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ESCOLAS ARTURO
GOVERNO PÉREZ-REVERTE
VAI ACABAR “NO OCIDENTE
COM OS TROCÁMOS
MANUAIS A RAZÃO
EM PAPEL PELOS
SENTIMENTOS”
A COROA
TEM FUTURO?
Os desafios da sucessão e o destino da monarquia no Reino Unido
EXC LUS I VO
RADAR
A semana
em 7 pontos
Ucrânia, as horas
decisivas ................................. 14
Holofote
Carlos Alcaraz...................... 16
VISÃO SETE
Raio-X A reabertura do
É hora de poupar.................17 Mercado do Bolhão .... 90
GETTY IMAGES
Entrevista
Fotos com História a Dulce Garcia ............. 102
Dia negro na Cidade
Vinhos, por Manuel
do México ............................. 23
Gonçalves da Silva ..... 107
Transições
O gosto dos outros:
Javier Marías ........................24 Os manuais escolares vão passar Manuel Linhares............111
Balão de ensaio a ser totalmente digitais ..................................................................................................62
O seu cão gosta de si? ...... 26 De forma progressiva, os manuais em papel vão acabar, apurou a VISÃO,
OPINIÃO
devendo esta intenção do Governo concretizar-se, em alguns anos,
Imagens José Eduardo
já a partir de 2023/2024. Mas a Ciência é clara: aprender em ecrãs não
World Press Photo ............ 28 Agualusa
é a mesma coisa Viver sem certezas ..........6
Rui Tavares Guedes
FOCAR A encruzilhada de Carlos III ...................................................................................32 O último ato do império
Ucrânia contra-ataca ....... 70
Monarca de transição ou rei reformador? Carlos III chega para tentar
britânico .............................8
Afeganistão, um texto cumprir o seu destino: manter “unido” um “reino” e, assim, justificar
de Angelina Jolie .................76 a continuação da instituição monárquica Pedro Marques Lopes
As TINAS
Justiça: Droga, alterne e a democracia................ 18
e um procurador ................78 A rainha e o mito .............................................................................................................................. 40
A vida de Isabel II e os grandes marcos do seu reinado. Como a princesa Bernardo Pires
Eurico Brilhante Dias: de Lima
se tornou monarca e a monarca se transformou em ícone
“Pensionistas? O Governo A quarta fase da guerra
foi muito transparente!” ..80 ............................................. 22
“As repúblicas têm o hábito de dar cabo delas
Televisão: Uma portuguesa
nas grandes produções ... 82 próprias” ...............................................................................................................................................................46 José Carlos
de Vasconcelos
Entrevista a José de Bouza Serrano, ex-chefe do Protocolo de Estado,
Contagem final para Brasil, sempre ................ 88
que fez carreira diplomática em monarquias constitucionais.
a conferência ESG Talks .. 84 Este monárquico irredutível dedica o seu mais recente livro ao reinado Joana Marques
de Isabel II Dá-me a tua camisola..114
Interdita a reprodução,
mesmo parcial, de textos,
fotografias ou ilustrações Pré-publicação: Os últimos anos de Isabel II ...............50
sob quaisquer meios, Andrew Morton, o polémico biógrafo de Diana de Gales, prepara-se para
e para quaisquer fins,
inclusive comerciais. lançar um livro sobre Isabel II. Em exclusivo, publicamos um capítulo
dedicado à fase final da vida da rainha
w w w.visao.pt
ONLINE Luís Delgado Adão Carvalho Bruno Batista
LINHAS DIREITAS BOLSA OPINIÃO
Últimos Putin cercado DE ESPECIALISTAS Formar quadros
artigos Urge assegurar a médios de qualidade
no site da autonomia financeira é urgente
VISÃO do Ministério Público
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ANTEVISÃO
VISÃO SETE
VISÃO PLUS Acabou a pandemia,
VISÃO VERDE ficámos com a velha
pandemia das listas
de espera do SNS
– Carlos Lima, Porto
PEDRO NORTON
R
sem os serviços das
ei morto, rei posto! Conseguirá Carlos III, privadas e das entidades
aos 73 anos, herdeiro de um legado de décadas, sociais.
reinventar a monarquia britânica? Conta, pelo – António Barbosa
menos, com um confortável apoio popular à da Silva, Porto
LIVROS
instituição da monarquia. Também conta, é sabido, com
12 autores comentam RAINHA DE INGLATERRA
um considerável défice de carisma e mil e um anticor- as suas obras
pos nascidos de um passado cheio de episódios polé- Todos precisamos de
micos e por demais conhecidos. O que ainda significa a um pai e de uma mãe.
coroa britânica? O que representa? O que vale, quer no E, quando não os temos,
plano da unidade interna, quer na cena internacional? sentimo-nos órfãos e, aí,
adotamos a mãe dos
São estas algumas das perguntas a que Filipe Luís dá
outros (o Marcelo é sim-
resposta no texto que assina nesta edição e que abre um
pático mas… falta-lhe
extenso dossier dedicado a Isabel II, que preparámos o estatuto de permanên-
desde que, na semana passada, foi anunciada a morte cia). O que fez a rainha
da monarca britânica, aos 96 anos. de Inglaterra pelos bri-
Num trabalho de antecipação do que poderá ser o tânicos, de aquém e de
futuro do Reino Unido, durante o consulado do novo além-mar, por Portugal
rei, revisitamos a História e procuramos pistas para e pelo mundo? Qual foi
o que se segue a Isabel II. O final desta história ainda REGRESSO ÀS AULAS
o seu poder, de facto?
estará em aberto, como escreve o editor-executivo da Truques para escrever – António Farias, Lisboa
VISÃO: “A nação inglesa volta a lutar contra a irrelevân- sem erros
cia insular a que se reduziu nos primeiros séculos da sua
existência. Mas, por outro lado, as notícias da sua morte --------
são, como diria Mark Twain, ‘manifestamente exagera- Contactos
das’.” Nesta edição, complementada pela informação que visao@visao.pt
As cartas devem ter um máximo
diariamente continuamos a produzir no site da VISÃO, de 60 palavras e conter nome,
publicamos ainda um perfil de Isabel II, da autoria de morada e telefone. A revista
José Plácido Júnior. Já no princípio do ano, o grande- reserva-se o direito
-repórter assinara uma extensa peça com a qual assina- de selecionar os trechos que
lámos os 70 anos do reinado de Lilibet. considerar mais importantes.
Por fim, completamos o dossier com um rigoroso Morada
exclusivo VISÃO. Revelamos, em primeira mão, o último CORREIO: Rua da Fonte da
COMBOIOS
capítulo da nova biografia de Andrew Morton, conheci- O regresso das grandes Caspolima – Quinta da Fonte,
do biógrafo inglês, que sairá no mercado português com viagens
Edifício Fernão Magalhães, 8,
a chancela das Edições Desassossego, no próximo dia 6 2770-190 Paço de Arcos
de outubro. visao@visao.pt
José
É
Eduardo difícil viver sem certezas – dis- pode até ser entendida como um elogio
Agualusa se o velho Abílio. – Mas é muito da intuição. Uma versão lírica da mesma
– mais difícil viver sem uma perna. seria, por exemplo:
Abílio tem as duas pernas, – Os pássaros pensam melhor com as
saudáveis e firmes, e muitas asas.
certezas, tão firmes quanto as duas pernas. Vem isto tudo a propósito de um episó-
Nos dias atuais, alguém o poderia admoes- dio de que fui testemunha, faz alguns dias,
tar, dizendo: “O senhor não tem o direito numa tasca onde nos costumamos encon-
de falar como se soubesse o que é não ter trar, na Graça, para discutir o futuro de An-
uma perna ou o que é ser um cético radi- gola (embora raramente passemos do pas-
cal, logo o senhor que tem tantas certezas sado). Era sábado, final da tarde, e o grupo
e tão boas pernas. Faça o favor de não sair estava completo. Alguns haviam fugido do
do seu lugar de fala.” almoço de família; outros não tinham fa-
— Escritor
Conheço Abílio o suficiente para saber mília. Em qualquer caso, todos nós parti-
como reagiria se lhe dissessem isso: lhávamos o desamparo dos náufragos e dos
– Sabe que mais? Meta o lugar de fala desterrados. Ao fim das primeiras cervejas,
no... alguém sugeriu que deveríamos batizar o
Aí mesmo. Abílio não tem papas na grupo. Eu mesmo avancei um nome:
língua. Muita gente tem medo dele, porque – O Patriarcado!
diz o que pensa – e, sobretudo, porque – O Patriarcado não! – contestou Abílio.
pensa. Pensar – esta é outra frase de Abílio – Aqui só tem um branco, o Frederico, e
– transformou-se numa atividade quase mesmo esse é um branco à rasca. Além dis-
tão perigosa quanto o paraquedismo sem so, temos o Sapalalo, que é maricas...
paraquedas – Maricas era o teu pai! – gritou o Sapa-
Os ativistas do lugar de fala dirão que lalo. – Eu sou não binário...
Abílio também nunca foi paraquedista. – Não binário é o quê? – perguntou
Alguns serão tentados a acrescentar que Hércules, o anão do grupo, genuinamente
poucas pessoas no mundo têm o direito de intrigado.
se colocar no lugar de fala dos paraquedis- – Não binário é um termo guarda-chu-
tas sem paraquedas. Convenhamos: é um va para identidades de género que não são
lugar de fala muitíssimo restrito. estritamente masculinas ou femininas, es-
Em contrapartida, Abílio foi campeão tando portanto fora do binário de género e
de ciclismo. Ainda hoje – e já passou os da cisnormatividade – escureceu o Frederi-
80! – pedala todos os dias. O corpo pode co, que tinha a mania de falar como se fosse
ter envelhecido, mas as pernas continuam a Wikipedia
jovens. – Agora é que não entendi mesmo nada
– Tanto os homens quanto os futebo- – queixou-se Hércules. – Já nem sei se es-
listas pensam. Mas os futebolistas pensam tamos a falar de sexo ou de filosofia.
melhor com os pés. – Filosofia de alcova – disse Abílio.
Aquela é outra frase dele capaz de irri- – Ele quer dizer que tem dias — tentei
tar os ativistas do politicamente correto. eu. – Uns dias, é maricas; noutros, não...
Alguns serão Talvez até alguns futebolistas. Em defesa
de Abílio, vale dizer que o velho usa a frase
– Mais ou menos. Tipo o Frederico, que
nos dias maus é branco e nos bons passa
tentados a para justificar o enérgico uso que faz das por mulato – concordou Sapalalo, e logo
acrescentar que pernas e dos pés, no decurso de uma dis- voltou à vaca-fria. – Talvez a gente se de-
cussão, sempre que lhe falha o pensamen- vesse chamar o Patriarcado em Pânico.
poucas pessoas to. A frase completa é: Foi então que entrou na tasca um grupo
no mundo têm – Tanto os homens quanto os futebo- de cabeças-rapadas. Cinco, para ser preciso.
ILUSTRAÇÃO DE SUSA MONTEIRO
O último acto
do império britânico
Rui
H
Tavares á 10 anos, juntamente com ou- enterrada toda a nostalgia que ainda pudes-
Guedes tros 80 mil espectadores, tive se existir dos tempos do “império onde o
o privilégio de ocupar uma das Sol nunca se punha”. A mensagem era clara:
cadeiras brancas do moderno deixava de haver espaço para saudosismos
estádio acabado de construir, imperiais, a partir do momento em que,
num antigo terreno industrial do Leste de com sentido de humor, a rainha aceitava o
Londres, para assistir, com um misto de seu novo papel – ser mais entertainer do
ansiedade e de ceticismo, à cerimónia de que uma soberana austera e inacessível.
abertura dos Jogos Olímpicos de 2012. A Decretado para os ingleses, nesse mo-
curiosidade era alimentada por uma série mento, o fim do império britânico, não
de dúvidas que, antes de a sessão se iniciar, ficaram, no entanto, resolvidos muitos dos
atravessavam certamente todos os presen- problemas criados por esse mesmo impé-
tes: como os ingleses iriam conseguir res- rio ao longo de séculos, em vários pontos
— Diretor-executivo
ponder, sem caírem no ridículo, ao espetá- do globo – e cujas cicatrizes e memórias
culo absolutamente esmagador e grandioso de humilhações continuam hoje a alimen-
que, quatro anos antes, os chineses tinham tar a revolta, em várias nações, contra a
montado na abertura dos Jogos de Pequim? Coroa britânica. Também não ficaram re-
Face a essa comparação, com que imagem solvidas as clivagens antigas de um Reino
a Grã-Bretanha, herdeira do maior império Unido... sempre mais ou menos desunido.
global da História, passaria a ser vista por Ficaram, aliás, ainda mais exacerbadas,
um mundo ainda a tentar sarar as feridas da alguns anos depois, com o Brexit e a opção
crise financeira? de um caminho completamente inverso
O desafio, como sabemos, foi superado, ao sentido que fora anunciado em Lon-
com distinção, em especial porque, sabia- dres 2012: em vez de um país mais aberto e
mente, o diretor da cerimónia, o cineasta cosmopolita, o que começou a ser servi-
Danny Boyle, evitou toda e qualquer com- do foi, afinal, um território mais fechado,
paração com o gigantismo e opulência dos menos tolerante à diferença, em que se
chineses – que tinham aproveitado o palco adensa a crise dos serviços públicos; há
dos Jogos Olímpicos para se apresenta- uma instabilidade política crescente e até,
rem como a nova e poderosa superpotên- para cúmulo, se foi perdendo o sentido de
cia que iria marcar o futuro. Assim, em vez humor.
da rigidez aristocrática de outros tempos, A verdade é que, mesmo assim, a notícia
Em 2012, a cerimónia de Londres 2012 foi marcada da morte de Isabel II conseguiu ser um
com os Jogos pela modéstia, pelo orgulho na democracia acontecimento verdadeiramente global,
Olímpicos, (e por uma homenagem inesquecível a essa
invenção inglesa chamada Serviço Nacio-
capaz de preencher a atenção do planeta,
em horas infindáveis de transmissões e de
Londres nal de Saúde) e ainda por uma característi- comentários. E isto é particularmente rele-
tentou ca muito britânica: o humor. De tal forma vante quando todos temos consciência de
que até a rainha Isabel II aceitou participar que o desaparecimento da monarca, que
anunciar no espetáculo e na construção dessa nova foi a testemunha mais famosa e privile-
o futuro. imagem da Grã-Bretanha, num sketch com giada do último século, não terá qualquer
Agora, dez James Bond e em que simulou lançar-se
de paraquedas sobre o estádio, para, logo a
consequência direta ou prática na vida dos
milhões de espectadores que, agarrados às
anos depois, seguir, surgir na tribuna de honra e cumprir televisões, acompanham as prolongadas
com o funeral o seu papel protocolar. cerimónias fúnebres. Este não é o início
Essa abertura dos Jogos Olímpicos foi, de uma era; é apenas, e só, o “grande final”
de Isabel II, assim, o momento em que o Reino Unido de algo que todos já sabíamos que tinha
apenas está apresentou, com orgulho e alegria, aque- acabado.
a homenagear la que pretendia ser a sua nova identidade
pós-imperial, alicerçada na União Europeia
Em 2012, com os Jogos Olímpicos, Lon-
dres tentou anunciar o futuro. Agora, dez
o passado – e com Londres a ambicionar ser a maior e a anos depois, com o funeral de Isabel II,
sem qualquer mais cosmopolita capital do planeta. Nessa apenas está a homenagear o passado – sem
cerimónia, que soube reconciliar os ingleses qualquer certeza de futuro. Aquilo a que es-
certeza com a sua História e apontar-lhes qual po- tamos a assistir, em direto, é ao último acto
de futuro deria ser o seu novo lugar no mundo, ficou do império britânico. rguedes@visao.pt
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Arturo Pérez-Reverte Escritor
7PONTOS
DA SEMANA
As horas decisivas
Enquanto o mundo se distrai com os mi-
crodetalhes dos cerimoniais, encenações
e protocolos da sucessão na coroa bri-
tânica depois da morte da rainha Isabel
II, na Ucrânia vivem-se horas decisivas.
Longe dos noticiários e da opinião públi-
ca, as forças ucranianas conseguem uma
das mais espetaculares contraofensivas
desde a II Guerra Mundial, avançando no
terreno a velocidade vertiginosa. A Ucrânia
quem tem armas de longo alcance como
as que a Ucrânia recebeu; o ethos dos
ucranianos é o de quem tem tudo a per-
der, enquanto o dos russos é o de quem
não compreende bem por que razão está
a lutar; a estratégia russa é desmantelada
pela quebra da premissa inicial, de que os
ucranianos “irmãos” se renderiam peran-
te um “salvador” que viria desnazificar e
desmilitarizar.
recuperou, numa semana, mais de cinco Os acontecimentos da última semana mar-
mil quilómetros quadrados no terreno, cam a entrada numa nova fase da guerra.
na região de Kharkiv – mais do que os Com o inverno “amigo” à porta, Putin,
russos conquistaram em cinco meses. Um com tropas deslaçadas e sem mobilização
feito notável. suficiente para manter o impulso a leste
Como disse Churchill num dos seus fa- e avançar decisivamente para forçar uma
mosos discursos, em 1940, quando foi rendição, aposta no impacto do corte de
necessário reforçar o apoio a França na energia nas economias europeias. Joga
luta contra o nazismo, acontecem por tudo na escalada da inflação, no abranda-
estes dias as “finest hours” ucranianas. mento económico e, sobretudo, na pressão
M A FA L D A A N J O S *
Momentos que podem ser determinantes de uma opinião pública pouco disponível
para o futuro não só dos dois países em para sofrer, que começa a pesar os cus-
conflito como de toda a Europa e, mesmo, tos da defesa da soberania e da liberdade
das democracias ocidentais e dos seus va- ucranianas perante os incómodos que já
lores fundadores. sente diariamente no bolso. A injeção de
Não há, claro, favas contadas nem des- confiança destes avanços anima as tropas
fechos garantidos numa guerra. Mas há ucranianas, mobiliza as populações a re-
vários fatores que explicam e podem sistir e, mais importante, mostra como o
antecipar o resultado de um conflito. apoio do Ocidente – que fornece armas e
Normalmente, podem ser arrumados em dinheiro – é determinante. E isso dá novos
sete parâmetros, que formam, em inglês, argumentos aos governos para continuar a
o acrónimo TELLMES. Em português, apoiar a Ucrânia até que esta consiga um
são eles o tempo, a economia, a logística, cessar-fogo satisfatório.
o terreno, o modo de combate, o ethos O maior risco para os ucranianos é a des-
e a estratégia. Para Timothy Snyder, um mobilização do suporte internacional. É
dos mais proeminentes historiadores da o esquecimento, a falta de fé, o desejo de
Europa Central e de Leste, pesados todos resolver um problema que parece eterni-
eles, a Ucrânia leva vantagem. zar-se. Tal como em 1940, em causa não
A Rússia estava a apostar numa guerra está apenas a soberania de um país – está
rápida que acabou por se prolongar; a a defesa da liberdade, dos valores demo-
economia ucraniana tem o apoio do Oci- cráticos e do direito internacional público.
dente quando a Rússia começa a sofrer o Putin, tirano exemplar para outros tira-
*Diretora efeito das sanções; a logística e o terreno netes espalhados pelo mundo, não pode
manjos@visao.pt beneficiam o país invadido e penalizam ganhar. Por isso, estas horas decisivas são
o invasor; o modo de combate favorece também nossas.
ENSINO EUROPA
Carlos Alcaraz
Novo rei do ténis mundial
Passagem “Chamem-me
por Oeiras Com a vitória Carlitos”
Alcaraz iniciou a Nascido a 5 de
carreira profissional do último maio de 2003, em
em 2018, com fim de semana El Palmar, perto
apenas 14 anos. de Múrcia, Carlitos
A sua primeira no Open dos ou Charly, como
Histórico
grande vitória Estados Unidos prefere que o
Imitar
aconteceu em tratem (“Quando
Ao final da Portugal, em da América, me chamam Carlos, os “Big
tarde do último maio de 2021. Carlitos (como parece que fiz Three”
domingo (já noite Ao vencer o Open alguma asneira”,
em Lisboa), as de Oeiras, com gosta de ser explicou o tenista
Curiosamente,
e apesar de
bancadas repletas 18 anos, tornou-se tratado) tornou- durante o torneio partilharem a
do estádio Arthur o tenista mais novo de Madrid em nacionalidade,
Ashe, o principal a entrar para o top se o tenista mais que começava a Nadal não é a
court do complexo 100 mundial. Seis novo de sempre chamar a atenção grande referência
Flushing Meadows, meses depois, por da Imprensa de Alcaraz, que
em Queens, altura do Open a chegar a número internacional), já fez questão de
Nova Iorque, dos EUA da última um do mundo começou a jogar contar que o seu
primeiro grande
testemunhavam o temporada, prova ténis, com apenas
momento histórico na qual chegou aos — POR MANUEL BARROS 4 anos, no clube ídolo foi o suíço
em que Carlos quartos de final, já MOURA de ténis que o pai Roger Federer. O
Alcaraz, com entrara no top 50. dirigia. Cedo deu nas que não quer dizer,
apenas 19 anos, No espaço de um vistas e, com apenas explica o jovem
4 meses e 6 dias, ano, atingiu o topo. 14 anos, ingressou na talento, que não
tenha uma enorme
venceu o seu Entre as inúmeras academia de Juan
admiração pelo
primeiro torneio vitórias, o destaque Carlos Ferrero, glória
seu compatriota,
Grand Slam e se vai para o triunfo do ténis espanhol,
tal como por
tornou o tenista no Open de vencedor do Roland Novak Djokovic, o
mais novo de Madrid, em maio, Garros em 2003, que terceiro elemento
sempre a chegar durante o qual chegou a ser número do extraordinário
ao topo do ranking venceu, em dias um do mundo. E o trio (o chamado Big
ATP. Ao vencer o seguidos e com 19 antigo campeão foi Three) de tenistas
norueguês Casper anos acabados de capaz de formar que tem dominado
Ruud na final do fazer, Rafael Nadal mais uma estrela do a modalidade
Open de Ténis dos e Novak Djokovic, ténis espanhol, que nas últimas duas
Estados Unidos da que eram o seguirá não só as décadas. Aliás,
América, o jovem quarto e o suas pisadas mas horas após ter
espanhol não só primeiro também as de Carlos ganho o US Open
alcançava o topo do mundo, Moya e, claro, e se ter tornado
do ténis mundial na altura. Rafael número um do
como também Nadal. mundo, Carlitos foi
estabelecia outras bem claro sobre
duas marcas os seus objetivos:
relevantes: ser “Eu também quero
estar 20 anos
o mais novo a
no topo. Não me
ganhar o torneio
quero comparar
de Nova Iorque
a eles, mas quero
depois de Pete
ser como eles!”
Sampras, em 1990,
e ser também o
mais novo a vencer
um dos quatro
grandes torneios,
depois de Rafael
Nadal, em 2005,
em Roland Garros.
Além da mudança para os mercados regulados as contas de quanto pode esse casal
da eletricidade e do gás, há mais alguma coisa poupar por ano, com pequenas mudanças
que um casal português possa fazer para de hábitos diários, tendo por base os preços
baixar a fatura energética de casa? de referência dos mercados regulados
Há muito pouco, mas há. Aqui fazemos de eletricidade e de gás em Portugal*
Máquina
de secar
a roupa
Não usar COZINHA
no verão
Máquina
de lavar a loiça
Só utilizar programas eco
-100 kWh -24 kWh -€3,70
-€15,40
Máquina de lavar a roupa Fogão
Utilizar apenas programas Utilizar sempre tampas,
eco a um máximo de 30 ºC usar o calor residual
e cozinhar a vapor
-15 kWh -€2,30
-34 kWh
-€5,20
POUPANÇAS Forno
ANUAIS TOTAIS Frigorífico/congelador Não preaquecer
e usar o calor residual
Gás Descongelar
-40 kWh
€75,20 regularmente
-26 kWh -€4 Tomadas -€6,20
Eletricidade Desligar aparelhos Optar pelo forno de ventilação,
€76,60 Aumentar a temperatura 1 ºC
-13 kWh -€2
não utilizados
-8 kWh -€1,30
em vez da convecção natural
-11 kWh -€1,70
*Tarifa regulada da luz (para clientes BTN com potência instalada de 3,45 kVA; a mais usada em Portugal): €0,1542 por KWh
Tarifa regulada do gás (para clientes do primeiro escalão; o mais usado em Portugal): €0,0561 por KWh
FONTES ERSE, Die Zeit, Courrier Internacional AR/VISÃO
S
obre o já longínquo anúncio do paco- as diferenças pouco mais seriam do que por-
Pedro te de apoio às famílias pouco mais há menor, e a discussão não passaria de mais mi-
Marques a dizer, mas o tempo deixou algumas
coisas mais claras e, sobretudo, dis-
galha menos migalha. No caso das pensões, só
serviria para lembrar que o PSD teria optado
Lopes se-nos muito sobre o quadro político exatamente pela mesma medida se estivesse
atual e dos últimos anos. no poder, como partido sério que é.
Tirando os delírios de BE, PCP e IL, a Aliás, tem alguma piada ver que quem
discussão ficou pelo “podia ser mais um bo- andou a executar políticas de austeridade e de
cadinho” ou “não podia ser mais um boca- cautela está agora a criticar quem as executa,
dinho” e “o podia ser mais cedo” ou “o agora bem como é muito engraçado ver os que tanto
é que é”. Ou seja: quanto às medidas – já criticaram as políticas de austeridade a fazer,
vamos às pensões –, a conversa foi infantil. na essência, exatamente o mesmo. (Havia
É evidente que nenhum pacote podia sequer muito a dizer sobre, também por aqui, se ain-
aligeirar significativamente o impacto desta da faz sentido falar em esquerda e direita, mas
crise económica – que, ao contrário do que não faltará ocasião.)
António Costa anunciava, não é conjuntural – A falta de diferentes opções políticas para
— Analista político
como nem o tempo dirá se foi na altura certa problemas delicados traz consequências com-
ou não. Achar que algum governo do mundo plicadas para a saúde da democracia – sen-
pode tapar os efeitos de uma inflação destas é do que isso é, em muitos temas, estrutural; a
só demagogia barata. democracia depende, aliás, de consensos em
A realidade é muito teimosa e, passados vários aspetos fundamentais.
poucos dias, veio impor-se, quando o BCE Em primeiro lugar, valoriza a questão da
anunciou uma histórica subida de juros. Pensar forma como se comunica, dando mais im-
O PSD sabe bem que um País com um volume de dívida gigan- portância à forma do que ao conteúdo. Não
tesco pode dar-se ao luxo de prescindir de é em vão que os políticos dão cada vez mais
o que custa mexer uma apertada consolidação orçamental ou que importância à guerrilha comunicacional nas
nas pensões e em não é preciso deixar folga para acudir às famí- redes sociais e que a agenda que os media
lias, quando os encargos com as casas dispara- tradicionais constroem é tão importante. É
tudo o que lhes rem ainda mais, é só algo de uma inconsciência desta forma que a austeridade de um é má, e a
estiver associado: criminosa. A verdade é que a falta de prudência do outro é boa. Isto desfoca completamente o
isso custou-lhe uma agora pode, num futuro muito próximo, fazer cidadão do essencial, acabando este, mais cedo
parecer as enormes dificuldades por que esta- ou mais tarde, por sentir-se enganado pelos
imprescindível base mos a atravessar um passeio pelo parque. partidos-alicerces do sistema.
de apoio que em O mesmo pode dizer-se sobre a questão No fundo, quando não se pode discutir po-
das pensões. A tristíssima pirueta do primei- líticas porque o conteúdo essencial é o mes-
larguíssima medida ro-ministro não pode fazer esquecer a pura e mo, e havendo que fazer contraponto, cai-se
o tem conduzido dura realidade: a corrente lei não está adapta- inevitavelmente em questões laterais (comuni-
a sistemáticas da às situações de crise – aliás, nunca chegou cacionais, de caráter, de estilo discursivo) que
a ser posta em prática –, e, ao ser aplicada, iria acabam por poluir o ambiente.
derrotas eleitorais. condenar o País a brevíssimo trecho à implo- O paradoxo é que nunca, nos últimos anos,
António Costa não são do sistema de previdência. Imagine-se o os partidos do centro estiveram tão próxi-
que seria subir as pensões à taxa da inflação mos nas posições sobre as questões centrais
o ignora e também prevista e manter essa base para o futuro. (as políticas de austeridade, entre outras), e o
não desconhece O PSD sabe bem o que custa mexer nas clima de convivência pessoal e de violência do
que, só de velhice, pensões e em tudo o que lhes estiver associa- discurso nunca foi tão crispado.
do: isso custou-lhe uma imprescindível base Depois, neste ambiente em que as TINAS
há mais de dois de apoio que, em larguíssima medida, o tem (não há outras opções) se impõem, e não para
milhões de pessoas conduzido a sistemáticas derrotas eleitorais. trazerem nada de agradável, ganham força as
António Costa não o ignora e também não propostas irresponsáveis, tanto por serem mais
a receber da desconhece que, só de velhice, há mais de dois apelativas como por reação aos consensos.
