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Edição
verde
U M A AV E N T U R A N O S P I R E N É U S
A AUSTRÁLIA
QUE RENASCEU
DAS CINZAS
VIAGEM APAIXONADA POR FLORESTAS
TROPICAIS, TERRA VERMELHA
E ÁGUA TURQUESA
N.º 320 JULHO 2021
N . º 3 2 0 | J U L H O 2 0 2 1
NO MEDITERRÂNEO,
V O LTA A O M U N D O . P T
A B O R D O D O N AV I O
ANO 26, MENSAL, PVP CONTINENTE: 5€
GIGANTE QUE
RECUSA POLUIR
Julho
O N D E , C O M O, Q UA N D O E P O RQ U Ê . O Q U E T E M OS PA R A PA RT I L H A R N E STA E D I ÇÃO.
14
Travessia
Mais de 800 km em mais de
40 dias: a mágica Transpirenaica
86 52
40 80
NO RADAR
Porque dedicamos esta edição
à Natureza e à sua proteção,
procuramos propostas arrojadas
de destinos verdes. Do Ruanda
à Austrália, passando pela Noruega.
46
PARAGENS A 33 ROTAÇÕES
Quando a música é viagem...
à magia dos Andes e dos sons
que a mãe das cordilheiras inspira.
48
PELA LENTE DE
Pedro Correia, olhando o contraste 80
de cores num postal dos Açores. CRUZEIRO
Na hora das preocupações climáticas,
52
já há navios a acertar relógios.
AUSTRÁLIA
A jornalista Raquel Teixeira perdeu
86
as sandálias e encontrou o amor numa ALPINISMO
viagem de 70 mil quilómetros e muitos A Espaços Naturais criou a primeira
meses à roda do país-continente. expedição feminina ao Nepal.
Falámos com o ideólogo da aventura,
72
Pedro Guedes.
8 72
PASSAPORTE VIP
A atriz Rita Pereira garante que as
90
PLANISFÉRIO Maldivas são muito mais do que PONTE DE LIMA
um destino romântico. São um A parceria com a revista “Evasões”
Recordar a Índia e perceber
programa perfeito para amigos. leva-nos este mês por terras minhotas.
porque a pandemia se fez tragédia.
14 30
PIRENÉUS
Nuno Gomes e Ana Rolão dedicaram
mais de mês e meio à travessia
da cordilheira. De farol a farol.
30
PLANETA VERDE
O Eden Project recria florestas
e outras verdades em risco sob
bolhas perfeitas em Inglaterra.
O PRESENTE É VERDE.
O FUTURO SERÁ AZUL
H
á tanta coisa em que a estupidez humana leva a melhor que só po-
demos ficar esperançados quando constatamos que esta corren-
te verde que deixou de ser filosófica para ser científica se impôs
entre nós. O Mundo enche finalmente a boca com a sustentabili-
dade ambiental, os líderes políticos adotaram o mantra na agen-
da (na mediática e na oculta) e mesmo os ignaros começam a ficar convencidos
de que o Planeta está mais para lá do que para cá. Seja, pois, bem-vinda esta ten-
dência, fatalidade, enfim, chamemos o que quisermos à evidência de conside-
rarmos a finitude dos recursos naturais e o nosso comportamento coletivo como
elementos-chave de uma equação que ajudará a salvar a nossa existência. Aben-
çoadas, por isso, as modas que se ancoram em propósitos humanitários.
O futuro só não será verde porque é o presente que se pinta já com essas co-
res. O futuro será azul. A Terra que queremos deixar às próximas gerações terá de
continuar a girar como uma bola magnética onde a vida pulsa, a vegetação flo-
resce e a camada de ozono é preservada o mais possível. Façamos a nossa parte,
cada um de nós, com gestos simples, diários. Mas decisivos. Porque a pegada
ambiental está em tudo: no que comemos, na forma como nos lavamos, na rou-
U M A F L O R E S TA pa que vestimos. Nas rotinas que adotamos enquanto viajantes. E, nesse parti-
F U T U R I S TA N A M A I O R cular, é reconfortante perceber que nem mesmo o turismo de massas, tão ne-
E S T U FA D O M U N D O cessário à economia global e à manutenção de largos milhões de empregos, se
PA R E C E F I C Ç Ã O
pôs de parte na busca por este compromisso.
