Você está na página 1de 100

VO LTA AO M U N D O

UM CASAL, DUAS MOCHILAS E UMA CORDILHEIRA


Nuno Gomes e Ana Rolão atravessaram os Pirenéus em 47 dias
EDIÇÃO VERDE A AUSTRÁLIA QUE RENASCEU DAS CINZAS

Edição
verde
U M A AV E N T U R A N O S P I R E N É U S

A AUSTRÁLIA
QUE RENASCEU
DAS CINZAS
VIAGEM APAIXONADA POR FLORESTAS
TROPICAIS, TERRA VERMELHA
E ÁGUA TURQUESA
N.º 320 JULHO 2021

N . º 3 2 0 | J U L H O 2 0 2 1
NO MEDITERRÂNEO,
V O LTA A O M U N D O . P T
A B O R D O D O N AV I O
ANO 26, MENSAL, PVP CONTINENTE: 5€
GIGANTE QUE
RECUSA POLUIR
Julho
O N D E , C O M O, Q UA N D O E P O RQ U Ê . O Q U E T E M OS PA R A PA RT I L H A R N E STA E D I ÇÃO.

14
Travessia
Mais de 800 km em mais de
40 dias: a mágica Transpirenaica

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 3


Porta de Embarque VM N.º 320
JULHO DE 2021

86 52

40 80
NO RADAR
Porque dedicamos esta edição
à Natureza e à sua proteção,
procuramos propostas arrojadas
de destinos verdes. Do Ruanda
à Austrália, passando pela Noruega.

46
PARAGENS A 33 ROTAÇÕES
Quando a música é viagem...
à magia dos Andes e dos sons
que a mãe das cordilheiras inspira.

48
PELA LENTE DE
Pedro Correia, olhando o contraste 80
de cores num postal dos Açores. CRUZEIRO
Na hora das preocupações climáticas,

52
já há navios a acertar relógios.

AUSTRÁLIA
A jornalista Raquel Teixeira perdeu
86
as sandálias e encontrou o amor numa ALPINISMO
viagem de 70 mil quilómetros e muitos A Espaços Naturais criou a primeira
meses à roda do país-continente. expedição feminina ao Nepal.
Falámos com o ideólogo da aventura,

72
Pedro Guedes.

8 72
PASSAPORTE VIP
A atriz Rita Pereira garante que as
90
PLANISFÉRIO Maldivas são muito mais do que PONTE DE LIMA
um destino romântico. São um A parceria com a revista “Evasões”
Recordar a Índia e perceber
programa perfeito para amigos. leva-nos este mês por terras minhotas.
porque a pandemia se fez tragédia.

14 30
PIRENÉUS
Nuno Gomes e Ana Rolão dedicaram
mais de mês e meio à travessia
da cordilheira. De farol a farol.

30
PLANETA VERDE
O Eden Project recria florestas
e outras verdades em risco sob
bolhas perfeitas em Inglaterra.

4 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


100% ÚTIL

menshealth.pt @menshealthportugal menshealthportugal

ASSINE 12 EDIÇÕES DA MEN’S HEALTH


POR APENAS 43,20€ 29,90 €
LIGUE 219249999
O VALOR DA ASSINATURA 12 EDIÇÕES DA MEN’S HEALTH COM 31% DE DESCONTO (29,90 €) INCLUI A VERSÃO IMPRESSA E A VERSÃO DIGITAL. VALOR DA ASSINATURA NÃO REEMBOLSÁVEL.
CAMPANHA VÁLIDA PARA PORTUGAL CONTINENTAL E ILHAS ATÉ DIA 31 DE JULHO DE 2021. NÃO ACUMULÁVEL COM OUTRAS CAMPANHAS EM VIGOR. PARA MAIS INFORMAÇÕES:
HTTP://ASSINATURASPAPEL.QUIOSQUEGM.PT | APOIOCLIENTE@NOTICIASDIRECT.PT | 219249999. DIAS ÚTEIS DAS 8H00 ÀS 18H00.
EDITORIAL

O PRESENTE É VERDE.
O FUTURO SERÁ AZUL

H
á tanta coisa em que a estupidez humana leva a melhor que só po-
demos ficar esperançados quando constatamos que esta corren-
te verde que deixou de ser filosófica para ser científica se impôs
entre nós. O Mundo enche finalmente a boca com a sustentabili-
dade ambiental, os líderes políticos adotaram o mantra na agen-
da (na mediática e na oculta) e mesmo os ignaros começam a ficar convencidos
de que o Planeta está mais para lá do que para cá. Seja, pois, bem-vinda esta ten-
dência, fatalidade, enfim, chamemos o que quisermos à evidência de conside-
rarmos a finitude dos recursos naturais e o nosso comportamento coletivo como
elementos-chave de uma equação que ajudará a salvar a nossa existência. Aben-
çoadas, por isso, as modas que se ancoram em propósitos humanitários.
O futuro só não será verde porque é o presente que se pinta já com essas co-
res. O futuro será azul. A Terra que queremos deixar às próximas gerações terá de
continuar a girar como uma bola magnética onde a vida pulsa, a vegetação flo-
resce e a camada de ozono é preservada o mais possível. Façamos a nossa parte,
cada um de nós, com gestos simples, diários. Mas decisivos. Porque a pegada
ambiental está em tudo: no que comemos, na forma como nos lavamos, na rou-
U M A F L O R E S TA pa que vestimos. Nas rotinas que adotamos enquanto viajantes. E, nesse parti-
F U T U R I S TA N A M A I O R cular, é reconfortante perceber que nem mesmo o turismo de massas, tão ne-
E S T U FA D O M U N D O cessário à economia global e à manutenção de largos milhões de empregos, se
PA R E C E F I C Ç Ã O
pôs de parte na busca por este compromisso.
CIENTÍFICA,
M AS N ÃO É . É H OJ E . A edição da Volta ao Mundo que tem nas mãos é especial. Também nós qui-
E S TÁ A A C O N T E C E R semos assinalar a importância desta urgência ambiental. Da melhor forma que
À FRENTE DOS NOSSOS sabemos: usando a paixão dos viajantes, percorrendo geografias ricas e diversas,
O L H OS. E A I N DA B E M mostrando que é possível partir, desfrutar e guardar memórias sem atacar o am-
biente. Em comunhão com o Planeta.
Exemplos: a aventura de Raquel Teixeira pela Austrália é muito mais do que
uma viagem. É uma história de amor pela Natureza, num continente a recupe-
rar dos efeitos de uns fogos devastadores. Ao longo de cerca de um ano, percor-
reu florestas tropicais, pisou terras vermelhas e mergulhou em águas turquesas.
É um testemunho inspirador e pungente. Como inspiradora é, também, a histó-
ria de Nuno Gomes e de Ana Rolão, casal que agarrou nas mochilas e atravessou
os Pirenéus a pé, durante um mês e meio. Da terra para o mar, viajámos a bordo
de um navio gigante no Mediterrâneo que se recusa a poluir os mares. E damos
a conhecer, na nossa habitual rubrica Planeta Verde, o ambicioso projeto de flo-
restas futuristas na Cornualha, naquela que é a maior estufa do Mundo.
Parece ficção científica, mas não é. É hoje, está a acontecer à frente dos nos-
sos olhos. E ainda bem.

PEDRO IVO CARVALHO,


DIRETOR

6 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Edição
verde Redação: Rua de Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049 -011 Porto. Tel.: (+351) 222096100

Estatuto editorial disponível em: www.voltaaomundo.pt

Depósito Legal n.º 67 247 / 94. Registado na ERC sob o n.º 118 462

DIRETOR-GERAL EDITORIAL Domingos de Andrade


DIRETOR Pedro Ivo Carvalho
DIRETOR DE ARTE Pedro Pimentel
DIRETOR-ADJUNTO DE ARTE António Moreira

REDAÇÃO Ivete Carneiro (editora)


DESIGN E INFOGRAFIA Pedro Pimentel, António Moreira,
Isidro Costa e Lorena Morais

COPY DESK E PRODUÇÃO Paulo Silva

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Ana Costa, Emanuel Carneiro, José Luís Peixoto,
Kátia Catulo, Nuno Cardoso, Nuno Gomes, Pedro
Emanuel Santos, Raquel Teixeira, Rute Cruz e Sara
Oliveira
A CAPA
Adelino Meireles (editor) e Pedro Tomé
EDIÇÃO E TRATAMENTO DE IMAGEM

Fotografia: Felix Cesare/Getty Images


DIREÇÃO COMERCIAL Vítor Cunha (diretor comercial Norte)
Pedro Fernandes (diretor comercial Sul)
O papel usado nesta edição é produzido
por entidades devidamente certificadas Carla Ascensão
MARKETING E COMUNICAÇÃO
e com garantias das melhores práticas
ambientais. Nuno Ramos (diretor), Raul Tavares (diretor adjunto de
PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS
circulação), Jaime Mota, João Pires e José Gonçalves

António Santos
DATA PROTECTION OFFICER

Assinaturas: Atendimento ao assinante – Dias úteis, das 08h00 às 18h00.


Tel.: 219249999.
E-mail: apoiocliente@noticiasdirect.pt

Impressão e acabamento: Lisgráfica, S.A. – Estrada Consiglieri Pedroso, Casal de Santa Leo-
poldina, 2745-553 Barcarena. Embalagem, circulação e distribuição porta a porta: Notícias
QUATRO COISAS QUE APRENDEMOS Direct Distribuição em Portugal: Vasp

C O M E STA E D I ÇÃO

1| PIRENÉUS
AS CABANAS DE CAÇA
Cada um arranja a justificação
que merece: ali chamam-se cabanas Editor e proprietário: GLOBAL NOTÍCIAS – MEDIA GROUP, S.A.
dos maridos maltratados... Sede: Rua Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049-011 Porto. Tel.: (+351) 222 096 100 Fax: (+351) 222 096 200
Filial: Torres de Lisboa, Rua Tomás da Fonseca, Torre E, 3.º piso, 1600-209 Lisboa. Tel.: (+351) 213 187 500

2| EDEN PROJECT
O MUNDO SUSTENTÁVEL
Um projeto de salvaguarda do ambiente
Fax: (+351) 213 187 501
Matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Almada.
está a construir a primeira central de Capital social: 28.571.441,25 euros. NIPC: 502535369
energia geotérmica do Reino Unido. Conselho de Administração: Marco Galinha (Presidente), Domingos de Andrade,
Guilherme Pinheiro, António Saraiva, João Pedro Rodrigues, José Pedro Soeiro,

3| AUSTRÁLIA
A ÁRVORE DAS VERTIGENS
A Árvore Bicentenária de Dave Evans
Kevin Ho, Phillippe Yip, Rui Moura
Secretário-geral: Afonso Camões
trepa-se por degraus incertos sem arnês. Capital social: Páginas Civilizadas, Lda. - 29,75%/ KNJ Global Holdings Limited - 35,25%
José Pedro Soeiro - 24,5% / Grandes Notícias, Lda. - 10,5%

4| NEPAL
O PÃO DOS SHERPAS
Os carregadores que sobem aos cumes
atrás de alpinistas ganham em sete dias I NTERDITA A REPRODUÇÃO DE TEXTOS E IMAGENS POR QUAISQUER MEIOS .
o equivalente a dez ordenados mínimos. Tiragem deste número: 12.100

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 7


PLANISFÉRIO

PORQUE NÃO NOS ESPANTAM

H I N D U STA N T I M E S /G E T T Y I M AG E S
AS NOTÍCIAS DA ÍNDIA
É um país onde os milhões são unidades pequenas, onde
o espaço é tão escasso que não há o do próximo, há apenas
espaço que tem de servir para todos. E, num país assim,
onde a água é ouro e as oportunidades falham, um vírus
tem tudo para vingar.
P O R IVETE CARNEIRO

É
final, muito final de noite, já mas de bairros de lata engatados uns nos ou-
quase a dobrar a data. O avião tros, de casas periclitantemente construídas
aterra na escuridão, o bruaá andar acima de andar, um mundo retorcido de
está lá em baixo, lá longe, para vida adormecida, com muitos dos moradores
lá das luzes. É Bombaim, o so- a descansar ali mesmo, na margem da estrada,
nho de uma vida, que nos es- entre a lata das casas e a dos calhambeques que
pera. Temos dormida marcada junto ao Por- passam, escassos já, o dia termina cedo nestas
tal da Índia, na marginal que nos há de aco- latitudes, quando não continua eternamente
lher daqui a umas boas dezenas de minutos. na lufa-lufa da sobrevivência.
Muitas mesmo. Por alguma razão obtusa, o ta- São quilómetros sem-fim de uma visão que
xista que escolhemos conduz-nos pelo caminho dói, milhares de pessoas adormecidas na hu-
menos óbvio. E o choque é total. Do aeroporto midade opressora, milhares de telhados de
à entrada na gigantesca urbe, é urbe na mesma, ferrugem a tombar sobre paredes de chapas,

8 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


E DEPOIS HÁ AQUELA
SEGUNDA ÍNDIA,
QUE SÃO OS CAMINHOS
DE FERRO, ONDE TUDO
SE REPRODUZ ELEVADO
AO MÁXIMO EXPOENTE ,
ONDE O MUNDO SE
EMPURRA E TOCA, SEM
NOÇÃO DO ESPAÇO DO
PRÓXIMO PORQUE QUANDO
NÃO HÁ ESPAÇO É MESMO
ASSIM QUE SE SOBREVIVE ,
ENFIADO NA MULTIDÃO,
A TENTAR RESPIRAR

tinham-nos avisado. Ou se ama ou se odeia. escasso para tanta alma. Conhecendo a Ín-
Ainda não consigo dizer. Porque estou sem dia – voltaria outras vezes, porque percebi
voz, enfiada no apertado táxi entre os meus cedo que, passado o choque, tudo aquilo en-
companheiros de viagem e as nossas mochi- canta, até nos cheiros que se poderiam julgar
las, garganta travada no espanto, ninguém difíceis mas que são, sobretudo, de especia-
fala, não se ouve, sequer, respiração. rias e incensos, como se a Natureza tivesse
Seria apenas o primeiro embate. Na alvora- inventado as especiarias para os países sem
da, a cidade abriu-se ao Sol, paredes de tijolo espaço –, não foram de todo estranhas as no-
de lembrança britânica, ornamentos vitoria- tícias do descontrolo da pandemia de covid-
nos um pouco por todo o lado, passeio largos -19. Porque se é difícil controlar um vírus res-
e... pessoas. Aos milhares, debaixo de outras piratório na Europa das distâncias sociais e
favelas, essas que são improvisadas nas bei- dos espaços sem fim, imagine-se na Índia so-
ras das ruas da cidade das oportunidades, de- brepovoada. Só foi bizarra a demora para se
baixo de telas e tendas, entre panelas e fo- chegar ao drama de um bicho desenfreado a
gueiras e cueiros e crianças nuas e sorrisos dizimar um povo e a criar descendência mu-
mágicos. Hoje consigo falar. E sorrio com es- tada. À falta de espaço junta-se a pobreza,
sas mulheres simples, esses homens magros junta-se o emprego miserável, junta-se um
que fugiram do campo para a selva urbana, sistema de castas que atira meio mundo para
porque, na verdade, perceberia ao longo das o desprezo, junta-se a água contaminada ou
próximas cinco semanas de Índia, o campo e a falta dela, lavar mãos transforma-se, por-
a cidade são irmanados na falta de espaço. ventura, no tratamento mais difícil de obter,
E eis-nos chegados ao tema: falta de espa- junta-se o desemprego que atira quem pro-
ço. Falta de tudo. É impossível percorrer um curou a cidade para a rua, forçando milhões
quilómetro de país sem ver gente. A pé, de de regressos para um campo quem não tem
bicicleta, a puxar carroças, com animais, nada para oferecer a um doente.
Nova Deli com crianças, com saris de cores mil, com Perguntar-se-á: mas então por que razão
sorrisos, quase sempre. E depois há aquela visitar a Índia? Porque tudo isto é ensinamen-
Bombaim segunda Índia, que são os caminhos de fer- to e porque conhecer o Mundo é conhecer
ro, onde tudo se reproduz elevado ao máxi- quem vive nele e como vive nele. E porque a
mo expoente, onde o Mundo se empurra e Índia é um sorriso maravilhoso de simplici-
toca, sem noção do espaço do próximo por- dade, daqueles que, não tendo nada para ofe-
que quando não há espaço é mesmo assim recer, entregam apenas a afabilidade e a sim-
que se sobrevive, enfiado na multidão, a ten- patia. E isso existe na Índia como em poucos
ÍNDIA tar respirar. E os caminhos de ferro são um destinos. No nosso caso, ama-se. Com todas
pouco como o sistema linfático de um país as letras e sem espaços. Z

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 9


As vossas DO INSTAGRAM PARA O PAPEL

Gostaria de ver publicadas as suas fotografias

viagens
na Volta ao Mundo? Basta identificar o nosso
Instagram @revistavoltaaomundo e usar
a hashtag #revistavoltaaomundo nas suas partilhas.
Se preferir contar-nos uma viagem, escreva-nos
para voltaaomundo@voltaaomundo.pt

N E ST E M Ê S D E STACA M OS. . .

@raulalexandre
SERENGETI, TANZÂNIA

@halfway2happiness
SANTO ANTÃO, CABO VERDE

@ni.francisco @taniasmagicaltravels
ATACAMA, CHILE SEMERU, INDONÉSIA

E S TA M O S C O N S I G O T O D O S O S D I A S S I GA- N OS E M :
E M V O LTA A O M U N D O . P T
A sua revista de viagens leva diariamente os leitores para destinos voltaaomundo.pt
diferentes daqueles que encontra na versão em papel. Em especial
nestes dias de liberdades ainda restringidas, com toda a atualidade revistavoltaaomundo
sobre a lenta retoma da atividade turística e para que não sinta falta
de nada quando for tempo de voltar a viajar. Não deixe de adicionar
@revistavoltaaomundo
@viajar_viver_voltar o nosso site aos seus Favoritos e visite-nos todos os dias. Estamos cá
NAMIBE, ANGOLA para surpreender e fazer companhia.

10 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


O edifício dos paços
do concelho de Delft
é o mais imponente
da Praça do Mercado,
que tem a Igreja Nova
do lado oposto
DJ E DJ / P I X A B AY

C A R TA D O L E I T O R

DELF T – CRÓNICA DE UMA VIAGEM


MUITO MUITO RÁPIDA
TEXTO JORGE ROSAS DE CASTRO, ESPINHO

N
ovembro, fim de tarde, Roterdão. Ter- clinada e por isso conhecida por aqui como a
minava ali um período de 15 dias de torre de Pisa holandesa, a nederlandse pisa to-
estágio profissional muito intenso – ren (agora fiquem com este pequeno aponta-
estes holandeses não se perdem mes- mento desta língua que parece falada, como
mo em cafezinhos a meio da manhã. Havia duas dizer?, com um lápis atravessado nos dentes…).
opções: ir para o hotel, jantar tranquilamente e A Igreja Nova, a tal da torre dos 375 degraus,
aguardar o regresso a Portugal, no dia seguinte; fica em plena Praça do Mercado, com a Câmara
ou apanhar um comboio e 20 minutos depois es- Municipal na ponta oposta. Uma praça do mer-
tar numa cidade de que apenas ouvira vagamen- holandês, Delft deriva de delven, que em inglês cado sem mercado não é a mesma coisa, mas
te falar. O cansaço acumulado, a noite que co- significa delve, que o mesmo é dizer dig (cavar). foi o que vi. Ainda assim linda, na sua largueza e
meçava, o frio marítimo e a chuva intensa acon- É, no fundo, algo de comum a toda a Holanda, na coerência de linhas das casas que a rodeiam.
selhavam o hotel. Não. Comprei o guarda-chuva ou não estivéssemos nos Países Baixos, terra ga- A um canto, o único restaurante aberto que vi e
possível, que era amarelo e dizia I love Rotterdam, nha com suor e lágrimas ao mar – talvez venha onde entrei... Uma pizaria, pois claro! O que até não
e eis-me em Delft. daí, de algum sentido de respeito para com os foi mau de todo, já que a culinária holandesa não é
À chegada, logo na estação, primeira surpresa: antepassados que venceram essa batalha, a fal- propriamente a melhor do Mundo. Coerente com
um amplo hall de acesso ao exterior encimado ta de apetência dos holandeses atuais para o a sua origem italiana, a pizaria tinha numa parede
por uma abóbada imensa com o desenho de um cafezinho a meio da manhã. uma imagem de Johannes Vermeer, que por cá nas-
mapa antigo da cidade, em tons de azul e bran- Para minha infelicidade chovia em Delft mais ceu, viveu e morreu. Nas redondezas há um Cen-
co, as cores da zona. Não esqueçamos que a par ainda que em Roterdão, obrigando-me a man- tro Vermeer, com todos os quadros do pintor, ou
das túlipas, dos moinhos de vento e do pé direi- ter permanentemente aberto o guarda-chuva melhor, reproduções – os originais espalham-se por
to de Ronald Koeman, a porcelana de Delft, habi- sexy. E com isso não era fácil olhar para cima, 18 locais no Mundo, a começar pelo fabuloso “Ra-
tualmente em azul e branco, é um dos símbolos como se impõe numa cidade com duas majes- pariga com brinco de pérola”, talvez a mulher retra-
do país. Pequena curiosidade: a tradição desta tosas torres: a da Igreja Nova, com os seus mais tada mais famosa da História a seguir a Mona Lisa,
porcelana terá começado há 400 anos a partir de de cem metros de altura (e que em boa hora es- e que está no Mauritshuis, em Haia. Não confundir
cópias de porcelana chinesa. A Europa a imitar a tava fechada, pois de outro modo ter-me-ia im- com Scarlett Johansson, a atriz que andou por es-
China: a História da Humanidade tem graça… posto subir os seus 375 degraus para uma vis- tas ruas na rodagem de um filme sobre o artista e
O centro está à distância de uma pequena ca- ta imperdível, pelo menos, para as luzes da ci- no qual representou a misteriosa rapariga. Depois
minhada ao longo de um dos canais que nasce- dade, uma vez que a noite já era cerrada…); e de um jantar regado por um vinho tinto sofrível e
ram, na maioria, com a própria cidade. Aliás, em a da Igreja Velha, a olho nu manifestamente in- uma boa conversa, regressei. Agora sim, hotel. Z

