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E S C A N D I N ÁV I A E M 1 0 D I A S

VO LTA AO M U N D O

ESTOCOLMO, BERGEN E COPENHAGA. AVENTURA NO REINO DO FRIO


TESOUROS DO PACÍFICO

PAS S E A R
NA FRONTEIRA
Q U E N ÃO E X I ST E
MURALHA DE ADRIANO
ERGUE-SE HÁ 1900 ANOS
E S CA N D I N ÁV I A E M D E Z D I AS

ENTRE INGLATERRA
E ESCÓCIA
MURALHA DE ADRIANO

VIAGEM PELAS
ILHAS DISTANTES

TESOUROS
E PARADISÍACAS
ONDE SE NADA
COM TUBARÕES
OS
DO PACÍFICO
N.º 335 OUTUBRO 2022

ANO 26, MENSAL, PVP CONTINENTE: 5€

N . º 3 3 5 | O U T U B R O 2 0 2 2
V O L T A A O M U N D O . P T
Outubro
O N D E , C O M O, Q UA N D O E P O RQ U Ê . O Q U E T E M OS PA R A PA RT I L H A R N E STA E D I ÇÃO.

14
Travessia
A Muralha de Adriano
era a fronteira entre Roma
e a barbárie. Hoje é um trilho
entre Inglaterra e Escócia
LUÍS OLIVEIRA SANTOS

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 3


Porta de Embarque VM N.º 320
OUTUBRO DE 2022

26
14 76
MURALHA DE ADRIANO
É um muro com 1900 anos
que se celebra este ano naquele
meio da Grã-Bretanha, herança
do poder do Império Romano.
Percorremo-lo a pé, de mochila
às costas, no silêncio da planície.

26
PLANETA VERDE
Chama-se a Árvore da Vida, vive
mais do que qualquer ser do
Planeta, mas está a morrer.
Falamos do baobá, esse colosso
08 africano que nos povoa os
82
46
PLANISFÉRIO sonhos. Proteger os mais jovens TEMA DE CAPA
A nossa forma de viajar pode é o segredo para a sobrevivência O Pacífico é o reino dos mares
estar à beira do fim, pelo menos de uma espécie que serve quase de várias cores, das areias
no que a calendários e destinos para tudo. brancas, dos bichos únicos
diz respeito. As alterações e da mais completa vida marinha.
climáticas estão a transformar 42 Roteiro de viagem e mergulho.
o Mediterrâneo num destino PELA LENTE DE
de inverno e a atirar as férias Pepe Brix, a bordo de um navio 76
de verão para outubro... no mar da Terra Nova. IBIZA E FORMENTERA
Conheça 18 praias que
prometem continuar a receber
46
banhistas outono adentro.

82
ESCANDINÁVIA
Três países em dez dias, com
“uma das mais belas viagens
de comboio do Mundo”.

92
EVASÕES
Subimos à mais impressionante
estrutura geológica da Madeira.

92

4 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


CRUZEIRO NO DOURO
desde por pessoa
em ocupação dupla

3 noites | Pensão Completa com bebidas*


Navio MS Amália Rodrigues
Partida do Porto a 29 dez.’22
€ 699
Porto, Régua, Porto
Preço para a partida indicada em camarote na Ponte Principal B. Inclui Cocktail de boas-vindas + Noite de Gala com jantar/festa Réveillon + acompanhamento de Guia Abreu + Seguro Multiviagens com PVFM.
(*) inclui uma vasta seleção de bebidas às refeições, consulte-nos para mais detalhes.

MADEIRA | FUNCHAL desde por pessoa


em ocupação dupla

Voo + 4 noites | Pequeno-almoço


Dom Pedro Madeira 4*
Partidas de Lisboa a 29 e 30 dez.’22 e do Porto a 28 dez.’22
€ 773
Preço para as partidas indicadas em voo especial direto. Inclui transfers + taxas de aeroporto, segurança e combustível (€ 100) + Seguro Multiviagens com PVFM.

BRASIL | SALVADOR desde por pessoa


em ocupação dupla

Voo + 7 noites | Pequeno-almoço


Vila Galé Salvador 4*
Partida de Lisboa a 27 dez.’22
€ . 1 813
Preço para a partida indicada em voo especial direto. Inclui transfers + taxas de aeroporto, segurança e combustível (€445) + Seguro Multiviagens com PVFM.

Os preços apresentados são de carácter meramente informativo, por pessoa em ocupação dupla e baseados na melhor tarifa dinâmica com disponibilidade e validade à data da sua elaboração, estando sujeitos a confirmação de
disponibilidade e alteração aquando da reserva bem como eventuais suplementos de partida. Excluem despesas de reserva (€ 15 por processo e não por pessoa) | Taxas sujeitas alteração | Lugares limitados | Não acumulável com outras
ofertas/ promoções.
A informação contida neste documento não dispensa a consulta do programa detalhado e condições gerais disponíveis em www.abreu.pt ou nas lojas Abreu.

Viagens Abreu, S.A • Capital Social € 10.500.000 • Sede: Praça da Trindade, 142, 4º • 4000-539 Porto • RNAVT 1702 • NIPC: 500 297 177 • 2022 A sua marca de confiança
EDITORIAL

A FRONTEIRA DE PEDRA
QUE “A RAINHA” NÃO VIA

H
á 1900 anos, Adriano, imperador da Grande Roma, separava o mun-
do civilizado que comandava do mundo da barbárie que julgava
existir fora dos preceitos do Império, já estendido à hoje ilha da Grã-
-Bretanha. A meio dela, na verdade. E traçou uma linha de pedras
e valas, vigias e castelos, entre campos verdejantes que são semelhantes, seja de
que lado se estiver do traçado. Nascia a famosa Muralha de Adriano, que, mais coi-
sa menos coisa, separa hoje a Inglaterra da Escócia, num reino (ainda) unido.
A história recente pode muito bem ter lançado as bases para tornar aquela de novo
uma fronteira real: o Brexit que Edimburgo rejeitou, as ânsias independentistas
que crescem. Com um óbice – o chefe de Estado é (agora) o rei de Inglaterra. Dias
depois de termos desenhado a viagem à muralha que vos trazemos nesta revista,
a rainha despediu-se de um Mundo que praticamente nunca conheceu outra rai-
nha de Inglaterra, tanto que Isabel II será, para sempre, apenas “A Rainha” do
Mundo. E “A Rainha” escolheu morrer em Balmoral, na sua amada Escócia, trans-
formando aquela nação num velório prolongado. Um sinal da brilhante diploma-
ta que era Isabel? Um acaso? A oportunidade para se encontrar uma solução sua-
ve, para que não se rasguem todos os documentos históricos de uma vez? Não sa-
bemos. Sabemos só que, ao contrário de Adriano, Isabel via do lado de lá da mu-
A FA M O S A M U R A L H A D E ralha uma terra de bem. Sua. Viaje connosco e com Luís Oliveira Santos ao longo
A D R I A N O, M A I S C O I SA
desta estranha fronteira. E sonhem.
M E N O S C O I S A , S E PA R A
H O J E A I N G L AT E R R A D A E, depois, embarquem. Para longe, muito longe, para aqueles destinos que são
E S C Ó C I A . E “A R A I N H A” mesmo do domínio onírico por parecerem tão inatingíveis. Falamos do Pacífico
ESCOLHEU MORRER EM e dos mil paraísos que encerra, ilhas de quimera com águas de cinema (algumas,
BA L M O R A L , N A SUA por sinal, ligadas à coroa britânica via Commonwealth) e, a coroar tudo, uma
A M A DA E S C Ó C I A vida marinha irrepetível. Nela, tubarões. Mergulhámos com eles e com os via-
jantes Filipa e Diogo Frias para assistir a paisagens que só descendo ao centro do
mar se consegue ver. Como a que faz capa deste número da sua “Volta ao Mun-
do”, um festival de vida e cores que soa a silêncio absoluto.
Do quente para o frio, a jornalista Inês Cardoso prova-nos como é possível me-
ter três países escandinavos em dez dias e ver huldras, essas criaturas de sonho
(também elas) que povoam os fiordes da Noruega, e hippies autonomizados num
quarteirão de Copenhaga. E do frio para o quente, as praias das Baleares mos-
tram-se, pela pena de Pedro Ivo Carvalho, para férias de verão tardias que pode-
rão passar a ser brevemente o novo normal deste nosso mundo de viagens...

IVETE CARNEIRO
EDITORA

6 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Redação: Rua de Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049 -011 Porto. Tel.: (+351) 222096100

Estatuto editorial disponível em: www.voltaaomundo.pt

Depósito Legal n.º 67 247 / 94. Registado na ERC sob o n.º 118 462

DIRETOR-GERAL EDITORIAL Domingos de Andrade


DIRETOR Pedro Ivo Carvalho
DIRETOR DE ARTE Pedro Pimentel
DIRETOR-ADJUNTO DE ARTE António Moreira

REDAÇÃO Ivete Carneiro (editora)


DESIGN E INFOGRAFIA Pedro Pimentel, António Moreira,
Lorena Morais

COPY DESK Paulo Silva

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Ana Costa, Diogo Frias, Filipa Frias, Inês Cardoso,
José Luís Peixoto, Kátia Catulo, Luís Oliveira Santos, Nuno
Cardoso, Pedro Emanuel Santos, Rute Cruz, Sara Oliveira

EDIÇÃO E TRATAMENTO DE IMAGEM Adelino Meireles (editor) e Pedro Tomé

A CAPA DIRETOR DIGITAL Manuel Molinos

HEAD OF SOCIAL MEDIA Artur Madeira


Mergulho com tubarões nas Fiji.
Fotografia: Diogo Frias / Intrepid Jumpers DIRETOR GERAL COMERCIAL Miguel Simões

DIREÇÃO COMERCIAL Vítor Cunha (diretor comercial Norte)


Pedro Fernandes (diretor comercial Sul)

MARKETING E COMUNICAÇÃO Carla Ascensão

QUATRO COISAS QUE APRENDEMOS David Marques


DIRETOR DE TECNOLOGIAS
C O M E STA E D I ÇÃO E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS Nuno Ramos (diretor), João Pires e José Gonçalves

1| INGLATERRA
O MEIO DO REINO DATA PROTECTION OFFICER António Santos
O centro geográfico da Grã-Bretanha
fica em Haltwhistle, a 466,7 km
Assinaturas: Atendimento a Clientes - dias úteis das 8 horas às 18 horas.
de Portland (sul) e de North Orkney Telefone: 219249999. Custo de chamada de acordo com o tarifário de telecomunicações
(norte) e a 58,7 km de Wallsend (leste) contratado para rede fixa ou rede móvel nacional. E-mail: apoiocliente@voltaaomundo.pt
e Bowness-on-Solway (oeste). Impressão e acabamento: Multiponto, S.A. - Rua da Fábrica, 260 - Baltar - 4585-013 Paredes.
Embalagem, circulação e distribuição porta a porta: Notícias Direct
Distribuição em Portugal: Vasp

2 | PACÍFICO
QUERIDOS TRAIÇOEIROS
Os golfinhos são terríveis enganado-
res que encantam mergulhadores
até os levar para profundezas letais. Editor e proprietário: GLOBAL NOTÍCIAS – MEDIA GROUP, S.A.
Sede: Rua Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049-011 Porto. Tel.: (+351) 222 096 100 Fax: (+351) 222 096 200
Filial: Torres de Lisboa, Rua Tomás da Fonseca, Torre E, 3.º piso, 1600-209 Lisboa. Tel.: (+351) 213 187 500

3| ESPANHA
O MANJAR MAIS SIMPLES
Fax: (+351) 213 187 501
Matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Almada.
Os ovos rotos foram descritos Capital social: 28.571.441,25 euros. NIPC: 502535369
pela primeira vez no século XVIII. Conselho de Administração: Marco Galinha (Presidente), Domingos de Andrade,
Guilherme Pinheiro, António Saraiva, José Pedro Soeiro, Kevin Ho, Phillippe Yip,
Helena Ferro de Gouveia

4 | DINAMARCA
MUNDO À PARTE Secretário-geral: Afonso Camões
Capital social: Páginas Civilizadas, Lda. - 29,75%/ KNJ Global Holdings Limited - 35,25%
A Cidade Livre de Christiania
José Pedro Soeiro - 24,5% / Grandes Notícias, Lda. - 10,5%
vive à revelia das autoridades
de Copenhaga desde 1971.

I NTERDITA A REPRODUÇÃO DE TEXTOS E IMAGENS POR QUAISQUER MEIOS .


VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 Tiragem deste número: 12.100 7
PLANISFÉRIO

MEDITERRÂNEO,
DESTINO DE INVERNO
19 de julho em Coningsby, nord-
este de Inglaterra. O relógio
marca 15.12 horas. O termó-
metro 40.3 ºC. É inédito. Nunca o mercúrio foi
visto a passar a barra das quatro dezenas desde
O clima não está a mudar. O clima já mudou. que a temperatura é monitorizada no Reino
E mudou a nossa forma de vida até nas viagens. Unido. Dias antes, ainda não se chegara aos 40
O verão tornou-se insuportável e perigoso e já a circulação de comboios em linhas da East
em parte da Europa. E obriga-nos a repensar Midlands Railways era suspensa. Motivo: rails
destinos. Países escandinavos, preparem-se sobreaquecidos e risco de descarrilamento.
para a enchente... Por volta da mesma data, o sudoeste de
França debate-se com incêndios de uma
P O R IVETE CARNEIRO violência raramente vista. Grécia, Itália, Es-

8 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


A N G E LO C A R C O N I / E PA

O A N O D E 2 0 2 2 A I N DA
VA I N O A D R O, M A S J Á
PODE SER OLHADO
COMO O PROTÓTIP O
DE UM FUTURO QUE
S E T E M E N ÃO S E R
MUITO LONGÍNQUO

ser a normalidade. Porque a água do mar está fresco é sugado para o interior sobreaque-
a uma temperatura que não devia. Rasou os cido, refrescando a beira-mar, sobretudo
30 graus em Creta. E tem andado por esses de Sesimbra para cima. A Irlanda e a Escó-
níveis, sem arrefecimento noturno que per- cia beneficiam do mesmo Atlântico frio e,
mita arrefecer também o ar. O Mediterrâneo claro, mais a norte, o verão continua a ser
sempre foi quente, ia aos 27 graus em Israel. fresco na Noruega, na Suécia, na Finlândia
Mas nunca como agora. E acima dos 28 graus ou na Islândia. Mas aí o óbice é outro: são
“a probabilidade de ocorrência de tempes- destinos caros que não se comparam ao
tades tropicais aumenta muito”. Mediterrâneo.
Para lá de ser insuportável para o Homem E sair da Europa? “Começa a ser arrisca-
– e há um índice de conforto humano que do.” Por causa das doenças tropicais e dos
associa a temperatura do ar à humidade re- fenómenos extremos cada vez mais fre-
lativa que mede este mal-estar e que aler- quentes. Os destinos tropicais podem mes-
ta para riscos para a saúde – é letal para a mo ter os dias contados e pérolas como Ro-
vida marinha. Pior notícia ainda são os es- ma serem condenadas a fechar no verão...
tudos que concluem que o Mediterrâneo Multiplicam-se os relatos de promotores
vai começar a chegar ao outono com con- de viagens a receber pedidos de cancela-
dições favoráveis ao desenvolvimento des- mentos, adiamentos, ajustamentos e mu-
tas tempestades. Como nas Caraíbas. E isso dança de destino. E os próprios horários do
panha e Portugal também. Em agosto arde a significa, admite o climatologista, que toda turismo podem ser forçados a mudar, ati-
fresca Estrela, enquanto no Mediterrâneo a região se vai tornar muito pouco reco- rando para manhã cedo e final de tarde
uma inesperada tempestade destrói a Cór- mendável nessa altura. Sobrará o inverno qualquer atividade ao ar livre.
sega. “Parece uma tempestade tropical”, para fazer férias nas praias de sonho medi- O ano de 2022 ainda vai no adro, mas já pode
ouve-se dizer num dos vídeos amadores que terrânicas, porque os desportos de neve, ser olhado como o protótipo de um futuro que
mostram a tragédia ao Mundo, com ventos esses, estão cada vez mais ameaçados pela se teme não ser muito longínquo: foi o ano em
a bater os 224 km/hora e vários mortos. fusão dos glaciares... que se começou a cancelar viagens ao Medi-
Não parece, é mesmo, explica à “Volta ao Quanto ao verão, João Santos aponta o terrâneo por causa do calor, o ano em que se
Mundo” o climatologista João Santos, pro- norte da Europa e a costa ocidental do trocou Sevilha por Bilbau e Grécia pela Sué-
fessor na Universidade de Trás-os-Montes e Atlântico Norte. Portugal e a sua costa po- cia, o ano em que se adiou o verão para outu-
Alto Douro, onde integra o Centro de Inves- dem, por enquanto, respirar alguma fres- bro, o ano que, qual estalada bem dada, nos
tigação e Tecnologias Agroambientais e Bio- cura, até por força das mesmas alterações fez sentir na pele suada o quão reais são as al-
lógicas. E a tendência, avisa, é isso passar a climáticas. O oceano continua frio e o ar terações climáticas. Z

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 9


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10 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


A aldeia junto à água
dos fiordes é o mais
marcante numa
paisagem de sonho.
E que se estende
noite dentro: a foto
ao lado foi tirada
às três da manhã
F OTO S : D I R E I TO S R E S E RVA D O S

C A R TA D O L E I T O R

VIAJAR DE TESLA
TEXTO PEDRO MONTEIRO, VILA NOVA DE GAIA

S
e me dissessem em maio de 2019
que eu iria comprar um carro elé-
trico em menos de 60 dias eu res-
ponderia: “Estás doido! Carros
com pouca autonomia, baterias viciadas em
pouco tempo...”
Mas pouco depois fui a um cruzeiro e conhe-
ci um casal que tinha um Tesla e uma das con-
versas abordou a temática dos carros elétricos,
já que o cruzeiro era na Noruega, país líder mun-
dial na mobilidade elétrica. Fiquei teoricamen- no meu canal. Apenas eu e o meu RoadCruiser, Nas paragens para alimentar de eletrões o
te convencido, tendo depois analisado o aspe- tendo dormido algumas noites numa cama pró- meu Tesla, aproveitava para ir ao WC, comer
to prático de ter um automóvel elétrico. Em 15 pria para o veículo. Assistia a um filme ou epi- algo rápido, ver os mails de trabalho (e respon-
dias tomei a decisão e encomendei o Tesla Mo- sódio de uma série na Netflix, já que o ecrã tá- der) e limpar o para-brisas de modo a mantê-lo
del 3 SR+ (agora designado de Model 3). til do Tesla o permite, antes de dormir. limpo para os meus vídeos.
O carro elétrico abriu novas perspetivas e, Em 2021 tomei a decisão de fazer uma via- Chegado à Noruega, parece que entrei nou-
perante a rede de supercarregadores Tesla pela gem de Portugal à Noruega no ano seguinte. tro planeta. É de uma beleza extraordinária, que
Europa fora, aventurei-me logo em outubro de Planeei o percurso, reservei hotéis até à Norue- documentei o melhor que pude no meu canal.
2019 numa viagem à Normandia, registada no ga e cabanas nos fiordes, junto à água. Nas ci- O que mais me marcou foi a visita a Undredal,
canal do YouTube O Meu Tesla (www.youtu- dades de Oslo, Bergen e Kristiansand, fiquei em perto de Flam. É uma aldeia junto à água do fior-
be.com/c/omeutesla), que criei pouco depois hotéis. E optei por não dormir no Tesla: na No- de. A paz, o silêncio, o bater de asas de um pás-
de ter comprado o carro. Percebi logo os novos ruega devemos aproveitar as cabanas que exis- saro que por ali passava enquanto filmava... é
horizontes que se abriam e as experiências e tem nos parques de campismo nos fiordes. algo que nunca esquecerei. Tenho um quadro
vivências que iria ter daqui em diante. Fui à aventura sem ter a certeza daquilo em emoldurado em casa que retrata o momento.
Adoro fazer cruzeiros e agora apaixonei-me que me estava a meter. Seriam milhares de qui- Passear com o Tesla por estradas turísticas,
por “roadtrips” num Tesla. Ficámos insepará- lómetros sozinho pela Europa fora, do país mais estreitas e sinuosas, com temperaturas abaixo
veis. Somos dois: eu e o RoadCruiser. a ocidente ao país mais a norte. Ia sozinho, não dos 10 graus e neve em junho é algo memorá-
Mais roadtrips foram feitas pela Europa fora, sabia se teria a energia para lá chegar, isto no vel. Uma viagem única e a fazer pelo menos
França, Alemanha, Áustria, sempre registadas ano em que completei 50 anos. uma vez na vida! Z

