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DIREITA

Sistemas, Regimes
e Valores Morais

por Alessandro Loiola, MD

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Sobre a obra:
Vivemos tempos de intensas polarizações políticas. Tudo parece dividido
entre Direita e Esquerda. Mas exatamente o que significa ser de Direita? É
simplesmente ser um Conservador? Quais sistemas, regimes, conceitos e
valores podemos dizer que estão à Direita do espectro político? E quais são
as vantagens e desvantagens de escolher este lado?
Em “DIREITA – Sistemas, Regimes e Valores Morais”, o médico e
filósofo capixaba Alessandro Loiola responde a estas perguntas traçando
um diagnóstico profundo, crítico e de fácil compreensão do entendimento
atual sobre “ser de Direita”. Uma leitura obrigatória para professores,
formadores de opinião, influenciadores digitais e livres pensadores com
interesse e coragem suficiente para aprofundar-se em estudos sérios sobre o
contexto político do começo do século XXI.
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Índice:
1. Introdução: definindo Direita e Esquerda
2. Das Heranças do Patriarcado ao Terremoto do Iluminismo
3. Ressuscitando Clístenes
4. Argumentos Contra a Democracia
5. Argumentos a Favor da Democracia
6. A Primeira Semente do Capitalismo: a Propriedade Privada
7. A Segunda Semente do Capitalismo: o Livre Mercado
8. As Defesas Morais do Capitalismo
9. O Conservadorismo
10. Algumas Palavras Sobre o Neoconservadorismo
11. O Sonho Libertariano
12. A Importância das Crianças Ancaps
13. A Meritocracia Intangível
14. O Delírio da Liberdade Plena
15. A Liberdade de Expressão Obrigatória
16. O Direito às Armas
17. A Moralidade das Empresas
18. Conclusão
1. INTRODUÇÃO: DEFININDO DIREITA E ESQUERDA
Causa estranheza observar que boa parte dos estudos científicos,
filosóficos, históricos e sociológicos associe as ideologias de Direita a
mentalidades e regimes políticos autoritários, rígidos e punitivos; e as
ideologias de Esquerda a mentalidades e regimes políticos democráticos,
flexíveis e tolerantes38.
Na prática, o que vimos ao longo dos últimos 200 anos foi exatamente
o oposto a isto: à Esquerda do espectro político-ideológico estiveram todos
os regimes totalitários, centralizadores e cerceadores da liberdade que
temos notícia no período. Se não concorda com esta anotação, recomendo
que pesquise sobre as mais de 4.000 execuções políticas em Cuba entre
1959 e 2016, o 1 milhão de mortos nos Gulags russos e as execuções por
Pena Capital na China – que respondem por cerca de 65% das execuções do
mundo39,40. Em contrapartida, à Direita, estão os sistemas político-
econômicos democráticos, com respeito à propriedade privada, garantidores
da liberdade de expressão e fomentadores do livre mercado.
Mas as desavenças nestas acusações são bem compreensíveis: em
geral, elas derivam da ausência de uma noção clara sobre o que
consideramos “de Direita” ou “de Esquerda”. Então vamos dar uma volta e
explorar melhor estes conceitos:
As sociedades formatadas em Estado sempre tiveram que decidir por
um sistema de gerenciamento político-econômico. Atualmente, podemos
dividir estes sistemas em Direita e Esquerda. Algumas pessoas enxergam
nesse tipo de segmentação um raciocínio binário reducionista, mas arrisco
dizer que 90% dessas pessoas são simpatizantes de ideologias com vieses
de Esquerda – e provavelmente envergonham-se disso.
A dicotomia entre Esquerda e Direita teve início na Revolução
Francesa, durante as negociações entre Jacobinos (mais pobres) e
Girondinos (mais ricos), mas seria honesto dizer que tanto Jacobinos quanto
Girondinos eram de Esquerda, variando apenas na intensidade: Jacobinos
seriam metalúrgicos Socialistas-Comunistas e Girondinos seriam
Progressistas de i-Phone da USP.
Desde então, os entendimentos avançaram sobremaneira: quase 300
anos separam o Reino do Terror de Robespierre e Saint-Just, e o misterioso
Satoshi Nakamoto e o início da Revolução Blockchain. Era de se esperar
que, neste intervalo, os conceitos fossem refinados.
No final da década de 1960, utilizando um diagrama criado pelo
psicólogo Bob Altemeyer, o Anarcocapitalista David Nolan elaborou um
gráfico de dois eixos para separar os espectros político-ideológicos: o eixo
horizontal representava a Liberdade Econômica e o eixo vertical, a
Liberdade Pessoal.
No eixo horizontal, deslocando-se para a Direita diminui-se o papel do
Estado sobre o comércio e aumenta-se a liberdade econômica. Para a
Esquerda, aumenta-se o papel do Estado e diminui-se a liberdade de
comprar e vender.
No eixo vertical, deslocando-se para cima diminui-se a influência do
Estado na esfera pessoal, aumentando o autopertencimento. Para baixo,
aumenta-se a influência do Estado, diminuindo a soberania que temos sobre
nossas próprias decisões.
De acordo com os quadrantes resultantes dos eixos de Nolan, os
espectros político-ideológicos poderiam ser divididos da seguinte maneira:
no quadrante inferior esquerdo, teríamos pouca liberdade econômica e um
enorme gerenciamento do Estado em nossas decisões do dia o dia. O Estado
controlaria o que seria produzido, em qual quantidade, por quanto seria
vendido, onde seria vendido e quem poderia comprar tal produto ou serviço.
No quadrante superior esquerdo, teríamos grande liberdade econômica
e pouca liberdade pessoal.
No quadrante inferior direito, teríamos grande liberdade econômica e
pouca liberdade pessoal.
Finalmente, no quadrante superior direito, teríamos grande liberdade
econômica e grande liberdade pessoal.
O problema com o gráfico de Nolan está no absurdo dos regimes
localizados nos extremos do quadrante superior esquerdo (100% de controle
do Estado sobre a economia com 100% de liberdade para escolhas pessoais)
e na ponta do quadrante inferior direito (0% de controle do Estado sobre a
economia com 0% de liberdade para escolhas pessoais).
Pense primeiro no quadrante superior esquerdo: exatamente como
podemos ter 100% de liberdade em nossas escolhas quando o Estado
controla 100% da economia? O controle econômico determina nossas
escolhas: faculdades, hospitais, indústrias, bens e serviços são produzidos e
vendidos onde, quando e por quanto o Estado desejar. Em um cenário
planificado desses, o que exatamente resta para você escolher? Sob o
pretexto econômico, o Estado pode autorizar casamentos apenas para
cidadãos em uma determinada faixa de rendimentos, ou limitar o número de
filhos por famílias, ou determinar quantas pessoas devem habitar uma casa,
ou quantos automóveis você pode ter, ou quantas vezes você pode viajar por
ano – e até mesmo para onde.
Agora considere o quadrante inferior direito: como podemos ser
completamente livres para comprar e vender o que bem entendermos
(Liberdade Econômica total) quando toda nossa liberdade pessoal está sob
controle do Estado? Em um cenário desses, o que exatamente resta para
você escolher?
O grande equívoco do gráfico de Nolan foi considerar que é possível
desvincular Liberdade Econômica de Liberdade Pessoal. Mas não é. Não
existe espaço para o livre arbítrio sob um Estado mastodôntico: quanto mais
Estado (ou seja: quanto mais para a Esquerda no eixo horizontal de Nolan),
menos livres somos. Quanto menos Estado (quanto mais para a Direita),
mais livres – tanto pessoal quanto economicamente.
Partindo destas observações e utilizando os entendimentos mais
recentes de autores como Friedrich Hayek e Thomas Sowell, podemos dizer
que um Estado de Direita10,11:
(1) Preserva a Liberdade de Expressão.
(2) Protege a Propriedade Privada.
(3) Estimula o Livre Mercado e não se intromete com a administração
dos meios de produção e distribuição de bens. Não cabe ao Estado fabricar
automóveis ou geladeiras ou micro-ondas ou vender máquinas de lavar
roupa ou celulares, do mesmo modo que não cabe ao Estado ser dono de
rodovias, ferrovias, refinarias, portos ou aeroportos.
(4) Privilegia a Meritocracia ao mesmo tempo em que aceita o fato de
que nem todos terão o mesmo “direito” a tudo. Você não tem direito a ser
rico ou feliz, ou ter um diploma universitário, um emprego ou um corpo em
forma. Um Estado de Direita afirma que cabe a cada um esforçar-se por
meio da sua própria vontade e disciplina para atingir os objetivos que
aspira. Satisfazer seus desejos e ambições não é – tampouco foi um dia –
um dever do Estado.
Uma vez que um Estado de Esquerda seria algo diametralmente oposto
a um Estado de Direita, temos que um Estado de Esquerda é aquele que:
(1) Pratica alguma forma de Censura oficial.
(2) Relativiza ou destitui a Propriedade Privada.
(3) Interfere na liberdade de mercado utilizando subterfúgios torpes
escondidos sob a égide de “métodos isonômicos de compensação”.
(4) Culpabiliza a Meritocracia e vilaniza o Empreendedorismo, pois
ambos estariam na raiz das “desigualdades sociais”. Um Estado de
Esquerda afirma que cabe ao Estado assegurar que cada um atinja os
objetivos que aspira, a despeito das diferenças pessoais.
Partindo destas premissas, podemos colocar do lado Esquerdo do
espectro político ideologias como Progressismo, Socialismo, Fascismo,
Nazismo e Comunismo, assim como Ditaduras, Tiranias, Teocracias
radicais e Monarquias não-constitucionais.
À Direita, podemos posicionar Neoconservadorismo,
Conservadorismo, Libertarianismo e Anarcocapitalismo, além das
Monarquias Constitucionais e os regimes Parlamentaristas.
Na efervescência dos caldeirões sociais humanos, estes rótulos se
misturam, produzindo nações que podem ser 20% Progressistas e 80%
Conservadoras, ou 40% Libertarianas e 60% Socialistas. Com as pressões
da hiperconectividade Pós-Moderna, raramente encontramos Estados
regidos por um monossistema. Não obstante, o modelo que de alguma
forma prevalecer dirá bastante sobre a Moralidade da sociedade que
produziu tal Estado.
Por exemplo: em Estados Progressistas e Socialistas, a mentalidade
Coletivista e Relativista tende a sobressair. Nos Estados Conservadores,
observamos um Utilitarismo democrático com boas doses de Realismo
Moral inspirado na Ética das Virtudes de Aristóteles. Nas nações com
tendências Libertarianas, o Individualismo e o Objetivismo costumam
predominar. E daí em diante.
Outra tentativa de separar Moralmente os sistemas políticos entre
Direita e Esquerda foi por Jonathan Haidt, em 20121. Haidt elaborou seis
fundamentos Morais que, segundo ele, utilizamos para definir os espectros
de Esquerda e Direita.
O primeiro fundamento, chamado Cuidado & Dano, pode ser traduzido
como a elaboração de leis que protegem os vulneráveis e punem aqueles
que são cruéis. Teoricamente, as ideologias de Esquerda dizem privilegiar
este fundamento, com especial destaque aos discursos identitários pró-
oprimidos e a toda forma de assistencialismo possível.
O fundamento Justiça & Trapaça argumenta que procuramos tratar com
justiça as pessoas dispostas a auxiliar-nos em nossos objetivos, punindo os
trapaceiros. À Esquerda do espectro ideológico, Justiça frequentemente
implica lutar contra o fantasma da “elite dos opressores fascistas” para
conquistar Igualdade e Equidade. À Direita, Justiça significa
proporcionalidade Meritocrática: as pessoas não devem receber o mesmo,
mas em proporção às suas contribuições.
Apesar do avanço do Neolítico e de todas as tecnologias que
fabricamos, continuamos primatas tribais em um grande sentido, e esta é a
constatação que subjacente ao terceiro fundamento de Haidt: Lealdade &
Traição.
Amamos as pessoas que são leais, pois elas nos deixam mais poderosos
e menos suscetíveis ao insucesso. Por razões antagônicas, desprezamos a
traição. A Esquerda emprega este fundamento para tornar os indivíduos
profundamente dependentes do assistencialismo do Estado. A Direita,
obviamente, tenta proceder de modo inverso a isto.
O quarto fundamento – Autoridade & Subversão – parte do princípio
que a autoridade tem um papel central em nossos Julgamentos Morais. É ela
quem guarda a ordem que nos protege, e este fundamento está no núcleo
das ideologias de Direita.
A Esquerda define a si mesma pela oposição à hierarquia, à
desigualdade e ao poder centralizado – pelo menos em teoria. Na prática,
tanto Esquerda quanto Direita procedem de modo semelhante, mudando
apenas a natureza das ações da Autoridade à qual nos tornamos
subservientes.
Independente do estágio evolutivo, os humanos sempre consideraram
certas coisas “intocáveis”, e este é o sentimento que embasa o quinto
fundamento de Haidt: Santidade & Degradação.
Procuramos defender objetos, ideais ou instituições e qualquer outra
coisa que consideremos “sagrados”. Pessoas à Direita do espectro político
falam sobre a santidade da vida, do casamento, da família, do
autopertencimento, do Mérito, da propriedade privada e do livre mercado.
Do lado Esquerdo, as “santidades” incluem produtos “orgânicos”, a
identidade de gênero, o feminismo, o igualitarismo, as cotas, o
assistencialismo financeiro, o meio ambiente e a demonização o
capitalismo.
Finalmente, segundo o fundamento Liberdade & Opressão, apesar de
ansiarmos por uma autoridade capaz de evitar o caos, não queremos que
esta força se torne uma tirania. Tanto a Esquerda quanto a Direita discursam
contra a opressão e desejam a liberdade, mas enxergam essa liberdade por
óticas diferentes: a Esquerda a vê como mais atenção e ações do Estado
para resgatar os excluídos, os oprimidos e outras “vítimas” da sociedade. A
Direita vê liberdade como menos intervenções do Estado em seus assuntos
particulares e profissionais.
Um pouco mais psicológico que Haidt, George Lakoff, filósofo e
linguista cognitivo norte-americano, afirmou que Direita e Esquerda podem
ser diferenciados segundo os modelos familiares dos quais derivam e, em
uma trilha circular, posteriormente produzem41.
Segundo Lakoff, à Direita do espectro político-ideológico e no centro
da filosofia Conservadora reside a figura do Pai Rígido; à Esquerda e no
centro da filosofia Progressista, reside a figura da Mãe Cuidadora. Estes
modelos se assemelham muito, respectivamente, aos padrões de criação
parental Autoritário e Permissivo descritos por Diana Baumrind99, e à
legendária batalha entre Ordem (Direita ou força masculina) e Caos
(Esquerda ou força feminina).
O Conservadorismo está associado a um formato familiar que podemos
denominar Patriarcal Autoritativo, onde o pai é responsável por proteger e
prover a família, tendo também a autoridade de determinar a política da
casa, determinar regras de comportamento e impor suas leis domésticas. À
mãe, cabem as responsabilidades do dia a dia, o cuidado com o lar, a
criação dos filhos e o apoio irrestrito à autoridade do pai. Os filhos devem
ser obedientes e disciplinados, pois assim desenvolverão um bom caráter. A
autoconfiança e o respeito pela autoridade legítima são qualidades
impreteríveis que devem ser ensinadas a todas as crianças e cobradas de
todos os adultos. Dentro desta visão, o importante é ser tão meritocrático,
justo e honrado quanto possível41.
Por outro lado, na visão de mundo Progressista, a família ideal segue
um modelo Maternal Cuidador: tudo deve ser impregnado de amor, empatia
e atenção. As crianças se tornam responsáveis e respeitosas por meio do
afeto, não através da autoridade ou do medo. Elas devem receber
incentivos, não punições. Os pais devem ser pacientes e explicar
detalhadamente os motivos de suas regras, e, se porventura, as crianças
questionam as normas vigentes, isso deve ser visto como algo positivo e
não desafiador. O modelo Maternal Cuidador enfatiza a assistência, a
distribuição e a restituição: o importante é ser tão inclusivo, politicamente
correto e feliz quanto possível.
Cada um destes dois modelos de núcleo familiar apresenta um conjunto
bem específico de prioridades Morais. Ainda que valores equivalentes
estejam presentes em ambos os modelos, a ordem em que são colocados é
diferente. Por exemplo: o caráter forte pode ser encontrado no modelo
Maternal Cuidador, mas apenas na medida em que é colocado a serviço do
cuidado com os mais fracos. No modelo Patriarcal Autoritativo, empatia e
compaixão estão presentes e são importantes, mas jamais estarão acima da
autoridade e da disciplina.
Se partirmos dos modelos familiares para o desenvolvimento das
ideologias políticas, tendemos a pensar que crianças oriundas de lares
Patriarcais Autoritativos desenvolverão Identidades Pessoais de cunho
Direitista e Conservador. Quando adultas, dirão que o governo deve sair do
caminho para que sua autoconfiança e seu mérito tenham espaço para
alcançar o sucesso. Em contrapartida, crianças oriundas de lares Maternais
Cuidadores tenderão para a Esquerda no espectro político-ideológico, vendo
o mundo com olhos Progressistas, enxergando no Estado e no governo
ferramentas essenciais para que as pessoas sejam ajudadas por meio de
programas sociais. Mas este raciocínio atraente e determinista esbarra no
problema das Identidades Pessoais – que nem sempre seguem conclusões
matemáticas de acordo com as variáveis da situação. Dois filhos criados em
um mesmo lar, com as mesmas oportunidades e receptores dos mesmos
níveis de atenção, podem experimentar o mundo de maneira completamente
diferente, indo um para a Esquerda e outro para a Direita.
Lakoff também demonstrou que as ideologias Direita e Esquerda
podem ser caracterizadas pelo tipo de palavras que seus partidários
preferem utilizar:
Pessoas de Direita preferem usar palavras como caráter, virtude,
disciplina, autoconfiança, auto-responsabilidade, tradição, competição,
merecimento, meritocracia, empreendedorismo, direito de propriedade,
recompensa e liberdade.
Pessoas de Esquerda gostam de utilizar termos como forças sociais,
responsabilidade social, igualitarismo, comunidade, cuidado, ajuda,
opressão, diversidade, pluralismo, alienação, ecologia, ecossistema,
orgânico, biodiversidade, poluição, exploração, patriarcado, feminismo e
gênero41.
Todas estas definições deveriam bastar para que o brasileiro médio
compreendesse em definitivo as diferenças entre Direita e Esquerda,
tornando-se apto para identificar governos, políticas e Estados que se
encaixassem dentro de um ou outro espectro. Infelizmente, a realidade torna
isto um pouco mais complicado que o esperado.
O brasileiro médio possui um QI entre 87 e 89 pontos, o que nos coloca
em uma categoria chamada Embotamento2. Indivíduos Embotados
apresentam enorme dificuldade em expressar emoções e sentimentos, sendo
o Embotamento um comportamento comum na esquizofrenia e em outras
doenças psiquiátricas.
Some a isso a péssima qualidade da educação nacional e o fato de que
apenas 11% dos brasileiros têm algum interesse por política – e 39% não
têm qualquer interesse no assunto3 –, e teremos a exata dimensão da
qualidade do entendimento e dos debates sobre a dicotomia Direita &
Esquerda em nosso país.

2. DAS HERANÇAS DO PATRIARCADO AO TERREMOTO DO


ILUMINISMO
Desde que as primeiras sociedades começaram a se organizar em
Estados, deixando registros de suas leis e sistemas, vivemos em um mundo
de Homens. Os principais líderes mundiais são homens e o mesmo vale
para a maioria dos presidentes das grandes corporações. Em muitas
sociedades, o papel da mulher continua segregado ao lar e elas não
usufruem direitos tão amplos quanto o sexo masculino. Isto é um fato e não
pode ser negado. Mas será que os homens sempre tiveram mais poder que
as mulheres? O “domínio do patriarcado” é um fenômeno ancestral, fruto
da Natureza, ou apenas uma construção sociocultural recente?
Para responder a isso, não podemos confiar somente nos historiadores:
precisamos contar com a ajuda dos arqueólogos.
O período abordado pela História compreende apenas os últimos 5 mil
anos de nossa caminhada sobre este planeta. Os arqueólogos são capazes de
ir bem mais fundo que isto, oferecendo um panorama dos comportamentos
de nossa espécie desde antes do surgimento da linguagem escrita e das
cidades.
As primeiras plantações surgiram há 12 mil anos e as primeiras
cidades, há uns 7 mil anos. A partir do contato e do estudo de civilizações
nativas que sobreviveram na modernidade apresentando práticas
socioculturais associadas à transição do Paleolítico para o Neolítico, foi
possível perceber que o papel desempenhando por homens e mulheres é
algo distinto12,13.
Na maioria destas sociedades rústicas, os homens caçavam, faziam
armadilhas, construíam barcos e trabalhavam com madeira, pedras e ossos.
As mulheres buscavam e armazenavam combustíveis e água, processavam
alimentos, cozinhavam, costuravam roupas, participavam do refino de
ferramentas e cuidavam da prole. As atividades femininas eram conduzidas
na segurança da proximidade dos assentamentos, ao passo que os homens
se encarregavam das tarefas com maior risco e nível de esforço físico e
violência, passando longos períodos longe dos acampamentos – algo
complicado para mulheres grávidas, em fase de aleitamento ou carregando
bebês e crianças indefesos.
Nos intervalos entre as caçadas, os homens faziam tarefas femininas
com uma frequência maior que o inverso: em uma sociedade que ainda não
sabia preservar alimentos por longos períodos, a coleta era mais constante e
regular, e oferecia sustentos mais confiáveis que a caça. Além disso, havia a
questão da gestação: artefatos artísticos de sociedades ancestrais mostram
como a fertilidade feminina era considerada algo sagrado e quase mágico.
As estátuas mais antigas encontradas até hoje costumam retratar figuras
femininas enfatizando seus aspectos sexuais e férteis – os seios grandes, o
abdome em gestação, as ancas largas.
Nestas sociedades, o mais provável é que não existissem deuses, mas
deusas, e por isso muitos estudiosos acreditam que os primeiros clãs
humanos eram matriarcados e não patriarcados. Infelizmente, existem
poucos vestígios físicos do comportamento humano ao longo das dezenas
de milhares de anos do Paleolítico.
Como não possuímos registros de sociedades chefiadas somente por
mulheres, consideramos que estas tribos tenham sido governadas de modo
quase igualitário: quando os recursos humanos são escassos e o ambiente é
inóspito, não faz sentido excluir a força de trabalho e eliminar a capacidade
de influência de metade população apenas por princípios Morais. De fato, a
partir dos estudos de tribos que viveram e ainda vivem em sistemas assim,
em geral observamos sociedades relativamente igualitárias: quase não há
propriedade privada, a riqueza material não importa tanto e a subordinação
por gênero é menos intensa. A comida é distribuída para todos, pois cada
vida é um recurso valioso para o grupo como um todo.
Foi por volta do final do Paleolítico, com a progressiva conquista da
agricultura, que a consciência da diferença entre os gêneros começou a
ganhar corpo: o papel do caçador passou a ser associado e desenvolvido
segundo traços relacionados à masculinidade, e a mulher passou a ser
confinada às tarefas do lar – uma dualidade mental simbólica que só
poderia resultar em crises de ciúme, inveja e contenção.
Apesar da presença de deusas em suas artes, a cultura Neolítica
acentuou ainda mais a preocupação e a valorização da virilidade masculina,
e o poder político e religioso seguiu nas mãos dos homens com destaques
femininos apenas eventuais – como Cleópatra (69-30 a.C.) no Egito; Aixa
(614-678) na Península Arábica; Wu Zetian na China (624-705); Catarina
de Médici (1519-1589) na Itália; Maria Stuart (1542-1587) na Escócia;
Maria Teresa (1717-1780) na Áustria; e Elizabeth I (1533-1603) e Rainha
Vitória (1819-1901) na Inglaterra.
Podemos considerar que foi o Iluminismo quem provocou as primeiras
grandes e profundas rachaduras na muralha do sistema do Patriarcado
Ocidental. As ideias Humanistas, que vinham sendo gestadas desde o
Renascimento, se desdobraram em revoluções por liberdades políticas no
século XVIII, provocando o retorno de um sistema perdido nas brumas do
passado distante: a Democracia.