Segurança Social. milhões de pessoas a receber da Segurança Nada disto é novo. O facto é que as de-
Digamos que Social. Digamos que ninguém consegue ga- mocracias têm conseguido sobreviver a esses
nhar eleições não sendo agradável com estes momentos. Mas o pessimismo acaba por ser
ninguém consegue cidadãos. legítimo quando há falta de memória sobre o
ganhar eleições não Compreende-se muito bem a forma como que a democracia liberal nos deu e, mais do
o PSD se agarrou à questão de Costa ter feito que tudo, quando está instalada a convicção
sendo agradável uma espécie de ilusionismo falhado: não havia de que os nossos filhos e netos vão viver pior
com estes cidadãos muito mais para criticar. Quanto às medidas, do que nós. visao@visao.pt
Pensionistas, uni-vos!
A meia pensão aos pensionistas em outubro continua a dar que falar.
Agora discute-se a sustentabilidade do sistema...
“Fui muito
o claro: “O primeiro
primeiro-ministro
até ao final de 2023, deve deixar este estilo
nistas
os pensionistas de cobardia po
política e dizer
vão recuperarr o poder aos portugue
portugueses: ‘Estou
de compra perdido a tirar mil milh
milhões de euros
no”
neste ano” ao sistema de ppensões para
ANTÓNIO COSTA torná-lo mais sustentável
Primeiro-ministro
stro à TVI a médio e lon
longo prazo’”
LUÍS MONTE
MONTENEGRO
Presidente do PSD
ministro da Saúde
mesmo ponto e prometeu
“utilizar de forma mais efi-
caz os recursos”.
Adalberto Campos Fer-
— P O R R I TA R ATO N U N E S
nandes, ministro da Saúde
socialista entre 2015 e
2018 e próximo de Manuel
M
Pizarro (o atual governan-
anuel Pizar- Crisóstomo, em Lisboa. O pistas sobre o que pensava te esteve inclusive ao lado
ro estreia-se ex-eurodeputado tenciona, da gestão da antecessora, de Campos Fernandes na
no Governo em primeiro lugar, espre- Marta Temido. Num debate polémica transferência da
como titular da mer os recursos que tem e recente no Porto Canal, o sede do Infarmed para o
pasta da Saúde, depois de apostar tudo na reorgani- especialista em Medicina Porto), diz, à VISÃO, que
o primeiro-ministro lhe zação do sistema de saúde Interna e antigo secretá- esta é a linha de raciocínio
ter prometido um aumen- para o tornar mais eficaz. rio de Estado da Saúde da mais correta: “O novo mi-
to orçamental para o seu A partir de Bruxelas, ministra Ana Jorge (2008 e nistro tem de ter a lucidez
ministério, no próximo ano. onde ocupava um lugar no 2011) apontou a existência para perceber que existem
Apesar disso, fontes próxi- Parlamento Europeu desde de “um centralismo exacer- limites orçamentais. Com
mas do novo elemento do 2019, ou do Porto, cidade badíssimo” e de uma “ilusão a recessão económica que
executivo, que tomou posse onde nasceu e a que sempre burocrática” no Ministério está a atingir a Europa, não
no sábado, 10, admitem que se manteve ligado (foi o da Saúde, que só podem ser podemos andar aos altos e
o financiamento não será candidato socialista à au- erradicados dando priori- baixos. É preciso reintrodu-
o seu principal cavalo de tarquia da Invicta, em 2013 dade à “descentralização da zir a linguagem da eficiên-
batalha, assim que Pizarro e 2017, e lidera a Federação gestão do Serviço Nacional cia, que desapareceu nos
se instalar com a equipa no Distrital do PS Porto), Pi- de Saúde (SNS) e à auto- últimos sete anos. Quatro
número 9 da Avenida João zarro foi deixando algumas nomia dos hospitais e das milhões de euros depois, a
Bernardo
A
Pires os seis meses de guerra, procu- provocaria na sociedade russa. É por isso
de Lima rei nesta coluna arrumar o con- que o aparelho de comunicação do Kremlin
flito em três fases. A primeira, continua a utilizar um ridículo léxico pa-
entre fevereiro e março, viu ralelo para ilustrar tanto falhanço em tão
Moscovo operar uma guerra- pouco tempo, como reagrupar em vez de
-relâmpago sobre Kiev, na tentativa de retirar, a clássica operação especial em vez
surpreender o mundo e de fazer da Ucrâ- de invasão ou mesmo os célebres homens
nia uma segunda Bielorrússia. Esta missão verdes em vez de tropas russas, estaciona-
falhou em toda a linha. A segunda, entre das no Donbass desde 2014. Acontece que a
abril e maio, assistiu a uma dispersão de realidade é normalmente implacável com a
ataques russos no Nordeste, Sudeste e na ficção, e é preciso recordar que nestes seis
orla sul ucraniana, entre eles muitos sobre meses a Rússia teve tantos militares mortos
alvos civis para fragmentar a resistência e e feridos como nos dez anos de guerra que
— Analista de política
dificultar o apoio militar vindo do exte- a União Soviética travou no Afeganistão. E
internacional
rior. Esta missão não teve continuidade, todos sabemos como as coisas terminaram
quer pela capacidade anímica ucraniana para o Kremlin.
NORTE quer pela condenação internacional dos Esta quarta fase do conflito não está,
Liz Truss é a quarta chefe crimes de guerra russos. A terceira, entre porém, destinada a ter um sentido único.
do governo britânico em junho e agosto, assistiu à concentração das A reconquista ambicionada por Zelensky
seis anos. Sem estado de operações no Donbass e na região do mar precisa de manter o nível de apoio mili-
graça, carisma e bancada, de Azov e do mar Negro, com bloqueios tar e financeiro euro-americano, logística
tem tudo contra si: portuários e a tentativa de controlar a mais complexa no rigor de inverno, coin-
economia, desconfiança
região de Odessa. Esta fase perdura, com cidente ainda com as pressões sociais que
europeia e norte-americana,
avanços e recuos, desgaste nos dois lados, emergem com a crise inflacionista e com
independência escocesa
e tensão na Irlanda do Norte.
mas foi de certa forma interrompida por algumas novas vozes dissonantes sobre
um facto importante em meados de agosto a continuidade dos apoios e das sanções,
SUL e que iniciou a quarta fase da guerra: um como pode ser o caso do novo governo
O recente perdão da China conjunto de ataques cirúrgicos do Exérci- italiano. A resposta russa é também uma
aos juros dos empréstimos to ucraniano a bases militares e logísticas incógnita. Até ver, as vozes mais inco-
contraídos por 17 países russas na Crimeia. Esta ação expôs uma modadas com os sucessivos falhanços no
africanos é um balão maior sofisticação militar ucraniana, tal terreno vêm de setores hipernacionalistas,
de oxigénio para muitas como outras condições políticas para se que exigem um rolar de cabeças na hierar-
sociedades asfixiadas e um passar de uma etapa de resistência para quia russa e uma resposta maciça. Putin,
exemplo a seguir por outros uma contraofensiva mais ambiciosa. Os ao lado destes falcões, parece uma pomba.
credores internacionais. ataques na Crimeia disseram a Moscovo Estas duas dinâmicas, reconquista e con-
aquilo que Zelensky reforçou ao país: só traofensiva, devem ser avaliadas em todas
ESTE daremos por terminada esta guerra quan- as capitais da Europa e nos EUA. Have-
Uma das várias ruturas entre o do reconquistarmos tudo aquilo que nos rá quem deseje uma vitória expressiva da
legado de Gorbachev e a era pertence, revertendo o ciclo de ocupação Ucrânia e a saída total das tropas russas.
de Putin está no esmagamento iniciado na Crimeia, em 2014. Haverá quem prefira uma vitória simples
da Imprensa livre, como o Com mais meios militares terrestres e da Ucrânia e uma derrota airosa da Rússia,
fecho recente do Novaya antiaéreos finalmente nas mãos, disponibi- deixando a Crimeia como está e dando
Gazeta, jornal fundado com lizados pelo imenso pacote aprovado pelos assim a Moscovo condições para salvar a
o dinheiro do Nobel atribuído
EUA, Reino Unido e alguns países da UE face. E haverá quem hesite com Kiev, te-
ao líder soviético, em 1990.
(16 mil milhões de dólares no total), Kiev mendo a loucura do Kremlin, com armas
OESTE
reconquistou mais território na região de nucleares, subjugado a uma nova estirpe
Aprovados pacotes financeiros Kharkiv em 48 horas do que a Rússia nos nacionalista apocalítica, capaz de tudo para
históricos, Joe Biden fez últimos quatro meses. O moral da cadeia de salvar a pele.
em Filadélfia o melhor comando ucraniana, envolto numa missão O próximo par de meses ditará, pro-
discurso do mandato. existencial que mobilizou o país, contrasta vavelmente, o curso da guerra e o rumo
O assalto à democracia com uma disfuncional cadeia de operações da paz. Os nossos governos precisam da
norte-americana tem no medo, militares russa, fraqueza na recolha de in- melhor informação do terreno, militar e
na violência, na mentira e formações, desvalorização do adversário e política, para tomarem as decisões mais
no “semifascismo” trumpista na recusa de Putin numa mobilização geral, acertadas. Distrairmo-nos com lateralida-
os seus responsáveis. talvez com receio das dissidências que esta des mediáticas tem um preço. visao@visao.pt
19 DE SETEMBRO DE 1985
MORTES
Jean-Luc Godard
O cineasta franco-suíço
morreu na terça-feira, 13, com
91 anos. Nasceu em Paris,
em 1930, mas cresceu na
Suíça. Regressou a França
com 19 anos, e começou a
frequentar os cineclubes
da capital francesa, onde
surgiu a Nouvelle Vague,
movimento que revolucionou
o cinema a partir dos anos
50. Godard tem uma longa
carreira premiada, que vai
desde o galardão de melhor
realizador, em Berlim, com
O Acossado, até um Oscar
honorário, entregue em 2010,
numa cerimónia a que não
compareceu. Autor de obras
influentes, como O Desprezo
(1963), com Brigitte Bardot,
Bando à Parte (1964), Pedro,
o Louco (1965) ou os mais
recentes Filme Socialismo
(2010) e Adeus à Linguagem
(2014), Jean-Luc Godard
ficou conhecido “pelo seu
estilo de filmar iconoclasta, 1951–2022
aparentemente improvisado,
bem como pelo seu inflexível
radicalismo”, como recorda o
Javier Marías
The Guardian.
Génio que não queria patrões
Alain Tanner
O realizador suíço,
Costumava explicar que escolheu ser opor ao regime franquista, o seu pai viu
considerado um pioneiro da
Nouvelle Vague no seu país,
escritor “para não ter patrões e não ter de fecharem-se-lhe as portas das univer-
morreu no domingo, 11, com acordar cedo”. Mas era sobretudo de ma- sidades espanholas, sendo obrigado a
92 anos. Entre as suas obras nhã que costumava sentar-se a escrever, lecionar nos Estados Unidos da América,
mais conhecidas estão A algo que fazia porque era “a melhor for- onde, por via disso, Javier passou largos
Salamandra, Os Anos de Luz, ma de pensar”. E escrevia sempre à má- períodos da adolescência. Ali viria, mais
que conquistou o Grande quina, uma Olympia Carrera de Luxe, à tarde, a dar aulas, em Boston, depois de se
Prémio Especial do Júri no qual, segundo conta o El País, ligou o seu formar em Filosofia e Letras na Universi-
Festival de Cannes de 1981, destino: no dia em que ela avariasse, dei- dade Complutense de Madrid. Lecionou
ou A Cidade Branca, de 1983, xava de escrever. Pelos vistos, a máquina ainda em Oxford, Londres e Veneza.
protagonizado por Bruno sobreviveu ao autor. No domingo, 11, a Marías deixa uma extensa obra, consti-
Ganz, e no qual Tanner mostra poucos dias de completar 71 anos, Javier tuída por 16 romances, o último dos quais
todo o seu fascínio pela luz Marías, fumador compulsivo, morreu em Tomás Nevinson, lançado em março de
de Lisboa. Madrid, com uma pneumonia, machada- 2021 e que é uma sequela de Berta Isla.
da final depois dos problemas pulmona- A estes somam-se outras grandes obras,
Paulo de Pitta res que o mantinham em coma há já cerca como Os Enamoramentos, Coração tão
de um mês. As reações à sua morte são Branco, Assim Começa o Mal, Amanhã
e Cunha unânimes: partiu um dos maiores escri- na Batalha Pensa em Mim e a trilogia
O professor catedrático tores espanhóis dos nossos dias. Há mais O Teu Rosto Amanhã, que parte de um
jubilado da Faculdade de de uma década que o seu nome figurava acontecimento verdadeiro, envolvendo o
Direito da Universidade de entre os possíveis vencedores do Prémio seu pai na altura da resistência ao fran-
Lisboa, que foi fundador Nobel da Literatura. quismo. Ao todo, entre romances, contos,
e presidente do Instituto
Javier Marías nasceu em Madrid, a 20 de ensaios e traduções, publicou cerca de 40
Europeu, morreu na quinta-
setembro de 1951, filho do filósofo Julián livros (editados em 46 línguas em mais
-feira, 8, com 85 anos.
Marías, discípulo de Ortega y Gasset, e de 59 países), a que se juntam as crónicas
de Dolores Franco, professora, escritora que escreveu ao longo de “mais de 900
e tradutora, que morreu em 1977. Por se domingos”, no El País. — M.B.M.
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---------- BA L ÃO D E E N S A I O
Amor de cão
Será que o seu
animal gosta
mesmo de si?
Como saber,
segundo a Ciência
— PO R LU ÍS A O LI VEI R A
H
á toda uma ques- chegaram-se aos donos
tão semântica para festas e atenção.
em cima da mesa “Tudo indica que os cães
da investigação olham para os seus huma-
acerca do comportamento nos de uma forma simi-
canino. Será amor (love) lar ao amor que une uma
aquilo que estes animais criança aos pais”, acrescen-
de estimação sentem pelos ta o investigador.
donos ou tratadores? Manuel Magalhães
No seio da comunidade Sant’Ana, especialista
científica, o termo não co- europeu em bem-estar
lhe unanimidade e aparece animal e vice-presidente
como sendo desadequado do conselho profissional
à relação em causa, pelo e deontológico da Ordem
facto de o seu significa- dos Veterinários, não po-
do ser muito dúbio, até dia estar mais de acordo. COM A LÍNGUA, NÃO!
para poetas. Os cientistas “Quando uma pessoa diz Segundo os especialistas
preferem, então, falar em que o seu cão é como se nesta matéria, os cães são
apego (attachment). “Esse fosse um filho, ela não está seres sociais por natureza,
é um dos aspetos mensu- a falar apenas em sen- ou seja: têm a sociabilidade
ráveis do amor, especial- tido figurado; de facto, inscrita no ADN por culpa
mente pela segurança que este preenche uma função de dois genes, GTF21 e GT-
um indivíduo ganha com afetiva. E isso desperta em F21RD1, que influenciam o
a presença do seu amado”, nós as mesmas reações comportamento social dos
justifica Clive Wynne, au- químicas do que uma rela- mamíferos. “A maioria dos
tor do estudo Dog is Love, ção filial.” cães tem dois, três ou qua-
que sugere uma semelhan-
ça enorme com a relação
A oxitocina, uma das
moléculas associadas aos
Não é preciso tro destas mutações, mas
isso varia de acordo com as
entre pais e filhos e a de momentos de prazer nos insistir nas raças, podendo ir até seis”,
cães com pessoas. mamíferos, também se lambidelas para afirma Bridgett vonHoldt,
Numa experiência re- liberta quando os cães se professora de Genética na
cente, foi oferecido a lobos relacionam socialmente perceber se Universidade de Princeton,
domesticados e a cães a com humanos – quando se os cães gostam nos EUA.
possibilidade de ter comi-
da ou ter os cuidadores por
miram nos olhos, os níveis
desta hormona disparam.
de nós. Não é Manuel Magalhães
Sant’Ana lembra que os
perto. Os primeiros só se Num ensaio, bastou meia um gesto natural cães são a espécie que
preocuparam com as ques- hora de olhares amorosos para os animais nos acompanha há 30 mil
tões do estômago; já os entre os tutores e os ani- anos, porque começaram
segundos, apesar de terem mais de estimação para os e pode ser a ser domesticados nessa
ido cheirar os alimentos, valores duplicarem. bastante nocivo altura para nos ajudarem a
CONEXÃO
COM A TERRA
Todos os anos, no
dia 31 de dezembro,
as comunidades
indígenas Na Savi, no
México, escalam o
Cerro de la Garza para
realizar rituais que
comemoram o fim e o
início de um ciclo. Foto
premiada na categoria
Projeto de Formato
Livre.
Yael Martínez/
Magnum
REVOLTA BIRMANESA
Manifestantes usando
fisgas e outras armas
artesanais num confronto
com as forças de
segurança. No dia 1 de
fevereiro de 2021, líderes
militares deram um golpe
em Myanmar, horas antes
de um Parlamento recém-
eleito tomar posse.
Anónimo para o The New
York Times
DISTOPIA AMAZÓNICA
Membros da comunidade
Munduruku fazem fila para
embarcar num avião no
Aeroporto de Altamira,
REVOLTA NA UCRÂNIA no Pará, Brasil. Depois de
Uma estátua decapitada protestarem no local de
de Lenine, em Kotovsk. construção da barragem
Foto premiada na categoria de Belo Monte no rio Xingu,
Projetos de Longa Duração. viajaram para Brasília
Neste caso, o autor tem para apresentar as suas
documentado a situação na exigências ao governo.
Ucrânia desde 2013. Lalo de Almeida, Brasil,
Guillaume Herbaut para a para a Folha de São Paulo/
Agence VU Panos Pictures
SINAIS DE RESISTÊNCIA
Crianças palestinianas
seguram velas durante
uma manifestação no
meio das ruínas de
casas destruídas por
ataques israelitas, em
Beit Lahia, no norte da
Faixa de Gaza.
Fatima Shbair para a
Getty Images
17 DE SETEMBRO
15h30
Tema: Fotojornalismo,
com Mário Cruz, fotógrafo,
premiado na World Press
Photo em 2016 e em 2019.
24 DE SETEMBRO
15h30
Tema: Fotojornalismo em
tempo de pandemia, com
José Carlos Carvalho,
fotojornalista da VISÃO.
1 DE OUTUBRO
15h30
Tema: Fotojornalismo,
com Patrícia Melo Moreira,
fotojornalista da Agência
France-Presse.
8 DE OUTUBRO
15h30
Tema: Fotografia de retrato,
com Arlindo Camacho,
HISTÓRIA DO ANO
fotógrafo, colaborador da
Um grupo de mulheres idosas de Nawarddeken caça tartarugas com ferramentas
VISÃO e da PRIMA.
artesanais nas planícies de Gunbalanya, Arnhem Land, Austrália. Em breve a vegetação
será queimada para facilitar a caça. Foto inserida na série Salvar Florestas com Fogo. 15 DE OUTUBRO
©Matthew Abbott para a National Geographic/Panos Pictures 15h30
Tema: Fotografia de viagem,
com Bernardo Conde,
fotógrafo de viagem.
ro-ministro hostil à Coroa procurava promover a saída e damentalmente, como elemento de união do reino. Mas
a população, com uma receção entusiástica, fez com que se o reino se desunir, que espaço sobra para a monarquia?
pensasse melhor…) e a tentar parar o vento com as mãos. Para o investigador e analista de Política Internacional
Peguemos neste exemplo: desde então, os australianos já Bernardo Pires de Lima, “a Coroa britânica reflete a unidade
optaram por manter Isabel II como chefe de Estado, por do Reino, pelo que a respetiva ‘desunião’, ou desintegra-
duas vezes, noutros tantos referendos. Mas continuarão a ção, terá um efeito colateral na monarquia”. Segundo este
fazê-lo com Carlos III? A opção foi de cariz identitário ou analista, “quer a tensão provocada pela discussão sobre a
foi guiada pela emoção, fruto da sim- legalidade do novo referendo escocês
patia pessoal do povo australiano para quer a predisposição da nova primeira-
com a pessoa da rainha? Este lado mais -ministra, Liz Truss, para denunciar o
afetivo pode ser o grande handicap de
Carlos, embora ele tenha começado a O rei enfrenta o protocolo da Irlanda do Norte [no âm-
bito do Brexit] são condimentos que,
trabalhar nisso logo no dia seguinte
à morte da mãe, quando regressou
deslaçamento da embora não sejam da responsabilidade
da Coroa, têm que ver com a unidade
a Buckingham e, extraprotocolo, se Commonwealth e o nacional”. Por outras palavras, se o rei
deteve longo tempo a cumprimentar não conseguir manter unido o reino
e a conversar com os súbditos que se problema escocês, e com esse nome, para quê que existe
aglomeravam junto aos separadores
espalhados pelas cercanias do palácio...
terá de confiar num um rei? É que não parece que tenha
quaisquer outras funções.
A rainha morreu, viva o rei! Mas novo governo sem Ou, então, tem. Para o politólogo,
será mesmo assim? Conseguirá Carlos investigador e professor universitário
III, aos 73 anos, ser o homem capaz de estado de graça António Costa Pinto, a instituição real
reinventar a monarquia britânica? A inglesa não só continua a ser “o garante
seu favor, conta com um confortável da unidade nacional” como acaba por
apoio popular à instituição monárquica. representar um “património imaterial
Contra si, um evidente défice de carisma e os anticorpos de importância decisiva para a afirmação do Reino Unido
de intervenções polémicas no passado. A curto prazo, en- no mundo”. Durante o reinado de Carlos III, a nação inglesa
frenta os desafios de uma Commonwealth em erosão, a volta a lutar contra a irrelevância insular a que esteve con-
questão irlandesa pós-Brexit e o impulso independentista finada nos primeiros séculos da sua existência. Mas talvez
da Escócia. Sem poder executivo ou competências para as notícias da sua “morte” sejam, como diria Mark Twain,
uma intervenção política, o rei de Inglaterra serve, fun- “manifestamente exageradas”. Pode haver uma “nova gran-
deza”, por outros meios. Para Costa Pinto, a Inglaterra está embora o índice de confiança ainda se mantenha em níveis
longe de caminhar para a irrelevância: “Continua a ser uma elevados (ver infografia).
potência regional económica e militar e tem uma aliança Talvez para fazer face aos desafios internos – todos os
estratégica e estrutural com os EUA.” “E depois do Brexit”, problemas fossem os da erosão da Commonwealth… – tan-
acrescenta o analista de Política Internacional Filipe Vas- to Carlos III como Liz Truss estarão a preparar périplos
concelos Romão, professor e investigador na Universidade pelas “capitais do reino”, Edimburgo (Escócia), Cardiff
Autónoma, “os britânicos têm as mãos livres para estabelecer (Gales) e Belfast (Irlanda do Norte). Esta iniciativa contém
importantes acordos de comércio” fora da União Europeia, duas vertentes, com a curiosidade principal de se saber
“sabendo nós que a grandeza da Grã-Bretanha se fez à conta como vão o rei e a primeira-ministra articular as agen-
de ser, por excelência, uma nação comercial”. das, os discursos e os calendários: de um lado, a vertente
política, protagonizada pela chefe do governo; do outro
A VISITA ÀS “CAPITAIS DO REINO” lado, a vertente institucional e identitária, personificada
E como se enquadra a nova liderança da Casa Real neste na pessoa do rei. Não por acaso, as cerimónias fúnebres
contexto? Para Costa Pinto, a “diplomacia soft” exercida de Isabel II passaram em força pela Escócia, explorando
pelo rei é a expressão máxima do referido “património uma forte componente emocional, com a escala do féretro,
imaterial invejável de que o Reino Unido dispõe”. De facto, em Edimburgo, a mobilizar a multidão. Nas vésperas de
basta ver as receitas do turismo geradas pela existência da um eventual referendo – a decisão do Supremo Tribunal
Coroa. Vai-se a Roma para ver o Papa, mas ninguém des- sobre a sua legalidade deverá ser conhecida em outubro
perdiça, em Londres, uma oportunidade para ver o Palácio –, Isabel II, mesmo depois de morta, pode ter prestado
de Buckingham e, se possível, avistar algum membro da um inestimável serviço à causa da união... do Reino Unido.
família real. Por isso é que a pompa e a riqueza material da Ao mesmo tempo, a primeira-ministra da Escócia, Nicola
aristocracia inglesa – e não apenas da realeza – funcionam Sturgeon, falou com grande emotividade sobre a morte da
como uma face da afirmação da Grã-Bretanha no mundo, rainha. Em todo o caso, é de recordar que o referendo de
velando pela sua imagem de país antigo e poderoso. Mas 2014, em que a Escócia pôs a hipótese da separação, não
Costa Pinto reconhece que a rainha Isabel II assistiu a uma incluía qualquer automatismo para que a rainha deixasse
dupla dinâmica: “O declínio do peso político da família real de ser a chefe de Estado. E há grande expectativa em saber
e a erosão da influência indireta da aristocracia – como o se o próximo referendo, a existir, incluirá, ou não, alguma
comprovam as sucessivas reformas da Câmara dos Lordes”, pergunta sobre o tema...
que, se já foi quase exclusivamente de composição heredi-
tária, “se tornou uma espécie de câmara alta meritocrática CARLOS, O MINISTRO-SOMBRA
e de composição baseada em nomeação política”. Como Terá causado alguma estranheza o facto de Carlos ter de-
lembra Bernardo Pires de Lima, “cada vez mais setores cidido conservar o nome de batismo na hora de escolher o
da sociedade põem em causa a instituição monárquica”, nome de função. Muitos admitiam que ele optasse por Jorge
Rainha Isabel II
Rei
Carlos III
1 Príncipe
William
2 Príncipe
Jorge
3 Princesa
Carlota
4
Príncipe
Luís
5 Príncipe
Harry
6 Archie
Mountbatten-
Windsor
7 Lilibet
Mountbatten-
Windsor
(o nome do avô), tornando-se Jorge VII. Como refere Filipe Até 1707, à semelhança do que tinha sucedido na Pe-
Vasconcelos Romão, o pai de Isabel II, pelo papel exercido nínsula Ibérica, com Filipe II de Espanha e I de Portugal,
durante a II Guerra Mundial – a família real recusou aban- o rei de Inglaterra detinha duas coroas e governava dois
donar Londres, durante os bombardeamentos da Luftwage, reinos distintos: a Inglaterra e a Escócia (a que, no caso
e a princesa herdeira do trono participou no esforço de inglês, se juntavam os territórios de Gales e da Irlanda).
guerra, como mecânica de aviões… –, pode ter assegurado, Com o encerramento, nesse ano, do Parlamento escocês, o
por muitas décadas, o prestígio da Coroa que, na atualidade, reino passava a estar unido sob uma só coroa – a do Rei-
ainda estaria a viver desses tempos heroicos de empatia com no Unido. Ora, em 1999, com a reabertura do Parlamento
o povo. Retomar um nome tão querido seria o primeiro sinal escocês (após a reforma promovida pelo governo de Tony
de agregação junto da causa monárquica, Blair), Isabel II esteve em Edimburgo,
mas Carlos optou pelo mesmo nome de colocando a coroa escocesa ao seu
dois monarcas muito polémicos. Carlos lado, um ato simbólico de grande sig-
I, absolutista, de simpatias católicas, foi Carlos foi nificado. Ainda assim, o Parlamento da
executado em 1649, depois da revolução
que conduziu à República de Cromwell
ridicularizado Escócia não é uma assembleia soberana
(a Escócia não tem política externa nem
– ele próprio um primeiro-ministro pela sua “ecologia o seu governo superintende na admi-
majestático que se comportaria de modo nistração da Justiça) mas autonómica,
mais absolutista do que muitos monarcas de jardim” e por a exemplo do que acontece nas regiões
do Ancien Régime… E o filho exilado do
monarca morto, Carlos II, restabeleceu,
admitir conversar autónomas da Madeira e dos Açores.