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 11


PASSAGEIRO FREQUENTE

PEDAL AR NA CIDADE

O
s caminhos de Berlim perten- Andar de bicicleta permite essa existência
cem às bicicletas. São as úni- harmoniosa: a simplicidade do gesto de peda-
cas que conseguem passar lar, os círculos que as pernas traçam no ar, a
por toda a parte. Numa cida- própria elegância estética desta máquina, com-
de onde se espera o tempo posta por selim, guiador, quadro, rodas susten-
que for preciso atrás de um tadas pela delicadeza reta de raios. Por outro
semáforo vermelho numa rua deserta, as bi- lado, a proporcionalidade entre esse gesto e o
cicletas permitem a si próprias uma liberda- movimento de tudo, como uma certa impres-
de diferente: tanto podem seguir na faixa que são de controlo e de justiça.
lhes é atribuída na estrada como, se houver Importa acrescentar, e não é um detalhe,
espaço e for mais conveniente, podem avan- que a primavera amenizava ainda mais tudo o
ça pelo passeio. Às vezes, em contramão. que se via ou imaginava. A luz e a temperatu-
Aluguei uma bicicleta para o dia inteiro, ra garantiam uma tranquilidade que, pareceu-
doze euros extraordinariamente bem gastos. -me, não sentia daquela forma havia muito
Todos os lugares onde queria ir ficavam a tempo. E, claro, a cidade de Berlim. Agora, na
uma distância acessível. Na cidade plana, pe- memória, tenho a impressão de que Berlim é
dalar dava uma velocidade adequada às coi- uma mistura de edifícios gigantes e árvores:
sas que passavam por mim. Por exemplo, construções sólidas, compostas por grandes
pude abrandar ao longo de um resto do muro blocos de pedra, e enormes copas de árvores,
que separou as duas partes da cidade duran- repletas de folhas verdes, viçosas, ramos atra-
te mais de quarenta anos, o oeste e o leste. vessados por raios de sol. Os edifícios, com a
A essa velocidade, nem depressa, nem de- sua monumentalidade, fazem o ciclista sen-
vagar, pude sentir a emoção de estar ali, onde tir-se ínfimo, o que não é necessariamente ne-
UMA CRÓNICA
DO ESCRITOR se viveu uma divisão marcante da história da gativo, assim recorda a humildade necessária,
JOSÉ LUÍS PEIXOTO Europa e do Mundo. em risco perante a euforia que é circular numa
cidade como esta. As árvores, com a sua amá-
vel e profunda natureza, garantem oxigénio,
simbólico e literal.
De bicicleta, passei pelas pontes que en-
tram e saem da Ilha dos Museus, pessoas dei-
tadas na relva dos parques junto ao rio Spree,
a primavera; passei por casas ocupadas, pa-
redes pintadas com palavras de ordem em
alemão, pontos desafiantes de exclamação;
passei pela sessão de fotografias de um casa-
mento; passei por centros de refugiados, as
crianças a brincarem cá fora, os adultos à ja-
nela. E cheguei a Kreuzberg, onde parei para
beber um sumo de laranja espremido à mi-
nha frente e, depois de trancar a bicicleta a
um poste, entrei em duas livrarias: uma de-
dicada exclusivamente a policiais, outra es-
pecializada em ficção científica.
E voltei à bicicleta. Nesse dia, cruzei-me com
um carteiro numa grande bicicleta de carga,
com pais em curiosas bicicletas que tinham à
frente um espaço para os filhos, que seguiam
muito direitos, a ver tudo, também com inú-
meros distribuidores de comida, a carregarem

12 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


enormes mochilas térmicas. Frequentemente, RESPIRAR
atravessei nuvens que cheiravam a kebabs do N A N AT U R E Z A
Médio Oriente ou a phos do Vietname.
Quando queria virar, estendia o braço des-
se lado e, de repente, sentia alguma timidez
por me fazer notar, por estar a comunicar
com estranhos. Ao mesmo tempo, sentia-me
do meu tamanho exato, grande e pequeno,
importante e pouco importante. E sempre,
em todos os momentos, havia o respeito dos
carros. Nunca nenhum se aproximou dema-
siado, como se me quisesse empurrar, como
N A C I DA D E P L A N A ,
P E D A L A R D AVA se eu fosse apenas um obstáculo que a sua ur-
U M A V E LO C I DA D E gência precisava de ultrapassar.
A D EQ UA DA ÀS De certa forma, ainda estou neste momen-
COISAS QUE to a pedalar em Berlim. Fecho os olhos e sou
PA S S AVA M P O R M I M capaz de sentir a paz dessa liberdade. Z

J O S É LU Í S P E I XOTO
A bicicleta perante
a monumentalidade
dos edifícios, o ciclista
como ser ínfimo, humilde
n
Talvez a grande explicação para Berlim esteja nes-
te fabuloso jardim. Com uma área de 250 hecta-
res, o Tiergarten é o maior parque da cidade. Com
árvores que datam de quando os reis da Prússia o
usavam como terreno de caça, foi tornado públi-
co no final do século XVII. Mas as árvores não pa-
raram de crescer.
Estes são caminhos que podem ser feitos a pé,
o som dos passos na terra, mas também há mui-
ta gente a fazê-los de bicicleta, os pneus a roda-
rem nessa mesma terra. Há lagos que alimentam
plantas e que, a seu tempo, também se alimen-
tam delas. Há a Natureza profunda e absoluta.
Pode atravessar-se o Tiergarten para se che-
gar a algum lugar, as suas fronteiras não ficam
muito longe das Portas de Brandenburgo, da Pra-
ça de Potsdam ou do Bundestag, por exemplo.
Mas também se pode dar voltas sem fim no inte-
rior do Tiergarten, como fazem certas aves que,
voando entre um e outro ramo, passam ali boa
parte da sua vida.
No seu centro, precisamos de fazer um esfor-
J O S É LU Í S P E I XOTO

ço para nos lembrarmos de que estamos numa


cidade. A Natureza rodeia-nos. Mas talvez seja
necessário um lugar assim para tornar possível
uma cidade como Berlim, para que se entenda
aquilo que é. Z

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 13


ROTEIRO A PÉ PELA CORDILHEIRA

DE HIGER
A CREUS,
O CAMINHO DE UMA VIDA
Nuno Gomes e Ana Rolão estavam semi-parados em empregos
pouco satisfatórios e ainda menos estáveis. Agarraram no sonho
e nas mochilas e atravessaram os Pirenéus a pé. E contam-nos
como foi, para “pôr o povo a mexer”.
TEXTO IVETE CARNEIRO FOTOGRAFIA NUNO GOMES

O Vale de
Ordesa

14 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


1 CABO HIGER

10 km

2
ÍRUN
A partida do GR11 faz-se junto
ao farol de Higuer, no Atlântico.
Ao terceiro dia, o poiso foi em
tenda junto à cabana dos maridos
21 km maltratados, que é como quem diz,
caçadores... O cansaço ditou
o destino, com o corpo ainda
a aprender a resistir ao desafio

BERA
3

OS 820 KM QUE 18 km
LIGAM O ATLÂNTICO
AO MEDITERRÂNEO
Dormida em tenda
A aventura parte do Farol
de Higuer e termina no
de Creus, quase 50 dias depois

Trajeto principal
Trajeto alternativo

Q
uando Ana avistou o Farol de Creus, ainda a centenas
12 km
de metros do fim de uma aventura que pode ser a de
uma vida, ainda sentia o alvor de uma euforia nas en-
tranhas, a do objetivo cumprido, do desafio vencido,
da conquista final. Estava enganada. Redondamente.
“Olha, acabou… E agora?” E percebeu ali, a contem-
plar o Mediterrâneo 47 dias depois de ter virado as costas ao Atlânti- 4
co, no Farol de Higer, que o objetivo tinha ficado para trás, em cada ELIZONDO
um dos quilómetros palmilhados nos majestosos Pirenéus. O objeti-
vo fora caminhar. Ao ponto de, largado o Farol de Creus, ainda ter per-
corrido, a pé, uma meia dúzia de quilómetros até à povoação. Triste.
Ela e Nuno, o namorado que a arrastou para a Transpireneica. Hoje,
contam-nos como foi. “Para pôr o povo a mexer.”
A ideia existia, latente, no espírito de Nuno Gomes, arquiteto
transviado e líder de expedições de Natureza, e na estante lá de casa.
O guia da GR11, a Grande Rota que atravessa os Pirenéus de ponta a
ponta, jazia ali, a envelhecer incólume, havia uns anos, tingido de 18 km
uma leve esperança. Porque fazê-la exigiria tempo. Muito tempo. A
arquitetura estava numa fase intermitente, sem grandes vínculos, e
a docência de Geografia de Ana Rolão andava pelos mesmos trilhos.
Criou-se ali a oportunidade perfeita. O tempo arranjar-se-ia, à von-
tade, sem prazos. Porque esse seria um princípio de partida: não ter
pressa para cumprir o objetivo.
URKIAGA
5
VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 15
A PÉ PELA CORDILHEIRA
GR11 EM NÚMEROS

• 47 dias
• 820 quilómetros
• 40 mil metros de
desnível acumulado

Dia mais longo:


9 horas – dia 45 (Espola -
Port de la Selva)

Maior distância
percorrida num dia:
28 km – dia 45 (Espola -
Port de la Selva)

Maior subida: 1 800 m


em 8 km – dia 29
(Tavascan - Áreu)

Maior descida:
1 200 m em 2 km – dia 17
(Refúgio Goriz - Refúgio
Piñeta)

Altitude máxima atingida:


2 814 metros – dia 38
(Núria - Setcases)

Custo
Cerca de mil euros
por pessoa, incluindo
17,5 km comboio Lisboa-Irún,
camioneta de Creus
a Barcelona e regresso
de avião Barcelona-Lisboa

6
BURGETS 17,5 km

21 km
7
HIRRIBERRI

8
OCHAGAVIA

Z
Ao sexto dia, a tenda
ficou perto de um
bunker da Segunda
Guerra Mundial
com a data de 1940.
O amanhecer foi
mágico (em cima)

16 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Faltava a preparação. E a empreitada não era leve. Tra-
tava-se de calcorrear 820 quilómetros de montanha, de
um mar ao outro, em “verdadeira autonomia”, a subir e
descer uns 40 mil metros de desnível, atrás das “paisa-
gens sensacionais que os Pirenéus tinham para ofere-
cer”. “O nosso objetivo nunca foi a rapidez, mas sim o
desfrutar da montanha em toda a sua grandiosidade”,
recorda Nuno. “Podíamos ter feito mais, mas não qui-
semos.” E até houve dias em que se seguiu um pouco
mais adiante do que o ponto no mapa, outros em que o
mapa estava desatualizado e obrigou a desvios, outros
ainda em que o gelo foi quem mais ordenou. Realizado
no verão, o sonho não se acautelou com crampons.
Mas nunca uma etapa se estendeu para lá dos 28 km.
A estafa mais longa, curiosamente, foi mesmo na pre-
paração. Depois de oito meses de reforços no ginásio e
de treinos específicos de caminhada e escalada para
ganhar endurance, Ana e Nuno carregaram uma mo-
J
chila muito pesada às costas e foram de Carnaxide à O descanso do sétimo mória pela curiosidade da apelidação: cabana dos ma-
Praia Grande para ver como o corpo se sentia. Soma- dia foi um teste à resis- ridos maltratados, um abrigo de caçadores ao lado do
tência da tenda ao ven-
ram 34 km sem esforço. Estavam prontos. E animados. to. Amanheceu com qual Ana e Nuno montaram a tenda, cansados e encan-
Até porque sabiam ao que iam: levavam experiência de o horizonte pintado a tados, ignorando o destino que o mapa lhes apontava.
nuvens devido a uma
escalada e trekking em montanha sob as mais variadas inversão térmica, em Outro pela construção e sentimento de solidão que lhes
condições meteorológicas, por um ou vários dias e nos que o ar mais frio fica ofereceu: o refúgio de Baiau, sem guarda e no maior
aprisionado no fundo
mais diversos cenários, da portuguesa Serra da Estre- do vale (em baixo) isolamento da viagem, com rigorosamente nada à vol-
la ao marroquino Toubkal, passando pela espanhola ta em vários quilómetros. Outro ainda porque já foi
cordilheira de Gredos ou pelos Alpes. bunker de guerra e agora é um sítio de paz sob árvores
O resto foi “uma espécie de caminho”. E de trabalho de que se tornam conto de fadas pela manhã. Ou outro
mente. Sobretudo. “A cabeça é fundamental quando as porque fica num alto em que o frio é empurrado para
coisas correm mal. Andar debaixo de chuva durante vários
dias, somar noites mal dormidas, com uma tenda que me-
tia água, três dias a jantar pão e bolachas porque já não tí-
nhamos gás para cozinhar e não havia onde comprá-lo,
perdermo-nos sem saber onde está o trilho e sem previ-
são de conseguir chegar ao destino… tudo testa a nossa ca-
pacidade de resiliência. E o corpo responde pela cabeça.”
A garantia de Nuno é que meter pés àquele caminho
“não é difícil”, para lá do desconforto. O casal cami-
nhou todos os dias, acampou metade deles, dormiu
umas noites ao relento e em refúgios abandonados, ou-
tros equipados, com gente quase sempre exceto em três
dias, mas sem massificação. Um dos sítios fica na me-

21 km
12 km

ZURIZA
15 km
10
9
ISABA

OZA
11

11 SANTA ANA
VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 17
A PÉ PELA CORDILHEIRA

baixo e constrói um mar de nuvens. Outro também se ao saber quando parar ou arriscar e continuar.” E não
porque foi onde se plantou a tenda para cantar os pa- desmoralizar quando a temperatura se faz negativa ou
rabéns a Nuno, com o bolo possível – muita da comi- a entressola da bota se quebra na aresta de uma rocha,
da era liofilizada (a “Gallina Blanca” ficou registada quando a marcação do caminho não está ali, quando o GPS
para sempre), autonomia em montanha oblige – e a tem bases erradas e a viagem se faz de mapa na mão, quan-
fome a acumular para sorver tudo o que lhes puseram do o trilho não está no mapa que se traz, quando a marca
à frente no dia seguinte e deixar outros comensais à ali é de outro percurso, que os há às dezenas nos Pirenéus.
míngua. Ou aquele, finalmente, que é uma encosta tão “Houve um dia em que, até hoje, não sabemos se montá-
medonha que desce mais de um quilómetro em altitu- mos a tenda em Espanha ou em França, dada a quantida-
de no espaço de 1 200 metros de distância e obriga a de de vezes que atravessamos a fronteira de um lado para
passar mochilas à mão. Nesse dia, os céus caíram-lhes o outro em busca do caminho certo.”
literalmente em cima. Nesse dia que é um daqueles dias Porquê contá-lo agora, volvidos uns anos – a trilha
em que a cabeça precisa mesmo de funcionar. fez-se em 2014? Porque a pandemia pôs as pessoas a des-
“Foi uma experiência sensacional, que acima de tudo cobrir o Mundo lá fora, aquele que se escreve a verde e
nos ensinou que na montanha nada é garantido, inde- se canta em riachos a correr e se sorve muitas vezes bo-
pendentemente da experiência que tenhamos. Uma quiabertos, esmagados pelo peso da “verdadeira Natu-
das certezas que trouxemos connosco poderá resumir- reza”, pelo caminho que, afinal, não procura um fim.

15 RESPOMUSO
Este foi o dia em que
tivemos que voltar para trás
por causa de muito gelo
nos pontos mais altos 22 km

CANDANCHÚ
13

20 km

22 km 14 SALLENT
12
BAÑOS 16
LIZARA PANTICOSA

12 CANFRANC-ESTACIÓN

3
Os Pirenéus selvagens
como companhia da
16.ª etapa. “Não há
pessoas nem trilhos
à vista… É isto que
é apaixonante nesta
cordilheira”

18 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


J
A cascata visitada ao
10.º dia, o observador e
o “vale das águas tortas”
do 12.º dia e os parabéns
ao Nuno com os meios
de bordo ao 17.º dia

16 km

17 REFÚGIO BUJARELLO

REFÚGIO GORIZ
18 19 REFÚGIO PIÑETA
23 km 15 km

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 19


A PÉ PELA CORDILHEIRA

O Vale de Ordesa,
um horizonte grandioso

23 km
21 km
20
BIADÓS
PARZAN
21

22
PUENT SAN JAIME

REFÚGIO RESTANCA

20 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


J Dia 22, o cenário de paz
depois de uma manhã de
vento e chuva violentos

3 Dia 17, a magia do Vale


de Ordesa, com a sua fa-
bulosa cascata e o aces-
so ao Monte Perdido

Z O lago no percurso
do 24.º dia, que termi-
nou no refúgio Restan-
ca (em baixo)

13 km

REFÚGIO
25 COLOMERS
REFÚGIO
RESTANCA
24 REFÚGIO
19 km CONANGLES 18 km

12 km
REFÚGIO
AMITGES
COL ANGLIOS 23
26

10 km

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 21


A PÉ PELA CORDILHEIRA

J
O 25.º foi um dia puxado para evi-
tar a tempestade do dia seguinte;
deixou para trás o refúgio Colo-
mers e acabou no de Amitges

30 TAVASCAN

12 km

16 km 15 km
REFÚGIO
BAIAU

LA GUINGETA 32
28
12 km 29 31
ÁREU
11 km
REFÚGIO
ESTAON
ESPOT 27

AS NOITES DA AVENTURA, POR TIPO DE DORMIDA


A escolha depende do caminho e do cansaço que se leva

QUARTOS ALUGADOS
12
REFÚGIO GUARDADO
5
REFÚGIO NÃO GUARDADO
2

TENDA
22
AO RELENTO
3
GARAGEM/ANEXO
2

22 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Numa pequena povoa-
ção antes de chegar a
Tavascan, no 30.º dia

Ana e Nuno, agora pela própria voz: “O que decidi-


damente fica é difícil de descrever por palavras. Quan-
do chegámos ao fim, tivemos uma sensação estranhís-
sima de ‘e agora?’...”. Já tínhamos acabado, perdêra-
mos o nosso objetivo que, afinal, não tinha sido che-
gar ao fim, mas sim aproveitar cada dia, cada momen-
to, cada passo. E nós conseguimos isso. Recordamos
com enorme paixão as paisagens, as paragens para
NUNO GOMES
apreciar a imensidão do que nos rodeava, os dias sem
Ex-arquiteto, é hoje consultor ver ninguém, a alegria de chegar a um refúgio e saber
imobiliário e guia na agência
que íamos ter jantar nesse dia e até os dias e as noites
33 ARANS de aventura Life Outside
15 km de chuva, o frio… Tudo isso fez parte de um todo que
ANA ROLÃO
Ex-professora de Geografia, é gerente
hoje nos deixa saudades e com vontade de repetir nou-
de loja de um grupo de distribuição tras quaisquer montanhas… E há tantas…” Z
14 km

34
ENCAMP

16 km REFÚGIO L’ILLA
35

14 km
REFÚGIO MALNIU
36

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 23


A PÉ PELA CORDILHEIRA

18 km

37 PUIGCERDÁ

VILLALOBENT

39 SANTUÁRIO
DE NÚRIA

21 km 19 km

38
PLANOLES
n
Ao 33.º dia atravessou-se Andorra,
ainda com muita neve e algum gelo
apesar de ser verão. “Um pé mal posto
e parávamos na água. Nada de grave,
mas dada a temperatura da água,
a experiência não iria ser agradável”

24 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


NACIONALIDADES
QUE ENCONTRÁMOS
A FAZER O GR11

Espanhóis
às carradas

Franceses
aos montes

Alemães
muitos

Israelitas um grupo com cerca de 20

Ingleses 4
J
O refúgio Baiau, ao final
do 32.º dia, aqui numa
fotografia de longa Suecos 2
exposição com rápida
passagem do casal

Holandeses 2

Australianos 2

20 km Canadianos 2

Austríacos 1

40 Portugueses...
SETCASES nem um. Estávamos lá nós!

25 km

41 BEGET ST ANIOL D’AGUIA


42

15 km

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 25


A PÉ PELA CORDILHEIRA

O ponto mais alto


da travessia foi
atingido ao 39.º dia,
entre Planoles e o
Santuário de Núria

45 STA LUCIA 20 km
16 km

LA JONGUERA 46
44
ESPOLA
LA VAJOL

18 km

18 km
43 3
Um fogão
ALBANYA improvisado por
Ana no abrigo
da Igreja de
Sta Lucia, num
dos últimos dias

26 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Uma pernoita na tenda
é sempre uma poupança
numa empreitada tão
longa, aqui em Beget,
ao lado de um refúgio,
ao 41.º dia. Em cima,
a meta que não se queria

28 km

47 PORT DE LA SELVA

48
17 km
CAP DE
CREUS

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 27


A PÉ PELA CORDILHEIRA

G U I A P R ÁT I C O

aventura ter uma omoplata cerca podíamos sempre “vestir” as mochi- nho, espuma de barba e champô) e
de dois centímetros abaixo da ou- las pelas pernas para aquecer. secando a roupa pendurada na mo-
tra. Nada que um osteopata não chila nos dias de sol. Para o final já
resolvesse numa sessão. colhíamos hortelã nos trilhos para
MATERIAL colocar nas meias ainda húmidas
• Tenda para ajudar a disfarçar o aroma de
• Calçado No caso de trekkings de autono- vários dias de uso intensivo. Funcio-
Para a realização de trekkings de mia, é aconselhável uma tenda COZINHA nava. Ou pelo menos aligeirava.
curta ou longa duração o que con- leve, resistente a ventos fortes e Investimos num cantil com filtro para
sideramos fundamental é fazer um com uma boa capacidade de im- poder beber qualquer água de qual-
bom investimento num par de boas permeabilização. E que seja autos- quer fonte. E foi decididamente um
botas semirrígidas e usá-las antes em sustentável, ou seja possa ser mon- bom investimento porque bebemos
algumas caminhadas mais leves. O tada sem recorrer a fitas esticado- muita água de proveniência duvido-
apoio que nos dão ao nível dos torno- ras, porque por vezes os locais para sa e não tivemos qualquer problema. MAPAS E GPS
zelos impede torções que poderão montar a tenda são muito exíguos Verifiquem que estão atualizados…
originar problemas graves, assim e não é possível prender fitas. A ou-
como as solas semirrígidas permitem tra característica relevante é poder
andar em arestas de rocha, suportan- ser montada sem expor o interior
do todo o nosso peso numa peque- às intempéries, ou seja, ter a capa
na parte da sola sem danificar a estru- exterior impermeável ligada ao te- ROUPA
tura do calçado, o que não é possível to interior, o que permite montar a Por pessoa levámos duas calças, PESO
com solas mais suaves e maleáveis. tenda debaixo de chuva sem mo- duas t-shirts, uma sweat, um casa- Acabámos por levar mais do que
lhar a parte de dentro. co polar (a Ana levava mais um ca- o recomendável para uma cami-
• Mochila saco de penas compressível), um nhada tão longa. As nossas mo-
Não menos importante é a mochi- • Saco-cama impermeável, três mudas de roupa chilas, já com água para o dia, pe-
la com um bom apoio lombar para As noites com bom descanso são interior e uns chinelos para banhos savam 16 kg e 13 kg, bem acima
nos distribuir o peso entre as cos- muito importantes nestes desafios. e descansar os pés das horas enfia- do recomendado. O ideal será en-
tas e a cintura e permitir que 80% Assim decidimos por sacos-cama le- dos nas botas… e chega. Foi-se la- tre 10 e 15% do peso corporal,
de toda a carga passe para as per- ves mas com temperatura de con- vando tudo com a regularidade mas nós transportávamos mais de
nas. Mesmo assim a minha mochi- forto 5 ºC. Nas noites mais frias dor- possível com sabão azul e branco 20%, o que ao longo dos dias vai
la não me impediu de no final da mimos vestidos e se fosse preciso (que também serviu de gel de ba- moendo.