3. RESSUSCITANDO CLÍSTENES
Durante 96% do tempo de existência do Homo sapiens neste planeta,
vivemos em pequenas comunidades nômades, construídas sobre fortíssimos
laços familiares. Este foi o contexto que formatou a configuração de nossos
corpos e o enredo de nossos raciocínios.
Nos 4% mais recentes, produzimos uma realidade Neolítica
completamente diversa dos milênios anteriores: agrupamo-nos em cidades
cada vez populosas e complexas, associando culturas e absorvendo
estrangeiros, e mantivemos a governabilidade dessas saladas humanas por
meio de Realismos Morais Absolutos externados em Impérios e Estados
Monárquicos que geraram estabilidade social, semearam tecnologia,
pariram a Renascença, a Reforma, o Mercantilismo, o Iluminismo, a
Revolução Industrial, o Capitalismo e até mesmo o infame Socialismo. E
então, há pouco mais de 200 anos, deslumbrados com nossos avanços e
fundamentados em meia dúzia de delírios rousseaunianos, ressuscitamos o
espírito grego ancestral da Democracia, costurando uma colcha de
incongruências nunca antes testadas – e passamos a nos surpreender com
suas ineficiências.
A Democracia, ou “o governo do povo, pelo povo e para o povo”,
como pronunciado por Abraham Lincoln em seu famoso Discurso de
Gettysburg13, surgiu no século V a.C. em várias Cidade-estado da Grécia,
mas foi Clístenes (570-508 a.C.) quem conferiu a este modelo político um
status magnificente.
Sem embargo, a Democracia ateniense não era aberta a todos os
residentes: para receber o direito ao voto você deveria ser homem, ter mais
que 18 anos de idade, ser filho de pai e mãe atenienses, não possuir dívidas
e ter completado o período obrigatório de serviço militar. Estrangeiros,
mulheres, crianças e escravos (mesmo os libertos) não votavam. Como
consequência, apesar de abrigar uma população entre 250 e 300 mil
pessoas, apenas cerca de 30% dos adultos em Atenas – o equivalente a 10%
dos habitantes – possuíam direito ao voto14.
Cerca de cem anos depois de Clístenes, e nascido após a morte de
Péricles – que levou os atenienses ao apogeu de sua democracia –, Platão
resumiu bem o aprendizado das décadas de democracia grega escrevendo
algumas recomendações para um bom governante: “... estabelecerás na
cidade médicos e juízes que hão de tratar, dentre os cidadãos, os que forem
bem constituídos de corpo e de alma, e deixarão morrer os que fisicamente
não estiverem nessas condições, e mandarão matar os que forem mal
conformados e incuráveis”7. E este era o sentido de Democracia naqueles
tempos.
O surgimento do Iluminismo na Europa trouxe consigo duas ideias
nucleares – de que o indivíduo é racional e que ele possui direitos
inalienáveis –, colocando a Democracia novamente no centro das atenções.
Basicamente, a Democracia seria uma manifestação ideal do
Consequencialismo Moral de Jeremy Bentham, Henry Sidgwick e,
especialmente, de John Stuart Mill: democraticamente correto seria tudo
aquilo capaz de levar o máximo de benefícios possível ao maior número
possível de pessoas.
A Democracia teria a vantagem de forçar os participantes a lutar pelos
seus interesses, direitos e opiniões, com efeitos benéficos no caráter dos
cidadãos sob sua influência. Em sociedades democráticas, os indivíduos
seriam encorajados a ser mais autônomos, racionais e Moralmente
competentes – ou pelo menos essa era a expectativa.
Sem dúvida alguma, a Democracia Iluminista facilitou o surgimento da
indústria, o desenvolvimento de um poderio militar e uma prosperidade
econômica sem precedentes no mundo Ocidental. Mas desde o princípio os
envolvidos sabiam muito bem das falhas potenciais deste sistema e
procuraram contê-las.
Nos EUA, os Federalistas deixaram evidente que estavam criando uma
República, não propriamente uma Democracia, e desenvolveram
ferramentas para restringir a vontade popular15. Contudo, como ocorre com
qualquer religião, a fé terminaria se mostrando mais forte que as regra:
quando a franquia política se expandiu, mais pessoas passaram a participar
das tomadas de decisão e o sistema se tornou uma sequência infinita de
referendos, paralisias e insolvências.
Na Grécia antiga, o crescimento da participação popular resultou em
demagogia. Não é preciso ser um profundo especialista para perceber que a
Democracia Ocidental seguiu o mesmo rumo, estabelecendo uma
hegemonia política das volúpias populares: os membros eleitos não buscam
exatamente uma governança eficaz, mas velejam ao sabor da opinião
pública em busca de reeleição, fazendo com que os eleitores
sistematicamente votem em quem quer que prometa a falácia de “menos
impostos” e “aumento dos investimentos públicos”.
A Democracia não é uma forma de governo desejável em ou aplicável
a todos os contextos humanos. Rousseau foi de grande lucidez ao afirmar
que as sociedades, assim como os humanos, possuem um tempo de
maturação que é necessário esperar antes de colocá-las sob a gestão de si
mesmas23. Formas diferentes de governos podem ser boas para diferentes
povos e em diferentes épocas e vice-versa, e devemos tomar grande cuidado
ao santificar ideologias: considerar um determinado sistema político-
econômico “supremo” não lhe confere imunidade contra o desvirtuamento.
Pelo contrário: cega-nos para a percepção de sua decadência, silenciando
argumentações e impedindo correções de trajetória que poderiam salvar-lhe
de seus equívocos intrínsecos.
4. ARGUMENTOS CONTRA A DEMOCRACIA
As principais características dos regimes Democráticos modernos
incluem: (1) mudança de governo por meio de eleições; (2) participação
ativa do povo (cidadãos) na vida política e cívica; (3) proteção dos direitos
humanos e (4) igualdade de todos os cidadãos perante a Lei. Infelizmente,
estes ideais majestosos não evitaram que a Democracia se transformasse em
uma ficticiocracia editada e publicada por facções que visam unicamente
seus próprios interesses ilícitos e, para tanto, sufocam a iniciativa privada,
sobretaxam os contribuintes, subornam a justiça, protegem o crime
organizado, institucionalizam a corrupção tornando-a impune e fomentam a
miséria econômica, a deseducação e a fragmentação cultural do povo.
O sistema democrático familiar para nós é um Frankenstein costurado
com pedaços de monarquia (Poder Executivo), aristocracia (Supremo
Tribunal Federal) e oligarquia (Senado e Câmara dos Deputados). Em A
República, Platão afirmou que a Democracia é inferior a todos estes três
sistemas separadamente. Junte-se a isto o sintoma de que a maioria das
pessoas exprime um interesse apático pelo bem-estar comum e não reúne o
conjunto de talentos necessários para pensar com clareza acerca das
dificuldades do processo de governar, e teremos um Estado guiado por
ideias sórdidas disseminadas por bons manipuladores. Levada a cabo, a
Democracia arrisca-se a jogar a Moralidade no lixo e se tornar um concurso
corrupto de popularidade que premia quem mente mais e melhor.
Apesar de ter afirmado que “rigorosamente falando, nunca existiu
verdadeira democracia nem jamais existirá: a democracia contraria a
ordem da Natureza”23, Rousseau demonstrava uma enorme credulidade
quanto à superioridade indisputável da democracia. Escreveu ele: “o clamor
público quase nunca eleva aos primeiros postos homens que não sejam
esclarecidos e capazes e não os ocupem com dignidade; ao passo que, nas
monarquias, os que se elevam são, na maioria das vezes, pequenos
rixentos, pequenos velhacos e pequenos intrigantes cujos pequenos
engenhos na corte permitem alcançar grandes postos”23.
É absolutamente ingênuo considerar um governo democrático como
um governo melhor per se. Os sistemas políticos são compostos por
humanos e humanos são falhos, angustiados pela garantia de uma
sobrevivência que jamais será certa, e por isso temos essa tendência a nos
comportar mal em qualquer parte e em qualquer época: estamos
condenados a viver à mercê da sociedade enquanto procuramos uma forma
de salvar o próprio umbigo antes dos outros.
Em termos de governança e capacidade de produzir desenvolvimento,
o altar de 241 anos de sucesso da Democracia norte-americana deve, por
justiça, ser contraposto à longevidade de diversos outros Impérios da
antiguidade que produziram, ao seu modo e à sua época, êxitos
extraordinários.
Por exemplo: as dinastias chinesas foram iniciadas pela Dinastia Xia
(2.100 a.C.), seguindo até a Dinastia Qing, terminada em 1911 – um
percurso de 4 mil anos! Em 1912, a Revolução de Xinhai estabeleceu a
República da China, que durou até 1949, quando o Partido Comunista
assumiu o controle do Estado, estabelecendo um regime unipartidário que
resiste até hoje – e que é bastante semelhante à doutrina política das
Dinastias, de quem herdamos a feitura de papel, os tipos móveis de
impressa, a pólvora, a bússola, o relógio mecânico, o chá e a seda, entre
outros.
O Império Bizantino, uma continuação fisiológica da decomposição do
Império Romano, durou mais de mil anos (de 330 a 1453 d.C.) e produziu
avanços notáveis nos campos da arquitetura, da engenharia de guerra e da
legislação civil. No campo médico, foram os bizantinos que fizeram a
primeira separação bem sucedida de gêmeos siameses. E também foram os
bizantinos que conceberam a noção de hospital como um local de
tratamento e cura, e não apenas um depósito para pessoas à espera da morte.
O Califado – a forma islâmica monárquica de governo – durou 1.300
anos, tendo início com o Califado Ortodoxo, fundado pelo sogro de Maomé
em 632, e terminando com a dissolução do Império Otomano em 1923. No
auge de sua glória, seus territórios incluíam a Arábia, Pérsia, parte da
Anatólia, Ásia Central, Cáucaso, Chipre e Norte de África. Tanto em
extensão territorial quanto em tempo de duração, o Califado foi um dos
maiores impérios da história e introduziu inovações em áreas tão diversas
quanto cerâmica, química, engenharia, música, saúde mental e tratamento
de feridas.
Realmente, não existe um motivo para pensar que os governos
democráticos são eternos e tampouco virtuosos por natureza, do mesmo
modo que não existem motivos para pensar que eles representem
exatamente os conceitos e vontades populares: os processos de decisão por
opinião majoritária são tão limitados quanto falhos e corruptíveis.
O processo eleitoral é uma parte essencial do consentimento para que
um governo democrático se estabeleça, mas, graças à benesse da ignorância
popular, a classe política frequentemente representa nossas piores
indolências e não nossos mais elevados ideais Morais.
Arremedando Platão, Thomas Hobbes (1588-1679) também afirmou
que a Democracia é inferior à monarquia, pois cidadãos e políticos tendem
a não cultivar um bom senso de responsabilidade legislativa, mediocrizando
a qualidade do processo de tomadas de decisões16. Os cavaleiros da
Democracia contra-argumentam dizendo que os princípios democráticos
estão fundamentados nos direitos à Liberdade e à Autonomia que cada
indivíduo deve possuir sobre sua vida. O paradoxo consiste em que, em
uma Democracia, as decisões são tomadas por consenso, e não (ou
raramente) por unanimidade: se uma pessoa tem direito à Liberdade e
Autonomia, mas é obrigada a viver sob decisões e leis majoritárias com as
quais não concorda, ela existe em uma ditadura imposta pela vontade de
terceiros e não com Liberdade e Autonomia.
Uma vez que a Democracia preza o processo de decisão coletiva, a
questão que se apresenta é até que ponto o cidadão deveria ter a obrigação
de obedecer a uma decisão democrática quando discorda dela. Um Estado
democrático estaria Moralmente autorizado a impor suas regras aos
cidadãos? Se positivo, que diferença há entre um Estado nestes moldes e o
Leviatã de Hobbes? Se negativo, qual seria – e como determinar – o limite
para a autoridade do Estado?
Na visão de Consequencialistas como Stuart Mill, a legitimação da
autoridade do Estado democrático estaria ligada à sua capacidade de
promover o maior bem possível ao maior número possível de pessoas.
Porém, em uma nação onde apenas 8% da população é plenamente
alfabetizada e 1 de cada 5 jovens – um total de 7,3 milhões de pessoas ou
mais de dois Uruguais inteiros – não trabalham, não estudam e nem estão
procurando emprego8,9, como esperar que o Utilitarismo democrático seja
capaz de identificar com clareza e razoabilidade o “maior bem possível para
o maior número possível de pessoas”?
Stuart Mill acreditava que a Democracia era a melhor forma de
governo devido aos seus efeitos secundários sobre a melhora da Moralidade
dos cidadãos. Graças à liberdade de deliberação, eles aprenderiam a reunir
informações sobre suas opiniões, discutir seus méritos e escolher uma
representatividade fiduciária da confiança pública que daria expressão aos
seus ideais e preferências. Quando pensamos na Democracia como um
regime onde a sociedade usufrui deste tipo de liberdade vigiada pelo
respeito ao Estado de Direito e à sombra de decisões planificadas em prol
do “maior bem possível para a coletividade”, temos um sistema
curiosamente semelhante ao Socialismo-Comunismo.
Ainda contra o argumento de Mill, deve-se observar que algumas
sociedades são constituídas por cidadãos que não possuem os ingredientes
necessários para legislar, pois lhes falta disciplina, auto-responsabilidade,
civilidade, educação, cultura, caráter, recursos intelectuais e senso de dever.
Como confiar na capacidade normativa de uma Democracia constituída
majoritariamente por cidadãos deste quilate?
O viés mais terrível da Democracia consiste em perpetuar a tirania da
mediocridade quando a maioria é composta por ignorantes, e quando as
minorias começam a influir sobre as maiorias, a utilidade geral contraria
Stuart Mill, deixando de ser aquela de todos – e o cidadão que produz
começa a perder tanto o interesse em produzir quanto em continuar cidadão.
Platão alertou sobre isso em A República, dizendo que “o maior dos
castigos é ser governado por quem é pior do que nós”, ao que foi plagiado
por Rousseau, que anotou que “não existe outra forma de governo em que a
vontade das minorias mais facilmente domine tudo em prejuízo do
Estado”7,23.
Em O Poder da Inteligência Emocional, Daniel Goleman afirma que
2% da população humana são os que de fato produzem mudanças, 13%
veem as mudanças acontecer (e às vezes até apoiam e auxiliam os outros
2%), e 85% da massa sequer percebe o que está acontecendo e apenas segue
o rebanho na direção que lhes é determinada4. O desastre da Democracia
está em que os 85% que "seguem o rebanho" votam sobre a direção que a
manada deverá seguir.
Certamente, regimes ditatoriais não são conhecidos por garantir
dignidade, respeito ou oportunidades iguais – e menos ainda Liberdade ou
Autonomia. O ar de paz e serenidade da Democracia é sedutor quando
comparado a regimes totalitários. Mas, se alguém discorda de um método
ou uma forma particular de Democracia, esta pessoa não encontra também
coerção para adequar-se ao status quo?
Liberdade e autonomia para exigir mudanças não são garantias de que
estas mudanças ocorrerão: ter direito a uma voz, especialmente no caso de
uma voz solitária, não é suficiente para exercer o poder de mudanças, ainda
que elas sejam Moralmente justas e necessárias. Apesar das amplas janelas
de vidro e das paredes douradas com discursos incentivadores, a
Democracia pode ser retratada como outro formato para um regime por
prisão – neste caso, de prisão pela vontade da maioria.
O princípio básico do manto democrático é o respeito pela diversidade.
Todavia, os interesses das pessoas são variados devido aos seus talentos
naturais, ao modo como foram educadas e ao pluralismo do contexto onde
cresceram, e estes fatores criam vieses cognitivos que comprometem sua
capacidade de compreender os interesses de outras pessoas e grupos.
Obviamente, a discordância é a regra – e a Democracia seria um método
construtivo para produzir alguma convergência nestas discordâncias. O
Relativismo Moral da Democracia, entretanto, impõe limites importantes
aos interesses das pessoas: o discurso de busca pela igualdade resulta em
uma regressão infinita onde a liberdade de um é cada vez mais aprisionada
pela liberdade de terceiros e da coletividade como um todo, favorecendo o
status quo e criando uma tirania majoritária incompatível com o argumento
de liberdade e igualdade soberanas.
O risco maior da Democracia não é o de não ser estabelecida, mas o de
ser estabelecida absolutamente. Uma Democracia absoluta é lugar onde a
Moralidade da maioria determina as leis que regem a todos. Por exemplo:
se a maioria é preguiçosa, a indulgência se tornará cultura. Se a maioria é
pobre, ela decidirá que tem mil direitos e nenhum dever – e isto se tornará
Lei. Se for criminosa e corrupta, determinará que este tipo de
comportamento não deve ser necessariamente punido – e isto se tornará
norma.
Considerando a Democracia como o governo pelos valores Morais do
cidadão-médio, é impossível não questionar se estes cidadãos estão mesmo
à altura da tarefa que se lhes apresenta. Platão defendia que algumas
pessoas são mais inteligentes e, por conseguinte, mais Morais que outras.
Em uma sociedade especializada, alguns terão a tarefa de serem
professores, médicos, advogados, psicólogos, engenheiros, operários,
policiais. Outros, a tarefa de serem políticos. Se não podemos esperar que
um engenheiro tenha especialização suficiente para dirimir sobre aspectos
técnicos de uma neurocirurgia, como esperar que o cidadão-médio tenha
competência para avaliar e decidir sobre os intricados gerenciamentos da
esfera governamental?
Sem a habilidade e o conhecimento necessários para participar de
modo inteligente da política, o voto deixa de ser uma ferramenta de
deliberação razoável, transformando-se em uma ilusão mercantilizada pelo
populismo demagogo de mais fácil entendimento. No caso brasileiro,
debater se nosso país tem condições sócio-econômico-culturais para um
sufrágio universal como o atual virou uma espécie de blasfêmia, mas é
necessário enfrentar este tabu argumentativo. Resta saber se há coragem e
lucidez suficientes para uma troca sadia de ideias nesse sentido.
Aristóteles insistia que a diferença entre uma boa Moral e a
Imoralidade não residia no número de tomadores de decisão, mas nos seus
objetivos; e defendia que o método de decisão Democrático era o melhor
dentre todos, pois agregava o potencial de sabedoria, estabilidade e
incorruptibilidade do povo. Observando nosso país, é fácil perceber como,
de Aristóteles a Stuart Mill, os filósofos foram ingênuos em dimensionar as
consequências Morais impiedosas que a má-educação escolar e cultural
podem produzir quando resultam em um estado de Embotamento nacional.
O dilema fundamental na Democracia está no fato de que a maioria das
pessoas não vota com base em suas próprias convicções Morais, mas a
partir de valores que aprenderam ainda na infância e na escola, tornando o
voto uma expressão irracional de fixações que viralizam como memes. Se a
Democracia pretende ter algum sucesso, ela precisa assegurar que as vozes
mais influentes serão aquelas dos mais bem informados, que dedicaram boa
parte de seu tempo a construir entendimentos baseados em reflexão e
estudo. Tragicamente, em uma Democracia, estas vozes serão sempre uma
minoria e tendem a ser ignoradas, sufocadas pelos berros do populismo dos
menos informados.
Para tentar contornar o risco deste vício, alguns teóricos defendem uma
limitação dos poderes exercidos pela maioria simples ou pela coalizão de
minorias: eles pregam a favor de que os interesses econômicos sejam a
bússola para a política, pois qualquer Moralidade democrática diferente
desta produziria graves ineficiências. Infelizmente, parecem ignorar que
este tipo de Imperativo Categórico facilmente se deterioraria em um modelo
de metacapitalismo plutocrático, onde a riqueza e o controle do mercado se
concentrariam nas mãos de alguns poucos eleitos, sabotando o exercício
democrático.
Por mais iconoclasta que seja, vale observar que uma Democracia não
é necessariamente melhor que um regime Absolutista: existem casos de
sucesso e de insucesso em ambos os lados.
Por exemplo: o regime chinês configura uma semi-Democracia
Meritocrática Vertical5. A seleção dos políticos é extremamente
competitiva, apesar de ainda ser corrupta e um tanto fascista (mas estas
qualidades não estão presentes também na nossa forma de Democracia?), e
o sistema monopartidário evita que os políticos passem mais tempo em
campanha que fazendo o serviço para o qual foram eleitos.
Para o sociólogo norte-americano Daniel Bell, a Democracia Ocidental
está não está tão preocupada com Governança, mas com a garantia dos
direitos individuais. Enquanto os EUA consideram a Democracia um fim
em si mesma, a China a aborda como um meio para atingir os grandes
objetivos nacionais: seus líderes estão dispostos a permitir uma maior
participação popular se e quando isso conduzir a um desenvolvimento
favorável aos interesses da nação. Entretanto, esses mesmos líderes não
hesitariam por um segundo em cortar liberdades e direitos para se adaptar
às condições do momento5.
Após os violentos protestos de 1989, os chineses fizeram exatamente
isto, providenciando as mudanças necessárias que os colocariam na posição
de segunda maior economia do mundo. Nenhum referendo foi realizado
quanto à adequação destas mudanças: elas foram tecnicamente analisadas e
totalitariamente executadas, sem discussão ou choro ou plebiscitos em
nome da crença nos “direitos inalienáveis dos indivíduos”.
Em termos comparativos, o sistema da China é mais eficiente que o da
Rússia: o regime russo, baseado em um forte Estado executivo, produz
benefícios para a população que, em geral, são ignorados pelo Ocidente6.
Muitos acusam a política russa de ser pouco competitiva e eficiente, com
uma tendência para legislações pessoais que silenciam as opiniões de
segmentos importantes da população e acentuam os abismos entre o povo e
aqueles que exercem o poder. Como resultado, o ambiente interno tende a
ser instável, nutrindo suas próprias crises.
O Estado forte da Rússia tem um registro misto de sucessos e falhas,
mas é difícil imaginar que aquele país, com uma área quase do tamanho da
América Latina inteira, tivesse sido capaz de alcançar algum progresso sem
ele. Localizada na interseção de várias culturas e tradições, a Rússia
enfrentou grandes adversidades para manter-se como uma nação soberana,
conseguindo livrar-se a duras penas da colonização por outras potências –
talvez com uma exceção para a ocupação Mongol ocorrida no século XIII.
Nos últimos trezentos anos, a Rússia tem sido um agente ativo na política
internacional, ainda que isto tenha custado a priorização de seu poderio
militar em detrimento de outras urgências domésticas.
É provável que o regime político russo se perpetue por muitas décadas.
Primeiro, porque conta com áreas extensas para exploração de recursos
naturais e sua economia é fraca na área de produção e serviços. Segundo, a
proposta de um Estado descentralizado, com enfraquecimento das
obrigações sociais, não encontra eco entre a população, mentalmente
acostumada a um modelo paternalista de governo. Se o Estado falhar no
cumprimento de suas obrigações, os cidadãos russos tendem a apoiar
políticos que prometam ordem e estabilidade social ao invés de políticos
com argumentos competitivos, progressistas ou liberais – uma conduta
assustadoramente similar ao comportamento padrão do brasileiro médio.
O sistema político ideal é o sonho de uma matemática sobrenatural
capaz de trazer razoabilidade para este Mundo. Obviamente, este milagre
jamais será alcançado com plenitude, mas apenas em migalhas fragilmente
articuladas: para alcançar a excelência, as Democracias devem se equilibrar
entre a necessidade de prover oportunidades para todos e a necessidade de
fazer o que deve ser feito. Não é uma tarefa para qualquer Hércules.

5. ARGUMENTOS A FAVOR DA DEMOCRACIA


Aqueles que atacam a Democracia acreditam que apenas quando nos
assenhorarmos da riqueza e de seus métodos de produção – utilizando-os
para atacar a pobreza, o crime, a ignorância, a incapacidade e as doenças –,
teremos uma Democracia verdadeiramente soberana. Portanto, antes de
termos mais Democracia no futuro, deveríamos estar dispostos a atravessar
um período de menos Democracia no presente. O histórico político de nossa
espécie demonstra claramente que este processo nem sempre se conclui do
modo planejado: quando optamos por um presente com menos Democracia,
o resultado obtido em geral é ainda menos Democracia no futuro.
Na lista dos 15 Países Mais Democráticos do mundo (a saber:
Noruega, Islândia, Suécia, Nova Zelândia, Dinamarca, Irlanda, Canadá,
Austrália, Finlândia, Suíça, Holanda, Luxemburgo, Alemanha, Reino Unido
e Áustria), todos são governados por regimes parlamentaristas17. Em
nenhum deles a figura do Presidente acumula o papel de Chefe de Estado e
de Chefe Executivo, e 60% são Monarquias Constitucionais onde o Rei em
geral possui um papel protocolar; o Presidente, eleito por voto direto, possui
um papel cerimonial limitado à representação do Estado e gerência das
forças armadas; e cabe ao Primeiro Ministro – um Chefe Executivo eleito
pelo Parlamento – a tarefa de efetivamente conduzir o país.
Não é possível afirmar sem qualquer sombra de dúvida se a
Democracia é capaz de elevar a qualidade de vida de um povo (o regime
político como causa) ou se é uma manifestação natural de seu alto nível de
desenvolvimento (o regime político como consequência). Qualquer que seja
o caso, é inegável constatar que a Democracia está positivamente associada
ao grau de refinamento socioeconômico de uma nação: em conjunto, os 15
Países Mais Democráticos possuem um IDH 40% maior que os 15 Países
Menos Democráticos (a saber: Coreia do Norte, Síria, Chade, República
Centro-Africana, República do Congo, Turquemenistão, Guiné Equatorial,
Tajiquistão, Arábia Saudita, Uzbequistão, Guiné-Bissau, Iêmen, Sudão,
Líbia e Burundi): 0,919 versus 0,561.
A maioria esmagadora dos brasileiros reverencia os regimes
Presidencialistas Plenos, onde o Presidente eleito pelo voto direto dos
eleitores acumula as funções de Chefe de Estado e Chefe Executivo. A
massa considera que esta forma de governo é muito superior à barbárie
paternalista dos regimes Monárquicos ou Parlamentaristas, onde a
capacidade de escolher o Chefe Executivo foi usurpada das mãos do povo.
Entretanto, quando analisamos as nações adotam o Presidencialismo Pleno
(a saber: Afeganistão, Argentina, Bolívia, Brasil, Burundi, Chile, Colômbia,
Comores, Costa Rica, Chipre, El Salvador, Equador, Estados Unidos da
América, Gâmbia, Gana, Guatemala, Honduras, Indonésia, Malaui,
Maldivas, México, Nicarágua, Nigéria, Palau, Panamá, Filipinas, Paraguai,
Quênia, República Dominicana, Seicheles, Serra Leoa, Somália, Sudão,
Turquemenistão, Turquia, Uruguai, Venezuela, Zâmbia e Zimbábue),
percebemos que seu IDH é 28% menor que o de países que são
Repúblicas Parlamentaristas (a saber: Albânia, Armênia, Áustria,
Bangladesh, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Croácia, República Tcheca,
Dominica, Estônia, Etiópia, Fiji, Finlândia, Alemanha, Grécia, Hungria,
Islândia, Índia, Iraque, Irlanda, Israel, Itália, Kosovo, Quirguistão, Letônia,
Líbano, Macedônia, Malta, Maurício, Moldova, Montenegro, Nepal,
Paquistão, Samoa, Sérvia, Singapura, Eslováquia, Eslovênia, Trinidade e
Tobago, Turquia e Vanuatu): 0,643 versus 0,774.
Se considerarmos apenas o IDH das nações democráticas que adotam
Monarquias Constitucionais (a saber: Andorra, Antígua e Barbuda,
Austrália, Bahamas, Barbados, Bélgica, Belize, Camboja, Canadá,
Dinamarca, Espanha, Granada, Holanda, Ilhas Cook, Ilhas Salomão,
Jamaica, Japão, Lesoto, Luxemburgo, Malásia, Nova Zelândia, Noruega,
Papua Nova Guiné, Reino Unido, Saint Kitts e Nevis, Santa Lúcia, São
Vicente e Granadinas, Samoa, Suécia e Tuvalu), os países Presidencialistas
Plenos ainda perdem por uma diferença de 18%: 0,643 versus 0,775.
O que fica perceptível através da análise das faixas de IDH é que uma
Democracia com eleição direta do Chefe Executivo não costuma redundar
em prosperidade democrática, mas em um projeto demagogo que perpetua o
subdesenvolvimento com ares de uma pretensa liberdade.
Gostamos de espelhar nosso animal democrático no modelo norte-
americano, mas os EUA são uma exceção, não a regra – na mesma medida
que a falência de todas as nações Socialistas é uma regra, não a exceção.
Ademais, o sistema “democrático” norte-americano não é equivalente ao
brasileiro: através dos Colégios Eleitorais, o voto de um cidadão não
equivale a 1 voto.
Por exemplo: nas eleições presidenciais de 2000, o candidato
democrata Al Gore recebeu 50.999.897 votos (48,4% do total), contra
50.456.002 votos do candidato republicano George W. Bush. Apesar da
diferença de mais de meio milhão de votos sobre seu concorrente, Al Gore
venceu em apenas 266 colégios eleitorais; Bush venceu em 271 colégios e
levou a faixa presidencial18.
Nos EUA, 1 voto não vale 1 voto: o que conta de verdade são os votos
dos delegados nos Colégios – um meio para tentar diminuir a índole muitas
vezes duvidosa do eleitor médio.
Ainda que o IDH não represente um índice 100% confiável acerca da
saúde mental e econômica de cada um dos cidadãos em um determinado
país, ele certamente representa um marcador objetivo de qualidade de vida:
dificilmente você encontrará alguém mudando voluntaria e
permanentemente de um país com IDH elevado para outro país com IDH
baixo achando que está fazendo um excelente negócio.
Dito isto, é escrupuloso destacar pontos fora da curva como o
Paquistão, por exemplo: uma república parlamentarista com IDH baixo
(0,550), ao passo que Arábia Saudita, uma Monarquia Islâmica Absolutista,
possui um IDH elevado (0,837). A despeito destas exceções, e do fato de a
ausência de Democracia em geral acompanhar-se de uma diminuição da
qualidade de vida, deve-se observar que um regime democrático
presidencialista pleno – como o existente no Brasil – é apenas 13% melhor
que um regime plenamente autoritário. Uma vez mais, a explicação disto é
bem simples.
Raciocine comigo: são exigidos anos de estudo para exercer profissões
como advogado, médico, magistrado ou engenheiro. É impossível obter
uma carteira de motorista sem alguma preparação e treinamento. Para ser
professor, você deve preencher alguns critérios de conhecimento, didática e
desempenho. Existem exigências discricionárias sem fim para portar uma
arma. Existem provas para entrar nas universidades públicas. Em nenhum
desses casos, o exercício da “cidadania” é pura e simplesmente garantido:
ele deve ser conquistado por meio de esforços. Ainda assim, anualmente,
sofremos com mais de 37 mil mortes no trânsito e bandidos armados ceifam
a vida de mais de 60 mil brasileiros; advogados perjuram; prédios caem;
cirurgias dão errado; leis garantem privilégios grotescos; sentenças
desafiam o mínimo padrão de bom senso; e 92% dos cidadãos do país têm
dificuldade para se expressar na língua mãe8.
Como esperar que um sistema que garanta a obrigação (peculiarmente
chamada de direito) de votar a partir dos 16 anos de idade – uma obrigação
extensiva inclusive a criminosos, corruptos, desempregados voluntários e
cidadãos completamente analfabetos –, vá funcionar algum dia, produzindo
ordem e progresso? No Brasil, o casamento entre o sufrágio universal, a
obrigatoriedade do voto e o acúmulo da Chefia de Estado e da Chefia
Executiva em uma só figura – o Presidente da República – conduziu esta
maluquice à máxima expressão de uma distopia.
Se pretendemos definir um caminho mais seguro para o
desenvolvimento humano em nossa nação, devemos apostar pesadamente
em regimes políticos Democráticos e Parlamentaristas. Considerando-se os
custos econômicos, sociais e culturais, a restauração da Monarquia
brasileira seria mais traumática que simplesmente adotar um regime
Parlamentarista, adaptando a estrutura (unindo as duas câmaras em uma só)
e a legislação (eleição direta do Presidente como Chefe de Estado e eleição
indireta do Chefe Executivo pelo Parlamento). Em meus cálculos, esta
mudança reconduziria o país a um sistema político republicano e
democrático associado a um IDH entre 0,774 e 0,919 – bem melhor que os
0,754 de nosso regime presidencialista pleno.
Como exemplo prático, basta observar o sistema político britânico,
conhecido como Sistema de Westminster. Gerado a partir da Revolução
Gloriosa de 1688, ele possui poucas lacunas para vetos. Os cidadãos elegem
periodicamente o Parlamento, que passa então a concentrar ao invés de
difundir o poder.
O Sistema de Westminster tem apenas uma única câmara legislativa
absoluta – nenhuma presidência separada, nenhuma instância superior,
nenhuma revisão do poder jurídico e nenhuma federalização das leis. Cabe
ao Parlamento escolher um governante executivo e, quando ele toma uma
decisão, esta não pode ser contestada em cortes, estados, municipalidades
ou outras instituições. Por isso, o Sistema de Westminster frequentemente é
descrito como uma “Ditadura Democrática bipartidária”. Apesar da
concentração de poder do Parlamento, se os eleitores não aprovarem a
governança, eles podem votar por sua destituição19.
É indiscutível que o problema da Democracia está na possibilidade de
irracionalidade das escolhas do público. Felizmente, seus próprios
mecanismos intrínsecos permitem que esta falha seja corrigida. Nas
palavras do filósofo francês André Comnte-Sponville: “a Democracia pode
ser imperfeita, mas de onde tiramos que ela deveria ser de qualidade
impecável?”118.

