, assustados,
feito suas retiradas, tornaram a depositar."
1 )ois meses iiiais Lude, parem não apenas a
Caixa gaúcha, mas todas as Caixas do Brasil - e o país
inteiro - teriam motivos muito mais perturbadores
para se preocupar. O assassinato do arquiduque
austríaco Francisco Ferdinando, durante visita a
Sarajevo, Bósnia, em 28 de junho de 1914, levaria
à eclosão do maior conflito armado da história da
humanidade até então: a Primeira Guerra Mundial.
O conflito no qual o Brasil entrou em outubro de
1917— abalou profindamente a economia nacional,
a tal ponto que, já em 16 de agosto de 1914, a Caixa
do Rio Grande do Sul "viu-se obrigada, como medida
de precauçüo' a suspender o pagalilento de retiradas,
"atendendo a que a Delegacia Fiscal não dispõe de
numerário suficiente para atender seus compromissos,
em virtude de ter-se agravado a já dificil situação
econômica do país pela conflagração europeia'
LUTAS DO POVO BRASILEIRO

A GUERRA DO CONTESTADO

iséria, messianismo e morte. A chamada Guerra do Contestado seria uma

espécie de reprise, ocorrida quinze anos mais tarde em pleno sul-maravilha,
/ do massacre que se desenrolara nos cafundós de Canudos, na Bahia, em 1896.
Foi a história se repetindo, simultaneamente como tragédia e como farsa.
Em linhas gerais, o episódio constituiu-se no contlito arnmdo e desigual entre o
exército federal e os camponeses miseráveis da região sudoeste do Paraná e noroeste de
Santa Catarina. Território de 48 mil quilômetros civadrados, disputado desde os tempos do
Império pelas províncias do Paraná e de Santa Catarina, a área "contestada" era delimitada
pelos rios Uruguai, Iguaçu e do Peixe e pela fronteira com a Argentina. Essa remota "terra de
ninguém", rica em pinheirais e ervais, havia sido esparsamente ocupada por refugiados das
revoluções gaúchas e por desvalidos em geral.
Em 1900, o governo federal cedeu uma faixa de trinta quilômetros de largura para a
Brazil Railway, no centro da qual deveria ser construída a ferrovia São Paulo-Rio Grande
do Sul. Posseiros estabelecidos na área foram desalojados à força. A seguir, a madeireira
Southern Brazil Lumber & Colonization se instalou na região e "contratou" milhares de
camponeses, transformando-os em mão de obra semiescrava.
Ambas as empresas, a Brazil Railway e a Southern Lumber, pertenciam ao magnata
norte-americano Percival Farquhar, um dos "donos" do Brasil naquele início do século
20. Os escritórios de Farquhar ficavam na avenida Central, no coração do Rio de Janeiro
e, dentre outros empreendimentos, ele também era o responsável pela construção da
ferrovia Madeira-Mamoré, em Rondônia. Em 1906, quando as obras de sua ferrovia sulista
foram suspensas, oito mil homens foram sumariamente demitidos e deixados ao léu,
perambulando pela região. Estava preparado o terreno para a fermentação da revolta.
Em novembro de 1911, surgiu na cidade de Palmas (Paraná) um homem alto, cabeludo,
desdentado e barbudo. Era um gaúcho mestiço de índio chamado Miguel Lucena de
Boaventura. Citando a Bíblia e um livro infantil ilustrado sobre Carlos Magno, dizia-se
"herdeiro espiritual" do beato João Maria, líder messiânico que havia percorrido aquela
mesma região cerca de dez anos antes. Lucena logo mudou de nome, passou a se chamar
11
monge José Maria" e aglutinou em torno de si dois mil fiéis seguidores.
94 iui's 1)0 0011
LUTA NA MATA
Os vasros pinheirais derrubados para dar passagem à
ferrovia São Paulo-Rio Grande foram o palco onde se
travou a fraticida Guerra do Contestado,
Slo,co do Co,,vsmado, Caçodor/SC
P. 92- BANDIDOS X MOCINHOS
Tanto as milícias conrra radas para con,batê-los (imagem
acima), quanto os ,evolrosos (abaixo) agi ram ferozmente
no conflito também chamado "guerra dos pelados".
54u,ou do Coumosmodo, Caçador/SC
O "monge" pregava sermões apocalipticos,
afirmava que comércio era "coisa do demônio"
e que o rei português D. Sehastião (morto no
Marrocos, em 1578) voltaria para reinar sobre
todos os homens. Dizendo-se eleito por Deus
para erguer na Terra uma "Monarquia Celeste'
José Maria fundou seu primeiro "quadro santo"
no muniCípio de Curitihanos ( SC) Em meio a
cruzes formando um quadrado em meio ao qual se
ergueu uma tosca capela, seus dois mil seguidores
se estabeleceram. Alertado pelos coronéis
ervateiros da região, o exército foi chamado para
expulsar os "fanáticos", depois que José Maria se
recusou a depor na delegacia de Palmas (PR).
Em outubi-o de 1912, uma tropa de 400
homens, chefiada pelo capitão João Gualherto, atacou
o "quadro santo" erguido no município de Iran i,
onde os seguidores do monge tinham se refugiado.
Quando a metralhadora da tropa de Gualberto
engasgou, os "tanáticos' soprando herrantes,
investiram contra os invasol-es. Embora José Maria
tenha sido um dos primeiros a tombar, o capitão
Gualberto e mais treze soldados também foram
mortos, e o restante da tropa bateu em retirada,
deixando armas e munições na mão dos rebeldes.
Apesar de José Maria não ter ressuscitado
ao terceiro dia, como anunciara, seus seguidores
continuaram combatendo, adotando táticas de
guerrilha. A virgem de quinze anos Maria da Rosa
virou chefe militar, enquanto o "menino deus"
Joaquim, de onze, era tido como porta-voz de José
Maria - que, por meio de mensagens enviadas do
além, "comandava" o exército que já contava então
com cerca de cinco mil sertanejos.
Os rebeldes chegaram a dominar 25.000km2 ,
vencendo sete expedições militares enviadas contra
eles. Em setembro de 1914, o general Setembrino de
Carvalho chegou a (.uritiba com ordens do ministro
da Guerra para sufbcar a rebelião a qualquer
custo. Com sete mil homens bem-armados ( 8()%
 CAIXA: 5 0 tL L\t \ IIISTCRI\ I;R\StIHIU\ 95

do exército brasilei O) de então) e contando com

os primeiros aviões usados para fins militares na

história do Brasil, Cirs'alho atacou os "fanáticos"

implacavelmente, matando homens, niulheres e

crianças. Ainda assim, a "guerra santa" iria perdurai-

até janeiro de 19 16. Em cinco anos de luta, nove mil

casas haviam sido queimadas e o espantoso a meio

de vinte mil pessoas tinham sido mortas.

Durante mais dc 50 anos,aregiíio do
Contestado seguiu praticaiiente desocupada,

em mãos de latifundiários e ervateiros. Os

liensos pinhais fbram devastados e sua madeira,

transportada pela ferrovia de Farquhar, foi

utilizada para estruturar os suntuosos prédios

que então surgiam de ambos os lados da avenida

Central. A madeireira que distribuía as toras

era de propriedade de larqLihai-, em sociedade

corri 0 prefeito do Rio, Pereira l'assos - não por

acaso o responsável pela abertura da avenida.

Atualmente, na cidade de Caçador, ergue-

se o \ luseu 1-listórico e AoL ropologico do
Contestado. Criada em 18 de niarço de 1974,
a instituição preserva a memória de um dos
episódios mais infames e tragicos da história
do Brasil, bem como os últimos registros da
ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul.
Desde dezembro de 1973, a Caixa está aqui em
Caçador, cidade localizada nas proximidades de onde
eclodiu a Guerra do Contestado. Aqui fica o museu
que conserva a memória daquele trágico episódio,
instalado na antiga estação da estrada de ferro São
Paulo-Rio Grande, cuja construção foi o pivó do
conflito (foto à esquerda). A agéncia de Caçador
(acima), localizada na rua Barão do Rio Branco, n°
306, tem cerca de 20 mil clientes e paga mais de 27
mil benefícios do Bolsa-Família. Em Caçador, a Caixa
também incrementa o programa Minha Casa, Minha
Vida, tendo construído apartamentos para 144 familias
com renda mensal de até R$ 1.395,00, no Condomínio
Residencial Meu Lar, no bairro Bom Sucesso, no qual
foram investidos mais de R$ 6 milhões.
96 CAIXA N,\ REPCIUk:A \EII-L\
A Caixa de Lima Barreto
E le transformou Brasil em "Bruzundanga"
e dissecou com ironia o conservadorismo
da "república do Kaphef". Também desprezou a
pureza da língua e "a transcendente gramática dos
importantes' incorporando à sua prosa urbana
o linguajar das ruas: a "fala carioca". Ao fazê-lo,
Lima Barreto (1881-1922) transformou-se no
grande cronista dos subúrbios do Rio, concedendo
ao "povaréu prosaico e mal indumentado" a
oportunidade de desfilar não apenas pela avenida
Central, mas por páginas imortais da literatura
brasileira. Pagou caro pela ousadia - e morreu
sem ser reconhecido por seus contemporâneos.
Mas atualmente Afonso Henriques de Lima
Barreto - "nome de rei para um pobre mulato,
hóspede acidental do hospício, dado à cachaça",
como diagnosticou Nelson Werneck Sodré - é tido
como um dos maiores romancistas brasileiros de
todos os tempos. Autor dos clássicos Recordações
do Escrivão Isaías Caminha (1909), Triste Fim de
Policarpo Quaresma (1915) e Vida e Morte de M.
J. Gonzaga (1919), Lima Barreto fez a autópsia
da República Velha, escorado num texto flexível e
cortante como um florete.
Não chega a ser surpresa que esse grande
observador da "alma das ruas" tenha mencionado a
Caixa Ëconômica do Rio em um de seus livros. Em
Clara dos Anjos (escrito em 1904, mas só publicado
em 1923), Lima Barreto empreende uma visita à
sede da Caixa, descrevendo-a pelos olhos de Cassi
Jones, um rufião "cantador de modinhas" e criador
de galos de rinha. Embora Cassi Jones desdenhe
da gente humilde que vê nos umbrais da Caixa,
nem por isso a descrição de Lima Barreto é menos
reveladora e tocante. Tampouco significa que o
autor compartilhe da arrogância do personagem
em seu passeio da rua do Ouvidor até a Caixa:
"(Cassi Jones) tomou a rua do Ouvidor e
foi descendo, sempre parando em frente das casas
que tinham artigos para homens. Por desfastio,
desviou-se a olhar as vitrines de uma livraria.
Olhou-lhe também o interior. Livros de alto a
baixo. Para que tantos livros? Aquilo tudo só servia
para fazer doidos. Ele tinha livros, na verdade.
Mas eram alguns, livros de amor... Que livros,
meu Deus! Teve vontade de tomar café; hesitou
um pouco mas, afinal, animou-se. Estava quase na
hora. A Caixa Econômica não tardaria em abrir-
se. Lá chegando, teve que aguardar a abertura
da porta. Já havia gente à espera. Olhou-a de
relance. Fisionomias diferentes de trato e de cor:
velhas de mantilha, moças de peito deprimido,
barbudos portugueses de duros trabalhos, rostos
de caixeiros, de condutores de bonde, de garçons
de hotel e de botequim, mãos queimadas de
cozinheiros de todas as cores, dedos engelhados de
humildes lavadeiras - todo um mundo de gente
pobre ia ali depositar as economias que tanto lhes
devia ter custado a realizar, ou retirá-las, para
acorrer a qualquer drama das suas necessitadas
vidas. Aborreceu-se com aquele contato...
"Penetrando no saguão, pôs-se a ler os
cartazes onde estavam as disposições legais que
interessavam ao público. Diabo! A providência
não lhe servia. Para confirmar, dirigiu-se
a um empregado num guichê, que tinha ao
alto este letreiro: Informações. Não lhe servia
absoluta mente. Para retirar mais de 200 mil-
réis tinha que avisar previamente. Não; não
depositaria. O dinheiro deveria estar sempre ao
alcance da mão... Saiu e, a fim de não ser visto
por nenhum conhecido, procurou alcançar o largo
de S. Francisco, atravessando aqueles velhos becos
imundos que se originam na rua da Misericórdia e
vão morrer na D. Manoel."
P. 97-0 CRONISTA DO SUBÚRBIO
Fotomontagem com o retrato de Lima Barreto, a
edição original de seu romance Clara dos Anjos
(com capa de Carybé) efotos de Marc Ferrez
retratando a rua do Ouvidor e tipos populares
da cidade do Rio de Janeiro, c. 1895.
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98 CAIXA NA REPÚBLICA VELHA
O PAI DO NATURALISMO BRASILEIRO
Fotografia de Inglês de Souza publicada no catílogo
n°22 da Academia B,asileira de Letras.
Biblioteca Nacional, Rio dc Janeiro
Inglês de Souza e o Regulamento de 1915
o dia 23 de maio de 1903, o empresário
N João Franklin de Alencar Lima, investidor
em estradas de ferro, aSsumiU a presidência
da Caixa Econômica do Rio de Janeiro, à
frente da qual ficaria por mais de dez anos,
até a posse de Herculano Marcos Inglês
de Souza, em 11 de dezembro de 1913.
Alencar Lima era também um "rentista'
ou seja, uni investidor que vivia de
i-endas. Sua escolha e longa permanência
no cargo, que se estendeu pela gestão de
quatro presidentes da República (Rodrigues
Ah'es, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes
da Fonseca), comprova que, mesmo em
pleno regime republicano, continuavam em voga
deterni inações do Império.
Sim, porque, mais de 30 anos antes da
escolha de Alencar I,irna, o visconde do Rio Branco
afirmara, em 1871: "Os membros do Conselho
podem sair de qualquer classe, mas especialmente
dentre os capitalistas e negociantes conceituados, que
tenham algum tempo disponível para o dito encargo,
cujas funçõ es, como se sabe, são gratuitas, ,nas
consideradas serviços relevantes por Sua Majestade
Imperial". Até a assinatura do Regulamento de
1934, os cargos diretivos da Caixa Econômica
continuaram sendo exercidos gratuitamente.
Mas é claro que, além da mera gratidão dos
dirigentes (tanto do Império quanto da República),
a presidência da Caixa Econômica era posto que
conferia prestígio e vantagens. De que outro
modo se pode entender que uma figura pública da
relevância de Herculano Marcos Inglês de Souza
aceitasse assumir o comando da instituição em lI
de dezembro de 1913? O que, além de prestígio e
vantagens, poderia a Caixa oferecer que Inglês de
Souza já não possuísse?
Nascido em 1853, em berço de ouro, no seio
de uma família tradicional do Pará, Herculano
Marcos tinha percorrido, com louvor, a trajetória
típica da elite brasileira de então: após estudar
nos melhores colégios do Maranhão e do Rio,
iniciara o curso de Direito na respeitada faculdade
do Recife, em 1872, completando-o seis anos
mais tarde no largo de São Francisco, em São
Paulo. No ano de sua formatura, fez uni bom
casamento, com uma parente de Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada e Silva, um dos mais influentes
magistrados e politicos paulistas da época. Em
1880, foi nomeado presiden te da província de
Sergipe e, três anos mais tarde, presidente do
Espírito Santo. "Nas duas províncias' revela o
historiador Jeffrey Needell, "destacou-se graças
à habilidade política, capacidade de reforma
institucional, integridade e eficiência".
Ogolpe republicano de 1889 afastou-o do
jogo político, embora o marechal Deodoro o
tivesse sondado para assumir a Presidência de
pelo menos um dos estados da federação. De
todo modo, Inglês de Souza lucrou muito com
 CAIXA: 150 ANOS DE UMA IlISlÓRIA BRASILEIRA 99

a República: associado ao financista Francisco em 1890. Deputado federal por Minas Gerais em contempladas pelo Decreto n° 11.820 foi a dos

de Paula Mayrink (1838-1906), ficoU milionário várias legislaturas (condição na qual elaborou a juros. Apesar disso, a taxa de juros ficou em aberto,

durante o Encilhamento, ajudando a organizar Lei Calógeras, regulamentando a propriedade das que significava que poderia ser mudada de

Banco de Melhoramentos e a Companhia minas), ele participaria da Conferência de Paz em acordo com os rumos da economia e as estratégias

Agrícola, Industrial e Colonizadora de São Paulo. Versalhes, que formalizaria o final da Primeira do governo. Segundo o regulamento, as quantias

De maneiras aristocráticas e grande refinamento Guerra Mundial. No governo Venceslau Brás, foi depositadas nas Caixas Econômicas, suas filiais

na conversação, escritor de renome, tido como o ministro da Agricultura, Comércio e Indústria, ou agências seriam, necessariamente, de 1 $000

pai do naturalismo brasileiro (leia ensaio de Luís ocasião em que chegou a estudar a substituição (mil-réis) ou seus múltiplos e sobre elas incidiria o

Augusto Fischer na página 100), calmo e educado, da gasolina pelo álcool como combustível e deu juro anual "determinado pelo governo segundo as

rico e generoso, o barbudo Inglês de Souza início às operações de crédito agrícola. Na pasta circunstâncias locais' Quem tirasse o dinheiro antes

soube mover-se com suavidade e firmeza pelos da Fazenda, além de participar da criação do novo de se completarem 30 dias perderia os juros.

meandros da política e do alto mundo. Foi um dos regulamento da Caixa, reorganizou o Banco do De acordo com o decreto, as Caixas

fundadores da Academia Brasileira de Letras, da Brasil. Seria ainda ministro da Guerra no governo Econômicas continuariam sob garantia do governo

qual redigiu os estatutos e foi tesoureiro por mais Epitácio Pessoa (1919-1922). federal. Novas agências poderiam ser abertas

de urna década. Em dezembro de 1913, assumiu a A eleição de Venceslau Brás Pereira Gomes, em em qualquer parte do território nacional, desde

presidência da Caixa, seis nieses antes da eclosão março de 1914, referendara a política do café com que comprovada sua viabilidade econômica.

da Primeira Guerra Mundial. leite, segundo a qual São Paulo e Minas Gerais se Eram consideradas autônomas as Caixas que

No ano seguinte ao inicio da guerra, e revezavam no poder. Nascido em 26 de fevereiro de tinham renda própria capaz de garantir o

passados 26 anos do movimento militar de 15 de 1868, no município de ltajubíí, atual Brasópolis, em funcionamento, reservas e patrimônio, situação

novembro de 1889, as Caixas Econômicas e Montes Minas Gerais, Brás integrou a primeira legislatura na qual se enquadravam apenas as Caixas do

de Socorro finalmente receberam a devida atenção da Assembleia mineira e obteve várias reeleições. Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul,

do governo republicano. Em 15 de dezembro de Em 1910, aos 42 anos de idade, chegou ao cargo de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. As demais

1915, o presidente Venceslau Brás (que tomara posse vice-presidente da República no governo de Hermes permaneceriam ligadas às Delegacias Fiscais.

em novembro de 1914) e seu ministro da Fazenda, da Fonseca, elegendo-se seu sucessor e tomando Conforme o economiário Paulo Martins,

João Pandiá Calógeras, assinaram o Decreto n° posse em novembro de 1914. Regulamento de 1915 era "bem organizado,

11.820 (publicado no Diário Oficial de 21 de de redação clara e concisa, abrangendo toda a

dezembro), estabelecendo um novo regulamento O novo regulamento da Caixa, erigido matéria que se fazia mister regulamentar". Isso é

para as Caixas Econômicas. um ano depois, sob o comando de Calógeras e um sinal claro de que a mão e a pena de Herculano

Pandiá Calógeras nasceu no Rio de Janeiro em Brás, destinava-se a enfim conferir à instituição Marcos Inglês de Souza estiveram por trás daquelas

19 de junho de 1870, formando-se em Engenharia moldes republicanos. Uma das primeiras questões inovadoras determinações.
100 CAIXA NA REPÚBLICA VELHA
O pai do Naturalismo no Brasil
escritor se conhece pela obra,
n aturalmente, mas também pela imagem
que deixa para os pósteros. O caso de Herculano
Marcos Inglês de Souza, nascido na pequena
Óbidos, no Pará, em 1853, pode ser lido assim.
Amor de quatro romances, um deles o famoso
O Missionário (de 1888, publicado em 1891), e
de um livro de contos (Contos Amazônicos, de
1892), não chegou a ser um escritor de primeiro
plano nas letras de seu tempo; isso, porém, não o
impediu de ser fundador da Academia Brasileira
de Letras, compartilhando a mesa de chá com
os génios nacionais (e várias mediocridades
oportunistas) e redigindo os estatutos da
associação presidida por Machado de Assis.
E não por acaso: Inglês de Souza era um
jurista respeitável. Após lançar-se como escritor de
ficção (O Cacaulista, de 1875; seguido de 1-listória
de um Pescador, de 1876; O Coronel Sangrado,
de 1877; e sua obra máxima, O Missionário),
de certa altura em diante só escreveu estudos
jurídicos, entre os quais se contam Títulos ao
Portador no Direito, de 1898, e os projetos
para o Código do Direito Privado, de 1903, e
para o Código Comercial, de 1912, além do
Regulamento de 1915, que inovou a estrutura
das Caixas Econômicas. Entre a formação
jurídica e as obras ficcionais, fase ocorrida entre
sua terra natal, São Luís do Maranhão, Recife
e São Paulo, e a maturidade como professor e
autor do Direito, a partir de 1892, já no Rio,
está sua experiência político-administrativa.
Do ponto de vista estritamente literário, ele
próprio sabia que seus livros deviam em qualidade
Em enquete que respondeu ao grande João do Rio
nos primeiros anos do século 20, afirmou preferir,
no conjunto de sua obra, 0 Missionário; mas não
fantasiava: "É espesso e palavroso; tem, pelo menos,
cem páginas a mais' Iviesmo assim, sua obra entrou
para a rotina dos manuais de história da literatura
por uma boa razão: nela podemos visli.,mbrar os
primeiros lampejos da estética naturalista, cujo
apogeu, no mundo das letras nacionais, se dará com
Aluísio Azevedo (em O Cortiço, por exemplo). Não
que Inglês de Souza fosse um cultor programático
da narrativa naturalista, como em certo momento
o foi Eça de Queirós em língua portuguesa e
mais ainda Émile Zola em língua francesa; mas é
certo que no retrato que fez daquele missionário
está inscrita a certeza de que o homem éfruto de
condicionantes externas a si, de que o homem não
comanda seu destino. (Isso seio mencionar outra
excelente razão: é também dele o pioneirismo de
registrar literaria,nente seu Pai-á natal.)
Inglês de Souza assinou seus primeiros
livros como Luís Dolzani, homenageando sua
avó Carlota, filha de imigrantes italianos com
esse sobrenome; depois resolveu adotar os dois
sobrenomes que o tornaram conhecido. Sobrenomes
que, por sinal, poderiam ter servido a um escritor
brasileiro muito mais famoso, o modernista Oswald
de Andrade, cuja mãe, Inês, era irmã de nosso
escritor e jurista. Oswald guardaria do tio pelo
menos uma grande memória de gratidão: "Sendo
ele um literato, não soou mal esta palavra em
casa, quando, muito cedo, eu me declarei também
disposto a escrever' Mas Inglês de Souza não
chegou a saber dessa pequena e familiar glória
póstuma. Faleceu a 6 de setembro de 1918, no
Rio de Janeiro, antes que seu talentoso sobrinho
usufruísse do beneficio da singela herança, enfim
conectando a literatura brasileira com o século 20.
Luís Augusto Fischer
 CAIXA: 150 \NU 1)1: LL\ IIISJ)RL\ ItkAINIiL\ 101

A Caixa e a Semana de 22

M enos de quatro anos após a morte de

Herculano Marcos Inglés de Souza, o
Brasil ouviria falar - e com estrépito - de seu
sobrinho, o poeta José Oswald de Sousa Andrade.
Milionário e bon vivant, excêntrico, boêmio e
desregrado, dono de uni fulgurante Cadillac
verde (que comprara apenas porque o carro tinha
cinzeiro), usando escandalosas luvas brancas com
losangos negros, Oswald de Andrade (1890-1954)
era uni inconti-olávei iconoclasta, uni audacioso
clown. Uni desabusado. Em 1917, por uni desses

acasos que mudam o rumo da história, ele havia

conhecido e se unira, intelectual e espiritualmente,
a uni homem que era quase o oposto dele. Génio
gentil e generoso, dono de unia erudição sólida
e sossegada, tímido e comedido, Mário Raul de Caixa de São Paulo (Mário, cujo pai, (arlos Augusto escancarou novas dimensões para a poesia, a literatura,

Morais Andrade (1 893-1945) era poeta como de Andrade, entrara para a instituição no dia de sua a música e a pintura brasileiras. Ë interessante assinalar

Oswald e também queria mudar o mundo. 'lão fundação em São Paulo, em 25 de janeiro de 1875, e que, tendo por palco o Teatro Municipal de São Paulo,

logo eles uniram suas mentes brilhantes e inquietas, que, àquela altura, já ascendera ao posto de gerente da a Semana de Arte Moderna desenrolou-se a poucas

transformando-se em "Oswaldário dos Andrades' ou agência central) tornaram-se, ao lado de gênios como centenas de metros da sede da Caixa Econômica de

"Marioswald de Andrade" o mundo de fato niudou. Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti e Anita Malfatti, os São Paulo, na época instalada lia Travessa da Sé.

Osobrinho de uni ex-presidente da Caixa principais articuladores da Semana de Arte Moderna. Uma fotografia da equipe da Caixa

(Oswald) e o filho de uni porteiro e contínuo da
Realizado entre 13 e 17 de fevereiro de 1922, o evento
Econômica do Rio em 1922 também ajuda
a estreitar os vínculos entre a instituição e a
Semana de Arte Moderna: não há como deixar
de notar a semelhança no estilo e na pose dos
economiários (embora eles ainda não fossem
chamados assim) com a pose e o estilo dos
artistas que mudaram a cara do Brasil, por
mais enganosas que as imagens possam ser.

ACIMA - A TURMA DE 1922

Artistas que participaram da Semana de Arte Moderna.
Biblio5ea Mssniripal Mário do Andrade, São Paulo

À ESQUERDA - A OUTRA TURMA DE 1922

Funcionários da Caixa Econômica do Rio.
Museu da Caixa, Brasília
102 CAIXA NA REPÚBLICA VELHA
UM. 93 SABDADO 12 DE MARÇO DE 1910
COEI.IfO NETTO —o dtputado da IittoBlnro.
Henrique Maximiliano Coelho Neto (1 864-1934)
foi um dos escritores brasileiros mais prolíferos de
todos os tempos. Lutando a vida inteira contra a
pobreza, ele o fez com o auxílio de um exército
de palavras: suas obras completas enchem 27
volumes. Sua 1inha de montagem' literária produzia
mercadorias verbosas que, se não configuravam
a melhor prosa do mundo, vendiam bem - o
que era o que realmente interessava. Embora
Lima Barreto o considerasse "o mais nefasto
dos intelectuais brasileiros", Coelho Neto - que
inaugurou a cadeira número 2 da Academia
Brasileira de Letras - produziu crônicas saborosas
sobre o dia a dia do Rio de Janeiro do início
do século 20. Evidentemente, não iria perder a
oportunidade de comentar, nas páginas do Jornal
do Brasil, a notícia publicada pelo mesmo diário
em 10 de fevereiro de 1924 (reprodução na página
ao lado), dando conta de um acontecimento
extraordinário ocorrido na Caixa Econômica do Rio.
USINA I.ITERÁRIA
Caricatura de Coelho Neto publicada
pela revista Careta em 1924.
Biblioteca Nacional, Rio do laneiro
P. 103 - O GAROTO DA CAIXA
Reprodução da página do Jornal do
Brasil de 10 de fevereiro de 1924.
Museu da Caixa, Brasília
ANNO II
Um enviado.., extraordinário
caso singular desse infante que nasceu na Caixa
Q Econômica merece ser meditado.
Os áugures que tiram horóscopos deviam sondar
ofuturo de tão previdente pimpolho, que entrou na
vida, cautelosamente, pela porta estreita da economia.
Certamente a ideia de nascer naquele sítio
de poupança não partiu do cérebro de quem ainda
estava na casca, como o pinto do latim macarrônico.
Aquilo sucedeu por força do destino. Estava escrito
no céu em letras de ouro que assim havia de ser, e
foi. Há lá quem possa corrigir as leis do fado!
O que tem de ser tem muita força, diz a
sabedoria do povo, e contra a genitura não há
resistência. Assim como quem nasceu para dez réis
nunca chega a vintém, quem nasceu para conto de
réis, ainda que o câmbio baixe a zero, há de sempre
manter o seu valor. Sina é sina.
A dama que transformou em maternidade
a Casa da Formiga podia esperar tudo,
menos o que lhe aconteceu, com tão feliz
sucesso, entre cadernetas e cheques.
Saiu de casa levando o seu pé-de-meia para
depositá-lo em seguro. No bonde, com os solavancos,
sentiu os primeiros rebates da gênese. Pensou que
fosse coisa passa geira e deixou-se estar; o aviso,
porém, foi se tornando alarma e começaram as dores.
Não havia de que duvidar. Era a hora.
Que fazer? Atrasar o relógio? O relógio da vida
não se atrasa. O remédio era correr; correu e, mal
chegou à Caixa, sem tempo, sequer, para dizer: "Água
vai!': fez o depósito do que, em meses, acumulara
com as melhores esperanças e coração alegre.
Os funcionários viram-se aba rbados com
aquela economia de nova espécie. Como inscrevê-la
na caderneta? Onde guardá-la?
Para resolver caso tão difícil só um
Salomão, e esse Salomão apareceu na figura de
um contínuo, que ponderou e com razão:
"Os pais costumam dizer que os filhos são
penhores do seu amnor' Sendo assim, parecia-lhe
mais natural que o pequeno fosse transferido da
Caixa Econômica para o Monte de Socorro, que é a
repartição em que são recebidos os penhores.
A mãe opôs-se com todas as suas J'orças:
"Não!" Não queria seu filho no prego. Foi então
que um dos funcionários cortou o nó górdio, ou
cordão umbilical, com o que tornou independente
recém-nascido, dando-lhe foros de cidadão, com
direito ao voto. E por proposta da ternura maternal
depósito ficou com o nome de José.
Efoi assim que, tendo apenas levado de casa
um pé-de-meia, tornou a dama com outras peças de
vestuário envolvendo o que nascera onde medram os
juros da economia do pobre.
Por haver nascido entre as cadernetas,
quiseram os que testemunharam o caso
assinalá-lo, e para talfim foi corrida generosa
subscrição entre os funcionários, sendo, com
produto da mesma, aberta uma caderneta
com o nome do recém-nascido, que, assim, fez
a sua entrada na vida com o pé direito.
A quantia arrecadada ficou rendendo - é uma
semente de riqueza que, daqui a alguns anos, se for
bem tratada, será uma árvore de patacas, como as
que havia outrora.
Eis um exemplo a seguir. Recomendo-o às que
se acham em estado de o poderem aproveitar, isto é,
interessante, para que imitem o procedimento dessa
mãe que soube escolher nascedouro para o filho.
Se a Caixa Econômica, que, em virtude do seu
nome, não pode, não deve correr perdulariamente os
cordões da bolsa, abriu uma caderneta para o que
nasceu muros adentro, imaginem o que não J'arão o
Tesouro Nacional, o Banco do Brasil e tantos outros

estabelecimentos de crédito, nacionais e estrangeiros,
que por aí há, com os que tivereni a fortuna de lhes
nascer entre a carteira e o cofre.
E haverá cenas curiosas: umas a queixarem-se
de má sorte por se haverem aliviado com o câmbio
baixo, recebendo uma miséria, até por gêmeos.
Outras lamentando só lhe haverem tocado marcos e
coroas austríacas depois de nove meses de sofrimento.
Haverá de tudo: contentes e descontentes -
umas abotoando-se com cautelas valiosas; outras
carregando pilhas e pilhas de papel de embrulho e
resmungando, com decepção:
- Para isto, francamente, não valeu a pena
tanto trabalho.
Tornemos, porém, ao nosso José, o que nasceu
na Caixa Económica. Cá para mim, esse pequeno
é um enviado da Divina Providência: veio do céu,
como a missão inglesa veio de Londres, para refazer
que tantos patriotas arrasaram; pagar, à boca de
vários cofres, a dívida do Brasil e realizar o sonho
de todos os nossos economistas, convertendo em
ouro o papel reles em que andamos embrulhados.
Esse pequeno é o Messias financeiro ou, talvez,
uma reencarnação do famoso José, filho de Jacó, o tal
que foi vendido pelos irmãos e que, depois da figura
triste que fez com a mulher de Putiphar, reabilitou-
se graças ao dom de haríolo que tinha, interpretando
os sonhos do faraó, com o que salvou o Egito da
fome de sete anos, abarrotando-o com os víveres
acumulados durante o tempo da fartura.
O Estado devia tomar a si esse menino, dando-
lhe mestres para dele fazer oportunamente o seu
ministro da Fazenda. Econômico, pelo menos, havia
de ser (e já não seria pouco), tendo nascido onde
nasceu: na Caixa Econômica.
Coelho Neto
O GAROTO DA CAIXA ECONOMICA
Uma scna de "vaudevllje" Economica. Cõmo prepagaa
passou-se, ante-hontem na Caixa não podia ser melhor. na mnita
Economica. gente,, por ahi, que nuua, tomou
Estava a digna inst1tnlçao em conh'éclnieito de que a Cafxà
pleno funocionamento dc sua en- Economj,ca existe, O garoto,
grenagem de "caça-nickels" agora, explicou...
"caça-nlckels" respeltavel e util A força de um palz est4. na
- quando se ouviu um grito, economia -de seu povo.
varios gritos de mulher: O poderio da França se aeha
- Ai! Ai! Ai! no "bas de laine" de seu campo-
Um crime? Um assassinato? nez. Foi com essa tormldavel
Um suicidio? Uma morte v10 organização da economia que-
lenta? Que teria acontecido 9 08 francezes conseguiram págar
- Ai!. Ai!. Ai!. dentro das 24 horas a tremends
Os funccionarios acudiram. indemnização exigida pela Alie-
'Precipitaram-se Os grito se manha depois da guerra de 18O.
:ornavam cada vez mais agudos! O brasileiro tem vrgonhs-- de
- AI!.. Ai!.. Ai!.. economizar. Acha feio. Acha
Mas qual não foi o espanto de deselegante. O bonito é ser gas-
oda aqueila honrada repartição tador, prodigo, perdularlo. E
rendo que um futuro cidadão da quando o brasileiro economiza
atria - por emquanto muito é para poder gastar mais violen-
'ermelhinho ainda - tinha se tamente depol.- O carnaval, por
embrado de vir á luz, á luz do exemplo, é uma das maiores ra-
lia e da vida, naqueile local. zões que elie encontrou para eco-
izudo onde dormem as eco nomizar. E' delicioso
om1as do povo e onde, geral- Não é de espantar, pois, que,
aente, não nasce ninguem... não tendo um espirito de eco-
Mas era preciso completar a nomia, de organização da eco-
bra da natureza. A isso se pres- nomia privada, o brasileiro seia
ou com muito boa vontade um individuo mais pobre dentr
'unccioaario da casa, tambem de seu proprio paiz. E é o que
uedfco, o Dr. Armando do Pi- acontece l
ho. Que a gratid5o'da Patria Desde a venda da esquina até
as grandes emprezas, tudo se
á a elie e á sua thesourinha!
Logo depois de cortar o cordão .acha na mão do estrangeiro. São
:mbelical, fazendo de uma crea- honrosissimas e rarissimas as
ura duas creaturas,. Dc: Ar. excepções dos lndustriaes e dos
nando do Pinho, não se esque- mil1lonaios patricios. São cita-
endo de que, aldm de medico, dos como phenomenos...
mra, principalmente, funcciona- O brasileiro, em geral, é essa
creatfra pailida, mal alimen.
'lo da Caixa Economica, tratou
mmediatamenta de abrir uma tada, e sem conforto na vida,
aderneta para o recem-nascido. que se vê nos cafés, perambu-
i cumpriu pela segunda vez o lando da Um lado para o outro
eu dever... á espera de um emprego publico
ou de um exame por decreto. E'
Feita uma subseripção pelos triste mas. é a generalidade !
iresentes, o garoto da Caixa Euma das razões desse estaéc,
conomica, dez minutos depois, de cousas é o desconhecjinent
te nascido, já tinha o seu profundo que o brasi'eiro te-u
iinhelrinho seguro: 243$000 da organização eonomica da
reança previdente; não ha da, vida. Gasta sempre mais do qu-
,,idai e que começa bem a vida! tens O "deficit" é uma in5t,
Se o garoto escapar dos, "mor- tuição nacional. Na fortuna: pi.
tedores" das 1 cc6es entre ami- b)ica como na particular.
os," dos lançadores dei socieda- Foi, pols, uma boa idéa, a de
les anonymas, e dos turcos a se garoto, ,Bascer na Caixa Ec
)restações—hontenl mesmo já nomica. --.Veiú- no relembrar
Lavia umapoção de- cavalheiros existencia da util instituição
- odeando a pobre creança e sua Eu tambern confesso, como bou
aderneta - é possivel que vè- brasileiro que sou, que tambeni
ha a fazer grandes coas s nesta defla me havia esquecido ha
'ida onde já consegiiu ganhar muito tempo.
m dez minutos de existencla Façamos, pois, urna cousa. -
com aJuns berros, a respei- Hoje, mesmo, - hóje não po,
avel quantia de duzentos e é domingo - mas amanha
luarenta e tres mil réis rn falta, vamos 'àbrlr para, os
Começou bem. Múito bem mes- nossos flflkÕ uma- cadernetat
no. E' cõnttnuar... Caixa Economica.
Esse garoto vezii prestar um, Não esperemos une sUes 1
rande serviço ao iiaiz Vere- nascam!..
mbrar a existeeia' 'da- caixa. Br o.taIJ.t.
/ o- 9 - 2.
-
 *-

_________________1. l_1
•

V -

1
LUTAS DO POVO BRASILEIRO

OS PRIMÓRDIOS DA COLUNA PRESTES

m homem pequeno, trajando calça de montaria larga, culotes subindo pelos
joe'hos, aproxima-se do oficial de dia. Ele exibe as insígnias de capitão e
suas mãos, provavelmente trêmulas, seguram um pedaço de papel. Era um
telegrama - e assinado pelo comandante da 3' Região Militar. O documento
continha ordens expressas: a chefia do lo Batalhão Ferroviário de Santo Ãngelo deveria
passar imediatamente para o capitão Luís Carlos Prestes.
O episódio não era mais do que um ardil. Prestes, o oficial de baixa estatura, estava
tomando uma atitude temerária e desafiadora. Ele próprio forjara o telegrama com o
objetivo de assumir o comando da tropa e envolvê-la num levante revolucionário. O major
Siqucira Montes, comandante do 1° Batalhão, sequestrado pelos conspiradores, nada pôde
fazer para evitar o embuste ocorrido em 29 de outubro de 1924.
"Há quatro meses a tio que os heróis de São Paulo vêm se batendo gloriosamente
para derrubar o governo", escreveu Prestes no panfleto que tratou de distribuir à população
local. Datado daquele mesmo dia, o documento ficou conhecido como "Manifesto de Santo
Ãngclo". O capitão referia-se ao movimento liderado pelo general Isidoro Dias Lopes, pelo
major Miguel Costa e pelo tenente Joaquim Távora, cujo objetivo era impedir a posse do
presidente eleito Artur Bernardes - o inimigo número um dos militares. Era mais uma etapa
do movimento revolucionário que passou à história com o nome de Tenentismo.
No Rio Grande do Sul, os tenentes insatisfeitos esperavam uma oportunidade para
se revoltar desde a imposição do Pacto de Pedras Altas, que dera fim à Revolução de 1923,
mas mantivera o governador Borges de Medeiros no poder. A hora parecia ter chegado.
Embora não tenham conseguido segurar São Paulo por mais de três semanas, as tropas
do general Isidoro Lopes conquistaram Guaíra, no Paraná, e lá estabeleceram seu quartel-
general, enfrentando com ferocidade o exército legalista comandado pelo general Rondon.
No momento em que Prestes tomava a cidade de Santo Ãngelo, Juarez Távora (irmão de
Joaquim) e João Alberto chegavam ao Rio Grande do Sul com a intenção de continuar
insutiando a revolta nos quartéis. Logo em seguida, as guarnições de São Luiz, São Borja
e Uruguaiana, todas no oeste do estado, também se rebelaram. Em Alegrete, o caudilho
Honório Lemes, veterano de diversas revoluções, juntou-se aos rebeldes.
106 LUTAS 1)0 'O\() RItASI uRo

Gonzaga permaneceu sob o controle de Prestes.

Contalidc) com cerca de três mil homens,

Luís Carlos Prestes, encurralado por 10 mil

soldados legalistas, passou em torno de dois meses
imobilizado na cidade. Em fins de dezembro de

1924, os rebeldes gaúchos foram comunicados de

cine deveriam marchar para o norte, atravessando

Santa Catarina, para juntar-se aos rebeldes

paulistas então estabelecidos em Guaira Mais de

mil gaúchos desertaram. Os dois mil restantes,

sob o comando de Prestes, foram capazes de

romper o cerco e se puseram em movimento.

Depois de batalhas ferozes, chegaram ao Paraná

em abril de 1925. No dia 12, numa reunião entre

os generais Isidoro e Bernardo Padilha, o major

Miguel Costa e o tenente Prestes, decidiu-se

prosseguir a niarcha e invadir Mato Grosso.

Formou-se então a Primeira 1 )ivisão

Revolucionária, que ficaria conhecida com o nome

de Com na Miguel Costa- Prestes, OU simplesmente

Coluna Prestes. Coluna essa que protagon izaria,

ao longo de dois anos, a marcha mais épica

da história do Brasil, percorrendo cerca de 25

- ..i. mil quilômetros por 15 estados do pais. Com

—A. —
;t. seu quixotismo, seus sonhos e utopias, o fosso

existente entre suas intenções e ações, seu eventual

heroísmo e sua violência latente, a Coluna Prestes

se transformaria em sinónimo de um dos mais

dramáticos, controversos e simbólicos capítulos da

luta revolucionária no Brasil.

Como não restam dúvidas de que a adesão de

-.:»•-
ti
Prestes à causa rebelde e o começo de sua marcha

se deram em Santo Ãngelo, a cidade preserva a

A LONGA MARCHA
Atacados de surpresa quando marchavam memória de tais acontecimentos, lá foi erguido
Os com/ia tentes da Coluna Prestes deram início á sua
marcha épica a partir do mol'i,ncnto que cclodiu na em direção a Alegrete, os exércitos rebeldes foram o Memorial Coluna Prestes. 1 naugiurado em 17
cidade de Santo A ngelo, o o Rio Grande do Sul.
Memorial Calunia Preste.,. SanU, A upa la/Ri
destroçados na batalha de Guaçu- Boi. 1-lotes da de dezembro de 1996, o memorial é composto
Cunha, antigo inimigo de 1-lonório Lemes, leve a por dois museus e dois monumentos, um deles
P. 104- PRESTES E SEUS HOMENS
Chamado pelo escritor Jorge A mudo de "O Cavaleiro da glória de fazer valer sua experiência. Então, Lemes projetado pelo arquiteto Oscar Nieinever e colocado
Espera nça ", Luís Carlos Prestes liderou a marcha que e OS tenentes 'lávora, João Alberto e Cordeiro de na entrada da cidade, e outro JLinto ao próprio
acabaria inspira udo o líder chinês Mao Tsé-Iiung.
Fundação GaiolA, Vargs/CPl)OC Farias se rei ugiaram na Argentina. Apenas São Luís Memorial, de autoria do escultor Maurício Bentes.
 CAIXA: 150 ANuS DE 1'\Ir\ I-IISTÕRIA BRASILEIRA 107

A maior parte do acervo foi reunido graças à

colaboração da família de Prestes e está exposto no

prédio da antiga estação ferroviária. Inaugurada

em 1921, a estação se tornou o primeiro imóvel

tombado de Santo Ângelo e faz parte do patrimônio

histórico desde 1984.

A chegada da linha férrea trouxe um

grande impulso para o desenvolvimento da

região. A estação seria palco e se veria no centro

dos momentos de maior tensão política e social

ocorridos na zona das Missões - não apenas em

1924, com a rebelião de Prestes e a adesão do 10

Batalhão Ferroviário de Santo Angelo à causa L[jTj

revolucionária, mas tanibém em 1930, quando da

eclosão do movimento liderado por Getúlio Vargas,

e mais tarde, no momento em que foi deflagrado o

golpe militar de 1964.

O Manifesto de Santo Angelo, preservado no

Memorial, mantém-se como um dos textos mais

incendiários e pungentes assinados por Luís Carlos

ÍuIÍ
Prestes, o homem que o escritor Jorge Amado

batizou como "o cavaleiro da csperança'

Há mais de meio século a Caixa está aqui em Santo

Ângelo, onde Luís Carlos Prestes iniciou sua marcha.
Aberta em janeiro de 1950 - na mesma época em
que Getúlio Vargas tomava posse como presidente
eleito -, a principal agência da Caixa em Santo
Ângelo atualmente possui quase 50 mil clientes,
entre eles 60 famílias guaranis, remanescentes do
povo indígena que habitou as Missões Jesuíticas e
que hoje recebem os benefícios do Bolsa-Família. O
músico regionalista Cenair Maicá, já falecido, foi um
dos correntistas famosos a ter poupança na agência
de Santo Ângelo (acima).
À esquerda, o prédio da estação ferroviária
onde funciona o Memorial Coluna
Prestes. Ao lado, o monumento de Oscar
Niemeyer em homenagem à Coluna.
108 CAIXA \ IJ'L]lI li .\ \ 1 1
A sala da Caixa Econoim*ca éum
mostruario de emoções!
Uma hora da sua intimidade vale pelo romance
mais emocionante e paradoxal
II vlhfl 9HdpXId,
26 DE SETEMBRO DE 1929
Manchete do jornal Correio da Mau hã.
Museu da Caixa, Brasilia
o sonha do ôVô leliz eilh1w'Ia do mnvo rico --
na nllJnia pm>wM da ninua trt
A Caixa e a gripe
uatro anos antes da Semana de Arte Moderna,
Q e seis antes do nascimento do "garoto da Caixa
Econômica' uma epidemia de gripe espanhola assolou
opaís, matando milhares de pessoas, principalmente
no Rio de Janeiro e em São Paulo, entre os meses
de outubro e dezembro de 1918. Só em São Paulo
foram cerca de oito mil óbitos em uma semana ao
longo daqueles fatídicos meses. O presidente da
República, Rodrigues Alves, reeleito para um segundo
mandato, contraiu a doença e morreu em janeiro
de 1919, sem tomar posse. A devastação provocada
pelo vírus também atingiu os servidores da Caixa
Econômica de São Paulo, COntO mostra o comovente
relato do gerente Joaquim Alves Corréa, coletado pelo
economiário Paulo César Ribeiro em sua História da
Caixa Econômica Federal de São Paulo:
"Devido à epidemia de gripe, durante o mês
de novembro h.ttarnos com grandes dificuldades
para fazer funcionar regularmente a repartição,
o que conseguimos graças à boa vontade de um
peque/lo número de funcionários não atingidos pela
moléstia. Durante os meses de novembro e dezembro
ulilififi ffifiofilid
tornou-se muitíssimo difícil o serviço de retiradas,
devido ao fato de terem ocorrido grande número
defalecirnentos de depositantes e seus herdeiros
c.le,nandarem o leva uta incuto dos respectivos
depósitos para acorrer às despesas de enterro etc.
Neste particular, fomos tn uitíssimo auxiliados pela
ação benéfica e humanitária dos M. M. Juízes de
Órfãos e Ausentes das 1" e 2" varas desta capital.
O Conselho Administrativo resolveu abonar as
faltas dos funcionários atingidos pela epidemia'
'1manha dedicação ajuda a explicar por que,
mesmo em períodos de crise e instabilidade, a Caixa
continuou crescendo. Tanto é que, no decénio 1914-
1923, somente a Caixa do Rio de Janeiro realizou
2,292 milhões de operações, movimentando mais
de um milhão de contos (1.042.309:471$537). Tal
crescimento pode ser avaliado com mais precisão
quando se sabe que o balanço de 1914, de quase 38
mil contos (37.783:955S079), passou, dez anos depois,
para mais de 207 mil contos (207.589:876$523), com
abertura, somente no ano de 1923, de mais de 25 mil
novas cadernetas de poupança.

O crack de 1929
E ntre 1923 e 1929, as Caixas Econômicas
mantiveram o ritmo ascendente. E, então,
primeiro Nova York, depois os Estados Unidos
e a seguir todo o mundo mergulharam cm unia
das maiores crises econômicas da história. 'ludo
começou numa terça-feira, dia 29 de outubro de
1929, a Black luesday, quando a Bolsa de Nova
York, inflamada por um movimento especulativo
similar (mas imensamente superior) ao do
Encilhamento, explodiu e quebrou, arrastando
milhares de fortunas e fábricas, empregos e
esperanças. O Brasil acabou duramente atingido
pela crise mundial, e o presidente Washington Luís
(que tomara posse em novembro de 1926) viu-se
envolvido na convulsão. Antes do final de 1929, já
havia dois milhões de desempregados no país:_79
fábricas fecharam somente no Rio e em São Paulo.
Os salários caíram entre 40% e 50%, e o preço
do café deSpenCou de 200 mil-réis (em agosto de
1929) para 21 mil- réis (em janeiro de 1930).
Mas os opositores do "Dr. Barbado" (como
Washington Luís era ironicamente chamado) não
estavam interessados em associar os descalabros
da economia brasileira ao caos mundial. Para eles,
tudo era culpa do presidente, como revela o artigo
extraído do Diário Carioca do dia 5 de fevereiro de
1930, que se serviu da situação vivida pela Caixa
Econômica do Rio para atacar o presidente.
"O presidente da República pode orgulhar-se
de ter escangalhado finalmente o país de um modo
definitivo. Tudo está arrebentado, tudo está falindo.
As forças vivas da nação estão exaustas, aniquiladas
por completo, havendo por toda a parte o êxodo
dos trabalhadores. A indústria desorganizou-se e
faliu. As fábricas estão quase todas fechadas e as que
ainda não fecharam estão para isso. Os operários aí
estão morrendo de fome. 0 comércio é o que se vê:
CAIXA:l5i !)[ LMA IlIsi()RI.\ nI\sIIIIua 109
diariamente casas que fazem concordatas, firmas
que arrebentam dando formidáveis prejuízos.
"As próprias fontes de renda oficial estão
quase que aniquiladas. O exemplo mais frisante é
a Alfândega desta capital, cuja renda vai baixando
ejá atingiu 200 contos de réis (200:000$000)
diários, O povo está na miséria: de um lado a
falta de trabalho, do outro, o preço excessivo
dos gêneros de consumo; ainda de outro, as
difici.íldades de nwradia. E o governo continua
esbanjando, e para esbanjar ele só conhece uni
recurso: aumentar ano a ano os impostos. E ainda
se quererá dizer que não há crise e que tudo isso
é intriga da oposição. Entretanto, as casas de
penhores estão abarrotadas de tudo — até chapéus ACIMA - A PORTA DA RUA
A quebra da bolsa de Nova York, em 1929, foi urna das
e sapatos usados. Empenha-se tudo, E o que causas da eclosão da Revolução de 30, que afastou o
presidente Washington Luís do Palácio do Catete.
ninguém poderá negar, o que ninguém contestará Revisla O Cn:eirú/reprodução
é a documentação positiva que apanhamos ontem
ABAIXO - RUA D. MANOEL, 25
pela manhã, na porta da Caixa Econômica. Porta de entrada do prédio da Caixa Econômica do Rio,
em frente à qual os cariocas várias vezes se aglomeraram.
"Aí se vê tona massa compacta que vai
entrar no casarão onde se amontoa a economia
popular. A concorrência a este estabelecimento
de depósito éfantástica e aumenta dia a dia,
constituindo uma vei-dadeira romaria. Mas
que irá tanta gente ali fazei-? Ai.imentar seu
patrimônio? Proporcionar meios de maior renda?
Que vai então toda essa gente ali fazer? Essa
pobre gente ali vai, prernida pelas necessidades,
arrancar pouco a pouco, dia a dia, o pecúlio que
economizara em ol.itras épocas. É um atestado
flagrante, inconfundível, da miséria do povo":
Estava preparado o campo para um novo
golpe militar no país, que, como outros antes e
depois dele, passaria à história com a alcunha de
"revolução". Naquela ocasião, porém, a revolução
que rebentou em 3 de outubro de 1930 traria
grandes avanços para as Caixas de todo o Brasil.
LUTAS DO POVO BRASILEIRO

A REVOLUÇÃO DE 30

... o último dia de outubro de 1930, (;etúlio Vargas fez sua entrada
triunfal no Rio de Janeiro. Vestia uniforme militar, lenço vermelho
110 pescoço e um chapéu gaúcho de aba larga. Apesar de ele ter
viajado desde o Rio Grande do Sul de trem - unia jornada ruidosa
e apoteótica -, muitos de seus aliados cobriram a cavalo o percurso de 1.500
quilômetros. Eles cavalgaram pelas ruas da capital com um misto de desprezo e
admiração pelo esplendor urbano. Ao atingir o centro da cidade, amarraram suas
montarias ao pé do obelisco da avenida Rio Branco (a antiga avenida Central).
Foi unia cena emblemática. Para muitos dos revoltosos, aquela era unia forma
de deixar claro que unia nova visão de mundo chegava ao poder. Para inúmeros
moradores da capital, era unia vergonhosa profanação de uni refinado símbolo da cultura
europeia - tão venerada no Rio, ainda embevecido pelos requintes da Beile Épo que.
Ainda que Vargas estivesse pronto para se tornar um político ardiloso,
disposto a fazer concessões para se consolidar no poder, sua vida e sua carreira o
configuravam como herdeiro de unia longa tradição caudilhesca. Unia herança que,
ao usar o lenço e o chapéu, ele fazia questão de exibir. Boa parte da população do
Rio saiu às ruas para saudá-lo. De certa forma aquela foi uma luta do povo, pois,
embora protagonizada por estancieiros gaúchos, derrubou as oligarquias e acabou
recebendo a adesão popular. Eventuais protestos revelaram-se inócuos: depois
de anos de revoltas sangrentas e capitulações mais ou menos humilhantes, o Rio
Grande do Sul estava maduro para exportar para o resto do país seu modelo político
baseado no caudilhismo de influência artiguista e no republicanismo positivista.
A Revolução de 30 configurou unia vitória das forças estaduais, aliadas aos
contingentes rebeldes do Exército, sobre as forças legalistas. Mas aquela seria a
última vez que os estados poderiam enfrentar o governo federal: onze dias depois da
chegada ao Rio, Vargas, nomeado chefe do governo provisório cru 3 de novembro,
suspendeu a Constituição, designou interventores para os estados (exceto Minas
Gerais, governado pelo aliado Olegário Macid) e iniciou a formação de uni governo
fortemente centralizado, com economia estatizada e ímpeto intervencionista.
Começava urna nova era - de grande desenvolvimento para o Brasil e para a Caixa.
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CAIXA NA ERA VARGAS
1930 . 1 954

m 1930, dentre os grupos políticos Na histórica nianhã de 24 de outubro

dominantes, os gaúchos eram os de 1930, porém, ele era apenas um "modesto

menos dependentes do sistema amanuense de secretaria" que se dispôs a atravessar

econômico internacional e, portanto, a pé a cidade do Rio de Janeiro - na época com

os menos arruinados por seu colapso - contigurado cerca de 1,8 milhão de habitantes -, chegando à

pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. sede da Caixa a tempo de evitar que seus cofres

O presidente Washington Luís, um cafeicultor fossem saqueados por depositantes em polvorosa.

paulista, havia cometido vários equívocos políticos, Embora ainda lhe faltassem mais de 30 anos

mas a crise econômica mundial bem poderia para assumir a presidência da Caixa, o que só

ter derrubado qualquer presidente num país tão aconteceria em outubro de 1962 (no governo de

dependente dos mercados estrangeiros. um herdeiro direto da linha política de Vargas,

De todo modo, os efeitos da Revolução de o também gaúcho João Goulart) , Castilho teve

30, que levou o gaúcho (3etúlio Vargas ao poder de fingir que já ocupava o cargo. Essa foi a única

e inaugurou um novo ciclo na cena brasileira - forma que o zeloso funcionário encontrou para

entim conectando o país com o século 20, ainda conseguir proteção policial durante os tumultos

que com trés décadas de atraso -, acabariam se pós-revolução. Abandonado à própria sorte,

revelando bastante favoráveis à Caixa. Ao longo dos contando apenas com a cumplicidade do "senhor

vinte anos seguintes, a instituição experimentaria Silvestre", vigia do velho prédio da rua 1). Manoel

grandes avanços, abandonando o estado de "inação (construído meio século antes pelo conselheiro

improdutiva" no qual até então se mantivera. O início, Tolentino), Castilho foi capaz de impedir, graças

porém, foi turbulento. Nem poderia ser diferente, àquela ousadia, a invasão da massa enfurecida.

considerando-se as aflições do país nos dias que Depois, voltou para casa, ainda a pé -

antecederam e se seguiram àquele golpe de Estado. quem sabe sonhando com o dia em que não

Afortunadamente, o nascimento de uma relação que se precisaria mais mentir para ser chamado

niostraria íntima e favorável pôde ser reconstituido em de presidente. Vale a pena transcrever na

detalhes, e desde o primeiro instante, graças ao relato integra o relato do ex-datilógrafo, registrado

de Jeronvmo Pinheiro de Castilho, econoniiárlo que em seu saboroso livro de memórias, (.(isas

estava destinado a chegar à presidência da instituição. da Velha Caixa, publicado em 1983:

114 CAIXA NA ERA \'ARGAS
P. 112-0 NOVO DONO DO BRASIL
Efígie de Getúlio Vargas no anverso da cédula de
dez cruzeiros, emitida pelo Tesouro Nacional.
Museu de V,1.res do Banco Central do Brasil
"Naquela manhã do dia 24 de outubro de
1930, ouvi pelo Repórter Esso que havia terminado a
revolução. Fora deposto o presidente Washington Luís
e havia se instalado no poder uma junta governa tiva
composta pelos generais Tasso Fragoso, João de Deus
Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha.
"Soube mais tarde que a revolução já se
espalhara por todo o país desde o dia 3 de outubro,
mas o Rio de Janeiro tomara conhecimento dela
cerca de 20 dias após; em face da severa censura
exercida pelo governo, inclusive ignorava-se que
tinha havido combates em várias partes do país.
"No Rio, a situação ficara caótica com
distúrbios e violentas manifestações contra o
governo deposto. Fora empastelado e incendiado
O Paiz, jornal que defendia o governo, com sede à
avenida Rio Branco, esquina da rua 7 de Setembro.
Eu morava na rua Corcovado, n° 65, no alto
da rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico.
"Como de costume, preparei-me para
trabalhaC Desci a rua Lopes Quintas em
busca da minha habitual condução - bonde
ou ônibus. Depois de longa espera no ponto de
bondes e de ônibus à rua Jardim Botânico, no
local denominado Ponte de Tábuas, onde muita
gente se aglomerava, convenci-me de que não
haveria tão cedo condução de espécie alguma.
"Resolvi, então, seguir a pé, adotando o
seguinte percurso: rua Jardim Botânico, rua
Humaitá, rua Voluntários da Pátria, Praia de
Botafogo, Praia do Flamengo, Glória, rua da
Misericórdia e rua D. Manoel, sede da Caixa
Econômica, no número 25.
"Havia uma aglomeração iw portão principal
da Caixa Econômica. No lado de dentro do portão
estava o velho vigia, senhor Silvestre, a quem fiz
sinal para que me abrisse o portão, o que fez com
muito cuidado para evitar a invasão do público.
Entrei depois de, a muito custo, atravessar a
multidão. Subi para o gabinete do presidente e de
lá telefonei para o senhor Júlio Bitencourt, diretor
da secretaria, residente em Niterói, a quem expus
a situação, tendo ele alegado que nada poderia
fazer porque não havia transporte. A seguir, como
não tivesse obtido ligação telefônica com o colega
Antonio Carlos Barreto, subsecretário, liguei para
a residência do presidente em exercício, o ilustre
doutor José Castro Nunes, também residente
em Niterói, e que assumira a presidência em
face da grave enfermidade de que fora preso o
eminente presidente, doutor Solidônio Leite.
Informei-o do que estava ocorrendo. Declarou-
me que já havia solicitado, irrevogavelmente, a
demissão de diretor do Conselho Administrativo
e aconselhou-me a que procurasse me entender
com os outros diretores, que eram os senhores
doutores Francisco Solano Carneiro da Cunha,
Francisco Barbosa de Rezende e Oscar Pedemonte.
Assim fiz, mas infrutiferarnente, pois não
consegui me comunicar com nenhum deles.
"Logo após, o vigia, senhor Silvestre, muito
nervoso e assustado, foi ao meu encontro, avisando-
me que o povo estava tentando arrombar o portão,
que ameaçava ceder. Resolvi, então, me entender
telefonicamente com a chefatura de polícia,
dirigida pelo general Klinger, o que não foi muito
fácil tal a confusão reinante. Para procurar ser
atendido com mais presteza e atenção, declarei à
pessoa que rispidamente me atendeu que quem
estava falando era o presidente da Caixa e exigia

urna providência urgente para evitar a invasão
da sede do estabelecimento, prestes a se realizar
por uma multidão enfurecida. O expediente dera
certo. Meia hora depois chegava um pelotão de
cavaiarianos que, com muita dificuldade, dispersou
os grupos, espetáculo a que assisti através das
grades do portão. Mais tarde, apresentou-se ali
um sargento, comandante do pelotão, indagando
pelo presidente da Caixa e perguntando quais
eram as ordens. Declarei que o presidente da
Caixa era eu e que seria conveniente que os
cavalarianos ficassem por ali mais um pouco.
"Nesse interregno preparei um cartaz que
coloquei no alto do portão, esclarecendo a situação
da Caixa naquela conjuntura e declarando que todos
os depositantes tinham os seus depósitos garantidos
pelo governo e todos seriam atendidos logo que a
situação se normalizasse.
"Os cavala rianos se retiraram e, como nada
mais houvesse a fazer, voltei para casa da mesma
forma que tinha vindo, isto é, fazendo cerca de 15
quilômetros a pé, mas muito satisfeito pelo êxito
das providências que tomara e pelo fato que me
deixava orgulhoso de, como modesto amanuense de
secretaria, ter sido presidente da Caixa Econômica
por alguns instantes."
As Caixas viveram inúmeros momentos de
tensão no período que antecedeu a revolução e
nos anos seguintes, consequência direta do clima
de incerteza que reinava no país e flO mundo. A
situação descrita pelo Diário Carioca em 5 de
fevereiro de 1930, ilustrada por fotos da frente do
prédio da rua D. Manoel tomada por centenas
de pessoas que queriam retirar seu dinheiro, se
repetiria várias vezes ao longo daquele ano.
CAIXA: 150 \NOS I)L UMA 1-TISTÕRIA BRASILEIRA 115
Circulavani boatos sobre supostas
dificuldades da Caixa do Rio para honrar seus
compromissos. Tais rumores podem ser fatais para
urna instituição bancária, mesmo que ela esteja
"sob garantia do governo federal". Naquele alio,
a Caixa Econômica do Rio de Janeiro possuía
depósitos superiores a 200 mil contos: eram,
mais especificamente, 228.000:591$312 (228
mil contos e 591.312 réis), mas, como qualquer
banco, é evidente que não teria condições
de honrar todos eles ao mesmo tempo.
Embora as Caixas tenham resistido à hoataria,
seus servidores passaram por momentos de
angústia. Segundo informou a Tribuna de Petrópolis
em 12 de março de 1930, a Caixa daquela cidade
enfrentou três dias de pânico. A agência havia sido
alvo de urna corrida em massa aos bancos depois
que o governo federal decretara a falência de vários
deles. Na capital, a direção da Caixa viu-se obrigada
a emitir vários comunicados ao público para evitar
os saques e a falência.
Mesmo no Rio Grande do Sul, onde, em
O PODEROSO CHEFÃO
tese, a população apoiava o golpe que conduziu Retrato de Solano da Cunha em 1933, publicado no
Boletim da Associação do Pessoal da Caixa Econômica.
à Presidência um dos mais tipicos representantes Museu da Caixa, Brasília
dos ideais politicos do estado, a situação
não foi muito diferente. Em 9 de outubro de
1930, o major Floriano Nunes Dias, alçado ao
cargo de presidente da Caixa gaúcha, na qual
trabalhava desde 1920, comunicou aos gerentes:
"Em vista de ter rebentado no último dia 3 a
revolução que veio para libertar o Brasil das
garras do despotismo, o pagamento dos depósitos
deve ficar limitado 0200 mil-réis mensais
(200$000) por quanto for possível, do contrário
a retirada deve ser restringida a cem mil-réis"
1 16 CAIXA \.A ER.\ \.\RGAS

NA CAIXA ECONOMICA
Nos tempos tenebrosos do governo
deposto, em quasi todas as repartições
publicas, havia espiões e delatores, ia..
cuinbidos de vigiar os funceionarios
que,. por qualquer modo, se tornavam
suspeitos . situação d edesmandos e
de- crinles- q-ue foi & nefasto governo
de.s..ashingtoa Luis. Dahi. as
maiores .:ifljVStj,a5 as perseguições
mais, arozs que vinham soffrendo
os fu cciorarios que se revelavam con-
trario5 . á- orientação do governo do-
xjn dnte.
Entra estas repartições, onde a es-
plonagelu e- delação eram exercidas
com grande press,o estava a Caixa
Ecoumnica do Rio de ,J'aneio.
O DR. SOLANO DA CUNHA, PRESIDENTE DO CONSE..
LHO AMINISTRATIvO, DEMITTIU O CONTADOR
BERNARDO BELLO, QUECHEFIOU A ESPIONAGEM
NESSA REPARTIÇÃO E QUE, -NO ESTADO DO - RIO,
ORGANIZOU BATALHÕES PATRIOTICOS"
OUTRAS NOTAS
.-'
não ter sido exonerado o sr.,Iio_
l'acio Ribêiro da Silva, gerente da Cai-
xa e - que no governo pássado era OIe
- galista" incondicional, a -ponto de- tra-
zor o retrato do "Barbadq- " entre
- imagens dos santos de sua devoção...
Este ar. Horacio ora quem Contro-
lava as' informações sobre a "moraí d
tropa", sobre o que se diz e o que se
Laz na repartição.
Diz-se - que taes informações eram
'evadas ao Cattete, por Jesuino Ferrei-
_______
ra, escripturario e cunhado do gente..
. . ml Teixeima de.Freitas e -um dos "ba
.' luartes" da legalidade - na Caixa Eco-
- nornica. -- - -

Mil, os espiões e delatores não ti- Os fun'ccionarios da secretaria, Jero-

nham o 'escrupulo de oceultar a sua
aviltante missão de trair os seus colie-
gas. . .-
O. ex.c'ontador da
Bernarao Bello, .-êra õ chefé da espio..
nagem nesta repártição.
ste sujeito que ha um mez a p0-
liCia do Rio prendeu á requisiçãõ do
interventor do E. do Rio, foi o gran-..
de organizador dos "batalhões lega..
listas" do commando do ex-deputado
aMino do Valio, que "operaram'.' cm
Bom .J ,irdirn e Friburgo.
O s.
Solano. da Cunha, presi-
dente do Conselho Administrativo da
Caixa Eeonomica, ao assumir este aI-
to posto, teve logo o cuidado de demit-
tir das funcções que exercia no nosso
principal instituto publico de crédito,
estè ardoroso "legalista' que esteve
a soldo da policia do er. Oliveira So-
brinho, para tão infame mistér.
O Governo Provisorio não Qodia ser
mais feliz na escolha que fez do er.
Solano a Cunha, para administrar a
nossa Caixa Eçonomiëa.
A. conducta desse ilustre juriscon
sulto, nestas funcçôes é urna garantia
do respeito ao direito o á justiça do
funceionaliirno desse estabelecimento
nac.topal de crédito, a quem o di'. 50-
lano da Cunha já impoz ad - iração o
estima, mercê da inflexibilidade do
'. nyrno Castilh0, -Adalberto de Souza
Bento Malafaia, passavam os dias
. ameaçando de prisão os funcionarios
francamente syrnpathicos á Revolução.
,• j_, i_ ,. PaLa estás devotados "legalistas",
-
chamamos -, a - attenção' do actual Con-
selho Administrativo que, -no caso das
1)eisogn1e, deve ouvir os proprios
funcrionarufa da Capça, idthiums des-
maus coliegas
Urna ;as- g41'andcs árrg'ularidades
do ar. Solidonio Leite - o ;omem
uno achava WashingtoaLuis maior que
Ploriano -','- na--presidencia -do Conse-
r"
. Ilio AdministrtjVo' da Caixa Eco
nomica, fpi n "prendo de viagem" que
.ntigo commensal do Cattete o feio-
ncl ao seu m,fjlIiado Ahnachlo de Oh-
t veita Santos, escripturarió qírvoradrJ
-
em chefe ,desecção e que sem nenhuma
CAIXA ECOs,.,wktUA
cmnoetencia foi..mandado servil' na
seu caracter recto o justo. .ças praticadas 4 de se esperar qué :ge1ia de Petropelis'. .A designação
Todos os actos de pi'epoti neta e de as suggestões dos fnccionaFios da Cai,- deste uncionario foi uma das maro-
injustiça do governo pasa ido, estão xá' não sejam dispensadas. . ' . ,res injustiças.' corhrnettidas contra ve'
sendo annulindos pelo actua1 conselho . r- isto, áegundo estamos bemh 1n 1Iio3 funoeionario, cheios de serviços
administrativo. - :fomrtd05,
r na Caixa Economica é .,os- ;e 'do meieemnentos'.
O sr. Diniz. Affonso da Silva Ju- pemao a todo momento, a revogaço ehzmente, a Revolução Vmctoiosa
nior, velho servidor que foi preterido dos actos emanados dos decretosveia inaugurar na ftssa 1atiia uma
pelo ex-contador Bernardo 1lehlo, aca- 18.540, do'112-928 e 18.823,, de:, e: 'éra, eôva de honestidade publica de
ba - de 'ser integrado nestas funeções, 26-7_020, que são profundamente en. justiça e de liberdade
00mb lhe cabia de direito.. trarios ao regulamento e diráitos .O' Na Caixa ueonomica, como nas ou-
- Ora, assim estando o dr. Solano da funceronanos com nils de 25 anuos de . tras rçpartiçõee publicas, isto se aff "-
Cunha, bem -intencionado e 08 Seus seiviço 1nart, merco do enterrO, e piitpotismo
actos têm sido de reparação á injut.i- Omtrosim, commenta-se .0 facto de do novos dirigentes.,
' -

Ao assumir a presidência da Caixa do Rio de
Janeiro como interventor em 5 de novembro de
1930, Francisco Solano Carneiro da Cunha viu-se
em meio a dificuldades semelhantes. Bacharel em
Direito pela faculdade do Recife, o pernambucano
Carneiro da Cunha (1887-1963), fundador da Liga
de Defesa Nacional, que se caracterizara pelo "ataque
aos movimentos reivindicatórios do operariado' já
era diretor da Caixa do Rio desde 1918. Deputado em
1924, reeleito em 1927, Carneiro da Cunha apoiara a
revolução desde o princípio.
Tão logo tomou posse na presidência
da Caixa, incluiu entre suas prioridades uma
espécie de "limpeza ideológica" na instituição.
Não se pode dizer que sua atitude não tenha sido
coerente: poucos dias antes, ele fora nomeado
vice-presidente de um "tribunal especial" criado
para julgar "os crimes políticos e funcionais do
governo deposto' Muitos economiários de fato
eram tidos como inimigos do movimento de 1930,
tendo inclusive declarado publicamente seu apoio
a Washington Luís, o presidente destituído. Sobre
alguns pesava acusação muito mais grave: além
de pregarem a `contrarrevolução"1 teriam delatado
colegas "revolucionários" durante o período que
antecedera o golpe. Na lista dos delatores constavam
nomes como Adalberto de Souza, Bento Malafaia
e Jeronymo de Castilho o mesmo que salvara a
Caixa do saque popular e chegaria à sua presidência.
O caso mais rumoroso envolvia um certo
Bernardo Beilo, a quem era atribuída a liderança da
arapongagem na Caixa do Rio e a organização dos
chamados "batalhões patrióticos". Dias depois da
posse, Solano da Cunha convocou a seu gabinete
CAIXA: 150 ANOS DE UMA HISTóRIA BRASILEIRA 1 17
Bernardo Bello, dedurado pelos que o chamavam de
dedo-duro. Segundo Jeronymo de Castilho relatou
em Coisas da Velho Caixa, o presidente propôs
ao chefe da contadoria o perdão em troca de sua
adesão ao novo regime.
"Não adiro a coisa nenhuma e previno-o
de que, ao primeiro grito contra a revolução,
Vossa Excelência inc encontrará de armas
na mão': teria respondido Bernardo BelIo.
Obviamente, foi demitido. Ainda segundo
Castilho, o ex-chefe da contadoria seria
visto nos anos seguintes circulando pelos
arredores do prédio da Caixa, ocasionalmente
pedindo dinheiro emprestado a ex-colegas.
Ideologias à parte, o fato é que a Revolução
de 30 impulsionou o desenvolvimento industrial e
estabeleceu as bases dos direitos dos trabalhadores.
E, para os fins que aqui interessam, catapultou
a Caixa à destacada condição a que ela estava
destinada, posição essa que os regulamentos
anteriores tinham se encarregado de entravar.
A Caixa Econômica enfim se transformaria no
órgão oficial do crédito popular brasileiro.
Até então, o papel da Caixa estivera restrito
ao de "cofre seguro das classes menos favorecidas'
com a captação de poupança e a concessão de
empréstimos mediante penhora .Missão nobre,
mas acanhada para seu potencial, especialmente
porque todos os depósitos, além de limitados,
continuavam sendo repassados para o Tesouro
Nacional. Além disso, não lhe era permitido assumir
outras modalidades de captação de recursos (como
empréstimos hipotecários), o que a impedia de P. 116- DEDURANDO OS DELATORES
Página do jornal A Esquerda, de 11 de dezembro de 1930.
ajudar a financiar o progresso do país. Museu da Caixa, Brasília
1 18 CAIXA NA ERA VARGAS

O primeiro empréstimo hipotecário

JOSÉ MARIA WHJTAKER
Retrato do primeiro ministro da Fazenda da Era Vargas.
Reprodução do livro comemorativo da inauguração da agência da Sé
Regulamento Geral promulgado em junho
Qde 1934 transformou radicalmente o papel
da Caixa. ()s primeiros passos naquela direção
já haviam sido dados logo após a POSSC do novo
governo, alguns deles amparados por leis específicas
emitidas a partir de 1931. Dc 26 de novembro
de 1930 a 8 de abril do ano seguinte, as Caixas
Econômicas estiveram vinculadas ao Ministério do
Trabalho, chefiado por uma das mais destacadas
figuras do novo regime, o gaúcho Lindolfo Coilor
(1890-1942), avô materno do ex-presidente
Fernando ColIor. No dia 9 de abril de 1931, as
Caixas retornaram ao Ministério da Fazenda, e as
transformações se iniciaram.
A primeira hipoteca da Caixa do Rio de
janeiro, por exemplo, foi assinada em 1° de junho
de 1931. Era uma concessão de empréstimo à Real
Sociedade Clube Ginástico l'ortugués para a compra
de um terreno ao lado da antiga sede social do
clube, na rua Buenos Aires, 281.
Solano da Cunha referendou o negócio,
apesar do ceticismo do ministro da Fazenda, o
renomado financista José Maria Whitaker (1878-
1970), que fora presidente do Banco do Brasil,
no qual implantou a Carteira de Redescontos,
a Câmara de Compensação de Cheques e a
Carteira de Crédito Agrícola, tendo cumprido
também curto período como chefe civil de São
Paulo no chamado "governo revolucionário".
\Vhitaker gozava de grande prestígio, inclusive no
exterior, onde sua nomeação para o ministério
havia siclo vista com entusiasmo por banqueiros
tradicionais como os britânicos Rothschild, ainda
os principais credores da dívida brasileira.
"No Brasil ninguém paga hipoteca". respondeu
Whitaker à consulta do presidente da Caixa. Apesar
da elevada fitma do ministro, Solano da Cunha
aproveitou a marge
m de interpretação de suas
palavras e deu andamento à transação. Afinal,
tratava-se na verdade de um empréstimo de longo
prazo cujas prestações seriam amortizadas de
acordo com a Jisbela Price, portanto, urna operação
conservadora. Inventada no século 16 por Richarci
Price, a tabela prevê um tal sistema de cobrança de
juros que a dívida em si só começa a ser quitada da
metade das prestações em diante.
Os 240 contos de réis (240:000S000)
emprestados à agremiação seriam pagos
semestralmente, a juros de 10%, no prazo de
Oito anos, prorrogáveis por mais cluatro. Em
27 de dezembro de 1934, houve um reforço ao
empréstimo no valor de 50 contos (50:000S000). O
devedor comprometia-se a pagar a quantia mínima
de 12 contos de réis (1 2:000$000) e a manter o
imóvel segurado contra fogo em valor nunca
inferior ao da dívida. Pois, coincidência ou não,
o fato é que a dívida acabaria sendo paga graças
ao incêndio do imóvel, no caso, a sede do clube,
ocorrido três anos depois.
O pagamento deixou Jeronymo de Castilho
aliviado. Afinal, fora ele, na dupla condição
de diretor do clube e diretor da Caixa, quem
convencera Solano da Cunha a conceder o
empréstimo. Fora também ele quem aconselhara o
presidente a utilizar uma manobra semântica para
contrariar as ordens de Wbitaker. Assim começou
a carreira da Caixa no ramo das hipotecas, no
qual a instituição viria a assumir um papel crucial,
colaborancio de forma decisiva no combate à
notória carência de moradia no país.
Quase ao mesmo tempo eram inauguradas as
operações de empréstimo por consignação, 011 seja,
cujas prestações são quitadas mediante desconto na
folha de pagamento, em especial de funcionários

públicos. 'ludo começou quando Othon Paulino,
que seria dirëtor dos jornais O Dia e A Notícia,
mas na ocasião ainda era repórter iniciante de
A Vanguarda e funcionário de baixo escalão da
Imprensa Nacional, tentou conseguir um anúncio
da Caixa Económica para publicação em seu jornal.
Paulino contava com a comissão a que teria direito
como agenciador da publicidade para resolver
problemas financeiros urgentes.
Como a Caixa não tinha verba específica para
publicidade, limitando-se a fazer pequenos anúncios
em jornais ou em suas próprias publicações, Paulino
solicitou um empréstimo sob consignação. Seria
fácil deduzir as prestações de seu salário porque
havia um tesoureiro da Caixa na sede da Imprensa
Nacional, no largo da Carioca. Novamente seu
pedido foi recusado. Além de não estar autorizada
por lei, a Caixa nem sequer sabia como realizar tal
operação. Mas Paulino não se deu por vencido:
prometeu apresentar no dia seguinte um dossià
sobre essa modalidade de empréstimo baseado em
documentos do extinto Banco dos Funcionários
Públicos, que, apesar do nome, era privado.
'Ihmhém garantiu ter informações de que Getúlio
Vargas assinaria em breve urna lei nesse sentido.
Ele estava certo. A Lei n" 20.250, de 18 de
julho de 1931, liberou a transação, e Otbon Paulino
foi o primeiro a se beneficiar com ela. Recebeu
três contos de réis (3:000$000) a juros de 15% ao
ano, pagos em 36 prestações mensais de 104.700
réis (104$700), de acordo com a Tabela Price. Uma
quantia modesta, mas de imenso valor histórico
por ter dado Origem à Carteira de Consignações
da Caixa do Rio de Janeiro. O novo setor, aberto
oficialmente em 7 de outubro de 1931, foi organizado
e liderado por João Lyra Filho, considerado uni dos
maiores servidores da história da Caixa Econômica
CAIXA: 1 30 ANOS DE UMA HISTÓRIA BRASII,EIRA RVI
e futuro ministro do 'l'ribunal de Contas.
Mas, para que a situação imaginada por João
Lyra de fato se concretizasse, um outro decreto
ainda seria necessário. Ele teve o número 20.383 e
foi assinado em 9 de setembro de 1931 por (jetúlio
Vargas e José Maria Whitaker. Seu principal objetivo
era "elevar o limite dos depósitos com juros nas
Caixas Económicas da União de quatro contos de
réis (4:000$000) para 20 contos de réis (20:000$000)'
Desde o Decreto n" 2.723, de janeiro de 1861,
quantias superiores a quatro contos não venciam
juros caso seus possuidores cometessem o desatino
de depositá-las na Caixa. O decreto de setembro de
1931 começou a mudar a história da instituição.
Se os primeiros tempos da Caixa do Rio sob o
governo Vargas forani auspiciosos, em São Paulo o
cenário não era tão alentador. Descontentes com o
tratamento recebido pelo estado de seis milhões de
habitantes, os paulistas foram às ruas exigir autonomia
e unia Assembleia Constituinte. A Revolução
Constitucionalista, que estourou em 9 de julho de
1932, teve o apoio de muitos funcionários da Caixa
paulista, entre os quais figurava um certo Antônio
Cornélio Pompcia, cujo depoimento está registrado
no livro História da Caixa Econômica Federal de São
Paulo, de Paulo César Ribeiro, publicado em 1997:
"A Caixa licenciava os funcionários que
queriam lutar na revolução. Eu me inscrevi no
primeiro dia. Servi no Batalhão 9 de Julho, o
batalhão dos acadêmicos. Muitos colegas, homens e
m ulheres, também se inscreveram. Posteriormente
fui designado para assumir o comando de uma
tropa no interior do Estado de São Paulo, o 6°
R.E. de Caçapava, onde metade dos oficiais
tinha desertado. Eram nortistas, gaiíchos, enfim, PRIMEIRO EMPRËSTJMO EM CONSIGNAÇÃO
Prédio da Real Sociedade Clube Ginástico Português.
gente que não queria aderir à causa paulista" Reprodução dc, Urro Coisas da Vi'!!,5, Caixa, de Jero,,vn,o de CasI i ho
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LUTAS DO POVO BRASILEIRO