28 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


GRÁTIS
Às sextas com o Jornal de

PORTUGAL RECEBE-O Notícias e Diário de Notícias


DE SÁBADO A QUINTA
DE PORTAS ABERTAS. NAS BANCAS POR
1,60€
De volta aos passeios ao ar livre, aos seus restaurantes de eleição,
ao prazer cultural, às escapadelas de fim de semana, aos brindes
e aos pores do sol, às regiões de encantar, às gentes e aos ofícios.
VIVA O MELHOR DE PORTUGAL.
VIVA O LADO BOM DA VIDA COM AS SUGESTÕES DA EVASÕES.
PL ANETA VERDE

EDEN
PROJECT
A floresta futurista erguida nas pedras
Numa pedreira desativada, na região inglesa da Cornualha,
nasceu um paraíso improvável, com mais de um milhão de
visitas por ano. Ciência, tecnologia e arte trabalham aqui
em simbiose para proteger as espécies ameaçadas. A maior
estufa do Mundo, em St Austell, é um conto de fadas tornado real,
demonstrando que os desafios climáticos são colossais,
mas a regeneração da Natureza é sempre possível.
TEXTOS KÁTIA CATULO

H U F TO N + C R OW

30 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Os biomas são resultado de um ambicioso
projeto de arquitetura, envolvendo
projeções computorizadas de modelos
em 3D ou materiais leves e sustentáveis.
As formas hexagonais das cúpulas copiaram
o desenho dos favos de mel e o piso térreo
imita a configuração de girassóis

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 31


PL ANETA VERDE

Q
décadas, já atuaram os Oasis, Amy Winehouse, Paolo Nu-
tini ou Muse. Boa parte das refeições servidas nas canti-
nas sai diretamente das hortas cultivadas no local, os plás-
ticos descartáveis estão proibidos e a água é recolhida da
chuva com dispositivos e canais eficientes.
Em 2023, espera-se mais um salto na sustentabilidade
deste projeto com a conclusão da primeira central de ener-
gia geotérmica do Reino Unido. O plano, que sofreu atra-
sos por causa da pandemia, passa por perfurar um poço
de granito com quase cinco quilómetros de profundida-
de para extrair o calor adormecido nas rochas do subso-
lo. A água fria será bombeada para o interior do furo, aque-
cida pelas altas temperaturas do núcleo da Terra, regres-
sando depois por um tubo interno para climatizar as bo-
lhas (ou biomas), os escritórios e todas as instalações do
Eden, fornecendo ainda eletricidade à rede nacional.
uantas utopias se tornaram reais a partir de meia dúzia de
rabiscos num guardanapo? Impossível dizer, mas que é um A OBRA LEVANTADA DO DILÚVIO
clássico na história de muitas quimeras saídas do papel, lá À entrada deste improvável paraíso, há uma placa de
isso é. E foi também assim que a maior estufa do Mundo, boas-vindas aos visitantes que resume em duas frases a
na região inglesa da Cornualha, começou a ganhar forma essência do Eden Project: “Somos pessoas comuns a ten-

E D E N P R OJ E C T
– uma conversa entre amigos num pub e Tim Smit empol- tar mudar o Mundo. Junte-se a nós”. Viajemos, então, ao
gado com a ideia de regenerar uma desativada pedreira de princípio desta história para entender como a mudança
argila, em St Austell, Inglaterra. Essa foi a visão de um ho- aconteceu. Corre o ano de 1998 e as obras arrancam de-
mem que, de antropólogo a arqueólogo, de compositor baixo de uma chuva torrencial que não dá tréguas duran-
a produtor de rock e de ópera, foi um pouco de tudo. Desse te os meses de outubro e novembro.
encontro com designers e arquitetos do ateliê Grimshaw Quase 45 milhões de litros de água alagam os terrenos J
nasceu o Eden Project, que completa agora 20 anos, desde ocupados pelas jazidas de argila. É preciso montar um O Eden Project foi
construído numa
que abriu oficialmente as portas, em março de 2001. sistema de drenagem 15 metros abaixo do lençol freático pedreira de argila
No meio de uma paisagem lunar coberta de poços, lama para secar os solos. Oito buldózeres movem depois 1,8 desativada, implicando
uma megaoperação
e crateras cresceu uma floresta encantada, com cerca de milhões de toneladas de terras subterrâneas para estabi- de remoção e trata-
um milhão de visitas todos os anos. Bolhas gigantes pro- lizar o chão. Segue-se a operação para levantar a estru- mento dos solos.
O desafio foi ainda
tegem ecossistemas com mais de 100 mil plantas, de cin- tura dos biomas com recurso a 370 quilómetros de an- maior porque as obras
co mil espécies, oriundas das mais variadas zonas climá- daimes – proeza com entrada direta no Livro de Recor- arrancaram debaixo de
uma chuva torrencial
ticas do Planeta. Engana-se quem julga que este paraíso des do Guinness. A armação serve de apoio aos operários que alagou os terrenos
é uma dádiva da Natureza. Ela só teve uma chance por que, pendurados como macacos em cabos, instalam as
obra e graça de um grupo de homens e mulheres com fé gigantes almofadas hexagonais.
no poder da ciência e das tecnologias para mudar o des- As bolhas surgem como a solução arquitetónica mais
tino de um lugar inóspito e condenado ao esquecimen- maleável às características do terreno, podendo acomo-
to. Eles quiseram mostrar que, com vontade e empenho, dar-se em qualquer superfície, mesmo em pisos irregu-
se consegue conquistar o (quase) impossível. Mais do que lares. São projetadas em modelos 3D no computador e
isso, quiseram “dar um sinal de que os desafios climáti- construídas com materiais sustentáveis e leves para se
cos do século XXI são colossais e exigem o melhor de cada moverem com o vento. As cúpulas estão suportadas
um”, como adverte o cofundador Tim Smit no vídeo que, numa estrutura de tubos de aço galvanizado de diferen-
no site, nos introduz ao universo do edenproject.com. tes tamanhos. E a inspiração, essa, chega da Natureza,
Os jardins do Eden não hospedam apenas a maior es- com os biomas a adotarem a forma de favos de mel e o de-
tufa do Mundo. No seu interior, com mais de 15 hectares senho do chão a copiar a configuração de girassóis.
de terrenos, há terapias de horticultura, programas de Mais de 83 mil toneladas de solo são, mais tarde, cozi-
capacitação para a população local, alimentos produzi- nhadas com resíduos, minerais e matéria orgânica das
dos e comercializados com princípios éticos, sessões de pedreiras da região. A fórmula, sulcada em parceria com
educação ambiental para milhares de crianças, forma- os investigadores da Universidade de Reading, permite
ção de professores, pós-graduações destinadas aos uni- regenerar os terrenos e abrir caminho às primeiras plan-
versitários ou festivais de música por onde, nestas duas tas – boa parte cultivada a partir de sementes em vivei-

32 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


A NÃO PERDER BIOMA DA FLORESTA TROPICAL
ro, outras vindas de jardins botânicos, centros de pesqui-
sa e donativos de particulares. a árvore icónica de África também
chamada de embondeiro.
Ao mesmo tempo que a obra se desdobra num formi-
gueiro de engenheiros, arquitetos, geólogos, ou botâni- 4| CASA DA MALÁSIA
cos, uma outra equipa prossegue a megaoperação para Explore uma horta da Malásia,
reunir as verbas que vão permitir financiar o Eden Pro- conhecida como kampung.
ject. Cerca de 65 milhões de euros (56 milhões de libras) Enorme variedade de ervas, flores
e vegetais, incluindo carambolas,
são angariados junto de entidades públicas e particula-
feijões de um metro e pak choi
res, de organizações europeias e do Millennium Commis- são ali cultivados.
sion, instituição pública do Reino Unido que gere os fun- 1| TITAN ARUN Não deixe
dos arrecadados com a lotaria nacional. escapar a maior flor do Mundo,
que desabrocha uma vez por
ano, atingindo os três metros de
A VIAGEM NO INTERIOR DAS BOLHAS altura e 75 kg de peso. É também
Cinco anos a revolver terras, poeira, plantas, papelada e designada por flor-cadáver devido
muita burocracia culminam, por fim, numa das maiores ao cheiro pestilento a carne podre
atrações turísticas do Reino Unido, onde trabalham 400 que liberta para atrair os insetos.
funcionários e 300 voluntários. Para quem entra no Eden
Project pela primeira vez, as visitas de médico não fun-
cionam de todo. Recomenda-se reservar entre três e qua-
2| PERDIZES DE CRISTA
Espécie quase ameaçada, oriunda
tro horas do dia, no mínimo, para aproveitar tudo o que da Malásia, tem no Bioma Floresta 5| VIDEIRA DE JADE
este paraíso tem a oferecer. Tropical um habitat protegido. O habitat natural da videira de
Começando logo pelo Bioma Floresta Tropical, a estu- jade, nas Filipinas, está ameaçado
pelo desmatamento, mas, no
fa duas vezes mais alta do que a Torre de Londres e com
uma área com 1,56 hectares. Dentro desta bolha, a selva,
3| SMOOTHIE DE BAOBÁ Bioma Floresta Tropical, ela
Experimente, no bar Baobab, floresce em cachos de azul-
a humidade e o calor exigem alguma resistência física aos o batido com leite coco, banana esverdeado, exibindo as suas
visitantes. Mas o esforço é compensado com caminhadas e o poderoso pó de baobá, flores em forma de garra.

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 33


PL ANETA VERDE

5| CAMEFED GARDEN
deslumbrantes em pontes suspensas entre as copas das
A NÃO PERDER Mostruário das hortas e das
técnicas usadas por mulheres
BIOMA MEDITERRÂNICO
árvores, quedas de água e densas neblinas que se abrem do Zimbabué apoiadas pelo
para plantações de bananas, de café, de cajus, de cacau programa pan-africano Campaign
For Femail Education (CAMFED).
ou matagais de bambu. Feijão enriquecido com zinco,
O éden plantado na Cornualha não se esgota num úni- batata-doce com doses extras de
co ecossistema. A ideia é reproduzir grande parte da bio- vitamina A, papaias ou bananas
diversidade da Terra, com o Bioma Mediterrânico a des- são alguns alimentos cultivados.
vendar os segredos das paisagens áridas e quentes da re-
gião ou com os jardins exteriores a replicar outros habi-
tats típicos da Austrália, da Europa e das Américas. Será
A NÃO PERDER
sempre uma obra inacabada e em permanente mudan-
ça, não só pelas renovações dos ciclos de vida que se su- 1| JARDIM MEDITERRÂNICO JARDINS AO AR LIVRE

cedem a cada estação do ano, como também pelos no- Passeie pela típica paisagem
do Mediterrâneo com oliveiras,
vos projetos que vão sendo enxertados num puzzle orgâ-
vinhas e uma profusão de ervas
nico a juntar várias partes do Planeta num único lugar. aromáticas, flores e plantas que
Tudo com o tempo e o ritmo próprios da Natureza como representam 8% da biodiversidade
é o caso das primeiras 40 de 100 mudas de sequoias plan- da flora do Planeta.
tadas em 2016 na principal avenida deste complexo. Só em
2050 é que elas irão subir até aos 25 metros de altura, al-
cançando o céu e reclamando o seu estatuto de seres vivos
2| JARDINS PERFUMADOS
Inspirado nos pátios mouriscos,
mais altos do Planeta. A floresta é ainda um embrião, mas com azulejos, paredes brancas
terá o seu futuro assegurado no Eden Project, a sua primei- e vasos de terracota, o Perfume 1| EVE SCULPTURE
ra casa na Europa. Podendo viver até aos quatro mil anos, Garden reúne ervas e plantas Eve é a escultura orgânica que
a espécie está seriamente ameaçada pelos incêndios, se- como jasmim, rosas, bergamota, faz parte da exposição Mitos
lírios, frésia, lavanda ou tomilho, e Folclore. Criada pelos irmãos
cas e mudanças climáticas na costa oeste da América. que libertam aromas em constante Peter e Sue Hill, tem um rosto
Este é um mundo à parte em que a ciência, as tecnolo- mutação com as mudanças de lama e espelhos e cabelo
gias e as artes trabalham em simbiose para proteger as es- de estação. de plantas vivas. O corpo
pécies que, noutros pontos da Terra, lutam pela sobrevi- esculpido em barro está
vência. O propósito está mais do que demonstrado – sim, suportado por uma armadura
interior de aço galvanizado.
é possível ultrapassar os desafios ambientais e regenerar
a Natureza. Os tentáculos verdes do Eden Project estão
prestes a chegar, entretanto, a outros lugares ameaçados
do Planeta, mobilizando, desde 2017, parceiros para res-
taurar florestas na Costa Rica, revitalizar antigas minas na
Austrália, reabilitar pedreiras na China ou recuperar lagos
secos no Chade. O Eden Project celebra este ano duas dé-
cadas, mas o seu caminho ainda agora começou. Z
3| TAPETE DE TULIPAS
Mais de sete mil tulipas florescem
na primavera – Dream Touch, com
tons roxos, ou La Belle Époque, 2| ABELHA GIGANTE
flor rosa com pétalas castanhas, Bombus, a abelha gigante
são alguns exemplares neste do artista Robert Bradford,
corredor colorido. está à entrada dos biomas
para relembrar os visitantes
que mais de um terço dos
4| PORCOS DE CORTIÇA alimentos no Planeta dependem
Perdidos entre a vegetação dos insetos polinizadores
mediterrânica, os porcos para se reproduzirem.
esculpidos pela artista britânica
Heather Janschda surpreendem
H U F TO N + C R OW

os visitantes.

34 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


H U F TO N + C R OW

J
NOS BASTIDORES DO GREEN PROJECT O Bioma Mediterrânico
é a segunda estufa
do Eden Project e foi
Recolha de água Compostagem Energias renováveis Isolamento Plástico eliminado criado para reproduzir
O sistema de drena- aeróbica Painéis fotovoltaicos As paredes dos edifí- No recinto ou nas a biodiversidade desta
região. As paisagens
gem subterrânea Um enorme com- nos telhados do edifí- cios estão isoladas zonas de refeições são áridas e quentes,
recolhe toda a água postor, instalado cio Core – centro com jornal reciclado não há copos nem não faltando oliveiras
que chega ao local, em 2005, converte educacional –, turbina e os telhados cober- garrafas de plástico, e carvalhos centenários
usada para irrigar as cerca de 150 eólica no parque tos de vegetação, as bebidas e as co- que fazem parte de
as plantas e limpeza toneladas de resí- de estacionamento mantendo as instala- midas são servidas paisagens em Portugal,
Espanha ou Marrocos
das instalações. duos alimentares e extração de calor ções quentes no em loiça reutilizada,
A chuva que cai produzidas anual- geotérmico, a iniciar inverno e frescas as sandes e outros
sobre os biomas é mente num aditivo em 2023, são as solu- no verão. Nas cúpu- alimentos são em-
também utilizada natural e rico em ções para fornecer las dos biomas, as brulhados em papel.
para regar as plantas nitrogénio para energia aos recintos estruturas de aço Os visitantes são
das estufas, encher adubar as plantas. do Eden Project. Cal- que prendem as incentivados a trazer
a cascata e manter O processo demora deiras a gás de alta efi- almofadas hexago- o seu próprio cantil
os níveis elevados de 80 dias e atinge ciência dentro e fora nais capturam o ar ou a comprar copos
humidade no Bioma temperaturas de do recinto climatizam e atuam como uma de bambu no comér-
Floresta Tropical. 60 graus. os viveiros de plantas. manta térmica. cio local.

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 35


PL ANETA VERDE

“Sonhei com uma


civilização, algo
como ‘O Mundo
perdido’ na
cratera de um
vulcão extinto,
de Sir Arthur
Conan Doyle”

a importância da Natureza e a dependência


do homem ao mundo natural. Além disso,
esse novo espaço precisaria de ser belo e,
obviamente, ser também uma civilização
e não uma manta de retalhos entre visões
de muitos arquitetos.
Entre os projetos realizados e planea-
dos, nestes 20 anos, qual o deixa mais
orgulhoso?
Heligan é o projeto que me deixa mais
E D E N P R OJ E C T

orgulhoso, mas isso é porque mais de 400


pessoas o amaram tanto que quiseram es-
palhar as suas cinzas pelos seus terrenos.
É o jardim mais romântico do Mundo.
Em segundo lugar, além de ser parte da
criação do Eden Project, foi um momento…
QUATRO PERGUNTAS A TIM SMIT Qual foi a semente na origem do Quando o Eden foi, em julho de 2005,
Eden Project? o palco do Live 8, com a nossa a equipa
“As pessoas A ideia surgiu quando me envolvi na res-
tauração de um jardim vitoriano chamado
a organizar com Peter Gabriel e Youssou
N’Dour o "Africa Calling" o concerto que
comuns podem Os Jardins Perdidos de Heligan. Até então,
não sabia nada de plantas. A minha apren-
reuniu dois mil milhões de pessoas em todo
o Mundo. Estar lá e ter Nelson Mandela a
fazer coisas dizagem foi feita através das pessoas que falar com os artistas e o público ao vivo foi

extraordinárias” me contaram histórias fascinantes sobre


este mundo novo para mim. Percebi, a par-
algo que nenhum de nós jamais esquecerá.
Quão otimista está na nossa capacidade
tir daí, que as plantas eram fantásticas, mas em ultrapassar os desafios climáticos?
precisavam de ser apresentadas como um O desafio é enorme. Demos a nós próprios
Sir Tim Smit tem 66 anos e é o cofundador grande espetáculo para que as pessoas pu- o nome de Homo Sapiens Sapiens (o homi-
do Eden Project. Antes disso, foi arqueólogo dessem vê-las de maneira diferente. Sonhei nídeo sábio). Teremos agora de provar que
e trabalhou na indústria discográfica como
com uma civilização, algo como “O Mundo somos merecedores desse estatuto. Acredito
produtor e compositor. É também um dos
responsáveis pela reabilitação dos Jardins perdido” na cratera de um vulcão extinto, que a raça humana tem tudo para sair dessa
Perdidos de Heligan, na cidade portuária de de Sir Arthur Conan Doyle. Nessa cratera, balbúrdia criada por ela própria. Mas, se não
Mevagissey. Abandonada desde a Primeira idealizei a maior coleção já alguma vez reu- conseguir, as lulas e os polvos dos oceanos
Guerra Mundial, a propriedade foi restaurada
na década de 1990, num projeto com diferentes
nida de plantas úteis ao homem. Quando as só estão à espera que falhemos para assu-
estilos arquitetónicos que o tornou bastante pessoas visitassem esse lugar, ficariam ma- mirem o controlo e tentarem eles próprios
conhecido entre os ingleses. ravilhadas e compreenderiam novamente salvar o Planeta.

36 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


EDEN PROJECT NO MUNDO
A regeneração ambiental de paisagens degradadas e o apoio às suas comunidades são os fios condutores dos projetos em curso ou em fase de planificação.

EDEN PROJECT REGENERAÇÃO EDEN PROJECT EDEN PROJECT


ANGLESEA DO LAGO CHADE QINGDAO JIZHOU
Onde: Anglesea, Victoria, Austrália Onde: República do Chade Onde: Qingdao, província Onde: Jizhou, Tianjin, China
Parceiro: Alcoa Parceiro: UNESCO e Universidade de Shandong, China Parceiro: entidades chinesas
Quanto: 97 milhões de euros de N’Djamena Parceiro: China Jinmao Holdings Quanto: por determinar
(AUD 150 milhões) Quanto: sem informação Quanto: 176 milhões de euros Quando: sem data
Quando: sem data Quando: sem data (150 milhões de libras)
Quando: 2023 O projeto reabilitará uma
Reconverter uma antiga mina O ecossistema do Lago Chade antiga pedreira de calcário,
de carvão num centro de ecoturis- tem vindo a deteriorar-se com A água é o tema deste projeto, criando uma cidade e uma rede
mo é o objetivo do empreendi- as secas e os conflitos com a com os visitantes a transitar de atrações para incentivar a
mento. Usar a ciência, a tecnolo- seita Boko Haram. Estão previs- entre paisagens luxuriantes regeneração ambiental e socioe-
gia e as artes num circuito ligado tos três projetos-piloto, em áreas e cenários de extrema aridez. conómica da região. O ponto
aos elementos fogo, ar, terra ainda a definir, focados na A exploração inclui ainda fulcral está assente numa comu-
e água é a linha do projeto, que colheita sustentável de spirulina diferentes aspetos da água, de nidade, que usará a economia
visa criar 1 300 postos de trabalho (alga comestível), pesca contro- formas microscópicas de vida circular nas suas atividades
e gerar 200 milhões de euros lada e regeneração de um wadi até fenómenos que se desenrolam comerciais, turísticas, de lazer
na economia regional. (lago seco). no interior de uma tempestade. ou educacionais.

TERRA, PAVILHÃO DE
O pavilhão de sustentabilidade SUSTENTABILIDADE,
na Expo 2020 alimenta-se
de 1 055 painéis solares
EXPO 2020 DUBAI
Onde: Dubai, Emirados
Árabes Unidos
Parceiro: Grimshaw Architects
da Floresta de Matambú
Quanto: não divulgado
Quando: outubro de 2021
a 31 de março de 2022

Uma viagem a percorrer a histó-


ria da Humanidade com a Natu-
reza desenrola-se no interior
do edifício projetado com 1 055
painéis solares no telhado.
Uma variedade de inovações
sustentáveis será também
apresentada, incluindo árvores
de energia, equipadas com
painéis solares ou árvores
que produzem água a partir
do ar. Após a Expo, o pavilhão
será convertido num centro
educativo.

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 37


PL ANETA VERDE

Eden Project Costa Rica

EDEN PROJECT EDEN PROJECT EDEN PROJECT EDEN PROJECT


COSTA RICA NEW ZEALAND GRANITEVILLE SCOTLAND
Onde: Península de Nicoya, Costa Rica Onde: Christchurch, Onde: Graniteville, Carolina Onde: Dundee, Escócia
Parceiro: Reserva Natural Nova Zelândia do Sul, EUA Parceiro: Câmara de Dundee
da Floresta de Matambú Parceiro: Câmara de Parceiro: Horse Creek Trust e Universidade de Dundee
Quanto: por determinar Christchurch, Eden Project Quanto: por determinar Quanto: por determinar
Quando: em curso NZ Trust Quando: sem data Quando: em fase de estudo
Quanto: por determinar
Nos últimos 20 anos, 3 480 Quando: em fase de estudo Eden Project Graniteville O Eden Project está a trabalhar
hectares de terras agrícolas é uma exploração da economia num estudo de viabilidade para
degradadas foram transformados A ligação da humanidade circular numa comunidade que um novo projeto a nascer em
em floresta. O objetivo é expandir à Natureza é a linha deste sobreviveu ao histórico acidente Dundee, provisoriamente conhe-
a mancha por toda a península, projeto de 40 hectares do industrial de 2005. Pretende-se cido como Eden Project Scotland.
devolvendo a vida selvagem corredor do rio Ōtākaro promover música, artes,
ao seu habitat. Programas Avon, em Avonside Loop. gastronomia, natureza
de formação para identificar O empreendimento irá e tecnologia num sistema
oportunidades de negócios entrelaçar as histórias equilibrado e regenerativo.
sustentáveis estão a ser criados das paisagens e das pessoas
junto das comunidades locais. que habitaram a região.