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 11


PASSAGEIRO FREQUENTE

T R Ê S PA Í S E S N U M D I A

N
a Suíça, sempre que precisámos Os quatro, em fila, pedalávamos sem pressa,
de marcar algum encontro, o era esse o ritmo daquele tempo. Imagináva-
Mundo recordou-nos que não mos como seria viver ali, como seria se tivés-
somos suíços. Por estarmos com semos nascido suíços.
os miúdos, por nos perdermos nos transpor- Assim entrámos no parque Lange Erlen.
tes públicos, por estarmos de férias, por en- É difícil não fazer descrições idílicas desses
tendermos mal qualquer indicação, chegá- caminhos. Há que referir a brisa, atravessa-
mos quase sempre atrasados. Às vezes, um va os ramos das árvores, como se limpasse
atraso de minutos, outras vezes de mais tem- todos aqueles tons de verde. Há que referir o
po. Quando começávamos a enumerar des- céu, recortado pelas copas das árvores de um
culpas, o nosso interlocutor perdia todo o in- lado e de outro, os ramos a tocarem-se lá em
teresse. Ou se chega a horas, ou não se che- cima. Em alguns momentos, precisámos de
ga a horas. Nesse dia, tentámos ao máximo, parar apenas para a ouvir os sons, para obser-
mal nos penteámos, atirámos o que precisá- var a paz daquele lugar, aquela Suíça perfei-
vamos para dentro de um saco, não havia ta. Mas, logo a seguir, voltávamos à nossa de-
tempo a perder. Mesmo assim, quando che- manda, as rodas das bicicletas a fazerem es-
gámos ao lugar onde se alugavam as bicicle- talar os grãos de terra.
tas, num piso subterrâneo da estação central Em Riehen, pequena povoação pacata,
de Basileia, já estavam à nossa espera. Apro- a parecer muito mais longe de Basileia, com
ximámo-nos como alunos malcomportados ambiente de terra do interior, longe da cida-
prontos a receber o seu castigo. de, seguimos por um par de ruas até à Fun-
Só o meu filho já tinha experimentado bi- dação Beyeler, uma das etapas que tínha-
cicletas elétricas e, por isso, havia alguma mos planeado para o nosso dia. Aí, para além
UMA CRÓNICA
DO ESCRITOR apreensão. Ainda assim, aprendemos todos do próprio espaço da fundação, dos magní-
JOSÉ LUÍS PEIXOTO os preceitos e lá fomos. Ao sairmos à rua, de- ficos jardins e edifícios, visitámos uma ex-
mos logo conta de que a bateria era nossa posição de Mondrian, que marcava os 150
amiga. Nada havia a temer. Como acontece anos do nascimento do artista. Depois de
nos lugares civilizados, os motoristas respei- tanta Natureza, foi tocante apercebermo-
tavam os ciclistas. Pela nossa parte, também nos de como Mondrian alcançou as formas
os respeitávamos, fazendo sinal na hora de geométricas que o celebrizaram, minimalis-
mudar de direção, cumprindo as regras de tas, avant-garde, partindo das árvores que
trânsito, circulando com precaução. Come- desenhava no início da sua carreira, onde já
çámos por avançar ao longo de algumas das existiam prenúncios das linhas e das cores
ruas principais de Basileia. Pouco depois, es- que haveriam de vir. Foi tocante partilhar-
távamos em ruas residenciais, silenciosas. mos isso com os nossos filhos adolescentes
e, depois, almoçarmos com eles numa es-
planada da fundação. As bicicletas estaciona-
das à entrada.
Ao seguirmos caminho, não demorámos
muito até atravessarmos a fronteira e, de re-
pente, entrarmos na Alemanha. Não houve
mudanças no idioma, mas houve pequenas
diferenças subtis, as casas, os rostos das pes-
soas que cruzámos nas ruas de Weil am Rhein
ou, talvez, apenas a nossa impressão. No en-
tanto, ao passarmos por um grande supermer-
cado, decidimos parar e comprar água. Aí, en-
tre prateleiras de produtos, encontrámos mui-
tas diferenças e lembrámos o que nos tinha

12 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


dito uma amiga em Basileia: do ponto de vis- dei por mim a defender o lado mais conser-
ta das finanças pessoais, a combinação mais vador dessa disputa.
vantajosa é ter casa em França, trabalhar na A fronteira entre a Suíça e a Alemanha,
Suíça e fazer as compras na Alemanha. a fronteira entre arte e design e, logo depois,
De novo na estrada, ainda à distância, sur- a fronteira entre a Alemanha e França. Quan-
preendemo-nos com a visão do Museu de do demos as pedaladas que nos fizeram en-
Design Vitra. Esse projeto da arquiteta Zaha trar em França, sentimos essa passagem.
Hadid é impactante por si, mais ainda no de- Os idiomas marcam muito os lugares onde
correr de uma viagem de bicicleta como são usados. As palavras escritas em francês
aquela, já com dois países e vários cenários nos letreiros, os ecos de conversas que escu-
para trás. No interior desse edifício, tivemos A PAT R Í C I A E E U N U N C A távamos à nossa passagem. Apanhámos ape-
a alegria de apreciar e experimentar inúme- T Í N H A M OS I M AG I N A D O nas uma pontinha de Saint-Louis, não avan-
ras peças de design, sentarmo-nos em cadei- C U M P R I R E S S A FA Ç A N H A . çámos até ao centro desta cidade com cerca
ras espantosas, aprender. Na sequência de A C R E D I TA M O S Q U E O S de 20 mil habitantes, no departamento de
tudo o que ali nos estimulou, não sinto or- NOSSOS FILHOS, UM DIA, Haut-Rhin, Alto Reno. Ainda assim, foi o su-
gulho em dizer que iniciei um debate com o S E V E N H A M A E S PA N TA R ficiente para termos estado em três países no
meu filho acerca das fronteiras entre arte e COM O FEITO QUE mesmo dia e, incrivelmente, termos feito
design. E, não sei explicar muito bem como, ALCANÇARAM NESSE DIA esse percurso de bicicleta. A Patrícia e eu
nunca tínhamos imaginado cumprir essa fa-
çanha. Acreditamos que os nossos filhos, um
dia, se venham a espantar com o feito que al-
cançaram nesse dia.
A partir daí, fomos sempre ao longo do Re-
no, rio magnífico. Voltámos a entrar na Suí-
ça, na extraordinária cidade de Basileia. Ía-
mos com calma, era o fim de tarde e, a cada
pedalada, sabíamos, tínhamos a certeza ab-
soluta de que íamos chegar à hora combina-
da para devolver as bicicletas. Z
F OTO S : PAT R Í C I A SA N TO S P I N TO

Em alguns momentos,
precisámos de parar
apenas para ouvir os
sons, para observar
a paz daquele lugar,
aquela Suíça perfeita

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 13


A INGL ATERRA ROMANA

DESVIO

TEMPORÁRIO
Envolta pelas deslumbrantes paisagens do norte
rural de Inglaterra, a Muralha de Adriano é uma visita
imprescindível para todos os que gostam de viagens
com História ou longas caminhadas em contacto
com a Natureza. A completar 1900 anos de vida,
a fronteira setentrional do vasto Império Romano
continua a atrair e a apaixonar pela força da sua
beleza, da sua envolvência e grandiosidade.

TEXTO E FOTOGRAFIAS LUÍS OLIVEIRA SANTOS

14 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Ao longo de mais de 100
km, a Muralha de Adriano
atravessa os condados
de Northumberland
e Cumbria através
de uma grande rota devi-
damente assinalada.
Milhares de caminhantes
percorrem o trilhona
primavera e no verão

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 15


A INGL ATERRA ROMANA

A
J
determinada altura há um assomo de es- Newcastle é a cidade- Há uma certa prosa no ato de caminhar e há, em teoria,
panto. Um pequeno e ousado pisco-de- chave a partir da qual a ideia de que só assim ascendemos à categoria de verda-
se pode visitar a
peito-ruivo voa para muito próximo de Muralha. Sede de deiros viajantes. Caminhar obriga-nos a uma leitura len-
mim e observa-me, acredito eu, com ho- museus e bibliotecas ta e por isso mais completa, a uma observação demorada
nesta simpatia. Não me parece que exis- com todo o tipo de e cuidadosa dos detalhes, incluindo os imperfeitos. Ca-
informação sobre
tam por ali outros motivos para a sua presença a não ser o mundo romano, minhar não é um exercício de síntese. Caminhar longas
uma imensa curiosidade e a natural reivindicação do seu merece que se lhe distâncias, por vezes durante dias seguidos, obriga-nos a
território. Uma presença tranquila que me remete de dedique algum tempo mobilizar os sentidos com o objetivo de abarcar todo o co-
imediato – não estivesse eu no norte rural de Inglaterra nhecimento e toda a experiência possível, naquilo que
– para todo um imaginário literário como “O jardim se- poderíamos facilmente classificar como uma experiência
creto” de Francis Hodgson Burnett ou as intemporais ba- criativa. Encetar uma longa caminhada de descoberta de
ladas de Robin Hood, compiladas por Howard Pyle. En- um objeto como a Muralha de Adriano é como desenvol-
contrar um pisco – ou um robin, como é conhecido em ver um exercício intuitivo em que não há um propósito
Inglaterra – nesta relação de proximidade que os tornou claro na nossa investigação a não ser o enorme prazer de
tão famosos era um desejo tão intenso quanto aguarda- fazer essa investigação. Entramos na fase de absorver de
do. Percorrer a pé o enorme território por onde se esten- forma absoluta, sem lógica e sem objetividade, tudo o que
de a Muralha de Adriano e não me cruzar com um pe- nos rodeia com tudo o que de possível os sentidos nos per-
queno robin de dez centímetros não seria seguramente a mitirem. A seu tempo haveremos de convergir para tecer
mesma coisa e o meu plano de viagem ficaria incomple- considerações, se forem precisas.
to. Podia agora continuar a minha longa caminhada em Quando Adriano chegou ao poder imperial de Roma
busca de significados maiores, certo de que uma parte do era um homem com pouco mais de 40 anos. O Império
meu sonho estava cumprido. estava no auge da sua dimensão e do seu poder, ocupa-

16 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


O norte de Inglaterra
tem por vezes o aspeto
de um extenso e bem
cuidado campo de
golfe e nem os trilhos
inúmeras vezes
percorridos parecem
perder a vivacidade

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 17


A INGL ATERRA ROMANA

LEITURAS
HÁ INÚMEROS GUIAS DO TRILHO DA MURALHA
DE ADRIANO DISPONÍVEIS NA AMAZON,
MUITOS COM CONTA DE FACEBOOK, NOS QUAIS
OS VIAJANTES PARTILHAM EXPERIÊNCIAS.


“Memórias de Adriano”,
Marguerite Yorcenar – Ulisseia.
M
Depois de décadas de investiga-
D
ção, a autora retrata a vida
ç
e o pensamento do imperador
Adriano naquele que é um dos
A
rrelatos mais impressionantes
do auge e queda do Império
d
Romano.
R

“Grande viagem pelo Império



Romano”, Marcus Sidonius Falx
R
e Jerry Toner – Desassossego.
Livro fundamental para se perce-
L
ber a sociedade no auge do
b
IImpério Romano. Baseado em
documentos reais, retrata como
d
viviam e viajavam os romanos
v
de há dois mil anos.
d

“Uma nova história do Mundo


Clássico”, Tony Spawforth –
Alma dos Livros.
Natural de Newcastle, o proemi-
nente historiador revisita alguns
dos mais importantes aconteci-
mentos da História Antiga para
nos dar um retrato vivo e com-
pleto da ascensão e queda
do mundo greco-romano.

“A montanha viva”,
Nan Sheperd – Edições 70.
Apesar de não ser um livro sobre
o mundo romano, é o relato de
uma viagem pelas montanhas
Cairngorm, na Escócia. Dotada
de grande poder de observação
e de uma sensibilidade poética
relativamente à Natureza, Nan Ao longo de toda
a sua extensão, a linha
Shepherd escreveu uma obra- de fronteira era servida
prima de leitura obrigatória por inúmeros torreões
de onde se vigiavam
para todos os que trilham as tribos do território
o Mundo em longas caminhadas. que é hoje a Escócia

18 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


va o equivalente a 50 países atuais, dispersos pela Grã-
Bretanha, Europa, Norte de África e Médio Oriente. Para
Adriano, era importante consolidar o extenso Império,
mais do que continuar a expandi-lo. Apenas cinco anos
depois de ter recebido de Trajano a coroa de imperador,
Adriano desloca-se à Britânia naquela que é conhecida
como a primeira das suas grandes viagens pelo Império.
Não é hoje totalmente certa a razão desta longa e dis-
tante viagem, mas é verosímil que aquele que ficou co-
nhecido como um dos “cinco bons imperadores” tenha
tido a vontade de conhecer a “simples beleza do Mundo”,
a “observação dos homens”, o “chilrear fortuito dos pás-
saros”, ou o “longínquo contrapeso dos astros”.
Decidir sobre as grandes obras de Estado era uma das
obrigações do seu papel de imperador. Há precisamente
1900 anos, em 122 d.C., Adriano dá instruções para a cons-
trução de uma longa muralha na Britânia, que haveria de J
se tornar a fronteira setentrional do vasto Império Roma- Há uma harmonia teve (como que em orgulhosa competição) a cargo das
no. Mas a muralha, mais do que uma linha defensiva, se- na arquitetura inglesa diferentes legiões estacionadas ao longo da sua extensão.
que trespassa todo
ria também assumida como uma zona de contacto, uma o território O que corrobora a teoria de que, mais do que defender o
fronteira onde todos os encontros e passagens se torna- vasto Império de umas quantas tribos, a muralha foi tam-
riam possíveis. Estabelecer relações comerciais com os n bém uma forma de manter ocupado um número consi-
Em Vindolanda, aos
povos locais, com óbvios benefícios para ambas as partes, vestígios arqueológi- derável de homens que não teriam, porventura, muito
era também uma forma romana de construir a paz. cos foram acrescen- mais o que fazer. Mas uma outra teoria é a de que a exis-
tados modelos para
Na verdade, não existe uma razão única para a cons- tência da muralha, enquanto grandiosa obra de engenha-
explicar a evolução
trução da muralha. Ainda hoje é possível admirar inscri- das técnicas de ria, servisse como afirmação da grandiosidade e do po-
ções na pedra que nos indicam que a sua construção es- construção der de Roma.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 19


A INGL ATERRA ROMANA

J
Sycamore Gap Os legionários envolvidos na construção da muralha micílio e pela chegada a um mundo sem pontos de refe-
é a pérola da Muralha, foram buscar a matéria-prima muito próximo do local da rência”. Seja o que for, este é também um dos bons pra-
no Parque Nacional
de Northumberland. sua construção e ainda hoje é possível visitar pedreiras zeres desta viagem.
Reflete a enorme onde restam cortes de pedra inacabados de há 1900 anos. Com mais de 80 anos, Naomi recebe-me na biblioteca
beleza da cordilheira À medida que caminhamos de Newcastle para Carlisle, da Sociedade Literária e Filosófica de Newcastle. Apresen-
dos montes Peninos,
que atravessa todo o vamos descobrindo um apuro na técnica de construção ta-se como a mais nova colaboradora da Sociedade, sem
norte de Inglaterra. romana com todos os alcances e hesitações. Os mais de esconder um breve sorriso de ironia. Levou-me à secção
Foi cenário de parte cem quilómetros da muralha definem ainda hoje, gros- da biblioteca dedicada à Muralha mas rapidamente me
do filme “Robin Hood,
the prince of thieves” so modo, a fronteira com a Escócia e os longos dias de ca- aconselhou a não consultar grandes manuais. O melhor
minho permitem-nos uma leitura gradual e imersiva na era ir à descoberta, caminhar com a disponibilidade de um
história da Britânia e de todo o mundo romano. Vindo- explorador. Em jeito de despedida explicou-me por que
landa, uma das mais importantes praças militares e hoje razão o seu inglês era, para mim, bastante compreensível.
em dia ponto de paragem obrigatória, é ainda um local Natural do sul de Inglaterra, viveu um período em que nas
ativo de prospeção arqueológica com um museu onde se escolas se tentaram eliminar as múltiplas pronúncias do
podem admirar artefactos romanos num impressionan- reino e estabelecer um inglês normativo. Foi uma expe-
te estado de boa conservação. riência rapidamente abandonada. E segredou-me: por
Como em todos os espaços onde é possível admirar aqui, nem ela compreendia bem o inglês local.
grandes obras de arte, a Muralha de Adriano é hoje per- Kate leva-me de carro da sua casa em Haltwhistle até
corrida por inúmeros viajantes com quem se estabelece, Cawfield Quarry, junto à Muralha, às primeiras horas da
quase de imediato, uma empática conversa de circuns- manhã. Explica-me que agosto é um mês que anuncia já
tância. Ao contrário dos grandes museus e das multidões um tempo incerto, com ventos e chuvas inesperadas. É
que se aglomeram à volta das Mona Lisas – e das quais na- o mês com maior afluência de visitantes, mas a prima-
turalmente fazemos parte –, os viajantes da Muralha vera costuma ser mais generosa em todos os aspetos. Até
transformam-se em ávidos e espontâneos conversadores. porque se sente o fulgor de uma Natureza desperta para
Houve quem justificasse esta ânsia como uma “prática a vida, com flores e com os animais em plena época de
compensatória da angústia gerada pelo abandono do do- reprodução. Haltwhistle reclama ser o centro geográfico

20 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


n
Haltwhistle reclama ser
o centro da Grã-Breta-
nha. E é dos melhores
locais a partir de onde
se pode visitar os
principais pontos de
interesse da Muralha

Sycamore Gap. Como sempre, a surpresa do reencontro


transforma-se em profunda empatia e amizade e, num
pequeno passo, passamos à partilha das vicissitudes da
nossa caminhada. Rick é eloquente na forma como apre-
cia a História Antiga para, rapidamente, se queixar das
“folhas de menta” que lhe deixam as pernas a arder.
É verdade, em todos os grandes caminhos há sempre
umas quantas urtigas.
Chegado a Carlisle e ao extremo oeste da minha cami-
nhada é altura de regressar ao início, numa relativamen-
te curta viagem de comboio. As enormes planícies do
norte da Inglaterra movem-se de forma rápida e impe-
tuosa, entrecortadas por pequenos bosques, casas rodea-
das de jardins impecáveis, uma ou outra quinta dispersa
nos pastos viçosos, uma ou outra estação de comboio.
A linha do horizonte ondula numa vibração pouco acen-
tuada, aqui e acolá vislumbram-se pequenos penhascos,
descobertos ora pela sombra produzida na vertente, ora
pela pedra saliente que irrompe do verde constante da
J superfície. As nuvens, de um branco imaculado, isoladas
da Grã-Bretanha e dista uns poucos quilómetros de Syca- Património UNESCO contra um fundo azul intenso, surgem macias e bem de-
more Gap, a pérola da Muralha e, de longe, o local de vi- e a comemorar 1900 finidas, seguras de si apesar do vento constante.
anos de existência,
sita mais apetecido. A menos de uma hora de comboio a Muralha acolhe O movimento rápido e preciso destas nuvens redirecio-
de Newcastle, Haltwhistle é – ou não fosse o autoprocla- várias iniciativas pro- na a luz e altera a matiz e a saturação de cor, num jogo di-
mado centro do Reino Unido – o epicentro de quem quer movidas pela English nâmico e intenso que altera constantemente o aspeto da
Heritage. Em Houses-
visitar a Muralha num programa de curta duração. Kate teads, o antigo forte paisagem. O sol forte e baixo é por vezes ofuscado por um
e Ian, o marido, gerem uma das muitas habitações Bed foi recriado com cinza temporário e não é raro uma ou outra chuvada que
and Breakfast – base de oferta turística nesta região – e cor e brilho por um desaparece com o mesmo fulgor com que se abate. O ter-
conhecido artista
são, por excelência, mestres na arte de bem receber. contemporâneo ritório apressa-se e mostra-se à janela da minha carrua-
Kim tem 26 anos, é americana, vive no Colorado e aca- gem com a mesma rapidez e desembaraço das rajadas de
ba de se licenciar em Relações Internacionais. O pai, vento. Sentado confortavelmente, percorro de forma rá-
Rick, mantém a tradição de oferecer aos filhos uma via- pida este cenário necessariamente horizontal e o afasta-
gem pela Europa como prenda de licenciatura. Com in- mento a que me coloca agora da paisagem obriga-me
teresses comuns pela História Antiga e bons amantes da a uma leitura necessariamente visual, num espetáculo
Natureza, nada melhor do que partirem os dois à aven- de imagens sucessivas, como se tudo não passasse de uma
tura. Cruzámo-nos em Newcastle e, mais tarde, perto de projeção cinematográfica.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 21


A INGL ATERRA ROMANA

J
A este ritmo vejo muito mais em muito menos tempo e Vindolanda é hoje um
não tenho senão como fazer uma leitura global e uma sín- dos mais importantes
locais de escavação
tese do território que percorri. Gradualmente, os objetos arqueológica em toda
e os acontecimentos dispersos ao longo do território fun- a Europa. As proprieda-
dem-se numa identidade visual única, ganham uma es- des do solo permitem
encontrar artefactos
trutura e um nome próprio. A Muralha de Adriano não é, em excecional estado
afinal, um objeto disperso algures pelo norte de Inglater- de conservação, como
ra. Quando nos afastamos do ato de caminhar e da nossa as famosas tábuas de
Vindolanda, à guarda
escala individual para a escala da longa e coletiva viagem do British Museum
de comboio isolamos ou eliminamos os sentidos, perde-
mos a noção do pormenor e do detalhe para ganhar a 3
grandiosa presença do objeto e do seu lugar. Os animais dos pastos
Faço uma revisão rápida das fotografias que registei ao privados que cobrem
o norte de Inglaterra
longo da última semana e reparo que a última imagem é acrescentam harmo-
de uma placa que anuncia um Desvio Temporário no per- nia à paisagem
curso da Muralha. Volto a olhar pela janela do comboio,
avistam-se já as pontes de acesso a Newcastle, de onde
tenho marcado o voo de regresso. E apercebo-me que, de
certa forma, é esse também o sentido desta viagem. Um
desvio temporário do longo quotidiano. Z

22 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


A INGL ATERRA ROMANA

GUIA DE VIAGEM custo e – principalmente –


no tempo gasto.
são sempre altura de enchente
extra de visitantes.