A GUERRA PAULISTA

fazer uma breve parada em São Paulo, em outubro de 1930, antes de partir para
Rio e para o poder, Getúlio Vargas foi recebido com tal entusiasmo que chegou a
se assustar. "I'equenino, de pernas curtas, de apelido 'Petiço [Getúliol voltou para
trem, pálido e trêmulo, temendo ser vítima dos agrados frenéticos da massa que
entupia as plataformas' escreveu uma testemunha da história. Vargas permaneceria apenas
24 horas em São Paulo - tempo suficiente para, num de seus primeiros erros políticos de
1930, nomear o coronel João Alberto de Rarros, "plebeu e forasteiro", como interventor do
estado. Seria apenas o começo das divergências entre o novo chefe da nação e os paulistas.
Em março de 1932, embora Vargas tivesse substituído João Alberto por Pedro de Toledo,
paulista e civil, este não foi um nome bem-sucedido em São Paulo. Além disso, comentava-
se que Osvaldo Aranha (que acabara de assumir o lugar do paulista José Maria Whitaker
como ministro da Fazenda) tentou "impor" todo o gabinete de Toledo. Não bastasse isso, o
Instituto do Café seria "esvaziado" de poderes - como se para marcar claramente o fim do
regime café com leite.
Depois de quatro jovens paulistas serem mortos numa manifestação de rua, vários
setores da sociedade de São Paulo se ergueram na campanha pela constitucionalização
do Brasil (embora seu lema fosse "São Paulo livre, civil e paulista"). A classe média,
os cafeicultores e os industrialistas paulistas estavam unidos. E no dia 9 de julho de
1932 a revolta rebentou. Getúlio enviou 18 mil homens para cercar os 8,5 mil soldados
revolucionários. Apesar do desequilíbrio de forças, a luta foi sangrenta e durou qriase três
meses. Quando a ameaça da ocupação da cidade de São Paulo tornou-se real, os paulistas
decidiram se render. Segundo o historiador Bóris Fausto, "a 'guerra paulista' teve um
lado voltado para o passado e outro para o futuro. A bandeira da constitucionaliza ção
abrigou tanto os que esperavam retroceder às formas oligárquicas de poder como os que
pretendiam estabelecer uma democracia liberal no país. O movimento trouxe consequências
importantes: embora vitorioso, o governo percebeu claramente a impossibilidade de ignorar
a elite paulista. Os derrotados, por sua vez, compreenderam que precisariam fazer alguns
arranjos com o poder central".
122 CAIXA X.\ ERA \•'ARGAS
RICARDO XAVIER DA SILVEIRA E GETÚLIO VARGAS
O novo presidente da Caixa do Rio de Janeiro recebe o
presidente do Brasil em agosto de 1937, três meses antes
da eclosõo do golpe do Estado Novo.
Reproduç3o do relatório da 3" ReLi ititi Congressual das Caixas Econômicas
Federais do Brasil (Rio de jaiseiro, 1937)
P. 123-0 ILUSTRE VISITANTE
Getúlio Vargas inaugurando a biblioteca da Caixa
Econômica do Rio Grande do Sul em janeiro de 1940.
Acervo da Caixa, Rio Grande do Sul
Passada a turbulência, com as eleições livres
de 1933 (que seriam as últimas até 1945) e a nova
Constituição no ano seguinte, as Caixas Econômicas
deslancharam definitivamente. Tudo se deu graças
ao Decreto nn 24.427, de 19 de junho de 1934,
assinado por Getúlio Vargas e pelo novo ministro
da Fazenda, Osvaldo Aranha, apenas trás dias após
a promulgação da nova Constituição e dois dias
depois da eleição indireta de Vargas, referendada
pela Assembleia Constituinte.
No entanto, a honraria de conduzir a Caixa
Econômica do Rio a outro patamar não caberia a
Solano da Cunha, mas a um novo presidente, Ricardo
Xavier da Silveira, que em setembro de 1934 assumiu
em definitivo o cargo que já ocupava interinamente
desde 27 de julho daquele ano. Solano da Cunha
começara a se afastar da presidência da Caixa em 1931,
ao ser nomeado presidente da comissão encarregada
de investigar o Banco do Brasil. No ano seguinte,
ainda na Caixa, ele se tornou presidente do Instituto
do Açúcar e do Álcool e, a partir de novembro de
1932, ajudou a elaborar o anteprojeto da Constituição
promulgada em 1934, tomando assento como
deputado constituinte em novembro de 1933, o que o
forçou a abandonar a presidência da Caixa carioca.
Mesmo após o impedimento, sua ligação com a
Caixa Econômica permaneceria sólida e estreita. Isso
porque o Regulamento de 1934 instituiu o Conselho
Superior das Caixas Econômicas, órgão a partir de
então encarregado de traçar as diretrizes das Caixas de
todo o Brasil. O Conselho Superior era constituído por
cinco membros, quiltro deles escolhidos pelo governo,
aos quais se somava o presidente da Caixa do Rio de
Janeiro. Solano deixou a Caixa carioca, mas ingressou
de imediato no Conselho Superior.
Ricardo Xavier da Silveira, que substituiu
Solano da Cunha na presidência da Caixa do
Rio, também passou a fazer parte do Conselho
Superior. Xavier da Silveira era amigo íntimo de
Osvaldo Aranha (1894-1960), com quem dividia a
propriedade de cavalos de corrida. Homem elegante,
de porte altivo e formação clássica, tinha uma visão
precisa sobre o papel da Caixa Econômica Antes da
aprovação do Regulamento de 1934, que ajudou a
redigir, já revelara, no ano anterior, sua indignação
com o papel coadjuvante ao qual a Caixa até então
estivera relegada: '"Só a Caixa Econômica do Rio
de Janeiro dispunha, no Tesouro Nacional, cio 31
de dezembro de 1931, da soma de 202.113 contos
de réis. No entanto, essa importância, com a qual
muito se poderia ter feito em benefício da economia
nacional, representava, no orçamento da despesa,
uro gasto anual de pelo menos dez mil contos de réis,
correspondentes ao serviço de juros sobre o montante
dos depósitos, isso sem folar dos juros sobre os
depósitos feitos tias demais Caixas do Brasil."
O Decreto n' 24.427 criou oficialmente
as carteiras de Hipoteca, Caução de Títulos,
Consignações e Contas Garantidas, além de outorgar
à instituição a exploração da Loteria Federal. Mas
talvez o aspecto mais importante fosse aquele
descrito pelo parágrafo único do artigo 57, segundo
o qual, "além (lesses negócios, poderão as Caixas
Econômicas operar em outras modalidades, sob
proposta dos conselhos administrativos e aprovação
do Conselho Superior". Na prática, isso queria dizer
que as Caixas estavam livres para realizar quaisquer
operações fjnanceiras, desde que aprovadas por
seu conselho. Não havia mais o engessaniento dos
regulamentos draconianos aprovados anteriormente.
O decreto também garantia ás Caixas o
monopólio sobre as operações de penhores a
partir de um prazo concedido aos particulares
(os donos das chamadas "casas de prego")
para se retirarem do negócio, além de proibir
casas de crédito e firmas bancárias de utilizar
a denominação "Caixa Econômica", bem como
as palavras "Econômica" e "Economia".
Mas o regulamento impedia as Caixas de
concederem empréstimos hipotecários sob garantia
 CAIXA: 1 50 n t\l,•\ HÍSTORI.\ uIt•\1LLt1t\ 123

de imóveis agrícolas. Delineava-se desse modo o
perfil urbano da instituição, urna vez que o setor de
empréstimos destinados à agricultura seria a vocação
do Banco do Brasil. O financiamento da habitação
tomava forma. Os próprios funcionários das Caixas
estavam autorizados a comprometer até 60% de seus
vencimentos como garantia de empréstimos para
pior de tudo era o destino, ou melhor, a falta de
destino, dos dinheiros depositados na Caixa"
Getúlio Vargas também não via sentido na
missão das Caixas de apenas deixar o dinheiro
de poupanças e penhores adormecido nos cofres
públicos, em vez de atuar no desenvolvimento da
nação, embora, para ele, a instituição tivesse, até ali,
economia é altamente recomendável, não só do ponto
de vista das exigências materiais. Quem se lia bitua
a separar e guardar uma pequena importância dos
proventos de cada mês institui, ao mesmo tempo, uma
disciplina interior, o amor à ordem nas despesas, o
equilíbrio na distribuição do orçamento familiar":
O discurso foi pronunciado em 1937, ano que

compra ou construção da casa própria. cumprido bem a função original de estimular no entraria na história do Brasil por obra de Vargas

Iniciara-se de maneira inexorável a povo o senso da economia, intenção declarada de D. com a decretação da ditadura do Estado Novo,

modernização e expansão das Caixas. Discurso Pedro 11 ao criá-la, em 1861. Eis um pronunciamento por meio da qual ele ficaria no poder até 1945.

pronunciado por Solano da Cunha é revelador da de Vargas aos conselheiros da instituição: Vargas acabou com os partidos e, portanto, com o

letargia dominante na instituição antes do decreto "Os brasileiros, apontados noutros tempos como Parlamento, mandou os adversários políticos para

de 1934: "Nomeado em 1918 para a Diretoria da imprevidentes, revelam, na atualidade, louvável a cadeia e baixou uma nova Constituição, a quarta

Caixa, assisti durante 12 anos, em suas sessões, a senso económico. O homem que trabalha e mantém da República, apelidada de Polaca por ter sido

monotonia de pequeninos casos que nos enfastiavam a sua família com o produto de seu salário; a mulher baseada na carta autoritária adotada pela Polônia

sempre, quando não nos humilhavam, às vezes. operária, que auxilia a vida dos entes que lhe são caros; em 1926. Vargas chegara ao poder com o golpe de

Eram cinco homens, quase solenemente sentados em adolescente que completou sua aprendizagem e 1930, elegera-se por meio de um segundo golpe,

torno de uma mesa, para decidir do levantamento inicia o labor profissional; todos já compreenderam disfarçado, que fora a eleição indireta de 1934, e

de um saldo de cem ou 200 mil-réis na caderneta de a conveniência de reservar parcelas do seu ganho em agora desferia o terceiro e mais poderoso de todos,

poupança de uma viúva ou de um órfão, ou ainda benefício da tranquilidade dos dias vindouros e como ao implantar no Brasil um regime inspirado na

conceder o resgate de um penhor que o mutuário garantia contra as surpresas do destino. O hábito da ditadura salazarista instituída em Portugal em 1933.

havia erradamente endossado. Além disso, a concessão

de uma licença, o abono de umas faltas a funcionário
e nada mais. De seis em seis meses, tínhamos uma
grave responsabilidade: discutir o orçamento da
casa, que, se não era deficitário como os da nossa
Velha República, deixava-nos um insignificante
saldo que só permitiu acumular um pequeno
patrimônio, depois de 70 anos de existência. Era essa
a nobre missão dos antigos conselhos da Caixa.
"Os serviços desta, dentro de uni casarão
dorminhoco, arrastavam-se vagarosamente em
suas relações com o público, no parecido propósito
de afugentar a clientela. Nas entradas ou retiradas
de depósitos, pequena soma que fosse, perdiam-
se minutos e minutos, muitas vezes uma hora,
ou mais ainda. No serviço interno, sem braços
suficientes para acudir-lhes as necessidades que
crescem cada dia, encontrei contas de juros com o
atraso de seis a oito anos. Tudo se estagnava. Mas
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1
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LUTAS DO POVO BRASILEIRO

OS REIS DO SERTÃO

e todos OS cangaceiros que aterrorizaram o sertão nordestino nas primeiras

décadas do século 20, nenhum foi mais ousado, temido e famoso que o capitão
Virgulino Ferreira da Silva, que a história consagrou com o nome de Lampião,
o genuíno rei do cangaço. Vírgulino se tornou cangaceiro por volta de 1914,
para vingar a morte de seu pai, envolvido na briga entre as famílias Carvalho e Pereira,
que havia anos ensanguentava o sertão. Embora cedo tenha lavado cm sangue a honra do
pai assassinado, o homem tomou gosto pelas correrias armadas, pelos assaltos, incéndios,
tirotcios e estupros que caracterizavam a vida bandida dos cangaceiros. E não precisou de
muito tempo para se tornar o mais temido e temerário de todos eles.
No início da década de 20 já era chamado Lampião - apelido que ele mesmo forjara
para si ao dizer que, nos tirotejos, sua espingarda "nunca deixava de ter clarão, qual um
lampião". Por volta de 1922, quando os tenentes se rebelavam em Copacabana, no levante
que ficou conhecido como 18 do Forte, e os poetas antropofágicos Mário e Oswald de
Andrade surpreendiam São Paulo com unia arte intransigente, Lampião já se tornara o braço
direito do cangaceiro chamado Sinhô Pereira.
Em fins daquele mesmo ano, Pereira decidiu seguir os conselhos de Padre Cícero
- de quem a maioria dos cangaceiros era devota e abandonou as estripulias do
sertão. Lampião assumiu então o comando do enorme bando de cangaceiros que vivia
aterrorizando os sertões de Sergipe e da Bahia. Expandiu suas atividades fazendo incursões
eventuais a Alagoas, Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. \Tirou lenda.
Em 12 de abril de 1926, depois de praticar os mais variados crimes e saques,
atacando cidades em plena luz do dia, Lampião foi transformado cm "capitão" do
exército brasileiro, recebendo, por ordem do deputado Floro Bartolomeu da Costa e do
mesmo Padre Cícero, fuzis Mauser e a ajuda de cerca de trezentos homens. Tinha ordens
de perseguir a Coluna l'restes.
Quando descobriu que o governo não pretendia anistiá-lo e que o documento que o
tornava capitão do exército não tinha validade legal, desistiu da caçada humana e - com
as novas armas - retornou aos saques, aos assaltos e aos crimes.
126 IXITAS 1)0 I'i\() JiP\H[
ACIMA - NA GROTA DO ANGICO
Monumento assinala o local onde o grupo de
Latiipião/oi morto, eni julho de 1938.
ABAIXO - SEU ELIAS E A ESPOSA
li im o sobreviveu te da vola ti/e que inalou La nip ii) o,
Elias Aia rq i es de A leu ai r é clie tire da Caixa.
Em 1928, Lampião encontrou, na Fazenda
Malhada, no interior da Bahia, aquela que seria a
mulher de sua vida. Encontrou não: foi encontrado
por ela. Embora casada, assim que o viu, a filha do
fazendeiro, uma tal Maria Bonita, teria dito: "Esse
é o lmem que amo. Guino é, quer mc levar ou
ciuci' que eu [e acompanhe?' Foi paixão à primeira
vista, e Lampião e Maria Bonita hcaram juntos até a
morte. Lampião cercou-a de atenção e carinho, agiu
como bom marido e logo tratou de apelidá-la de
"Santinha" A influência de Maria Bonita no grupo
também se revelou benéfica. Graças a ela, os bandos
de cangaceiros - antes exclusivamente masculinos -
se tornaram "mistos" e vários "tenentes" de Lampião
também se casaram A partir de então, a ferocidade
e a frequência dos ataques diminuiram. Por [rés
vezes Lampião tentou abandonar o cangaço. Mas
chamado selvagem acabou soando sempre mais
forte. Seu destino estava selado.
No final da década de 30, com Vargas e o
Estado Novo no comando na nação, o cangaço
estava com os dias contados, e a cabeça de
Lampião, a prémio. Em julho de 1938, o bando
do rei do cangaço se instalara na localidade
de ..-\ngico, no interior de Sergipe, quase na
fronteira com Alagoas, em uma grota em nieio
à mata "branca" e cerrada. Um comerciante
local, com quem Lampião costumava negociar
a compra de mantimentos, delatou o grupo e
fiirneceu a localização de seu esconderijo.
A volante comandada pelo tenente loão
tie,crra, da Força Pública de Alagoas, surpreendeu
bando e matou Lampião, Maria Bonita e nove
outros cangaceiros. Os corpos foram jogados num
riacho seco, e as cabeças, decepadas, postas em
tonéis de querosene, com sal grosso, e lavadas para
serem expostas nas escadarias da igreja de Santana
do 1 panema, a cidade mais próxima. De lá lotam
conduzidas para Maceió e depois para Salvador,
onde, mumificadas, passaram a fazer companhia á
cabeça de Conselheiro - o beato de Canudos no
tétrico acervo do museu Nina Rodrigues. Somente
em fins da década de 1960 a filha e os netos de
Lampião conseguiram permissão para retirá-las de
lá e dar-lhes "uni enterro cristão'.
Restam poucos sobreviventes daquela caçada.
Um deles, seu Elias NIarques de Alencar. Aos 95
anos de idade (completados em 2010), ele vive na
localidade de Olho D'Água do Casado, próximo
á gruta do Angico. Seu Elias é cliente da Caixa
e, todos os meses, na agência local, recebe sua
aposentadoria como policial militar. Seu neto é o
proprietário da lotérica da cidade.
'Ibdas as relíquias que seu Elias preservava
daquele episódio macabro acabaram longe de suas
mãos: a maior parte delas foi emprestada para
jcrnalistas e pesquisadores e, apesar da promessa
de que seriam devolvidas, nunca retornaram.
Seu Elias se ressente, é claro - mas a verdade é
que ter participado da morte de Lampião não é
algo que lhe traga muitas memórias que não as
associadas á angústia e ao temor de ter enfrentado
um atirador exímio e à indignação de ter visto
rei do cangaço, sua mulher e nove outros
cangaceiros degolados sem dó nem piedade.
Quem conhece e conviveu com Elias Marques
nos tempos em que ele fez parte da volante do
tenente João Bezerra sabe que ele foi um dos
seus soldados mais valentes, destemidos e bons
de mira. Mas seu Elias não se gaba e prefere
fazer uma lei tora mais comedida e autêntica:
"Eu tive medo elite SÓ O diabo", con!cssa, sentado
no banco de pedra em [rente à sua casa. ''Quem
diz que não tinha medo ele o rn homem daqi.iele
está mentindo. Erei valeu te e não perdia mmmi
ti 1.0, o ,n osq i te t ã o dele era á cmii Co, ih ecido e
tinha derru ba.lo ai u ita gen te. Não sei co/no
não morri miaei nele dia na gro la do Angico'
A mitológica história de Lampião também é
contada, com tons dramáticos e románticos, por
 CAIXA: 1 50 .sxi is DE ua.t IJISTÕRJA nR.\sI!.EIRA 127

Alcineide i\.iaria, 24 anos, que trabalha corno guia

na trilha rochosa que rasga a caatinga e conduz

à grota na qual tombaram, varados pelas balas,

Lampião. Maria Bonita e nove membros de seu

grupo. A narrativa transforma Lampião no que ele

de fato se tornou depois de sua morte: um herói

popular, uma espécie de Robin Hood do agreste,

com Maria Bonita no papel de Marian e o tenente

João Bezerra como o xerife de Notthingham.

Nas proximidades da gruta do Angico e da
r1,
localidade de Olho D'Ãgua do Casado fica a cidade

de l)elmiro Gouveia, onde viveu o pioneiro da

industrialização dos sertões e também o primeiro a

criar urna usina hidroelétrica no rio São Francisco;

a usina de Angiquinho, na cachoeira de Paulo

Afonso. Com tal força motriz, Gouveia criou, em

1913, a Fábrica da Pedra, urna poderosa indústria
têxtil, que movimentou toda a economia da região.

Em 1917, ele foi misteriosamente assassinado e

alguns atribuem o crime aos seus concorrentes

ingleses. Uma cruz marca o local onde tombou o

homem que, embora não fosse santo, também foi
chamado de "o evangelizador dos sertões".
Desde 1987, a Caixa está aqui, em Delmiro Gouveia
(acima, à esquerda), onde a industrialização do
Nordeste teve início e onde "seu" Elias Marques de
Alencar retira sua aposentadoria todos os meses.
Mais de 20 mil famílias recebem aqui os benefícios
do Bolsa-Família. A Caixa também está presente
em Olho d'Água do Casado, mas lá não há agência,
apenas a lotérica "A Premiada", que pertence ao neto
do homem que estava presente na Grota do Angico,
no dia em que tombaram Maria Bonita e Lampião.
A cidade de Delmiro Gouveia anteriormente chamava-
se Pedra. Mudou de nome depois que o empresário
Delmiro (ao lado) foi assassinado, em um crime nunca
esclarecido. O local onde o industrial tombou é hoje
assinalado por uma cruz (à esquerda).
128 CAIXA NA ERA VARGAS
A agência da Sé
T rabalhadores em ordem unida, marchando
com efígies de Getúlio Vargas; paradas
escolares em moldes marciais, seguidas de aulas de
moral e cívica; culto personalista ao ditador com
base em propaganda massiva, conforme a cartilha
nazifascista - eis alguns fatos com os quais o Brasil
passaria a conviver após o golpe do Estado Novo.
O TEMPLO DA POUPANÇA A mais rígida ditadura a se instalar no país teve
Fachada da agência da praça da Sé, São Paulo, 2002.
também desdobramentos arquitetônicos, como já
P. 129 LINHAS MODERNAS ocorrera em outras nações sob regimes autoritários.
O prédio da Caixa visto da praça da Sé cm 1940.
Museu da Caixa, São Paulo Inaugurada em 1939, na praça da Sé, zona central da
cidade, a nova sede da Caixa de São Paulo - sólida
e imponente, com suas colunas jõnicas de mármore
negro e requintados ornamentos metálicos - é um
exemplo típico daquela época e daquela tendência.
Curiosamente, a sede da agência praça da
Sé começou a ser planejada quatro anos antes do
golpe, em julho de 1933, quando o então presidente
da Caixa Econômica paulista, Samuel Ribeiro,
encaminhou um ofício ao ministro da Fazenda,
Osvaldo Aranha, alertando para "as condições
precárias do atual edifício da Caixa" (construído em
 CAIXA: 150 r\No DL LL\ hISTÓRIA BRASIlEIRA 129

1907 pelo renomado arquiteto Azevedo Ramos, no

mesmo terreno onde seria erguida a sede nova).
"A própria caixa-forte já não Inspira
confiança' alarmava-se o presidente da instituição.
Osvaldo Aranha deu sinal verde, e Saimiel Ribeiro
deflagrou o processo que resultaria na construção
daquela que talvez seja a mais bela das sedes das
Caixas Econômicas em todo o Brasil.
A primeira hipótese estudada foi a compra de
um imóvel maior no centro da cidade. Mas nenluim
dos prédios disponíveis foi aprovado. A direção da
Caixa paulista optou então por adquirir os antigos
casarões ao redor da refinada sede construída
quase 30 anos antes por Azevedo Ramos, demoli-
los e, no mesmo local, erguer a nova agência. Em
fins de 1933, Alhuquerque & Longo, um dos mais
conceituados escritórios de arquitetura de São Paulo,
foi contratado para elaborar e executar o projeto.
Logo de início houve um grave problema, que
forçou modificações na planta original. Quando
quase todos os imóveis localizados no quarteirão
frontal à praça da Sé, entre as ruas Floriano Peixoto
e Venccslau Brás, já tinham sido adquiridos pela
Caixa, o proprietário do Edifício Rolim (justo
na esquina com a Floriano Peixoto) recusou-Se a
vender o prédio pelo preço acertado anteriormente.
Saniuel Ribeiro ainda conseguiu obter permissão
do Conselho Superior para pagar a nova quantia
pedida pelo proprietário. Só que o dono do imóvel
quis forçar um segundo aumento. Ribeiro desistiu
da compra, solicitando que o arquiteto Alexandre
Alhuquerque refizesse o projeto.
Duas curiosidades cercam o episódio e
o prédio em si. Primeiro, o apelido dado ao
Edifício Rolim: etc era chamado de "prédio da
 130 CAIXA X\ ERA VARGAS
garrafinha' ou "da seringa de injeção' devido
ao formato de sua cúpula - assim construída,
conforme se dizia, devido ao suposto apreço
do proprietário por drogas injetáveis. Segundo,
no belo álbum fotográfico comemorativo à
inauguração da sede da Sé, publicado em 1940, o
Edifício Rolim simplesmente sumiu da paisagem
apagado por efeitos especiais, precursores do
atualmente famoso photoshop. Mas em pleno
século 21,0 "Garrafinha" continua onde sempre
esteve: na esquina da rua Floriano Peixoto,
colado como urna sombra à agência da Sé.
As obras de demolição foram concluídas
em fevereiro de 1936, enquanto a Caixa e o
Monte de Socorro funcionavam em imóveis
próximos: a Caixa no prédio São Carlos, na
rua da Quitanda, e o Monte de Socorro na rua
Venceslau Brás (antiga travessa da Sé, no local
hoje ocupado pelo estacionamento da nova
agência). A maior parte do material utilizado
na obra foi importada. De acordo com o
economiário Paulo César Ribeiro, a importação
foi autorizada após um levantamento comprovar
que "a qualidade dos produtos era superior,
prazo de entrega cumprido à risca e o custo
praticamente o mesmo dos similares nacionais'
O andamento dos trabalhos era acompanhado
de perto por Samuel Ribeiro, que "conferia
detalhadamente item por item que entrava no
canteiro de obras' segundo o livro de Paulo
César Ribeiro. Todas as notas de compras eram
encaminhadas para o escritório do presidente da
EDIÇÃO DE LUXO Caixa paulista, no Edifício Glória, próximo à Sé e
O álbum comemorativo da inauguração da agência da Sé. ao lado do Teatro Municipal - que ele costumava
Museu da Caixa, São Paulo
frequentar em companhia de sua mulher, irmã do
P. 131, ACIMA - SEM O "GARRAFINHA"
Imagem colorizada e manipulada do prédio da Sé empresário Guilherme Guinle.
Livro comemorativo da inauguração da agência da Caixa na praça da Sé
Em fins de 1938, o prédio estava quase pronto,
P. 131, ABAIXO — COM O "GARRAFINHA"
faltando apenas o acabamento. Em 18 de janeiro
A mesma imagem, em preto-e-branco, sem manipulação.
Museu da Caixa, São Paulo
do ano seguinte, os serviços de contadoria foram
instalados no segundo andar. A 29 de agosto de
1939, a sede foi inaugurada em meio a grande
solenidade e com a presença de Getúlio Vàrgas, o
temido e admirado ditador. Houve um pequeno
incidente durante a cerimônia. Ao saber que o imóvel
consumira cerca de 38 mil contos, um dos presentes
teria insinuado que o gasto fora excessivo. Ao ouvir
comentário, Samuel Ribeiro sacou o seu talão de
cheques e disparou: "Se o senhor está achando caro,
compro o prédio agora, e pelo dobro do preço'
Na edição de 30 de agosto, o jornal
O Estado de S. Paulo registrou o discurso
proferido por Vargas no dia anterior:
"Entre os aspectos mais apreciáveis do
progresso nacional pode contar-se, sem dúvida,
a evolução, a partir de 1930, dos institutos de
economia popular. O que era, antes, capital
imobilizado no fundo das caixas-fortes, quase sem
prestar serviços efetivos à coletividade, tornou-
se, nesse período reconstrutivo, energia dinâmica
na vida econômica do país, reproduzindo e
acrescentando, pelo movimento, as riquezas criadas,
"As Caixas Econômicas Federais tiveram
um surto novo e benfazejo. Algumas são hoje
sólidos esteios do nosso ainda imperfeito
aparelhamento de crédito. ( ... ) Por isso
acedi, com especial satisfação, ao convite para
inaugurar este grande e importante edifício,
que, além de enrïquecer o perfil arquitetônico
da cidade, demonstra, com as instalações
modelares dos seus serviços, o seguro e auspicioso
desenvolvimento atingido pela Caixa Econômica
Federal de São Paulo, sob a direção devotada e
inteligente do doutor Samuel Ribeiro ( ... ).
"Urge, portanto, que esse exemplo seja seguido
e os institutos de economia popular espalhados
em todo o Brasil venham a constituir, nos anos
próximos, legítima garantia da saúde do nosso
organismo econômico. ( ... ) Faço votos, pois, pelo
 CAIXA. 150 ov ItIs!OIfl,\ 1 31

crescente progresso deste estabelecimento e maior

perfeição dos seus serviços, deforma a continuar
correspondendo à fiança dos que nele guardam
os seus haveres e à intenção do governo, que é de
bem servir o povo, aproveitando-lhe as energias
e dirigindo-as com ofim de oferecer a todos os .tV• ...

brasileiros dias mais prósperos e mais felizes'

Minutos depois de proferir seu discurso,
Getúlio Vargas foi convidado por Samuel Ribeiro
a inaugurar oficialmente a agência. Para isso, fora
programada uma ação de efeito: um requintado
mecanismo, de madeira de lei e prata, batizado
de "peça-comando' seria acionado por Vargas
às 16 horas em ponto. A peça faria baixar
automaticamente a rebuscada cancela metálica
erguida entre as colunas de mármore, liberando
acesso ao prédio. Quando Vargas acionou o
dispositivo e a cancela foi mergulhando no subsolo,
houve espanto e admiração entre os presentes.
Um detalhe curioso é revelador dos bastidores Iii
do regime que Vargas impusera á nação. Antigos
funcionários da Caixa paulista presentes à
inauguração sugerem que o mecanismo que fez
baixar a cancela foi acionado de dentro do prédio,
por um funcionário previamente instruído, e não
pela rebuscada "peça-comando' De todo modo,
dispositivo automático faz parte do acervo do
Museu da Caixa em São Paulo, hoje sediado no
próprio prédio da Sé.
A nova sede da Caixa paulista era motivo
de orgulho para seus dirigentes. Por isso,
Samuel Ribeiro determinou que o prédio fosse
minuciosamente registrado num álbum fotográfico
de luxo. H. Becherini, um dos mais respeitados
fotógrafos de São Paulo, foi o profissional escolhido.
O livro, publicado em fins de 1940, com capa dura
e corte dourado, traz dezenas de fotos e ilustrações
coloridas artificialmente. lrata-se de um dos mais
belos documentos da história das Caixas.
132 CAIXA NA 1.IL\ \\RCA

São Paulo: aqui a Caixa floresceu

A Caixa de São Paulo iniciou sua história

SAMUEL RIBEIRO
Retrato a óleo do presidente da Caixa paulista.
Museu da Caixa, (do Paulo
em 25 de janeiro de 1875, no dia em que a
cidade comemorava 321 anos. A instituição não
foi inaugurada apenas lia data do aniversário:
a primeira reunião do Conselho foi realizada a
poucos metros do lugar onde a povoação fora
1 andada em 1554. Naquele ano, os jesuítas Manuel
da Nóbrega e José de Anchieta ergueram uma
pequena capela e uma escola junto à contluència
dos rios Anhangabaú e 'làmanduateí - no local hoje
chamado Pátio do Colégio. A igrejinha chamou-se
São Paulo em homenagem ao santo do dia.
Os jesuítas consideravam a região como
"a porta e o caminho mais certo e seguro para
entrar nas gerações do sertão' Eles tinham
razão. Ironicamente, aquela poria e aqueles
caminhos seriam palmilhados pelos seus maiores
inimigos: os bandeirantes paulistas, temíveis
caçadores de homens, que escravizaram "as
gerações do sertão" ao ponto de empurrá-las
para a extinção, fazendo frutificar a primeira (e,
por quase dois séculos, única) fonte de renda de
São Paulo: o chamado "ciclo de caça ao indio'
Mais tarde, a pujança do café iria transformar
a pequena vila numa cidade fulgurante.
A Caixa paulista abriu suas portas no dia 1°
de setembro de 1875, instalada no antigo largo do
Colégio. Lá ela permaneceria até dezembro de 1879,
quando se mudou para uma das salas do Palácio
do Governo, que funcionava no antigo Colégio
dos Jesuítas. Mas ficou ali por apenas nove meses,
transferindo-se a seguir para a travessa do Colégio
(hoje rua Anchieta), antes de retornar para o Pátio
do Colégio, ocupando, até abril de 1897, uma das
alas da antiga Delegacia Fiscal.
Antes de ter sua primeira sede própria, a Caixa
de São Paulo ainda mudaria duas vezes de endereço:
de maio de 1897 a setembro de 1900, funcionou
no pavimento superior do prédio número 8
da rua do Carmo (hoje Roberto Simonsen),
sendo transferida então para o novo edifício
da Delegacia Fiscal, na rua do Comércio (hoje
Álvares Penteado), no qual permaneceu até junho
de 1907. Em pouco mais de 30 anos, foram sete
endereços - todos no coração de São Paulo, sempre
junto à praça da Sé e ao Pátio do Colégio, onde
nascera a cidade dos jesuítas e dos bandeirantes.
Além das mudanças frequentes. a Caixa
paulista enfrentava problemas adicionais,
semelhantes aos ocorridos no Rio de Janeiro:
todos os prédios nos quais ela fora instalada
eram emprestados, e a instituição funcionava em
condições precárias. Então, no dia 4 de junho
de 1907, foi enfim inaugurada a primeira sede
própria da empresa em São Paulo: ficava em um
belo prédio, projetado por Ramos de Azevedo
(1851-1928), arquiteto brilhante, responsável
por centenas de projetos, entre os quais o
Teatro Municipal de São Paulo. O edifício de
dois andares localizava-se numa das esquinas
frontais à praça da Sé. Infelizmente, foi demolido
em 1936 para dar lugar à nova sede da Sé, que
nianteve a Caixa paulista no lugar onde não
apenas ela mas a própria cidade havia nascido.
 CAIXA: 1 Ift L\i,\ iihiiit Il\II.tiv\ 133

,\ PRAÇA DO CORAÇÃO DE SÃO PAULO

Localizada na praça da Sé, a sede paulista da Caixa
Econômica Federal foi erguida na região mais
movimentada da cidade.
Museu da Caixa, SSo Paulo

O gerente Joaquim Alves Corrêa assim descreveu a primeira sede própria da Caixa em São
Paulo: "O prédio possui todas is co ii odidadeS e confortos, quer para o publico. (Juer para o pessoal
do estabeleci,ncnto. i'ni duas entradas, por largos portões ( ... ), dando ambos acesso ao salão
des 1 inado aos depositantes, o qual é amplo e está, CO/tiO iodo o edifício, mobiliado com gosto. (.
No centro do prédio, ciii vasto salào, a iuplamen te iii, tu i iado e ventilado, eStá insta lada a COfl todo ria
( ... ). Todos os cômodos acliani-se mobiliados com simplicidade e bom gosto, nonieadamentc o solão
das reuniões, que, pelo seu belo aspecto, te/ti sido admirado por todos os visitantes' O custo da
obra foi de 272 contos e 522.091 réis (272:522S09 1). O terreno custou pouco mais de 95 contos,
o prédio em si saiu 144 contos e 411.991 réis, e os móveis e utensílios consumiram cerca dc 25
contos. A Caixa não está mais ali, mas continua aqui, 110 coração pulsailte de São l'aulo.
134 CAIXA N.\ 1 NA \.\ lUAS
AMEAÇA DAS ÁGUAS
Prédio da Caixa Econômica do Rio
Grande do Sul na enchente de 1941.
Acervo da Co ixa, Rio Grande do Sul
Dois dias após a inauguração da agência da
praça da Sé, tropas nazistas invadiram a Polônia.
Quarenta e Oito horas mais tarde, a 3 de setembro
de 1939, França e Inglaterra declaravam guerra
á Alemanha. Era o início da Segunda Guerra
Mundial. Mas a Caixa de São Paulo, talvez pela
imponência da nova sede, passou incólume pela
turbulência. Os números o atestam: enquanto em
1935 o saldo dos depósitos era de 377 mil contos,
no fim do ano fiscal de 1939 estava em 667 mil
contos, ao passo que o número de cadernetas
superava a marca de 330 mil. Além disso, surgiam
agências em Santos e Campinas. Esse ritmo se
manteve ao iongo de toda a década de 1940.
'liii crescimento certamente está relacionado
com a gestão austera e eficiente de Samuel Ribeiro.
Engenheiro civil, nascido em Santos, em 1882, ele
fez curso de especialização na Inglaterra, onde se
formou também em Engenharia Mecânica. 'lbrnou-
se um dos maiores colaboradores da Campanha
Nacional de Aviação, embora nunca tenha entrado
num avião. "Respeito todas as leis, principalmente
a Lei da Gravidade' costumava dizer. Ainda assim,
doou, em parceria com o cunhado Guilherme
Guinle, 400 alqueires de terra para a instalação de
uma base aérea em Cumbica, onde hoje se localiza o
Aeroporto Internacional de São Paulo.
Samuel Ribeiro assumiu a presidência da
Caixa de São Paulo em 27 de junho de 1931.
Homem refinado, mecenas cultural, tradutor
de Rudyard Kipling, presidente do Automóvel
Clube do Brasil, fundador da Escola Livre de
Sociologia e Política de São Paulo, editor de revistas
culturais, presidente do Museu de Arte de São
Paulo, Samuel Ribeiro foi o grande modernizador
da Caixa paulista. Ele introduziu a escrituração
mecânica das contas-correntes, contratou as
organizações Hollerith para verificação e controle
das operações e deu início aos empréstimos sob
consignação e à carteira hipotecária, além de ter
sido um dos promotores do slogan "De cruzeiro
em cruzeiro se faz o milheiro' Samuel Ribeiro
presidiu a Caixa até 1946. Morreu seis anos após
deixar o cargo, em 7 de setembro de 1952.
Como acontecia em São Paulo antes da
inauguração da agência da Sé, também no Rio
Grande do Sul e no Rio de Janeiro (as duas outras
grandes praças da Caixa) as instalações revelavam-
se acanhadas para abrigar um número crescente
de funcionários, clientes e serviços. Por isso,
os dirigentes gaúchos e cariocas deram início à
construção de novas sedes.
Em Porto Alegre, a instituição adquiriu os
terrenos adjacentes ao belo prédio construído por
Theo Wiederspahn e, em fins de 1939, planejou
aumento de suas instalações. Infelizmente,
porém, o antigo edifício foi derrubado, pois,
segundo uma avaliação da época, "o estilo gótico
tardio já pode ser considerado ultrapassado para
instante, sendo necessária uma construção de
linhas verticais, rijas' Em novembro de 1940, foi
inaugurada a nova sede. "com um piso térreo, três
andares, um grande porão e uma mansarda' O
prédio de linhas decididamente "rijas" foi atingido
pela grande enchente de 1941, nias resistiu.
Em 1940, a Caixa do Rio começou a se
transferir do número 25 da rua D. Manoel para
33/35 da avenida 13 de Maio, prédio cujas
reformas se haviam iniciado um ano antes e ainda
não estavam coricluídas. O imóvel pertencia a O
Jornal e foi parar nas mãos da Caixa por causa
de uma hipoteca em 1933. A Caixa pagou 7.500
contos de réis, dos quais 850 mil-réis em dinheiro
e 6.650 contos come) quitação da dívida. Além
disso, gastou 1.850 contos na reforma. Mais tarde,
no entanto, teve de voltar à sede antiga por ordem
de Getúlio Vargas. Assis Chateaubriand, magnata

das comunicações que perdera e depois recuperara
a posse de O Jornal numa intrincada batalha
econômica e política, convencera Vargas a forçar
a Caixa a lhe vender o prédio, mediante hipoteca
cujas prestações eram semelhantes às de um aluguel.
O relacionamento de Chatô com a Caixa
foi marcado por escândalos, favorecimentos,
manobras suspeitas e dívidas não pagas - como
quase tudo que o empresário fez na vida. Uma
dessas operaçõcs ocorreu quando ele tentava
salvar O Jornal e penhorou na Caixa as máquinas
de seu parque gráfico por oito mil contos de réis.
Depois, Cható empreendeu uma campanha para
a doação de aviões ao Aerocluhc de São Paulo,
envolvendo empresas como o magazine Mesbla e a
Caixa. Muitos aviões eram batizados várias vezes,
simulando uma quantidade que nunca existiu, o
tc
/ 70 cruzeiros praticados pelo mercado. O Suposto
,. ;;JutUUUuLi1ll
/ a dívida foi considerada paga graças à dotação de
>.
\ ;
CAIXA:l50\us
que permitia o desvio de recursos.
A Caixa, que estava entre as doadoras,
desistiu na última hora porque seu presidente
descobriu com quem estava lidando, segundo dossiê
encomendado por Vargas ao serviço secreto da
polícia de São Paulo e só divulgado meio século
depois, conforme relatado no livro Chatô, o Rei do
Brasil, de Fernando Morais, publicado em 1994:
Conta-se, outrossim, que o senhor Samuel
Ribeiro, diretor da Caixa Econômica, doador de dez
aviões para a campanha, suspendeu suas doações
quando soube das irregularidades verificadas e das
atitudes desonestas do senhor Assis Chateaubriand'
Na década de 1940, Assis Chateauhriand
aproveitara a depauperação da Europa em função
da Segunda Guerra Mundial para dar início ao
projeto de reunir no Brasil uma coleção de arte de
EV0LUÃ0 005
OEPÚ5ITO5
Rlfl GRANOEDOSVL( ' ..- .4
Q(QÀNT/OAPEIOQOVIRNOFEDEML
IJE UNIA lIS lORIA RRASIIEIIL\ 135
primeira grandeza. Para isso, raspava os cofres de
suas empresas, fazia campanhas de arrecadação de
fundos e coagia potenciais doadores. Seu esforço
acabou legando ao Brasil o magnífico Museu de
Arte de São Paulo. Os caminhos, no entanto, foram
tortuosos, como todos os trilhados por Chatô.
A compra de quadros tornou ainda mais
precária a situação econômica do império
jornalístico liderado pelos Diários Associados.
Nluitos malabarismos depois, Chatô não tinha
como pagar dois milhões de dólares ao banco norte-
americano Guaranty, com sede em Nova York. A
dívida foi empurrada com a barriga até que, em
1957, o Guaranty ameaçou tomar o acervo do Masp,
em exposição em Nova York. O empresário recorreu
ao presidente da República, Juscelino Kubitschek.
Diante da negativa em lhe alcançar tal quantia,
Chatô puxou uma peixeira e ameaçou se suicidar no
gabinete presidencial. JK cedeu.
A operação foi intermediada pelo Banco
do Brasil, mas os cem milhões de cruzeiros que
salvaram o Masp saírani dos cofres da Caixa. (.)
presidente sofreu duras críticas da oposição e dos
jornais inimigos de Chateauhriand. Além de lhe dar
o dinheiro, a Caixa, sob ordens do governo, havia
cotado o dólar a 18,82 cruzeiros, em vez dos quase
empréstimo nunca foi pago. Anos depois, durante o
governo Médici, e quando Chatô já havia morrido,
uma verba da l,oteria.
DEPÓSITOS ASCENDENTES
Gráfico publicado pela Caixa Econômica
do Rio Grande do Sul em maio de 1950.
A rua, da Cai na, Rio Grande do Sul
 11

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4 - 1
LUTAS DO POVO BRASILEIRO

OS PRACINHAS NA EUROPA

rn julho de 1941, os Estados Unidos emprestaram 20 milhões de dólares ao

Brasil para a construção de urna usina siderúrgica em Volta Redonda (RJ) .Seis
meses após a aprovação do empréstimo, aviões japoneses bombardearam a
base norte-americana de Peari Harbor, no Havaí, precipitando a entrada dos
Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. A aproximação entre Brasil e EUA, selada
a partir da liberação dos US$ 20 milhões, deu-se, portanto, em um momento-chave da
história mundial. E acabaria modificando também os rumos da própria história brasileira.
É preciso lembrar que até então o governo Vargas vinha manipulando habilmente o
antagonismo entre as nações democráticas e o nazifascismo, em um jogo já definido como
"neutraildade interesseira'
Na verdade, não era apenas um jogo: Vargas e seus assessores mais próximos de
fato estavam divididos. Em julho de 1940 - coincidindo com a invasão da França pelos
nazistas -, o presidente fizera um discurso tão dúbio que norte-americanos e ingleses
ficaram temerosos de que o Brasil se alinhasse aos países do Eixo. Foi o brilhantismo do
embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Osvaldo Aranha, que fez a balança pender
para o outro lado. Em janeiro de 1942, Aranha tornou-se a estrela da Conferência de
Chanceleres das Repúblicas Americanas, realizada no Rio. Durante o encontro, ele propâs
o rompimento das relações comerciais, políticas, militares e diplomáticas entre as nações
da União Pan-Americana e os países do Eixo. Os EUA teriam preferido uma declaração
formal de guerra, mas louvaram a decisão.
Embora o país ainda não tivesse declarado guerra à Alemanha - que, na época,
continuava sendo o segundo maior parceiro comercial do Brasil, suplantado apenas pelos
EUA -, Hitler determinou o torpedeamento de navios mercantes brasileiros. Depois
de inúmeras pressões populares, Vargas enfim declarou guerra ao Eixo. Na Europa, os
pracinhas brasileiros lutaram com vigor - destacando-se na tomada épica do Monte
Castelo, na Itália (imagem à esquerda). Ao voltarem para casa, depois de terem lutado
pela democracia na Europa, os soldados brasileiros viraram o símbolo vivo de urna
incongruência, pois o Brasil ainda vivia sob a ditadura do Estado Novo. Mas ela não
resistiu por lTlUitO tempo, e Vargas foi derrubado menos de dois meses após o retorno dos
pracinhas. Cinco anos mais tarde, voltaria ao poder - só que, então, nos "braços do povo".
138 CAIXA NA !R\ \ÀRC\S

NO ALTO - DUTRA NA CAIXA
O presidente Eurico Gaspar Dutra em Visita à Caixa
do Rio Grande do Sul, em outubro de 1948.
Reprodução do livro A Caixa Federal do Rio Grande do Sul elo seu Jubileu de
Dia,na,,re, Porro Alegre, maio de 1950
Na noite de 29 de outubro de 1945, o alto
comando do Exército brasileiro depôs Getúlio
Vargas, exatos 15 anos depois de ele ter tomado o
poder. Embora a gota d'água tenha sido a tentativa
do presidente de nomear seu irmão Benjamin
( :a3o) para a chefia de policia do Distrito
Federal, o movimento contra Vargas se iniciara
meses antes, após o fim da Segunda Guerra. Nada
mais lógico: se na Europa os brasileiros tinham
ajudado na luta contra os regimes nazifascistas,
como aceitar a permanência de um ditador no
próprio país? Em 31 de outubro, Vargas partiu
para uma espécie de exílio em São Borja (RS),
já articulando uma possível volta ao poder.
Em 2 de dezembro de 1945, contando
com o decisivo apoio de Vargas, o marechal
Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) foi eleito
presidente da República. Quatro anos depois,
Vargas voltou ao Palácio do Catete "nos braços
do povo". Praticamente não houve alterações
no comando da Caixa durante esses anos de
transição. Tanto que o presidente do Conselho
Superior continuou sendo um dos homens fortes
de Vargas, Francisco Solano Carneiro da Cunha,
que se manteve no cargo até fins de 1946.
O sucessor de Solano da Cunha foi o
presidente do Banco do Estado de São Paulo,
I,uiz Rodolpho Miranda, que já presidira o
Conselho Superior de 1943 a 1944. Diplomado
pelo King's Coilege de Londres, Miranda havia,
ironicamente, sido chefe de polícia do Distrito
Federal - cargo que foi pivô da derrubada de
Vargas. Miranda fazia parte da diretoria do
posto a Edmundo Miranda Jordão, que também
já fora presidente do Conselho de 1942 a 1943.
Embora em São Paulo tenham ocorrido
mudanças com o afastamento de Samuel Ribeiro
em 1946, no Rio Grande do Sul - terceira maior
praça da Caixa, atrás apenas do Rio e de São
Paulo -, o continuísmo da Era Vargas repetiu-se.
Em janeiro de 1946, Cylon da Rosa, presidente
da Caixa gaúcha desde novembro de 1938, teve
de abandonar o cargo por ter sido nomeado
interventor federal. Ele chefiou o estado até a
posse do novo governador, Walter Jobim, em 31 de
março de 1948, e voltou à presidência da Caixa.
Mas em nenhum Outro lugar os cargos
diretivos da Caixa Econômica eram ocupados
por políticos tão proeminentes quanto no Rio
de Janeiro. Tanto que dois membros da direção
da Caixa carioca naquele período, Carlos Luz e
Ranieri Mazzilli, estavam destinados a ocupar a
Presidência da República, como se verá. O mineiro
Carlos Coimbra da Luz (1894-1961) fora nomeado
membro do Conselho Administrativo da Caixa
do Rio no dia seguinte ao golpe do Estado Novo.
Duas semanas depois, em 25 de novembro de 1937,
passou a dirigir a carteira hipotecária. Em dezembro
de 1938, virou vice-presidente da instituição,
assumindo a presidência da Caixa em julho de 1939.
Luz se manteve no cargo até fevereiro de 1946.
O paulista Ranieri Mazzilli (1910-1975),
advogado especialista em direito tributário, também
iniciou sua ascensão profissional logo após o golpe
de 1937, quando foi encarregado por Getúlio Vargas
da reestruturação do "aparelho arrecadador de

ACIMA EDMUNDO MIRANDA JORDÃO

E CYLON DA ROSA
O presidente do Conselho Superior das Caixas e o
presidente da Caixa do Rio Grande do Sul em 1949.
Reprodução do livro A Caixa Federal do Rio Grande do Sul elo sei: Jubileu de
Diamante, Porto Alegre, maio de 1950
Conselho Superior desde setembro de 1939 e, rendas da União". Em 1942, foi nomeado diretor do
como Solano da Cunha, mantinha vínculos Tesouro Público Nacional, tornando-se, três anos
estreitos com Getúlio. Ele permaneceu à frente do mais tarde, diretor da Divisão do Imposto de Renda.
Conselho até novembro de 1948, quando cedeu o Indicado por Dutra em 1946 para ser o secretário-

geral de Finanças do Distrito Federal, Mazzilli
virou diretor da Caixa do Rio de Janeiro eni julho
de 1947. Em 1964, ocupou a Presidência do Brasil
como interino, passando o poder aos militares.
Se não houve mudanças na cúpula diretiva da
Caixa durante o governo Dutra, isso não significa
que a instituição tenha se mantido paralisada
ao longo daqueles quatro anos. Pelo contrário:
foi justamente nessa época que a Caixa chegou
de fato a todo o Brasil. Em 30 de de novembro
de 1945, por exemplo, foi assinado o Decreto 11°
8.257, (re)criando as Caixas do Amazonas, Pará,
Maranhão, Ceará, Espírito Santo, Santa Catarina
e Mato Grosso, todas anexas às Delegacias Fiscais
do Tesouro Nacional. Seis meses mais tarde, em
28 de junho de 1946,0 Decreto n° 9.414 levava
a Caixa para Alagoas, Goiás, Paraíba, Piauí, Rio
Grande do Norte e Sergipe. Nesses estados, a
instituição havia fechado suas portas cm diferentes
momentos, durante os anos 1920. É importante
ressaltar também que, em 26 de dezembro de 1945,
fora assinado o Decreto 110 8.455, determinando
"revigoramento do sistema de organização e
funcionamento das Caixas Econôrnicas' o que
possibilitou o aumento dos limites dos depósitos.
Em 1946, surgiu urna sólida proposta para a
unificação das Caixas, mas ela não saiu do papel.
No dia 31 de janeiro de 1951, Getúlio Vargas
tomou posse pela terceira vez como presidente do
Brasil - a única das quais eleito pelo voto popular.
As Caixas Econômicas Federais continuaram,
evidentemente, sob sua influência. O primeiro
presidente do Conselho Fiscal durante esse novo
período da Era \Targas foi Henrique Dodsworth.
Neto do barão de Javari e bisneto de um
marinheiro inglês que desertara de seu navio para
CAIXA: 130 DE UNIA HIStORIA BRASILEIRA 139
casar com urna rica fazendeira carioca, 1-lenrique
de Toledo Dodsworth (1895-1975) fora nomeado
prefeito interventor do Rio de Janeiro em 10 de
novembro de 1937— dia em que rebentou o golpe do
Estado Novo. À frente da Prefeitura, ele aperfeiçoou
sistema de arrecadação de impostos, o que lhe
permitiu pôr em prática um vasto plano de obras
públicas, incluindo, entre outras realizações, a
abertura da avenida Presidente Vargas e da avenida
Brasil, a duplicação do túnel do Leme, a construcão
do Jardim de Alô, a abertura do corte do Cantagalo, a
construção do Estádio do Niaracanã e a remodelação
do Parque Nacional da Floresta da l'ijuca.
Com o fim do Estado Novo, Dodssvori h
deixou a Prefeitura, sendo nomeado embaixador
em Portugal, em abril de 1946. No ano seguinte, já
estava de volta ao Brasil, ingressando no Conselho
1
Superior da Caixa, do qual foi presidente no biênio
1950-1951, tão logo Vargas voltou ao poder. Em CARLOS LUZ, FEVEREIRO DE 1946
O econainiário que ocupou a
1952, Dodsworth foi substituído pelo gaúcho
Presidência inrerina do Brasil.
Dano Crespo, antigo colaborador de Getúlio, Acervo da Caixa, Rio dc Lixeiro
que já fora chefe de polícia do Rio Grande do
Sul e fazia parte do Conselho Superior desde
1947. Embora tenha continuado no Conselho
até 1954, Crespo foi substituído na Presidência
pelo mineiro Bias Fortes em fins de 1953.
José Francisco Bias Fortes (1891-1971) tinha
sido um dos revolucionários de 1930 e ministro
da Justiça de Dutra. Cogitado para ser o vice de
Vargas nas eleições de 1950, foi preterido em favor
de João Goulart. Ao tomar posse como presidente
eleito em janeiro de 1951, Getúlio o destituiu
da pasta da Justiça, mas nomeou-o presidente
do Conselho Superior da Caixa em setembro de
1953. Bias Fortes continuava no cargo em 24 de
agosto de 1954, quando Getúlio Vargas desferiu
um tiro no peito - alvejando toda a nação.
7
SVDJVÁ V1] VN VXIVD o 1
O fim da Era Vargas
dia 24 de agosto de 1954 há de ter sido o
Q momento mais dramático da história do país
para pelo menos três gerações de brasileiros. Às
quatro horas e 30 minutos da manhã, ciii seu quarto,
no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, o presidente
Getúlio Vargas se suicidou com um tiro no coração.
Ao fazê-lo, atingiu não apenas a si mesmo, mas a
própria nação: o coração de seus aliados e a mente
de seus inimigos. Ao longo de uni qLlarto de século,
Vargas tinha sido o principal personagem do país.
Naquele instante, como ele mesmo profetizara, estava
saindo "da vida para entrar na história'
Que Getúlio era aquele que se matava, de
pijama, com um balaço flO peito? De certa frrma, não
o caudilho revolucionário de 1930, muito menos o
ditador policialesco de 1937. Nem o presidente eleito
pelo voto indireto em 1934 nem o positivista com
frequentes recaídas nazifascistas. Quem se matava
era o homem que voltara ao Catete "nos braços do
povo' o "Pai dos Pobres' protetor dos trabalhadores,
nacionalista fervoroso. Mais do que qualcuer
personageni incorporado por Vargas ao longo de 25
anos, morria ali o mais astuto político brasileiro de
todos os tempos: o político da conciliação, o ditador
disposto a anistiar seus inimigos, o mais mineiro
dos caudilhos gaúchos, risonho e misterioso "como
um mandarim chinês' O homem que, em tese, era
um livro aberto para seus adversários e um enigma
indecifrável para os amigos mais íntimos.
Como se acompanhasse os meandros da
carreira de Vargas, a história do Brasil dera tantos
1954
volteios desde a Revolução de 30 que o homem que
se suicidava naquela madrugada de agosto de 19540
fazia para impedir o avanço dos conservadores. Era
um "libertário" que morria, sacrificando-se em nome
do que o país tinha de melhor. A morte de Vargas
abalou profundamente seus admiradores, mas
provocou estragos muito maiores entre aqueles
que conspiravam contra o seu governo.
Os generais Sílvio Frota e Golbery do
Couto e Silva, o jornalista Carlos l,acerda, o
ex-integralista Olímpio Mourão e todos os seus P. 140 - A FURTA DO POVO
Simpatizantes de Getúlio Vargas tomam as ruas
aliados teriam de aguardar unia década antes de Porto Alegre, quebrando e queimando jornais
de conseguir concretizar seu golpe de direita. contrários ao presidente recém-morto.
Rarrco de dados Z,,o Hora/RBS
A reação popular à imolação do grande líder foi
QUATRO PRESIDENTES DA REPÚBLICA
tão intensa e generalizada que a conspiração, já Jango, 1K e Tancredo em frente ao caixão de Vargas.
Revista Ma,,chcte. n' 124, Rio de laneiro. 4 de setembro de [954,
em curso, teve de ser suspensa por dez anos. foto de Salomão Sclinr
Numa última, definitiva e dramática vitória
contra seus acusadores, Vargas ofereceu a própria vida
em nome de convicções das quais talvez abrisse mão se
lhe restasse outro caminho. Mas não havia Outra saída,
e o mais brilhante articulador político que o Brasil
jamais tivera preferiu recorrer à última•artiiiiaiilia
para assegurar uma vitória mcontestável que
teve o cuidado de deixar minuciosamente explicada
numa carta-testamento irretocável e emocionante.
Vivo, Getúlio Vargas comandara por
cerca de 20 anos os destinos do Brasil - e muito
favorecera o crescimento da Caixa Econômica.
Morto, o velho caudilho projetaria sua sombra e
sua influência até o alvorecer da sexta década do
século que, no Brasil, foi quase inteiramente dele.
 tl1WLD MUNETARIO NAC1O*I*L
-

PES0ENTE 00
- ACt CEf'JAL 00R4
- -

Rk

1
JUSCELINO KUB/TSCHEK
CAIXA DA UNIFICAÇÃO
'954 . .1984
oucas vezes uma foto foi tão
C
profética. Em torno do caixão
de Getúlio Vargas, que acabara
de deixar a vida para entrar
na história, deu-se o encontro de Juscelino
Kubitschek, João Goulart e Tancredo Neves
(a imagem está na página 141). Três homens
de formação, ideias e humores distintos. Três
herdeiros políticos do caudilho gaúcho aos quais
estava destinada a Presidência do Brasil. A exemplo
do que acontecera após o advento da República,
quando a Caixa Econômica se manteve por longos
anos sob padrões imperiais, o fim da Era Vargas,
selado coni um tiro no peito, não impediria
que a Caixa, como o próprio país, continuasse
sob profunda influência varguista até a ruptura
provocada pelo golpe de 1964.
Dos três homens que os meandros da
política se encarregaram de reunir ao redor do
caixão de Vargas, apenas JK conseguiria manter
na Presidência o mesmo brilho exibido pelo
permanente sorriso. Tancredo, após atribulada
experiência como primeiro-ministro de Jango, seria
eleito para o cargo mais alto do país em 1985, pelo
voto indireto, mas morreria sem tomar posse. Jango,
que fora vice de JK, seria arrancado da Presidência
pelos militares após três anos e meio de um
governo sempre controverso, num ato que levaria
a nação dos anos dourados aos anos de chumbo.
Mas os ventos do autoritarismo já sopravam
na década de 1950. Tanto é que JK, eleito pelo
voto popular, só tomou posse, em 1956, graças
ao único golpe legalista da história do Brasil.
Coniandaclo pelo general Henrique Teixeira
Lott, o Exército atuou como "a espada neutra"
para garantir o resultado das urnas. Durante
a turbulenta crise institucional, a Presidência
da República foi ocupada interinamente por
um economiário, Carlos Coimbra da [,uz.
Como foi dito antes, I,uz participara da
campanha que havia lançado a candidatura de
Getúlio Vargas à Presidência em 1930. Ao decretar
o Estado Novo, em 1937, Vargas demonstrou
sua gratidão, nomeando-o para o Conselho
Administrativo da Caixa Econômica do Rio. No
ano seguinte, Luz foi alçado ii vice-presidência
e depois à presidência da instituição, passando
a integrar o Conselho Superior das Caixas.
Reassumindo a presidência em novembro de
1942, permaneceria no cargo até 1946. Em 1955,
já como presidente da Cámara, presidiu o Brasil
interinamente por oito dias, até ser derrubado pelo
golpe legalista liderado por Lott.
Passada a crise de 1956, o país assumiu as
fiições de JK, descendente de tcbecos nascido em
1902, em L)iamantina, Minas Gerais, e cantado
pelo menestrel Juca Chaves como o "presidente
 144 CAIXA DA DXI IICAC,\()
P. 142— ICONE NACIONAL
Juscelino Kubitschek estampou o anverso
da cédula de 100 mil cruzeiros, depois
transformada em 100 cruzados, em 1986.
Museu de Valores do Banco Central do Brasil
bossa-nova": sorridente, amante dos prazeres da
vida, sonhador e empreendedor. Na definição do
ensaísta Roberto Schwarz, o Brasil mostrava-se
"irreconhecivelmente inteligente" naquele final da
década de 1950.
Em 1958, ao som da bossa nova, o país
conquistou pela primeira vez a Copa do Mundo,
na Suécia, impulsionado pelos dribles estonteantes
de Garrincha e pela mestria de Pelé. Finalmente,
estava curado o trauma provocado pela deriota para
Uruguai na final do mundial de 1950. No ano
seguinte, saíram das linhas de montagem brasileiras
primeiro Fusca que se tornaria uma paixão
popular - e o primeiro Simca Cbambord, símbolo
da robustez e do requinte da época.
Enquanto o mundo prendia a respiração por
causa das crescentes tensões da guerra fria entre os
Estados Unidos e a União Soviética, agravada pela
ascensão ao poder em Cuba dos revolucionários
Fidel Castro e Che Guevara, os brasileiros
andavam de lambreta, curtiam lança-perfume e
homenageavain com entusiasmados fiu-fius as
pernas da rniss Adalgisa Colombo, ao sabor de
versas de Vinícius de Moraes.
No livro Feliz 1958 O Ano que Não Devia
Terminar, Joaquim Ferreira dos Santos retrata essa
época e conduz seus leitores a um delicioso passeio
por um Brasil jamais reencontrado. O momento
político e social era de tamanha tranquilidade que
João Goulart, então vice de 1K, encontrava tempo
para paquerar as vedetes na hoate Sacha's, no Rio,
entre as quais Angelita Martinez, que Jango teve
de disputar com Mané Garrincha, numa contenda
iinpensável em qualquer outro tempo:
"Ao contrário de 68, quando se tentou colocar
a imaginação no poder e o pau quebrou, em 58
ninguém foi preso em nome da liberdade. Quase
ninguém foi preso por nada, aliás. A estatística da
Delegacia de Roubos e Furtos do Rio registrava
um assalto a cada duas horas no mês de outubro.
Melhor ainda: no dia 15 de outubro daquele ano,
jornalista Antônio Maria - que no ano seguinte
escreveria o seu Romance Policial em Copacabana
-por enquanto lamentava tanta paz. Duas
agressões e uma batida de carro na noite anterior
em Copaca bana inteira, narrava desapontado.
Assim ficava difícil. Como fazer jornalismo se só
havia boas notícias? A saída era ir ao Sacha's, boate
numa rua de nome santo no Leme, a Padre Antônio
Vieira, mas que abrigava grã-finas, empresários
e cenas infernais — olha lá quem está na mesa do
canto - como a do vice-presidente João Goulart
com sua amante, Aída Campos, também conhecida
por 'Joãozinho Boa-Pinta' graças ao curioso corte
de cabelo taradinho, aquele rente à nuca'
Naqueles anos, o Plano de Metas de JK, tendo
como "meta-síntese" a construção da nova capital,
engajou os brasileiros na corrida do "nacional-
desenvolvimentismo' A expressão, cunhada pelo
presidente, evidenciava o espírito daqueles dias e
driblava diferenças ideológicas. Os prometidos "50
anos em cinco" se concretizaram. E verdade que o
crescimento se deu à custa do endividamento externo
e que a corrupção canipeou nos canteiros de obras
do Planalto Central, mas o fato é que os anos JK
figuram entre os mais reluzentes da história do Brasil.
Brasília abriu caminho para o
desenvolvimento de uma parte esquecida do
país e tornou-se Patrimônio da Humanidade
graças à funcionalidade do traçado criado por
Lúcio Costa e à ousadia arquitetônica de Oscar
Niemeyer. Na década de seu centenário, a Caixa
Econômica acompanhou o surto ciesenvolvimentista
e, como o resto do país, transferiu seus
projetos para o coração selvagem do Brasil.
 CAIXA:1 )àNU t)t. LNL\ tItSIOEL\ ttRr\II.EttL\ 145

Brasília: a nova capita rni

E ra uma cidade havia muito profetizada. Já
em 1883 ela aparecera, fulgurante, nas visões
do santo italiano l)om João Bosco. tini século
antes, fjzera parte dos sonhos libertários dos
inconfidentes, fulminados em 1789. Em 1813,
1) jornalista 1 lipólito José da Costa, redator do
Correio Braziliense, editado em 1,ondres, deu
novo alento a ideia de transferir a capital do
Brasil para o interior, "junto às cabeceiras do
rio São Erancisco' No início de 1822, surgiria,
em Lisboa, uni livreto, redigido nas Cortes,
determinando que "no centro do Brasil, entre
as nascentes dos contiuentes do Paraguai e do
Amazonas, fundar-se-á a capital do Brasil, com
a denominação de Brasília". No mesmo ano,
após a independéncia, José Bonifácio defenderia
na Constituinte a ideia de erguer a nova capital
"lia latitude de 15 graus, em sítio sadio ,a meno,
fértil e regado por um rio navegável
I'roclamada a República, o artigo 30 da nova
Constituição estabeleceu que a capital de Cito seria
mudada para o Planalto Central. Por isso, em 1892,
à frente da recém -formada ( oiiiissão Exploradora
do Planalto Central, o cientista Luís Cruls
demarcou "um quadrilátero de 14.400 quilómetros
para nele ser erguida a nova cidade". Em 1922,
o presidente Epitácio Pessoa baixou uni decreto
determinando que no dia 7 de setembro daquele a sair do papel no dia 4 de abril de 1955, num O PRESIDENTE 'BOSSA-NOVA"
JK, no ga 6 ii ie te presidencial, observa o in opa dos
ano (centenário da i ndcpendéncia ) fosse assentada comício em Jatai ( Go ) , quando o então candidato avanços de um Brasil que ajudou o modernizar.
,rqujv,, Naci,,nal, -unS, AgSuJa N.,cit,rnii.
a pedra fundamental da nova capital, na cidade à l'residéncia da República luscelino Kubitscliek
de I'lanaltina (G(_)), localizada no "quadrilátero decidiu úizer a mais óbvia das promessas de
Cruis", hoje perímetro urbano de Brasília. campanha: jurou que iria "cumprir a Constituição".
A ideia de transferir a capital para os Então, como o próprio J E conta no livro Por que
longínquos descampados do Cerrado foi man tida Construí Brasília, algo de surpreendente aconteceu -
nas constituições de 1934 e 1946. i\las só começou e mudou os destinos do Brasil.
 146 CAIXA DA UNIFICAÇÃO
1 )e acordo com 1K, ao li nal do comício em
Jataí, "uma voz forte se impôs" e o interpelou:
"O senhor disse que, se eleito, irá cumprir
rigorosamente a Constituição. Desejo saber se
pretende pôr em prática a mudança da capital
federal para o Planalto Central7 1K olhou para
a plateia e identificou o interpelante: António
Carvalho Soares, conhecido como loniquinho.
Embora considerasse a pergunta enibaraçosa e já
tivesse seu Plano de Metas pronto, 1K respondeu
que construiria a nova capital. A partir daí, Brasília
virou a meta-sín tese de seu governo.
ACIMA, À DIREITA — A RQU j[fl RA INOVADORA Ao assunhir a Presidência, JK apresentou o
Os p ródios do Coa gresso e o Palácio da Alvorada e projeto ao Congresso como fato eonsumadc. Em
esboços de Oscar Nieoicycr.
setembro de 1956, foi aprovada a l,ei ii" 2.874, que
NO st:Io, À ESQUERDA - ACONCHEGO NO CERRADO
criou a Cia. Urbanizadora da Nova Capital As obras
Vjso artística de ama residé,tcia tia nova capital tendo
ao Jis tido a Lspia nada dos Ministérios. iniciaram-se em fevereiro de 1957, com apenas três
lieproduçassd., rev,stL, ,i FisS ,,ia is Br,siiía,
miiil trabalhadores, batizados de "candangos7 Os
P. 147— CANTEIRO DE OBRAS arquitetos Oscar Niemever e lúcio Costa foram
Brasília eia construção ao terreno inóspito do Planalto
Central: ciii priiilciro plano a catedral; ao centro, a encarregados de projetar a cidade futurista.
Espia nada dos Ivlitiistérios, e, ao fiiitdo, o Congresso
Nove meses depois, cerca de 12 mil
Nacional e o (artifi cial) Lago Paraiioít.
Fo(oraIia dc eh,, 11, rlrod,Iç d,i ,Is ri -eras i iIrdrsirIa ele Brasília. pessoas já viviam e trabalhavam em Brasilia.
tsc icaJ - .:
Mais de 45 milhões de metros cúbicos de terra
vermelha loram deslocados numa terraplenagem
monumental. Redigida por San 'l'iago Dantas, a
lei da Novacap permitia ao governo fazer todas as
operações de crédito sem passar pelo Congresso.
Houve corrupção e desvio de verbas, é claro,
mas, em 41 meses, onde havia apenas deserto
e se escutava só "o miado da onça' erguia-se
uma das cidades mais modernas do imindo.
O t'itiiio de construção, "excessivamente
rápido' chegou a ser dLlramente criticado — e teve
conseqLméncias trágicas, como a morte de dezenas
(talvez centenas) de operários em acidentes de
trabalho que eram logo abaládos. las 1K tinha o
apoio de intelectuais, estudantes, lideres sindicais
e, evidentemente, dos grandes empreiteiros. Assim,
em abril de 1961, a mais moderna capital do mundo
!oi inaugurada. Um quarto de século mais tarde,
em 1987, Brasília foi tombada pela Unesco como
Patrimônio Cultural da Humanidade, tornando-se o
único monumento arquitetôn co com menos de cem
alios a receber tal honra ria.
 CAIXA:150 ANOS DE UMA HISTORIA BRASILEIRA 147

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4ii1M
148 CAIXA DA LNJIILAL\D

O poder no centro do Brasil

A mudança da capital do Rio para Brasília,

apesar de levar o desenvolvimento a uma

parte até então esquecida do Brasil, deslocando o

de todos os órgãos públicos, tanto da administração

direta quanto da indireta, caso no qual a Caixa

Econômica então se incluía. Era um desafio quase

eixo das decisões políticas, representou também amedrontador, um mergulho no desconhecido.

uni gigantesco esforço para milhares de servidores Brasília iria se tornar a cidade com maior

públicos. Não deve ter sido fácil trocar a Cidade área verde por habitante do planeta; sua via mais

e[aravi1hosa, com sua magnífica paisagem, belas importante, o Eixo Monumental, a mais larga

praias, mulheres lindas e vida cultural intensa, avenida do mundo. A nova capital seria declarada

especialmente naqueles efervescentes anos 1960, também Património da 1-lunianidade pela Unesco.

pela árida vastidão do Cerrado, com seu clima de Mas, em 1960, a cidade ainda não era nada disso: lia

secura extrema e sua terra vermelha a contaminar o verdade, não passava de um amontoado de poeira e

cenário e a impregnar roupas e poros. Sem falar na esqueletos de concreto.

escassa estrutura de moradia, transporte e serviços Enquanto a perspectiva de mudança para

da nova cidade, ou lia distância que separava os tal cenário assustava alguns funcionários da Caixa

pioneiros dos familiares. do Rio, outros já se haviam somado aos pioneiros

Brasília fora inaugurada em condições no l'lanalto Central. Tanto é que, uma vez por

precárias, e estava longe de se tornar a grande semana, unidades volantes da Caixa Econômica

metrópole do final do século 20. Era natural, estacionavam junto aos canteiros de obras. Os

portanto, que os servidores, entre os quais os ônibus, adaptados para servir como verdadeiras

econorniários, resistissem á mudança, planejada agências ambulantes, e já sob coordeiiação dos

pelo governo para ocorrer de forma gradual. A economiários, eram aguardados ansiosamente pelos

primeira leva deveria incluir 30% dos funcionários operários da construção civil. Eles se postavam
 CAIXA:150\Nos IIE L'Nl\ HISTORIA BRASILEIRA 149

em longas filas com suas cadernetas verdes à mão. áreas em que atuam, poucas vezes se viu um como o Nacional, o primeiro de alto padrão

Geralmente, nem era necessário convocá-los por envolvimento como o da Caixa com Brasília. a abrir as portas em Brasília, e até cinemas.

meio dos dois alto-falantes colocados em cima do Mais do que meramente instalar-se na nova Mas uni dos niaiores orgulhos da Caixa

veículo. Os "candangos' nome dado aos pioneiros capital de forma pioneira, o que já não seria pouca em relação a Brasília é sua contribuição na área

do Distrito Federal, recebiam os vencimentos em coisa, dadas as precaríssimas condições, a Caixa de ensino e educação. A instituição liberou

dinheiro vivo, quase que diretamente dos cofres da ajudou a financiar obras fundamentais para a financiamentos que permitiram a criação desde

Novacap, companhia incorporadora criada para metrópole nascente. De uma maneira ou de outra, creches até universidades, especialmente a

erguer a metrópole. toda a população da cidade sentiu os efeitos dessa Universidade de Brasília (pública), uma das mais

A chegada do ômhus da Caixa Econômica atuação. As verbas da Caixa estiveram presentes importantes do país, e o Ceub (privado).
significava poder depositar os suados ganhos na na pavimentação de viadutos, na construção do A primeira sede fixa da Caixa de Brasília, uma

poupança. Em busca da oportunidade de emprego, aeroporto, escolas, hospitais e clubes abertos a toda vez que inicialmente o atendimento se dava apenas

os candangos haviam deixado as famílias em outros a população. A iniciativa privada pegou carona por meio das unidades volantes, fiji uma área de

estados, e aquelas quantias seriam enviadas ao nos financiamentos, como no caso do complexo dois andares cedida pelo Ministério da Educação

final do mês para o sustento de mulher e filhos ou de abastecimento integrado por Cibrazen, Cobal e Cultura. O capital inicial da Caixa de Brasília foi

para financiar as passagens de ánibus destinadas a (públicos), Pão de Açúcar e Jumbo (privados). Cr$ 300 mil, soma proveniente do Banco do Brasil.
reuni-los em urna das cidades-satélites que, já então, A imprensa também se beneficiou, O Não era novidade lia história da Caixa Econômica

começavam a formar-se ao redor da capital. Jornal de Brasília, segundo em i mportãncia depender de favores de outros órgãos para abrir

Como muitos eram analfabetos, os na cidade, atrás do Correio Braziliense, contou as portas - a Caixa do Rio permanecera por ló

funcionários da Caixa tinham de recolher as com recursos da Caixa para sua instalação, anos corno inquilina indesejada da (ïimara dos

impressões digitais para oficializar o depósito. enquanto o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Deputados até conseguir uma sede própria. 1-lavia,

Embora instituições financeiras de grande porte Federal recebeu dinheiro para a formação de no entanto, urgência em providenciar instalações

costumem exercer inegável intluéncia sobre as uma gráfica-escola. Entram nessa lista hotéis adequadas na nova capital.
 150 CAIXA DA UNIFICAÇÃ(I)
P. 148 E 149- A EDIFICAÇÃO DE UM SONHO
Em várias etapas e sob diversos ângulos, a construção da
sede da Caixa na capital federal, com 21 andares e 30 ruil
metros quadrados de área construída.
Museu da Caixa, Brasília
P. 151 O CORAÇÃO DA CAIXA
Projetada pelo arquiteto (e economiário) João Ortigão
Tiedevnann, a agência matriz da Caixa fica em um
complexo que também abriga o Conjunto Cultural, e se
destaca na paisagem do Setor Bancário Sul, em Brasília.
Brasília crescia em ritnio mais acelerado do
que as previsões otimistas de seus entusiastas. Um
ritnio que a faria chegai- ao final do século 20 com
mais de um milhão de habitantes. A Caixa não ficava
muito atrás. Logo começaram a surgir as filiais, não
apenas no plano piloto, a área urbana da capital,
mas em seu entorno. Por ocasião dos 15 anos da
fundação de Brasília, em 1975, a Caixa inaugurou
a agência do Conjunto Nacional, o primeiro
shopping cen ter da cidade e ainda hoje o centro do
comércio popular, e a de Taguatinga, urna das mais
importantes cidades-satélites do Distrito Federal.
Os festejos dos 15 anos de Brasília
encontraram a Caixa em excelente forma, com 12
agências bancárias, unia de penhores e dois edifícios
próprios, um dos quais abrigando a matriz, que
acabara de ser transferida. Os planos imediatos
incluíam a abertura de agências nas cidades-
satélites de Guará, Gama, Sobradinho, Brazlàndia
e Planaltina. O patrimônio amealhado em urna
década e meia de atuação no Distrito Federal, desde
os tempos em que trabalhar na região exigia muita
dedicação e espírito de aventura, chegava agora
a Cr$ 600 milhões. Um entusiasmo até juvenil
dos dirigentes fica evidente nas palavras de Paulo
Gaspar, que ocupava o cargo de gerente-geral, em
entrevista ao jornal da instituição:
"Brasília é a menina-moça que a Caixa ajudou
a embalar no berço, que acompanhou nos primeiros
passos. Agora, na fase adulta, (a Caixa), satisfaz a
todos os caprichos da cidade adolescente. E caprichos
que não são nada modestos..."
No momento da declaração algo poética
do gerente-geral, os integrantes da administração
da Caixa, que desempenhavam suas funções
em instalações improvisadas, aguardavam a
mudança para o novo prédio. Com 21 andares
e 30 mil metros quadrados de área construída, a
sede localizada no Setor Bancário Sul se tornaria
motivo de orgulho para os economiários.
Aliás, coube a um funcionário da Caixa
a missão de elaborar um projeto arquitetônico
adequado aos traços futurísticos de Brasília e ao
mesmo tempo funcional o bastante para atender
ao crescente número de clientes e servi ços.
Não seria a primeira vez, nem o primeiro local,
onde tal desafio seria enfrentado. O arquiteto e
economiário João Ortigão l'iedemann já criara
os projetos das sedes da instituição no Rio
de Janeiro - o enorme prédio da avenida Rio
Branco-, em Porto Alegre (no mesmo local onde
antes existira a "joia arquitetônica" construída
por Theo Wiederspahn) e em Manaus.
Tiedemann não economizou pa!avras ao
descrever as próprias ideias: "O projeto procura
ser atualizado, utilizando todas as possibilidades
que permite a técnica atual, e entrosado na
plástica da arquitetura contemporânea. Embora
sem se prender a tradicionalismos, contém uma
imagem de respeito ao passado, no que ele tem de
permanente. Oprojeto deverá se integrar na filosofia
de Brasília pelas soluções novas que contém - mas,
sirnultaneamente, buscando unia plástica que se
destacará na paisagem urbana em que se insere'
Tratava-se, na verdade, de dois prédios-. unia
torre de 21 andares cujos pontos altos seriam o acesso
por unia passarela sobre espelho d'água com espécies
nativas e o espaço hoje ocupado pelo Conjunto
Cultural da Caixa. No hall dos elevadores do prédio
principal encontram-se 24 vitrais do artista plástico
alemão Lorenz Heilmar representando os estados
brasileiros. Os vitrais e as luzes multicoloridas que eles
projetam no hall circular tornaram-se tão conhecidos
e apreciados por sua beleza e valor artístico que hoje
constam dos roteiros oficiais e dos programas de
visitas de muitas das agências de turismo de Brasília.
Cinquenta anos depois de sua chegada à
capital, e 150 depois de sua fundação, a Caixa segue
firme em Brasília. Como o próprio país, continua
apostando no futuro.
CAIXA: 1 151
152 CAIXA I)A UNIFICAÇÃO
A "CORUJINHA"
Teresa Gazola Pessoa Barros, tetra neta do primeiro
depositante da Caixa, Antônio Á/cates Coruja, principal
estrela da comemoração do centenário da instil uição,
celebrado no Rio de Janeiro, em novembro de 1961.
Acervo da Caixa, Rio de lixeiro
P. 153—OS ALICERCES
Dirigentes da Caixa Econômica do Rio de Janeiro visitam
as fundações da nova sede da insiifiiiçTlo na avenida Rio
Branco, durante os festejos do centenário da Caixa.
Acervo da Caixa, Rio de lavei ro
O centenário e a nova sede
A apreens dos eConomiários em via de serem
transferidos para Brasília não foi capaz de
reduzir o entusiasmo pelas comemorações do
centenário da Caixa, celebrado em 4 de novembro
de 1961. Na ocasião, foi cunhado um medalhão de
bronze com as efígies do imperador D. Pedro II,
fundador da Caixa; do visconde de Albuquerque,
seu primeiro presidente; de João Goulart, presidente
da República; e de Jcronvnio Pinheiro de Castilho,
presidente da Caixa em 1961. 'llmbém foram
entregues medalhas de mérito a 75 funcionários que
completaram 25 anos de serviço.
O gabinete da presidência da Caixa ganhou
um retrato do primeiro cliente da Caixa Econômica
e Monte de Socorro da Corte, o já citado Antônio
Álvares Pereira Coruja, doado pela Sociedade
Amantes da Instrução. 'vlas 'a maior homenagem
ao cliente número 1 se deu por meio de uma
descendente. Para encontrá-la, a Caixa contou com
a ajuda da rádio Jornal do Brasil. O JB publicou
assim a notícia, no dia 4 de novembro de 1961:
"O serviço de utilidade pública da rádio Jornal
do Brasil conseguiu localizar ontem o mais novo
descendente em linha direta da primeiro depositante
da Caixa Econômica do Estado da Guanabara, a
lucilina Teresa Gazola Pessoa Barros, de ci rico meses,
que é tetraneta de Antônio Álvares Coruja, o homem
que há cem anos fez um depósito de dez mil-réis na
instituição, tão logo se abriu o guie/zê da antiga sede
da rua da Misericórdia, onde funcionava o antigo
Senado da Câmara do Rio. A avó de Teresa, senhora
Otila Coruja dos Santos Pessoa Barros, revelou que
seu bisavô era gaúcho, participou da Revolução
Farroupilha e se tornou muito conhecido na época
por sua gramática portuguesa, a mais recomendada
nas escolas. Seu nome verdadeiro era Antônio Alva res
Pereira, pois Coruja, a princípio, era um simples
apelido, que acabou por se incorporar à sua firma.
"A Caixa Econômica vinha tentando localizar
un, descendente de seu primeiro cliente há cerca de
um alio, pois resolveu homenagear o mais jovem
Coruja em seu centenário, que será comemorado no
dia 4. Por decisão de seu presidente, a Caixa decidiu
abrir uma conta em nome (lesse descendente, em
valor equivalente a mil vezes o depósito feito por
seu primeiro correntista. Diante das dificuldades
encontradas pela Caixa Econômica, o serviço de
utilidade pública da rádio Jornal do Brasil se
prontificou a descobrir e em menos de 24 horas
localizou, na avenida Duque de Caxias, na Vila
Militar, a família do capitão Edwy dos Santos Pessoa
Barros, trineto do 'velho Coruja' e pai de três filhos,
que vêm a ser tetranetos do primeiro cliente. Teresa
Gazola Pessoa Barros, a mais nova da família e a
mais nova das tetranetas, está com apenas cinco
meses e Vai ganhar Cr$ 10 mil.
"O senhor Antônio Alva res Pereira Coruja
tem vivos três bisnetos, o senhor Nestor Vitor dos
Santos Filho e as senhoras Olga Coruja Soares
Filgueiras e Otila Coruja dos Santos Pessoa
Barros. Esta é mãe do capitão Edwy e avó de
Teresa - último galho da árvore genealógica
do 'velho Coruja D. Otila contou ao JB que
seu bisavô foi um dos primeiros fundadores da
Sociedade Rio-Grandense de Letras, era professor
de português e, como tal, fez uma gramática que
'marcou época na literatura didática brasileira
Seu apelido foi posto por amigos que o viam, altas
 CAIXA: 1 IFI t\i.\ i i i s i o m.t IiIt\5!!1 1.\ 153

á OraS CIO 00! tt', Cl (111(1(1 r pelo 1'!! II da ASSC 0111 le 1(1, e esperança ao povo brasileiro" foi colocada em responsável pela iluminação pública da capital,

ordenando na memória as leituras do dia. A uma urna de aço e enterrada no centro do terreno. elevou o preço do imóvel e o obrigou a ultrapassar

preferência pela noite sugeriu logo a semelhança O texto recordava os princípios que nortearam limite combinado e a comprar o lote por algo
com a coruja. O apelido ficou. Segundo D. Otila, a fundação, em 1861, proclamava as realizações entre 200 e 300 contos a mais.