6. A PRIMEIRA SEMENTE DO CAPITALISMO: A PROPRIEDADE


PRIVADA
Paralelamente à reedição da Democracia conduzida pelo Iluminismo a
partir dos escombros da Grécia de Clístenes e Péricles, vimos surgir um
sistema econômico que se tornou paradigmático do mundo Moderno: o
Capitalismo.
Por milhares de anos, as sociedades humanas caracterizaram-se por
uma cultura agrícola de subsistência, com poucas cidades, poucas estradas,
poucos sistemas de comunicação, pouco uso de dinheiro, pouca
alfabetização e pouco comércio. Apesar das idas e vindas dos Impérios
Persa e Romano, dos surtos de comércio fenício, do longo período do
Califado e da aparência eterna das dinastias Chinesas, aquilo que
conhecemos como Capitalismo começou a surgir de fato na Europa durante
os séculos XIV e XVI, quando várias influências aleatórias se misturaram
em erupções sobrepostas: a reconquista das rotas do Mediterrâneo (até
então sob posse dos Califas); a queda abrupta e substancial na população
agrícola no período que se seguiu à Peste Negra (que resultou em pressões
sobre o sistema de produção feudal, alterando a balança de poder); as
transformações ideológicas da Renascença e da Reforma; o Mercantilismo;
as grandes navegações; as guerras religiosas na Alemanha e na França; e as
Revoluções na Holanda, Inglaterra e França.
Enquanto tudo isso se desenrolava, os imperadores mantinham o
monopólio da economia na China, e a Rússia convulsionava sob a fusão de
duas tradições tirânicas – o absolutismo ortodoxo religioso e o despotismo
tártaro –, tolhendo a germinação das sementes do Capitalismo nestas
regiões. Na Europa Ocidental, por outro lado, o colapso da autoridade
romana e as invasões bárbaras fraturaram a ordem vigente, permitindo que
as sementes do Capitalismo brotassem. E quais seriam estas sementes?
Basicamente, a Propriedade Privada e o Livre Mercado.
A Propriedade Privada nasceu da institucionalização dos meios para
determinar quem iria controlar recursos valiosos, caracterizando, segundo
David Hume (1711–1776), o tipo de relação entre uma pessoa e um objeto
que concede a esta pessoa (mas proíbe todas as outras) a soberania sobre o
objeto20. A prerrogativa da Propriedade, portanto, pode ser descrita como o
direito de adquirir, possuir, utilizar e transferir recursos. Mas, por que
deveríamos ter “direito” a algo assim? E, havendo Propriedade, exatamente
o quê estaria sujeito a ela? E como isto poderia ser determinado?
O debate da Propriedade como um direito natural foi inaugurado por
volta do século XI e XII de nossa era, ainda que o mandamento “Não
Roubarás” deixe implícito uma concepção de “possuidor absoluto”: se não
há direito à propriedade, não existe roubo. Proibir o roubo sugere
claramente que algo deve preencher os requisitos de Propriedade Privada e
que alguma lei deve proteger esta aquiescência.
Do meio do século XVI até a primeira metade do século XX, a maioria
dos estudiosos acreditava que as sociedades primitivas viviam sob um
Coletivismo elementar tipificado pela posse e pelo uso comum dos
expedientes disponíveis. Entretanto, esse equívoco rousseauniano não
resistiu à constatação de que até mesmo algumas dessas sociedades eram
permeadas por ideias de Propriedade Privada no sentido de privilégios
específicos sobre casas, comarcas, roupas, brinquedos e plantações, além de
sanções de comando sobre o grupo e permissões de herança22.
Se observarmos com critério, veremos que entre animais não-humanos
também existe uma Moralidade incipiente que assemelha-se à Propriedade
Privada na forma de concessões subliminares para reprodução, soberania
territorial, posse da caça e hierarquia social.
Ainda que eu não possa teorizar muito sobre os sentimentos de animais
não-humanos quanto à Propriedade Privada, tenho liberdade de fazer isso
com relação à minha espécie, e digo: a posse de um objeto não teria
qualquer significado se este significado não possuísse, primeiramente, uma
dimensão psíquica que lhe conferisse a qualidade de representar uma
extensão de nossa própria Identidade Pessoal. A relação da Propriedade
Privada com a Identidade Pessoal pode ser percebida desde o uso de
adornos em populações no princípio do Neolítico, passando pelos rituais
fúnebres do antigo Egito – onde as câmaras mortuárias eram preenchidas
com utensílios de uso pessoal –, chegando até à atenção que dedicamos às
nossas casas, automóveis, animais de estimação e fotos nas redes sociais.
Por conseguinte, não surpreende que a Propriedade Privada tenha sido
adotada como uma ponte entre indivíduos e deidades desde as primeiras
sociedades pagãs: apenas tendo suas próprias frutas e seus próprios animais
alguém poderia ofertar um sacrifício digno aos deuses. Mais tarde, as
escrituras sagradas judaico-cristãs também adotariam esta conexão.
Por exemplo: “... se vocês obedecerem ao senhor”... “as colheitas da
sua terra e os bezerros e os cordeiros dos seus rebanhos, a sua cesta e a
sua amassadeira, serão abençoados”, e “vocês emprestarão a muitas
nações” (Deuteronômio).
A posse está expressa em “com o suor do teu rosto comerás o teu pão”
(Gênesis), novamente em “você comerá do fruto do seu trabalho e será feliz
e próspero” (Salmos), e em diversas passagens dos Provérbios, tais como
“quem se dedica ao trabalho de sua própria terra colherá com fartura” e
“tuas cabras fornecerão leite com fartura, para que alimentes a ti mesmo,
tua família e todos os teus servos”. De que maneira tudo isso (teu pão, sua
própria terra, tuas cabras, teus servos) seria possível sem que os fiéis
vivessem sob a instituição da Propriedade Privada?
As justificativas para a Propriedade Privada são tão antigas quanto a
lama do Dilúvio, porém, historicamente, a primeira tentativa não-teocrática
de tentar amparar a Propriedade Privada pode ser identificada em
Demócrito (460-370 a.C.), para quem a Propriedade Privada justificava-se
por seus resultados econômicos superiores29. Aristóteles expandiu os
argumentos utilitários de Demócrito, considerando a segurança da posse
como necessária para o funcionamento social. Cícero – como John Locke –
compreendia que um dos principais deveres do Estado era proteger a
Propriedade Privada e, durante a Renascença e o Iluminismo, pensadores
como Hugo Grotius voltaram a interceder a favor de sua importância24.
Ulteriormente, Hegel defenderia o mérito da Propriedade para o exercício
da vontade e da liberdade humana, e Bertrand Russell, que chegou a flertar
com o Comunismo, reconheceria que a benevolência e a generosidade são
impossíveis sem o parâmetro da Propriedade Privada22,28.
Se aceitarmos o axioma de que a Propriedade Privada refere-se a uma
noção absoluta (ou seja: que a Propriedade Privada corresponde a uma
Verdade substantiva), suas defesas filosóficas devem ser abordadas a partir
das três variantes principais do Realismo Moral: o Consequencialismo, a
Deontologia e a Ética das Virtudes.
A tutela Consequencialista da Propriedade Privada consiste na sua
eficiência, prevista por Demócrito: a Propriedade Privada propicia o maior
bem possível para o maior número possível de pessoas. Se você discorda
disso, recomendo que analise, por exemplo, as diferenças nos indicadores
de desenvolvimento humano entre as Alemanhas Oriental e Ocidental
quando da queda do Muro de Berlim
No lado Oriental, a intensa estatização promovida pelo Estado e a
consequente relativização da Propriedade Privada resultou em uma
disseminação da miséria, da pobreza, do sofrimento e de restrições à
liberdade. No lado Ocidental, a garantia e o direito à Propriedade Privada
levaram à exportação de carros Volkswagen, BMW, Porsche e Mercedes
Benz para todo o mundo, gerando quantidades enormes de riqueza e
qualidade de vida naquela nação.
Um quadro bastante semelhante pode ser descrito com relação às
Coreias do Sul e do Norte: na Coreia do Sul, o respeito à Propriedade
Privada permitiu o crescimento de gigantes industriais como Daweoo, LG e
Hyundai, levando o país a ostentar o 14º PIB por Paridade do Poder de
Compra entre 192 países; o 22º maior IDH entre 189 nações, e o 28º lugar
mundial no ranking de liberdade econômica. Na Coreia do Norte, o bem-
estar social Coletivista, violador do contrato da Propriedade Privada,
produziu uma cortina de ferro que teve como cereja do bolo uma das
fronteiras mais fortemente militarizadas que se tem notícia, com 238 km de
arames farpados e campos minados cujo objetivo é manter os norte-
coreanos presos dentro de seu “próspero paraíso”.
Do ponto de vista Deontológico, a defesa da Propriedade foi
inaugurada por Tomás de Aquino (1225-1274) ao afirmar que, quando um
indivíduo adiciona a um recurso natural seu próprio trabalho, seu direito a
este recurso sobrepõe-se a todos os demais30. Por exemplo: uma espiga de
milho passa a ser uma Propriedade Privada quando alguém, por emprego do
seu tempo e da força do seu empenho, a colhe.
Repetindo os conceitos de Aquino, John Locke teorizou que, uma vez
que deus ofereceu a natureza à humanidade e todo indivíduo é dono de si
mesmo, ao misturar os recursos naturais ao seu próprio trabalho manual,
ideias e esforços criativos, o indivíduo remove o recurso de seu estado
primordial, tornando-o sua Propriedade, e a proteção desta Propriedade
seria a única função do contrato social, que por sua vez encontra-se na
origem do Estado. Para Locke, a Propriedade Privada antecede o Estado e o
governo, e justifica a existência de ambos25.
Todavia, Locke inseriu um viés Consequencialista em sua Deontologia
ao sugerir que, uma vez que deus condena abusos e desperdícios, a
legitimação divina da Propriedade perde sua validade quando ela é
submetida a estes ofícios, ou quando a Propriedade impede que outras
pessoas satisfaçam suas necessidades25. Na Constituição Federal Brasileira
de 1988, esta improvável Deontologia “Consequencialista” encontra-se
expressa no inciso XXIII do artigo 5º, onde se lê que a Propriedade Privada
deve satisfazer uma “função social”.
Finalmente, a Moralidade Aristotélica oferece suas próprias
justificativas para o direito à Propriedade Privada. Para Aristóteles,
Propriedade refere-se à posse dos instrumentos necessários para manter a
vida. Uma vez que estes instrumentos são cruciais para atingirmos um
estado de Eudaimonia, e considerando-se que a Eudaimonia – o
florescimento o Caráter humano – é o objetivo que todos deveríamos
perseguir, então a Propriedade Privada legalmente adquirida é condizente
com a Virtude e Moralmente digna e desejável26.
Escrutinando o entendimento de Aristóteles, Edward Younkins,
especialista em Filosofia Político-Econômica, distinguiu dois tipos de
Propriedade Privada: inata e a adquirida. As propriedades inatas são
aquelas parte da natureza do indivíduo; referem-se à produtividade inerente
à habilidade de trabalhar física e mentalmente, e à posse de criatividade,
habilidades técnicas e experiências que determinam o valor de um cidadão
dentro de sua sociedade. Nesse sentido, a Propriedade Privada é vista mais
como um conjunto de ações e conhecimentos que apenas “coisas”, dando
sentido à noção de Propriedade Intelectual. Por outro lado, a propriedade
adquirida consiste apenas nos objetos per se – máquinas, ferramentas,
terrenos, prédios, automóveis, ações na bolsa de valores, papel moeda,
contas bancárias, etc27.
Somando-se as interpretações Morais proporcionadas pelo
Consequencialismo, pela Deontologia e pela Ética de Aristóteles,
percebemos que a Propriedade Privada estabelece uma hierarquia de valores
e incumbências: ao classificar algo como “privado”, tornamo-nos donos
daquilo que nos pertence; simultaneamente, assumimos o compromisso de
respeitar a posse de terceiros, e a atenção a esta convenção evitaria a
aplicação da força bruta como uma ferramenta de direito. Não obstante os
atritos que o Realismo Moral da Propriedade Privada causa ao desfilar entre
Relativistas e Céticos, nem mesmo entre os próprios Realistas o conceito
está livre de querelas, como pode ser visto no caso da “função social”
vaticinada por Locke e constante no texto da Carta Magna brasileira.
Em termos bem honestos, a Propriedade Privada deve ser concebida
como uma criação humana e, por isso, não pode ser considerada uma
Verdade substantiva. Até Utilitaristas clássicos como Bentham assumiram
que a Propriedade dependia de leis para sua existência21. Rousseau, 36 anos
mais velho que Bentham, antecipou isto ao escrever que “o direito de
propriedade não passa de uma convenção”23. Sim, o direito à Propriedade
Privada é vulnerável às redefinições contínuas, mas isto não o torna menos
essencial para o florescimento de uma sociedade.
Quando a Propriedade Privada é garantida e protegida pela lei, a
consequência é o desenvolvimento de uma sociedade livre com uma
prosperidade baseada em respeitos mútuos, pois a Propriedade faz-nos
responsáveis por nossas ações: se um cachorro pertence a ninguém e morde
uma pessoa, ou se um carro sem dono atropela uma criança, de quem é a
responsabilidade? Por outro lado, se o cachorro que lhe pertence morde o
vizinho, ou se o seu carro estacionado sem freio de mão causa um acidente,
a história é bem diferente.
O direito à Propriedade Privada oferece limitações ideais contra
aqueles que insistem em agir inconsequentemente, recompensando os que
agem de modo ajuizado dentro de seus direitos. Isto evita a Tragédia dos
Comuns, que pode ser constatada na degradação peculiar dos “bens e
serviços comunitários”: rios, lagos, mares, praças, praias, ruas e estradas
“comunitárias” – que pertencem a todos e, exatamente por isso, pertencem a
ninguém especificamente – em geral recebem menos cuidados que casas,
prédios, fazendas, plantações e jardins particulares.
Foram as Propriedades Privadas legalmente instituídas que serviram
de base para a máquina do crescimento de todas as grandes civilizações até
aqui. E foi justamente a falta de normatização sobre o que de fato é uma
Propriedade Privada que evitou alguns países Coletivistas e ex-Coletivistas
experimentassem o surto de crescimento que acompanha a adoção do
Capitalismo. Uma pessoa que não tem permissão para garantir sua
Propriedade torna-se automaticamente propriedade de outra que possui tal
permissão – esta era a filosofia econômica sob o feudalismo e a escravidão.
A principal defesa da legitimidade Moral da Propriedade Privada, então,
reside na constatação de que ela é inexorável para a dignidade humana,
como veremos adiante.
É a ausência de Propriedade Privada que resulta em uma sociedade de
“jogo soma-zero”, onde uma pessoa só pode enriquecer diminuindo a
riqueza de outra. Por exemplo: se tudo pertence a todos, como proposto
pelas ideologias Coletivistas, o comércio só é possível caso se conte com a
anuência de cada uma das pessoas naquela sociedade para uma determinada
transação – algo simplesmente inviável. Por isso, nos sistemas Coletivistas,
a única maneira de alguém aumentar sua própria riqueza consiste em
arrancar à força aquilo que pertence a outros. Sem o direito absoluto e
inviolável à Propriedade, o saque, o roubo, o confisco e a trapaça
substituem o comércio, e a atividade econômica dependerá do quão
efetivamente – e sob qual custo – cada indivíduo é capaz de proteger os
bens e recursos sob seu controle.
A Propriedade Privada nasceu do nosso desejo de sobreviver, tornando-
se um pré-requisito Moral para tornar a busca pela Felicidade uma tarefa
exequível. Se a sobrevivência humana depende do uso de seu tempo, de
suas habilidades, de seus esforços e de objetos materiais, então devemos ter
o direito da posse e de determinar, por nós mesmos, a disposição do produto
de nossas aptidões – uma observação que fatalmente nos transporta à
segunda semente do Capitalismo: o Livre Mercado.
7. A SEGUNDA SEMENTE DO CAPITALISMO: O LIVRE
MERCADO
Por definição, podemos considerar o Livre Mercado como uma
ferramenta impessoal que nos pressiona a satisfazer as necessidades de
terceiros, produzindo vantagens para os outros e mais prosperidade para nós
mesmos: enquanto os produtores competem para conquistar consumidores,
os próprios consumidores competem entre si para ter acesso aos bens e
serviços que desejam. Consequentemente, o Livre Mercado tem como pré-
requisitos a presença da Propriedade Privada; a liberdade de utilizá-la para
o próprio consumo, para produção e troca voluntária por dinheiro ou outras
Propriedades; e a faculdade de restringir legitimamente o acesso ou
simplesmente doar aquilo que nos pertence27.
Para que o Livre Mercado se estabeleça, os indivíduos devem ser donos
da maioria dos recursos, cabendo ao Estado um papel mínimo suficiente,
como, por exemplo, o de garantir o direito inviolável à Propriedade e fazer
valer os contratos formalmente estabelecidos. Todavia, estes contratos não
estão imunes à Moralidade: as trocas voluntárias encontram-se encastoadas
em diferentes contextos políticos, culturais e sociais que afetam
profundamente seu funcionamento. Justamente por isso, os
questionamentos quanto à Moralidade do Livre Mercado em geral traduzem
questionamentos intimamente relacionados às preferências humanas e não
ao mercado em si.
Para o escocês Adam Smith (1723-1790), o mérito e o motivo de
atratividade do Livre Mercado residia no oferecimento de um palco
simpático aos auto-interesses e à competição31.
Autor de um dos livros mais influentes da História (A Riqueza das
Nações, 1776), Smith era um gênio: aos 14 anos, foi admitido na
Universidade de Glasgow, onde estudou Filosofia da Moral e desenvolveu
uma paixão pela Razão e pela Liberdade de Expressão. Três anos depois,
recebeu uma bolsa e transferiu-se para a Universidade de Oxford, mas não
chegou a concluir os estudos por lá: Adam achava seus professores muito
fechados para novas ideias e, durante seu tempo em Oxford, dedicou-se
profundamente ao autodidatismo. Abandonou Oxford em 1746, antes da
graduação, mas logo foi convidado para ministrar aulas na Universidade de
Edinburgh. Em 1751, retornou à Universidade de Glasgow, onde se dedicou
ao ensino de Lógica.
Amigo pessoal de David Hume, Edmund Burke e Samuel Johnson,
Smith não teve filhos e faleceu aos 67 anos de idade, em 1790, apenas três
anos após ser nomeado reitor da Universidade de Glasgow. Na época, já era
reconhecido como um dos grandes pensadores de seu tempo.
Apesar das descrições inovadoras de Smith, o Livre Mercado existiu
em diferentes estágios desde que os humanos começaram a ter contato uns
com os outros, emergindo como um resultado natural das interações sociais.
Auto-interesses e competição não foram concebidos por um grupo de
intelectuais, e sequer dependeram do surgimento de governos ou da
invenção do dinheiro: o meio mais antigo de troca que se tem notícia foi o
gado, provavelmente entre 9.000 e 6.000 a.C. Por volta de 1.000 a.C., as
primeiras moedas de metal foram cunhadas na China e se tornaram o
primeiro exemplo conhecido de um bem que funcionava apenas como
dinheiro. Mas as trocas voluntárias já existiam há milênios quando isto
ocorreu.
As concepções de Livre Mercado certamente podem ser identificadas
nos trabalhos de Adam Smith, John Locke e outros grandes nomes do
Iluminismo, mas a extensão desta discussão deve ser compreendida desde
os estudos conduzidos pelos Escolásticos Tardios na Espanha, nos séculos
XVI e XVII – com uma grande menção de louvor ao Libertarianismo
revolucionário do jesuíta Juan de Mariana –, até o aparecimento da Escola
Austríaca no final do século XIX32.
Não obstante, o título de Primeira Pessoa a abordar o Livre Mercado de
um ponto de vista essencialmente Moral coube a uma pensadora do século
XX: Ayn Rand. Em livros como A Nascente (1943) e A Revolta de Atlas
(1957), e em obras de não-ficção como A Virtude do Egoísmo (1964), Rand
alinhou a Ética de Aristóteles à Moralidade do individualismo, tornando o
ambiente de Livre Mercado o habitat natural para sua filosofia Objetivista
ao mesmo tempo em que o cobria com um manto filosófico sólido.
Cada avanço na direção do Livre Mercado ocorreu sob a resistência de
autoridades centrais e das elites culturais existentes. Para Karl Marx, por
exemplo, havia algo imoral no modo como o Livre Mercado tratava sua
Teoria do Valor-Trabalho: o valor de um bem ou serviço não é, como
desejava Marx, determinado pela quantidade de tempo, trabalho e esforço
embutido em sua produção, mas pelo valor subjetivo que os consumidores
incorporam a ele.
Entre uma resistência e outra, o Livre Mercado avançou, chegando
perto de concretizar-se no século XIX nos EUA, mas esta experiência foi
minada pela inconsistência da escravidão. Atualmente, Hong Kong e
Singapura representam o mais próximo que temos de uma sociedade de
Livre Mercado, mas Singapura sofre com restrições à liberdade de
expressão e Hong Kong está desaparecendo devido à sua progressiva
absorção pela China neokeynesiana.
Em graus diversos, o Livre Mercado foi testado o suficiente para que
quase todos os economistas modernos concordem ser ele um sistema mais
produtivo e mais eficiente que aqueles baseados em gestões centrais e
planificadas. Ainda assim, as dúvidas sobre o equilíbrio ideal entre Livre
Mercado e controle econômico governamental seguem firmes e fortes: os
críticos argumentam que certas falhas requerem uma intervenção reguladora
externa. Inspirados na teoria marxista do Valor-Trabalho, eles alertam que
os preços podem não refletir corretamente os custos ou os benefícios de
certos bens e serviços, em especial os custos para o meio-ambiente. Além
disso, o mercado é compatível com a formação de conluios e conchavos,
tornando necessárias legislações antitruste. Como Hobbes observou, sem
respeito aos contratos não há pacto possível e os relacionamentos
comerciais se degeneram em guerra ou tirania16.
Em resposta a estas críticas, economistas como Milton Friedman,
Ludwig von Mises e Hayek defenderam que o mercado é capaz de se
ajustar ou internalizar suas próprias falhas em muitas situações. Uma prova
da capacidade desta “mão invisível” estaria no fato de que alguns bens e
serviços ofertados exclusivamente pelo governo apresentam ganhos
monumentais de eficiência e qualidade quando submetidos ao Livre
Mercado.
Alguns Capitalistas acreditam que a intermediação para evitar a
degeneração dos contratos não caberia exatamente ao Estado, mas é nítido
que, para proteger o Livre Mercado dos abusos destrutivos das “mãos
invisíveis”, é preciso que os participantes assumam declaradamente certos
compromissos com valores permanentes – algo que o economista alemão
Wilhelm Roepke chamava de “O Regime de Terror da Decência”34. Quando
nos damos conta disso, percebemos que o Livre Mercado não é livre no
significado estrito da palavra. Quando assumimos que alguma
regulamentação é Moralmente desejável, assumimos também que a
liberdade do Livre Mercado é essencialmente limitada.
Deixados livres, os auto-interesses humanos tornam-se autofágicos e,
em algum momento, passarão a devorar a sociedade que lhes deu guarida.
A regulamentação de nossos auto-interesses é imperativa porque não somos
anjos, e é possível apenas porque não somos demasiado selvagens.
Vale mencionar novamente que isto nem de perto significa que o Livre
Mercado seja malévolo ou imoral: trata-se apenas de um entendimento
lúcido sobre como nossas emoções operam visando concretizar os desejos e
assegurar a sobrevivência da Identidade Pessoal.
Aos que questionam a necessidade de impor “limites” para o mercado,
pergunto: sem regulamentação da liberdade, que direito você teria sobre o
uso de sua imagem na Internet, por exemplo? Livre Mercado significa que
tudo pode ser vendido e comprado – ou o comércio valerá para algumas
coisas, e outras serão proibidas ou punidas se comercializadas? Se podemos
comprar apoio, podemos vender testemunhos? Se podemos comprar sexo
sob medida, temos o direito de comprar reprodução sob medida também? E
se tudo pode ser produzido e colocado à venda, seria possível comprar
mérito, coragem, honra, respeito?
Apesar da Moralidade do Livre Mercado ser eficiente e importante em
uma sociedade livre, ela não deve ser confundida como o único tipo de
Moralidade que importa.
Se a Propriedade Privada é essencial para que nossa Identidade Pessoal
procure pela Felicidade, o Livre Mercado pode ser entendido como uma
estratégia para ampliar o escopo e as possibilidades desta busca. Indo além,
deixando a ótica individualista de lado e expandindo o panorama ao nível
da sociedade, percebemos que o objetivo da Propriedade não é exatamente
colar etiquetas, mas manter uma paz relativa nas fronteiras de diferentes
Estados; e o objetivo do Livre Mercado não é exatamente garantir a
Felicidade, mas suprir nossa perpétua demanda por sua busca.