Ao assumir-se como “Carlos”, rei
pelas armas, a monarquia, com as mes- com as plantas. Mas do Reino Unido, o novo monarca não
mas ideias absolutistas e católicas do pai desconhece as vicissitudes por que
– viria a casar-se, aliás, em 1662, com o ambiente é uma passaram os antecessores com o mes-
uma princesa católica, a nossa D. Catarina
de Bragança, filha de João IV. Porém, por
causa política mo nome. De uma certa forma, tal-
vez, nalguns aspetos, eles o possam
essa altura, e muito à custa da aliança com inspirar: de perfil mais interventivo,
Portugal, iniciava a Inglaterra o período Carlos III revelou-se, mais do que a
de expansão colonial que viria a dar origem ao império: do discrição cultivada por Buckingham aconselharia, um
dote de D. Catarina, além de Tânger (abandonada, pouco homem de causas. Visto com condescendência por causa
depois, pelos pragmáticos ingleses, visto que a cidade mar- da sua “ecologia de jardim” (a sensibilidade pelas causas
roquina só dava prejuízo) fazia parte a muito mais lucrativa ambientais adviria do cultivo das roseiras...) e ridicularizado
praça de Bombaim, o que abriu as portas da Índia ao futuro por se gabar, em público, de conversar com as plantas, o
império britânico. ex-príncipe de Gales notabilizou-se por se situar à frente
do seu tempo no que diz respeito à defesa do ambiente. não deixará de ser escrutinada, no futuro. Não faltará
A importância das suas declarações na última Cimeira do quem, ao primeiro sinal interventivo, o acuse de tiques
Clima, em Edimburgo, não decorre apenas da função mas “absolutistas”. Afinal, a principal virtude do monarca
também da autoridade que se lhe reconhece nestas maté- britânico é saber estar calado.
rias. Proferiu, então, junto dos representantes dos países É verdade que Jorge VI, durante a guerra, também falou
participantes: “Sei que todos vós carregais um peso nos de política – mas no contexto de denúncia do inimigo
ombros e que não precisais de mim para vos dizer que os externo e de ordem para unir os ingleses. Como analisa
olhos – e as esperanças – do mundo Filipe Vasconcelos Romão, quando
estão sobre vós, para que ajam de for- Boris Johnson fechou o Parlamento e
ma rápida e decisiva, porque o tempo se bradava aos céus que se tratava de
já se esgotou.” uma medida inconstitucional – como
É verdade que as causas de Carlos As monarquias o tribunal, na desautorização posterior,
III, enquanto príncipe, seriam sempre
de qualquer natureza considerada no- nórdicas são as veio a confirmar –, muitos pediam que
Isabel II não assinasse o decreto. Mas a
bre, como é da praxe entre os membros
das casas reais: da simples assistência
mais populares. A antiga “aluna dileta” do “percetor polí-
tico” Winston Churchill (seu primeiro-
aos necessitados à defesa dos animais. “nordificação” da -ministro no debute, como monarca,
Diana Spencer, “a princesa do povo”, na
imortal definição de Tony Blair, desta- Casa Real inglesa aos 26 anos) sabia que não compete à
rainha interpretar a Constituição...
cou-se nas campanhas de desminagem
em cenários de conflito. Mas a causa
faria de Carlos III Carlos não se limita a “mandar
umas bocas” sobre a necessidade da
ambiental tornou-se uma matéria ex- um rei reformista... ação climática. Procura dar o exemplo,
plosiva da agenda político-partidária, embora sem prescindir do seu Aston
e a incursão de Carlos por esse terreno Martin DB6, que trabalha a biocom-
MAPA CANADÁ
Uma sondagem revelou, em fevereiro, que
Os reinos da Commonwealth 45% da população preferia um chefe de AUSTRÁLIA – O atual
são diferentes da Estado eleito – um aumento de 13 pontos em primeiro-ministro
Commonwealth das Nações, apenas dois anos – enquanto somente 24% trabalhista, republicano
um agrupamento de 54 dos canadianos continuavam a preferir a convicto, prometeu
países que já fizeram parte monarquia. Mesmo assim, só 22% desejavam realizar um novo
do império britânico, mas a que Carlos sucedesse a Isabel II. referendo sobre a
maioria dos quais já não é
abolição da monarquia,
súbdito da monarquia.
caso seja eleito para
um segundo mandato.
Inglaterra Após ter chegado ao
Escócia
País de Gales
poder, em junho, avançou
Irlanda do Norte com a nomeação de um
BELIZE ministro-adjunto para a
Uma comissão República, como forma
constitucional foi de lançar a discussão
criada, este ano, para pública.
estudar a forma de Papua-Nova Guiné
transformar o país
numa república. Bahamas
Tuvalu
São Cristóvão e Nevis Ilhas Salomão
bustível feito com o excedente da produção de “vinho No entanto, persiste o trauma da abdicação de Eduardo
branco e soro de queijo”. Ora, na tempestade perfeita VIII, visto, ainda por cima, como um aristocrata com
que enfrenta – o problema irlandês e escocês, uma pri- simpatias nazis. O episódio da sua abdicação, mesmo
meira-ministra sem estado de graça, o deslaçamento da que o sucessor se tenha saído bem, provocou uma forte
Commonwealth –, Carlos III pode tentar dar a volta por comoção no país: basta dizer que Churchill, cedendo ao
cima, executando políticas reformistas que contenham seu lado institucionalista, tomou, durante demasiado
a ostentação da Coroa. Na crise de 1992-1993, com os tempo, o partido do rei “demissionário”, o que lhe valeu,
ingleses a passar mal, os gastos e a ostentação de uma veja-se bem, o momento em que mais perto esteve de
Casa Real que não pagava impostos veio dar azo a um destruir a sua carreira política! Carlos é o monarca inglês
mal-estar popular que se refletiu na imagem da própria mais velho de sempre a iniciar um reinado, depois de o
Isabel II. Por essas e por outras é que, em Espanha, o es- bisavô, Eduardo VII, ter pegado no cetro aos 57 anos.
tatuto de “família real” já se reduziu aos familiares mais Mas isso não quer dizer que seja um mero rei de transi-
próximos do rei, pais e descendentes diretos ou herdeiros. ção. Se quisermos procurar uma instituição ainda mais
As monarquias nórdicas, conhecidas pela simplicidade, vetusta do que a monarquia inglesa, basta dizer que João
são as mais populares do mundo, e a “nordificação” da XXIII assumiu o papado com 77 anos – e “só” promoveu
Coroa britânica poderia ser um processo que lançaria o Concílio Vaticano II – e que o Papa Francisco foi en-
Carlos III como um rei reformista. tronizado com 76 primaveras, revelando-se o pontífice
mais inovador dos últimos 60 anos.
VELHOS SÃO OS TRAPOS? Com pilotos canadianos ou sem eles, esta é, para Carlos
Por outro lado, quem disse que os ingleses querem ver a III, a nova “Batalha da Grã-Bretanha”. E, num dos episódios
Coroa reformada? Durante muito tempo especulou-se de uma próxima temporada da série The Crown, é bem
que Carlos poderia abdicar a favor do filho mais velho. A provável que se ouçam as palavras textuais do rei, profe-
suposta pujança e o sangue novo que se espera do prínci- ridas no primeiro encontro com a primeira-ministra Liz
pe William fariam dele o perfil ideal para “arejar a casa”. Truss: “Chegou o momento que sempre temi.” fluis@visao.pt
Q
— PO R J . PL ÁCI D O J Ú N I O R
onde, pelo facto de ser algo obeso, ter orelhas grandes, não a organização terrorista e independentista da Irlanda do
ter jeito para o desporto e ser filho de quem era, foi vítima Norte que, em 1979, assassinou lord Mountbatten, tio do
de bullying por vários colegas; quando se opôs ao desejo príncipe Filipe e primo da rainha. Isabel II, ela própria, foi
da irmã de se casar com um divorciado, Peter Townsend, alvo de dois atentados, um dos quais atribuído ao IRA, e de
capitão da Força Aérea e herói da Batalha de Inglaterra, o uma invasão do seu quarto por um indivíduo perturbado.
que teve consequências devastadoras na vida de Margarida; Como chefe da Igreja Anglicana, a monarca colocava-se
quando, em outubro de 1966, e só depois de muito instada num plano transcendental, em que assumia a missão de car-
a fazê-lo pelo primeiro-ministro trabalhista Harold Wil- regar a coroa enquanto dádiva divina e inviolável. Isabel II
son, demorou oito dias até visitar a vila de Aberfan, no País considerava-se uma “rainha ungida”, dizem os seus biógrafos,
de Gales, onde o colapso de uma mina de carvão soterrou pelo que “nunca abdicaria da responsabilidade vitalícia que
a escola e parte da localidade, provocando a morte de 116 Deus lhe confiou”. Para o historiador Pedro Aires Oliveira,
crianças e de 28 adultos; quando forçou Carlos a casar-se essa convicção inabalável da rainha acabou por ser uma
com Diana Spencer, sabendo há muito que o príncipe de mais-valia para a monarquia britânica, perante a contínua
Gales mantinha uma relação duradoura com Camilla Parker erosão da atitude de deferência em relação à coroa e à família
Bowles; e quando, após a morte de Dia- real. “É notável que os índices de popu-
na num brutal acidente de automóvel, laridade de Isabel II se tenham mantido
em Paris, em agosto de 1997, voltou a muito altos”, diz. “Ela conseguiu escapar
demorar demasiado tempo a prestar a a essa erosão pela sua conduta muito
sua homenagem à “Princesa do Povo”, O primeiro-ministro, responsável, assente em qualidades de
como lhe chamou o então primeiro-mi-
nistro, Tony Blair, não colocando sequer
Churchill, ocultou inteligência e de bom senso, que toda a
gente lhe reconhece”, nota.
a bandeira a meia haste no Palácio de uma doença INTEIRA E FELIZ
Buckingham.
grave a Isabel II e Isabel II condecorou músicos como os
“RAINHA UNGIDA”
Mas a monarca também acertou – e
sofreu uma forte quatro Beatles, Elton John, Mick Jagger,
Bono ou Sting. Mas a verdadeira rainha
muito. Recentemente, por exemplo,
quando se demarcou de André, tido
reprimenda da pop era ela mesma. Foi a mais viajada de
todos os chefes de Estado, conhecendo
como o seu filho predileto, após o prín- jovem rainha 120 países e fazendo o equivalente a 42
cipe ser pronunciado para julgamento voltas ao mundo. Esta acumuladora de
sob a acusação de abusos sexuais de milhas (percorreu mais de um milhão),
uma menor de 17 anos, em 2001, Virgi- sempre sorridente e afável para quem
nia Giuffre, traficada pela rede de Jeffrey Epstein e de Ghis- a recebia e para as multidões que a saudavam, visitou
laine Maxwell, caso resolvido com um acordo extrajudicial. mesquitas descalça e de véu na cabeça, andou de elefante
Afastou-o dos deveres reais e retirou-lhe todos os títulos. na Índia, dormiu numa casa numa árvore no Quénia, usou
Ou quando, numa bem-sucedida visita à Irlanda, em 2011, coloridos colares de flores na Polinésia, comeu sentada no
revelou sensibilidade na escolha de “lugares de memória” chão em tendas beduínas, cobriu-se com mantos de peles
do seu itinerário, incluindo locais que evocavam episódios maori na Nova Zelândia, viu Pelé jogar no Maracanã, pas-
violentos do domínio britânico na ilha. Até teve a coragem seou de canoa em Tuvalu e experimentou iguarias das mais
de se encontrar e de cumprimentar ex-membros do IRA, exóticas gastronomias. Tudo isto para lá de se ter reunido
“O meu marido era um do pequeno Miguel Eanes, da Comissão Europeia, o cônjuges. Mas, dessa
Presidente da República nascido pouco depois de os histórico Jacques Delors. vez, face à afluência do
com apenas 41 anos, vinha pais terem passado a residir Em 1985, Isabel II fez a sua povo do Porto, que queria
do País que era o mais no Palácio de Belém: “A segunda visita oficial a contactar de perto com os
antigo aliado e que tinha princesa Ana sabia disso e Portugal (a primeira tinha monarcas, o meu marido
acabado de sair de uma fez questão de nos mostrar sido em 1957). Manuela propôs uma troca ao duque
Revolução. Julgo que a criança, daquela maneira Eanes recorda-se de de Edimburgo, que seguia
a nossa juventude terá pessoal e informal...” que a monarca ficou no segundo carro, ao meu
cativado a rainha, que nos Os Eanes haviam de impressionada com a lado. O duque passou para
cobriu de simpatia e de… regressar a Londres, em exibição de dressage dos a viatura dos chefes de
afetividade. Sim, a palavra 1981, por ocasião do cavalos lusitanos, em sua Estado, ao lado da mulher,
certa é ‘afetividade’.” Este casamento de Carlos e honra, e de que, no Porto, o Isabel II, e o meu marido veio
é o mais forte registo Diana, tendo ficado, durante protocolo seria quebrado, sentar-se ao meu lado. Foi
que Manuela Eanes grava a cerimónia, ao lado do por iniciativa de Eanes e um gesto muito apreciado
da visita presidencial de casal Mitterrand – François devido às manifestações pelos monarcas!”
Ramalho Eanes ao Reino Mitterrand era na altura o calorosas da população: Manuela Eanes revela que
Unido, em 1977, apenas um Presidente da República “A viatura com os chefes muito antes da longa-
ano decorrido após a sua Francesa. Já no jantar de de Estado segue sempre à metragem de Tom Hooper O
primeira eleição presidencial. despedida, ficaram na frente e um segundo carro Discurso do Rei, vencedor,
No testemunho que prestou mesa do então presidente transporta os respetivos em 2011, de quatro Oscares,
à VISÃO, Manuela Eanes incluindo o de melhor
diz conservar da rainha a filme, já Isabel II lhe tinha
memória de uma mulher de confidenciado a história,
“inteligência viva, simples no numa das visitas oficiais:
trato” e que, “como é sabido, “Disse-me que todas
manteve sempre uma grande as famílias têm os seus
dignidade e um sentido problemas e que o pai dela
de Estado a toda a prova”. tinha precisado dos serviços
E Manuela Eanes reforça: de um terapeuta da fala,
“Mesmo quando confrontada para conseguir controlar
com os problemas familiares, a sua gaguez em público.”
soube sempre estar à altura E a história da amizade de
dos acontecimentos.” Da Jorge VI com o terapeuta
visita a Londres, recorda Lionel Logue, que o filme
o momento em que a reconstitui, já era, assim,
princesa Ana bateu à porta familiar ao casal Eanes, por
do quarto presidencial para ter sido contada, de viva voz,
Proximidade Instantâneo da visita de Isabel II
apresentar o filho, da idade a Portugal, em 1985
pela própria Isabel II... F. L.
com cinco Papas (Pio XII, João XXIII, João Paulo II, Bento contacto com a Natureza ao brilho das joias, ao espartilho
XVI e Francisco) e com uma mão-cheia de presidentes dos dos vestidos chiques, aos sapatos de salto, à maquilhagem,
EUA (da lista constam Eisenhower, Nixon, Ford, Reagan, aos penteados impecáveis e aos exóticos chapéus. Vestia
Bush, o filho deste, George W. Bush, Obama e Trump). Em calças ou saias de fazenda, e blusões aconchegantes, cal-
todas estas ocasiões, era raríssimo que não estivesse acom- çava sapatos rasos abotinados (ou botas de montar ou de
panhada do homem com quem foi casada durante 73 anos borracha) e usava lenços simples na cabeça.
(outro recorde na monarquia britânica), o príncipe Filipe Descontraída, a monarca podia então dar-se ao maior
de Edimburgo, com quem teve quatro filhos e que morreu dos luxos: esquecer por uns tempos que era rainha, e ca-
a 9 de abril de 2021, a dois meses de se tornar centenário. minhar com os seus cães sobre a terra molhada, montar a
Era em refúgios como o Castelo de Balmoral, na Escócia cavalo, pescar, fotografar uma paisagem que lhe chamasse
(onde Isabel II morreu no passado dia 8, aos 96 anos, 48 a atenção, guiar os seus jipes e, até, ir às compras sozi-
horas depois de ali dar posse à nova primeira-ministra nha. Afinal, tinha apenas 12 anos quando confidenciou ao
britânica, Liz Truss), que a monarca se revelava inteira e seu instrutor de equitação: “Se não tivesse de ser rainha,
feliz. Deixava cair a máscara profissional dos intermináveis gostaria de viver no campo e ter muitos cavalos e cães.”
compromissos oficiais e era apenas a mulher que preferia o jjunior@visao.pt
Enquanto
os políticos
entram e saem,
prometem, faltam
e desaparecem,
a rainha foi
uma sólida
rocha
— P O R M I G U E L C A R VA L H O
razoável fortuna. Quando estive em Haia, o último posto vos ataques. Já tinha representado a mãe na independência
diplomático que ocupei, soube-se que a família real ho- das Bahamas. Viu ser erguida a nova bandeira e a cantora
landesa era dona de partes de Manhattan [EUA], e a rainha Rihanna elevada a heroína nacional. Não teve outro remé-
Juliana era das principais acionistas da Shell. dio. São novos tempos.
Antes da pandemia, a monarquia britânica custava ao Chamam-lhe “príncipe da anticiência” e “inimigo” do
erário público cerca de 95 milhões de euros anuais. Iluminismo. Isto pode abalar o seu reinado?
Faz sentido? Os Windsor dão sempre a volta por cima. E ele fará como
Faz. Há um retorno em termos turísticos, industriais e certos políticos quando chegam a certos lugares: abdicam
simbólicos. Já imaginou quanto se vai gastar em empresas de algumas posições, adaptam-se. Será mais comedido.
nacionais para mudar selos, papel-moeda, caixas verme- Já deu sinais na questão das religiões, área em que hoje
lhas, emblemas dos bobbies, etc.? Há uma devolução disso tem, sobretudo, de defender as diferentes fés. Quanto ao
ao erário público. As repúblicas também são caríssimas! resto, o ex-Presidente da República Mário Soares usava a
Já nem digo Belém, porque seria uma maldade e não se “magistratura de influência”. Um rei não pode fazer mais
morde a mão que nos dá de comer, mas é um forrobodó! do que isso. O poder está no Parlamento.
[Risos] Nunca faltou dinheiro para visitas de Estado dos As monarquias têm futuro?
senhores presidentes. Podia não haver para outras coisas, Ah, sim! A monarquia é uma reserva da república. As re-
mas para isso havia sempre… públicas têm o hábito de dar cabo delas próprias e, assim,
As intervenções de Isabel II em matéria política esta- têm na monarquia uma bolsa de pessoas preparadas para
vam-lhe vedadas. Mas não faltaram mensagens subli- reinar, mesmo que estejam no exílio.
minares, não é assim? Sente-se confortável nesta República?
Ela usava imensos elementos subliminares. A escolha da Sim, mas tenho pena que cem anos de república tenham
Escócia para morrer terá sido uma forma de dizer aos esco- acabado com oito séculos de monarquia. A monarquia
ceses “não nos deixem”. Para mim, foi um derradeiro sinal. seduz-me, porque tem mecanismos de salvaguarda; bas-
Quando recebeu Trump, pôs a joia que o casal Obama lhe ta ver a admiração do povo por Isabel II para perceber a
dera. Nada era inocente. Tal como a mímica da mala para identidade e unidade nacional que simboliza. Mas Portugal
os “ajudantes de campo” quando estava farta da pessoa com “republicanizou-se” rapidamente e a Constituição proíbe o
quem falava, por exemplo. Deixava rastos... referendo. Só podemos sentir a aura monárquica se formos
O que espera de Carlos III? Na Commonwealth, crescem ao Palácio da Ajuda ou a outros. Mas se temos palácios, ca-
desejos de emancipação da coroa e reclamações sobre valos, tudo, porque não os usamos ao serviço da República?
o período da escravatura... Por outro lado, a família real portuguesa é pouco conhecida
Ele é chefe de Estado de 16 monarquias constitucionais, e é pena, pois tem elementos muito válidos e patrióticos,
mas, passado este período, sabe o que o espera: virão no- sem serem patrioteiros. mbcarvalho@visao.pt
POR
A N D R E W M O R TO N
É um dos mais conhecidos biógrafos de
celebridades. Escreveu cerca de duas dezenas
de livros sobre a vida de figuras como
Madonna e Monica Lewinsky e, em 1992,
publicou Diana: A Sua Verdadeira História,
que se tornou um bestseller e deu a conhecer
o mundo secreto da princesa que viria a
morrer no túnel da Ponte d’Alma, em Paris
FOTOS GETTY IMAGES
N
helicóptero no qual “a rainha” sobrevoaria vários pontos
importantes de Londres, como Tower Bridge e o Palácio de
Westminster, antes de saltar dramaticamente do helicóptero
para o céu noturno.
A ideia agradaria a Sua Majestade? Inicialmente, Boyle
apresentou o esquema a lord Coe, o responsável pelo Lon-
don 2012, que por sua vez falou com a princesa Ana. Com o
seu jeito pragmático, esta respondeu simplesmente: “Porque
não lhe pergunta?”
Dias depois, Boyle estava no Palácio de Buckingham, es-
boçando o cenário ao secretário privado da rainha, Edward
Young, e à sua estilista, Angela Kelly. Esta adorou a ideia e
subiu para falar pessoalmente com a rainha.
A ideia encontrou imediatamente aprovação real, mas com
uma condição: ela tinha de proferir as icónicas – e muito
parodiadas – palavras “Good evening, Mr. Bond”, enquanto
o ator Daniel Craig, que interpretava o herói intemporal, a
vigiava atentamente e ela terminava de tratar de alguns do-
cumentos na sua secretária. Então a rainha, os seus corgis e
o seu pajem, seguidos por Bond, dirigir-se-iam a um heli-
cóptero, terminando com o icónico salto de paraquedas em
vestido de cerimónia.
Não só este sketch foi um dos pontos altos de uns Jogos
Numa amena noite de verão, a rainha, de 86 anos, deu a si Olímpicos memoráveis, como revelou um lado ousado,
própria permissão para surpreender e arrepiar uma audiência quase maroto, da personalidade da rainha, que emergia de
mundial, ansiosa por ver a cerimónia de abertura dos Jogos tempos a tempos.
Olímpicos de 2012. Sua Majestade, usando um vestido cor de Embora o beco sem saída do protocolo e do adequado
pêssego e pérolas, saltou de um helicóptero suspenso, o seu estivesse sempre presente na vida da rainha, ocasionalmente
paraquedas Union Jack iluminado no céu noturno, enquanto ela conseguia mostrar excertos de uma pessoa muito dife-
ela caía em segurança para terra, um pouco fora do palco. rente, como daquela vez em que recebeu o Presidente Barack
No momento seguinte vimo-la com aquele mesmo vestido Obama e a primeira-dama Michelle Obama numa receção
e chapéu a caminhar para o pódio, no estádio construído no Palácio de Buckingham, em 2009. Parecia um encontro
especialmente para os Jogos Olímpicos, no Leste de Londres, rotineiro até a rainha chegar e deslizar o braço em torno da
para proceder à abertura formal dos jogos. cintura de Michelle Obama, que, com 1,80 m, parecia uma
Havia muitos entre os milhões que assistiam que pensa- torre ao lado da pequena rainha. Por sua vez, esta pôs um
vam genuinamente que a rainha tinha feito a entrada mais braço em volta dos ombros da rainha e disse: “Gostei muito
ousada e perigosa do seu reinado. O anterior ministro da do nosso encontro.” Mais tarde, Michelle Obama explicou
Saúde, Jeremy Hunt, disse mais tarde a Isabel que um tu- que tinham criado um laço em torno das suas dores nos pés.
rista japonês comentou que era maravilhoso a rainha estar Sendo a imagem tradicional da rainha a de alguém que de-
envolvida daquela forma nos Jogos Olímpicos, porque eles sencorajava a intimidade, a soberana segurando a sua enorme
nunca conseguiriam que o seu imperador mala de mão diante do corpo como um
saltasse de um avião. escudo, esta demonstração de familia-
A princípio houve alguns no Palácio ridade amigável foi surpreendente. No
de Buckingham que não acreditaram passado, quilómetros de tinta impressa
que a rainha concordasse em tornar-se a tinham sido gastos a reprovar quando um
Bond girl de mais alto estatuto de sempre anfitrião apenas tocara as costas da rainha
e, além disso, aceitasse proferir a frase para a ajudar a atravessar uma multidão.
imortal “Good evening, Mr. Bond”. O seu desejo de correr riscos foi re-
Contudo, quanto mais tempo a rai- compensado quando, em abril de 2013,
nha reinava, mais desejosa parecia de se a British Academy of Film and Television
divertir e correr riscos. O realizador de Arts atribuiu um BAFTA honorário à
cinema irlandês Danny Boyle, que teve rainha pela sua “sensacional” atuação
a tarefa desafiante de criar a coreografia na cerimónia inaugural dos Jogos Olím-
para a cerimónia de inauguração dos picos, assim como pelo seu apoio ao
Jogos Olímpicos, perguntou-se se ela mundo das artes e do espetáculo. O ator
lhe daria uma oportunidade. Kenneth Branagh, que fez a apresenta-
Alguns meses antes tivera a ideia de ção, brincou dizendo que vários colegas
usar a rainha num curto filme promo- estavam tão impressionados com a sua
cional, mesmo antes da abertura oficial atuação que tinham guiões preparados
da cerimónia. Ela devia ser resgatada para sua aprovação.