DORMIR COMER
Os Bed and Breakfast são, pela Apesar da grande oferta turística
PREPARAÇÃO minhadas. Nem sequer pede cal- quantidade e tradição, a base da que envolve a Muralha, o seu per-
A Muralha de Adriano estende-se çado muito técnico, dado que o oferta hoteleira ao longo de toda curso não atravessa zonas urbanas.
ao longo de 135 quilómetros en- piso é quase sempre em terra. a Muralha. Mas há de tudo, de pe- As localidades obrigam a desvios
tre Walssend (Newcastle) e A época mais aconselhável para quenas pensões a hotéis de gran- que podem ultrapassar os cinco
Bowness-on-Solway (Carlisle), a caminhada é entre a primavera de luxo, muitas quintas que dis- quilómetros, pelo que é muito im-
mas as zonas urbanas destas duas e o verão. A temperatura é mais ponibilizam celeiros transforma- portante planear bem as caminha-
cidades têm poucos ou nenhuns agradável, a probabilidade de dos em dormitórios partilhados das no que diz respeito às refeições
vestígios da obra. Classificada chuva menor e os dias maiores. e parques de campismo com e abastecimento de água. Compen-
pela UNESCO como Património Mas convém ter sempre à mão im- área de tendas ou bungalows. sa negociar com os alojamentos o
da Humanidade, tem a sua maior permeável e casaco fino. Os Bed and Breakfast são qua- fornecimento de pequenas refei-
parte no Parque Nacional de se sempre casas familiares priva- ções embaladas para a viagem.
Northumberland. VIAGEM das que – por um preço simpáti- Quase não há supermercados ao
É servida por um trilho pedes- Newcastle tem um aeroporto in- co – oferecem dormida e peque- longo da Muralha, sendo funda-
tre – The Hadrian’s Wall Path – que ternacional para onde voam várias no-almoço, muitas disponíveis mental ter sempre na mochila uma
faz parte da rede de grandes ro- companhias low-cost desde Faro nos principais sites de booking. reserva de snacks e líquidos. Oca-
tas da UK National Trails, pelo que (Algarve). Compensa comprar Dependendo da localização (mui- sionalmente aparecem vendedo-
todo o percurso está bem trata- uma ligação aérea do Porto ou de tas vezes ficam afastados de zo- res ambulantes, mas servem ape-
do e sinalizado. Existe também Lisboa para Faro e fazer o voo di- nas urbanas), compensa incluir o nas chá, café e pequenos bolos.
uma rota ciclável, a Cycle Rte 72. reto para Newcastle. A alternativa jantar no preço da estadia. Todas as localidades têm um
É o trilho mais acessível do Rei- é voar para Londres ou para Edim- Nos meses de junho, julho e pequeno pub onde é possível fa-
no Unido e não exige um nível de burgo e depois fazer a ligação (por agosto é fundamental reservar zer refeições e provar a enorme
preparação física elevado, bas- comboio ou autocarro) para o alojamento com bastante an- oferta de cervejas artesanais, mui-
tando estar habituado a fazer ca- Newcastle. Não compensa no tecedência. E os fins de semana tas vezes produção dos próprios

Trilho nacional
Sítios arqueológicos e museus
Caminho de ferro
Auto-estrada

Estrada A
Estrada B DE N OR
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24
bares. O convívio com a popula- mas, segundo dados arqueoló- certos tramos, nomeadamente no Newcastle para Heddon-on-the
ção local que ao final da tarde en- gicos, a construção foi feita de que diz respeito à presença de Wall e poupar um dia de cami-
che os pubs é não só inevitável este para oeste, pelo que este animais. Por norma não há perigo, nhada. O mesmo entre Laner-
como uma experiência que vale a sentido permite observar fases mas é fundamental não interferir cost Priory (Brampton) e Carlis-
pena. O ambiente é por norma distintas das técnicas de cons- com rebanhos e manadas. Os li- le. E reserve-se os dias poupados
muito envolvente e animado. trução. É o mais aconselhado. mites das propriedades estão na visita às duas cidades.
Há muitas opções para visitar bem definidos e há quase sempre Para quem queira fazer todo o
TRANSPORTES a obra, da caminhada integral uma cancela que é preciso abrir e percurso a pé existe um passa-
Newcastle tem ligações ferroviárias de seis/sete dias a programas de voltar a fechar após a passagem. porte que se pode carimbar em
com todo o Reino Unido. O com- dois dias na zona central. sete locais específicos para ter
boio que liga Newcastle a Carlisle Muitas empresas organizam PONTOS DE INTERESSE direito a um certificado.
(90 minutos) passa nas principais viagens com guia e transporte Para além de inúmeros torreões,
localidades que servem a Mura- (incluindo de mochilas). existem vestígios arqueológicos DICAS ÚTEIS
lha, nomeadamente Corbridge, A secção da Muralha entre de vários fortes e praças militares, Levar adaptador para tomadas
Hexham, Haltwhistle e Brampton. Chesters e Birdoswald, com ape- quase todos servidos por um mu- elétricas; compensa trocar euros
A compra prévia de bilhetes é re- nas 37 quilómetros, é de longe a seu, todos eles pagos. Os mais im- por libras em Portugal; o Brexit
comendável. mais interessante, pela presença portantes são Wallsend, Chesters, obrigou a não esquecer o passa-
Existem também inúmeras em- de extensos pedaços do muro, Housesteads, Vindolanda e Bir- porte mas não alterou o tarifário
presas de autocarro que fazem li- de locais arqueológicos, museus doswald. Vindolanda tem um do telemóvel (incluindo dados
gações ao longo de toda a Mura- e das mais belas paisagens. Há campo arqueológico ativo (aceita móveis) – é o mesmo que em Por-
lha, bem como táxis e transpor- muito alojamento perto desta voluntários) e continuam a desco- tugal; em caso de emergência
tes privados que podem ser alu- secção e boas ligações de com- brir-se artefactos de muito valor. durante a caminhada, ligue 999,
gados para uma visita à medida. boio e autocarro. E tem uma excelente cafetaria. devendo pedir-se “Mountain res-
Esta é a opção mais cara. Grande parte da Muralha e do Como as zonas urbanas de cue”; apesar de o risco ser muito
trilho está hoje em campos de Newcastle e Carlisle não têm baixo, pode ser útil fazer seguro
PERCURSO pasto, propriedade privada. É por praticamente quaisquer vestí- de viagem; atenção às alergias,
A Muralha de Adriano pode ser isso fundamental seguir com gios da Muralha, pode valer a o trilho atravessa campos e há in-
percorrida nos dois sentidos, atenção os avisos colocados em pena apanhar um autocarro de setos e urtigas.

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25
PL ANETA VERDE

BAOBÁA ÁRVORE DA VIDA ESTÁ A MORRER

A árvore icónica de África resiste há milhões


de anos, oferecendo frutos ricos em nutrientes
quando tudo à volta é seco e árido. Mas, agora,
as alterações climáticas, a perda de habitat,
o pastoreio do gado ou a exploração comercial
da múcua – o novo superalimento para o Ocidente –
são sérias ameaças a comprometer a sobrevivência
da espécie, umbilicalmente ligada à identidade
dos povos africanos.

TEXTOS KÁTIA CATULO

26 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


M A R T I N H A RV E Y/G E T T Y I M AG E S

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022


27
PL ANETA VERDE

O
Os espír
lesa


espíritos da floresta de Nguékhokh, na região senega-
esa de T

ções de h
Thiés, vivem no interior dos baobás. A crença,
partilhada
artilha também em muitos outros lugares de África,
partilha
eve-se à sua presença desde sempre nas comunidades
deve-se
locais.
ocais. NNas melhores condições, estas árvores atingem
mais de dois mil anos. Imagine o que é ter as raízes num
ó lugar por milénios, testemunhando incontáveis gera-
humanos a crescer, a explorar, a cultivar, a cons-
guerrear, a amar e a morrer... Como poderiam os
truir, a g
povos africanos não as ver como guardiões dos seus an-
tepassados e dos segredos que levaram com eles?
Os investigadores acreditam que os baobás – imbon-
deiros ou embondeiros, consoante a região de África –
evoluíram milhões de anos antes da espécie humana. Já
cá estavam quando o deserto do Saara era um prado ver-
dejante, resistindo a uma era glaciar atrás da outra. Sen-
do uma espécie suculenta, o seu tronco armazena mais
praticamente todo o continente como a Árvore da Vida.
Os baobás parecem eternos, mas os mais velhos estão
agora a morrer. Estudos feitos nos anos mais recentes re-
velaram que nove dos 13 baobás africanos mais antigos do
Planeta já morreram desde 2005. Tudo aponta para que
as alterações climáticas sejam um dos principais respon-
sáveis – em especial na África Austral, onde todos estes
exemplares se encontravam. Poderíamos buscar conso-
lo no facto de a morte fazer parte do ciclo da vida, mas
mais preocupante ainda são os baobás jovens que tam-
bém lutam pela sobrevivência.
Na floresta de Nguékhokh, os biólogos concluíram que
há cada vez menos árvores jovens. O mesmo acontece
em grande parte do continente, desde a África Oriental,
até à África Austral, passando pelas savanas da África Oci-
dental. Um ecossistema – qualquer que seja ele – depen-
de de velhos e novos para se manter vivo e saudável. Mas
de 120 mil litros de água durante a estação das chuvas, os baobás africanos estão a envelhecer – e a morrer em
dando frutos ricos em nutrientes quando tudo à volta é alguns casos – sem que as gerações mais novas tomem o
árido e estéril. Não é por acaso que ficou conhecida em seu lugar.

As mulheres da aldeia
de Muswodi Dipeni,
na província sul-africana
de Limpopo, ganham
a vida a recolher as
sementes e o pó da
vagens do fruto do baobá.
Carregada de vitaminas,
a múcua tornou-se
numa autêntica febre
no Ocidente
M A R C O LO N GA R I /G E T T Y I M AG E S

28 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


CICLO INTERROMPIDO
Em Madagáscar, quatro das seis espécies endémicas es-
tão em perigo de extinção. O Grandidier, por exemplo,
vê-se por toda a ilha, mas o seu habitat, engolido por ter-
renos agrícolas, incêndios ou pastoreio do gado, tem vin-
do a perder capacidade de regeneração. A exploração co-

C H R I ST I A N VA I S S E /G E T T Y I M AG E S
mercial dos seus frutos, sementes e cascas afeta, do mes-
mo modo, a capacidade de sobrevivência das espécies
mais jovens.
O Perrier também já foi declarado criticamente amea-
çado pela União Internacional para a Conservação da Na-
tureza (IUCN). Restam, atualmente, 150 exemplares,
atrofiados pela perda de terras para a extração artesanal
de ouro ou agricultura, pelo pastoreio e pelas alterações
climáticas. Cercada de tantos perigos, poucas plântulas
atingem a maturidade. O risco de extinção de animais
como lémures e tartarugas gigantes prejudica, igualmen-
te, a regeneração da espécie, uma vez que foram os gran-
des responsáveis por dispersar as suas sementes.
Em outros países do continente, o baobá africano
(Adansonia digitata L.) sofre do mesmo mal. Na provín-
cia angolana de Luanda, segundo o Instituto Nacional da
Biodiversidade, o crescimento urbano e a desmatação de
florestas colocaram o imbondeiro na lista vermelha das
espécies ameaçadas. No Tigray ocidental, no norte da
Etiópia, a colheita intensiva de folhas, ramos e cascas da
árvore, acentuado pelas alterações climáticas, consti-

I G N AC I O PA L AC I O S /
tuem sérios riscos para a continuidade da espécie.
No Burkina Faso, investigações recentes demonstra-

G E T T Y I M AG E S
ram que as práticas agrícolas têm um grande impacto ne-
gativo na regeneração dos baobás em terras cultivadas ou
em pousio. Tal como na África do Sul, onde os terrenos
aráveis apresentam baixos índices de fertilidade do solo
para as novas gerações de baobás, também muito pres- J
sionadas com os danos provocados pela pastagem do Seis das oito espécies ropa e os Estados Unidos descobriram, por entre a casca
gado e de outros animais selvagens. de baobás crescem dura e os ramos espinhosos da árvore, mais um fruto ele-
apenas em Madagás-
car: quatro delas es- vado ao estatuto de superalimento. Contendo um enor-
DA ESCALA LOCAL PARA GLOBAL tão ameaçadas pela me valor nutricional, a múcua (ou malambe em Moçam-
O baobá sempre foi um importante recurso na economia perda de habitat, al- bique) pode ser moída em pó, misturada em smoothies
terações climáticas
doméstica e fonte de alimento dos povos africanos, assu- ou danos causados ou polvilhada em papas ou iogurtes. Das suas sementes
mindo um papel importante na cultura e nas crenças lo- por animais são extraídos óleos para cosméticos, loções e cremes para
cais. Durante séculos, a sua exploração foi reduzida, em- pele, cabelos ou unhas. O baobá concentra seis vezes
bora mais de 300 usos tradicionais já tenham sido docu- mais antioxidantes do que os mirtilos, seis vezes mais vi-
mentados na África subsariana. Tudo o que cresce nesta tamina C do que as laranjas, cinco vezes mais potássio do
árvore é muito bem aproveitado. Cascas, flores, frutos, fo- que as bananas ou três vezes mais cálcio do que o leite.
lhas, raízes e sementes do baobá africano são comestíveis Com a descoberta de mais um milagre da Natureza, a
ou processados em mezinhas para curar doenças e outros comercialização do fruto disparou. As previsões, segun-
males físicos, transformados em fibras para tecelagem ou do o grupo industrial Aliança Africana de Baobá, mos-
em cordas utilizadas em utensílios ou nos telhados. tram que as exportações vão saltar de 50 toneladas, em
Durante muitos anos, os baobás foram um segredo es- 2013, para mais de cinco mil toneladas até 2025, passan-
condido nas paisagens desoladas de África. Até que a Eu- do a representar uma indústria de 400 milhões de euros.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 29


PL ANETA VERDE

Uma vez abatida,


a madeira, ensopada
de água, não serve
sequer para fazer
fogueiras. O valor

G I L E S C L A R K E /G E T T Y I M AG E S
do baobá estará
sempre na sua
capacidade para
continuar a viver
por muitos e longos
séculos

O apetite dos mercados ocidentais pelos superalimentos viveiro, onde os habitantes das aldeias mais próximas vão
já fez soar os alarmes, com a Organização das Nações Uni- buscar jovens baobás para plantarem junto às suas casas.
das para a Alimentação e a Agricultura (FAO) a colocar o A floresta dele, entretanto, foi crescendo ao longo dos úl-
baobá africano entre as 12 plantas selvagens ameaçadas timos 47 anos, com mais de três mil baobás alinhados como
pela exploração intensiva. soldados robustos de um exército ao serviço do Planeta.
A pressão sobre os recursos naturais levou a agência da Os aldeões de Sig-Noghin reconhecem que a utilida-
ONU a apelar, em abril deste ano, à “utilização mais equi- de desta espécie é incomensuravelmente diferente das
librada das plantas selvagens”. Não se trata de privar os restantes árvores. Uma vez abatida, a madeira, ensopa-
países desenvolvidos dos poderosos benefícios do baobá da de água, não serve sequer para fazer fogueiras, cons-
ou de outros superalimentos. Todos temos direito às dá- truir móveis, casas, canoas ou utensílios. Qualquer que
divas da Natureza, mas temos também o dever de prote- seja a métrica usada, o valor do baobá estará sempre na
ger e restaurar os habitats, promover práticas agrícolas sua capacidade para continuar a viver por muitos e lon-
sustentáveis e contribuir para economias inclusivas. gos séculos.Z

CUIDAR DAS GERAÇÕES SEGUINTES


ONGs como a Madagasikara Voakajy, na ilha de Madagás-
car, a Organização para Iniciativas Indígenas e Sustenta-
bilidade, no Gana, ou a Foundation Baobab, na África do
Sul (ler entrevista nas páginas seguintes), estão entre as
poucas entidades que, na última década, começaram a
trabalhar com comunidades locais, procurando comba-
ter o desemprego de populações rurais ou isoladas atra-
vés da exploração sustentável da espécie.
Mais extraordinário é o trabalho de Hadji Quédraogo,
que, sem o apoio de qualquer organização, plantou mi-
lhares de árvores na aldeia de Sig-Noghin, no sudeste do
Burkina Faso. Ele é o “Homem que planta Baobás”, no
documentário do cineasta Michel K. Zongo, acrescen-
tando todos os anos mais de 400 espécies de Adansonias
digitata na Natureza.
Hadji, com a ajuda dos filhos e das crianças da aldeia,
dedica cuidados constantes aos jovens baobás, providen-
ciando-lhes estacas para os troncos não vergarem, rega
diária e proteção contra os animais que cobiçam as suas
B AO B A B F O U N DAT I O N

folhas e raízes. As mulheres de Sig-Noghin ocupam-se de


outras tarefas, como retirar as folhas das árvores, moendo-
-as no pilão e usando-as na culinária ou em pomadas e re-
médios para curar dores de estômago, febres ou malária.
Hadji Quédraogo, hoje com 80 anos, tem também um

30 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


A Baobab Foundation
é uma entre ainda
poucas ONG a pro-
mover a regeneração
da Adansonia digita-
ta, incentivando as
comunidades locais a
plantar árvores
F U N DAÇ ÃO B AO B Á Á F R I C A D O S U L

que possam ser plantadas na Entre as várias ameaças que


Natureza. Numa outra vertente rodeiam o baobá, qual consi-
deste mesmo projeto, procura- dera ser a mais preocupante?
mos ainda identificar ameaças Os jovens baobás lutam para
e encontrar soluções para os sobreviver após a germinação.
baobás adultos que estão à volta Assim que as novas folhas
das aldeias, nas serras ou nas brotam da semente, há sempre
planícies. O segundo programa um animal que as come. Se
passa por fazer investigação nada for feito para proteger
ecológica para compreender estas plântulas, não há futuro
mais sobre o crescimento, a so- para os baobás. Foi por isso
brevivência e a reprodução da que começámos os programas
espécie. O terceiro, por fim, é o Baobab Guardians e Baobab
Baobab Guardians, que arrancou Wilding.
em 2014. Neste projeto, as
mulheres das aldeias cuidam Pelo que li, a fundação
de uma árvore até ela ganhar também promove iniciativas
três metros de altura. É uma ta- para a população escolar.
refa de grande responsabilidade, Sim, o programa de Educação
pois as folhas do baobá são mui- Ambiental dinamiza visitas
to apetitosas para os animais. pelas áreas selvagens para
As guardiãs têm, por isso, de escolas básicas e secundárias,
se certificar que o gado e outros onde os alunos são conscien-
animais selvagens não comem cializados para a importância
ENTREVISTA A SARAH VENTER as plântulas. Só quando as árvo- e os perigos que ameaçam
res atingem os três metros de o baobá. A fundação também
altura é que as mulheres podem produziu um folheto informati-
“Se nada for feito para proteger deixá-las crescer sem necessida- vo bem escrito, factual e fácil
os jovens baobás, não há futuro de de cuidados permanentes. de ler, que descreve a ecolo-
gia, distribuição, taxonomia,
para esta espécie” Quantos baobás foram planta- usos, importância da conserva-
dos e quantos agricultores ção e significado espiritual dos
foram treinados na região de baobás. O folheto é entregue
Venda ao abrigo do programa aos Guardiões como parte da
Baobab Guardians? sua formação e distribuído em
Quantos programas centra- Plantámos 101 baobás nas aldeias, escolas locais, organizações
dos na preservação do baobá cada um com o seu próprio tutor. ambientais e de turismo e aos
estão atualmente a decorrer Mais recentemente, criámos pe- líderes comunitários.
na Baobab Foundation? quenos viveiros domiciliários em
A Baobab Foundation gere três duas comunidades. Para assegu- De onde veio o interesse
grandes programas focados rar a sua manutenção, a fundação pelos baobás?
na conservação destas árvores. treinou cerca de 20 pessoas, que Nasci e cresci na África do Sul,
O primeiro, denominado Bao- aprenderam a cuidar desta espé- numa área onde os baobás são
bab Wilding, consiste no cultivo cie enquanto estão em cativeiro. comuns. Sempre fizeram parte
da espécie em viveiro. O objeti- Quando as árvores atingem da minha vida e não consigo
vo é assegurar que se tornem altura suficiente, compramo-las imaginar este Planeta sem
suficientemente grandes para e replantamo-las na Natureza. a majestosa presença delas.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 31


PL ANETA VERDE

UM ROTEIRO PARA OS BAOBÁS


O BAOBÁ MERECIA, POR SI SÓ, UM GUIA TURÍSTICO COM OS MAIS BELOS
EXEMPLARES. À FALTA DE MELHOR, DEIXAMOS SETE SUGESTÕES, QUE
PASSAM PELA ILHA DE MADAGÁSCAR E VÃO ATÉ AOS PARQUES NACIONAIS
EM BOTSWANA, ÁFRICA DO SUL, TANZÂNIA OU ANGOLA.
D E A / C. DA N I I . J E S K E /G E T T Y I M AG E S

J
MADAGÁSCAR
Avenida dos Baobás
Centenas de baobás de Grandi-

W E ST E N D 6 1 /G E T T Y I M AG E S
D E LTA I M AG E S /G E T T Y I M AG E S

dieri – espécie em perigo de


extinção – estendem-se ao lon-
go de 260 metros numa estrada
de terra batida, conhecida como
a Avenida dos Baobás, entre
Morondava e Belon'i Tsiribihina,
em Madagáscar. A sua impres-
sionante paisagem atrai viajan-
tes de todo o Mundo, tornando-a J J
num dos locais mais visitados da BOTSUANA ANGOLA
região. Seis das nove espécies Os baobás de Baines A floresta dos imbondeiros
do Planeta crescem nesta ilha. Os baobás de Baines, no Parque A floresta de imbondeiros
Nacional Nxai Pans, são sete (ou Mkondo, como é também
grandes árvores à beira do chamada a árvore em quimbun-
lago Kudiakam Pan, com cerca do) é uma caraterística especial
de mil anos e mais de 20 do Parque Nacional de Quiçama,
metros de altura. O explorador na província angolana do Bengo.
e pintor inglês Thomas Baines Uma das melhores formas para
pintou-as em 1862, daí o nome lá chegar é através da icónica
pelo qual são conhecidos. Estrada Nacional n.º 100, em
Como crescem muito lentamen- direção ao Cabo Ledo. Em Ango-
te, a circunferência do caule la, a espécie está disseminada
aumenta apenas 1 milímetro pelas províncias de Cabinda,
por ano. O seu aspeto atual Zaire, Cuanza Norte e Sul, Malan-
não difere, por isso, quase nada je, Bengo, Luanda, Benguela,
face ao que eram há 100 anos... Namibe, Huíla e Cunene.