8. AS DEFESAS MORAIS DO CAPITALISMO


No lado Direito do espectro político-ideológico, a crise da Moralidade
trazida pela Pós-Modernidade reacendeu o histórico debate entre
Conservadores e Libertarianos quanto ao tamanho adequado do Estado. Do
outro lado do espectro, nos campos revolucionários do Coletivismo, a
agenda de Esquerda aproveitou o mesmo momentum para reeditar sua
perpétua luta contra o Livre Mercado e a Propriedade Privada.
Enquanto os herdeiros do Iluminismo escreviam suas teses acaloradas
no andar de cima, as tecnologias inauguradas pela Revolução Industrial no
andar de baixo davam seguimento à popularização de duas antigas tradições
humanas: o Consumo e o Lucro. Novas máquinas, novas ocupações e novos
tratados de comércio cuidaram de disseminar, com magnífica força, o
consumo e o lucro para além das ânforas de vinho que navegavam pelo
Mediterrâneo ou do escambo de seda nas estradas com o Oriente – e para
além, também, dos casulos herméticos dos ideólogos de plantão.
O século XX serviu para acentuar esta cultura, a tal ponto que agora,
não importa onde você está, é sempre possível consumir algo. Identificar-se
como “consumidor” tornou-se um sinônimo para “cidadania” mais
significativo que identificar-se como um “eleitor”, e tão relevante quanto
dizer-se “uma pessoa de família”. Foi por isso que a avareza ganhou uma
conotação negativa: aquele que não gasta parece estar impedindo o
compartilhamento da riqueza.
Apesar do estímulo incessante à produção e ao consumo estar
associado ao espírito de lucro inerente ao Capitalismo, respondendo por boa
parte dos males que atribuímos a ele, há uma evidência que não pode ser
contestada: a adoção do Capitalismo associa-se a uma prosperidade sem
precedentes onde quer que este sistema tenha sido aplicado. Até mesmo
Karl Marx, em O Manifesto Comunista, reconheceu o Capitalismo como
uma “máquina de crescimento”. Mas será que este progresso pode ser
considerado eticamente bom? Seria possível argumentar a favor da
Moralidade do Capitalismo?
Alguns puritanos afirmam que o Capitalismo é apenas uma das várias
esferas dos relacionamentos humanos e não pode ser considerado Moral ou
imoral no sentido que uma pessoa pode ser, pois apenas indivíduos podem
ser agentes Morais. O Capitalismo seria, portanto, amoral. Entretanto, se
formos um pouco mais severos neste julgamento, forçando uma
categorização Moral do Capitalismo, teremos que partir da premissa de que
o Capitalismo coloca, sim, o dinheiro e o lucro em primeiro lugar. Mas
dinheiro e lucro possuem valores Morais? Não. Ainda que estejam sujeitos
a alguns códigos éticos prescritivos, dinheiro e lucro não são pessoas, mas
recursos que podem ser consumidos e utilizados com finalidades desonestas
ou não.
Justamente por isso, é cabível dizer que um sistema político-econômico
pode ser Moral ou Imoral dependendo se promove ou não a probabilidade
de comportamentos virtuosos. Do meu ponto de vista, é viável lapidar um
sistema para que ele permita e estimule o máximo de Virtude e
Autodeterminação possível. E o Capitalismo parece ter nascido para ser este
sistema.
As várias defesas Morais do Capitalismo foram semeadas por John
Locke, Adam Smith, Ludwig von Mises e Ayn Rand, entre outros grandes
nomes da filosofia, mas optei por agrupar estas defesas em cinco
argumentos principais: Liberdade, Dispersão do Poder, Humanitarismo,
Dignidade e Responsabilidade. Vamos a eles:
Capitalismo e Liberdade
Nenhum Estado ou governo concede uma liberdade absoluta: a própria
ideia de governo e Estado consiste em estabelecer uma sociedade com leis e
normas que exigem obediência, ao passo que o conceito de uma liberdade
absoluta demanda a capacidade de cada um fazer o que quer que lhe agrade,
sem ligar para as consequências. Neste sentido, o Capitalismo oferece,
fomenta e necessita uma liberdade do tipo Conservadora: sem contenções, o
Capitalismo degenera-se em um teatro de hedonistas, egocentrados e
misantropos. Para funcionar, a liberdade Capitalista – como a liberdade sob
um Estado organizado e não necessariamente centralizador – deve ser
circunscrita por um equilíbrio sensato.
As liberdades absolutas defendidas por Libertarianos radicais e
Anarcocapitalistas são tão lesivas para o Capitalismo quanto o cerceamento
ostensivo imposto pelos Estados com economias rigorosamente
planificadas. Para ser estável, a liberdade do Capitalismo precisa de uma
base de ordem e segurança social, incluindo salvaguardas contra trapaças,
fraudes, improbidades, roubos, crises financeiras e expedientes predatórios.
Em uma contradição, isso significa dizer que a liberdade Capitalista
requer a existência de uma esfera privada delimitada onde os indivíduos
possam perseguir seus meios e fins sem serem atropelados de maneira
desleal pelos auto-interesses de terceiros. A regulamentação deve garantir o
direito à Propriedade Privada e ao Livre Mercado, mantendo vigilância para
o risco de decadência na direção de um metacapitalismo plutocrático. Ainda
que Libertarianos e Anarcocapitalistas torçam o nariz para isto, esta é uma
asserção bem diferente de defender os autoritarismos intervencionistas
típicos dos sistemas Coletivistas.
Curiosamente, de modo similar aos extremistas da Direita, os adeptos
do Coletivismo também repudiam controles moderados no ambiente
Capitalista, porém por motivos opostos: eles defendem que a
regulamentação deve ser maior, imensa, tirânica. Todavia, o modelo
proposto e aplicado pelos Coletivistas, relativizando a propriedade privada,
reservando mercados e executando programas de transferência de renda
com o objetivo de resolver a miséria, aprisionou as pessoas assistidas em
uma posição de dependência e pobreza imutáveis. Como consequência, nos
últimos 30 anos, o mundo vem abandonado as experiências Coletivistas e se
deslocando na direção do arquétipo de liberdade Capitalista, pois foi este o
padrão que alçou milhões de pessoas da pobreza e produziu avanços
tecnológicos que salvaram dezenas de milhões de vidas.
A liberdade sempre foi a primeira linha de defesa de todos que amam o
Capitalismo. Além de utilizá-la para prosperidade financeira, o Capitalismo
a transforma em um terreno fértil para o desenvolvimento do Caráter: o
sucesso nos negócios não apenas exige, mas também recompensa, o
comportamento virtuoso, o pensamento independente, a criatividade e as
diferenças de talentos entre os indivíduos. E nada disso pode vicejar sem
liberdade.
As desigualdades nas habilidades e na posse de propriedade são
corolários da condição humana. Não obstante, no livre mercado Capitalista,
até mesmo o cidadão mais miserável tem liberdade para crescer. É óbvio
que isto não garante a realização deste objetivo, e qualquer lei ou pressão
do Estado no sentido de exigir a transferência de propriedades e riquezas
para produzir equidade social é uma subversão da essência que permite o
êxito do Capitalismo. O Livre Mercado tende a tornar as pessoas livres. O
controle econômico, não.
É importante lembrar que a liberdade do Capitalismo não conduz
obrigatoriamente para a Virtude Moral. Nenhum sistema político-
econômico pode determinar que as pessoas se tornem boas: o melhor que
podem fazer é permitir que elas o sejam. Somente quando o indivíduo tem a
liberdade de escolha e arca com as implicações de suas condutas ele pode
ser Moral e Virtuoso. O Capitalismo, mais que qualquer outro sistema
econômico, oferece espaço para tanto.
Para produzir prosperidade, o Capitalismo aplica persuasão e trocas
voluntárias mutuamente benéficas. Ele germina a partir do princípio de não-
agressão à liberdade humana, e do oferecimento de garantias voluntárias de
que a autonomia Moral e a integridade física dos envolvidos será protegida
de qualquer ataque violento durante as negociações. Neste cenário,
liberdade econômica e liberdade pessoal passam a significar a mesma coisa.
Muitos condenam a natureza materialista do Capitalismo. Entretanto, é
um equívoco estigmatizá-lo por ser muito preocupado com coisas materiais:
são os indivíduos soberanos e desobrigados inseridos no Capitalismo que
escolhem os objetivos a serem perseguidos. Se um determinado bem ou
serviço encontra-se em alta ou ostenta preços que parecem
sobrevalorizados, a responsabilidade não é do Capitalismo, mas da
autonomia dos indivíduos que decidem, por si mesmos, o que consumir.
Pensar o contrário disso é culpar o garçom da pizzaria pela obesidade de
seu cliente.
Os Coletivistas não entendem isto e acusam o Capitalismo de ser
congenitamente acéfalo e promover “valores sem valor”: futebol ao invés
de ópera, cerveja ao invés de vinho, pornografia ao invés de arte. Parece
escapar à capacidade dedutiva desses acusadores que nunca coube ao
Capitalismo atribuir valor a estas atividades: foi a liberdade de escolha do
consumidor que o fez. É ingênuo acusar o Capitalismo das prioridades que
os compradores estabelecem ao exercerem seu poder de compra.
O Capitalismo depende da e defende a Liberdade. O que fazemos com
esta Liberdade é uma história completamente diferente.
Capitalismo e Dispersão do Poder
Por causa de seu espírito de liberdade, o Capitalismo permite que o
capital acumule-se em nichos, transformando-se em influência política que,
por sua vez, aglutina o lucro em castas cada vez mais exclusivas, selando
um circuito defeituoso de concentração de ativos e renda. De que maneira
então o Capitalismo seria compatível com uma dispersão do poder sem que
o Estado promovesse periodicamente intervenções regulamentadoras
fortes?
Em uma pequena comunidade de agricultores autossuficientes, as
pessoas podem apontar para alguma coisa e dizer “Eu produzi aquilo” ou
“Eu construí aquilo”. Mas, em uma economia moderna e complexa, a
conexão entre o que é produzido e quem foi o responsável pela produção
não é tão evidente. O mundo Capitalista é um esporte de equipe, onde cada
membro tem um poder imenso sobre o resultado do conjunto, ainda que não
tenha consciência disto. E é aqui que a Dispersão começa.
Os pensadores Coletivistas denunciam os bolsões de pobreza dentro do
Capitalismo como uma prova contundente imperfeição do sistema. Eles
acreditam que o regime ideal deveria operar como um poder absoluto sobre
a sociedade, utilizando seus recursos para eliminar o risco de falências,
abolir os insucessos, suprimir as desigualdades e extinguir todo sofrimento
da face da Terra. Infelizmente, esta concepção maravilhosa é uma utopia
pueril, posicionando os Coletivistas em uma bolha de raciocínio tão
megalomaníaco quanto desconectado de qualquer noção de realidade.
Ao mesmo tempo em que definem o Capitalismo como um jogo soma
zero – onde, para um ganhar, outro tem que perder –, os Coletivistas
acreditam que a concentração do poder é capaz de brindar o Estado com
recursos suficientes para corrigir todos os dissabores da sociedade. Na
mentalidade Coletivista, o bolo da riqueza é finito para quem deseja
enriquecer sob o Capitalismo, mas – como em um milagre católico – torna-
se infinito quando o colocamos nas mãos de um Estado centralizador.
Em uma matriz autêntica de Livre Mercado, com as decisões de
produção e consumo dispersas no mercado, e sem um Grande Irmão
colocando obstáculos em cada etapa das transações voluntárias, o principal
impedimento de ascensão (descontadas as incapacitações físicas ou
mentais) passa a ser a falta de motivação do indivíduo – uma têmpera cuja
responsabilidade não cabe ao Estado.
Nascer em circunstâncias desafortunadas não impede uma pessoa de
alcançar sucesso dentro do Capitalismo. Entretanto, na visão vitimista dos
Coletivistas, é mandatório articular a equidade social através do binômio
“coleta de impostos" versus "redistribuição de renda”. Depois de décadas de
experimentos trágicos, estes ideólogos do vácuo ainda não conseguiram
assimilar que perverter a natureza espontânea de dispersão do poder típica
do Capitalismo significa corromper o arranjo de recompensas no qual o
próprio Capitalismo se baseia, e o resultado dessa insanidade nunca foi o
alastramento da prosperidade, mas o achatamento da maior massa possível
de cidadãos ao nível da miséria compartilhada.
As pessoas que julgam o Capitalismo materialista e injusto parecem
não se preocupar tanto com o fato de que as alternativas político-
econômicas a ele atuem decapitando liberdades, promovendo genocídios e
ratificando preconceitos. Não obstante o acúmulo de indícios mostrando
que a centralização do planejamento e a busca por igualdade econômica
levam à intervenção do Estado na vida privada e, frequentemente, à tirania,
os intelectuais Coletivistas creem piamente que sistemas planificadores
algum dia irão glorificar a situação humana. Irredutíveis em suas certezas
fantasiosas e imunes ao remorso, eles parecem dar as costas para um século
inteiro de atrocidades cometidas pelos Estados que ostentam o formato de
governo que defendem.
Apesar do engano de graves consequências dos Coletivistas, não é
difícil entender como puderam construir um raciocínio tão torto assim: por
trás das forças condutoras da história, espreita uma ambição que nos faz
arquitetar maneiras cada vez mais industriosas para resolver a penúria à
nossa volta em busca de comodidade, influência, fama ou lucro. Escondido
à sombra desta avareza, o mercado nos seduz com uma aptidão para a
cobiça proporcional ao amor que os Estados, democráticos ou não, nutrem
em se deteriorar em Plutocracias. Como bons reformistas sociais, os
Coletivistas enxergam nesta fome um dos traços mais detestáveis das
entranhas Capitalistas, mas estas características ancestrais são inerentes à
condição humana e jamais serão extintas: qualquer sistema político-
econômico terá que lidar com elas, até mesmo aqueles preferidos pelos
Coletivistas. O fardo da ganância é um elemento indissociável de nossa
humanidade.
De fato, a movimentação de capital não resulta necessariamente em
melhor saúde, melhor educação, melhor tecnologia ou avanço científico, e
parte disso tem uma explicação bem simples: no mundo pré-moderno, a
Natureza dominava os homens, dificultando o progresso de sua
autoconsciência. Ao transformar nosso relacionamento com a Natureza e
amplificar as forças produtoras, o Capitalismo nos separou do mundo
natural e um dos outros de certo modo. Não estamos mais subordinados
apenas a laços de familiaridade, mas também a interesses de negócios.
Sem embargo, não é função do Capitalismo amalgamar em si a cura de
todos os problemas sociais e purificar a avareza humana. Nenhum sistema
político-econômico está à altura de tal missão. Mas, tendo intrinsecamente a
liberdade e, extrinsecamente, a dispersão do poder de decisão, o
Capitalismo proporciona um cenário favorável para o avanço da Moral, da
justiça e da prosperidade.
No final, a decisão sobre o que produzir e o que consumir dependerá
sempre da soma do livre arbítrio de cada um dos cidadãos dentro da
sociedade, tornando a dispersão do poder uma peculiaridade Moral
estratégica na vitalidade do sistema Capitalista.
Capitalismo e Humanitarismo
Além do distanciamento interpessoal, o Capitalismo sofre com alguns
nevoeiros próprios como a estagnação dos lucros, a concentração de renda,
a acentuação das desigualdades e uma busca desenfreada por um sucesso
que deve ser aferido em recordes a serem continuamente superados.
Somado a todas estas tempestades, o balé da especulação financeira – uma
das festas mais concorridas do Capitalismo – também não demonstra
qualquer preocupação com a empatia, a compaixão ou a magnanimidade.
Então de que maneira o Capitalismo poderia ser Humanitário?
Leis humanitárias devem ser negativas (elas dizem o que não deve ser
feito, ao invés do que pode ou deve ser feito), gerais (abstratas o suficiente
para serem aplicadas em situações futuras) e permanentes (só devem ser
modificadas quando conflitarem com outras leis de maior valor). Uma
conduta ética consistiria em agir de acordo com estas leis, e uma sociedade
justa seria aquela que funcionasse em obediência a elas. Se observarmos
com atenção, o Capitalismo acomoda bem esta noção de isonomia: em
essência, ele é indiferente quanto a raça, classe, cor, religião, sexo,
nacionalidade ou credo. É impessoal e não-humano, como um programa de
computador.
Defender o Capitalismo como um sistema exequível é bem diferente de
defendê-lo o “melhor sistema possível”. A ficção do “melhor sistema
possível” seria um Capitalismo modulado para garantir recompensas aos
empreendedores e aos gestores responsáveis, ao mesmo tempo em que
desencoraja e pune sistematicamente todos os vigaristas. Como esse tipo de
onipotência onisciente não pertence ao mundo concreto, o debate Moral em
torno do Capitalismo deveria centrar-se em tentar combinar sua eficiência
econômica com qualidade de vida, boa renda e viabilização da caridade. Os
Coletivistas dizem que isto é impossível, e apontam o Capitalismo como o
vilão responsável por todos os dissabores deste mundo. Eles estão certos?
Compilando dados da Heritage Foundation, do Banco Mundial e do
Fundo Monetário Internacional, observamos que o conjunto dos 20 Países
com Maior Liberdade Econômica (a saber: Hong Kong, Singapura, Nova
Zelândia, Suíça, Austrália, Irlanda, Estônia, Reino Unido, Canadá,
Emirados Árabes Unidos, Islândia, Dinamarca, Taiwan, Luxemburgo,
Suécia, Geórgia, Países Baixos, Estados Unidos, Lituânia e Chile) apresenta
um PIB em Paridade de Poder de Compra (PIB-PPC) de US$ 48.722 per
capita, vivendo em um IDH médio de 0,905.
Em contrapartida, o conjunto dos 20 Países com Menor Liberdade
Econômica (a saber: Sudão, Chade, República Centro-Africana, Angola,
Equador, Suriname, Timor-Leste, Togo, Turcomenistão, Moçambique,
Djibuti, Argélia, Bolívia, Zimbábue, Guiné Equatorial, Eritreia, República
Democrática do Congo, Cuba, Venezuela e Coreia do Norte) apresenta um
PIB-PPC de US$ 8.139 per capita e um IDH médio de 0,589.
Se o Capitalismo condena a maioria das pessoas a uma uma miséria
desumana, como pode a adesão à Liberdade Econômica (essencial ao
Capitalismo) resultar em um poder de compra quase seis vezes maior e uma
qualidade de vida 53% melhor? Isso para não mencionar que é muito mais
fácil fazer caridade ganhando 133 dólares por dia que recebendo um sexto
disto.
Sim, algo errado não está certo na narrativa dos Coletivistas. E este
“errado” é o fato de que o que eles chamam de “interpretação da realidade”
tem muito de interpretação e quase nada de realidade: suas construções
ideológicas sobre “como o Capitalismo é desumano" não passam de um
malabarismo cujo único intuito é distorcer os fatos em uma miragem que
acoberte as crueldades de suas práticas.
O sucesso no Capitalismo não reflete exatamente a inteligência e o
trabalho duro per se, mas a presença de qualidades temporalmente
valorizadas pelo mercado. Por isso, no Capitalismo, o sucesso não depende
tanto de sua posição atual na hierarquia social ou de ser o detentor do
monopólio de determinados bens e serviços. Como um simulacro financeiro
da Seleção Natural das Espécies, o sucesso no Capitalismo depende de
possuir capacidades inatas e competências adquiridas focadas em sua
utilidade no ambiente do mercado: você não fará sucesso sendo feliz; você
fará sucesso sendo necessário, raro ou desejado. Infelizmente, quando os
Coletivistas contemplam a estrutura fria e pragmática do Capitalismo, eles
rapidamente saem anunciando aos quatro ventos – e mais uma vez – como
tal sistema empurra a maioria das pessoas à penúria. Para tristeza destes
entusiastas, seus enunciados não são corroborados pelos fatos, como visto
anteriormente.
No livro The Great Divide, o economista neokeynesiano Joseph
Stiglitz, agraciado com um Prêmio Nobel de Economia em 2001, conseguiu
a façanha de concluir que as desigualdades sociais poderiam ser evitadas
aumentando-se a participação do Estado na economia. Não satisfeito com a
proeza de sua dedução ilógica, Stiglitz foi ainda mais longe afirmando que
o Capitalismo, além de gerar desigualdade, privação e escassez, corrompe a
Democracia.
Parece impressionante que Stiglitz, um orgulhoso membro da
Comissão Socialista Internacional de Questões Financeiras Globais, não
tenha observado que a “desumanidade” das desigualdades sociais não
advém do Capitalismo, mas do fato de que os humanos são diversos em
suas faculdades mentais, gostos, capacidades físicas e habilidades motoras.
Não é possível igualar por decreto uma pessoa cheia de energia e disciplina
a outra pessoa preguiçosa e indolente. Não existe uma política de Estado
capaz de garantir oportunidades iguais para uma pessoa com QI de 130 e
outra com QI de 80 sem sabotar a primeira e privilegiar a segunda. Se este
tipo de ação discricionária não significa tendenciosidade, desmerecimento e
despotismo, então não sei mais o que se significam justiça, mérito e
Democracia.
Entre os 20 Países Capitalistas Mais Ricos do Mundo, encontramos
dez dos 15 Países Mais Democráticos do Mundo (a saber: Noruega,
Islândia, Suécia, Irlanda, Canadá, Austrália, Suíça, Holanda, Luxemburgo e
Alemanha).
Se a riqueza produzida pelo Capitalismo corrompe a Democracia,
como Stiglitz afirmou, não parece insólito que nações ricas e Capitalistas
figurem nos primeiros lugares entre os países mais democráticos?
Seguindo o raciocínio de Stiglitz de que “o Capitalismo corrompe a
Democracia”, e considerando que o Livre Mercado é um dos dois pilares do
Capitalismo, os países com menor liberdade econômica deveriam estar na
lista dos países mais Democráticos – afinal de contas, preservados da
devassidão Capitalista, eles teriam um ambiente favorável para a mais pura
e verdadeira Democracia, certo?
Pois o que ocorre é o contrário: praticamente metade dos 15 Países
Menos Democráticos do Mundo está na lista dos 20 Países com Menor
Liberdade Econômica (a saber: Coreia do Norte, Chade, República
Centro-Africana, República do Congo, Turquemenistão, Guiné Equatorial e
Sudão).
Nenhum dos 20 Países com Menor Liberdade Econômica figura na
lista dos 15 Países Mais Democráticos do Mundo. Ou seja: menos
Capitalismo não está associado a mais Democracia. Porém, mais
Capitalismo está. E nenhum regime neste planeta permite mais ações
humanitárias que a Democracia.
A conclusão é que o Coletivismo nunca se preocupou em promover a
liberdade, dispersar o poder ou combater humanitariamente a pobreza.
Conforme os números mostram, esta tarefa sempre coube à “maldição
opressora e fascista” da Direita e seu abominável Capitalismo.
Capitalismo e Dignidade
Após décadas de quilometragem, o Capitalismo não demonstrou um
respeito indubitável aos vínculos com e entre pessoas competentes e
trabalhadoras. Por exemplo: o sucesso e as recompensas podem abençoar a
esperteza daqueles que aproveitam pequenas falhas na estrutura e lançam
mão de suas conexões políticas. Indignados com esta possibilidade, os
críticos do Capitalismo perguntam: “como Livre Mercado nem sempre se
correlaciona à meritocracia por produtividade ou recompensas pela raridade
do seu bem ou serviço, e como esta mesma liberdade pode muito bem valer-
se lucrativamente da corrupção e do tráfico de influências, que dignidade há
no Capitalismo?”.
Este é um dos motivos pelos quais os Coletivistas defendem uma
“economia mista”. Boa parte de sua desconfiança decorre das defesas que
antigos Capitalistas fizeram do sistema, louvando o lucro como um novo
deus reinando acima de tudo e de todos. Eles estavam mais ou menos certos
– e mais ou menos equivocados. A característica mais relevante do
Capitalismo não é o lucro, mas o fato dele ser consistente com um princípio
Moral fundamental na existência humana: o respeito à Dignidade. Vou lhe
contar como isso aconteceu:
As culturas agrícolas pré-industriais apresentavam valores tradicionais
relacionados à sobrevivência de curto e médio prazo: a vida no campo é
dura e imprevisível, então você deve cumprir com suas obrigações, contar
com a ajuda de sua família e orar pela proteção dos deuses. Contudo, à
medida que a industrialização avançou e as pessoas saíram do campo e
entraram nas fábricas, as posses aumentaram e os juízos mudaram. Quando
o dinheiro foi incorporado à rotina, as convicções religiosas perderam
espaço para valores mais práticos: passamos a desejar mais dinheiro não
apenas pela proteção que ele disponibiliza, mas pelo prestígio social que é
capaz de comprar.
Foi neste estágio que o Capitalismo assumiu um espectro “imoral”,
especialmente entre artistas e intelectuais. Ele parecia explorar os
trabalhadores para produzir bens, colocando então estes bens em oferta no
mercado, estimulando os trabalhadores a persegui-los com grande
obstinação para adquiri-los de volta ao custo de seu “mais valia”, fechando,
assim, o ciclo de sua agiotagem e “Alienação” – como descreveu Marx.
Apesar de aparentemente lógico (e evidentemente errado), este
raciocínio é também inacabado. Se tivermos paciência, chegaremos ao
próximo degrau do Capitalismo: a transição da sociedade de manufatura
para uma sociedade direcionada para a prestação de serviços que exigem
habilidades diferentes daquelas do chão da fábrica.
Com o aumento da proteção à autodeterminação e com a redução da
incidência de doenças evitáveis, da fome desnecessária, da vulnerabilidade
às forças da natureza e da brutalidade política, o crescimento da segurança
produziu um efeito em cascata, modificando os valores pessoais com
priorização da liberdade sobre a sujeição, da autonomia sobre a autoridade,
da diversidade sobre a uniformidade, e da criatividade acima do
dogmatismo. E não se trata apenas de teoria: isto ocorreu na prática! As
gerações que cresceram sob as benesses do Capitalismo desenvolveram
uma mentalidade com maior apreço pelos direitos das mulheres, dos gays,
dos animais, de seus semelhantes e do meio ambiente como um todo. E
tudo começou com uma inusitada semente de dignidade chamada
Capitalismo.
Não obstante, os anticapitalistas acusam que, uma vez que a
perseguição dos auto-interesses é essencial em uma economia de mercado,
o Estado permite que indivíduos e empresas ajam de forma tão gananciosa e
egocêntrica quanto puderem dentro dos limites da lei, furtando-se de
qualquer obrigação para estabelecer padrões Morais mais elevados que o
suficiente. Entretanto, apenas em um surto de insanidade alguém poderia
negar que o Capitalismo é capaz de produzir o respeito à dignidade humana
como um subproduto de sua sobrevivência em uma sociedade
hiperconectada.
Por exemplo: por meio da livre circulação de ideias, podemos tomar
consciência e boicotar empresas que se utilizam de trabalho escravo, ou
exploram mão de obra infantil, ou praticam alguma forma de produção ou
comércio que seja Moralmente condenável. No ambiente de alta
competitividade do Capitalismo, um boicote destes traduz-se em perdas
astronômicas de faturamento, podendo levar até mesmo à extinção de uma
empresa.
Em outro raciocínio quanto ao estímulo à dignidade promovido pelo
Capitalismo, considere o fato de que não podemos elevar ou rebaixar
sentimentos humanitários por meio da força, mas é possível fazer isso
através de incentivos: em um serviço público (um hospital, por exemplo),
você não passa de uma inconveniência necessária. Em um serviço privado,
você é um cliente valioso.
Apesar de não garantir uma sociedade Moralmente mais digna, o
Capitalismo certamente é um pré-requisito para sua existência.
Capitalismo e Responsabilidade
Em setembro de 1970, Milton Friedman publicou um artigo no New
York Times Magazine chamado A Responsabilidade Social dos Negócios é
Aumentar os Lucros. Friedman, agraciado com um Prêmio Nobel em
Economia em 1976, é provavelmente um dos mais influentes economistas
da segunda metade do século XX, e seus conceitos se tornaram avenidas
fundamentais por onde correm os pensamentos econômicos da atualidade.
De acordo com Friedman, o Capitalismo jamais irá inspirar doçura,
compaixão ou afeto, pois foi construído sobre o melhor uso de nossos
piores vícios. Talvez por isso ele funcione tão bem: sistemas Coletivistas
falharam miseravelmente ao recusarem o reconhecimento de nossa natureza
humana. E esta natureza está mais para O Leviatã de Hobbes que o Bom
Selvagem de Rousseau. Mas isso não é de todo mau.
Não pode haver Moralidade sem responsabilidade, ou responsabilidade
sem autodeterminação, e ambas as qualidades implicam em racionalidade,
autocontrole, produtividade e perseverança. Como mencionado, apesar de
um sistema político-econômico não poder ser um agente Moral da mesma
forma que uma pessoa, ele pode ser Moral em seus efeitos ao encorajar
comportamentos conscienciosos dos indivíduos sob sua égide. Em si, o
Capitalismo é isto, um “meio”, cabendo aos participantes individuais
decidirem de maneira autônoma os fins a serem perseguidos.
Uma vez incorporados ao Capitalismo, os negociantes assumem
responsabilidades bem particulares: eles devem respeitar os direitos naturais
dos outros indivíduos e seus contratos, evitar fraudes, não utilizar
mecanismos de coerção e honrar suas representações na comunidade. O
Livre Mercado recompensa a polidez, o cooperativismo, a tolerância, a
honestidade, o discernimento lógico, a criatividade e o jogo limpo. Em um
ambiente dinâmico, vívido e competitivo, mentir e trapacear é assumir um
sério risco de comprometer reputações presentes e resultados futuros.
No longo prazo, os negócios mais lucrativos tendem a ser operados em
concordância com princípios de Responsabilidade que a maioria das
pessoas considera sublimes. Comprovações deste argumento podem ser
encontradas nos casos de empresas que violaram os preceitos de idoneidade
exigidos pelo Capitalismo: companhias como Toshiba, Enron, WorldCom,
Tyco e Lehman Brothers sofreram duras penalidades, receberam multas
milionárias e tiveram CEOs presos por conspiração, fraude e falsificação de
registros. Perderam importantes fatias do mercado e viram seu valor
encolher ou ser extinto.
Como um padrão-ouro, os negócios mais valorizados são aqueles
cooperativos e abertos para opiniões divergentes, que observam as normas
estabelecidas, e oferecem produtos e serviços justos, inovadores e
confiáveis.
Algumas companhias bilionárias da atualidade não iniciaram suas
atividades exatamente com esta índole, mas foram forçadas a se adaptar aos
padrões de responsabilidade exigidos pela opinião da “invisível mão do
mercado”: no começo de sua existência, Reddit e Tinder criavam contas
falsas para passar a impressão de que possuíam uma enorme base de
usuários. O primeiro impulso de lançamento do Facebook consistiu em
obter os e-mails de todos os estudantes de Harvard e disparar spams
convidando-os para a plataforma. Uma tática similar foi empregada pelos
fundadores YouTube. Se estas companhias tivessem insistido em manter
condutas assim, o mais provável é que o mercado consumidor,
absolutamente mal humorado por ser incomodado com tantas falcatruas,
lhes condenasse ao ostracismo. A vontade de crescer e lucrar foi obrigada a
curvar-se ante o imperativo da Responsabilidade.
Outro exemplo de como opera a responsabilidade do Capitalismo pode
ser extraído de David Hume: na obra História Natural da Religião, Hume
relata a história de Brasidas e de Roberto Belarmino. Brasidas foi um
brilhante general espartano que se destacou durante a Guerra do
Peloponeso, tendo falecido após ser gravemente ferido na batalha de
Anfípolis, em 422 a.C. Conta Hume que Brasidas certa vez pegou um rato
e, como este o mordeu, deixou-o fugir. “Nada existe de mais desprezível”,
disse o general, “do que aquele que poderia assegurar sua salvação se
apenas tivesse a coragem de se defender”.
Em contrapartida, o jesuíta italiano Roberto Belarmino (1542-1621)
permitia que pulgas e outros insetos repugnantes grudassem nele.
“Ganharemos o céu como recompensa por nossos sofrimentos”, dizia
pacientemente o padre, “mas estas pobres criaturas não têm mais que os
prazeres da vida presente”. E esta é a diferença de atributos que existe entre
os escravos das doutrinas Coletivistas e os heróis Capitalistas descritos por
Ayn Rand.
O Capitalismo prospera na responsabilidade de cada um buscar seu
próprio sucesso, respeitando a liberdade daqueles que trabalham pesado
dentro das mesmas regras. O Coletivismo, por outro lado, sobrevive da
inveja do sucesso alheio e da subserviência de muitos àqueles poucos que
drenam o sangue do empreendedorismo utilizando a bandeira da "justiça
social" como indulto.
Em Ética e Sociologia da Moral, Émile Durkheim registrou que a
economia Capitalista consiste na satisfação das carências materiais do
indivíduo. O consumidor é o objetivo das relações econômicas e o lucro é a
celebração do sucesso deste intento. Ainda que os laços sociais do
Capitalismo sejam egoístas, superficiais e utilitários, eles são laços de
interesses mútuos – e com isso afiançam a motivação de sua
continuidade. Seu princípio de responsabilidade inclui ter coragem de
colocar sua pele em jogo para obter ganhos e pagar o preço caso estes
ganhos violem o princípio da livre concorrência ou o direito à propriedade
privada de terceiros. Nada poderia ser mais maduro.
Entre todos estes ataques e defesas Morais, os esforços para conferir ao
Capitalismo um véu ético esbarram nas mesmas dificuldades: quanto mais
tentamos lhe impor limites, menos eficiente o Capitalismo se torna. Quanto
mais aliviamos suas amarras, mais belicoso ele se apresenta. Desfazer o nó
deste dilema não é uma tarefa fácil, mas declará-lo insolúvel é um
derrotismo inútil.
O aumento da riqueza é essencial para o bem estar das sociedades, mas
é óbvio que apenas isto não é suficiente para produzir felicidade. Somos
tanto criaturas de espíritos quanto somos criaturas de carnes, incapazes de
atingir um estado de contentamento sem perseguir propósitos Morais
engrandecedores para nossas vidas. Precisamos destes propósitos. Sem eles,
nos tornamos apagados, abatidos, meras sombras do esplendor para o qual
nascemos destinados.
É um lugar comum dizer que o Capitalismo cria prosperidade à custa
da dignidade e do humanitarismo das pessoas. Muitos criticam o
Capitalismo não porque não conseguem ver sua capacidade de gerar
riquezas, mas porque acreditam que ele seja fundamentalmente imoral. Para
estas pessoas, respondo o seguinte: a retidão Moral do Capitalismo está na
sua capacidade única de permitir o florescimento humano.
Os curtos períodos da história que se aproximaram do Capitalismo puro
foram marcados por inovações e prosperidade sem precedentes. Se você
deseja investigar os impactos positivos do Capitalismo sobre o bem estar
das pessoas, observe as indústrias menos regulamentadas, como as de
Tecnologia de Informação e Eletroeletrônicos. Atualmente, são elas que
produzem a maioria das inovações que facilitam sua vida. Na sequência,
compare estas indústrias a setores fortemente normatizados como Saúde,
Educação e Segurança, e você terá uma dimensão dos benefícios do espírito
Capitalista e dos custos de mantê-lo afastado.
Infelizmente, nos debates sobre a Moralidade do Capitalismo, tem-se
colocado uma atenção enorme sobre o quanto da renda produzida pelo
mercado deve ser redistribuída, mas pouco se fala sobre os arranjos
institucionais que determinam o modo como esses recursos são
efetivamente produzidos.
Acredito ter deixado claro que a parte mais importante do Livre
Mercado e do direito à Propriedade Privada não está na eficiência
econômica ou na incrível capacidade de ambos propiciarem riqueza e bem-
estar. A parte mais importante está no fato de que os pilares do Capitalismo
são compatíveis com os mais elevados princípios Morais da vida humana
em si: a liberdade, a Democracia, a dignidade, o humanitarismo e a auto-
responsabilidade.
As pessoas que vivem à míngua em geral podem ser divididas em três
categorias: aquelas que escolheram que este era o estilo de vida mais
adequado para elas; aquelas que fizeram julgamentos ruins e investimentos
piores ainda que as levaram à pobreza; e aquelas que foram impedidas de
ser produtivas e exercer seu direito à Propriedade Privada e ao Livre
Mercado. No primeiro caso, trata-se de uma opção voluntária – e nada pode
ser feito com relação a isto. No segundo, trata-se de falta de estudo ou azar
– e apenas o próprio indivíduo pode ajudar-se, aprofundando-se em seus
estudos e capacitações. O terceiro caso é tipicamente causado pela ausência
de Capitalismo.

9. O CONSERVADORISMO
Se a Direita abrangesse uma área geográfica, poderíamos dizer que
alguns distritos seriam ocupados por casas de Libertarianos; teríamos
alguns clubes de Neoconservadores aqui e alguns acampamentos de
nômades Anarcocapitalistas acolá, mas quem reinaria mesmo, o grupo que
teria a jurisdição do condado, seria o clã dos Conservadores.
O Conservadorismo está para a Direita assim como o Progressismo está
para a Esquerda.
Alguns podem dizer que Conservadorismo e Progressismo são
orientações essencialmente políticas e não possuem conotações Morais. Eu
discordo absolutamente. Esquerda versus Direita; Conservadorismo versus
Progressismo; Libertarianismo versus Socialismo; e Anarcocapitalismo
versus Comunismo, não significam apenas referenciais político-
econômicos, mas verdadeiras díades Morais cujos ventos influenciam todas
as extensões socioculturais de nossa existência.
Estas denominações podem parecer modernas, mas os conceitos que
expressam certamente não são. Estes Caos & Ordem, estes Yin e Yang
comportamentais, acompanham nossa espécie há muito tempo e se alternam
em nossas Identidades Pessoais como um carrossel de engrenagens:
dificilmente você encontrará alguém 100% de Direita ou 100% de
Esquerda, ou 100% Conservador ou 100% Progressista, 100% do tempo.
Somos uma bagunça ambulante de todas estas importâncias, eventualmente
sacando uma ou outra de nossos bolsos segundo a maior vantagem para o
momento.
Dito isto, vamos explorar exatamente o que significa ser um
Conservador:
O Conservadorismo pode ser conceituado como um sistema que
suspeita da revolução e confia plenamente na experiência. Um Conservador
é alguém que procura a melhora gradual da sociedade a partir de arranjos já
testados, pois reconhece que a ordem é difícil de ser alcançada, fácil de ser
perdida e dispendiosa para ser recuperada.
A noção de tradição e manutenção da ordem é central no pensamento
Conservador, mas em um fluxo gradual e cauteloso: fúrias inovadoras são
rotuladas como impulsos cegos e imaturos. A visão social orgânica do
Conservadorismo deposita sua fé na família, na propriedade privada e na
religião, rejeitando uniões “místicas” entre a Identidade Pessoal e o Estado.
Com todo este pragmatismo, soa tentador classificar o
Conservadorismo como reacionário, mas isto é um equívoco. O
Conservadorismo não defende uma paralisação inegociável do tecido social,
mas a moderação nas mudanças, o passo a passo no lugar dos saltos, pois o
conhecimento humano é imperfeito e algumas aventuras podem ter
consequências desastrosas. O Conservadorismo carrega um espírito
renovador intrinsecamente Cético: “jamais deposite todas suas fichas no
Estado e jamais, jamais! confie plenamente no governo ou nos políticos”,
alertam seus arautos.
Dentro de seu clube, os Conservadores podem ser desmembrados em
Tradicionais (ou Clássicos) e Não-Tradicionais (ou Neoconservadores). Os
Clássicos são Realistas Morais por natureza, e defendem que existe um
modelo Moral superior que deveria ser aplicado a todas as sociedades
humanas. Os Neoconservadores, por outro lado, admitem pequenas doses
de Relativismo, aceitando que algumas configurações político-econômicas
devem ser adaptadas ao contexto histórico, temporal e cultural de uma
determinada sociedade. Mas abordaremos o Neoconservadorismo com
maiores detalhes mais adiante.
Voltemos aos Clássicos:
No Conservadorismo tradicional, a obediência à ordem é considerada
uma das maiores virtudes políticas, mas isto não elimina a possibilidade de
liberdade. Na verdade, para seus adeptos, a liberdade corre lado a lado com
a obediência.
Por exemplo: apesar do Conservadorismo não ser contra o Livre
Mercado, ele tende a acreditar que o mercado deve ser suplementado por
algum tipo de Moralidade incorporada na forma de autoridades
oficializadas. A visão que os Conservadores têm do Livre Mercado é
essencialmente Deontológica: o Livre Mercado é a melhor maneira de
conquistar prosperidade, mas ele deve obedecer aos direitos e deveres
prescritos pelos costumes e tradições, e qualquer ameaça de erosão destes
sustentáculos é repelida com severidade.
Filosoficamente, os Conversadores estão mais para Hobbes que Platão,
devido à convicção do primeiro quanto à ignorância e corrupção dos
governantes e a indispensabilidade da responsabilidade individual. Algumas
vezes, David Hume é classificado como um Conservador por seu ceticismo
quanto aos “fins que justificam os meios”. Se tivesse vivido o suficiente
para testemunhar a Revolução Francesa, Hume teria ficado horrorizado
tanto com os meios quanto com os fins empregados por Robespierre, e
quase certamente aceitaria o rótulo de Conservador de bom grado. O
ceticismo de Hume foi o precursor do Conservadorismo de Edmund Burke
(1729-1797).
Burke está para o Conservadorismo como Marx está para o
Progressismo. Em Reflexões sobre a Revolução na França, Burke alertou
sobre a histeria da “utopia de perfeição humana” em andamento35.
Escrevendo em 1790, ele mais ou menos previu o período de Terror que se
instalaria 3 anos mais tarde e guilhotinaria a ex-rainha Maria Antonieta,
Antoine Lavoisier e outros 40 mil coitados.
Apesar de Burke considerar o ateísmo jacobino uma ameaça à tradição
cultural do Ocidente, o entusiasmo religioso não é um pré-requisito para o
Conservadorismo: Alexis de Tocqueville (1805-1859), um Conservador
criterioso e ele mesmo um agnóstico reservado, acreditava que a Religião
era pertinente para a Democracia não exatamente por causa da fé, mas pelo
fato de a Moral Religiosa representar um recurso eficaz para resistir às
ameaças do materialismo exacerbado44.
Diferentemente da objetividade de Tocqueville, Burke era prisioneiro
de uma concepção feudal do mundo e impregnou seu Conservadorismo
com a ideia de que a Religião era a base da sociedade civil e de que o
Cristianismo, dentre todas as opções (incluindo o Hinduísmo e o
Islamismo), representava o veículo mais certeiro para o progresso social.
Advinda a Modernidade, Michael Oakeshott (1901-1990) assumiu o
posto de Referência Maior no Conservadorismo. Sua lógica, mais secular
que a de Burke, segue uma trilha um tanto pessimista, preferindo a
familiaridade à perfeição, o testado ao não testado, e o palpável ao possível.
Oakeshott considerava que a função do Estado e da política consistia em
permitir que as pessoas vivessem juntas à luz de suas histórias e tradições, e
não guiadas por metas universais extrínsecas como igualdade ou eliminação
da pobreza.
Para Oakeshott, o Conservadorismo não era um credo ou uma doutrina,
mas uma disposição para o carpe diem. Todavia, ele defendia que devemos
nos libertar da escravidão que é o compromisso inegociável com as
tradições, retornando a ela mais tarde, enriquecidos e melhor informados
acerca do mundo36.
Seguindo os passos de Burke e Oakeshott, passamos pelo
Conservadorismo prudente de Russell Kirk (1918-1994)37 e chegamos
àquele que é, provavelmente, o pensador Conservador mais influente vivo
neste momento: Roger Scruton, cuja filosofia Conservadora baseia-se nos
conceitos de autoridade, fidelidade e tradição.
Se o começo do século XX caracterizou-se pela disseminação das
ideologias de Esquerda e do Niilismo, o começo do século XXI está sendo
o palco de uma onda reversa: o Conservadorismo Clássico, ostentando um
Realismo Moral insuflado com ares de teocracia judaico-cristã, ressurgiu do
ostracismo e começou a colonizar o imaginário de muitos órfãos que
perambulavam nas ruas babélicas da Pós-Modernidade.
A principal linha de defesa da legitimidade das intenções dos
Conservadores repousa na presumida competência de seu sistema Moral.
Mas tanto eles quanto seus opositores dizem portar as novas tábuas da
salvação contendo a codificação para uma Moralidade universal. Quem está
com a razão?
É irreal proclamar que a expansão do Conservadorismo fatalmente
produzirá um mundo mais ético, intelectual e meritocrático – assim como é
irreal asseverar que a justiça Progressista é necessariamente objetiva e
apolítica. O Conservadorismo traz consigo o risco de agravar aquilo que
afirma pretender eliminar: o poder exercido em nome de interesses próprios
e desvinculado dos valores de um Estado democrático. Infelizmente, no
desespero de nos agarramos a uma Moralidade qualquer, estamos adotando
qualquer uma que se apresente. O Progressismo Coletivista é uma ideologia
perniciosa sustentada em metanarrativas fantasiosas, e o Conservadorismo
hiperbólico apresenta sinais de uma síndrome semelhante.
O Conservadorismo tem uma incômoda complacência quanto ao status
quo, mesmo quando ele se torna inaceitável. Para um Conservador, uma
revolução não prova coisa alguma além do fato de que revoluções são
possíveis, e talvez por isso os Conservadores do século XIX tenham reagido
com tamanha intensidade contra a industrialização e a voracidade do
nascente Livre Mercado Capitalista. Mais tarde, Burke escreveria
longamente sobre esta espécie de “nostalgia feudal”, e Scruton faria algo
parecido, criticando a “nova estética” dos prédios em Londres.
O apego extremo às tradições pode tornar o Conservadorismo Clássico
outra versão dos velhos idealismos que negam a realidade e descartam os
diferentes desejos e propósitos que existem em cada um dos membros de
uma sociedade. Levado à risca, ele pode aprisionar a sociedade em uma
austeridade tão inabalável que, eventualmente, todo o tecido apodrece e se
desfaz.
Nossa Identidade Pessoal foi programada para a preservação da espécie
segundo instintos formatados ao custo de várias inovações disruptivas ao
longo de nossa história. A despeito do poder do Objetivismo de Ayn Rand e
do Individualismo Pós-Moderno, ainda possuímos essa carga genética que
nos torna profundamente felizes quando nos dedicamos à família, aos
amigos, à religião (qualquer que seja ela), à comunidade e à nação. Aqueles
que possuem este traço comportamental mais proeminente tendem a se
identificar com os ideais Conservadores. Curiosamente, isto faz com que os
Conservadores tenham traços mais Consequencialistas que os Progressistas
que tanto demonizam: o Conservadorismo se dispõe a sacrificar dinheiro
para não sacrificar coisas que têm Valor. O que poderia ser mais Utilitarista
que isto?
Em essência, a verdade é que todos somos Conservadores em algum
grau: todo mundo prefere ter dinheiro vivo na carteira ao invés de viver em
uma sociedade onde este recurso foi banido. Mas este espírito cauteloso não
significa insegurança: quando comparados com pessoas Progressistas, os
Conservadores referem mais autoconfiança, se acham mais atraentes e mais
eficazes tanto política quanto economicamente42. Por isso, não surpreende
que, ao cruzar dados de três estudos nacionais realizados nos EUA e em
outros nove países, pesquisadores do Departamento de Psicologia da
Universidade de Nova Iorque descobriram que pessoas com orientações
político-ideológicas de Direita possuem uma maior percepção de bem-estar
e felicidade que aquelas com orientações de Esquerda. Aparentemente, a
resposta para esta diferença reside no fato de que pessoas de Direita
possuem uma resiliência emocional maior para lidar com os efeitos das
desigualdades econômicas43.
Em O Contrato Social e outros escritos (1762), Rousseau afirmou que
a vontade particular tende às preferências, e a vontade geral tende à
igualdade, à retidão e à utilidade pública. É um deslize bobo. Na verdade, a
vontade particular tende aos privilégios e à corrupção, e a vontade geral
tende à institucionalização da demagogia. É por isso que qualquer
sociedade necessita de um Estado instituído, de Leis claras, de Justiça
eficaz e de uma Moralidade sólida. A Esquerda por inteiro e a parte mais
extrema da Direita não entendem o que são Leis, Justiça ou Moralidade; e a
única diferença entre ambas está no fato de que a primeira deseja alcançar
essa distopia aumentando o Estado, e a segunda, abolindo-o. Apenas o
Conservadorismo parece apresentar o equilíbrio necessário para levar esta
tarefa a cabo.
Um sintoma desta ponderação pode ser observado no fato de que a
crescente onda Conservadora da segunda década do século XXI pouco a
pouco está adotando um discurso mais suave e agradável, deixando de lado
as pirraças reacionárias de outrora. Talvez isto seja uma adaptação
estratégica para aumentar suas tropas e expandir seu território, ou talvez
seja um sintoma tardio da boa prudência receitada por Russell Kirk – neste
caso, seria um benfazejo sinal de sabedoria dos tempos.
Estes Conservadores ponderados ainda não são muitos, mas suas vozes
estão começando a ser ouvidas e seus votos, contados.

10. ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O NEOCONSERVADORISMO


O colapso do Socialismo-Comunismo no final da década de 1980
coroou a ruptura entre Direita e Esquerda. Alguns Progressistas, reagindo
ao desmoronamento e ao Relativismo cada vez mais intenso que reinava na
Esquerda, decidiram pular a cerca para o lado do Conservadorismo. Estes
pioneiros autonomearam-se Neoconservadores49.
Oficialmente, o movimento Neoconservador surgiu nos EUA na década
de 1970 entre intelectuais que compartilhavam algum desprezo pelo
Socialismo-Comunismo e seu combate às tradições50. O termo
Neoconservador foi utilizado pela primeira com seu significado atual por
Michael Harrington, um socialdemocrata, em 1973. Foi Harrington quem
caracterizou os Neoconservadores como “ex-esquerdistas”51.
De início, o Neoconservadorismo foi uma maneira de trabalhar o
isolamento ideológico do Conservadorismo Clássico, permitindo um
diálogo razoável com algumas agendas Progressistas merecedoras de
atenção.
O respeito que os Neoconservadores demonstram às instituições
estabelecidas lembra um pouco o Conservadorismo de Edmund Burke.
Entretanto, os Neoconservadores dedicam uma atenção maior à cultura de
massa e, mais modernamente, à influência das redes sociais. Eles enfatizam
a importância dos métodos de engenharia social – uma herança dos tempos
em que faziam parte da fauna e da flora da Esquerda – e sabem que quem
controla ideias, controla a opinião pública; e quem controla a opinião
pública controla a cultura e o sistema político-econômico como um todo.
Este é um importante ensinamento Progressista trazido pelos
Neoconservadores que deveria ser mais bem aproveitado pelos ideólogos da
Direita.
Em comparação aos Conservadores Clássicos, os Neoconservadores
são um pouco mais estatistas. O Militarismo e o Patriotismo (muitas vezes
imperialista) são proeminentes, assim como a tendência de responsabilizar
o Estado pela promoção de pelo menos algum bem-estar social. A crença no
progresso social e na universalidade dos Direitos Naturais resulta em uma
Deontologia que lhes confere a “obrigação” de “exportar” a Democracia
para todas as nações onde ela ainda não reina soberana. Assim,
Neoconservadores apoiam intervenções militares em nações estrangeiras
como um modo de estabelecer a “paz e a liberdade”.
Diferentemente dos Esquerdistas autênticos, os Neoconservadores
aceitam a existência de desigualdades sociais, pois elas resultam das
diferenças intrínsecas de capacidades – não de oportunidades – entre os
indivíduos. Sua mentalidade meritocrática defende que qualquer
assistencialismo deveria ser apenas temporário e de curta duração.
Apesar de serem abertamente contra o racismo e admitirem doses
generosas de individualismo, os Neoconservadores tendem a rotular
relacionamentos homossexuais como “antinaturais” e não assistem com
bons olhos o crescimento do multiculturalismo. Eles consideram o declínio
da religiosidade a principal causa da Crise Moral e da degradação atual da
sociedade. Não obstante, seu posicionamento religioso tende a ser mais
brando que aquele observado entre Conservadores Clássicos.
A moralidade um tanto Positivista dos Neoconservadores lhes confere
um caráter Consequencialista típico dos Progressistas: seu princípio político
Moral básico, simples e direto, consiste na subordinação e sacrifício dos
indivíduos para o benefício do Estado-Nação. Dado este viés Utilitarista, os
Neoconservadores não são exatamente fãs do Estado mínimo: ainda que
admitam que a falta de liberdade e de oportunidades econômicas dos
regimes autoritários promovem extremismos, eles consideram que o Estado
tem o dever de conduzir as pessoas em suas escolhas e regular fortemente o
Livre Mercado. A genética Progressista faz com que apoiem impostos
crescentes sobre riquezas e heranças, e financiamentos para um estado de
bem-estar social, mas eles pelo menos assumem que estas agendas podem
ter consequências ruins se não forem gerenciadas com lisura.
Dentre as influências intelectuais mais marcantes do
Neoconservadorismo merecem destaque Leo Strauss e Irving Kristol . 52

Para Leo Strauss (1899–1973) os líderes políticos bem sucedidos são


aqueles que aprendem a empregar restrições compulsórias e válvulas de
escape benevolentes para manter os auto-interesses dos cidadãos sob
controle. Censor ferrenho do Relativismo Moral e do historicismo de
Heidegger (que pregava que o humano é formatado essencialmente pelas
vicissitudes da história na qual é jogado quando nasce), Strauss elaborou as
bases do Neoconservadorismo como um “coletivismo metafísico”. Ele
considerava (1) que a Natureza, o “ancestral de todos os ancestrais” que
contêm as Verdades substantivas; (2) que estas foram identificadas
repetidamente por filósofos como Platão e Aristóteles e os Estoicos; e (2)
que o desprezo por estas normas era o motivo da crise Moral de seu
tempo53,54.
Repetindo os argumentos de Platão em A República, Strauss defendia
que deveríamos ser governados apenas pelos melhores: uma vez que os
humanos são desiguais, alguns são naturalmente melhores que outros, e a
sabedoria destes deveria ter precedência acima do consentimento da
maioria54. O resultado deste pensamento, evidentemente, é um mundo onde
reconhecer o Direito Natural torna-se um dever entre os humanos e a
Democracia plena tem pouco espaço para existir.
Algumas sementes de Neoconservadorismo podem ser identificadas
nos conceitos elaborados por Strauss, mas, se as ideias sócio-políticas do
Neoconservadorismo possuem um pai e um arquiteto, esta pessoa é Irving
Kristol (1920-2009). Kristol cuidou de disseminar entendimentos preciosos
acerca do Neoconservadorismo, que ele considerava uma corrente de
pensamento desencadeada pela desilusão com o Progressismo.
Segundo Kristol, existem diferentes tipos de verdade para diferentes
tipos de pessoas. Existem verdades apropriadas para crianças, verdades
apropriadas para estudantes, e verdades apropriadas para adultos com
instrução. A verdade que cabe ao cidadão comum deve ser limitada a um
mito, uma revelação ou um costume, pois as pessoas comuns não sabem
exatamente o que querem ou o que constitui sua verdadeira felicidade, e
precisam ser adestradas pela fé ou pela força bruta para não se enterrarem
em sequências de decisões ruins57.
Com tudo isso em mente, Kristol caracterizou o Neoconservadorismo
como “uma forma de persuasão” ou “um jeito de pensar”; um sistema
antirromântico em substância e temperamento; uma salada de Platão,
Aristóteles, Maquiavel, Locke, Trotsky e Hayek, com doses generosas de
desconfiança com as ideias de Rousseau. Ele sinceramente considerava a
família, a religião e a economia de mercado pré-condições para uma
sociedade decente, estável e livre; e acreditava que os fins Progressistas
poderiam ser alcançados por meios Conservadores, sem o risco das tolices e
desumanidades já documentadas à Esquerda55.
Os Neoconservadores da atualidade encaram não a religião, mas a
comunidade como a fonte primária dos valores Morais. Eles são Socialistas
na economia, Progressistas na política e Conservadores na cultura, e
continuam acreditando – como proposto por Strauss – que uma elite
intelectual deveria governar o povo sem muitas explicações, pois o povo
jamais será capaz de compreender os meios e os fins de seus grandes
mestres intelectuais56.
Neste ponto, as origens esquerdistas do Neoconservadorismo colocam
o sistema todo dentro da bacia do Coletivismo e a um passo do Fascismo.
Assim como ocorreu com o termo Liberalismo, o termo
Neoconservadorismo quase perdeu seu significado devido ao uso
inconsistente, e muitos rejeitam a ideia de que ele seja um movimento
separado do Conservadorismo Clássico. Não penso assim. Penso que talvez
os Neoconservadores sejam mesmo Progressistas que deram de cara com a
realidade nua e crua do mundo após a Segunda Guerra Mundial e decidiram
aceitar os resultados ruins das políticas Socialistas-Comunistas, optando
pelas possibilidades de um Conservadorismo mais leve50.
Talvez, a despeito de seu Progressismo mal disfarçado, o
Neoconservadorismo seja a melhor saída para salvar o Conservadorismo
Clássico de seu anacronismo58.
Se ele pelo menos trouxer uma revisão de algumas Moralidades dos
Clássicos, sua presença dentro do espectro de Direita já terá valido a pena.

11. O SONHO LIBERTARIANO


A linha que percorre o espectro da Direita se inicia no
Neoconservadorismo e, após passar pelo Conservadorismo, chega ao
Libertarianismo. A palavra Libertarianismo foi utilizada pela primeira vez
com um sentido político em 1857, pelo anarco-comunista Joseph Déjacque
(1821-1864)45.
Porém, antes de enveredarmos pelo Libertarianismo, vale um
parêntese: afinal de contas, qual a diferença entre Libertarismo e
Liberalismo? O Libertarianismo tem uma personalidade forte e bastante
distinta. Em contrapartida, o termo Liberal e sua derivação, o Liberalismo,
tomaram conotações tão camaleônicas desde o final do século XIX que,
particularmente, considero-os agora tão vazios quanto o espaço entre dois
elétrons.
Por exemplo: na Grã-Bretanha e no Canadá, os partidos “Liberais”
adotam filosofias semelhantes ao Socialismo, com grande inclinação para
relativizar a propriedade privada, promover reservas de mercado, patrocinar
políticas assistencialistas e empregar o poder do Estado como uma
ferramenta de engenharia social. Nos EUA, sob o título “Liberal”
acumulam-se defensores de que o Estado deveria intervir em como a cor da
roupa que nossos filhos devem usar, se podemos ou não ter armas em casa,
e quais eventos da vida deveriam deixar-nos ou não felizes.
Por tudo isso, o uso do termo “Liberal” cria uma confusão dos diabos e
optei por abandoná-lo.
As filosofias Coletivistas e as teorias econômicas keynesianas
dominaram o cenário acadêmico por décadas, sufocando as tendências ao
individualismo imprescindíveis para a emergência do Libertarianismo.
Porém, a Segunda Guerra Mundial, a popularização do Objetivismo de Ayn
Rand e a publicação do clássico A Sociedade Aberta e Seus Inimigos
(1945), de Karl Popper, trouxeram o individualismo de volta ao centro dos
debates e, a partir daí, a simpatia pelos princípios Libertários cresceu. Nos
EUA, o Partido Libertariano, fundado em 1971, é considerado o terceiro
mais importante daquele país45.
O Libertarianismo é pautado em cinco axiomas principais: Liberdade,
Não Agressão, Autopertencimento, Tolerância e Ceticismo pela Autoridade
Política. Vamos a eles:
Para um Libertariano, a liberdade é considerada inegociável: a menos
que as pessoas sejam livres para estabelecer empresas e contratos, vender
seus serviços, guardar e investir suas rendas como bem entenderem, elas
não são realmente livres. A ênfase na liberdade estende-se à preservação da
liberdade de expressão, incluindo a condenação de leis anti-pornografia,
porém excetuando-se aquelas que proíbem a coerção de menores de idade
para produção desse tipo de material. E isto nos leva ao segundo axioma: a
não agressão. Nenhum homem ou grupo de homens pode cometer uma
agressão contra a pessoa ou a propriedade de qualquer outro59.
O terceiro axioma, o autopertencimento, está intimamente associado ao
respeito à propriedade privada, pois todos os Direitos Naturais, como o
próprio direito à liberdade, são uma forma de propriedade.
O realce da soberania do indivíduo torna os Libertarianos contrários à
criminalização das drogas e ao controle discricionário da venda de armas,
por exemplo. Apesar de muitos Libertarianos posicionarem-se
pessoalmente contra o aborto, eles em geral rejeitam qualquer mediação
governamental que impeça a capacidade de livre escolha das pessoas: a
confabulação sobre abortar ou não deveria ocorrer e ser do interesse
unicamente da mulher e de seu médico, jamais envolvendo qualquer
participação do governo ou do Estado. Uma vez que o autopertencimento
torna todos os humanos iguais perante a lei e responsáveis por seus próprios
atos, qualquer discriminação é considerada imoral, incluindo racialismo, o
sexismo e políticas de cotas.
A tolerância, o quarto princípio chave do Libertarianismo, desdobra-se
naturalmente dos anteriores. Por exemplo: casamentos entre pessoas do
mesmo sexo devem ter tanta validade quanto casamentos
herteronormativos. Novamente, a ideia é: “se eu acredito que devo ter
liberdade para fazer minhas próprias escolhas na vida, então devo tolerar as
livres escolhas de terceiros, desde que elas não me causem dano”. Mas isso
não significa dar as costas para os menos favorecidos: apesar do viés de
darwinismo social, o Libertarianismo não prega que devemos abandonar os
destituídos sofrendo as consequências de suas “livres escolhas ruins”, mas
também não impõe a obrigação de ajudá-los. O que deve haver é a
liberdade para desenvolver associações assistenciais independentes do
Estado. Em outras palavras: a cooperação autônoma é mais valiosa que a
ajuda compulsório ou por coerção.
Finalmente, sinalizando uma herança do Conservadorismo, temos o
axioma do ceticismo pela autoridade política, que se converte em um
questionamento da legitimidade do Estado e do próprio contrato social
subliminar que ele representa.
Para o Libertarianismo, o Estado viola a liberdade e o
autopertencimento dos cidadãos por meio do monopólio da violência e da
justiça, da coleta de impostos, do serviço militar obrigatório, das regras para
o ensino escolar e da restrição aos movimentos migratórios. O Estado não
deveria redistribuir riquezas, promover atividades culturais, subsidiar a
agricultura ou financiar pequenos empreendedores, mas proteger os direitos
individuais e permitir que os cidadãos perseguissem seus próprios objetivos
de modo pacífico.
Na sua visão, o Estado Mínimo seria a única forma de contrato social
capaz de estruturar sociedades complexas garantindo aos seus cidadãos o
máximo de autopertencimento possível; e o emprego da força tornar-se-ia
legítimo apenas em casos de autodefesa ou para corrigir erros graves no
sistema.
Todas estas convenções não surgiram do nada. Elas derivam de
tradições Morais encontradas na teoria econômica de Adam Smith, na
filosofia política de Montesquieu e John Locke, na Deontologia de Kant, no
Ceticismo de David Hume, e no Consequencialismo de Jeremy Betham e
John Stuart Mill. Mais modernamente, estes conceitos foram refinados por
representantes da Escola Austríaca de economia como Carl Menger, Mises,
Hayek, Murray Rothbard e Hans-Hermann Hoppe. Considerando sua
relevância para disseminação do pensamento Libertariano nos EUA, David
Boaz, vice-presidente do Instituto Cato, merece ser mencionado neste
grupo61.
Pessoalmente, considero que as primeiras sementes clássicas do
Libertarianismo foram plantadas por Maquiavel, que afirmou que o bom
governante “deve providenciar para que seus cidadãos possam exercitar
quietamente as suas atividades, no comércio e na agricultura e em todas as
outras atividades humanas; e que não tema o cidadão de prover as suas
possessões por temor de que lhe sejam tomadas, e outro de abrir um
negócio por medo dos impostos, mas deve o príncipe propor prêmios a
quem queira fazer essas coisas”46. A importância da não-intervenção
governamental para que os indivíduos atingissem a plenitude de seus
talentos seria reeditada mais tarde por Adam Smith.
Apesar de quase Libertariana, a mentalidade de Maquiavel
pressupunha a necessidade de haver um príncipe. Cerca de 150 anos depois,
Hobbes explicaria o motivo disso, antecipando-se ao Gene Egoísta de
Dawkins: o contratualismo hobbesiano avisava que nossa Identidade
Pessoal é profundamente autocentrada, e a capacidade de cada pessoa em
perseguir seus auto-interesses deveria ser regulamentada por um conjunto
de normas que estruturassem a vida social e dividissem de alguma forma os
frutos do trabalho cooperativo16.
Hobbes argumentou que o humano, em seu estado natural, tem acesso a
tudo neste mundo. Mas, devido à escassez ou à possibilidade dela, nos
encontramos em uma perpétua tensão de violência potencial uns contra os
outros. Hobbes acreditava que esta tensão não era o desejo da maioria, e por
isso havíamos elaborado um acordo para realizar nossos auto-interesses sem
o risco de sermos atropelados por outras pessoas em busca da mesma coisa.
Para Hobbes, a lei era simplesmente a imposição das garantias deste
contrato; e a força do Estado, a garantia de sua obediência.
Ao revisitar os conceitos de Maquiavel e Hobbes, John Locke afirmou
que tanto o “príncipe” quanto o “contrato” deveriam ser aprovados pelos
governados para terem alguma legitimidade. A versão lockeana dos
Direitos Naturais – que pode ser traduzida pelo mantra “Vida, Liberdade e
Prosperidade” – salientava a ideia de que, ainda que não existisse um
governo, o estado natural humano não significava uma licença para agir
sem limites: mesmo na Natureza, ainda somos governados por normas,
ainda que estas normas não tenham qualquer origem política.
Para Locke, a Lei Natural determinava que todas as pessoas são iguais
e independentes, e que ninguém deveria causar dano à vida, à liberdade ou à
propriedade de terceiros. Sendo bastante honesto, o mantra dos Direitos
Naturais de Locke é apenas um equivalente filosófico para a Deontologia
dos 10 Mandamentos. Da mesma forma que uma normatização divina
autoritária, ele não deixa espaço para questionamentos, apenas obediências.
Pegando a deixa de Locke, Kant seguiu em frente argumentando que
todos os Estados deveriam respeitar a dignidade de seus cidadãos como
pessoas livres e iguais. O autopertencimento Libertariano deve muito à
recomendação de Kant sobre tratar as pessoas, não como meios, mas como
fins em si mesmas. Infelizmente, o contratualismo de Kant não foi capaz de
suportar a pressão do nascente Consequencialismo Jeremy Bentham, que
lançaria o Coletivismo no centro do palco no final do século XIX e durante
boa parte do século XX.
Apesar da Moralidade descrita por Bentham sancionar o sacrifício
involuntário de alguns para satisfazer as necessidades da maioria, seu
pupilo John Stuart Mill se mostrou um pouco mais condescendente,
afirmando com delicadeza que o Utilitarismo necessitava de arranjos
políticos que satisfizessem o princípio de liberdade de maneira a maximizar
a Felicidade de cada um dos indivíduos.
Ainda que seja classificado um Consequencialista – e, portanto, um
Coletivista de certa forma –, Mill teceu argumentos profundamente
Libertarianos quanto à Moralidade do Estado ao declarar que “a proteção
contra a tirania do magistrado não basta. Importa ainda o amparo contra a
tirania da opinião e do sentimento dominantes: contra a tendência da
sociedade para impor, por outros meios além das penalidades civis, as
próprias ideias e práticas como regras de conduta”47. Segundo Mill,
Liberdade significa proteção contra a tirania dos governantes políticos,
ainda esta seja uma tirania “democrática”.
Na filosofia contemporânea, o posto de Pensador Mor do
Libertarianismo encontra-se dividido entre Robert Nozick e Murray
Rothbard, com um assento especial para Hans-Hermann Hoppe, o aluno
mais dedicado de Rothbard.
Partindo da teoria do Direito Natural de Locke, fazendo eco para as
ideias de Locke e, em maior intensidade, para aquelas de Mill, Nozick teceu
defesas ao individualismo e à propriedade privada, e equivaleu toda forma
de impostos a um trabalho forçado48. É interessante observar que ele se
referiu à sua sociedade Libertariana como Utopia – um termo criado por
Thomas More para descrever uma comunidade completamente oposta
àquela idealizada por Nozick.
Mais relevante, com ares de revolucionário anarquista e sem papas na
língua, Murray Rothbard pode ser considerado o verdadeiro criador do
Libertarianismo moderno. Para Rothbard, o governo e o Estado sempre
tendem para a destruição dos Direitos Naturais individuais e por isso
deveriam ser reduzidos o mais rápido possível. Rothbard não concedia ao
Estado qualquer abono Moral e o atacava como se ele fosse um bando de
assaltantes, um grupo oligárquico de predadores ou um enorme parasita
drenando as energias da sociedade sem oferecer coisa alguma em troca.
Segundo Rothbard, “os Estados precisam de intelectuais formadores de
opinião para enganar o público, e fazê-lo acreditar que seu governo é
sábio, bom e inevitável”59. Curiosamente, foi exatamente este o roteiro que
o próprio Rothbard cumpriu louvando o Libertarianismo por anos e anos,
enquanto era financiado pelo dinheiro produzido por outras pessoas: entre
1953, o jovem e recém-casado Murray começou a pagar suas contas com
repasses periódicos do William Wolker Fund, uma fundação inicialmente
voltada para obras de caridade em Kansas City e programas de bem-estar
social. Quando de sua fundação, a instituição tinha como objetivos cuidar
dos enfermos, dos idosos e dos desfavorecidos, fornecer educação e
melhorar as condições de vida e de trabalho.
Contratado para ser algo como um think tank pela William Wolker, o
trabalho de Rothbard consistia em adaptar Ação Humana: Um Tratado
sobre Economia (1940), a magnum opus de Ludwig von Mises, para uma
linguagem mais acessível ao público mediano, além de escrever textos que
promovessem ideologias de Direita. Tudo correu bem até 1962, quando o
Fundo declarou falência após uma série problemas de gerenciamento.
Desempregado, Rothbard distribuiu alguns currículos e, em 1966, aos 40
anos de idade, foi admitido como professor de Economia no Instituto
Politécnico do Brooklyn, a segunda escola particular de engenharia e
tecnologia mais antiga do EUA.
Entre 1969 e 1975, o Instituto Politécnico atravessou um período de
enormes dificuldades econômicas, sobrevivendo apenas e graças aos
repasses feitos pelo Estado de Nova Iorque. O apoio foi fornecido após o
governo entender que o fechamento do Instituto poderia provocar uma onda
de aperto econômico na localidade. Com o fôlego do Instituto renovado
pelo auxílio estatal, Rothbard pôde continuar recebendo seus proventos
durante cerca de 20 anos, ministrando aulas dois dias na semana. O tempo
livre permitiu que fundasse o Centro de Estudos Libertarianos em 1976 e o
Instituto Ludwig von Mises em 1982.
Em 1986, aos 60 anos de idade, Rothbard transferiu-se para a Lee
Business School, na Universidade (pública) de Nevada, onde lecionou até
ser vitimado por um ataque cardíaco em 7 de janeiro de 1995, aos 68 anos
de idade. Ou seja, durante quase metade de sua vida, entre 1962 e 1995,
Rothbard, o grande ativista Libertariano anarquista revolucionário e inimigo
do “Estado” viveu às custas do... Estado.
Acuse-me de criar uma falácia do espantalho ou um argumento ad
hominem aqui, e aceitarei a recriminação como válida. Mas isso não elimina
as incongruências entre as abstrações político-ideológicas defendidas por
Rothbard e as escolhas que ele efetiva e voluntariamente radicou ao longo
de sua existência.
Em Por Uma Nova Liberdade (1973), Rothbard salientou importância
do autopertencimento e negou que a sociedade fosse um “organismo vivo à
parte”. Todavia, ao longo do livro, ele sistematicamente transfere para o
Estado a responsabilidade dos problemas na “sociedade” – desde o
congestionamento no tráfego aos crimes nas ruas, a poluição dos rios, a
baixa qualidade dos programas de TV e a ineficiência da educação –,
saltando a etapa que deveria caber ao autopertencimento. Uma vez depois
da outra, Rothbard poupa o indivíduo pelas consequências de suas próprias
escolhas, inclusive da escolha de viver sob um governo, colocando toda
desordem na conta do Estado.
Eu conheço essa mania de culpar o Estado ou outras pessoas pelos
nossos próprios infortúnios e jamais poderia imaginar encontrar algo assim
sendo defendido por um ideólogo que se diz à Direita do espectro político.
Sempre acreditei que esta era uma prática mais usual da Esquerda, mas
confesso que fui surpreendido ao deparar com as ideias do guru de Nevada.
Filosoficamente, o Libertarianismo exibe um Realismo Moral na
defesa da liberdade e da não agressão; uma mistura de Deontologia Moral
centrada no agente; uma Ética aristotélica ao salientar a importância do
autopertencimento; um Relativismo no elogio à tolerância; um Ceticismo
saudável quanto à autoridade; e um Consequencialismo vaidoso ao propor
que um sistema assim seria capaz de produzir o máximo de felicidade para
o máximo de pessoas possível. Contudo, também apresenta pitadas de
hedonismo e é ingênuo ao sugerir que os governos e os Estados devem estar
sujeitos aos mesmos princípios Morais que regem os indivíduos.
Em 1850, o proto-libertariano Frederic Bastiat já havia afirmado que
“uma vez que um indivíduo não tem autorização legal para utilizar de força
contra a vida, a liberdade ou a propriedade de outra pessoa, então o
Estado e o governo não podem ter autorização legal para destruir a vida, a
liberdade ou a propriedade de indivíduos ou grupos”60. Isso pode soar
muito lindo, mas também é de uma credulidade sem tamanho. Libertarianos
sérios deveriam reler Maquiavel e Hobbes, mas acredito que não existam
muitos Libertarianos realmente sérios por aí.
Sem embargo, o movimento Libertariano pode ser parabenizado por ter
iluminado conceitos que fizeram muitos países melhorar sua governança e
desistir do desastre do Coletivismo e da planificação centralizada. Por
exemplo: ao questionar a segurança pública, os Libertarianos perguntam
com grande acidez “de que maneira o Estado pode determinar o quanto de
segurança ele deve produzir, em quais locais, por quanto tempo e a qual
preço? Existe um modo racional para responder a isto?”. Certamente não
há.
O fato é que a segurança que o Estado oferece é uma porcaria porque
ela está sujeita à mesma impossibilidade de cálculo que afeta qualquer
planificação econômica: determinar, minuto a minuto, as demandas locais e
temporais para um determinado item em um universo de 209 milhões de
pessoas espalhadas em mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados é
tarefa para algoritmos de Inteligência Artificial com QI acima de 5.000. E,
se é bastante improvável encontrarmos algum algoritmo assim dentro do
território nacional, é ainda mais improvável encontrar um QI deste tamanho
em algum gabinete em Brasília.
A segurança que o Estado oferece é uma porcaria basicamente porque
ela está sujeita ao monopólio do Estado – a Tragédia dos Comuns, sempre
apontada pelos Libertarianos, e cuja infecção afeta também a Educação (por
meio da Base Nacional Curricular Comum), correios, ferrovias, estradas,
portos, e a Justiça como um todo.
Nada obstante seus talentos, o esqueleto axiomático do Libertarianismo
apresenta algumas fraturas embaraçosas. Por exemplo: exatamente qual
deveria ser a extensão da Liberdade, da Não Agressão, do
Autopertencimento e da Tolerância? Dentro do ceticismo direcionado à
autoridade política, qual o nível de respeito que caberia à lei à justiça? Se a
propriedade privada é inviolável, as fronteiras nacionais devem ser
respeitadas? Até que ponto a Democracia é compatível com o tipo de
liberdade almejada pelos Libertarianos?
De modo mais diagramático, as críticas ao Libertarianismo podem ser
agrupadas em três análises principais: sobre a Liberdade, sobre o Estado e
sobre o Livre Mercado. Vamos a elas:
Os Libertarianos dizem não ter tendências autoritárias e rejeitam
qualquer tentativa de legislar Moralmente. Entretanto, esta opção já é uma
forma de legislação Moral em si. Eles gostariam de viver livremente em um
mundo sem fronteiras e, por considerarem este um propósito nobre acima
de qualquer contestação, estão convictos que todas as mais de 8 bilhões de
pessoas no planeta deveriam pensar assim também. Isso significa que
qualquer coisa que possa legitimamente ser qualificada como Liberdade
poderia ser igual e legitimamente imposta?
Ao acastelar os benefícios “incontestáveis” do Libertarianismo, seus
partidários se assumem aptos para decidir pelos outros e veem nesse
voluntarismo um “benefício” da excelência de sua lucidez. Distraídos,
caminham em direção a diferentes versões tirânicas do Mundo Novo de
Huxley e Orwell, da Utopia monótona de Thomas More e da República de
castas de Platão.
O deslumbramento dos Libertarianos com seus axiomas parece impedi-
los de compreender as discrepâncias de seu raciocínio e o propósito
biológico subjacente à sociedade. Como seria possível, por exemplo, ter
proteções legais para que ninguém possa usar seu corpo sem que você
queira e, ao mesmo tempo, ter liberdade para usá-lo como quiser? É
impossível maximizar simultaneamente ambas as dimensões: cada proteção
Deontológica de sua liberdade restringe a liberdade de outra pessoa e vice-
versa.
Cada economia organizada, cada sociedade constituída, representa um
empreendimento coletivo para a sobrevivência de nossa espécie – um
empreendimento do qual todos dependemos. Uma vez que temos nossos
instintos aprisionados na base da Pirâmide de Maslow, somos
condicionados por imperativos como abrigo, água, comida, reprodução e
cuidados com a geração seguinte. O individualismo excessivo do
Libertarianismo parece menosprezar a carga desta herança, e sua
normatização soa impraticável pelo simples motivo de não refletir as
idiossincrasias do comportamento humano – por vezes empáticas e
altruístas, outras vezes violentas e assassinas.
A liberdade subjacente ao conceito de autopertencimento é atraente por
vários motivos. O autopertencimento manifesta claramente a diretriz de que
existem coisas que não podemos fazer aos outros sem consentimento prévio
e retrata um maravilhoso senso de soberania que deve ser garantido a cada
um dos indivíduos dentro de uma sociedade. Todavia, como Nozick
observou, se o Autopertencimento inclui não ser forçado a prestar auxílio a
outras pessoas – exceto em caso de acordo voluntário ou compensação por
danos causados previamente –, então qualquer forma de política de
redistribuição de renda ou de coleta de impostos representa um tipo de
trabalho forçado ou mesmo escravidão. Por isso, no Universo Libertariano,
é bastante complicado definir de que modo um Estado oficial seria
financiado ou mesmo possível.
Os Libertarianos condenam os Estados como opressores, acusando-os
de serem instituições inerentemente erradas. Eles olham para o Estado e
suas políticas de bem estar social e enxergam nada além de coerção e
violações da liberdade individual. Contudo, sentem-se à vontade para
utilizar os processos políticos já existentes para manobrar suas agendas.
Afinal de contas, segundo eles mesmos, o Estado Mínimo de sua filosofia
traria prosperidade e oportunidades para criar educação de boa qualidade,
pleno emprego e renda satisfatória para todos, reduzindo a ignorância, a
pobreza, a fome e até mesmo a demanda por caridade.
Novamente, já ouvi esse tipo de discurso convicto antes. Muitas
pessoas já leram sobre ele. Algumas inclusive viveram sob sua égide na
Alemanha, na Romênia e na Polônia, por exemplo, e mais de 1,5 bilhão
ainda são forçados a sobreviver ouvindo esse tipo de predicação em países
como China, Coreia do Norte, Vietnã, Cuba, Venezuela, Laos e Nicarágua.
Talvez sem perceber – desde que consideremos os Libertarianos como
pessoas de boa índole... –, o Libertarianismo outorga o risco de implantar
exatamente aquilo que profetiza abolir.
Apesar da urticária que a palavra “coletivismo” lhes causa, os
Libertarianos nutrem um enorme apreço por uma forma coletiva de
processo decisional: o Livre Mercado. Os Libertarianos afirmam que é
imoral que o Governo, o Estado ou qualquer outra força externa imponha
qualquer doutrina particular para regulamentar qualquer transação
comercial, como se os códigos Morais de um grupo ou segmento da
sociedade fossem superiores a outros – o que alguns códigos são, sem
dúvida alguma, mas este não é exatamente o ponto de atrito.
O ponto é que, ao agirem dessa maneira absolutista, os Libertarianos
elaboram seu próprio código Moral “superior” e impõem sua obediência a
todos os demais ao mesmo tempo em que condenam e negam
veementemente esta mesma prática. Como em uma encenação teatral do
Paradoxo de Popper, os arautos da Tolerância e do Livre Mercado partem
em combate ao Rei Regulamentador apenas para entronar outro Rei e outros
Regulamentadores em seu lugar.
Se o Livre Mercado deve ser protegido a tudo custo de interferências
estatais, isso significa que o comércio de artefatos nucleares deve ser
liberado? Poderia haver um livre comércio voluntário de pessoas dispostas
a serem escravas ou de crianças voluntariamente colocadas à venda para
prostituição?
Em uma sociedade Libertariana, onde o único papel do Estado seria
garantir a propriedade privada e o Livre Mercado, não haveria espaço para
que o governo impedisse a influência e os ganhos políticos patrocinados
pela riqueza acumulada. Os Libertarianos raramente levam a sério a
constatação de que a política não é uma estátua, mas tão dinâmica quanto a
economia, e os influxos entre ambas (política e economia) são óbvios e
intensos.
Aparentemente indiferentes a isto, os Libertarianos seguem vaticinando
a fabulosa organização intrínseca da mão invisível do mercado e a fecunda
harmonia dos interesses das pessoas produtivas em um tom quase religioso,
como se algo extraordinário e perfeito fosse ser revelado mais a frente, em
um passe de mágica.
Para o Libertarianismo, o Livre Mercado seria capaz de suprir todas as
demandas, inclusive as demandas por serviços públicos, desde que
garantido um pacto de não-agressão entre as partes. Mas, havendo apenas
um Estado Mínimo no lugar de um Estado poderoso formalmente
constituído, quem seria o responsável por assegurar o cumprimento deste
pacto? Uma terceira parte? Ou uma câmara conjunta das várias partes com
interesses mútuos nos acordos? Qualquer que fosse a configuração deste
árbitro, ele não poderia ser considerado – ainda que temporariamente – um
Estado em si?
Até para impor a vontade da mão invisível do mercado é necessário um
aparato enérgico o suficiente para limitar liberdades excessivas: um exército
para evitar invasões; uma polícia para reprimir revoltas; um sistema
judiciário para fazer valer a lei, etc. Se acaso uma nação adotasse um
regime Libertariano pleno, como exatamente o respeito à Constituição seria
garantido sob um Estado Mínimo que desconfia e rejeita a si próprio? Os
opositores a esta Constituição seriam tolerados?
Se existisse um Estado Libertariano, para manter-se Libertário ele
eventualmente teria que utilizar a força para reprimir o crescimento de
oponentes internos – caso contrário, se a oposição se tornasse numerosa
demais, todo o sistema poderia implodir e desaparecer. Nesta hora, onde
seria colocada a Liberdade? Os Libertarianos assistiriam seu sistema
desabar ou acionariam sua polícia e batizariam seu exército de Libertadores
do Povo, criando guetos de concentração para empilhar os discordantes,
chamando estes locais de “Campos de Liberdade”?
Os intelectuais Libertarianos argumentam de maneira normativa e
apaixonada sobre “como as coisas deveriam ser”, mas seu sistema se parece
com uma daquelas histórias em quadrinhos onde uma liga de super-heróis –
a Liberdade, o Livre Mercado, o Autopertencimento, a Tolerância e um
adolescente estagiário com transtorno opositivo desafiador contra a
autoridade – deve enfrentar um único grande arqui-inimigo: o Estado. Tudo
é culpa do Estado e de seu fiel agente de campo, o Governo.
A vantagem de uma ideologia maniqueísta assim está na comodidade
de saber exatamente em quem depositar a culpa em qualquer situação e a
qualquer momento. O problema com esta estratégia é que você se torna
incapaz de enxergar para muito além desse hábito, ou demora demais para
tanto, ou passa a recusar a identificação de outros vilões.
O lado Esquerdo do espectro político é rico em utopias desse naipe; do
lado Direito, o Conservadorismo Clássico é hostil para estes delírios, mas o
Libertarianismo e o Anarcocapitalismo, não.
Em 1910, um socialista não era capaz de apontar para uma única
demonstração real de seu sistema. Algo parecido ocorre atualmente com
Libertarianos e Ancaps. Ainda assim, os adeptos do Libertarianismo têm
uma certeza inabalável de que seu sistema, cedo ou tarde, irá acontecer e
será perfeito. Eles esbravejam palavras de ordem – “Mais Liberdade”,
“Menos Governo!”, “Abaixo a Burocracia!”, “Imposto é roubo!”–, mas
sofrem com uma tremenda dificuldade em estabelecer programas práticos e
executáveis.
Os entusiastas do Libertarianismo dizem que seu modelo político-
econômico encontra-se no mesmo estágio que a República Constitucional
se encontrava em meados do século XVIII: é uma solução ideal aguardando
apenas pelo momento ideal. O colapso do Socialismo-Comunismo e o
triunfo do Capitalismo ao longo do século XX podem ter ajudado um pouco
nesta jornada, mas ainda serão necessárias muitas mudanças tecnológicas e
de mentalidade para que um sistema assim seja inaugurado: o mais perto
que uma sociedade chegou de uma economia puramente Libertária foi em
Hong Kong durante o domínio britânico. Contudo, a experiência só foi
possível devido à ausência de Democracia por lá. Talvez por isso
Libertarianos e Anarcocapitalistas frequentemente apresentem agendas que
podem soar semelhantes àquelas de Progressistas e Socialistas e,
eventualmente, até mesmo de Comunistas.
Quem em sã consciência poderia questionar os princípios Libertarianos
de liberdade, responsabilidade pessoal e direito à propriedade privada? Não
obstante, rejeitar o Libertarianismo puro não significa amar o Estado, mas
aceitar a complexidade do mundo real. Não existe apenas um evento
isolado, uma questão ou organização singular dando errado ou precisando
de consertos por aqui. O que temos é uma infinidade de Moralidades tortas
que precisam ser revistas, ajustadas, eliminadas e reinstaladas
continuamente.
Por mais que os românticos corações Libertarianos sofram, este é um
trabalho pragmático que ainda cabe às pessoas com pés no chão, não aos
sonhadores com cabeças nas nuvens.