Biografia A tradução portuguesa
de alguma ameaça desconhecida pelo estará nas livrarias no próximo dia
Durante o evento, realizado no Castelo
próprio 007. James Bond, de fato preto 6 de outubro, com a chancela da de Windsor, a atriz Helen Mirren, que fez
e laço, encontrava-se com ela no Palácio Edições Desassossego o papel da rainha no filme epónimo de
de Buckingham e escoltava-a para um Peter Morgan, estava a repetir o seu papel
E
mbora o príncipe Filipe tivesse falado em refor-
mar-se quando atingisse a madura idade de 90
anos, estava ao lado dela quando a rainha chegou,
Memórias felizes Apesar de já não fazerem viagens de longo ela própria, a essa idade. Uma visita a Malta em
curso, em 2015, Isabel II e o príncipe Filipe foram até Malta. novembro de 2015, onde ela e o príncipe Filipe
A viagem fê-los recordar a sua vida de recém-casados passaram uma grande parte da sua vida de recém-casados,
trouxe de volta reminiscências felizes. A rainha estava de visita
como chefe da cimeira dos chefes de Estado da Commonweal-
régio na nova peça de Morgan, The Audience, por isso faltou th, e, embora ela e o príncipe Filipe já não fizessem voos de
ao evento real. A sua interpretação do humor seco, pragmático longo curso, a viagem de três horas a partir de Londres foi
e imperioso da rainha foi tão realista que quando o príncipe considerada aceitável.
William apresentou o seu prémio BAFTA Fellowship a des- Para a rainha, o príncipe Filipe e aqueles que tinham co-
creveu como uma “extremamente talentosa atriz britânica a nhecido o casal na década de 1940 foi verdadeiramente uma
quem eu devia provavelmente chamar ‘Granny’”. viagem pela memória. Durante um passeio pela ilha, o casal
Por sua vez, Mirren admitiu que, apesar de ter interpre- arranjou tempo para visitar o campo de polo onde Filipe e
tado o papel da rainha, tanto em palco como em filme, teve Dickie Mountbatten tinham jogado. Ao olhar em volta, a
uma verdadeira “lição de embaraço” quando se juntou a ela rainha avistou Elizabeth Pulé, filha da sua antiga governanta
e ao príncipe Filipe para um chá no Palácio de Buckingham. Jessie Grech, no meio da multidão. Outro rosto familiar foi
Viu-se reduzida a balbuciar. o de Freddie Mizzi, um clarinetista da Jimmy Dowling Band,
“Ficamos a pensar: ‘É a rainha, é a rainha.’” Numa divertida que costumava tocar as suas melodias favoritas do musical
inversão de papéis, Mirren admitiu que ficara ainda mais des- Oklahoma, no Hotel Phoenicia.
lumbrada ao conhecer a mulher que interpretara com tanto Quando ela disse à sua audiência que passara ali alguns
sucesso. “Fico sempre genuinamente fascinada pela sua aura, dos anos mais felizes da sua vida, não estava a exagerar.
o seu brilho, a sua presença. Nunca cessa de me surpreender.” Recordava genuinamente aqueles que tinham trabalhado
O facto de tantos, até atores vencedores de Óscars, serem para ela e mantinha-se ao corrente dos assuntos da ilha do
reduzidos a balbuciar na “presença” ajuda a explicar o seu Mediterrâneo com uma entrega regular do Times of Malta.
amor eterno pelos cavalos e as corridas. A romancista Jilly A rainha sempre teve interesse e apreço por aqueles que
Cooper observou: “Um cavalo não sabe que ela é a rainha; um trabalhavam com ela. Desde o palácio, o Parlamento, Balmo-
cavalo trata-a como a outro ser humano qualquer. Ela tinha de ral e Sandringham até à Commonwealth, gostava de sentir a
conquistar o amor e o respeito de um cavalo, não esperá-los pulsação das coisas. Como o anterior presidente do município
como uma dádiva. Isso devia ser um grande alívio para ela.” de Edimburgo, Eric Milligan, observou: “Ela sabe o que se
Mais do que um passatempo, criar cavalos e participar passa e cuida das pessoas que cuidaram dela.”
em corridas era o seu refúgio dos infindáveis problemas que O seu extenso conhecimento da cena social também im-
passavam pela sua secretária. Era uma forma de relaxamento pressionou o príncipe André. “A sua rede de informação – de
positivo passar alguns minutos com as reconfortantes colunas quem fez o quê, o que aconteceu, quem está doente, quem
A
fisicamente debilitada. natureza da monarquia.
Por isso a biografia já rainha tinha um verdadeiro fraquinho por Harry,
incorpora o triste e lento Que expectativas o neto com jeito para ultrapassar as burocracias
declínio de Isabel II. tem sobre o reinado para ver a rainha – para grande frustração dos
de Carlos III? funcionários régios. Desta vez, num vídeo que se
Na sua opinião, qual O rei Carlos é o monarca tornou viral, Harry convenceu a aniversariante a
é o maior legado mais bem preparado ver uma mensagem, num telefone com câmara, do Presidente
de Isabel II? da História. Durante a Barack Obama e da primeira-dama Michelle Obama antes
A rainha trouxe primeira semana do seu dos jogos, que deviam decorrer na Flórida em maio de 2016.
continuidade, certeza e reinado, ele foi perfeito em Uma Michelle Obama de rosto sério entrou no seu campo de
estabilidade a um mundo termos de comportamento visão e desafiou Harry em relação a uma rivalidade entre a
incerto e em mudança. e de declarações públicas. América e a Grã-Bretanha devido a militares feridos de vá-
Ela era a avó da nação, Tomou o seu lugar na rios países que queriam participar nos jogos. “Cuidado com
uma presença sorridente monarquia com graça o que desejam”, interrompeu o Presidente apontando com o
que confortava milhões. e dignidade. O reinado dedo para uma equipa de militares reunidos ao fundo, antes
A sua hora decisiva foi o de Carlos III será mais de um dizer “Bum!” A rainha comentou: “Oh, por amor de
discurso do “vemo-nos em sensível, menos reservado, Deus.” Um Harry de rosto corado olhou então para a câmara
breve”, proferido durante a com enfoque na cultura e e disse, muito humildemente: “Bum!”
pandemia Covid-19. na inclusão. Sob a leveza de avó e os confetti de edições de jornais co-
memorativas do ano marcante da rainha, havia uma sensação
A
Algo que recordou o quanto a monarquia ainda impor-
tava ocorreu nos dias que se seguiram ao terrível incêndio mudança teve a aprovação total da rainha, apesar
nos apartamentos da Grenfell Tower, na zona oeste de Lon- de reconhecer que se veriam menos. Falavam ao
dres, a 14 de junho de 2017, que causou 72 mortos e deixou telefone diariamente e ela ia mais vezes a San-
centenas de pessoas sem casa. A rainha e o príncipe William dringham. Inicialmente, a rainha ficou alarmada
apressaram-se a visitar os sobreviventes e os socorristas, quando ele se envolveu num acidente de carro
oferecendo a monarca o seu ouvido atento e a sua presença em janeiro de 2019, mas ficou grata por o incidente o forçar
reconfortante durante uma calamidade nacional. a desistir da carta de condução. Na opinião dela, ele sempre
“A rainha olhou para mim. Havia compaixão, era um olhar conduzira demasiado depressa – e os seus hábitos de condu-
preocupado e sincero”, concluiu uma sobrevivente depois de ção eram fonte de um conflito de décadas e palavras amargas.
explicar a sua tortura num encontro cara a cara com a rai- Com o responsável pela família a descansar, coube ao
nha. Aqui estava a avó da nação em ação, levando conforto e secretário privado da rainha, sir Christopher Geidt, propor
reconhecimento da perda. mudanças na monarquia. Este promoveu uma política de cen-
Ela deixara sempre muito claro, apesar de anos de espe- tralização da estrutura da monarquia de modo a que o Palácio
culação, que reinaria enquanto tivesse saúde e força. Como de Buckingham assumiria o comando, apoiado por Clarence
disse ao arcebispo de Cantuária, George Carey, quando este House, a casa de Londres do príncipe Carlos, e pelo Palácio de
se reformou: “É algo que eu não posso fazer. Vou continuar Kensington, a casa do príncipe William e do príncipe Harry.
até ao fim.” As suas propostas de comando e controlo não encontraram a
Isso não evitou pensamentos e ações relativamente à aprovação dos príncipes, que queriam autonomia para fazer
inevitável mudança de reinante. O seu secretário privado, as coisas à sua maneira em vez de reportarem constantemente
sir Christopher Geidt, conquistou um segundo grau de ca- ao Palácio de Buckingham. Cada “empresa”, ou, melhor, casa
valeiro logo em janeiro de 2014 por planear este trabalho. real queria operar a partir do seu próprio silo, enfraquecendo
A
disponibilizar a tiara para a prova.
diversidade de raças, credos e cores que era a Embora o foco dos média estivesse no alegado compor-
pedra de toque da Commonwealth aproximou- tamento de prima-dona de Meghan, a primeira conclusão
-se de casa com a aceitação calorosa na família que se tira da “birra da tiara” é que Harry passou por cima
real da namorada do príncipe Harry, Meghan de uma ajudante real de confiança e foi diretamente à rainha,
Markle, uma atriz americana divorciada e birra- convencendo-a a fazer-lhe a vontade. Numa organização onde
cial. Durante os preparativos que levaram ao casamento, em podem ser necessárias semanas para obter uma entrevista
maio de 2018, ela reconheceu ponderadamente o quanto a com a rainha, este acesso foi notável. A família em primeiro
Commonwealth importava à rainha quando incorporou as lugar. Era, ao mesmo tempo, uma força e uma fraqueza. Como
flores nacionais das 53 nações da organização no seu véu de um assistente observou: “Temos de nos lembrar de que isto
noiva. Foi um gesto que a rainha apreciou muito, assim como é uma família e uma corte, não uma corporação.”
a decisão de Meghan de ser batizada na fé nacional, a Igreja Uma família onde, em última análise, o que conta mais é a
de Inglaterra, antes do dia do casamento. Enquanto olhava posição, não a popularidade. Meghan juntou-se à instituição
para Meghan, de um país, uma cor e uma cultura diferen- num período em que esta sofria as graduais, mas ainda assim
tes, caminhando para o altar da Capela de S. Jorge, estava sísmicas, mudanças que, inevitavelmente, advêm da passagem
a testemunhar a construção da História. De uma só vez, o da coroa de uma geração para outra. Por muito populares
U
ma das suas mais proeminentes e persistentes
acusadoras foi Virginia Roberts Giuffre, que afir-
mava que quando tinha 17 anos o velho Epstein
a forçara a ter sexo com os amigos, incluindo
o príncipe André. Disse que tivera sexo com
o príncipe em três ocasiões diferentes. Como prova do seu
relacionamento publicou uma fotografia que mostrava um
sorridente príncipe André com o braço em torno dela na
casa de Ghislaine Maxwell, em Londres. Embora o duque
negasse qualquer envolvimento sexual com Giuffre, os títulos
negativos continuaram. Em novembro de 2019, André, após
discussões com os seus advogados e a sua secretária privada,
Netos A cena internacional ficou entregue a Meghan
e Harry, nomeado embaixador da Commonwealth
Amanda Thirsk, decidiu dar uma extensa entrevista à apre-
para a juventude (foto em baixo). William e Kate sentadora do Newsnight da BBC, Emily Maitlis. Quando a
encarregar-se-iam do plano doméstico equipa do Newsnight chegou ao palácio para os preparativos
finais da entrevista, André declarou que precisava de “pedir
aprovação mais acima”, referindo-se à própria rainha. A
que fossem, Meghan e Harry, a seu tempo, deslizariam para decisão final, por conseguinte, seria da rainha e do príncipe
o fundo do poste totémico real, como o príncipe André que, Carlos, que estavam ambos nervosos em relação ao possível
tendo já sido o segundo na linha de sucessão ao trono, era resultado. A mãe sabia, pela experiência passada com a família,
agora membro do elenco secundário. nomeadamente com o príncipe Carlos a confessar em prime
O casal real queria criar um futuro alternativo para si, time o seu adultério e a entrevista de Diana ao Panorama,
que acabaria por o colocar em conflito direto com a ordem que a realeza não se saía bem na televisão.
existente. Contudo, na sequência de conversações internas, a rainha
À medida que as dissensões entre a família, particularmen- e o príncipe Carlos sentiram-se suficientemente seguros para
te entre Harry e William, se tornavam mais pronunciadas, o aprovar a entrevista.
tema do respeito e da reconciliação que a rainha escolhera Após uma hora de interrogatório por Emily Maitlis, An-
para 2019 parecia tão apropriado para a sua família em guerra dré achou que a conversa, que decorreu num salão de baile
como para a Grã-Bretanha, ainda a lamber as feridas depois do palácio, tinha corrido bem e ligou à rainha para lhe dizer:
do voto para abandonar a União Europeia. “Missão cumprida.” Achou que tinha sido um tal sucesso que,
A conciliação era um tema a que a rainha voltava muitas após a entrevista, levou a equipa da Newsnight numa visita
vezes: num discurso no Women’s Institute, na visita do Pre- guiada pelo palácio.
sidente americano Trump e no 20.º aniversário da abertura Uma cacofonia de críticas em breve dissiparia essa ideia
do Parlamento escocês. Entendia ser um papel seu tentar errada. A entrevista de André fora um desastre. “Um acidente
arrefecer as paixões políticas e amainar as preocupações de de carro na TV” foi uma das descrições mais generosas. O
uma nação que se virava para si própria. príncipe não parecia estar arrependido da sua ligação com
A sua sabedoria e o seu julgamento eram necessários muito Epstein; também não exprimiu qualquer empatia pelas infe-
mais perto de casa. Desde que a sua “força e esteio”, o príncipe lizes vítimas do banqueiro, embora lhe tivessem dado amplas
Filipe, se tinha retirado, o seu segundo filho, o príncipe André, oportunidades de o fazer. A rainha afirmou estar horrorizada
fizera o seu melhor para preencher a lacuna. Acompanhava-a porque também ela estava na linha de fogo, por ter permitido
à igreja aos domingos e assegurava-se de que as suas filhas, que André fosse para a frente com uma entrevista que não
Beatrice e Eugenie, mantinham contacto com ela. só destruiu a reputação dele como prejudicou a posição da
Aos seus olhos, o seu segundo filho tinha, em tempos de monarquia. A calamidade televisiva do príncipe André sugere
crise, mostrado qualidades de coragem e liderança, nomea- que a rainha está a perder o controlo da “firma” foi o título do
damente durante o conflito das Malvinas e o incêndio de The Times, o jornal de referência do establishment.
D
provava a abdicação de Eduardo VIII para se casar com a
ias depois de gerir os disparates do segundo americana divorciada Wallis Simpson.
filho, a rainha viu-se mergulhada numa crise Embora tudo tivesse começado muito bem, a vida real
no lado oposto da hierarquia. Enquanto o prín- para ambos principiou em breve a desenrolar-se e eles ela-
cipe André estava desesperado por se agarrar boraram um caminho no mapa do seu futuro que corria pa-
às benesses da realeza e ficou devastado por ralelamente ao da família real. A família e os seus servidores
abruptamente ter de renunciar a elas, o príncipe Harry dei- sabiam perfeitamente, desde maio de 2019, dos seus planos
xou claro o seu desejo de abdicar da “firma” familiar. Harry de serem financeiramente independentes e de se focarem na
sempre fora um relutante membro da realeza. Desde a morte sua missão humanitária. Há alguns meses que era visível que
de Diana, considerava as aparições públicas uma tortura, Harry e Meghan eram infelizes com as implacáveis críticas
suando nervosamente quando enfrentava os flashes. Teria da imprensa e com o que eles consideravam ser uma falta de
preferido mil vezes continuar a sua carreira no exército em apoio da instituição. O príncipe Harry falara com a rainha e
vez de apertar mãos em compromissos reais. O problema o pai acerca de abdicarem da posição sénior na realeza e de
era ele ser “um natural” e o público ver nele sombras da sua angariarem fundos privadamente, para não precisarem da
P
dedicara-se à atividade de acenar e apertar mãos. Como ela
ara a rainha, que vivera o Blitz, era o momento de gostava de dizer: “As pessoas têm de me ver para crer.” Agora
recordar à nação o estofo de que eram feitos. Com já não. A rainha e o resto da família tiveram de se adaptar a
o filho e herdeiro em Birkhall, na Escócia, sofrendo um mundo de videochamadas e de falar por um computador
da doença, e o primeiro-ministro Boris Johnson ou um ecrã de televisão. Este era o novo normal. A rainha
internado no Hospital de St. Thomas no centro de conseguiu manter-se em contacto com os seus súbditos
Londres, onde acabou a lutar pela vida nos cuidados intensivos, através do próprio meio a que outrora se opusera: a televisão.
a rainha falou a uma nação profundamen- O seu neto príncipe Harry, ele próprio
te ansiosa e nervosa. Ao mesmo tempo, endurecido pela guerra no Afeganistão,
era um país unido em face de um inimigo tinha outra batalha para travar. Tratava-
comum. Embora a rainha pudesse encon- -se do que ele considerava o tratamento
trar-se no outono do seu reinado, estava Enquanto olhava injusto dado a Meghan e a si próprio pela
perfeitamente posicionada para falar à
nação com conhecimento e empatia. O
para Meghan, família e pelos seus funcionários. Após
várias conversas difíceis com membros
seu discurso de domingo à noite, no dia de um país, de da família e com servidores, concluíra
5 de abril de 2020, durou apenas quatro que nunca poderia resolver os seus pro-
minutos mas o impacto foi duradouro, uma cor e de uma blemas de forma privada. À espera estava
com a rainha invocando o estoicismo
britânico, a coragem tranquila e a capaci-
cultura diferentes, Oprah Winfrey, ansiosa por discutir as
suas vidas régias. A conversa de uma
dade de enfrentar uma calamidade mortal caminhando para hora, que foi transmitida em março de
com um sorriso que os britânicos tinham 2021, por uma vez correspondeu às ex-
mostrado durante a guerra. Muitos dos o altar da Capela pectativas. Foi bombástica, com o casal
23,3 milhões que sintonizaram o que era
apenas o seu quinto discurso especial
de S. Jorge, estava a acusar a família real de racismo, assim
como de indiferença e de tratamento
não festivo, nos seus 68 anos de reinado, a testemunhar cruel em relação ao problema mental de
admitiram que tinham um nó na garganta Meghan, de isolamento e de “aprisiona-
e lágrimas nos olhos quando ela repetiu a construção mento”. Muitas das suas afirmações, tal
as famosas palavras da favorita em tempo
de guerra, dame Vera Lynn: “Voltaremos
da História como a sugestão de que eles se tinham
casado formalmente três dias antes da
a encontrar-nos.” cerimónia de casamento televisionada,
A rainha, que escreveu o discurso evo- foram demonstradas falsas ou exagera-
cativo juntamente com o seu secretário privado sir Edward das. Isto magoou a rainha, que mostrara constante boa-fé e
Young, começou por dizer: “Falo-vos num tempo que sei que apoio a Harry, antes e depois do casamento. Ela ficou, como
é cada vez mais desafiador. Um tempo de disrupção na vida observou uma amiga de Diana, “desapontada” com o seu
do nosso país: uma disrupção que trouxe dor a alguns, difi- comportamento. A sua resposta formal foi classicamente
culdades financeiras a muitos e enormes mudanças na vida SMR [Sua Majestade a Rainha] – modulada e amorosa mas
diária de todos.” firme – enquanto a sua frase “algumas lembranças podem
Depois de agradecer aos que se encontravam na linha da variar” disse muito acerca da exatidão das recordações de
frente, continuou: “Espero que nos anos vindouros todos se- Meghan e Harry. A decisão da rainha de investigar em privado
jamos capazes de nos orgulhar pela forma como respondemos as alegações de racismo indicou a direção que preferia tomar.
a este desafio. E aqueles que vierem depois de nós dirão que Mais uma vez a televisão provou que era um amigo para os
os britânicos desta geração eram tão fortes como todos os tempos bons, maravilhosa para o espetáculo real e altamente
outros, que as qualidades da autodisciplina, da determinação perniciosa para a monarquia quando um membro da família
bem-humorada e tranquila e do companheirismo ainda ca- real era colocado à frente de um microfone.
racterizam este país. O orgulho em quem somos não faz parte A Covid-19, porém, constrangeu tudo. Tal como Moun-
do passado, define o nosso presente e o nosso futuro.” tbatten, o príncipe Filipe dera-se ao trabalho de planear o
Terminou com uma nota de incentivo: “Devemos encontrar seu funeral até à cor do Land Rover que haveria de levar o
conforto na ideia de que, embora ainda tenhamos mais para seu caixão. Quando morreu, na manhã de 9 de abril de 2021,
suportar, dias melhores voltarão: estaremos de novo com os apenas algumas semanas antes de completar 100 anos, os seus
A
do 70.º aniversário da sua subida ao trono, 6 de fevereiro de
cerimónia foi rápida e direta, como o próprio ho- 2022, a rainha emitiu um comunicado oficial exprimindo
mem. Despachem lá isso, teria ele dito. A rainha o seu “desejo sincero” de que Camilla fosse coroada rainha
seguiu os seus desejos, regressando aos deveres consorte quando o príncipe Carlos se tornasse rei. Foi a indi-
reais duas semanas após a sua morte. Depois do cação mais pública de que Sua Majestade desejava assegurar
funeral foi fleumática e reflexiva, mas nunca ficou uma transição pacífica, ordeira e incontroversa.
sozinha. Os membros seniores da família, particularmente A rainha Vitória conquistara o título de avó da Europa,
Sophie Wessex, a mulher do príncipe Eduardo, eram visitas enquanto a rainha Isabel II se tornara a avó do Reino Unido e
regulares do Castelo de Windsor. A chegada de Lilibet “Lili” da Commonwealth. A soberana com o reinado mais longo da
Diana Mountbatten-Windsor, a filha de Meghan e Harry, a 4 História devotou-se à sua família, ao seu povo e à mais vasta
de junho, foi uma bem acolhida adição ao clã, demonstrando família das nações. Através de muitos choques e surpresas que
mais uma vez que na morte também há vida, especialmente adornaram o seu reinado-recorde, ela nunca abandonou o
uma vida que exibia o nome familiar da infância da rainha, serviço e a dedicação, observando pacientemente a caravana
Lilibet. A princípio a rainha teve de se contentar com imagens passar, muitas vezes com um brilho nos olhos. Nos tempos
online do bebé e não com o bebé verdadeiro. bons e nos maus foi uma presença constante, pronta para
Em contraste, as suas leais damas de companhia eram uma celebrar ou lamentar, a sua própria vida refletindo a jornada
constante presença física. Na viagem para a despedida do prín- da ilha natal na guerra e na paz. Muito amada e imensamente
cipe Filipe, foi lady Susan Hussey, que conhecia a rainha desde popular, ficará na História, provavelmente, como a melhor
1960, que a acompanhou à Capela de São Jorge no Bentley do rainha de sempre. visao@visao.pt
EM PAPEL,
servar os planetas… As aulas não vivem só do
52% gostam de ambos
professor, por muito extraordinário que seja.”
e 18% preferem os
Além disso, segundo dados do Governo manuais digitais
Regional, registou-se uma diminuição signi-
ficativa (mais de 30%) dos episódios de indis-
8%
elevada de lares do País com acesso à internet, Mas os que têm retaguarda familiar continuam
o que facilitou o processo. a ter vantagens”, afirma Nuno Jardim.
A Porto Editora foi constituída como prin-
cipal parceira do Projeto Manuais Digitais O ABISMO DAS DESIGUALDADES
DOS ALUNOS
(PMD), funcionando a Escola Virtual como pla- As assimetrias do País são uma preocupação.
DOS 5.º, 6.º E 7.º ANOS
taforma base (a escolha dos manuais continua Para Manuel Pereira, presidente da Associação
referem ter muita
a pertencer às escolas) e, ao contrário do que Nacional de Dirigentes Escolares, “a internet dificuldade em usar os
acontece no continente, todos os equipamen- não é universal nem democrática. Para muitas manuais digitais, assim
tos (neste caso, tablets) cedidos aos alunos são famílias, o dinheiro gasto neste acesso faz falta como 6% dos alunos
iguais e estão sob um controle central, tanto a para pagar o pão. A escola pública tem a obri- dos 9.º e 10.º anos
nível da segurança como da gestão do software. gação de dar as mesmas condições a todos os
Fala-se do envelhecimento da classe docen- alunos e, enquanto isso não for possível, não
te como um entrave à mudança, mas a forma se pode falar em sucesso”.
positiva como esta reagiu ao PMD foi uma O também diretor da Escola EB 2, 3 General
surpresa para Nuno Jardim, diretor da EB 2, Serpa Pinto, em Cinfães, no distrito de Viseu,
3 Dr. Eduardo Brazão de Castro, no Funchal, está longe de ser avesso às novas tecnologias.
onde houve a primeira experiência-piloto do Esta foi a primeira escola pública do País a
Corder avaliou o consumo digital em adoles- minutos em A APOSTA NOS RECURSOS DIGITAIS
centes, verificando que passavam quatro horas Os grandes grupos editoriais acompanham
por dia, em média, a olhar para um smartphone, idade escolar atentamente a evolução dos manuais esco-
Um manual
em livro. É um conjunto de recursos
mais vastos e de transformação da
gestão do trabalho em sala de aula.
Por isso, a formação tem sido impor-
PDF do manual
O relatório da Universidade
Católica feito a partir dos projetos-
piloto dá conta, nas conclusões,
de dificuldades relacionadas
em livro
com o acesso à internet – nas
escolas e também em casa. Como
pretende resolver esta questão, que
pode pôr em causa a eficácia da
A desmaterialização dos manuais escolares desmaterialização?
é para avançar, de forma progressiva, garante Por isso mesmo, referi que a desma-
terialização dos manuais tem de ser
o ministro da Educação. Mas tem de ser acompanhada das restantes medidas
previstas no PRR, em particular a
acompanhada pela melhoria da qualidade melhoria da qualidade da internet nas
da internet nas escolas escolas. Esse trabalho está em curso
e é fundamental. Todo o programa da
— S A R A B E LO L U Í S Escola Digital é desenhado de forma a
que os seus quatro pilares se desen-
volvam em paralelo: infraestruturas,
E
conectividade, formação dos profes-
m semana de regresso com uma ou duas turmas. Neste ano sores e construção dos recursos pe-
às aulas, muito marcado letivo damos um grande salto neste dagógicos. Se uma destas peças falha,
pela “pandemia” da falta piloto, envolvendo já cerca de 12 mil a Escola Digital falha.
de professores, o minis- alunos. Vamos iniciar um trabalho Sabemos (até pela experiência
tro da Educação aceitou de preparação da desmaterialização, recente do ensino remoto, durante
responder por escrito que acompanha outras medidas da a pandemia) como a digitalização
às perguntas da VISÃO Escola Digital previstas no Plano de pode acentuar as desigualdades.
sobre a desmaterialização progres- Recuperação e Resiliência (PRR), para Esta questão preocupa-o?
siva dos manuais escolares, uma que a infraestrutura das escolas possa
medida que, apesar de estar prevista acompanhar este processo. A próxi-
no programa do Governo, tem sido ma fase é o trabalho com os produ-
pouco discutida pela sociedade em tores de conteúdo, os editores, para
geral. E que está inserida num projeto planearmos o faseamento da desma-
mais vasto, a Escola Digital, o qual terialização.
compreende quatro pilares: infraes- Há negociações em curso
truturas, ligação à internet, recursos com os vários intervenientes,
pedagógicos e formação de profes- nomeadamente, com os editores e
sores. “Se uma destas peças falha, a com os professores (por causa da
Escola Digital falha”, diz João Costa à formação)?
VISÃO. Todo o programa da Escola Digital
Como vai ser feita a
desmaterialização progressiva dos
manuais escolares, prevista no
programa do Governo? Em que fase
estamos e quais serão as próximas O manual é apenas
fases?