38 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


COMO PLANEAR
U M A V I S I TA
BILHETES trilhos e rotas especialmente
Após quase um ano fechado construídos para o efeito.
devido à pandemia, o espaço O recinto tem também parquea-
reabriu a 17 de maio, podendo mento e cacifos.
os preços das entradas ser
consultados e reservados em EQUIPAMENTOS PROIBIDOS
EDEN PROJECT NORTH https://www.edenpro- Trotinetes, patins e skates não
ject.com/buy-tickets-1 são permitidos.
Onde: Morecambe, Lancashire,
Reino Unido ROUPA E CALÇADO MOBILIDADE REDUZIDA
Parceiro: Lancashire Enterprise Crianças e adultos devem levar Cadeiras de rodas manuais,
Partnership, Lancaster University, várias camadas de roupa que se scooter todo-o-terreno
Câmara de Lancashire ajustem às diferenças de e estacionamento especial
Quanto: 147 milhões de euros temperatura entre os espaços podem ser solicitados.
exteriores e interiores. O Nem todas as zonas estão
(125 milhões de libras)
calçado, leve e confortável, deve acessíveis aos portadores de
Quando: 2024
ser impermeável. deficiências motoras.
O projeto, na baía de Morecambe, PROTETOR SOLAR REFEIÇÕES
inclui uma série de zonas, com Embora protegida pela densa Os menus das cantinas
diferentes experiências ligadas vegetação, a exposição solar é e zonas de restauração
à Natureza e aos proveitos intensa mesmo dentro dos biomas. incluem opções para
sustentáveis que dela se podem vegetarianos, veganos
retirar. A ideia é criar um centro n CANTIL DE ÁGUA e alimentos sem glúten.
O Bioma Floresta Tropical
turístico capaz de atrair um milhão é duas vezes mais alto Apesar de existir um bebedouro
de visitas/ano e empregar do que a Torre de Londres no Bioma Floresta Tropical, as CÃES
400 pessoas em Lancashire. e ocupa 1,56 hectares. caminhadas pela selva húmida A visita com cães é permitida,
Humidade e calor exigem podem provocar muita sede, mas, à exceção dos cães-guias,
alguma resistência física sobretudo entre as crianças. há zonas interditas aos animais.
para desbravar a selva
ou apreciar um passeio Tijelas com água e uma área
na ponte suspensa entre CICLISTAS coberta para refeições são
as copas das árvores As bicicletas são permitidas nos providenciados pelo staff.

EDEN PROJECT-DERRY
Onde: Derry, Londonderry, Irlanda
do Norte, Reino Unido
Parceiro: Foyle River Gardens
Quanto: 78 milhões de euros
(67 milhões de libras)
Quando: 2023

Os jardins, nas margens do Rio


Foyle, irão criar oportunidades
para explorar, brincar e aprender
em percursos montados nas copas
das árvores, lagos escalonados,
H U F TO N + C R OW

labirintos submersos ou jardins


futuristas. Ocupando uma área
de 90 hectares, o projeto espera
atrair até 400 mil visitas por ano.

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 39


No Radar
TEXTOS A N A C O STA

SVART | NORUEGA

Um hotel com
energia positiva
Este ambicioso projeto hoteleiro, no sopé
de um glaciar norueguês, será o primeiro hotel
no Mundo a produzir mais energia do que aquela
que consome. O objetivo é atingir a neutralidade
carbónica e o desperdício zero nos
primeiros cinco anos.

A
s primeiras imagens do Svart, para já apenas uma projeção do que
será o hotel, mostram uma estrutura circular algo futurista, com fa-
chada em vidro, instalada na base do glaciar Svartisen, o segundo
maior da Noruega. O projeto da imobiliária norueguesa Miris foi
inspirado nas tradicionais casas rorbu e nas palafitas sobre as
quais eram elevadas, pelo que a estrutura pré-fabricada irá apoiar-se em
estacas de madeira sobre a água do fiorde Holandsfjorden, com vista de
360 graus para a paisagem imaculada do Círculo Polar Ártico.
Construir um hotel numa localização tão privilegiada como esta traz res-
ponsabilidades acrescidas quanto ao impacto ambiental e essa é uma preo-
cupação central no plano. Quando abrir portas, no final de 2022, o Svart
será o primeiro hotel no Mundo a produzir mais energia do que a que gas-
ta, graças aos painéis solares que revestem o telhado – são produzidos na
Noruega com recurso a energia hídrica, o que contribui ainda mais para a
redução das emissões de CO2 – e que absorvem a abundante radiação so-
lar dos longos dias de verão do Ártico. Num prazo de cinco anos, o objeti-
vo é ser uma operação neutra em carbono e com produção zero de resíduos.
Uma peça importante para atingir esta meta é o envolvimento dos hóspe-
des, que contribuem com o seu próprio movimento para a produção de ca-
lor que vai aquecer os vários espaços do edifício.
S N Ø H E T TA P LO M P M OZ E S

40 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


S E É N OV I DA D E O U S E JÁ L Á E ST I V E M OS E VA L E A P E N A E STÁ N A N OSSA L I STA

A estrutura é inspirada
nas casas rorbu
e nas palafitas sobre
as quais eram elevadas

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 41


NO RADAR

J
De caiaque pelo fiorde Mais do que um hotel ecológico, o Svart quer
ou no interior do
ser também um exemplo para futuros projetos:
glaciar, as propostas
em carteira prometem vai albergar uma incubadora de novas tecnolo-
surpreender gias e ideias aplicadas à construção sustentável
e um espaço de consciencialização, aberto à co-
munidade local tal como aos hóspedes.
A abordagem holística do hotel, que quer fun-
cionar como um organismo vivo, inclui uma forte
vertente educacional, envolvendo os visitantes nas
atividades da cozinha e da horta, como forma de
educar para a conservação e proteção dos glacia-
res, a mudança climática, a gestão de desperdício
e a preservação da Natureza em geral, mostrando
de forma interativa e prática como podem adotar
um estilo de vida mais sustentável.
Além de um centro educacional e de um labo-
ratório de design, o hotel terá também um spa
interno e externo, quatro restaurantes com um
conceito “farm to table” e um leque de ativida-
S N Ø H E T TA P LO M P M OZ E S

des na Natureza – escalada no gelo, foraging,


sessões de ioga ao sol da meia-noite, pesca, ob-
servação da vida selvagem – que fazem mergu-
lhar no maravilhoso cenário glaciar.

Web: svart.no

42 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


BIG SKY RESORT | EUA

P R E S E R VA R
A M O N TA N H A

Reduzir o consumo energético e o


desperdício é um dos compromissos desta
estância de esqui no estado americano do
Montana, que tem como meta anular todas
as emissões de carbono até 2030.

O
Big Sky Resort, nas Northern Rockies,
começou o ano a assinalar um consumo
energético totalmente livre de carbono.
Na verdade, já desde março do ano pas-
sado que as subidas de teleférico para o Lone Peak,
a mais de três mil metros de altitude, não contri-
buem para a emissão de CO2. A estância de esqui,
que opera em 2 300 hectares da encosta monta-
nhosa, tem adotado uma série de medidas para
diminuir a pegada ecológica, focada em atingir a
meta das zero emissões de carbono até 2030,
além de preservar o ecossistema da montanha e
do vizinho Parque Nacional de Yellowstone.
Os esforços do resort incluem o consumo de
energia proveniente de recursos renováveis, a re-
novação dos hotéis e alojamentos com soluções
mais eficientes, otimizando a atividade dos ter-
móstatos nos quartos, por exemplo, e dedicando
um dia na primavera para a limpeza da montanha.
A estância desafia ainda os visitantes a anular
a pegada carbónica da sua viagem – que pode
ser calculada no site –, apoiando a iniciativa Tra-
dewater, que procede à recolha e destruição de
gases de refrigeração.
O Big Sky é um destino de referência para os
amantes da neve, de esqui e snowboard e, no ve-
rão, de aventuras na montanha, como descidas de
zipline, caminhadas guiadas e downhill.

Web: bigskyresort.com
D. R .

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 43


NO RADAR

KLIMAHAUS | ALEMANHA

APRENDER
SOBRE O CLIMA
N U M A V I AG E M
PELO MUNDO

Uma expedição à volta da Terra, ao longo


do meridiano 8 este, para conhecer as
várias zonas climáticas do Planeta, é a
proposta deste museu, que promete fazer
sentir na pele as mudanças climatéricas.

A Klimahaus (ou Casa do Clima), na ci-


dade costeira de Bremerhaven, na
Alemanha, é um misto entre centro
de ciência e parque temático que leva
D. R .

a uma experiência imersiva pelo mundo do cli-


ma, das alterações climáticas e das consequên-
cias que já se fazem sentir. O museu já está no
WILDERNESS SAFARIS BISATE LODGE | RUANDA mapa dos programas da UNESCO e da ONU para
a educação para o desenvolvimento sustentável.
E C O T U R I S M O D E L U XO Uma visita a esta casa do clima pode começar
com a brisa refrescante dos Alpes suíços para logo
N A S E LVA A F R I C A N A de seguida dar lugar ao calor abrasador do Sahel,
no continente africano, ou ao frio gélido da Antár-
tida. A “expedição” atravessa cinco continentes e
No Parque Nacional dos Vulcões, casa dos famosos gorilas-da-montanha, nove localizações ao longo do meridiano 8 este,
o Bisate Lodge oferece uma experiência imersiva na Natureza, enquanto através de cenários construídos numa reprodu-
se empenha na conservação do habitat desses grandes primatas, com um ção fiel dos locais originais e que fazem sentir fi-
programa de reflorestação, e no apoio às comunidades locais. sicamente a temperatura, a humidade e os aro-
mas. Os visitantes podem experienciar em primei-

S
eis villas mergulhadas na selva, com vista panorâmica para os vulcões Karisim- ra mão como vivem as populações destas cinco
bi e Bisoke, compõem este eco-resort no coração do Ruanda. As cabanas fo- zonas e, através das exposições interativas, com-
ram construídas segundo a tradição local, à base de junco, madeira, bambu e preender o complexo sistema climático da Terra.
rocha vulcânica, evocando as formas das colinas arredondadas da região e a Uma parte central da exposição foca-se nas
arquitetura do palácio real. O Bisate Lodge é um dos mais recentes alojamentos da Wil- mudanças climáticas, desde as flutuações natu-
derness Safaris e segue a mesma linha dos restantes, aliando luxuosas comodidades – rais ao longo da história da Terra até às mudan-
que aqui se traduzem, por exemplo, em lareiras em todas as suítes, tratamentos de spa ças causadas pelo Homem, mostrando o traba-
e um restaurante que funde gastronomia local com cozinha contemporânea – a uma for- lho de vários investigadores e ilustrando os des-
te vertente conservacionista, não estivesse o resort instalado num lugar muito especial. envolvimentos que devemos esperar nos próxi-
Envolto na neblina que paira sobre o maciço de Virunga, onde a renomada primato- mos anos como resultado dessas alterações.
logista Dian Fossey dedicou grande parte da sua vida a estudar e defender os gorilas-
da-montanha, o Bisate iniciou ainda antes da sua abertura, em 2017, um programa de Am Längengrad 8, Bremerhaven, Alemanha
reflorestação da selva, que incluiu a criação de um viveiro de espécies indígenas. Já Web: klimahaus-bremerhaven.de
contribuiu com mais de 30 mil árvores e permitiu o regresso de um grande número de Entrada: 14 euros
espécies animais para a área, como o macaco-dourado. Os hóspedes são também con-
vidados a participar no programa e a entranhar-se naquele território selvagem, em passeios
guiados para observar a família de gorilas que ali habita, aves ou outros animais, subidas aos
vulcões e caminhadas pela floresta ou até às aldeias próximas.
O Bisate Lodge, assim como outros da Wilderness Safaris – que há 38 anos tem alia-
do o turismo à conservação da vida selvagem com mais 40 projetos em sete países afri-
canos – é membro da Beyond Green, uma nova coleção de 27 hotéis, resorts e lodges
comprometidos com os preceitos fundamentais do turismo sustentável.

A partir de 1 400 euros por pessoa por noite (refeições e atividades incluídas)
D. R .

Web: wilderness-safaris.com

44 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


KIMO ESTATE | AUSTRÁLIA

D E S C O N E C TA R N A P L A N Í C I E A U S T R A L I A N A

As cabanas do Kimo Estate, na zona rural de New South Wales, reúnem o essencial para uns dias de refúgio no interior da
Austrália. São alimentadas a energia solar e têm um deck para apreciar a planície.

A
propriedade é uma das mais antigas Três cabanas com o telhado revestido a painéis plemento às paredes envidraçadas que dei-
da região. Data de 1832 e tem a his- solares, decoração elegante e minimalista, e duas xam entrar a paisagem e ao deck de onde se
tória recheada de peripécias, com li- casas de campo oferecem o ambiente ideal para pode contemplar o campo e ouvir cacatuas.
gações à realeza francesa, políticos fugir da agitação citadina e regressar a um modo Além de aproveitar o sossego, os hóspedes
e governadores australianos, até de vida mais simples, envolvido pela Natureza. podem também fazer passeios a cavalo, visi-
chegar aos atuais proprietários da quinta, já na As cabanas foram construídas com madeiras tar os jardins e zonas de cultivo da quinta, fa-
segunda geração. David Ferguson e Emilia re- locais sustentáveis, elevadas em colinas a quiló- zer provas de produtos locais e explorar a re-
gressaram ao campo com a vontade de diversi- metros de distância umas das outras e debruça- gião com uma série de outras atividades que
ficar e desenvolver as muitas potencialidades do das sobre as planícies do rio Murrumbidgee e as o Kimo Estate propõe.
terreno com quase três mil hectares. Por isso, à grandes montanhas que o rodeiam – Kimo é o
produção de gado e ovelhas, juntaram a organi- nome aborígene para montanhas. Estão equipa- Cabanas a partir de 380 euros por noite
zação de casamentos nos cenários rústicos da das com recuperador de calor, banheira exterior (com pequeno-almoço de produtos locais)
D. R .

quinta e uma série de unidades de alojamento. aquecida a lenha e chuveiro com vista, um com- Web: kimoestate.com

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 45


PARAGENS A 33 ROTAÇÕES

Y U R I KO N A K AO/G E T T Y I M AG E S
QUANDO A MÚSICA É VIAGEM

ESTRANHAMENTE REAL
POR EMANUEL CARNEIRO

O
s Andes e a voz de Yma Sumac. Perante A bonomia das gentes peruanas resiste a con-
ambos, o raciocínio desiste e o fascínio dições sociais que, por norma, não cumprem o
instala-se. O segmento peruano da for- que os sonhos ousaram propor. Sumac não se re-
midável cordilheira sul-americana é um signou e voou para os Estados Unidos, com nome
desafio aos eletrocardiogramas, por mão novo e saudades.
do relevo propriamente dito e pela emoção de o con- Triunfaria em Hollywood, onde um alcance
templarmos e nele nos aninharmos. O canto de Zoila vocal de quatro oitavas e meia (uma cantora ex-
Augusta Emperatriz Chávarri del Castillo – uma linha cecional, de voz devidamente treinada, conse-
inteira da certidão de nascimento – tem um efeito si- gue atingir as três) a transformaram num acon-
milar, atordoando pela majestade e imponência. tecimento único.

46 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


É A PERSONALIDADE
DO PERU E DE YMA SUMAC.
CONSTANTEMENTE A OSCILAR
ENTRE A MAGIA DOS DEUSES
E O REALISMO CRU E POR VEZES
CARICATO DO QUOTIDIANO

canta sobre as propriedades do lago homónimo,


a 200 quilómetros de Lima, capital do Peru, cu-
jas águas proporcionavam cabeleiras louras a
quem nelas se banhava. Como se o típico cabelo
negro fosse grilheta de um destino inexorável.
Alguns temas antes, em “Flor de canela”, ti-
nha passado pela Terra e exaltado a beleza das
mulheres latinas, “de olhos esmeralda”.
É a personalidade do país e de Sumac. Cons-
“Fuego del Ande” é um beijo de amor à heran- tantemente a oscilar entre a magia dos deuses e
ça inca – a certa altura, numa manobra de o realismo cru e por vezes caricato do quotidia-
marketing algo pacóvia, os norte-americanos no. “Mi palomita” narra as aventuras de uma FUEGO DEL ANDE
tentaram “vendê-la” como uma princesa daque- dama raptada por um grupo de homens que não Yma Sumac
la civilização pré-colombiana – e à América do lhe resistiram ao charme. O namorado da rapa-
Sul, consubstanciado numa dúzia de canções do riga junta os amigos e resgata-a, para depois a
cânone popular. ouvir dizer que não é mulher de um macho só.
Um diário das vicissitudes, dos desvarios e das Cantada em quéchua – língua inca – por uma fu-
rotinas de vidas profundamente marcadas por tura cidadã norte-americana.
mitos e lendas. No Peru, não se respira de outra Num alpendre na tipicamente colonial Iquitos,
forma. Por convicção, sim, mas também por ne- durante um passeio noturno pela imperial Cus-
cessidade, já que parcela considerável do setor co, ao jantar com o oceano Pacífico à janela em
turístico vai buscar fôlego à História – em mui- Lima ou perante sorrisos interessantes e interes-
tos aspetos fantástica – do país. seiros de crianças de Puno, nas margens do incrí-
A este propósito, Machu Picchu – cidadela inca vel lago Titicaca, é sempre um Peru enigmático
construída no século XV, no topo de uma montanha que nos observa.
com 2 430 metros, que os espanhóis não consegui- Um caráter sibilino que Sumac potenciou du-
ram detetar durante a colonização e que o Mundo rante toda a carreira, com o mistério da persona-
conheceu há apenas 110 anos – é o paradigma. gem que foi criando exponenciado por uma voz
O peso das capacidades do engenho humano é es- magistral. “Virgenes del sol” é a única peça do
magador. Astronautas alienígenas, “anyone”? disco que não tem letra. Yma canta-a em “voca-
Sumac não desdenha do património imaterial lese” e, mais uma vez, deixa-nos atónitos.
da tradição e efabulação peruanas. Pelo contrá- Condição que as paisagens peruanas incutem a
rio. Até porque nasceu numa aldeia indígena his- quem a elas se expuser de olhos e coração límpi-
tórica, Ichocán. Por exemplo, em “Huachina”, dos. “Fuego del Ande.” Z

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 47


PELA LENTE DE
PELA LENTE DE

ESTA IMAGEM

DISTÂNCIA FOCAL

15 mm
ISO

250
TEMPO DE EXPOSIÇÃO

1/3200 s
ABERTURA

f/8
PEDRO CORREIA

À ESPERA DO MOMENTO
A reportagem no terreno, o retrato genuíno do que está a acontecer e a garantia
de todos os dias serem diferentes é o que mais prende o fotojornalista
à profissão que o faz andar de câmara às costas há duas décadas.

A
fotografia “era uma paixão antiga”, nho de tudo”, de coberturas desportivas a viagens
que começou a despontar no Secun- passando por hard news. Mas é “a reportagem no
dário. “Tínhamos um professor de terreno” que mais o desafia. “Gosto de captar as
Educação Visual que nos deu uma in- emoções mais genuínas, de fotografar as pessoas e
trodução, com aulas no laboratório, e tudo o que está a acontecer naquele momento. Acho
ficou sempre aquela curiosidade e aquele gosto”, que é mais interessante viver o acontecimento, re-
conta Pedro. Quando chegou a altura de escolher o tratá-lo e transmiti-lo ao leitor. Nós somos mensa-
futuro, ainda ponderou seguir arquitetura ou design, geiros do que aconteceu e por isso procuro sempre
mas a fotografia falou mais alto. estar no sítio quando as coisas estão a acontecer e
Entrou para a Escola Superior Artística do Porto, encontrar o momento decisivo. A fotografia, pelo
em 1997, e desde logo começou a perceber uma pre- menos a de reportagem, é um bocado isso, é estar
ferência pela reportagem. “Era a área que me fasci- no sítio certo à hora certa, e é disso que eu mais gos-
nava mais. Durante o curso fomos apresentando vá- to no jornalismo.”
rios trabalhos e eu sempre optei mais pela parte da Pedro também teve que esperar pela ocasião cer-
reportagem, desde a pesca em alto-mar a retratos de ta para captar esta imagem do Farol de Gonçalo Ve-
profissão.” Daí que tenha naturalmente seguido o lho, na ilha de Santa Maria, nos Açores, um lugar
caminho do fotojornalismo, estreando-se com um que o cativou “pela calma e pela paz”. Foi uma das
estágio curricular no “Jornal de Notícias”, onde aca- primeiras reportagens que fez após o confinamen-
baria por ficar. to do início deste ano, com a revista “Evasões”.
Das duas últimas décadas, e em particular desde “Gosto muito desta fotografia porque estava um dia
a formação da Global Imagens – a partir da qual o estranho, com nuvens, e de repente abria um bo-
fotojornalista passou a colaborar com todos os títu- cadinho – aquela coisa açoriana de termos as esta-
los do grupo Global Media –, Pedro realça a varie- ções todas no mesmo dia –, e tive de esperar na-
dade de trabalhos que tem feito. “Gosto de ter to- quele sítio mágico que a luz aparecesse por um bo-
dos os dias um dia diferente e de fazer um bocadi- cadinho para conseguir a fotografia.” Z A.C. instagram.com/pedro_an_correia

CÂMARA OBJETIVA
Canon Canon RF 15-35mm
EOS R5 F2.8L IS USM

50 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


É ESCOLHA DO CONSUMIDOR
NA CATEGORIA
“IMPRENSA DE VIAGENS”

OBRIGADA POR VIAJAR CONNOSCO!