32 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


W E ST E N D 6 1 /G E T T Y I M AG E S
Z
ÁFRICA DO SUL J ZIMBABUÉ
Musina, a terra dos baobás Os baobás de Gonarezhou
F R A N H U N Z I K E R P H OTO G R A P H Y/G E T T Y I M AG E S Limpopo é a província onde os Falésias de arenito, rios caudalosos, planaltos
baobás são muito comuns, com de arbustos densos, vida selvagem e, claro,
a Reserva Natural de Musina, impressionantes baobás, que podem ser vis-
na fronteira com o Zimbabué, tos aos milhares, caracterizam a flora e a fauna
a acolher a maior concentração do Parque Nacional de Gonarezhou, no sudes-
destas árvores na África do Sul. te do Zimbabué. Os estragos provocados
A cerca de dez quilómetros de pelos elefantes nas árvores são uma das
distância do parque nacional grandes ameaças à sobrevivência da espécie.
está a cidade com o mesmo O parque tem um programa que, desde 2015,
nome, conhecida como a terra já protegeu – com cercas de arame ou de ro-
dos baobás. chas – mais 200 baobás.
A R T E R R A /G E T T Y I M AG E S

ROMAIN TEVELS
J
TANZÂNIA
Os colossais de Tarangine
Os baobás estão entre as
principais atrações incluídas
nos programas dos safaris do J NAMÍBIA
Parque Nacional de Tarangine, O baobá Ombalantu
no norte da Tanzânia. Também Estima-se que o baobá Ombalantu, localiza-
chamadas de Árvore da Vida, do em Outapi, no norte da Namíbia, tenha
elas distinguem-se na paisagem 800 anos. O tronco tem uma porta e, no
pelo seu tamanho colossal, seu interior, é possível acomodar 35 pessoas.
dando abrigo a diferentes Ao longo de séculos, a árvore já foi uma
espécies de aves e alimentando capela, um posto de correio, um esconderijo
grandes e pequenos mamíferos e uma habitação particular. Hoje, acolhe
como o elefante ou o mangusto. duas exposições – uma sobre a importância
dos baobás para a comunidade Owambo
e outra sobre a história da luta pela indepen-
dência da Namíbia.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 33


No Radar
TEXTOS A N A C O STA

INTERCONTINENTAL KHAO YAI RESORT | TAILÂNDIA

CHARME FERROVIÁRIO
EM CENÁRIO TROPICAL
F OTO S : D I R E I TO S R E S E RVA D O S

A nordeste de Banguecoque, há um novo resort


que é um aceno nostálgico à era dourada
das viagens de comboio. Está instalado
na exuberante paisagem do Parque Nacional
de Khao Yai, Património Mundial da UNESCO.

34 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


S E É N OV I DA D E O U S E JÁ L Á E ST I V E M OS E VA L E A P E N A E STÁ N A N OSSA L I STA

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 35


NO RADAR

um jardim botânico com mais de 30 mil ár-


vores.
Conta ainda com uma piscina, spa e es-
paços para eventos, bem como três propos-
tas de restauração: o Tea House, instalado
numa carruagem histórica onde é servido o
chá da tarde; o asiático Somying Restaurant,
focado em ingredientes locais; e o Poirot
Brasserie, dedicado à cozinha e coquetela-
ria francesa.
Os hóspedes são também convidados a em-
barcar em experiências criadas à medida, como
visitas a templos e comunidades locais.

InterContinental Khao Yai Resort


262 Moo 6 Pong Talong Sub-District,
Pak Chong District, Nakhon Ratchasima,
Tailândia
Quarto duplo a partir de 140€ por noite
(com pequeno-almoço)
Web: ihg.com/intercontinental

I
nspirado pela era dourada das via- As suites de luxo
gens de comboio, e em particular são vagões históricos
e a receção é como
pelo passado histórico de Khao Yai, uma bilheteira
que foi um movimentado centro ferroviário
de ligação ao nordeste da Tailândia duran-
te o reinado do rei Rama V, o novo Inter-
F OTO S : D I R E I TO S R E S E RVA D O S

Continental Khao Yai evoca todo o charme


dessa época. O resort foi projetado pelo
premiado arquiteto e designer de interio-
res Bill Bensley, que, além dos 45 quartos
do edifício principal, decorados com deta-
lhes alusivos ao tema, transformou 19 va-
gões históricos em suites de luxo, 11 delas
com piscina privada.
O ambiente ferroviário, que se estende a de-
talhes como baús vintage e bilhetes antigos
na decoração, faz-se sentir logo à chegada,
quando os hóspedes são conduzidos até uma
“bilheteira” para fazer o check-in e um antigo
sino de estação toca para recebê-los, como
se o comboio estivesse prestes a partir.
O resort fica a pouco mais de duas horas
de carro de Banguecoque, aninhado na pai-
sagem tropical do Parque Nacional Khao Yai,
Património Mundial da UNESCO, e todos os
quartos têm vista para o cenário exuberante
que o rodeia. Nos seus 19 hectares de terre-
nos, o InterContinental abriga cinco lagos e

36 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


F OTO S : D. R .

O
SIX SENSES FORT BARWARA | ÍNDIA novo Six Senses Fort Barwara insta- corpo e para a mente. Está equipado com sau-
lou-se numa fortaleza do século XIV, na, banho turco, tepidário e salas de tratamen-
SA N T UÁ R I O originalmente propriedade da famí- to onde se aplicam os princípios preventivos
D E B E M - E STA R lia real do Rajastão, erguida contra o painel de da medicina oriental com influências ociden-

N O R A JASTÃO colinas de Aravalli. Atrás das muralhas de are-


nito cabem dois palácios e dois templos cui-
tais. Os hóspedes podem optar por massa-
gens ayurvédicas a quatro mãos, sessões de
dadosamente restaurados ao longo de quase ioga ao pôr do sol ou meditação e relaxar no
uma década, de forma a evocar o ambiente jardim de ervas medicinais.
Um forte com 700 anos foi convertido palaciano do passado e garantir todas as co- Os três restaurantes do hotel focam-se nos
num hotel de luxo, evocando a aura modidades modernas com o cunho Six Sen- sabores locais, trabalhados com produtos da
palaciana de outros tempos. ses. O complexo alberga agora 48 suites ele- horta própria e de produtores próximos. E os
gantes e espaçosas, três restaurantes que tra- jardins, plantados com mais de 370 espécies
balham os produtos locais e um spa com tra- endémicas, como a murraya, que ajuda a eco-
tamentos exclusivos para o corpo e a mente. nomizar água, são exemplo do esforço de sus-
Os quartos, com vista florestal ou para vila tentabilidade e proteção do ecossistema.
de Barwara, foram projetados para comple- Para envolver os visitantes com a comunida-
mentar o cenário histórico enquanto incor- de local, o resort organiza passeios com o hor-
poram subtilmente traços de tecnologia e o ticultor residente e visitas a templos e merca-
conforto necessário a uma boa noite de dos. É de lembrar que os famosos tigres do Par-
sono. Fala-se de camas de dossel, colchões que Nacional de Ranthambore estão a escassos
feitos à mão, assentos acolchoados junto às 35 quilómetros de distância.
janelas trabalhadas que emolduram as coli-
nas, sanitas com assentos aquecidos e per- Six Senses Fort Barwara
sianas que sobem ao entrar no quarto. Algu- Chauth Ka Barwara, Rajastão, Índia
mas suites têm até terraço particular com Suite a partir de 561€ por noite
chuveiro ao ar livre. (com pequeno-almoço)
O antigo Zanana Mahal (palácio feminino) Web: sixsenses.com/en/resorts/
acolhe o spa, santuário de bem-estar para o fort-barwara

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 37


NO RADAR

NOBU | SANTORINI O hotel boutique abriga ainda um ginásio


com salas de tratamento, uma piscina infinita
LUXO D I S C R E TO de dois níveis e o primeiro restaurante Nobu do
N O M E D I T E R R Â N EO país, liderado pelo chef executivo Ricardo Ma-
rin. O menu conta com alguns dos pratos clás-
sicos da marca, incluindo o Black Cod Miso e o
Yellowtail Sashimi com jalapeño, e novas recei-
O primeiro hotel e restaurante tas inspiradas na cozinha tradicional grega.
da marca na Grécia abriga 25 quartos Não sendo hóspede mas querendo conhe-
e suites e uma piscina infinita com cer a nova adição à oferta hoteleira de Santori-
vistas deslumbrantes do mar Egeu. ni, qualquer pessoa pode passar o dia no hotel
com o pacote Nobu Daycation, que dá acesso
à piscina, ao entretenimento diário e à cozinha

N
a costa nordeste da ilha de Santori- Nobu, assim como à vista privilegiada para a
ni, plantado no topo de um penhas- caldeira vulcânica e a costa escarpada da ilha.
co sobranceiro ao mar, acaba de Os hóspedes que queiram explorar a região
abrir o novo Nobu. É o primeiro empreendi- podem ainda fazer degustações de vinhos,
mento da Nobu Hospitality na Grécia e ofere- passeios de catamarã, caminhadas e muitas
ce o luxo discreto da marca, fundada pelo re- outras atividades. Os mais aventureiros en-
nomado chef Nobu Matsuhisa, por Robert De contram ali perto o famoso trilho Oia-Thira,
Niro e pelo produtor de cinema Meir Teper, que segue pelo litoral até Fira, a capital cos-
bem como um novo destino gastronómico mopolita de Santorini.
de frente para o mar. Somando-se ao portefólio europeu da Nobu
A propriedade, próxima da cidade de Imero- Hospitality, o lançamento do Nobu Hotel and Nobu Hotel Santorini
vigli, mas a distância suficiente para proporcio- Restaurant Santorini marca o 26.º hotel da mar- Imerovigli, Santorini, Grécia
nar reclusão, é composta por 25 quartos e sui- ca em todo o Mundo e o 10.º no continente eu- Suite a partir de 970€ por noite (com
tes, dos quais cinco villas com vista para o mar ropeu, com propriedades em Roma, San Se- pequeno-almoço)
Egeu e jardim privado com piscina. bastián e Hamburgo em desenvolvimento. Web: santorini.nobuhotels.com

F OTO S : D. R .

38 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


QUINTA DO PÔPA | PORTUGAL

UM CUBO
E N T R E V I N H AS

Até ao final do mês de outubro, a Quinta


do Pôpa, em Tabuaço, convida a passar
a noite no meio da vinha, num quarto
em forma diferente.

E
m parceria com a start-up Eco3 (eco-
cubo), a Quinta do Pôpa lançou uma

D. R .
experiência pop-up que junta aloja-
mento, visita à propriedade e prova dos vi-
nhos. Desde que abriu portas ao enoturismo, GARDEN HOUSE | INGLATERRA
há uma década, o produtor instalado à face
da EN222, na encosta de Adorigo, Tabuaço, A CASA D E CA M P O
em pleno Alto Douro Vinhateiro, sempre teve D E S UA M A J E STA D E
a vontade de juntar a dormida às experiências
que disponibiliza na quinta.
A oportunidade surgiu agora, ainda que em
regime temporário, com um quarto em forma A antiga casa do jardineiro-chefe da rainha Isabel II,
de cubo instalado na parcela de Vinhas Ve- em Sandringham Estate, está agora disponível para alugar.
lhas, a mais icónica da quinta e que este ano
celebra nove décadas. É um confortável refú-

A
gio na Natureza, que alia a flexibilidade de uma Garden House está instalada no Sandringham Estate, o mui-
tenda ao conforto de um quarto, feito de ma- to adorado refúgio rural da falecida rainha Isabel II, na cos-
deira e cortiça e totalmente desmontável. ta de Norfolk, Inglaterra. A propriedade de oito mil hectares,
É uma criação da Eco3, que se dedica ao tu- agora residência particular do rei Carlos III, pertence à família real bri-
rismo sustentável através de abrigos ecológi- tânica desde 1862 e tem sido tradicionalmente usada pelos seus mem-
cos em locais que permitem a imersão na Na- bros durante a época natalícia. O palácio serviu de cenário ao discur-
tureza. Aqui, a vista é para o rio Douro e os so- so de Natal da monarca durante o seu longo reinado.
calcos das encostas. Nas proximidades foi ins- Dentro dos portões, a antiga casa do jardineiro-chefe da rainha –
talado um WC ecológico, com reservatório de o edifício mais próximo do palácio – está agora disponível para alu-
água para a higiene pessoal. gar através da plataforma Airbnb. Quem quiser passar uns dias nes-
se retiro histórico irá encontrar uma charmosa casa de tijolo, com ca-
Quinta do Pôpa, EN222, Adorigo, Tabuaço pacidade até oito pessoas. O alojamento está mobilado com peças
Quarto duplo a partir de 150€ (inclui visita, que já pertenceram a alguma residência real. Oferece sala de jantar
prova de vinhos, uma garrafa de vinho com lareira, cozinha equipada e sala de estar. Ao redor espraiam-se
e pequeno-almoço). De terça a sexta-feira 24 hectares de jardins, um mais formal e outro onde crianças e ani-
Web: ecocubo.pt/douro-tabuaco mais de estimação podem correr e brincar.
A poucos passos fica o restaurante e o Centro de Visitas de San-
dringham – aberto de abril a outubro. Os visitantes podem ainda des-
frutar de trilhos sinalizados ao longo da floresta, dos relvados ou de
lagos e jardins românticos. A curta distância de carro ficam as belas
praias do norte de Norfolk, cercadas por campos de lavanda e papoi-
las e aldeias típicas inglesas.

Garden House, Sandringham, Norfolk, Inglaterra


F OTO S : D. R .

A Garden House está disponível a partir de 400€ por noite,


mas já se encontra reservada até 2024
Web: norfolkhideaways.co.uk

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 39


D
D E S LO CAÇ Õ E S | L I V ROS O colibri
T E X TO S P E D R O I VO C A R VA L H O SANDRO VERONESI
QUETZAL
328 páginas
Preço: 18,80 €

O regresso a África
É na imperfeição das relações amoro-
sas que encontramos muitas vezes a
nossa própria perenidade existencial.

(e a Angola) do “Colibri” percorre os labirintos emocio-


nais de Marco Carrera, um oftalmologia

senhor viajante
italiano que, de um dia para o outro, vê
a sua rotina lançada pela janela. Tudo
porque um desconhecido o confronta
com um mundo paralelo da mulher que
ele julgara não ser possível. Marco cor-
re risco de vida, aprisionado pela notí-
Paul Theroux aventura-se pela margem cia de que a sua parceira está a ter um
ocidental do continente, de mochila às caso extraconjugal e que o filho que
costas, para nos sobressaltar com as ele vai ter, afinal, não é seu. A partir da-
agruras (e encantos) de uma geografia qui, tudo se redesenha nesta história: o
cultural e política que nos é tão cara presente e o futuro dão lugar a um pas-
sado que Marco julgara enterrado,
onde as memórias se constroem em
torno de amores juvenis, de recorda-

P
ções sombrias ligadas à morte, de ami-
aul Theroux regressa a África, zades viscerais. As personagens estão
depois da aventura pela Cidade permanentemente em cena, fazendo
do Cabo, na África do Sul, para desta uma narrativa amorosa apaixo
apaixo-
nos descrever como só ele con- nante e vibrante. Quase cansativa.
segue as agruras de um continente exau-
rido de esperança, em tantos momentos,
mas que consegue, ainda assim, ser ter-
ritório de uma comunhão apaixonada
com a Natureza. Esta é a viagem derra-
deira do conhecido autor por aquele
continente, num trajeto que o levou a
mapear a margem ocidental, até ao nor-
te. Nesse trajeto, decide parar em Ango-
la, onde testemunha tudo o que há de
mau e tudo o que ainda de bom pode re-
sistir. “Sou um homem de 70 anos a via-
O último comboio
jar como um mochileiro no meio de An-
para a zona verde
PAU L T H E R O UX gola e os únicos estrangeiros que vejo
TERRA INCÓGNITA uns seis ou oito são homens de negócios
432 páginas que se esforçam por fazer lucro com os
Preço: 18,80€ recursos do país” . Lido a partir de Por-
tugal, este retrato tridimensional do re-
gime e da cultura angolanos soa-nos fa-
miliar, mas nem por isso nos deixa me-
nos sobressaltados.

40 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Fernão de Magalhães
- a primeira viagem
de circum-navegação
D AV I D S A L O M O N I
VOGAIS EDITORA
272 páginas
Preço: 19, 95€

Esta é a história de uma aventura, uma


das maiores de sempre, na verdade. A
história de como 237 homens deixaram
o porto de Sevilha em agosto de 1519
para se lançarem na primeira viagem de
circum-navegação do Planeta, capita-
neada pelo português Fernão de Maga-
lhães, que depois de ter sido desonrado
e afastado dos seus colocou-se ao ser-
viço da coroa espanhola, em busca de
perdão. Portugal e Espanha estão preci-
samente no âmago desta travessia ex-
traordinária, que aconteceu para provar
que as ilhas Molucas, outrora um dos
epicentros da produção de especiarias,
pertencia a Espanha e não a Portugal.
Foram três anos de viagem, com tudo
aquilo que se possa imaginar: batalhas,
naufrágios, motins, traições. Três anos
de um dos maiores feitos da Humanida-
de que, como quase todos, acabou por
ter custos incalculáveis no número de
vidas perdidas. No regresso a Espanha,
no navio já só restavam 18 homens fa-
mintos. Heróis para a posteridade.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 41


PELA LENTE DE

42 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 43
PELA LENTE DE

ESTA IMAGEM

DISTÂNCIA FOCAL

20 mm
ISO

800
TEMPO DE EXPOSIÇÃO

1/60 s
ABERTURA

f/3.2
PEPE BRIX

O HOMEM E O MAR
O açoriano seguiu as pisadas do pai e do avô na fotografia e tem uma ligação especial
ao mar, que inspira grande parte do seu trabalho. A bordo de um bacalhoeiro registou
a dura faina do mar da Terra Nova, num de muitos périplos pelo Mundo.

P
epe nasceu no meio da fotografia. O avô uma ótima ferramenta para crescer, para amadurecer
era um artista de circo que deixou a vida a vários níveis, e nesse sentido acho que a fotografia
de saltimbanco para se instalar em Santa também acompanhou esse processo de crescimento
Maria, nos Açores, no início dos anos pessoal. Tu mudas, a tua fotografia muda”, acredita.
1940, e foi aí que começou a fazer fotografia “à la mi- Já correu o Mundo, mas regressa sempre à ilha
nuta”. Pouco depois abriu uma loja, a Foto Pepe. “O onde nasceu e confessa ter uma ligação especial ao
meu pai acabou por ficar com o negócio do meu avô e mar, que inspira grande parte do seu trabalho. Esse CÂMARA
Nikon D800
eu depois comecei a trabalhar com ele. Tinha os meus interesse levou-o, em 2014, a embarcar no baca-
12 ou 13 anos e ia para a Foto Pepe revelar rolos quando lhoeiro Santa Joana Princesa, numa campanha de
havia muito trabalho. Depois ia fotografar casamentos três meses e meio nos mares da Terra Nova. Dessa
com ele, tinha por aí 14 anos. E fui ganhando o gosto. aventura resultou a reportagem “Código Postal:
O meu avô tinha feito um trabalho muito grande, aqui A2053N”, da qual faz parte esta fotografia, publi-
em Santa Maria, de fotografia do mundo rural e esse re- cada em 2015 na “National Geographic Portugal”
gisto acabou por me inspirar bastante”, recorda. que lhe valeu o prémio Gazeta de Fotojornalismo.
Aos 18 anos rumou ao Porto para estudar no Ins- Atualmente dedica-se ao projeto “Tuna Tales”, de
tituto Português de Fotografia. “A partir daí, fui dei- que resultará uma série de documentários e um ban- OBJETIVA
xando o trabalho da Foto Pepe para me dedicar co de imagens sobre a pesca de pequena escala do Sigma 20 mm
mais ao fotojornalismo e à fotografia documental.” atum em várias partes do Mundo. “O grande sumo
Chegou a considerar o curso de Psicologia e ainda do trabalho prende-se com apelar às pessoas que te-
hoje tem o sonho de estudar Antropologia, para nham mais atenção com aquilo que consomem, que
usar como ferramentas para aprofundar os assun- procurem consumir atum que é pescado de forma
tos que aborda no trabalho fotográfico. sustentável”, frisa. “Eu trabalho muito a relação do
Diz ter amadurecido como fotógrafo quando come- homem com o mar. O mar tem essa capacidade de
çou a viajar. Em 2006 fez um primeiro inter-rail pela moldar as comunidades que o cercam, sobretudo os
Europa e desde então desdobra-se em grandes via- pescadores. E, sendo açoriano, acho que isso ainda
gens. Destaca a Índia e o Nepal, onde esteve quatro faz mais sentido, porque realmente noto que nos pepebrix.com
meses. Aliás, volta com regularidade aos Himalaias Açores o mar é uma entidade que transforma bastan- Instagram:
indianos como líder de viagem da Nomad. “Viajar é te a forma como nós olhamos para tudo.” Z A.C. @pepebrix_doc_photography

44 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


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TEMA DE CAPA PACÍFICO

Um golfinho pode ser


mais traiçoeiro do que
um tubarão? Pode. Filipa
e Diogo Frias descobriram-
no num destino perdido
no meio do Pacífico,
um oceano que buscam
incessantemente desde
que ultrapassaram o medo
de mergulhar. Falam-nos
do mar, do que há nele
e do que há nas suas
margens.

TEXTOS E FOTOGRAFIAS
FILIPA FRIAS E DIOGO FRIAS

A
HARMONIA
DO INC
46 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T
Pôr do sol em Peava,
na Lagoa de Marovo,
Ilhas Salomão

ONCEBÍVEL
VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 47
PACÍFICO

DO OUTRO LADO DO MUNDO MORA O PARAÍSO,


I L H A S D E Á G U A A Z U L-T U R Q U E S A , PA L M E I R A S ,
COCOS, ANIMAIS EXÓTICOS, AREIA BRANCA
E A PAZ DAS FÉRIAS QUE TODOS PROCURAMOS.