Quisemos iniciar com um projeto-pi-
um recurso na
loto, envolvendo acompanhamento escola e na sala
das escolas e dos professores, para
percebermos o ritmo que podemos de aula. O livro
ter na desmaterialização. Começa-
mos com nove agrupamentos de
em papel estará
escolas, em alguns casos apenas sempre presente
68 VISÃO 15 SETEMBRO 2022
Não devemos confundir o que acon-
teceu durante a pandemia com o pro-
cesso que está em curso. Durante o
confinamento, houve aulas em ensino
71%
DOS DOCENTES
lares. “Qualquer processo de digitalização da
nossa sociedade é inevitável e a educação não
pode passar ao lado. Para a Porto Editora, o
que é importante é a conjugação dessa inten-
NÃO TÊM UM ACESSO
remoto, o que alimentou por vezes a ção genérica com a questão pedagógica, como
À INTERNET
ideia de que o digital era a alternativa é que a tecnologia se introduz no processo
satisfatório nos
ao presencial. Não é isso que temos espaços escolares
sendo potenciadora e não perturbadora”,
como objetivo. Queremos o digital aponta Rui Pacheco, diretor da Escola Virtual,
presente na sala de aula, no ensino a plataforma de e-learning criada em 2005
presencial. Porque as competências
digitais são essenciais e porque a
diversificação de recursos educativos
potencia melhores aprendizagens.
80%DOS ALUNOS
pelo grupo editorial.
“O termo ‘desmaterialização dos manuais’
acaba por ser redutor, oferecemos aos uti-
lizadores funcionalidades e potencialidades
Que equipamentos vão ser TÊM BOM ACESSO alinhadas com as novas orientações pedagógi-
utilizados (PC, portáteis, tablets…) e À INTERNET cas, com a aprendizagem colaborativa, com a
NAS SUAS CASAS.
como será feita a sua manutenção? flexibilidade curricular”, acrescenta. Todos os
Em 9% dos lares,
Estão já nas escolas mais de um anos, a editora investe cerca de dois milhões
o acesso é feito com
milhão de computadores. Estes são muitos problemas
de euros na produção de novos recursos.
os equipamentos que já estão a ser “Temos o cuidado não só de dar apoio aos
utilizados para os manuais digitais professores, mas também de acompanhar a
nas escolas-piloto. As empresas têm
vindo a fazer as reparações e substi-
tuições necessárias.
Nas conversas com a Associação
31%
DOS ALUNOS
evolução da situação, de forma direta e in-
direta”, explica.
A mesma linha está a ser seguida pela Leya.
“Temos vindo desde há largo tempo a fazer
Portuguesa de Editores e Livreiros DOS 5.º, 6.º E 7.º ANOS investimentos no desenvolvimento da com-
DISCORDAM,
(APEL), pretende sensibilizar ponente digital em educação, tendo esse in-
29% CONCORDAM
os editores para a necessidade vestimento sido muito reforçado nos últimos
E 40% TÊM UMA
de criar novos manuais, isto é, OPINIÃO NEUTRA
anos”, responde a direção de comunicação
adaptados às plataformas em que relativamente ao facto
do grupo editorial. Além de trabalhar com
vão ser utilizados, e não apenas de os professores todas as escolas envolvidas no projeto-pilo-
transpostos a partir das versões dos ensinarem melhor to de desmaterialização no continente, com
manuais em papel? quando usam a acompanhamento próximo e formação dos
As editoras já o fazem. Aliás, genero- tecnologia. Nos 9.º professores, a Leya também colabora com as
samente, cederam esses instrumen- e 10.º anos, 21% regiões autónomas.
tos durante a pandemia. Os manuais consideram que os O ritmo de integração das novas tecno-
digitais e os recursos a que os alunos professores ensinam logias nos processos de ensino e aprendi-
já podem aceder com as licenças di- melhor e 29% referem zagem tem variado entre as escolas-piloto.
gitais todos os anos distribuídas pelo que não há melhorias “Temos constatado realidades muito dife-
Ministério da Educação são muito rentes, que aconselham alguma ponderação
45%
distintos do que seria a transposição e progressividade sustentada na aplicação
simples dos manuais em papel. destes novos modelos”, defende Rui Pacheco.
Como sabe, existem muitos Mesmo dentro das escolas, há casos muito
estudos que chamam a atenção DOS PROFESSORES desiguais. “Quem já tinha o hábito de tra-
para a questão de a capacidade NÃO TÊM OPINIÃO balhar com os alunos colaborativamente e
de compreensão e concentração DEFINIDA já usava plataformas digitais de forma mais
melhorar através da leitura em sobre se os resultados intensiva não revela problemas. Os outros
papel. Ao desmaterializar os académicos serão precisam de mais tempo, isto é uma curva
manuais escolares, estamos a melhores ou piores de aprendizagem.”
promover ainda mais ecrãs no dia devido ao uso dos O principal constrangimento continua
a dia das crianças e dos jovens e, no manuais digitais a ser “o mindset, as pessoas devem pensar
fundo, a ir contra a ciência? não na desmaterialização, mas na alteração
O manual é apenas um recurso na da abordagem pedagógica e na adoção de
escola e na sala de aula. O livro em estratégias diferentes: usarem ferramentas
papel estará sempre presente. colaborativas, usarem os dados que decorrem
Temos vindo a dar uma cada do uso da plataforma para terem uma ava-
vez maior centralidade às liação mais concreta e fidedigna dos alunos…
bibliotecas escolares nas Tem muito a ver com uma conectividade do
políticas educativas, como digital que não existe no analógico”.
as prioridades estratégicas E não esquecer que é verdade que pode-
da Rede de Bibliotecas mos levar os alunos a Paris através do ecrã do
Escolares para este ano computador. Mas também podemos pegar nele
letivo tornam eviden- para lhes mostrar as cores do outono nas fo-
te. sbluis@visao.pt lhas das árvores. *com Clara Soares jloureiro@visao.pt
AMEALHAR
restantes aliados. Só que as
chuvas do outono não vão
demorar a transformar os
campos de batalha em lama-
çais, desacelerando qualquer
TERRITÓRIO
tentativa de progressão. E,
depois, vem o inverno gélido,
com temperaturas abaixo de
zero e muita neve que invia-
bilizam movimentações sig-
PARA O
nificativas no terreno.
Antes que o frio e os pre-
ços do gás façam aumentar
a contestação na Europa ao
INVERNO
apoio militar à Ucrânia – e às
sanções impostas à Rússia –,
o líder ucraniano precisava de
um trunfo para agregar for-
ças, dentro e, sobretudo, fora
de portas. Essa tão desejada
carta materializou-se não a
À tão propalada contraofensiva no Sul, as forças sul, como poderia ser mais
previsível, mas a norte, com
ucranianas acrescentaram uma operação-relâmpago a surpreendente reconquista,
no Norte e no Leste, que apanhou as defesas russas em menos de uma semana,
da quase totalidade do terri-
desprevenidas – mesmo na hora certa para Zelensky. tório invadido na província
O que ditará agora o relógio de Putin? de Kharkiv.
Somando alguns ganhos
— POR RUI ANTUNES também reclamados na re-
gião de Kherson, desde o
início de setembro até esta
segunda-feira, 12, a Ucrânia
recuperou seis mil km2 de para a conquista de toda essa oito soldados por cada defen- de Kherson. De tão propalada,
território ocupado, segundo região do Leste da Ucrânia, sor russo, justificando assim a contraofensiva no Sul, agora
anunciou Zelensky numa das caíram num piscar de olhos, o recuo também nessa zona apelidada de “operação espe-
habituais declarações por face à retirada das tropas de do conflito. cial de desinformação”, poderá
vídeo. A maior parte dessa Vladimir Putin. Pelo menos parte do suces- ter ajudado a desguarnecer
área, superior aos distritos de De acordo com a versão so da investida poderá estar posições conquistadas pela
Lisboa e Porto juntos, tam- oficial, o comando optou por relacionada com a deslocação Rússia em Kharkiv.
bém foi dada como perdida “poupar vidas” e “reagrupar” de tropas russas para a defesa Não foi só desinformação.
pelo Ministério da Defesa os soldados em Donetsk, mas Nas semanas anteriores, a
russo, que parece ter sido o recuo não parece ter sido Ucrânia investiu em ataques
apanhado desprevenido pela assim tão planeado, tendo de longo alcance, por vezes
operação-relâmpago lançada em conta a quantidade de a mais de 100 quilómetros
em Kharkiv. material bélico que ficou para da linha da frente, de modo
trás. Há também relatos do Antes que o frio e a comprometer os abasteci-
AVANÇO SEM RESISTÊNCIA lado ucraniano segundo os os preços do gás mentos às forças russas mais
Depois de furarem a linha da
frente no Nordeste, os solda-
quais foram encontradas re-
feições prontas em cima das
façam aumentar avançadas, posicionadas a
norte do grande rio Dnie-
dos ucranianos praticamente mesas, vestígios de uma saída a contestação na pre. São disso exemplos os
não encontraram resistência apressada. Europa ao apoio bombardeamentos de alvos
à medida que avançaram até O Norte da província de logísticos, de depósitos de
ao obstáculo natural do rio Kharkiv, que faz fronteira militar à Ucrânia, armas ou das pontes que li-
Oskil, a poucos quilómetros com a Rússia, também terá Zelensky precisava gam as margens do Dniepre.
da fronteira com a província
de Lugansk, uma das au-
sido completamente liberta-
do, a oeste do rio Oskil, pelas
de um trunfo Desde 29 de agosto, há
igualmente movimentações
toproclamadas repúblicas do forças leais a Zelensky. Vitaly para agregar no terreno, inclusive com
Donbas, a par de Donetsk. As Ganchev, um oficial russo na forças, dentro alguns avanços ucranianos,
cidades ferroviárias de Ku- região, contou a um canal de mas também com relatos de
piansk e Izium, dois pontos televisão que o contra-ataque e, sobretudo, inúmeras baixas. Numa pri-
estratégicos da ofensiva russa ucraniano se fez à razão de fora de portas meira reação, o Ministério da
Deputados municipais
viram-se contra Putin
Acusam-no de “prejudicar o futuro da Rússia e dos seus
cidadãos” em petição para o destituir da presidência,
sem nunca mencionar a guerra na Ucrânia
U
m grupo de mais Vladimir Putin” pela
de 30 deputados exigência agora levada
municipais ao Parlamento.
entregou, esta semana,
A notícia surgiu através
na Duma (câmara
baixa do Parlamento de uma mensagem
russo) uma petição publicada na conta
a pedir a destituição de Twitter de Ksenia
de Vladimir Putin do Tortstrem, deputada
cargo de Presidente. no município de
Numa iniciativa sem Smolninskoye, em
precedentes na história São Petersburgo.
recente da Rússia, Com o seu nome
representantes da entre os signatários,
população eleitos em ela fez questão de
municípios de São sublinhar que em
Petersburgo (de onde momento algum o
Putin é natural) e de texto da petição
Moscovo, entre outros, tenta “desacreditar”
assinaram a petição o governo, numa
na qual acusam o líder tentativa de escapar
nacional de “prejudicar ao argumento que tem
o futuro da Rússia e
levado à detenção
dos seus cidadãos”.
de vários críticos do
Sem nunca mencionar
Kremlin. Aprovada em
a guerra na Ucrânia –
tão-pouco a “operação março, já no decorrer
Defesa russo classificou este russas foram apanhadas de militar especial” –, da guerra, a lei prevê
esforço como “um miserável surpresa” com a contraofen- responsabilizam penas até 15 anos de
falhanço”. siva ucraniana em Kharkiv, genericamente as prisão para quem a
que se deparou com “um “ações do Presidente violar.
A FRONTEIRA DO INVERNO setor pouco protegido”. Já
A reconquista de tamanha o ministro dos Negócios Es-
extensão de território em tão trangeiros da Lituânia, Ga-
pouco tempo é encarada pelo brielius Landsbergis, diz
Ocidente como uma demons- ter ficado provado que “a
tração de força da Ucrânia – a Ucrânia podia ter expulsa-
maior desde que, no início do a Rússia há meses, se lhe
de abril, levou à retirada da tivesse sido providenciado
coluna militar de milhares o equipamento necessário
de quilómetros que se dirigia desde o primeiro dia”.
para Kiev –, mas está longe Até à chegada do inver-
de significar o colapso da in- no, é previsível que Zelensky
vasão russa do país vizinho. A tente reconquistar mais terri-
inteligência norte-americana, tório, mas talvez tão ou mais
que, segundo o The New York importante será consolidar
Times, tem vindo a colabo- posições nas áreas agora re-
rar de forma mais próxima cuperadas. Não está descarta-
com os ucranianos, continua da a possibilidade de a Rússia
a valorizar o poderio russo na contra-atacar nas próximas
região, ainda “dono” de perto semanas, até porque o seu
de um quinto do território exército continua a tentar
original da Ucrânia. ganhar terreno noutras zonas
O Ministério da Defe- das frentes sul e leste.
sa britânico considera que, “A Rússia tudo fará para
“provavelmente, as forças quebrar a resistência da
NA FRENTE RÚSSIA
ORIENTAL Chernihiv
HUNGRIA Donetsk
Zaporíjia
MOLDÁVIA
Combates mais importantes dos últimos dias Mykolaiv
Território ucraniano controlado pela Rússia antes de 24 de fevereiro Mariupol
Odessa
Território controlado pela Rússia após 24 de fevereiro Kherson
ROMÉNIA
Mar de Azov
Ofensivas anunciadas pelas forças russas
Contraofensiva anunciada pelas forças ucranianas Crimeia
200 km
Zonas onde foram registadas ações de resistência ucranianas Mar Negro
FONTE Institute for the Study of War and AEI’s Critical Threats Project, 2022 AR/VISÃO
Ucrânia, da Europa e do povo? Ainda acham que nos estão interessados na “ca- Um antigo deputado da
mundo neste inverno”, pers- podem assustar, quebrar e pitulação total do regime de Duma (câmara baixa do Par-
petiva o Presidente ucrania- forçar a fazer cedências?”, Kiev nos termos da Rússia”. lamento russo), Boris Nade-
no, antecipando ataques de começava por perguntar, zhdin, defendeu no canal de
mísseis contra “empresas para de seguida escrever que E AGORA, PUTIN? televisão NTV, controlado
e infraestruturas que asse- “nem o frio nem a fome nem Com posições tão extre- pelo Estado, que a Rússia
guram o aquecimento na a escuridão nem a sede” eram madas, a diplomacia parece devia encetar imediatamente
Ucrânia”, por um lado, e te- mais “aterradores ou mortí- destinada a continuar em negociações de paz, dada a
mendo cedências dos aliados feros” para os ucranianos segundo plano nos próxi- “impossibilidade de vencer na
a Moscovo como forma de do que a suposta “amizade mos meses. Por agora, é no Ucrânia” contra um exército
evitar eventuais cortes no e fraternidade” dos russos. terreno que se conquistam motivado e equipado com ar-
fornecimento de gás russo, À imagem de outras oca- argumentos para, talvez um mas ocidentais. Para surpresa
por outro. Para combater os siões, coube a Dmitry Med- dia mais tarde, serem jogados ainda maior, nem todos os
primeiros, Zelensky apela vedev, ex-Presidente russo e à mesa das negociações. Do intervenientes do debate dis-
aos parceiros ocidentais para atual “vice” do Conselho de lado ucraniano, Zelensky já cordaram desta intervenção,
que disponibilizem sistemas Segurança, ripostar na guerra veio assumir que até a Cri- embora o tom dominante
de defesa antiaérea mais efi- de palavras, garantindo, na meia, anexada pela Rússia em fosse o da necessidade de
cazes. mesma rede social, que só 2014, é para “devolver”. Do intensificar a guerra.
A resposta imediata da lado russo, afigura-se como As vozes críticas apontam,
Rússia à recente contraofen- inverosímil um cessar-fogo sobretudo, à ação do Ministé-
siva ucraniana já foi um sinal negociado sem a inclusão do rio da Defesa, e não tanto ao
dado nesse sentido. Na noite Donbas e da Crimeia nas suas chefe de Estado, diretamen-
de domingo, 11, várias cidades fronteiras. te. Ramzan Kadyrov, o líder
nas províncias de Kharkiv,
Donetsk, Zaporíjia, Dnipro-
Perante o êxito Perante o êxito inicial
fulgurante da contraofen-
checheno, disse que foram
cometidos erros no terreno e
petrovsk e Sumy ficaram sem inicial fulgurante siva em curso, volta a pai- que vai pedir explicações ao
luz e sem água durante horas, da contraofensiva rar o receio sobre qual será Kremlin. Já Igor Strelkov, um
devido a bombardeamentos o próximo passo de Putin, militar que esteve envolvido
cirúrgicos realizados a partir ucraniana, volta agora mais acossado do que na anexação da Crimeia em
do Mar Negro. a pairar o receio nunca. Não bastassem os 2014, insultou os comandan-
Zelensky voltou a apelidar
as forças russas de “terroris-
sobre qual será o recentes desaires no campo
de batalha, as críticas à ges-
tes das operações, acusan-
do-os de subestimarem as
tas”, deixando uma mensa- próximo passo de tão da guerra sobem de tom forças de Kiev. Para reverter
gem de revolta na sua con- Putin, agora mais no espaço mediático russo, a situação, sugere bombar-
ta na rede social Telegram. no qual proliferam propa- deamentos a infraestruturas
“Ainda acham que somos acossado do que gandistas alinhados com o fundamentais, como as cen-
[russos e ucranianos] um só nunca regime. trais elétricas.
pingodoce.pt
---------- M U N D O
GETTYIMAGES
Afeganistão, o grito
de silêncio das inocentes
Em apenas um ano, as mulheres afegãs perderam as liberdades que tinham
conquistado. Com o regresso dos talibãs, voltaram a ser proibidas de estudar ou de ter
uma profissão digna. Mas não desistem: são as primeiras a revoltar-se
C
onheci recentemente movimento. Enquanto con- NATO, líderes norte-america-
uma jovem refugia- versávamos, ela abraçou o pai, nos e outros ocidentais defen-
da afegã em Roma a que durante décadas foi perito diam que se restaurassem os
quem faltavam pou- em desenvolvimento rural no direitos básicos das mulheres
cos meses para ser médica Afeganistão. Ele deixou tudo afegãs em simultâneo com a
quando os talibãs derruba- para trás quando fugiu com queda dos talibãs.
ram o governo em Cabul, em a família. Com as lágrimas Ver como, nas últimas
agosto de 2021. A irmã mais a caírem-lhe pelo rosto, ela duas décadas, graças aos seus
POR velha estudava Odontologia disse-me que estava triste, próprios esforços, as mulhe-
ANGELINA na universidade. As duas ir- não por ela, mas por todas as res afegãs se ergueram – com
JOLIE mãs mais novas também eram mulheres do seu país. o apoio de muitos homens
Atriz premiada com um alunas excelentes. Da noite Muito antes do 11 de se- afegãos – foi uma luz bri-
Óscar e enviada especial do para o dia, elas e 19 milhões tembro, o apedrejamento, o lhante depois de anos de vio-
Alto Comissariado da ONU de outras mulheres e meninas chicoteamento e a exclusão lência e sofrimento contínuos
para os Refugiados afegãs perderam o direito de das mulheres afegãs da edu- do povo do Afeganistão.
frequentar o Ensino Secundá- cação eram motivos de indig- Há um ano, as mulheres
rio ou a universidade, o direito nação global. Para justificar a afegãs eram médicas, profes-
ao trabalho, a liberdade de invasão do Afeganistão pela soras, artistas, agentes da polí-
Droga, alterne
e um procurador
Tribunal de Sintra absolveu suspeitos pelo crime
de tráfico de droga, mas condenou-os por tentativa
de corrupção a um magistrado do Ministério Público
— P O R C A R LO S R O D R I G U E S L I M A
“
Muito interessante”; trangido com o pedido de E tal terá acontecido no-
“top”; três, quatro, cinco desculpas”, descreveu Ricar- vamente no bar Check-in,
estrelas. Estas são algu- do Alves, outro dos condena- sendo que o Tribunal de Sin-
mas avaliações parti- dos por corrupção ativa, jun- tra deu como demonstrado o
lhadas por (supostos) clientes tamente com Pedro Baleizão. “apoio de Carlos Figueira” na
do bar de alterne Check-in, A ligação entre o procu- elaboração de um recurso de
situado em Agualva-Cacém, rador, atualmente colocado revisão da pena, interposto
Sintra. Foi neste estabeleci- no Tribunal de Execução de em maio de 2019. Aliás, os
mento de diversão, tenden- Penas de Lisboa, terá con- juízes Paulo Almeida Cunha,
cialmente noturna, que na tinuado nos anos seguintes. Ester dos Santos e Susana
primavera de 2016 se senta- Em novembro de 2017, Carlos Madeira referiram que, após
ram, na mesma mesa, o ad- Gonçalves – apontado pelo ter submetido a peça pro-
vogado, o condenado a nove Ministério Público como lí- cessual através do CITIUS,
anos de prisão efetiva e o pro- der de uma organização cri- o advogado remeteu-a por
curador que o tinha acusado minosa que se dedicava ao email ao magistrado do Mi-
noutro processo. O primeiro tráfico de droga – começou a nistério Público. Um ano an- Ivo Rosa – numa situação em
de alguns encontros que, no cumprir pena e terá voltado à tes, Carlos Gonçalves foi alvo que dois suspeitos falaram
início deste mês, foi forte- carga junto do magistrado do de uma sanção disciplinar no ao telefone sobre a hipótese
mente censurado por um co- Ministério Público. A partir Estabelecimento Prisional de dar mil euros ao juiz para
letivo de juízes do Tribunal da cadeia, o condenado deu de Alcoentre, devido à posse “fazer um trabalhinho” –,
de Sintra, condenando, agora instruções à companheira, de um ferro aguçado: sete também neste caso se está
num processo por suspeitas Célia Gonçalves, para insistir dias de internamento em cela perante “conversas de tercei-
de tráfico de droga, dois dos com Ricardo Alves e Pedro disciplinar. Os advogados do ros”. “Em nenhum momento,
intervenientes por tentativa Baleizão, por forma a con- recluso, entre eles Ricardo o procurador pediu ou disse
de corrupção ativa. sumarem o contacto. Desta Alves, deram entrada com aceitar dinheiro”, referiu a
O motivo do encontro en- vez, o objetivo passaria por uma impugnação judicial da mesma fonte.
tre os três, organizado por encontrar uma maneira de medida, a qual foi notificada A investigação recolheu
Edgar Pires, dono do estabe- libertar Carlos Gonçalves que ao procurador Carlos Figuei- ainda indícios de outros en-
lecimento, segundo relatou à já teria um plano de fuga gi- ra, no Tribunal de Execução contros: um num escritório
Polícia Judiciária o advogado zado, uma vez que lhe foram de Penas. Porém, o magistra- nas Amoreiras e outro no pró-
Ricardo Alves, passaria por apreendidos documentos de do do Ministério Público não prio gabinete do procurador,
obter a colaboração do pro- identificação brasileiros falsos. se pronunciou formalmente no Campus da Justiça, os dois
curador Carlos Figueira para sobre a impugnação, o que, locais em Lisboa. Certo é que
evitar o trânsito em julgado segundo o Tribunal de Sintra, o dono do bar declarou ainda
da condenação a uma pena se deveu ao facto de, nesta ter estado com Carlos Figueira
única de nove anos de cadeia data, terem sido realizadas e Pedro Baleizão a jantar no
por dez crimes de recetação, Juízes afirmaram buscas ao advogado Ricardo restaurante O Pilecas, tam-
sete de falsificação de docu- que mensagens Alves no âmbito do processo bém localizado em Agualva-
mentos e quatro crimes de de Sintra. -Cacém. Pelo meio, a Polícia
burla qualificada. O ambien- do WhatsApp só Contactado pela VISÃO, Judiciária intercetou chama-
te, continuou o advogado, podem ser lidas Carlos Figueira recusou-se a das entre os suspeitos com
ficou um pouco estranho, já
que Carlos Figueira “se des-
com autorização comentar ou a prestar qual-
quer esclarecimento, aguar-
referência a que era necessário
dar “umas amêndoas” ao pro-
culpou a Carlos Gonçalves judicial. Provas dando pela conclusão do pro- curador, enquanto este, numa
por o ter acusado” noutro sobre tráfico cesso no Tribunal da Relação conversa com um segundo
processo com ligação, o que de Lisboa. Entretanto, fon- advogado – que lhe revelou
resultou em condenação. “O de droga foram te judicial recordou que, tal estar a trabalhar na libertação
próprio Carlos ficou cons- anuladas como aconteceu com o juiz de Carlos Gonçalves –, terá
— PO R FI LI PE LU ÍS
D
eputado eleito
ito por Lei- ringonça, e a crispação estava presen-
ria, antigo secretário Tivemos momentos muito tensos.
te. Tivemo
de Estado da Interna- Recordo, p por exemplo, a votação da
cionalização
ão nos dois moção de rejeição ao XX Governo
primeiros governos de Constitucional, o segundo governo de
Constituci
António Costa,
osta, Euri- Passos Coelho,
Co a sensação de eletri-
co Brilhantete Dias, 50 cidade que andava no ar... Atualmen-
anos, é licenciado em Gestão,, doutorado te, existe uuma tensão que é gerada
em Ciências Empresariais e professor alimentada pela extrema-direita
e alimenta
universitário. Exerce atualmente
ente o cargo parlamentar e que tem de ser gerida
parlament
de presidente do Grupo Parlamentar
amentar do com muito cuidado e saber.
PS, na Assembleia da República.
blica. grupos parlamentares que
Os grupo
xperiên-
Que balanço faz da sua experiên- apoiam
p o Governo passam a sen-
cia enquanto líder parlamentar
mentar sação de ““caixa de ressonância”… É
do PS? Quais foram os piores ores leitura injusta?
uma leitu
e os melhores momentos?? autonomia do grupo parlamentar
A autono
Tem sido uma experiência manifestada todas as semanas.
é manife
muito boa. Para quem gostaa Mas nós temos um mandato, e
de política, o Parlamento é esse mandato
ma está assente num
um sítio fantástico. O me- programa eleitoral que foi vota-
program
lhor momento foi aquele pelos portugueses. A maio-
do pelo
em que chumbámos a mo- absoluta é um programa de
ria abs
ção de rejeição ao progra- Governo com base no programa
Govern
ma do Governo, apresenta- eleitoral. Não nos peçam para ter
eleitor
da pelo Chega. Diria que a outro programa, porque isso não
aprovação do Orçamento sentido.
faz se
do Estado também foi Em ttermos comparativos com
um momento central. E, outros partidos mais peque-
outro
para o grupo parlamentar, nos, há
h uma menor produtivi-
foi a apresentação da Lei dade legislativa...
das Ordens. O momento Em número
n de iniciativas
mais difícil foi durante a aprovadas,
aprov o grupo parlamen-
discussão na especialidade tar do
d PS baterá quase todos os
do Orçamento do Estado, outros.
outro Temos uma responsabi-
quando tive de defender lidade:
lidad eu não posso apresentar
uma posição do grupo iniciativas
inicia legislativas que não
parlamentar e todos os sejam aprovadas. Vamos ter o
grupos da oposição esta- debate
deba orçamental dentro de
vam contra. um mês, e o Parlamento vai
Deteta mais crispação analisar
ana umas mil propos-
neste Parlamento? tas de alteração. Muitas serão
Fui deputado no início da Ge- inexequíveis.
inex Naturalmente, os
grupos da oposição querem sinalizar próprios não tenhamos avançado tamente injusta neste caso, porque
as suas propostas políticas. O gru- e não admitíssemos que há formas enganar seria o Governo não ter sido
po parlamentar do PS não só tem a mais inteligentes de ter uma asso- completamente transparente sobre a
responsabilidade de dar seguimento ciação entre o deputado eleito e a forma como vão evoluir as pensões até
às propostas de execução do Governo representação do círculo eleitoral. 2023, e o Governo foi claro: senhores
como a de apresentar projetos de lei e Levantou-se também uma questão pensionistas, as vossas pensões serão
de resolução que façam sentido. que a lei dos metadados (atualmen- integralmente pagas, mais 8% – meta-
Existe algum canal de comunicação te, na especialidade) não vai resolver, de em outubro e o resto até dezembro
especial com o seu homólogo do porque há limites constitucionais e de 2023. A questão que se coloca a
PSD? questões muito pontuais em torno partir daí… 2025, 2026... Entendemos
Tive uma excelente relação com o da lei de enquadramento orçamental que é mais razoável gerar flexibilidade
professor Paulo Mota Pinto, que per- que têm vindo a ser suscitados pela orçamental para 2023 e analisar a for-
mitiu que o arranque desta legislatura quinta comissão e que temos de es- ma como vamos aumentar as pensões
fosse estável. Há muito tempo que tudar com mais cuidado. em 2024. Temos uma inflação muito
não se resolviam tão rapidamente Há algumas vozes, nos pequenos significativa este ano (que se prevê que
alguns problemas que tínhamos em partidos, mais vocais, mais exube- diminua em 2023), quando tivemos
cima da mesa, como a designação de rantes e mais experientes do que anos a dizer que o novo normal era
membros para alguns órgãos em que a sua ou a do seu colega do PSD. É não haver inflação...