12. A IMPORTÂNCIA DAS CRIANÇAS ANCAPS


O Anarcocapitalismo – ou Ancap – é uma filosofia político-econômica
individualista que defende que todos os bens e serviços deveriam ser
fornecidos por competidores particulares em um ambiente de Livre
Mercado.
Os Ancaps acreditam que apenas uma sociedade completamente
fundada em trocas voluntárias de propriedades e serviços privados
maximizaria a liberdade e a prosperidade individual. Axiomas típicos do
Libertarianismo, como Autopertencimento, Liberdade e Não Agressão estão
presentes, assim como alguns valores preciosos ao Objetivismo – mas a
mentalidade Ancap vai além.
Os Anarcocapitalistas consideram até mesmo o Estado Mínimo dos
Libertarianos como sendo grande demais, rejeitando qualquer Moralidade
proposta pelo ou derivada do Estado: a única Moralidade aceitável deve vir
do Mercado, o grande regulador ideal da sociedade humana. Todo governo
é um intruso desnecessário que impede que a perfeição do Mercado coloque
o mundo em ordem.
Afinal de contas, se o Capitalismo laissez-faire funciona muito bem
para quase tudo, por que não funcionaria também para os serviços do
Estado?
Então, os Ancaps sonham com o dia em que alcançaremos a sociedade
ideal onde todos os monopólios foram abolidos, e onde cada cidadão com
disposição para o trabalho terá acesso aos materiais necessários para
produzir o suficiente para satisfazer suas vontades.
Historicamente, os Ancaps inspiraram-se em Locke, Fredric Bastiat e
Henry David Thoreau. De fato, a Desobediência Civil (1848), de Thoreau, é
quase um manifesto de Anarcocapitalismo puro. Posteriormente, as
elucubrações destes pensadores foram lapidadas e levadas adiante por
intelectuais como Herbert Spencer, Lysander Spooner e David Friedman,
entre outros.
Dependendo de sua boa vontade, não é difícil classificar também
Robert Nozick, Murray Rothbard e Hans-Hermann Hoppe como
Anarcocapitalistas (a primeira versão conhecida de um sistema
Anarcocapitalista é creditada a Rothbard)68. E foram Rothbard e David
Friedman que resgataram o Anarcocapitalismo da obscuridade com seus
clássicos For a New Liberty e The Machinery of Freedom, respectivamente,
ambos publicados em 1973. No ano seguinte, Nozick disparou outra rajada
Ancap com Anarquia, Estado e Utopia, propondo uma sociedade de
cidades-estados independentes, organizadas segundo as preferências de seus
habitantes.
A despeito de suas fundamentações bem elaboradas, é no mínimo
embaraçoso visualizar o Anarcocapitalismo como um processo
civilizacional possível. Primeiro, porque eles parecem se confundir com o
significado de sua própria denominação – Anarquistas – e com a natureza
do processo que defendem – o Capitalismo. Segundo, porque demonstram
uma coleção ímpar de incongruências quando lidam com assuntos como
Estado, Lei, Segurança, Força e Liberdade. Vamos ver exatamente com isto
ocorre:
A ideologia Ancap não é exatamente anarquista. A tradição do
anarquismo clássico vai muito além da abolição do Estado, estendendo-se à
oposição a qualquer forma de exploração e abolição da propriedade privada,
do lucro, da presença de lideranças oficiais e até mesmo dos vínculos
pessoais. Nas crônicas conhecidas de nossa espécie, não temos notícia de
que uma sociedade tenha ostentado tal nível de anarquismo e não é preciso
grande esforço intelectual para compreender o motivo desta ausência.
Quando abordam o Capitalismo e os méritos do Livre Mercado, os
Ancaps mantêm uma visão poética da relação patrão-empregado que
raramente corresponde à realidade. Como o próprio Ancap norte-americano
Kevin A. Carson observou, foi a truculência dos primeiros “patrões” que
permitiu a concentração de meios de produção e de capital em primeiro
lugar – o chamado “acúmulo prévio” de Adam Smith ou “acúmulo
primitivo” de Marx68. Este período de adolescência do Capitalismo, que
conhecemos pelo nome de Mercantilismo, sobreveio graças a um enorme e
contínuo intervencionismo organizado, controlado e patrocinado pelo
Estado na forma de financiamentos, legislações favoráveis, expansão do
colonialismo e apoio à escravidão. Sem a barbaridade dos empreendedores
ancestrais, operando com apoio do Estado, é quase certo que o
Mercantilismo sequer tivesse nascido.
A plutocracia econômica do Capitalismo não se estabeleceu apenas
pela fixação dos pilares do Livre Mercado e da Propriedade Privada, mas
dependeu de revoluções que vieram de classes dominantes que queriam
aumentar seus proventos. Os Ancaps se negam a enxergar este currículo,
tratando o Capitalismo como se ele fizesse parte de alguma ordem natural
das coisas ao invés ser o resultado de séculos de emprego do poder do
Estado para atingir seus próprios interesses: no começo, praticamente todas
as nações capitalistas confiaram nas engrenagens do governo para criar e
preservar o ambiente político necessário para que o sistema se
desenvolvesse. E agora os Ancaps descartam esta herança com a mesma
rapidez com que descartam as evidências que mostram como o Capitalismo
se degenera quando não é devidamente regulamentado. Ao se erguerem em
uma defesa tão convicta do Livre Mercado pleno a despeito dos indícios
contrários, os Ancaps agem como missionários professando um novo e
revolucionário combo de “dogmas da salvação”.
Quanto ao Estado, a seita Anarcocapitalista não deseja apenas sua
subtração: ela deseja privatizá-lo, incluindo a extinção do processo eleitoral,
trocando-o por tecnologias que selecionem aleatoriamente representantes do
povo para um tempo de serviço limitado. Segundo eles, isso eliminaria os
males do “carreirismo”, permitindo um Livre Mercado na concorrência para
os cargos políticos. O que os Ancaps fingem não ver é o valor intrínseco da
especialização: banir políticos de carreira seria quase o mesmo que banir
neurocirurgiões de carreira, por exemplo. Seria exequível, a cada 4 anos,
sortear entre as pessoas mentalmente capazes um grupo de 10 indivíduos
para trabalhar no setor de neurocirurgia do hospital regional mais próximo?
Depois de seu mandato, bastaria sortear outras 10 pessoas e assim por
diante – a livre concorrência e os bons e mais resultados nas cirurgias
tratariam de selecionar os mais aptos.
O que está obviamente errado neste esquema é o fato de que as
habilidades necessárias para se tornar um neurocirurgião levam anos para
serem adquiridas e aprimoradas. Nem todas as pessoas possuem aptidão
para estudar anatomia, lidar com sangue, tomar decisões de vida ou morte, e
tampouco possuem o mesmo tirocínio clínico ou mãos igualmente firmes.
Por isso, neurocirurgiões não são sorteados, mas formados por décadas de
marteladas na bigorna do estudo, da disciplina, da repetição e da
experiência. Algo similar ocorre com políticos: ao defendermos a
eliminação de “políticos carreiristas”, estamos defendendo amputar do
tabuleiro milhares de horas de vivências acumuladas em negociações
tediosas, análises de cenário e elaboração de projetos.
Fazer política é uma arte tão sofisticada e difícil quanto operar um
cérebro – com risco de consequências muito mais amplas e sérias. Um
movimento errado em uma cirurgia pode deixar uma pessoa aleijada ou
mesmo matá-la, mas uma política econômica errada é capaz de elevar a
potência destes danos ao nível de uma nação inteira.
Para Max Weber, o Estado é uma organização com um monopólio
geográfico para coerção legítima71. No universo Ancap, uma vez aniquilado
o controle do Estado e privatizadas as suas funções, o Livre Mercado
assumiria a gerência deste monopólio, impondo sua “justiça” por meio de
apurações de lucros e leis costuradas sob medida. Como admitir que o Livre
Mercado seria idêntico a um novo Estado, os Ancaps tentam ocultar esse
deslize simplesmente negando-se a chamá-lo de Estado.
Na fábula Ancap, o problema seguinte à demolição do Estado e ao
coroamento do Livre Mercado está na Lei. Os meninos e meninas Ancaps
gostam de avisar que Anarcocapitalismo significa ausência de alguém que
dite regras, mas não ausência de regras66. Eles acham que esta é uma
definição útil para que as pessoas não confundam seu sistema com caos,
mas na verdade sua defesa expõe um paradoxo: se ninguém ditará as regras,
de onde elas virão? Elas brotarão do nada, nos moldes da obsoleta Teoria da
Geração Espontânea defendida por Aristóteles e Paracelso?
“Não”, dizem eles, “as regras brotarão do Mercado”. E é nessa parte
que a emenda vai ficando ainda pior que o soneto...
É impossível conciliar a ausência de Estado com um padrão absoluto
de direitos individuais: quando a Deontologia pode ser livremente
fabricada, comprada e vendida, qualquer coisa pode ser considerada Boa e
Correta, desde que se pague o preço certo.
Se a legislação é como o produto de uma alfaiataria, uma lei comprada
por quem tem mais poder é necessariamente uma lei melhor ajustada à
sociedade? E o que aconteceria se ela não fosse exatamente justa? Seria
possível modificá-la, pagando-se mais que a parte inicial? De que maneira
a legislação Ancap evitaria a instabilidade política, a tirania oligárquica e o
massacre econômico associado ao metacapitalismo? E como determinariam
limites para os tipos de leis que poderiam ser produzidas pelo Mercado? Ou
não determinariam?
Imagine o cenário: por milhares de anos, os humanos constituíram
Estados e Leis movidos pelo desejo de segurança, e, de repente, tudo isto
foi jogado na lata de lixo da história, instalando em seu lugar um sistema
Ancap novinho em folha.
Um bilionário, com imóveis fábricas, prédios, campos de golfe e hotéis
espalhados em várias cidades e países, observaria toda a segurança do
Estado sendo abolida e substituída por corporações. Uma parte considerável
de seus lucros teria que ser direcionada para a compra de salvaguardas
armadas. Mas como ele teria certeza de que estas empresas iriam estar de
fato cuidando da proteção de seu patrimônio? O que impediria seus
guardiões de tomar para si as propriedades que deveriam vigiar?
“Talvez eu deva contratar algumas empresas de vigilância extras, que
sejam especializadas em fiscalizar o trabalho de empresas de vigilância...”,
o bilionário poderia pensar.
Sem uma instituição específica para proteger a propriedade, os custos
de segurança se tornariam um dos principais passivos dos negócios, e
aqueles que não tivessem como contratar forças de proteção privadas teriam
que contar com organizações da caridade, doações voluntárias ou
cooperativas de ajuda mútua.
Prevendo esta calamidade, Rothbard afirmou que, em uma sociedade
Ancap, não haveria possibilidade legal para agressão contra qualquer
pessoa ou qualquer propriedade. Exatamente como este código de honra
seria imposto é um mistério, mas o tempo das diligências e a terra dos
cowboys oferece um vislumbre de como seria o paraíso rothbardiano:
No século XIX, no Oeste dos EUA, houve uma situação de
“privatização da justiça” bastante semelhante à defendida pelos Ancaps.
Devido à dificuldade do Estado em fazer-se presente naquelas lonjuras,
muitos proprietários de terra, comerciantes ricos e investidores prósperos
juntaram-se para configurar suas próprias leis e métodos de imposição da
ordem. Instituições privadas prestavam os serviços necessários para que a
sociedade se mantivesse em ordem; a propriedade, protegida; e os conflitos,
resolvidos. Como resultado deste clima amigável, vaqueiros e empresários
viviam à sombra de taxas médias de homicídios de 65 casos para cada 100
mil habitantes ao ano, variando de 30 / 100 mil no Oregon até absurdos 165
/ 100 mil em Dodge City, no Kansas67.
Atualmente, com a justiça, a lei e a ordem nas mãos de um Estado bem
constituído, a taxa anual média de homicídios no Oregon é 2,5 / 100 mil
habitantes e no Kansas, 5,5 / 100 mil72.
Outro exemplo: duzentos anos antes da conquista do Velho Oeste, uma
situação de “Livre Mercado pleno sem Estado” instalou-se em Nova
Providência, uma ilha no Mar do Caribe. O baixo calado do porto de Nova
Providência impedia a aproximação dos navios de guerra da marinha
inglesa e isto atraiu corsários em busca refúgio. Rapidamente, Nova
Providência tornou-se um local movimentado onde todo tipo de gente
aparecia para comer, beber, reabastecer naus e, principalmente, fazer
comércio. Apesar da configuração Ancap, Nova Providência não conhecia
lei ou ordem, e seu vibrante comércio minguou com o tempo.
Hoje, a ilha é a sede de Nassau, capital do arquipélago das Bahamas
(400 mil habitantes), ostentando um IDH de 0,807 e um PIB per capita de
US$ 30.958 por ano – quase 4 vezes maior que os valores observáveis no
Brasil (U$8.086)120.
Com alguma dose de Estado, Nova Providência prosperou tornando-se
um dos principais destinos de férias dos norte-americanos, repleta de
infraestruturas para o turismo – incluindo um porto profundo o bastante
para receber enormes navios de cruzeiro. A elevada taxa anual de
homicídios (29,8 casos / 100 mil habitantes) talvez represente uma das
últimas lembranças dos dias de pirataria naquela região do Caribe73.
Agora suponha que, no mundo moderno, estabeleceu-se uma nação
Anarcocapitalista. Do outro lado de uma de suas fronteiras existe um país
Capitalista Conservador Clássico com um exército financiado pelo Estado,
bem armado, bem treinado e continuamente de prontidão. Se a nação
Conservadora resolvesse invadir a nação Ancap, como os Ancaps
responderiam? Reunindo seus seguranças privados em uma gambiarra
desconjuntada e enviando-os para a guerra? Ou dedicariam parte de seus
lucros para manter um exército privado em permanente alerta apenas “para
o caso de...”? Os custos para manter um exército privado capaz de
responder a uma invasão em massa seriam imensos! E, uma vez organizado,
o que impediria este mesmo exército de tomar o poder em sua terra de
origem?
O que estes exemplos mostram, apesar das nuances de Falácia do
Espantalho, é que, assim como existe uma faixa ideal de temperatura para o
corpo humano, existe um nível ideal de Estado para uma coletividade: a
febre de ter muito Estado é danosa para o metabolismo social, mas a
hipotermia de nenhum Estado também. A saída não está no Totalitarismo da
Esquerda, assim como não está na radicalização do Anarcocapitalismo da
Direita. A saída está no equilíbrio.
Quando os Ancaps menosprezam esta realidade, descartando cada fato
que contradiga sua teoria em nome de manter a integridade de suas
narrativas, estão comprando um bilhete para o mesmo cruzeiro da gaiola
das loucas onde a Esquerda embarcou no começo do século XX.
Acreditar que a extinção do Estado e sua substituição por um Livre
Mercado trará mais liberdade mostra o quanto os Ancaps ignoram o
conceito fundamental de Força e suas consequências. Dinheiro, poder,
propriedade, controle e violência são Força. Uma disputa de poderes para
prover os serviços que antes eram fornecidos pelo Estado rapidamente se
transformaria em uma competição de Forças para subjugar os discordantes.
Na escala de uma cidade, isto significa uma briga de gangues. Na escala de
um país, significa guerra civil.
O problema da Liberdade no Anarcocapitalista reside no fato de que a
definição Ancap de Liberdade é substancialmente negativa: ela fala sobre a
ausência de coerção, mas não oferece salvaguardas inequívocas de como os
indivíduos terão autonomia e independência, tampouco reconhece o direito
de todos aos meios de subsistência. Além disso, a crítica dos Ancaps ao
Estado pela violação da Liberdade não representa qualquer preocupação
com as consequências do capitalismo sobre os mais fracos, pobres,
ignorantes e vulneráveis.
Ao defender seu modelo de “liberdade” acima de todos os demais, os
Ancaps negam que outras formas de liberdade possam florescer nos demais
segmentos da sociedade. Ulteriormente, o Anarcocapitalismo torna-se uma
ferramenta autoritária dedicada a impor seu modelo a qualquer custo,
apagando de si o pouco de liberdade negativa que alegava possuir.
Os Ancaps não reconhecem que a operação de um Livre Mercado nos
moldes que eles propõem facilmente se deterioraria em uma maioria
servindo de recurso para uma minoria sem qualquer chance de apelação
para isto. Basta analisar os fantasmas viciosos que ameaçam nossa empatia
e assombram a Identidade Pessoal humana para entender que a tendência
maior de um Livre Mercado isento de qualquer regulamentação é a
perpetuação de riquezas, privilégios, dinheiro e poder nas mãos de uns
poucos; e de alienação, ignorância, escravidão e exploração nas costas de
uns muitos, reduzindo o Autopertencimento à liberdade de pertencer a
outrem como um escravo.
Concluir isso não lhe torna Esquerdista, Marxista, Socialista,
Comunista, Nazista ou Fascista, mas apenas Realista. Sozinha, a “mão
invisível do mercado” não é capaz de oferecer condições para a Liberdade
maiores que aquelas oferecidas pelos poderes do Estado.
Outra peculiaridade surpreendente da filosofia Ancap é sua
similaridade com os extremismos da Esquerda, sugerindo que a “linha” do
espectro político ideológico não é exatamente uma linha, mas um círculo,
onde a ponta da Direita apresenta características muito próximas da ponta
da Esquerda, e ambas se posicionam quase que diametralmente em
oposição às características de perfis moderados – sejam eles de Direita
(Conservadorismo) ou de Esquerda (Progressismo).
Extremistas de Esquerda deixam-se guiar por projetos de poder;
Ancaps, por projetos de dinheiro. Enquanto os primeiros vivem a ilusão de
um “Estado de todos” que, na verdade, significa um Estado que pertence a
uns poucos privilegiados, os segundos vivem a ilusão de um “Estado
algum” que, na prática, perpetua os mesmos privilégios com outros nomes.
Se você discorda disso, vamos examinar o que diz anarquista individualista
Lysander Spooner (1808-1887), um dos ícones Ancaps:
Em A Letter to Grover Cleveland, Spooner apresenta o Capitalismo
como o resultado de trabalhadores se tornando meras engrenagens nas mãos
de seus empregadores, que por sua vez usufruem de todos os benefícios dos
primeiros62. Para Spooner, o império da moeda seria o maior obstáculo para
a liberdade das classes trabalhadoras em todo o mundo, sugerindo que a
instituição do Livre Mercado só serviria para criar as condições necessárias
para que os “trabalhadores oprimidos” vendessem sua “liberdade” em troca
de dinheiro.
Esta é uma visão extremamente Socialista-Comunista do Capitalismo e
bastante similar à abordagem de Marx em A Teoria Moderna da
Colonização (Capítulo XXV de O Capital), quando ele insiste que existem
apenas dois tipos de propriedade privada: aquela que resulta do trabalho
produzido pelo próprio trabalhador e aquela que resulta da “exploração” do
trabalhador por terceiros63,64. O advogado Spooner, um dos grandes
predecessores do pensamento Ancap, o homem que desafiou o monopólio
do serviço postal dos EUA, tinha uma alma essencialmente Socialista.
Mantendo um curso paralelo ao modus operandi da mentalidade
Esquerdista, os Ancaps julgam ser coerente certificar deduções econômicas
sem embasamentos em fatos históricos. Para eles, basta que as deduções
façam algum sentido e estejam grávidas do potencial de produzir
prosperidade. E se porventura os fatos não corresponderem às suas
concepções... Ora, negue-se os fatos!
Por exemplo: se o Livre Mercado deve ser cingido como o grande
salvador, porém isto pode resultar em monopólios, escravidão, cerceamento
da liberdade, guerras e restauração da Lei da Selva, tudo que é preciso fazer
é varrer essas notícias inoportunas para debaixo do tapete e seguir
defendendo as benesses do modelo. O importante é reafirmar a legitimidade
do sistema, ainda que a realidade mostre que suas promessas são
insuficientes para justificar a abolição do Estado.
Na utopia Ancap, parece não haver motivo para acreditar que os ricos e
poderosos irão explorar os fracos e oprimidos. Segundo eles, na
eventualidade disto ocorrer, os serviços de proteção social serão capazes de
impor suas leis e seus códigos Morais sem apelar para coerção. Certo. Isso
parece lógico para você? No raciocínio Ancap recheado de confianças
ingênuas quanto ao potencial de Empatia de humanos em luta por
sobrevivência, parece.
Em uma entrevista em 1996, o influente linguista Noam Chomsky
afirmou que o Anarcocapitalismo, se instalado, levaria a formas de tirania e
opressão que jamais conhecemos em nossa história69. Apesar de não
concordar com uma infinidade de colocações de Chomsky (um Socialista
de carteirinha), neste ponto sinto-me obrigado a ceder ao seu argumento: ao
assumir um Relativismo Moral que flutua ao gosto das marés do dinheiro, o
Anarcocapitalismo une todos os ingredientes necessários para se
transformar em uma catástrofe colossal. Todavia, como até algumas
catástrofes têm lá sua utilidade, há algo que pode ser dito a favor dos
Ancaps.
Em nossos ossos, temos células que constroem ossos novos (chamados
Osteoblastos) e células que destroem ossos velhos (chamadas Osteoclastos).
É do equilíbrio entre a produção e a destruição de suas células que os ossos
mantém sua força e capacidade de regeneração. De forma similar, o
Conservadorismo Clássico, com sua tendência “osteoblástica” de misturar
religiosidade privada com política pública, necessita de movimentos
“osteoclásticos” como o Libertarianismo e alguns focos de radicalismo
Ancap. Estas ovelhas desgarradas à Direita são essenciais para fornecer
oxigênio às brasas idealizadas do Autopertencimento, da Tolerância, do
valor do Livre Mercado, da inviolabilidade da Propriedade Privada e do
ceticismo quanto à legitimidade da autoridade.
Como ocorre no esqueleto, para que o conjunto da estrutura político-
ideológica de Direita se conserve firme e capaz de aguentar os baques é
preciso alguma “destruição criadora”65. Talvez, manter viva a mensagem
desta destruição seja a grande incumbência relevante dos panfletários
Ancaps. E talvez seja sua única incumbência.