O problema? Fica exatamente do outro lado do Globo. É lon- didade a que descemos. Aqui, quem manda são eles. Nós
ge, de acesso difícil e, por isso, mais caro do que qualquer somos apenas espectadores das suas rotinas e interações.
outro destino. Chegar lá é uma prova de paciência: com as Os corais prístinos povoam o terreno, pintando o am-
escalas, com as muitas horas de voo, com os transfers difí- biente de cores fortes. Têm várias formas, tamanhos, co-
ceis, com os alojamentos menos luxuosos e mais caros por res, texturas e diversas tarefas no ecossistema. Parece um
falta de concorrência. Mas vale a pena. Somos recompen- jardim, o mais bonito que poderíamos imaginar. À se-
sados com a genuinidade do lugar, o rebentar das ondas melhança de uma horta, com brócolos, couves e flores e
transparentes na areia, o silêncio de uma praia deserta plantas, crescem e propagam-se pelo oceano, contri-
interrompido pelo cair de um eventual coco ou pelo buindo para o desenvolvimento e crescimento de várias
chilrear de um pássaro. E o mar, o calor do mar, que nos espécies e pelo fornecimento de nutrientes essenciais ao
convida a mergulhar livremente, para explorar o mun- ecossistema. São fundamentais para a fauna e a flora –
do marinho sem o neoprene que nos esmaga a pele e blo- 65% dos peixes e um quarto das espécies marinhas vive
queia os movimentos. dos recifes. O pantone não é homogéneo e as cores, ape-
Os peixes de poucos centímetros aventuram-se a sair do sar de infinitas, conjugam-se na perfeição, em sintonia
coral para explorar a imensidão do oceano Pacífico, para lá com os peixes, numa espécie de ballet sincronizado pela
do recife – o grande azul profundo. Está lançado o feitiço maré onde a música é pautada por dentadas no coral duro
pelo mistério do mundo subaquático e a curiosidade é ati- e pelo cântico dos golfinhos e das baleias.
çada pela descoberta dos comportamentos entre espécies É preciso entender que os peixes são territoriais. “Mi casa
e das cores e tamanho dos peixes, proporcional à profun- no es su casa” e não se é bem-vindo a passear perto dela.
Frequentemente vemos uns expulsar outros, muitas ve-
zes com o triplo do tamanho, até estarem seguros de que
estão longe do seu território. Mas, no segundo seguinte,
estão a dar o corpo para proteger outra espécie das pes-
soas que teimam em tirar uma foto à amiga tartaruga que
tenta dormitar numa cama de coral, embalada pela cor-
rente. Os peixes são assim, impulsivos, persistentes, ter-
ritoriais e protetores.
Quando o sol se põe, o pânico instala-se. É hora da re-
feição para os predadores noturnos. No entanto, é mais
provável sobreviver do que ser comido. Ao longo dos sé-
culos, desenvolveram mecanismos de defesa. O peixe-
papagaio larga muco pela boca numa bolha que cobre a
totalidade do corpo e esconde-se nos buracos do coral
duro. Os polvos são peritos em esconder-se nos buracos
mais pequenos. Os camarões e caranguejos usam o co-
ral mole como cobertor. As tartarugas escondem-se, es-
Venda de legumes táticas, em buracos nos corais.
no mercado de Mas ao desviarmos o olhar e encararmos o azul, agora
Honiara, na Ilha ainda mais escuro, percebemos os grandes predadores a
de Guadalcanal,
arquipélago das pairar, à espera que a noite caia definitivamente para ini-
Salomão ciar a caça. O pequeno e pontual feixe de luz das lanter-

48 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Fim de dia em Rangiroa,
na Polinésia Francesa

nas dos mergulhadores é suficiente para os tubarões en-


contrarem os peixes mais peritos na arte do disfarce. Os
tubarões não têm uma visão apurada e usam o olfato e as
vibrações dos peixes aflitos, pelo que toda a ajuda é pre-
J ciosa no momento de caçar. Uma raia é despedaçada
Crianças a caminho como manteiga pelos dentes afiados de um tubarão de
da escola na Lagoa pontas brancas. Apontar a lanterna para um peixe escon-
de Marovo, nas Ilhas
Salomão dido é sentença de morte prematura.
Com a luz do dia, a história é contada de outra forma.
Z Todos vivem em harmonia, em sociedade, tranquilamen-
Aeródromo de Seghe,
nas Ilhas Salomão te. Ninguém se esconde, não há caças, não há técnicas de
disfarce, nem mortes precoces, apesar de os grandes pre-
dadores estarem presentes. Há estações de limpeza, onde
peixes pequenos entram na boca e nas guelras de outros
bem maiores, como dentistas. Há filas para passarem o
corpo por bolhas e se agitarem em sinal de prazer. Há pei-
xes-piloto que nadam prazerosamente à frente do foci-
nho de tubarões, a escassos centímetros dos seus dentes
afiados. Há golfinhos que expulsam tubarões, mantas que
nadam com golfinhos, barracudas que passeiam em car-
dume, tranquilamente. Há tubarões que usam a corrente
para limpar as guelras. Não há medo, há partilha. Não há
adrenalina, há respeito. Não há morte, há vida.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 49


PACÍFICO

GALÁPAGOS Estamos no arquipélago mágico, documentado por


Darwin. A estranheza das formas, da vegetação, a mis-
tura das espécies concentradas neste longínquo e exclu-
sivo território cuidadosamente protegido vai para lá da
nossa imaginação.
À chegada a cada uma das ilhas, depois de uma calma
travessia noturna a bordo de um veleiro, temos a sensa-
ção que imaginamos ter sido a dos nossos antepassados
ao alcançar um pedaço de terra inexplorado, onde a pre-
sença humana é muito limitada e a população se faz de
leões-marinhos, iguanas e até pinguins que viajam dos
mares distantes do sul. O azul-turquesa e cristalino re-
fresca a areia branca, decorada por restos de corais e os-
sos de baleia e enquadrada por um verde lustroso.
Chegar a Gordon’s Rock é chegar a um pináculo fora
de água, rodeado de correntes. É aqui que os tubarões-
martelo vêm limpar as guelras e caçar à noite. A água é J
turva, cheia de plancton, perfeito para as mantas que dele Um dos muitos ilhéus
se alimentam. Mas hoje o dia era para outro animal. Ao do arquipélago,
habitat de algumas
longe surge uma “sombra”, não se percebe bem o quê, das diversas espécies
uma forma que ocupa grande parte da nossa visão. Aos de aves marinhas
poucos, vai se aproximando: é uma parede de tubarões-
n
-martelo. Corais protegidos
São grandes, com barriga gorda, os olhos nas pontas na Ilha de San
Cristóbal, abrigo
do martelo. Nadam muito calmamente, em grupo, afas-
dos jovens cardumes
tados de nós. Parecem até ter medo da nossa presença e
dos barulhos que fazemos naturalmente. Tentamos tudo
para fazer silêncio, mas a nossa respiração é suficiente
A MAGIA DO PARAÍSO INTOCADO

para afastá-los. Um ou outro mais curioso aproxima-se


com cautela e foge quando descobre que não somos pei-
xe. Toda a situação é um regalo para os olhos a que ne-
nhuma fotografia faz jus. Aparece uma tartaruga mas é ig-
norada. Está entre gigantes tão raros...

50
3
Leões-marinhos
e tartarugas-mari-
nhas sonolentos
na Ilha Floreana.
Em baixo, o inespera-
do azul-turquesa
e a paisagem tropical
das Galápagos

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 51


PACÍFICO

3
Os icónicos ilhéus
de Palau, património
da UNESCO.
Em baixo, o Jellyfish
Lake, entre Koror
e Pelellu
PALAU

O barco serpenteia as ilhas verdes de calcário em forma de


cogumelo. Estamos numa das únicas áreas protegidas do
tubarão a nível mundial. Abaixo da superfície, nadam pa-
cificamente algumas das criaturas mais temidas do ocea-
no, injustamente rotuladas. Quem visita esta longínqua
ilha do Pacífico tem que saber que em todos os mergulhos
MICRONÉSIA

se vêm tubarões, não há como escapar. O mergulho com


eles é, de resto, a atividade principal de Palau. A maior par-
te da ilha da costa é de rocha e vegetação, há poucas praias
e existem relatos de crocodilos de água salgada.
Conseguimos transportar-nos para as grandes batalhas
do Pacífico que marcaram a II Guerra Mundial. Fragatas
afundadas, tanques japoneses, armas, capacetes enfer-
rujados, são percetíveis os destroços da guerra. Mergu-
lhar nestas águas pode parecer um ato de loucura, mas
nadar ao lado de um tubarão é um ato de serenidade. Foi.

52 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


n
São muitas as marcas
da II Guerra Mundial
na ilha de Koror, um
inesperado museu

3
Os tubarões nadaram longe, de forma pacifica, não ata- Para além de ser um
caram, nem estavam preocupados ou curiosos com a pre- dos melhores desti-
nos do Globo para
sença de humanos. Não estavam nervosos, nem com mergulhar com tuba-
comportamentos agressivos, alguns nadavam com as rões, uma volta
crias, tranquilamente. Há uma pequena comunidade que à ilha é altamente
recomendada
defende com unhas e dentes que estes animais não são
perigosos quando tratados com respeito e que encaram
um mergulho com eles como um privilégio que poucos
têm a honra de ter. É impossível não concordar. Noutras
culturas, diferentes da nossa, o tubarão é encarado com
naturalidade, até com o desdém com que olhamos para
qualquer peixe. É apenas um animal, um pouco como
num safari, quando depois de horas a ver gazelas já não
queremos saber da sua presença. Em determinadas re-
giões do Pacífico, o tubarão é apenas um peixe que se
deve tratar com respeito. Não podemos discordar.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 53


PACÍFICO

FRANCESA Conhecido como o destino mais bonito, o paraíso na Ter-


POLINÉSIA ra, a Polinésia Francesa oferece um leque de atividades e
opções de alojamento sem fim. Papeete, com a sua areia
negra, palmeiras e verde luxuriante, mar azul-cobalto e
n
Bora Bora, o paradi-
vulcões imponentes, mostra-nos pobreza e até crimina-
síaco destino de lua lidade, mas também nos ensina muito sobre a simpatia
de mel do povo que vende fruta na rua. Sempre prontos para uma
Atol de Rangiroa,
palavra, um sorriso curioso, vão vivendo as suas vidas,
com corais prístinos alheios aos males do Mundo. Sim, existe pobreza. Sim,
e vida marinha fértil existe lixo na rua. Não há preocupação ambiental como
noutros destinos, onde a educação é mais generalizada.
Mas isso não tira nada à beleza do povo e do lugar e não
faz deles menos puros. Pelo contrário.
Bora Bora tem uma ilha imponente no centro, onde os
locais levam a sua vida afastados do luxo exuberante dos
hotéis cinco estrelas que preenchem os ilhéus que ro-
deiam a ilha. A montanha em pano de fundo (um vulcão
com mais de 700 metros de altitude) dá a este destino
uma beleza incomparável e ali a vida passa devagar, nin-
guém parece interessado no luxo e no dinheiro, apenas
em viver a praia, festejar com a família na areia, convi-
ver e nadar nas águas turquesa. São surpreendentes a
normalidade e a azáfama que não se esperariam num
postal paradisíaco, longe dos resorts que deturpam a ma-
gia do lugar e onde a essência do genuíno se perde com
as cópias e o cliché rouba a singularidade do lugar...

A entrega de mantimentos
nas ilhas mais recônditas

Matira Beach, a única


praia pública de
Bora Bora

54
J
Rangiroa é um dos anéis turquesa no arquipélago das Vestígios da II Guerra finho está parado com a cria, como se estivesse à nossa es-
Tuamotus, “pintado” no oceano. Conta apenas com meia Mundial contrastam pera. Os animais vêm ter connosco, tocam-nos, expulsam-
com a paisagem
dúzia de alojamentos e outra meia de sítios para comer, paradisíaca das ilhas -nos da sua casa, posam para a fotografia, defendem a fa-
uma estrada, um aeródromo e algumas casas espalhadas mília e os amigos. Um peixe-palhaço fêmea (o Nemo da
pela língua estreita que dá forma à ilha. Do lado de fora Disney) nada freneticamente a um palmo da minha cara,
do atol o mar é agreste, mas do lado de dentro reina a cal- tentando expulsar-me da sua anémona, protegendo a
maria. Nos dois canais que ligam os dois lados da ilha cria e o companheiro da minha presença. Uma tartaru-
mergulha-se com golfinhos que interagem connosco, ga persegue-me pedindo-me que lhe dê um pedaço de
tartarugas que vêm comer coral à nossa mão, tubarões coral na boca, como se fosse um cão. Um golfinho pára
que vagueiam calmamente no azul profundo, mantas que nas costas de um mergulhador e fica imóvel atrás dele,
dançam como fadas, barracudas curiosas que se aproxi- onde não pode ser visto, como se estivesse a fazer pou-
mam. E o coral é um jardim. Aqui um mergulho nunca é co dele. Um cardume gigante de barracudas rodeia-nos,
igual ao anterior. Rangiroa não é um destino de massas, com o seu olho de cada lado, cercando-nos cada vez
nem daqueles com “tudo incluído”. É um local para se mais perto, aproximam-se para tentar entender quem
viver devagar, fazer amizades com os locais, jantar de pé somos. Duas mantas rodopiam sobre si mesmas a uma
descalço, comprar o pequeno-almoço na mercearia do curta distância, parecem querer exibir-se e quase ouvi-
tamanho das nossas salas. É verde, é turquesa, é azul, é mos a banda sonora de Tchaikovsky na nossa cabeça.
bege, mas também é o colorido das pessoas. Mergulhar é como entrar no país das maravilhas, mas o
Mergulhar aqui é descobrir um mundo diferente. Um gol- nosso nome não é Alice.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 55


PACÍFICO

SALOMÃO

3
Um trilho rasga
a luxuriante selva
que caracteriza
as Ilhas Salomão

56 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Z
O mar e a selva são
as principais fontes
de recursos dos
locais

n
Crianças brincam
na pequena vila
de Peava depois
da escola.
Em baixo, o fundo
do mar esconde
um tesouro ainda
intocado pelo
Homem

Os habitantes de Peava são um contraste perfeito: cabe-


los loiros e encaracolados, tez escura e olhos claros. In-
teragimos com eles em praias isoladas, cercados por sel-
vas densas, verdes, tropicais, onde papagaios e catatuas
exóticas voam entre as árvores por cima das nossas ca-
beças. A água é como um vidro que deixa ver, da super-
fície, os exuberantes corais com peixes de mil e uma co-
res. Fins de tarde inesquecíveis de cores intensas enquan-
to remamos calmamente num caiaque, entre conversas
com os pescadores da vila. Lagosta mais barata do que
frango, que grelhamos enquanto vemos o sol-pôr. Caba-
nas com telhados de colmo em cima da água engolida
pela selva, debruçadas sobre o mar. Pirilampos que nos
fazem companhia enquanto jantamos à luz das velas. Ca-
ranguejos que se escondem na nossa casa de banho para
fugirem da chuva tropical que teima em cair durante a
noite. Comida tradicional suculenta, peixe pescado mi-
nutos antes de ir para o nosso prato. Tubarões cinzentos
curiosos com a nossa presença enquanto vulcões suba-
quáticos ativos estremecem a cada cinco minutos. Isto
são as ilhas Salomão!
O arquipélago foi palco de sangrentas batalhas duran-
te a II Guerra Mundial, nomeadamente na ilha principal
de Guadalcanal. Um passeio de scooter descomprome-
tido transforma-se facilmente numa surpreendente vi-
sita a um museu ao ar livre. O fundo do mar é o paraíso
para amantes de mergulho em destroços e ainda há mui-
to por descobrir neste éden intocado.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 57


PACÍFICO

FIJI O clássico destino de lua de mel americano oferece mui-


tas outras opções para quem prefere usar chinelos o dia
todo. Alojamentos simples em praias decoradas com pal-
meiras, cocos, pássaros tropicais, sumos de fruta exóti-
ca e o recife lá longe e onde é possível encontrar as me-
lhores ondas para surfar. É aqui também que nadam tu-
barões-touro, alvos de vários estudos de migrações, em
que os mergulhadores ajudam. Num mergulho podem
ver-se 15 a 20 exemplares, fazem-se recolhas de amos-
tras de pele, aplicam-se localizadores que vão permitir
entender as rotas migratórias, fazem-se contagens e re-
gistam-se pormenores, como fêmeas prenhes, a falta de
alguma barbatana, etc. Para atrair os animais usam-se
cabeças de atum, o que pode ser discutível, sem dúvida,
mas permite investigações mais aprofundadas sobre es-
tes tubarões. J
Estamos no barco a caminho do local onde vamos mer- A pitoresca
gulhar e a excitação sente-se no ar. Ansiedade, sorrisos vila colonial de
Pacific Harbour
espontâneos, a azáfama da preparação de todo o mate-
rial. Chegamos. Entramos com uma profundidade de dez
metros e começamos a descer diretamente para os 25. A
visibilidade é boa e a luz do dia ilumina o local. Pomo-

O arquipélago
oferece incontáveis
locais de mergulho
extremamente ricos
nos em linha, junto a um coral artificial e entra o caixo-
te com as cabeças de atum, que pára ligeiramente acima
de nós. E surgem os maiores tubarões que já vimos – cer-
ca de quatro metros. Vêm esfomeados, atraídos pelo chei-
ro a sangue na água. Vão diretos ao caixote, esperam cal-
mamente que um mergulhador tire uma cabeça e lhes
dê. Quase fazem fila indiana e comportam-se lindamen-
te. Vemos os seus maxilares a expandir quando abrem a
boca para apanhar o peixe cortado. Saem satisfeitos e vol-
J tam para a fila, querem mais. Vão passando por cima das
Praias perfeitas nossas cabeças e facilmente poderíamos tocar-lhes e sen-
nas Mamanucas, tir a sua pele áspera. Logo a seguir vêm os tubarões-lixa,
a oeste de Viti Levu;
À direita, as cores contentes por também poderem comer. Partilham de
vibrantes do mercado bom grado a comida e não se atropelam. Quando passam
de Suva e uma vista junto a nós, conseguimos entender perfeitamente a gran-
de Pacific Harbour
diosidade destes animais.
Z Na subida ainda fazemos uma paragem aos 15 metros,
Final do dia na Ilha
onde os restos de comida vão para os tubarões de recife,
Namotu, porto
essencial para de-pontas-pretas, de-pontas-brancas e cinzentos, mais
os amantes de surf impacientes e irrequietos. Atropelam-se e, pelo tama-
nho, menos de metade, podiam ser facilmente os netos
dos touro – a majestosidade de um tubarão-touro é in-
comparável... Estes são esguios, magros e comportam-
se como adolescentes. Como são mais pequenos, nadam
mais rápido, metem-se em qualquer espaço e estão an-
siosos por comida. Não querem saber de nós e passam
tão perto que até batem com as barbatanas laterais nas
nossas cabeças. Não se desviam, mas não estão a atacar.
Estão só a comer...

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 59


PACÍFICO

REVILLAGIGEDO
(ILHA SOCORRO)
Z
Revillagigedo
é o destino certo
para o contacto com
espécies pelágicas
como golfinhos,
mantas e tubarões
oceânicos

Um dos destinos de mais difícil acesso para mergulho, por


lá se chegar apenas de barco, ergue-se do azul. Os vulcões
são agora um parque nacional numa área protegida onde
não se pode pescar nem entrar sem autorização.
San Benedito é uma montanha que entra pelo mar
com a forma de dois dedos que se alongam até às pro-
fundezas. Ampara tubarões das Galápagos, pontas
cinzentas, pontas-pretas oceânico, tigre e seda, gol-
finhos, a raríssimas mantas pretas, polvos, tartarugas,
moreias escondidas em buracos nas rochas, lagostas
por todo o lado…
Este é um mergulho difícil por causa das correntes oca-
sionais, mas a atividade das espécies vale o esforço de lu-
tar contra a corrente. Os tubarões são curiosos, aproxi-
mam-se. Avistamos grupos tímidos de tubarões-martelo.
Mal nos veem desaparecem num piscar de olhos.
Ao contrário do que se poderia pensar, os tubarões não
são uma espécie corajosa, destemida. São medrosos, tí-
midos e, 99,9% das vezes, fogem no primeiro contacto.
O esforço tem de ser feito por nós, procurá-los e abordá-
-los devagar e com cautela, para que não fujam. Avançar
lentamente é, aliás, umas das regras de ouro. À velocida-
de de um metro por minuto, vamos ganhando terreno até
que, de repente, ele vê que estamos demasiado perto e
desaparece. Mas não neste arquipélago. Aqui, entramos na
água, nadamos até um pedaço de rocha e esperamos. Eles
vêm ter connosco. Passam perto de nós, usando a corren-
te para limpar as guelras, e não parecem importados com
a nossa presença, apesar de a presença humana ser mui-
to escassa por aqui.
Roca Partida vem dos dois mil metros de profundidade,
onde jaz um vulcão inativo, e apenas uma pequena ponta
da cratera é visível fora de água. É composta apenas por
rocha, sem vegetação, com dois picos como que partidos
fora de água de onde nasce o seu nome. Tem cem metros
de comprimento por oito de largura e menos de 20 de al-
tura. É poiso para pássaros fora de água e local de passeio
para golfinhos dentro dela. Aqui apelidam os golfinhos de
diabólicos. Segundo o nosso instrutor, aproximam-se dos
mergulhadores, param de nadar e, devido ao peso, afun-

60 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


dam caindo como pedras e como, se de um cântico de se- palmas, dão beijinhos uns aos outros e parece tudo mui-
reia se tratasse, os mergulhadores têm tendência a segui- to mágico. Até que de repente percebemos que estamos
los para as profundezas, hipnotizados pela sua beleza, cor- mais fundo do que deveríamos estar. São de facto diabó-
rendo o risco de ficar sem ar suficiente para subir. Aqui o licos. Parecem aproximar-se de nós com o único fito de
perigo mora com os golfinhos, não com os tubarões. nos afundar. E nenhum instrutor sabe explicar porquê.
Vê-los é um momento único. São criaturas magníficas Subimos com o vagar que o mergulho exige para não
das quais, graças aos filmes, não temos medo, por serem n descurar a saúde e passamos a estar atentos ao compu-
Roca Partida, o pico
caracterizadas como doces, brincalhonas e carismáticas. inabitado de um vul- tador. Começamos a notar um padrão no comportamen-
Aproximam-se, rodopiam, nadam em grupo, num ballet cão inativo, perdido to. Aproximam-se, fazem o número de hipnotismo e pa-
aquático sincronizado, com crias agarradas às saias das no meio do arquipéla- ram de mexer as barbatanas... Mergulhar com golfinhos
go. É um dos pontos
mães, posam para a foto, parecem sorrir para nós, batem mais famosos da é uma experiência inesquecível, mas nas Revillagigedo é
com as barbatanas como se estivessem felizes e a bater expedição preciso um olhar atento ao computador de mergulho. Z