'velho Cora ja como o trata, com carinho, teve do presente e protetava o futuro, como se verá no A um de neutralizar eventuais adversários
uma filha casada com o poeta e boêmio Emilio de final deste livro. O documento foi assinado pelo durante reunião do Conselho, Solano da

Meneses, de quem ela se separaria mais tarde. presidente João Goulart, por ministros, diretores Cunha atirmou ter, diante do aumento do

"Ao meio-dia de hoje, o capitão Edwy da Caixa do Rio e do Conselho Superior e pelos preço, comprado o terreno em seu nome, mas
dos Santos Pessoa Barros vai levar sua filha arquitetos responsáveis pelo projeto. estar disposto a anexar, no Livro de Arremates

caçula para um encontro com o presidente da A história da nova sede se iniciara em 28 de de Leilões, a expressão "presidente da Caixa

Caixa Econômica, senhor Jeronymo de Castilho, outubro de 1952, quando Francisco Solano Carneiro Econômica Federal". Apesar de ter extrapolado

que quer conhecer a tetraneta mais nova do da Cunha, membro do Conselho Superior da Caixa, no preço, saiu cia reunião saudado como herói.
primeiro homem que confiou na instituição." decidiu participar de um leilão no qual seria posto à O terreno se tornaria a sede definitiva da Caixa

A cerimônia oficial de celebração do primeiro venda o velho 'k'atro Lírico, no largo da Carioca, no do Rio de Janeiro - na mesma avenida da
centenário da Caixa Econômica foi realizada no centro do Rio. O Conselho o autorizara a negociar qual, no início do século 20, a população havia

local onde seria erguido o imponente e atual prédio até a quantia de dois mil contos de réis. Mas ele sido desalojada, episódio que contribuíra de

da Caixa do Rio de Janeiro, na avenida Rio Branco, enfrentou um problema inesperado: a disputa forma decisiva para a consolidação das favelas

antiga avenida Central, lima mensagem "de fé Com um representante da l.ight, multinacional como opção de moradia popular no Rio.
154 CAIXA l),\ UNIFICAÇÃO

O Natal de 1961
HISTÓRIA DE NATAL

Vou contar-lhes uma história
Ao pé da minha lareira,
Não é lendária e ilusória
É história verdadeira.
Não é de atrás da cortina'
Onde há neves e terrores
Passou-se ali, bem na esquina
Numa agência de penhores:
Junto aos penhores mais vários,
Deixados por toda gente,
Certo dia os funcionários
Viram algo diferente.
Entre relógios baratos,
Que chegam de Seca e Meca,
Canetas, rádios, sapatos
Jazia uma... boneca!
Uma boneca, leitores,
(Em Nova York ou nos Urais)
Numa agência de penhores
Conta tragédia demais.
O diretor da Carteira
Que é humano e tolerante,
Buscou, então, a maneira
De achar o depositante.
Ao vê-lo, o dr. Castilho
Quase tudo compreendeu.
Indagou: - Diga, meu filho,
O que foi que aconteceu?
Então, o homem falara
Da filhinha, Febre alta...
A moléstia que não para...
O remédio que lhe falta...
Vendera tudo o que tinha
Para aviar as receitas.
Só faltava a bonequinha
Com suas tranças desfeitas.
O resto... Já sei. Mas ouça
Dê-me depressa a cautela.
Leve a boneca de louça
Que a "mamãe" precisa dela.
Esta história não tem data.
Mas não ficaria mal
Se eu dissesse que se trata
De uma história de Natal.
Álvaro Armando
setor de penhores da Caixa Econômica.
Q nascido Monte de Socorro da Corte em
1861, cem anos depois continuava sendo o único
recurso dos pobres diante da necessidade de obter
algum dinheiro em situações de emergência. No
Natal de 1961, a Caixa do Rio, sob a presidência de
Jeronynlo de Castilho, resolveu devolver centenas de
brinquedos que haviam sido penhorados por pais
necessitados. O episódio mereceu urna pungente
abordagem do poeta Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965), publicada no jornal O Globo de 23 de
dezembro daquele ano.
"A atual direção da Caixa Econômica desta
cidade acaba de tomar uma resolução comovente:
devolveu aos seus donos brinquedos postos em
penhor para garantia de pequenos empréstimos.
Nada sei de mais triste do que ver-se alguém forçado
a empenhar o brinquedo de uma criança. Há
tragédias maiores, mas não conheço realmente o que
se compare, o que seja mais dolorosamente delicado
neste mundo do que tirar-se o brinquedo das mãos
de um inocente para pô-lo no 'prego garantindo-se
uns poucos cruzeiros. Não é para rir saber-se, por
exemplo, que uma pobre mulher vê-se obrigada a
desfazer-se de sua máquina de costura, ou de outro
objeto de utilidade ou de estimação, afim de obter
uma pequena importância - mas tudo isso faz parte
dos sofrimentos e humilhações da vida humana.
Mas tirar-se o brinquedo de uni menino para fins
mercantis é alguma coisa que ajuda a explicar a
existência desse mar de lágrimas que se interpõe
entre a criatura de Deus e o destino.
"Muito será perdoado aos homens da nossa
Caixa Econômica, no julgamento final, não só
por esse ato humaníssiino, mas por terem tomado
conhecimento de que havia brinquedos em depósito
garantindo dívidas. O difícil não é agirmos, e sim
prestarmos atenção às coisas, é nos darmos conta
do que existe e não deveria existir. Há ocupações
terríveis, mas não creio que nenhuma seja mais
dolorosa do que a do funcionário que transaciona
oficialmente com os pobres que a necessidade obriga
a recorrer aos brinquedos dos pequeninos para
financiamentos urgentes. 'Aqui está esta boneca
que minha filha ganhou numa rifa; preciso de
700 cruzeiros> Ou então a pergunta: 'Com este
velocípede poderei obter 500 cruzeiros? Mas bonecas
e velocípedes são transações vultosas - existe gente
que é obrigada a retirar das mãos dos inocentes ursos,
gaitas, todas essas coisas enfim que constituem uma
antecipação da vida, um treino para a maturidade
e povoam a infância de um encanto particular. A
injustiça da vida, a diferença entre as condições
humanas se revelou desde cedo em mim através da
desigualdade dos brinquedos entre os meninos.
"Existem crianças que não sabem o que
fazer de um tesouro de brinquedos e outras que
sonham com coisas que nunca terão, como bichos,
bicicletas, bolas, jogos, cuja posse lhes será para
sempre recusada. Nunca me esquecerei da queixa
de uma pobre mulher— costureira de minhas
irmãs -, Lapolda, como a chamavam. Perdera um
filho de dez ou 12 anos. 'Resigno-nie' - ouvi-a
eu dizer - 'que Deus o tenha levado. Só guardo
uma revolta: a de não ter podido dar a meu filho
brinquedo que ele tanto queria. Pouco antes
de morrer pediu-me que o acompanhasse a ver a
vitrina de uma loja, onde estava a bicicleta que
tanto ambicionava. Contou-me que era ali, olhando
objeto de sua paixão, que ele ficava quando o
 CAIXA: 1 50 >os DE EMA iIIST ORlA BRASILEIRA 155

procurávamos assustados com a sua demora. Meu

filho ter morrido sem obter esse brinquedo é uma
ferida que não deixará de sangrar em mim.' Essa é
uma das numerosas histórias que dão à existência
da sociedade dos homens uma base de melancolia.
Aprendi mais com o menino que não teve o seu
brinquedo neste nuindo do que com os livros dos
mais explosivos e ressentidos.
"Estou agora, enquanto escrevo, revendo o
filho da costureira. Vem ele, de repente, do seu
túmulo humilde e se coloca diante de mim, tal
como o vi, neste mundo, quando acompanhíno
a mãe na entrega de embrulhos contendo os
vestidos de minhas irmãs. Era urna crianca
frágil, de cor parda, dona de uns olhos vivos,
brilhantes, irrequietos. Nascera doente do coco cïio.
Viveu apenas o tempo de saber que amava uma
bicicleta e que não poderia possuí-la, o tempo
de um amor infeliz. Assentava-se, quando ia
à nossa casa, numa cadeira na copa eficava
quieto até que a mãe terminasse suas contas,
conversas e ensaios. Não sei mais que nome teve de sorrir desaparece ele, gentilmente, acenando-me A BONECA DOENTE
Compareceu à agência de Penhores da praça da
ele na sua breve travessia terrestre. Para mim é o com a pequena mão magrinha, em sinal de adeus. Bandeira um mutuário, em companhia da filha, urna
menino que não possuiu o brinquedo sonhado. *11 linda garota de uns seis anos. Iam buscar urna boneca
que recuperara a liberdade pela providência tomada
"Mas há os que chegaram a ganhar o que "A providência, que tanto honra o meu velho com a devolução graciosa dos brinquedos. Entregue
a l,oneca, a garota, muito feliz, achou-a mais bonita
desejavam e os pais ou responsáveis são obrigados Jeronymo Pinheiro de Castilho e seus companheiros do que antes, e indagou: "Papai, foi neste hospital
a entregar tais preciosidades, garantindo o dinheiro da Caixa Econômica, deve servir de início a uma que você trouxe a minha Liii para ficar boa?" O pai
não respondeu. Urna lágrima escorreu-lhe na face...
tomado como empréstimo. Essas crianças sofrem campanha de libertação de todos os brinquedos e também na do funcionário que o atendera.
IceS, d,, livro Cojsasd,i Caio,, de cro,,vn,c de CastjIl,o
mais do que você sofreu, digo eu ao pequeno prisioneiros em todas as Caixas Econômicas
fantasma que me olha, surgido de repente mal do Brasil, ou em outras instituições no gênero.
comecei a escrever sobre este assunto de brinquedos. Brinquedos não podem mais ser cativos. E como a
O filho da costureira de antigamente limita-se a ocasião se oferece, creio ter chegado o momento de
sorrir. E um sorriso entre malicioso e resignado, um criarmos um banco de brinquedos, como existem
sorriso que pode querer dizer: 'Já estou livre das bancos de sangue. Mas quem se animará a executar
ambições das crianças deste rnundo E logo depois essa ideia de importância imprevisível?"
156 CAIXA lIA LXI FICAC.\O
Lacerda e o calvário de Castilho
E m abril de 1962, dois anos antes de perder
cargo em consequência de um golpe
militar, o presidente João Goulart recebeu uni
pedido de audiência do presidente da Caixa
Econômica, Jeronymo de Castilho — o homem
3. O..b.Le, e. I96C.
que havia libertado os brinquedos no Natal de
961. Economiário dos mais experientes, Castilho
sequer pensaria em consultar a maior autoridade da
República sobre um simples pedido de empréstimo,
t.p.Lt.Ip.d..-.1.
não tivesse ele partido de quem partiu. Carlos
t•••t. d••a• lfl. a. a..., fl,.i,a.,t,.
Lacerda, então governador do estado da Guanabara,
,. .0 gv.,fl.i.P,,s..,.. -
era inimigo do governo Goulart e personagem
CO,,, •..Oopa.iat...ah:i. 4• U.ba,,i..Oa.
a,..,. (sImsArl ....p.,tI....,,t. !aaOCÁda4•
central na cena política brasileira ao longo de
décadas, tendo desempenhado papel decisivo nos
episódios que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas.
Com a inauguração de Brasília, dois anos
L sL (
COtIOS L&OERDA antes, a Guanabara e sua capital, a cidade do
Rio de Janeiro - posteriormente o estado se
fundiu com o do Rio de Janeiro, cuja capital era
Niterói -, passaram a enfrentar sérios problemas
IDAS E VINDAS de infraestrutura. A transferência dos órgãos
Solicitação de einpréstjno para a Guanabara, autorizada
e a seguir vetada pelo presidente João Goulart. federais, seus servidores e suas verbas para o
Rrproduçdo di, livro Lc,i,a, dc, Vil!,,, Caio,,, de Jeronv,i,,, de ;,s,iII,o,
Planalto Central depauperara os cofres do estado
Rio ,1 laneiro, 1983
e criara dificuldades para seu desenvolvimento.
A necessidade de verbas era urgente.
Foi por isso que, mesmo conhecendo
a incontornável rivalidade entre Jango e
Lacerda, Guilherme Júlio Borgoff, presidente da
Companhia Progresso da Guanabara (Copeg), e
Enaldo Cravo Peixoto, da Superintendência de
Urbanização e Saneamento (Sursan), tomaram
a iniciativa de procurar o presidente da Caixa
para pedir dinheiro, muito dinheiro. A Copeg
precisava de Cr$ 1.150.950.000 (um bilhão, 150
milhões e 950 mil cruzeiros), enquanto a Sursan
reivindicava 602 milhões de cruzeiros. Castilho
informou aos emissários de Lacerda que quantias
tão elevadas só podiam ser liberadas niediante
autorização expressa de João Goulart. Para isso,
Lacerda teria de enviar uni despacho assinado
por ele mesmo com a exposição dos motivos.
Lacerda enviou o documento a Castilho,
que o levou a Jango. Depois de se certificar de que
a Caixa tinha condições de bancar a operação, o
presidente a autorizou em um despacho curto,
de próprio punho, no qual pedia até mesmo que
fosse dada prioridade ao pedido de Lacerda. Estava
tudo pronto para ser assinado quando a secretária
informou a Castilho que o presidente estava ao
telefone. Jango mandou arquivar os pedidos porque
Lacerda acabara de desferir uni violento ataque pelo
rádio contra o governo federal. Castilho lamentou,
mas entendeu as razões do presidente.
Castilho entenderia com ainda mais clareza
os motivos do presidente dois anos depois, quando
Lacerda se converteu em uni dos principais artífices
civis do golpe que derrubou Jango e instaurou uma
ditadura militar. Mais: Castilho sentiria na própria
pele OS efeitos da queda do presidente, como ele
próprio narrou em seu Coisas da Velha Caixa:
"Chovia torrencialmente naquela noite
de sexta-feira, 2 de abril de 1964, e eu me
encontrava ern casa, à rua Corcovado, n° 65, em
companhia de parentes e amigos, quando parou
em nossa porta um cortejo de automóveis. Eram
aproximadamente 22 horas quando foi tocada a
campainha. Corri, curioso, para abrir a porta aos
misteriosos visitantes que chegavam àquela hora,
debaixo de tanta chuva, um verdadeiro temporal.
"Os visitantes eram meus colegas da Caixa
Econômica, Oswaldo Rezende Machado e João Vaz,
coronel do Exército Elton de Carvalho, os capitães
Isaac de Só Earp e André Prel Werneck de Carvalho,

da Polícia Militar do estado da Guanabara, e o
doutor Sylvio Viotti Teixeira de Vasconcelos.
"Havia, ainda, outras pessoas que não se
aventuraram a enfrentar o temporal eficara;u
em seus carros. Vinham me convidar para ir à
sede da Caixa, à avenida 13 de Maio, n° 33/35,
a fim de passar o cargo de presidente da Caixa
Econômica do Rio de Janeiro ao colega Oswa Ido
Rezende Machado na qualidade de interventor,
conforme ordem do senhor general Sizeno
Sarmento, chefe do gabinete do senhor ministro
da Guerra, general Arthur da Costa e Silva.
"Surpreso com o convite, ponderei que,
sendo sábado e domingo os dias seguintes,
em que a Caixa se achava fechada, aquela
providência poderia ser executada na segunda-
feira, antes de começar o expediente.
"Minha ponderação não foi aceita e segui para
a sede da Caixa Econômica..."
Depois de passar o cargo e esvaziar as gavetas,
Castilho enviou uni telegrama ao presidente
interino da República, o economiário Paschoal
Ranieri Mazzilli - civil que declarara vago o cargo
de Jango, possibilitando o golpe, e que cederia
imediatamente o poder aos militares -' e outro ao
ministro da Fazenda, Octávio (iouvêa de Bulhões,
nos quais comunicava as circunstâncias de sua saída
e se isentava de responsabilidade pelo que ocorresse
na Caixa dali em diante. No domingo 4 de abril, o
general André Fernandes, chefe do Gabinete Militar
da Presidência, determinou que Castilho voltasse ao
cargo, do qual havia sido afàstado por "lamentável
equívoco" dois dias antes, mas de onde seria
catapultado de vez ao final daquela semana.
O calvário de Castilho estava só começando.
Réu em uni Inquérito Policial Militar (1PM) -
CAIXA: 150 ANOs DE UMA HIsFÕRIA BRASILEiRA
JERONYMO PINHEIRO DE CASTILHO
Retrato do presidente da Caixa Econômica do Rio, 1956.
Acervo Caixa, Rio de Janeiro
expediente utilizado pelo regime golpista para
perseguir quem bem entendesse -, ele ficou preso
inconiunicável por quase dois meses no quartel do
10 Grupo de Canhões Automáticos Antiaéreos, nos
fundos da Quinta da Boa Vista. Jamais esqueceria o
dia em que foi levado de madrugada do cárcere para
o prédio da Caixa, onde o mandaram sentar em
uma cadeira de espaldar alto e lhe colocaram uni
número no peito a tini de produzir a foto oficial do
criminoso que ele sabia que não era.
Por causa do 1PM, os salários de Castilho
foram bloqueados e o pedido de aposentadoria
que havia solicitado era examinado sem pressa
alguma. A direção do serviço de aposentadorias, o
Sasse, chegou a consultar o ministro da Fazenda,
Geraldo Bulhões, sobre a justiça de conceder o
157
benefício a uni associado "punido pela revolução'
Em sua resposta, Bulhões aprovou a concessão da
aposentadoria e ainda deu uma enquadrada nos
tais diretores: "...ao demais, o ministro da Fazenda
não é órgão de consulta do Sasse'
Enquanto corriam os processos, e após se
dedicar à institUição ao longo de toda a vida,
Castilho, que mais tarde seria absolvido, estava
completamente sem dinheiro. Recorreu então a
tini empréstimo de dez mil cruzeiros na agência
inelândia do Banco do Brasil, cancelado à ultima
hora porque ele respondia a processo criminal. Por
pressões do regime, também foi demitido do cargo
de assessor da diretoria do Banco Nobre, onde
começara a trabalhar. Para sobreviver, foi obrigado
a protagon iza r uma tremenda ironia, num a
metáfora de um Brasil inverossímil. O homem
que devolvera brinquedos a crianças e alianças
a noivos quando era presidente da Caixa, tinha
agora de recorrer ao niesrno serviço de penhores
para poder comer. As )oias da mulher, as pratarias
da casa e até uni violino foram parar nos cofres
da Caixa em troca de uni pouco de dinheiro para
garantir a sobrevivência de seu ex-homem forte.
Castilho e a mulher, Nair, resolveram
transformar a sauna doméstica em negócio,
o "Balneário JC' no qual o casal atendia a
recepção e alcançava as toalhas aos clientes. O
empreendimento funcionava no pátio da mesma
casa cujas reformas ele foi acusado de fazer de
forma indevida com dinheiro da Caixa, em uni
dos tantos processos a que teve de responder. Da
mesma casa ele saíra, 31 anos antes, para salvar
a Caixa do saque de depositantes temerosos
durante o golpe de 1930. Nela vivia agora dias
de incerteza provocados por outro golpe.
158 CAIXA liA LXII ALAC
P. 159 PODER E GLÕRIA
Os generais Castelo Branco (de pé), Costa e Silva
(segurai ido - o pela w 6o 1 e Orla ii do Geisel (ii o l,a, ico
da frente) em visita a Porto Alegre, e/o abril de 1964.
,rco dc dados Zero Hora/Agôncia RBS, Porto Alegre
O golpe militar 1964
F oi uni golpe prenieditado. Os tambores da
conspiração já haviam rutado, ruidosos, em
1954. O tiro que rebentou o coração de Getúlio
Vargas os abafou. Os rumores da intriga voltaram
a ecoar em 1955 e em 1961 Mas só uma década
depois do suicídio do homem que vislumbrava
populisnio como o caminho para a reforma
social no Brasil é que SUS inimigos enfim
conseguiram tomar o poder, derrubando João
Goulart e Leonel Brizola, herdeiros à esquerda
de Vargas. O motivo oticial para o desfecho do
golpe de 1964 foi o espectro do comunismo.
Nas Forças Armadas, esse era um sentimento
genuíno. Mas não foi apenas isso - alimentado
pelos delírios estatizantes do governo Goulart
- que moveu golpistas militares e civis.
Oque se travou no Brasil, da posse (em
setembro de 1961) à queda (em abril de 1964)
de Goulart, foi um confronto entre duas visões
conflitantes da política e, especialmente, da
economia. Em vez das reformas de base pi-opostas
por Jango, entrava em cena o binómio segurança e
desenvolvimento sugerido pelos teóricos da Escola
Superior de Guerra (ESG). Em lugar da república
sindicalïsta vinham a concentração de renda, o
arrocho salarial e o alinhamento subserviente ao
grande capital internacional. No choque entre dois
modelos desenvolvimcntistas distintos, venceu a
modernização conservadora proposta pela ESG,
com o apoio dos Estados Unidos. Para concretizá-la,
foi preciso romper o jogo deniocrático e promover
fechamento político e assim se fez. Chamado
de revolução durante anos e festejado como tal
nos quartéis até 1997 -, o movimento político-
militar deflagrado em 31 de março de 1964 foi, na
verdade, tini golpe de Estado. Mas não apenas uni
golpe militar, como se supõe: a sociedade civil e o
Congresso tiveram participação decisiva nele.
A conspiração de 1964, que teve apoio
financeiro, logístico e militar dos Estados Unidos,
nasceu como um movimento político-militar cujos
objetivos iniciais (e supostamente os únicos) eram
derrubar o governo João Goulart e restabelecer
a hierarquia vertical no Exército, abalada pelo
provocativo apoio que o presidente dava à luta
emancipatória dos marinheiros e sargentos, que
queriam obter o direito de candidatar-se a cargos
públicos. Em tese, a Constituição, as eleições e
a normalidade democrática seriam preservadas.
Militarmente, o movimento de março de 1964
foi - como já o fora a própria proclamação da
República - pouco mais do que um desfile de tropas
rebeldes, que partiram de Minas Gerais até o Rio de
laneiro, sendo saudadas pelas classes média e alta.
No dia 27 de outubro de 1965, porém, o
primeiro general presidente, Humberto Castelo
Branco, coordenador da ação militar que depõs
Jango, baixou o Ato Institucional n° 2 (A1-2),
suspendendo a Constituição e mergulhando o país
numa genuína ditadura militar. O regime de exceção
perduraria por 20 anos, e só dali a 21 anos um
civil voltaria à Presidência da República. Embora
firmemente estabelecidos no poder, os militares não
estavam unidos. Em fins de abril de 1964, ao visitar
Porto Alegre - de ou de Tango e Brizola havia iii
partido para o exílio no Uruguai -, Castelo Branco
estava dividido entre a linha dura, cujo porta-voz,
naquele instante, era o general Arthur da Costa e
Silva, e o grupo da Sorbonne, vindo da ESG, do
qual fazia parte o general Orlando Geisel. O A1-2 e
a posse de Costa e Silva dali a trés anos revelariam
para que lado Castelo Branco se inclinara.
CAIXA:150\Nos DE EMA IIIs1 (1D,A II\SI!LII\ 159
160 CAIXA DA VNIFICAÇÃO
O PESO DOS COTURNOS
Desfile militar em Brasília,
Foto Orlando [loiro
A Caixa enfim unificada
A o elaborar o novo regulamento das Caixas
Econômicas, oficializado pela Lei n° 24.426
de 1934, o então presidente da Caixa carioca,
Ricardo Xavicr da Silveira, propôs a unificação
das Caixas de todo o Brasil, por considerar
fundamental para o crescimento da instituição
a unidade administrativa e a uniformi2ação
dos serviços financeiros oferecidos ao mercado.
A própria orientação do governo sobre os
procedimentos das Caixas era dificultada pela
diversidade de características em cada estado e
pela ausência de um comando único e autônomo.
Segundo Xavier da Silveira, a criação de um
Conselho Superior não resolvera o problema.
O presidente da Caixa explicou suas razões
cm unia bem fundamentada exposição:
"A existência do Conselho Superior em nada
modificou esse estado de coisas. Esse órgiio, pela sua
concepção e organização, não passará, jamais, de mero
conselho doutrinário, sem suficiente autoridade de
penetração na vida íntona das Caixas Econômicas. As
7 de setembro de 1971.
engrenagens burocráticas e as distâncias estabelecem
a impossibilidade de exerce;; de fato, as funções que
lhe foram impostas, no sentido de orientar todas as
Caixas, de conformidade com um plano central e
irradiante de administração. O Conselho Superior
desconhece a vida íntima dos negócios das Caixas
Econômicas (exceto da do Rio de Janeiro), bem como
a natureza das suas inversões."
Ao utilizar a expressão "sem suficiente
autoridade' Xavicr da Silveira tocava, talvez
involuntariamente, no principal problema para
que sua proposta fosse aceita. Não era só o
Conselho Superior das Caixas Econômicas que
não tinha suficiente autoridade para comandar
a instituição; o próprio governo, naquele
momento sob breve inspiração democrática,
tampouco possuía autoridade bastante para
fazer aprovar uma lei nesse sentido. Havia
muitos interesses em jogo. Diticilmente teria
êxito uma tentativa de submeter as questões
regionais de cada Caixa a um comando único.
Somente um governo municiado de mecanismos
excepcionais poderia promover a unificação.
Por uma coincidência numerológica, a
proposta de 1934 se tornaria viável 34 anos
depois, com a edição do mais autoritário decreto
da história da República. A 13 de dezembro
de 1968, a Cámara dos Deputados rejeitou um
pedido de autorização para o governo processar
o deputado Márcio Moreira Alves. A negativa
deixou as Forças Armadas e a Polícia Federal
de prontidão. A Censura proibiu a divulgação
de qualquer notícia sobre o episódio no rádio
e na televisão. O regime militar aproveitaria
opretexto para editar o Ato Institucional
n° 5, o famigerado Al-5, que lhe concederia
poderes totais sobre o país e seus cidadãos.
O ano de 1969 seria invulgar, com a
promulgação do A1-7, que suspendeu as eleições
parciais em todo o território nacional; um comando
guerrilheiro, do qual fazia parte Fernando Gabeira,
sequestra o norte-embaixador americano, Charles
Elbrick, trocado por 15 presos políticos, que são
libertados e banidos do país; é aprovada a pena
de morte para subversivos; o presidente Costa e
Silva entra em coma depois de uma trombose e é
substituído por Emílio Garrastazu Médici no rodízio
de generais; o líder guerrilheiro e ex-deputado Carlos
Nlarighela é morto pela polícia em São Paulo.
Em meio a tantos acontecimentos
explosivos, o governo, utilizando os poderes
ilimitados que se autoconcedera com a edição

do A1-5, decreta a unificação das Caixas
Econômicas. Como no ditado "há males que
vem para o bem", mesmo sendo fruto de urna lei
autoritária e tendo sido imposta sem consulta
às Caixas regionais, a unificação revelou-se
fundamental para torná-las urna gigantesca
e eficiente rede de prestação de serviços à
população brasileira. Além disso, o Decreto
ii" 759 foi elaborado de forma clara e direta, o
que facilitou a tarefa de colocá-lo em prática,
como se vê nos trechos reproduzidos a seguir:
"Art. 1° - Fica o Poder Executivo autorizado a
constituir a Caixa Econômica Federal - CEF,
instituição financeira sob a forma de empresa pública,
dotada de personalidade jurídica de direito privado,
COO) patrimônio próprio e autonomia administrativa,
vinculada ao Ministério da Fazenda."
O Artigo 2" estabeleceu as atividades da Caixa
dali por diante. Todas as prerrogativas da instituição
foram mantidas, algumas acrescentadas e outras
apenas definidas com maior clareza:
receber eni depósito, sob a garantia
da União, economias populares,
incentivando os hábitos de poupança;
conceder empréstimos e financiamentos de
natureza assistencial, cooperando com as entidades
de direito público e privado na solução dos
problemas sociais e econômicos;
operar no setor habitacional corno sociedade
de crédito imobiliário e principal agente do Banco
Nacional da Habitação, com o objetivo de facilitar e
promover a aquisição de casa própria especialmente
pelas classes de menor renda da população;
explorar, CO!?) exclusividade, os serviços da
Loteria Federal do Brasil e da Loteria Esportiva
Federal nos termos da legislação pertinente;
exercer o monopólio das operações sobre penhores
CAI XA: 1 50 \NOS 1)F UM.\ 111Sf ORlA IIRASILRIIU\
civis, com caráter permanente e de continuidade;
prestar serviços que se adaptem à sua estrutura de
natureza financeira, delegados pelo governo federal ou
por convênio com outras entidades ou empresas."
O parágrafo "f" abriu as portas da Caixa
a várias modalidades de serviços de interesse
público a ela delegados pelo governo nos anos
seguintes, tornando-a, mais de um século depois
da fundação, o "cofre seguro do povo" em todos
OS sentidos. O parágrafo "c' que transformou a
instituição no "principal agente" do BNH, e o
que lhe concedia a exclusividade na exploração
da Loteria Federal e da Loteria Esportiva, serão
analisados respectivamente nos capítulos Casa
Própria e Loterias, na Parte II deste livro.
A unificação das Caixas Econômicas Federais
foi decretada cru 12 de agosto de 1969, em meio a
um dos períodos mais turbulentos da história do
Brasil. Dezenove dias depois de assinar o decreto, o
general Arthur da Costa e Silva (1902-1969) deixa
a Presidência, vitima de urna trombose, mas em vez
do vice, Pedro Aleixo, quem assume o poder é uma
junta militar. No dia 18 de setembro, a junta assina a
nova Lei de Segurança Nacional. Em 30 de outubro,
toma posse o terceiro general presidente, Emílio
Garrastazu Médici (1905-1985) - um genuíno
representante da linha dura.
No dia 10 de dezembro de 1969, a unificação
das Caixas começa a sair do papel com a formação
de um grupo de trabalho encarregado de
elaborar o projeto da nova empresa. Oficializado
a 31 de dezembro, sob o nome de Fundo de
Instalação da Caixa Econômica Federal (Ficef),
grupo era integrado por Sebastião França
dos Anjos, Cláudio Alberto Leão de Medeiros
e Giampaolo Marcello Falco, presidente da
161
Caixa de São Paulo. Ao apresentar o relatório
anual, em fins de 1969, e ainda sem saber que
seria o primeiro presidente da Caixa unificada,
Falco fez uma análise otimista da situação:
"A fusão das diversas Caixas Econômicas que
operam nos estados da federação, sob a forma de
organismo único de âmbito nacional, permitirá
que nossa centenária Caixa de São Paulo atue, na
área hoje sob sua jurisdição, melhor estruturada,
fortalecida e com amplas possibilidades de participar
eficientemente nos programas que lhe serão
designados pelo governo federal."
Não é de surpreender que a Caixa paulista
tenha feito o primeiro presidente da era da
unificação. Afinal, ela refletia a pujança econômica
do mais rico estado da federação. Mas antes disso,
em 1964, logo após a queda de Jango, a Caixa de
São Paulo estivera na mira do novo regime. Na
ocasião, foi instalado um Inquérito Policial Militar
cuja principal atribuição era investigar as atividades
da associação dos funcionários. () 1PM talvez tenha
satisfeito a teoria conspiratória dos militares, mas
não achou nenhuma irregularidade.
No ano seguinte, num ato de bravura em
tempos tão perigosos, os economiários paulistas
promoveram um movimento por melhores
salários que renderia frutos em 1966, com o
reexame dos cargos e salários e, em 1967, com
enquadramento dos empregados da Caixa na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em 11
de maio do mesmo ano, por indicação do então
ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto (que
tomara posse dois meses antes), foi nomeado
presidente da Caixa paulista o empresário Paulo
Salim Maluf, que (como o próprio Delfim) exibia
a cara civil do regime militar. Maluf se manteve
no cargo até março de 1969. Em julho de 1970,
162 CAIXA VA LNII•ICACÃU
O ROSTO CIVIL DO REGIME MILITAR
Retrato a óleo de Paulo Maluf presidente da Caixa de
São Paulo entre 1967 e 1969. Galeria dos presidentes
da instituição em exposição na agência da Sé.
Muscu da Caixa, São Paulo
Falco, que estava à frente da Caixa de São Paulo
desde setembro de 1969, chegava à condição
de primeiro presidente da Caixa unificada.
Naqueles anos de "milagre econÔmico'
tempos de "Brasil Grande' a Caixa ampliaria
enormemente sua atuação. Para isso, ancorava-
se nas novas fontes de receita, determinadas,
em boa parte, pelos programas Sociais criados
pelo governo militar e na administração de
recursos de grande monta, como os do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço (FGI'S).
Criado pela Lei no 5.107, de 13 de setembro
de 1966, o FGTS é formado por depósitos
mensais, efetuados pelas empresas em nome
de seus empregados, no valor equivalente
a 8% dos salários. Trata-se de uma espécie
de pecúlio disponibilizado por ocasião da
aposentadoria ou morte do trabalhador e
representa uma garantia em caso de demissão
sem justa causa, quando não há pagamento de
multa. Para o governo, o FGI'S possibilitou a
formação de um fundo para o financiamento
da construção e comercialização de casas, além
de investi nentos em saneamento básico e
infraestrutura urbana. Sem personalidade jurídica
própria, o fundo é administrado pela Caixa.
A Caixa herdaria ainda parte do espólio e
das atribuições do Banco Nacional da Habitação,
BNH, criado em 1964 e extinto em 1986. Com
isso, a Caixa assumiu de vez a condição de maior
agente nacional de financiamento da casa própria.
Também está a cargo da Caixa o Programa de
Integração Social (P15), criado em 1970, juntamente
com o Programa de Formação do Patrimônio
do Servidor Público (Pasep), este gerido pelo
Banco do Brasil. Unificados sob a sigla PIS/Pasep
em 1975, ambos os programas constituem um
fundo criado para conceder abonos anuais aos
trabalhadores públicos e privados de baixa renda.
A experiência em programas sociais levou a
Caixa a agir no setor da educação, com a criação,
em 1976, do Crédito Educativo Universitário,
destinado a estudantes carentes que não haviam
obtido vaga em universidades públicas e não
conseguiriam arcar com os custos de uma particular.
Só no primeiro ano houve 55 mil inscritos. O êxito
imediato se justificava: o empréstimo só começaria
a ser pago dois anos depois da formatura, a juros
abaixo das taxas praticadas pelo mercado.
A importáncia de disponibilizar
financiamentos a juros compatíveis com o poder
aquisitivo de trabalhadores e estudantes, urna das
vocações da Caixa, tornou-se ainda maior a partir
da década de 1960 devido ao crescente descontrole
da inflação e da correção monetária, implantada
em 1964. "Invenção" genuinamente brasileira, a
correção monetária é na verdade um juro aplicado
sobre os juros convencionais. Na impossibilidade
de controlar a inflação, o governo militar optou
por corrigir todos os contratos mensalmente, na
expectativa de que não se depreciassem diante do
aumento constante de preços. O objetivo inicial era
alongar o prazo de pagamento da dívida pública
e ao mesmo tempo garantir aos investidores a
indexação dos valores por eles emprestados. Mas, a
exemplo da inflação, a correção monetária também
fugiu ao controle e contaminou toda a economia,
convertendo-se numa fonte alimentadora da
inflação, que alimentava a correção...
A atribuição da Caixa Econômica como
agente financeiro do governo no setor social
seria de certa forma oficializada em 1975 com
Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
(FAS), programa criado com base no ótimo
desempenho da Caixa. No ano anterior, haviam
ingressado 18 bilhões de cruzeiros em depósitos
na instituição. Em contrapartida, os empréstimos
e financiamentos atingiram 21 bilhões de
cruzeiros. Utilizando recursos das loterias Federal
e Esportiva, o FAS distribuiu, somente no primeiro
ano, em torno de 3,5 bilhões de cruzeiros.

Os presidentes da unificação
A
lém de Giampaolo Marceilo Falco, que
dirigiu a Caixa Econômica Federal durante
os quatro anos do governo Médici, a Caixa
teria outros cinco presidentes durante a época
de grande crescimento econômico e enorme
concentração de renda do regime militar. Foram
eles: Karlos Rischbieter, Cláudio Alberto Leão de
Medeiros, Humberto Esmeraldo Barreto, Ariovisto
de Almeida Rego e Gil Gouveia Macieira. O
engenheiro catarinense Karlos Rischbieter sucedeu
a Falco em 15 de março de 1974, tomando
posse como presidente da Caixa no mesmo dia
em que o general Ernesto Geisel (1908-1996)
assumia a Presidência da nação. Rischbieter
ingressara no serviço público mediante concurso
em 1962. A partir daí, com breves intervalos,
sempre ocupou cargos importantes em empresas
oficiais. Ele assumiu o comando da Caixa
por indicação do ministro da Educação, Nei
Braga. Em sua gestão, a Caixa registrou uni
crescimento de 120% no volume de depósitos.
Rischbieter ficou três anos no cargo, sendo depois
presidente do Banco do Brasil de 1977 a 1979,
quando então se tornou ministro da Fazenda no
governo do general João Batista Figueiredo.
Com a transferência de Rischbieter para
Banco do Brasil, em janeiro de 1977, assumiu
a presidência da Caixa Cláudio Alberto Leão
de Medeiros, que já fizera parte do Fundo de
Instalação da CEF (Ficef) em 1969-1970. Mas
Medeiros ficou apenas dois meses no cargo, sendo
substituído em março de 1977 por 1-Jumberto
CAIXA:150;\Nos VE UNIA HISTORIA lIlEIRA 163
Esmeraldo Barreto, que também permaneceu
menos de um ano no comando da Caixa,
deixando a presidência em fevereiro de 1978.
Barreto cedeu o lugar a Ariovisto de Almeida
Rego, cujo pai (e homônimo) dedicara mais de
três décadas de trabalho à Caixa nos primeiros
anos do século 20, escrevendo o livro Resumo
Histórico da Caixa Econômica e Monte de Socorro
a pedido do então presidente Inglês de Souza.
Seguindo a carreira paterna, Ariovisto entrara
na Caixa em 1922, com apenas 14 anos, como
W1s-
LOTERIAS FINANCIAMENtOS
RECURSOS HUMANOS - PONIIOR
P55- CAOURNEOSOE POUPMLÇA
-
,
PAMICROUCEO GIRO-OURO
CUNTROSSOCIAIS URRAMOS E
MODUlOU ESPORTIVOS - VOS
escriturário. Depois de 44 anos de serviço e de pRoCESSAMeNTo - EXPANSÃO
wX
presidir a Caixa do Rio de Janeiro, ele deixou
a instituição, assumindo a direção financeira
da Petrobras Distribuidora e a vice-presidência
NTOS
do Conselho Nacional de Desportos, até ser
convidado para ocupar a presidência da Caixa,
D'A CAIXA
Fio 1970, a Catxa imif lcouoirabalho de todas as suas filadas patAI se tornaro grande
banco sodal braflgfso. Hoje, so13 anos de imiflcaçAo.5 anos de expansO.
na qual tomou posse no dia 14 de fevereiro de
1978. Ariovisto de Almeida Rego se manteve NÚMERO EMBLEMÁTICO
no cargo por 13 meses, substituído em 15 de Cartaz em celebração aos 13 anos na unificação da
Caixa fez analogia com os 13 pontos da Loteca, na época
março de 1979, quando, no dia da posse de a principal loteria da instituição.
Nlust'x da Caixa, SAL) Pitilo
João Figueiredo (1918-1999), quinto e último
general presidente, as,sumiu o comando da Caixa
Econômica Federal Gil Gouveia Macieira, que
permaneceria no posto durante os quatro anos
do governo Figueiredo. Curiosamente, 011 nem
tanto, ele era primo de Marly Macieira Sarney,
esposa de José Sarney, que, por um desvão da
história, viria a suceder Figueiredo na Presidência
da República. Primeiro civil a ocupar o cargo
depois do regime militar, Sarney já exibia
grande intluéncia junto ao governo fardado.
164 CAIXA I)A UNIFICAÇÃO
( de Curionópolis, nome dado em homenagem ao
O DISCURSO
Gil Gouveja Macieira faz uso da palavra ao lado de
Marco Macid, nome de grande influência na Caixa.
Moaa da Caixa, Braxília
P. 165 FORMIGUEIRO
Os sonhos de fortuna levaram milhares a Serra
Pelada no final dos anos 1970, formando o
maior garimpo a céu aberro do inundo.
Falo Claus \4evc r. igdi,uia Tyba
A Caixa e o ouro
A história de Serra Pelada, o maior garimpo a
céu aberto do mundo, iniciou-Se no final da
década de 1970 a partir de um núcleo populacional
instalado às margens da rodovia PA-275. Operários
de vários estados nordestinos haviam chegado
ao local para trabalhar na pavimentação de outra
estrada, a PA-1 50, na construção da estrada de ferro
de Carajás e em garimpos da região. A descoberta
de ouro na fazenda Três Barras defiagrou a corrida.
Em poucos dias, milhares de pessoas do Iaís
inteiro chegavam ao local, alimentadas por sonhos
de fortuna instantânea. O núcleo tornou-se a cidade
militar e ex-deputado federal Sebastião Rodrigues
de Moura, conhecido como Curió. O ex-agente do
famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI)
comandou Serra Pelada com mão de ferro como
interventor federal, a partir de 1981 - depois se
elegeria prefeito da cidade que leva seu nome.
Com a intervenção, as lavras e os garimpeiros
foram cadastrados pela Receita Federal, enquanto
todo o ouro encontrado lia região teria de ser
vendido à Caixa em operações diárias. As pepitas
e pedras em estado bruto eram comercializadas
no posto avançado montado pela instituição em
Serra Pelada, o que eliminou os intermediários,
conferindo niaior credibilidade e segurança
às transações Além do mais, os garimpeiros
tinham a garantia de que não seriam niais
explorados, pois receberiam valores compatíveis
com os do mercado internacional do metal.
Em 1983, no auge do garimpo, foram
extraídas 14 toneladas de ouro. l)e Serra Pelada
saiu a pepita Canaã, que mede pouco mais de dois
palmos de comprimento, mas pesa 60 quilos, dos
quais 54 de ouro puro. A Canaâ, maior pepita
encontrada no Brasil em toda a história, e uma
das maiores do mundo, está guardada no Museu
de Valores do Banco Central, em Brasília, dentro
de um cofre que lembra uma mina. Apesar do
forte esquema de segurança, pode ser visitada pelo
público. A palavra Canaã significa terra prometida.
Durante o governo Collor, Paulo César Farias
teria tentado assumir o controle do garimpo,
conforme denúncia do major Curió. Em dezembro
de 1990, quando a Cooperativa de Mineração dos
Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) ia assinar
uni contrato com a empresa Servaz para exploração
do ouro, PC, segundo Curió, teria ordenado que
negócio fosse desfeito e repassado à empresa
de um amigo dele. "A Servaz tinha dinheiro para
receber da Caixa Económica em Manaus, e, se o
contrato não fosse cancelado, ele bloquearia esse
crédito", afirmou Curió. Na época, a Caixa era
presidida por Lafayette Coutinho, amigo de PC.
A Servaz, de propriedade de Onofre Américo
Vaz, foi criada durante o regime militar e chegou
a empregar três mil funcionários, tendo vivido
seu auge nos governos de João Figueiredo e José
Sarney, dos quais o empresário era amigo. F,ntrou
em declínio quando, segundo Vaz, houve a tentativa
de extorsão por parte de PC. Depois de ter sido útil
ao regime militar como forma de aliviar a pressão
no Pará, foco constante de conflitos pela terra, o
garimpo de Serra Pelada foi fechado por Figueiredo,
último dos generais presidentes.
Dos tempos áureos de sonhos e esperanças,
quando os milhares de garimpeiros a percorrer
as encostas da cava de Serra Pelada lembravam
um imenso formigueiro, restaram frustrações,

doenças e tliiséria. Mais urna vez liderados por
Curió, os garimpeiros reivindicavam à Caixa o
pagamento de urna diferença referente à venda
de ouro e paládio IiOS velhos teiflpOS. Por meio
de associações e cooperativas, também lutaram
para recuperar a área em poder da Vale.
Duas décadas depois, ciii 2007, convencida
pelo governe) federal, a Vale cedeu os direitos
de exploração do local à Coomigasp, à qual,
posteriormente, repassou mais urna área de 700
bectares. A Coomigasp, em operação articulada
CAIXA: 1 50is
pelo Ministério de Minas e Energia - na gestão do
ministro Édison Lobão -, associou-se à Colossus,
empresa com sede em Toronto, no Canadá, mas
controlada por brasileiros, e formou a Companhia
de Desenvolvimento Mineral de Serra Pelada. Em
princípio, a Colossus ficaria com 5 1 % do bolo, mas,
em 2009, esse índice subiu para 75%.
Pesquisas sinalizam a existência de 150
toneladas de ouro no local. Ao longo do processo
de retomada de) controle pela cooperativa e de
formação da sociedade, ocorreram episódios
i>i LNI-\ Iiisioo-\ u-\sIII•:n\ 165
violentos, inclusive com quatro mortes. De todo
modo, em 7 de maio de 2010 foi assinada em
Curionópolis pelo ministro de Minas e Energia,
Márcio Zirnmermann, a portaria de concessão
de lavra que permite a mineração niecanizaela do
garimpo de Serra Pelada. O Ministério Público
Federal do Pará, no entanto, seguiu pedindo a
suspensão da exploração alegando irregularidades
no contrato da Coomigasp com a Colossus. Ao
encerrar-se o alie) de 2010, a questão segue em
aberto - e o garimpo também.
/
CAIXA NA REDEMOCRATIZAÇÃO
1985 . 2002

epois de duas décadas de Econômica Federal. O primeiro presidente

regime militar, o reencontro da instituição no novo governo foi Marcos

(
do Brasil com a democracia, Freire (1931-1987), um dos principais líderes

ansiosamente aguardado políticos de Pernambuco. Ele havia sido

pela sociedade civil, não saiu conforme o desejo escolhido por Tancredo Neves, pelo qual fora

daqueles que foram às ruas e subiram aos encarregado da missão de dar especial atenção

palanques para entoar o coro das "Diretas Já". ao desenvolvimento do Nordeste, mas acabou

Em 15 de janeiro de 1985, a farda cedia lugar ao sendo mantido por Sarney. Freire permaneceu

terno e gravata no figurino político nacional, no cargo por pouco mais de três anos, de 15

mas não por meio das urnas, e sim de um colégio de março de 1985 a 3 de junho de 1987.

eleitoral, no qual Tancredo Neves, concorrendo Foi durante a gestão de Freire que a Caixa

pelo PMDB, venceu Paulo Maluf, então no PDS. teve um significativo avanço na questão da casa

O avanço, de qualquer modo, foi expressivo. própria ao absorver as funções e os empregados

Legítimo representante da linhagem de do extinto Banco Nacional da Habitação (BNH),

políticos de Minas Gerais que já legara ao no desfecho de um processo longo e complexo.

país Juscelino Kubitschek, Tancredo revelava Marcos Freire saiu da instituição para assumir

comportamento bem diferente do fulgurante o recém-criado Ministério da Reforma e do

JK, embora exibisse o mesmo jogo de cintura, 1 )escnvolvimento Agrário, mas morreu em seguida,

fundamental para colocar o país com segurança quando o jatinho em que viajava explodiu logo

nos trilhos da transição. Mas a questão é que depois da decolagem, no Pará, em 8 de setembro

Tancredo adoeceu um dia antes de tomar posse de 1987, três dias após completar 56 anos.

e, após lenta agonia, morreu cm 21 de abril de Freire foi substituído por Maurício

1985, sem ter assumido a Presidência. O cargo \'iotti. Economiário desde 1957, ele havia sido

já estava sendo exercido interinairiente por seu superintendente de Operações Diversas da

vice, Jose Sarney, desde o dia 15 de março. Caixa durante o governo de João Figueiredo,

tendo depois se transferido para a Fundação

De qualquer sorte, os cinco anos de Sarney dos Economiários. Viotti comandou a Caixa

foram de intensa movimentação na Caixa de junho de 1987 a janeiro de 1989.

16$ CAIXA NA Cl DkloLk \i l/.\i .U)
QUATRO PRESIDENTES DA CAIXA
Marcos Freire e Gil Gouveia Macieira coni LJlisscs
Guiniarães (à esquerda), Paulo Ma ida tino (no
centro) e Lafayete Coutinho (à direita).
Museu da Caixa. Brasilia
pesar de o 1)ccreto-Lei n" 9.682, eniitido
a-\
em 1988, proibir Contratações em todas as
empresas da administração direta do governo,
a Caixa foi autorizada a empregar 10.700 novos
servidores na gestão Viotti, que acabaria sendo
afastado do cargo por pressões de seu desafeto
Prisco Vianna, amigo de longa data de Sarney e
seu ministro da Habitação e do Bem-Estar Social.
Seu substituto, Paulo Mandarino, assumiu a
presidência da Caixa em janeiro de 1989, e nela
permaneceu por apenas um niês, às vésperas da
posse de Fernando Coilor.
Alçado à Presidência da República com
impressionante apoio popular em novembro de
1989 e extirpado do poder com impressionante
clamor popular três anos mais tarde, em dezembro
de 1992, Fernando Colior de Mello foi o primeiro
presidente do pais eleito pelo voto direto desde Jânio
Quadros, em 1960. Foi também o primeiro a sofrer
impeac/nnent na história do Brasil. Ex-tesoureiro
de campanha e personagem fundamental do
governo Collor durante o curto reinado da
chamada "República de Alagoas' Paulo César Farias
conseguiu, naquele breve período, entre outras
façanhas, indicar dois amigos para a presidência da
Caixa: l.afayette Coutinho e Álvaro Mendonça.
1.afayette Coutinho ticou pouco mais de uni
ano no cargo: assumiu em 20 de março de 1990
(cinco dias depois de todas as poupanças terem
sido confiscadas pelo Plano Colloi-, como se verá
no capítulo Poupança, na Parte II deste livro) e
saiu em 14 de maio de 1991. Ao deixar o cargo,
foi direto para a presidência do Banco do Brasil,
passando o bastão para o amigo Ãlvaro Mendonça .
Dali a poucos meses, quando Mendonça já deixara
a Caixa, ambos integrariam a "tropa de choque" de
ColIor, lutando contra o processo de inipeachment.
De todo modo, um outro Brasil estava
nascendo - e, com ele, uma nova moeda.

O Ressurgimento do Rea
ntre a moeda brasileira de hoje, o real e a
E primeira moeda brasileira, o real, o país teve
várias outras. () real original, celebrizado como
mil-réis, vigorou. em diferentes situa ções, desde o
período colou ial até meados do século 20. O atual
foi implantado em 1994, depois de uma sucessão de
planos economicos fracassados e em meio ao total
descontrole da inflação. Entre ambos, a população
brasileira conviveu com o cruzeiro (1942), o
cruzeiro novo (1964), outra vez o cruzeiro (1970), o
cruzado (! 9)6), o cruzado novo (1959). o cruzeiro
novamen te (1990) e o cruzeiro real (199.3) - todos
eles citados ao longo das páginas deste livro.
A história do dinh iro no Brasil demorou
a se iniciar de fato. Nos anos subsequentes ao
descobrimento, a maioria dos negócios era feita
na base da troca. Os poucos comerciantes que
preferiam dinheiro vivo valiam-se do real português.
A primeira moeda brasileira oficia] foi o açúcar,
por determinação do governador-geral Constantino
N lenelau em 1614. Uma arroba (15 quilos) de açúcar
branco equivalia a mil reais, ou "mil-rêis' como ticou
conhecido. J\ loedas transitõrias foram lançadas por
ocasião do domínio espanhol e da invasão holandesa.
Somente em 1694 foi criada a Casa da Moeda do
Brasil e surgiram as primeïras moedas nacionais,
cunhadas em ouro e prata.
Foi durante o Estado Novo, a ditadura de
Getólio Vargas, que surgiu o cruzeiro, cuja vigência
se prolongou por 22 anos, de 1942 até 1964,
quando outra ditadura, recém-instalada, incluiu
a moeda em suas primeiras reformas. À exceção
do mil -réis, o cruzeiro, cru sua forma original, é a
moeda brasileira de maior longevidade até agora.
Mas, de 1964 até 1994, 1111111 período de apenas 30
(j\lK.c. Iai. i.ii. o.\I.•\ lLiu].\ •;na,ii ! 69
1994
anos, além do cruzeiro o país utilizou outras seis
moedas. A constan te troca devia-se à instabilidade
económica do país e à inflação galopante. Nada
menos do que 13 planos econômicos implantados
ao longo de dLIaS décadas fiacassaram, e a inflação
tornou -se uma das maiores do tu u udo.
Em 1993, quando a moeda em vigor era,
pela terceira vez, o cruzeiro, a inflação anual
ultrapassou os 2.700%. Em maio daquele ano,
cinco meses depois de Itamar Franco assu tu ir a
Presidência da República devido ao iupeachnient
de Fernando Coilor, Fernando Henrique Cardoso
tomou posse como ministro da Fazenda (o terceiro
da Era Itamar). Após promover alguns ajustes nas
contas públicas, o novo ministro implantou a UR\',
Unidade Real de Valor, eni fevereiro de 1994. A U R\'
destinava-se a indexar temporariamen te os preços a
fim de fixá-los em patamares considerados razoáveis
pelos vários segmentos da economia. Com isso,
seria possível lançar uma nova moeda sem o risco
de que ela se desvalorizasse rapidamente, como
ocorrera com suas antecessoras.
Oreal foi lançado cm 1" de julho de 1994.
quando 1-ernando 1-lenrique já deixara a Fazenda
para concorrer à I'residéncia da República. Devido
ao exito do plano, ele se elegeu com facilidade.
ano da transição da moeda,
A inflação de 1994,
ficou em torno dos 1 (100%. No ano seguiu te
já totalmente sob o Plano Real, o índice não
chegou a 1 5%. Graças à estabilidade, e a depei o
de alguns efeitos colaterais, como recessão e
desemprego, Fernando 1-lenrique se reelegeu
em 1998. Em janeiro de 2003, F1-1 entregou a E. 16t, E ACIMA - CARA E COROA
faixa presidencial a seu sucessor, Luiz Inácio Moeda de R$ 1,00 cunhada pelo Casa
da Moeda do Brasil em julho de 1998.
Lula da Silva, eleito em outubro de 2002. PItisc,r dc \.'aEorc, duRa,,,,, ( dura] dc, Brasil
170 CAIXA NA RE1)1OCRII/AC()
Ao assumir a presidência da Caixa em 19 de
outubro de 1992, depois de 20 dias de interinidade
de Milton Luiz dos Santos, o economiário Danilo
de Castro encontrou a instituição em delicada
situação financeira. Segundo suas declarações,
dadas aos principais jornais brasileiros, a Caixa
vivia "a pior situação de toda a sua existência'
A avaliação partia de um homem com 25
anos de serviços prestados á instituição.
Nascido em Viçosa, Minas Gerais, a 5 de
março de 1945, Danilo de Castro formou-se
técnico em contabilidade aos 20 anos de idade.
Dois anos depois, em 1967, iniciou a carreira
na Caixa como escriturário na agência de sua
terra natal. Foi gerente comercial entre 1981
e 1983 e depois gerente de administração de
recursos humanos, cargo no qual permaneceu
até 1985, quando assumiu a superintendência
da Caixa em São Luís, Maranhão, no período
em que o presidente da República era o
maranhense José Sarne)'. Quatro anos depois,
ocupou a mesma função em Belo Horizonte,
Minas Gerais, tendo se mantido no cargo
durante as gestões de Coutinho e Mendonça.
Castro foi ainda diretor do Banco
Interamericano de Poupança e Crédito, com sede
em Caracas, Venezuela, membro do Conselho
Curador do FGTS e do Fundo de Desenvolvimento
Social, conselheiro do Serviço de Assistência e
Seguridade Social dos Economiários e do Conselho
Monetário Nacional. Quando chegou à presidência
da instituição à qual dedicara sua vida profissional,
Danilo de Castro obteve para a Caixa empréstimo
de Cr$ 4,4 trilhões junto ao Banco Central.
Ao deixar o cargo em 29 de março de
1994, Castro foi substituído por José Fernando
de Almeida, também economiário de carreira.,
que ficou menos de um ano no comando da
Caixa: em 21 de fevereiro de 1995, cerca de
dois meses após a posse de Fernando Henrique
Cardoso na Presidência da República, foi
substituído por Sérgio Cutolo (foto acima).
As transformações na Caixa tiveram
continuidade com a posse de Sérgio Cutolo
na presidência da instituição. De certo
modo, a modernização imposta por ele pode
ser comparada ás mudanças ocorridas no
início da Era Vargas. Sessenta anos depois da
gestão reformadora de Solano Carneiro da
Cunha, Sérgio Cutolo desempenharia papel
semelhante ao do homem escolhido por Vargas
para remodelar a Caixa a partir de 1930.
Entre ambos existe, porém, uma diferença
fundamental: enquanto Carneiro da Cunha era
um político astucioso, Cutolo era economista
com larga experiência em cargos públicos.
Antes de assumir a presidência da Caixa,
em 21 de fevereiro de 1995, Cutolo já estivera
presente cm todos os governos desde o fim do
regime militar, em 1985. No período de José
Sarnev, foi Secretário de Emprego e Salário do
Ministério do Trabalho. Durante a Era Collor,
ocupou cargos nos ministérios do Trabalho, da
Economia, da Fazenda e do Planejamento, no qual
foi secretário-adjunto de Política Económica. Com
a posse de Itamar Franco, tornou-se ministro da
Previdência e Assistência Social, desempenhando
papel-chave na implantação do Plano Real.
Junto Coni uma diretoria colegiada - da qual
fazia parte o futuro presidente da Caixa, Valderv
Albuqucrque , Cutolo estudou a estrutura da
empresa e chegou a conclusões surpreendentes:
"Embora a Caixa estivesse unificada desde
1969, tal unificação era apenas aparente. As
superintendências regionais dispunham de enorme
autonomia e as nomeações para seus cargos eram
eminentemente políticas. A Caixa, também por
isso, revelava grande ineficiência financeira e
comercial" Baseados em uma matrizaplicada
pelo grupo General Electric, Cutolo e seu grupo
de trabalho desenvolveram o l'rograma de
Racionalização e Competitividade (PRC). Um
dos principais pontos da reestrLlturação previa
a extinção das 31 superintendências regionais
da Caixa instaladas pelo país e a criação, em
seu lugar, de apenas seis coordenadorias.
Após articulação no Palácio do Planalto,
as superintendências foram substituidas por
84 escritórios de negócios. A economia com
pessoal foi enorme. Cutolo também deu início
a uma nova era na área de financiamentos
habitacionais, abrindo crédito direto ao
mutuário, sem a intermediação de bancos ou
instituições financeiras. Também modernizou
a forma de pagamento do FGTS e do seguro-
desemprego, diminuindo as imensas fitas,
cuja existência havia presenciado em visitas
de surpresa, às vezes de madrugada, a várias
agências da Caixa espalhadas pelo país.
Depois de permanecer no cargo durante
os quatro anos do primeiro mandato de
Fernando Henrique, Cutolo despediu-se da
presidência da Caixa em 20 de janeiro de 1999,
assumindo, no dia seguinte, a coordenação da
recém-criada Secretaria de Desenvolvimento
Urbano. Sua passagem pela Caixa deixou
uma marca - literalmente, como se verá.
 CAIXA: 1 50 ANOS DE LM,\ HISlÕRIA BRASIlEIRA 171

CAIXA ECONÔMICA E MONTE DE SOCORRO PRIMEIRA MARCA

COM GARANTtA DO GOVERNO IMPERIAL Logotipo da Caixa no !.mpério (1861-1889).

*
CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL
NOVO REGIME
Logotipo da Caixa na Repóblica Velha (1889-1934).

DA ERA VARGAS À UNIFICAÇÃO

c ECONÔMICA FEDERAL
Logotipo usado desde a criação do Conselho
Superior das Caixas Econômicas Estaduais
até a unifica ção (1934-1970).

eer- CAIXA INFORMATIZADA

Logotipo usado a partir do convênio com o Serpro
para a informatização da empresa (1970-1976).

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL _____

CAIXA
ECONÔMICA
FEDERAL DOS MILITARES À REDEMOCRATIZAÇÃO
Versões horizontal e vertical do logotipo
concebido por Aluísio Magalhães (1976-1987).

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

CAIXA ECONÔMICA
RELEITURA
FEDERAL Atualização dos logotipos de Aluísio
Magalhães, realizada pelo Departamento de
Comunicação Social da Caixa (1987-1997).

CA" A A NOVA MARCA

Logotipo privilegiando o X, proj etado
pela NCS Design (1997).
172 CAIx\ NA REDEMOCRATIZACÁ()
A gestão de Sérgio Cutolo na presidência
da Caixa Econômica Federal caracterizou-se
não apenas por reformas estruturais, como o
enxugamento dos quadros de pessoal, ou pelas
quedas de braço políticas que teve de travar
em decorrência dessa mesma medida, como
também por uma bem-sucedida mudança de
imagem. Em 10 de outubro de 1997, a centenária
instituição renovou-se mais uma vez, imidando
de roupagem para ganhar oficialmente ares
de modernidade. Em lugar da fria sigla CEF,
a empresa assumiu a palavra Caixa, forma
pela qual sempre fora chamada tanto por seus
dirigentes quanto por seus milhões de clientes.
As cores laranja e azul receberam destaque,
e o novo logotipo passou a ser um simples,
mas simbólico "X' "A Caixa mudou de ritmo e
mudou a letra' anunciava o slogan publicitário.
A letra X representa, antes de tudo, uma
escolha; no caso, a escolha da população, que
desde 1861 confia suas economias à Caixa. Mas
é também o X da multiplicação, do dinheiro
que cresce na poupança, e o X das opções dos
apostadores da Loteria Esportiva e das lotei-ias de
números, como a Loto, a Sena e a Mega Sena.
A campanha de lançamento da nova marca
foi acompanhada de um esforço em mostrar que
não se tratava apenas de uma mudança visual e
estética. De fato, Cutolo promovera alterações
O X DA CAIXA
A nova logomarca, usada a partir de outubro de 1997
destinadas a tornar a instituição mais ágil em
suas operações. O "cofre seguro das classes
menos favorecidas" tinha de se mostrar como
tal - e não apenas seguro, mas acessível a todos. A
logomarca era o símbolo de uma nova mentalidade,
ajustada aos tenipos do real, lançado havia três
anos. Embora a intiação baixa fosse um inegável
benefício, paradoxalmente, ela muitas vezes
desiludia os poupadores, que estavam acostumados
a rendimentos aparentemente altos, que no fundo
não passavam de números vultosos imediatamente
fulminados pela inflação. Esse era o X da questão.
Mudar a marca em si não era complicado,
embora fosse caro - no caso, não menos do que
R$ 1,5 milhão somente no cachê da agência de
publicidade encarregada da operação. O passo mais
complexo era alterar o visual de todas as 1.807
agências da Caixa em operação naquele momento,
não só as fachadas como também as placas de
sinalização e todos os outros locais internos em
que aparecia o antigo logotipo. Depois foi a vez do
material de escritório, cartões de visita, crachás,
cartões magnéticos e cadernetas de poupança,
material de divulgação, enfim, um trabalho de
enormes dimensões, cujo Custo foi calculado, por
baixo, entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões, mas
concluído com êxito em pouco mais de um ano.
A internet, uma ferramenta ainda de uso
restrito naquele instante, recebeu especial atenção da
Caixa durante a reformulação. O novo site teria de ser
facilmente utilizado por qualquer pessoa conectada à
internet e oferecer serviços e produtos da Caixa numa
verdadeira agência virtual, medida que os maiores
bancos do Brasil e do mundo ia sabiam ser essencial
aos novos tempos. Deu certo. O site da Caixa passou
a exibir a praticidade e a diversidade de opções
dos bancos privados, com a garantia e a segurança
tradicionais da instituição. A mudança da imagem e a
aposta na internet tinham em comum a necessidade
de preparar a Caixa para os desafios do século 21.