13. A MERITOCRACIA INTANGÍVEL


Junto com o Capitalismo, a Liberdade e a Democracia, a Meritocracia
forma o quadrilátero dos cálices sagrados das ideologias de Direita. Esta
noção, derivada dos princípios de Justiça exteriorizados por David Hume no
século XVIII20, recebeu seu nome de batismo do sociólogo britânico
Michael Young.
Em sua obra mais conhecida, The Rise Of The Meritocracy (1958),
Young descreveu uma distopia onde inteligência e esforço se tornaram os
únicos critérios para determinar o lugar de um cidadão na sociedade74. No
enredo, recusado por mais de dez editoras antes de ser finalmente
publicado, Young empregou o termo Meritocracia como uma sátira de como
as elites defenderiam sua posição na hierarquia social. Com o tempo, a
palavra foi adotada sem as conotações negativas pretendidas pelo autor,
transformando-se em uma maneira “legítima” de classificar as pessoas de
acordo com a percepção de suas habilidades75,76.
Os primeiros exemplos práticos de Meritocracia datam da antiga
China: segundo Confúcio, Mérito é a prontidão de alguém em abrir mão da
própria vida, a aptidão de resistir à tentação do ganho, a inclinação para
imbuir-se com um senso de reverência às ações e ideias que são Boas e
Corretas77. Em pleno Relativismo Moral do mundo Pós-Moderno, podemos
conceituar Meritocracia como um sistema onde os indivíduos são
valorizados por suas competências, capacidades e educação, garantindo
suas posições no mercado não por cunhadismo, mas pela análise de seus
méritos.
A Meritocracia sempre teve uma participação nos debates políticos e
Morais, mas foi na década de 1970 que o filósofo John Rawls a colocou
definitivamente no centro das discussões. Em Uma Teoria da Justiça,
Rawls advogou que cada pessoa deveria ter o mesmo direito ao mais amplo
sistema total de liberdades básicas, e que as disparidades socioeconômicas
deveriam ser dispostas de modo que ambas beneficiassem a igualdade de
oportunidades78.
Os partidários da Meritocracia, após terem prestado grande atenção às
recomendações de Rawls e ao alerta Consequencialista de Rousseau
(“estamos produzindo em toda parte a preferência dos talentos agradáveis
sobre os talentos úteis”23), decidiram que algo prático deveria ser feito para
curar algumas chagas da Democracia.
Você há de concordar: em uma Democracia, encontrar um eleitor bem
informado é uma tarefa digna da lanterna de Diógenes. Uma parcela
considerável dos votantes sequer sabe listar as funções de um vereador, de
um senador ou deputado federal, ou quais medidas estão ao alcance da
caneta de um prefeito ou governador de estado. Nesta Tirania da Maioria,
os políticos são escolhidos em testes de popularidade, e o governo tende a
ser representativo da mediocridade da massa de sofomaníacos que compra
as mesmas promessas mentirosas uma eleição depois da outra.
Para os crentes na superioridade da excelência, esta mazela seria
resolvida se a Democracia fosse, antes de tudo, Meritocrática. Até mesmo
porque, a Meritocracia reflete a hierarquia de competências que
encontramos na própria Natureza, onde os mais aptos gerenciam os recursos
do grupo, eventualmente beneficiando aqueles nas posições mais baixas.
Dinheiro e poder político sempre definiram os estratos sociais, seja em
regimes de Esquerda ou de Direita. A Meritocracia seria uma tentativa de
trazer alguma moderação ao jogo, evitando discriminações ou benefícios
relacionados a sexualidade, riqueza, religião, cor da pele, parentesco ou
indicações de caciques. Contudo, apesar de Moralmente relevante e
preliminarmente judiciosa, a cultura do Mérito apresenta alguns
inconvenientes em sua intimidade.
Como insinuado por Rousseau, o primeiro deles é a necessidade de
elaborar uma descrição bem clara do que é Mérito. Na sequência, como
preconizado por Rawls, deve-se garantir que estes “Méritos” estejam ao
alcance de todos os membros da sociedade, evitando a cilada de
darwinismo social que nos espreita. Obviamente, estas duas tarefas são
intangíveis e vou lhe explicar por quê.
O primeiro empecilho encontra-se no caráter discricionário dos
Julgamentos Morais que utilizamos para identificar o que merece ser
etiquetado como útil, valioso, notável, Bom e Correto. Em uma sociedade
Meritocrática, a Régua das Virtudes terá sua escala dividida segundo notas
escolares, currículo, personalidade, impetuosidade, força física, lealdade,
tolerância, tenacidade, sobriedade, sabedoria, produtividade, ambição,
domínio de valores espirituais, talento para trabalho em equipe, vocação
para o auto-sacrifício ou destreza para tomar decisões racionais?
Quando finalmente decidirmos a dimensão de grandeza que será
empregada, o Mérito corresponderá a um valor quantitativo absoluto ou a
um referencial qualitativo do potencial para a virtude aprazada?
Vencida esta etapa, será preciso passar pelo estágio das considerações
ingênitas: algumas pessoas já nascem extremamente bonitas, ou talentosas,
ou ricas, ou predispostas para um tipo específico de inteligência, ou em
famílias estimulantes ou em comunidades mais seguras. Nenhuma dessas
qualidades foi fruto de uma conquista pessoal, mas apenas um golpe do
acaso. Uma economia de mercado deveria recompensar o mérito, não a
sorte. Todavia, como Malcolm Gladwell externou em Outliers (2008), não é
exatamente assim que o mundo funciona. A saída da Moralidade Direitista
para o viés da sorte consistiu em dizer que suas políticas garantiam não
resultados iguais, mas oportunidades iguais.
“Oportunidades Iguais”. Será que tal coisa existe?
Em 2008, cientistas ingleses e norte-americanos avaliaram 2.602 pares
de gêmeos monozigóticos e dizigóticos quanto à desenvoltura em lidar com
dados e conhecimentos, e descobriram que a capacidade de compreender e
interpretar depende 60% da carga genética79.
Em outro estudo, um grupo de pesquisadores investigou o nível de
inteligência em 360 mil pares de irmãos e 9 mil pares de gêmeos do sexo
masculino utilizando uma base de 3 milhões de testes aplicados em jovens
de 18 anos no processo de alistamento militar da Suécia. O resultado: a
inteligência, especialmente a superdotação, é um traço familial e
hereditário80.
Assim como passarinhos nascem com asas e rinocerontes não, uma
parcela considerável da potência do seu cérebro simplesmente nasce com
você – ou não nasce. Em um contexto formatado de tal maneira, pensar que
existem “oportunidades iguais” é no mínimo um cinismo.
Pessoas são diferentes. Suas genéticas são diferentes. Suas
predisposições para disciplina, trabalho duro e resiliência emocional são
diferentes. Quão iguais são as oportunidades quando você tem 60% de uma
programação para ser o um gênio e seu concorrente, não?
Considerando que traços como ansiedade, empatia, altruísmo,
cooperação, impulsividade, determinação e espiritualidade estão sob forte
influência poligenética90-92, que mérito ou demérito há em possuir ou não
algumas dessas qualidades? É como receber prêmios por nascer com
cabelos claros, ou culpar alguém por ser anão, ou subtrair ou adicionar
pontos a alguém por causa da cor de sua pele.
Não obstante, os Meritocratas acreditam que as características e
diferenças que antecederam nossa existência e nos foram concedidas por
pura sorte – ou azar – podem ser completamente exorcizadas apenas
dizendo as palavras “Alakazam!, que as oportunidades agora sejam iguais
para todos!”.
Além dos genes, o ecossistema familiar e a qualidade da educação
recebida também influenciam no desenvolvimento de atributos
Meritocráticos: ainda que a criança nasça com um grande potencial para
inteligência, toda esta bagagem pode ser neutralizada caso o ambiente seja
desfavorável81.
Análises de testes de QI mostram que crianças expostas a situações de
pobreza durante a tenra infância apresentam resultados até 20% inferiores a
aquelas não-expostas. Isto não decorre de algum efeito misterioso impresso
nas “raças humanas”, mas do fato de que os cérebros das crianças
submetidas à pobreza extrema apresentam um volume de massa cinzenta
cerca de 4% menor nos lobos frontal e temporal. Não se trata apenas de
uma questão de esforço. É uma questão de fisiologia88.
Em lares de baixa renda, um acréscimo de US$ 1 mil na renda familiar
anual resulta em um aumento de 5% no desempenho escolar de crianças
entre 7 e 12 anos de idade; e um acréscimo de US$ 4 mil reduz em 22% o
risco de envolvimento com atividades criminosas entre 16-17 anos de idade
e melhora sensivelmente os rendimentos acadêmicos aos 21 anos de
idade83,87.
Quanto maiores os recursos financeiros do núcleo familiar, menor a
prevalência de transtornos comportamentais e emocionais, e melhor o
desenvolvimento da personalidade da criança.
Quanto menores os recursos, maiores as chances de as crianças
desenvolvem Identidades Pessoais menos meritocráticas82.
Como oferecer as mesmas “oportunidades iguais” para todas estas
crianças poderia ser considerado uma medida justa?
Durante a adolescência, as regiões cerebrais envolvidas com funções
motoras e verbais continuam a passar por este processo de amadurecimento
anatômico e fisiológico subordinado às condições do meio. Não interessa
qual a programação inata para inteligência: um ambiente estimulante pode
aumentar o QI em até 20 pontos ao longo da adolescência84. Assim,
adolescentes cujos pais fumam, usam drogas, cometem crimes e não
estudam apresentam uma chance maior de repetir estes comportamentos
que adolescentes cujos pais não se envolvem nestas atividades. Correlações
similares existem entre transtornos psicológicos como depressão, timidez,
falta de controle emocional, e ansiedade, entre outros85. É demérito dos
adolescentes terem os pais que têm?
Os defensores da Meritocracia dizem que nenhum obstáculo além do
Mérito deveria colocar-se entre o indivíduo e a conquista de suas metas. No
contexto da educação, o Mérito poderia ser aferido por testes de aptidão,
análise curricular e – mais objetivamente – pelas notas escolares e pelo
desempenho em exames de admissão como o ENEM. Neste ponto,
trombamos com dois disparates.
Primeiro: como exposto, a normatização Estatal compulsória como
ferramenta para fornecer oportunidades igualitárias impede efetivamente o
fornecimento de oportunidades igualitárias.
Segundo: melhores oportunidades escolares criam por si seus próprios
Méritos. Apesar da ampla oferta de vagas em escolas públicas e
particulares, quase 3 milhões de crianças entre 4 e 17 anos no Brasil não
frequentam qualquer estabelecimento de ensino – sendo que metade delas
pertence ao quartil mais pobre da população86. As quase 30 milhões que
frequentam escolas públicas estão expostas a um dos 10 piores sistemas de
ensino entre 70 nações avaliadas pelo teste PISA em 201593,94.
A adoção irrestrita da Meritocracia carrega o risco de considerarmos
que a pobreza, o insucesso e a baixa erudição são um “merecimento”, uma
punição pelo esforço insuficiente. Este típico raciocínio determinista, que
permeia o arquétipo da sociedade cegamente alicerçada em Méritos, não é
apenas torto: ele é nocivo e pode atenuar nossa sensibilidade para a licitude
da caridade, da compaixão e de (algumas poucas) políticas redistributivas
válidas e honestas.
Até certo ponto, a miséria financeira é de fato sustentada pela estupidez
e fraqueza de caráter de quem é miserável, mas isto não resume a amplitude
dos fatores que condicionam a miséria.
Quando atribuímos Mérito a alguém, em geral estamos emitindo um
julgamento Moral, reivindicando para esta pessoa algumas qualidades que
pensamos ser essenciais para a execução de uma determinada tarefa. Aquela
função lhe será entregue não por piedade, mas porque ela consegue dar
conta do recado. Todavia, na prática, estes julgamentos não são garantias de
êxito, mas apenas expectativas.
Se pretendemos utilizar a Meritocracia como um princípio de
governança política e democrática, sua fundamentação Moral deve ser
bastante específica: o quê exatamente será considerado meritório? Sem uma
definição bem clara disso, o discurso de Meritocracia será utilizado apenas
para continuar esteando a dominação de muitos “incapazes” por uma
minoria de “excelentes”89.
O protótipo Meritocrático trouxe oportunidades para milhões de
indivíduos inteligentes e competentes que, por séculos, permaneceram
enterrados em um sistema de hierarquias cretinas e impedimentos
burocráticos. Agora, eles têm espaço para expressar seus talentos e galgar
degraus no mercado. Existe um agudo senso de temperança no modelo
baseado em Méritos, mas ele não é livre de falhas. Um regime
Meritocrático pode ser mais íntegro que um sistema plutocrático, ou
oligárquico, ou tirânico, mas amargará do mesmo embaraço deles: no final,
caberá a um pequeno grupo de pessoas tomar as decisões que afetam a
sociedade – até mesmo decidir quem serão as pessoas tomando estas
decisões.
Os Esquerdistas acham que tudo é uma questão de mais investimento
em educação, mais treinamento, mais terapia, mais incentivos, mais ações
afirmativas, mais quotas, mais políticas inclusivas. Os partidários da Direita
defendem que tudo é uma questão de deixar a preguiça de lado e trabalhar
duro – bastaria isso para que as coisas melhorassem. Não obstante, ambos
ignoram décadas de evidências científicas que apontam que algumas
pessoas são simplesmente menos aptas, menos inteligentes, menos fortes
que outras, e muitas destas características são inatas. Não que o
determinismo genético as tenha condenado a uma vida de miséria,
dependência química e baixa capacitação profissional, mas é um absurdo
negar o quanto as particularidades anotadas no DNA humano influenciam o
Mérito individual.
Acolher a Meritocracia sem estabelecer limites razoáveis para ela é o
mesmo que formar uma casta imutável de “Reis Filósofos” em uma ponta e
uma casta de “Vassalos Perenes” na outra, suscitando o tipo de elitismo que
a Meritocracia prometeu eliminar89.
Nestes tempos de polarizações ideológicas, a narrativa Meritocrática
tornou-se a barganha politicamente correta da Direita para contraditar os
discursos igualitários anunciados pela Esquerda. Por todos os motivos
biológicos, genéticos, anatômicos, psicológicos, cognitivos, sociológicos e
econômicos expostos, a doutrina Meritocrática é difícil ser aplicada,
impossível de ser justa, apenas parcialmente válida, e não deveria, sob
hipótese alguma, ser levada de maneira extrema e ao pé da letra.
14. O DELÍRIO DA LIBERDADE PLENA
De acordo com o dicionário Aurélio, Liberdade é “o direito de
proceder conforme nos pareça, contanto que esse direito não vá contra o
direito de outrem”.
Apesar de a relativização das bússolas éticas que nos acompanharam
por gerações ter soado inicialmente como um incremento da Liberdade, o
resultado prático foi apenas espalhar pelo mundo hedonistas, sádicos,
imaturos, niilistas, psicopatas, inúteis, carentes e tiranos de toda espécie.
Platão bem observou que o excesso de Liberdade “não conduz a mais
nada que não seja escravatura em excesso, quer para o indivíduo, quer
para o Estado: no cúmulo da Liberdade é que surge a mais completa e
selvagem das escravaturas”7. Ao que Hobbes completou, anotando: “a
condição de absoluta liberdade, como é daqueles que não são súditos nem
soberanos, é anarquia e condição de guerra”16. Não que a presença de uma
política Conservadora ofereça um escudo inviolável contra o
desregramento, mas o enfraquecimento do Conservadorismo certamente
auxiliou a disseminar as frivolidades que testemunhamos.
As ideologias de Direita sempre intercederam a favor da Liberdade – o
que era de se esperar, considerando que, como definido no início deste
livro, o espectro de Direita associa-se à diminuição progressiva do tamanho
e das influências do Estado. Quanto mais para a Direita nos deslocamos,
maior o culto à independência, ao autopertencimento e, derradeiramente, à
integralidade da Liberdade.
Contudo, assim como ocorre com o Mérito, a Democracia e o
Capitalismo, é preciso qualificar o tipo de Liberdade que será resguardada:
de ideias, escolhas, religião, educação, segurança, consciência, expressão,
gosto, propósito, planos ou ações? Individual ou coletiva?
Os mais judiciosos à Direita assumem que nenhuma categoria de
Liberdade merece ser plena e ilimitada, ainda que algumas delas pareçam
ser mais centrais que outras.
Qualquer Liberdade deveria conceber como fronteira o risco de dano
físico ao outro e à propriedade de terceiros, justificando-se uma punição
quando sua Liberdade pessoal viola algum destes dois limites. Mesmo a
Moralidade Consequencialista e todas as formas de Subjetivismo deveriam
sujeitar-se a esta Verdade substantiva, pois negá-la significa abrir as portas
para toda forma de violência gratuita.
Conceitualmente, a Liberdade pode ser classificada como Negativa e
Positiva. A Liberdade Negativa consiste na ausência de obstáculos,
barreiras ou contenções. Ela versa sobre o que não se deve permitir colocar
em seu caminho que impeça seu progresso. Liberdade Negativa, portanto, é
aquilo que ninguém deveria ter o direito de proibir você de fazer – é o
tamanho da Liberdade que lhe é garantida como um dever dos outros para
com você.
A Liberdade Positiva, por outro lado, consiste na possibilidade de agir
de uma determinada maneira, tomando controle de seus próprios propósitos
e sua própria vida: você é livre para progredir na direção que bem entender,
segundo seus desejos e interesses autônomos. Liberdade Positiva, portanto,
é o tamanho da Liberdade de pensar e agir garantida como um Direito
Natural que lhe pertence desde sempre.
Estes conceitos foram desenvolvidos com profundidade por Isaiah
Berlim nas décadas de 1950 e 1960, e podem ser vistos, muitas vezes, como
interpretações incompatíveis de uma mesma ideia95.
O Libertarianismo e o Anarcocapitalismo, por exemplo, pressupõe uma
Liberdade Negativa plena sobre as ações do Estado, retirando ao máximo
possível – ou todo – o governo da economia. Os críticos dizem que esta
forma de gerenciamento do mercado restringe a Liberdade Positiva do
indivíduo: sem obstáculos, a formação de trustes e o desenvolvimento
inevitável do metacapitalismo na Liberdade Negativa se tornam barreiras
para a Liberdade Positiva do microempreendedor.
Se a Liberdade Negativa plena traz consigo o risco de sufocamento da
capacidade do indivíduo por megacorporações, a Liberdade Positiva plena
oferece campo para o florescimento de regimes autoritários: se a liberdade
de agir de uma determinada maneira corresponde à vontade da maioria (ou
das preferências daqueles que exercem o poder), qual seria o destino das
minorias? Em concordância com o Paradoxo de Popper, respeitar a
Liberdade Positiva das minorias oprime a Liberdade Positiva da maioria, e
nenhum dos grupos terminará experimentando qualquer Liberdade.
Individualmente, poderíamos nos referir à Liberdade como a
capacidade de uma pessoa em tomar todas as decisões sobre sua vida,
propriedades e propósitos sem a interferência de terceiros. Todavia, o lema
“Faço o que eu quero e não obedeço a ninguém”, ainda que concebível, é
inalcançável: você tem Liberdade para viajar, para expressar suas opiniões e
viver sua vida da maneira como preferir, desde que se mantenha dentro do
Absolutismo Moral da legislação local. Fora desse cercado, a sociedade irá
cobrar o preço.
Nas palavras de Durkheim, “o dever, mesmo quando aceito com
entusiasmo, será sempre um dever e, por conseguinte, uma forma de
escravidão96”.
Também poderíamos conceituar Liberdade Individual como estar livre
das consequências de suas escolhas (uma Liberdade Positiva, em certa
medida). Uma boa expressão disto seria “Faço como eu quero e não presto
contas a ninguém”. Todavia, o Consequencialismo Moral adverte que suas
escolhas seguramente transcenderão o escopo de sua Identidade Pessoal, e
cedo ou tarde você colidirá com as sanções Deontológicas de sua tribo.
A maioria dos Céticos, Libertarianos e Ancaps acredita que a
Liberdade individual requer a ausência completa de restrições (Liberdade
Negativa plena), mas todas as sociedades, por mais livres que sejam,
possuem preceitos para assegurar que a Liberdade de um ser humano não
impere sobre a Liberdade de outro ser humano. Sem essas normas de
adequação social, seríamos uma massa caótica de predadores carnívoros
devorando-nos uns aos outros.
Sua Liberdade é ditada pelas urgências daqueles que lhe controlam,
sejam “eles” seus pais, seus amigos, seu par romântico, o governo, o
Estado, a fadiga, seu estômago ou o banheiro mais próximo. Qualquer
pessoa trabalhando em uma empresa ou morando em um prédio ou
interagindo com outras pessoas deve ater-se a um conjunto de valores
Morais que, se violados, podem resultar em isolamento social. Os
controladores Morais de sua Liberdade podem ser questionados, debatidos
ou repudiados, mas jamais poderão ser evitados. Até o anarquista-raiz russo
Mikhail Bakunin (1814-1876) foi capaz de perceber isto: “o homem não é
nem nunca será livre relativamente às leis naturais e sociais”97.
Mesmo a Liberdade sendo impalpável, relativa e circunscrita, o
humano anseia por ela, e incontáveis lutas foram travadas e incontáveis
barris de sangue foram derramados em seu nome ao longo de nossa história.
Em todas estas ocasiões, os “oprimidos” reclamavam da falta de Liberdade
causada pela truculência de seus “opressores”. Bakunin, por exemplo,
afirmou que os oprimidos, “aqueles que produzem todas as riquezas do
mundo, que são os criadores da civilização e que conquistaram todas as
Liberdades desfrutadas pela burguesia”, seguem “condenados à ignorância
e à escravidão”97.
Será verdade?
Vimos de que modo somos parcialmente condenados à ignorância pela
biologia, pelas configurações de nossos genes, pelos contextos familiares e
pelos recursos intelectuais disponíveis ao longo de nosso desenvolvimento,
mas nada disso exime o sujeito que enxerga da responsabilidade de
enxergar por si mesmo; ou o sujeito que caminha da responsabilidade de
caminhar por si mesmo; ou o sujeito alfabetizado da responsabilidade de ler
por si mesmo; ou o sujeito que pensa e tem vontade de pensar e ter vontades
por si mesmo.
Neste ponto, a “condenação à ignorância” vaticinada por Bakunin
comete um enorme deslize em favor do paternalismo e da autovitimização
ao descartar a obrigação Objetivista que o sujeito deveria ter consigo
próprio. Quanto à “condenação à escravidão” dos oprimidos, vejamos:
A Revolução Inglesa do século XVII teve início com a Revolução
Puritana de 1640, sendo concluída pela Revolução Gloriosa de 1688. Estes
dois movimentos criaram as condições indispensáveis para a Revolução
Industrial do século XVIII, que limpou o terreno para o avanço do
capitalismo. A Revolução Inglesa é considerada a primeira revolução
burguesa da história da Europa, antecipando em 150 anos a Revolução
Francesa.
A Guerra da Independência dos Estados Unidos, também conhecida
como Guerra da Revolução Americana ou Revolução Americana de 1776,
teve como principal motor a burguesia colonial, e levou à proclamação, no
dia 4 de julho de 1776, da independência das Treze Colônias, que ficariam
então conhecidas como Estados Unidos da América – o primeiro país
dotado de uma constituição política escrita.
Na Revolução Francesa (1789-1799), os membros mais destacados do
Terceiro Estado eram burgueses (banqueiros, lojistas, comerciantes,
artesãos e outros), e foram eles que se levantaram contra a opressão do
absolutismo de Luís XVI. Foi o Terceiro Estado que proclamou a
Assembleia Nacional Constituinte em 9 de julho de 1789 – que restringia os
poderes do rei – e convocou o povo para apoiar o movimento. Foram esses
burgueses reunidos que aprovaram, em 26 de agosto do mesmo ano, a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que trazia em seu Artigo
1º a seguinte premissa: “Os homens nascem e são livres e iguais em
direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade
comum”98.
Destas e de várias outras evidências conclui-se que o discurso de
Bakunin sobre “oprimidos condenados à escravidão” é uma lamentação
mentirosa, da mesma forma que a ideia de que “foram os oprimidos que
tomaram as rédeas de seus destinos para a conquista da Liberdade” também
é: ambos são engodos que seguem sendo ensinado até hoje.
Nunca foram os proletários oprimidos que tomaram as rédeas: para o
bem ou para o mal, por interesses escusos ou por motivações altruístas, a
iniciativa e a responsabilidade pela condução do destino da sociedade rumo
à Liberdade sempre coube à burguesia de Direita. Fazendo jus ao Princípio
de Pareto, os burgueses conquistaram suas próprias Liberdades parciais,
trazendo os demais na bagagem.
Como crianças mimadas, “proletários” e “oprimidos” continuam até
hoje reclamando da vista na janela do banco de passageiros.
Sem embargo, por mais que um Direitista combata pela independência
e lute pelo autopertencimento, ele jamais irá se deparar com o unicórnio da
Liberdade plena: se o senhor de escravos tem o direito de ter escravos,
então os escravos não têm direito de ser livres; se eles têm o direito de ser
livres, então o senhorio não tem o direito de possuí-los.
Consumada a Relatividade da Liberdade e apaziguado o duelo entre
Liberdade Negativa e Liberdade Positiva, qualquer um que procurar
justificar suas ações a partir do sermão da Liberdade plena estará apoiando-
se em um discurso sem substância ou significado factual, mas a partir do
qual é terrivelmente simples consumar barbáries.
Podemos ir aonde queremos, desde que atentos para algumas
restrições. Podemos agir como desejamos, mas jamais de modo
completamente impune. Em um Estado, temos a Liberdade permitida pelo
Estado. Qualquer um que deseje mais Liberdade deverá romper as cercas
dispostas pelo governo e aventurar-se para fora de suas garantias – ou
permanecer dentro destas fronteiras, usufruindo a segurança do Estado,
consciente de que suas lamúrias por mais Liberdade não passam de
fanfarronices inconsequentes.
Esperar que o Estado lhe dê mais liberdade é uma incongruência: uma
Liberdade que é dada por alguém não é Liberdade, mas uma benevolência,
uma concessão de quem efetivamente tem o poder sobre a sua Liberdade. E
todo aquele que parte em batalhas pela Liberdade deve assumir que a peleja
nunca foi e nunca será pela Liberdade, mas apenas pela troca de seus
controladores.
No final, o espírito de Liberdade não passa de uma quimera quase sem
sentido. Mas ainda assim ele consegue ser bacana e valer à pena.

15. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO OBRIGATÓRIA


Na grande República da Direita, próximo à sede do condado da
Democracia, existe uma única planície onde a Liberdade deveria grassar
realmente plena. Esta pradaria se chama Liberdade de Expressão.
Tradicionalmente, a Liberdade de Expressão é um pré-requisito para
qualquer governo democrático. Além de ser uma das joias da coroa da
Democracia, a Liberdade de Expressão fomenta a autenticidade, a
genialidade, a criatividade, a individualidade e o florescimento humano.
Consideramos a Grécia como um dos berços dessa forma de Liberdade:
seu teatro, sua literatura e suas instituições de ensino estimulavam a
exploração plena da experiência humana e questionavam a autoridade com
frequência. Eles chegaram a cunhar um termo – “Parresia” – para descrever
a franqueza, a confiança e a ousadia para expor suas ideias em público.
Entretanto, mesmo os antigos gregos não permitiam uma Liberdade de
Expressão completa: líderes, filósofos, artistas e cidadãos comuns eram
obrigados a se equilibrar o tempo todo na delicada linha entre a liberdade
individual e a Moralidade da ordem pública.
À medida que as sociedades foram se tornando mais populosas; suas
tarefas, mais especializadas; e seus segmentos, mais fragmentados, cada
subgrupo surgido dentro dos conjuntos de habilidades distintas definiu um
conjunto ímpar de convicções e doutrinas, reduzindo o campo das crenças
compartilhadas. Nos últimos duzentos anos, estas crenças vêm se
encontrando na praça da Liberdade de Expressão, e os atritos são
inevitáveis.
Porém, qualquer sociedade minimamente heterogênea se tornará
inviável caso não expanda seu entendimento sobre Liberdade de Expressão.
O consenso – e, por conseguinte, a ordem e o progresso – só poderá ser
construído se todos tiverem a mesma licença para expor, falar, ouvir, ver e
apreciar suas ideias e as ideias de terceiros.
Por exemplo: sem Liberdade de Expressão, não existe liberdade
acadêmica. John Stuart Mill escreveu a respeito em Sobre a Liberdade
(1859), ao afirmar que “uma opinião não desafiada perde seu sentido”.
Nenhum acadêmico seria capaz de conduzir seu trabalho de modo adequado
se lhe fosse garantida nenhuma contestação. Como poderia um filósofo
tecer sua crítica social, ou um artista trazer à tona temas controversos, ou
um sociólogo desafiar o status quo com suas teorias, se não houvesse
Liberdade de Expressão?
Vale observar que uma ofensa Moral não é um dano físico, o que
confere à Liberdade de Expressão de ideias uma saudável imunidade contra
a cultura de autovitimização típica do Relativismo Pós-Moderno: se você
acha que “palavras machucam”, experimente ser chamado de “feio” e então
receba um direto de direita de um boxeador na mandíbula – e analise qual
doeu mais.
Sejamos sinceros: palavras e ideias não machucam. Ações físicas sim.
Palavras e ideias devem ser livres. Ações físicas, nem tanto.
Infelizmente, os limites entre Liberdade de Expressão e os
politicamente corretos “Discursos de Ódio” nem sempre estão demarcados
de modo claro. Se decidirmos proteger a Liberdade de Expressão proibindo
ou censurando “discursos de ódio” – ou “amostras obscenas de arte” –,
estaremos tornando a fórmula afrodisíaca da Liberdade de Expressão uma
impostura, um placebo, uma charlatanice.
Como um direito coletivo, a Liberdade de Expressão pertence a todos e
não apenas àqueles com quem você concorda. Isso significa que, mesmo
que alguém pronuncie, desenhe, pinte ou escreva algo completamente
contra as suas convicções, está no direito desta pessoa apresentar seus
pensamentos. Evelyn Beatrice Hall resumiu este espírito na célebre frase:
“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas
defenderei até a morte o direito de você dizê-las”100. (Em uma dessas
clássicas injustiças literárias, esta brilhante frase de Hall é erroneamente
atribuída a Voltaire).
O apoio à expressão de ideias não significa apoio a práticas efetivas
baseadas nestas mesmas ideias.
Você tem (ou deveria ter) o direito de pronunciar ideias racistas, mas
não tem o direito de agir de modo segregacionista.
Você tem (ou deveria ter) o direito de exteriorizar pensamentos
nazistas, mas não tem o direito de executar pessoas em câmaras de gás.
Você tem o direito de se posicionar a favor da pena de morte, mas não
tem o direito de sair armado com uma pistola semiautomática à noite
distribuindo seu veredito pelas esquinas do centro da cidade.
Você tem direito à sua crença preferida, mas não tem o direito de jogar
bombas em centros religiosos que professem dogmas diferentes dos seus.
Você tem o direito de não gostar de uma peça de arte, mas não tem o
direito de parti-la aos pedaços – ou impedir o acesso de outros a ela.
Você tem o direito de ser um asno e relinchar, mas não tem o direito
distribuir coices e quebrar dentes por aí.
Não podemos escolher um determinado grupo como merecedor de
Liberdade de Expressão e excluir todos os demais, achando que isto é
Moralmente ético. Em um mundo ideal, você deveria ter liberdade para
falar, cantar, discursar, pintar e publicar o que bem entendesse, desde que
admita que o Estado e outros indivíduos podem e devem desfrutar uma
liberdade equivalente para rebater publicamente sua opinião.
A Liberdade de Expressão, com seu livre trânsito de ideias, é o único
dogma do Reino da Liberdade que deveria ser universal e obrigatório.