CIENTÍFICA,
M AS N ÃO É . É H OJ E . A edição da Volta ao Mundo que tem nas mãos é especial. Também nós qui-
E S TÁ A A C O N T E C E R semos assinalar a importância desta urgência ambiental. Da melhor forma que
À FRENTE DOS NOSSOS sabemos: usando a paixão dos viajantes, percorrendo geografias ricas e diversas,
O L H OS. E A I N DA B E M mostrando que é possível partir, desfrutar e guardar memórias sem atacar o am-
biente. Em comunhão com o Planeta.
Exemplos: a aventura de Raquel Teixeira pela Austrália é muito mais do que
uma viagem. É uma história de amor pela Natureza, num continente a recupe-
rar dos efeitos de uns fogos devastadores. Ao longo de cerca de um ano, percor-
reu florestas tropicais, pisou terras vermelhas e mergulhou em águas turquesas.
É um testemunho inspirador e pungente. Como inspiradora é, também, a histó-
ria de Nuno Gomes e de Ana Rolão, casal que agarrou nas mochilas e atravessou
os Pirenéus a pé, durante um mês e meio. Da terra para o mar, viajámos a bordo
de um navio gigante no Mediterrâneo que se recusa a poluir os mares. E damos
a conhecer, na nossa habitual rubrica Planeta Verde, o ambicioso projeto de flo-
restas futuristas na Cornualha, naquela que é a maior estufa do Mundo.
Parece ficção científica, mas não é. É hoje, está a acontecer à frente dos nos-
sos olhos. E ainda bem.
Depósito Legal n.º 67 247 / 94. Registado na ERC sob o n.º 118 462
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Ana Costa, Emanuel Carneiro, José Luís Peixoto,
Kátia Catulo, Nuno Cardoso, Nuno Gomes, Pedro
Emanuel Santos, Raquel Teixeira, Rute Cruz e Sara
Oliveira
A CAPA
Adelino Meireles (editor) e Pedro Tomé
EDIÇÃO E TRATAMENTO DE IMAGEM
António Santos
DATA PROTECTION OFFICER
Impressão e acabamento: Lisgráfica, S.A. – Estrada Consiglieri Pedroso, Casal de Santa Leo-
poldina, 2745-553 Barcarena. Embalagem, circulação e distribuição porta a porta: Notícias
QUATRO COISAS QUE APRENDEMOS Direct Distribuição em Portugal: Vasp
C O M E STA E D I ÇÃO
1| PIRENÉUS
AS CABANAS DE CAÇA
Cada um arranja a justificação
que merece: ali chamam-se cabanas Editor e proprietário: GLOBAL NOTÍCIAS – MEDIA GROUP, S.A.
dos maridos maltratados... Sede: Rua Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049-011 Porto. Tel.: (+351) 222 096 100 Fax: (+351) 222 096 200
Filial: Torres de Lisboa, Rua Tomás da Fonseca, Torre E, 3.º piso, 1600-209 Lisboa. Tel.: (+351) 213 187 500
2| EDEN PROJECT
O MUNDO SUSTENTÁVEL
Um projeto de salvaguarda do ambiente
Fax: (+351) 213 187 501
Matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Almada.
está a construir a primeira central de Capital social: 28.571.441,25 euros. NIPC: 502535369
energia geotérmica do Reino Unido. Conselho de Administração: Marco Galinha (Presidente), Domingos de Andrade,
Guilherme Pinheiro, António Saraiva, João Pedro Rodrigues, José Pedro Soeiro,
3| AUSTRÁLIA
A ÁRVORE DAS VERTIGENS
A Árvore Bicentenária de Dave Evans
Kevin Ho, Phillippe Yip, Rui Moura
Secretário-geral: Afonso Camões
trepa-se por degraus incertos sem arnês. Capital social: Páginas Civilizadas, Lda. - 29,75%/ KNJ Global Holdings Limited - 35,25%
José Pedro Soeiro - 24,5% / Grandes Notícias, Lda. - 10,5%
4| NEPAL
O PÃO DOS SHERPAS
Os carregadores que sobem aos cumes
atrás de alpinistas ganham em sete dias I NTERDITA A REPRODUÇÃO DE TEXTOS E IMAGENS POR QUAISQUER MEIOS .
o equivalente a dez ordenados mínimos. Tiragem deste número: 12.100
H I N D U STA N T I M E S /G E T T Y I M AG E S
AS NOTÍCIAS DA ÍNDIA
É um país onde os milhões são unidades pequenas, onde
o espaço é tão escasso que não há o do próximo, há apenas
espaço que tem de servir para todos. E, num país assim,
onde a água é ouro e as oportunidades falham, um vírus
tem tudo para vingar.