TEMA DE CAPA AUSTRÁLIA

No Uluru com Eve, no solstício


de 21 dezembro de 2020

52 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


olução
ç
o amor
LO N G OS M E S E S
P E L AS E ST R A DAS
AUST R A L I A N AS

Era uma vez, num sonho – onde tudo sempre


começa –, uma floresta em chamas, céus de
um negro que tingia o coração e cinzas que
viajavam com o vento mais longe do que a
esperança. Ou assim parecia. A ilusão do tempo
queima a alma como essas cinzas queimavam
os olhos e os pulmões. Ardia no peito desbravar
florestas vestidas de preto e silêncio. Lágrima
atrás de lágrima como se a chamar a chuva,
a implorar ao Universo que chorasse connosco
tanta perda, tanta destruição. Depois alguém
nos diz que, antes de a terra pertencer ao
Homem, os aborígenes faziam fogos controlados
porque há ervas que têm de arder para as plantas
nativas renascerem... Quanta sabedoria anciã
estamos a escolher ignorar? Até que, um dia,
chove. A mãe Natureza chora connosco o maior
dos choros, inunda os corações, e dessa água
pura como o fogo renascem verdes que nunca
antes vimos, dignos de contos de fadas e
mundos de magia. Os céus pintam arcos-íris
duplos e as flores cantam com as cigarras.
TEXTO E FOTOGRAFIA RAQUEL TEIXEIRA

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 53


TEMA DE CAPA AUSTRÁLIA

N
ada como um mapa que nos diz “mil trezentos e trinta e
nove quilómetros e depois virar à direita, Wills Terrace”,
para quebrar em pedacinhos essa ilusão que é o tempo.
É assim na Austrália, vai-se do Porto a Paris numa deci-
são de noite à volta da fogueira a olhar para a lua cheia.
Ou melhor, com a lua cheia a olhar para nós.
As malas vivem feitas na traseira da Blanchie, e, por esta
altura, já é claro como aquela água que choveu milagres
que o meu carro – também a minha casa – é parte da cons-
ciência coletiva que somos: sangra quando eu sangro e
mostra-me a estrada quando eu não a consigo ver. Às cur-
vas, a direito, para trás e para a frente, de cima para baixo.
ao travesso e do avesso. Uma perda desse tempo que não
existe, tentar controlar para onde, já que o vento sopra
sempre mais forte e resistir-lhe é resistir ao caudal do nos-
so rio, que corre livre e selvagem com os nossos espíritos.
Os sopros desse vento sopraram tão intensos que me
deixaram descalça. Despiram-me de camadas desses véus J Cangurus salto Não tardou, estávamos com o pé fora do avião que nos
acima, salto abaixo,
do condicionamento humano que carregamos quase sem em Esperance,
levou a Darwin, Northern Territory, a tentar respirar a
saber e fizeram de mim o ponto imóvel de um Mundo em Western Australia humidade e a densidade do ar quente daquela estação
rotação, o centro de uma tempestade – como Michael A. 3 Ao lado, paragem das chuvas. Fomos em carro alugado, nós e as nossas ir-
Singer diz naquele livro, “The untethered soul”, sobre os na Great Ocean Road, mãs de Bondi e de vidas sem-fim, daí até Perth, em
Victoria
espinhos no coração e a libertação de os arrancar. Western Australia, por paraísos, tempestades e céus
com mais pontos cintilantes do que negro. Uma noite,
PRIMEIRO FORAM-SE AS SANDÁLIAS em Exmouth, ficámos depois de o Sol se pôr, a pedir aos
Muitas luas, incontáveis vidas e algum tempo atrás, ia de olhos que se adaptassem à escuridão para podermos
sapatos em desmedida dedicação por Sydney: uma mão distinguir as rochas das tartarugas, arrasto atrás de ar-
no meu currículo de jornalista, cineasta e contadora de rasto fora do mar agora laranja-cor-de-rosa, em dire-
histórias; outra nos recibos, ora do Bucket List, ora do ção às dunas. É aí que põem os ovos, exatamente no
Opera Bar, a encantar-me com as pausas para almoço mesmo lugar onde há muitas luas, vidas e tempo emer-
sentada na areia de Bondi Beach, ou com o fogo de arti- giram do seu próprio ovo com centenas de irmãos e ir-
fício de Ano Novo a iluminar a Opera House. mãs. Magia, a areia que atingia a cara sempre que ela fa-
Um dia, a Rita convenceu-me da urgência de voar para zia mais um buraco, ou como adormecemos junto dela
Cairns – North Queensland – para mergulhar na Grande sob aquele céu sem lua. Uns quilómetros a sul, em Co-
Barreira de Coral e explorar Cape Tribulation. Quão fun- ral Bay, eu e a Rita mergulhámos dias a fio no recife de
do flutuámos atrás daquela tartaruga foi suficiente para Ningaloo, raias-mantas à distância de um suspiro, com
agendar em pedra o nosso certificado PADI Open Water. uma mão na mão da outra e a outra na máquina que nos
E aquela noite na floresta tropical, no parque de estacio- diz quanto oxigénio ainda vai no tanque. Era ver o pon-
namento da “praia com o melhor penhasco para o nas- teiro descer quando parámos na “cleaning station”, tal
cer do sol mas cuidado com os crocodilos não vão mui- e qual aquele filme de desenhos animados, com mais de
to perto da água” – de vidros fechados com medo de pi- 30 tubarões de boca aberta com serviço expresso para
tões –, seria uma espécie de ativação do coração. limpeza dental.

54 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Fomos prego a fundo
para norte, por
florestas de árvores
com copas até ao céu
BÁRBARA TEIXEIRA

e emus de bico feito


às janelas do nosso
carro alugado
VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 55
TEMA DE CAPA AUSTRÁLIA

J
DE OESTE A SUL A OESTE carro alugado, lá estava a Árvore Bicentenária de Dave Do coala numa ilha
Essa estrada acordou-me. Voei de volta a Sydney, mas só Evans, que trepámos pé ante pé. Algo sobre aquela estru- à serpente na estrada,
das aranhas a outros
para passear nas Blue Mountains, em New South Wales, tura sem arnês e os degraus desnivelados falou direto ao es- rastejantes, seguimos
com a Eva e a Ana, voadas de Portugal com um pão de ló pírito livre que por esta altura já vivia bem mais além do que em comunhão com
a Natureza
de Ovar. E depois reencontrar a minha irmã, a Francis- os contornos do coração.
ca e a Nicole, voadas de Portugal, Macau e Londres, com De repente, estava outra vez em Perth, uma mão na
semanas na carteira e vontade de se fazer ao caminho. Blanchie, outra na Joce. Prego a fundo para norte, foi
Metemo-nos num Fiat Punto, rumo a Perth. como se nunca tivesse feito essa estrada que há umas luas,
Primeira paragem Jervis Bay, prego a fundo para sul. Um vidas e tempo nenhum me tinha acordado. A Blanchie
dia a nadar com focas em Narooma, outro com o pé na ilha ensinou-nos desde cedo que limites é coisa que não exis-
Raymond – a ilha dos coalas. Depois houve a ilha dos pin- te e em cada desafio está um cofre de ouro. Ela segue por
guins mais pequenos do Mundo, a ilha Philip, por esta al- terra batida como o 4x4 que não é e descobre como nin-
tura já andávamos nós no estado de Victoria. Depois a Tas- guém segredos de beleza que não cabem em palavras. E
mânia e o seu diabo que vimos na luz da noite e dos faróis, se um pneu rebenta é porque não podíamos perder aque-
20 km à hora, curva contracurva abaixo a Cradle Mountain. le nascer da Lua no Karijini National Park. Seguimos
Depois, a Great Ocean Road e os 12 Apóstolos até South Aus- como num filme, tão selvagem que quando chegámos a
tralia, para espreitar Adelaide e a Kangaroo Island. Broome tivemos de empurrá-la cidade adentro. Essa foi
Nullarbor Desert adentro, volta e meia acordadas por ca- a segunda vez que conduzi por terra vermelha em dire-
miões que parecem comboios e até lhes chamam ção ao paraíso. Broome sugou-me num vórtex onde o
roadtrains, chegámos a Esperance, Western Australia, com tempo não existe e se respira amor e liberdade. Aquelas
os olhos em perfeita sintonia para ver aquela areia branca perguntas “quem sou eu, qual o meu propósito, o que
ainda mais branca e os cangurus salto acima, salto abaixo. ando a fazer desta vida” dissolveram-se no espaço sem
Daí até estarmos num barco milhas fora na Grande Baía julgamento que criámos, eu e o meu cluster. No velho
Australiana, no oceano Índico, atrás de orcas, foi um salti- embarcadouro, quando Andrew cantou o My way, avião
nho. Prego a fundo para norte, por florestas de árvores com sobre as nossas cabeças a aterrar no aeroporto que é o co-
copas até ao céu e emus de bico feito às janelas do nosso ração da cidade – cena digna de um filme para passar no

56 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Lá pelo meio das nossas aventuras, cinema outdoor mais antigo do hemisfério sul; no farol de
quis a lua cheia que estivéssemos no Gantheaume Point e todos os lugares onde dançámos com
a Lua a dança mágica do amor incondicional. Naquela via-
Uluru, vestidos longos, uma mão em gem a Cape Leveque, o Brian mostrou-nos como assobiar
incenso, outra nas intenções que en- num búzio e senti que a minha vida estava completa.
terrámos naquela terra sagrada A MAGIA DE ULURU
Umas luas, mais vidas do que alguma vez vou ser capaz de
articular e tempo nenhum depois, a estrada chamou por
mim e pela Joce e aí fomos direção a leste, “O poder do ago-
ra” em mãos e muita magia no coração. Foi em Windjana
Gorge e Tunnel Creek que aprendemos que crocodilos de
água doce são inofensivos e só te arrancam a perna se te pu-
seres no caminho. E no El Questro que um oásis de águas
termais no meio do deserto está longe de ser uma miragem.
Corpo fora do teto de abrir da Blanchie, rumo ao Lake
Argyle, onde eu e as minhas latinas tínhamos abusado da-
quela piscina infinita, o vento abanou-me os sentidos. De-
pois o Kakadu National Park, agora na estação seca e por
isso deixando chegar a Cahills Crossing e sentar nas rochas
olhos postos nos crocodilos à caça e nos aborígenes à pes-
ca, não sem espicaçar aquele croc mais preguiçoso. Lá pelo
meio das nossas aventuras, quis a lua cheia que estivésse-
mos no Uluru, vestidos longos, uma mão em incenso, ou-
tra nas intenções que enterrámos naquela terra sagrada.
Aprendi bem o quanto palavras são feitiços quando me
calhou no peito a tatuagem da baleia que de certo ângu-

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 57


TEMA DE CAPA AUSTRÁLIA

Mergulhar no recife
de Ningaloo, em Coral
Bay, na Western
Australia, valeu-nos
um certificado PADI

OCEAN COLLECTIVE MEDIA

G E T T Y I M AG E S /C AVA N I M AG E S R F
OCEAN COLLECTIVE MEDIA

58 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 59
TEMA DE CAPA AUSTRÁLIA

lo parece um pickle. Este episódio passa-se em Tonga, com os meus amigos de noites na Ribeira um paraíso atrás
umas luas avante, para onde voei com a Rita para nadar do outro – como a visão que são as ilhas Whitsundays da-
com baleias e explorar a ilha no Mini Pajero do nosso cou- quela varanda no cimo da colina – sem saber onde vivia
chsurfer – que fomos a ver também é um pirata. O som essa magia que se acendia e apagava como um trovão.
daquela baleia ecoa vivo como a palpitação no meu pei- Em Sydney estava tudo igual, mas tudo diferente. Foi
to ao vê-la mesmo ali. O tempo dissolveu-se de tal for- tão óbvio. A mudança era dentro de mim. A magia estava
ma que íamos a meio da nossa piza quando percebemos dentro de mim. Cantei e dancei os meus turnos no Opera
que o nosso avião já estava mais do que aterrado em ter- Bar em estado de euforia, com a vista mais bonita para a
ras australianas. Quis o destino que reencontrássemos a Harbour Bridge. O Bailey voou para mim e foi como se en-
família mexicana para um último cruzar daquelas águas trássemos noutra dimensão. Andámos por Newtown de
com 30 metros de visibilidade e ilhas desertas. pés descalços a passear o dingo do Jamie. Entrámos em
Tinha a Blanchie à minha espera em Cairns, a Joce a ca- 2020 nas redondezas de Byron Bay, a servir abacate em to-
minho da Índia, para ser ainda mais mestre da sua mes- das as formas e feitios no Falls Festival.
tria no ioga, e o Madeiras, a Lambertini e o Miguel a ca-
minho de mim, voados de Portugal com o “Livro do De- O FOGO (FUMO) EM FILME
sassossego” e o “Alquimista” na sua língua original. Es- Por esta altura, os fogos em Victoria ardiam aquelas cha-
perei por eles na Daintree Rainforest, tinha 15 dias para mas que tingem o coração. Com a Blanchie carregada
reparar o “estrago” daquele avião “perdido”. Fui de por- com geleiras cheias de doações do Opera Bar para ajudar
ta em porta dos restaurantes de Palm Cove com o meu famílias desalojadas em Bruthen, seguimos para sul. A
currículo de empregada de mesa, barmaid e barista e aí fi- Nicole disse “não te esqueças que fazes filmes” e lá fomos
quei, uma mão a abanar cocktails verde-crocodilo, outra sem saber realmente para onde, uma mão no Bailey, ou-
n
na tenda que montei todos os dias numa praia a norte. Em Windjana Gorge tra na minha câmara.
A Costa Leste fez-se a cantar Rui Veloso e Ornatos Vio- e Tunnel Creek Uma rotação completa em torno do Sol a viajar distâncias
aprendemos que os
leta. Fomos de Cairns a Sydney como quem vai do Porto crocodilos de água e lugares mais fantásticos do que na minha mais livre
a Lisboa. Um dia a mergulhar na Grande Barreira de Co- doce são inofensivos. imaginação abriu o coração a um amor que transcende a
Este, em Willie Creek,
ral quando a noite vai cerrada e os tubarões andam à caça, é definitivamente forma. No dia em que deixámos Sydney para filmar as
outro a virar o 4x4 na ilha de areia, a Frasier Island. Segui “salgado” florestas em chamas, dei permissão ao meu espírito para

VULCÃO
60 CONCEPCION, ILHA OMETEPE, LAGO NICARÁGUA. JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Em Exmouth, ficámos
depois de o Sol se pôr,
a pedir aos olhos que
se adaptassem à escu-
ridão para podermos
distinguir as rochas
das tartarugas

ser. Na primeira manhã dessa aventura cruzámo-nos na


praia de Jervis Bay com uma mulher que usa cristais no
peito e cria arte como a energia que emana – estrondo-
sa. Trocámos números porque “nunca se sabe quando o
vento te sopra para aqui outra vez” e sempre sabemos
quando nos reconhecemos, sabe-se lá de quantas vidas.
Seguimos o fumo como quem segue o coração, guiados
por este filme que, vimos cedo, se fazia sozinho. Não se res-
pirava direito, mas a floresta ficava mais verde de cada vez
que a cruzávamos. E tantas vezes a cruzámos. Norte a sul,
este a oeste, atrás de uma história que era maior do que nós.
Foi nas montanhas de New South Wales, onde a cele-
bração da Era do Aquário em 1973 originou a vila de Nim-
bin, que espreitámos pela primeira vez essa janela para o
milagre desta era de ouro. A mercearia tem produtos lo-
cais e, umas portas abaixo, a mulher que vende incenso
também responde às dúvidas sobre os cogumelos mágicos
que crescem nas redondezas. Foi nessa loja de incenso e
óleos essenciais que me falaram de permacultura e me pu-
seram a caminho da comunidade ao virar da esquina onde
vive uma das pioneiras dessa prática no seu oásis autos- Em Vrilya Point,
sustentável caseiro. Visitei-a uma manhã e ali fiquei duas
semanas com uma mão na terra e a outra na câmara.
Cape York, Far North
Ali, a Robyn Francis mostrou-me um pano com mais Queensland, a vida
de cem anos que usa como um chapéu ou para limpar o faz-se remota. Simples
VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 61
TEMA DE CAPA AUSTRÁLIA

O descanso na East
Coast, refrescar no
Karijini National Park
e a subida aos 75 metros
da Árvore Bicentenária
de Dave Evans, em
Warren, artilhada para
a escalada no bicentená-
rio da Austrália, em 1988

62 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


suor das horas que dedica ao jardim comestível, às galinhas
e à comunidade autossustentável que criou de um campo
de pasto. Aprendeu permacultura com Bill Mollison, o pai
deste saber que vê, aprende e incorpora os perfeitos siste-
mas da Natureza na nossa realidade. Afinal, somos só mais
uma peça deste puzzle sem pontas soltas. “Sustentável é
uma palavra traiçoeira. O que é que queremos sustentar?
Estamos a usar um planeta e meio... É hora de regenerar.
Resistimos a este passo porque algures dentro de nós acre-
ditamos que temos de abdicar de comodismos, mas essa é
a maior mentira de todas... O mundo que podemos criar é
de abundância, paz e tanta alegria e diversão.”

E DEPOIS VEIO UM VÍRUS


Luas mais tarde e tantas vidas mas não muito tempo de-
pois, andava eu a trabalhar em festivais de música em
Victoria na equipa de gestão de lixo, uma mão nele outra
na câmara, a minha mãe alarmou-se com o vírus. Os par-
ques nacionais fecharam e eu, o Bailey e a Blanchie sem
ter onde dormir. A Eve, de cristais no peito, veio receber-
-nos à rua de braços abertos, a exigir saber se tinha sido a deríamos? Nunca se esquece a verdade do que somos.
última pessoa a quem ligámos. Aí ficámos duas semanas. Como a floresta ardeu para renascer, também nós – qual
Esta minha mãe australiana diz que, quando dançamos, Fénix – estamos destinados a erguer das cinzas um Mun-
a nossa sombra dança connosco. E quando a nossa sombra do a cores de pavões e casuares. Esta verdade expande no
dança connosco, a onda do Yin e Yang incorpora-se e na- peito e inspira uma força imparável. De repente, Sense 8 e
vega-se sem esforço. É o mesmo que ver que além da dor Matrix são documentários e saber que usamos 5% do nos-
está a libertação. Quando tudo parece do avesso e não há so cérebro dá uma excitação que palavras não podem ex-
luz que se veja, cultivemos aquele saber de que o Sol nun- pressar. Vemos com estes olhos que ardiam com as cinzas
ca pára de brilhar e para renascer é preciso morrer. Uma quão profundamente somos criadores da nossa realidade.
pele atrás da outra, como a pitão das florestas tropicais.
Quando o Bailey se foi e eu fiquei ali sozinha, sem sa- AS MINHAS TRIBOS
ber o que fazer, foi para norte que conduzi. Na morada Umas luas, infinitas vidas e tempo nenhum de trabalho
que o acaso me tinha dado, nas Tablelands, umas ruas interno e cicatrização, protegida pela Rainforest e pela
abaixo de Yungaburra e outras da figueira Catedral, a mais Grande Barreira de Coral, a Blanchie sangrou verde cor
majestosa do Universo, a minha outra mãe australiana, chakra do coração na rua da Olive. Sem saber o que fa-
Lesley, agarrou-me como se me tivesse agarrado a vida zer, pus a mochila às costas e caminhei onde me levaram
toda. Queria o destino que me imergisse nessa comuni- os pés. Numa dessas histórias subi descalça com o Evan
dade que transpira magia. Vi heróis criar um mundo novo. a Walshs Pyramid e andámos dias à deriva na carrinha
Uma verdadeira e inegável era de ouro onde a unidade do mágica que ele construiu. Um episódio depois, estava
Homem com a Natureza e tudo o que existe é uivada com com um pé na floresta vestida como a Pocahontas sem te-
tambores de pele de canguru, penas de águias e cacau. lemóvel e com a minha mãe a querer ligar para a embai-
Com essa tribo uivei e nadei à luz da lua cheia por mares xada quando a Natalie me encontrou e pôs as minhas ma-
de crocodilos. Sentei-me em círculos de mulheres, a can-
tar ao fogo intenções de amor, e respirei até libertar dores
ancestrais que carregamos no corpo sem saber.
É do outro lado do rio da Rainforest mais antiga do Mun- 3
A primeira história
do que vive o Premi, no meio de árvores de frutas tropicais que ouvi de Franz
e outras que parecem saídas do Avatar. Na estação seca, o conta como quando
chegou da Holanda
barco vai com mais hippies do que cocos e colina acima e caminhou longe para
dança-se a harmoniosa expressão coletiva de tantos espí- norte das rochas em
Cable Beach até en-
ritos livres. Não sei se me fascina mais essa coreografia se contrar uma árvore
este homem com mais de 60 anos a nadar à vez com os onde acabou a viver –
em silêncio – um ano.
crocodilos. Queixo-me à fogueira, enquanto se cozinha Em cima, um desco-
arroz em canas de bambu, como a Humanidade se esque- nhecido que me caiu
nos pés na rua em
ceu. Ele ri. “Não esquecemos. Esquecemos?” Como po- Mullumbimby

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 63


TEMA DE CAPA AUSTRÁLIA

las na van dela. Fomos de Cairns à Gold Coast junto com


a dinga que nos tinha escolhido, do outro lado do rio do
Premi. Noites sem fim em conchinha com estes dois an-
jos que me resgataram da dor. Estacionadas no topo da
colina de Tweed Heads, um pé em Queensland outro em
New South Wales, acordámos todas as manhãs com ba-
leias aos saltos no horizonte. As três deitadas na van que
partilhámos como o palácio que é.
Dei um salto a Brisbane para reencontrar a Mikky, a
Mané e tantas outras almas gémeas que o Universo sem-
pre cruza e volta a cruzar no nosso caminho. A Mikky é
a mamã do All Things Aroha, um negócio de alimentos
fermentados, e expira a mesma paixão com que dança as
danças da sua origem Maori na missão que leva de trazer
consciência à forma como comemos. A Mané anda a
aprender formas sustentáveis de gerir desperdício e dan-
çámos descalças nas ruas de West End, tal e qual havía-
mos dançado enquanto apanhávamos lixo, tendas e co-
J mida sem fim naquele festival em Victoria. É em West
As malas vivem feitas End que fica a Swiss Gourmet, onde sempre paro para
na traseira da Blanchie,
o carro que é também a mi- dizer olá à Glória e comprar outro pacote de Cerelac.
nha casa e que me mostra a Seria em Stradbroke Island que aprenderia a palavra
estrada quando não a con-
sigo ver. Às curvas, a direi- soberania e a pescar pepe, uma espécie de amêijoa. A Ra
to, para trás e para a frente, construía um parque de campismo na terra que era “Par-
de cima para baixo, ao tra-
vesso e do avesso que Nacional” e a comunidade aborígene reclamou de

64 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


ru onde vivem enterradas as minhas intenções – o Solar
Plexus da Terra – para celebrar o solstício.
No avião que apanhei para resgatar a Blanchie, com a
ajuda dos meus abençoados pais, ia a Olive, um anjo com
poderes em terapia de sintonização, cura quântica e exer-
cício respiratório. Entusiasmou-me com uma aventura a
um lugar sagrado em Cape York, onde a terra vermelha
cor do chakra da raiz é casada com a floresta tropical ver-
de cor do chakra do coração, e eu e o Philip embarcámos
sem pensar duas vezes. As crianças discutem em inglês e
dialetos aborígenes se aquilo é um crocodilo ou uma ro-
cha e deixámo-nos estar todas na água. Elas penteiam-me
e batizam-me. Quão divinas e livres são. Ou quase livres.
Carregam a dor do colonialismo como nós carregamos
dores de histórias que foram – uns contra os outros.