VO LTA AO M U N D O. P T JANEIRO 2021


PACÍFICO

GUIA DE
NÓS E OS
TUBARÕES
VIAGEM

LIVEABOARD
Para conseguir tirar maior par-
tido de uma viagem exclusiva
para mergulho, os liveaboards
são barcos que navegam em
zonas muito conceituadas para
DIOGO: FILIPA: a atividade, oferecendo dormi-
“Estar na presença de um tubarão “Eu sempre tive medo do mar. da, alimentação e pacotes de
é um momento de esplendor, de Não conseguia respirar com mergulho. São geralmente
magnificência. Somos envolvidos água acima do umbigo. Nas Mal- dispendiosos, mas valem bas-
por paz, tranquilidade, silêncio, divas decidi ceder e arrisquei tante a pena. Exigem o certifi-
em harmonia com a Natureza. o snorkel, mas sempre com água cado do curso com o grau
Não há banda sonora de filmes pelo joelho. Só via areia. E fiquei mais elevado e levam aos me-
hollywoodescos, não há tensão, o hipnotizada com um ou outro lhores sítios para mergulhar.
tubarão não nada de boca aberta peixe colorido e curioso que me Os preços variam conforme o
na nossa direção, não emite sons foi encaminhando, devagar, destino, rondando de 800 eu-
violentos, nada em “mute”. Não ao longo de 15 dias, até território ros, como nas Bahamas (desti-
nada rápido, aliás, quanto maior onde não tinha pé. Meses depois no maravilhoso para mergulhar
o animal mais lento ele é. Há, sim, iniciei o curso de mergulho com tubarões) até cerca de
pena quando o tubarão se afasta, “Open Water” e consegui deixar seis mil euros em certos desti-
por este momento não ser eterno, o medo para trás. Quando che- nos no Pacífico. Não é obriga-
por não se chegar mais perto e guei às Palau, reconhecida área tório ser-se mergulhador para
assimilar todos os pormenores. de proteção de tubarões onde andar nestes barcos, mas
O medo deixa de fazer sentido, não é possível evitá-los, abracei depois não poderá mergulhar
como se nunca tivesse existido o desafio com a certeza de que nos destinos. Muitos oferecem
justificação para o sentirmos. esse seria o dia da minha morte atividades, excursões, etc.
Deixamos de perceber o que sen- e mergulhei num mar repleto
tíamos antes de nadar com um dos animais mais receados do CURSOS DE MERGULHO
tubarão. O medo dissipa-se para Mundo. Assustei-me, recuperei O preço dos cursos de mergulho
nunca mais voltar e não deixa o fôlego, resisti e ultrapassei varia conforme os destinos.
qualquer vestígio de ter existido. o medo (ao mesmo tempo que Entre os mais baratos estão
Não nos conseguimos lembrar do espetava as unhas na mão do o Egito (onde nós tirámos
porquê de termos sentido medo Diogo). E prometi espalhar a pa- os nossos), a Tailândia, as
um dia. A experiência é tão avassa- lavra e explicar que o receio des- n Honduras, as Filipinas ou a
ladoramente positiva e refrescante tes animais é alimentado por fil- Um tubarão-touro Indonésia. Aí consegue-se
passa por cima
que acabamos por ceder e afirmar mes e, vá, pelo aspeto um pouco dos atentos um curso por 300 euros, em
que “nadar com tubarões não agressivo de alguns da espécie.” mergulhadores média. São caros em qualquer
é perigoso”. Ninguém acredita… ilha do Pacífico, nos Estados
Passamos a ser os malucos, Unidos ou na Austrália. Existem
os inconscientes, os aventureiros vários graus de certificação.
e os valentes que nadam com O primeiro é o Open Water
tubarões. Na realidade somos (OW), que permite mergulhar
apenas os felizardos que conse- até aos 18 metros de profundidade.
guiram ultrapassar o medo Para descer até aos 30 metros
e descobrir uma nova forma será necessário o Advanced
de sentir paz e serenidade em (AOW). A partir deste nível,
momentos únicos, especiais só cursos técnicos, para ser
e inesquecíveis.” instrutor ou fazer salvamento.

62
Há também cursos específicos,
como mergulhar com Nitrox
(permite ficar mais tempo
a grande profundidade),
ou em zonas de naufrágios.
Há ainda cursos de fotografia
ou vídeo subaquático.
Um curso de mergulho pode
demorar seis a dez dias,
conforme o grau de preguiça
ou empenho, mas não é difícil!

EQUIPAMENTO DE MERGULHO
COMPRAR
• Barbatanas à medida, para evitar ocupa espaço na mala. É fácil por pessoa para dois mergulhos custam aproximadamente
que saiam à primeira pedalada. e (mais) barato alugar no destino. com aluguer de equipamento, 770 euros, equipamento
• Uma boa máscara, que se Por norma, quase todas as escolas almoço e transfer do hotel. Marcar incluído. Bicicleta
deve queimar bem com lume têm salsichas de segurança à chegada permite desconto. frequentemente disponível
e esfregar com pasta de dentes para aluguer. Se não tiverem, Hotel – 60 a 130 euros, com a custo zero nos alojamentos.
para quebrar a película protetora o instrutor/guia é obrigado a ter. pequeno-almoço.
de fábrica, ou não se vê nada • BCD (buoyancy Refeições – Média de seis SALOMÃO
quando se entra na água. compensation device). dólares por pessoa, por refeição. • COMO IR
• Lanterna para mergulho depois • Pesos e garrafa de ar Voo Porto – Istambul – Singapura –
do pôr do sol, com dois mil a O aluguer de equipamento PALAU (MICRONÉSIA) Brisbane (1300 euros)
quatro mil lumens e capacidade está muitas vezes incluído no • COMO IR Brisbane – Honiara (600 euros)
nunca inferior a 30 metros de pacote de mergulho. Quando Voo Porto – Istambul – Taipé – • DOCUMENTOS
profundidade, feixe de luz de não está, pode variar entre 20 Koror (cerca de 1800 euros) Certificado AOW
120º (para não queimar as fotos e 60 euros por dia, por pessoa. • DOCUMENTOS • CUSTOS LOCAIS
e ver mais do que apenas Certificado do curso Alojamento – cerca de 160 eu-
uma linha de luz), duas baterias, TOP DE DESTINOS de mergulho. ros/noite, com pequeno-almoço.
luz de cor natural (e não azul GALÁPAGOS • CUSTOS LOCAIS Mergulho – de 80 a 100 euros
ou demasiado amarela). • COMO IR Pack Mergulho – 1500 dólares para dois mergulhos com equi-
• Máquina fotográfica e Voo Madrid – Galápagos para cinco dias, com dois pamento.
uma boa caixa estanque, (cerca de 1500 euros ida e volta) mergulhos diários, alojamento,
que permita mudar os modos, Liveaboard last minute: marcar transfer do aeroporto, peque- FIJI
sobretudo aumentar os tons online custa seis mil euros, no no-almoço, snorkel no lago das • COMO IR
vermelhos, debaixo de água, local o preço desce em média alforrecas e quatro mergulhos Voo Porto – Paris – Los Angeles –
onde a partir dos dez metros 70%. Reservar uma noite em extra, equipamento de mergu- Nadi (cerca de 1500 euros)
tudo fica azul. Puerto Ayora e passar o dia lho, transferes diários do hotel, • DOCUMENTOS
• Luvas e pés para destinos de porta em porta nas agências almoços nos dias de mergulho. Certificado AOW
de água fria e um gorro para de viagens (há imensas). Vale • CUSTOS LOCAIS
ver peixes em vez de cabelo. a pena o esforço! POLINÉSIA FRANCESA Mergulho “shark feeding” em Paci-
• Apontador de metal para • DOCUMENTOS • COMO IR fic Harbour, Suva, a partir de 200
não tocar com as mãos Certificado do curso de mergulho Voo Porto – Lisboa – São dólares (com equipamento).
em nada, em caso de • CUSTOS LOCAIS Francisco (cerca de 700 euros)
desequilíbrio ou correntes Taxa de entrada no parque São Francisco – Papeete REVILAGIGEDO
inesperadas. NÃO TOCAR nacional – 100 dólares (cerca de 600 euros) • COMO IR
em nada (seja com a mão americanos por pessoa, Papeete – Rangiroa Voo Porto – Madrid – México –
ou o apontador, seja peixe, à chegada. (cerca de 400 euros) Los Cabos (cerca de 950 euros)
coral ou areia) é regra Taxa de migração – 20 dólares • DOCUMENTOS • DOCUMENTOS
essencial para mergulhar! por pessoa, antes de embarcar Certificado OW/AOW Certificado OW
no voo de ida. • CUSTOS LOCAIS • CUSTOS LOCAIS
ALUGAR Mergulho na Gordon’s Rock (com Hotel – entre 60 e 440 euros Liveaboard – cerca de 3500
O fato de mergulho pesa e só tubarões-martelo) – 250 dólares Mergulho – dez mergulhos euros por pessoa.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 63


G
ONDE COMER

GAST R O N O M I A
TEXTOS NUNO CARDOSO ENOTECA 17.56
V I L A N O VA D E G A I A
O restaurante e terraço da Real
Companhia Velha, no Cais de
Gaia, serve ovos rotos com Pata
Negra e um toque de trufa, à beira
do rio Douro.
Rua Serpa Pinto, 44,
Vila Nova de Gaia
www.facebook.com/enoteca17.56

ROTOS, MAS Preço: 14€

CHEIOS
DE SABOR
Batata frita, presunto e um ovo
estrelado com gema generosa
são o trio protagonista dos
ovos rotos, clássico na rota
das tapas e ex-líbris da cultura JANGADA
madrilena. ERICEIRA
Junto à Praia do Sul, provam-se
ovos rotos em versão extra gulosa:
com molho de francesinha e las-
cas de ventricina (linguiça do cen-
J tro de Itália).
São um dos principais cabeças mais simples, já é habitual adicio- A origem dos ovos Rua das Silvas, 2, Ericeira
de cartaz da cozinha madrilena, nar-se sabores extra à mistura, rotos é incerta, mas
www.facebook.com/
já há referências ao
mas servem-se à mesa em qual- como pequenos pedaços de petisco no início do jangadaericeira
quer taberna ou petisqueira que chouriço e até de marisco. século XVIII Preço: 9,50€
se preze nas várias regiões do As origens são dúbias em tor-
território espanhol, ou não fos- no dos ovos rotos, mas há quem

F OTO S : D I R E I TO S R E S E RVA D O S
sem os ovos rotos o epítome da ligue a sua criação às ilhas Caná-
cultura de tapas que domina a rias, por exemplo. Certo é que
gastronomia do país vizinho. uma das primeiras referências es-
Como em muitas coisas na vida, critas remonta ao início do sécu-
também aqui a lógica “keep it lo XVIII. Numa das suas obras, o
simple” é a chave do sucesso e escritor americano Richard Ford
da popularidade deste petisco terá mencionado os ovos rotos,
de conforto. depois de uma viagem que fez MÜLA
O protagonismo é partilhado por Espanha, mencionando este L I S B OA
em três doses iguais, num prato petisco como uma refeição co- Curiosamente, apesar da sua É um dos novos restaurantes do
onde se juntam batatas fritas, pre- mum entre as famílias menos simplicidade, há truques que aju- bairro de Alvalade e presta home-
sunto e ovo estrelado. O mesmo abastadas. dam a criar uns ovos rotos exem- nagem a nuestros hermanos com
estes ovos rotos trufados com
que é depois aberto – daí o nome Dizia Ford que o facto de este plares. A Casa Lucio, um dos res-
presunto em duas texturas.
de batismo – para que a gema es- ser um prato que podia ser acom- taurantes de Madrid conhecidos
Praça de Alvalade,
corra sem timidez e envolva todos panhado com um pouco de car- por servir este petisco, utiliza “o Centro Comercial, Loja 7, Lisboa
os ingredientes vizinhos, criando ne ou peixe deixava margem a es- melhor azeite” para fritar os ovos, Instagram:
o necessário elemento cremoso tas famílias para reaproveitarem em vez de óleo ou manteiga. Fica @mula_bymercantinagroup
que liga tudo. E se esta é a versão os restos que teriam mais à mão. a dica. Z Preço: 10,50€

64 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


“ V I A J A R É U M A L U FA DA
DE AR FRESCO”
É apaixonado pelos sabores do sudoeste asiático, com exceção da espetada de escorpião
que provou em Banguecoque. Aos 35 anos, soma uma década de percurso por casas
como Wasabi, Porto Santa Maria e Bica do Sapato. Rui Lima Santos, eleito este ano
Novo Talento nos prémios AHRESP, é o chef do Oh! Vargas, clássico em Santarém.

Com que cozinha internacio- traz-se sempre coisas novas. Que paisagem natural Venceu este verão a categoria
nal mais se identifica? Por exemplo, no País Basco, não esquece? Novo Talento nos Prémios
Talvez com a do sudoeste asiá- eles têm o pimento-chouricei- As paisagens verdejantes AHRESP (Associação da Hotela-
tico, Tailândia, Vietname, Cam- ro, seco e fumado, que é de- que há às centenas no País ria, Restauração e Similares de
boja, por aí. Pela frescura dos pois desidratado quando se Basco e a chamada Ilha do Portugal). A que soube a vitória?
pratos, leves mas com muito confeciona. Como nós com James Bond na Tailândia Soube muito bem. Para mim,
sabor e equilíbrio. Isso é muito o bacalhau. Quando voltei [Khao Phing Kan], um local o importante é ter pessoas satis-
importante na cozinha moder- de lá, fiz isso no Oh! Vargas inigualável, tão bonito que feitas no restaurante, mas é
na. Também sinto afinidade com os nossos pimentos. parece literalmente tirado sempre um bom reconhecimen-
com a japonesa e a francesa. de um filme, apesar de estar to, fruto do trabalho, esforço e
Qual foi a coisa mais insólita massificado. dedicação da minha equipa. Z
Quais foram as suas viagens que comeu em viagem?
mais marcantes? Num mercado de rua em
À Tailândia, há seis anos, em Banguecoque, uma espetada
Banguecoque e Krabi. Conheci com um género de escorpião
um mundo completamente di- ou lacrau. Sabia muito a terra,
ferente em termos gastronómi- não fiquei fã [risos].
cos, ao ver a forma como tra-
balham o produto exótico. E um restaurante que
Provei coisas que nem sequer lhe ficou na memória?
sabia que existiam. Vivi e tra- O Yakiniku Aroi [na Tailândia,
balhei em Bilbau, por isso tam- focado nas carnes], extraordiná-
bém diria San Sebastián, pela rio. E o Azurmendi [três estrelas
história, cultura gastronómica, Michelin basco] pela filosofia,
pela movida que tem, é tudo história e a sua cozinha brutal.
fabuloso.

Em que local lá fora se via


a viver hoje?
Talvez San Sebastián, mas
acho que ia adorar a Nova
Zelândia, apesar de nunca ter
ido, o Japão, pela minha liga-
ção à culinária japonesa, que
sempre estudei. E acho que
ia gostar dos EUA.

Como é que as viagens


influenciam a sua forma
de trabalhar?
Viajar é uma lufada de ar fres-
co, conhecer novas culturas
PEDRO MARCELINO

J
e ingredientes, ver o que os A ilha Khao Phing Kan,
outros fazem, as técnicas. Na na Tailândia, é das
paisagens que ficaram
nossa área, é das coisas mais gravadas na memória
importantes. Quando se volta, de Rui Lima Santos

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 65


GASTRONOMIA CENTRAL

R E S TA U R A N T E S
E M A LTA
O reforço da cozinha italiana no Dubai, o casal de
chefs que tem o segundo melhor restaurante do
Mundo e as novidades peruanas e inglesas são alguns
dos destaques da gastronomia mundial.

F OTO S D I R E I TO S R E S E RVA D O S
GRACE & SAVOUR MAISON LOUISE CENTRAL CHIC NONNA
BIRMINGHAM BRUXELAS LIMA DUBAI

Está situado numa zona rural Formou-se em Finanças em Paris, Quando apareceram pela pri- É natural do sul de Itália, da
em Solihull, a dois passos de Bir- mas esta chef francesa rapida- meira vez na prestigiada lista do cidade de Potenza, mas foi em
mingham, e aposta numa visão mente encontrou a sua vocação The World’s 50 Best Restaurants, Florença que acolheu o aplauso
orgânica da cozinha ao utilizar quando ajudou uma amiga em 2013, Virgilio Martínez e Pía dos inspetores Michelin, ao
os legumes e frutas das suas pró- a erguer um restaurante. Depois León tinham casado há apenas receber uma estrela para o seu
prias hortas e pomares. O Grace de estudar cozinha em Dunquer- quatro dias. Um presente com então restaurante, o Il Pallagio.
& Savour tem ainda poucos meses que, onde nasceu, Isabelle Arpin sabor a lua de mel, que anteci- Uma década depois, é no Dubai
de vida, mas já tem dado nas vistas, mudou-se para a Bélgica e é aqui pava um futuro risonho: o res- que o chef Vito Mollica dá car-
estando na lista do “The Guardian” que tem somado vitórias. Há taurante Central foi subindo na tas, à frente do novo restaurante
dos “12 restaurantes para experi- meia década, conquistou uma tabela, até que alcançou, este Chic Nonna, que ocupa dois
mentar neste momento” em Ingla- estrela Michelin no restaurante ano, o segundo lugar, apenas andares num edifício com vista
terra. A liderar está o chef David Alexandre, em Bruxelas, e abriu atrás do dinamarquês Geranium. panorâmica para o Burj Khalifa.
Taylor, que abraça este novo projeto outra casa em 2019 na mesma À mesa, a dupla de chefs faz As ostras têm grande protago-
depois de passar pelo Maaemo, cidade, com o seu nome. Agora, brilhar o produto local, confecio- nismo, mas a carta oscila entre
o três estrelas Michelin em Oslo. encabeça uma das novidades nando barriga de porco e pesco- os momentos de conforto, como
No menu de degustação com 15 da capital belga, a Maison Louise, ço de cabra, ambos criados nas o risoto de lagosta, e as propos-
momentos há pratos como peito onde aposta no produto sazonal zonas montanhosas peruanas, tas mais leves, como o carpac-
de carne bovina fumado em pinhas; e numa inspiração gastronómica ou as vieiras, lulas e amêijoas cio de wagyu e as vieiras saltea-
tamboril com um cremoso molho franco-belga. A salada de toma- que povoam a costa do país. das. A seleção de queijos italia-
amanteigado; alho francês grelha- tes com burrata belga e menta; A sustentabilidade e a lógica de nos é uma das opções para ter-
do sob carvão e camarão-vermelho a sapateira com molho de caril desperdício zero, pilares neste minar a refeição. Depois, alguns
servido ao natural (é capturado em e crocante de funcho; o filete de espaço situado na capital, Lima, comensais seguem para a sala
cestas de vime). Além dos vinhos vitela com polenta e beringela faz-se em comunhão com a Na- criada especialmente para fumar
de pequenos produtores, há sumo fumada; e a sobremesa que junta tureza, como se vê no quintal charutos, mas não faltam alter-
de cenoura apanhada do quintal ou morangos belgas com merengue do restaurante, onde coabitam nativas: é habitual haver anima-
kombucha caseira de camomila. e chocolate branco são alguns mais de cem espécies de plan- ção de DJ e atuações de jazz
dos pratos da casa. tas, flores e árvores. na esplanada do restaurante.
Shadowbrook Lane, Hampton-
in-Arden, Solihull, Inglaterra Av. de la Toison d’Or, 40, Av. Pedro de Osma, 301, Gate Avenue, South Market,
+441675446080 Bruxelas, Bélgica Lima, Peru Zone D, 1, Dubai
www.hamptonma- +3225496144 +5112428515 +97146052000
nor.com/grace-savour www.le-louise-brussels.com www.centralrestaurante.com.pe www.chicnonna.com

66 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


F OTO S : D I R E I TO S R E S E RVA D O S

O MUNDO
N U M A D E N TA D A
Vietname, Tailândia, Japão, França so, o chef que lidera a cozinha. “Adoro viajar”, maionese de wasabi, cebola roxa e creme
e Espanha são inspirações que explica o setubalense, a viver no Algarve há de abacate, a piscar o olho ao Japão e Viet-
convivem no B&B – The World In a Bite. uma década. Marrocos e Turquia são destinos name, são outras propostas da carta, além
À frente da cozinha algarvia está que o marcaram, sem esquecer Barcelona, dos hambúrgueres de novilho criado nas
um setubalense que trocou onde se especializou em cozinha molecular. planícies alentejanas.
a antropologia pelos temperos. Chegou a estudar antropologia e trabalhou A viagem pelo Mundo ganha técnica fran-
numa galeria de arte em Lisboa, mas o des- cófona com o crème brûlée de gengibre e o
pertar gastronómico fê-lo descer ao sul. “Des- parfait de amêndoa amarga com caramelo sal-
de sempre que me lembro de gostar de cozi- gado de miso e amêndoas tostadas, aqui numa
O espaço soma mais de 400 anos: são as an- nhar e fazer jantaradas em casa”, conta o chef. aposta no produto algarvio. Além da lógica lo-
tigas cavalariças de uma casa senhorial, onde Na carta, há espaço para propostas como cal, a visão saudável é outro pilar da casa, onde
ainda se mantêm arcadas originais, que refle- mini-chamuças de frango e falafel, conti- se substitui algum do sal por soja e pastas fer-
tem o legado islâmico. Aberto há três anos no nuando-se a apostar no oriente com a mentadas e onde não se usam óleos (frita-se
centro de Faro, o restaurante B&B – The World Bangkok, inspirada na clássica sopa de coco com azeite) nem açúcares refinados.
In a Bite é amplo o suficiente para reunir cem tailandesa tom kha gai, mas aqui com ele-
comensais, entre interior e esplanada, mas mentos locais como as amêijoas da Ria For- B&B – The World In a Bite
também para albergar as várias cozinhas do mosa e o lingueirão. O polvo à sevilhana, co- Almancil: Avenida 5 de Outubro, 360
Mundo que influenciam a carta deste algarvio, zinhado a sete horas em azeite e ervas do Faro: Largo Pé da Cruz, 30
que tem outra casa homónima em Almancil. barrocal; caris vermelhos à base de frango, Preço médio: 20 a 30€
Uma inspiração natural, diria Daniel Cardo- camarão ou tofu; e o cone de atum com www.restaurantebb.pt