P O R IVETE CARNEIRO
É
final, muito final de noite, já mas de bairros de lata engatados uns nos ou-
quase a dobrar a data. O avião tros, de casas periclitantemente construídas
aterra na escuridão, o bruaá andar acima de andar, um mundo retorcido de
está lá em baixo, lá longe, para vida adormecida, com muitos dos moradores
lá das luzes. É Bombaim, o so- a descansar ali mesmo, na margem da estrada,
nho de uma vida, que nos es- entre a lata das casas e a dos calhambeques que
pera. Temos dormida marcada junto ao Por- passam, escassos já, o dia termina cedo nestas
tal da Índia, na marginal que nos há de aco- latitudes, quando não continua eternamente
lher daqui a umas boas dezenas de minutos. na lufa-lufa da sobrevivência.
Muitas mesmo. Por alguma razão obtusa, o ta- São quilómetros sem-fim de uma visão que
xista que escolhemos conduz-nos pelo caminho dói, milhares de pessoas adormecidas na hu-
menos óbvio. E o choque é total. Do aeroporto midade opressora, milhares de telhados de
à entrada na gigantesca urbe, é urbe na mesma, ferrugem a tombar sobre paredes de chapas,
tinham-nos avisado. Ou se ama ou se odeia. escasso para tanta alma. Conhecendo a Ín-
Ainda não consigo dizer. Porque estou sem dia – voltaria outras vezes, porque percebi
voz, enfiada no apertado táxi entre os meus cedo que, passado o choque, tudo aquilo en-
companheiros de viagem e as nossas mochi- canta, até nos cheiros que se poderiam julgar
las, garganta travada no espanto, ninguém difíceis mas que são, sobretudo, de especia-
fala, não se ouve, sequer, respiração. rias e incensos, como se a Natureza tivesse
Seria apenas o primeiro embate. Na alvora- inventado as especiarias para os países sem
da, a cidade abriu-se ao Sol, paredes de tijolo espaço –, não foram de todo estranhas as no-
de lembrança britânica, ornamentos vitoria- tícias do descontrolo da pandemia de covid-
nos um pouco por todo o lado, passeio largos -19. Porque se é difícil controlar um vírus res-
e... pessoas. Aos milhares, debaixo de outras piratório na Europa das distâncias sociais e
favelas, essas que são improvisadas nas bei- dos espaços sem fim, imagine-se na Índia so-
ras das ruas da cidade das oportunidades, de- brepovoada. Só foi bizarra a demora para se
baixo de telas e tendas, entre panelas e fo- chegar ao drama de um bicho desenfreado a
gueiras e cueiros e crianças nuas e sorrisos dizimar um povo e a criar descendência mu-
mágicos. Hoje consigo falar. E sorrio com es- tada. À falta de espaço junta-se a pobreza,
sas mulheres simples, esses homens magros junta-se o emprego miserável, junta-se um
que fugiram do campo para a selva urbana, sistema de castas que atira meio mundo para
porque, na verdade, perceberia ao longo das o desprezo, junta-se a água contaminada ou
próximas cinco semanas de Índia, o campo e a falta dela, lavar mãos transforma-se, por-
a cidade são irmanados na falta de espaço. ventura, no tratamento mais difícil de obter,
E eis-nos chegados ao tema: falta de espa- junta-se o desemprego que atira quem pro-
ço. Falta de tudo. É impossível percorrer um curou a cidade para a rua, forçando milhões
quilómetro de país sem ver gente. A pé, de de regressos para um campo quem não tem
bicicleta, a puxar carroças, com animais, nada para oferecer a um doente.