As transformações que remodelaram a
Caixa durante a gestão de Sérgio Cutolo tiveram
continuidade e, em certos setores, foram ampliadas
com a posse de Emílio Carazzai na presidência
da instituição. Indicado para o cargo pelo vice-
presidente da República, Marco Macid, Carazzai
só aceitou o convite após longa conversa com o
ministro da Fazenda, Pedro Malan, na qual foram
ajustados os conceitos que iriam pautar sua atuação.
Sua escolha, com a aprovação pessoal do ministro
da Fazenda, confirmou a determinação do governo
de entregar a Caixa, bem como os demais bancos
oticiais, a administradores com perfil técnico.
Três semanas antes da posse, Emílio Carazzai
já estava instalado no edifício-sede da Caixa,
em Brasília, preparando a transição entre sua
administração e a de seu antecessor. "O processo se
deu de forma natural, sem episódios trauniáticos",
avaliou Carazzai. "'Ihnto é que a diretoria anterior
foi mantida. As mudanças vieram mais tarde, em
função de conveniências e opções pessoais, ou
pela percepção de que a Caixa estava sob um novo
modelo de gestão." Carazzai manteve na Caixa o
estilo imperioso que já revelara no exercício de
outros cargos de chefia.
Nascido no Paraná, Emílio Carazzai mudou-
se para Pernambuco aos 20 anos de idade e desde
então mantém vínculos estreitos com o estado.
Adninistrador de empresas, com mestrado na
Manchester Business Scbool da Inglaterra, iniciou
sua vida profissional numa firma de consultoria de
engenharia ambiental, a AcquaPlan. Aos 26 anos,
foi convidado para assumir posto de direção na
Secretaria de Planejamento de seu estado adotivo.
Um ano depois, assumiu a superintendência da
agência estadual de planejamento, o Conselho
de Desenvolvimento de Pernambuco (Condepe).
Foi secretário de Estado no governo de Marco
Macid, quando estabeleceu os laços que o uniram
ao futuro vice-presidente da República. Na área
CAIXA:15O,Nu II L:•l\ lISI()RI.\ Í3RASI[HR.\ 173
federal, ocupou funções executivas nos ministérios
da Agricultura e da Fazenda e integrou os
conselhos da alta administração federal. Carazzai
também exerceu atividades executivas em várias
empresas do setor privado. Foi diretor do Banco
Banorte por dez anos, consultor da Booz-AlIen &
Hamilton por quatro anos e, ao ser indicado para
a Caixa, era diretor de planejamento corporalivo
da holding do Bompreço Supermercados,
a terceira maior rede de varejo do país.
Talvez pela experiência na gestão de
empresas e de bancos, Carazzai tinha sua própria
visão do papel reservado à Caixa na economia
brasileira, inclusive suas diferenças básicas em
relação à outra grande instituição financeira do
GESTOR
governo, o Banco do Brasil, conforme revelou
Ensílio Carazzai, presidente da Caixa
em entrevistas: "A sobreposição entre Caixa de janeiro de 1999 a março de 2002.
Msistu da Caix,n, Brasilia
e Banco do Brasil existe no acessório, não no
principal. A Caixa não financia crédito rural nem
crédito para exportação. O BB não faz crédito
habitacional, nem tem o capital intelectual da
engenharia da Caixa em desenvolvimento urbano.
A superposição é marginal, tolerável e, em
alguns casos, até desejável. Alguma competição
no setor público não é de todo mau".
A questão habitacional ganhou ênfase na
gestão de Carazzai. Os financiamentos foram
ampliados e readequados - ação que teria
continuidade na gestão de \Taldery Albuquerquc.
Sua principal contribuição, fundamental para
restaurar o equilíbrio tinanceiro-operacional da
empresa, que continuava seriamente abalado, foi
a reestruturação patrimonial - uma das maiores
operações de reengenharia financeira da história
do Brasil e a mais vultosa operação de saneamento
financeiro da história da Caixa.
Seis anos depois do sopro de renovação
trazido pelo Programa de Racionalização
e Competitividade, a Caixa passaria por
transformações ainda maiores graças ao Plano
 74 CAIXA NA In!)ENE)CRATJZ..\CAO
O MAIS JOVEM PRESIDENTE DA CAIXA
VnlderyAlbuquerque, que assumiu o comando
da empresa em março de 2002.
P. 175— A VILA SOLIDÁRIA
A cidade de Solidão no agreste de Pernambuco,
onde foi lançado o programa Caixa Aqui.
de Reestruturação Patrimonial. Em 29 de junho
de 2001, cinco meses antes de completar 140
anos, a instituição recebeu uma injeção de R$
9,3 bilhões concedidos pelo governo federal -
major aporte de capital de sua história. Foi
início de um amplo projeto de saneamento
financeiro que, segundo Emílio Carazzai, não só
assegurou a sobrevivência da Caixa, enquadrando-a
nos chamados "requerimentos prudenciais"
do Conselho Monetário Nacional e do Banco
Central, como lhe permitiu ampliar a atuação nos
programas da Rede de Proteção Social do governo.
O Plano de Reestruturação Patrimonial
dividiu-se em quatro tópicos. O primeiro
foi o repasse de R$ 26,7 bilhões em ativos
desequilibrados, oriundos de financiamentos
imobiliários, para a Empresa Gestora de Ativos
(Emgea), instituição não financeira criada pelo
'lisouro Nacional para gerir ativos cujas prestações
não cobrem a remuneração dos passivos. O
segundo, um ajuste de contas entre a Caixa e o
FGTS, com a amortização da dívida antecipada
da Caixa junto ao Fundo, utilizando como moeda
de pagamento títulos CVS. O terceiro constituiu a
modernização dos processos de crédito imobiliário
para reduzir custos, aumentar rentabilidade e
diminuir riscos. l'or fim, foi definido um novo
modelo de gestão com pressuposto de retorno
mínimo sobre o patrimônio líquido, ajustando a
Caixa às regras de conformidade (compliance) e
garantindo que a empresa não viesse a gerar novos
passivos contingentes (os chamados "esqueletos").
"A magnitude, complexidade e volume de
capital envolvidos na reestruturação patrimonial,
cm torno de USS 25 bilhões, a transformam naquela
que talvez tenha sido a maior operação financeira
da história econômica do Brasil' assegura Carazzai.
"Acredito que, sem ela, a Caixa diticilmente
sobreviveria por mais uma década." Carazzai também
foi responsável pela criação do programa Caixa Aqui.
Menos de uni ano após a reestruturação,
Carazzai deixou a Caixa. Sua saída se deu em meio
ao conflito entre o PSDB, partido do presidente
Fernando 1-lenrique Cardoso, e o PFL, do vice-
presidente Marco Macid. Ao se afastar do governo,
os líderes do PFL exigiram que todos os executivos
indicados pelo partido entregassem seus cargos.
Como tinha sido convidado por 1vlaciel para
presidir a Caixa, Carazzai, em tese, enquadrava-se
naquele caso. Estivesse ou não decidido a sair da
Caixa, refutava a ideia dc que sua presença lá fosse
por mera indicação do PFL, e também que tenha
caído por causa do partido, ao qual nunca fora
filiado (bem como a nenhum outro):
"Não associo minha saída às pressões feitas
pelo PFL. Saí por lealdade pessoal ao vice-presidente.
E, além de considerar aquele um momento oportuno
para retornar à iniciativa privada, o ministro Malan
ainda teve a elegância de me conceder a possibilidade
de indicar meu sucessor."
De fato, Carazzai voltou a atuar na
iniciativa privada. E, com efeito, quando o
ministro Pedro Malan - que, como o próprio
presidente da República, era tivorável à
permanência de Carazzai na Caixa - perguntou
ao demissionário se ele tinha um sucessor
natural, Carazzai indicou \1lder)' Albuquerque,
seu diretor de Finanças e Controladoria.
E assim, ao assumir a instituição aos 38 anos
de idade, o cearense Valdery Frota de Alhuquerque
tornou-se, em abril de 2002, o mais jovem
presidente da Caixa. Albuquerque já possuía relação
com a instituição, da qual era, como já foi dito,
diretor de Finanças e Controladoria. Formado
ciii economia, com pós-graduação em Política
Econômica pela Universidade de Brasília, iniciara
sua vida profissional em 1988, como assessor
do ministro da Secretaria de Planejamento e
Coordenação (Seplan). Depois, ocupou o cargo de
diretor adjunto na Coordenadoria Macroeconómica,

na Secretaria Geral da Presidência da República.
De 1991 a 1995, atuou na Secretaria do fésouro
Nacional como coordenador-geral da Administração
da Divida Pública, quando participou da primeira
capitalização da Caixa naquela década.
Em 1995, assumiu a Diretoria Comercial da
Caixa, a convite do recém-empossado presidente
Sérgio Cutolo, ficando responsável pela gestão
da área bancária e pelas operações comerciais
da instituição, bem como pelos serviços de
loterias federais, Cartões de crédito e meios de
pagamento eletrônico e relacionamento com
governos estaduais. 'hnibéin dedicou boa parte
de seu tempo à estruturação do Programa de
Racionalização e Competitividade (PRC), que deu
início à remodelação da empresa. Em 1996, passou
a ocupar a Diretoria de Planejamento e Produtos
Complementares da Sasse Seguros, período no
qual participou do lançamento de novos produtos,
como Previdência Privada, Previdência Pública e
Capitalização, tendo, neste último caso, coordenado
a equipe de implantação da nova empresa: a Federal
CAIXA: 1 50
Capitalização. No ano seguinte, a Sasse foi eleita pela
Academia Nacional de Seguros e Previdência uma
das dez empresas mais importantes do setor. Em
1998, a Sasse Seguros passou a assinar Caixa Seguros.
Albuquerque retornou à Caixa em 1999
como diretor de Finanças e Controle, tendo
ainda coordenado o processo de reestruturação
patrimonial e operacional, ajudado a atualizar o
estatuto da instituição e participado da venda da
maioria das ações da Caixa Seguros para a francesa
CNP Assurances. Quando assumiu a presidência,
em 2002, para ali permanecer por menos de um
ano, afirmou em seu discurso de posse:
"O desafio da Caixa pós-reestruturação é
desenvolver ações estratégicas visando ao equilíbrio
econõmico-operacional de longo prazo, evitando
a geração de novos passivos contingentes, os
chamados 'esqueletos A explicitação de riscos
e subsídios de programas públicos e a atuação
competitiva no mercado são a tônica operacional.
Transparência, prudência, controle, governança,
gestão de risco e eficiência sito pré-requisitos
ANOS DE UMA IIISlÕRIA BRASI!EJ RA 1 75
conquistados e que defenderei com obstinação, pois
contribuirão para que a Caixa mantenha-se forte
para servir aos brasileiros sempre com efetividade'
O balanço do primeiro semestre daquele ano,
divulgado em 17 de setembro, mostrava números
auspiciosos: lucro de R$ 564,4 milhões (com
recolhimento de R$ 129 milhões em dividendos ao
Ièsouro Nacional); captação líquida da caderneta
de poupança de R$ 2,8 bilhões, por meio de 23
milhões de contas; patrimônio líquido de R$ 4,3
bilhões. Albuquerque apresentou, pela primeira
vez, os números da Caixa à Associação Brasileira
dos Analistas de Mercado de Capitais (Ahaniec),
causando repercussão bastante positiva no mercado.
Basicamente, sua gestão deu andamento aos
projetos e às políticas que haviam sido adotadas
por Carazzai. Ao deixar a presidência da Caixa, ao
final do governo Fernando 1-lenrique, Albuquerque
assumiu a presidência da Nossa Caixa, de São
Paulo, em fevereiro de 2003, tendo posteriormente
ocupado cargo diretivo no Unibanco, que mais
tarde se fuii diria ao banco lta ú -
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CAIXA NO SÉCULO 21
m 27 de outubro de 2002, no
mesmo dia em que completava
1. 57 anos, o ex-torneiro mecânico
e líder sindical Luiz Inácio Lula
da Silva elegeu-se, com quase 53 milhões de
votos, o trigésimo quinto presidente do Brasil.
A chegada ao poder do primeiro chefe da
nação oriundo das camadas populares veio
romper com um ciclo de elitismo político
iniciado, grosso modo, quase cinco séculos
antes, quando o fidalgo Tomé de Sousa a5SiflOti,
em dezembro de 1548, o diploma real que fez
dele o primeiro governador-geral do Brasil.
No dia 1" de janeiro de 2003 - exatos
dois anos após o início do terceiro milènio
-, Lula tomou posse em Brasília em meio
a grande comoçâo popular, recebendo a
faixa presidencial das mâos de um antigo
companheiro de militância e, naquele instante,
seu rival político, Fernando Henrique
Cardoso. Foi, outra vez, momento de inegável
impacto histórico e ressonância social.
J.ula tomou posse sem sobressaltos ou
rumores golpistas também em função do fato de
o Plano Real (articulado por seu antecessor, FHC,
quando ainda era ministro do governo Itamar
Franco) ter-se revelado não apenas um plano de
estabilização econômica, mas de estabilização
política. F. o Brasil pôde apresentar ao mundo
um exemplo de maturidade democrática. Embora
Lula logo fosse emitir sinais de que pretendia
dar continuidade à política econômica de
FHC - promovendo alguns ajustes -, a verdade
é que a nação ingressava no 1140 ano de sua
vida republicana e no 5030 ano de sua história
consideravelmente modificada.
l)epois de oito anos no governo,
Lula se impôs como símbolo de um Brasil
possível, o representante genuíno de um país
plenamente viável, e também reconhecido
internacionalmente, inclusive pela revista Time,
como um líder influente no planeta. Sob seu
governo, a Caixa continuou avançando a passos
largos no século 21, o século da tecnologia,
ampliando a oferta de produtos e serviços e se
aproximando cada vez mais dos brasileiros, tanto
nas agências espalhadas por cada canto do país
quanto por meio da internet, encaminhando-se
célere para seu sesquicentenário, maior e mais
dinâmica do que nunca.
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 CAIXA:130.•\No DL EMA IIISI()RIA BRASIlEIRA 179

Quinze dias após a posse de Lula no Palácio
do Planalto, Jorge Eduardo Levi Mattoso assumiu
a presidência da Caixa. Era 16 de janeiro de
2003. Professor doutor pela Unicamp, secretário
de Relações Internacionais da Prefeitura de
São Paulo de 2001 a 2003, Mattoso deu início
à implementação dos ajustes necessários ao
alinhamento da instituição às políticas do governo
federal em setores-chave como habitação e
poupança, conduziu o processo de internalização
das loterias, criou uma série de novos produtos
e lançou as bases dos avanços tecnológicos que
viriam a dotar a Caixa com um dos mais modernos
instrumentos de gestão e atendimento.
O início do mandato de Mattoso coincidiu
com o encerramento do contrato da Caixa com
a Getec, empresa que desde 1997 administrava as
loterias, sendo responsável por todo o processo,
da captação de apostas aos sorteios, gestão de
encontradas ao longo desse caminho
-a--
seriam amplamente recompensadas pela
independência que o processo proporcionou
à Caixa. Mais do que isso, representou um
aporte de tecnologia fundamental para uma
instituição cujas operações exigem constante
aperfeiçoamento de métodos e ferramentas.
Na parte mais visível ao público do
trabalho da Caixa, o Feirão da Casa Própria
(também descrito em detalhes na Parte 11)
foi outra novidade importante da gestão de
Mattoso. A primeira edição, realizada de 15 de
setembro a 30 de outubro de 2005 em 14 cidades
brasileiras, atraiu 358 mil pessoas, proporcionou
a assinatura de 4.363 contratos, num montante
de R$ 261 milhões, e o encaminhamento de
22.082 propostas de financiamento às agências,
O PRIMEIRO !'RESIDENTE DA CAIXA NA ERA LULA
num total de R$ 1,41 bilhão. Desde então, o Jorge Eduardo Levi Mattoso, que assiuniu a
presidência da instituição em janeiro de 2003.
número de cidades envolvidas, visitantes e Acervo Caixa

pessoal e fornecimento de equipamentos. Enibora
a participação da Getec tenha sido fundamental na
modernização das loterias (conforme será narrado
na Parte 11 deste livro), o fato é que a Caixa tornara-
contratos firmados tem crescido a cada ano.
Instrumento de alcance popular criado na
gestão de Mattoso, a Conta Caixa Fácil tornou-se
a primeira conta bancária realmente simplificada
P. 178— RITO DE PASSAGEM
FHC, primeiro presidente eleito do Brasil a cumprir
dois mandatos, transmite o cargo para Luiz Inácio
Lula da Silva, o primeiro presidente oriundo da classe
operária e que também iria cumprir dois mandatos.
Ala n Marques, Folha Imagem

se dependente dela, Lima vez que, ao contrário do
que rezava o acerto, não ocorrera a transferência de
tecnologia e, ainda por cima, havia questionamentos
do TCU em relação ao contrato.
Quando Mattoso assumiu a presidência
encontrou esta situação, e o jeito foi prorrogar
contrato até agosto de 2005, enquanto
eram estudadas alternativas. A despeito das
dificuldades de toda ordem e do gigantismo
da operação, em 2004 a Caixa decidiu bancar
jogo. Naquele mesmo ano foram lançados os
editais e, em meados de 2005, foi inaugurado o
primeiro terminal próprio, numa operação que se
encerraria um ano depois, quando Mattoso já não
ocupava a presidência da Caixa.
O caso das loterias foi o maior desafio
da gestão de Mattoso, mas as turbulências
do mercado brasileiro, criada para atender a uma
enorme fatia da população que, até então, não
possuia vínculos bancários, fosse por falta de
recursos, fosse por exigências que essas pessoas
não tinham condições de atender. Para abrir
unia conta fácil não era necessário apresentar
comprovante de renda, e tampouco efetuar uni
depósito mínimo. A movimentação se daria
unicamente por meio do cartão magnético em
qualquer agência, posto, caixa eletrônico ou agente
Caixa. Para se ter uma ideia do sucesso da nova
modalidade, a Conta Fácil, lançada no primeiro
semestre de 2003, no final daquele ano já atingira
volume de 1,1 milhão de contas ativas, tendo
crescido em média mais de 50% nos anos seguintes.
Jorge Mattoso deixou a presidência da Caixa
em 28 de março de 2006.
180 CAIXA NO SLCL lO 21
PRIMEIRA MULHER A PRESIDIR A CAIXA
Maria Fernanda Ramos Coelho, que tomou
posse no cargo em março de 2006.
Acervo Caixa
As mulheres chegam ao poder
dia 30 de março de 2006 ficará marcado para
Q sempre na história da Caixa. Foi quando
Maria Fernanda Ramos Coelho se tornou a primeira
mulher a assumir a presidência da instituição,
quase 145 anos depois de sua fundação. Embora de
certo modo surpreendente, a decisão foi de todo
coerente com a trajetória de um banco social que
não apenas é o único a ser designado com artigo
feminino como também foi um dos primeiros a
aceitar a abertura de contas de mulheres, além
de ter sido também um dos pioneiros na sua
contratação, e isso desde o início do século 20. Por
ocasião da POSSC de Maria Fernanda, havia anos as
mulheres já representavam praticamente a metade
dos quadros funcionais da instituição, além de
ocuparem cerca de 40% de seus cargos de chefia.
Nascida no Recife (PE) em 6 de outubro de
1961, formada em Jornalismo pela Universidade
Católica de Pernambuco, com especializações
em Finanças Empresariais e Gestão Pública
pelo IBMEC (Instituto Brasileiro de Mercado
de Capitais), em Administração, Métodos e
Técnicas pela Universidade de Pernambuco
(JiPE) e em Excelência Humana pela UNIPAZ/
DE (Universidade Internacional da Paz), Maria
Fernanda começou a trabalhar na Caixa em
1984, com apenas 23 anos de idade. Nas mais
de duas décadas a serviço da instituição, passou
por diversas áreas da empresa, tendo sido
gerente geral de agências no Recife e gerente
regional de apoio ao desenvolvimento urbano.
Em Brasília, onde chegou em 2003, no mesmo
ano em que Lula iniciou seu primeiro mandato,
Maria Fernanda comandou as superintendéncias
nacionais de desenvolvimento econômico e social
e de estratégias e desenvolvimento empresarial. Ao
assumir a presidência da Caixa, revelou especial
pi-eocupação em ampliar o atendimento ás camadas
de baixa renda, a fim de tornar a instituição, cada
vez mais, e conforme estava escrito em sua origem,
"o cofi-e seguro das classes menos favorecidas'
Maria Fernanda nunca esqueceu, afinal,
das cenas a que tantas vezes assistira no Recife,
quando era gerente justamente de pessoas de
baixa renda, em geral aposentados. Muitos deles
eram acompanhados até a boca do caixa por
um agiota decidido a garantir que receberia seu
pagamento. Além de ter de encarar juros abusivos
e correr OS riscos inerentes ao envolvimento
com uma atividade ilegal, essas pessoas ainda
tinham de enfrentar o enorme constrangimento
público provocado pela situação. Somente em
2006, ano em que Maria Fernanda assumiu
a presidência, a Caixa reservou R$ 52 bilhões
para empréstimos aos menos favorecidos.
Os programas do governo na área
habitacional, nos quais a participação da Caixa
é fundamental não apenas pelos recursos que
possui para aplicar no segmento, mas também
pela experiência e pela credibilidade da instituição,
determinaram grande expansão do fornecimento
de crédito num setor que, de modo geral, não está
no foco de negócios dos bancos particulares. O
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e
o Minha Casa, Minha Vida, elevaram as operações
de crédito imobiliário a patamares jamais vistos.
Em 2010, com recursos advindos da
poupança, do FGTS e de outras fontes secundárias,
tais operações atingiram o valor recorde de cerca
de R$ 70 bilhões. I justamente em relação à
casa própria que o papel da Caixa como agente
fomentador de políticas públicas se torna mais
claro. 'Irata-se de oferecer a toda a população,
em especial à de baixa renda, produtos e serviços

poucas vezes ofertados pelas instituições privadas.
Além de presidente da Caixa, Maria
Fernanda tornou-se vice-presidente de SeU
Conselho de Administração, presidente do
Conselho de Administração da Caixa Participação
(Caixapar), diretora do World Savings Banks
Institute (WSBI) para as Américas e membro
do Conselho de Administração do grupo
Caixa Seguros e do Conselho Diretor da
Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
A gestão de Maria Fernanda Ramos Coelho
caracterizou-se também pelo planejamento de
longo prazo, condição necessária para a contínua
melhoria dos serviços e do atendimento prestados
à população, bem como para o fortalecimento
do papel da Caixa como instituição voltada ao
desenvolvimento econômico e social do país.
Na presidência de Maria Fernanda foi
elaborado ainda o Plano Estratégico (PE) 2009-
2015, durante o qual foram ouvidos 20 mil
economiários em todo o Brasil. Concluído em
agosto de 2009, o trabalho tem por objetivo tornar
a gestão da instituição mais eficiente graças ao foco
em metas e à otimização de iniciativas. Todos os
setores da Caixa passaram a seguir de imediato as
diretrizes do plano, cujas prioridades incluem a
oferta de crédito como instrumento de políticas
públicas, a melhoria no atendimento ao cliente,
a criação de novos canais de acesso aos serviços
e a promoção de ações de sustentabilidade.
O primeiro PE da história da Caixa
contemplou o período 2003-2007, revisado em
2004 e seguido do PE 2005-2015, com sete desafios
estratégicos e 28 ações estruturantes. A versão
2009-2015 promoveu aperfeiçoamentos e serviu
para alinhar as metas da Caixa aos ciclos dos planos
plurianuais do governo federal. A elaboração levou
CAIXA: 150 s.os oc
seis meses e incluiu consultas individuais a todos
os empregados, promoção de oficinas regionais e
de oficina nacional, consultas aos representantes
dos controladores e a órgãos do governo que se
relacionam com a instituição e oficinas para a
homologação do plano com os Conselhos Diretor
e de Administração. Foram reafirmados a missão,
a visão de futuro e os valores da Caixa, e definidos
os novos desafios estratégicos para o período.
Missão DA Caix:
"Atuar na promoção da cidadania e do
desenvolvimento sustentável do país como
instituição financeira, agente de políticas públicas
e parceira estratégica do estado brasileiro."
\isAo ie Furuio:
"A Caixa será referência mundial como banco
público integrado, rentável, socialmente responsável,
eficiente, ágil, com permanente capacidade de
renovação, e consolidará sua posição como o
banco da maioria da população brasileira."
VAL0U1A DA CAi XA
Sustentabilidade econômica,
financeira e socioambiental.
Valorização do ser humano.
Respeito à diversidade.
'l'ransparência e ética com o cliente.
Reconhecimento e valorização das
pessoas que fazem a Caixa.
Eficiência e inovação nos serviços,
produtos e processos.
f)is,iiios EsriArix;icos:
Consolidar-se como principal agente de
políticas públicas do governo federal.
ViA IIISIORIA 3ItAS11E1R\ 181
Ampliar a participação no mercado de crédito.
Ampliar a participação de mercado
na captação de recursos.
Ser referencial de excelência no
atendimento e ampliar a capacidade e
as alternativas de distribuição.
Ser reconhecida como uma das
melhores empresas para se trabalhar.
Adequar e racionalizar processos
e integrar áreas da empresa.
Implementar soluções integradas
de tecnologia da informação.
Focar na Responsabilidade Social
Empresarial (RSE) e apoiar o
desenvolvimento regional sustentável.
Com esse perfil, a Caixa chegou ao
final da primeira década do século 21 sob o
comando de Maria Fernanda Ramos Coelho,
a primeira mulher a presidir a instituição. São,
definitivamente, novos tempos - tempos ainda
mais femininos para uma instituição que,
desde o início, sempre esteve do lado delas.
182 CAIXA NO SOCULO 21

A tecnologia do novo milênio

uanto o escriturário leronymo Pinheiro de resistências, não somente aquelas advindas de

Q Castilhos comprou, do próprio bolso, uma

máquina de escrever Reniington e se tornou o
primeiro datilógrafo da história da Caixa, dando
início à aposentadoria das legendárias penas
Malat 12 e dos tinteiros, que haviaiii pontificado
até a década de 1920, estava protagonizando uma
qualquer inovação, mas porque seus colegas
perderiam a chamada "gratificação das penas'
criada pela subsidiar a compra do material. Dali
até a adoÇão das máquinas elétricas e, depois, dos
computadores, se passariam muitas décadas.
Na apuração das loterias, a Caixa sempre

CËREBRO ELETRÕNICO
Cpu da Caixa é a maior da A?nérica Latina
verdadeira revolução tecnológica na instituição,
embora provavelmente tenha enfrentado
contou com a melhor tecnologia disponível, no
caso dois globos transparentes, 40 mil esferas de
madeira e uni imenso armário para acomodã-
las. À cada extração, uni exército de funcionários
tinha de contá-las unia a uma. Embora hoje
soe absurdamente arcaico, o sistema vigorou
até o início da década de 1970, quando o

--
sistema enfim começou a ser aperfeiçoado. No
atual formato, são 60 bolas para a Mega Sena

- e a Dupla Sena, 25 para a Lotofácil, 80 para a

Quina e a Timeniania e 100 para a Lotomania.
Em ambos os casos, a evolução tecnológica
acompanhou o ritmo de seu tempo. Tanto no
atendimento ao público quanto nos serviços
internos, tal ritmo tornou-se acelerado com o uso
em larga escala do computador, acelerou-se de
vez com o advento da internet, mais ainda com
o celular, um outro tanto com a comunicação
sem fio e hoje é cada vez mais vertiginoso.
A Caixa tem não somente acompanhado o
ritmo de seu tempo, como, em muitos casos,
assumido uma condição de pioneirismo.
Primeira instituição do Setor a ingressar
de modo efetivo no mundo digital, a Caixa
foi o primeiro banco do país a possuir uni
site. Mesmo quando apenas um punhado de
brasileiros dispunha de um computador em
casa, a Caixa já havia desenvolvido tecnologia
suficiente para possibilitar transações remotas, ou
"anIme", como viriam a ser definidas as operações

realizadas por meio de um computador.
A caixa foi também o primeiro banco do
Brasil a oferecer seus produtos e serviços no modo
WAP (do inglês Wireless Application Protocol
- Protocolo para Aplicações sem Fio). Presente
nos portais de todas as grandes operadoras de
telefonia celular, por meio do site da Caixa, o
sistema permite não apenas consultar saldos,
extratos e lançamentos futuros na conta-corrente
e na poupança, como obter informações sobre
serviços como saldo do FGTS, resultados das
loterias e até o calendário de repasses do Bolsa-
Família. Quem possui smartphone pode ainda
efetuar pagamentos de holetos e da prestação
da casa própria, fazer aplicações e deshloquear
talão de cheques, entre outras comodidades.
Tendo saído à frente em praticamente
todas as tecnologias, a Caixa tornou-se também,
em dezembro de 2007, a primeira empresa
brasileira a veicular um comercial interativo,
por ocasião do lançamento da TV digital. O
anúncio pioneiro proporcionou ao telespectador,
por meio do controle remoto, visitar páginas
de temas como a compra da casa própria,
com informações sobre prazos, documentação
necessária e simulação de financiamento, tendo
sido o material produzido especialmente para
a nova plataforma. Depois de dar a arrancada
neste novo meio, a Caixa desenvolveu um
aplicativo para TV digital com informações sobre
FG'1S e o programa Minha Casa, Minha Vida,
solicitação de crédito imobiliário e resultados
dos sorteios das lotcrias, entre outros.
A telefonia celular e a TV digital são canais
tecnológicos nos quais a Caixa aposta muito, não
apenas pelo viés óbvio da inovação, mas pelo fato
CAIXA:150
de ser a principal financiadora e operadora das
políticas sociais do governo federal. Isso significa
que, embora tenha em sua carteira de clientes
pessoas de todas as faixas socioeconôrnicas, precisa
dar especial atenção às camadas mais baixas,
beneficiárias prioritárias de programas como o
Minha Casa, Minha Vida ou o Bolsa-Família,
Ocorre que o acesso à internet por meio de
computador, em especial com banda larga - sem a
qual muitas operações se tornam inviáveis -, ainda
não está disseminado de forma desejável, sendo
inacessível a mais da metade da população.
O celular, por outro lado, atinge um número
muito maior de pessoas. O Brasil tem hoje mais
de 190 milhões de linhas ativas de telefone
celular, praticamente uma para cada habitante,
embora a distribuição não seja equitativa - no
Centro-Oeste, por exemplo, há mais celulares
do que pessoas, numa relação de 118 linhas para
cada 100 habitantes. Já a TV digital, espera-
se, deverá atingir todos os brasileiros até 2016,
quando, em princípio, o sinal analógico deverá
ser cortado. Assim, o celular e a TV digital são
hoje duas das melhores opções para se alcançar
maior número possível de pessoas. Depois de
consolidar o internet banking, a Caixa, que por
meio de programas sociais e produtos como a
Conta Fácil promoveu a inclusão bancária de
mais de cinco milhões de brasileiros na última
década, investe agora numa espécie de TV banking.
Como, por enquanto, o uso da TV digital ainda
exige a compra de aparelhos de última geração
ou de conversores, todos os produtos Caixa para
este novo meio aplicam-se também ao celular,
otimizando a operação.
O universo digital tem permitido às empresas
se comunicar com clientes no mundo todo em
\NOS DE UMA HIsTÚRI\ RASIIElRA 183
tempo real e, muitas vezes, de modo diferenciado.
A Caixa Internacional, mais um pioneirismo da
instituição, é uma importante ferramenta para
os brasileiros que vivem no exterior. A página
na internet oferece serviços como o envio de
dinheiro para o Brasil, opções de financiamento
habitacional para quem se encontra fora do país,
e até mesmo a montagem do próprio negócio
por meio do programa Remessas e Capacitação
para Emigrantes Brasileiros e seus Beneficiários
no Brasil, que oferece educação financeira para
emigrantes residentes na região de Massachusetts,
nos Estados Unidos, e para seus parentes na
mineira Governador Valadares, proporcionalmente
a cidade brasileira com maior número de cidadãos
morando nos EUA.
Uma parceria com o Citibank concede aos
brasileiros residentes naquele país as facilidades de
uma rede de mais de oito mil pontos de remessa
de dinheiro espalhados pelo território norte-
americano. A Caixa Internacional oferece ainda
sites custornizados para brasileiros que vivem no
EUA, no Japão e em Portugal, os quais contêm,
além dos produtos e serviços Caixa, uma série de
informações úteis como a legislação trabalhista
de cada país, visto e passaporte, clima, natureza,
oporttinidades de trabalho e formas de contato
com outros brasileiros que vivem na região.
Desde que Jeronynio Pinheiro de Castilhos
causou espécie ao adentrar a repartição
carregando uma Remington, até os clientes
poderem acessar qualquer produto ou serviço
Caixa por incontáveis meios e de quaisquer
distâncias, a instituição tem empreendido
constantes esforços para se manter à frente, e tem
conseguido isso aliando alta tecnologia a uma
tradição de 150 anos.
184 CAIXA NO SLCL LO 21
A Caixa da sustentabilidade
traçado de Brasília, em formato semelhante
Q ao de um avião ou de um pássaro, como
preferem os mais lúdicos -, consiste basicamente
de dois grandes eixos: o Monumental (a cabine),
ao longo do qual pontificam instalações do
governo e demais órgãos públicos, estatais,
autarquias, além dos principais monumentos; e
o Rodoviário (as asas), em cujas margens estão
instalados os prédios de apartamentos - e além
dele a região dos lagos Norte e Sul, onde se situam
as casas. Assim sendo, em Brasília, mais do que
em qualquer outra grande cidade brasileira, as
pessoas, ao se dirigirem ao trabalho, ou dele de
volta para casa, partem basicamente de duas
direções. Dar ou receber carona, portanto, fiz
mais sentido ali, conforme têm constatado os
economiários que exercem suas funções no
prédio-sede da Caixa, graças a um programa de
carona solidária destinado a conscientízar sobre
a importância do transporte compartilhado
como forma de reduzir o tráfego urbano e a
poluição causada pelo excesso de veículos.
Trata-se de um entre vários exemplos dados
pela instituição - responsável pelo financiamento e
pela condução de incontáveis políticas públicas - de
que a sustentabilidade começa em casa, assim como
a diversidade e a inclusão. Aliás, uma coisa depende
das outras, pois participar de ações sustentáveis
com os colegas é uni passo adiante e natural num
ambiente em que sempre se buscou incluir e
contemplar as diversidades étnicas e culturais do
povo brasileiro. Neste sentido, a Caixa tem adotado
uma série de medidas, entre as quais se destacam:
Instituição de Comitês (nacional e regionais)
para discussão e proposição de condições de
igualdade e oportunidade para mulheres;
pesquisa exploratória para a identificação do
perfil da diversidade na organiaçao e expectativas
dos empregados com relação ao tema;
• participação em fóruns relacionados ao trato
das questões da diversidade nas organizações;
instituição de comitê nacional para questões
ligadas a pessoas com deficiências;
. inclusão da temática em treinamentos gerenciais
e na integração de novos empregados;
treinamento para questões de equidade
de gênero e a pessoas com deficiências;
. treinamento em linguagem de sinais;
adaptação de instalações e equipamentos
para o uso por pessoas com deficiências;
pesquisa sobre as necessidades da pessoa com
deficiência em relação a produtos bancários;
estabelecimento de metas para a ocupação
de cargos de gestão por mulheres;
estabelecimento de metas para a ocupação de
cargos de gestão por negros (pretos e pardos);
pati-ocínio ao Comitê Paraolímpico Brasileiro;
adoção de parâmetros de diversidade em
marketing externo e endomarketing;
emissão de CPF gratuito para
mulheres trabalhadoras rurais;
patrocínio para projetos voltados
para pessoas com deficiência;
convênio com a Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República.
A conscientização dos economiários é
fundamental, e seu engajamento, decisivo nesse
processo. A Agenda Caixa para Sustentabilidade,
inspirada na Agenda 21 - um dos principais
resultados da Conferência Rio-92 -, visa a
promover unia profunda e permanente reflexão
sobre o desempenho econômico, ambiental e
social da instituição, fazendo com que todos os
funcionários passem a enxergar suas práticas
sob outra ótica, a da responsabilidade social
e do desenvolvimento sustentável. Trata-se de
aprimorar a cultura da organização e ajustá-la ao
ambiente global com foco na sustentabilidade.
Os princípios básicos da Agenda Caixa,
construídos a partir de debates e reuniões
entre as equipes - e com eventuais cursos na
Universidade Caixa -, são: estimular iniciativas
socioamhientais dentro da empresa, ampliar
a percepção das equipes sobre a influência
das práticas sustentáveis no relacionamento
com os stakeholders (partes interessadas) de
seus negócios, esclarecer OS servidores sobre o
impacto de suas atividades lia sustentabilidade
de seus negócios e identificar aspectos a serem
desenvolvidos na busca de ações sustentáveis.
A partir da Agenda e da conscientização
das equipes, a Caixa parte para iniciativas de
ordem bem prática em relação aos parceiros e
fornecedores. Um bom exemplo disso é a ação
Madeira legal, segundo a qual todas as construtoras
envolvidas em qualquer negócio com a Caixa são
obrigadas a apresentar documentação comprovando
que trabalham somente com madeira certificada.
Muitos financiamentos já foram recusados pela
instituição em função dessa exigência. Empresas
de máquinas e equipamentos que agreguem valor
ambiental em suas atividades podem receber
incentivos como taxas de juros mais baixos, prazos
maiores, período de carência, entre outras vantagens
financeiras. A Caixa também exige licença ambiental
para a concessão de crédito. Além de exigir, a
instituição estimula parceiros e fornecedores a
adotarem práticas sustentáveis e o desenvolvimento
de produtos e serviços que ajudem a preservar
os recursos naturais, entre outras medidas.
 CAlXA:l3(l\ L.\I \ i iII)RI\ I\ILI•lI\ 185

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Os caminhos trilhados pela Caixa neste
aspecto, bem como OS objetivos primordiais da
Agenda Caixa, estão em consonância com projetos
e cartas de princípios nacionais e internacionais
das quais a instituição é signatária. Em agosto de
2008, por exemplo, a Caixa assinou, a exemplo dos
demais bancos públicos, o Protocolo de Intenções
dos Bancos pela Responsabilidade Socioambiental,
cujo escopo prevê basicamente a observação de
exigências ambientais para a concessão de crédito.
Já em novembro de 2009 foi a vez de a instituição
aderir aos Princípios do Equador, cujas diretrizes, AGNC1A DA RUA DAS FLORES
Localizada no centro de Curitiba, é tida como
semelhantes às do Protocolo, foram inspiradas
a mais atraente das agências da Caixa no país.
em padrões socioambientais da lnternational
Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco
Mundial. A Caixa também se tornou a primeira
empresa da área financeira das Américasa assinar
a Business and Biodiversity Initiative, cuja meta é
alcançar os objetivos propostos pela Convenção
sobre Diversidade Biológica. A Caixa segue em
perfcita sintonia com seu tempo e pronta para
urna atuação sustcntável nos próximos 150 anos.
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 Parte II
OS SERVIÇOS
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7
'A
POUPANCA
palavra "poupança" é de origem
latina. Surgiu da junção do verbo
"poupar" com o sufixo "ança"
(acrescentado ao final de 11111
verbo para criar um substantivo abstrato, dando ideia
de uma ação). 'Poupar" provéni de "palpo' cujo
significado mais imediato é "tocar levemente com a
mão, afagar, acariciar' De acordo com o respeitado
filólogo Antenor Nascentes (1886-1972), o conceito
de "gastar moderadamente" - associado desde pelo
menos 1815 com a palavra poupança - remete às
"cautelas de quem apalpa, abranda ou acalma'
Embora a palavra seja latina e o conceito que
ela implica, bastante recente, o hábito de poupar
é tão antigo quanto as primeiras civilizações.
Escavações realizadas na Grécia revelaram a
existência, vários séculos antes de Cristo, de
artefatos utilizados como cofres particulares -
precursores dos porquinhos e latinhas descartáveis
e mesmo dos "PoL1pançudos' Na Roma imperial,
chegou a existir um fundo destinaelo a estimular a
poupança dos soldos dos legionários. Em Veneza,
no século 12, teria surgido o primeiro banco a
receber dinheiro cm depósito. i\las a expansão do
sistema bancário na Europa foi lenta, por razões de
fundo religioso: a Igreja ajocaçava com excomunhão
quem emprestasse dinheiro a juros, embora a
prática já tivesse sido mencionada elogiosamente na
"Devias logo dar o meu dinheiro aos
banqueiros e, vindo eu, teria recebido
certamente com juro o que era meu."
São Mateus, XXV, versículo 27
Bíblia, conforme a epigrafe reproduzida acima.
Paradoxalmente, a primeira rede bancária
de ámbito internacional esteve ligada à expansão
do cristianismo. Em 1119, foi criada a Ordem dos
Cavaleiros lémplários, de cunho religioso e militar.
Seu obietivo era proteger os cristãos que se dirigiam
a Jerusalém dos ataques de muçulmanos e salteadores
de estradas. Com o passar dos anos, os templários
passaram a se dedicar também aos negócios. Em seus
cofres iaziam enormes quantidades de ouro e outros
bens, frutos de doações, heranças e penhores. Os
templários fundaram uma espécie de banco mundial,
com postos em diversas nações.
Já as caixas económicas começaram a surgir
mais efetivamente a partir da França, em 1611,
quando Hugo Delcstre publicou o ensaio chamado
Plano de unia Caixa em que Qualquer Servidor
e Toda Pessoa Sala nada l'oderd Depositar Seu
Dinheiro, para que lhe Seja Devolvido Quando
dele Necessite. Os historiadores divergem sobre
qrial teria sido a primeira caixa a seguir padrão
senelhante ao das atuais: se uma daquelas que
surgirain na Alemanha - cm Brunswick, em 1765,
e em 1 lamburgo, em 1778 -, ou se o Banco dc
Caridade, criado pelo reverendo Joseph Smith,
em Tottenham, na Inglaterra, em 1798, cujos
aspectos jurídicos e administrativos de fato eram
similares aos das frituras caixas económicas.
190 POUI'ANÇA

Em 1787, surgiu em Berna, na Suíça, a

o
Caixa dos Criados, destinada à poupança das
classes mais baixas, formadas por empregados
domésticos, que não teriam acesso a outro tipo
de instituição financeira. Em 1816, as caixas
romperam as fronteiras da Europa e chegaram à
América. Os Estados Unidos foram os pioneiros no
continente. Sete anos depois, a Argentina também
aderiu a essa forma de instituição, mediante
um decreto emitido cm 5 de março de 1823.
Os europeus saíram na frente porque
sempre tiveram especial preocupação com
a poupança. Para eles, os "tempos difíceis'
ocorriam com invulgar frequência. Invernos
-
rigorosos, guerras e pestes tornavam vital guardar
• dinheiro. Na inexistência de bancos, tudo que
conseguiam cconomi2-jr era colocado dentro de iJxA EONÕ MICA
uma meia. De tal costume surgiu a expressão
"fazer um pé-de-meia", em uso até hoje.

CIDERNETA
No Bi s,il i história das caixas coiliecou A I.ei dos Entraves, de agosto de 1860,
AtXA ECONOMICA . a ser escriti em 31 de julho de 1831 com gerou o embrião da Caixa Econômica e Monte

CIPITL 00 WPIRIO no nsu
GIRANTIDÁ
PELO GOVL'1IiO ISIPEIII,tL.
fund seio da pi imeir 5 e UXI por Jose blorindo
de Fiqueiredo Rocha. De cunho particular
e sediada no Rio de Janeiro, a instituição
sobreviveu por 28 anos, depois dos quais foi à
falência, lesando inÚmeros depositantes. Ainda
no período anterior à década de 1860, outras
caixas particulares criadas em Alagoas e Minas
também fracassaram. Mais um passo importante
foi dado em 1849, quando o Decreto n" 575
de Socorro da Corte, concedendo ao governo
imperial o virtual monopólio sobre esse tipo
de instituição. De acordo com seu fundador, o
imperador D. Pedro II, a Caixa nascia para ser
"o banco dos pobres". Sua função primordial era
incentivar o hábito da poupança em um povo tido
como imprevidente. Sendo ou não negligentes
com seus parcos salários, o fato é que os brasileiros
transfrniarain a Caixa Econômica em L1IT1

instituiu regras básicas para o funcionamento longevo caso de sucesso: ao completar 150 anos,
A CADERNETA DA CORTE
dos estabelecimentos de poupança. Nos anos a instituição conta com 40 milhões de contas-
Poupança aberta no Rio de Janeiro, nos primeiros
anos de funcionamento da Caixa Econômica. seguintes, ainda pelas mãos de empreendedores poupança ativas e a cada mês 340 mil novas contas
Museu da Caixa, Brasília

- - privados, surgiram as caixas de Ouro Preto, em São abertas em média. Apenas nos primeiros nove
ACIMA. A DIREITA - MA O QUE POUPA
Ë MÃO QUE NÃO PEDE Minas Gerais, em 1838; de Valença, na Bahia, meses de 2010, foram mais de três milhões de
Cartaz publicitário lançado na década de 1940
pela Caixa Econômica do Rio de Janeiro. em 1$52; da capital da provincia de Santa novas poupanças. Atualmente, um em cada dez
Museu da Caixa, Brasília
Cata ri na, em 1 854; de Santos, em São l'a ulo, em brasileiros "apalpa" seus rendimentos - seguindo
P. 188 —O LEGADO DO BRUXO
1857; de Campos, no Rio de Janeiro, também exemplo dado há mais de um século pelo maior
Montagem fotográfico com a reprodução
do testamento de Machado de Assjs. em 1857; e de Salvador, na Bahia, em 1860. escritor da história do país, Machado de Assis.

Um conto perdido e três poupados
ara quem gosta de garimpar paradoxos,
p Machado de Assis é terreno fértil. Menino
pobre, nascido no Morro do Livramento, no
Rio, numa situação social cicie nada prometia
a não ser uma vicia de privações, ele galgou
todos os degraus necessários da ascensão social
Arrumou um emprego público - por méritos
próprios. Nunca ganhou muito, mas sempre
"afagou" seus rendimentos, depositando-
os com fervor numa poupança da Caixa
Económica. Terminou por adquirir confortável
situação financeira (sem nunca ter sujado as
mãos em negócio escuso), vindo a falecer em
excepcional condição social: nada menos que
4&T
i IL.
)-y'r Jep trrAt, )
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125.1
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1
Z44tI?
CAIXA:150\Nus
o mais importante dos escritores de sua época,
consagrado com a eleição para a presidência da
Academia Brasileira de Letras. Num país que foi
escravista até quando essa opção nem sequer
era rentável, e em se tratando de um mulato,
Machado de Assis (1839-1908) não é apenas urna
exceção: é a mais clara das exceções concebíveis.
Essa existência balizada por antagonismos
refletiu-se em uma obra também condimentada
por contradições, confrontos e paradoxos. E,
embora não se possa afirmar que Machado tenha
tomado conhecimento das ideias do conselheiro
Antonio Nicolau Tolen tino ( 1810-1888), de
acordo com as quais havia evidente "anti nomia'
c-'
• r- (gte / &77
I)E LNl\ IIISTÚItL\ I3RA$[1.E]R,\ 191
entre a segurança da poupança e o risco inerente
às loterias, o fato é que o maior escritor brasileiro
e o brilhante burocrata do Segundo Reinado
foram contemporâneos - e possivelmente sabiam
da existência um do outro. De todo modo,
conhecendo ou não a posição defendida por
Tolentino, Machado não deixou de perceber que
a tensão entre a solidez da poupança e a evasiva
miragem lotérica se apresentava como tema
para um amante dos extremos. Tanto é que, em
1886, escreveu um belo conto sobre o assunto.
Intitulado Terpsícore, tal conto ficou perdido
por quase cem anos, como mostra o texto de
Luís Augusto Fischer.
IRES CONTOS POUPADOS
Reprodução do tesramento de Machado de Assis.
PbIiado pdo JI da Cix, ediçao n' 1, jriro de 197,
192 POUPANÇA
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu
na cidade do Rio de Janeiro, em 1839, filho de uni
mulato pintor de paredes e de uma portuguesa
açoriana "do lar': os três vivendo sob a proteção de
uma família proprietária. Estudou pouco em escola..s
formais, fitas aprendeu o suficiente para continuar
vivendo e aprendendo, o que incluiu o português,
algum latim e o francês (mais adiante dominará o
inglês também). Segundo alguns de seus biógrafos,
teria sido sacristão - o que em seu tempo era, mais
que prova de fé, um emprego para gente humilde. O
certo é que já na adolescência começou a publicar,
primeiro poemas (e que letrado não queria ser poeta
em 1850?), depois crítica literária e teatral.
Em toda a sua obra inicial se percebe
já o metódico de sua atuação: Machado dá
sempre a impressão de compensar com denodo e
organização o arbitrário da vida, de sua vida muito
part icularmente, porque para driblar o destino
reservado a um sujeito como ele era necessário
muito talento e muito método. Antes dos 18 anos
já está trabalhando no serviço público, primeiro na
então Tipografia Nocional (seu primeiro chefe foi
ninguém menos que o romancista Mau uel Antônio
de Almeida, o autor (Ias saborosas Memórias de um
Sargento de Milícias, espécie de crônica da vida real
do Rio de Janeiro popular). Depois vamos encontrá-
lo, ainda mietido nos misteres letrados, atuando como
revisor de editora e de jornal.
Não é de estranhar que o jovem Joaquim
Maria viva nas duas poutas do processo intelectual,
como funcionário técnico e como autor. Nem
poderia ser diferente, em seu caso social, quase
oposto ao de José de Alencar, nascido em família
proprietária no Ceará, filho de um sujeito que
desfrutava da intimidade do poder, e que por isso
mesmo podia ser apenas escritor. Nosso suburbano
mulato nem poderia pensar em folgas. Aliás, é
fama que quase nunca tirava férias. O período
mais longo de repouso aconteceu por força de
doença: na altura de seus 40 anos, manifestou-
se dii ramente a epilepsia, e Machado teve medo
da morte, quem sabe pela primeira vez.
Nessa época já estava casado com Carolina
Xavier de Novais, que seria sua companhia até o
fim da vida (ela morreu em 1904, o escritor, quatro
anos depois). Foi a ela que ditou os primeiros
capítulos da obra que marcaria uma decisiva
e irreversível reviravolta em sua escritura: as
Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicadas
em 1881. Não seria acaso, assim, a radicalidade
com que Machado forçou os limites da forma
narrativa que até então praticara, para dar
lugar a uma estratégia de grande inventividadc
e incrível força crítica: um morto, Brás Cubos,
resolve contar coisas sobre sua vida; como está
morto, não precisa preservar nada nem ninguém.
Em 1869, mesmo a no em que conheceu
Carolina, entrou mais uma vez, e agora para sempre,
no serviço público, ainda no mundo do jornalismo, O MESTRE DOS PARADOXOS
no Diário Oficial. Algum tempo depois, o que o Estátua de bronze de Machado de Assis, erguida
em frente à Academia Brasileira de Letras, no Rio.
aguarda é a bm.,rocracia mesn ia, não mais nas tarefas
,-elativamente amenas do inundo letrado: ingressa no
Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas
em 1880, na posição de primeiro oficial, galgando Quase não dá para imaginar uma conciliação
todos os degraus até culminar sua vida funcional na entre essa serena e metódica figura com O Criativo
condição de direto r-geral de contabilidade. e ousado escritor, que sacudiu a serenidade do
E, assim como não tira férias largas, não para romance de amor clii Dom Casmurro (1900), ao
de trabalhar, não se aposenta. No ano de 1908, inscrever mias entrelinhas o vírus letal da dúvida.
que ma,-cará a edição de seu último e magnífico De toda forma, Machado foi um elegante. De tudo
romance, Memorial de Aires, poucos meses antes de que dele se sabe, nunca recorreu a expedientes
sua própria morte, Machado licencia-se para tratar escusos para encontrar lugar na sociedade ou na
da saúde, que já andava precária. Tinha 69 anos, literatura de seu país. Não teve padrinhos a quem
111110 imensa obra e uma carreira exemplo rmen te tecorresse para encobrir falhas no trabalho ou para
convencional na burocracia do serviço público. subir posições; não praticou as mesquinharias tão
Tinha também 3 Contos e 79.663 réis depositados comuns no mundo artístico como plataforma pai-a
na caderneta número 14.304 (2" série) da Caixa firmnar-se na opinião pública. Disso há eloquentes
Econômica - poupança que e/e abrira 34 anos antes, depoimentos, a começar por sua própria obra:
em 1875, q na tido morava na rua da Lapa, e na qu.ial quando se lê a obra crítica do jovem Joaquim Maria,
jan ais deixara de depositar. toda cheia de ímpetos iluministas, toda a favor do

esclarecimento das gentes, toda pensada em apoio
aos jovens e ousados, se está diante de um sujeito
íntegro, que não transigiu em seus princípios.
Naturalmente, ele foi mudando ao longo do
tempo. Dá a impressão de que foi afinando seus
instrumentos de análise da sociedade brasileira, o
que lhe permite partir de unia visão relativamente
ingênua (em textos de 1859, início da publicação
sistemática de seus artigos, lê-se um ataque quase
desmedido contra os funcionários públicos velhos
e reacionários, como se.fossem eles intransponível
entrave ao desenvolvimento do país!) e atingir urna
condição superiorniente irônica, ao mesmo tempo
crítica, cética e radicalmente humana.
É na década de 1880 que sua obra atinge
a maturidade. Pa ra ficar em apenas um aspecto
bem a propósito, o tema dos testamentos, das
heranças , veja-se que já em 1881 vem à luza
forma revista das Memórias Póstumas de Brás
Cubas, romance de alta inventividade em que se
inscrevem pelo menos duas trajetórias exemplares
a respeito do tema. Uma é a do próprio Brás, o
protagonista, o "defunto autor" que rejeitava ser
visto como "autor defunto' bem outra coisa.
Ficamos sabendo que este narrador viveu
à larga, sem nunca trabalhar - "Coube-me
a boa fortuna de não comprar o pão com o
suor do meu rosto': diz ele mesmo -, vivendo
do bom e do melhor, usufruindo da condição
social elevada em que nascera. E vivendo sem
sequer criar família. No proverbialmente famoso
último capítulo, ao promover um balanço de sua
parasitária existência, porá o seguinte arremate
às memórias: "Ao chegar a este outro lado do
mistério, achei-me com uni pequeno saldo,
que é a derradeira negativa destes capítulos de
negativas: - Não tive filhos, não transmiti a
nenhuma criatura o legado da nossa n1iséria'
É de contabilidade que se compõe, assim,
esta enviesada mas efetiva interpretação das elites
CAIXA:15O\N(
nacionais, representadas na pessoa de Brás. Co um
ele contracena wna figura ao início apenas curiosa,
depois um tanto cômica, a seguir assustadora e
finalmente superior: um certo Joaquim Borba dos
Santos, que na escola que compartilhou com o
menino Brás já era conhecido como Quincas, que
desaparece da vida do memorialista até a idade
adulta, quando então reaparece como mendigo
metido a filósofo, depois como o sujeito que
lhe roubou um relógio e, finalmente, como um
afortunado herdeiro de alguns contos de réis, obtidos
de parentes obscuros no interior de Minas Gerais.
Quincas voltará como semiprotagonista do
romance que leva seu nome. O herdeiro Quincas lá
está, dispondo dos favores que só o dinheiro oferece
- especialmente o dinheiro que vem do Acaso, este
outro nome da Vida -, irias ocupa apenas a parte
inicial do romance. Ele logo morrerá e, girando
a roda da Fortuna, legará imenso patrimônio
ao quase estúpido Rubião, um interiorano sem
maldade e, portanto, uma presa fácil para os
espertalhões de seu tempo, e de todos os tempos.
Não é preciso fazer milita força para perceber
que nas dobras desse enredo está cifrado um
terrível comentário sobre os azares do destino,
muito especialmente para aqueles que dele
dependem, naturalmente. Não era este o caso
do cidadão Joaquim Maria, que como vimos
fez tudo o que estava a seu alcance para obter
condições de fugir àqueles azares. Trabalhou,
poupou, fez sua obra e seu nome; morreu
praticamente trabalhando, previdentemente,
metodicamente. E, se não teve filhos, ao menos
deixou legados - entre eles aquele que lograra
amealhar em um pé-de-meia confiado à Caixa.
Seu principal biógrafo, Raimundo Magalhães
Júnior, aponta mesmo uma história que depõe
eloquentemente sobre o tema da previdência, do
método e da herança. Diz ele que, nos últimos meses
de vida, Machado confidenciou ao amigo Bernardo
)F liISrRL\ BRA',11-EIRA 193
de Oliveira o desejo de casar "em branco" com moça
pobre da vizinhança, que havia sido exemplar no
trato de sua falecida Carolina e que, por isso, havia
conquistado a gratidão eterna do viúvo. A ideia era
casar com ela no papel, apenas, como forma defazê-
la herdeira dos benefícios do montepio para o qual
contribuía compulsoriamente no ministério e que só
passava por herança para esposa ou filhos.
Tudo somado, só pode chamar a atenção de
seus leitores um conto como Terpsícore. Trata-se de
um texto que até pouco tempo atrás estava esquecido,
porque só havia sido publicado em jornal (a 25 de
março de 1886) e jamais recolhido em livro. Em 1991,
sumido havia mais de um século, Terpsícore veio à
tona, mais uma vez em jornal, e finalmente ganhou o
estatuto mais duradouro do livro em 1996.
Invocando a musa grega da dança já no
título, o conto naturalmente faz esperar alguma
espécie de bailado; e não nos engana. A boa Glória
e o carpinteiro Porfírio de fato se conheceram
quando ela não apenas dançava, mas encantava
a todos com sua destreza; ele tanto a quis que
aprendeu a dançar em um curso, até criar coragem
e ganhar desembaraço para convidá-la a rodopiar
pelo salão e, depois, compartilhar a dança mais
prosaica da vida. Ambos trabalhadores e corretos,
ostentam um traço relativamente inusitado para
a ficção mnachadiana e, talvez, para a realidade
carioca e brasileira que o conto enfoca: são felizes.
Suburbanos, apenas remediados, mas felizes.
Não sempre, é claro. Tanto que a abertura
do conto vai jiagrá-los em momnento crítico: a
casa que alugaram custa muito, Glória mesmo
já havia advertido seu marido sobre isso, mas ele
não se conformava com menos - a chava que ela
e ele mereciam casa que fosse mais do que apenas
decente. Queria a beleza, o pm'azer da beleza, e
por isso mnesmno havia casado com certo fausto,
considerados os padrões de gente de sua condição
social. Mas os prazos apertam, eles não têm
194 POUPANÇA
MACHADO E OS CRUZADOS
Anverso da nota de mil cruzados, emitida
em 1987 e que circulou até 1990.
Museu de Valores do Banco Central do Brasil
muitos recursos, um padrinho rejeita um novo
empréstimo, estão em vias de sair despejados.
Tudo, assim, vai ganhando contornos tristes e
mesmo dramáticos, porque não parece haver saída
a não ser a admissão do fracasso, a submissão do
casal ao destino habitual dos pobres, a resignação à
carência (e à falta de beleza). No momento crucial
da história, vamos encontrar Porfírio com uns
trocados no bolso; com eles podia comprar coisas,
mas também podia "A esperança é a apólice do
pobre' diz o narrador, entre irônico e compassivo -
comprar bilhetes de loteria que se ofereceram à vista
quando andava procurando casa mais modesta.
Comprou-os, mas silenciou em casa. Queria,
talvez, poupar a amada esposa do quase certo
desgosto que decorreria de não ser sorteado. Mas
não abandonou o gosto pela vida bonita, pelo quase
luxo que queria oferecer à mulher; tanto assim que,
chegando à casa, pergunta a ela o que lhe daria
caso ele trouxesse de presente um vestido de seda.
Ela rejeitou até pensar sobre isso; mas ele insistia
B 17810686
e perguntava se por acaso os pobres não tinham o
direito à seda, ainda mais com um corpo tão lindo
como o dela. Tão lindo que ele a tomou nos braços, e
os dois dançaram como sempre haviam feito.
Contrariando o que seria esperável em um
escritor de corte crítico - e em um homem tão
metódico e realista -, a musa Terpsícore baila
a favor do casal. E os bilhetes saem premiados!
Quinhentos mil-réis significavam um belo
dinheiro, naturalmente; liquidariam as dívidas,
e 200 mil sobrariam ainda. Glória, como que
dizendo as palavras que a voz medianamente
burguesa diria naquela hora, sugere que os 200
mil-réis sejam depositados na Caixa Econômica.
Não quer o vestido de seda, não quer nada. Mas
o marido insiste, lembra que ela nunca tinha
tido um vestido feito por modista; ela tenta
endurecer na defesa da racionalidade burguesa,
quer convencer o bom e trabalhador marido
a poupar - como fazia o cidadão Joaquim
Maria Machado de Assis, autor da trama.
Mas nada adianta. Porfírio não se contenta
nem mesmo com a hipótese de um passeio, espécie
de compensação que ela imagina para a poupança:
"Se passear bastasse, cachorro não morria de
lepra' ele diz. E se prepara para o que considera
a comemoração digna daqueles 200 mil: uma
festa, uma imensa e inesquecível festa, que ele
planeja com rigor, minuciosamente, já contando
com o apoio entusiasmado da querida esposa.
E se divertem os dois, e se diverte a família, e
também a vizinhança. Glória dança com todo
encanto, e naturalmente com vestido de seda.
Se não fosse tão trivial tornar a obra como
um reflexo imediato da biografia, seria irresistível
afirmar que Machado compensou em Terpsícore a
dureza da vida, fazendo seu Porfírio viver à larga,
ainda que por breves momentos. Naturalmente não
é tão simples assim, muito menos em um autor
sofisticado como o inigualável Machado de Assis.
De todo modo, para um homem que não
teve filhos, como ele, que calhou de ser um
escritor que muitas vezes fez seus personagens
padecerem a carência de descendentes - quem pode
esquecer o mencionado desfecho das Memórias
Póstumds? Quem pode esquecer os dilemas de
Bento Santiago, o casmurro memorialista que
teve e não teve filho?—, é impossível deixar
de ver algum cruzamento entre a metódica
paciência do trabalhador e econômico Machado,
que lega seus três contos poupados à menina
Laura, em um testamento redigido com letra
firme e miúda, e a também metódica preparação
do trabalhador e não poupador Porfírio, que
resolve viver breve mas intensamente daquele
dinheiro oferecido pelo Acaso. Cruzamento
negativo, é certo; mas não era ele mesmo o
mestre das negações e dos paradoxos, o autor que
os contemporâneos chamavam de "Bruxo"?
Luís Augusto Fischer

A Caixa e os imortais
E xisteuma antiga e estreita relação entre a
Caixa Econômica e os imortais da Academia
Brasileira de Letras. Fundada pelo grande Machado
de Assis em 1896 (21 anos depois de ele ter aberto
sua caderneta de poupança na Caixa), a ABL se
constitui, há mais de um século, no maior sonho de
qualquer escritor brasileiro: a eleição para uma de
suas 40 cobiçadas cadeiras assegura a consagração
definitiva. Os vínculos entre a Caixa e a ABL não
se limitam, porém, ao fato de a instituição ter sido
criada e presidida por um tiel poupador: é preciso
lembrar ainda que o redator dos estatutos originais
da Academia, o escritor Inglês de Souza, foi não
apenas seu primeiro tesoureiro, mas também
presidente da Caixa Econômica do Rio de Janeiro.
Mas foi na década de 1970 que a ligação
entre a Caixa e a ABL se tornou ainda mais sólida,
graças ao papel desempenhado por Austregésilo de
Athayde. Nascido Belarmino Maria Austregésilo
Augusto de Ataide em Caruaru, Pernambuco,
a 25 de setembro de 1898, o homem que presidiria
a ABI. por 35 anos se mudou para o Rio em 1918.
Em 1924, conheceu aquele que seria seu patrão
por quatro décadas•. o polêmico magnata das
comunicações Assis Cbateauhriand. Tornando-
se o homem de confiança de Chatô, Austregésilo
foi alçado ao cargo de diretor de O Jornal,
embrião dos poderosos Diários Associados. Em
1948, como delegado do Brasil na 3d Assembleia
Geral da ONU, realizada em Paris, redigiu a
Declaração Universal dos Direitos do Homem,
que lhe assegurou projeção internacional.
Mas a biografia de Austregésilo de Athayde
é marcada, sobretudo, por sua atuação à frente
da ABL, da qual assumiu a presidência em 1959.
Em 1975, aos 77 anos de idade, Austregésilo
revelou, em entrevista ao Jornal da Caixa,
CAIXA: 150 ANOS DL UMA HISTÓRIA BRASIlEIRA 195
A
como seu bom trãnsito junto ao regime militar
tornara possível o sonho de erguer a nova
sede da Academia: "A doação do terreno onde
antigamente funcionava o Tribunal Federal de
Recursos, à época da capital federal no Rio de
Janeiro, foi feita pelo então presidente Castelo
Branco, em 1967. O presidente Médici ampliou os
poderes e os direitos da Academia sobre o terreno
recebido em doação com cláusulas especiais. Agora,
com o beneplácito do presidente Ernesto Geisel,
conseguimos o empréstimo da Caixa Econômica'
A operação triangular deu-se da seguinte
forma: a Caixa concedeu financiamento de 198
milhões de cruzeiros à empreiteira Ecisa para a
construção de um centro cultural e comercial
na avenida l'residente Wilson, 231, no Rio. O ACIMA - CENTRO COMERCIAL DA ABL
centro comercial, de 30 andares, seria arrendado Prédio construído com financiamento da Caixa.
à incorporadora durante 20 anos, ao fim dos ABAIXO - CENÁRIO DO CHÁ DAS CINCO
O Petit Trianon, sede da ABL e local onde os acadêmicos
quais a ABL receberia os prédios em definitivo. se reií nem iodas as quintas-feiras.
Austregésilo tinha uma versão bem-humorada
para a liberação do dinheiro. "Se não me derem
empréstimo, tiro todos os meus contos daqui
e quebro a Caixa", disse ele ao gerente.
Talvez a poupança do escritor não fosse tão
volumosa a ponto de fiilir a instituição, mas sem
dúvida era digna de respeito. Tratava-se, afinal, da
mais antiga conta ainda em movimentação. Sob o
número 84.3.9877, fora aberta com a quantia de
dez mil-réis em 10 de setembro de 1918, dois meses
depois de ele ter desembarcado no Rio, e nunca
deixara de ser abastecida. Por ocasião da entrevista,
com quase 80 anos, Austregésilo continuava
apostando na poupança. "Quando cheguei ao Rio,
minha avó aconselhou: 'Não gaste o seu dinheiro,
meu filho. Bote na Caixa Econômica E eu obedeci."
Tornou-se, assim, um cliente tão devotado quanto o
próprio Machado de Assis. A
196 POUPANÇA
O MAIS FIEL DOS POUPADORES
Austregésilo de Athayde, dono da caderneta de
poupança que se manteve ativa por quase oito
décadas efoi a mais longevo da história da Caixa.
Foto AIB
A crônica da indignação
R arosaspectos podem ser mais reveladores
da espoliação a que os brasileiros foram
submetidos com a implantação do Plano Colior,
em 16 de março de 1990, do que o confisco da
mais antiga caderneta ativa da Caixa Econômica
Federal. Como tal caderneta pertencia a um
literato, a indignação popular ganhou voz
na contundente crônica que Austregésilo de
Athayde fez publicar no Correio Braziliense, em
20 de março de 1990. Muito propriamente, ele
fez citando o poupador Machado de Assis.
"Como no D. Casmurro depois do afogamento,
a confusão era geral. Homens e mulheres em lágrimas,
e em murmurações de desespero, comuns nas horas
aziagas. Depois tudo foi serenando, à medida que
homem se acostuma com a desgraça e o tempo
fez esquecer. Estamos num tempo de crise. Crise à
brasileira, bem diferente das crises que afetam outros
povos vizin lios e em outras regiões do inundo. Uma
crise brasileira define-se principalmente pela sua
teniporalidade. Como as tempestades de fogo no céu,
raios e coriscos, chuvas e ventanias, a princípio parece
que leva tudo raso. Mt.is passa o sibilante vento, e aquele
toque de acomodação, que é também o toqiie da lídima
brasilidade, vai amainando as almas em desespero
e de siíbito, por força de uma magia autóctone e
específica de que sonsos donos exclusivos na fáce
deste planeta, o dito fica como o não dito, e o 'deixa
pra lá' alivia o peso dos ombros. E o Brasil continua
impávido, crescendo, projetando-se, abrindo caminhos
para ser, o que nenhuma força humana impedirá,
uma das gra rides potências do século vindouro.
"A especulosidade é o pábulo dos governos que
começam, mas logo os atores cansam e eles próprios
recaem rios vícios antigos, como aconteceu depois do
dilúvio que um deus vingativo desencadeou, salvando
apenas Noé e sua família, além de um representante
de cada animal da Terra. Que imensa arca, quando
se pensa nos sáurios rnastodônticos. Dizem as
sagradas escrituras que o castigo não afastou o
homem de seus vícios. E iodos os crimes volta ram,
por ser isso da natureza humana, de errar sempre,
e mais grave ainda de persistir diabolicamente no
erro. Amanhã é outro dia, acabadas as noturnas
sombras, que no Brasil ninguém é de aço, mas
sim feito de barro da terra, desde que Deus
infundiu na narina de Adão o fôlego da vida.
Quanto ao confisco, ao calote, à intemperança
nas objurgatórias contra aqueles cujo delito foi
acreditar na palavra dos poderosos, juntando
penosamente as suas economias, e são chamados
brutalmente a pagar a conta, esperam a nova
onda de marajás, uma estirpe jamais em extinção
e sempre vigorosa nos quatro cantos do planeta.
"Sou o mais antigo depositante da Caixa
Econômica. Com unia conta aberta a 10 de
setembro de 1918, quando conheci o meu mestre
de jornalismo, por tantos títulos benemérito do
Brasil, Lindolfo Col/or, com quem comecei a vida de
jornalista. Arnon de Mel/o, quase menino, ingressou
na grei 'associada' e muito aprendeu conosco, Assis
Chatea ubriand e eu, as duras tra mas da vida. A
minha primeira carteira da Caixa faz hoje parte
do museu da instituição. Tudo quanto ali depositei
em 72 anos foi fruto do trabalho e da cautela, que é
preciso ter à mão uma reservo para as emergências
inesperadas e insídias do inundo. Vítima do confisco,
depois de ter sido o principal coautor da Declaração
Universal dos Direitos Humanos ejá adiantado na
década que leva ao centenário, vou lutar sem trégua
pelo meu direito, pois a Lei não socorre aos que
dormem. E quanto a dormir, nem pensar."
Austregésilo de Athayde

A Caixa das mulheres e das crianças
E
mbora a Caixa Económica Federal tenha
nascido para ser o "banco dos pobres" - ou,
nas palavras do visconde do Rio Branco, o "cofre
seguro das classes menos favorecidas" -, o fato é
que, desde o primeiro dia, recebeu muitos depósitos
feitos em nome de mulheres e crianças. Embora
., nada
as quantias creditadas não tenham sido altas
permite afirmar que tais crianças e mulheres - cujas
cadernetas foram abertas por seus pais, maridos ou
avós - integrassem as "classes menos favorecidas".
As listas dos primeiros depositantes da
história das Caixas do Rio de Janeiro, de São Paulo,
do Rio Grande do Sul e da Bahia fornecem dados
reveladores. Entre os 50 clientes iniciais da Caixa da
Corte, contam-se cinco mulheres e cinco crianças.
Em Porto Alegre, dos 20 primeiros depositantes da
Caixa, oito eram crianças e cinco, mulheres. O caso
mais tocante é o da "liberta" Josefa, de nove anos,
"filha da crioula Margarida, escrava de José Antonio
Coelho Jr.". Na Bahia, o primeiro depositante
favoreceu seus dois filhos, e, no Paraná, oito
mulheres e duas crianças ganharam suas cadernetas
no dia em que a instituição abriu as portas.
No dia 10 de setembro de 1875, tão logo a
Caixa de São Paulo começou a funcionar, a primeira
operação registrada foi um depósito de cinco mil-
réis (5$000) feito em nome de Florisbela Maria de
Araújo Rodrigues, moradora da rua Direita. Embora
a Direita ficasse junto ao Pátio do Colégio - onde
a Caixa estava instalada -, Florisbela não foi até lá:
não era de bom-tom que mulheres saíssem de casa.
Mas a primeira cliente manteve-se fiel à instituição
por vários anos. 1'anto que, tempos depois, o
Conselho da Caixa mandou fazer um retrato dela.
A livre circulação não era o único obstáculo
que -as brasileiras enfrentavam no século 19.
As normas da Caixa refletiam as tendências
CAIXA: 150 ANOs DE UMA HISTÕRIA BRASILEIRA 197
restritivas. O artigo 9° do Decreto n° 2.723, de
12 de Janeiro de 1861 (que criou a instituição),
estabelecia que não seriam "admitidos como
depositantes e abonadores os menores, escravos
e mais individuos que não tiverem a livre
administração de sua pessoa e bens". Ora, o
Código Civil em vigência raramente concedia as
mulheres casadas "a livre administração de seus
bens", o que significa dizer que boa parte das
clientes da Caixa só podia abrir e movimentar
suas poupanças com o prévio consentimento de
seus maridos. Mas o que já era ruim ficaria pior.
No dia 16 de agosto de 1878, o ministro
da Fazenda, Gaspar Silveira Martins, decidiu
que "as mulheres casadas e os menores não
podem, como pessoas incapazes, nos termos da
ACIMA - A VELHA SENI-JORA
Ordenação, livro 3", artigo 47, efetuar depósitos Óleo retratando Florisbela Maria de Araújo Rodrigues,
primeira cliente da Caixa Econômica de São Paulo.
e menos ainda levantá-los". Tal estado de coisas Museti da C,,ixa. São Paulo
se manteria virtualmente inalterado durante
ABAIXO - A PRIMEIRA POUPANÇA DE SÃO PAULO
restante do período imperial e ao longo Caderneta inaugural da Caixa paulista, aberta em
nome de Florisbela Maria de Araújo Rodrigues.
das primeiras décadas republicanas - houve Museu da Caixa, São Paulo
modificações favoráveis apenas às crianças.
Somente o Regulamento de 1915, redigido
na gestão de Inglês de Souza e assinado pelo
ministro João Pandiá Calógeras, modificaria
Status das mulheres junto à Caixa, e ainda
assim com moderação. O artigo 9° do Decreto
7 1
..
n" 11.820 tratava da "caderneta da mulher
casada' estabelecendo que "a mulher casada,
sob qualquer regime, pode livremente instituir
Idade --------
e retirar depósito em seu nome, salvo expressa
oposição, por escrito, do marido, o qual não poderá
d .4C- .. -.. .-z-_..._........ ....
retirar tais depósitos sem prévia autorização ou
leu e escnotz -
suprimento judicial".
O início da Era Vargas e o Regulamento
de 1934 trouxeram renovações - mas as amarras
ainda se mantiveram. Eis as novas determinações,
198 POUPANÇA
comentadas por De Plácido e Silva: "Permitindo-
se que as mulheres casadas façam depósitos em
seu nome, claro está que estes depósitos serão por
elas movimentados sem intervenção marital. No
entanto, se houver oposição dos maridos na abertura
de depósitos dessa natureza, serão os existentes
encerrados e anotados em nome do marido, e
somente eles os poderão movimentar. Nos depósitos
da mulher casada feitos sem oposição do marido,
este somente poderá participar do movimento do
5 depósito com autorização expressa da mulher.
( ... ) No entanto, quando as mulheres casadas
forem comerciantes, e como por exigência legal
para exercício da profissão já estejam devidamente
autorizadas por seus maridos, os depósitos que
instituírem serão, em virtude da qualidade que
1/les é atribuído, movimentados livremente por
elas sem qualquer intervenção do mnarido'
As restrições impostas às mulheres não podem
NO ALTO - DESCERRANDO A FITA sei- atribuidas a preconceitos da Caixa Econômica
Criança inaugura agência da Caixa nos anos de 1960. - elas tão-somente eram um reflexo do Código
Museu da Caixa. Brasília
Civil. 'Ihnto que a empresa foi uma das primeiras
ACIMA - NOVO HAMBURGO, 1940
Avô observa criança abrindo urna caderneta de poupança. a contratar mulheres, embora a prática tenha se
Reprodt,çdo da livro A Caixa Ecoxô,,,ica dc, Rio Grande do .5,,! e,,, se,, J,,l,ile,, dc
Diurna,, te, Acervo da Caixa, Rio Grande do Sul iniciado só em pleno século 20.
Em São Paulo, as primeiras mulheres
entraram para a Caixa em setembro de 1921
Foram elas Thereza Ciccaio e Aurora Gouveia,
ambas escriturárias. Após a inauguração da
agência da Sé, que coincidiu com a realização
dos primeiros concursos públicos, o número de
mulheres empregadas pela Caixa de São Paulo
cresceu muito. Eni um daqueles concursos, foram
aprovadas mais mulheres do que homens. E a
diferença em favor das mulheres foi tão alta que
concurso seguinte foi limitado aos homens.
A ascensão das mulheres nas Caixas coincidiu
com o avanço das questões feministas em todo
Brasil. Foi em fevereiro de 1932 que Getúlío
Vargas decretou a nova lei eleitoral, estendendo
direito de voto às mulheres. Ainda em 1932, a
jornada de trabalho das mulheres foi limitada a
oito horas, sendo-lhes concedida também a licença-
maternidade por dois meses. No ano seguinte, a
paulista Carlota Pereira de Queiroz tornava-se a
primeira mulher eleita para um cargo público no
Brasil (deputada federal).
No ano em que as mulheres começaram
a firmar sua posição no mercado de trabalho
e na política brasileira, as Caixas Econômicas
voltaram sua atenção também para as crianças. Os
depósitos favorecendo menores haviam crescido
em ritmo tão acelerado desde a inauguração
da Caixa que seus dirigentes já tinham tratado
de modificar as restrições impostas por Gaspar
Silveira Martins em agosto de 1878 - e o haviam
feito já em 1879, mas só em relação às crianças.
Em 6 de maio daquele ano - apenas oito meses
depois do decreto de Silveira Martins -, o
novo ministro da Fazenda, Afonso Celso de
Assis Figueiredo, decidiu que as Caixas podiam
"receber quantias em favor de menores, não
sendo preciso a intervenção dos pais, tutores
ou do Juízo senão para o seu levantamento".
Mas seria a partir de maio de 1933 que a Caixa
Econômica do Rio de laneiro de fato detlagraria
grande campanha para promover a abertura de
cadernetas entre as crianças. A iniciativa partiu,
como tantas, de Francisco Solano da Cunha,
presidente da Caixa carioca, e de seu assessor
Jeronymo de Castilho.
Foram eles os idealizadores da "Semana
do Pé-de-Meia". A campanha, realizada de 17 a
24 de junho de 1933, foi um sucesso estrondoso.
Ao longo daqueles dias, a agência central, na
rua D. Manoel, a agência do Meyer e as filiais de
Petrópolis, Niterói e Madureira ficaram abertas
até as 19 horas, inclusive no domingo, dia 18.
Foram feitas várias promoções, entre elas a
entrega de cem "cadernetas condicionais' com
depósitos de 50 mil-réis cada. Tais cadernetas
 CAIXA: l0.\Ni DI. L,\L\ 1H DCI Iik\DI LIID\ 199

só começariam a render juros quando a soma

dos depósitos chegasse a cem mil-réis e não
poderiam ser liquidadas nem sofrer retiradas até
que seus titulares atingissem a maioridade.
Mas o ponto alto da campanha fui a
distribuição de dez mil cofrinhos no sâbado,
dia 17 de junho. Cerca de 25 mil pessoas se
aglomeraram na frente do prédio da rua D.
Manoel, interrompendo o trânsito e atraindo a
presença da polícia - numa versão festiva de uIItra
aglomerações que, poucos anos antes, tinham
ocorrido naquele mesmo local. Os cofrinhus, em
vários modelos, foram distribuídos pela Caixa
até os anos de 1960 e fazem parte da lembrança
de brasileiros que, como a instituição, cresceram
durante aquelas três movimentadas décadas
e tiveram a sorte de receber de presente uma
caderneta de poupança.

ACIMA — OS LENDÁRIOS COFRINHOS

"Mealheiros" distribuídos pela Caixa
ao longo de diferentes décadas.
Museu da Caixa, Brasília

AO LADO — DINHEIRO EU TENHO...

Propaganda da Caixa nos anos 1950, com ares norte-
:T1.HErcr; íAS
americanos, buscava atingir o publico infantil.
Museu da Caixa, Brasília
OUkRDADO NA CAIXA
200 POUPANÇA
Lições de economia para os perdulários
E mbora a Caixa só tenha começado a
investir mais intensamente em publicidade
e propaganda a partir da década de 1950, isso
MOQUEWKOP€DE não significa que a instituição tenha deixado de
e4 divulgar sua marca e seus produtos (especialmente
DEPOSITE sUAs LCONOMIAS
as cadernetas de poupança) ao longo dos primeiros
ONoiC
04 T't'LO coVLRfl°
90 anos de atividade. De Certo modo, talvez fosse
exatamente isso que D. Pedro II tivesse em mente
quando, de acordo com certos comentaristas,
chcgou a propor que as moedas do Império fossem
Mão qu:e:nonila cunhadas com a inscrição "Vintém poupado,
vintém ganho' Segundo Jeronymo de Castilho, caso
projeto tivesse vingado, toda vez que "puxassem
a moeda do bolso para esbanjó-la' os súditos
do imperador deparariam com "uma lição de
economia, feita para educar os mais perdulários'
Desde sua fundação, a Caixa Econômica
loi considerada fundamental para "moralizar
os hábitos e regenerar o caráter" supostamente
MÃO QUE ECONOMIZA E MAO QUE NÃO PEDE
esbanjador dos brasileiros. Embora estivesse
Anúncios da Caixa veicu1dos em 1956. disposta a vender uni produto - a caderneta
Museu da Caixa, Brasília
de poupança a Caixa centrou suas
campanhas em siogans cujo foco era sempre
mesmo: ressaltar a virtude da moderação,
inerente ao saudável hábito de poupar.
O mais famoso desses siogans talvez tenha
sido aquele lançado pela Caixa de São Paulo
durante a gestão de Samuel Ribeiro, na década de
1940: "De cruzeiro em cruzeiro, se faz o milheiro"
Mas os ditados já vinham desde o Império, conio
"Se queres servir à liação, vai poupando o teu
tostão". A proclamação da República não alterou
tom doutrinário dos slogans, entre OS quais
ficaram conhecidos: "Terás sempre o preciso, se
poupares com juízo" e "Mão que poupa e mão
que não pede". Dois outros lemas amplamente
divulgados na época sugeriam que poupança era
uni hábito que deveria iniciar-se na infância: "Se
queres uma bela velhice, aprende a poupar na
meninice" e "Se queres ser útil ao povo, aprende
a poupar desde novo". Mas o ciclo se fechava
com uma sugestão de deleite (neste caso, um
tanto incoerente): "A poupança leva à gastança".
Da abertura de suas portas, em janeiro
de 1861, a dezembro de 1912, a Caixa do Rio
realizou quase quatro milhões de operações
(foram exatamente 3.910.419), movimentando
uni total de 672.028 contos e 981.730 réis
(672.028:981S730). As cadernetas de poupança
pagarani 58.791 contos e 874.509 réis (58.791:
874S509) de juros aos depositantes.
Quase meio século depois, em 1955,
mulheres e crianças continuavam sendo os
principais clientes das cadernetas. No balanço
fiscal daquele alio, apenas na Caixa de São
Paulo, dentre as mais de cem mil novas contas,
28.184 eram de menores e 14.532, de "prendas
domésticas' Eni 31 de dezembro de 1955, havia
mais de uni niillião de cadernetas em São Paulo
(1.040.443, para ser exato), o que significa dizer
ceie uni em cada nove habitantes do estado tinha
conta na Caixa paulista.

Tudo azul: a nova era da poupança
A história da poupança no Brasil deu uma
guinada radical em 1964, quando, por meio
da Lei n° 4.380, de 17 de julho, foi instituída a
correção monetária para os depósitos feitos nas
cadernetas. Dessa forma, além da remuneração
anual de 61Vo (0,5% ao mês) - espantosamente, o
mesmo índice praticado desde a fundação da Caixa,
mais de cem anos antes -, os valores depositados
lias cadernetas passaram a ser mensalmente
atualizados pela correção monetárla, conforme
percentual dehniclo pelo Banco Central.
A partir de então, embora a Caixa
desenvolvesse uma série de modalidades de
depósitos para pessoas físicas e jurídicas, de
rendimento mensal ou trimestral, muitas vezes
vinculadas à aquisição da casa própria, o tato
é que a base para a remuneração e atualização
dos montantes continuou sendo sempre a
mesma. O sistema de correção perdurou até
1994, ano em que foi instituído o Plano Real.
Na década de 1960, a poupança acabaria se
tornando um vigoroso instrumento de capitalização
e obtenção de recursos internos para a aplicação
no sistema de habitação. O crescimento manteve-
se ao longo dos anos 1970. Em 1984, os depósitos
lia poupança atingiram a impressionante marca de
10,20/o do PIB, com a Caixa respondendo por cerca
de 301% do total de cadernetas.
Os novos produtos ajudavam a impulsionar
o crescimento, entre os quais a Poupança Azul
- havia também a Conta Azul Remuneracla -,
CAIXA:150\N()s DE t\IA IIISTÕEIA unsii Eint 201
que admitia depósitos em qualquer dia do mês
sem perda dos dividendos. Além disso, a nova
modalidade inovou ao fornecer ao poupador
um cartão magnético com o qual era possível
movimentar a caderneta e fazer outras transações.
Os comerciais da l'oupança Azul ficaram na cabeça
dos brasileiros, sendo que um deles virou íccnc
vintage da propaganda na T\
Mas, apesar das novidades, depois a
tendência de crescimento foi perdendo o
ímpeto, a tal ponto que, em janeiro de 1990,
a poupança representava 6% do PIB, caindo
para 3,3% em dezembro daquele ano.
No alvorecer do século 21, a direção da
Caixa, preocupada com a captação líquida negativa
em relação á base de financiamento habitacional
- e também um tanto incomodada por uma série
de reportagens publicadas na mídia nacional que
definiam a poupança como a mais desvantajosa das
aplicações financeiras -, decidiu reagir lançando
uma vigorosa campanha de estímulo á poupança,
"com a cara e o tamanho da Caixa". O piano se
baseou na distribuição de prêmios, muitos prêmios
- até cem milhões dc reais em um ano. Além disso,
campanhas publicitárias, novos produtos e serviços
(como a possibilidade de fazer depósitos nas
cadernetas a partir das agéncias lotéricas) e novos
TUDO AZUL
benefícios (como juros mais baixos no cheque Cadernetas de poupança da década de 1980.
Museu da Caixa, Brasília
especial para os clientes que mantinham também
NA PONTA DC) LÁPIS
uma caderneta de poupança) apresentaram
Brinde dado pela Caixa na década de 1980.
resultados rápidos e definitivamente espantosos. M usexi da Caixa, Brasil ia
202 POUPANÇA

Uma campanha institucional iniciada em 2004

lançou as bases de urna nova expansão da Poupança
da Caixa, assim mesmo, com P maiúsculo, uma vez
que a caderneta da Caixa sempre foi a única a exibir
r nome e sobrenome. Embora qualquer instituição
'
financeira possa oferecer essa modalidade de
aplicação, nenhuma outra jamais logrou atingir,
como a Caixa, um conceito alicerçado no tripé
TflLLNTO•S segurança, tradição e confiança. Muitas dessas
instituições, na luta por novos clientes, colocaram
no mercado produtos com nomes superlativos, tais
como "Super Poupança" ou "Poupança Plus' mas
não se tratava de cadernetas convencionais, e sim de
outras formas de aplicação, de maior rentabilidade,
mas também de maiores riscos. Nesse caso, a
palavra "poupança" era usada somente para passar
uma ideia de segurança que o investimento na
verdade não oferecia.
Embora jamais tenha deixado sua posição
de liderança, a Poupança da Caixa havia perdido
um pouco do velho fôlego em função da enorme
concorrência com outros bancos, e mesmo devido
a outras opções com rentabilidade superior que
ela própria oferecia. Como sempre aconteceu
na história da Caixa em relação a suas variadas
operações - loterias, habitação, entre outras -'
também no caso da poupança a instituição voltaria
Escreva uma redação ou faça um desenho para concorrer a uma poupança de até R$ 30 mil e a se valer do enorme prestígio para se reinventar no
mais um montão de prêmios. Kit Força X Skate, Bkicleta, Camiseta, Bo..ó, Mochila, Caderno e Estoio.
setor. No fundo, era apenas uma questão de retomar
A sua escola também pode ganhar.
Uma poupança de R$ 10.000
algumas tradições, mas com a modernização da
POUPANÇA
03 computadores.
DA CAIXA. CAIXA B
teu IteL £5. ICJtiMSI4SIOI.
USPAIl OS 50055
"cara" do produto e a utilização das ferramentas
consulte o reguknnato em wwwfççco.coe,.bq i
mais modernas de comunicação.
Desde a fundação da Caixa, um século e meio
atrás, boa parte das cadernetas sempre foi aberta
APELO iNFANTIL
cm nome dos filhos por pais preocupados em lhes
A Força X era integrada por heróis mirins que combatiam
desperdício e protegiam a natureza, atraindo para a garantir os estudos, a formação e um futuro mais
Poupança da Caixa o público infantil.
tranquilo. As crianças, portanto, deveriam ser o
P. 203- A FORÇA DA MÕNICA centro da campanha de revitalização da Poupança
A personagem mais famosa de Maurício de Sonsa dá
exemplo depositando as economias de sua turma na da Caixa. Um passo decisivo neste sentido, dado em
poupança da Caixa.
Revista Gen,e di Caixa, n" 15 titio/junho 2007)
2004, foi o lançamento da Força X, um grupo de
 CAIXA: 150\xo !L LL\ IHIokL\ ItRÀS!LLIRA 203

heróis mirins com a missão de lutar contra o mal larga repercussão, teve de ser alterada em seguida tempo serviram como mecanismo de controle
do desperdício e ajudar a proteger a natureza. em função da iminência de volumosos processos, e comprovante de que o poupador deixara seus
A turma era formada por Tico, o Garoto urna vez que, obviamente, o cliente não tinha a tostões sob a guarda do banco. A fim de seduzir
X; Edu, o Super H2O; Lê, o Mochila Boy; e Bia, a prerrogativa de escolher, literalmente, quanto queria público infantil, muitas delas passaram a ser
Pequena X, todos com alter egos, como convém pagar, configurando-se num clássico da propaganda impressas em cores vibrantes, por vezes com a
a super-heróis. Não poderiam faltar, é claro, uni enganosa. A Caixa parodiou o slogan de modo figura de uma criança na capa. Um atrativo maior,
mascote, o cãozinho Rex e, sobretudo, um vilão a ser inteligente: "Quer poupar quanto?' indagação feita no entanto, eram os "cofrinhos" distribuídos pelas
combatido, o Capitão Esbanjão. O grupo realçava a também por um casal, mas de crianças. instituições. A versão mais popular e longeva foi
importáncia de pequenas ações que qualquer criança O foco nos pequenos poupadores é antigo, provavelmente a latinha -cofre, feita de papelão
poderia compreender e adotar, como não pisar na tanto por parte da Caixa quanto de outras com fundo de alumínio, politicamente incorreta
grama, nem arrancar flores e galhos de árvores. Os instituições. O nome caderneta, como sabemos, porque não permitia o reaproveitamento, uma
jovens poupadores eram convidados a entrar para advém do fato de os depósitos sereni registrados vez que o dinheiro, introduzido por urna fenda na
a Força X, "virar um herói' Além disso, ganhavam, em um pequeno caderno. As cadernetas em papel parte superior, só podia ser retirado dali mediante
entre outros brindes, um álbum ilustrado e, a acabariam por se extinguir, mas durante muito uso de um abridor de latas, inutilizando-a.
cada depósito, dez pacotes de figurinhas. Apoiava
a campanha um hotsite da Força X, com jogos,
passatempos e papéis de parede para o computador.
Num primeiro momento, a campanha
visava a conscientizar sobre a necessidade de se
poupar os recursos naturais, não desperdiçando
água e energia, por exemplo, pois isso, além de
ajudar a preservar o planeta, representaria urna
boa economia nas finanças familiares. Sob a
chancela da Caixa, os jovens passaram a receber
dicas e orientações por nleio das diversas mídias.
Em seguida, a campanha deixou de ser apenas
institucional para embutir também um apelo
comercial. A ideia era simples, mas eticiente:
agora era hora de os brasileiros depositarem na
caderneta da Caixa tudo que haviam conseguido
economizar graças aos pequenos gestos cotidianos
recomendados pela instituição.
A estratégia de focar as ações nas crianças
reafirmou sua eficácia. A Caixa aproveitou a
notoriedade do comercial de uma outra organização
para fazer uma releitura correta e bem-humorada.
Ocorre que as Casas Bahia, uma popular rede de
varejo, havia veiculado anúncios nos quais LIlU

casal de atores perguntava: "Quer pagar quanto?'