DE REPENTE...
Vemos as notícias e não há espaço para esperança. Pare-
ce que tudo o que está errado é demasiado para algum
dia se transformar e é particularmente difícil respirar com
máscaras à frente da boca. Mas depois lembro-me do Karl
a falar sobre as técnicas e exercícios de respiração que
aprendeu com Wim Hof, enquanto a Olive vai de mão dada
com as meninas, e eu fico a ouvir as histórias sobre o Es-
pírito de Vrilya, uma mão no peito, outra mão na câmara.
De repente tudo se encaixa. De repente não há como não
saber que o leite daquela vaca que foi forçada a parir vai
pesar no nosso corpo. De repente parece ingénuo que nos
surpreendamos com vírus e brutalidades.
Reunida com a minha Blanchie, fui de este a oeste em
J muitas luas e vidas mas tempo quase nenhum. No Ulu-
volta. Querem partilhar os costumes e o amor pela Natu- Foram mais de 70 mil ru reencontrei a Eve, a minha “spirit mama”, como ela
quilómetros de estrada
reza – esse tal existir em sintonia com a Mama Gaia que por desertos, florestas
diz, a Chloe e a Marcia. E a Marzieh e a sua Jasmina. Essa
é abundante e glorioso. tropicais, terra vermelha bebé que segurei nos braços todas as manhãs à volta da
e águas turquesa –
Basta sentar à volta da mesma fogueira a comer o cora- a dançar o ballet da vida
fogueira do Premi, tinha ela um mês. A pureza desse
ção do dugongo que o ancião pescou, honrado e celebrado amor é transcendente. Agora ia com seis meses, e depois
por tudo o que serviu à comunidade, para sentir o corpo de meditações, portais de luz, ovnis e outras histórias
ativar. Uma fatia dessa carne vale por infinitos hambúrgue- fantásticas, foi com elas, o Matthew e o Sascha que me
res do McDonald's. E há tantas variedades de batatas e fru- fiz à outra metade do deserto, em direção a oeste.
tas tropicais que é quase humilhante perceber que nos su- No silêncio e terra batida foram-se dois pneus que re-
portamos num sistema que stressa o Planeta por motivo ne- bentaram tão explosivos quanto o meu coração quando
nhum. Dá vontade de comprar peixe na lota em vez do pei- me disse a minha irmã, na manhã seguinte, que o corpo
xe congelado que veio da Noruega. Provar o mel das abe- da minha avó tinha morrido.
lhas do vizinho e perceber que frutas são desta estação. Se
calhar até arriscamos lavar o cabelo com bicarbonato de só- ONCE UPON A DREAM
dio e óleos essenciais e ir à loja de roupa em segunda mão. Passei 2020 na estrada. Longe da minha família, longe do
É como ligar uma lanterna num quarto escuro. Lanterna meu conforto, bem além dos meus limites. A ouvir o co-
atrás de lanterna e não há espaço para a escuridão. ração, com o vento, a tentar não ter medo do medo. Ser
Foi nessa ilha que conheci a Leah e o Theo. Segui no au- um com ele. Aceitá-lo como aceito a esperança. Uma
tocarro deles para Natural Bridge, um vale nas montanhas com a minha sombra, a guiar-me para o nosso divino
da Gold Coast, e fui recebida por um espetáculo de mor- destino. Guiada de volta ao oeste, suponho que é porque
cegos que se repetia todas as noites. Dei por mim a plan- sabe a casa, com o Sol a pôr-se no mar.
tar arroz e a filmar videoclipes em tempo recorde num Em Perth virei o ano, às danças num bosque, livre.
fluxo de sincronicidades, que só magia pode explicar, com O Sascha abriu-nos as portas do santuário do Eddy e o pi-
o Ronnie – o rapper que o acaso pôs no meu caminho. So- loto para a minha série de filmes Once Upon a Dream fez-
prou-me aí um suspiro em direção ao deserto, aquele Ulu- -se numa noite de lua cheia. Depois reencontrei a Jess e o

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 65


TEMA DE CAPA AUSTRÁLIA

mimo que me injetou a energia que editou aqueles video- se dois anos. Com a Josie, a Alica e uma tribo que trans-
clipes numa hora de bateria, sentada na praia nas redon- pira criatividade, energia e liberdade nos tons vibrantes
dezas de Busselton onde dormimos até o Sol nascer. Para de tempestades na estação de chuvas. Vai de roxo a laran-
sul, até Margaret River, cuidou de mim com um coração ja e rosa num céu que é mais pintura do que céu.
que é dourado como o seu cabelo. Nesta cidade remota de Western Australia não existe
Voltei ao Eddy para me despedir, a estrada a chamar por nem tempo nem caixas do correio. Há garrafas partidas na
mim. Peguei no telemóvel e o Google Maps estava aberto, rua, mas andamos descalços na mesma. Todas as quartas
com um pin point em Wedge Island. Oh, quando o Univer- vou com o Franz explorar a terra e aprender sobre plantas
so se faz claro assim. As aventuras de Wedge Island estavam nativas. Ele leva 30 anos de saber que a goma da madeira
destinadas a ser o primeiro episódio de Once Upon a Dream. de sangue (Corymbia gummifera) cura cancros e nas pa-
Os Gary's e a Tanya a cuidarem de mim naquele dia em que perbark de água salgada (Melaleuca cuticularis) há col-
o alto-mar no navio de pesca da lagosta do Steve me partiu meias e mel. Conheci-o nos mercados de sábado e a pri-
o cóccix e assegurar que as portas da casa do Stumpi, em meira história que ouvi conta como quando chegou da Ho-
Broome, estariam abertas para mim assim que aí chegasse. landa e caminhou longe para norte das rochas em Cable
Assim que aqui cheguei, o disco duro onde vivem as fil- Beach até encontrar uma árvore onde acabou a viver – em
magens de tudo o que vivi nos últimos meses e sonho silêncio – um ano. Nas minhas 30 rotações em torno do Sol,
transformar nos próximos episódios desta série não fun- foi ele quem trouxe a madeira para a fogueira. Cantámos,
ciona. Suponho que esteja a ensinar-me desapego, acei- dançámos e pescámos com o Hozaus. A terra e as histórias
tação do que é, a elevar-me para me alinhar com o meu de embalar dele são mais a norte, mas há umas semanas
maior propósito. Tudo sempre o faz. Como aqueles mecâ- construiu-nos um forno do mato nos penhascos verme-
nicos que me tentaram enganar ou todos os “não temos o lhos da nossa praia favorita e é lá que vamos cozinhar quan-
tamanho de pneus para o seu carro”, quando andava em do ele caça iguanas. Sabe a crocodilo, textura de peixe e al-
Perth a preparar a Blanchie para a estrada que se faz longa guma coisa de galinha. E mar. Sabe a mar. O mar de Broo-
até Broome, a guiar-me até ao Ken com quem cantei Hit me é turquesa e cada pôr do sol uma celebração.
the road Jack e me ofereceu dois pneus que eu não pode- n Após mais de 70 mil quilómetros de estrada por deser-
ria pagar com esta vida cigana, porque “quando nos aju- O Sol nunca pára de tos, florestas tropicais, terra vermelha e águas turquesa
brilhar e para renascer
damos uns aos outros o Mundo é um lugar melhor”. é preciso morrer. – a dançar o ballet da vida, como a marioneta dos meus
Broome. À terceira é de vez, não é o que dizem? Desfiz Uma pele atrás da sonhos mais loucos – fascina-me a cada respirar a divin-
outra, como a pitão
as malas ao fim de muitas luas, incontáveis vidas e qua- das florestas tropicais dade do que somos. Z

66 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


AS PA R AG E N S DA
V I AG E M P O R U M M A PA
V I R A D O D O AV E S S O

AUSTRÁLIA Tonga Darwin


Kahil Crossing (Cahills)
Kakadu National Park

El Questro Road
Mossman river

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021


Cape Tribulation
Cape Leveque Lake Argyle Cape York Palm Cove
Windjana Gorge Atherton Tableland Cairns
Tunnel Creek Yungaburra (Catedral fig tree) Walshs Pyramid
Broome (Gantheaume point)
Daintree Rainforest
Grande Barreira de Coral

NT

Exmouth Karijuni National Park


AUSTRÁLIA
Coral Bay/Ningaloo QLD
Uluru

WA Fraser Island

Brisbane
Gold Coast
SA Stradbroke Island
Nimbin Byron Bay
NSW Tweed Heads
Natural Bridge
Wedge Island

Perth
Esperance Sydney
Blue Mountains
Busselton Adelaide
Margaret River Southern Ocean Camberra
Jervis Bay

Warren (Árvore bicentenária) Kangaroo Island


VIC
Narooma
Melbourne
Bruthen
Raymond Island
Great Ocean Road
Phillip Island
NSW - Nova Gales do Sul
NT - Território do Norte
QLD - Queensland
SA - Austrália do Sul Tansmânia (Cradle Mountains)
VIC - Victoria
WA - Austrália Ocidental 500km

67
G
Nascem como consequência – mas também de trigo, se for- ONDE COMER:
natural de uma forte cultura li- mos à zona norte do México –
gada à produção do milho e e recheada de ingredientes va-
tornaram-se num dos petiscos riados, conforme o gosto e a
mais conhecidos da gastrono- carteira de cada. A salsa é fun-
mia mexicana, abraçados de- damental aqui e traz a frescura
pois pelos restaurantes e ta- necessária.
querias pelo Mundo fora. Não Hoje, já se fazem tacos com
se conhece uma origem certa combinações infindáveis, até

D. R .
GAST R O N O M I A e definitiva dos tacos, o snack de peixe ou só de legumes, mas
TEXTOS NUNO CARDOSO que se elevou a estatuto de os de carne continuam a ser os CALLEJERO
realeza no campo da finger mais populares. O clássico Al PORTO
food, mas a versão mais divul- Pastor, por exemplo, bebeu in- Há um ano, o mexicano Andrés
gada de forma transversal re- fluência dos imigrantes libane- Montes quis levar os sabores da
sua infância para a Baixa da Invicta.
laciona o nascimento dos ta- ses nos mercados de rua mexi-
O Callejero tem sete tipos de tacos,
cos à comunidade de trabalha- canos durante a década de indo o destaque para o Birria de
dores nas minas de prata no 1990, e recheia-se com porco Res, recheado com guisado de
México, no século XVIII. marinado em malaguetas, cebo- vaca e especiarias, típico de
O termo “taco”, de resto, era dado la e ananás. Já os tacos Barba- Guadalajara, de onde é Andrés.
pelos mineiros aos pequenos coa, também muito populares, Rua das Oliveiras, 118, Porto

O MÉXICO pedaços de papel enrolados em


pólvora, inseridos nos buracos
levam carne de ovelha ou cabra,
ao contrário dos Suadero, os tra-
Tel.: 938124561
Preço: tacos desde 10 euros

PROVA-SE das rochas para as ajudar a es-


cavar. Além disso, investigado-
dicionais tacos que abundam na
Cidade do México, recheados
(três unidades)

À MÃO res apontam que a primeira re-


ferência a este petisco em dicio-
com carne de vaca marinada ao
longo da noite anterior com
A receita é simples: tortilhas nários e arquivos surgiu anos sumo de laranja e limão. Z
de milho ou trigo, recheio à depois, no século XIX, descritos
vontade do comensal e muita como “tacos de mineiro”.
A sua simplicidade e capacida-

D. R .
salsa por cima. Acredita-se
de camaleónica tornaram-no
que os tacos nasceram nas UN POCO LOCO
comunidades de mineiros, no popular, em primeira mão, en-
n AV E I R O
século XVIII, e são hoje um dos tre as famílias e classe trabalha- O taco pode ter sido Abriu há dois anos, assumindo-se
ex-líbris da cozinha mexicana dora com orçamento reduzido. inventado nas minas, como o primeiro mexicano da
Na prática, trata-se de uma ro- porque taco era
e da finger food mundial. um papel a enrolar cidade dos moliceiros. Além de
dela de tortilha, feita maiorita- pólvora que ajudava tostadas, enchiladas e quesadilas,
riamente com farinha de milho a escavar a rocha o restaurante tem seis variedades
de tacos, com base no frango,
novilho, porco, camarão e polvo.
Rua Eça de Queiroz, 36, Aveiro
Tel.: 913667542
Preço: tacos desde 7,10 euros
(três unidades)

D. R .

COYO TACO
L I S B OA
No Cais do Sodré, há margaritas,
burritos e claro, dezenas de varie-
dades de tacos nesta casa nascida
há dois anos. Ao Al Pastor juntam-
se outros recheios com frango,
carne assada, pato, camarão,
robalo ou o vegetariano, à base
de cogumelos.
Rua Ribeira Nova, 36, Lisboa
Tel.: 210514531
Preço: tacos desde 8,15 euros
D. R .

(duas unidades)

68 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


“QUERO FAZER O CAMBOJA Já conheceu 28 países. Qual
o marcou mais até agora?

E O VIETNAME DE MOTA” Tenho dois. A Indonésia,


quando fui a Bali há vinte
anos. Pela aventura, a idade
Nasceu em Baião mas é na capital que este chef dá cartas, que tinha, a diversão da ilha,
em dose dupla. Quando não está ao leme do Puro, conhecido a gastronomia que estava
pelas francesinhas perto do Marquês de Pombal, e da Fábrica a querer descobrir e a
do Pastel de Feijão, em Alfama, o mais provável é António Natureza pura e crua fora
Amorim andar a desbravar mundo. No percurso, já soma perto da zona mais turística, as
de 30 países, quase sempre guiados pela gastronomia. regiões montanhosas e vul-
Com alguns dissabores – leia-se insetos – à mistura. cânicas, as praias de areia
preta, os campos de arroz.
Mas também o México.
Em 2015, fui à Cidade do
México explorar só a sua co- insetos vivos, frescos e esta-
zinha, dos mercados de rua ladiços. É muito agressivo
aos restaurantes de topo. para quem não está habitua-
Quis adquirir conhecimento do. Diz-se que é a cozinha do
para abrir o El Clandestino, futuro. Vamos ver.
em Lisboa, e o Guaca, em Lembra-se da primeira
Faro [nos quais foi consultor]. viagem que fez?
Por norma, quando escolhe Foi à Bósnia, em 1999, feita
um destino, o que procura? num contexto militar. Era in-
Gosto de sol e Natureza, mas verno e a neve chegava aos
também cidades como Paris, dois metros de altura. Estava
com cultura e arquitetura. deslocado em missão de paz
Mas o que sempre procuro e no período livre acabei por
é a gastronomia. Foi assim conhecer alguns países ali
com o Japão, com Macau, por perto. Aluguei um carro
com Hong Kong. O resto e viajei por oito países euro-
vem por acréscimo. peus, durante três semanas,
Qual foi o restaurante que sem grande destino traçado.
mais o marcou no Mundo? Já fez várias viagens sozinho.
O Narisawa, em Tóquio, que Quais os prós e contras?
reservei com seis meses de A principal vantagem são
antecedência. Penso que na os horários, a liberdade. Não
altura estava em 8.º lugar na estamos condicionados e de-
lista dos World's 50 Best Res- dicamos o tempo que quere-
taurants. Surpreendeu-me o mos a determinada coisa.
que provámos, coisas fora da Mas às vezes faz falta a com-
G O N Ç A LO V I L L AV E R D E /G LO B A L I M AG E S

caixa, como a cobra-do-mar, panhia, até em algumas cida-


que vem desidratada e tam- des onde haja alguma crimi-
bém numa espécie de conso- nalidade e pouca segurança.
mé, com umas lascas do ani- No que toca à bagagem, é do
mal. Mas o mais repugnante género prático e descompli-
que já comi foram os insetos cado ou leva coisas a mais?
no México. Lá, há muitos res- Sou muito descomplicado,
taurantes especializados nis- mas é para trazer na mala
to. Há o caviar mexicano, o máximo possível. Quando fui
como lhe chamam, que tem ao México, trouxe 80 quilos na
bagagem de regresso, entre
livros de cozinha, especiarias,
sementes, utensílios. E mais
15 quilos no corpo [risos].
O próximo destino será...
Estive para regressar no ano
passado a Banguecoque,
onde o meu irmão trabalha
3 como chef. Mas há outra via-
António Amorim nunca gem pendente, que farei
perdeu o fascínio
por Bali. Em cima, com ele. Quero fazer o Cam-
D. R .

um prato do Narisawa boja e o Vietname de mota. Z

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 69


GASTRONOMIA RESTAURANTE 886

R E S TA U R A N T E S
E M A LTA
Dos sabores taiwaneses e sírios que estão a dar que falar
às mesas que marcam a diferença com a sua visão eco-friendly,
sem esquecer os recém-premiados croissants nos arredores
de Paris: estas são quatro das casas que têm virado as atenções
para as suas cozinhas, Mundo fora.

D. R .
D. R .

D. R .

PÂTISSERIE COLBERT IMAD'S SYRIAN KITCHEN 886 AMASS


PA R I S LONDRES NOVA IORQUE C O P E N H AGA
Pela montra desta pastelaria nos Era uma das novidades mais espe- Em 2020, usou a pausa pandémi- Surgiu há oito anos, numa zona
arredores de Paris, em Sceaux, radas na restauração londrina ca na restauração para confecio- industrial nos subúrbios de Cope-
desfilam diariamente tartes de e integra os sete novos restauran- nar refeições para profissionais nhaga, para se fixar num terreno
framboesa, trufas de chocolate, tes britânicos a visitar em 2021 de saúde na primeira linha do com espaço suficiente para culti-
tarteletes de alperce ou os clássicos segundo a “National Geographic”. combate à covid. E este ano foi var os próprios frescos. A aborda-
Paris-Brest, mas são os croissants O chef Imad Alarnab abriu agora um dos impulsionadores do movi- gem sustentável tem fidelizado
de massa folhada que estão a dar a primeira casa em nome próprio, mento Enough Is Enough, que público e tornou o Amass num
que falar. Tudo porque esta pastela- depois de ter liderado alguns pretende alertar para os crimes de dos melhores restaurantes
ria francesa venceu este ano o cer- pop-up de êxito na cidade. Antes ódio contra as comunidades asiá- eco-friendly no Mundo, segundo
tame anual Concours du Meilleur disso, chegou a gerir três restau- ticas nos EUA. Não é de estranhar a Condé Nast Traveller. O chef
Croissant de Grand Paris. Um dos rantes em Damasco, onde nasceu, que Eric Sze, taiwanês emigrado californiano Matt Orlando é co-
truques para o sucesso destes mas a guerra civil síria levou-o em Nova Iorque, seja uma das dez nhecido por minimizar o consumo
croissants está no pincelar da mas- a emigrar para a capital britânica. figuras que estão a inspirar mu- de água, pelo foco nas plantas,
sa com mel de avelã, dando-lhes As origens, ainda assim, não ficam danças positivas em 2021, eleitas por apenas usar peixe com certifi-
uma cor mais quente, uma crosta esquecidas. “Na cultura síria, não pela revista “Eater”. Na Big Apple, cado sustentável e transformar
estaladiça e um toque mais adoci- se fazem planos sem pensar antes é o líder do 886, o restaurante que todo o lixo orgânico em adubo
cado, naturalmente. “Para mim, um na comida. Não saímos à rua sem homenageia pratos tradicionais para a horta do restaurante.
bom croissant tem que ter um sa- comer qualquer coisa”, conta de Taiwan dando-lhes um toque A tarte de cebola caramelizada
bor forte a manteiga, ser estaladiço o chef. Na carta do Imad's Syrian nova-iorquino. “O último ano tem com peito de pato curado e pele
por fora e fofo por dentro”, explica Kitchen há beringelas assadas e sido uma maratona e veio relem- de alho-preto grelhado, os dum-
um “orgulhoso” e “honrado” Frédé- recheadas com cordeiro e molho brar-me de quem sou e porque plings de lula e salsicha picante
ric Comyn, chef pasteleiro da casa, de cominhos; iogurte polvilhado estou nesta área. É pelo público”, molhados em caldo de capim-
com um percurso que soma duas com alho, quiabo e coentros; tiras diz. Na sua cozinha fazem-se pan- limão, as trufas negras com puré
décadas. O concurso decorre há já de frango grelhado com chips de quecas de cebolinho; bao de batata, limão grelhado e miso
largos anos, com uma série de re- paprica; lombo de cordeiro cozi- de porco; arroz frito com salsicha à base de amêndoa e o sorvete
gras restritas, incluindo a forma nhado a baixa temperatura; alca- taiwanesa; frango glaceado com de ruibarbo são sabores que cul-
como os croissants devem ser fei- chofras grelhadas e recheadas mel; Hakka stir-fry, um salteado minam um percurso ligado à res-
tos e apresentados, como pesarem com vegetais da época; e, claro, comum no sul do Taiwan com tauração desde os 16 anos, ao
45 a 65 gramas. Os jurados atri- húmus e falafel. Uma cozinha feita legumes, porco e lulas; ou Fly longo do qual Matt Orlando afinou
buem até cem pontos por cada com coração e uma missão nobre: Head, espécie de chilli com feijão- o fine dining no The Fat Duck
prova, distribuídos por quatro cate- uma libra de cada conta é doada preto fermentado, malagueta, ce- (o inglês detentor de três estrelas
gorias: 25 para a confeção e outros à Choose Love, que se dedica a bolinho e porco. Mas Eric Sze não Michelin) e no conterrâneo Noma
tantos para o formato, a textura e o ajudar refugiados pelo Mundo. abranda: prepara-se para abrir um (três vezes o melhor restaurante
sabor/cheiro. segundo restaurante, em Brooklyn. do Mundo para a “Restaurant”).
Carnaby Street, Kingly Court,
Rue Houdan, 49, Sceaux, Paris Top Floor, Londres St Marks Place, 26, Nova Iorque Refshalevej 153, Copenhaga
+33146612286 +4402074342448 +16468820231 +4543584330
www.patisseriecolbert.fr www.imadssyriankitchen.co.uk www.eighteightsix.com www.amassrestaurant.com

70 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Anthony Bourdain
marcou o mundo
das viagens. Em baixo,
no Porto e em Omã
D. R .

OS SABORES E ROSTOS
QUE MARCARAM BOURDAIN
“World travel: an irreverent guide”, o livro póstumo de Anthony Bourdain, traça
a rota dos locais, pratos e pessoas que mais marcaram o acarinhado chef, escritor
e apresentador, três anos após a sua morte. Dos desertos de Omã aos bairros
cosmopolitas de Paris, sem esquecer os pratos que provou em Lisboa e no Porto.