16. O DIREITO ÀS ARMAS


Em 20 de fevereiro de 1997, o então presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, endureceu a posição oficial em relação às armas de fogo
por meio da Lei 9.437, tornando o porte ilegal um crime inafiançável e
passível de encarceramento por um a quatro anos. A Lei também foi
responsável por criar o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), em vigor até
hoje. Em 2003, a legislação se tornaria ainda mais restritiva com a sanção
do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826).
Insatisfeitos com a progressão do arrocho, os brasileiros responderam a
uma consulta popular em 2005 sobre as limitações impostas ao comércio de
armas de fogo, e nada menos que 63% daqueles que compareceram ao
Referendo votaram a favor de uma legislação mais branda. Ainda assim, o
Estado não respeitou o voto popular e manteve o texto do Estatuto,
dificultando enormemente a posse e o porte de armas de fogo.
A discordância com relação à regulamentação excessiva para o acesso
a armas de fogo é uma pauta recorrente na agenda dos ideólogos de Direita,
estando relacionada a dogmas como Autopertencimento, Autonomia para
autodefesa, Liberdade de comércio, Liberdade de escolha e Soberania da
Propriedade Privada.
Se o acesso às armas é uma pauta da Direta, temos que à Esquerda
ocorre o inverso: sistemas político-ideológicos de Esquerda, com seus
Estados imensos e centralizadores, tendem a restringir a posse e o porte de
armas. Exatamente isto é o que pode ser constatado em nações como China,
Vietnã, Coreia do Norte, Venezuela e Eritreia (este, um dos piores países
com relação ao respeito aos Direitos Humanos).
No Brasil, durante um bom tempo, a burocracia para adquirir uma arma
dependeu de vários entraves, dentre eles a baixa capilaridade da Polícia
Federal no território nacional (são 121 unidades em um país com mais de
5.500 municípios) e interpretações de forte cunho discricionário. Por
exemplo: se, após todos os trâmites devidos, um delegado não
“simpatizasse” com você, seu direito de possuir uma arma seria negado.
Tentando flexibilizar esses embaraços, em 2012 foi proposto o Estatuto
de Controle de Armas de Fogo (Lei 3722). Com mais de 140 artigos, a nova
Lei revogaria o Estatuto do Desarmamento. Em 2019, o Presidente Jair
Bolsonaro deu início um novo impulso ao processo de desburocratização
para compra, posse e porte de armas de fogo, mas o terreno a ser percorrido
ainda é longo.
Boa parte dos argumentos que defendem a restrição às armas se reporta
à necessidade de reduzir os assustadores índices de violência no Brasil:
entre 1980 e 2003, o número de homicídios cresceu 8,4% a cada ano. Entre
2004 e 2013, após a aprovação do Estatuto do Desarmamento, este número
passou a avançar em um ritmo mais lento (0,5% ao ano), mas isto não foi
suficiente para retirar o Brasil da lista dos países mais perigosos violentos
do mundo: estamos entre as 25 nações mais violentas do planeta101,110,114,116.
A cada ano, assassinamos mais pessoas que a soma de homicídios
cometidos no mesmo período em 52 países (a saber: EUA, Canadá,
Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, China, Mongólia, Malásia,
Indonésia, Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Japão,
Portugal, Espanha, Reino Unido, Irlanda, França, Bélgica, Holanda,
Luxemburgo, Alemanha, Itália, Suíça, Dinamarca, Noruega, Suécia,
Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca,
Eslováquia, Áustria, Hungria, Belarus, Ucrânia, Romênia, Moldávia,
Bulgária, Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro,
Albânia, Grécia e Macedônia)117.
A questão Moral sobre a facilitação de acesso às armas é a seguinte: é
correto criar obstáculos para impedir a igualdade na autodefesa? Existem
dados históricos, científicos ou estatísticos inquestionáveis sustentando a
hipótese de que, com a recuperação da liberdade de acesso às armas, as
brigas existentes terminariam de forma mais grave?
De acordo com o Ancap americano Walter Block, o único ato proibido
deveria ser o uso ou a ameaça do uso da força contra uma pessoa ou contra
sua propriedade legitimamente adquirida. Para Block, a mera propriedade
de um fuzil ou revólver, por si só, não constitui nenhuma agressão ou
violência contra terceiros: se fôssemos proibir todas as ocorrências
baseando-nos em riscos potenciais teríamos também de banir braços para
boxeadores e pernas para lutadores de caratê102. E podemos extrapolar o
raciocínio de Block para incontáveis outros cenários, por exemplo:
Com cerca de 60 mil homicídios/ano, a taxa média de mortes por
violência intencional no Brasil é quase cinco vezes maior do que o índice
mundial: em 2018, chegou a 30,8, versus 5,3 no restante do mundo113,114.
Nessa montanha de mortes, as armas de fogo estiveram envolvidas em 40%
dos homicídios em 1980, passando para 71% em 2018109,115. Este certamente
seria um bom argumento para questionar o acesso este recurso. Todavia, os
homicídios por arma branca respondem por 41% dos assassinatos na
Austrália e Nova Zelândia, 50% dos assassinatos em Luxemburgo e 100%
dos assassinatos em Andorra. Na Bulgária e na Espanha, objetos cortantes
matam duas vezes mais pessoas que armas. Na República Checa, na
Finlândia e na Suécia, três vezes mais. No Reino Unido, cinco vezes mais.
Na Hungria, oito vezes mais.
De um modo geral, na Europa, as armas brancas são o instrumento
empregado em 79% dos homicídios110.
Se a proibição de armas de fogo está relacionada à prevenção de
homicídios, não seria ideal que os países citados desautorizassem a venda, a
posse e a circulação de facas, facões, canivetes, tesouras e espetos de
churrasco?
No meio médico, os erros são chamados tecnicamente de “eventos
adversos assistenciais”. Mudar a terminologia não elimina o significado do
que estes “eventos” de fato são: erros. Segundo o sistema de Informações
Hospitalares do Ministério da Saúde, tivemos 19,4 milhões de internações
no Brasil em 2017. Entre estes pacientes, 36.174 faleceram devido erros
evitáveis, colocando os “eventos adversos assistenciais evitáveis” entre as
10 principais causas de óbito no país103.
Se pretendemos proibir a posse e o porte de armas de fogo para evitar
assassinatos, não seria ideal proibir internações hospitalares? Afinal, elas
causam uma morte evitável a cada 15 minutos no Brasil...
Novamente de acordo com dados do Ministério da Saúde, 37.645
pessoas perderam suas vidas em acidentes de trânsito no ano de 2016104. Se
a intenção da proibição de armas é prevenir mortes evitáveis, por que não
proibimos de uma vez carros, caminhões, motos, bicicletas, patinetes, ruas,
avenidas, estradas, vielas, becos, calçadas e pedestres?
A cada ano, 51.226 crianças com menos de 5 anos morrem no Brasil.
Excluindo-se causas biológicas (p.ex.: prematuridade, anomalias
congênitas, problemas no parto, desnutrição, infecções e outras desordens
neonatais), as três principais causas de morte entre crianças, em ordem de
incidência, incluem aspiração de corpo estranho, acidentes de trânsito e
afogamento105.
Especificamente quanto a esta última etiologia, cerca de 900 crianças
de até 14 anos de idade falecem afogadas no Brasil a cada ano. Na faixa de
1 a 4 anos, o afogamento representa a maior causa de morte acidental,
sendo a piscina o local onde a maioria dos incidentes ocorre106.
Se a intenção de proibir a posse doméstica de armas de fogo está
relacionada à prevenção de mortes entre crianças, não seria ideal proibir
também a venda de banheiras, regulamentar pesadamente a presença de
crianças em piscinas e multar os pais que levassem seus pequenos à praia?
O Brasil apresenta uma taxa de suicídios de 5,8 casos por 100 mil
habitantes a cada ano. Em 61% dos óbitos, o método empregado foi
sufocação por estrangulamento. Armas de fogo respondem por 8,9% do
cômputo geral107.
Se a intenção de proibir a posse de armas de fogo está relacionada
diretamente à prevenção de suicídios, não deveríamos proibir também a
venda de cordas, regulamentar a venda de escadas, cadeiras e bancos e
fiscalizar o uso de vigas, colunas e troncos de árvores?
Entre os homens, as armas de fogo representam 10% dos métodos de
suicídio, mas apenas 3% entre as mulheres. Em contrapartida, venenos
representam 11% entre as mulheres e apenas 6% entre os homens107.
Se a proibição de armas de fogo está relacionada notadamente à
prevenção de suicídios entre mulheres, não deveríamos também proibir a
venda de qualquer substância potencialmente tóxica?
Apesar de os conflitos armados terem custado a vida de dezenas de
milhares de pessoas nos últimos 100 anos, as doenças infectocontagiosas
foram a grande tragédia do século XX: as mortes causadas pela epidemia de
gripe de 1918 representaram cerca de 80% dos combatentes americanos
falecidos durante a Primeira Guerra Mundial. Em outras palavras: no século
XX, o vírus Influenza foi 5 vezes mais letal que a pólvora108. Para evitar a
continuação destas mortes desnecessárias ao longo do século XXI,
deveríamos então proibir as pessoas de terem gripe?
Sim, nenhum desses argumentos faz muito sentido, e a mesma
conclusão vale para aqueles que defendem o controle do comércio de armas
de fogo como um recurso para conter a violência e impedir mortes
evitáveis.
Em uma de suas várias teorias, Freud propôs que os seres humanos são
governados por dois instintos fundamentais: a vida (ou Eros), que poderia
ser representado tanto pela sedução física quanto pela persuasão através de
argumentos razoáveis; e a morte (ou Thanatos), que se estenderia desde a
agressividade até a morte por violência propriamente dita.
O escritor alemão Marko Kloos fez uma releitura dos instintos
freudianos, afirmando que os seres humanos têm apenas duas maneiras de
lidar uns com os outros: por meio da razão e por meio da força – ou seja:
por meio de Eros ou por meio de Thanatos. Em uma sociedade
genuinamente Moral e civilizada, Eros prevalece, mas você tem notícia de
alguma sociedade humana que seja 100% genuinamente Moral e civilizada?
“Por mais paradoxal que isso possa parecer”, escreveu Kloos, “... a
arma de fogo é o único objeto físico que pode anular a disparidade de
força, de tamanho e de quantidade entre um potencial agressor e sua
potencial vítima”111. Em outras palavras: a arma de fogo é o único objeto
físico capaz de fazer Thanatos (a Força) parar por um minuto e prestar
atenção em Eros (a Razão), independente do sexo, da altura e do peso dos
envolvidos.
Em apoio à opinião de Kloos, um estudo de 2007 mostrou que menos
armas estão associadas a mais crimes: ao analisar os índices de violência na
Europa, os criminologistas Don B. Kates e Gary Mauser descobriram que as
9 nações europeias com os menores índices de posse de arma apresentavam
taxas combinadas de homicídio 3 vezes maiores que as 9 nações europeias
com os maiores índices de posse de arma112.
Por exemplo: na Europa Ocidental, a Noruega possui o maior número
de armas de fogo por habitante, mas apresenta as menores taxas de
homicídios. Suíça e Israel também possuem leis bem liberais para posse e
porte de armas, e desfrutam de índices relativamente baixos de homicídio.
A Holanda, com o menor número de armas de fogo por habitante, possui as
piores taxas de homicídio.
Para efeito de comparação, vale dizer que, no Brasil, há 8 armas a cada
100 habitantes e a taxa de homicídios é de 29 por 100 mil. Honduras, o país
mais violento do mundo (taxa de homicídios de 92 por 100 mil), tem 6
armas para cada 100 habitantes.
Obviamente, existem exceções: no Japão, onde as armas para uso
pessoal foram banidas e existem 0,6 armas para cada 100 pessoas, a taxa de
homicídios é de 0,3 por 100 mil habitantes. Em 2014, os japoneses
registraram 6 mortes por armas de fogo, contra mais de 30 mil nos EUA (88
armas para cada 100 pessoas) durante o mesmo período.
Na Austrália, a aprovação de leis mais rígidas para o comércio de
armas em 1996 – que incluiu a destruição de cerca de 650 mil armas
automáticas e semiautomáticas –, resultou em uma redução de 59% dos
homicídios por armas de fogo, mas os índices de homicídios por outros
meios permaneceram estáveis.
Todavia, extrapolar o que ocorreu no Japão e na Austrália como sendo
algo habitual e aplicável ao mundo inteiro é irreal. Por exemplo: em 1997,
em resposta ao massacre de Dunblane, a Grã-Bretanha baniu a posse de
armas de fogo pessoais. Hoje, os índices de homicídio intencionais por lá
estão maiores que em 1996.
As evidências causais ligando menos armas a menos crimes parecem
ser seletivas e nada conclusivas. Como Kates e Mauser argumentaram, se o
mantra “mais armas = mais mortes” e “menos armas = menos mortes”
fosse correto, as comparações entre nações europeias deveriam mostrar que
países com mais armas per capita apresentam mais mortes, e não é bem
este o caso: nações com números maiores de armas per capita não
apresentam taxas de suicídio ou homicídio acima daquelas observadas em
nações com poucas armas. Na verdade, aquelas com mais armas per capita
tendem a apresentar taxas menores de homicídio.
Segundo o advogado paulista Benedito Barbosa, presidente do
Movimento Viva Brasil e coautor do excelente livro Mentiram para Mim
sobre o Desarmamento (2015), a legislação paraguaia é uma das mais
liberais da América do Sul, sendo muito semelhante à brasileira antes do
Estatuto do Desarmamento: para comprar uma arma, basta ao cidadão
paraguaio com mais de 21 anos de idade apresentar cópia de identidade,
certidão de antecedentes criminais emitida pela Policia Nacional e realizar
um teste técnico de conhecimento básico. O trâmite demora em torno de 10
a 15 dias e não há qualquer discricionariedade envolvida. Não há restrições
para a quantidade de armas, calibres ou quantidade de munição. Para o
porte, é necessário obter um laudo psicológico e preencher uma requisição.
O cidadão pode ter o porte para duas armas, sendo ambas curtas ou uma
curta e uma longa.
Pois bem: em 2002 o Paraguai enfrentou sua mais alta taxa de
homicídios (24,63 por 100 mil habitantes). Atualmente, ostenta a terceira
menor taxa de homicídios da América do Sul (7,98), perdendo apenas para
o Chile (2,97) e o Uruguai (7,81) – lembrando que o Uruguai é o país mais
armado da América Latina. Vale registrar que o Paraguai possui uma das
economias mais frágeis da América do Sul, com um IDH de 0,676,
considerado médio e bem abaixo do Brasil (0,754).
A Direita está coberta de razão ao afirmar que a política
desarmamentista adotada no Brasil não gerou paz social e muito menos
inibiu a violência.
A saída sólida e verdadeira para o problema da violência passa pelo
estímulo e capacitação tecnológica da polícia (temos um índice trágico de
resolução de homicídios inferior a 10%); pela maior agilidade da justiça
(um homicídio leva em média 8 anos para ser julgado no Brasil); pelo
endurecimento do Código Penal (um homicida confesso pode ser libertado
após pouco mais de 7 anos de reclusão); e pela garantia inegociável de
punição (não é o tamanho da pena que inibe a criminalidade, mas a certeza
de que todo crime será punido).
Enquanto nada disso ocorre, a infinidade de entraves criados para
restringir o acesso do cidadão a um instrumento que iguala sua capacidade
de defesa à severidade do ataque deveria ser considerada não apenas uma
arbitrariedade Legal, mas um disparate absolutamente imoral.
O controle de armas para evitar mortes intencionais funcionaria desde
que isso fosse combinado também com os bandidos que portam armas
ilegais e praticam crimes de forma recorrente: segundo o Relatório de
Pesquisa sobre Reincidência Criminal elaborado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada em 2012, 1 de cada 4 condenados no Brasil reincide
no crime.
Em uma visão lockeana, o Estado deveria trabalhar pela preservação da
Vida, da Liberdade e da Propriedade dos cidadãos. Mais do que isso, o
Estado deveria, antes de tudo, não impedir que o cidadão tomasse conta da
defesa de sua própria vida, de sua própria liberdade e de sua propriedade
privada.
A legítima defesa destas instituições, ainda que possa ser tutelada pelo
Estado, é anterior ao próprio Estado. Ela é parte do Direito Natural de cada
ser humano, teorizada não apenas na filosofia de Locke e Hobbes, mas
também reconhecida no Código Penal Brasileiro, onde se lê: Art. 23 - não
há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II -
em legítima defesa; Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem
pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua
vontade, nem podia de outro modo evitar; e Art. 25 - entende-se em
legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários,
repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Uma autorização do Estado para portar armas não obriga as pessoas a
fazê-lo. Se alguém não deseja ou acha incorreto ter armas em casa ou andar
com elas por aí, basta não tê-las, mas devemos ser livres para fazer esta
escolha.
Armas ilegais são ilegais da mesma forma que beber e dirigir é ilegal, e
da mesma forma que assassinar alguém sem uma clara configuração de
legítima defesa também continua proibido.
Tentar reduzir a validade ou colocar obstáculos para o porte e a posse
de armas devido ao risco de violação da lei não argumenta contra leis que
versam sobre o assunto, mas revela a mentalidade de um povo que se
acostumou à baderna sem limites.

17. A MORALIDADE DAS EMPRESAS


Seguindo a ênfase no Livre Comércio e na Propriedade Privada, o
espectro político-ideológico da Direita considera uma “empresa” uma
organização produtiva cujo principal propósito é criar bens e serviços para
venda em busca de lucro.
Inicialmente, os negociantes estão submetidos às regras do Estado e
aos códigos de conduta promulgados por suas próprias sociedades
profissionais. Em um segundo momento, tanto para evitar atritos
desnecessários com as normas quanto para vender uma persona mais
atraente aos olhos dos consumidores, muitas empresas elaboram códigos de
conduta próprios. Estes códigos, desenvolvidos com a intenção de antecipar
a Lei a e Moral envolvidas na distribuição, propaganda, venda e consumo
de suas atividades, consistem em uma salada de juízos Deontológicos e
Consequencialistas que, modernamente, recebeu o bonito nome de
Responsabilidade Social Corporativa.
Este tipo de preocupação Moral teve origem na Segunda Guerra
Mundial, atingindo um ápice nas décadas de 1960 e 1970. Sua adoção não
se baseava apenas em abnegação e honradez: os especialistas colocavam
suas fichas nesta aposta acreditando que ela aumentaria o valor de sua
companhia e/ou a fatia de participação de seus produtos no médio prazo. O
problema, então, passou a ser definir o quê seria considerado Bom e Correto
no escopo da Responsabilidade Social Corporativa. Para resolver a questão,
a década de 1970 presenciou uma epidemia de criação de disciplinas,
escolas, cursos e institutos que pretendiam ensinar Gestão Ética.
Infelizmente, os craques em Gestão Ética nem sempre compartilharam
o mesmo fascínio das empresas com relação ao lucro. Para uma companhia,
o custo de agir com probidade pode ser monstruoso, algumas vezes até
mesmo inviável. Ademais, ser ético porque isso ajuda a aumentar seus
proventos não é exatamente ser Moralmente ilibado: é apenas praticar
escambo.
Para fazer valer uma Gestão Ética e tornar seus funcionários (agora
dissimulada e elegantemente chamados de “colaboradores”) éticos, muitos
líderes utilizam como ferramentas motivacionais imperativos de autoridade
e incentivos trabalhistas. Ou seja: para que a Moralidade Corporativa
aconteça, são utilizados os velhos expedientes coercitivos de sempre.
A despeito dos recursos empregados para fazer valer a Moralidade,
qualquer Gestão Ética com pretensões de seriedade alguma hora deverá
deixar o campo da teoria e sujar as mãos um pouco: para alimentar a
sustentabilidade e a responsabilidade social (dois chavões empregados ad
nauseum pela seita do politicamente correto), a Moral empresarial deverá
ser abastecida com carnes cortadas da missão, do objetivo, da
complexidade, do interesse ou dos lucros da companhia. Em termos mais
simples: nos negócios, a ética dói e raramente é barata.
Com sorte, na superficialidade intelectual do Subjetivismo Pós-
Moderno, parecer ético nos negócios se tornou tão fácil quanto colar um
adesivo no vidro do carro. Você pode simplesmente anunciar sem
acanhamentos que sua empresa, seus produtos ou seus negócios são éticos:
com uma população ostentando um QI médio de 87 e abrigando quase 30%
de estudantes universitários com níveis insatisfatórios de alfabetização, o
Brasil é um campo fértil para o sucesso de qualquer propaganda
dissimulada travestida de nobreza.
Caso lhe apeteça envergar uma validação extra, basta solicitar a
consultoria de alguma autarquia ou contratar algum instituto “sem fins
lucrativos” que lhe forneça um selo de qualidade “ético” e pronto, você
agora o é.
Dentro dos princípios darwinistas do Livre Comércio, pagando bem,
que mal tem?
É óbvio que tudo isso pode soar demasiadamente imoral para os
estômagos mais frágeis, mas lembre-se do prêmio (leia-se: extinção) que a
Natureza costuma guardar para os mais frágeis. A Moralidade pode ser
manuseada, distorcida, vilipendiada, assaltada e até mesmo falsificada. Não
por outro motivo encontra-se em crise. Acreditar que religiões, governos ou
companhias sejam capazes de um Realismo Moral idôneo e altruísta que
você mesmo, um Relativista Pós-Moderno, não sustenta de modo
consistente, é levar o debate para o teatro das asneiras.
Em um acesso de sinceridade (quase descortês, assumo), posso lhe
informar que a Moralidade Empresarial e a Responsabilidade Social
Corporativa são assuntos de irrelevância prática para boa parte dos
empreendedores. Não que eles sejam hostis à ideia, mas, na concorrência do
mundo real, os conceitos apresentados não têm facilitado muito diferenciar
o “certo” do “mais certo” e ambos do “conveniente” ou mesmo do
“suficientemente oportuno”. Os encarregados da Gestão Ética parecem por
demais ocupados em criticar o Capitalismo com prescrições tão enigmáticas
quanto inaplicáveis.
Por exemplo: como convencer os acionistas de uma empresa a
aprovarem a modificação de um sistema de produção, trocando o existente
por outro ecologicamente mais correto, quando isso irá aumentar
dramaticamente os custos imediatos sem uma projeção garantida de lucros
ou, pelo menos, de recuperação do investimento? Eles devem fazê-lo por
que isso é o Moralmente correto a fazer e acabou-se? Se este for seu melhor
argumento, recomendo que se poupe o trabalho de preparar um único slide
no PowerPoint e vá dar uma volta na praça com seu cachorro.
Por que as companhias deveriam buscar a retidão Moral? Como
anotado por André Comnte-Sponville, “uma empresa não tem Moral, amor,
sentimento ou ética: ela tem clientes, interesses, objetivos, contabilidade e
balanço”118. Em um mercado competitivo, as empresas são diariamente
tentadas a iludir, trapacear e manipular para ganhar vantagens. As
abstrações teóricas e as legislações trabalhistas também não são de grande
auxilio, e, em um mundo Relativista, o trabalho para ser Bom e Correto
pode arruinar cadeias inteiras de produção.
Ainda que o Conservadorismo e seus brotos valorizem padrões
decentes e cautelosos de comportamento, cobrar uma equivalência integral
destes parâmetros por parte das empresas parece uma típica utopia
Esquerdista.
Uma saída viável para este imbróglio talvez esteja na implantação de
uma versão empresarial da Ética das Virtudes de Aristóteles. A Ética
aristotélica não é focada em direitos, deveres ou consequências, mas na
virtuosidade do Caráter. É preciso ser forte, honrado, corajoso, disciplinado,
resiliente, empenhado – não porque isso é algo que alguém tenha que cobrar
de você no seu horário de trabalho. Como um adulto teoricamente no pleno
exercício de suas faculdades mentais, ser Virtuoso é um compromisso que
você deveria ter consigo mesmo, com o florescimento da sabedoria em sua
Identidade Pessoal.
A reconciliação da Moral com o lucro provavelmente se dará apenas
quando a Gestão Ética descartar todas as apostilas e submeter-se à leitura
das páginas dedicadas a Nicômaco70.
Muitas pessoas ainda conjecturam que, bem antes de fundarmos
empresas e rotas de comércio, abandonamos a vida nômade de caçadores-
coletores e adotamos a agricultura para desfrutar mais conforto, menor risco
de fome e maior longevidade. Contudo, comparados a tribos de caçadores-
coletores, fazendeiros trabalham mais horas por dia; e resquícios
arqueológicas mostram que os primeiros agricultores de muitas regiões
eram menores, mais desnutridos, sofriam de doenças mais graves e morriam
em média mais cedo que os caçadores-coletores que eles substituíram119.
Quando o Homo sapiens se espalhou pelos quatro cantos do mundo e
os recursos dos quais dependíamos logo começaram a escassear ou
desaparecer: por volta de 13 mil anos atrás, cerca de 80% dos mamíferos
selvagens das Américas haviam sido extintos pelas mudanças climáticas do
período ou pelo extrativismo predatório do “bom selvagem rousseauniano”
que éramos119. Quando as pessoas começaram a produzir alimentos para não
morrer de fome, deram início a uma progressão infinita onde, quanto mais
alimentos produziam, mais sedentárias se tornavam; quanto mais
sedentárias, mas tinham tempo para o sexo; quanto mais sexo, mais filhos; e
quanto mais filhos, maior a necessidade de produzir alimentos, reiniciando
o ciclo. Assim nasceram as empresas. E agora precisamos criar um vínculo
emocional entre a Identidade Pessoal programada por milhares de anos de
caça e coleta na Natureza e a Identidade Social que sofre com síndromes de
esgotamento sobre o chão da fábrica e entre as paredes do escritório.
Penso que o caminho para aproximar estas duas identidades talvez se
encontre na criação de atmosferas empresariais semelhantes à Moralidade a
qual nos acostumamos por milhares de anos, cabendo à Ética das Virtudes
de Aristóteles um papel central neste estratagema. Por meio deste novo
simulacro, seria possível reconfortar a primeira Identidade e incrementar a
produtividade da segunda.
No universo da Direita, esta é a grande missão da Gestão Ética, da
Responsabilidade Social Corporativa e da Moralidade das Empresas.

18. CONCLUSÃO
As ideologias políticas de Direita se iniciam da fronteira entre o
Progressismo de Esquerda e o Neoconservadorismo de Direita, e se
estendem até os campos mais loucos do Anarcocapitalismo. De uma ponta à
outra, a Moralidade deste espectro pode ser caracterizada pela valorização
do quadrilátero formado por Capitalismo, Liberdade, Democracia e
Meritocracia. Cada um destes pilares merece uma consideração final breve:
Como vimos, o Capitalismo tem duas sementes principais – a
Propriedade Privada e o Livre Mercado –, mas nenhuma delas cumpre os
critérios para uma Verdade substantiva.
Por exemplo: a ideia de que o trabalho cria o direito à Propriedade
Privada pode ser apenas uma preferência específica meramente cultural.
Outras civilizações associaram a Propriedade Privada à graça divina, à
piedade, à devoção, à descendência familial, ao status social, etc. Nós,
ocidentais pós-lockeanos, a associamos ao trabalho, e não existe um padrão
objetivo para classificar qual associação é a melhor ou a mais justa:
simplesmente temos que escolher uma delas para acreditar.
O próprio conceito de Livre Mercado é um contrassenso, uma vez que
ele não é exatamente livre, pois não pode ser sustentado sem que poderosas
forças gravitacionais externas mantenham a estabilidade do tecido social. A
Matéria Escura que produz estas forças atende pelo nome de Estado, e os
filamentos que mantém a superestrutura operacional atende pelo nome de
governo.
À primeira vista, como o Livre Mercado tende a treinar as pessoas para
se preocupar principalmente – ou apenas – com o progresso material. Ele
não conduz necessariamente à evolução Moral. Em uma economia de Livre
Mercado, as pessoas não buscam pela verdade, beleza, honra, coragem ou
sabedoria. Elas buscam conforto. Neste sentido, uma sociedade Capitalista
não difere muito de uma sociedade Comunista: em ambas, a motivação dos
indivíduos é atingir um determinado padrão material de vida e só – algo que
foi bem percebido e descrito por Maximilian Carl Emil “Max” Weber
(1864–1920), um dos sociólogos mais influentes do século XX, junto com
Karl Marx e Emil Durkheim.
Segundo Weber, o ser humano não quer “por natureza” ganhar dinheiro
e sempre mais dinheiro, mas simplesmente viver, viver do modo como está
habituado a viver e auferir o necessário para tanto33. Onde quer que o
Capitalismo moderno tenha dado início à sua obra de incrementar a
produtividade do trabalho pelo aumento de sua intensidade, ele se chocou
com a resistência infinitamente tenaz desta filosofia pré-capitalista, e choca-
se ainda hoje por toda parte, tanto mais quanto mais atrasada é a mão-de-
obra da qual depende.
Apesar de o Livre Mercado e o direito à Propriedade Privada estarem
associados a maiores índices de desenvolvimento humano, a lógica do
Capitalismo, como demonstrado no final dos séculos XIX e XX, quando
deixada à vontade, tende para uma concentração cada vez maior de renda e
poder, fomentando oligarquias e plutocracias. O conjunto das evidências
pode até ser positivo, mas é uma ingenuidade acreditar que o Capitalismo
seja 100% auto-reparador: os interesses que o regem são forças que
precisam ser disciplinadas de alguma maneira por princípios Morais mais
elevados que o lucro; caso contrário, ele conduzirá à exaustão dos recursos
naturais e reduzirá a sociedade a apenas um meio para aumento da
produção e uma finalidade para o consumo.
Se os humanos capitalistas fossem economicamente racionais, jamais
teríamos presenciado algo como a Mania das Tulipas na Holanda (1635), a
Crise de Crédito de Londres (1772), o Pânico da Filadélfia (1873), a Grande
Depressão Americana (1929), a Crise da OPEP (1973), a Crise Asiática
(1997), a Bolha da Internet (2000) ou a Crise Financeira Mundial (2008),
para citar apenas alguns descalabros. Poderíamos dizer que estas catástrofes
financeiras representam um tipo de mecanismo de autocorreção, assim
como os eventos planetários de extinção em massa. Mas, se for isso mesmo,
estes eventos são mecanismos bem truculentos de autocorreção.
Não surpreende, portanto, a facilidade com que a retórica das soluções
pragmáticas do Realismo Moral de cunho socialista-comunista causa
encantamento: seus "imperativos categóricos" e suas "verdades
substantivas" são alicerçados em operações aritméticas simples, básicas, de
resultados inteiros e sem casas decimais. Não existem variáveis civis, não
existe heterogeneidade popular no Comunismo: tudo é monoteísmo
ideológico absolutista. Não obstante, não é mais ou menos assim também
que o opera a Democracia Capitalista?
Elimine do enunciado a seguir o termo "coletividade", substituindo-o
por "lucro", e o resultado será tão idêntico quanto um gêmeo univitelino:
“todas as ações devem ter como objetivo o fomento do
desenvolvimento e a proteção do bem-maior para a coletividade (ou para o
lucro). É em nome da coletividade (ou do lucro) que as leis devem ser
elaboradas; a política, construída; o cidadão, instruído; as instituições,
preservadas; o futuro, planejado”.
Lucro ou Coletividade, Capitalismo ou Comunismo, vistos por esta
ótica, parecem sofrer da mesma síndrome dos “fins que justificam os
meios”. São como Caim e Abel, Harry Houdini e Hardeen, Fredo e Michael
Corleone, Mufasa e Scar, Cláudio e Hamlet – competem entre si, odeiam-
se, vilipendiam-se, mas pertencem à mesma exata linhagem.
Aqueles que advogam o Capitalismo democrático e liberal citam os
EUA (a nação mais rica do mundo atual e uma potência militar
inquestionável) como exemplo de liberdade, dividendos e bonança. Aqueles
que defendem o comunismo coletivista e ditador podem citar a China (a
segunda maior economia do planeta e com uma população equivalente a
quatro EUA) como exemplo de objetividade, planejamento e disciplina.
Ao final do embate, com direito a graves acusações Morais e meia
dúzia de xingamentos bilaterais, sobram silogismos de ambos os lados na
mesma medida em que faltam entendimentos racionais entre as partes. A
sujeição castradora ao Grande Irmão está para os Estados de Esquerda
assim como a obsessão pelo sucesso financeiro e o acúmulo de
Propriedades está para os Estados de Direita – mas nenhum deles ousar
apontar o dedo para os podres da própria família.
Assim como ocorre com a liberdade teórica do Livre Mercado
Capitalista, a própria liberdade defendida pela Direita é um paradoxo. Ela
certamente é mais ampla que aquela existente na Esquerda, mas isso não a
torna isenta de críticas.
Liberdade já significou liberdade da escravidão, da servidão feudal, do
despotismo das dinastias, e então livramento da oligarquia industrial e da
opressão das forças produtivas. Atualmente, Liberdade significa livrar-se da
insegurança material e das coerções que limitam o acesso às oportunidades.
Em todos estes casos, nossa liberdade ocorre por dádiva de um Estado: não
temos liberdade, não somos seus possuidores. Somos, sim, tutelados para
usufruir apenas a parte permitida dela.
O terceiro pilar das ideologias de Direita, a Democracia, conceituada
como a noção de que todos os humanos compartilham Direitos Naturais
idênticos apenas pelo fato de serem humanos, pode parecer evidente nos
dias de hoje, mas nem sempre foi assim. Na maioria das civilizações que
construímos, nossos irmãos de espécies eram submetidos a formas diversas
de escravidão, servidão, opressão e domínio – uma existência que,
infelizmente, continua sendo realidade para milhões de Homo sapiens neste
planeta.
Apesar de nobre, a Democracia nem sempre é o melhor regime para
nações destituídas de fundamentos para Liberdade e Prosperidade. Ao
conseguir vender a ideia de que o povo tem plena capacidade de governar a
si mesmo (algo que sempre me remete aos moais do Parque Nacional Rapa
Nui...), a “Tirania da Maioria” – um termo cunhado por Alexis de
Tocqueville e tornado famoso por John Stuart Mill – se tornou um dos
maiores sucessos de marketing da história. Mas, em essência, não passa da
mesma aristocracia tribalista de sempre, cujos plutocratas significam "o
povo" tanto quanto um prostíbulo corresponde a uma academia de
ginástica: suas atividades podem até conter algumas similaridades, mas a
proposta Moral que expressam e defendem, não.
Para que a Democracia tenha alguma chance de ser Boa e Correta, o
governo deve entender que havia o Indivíduo antes do Estado, e que ele, o
indivíduo, é a menor minoria dentro de uma sociedade. Quanto menos
espaço o Estado ocupar, mais espaço os indivíduos terão para buscar sua
felicidade. Na mesma medida, os indivíduos deveriam entender que é
impossível desvincular autopertencimento de auto-responsabilidade.
Finalmente, temos o quarto pilar da Direita: a Meritocracia.
Monopólios custam caro, sufocam a inovação e oferecem os piores serviços
possíveis. Quanto maior a competição interna, mais arejado e fortalecido
será o ambiente econômico. Isso significa que a base produtiva de ser o
mais ampla possível. Multinacionais devem ser bem vindas, mas serão
sempre as pequenas companhias que movimentarão as engrenagens
criativas e produzirão a maioria dos novos postos de trabalho. E nenhum
desses empreendimentos vicejará caso a atmosfera Moral não seja
meritocrática. Assim, não devem existir barreiras para ascensão social ou
inovações empresariais. Racismo, sexismo, taxas de cartório, políticas
discricionárias de licenciamento, burocracias para registro de patentes,
impedimentos para acesso à educação, tudo isso deve ser combatido com
uma energia implacável. Mas a Meritocracia plena permanecerá como um
ideal jamais atingido – o que é bom, pois ela tem seus próprios demônios,
como vimos.
Apesar de seus pilares focados no sucesso individual, uma parte
considerável da Direita costuma cometer o equívoco de não perceber que o
Homo economicus, racional e calculista, é um engodo. Como observado por
Max Weber e pelo biólogo norte-americano Peter Corning, não são
exatamente o capitalismo, a liberdade, a democracia e o lucro, mas a
empatia, a reciprocidade, um senso justiça e até mesmo algum grau de
altruísmo que formam a base dos valores que formatam nossos
comportamentos e condicionam nossa felicidade45.
Parte dos Direitistas torcem pelo exercício do poder em nome do
nacionalismo, do belicismo, de políticas "pró-família" ou da Religião. Ao
procederem dessa maneira, violam a integridade dos princípios que
deveriam proteger. Acredito que isso não decorra de má-fé, mas de
ignorância e de um sincretismo inconsciente com as heranças Paleolíticas
que trazemos.
Sou essencialmente um sujeito de Direita, mas procuro policiar-me
diuturnamente contra toda forma de cegueira dogmática unipolarizante.
Poder e Riqueza não precisam de defensores. Ambos podem defender-se
por si mesmos. São os pobres e os indefesos que precisam de ajuda e
padroeiros. Muitos podem deixar sua condição de desamparo caso recebam
o auxílio necessário. Muitos permanecerão nela, a despeito de qualquer
auxílio – ou porque assim o desejam ou porque não são cognitivamente
capazes de dar o salto. Qualquer que seja a explicação, deveríamos respeitar
suas limitações sem torná-los escravos delas ou fazê-los escravos nossos.
Como profetizado por Tocqueville, “a inferioridade de nossa natureza,
incapaz de apreender com firmeza o verdadeiro e o justo, frequentemente
reduz-se a optar apenas entre dois excessos”15. E a Direita, por mais
eficiente, íntegra e confiável que procure proceder, não pode escapar do
destino de ser um desses polos.

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