Nova Deli com crianças, com saris de cores mil, com Perguntar-se-á: mas então por que razão
sorrisos, quase sempre. E depois há aquela visitar a Índia? Porque tudo isto é ensinamen-
Bombaim segunda Índia, que são os caminhos de fer- to e porque conhecer o Mundo é conhecer
ro, onde tudo se reproduz elevado ao máxi- quem vive nele e como vive nele. E porque a
mo expoente, onde o Mundo se empurra e Índia é um sorriso maravilhoso de simplici-
toca, sem noção do espaço do próximo por- dade, daqueles que, não tendo nada para ofe-
que quando não há espaço é mesmo assim recer, entregam apenas a afabilidade e a sim-
que se sobrevive, enfiado na multidão, a ten- patia. E isso existe na Índia como em poucos
ÍNDIA tar respirar. E os caminhos de ferro são um destinos. No nosso caso, ama-se. Com todas
pouco como o sistema linfático de um país as letras e sem espaços. Z
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ATACAMA, CHILE SEMERU, INDONÉSIA
E S TA M O S C O N S I G O T O D O S O S D I A S S I GA- N OS E M :
E M V O LTA A O M U N D O . P T
A sua revista de viagens leva diariamente os leitores para destinos voltaaomundo.pt
diferentes daqueles que encontra na versão em papel. Em especial
nestes dias de liberdades ainda restringidas, com toda a atualidade revistavoltaaomundo
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de nada quando for tempo de voltar a viajar. Não deixe de adicionar
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NAMIBE, ANGOLA para surpreender e fazer companhia.
C A R TA D O L E I T O R
N
ovembro, fim de tarde, Roterdão. Ter- clinada e por isso conhecida por aqui como a
minava ali um período de 15 dias de torre de Pisa holandesa, a nederlandse pisa to-
estágio profissional muito intenso – ren (agora fiquem com este pequeno aponta-
estes holandeses não se perdem mes- mento desta língua que parece falada, como
mo em cafezinhos a meio da manhã. Havia duas dizer?, com um lápis atravessado nos dentes…).
opções: ir para o hotel, jantar tranquilamente e A Igreja Nova, a tal da torre dos 375 degraus,
aguardar o regresso a Portugal, no dia seguinte; fica em plena Praça do Mercado, com a Câmara
ou apanhar um comboio e 20 minutos depois es- Municipal na ponta oposta. Uma praça do mer-
tar numa cidade de que apenas ouvira vagamen- holandês, Delft deriva de delven, que em inglês cado sem mercado não é a mesma coisa, mas
te falar. O cansaço acumulado, a noite que co- significa delve, que o mesmo é dizer dig (cavar). foi o que vi. Ainda assim linda, na sua largueza e
meçava, o frio marítimo e a chuva intensa acon- É, no fundo, algo de comum a toda a Holanda, na coerência de linhas das casas que a rodeiam.
selhavam o hotel. Não. Comprei o guarda-chuva ou não estivéssemos nos Países Baixos, terra ga- A um canto, o único restaurante aberto que vi e
possível, que era amarelo e dizia I love Rotterdam, nha com suor e lágrimas ao mar – talvez venha onde entrei... Uma pizaria, pois claro! O que até não
e eis-me em Delft. daí, de algum sentido de respeito para com os foi mau de todo, já que a culinária holandesa não é
À chegada, logo na estação, primeira surpresa: antepassados que venceram essa batalha, a fal- propriamente a melhor do Mundo. Coerente com
um amplo hall de acesso ao exterior encimado ta de apetência dos holandeses atuais para o a sua origem italiana, a pizaria tinha numa parede
por uma abóbada imensa com o desenho de um cafezinho a meio da manhã. uma imagem de Johannes Vermeer, que por cá nas-
mapa antigo da cidade, em tons de azul e bran- Para minha infelicidade chovia em Delft mais ceu, viveu e morreu. Nas redondezas há um Cen-
co, as cores da zona. Não esqueçamos que a par ainda que em Roterdão, obrigando-me a man- tro Vermeer, com todos os quadros do pintor, ou
das túlipas, dos moinhos de vento e do pé direi- ter permanentemente aberto o guarda-chuva melhor, reproduções – os originais espalham-se por
to de Ronald Koeman, a porcelana de Delft, habi- sexy. E com isso não era fácil olhar para cima, 18 locais no Mundo, a começar pelo fabuloso “Ra-