A divulgação da equivocada peça publicitária, de
204 POUPANÇA
As latinhas abrigavam, sobretudo, moedas.
Por muito tempo, guardar moedas para colocar
na poupança foi um costume arraigado entre
os brasileiros, em especial as crianças. O longo
período de descontrole da inflaçâo, no qual as
moedas - e mesmo as cédulas - Valiam pouco, e
a cada dia menos, fez arrefecer esse hábito. Com
fla a estabilização econômica estabelecida a partir do
CAIXA
Plano Real, em 1994, o dinheiro brasileiro parou
de se desvalorizar daquele modo e as moedas
voltaram a ter importância. Contudo, o hábito
de guardá-las para depositar nas cadernetas não
retornou com o mesmo ímpeto. Muita gente
simplesmente ainda desprezava as moedas, deixando-
as jogadas a um canto, perdidas numa gaveta e,
em muitos casos, pequenos trocos nem eram
exigidos, ainda sob a ótica de que "moeda não vale
nada' embora agol-a isso já não fosse ver-dade.
IMAGEM RENOVADA
Além de causar evidentes perdas aos seus
Simpáticos, divertidos e multicoloridos, os negligentes detentores, o abandono das moedas
Poupançudos concederam novo impulso à Poupança
da Caixa e se tornaram itens de colecionador. causava transtornos no comércio, pela frequente
Acervo Caixa
ABRA UMA POUPANÇA NA CAIXA,
FAÇA UM DEPÓSITO A PARTIR
DE 100 REAIS E GANHE O SEU.
falta de troco, e grandes prejuízos ao país, pois o
Banco Central via-se na constante necessidade de
cunhar novas moedas, a custos elevados. Segundo
estimativas, 70% da população brasileira não
aproveitava adequadamente as moedas. A Caixa
percebeu que o relançamento dos cofrinhos seria
uma boa ferramenta para a retomada do hábito. Com
isso, ampliaria seus negócios e, de quebra, ajudaria
a atenuar o pi-oblema provocado pelo desprezo às
moedas. Era necessário, entretanto, encontrar um
novo formato, capaz de substituir com vantagens as
antiquadas, antiecológicas e pouco atraentes latinhas.
A revitalização da Poupança da Caixa, que se
iniciara com a ação dos super-heróis da Força X,
ganhou em 2006 o reforço de unia turma de peso:
os Poupançudos. Pelas mãos da agéncia Fisher +
Fala! surgiram Badu, Ico, Balum, Zoio, Jijo, Babu,
Barrico e Neo, personagens simpáticos, brincalhões,
niulticoloridos e com urna parte da anatomia
avantajada a flui de aproveitar o jogo de palavras,
uma vez que pOrlpírnçíl, em linguagem popular,
/
 CAIXA:150\Nos DE LL\ HISTORL\ IIItASIIEIRA 205

é utilizada também para ser referir à tal parte do seleção brasileira, o que ajudou a revigorar uma Os personagens contribuíram de modo
corpo humano. O SUCeSSO foi imediato e estrondoso, campanha de grande éxito, mesmo passados decisivo para aumentar de 30% para 35% o

encantando a crianças e adultos. Além dos bonecos- qrlatro anos de seu lançamento, fato raro no market share da Caixa - expressão utilizada
cofre - ganhos mediante depósitos a partir de R$ mercado publicitário nacional. Num comercial para definir a fatia de mercado que cabe a cada

100,00 -, OS Poupançudos viraram ainda álbum de de televisão, eles apareceram chegando de carro- um dentro de determinado nicho. Não é pouca

figurinhas, ringtofle, entre outros produtos, além de forte a um estádio lotado no qual se exibiriam coisa no competitivo segmento das cadernetas de

ganhar hotsite com brincadeiras e dar origem a uma com dribles, embaixadinhas e outras firulas, poupança. Embora ainda tenham muito fôlego,
série de conuinidades nas redes sociais. Seus vídeos mostrando tudo que OS brasileiros queriam os Poupançudos já viraram disputadíssimo objeto

são muito acessados também no You'l'ube. ver de sua seleção - e não veriam - na Copa. de colecionador, sendo ofertados Clii inúmeros

Em 2010, os Poupançudos ganharam uma Os Poupançudos temáticos provocaram nova sues de compras. Graças a eles, a Poupança

versão especial em celebração á Copa do Mundo corrida dos depositantes às agéncias da Caixa a da Caixa, assim, com nome e sobrenome,

da África do Sul, quando vestiram a camisa da fim degarantir um exemplar da série limitada. completa 150 anos com a cara do século 21
 o

t -
-
PENHOR
ni meio às atribulações que o dinheiro
sempre causou àqueles que não o têm
- e a alguns que o possuem de sobra
-, a operação hoje chamada de penhor
nasceu como uma genuína manifestação de piedade.
E tão explícita que, na Itália (onde teriam surgido
primeiros estabelecimentos dedicados ao ramo), tal
sentimento estava presente no próprio nome pelo
qual eles ficaram conhecidos: "montes de pietá",
termo que deu origem a "montepio' Embora em
português montepio cedo tenha adquirido outro
significado, nem por isso o conceito original se
perdeu, unia vez que tanto em Portugal quanto no
Brasil as primeiras instituições de penhor foram
batizadas de Montes de Socorro.
Piedade e socorro são, como poupança,
palavras de origem latina ligadas a atos de
compaixão. Piedade provéni de "pius", cujo
significado é "de coração puro' ao passo que
Socorro nasceu da expi-essão "suc-curriere' que
quer dizer "correr em auxílio' Os primeiros
montes de pietá de fato parecem ter sido fundados
por homens de coração puro, e a eles acorreram,
em busca de auxílio, milhares de necessitados.
Mas, como benevolência e finanças em geral
marcham em direções opostas, os montes de
pietá originais tiverani um destino previsível:
foram à hukncia, a começar pelo primeiro sobre
o qual se preservarani documentos, o montepio
fundado em 1198, em Fresling, lia Bavária.
Ainda assim, as primitivas instituições
benemerentes apontaram a existência de um
mercado promissor. E foi no rastro delas que
OS surgiram as casas de penhor, cuja função era
virtualmente a mesma que a dos montes de piedade:
aceitar objetos, em geral joias e bens de valor, em
troca de dinheiro vivo. Entre uns e outros havia,
porém, uma diferença fundamental: as casas de
penhor cobravam juros por seus empréstimos. E,
embora o termo "penhor" (do francês "pignorem")
signifique "ato ou palavra que assegura o
cumprimento de um com promisso' tais juros eram,
por via das dúvidas, cobrados antecipadamente,
descontados do empréstimo original.
Mesmo com a instituição dos juros (e a
consequente supressão da piedade), os penhores
só fizeram crescer em todo o mundo. No Brasil,
acabariam se vinculando umbilicalmente às Caixas
Econômicas. Jnto que o 1)ecreto n° 2.723, que,
em 12 de janeiro de 1861, determinou a fundação
da Caixa Econômica, criou, junto com ela, o
primeiro Monte de Socorro da Corte. A ligação
era tão congênita que a existência da Caixa estava
diretamente ligada aos empréstimos feitos sob
penhor, uma vez que a instituição era sustentada
pelos juros obtidos a partir desses empréstimos.
208 PENI-IOR
Não chega a ser surpresa, portanto, que
certos autores já tenham definido as Caixas e os
Montes de Socorro como irmãos xifópagos. Tão
correta estava a definição que, em outubro de 1886,
quando o então ministro da Fazenda, Belizário
de Sousa, assinou o criticado Decreto n° 3.313,
que extinguiu a maioria das Caixas provinciais,
os estabelecimentos atingidos pela medida foram
justamente aqueles que não operavam em conjunto
com seus irmãos gêmeos, os Montes de Socorro.
Não cessa aí a estreita ligação entre as duas
instituições. Um dos principais motivos que teriam
levado o imperador [). Pedro II a fundar a Caixa e o
Monte de Socorro foi a existência - em todo Brasil,
JOTA RARA
P. 206- mas especialmente no Rio - de dezenas de "casas de
Fotomontagem com joias antigas. ,, ,,
prego , ou casas de macaco , ou ainda belchiores
PRONTO-SOCORRO
(nomes com os quais o povo batizara as casas de
Primeiro livro da carteira de penhores da Caixa da Corte.
dCxa, BreIi, penhor, acusadas de cobrarem juros escorchantes).
'.4 ¶#
".,
Or
.—.
c 4;
çCT C çC6e ..
, segue firme e forte, como também se verá a
— seguir. Isso porque o penhor continua sendo
7s
( circunstância revela que, de certa forma, continuam
1
1 . ."-..- ,.. • - .f.( /,
. necessárias para socorrer as urgentes necessidades
A conexão entre as casas de penhor e a cidade do
Rio de Janeiro é tão direta que os termos "brechá" e
"helchior" ainda em uso, estão ligados ao primeiro
estabelecimento desse tipo, fundado no Rio por um
certo Belchior, comerciante de roupas usadas e de
joias "postas no prego'
O surgirnento do Monte de Socorro
da Corte evidentemente restringiu a atuação
daqueles belchiores privados, uma vez que os
juros cobrados pelo penhor oficial - 91% -ao ano,
segundo as determinações do decreto de 1861
- eram muito menores do que os escorchantes
juros dos agiotas, que chegavam a 4% ao mês. Foi
somente em 1934, com a assinatura do inovador
Decreto n° 24.427, que os empréstimos sob
penhor passaram a ser exclusividade da Caixa
Econômica, já que aquela lei determinou a extinção
das casas de prego operadas por particulares.
Por muitos -anos, tanto o Monte de Socorro
quanto os belchiores recebiam apenas joias, prata
ou ouro como penhor. Nos anos subsequentes
ao decreto de 1934, porém, a Caixa Econômica
1
passou a aceitar quase qualquer objeto como
garantia para pequenos empréstimos. Como
as páginas seguintes demonstrarão, tal decisão
iria desencadear inúmeras situações inusitadas,
que seriam cômicas, não fossem trágicas.
Um século e meio depois de fundada, a
Carteira de Penhores da Caixa Econômica Federal
uma das formas mais rápidas e eficientes de
obter empréstimos em casos emergenciais. E essa
sendo cumpridas as determinações do artigo 10 do
decreto de 12 de janeiro de 1861, de acordo com
o qual "o Monte de Socorro da Corte tem por fim
emprestar por módico Juro, C sob penhor, as somas
das classes menos favorecidas da fortuna".

Um país no prego
Monte de Socorro da Corte, inaugurado
Q simultaneamente à Caixa Econômica,
no dia 4 de novembro de 1861, foi um sucesso
instantâneo. E até maior que a própria Caixa. Se a
poupança ainda não era um hábito enraizado entre
os brasileiros em geral e os cariocas em particular,
empréstimos sob penhor faziam parte do dia a dia
de uma população acostumada a viver as angústias
de uma economia instável e exclusivista. i-\lém disso,
os juros cobrados pelo Monte de Socorro da Corte,
estabelecidos por lei em 9% ao ano, embora maiores
do que os pagos pela Caixa para OS depósitos em
cadernetas de poupança (61% ao ano), eram muito
inferiores aos cobrados pelos belchiores e casas de
prego que infestavam o Rio de Janeiro.
Os empréstimos sob penhor, definidos pela
mesma lei como "uma modalidade de assisténcia
social discreta", não visavam ao lucro. Os contratos
eram válidos por quatro meses, podendo ser
renovados por período de igual duração. Mas, se ao
final de oito meses o cliente não saldasse a dívida,
os objetos dados em garantia iam a leilão, como
ocorre ainda hoje. O Monte de Socorro não podia
aceitar "outros penhores que não os de ouro, prata
ou diamantes". De acordo com o artigo 3° da Lei n°
1.083, "a menor quantia emprestada sob penhor será
de 5$000 (cinco mil-réis) e haverá todo o cuidado
em que os empréstimos superiores a 1008000 (cem
mil-réis) não absorvam os fundos necessários aos
inferiores a esta soma, para os quais principalmente
é criado este estabelecimento de benemerência".
Os dados referentes aos empréstimos feitos
pelo Monte de Socorro da Corte no primeiro ano
de funcionamento não foram consultados, mas os
números relativos ao funcionamento do Monte de
Socorro da Província de São l'edro do Rio Grande
do Sul, desde sua abertura (em 7 de maio de 1875)
CAIXA: I50\Nos !)F LNIÀ HISIORIr\ hRASILI!RA 209
até seu brusco encerramento (em 24 de janeiro CORTE E COSTURA
Depósito da agência da praça da Sé (São Paulo),
de 1888), estavam disponíveis. E eles permitem em 1939, repleto de máquinas de costura penhoradas.
Re1,rodu çào do liv ro comcn,a rol iva, da, inauguração da agência da Sé
vislumbrar o papel que os empréstimos sob penhor
desempenharam na vida dos gaúchos.
No dia da abertura do Monte de Socorro de
Porto Alegre, um Thomaz King compareceu ao
balcão de penhor e lá entregou uma "série de objetos"
avaliados em 1 50$000 (150 mil-réis), saindo com
1 12S000 (112 mil-réis) no bolso e a obrigação de
depositar, dali a quatro meses, os mesmos 150 mil-réis
caso quisesse resgatar seus bens. No dia seguinte, 8
de maio de 1875, foi a vez de Maria Emilia Alcãntara
Pinto dirigir-se à sede da Caixa e Monte de Socorro,
localizada no número 279 da famosa rua da Praia, no
centro de Porto Alegre, obtendo 4008400 (400 mil e
400 réis) em troca da penhora dos seguintes objetos,
avaliados em 440$000 (440 mil-réis):
1 bule, 2 açucareiros, 1 tigela, 1 escarradeira,
1 leiteira e 3 colheres, tudo em prata
(num total de 3,521kg) ....................2808000
1 relógio de ouro com corrente .......lOO$000
1 relógio de ouro pequeno ............ ...60$000
lotal .....................................................440$000
210 PENHOR
Quem dá mais?
N
o primeiro ano de funcionamento, o
Monte de Socorro do Rio Grande do
Sul realizou 145 empréstimos sob penhor,
IL40 movimentando a quantia total de 16:822$000 (16
contos e 822 mil-réis). 'iis operações geraram
juros de 104$027 (104.027 réis). De 1875 até o
fechamento do Monte de Socorro, determinado
pelo então ministro da Fazenda, Belizário de
Sousa, em janeiro ele 1888, foram feitos 3.206
empréstimos (em média quase 300 operações
por ano), num total de 192:1 29$050 (192 contos
CAIXA ECONÓMICA
e 129.050 réis), gerando juros equivalentes a
FEDERAL 9:7285076 (nove contos e 728.076 réis).
No Rio de Janeiro, os números eram
DE S. PAULO muito superiores. Conforme dados coligidos por
Ariovisto de Almeida Rego em seu inestimável
Resumo Histórico da Caixa Econômica e Monte
ACIMA - QUEM DÁ MAIS?
de Socorro, de 1914, o Monte de Socorro da
Cartaz da Caixa de São Paulo anunciando leilão.
Reprodução do livor, comemorativt, da inauguração da ag&,icia da Sé
Corte realizou, entre 1861 e 1913, mais de meio
ABAIXO - NA BATIDA DO MARTELO milhão de empréstimos (foram exatamente
Leilão de objetos de cozinha, no Rio, na década de 1960.
\lo.uda Brasdia
583.224 operações, com média superior a cem
empréstimos por més), que movimentaram
a vultosa quantia de 85.316:0478220 ($5.316
contos e 47.220 réis), gerando 4.939:388$831
de juros (4.939 contos e 388.831 réis).
Cariocas e fluminenses eram e continuam
sendo - os campeões do prego no Brasil. As razões
para tal fenômeno teriam raízes no fato de o Rio
ter sido a primeira cidade do Brasil a contar com
esse tipo de serviço, que já existia havia pelo
menos um século quando a Caixa Econômica
foi criada junto com o Monte de Socorro, em
o ovembro de 1861. A part ir de 1937, ocasião
em que a Caixa passou a aceitar virtualmente
qualquer objeto (especialmente eletrodomésticos)
como garantia dos empréstimos, atribuía-se
ao carioca a prática de empenhar o chuveiro
elétrico no verão e o ventilador no inverno.
Folclore ou não, o uso de tal expediente
acabou em 1991, quando só joias voltaram a ser
aceitas. "Não havia mais lugar para guardar tanto
cacareco", declarou o então gerente do setor de
penhor da Caixa do Rio, Dénis Mariano. No início
de 1992, a Caixa realizou uni megaleilão a fim de
se livrar do incómodo acervo. Foi um espetáculo
tragicõmico: entre milhares de artigos colocados
à vencia - enceradeiras, máquinas de costura,
panelas, abajures, máquinas fotográficas, sapatos
gastos, colchões de molas frouxas, roupas de cama,
instrumentos musicais e até muletas, registro
material de uma história de aflições -, havia três
cuecas samba-canção de puro linho, empenhadas
meio século antes, em 1942, e jamais resgatadas.
As cuecas até que combinavam com os
oito ternos, também de linho, que a Caixa vinha
guardando em seu cofre havia 30 anos. Se a
história do cliente que penhorou as cuecas não
pôde ser reconstituída, embora não seja difícil
imaginar o ponto a que chegara o pobre homem,
a trajetória dos ternos e sua incomum longevidade
tios porões da Caixa tinha fácil explicação:
eles haviam sido roubados pelo sujeito que os
penhorara. O dono dos trajes entrou na lustiça
na tentativa de reavê-los, mas o processo, aberto
em 1962, só foi concluído três décadas depois, em
1992, quando o proprietário já estava morto.
Tanto os ternos quanto as cuecas foram
arrematados por colecionadores.

As alianças: "algemas aivinas
(Cquela aliança voce pode empenhar ou
derreter", cantou o poeta Chico Buarque
de Holanda. Mas dezenas de milhares de brasileiros
não precisaram viver as dores de amor profetizadas
por Chico na canção "Trocando co, Miúdos" para
se ver na angustiante situação de colocar no prego
o objeto que já houve quem tenha chamado de
"algema divina". Afinal, se não lhes doía o coração
(ou o cotovelo), doía-lhes o bolso.
Desde os tempos do Monte de Socorro, a
Caixa Económica tem recebido milhares de alianças
de ouro como garantia de empréstimos sob penhor.
Mas jamais essa situação havia ficado tão clara - e
recebido tanta atenção da mídia - quanto no dia
31 de maio de 1982. Naquela segunda-feira, logo
após o Jornal Nacional, exibido pela Rede Globo,
a Caixa Econômica Federal veiculou um anúncio
revelando que pretendia devolver gratuitamente 380
mil alianças de ouro em todo o país, como parte
de uma campanha para humanizar suas operaçóes.
Aprovada pelo então presidente do Brasil, general
João Batista Figueiredo, a iniciativa havia sido do
presidente da Caixa, Gil Gouveia Macieira.
Embora a medida viesse a indignar o PMDB
então o partido de oposição ao governo (que estava
CAIXA:130 aços DE UMA I-IISTQII!A ltIASILEIRA 211
1' •
A VOLTA DAS ALIANÇAS
Aliança! algema divina,
A mais doce das prisões:
Uma prisão pequenina
Que encerra dois corações.
vinculado ao PDS), o plano foi estrondosarnente
Modesta joia, em verdade,
bem-sucedido. De acordo com o jornal O Globo
Porém que vale um tesouro:
de 2 de junho de 1982, "alegria, choro e gestos
É toda a felicidade
de agradecimento marcaram o primeiro dia de
Dentro de um círculo de ouro.
devolução das alianças". Na quarta-feira seguinte,
Bastos Tigre
apenas no Rio, oito mil alianças já estavam de volta
aos dedos dos quais tinham sido subtraidas.
Naquele mesmo dia, o vice-líder do PMDB,
Adhemar Santillo, definia a devolução das alianças
A Carteira de Penhores,
como "uma medida demagógica e uma confissão da No dia da sua festa,
situação crítica pela qual passam os brasileiros". além Devolve sempre os valores
de acusar a Caixa de "atitude elcitoreira", uma vez que Da 'freguesia" modesta.
dali a cinco meses haveria eleição para os governos Soube que o Dr. Castilho,
estaduais. () presidente da Caixa reagiu às críticas, Num gesto bonito, humano,
Resolveu dar maior brilho
afirmando que, embora fosse preciso "muito amor
À sua festa, este ano:
para se fazer uma eleição"1 a devolução das alianças
Entre objetos devolvidos,
era tão somente uma "homenagem aos namorados
Entre as mais caras lembranças
no més dedicado a eles, além de parte da campanha
Dos menos favorecidos,
para humanizar as operações da Caixa". Houve também alianças.
Aquela não era a primeira vez que a Caixa Desejo o maior sucesso
devolvia alianças penhoradas. Em 1951, ao assumir Para os felizes casais.
a Carteira de Penhores da Caixa do Rio de laneiro, Que dos anéis o regresso
Jeronymo de Castilho tomara a mesma atitude. Não seja tarde demais!
Vários jornais cariocas o elogiaram, e alguns Quando voltar, loura e linda,
Aos velhos dedos cansados,
publicaram poemas (como o reproduzido na
A antiga aliança ainda
margem desta página), assinados pelo conhecido
Os encontre entrelaçados...
cronista Bastos Tigre e por Alvaro Armando
Álvaro Armando
(pseudônimo usado por Helena Ferraz, filha do
Correio da Manhã
próprio Bastos Tigre). Naquela ocasião, Castilho Ode novembro de 1952
também não escapou das acusações de demagogia.
Mas, para milhares de casais que puderam LOURAS E LINDAS
reaver suas alianças, que diferença isso faz? Alianças estão entre os objetos mais penhorados.
2 12 l'ENIIOR

E o trem partiu

E m seu livro de reminiscências Coisas da Velha

Caixa, o ex-dii'etor da Carteira de Penhores da
Caixa Econômica do Rio de Janeiro Jeronymo de
Castilho relata vários casos, que vão do pitoresco
ao aflitivo, desenrolados no setor da instituição que
concentra o maior número de histórias comoventes.
Ë dele o relato que se segue:
"As agêncic.is de penhor da Caixa
Econôni ica não aceitam ap.irelhos elétricos
em garantia de empréstimo sem previa
verificacão do perfeito fiincionamen to.
"Certa ocasião, foi um chefe defaniília levar
um trem elétrico para empenhar, mas ,iein ele
nem o avaliador conseguiram fezê-lo funcionar.
Esse fato obrigoi.i o pobre necessitado a voltar no
dia seguinte em companhia do filho, um garoto
de lias oito ai/os, para fazer com que o trem
andasse. O menino, após várias tentativas, fê-lo
funcionar. O velho levou o dinheiro e o garoto, a
tristeza de ficar sem seu brinquedo predileto,
"Por ocasião da devolução gratuita dos
brinquedos (no Natal de 1961), voltou o pai com
o ,nen ino, rei uito felizes para levarem o brinquedo.
À vista da cau tela, o fú ncionário eu tregou ao
garoto uni grande embrulho contendo a caixa do
trem elétrico. Para surpresa
garoto exigiu que foSsi' r'ei(
no chão os trilhos, os túneis, os postes, as
estações. Enfim, o brinquedo completo
foi aro/ai.! o, sob os olhares curiosos dos
funcionários e de grande número de clientes.
"O aparelho não quer andar! Há um suspense.
O garoto se esforça, retira trilhos, aperta parafusos,
ti-oca lâmpadas e emenda fios. E nada! Todos se
interessaram para que o trem partisse. Alguns mesmo
colaboi-aram com o menino, que já começava a ficar
aflito. Eis que mndaram a tomada, e, de repente, o
trem começou a se movimentar. A princípio devagai;
como querendo parar, mas engrenou e começou a
correr velozmente, apitando nas curvas. As palmas
estrngiram. A alegria geral contagiou até os infelizes
que ali estavam aguardando pequenos empréstimos
em troca de utilidades usadas.
"E o garoto, cumprimentado por todos, saiu
duplamente feliz: por ter obtido a volta do seu
brinquedo predileto e por ter se vingado da exigência
que tinham feito ao pai de fazer o ti-em andar antes
de lhe darem o empréstimo."

funcionando. Se pala
da rein o emprésti o ia
exigiram que ele esi ivessi'
ai,daiido, também
para seu resgate o
propri etário deveria
ter o mesmo direito.

O TRF:M SEGUE EM FRENTE

"Deseni bru Ilia ra mii
Trem c'lOtrico dc' Icricccjcccclo dos anos 1950. 1' f'(lcOt('. Coloca) am

O fiel da balança
m julho de 1934, existiam no Rio de Janeiro,
E
além da Caixa Econômica, 18 casas de prego.
Esses estabelecimentos eram chamados assim
porque expunham as jóias penhoradas em pregos,
bem à vista do público. E por um motivo simples:
as condições do empréstimo eram tão desvantajosas
que dificilmente o cliente conseguia resgatá-las, o
que, após alguns meses, facultava sua venda.
Foi o Decreto n° 24.427, assinado por Getúlio
Vargas em 19 de julho de 1934, que tornou o
penhor monopólio da Caixa Econômica. Ainda
assim, algumas casas de prego sobreviveram até
1941, quando foram então fechadas pela polícia.
Embora desde 1937 a Caixa tivesse passado a
aceitar eletrodomésticos, instrumentos musicais e
até brinquedos como objetos de penhor, as joias
de ouro e prata continuaram sendo OS itens mais
penhorados. A instituição acabaria contratando
vários avaliadores que estavam desempregados.
Fundamental no processo, o papel do
avaliador de joias sempre foi tremendamente
exigente, além de desgastante e polémico. As
meticulosas coniplexidades da avaliação de joias,
pérolas e diamantes podem ser mais plenamente
compreendidas por aqueles que visitam o museu
que a Caixa mantém em funcionamento na
antiga agência da praça da Sé, em São Paulo. A
maior parte dos instrumentos de precisão pode
ser vista lá: belas balanças, lupas, paquímetros
(utilizados para medir o diámetro das pérolas),
pedras e escalas de toque, compassos de móe
e livros de escalas de orifícios (utilizados para
medir o diâmetro e o tamanho dos diamantes)
estão organizados em uni expositor.
O papel das joias no penhor também ticou
evidente em 1991, quando a Caixa do Rio de
Janeiro realizou, na agência Almirante Barroso, o
CAIXA: 150 ÀNS DE UMA HIST ORlA isisii.iiita 2 13
maior leilão promovido pela instituição desde que
assumira o monopólio dos penhores, em 1934.
Naquela ocasião, foram leiloados 15 mil lotes, num
total de aproximadamente 50 mil peças, entre as
quais um diamante de 15 quilates (avaliado em
US$ 45 mil); uma taça de vinho em estilo barroco
com quase meio quilo de ouro 18 quilates; e uma
borboleta cravejada de rubis, esmeraldas, safiras e
cinco quilates de brilhantes.
O leilão foi tão bem-sucedido que a Caixa
pôde resgatar a quase totalidade dos dois bilhões
de cruzeiros acumulados pela inadimplência de
seus devedores. No mês anterior, em outubro
de 1991, a Caixa Econômica obtivera outros
Cr$ 300 milhões (cruzeiros) em um leilão
similar em Curitiba, que, até a realização do
leilão do Rio, fora o maior já feito pela Caixa.
PENHOR E PRECISÃO
A dificuldade dos clientes em resgatar seus
Instrumentos utilizados para avaliar joias, metais
preciosos objetos naquele período não é difícil de e diamantes na antiga sede da Sé, em São Paulo.
Museu da Caixa, São l'aulo
explicar ou de entender: os juros cobrados pela
Caixa nos anos de inflação galopante variavam
entre ãS% e 4011/o ao mês. O mais espantoso era
que estavam muito abaixo dos juros praticados
pelo mercado em financiamentos de curto
prazo, que chegavam aos 70% mensais.
214 PENHOR

O empenho do penhor
cruzados. Mas, em julho de 1989, a Caixa tornou a
E m 1975, a Caixa emprestou, sob penhor, 598
milhões de cruzeiros para 507 mil pessoas.
Em 1979, foram 635 mil os clientes. Em 1980, o
mudar as regras do penhor: em tempos de inflação
galopante, a correção dos juros dos empréstimos
valor dos empréstimos concedidos atingiu 11,5 deixou de ser feita com base na chamada OTN
bilhões de cruzeiros somente no Rio de Janeiro, (Obrigação do Tesouro Nacional) e passou a ser

com OS 61 núcleos de penhor distribuídos por calculada através da variação do BTN fiscal (Bónus
todo o país tendo atendido 1,4 milhão de pessoas. do Tesouro Nacional). Penhorar, então, virou um
Naquele ano, foi feita uma média de 50 mil mau negócio, devido aos altos juros.
penhoras por mês só no Rio (o que representava Mas no século 21 o jogo tornou a virar, e

65% do total de operações no Brasil) e 22 mil em openhor firmou-se como uma ótima opção de
São Paulo (com 25% do total de operações). O empréstimo: tanto é que, em 2002, foi estabelecido
limite máximo dos empréstimos, na época, era de recorde de mais de nove milhões de operações

372 mil cruzeiros e o mínimo de Cr$ 1 mi (então e R$ 483 milhões de reais de saldo de estoque.
equivalentes a US$ 20), com os juros variando Cerca de 8511/o dos empréstimos são em valores
entre 2% e 4% ao mês. Era um bom negócio. inferiores a mil reais (52% estão abaixo de R$
Para evitar um estouro ainda maior do 331)). A dobradinha mulheres-joias mantém-se

limite de dez bilhões de cruzeiros fixado em imbatível também na Carteira de Penhores da

seu orçamento para aquele tipo de operação, Caixa: 92% dos objetos penhorados são joias,
a Caixa foi obrigada a tomar uma medida e 74% dos clientes são do sexo feminino. Os
drástica, reduzindo, em dezembro de 1980, empréstimos sob penhor podem ser prolongados

teto para OS empréstimos individuais. O por tempo indeterminado, mas os juros devem
limite baixou de 80% para apenas 50% do ser pagos em prazos estipulados em 28, 56 ou
valor de avaliação do objetivo penhorado. 84 dias. Os empréstimos são renovados dez

Em 1987, o penhor ficara ainda melhor, vezes em média, e 71 % dos clientes se mostram
sendo considerado "um ótimo investimento" pela satisfeitos com a Carteira de Penhores da Caixa.
revista Afinal de março daquele ano. A reportagem
exemplificava: "Por um empréstimo de Cz$ 3 mil

(cruzados), paga-se 1,35 mil cruzados de juros e se

recebe 1,65 mil cruzados. Depositado por seis meses

na poupança, esse valor rende, a juros médios de

20% ao mês, quase cinco mil cruzados. Dá para

pagar os três mil do empréstimo e ainda sobram

dois mil" Isso explica por que, em dezembro de

O PESO DA DIVIDA 1986, somente em São Paulo tinham sido feitos
Balanças de precisão da antiga agência da praça da Sé.
Museu da Caixa, São Paulo 54.929 empréstimos, num total de 161 milhões de

A Caixa sabe
apelo estampado no anúncio que ilustra
Q esta página não se trata da mera retórica
publicitária. Ao longo desses 150 anos, o setor de
penhor da Caixa foi se notabilizando pela precisão
de seus equipamentos e métodos de avaliação,
bem corno pela capacidade de seus bem treinados
profissionais. Levar urna peça à Caixa significa ter
a certeza de que ela será adequadamente avaliada,
ainda que em alguns casos o dono da joia talvez
nem queira penhorá-la naquele momento, mas
somente saber quanto vale o que tem em mãos
para o caso de precisar se desfazer dela um dia, ou
ainda para enquadrá-la adequadamente em um
processo de partilha de herança, por exemplo.
O caso mais emblemático, no entanto, é de
outra ordem. Ocorre que é muito difícil vender uma
CAIXA: 150
joia "usada" sem correr o risco de ser enganado
num mercado volátil, incerto e formado por toda
sorte de negociantes, muitos deles confiáveis e com
tradição na área, outros nem tanto. O segmento
contempla de casas que primam pela lisura a lojas
escondidas em fundo de galerias, ás quais os clientes
costumam ser atraídos por "homens-sanduíche"
com as tradicionais placas de "compro ouro'
Em princípio, o penhor nada mais é do que
um empréstimo fácil, sem burocracia e a juros
menores do que os de outras operações congêneres.
Para obtê-lo basta procurar uma agência da Caixa
munido de documento de identidade, comprovante
de residência na região da agência - para evitar
que uma joia roubada cru uma cidade possa ser
penhorada em outra - e, claro, da peça a ser
\X) 1)1. LM\ t-!IST ()kI.\ IRIII!I\ 215
entregue em garantia. Os empréstimos sob penhor
têm prazo de 30,60,90 ou 120 dias, com ilimitadas
prorrogações mediante o pagamento dos juros
do período. Se, passados 30 dias do prazo final,
pagamento não for feito, a Caixa pode levar o
objeto a leilão no qual, caso o dono da joia faça
lance mínimo, recupera a peça de imediato.
Mas, se for vendida a outra pessoa pela melhor
oferta, a Caixa, depois de descontado o valor da
dívida, repassa o saldo ao proprietário original.
Na maioria das vezes as peças saem por algo
entre 20% e 3011/0 abaixo do valor de mercado,
ruas é bastante cornum que alcance um preço bem
superior, proporcionando lucro ao irradimplente.
Por conta disso, para escapar às possíveis armadilhas
do mercado, ou de acabar vendendo por um preço
muito inferior ao que o objeto realmente vale,
muitos recorrem ao penhor da Caixa a fim de
utilizar urna estratégia esperta, mas absolutamente
legal. A tática consiste em empenhar a joia e
depois simplesmente não resgatá-la dentro dos
prazos previstos em lei, a fim de que a Caixa,
cumprindo os trámites normais, acabe a levando
a leilão. Trata-se de uma forma indireta de vender
bem e de modo seguro. Quase sempre dá certo.
Há, também, casos involuntários. Certa vez
um cidadão descobriu que a filha tinha empenhado
um anel de família, ficou furioso e foi reclamar na
Caixa, embora não tivesse razão em fazê-lo, pois a
operação fora absolutamente legal. Acalmou-se de
imediato quando foi informado de que a venda da
peça em leilão resultara num saldo de R$ 60 mil, dez
vezes o valor da avaliação inicial. Conta-se na Caixa
que o tal cidadão chegou a oferecer um outro anel
igual para penhora, já pensando 110 futuro leilão.
2 16 PENHOR
O depositário mais que fiel
ualquer determinaçã, por mais justa e
Q precisa que seja, sempre dará margem
a algum tipo de manobra. Nas vezes em que a
Caixa resolveu devolver as alianças empenhadas
em celebração ao Dia dos Namorados, foram
vários os casos de pessoas que, já no dia seguinte,
apresentavam-se ao guichê de penhores para
colocar de novo no prego o símbolo romântico
recém-recuperado. iMas, de modo geral, o serviço
de penhor sempre se prestou mais a histórias
emocionantes, caso, por exemplo, das costureiras
do Rio de Janeiro. Em meados da década de 1940,
havia tantas máquinas de costura penhoradas que
a Caixa decidiu instalá-las em um galpão, lado
a lado e em perfeitas condições de uso, a fim de
que as costureiras pudessem trabalhar ali todos
os dias e, com o rendimento de tal labuta, pagar o
empréstimo e levar sua máquina da volta para casa.
Casos curiosos, engraçados e comoventes
não faltam na história do penhor da Caixa,
conforme foi narrado ao longo deste capítulo.
O setor - a exemplo das loterias, da habitação,
da poupança, do FG'lS e das demais operações
- contribuiu largamente para conceder à Caixa
a in1ageI1 de uma instituição humanizada. Tal
imagem, tão enraizada na mente de milhões de
brasileiros, não se construiu ao acaso. O penhor, em
especial, sempre foi palco de cenas inesquecíveis,
e reforçou, no imaginário dos brasileiros, a Caixa
como uma instituição altamente confiável.
Tanto é que o setor de penhores muitas vezes
foi utilizado como guardião de objetos importantes.
DA CAIXA PARA O PÓDIO
Nesses casos não se tratava exatamente de penhora,
O nadador Adriano Lima foi um dos recordistas e sim de custódia. Foi o que aconteceu, por exemplo,
em número de medalhas no Parapan 2007.
Foto I)ItIu CoiIti rsi com as medalhas dos Jogos Pan-americanos
disputados no Rio em 2007, no qual 5.633 atletas de 42
países participaram de 332 disputas em 34 espurtes - e
47 modalidades ao longo de 17 dias, estabelecendo
95 recordes pan-americanos e ganhando tim total
de 2.196 medalhas, entre ouro, prata e bronze.
As mais de duas mil medalhas repousavam
no cofre da Caixa até momentos antes da entrega,
quando então eram levadas aos locais das
premiações por integrantes da Guarda Nacional. O
mesmo aconteceu, em certa ocasião, com a célebre
"'Ibça das Bolinhas" do campeonato brasileiro de
futebol, entre outros itens de grande valor não
apenas monetário, mas emocional e, sobretudo,
histórico. O mais incomum dos "objetos" colocados
sob a guarda do setor de penhor da Caixa, foi sem
dúvida, os restos mortais de Pedro Álvares Cabral,
descobridor oficial do Brasil, durante reformas na
Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Rio. Trata-se
de uma relíquia a respeito da qual há controvérsias
(as quais são abordadas no texto da página ao lado).
'Ihis episódios são reveladores da confiança
depositada na Instituição pelos brasileiros, e por
certo ajudam a impulsionar o penhor da Caixa que,
curiosidades à parte, continua sendo uma boa opção
de empréstimos, uma vez que, além de oferecer
juros razoáveis, não exige comprovação de renda e
tampouco tiador, poisa garantia é o próprio objeto
penhorado. Em função disso, essa modalidade, das
mais antigas no ramo bancário, não perde o fôlego
nos tempos da nova economia. Somente em 2010,
a Caixa alocou o montante de R$ 7,8 bilhões para
a concessão de empréstimos mediante penhor-.
para estimados 9,5 milhões de contratos-., mais de
40% do volume praticado em 2009, o que revela a
confiança no presente e no futuro do penhor.

Restos mortais de Cabral sob a guarda da Caixa
c onfornie registram os livros de história, a
22 de abril de 1.500 a armada comandada
por Pedro Álvares Cabral, e tripulada por 1.350
homens, avistou terra firme depois de navegar
por sete mil quilometros, em extenuante e
perigosa jornada de 44 dias nas águas revoltas
do Atlãntico. Embora Cabra! seja oficialmente o
descobridor do Brasil, o tema segue controverso,
pois é legítimo especular que os portugueses
- cujo objetivo naquela viagem era chegar às
Índias - já soubessem da existéncia de terras
por estas paragens desde as expedições de
Vasco da Gama, ou mesmo antes. De todo
modo, tal discussão não o atingiu em vida.
Quis o destin o, contudo, que uma outra
polémica o alcançasse na morte e persistisse
ainda hoje, cinco séculos depois. Cabral morreu
em 1520 (mesmo em relação à data exata restam
dúvidas) praticamente esquecido, pois naquele
momento a colônia Liltramarina de proporções
continentais chamadaoriginalmente de Ilha de
Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz, seguia
quase abandonada pelo império português.
Sepultados na cidade de Santarém em um
túmulo provisório, os restos mortais de Cabra!
foram acomodados em novas instalações na
Igreja de Nossa Senhora da Graça, em 1526,
agora ao lado da esposa. Isabel de Castro.
() assunto caiu no esquecimento durante
três séculos. Com o crescente interesse pelo feito
de Cabral, e estranhamente sendo a inscrição
do túmulo uma homenagem muito mais a ela
do que a ele, foi aberto um inquérito que levou
a nova exumação, em 1882, e cuja descoberta
ampliou o ni istério: foram encontradas três
CAIXA: 150 ANOS I)E UMA\ FIIST(áR1A Iii \SIiE1RA 21 7
ossadas humanas e a de uru carneiro. Mais:
duas das ossadas eram de mulheres, sendo
que ali deveriam estar os restos de Cabral,
da esposa e do filho AntÔnio. A precariedade
de recursos da época não permitiu uma
identificação precisa. Havia a suspeita de
que o jazigo tivesse sido violado por ocasião
das Invasões Francesas (1807-! 814).
No início do século 20, cogitou-se
transferir os restos mortais de Cabral para o
Mosteiro dos lerón imos, em Lisboa, no qual já
se encontravam sepultados o explorador Vasco
da (;ama e o poeta l.uís de Camões, mas a ideia
acabou não indo adiante. Em 1903, por conta
de uma campanha nacionalista iii iciada por 1).
Pedro II, havia mais de três décadas, parte da 7 B 5 8 151
suposta ossada de Cabral veio parar no Brasil.
Para aumentar a confusão, o túmulo da família
A FACE DO DESCOBRIMENTO
Cabral em Santarém abrigava àquela altura Cédula caiu o retrato supositicio de Pedro Álvares Cabral.
Acervo r-er, ido Ei
restos mortais de ci neo bom co s. um a ni ul h er e
duas crianças, e estava Ludo meio iii isturado.
Assim, o que se supõe seja parte da ossada
do descobridor recebeu repouso na capela-
mor da igreja de Nossa Senhora do Carmo,
antiga Catedral do Rio, erguida em 1761.
Foi a urna com esses ossos que ficou sob a
guarda do penhor da Caixa durante o restauro
da igreja, entre 2006 e 2008. Numa epopeia
ultramarina que parece não ter fim, a partir de
1961 a Igreja de São Tiago de Belmonte, cidade
natal de Cabral, passou a abrigar o que seria a
"verdadeira' ossada do filho ilustre. Assim, os
despojos do célebre viajante seguem navegando
nas ondas do mistério que, por nunca ter sido
esclarecido, permanece insepulto.
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CASA PRÓPRIA

s primeiros brasileiros tinham brasileiros do século 21 ainda não tem casa.

casa. Embora não se saiba O problema é tão complexo quanto antigo

exatamente quem eram, de onde () Brasil enfrentou sua prinleira grande demanda

vieram nem quando chegaram habitacional com o fim da Guerra do Paraguai, em

ao território que hoje é o Brasil, o tato é que OS 1870. A retomada do processo de industrialização e

caçadores-coletores nómades, em algum momento o incentivo à inhigração de trabalhadores europeus,

entre 50 mil e 15 mil anos atrás, instalaram-se nos substitutos da mão de obra escrava, provocaram

vastos sertões da América do Sul e encontraram urna necessidade de novas moradias em proporções

abrigo seguro em milhares de grutas e reentrâncias jamais verificadas. De 1872 a 1890, a população

de rochas. Nada permite supor que tenhani vivido cresceu 40%, passando de 9,9 milhões de habitantes

em condições de indigência. Ao contrário: estudos para 14,3 milhões. Nos dez anos seguintes,

revelam que o cotidiano dos humanos que se ingressaram no país 1,4 milhão de imigrantes, o

estabeleceram na lbca do Boqueirão, ao pé de um dobro do registrado nas oito décadas anteriores.

paredão rochoso de 150 metros de altura conhecido 0 período que antecedeu a proclamação da

como Pedra Furada, em São Raimundo Nonato, República foi particularnlente turbulento. A guerra

no Piaui, exibia aspectos beirando o idílico. endividou o país e legou às cidades uni exército

Seu dia a dia, suas crenças, seus hábitos de ex-combatentes, inclusive milhares de escravos

e, de certa forma, até suas esperanças ficaram alforriados como recompensa por terem participado

registrados em milhares de pinturas rupestres do conflito. Tornou-se evidente a necessidade da

que constituem não apenas um fabuloso legado intervenção do poder público lia solução do problema.

artístico, como são o testemunho de uma Em 9 de dezembro de 1882, o governo imperial

existência digna. Formam também o mais antigo emitiu o Decreto n° 3.151, concedendo generosos

sinal da presença humana no Novo Mundo. incentivos às construtoras de casas populares.

Os primitivos habitantes do solo brasileiro No inicio da República, as facilidades foram

acalentavam o mesmo sonho dos primeiros homens dirigidas a empresas criadas com este fim específico,

a andar sobre o planeta. Desde a pré-história, tomar conio o Banco dos Operários, a Companhia

posse de uma caverna significava colocar-se a salvo das Nacional de Construções e a Companhia Técnico-

variações climáticas, dos ataques de animais selvagens Construtora. Era o começo de uma política

e de grupos rivais. Milénios depois, o problema da casa habitacional oficial. l.anien tavelmente, ela coincidiu

própria continua longe de ser resolvido. Boa parte dos com o surgimento da primeira favela brasileira.
220 CASA PRÕPRIA
A primeira favela
T odos os brasileiros sabem o que é uma
favela, certo? Errado.
Se muitos só conhecem casa própria de
ouvir falar, milhões vivem na prática os dissabores
de habitar em uma favela, embora talvez nem
imaginem a origem da palavra hoje utilizada
para designar os conglomerados de casebres
empoleirados em morros. Pois favela é uma árvore
com três a cinco metros de altura, da família das
euforhiáceas - cujo representante mais ilustre
no Brasil é a seringueira. Possui flores alvas,
tendo como fruto uma cápsula verrugosa, com
sementes pardacentas e oleaginosas. Trata-se de
uma espécie profusamente armada de espinhos
cáusticos. As picadas dos espinhos da favela
provocam inflamações dolorosas, demoradas e,
se atingem uma articulação, podem até aleijar a
parte afetada. Essa extrema virulência deve-se ao
látex encontrado em toda a planta. Seco, o látex
pode ser aproveitado para iluminação e como
remédio balsâmico. As folhas maduras e a casca
servem de forragem às cabras, jumentos e bovinos.
As sementes engordam as galinhas, os porcos e os
ovinos. A importância da favela está nas sementes,
que concedem à planta uma posição destacada
como produtora de óleo alimentício e de farinha
rica em sais minerais e proteínas. E Lima árvore
comum nas regiões mais secas do Nordeste.
Apesar de o significado popular
da palavra ter se consagrado a partir do
movimento do Bota-Abaixo, ocorrido no
Rio de Janeiro, em 1904, a origem das favelas
brasileiras remonta a 1897. Trata-se de um
dos tantos desdobramentos perversos da mais
sangrenta guerra civil da história do país.
Depois de um ano de carnificina, 12 mil
soldados (mais da metade de todo o efetivo
do exército brasileiro), vindos de 17 estados
e distribuídos em quatro expedições, haviam
conseguido, finalmente, arrasar o arraial de
Canudos, no sertão baiano. A cidade estava
totalmente destruída, e seus 25 mil habitantes,
mortos, entre eles o líder Antônio Conselheiro.
A parte da tropa de combatentes que
retornou ao Rio de Janeiro foi alojada junto
às docas, próximo do Ministério da Guerra.
Abandonados à própria sorte, sem dinheiro,
sem teto e cansados de esperar pela burocracia
do governo que lhes havia prometido casas, os
soldados invadiram o Morro da Providência,
construindo barracos. Rebatizaram o lugar de
Morro da Favela, nome do monte (coberto
de favelas - no caso, as árvores) onde tinham
acampado antes de lançar sua ofensiva contra
os seguidores de Antônio Conselheiro.
Os ex-combatentes de Canudos chegaram
ao Morro da Providência, logo rebatizado
como Morro da Favela, com as mulheres que os
acompanhavam desde a Bahia: eram as vivandeiras,
que forneciam mantimentos para as tropas em
marcha. Carregavam também uni troféu de guerra:
a imagem do Cristo de devoção de Antônio
Conselheiro, tomada durante o ataque fina] ao
arraial. Em 1901, a imagem foi entronizada em um
oratório construído pelas vivandeiras no alto do
morro. O monumento foi tombado pelo Patrimônio
Histórico em 1986. Há indícios de que já havia
moradias no Morro da Favela, habitadas por antigos
moradores de cortiços como o notório e famigerado
Cabeça de Porco, no começo da década de 1890.
ORio de Janeiro daquele início de século
20 tinha mais de meio milhão de habitantes
(522.651 no censo de 1890). Alguns morros
centrais da cidade já haviam sido ocupados
desde os primeiros anos da fundação, tais como
Castelo, São Bento, Santo Cristo, Conceição e,
em parte, livramento e Santa Teresa. A maior
parte deles, porém, tanto na zona central como
na periferia, mantinha-se completamente deserta.
A ocupação mais intensa deu-se com os escravos
libertos pela abolição de 13 de maio de 1888.
A descrição de Everardo Backheuser,
produzida em 1906, evidencia, com realismo e
pela primeira vez, a dualidade das comunidades
dos morros cariocas, divididas entre
trabalhadores excluídos das áreas centrais e
bandidos à procura de esconderijos.
"O Morro da Favela é íngre Inc e escarpado;
as si ias encostaS e riba nceiras /iarçieia itt -se,
porém, de pequenos casebres sem higiene, sem
luz, sem nada. Para ali vão os mais pobres, os
mais necessitados, aqueles que pagando alguns
palmos de terreno adquirem o direito de escavar
as encostas dos morros e fincar com quatro
mau rões os quatro pilares de seu palacete. Ali não
moram apenas os desordeiros e os fac[noras....ali
lua ram também operã rios laboriosos, que a falta
ou ccirestia de cômodos afia para esses lugares
altos, onde se goza de unia bani teza ,elativa e
de uma suave viração que sopra co,! ti,, uiamnen te,
dulcificando a dureza da habitação."
 CAIXAH.

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À BEIRA DO ABISMO
O Morro da Favela fotografado por Augusto P. 218 - SOLIDEZ IMPERIAL
Malta no dia 22 de agosto de 1920. Tijolo com o selo do Império, preservado
A rqUiVIr Geral da Cidade do Rio de laneiro no Museu da Caixa, em São Paulo.
222 CASA PR()I'RIÀ
P. 223— TOMBA TUDO
Durante a gestão reforrnadora do prefeito Pereira Passos,
no Rio, centenas de habitações antigas eprecá rias foram
demolidas para dar espaço à larga e moderna avenida
Central, hoje avenida Rio Branco. O Bota-abaixo ajudou
a modernizar a cidade, mas também impulsionou o
crescimento das favelas.
Coleção Roberto Metiezos de Moroes
A falta de planejamento urbano, o
acelerado crescimento da capital do país, a
carência de espaços em uma cidade espremida
entre o mar e a montanha e os altos preços dos
aluguéis incentivaram o aumento das favelas
do Rio de Janeiro desde os primeiros anos do
século 20. Só no Morro da Favela havia, em
1904, cerca de cem barracos. O censo de 1933
registraria a existência de 1.458 habitações.
A falta de casas, especialmente para os pobres,
alimentava protestos de grupos de inspiração
anarquista. Em 1892, a Sociedade União dos
Proprietários e Arrendatários de Prédios atribuiu a
crise à imigração. Em 1907, a Liga dos Inquilinos do
Rio de Janeiro reivindicou a redução dos preços dos
aluguéis e pregou urna greve dos inquilinos com o
boicote ao pagamento. Em São Paulo, movimento
semelhante formou-se a partir de 1912. Ilustrativo
é o texto do manifesto da Liga dos Inquilinos
paulistana, datado de 1920: "Perante a exploração
em que dia a dia nos vemos espoliados, perante o
a umnento assustador, sempre crescente, dos aluguéis
das casas, pedimos ao povo e ao operariado em
geral, Como também a todos que pagam aluguel, a
comparecer às reuniões que se estão realizando por
toda a cidade, para disci.itirnios e orientarmos do
melhor modo sobre o caminho que devemos trilhar
perante a exploração de que somos vítuflas'
Entre as tímidas providências oficiais tomadas
no começo do século 20 está a decisão do município
de Petrópolis, no Rio de Janeiro, por meio da
Resolução n° 216, datada de 10 de dezembro de
1900. A medida fixava a isenção de impostos, pelo
prazo de sete anos, "às casas de vilas operárias que se
Construírem fl05 subúrbios da cidade e cujo aluguel
não exceder de 30$000 (30 mil-réis) mensais".
Por determinação da Prefeitura do Rio de
Janeiro, foram construídas, entre 1918 e 1920,
120 unidades habitacionais de dois pavimentos
independentes, destinadas a operários, agrupadas
em três conjuntos localizados na avenida Salvador
de Sá e rua São Paulo Leopoldo. Durante a
Presidência de Hermes da Fonseca (1910-1914),
foi retomada a política de concessão de benefícios
às construtoras. No governo seguinte, de Venceslau
Brás (1914-1918), o Ministério da Fazenda decidiu
financiar a construção de vilas operárias. A
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), travada na
Europa, propiciou um impulso à industrialização
de países periféricos com bom potencial de
mercado, como o Brasil. Também nesse período
iniciou-se a imigração japonesa.
Em 1920, o governo de Epitácio Pessoa
(1919-1922) adotou urna política oficial de
construção de casas de aluguel para "operários
e proletários' e, em 1923,0 governo de Arthur
Bernardes (1922-1926) aprovou a criação de
Caixas de Aposentadoria e Pensão para os
funcionários de todas as estradas de ferro. O
decreto que oficializou a medida é considerado
o ponto de partida das organizações de seguro
social no Brasil. Tais entidades assumiriam
grandes responsabilidades na criação de habitações
populares, com a implantação, a partir de
1930, das Carteiras Imobiliárias das Caixas de
Aposentadorias e Pensões.
Apesar da gravidade da crise habitacional,
pouco se fizera para equacionar o problema. Um
documento divulgado em São Paulo na década de
1930, pelos mentores da política de industrialização
do país, dá um quadro geral da situação:
"Problemas de solução difícil por simples
iniciativa privada, porque, em um país onde o
capital é escasso e caro e onde o poder aquisitivo
médio é tão baixo, não podemos esperar que a
iniciativa privada venha em escala suficiente
ao encontro das necessidades da grande massa,
proporcionando-lhe habitações econômicas. O
problema das moradias das grandes cidades
 CAIXA: 150 DE LD.\ EEII vL\ Rk\HI tI}.\ 223

- -- -

-- -
- - -

ç -

passa a ser questão de urbanismo, subordinado
as necessidades de ordem individual, social,
técnica, demográfica e económica. Para
sua integral solução, torna-se indispensável
a intervenção decisiva do Estado'
A primeira intervenção efetiva do governo
no setor habitacional ocorreu em 1937, com
a regulamentação das Carteiras Prediais dos
Institutos de Pensão e Previdência, órgãos
públicos pioneiros no financiamento da casa
própria para o trabalhador de baixa renda.
No governo de Getúlio Vargas (1930-1945), os
financiamentos irnobiliários concedidos pelas
Caixas Econômicas exibiam um viés paternalista
e concentrador. A aprovação dependia da
autorização direta do presidente da República. Já
as habitações construídas pelas Casas de Pensões
e Institutos de Aposentadoria serviam apenas
aos integrantes das categorias profissionais que
representavam. Até 1937, haviam sido construídos
por todas as caixas e institutos apenas 118
imóveis para residência de seus associados,
com juros de 6% ao ano e prazo de 20 anos.
Os imóveis de aluguel só mereceram a
atenção do governo em 1942. A Lei do Inquilinato
determinava o congelamento dos aluguéis, a fim
de torná-los compatíveis com os vencimentos
médios do trabalhador. As boas intenções não
neutralizaram os efeitos negativos da lei. Com os
aluguéis congelados, tornou-se desinteressante a
construção de imóveis para esse fim, o que reduziu
ainda mais o número de unidades disponíveis.
Em 1920, somente 19,1% dos imóveis paulistanos
eram de propriedade de seus moradores; em 1940,
esse percentual ainda era de apenas 25%. Em 1945,
enquanto o mundo celebrava o fim da Segunda
Guerra Mundial (iniciada em 1939), a habitação e
os transportes eram as maiores preocupações dos
brasileiros, segundo jornais da época.
224 CASA 000PRIA

A partir de 1940, a Prefeitura do Rio de

Janeiro implantou um programa de erradicação de
favelas, criando os Parques Proletários Provisórios.
Co Em 1942, o programa transferiu parte da Favela da
Praia do Pinto, às margens da Lagoa Rodrigo de
Freitas, para o Parque Proletário no 1, na Gávea,
com 700 unidades. Também realocou os moradores
da Favela do Livramento e do Morro do Pinto
para o Parque Proletário n° 2, no Caju. Em 1944,
foi entregue o Parque Proletário n° 3, no Leblon.
Embora não houvesse recursos financeiros
suficientes para atender às necessidades, os
Institutos de Aposentadoria e Pensões passaram
a se preocupar com a qualidade dos prédios. Para
isso, convocaram os mais destacados arquitetos
do país, que construíram conjuntos habitacionais
dentro dos novos conceitos arquitetônicos.
Exemplo dessas obras são os conjuntos do IAPI
Tijolo após tijolo... Vila do Carmo, em São Paulo, projeto de Attílio
cruzeiro após Corrêa Lima, e o Conjunto Residencial da Penha,
cruzeiro...
dos irmãos Marcelo e Milton Roberto. Em 1950,
Mão nue havia um total de 36 conjuntos residenciais
construídos no país.
e mão que "Os governos populisiis tmtaranl a questão
no pede da moradia mais Canja instrumento para assegurar
apojo eleitoral aos partidos governistas do que como
política pública", analisa Nabil Bonduki, concluindo
que a proliferação de órgãos públicos promotores de
habitação social e a escassez de resultados geraram

MATRIZ: HORÁRIO I)AS ÀS 17 HORAS uma política miúda de clientela e urna visão pouco
abrangente da questão habitacional.
ININTERRUPTAMENTE
Havia a necessidade de se contrapor
FILIAIS ME'l'JWPOLITANAS: ao avanço do Partido Comunista do Brasil
.\zenha lloiii Fiiii \lOIflhOS de Vento - nos grandes centros; o governo temia que a
Navegantes 1 a.s.so da Areia -. Passo da
insatisfação gerada pela crise de habitação e de
\Ianguei ra - Sào .Joio.
abastecimento em geral fomentasse rebeliões.
Urna das iniciativas neste sentido foi a criação

TIJOLO APÓS TIJOLO da Fundação da Casa Popular, primeiro órgão de

Propaganda da Caixa publicada em 1956 incentiva o âmbito nacional destinado a equacionar de forma
hábito da poupança para a construção da casa própria.
Acervo Caixa mais abrangente o problema da moradia popular,

uma vez que os JAPs (Institutos de Aposentadoria
e Pensões) tinham área de atuação delimitada,
prestando atendimento somente aos associados.
A Fundação Casa Popular contribuiu com
pouco menos de 10% de moradias construídas
pelos Institutos de Previdência. Apenas 900
moradias foram edificadas em média por ano. As
principais razões de seu fraco desempenho foram,
por um lado, o modelo clientelista característico da
época e, por outro, o tipo de sistema instituído. A
casa era totalmente subsidiada pelo governo, e as
prestações, não tendo um mecanismo de correção
que acompanhasse a inflação, não remuneravam
os recursos aplicados. A casa era quase um
prêmio aos "amigos" do governo. Em pouco
tempo, as prestações tornavam-se irrisórias, não
havia retorno e se tornava impossível ampliar o
atendimento. A fundação desenvolveu seu trabalho
até 1955, quando reduziu o ritmo de construções,
tendo praticamente paralisado suas atividades no
início dos anos 1960.
O golpe militar de 1964 extinguiu a Fundação
Casa Popular e criou, em agosto daquele ano, o
Banco Nacional da Habitação. O BNH passou a
ser o órgão central dos Sistemas Financeiros da
Habitação e do Saneamento, com a atribuição
de orientar, disciplinar, controlar e promover
a construção e a aquisição da casa própria,
bem como promover o saneamento básico,
especialmente para as classes de menor renda.
Havia ainda a razão oculta de revelar
a pretensa sensibilidade do novo regime em
relação às necessidades das massas despertadas
politicamente no governo de João Goulart, deposto
pelos militares. Reveladora dessa intenção é a
carta da deputada Sandra Cavalcanti ao general
Castelo Branco, primeiro presidente dos anos de
chumbo, na qual foi encaminhada a proposta do
plano de criação do BNH: "Aqui vai o trabalho...
CAIXA: 150 \Nos
nós achamos que a revolução vai necessitar agir
vigorosamente junto às massas. Elas estão órfãs e
magoadas, de modo que vamos ter de nos esforçar
para devolver a elas uma certa alegria. Penso que a
solução dos problemas de moradia, pelo menos nos
grandes centros, atuará deforma amenizadora e
balsâmica sobre suas feridas cívicas':
O então ministro Roberto Campos, um dos
artífices do sistema, adotou uma abordagem menos
cínica: "A 50114 Ção do problema pela casa própria
tem esta particular atração de criar o estímulo
de poupança que de outra forma não existiria, e
contribuir muito mais para a estabilidade social
do que o imóvel de aluguel. O proprietário da casa
própria pensa duas vezes antes de se meter em
arruaças e torna-se um aliado da ordem':
Os militares acreditavam que a produção
de casas populares renderia os seguintes pontos
positivos para o regime: simpatia por parte de largos
setores das massas que constituíam o principal
apoio social do governo popular anterior, além de
efeitos benéficos na economia por meio do estímulo
à poupança; absorção de um maior contingente de
mão de obra não qualificada; desenvolvimento da
indústria de material de construção; fortalecimento,
expansão e diversificação das empresas de
construção civil e das atividades associadas
- empresas de incorporação, escritórios de
arquitetura, agências imobiliárias etc.
A criação do BNH, a extinção dos IAPs e o
fim da Lei do Inquilinato mudaram o cenário da
produção de casas populares. A fim de baratear
valor dos imóveis e torná-los acessíveis a
uma faixa mais pobre da população, o governo
decidiu reduzir a qualidade das construções e
tamanho das unidades, além de levá-las para
locais cada vez mais distantes, ignorando as
experiências de cooperativas e mutirões que
apontavam soluções mais adequadas. Sobre os
I)E UMA FIESlÕRIA BRASILEIRA 225
terrenos, muitas vezes encostas de difícil acesso,
eram reproduzidos prédios padronizados,
desprovidos de conceitos arquitetônicos, na típica
concepção de moradia dos regimes totalitários.
Mesmo assim, tais moradias continuaram
inacessíveis para boa parte da população.
Os recursos aplicados nos financiamentos, de
acordo com a lei, viriam dos depósitos do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS, e da
caderneta de poupança. Para corrigir o montante
emprestado por meio do SFH, o governo criou
chamado Plano de Equivalência Salarial (PES),
em que as prestações aumentavam com base no
reajuste do salário da categoria profissional do
mutuário. Havia ainda o Fundo de Compensação
de Variação Salarial (FCVS), destinado a cobrir o
saldo devedor que restasse ao final dos 120, 180,
240 ou 300 meses do financiamento.
A política habitacional deu uma ênfase inicial
aos aspectos sociais e assumiu funções de estímulo
ao capital privado. Os investimentos públicos no
setor passaram a privilegiar as camadas de maior
rendimento. Apesar da quantidade nada desprezível
de 4,5 milhões de unidades financiadas pelo BNH
nos seus 22 anos de existência, aquelas formalmente
destinadas aos setores populares representaram
apenas 33,6% do total.
Essa terceira fase da política habitacional
no Brasil, iniciada com a criação do BNH
em 1964, encerrou-se com a extinção do
órgão em novembro de 1986. No entanto, o
fechamento do BNH, sem nenhuma tentativa
de equacionamento dos problemas concretos,
pareceu ser uma estratégia do governo da Nova
República, comandada pelo presidente José
Sarney, para angariar respaldo político num
momento em que se evidenciava o fracasso
do plano de estabilização econômica (Plano
Cruzado) e se propunham medidas econômicas
Corretivas extremamente impopulares.
226 CASA I'ROPRI\

A estagnação econômica durante o governo alocados pelo Estado no setor. No primeiro

José Sarney reduziu o nível de captação de semestre de 1990, foram financiadas 18.254

recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e unidades habitacionais para a população de

Empréstimo e do Fundo de Garantia do Tempo baixa renda e 52.195 (quase o triplo) para

de Serviço, os dois mecanismos fundamentais segmento com renda média superior.

para o funcionamento da política habitacional. Em 1990, o governo federal anunciou

Colaboraram ainda para o fracasso do sistema uma nova política habitacional, instituindo o

a ausência de política eficaz de fixação do Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH),

homem ao campo, a inadequada política de tendo como objetivo financiar a aquisição

utilização do solo urbano, impropriedade da de moradias populares, lotes urbanizados e

legislação sobre locaçào de imóveis, falta de novas material de construção às famílias com renda
tecnologias construtivas, excesso de normas e leis de até cinco salários mínimos. Buscou-se,
regulamentando o setor imobiliário, inexistência ainda, incentivar a autoconstrução por meio

de fontes alternativas de recursos e ausência de do sistema de mutirão, utilizando recursos

prioridades na captação dos recursos. oriundos do Fundo de Garantia do Tempo

de Serviço. Em 1996, esse programa possuía

A Caixa Econômica Federal vem 187.192 contratos, dos quais 58% apresentavam

acumulando experiência em financiamento elevados índices de inadimplência.

imobiliário desde a criação de sua Carteira A partir de 1995, a política habitacional

Hipotecária, em 1931. A absorção de passou a ser conduzida pelo Ministério do

conhecimentos estendeu-se, inclusive, à Planejamento e Orçamento, por meio da

formação de mão de obra de técnicos do BNH Secretaria de Política Urbana. No ano seguinte,

em sua fase de implantação. Com a introdução presidente Fernando Henrique Cardoso editou

do Sistema Financeiro da Habitação, em uma medida provisória criando condições

1964, a Caixa Econômica passou a ser um especiais para a renegociação de contratos, com

dos agentes do financiamento da moradia desconto de até 95% do saldo devedor. Somente

no Brasil. Por ocasião da extinção do banco, nos primeiros quatro meses após a edição da

a Caixa tornou-se o principal agente do MP foram liquidados cerca de 32 mil contratos,

Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo permitindo a arrecadação de R$ 335 milhões.

(SBPE), administradora do FGTS e de outros O governo também implantou diversos

fundos do SFH e condutora de programas de programas com diferentes linhas de crédito: Pró-

habitação de interesse social, de saneamento Moradia, Carta de Crédito - CEF, Programa de

e de apoio ao desenvolvimento urbano. Apoio à Produção de Habitação, Crédito com

Garantia Lastreada em Antecipação de Recebíveis,

A partir de 1986 e até meados de 1990 além do Programa Carta de Crédito - FGTS.

não se registrou nenhuma ação governamental De 1995 a 1998, os recursos para habitação

de grande significado ou, pelo menos, que atingiram o montante de R$ 9,53 bilhões,

se mostrasse eficaz no abrandamento da permitindo o financiamento de 913 mil unidades,

crise habitacional no país; nem mesmo que beneficiaram 3,55 milhões de pessoas.

uma melhor redistribuição dos recursos No mesmo período, o volume de contratos


administrados pela Caixa cresceu 48,57%,
apresentando, ao final de 1998, um estoque de
1,8 milhão de unidades. Foi mantida a política
de incentivo à liquidação antecipada de contratos
habitacionais mediante a concessão de descontos.
Em novembro de 1997, o governo federal
implantou o Sistema de Financiamento
Imobiliário (SF1), que trouxe corno principal
novidade a alienação fiduciária de bens imóveis
Essa é a mais eficiente forma de garantia para
credor que concedeu o financiamento, pois
ele se torna proprietário do bem até que o
financiamento seja integralmente pago. Já o
CAlXA:l5O\N i) L L\i.\ IIISlÕRIA BRASILIIRA 227
devedor fica somente com a posse direta do ACIMA E P. 226— SELVA DE PEDRA
Prédios constuídos em Porro Alegre, Rio
imóvel enquanto estiver pagando. Com o SF1,
Grande do Sul, com recursos repassados pelo
país passou a viver uma nova realidade. Banco Nacional de Habiração (BNH).
O ambiente de maior segurança econômica
verificado a partir de meados daquela década,
com baixas taxas de inflação e a perspectiva de
baixa nos juros, permitiu viabilizar investimentos
e aplicações de longo prazo. A criação das
companhias hipotecárias e securitizadoras
também ajudou a forjar este novo cenário,
reforçado pelo mecanismo de alienação fiduciária
para a garantia dos financiamentos imobiliários
que lastreiam os títulos emitidos.
 228 CASA l'ROPRL\
CRAQUE-PROPAGANDA
Rai, ex-jogador do São Paulo e da Seleção
Brasileira de futebol, convoca opúblico para
os Feirões Caixa da Casa Própria.
Acervo ria Caixa
P. 229- ESTRUTURA COMPLETA
A Caixa financia e gerencia obras de habitação
e de saneamento em todo o país.
FoSo Rogério Reis, ogrixcia Tyba
Caixa de ferramentas
R ealizar o sonho da casa própria, comum a todos
os brasileiros que ainda não lograram adquirir a
sua, depende, em primeiro lugar - e como quase tudo
na vida moderna-, de recursos financeiros. Além de
ter alguma segurança de que haverá dinheiro para
pagar as prestações, o ideal - e por certo inatingível
para boa parte da população - é fazer uma poupança
antes, dar uma boa entrada e reduzir o impacto das
parcelas mensais no orçamento doméstico. Mas,
mesmo para quem pode comprar, encontrar o imóvel
adequado e levar o negócio até o fim muitas vezes se
transforma em um imenso desafio.
Desde 2002, a Caixa promove os Feirões
da Casa Própria. Realizado em diferentes cidades
brasileiras, o evento atrai milhares de potenciais
compradores. O sucesso do empreendimento
não reside apenas na confiabilidade ou no peso
da Caixa no setor, do qual detém urna fatia de
cerca de 80%. Deve-se, também, ao formato
da promoção: em um único dia, em um único
lugar, o consumidor pode conhecer detalhes de
milhares de imóveis disponíveis, compará-los
e tirar dúvidas sobre os empreendimentos.
Além de funcionários da própria Caixa,
os Feirões - cujo principal garoto-propaganda
é o ex-jogador de futebol Raí - reúnem dezenas
de construtoras, outro tanto de imobiliárias e
representantes das prefeituras, dos cartórios e dos
Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis
(Creci), o que permite verificar as condições
estruturais e legais do imóvel, pedir financiamento,
efetuar a compra e encaminhar a documentação,
tudo no mesmo lugar. Embora sejam ofertadas
unidades novas e usadas, o financiamento da Caixa
só é garantido no caso das novas - 100% do preço
total -, com pagamento em até 30 anos. Podem ser
utilizadas cartas de crédito ou recursos do FGTS.
Criado para facilitar a vida de quem deseja
adquirir um imóvel - e, claro, para expandir os
negócios-, o Feirão encontrou no Simulador
Habitação, lançado em 2008, uma espécie de aliado
virtual. A ideia da ferramenta é dar ao cliente a
oportunidade de focar sua busca por um imóvel
e assim não desperdiçar tempo indo atrás de
negócios inviáveis ou inadequados ao seu perfil
socioeconômico. A página na internet, bem como o
formulário, são de absoluta simplicidade, contendo
apenas o essencial para sua funcionalidade, a fim de
que qualquer pessoa, mesmo sem experiência em
navegar na web, possa preenchê-lo com facilidade.
Logo ao entrar no simulador, o visitante
deve informar dados como a modalidade de
financiamento que deseja, o tipo de imóvel - novo,
usado, construção etc. -, valor aproximado, renda
bruta familiar, se possui algum convênio e qual
sua situação em relação ao FGTS. Com base nessas
informações, o Simulador indica as opções de
financiamento disponíveis para aquele perfil. Feita
a escolha, o usuário recebe dados como valor da
entrada, da primeira prestação, taxa de juros, entre
outras. A pesquisa pode ser refeita até que o sonho
do comprador se ajuste às suas reais possibilidades.
A combinação do Simulador com o Feirão
torna a aquisição da casa própria um processo mais
organizado, mais seguro e menos desgastante, uma
vez que o comprador chega ao Feirão sabendo o
que quer e o que pode, e isso simplifica bastante
as negociações. O uso adequado de ferramentas
modernas e de promoções que visam a facilitar
o cumprimento de todo o ritual necessário até o
cliente de fato pôr a mão nas chaves do imóvel tem
contribuído para impulsionar as vendas. Tanto
em 2009 quanto em 2010, o número de unidades
comercializadas beirou um milhão.
 C;\ IXA:ti W. H IS L(U]\ LSII LI 22 )

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1
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27

11
230 (:.\s.\ In!O!I.I .\
SONHO REALIZADO
O programa Minha Casa, Minha Vida
proporciona a compra da casa própria por
famílias com renda até dez salários mínimos.
P231 - O PAC SOBE O MORRO
Conjunto habitacionalfinanciado com recursos
do Programa de Aceleração do Crescimento
no Complexo do Alemão, no Rio.
FoCo Rogério Reis, sgénda Tybo
Caixa de soluções
R - ••'•
-'$,'
* "I - ' . •.-
—
-. .a .
. à . —b • à
A Caixa tem se revelado ágil na adoção de
modernas ferramentas mercadológicas e
tecnológicas - foram 164 milhões de simulações em
2010, ou 450 mil por dia, ou ainda mais de cinco
por segundo, com picos no período dos Feirões.
Embora utilíssimos e aprovados em larga escala pelos
brasileiros, tais mecanismos, no entanto, são apenas
acessórios, assim como a modernização das agências,
a qualificação das equipes, as melhorias de processos,
a democratização do acesso, entre outras dezenas de
fcilidades criadas ao longo dos anos.
O sustentáculo da carteira habitacional da
Caixa continua sendo a variedade de produtos
que coloca à disposição do público, capaz de
atender satisfatoriamente aos diversos perfis. Como
executora de longa data de programas do governo
federal, a instituição já beneficiou, com seus
financiamentos no setor, direta ou indiretamente,
.
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1 •_
-
1
quase uni terço da população. São inúmeros
os programas habitacionais de cunho social
gerenciados e bancados pela Caixa.
O Programa Minha Casa, Minha Vida,
por exemplo, inclui um pacote de medidas
destinadas a fomentar a construção de unidades
habitacionais e sua aquisição por famílias com
renda de até dez salários mínimos. Uma das
modalidades do Minha Casa, Minha Vida atende
a pessoas com renda de até três salários mínimos,
com prestação equivalente a 10% da renda bruta
e valor mínimo de R$ 50,00. Outra opção é o
Programa Nacional de Habitação Rural, no qual
agricultores devidamente enquadrados no Pronaf
(Programa Nacional de Agricultora Familiar)
obtêm hnanciamento como pessoa física ou por
meio de associação - dependendo da fàixa de
renda - para a compra de material de construção.
 CAIXA: 150 us ii ti 1-IIS10RIA BRASILFIRA 231

'1mhéni integrani o pacote o Programa

Habitacional Popular Entidades, que financia a
compra de moradia em área urbana para pessoa
física organizada de forma associativa, e o Programa
Nacional de Habitação Urbana, mediante o qual
a Caixa concede financiamento para a compra do
imóvel, sendo que muitas famílias - de acordo com
a faixa de renda - recebem ainda um subsídio do
governo federal a fim de ampliar sua capacidade
financeira, uma vez que são os pagamentos de
prestações que alimentam o sistema habitacional
brasileiro. Além de reduzir o impacto sobre o
orçamento doméstico, tal subsídio é uma forma de
cobrir os pagamentos em caso de desemprego ou
perda de renda do comprador.
Tudo isso no âmbito do Minha Casa,
Minha Vida, que prevê, até 2011, a construção
e a comercialização de 400 mil unidades nas
capitais e no seu entorno, além das regiões
metropolitanas de Campinas e da Baixada
Santista, ambas em São Paulo, bem como cm
municípios com mais de 50 mil habitantes.
Cada empreendimento deve ter no máximo 500
unidades, sendo a construtora contratada pela
própria Caixa, que é também a responsável pela
entrega dos imóveis concirtídos e legalizados.
Fora o Minha Casa, Minha Vida, vários
outros programas contemplam o espectro das 11
famílias de baixa renda, tais como o Crédito
Solidário, com taxa zero e 20 anos para pagar, o
qual inclui imóveis novos ou usados, construção
e reforma, O Programa Carta de Crédito Imóvel
na Planta, com recursos do FGTS, financia
construção, reforma e urbaniL ação de lotes,
diretamente às pessoas físicas, mas representadas
por entidades associativas. Caminho semelhante
segue o Parceria Carta de Crédito FGTS -
Operações Coletivas, que tem o mesmo o público-
alvo e concede financiamentos e subsídios, neste
caso somente para imóveis urbanos.
232 CASA PROPRL\
ACIMA E P. 233- PROBLEMA HiStÓRICO
As obras do PAC destinam-se a reduzir o déficit
habitacional de mais de cinco milhões de unidades.
Foro, Rg5ro Rci, Agènd, Tyba
() Pró-Moradia, que utiliza recursos do
EGI'S, destina-se a estados, municípios e empresas
públicas e financia obras de infraestrutura
habitacional e de alternativas habitacionais, com
gerenciamento do Ministério das Cidades, sendo
que a Caixa contribui com sua experiência na
formulação, na análise e no acompanhamento
dos projetos. A Caixa oferece ainda o Programa
de Arrendamento Residencial e o Programa Carta
de Crédito FGTS, que financia e subsidia compra,
construção, reforma ou compra de material para
uma faixa de renda de até R$ 4,9 mil, entre outras
operações no Setor.
Mas, acima das cifras e das siglas, situa-
se um problema realmente grave que existe
desde OS tempos do Brasil Império, conforme
SC Viu neste capitulo. Muito além de discursos
e peças publicitárias, a Caixa tem dado uma
contribuição expressiva para ajudar a diminuir
déficit habitacional, um dos grandes nós do
desenvolvimento do país. I)e acordo com o
estudo Déficit Nacional 2008 (publicado em 23
de julho de 2010), o problema vem se reduzindo
a cada ano, a despeito de ainda estarmos
muito distantes de um cenário almejado.
() levantamento, feito pela Fundação João
Pinheiro, em parceria com o Ministério das Cidades,
Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), e utilizando dados
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD), do IBGE, apontou, entre outros, os
seguintes dados:
"O déficit habitacional no Brasil estimado para
2008 corresponde a 5,572 milhões de domicílios, dos
quais 83% estão localizados nas áreas urbanas.
"As nove áreas metropolitanas do país
selecionadas pela I'NAD possuem 1,5 milhão de
domicílios classificados como déficit, o que representa
27,6% das carências habitacionais do país.
"Em termos relativos, o déficit representa 9,7%
do estoque de domicílios do país, sendo 9,4% nas
áreas urbanas e 11,3% nas rurais.
"Em 2008, o déficit continua seguindo
tendência de diminuição em termos relativos
(essa redução é verificada ao longo dos últimos
anos) e, em termos absolutos, no último ano,
houve redução de cerca de 450 mil unidades no
déficit habitacional: de 6.020.434 (em 2007) para
5.572.313 milhões de domicílios, sendo 250 mil nas
regiões metropolitanas.
"Concentração do déficit na faixa até três
salários mínimos (89,6%) e entre três a cinco
salários mínimos (7,0%), faixas que somam juntas
96,6% do déficit."
Tais números ajudam a hahizar as políticas
habitacionais do governo federal, bem como a
orientar a atuação ela Caixa no setor. Quando
se fala em déficit habitacional, não estamos nos
referindo apenas aos que simplesmente não tèm
onde habitar, os chamados "sem teto" mas sim
a brasileiros de todas as paragens que, embora
possam dormir com um teto sob sua cabeça, o
fazem de modo absolutamente precário. Incluem-
se aí os que pagam aluguéis acima de suas
possibilidades, OS que moram "de favor" nas casas
de parentes ou amigos, ou dividem residência até
mesmo com estranhos, e os habitantes do que
os técnicos chamam de "doniicílio rústico", cujo
termo é autoexplicativo, sem contar os moradores
de regiões não urbanizadas ou de áreas de risco.
Quando lança um novo programa
habitacional ou cria facilidades de todo tipo
para a compra de um imóvel, é a estes milhões
de brasileiros que a Caixa se dirige. Pessoas
que, dezenas de milhares de anos depois que os
primeiros humanos passaram a habitar grutas
e reentrâncias de rocha em nosso território, e a
despeito de todos os avanços ela civilização, ainda
se limitam a sonhar com seu próprio cantinho.
 CAIXA: $() .\Nu' 1)11 LL\ IIiORI,\ kASILkÍI,\ 23$