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 67


PASSAPORTE VIP

Entre
encantos
e cores do
Vietname
O designer Miguel Vieira
é apaixonado pelo continente
asiático, onde voltou após dois
anos de pausa devido à pandemia.
Passou uma semana em Da Nang,
uma cidade costeira com muito
para ver e explorar.
TEXTO SARA OLIVEIRA

68 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


F OTO S : D I R E I TO S R E S E RVA D O S

A
gosto é, por tradição, o mês de férias de Mi-
guel Vieira que, mesmo sem desligar por
completo, faz um “reset” em destinos lon-
gínquos e pouco comuns para os portugue-
ses. O designer de moda não esconde o fascínio pela Ásia
e pela sua tradição de massagens e tratamentos de bem-
-estar, pelo que voltou à Tailândia, a partir de onde se
pode chegar a vários sítios “em uma hora”. Desta vez,
rumou ao Vietname, onde “há mil e uma coisas para ver”.
Ficou em Da Nang e regressou com a ideia de “voltar e ex-
plorar mais regiões”.
“De Banguecoque lá são mais ou menos 1.40 hora de
avião e é uma cidade onde se pode fazer muita coisa. Pas- J
sei lá uma semana inteira e só estive meia hora na praia Miguel Vieira admite Na hora das refeições, escolheu muitas vezes sushi e
– e eu adoro praia. Lá, as pessoas vão para o mar às cin- ter regressado inspi- sopas de massas, alternativas à gastronomia vietnamita,
rado com as tonalida-
co da manhã, porque amanhece cedo e a água é mais fres- des do Vietname servida em “armazéns muito grandes onde, para além da
ca. Também se deitam cedo: às 10 da noite já estava a dor- área da cozinha e mesas, há imensos aquários, uns com
mir”, recorda, garantindo nunca ter estado parado. ostras ou lagostas, outros com milhares e milhares de pei-
Poucas pessoas falam inglês e foi através de uma aplica- xes e mariscos, que o cliente escolhe e é cozinhado na
ção que Miguel Vieira se tentou fazer entender, o que “é hora com os temperos” locais, algo especiais “para quem
muito complicado”. Mas acabou por correr bem e não fa- está habituado à nossa comida”. Já “a hotelaria é ótima
lhou nenhum dos principais pontos de interesse. Explo- em relação à Europa e muito mais barata. O que cá cus-
rou cavernas de calcário e grutas budistas nas Montanhas ta cinco mil euros, lá custa mil e com um serviço muito
de Mármore, deixou-se encantar pela montanha de Ba Na melhor”, conta, notando que “as viagens também não
Hills e pela sua Ponte Dourada, com enormes mãos de pe- são muito caras”.
dra abertas, e visitou a iluminada Hoi An onde, à noite, se Miguel Vieira prefere organizar ele próprio as viagens,
VIETNAME
colocam luminárias a boiar no rio, emprestando um colo- dispensando agências. “Faço pesquisas exaustivas e ten-
rido mágico à cidade antiga. Ali posou em frente à emble- to fugir do circuito comercial”. Em Da Nang, a procura
mática ponte do século XVI, um clássico da arquitetura ja- foi dar a “um hotel sustentável muito bonito, cheio de
ponesa e testemunho da História, e experimentou um pas- árvores”.
seio de barco de cestas pela vila de Cam Thanh. O Vietname tem uma Assumindo ser “muito inspirador” observar o que o
Miguel Vieira recorda o trânsito caótico característico costa que se estende rodeia, o designer de moda deixa no ar a hipótese de usar
do Vietname e a odisseia que é atravessar uma rua quan- por 3444 km, a meio as cores e texturas vietnamitas nas próximas coleções.
da qual se encontra
do ninguém respeita passadeiras. E avisa que a Grab, a cidade portuária Em breve, subirá à cena com as propostas para o verão
TVDE local, raramente pára onde o cliente pretende. de Da Nang 2023 no Portugal Fashion, no Porto. Z

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 69


MODA AR LIVRE

EMBARQUE
NA NATUREZA
EM ESTADO PURO
COM MARCAS
NACIONAIS
São tantos os destinos com
paisagem à espera de ser
contemplada... Deixe-se levar pelo
som das cascatas, pelos chilrear dos
pássaros ou por vales e montanhas
a perder de vista. Mas sempre com
cunho português: roupa, calçado
e acessórios com materiais nobres
em que o conforto e o bom gosto
imperam. Inspire-se com as nossas
sugestões de marcas nacionais
e faça uma boa viagem!
POR RUTE CRUZ
LOOK MANJERICA

70 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Chapéu Botas
Avo Luís Onofre
435€ 408€
(Instagram:
avo.atelier) Bolsa
Mulan
Camisola Handmade
Projeto Serra Bags by LP
115€ 10€
(Instragram:
Pulseira Mulan
Dicci Handmade
25€ Bags by LP)

Óculos de sol Relógio


Darkside Eugénio
189€ Campos
149,90€
Mochila
Burel Factory
264€

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 71


MODA AR LIVRE

SAIR DAS GRANDES CIDADES


E PARTIR AO ENCONTRO
DOS MELHORES PARQUES
ESPALHADOS PELO GLOBO
É O PONTO DE PARTIDA
PARA VIAGENS DE
AVENTURA NA NATUREZA
LOOK MONTE CAMPO

72 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Botas
Ambitious
129,90€

Bolsa
Monte
Campo
60€

Boné
Lion of
Porches
39,99€

Carteira
em madeira
de freixo
para dinheiro,
cartões
(até sete)
e moedas
WO Design
35€

Sapatilhas
Sanjo
by Burel
79,50€

Camisola
Rust & May
49€

Cesta
Victoria
Handmade
199€

Veado
em cobre
Malabar
9500€

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 73


OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T 74
1 - c) É verdade, 8222, e não 267 570 ilhas e ilhéus, me- gengibre, canela, noz- dividida entre Indonésia e
c) Noruega
é nem de longe nem de nos de mil habitadas. Este moscada, cravo, pimenta- Papua-Nova Guiné. b) Nova Zelândia
perto recordista nestas an- sim é o líder mundial no -da-jamaica, louro e aça- 5 - a) No estado de Nova a) EUA
danças. Aliás, ocupa a sé- ranking dos territórios in- frão. Iorque, no “Arquipélago
tima posição na lista dos sulares. das Mil Ilhas”. Chama-se
às que são realmente habitadas?
4 - b) Com 2 166 086 qui-
territórios com mais ilhas e 3 - b) É Granada, indepen- lómetros quadrados, este Hub ou “Just Room Enough
do Planeta, se olharmos apenas
ilhéus. dente do Reino Unido des- território autónomo dina- Island” e tem 300 metros E onde fica a mais pequena
2 - c) É Estocolmo, capital de 1974, por ser um produ- marquês é o líder da tabe- quadrados, uma casa e
da Suécia, país que soma tor em grande escala de la. Segue-se a Nova Guiné, uma árvore.
5
SOLUÇÕES
5 c) Nova Guiné
b) Gronelândia
a) Madagáscar
continental), qual é?
a Austrália, considerada uma massa
E a maior ilha do Mundo (excetuando

O M E GAT R O N / W I K I M E D I A
4
4
c) Dominica
b) Guadalupe
a) Granada
“Ilha das Especiarias”?
ilha-nação também conhecida como
Da Europa para as Caraíbas. Qual é a

V L A D P O DVO R N Y/ F L I C K R
3
c) Estocolmo
b) Copenhaga
a) Oslo
sobre 14 ilhas?
Que capital europeia é construída
2
3
c) 8222
b) 822
a) 82
ANK KUMAR/FLICKR
tem a Austrália?

N E I L H OWA R D/ F L I C K R
É de curiosidades. Quantas ilhas
Mas não é de paraísos que falamos.
conhecimentos quanto a ilhas.
Este mês vamos testar os nossos
2 1
1
QUIZ DO VIAJANTE
A TERRA DO CÉU

O MUNDO
INSISTE EM
RENASCER
Não será a imagem de um
destino apetecível por esta
altura, mas é a imagem da
esperança: um jardim de
Velyka Dymerka, pequena
aldeia nos arredores de
Kiev, capital da Ucrânia, foi
palco de algo atroz. Restou
S E R G E Y D O L Z H E N KO/ E PA

um tanque russo, desfeito.


Mas a terra não morreu.
E quem nela habita fez dela
o que ela era: um pedaço
de chão fértil e verde,
contrariando o destino.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 75


ROTEIRO NAS BALEARES

BEACH
TRIP 18 PRAIAS DE ÁGUA
MORNA EM IBIZA
E FORMENTERA

76 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Durante uma semana, palmilhámos as duas ilhas das
Baleares à procura de uma felicidade que só é possível
de achar num mar em repouso que imita o das
Caraíbas, mas que fica bem mais perto de Portugal.
Roteiro em família, longe da explosão de decibéis
das festas noturnas e dos excessos do calor.
TEXTO E FOTOGRAFIAS PEDRO IVO CARVALHO

1
PUERTO DE SAN MIGUEL
Bons acessos, tranquila, vistas de cima deslumbrantes

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 77


ROTEIRO NAS BALEARES

CALA COMTE
2 Areal curto, sempre povoado, mar maravilhoso

D
e todos os lugares-comuns que nos possam
querer impingir sobre Ibiza e Formentera,
este é o mais facilmente desmontável: o de
que só migram para aquelas ilhas mediter-
rânicas os que vivem para derramar os corpos escaldados
nas pistas de dança e os que entregam os tímpanos à in-
clemência das batidas sincopadas nas festas de espuma.
Desmontemos, pois, essa estafada imagem. Durante oito
dias, conseguimos serpentear, imaculados, pelas cele-
brações etílicas, batendo 18 praias de água morna sem
mergulharmos na noite (pelo menos de cabeça, dado que
os despojos dos excessos abundam).
Este roteiro fez-se em família, de dia, à boleia de uma
bússola natural chamada Sol. Oito dias, duas ilhas, 18
areais. Ficaram muitos por ver, mas não íamos propria-
mente com uma folha de Excel preparada, pelo que o con-
3
selho que podemos deixar a quem, entre maio e outubro,
queira banhar-se nestas pérolas das Baleares cabe numa CALA D´HORT
folhinha A5: levem referências geográficas, mas deixem- Das mais belas enseadas de Ibiza,
-se embalar pela crueza do improviso. O pior que vos dali vê-se a ilha de És Vedrà
pode acontecer, em particular na época alta, é voltarem

78 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


CALA COMTE
4 Água limpa, mas areal muito sujo

PLAYA D’ES BOL NOU


6 Areal curto, restaurante ótimo nas proximidades

CALA SAN VICENT


7 Extenso areal, ótimos acessos e apoios. Uma das melhores

5
BENIRRÀS
É a praia do pôr do sol. É quase uma religião.
Vale a pena, mas tem de ir cedo

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022


ROTEIRO NAS BALEARES

PLAYA DE S’ARENAL
8 Urbana, areal sujo, pouco convidativa

10
PLAYA DE PUNTA GALERA
De difícil acesso, para quem gosta de aterrar
nas rochas. Lindíssima

9 11

PLAYA D’EN BOSSA PLAYA ES CANAR


Longo e sujo areal. Situada no coração Tranquila, limpa, com ótimos restaurantes
das festas, é disso vítima a dois passos

80 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


para trás por ausência de espaço para estender a toalha.
O que não comporta grandes prejuízos, uma vez que até
em Ibiza, a maior das duas ilhas, tudo está a meia hora
de distância de carro ou de mota. Mais facilmente se tro-
peça numa praia do que num prato de calamares.
Ficámos alojados a norte, com uma vista bíblica sobre
a baía de São Miguel, lá onde as águas transparentes vão
escurecendo à medida que nos aproximamos dos velei-
ros e das milhentas pequenas embarcações que forram a
linha do horizonte. No final de agosto, a água do mar con-
segue debitar uns generosos 28 graus (é mais ou menos
assim em junho, julho e setembro, na verdade), proeza
que fará corar de inveja as praias das Caraíbas. A tempe-
ratura exterior, para nossa sorte, também não ultrapas-
sou os 30 graus, pelo que as condições reunidas para esta
“beach trip” eram as melhores.
Não é impossível prescindir do carro nesta empreita-
da balnear. Alugar uma scooter é uma espécie de des-
porto nacional não federado em Ibiza e em Formentera.
Conseguem-se preços atrativos para as duas rodas, mes-
mo na época alta. As motos acabam por traduzir outra
vantagem, dada a exiguidade de grande parte das praias,
fortemente agrestes e com muita vegetação intacta: são
mais fáceis de estacionar. E isto vale tanto para Ibiza
como para Formentera, onde, nos meses de verão, as au-
toridades locais impõem limites de entrada e circulação
de viaturas, para evitar agressões à ecologia.
12 - 13
CALLAS GRACIO E GRACIONETA
Tesouros balneares: água cristalina, areal limpo
e uma envolvente natural soberba. Muito concorridas
F OTO F OTO

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 81


ROTEIRO NAS BALEARES

14
PLAYA SES ILLETS
Uma das joias de Formentera. Água morna, areal extenso,
ótima para snorkeling e para ficar a jiboiar no oceano

Se quiserem levar o carro no ferry entre Ibiza e For-


mentera (só se chega a esta última de barco, 30/45 mi-
nutos de viagem), garantam todas as autorizações por es-
crito com antecedência. Senão, correm o risco de pagar
o transporte e autorização da viatura, receberem luz ver-
de das autoridades e, depois de tudo pago, serem avisa-
dos umas horas antes da travessia que, afinal, o veículo
em causa ficará em terra. No refund. Na verdade, uma
vez em Formentera não precisam do carro para nada: op-
tem pela mota ou, em alternativa, podem recorrer aos A temperatura da água é, garantidamente, o maior
transportes públicos ou semipúblicos, que garantem pas- afrodisíaco das Baleares. Pena que os areais, esse territó-
sagem, a preços simpáticos, pelas principais capelinhas. rio sagrado, não estejam mais limpos. Abundam as pris-
E até os táxis devem ser considerados alternativa, uma cas e outras degenerescências de quem faz desaguar toda
vez que as bandeiradas são tabeladas e ninguém vos en- a incivilidade na areia.
gana. Vaguear pela sinuosidade de Ibiza é tomar consciência
As praias de Ibiza e Formentera são de uma grande di- de outra circunstância: apenas a humidade da ilha pode
versidade: das urbanas, como Sant Joan de Portinatx, explicar que a densa (e pouco cuidada) vegetação não
cujo ordenamento geométrico é exemplar, às mais into- degenere em fogos massivos no pináculo do verão. No
cadas, como Salada ou Saladeta, que, pela sua beleza es- meio de tanto verde e vegetação seca, chega a ser deso-
tonteante, “fecham” às dez da manhã. E quando dizemos lador não vermos quase nenhuma forma de cultura agrí-
fecham é para levar à letra. O areal é diminuto e a procu- cola. Tudo, ou quase tudo, vem de fora, exatamente como
ra esmagadora, pelo que as autoridades locais veem-se os turistas que desaguam nos areais sedentos de um pôr
forçadas a montar um posto de controlo que limita a en- do sol tribal como aquele que nos forrou a alma na praia
trada de viaturas na estrada que conduz ao mar. de Benirràs. Z

82 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


PLAYA ES PUJOLS
15 Piscina a céu aberto em Formentera.
Fica agarrada a nós

16
CALA SANT JOAN DE PORTINATX
De perfil urbano, tem um enquadramento natural sublime.
Bons restaurantes perto e comércio variado nas imediações

Z
A temperatura da água
consegue manter-se
convidativa entre maio
e outubro, mas é de junho
a setembro que vira “caldo”

17 18
CALA SALADA CALA SALADETA
O acesso é díficil, mas vale bem a pena. É das mais bonitas e procuradas
Chegue cedo, senão tem de voltar para trás de Ibiza. Descubra porquê

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 83


VIAGEM AO NORTE

N I KO L A S I R A /G E T T Y I M AG E S

84 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


Estocolmo
é a relação com
a água, sempre

COMO VISITAR TRÊS PAÍSES EM DEZ DIAS

E S C A N D I N ÁV I AEstocolmo, Bergen e Copenhaga num roteiro curto mas muito cheio,


em que não falta “uma das mais belas viagens de comboio do Mundo”,
um passeio de barco entre fiordes, um repasto de reis num mercado
de peixe, a descoberta de um navio que nunca chegou a servir e a entrada
no planeta sagrado de Christiania.

TEXTO INÊS CARDOSO

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 85


VIAGEM AO NORTE

R AY L I P S C O M B E /G E T T Y I M AG E S

J
Stortorget e o Palácio
Real são visita a não
perder em Estocolmo;
Ao lado, uma huldra
norueguesa

AFINAL atrás, arrumando os dias. E seguindo uma ordem crono-


lógica que, na soma, consegue juntar um pouco de tudo

NÃO É MITO
na Escandinávia – monumentalidade e história, Nature-
za e uma animação noturna ajustada à dimensão anor-
mal dos dias de verão.
As “huldra”, sedutoras criaturas do folclore escandina-
vo que enfeitiçam os homens com a sua música, atrain- SUÉCIA
do-os para a floresta, existem mesmo. De olhos postos A entrada faz-se por Estocolmo, construída sobre 14 ilhas
na cascata de Kjosfossen, demoramos a perceber de onde ligadas por 54 pontes. É fácil percorrer a maioria delas a
vêm os acordes que se sobrepõem ao som da queda de pé, mas, para as mais dispersas, os barcos regulares são
água, 225 metros de força bruta. Quando finalmente avis- a solução rápida e simultaneamente eficaz para propor-
tamos uma bailarina a dançar quase no topo, a música cionar perspetivas únicas da cidade. Não há fotografia
invade-nos como a beleza em estado puro da Noruega e capaz de captar a beleza a 360 graus dos monumentos e
fica-nos colada à pele durante horas. dos edifícios de cores quentes, acentuados pelo sol do fi-
Numa viagem desenhada com o objetivo declarado de nal de dia (ou noite?) quando não há nebulosidade.
passear pelos fiordes, é difícil não assumir à partida o fas- A Cidade Velha é de visita imprescindível na capital
cínio pela grandiosidade das paisagens. Mas voltemos sueca. Além de monumentos como o Palácio Real ou a

86 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


V W P I C S /G E T T Y I M AG E S
INÊS CARDOSO

INÊS CARDOSO

J
Catedral de São Nicolau, condensa ruas estreitas cheias A Câmara Municipal
de comércio e restauração e um dos mais famosos pos- de Estocolmo é o
lugar onde se anuncia
tais da cidade: Stortorget, a praça com as coloridas casas o Prémio Nobel da Paz
medievais que pertenciam à antiga nobreza onde teve lu- a cada 10 de dezembro
gar o famoso “Banho de Sangue de Estocolmo”, no sé- 3
culo XVI. É também nesta praça que se situa a atual sede Em cima, o Museu
da Academia Sueca, o Museu Nobel. Vasa e, ao lado,
o mercado
Estudando bem horários e concentrando visitas em 24 Ostermalmshallen
INÊS CARDOSO

ou 48 horas, o cartão turístico da cidade permite conhe-


cer muito a preço acessível. A partir do terceiro museu o

INÊS CARDOSO
cartão está pago, com a vantagem de incluir viagens sem
restrições nos barcos e autocarro turístico. E até a locali-
zação ajuda a gerir o tempo, já que numa única ilha con-
centram-se museus como o Vasa, Nórdico, Bebidas Es-
pirituosas e Viking. O dia da semana pode também fazer
diferença para otimizar as visitas – o Nobel, por exem-
plo, fica aberto até às 21 horas às sextas e sábados. rentes cores e cremes, envolvidas em pasta de açúcar ver-
O Vasa merece a prioridade que lhe é dada anualmen- de. Ainda à mesa, não há restaurante da cidade onde não
te por milhões de visitantes. Nele encontra-se o navio de se encontrem as típicas almôndegas e as bagas silvestres
guerra com esse nome que naufragou na viagem de es- que são outra marca da gastronomia.
treia, uma escassa milha náutica depois de deixar o por- O museu da Fotografia, cujo interesse varia em função
to. Defeitos estruturais de construção e a impaciência do das exposições temporárias, situa-se no bairro que, de
rei Gustavo Adolfo explicam a inusitada rapidez com que parente pobre, passou a área de maior implantação de
afundou a embarcação opulenta e embelezada com es- bares e vida noturna por excelência. As bebidas pesam no
culturas e dezenas de canhões, projetada para impres- orçamento, mas partir para a Escandinávia pressupõe
sionar os inimigos. O documentário (também disponível contar à partida com gastos diários acima da média em
em português) sobre a sua descoberta e recuperação, 333 Portugal. Já a diferença da moeda não é um problema e é
anos depois, mostra como esse prolongado adormeci- possível passar as férias sem chegar a tocar em coroas.
mento debaixo de água permite que hoje o contemple- Os cartões são não apenas universais como, em muitos
mos em extraordinário estado de conservação. estabelecimentos, modo único de pagamento, com le-
Se o museu Viking vale apenas pela expressividade e treiros frequentes a indicar “no cash”.
curiosidades contadas pelos guias, o Nórdico proporcio-
na uma incursão pelas tradições suecas e explica, por NORUEGA
exemplo, a atração pelo chá a meio da tarde, acompa- Há vários voos diários entre as principais cidades escan-
nhado de doses maciças de bolachas e bolos. Como o dinavas e é fácil traçar um roteiro que siga pela capital
Princesa, uma explosão de açúcar em camadas de dife- norueguesa ou, em alternativa, por Bergen, mais próxi-