tualmente em azul e branco, é um dos símbolos como se impõe numa cidade com duas majes- pariga com brinco de pérola”, talvez a mulher retra-
do país. Pequena curiosidade: a tradição desta tosas torres: a da Igreja Nova, com os seus mais tada mais famosa da História a seguir a Mona Lisa,
porcelana terá começado há 400 anos a partir de de cem metros de altura (e que em boa hora es- e que está no Mauritshuis, em Haia. Não confundir
cópias de porcelana chinesa. A Europa a imitar a tava fechada, pois de outro modo ter-me-ia im- com Scarlett Johansson, a atriz que andou por es-
China: a História da Humanidade tem graça… posto subir os seus 375 degraus para uma vis- tas ruas na rodagem de um filme sobre o artista e
O centro está à distância de uma pequena ca- ta imperdível, pelo menos, para as luzes da ci- no qual representou a misteriosa rapariga. Depois
minhada ao longo de um dos canais que nasce- dade, uma vez que a noite já era cerrada…); e de um jantar regado por um vinho tinto sofrível e
ram, na maioria, com a própria cidade. Aliás, em a da Igreja Velha, a olho nu manifestamente in- uma boa conversa, regressei. Agora sim, hotel. Z
PEDAL AR NA CIDADE
O
s caminhos de Berlim perten- Andar de bicicleta permite essa existência
cem às bicicletas. São as úni- harmoniosa: a simplicidade do gesto de peda-
cas que conseguem passar lar, os círculos que as pernas traçam no ar, a
por toda a parte. Numa cida- própria elegância estética desta máquina, com-
de onde se espera o tempo posta por selim, guiador, quadro, rodas susten-
que for preciso atrás de um tadas pela delicadeza reta de raios. Por outro
semáforo vermelho numa rua deserta, as bi- lado, a proporcionalidade entre esse gesto e o
cicletas permitem a si próprias uma liberda- movimento de tudo, como uma certa impres-
de diferente: tanto podem seguir na faixa que são de controlo e de justiça.
lhes é atribuída na estrada como, se houver Importa acrescentar, e não é um detalhe,
espaço e for mais conveniente, podem avan- que a primavera amenizava ainda mais tudo o
ça pelo passeio. Às vezes, em contramão. que se via ou imaginava. A luz e a temperatu-
Aluguei uma bicicleta para o dia inteiro, ra garantiam uma tranquilidade que, pareceu-
doze euros extraordinariamente bem gastos. -me, não sentia daquela forma havia muito
Todos os lugares onde queria ir ficavam a tempo. E, claro, a cidade de Berlim. Agora, na
uma distância acessível. Na cidade plana, pe- memória, tenho a impressão de que Berlim é
dalar dava uma velocidade adequada às coi- uma mistura de edifícios gigantes e árvores:
sas que passavam por mim. Por exemplo, construções sólidas, compostas por grandes
pude abrandar ao longo de um resto do muro blocos de pedra, e enormes copas de árvores,
que separou as duas partes da cidade duran- repletas de folhas verdes, viçosas, ramos atra-
te mais de quarenta anos, o oeste e o leste. vessados por raios de sol. Os edifícios, com a
A essa velocidade, nem depressa, nem de- sua monumentalidade, fazem o ciclista sen-
vagar, pude sentir a emoção de estar ali, onde tir-se ínfimo, o que não é necessariamente ne-
UMA CRÓNICA
DO ESCRITOR se viveu uma divisão marcante da história da gativo, assim recorda a humildade necessária,
JOSÉ LUÍS PEIXOTO Europa e do Mundo. em risco perante a euforia que é circular numa
cidade como esta. As árvores, com a sua amá-
vel e profunda natureza, garantem oxigénio,
simbólico e literal.
De bicicleta, passei pelas pontes que en-
tram e saem da Ilha dos Museus, pessoas dei-
tadas na relva dos parques junto ao rio Spree,
a primavera; passei por casas ocupadas, pa-
redes pintadas com palavras de ordem em
alemão, pontos desafiantes de exclamação;
passei pela sessão de fotografias de um casa-
mento; passei por centros de refugiados, as
crianças a brincarem cá fora, os adultos à ja-
nela. E cheguei a Kreuzberg, onde parei para
beber um sumo de laranja espremido à mi-
nha frente e, depois de trancar a bicicleta a
um poste, entrei em duas livrarias: uma de-
dicada exclusivamente a policiais, outra es-
pecializada em ficção científica.