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3.
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FGTS
Caixa concentra atualmente todas
as contas do Fundo de Garantia
do Jmpo de Serviço. Além de
a contiabilidade da instituição
proporcionar tranquilidade aos trabalhadores, os
recursos são utilizados no tinancianiento de obras
habitacionais e de saneamento básico em benefício
de todos os brasileiros. A guarda do FGTS pela
Caixa, apesar de por vezes parecer algo há muito
consolidado, é relativamente recente. () próprio
FG'l'S, em termos históricos, não é tão antigo assim
uma vez que primordialmente a discussão em torno
de garantias aos trabalhadores contemplava não a
formação de um pecúlio — caso do Fundo -, mas de
sLLa eventual estabilidade no emprego.
A primeira menção à estabilidade no
serviço público de que se tem registro foi incluída
na Constituição Política do Império do Brasil,
promulgada em 25 de março de 1824, quase quatro
décadas antes da criação da (-aixa. Em seu TítLllo
51, Capítulo VIII, Artigo 149, a Carta citava, meio
de passagem, algo passível de tal interpretação:
"Os Officiaes do Exército e Armada não podem
ser privados das suas Patentes, senão por Sentença
proferida em luízo con1peLentc" Não havia, contudo,
referência aos servidores civis, que podiam ser
nomeados ou dispensados a qualquer tempo pela
vontade do imperador, na época 1). Pedro 1. Com a
proclamação da República, em 1889, chegou a ser
determinado quea demissão de um servidor público
só poderia ocorrer mediante ordem judicial, mas tal
expediente vigoraria por menos de quatro anos.
Os funcionários públicos, aí incluindo os civis,
ganharam, a partir de 1915, uma certa estabilidade,
condicionada ao cumprimento de dez anos de
serviço. O primeiro documento legal a abordar
assunto e estendê-lo à iniciativa privada foi o
Decreto n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923, mais
conhecido como lei Eloy Chaves, em homenagem
ao seu autor. De acordo com a lei, que, entre outras
coisas, lançou as bases da Pi-evidéncia Social no
Brasil, os ferroviários com dez anos de trabalho
só poderiam ser demitidos cni função de uma
falta considerada grave e apurada em inquérito
administrativo conduzido pelo governo federal,
criando uma jurisprudência que aos poucos
estenderia o direito a outras categorias.
Embora pudesse soar como uma palavra
mágica aos ouvidos dos beneficiados, a estabilidade,
em seu modelo inicial, continha fàlhas importantes.
Primeiro porque, ainda que não corresse o risco de
perder o emprego, o trabalhador chegaria ao fim
da vida sem ter amealhado qualquer património.
Segundo, porque muitos empregadores por certo
tratariam de dispensar seus funcionários antes de se
completarem os dez anos. Por fim, sempre haveria
risco de a empresa ir á falência OLI fechar as portas
por qualquer outro motivo e a qualquer momento.
l)epois de algumas tentativas frustradas
de regulação, 0 tema recebeu tratamento
236 FGTS
Mii.i,tírIo do 'l'r,sI,oll,o. In.I€t,.Lrju o Cn,ntrcio
IEl'I(l'.%ME:',l'() N U1ll)N'tt. TiO EH tIlT.Il()
Sertico 41,. Ide,, ti íieuçito I'rofjo,lo,.aI
Carteira Profti;jonaI
O NÚMERO 1
A primeira carteira de trabalho foi emitida em nome
de seu criador, o presidente Getúlio Vargas, em 1943.
Maeu da Repúbliea, Rio de Janeiro
P. 234- CANTEIRO DE OBRAS
Construção de um conjunto habitacional em
Porto Alegre financiado com recursos do FGTS
adequado no Decreto-Lei n° 5.452, de 10 de
maio de 1943, já no final da Era Vargas, que
institwu a Consolidação das Leis do Trabalho
(CEI'). Alguns artigos (texto original):
"Art. 477— É assegurado a todo empregado, não
existindo prazo estipulado para a terminação do
respectivo contrato, e quando não haja êle dado
motivo para cessação das relações de trabalho, o
direto de haver do empregador uma indenização,
paga na base da maior remuneração que tenha
percebido na mesma emprêsa."
"Art. 478 - A indenização devida pela rescisão de
contrato por prazo indeter,ninado será de 1 (um)
mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou
por ano efração igual OU superior a 6 (seis) meses."
"Art. 492 — O empregado que contar mais de
10 (dez) anos de serviço na mesma empresa
não poderá ser despedido senão por motivo
de falta grave ou circunstância de força
o/aio,; devidainente comprovadas."
"Art. 497— Extinguindo-se a empresa, sem a ocorrência
de motivo de força maior, ao empregado estável
despedido é garantida a indenização por rescisão do
contrato por prazo indeterminado, paga ciii dobro."
"a4rt 499/ § 30 - A despedida que se verificar
com o Jim de obstar ao empregado a aquisição de
estabilidade sujeitará o empregador a pagamento em
dobro da indenização prescrita nos arts. 477 e 478."
O texto da CLT preenchia as principais
lacunas, mas ainda deixava em aberto uma questão
primordial: a formação de um patrimônio por
parte dos empregados. Em 1958, no governo de
Juscelino Kubitschek, toi aprovada uma lei que
permitia às empresas deduzir do Imposto de Renda
as contribuições para um fundo dos trabalhadores.
A regulamentação dessa medida, entretanto, viria
somente em 1964, quando o presidente João Goulart,
em 20 de março, a poucos dias de ser derrul,ado
por uru golpe militar, assinou o Decreto n° 53.787,
instituindo o Fundo de Indenizações Trabalhistas
(FIT), formado por títulos da dúvida pública. No
ano seguinte, o novo regime lançaria o Fundo de
Assistência ao Desempregado (FAI)), formado, em
sua terça parte, por recursos destinados ao FF1'.
Finalmente, em 13 de dezembro de 1966, a Lei
n° 5.107 criou o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), que entraria em vigor em janeiro
do ano seguinte. Na opinião de Walter l'eracchi
Barcelos, então ministro do Trabalho do governo
Castello Branco, o instituto da estabilidade, "longe
de corresponder a uma vantagem efetiva para os
empregados, voltou-se contra eles, pelo menos para a
grande maioria, deixando de preencher a finalidade
inicia/mente pretendida, quando da sua generalização
há mais de 30 anos, para transformar-se em um
obstáculo à própria segurança no emprego'
A nova lei concedia aos trabalhadores a
possibilidade de optar: ou se manteriam sob o
sistema de estabilidade - inócuo, pois grande
parte era demitida antes do fechamento desse
período - ou optariam pelo FGTS, uma espécie
de poupança formada por depósitos mensais
dos empregadores da ordem de 8% do valor dos
salários. Tais recursos, acrescidos de juros e correção
monetária, seriam acumulados ao longo da carreira,
formando um pecúlio a ser usufruído por ocasião
da aposentadoria, podendo ser sacado ainda em
caso de invalidez ou demissão por justa causa, entre
outras situações excepcionais.
A novidade não beneficiava apenas diretamente
os trabalhadores. Seus efeitos eram bem mais amplos,
uma vez que os recursos depositados na conta do
Fundo dariam novo fôlego ao Sistema Financeiro
da Habitação (STF) que até então se valia apenas
de dinheiro oriundo das cadernetas de poupança
e de aplicações em letras de cámbio - e, com isso,
fomentariam o crescimento da construção civil,
ampliando a oferta de imóveis a preços populares
e gerando milhai-es de empregos. Somente no
primeiro ano de vigência da nova lei, o Banco
Nacional da Habitação já recebera uma injeção de
600 milhões de cruzeiros do FGTS. As vantagens
eram mútuas, pois, mesmo sendo praticados
juros menores do que os de mercado, a operação
garantia a rentabilidade das contas do Fundo.
Enquanto eventuais polêmicas acerca do novo
sistema de garantia ao trabalhador se dissipavam, e
depois de se revelar um ótimo parceiro do Sistema
Financeiro da Habitação, em 14 de outubro de
1969, por meio do Decreto n" 949, o FGI'S tornou-
se também financi-ador do Plano Nacional de
Saneamento (Planasa). Habitação e saneamento
eram problemas históricos no Brasil —e ainda o são,

neste século 21 -, mas, apesar disso, nunca haviam
sido contemplados com programas efetivos por parte
do governo. Antes da criação do SF11, o setor de
habitação eram impulsionado, além das iniciativas
particulares, somente por medidas isoladas de parte
da Caixa Económica Federal, das Caixas estaduais, de
institutos de previdência e companhias de seguros.
Pior ainda era a situação do saneamento
básico, visceralmente dependente do poder
executivo. A ausência de esgoto e água ti-atada
em boa parte do território nacional levava a um
quadro de alta incidência de todo tipo de doenças
e absurdas taxas de mortalidade infantil. Os
recursos necessários para se mudar esse cenário
estavam além das possibilidades da maioria dos
municípios brasileiros. O decreto de criação
do Planasa incluiu a instituição de companhias
estaduais de saneamento, a tini de que os
recursos fossem mais bem aproveitados graças à
observação das características de cada região. O
dinheiro advindo do FGTS passou a ser investido
da seguinte forma: 60% em habitação, 30% em
saneamento e 10% em infraestrutura urbana
(eletrificação, pavimentação e outras providências
decorrentes dos programas habitacionais).
Quatro anos depois de criado, o FGTS já se
convertera na opção de 70% dos trabalhadores
brasileiros com carteira assinada. Mais de 350 mil
moradias haviam sido construídas ou financiadas
graças aos recursos do Fundo, cuja arrecadação
crescia à ordem de 15% ao ano e representava,
a essa altura, 12% do total de depósitos na rede
bancária nacional. Os empresários, em princípio
céticos, foram percebendo que, embora os depósitos
do FGTS fossem de 8% dos salários, o impacto
real na folha de pagamentos era estimado em
2,8%, graças à extinção de outros instrumentos
promovida a titulo de compensação.
Contudo, ao completar dez anos, no final
de 1976, o FGTS, adotado pela ampla maioria
CAIXA: 1 50
dos trabalhadores, despertava desconfianças. O
clima de insegurança devia-se basicamente a
dois fatores: a desvalorização dos depósitos e os
graves problemas de gestão do Banco Nacional
da Habitação. O primeiro tinha urna causa óbvia
e de simples resolução. No início, os depósitos
recebiam juros e correção monetária a cada três
meses. A bonança financeira propiciada pelo
"milagre econômico" - que no ano seguinte se
revelaria insustentável, e cujos efeitos estariam na
gênese da fase da hiperinflação levara o governo,
em 1972, a pedido dos bancos, a mudar as regras
do jogo, passando a corrigir o saldo apenas urna
vez por ano. Como a inflação voltara a crescer, os
recursos do Fundo estavam se deteriorando. Mas
isso logo se resolveu com a decisão do governo
de retomar a prática das correções trimestrais.
A segunda questão era mais complexa e
profunda. Em função de o BNH não possuir
estrutura adequada, os recursos eram depositados
em bancos privados que os repassavam ao BNH,
que só então os aplicavam no Sistema Financeiro
da Habitação. A mera observação desse ciclo
indica um processo muito burocrático, portanto
lento, com prejuízos para todos. Mas o problema
maior era outro: a fim de cobrir eventuais saldos
negativos dos financiamentos habitacionais, fora
criado o Fundo de Compensação de Variações
Salariais (FCVS), cujos recursos provinham
de taxa embutida nos financiamentos. Apesar
disso, e dos subsídios e outros mecanismos dos
quais o governo lançava mão para assegurar
a capacidade de pagamento dos mutuários,
FCVS, inicialmente um fundo de reserva,
ou seja, de caráter emergencial, acabou se
tornando responsável por cobrir os crescentes
rombos nas contas. Tornara-se óbvio que
sistema era insustentável, e a falência do
SFH, iminente, sendo que ele era urna das
principais fontes de remuneração do FGTS
os DE UMA HIStÓRIA BRASILEIRA 237
Enquanto se discutia o futuro - ou a falta
de do SFI-1 e do BNH, podiam-se comemorar os
avanços de alguns indicadores. Em parte graças
aos recursos oriundos do FGTS, de 1967 a 1980
haviam sido erguidas mais de 1,5 milhão de
unidades habitacionais. O número de domicílios
urbanos com sistema de esgoto (58,1(VO) e água
canalizada (71 %) também se expandira de modo
considerável. O FGTS mostrara-se um sistema
eficiente sob todos os ángulos, mas seguia tendo
seus recursos geridos e sua rentabilidade - e,
em última análise, sua própria sobrevivência -
ameaçada pela incapacidade do BNH. Além do
mais, os destinos da política habitacional estavam
ligados ao sonho maior de milhões de brasileiros:
usar seu FGTS para comprar a casa própria.
Em 21 de novembro de 1986, já no governo
civil de José Sarney, e com a economia novamente
em frangalhos em função do naufrágio do
Plano Cruzado, o Banco Nacional da Habitação
foi finalmente extinto. O Decreto-Lei n° 2.291
repassou ao Ministério do Desenvolvimento
Urbano a formulação da política habitacional,
ao Conselho Monetário Nacional o controle
do SFH, ao Banco Central a fiscalização das
instituições financeiras integrantes do sistema
e à Caixa Econômica Federal a administração
do passivo, do ativo, do pessoal e dos bens
do BNH, bem como a gestão do FGTS.
A medida representou um expressivo
reforço no já relevante papel que a Caixa sempre
desempenhara na economia nacional e no dia a dia
dos brasileiros. O setor habitacional beneficiava-
se por estar nas mãos de uma instituição
centenária com larga tradição no setor e na qual
povo brasileiro confiava. Os trabalhadores
também se sentiram mais seguros por saber
que o dinheiro do Fundo de Garantia, uma
poupança compulsória depositada em seu nome,
repousava e crescia agora nos cofres da Caixa.
238 FGTS
Mais tranquilidade ainda os beneficiários
passaram a ter dois anos depois, quando o FGTS
tornou-se direito assegurado pela nova Constituição
brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988.
O sistema de estabilidade agora existia apenas de
modo residual, abarcando tão somente qiem havia
optado pelo antigo sistema. Fora esses casos, cada
vez mais reduzidos, estavam sob o guarda-chuva
do FGTS todos os trabalhadores urbanos e rurais
regidos pela CLT, bem como empregados avulsos
como estivadores, por exemplo. Ficaram de fora
trabalhadores eventuais, autônomos e domésticos,
além dos servidores públicos civis e militares, esses
por estarem sujeito a regime próprio.
A Lei n° 7.839, aprovada pelo Congresso
Nacional em 12 de outubro de 1989, promoveu
alterações no regulamento do FGTS - então com
100 milhões de contas - a fim de tornar sua gestão
mais competente e transparente. Uma das mudanças
era de ordem econômica: a correção monetária
incidente sobre os depósitos - além dos juros anuais
de 3% deixava de ser trimestral para se tornar
mensal, medida destinada neutralizar a corrosão
causada nos recursos pela inflação elevada.
A nova lei também criou um Conselho
Curador do FGTS, tornou obrigatório o investimento
de 60% dos recursos em habitação e determinou
que todas as contas vinculadas do Fundo - ativas e
inativas—, antes pulverizadas na rede privada, fossem
transferidas para a Caixa. Paulo Mandarino, então
presidente da Caixa, ajudara a lançar as bases da
reforma que resultou na nova lei. Em suas palavras,
"O FGTS vinha se transformando num labirinto"
O tal labirinto era formado por uma rede de 76
bancos e duas dezenas de diferentes sistemas de
processamento, um emaranhado que emperrava a
gestão do Fundo, retardando e encarecendo as obras.
O tempo máximo para que os depósitos do Fundo
feitos pelas empresas nos banco privados chegassem
à Caixa passou a ser de 48 horas, enquanto ao
tempo do extinto BNH o prazo médio era de 72
dias, período no qual os bancos aumentavam
seus lucros girando o capital que, por sua vez,
deixava de render em benefício dos trabalhadores.
Além disso, o fato de os recursos se destinarem a
projetos de cunho social acabava por gerar uma
certa despreocupação em satisfazer os beneficiários
do FGTS, os verdadeiros donos do dinheiro.
O Conselho Curador estava previsto na lei
que criou o FGTS, em 1966, e ele de fato existia,
mas na prática o governo decidia sozinho sobre
onde e como aplicar os recursos. No fundo, o
BNI-1 apenas executava as diretrizes económicas
do Planalto, ou seja, tinha uma gestão política,
sujeita a todo tipo de interferência, fator que por
certo colaborou para a falència do modelo. O
novo Conselho, integrado por seis representantes
do governo, três dos trabalhadores e três dos
empresários, tornou o processo mais transparente
e eficiente ao dar voz ativa a todos os segmentos.
À Caixa caberia executar as ações definidas
pelo Conselho, e estaria sob sua permanente
fiscalização, aumentando a segurança do sistema.
De acordo com a lei, todas as contas vinculadas
do FGTS deveriam ser transferidas dos bancos
privados para a Caixa. Havia, no entanto, sérias
dúvidas se isso de fato ocorreria, tendo em vista o
poder de pressão dos grandes grupos financeiros, que
questionavam a capacidade da instituição de assumir
uma operação desse porte, envolvendo cem milhões
de contas. A incorporação foi feita em etapas,
começando pelas instituições menores, a partir de
abril de 1991. Até o final daquele ano, 16 milhões
de contas, metade das quais ativas - que, portanto,
recebiam depósitos novos -, já estavam sob gestão da
Caixa. O lance definitivo, no entanto, ocorreria no
início de 1992, quando a Caixa abiscoitou a cereja do
bolo na forma das 10 milhões de contas que estavam
em poder do Bradesco, então o maior banco privado
do Brasil - título hoje nas mãos do ltaú-Unibanco. 0
episódio mostrou que a centralização era para valer.
A concentração de todas as contas na Caixa
apresentava inúmeras vantagens, a começar pela
agilidade, a transparência e a utilização racional
dos recursos. Abria, ainda, outras perspectivas aos
beneficiários, entre as quais a possibilidade de efetuar
saques em contas inativas, assim consideradas por
não terem recebido depósitos ao longo de três anos.
Cerca de 70 milhões de contas inativas guardavam
valores da ordem de US$ 6 bilhões, uma enormidade
de dinheiro até então retido. Em meados de 1993,
os recursos começaram a ser liberados mediante
um cronograma. Somente nos primeiros 12 meses,
mais de US$ 1 bilhão saiu dos cofres da Caixa
para o bolso dos beneficiários, ajudando não só
a eles, mas a movimentar toda a economia.
Ajustes pontuais seguiam aprimorando o
FGTS. A Lei n° 9.491, sancionada pelo presidente
Fernando 1-lenrique Cardoso em 9 de setembro de
1997, pôs fim a um expediente muito utilizado até
então: a fim de poder sacar o FGTS, o funcionário
pedia ao empregador que o demitisse sem justa
causa. Em troca, abria mão- do todo ou de parte
da indenização de 40% sobre o valor do Fundo. Ou,
então, alguém demitido por decisão da empresa era
pressionado a abrir mão desse direito. Em ambas as
situações, assinava uni documento no qual afirmava
ter recebido os valores integrais. A nova lei acabou
com isso ao determinar que os depósitos fossem
feitos diretamente na conta vinculada do FGTS, e não
mais na conta pessoal do empregado, por exemplo.
Algumas distorções, contudo, somente seriam
resolvidas pela via judicial, caso do prejuízo causado
aos beneficiários do Fundo pelos planos Verão
(governo Sarnes'), de 1989, e Collor 1 (governo
Fernando ColIor), de 1990. Nos dois casos, o
saldo do FGTS não incorporara a devida correção
monetária. A injustiça começou a ser reparada em
31 de agosto de 2000, quando o Supremo Tribunal
Federal mandou pagar a diferença. A decisão referia-

se a uma ação movida por 22 trabalhadores gaúchos,
mas seus efeitos se estendiam e todas as 600 mil ações
pendentes de julgamento e, firmada a jurisprudência,
era reconhecido o direito de todos com saldo na
época, tivessem ou não recorrido à Justiça.
A menos que estivesse disposto a enfrentar
milhões de ações semelhantes, com evidentes
pi-ejuízos aos cofres públicos, o governo teria de
encontrar uma forma de efetuar OS pagamentos.
Assim, em 28 de junho de 2001, o Congresso
aprovou uma lei complementar estabelecendo as
regras para a reposição, ao longo dos cinco anos
seguintes, das perdas de 68,9% a 32 milhões de
trabalhadores, num total de R$ 40 bilhões. Para ter
direito, bastava assinar um termo de adesão ao
plano, abi- indo mão de futuras ações na Justiça. ()
governo, por sua vez, a fim de obter esta montanha
de dinheiro, aumentou de 401)/o para 50% o valor da
indenização em caso de despedida sem justa causa,
e de 8% para 8,5% do salário o valor depositado
mensalmente pelo empregador.
Além de representar um direito dos
trabalhadores, desde a criação o FGTS sempre foi
um relevante instrumento de desenvolvimento, e
sua importància tem crescido nos últimos tempos.
Um dos mais notáveis exemplos disso é o Sistema
Cantareira, integrado por um complexo de canais,
túneis, represas, estações de hombeamento e de
tratamento de mananciais localizados a mais de
cciii quilómetros de São Paulo e que chegam a
reservatórios nas cercanias da capital. O complexo,
que abastece de 33 mil litros de água por segundo
mais de 9 milhões de pessoas, quase a metade da
população da Grande São Paulo, orçado em USS 1
bilhão, começou ser construído em 1966 e tomou
impulso com a criação do Planasa. Somente entre
1968 e 1986, o FGTS repassou mais de R$ 8 bilhões
às companhias estaduais de água e saneamento.
No iflÍCiO de) governo Luiz Inàcio Lula da
Silva, em 2003, o FGTS passou a ser gerido pelo
CAIXA:l50\.\o
recém-criado Ministério das Cidades. Ao flieSiflo
tempo, o governo abriu aos beneficiários do Fundo
a possibilidade de utilizar esses recursos na aquisição
de ações da Petrobras e da Vale, uma forma de
estiniular pequenos investidores a ingressar no
mercado de ações, oferecer uma opção i-entàvel
aos cotistas e, claro, pulverizar as ações das duas
companhias. A Lei ii" 9.491, de 1997, permitia o uso
de até 501% do saldo do FGTS em operações na Bolsa,
sendo que, em 2000, 250 mil trabalhadores já haviam
comprado R$ 1,6 milhão em ações da Petrobras e,
em março de 2002, R$ 1 milhão em ações da Vale.
Cada vez mais importante e mais presente
lia vida dos brasileiros, e) F'l'GS foi ganhando
transparência e agilidade ao longo da primeira
década do século 21. A Caixa lançou em 2001 o
Conectividade Social, que permite o recolhimento
das contribuições e o repasse de informações dos
trabalhadores por meio da internet. A partir de
2003, o pagamento da Guia de Recolhimentos do
FGTS e Informações à Previdéncia Social passou
a poder ser feito em todo o sistema bancário,
com a entrega do recibo pela caixa postal do
Conectividade. 1-Joje o trabalhador tem acesso pela
internet ao certificado de regularidade de sua conta
no FGTS, e depósitos de menor valor nas contas do
Fundo podem ser realizados em agências loterias.
litmhém é possível verificar o saldo pelo celular.
Esse conjunto de medidas vem tornando a gestão do
FGTS mais ágil e democrática.
Nada disse) teria o mesmo valor se o FGTS
não fosse um dos grandes financiadores do
desenvolvimento social no Brasil. Foi em torno
de unia vila de agricultores erguida com recursos
do FGTS, em 1986, por exeniplo, que nasceu a
cidade de Iagoa Grande, em Pernambuco, num
lugar antes quase desabitado e que hoje produz
vinho de qualidade e exporta frutas. Obras de
irrigação e de infraestrutura para dar suporte ao
crescimento viabilizaram económica e socialmente
1)1: LI\ IIH()IO,\ BR\!IFIk.\ 239
a região. A comunidade de Alagados, na periferia
de Salvador, um emblema das condições precárias
em que vivem os moradores pobres das grandes
cidades, recebe recursos do FGTS desde os anos
1970, sendo que nesta última década houve
forte incremento no repasse de verbas.
Ao completar 40 anos de existência, em 2006,
último ano do primeiro mandato do presidente
lula, o FGTS exibia números robustos: somente
na área habitacional, foram investidos desde 1966
um total de R$ 70 bilhões no financiamento de 6
milhões de imóveis, beneficiando diretamente 38
milhões de brasileiros e gerando (ou mantendo)
5 milhões de empregos. Neste mesmo periodo,
Fundo pagou aos trabalhadores o montante
de R$ 251 bilhões. Ao final de quatro décadas,
duas das quais lias mãos da Caixa, o FGTS
representava 109% do PIB nacional. Já o saneamento
básico recebeu investimentos do FGTS 1)0 valor
de R$ 10 bilhões entre 1986 e 2006, levando
melhorias à vida de 64 milhões de pessoas e
criando mais ele 2 milhões de empregos.
Em 2010, obras financiadas pelo FGTS na
área habitacional beneficiarão 472 mil famílias
e, em saneamento e infra-estrutura, 25 milhões
de pessoas. Os investimentos ultrapassarão os
R$ 56 bilhões, com a criação ou manutenção de
2,5 milhões de postos de trabalho. O ritmo de
contratação de mão de obra nessas áreas tem
sido recorde, com destaque para o Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) e o
programa Minha Casa, Minha Vida. Já o Fundo
de Investimentos do FGTS (FI-FGTS) - que
utiliza apenas recursos do Património l.íquido
do FGTS, a parte do ativo que excede o saldo
das contas individuais—, gerielo pela Caixa,
tem proporcionado relevantes investimentos
em infraestrutura. O FGTS segue garantindo
patrimônio dos trabalhadores e ajudando a
impulsionar o desenvolvimento nacional.
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4
LOTERIAS

pesar de a Caixa Econômica eram realizadas na antiguidade por povos como os

< solilente ter assumido o hebreus, egípcios, hindus e chineses. Os registros

'. comando da loteria em 1961 mais consistentes, rio entanto, indicam a Roma

concurso teve forte ligação antiga como o legítimo berço dessa forma de jogo

coin seu nascimento, exatos cem anos antes. Para com sorteio de prêmios. Tbdos os anos, durante a

entrar em funcionamento, a Caixa precisava de um celebração das Saturnais, havia uma espécie de loteria

capital mínimo de 30 contos de réis (30:000S000), cujos bilhetes eram gratuitos e todos premiados.

conforme determinava o Decreto n° 2.723, de 12 Ao encerramento de números circenses, fichas

de janeiro de 1861. Pois ao abrir as portas, a 4 de atiradas ao povo davam direito a prêmios iguais. Foi

novembro daquele ano, a Caixa Econômica e Monte imperador Augusto quem lançou a novidade dos

de Socorro da Corte já contava com um "fundo prêmios diferentes, de maior ou menor valor. Ele

de operações' três vezes superior ao estabelecido também introduziu o sorteio de prendas depois dos

por lei: 92 contos e 400 mil-réis (92:400$000), banquetes. 1 )omiciano e Nero mantiveram a tradição.

provenientes da taxa de 1 %á sobre o imposto (de 0 imperador 1-leliogábalo a adaptou a seu mau

12%) cobrado sobre as 77 loterias extraídas desde gosto e passou a sortear presentes indesejados, como

a emissão da lei de 27 de setembro de 1860, que animais mortos ou insetos.

determinava aquele repasse. Na Renascença, a loteria italiana adotou o uso

Nos meses seguintes à inauguração, houve de bilhetes pretos e brancos, em que só os primeiros

novos aportes de capital — todos oriundos de eram premiados, razão pela qual foi chamada de

loterias, sempre no valor de um conto e 200 mil- bianca 011 hianca carta. O expediente de substituir
réis ( 1:200S000). Naverdade, a ligação entre a alguns membros do Congresso genovês por meio

instituição e a loteria já se tornara direta e explícita do sorteio de cinco bolas retiradas de uma urna

desde a Ilomeação do comendador João Pedro da contendo 50 esferas deu origem a outra loteria, o

Veiga para um cargo diretivo no conselho da Caixa Jogo do "Seminário' palavra que também significa

Econômica e Nlonte de Socorro da Corte Não por urna. A novidade espalhou-se pela Europa. Em

acaso, Veiga era também diretor da Loteria da Corte, 1 539, na França, o Estado a promovia em benefício

que funcionava em um prédio da rua da Quitanda, dos cofres públicos. Vários países adotaram o

no centro do Rio de Janeiro. modelo. Em Portugal, as loterias foram criadas por

No século 19, a loteria não configurava uma Pedro li (que reinou de 1683 a 1706) como forma

novidade histórica. Formas primitivas de sorteio já de evitar a 1 uília da Coroa.

w
As primeiras loterias semelhantes às
atuais surgiram em meados do século 15 a
fim de levantar dinheiro para a construção
de fortificações e para ajudar OS pobres. Os
acertadores recebiam escrituras de terras.
A primeira prerniação em dinheiro ocorreu
provavelmente em Florença, na Itália, em 1530.
Logo vieram as loterias de Roma, Nápoles e
Veneza, importantes centros comerciais da época.
Em 1873, com a Itália já unificada, foi lançada a
Lotto, primeira de âmbito nacional, com sorteios
semanais. A Lotto é considerada a base dos jogos
de números como a loto, a sena e os bingos.
Na Inglaterra, a rainha Elizabeth 1 organizou
uma loteria em 1566 a fim de obter dinheiro
para a modernização dos portos e outras obras
Na América colonial, a Companhia Virgínia
obteve permissão do rei inglês James 1 para
promover urna loteria destinada à fundação
de urna cidade em 1612. Não se sabe se para
convencê-lo a tomar tal decisão, ou se por
reconhecimento à autorização do monarca, a
cidade foi chamada de Jamestown. Se soubesse
que a moda pegaria, James 1 talvez não tivesse
autorizado: tempos depois, o dinheiro arrecadado
com sorteios serviria para ajudar a financiar a
independência dos Estados Unidos, em 1776.
Com o crescimento das loterias, surgiram
os cambistas, que compravam bilhetes e os
revendiam nas ruas. O povo também começou
a promover apostas entre si. Os jogos de azar
deixaram de ser meros financiadores de obras e
se transformaram na esperança da população de
ganhar dinheiro fácil e melhorar de vida. A partir
de 1878, vários estados americanos aprovaram
leis restringindo a realização de loterias porque
os organizadores, na maioria reconhecidamente
corruptos, obtinham lucros abusivos.
Dúvidas sobre a lisura dos concursos são
comuns na história das loterias. No século 17,
rei francês Luís XIV e vários membros da
corte ganharam uma fortuna num sorteio. O
escândalo foi tão grande que o rei devolveu o
dinheiro e obrigou os outros nobres a fazerem
mesmo. As loterias francesas, abolidas em
1836, retornaram cem anos depois, foram
novamente interrompidas antes da Segunda
Guerra Mundial e reativadas depois do conflito.
No século 20, também houve restrições
à loteria devido ao advento do comunismo.
Durante décadas, as nações sob esse regime
proibiram a prática, considerada própria
da "burguesia decadente", mas, durante
a Segunda Guerra, a então União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (atual
Rússia) utilizou esse recurso para arrecadar
fundos destinados a financiar seu exército.
Hoje, a maioria dos países permite a
realização de loterias, embora sob rígido
controle. Desde seu nascimento, as loterias
provocaram discussões sobre os eventuais
efeitos sociais negativos. Os opositores da
jogatina baseavam-se na tese segundo a qual
as loterias eram uma forma indireta e amoral
de taxação, que exploravam a tendência
humana para o jogo, ofereciam chances
reduzidas de vitória, incentivavam a busca do
dinheiro fácil e desestimulavani a poupança.
No Brasil, costuma-se associar o surgimento
das loterias à Caixa Econômica. De fato, a Caixa
criou as loterias de números (Loto, Sena, Mega-
Sena etc.) e a Esportiva, mas o aparecimento da
primeira loteria de bilhetes numerados ocorreu
em 1784, e a Caixa só iniciou suas atividades
em 1861. A instituição assumiu o comando
desta modal idade apenas em 1961, por obra do
efêmero governo de Jânio Quadros. Mesmo assim,
tal associação é correta, uma vez que a Caixa
Econômica e Monte de Socorro da Corte nasceu
sendo sustentada por verbas oriundas de loterias.

As loterias chegam ao Brasil
primeiro concurso de loteria brasileiro
Q de que se tem notícia foi realizado em
1784 iia cidade de Vila Rica (atual Ouro Preto),
em Minas Gerais, por iniciativa do governador
provincial Luiz da Cunha Menezes. Com o dinheiro
arrecadado, ergueu-se o novo prédio da Câmara
dos Vereadores e da Cadeia Pública, considerado
um dos mais importantes legados arquitetônicos
do período colonial. Foram colocados à venda
três mil bilhetes, e os nomes dos compradores e
respectivos números de bilhetes ficaram anotados
em um livro. Durante o sorteio, realizado em
praça pública, urna urna abrigou três mil fichas
numeradas de 0001 a 3.000. Uma segunda urna
continha outras três mil fichas, algumas com os
prêmios e as demais em branco, num método
lento, embora seguro para os padrões da época,
quando ainda não havia nenhuma tecnologia de
apuração. As papeletas eram retiradas e "cantadas"
uma a uma. Depois da verificação do nome do
proprietário no livro de registros, outra papeleta
era retirada da segunda urna, e poderia ou não ser
premiada. Essa primeira extração durou qttatro dias.
A prática logo se difundiu no país, mas o
governo concedia tal prerrogativa apenas às Santas
Casas, hospitais, orfanatos e demais entidades de
cunho social, para as quaisas loterias passaram a
ser uma garantia de sobrevivência. A chegada da
Família Real ao Brasil, em 1808, proporcionou
autêntica explosão no número de concessões.
A regência provisória instituída por ocasião da
abdicação do imperador 1). Pedro 1 emitiu, em 1831,
uni decreto proibindo as concessões, mas a lei, como
de hábito, não foi respeitada. Coube a 1). Pedro II
regular o funcionamento das loterias por meio do
Decreto n° 357, de 27 de abril de 1844, "atendendo
aos inconvenientes e queixas manifestados contra a
CAIXA: 1 50 \Nos DE ENIA HISTÓRIA BRASILEIRA 243
maneira pela qual em alguns pontos do Império se
extraem loterias e à necessidade de regular por uma
maneira uniforme a extração das mesmas loterias
em todo o Império, a fim de não se desacreditar esse
meio de favorecer os estabelecimentos úteis com
aumento da renda pública'1
Eis algumas determinações do decreto
assinado por D. Pedro II:
criação do cargo de presidente das
extrações, nomeado pelo governo da Corte
ou pelos governos das províncias;
obrigatoriedade da existência de um
tesoureiro, indicado pelos concessionários,
para controlar a venda de bilhetes, a
extração e o pagamento dos prêmios;
definição do quadro de funcionários
das loterias, formado por um escrivão,
dois ajudantes e dois meninos ou meninas
menores de 14 anos encarregados da retirada
dos bilhetes e dos prêmios das urnas;
. o sorteio teria de ser iniciado às oito horas da
manhã em ponto e se encerrar no mesmo dia.
A principal mudança visava a permitir o .171 ia
Lo ,i ja
.-,-- '-5 ,--
-
encerramento da apuração no mesmo dia. Só
.1 75
seriam colocadas na primeira urna as papeletas
premiadas. A cada uma sorteada, sairia da segunda
urna o nome do vencedor. Por quase duas décadas,
não houve alteração no regulamento. Em 1862,
—e.
foi criado o cargo de fiscal das loterias, nomeado
pelo ministro da Fazenda. Ele seria o responsável EXTRAÇÃO DE 24 DE JUNHO DE 1788
Bilhete de uma das primeiras loterias
pelo bom andamento de todas as loterias do
realizadas no Brasil.
Museu da lnconfidê,,cia, Ouro Prelo
país e prestaria contas ao ministro. Para executar
sozinho uma tarefa tão complexa em tempos de P. 240- ROLAM OS NÚMEROS
Esferas numeradas para extração de loteria.
comunicações precárias, o profissional receberia
P. 242- NA BANDEJA
"um estipêndio razoável' deduzido da fatia do
Gaveta com esferas numeradas usadas nas extrações.
Tesouro Nacional nos rendimentos das loterias. Conjt, uro Cultural Casa de Oraçdo. Salvador
244 LOTERIAS

loterias também continuou sob inspiração imperial

nos primeiros anos da República. No entanto, em
PLANON. 42
1899, foram incluídas no Orçamento Federal. A Lei
n0 640, de 14 de novembro, classificava a receita
0100010
ô i.000..... proveniente dos concursos:
50005.....
*0000
00 7400$
;.- v° .....
v/
6001'
"Dito de 2% sobre o capital das hterias
lo .1, 0.4., 1.1:0000
g•: federais e 4% sobre as estaduais e mais 5% de selo
- 10.10100 .41,0006
600.. *010.0.l. 10.01000
IDO. 500.200:00,10
l0O'l_•O. . 005
00 000.00 0,0,40,
2' 4:0000 adesivo sobre o valor do bilhete ou fração de bilhete
0'OO . 4010 alIo 22:00120
000 '.:4010 . 20 00:0000
000.1 O, 4002 0 20 20.50010
$110 . 4 510 a: 4'22'.00010 91' loteria exposto a Vc'lUI(l, eobriii'lo por es(ll/Jlpilllll.
000 1.. 50*2.0.0.0000
10'. 30100 0 .0• I0,00010
000 .100.2 . 0.10:0100,
400p 0 '1 200.2 . 5 0000

,-\ Nrtir dc então, além de servireI]] a obras

5,....
0.01110.1. 0.1...,,, 0 l'00%0l 00

0000 '0 000, o, o, 'cl lo, 1,4 00

0051.,P0t. 0 lllo•'» 0001000000.0
benen]erentes, os sorteios passaram a engordar
00.09005000 .5

00.
O longo tempo da apuração e outras eventuais
falhas do sistema não inibiam o crescente anseio
npular pelas loterias. Em período relativamente
curto, elas se integraram à cultura brasileira. Em
1867, a loteria se encontrou com o Carnaval. A 19 de
laneiro daquele ano, o português José Alves da Silva
tundou um dos primeiros blocos do Brasil, o Clube
1 )emocráticos Carnavalescos, que participaria dos
desfiles no Rio de Janeiro até o final da década de
1970. Alves da Silva havia ganhado o maior prêmio
ri
00
o pago pela Loteria da Corte no ano anterior, no valor
de 15 contos de réis. A criação do clube representava
o
20
pagamento de uma promessa a Nossa Senhora
00
as verbas da União. Apesar de ser bem específica
quanto aos valores que deveriam ser recolhidos
ao 'Rsouro, a Lei n° 640 não esclarecia o destino
dos recursos, o que deixava o governo livre para
aplicá-los onde bem entendesse. O crescimento
substancial no volume de apostas, além de fazer
Estado crescer o olho, também estimulou a
realização de várias extrações especiais. A primeira
ocorreu em 1880, quando a Loteria de São Paulo
emitiu bilhetes cuja ilustração celebrava o grito
da independência. No começo do século 20,
tornou-se comum a emissão de bilhetes com
estampas históricas e religiosas. Em 1912, os
bilhetes de uma extração alusiva ao dia de São João
traziam ainda uma série de informações, como
dia e hora do sorteio; as instituições que seriam
beneficiadas; o total dos três prémios maiores, de
400 contos de réis; e o nome do concessionário,

da Glória. A primeira sede do clube entraria para a Companhia de Loterias Nacionaes do Brazil.
a história, pois foi de sua sacada que José do Em outubro daquele ano, outro concurso
l'atrocínio proferiii um dos primeiros discursos em festejaria o descobrimento da América.
prol da abolição da escravatura. A segunda sede foi

SORTE GRANDE utilizada para várias reuniões dos rcpuhlicanos.

Bilhetes da Loteria da Capital Federal A exemplo do que ocorreu com a Caixa
do começo da década de 1910.
Museu da Caixa, São Paulo
Econômica e Monte de Socorro, a estrutura das

As loterias vêm para a Caixa
século 20 trouxe várias novidades importantes
Q para as loterias brasileiras. A primeira foi
introduzida em 1922, na extração comemorativa
do centenário da Independência, quando pela
primeira vez utilizou-se o sistema de esferas
numeradas. O método recebeu regulamentação
mediante o Decreto n° 15.775, de 6 de novembro,
segundo o qual o sorteio teria de ser realizado com
as máquinas Fichet. A nova lei tornou o bilhete um
título ao portador. Isso significava que, a partir de
então, quem perdesse o bilhete perderia também
o eventual prêmio, e quem o encontrasse nada
precisaria provar para receber o dinheiro. Antes,
como o nome do comprador ficava registrado
em um livro,só ele teria acesso à premiação.
Dez anos depois, no governo de Getúlio
Vargas, foi editado um novo regulamento para as
loterias, sob o número 21.143, em 10 de março de
1932. Além de garantir à União um controle rígido
das loterias, também as modernizava e as submetia
a uni processo mais transparente:
.nenhuma loteria poderia ser extraída sem que se
destinassem 70% da arrecadação para a prerniação;
o prazo máximo de concessão era de cinco anos;
apenas os bilhetes da Loteria Federal
poderiam circular em todo o território
nacional, ficando as loterias estaduais
circunscritas aos limites dos estados;
o produto líquido da extração se destinaria
exclusivamente a obras de caridade;
ficava proibida a incorporação do produto das
loterias ao Orçamento da União ou dos estados;
o jogo do bicho era classificado como
contravenção inafiançável;
os sorteios deveriam ser feitos com
equipamentos de precisão, urnas transparentes
e todas as esferas numeradas.
CAIXA:! 50 \Nc) I)E LXIA 111SF ORlA BRASIlEIRA 245
Dotadas de métodos modernos e regras
profissionais, as loterias estavam prontas para
serem absorvidas pela Caixa Econômica, O
encontro histórico ocorreu em 1961, sob a
Presidência de Jânio Quadros, justo no ano do
centenário da Caixa. De acordo com o Decreto
n° 50.954, de 14 de julho, a Loteria Federal
saiu das mãos de concessionários particulares
e passou a ser administrada pelo Conselho
Superior das Caixas Econômicas Federais
(Consuper). Max da Costa Santos, então
presidente do Conselho, empreendera urna
campanha destinada a convencer o governo
e os dirigentes das Caixas de que, apesar de a
instituição não ter nenhuma experiência no 1
ramo, seria possível criar as condições necessárias
para assumir a empreitada. A destinação dos ••sei• .5
recursos também foi definida pelo decreto.
O início das operações lotéricas das Caixas
- que ainda não haviam sido unificadas —ocorreu
no ano seguinte. Jeronyrno Pinheiro de Castilho,
-..
00 F0JI
novo presidente do Consuper, enfrentou pressões
25OOOQ
dos antigos concessionários, ainda inconformados
d
com a perda do privilégio. O presidente da
República, João Gou!art, que assumira devido
à renúncia de Jânio Quadros, chegou a receber
projeto de lei que criava unia autarquia, com
administração independente, para a gestão da
Loteria Federal. Baseada na falta de experiência
da Caixa, a proposta previa a concessão de
serviços de impressão de bilhetes, distribuição e
sorteio a um particular. No entanto, a Caixa deu
conta do recado. Para superar a inexperiência,
utilizou o pessoal que trabalhava para Peixoto
de Castro, o último concessionário privado. CONJUNTO DE BILHETES DA LOTERIA FEDERAL
A primeira extração da Loteria Federal sob Crianças desaparecidas e motivos infantis
j1 ilustraram bilhetes de loteria.
a responsabilidade da Caixa foi realizada em Museu da Caixa. 5.55, Paula
246 LOTERIAS

15 de setembro de 1962 no prédio da avenida

Marechal Floriano, 118, no Rio de Janeiro. Urna
série de 40 mil bilhetes, dividida em décimos,
3397 no total de 400 mil frações, sorteou os milhares
5.349, 38.031, 26.492, 25.151 e 1.416 e pagou o
tIl
prêmio principal de 15 milhões de cruzeiros.
O equipamento de extração pertencia ao
penúltimo concessionário. Conforme previam
os contratos, o material tinha de ser entregue
ao Ministério da Fazenda ao final da concessão.
Mesmo em condições precárias, devido ao
armazenamento inadequado, mas ainda assim
o melhor que o país possuía, era composto por
dois globos transparentes, 40 mil esferas de
madeira e armário para depositar as esferas.
A cada extração, um batalhão de funcionários
contava urna a uma as 40 mil bolas. Esse Sistema
vigoraria até outubro de 1972, dois anos depois

11 da unificação das Caixas.

Ao afastar os particulares do ramo das
loterias, o Conselho Superior das Caixas
1.4Õ4
Econômicas Federais não abriu mão da extensa
rede de revendedores instalada em todo o
oTBRl: -<. OTERlA,

41O000 Brasil havia algumas décadas. Urna das mais

tradicionais era a Casa Lotérica Baldino, de

:LOTFJA;.Y .,
Porto Alegre, fundada em 1890 pelo imigrante

ç
italiano que deu nome ao estabelecimento.
Tratava-se do mais antigo ponto de venda

10TERA LOTIATT . de bilhetes do sul do Brasil. Quatro gerações

í4ØOO 4ÕOQQ da família Baldino já tinham assumido o
.. ...............................................'ii iFfii ii Ï negócio. A Baldino também foi responsável por
-. LOTERJAAT LOTERIAiS urna importante inovação na divulgação do
= o0000 400.000 empreendimento, ao firmar urna parceria pela
t.,.,S,CAISAI
qual a Rádio Farroupilha recebia patrocínio da
..--

casa e em contrapartida transmitia os sorteios,

OS BILHETES DA FORTUNA aumentando em muito o interesse popular e

Conjunto de bilhetes de loteria de diferentes épocas.
batendo recordes na venda de bilhetes.
Museu da Caixa, Brasilia

A modernização das loterias
o crescimento expressivo na procura por
bilhetes durante os cinco primeiros anos de
administração da Loteria Federal pelo Conselho das
Caixas deu origem ao câmbio negro. Na esperança
de neutralizar o problema por meio do aumento
da oferta, o ministro da Fazenda, Delfim Netto,
determinou a ampliação para 50 mil bilhetes por
série a partir de 16 de setembro de 1967. Até ali, a
Loteria Federal da Caixa havia distribuído NCr$ 320
milhões (cruzeiros novos) em prémios e engordado
os cofres públicos cm outros NCr$ 134 milhões.
Esses recursos impulsionaram programas em áreas
como a alimentação escolar. No ano seguinte, o
prêmio principal chegou a NCr$ 750 mil e o número
de bilhetes ultrapassou a 150 mil por extração.
Em 1969, foi reali2'ada uma pesquisa de
mercado destinada a traçar o perfil do apostador
brasileiro. Pela primeira vez, as Caixas utilizavam
instrumento da opinião pública para embasar
sua atuação. O Ibope ouviu 6,5 mil pessoas em ló
cidades. Seis mil entrevistas foram realizadas em São
Paulo e 500 nas demais localidades. Cada apostador
gastava, em média, NCr$ 10,00 por mês, o que não
era pouco, uma vez que o salário mínimo passara
para NCrS 156,00 em Jo de maio daquele ano.
A seguir, outros dados obtidos pelo Ibope, num
questionário de respostas múltiplas:
71% valiam-se de sonhos para fazer a aposta;
30% levavam em conta a simpatia pelo número;
25% guiavam-se por palpites;
72% não eram fiéis à loja onde compravam
os bilhetes;
28% os compravam sempre no mesmo lugar;
74% motivavam-se ao conhecer os ganhadores
dos grandes prêmios;
54% tinham renda média de quatro
salários mínimos;
CAIXA: 1 50 \os DE EMA HISTORIA BRASIlEIRA 247
• 74% eram homens;
• 5 % estavam na faixa entre 30 e 50 anos;
64% achavam que apostar era uma forma de
ajudar a assistência social;
68% agiam por instinto na compra dos bilhetes;
32% planejavam a aquisição.
Com a crescente ampliação do negócio,
método de extração precisava se modernizar.
A partir de 1972, a Caixa, unificada havia dois
anos, passou a utilizar um sistema testado
com sucesso em países como França, Bélgica,
Turquia, Suíça, Portugal, Espanha, Senegal,
Costa do Marfim e 'l'unísia. As máquinas Ryo-
Cotteau eram constituídas por um conjunto
de globos transparentes que podiam ser
acionados em grupo ou separadarnente. Os
globos eram carregados com esferas de borracha
maciça contendo os algarismos de O a 9.
NO ALTO - A SORTE NA MÃO DAS CRIANÇAS
O público, além de assistir aos sorteios, agora Extração promovida pela Caixa no início dos anos 1960.
Museu da Caixa, SSç, P.,alo
realizados na sede da Caixa Econõmica Federal,
ACIMA - A SORTE NA MÃO DAS MOÇAS
em Brasília, também podia acionar o mecanismo
Exrração promovida pela Caixa já com os
que disparava as máquinas por controle remoto. O famosos globos de sorteio rransparentes.
Museu da Caixa, São Paalo
estímulo não estava apenas na transparência ou na
ABAIXO - ANTES DA CAIXA
modernidade do método. O prêmio também foi
A última extração de loteria realizada por
aumentado para Cr$ 400 mil por série (a moeda concessionário particular cru São Paulo.
Museu da Caixa, São Paulo
havia mudado outra vez, voltando ao cruzeiro),
enquanto a extração de Natal, unia das mais
importantes do ano, pagava Cr$ 3 milhões.
Na extração especial de São João, em 1977,
ganhador passou a ser considerado o recordista
cru premiação da Federal em toda a sua história.
O comerciante paulista Yokio Sanada, de 38 anos
de idade, morador da cidade de ltapetininga, em
São Paulo, ganhou Cr$ 24 milhões. Ele comprou o
bilhete inteiro das séries A, C e D do Grande Prêniji
da Loteria de São João. Além dos Cr$ 18 milhões d
248 LO'IERIAS

prêmio principal, Sanada faturou Cr$ 6 milhões em

função do prémio extra, porque a série 1) é a "série

ouro' A série B já havia sido vendida ao advogado

João Penosa, da mesma cidade, que recebeu Cr$ 5,7

milhões, cedendo unia tração a um amigo.

Em 1977, a Caixa completou IS anos como

administradora da Loteria Federal. De 15 de

setembro de 1962 (data da primeira extração) a

TODA QUARTA E TODO MBADO -LOTERIA FEDERAL
29 de julho de 1977 (data da extração de número

'~,EM10 DOBROU 1.430), a loteria arrecadara Cr$ 11,9 bilhões. Destes,

Cr$ 6,1 bilhões foram distribuídos como prêmios

líquidos, CrS 1,8 bilhão foi repassado às filiais como

comissão de venda de bilhetes (incluída a cota dos

revendedores) e Cr$ 1,2 bilhão foi recolhido ao

Imposto de Renda. A Previdència Social recebeu

Cr$ 1,5 bilhão e os Fundos Assistenciais Diversos

ficaram com CrS 1,2 bilhão. Qualquer balanço sobre

a atuação da Caixa Econõmica à frente da Loteria

Federal era positivo. Tanto pelos avanços técnicos

quanto pelo volume de venda de bilhetes, mas

acima de tudo pela credibilidade que o concurso

havia adquirido sob a guarda da Caixa.

MIL CRUZADOS NOVOS O final da década de 1980 marca o ingresso

da Loteria Federal lia era da informática. A
5 SÉRIES DE 40 MIL CRUZADOS NOVOS FEDERAL partir da extração de 1" de outubro de 1988,

iniciou-se o processo de automação do sistema,

APELO IRRESISTíVEL desde a impressão dos bilhetes até a distribuicão

Os prêmios especiais sempre ajudaram a impulsionar aos revendedores. Tornou-se possível localizar
o volume de apostas na Loteria Federal.
Musei, da Caixa. Brasilia instantaneamente um número especial

exigido por determinado cliente e também

oferecer uma espécie de assinatura por nleio

da qual o apostador pode reservar o mesmo
número para vários sorteios. A localização

dos vencedores passou a ser automática, e a

identificação do revendedor e do lote de cada

bilhete conferiu especial segurança ao sistema.

 CAIXA: 1 50 N0S I)E UMA 1-1)51 óItI,\ IIRASIIEIRA 249

Um gol da Caixa: a Loteria Esportiva

- Qe.Cal,ca Econômica Federal

N. as E~
CONCURSO TESTE DE 14 e 15/9/11
21 11771 0 009 940 Co,Iira ISA Cartão, PATA não Ser pr0judic3d0
RESIDÊNCIA __________
'''1 •t•iiINãa••Í
1
LIL-TEIRIA
1 F!fiI!IIIuIiIJIII1 Ou DO CARTÃO
TESTE

8, TE CI\RTAO.CON-

ESPORTI y.Lnãinn TENDO __.___M)

,— PAGO PELAS APOS
r t- r I A • rMlVIU%i- l_t.,
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SUPERINTENDNl 1P
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DE - ,.,. :SOSOEPROGNOSII
í L:' ICOS DA LOTERIA BRASIL!
Io1liês
RUA - jO RIACHUELO.208 :

RIO DE JANEIRO8
-
ESPORTIVA FE-
DERAL. r[jT[Jj
.-
1.1.1 :íilII 1
w r- m os o
- MUlETO DC APOSTAS _.______ A PARES

CrS

CAIXA ECONÔMICA FEDER4L CLUBE EMPATE CLUBE 111063-0

x] L
1 - Btlalola III íIsrimlo 91IR)
2 São Flãt ISp' Slnllslãrl ISP)
3 - irotlicl 101 '
.4 - tiusitensi LOTERIA ESPORTIVA
5 - PalinSIlã 1111 VOLANTE - CONCURSO TESTE 9° 10-8 e 9/8/70

A Caixa fez um negócio de ocasião. Se o país

ia bem na economia e mal em qiie todo
general presidente Emílio Garrastazu Médici
tentou impor a convocação de Dano, o Dadá
6 - CruueutltGl
1 CIlilitlIRI
6 - R)oniã IS!
- Bl) til
'
'
'REÇO DE CADA APOSTA CRI 1,00
ApAga
ATENÇÃO, £ OORIGATÓRIO
deplo 2) PAlpite em todol o. Jogo.
ATOlES SOA ea,tãt, PATA •RItãr que seja InRolIdade'
ta,me,
resto, era no futebol que, naquele momento, Maravilha, então no Atlético Mineiro. Atribui-se 10 - CwWil
Enderêço,
11 GOUSlI
depositavam-se os sonhos dos brasileiros, às a Saldanha a seguinte resposta: "Eu não opino
12 _ ItIrsuiSiliE CLUBE EMPATE X__] CLUBE
13 - su Doi
2
vésperas da Copa do Mundo do México. Pelé, o na escolha do seu ministério, portanto, não 1 Vasco X 1 Flamengo (GB)
2 Campo Grande X 2 Madureira (GB)
3 Amêrica X 3 Bonsuceaso (GB)
melhor jogador de futebol do planeta, concedia aceito que o senhor dê palpites no meu time. 4 São Paulo X 4 Santos (SP)
5 Botafogo X 5 Corintiaris (SP)
especial brilho à equipe, que, embora tenha se Saldanha, é claro, foi demitido, e, é claro, Zagalo 6 Guarani X 6 Port. Desp. (SP)
7 Ferroviãria X 7 São Bento (SP)
8 Internacional X 8 Grêmio (RS)
consagrado como a melhor seleção da história, convocou Dano. O Brasil chegaria ao tri e legaria 9 Flamengo X 9 Esporlioo (RS)
10 Santos X 10 Rio Branco (ES)
não contava com a unanimidade na época. MeSmo ao mundo um futebol inesquecível na primeira 11 Inhumas X 11 Crac(GO)
12 Galícia X 12 Conquista (DA)
13 Rio Negro X 13 Nacional (AMI
assim, a busca do tri embalava os sonhos dos Copa transmitida ao vivo pela televisão.
torcedores. A cúpula da seleção não escapou ao Foi em tal cenário que N'hédici assinou,
perfil militar. O supervisor era o capitão do Exército em 23 de janeiro de 1970, o Decreto-Lei n°
Cláudio Coutinho (que treinaria o Brasil na Copa 594, autorizando a Caixa Econômica Federal a
da Argentina, ciii 1978) e um dos preparadores implantar um concurso de prognósticos esportivos,
físicos o também capitão Carlos Alberto Parreira mais tarde batizado de Loteria Esportiva e
(técnico na conquista do tetra, em 1994, na Itália) - consagrado popularmente como l,oteca. Três
O cargo principal ficou com o jornalista dias depois, o Decreto n° 66.118 regulamentou a
e treinador João Saldanha, reconhecidamente nova loteria. Essa niodalidade já existia em países
simpático ao Partido Comunista. como a Itália, a pioneira ao lançar o 'Ibtocalcio
As "feras do Saldanha", no entanto, em 1934, e Portugal, com o Totobola A palavra
chegariam à Copa sob o comando de Zagalo. "'Ibto" significa total, totalizador, No Caso LOTECA

Dois volantes e um cartão perfurado da Loteria Esportiva.

Dois meses antes do início da competição, o específico do concurso, representa a totalização, Museu da Ca isa, São Paulo
 CAIXA:! 50 ANOS DE UMA T-IISTÕRIA BRASILEIRA 25 1

ou soma, de prognósticos. Ao contrário da loteria os palpites duplos e triplos) e arrecadou NCr$

de bilhetes, a Esportiva não promove sorteios, 253958,00. Como ninguém fez os 13 pontos, os
Domingo, lá na casa do Vavá
apenas contabiliza os pontos do apostador. oito apostadores que acertaram os resultados de
Teve um tremendo pagode
A paixão pelo futebol e os dois títulos 12 jogos receberam, cada um, NCr$ 9.999,59. Que você não pode imaginar
mundiais conquistados motivaram o Conselho O crescimento foi rápido, como revela o breve Provei do famoso feijão da Vicentina
Superior das Caixas Econômicas Federais a comparativo a seguir: Só quem é da Portela
examinar já em 1963, um ano depois de assumir É que sabe que a coisa é divina
controle da Loteria Federal, a realização de Teste Apostas Valor médio Tinha gente de todo lugar
um concurso do gênero. Mas foi somente em No 1 76 mil CrS 3,31 No pagode do Vavá
agosto de 1969 que a Superintendência da N" 2 180 mil CrS 3,35
Nego tirava o sapato
Loteria Federal enviou ao Ministério da Fazenda No 3 230 mil CrS 3,76
Ficava à vontade
um projeto mais efetivo para a implantação
Comia com a mão
do jogo no qual venceria quem acertasse os Foi no Teste 3 que surgiram as primeiras
Uma batida gostosa
resultados de 13 partidas de futebol realizadas mulheres premiadas: Célia Lima e Silva, Nely Que tinha o nome
geralmente em uni único fim de semana. De Guedes, Florisbela Santos Arca, Nely dos De Doce llusáo
acordo com o decreto-lei assinado por Médici, Anjos Albuquerque, Nilda Comes Cardoso Vi muita nega bonita
a arrecadação do novo concurso teria de ser e Sônia Maria Mota dos Santos. Só houve Fazer partideiro
destinada a programas de assistência à família, ganhadores com 13 pontos no Teste 4, e Ficar esquecido
infância e adolescência, educação física e cada um dos sete recebeu Cr$ 130 mil. Mas apesar do ciúme

atividades esportivas e de alfabetização. Nenhuma mulher

A Caixa não perdeu tempo. O primeiro
concurso foi realizado menos de três meses depois.
A aposta mínima nos 13 jogos que compunham
teste custava NCr$ 2,00 (cruzeiros novos),
equivalente a um maço de cigarros, nias era
possível, pagando mais, fazer prognósticos duplos
e triplos para ampliar as chances de vitória. O teste
número 1 foi realizado em 19 de abril de 1970, na
fase pré-Copa do Mundo, apenas no Rio de Janeiro
e lia Guanabara. Somente depois de comprovar
a eficiência do sistema de coleta de apostas e de
apuração a Caixa estenderia o jogo aos demais
estados, a começar por São Paulo.
O primeiro teste coletou 76.768 cartões,
com o total de 253.958 apostas (considerando-se
O primeiro a ganhar sozinho, não com
Ficou sem o marido
13, mas com 12 pontos, foi Gilberto Furtado de
Domingo, lá na casa do Vavá
Medeiros. Ele embolsou Cr$ 200 mil de prêmio
no Teste 5. A primeira mulher a ganhar sozinha Um assovio de bala
foi Carniela Mondeli, que amealhou Cr$ 1,8 Cortou o espaço
milhão no Teste 9, realizado durante a Copa E ninguém machucou
do Mundo, em junho de 1970. O maior prêmio Muito malandro corria
daquele primeiro ano foi pago no Teste 22, no Quando o Elton Medeiros chegou
qual Maria Pena Javes e Enio Inforzato receberam, Minha gente
cada um, Cr$ 4,5 milhões. A Loteria Esportiva Não fique apressada
Que não há motivo
chegou a São Paulo a partir do décimo concurso,
Pra ter correria
ainda em 1970, e no final de 1972 abrangia
Foi um nego
todo o território nacional. A ilusão de tornar-se
Que fez treze pontos
milionário da noite para o dia embalava os sonhos E ficou maluco
dos brasileiros, conio ilustra a canção "No Pagode De tanta alegria
do Vavá", lançada por Paulinho da Viola em 1972: Domingo, lá na casa do Vavá
 252 LOTERIAS
O SORRISO DA FORTUNA
Miron Vieira de Souza, o milionário banguela.
Foto 1. Cardoso/Al B, 30 de setembro de 1975
P. 253, NO ALTO - CHAMPANHE, CAVIAR E CI-IARUTO
Cartazes da Loteria Federal retratando o sonho de todos
os apostadores.
Museu (ia Caixa, Brasília
P. 253, EMBAIXO - CAI, CAI, MILHÃO
Cartaz da extração especial de São João.
Museu da Caixa. Brasilia
Os milionários da Loteca
D entre os milionários da Loteca, dois
adquiriram especial notoriedade: Mimo
Vieira de Souza e Eduardo Varela. Miron, que
trabalhava como boiadewo em Goiás, ganhou
um prémio de Cr$ 22 milhões em 1976. O oficio
humilde nas lidas do campo, a pouca instrução e o
sorriso banguela o converteram na personificação
do brasileiro humilde - um exemplo de como a
sorte não discriminava ninguém. O desdentado
Miron foi celebrizado em fotos que ganharam as
capas dos jornais brasileiros e correram o mundo.
A primeira providência do ex-boiadeiro foi,
é claro, a compra de uma dentadura. A segunda, a
aquisição de cabeças de gado.A terceira, exibir o
novo sorriso para amigos de ocasião e interesseiros
de variados matizes em lautos anquctcs e grandes
noitadas. Enquanto os convivas se divertiam,
Miron esvaziava o cofre. Ganhou mais quatro
vezes na loteria, mas os prêmios estavam longe
de ser milionários. Durante a Copa do Mundo
de 1998, por exemplo, recebeu R$ 6 mil, o
suficiente para a compra de alguns bezerros.
Ele chegou a enfrentar dificuldades financeiras,
mas conseguiu recuperar-se em tempo de passar
uma velhice sossegada em sua fazenda em Iporá,
localizada a 220 quilômetros de Goiánia.
Mais espalhafatoso foi o caso de Eduardo
Varela, que ficaria conhecido como Dudu da
Loteca. Antes de virar Dudu, Varela trabalhava
como despachante, até ganhar Cr$ 11,6 milhões em
abril de 1972. Em tese, iniciou bem sua trajetória
de investidor, aplicando boa parte do dinheiro em
imóveis, medida recomendada pelos especialistas
para quem deseja fazer negócios seguros.\ lista
de aquisições incluiu um apartamento na avenida
Vieira Souto, em Ipanema, no Rio de Janeiro, um
dos endereços mais caros do Brasil.
Dudu acabou sendo vítima da instável
combinação de dinheiro aos borbotões e pouca
idade. Aos 23 anos, pagou caro pela inexperiência.
Primeiro, ao investir em dois hotéis em Campos
do Jordão, na região serrana de São Paulo. O
empreendimento faliu e enterrou uma parte da
fortuna. A seguir, Dudu, que virara ídolo popular,
sempre disposto a exibir sua nova condição social,
deixou o dinheiro escorrer pelas mãos por confiar em
palavras, em vez de documentos. Logo depois de ele
colocar qrlase todos os imóveis, inclusive o da Vieira
Souto, em nome do sogro, a mulher pediu o divórcio.
Restaram-lhe duas salas comerciais no centro do Rio
de Janeiro e Ufli imóvel em Itaipava, no interior do
Rio, e Dudu voltou a trabalhar como empregado.
A exemplo de Miron, o comerciante Mário
Ronconi, de Santa fereza, no Espírito Santo, chegou
a perder muito, mas se recuperou e manteve um
bom padrão de vida. Ronconi ganhou Cr$ 14,1
milhões em 1972 e, depois de dividir o dinheiro
com outras 1$ pessoas com as quais fizera um
boIão, aplicou num fLindo de longo prazo. Ao
resgatar o investimento, seis meses depois,
percebeu que a inflação havia consumido boa parte
dele. Mesmo assim, ficou sócio de uma rede de
supermercados, mas o negócio údiu. Finalmente,
adquiriu um posto de combustíveis, cujos
rendimentos passaram a sustentá-lo.
Já o agricultor Antônio Donizeti, de Araçuaí,
Minas Gerais, sucumbiu à luxúria. Donizeti
recebeu um prêmio de CrS 16,1 milhões em julho
de 1977, quando tinha apenas 19 anos de idade.
Choveram cartas de mulheres do país inteiro com
 CAIXA: 1 30-\Nos DE UMa lIISIÕKL\ IlIASIIE!JL\ 253

8 MILHOES DE CRUZADOS 19 DE ABRIL

LOTEIÃ FEíEIAL
propostas de casamento. Jovem, rico e ingênuo,

Donizeti torrou o dinheii-o com mulheres, CAIXA ICONAMICA

FEDERAL
conforme ele mesmo admitiu depois. Ficou a zero

e passou a viver com a renda de um pequeno sítio

que conseguiu preservar em sua terra natal.

A partir do Teste 41, a Caixa decidiu instituir

uma assessoria para orientar OS flOVOS milionários.

O projeto foi motivado pelo caso da lavadeira

Sebastiana l'aulo Dias, de Goiás, que revelou não

ter ideia do que fazer com o prémio de Cr$ 3

milhões. A Caixa colocou um grupo de funcionários

á disposição da lavadeira, e a iniciativa tornou-se

praxe. Também estabeleceu uma rotina de busca dos

ganhadoi-es que não se apresentavam para tomar

posse dos prêmios. Muitos não conferiam o cartão,

ou por mero esquecimento, 01! porque jogavam

por impulso e não acreditavam na possibilidade duas vezes no mesmo teste porque preencheu

de ganhar. Ao serem procurados, muitos achavam dois volantes exatamente iguais, recebendo o total

que se tratava de um trote, ocasiões nas quais o de Cr$ 8,6 milhões. O comportamento feminino

funcionário da Caixa gastava algum tempo para em relação aos prêmios, aliás, era singular. 1 )e

convencê-los. Foi o caso de Francisco Antônio 1970 a meados dos anos 1980, por exemplo, tlés
(,ristino, que em dezembro de 1980 dividiu com mulheres já haviam recebido valores milionários,

outros 12 acertadores o prêmio de Cr$ 10,7 e, ao contrário dos homens, que fliziam questão de
milhões, esqueceu de conferir e ainda extraviou o ostentar a condição de novo-rico, todis prcferiiain

cartão. Salvou-lhe o fato de que, na época, o volante se manter no mais absoluto anon mato.

continha a identificação do apostador. Às vezes era necessária uma certa insistI1cla

A movimentada história dos ganhadores da da sorte para o apostador atingir a fortuna.