“Uma vida de experiências reunida num guia de viagens práti-


co, divertido e honesto”, mas também “uma introdução a alguns
dos seus locais preferidos no Mundo – pelas suas palavras”.
É desta forma que a editora Bloomsbury descreve o livro póstu-
mo de Anthony Bourdain, lançado nesta primavera em parceria
com a sua assistente de longa data, Laurie Woolever, três anos
depois da morte prematura de um dos mais populares e influen-
tes chefs, escritores e apresentadores de televisão. Tinha 61 anos.
“World travel: an irreverent guide” leva-nos num percurso eclético,
dos bairros mais cosmopolitas de Buenos Aires, Paris e Xangai às tradições tribais da
ilha asiática de Bornéu, passando pelos desertos de Omã e pelas mesas mais baratas
de Chicago, por exemplo. A ideia surgiu numa tarde de conversa, em 2018, num
brainstorming de ideias para o seu próximo projeto: criar uma espécie de atlas do Mun-
do visto pelos seus olhos. “Durante mais de uma hora, Anthony recordou-me os pra-
tos, hotéis e pessoas que mais o marcaram. Todas as memórias que se criaram sem
apoio em vídeos ou notas escritas”, explica Woolever à “National Geographic”.
Uma viagem feita de memórias que não deixa de fora Portugal, que visitou por
quatro ocasiões. O livro póstumo de Bourdain – que começou nas cozinhas
da Big Apple e ganhou projeção global com os livros e os programas de TV,
casos do “No Reservations” – recorda as passagens por Lisboa e Porto. Na ca-
pital, são abordadas as experiências que o chef teve em casas como o Rami-
ro, clássico no campeonato do marisco, e o bar Sol e Pesca. Já na Invicta, há
memórias das suas passagens pela Cervejaria Gazela, conhecida pelos ca-
chorrinhos, e pelo snack-bar O Afonso, que ganhou notoriedade depois de
Bourdain ter provado ali a francesinha. Z

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 71


PASSAPORTE VIP

“Têm de deixar de ver


as Maldivas como
destino romântico”
Antes de voltar às novelas, a atriz Rita Pereira viajou
para o destino tropical no Oceano Índico com
amigos, vivendo experiências distintas nos dois
resorts onde se instalou.
TEXTO SARA OLIVEIRA

72 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Rita Pereira aproveitou
o cenário para desfilar
com modelos criados
pelos amigos Gonçalo
Peixoto e Juliana Herc,
que a acompanharam
nestas férias

A
pandemia afastou a vontade de ir “para a
confusão de Nova Iorque ou de Londres,
com movimento, restaurantes e ocupa-
ção”, e desviou Rita Pereira para as Maldi-
vas. A atriz foi de férias com dois amigos, os
designers de moda Gonçalo Peixoto e Juliana Herc, para
o destino tropical no Oceano Índico preferido dos famo-
sos nos últimos meses. “Era o único disponível e seguro
nesta altura, mas foi ótimo”, mesmo já lá tendo estado.
A escolha foi definida depois de ouvir as sugestões da
agência de viagens. “A Tui sugeriu-me os hotéis, fui pes-
quisar para ver se era o que tencionava e se tinha a ver
com o que gosto. Confirmou-se que sim”, recorda Rita
Pereira. Em tempos atípicos por causa da covid, mesmo
com vários voos, garante que “a viagem foi tranquila”. mente diferentes e muito ricas em sabor, e o peixe fres-
“Houve muitos testes para fazer antes, durante e depois, co acabado de apanhar. Não comi carne em nenhum dia
portanto senti-me super segura e confortável.” De res- enquanto estive lá.”
to, não dispensou a máscara sempre que obrigatório. Rendida ao que viveu, a artista recomenda o arquipé-
Durante a estada, a estrela da TVI passou por duas ilhas: lago, notando que “que as pessoas têm de deixar de ver
Kaafu, no Atol de Malé Sul; e Maalifushi, no Atol Thaa. No as Maldivas apenas como destino romântico”. “Eu já fui
entanto, para Rita Pereira, “o gostar das Maldivas não tem mais do que uma vez e nunca com o meu namorado e
a ver com as ilhas, mas com os hotéis”. “Cada ilha é um adorei na mesma.”
hotel e o que ele nos proporciona é que faz a diferença. Acompanhada por profissionais da moda, mesmo em
Neste caso fiquei em dois hotéis da mesma rede, a COMO lazer, Rita Pereira desfilou com algumas das suas propos-
Hotels, e foram experiências diferentes, mas ambas po- tas, mas também levou vários vestidos na mala. Assim
sitivas.” Além de muitos mergulhos, praticou stand up como protetor solar. Por experiência, aconselha quem
paddle, confirmando estar em grande forma. E desfru- pondera seguir-lhe o exemplo “a não levar muita roupa,
tou de um passeio de barco até ao pôr do sol e de um pe- As Maldivas só biquínis, chinelos, um vestidinho fresco, calções e t-
têm a origem do
queno-almoço a boiar na piscina. nome no vocábulo
-shirts”. Ainda sem ideias para o verão, a atriz tirou o má-
Bom garfo, Rita aprova a gastronomia e a fusão “entre maldwipa, no ximo proveito da estadia. “Quero viajar, mas também
idioma malabar:
a comida tailandesa, indiana, chinesa”. “É mesmo deli- “mal” é “mil”
aproveitar o que Portugal tem para oferecer, pois o nos-
ciosa. Parece parvo, mas destaco as saladas, completa- e “dwipa” é “ilhas” so turismo precisa de nós.” Z

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 73


M O DA S U ST E N TÁV E L

SUSTENTABILIDADE:
PARA UM ESTILO DE
VIDA MAIS CONSCIENTE
Muitas marcas de moda e beleza já trilham o caminho
da redução da pegada ambiental e estão um passo
à frente na sua jornada responsável. A sua filosofia
assenta na utilização de materiais reciclados e de fibras
naturais, na diminuição da emissão de gases poluentes,
na aposta no biodegradável, na cosmética com
fórmulas biológicas e na proteção dos habitats marinhos.
Veja sugestões a ponderar para quem procura
alternativas mais sustentáveis para o dia a dia sem
perder de vista a estética e o bom gosto.
POR RUTE CRUZ

Mala de
viagem com
inovação
Recyclex™,
Magnum Eco
Samsonite
189€

74 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Fato de
banho
Sisterhood
in Nature
Sapatilhas Mist
h,
Stan Smith, 135€
Forever
Adidas
100€

T-shirt
Chapéu de sol
One Planet
Sustainable
Tommy Conta
Collection
Hilfiger Blue
Slowlove
49,90€ Globe
39,99€
(cortefiel.com) Pandora
39€

Jeans
Wellthread
Levi’s
120€

Vestido
Chufy

LO O K C O R T E F I E L E C O - F R E N D LY
x Mango
Mango
99,99€

Fato
de banho
Shore
Sloggi
39,90€

Óculos de sol
Sustainable
Collection
Polaroid
60€

Chinelos
Feel The
Nature By
Cubanas
Cubanas
29,80€

Mochila
Green Conjunto
District Nature’s
Longchampp Dream
320€ Intimissimi
Blusão de ganga 35,90€
Sandy Jacket (soutien)
My Fair 15,90€
186€ (culotte)

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 75


B E L E Z A S U ST E N TÁV E L

O LA MER BLUE
OCEANS FUND
APOIOU O
TRABALHO
THE NATURE
CONSERVANCY
NA PLANTAÇÃO
DE 400 MIL
MANGAIS
NA REPÚBLICA
DOMINICANA,
NUMA LUTA
CONTRA A EROSÃO
COSTEIRA
E OS IMPACTOS
DAS ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS

Creme rico,
acalma e hidrata
(edição limitada
comemorativa)
The Moisturizing
Blue Heart
La Mer
305€

76 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Sabonete Linen
levemente
esfoliante
de folha
de oliveira
Castelbel
Gel 8,60€
cremoso
hidratante
anti-stress
Ressource
Givenchy
64,20€

Barra
de limpeza
rosto e corpo,
Soothing Palete de
Geranium sombras
Gamila Green Me
Secret Kiko Milano
28€ 12,99€

Sérum em gel
intensivo
hidratante
em roll-on
para olhos
Innisfree
21,50€
(exclusivo
Sephora)

Sérum
para
Pó manchas,
bronzeador Blanc
Green de Sibérie Leite Solar
Couture (rosto) Capital Soleil
Artdeco Poláar Ecodesenhado
24,95€ 53,19€ FPS 50+
Vichy
22,95€

Conjunto
Spa Peace
Lemongrass
Home Spa Set
Spa Ceylon
89€
Máscara
purificante
com
particulas
esfoliantes
(rosto) Waso
Shiseido
38€
Eau de Discos desmaquilhantes
Toilette reutilizáveis com
Musgo Real caixa de transporte
Black Edition, LastObject
aroma 11,95€ (sete discos)
Champô
amadeirado sólido para
Batom Claus Porto
mate todos o tipo
95€ de cabelo,
líquido,
Natural Essential
& Vegan Haircare
Matte Davines
All Tigers 16€
22,75€

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 77


QUIZ DO VIAJANTE

1 2
1
Que se trata de um jogo de voleibol
parece óbvio. O que se afigura menos
óbvio é o tamanho dos jogadores nesta
partida nos areais de Miami. O que é?
a) É uma falsa partida, desenhada na areia.
b) É um campo muito pequeno mesmo.
c) É a sombra dos jogadores projetada
no campo.

2
À primeira vista é uma tela. Só que não.
Ou é, mas feita de um material bem
3
diferente de uma tinta. Será...
a) Um campo de flores
de cores bizarras?
b) Um cemitério de bicicletas?
c) Uma obra de arte de rua?

3
Alguma luz que localize este incrível
aglomerado de edifícios?
a) Lima, Peru.
b) La Paz, Bolívia.
c) Santiago, Chile.

4
Esta espécie bovina vive nos Himalaias,
5

no Planalto Tibetano, no norte de


Myanmar, nas províncias chinesas
de Yunnan e Sichuan, na Mongólia
e na Sibéria. Qual é?
a) Um búfalo.
b) Um gnu.
c) Um iaque.
4

5
Embarcações tradicionais aguardam
SOLUÇÕES
xemira indiana. porque o alimenta com car- campas aos milhares, no zenas de milhares de bici-
2 - b) São efetivamente de-
pelos turistas que tardam nestes
gar, capital de verão da Ca- o melhor amigo do homem mas não são casas. São
ponto turístico de Srina- Tibete, onde este animal é 3 - a) Lima, capital do Peru, se agigantam.
tempos pandémicos que se arrastam, 5 - c) É o lago Dal, famoso díssimo lago de Namtso, no -deste da China. do dia em que as sombras
no lago... bém isolam muros. caso fotografado no eleva- víncia de Liaoning, no nor- Ocean Drive, a uma hora
a) Titicaca. tão dos dejetos que tam- 4 - a) É um iaque, neste reno de Shenyang, na pro- voa jogadores perto de
b) Victoria. o aquece com a combus- de Julio, no norte da cidade. nadas e recolhidas num ter- por um drone que sobre-
1 - c) É uma imagem tirada
c) Dal.
ne e leite, o veste com lã e curioso cemitério Heroes 19 cletas partilhadas abando-

78 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


A TERRA DO CÉU

VISTA DAS NUVENS,


A URGÊNCIA É AINDA
MAIS DOLOROSA
O alarme de emergência soou em
maio: a Califórnia entrou em seca
extrema, com particular gravidade
em Central Valley, uma das regiões
agrícolas mais produtivas do Mundo.
A água já falta dramaticamente, ao
ponto de os campos estarem a ser
abandonados. Os efeitos das
alterações climáticas são cada vez
mais impossíveis de ignorar...
J U ST I N S U L L I VA N /G E T T Y I M AG E S /A F P

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 79


CRUZEIRO

M A R C O B E R TO R E L LO/A F P

80 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


O NAVIO
GIGANTE
A “Volta ao Mundo” viajou no Costa Smeralda, um dos
dois únicos navios de cruzeiros que utiliza como fonte
de alimentação e força gás natural liquefeito, o mais
limpo dos combustíveis fósseis. Contribuição preciosa
para acabar com o flagelo da poluição dos mares,
daquela é uma das indústrias que mais contribui para
o efeito. Exemplo a seguir? Apenas o futuro poderá
afirmá-lo com a certeza de uma resposta concreta.
TEXTO PEDRO EMANUEL SANTOS

QUE RECUSA
POLUIR
OS MARES
VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 81
CRUZEIRO
M A R C O B E R TO R E L LO/A F P

Q
J
uem o vê estacionado no porto de Ná- Civitavecchia é
uma das paragens
poles, imponente nos seus 337 metros desta autêntica
de comprimento e quase 20 andares cidade flutuante, alta
de quase 20 andares
em altura a dominar o porto local
como senhor absoluto da paisagem,
não imagina que ali está quem pode
vir a mudar o paradigma das embarcações de cruzei-
ros num futuro que se quer ver verde e protetor de um
ambiente sustentável. Naquelas águas do Tirreno, sul na proteção do Planeta. Sem que a oferta seja condicio-
de Itália quase anárquico de vozes altas nas esquinas e nada, sem que a mobilidade dos navios seja colocada em
gestos largos nas conversas, o navio Costa Smeralda é causa, sem que a respetiva velocidade e desempenho ge-
rei, senhor e exemplo. Maior modelo da frota da com- ral sejam afetados.
panhia italiana Costa Crociere, é um de apenas dois na- Com 182 700 toneladas de peso, o Costa Smeralda atra-
vios a nível mundial – o outro pertence à mesma empre- vessa os mares como se veludo arrastasse consigo. O GNL
sa de navegação – que, além do tradicional diesel, utili- não lhe cortou rendimento, pelo contrário. A técnica de
za como propulsor gás Natural liquefeito (GNL), consi- redução de atrito com o mar, outra das novidades, tam-
derado o mais limpo dos combustíveis fósseis. bém não. Efeitos na resolução geral do barco? Nenhuns
Essencial para a redução de gases poluentes para a at- negativos, garante quem assegura o leme principal.
mosfera, o GNL limita significativamente a emissão de “Nada muda no desempenho”, explica Francesco Serra,
partículas nocivas e de dióxido de enxofre. Permite ain- o comandante. “É seguro no comportamento e obedece
da que dióxido de carbono e óxido de nitrogénio liberta- a todos os sistemas de segurança.”
dos sejam reduzidos para níveis quase mínimos. Contri- O GNL é transportado diretamente para o Costa Sme-
bui, no fundo, para provar e acreditar que é possível à in- ralda por um outro navio que parte ora do porto de Bar-
dústria dos cruzeiros, tantas vezes criticada como pro- celona, em Espanha, ora do de La Spezia, em Itália.
vocadora de males maiores no que à destruição maríti- Quando necessário, basta abastecer e tudo fica prepara-
ma diz respeito, reverter tal paradigma e colaborar firme do para nova viagem limpa de fatores poluentes.

82 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


UM DE DOIS
NAVIOS QUE
SÃO ÚNICOS
O Costa Smeralda
é, com outro barco
da frota da Costa
Crociere, o protótipo
do cruzeiro com
preocupações
ambientais
F I L I P P O M O N T E F O R T E /G E T T Y I M AG E S

SEGURANÇA E NOVIDADES A BORDO


O Costa Smeralda iniciou atividade em 2019, estacionou
em 2020 por culpa da pandemia de covid-19 e retomou
a missão no passado mês de maio. Concentra atividade
na costa ocidental italiana e toca as ilhas da Sicília e da
Sardenha como cartão de visita. Além do revolucionário
GNL, apresenta carta de características que o coloca res-
trito em categoria amiga do ambiente.
A água usada a bordo é produzida diariamente através
da reconversão da água do mar, outra das inovações que
o fazem único no universo particular dos cruzeiros.
O calor dos motores, esse, é recuperado num proces-
so que permite reduzir consumos e potenciar energia.
E dentro do aparelho, na parte visível aos passageiros,
destacam-se a utilização de lâmpadas LED e o compro-
misso de utilizar a menor quantidade de plástico possí-
vel. Materiais como o alumínio ou o papel também são
limitados ao mínimo essencial.

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 83


CRUZEIRO

SAVONA
À VISTA ,
CRUZEIRO
À JANELA
O gigantesco navio
entra no porto
de Savona, perto
M A R C O B E R TO R E L LO/A F P

de Génova, e fica
à altura das
habitações

84 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Devido à pandemia, a lotação máxima do Costa Smeral-
da foi reduzida em 60%, para níveis essenciais de máxima
segurança sanitária. Dos cerca de 6 500 lugares disponíveis
habitualmente, a lotação encontra-se limitada a 1 500 pas-
sageiros, o que oferece sensação de espaço livre quase úni-
ca num navio que se destaca pela diversidade de oferta nos
diferentes decks, qual cidade ambulante onde é garantia en-
contrar o quase impossível sem que seja necessário procu-
rar demasiado. Apenas há que ter a paciência e disponibili-
dade para explorar tamanho labirinto de oferta e sentido de
orientação suficiente que evite perdas de tempo desneces-

M A R C O B E R TO R E L LO/A F P
sárias. De resto, basta que nos deixemos ir porque tudo virá
ter connosco, inclusive a disponibilidade simpática das cen-
tenas de funcionários espalhados pela embarcação, sempre
prestáveis para qualquer informação prática e útil.
Para assegurar que em tempos pandémicos os passa-
geiros estão sempre seguros a bordo, são realizados tes-
tes rápidos regulares, em média de dois em dois dias, J
consoante o percurso da viagem. E diariamente é obri- vona, como a histórica Civitavecchia, porto a 50 quiló- A vida dos portos
italianos que fazem
gatória a medição da temperatura através de máquinas metros de Roma que domina uma antiga vila piscatória, parte da rota do
de última geração espalhadas por todo o navio. a confusa mas exuberante Nápoles, da piza original e da Costa Smeralda faz-se
de momentos destes,
Nos restaurantes, por exemplo, os menus abandonaram devoção ao deus humano Diego Armando Maradona, em que uma cidade
as tradicionais listas e são disponibilizados através de códi- com o Vesúvio como testemunha e as ruínas de Pompeia se nos atravessa
à janela. Em baixo,
gos QR. E os buffets perderam a filosofia habitual e são trazi- como lastro de História. as medidas de segu-
dos à mesa ao invés de serem procurados pelos passageiros. Na ilha da Sicília, chegou a Messina, cidade das jane- rança em tempos de
pandemia e a vista à
las azuis que se espalha em alto monte acima, desgre- chegada a Messina
NOVIDADES A BORDO nhada da realidade e serpenteante na forma. E na Sar-
Quarto maior cruzeiro do Mundo atualmente em ativida- denha, arribou em Cagliari, onde as influências medi-
de, o Costa Smeralda destaca-se pela introdução a bordo terrânicas se sentem nas ruas de cores várias e surpreen-
de originais novidades. Como o CoDE (Costa Design Mu- dentes, desafiadoras do sol que as embrulha em luz por
seum), que traça a história recente de facetas que conce- entre gente agitada, miscelânea de estilos de arquitetu-
deram fama global a Itália, como a moda ou indústria au- ra contraditórios que parecem fundir-se em identidade
tomóvel. Na parte gastronómica, a variedade de restau- única. Depois, La Spezia, onde o Costa Smeralda des-
rantes destaca a cozinha internacional, com direito a es- cansou rumo a novas viagens. Que não perturbaram os
paços que vão das especialidades asiáticas a exemplos úni- mares e olham pelo futuro do Planeta. Nem vão pertur-
cos de cardápios gravados com exclusiva estrela Michelin. bar, graças ao GNL. Z
Muito para explorar numa rota em que o Costa Smeral-
da tocou a costa ocidental italiana em pontos como Sa- A “Volta ao Mundo” viajou a convite da Costa Cruzeiros
P E D R O E M A N U E L SA N TO S

M A R C O B E R TO R E L LO/A F P

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 85


CONQUISTAR O CÉU

Paula Ferreira será


a guia da expedição
feminina ao Nepal

D. R .

86 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


ENTREVISTA
PEDRO GUEDES

Alpinismo feminino
no Nepal
Primeira expedição portuguesa só para mulheres está a ser
organizada pela Espaços Naturais. Falámos com o ideólogo.
TEXTO IVETE CARNEIRO

D
e onde surgiu a ideia de uma blema ali é que temos muitos requisitos. E um
expedição totalmente femi- deles é já terem alguns conhecimentos e al-
nina aos Himalaias? guma experiência para uma expedição deste
A ideia vinha de há muitos tipo. Todas as pessoas que nos contactaram foi
anos. Eu achava que seria inte- para começar a fazer alpinismo. Estamos a es-
ressante fazer uma expedição só de mulheres truturar algumas coisas nesse sentido de dar
porque era algo que nunca tinha sido feito. formação, de levar as pessoas a realizar pri-
Foi por aí, por ser uma coisa inédita no alpi- meiro coisas mais pequenas, para depois en-
nismo em Portugal. Entretanto, em dezem- tão ir à expedição.
bro, quando me perguntaram por que razão
não tinha mulheres na equipa da Espaços Na- Pode então acabar por ter pouca gente…
turais, desenvolvi muito mais a ideia, porque Pode, mas também é uma expedição para
só tinha efetivamente homens. Hoje somos pouca gente, entre quatro a seis participan-
dez com a Paula (Ferreira). E decidi organizar tes, porque é uma zona remota, porque é um
algo, porque seria bom para estimular a que cume de 6 500 metros…
mais mulheres fizessem alpinismo.
E é obrigatório já ter feito escalada?
E porquê só mulheres? Porque não mista? É obrigatório ter alguns conhecimentos pré-
Mista já há. Eu organizo muitas. A ideia se- vios, mínimos, do próprio alpinismo, mas o
ria puxar mais mulheres, ter mais visibilida- objetivo até lá é dar formação e fazer com que
de e, como disse, por ser inédito. Nunca foi essas pessoas tenham as competências ne-
organizada uma expedição totalmente femi- cessárias para participar.
nina em Portugal. Pedro Guedes
E é fácil fazer isso em Portugal? Não há ALPINISTA/ESPAÇOS NATURAIS
Há muitas alpinistas em Portugal? nada que replique as condições dos Hi-
Não há muitas. Eu tenho dado formação a mui- malaias… De escuteiro passou ao alpinismo,
tas mulheres e tenho guiado muitas mulheres Não. Em Portugal não conseguimos fazer al- cresceu, fez-se profissional das
montanhas. De quase todas.
no alpinismo e realmente elas estão cada vez pinismo, a não ser na Serra da Estrela. Encanta-se sempre com os Alpes,
mais a entrar na modalidade, mas quando se mas deixou o coração no glaciar do
pára para pensar quais são as mulheres com Falava na formação. sul patagónico. De tal maneira que
se fez guia de expedições e levou lá
competências para ser guias, aí já não há mui- Ah. Formação com condições de neve, vai
outros como ele. Ali e a montanhas
tas. A Paula já está há muitos anos no alpinis- ter que ser em Espanha, no norte ou no ma- acima dos 6 500 metros no Nepal,
mo e eu tinha muito poucas opções. ciço central, na zona de Gredos, para que haja ou mesmo dos sete mil metros,
condições semelhantes. Em Portugal não como o Aconcágua na Argentina e
o Lenine no Quirguistão.
O programa foi lançado em março, conseguimos. Há outras pequenas coisas que
“Das coisas que mais me orgulho
no Dia da Mulher. Já tem interessadas? conseguimos fazer aqui, formações mais téc- foi ter proporcionado cumes
Tivemos muitos contactos. O pequeno pro- nicas como segurança com cordas, materiais, a mais de 1 200 pessoas.”

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 87


CONQUISTAR O CÉU

acampamentos. Para toda essa parte, conse- O equipamento é fornecido?


guimos simular as condições que vamos en- A nível de equipamento individual, vestuá-
contrar lá, mas toda a parte de neve, com rio, saco de cama, etc., tem que ser a pró-
crampons e piolet, terá que ser em Espanha. pria pessoa a levar, mas o equipamento co-
letivo, tendas, cordas, crampons, piolet, nós
E quanto tempo é preciso para uma pes- fornecemos. Têm carregadores até ao cam-
soa sem bases se preparar para uma ex- po de base, a partir daí é completa autono-
pedição destas? mia, com a Paula.
Entre quatro a cinco meses, mas tem que ter
já pelo menos condição física e alguma base Sherpas homens?
na parte das cordas e por aí fora. E tem que Sim. Mas há mulheres.
ser uma pessoa que já realize trekking, que
faça corrida (de montanha) também. E como se diz a uma mulher: carrega?
É o contrário. Quase choram para lhes dar-
mos trabalho. Existe uma ética: devem só car-
regar 28 kg. Mas pedem-te por favor para car-
regar 60 para ganhar por dois. O ordenado
mínimo no Nepal é de 40 euros, se pensar-
mos que em sete dias ganham 400…

Quem é o Pedro Guedes e o que é a Es-


paços Naturais?
A Espaços Naturais é uma empresa que criei,
neste momento é uma agência de viagens
que organiza trekking e alpinismo em expe-
dição. Só trekkings de grande desafio e aven-
tura em zonas remotas e não muito explora-
das, que saiam um pouco fora do conceito
normal do trekking.

Desafio pelo lugar para onde se vai ou


pela dificuldade técnica?
Uma mistura de tudo, pelo sítio para onde se
vai, por ser uma zona que requer uma logís-
tica muito grande e por ser uma zona não
muito explorada, e no alpinismo, sim, já en-
tramos na parte da técnica, da altitude, cu-
mes de seis mil, 6 500 metros, alguns dos
maiores vulcões do Mundo, alguns dos “sete
Paula Ferreira
cumes” e algumas das montanhas mais al-
GUIA DE EXPEDIÇÕES
tas de cada continente. Como empresa é isto
que fazemos, somos uma equipa de dez
Paula Ferreira foi a primeira
guias. Além disso, damos formação, da ini- portuguesa a subir ao Huascarán
ciação ao aperfeiçoamento, de escalada, e ao Alpamayo, na Cordilheira
montanhismo e alpinismo. Branca, no Peru. Foi também
a primeira portuguesa a subir
o Monte Quénia e a conquistar
Só a quem vai nas vossas expedições? o cume do Cervino, nos Alpes.
Não. A qualquer pessoa. E incidimos nas que Com uma garantia: “Quer estejam
vão connosco para prepará-las melhor para o a começar, quer já tenham feito
caminhadas e trekking e queiram
desafio. Nesse terreno das expedições temos aventurar-se em voos mais altos”,
uma parceira com a beAPT (Armada Portugue- a montanha “é totalmente
sa do Trail), com o (ultramaratonista) Arman- acessível às mulheres”.