PS e PSD têm de se entender; fizemos difícil esse combate tribunício? E o senhor está a dizer que, mesmo
uma lista conjunta para o Conselho Não menosprezem os professores... nesse quadro, os pensionistas foram
de Estado e para a Mesa. Fizemos um Temos muitas horas a falar para pú- aumentados.
trabalho que teve correspondência blicos exigentes. E digo isto também Os pensionistas foram aumentados
na votação final de alguns diplomas em defesa do deputado Miranda acima da fórmula, durante seis anos.
apresentados em julho e continuamos Sarmento. Não menosprezem todas O meu ponto é dizer que, perante esta
a trabalhar noutros documentos agora as horas de aulas que demos junto de anormalidade, o Governo deve estu-
com o professor Miranda Sarmento e um público muito exigente, no ensi- dar muito bem os impactos que isso
com os outros partidos da oposição. no superior. Já temos uns anos disto. tem na sustentabilidade da Segurança
O professor Miranda Sarmento tem Gritar não chega. É preciso explicar, Social, de forma a proteger as pró-
menos experiência do que o deputado e acho que os professores, aí, têm prias pensões. Em janeiro de 2024,
Paulo Mota Pinto, mas naturalmente uma vantagem: somos treinados e ninguém vai receber menos nominal-
que temos de perceber que PS e PSD temos experiência a explicar. mente do que em dezembro de 2023.
têm mais de quatro quintos dos de- Então, vamos ver se consegui- Não consigo perceber onde está o
putados desta Assembleia. mos ter uma explicação sua para engano.
O PS veria como útil uma revisão esta polémica com duas versões Se a regra da aplicação automática
constitucional? completamente diferentes sobre a do cálculo fosse cumprida, os pen-
Estamos em período de revisão questão dos pensionistas. Afinal, sionistas teriam aumentos na casa
ordinária, mas devo dizer que não estão a ser enganados ou não? dos 7%, e o aumento para 2024 seria
excluímos à partida um processo de A intenção de enganar é manifes- nessa base. Só depois da discussão
revisão constitucional que resolva al- que se gerou é que o Governo veio
gumas questões. Não vou ocultar que falar da sustentabilidade do sistema.
esse processo, entre o fim da última Está a ser um bocadinho injusto com
legislatura e o início desta, está muito o senhor primeiro-ministro, porque
marcado por algumas iniciativas do ele não terá dito “sustentabilidade da
partido de extrema-direita parlamen- Segurança Social”, mas falou de futu-
tar, o que não é seguramente a melhor ro. O Governo, quando antecipa e vai
forma de abordar a questão. Mas buscar dinheiro à margem orçamental
também há outras matérias em que para dar esta meia pensão – e eu não
o PS tem tido posições muito claras, gosto da expressão “dar” –, antecipa o
nomeadamente quanto à revisão do combate aos efeitos da inflação.
sistema eleitoral, e em que o PSD tem Neste pacote, não existem medidas
tido posições diferentes. Portanto, a fiscais dignas desse nome...
abertura de uma revisão constitucio-
nal pode resolver algumas questões…
Não excluímos um Estamos numa emergência e tínha-
mos de responder a uma realidade
Nessa área, da lei eleitoral? processo de revisão concreta e não a um elemento estru-
Precisaria da evolução da posição de tural, porque isso não faz sentido num
alguns partidos, particularmente do constitucional que quadro de volatilidade. Nos combus-
PSD. O PS continua a considerar que
a redução do número de deputados resolva algumas tíveis, não podemos viver o resto da
vida sem uma taxa de carbono. As
não é necessariamente útil para ter
um sistema eleitoral mais equilibrado,
questões. Melhorar medidas devem ser conjunturais, e te-
mos depois um Orçamento do Estado
por questões de representativida-
de e de proporcionalidade de alguns
a lei eleitoral pode a discutir onde, no quadro fiscal, tere-
mos de incluir questões sobre o IRS. O
territórios. Não significa isto que nós ser uma delas Governo respondeu bem. visao@visao.pt
Realizadora de sonhos
Determinação
Grandes carros
a alta velocidade
nas estradas
portuguesas,
Sofia Noronha quis ser atriz, mas encantou-se pelos um feito conseguido
bastidores do mundo do espetáculo. Agora, do portefólio pela produtora
portuguesa Sofia
da produtora de séries e filmes internacionais fazem Noronha para a saga
parte House of the Dragon e Velocidade Furiosa Velocidade Furiosa
H
á dois anos que So- trânsito, a autoestrada que simples, como as dos filmes
fia Noronha anda liga Viseu a Chaves, durante o de Clint Eastwood.
a carregar as ma- mês de julho, com explosões Nascida em Lisboa, Sofia
las. O esforço dos e helicópteros a sobrevoá-la, estava longe de imaginar o
últimos meses de trabalho foi sem dúvida a tarefa mais seu percurso nos bastidores
levou-a à exaustão. Aos 30 difícil de sempre. Implicou, das câmaras, apesar de a veia
anos, e grávida de seis meses, por exemplo, ser insultada artística sempre ter sobres-
prevê abrandar o ritmo no ao fazer o pedido formal às saído, sobretudo quando ela e
outono. “Cada projeto é uma autoridades competentes, os mais de 30 primos, nas fé-
paulada”, desabafa. A produ- escrever cartas ao Governo e rias de verão, representavam
tora de séries e filmes inter- sofrer muito stresse. as peças de teatro escritas a
nacionais esteve envolvida em Nada a que Sofia Noro- preceito pela avó, Lourdes de
duas megaproduções norte- nha não esteja habituada. Em Noronha e Andrade. Ao avô,
-americanas, cujas filmagens Monsanto, já tinham tentado que lhe chamava Sagesse (em
passaram por Portugal. dissuadi-la de pedir apoio à francês, significa sabedoria),
Em outubro de 2021, foi Força Aérea, mas, determina- prestou-lhe homenagem, ao
preciso montar uma espé- da, insistiu e teve um avião e batizar a sua empresa de Sa-
cie de operação militar para um piloto disponíveis duran- gesse Productions, no verão
House of the Dragon, a pre- te cinco dias. de 2020, quando a pandemia
quela d’A Guerra dos Tronos, lhe trocou as voltas e a obri-
tomar conta da aldeia históri- LIBRA A LIBRA gou a vir para Portugal, indo
ca de Monsanto, em Idanha- Como só adormece a ver te- morar novamente com os
-a-Nova. A missão, levada a levisão, mesmo trabalhando pais, um pintor e uma pro-
cabo por mil profissionais, no meio audiovisual, Sofia fessora. Quem é...
dos quais 600 estavam a seu Noronha não se cansa de ver Aos 15 anos, decidida a ser
cargo, incluía montar todo o com olho clínico o que anda atriz, ingressou na escola do Sofia Noronha
equipamento necessário no a ser produzido e, ultima- TEC – Teatro Experimental 30 anos
castelo, desde catering, casas mente, prefere séries sobre de Cascais. Era uma “beti- Nasceu em Lisboa
de banho, camarins... “Temos histórias reais, como We- nha”, diferente dos outros Estudou no TEC –
de ser altamente organizados Crashed, The Dropout ou jovens. Ali, aprendeu o mé- Teatro Experimental
e estruturados. E saber o que Inventing Anna. No cinema, todo Stanislavski de repre- de Cascais, London
cada um está a fazer, quando, nada como uma narrativa sentação, em que tinha de ir School of Dramatic Art
como e porquê.” buscar as suas mais íntimas e University of the Arts
Logo a seguir, integrou emoções para criar, e gostou London
a ficha técnica de Fast X, o de representar tragédia grega Morou no Reino Unido
10º filme da saga Velocidade Sofia Noronha e As Criadas, de Jean Genet. (Londres), Espanha
Furiosa, que só estreará em
2023. Mas há um ano que a
“vende” Portugal Aos 18 anos, a mais nova
de quatro irmãs mudou-se
(Cáceres, Tenerife),
EUA (Los Angeles,
produtora estava envolvida como um local para Inglaterra, ingressando Connecticut, Nova
no projeto que quis recriar passível de recriar na London School of Dra- Iorque)
em Portugal ambientes tro- matic Art. Para aprender a Séries e filmes
picais e de praia, como os do ambientes que falar inglês fluentemente, produzidos: Fátima;
Rio de Janeiro. vão das favelas trabalhou em casa de uma fa- The Unholy; The
Durante as cinco a seis
semanas de rodagem, não
brasileiras à mília como ama das crianças,
serviu no Nando’s, cadeia de
Covenant; A Town
Called Malice; The
bastou arranjar um carro para sofisticação de restauração internacional de Thief, His Wife and
explodir, tinha de ser o bólide Paris, passando frango assado, trabalhou no The Canoe; In From
certo para dar piruetas no ar bar do teatro Lyric Hammer- the Cold; House of the
e explodir com muito impac- pelos cenários smith, e todo o dinheiro que Dragon; Velocidade
to. Conseguir fechar a A24 ao medievais recebia à semana era para pa- Furiosa X
gar o curso. “Foi pago com o continuou a trabalhar como de países menos seguros, dores portugueses, os que
meu suor. Das oito da manhã assistente em pequenas pro- favelas brasileiras, cenários partilham a mesma visão de
às seis da tarde tinha aulas. dutoras. medievais, aldeias abandona- crescimento, mas, quando a
Depois, ia de bicicleta para Para o projeto final do das, casas coloniais e cidades procura excede a oferta, tem
o bar, trabalhar até às três curso, idealizou Once in europeias, como Paris. de ir a Espanha ou à Ale-
da manhã. Era assim todos Fado, um espetáculo imer- Na Stopline, produtora de manha buscar equipamento.
os dias.” sivo, apresentado no Village Leonel Vieira, abriu o depar- Outra das dores de cabe-
Quando conheceu um Underground de Londres, tamento internacional para ça é conseguir harmonizar
agente que a levou a Angel, o em que o espectador cir- vender as séries de ficção os sistemas de fiscalidade e
bairro hipster londrino das culava por um cenário que portuguesas ao mercado es- contabilidade de países como
artes emergentes e com uma recriava as típicas ruas da trangeiro. “É preciso vender EUA ou Reino Unido com a
forte onda criativa, ali co- velha Alfama e as casas de Portugal como um país pro- burocracia portuguesa.
meçou a sua companhia de fado – produção que apare- dutor de conteúdo”, avisa. A crescer ao ritmo cer-
teatro. Depois de representar ceu em notícias da BBC e da Daí que queira tornar-se uma to, devagar, a Sagesse Pro-
as peças online, incluindo Time Out. produtora criativa, encon- ductions preferiu amealhar
novamente As Criadas, teve trar os guiões certos para menos com a prequela d’A
encenadores a dizerem-lhe INÍCIO ABENÇOADO produzir, criando conteúdos Guerra dos Tronos – uma
que queriam trabalhar com Em 2016, Sofia começou a interessantes para apresentar estratégia para voltar a filmar
ela como atriz. “Não é o di- trabalhar como produtora às plataformas de streaming, a segunda temporada por
nheiro; se te mexeres, chegas internacional no filme Fá- “sempre mantendo a identi- terras lusas.
lá”, garante. tima, de Marco Pontecorvo, dade nacional do conteúdo e Na calha, para 2023, Sofia
Nessa altura, já estava des- com Harvey Keitel e Sónia do trabalho”. tem cinco projetos: dois bri-
lumbrada com a produção Braga. Passou a ir aos grandes Em 2019, assentou arraiais tânicos e três norte-america-
das suas peças: tratar do ce- festivais de cinema mundiais, em Los Angeles, e foi bater nos (um deles independente,
nário, da música, da luz, pôr como Cannes, Berlim ou To- à porta da Netflix, HBO ou sobre uma história portugue-
o show de pé. Seguiu-se o ronto, vender Portugal como Amazon para dar a conhecer sa). Resta saber para onde se
curso de produção televisiva um “secret spot” original e Portugal. vai mudar, agora com o pri-
e cinema na University of com imenso potencial, pas- Sofia Noronha tenta sem- meiro filho, Oliver, também
the Arts London, enquanto sível de recriar ambientes pre trabalhar com fornece- na bagagem. scalheiros@visao.pt
MARCOS BORGA
Contagem final para de uma escola para um futuro
melhor e mais sustentável. Te-
mos a preocupação de acolher
U
do Trabalho, Miguel Fontes,
m primeiro encontro máticas do universo ESG, um e gosta de fazer”, disse Luís Vei- conta com vários oradores con-
informal entre orga- acrónimo criado em 2004 pelo ga Martins, chief sustainability vidados, como António Pires
nizadores e promo- United Nations Environment officer da Nova SBE. de Lima, presidente do BCSD
tores da conferência Programme, que significa En- Promovida pelo novoban- Portugal e CEO da Brisa; Peter
ESG Talks – Reconstruir o Fu- vironmental, Social and Go- co, a conferência tem como Grassman, global ESG leader
turo serviu de rampa de lança- vernance (ambiente, social e parceiros estratégicos a Nova na PwC; Luís Laginha de Sousa,
mento para o evento, que vai governança corporativa) e que SBE e a consultora PwC Por- administrador do Banco de Por-
acontecer no dia 22 de setem- traça um conjunto de padrões tugal e, como media partners, tugal; Rui Miguel Nabeiro, CEO
bro, nas instalações da Nova orientadores para o compor- as revistas VISÃO e EXAME, do do Grupo Delta; João Bento,
SBE, em Carcavelos. tamento de uma empresa so- Grupo Trust In News. CEO dos CTT; Cláudia Louren-
Esta será a primeira de um cialmente consciente. “É uma parceria que faz ço, CEO da Procter & Gamble;
ciclo de conferências que irão “Este evento tem tudo que todo o sentido. Está muito ali- Ana Casaca, head of Innovation
aprofundar algumas das te- ver com aquilo que a escola faz nhada com a visão que temos, da GALP; Isabel Ucha, presiden-
Marcelo no Brasil
José
Carlos de
1
Vasconcelos As despudoradas, ética e politica- mento”. Ora, o que se passou ultrapassou
mente criminosas apropriação e as piores previsões e, na circunstância,
manipulação das comemorações de Marcelo não fez nem disse nada do que
7 de Setembro por Jair Bolsonaro, devia, antes declarou o que se viu. Lamen-
para a propaganda eleitoral da sua tável.
(re)candidatura à presidência do Brasil, Felizmente, na sessão no Congresso – a
já eram previsíveis, estavam até “anun- que Bolsonaro, por razões óbvias, à última
ciadas”, mas ultrapassaram tudo o que se hora não foi, e a única a que Marcelo devia
podia imaginar. E foi triste, foi-me mesmo ter ido –, o Presidente português inter-
doloroso, durante o habitual desfile militar veio, foi o último a falar, a sua interven-
em Brasília, ver o Presidente de Portugal ção foi muito boa, aplaudida de pé por
ao lado de quem envergonha o seu país e congressistas e numerosos convidados. A
— Fundador da VISÃO
sequestra a democracia. sua parte mais apelativa, e até vibrante, foi
A situação assumiu foros de impensável aquela em que repetiu, atualizou e ampliou
escândalo quando Marcelo foi tempora- o famoso discurso de António José de Al-
riamente “substituído” no seu lugar por meida (referido na minha última crónica),
uma figura de papagaio desplumado, fato quando há 100 anos foi ao Brasil agrade-
todo verde-vivo e gravata amarela: Lucia- cer-lhe ter-se tornado independente. E
no Hang, multimilionário financiador da nem se esqueceu, por exemplo, de lembrar
campanha de Bolsonaro, a ser investigado José Aparecido de Oliveira. As televisões
criminalmente como um dos elementos do portuguesas, algumas delas pelo menos,
grupo que foi descoberto no WhatsApp a bem podiam ou deviam ter transmitido
À MARGEM discutir um possível golpe de Estado, caso essa intervenção, o que julgo que nenhuma
Lula vença as eleições... fez.
Quando no texto ao lado
falo do que penso dever
Saído Hang, Marcelo continuou no seu Enfim, e em síntese, para lá da lamentá-
ser o comportamento lugar ao lado de Bolsonaro. E ambos foram vel posição, e/ou falta de posição, de Mar-
das oposições nas fotografados tendo em baixo uma bandei- celo face ao que ocorreu em Brasília, a sua
atuais circunstâncias, ra do Brasil, com slogans da campanha do participação nas comemorações do bicen-
considero, do mesmo candidato no seu círculo central. Findo o tenário foi positiva. E, do ponto de vista
passo, que isso desfile, o Presidente brasileiro desceu da das eleições de 2 de outubro, não creio que
pressupõe e exige tribuna e fez um comício à sua maneira e tenha beneficiado Bolsonaro. Pelo contrá-
o Governo apresentar ao seu nível. Com referências à “prince- rio – porque mais milhões de brasileiros
com transparência, sa”, sua mulher, “mulher de Deus”, e a si tenderão a comparar os dois Presidentes e
bem explicado, o próprio e à sua virilidade: chamando-se isso só pode desfavorecer o “imbrochável”.
que se propõe fazer “imbrochável”, o que repetiu cinco vezes e 2. Este ano político, para usar a perio-
ou faz – sem ocultar “puxou para coro” dos apoiantes. “Imbro- dização dos anos letivos, de 2022-2023
ou manipular nada, chável” não vem no dicionário, mas quer mostra-se ainda mais cheio de problemas
mormente elementos dizer “uma pessoa que não brocha, que e de incógnitas do que os anteriores: finda
importantes para as não perde a potência sexual”... a pandemia, persistem muitos dos seus
tomadas de decisão. Ouvido sobre esta “cerimónia” – a que efeitos e, mais relevante, temos a guerra
E por falar do Governo, os próprios presidentes do Senado, da Câ- da Ucrânia em pleno e suas consequências
duas notas: mara dos Deputados e do Supremo Tribu- progressivamente mais graves, sobretudo
1) penso que devia
nal não compareceram –, apesar de tudo para a Europa – entre elas uma inflação
ser aplicada a tal taxa
o que se passou, Marcelo disse apenas como há muito não existia, a excecional
extraordinária aos
lucros de empresas
que não tinha sentido “desconforto”. Há subida das taxas de juro do BCE e, no seu
beneficiárias da atual duas semanas admiti aqui ser defensável, seguimento, da Euribor.
situação; se não inevitável, a presença do Presiden- Nestas circunstâncias, creio não fazer
2) na hora da sua saída, te de Portugal nas cerimónias no Brasil. sentido, e nem lhes trazer dividendos po-
uma palavra de especial Acrescentei, porém, ser “absolutamente líticos, os partidos da oposição se encar-
apreço para Marta indispensável que denuncie qualquer ins- niçarem numa luta contra o Governo, em
Temido – é uma enorme trumentalização dessa presença em favor vez de exercerem uma efetiva vigilância
injustiça esquecer ou de Bolsonaro (...), que faça declarações e/ crítica e apresentarem alternativas sérias,
desvalorizar o que fez ou tenha gestos, tome atitudes, que desde factíveis, às suas propostas ou decisões.
durante a pandemia. logo impossibilitem qualquer aproveita- visao@visao.pt
Bolhão renovado
Quatro anos depois, reabre o mercado mais
emblemático do Porto. As memórias e as
novidades de um dos lugares mais importantes
para a identidade da cidade
7 ---------- S A I R
M
Gerações O Paparico e Cervejarias Brasão, gerida pelo
No renovado Mercado chefe de cozinha Rui Martins), o Madureira’s
do Bolhão, juntam-
(dedicado à francesinha) ou o Real Bolhão
-se comerciantes de
antigamente, como a (de sushi), além de um de peixe e marisco e
peixeira Maria Alice outro vegetariano. O setor da restauração, no
Ferreira (ao lado, à entanto, só ficará pronto dentro de algumas
direita), com filhos e semanas. Também no exterior, abrirão gra-
netos de vendedores, dualmente as 38 lojas – 26 são de inquilinos
caso de Ermelinda
Leitão, da Queijaria do anteriores, em que se inclui a centenária Casa
Bolhão (à esquerda) Hortícola, que vende sementes desde 1921. A
Maria Alice empreitada deu ao Bolhão uma nova arruma-
Ferreira, 72 anos, está ansiosa por voltar à ção e também duas novas praças: a da Formosa
nova banca no renovado Mercado do Bolhão, (na entrada principal, pela Rua Formosa), para
nesta quinta, 15, onde vende peixe desde os onde foi deslocada a fonte que se encontrava
17. “Ó minha joia, estou mortinha. Já tenho a meio e onde foram colocadas duas barracas
meia trouxa arranjada”, diz-nos, sorridente, históricas como “garante da memória”, e a do
apesar de as varizes nas pernas a impedirem Metro, situada junto à escadaria e com entrada
de se mover com ligeireza. No encerramento direta para a estação (uma acessibilidade até
do Mercado Temporário do Bolhão (no último então inexistente). Mas há mais: uma rua inte-
sábado, 10), que, durante os últimos quatro rior (suspensa) que liga as ruas Sá da Bandeira
anos, acolheu, do outro lado da rua, os comer- e Alexandre Braga (passam a ser seis as portas
ciantes históricos do edifício de 1914, Maria de entrada no mercado), dez elevadores (não
Alice e os outros vendedores tentam escoar existia nenhum) e uma grande cave logística
os produtos que podem para regressar ao a partir da Rua do Ateneu Comercial do Por-
Bolhão de sempre, agora de cara lavada, com to, que obrigou ao desvio da linha de água
melhores condições e uma nova arrumação. a dez metros de profundidade – o edifício
Todo o mercado de frescos ficará instalado foi construído num terreno com um regato
no terraço, numa modulação estruturada por que, ao atravessar um lameiro, formava uma
setores e ruas, como se de artérias da cidade enorme bolha de água ou “um bolhão”. Com
se tratasse: da Alegria, da Vitória, da Graciosa, a modernização do edifício, definiu-se tam-
da Saudade... No piso superior ficarão os três bém o licenciamento de produtos para venda
restaurantes que transitam de antigamente: (4 500) divididos em 22 categorias. Esta será,
Café D. Gina, Nelson dos Leitões e O Pintai- pois, uma nova etapa para o monumento de
nho 36, ao lado dos novos e temáticos, como interesse público nascido em plena I Guerra
– sabe a VISÃO Se7e – o Culto do Bacalhau Mundial, que assistiu à História do último
(nova marca dedicada ao bacalhau do grupo de século, casou famílias de comerciantes e ali
50
cávamos cansados”, lembra a peixeira Maria
Alice. “Chegava de elétrico de manhãzinha,
MILHÕES DE EUROS numa altura em que as galinhas entravam
85
redes sociais devido a uns “piropos” dados a
Anthony Bourdain, quando o chefe britânico
COMERCIANTES visitou o mercado para gravar um episódio da
HISTÓRICOS série Viagem ao Desconhecido. Nas últimas
Antigos vendedores do décadas, não houve quem não tivesse entrado terial, arquitetónico e histórico no sentido do
mercado de frescos, no Bolhão – chefes de cozinha, atores, joga- edificado, e o imaterial, que é o valor do uso,
restaurantes e lojas, que dores, escritores, mas sobretudo políticos, da atividade e das pessoas”. Era necessário
regressam ao mercado cativados por uma imagem que parecia ter “atualizar a função de mercado” sem esque-
parado no tempo (nos últimos anos, a de- cer, porém, “a matriz identitária do edifício”,
79
cadência do edifício e das bancas transfor- construído no início do século passado pelo
madas em barracas era mais do que visível) arquiteto António Correia da Silva, mas cujas
BANCAS e pela certeza de que era ali que se poderia origens remontam a 1837, com a construção
Negócios de peixe, carne, conquistar eleitores ou atrair os holofotes. de uma praça retangular. “Reintegrar ao má-
legumes, frutas, flores, ximo os materiais existentes” foi outra das
queijos, pão e bolos (56 “RECUPERAR A IDENTIDADE PERDIDA” preocupações. “Tudo o que foi possível foi
históricos e 23 novos) Quando Nuno Valentim começou a desenhar reaproveitado: paredes, lajes, coberturas de
o projeto para o restauro e modernização do madeira… A reposição das montras originais
10
Mercado do Bolhão, obra iniciada a 15 de maio em ferro fundido foi um dos grandes traba-
de 2018 pela Câmara Municipal do Porto, o lhos”, salienta. Com a obra, tornou-se fun-
RESTAURANTES arquiteto natural do Porto sabia que o maior damental “recuperar a identidade perdida”,
Três históricos e sete desafio seria “a ponderação das decisões face aponta Nuno Valentim. Por exemplo, devolver
novos e temáticos aos dois maiores valores ali presentes: o ma- a cobertura original de ardósia (a existente era
38
LOJAS
Situadas no exterior,
à volta do edifício (26
históricas e 12 novas)
5 630 m2
COBERTURA
Com a estrutura
reforçada em madeira,
foi revestida com soletos
de ardósia
8 555 m2
FACHADA
O cinzento foi
substituído pelo ocre,
a cor original de 1914,
que reproduzia o granito
portuense exposto
ao sol
“O Bolhão é um símbolo
da vida mercantil e da
identidade da cidade”,
considera o jornalista
e historiador Germano Silva
15 SETEMBRO 2022 VISÃO 93
7 ---------- S A I R
Rostos Paula Silva (à esquerda) é
a cicerone da Frutaria do Bolhão;
Nuno Fernandes (à direita) é o
relações-públicas do Café D. Gina,
criado pela mãe há 29 anos
Cinco
curiosidades
históricas
1. Génese
A 1 janeiro de 1837, é
construída uma praça
retangular pelo arquiteto
Joaquim da Costa
Lima Júnior, com o
comércio tradicional
na parte exterior e o
espontâneo no interior.
Dois anos depois, são
ali concentrados todos
os mercados da cidade,
exceto os da Ribeira e
do Anjo.
2. Edifício
Obra do arquiteto
António Correia da
Silva (contemporâneo
de Marques da Silva),
de 20 de maio de 1914.