Loteca é repleta de felicidade, drama e curiosidades. O comerciante goiano \7aldeci Garcia Oliveiia
Numa ocasião em que 4.175 apostadores fizeram os ganhou Cr$ 745 milhões no Teste 656 depois de ter

13 pontos, um fazendeiro goiano fretou um avião arrecadado apenas (r8 23 mil somando as outras

para ir receber o prémio no Rio de laneiro. Ao nove ocasiões em que fizera os 13 pontos. Em

chegar lá, descobriu que a quantia a ele destinada, outras vezes, a riqueza chegava ciii idade tardia,

tão somente Cr$ 1.020,00, nem de longe cobria as como para Sebastião Matias de Oliveira, trabalhador
despesas da viagem. Juventina Morena de Oliveira, aposentado da zona rural que faturou CrS 11

da cidade de Vacaria, no Rio Grande do Sul, ganhou milhões em 1984, quando tinha 102 anos.
254 101ERIAS

Lo terias de números
LI
1 19.
ato CAIXA
.0 $sdo '73.
a
LTIA UØtM N NU&

00000
-
Iftlfl
cIIl(l.e a.'
á. CAIXA bsøo Dt 17
L1* iDtMLMNA*

rnnr
UIUJUU
Ea&dE
CamveiL.

ara ganhar sozinho na Loteca, era importante Santana Silveira, único acertador, o prêmio de
p apostar em alguma "zebra" pois resultados Cr$ 14,3 milhões. A zebra tornou-se personagem
_1
HuniinenseiRJ
X
Fiamengi =
2

= -- rT
lógicas implicavam grande número de acertadores tangível quando a Rede Globo de 'llevisão decidiu
8Bngu/RJ
total otzRJ
4V6Ita Redonda/Ri
=
Vasca'RJ
SrxérscofiJ
Campo Grand!Rl] 1 --—
2
31 e pouco dinheiro para cada um. Dudu da loteca, incrementar a apresentação dos resultados da Loteca
por exemplo, contrariou a preViSão de 95% dos nos domingos á noite, no Fantástico. A alegria dos
56rêrriRS
6= S. Poulo/RS Inter/IS =6--
Bxasil.RSt= 5,

nlpostadores e cravou a vitória do JuventLts flllflI jogo vencedores solitários ganhou formas femininas no
7 Conrnboenss-MS
8cr 1/tidO/ES
T1 OptrdnoisiS
{= -
i:r Estrela do Nor/e.'ES
contra o Corinthians pelo campeonato paulista. A corpo de uma modelo e em uma animação primitiva
NiuticoPE
10= Vila NovaitVlG II
S5orVPE
=-—
AtIéticaRllG
q
palavra "zebra' para designar a vitória de um time na qual uma simpática zebrinha abria e fechava a
CmzeiroTdG
1PoI6nia
Rito
E

MaIta
Ironia
—
drneriçaOdl ._ 1 H
azarão sobre um favorito destacado havia sido usada boca e piscava os olhos ao proclamar OS resultados.
pela primeira vez em 1964. O técnico de futebol Sua fala característica ao anunciar a vitória de um
CAIXA ECOiÕMIC.'e FEIEBAi
fim
Gentil Cardoso, conhecido pelas frases de efeito, azarão era: "Olha eu aí de novo, oh: zeeebra!' O
— dirigia a Portuguesa do Rio de Janeiro e garantiu Fantástico também consagrou o matemático Oswald
que sua equipe seria a zebra, surpreendendo os de Souza, que calculava, com base no favoritismo
Jk grandes clubes. Tratava-se de uma adaptação do de cada time antes das partidas, o provável número
jogo do bicho: como a lista de animais da jogatina de acertadores e quanto caberia a cada um.
TxOu573lBl5 rldlcia'

não inclui essa espécie, pareceu lógico ao treinador A Loteria Esportiva começou a perder fólego
5 s __51O,QO = _________
utilizá-la para detinir um resultado improvável. nos anos 1980. Em 1981, a média era de 17 milhões
A expressão pegou e depois entrou para o de cartões por teste; em 1986, o número caíra
AO ALTO - OLHA EU AI
vocabulário da Loteca. Uma das mais famosas para 2,8 milhões. Nesse meio tempo, em 1982, a
Afamosa zebra da Loteca.
Museu da Caixa, Brasilia
ocorreu no Teste 196, quando o Flamengo perdeu revista Placar publicara reportagem denunciando
ACIMA, À DIREITA PRÊMIO DUPLO por 1 a O para o pequeno Madureira em pleno 11113 esquema de corrupção destinado a fraudar
A partir de 1968 os bilhetes de loteria da Caixa passaram Maracanã. Pequenas equipes, grandes fortunas. os resultados (algo semelhante ao escándalo
a ser ilustrados pelas obras de grandes artistas nacionais.
Acervo Caixa A vitória do Madureira rendeu ao mineiro José do Totocalcio, na Itália). A quadrilha incluía
 CAIXA:l5O\No IlI[ tiNiA iiisiúitia BRASIlEIRA 255

jogadores, dirigentes, árbitros e jornalistas. A 20,00 e reduziu o da aposta máxima de Cr$ 5.040,00
Polícia Federal indiciou 20 pessoas e, embora para Cr$ 727,00, aumentando o número médio de

ninguém tenha sido condenado, e a despeito apostas por cartão (e as chances de acerto da quina).

de a Caixa nada ter a ver com isso, uma vez No Teste 37, dois apostadores marcarani a quina.

que ela não tinha como controlar a lisura dos Em agosto de 1982, no 'Leste 97, foi condoída

resultados em campo, o episódio contribuiu para a implantação da Loto em todo o território

desgastar a imagem dessa modalidade de apostas nacional. O jogo superou em muito as loterias
que já se encontrava em natural declínio. Federal e Esportiva no valor médio dos prémios e

Na tentativa de recuperar a Loteca, a Caixa no volume de cartões apostados.

promoveu mudanças. Os concursos passaram a ter Em fevereiro de 1988, surgiu a Sena (acerto

16 jogos, com prémios para quem acertasse todos ou de seis dezenas), com cartela de 50 dezenas e cinco

15 dos resultados. O sistema não vingou, certamente faixas de premiação. Em dezembro daquele ano, 1AIIf'IAAIII]]I[W!l R

I
LOTERIA OS Uú
porque o apostador estava acostumado à mítica nasceu a 'ièimosinha da Loto e da Sena, que permite
dos 13 pontos. Três anos depois, em 1989, voltaram ao apostador repetir o jogo por diversos testes. Isso
k~

os 13 pontos, mas com prêmios também para só foi possível porque a captação de apostas passou
MASQUE EM UM OU NOS DOIS 0UAS005
quem acertasse os dez primeiros, os dez primeiros a ser feita por sistema eletrônico e com registro .. . . . .
e mais um jogo e os dez primeiros e mais dois magnético. A Surpresinha, aposta na Loto e na Sena •
•
jogos. Hoje são 14 OS jogos da Loteria Esportiva. feita a partir de números escolhidos aleatoriamente •
•
Mas o maior problema da Loteca, que acabou pelo computador, foi lançada em fevereiro de 1990. •
E5111 [SA LS[S [[S4[ LB51 SE SE [55. 55] SE
Ao longo dessa década, a Caixa colocou no mercado Anula fl
adotando o apelido como nome oficial, foi ter de
enfrentar a concorrência das loterias de números a Supersena Dupla Chance, a Loteria Instantânea • SESESESESESETASSOSI
• M SESESEiSESE[55i41SE
lançadas pela própria Caixa a fim de ampliar a (uma espécie de raspadinha), a Mega-Sena, a Quina, • SE 5í55SESESESE
• SE SE SE SE 155155 55 5.5 SE
captação de recursos para aplicação no campo a Trinca e o 'l'revo da Sorte. • SE SE [415 SE 55: 55 [27. [441 jffl 55
• [[SI 551 53: 155 55 55 [58] [9 55
social. A primeira foi a Loto, criada pela Lei n° A Mega-Sena. que estreou em 11 de março de •
CAIXA ECONÓMICA FEQERAL
Ouanlidade And
6.717, de 12 de novembro de 1979, assinada pelo 1996, tornou-se o novo fenômeno nacional, sendo a 7 8 __________________________________
presidente João Batista Figueiredo. A Loto brasileira loteria que mais recebe apostas. O prêmio máximo é SiP9:L
• •
-_-..-- 555T55iL551515154i55
foi lançada tendo em vista o sucesso desse tipo de para o acerto de seis dezenas, sorteadas de uni total ETn,mosnS 15L1515[441,2J'.2I.2A558EE' U
2 I.SESESE.:15:41iSE .155U
1•
jogo em países como Alemanha, Estados Unidos, de 60. Uma das principais características da Mega-
APESTAUNICA
França, Inglaterra e Itália. A apuração de estreia foi Sena é a acumulação de 20% cio valor de premiação -- SEDA
CX LOURA
realizada em 18 de setembro de 1980. A exemplo para a sena dos concursos de final zero. CINCO FAIXAS DE PREMIAÇAO

do que havia ocorrido com a Loteca, o concurso Nos últimos anos surg iram outras novidades QaASISAOE OU
DEZENAS 5 5 A ID
E
E

inaugural abrangeu apenas o Rio de Janeiro. Foram interessantes, embora nenhuma capaz de ofuscar CHEGOU A

o brilho da Mega-Sena, que a cada semana

APOSTA SURPRESA
vendidos 1.847.014 cartões e arrecadados CrS A APOSTA QUE VALE PARA VARIOS JOGOS
DIFERENTES NO MESMO CONCURSO.
51,6 milhões. No primeiro ano, a Loto chegou a mobiliza muitos milhões de brasileiros. Entre as
ANTECIPE SUAS APOSTAS. -
aposta-se no IMPREVISTOS DE ULTIMA HORA
São l'aulo e Minas Gerais e teve 16 sorteios, mas novas loterias, figuram a Loto Gol -
VIVEM TIRANDO GENTE DA JOGAOA.
ASSOLA DE APOSTES NOS NOS
ninguém fez a quina (acerto de cinco dezenas; eram números de gols de cada equipe cm cinco partidas REVENDEDORES E
D'tANTOS OS :O'ECA

premiados também a quadra e o terno). - e a 'limemania - no qual se ganha acertando

A quina permaneceu sem acertadores até o OS números ou se o time do coração, marcado ACIMA E P. 254, ABAIXO NOVAS CHANCES
-

PARA A SORTE
Teste 36. Para evitar a desistência dos apostadores. na aposta, for sorteado -, além de variações das
Volantes da Sena, Mega-Sena e Loteca.
a Caixa manteve o preço da aposta mínima em Cr$ modalidades mais consagradas. MUSEU da Cais,. Brasilia
256 LOlERIAS

A conquista da independência

- ti f1'JJ4'PU
A
tualmente. a Caixa oferece dez opções de desconsiderados, havia potenciais — mas frustrados
-— — — loteria: Mega-Sena, Timemania, Quina, - ganhadores. Imagina-se o tamanho da desilusão,
-
-
Lotomania, Dupla Sena, Federal, Instantânea, principalmente porque incontáveis brasileiros
- 72 33 3435 36 32 39 39 43
- 43 40 44 45 46 47 46 49 50
Loteca, Lotogol e l,otofácil. A instituição teve apostam em números surgidos durante os sonhos,
0
,1
5
de percorrer um longo — e por vezes tortuoso explicitamente ou por meio de simbolos, ou ainda
42 43 .1.
- -caminho até chegar à condição de poder utilizando-se de datas relacionadas a eventos

-Jí
((2 07
oferecer aos apostadores tamanha variedade importantes de suas vidas. Sonhos de fortuna
1• '7 .
: . 1,2 ...
99
3233 . - li, 1.L :5 7 IS 19. 20
1 47 4•L , ., ,
- ' .
dc pi-odutos num país de território imenso, que, por atraso tecnológico, muitas vezes eram
35 25 37
:
- .7' ...... .1 .58 39 aí;
:3 47 45 50 com os desafios de um mundo altamente destroçados - em alguns casos, literalmente, a se

tecnológico, e sem perder e> essencial: a confiança acreditar na história do jacaré.

liJi Y,4 7, 18 79 50
lIS 87 88 90 97, que o público sempre teve na Caixa desde Iniciado em 1994, quando foi realizada
•••RESSOO 00704SS 005545 07770700S005500 1 46 97 96 99 00
-— — —
- 05 1.,W ] L. 'OP"
que ela abriu suas portas no remoto 1861. uma licitação vencida pela Racimeq - depois
- lI
13 II ia 15 70, 17 IS 70
- :11.232425 26 27 21 29 30
- 31 22 3324 .35 36 37 50 713 .7'] 7 Nas últimas décadas, dois foram os comprada pela Getec -, e implantado a partir de
- 41 .72 43 44 45 48 47 45 40 50

:
- ii 53 53 54 55 55

• TIMEMANIA
momentos decisivos nesse processo. (') primeiro 1997, o novo sistema de apuração das loterias da

- Lii 12 OS '.
começou a se desenhar em 1994. Até então, as Caixa integrava, três anos depois. 6.500 agências
- 1 12 13 7.1 7 li. • - - - -
71 02 .23 33 30 3*3 U 100 11.21(00: II: 100] 101*] í1L •,'I II::]] :0*] 710]
rol 32 33 27 1* .'i. 71:1 !l2] (73] (14] (10] (19 (lo] 191 241 (27]
apostas eram registradas em cartões perfurados, conectadas em tempo real. Tratava-se, sem dúvida,
- .(] 4 2 43 -4 45 '70M 711 1221 7237 7347 7257 257 7377 (29] 129] 7307
- 1 S 53 ;,. . un 1327 (33] 734) 7357 36] 7077 739] 730] (40]
1
• depois gravadas em fita magnética e enviadas, de de um expressivo avanço. Na prática, no momento
1 27 7437 744) 745) 7467 1477 749] (44) ]
: ;
:.': '' 1']] 152 7537 547
( ( 57 56 57 (50) 517 SO!
...'.
54] (837 64) 05 75 57 667 7 7697 (7o) cada-agência, até um centro de processamento em que o apostador fizesse sua "fezinha" em uma
- ' .: 7721 7731 7747 7757 776] 7771 7707 (74] 180L
05,0,51 080O01050
de dados da Caixa, quando só então se tornavam lotérica, automaticamente a aposta era registrada no
- 7 2 - o .*,•9GíR ÇLFo0aIoza37 OPOR OuSpOrt]SP
" *rnencaiMC OCamaLDE ORemolPfl
15.1:
' OI,I7rloa'RJ C]Gnp04íOO 0910 B,oncoiflC oficiais. Em função disso, havia um prazo computador e garantia sua participação no sorteio.
- 3 • 0,. iiií,í,ioi '814 'TOC,ÕnooIRS 379)0 B,a000lES

4Y i59 entre o encerramento das apostas e a apuração. A tecnologia abriu novas e imensas possibilidades,
1.LL'70 P OSanta GruoPE
0nl'SOOOO"
(7100070 6 3' Santo AndrS/SP Mesmo assim, muitas vezes as tais fitas não entre as quais a de manter as apostas abertas até o
J*.Pa,anâíRO C0 Santo9SP
.Jo]nv,]16]SG OSão CaetanoLSP
.1 ...... 33 Juvnn5d,795 ]3Sao Pau[o]SP chegavam em tempo de serem processadas, último momento, além de eliminar a possibilidade
- , .70.1939 10 JUOefllUS(SP OS pa]munaoossM
- .......46 47 40 45 50 Lond,tna[PR QSerg,polSE
Ma L7IO7SP que obrigava a Caixa a, um dia antes dos de extravio ou de algum acidente inusitado.
:
ML000(MT OTrozeSPS
' .. 58. 04 .05 '56 07 08 09 IS Moto C(ube(MA Oruna LUS0,'PA
1; 13 04 IS 16 17 IS 79 20 Nac(ona]IAM O7UbnSSnd,a,M73
sorteios, publicar anúncios em jornais com Embora a contratação da Getec tivesse
590070(65 OU SanSalOnsoiSP
: -
'2 43 44 45 45 47 48 49 SO OtaOaSRJ OU,uao S JoaolSP
'OperànoLMS Ç)V00001RJ
a relação das "apostas não concorrentes". inegavelmente trazido a modernidade ao mundo
-. 53 04 55 56 57 se S. 60
- '• '00 1700 ,a7 1075 'Pa(maSíFO ÇlVUa 0000100
'' '*3 03 .94 05 06 07 09 05 io
PalrrlosrasíSP ÇLVilla NovalMs Muitos podiam ser os motivos para OS das loterias, de certa forma a Caixa se tornara refém
:2 lO 14 75 16 , 19 20 'ParanáLPR VV7tóSa)OA
O' .1/ 23 24 20 26 27 25 29 32 - Pau]L116ISP 0*55 Pir050aSSP
1 13 33 34 35 35 37 38 39 40 'PavoandiSpa 1 . Vp,raflgalflP atrasos ou mesmo extravios, desde um incêndio da empresa, que tinha sob sua responsabilidade
: 72 40 44 45 45 47 45 49 55, 'Ponto Prota,SP
'.3 53 54 55 54 57 55 59 60
1 7001 (04] (04] 7001 1077 1787 100' numa lotérica até, conforme etnia das tantas - e, portanto, domínio — praticamente todo e>
. ,- 9 10 li 12 IS 14•0 PIIR9IHÃL(tttDUMKO(DWIOYANIIDSU607Ã.
lendas que correm sobre o assunto, a perda de um sistema, das máqLiinas ao software, passando pelo
- rias CAIXA.
2 .7 -
malote cheio de volantes na Amazônia, devorado treinamento de pessoal, fornecimento de volantes

por um jacaré. Verdade ou lenda, o fato é que e bobinas, entre outros itens, mesmo que alguns
,Loteria, CAIXA •
Pror,haiodo,a,,,dSm.1o7.,,o6]do,,o7a,,l,.,7.,,01o7*000,l,,p,.l, aos portadores das "apostas não concorrentes" fosseni terceirizados. Os dados eram armazenados

restava, conforme previa a lei, aceitar de volta nos computadores da empresa, que os repassava

AS VÁRIAS FACES DA SORTE dinheiro, quase sempre reinvestido em nova à Caixa a intervalos de cerca de 15 minutos. O
Volantes de Dupla Sena1 Lotosnania, Quina, aposta. Quando o sorteio não lhes favorecia, o contrato previa a transferência de tecnologia da
Timemania e Mega-Sena, metade das opções
de loterias oferecidas pela Caixa. dano era pequeno, mas, por vezes, entre os cartões Getec à Caixa, mas isso nunca aconteceu, e, no

início do novo século, a relação entre ambas se
encontrava em estado de incontornável crise. A rede
de lotéricas estava saturada, o número de agências
máquinas e pessoal treinado era bem inferior ao
necessário para atender à demanda, provocando
filas permanentes e Irritação por parte do público.
A Getec se dispunha a promover os ajustes, mas
somente mediante a renegociação do acordo em
novas bases financeiras.
Havia outro problema: o l'rihunal dc Contas
da União (l'CU) vinha questionando os termos do
contrato, em especial a vinculação dos pagamentos
à arrecadação, o que tornava a empresa prestadora
do serviço virtualmente "sócia" da Caixa: a Getec
recebia 7% (percentual depois reduzido para 4,751%)
do valor das apostas, e entre RS 0,15 e R$ 0,25 a
título de tarifa sobre cada operação de "não jogo'
como são chamadas na Caixa as demais operações
efetuadas pelas lotéricas, tais como depósitos,
saques ou retiradas de benefícios.
Ao longo de mais de quatro anos, travou-
se uma extenuante batalha jurídica: de um lado,
TCU pressionava a Caixa em função do que
considerava irregularidades no contrato; de
outro, as tentativas de promover uma licitação a
fim de contratar outra empresa, e em bases mais
vantajosas, esbarravam em liminares impetradas
pela Getec. Mesmo enfrentando problemas sérios,
oncrosos e capazes de emperrar a evolução das
loterias, a Caixa pensava simplesmente em trocar de
parceiro e seguir terceirizando. Até pela grandeza e
complexidade da operação, não se fidava - embora
talvez se pensasse - em assumi-la diretamente.
A ousada decisão foi finalmente tomada em
abril de 2004 e, apenas três meses depois, a Caixa
assumia oficialmente a operação. Dito assim, pode
parecer que tudo dependia apenas de vontade
CAIXA: 50
política, mas, na verdade, aquele era apenas um
primeiro - embora decisivo - passo da gigantesca
tarefa que a instituição teria pela frente. Partindo
do zero, o projeto de implantar e administrar seu
próprio sistema de loterias desde o início envolveu
18 superintendências da Caixa em todo o Brasil e
incluiu mais de 600 ações, todas elas com dezenas
ou até centenas de desdobramentos.
O contrato com a Getec havia se encerrado
no início de 2003, mas recebeu uni aditivo
estendendo-o até agosto de 2005, sem possibilidade
de nova prorrogação. Isso significava que, entre
a ousada decisão e o desligamento da última
máquina sob controle da Getec, a Caixa teria
apenas um ano para resolver toda a equação. I.ogo
os representantes das pouquíssimas empresas de
tecnologia do mundo com foco no segmento de
loterias - sem contar que o sistema brasileiro é
único - começaram a aportar em Brasília. Escolher
equipamento adequado e com melhor custo-
benefício era essencial, mas o grande desafio
viria depois, na implantação do sistema e no
treinamento de pessoal, e tudo isso feito sem que
as loterias parassem de funcionar por um só dia.
Metaforicaniente, era como consertar um
avião em pleno voo. Havia, ainda, o problema de
tornar compatíveis dois sistemas completamente
diversos enquanto se fazia a transição. As resistências
não vinham apenas do eventual ritmo da Getec
- o entusiasmo de quem está se despedindo, sabe-
se, jamais é o mesmo de quem está chegando
- na condução das mudanças, das pressões dos
sindicatos ou das ações judiciais intermitentes
de quem se sentia preterido, mas das próprias
agências, responsáveis por uma centena de produtos
e serviços, que temiam - não sem razão - os
transtornos que, imaginavam, teriam pela frente
os DF u\i\ 111S1 ORlA IIRASILEIRA 257
ao trocar um sistema que utilizavam havia uma
década. E, afinal, cinco minutos de funcionamento
precário bastam para formar indesejáveis filas,
ainda mais num país em que estimados 80%
da população frequentam casas lotéricas.
Questões a resolver não faltavam. Antes,
em cada agência havia dois equipamentos, um
para apostas e outro para os demais serviços, ou
"não jogos". Para se ter uma ideia da grandeza da
empreitada, já então eram realizadas anualmente
em torno de 3 bilhões de operações, sendo que as
apostas respondiam por dois terços desse total.
A Caixa optou pela máquina única. Também
decidiu, aconselhada pela Anatel (Agência
Nacional de Telecomunicações) a utilizar apenas
um fornecedor em telecomunicações, a fim de
facilitar o gerenciamento da parceria. A Caixa
imaginava gastar R$ 1,5 bilhão com fornecedores
na implantação do sistema próprio de loterias, mas
a mudança ficou em R$ 750 milhões.
Os editais foram lançados entre julho e
dezembro de 2004. Em abril de 2005, assinou-
se o primeiro contrato e, menos de dois meses
depois, todos já haviam sido celebrados, apesar de
invariavelmente terem sido alvo de disputas e de
ações na justiça. Mesmo assim, em julho daquele
ano a Caixa inaugurou o primeiro terminal próprio,
para um período de testes, em uma agência no Acre.
Ainda no final de 2005 teve início a substituição de
22 mil equipamentos em 9 mil lotéricas espalhadas
por 3.500 municípios, enquanto se trocava também
a rede de telecomunicações.
Ao mesmo tempo, eram treinados 40 mil
funcionários da rede lotérica em todo o país. Em
comercial de TV a atriz Dira Paes informava aos
apostadores sobre as mudanças. Em 12 de agosto
258 LOJERIAS

de 2006, foi por fim acionado o último terminal

próprio - e desligado o último da Getec. Nos meses
seguintes, houve a necessidade de se realizar alguns
ajustes, mas o saldo se revelou extremamente
positivo, em especial porque a complexa operação
foi realizada sem que os brasileiros passassem um
dia sem poder liizer suas apostas. Os pequenos
problemas pós-implantação perduraram somente
até o final daquele ano. A partir de 2007, a Caixa
tornou-se dona do próprio nariz no que diz respeito
às loterias. Nos anos seguintes, advieram a calmaria
e a constante quebra de recordes. Em 2009, a Caixa
esperava fechar o exercício com um volume de 6,1
bilhões de transações, mas foi surpreendida pelo
número de 7,35 bilhões.
Por ocasião da mudança, foram instalados
25 mil terminais, embora antes existissem apenas
22 mil em funcionamento. Além disso, havia
dez anos não se abriam novas casas lotéricas.
Desde então, outros 6 mil equipamentos foram
incorporados ao sistema, totalizando hoje 31 mil
unidades, sendo que outras 1,3 mil se encontram
em processo de licitação. As agências, por sua
vez, já chegam a 10,5 mil. O pedido de abertura
de uma lotérica, que antes levava meses, pode
ser analisado em apenas 24 horas, enquanto o
período decorrido entre a aprovação e a efetiva
instalação não vai além de cerca de 60 dias.
processo de "internalização' como a ele
se referem seus condutores, garantiu à Caixa o
controle de seus próprios produtos lotéricos, o
que certamente ampliou ainda mais o caráter
de transparência e confiabilidade junto aos
apostadores. O aumento na arrecadação beneficia
não apenas a eles, mas a todos os brasileiros,
considerando-se que anualmente a Caixa repassa
mais de R$ 2 bilhões para fins como apoio
ao esporte, seguridade social, Programa de
linanciamento Estudantil (FIES), Fundo Nacional
de Cultura e Fundo Penitenciário Nacional.
 CAIXA: 1 50 ANUS i)F I'M•\ I)ISIÕRL\ BRASILEIRA 259

A sorte vai até você

A história das loterias no Brasil, conforme se viu

neste capítulo, iniciou-se em 1784 com um
sorteio realizado em praça pública na cidade de \'ila
Rica, hoje Ouro Preto, em Minas Gerais. Foi assim
por certo tempo, mas depois as apurações lotéricas
acabaram por ganhar os gabinetes e se distanciar dos
apostadores. Apesar de o primeiro sorteio de uma
loteria da Caixa ter ocorrido em 15 de setembro de
1962, passaram-se quase quatro décadas até que
se adotasse uma medida que a levaria diretamente
para os braços do povo. 'liimbém num dia 15, em
março de 1980, começaram a circular pelas estradas
brasileiras os hoje consagrados Caminhões da Sorte.
Recife foi a primeira cidade a receber o caminhão
- na verdade são dois, em revezamento, que nestes
30 anos, com uma interrupção de sete na década de
1990, visitaram mais de 1.200 municípios em todo
o território nacional, rodando anualmente em torno
de 50 mil quikmetros e propiciando a realização, in
CAMINHÃO DA SORTE P. 258-SONHO QUE SE REPETE
loca, de 700 sorteios a cada temporada. Sorteio realizado ao vivo na cidade Aposta dores fazem sua "fezinha" em lotérica instalada
de Macaé, no estado do Rio. no saguão da sede da Caixa, em Brasília.
O Brasil é único pais do mundo a realizar
sorteios de loteria itinerantes, embora várias
nações já tenham manifestado interesse em A realização dos sorteios diante do público esses sonhos as grandes premiações, como a ocorrida
reproduzir a ideia. A cada nova localidade em que por certo aumenta ainda mais a credibilidade em 7 de outubro de 2010, quando um brasileiro
aportam, os Caminhões da Sorte são efusivamente das loterias da Caixa, além de estimular o hábito ganhou sozinho - com uma aposta registrada na
aclamados, recebidos com carreatas, bandinhas de apostar. Em 2010, entraram em atividade os cidade gaúcha de Fontoura Xavier -o maior prêmio
e fogos de artifícios. Milhai-es de pessoas se dois novos Caminhões da Sorte. A exemplo dos já pago pela Mcga-Sena em sorteios regulares, no
aglomeram ao seu redor para assistir ao vivo ao anteriores, aléni do espaço no qual são realizados valor de R$ 119 milhões. O vencedor anônimo,
hipnótico movimento das esferas das quais sairão os sorteios, os novos modelos dispõem de sala de que retirou o prémio em outro município, aplicou
as holinhas numeradas capazes de transformar reuniões e de uma agência lotérica, o que significa a boIada em uma Poupança da Caixa, garantindo
qualquer um em milionário da noite para o dia, que as apostas podem ser feitas no próprio local até rendimentos superiores a R$ 660 mil por mês, O
depositárias dos sonhos e esperanças de milhões minutos antes da apuração. Além dos caminhões, superprêmio, que provocou nova corrida às agências,
de brasileiros. Os sorteios realizados em datas os equipamentos do sorteio também foram saiu um mês depois de a Caixa ter celebrado em
especiais têm a apresentação de personalidades modernizados e simplificados. grande estilo seus 48 anos de controle sobre as
do esporte ou da TV e são transmitidos ao vivo, Mas o que move mesmo o apostador são seus Loterias. Uma história de alegrias e de frustrações,
enquanto um habitante local é convidado a sonhos, renovados a cada apuração, de se tornar o de fortunas ganhas e de fortunas perdidas. Mas,
acionar o mecanismo que faz girar as esferas. próximo milionário da loteria. Ajudam a impulsionar acima de tudo, uma história de sonhos.
7.

1-
LUTAS DO POVO BRASILEIRO

A CONJURAÇÃO MINEIRA
penas quatro anos depois de ter sediado a primeira extração de uma loteria no
Brasil, a cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto, foi palco daquela que se tornaria
uma das mais emblemáticas lutas do povo brasileiro, embora sua importância
tenha sido mais simbólica do que concreta. O movimento começou a nascer em
dezembro de 1788, quando alguns dos personagens mais importantes da capitania das Minas
Gerais se encontraram para uma reunião conspiratória. Eram três tipos de homens os que se
articularam em torno do movimento: intelectuais de peso, meros entusiastas (como o alferes
Joaquim José da Silva Xavier, de alcunha Tiradentes) e, em maior número e muito mais
voz de comando, mineradores endividados. Mais tarde se juntaria ao grupo o negociante
Joaquim Silvério dos Reis, talvez o homem mais endividado da capitania, com um passivo
oito vezes superior aos ativos.
Apesar de muitos planos e muitas ideias, a verdade é que a articulação do golpe revelou-
se tão vaga quanto OS projetos do futuro governo. Em tese, a revolta levaria à fundação, em
Minas, de uma república independente, cuja capital seria São João DeI Rey. A exploração do
l!)istrito 1)iamantino seria liberada, assim como a exploração do ferro e a industrialização.
Seriam construídos hospitais, criada uma universidade e abolida a escravidão. O governo
seria entregue ao poeta Tomás Antônio Gonzaga, por três anos - a seguir, seriam convocadas
eleições livres. Minas estava destinada a ser, portanto, uma espécie de paraíso na 'lrra.
Embora a Conjuração seja considerada uma luta pela liberdade no Brasil, para o
historiador norte-americano Kenneth Maxwell, autor de A Devassa da Devassa, o melhor
livro sobre o tema, "a conspiração dos mineiros era, basicamente, uru movimento de
oligarcas, no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como
justificativa. (...) A revolta proporcionava aos magnatas locais uni subterfúgio pré-!abricado
para alcançarem seus objetivos egoístas sob o disfarce de um levante popular'
Como quer que tenha sido, a repressão ao movimento e o martírio de l'iradentes deram
ao Brasil um genuíno herói nacional, e, cantada em prosa e verso, a dramática história da
Conjuração Mineira - também chamada de Inconfidência - ainda emociona e encanta
milhões de brasileiros.
1
 Parte 111
OS PATRIMÔNIOS
 'À

LL.
PATRIMÕNlo ARTISTICO
CAIXA DE PINTURAS

mhora em 1887 o então pi-esidente da Natal, utiliiadas para ilustrar os bilhetes das quatro

Caixa Econômica da (orte, conselheiro maiores extrações da Loteria de 1968. Foi unia soltição

Antonio lolentino, tenha diagnosticado engenhosa: afinal, ao olhar os bilhetes nos quais

a existúncia de uma "antiilomia" - ou depositavam sua "fezinha", agricultores, vendedores

seja, ulu pi-ofuiido conflito inoial - entre poupança e operários de todo o pais que jamais visitariam

e loteria, o fato é que a Caixa deve muito is apostas um ni useu coo templavani também um pouco

feitas pelos brasileiros. E essa dívida não está ligada da arte brasileira. Nos anos subsequentes, seriam

apenas ao poder do dinheiro: afinal, é preciso encomendados, com o mesmo fim e os mesmos temas,

salientar que, se o processo definido pelo crítico quadros a vários outros artistas, como Di Cavalcanti

Pa ilo Herkenhotl corno "transformação do capital (1897-1967), Guignard (1896-1962), Graciano (1907-

econôniico em capital simbólico" de tato ocorreu ao 198$) e Glauco Rodrigues (1929). Nasceu assim o
longo da história da Caixa, n ão restamdúvidas de acervo artístico da Caixa Econômica Federal.

que ele está diretamente ligado às loterias. f-Ioje com mais de mil pinturas, gravuras,

Tal coneXão iniciou-se, entretanto, de forma esculturas e tapeçarias, o acervo contém obras

fortuita. 1'udo começou em 1967, quando, aos 33 anos, modernistas, avança pelo século 2(1, abrangendo

a pintora 1 )janii-a da Mota e Silva (1914-1979) viu- várias tendências abstracionistas, e culmina na

se sem recursos para uni tratamento de saúde. Urna contemporaneidadc, em criações que estremeceram

intáncia de dificuldades, passada na lavoura, arando os conceitos plásticos. Em 1987, quando Brasilia foi
a terra, à qual logo se somou a juventude suburbana declarada Patrimônio Cultural da Humanidade, Idram

de vendedora ambulante, resultou numa tuberculose, incorporadas ao acervo 60 peças feitas para homenagear

contraída aos 23 anos - e tão grave que a levou a ser a cidade. 'l3mbém na década de 1980, por ocasião da

internada na ala de pacientes terminais do Sanatório incorporação do BN 1-1. outras 246 obras passaram a

Dúria, em São José dos Campos (SI?). Embora tenha se enriquecer o patrimúnio artistico da Caixa. Depois

curado, a pintora hcou com a saúde fragilizada. disso, foram feitas novas aquisições, com a instituição

Em fins de 1967, Djanira, uma artista já dando continuidade ao exercício do mecenato. Boa
i-econhecida, teve de passar pelo constrangimento parte dos quadros selecionados para ilustrar esta

de oferecer seus préstimos à Caixa em busca de página e as seguintes desempenhou um papel crucial

uma maneira de pagar seu tratam ento. Fora-lhe

m na formação da identidade brasileira - formação que a

encomendadas então quatro obras temáticas, sobre Caixa tem respaldado do ponto de vista econômico e

Inconfidência Mineira, São João, Independência e também no sentido de preservação cultural.

266 PAIItIMÕNIO \í 1 ' 1 ((1

O lirismo que é libertação

A ligação entre a Caixa Econômica Federal

e o movimento modernista brasileiro - já
revelada em outras partes deste livro - vai além do
ITTIT1.
fato de um Andrade, o Oswald, ter sido sobrinho
de Inglês de Souza, presidente da instituição, e do
lato de outro Andrade, o Mário, ter sido filho de
um homem que fez carreira na Caixa, começando
como porteiro e chegando a gerente. Embora a
Caixa tenha, de certo modo, garantido o pão e o
leite do criador do Movimento Antropofágico e do
pai de Mcunaíina, "o herói sem nenhum caráter' o

i.: importante aqui é ressaltar que a instituição reúne

atualmente em seu acervo obras de Di Cavalcanti,
larsila do Amaral (mulher de Oswald), Anita
Malfatti (1896-1964), Cândido Portinari (1903-
1962) e outros modernos.
Se não são os quadros que criaram polêmica
e debates inflamados desde a histórica mostra
individual de Anita Malfatti em 1917, passando
pela Semana de Arte Moderna de 1922 e pelo
paroxismo modernista que se seguiu, tais obras
sem dúvida preenchem lacunas na historiografla da
arte brasileira moderna e são eloquentes quanto à
trajetória de seus autores, além de terem preparado
o terreno para a arte abstrata e contemporânea.
Embora esses quadros sejam parentes das obras
do modernismo da primeira hora, são líricos.
Líricos de um lirisnio que é libertação.
O quadro mais antigo do acervo, Valência, de
VALÊNCIA Anita Malfatti, pintado em Paris, em 1927, desvenda
Anita Malfatti, óleo sobre tela, 80 x 80 cm, 1927
Masca da Caixa. Brasilia uma reformullação em relação ao seu expressionismo

P. 262- CAIxA-FowrE original; um recurso sutil ao cubismo e outro

Cofre-forte fabricado no Porto, em Portugal, na década não tão sultil à figuração de ateliê, preservalido,
de 1920, e usado pela Caixa do Rio de Janeiro nessa
mesma época. entretanto, as cores fortes da jovem Anita. Embora
Museu da Caixa. Brasilia
1)janira não tenha sido modernista, mas uma artista
P. 264- INDEPENDÊNCIA
de obra pessoal, seu quadro Inconfidência revela o
Glénio Bianchetti, 1987
M c,cii da Caixa, Brasília pontilhamento rumo à arte ingénua, sem meios-
 CAIXA: 1 5(1 ANOS DE UMA HISTÓRIA BRASILEIRA 267

ni
E tE E E E E E EL E ti II a! 1IFt HiE E LE ti Ii LII II
- ---,--'-- Onriz
7/
ffti91 1t1EI,1e es ' ' / — raz r'c a

t()flS, sem SensalÇão de profundïdade, com as firmas

chapadas em uma mesma dimensão e de raízes
populares e compassivas.
Os quadros Natale Independência, de I)i
Cavalcanti, mostram a redução, na trajetória do
pintor, do cubisnio à incontornável importância dada
às figuras humanas e ao tipo local. Nos traços fiiciais
dos brasileiros de Independência (pintado em 1969,

durante os anos de chumbo), vê-se uma reedição

com notas pessimistas da perplexidade modernista: o
brasileiro olhando pela primeira vez para si mesmo.
Pescadores, pintado ia na velhice do artista, no ano
de sua morte, apresenta a exuberância de cores que Portinari, com figuras humanas simples e quase NO ALTO INCONFIDÊNCIA
lhe caracterizou e a temática da mulata - sempre desfiguradas em situação caótica. O pós-modernista Djanira, guache, 60 x 120 cm, 1969.
Mnsa da Cais, RrsiUa

expressão de beleza - reunidas em uma espécie Carhé (1911-1997), um argentino radicado na

de síntese das tendências plásticas que lhe foram
importantes: expressionismo, cubismo e fauvismo,
Em Balões, realizado sob a ditadura militar,
Graciano revela, ironicamente, suas infiuéncias de
ACIMA, À ESQUERDA - BALÕES
Bahia, apresenta em Independência as cores tropicais Graciano, óleo sobre tela, 80 x 100 cm, 1972.
Museu da Caixa, Brasilia
e as linhas alongadas que conferiram leveza a toda
sua obra, aplicadas a um tema que de modo algum ACIMA, À DIREITA - NATAL
Di Cavalcanti, óleo sobre tela, 80 x 100 cm, 1969.
era de sua predileção: a batalha. Museu da Caixa, Brasília
268 PATRIMÔNIO A E 1151 1(0

A ebulição do Pós-Modernismo

aixada a poeira das primeiras manifestações de sonho: a paisagem local contortadora

FLORES
Aldo Bonadei, óleo sobre tela, 55 x 45 cm, 1970.
Museu da Caixa, Brasília.
ACIMA, À DIREITA - FLORES COM PAISAGEM
Guignard, óleo sobre tela, 54 x 73 cm, sem data.
MusradaCaisaBra,ilia
B modernistas e passados os anos loucos do
movimento, Alberto da Veiga Guignard começou a
se afirmar no cenário das artes plásticas brasileiras
ia década de 1930. Partilhou com José Pancetti
(1902-1958) o primeiro plano das artes também na
década de 1940. Diz-se por vezes que sua obra - de
um decorativismo instintivo e sempre imbuida
de atmosferas oníricas - afasta-se das ideias
modernistas. Mas o caráter local é urna constante,
ainda que frequentemente os temas regionais e
nacionais sejam mostrados idilicamente, como
neste Flores com Paisagem. Ao gosto dos mestres
modernistas franceses, como Matisse e Monet,
Guignard apresenta-nos ipomeias brancas de
corolas vermelhas sobre um cenário canipestre
à qual a alma humana deseja retornar.
Aldo Bonadei (1906-1974) fez parte
do grupo paulista Santa Helena, iniciado
nos anos 1930 com pintores (de parede!) de
origem proletária e imigrante, no qual também
surgiram figuras como Alfredo Volpi (1896-
1988), Francisco Rebolo (1902-1980) e Mário
7.anini (1907-1971). Bonadei, com sua gradual
desobediência ao figurativismo naturalista e
libertação da referência minuciosa da realidade,
com sua força de cores e tentativa de reorganizar
abstratamente o espaço - como pode ser visto em
Flores—, ocupa com Volpi a linha de frente dos
santelenistas e aponta para a radicalizacão das
tendências abstracionistas.
 CAIXA: 1 50 \NOS E LNIÀ 1-IISTÕRIA BRASILEIR,\ 269

A recriação radical do real

A pós o choque de duas guerras mundiais,

o cenário artístico internacional passou
a rejeitar cada vez mais a imitação da realidasla
externa como forma do pensar artístico. Os
preceitos por trás das manchas impressionistas
de sublinhar o modo de ver em vez do ohjct
contemplado - foram exagerados e, em uni IIIIIIItIo
progressivamente desumano e nonsense, as figuras e
velhas paisagens desapareceram das telas dos artistas
de ponta no que foi a revolução abstracionista.
No Brasil do Estado Novo (e em toda a
América do Sul), o movimento disseminou-
se nas décadas de 1940 e 1950. Como os
artistas da primeira leva modernista já estavam
maduros demais para participar de tão radical
renovação, coube o bastão aos mais novos, que
sem título, é testemunha. O contraste entre as
cores é abrandado, e os jogos de relevo ocupam
lugar pouco importante. Fazendo apelo à alegre
decoração, a obra madura da pintora não dispensa
a Contenção que caracteriza a maioria dos artistas
plásticos nipo-brasileiros.
Dionísio DeI Santo (1925) é um dos
grandes nomes da arte serigráfica. Por meio das
ni últiplas possibilidades oferecidas pela tiragem
da serigrafia, Dionísio atingiu uni malabarismo
de efeitos visuais, exercitando a volumetria
sem recorrer à imitação realista-naturalista.
FIGURA
!víilton Dacosta, óleo sobre tela, 81 x 65 cm, 1965.
luseu da Caixa, Brasilia

não tinham vivido nem os turbulentos anos de

1920, nem o realismo social da década seguinte.
Cícero Dias, António Bandeira (1922-1967)
e Samson Flexor foram figuras epicéntricas
lia difusão do abstracionismo brasileiro e
suas variadas ramificações: abstracionismo
geométrico, lírico, orgânico, expressionista,
construtivista, concretista e informal.
Ao longo de sua carreira, Milton Dacosta
(1915-1988) praticou a racionalização da forma,
tendo flertado com o cubismo e com o concretismo,
chegando, finalmente, á abstração. O óleo Figura, SEM TITULO
Tomie Ohtake, óleo sobre tela, 100 x 100 cm, 1978.
de um momento posterior de sua carreira, mostra Museu da Caixa, Brasília

a síntese da preocupação com a recriação formal

da realidade e a importância da figura humana,
distorcida, mas lírica.
Uni dos nomes mais fortes da pintura
abstrata brasileira, Tomie Ohtake (1913) iniciou
TEMA VIBRAÇÕES = 110
sua obra com a figuração, explorou os efeitos
Dionísio DeI Santo, serigrafias sobre
de textura, para só então chegar ao seu ponto papel, gravura permuta XXV e gravura
permuta XXXIX, 43 x 43 cm (cada), 1978.
alto - do qual esta tela do acervo da Caixa, Museu da Caixa, Bra,ilia
270 PATRIMÕNft) \l i I.0
Queda das fronteiras artísticas
onsiderando-se como arte contemporânea
C a produção das últimas três décadas do
século 20, têm-se duas características principais:
a coabitação das mais diversas tendências,
técnicas e conceitos plásticos e a inclusão, dentro
da própria obra, do debate sobre conceituações
artísticas. A permanência abstracionista se explica
pela continuidade das condições que haviam
ocasionado, ao longo do século, a dissolução do
naturalismo. 'ilil tendéncia está presente na obra
AB - 7/72, de Manabu Mabe (1924-1997), que,
com uma escala cromática reduzida e poucos
elementos, propõe um estado psíquico lírico e
intenso, mostrando figuras disformes e de textura
complexa sobre um fundo liso e luminoso.
Por outro lado, o Piquenique de Glênio
Bianchetti (1928) condensa parte do figurativismo
da segunda metade do século. Suas figuras
humanas foram gradualmente estilizadas,
e pode-se dizer que o artista, integrante do
Clube da Gravura de Porto Alegre - do qual
também participaram Vasco Prado, Carlos Scliar,
Danúbio Gonçalves e Glauco Rodrigues -, fez
uso de colagens, mistura de texturas e outros
materiais, prenunciando os questionamentos
do que seja matéria-prima artística.
Em Daniel Senise (1955), uni dos nomes
de ponta das artes atuais, abstração e toques de
figuração unem-se em prol de uma atmosfera
dramática, onírica, heirando o trágico. Como
em Moema, onde imagens sem significação
aparente, fragmentadas e mutiladas trazem à tona
a sensação de inquietação, inserindo-se no melhor
do imaginário fantástico.
Outro partidário das figuras e paisagens
sombrias e assustadoras, seguindo a tradição
de Bacon e de Bosch, é o goiano Siron Franco
1947), que, com pinceladas de cores escuras
e apagadas, infesta sua obra de sarcasmo e de
humor macabro. Neste quadro do acervo da
Caixa, Notícias do Dia 21 de Junho de 1998,
Franco mostra que sua ironia não é gratuita:
ela provém do risível absurdo da vida, da
degradação, da vitória do irracional malévolo.
Sua técnica de colagem mista, apropriando-
se de materiais destituídos de nobreza, como
folhas de jornal, é indício do esvaecimento das
fronteiras definidas do que é ou não é arte.
ACIMA - A/B-7/72
Manabu Mabe, óleo sobre tela, 92 x 123 cm, 1972.
Museu da Caixa, Brasilia
À ESQUERDA - PIQUENIQUE
Glênio Bianchetti, acrílico sobre tela, 160 x 110 cm, 1993.
Museu da Caixa, Brasil ia
 CAIXA:150 ANOS DE UMA HISTÓRIA BRASILEIRA 271

- fJ
.: tU
a

ACIMA—MOEMA
Daniel Senise, guache sobre madeira, 100 x 180 cm, 1998.
Mas,,, da Caixa, Brasília

- ' À ESQUERDA - NOTÍCIAS DO DIA 21 DE IUNHO DE 1998

Siron Franco, colagem sobre cartão, 80 x 120 cm, 1998.
,L -
- Masca da Caixa. Brasilia
 CAIXA: 1 30 axos t)E UMA HIST CRIA tIRASII.F.IRA 273

Átrio dos Vitrais enche a Caixa de cores

c orn origens que remontam ao Oriente no

século 10, a arte dos vitrais se aperfeiçoou

e ganhou o mondo a partir da Europa, tendo

estabelecido com os temas religiosos sua mais

estreita ligaçso. Ironicamente, um ofício baseado

no efeito da luz sobre multicoloridos mosaicos

conheceu seus anos de ouro durante a entrevada

Idade Média. Os mais famosos encontram-se

em catedrais como as de Notre-1 )anie, em Paris,
e da cidade de Chartres, ambas na França.

A beleza dos vitrais os levou muito além das

igrejas e casas de bemerência e, embora sejam uma

forma de arte secular, continuam encantando a

todos que tam a oportunidade de contempla-los.

Foi por essa razõo que o edifício-sede da Caixa

tornou-se atração turística de Brasília. O imponente
Átrio dos Vitrais é compoSto de 24 peças criadas

pelo vitralista e pintor Lorenz Johannes F leilmai r.

Filho de um pintor, Heilmair nasceu na

Alemanha em 195 1, mas sua ómilia migrou para

o Brasil no ano seguinte. O artista criou os vitrais

e a pintura do teto da Igreja de Nossa Senhora

do Rosétrio, em Porto Alegre, os vitrais da Igreja
Matriz de Blumenau, da Catedral do Rio e da

Basílica de Nossa Senhora Aparecida, entre mais

de 80 trabalhos executados em igrejas do país.

Os vitrais da Caixa homenageiam os estados

brasileiros, suas histórias, suas gentes, seu folclore e

sua vocaçio económica (dois deles contemplam dois
estados cada um e Tocantins ticou de fora por ter

sido criado depois). Com sua beleza e imponência, os

vitrais também ajudam a emoldurar e engrandecer as

exposições e instalações artísticas realizadas no Átrio.

LII.,

IIP ,v
CAIXA CULTURAL

ri u ndada quando o Brasil ai ii da

era uni inipério, a Caixa

acompanhou, ao longo de

seus 150 anos, as principais

então, (is Conjuntos Culturais da Caixa não se

limitam a exibir o acervo histórico o que já seria

urna missão por Si só relevante -, mas apoiam

artes plásticas, teatro, música, dança, literatura

transformações na vida nacional, da libertação e fotogra0a, levando a arte e a cultura a todo

dos escravos à proclamação da República, do o Brasil. Os Conjuntos, afinal, fazem parte de

ingresse) das mulheres no mercado de trabalho à um projeto ainda maior: a Caixa Cultural.

plena democratização. Não apenas sua trajetória Depois de abrir suas galerias e teatros

confunde-se com a lormação do Brasil moderno, para exposições e espetáculos nacionais

como a Caixa é parte ativa do processo. e internacionais, a partir de 2007 a Caixa

Por volta do finl da década de 1960, colocou seu acervo à disposição do públicu na

começou a ficar evidente que a instituição internet. Por meio do site da Caixa Cultural

O55LlÍil, em seus almoxarilados, repartições é possível realizai, por exemplo, um passeio

e escritórios espalhados pelo país, diversos virtual pelas obras de artistas como Carybé,

documentos, máquinas, moedas, objetos 1)i Cavalcanti e 1 )janira, entre várias outras

e obras de arte que, urna vez reunidos, possibilidades. O site funciona ainda como

resgatariam não apenas a história da uma importante ferramenta para produtores

Caixa, mas a própria história do Brasil. culturais, que podem conferir a programação

Depois de anos de esforços eoletivos dos mensal de cada Conjunto Cultural e ter acesso

econorniários de todas as paragens. em 12 às especificações técnicas completas de todos

de agosto de 1980 enfim foi inaugurado em os espaços, projetos, programas e patroeinios.

Brasil ia o Conjunto Cultural da Caixa. Além Os Conjuntos Culturais da Caixa Económica

de abrigar o precioso acervo, o espaço viria Federal - teatros, museus, galerias e salas de

a se tornar um importante agen te promotor projeção estão localizados em Salvador,

das manifestações artísticas e culturais Fortaleza, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro, São

em todas as suas formas de expressão. Paulo, Brasília e Porto Alegre. As páginas que

O sucesso da iniciativa fez com que ela logo se seguem convidam o leitor a empreender

se expandisse a várias capitais do país. Desde um passeio por eles e conhecê-los melhor.
276 CAIXA CvI:FLIt.•\I,
? com a ousadia de suas linhas, atrai o olhar dos
ACIMA E NO ALTO - COM A CARA DA CIDADE
O primeiro Conjunto Cultural inaugurado pela Caixa
integra uni complexo arquitetônico concebido por João
Tiedetnann com o propósito de se encaixar de modo
harmonioso no perfil da capital federal.
Conjunto Cultural de Brasília
riado em 1980, o Conjunto Cultural de
C
Brasília, o primeiro instituído pela Caixa,
está localizado em um ponto privilegiado, no
Setor Bancário Sul, próximo do centro, do Eixo
Monumental (principal via, que corta a cidade
de ponta a ponta), de uma estação do metrô e
da rodoviária urbana. Faz parte de um complexo
arquitetônico projetado por João Tiedemann que,
visitantes e se encaixa de modo harmonioso no
perfil futurista da capital federal.
Como um dos objetivos do conjunto é
apresentar a história da Caixa, já próxima á entrada
no canteiro frontal, uma estátua do imperador 1).
Pedro II, criador da instituição, faz as honras da
casa. Os jardins suspensos estão disponíveis para
exposições de esculturas ao ar livre.
O foyer funciona como uma generosa área de
integração e oferece acessos independentes a diversas
funções - recepção, teatro, projeto didático, galerias
,-
í*.
térreo, mezanino e primeiro andar, café cultural
110
e livraria , facilitando a circulação e a localização
no edifício. O Átrio dos Vitrais, atração turística da
cidade, compõese de 24 grandes vitrais do artista
plástico alemão Lorenz Heilmar que representam os
estados do Brasil, suas gentes e tradições.
A galeria principal, por suas condições
técnicas de padrão internacional, é considerada
uma das melhores do país. Inaugurada em
2001 com a exposição de Edvald Munch, já
exibiu obras de artistas como Miró, Eckhout,
Kertész, Portinari, Brecheret, WeissnlanIl,
Roberto Magalhãcs, Pierre Mendell, Jorge
Martins, Otto Dix, Félix Nadar, Pierre Verger,
Martin Chambi, Thomas Ender, Milton Ribeiro,
Bianchetti, Aguilar, 1.uis Humberto, Galeno
e Bené Fonteles, entre outros. Abrigou ainda
trabalhos do Museu do Inconsciente, dos
artistas da Bienal do Mercosul e a exposição
História em Quadrões, de Maurício de Sousa.

As galerias l'icolla 1 e Picolla II, igualmente
inauguradas em 2001, depois que o espaço passou
por uma grande reforma de modernização,
podem ser utilizadas em conjunto com a galeria
principal ou acolher exposições de pequeno porte
Já passaram pelo local trabalhos dc Fernando
Madeira, Leonilson, Cláudia Andujar, Andréa
Farias, Orlando izevedo, Inha Bastos, 'l'esouros
Fotográficos do Quai d'Orsay, Renina Katz,
Naura 'l'imm, Helena Lopes, Giovana Dantas,
Mõnica Barki, Carlos Carvalho, Depardon,
Foledo, entre outros A sala também recebeu
a mostra Tapetes Contadores de Histórias.
No mezanino do Conjunto Cultural de
Brasília está instalada a Pequena Mostra do
Acervo Histórico Caixa, uma síntese da magnífica
coleção de peças da instituição. Ali podem ser
vistos equipamentos, objetos do penhor, artigos
e rnaquinários de loterias, móveis das primeiras
agências, documentos e fotografias - inclusive
cadernetas de poupança de diversas épocas, como as
dos escravos que economizavam para comprar suas
cartas de alforria, conforme vimos neste livro.
Localizada no primeiro andar, a galeria Vitrine
teve suas instalações reformadas quando o acesso
pelo foyer foi implementado e, desde 2002, já
recebeu obras de artistas como Picasso, Fay Godwin,
Wols, Rosa Gauditano, Cristiano Mascaro, Fayga
Ostrower, a coleção Pirelli/MASP de fotografia e a
exposição temática Carmen Miranda.
CAIXA: 150 Ll \ tII5[ORt\ ul\sI1tIIv.\ 277
No quarto andar funciona ainda o projeto
didático Gente Arteira, que oferece transporte
gratuito para escolas da rede pública ou
instituições carentes, aliando ação pedagogica
à programação cultural, com oficinas de
artes plásticas, música, dança e teatro.
A Caixa Cultural tem sua atuação pautada
pela diversidade e qualidade de eventos, preservação
de identidades culturais, disseminação de valores
e fomento à cultura. A fim de tornar a arte e a
cultura acessíveis a todos, garante ingresso gratLnto
as exposições das galerias e preços populares
nos espetáculos e shows apresentados no Teatro
da Caixa, cujo projeto de restauro foi realizado
por J. C. Serroni - uni dos maiores especialistas
no ramo - e contemplou ampliação do palco,
plateia e camarins, além da modernização dos
equipamentos de som e da iluminação cênica.
A leitura, as oficinas e as palestras gratuitas
são estimuladas no Espaço Leitura e Debate, que
proporciona acesso a jornais, revistas, catálogos
ACIMA - A BAIANA
e livros de arte e literatura infanto-juvenil, além Detalhe de aia dos vitrais do artista
da exibição diária de vídeos especializados Lorenz Heilmair presentes no átrio.
em arte e acesso gratuito à internet. ABAIXO - MUI.TIFUNCIONAL
Espaços para nwstras, sala de leitura e
No Café Cultural, inaugurado em 2007
auditório são algumas das opções oferecidas
como resultado de uma parceria entre a Caixa e pelo Conjunto Cultural de Brasília.
o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(Senac), funciona também uma livraria com obras
sobre artes plásticas, fotografia, arquitetura, moda,
educação e culinária, entre outros temas.
-
278 CAIXA (1.JJR\l
Conjunto Cultural de São Paulo
N a maior cidade do país, o Conjunto Cultural da Caixa, inaugurado em 29 de agosto de 1989, possui
três imponentes espaços: o Conjunto da Sé (praça da Sé, 111,3° e 40 andares), Caixa da Paulista
avenida Paulista, 2083) e Vão livre (avenida Paulista, 1.842)
Caixa Cultural da praça da Sé
A Caixa (LiIiciral da praça da Sé ocupa um
espaço no Edifício Sé, uma grandiosa construção
no estilo art déco, ornada com detalhes de latão,
bronze e aço escovados e mármore, erguida em
1939 para ser a sede da Caixa Econômica Federal
dc São Paulo. l'rata-se de um prédio histórico,
tombado, no qual funcionam, além da Caixa
Cultural, algumas áreas administrativas e a Agência
Sé. No térreo do edifício, com pé-direito elevado,
o grande salão integra o térreo ao segundo andar,
onde se destaca um grande vitral de Henrique
Zucca - cujo tema é o trabalhador e as riquezas de
São Paulo - além de três painéis luminosos com
imagens da antiga Igreja São Pedro dos Clérigos,
dc período colonial, demolida para a construção
do atual edifício. O espaço do Grande Salão é
utilizado para espetáculos de dança, teatro, shows,
debates, leituras dramáticas e palestras. Ali também
se encontram as galerias Florisbela de Araújo
Rodrigues e D. Pedro II. A galeria Florisbela tem
seu nome em homenagem à primeira poupadora
da Caixa em São Paulo, no ano de 1875, cuja
caderneta encontra-se no museu da instituição.
Trata-se de um espaço semiaberto,
localizado na entrada da Caixa Cultural,
apropriado para exposições de pequeno porte
e que possui duas grandes aberturas, como
janelas, voltadas para a entrada principal.
Com espaço amplo, climatizado e silencioso,
a galeria D. Pedro II homenageia o segundo
imperador do Brasil, intelectual incentivador
da arte, da ciência e da cultura, fundador da
Caixa Econômica Federal. No edifício da Sé,
dois econoiniários que dedicaram seu trabalho à
preservação da memória da Caixa têm seus nomes
homenageados em galerias: a Michelon reverencia
Neuter Michelon, primeiro gerente designado para
a área cultural de São Paulo. É um espaço fechado,
amplo, com parte de suas paredes de vidro voltada
para o grande salão e está localizado no primeiro
andar, assim como a galeria Octogonal, espaço com
vão central de 4 metros que permite ao visitante
apreciar o andar térreo.
Já a galeria Humberto Betetto, localizada
no segundo andar, homenageia o funcionário
da Caixa por 41 anos e um dos primeiros a se
preocupar com a preservação da memória da
empresa. Além dos espaços para mostras de artes
plásticas, sala de leitura e sala de oficinas, e de
um auditório de 65 lugares bastante utilizado
para apresentação de palestras, cursos e exibições
cinematográticas, o Conjunto Cultural da Sé
possui uni museu no sexto andar, tombado pelo
Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São
Paulo (CONPRESP) por manter as características
originais do ambiente de uma agência bancária
entre as décadas de 1930 e 1940. Cadernetas de
poupança do Segundo Império, antigos bilhetes
lotéricos, instrunientos de penhor e até a sala
 CAIXA:l50.\Nu Ift tNIA lii iORI,\ IIAIIFlR\ 279

do conselho e a sala da presidência, com suas

decorações originais, fazem parte do acervo. Uma
exposição numismática explica aspectos da evolução
do dinheiro, desde os tempos do escambo até hoje.
Em seus treze espaços expositivos,
com 1.100m2, o Museu exibe uma exposição
permanente de objetos que contam a história da
Caixa em São Paulo, apresentando fotos, móveis,
equipamentos e ambientes com instalações
originais, preservadas desde a sua fundação.
Coleção de fotos de H. Becherini que
retratam o Edifício Sé em 1940.
Sala da presidência na sua forma
octogonal, com mobiliário original.
Agência de lpoca, mobiliada e decorada com
1930 e 1940.
objetos das décadas de 1920,
Sala da Loteria, com vários mecanismos de
Sorteio e bilhetes antigos.
Sala de Diretoria, com móveis em metal que
imitam madeira encomendados para a inauguração
do Edifício Sé em 1939.

À ESQUERDA - AS ESCADAS DA SÉ ACIMA - ARTE PRIVILEGIADA

Interior do prédio que já foi matriz da Caixa de São Paulo. Prédio da Sé abriga vários espaços para exposições.
P. 278- COLUNAS JÕNICAS
A imponente entrada da antiga agência
da praça da Sé em São Paulo.
280 CAIXA CL 111 RAI.

Sala da Poupança, que expõe a primeira

...._
caderneta, aberta por Florisbela de Araújo
Rodrigues, moradora da rua Direita, em 1875.
Painéis fotográficos retratando os primeiros
prédios da instituição cm São Paulo e também o
quadro de empregados em 1925.
Mapas executados pela SARA Brasil S/A,
publicados em 1930, e que mostram a

E configuração da cidade de São Paulo um pouco

antes da Revolução Constitucionalista.

Rk -
Sala do Penhor, com balanças e equipamentos
utilizados na avaliação de joias.
Sala do Serviço Médico, com unia mesa
de pequenas cirurgias, além de diversos
instrumentos e equipamentos cirúrgicos
utilizados na década de 1930.
Sala da 1-labitação, local de trabalho do primeiro
diretor da órea, exibe os móveis originais. Destaque
para a vista privilegiada da Catedral da Sé.
Galeria dos Presidentes apresenta retratos dos
presidentes da Caixa em São Paulo de 1875 até
1970, quando ocorreu a unificação. Os primeiros
foram pintados em óleo sobre tela por Pedro
Strina na década de 1910.
Sala do Conselho, com seu revestimento em
lambris em madeira, trabalho realizado por
artesãos do 1,iceu de Artes e Ofícios.

A ESQUERDA - HALL MAJESTOSO

Os vitrais, os materiais nobres e o pé-direito elevado
impressionam os visitantes da Caixa Cultural da Sé.

P. 281, ACIMA - ESPAÇO NOBRE, NOBRES OCUPANTES

A galeria na avenida Paulista recebe grandes mostras,
como a dofotógrafofrancés Félix Nadar.

P. 281, ABAIXO - A CËU ABERTO

O Vão Livre expõe esculturas e
instalações de grande porte.
 CAIXA:
Caixa Cultural da avenida Paulista
A Caixa mantém dois espaços culturais
na avenida mais rica do Brasil. A Galeria da
Paulista está localizada no interior do conhecido
Conjunto Nacional, importante edifício tombado
pelo patrim6nio histórico, no número 2.083 da
avenida Paulista, de onde vem seu nome e onde
foi desativado um antigo posto de penhor dando
lugar à Caixa Cultural. Localizada no andar térreo,
em uma zona de intenso movimento, a apenas 50
metros da Estação Consolação do Nletrô, a galeria
tem grande visibilidade e é composta por um piso
DL L.\L.\ iLIH)iI.\ 25
térreo e um mezanino. O espaço foi fechado para
reformas em 2001 e reinaugurado em 20 de março de
2002 com uma exposição do escultor paulista Victor
Brecheret (1894-1955), modernista da primeira
hora, amigo de Mário e de Oswald de Andrade.
O outro espaço é o Vão I,ivre instalado a
céu aberto no coração da Paulista, que desde
1997 recebe grandes esculturas e instalações.
As curadorias do Espaço Caixa da Paulista
e do Vão Livre são de responsabilidade do
Conjunto Cultural da Caixa da praça da Sé.
 282 CAIXA LLLFLIL\I,

Conjunto Cultural Rio de Janeiro

Caixa Cultural do Rio de Janeiro possui duas instalações, ambas no centro da cidade: urna na avenida
Repúhlica do Chile e outra, inaugurada mais recentemente, no edifício-sede da Caixa, na avenida
i1]i1 LL±i .LIjL!j Almirante Barroso,

Caixa Cultural da avenida Almirante Barroso

A agência Almirante Barroso, cuja área
de mais de cinco mil metros quadrados fazia
dela a maior agência bancária da América
latina, foi desativada para abrigar, na
totalidade do seu espaço, a Caixa Cultural.
Inaugurado cm 29 de junho de 2006, o
complexo possui um teatro de arena, dois cinemas,
três galerias de arte, cafeteria, livraria, homhoniêre,
além de salas de oficinas e de ensaios.
A Caixa Cultural já se tornou referência
na agenda cultural na cidade do Rio de
Janeiro, recebendo crescente acolhida do meio
especializado e visitaçáo cada vez mais expressiva.
inclusive de turistas nacionais e estrangeiros.
Situado no mezanino, o teatro de arena
tem capacidade para 226 pessoas, com palco do
tipo arena quadrado - o que dá nome ao local
dividindo a plateia em quatro partes. Tanto o teatro
do espaço Cultural quanto os cinemas 1 e 2 - com
81 e 83 lugares respectivamente - oferecem ao
público espetáculos a preços populares.
No piso térreo funciona a galeria 1,
uiaugurada com a mostra Fotografia Brasileira
Contemporânea, apresentando um rico panorama
da fotografia brasileira dentro de uma notável
coleção particular. Além desta, destacaralil-se as

ACIMA E AO LADO - ESPAÇO DE SOBRA

Instalada no que já foi a maior agência bancária da
América Latina, a Caixa Cultural da avenida Almirante
Barroso abriga teatro, dois cinemas, três galerias de arte,
salas de oficinas e ensaios.
 CAIXA: 150 \NuS DE UMA HISFOMA IIRASIIEIRA 283

exposições de Antonio Parreiras, Magnuni 60 Anos,

Rico Lins e Ziraldo e Coletivo Potiguar - Imagens da
Esquina do Brasil - com olhares de fotógrafos sobre
o Rio Grande do Norte.
No mezanino, as galerias 2 e 3 foram abertas
com a exposição retrospectiva Di Cavalcanti,
um Perfeito Carioca, contendo 110 obras do
consagrado artista. Além desta, receberam
exposições de Guayasamin, Portiriari, Thomas
Ender, 'lbrnie Ohtake, Os Caminhos de Fayga
Ostrower, Roberto Magalhães, A Gravura Brasileira
na Coleção Monica e George Kornis, Eliseu
Visconti, Fabulosas Desordens, Renina Katz,
Adriano de Aquino, Carlos Garaicoa e Rubeni
Grilo, entre outros.
O hall situado entre as galerias 2 e 3 funciona
também como espaço de exposição, mas somente no
caso de uma única mostra ocupar ambas as galerias.
A programação da Caixa Cultural do Rio
A CASA DO "ANJO PORNOGRÁFICO"
garante o acesso gratuito a exposições, debates, O Teatro Nelson Rodrigues, localizado na avenida Chile,
foi inai.igurado com Vestido de Noiva. Anos depois,
visitas guiadas, oficinas e afins. adotou o nome do grande dramaturgo.

Caixa Cultural da avenida Chile

O 'Ièatro Nelson Rodrigues é considerado um para abrigar os mais distintos trabalhos de

( om a extinção do BNI-i, o teatro italiano dos 15 melhores do Brasil. Oferece aos artistas muitas expositores nacionais e internacionais, com teto

com plateia de 394 lugares situado na avenida possibilidades cénicas, com palco de excelentes em colmeia de concreto. No segundo piso, o

República do Chile, 230 - que passou a se dimensões. Submetido em 2003 a uma reforma Espaço Gente Arteira presta-se à realização de

chamar Teatro Nelson Rodrigues em homenagem visando à modernização dos seus equipamentos, oficinas pedagógicas. O Gente Arteira beneficia,

ao dramaturgo que inaugurou o espaço foi reaberto em 29 de setembro de 2004 com novas prioritariamente, os alunos da rede pública de

com sua famosa peça Vestido de Noiva—, foi instalações de iluminação, sonorização, refrigeração, ensino, assim como crianças, adolescentes e

incorporado ao patrimônio da Caixa em 1986. sanitários, camarins e revestimento de caixa cênica. pessoas da terceira idade atendidos por ONGs e

O prédio é um marco da arquitetura da O espaço já recebeu grandes artistas como Tônia instituições, visando ã inserção social por meio

década de 1970. Em forma piramidal, é envolvido Carrero, Paulo Betti, Denise Stokios, Malu Mader, da arte. A iniciativa oferece visitas monitoradas

por jardins, passarelas e espelhos d'água. Urna das Maria Padilha, Sérgio Brito, Cláuciio Marzo, Débora a exposições, oficinas de arte, ingressos para os

fachadas é decorada com baixos-relevos de Caryhé, Colker, Grupo Galpão, Cia. de Dança Cisne Negro, espetáculos do teatro, participação em debates e

e, outra, em pedras de mármore de autoria de Intrépida Tupe, e diretores como Ziembinski, seminários, além de lanche e transporte gratuitos.

Pedro Correia de Araújo Filho. Na parte interna do Antunes Filho, Luiz Arthur Nunes, Gabriel Vilella, O espaço possui módulos projetados

teatro, há imensos painéis entalhados em madeira Gerald Thornas e Aderbal Freire Filho. especialmente para a realização de oficinas de

pelos artistas Ernani Macedo e Roberto Sá e belos No terceiro andar da Caixa Cultural do arte, atendendo a crianças, jovens e adultos que

mosaicos de Freda Jardim. Rio, a Grande Galeria dispõe de amplo espaço participam das visitas monitoradas.
284 CAIXA CC 1 IL IC\ 1.

Conjunto Cultural de Salvador

r i
ACIMA E E. 285- HISTORIA E CULTURA
Vista do salão nobre da Casa de Oração, na Bahia,
com teto emforrna de gamela e azulejos do século 18.
sobrado do fim do século 17 onde
Q está instalado o Conjunto de Salvador
é um legado histórico e cultural tombado
pelo 1 P11 AN e resta u raclo integralmente pela
Caixa. Ali funcionou, entre 1757 e 1759,
a Casa de Oração doada à Companhia de
Jesus para ser um ambiente dedicado aos
exercícios espirituais da congregação jesuíta.
Embora tombado em 1938, o prédio estava
em péssimo estado, parcialmente incendiado
e sob risco de desabamento. O trabalho de
restauro começou em 1997. Vigas de concreto
foram colocadas para garantir a sustentação do
prédio, o belíssimo teto em forma de gamela, com
suas pinturas do século 19, foi recuperado, e o
gradeado de toda a casa refeito manualmente. Esta
verdadeira obra de arte pode ser apreciada no salão
nobre, no primeiro andar, acessível por uma escada
em madeira, utilizado para exposições, palestras,
performances musicais e teatrais de pequeno porte.
Localizada no pavimento térreo, a
Galeria Arcos é composta por três ambientes
interligados, cujo acesso se dá por portais
em forma de arcos -. daí sua denominação. A
Galeria do Pátio interliga três ambientes no
mesmo nível do pátio externo, do anfiteatro e
da sala de oficinas que compõem um espaço
multiuso, alternativo para espetáculos musicais,
teatrais, workshops e programas educativos.
Atualmente, os materiais utilizados na
época da construção podem ser vistos num sítio
arqueológico, onde as paredes originais com
argamassa de argila, casca de marisco e óleo de
baleia encontramse à mostra. Os lindos azulejos
do século 18 foram retirados dos locais e estão
expoStos nos corredores e no salão nobre.
Durante as escavações arqueológicas
realizadas no prédio, foram encontrados mais
de 20 mil fragmentos de objetos dos antigos
habitantes da casa, dentre louças e faianças
de origem chinesa, inglesa e portuguesa,
conchas e cerámicas. ilimbém estão expostos
cachimbos afro-brasiteiros e cerâmicas de
técnica indígena do Recóncavo Baiano.
No primeiro anelar, ao lado do salão
nobre, fica a Sala dos Jesuítas, espaço ideal para
pequenas mostras e instalações, na qual podem
ser vistas ilustrações dos exercícios espirituais
de Santo Inácio de l.oyola. Fazendo conjunto
com o salão nobre e a Sala dos Jesuítas está a
Galeria Mirante, formada por três ambientes
interligados, acessados por nleio de portais em
forma de arcos e um belíssimo gradil de ferro.
CAIXA: ll\\ I)I t\I.\ IIHORIA 1.\IEI.\ 283

De fácil acesso, localizada no centro da cidade,

próximo à Estação da Lapa, nas irnediações do
Pelourinho, a Caixa Cultural tem como vizinhos
o Museu de Arte Sacra, o Mosteiro de São Bento
e a Escola de Música da Universidade Católica do
Salvador. Além do público local, é visitada por
turistas, estudantes de todas as faixas etárias e
instituições que atuam na inclusão sociocultural.
Desenvolve um amplo calendário de
eventos que contempla exposições de diversos
portes, performances musicais e teatrais,
lançamentos de livros, ohcinas, palestras,
além de um importante programa educativo
voltado para as diversas camadas sociais.

NO PÉ DA PÁGINA - COISAS DA VELHA CAIXA

A sala é decorada com mobilhrio de antigas agências.
ABAIXO - TRABALHO MANUAL
As grades de ferro foram refeitas artcsa nalmen te.

__
286 CAIXA ctI:URAL

Conjunto Cultural de Recife

ÍITII
II 1II_
N o bairro do Recife Antigo, convertido por
um programa de revitalização urbana
em pólo de lazer e cultura, junto à Praça do
total de 2.6501112. Antes de receber o Conjunto, o
prédio passou por uma reforma completa, com
recomposição das torres frontais e intervenções

II 1II IIIj Marco Zero - onde há uma placa em que se lê: que contemplaram todas as exigências do IPI-JAN.
"Deste marco partem as distâncias para todas as ()andar térreo do espaço cultural abriga

J!1fII. lIlui terras de Pernambuco" - fica o prédio da Caixa

ACIMA - RESTAURAÇÃO COMPLETA
Maquete com a aparência do prédio
depois da recuperação.
Cultural de Recife. O Edifício Arnaldo Dubeux,
no qual funcionaram um banco e depois a Bolsa
de Valores, destaca-se em meio ao conjunto
arquitetônico, urbanístico e paisagístico no
centro histórico da capital pernambucana.
trés salas de exposições, museu com acervo
da Caixa, livraria, além de recepção, guarda-
volumes e bilheteria. No mezanino encontram-
se a cafeteria, os vestiários, uma quarta sala de
exposições e uni teatro para 1.458 espectadores.
Já o segundo pavimento acolhe um salão

À ESQUERDA - DESTAQUE NO CENTRO HISTÓRICO A edificação, erguida cm 1912 e tombada para oficinas e espaço para dança. Completa
Edifício Arnaldo Dubeux, no qual funcionaram pelo Instituto do Património Histórico e Artístico o conjunto uma cobertura com belíssima
um banco e a Bolsa de Valores, passa por reforma
antes de abrigar a Caixa Cultural de Recife. Nacional (IPHAN) em 1998, possui uma área vista para o mar e o centro histórico.
 CAIXA: 150 OS i)E LNiÁ !IISTRIA BRASIlEIRA 287

Conjunto Cultural de Fortaleza

A
Caixa Cultural de Fortaleza está incluída
nos principais roteiros turísticos da
cidade como um de seus maiores atrativos.
O prédio, que fica na esquina das avenidas
Pessoa Anta e Almirante Tamandaré, pertenceu à
antiga Alfândega, inaugurada no final do Império,
em 1891, e fazia parte do conjunto portuário, peça
fundamental na estrutura econômica do estado do
Ceará ligando o transporte interurban
marítimo de importações e exportaçõ-
Adornos e elementos estruturai'.
ferro fundido e forjado foram utilizados a.
construção do prédio, com esguias coluna ,
com fuste cilíndrico, decoradas com capil
coríntiOs, escadaria monumental dupla cii
lances, balcões, corrimãos e gradis trazida'
da Escócia. Mas toda essa beleza se perdeu
tempo. O conjunto de edifícios da AlfàndeEa loi
constantemente alterado ao longo da sua existéncia e na restauração de parte do prédio, de forma a DUPLA MISSÃO
Ao recuperar o prédio da antiga Alfândega, inaugurada
em decorrência das mais distintas sclicitações, criar condições para receber todos os tipos de em 1891, para instalar ali seu Conjunto Cultural de
ora políticas, provenientes do novo regime - a espetáculos e propiciar conforto aos visitantes. Este Fortaleza, a Caixa resgatou uma importante atração
turística da cidade.
República - ora às necessidades meramente de será um dos mais modernos Conjuntos Culturais

crescimento espacial para armazenagem. Na da Caixa, com espaço de 3.758,74m 2 . Contará

primeira década do século 20 foi adicionado com uma edil icaçao principal de dois pisos e
um pavimento ao armazém central. Na década dois niezanincs, uma praça com espelho d'água ,.

de 1940, passou também a ter dois pavimentos e chafariz, estacionamento, foyer, teatro para 200
armazém leste. Em 1978, o conjunto sofreu pessoas com camarins, café, livraria, salas para
um incêndio de grandes proporções. Nos anos oficinas e duas galerias para exposições.
'T -

-
1980, passou ao controle da Caixa, que deu início Dando novo Uso a este importante

a um projeto destinado a recuperar o prédio prédio histórico, além de fomentar a cultura i.

histórico onde funcionou a antiga Alfândega
e adaptálo para abrigar o Conjunto Cultural
da Caixa de Fortaleza. Estão sendo feitos
investimentos da ordem de R$ 11 milhões na
turismo a Caixa contribui para toi nai
ainda mais atraente a praia de Iracema, com --
suas belezas naturais, um concorrido conjunto - 1
de bares e restaurantes e o Centro Dragão do

compra de equipamentos, cru construção civil Mar de Arte e Cultura, o maior do estado.
288 CAIXA CLI IL ItA 1

Conjunto Cultural de Curitiba

Conjunto Cultural da Caixa em Curitiba
Q está Iocaliado no centro da capital
paranaense, num imóvel que pertencia ao extinto
BNH. Ao lado encontram-se a praça Santos
Andrade, o prédio histórico da Universidade
Federal do Paraná e o Teatro Guafra, compondo
uma região de efervescência cultural repleta de
hotéis, restaurantes, cafés, shoppings e o mais
antigo parque da cidade, o Passeio l'úhlico.
No átrio central, local de descanso e
convivência, encontra-se um magnífico painel cm
concreto do paranaense Potv 1,azzarotto, um dos
maiores artistas plásticos brasileiros. Inaugurada
em 1978, a obra representa um operário da
construção civil e seus instrumentos de trabalho.
Mas é na Sala de Memória, inaugurada em
1996, que a Caixa presta a maior homenagem à
sua própria história. Painéis de seis metros por
um metro e meio mostram a linha do tempo dos
principais momentos da instituição desde sua
criação, em 1861, até 2006.
l.ogo em seguida, o visitante é
transportado à primeira metade do século
20 em um ambiente que reproduz 11n guichê
bancário da década de 1930, com mobiliário
original, cofre, balança, instrumentos de
penhor e objetos que dão uma ideia de como
se trabalhava antigamente. A fim de preservar
a memória da instituição, a Caixa Cultural
de Curitiba incentivou a pesquisa e reuniu
documentos que contam sua trajetória em
solo paranaense, com detalhes e fatos sobre
a abertura de cada unia das agências.
0 espaço convida a um mergulho no
mundo dos economiários. Por meio de painéis
temáticos, ilustrações antigas, cenários montados
com livros contábeis, cadernetas de depósito,
 1:: .\I .\ 1 11 11 \ 1i1E

ccdulas e moedas antigas, além de objetos mais

recentes corno urna mesa de gerente com telebanc
preto de disco, cadeira giratória em madeira,
livros de cálculo de juros Price, carimbos e
grampeadores mostram aspectos curiosos sobre
as ati\•'idades bancárias de poupança e penhor.
Reconhecido por sua programação
de qualidade, o Teatro da Caixa é um dos
mais modernos da cidade. Considerado
um espaço intimista, dispõe de 125 lugares,
equipamentos e recursos cênicos adequados
para espetáculos teatrais, de música, dança e
projeções audiovisuais. Durante anos, o espaço
toi ocupado por um grupo teatral composto
originalmente de funcionários da instituição.
Entre os grandes nomes da música que já
pisaram no palco do Teatro da Caixa estão LIxa
,&ares, Arnaldo Antunes, Tom Zê e Miúcba. Ali
também foram encenadas peças como A Poltrona
Escora, Gaivota, Salmo 91, Descoberta dos
A,iiéricas e O Homem Inesperado.
Localizada no mezanino, com acesso
pelas escadarias ou pelo elevador panorâmico,
a galeria de arte recebe, desde a década de
1990, importantes exposições brasileiras e
internacionais, com destaque para as esculturas
de Victor Brecheret, as fotografias da célebre
Agência Magnum e a mostra Gravura
Brasileira na coleção G. M. Kornis, entre
outras. Num trabalho primoroso e de valor
inestimável para o pais, a Caixa Cultural de
Curitiba apoiou o levantamento minucioso
da história da arte no Paraná, que pode ser
encontrada no conjunto de livros editados.
Conjugados à galeria estão o foyer PASSADO E FUTURO P. 288- NO CORAÇÃO DA CIDADE
A Sala de Memória, na qual a Caixa celebra sua própria O conjunto Cultural de Curitiba está instalado
e a ampla sacada, espaço adequado bem no centro da capital paranaense, em
ti-a jetória com uma linha do tempo, e o teatro, um dos
para realização de eventos. mais modernos de Curitiba, prédio que pertenceu ao extinto BNH.
290 CAIXA (TL[URAL

Conjunto Cultural
de Porto Alegre

A Caixa Cultural de Porto Alegre representa

não apenas a abertura de um novo espaço
para a cultura, mas também a recuperação de
um importante prédio histórico e tradicional
ponto de encontro na capital gaúcha. O local
abrigava, até o início do século 21, o Cine
Theatro Imperial, inaugurado em 18 de abril
de 1931 com o filme Romance, estrelado pela
diva Greta Garbo, e dotado de mais de 1600
lugares. Nos anos 1980 seu mezanino acolheu
ainda outro cinema, o Guarany, tendo ambos
fechado as portas em definitivo em 2005.
O prédio, tombado pelo patrimônio histórico
municipal, está localizado no entorno da famosa
Praça da Alfândega e pertence à Prefeitura de
Porto Alegre. Considerado um dos exemplares
mais representativos do estilo art déco no Brasil,
foi erguido dentro de um amplo projeto destinado
a "verticalizar" o centro da cidade, dotando-o de
modernos espigões. Mediante convénio firmado
com a Prefeitura, a Caixa poderá explorar o prédio
por trinta anos como contrapartida à recuperação
de seus espaços internos.
Os investimentos da Caixa na revitalização
do prédio e na construção do espaço cultural
alcançam o montante de R$ 13 milhões e incluem
a recuperação das salas de cinema - térreo e
mezanino - e de outros dois pavimentos que
abrigarão sala de espetáculos, espaços multimídia,
área de exposições, mostras de cinema, oficinas
e seminários, museu, espaço para dança,
cafcteria e livraria, O Programa Monumenta -
com recursos do BI D, Banco Interamericano
de Desenvolvimento - participa do projeto de
recuperação da fachada e da cobertura.
 (A1XA:151)\No I)E IIISl()R!\ I3RAILLiR.\ 291

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RELÍQUIA ARQU ITETÔN ICA

O edifício que abrigou o Imperial, considerado o
cinema mais luxuoso da época, foi erguido no início do
século 20 em estilo art déco com influência marajoara,
tendo passado por duas reftrmas, em 1960 e 1987. A
Caixa Cultural vai ocupar o térreo, o mezanino e outros
dois pavimentos do prédio de onze andares.
Acervo Azeredo Moura e Gertuiir/Cnitter
/
PATROCÍNIOS

lém do trabalho realizado corredor Róbson Caetano, que ganhou medalha de

r
em seus Conjuntos Cultuais bronze nos 200 metros rasos dos Jogos Olímpicos

espalhados pato país, a Caixa de Seul, disputados cm 1988 (quando se iniciou a

mantém urna série de programas parceria com a Caixa), e repetiu o feito em Atlanta,

e pareci- ias destinadas a promover a arte e a cultura em 1996, dessa vez no revezamento 4 x 100 metros.

do Brasil, além de incentivar e patrocinar várias Clínicas para crianças e cursos de especialização

atividades csportivas. A relação com o esporte faziam parte do pacote.

iniciou-se há quatro décadas. O futebol, como é Entre 1989 e 1990, chegou a vez de o vólei

natural, foi o primeiro a se beneficiar, não apenas brasileiro receber o apoio da Caixa, que passou a

por ser o esporte predileto da nação, mas pela dar seu apoio às seleções masculina e feminina.

origem dos primeiros recursos: a partir de 1970, Na primeira metade dos anos 1990, a instituição

a loteria l-sportiva, que, afinal, usava o fLitebol acelerou os patrocímos e destinou recursos ao

como produto, passou a contemplá-lo com 10% da automobilismo, a Alex Dias Ribeiro e mais uma

arrecadação de cada teste semanal. dezena de pilotos nas categorias Fórmula 3, Stock

Mas a verdade é que recursos nunca haltaram Car, Karl e Fórmula 3 inglesa.

ao "esporte das multidões". Por isso, duas décadas Foi também nesta época, em 1994, que a

depois, em 1993, ficou determinado que 4,3% da Caixa se tornou patrocinadora oficial do basquete

arrecadação das loterias de prognósticos seriam brasileiro, condição que perduraria até o ano

repassados a todos os esportes por meio do Fundo 2000. Embora nunca tenha se firmado entre os

Nacional para Desenvolvimento do Desporto melhores do planeta - a despeito dos títulos

(Fundesp), instituído pela Lei n° 8.672, promulgada mundiais de 1959 e 1963, e da antológica vitória

em 6 de julho daquele ano - popularmente sobre os EUA na decisão do Pan de 1987, triunfo

conhecida como "l.ei Zico' em homenagem ao comandado pelo legendário Oscar Schrnidt -,

seu criador, o ex-craque do Flamengo e da Seleção enquanto teve a Caixa corno parceira o basquete

Brasileira, de passagem efémera pela Secretaria de nacional conseguiu alguns resultados expressivos,

1)csportos do governo Col lor, em 1 991 principalmente a equipe feminina, campeã mundial

Mesmo antes dessa determinação, no entanto, - pela primeira e única vez até aqui - na Austrália

várias modalidades já vinham sendo beneficiadas já no primeiro ano do patrocínio, além de obter

com verbas da Caixa, entre as quais o atletismo, com a medalha de prata nas Olimpíadas de Atlanta,

o patrocínio da seleção brasileira e, em especial, do em 1996, e de bronzc em Sidney, em 2000.

294 PATROCINIOS
P. 292- ESTRELA DO ATLETISMO
Atleta patrocinada pela Caixa, Maurren Maggi
ganhou a medalha de ouro no salto em distância
no Pan do Rio, em 2007, feito que repetiria nas
Olimpíadas da China, no ano seguinte.
Gctrvirnages Fotoare,,afLar i nConrr,,t
ABAIXO E P. 295- GRANDE RETORNO
Ônibus utilizados durante o Pan e propaganda
da casa própria com as imagens de atletas
apoiados pela Caixa, patrocinadora que obteve o
maior número de medalhas na competição.
Acervo Cai,,,
c milhão, valor que cresceu para RS 2 milhões cm
asamento com o atletismo
T endo se envolvido com o futebol a partir
de 1970, e flertado com \'árias outras
modalidades ao longo das décadas de 1980 e 1990,
os patrocínios esportivos da Caixa ganharam
nova dimensão no início do novo século. O
grande passo foi dado em 2001, quando a Caixa
completava 140 anos, a partir de uma diretriz
da Secretaria Nacional de Esporte. A despeito de
um vele jador ter assumido a Secretaria em março
daquele ano - e não uni velejador qualquer, mas
Lars Grael, duas vezes medalhista de bronze em
Olimpíada, campeão mundial, bi brasileiro e penta
sul-americano, entre dezenas de outros títulos
-, a Caixa se tornou, no alvorecer do milênio, a
patrociiadora oficial do atletismo brasileiro.
Tratava-se de um reencontro, oito anos depois
de uma parceria que durara cinco. Mas era bem
mais do que isso. O atletismo exibia potencial para
ampliar em muito sua popularidade, conforme
se pudera constatar todas as vezes que lograra
obter conquistas significativas, como nos casos de
Adhemar Ferreira da Silva, Nélson Prudêncio, João
do Pulo ou Joaquim Cruz, só para ficar em alguns
exemplos. Os brasileiros, sempre que estimulados a
apoiar o atletismo, fizeram-no com entusiasmo. Mas
tais momentos haviam sido raros em nOSSa história,
sobretudo por falta de apoio, ou, simplificando,
de dinheiro vindo de patrocíllios. Para garantir
visibilidade ao eventual patrocinador era preciso
obter muitas vitórias, mas para que tais vitórias
viessem eram necessários investimentos, o que
criava um círculo vicioso que acabava por relegar a
modalidade a um injusto segundo plano.
Ocasamento da Caixa com o atletismo
não poderia ser mais adequado e auspicioso. A
instituição financeira com maiores e mais longevos
vínculos com os brasileiros de todas as classes
e, em muitos casos, com as menos favorecidas,
passava a acolher um esporte formado, em boa
parte, por pessoas de origem humilde, que só
conseguiram se tornar atletas profissionais à custa
de muito esforço pessoal e familiar. O atletismo
recebia, enfim, uma aposta genuína e poderosa em
suas possibilidades.
Já no primeiro ano do convênio, que perdura
a té hoje, a Caixa investiu na modalidade R$ 1,5
2002, para R$ 3,4 milhões no ano seguinte e em
2004, por ocasião dos Jogos Olímpicos de Atenas,
chegou a 5,5 milhões, sendo que desde então o
aporte de recursos não parou de crescer. Com
isso, em conjunto com a Confederação Brasileira
de Atletismo (CBAt), foi possível treinar novos
valores, ajudar atletas de alto nível a participar
das principais competições do mundo e ampliar o
apreço dos brasileiros por esse esporte.
 CAIXA: 150 ANOS I)E UNIA 1-IISTÕRIA BRASILEIRA 295

O calendário do atletismo nacional é

bastante amplo, urna vez que inclui as chamadas
modalidades de campo e pista, de rua, cross country,
montanha, marcha, entre outras. Há também a
necessidade de se promover competições de âmbito
nacional em todas as regiões do país além dos
campeonatos estaduais - e atingir no mínimo todas
as faixas etárias oticiais - menor, juvenil, sub 23
e adulto. A parceria com a Caixa tem permitido
à CBAt manter um calendário organizado e com
provas de qualidade, corno o Troféu Brasil Caixa -
todos os torneios agregam o nome da instituição
-, que anualmente reúne em São Paulo a elite do
atletismo nacional. já o Grande Prêmio Brasil Caixa
atrai competidores de diversos países.
A parte mais visível do apoio da Caixa, no
entanto, ocorre durante os eventos globais de
grande tradição, como as (I)limpíadas e os logos
Pan-americanos - incluindo as Paraolinipíadas e
OS Jogos Parapin-arnericiinos, como se verá nas Jogos de Pequim, por certo estilo ligados às boas
páginas seguintes. Na Olimpíada da China, em condições que os atletas brasileiros têm encontrado
2008, o Brasil compareceu com sua maior delegação para treinar e competir, o que foi alcançado graças
em todos OS tempos, com 277 atletas, dos quais 132 ao patrocínio da Caixa. 1- m 2008, por exemplo,
mulheres, de 32 modalidades. Somente naquele ano, 15 dias antes da abertura dos Jogos, a delegação
a Caixa destinou RS 12 milhões para o atletismo brasileira do atletismo se instalou em um campo de
- além de RS 2,8 milhões para a ginástica e R$ treinamentos em Macau, para ir se adaptando ao
500 mil para as lutas. Sem contar os contratos de fuso horário e entrando no clima da competição.
publicidade individuais com atletas do porte de Trata-se de conceder atenção a detalhes que
Jadel Gregório (salto triplo), Sandro Vianna (200 se tornam decisivos em urna briga por medalha
metros), Fabiano Peçanha (800 metros), Franck olímpica. Por não se descuidar dos detalhes, uma
Caldeira (maratona) e Sabine Heitling (3 mil metros década depois segue firme e forte o casamento da BANCO OFICIAL
com obstáculos). E importante observar que os Caixa e o atletismo, modalidade que já conquistou BANCO OFICIAL
atletas de alto rendimento recebem ainda bolsas 14 medalhas olímpicas, sendo 4 de ouro, e mais OFFICIAL BANK

a título de ajuda de custos das confederações, de de 30 medalhas em campeonatos mundiais, entre

acordo com seu desempenho na temporada anterior ouro, prata e bronze. Atualmente, há mais de 30
Bons resultados, como o ouro conquistado mil atletas cadastrados 110 Brasil, dos quais 500
por Maurren Maggi no salto em distância nos em condições de brigar por medalhas em disputas
 d.
Loterias CAí 'A

w.11
I1:1i!gL 10
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41

internacionais. O apoio da Caixa tcnde a se ampliar PROGRAMA 01: APOIO A Tai:ixai ,oiu:s: participam Alto Nível implantou o primeiro destes Cis em

cada vez mais à medida que se aproximam os logos todos os ti-einadores em atividades nos centros Uberlándia, em 2009, expandindo a iniciativa para

Olímpicos de 2016, que serão realizados no Rio. dc treinamento de alto nível e de descoberta as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro em 2010.