O alpinista português já guiou mais de


do Teixeira, que prepara fisicamente essas pes-
1 200 pessoas aos cumes mais elevados soas com um treino mais especializado.

88 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


A EXPEDIÇÃO O ALPINISMO NO FEMININO
Desenhada para se realizar A entrada das mulheres no alpinis-
em outubro no Nepal, a expedição mo deve-se à condessa francesa
feminina pretende atingir os Henriette D’Angeville, que atingiu
cumes Chulu Far East (6 059 o cume do Monte Branco em 1838,
metros) e Chulu East Peak ano em que a britânica Anne Lister
(6 584 metros), na região dos estreia o Vignemale (Pirenéus) no
Annapurna. Arranca com um feminino. Em 1907, o Clube Alpino
trekking na área remota de Naar, Britânico cria uma secção feminina.
seguindo depois para o campo A norte-americana Anne Smith
base e daí para o cume. Peck conquistou o Huascarán
www.espacosnaturais.net (Peru, 1908), a compatriota Míriam
O’Brien subiu ao Cervino (Alpes,
1932), a suíça Loulou Boulaz fez
a ascensão do Eiger (Alpes, 1936),
a japonesa Junko Tabei foi a primei-
ra a almejar e conseguir o Evereste
(1975) e seria seguida pela polaca
AGÊNCIAS ESPECIALIZADAS Wanda Rutkiewicz no K2 (Nepal,
Hoje são várias as agências 1986). Em 1978, a American Wo-
com programas no feminino: men's Himalayan Expedition levou
Intrepid Travel, Rei Adventures, as primeiras mulheres ao Annapur-
Adventure Women, Damesly na, sob a batuta de Arlene Blum,
e Wild Women Expeditions. com 13 alpinistas e seis sherpas.

O papel do Pedro… E preparar um desafio para mulheres pode cair um pedaço de gelo ou uma pedra,
Além de preparar toda a expedição e logís- nos sete cumes. Há muito poucas, por- ou o que nós chamamos um grande “sérac”,
tica e desenvolver todo o plano e projeto, tuguesas só uma. que é uma parede de gelo suspensa, podia
também guio pessoas na alta montanha e Há a Ema Dantas, que vive no Canadá, no ser trágico. Em ambiente de alta montanha,
dou formação de alpinismo. Evereste, onde está a fazer o trekking para o temos que fazer as coisas com rapidez e se-
campo base. Se isso fosse proporcionado se- gurança. Não podemos estar muito tempo
E já faz alpinismo há muito tempo? ria excelente organizar. debaixo desse tipo de sítios. Houve situa-
Há muitos anos, há mais de 20. ções em que ficaram lá duas, três horas à es-
O que lhe sugerem as imagens já famo- pera para passar, a colocar-se em risco du-
De onde lhe veio a paixão? sas de engarrafamentos no Evereste? rante imenso tempo. E com guias, o que é
Comecei com oito anos, no agrupamento Gente a mais, impacto ambiental e coisas pior, porque se colocam nessas situações
de escuteiros do Bonfim (Porto), com muito descontroladas, porque é muito di- para ganhar dinheiro.
trekkings e caminhadas. Depois, aos 12 fícil naquele tipo de condições de alta mon-
anos comecei a escalar e aos 18 fiz um cur- tanha controlar, fazer a melhor prevenção Não tem medo de contribuir para esse
so de iniciação ao alpinismo. Há 15 anos sou e atuação perante aquela imensidão de pes- tipo de imagens?
completamente profissional. soas. Economicamente, é muito vantajoso Não, porque levo o mínimo de pessoas possível,
para o país, os permits são muito caros e tento ter o mínimo de impacto possível na Na-
Que maravilha de vida… sobrevive à custa disso. E as pessoas que tureza, é uma das maiores preocupações que te-
(risos) Toda a gente diz isso. Mas é muita morreram perderam a vida por coisas que nho. Normalmente, procuro destinos não mui-
responsabilidade. nem sequer decorreram do risco da própria to comerciais. Só trabalho dessa forma.
montanha, foi tudo por paragens cardior-
Já fez os “sete cumes”? respiratórias, cansaço, falta de preparação… Então não vai fechar os sete cumes, não
Já fiz alguns, mas o Evereste não, nem o Mon- Agora, estarem 600 pessoas naquele tipo de pode ir ao Evereste…
te Vinson (Antártica). ambiente, em que a qualquer momento Não vou ao Evereste. Z

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 89


R OT E I R O A LTO M I N H O

COM O APOIO
DA REVISTA

PONTE
DE LIMA
OS ENCANTOS
DA MARGEM
NORTE

A vila mais antiga de Portugal também encanta para


lá da ponte de pedra que lhe deu o nome e o postal.
Descobre-se aí um lado rural e bucólico, atrás
da cortina urbana que é a zona ribeirinha. Serras,
rios, ribeiras e lagoas, caminhos que passam
por entre elas, mesas de sarrabulho e não só,
e lugares de repouso e de cultura. De tudo isto
e muito mais é feita a parte norte do concelho,
plantada na margem direita do Lima.
T E X T O S ANA COSTA
F O T O G R A F I A S RUI MANUEL FONSECA/GLOBAL IMAGENS

90 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Um piquenique
na Ponta de
S. Lourenço

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 91


R OT E I R O A LTO M I N H O

CERQUIDO VILLAGE & SPA

CERQUIDO VILLAGE & SPA

O
DA SERRA Sol nasce primeiro aqui. Entra pela jane-
la para nos dar um beijo de bom dia e ilu-

ÀS LAGOAS mina a paisagem que dali se abre, em jei-


to de convite. A aldeia do Cerquido,
plantada na encosta da Serra d´Arga, é n
O jacuzzi com sistema
tudo o que se espera de um refúgio montanhês, onde va- de cromoterapia
mos para recarregar baterias e abrandar. Foi com isso em é uma das mais-valias
do alojamento que
mente que Filipe Pimenta criou o CERQUIDO VILLAGE enriquece a aldeia
& SPA, alojamento que veio revitalizar a aldeia com uma do Cerquido
série de casas em pedra e bungalows virados para um
postal de ondas verdes e decorados com peças de arte-
sãos da região. Em 2019, o projeto cresceu e ganhou mais
quatro unidades e uma piscina infinita debruçada sobre
o vale, que se avista durante a subida e faz crescer a ân-
sia de lá chegar. Ao lado descansa uma rulote de trans-
porte de cavalos – Filipe também é responsável pelo Cen-
tro Equestre do Vale do Lima –, que no verão se transfor-
ma em bar de apoio aos vários núcleos de espreguiçadei-
ras dispersos pelo relvado. Um jacuzzi com sistema de
cromoterapia, refeições com assinatura do chef Luís Lima
e um cesto de pequeno-almoço divinal e estamos pre-
parados para um dia de passeio na montanha.
A Serra d’Arga é para se descobrir com tempo, a pé ou
de bicicleta, por caminhos que nos levam ao alto dos mon-
tes, ao antigo quartel de Santa Justa, ou pelos passos do
lobo. Também ali tem início a Grande Rota da Montanha,
um percurso com mais de 37 quilómetros que atravessa
todo o norte limiano, passando pelas aldeias de Estorãos,
Cabração, Labruja, Rendufe, Labrujó e Vilar do Monte.

92 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Descendo a encosta, a paisagem serrana dissolve-se na
QUINTA DE PENTIEIROS
pintura rural da aldeia de Estorãos, embalada pelo som da
água cristalina do rio de mesmo nome, cavalgado por uma
pitoresca ponte romana, que se junta, na outra margem,
a um antigo moinho, numa imagem digna de conto.
Ainda com vista para esse postal, petisque-se uns ca-
racóis no café Beira Rio antes de seguir caminho. No en-
calço do rio, a paragem que se segue é um dos maiores
cartões de visita do concelho: as LAGOAS DE BERTIAN-
DOS E SÃO PEDRO D’ARCOS. Esta área protegida com
mais de 300 hectares guarda uma biodiversidade incrí-
vel que o silêncio torna ainda mais percetível, ecoando uma
complexa sinfonia de aves e anfíbios pelos bosques, pasta-
gens e lagoas alimentadas pelo rio Estorãos.
A beleza deste tesouro natural pode ser descoberta li-
vremente, mas, se quiser saber exatamente ao que vai, o
ideal é começar com uma visita ao Centro de Interpreta-
ção Ambiental, na lagoa de São Pedro d’Arcos. Daí, é es-
colher o trilho e meter pés ao caminho, por passadiços
de madeira sobre águas paradas, túneis de vegetação cer- 3
A Quinta de
rada, ou descampados. Pelo meio haverá torres e abrigos Pentieiros é uma boa
de madeira para observar a vida das lagoas e da flora au- base de partida para
a exploração das
tóctone de carvalho, castanheiro e salgueiro que serve de Lagoas de Bertiandos
habitat à fauna cantante. É difícil deixar este paraíso. e São Pedro d’Arcos

Ouvir o silêncio
das lagoas
é participar
na sinfonia
da Natureza

LAGOAS DE BERTIANDOS
E SÃO PEDRO D’ARCOS

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 93


R OT E I R O A LTO M I N H O

NO CAMINHO
DE SANTIAGO
Diz-se que o troço da serra da Labruja é a etapa mais can-
sativa do percurso até Compostela, mormente para quem
vai a pedalar, porque ali tem de carregar a bicicleta às
costas. Por alguma razão há tantos peregrinos a descan-
sar nas esplanadas da freguesia da Labruja e conchas a QUINTA DA ENXURREIRA
indicar o caminho. A meia encosta, a Cruz dos France-
ses assinala o local onde a população emboscou os sol-
dados de Napoleão na invasão de 1809 – e assegura que J
o mais difícil está cumprido. XURREIRA. Acabou de inaugurar, resultado do restauro Uma casa antiga
e a sua adega
Para quem não está só de passagem e tem tempo para a de uma casa rural e de uma adega da década de 1930, re- reerguidas das cinzas
descoberta, há nas redondezas o santuário do Senhor do cuperados das ruínas e decorados por dois casais amigos. transformaram-se
num paraíso com
Socorro e bons petiscos no Café-Restaurante, há a água ir- A casa principal tem agora três suítes e capacidade para vista para o vale
requieta do Rio Labruja e das ribeiras que a ele vão dar e há acolher até oito pessoas e a adega foi transformada num
os muitos moinhos das suas margens. estúdio T0, ambos com acesso a uma zona de refeições ex-
Apertando o calor e a vontade de dar uns mergulhos, terior, com churrasco, alpendre e uma piscina infinita.
trocam-se as águas do Labruja pelas do rio Mestre, que
vai alimentar o sossegado POÇO DO PÉ NEGRO, uma MESAS FAMILIARES E VINHO VERDE
piscina natural abraçada por vegetação, de fácil acesso e Daqui, o caminho segue grosso modo o rio Labruja até
pouca profundidade, ideal para um banho refrescante. este desaguar no Lima, podendo fazer um pequeno des-
Para encontrar lugar de estada também não é preciso ir vio por Calheiros, para conhecer o palacete de finais do
muito longe: debruçada sobre a paisagem do vale e com o séc. XVII, as vinhas e os jardins do Paço de Calheiro, que so-
caminho a passar mesmo ao lado está a QUINTA DA EN- bressai na paisagem com o seu ar nobre e na rota dos Vinhos

POÇO DO PÉ DO NEGRO

94 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


SANTUÁRIO DO SENHOR TERRA DO EIDO
DO SOCORRO

TERRA DO EIDO

Em Brandara
e Arcozelo
somos
surpreendidos
por cozinha
de excelência

Verdes com o seu néctar de vinhas com mais de cem anos.


Na freguesia seguinte, Brandara, encontra-se uma
inesperada casa de petiscos com tudo para se tornar des-
tino. A TABERNA TERRA DO EIDO “é um espaço para
amigos e famílias”, anuncia Lúcia Vaz, que se juntou ao LABRUJA A COZINHA VELHA
marido, Jorge Fernandes, chef de cozinha há mais de 20
anos, para abrir o negócio na antiga casa de família.
A primeira surpresa, ao entrar ali, é a seleção de cerve- J
jas internacionais, em garrafa e à pressão, que se junta A Taberna Terra do Eido e estrada, com um fresco alpendre e uma sala acolhedora
a Cozinha Velha são duas
a uma garrafeira cuidada e casa na perfeição com o que mesas familiares que aju-
com lareira ao centro para os serões de inverno, remode-
Jorge cozinha. Além da carta fixa de petiscos, todos os dias dam a recuperar energias lada durante o confinamento. Ao fundo, exibe uma gar-
para continuar o caminho
há sugestões diferentes e um convidativo menu de almo- rafeira invejável, seleção pessoal de Carlos Gomes, ao co-
ço. O desfile de pratos exibe umas saborosas amêijoas mando da casa há quase 20 anos.
à Bulhão Pato, gambas ao alho, alheira de caça, polvo à ga- Na cozinha, quem manda é Céu. “Nós somos da zona
lega, bacalhau fresco com crosta de broa, caldo verde e do porco, mas é dos rojões e do sarrabulho, não é do lei-
por aí em diante até à sobremesa que se deve esperar com tão”, reconhece a cozinheira, que conseguiu conquistar
paciência: pão de ló húmido feito na hora. A casa con- os comensais pela evidente atenção ao detalhe. Como
quista também pela agradável esplanada com parque in- aquele colocado no creme de manteiga para o bolo de bo-
fantil na relva e pelo horário alargado ao dia todo, pois lacha, batido à mão. Resta-nos concordar.
nunca se sabe quando virá a vontade de petiscar. Da Cozinha Velha à zona ribeirinha – o nosso destino
Já a chegar ao final do caminho – o nosso, que vamos – é uma caminhada de 10 minutos que ajuda a desmoer
na direção contrária dos peregrinos –, em Arcozelo, des- a refeição. Daí, mais dois passos e estamos no tabuleiro
cobrimos outra mesa familiar que já é referência da co- de pedra sobre o Lima, onde uma escultura deseja um
zinha regional, mas também do leitão assado nada co- “bom caminho” aos que, no sentido oposto, vão agora
mum na zona. A COZINHA VELHA fica mesmo à face da pôr o pé na margem norte e iniciar a temerosa subida.

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 95


R OT E I R O A LTO M I N H O

MESA DOS QUATRO ABADES

ENTRE SOCALCOS,
ARTE E TRADIÇÕES CONVENTO DE REFÓIOS

REVIGORADAS
Antigamente, os representantes das paróquias de Calhei-
ros, Cepões, Bárrio e Vilar do Monte sentavam-se à vol-
Lagoas de Bertiandos
ta de uma mesa de granito, em quatro bancos de pedra, e São Pedro d’Arcos
para discutir os assuntos relacionados com cada uma das Centro de Interpretação
aldeias limítrofes, consultando os fiéis que se reuniam à Ambiental, Rua da Lagoa
FAZER de São Pedro d’Arcos,
volta deles. Hoje, a MESA DOS QUATRO ABADES conti- Miradouro dos Socalcos de 476, Ponte de Lima
nua no sítio, coberta de musgo, junto ao marco divisório Labrujó e Rendufe Web: lagoas.cm-pontedelima.pt
das freguesias, numa varanda debruçada para os cam- Lugar do Pereiro, Rendufe,
pos agrícolas. E a tradição ancestral – que remonta ao Ponte de Lima Museu do Brinquedo Português
Casa do Arnado, Largo da
séc. XVIII – mantém-se. Mas agora os “abades” são os Torre de Refóios Alegria, Ponte de Lima. Web:
presidentes das juntas de freguesia, que ali se reúnem Refóios do Lima, Ponte de Lima brinquedo.museuspontedelima
anualmente no terceiro domingo de junho. Web: torrederefoios.com .com Das 10 às 12h30 e das 14
É também aqui, mais precisamente no Centro de Inter- às 18 horas. Encerra à segunda-
Movimento Artístico de Refóios feira. Preço entrada: 3 euros
pretação da Mesa dos Abades, em Vilar do Monte, que Escola Básica de Nogueira,
começa a rota das Paisagens Protegidas de que falámos Refóios do Lima, Ponte de Lima Centro de Interpretação
antes e que nos leva à pequena Capela da Senhora de Fá- Web: facebook.com do Território
/movimentoartisticorefoios Parque Temático do Arnado,
tima do Monte e ao MIRADOURO DOS SOCALCOS DE
Caminho da Oliveirinha,
LABRUJÓ E RENDUFE que se abre à sua frente, a 600 me- Quinta de Pentieiros Arcozelo, Ponte de Lima
tros de altitude, sobre uma espécie de escadaria de cam- Rua de Pentieiros, 570, Das 10 às 12h30 e das 14 às 18
pos verdes incrustada no vale. Estorãos, Ponte de Lima horas. Encerra à segunda-feira.
Das 9 às 19 horas. Web: Preço entrada: 1 euro
Sobre um penedo elevado atrás da capela, um objeto centroequestrevaledolima.com
metálico em forma de pedra parece caído do céu. É uma Passeios a cavalo a partir Parque Temático do Arnado
obra do artista plástico André Banha, de onde podemos de 25 euros por pessoa Caminho da Oliveirinha,
apreciar a vista através de janelas recortadas no metal.

96 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Toda a peça é composta por módulos triangulares que,
MIRADOURO DOS SOCALCOS
combinados estrategicamente, resultam numa forma or- DE LABRUJÓ E RENDUFE
gânica que se assemelha a uma rocha pousada sobre ou-
tra. A instalação foi ali colocada no âmbito da edição de
2018 do Desencaminharte, um projeto de arte pública di-
namizado por dez municípios do Alto Minho que nos leva
a sair dos centros urbanos para conhecer a terra e as be-
líssimas paisagens naturais que esconde.
Descemos até Refóios do Lima contornando a encosta
para descobrir a maior freguesia de Ponte de Lima, de pai-
sagem dominada por campos, vinhas e construções me-
dievais.
É exemplo a imponente TORRE DE REFÓIOS, uma es-
trutura defensiva do séc. XII inserida numa quinta de tu-
rismo de habitação – atualmente na posse da Condessa
de Almada e Avranches – e com uma lenda de amores e
desamores entre um bravo cavaleiro (que terá sido o pri-
TORRE DE REFÓIOS
meiro dono da torre) e uma donzela pastora de lobos.
O MOSTEIRO DE SANTA MARIA, que é hoje Igreja Paro-
quial e alberga a Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Pedra Sobre
também foi ali implantado na Idade Média, a mando de Rocha, a obra
D. Afonso Ansemondes, o nobre cavaleiro da lenda. de André
Dar nova vida a antigos espaços foi também a premis- Banha, adorna
sa do MOVIMENTO ARTÍSTICO DE REFÓIOS, que se ins- as redondezas
talou na antiga escola primária da freguesia e é, desde da Capela da
2016, uma casa para artistas. Transformou-se num espa- Senhora
ço cultural com lugar para a pintura, a escultura e a mú- de Fátima
sica, simultaneamente ateliê comunitário, galeria de do Monte
arte, estúdio, local de ensaios e de espetáculos, que tem
trazido a Refóios artistas e músicos de várias partes do
país e do Mundo. Z

Arcozelo, Ponte de Lima Quinta da Enxurreira Cozinha Velha O Açude


Das 10 às 18 horas. Rua da Quinta, 95, Labruja, Caminho das Oliveirinhas, Centro Náutico de Ponte
Ponte de Lima Lugar de Faldejães de Lima, Ponte de Lima
Festival Internacional Web: enxurreira.pt T0 a partir de Arcozelo, Ponte de Lima Tel.: 258944158
de Jardins 70 euros; casa T3 a partir de 209 Tel.: 258749664 Web: restauranteacude.com.
Web: festivaldejardins.cm- euros (sem pequeno-almoço) Das 12 às 15 horas e das 19 Das 12 às 15 horas e das 19 às
pontedelima.pt às 23 horas. Encerra terça ao 22 horas. Encerra domingo à
Preço entrada: 1 euro Paço de Calheiros jantar e quarta-feira todo o dia. noite e segunda-feira.
Rua de Calheiros, 1174, Preço médio: 25 euros Preço médio: 20 euros
Calheiros, Ponte de Lima
Tel.: 258741672 Petiscas Orelha d’Elefante
Web: pacodecalheiros.com Largo da Alegria, Ponte Travessa de São Gonçalo,
Quarto duplo a partir de 125 de Lima Ponte de Lima
DORMIR euros (com pequeno almoço) Tel.: 964006607 Tel.: 258090809
Quinta do Ameal Das 9 às 22h30. Encerra à Web: facebook.com/
Refóios do Lima, Ponte segunda. Preço médio: 20 euros orelhadelefante.
do Lima. Web: esporao.com Das 9h30 às 18h30.
Visita com prova a partir Taberna da Porta Vermelha Encerra ao domingo.
de 25 euros por pessoa Largo da Freiria, 33, Ponte de Menu de almoço: 7,50 euros
COMER Lima Tel.: 962459230 (sopa, prato e chá)
Cerquido Village & Spa Taberna Terra do Eido Web: facebook.com/
Rua Bouça de Abade, Cerquido, Rua São Tiago de Brandara, tabernaportavermelha Das 13
Estorãos, Ponte de Lima 1043, Brandara, Ponte de Lima às 22h30. Domingo a partir das
Tel.: 924429582 Tel.: 963837830 14 horas. Encerra à terça-feira.
Web: cerquidovillage.com Web: terradoeido.pt Das 11 às Preço médio: 15 euros
Bungalows a partir de 90 euros 23 horas. Encerra à segunda-
(sem pequeno-almoço) feira. Preço médio: 15 euros

VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 97


Próxima Paragem

O POVO DANADO
PARA A FESTA
Santiago, São Vicente, São Nicolau
e Santo Antão, ou o ritmo e a felicidade de
um povo autêntico e danado para a festa.
C A R I N A S I LVA

Voe com a sua próxima “Volta ao Mundo”


até Cabo Verde, pelas mãos de Carina Silva.

98 JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T


Faça das suas viagens um statement

OFERTA
TROLL DE VIAGEM
TROLLEY
AMERI
AMERICAN TOURISTER
Mala de
d cabine turquesa
55cm
55 c/ 4 rodas
Modelo:
Model WAVETWISTER
NO VALOR DE
1109,00€

ASSINE A VOLTA AO MUNDO POR 2 ANOS


POR APENAS 120,00€ 70,00€ E RECEBA DE OFERTA
ESTE TROLLEY DE VIAGEM AMERICAN TOURISTER

OU LIGUE PARA O
ASSINE JÁ 219249999
Limitado ao stock existente

A ASSINATURA INCLUI A VERSÃO IMPRESSA E A VERSÃO DIGITAL. VALORES COM IVA INCLUÍDO. CAMPANHA VÁLIDA PARA PORTUGAL CONTINENTAL, ATÉ 31 DE JULHO DE
2021. CAMPANHA LIMITADA AO STOCK EXISTENTE E NÃO ACUMULÁVEL COM OUTRAS EM VIGOR. VALOR DA ASSINATURA NÃO REEMBOLSÁVEL. PARA MAIS INFORMAÇÕES:
ASSINATURASPAPEL.QUIOSQUEGM.PT | APOIOCLIENTE@NOTICIASDIRECT.PT | 219249999 (DIAS ÚTEIS DAS 8H00 ÀS 18H00).

Você também pode gostar