As primeiras lojas vão Era necessário “atualizar cafés históricos Majestic e Guarany.
a concurso um ano
depois.
a função do mercado” sem O renovado Bolhão promete cruzar antigas
e novas gerações de comerciantes. A Queijaria
esquecer “a matriz identitária do Bolhão, por exemplo, passará a ter Erme-
3. Feiras do edifício”, salienta linda Leitão, 21 anos, a ajudar no negócio do
O mercado acolheu a pai e que nasceu com os avós. A jovem que-
Feira dos Passarinhos o arquiteto Nuno Valentim ria ter sido maquilhadora, mas rendeu-se à
(domingos de manhã) venda de queijos nacionais (Rabaçal, Azeitão
e a Feira dos Moços ou Serra da Estrela, “o que mais se vende”) e
e das Moças (em abril regresso ao Bolhão. “Estou ansiosa. O meu es- ao crescimento do turismo.
e setembro), quando paço está bonito, com melhores condições para No Café D. Gina, um dos históricos que
os donos das quintas trabalhar. O que mais me cativa é falar com os transitarão para o novo mercado (assim que
contratavam homens e clientes. Tenho muitos certos, que conquistei as obras dos restaurantes terminem), Nuno
mulheres para a lavoura. neste mercado (no temporário) e que vão con- Fernandes, 34 anos, é o cicerone da casa que
tinuar a ir ao novo. E viva o Bolhão!”, atira, em a mãe, Virgínia Silva, abriu vai para 29 anos.
4. Dias cheios voz alta. Já na centenária Salsicharia Leandro “Desde os cinco que para aqui venho. Sou nas-
As terças e os – de onde saem as salsichas e linguiças frescas cido na Ribeira, mas criado no Bolhão. O café
sábados eram de para muitas das casas de francesinha da cidade tem dois pilares: o meu atendimento e a comida
maior abundância de e para os cachorrinhos do Gazela –, fazem-se da minha mãe”, diz, enquanto aconchega o es-
produtos, com o pão e contas com fita métrica para ver como se há tômago dos clientes com iguarias tradicionais
a regueifa tradicional de arrumar mesas e máquinas de cortar na portuguesas: iscas, tripas à moda do Porto,
trazidos de Valongo, e as nova banca. “Tem menos espaço, vamos ter arroz malandrinho de grelos, de feijão-verme-
hortícolas dos campos de nos ajeitar”, lamenta-se Brilhantina Fer- lho, de legumes ou ervilhas… Tudo feito com
de Gondomar, Póvoa de reira, 64 anos, mulher do dono, Vítor Ferreira. ingredientes comprados no mercado. Todos
Varzim e arredores. Mais adiante, também Maria da Conceição, anseiam que o Bolhão, mais do que reabilitado
67 anos, conhecida como a Maria do Álvaro e modernizado, continue a ser feito de pessoas,
5. Festas (em homenagem ao pai, que vendia batatas e cores, cheiros, pregões (alguns picantes, pois!)
As comemorações cebolas), deseja voltar ao Bolhão (de onde saiu e sons. Como os que saem da banca do amola-
da Páscoa (o padre a chorar há quatro anos), para encher a banca dor André Fernandes, 34 anos, enquanto afia
levava o compasso ao de legumes. “Aí é que vou ver como ela fica!”, as facas no negócio que herdou do pai e vai na
Bolhão na Segunda- diz. A partir de agora, terá a nora a ajudar no terceira geração. Os quatro anos de duração
feira Pascal), do São negócio de hortícolas, criado pela sexagenária das obras do Bolhão foram aproveitados para
João (em junho) e um desde “que se andava com os carretos [cestos] evoluir. “Registei a minha marca e, agora, além
concurso anual de à cabeça”. Certo é que os seus legumes e ervas de afiar e consertar tesouras, facas e alicates,
beleza (Miss Bolhão) aromáticas, oriundos dos agricultores da Póvoa também faço facas e navalhas artesanais”, con-
são apontados como de Varzim e de Sarzedo, Vila Nova de Gaia, ta-nos, satisfeito, a olhar para um futuro que
grandes acontecimentos. conquistaram clientes fiéis, como hotéis ou os ainda agora começou. falves@visao.pt
sic.pt/vamosviverjuntos
7 ---------- CO O R D E N A DAS
Fora
—— Restaurante
te na bateria.
Segue-se o
CLÁSSICOS DOS quarteto do
CAFÉS LISBOETAS ista Tomás
saxofonista
Depois da Sala de Marques (sexta)
Corte, eleita a 50.ª e o músico André
Melhor Steakhouse do Fernandes (sábado).
Mundo, pelo World’s Um dos momentos
Best Steak Restaurants, altos acontece no
e da abertura neste domingo com a
verão do restaurante atuação do Mário
Pica-Pau, no Príncipe Laginha Trio (Laginha,
Real, em Lisboa, o Bernardo Moreira e
chefe Luís Gaspar Alexandre Frazão).
volta a dar que falar. Os bilhetes custam
PEPE BRIX No novíssimo Brilhante €15 ou €51 (quatro
(R. da Moeda, 1), no concertos).
Cais do Sodré, o chefe
—— Bienal
O que há galeria Underdogs,
em Lisboa. Na área
servirá pratos clássicos
dos cafés lisboetas, —— Arqueologia
ARTES E OFÍCIOS
de novo A primeira edição
principal inaugura
Getting Up, a primeira
inspirados nas
brasseries francesas, VISITAS AO PASSADO
ou ficar
começa nesta terça, arroz de lavagante. House de Arqueologia,
20, estendendo-se até no espaço Cápsula, organizada pelo Museu
25 de setembro, em estarão trabalhos do de Lisboa – Teatro
em casa vários locais de Oeiras.
Sob o selo Temporada
artista visual alemão
The Art of Rage, que
—— Música Romano. Durante
dois dias, e pela
Visitas Cruzada Portugal – tem vindo a explorar JAZZ AO ANOITECER primeira vez, casas
França 2022, contará os comboios como Desta quinta, 15, particulares, lojas,
pioneiras
com uma programação elemento urbano de a domingo, 18, os hotéis e museus em
a lugares diversificada, em que se eleição, e se apresenta finais de tarde são Lisboa abrem-se para
com vestígios destaca uma mostra com pela primeira vez em dedicados ao jazz no contar a sua história.
arqueológicos, mais de 30 expositores Portugal com a mostra relvado do Parque e Destacam-se as visitas
um ciclo representantes dos Distortion, integrada no Palácio de Monserrate, aos fornos do século
ofícios nas várias regiões Festival de Fotografia em Sintra. O ciclo Jazz XIX, no Hotel Memmo
de jazz ou a do País, como cestaria, Contemporânea em Monserrate tem Alfama (sábado e
primeira bienal têxteis e couro, no IMAGO Lisboa, início com Afonso Pais domingo 11h30 e
de artes Mercado Municipal, com uma súmula acompanhado por um 15h), os vestígios
e ofícios entre workshops de mais de 25 anos trio de vozes em coro romanos, islâmicos e
e masterclasses. A de intervenções no e a secção rítmica com do século XVIII numa
destacar ainda uma espaço público. Para João Hasselberg, no casa particular (sáb
conferência internacional ver até 22 de outubro. baixo, e João Pereira, 15h30, dom 11h) ou as
com especialistas dos bancadas do Teatro
EUA, Suíça, Alemanha, Romano (sáb 12h, dom
Itália, França e Portugal, 16h30). Tudo grátis,
no Auditório Municipal mediante inscrição
Eunice Muñoz (dias 21 prévia.
e 22).
—— Festival
—— Exposição
VINHO E MÚSICA
UNDERDOGS X 2
CHRIS COSTA
Em Lamego, Cambres,
Nesta sexta, 16, há neste fim de semana,
duas estreias na 17 e 18, o Douro &
DIANA TINOCO
e Sons do Douro de conversa, a música
(domingo). Com clássica serve de
curadoria do chefe de ponto de partida para
cozinha Miguel Castro se falar de outras
e Silva, haverá live artes, questões atuais descobrir a diferença concertos de figuras —— Livro
cooking, degustações e intemporais ou do que ele próprio pode de renome dos dois
e palestras com, que está a acontecer ter na rebelião. lados do Atlântico. CURIOSIDADES
entre outros, António à nossa volta, sempre DA ALTA-COZINHA
Loureiro, Marlene com um objetivo: —— Rádio No novo livro Chef
Vieira, Tiago Bonito “Sermos melhores —— Podcast Sem Reservas:
e Dirk Niepoort. Pelo a ouvir”, deseja o BRASIL E PORTUGAL Segundo Prato, que
recinto encontrará food maestro. A harpista AO OUVIDO “A MULHER DA CASA chega às livrarias
trucks e pequenas Angélica Salvi e o No ano do ABANDONADA” nesta quarta, 21, o
wine houses com prova acordeonista João Bicentenário da O género true crime jornalista e escritor
de vinhos da região Barradas serão outros Independência do fez furor no advento Nelson Marques volta
duriense. Bilhetes entre convidados. Brasil, a primeira do universo dos a relatar, em tom
€30 e €100. emissão da nova rádio podcasts e aquilo que intimista, histórias
GALÁXIA STAR WARS digital Brasil 200, prova este A Mulher curiosas do mundo
A nova série original iniciativa da Antena 1, da Casa Abandonada, da alta-cozinha. Por
—— Filme da Lucasfilm, Andor, vai para o ar a 26 de investigação do exemplo, sabia que
estreia-se em setembro, às 11h. Ao jornalista e guionista Ricardo Costa, chefe
O MISTÉRIO BANKSY exclusivo no Disney longo de 24 horas por Chico Felitti, lançado do The Yeatman,
O documentário + na próxima quarta, dia, serão transmitidos pelo jornal Folha de tinha o sonho de
Banksy – Procura-se!, 21, com a exibição conteúdos que São Paulo, e com ser futebolista
de Aurélia Rouviere e de três dos 12 refletem a ligação uma avalanche de profissional? Neste
Seamus Haley, sobre episódios da primeira entre Portugal e downloads desde o volume, com prefácio
o mais misterioso temporada. Nesta o Brasil através primeiro episódio, é de César Mourão,
artista urbano, é o prequela do filme Star de programas de que se mantém bem vamos encontrar
filme do mês da Zero Wars: Rogue One, a assinatura e do de saúde. O podcast confissões e lições
em Comportamento. história acompanha as espólio das estações narra a rocambolesca de vida de 12 dos
Das cinco sessões em aventuras e a vida do de rádio do grupo história de Margarida mais bem-sucedidos
exibição em Lisboa, espião Cassian Andor, RTP, como entrevistas, Bonetti, habitante cozinheiros nacionais,
ainda há três a que interpretado pelo ator reportagens ou excêntrica de uma caso de Marlene Vieira,
se pode assistir (€4, mexicano Diego Luna, casa abandonada num Alexandre Silva ou
bilhete): no Auditório nos primeiros dias bairro rico de São Henrique Sá Pessoa,
Carlos Paredes (dia da rebelião contra Paulo, que se diz e internacionais,
22), na Biblioteca de o Império. A ação chamar Mari e é, na como os espanhóis
Alcântara (24 set), e passa-se cinco anos verdade, uma foragida Joan Roca ou Eneko
uma especial seguida antes e explora uma do FBI, acusada Atxa, detentores de
de debate com a artista nova perspetiva de ter escravizado três Estrelas Michelin,
urbana Tamara Alves, da galáxia de Star uma empregada nos numa sucessão
na Biblioteca de Marvila Wars e a jornada de Estados Unidos de curiosidades
(23 set). Cassian Andor para durante 20 anos. suculentas.
LISBOA
É
mostrar o álbum de estreia por
bastante prolífica a obra de ferente. “Uma celebração da música, este país fora, no verão, o trio
João Gil, enquanto membro da vida e da palavra, que pretende composto por Ivo Costa, Quim
de projetos tão diferentes ser muito mais do que um simples Albergaria e Riot regressa a
como conhecidos, entre eles concerto, juntando artes plásticas, casa para fazer a festa num
Trovante, Ala dos Namorados e Rio música e alguma conversa, ao longo palco mais pequeno, que
Grande ou ainda, mais recentemen- de uma viagem pelas minhas canções, os três bateristas tão bem
te, Filarmónica Gil, Cabeças no Ar, as mais conhecidas mas também conhecem, em mais uma
Baile Popular, Tais Quais e Quinteto algumas menos óbvias”, explicou na sessão do Bailou. Na primeira
Lisboa. Foi com base neste imenso altura à VISÃO. O mesmo conceito vez, foram mais de quatro
repertório que, em meados do ano será agora transposto para o Coli- horas de dança e libertação,
passado, o músico e compositor se seu dos Recreios, com a presença de uma fasquia que o grupo
lançou à estrada com o projeto Caixa alguns amigos (Jorge Palma, Miguel pretende superar, com a
de Luz, inspirado numa obra da mu- Araújo e Frankie Chavez), mas desta promessa de novos temas e a
lher, a artista plástica Ana Mesquita, feita com a novidade de incluir os te- habitual presença de um naipe
igualmente autora da cenografia do mas do novo álbum 46 JG 22, editado de convidados de luxo, ainda
espetáculo, iniciado nos cinco dias de em abril e no qual, pela primeira vez, por revelar.
residência artística no Capitólio, mas João Gil dá voz às suas canções.
depois também replicado na Casa da — Miguel Judas Estúdio Time Out > Mercado da
Música e no Teatro Municipal da Co- Ribeira, Av. 24 de Julho, Lisboa >
T. 21 395 1274 > 16 set, sex, 22h
vilhã (de onde é originário). Em cada Coliseu dos Recreios > R. das Portas de > €15
dia, João Gil contou em palco com a Santo Antão, 96, Lisboa > T. 21 324 0580 >
companhia de um amigo sempre di- 17 set, sáb, 21h30 > €20 a €40
MAIA
Boas
companhias
Jorge Palma, Miguel Maia Blues Fest
Araújo e Frankie
Chavez juntam-
-se a João Gil Já na quarta edição, o Maia
neste concerto de Blues Fest volta a apresentar
celebração a diversidade desse estilo
musical. Na primeira noite,
sexta, 16, além do português
Vítor Bacalhau, sobe ao palco
o norte-americano Archie Lee
Hooker (sobrinho do lendário
John Lee Hooker); no sábado,
17, o estatuto de cabeça de
cartaz cabe aos Budda Power
Blues & Maria João, que serão
antecedidos pelos espanhóis
Wax & Boogie. No domingo,
18, às 16h30, a banda Nico
Drums & Blues encerra o
festival.
LISBOA
Que Grande
Estrondo
LUCÍLIA MONTEIRO
outubro, no Teatro Luís
de Camões, em Lisboa. O
espetáculo tem por base
a projeção, em tempo real,
de desenhos, figuras de
cartão e marionetas de
PORTO papel, trabalhadas a partir
de luz e sombras coloridas.
Maria Antónia Leite Siza: Tudo isto é projetado e
acompanhado por música, da
50 anos depois responsabilidade de Philippe
Lenzini, numa interpretação
Seguir a intimidade de João Fazenda e Bruno
Humberto. Dirigida ao público
infantil, esta peça tem como
Na Biblioteca de Serralves cruzam-se os mundos protagonistas o Pato Elias e
doméstico e onírico da artista, a partir de 100 obras o Dinossauro Rex que, depois
inéditas, doadas por Siza Vieira de colidirem, com grande
estrondo, trocam de voz. “É
uma história sobre empatia,
H
sobre colocarmo-nos no
á fotografias de família, desequilíbrios”, diz Siza Vieira, durante lugar de outra pessoa, nos
excertos de cartas, alguns uma visita à exposição, “e isso é uma ‘sapatos do outro’, como
postais enviados a amigos, e qualidade de poucos, como Picasso, se dizia, e aprender a olhar
experiências de linogravura, por exemplo”. para o mundo com outros
intensas e cruas. À entrada, quase tudo Na exposição 50 Anos Depois, que olhos”, adianta o ilustrador. A
é a preto e branco, alinhado em dois ní- percorre uma década – os anos 60, do acompanhar o espetáculo, até
veis, nesta exposição dedicada a Maria século passado –, adota-se a biografia 30 de setembro, há também
Antónia Leite Siza (1940-1973), acabada como fio condutor, e organizam-se os uma exposição que inclui seis
de inaugurar na Biblioteca de Serralves. desenhos em oito sequências. Ao seu caixas de luz, em teatros de
É a celebração duma vida breve, a partir lado, encontra-se ainda uma série de papel, cartão, acetato e cor.
de 100 desenhos doados pelo seu ma- fragmentos de cartas, reproduzidos na — R.M.
rido, o arquiteto Siza Vieira (na foto), parede. Entre eles, podemos ler: “Bem,
de uma figura “talentosa e enigmática”, isto já chega e sobra para fazer brotar Teatro Luís de Camões >
com um extenso e inesperado trabalho toda uma selva literária, cheia das mais Calçada da Ajuda, 80, Lisboa
> T. 21 593 9107 > 17-18; 24-25
ainda pouco conhecido. belas tradições.” Choupina quis, assim, set – 1-3 out, 16h30 > €3 até 18
Com esta doação “amplia-se a visão “dar voz à própria” artista e revelar anos > €7 mais de 18 anos
sobre a artista”, tornando-a “mais eclé- intimidades de Tótó, como era carinho-
tica, mais madura, mais abrangente, e samente tratada pela família. Há ainda
com diferentes perspetivas”, resume o uma série de linogravuras, bordados,
curador Miguel Choupina, que passou uma placa de linóleo e dois retratos (de
meses a ver este legado de persona- Laura Soutinho, amiga de longa data de
gens inquietantes ou contorcidas, com Maria Antónia, e de uma modelo). Mi-
o enfoque em figuras femininas, que guel Choupina fala de “32 anos de vida,
cruzam o universo doméstico e onírico que parecem curtos, mas foram anos
da artista. Maria Antónia desenhava “de fabulosos”. — Susana Silva Oliveira
forma espontânea, muito rápida, e a
composição é sempre impecável; ocupa Museu de Serralves > R. D. João de Castro,
210, Porto > T. 22 615 6500 > seg-sex
a página com uma segurança total, sem 10h-19h, sáb-dom 10h-20h > grátis
LISBOA PORTO
“
Inførma, o português Marco
Estás a ver o lixo todo que eu Mais de dois terços do espetáculo da Silva Ferreira procura o
tenho aqui guardado?” Luís são, na prática, um monólogo do ator significado que a dança tem
isolou-se numa casa de campo Pedro Lamares, ao telemóvel. “A per- no contexto social e como
porque está farto do mundo e sonagem está a falar com alguém que contribui para uma identida-
das pessoas. Acumulou muito lixo na não sabemos quem é, e não sabemos de coletiva; já em Emaphaka-
cabeça. Marco, um amigo com quem o que é dito do outro lado; é algo que thini, o franco-senegalês
não falava há dez anos, telefona-lhe. já foi feito pelo [Jean] Cocteau em A Amala Dianor inspira-se
Luís aproveita para vociferar, chaman- Voz Humana”, explica Tiago Correia, nas histórias e personali-
do-lhe egoísta que só dá sinais de vida referindo-se à clássica peça-monólogo dades dos oito intérpretes,
quando precisa. “Queres mesmo falar que mostra uma mulher ao telefone revolvendo as intersecções
do passado?”, diz a certa altura, de com o amante que a deixou. Neste entre as danças tradicionais
telemóvel encostado ao ouvido, para caso, há uma terceira personagem, que e urbanas. — J.L.
Marco, personagem ausente. “Falar do testemunha toda a chamada. “O lado
passado é falar do início do fim.” confessional de uma personagem ao Teatro Municipal Rivoli > Pç. D.
Esta é uma de duas grandes linhas telefone tem, aqui, uma face dupla: João I, Porto > T. 22 339 2201
> 16-17 set, sex 21h30, sáb 19h
narrativas existentes no mais recente não sabemos o que é que está a ser > €12
texto dramatúrgico de Tiago Correia. intencionalmente dito para quem está
A partir de dado momento, aperce- do outro lado e o que está a ser dito
bemo-nos de que deambulamos por para a pessoa que está presente, a as-
entre estas forças motoras: a relação do sistir àquele telefonema.” O papel dos
protagonista com Marco e com Leonor, espectadores não tem como não ser
a rapariga que se encontra com Luís na ativo. O desenrolar da história obri-
sua casa de campo. É no facto de ne- ga-nos a que nos reposicionemos por
nhuma dessas duas relações se assumir diversas vezes perante as personagens
como tronco primordial da história que à nossa frente. — Cláudia Marques Santos
reside a energia desta peça, estreada em
Vila Nova de Gaia (na programação do São Luiz Teatro Municipal > Rua António
FITEI, em 2021) e que chega agora ao Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640
São Luiz, em Lisboa, depois dos rea- > 21 set a 2 out > qua a sáb 19h30, dom 16h
gendamentos forçados pela pandemia. > €12
Q
um especialista em cultura e
ualquer semelhança com a lógico, o filme mostra a falência ética política africanas, possuindo
realidade é pura coincidência. do homem em situações extremas. uma das maiores bibliotecas
Basta dizer que o filme foi Esses soldados tornam-se os mais particulares sobre temas
rodado anos antes do início temerosos inimigos do seu próprio africanos. Enquanto Daniela,
da guerra na Ucrânia (embora o con- povo. Semetka, com o olhar vago, per- a sua filha, de 12 anos, tem
flito no Donbass já existisse) e a ação dido no cumprimento de um dever, é uma visão contemporânea e
decorre quase há oito décadas. Mas fica uma luz vaga de humanidade no meio prosaica do mundo, alheada
a ideia de que todas as guerras provo- de um caos moral. A sua aparente apa- daquilo que o pai quer
cam situações extremas e uma reor- tia é uma autodefesa que não evita o transmitir-lhe.
ganização social num contexto dado a descalabro. A graça está precisamente
excessos e à falência moral, sobretudo Partindo de um romance de Pál nessa relação, no humor
em territórios ocupados ou reconquis- Závada, escritor ainda não traduzi- espontâneo, voluntário e
tados, em que o inimigo pode ser o do para português (nem para inglês), involuntário. Daniel fala
vizinho do lado ou o colega de escola. o filme é também um objeto estético de elementos essenciais
Luz Natural, filme de estreia do deslumbrante. Parece clara a inspira- da História, em tom de
húngaro Dénes Nagy, que ganhou o ção no grande mestre do cinema hún- testamento ideológico e
Urso de Prata no Festival de Berlim, garo Bela Tárr. Aliás, o próprio título estimulando o espírito crítico
em 2021, passa-se na Segunda Guerra do filme põe em evidência a linguagem da filha, enquanto Daniela,
Mundial e tem a coragem de expor estética em detrimento da narrativa. numa postura típica de pré-
feridas abertas da Hungria. O país, Há um cuidado extremo com a luz, adolescente, mostra algum
ocupado pelos nazis, ajudou a Ale- captando a beleza natural da floresta, enfado e desconhecimento,
manha no combate à União Soviética. quase como se se tratasse de um qua- ao mesmo tempo que levanta
Semetka, um camponês transformado dro do romantismo, um movimento questões. Pelo caminho, no
em comandante de um batalhão, tem a contemplativo de quem procura a encontro geracional, vão-se
missão de patrulhar o terreno em bus- poesia no meio do caos. tocando pontos essenciais
ca de bolsas de partisans, que apoiam — Manuel Halpern da construção das nossas
a resistência. sociedades e da herança
Mais do que uma guerra de tiros e De Dénes Nagy, com Ferenc Szabó, László colonial. — M.H.
canhões ou um posicionamento ideo- Bajkó, Tamás Garbacz, Gyula Franczia > 104 min
De Sofia Pinto Coelho,
documentário > 71 minutos
D.R.
“AS ESTATÍSTICAS
DESUMANIZAM, A LITERATURA
FAZ O CONTRÁRIO”
Mantém, na literatura, a mesma curiosidade e o mesmo olhar
que formou no jornalismo. Procura histórias que possam tocar
os leitores, quer pelas emoções que transportam, quer pela
proximidade que têm com o dia a dia. No seu novo romance,
Olho da Rua, faz o retrato do mundo do trabalho dominado
pelos instintos mais animalescos
— PO R LU ÍS RI CARD O D UAR T E
D.R.
por outros, é a da nova solidão. A pandemia
apanhou-nos já num ponto de solidão bas-
dias que envolvem sentimentos semelhantes. Burnout Olho na Rua tante acentuado, criado por várias razões,
A estatística cria distância. A história dá a ver começou com a incluindo a da ditadura do trabalho. A so-
e apela à ação. notícia da morte de lidão da pandemia foi assentar nesta, com
uma publicitária que
O seu primeiro romance, Quando Perdes se atirou da janela implicações que ainda hoje desconhecemos.
Tudo Não Tens Pressa de Ir a Lado Ne- da agência onde O que será da saúde mental das crianças?
nhum, já abordava temas fortemente so- trabalhava O que será dos seus afetos?
ciais, como a guarda das crianças. Ainda é o Há, neste romance, um forte retrato social.
olhar da jornalista que conduz a escritora? É uma crónica dos costumes contempo-
Diz-se que nunca se deixa de ser jornalista, râneos?
mesmo depois de abandonar a profissão. Essa vontade é muito clara. E também a trago
Sempre quis escrever histórias, desde peque- do jornalismo e de algumas crónicas que aí
na, mas percebi rapidamente que seria muito fui escrevendo. Gosto de captar a forma como
difícil fazê-lo. Daí que tenha procurado, ainda as pessoas falam, de plasmar os diálogos que
jovem, formas de ganhar dinheiro com a es- me parecem representativos de figuras-tipos
crita. Foi assim que fui parar ao jornalismo. específicas. É por isso que as personagens não
Sou vítima – no bom sentido – da profissão falam todas da mesma maneira ou através de
que escolhi por não poder ter a profissão uma linguagem muito cuidada. Quero que
que sonhei. E, com o jornalismo, reforcei sejam reais.
ainda mais a minha curiosidade pelo mundo. Esse retrato contemporâneo passa mui-
O nome de uma rua ou uma notícia que me to pela oralidade e por expressões bem
intriga – tudo apela à minha vontade de saber portuguesas, desde logo a do título do
mais e à minha imaginação. romance, Olho da Rua.
Neste romance, os funcionários de uma Ainda Desconheço se as outras línguas têm uma
empresa vão ser despedidos à japonesa. pertenço a profusão tão grande de provérbios e ex-
Perdi horas na internet, mas não encontrei pressões populares, mas os portugueses são
este método sádico... uma geração extraordinários. Alguns são repetidos até à
[Risos] É porque não existe. É uma inven- que viu a exaustão, porque são capazes de resumir o
ção, um despedimento à big brother. Mas ascensão que nos acontece no dia a dia. E, em muitos
tem qualquer coisa de real, na medida em casos, espelham uma certa sabedoria cen-
que muitas vezes a vítima – neste caso, os social através tenária que o nosso país tem, para o bem e
possíveis despedidos – é que fica com a cul- da formação para o mal. Podemos ser passivos, mas não
pa. Neste despedimento à japonesa, é ainda somos tontos.
mais perverso: são os funcionários que têm académica Recorrendo ainda às comparações com
de escolher quem será despedido. e do trabalho. animais que faz no romance, qual a melhor
É uma denúncia pelo absurdo?
Sim. Todas as personagens são exageradas
Trabalhar imagem de um escritor?