Entre OS programas patrocinados pela Caixa de talentos. Pelo menos outios dez técnicos Dois outros centros, esses destinados ao treinamento

no atletismo - e que, COino dissemos, agregam o estrangeiros - além dos que já atuam no país - se de jovens talentos, serão mantidos em Fortaleza (CE)

nome da instituição -, destacam-se: integrarão à prcparação para os Jogos de 2016. e Maringá (PR). A Caixa também dará apoio a um

IAAF Ci iAiii:x;i: Li:,'z ;u1:i: Gioxoi:s PRtMo )s H 1:1:015 ()L!NiPo:os: grandes nomes do atletismo mínimo de 20 centros de atletismo já existentes no

INn:RNA(:IoNAis: com a participação de no mínimo nuindial participarão de palestras, clínicas e país com o objetivo de descobrir novos talentos.

80 classificados entre os 50 primeiros do ranking seminários por todo o país. As corridas de rua, cada vez mais populares no

mundial em 14 provas, e mais dois GPS nos Brasil, também têm recebido atenção especial. Os

mesmos moldes da Challenge I.eaguc. Outros programas contemplam a realização dez mais bem colocados no ranking da Caixa/CBAt

Seii:çOi:s Biusii1:IRAs: participação regular em de campiugs nacionais e internacionais para a serão acolhidos pela instituição no ano seguiilte. São

campeonatos mundiais, ibero, pan e sul-americanos preparação dos atletas, apoio direto às federações 22 as provas que contam pontos para este ranking,

e em outros eventos internacionais. estaduaisafini de disseminar a prática do atletismo, entre as quais a maratona e a meia maratona de São

Pios ;RAS1A 'JAcI()x\I. 1)1: AIN)i() A AILIL S 1 )E Aou campanhas de combate ao doping no esporte e a Paulo, a meia maratona do Rio e a São Silvestre,

patrocínio de medalhistas e finalistas em campeonatos realização de cursos técnicos e clínicas. O Programa além, é claro, de todas as etapas do Circuito de

mundiais (incluindo a categoria juvenil) Caixa Centros Nacionais de 'I'reinamento de Corridas da Caixa, realizadas em vários estados.

A Caixa adota a causa paraolímpica
Brasil conquistou 161 medalhas no Pan
Q do Rio, sendo 54 de ouro. Os atletas das
modalidades patrocinadas pela Caixa - atletismo,
ginástica e lutas - ficaram com 42 dessas medalhas,
das quais 16 de ouro, tornando a instituição o
patrocinador com maior número de medalhas. A
presença da Caixa no Pan não se limitou a isso.
Mais de mil economiários e clientes assistiram
a disputas, shows e palestras, e passearam pela
Cidade Maravilhosa a convite da Caixa. Além de
cinco postos estratégicos espalhados pelo Rio, a
Caixa montou urna agência na Vila l'an-americana
para atender as delegações, ao custo de R$ 189
milhões. O volume dos investimentos da Caixa
no Pan, tanto em termos de patrocínios quanto
de promoções e estrutura, é realmente digno de
registro. Contudo, mais notável ainda talvez seja
CAIXA:130\Ntt 1)1: tl\ IiIsI(}ItI.\ EIt\StILIIt.\
apoio que a instituição deu ao Parapan e vem
dando ao paradesporto nos últimos anos.
A Caixa patrocina o Comitè Paraolímpico
Brasileiro (CPB) desde 2004, utilizando recursos
das loterias. Já naquela temporada, o bom
resultado obtido pelo país nas Paraolimpíadas
de Atenas, o melhor na história da competição,
ficando em 140 lugar com 33 medalhas, 14 delas
de ouro, 12 de prata e sete de bronze, além da
ótima repercussão em termos de imagem para
a Caixa, levaram à celebração de um acordo
permanente, renovado de tempos em tempos,
sendo que o atual vai até 2012, quando serão
realizados os logos Paraolímpicos de Londres.
O crescente apoio a este segmento levou
a Caixa a se tornar o patrocinador único dos
logos Parapan-americanos de 2007, no Rio
CAI '44
A~s
297
Somente neste contrato foram desembolsados R$
3 milhões. Outros R$ 4 milhões foram utilizados
na divulgação dos logos, mais R$ 7 milhões na
renovação de contrato com o CBP, além de outros
R$ 7,5 milhões provenientes de repasses previstos
na Lei Agnelo Piva sancionada em 2001, prevê
repasse de 2% da arrecadação bruta das loterias
para os comitès olímpicos, sendo 85% para o
COB e 15% para o CPB. O total de recursos
aplicados pela Caixa no paradesporto naquele
ano atingiu, portanto. R$ 21,5 milhões.
Se o resultado dos atletas paraulímpicos
brasileiros em 2004, primeiro ano de patrocínio
da Caixa, já impressionara, em 2007 foram
superadas todas as expectativas: o Brasil ficou
num inédito terceiro lugar, atrás apenas de
Estados Unidos e Cuba, com 161 medalhas,
sendo 54 de ouro, 40 de prata e 67 de bronze.
O sucesso ampliou os esforços. Em 2009, o
programa da Caixa para atletas paraolímpicos de
alto nível teve 21 integrantes, enquanto o Circuito
Loterias Caixa Brasil Paraolímpico, além de
atletismo e na Lação, passou a promover cl isputas
de halterofilism o, e um rneeting internacional
organizado pela Caixa trouxe ao Brasil atletas
de 14 países. Mais do que uma competição, o
paradesporto apoiado pela Caixa é uma excelente
ferramenta de superação, inclusão social e
desenvolvimcnto físico, mental e educacional.
AO LADO E P. 296- ESPORTE E INCLUSÃO
A Caixa apoio o Comitê Pciraolírnpico
Brasileiro (CPB) desde 2004 efoi a
patrocinadora exclusiva do Parapan 2007.
1oto p. 296: Dudu Conlursi
298 PATRc)CJNIOS

Caixa abraça a ginástica e vai à luta

A FORÇADA TMAGEM
Ginastas corno Daiane dos Santos foram as estrelas
de anúncios da Caixa produzidos por ocasião do
Jogos Pan-americanos de 2007, realizados no Rio.
Ac,rxc, Caixa
e em seu 1400 aniversário, em 2001, a Caixa
S celebrara uma histórica e ampla parceria com o
atletismo, o 1450, em 2006, foi comemorado com a
extensão dos patrocínios da Caixa à ginástica, uma
modalidade que sempre encantou os brasileiros pela
beleza de seus movimentos, a destreza dos atletas e os
desafios que impõe. Com mais recursos para treinar e
competir, e presença em todas as disputas importantes,
nossos ginastas passaram a ter um apoio decisivo na
luta por medalhas e pelo coração dos torcedores.
O primeiro reflexo do acordo foi permitir à
Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) realizar
de modo adequado todas as competições previstas
no calendário nacional e, se possível, ampliá-lo,
bem como proporcionar às seleções masculina
e feminina a participação em todas as principais
competições internacionais,
Embora a Confederação sempre tivesse feito o
máximo possível neste sentido, e muitas vezes com
bons resultados, a escassez de dinheiro a impedia de
fazer mais e de levar adiante projetos considerados
fundamentais para a evolução da modalidade no
país. Mesmo o básico precisava de reforço, o que
vem sendo feito desde então de modo expressivo.
O próprio calendário da CBG foi ampliado com
a criação do Circuito Caixa de Ginástica Artística
e Ginástica Rítmica. O circuito, disputado
anualmente em três etapas, além de manter em
permanente atividade os grandes nomes desse
esporte, ajuda na busca por jovens talentos.
A Caixa, por meio do Programa de Apoio a
Atletas de Alto Rendimento, concede uma ajuda
de custo mensal a todos os integrantes da seleção
brasileira permanente de cada modalidade, sendo
que os valores variam de acordo com os índices
técnicos. Daniele e Diego Hypolito, Kbivani Dias,
Mosiab Rodrigues, Larissa Barata e Sérgio Sasaki
são alguns dos 40 ginastas de primeira linha
patrocinados pela Caixa.
Além de acolher quem já atingiu elevado nível
de desempenho, a instituição preocupa-se com a
descoberta e o desenvolvimento de novos talentos.
Os Centros de Excelência Caixa de Ginástica foram
criados com o objetivo de massificar a modalidade
em todo o Brasil, seguindo o modelo de programas
similares existentes em vários países da Europa. São
23 Centros espalhados por 13 estados e o Distrito
Federal, os quais recebem crianças e jovens cujos
pais não têm condições financeiras para bancar a
prática esportiva dos filhos.
Alagoas, Amazonas, Distrito Federal, Espírito
Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul,
Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Norte, Santa Catarina e Sergipe contam
com Centros de Excelência Caixa, nos quais se
desenvolve o Programa Caixa - Jovem Promessa,
 CAIXA: 150 ANW, DE U\L\ HISTÕRIA IIR,•\S!I.EIRA 299

que beneficiará 3.450 crianças com idade entre

r -
cinco e nove anos sem acesso a clubes ou academias
Á
particulares. Promover a inclusão social e treinar CAItA

futuros cidadãos faz parte dos objetivos do projeto.

O programa fornece orientação de monitores
e uniformes, e coloca à disposição dos potenciais
CRÉDIO. No Pan Rio 2007 e na vida.
Com você em cada conquista. Vem.

ginastas instalação e equipamentos de qualidade.

Os mais destacados poderão ser convidados a
participar de competições em nível estadual. O
Jovem l'romessa pretende, acima de tudo, revelar e
preparar novos ginastas em condições de integrar
as seleções brasileiras na disputa das Olimpíadas de
2016, que serão realizadas no Rio.
2L_A
Os Jogos Olímpicos — e Paraolírnpicos —
sediados pelo Brasil terão uma participação bastante
expressiva de competidores "da Caixa' que, além do
CA NJOES. No Pan Rio 2007 e na vida.
Com você em cada conquista. Vem.

atletismo, da ginástica e do paradesporto, patrocina

também as seleções de luta greco-romana e de luta-
livre masculina e feminina, modalidades olímpicas
da Confederação Brasileira de Lutas Associadas
(CBLA). Neste caso, os resultados apareceram de Caixa, criou o Núcleo de Luta de Rio Janeiro, BONS PRODUTOS
Daiane dos Santos (no alto) e Ana Paula Ribeiro
imediato: no Pan do Rio, em 2007, a luta olímpica que oferece aulas gratuitas para pessoas de (acima), atletas cuja imagem vencedora ajuda
baixa renda. O Núcleo promove a inclusão a divulgar e promover os serviços da Caixa.
conquistou três medalhas, uma de prata e duas de
,\cervo Caixa

bronze. Para se ter uma ideia do significado do feito, social e abre as portas para novos talentos.

antes disso a modalidade só obtivera outras três Os recursos da Caixa fomentam o surgirnento

medalhas em toda sua história no Pan, desde 1951 de lutadores promissores não apenas graças a

O bom desempenho repetiu-se em 2009, quando iniciativas como o Núcleo, mas principalmente por

a equipe brasileira fez bonito no Campeonato oferecer à CBLA as condições necessárias para que

Pan-americano de Lutas, com quatro medalhas de ofereça estrutura de treinamentos, realize todas as

bronze, três das quais no feminino. disputas previstas em seu calendários de eventos

Mas, a exemplo do que realiza em outras e envie nossas seleções às grandes competições
modalidades sob seu patrocínio, a ação da Caixa internacionais. A Caixa concede patrocínio a 32

em favor das lutas não se limita a financiar eventos atletas das "lutas associadas' entre os quais figura

e participação em competições ou conceder Laís Nunes, que, aos 18 anos, e tendo sido campeão

ajuda de custo aos atletas, apesar de tais medidas pan-americano na categoria cadete, em 2009, é uma

serem fundamentais para o desenvolvimento das maiores promessas de medalha para o Brasil

do esporte brasileiro. A CBLA, com o apoio da nessa modalidade.

300 PATROCINIOS

Pé no acelerador
Caixa ingressou na Stock Car, a maior
A categoria do automobilismo brasileiro, em
2005, quando bancou a participação do piloto
Christian Fittipaldi. A partir de 2008, tornou-se
uma das patrocinadoras oficiais do evento, mas
foi em 2010 que a parceria com a velocidade
se consolidou. A instituição converteu-se em
patrocinadora principal e a competição passou a se
chamar Caixa Stock Car. Ao mesmo tempo, renovou
sua cota nas transmissões da Globo. A maior rede
de TV do pais vem ajudando a impulsionar a
categoria desde que passou a transmitir todas as 12
etapas da modalidade que tem, entre seus pilotos,
dois filhos do apresentador (ialvão Bueno, Popó e o
multicampcão Cacá l3ueno.
O contrato com a Vicar, organizadora da Stock
Car, vai até 2012, e a Caixa, além de obter uma
enorme exposição da marca associada a um evento
que se caracteriza pela velocidade, modernidade
e tecnologia de ponta, pretende aproveitar a
parceria para promover ações de niarketing - como
ingressos para camarote VIP, por exemplo - junto
aos clientes especiais, que respondem por 20% de
sua base de 40 milhões de cartões.
A prova inaugural do primeiro Campeonato
Brasileiro de Stock Car foi disputada em 22 de abril
de 1979 no autódromo de Tarumã, no Rio Grande
do Sul. De lá para cá, foram 32 edições, incluindo a
de 2010, disputada por 35 pilotos. A Caixa associou
seu nome de forma mais efetiva à Stock Car
justamente no momento em que a categoria busca
a sustentabilidade ambiental. Várias ações foram
adotadas, relativas aos circuitos e em especial aos
carros, a começar por um novo motor mais leve e
potente, o que reduziu as emissões de gás carbónico,
entre outras medidas que serão implantadas ao
longo das próximas temporadas.
 H'I • :i [l[t!\ ))I

ACI N1A E E. 3(E) - A I'O)O NAS PISTAS

E NAS ARQUIRANCÁDAS
A C ixa cousolidou sua parceira caia a maior
cal ego ria do a a tom abilisnio b jasile ira e iii 2010,
ao se tara ar 5H a principal pa troei a ado ia
loto, I),idu C,,,,tursi
302 PATROCINIOS
Arte e cultura na Caixa
A Caixa patrocina diversas formas de
manifestação artística e cultural, tais como
artes plásticas, fotografia, dança, música, teatro,
artesanato e revitalização de patrimônio, num
processo que se tornou sistemático a partir de 1998.
Até então, não havia uma política definida nesse
sentido, mas apenas apoios esporádicos. A virada
começou com o patrocínio ao Balé Jangurussu,
integrado por 35 crianças catadoras de lixo em um
aterro sanitário de Fortaleza (CE). O espetáculo,
montado pela Escola de Dança e Integração Social
para Crianças e Adolescentes (EDISCA), uma ONG
criada no início da década de 1990 pela coreógrafa e
bailarina Dura Andrade, foi um sucesso, tendo sido
convidado a se apresentar até na França, e o retorno
de mídia espontânea equivaleu a mais de 800% do
valor investido - a Caixa viria a se tornar a principal
parceira de iniciativa similar em Recife (PE), a
Orquestra Criança Cidadã, que atende 130 jovens
de 3 e 17 anos da comunidade do Coque, uma das
regiões mais violentas da capital pernambucana.
() êxito das primeiras parcerias estimulou a
Caixa a sistematizar seus patrocínios culturais, a
começar pelo lançamento de editais e a formatação
da Gestão Cultural de Patrocínios. De 2002 a
2005 foram aplicados recursos da ordem de R$
12 milhões ao ano, valor que no final da década
ultrapassou os R$ 50 milhões. A ocupação dos
espaços da Caixa Cultural, bem como a definição
dos patrocínios, se dá por meio de seleção a partir
de editais públicos e inclui três etapas. A primeira
é a da habilitação (avaliação dos documentos
e qualificação). Na segunda ocorre uma pré-
seleção na qual funcionários da Caixa avaliam
a viabilidade dos projetos. Na terceira é feita a
seleção final, quando outra comissão, integrada por
grandes nomes da cultura nacional, julga os pré-
selecionados e os classifica por ordem de prioridade
e de acordo com o montante do investimento
necessário. São levados em conta fatores como a
relevância do projeto e seu impacto cultural e social.
Somente em 2010, R$ 25 milhões foram
aplicados em 277 projetos, enquanto no ano
anterior R$ 22,8 milhões haviam financiado 226
projetos. O valor total dos patrocínios segue
crescendo. Em 2011, a Caixa destinou R$ 33
milhões para investimentos em teatro, dança,
artesanato, ocupação dos espaços da Caixa Cultural
e apoio ao patrimônio. Desde meados desta década,
a Caixa já investiu mais de R$ 180 milhões no
patrocínio de projetos culturais.
O apoio da Caixa neste segmento vai muito
além do que é realizado em seus próprios espaços,
estendendo-se a instituições de cunho cultural,
abertas ao público e sem fins lucrativos. A Caixa
fornece a estas entidades recursos destinados a
atividades como implantação e modernização
de laboratórios de restauração, recuperação
e ampliação de acervos, compra de coleções,
realização de pesquisas e informatização. No
biênio 2009/2010, um montante de R$ 4 milhões
beneficiou 31 dessas entidades.
Outro programa contempla museus e
instituições congêneres, bem como patrocina
iniciativas que visam à criação de novos espaços,
dando ênfase àquelas focadas na diversidade étnica,
cultural e social. Desde o lançamento do programa,
13 entidades já receberam um total de R$ 11 milhões.
No biênio 2009/2010, foram 8 projetos e R$ 864 mil.
A Caixa contribuiu para a revitalização dos acervos
e prédios do Museu Nacional de Belas Artes, da
Biblioteca Nacional, do Museu da Inconfidência, do
Museu 1-listórico Nacional, do Arquivo Nacional e da
Pinacoteca de São l'aulo, entre outros.
Na área da produção cultural, a Caixa
tem apostado no teatro e na dança por meio de
patrocínios a festivais realizados em várias regiões
do país. Ao longo de 2010, recursos no total de RS
3,5 milhões beneficiaram 56 projetos de festivais de
teatro e de dança. No ano anterior, R$ 3,4 milhões
haviam sido aplicados em 48 projetos, sendo 28
deles de teatro e 20 de dança.
Embora a Caixa tenha como prioridade
promover a diversidade, na hora de escolher os
programas que irá apoiar a instituição precisa levar
em contra fatores bem objetivos como a viabilidade
técnica do projeto, a experiência e a idoneidade
dos proponentes e a adequação econômica da
proposta. Também é necessário verificar se o projeto
atingirá um número significativo de pessoas e se
ele contribuirá para o enriquecimento cultural das
comunidades envolvidas, além de certificar-se de
sua responsabilidade social.
A fim de atingir o maior número possível de
pessoas, a Caixa patrocina projetos de comunidades
artesãs por um período máximo de um ano,
com foco na sustentabilidade e na valorização do
artesanato tradicional. O patrocínio abrange da
capacitação dos artesiios à venda do produto. São
considerados aspectos como manejo sustentável
das matérias-primas, sustentabilidade econômica
do projeto, comércio justo e impacto social na
comunidade. O programa de apoio ao artesanato
da Caixa foi posto em prática em 2009, quando 16
projetos espalhados por vários estados brasileiros
receberam um total de R$ 550 mil. Em 2010,
investimentos de R$ 505 mil contemplaram 22
projetos, selecionados entre 422 inscritos.
Somando-se todas as iniciativas, a Caixa
investiu em patrocínios culturais, em 2009, mais de
ES 52 milhões. Além dos programas permanentes,
CAlXA:l3\ Ll.\ U! IÓNI.\ RR\sII E ii 303

são feitos investimentos pontuais C111 festivais de

música e feiras de livro, entre outros, trabalhos
iue ajudem a divulgar nossa diversidade cultural
são sempre bem-vindos na Caixa. Em 2006, por
exemplo, a instituição apoiou o projeto Além
dos Limites, da Funarte (Fundação Nacional
de Artes), o primeiro dirigido a artistas com
deficiência de diversas áreas, tais como teatro,
música, dança e artes visuais, reunidos depois
cm um festival. Já um livro lançado em 2008
'.. publicou depommentos das rendeiras sobre suas
vidas, seu ofício e sua comunidade. Esse é apenas
um entre dezenas de livros que visam a divulgar
a cultura e a preservar a memória nacional
patrocinados pela Caixa nos últimos anos.

REGISTROS PARA A HISTÓRIA

A Caixa já patrocinou dezenas de obras que
divulgam e promovem a literatura brasileira e
ajudam a preservar a memória cultural do país.
1oto Dudu Contursi
 - -
1
-
N5 -\

r •

- -

1
!rl:lmii 1
4

-
ECONOMIÁRIOS

ão múltiplos os vínculos que unem trabalhadores que estreitaram os laços que

a história da Caixa Econômica à vinculam a história do Brasil à história de Portugal.

história do Brasil - como este livro A burocracia estatal ibérica transferiu-se

procurou demonstrar nas páginas para o Novo Mundo em toda a sua natureza

precedentes. Raros aspectos, porém, permitem tentacular. Esse processo não se deu apenas com

traçar um paralelo tão revelador entre a instituição estabelecimento do Governo-Geral em 1549:

e o país quanto à história dos economiarios, teve continuidade no instante em que a família

corno se chamam os funcionários que, ao longo real, com D. João \' 1 à frente, empreendeu a

dos últimos 150 anos, ajudaram a construir transmigração para o Rio de Janeiro em 1808.

a Caixa. Os avanços e retrocessos, as lutas E é preciso ter em mente que o fundador da

salariais e questões trabalhistas, os privilégïos e Caixa Econõmica, D. Pedro II, não só era neto

desvantagens, as conquistas e perseguições, entim, de 1). João VI como governou o Brasil durante

todas as complexidades que marcam o exercício quase 50 anos seguindo a cartilha lusitana.

de um cargo público constituem uma trama de 'lèma tão rico vem sendo estudado por todos

intensa movimentação que desnuda aos olhos do que analisam a história do Brasil. E, é claro, tem

ohservador não apenas a trajetória de unia classe, gerado as opiniões mais díspares. "O funcionalismo

mas ajuda a compreender os caminhos percorridos público é uma chaga que devora as rendas

pelo funcionalismo brasileiro. públicas", disse o visconde do Uruguai em 1862. "O

I)esde março de 1549, quando o governador- funcionalismo é uni cancro que devora e aniquila

geral 'Lomé de Sousa desembarcou na Bahia as forças do país", ecoou Castro Carreira em 1889.

elo companhia de dezenas de vedores, fiscais e "Urna casta inútil de funcionários e doutores

meirinhos, tornou-se virtualmente impossível que suga os cofres da nação", continuou 'fobias

compreender a história do Brasil sem investigar Monteiro em 1916. O erário e a administração

papel desempenhado pelos funcionários pública são uni animal multidinámico "de

públicos. 'Rdas as grandezas e mazelas, muito do cujos peitos se dependuram, aos milhares, crias

progresso e um tanto do atraso do país podem vorazes ( ... ) para cuja gana insaciável não há

ser vislumbrados quando se reconstitui o modo desmame", esbravejou Rui Barbosa em 1920.

cont) os burocratas do segundo escalão foram Em chave oposta, mas não menos enfática,

capazes de definir OS caminhos socioeconómieos Joaquim Nabuco considerava os funcionários

trilhados pela nação. Mais que isso, foram esses públicos "servos da gleba do govern o, mal pagos
306 ECONOMIÁRIOS
COISAS DA VELHA CAIXA
Reconstituição de uma agência do final do século 19.
Conjunto Cultural da Casa de Oração, Salvador
P. 304- CONTADORIA-GERAL, RIO DE JANEIRO
Vista da sala onde, em maio de 1922, na agência central,
na rua D. Manoel, 25, trabalhavam os escriturários da
Caixa Econômica. Na fila do centro, estão dois futuros
presidentes da instituição: na mesa da frente, Ariovisto
de Almeida Rego (filho homônimo do então chefe
da seção) e, na terceira mesa, Jeronymo Pinheiro de
Castilho, primeiro datilógrafo da Caixa.
Acervo da Ri. do laneira,
P. 307- NA SALA DA PRESIDËNCIA
Principal sala da antiga agência da Sé, em São Paulo.
Mu,ou da Caixa, São Paulo
e submissos ao poder". Eram trabalhadores
como os outros que, de repente, se viam de
pijamas, Com a barba por fazer, sem função e
sem amparo, vivendo de parcas aposentadorias,
conforme a interprctaçao de Antonio Candido.
Para além da controvérsia, as páginas que
se seguem pretendem demonstrar o quanto
os funcionários da Caixa Econômica já foram
preteridos e prejudicados dentro de uma ordem
centralizadora e cventualmente iníqua. Mas,
mais do que fazer o elogio de uma luta classista
- que, ao fim e ao cabo, pode ser lida como
um esforço em prol de interesses particulares
eventualmente em oposição ao bem comum
-, este capítulo quer revelar que, todas as
vezes em que os ec000miários se ergueram em
defesa de seus direitos, eles no fundo estavam
também defendendo a própria instituição.
Nesse sentido, sua luta contra medidas
torpes, como também seu clamor para expulsar
"Corpos estranhos", acabaram se re\•'elando UIT1a
luta a favor do Brasil. E se, em muitos casos, não se
pode dizer que os brasileiros tenham sido cOcientes
na hora de preservar a integridade e manter vivo
o projeto social que a Caixa Econômica nasceu
para desempenhar, raras são as ocasiões em
que se podem acusar os economiários de terem
compartilhado dessa perversa omissão.
\.riscon des barões, comendadores, "rentistas"
e "grossistas' todos integrantes da nobreza luso-
brasileira, foram OS primeiros presidentes e
membros do Conselho Fiscal da Caixa da Corte.
Após a Revolução de 1930, a tendência se modificou,
e a instituição (como o restante do aparelho
burocrático da nação) passou a ser comandada
por "grupos técnicos da nova classe média' como
bem observou o historiador Bons Fausto. Até
1934, os dirigentes da Caixa exerciam seus cargos
graciosamente - embora o posto evidentemente
lhes auferisse influência e poder. A mudança
dos protagonistas e o pagamento de salários não
modificaram o essencial: ocupar cargo de chefia
na Caixa continuou sendo garantia de prestígio.
Mas quem, além dos clientes (e sua
demonstração de confiança), terá realmente
construído a Caixa? Qualquer resposta
sólida aponta em urna só direção: as Caixas
Econômicas foram erguidas pelo esforço
daqueles que dedicaram suas vidas a trabalhar
nelas. E, pelo menos nos primeiros dias, não
foi nada fácil - nem mesmo muito rentável
- ser funcionário do "banco dos pobres".
A trajetória dos economiários inicia-se
em 1861, com a fundação da Caixa Econômica
e Monte de Socorro da Corte, pois, embora a
presidência fosse ocupada por um "voluntário'
cuja recompensa era "a gratidão do imperador'
os cargos e salários dos funcionários foram
estabelecidos já pelo decreto original. Ao todo,
eram 11 os empregados originais da Caixa: um
gerente (com rendimentos de cinco contos de
réis anuais), um tesoureiro (quatro contos e
400 mil-réis), um chefe de escrituração (quatro
contos), um perito (quatro contos), um ajudante
(um conto e 800 mil-réis), dois fiéis (um conto
e 800 mil-réis e um conto e 600 mil-réis), um
primeiro escriturário (um conto e 600 mil-réis),
um segundo escriturário (um conto e 200 mil-
réis), um porteiro (um conto e 600 mil-réis) e um
contínuo (um conto e 200 mil- réis). Tais salários
eram baixos: o contínuo, por exemplo, percebia
cem mil-réis mensais, quando um bom almoço não
saía por menos de dois mil-réis.
A ata de criação da Caixa de São Paulo,
lavrada em 25 de janeiro de 1875, também
anunciava o quadro de servidores, todos já
devidamente nomeados. Embora houvesse um
cargo de escriturário, que seria preenchido
posteriormcnte, "quando as necessidades do
 CAIXA: 1 5() ,-\NOS DE UMA HISTORIA BRASILEIRA 307

serviço" assim o reclamassem, a Caixa paulista

abriu suas portas Com apenas cinco funcionários:
gerente, o guarda-livros, o tesoureiro, o perito e
porteiro e contínuo Carlos Augusto de Andrade,
pai do escritor Mário de Andrade.
No Rio Grande do Sul, a Caixa Econômica
começou suas operações dispondo de seis
funcionários. O gerente, Afonso Coelho Bortes,
11
ganhava três contos e 600 mil-réis anuais, e o
porteiro e continuo João José Amaral recebia 800
mil-réis por ano.
Dois anos depois da criação das Caixas
provinciais, o Decreto n° 9.738, de 2 abril de
1877, atualizou o regulamento da instituiçôo. O
capítulo l\7, referente aos empregados, definia
diferentes quadros de pessoal para a Corte e para
as províncias. Além do número de servidores,
os salários também variavam: quem trabalhava
no Rio recebia praticamente o dobro de quem
desempenhava a mesma função nas províncias.
O salário mais alto, o do gerente, era de seis
contos e 600 mil-réis na Corte e de três contos
e 600 mil-réis nas províncias. O mais baixo, de
porteiro, foi estipulado em 2,4 mil-réis no primeiro
caso e 1,4 mil-réis no segundo.
A terça parte dos vencimentos era gratificação
pelo "efetivo exercício do emprego' O regulamento
incluía a "tabela de gratificações dos empregados
na seção especial das Caixas Econômicas, cnada
nas Tesourarias da Fazenda, tendo por base a
importância líquida dos depósitos verificados".
As maiores gratificações eram concedidas no Rio
Grande do Sul.
Para trabalhar na Caixa era necessário apresentar
certidão de maioridade (18 anos) e atestado de
"pessoa de reconhecido conceito' abonando o
comportamento do candidato, O candidato ta mbéni
deveria exibir provas de possuir boa letra, redigir
corretamente o português e ter conhecimentos
de escritLiracã() niereantil e de aritnletica.
308 IiC()NOM 1 ARIOS
AGËNCIA CENTRAL DE SALVADOR
Sala da Contadoria-Geral, início do século 20.
(:oujuflno Co Itural da Casa de Oração, Salvador
P. 309, ACIMA - ENCONTRO MEMORÁVEL
Reunião da diretoria da Caixa paulista em
novembro de 1930. Ao fundo, painel com as
foros de todos os empregados da instituição
em 1925, do contínuo ao presidente.
Acervo da Caixa, Rio de Janeiro
P. 309, ABAIXO - CONTADORES E ESTAFETAS
Vista de uma das salas da agência da rua D. Manoel,
centro do Rio, no início da década de 1920.
aScerva da Caixa, Riade Janeiro
Uma vez contratado, o funcionário assinava
entrada e saída diariamente num livro de
ponto e estava sujeito a perder a totalidade dos
vencimentos se saísse antes do final do expediente
sem a permissão do chefe ou se faltasse ao trabalho
sem causa justificada. A perda se restringiria à
"porcentagem ou gratificação" se a falta tivesse
motivo justificado, o que ocorria ciii apenas
três situações: moléstia, nojo (morte de paren(e
próximo) ou gala (o próprio casamento).
O advento da República nada mudou na vida
dos funcionários da Caixa. Tão instável era sua
situação - eles sequer eram considerados servidores
públicos - que nem mesmo a aposentadoria fora
regulamentada. Foi preciso o ministro da Fazenda,
Rui Barbosa, assinar, em 4 de novembro de 1890, o
Decreto ii' 961 para que a Caixa pudesse "dispensar
de comparecer à repartição os empregados que aí
contatem 30 ou mais anos de bons serviços, bem
conio aqueles que se invalidarem'
O Regulamento de 1915, instituído
pelo Decreto n° 11.820, conferiu um verniz
republicano à Caixa, mas também não beneficiou
seus servidores. Apenas concedeu a seguinte
gratificação: "Aos empregados que tiverem mais
de cinco anos de efetivo serviço, abonar-se-à uma
gratificação adicional correspondente aos seus
vencimentos, na razão de: 5% para os que tiverem
mais de cinco anos até de', 70/0 para os que tiverem
mais de dez anos até 15; 10% para os que tiverem
mais de 15 anos até 20; 15% para os que tiverem
mais de 20 anos de serviço". O decreto disciplinou
também o direito a férias: "Os funcionários das
Caixas Econômicas terão anualmente 15 dias de
férias, que gozarão seguida OU interpoladamente,
sem prejuízo do serviço, a juízo dos gerentes. As
férias poderão ser acumuladas e gozadas de dois
em dois anos durante 30 dias".
O Decreto n° 990, de janeiro de 1920,
determinou a "Gratificação da Fome' que
bem revela a situação aflitiva dos servidores
da Caixa. O benefício foi aprovado "tendo
em vista os peticionários estarem sofrendo
as consequências da insuportável carestia da
vida, que os inibe de suprir-se do necessário
para sua manutenção e de suas famílias".
Outro episódio elucidativo ocorreu na
década de 1920, quando começaram a surgir as
canetas-tinteiro. As mesas das repartições exibiam
as conceituadas penas Malat 12 e tinteiros com
tinta azul. Como as penas eram indispensáveis
para o desempenho das funções, mas seu preço era
inacessível aos empregados, foi criado um auxílio
semestral de dez mil-réis, depois -aumentado para
15 mil-réis. O benefício ficou conhecido como
"Gratificação das Penas" e equivalia ao salário
mensal de um funcionário de nível médio.
O Regulamento de 1934 modernizou as
Caixas de todo o Brasil. Mas não melhorou a vida
de seus funcionários; tanto que, embora deles
fosse exigido o cumprimento dos "deveres gerais
de trabalho, cooperação, exatidão e fidelidade", a
categoria viu-se contemplada com um artigo nada
estimulante. Ficou estabelecido que seriam OS
próprios funcionários que pagariam a conta caso
OS negócios não andassem bem. Se a Caixa tivesse
déficit, estava autorizada a compensá-lo reduzindo
os salários de todos os empregados. Se o balanço
negativo persistisse, poderia demitir quantos
economiários fossem necessários. A antiguidade no
cargo seria levada em conta, "sem prejuízo, todavia,
do critério do merecimento". Como "merecimento"
é conceito aleatório, tal adendo deixava os diretores
livres para escolher quem "merecia", ou não,
sobreviver na instituição.
Salvo casos de dificuldades da instituição, os
funcionários gozavam de uma forma primitiva e
incompleta de estabilidade, mantendo o emprego
"enquanto bem servissem' De todo modo, só podiam
ser exonerados pelo Conselho Adniinisti'ativo depois
 CAIXA:I5t)\.\u 11k tI.\ IllHlHL\ kI\IIiIR.\ 309

de inquérito no qual tinham direito à defesa das

acusações que lhes eram imputadas.
Os dois principais dicionários brasileiros,
Aurélio e Houaiss, são breves ao definir
"economiário'. Limitam-se a expressões como
"pertencelite ou relativo à Caixa" e "tuncionario da
Caixa". Dicionários incorporados a computadores
ainda sublinham a palavra como se ela não
existisse. Os milhares de servidores da Caixa, que
se orgulham de ser chamados assim, por certo
imaginam que a palavra tenha surgido da fusão
de "Econômica" com "funcionário". O que talvcz
nem todos saibam é como, quando e onde ela
nasceu. A história, como tantas outras, é pitoresca.
A Associação dos Servidores da Caixa
Econômica Federal de Alagoas foi fundada em 2 de
agosto de 1953. Para celebrar o evento, a diretoria
recém-eleita promoveu uma excursão à praia de
Riacho Doce. A festa serviu para a confraternização
da categoria, nias era pouco. A associação queria
inserir a nova entidade na sociedade local. Por isso,
um més depois, alugou o salão do aristocrático Clube - -
Fénix Alagoana para um evento que se tornaria
destaque no calendário social de Maceió naquele ano.
bL1L11D
Quando a imprensa divulgou a realização da
1 Festa dos Economiários", conforme fora batizada
pelos organizadores, surgiu logo uma polêmica.
A Gazeta de Alagoas publicou o artigo escrito por
uni certo professor l,uís Lavanère no qual a nova
palavra era duramente criticada e seus criadores
desafiados a lhe justificar a origem. A origem,
na verdade, era bastante óbvia. Tratava-se de uni
purismo e, portanto, o bate-boca não vingou. Os
principais interessados aprovaram o neologismo -
e ele "pegou". A partir de então, os funcionários da
Caixa adotaram o nome que ainda os identifica.
Independentemente da forma como fossem
chamados, os empregados da Caixa enfrentaram,
durante muito tempo, os efeitos negativos de
sua condição. Eram bancários, por certo, mas
310 ECONONIIÁRIOS
qw
AO ALTO E ACIMA - PENAS E PINS
Conjunto de penas Malat, usadas pelos escriturários
da Caixa antes das máquinas de escreve,; e os botões
de lapela dados pela Caixa de São Paulo para seus
funcionários na década de 1940.
Museu da C;aixa, SBo Paulo
P. 311 - LETRA CURSIVA
Página do Livro de Contas da Caixa da
Corte, redigido à mão em 1861.
Masco da Caixa, Brasilia
também eram servidores públicos. De modo
geral, as autoridades os tratavam como melhor
lhes convinha: integravam-nos às fileiras do
funcionalismo na hora de cobrar deveres, mas os
excluiam no momento de gozar os benefícios. Fora
assim desde 1861. A cada novo regulamento, a
situação não se alterava.
Durante a Era Vargas, por obra do Decreto-
1,ci n°627, emitido em 18 de agosto de 1938, os
economiários foram surpreendidos pelo anúncio
de outra medida discriminatória, e das mais graves.
() decreto obrigava sua associação ao Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB).
Seria razoável para os economiários terem a
condição transmutada de funcionários públicos
para bancários não fosse o fato de que a nova lei
apenas os enquadrava nessa categoria, sem lhes
conceder quaisquer dos benefícios obtidos pelos
bancários ao longo de décadas. Não tinham sequer
o direito de filiar-se ao sindicato. Obrigados
a engordar os robustos cofres do IAPB com
contribuições mensais, tinham como contrapartida
benefícios irrisórios ou inúteis, como a assisténcia
médica, já prestada com eficiência pelas Caixas por
meio de suas sociedades heneficentes. Como se não
bastasse, ainda lhes subtraían3 direitos, como o da
aposentadoria com benefícios integrais. A partir
de então, os economiários seriam submetidos a
um teto de 80% dos salários recebidos enquanto
na ativa, obedecendo ao limite de Cr$ 2 mil. IbI
expediente era potencialmente prejudicial a 75%
dos funcionários da Caixa.
Mais do que financeiros, os prejuízos eram
morais. Depois dc toda uma vida dedicada à
instituição, muitos economiários sentiam-se agora
atraiçoados pelo governo. A condição desmoralizante
de seus servidores se refletia no desempenho
da Caixa. Conio as regras do IAPB só previam
aposentadoria por invalidez, ignorando o tempo
de serviço, quem sonhava com algum descanso no
final de uma longa carreira era obrigado a continuar
na ativa. Tornou-se comum encontrar por trás dos
balcões das agências homens idosos e desanimados,
cuja única perspectiva era trabalhar com o mesmo
afinco e lealdade até o fim da vida.
A esperança de reverter a situação
materializou-se na forma de uma brecha na
lei, aberta pelo Decreto n° 20.465, de 1° de
outubro de 193 1: "Os servidores públicos de
transporte, luz, força, telefone, postes, água,
esgotos ou outros que venham a ser considerados
como tais, quando explorados diretamente pela
União, pelos estados, pelos municípios, ou por
empresas particulares, terão obrigatoriamente,
para os empregados de diferentes classes ou
categorias, caixas de aposentadorias e pensões,
com personalidade jurídica regida pelas
disposições desta lei e diretamente subordinadas
ao Conselho Nacional do Trabalho".
Como as Caixas haviam sido consideradas
"de utilidade pública" por um decreto assinado
em 19 de julho de 1934, surgia um caminho para
a formação de uma caixa de aposentadorias e de
pensõcs dos funcionários das Caixas Econômicas
Federais. Ainda assim, a situação de penúria
provocada pela adesão forçada ao IAPB arrastou-se
por quase dez anos. Mesmo amparados por lei, os
economiários tinham suas iniciativas rechaçadas
pelo governo com base em outras leis e decretos,
num emaranhado jurídico sem fim.
A situação só começou a mudar em agosto
de 1947. Durante a VI Reunião Congressual
das Caixas Econômicas Federais, os advogados
Antônio Cornélio l'ompéia e Carlos Dunshee
de Abranches defenderam teses sobre a criação
de um instituto. Com base nelas, o presidente
do Conselho Superior das Caixas Econômicas
Federais, Luiz Rodolpho de Miranda, determinou
a elaboração de um projeto, tarefa incumbida a
Assis Ribeiro, consultor jurídico da entidade.

O 1 Congresso dos Empregados das Caixas
Econômicas Federais, realizado de 29 de setembro
a 8 de outubro de 1947 na sede do Conselho
Superior, no Rio, deu impulso à empreitada, apsar
das vozes discordantes, entre as quais se sobressaía
a de Antônio Atico Leite, diretor da Caixa de Santa
Catarina. Era necessário encontrar um político
importante disposto a abraçar a causa. O escolhido
foi o deputado Ulisses Guimarães, como explica
Antônio Cornélio Pompéia: "Pouco tempo depois
eu procurava o deputado Ulisses Guimarães, que
-
era de Sao Paulo (...). Pedi a ele que nos indicasse
alguém que pudesse nos ajudar, abreviando os
caminhos burocráticos que certamente iríamos
encontrar no Congresso Nacional. Todavia,
Ulisses gostou tanto do projeto que se prontificou
a defendê-lo' Sob o número 2.486, o projeto
foi aprovado pelo Congresso sem alterações, o
que parecia indicar que seria sancionado pelo
presidente Café Filho,
Os econonliários estavam Otimistas
naquele final de 1954. No entanto, em
mensagempronunci:±ietamenteiodi:
de unificação do sistema previdenciário, e
provavelmente pressionado pelo influente
mercado de seguros, deu à categoria o pior
presente de Natal possível: vetou a lei,
A nova derrota não abateu o ânimo dos
economiários, que decidiram reapresentar a
proposta. Como o projeto era tecnicamente
perfeito, tanto que passara sem modificações
pelo crivo do Congresso, não havia muito
a fazer naquele sentido. Se o problema
era a resistência à criação de urna caixa de
aposentadorias, os economiários decidiram
simplesmente maquiar a ideia chamando-a
de Serviço de Assistência e Seguro Social dos
Economiários (Sasse). "Mudava o nome, mas
era basicamente o mesmo projeto anterior,
CAIXA: 150 ANOS DE UMA HISTÓRIA BRASILuEÀ 3 11
com poucas a1terações' escreveu Pornpéia. •-----
Novamente procurado pela categoria
em 1956, Ulisses Guimarães, então presidente
da Câmara, continuava simpático à causa,
mas argumentou que teria de passá-la a outro '
deputado, o gaúcho Tarso Dutra, cuja reação
inicial não foi das melhores, conforme Pompéia:
"Tarso possuía uma certa aversão aos institutos; -
todavia, à medida que nós lhe expúnhamos 1000
o projeto, as desconfianças foram sumindo.
Quando ele concluiu não se tratar de mais um
cabide de empregos, que o nossoi nstituto seria
gerido com recursos próprios e administrado -
pelos próprios economiários, tornou-se um
verdadeiro entusiasta de nossa causa". -
O projeto n° 1.523/56 foi aprovado pelo
Congresso em 5 de maio de 1957, embora não
de modo tão pacífico quanto o anterior. Caberia --
ao presidente Juscelino Kuhitschek sancioná- -
lo ou vetá-lo. Ressabiados pela experiência
anterior, e informados de que o Ministério
da Fazenda apresentara a JK um arrazoado
empreenderam umapnr
anha do
Sasse. O projeto chegou ao Palácio do Catete --
para apreciação do presidente em 21 de maio,
mas, em função de Outros compromissos, a
decisão foi transferida para o dia seguinte. -
Na manhã de 22 de maio, na presença
de Ulisses, e contrariando as pressões a favor _
do veto, JK aprovou a Lei n" 3.149, criando o
Sasse. A data, consagrada a Santa Rita de Cássia,
considerada a santa das causas impossíveis,
tornou-se o Dia do Econorniário, e Santa Rita, -'
a padroeira da categoria e da recém-nascida
entidade. Ironicamente, em 4 de julho de 1958, o
presidente da República nomeou como primeiro '
presidente do Sasse Antônio Atiço l,eite, o diretor
da Caixa catarinense que, uma década antes, havia --
sido um dos mais ferrenhos opositores à ideia.
3 12 ECONOMIARIOS
ACIMA - BARBANTE DOS "BARNABÉS"
Em 1947, os compositores Haroldo Barbosa eAntônio
Almeida gravaram o samba Barnabé, sobre um
funcionário público "Letra E", de baixa remuneração,
portanto. O apelido pegou, e muitos amanuenses
passaram a ser chamados dessa forma. Dentre eles, os
econorniários que lidavam com tesoura, colo e barbantes.
Museu da Caixa, São Paulo
ABAIXO - OS HOMENS QUE CALCULAVAM
Máquina de calcular manual Facit, da década de 1920.
Acervo da Caixa, Rio de laneiro
Administrado pelos economiários, o Sasse
integrava não somente os servidores das Caixas
Federais, mas também os das estaduais. Ao longo
de duas décadas, prestou serviços altamente
relevantes à categoria embora tenha sofrido
constantes ameaças de extinção. Os defensores da
Llnihcação da Previdência queriam simplesmente
acabar com o Sasse. l-Iavia também quem
defendesse sua incorporação ao Ipase ou seu
retorno ao IAPB. Nem sequer a criação do INPS,
em 1966, foi capaz de eliminá-lo Mas o órgão
acabou extinto pela Lei n° 6.430, de julho de 1977.
Os econonhiários, que haviam lutado ao longo
de décadas pela concretização do sonho de unia
caixa de aposentadorias e pensões, logo perceberam
que não havia niotivo para apreensão com a
extinção do Sasse. O que estava por vir atenderia
às suas expectativas. A Fundação dos Economiários
Federais (Funcef) substituta do Sasse, comeÇou
a nascer em 24 de setembro de 1975, quando o
presidente da Caixa, Karlos Rischbieter, le\'ou a
proposta ao ministro da Fazenda, Mário Henrique
Simonsen, do qual recebeu apoio integral.
Criado oficialmente em 1" de agosto de 1977
o novo órgão Iniciou suas atividades com uma
carteira de 20 mil associados, herdada do Sasse. A
Funcef destinava-se a proporcionar suplenientação
salarial aos aposentados e pensionistas. Nesses 25
anos de atuação, transformou-se no maior fundo
de pensão do Brasil, com 70 mil associados, e
investiu R$ 9 bilhões em empresas nacionais.
Nas palavras de seu primeiro presidente, Paulo
Cezar Figueiredo de Mattos, pronunciadas na reunião
inaugural da entidade, realizada um mês antes da
criação oficial, "a implantação da Funcef se constitui
em um marco decisivo para a garantia de um futuro
tranquilo aos servidores da Caiae seus fiimiliares' O
regulamento básico e o plano de benefícios estavam
prontos havia três meses e previam a inclusão
de todos os empregados da Caixa admitidos até
julho daquele ano, mius a totalidade dos inativos e
pensionistas. Dois anos mais tarde, a Funcef assulTiiu
também o controle acionário da Sasse Seguradora,
que mantinha gestão independente.
Em um quarto de século, a Funcef
quadruplicou o número de associados, hoje em
torno dos 70 mil, dos quais 51 mil estão na ativa.
Os 662 benefícios concedidos em 1977 saltaram
para IS mil em 2002. Nos últimos três anos,
os administradores da Funcef adotaram uma
política de investimentos agressiva, o que fez
aumentar de forma considerável o patrimônio
de seus associados. De R$ 7,3 bilhões em 2000, o
patrimônio cresceu para R$ 8,7 bilhões em 2001,
ou seja, um aumento de RS 1,4 bilhão em apenas
12 meses. Um imenso avanço para uma classe que
durante mais de uni século, foi deixada à margem
dos benefícios concedidos ao funcionalismo
público - embora dele sempre tenha feito parte.
Os economiários não apenas construíram
a história da Caixa - eles também a escreveram,
antes e, por enquanto, melhor do que qualquer
historiador. Embora, de certa lrma, a trajetória
da instituição tenha sido registrada por gênios da
literatura, como Machado de Assis e Lima Barreto,
ou por eficientes escritores profissionais, como
Coelho Neto e Austregésilo de Athayde, e apesar de
chances extraordinárias terem sido desperdiçadas (é
impossível não imaginar o que Mário de Andrade
poderia ter produzido, sendo ele filho de um
funcionário de carreira, bem como é lícito sonhar
com as obras que surgiriam caso um Oswald de
Andrade, ou, quando menos, um Samuel Ribeiro
tivessem deixado memórias sobre o "banco dos
pobres"), o tito é que a história da Caixa acabou
sendo registrada graças ao esforço individual de
"meros amanuenses'
Herculano Marcos Inglês de Souza é
considerado o "pai do naturalismo no Brasil" e o
primeiro discípulo brasileiro do francês Ëmile Zola.
 CAIXA:15cNs iãi VI\ NIS[c)R[,\ hIt\SIIFIR\ 313

Tendo presidido a Caixa por quase uma década,
também poderia ter escrito a história da instituição,
Ele não o fez, mas, em compensação, incentivou o
escriturário Ariovisto de Almeida Rego a reunir e
publicar "o pequeno amontoado de notas colhidas
dia a dia, no decorrer da vida de funcionário' Foi
assim que nasceu o precioso Resumo Histórico da
Caixa Econômica e Monte de Socorio, publicado em
10 de julho de 1914 e hoje fonte indispensável para
conhecer o percurso e os percalços da instituição.
Ariovisto dedicou toda a sua vicia profissional
à Caixa. Deu emprego ao filho homônimo - que,
em 1978, se tornaria presidente da empresa.
Mas não foi só: em 1922, também contratou o
escriturário Jeronymo Pinheiro de Castilho. Este se
Hoje, essa linhagem encontra continuidade
na figura tímida de Paulo César Ribeiro, jovem
economiário que, em 1986, não apenas ajudou
a dissipar a poeira e os espectros que rondavam
o então abandonado prédio da Caixa na Praça
da Sé, em São Paulo - participando ativamente
da criação do Museu da Caixa paulista - como
redigiu, por iniciativa própria, uma boa História
da Caixa Econômica Federal de São Paulo. Sua
paixão pela empresa mantém viva a chama que,
desde o momento em que Ariovisto de Almeida ASSISTËNCIA
Reconstituição, baseada em fotografia da época, da sala
Rego recolheu seu "pequeno amontoado de de curativos e pequenas cirurgias instalada em 1939
pela Sociedade Beneficente dos Funcionários da Caixa
notas' vem estimulando os ccononiiários não só
de São Paulo na agência da Sé. Fundada em 1907, a
a construírem, mas a transformarem a história da Sociedade Beneficente foi o primeiro órgão assistencial
dos economiários paulistas.
Caixa em mais uma história brasileira Museu da Caixa, Sân Paulo

tornaria (graças à máquina de escrever Remington

que comprou às próprias custas) o primeiro
datilógrafo da história da Caixa, decretando o
fim da escrituração feita à mão com penas Malat.
'Irabalhando na instituição por mais de 40 anos,
11
Castilho vivencloli a crise de 1929, a Revolução dc
30, as mudanças feitas pelo Regulamento de 1931,
golpe do Estado Novo, a eclosão da Segunda Guerra
Mundial, o suicídio de Getúlio Vargas, o centenário
da Caixa, os breves governos de Jango e Jânio e o
golpe de 1964—que o destituiu da presidéncia da
Caixa e o levou injustamente à prisão.
Toda essa movimentada trajetória, que
inclui ainda a descoberta da tetraneta do priniciro
depositante da Caixa e a devolução de brinquedos
penhorados, Castilho registrou em seu saboroso
Coisas da Velha Caixa, livro que ele escreveu
no final da década de 1970 e que Gil Gouvcia
Macieira mandou editar em 1983. Com a obra
- memorialística e ingénua, mas ainda assim
fundamental -, Jeronvmo de Castilho juntou-se à
7 a -'
estirpe de economiários historiadores na qual já se
incluíam Paulo Martins, Dunshce de Abranches,
De Plácido e Silva, Carlos Simch, João Gualherto de
Oliveira e outros compiladores devotados.
314 ECONOMIÁIUOS

A diversidade da grande família Caixa

rua das razões do permanente SUCeSSO da de iniirrante Sendo muitos dos clientes japoneses

U Caixa por certo é o tato de olci'ecer uma ou descendentes, o sucesso imediato da agncia é

rica variedade de produtos e serviços diretamente reflexo, entre outras coisas, da identificaçúo entre os

ligados aos interesses cotidianos dos brasileiros clientes e os empregados.

de diferentes paragens, origens, etnias, tradições e A forte presença nipónica facilita o

condições socioeconômicas. Poupança, loterias, casa fechamento de negócios também pelo fato de

própria, penhor, RilS, sõn todos pontos de contato que alguns desses clientes néio falam portugués,

com a populaçóo desde a abertura das portas da ou nóo o falani bastante bem a ponto de

i nstituiçõo, hó 15(1 anos. Tampouco restam dúvidas se sentireni seguros ao tratar de negócios

acerca da imensa contribuiçóo dada pelos milhares envolvendo grandes cifras Nesses casos, sempre

de economiórios quea cada dia, ao longo deste eiicontrarõo uni economiario com o domínio

século e meio, ajudaram a fizer da Caixa uni do idionia. Nas demais agèncias espalhadas

gen ti in n li a n co do povo. pelo pais, econom iórios de origem japonesa -

(ertaniente uSo por acaso, o conjunto (]os povo reconhecido pela seriedade, honestidade

funcionórios da Caixa em todo o país abriga grupos e disciplina no trabalho - ajudam a disseminar

de variadas etnias, nLima representaçúo da sociedade sua cultura Alguns, nos fins de semana, ainda se

multicultural brasileira. dedicam a ensinar aos colegas a arte do origani i.

D1\•'ERSIDADE Somente os que se descrevem como "de cor ou conio cultivar e cuidar de um honsai. Por
Empregados da Caixa descencle,ites de imiraiiIes
amarela" chegam a cerca de 2,5 mil, sendo que a ocasiõo do centeiiório da iniigraçtlo, em 2008, a
posa ii, em trajes de época .8 õo uát ias as cl ii ias
piCSr')itr's no qnadni fiiiieioiial da iiistjtiijeilo. Caixa promoveu um ciclo de palestras intitulado
maioria deles é de origem japonesa. Os primeiros
Ace 1

imigrantes daquele país chegaram em 18 de junho Meu Japão Brasileiro no ( o n j nuto Cri 1 tirai de Sõo

a bordo do navio Kasa tu Maru, a fim de

de 1908, I-'aulo, na Praça da Sé, com temas como ci nenla,

trabalhar rias lavotiras de café paulistas. Uni século dança tradicional e conteniporãnea e anime (o

depois, eles somam 1,5 milhão, formando no Brasil culiLiado desenho aiiiiiiado japonés).

a niaior colónia nipónica fora do lapão. No ano seguin te foi a vez de a Caixa celebrar

O estado com maior população de japoneses a contribuição indígena na formação do povo

e descendentes é o Mato Crosso do Sul -. são ús mil brasileiro, produzindo rim filme institucional

pessoas, cerca de 3% da população. Ao inaugurar exibido pelas emissoras de 'IV entre 1$ e 21 de abril

a agéncia Via Park - com foco nas remessas - o l)ia do índio é coniemorado em 19 daquele més

internacionais - em Canipo Grande, capital sul- - e depois levado a 72 salas de cinenia em diversas

[nato-grossense, a Caixa nomeou Nelson Sato como capitais. A econonlíaria 1 )ionc Nlariés da Silva, da

gerente de relacionamento. Do grupo de pouco mais agéncia Aeroclube Plazza, de Salvador, descendente

de duas dezenas de funcionórios da agéncia, quase a da tribo Sateré-Mawé, foi escolhida para representar

metade é nissei (filho de imigrante) ou sansei (neto no filme os enipregados coni sangue iiidígena da

Caixa. Dione, que VIVCLI na tribo até completar
um ano de idade, quando a família se mudou para
Belém (PA) mantém ainda hoje alguns costUmes
indígenas, como dormir no chão e comer de colher.
Ainda em 2009 ,aCaixa valeu-se do
mesmo recurso para homenagear os mais de
14 mil ec000nhiários afrodesccndentes. Por
ocasião da Semana da (,'onsciência Negra, cujo
ponto eu 1 mina n te ocorre em 20 de nove ni b io,
dia da morte de Zumbi dos Palmares, a Caixa
novamente produziu um fll me institucional. A peça
publ ici faria, baseada no poema Enco,i Irei Mio/ias
Origens, de Oliveira Silveira, um dos idealizadores
do 1 )ia da Consciência Negra, foi dirigido por
Heitor 1 )hal ia, de Cheiro do Ralo e À Deriva, No
elenco, mais uma vez, um ec000miario, 1 )élio de
()livcira Niartins, gerente-geral da agência 28 de
Setembro, no Rio, e pós-graduado em II istória e
Cultura Al'rodescendente pela PUC- RJ.
O respeito à diversidade na Caixa não se
verifca apenas em relação a raças, mas também
a género: cerca de 40% dos cargos de chefia
são ocupados por mulheres, sendo que, em
2006, Maria Fernanda Ramos Coelho tornou-
se a primeira mulher a assumir a presidência
da instituição. Além de ser uma das maiores
empregadoras do país e, portanto, uma das
maiores empregadoras de mulheres - elas
representam cerca de 47% de seu quadro
funcional, acima da média brasileira e da média
mundial, que é de menos de 42% -, a Caixa Ioi
pi ou eira na abertura do mercado de trabalho
ao sexo feni in ino, lá no início do século 20. A
escriturária Francisca Sant'Ana Alves de Souza
(AlXA:I5ll.\ ML L\L\ l]I()uI\ [IL\s!J 1 t 315
tornou-se uma das primeiras economiárias ao ser
contratada pela Caixa do Rio em abril de 191 5.
O caminho para a diversidade começou
a ser trilhado de modo mais ettivo a partir da
Constituição de 1988, cujos desdobramentos
possibi] itarani à Caixa realizar novas contratações,
incluindo cotas para portadores de necessidades
especiais, aléni de eliminar mecanismos de limitação
da idade. Graças a isso, muitos aposentados puderam
optar por continuar trabalhando na instituição na
qual haviam passado toda sua vida protussional, OL1
boa parte dela. Para se ter uma ideia, o número de
econonliários colhi necessidades especiais saltou dc
35, em 1988, para 247 já em 2002. Naquele período, No livro São Paulo por Paulo Caruso, o desenhista
44% dos novos contratados era mulheres e mais de prestou uma homenagem a sua mãe, Marina, que
1 3'4 pertencia à chamada popLilação não branca - trabalhou como escriturária da Caixa na agência da
Sé. Caruso a definiu como "ruiva, nariz de Sopliia
negi-os, pardos, indígenas e amarelos.
Loren, sobrancelhas idem e um jeito alegre de ser que
1 )esde 2005, quando ind u i u o Programa
cativava as pessoas ao seu redor, no esplendor de
de Gestão da Diversidade em seu planejamento seus 40 anos". A seguir, trecho do livro, que também
estratégico bienal, a Caixa vem ampliando esforços foi publicado na revista Gente da Caixa:
para trabalhar com todos os aspectos culturais "Tido e havido como o centro de tudo, o marco zero
nunca me convenceu. Como acreditar num lugar que
raça, gênero, deticiincia, orientação sexual
se julgue o centro de tudo, que aponte em todas as
e crenças religiosas, entre outros - em relação direções como referência primordial a partir da qual,
aos funcionários - bem como em relação aos sem ela, todo o entorno é nada? Pois era mais ou
clientes e à sociedade em geral. Além de receber menos essa sensação que eu experimentava quando,
bem tuncionarios com deliciência, o que, afinal a partir dos 14 anos de idade, fazia fila pra ver
mamãe, então uma escriturária da Caixa Econômica
de con tas, é o mínimo,a Caixa promove ações
Federal. A partir do momento em que eu era avistado
no sentido de fazer com que tais econonliários atrás do meu antecessor, um sorriso se abria em seu
sintam-se bem 110 local de trabalho, tenha rosto e, ajeitando os cabelos com uma pesco çada
facilidade de acesso às instalações, condições digna de uma estrela de cinema, Dona Marina
estufava o peito (e que peitos!) e fulminava; 'Meu
adequadas de trabalho e possibilidades de
Filho.' A partir deste momento eu, de zero à esquerda,
crescimento, a exemplo do que ocorre com todos
virava um marco zero, todo mundo me olhando,
os economiários que ajudaram a Caixa a atingir querendo passar a mão e desconfiado pra ver se eu
posição dc tamanho destaque lia vida nacional. era mesmo o filho da Marina."
Agradecimentos
A equipe de produção e os autores de Caixa:
150 anos de uma história brasileira querem
agradecer a todos os economiários e funcionários de
agências da Caixa cuja colaboração foi fundamental
para a realização deste livro.
Agradecimentos nominais a: Clauir Luiz
Santos, Luiz Tadeu Rigo, Gerson Bordignon,
Paulo Victor Pereira Resende Silva, Monica
Ferreira Gaspar de Oliveira, Maria das Graças de
Assumpção Fernandes, Sirnone Castelo Branco de
Souza e Gustavo Luiz Pacheco (todos da Sumac -
Superintendência Nacional de Marketing e Relações
Institucionais); Bernadete Maria Pinheiro Coury
e Susete Assis Campos (da área de Habitação);
Orlando Pereira Cezar e Clarice Coppetti (da área
de Tecnologia); Luiz Antonio Rech, Paulo Eduardo
Tonkovitch, Raymundo Wilson dos Santos Oliveira
e Roberto Derziê (das Loterias); Humberto José
Teófilo Magalhães, Marcio Vieira Recalde, Rosane
Fernandes Ramos, Paulo Roberto Gomes, Rosane
de Araújo e Jorge Galvão (das áreas de Poupança e
Penhor); e Joaquim Lima de Oliveira e Sávio Marcos
Garbin (do FGTS).
Agradecimentos também à equipe das
agências da Caixa cru Pelotas (RS), Piratini (RS),
Santo Angelo (RS), Caçador (SC), Palmares (AL),
Curitiba (PR), Fortaleza (CE) e Belém (PA).
Por fim, agradecemos ainda a Henrique Pires,
Luís Augusto Fischer, Rodrigo Bonaldo, Rafael
Guimaraens/Libretos e a Fernanda Barroso, pelo
empenho e dedicação.

Bibliografia comentada
As principais histórias da Caixa Econômica
foram escritas por economiários. A fonte
primária mais importante, no entanto, são as
leis e os decretos que definiram a personalidade
jurídica da instituição. Eles foram compilados e
comentados pelo advogado De Plácido e Silva em
seu inestimável As Caixas Econômicas Federais
(Curitiba, 1937, Empresa Gráfica Paranaense).
Outro texto fundamental é o saboroso Reswno
Histórico da Caixa Econômica e Monte de Socorro
(Rio, 1914, Imprensa Nacional), de Ariovisto de
Almeida Rego, economiário que entrou na Caixa
ainda no século 19 e reuniu, por conta própria,
urna série de dados sobre os primeiros 50 anos
da instituição, publicando-os por iniciativa do
então presidente da Caixa do Rio, Inglês de Souza.
Igualmente indispensável é o delicioso Coisas da
Velha Caixa (Rio, 1983, ltaimbé), livro de memórias
que o ex-presidente da instituição no Rio, Jeronymo
l'inheiro de Castilho, escreveu no final da década
de 1970 e que Gil Gouveia Macieira, presidente da
Caixa entre 1979 e 1984, publicou em 1983, ano em
que Castillio completou 82 anos.
l)ois outros estudos realizados por
economiários são indispensáveis para se
reconstituir a história da empresa. São eles:
Caixa Econômica: Comentá rios, de Paulo Martins
(Rio, 1926, Mendonça, Machado & Cia), que
analisa detalhadamente todos os regulamentos
promulgados até 1915, e Caixas Econômicas:
Economia e História, de João Gualberto de
Oliveira (São Paulo, 1954, Memória), no qual o
autor compila a história das Caixas nas principais
nações do mundo. Também recomendável é o
breve resumo, ainda inédito, que Paulo César
Ribeiro, da Caixa de São Paulo, produziu por conta
própria, intitulado Caixa - 140 Anos de História
CAIXA: 1 50
(São Paulo, 2001 ). 1)entrc as histórias da Caixa, a
exceção, justamente por não ter sido escrita por um
funcionário da empresa, é o estudo História de uma
Instituição Brasileira: A Caixa Econômica Federal,
do historiador Nildo Wilson Luzio. Embora não
tenha sido publicado em livro, trechos do estudo de
Luzio estão disponíveis na internet no site da Caixa
(www.caixa.gov. br).
Existem também boas histórias regionais da
Caixa. Dentre elas, a mais completa é História da
Caixa Econômica de São Paulo, do já citado Paulo
César Ribeiro (São Paulo, 1997, Memória). Mas A
Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul em
seu Jubileu de Diamante, de Carlos Simch (Porto
Alegre, 1950, edição da Caixa), e Relatório da Vida
da Caixa Econômica de Pernambuco, 1876-1956,
organizado por Fernando Iichóa Costa (Recife,
1957, edição do autor), também são documentos
preciosos. Foram consultados ainda A Caixa
Econômica Federal do Paraná (Curitiba, 1993,
edição da Superintendência Regional do Paraná) e
Caixa Econômica Federal: Sua História na Paraíba,
de BahIa Palmeira e Messina Palmeira Dias (João
l'essoa, 1996, edição da Caixa).
As revistas, os jornais e publicações internas
da Caixa também configuram fontes importantes,
repletas de curiosidades e dados históricos. Foram
consultados vários números do Boletim Oficial da
Associação do Pessoal da Caixa Econômica (APCE),
editado no Rio de Janeiro entre fevereiro de 1944
e dezembro de 1950, outros tantos exemplares
da Revista da Caixa Econômica Federal do Rio
de Janeiro, publicados entre dezembro de 1953
e março de 1956, alguns números da Revista
das Caixas Econômicas Federais, editada entre
1948 e 1969 pelo Conselho Superior das Caixas
Econômicas Federais, bem como os 24 primeiros
ANOS DE E'Ir\ ITISTORIA BRASILEIRA 317
exemplares do Jornal da Caixa, publicados
entre ianeiro de 1975 e dezembro de 1976.
Essas foram as fontes gerais utilizadas para
a redação de Caixa: 150 anos de uma História
Brasileira. A bibliografia sobre temas específicos
será mencionada a seguir, de acordo com a ordem
em que os assuntos aparecem no livro.
A Lei dos Entraves tem sido bastante estudada
por todos que se dedicam a analisar a história
económica do Brasil. A principal fonte utilizada
aqui foi História Monetária do Brasil, de Carlos
Manuel l'elácz e \Vilson Suzigan (Rio, 1976,
IPEA). O tema também é tratado com alguma
profundidade por Jorge Caldeira em seu best-seller
Mauá: Empresário do Império (São Paulo, 1995,
Companhia das letras), que retrata também o
confronto entre o barão de Mauá e os ministros
Angelo Muniz Ferraz e visconde de ltaboraí.
Relativamente ao mesmo período e aos
mesmos temas, foi consultado ainda História dos
Bancos e do Desenvolvimento Financeiro do Brasil,
de Benedito Ribeiro e Mário Mazzei Guimarães
(São Paulo, 1967, Pro-Service). A vida do imperador
1). Pedro 11, fundador da Caixa, passou por uma
recente revisão historiográfica, feita por I,ilian
MoritzSchwarcz em As Barbas do Imperador (São
Paulo, 1998, Companhia das l.etras). ü já citado
Jorge Caldeira também aborda com detalhes os
conflitos entre 1). l'edro II e Maná.
O relato sobre os primórdios da Caixa,
suas primeiras reuniões e alterações no Conselho
Fiscal foi redigido com base nas informações
coletadas por Ariovisto de Almeira Rego, no livro
citado anteriormente. O clássico Antigualhas -
Reminiscências de Porto Alegre, de Antônio Álvares
Pereira Coruja, foi reeditado com introdução e
notaS de Sérgio da Costa Franco (Porto Alegre,
1981, Erus). Um bom perfil do primeiro depositante
da Caixa pode ser encontrado em História da
Literatura do Rio Grande do Sul, de Guilhermino
Cesar (Porto Alegre, 1956, Globo).
As descrições do Rio de Janeiro em 1861
feitas pelo viajante Charles Expilly, foram citadas
por Frédéric Mauro em A Vida Cotidiana: O
Brasil no Tempo de Dom Pedro II (São Paulo, 1992,
Companhia das Letras). Também serviu de fonte
Brazil Pitoresco, de Charles Ryheirollcs (São Paulo,
1941, Livraria Martins Editora), com ilustrações
de Victor Front. Os preços praticados no Rio de
Janeiro em 1861 foram extraídos do volume II de
História da Vida Privada no Brasil, organizado
por Luiz Felipe de Alencastro (São Paulo, 1997,
Companhia das Letras). "A quebra da Casa Souto"
foi redigido com base nas descrições do episódio
feitas em História do Banco do Brasil (Rio, 1988,
edição do próprio banco).
A história da instalação da Caixa em São
Paulo foi narrada com base no livro já citado de
Paulo César Ribeiro. A história da Caixa no Rio
Grande do Sul está registrada no livro de Carlos
Sirnch, também já citado. A história das Caixas nas
outras províncias do Império foi compilada por
Nildo Wilson Luzio, no trabalho já mencionado. As
85 cadernetas de escravos e ex-escravos em poder
do Museu da Caixa em Brasília estão por merecer
estudo mais detalhado. Para a redação do texto
sobre os escravos foi consultado o livro Visões da
Liberdade, de Sidney Chalhouh (São Paulo, 1990,
Companhia das Letras). O perfil do conselheiro
Antonio Nicolau Tolentino baseia-se na biografia
Um Funcionário da Monarquia, de Antonio
Candido (Rio, 2002, Ouro sobre Azul).
O confronto entre "metalistas" e "papelistas" no
início da República foi bem descrito por Gustavo H.
B. Franco no artigo "A Primeira Década Republicana'
publicado em A Ordem do Progresso (Rio, 1990,
Campus), e por Carlos Manuel Peláez e Wilson
Suzigan no livro já citado. O perfil dos presidentes da
Caixa durante a República Velha foi feito com base
cm informações publicadas por Jcffrey Needell em
seu admirável Beile Époque Tropical (São Paulo, 1993,
Companhia das Letras). O texto de Lima Barreto
sobre a Caixa aparece no romance Clara dos Anjos
e foi transcrito de sua primeira edição (Rio, 1923,
Mérito). O perfil de Inglês de Souza foi traçado com
auxílio de História Concisa da Literatura Brasileira,
de Alfredo Bosi (São Paulo, 1977, Cultrix). Os
episódios relativos à gripe espanhola e seus efeitos
na Caixa paulista foram relatados por Paulo César
Ribeiro em seu livro já citado.
Para a redação do capítulo sobre a Era
Vargas as très fontes fundamentais foram os
já citados Coisas da Velha Caixa, de Jeronymo
de Castilho, e História da Caixa Econômica
Federal de São Paulo, de Paulo César Ribeiro,
além do estudo A Caixa Econômica Federal no
Início dos Anos 30, preparado pelo Núcleo do
Museu da Caixa em Brasília, em setembro de
1989 (cópia datilografada, inédita, arquivada
no museu). A edição original do Regulamento
de 1934 também foi consultada (edição da
Caixa do Rio, 1934). A história da construção e
inauguração do prédio da Caixa na praça da Sé
foi registrada por um belo álbum de luxo, editado
pela Caixa em 1940. Os episódios sobre o sinuoso
relacionamento entre Assis Chateauhriand e a
Caixa foram narrados por Fernando Morais em
sua brilhante biografia Chatô, o Rei do Brasil
(São Paulo, 1994, Companhia das Letras).
O capítulo "Caixa da Unificação" foi
redigido com base no livro já citado de Nildo
Luzio, e os perfis dos presidentes da instituição
naquele período foram construídos a partir
dos verbetes que constam do monumental
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, editado
pela Fundação Getúlio Vargas (Rio, 2001).
Também foi consultado o simpático Feliz 1958:
O Ano que Não Devia Terminar, de Joaquim
Ferreira dos Santos (Rio, 1997, Record).
O capítulo "Caixa no Século 2 1 " serviu-se
de artigos dos jornais O Globo, Jornal do Brasil,
Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, além
de informações disponíveis na internet. Os perfis
de Danilo de Castro e Sérgio Cutolo foram
feitos com base nos verbetes publicados no já
citado Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro
e em entrevista com Sérgio Cutolo. Os perfis
de Ernílio Carazzai e Viildey de Albuquerque
foram feitos com base em informações de
suas assessorias e em entrevistas com ambos.
() texto sobre as gestões de Jorge Mattoso e
Maria Fernanda Ramos Coelho teve por base
informações repassadas pela própria Caixa.
A história da poupança foi construída com
base em entrevistas com os atuais responsáveis
pelo setor na Caixa, em informações do já citado
Caixas Econômicas: Economia e História, de João
Gualberto de Oliveira, bem como em artigos
das enciclopédias Britannica e Deita Larousse.
"Terpsícore" o "conto perdido" de Machado de
Assis, foi publicado pela primeira vez em livro
pela editora Boitempo em 1996. A entrevista de
Austregésilo de Athayde relativa à construção do
novo prédio da Academia Brasileira de Letras foi
concedida ao Jornal da Caixa em setembro de
1975 (Brasília, vol. 1, número 9, p. 3). A crônica
sobre o confisco das poupanças foi publicada pelo
Correio Braziliense em 20 de março de 1990.

As fontes básicas para a redação do capítulo
"Penhor" foram, além de artigos de jornais já
mencionados acima, os livros de Ariovisto de
Almeida Rego, Carlos Simch e Jeronymo de
Castilho, bem como entrevistas com os atuais
responsáveis pelo setor na Caixa.
No capítulo "Casa Própria", a fonte
primordial sobre o surgimento da primeira
favela brasileira foi História dos Bairros - Zona
Portuária, de Elizaheth Dezouzart Cardoso et
ahi (Rio, 1987, Index), de onde foi extraído o
texto de Everardo Backheuser, ao passo que a
história do sistema habitacional no Brasil foi
construída com base em Política Habitacional
Brasileira: Análise e Proposta, tese mimeografada
de Mauro Rezende Miranda (Brasília, 1989,
UnB), O Crédito Imobiliário na Caixa Econômica
Federal, de Assis Henrique de Sousa (Rio, 1992,
FGV), Habitação: Formas de Financiamento
no Brasil e no Mundo, de Erlene Maria Lima
(Brasília, 1998, FGV), e Habitação: Solução
ou Problema, de Maria de Fátima Gottschalg
(Belo Horizonte, 1990, PUC-MG).
O capítulo sobre o FGIS foi escrito por base
nas informações que constam no livro FGTS 40
anos, publicado em quatro volumes pela própria
Caixa em 2009 e em entrevista com Joaquim Lima
de Oliveira.
Sobre a história das loterias existem vários
livros, a maioria deles editados pela própria Caixa.
Foram consultados, além do capítulo relativo ao
tema que consta do livro de Nildo Wilson Luzio, os
seguintes: Nossas Loterias, A Loteria Esportiva no
Brasil e A Loteria do Brasil, além de Sorte Grande:
A História da Loteria no Brasil, de Luiz \Tinicius
Bertoletti (Brasília, 1989, Canopus).
CAIXA: 150 \NO I)E cai,t HISTORIA BRASI lEIRA 319
Para a redação do capítulo "Patrimônio Gente da Caixa, publicada pela própria instituição
Artístico", as fontes primordiais foram publicações desde 2004, bem como todos os relatórios de gestão
da Caixa: Acervo Caixa, catálogo da exposição e balanços sociais dos últimos dez anos.
itinerante realizada entre 1997 e 1998, com textos
de José Augusto Avancini e introdução de Paulo
l-lerkenhof, Acervo Caixa, catálogo da exposição Créditos Adicionais
organizada em agosto de 1999, também com textos P. 110 - Gaúchos amarram cavalo no obelisco.
CPOOCo
de Avancini, e Tesouros da Caixa, catálogo da
- Batalhão Redentor Filhos do Iguapé -
P. 120, ACIMA
exposição organizada em fevereiro de 2002.
Revolução Consritucionalista de 1932.
Mosco Nionicipal de Igaapé
O capítulo sobre os "Conjuntos Culturais" da P. 120, ABAIXO - Batalhão Teopompo de Ourinhos.
Acervo Era i,coco A. I.opes
Caixa foi redigido com base em entrevistas feitas
P. 124, ACIMA - Lampião e Maria Bonita.
com os diretores dos conjuntos de Brasília, São Benjani iir AI,rahào, acervo Aba File,, 1936, Forlale,,,
Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. P. 124, ABAIXO - Grupo de cangaceiros.
Benjantin Al,rahào, acervo Aba Filie, 1936, Fortalcaa
P. 127, ABAIXO, À DIREITA - Delmiro Gouveia.
As principais fontes utilizadas no capítulo Coleção Ibm, i,o Couvvia dos Santos
Economiários foram os já citados livros de Ariovisto
de Almeida Rego, Carlos Simch, Paulo César Ribeiro
e Jeronyrno de Castilho. A história do surgimento
da palavra "economiário" foi registrada no número
19 do Jornal da Caixa (Brasília, 1976, ano 2, p. 2).
Os episódios relativos ao surgimento do Sasse foram
resumidos com precisão por Paulo César Ribeiro
em sua Pequena História do Sasse (São Paulo, 1992,
edição do autor). Os diversos depoimentos sobre
o papel do funcionalismo público no Brasil foram
citados por José Murilo de Carvalho em sua resenha
sobre o livro Um Funcionário da Monarquia, de
Antonio Candido, publicada pela Folha de S. Paulo
do dia 13 de abril de 2002 (Jornal de Resenhas, p. 10).
Os textos sobre as agências retratadas nos
boxes "Caixa Aqui" foram redigidos com base em
pesquisas e entrevistas, algumas delas feitas in loco.
Os textos publicados sob a vinheta "Lutas do Povo
Brasileiro" foram produzidos com base no livro
Brasil: Uma História, de Eduardo Bueno (São Paulo,
2010, Leya Brasil). Por fim, foram consultados
também virtualmente todos os números da revista
FORMATO: 28 x 29,5cm
TIPOLOGIA: Minion e Helvética Neue
PAPEL: Couché fosco 150g/n1
NÚMERO DE PÁGINAS: 320
ANO: 2010
/