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 87


VIAGEM AO NORTE

ma dos principais fiordes. Com os seus antigos armazéns no mercado. A variedade inclui bife de baleia. Que está
de mercadores em madeira e pintados de cores vivas, presente por toda a cidade, tal como o alce e a rena, seja
classificados como Património Mundial desde 1979, Ber- na forma de enchido ou em roulottes de hambúrgueres.
gen é uma cidade acolhedora, cheia de recantos floridos Subir ao funicular de Floyen é um dos programas a não
que não constam dos guias. perder. No topo, além da vista privilegiada sobre Bergen
A claridade noturna que já nos tinha surpreendido em e as infindáveis ilhas e braços em que fiordes e mar do
Estocolmo acentua-se e, mesmo sabendo à partida que é Norte se entrelaçam, há trilhos florestais, um lago com
assim, não escapamos ao encanto de ver as horas passar caiaques de uso gratuito, cabanas com panquecas e o tra-
sem que haja escuridão absoluta. O pôr do sol é teorica- dicional doce de frutos vermelhos ou o cachorro norue-
mente pelas 23, nos dias longos de julho, mas a luz (variá- guês preparado em panqueca de batata.
vel em função da nebulosidade) nunca nos deixa por com- Da caminhada ao trekking, a Noruega proporciona as
pleto. Claro que uma das vantagens de ser turista é não vi- condições ideais para os mais aventureiros, mas quem
ver a escuridão inversa do inverno, ou ter a sorte de ater- preferir a visita clássica aos fiordes dispõe de uma varia-
rar em Bergen em dias luminosos. “Não víamos o sol há da oferta de transportes e circuitos que permitem proje-
nove dias”, confessou uma portuguesa de Caldas da Rai- tar um percurso à medida. Partindo de Bergen, o mais
nha que encontrámos a trabalhar numa loja de souvenirs. simples é utilizar o comboio até Voss, seguindo depois
A dureza dos longos invernos é apontada como um dos para Gudvangen, onde os cruzeiros percorrem os fiordes
fatores para as sérias taxas de alcoolismo no país, que ori- de Naeroy e Aurland, dois braços do gigante Sogn. Um
ginaram uma das mais rigorosas legislações de controlo dos momentos assinalados na viagem é precisamente o
de álcool da Europa. No mercado do peixe, há cervejas de n da confluência dos três.
baixo teor alcoólico criadas especificamente para respon- Os armazéns de Na lista do Património da Humanidade desde 2005,
mercadores valeram
der aos rígidos critérios de venda. Se gostar de peixe e ma- o Património Mundial o Naeroy é relativamente estreito, o que proporciona pai-
risco, não pode deixar de comer uma (ou mais) refeições a Bergen sagens deslumbrantes das encostas íngremes cortadas
INÊS CARDOSO

3
As casas de madeira
e as ruas floridas são
imagem de marca
da cidade norueguesa
INÊS CARDOSO

88 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


por dezenas de cascatas. As rochas erguem-se até 1400
metros acima do nível médio das águas do mar e nos cu-
mes há glaciares e florestas de coníferas. São escassos os
sinais de vida e as poucas povoações parecem adorme-

INÊS CARDOSO
cidas. É esse estado quase intocado que contribui para o
deslumbramento. Tudo nos entra pelos olhos à medida
que vamos navegando.
Chegados a Flam, estação ferroviária no extremo do

INÊS CARDOSO
fiorde de Aurland, apanhamos o comboio turístico rumo
a Myrdal. São apenas 20 quilómetros em que subimos 864
metros, sempre a saltar de janela em janela para captar,
à esquerda e à direita, o máximo possível das cascatas e
rios com quedas de água abruptas. Quase a chegar a Myr-
dal, é anunciada uma paragem de cinco minutos para
que os passageiros possam apreciar a cascata de Kjosfos-
sen. Situada a 299 quilómetros de Bergen e 720 de Oslo,
é um dos pontos mais visitados do país. Saímos do com-
boio e estamos ainda a sentir os salpicos de água e a for- J
ça da corrente, quando a música começa. As “huldra” Cascatas nas encostas
íngremes do fiorde

INÊS CARDOSO
são na verdade alunas da escola nacional de ballet. de Naeroy
Em Myrdal são asseguradas as ligações quer para Os-
n
lo, quer para Bergen. Sempre em viagem ao lado de en- O comboio
costas encimadas de neve, lagos, casas com bandeiras Flam-Myrdal

M A H AUX P H OTO G R A P H Y/G E T T Y I M AG E S

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 89


VIAGEM AO NORTE

INÊS CARDOSO
J 3
O jardim Tivoli é, na O canal Nyahvn data
verdade, um parque do século XVII e é uma
de diversões. Inaugu- das principais atrações
rado em 1843, é o de Copenhaga
terceiro mais antigo
do Mundo

para servir como principal porta de entrada para o mar.


À volta do canal dispõem-se casas de todas as cores,
mantêm-se os barcos de madeira, as ruas estão forra-
das de esplanadas e a animação é imparável até de ma-
drugada. O que não falta nas ruas circundantes é uma
diversificada oferta de bares e a vida noturna é mesmo
uma das principais marcas da cidade. Mais soltos do que
INÊS CARDOSO

os vizinhos nórdicos, os dinamarqueses aproveitam


cada pedaço de sol para fazer “praia” nos canais e até o
trânsito exige mais atenção, ainda que os carros sejam
escassos. As bicicletas são omnipresentes e há que res-
peitar os locais de cruzamento com os passeios.
J Kastellet, torre Rundefaarn com o seu miradouro,
A cascata de Kjosfos- norueguesas a esvoaçar. Fica aberto o apetite para des- castelo e jardins de Rosenborg, jardim botânico, Igre-
sen cai dos 225 cobrir mais do país, já que é chegado o dia de rumar a ja de Nosso Salvador ou Palácio de Christianborg são
metros de altura
e alimenta a linha Copenhaga. outros dos muitos monumentos da cidade a visitar,
férrea de Flam sendo fácil traçar percursos a pé que vão sendo inter-
DINAMARCA ligados por espaços verdes. Já para os jardins Tivoli vale
Ainda no ar avista-se a “ponte impossível” que liga a pena tirar um dia, sendo essa a forma de otimizar o
a capital dinamarquesa à cidade sueca de Malmo. Par- cartão que inclui o acesso aos equipamentos. Construí-
cialmente submersa, a ponte entre os dois países en- do em 1843, o Tivoli é o mais antigo parque de diver-
tra em túnel numa ilha artificial criada para o efeito. sões de Copenhaga. A par das linhas antigas (mas com
A estátua da pequena sereia será um dos mais conhe- adrenalina q.b.) das estruturas, as construções que
cidos ícones de Copenhaga e o espírito de Hans Christian evocam diferentes lugares do Mundo conferem um
Andersen mantém-se em jardins, programação cultural ambiente mágico ao espaço. A noite é igualmente pen-
e comércio. Na praça octogonal em torno da qual se er- sada ao pormenor, com iluminações que são regular-
guem os quatro blocos do Palácio de Amalienborg, resi- mente alteradas para conferir novidade à visita.
dência da família real, cruzamo-nos com a Guarda Real Pela sua singularidade, a passagem pela capital da
e facilmente a mente viaja entre os rituais de mudança de Dinamarca não pode deixar de incluir a Cidade Livre
turno e as desventuras do soldadinho de chumbo. de Christiania, uma comunidade em autogestão que
Logo após a estátua, uma das principais imagens de tem sido alvo de tensões e negociações com as autori-
Copenhaga é o canal Nyahvn, construído no século XVII dades. Desde que respeitada a indicação que proíbe fo-

90 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


SUÉCIA

NORUEGA

Bergen

Estocolmo

J E F F OV E R S /G E T T Y I M AG E S

OIC
LT

R
MA

TE
MAR DO NOR

DINAMARCA

Copenhaga SUÉCIA

FINLÂNDIA

GA
UE
NOR
INÊS CARDOSO

DINAMARCA

GUIA DE VIAGEM
tografias, os turistas são bem-vindos à área controver-
sa desde a criação, numa área militar, em 1971. Os pri- IR Estocolmo, Suécia
meiros ocupantes procuravam escapar aos ideais ca- Há voos diretos para Estocolmo www.nordicchoicehotels.com/
pitalistas e queriam um espaço verde e aberto, que re- a partir de Lisboa com a TAP e hotels/sw den/stockholm/
jeitava as convenções sociais e o tumulto da cidade. existem inúmeras opções de li- comfort-hotel-xpress-
O espírito da comunidade foi entretanto cruzado por gações com escalas mais em stockholm-central/
valores anarquistas e movimentos hippie e o facto de o conta. Regressar de Copenhaga A partir de 73 euros
consumo de drogas leves ser tolerado (ao passear pe- com escala em Londres ou Bar-
las ruas da Christiania deparamo-nos com a venda) celona é a opção mais econó- Hotel Østerport
é um dos fatores de atrito com a Polícia. mica, mas há voos diretos para Oslo Plads 5, Østerbro, 2100
Conflitos legais à parte, a “cidade livre” promove cons- o Porto com a Ryanair e para Copenhaga, Dinamarca
tantes eventos culturais, tem uma rede própria de res- Lisboa com a TAP. Entre as cida- hotelosterport.com/en
tauração e animação e a solução de problemas é feita de- des escandinavas há ligações A partir de 115 euros
mocraticamente, através da procura de consensos. As re- regulares com a SAS.
gras estão afixadas à vista de todos e a interpretação do TRANSPORTE NOS FIORDES
que tem sido esta experiência social e política já mereceu DORMIR O cruzeiro entre Gudvangen
milhares de artigos e análises a nível mundial. Citybox Bergen e Flam custa 39 euros. O com-
Da Ópera ao Museu Nacional, desfrutar da oferta cul- Nygårdsgaten 31, 5015 boio turístico Flam/Myrdal fica
tural permite entender a riqueza da mitologia regional. Bergen, Noruega por 27 euros. Pacote incluindo
Ragnarok, troll ou Asgard serão termos desconhecidos citybox.no o comboio Bergen/Voss,
para a maioria (amantes de Marvel e Thor terão umas lu- A partir de 112 euros o autocarro Voss/Gudvangen,
zes) que escassos dez dias não chegam para aprender. o barco Gudvangen/Flam,
É provável que sobre a vontade de um regresso para, se- Comfort Hotel Xpress o comboio turístico até Myrdal
guindo o chamamento da “huldra”, se deixar embrenhar Stockholm Central e o comboio de regresso
mais fundo nos mistérios escandinavos. Z Kungsbron 1, 111 22 a Bergen: cerca de 135 euros.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 91


ROTEIRO TRILHOS NA MADEIRA

A Penha d’Águia
ao pôr do sol, vista
da praia da Maiata,
lugar cada vez mais
procurado para
a prática de surf

92 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


COM O APOIO
DA REVISTA

O FEITIÇO
DA LUA
Diz-se que é a estrutura geológica mais impressionante da Madeira
e nós acreditamos: chama-se Penha d’Águia, é um monte saído a eito
do chão e do mar e o seu topo oferece vistas única sobre a costa
norte da ilha. Um trilho bonito de se fazer, como muitos outros por ali.
T E X T O IVETE CARNEIRO
D I R E I TO S R E S E RVA D O S

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 93


ROTEIRO TRILHOS NA MADEIRA

E
la, a Lua, era a grande ausente à chegada, pelo misto de incompreensão e de certeza: só podemos estar
menos à vista desarmada. Mas havia um cer- malucos para nos metermos a trepar uma obrigação. “De
to brilho no firmamento que desenhava a si- pequena era subir, pé rapado, para lá amanhecer e tra-
lhueta da Penha d’Águia,, negra em fundo ne- zer um molhinho de lenha. De noite que era para depois
gro, qual gigante assanhado a erguer o lombo do chão. ir para a escola.” Pé rapado? Sim, descalça. “O sapatinho
Ou do mar. É uma forma inexplicável, um rochedo que era só para ir à missa. E ia uma irmã à primeira missa e ia
parece impossível, uma protuberância descolada das ser- outra à segunda. Os sapatos de Teresa iam todos os do-
ranias, a mais impressionante estrutura geológica da Ma- mingos duas vezes à missa.
deira que esconde, até, a Lua. E é um susto valente: olha- Data desse tempo o trilho que abordamos, com a sapa-
-se de baixo e pensa-se “cruzes” enquanto se faz o sinal tilha de trail último grito a dar-nos conforto para a em-
dela, da cruz. preitada que nos enche o peito. Do mar do Porto da Cruz
O projeto tem alguns anos, a valentia nunca lhe per- toma-se o Caminho Velho do Massapez que já é, ele só,
mitiu a concretização, tudo aquilo é tão belo visto de bai- uma parede de respeito – é a primeira declaração de óbi-
xo, dos zero metros de altitude, da esplanada do Enge- to mental na prova Trail Porto da Cruz Natura que por ali
nho do Norte, hoje a “Casa do Rum” que dá início à pro- se cumpre todos os meses de julho, a primeira porque su-
menade do pequeníssimo Porto da Cruz e abraça, a orien- cedem-se, as declarações de óbito naquele parte-pernas
te, a baía pequena daquela freguesia do Machico. que nos leva a lugares mais belos ainda porque nos atira
O projeto é, pois então, subir aos céus. Nem são, ad- para fora dos percursos pedestres –, até desembocar por
mitamos, céus altos por aí além – 590 metros. É só a im- cima da entrada do Túnel da Cruz que veio alterar para
pressão que aquela parede a pique dá. Dizem-nos que sempre as memórias das gentes daqui. Dali, a placa que
morreu gente há tempos, um moço que se lançou em aponta a vereda do nosso contentamento faz fronteira
base jumping e foi traído pelo paraquedas. E depois di- com o Katrepa's Bar, que é dono de uma das melhores
zem-nos o resto, dizem-nos a vida das gentes que cres- n ponchas da Madeira e onde sabemos que nos poderemos
ceram e da lenha que se multiplicava inexorável no pe- O trilho está bem reconfortar à chegada.
nedo para morrer debaixo de panelas ao lume. marcado e arranca Atrás da placa, nem de propósito, arranca o Caminho
no fim da medonha
“Subir à Penha de Águia, eu? Só quando houver estra- subida que parte da Cruz. A vereda, essa, faz-lhe literalmente um man-
da e vou de carro.” Teresa Carvalho olha-nos com um do Porto da Cruz guito e embrenha-se mato adentro, por um chão tantas

94 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


ATRÁS DAS NUVENS, O AREEIRO

BANCO COM VISTA NA PENHA D’ÁGUIA


F OTO S : D I R E I TO S R E S E RVA D O S

vezes pisado por pequenos pés rapados à cata do nascer


do dia e de lenha. Dizem todos os sítios da Internet e so-
bretudo o VisitMachico que aquilo é de dificuldade “difí-
cil” e vertigens “algumas”, que leva 2.30 horas para pou-
co mais de três quilómetros e que o terreno é “irregular a
íngreme”. Dizem também que é para “caminhantes com
uma boa resistência física e que tenham à-vontade com
as alturas, pois a realidade não deixa de ser altiva”.
A verdade é que aquilo que nos acolhe é um túnel de
verde e Natureza, numa subida íngreme, sim, mas larga
q.b. para não percebermos o que despenca para lá das
árvores e onde cruzamos caminhantes, alguns com ar de
boa resistência, a maioria dos restantes nem por isso. Por-
que, e isto é a sério, toda aquela conquista é boa. É boni-
ta de morrer e tem, ainda, resquícios do tempo de glória
infantil de Teresa: um cabo de ferro que servia para fazer
descer os feixes de lenha mais pesados até chão seguro.
Há degraus naturais, a terra é batida e imaginamo-la es-
corregadia em dias de chuva, hoje está o melhor que se
pode ter, fofa. E abre-se, depois de meia dúzia de chica-
nes já a mostrar os nervos da pedra, sobre o horizonte. So-
bre o presépio que é o Porto da Cruz visto de riba, acon-
chegado na parte nobre, espalhado pintalgando a mon-
tanha na parte agrícola.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 95


ROTEIRO TRILHOS NA MADEIRA

MACHICO A PÉ
A Vereda da Penha de Águia 166 m/549 m, alguma vertigem. Dificuldade média, 9,2 km, Larano – Boca do Risco – Caniçal
é apenas um dos percursos do Seguindo para o Porto da Cruz via alt. 634 m/862 m, 8,5 km, alt. 160 m/549 m.
enorme concelho do Machico. pouca vertigem.
Intitulado Madeira trail Capital Vereda do Larano:: Lombinho – ½ km vertical
(mmtc.pt), tem 11 percursos dificuldade média, 9,3 km, alt. Levada do Furado 6,6 km, alt 32 m/612 m.
de treino, muitos deles 166 m/384 m, alguma vertigem. Porto da Cruz/Santo António da
encaixados nos bem marcados Serra. Dificuldade média, 10,7 km, Percursos de treino Machico
trilhos pedestres (algumas Levada do Caniçal alt. 635 m/865 m, alguma vertigem. 22 km. Alt. 0 m/650 m.
pequenas rotas – PR). O site Caniçal. Dificuldade fácil, 17 km. Alt. 0 m/600 m.
visitmachico.com tem mapas 7,6 km, alt. 233 m/244 m, Levada da Referta 4 km. Alt. 0 m/288 m.
muito úteis e dicas para os pouca vertigem. Porto da Cruz. Dificuldade média,
diferentes percursos. 4,5 km, alt. 225 m/311 m, alguma Percursos de treino Porto da Cruz
Vereda do Pico Castanho vertigem. 9 km. Alt. 8 m/297 m.
PERCURSOS PEDESTRES Machico. Dificuldade difícil, 19 km. Alt. 0 m/890 m.
Vereda da Ponta de São Lourenço 9 km, alt. 232 m/631 m, Levada do Castelejo 35 km. Alt. 0 m/1400 m.
Caniçal. Dificuldade média, pouca vertigem. Porto da Cruz. Dificuldade
8,4 km, alt. mín./máx. 63 m/ média, 11,8 km, alt. 266 m/ Ribeiro Frio – Chão das Feiteiras
162 m, pouca vertigem. Levada dos Maroços 387 m, pouca vertigem. – Ribeiro Frio
Machico. Dificuldade média, 7,5 km, alt. 932 m/1184 m.
Vereda da Ribeira do Natal 11,8 km, alt. 238 m/264 m, Vereda da Penha d’Águia
Caniçal. Dificuldade média, pouca vertigem. Porto da Cruz. Dificuldade Sky Trail Camp
2,6 km, alt. 44 m/317 m, difícil, 3,4 km, alt. 261 m/ Três dias, 54 km, alt. 5 m/1400 m.
pouca vertigem. Vereda das Funduras 604 m, alguma vertigem.
Porto da Cruz/Machico. Summer Trail Camp
Vereda da Boca do Risco Dificuldade média, 7,7 km, alt. PERCURSOS DE TREINO Três dias, 49 km, alt. 0 m/650 m.
Machico. Dificuldade média, 2,3 km, 197 m/633 m, pouca vertigem. Chão das Feiteiras – Pico do
alt. 156 m/349 m, pouca vertigem. Suna – Levada do Furado –
Seguindo para o Caniçal: Levada da Serra do Faial Chão das Feiteiras
dificuldade difícil, 8,4 km, alt. Santo António da Serra. 13,5 km, alt. 786 m/1399 m.

96 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T


AS PAREDES DE LAURENTINO CÂMARA
F OTO S : D I R E I TO S R E S E RVA D O S

SÓNIA, FILHA DE TERESA

Diz o mapa que a vereda é de duplo sentido. Porque o A Penha d’Águia é um feitiço quando a olhamos da por-
mapa é do Machico. Mas a Penha d’Águia não. É do Ma- ta do Bar Mini Central, a mercearia-bar de Sónia, filha de
chico e de Santana. Se os marcos geodésicos assinalam o Teresa, no largo da Igreja do Porto da Cruz. É um mons-
ponto mais alto de um dado monte, ali estamos, nos qua- tro que julgávamos indomável. Tornou-se um amigo, um
se 600 metros de altitude, no lado sul da Penha, com vis- tema de conversa. Teresa insiste: levou com ela dema-
ta para o majestoso Pico do Areeiro. E decidimos seguir siadas vezes no lombo para olhá-la de sorriso aberto, na-
em frente. Há demasiada Madeira para ver para nos cin- quela altura em o que hoje é trail/trekking se chamava
girmos a uma ida e volta pelo mesmo trilho. “necessidade” e a Lua era a companhia das subidas. Se
Imergidos da floresta, apresenta-se-nos o Atlântico, que algum dia ouvirem a expressão “moon spell” nas ruas do
se faz espelho quando é visto dali das alturas. Ao fundo, n Porto da Cruz, é mesmo disso que se trata. Do feitiço da
perfeito, o Porto Santo, lá em baixo, o Faial. E logo a per- A Igreja do Porto da Lua que vimos no dia seguinte, enorme em pleno dia.
Cruz e, no horizonte,
ceção de que a ilha é um grupo de crocodilos em conferên- uma clareira sobre Aquele rochedo só pode ter sido erguido num ato de ma-
cia e que só há zero altitude nas baías. E que o que desce o Porto Santo gia negra... Z
sobe e o que sobe desce, pelo que sem querer vamos ter de
pôr mais desnível nas pernas para regressar à base. Paciên-
cia. Tudo é belo, o Caminho Real da Madeira em trechos
intactos, pedrinhas abauladas por séculos de uso, degraus
como as pedras, abaulados, descida cumprida subida
adiante até à espinha de um dos crocodilos, até à velha es-
trada regional que definhou com o túnel, até ao café de
Laurentino Câmara e às favas e aos torresmos que nos pa-
recem um prazer inigualável, trincados com Coral e suor
junto aos matrecos enfeitados com uma jarra, paredes pa-
radas no dia do nascimento do raio do túnel.
Estamos quase prontos a descer o que falta, com duas
veredas em vez de uma, dez quilómetros nas sapatilhas,
um total de 800 metros de desnível positivo, meia dúzia
de pessoas cruzadas e a constatação de uma verdade ver-
dadeira apanhada na leitura que nos acompanha até à
Madeira, “O alfarrabista de Ponta Delgada”, de Francis-
co Duarte Mangas, “o abandono dá figos muito verdes”,
ou, na versão menos poética de Agostinho, dono do nos-
so quarto na Maiata, “vão-se as casas, ficam os figos”. A
visão de uma placa a indicar uma ribeira que esconde um
geossítio com as rochas mais antigas expostas na Madei-
ra e cujo nome resume todo este feitiço fecha o trilho,
“Tem-te Não Caias”.

VO LTA AO M U N D O. P T OUTUBRO 2022 97


Próxima Paragem

VIAJAR PARA CELEBRAR


A PAIXÃO
Vamos esconder-nos nas malas de casados de fresco
para descobrir destinos de amor, da proposta à lua
de mel, passando, porque não?, pelo casamento
longe de casa. Venha brindar connosco na próxima
“Volta ao Mundo”.

T H O M A S B A R W I C K /G E T T Y I M AG E S

98 OUTUBRO 2022 VO LTA AO M U N D O. P T

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