Não é fácil [risos]. Talvez uma girafa. Está
por isso mesmo. E também porque assumem muitas horas sempre a ver o que os outros não conseguem.
características de animais. São exageradas era bem-visto. Apesar de ter os pés na terra, a sua altura
porque fogem à esfera do humano, para o seu faz com que pareça sempre sozinha. Se não
lado animalesco sobressair. Como na selva, O resto vinha estiver lá outra girafa, sente-se abandonada.
a luta pela sobrevivência traz tudo ao de cima. depois rduarte@trustinnews.pt
NETFLIX
Santo
Uma certa espiritualidade
A atriz portuguesa Victoria Guerra está cada vez mais
internacional. A série coproduzida por Espanha
e Brasil, um thriller policial, é o novo desafio
Papel principal
Nesta série de
oito episódios,
a atriz portuguesa
Victoria Guerra
(na foto, em cima,
à esquerda)
ganha sotaque
brasileiro
MANOLO PAVON
A
ligação a um culto ancestral como o para a Netflix, e de ter encabeçado o elenco
candomblé, religião afro-brasileira de Auga Seca (2020), coprodução luso-galega
originária de ritos tradicionais africa- no catálogo da RTP e da HBO, nesta série de
nos, não é imediata. Santo assume-se, oito episódios a atriz de 33 anos ganha sotaque
em primeiro lugar, como um thriller policial, brasileiro. Bárbara Azevedo é uma jovem de
em que dois polícias, um brasileiro e um es- origem portuguesa que abandonou o curso de
panhol, unem esforços para capturar o trafi- Medicina, em Madrid, para viajar para o Brasil,
cante mais procurado do mundo. Só depois o à procura de uma nova vida.
que parece estar em segundo plano – as vidas Ninguém viu o rosto de Santo, nem mes-
familiares a misturarem-se com o dia a dia po- mo a amante Bárbara, mas são conhecidas as
licial – ganha destaque. suas marcas sanguinárias: decapitar as pessoas,
Ao contrário de outras séries com narrativas retirar-lhes o cérebro, além de fazer cortes nas
sobre o tráfico de droga, Santo centra-se menos pálpebras. Ernesto Cardona, o polícia interpre-
no negócio ilegal e mais nas relações e conflitos tado por Bruno Gagliasso, uma cara conhecida
entre as pessoas, sendo que não estão bem defi- das telenovelas brasileiras, vai infiltrar-se na
nidos heróis e vilões. organização do Santo, mas consegue fugir de
Nesta que é a primeira coprodução entre o uma emboscada policial que desconhece a sua
Brasil e a Espanha para a Netflix, com argumen- identidade. Passam seis meses e Ernesto é des-
to de Carlos López (El Príncipe) e realização de coberto num esgoto em Madrid, sem se lembrar
Vicente Amorim e Gonzalo López-Gallego, a de como entrou em Espanha com um passa-
“nossa” Victoria Guerra desempenha o principal porte falso. Daí em diante, são precisas várias
papel feminino. respostas. — Sónia Calheiros
Depois de ter sido uma espiã em Glória
(2021), a estreia da ficção nacional original Estreia 16 set, sex > 8 episódios
LISBOA
ONDE JOGAR
Game Over
O novo jogo deste escape room é dedicado ao saudoso Para os fãs
parque de diversões, encerrado em 2003. d’ A Guerra dos
Aqui não há carrinhos de choque nem montanha- Tronos, o Game
-russa, mas existem muitos desafios para decifrar Over apresenta o
seu mais recente
jogo, War of
D
Thrones, inspirado
os espelhos mágicos às maçãs doces provar se devem pertencer a um grupo restrito. na série norte-
caramelizadas, dos patinhos de borra- “A ideia é que seja difícil, mas não impossível. -americana. A
cha aos sons, tudo na nova sala de fuga Este jogo, ao contrário dos outros, não é se- ideia é encontrar
da Escape Hunt Lisboa, inaugurada no quencial”, frisa Marta Pereira Duarte. Tudo do o pergaminho
início deste mês, na Baixa lisboeta, lembra a sau- que os intervenientes precisam para resolver o antigo em que se
dosa Feira Popular de Lisboa em Entrecampos, enigma está dentro sala. Na verdade, não é ne- fala da arma que
encerrada há 19 anos. cessário ter memória para decifrá-los. É o caso vence o inverno e
A missão é trazer a memória deste parque dos amigos com que nos cruzamos (nasceram evita que os White
de diversões que, durante décadas, encantou em 2004, um ano após o encerramento da Fei- Walkers dominem
gerações de famílias, através de desafios e de ra Popular de Lisboa). “Não era nascido nessa o mundo.
enigmas que devem ser decifrados, em gru- altura, e conseguimos sair da sala em 59 mi-
po (idealmente de cinco) e no máximo de 60 nutos e 20 segundos”, diz, orgulhoso, Vicente R. de O Século, 4B,
Lisboa > T. 92 687
minutos, e cuja resposta permitirá “sair da sala”. Freitas, repetente nestas aventuras em escape 1858
Neste caso, há que encontrar o elemento-chave rooms. Quando questionado sobre o grau de
para ligar novamente a feira, fica a dica. dificuldade, responde sem hesitar: “Das três Incerto
“É o jogo mais desafiante, difícil e com a salas, esta é a mais difícil de todas.” Por agora, Experiences
maior componente tecnológica que temos”, apenas cerca de 30% dos visitantes conseguem São três as
explica Marta Pereira Duarte, 33 anos, gestora resolver o mistério, já o recorde fica pelos 42 experiências que
do projeto do Escape Hunt, criado em 2015, minutos. O desafio está lançado. — Sandra Pinto este escape room,
que disponibiliza mais duas salas: a do Misté- em Sintra, sugere
rio de Fernando Pessoa, dedicada às paixões do R. dos Douradores, 13, Lisboa > T. 92 414 9160 > seg-qui, aos jogadores,
poeta (astronomia e astrologia); e a Sociedade dom 10h-20h, sex-sáb 10h-21h30 > €55 (2 pessoas), como é o caso
Secreta, onde os jogadores têm uma hora para €60 (3 pessoas), €70 (4 pessoas), €80 (5 pessoas) d’ A Casa de
Plástico, ideal
para os mais
corajosos.
Safarka
Acabada de se
estrear, a nova
sala Expedition,
composta de
quatro minissalas,
de 15 minutos,
tem como
missão recrutar
novos membros
para ajudarem
a procurar a
Atlântida.
R. Coelho da Rocha,
35, Lisboa > T. 91
867 3349, 21 887
MARCOS BORGA
0282
POR
Manuel
Gonçalves
da Silva
comer&beber@visao.pt
Varietal
ou vinho de lote?
O Jampal é uma raridade, o estreme
Touriga-Nacional no Alentejo,
uma inevitabilidade, e o vinho de
lote Proibido no Douro, uma ironia
S
ão muito interessantes os vinhos que
apresentamos, um dos quais inédito, com
origem numa casta portuguesa ignorada e,
pelo que se vê, com muito para dar; outro,
também varietal, de uma casta que, ao contrá-
rio da anterior, anda nas bocas do mundo e que DONA FÁTIMA RAVASQUEIRA PROIBIDO
surge, aqui, com perfil alentejano bem desenhado: JAMPAL TOURIGA- À CAPELA
Touriga-Nacional. Já o terceiro é vinho de lote à REGIONAL -NACIONAL DOC DOURO
boa maneira tradicional, com origem no Douro e LISBOA REGIONAL TINTO
o cunho de um enólogo desassossegado e amigo BRANCO ALENTEJANO 2020
das castas autóctones, das vinhas antigas e da in- 2021 TINTO
tervenção mínima, tanto na vinha como na adega. 2021 Elaborado com
Diz o produtor ManzWine, de Cheleiros, na re- Exclusivamente 90% de uvas
gião de Lisboa, que o Dona Fátima 2021 é o “único de uvas da casta Cem por cento tintas e 10% de
branco do mundo produzido a partir de uvas da Jampal, com Touriga-Nacional brancas das vinhas
quase extinta casta Jampal”. Também é fruto da fermentação com estágio do Douro Superior,
paixão de André Manz por essa casta votada ao em inox e estágio parcial de seis uma das quais
abandono, não por falta de qualidade mas por ser em barricas de meses em com mais de 50
de trato difícil: baixa produtividade e sensível ao carvalho-francês. barricas. Cor de anos. Desengace
desavinho, míldio e oídio. Decidiu recuperá-la Bela cor amarelo- rubi, profunda, à mão, pisa a
com a colaboração do enólogo Ricardo Noronha. -citrina, aroma com laivos pé, fermentação
A casta Touriga-Nacional está presente em fino e complexo violeta, aroma espontânea,
todas as regiões, do Algarve ao Minho, mas toda com notas de elegante com trasfego a
a gente sabe que o seu berço se reparte entre o frutos cítricos, notas de frutos cântaro, estágio
Dão e o Douro. Depois migrou para sul, Alente- especiarias, leve pretos, caruma de dez meses e
jo incluído, e, hoje em dia, também aí dá origem tosta, alguma e sugestões de engarrafamento
a belíssimos vinhos. Na Ravasqueira, chegou especiaria flores silvestres, sem filtração nem
a hora da Touriga-Nacional “com o perfil que e delicado paladar cheio estabilização.
pretendíamos e que dará enorme prazer à mesa”, apontamento e equilibrado, Intervenção
segundo os enólogos David Baverstock e Vasco floral, paladar com taninos mínima, portanto.
Rosa Santos. Vem, pois, em boa hora o Ravas- elegante com bem presentes, Cor bordeaux,
queira Touriga-Nacional 2021. bom corpo, acidez boa acidez, fruta aroma marcado
Proibido e Permitido são edições limitadas firme, textura madura e final pela fruta
do enólogo e produtor Márcio Lopes, no Douro. cremosa e grande muito fresco. vermelha, paladar
Adepto da intervenção mínima, para que frescura. À medida dos elegante, fresco,
“a transformação das uvas em vinho seja o mais bons petiscos e leve, grácil,
natural possível”, apresenta o Proibido como pa- €20 pratos de carne. irreverente. Numa
radigma, seja nas edições limitadas Clarete, Ma- palavra: cativante
rufo e À Capela seja nas edições especiais Grande €10
Reserva, Vinha Velha do Pombal e Vintage. €19,50
PORTO
Cozinha
“Juntamos
ingredientes
da época e
trabalhamos sem
inventar muito”,
diz o chefe
de cozinha do
Mind The Glass,
Henrique Ferreira
LUCÍLIA MONTEIRO
D
e olhos voltados para a Praça Gomes indicadas para partilhar, reinam as batatas cam-
Ferreira, que os portuenses chamam ponesas, com queijo e trufa-branca (€4), a salada
“dos Leões”, apresenta-se este elegante de tomate-coração-de-boi, laranja e coentros
bistrô que também é garrafeira e bar. (€5), o presunto de pato, curado na casa, com
Aberto em meados de maio, o Mind The Glass, mirtilos e verdes marinados (€14), e a seleção de
do grupo GLD, detentor de marcas ligadas a vi- queijos e enchidos nacionais (€19). Nos pratos
nhos e a outras bebidas, mostra-se agora numa principais, a alegrar o palato, conte-se com o
versão informal e acessível a todos. Na verdade, arroz malandrinho de enchidos (€11) e o Brás de
este tempo decorrido desde a abertura foi im- bacalhau à nossa moda, finalizado à mesa (€16).
portante, servindo para apurar o resultado. Com Além disso, a ementa não é estática, privilegia
mais de 600 referências, servidas a copo (a partir a sazonalidade dos ingredientes. À sobremesa,
de €2,80), os vinhos surgem como “as estrelas” brilha o pudim abade de Priscos, com pêssego e
da casa. “Estão todos à venda, a preço de garra- hortelã (€5,50). Um festim de cores, texturas e
feira, e podem ser provados”, nota o escanção sabores, a lembrar tempos de infância.
João Lourenço. Atente-se aos cocktails, feitos à A esta abordagem informal juntam-se as
base de bebidas nacionais, como o Cuco’s Nest, happy hours, na esplanada, às terças e quartas-
de Gin Sharish (€10), o Mad Sour, de Medronho -feiras; a música ao vivo, sob a orientação do
MAD e Ginja Mariquinhas (€9), ou o Bailinho da cantor e produtor Kiko Pereira, duas noites por
Madeira, de William Hinton Rum (€8). mês, bem como as wines talks, desenhadas pelo
Da cozinha chega “comida boa, de tacho, para jornalista Mário Augusto. Bons hábitos, de copo
acompanhar as bebidas”, diz Henrique Ferreira, na mão. — Susana Silva Oliveira
o chefe de cozinha. “Pegamos na portugalidade,
juntamos ingredientes da época e trabalhamos Pç. de Gomes Teixeira, 63, Porto > T. 91 309 3932
sem inventar muito”, concretiza. Nas entradas, > ter-sáb 16h-24h
GONCALO F. SANTOS
LISBOA
A
pós duas décadas a ocupar o número portugueses ao longo de vários meses”, explica
122 da Rua Bartolomeu Dias, em Belém, Paulo Duque, responsável pelo design de interio-
a Nunes Real Marisqueira avançou uns res e pela direção criativa, com Miguel Correia que
metros até ao 172. Com esta mudança, assina o projeto de arquitetura.
ganha uma nova casa, agora com cerca de mil Já sentados à mesa, começa o desfile de
metros quadrados, uma decoração imponente e iguarias, primeiro com as gambas brancas do
pratos acabadinhos de criar, além dos já conhe- Algarve (€78/kg), preparadas no ponto certo,
cidos clássicos que também marcam (e bem) a que se seguem os percebes da Carrapatei-
presença. Mas já lá vamos. ra (€150/kg) e o camarão alistado com caviar
“Precisávamos de mudar. A cozinha anterior (€38), uma das novidades da ementa em que os
era demasiado pequena e aqui encaixaram-se as clássicos portugueses continuam a ter destaque,
peças todas. A excelência do nosso produto será mas na qual se presta homenagem a algumas
sempre o mais importante, mas queríamos um das grandes cozinhas do mundo, como a espa-
ambiente que não deixasse ninguém indiferen- nhola. Nas novidades, experimentamos ainda o
te, que fizesse lembrar o fundo do mar e fosse bikini de salmo com caviar (€78), uma espécie
um elogio à art déco, pela sua intemporalidade”, de tosta, e o hot dog de lavagante. Depois, pro-
conta Miguel Nunes, proprietário da Nunes Real vamos o lavagante à basca (€120/kg), com ovo
Marisqueira, juntamente com a mulher, Vanda. estrelado e batata frita, que se mantém há mais
Antes de chegar à mesa, a primeira paragem fa- de uma década na ementa – uma delícia, se nos
z-se na sala-garrafeira, onde espreitamos mais de permitem adjetivar. Além do marisco, há peixe
três centenas de referências de vinho. Fixamos o para grelhar, como pregado, garoupa e cherne,
olhar na estátua de uma sereia, com cerca de 2,50 e algumas opções de carne, como o tradicional
metros, e no aquário com nove metros, que divide bife do lombo (€25), o pica-pau do lombo (€28)
a sala em dois ambientes distintos. “Parti da ideia e a presa ibérica (€22) também. Um verdadeiro
original do Miguel e da Vanda, e desenhei tudo de banquete com sabor a mar. Sandra Pinto
raiz: do chão às colunas, dos frisos aos candeeiros,
incluindo o Neptuno e a Sereia, junto ao aquário, R. Bartolomeu Dias, 172, Lisboa > T. 21 301 9899
peças únicas que foram realizadas por artistas > ter-dom 12h-24h
ERICEIRA
AQUI À VOLTA
R. 5 de Outubro, 19
> T. 96 916 4301
Avó No Avó,
aberto em
outubro de 2019,
José Simplício faz
uma homenagem
PRZEMYSŁAW NIECIECKI
a todas as avós
de mão-cheia. Na
ementa, que vai
mudando, pratos
como cabidela
C
de coelho com
hegar ao entardecer e assistir a um falésia com as madeiras, peles, veludos, entre puré de maçã e
inesperado pôr do sol pode ter sido outros materiais mais nobres, como pedra e peixe da nossa
mera coincidência, ou simplesmen- mármore. “Um dos grandes desafios foi fazer costa com arroz
te sorte, mas ficará na memória. Ali, com que o espaço funcionasse em todas as de camarão e
no alto de uma falésia, a apenas 40 metros estações do ano, e não só no verão”, diz Ala lingueirão.
do mar, longe da confusão, deixamo-nos Zreigat, um dos fundadores do Astet Studio.
encantar com este espetáculo natural. Após o Rodeado por algumas das melhores R. dos Ferreiros, 6
> T. 261 869 341
Sol desaparecer completamente na linha do praias para a prática de surf, o Aethos pre-
horizonte, continuamos a visita pelo novíssi- tende agradar a uma comunidade jovem,
mo hotel Aethos (quatro estrelas superior), na “nómadas que adoram surfar, mas também
Encarnação, bem perto da Ericeira: primei- apreciam um luxo descomplicado”, acres-
ro, na esplanada do restaurante Onda, que centa Ala. Seguindo a filosofia de bem-estar, Ribeira d’Ilhas
convida a tomar um gin ou um dos cocktails a ementa criada pelo chefe Afonso Blaz- Encaixada num
da carta; depois, a espreitar o areal da praia quez, à prova no restaurante Onda, sugere vale entre arribas
da Calada, que se revela aos nossos pés, junto pratos saudáveis, preparados com ingre- altas, esta praia é
ao deck de ioga e meditação. Já ao cair da dientes da época, como cavala curada, puré considerada uma
noite, entramos neste hotel, com 50 quartos de coentros, vinagrete de mostarda; salada das melhores da
e suítes, de diferentes tipologias, direcionado de beldroegas, beterraba e framboesas ou Europa para a
para o bem-estar físico e mental, com vistas uma suculenta tomahawk grelhada no jos- prática de surf.
desafogadas sobre o mar. Lá dentro, ainda per. Entre uma aula de surf, meditação ou Além das boas
cheira a novo. Por isso, não é de estranhar ioga, há ainda que guardar tempo para dar ondas, tem um
que se repare em detalhes por aperfeiçoar. um mergulho na piscina de água salgada restaurante, com
Pensado pelo Astet Studio, reconhecido ga- aquecida, que nos deixou tão maravilhados esplanada, para
binete de arquitetura e design de interiores quanto o pôr do sol. — S.P. petiscar e beber
de Barcelona, e pelo arquiteto português Luís um copo.
Pedra Silva, combina os tons da areia, o azul R. da Estalagem, Encarnação, Ericeira > T. 261 244
intenso do Atlântico e as cores quentes da 510 > a partir de €200
-se um Porto de
Cresceu no Porto, mas é coroada por uma fantástica
natural do Faial, ilha à qual glicínia, que nos protege do
volta sempre, nas férias. sol e perfuma o lugar”, diz.
PALAVRAS CRUZADAS
> > HORI ZON TAIS > > 1. Queridas. Espaço demarcado por fronteiras
geográficas e dotado de soberania própria. // 2. Produzir tinido.
Ausência de guerra, de dissensões. // 3. Planta apiácea, conhecida por
erva-doce. Pôr adornos ou enfeites em (fig.). // 4. Prenúncio de algum
perigo. Que já aconteceu ou passou. // 5. Grão desta planta, usado na
alimentação e no fabrico de bebidas alcoólicas. Irmã dos pais ou dos
avós. // 6. Inflamação da membrana íris. Impregnar de uma substância
oleosa. // 7. Rente, cérceo, rapado, cortado até ao rés de. // 8. Grito de
dor ou de alegria. Terra argilosa, colorida por um óxido de ferro, com a
qual se obtém um pigmento natural. // 9. Asilo ou hospital de leprosos.
Sentimento intenso de raiva ou de indignação resultante de ofensa
ou de injúria. // 10. De que resulta encargo. Órgão excretor que tem
a função de formação da urina. // 11. Cheiro agradável. Campo que
tem cereais semeados. >> VERTICAIS >> 1. Fruto da ateira. Mulher
robusta, com voz e aspeto de homem. // 2. Jazigo de minérios. Que ou
o que nasceu ou mora na arraia (fronteira). // 3. Ser vivo irracional (pl.).
Humor muito amargo, contido numa vesícula aderente ao glóbulo do
fígado. // 4. Eloquente. Argola. // 5. Aragem, vento. Unidade de medida
agrária, equivalente ao decâmetro quadrado. Grande quantidade
de coisas ou pessoas. // 6. Rijeza (fig.). Um par. // 7. Fim do período
de tempo concedido para a execução de alguma coisa. Confusão
dos elementos antes da criação do Universo. // 8. Dupla, parelha.
Interpretar o que está escrito. // 9. Óleo da azeitona. Terreiro.
// 10. Transferir para outra data. Assumir uma expressão alegre.
// 11. Trabalhar de noite. Senhora educada.
SUDOKU QUIZ
— FÁ C I L — PO R PED RO D IAS D E ALM EI DA
// 6. Aço, Dois. // 7. Prazo, Caos. // 8. PAR, LER. // 9. Azeite, Eira. // 10. Adiar, Rir. // 11. Seroar, Dama.
SOLUÇÕES >> VERTICAIS >> 1. Ata, Virago. // 2. Mina, Raiano. // 3. Animais, Fel. // 4. Diserto, Aro. // 5. Ar, Are, Ror.
// 6. Irite, Olear. // 7. Raso. // 8. Ai, Ocre. // 9. Gafaria, Ira. // 10. Oneroso, Rim. // 11. Olor, Seara.
>> HORIZON TAIS >> 1. Amadas, País. // 2. Tinir, Paz. // 3. Anis, Arrear. // 4. Ameaça, Ido. // 5. Arroz, Tia.
AIRFREE
LAMP: A PURIFICAÇÃO ILUMINADA
Diretora: Mafalda Anjos
Mais uma vez a Airfree alia inovação
Diretor-Executivo: Rui Tavares Guedes e design, ao apresentar o seu novo
Subdiretora: Sara Belo Luís modelo Lamp, o Purificador de Ar
Editores-Executivos: Alexandra Correia e Filipe Luís que tem igualmente a função de
Conselheiro Editorial: José Carlos de Vasconcelos
EXAME/Economia: Tiago Freire (diretor) iluminação e que, pela sua forma
Editores: Clara Cardoso (visao.pt) Filipe Fialho (Mundo), Inês Belo (VISÃO Se7e), delicada, valoriza qualquer ambiente
João Carlos Mendes (Grafismo), Manuel Barros Moura (Radar) em que esteja inserido.
e Pedro Dias de Almeida (Cultura)
Redatores Principais e Grandes Repórteres: Carlos Rodrigues Lima,
Com a exclusiva tecnologia de
Cláudia Lobo, José Plácido Júnior, Miguel Carvalho e Rosa Ruela purificação do ar, a TSS - Sistema de
Redação: Carmo Lico (online), Cesaltina Pinto, Clara Soares, Clara Teixeira, Esterilização Termodinâmica, o
Florbela Alves (Coordenadora VISÃO Se7e/Porto), Joana Loureiro, João Amaral Santos,
Luísa Oliveira, Luís Ribeiro (Coordenador Ambiente), Margarida Vaqueiro Lopes,
Lamp esteriliza, no seu núcleo
Mariana Almeida Nogueira, Marta Marques Silva, Nuno Aguiar, Nuno Miguel Ropio, cerâmico, até 99,99% de bactérias,
Paulo C. Santos, Rita Rato Nunes, Rui Antunes, Rui Barroso, Sandra Pinto, vírus, fungos e outros alérgenos do
Sara Rodrigues, Sara Santos, Sílvia Souto Cunha, Sónia Calheiros, Susana Lopes Faustino,
Susana Silva Oliveira e Vânia Maia
ar, prevenindo e aliviando o
Grafismo: Paulo Reis (Editor adjunto), Teresa Sengo (Coordenadora), problema das alergias respiratórias.
Ana Rita Rosa, Edgar Antunes, Filipa Caetano, Hugo Filipe, Patrícia Pereira e Rita Cabral
Infografia: Álvaro Rosendo e Manuela Tomé www.airfree.pt
Fotografia: Fernando Negreira (Coordenador), José Carlos Carvalho,
Lucília Monteiro, Luís Barra e Marcos Borga
Copydesk: Maria João Carvalhas, Rui Carvalho e Teresa Machado
Secretariado: Sofia Vicente (Direção) e Ana Paula Figueiredo
Colunistas: Bernardo Pires de Lima, Pedro Marques Lopes, Pedro Norton,
Pedro Strecht e Joana Marques
Colaboradores Texto: Manuel Gonçalves da Silva, Manuel Halpern, Miguel Judas,
Pedro Dias, Margarida Robalo e Sónia Graça (Revisão)
Ilustração: Susa Monteiro
Redação, Administração e Serviços Comerciais: Rua da Fonte da Caspolima
– Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8
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Joana
Marques Dá-me a tua
— Humorista
camisola
ELEFANTE NA SALA
D
ia de derby, um semelhança da nossa equipa. provável que, arriscando nesse
casal metade A má notícia da jornada é dress code, a coisa corresse
Sporting, meta- que uma criança foi obriga- mal. Mas isto é o mesmo que
de Benfica chega da a despir a camisola do seu dizer que as mulheres que usam
às imediações do clube para poder assistir a um mini-saias, ficando à mercê de
estádio. É garantido que serão jogo, a boa é que descobrimos algum tarado, se estão a pôr a
interpelados pelo repórter de que o secretário de Estado da jeito. No futebol, beneficia-se o
serviço e apontados como caso Juventude e do Desporto está infractor: os tarados continuam
de estudo. “Como é que conse- vivo. Bem-vindo a Portugal, alegremente na bancada, os
guem vir assim, de mãos dadas, dr. João Paulo Correia. Acredi- outros é que têm de mudar de
ver um jogo destes?” A pergun- to que tenha estado emigrado roupa. Atenção que, em condi-
ta é normalmente feita no mes- muito tempo, e em Marte, para ções normais, consideraria que
mo tom com que falavam com não saber que este problema maltratar uma criança é vesti-la
o chimpanzé Gervásio naqueles nas bancadas é já tão tradicional à Benfica. Mas neste caso tenho
anúncios da reciclagem, num como as queijadas. Nem quero de abrir uma excepção. Este
misto de admiração e de “não imaginar o espanto do secretá- episódio patético, do menino
imaginam o perigo que estão a rio de Estado quando descobrir que teve de ver o jogo semi-
correr”. Fomo-nos habituando que, em 2004, se construí- -nu, como se fosse o mendigo
à ideia de que ir ao futebol é ram dez novos estádios! Estar à espera do agasalho do São
perigoso, como se o campeo- equipado à Benfica na bancada Martinho, deve servir-nos de
nato português fosse disputado destinada a adeptos do Famali- lição. Aprendemos com este
no Dumbass. Há regras que, cão parece ser um faux pas tão exemplo que é má ideia serem
não estando escritas, foram grave como ir de fato de treino os pais a levar os miúdos ao
assimiladas por todos, como aos Globos de Ouro. E onde se futebol. Uma mãe, perante este
a de não festejar em bancada lê Benfica e Famalicão pode- cenário, pegava na criança e
alheia. Como se comemorar ria ler-se o nome de qualquer levava-a para casa. O pai pensa:
um golo do nosso clube perto outro clube. Quem faz cumprir “Primeiro, vejo a bola e, no fim
de adeptos rivais fosse uma esta regra alega questões de dos 90 minutos, logo se trata do
má educação tão grande como segurança. E tem razão. É muito escaldão do puto.” visao@visao.pt
arrotar em frente à nossa tia
Lurdes, sendo que a tia Lurdes
nunca reagiria com violência
desproporcionada: no máximo,
um ralhete e um olhar de pro-
funda decepção. Já de vizinhos
de bancada, podemos esperar
tudo. O futebol também é um
jogo de sorte, que não se esgota
no acaso de a bola bater no
poste e entrar; há ainda a sorte
de não calharmos ao lado de
um fanático, que faça com que
também levemos três pontos, à
Em condições normais,
consideraria que maltratar uma
criança é vesti-la à Benfica.
Mas neste caso tenho
de abrir uma excepção JOÃO PAULO CORREIA