E voltei à bicicleta. Nesse dia, cruzei-me com
um carteiro numa grande bicicleta de carga,
com pais em curiosas bicicletas que tinham à
frente um espaço para os filhos, que seguiam
muito direitos, a ver tudo, também com inú-
meros distribuidores de comida, a carregarem
J O S É LU Í S P E I XOTO
A bicicleta perante
a monumentalidade
dos edifícios, o ciclista
como ser ínfimo, humilde
n
Talvez a grande explicação para Berlim esteja nes-
te fabuloso jardim. Com uma área de 250 hecta-
res, o Tiergarten é o maior parque da cidade. Com
árvores que datam de quando os reis da Prússia o
usavam como terreno de caça, foi tornado públi-
co no final do século XVII. Mas as árvores não pa-
raram de crescer.
Estes são caminhos que podem ser feitos a pé,
o som dos passos na terra, mas também há mui-
ta gente a fazê-los de bicicleta, os pneus a roda-
rem nessa mesma terra. Há lagos que alimentam
plantas e que, a seu tempo, também se alimen-
tam delas. Há a Natureza profunda e absoluta.
Pode atravessar-se o Tiergarten para se che-
gar a algum lugar, as suas fronteiras não ficam
muito longe das Portas de Brandenburgo, da Pra-
ça de Potsdam ou do Bundestag, por exemplo.
Mas também se pode dar voltas sem fim no inte-
rior do Tiergarten, como fazem certas aves que,
voando entre um e outro ramo, passam ali boa
parte da sua vida.
No seu centro, precisamos de fazer um esfor-
J O S É LU Í S P E I XOTO
DE HIGER
A CREUS,
O CAMINHO DE UMA VIDA
Nuno Gomes e Ana Rolão estavam semi-parados em empregos
pouco satisfatórios e ainda menos estáveis. Agarraram no sonho
e nas mochilas e atravessaram os Pirenéus a pé. E contam-nos
como foi, para “pôr o povo a mexer”.
TEXTO IVETE CARNEIRO FOTOGRAFIA NUNO GOMES
O Vale de
Ordesa
10 km
2
ÍRUN
A partida do GR11 faz-se junto
ao farol de Higuer, no Atlântico.
Ao terceiro dia, o poiso foi em
tenda junto à cabana dos maridos
21 km maltratados, que é como quem diz,
caçadores... O cansaço ditou
o destino, com o corpo ainda
a aprender a resistir ao desafio
BERA
3
OS 820 KM QUE 18 km
LIGAM O ATLÂNTICO
AO MEDITERRÂNEO
Dormida em tenda
A aventura parte do Farol
de Higuer e termina no
de Creus, quase 50 dias depois
Trajeto principal
Trajeto alternativo
Q
uando Ana avistou o Farol de Creus, ainda a centenas
12 km
de metros do fim de uma aventura que pode ser a de
uma vida, ainda sentia o alvor de uma euforia nas en-
tranhas, a do objetivo cumprido, do desafio vencido,
da conquista final. Estava enganada. Redondamente.
“Olha, acabou… E agora?” E percebeu ali, a contem-
plar o Mediterrâneo 47 dias depois de ter virado as costas ao Atlânti- 4
co, no Farol de Higer, que o objetivo tinha ficado para trás, em cada ELIZONDO
um dos quilómetros palmilhados nos majestosos Pirenéus. O objeti-
vo fora caminhar. Ao ponto de, largado o Farol de Creus, ainda ter per-
corrido, a pé, uma meia dúzia de quilómetros até à povoação. Triste.
Ela e Nuno, o namorado que a arrastou para a Transpireneica. Hoje,
contam-nos como foi. “Para pôr o povo a mexer.”
A ideia existia, latente, no espírito de Nuno Gomes, arquiteto
transviado e líder de expedições de Natureza, e na estante lá de casa.
O guia da GR11, a Grande Rota que atravessa os Pirenéus de ponta a
ponta, jazia ali, a envelhecer incólume, havia uns anos, tingido de 18 km
uma leve esperança. Porque fazê-la exigiria tempo. Muito tempo. A
arquitetura estava numa fase intermitente, sem grandes vínculos, e
a docência de Geografia de Ana Rolão andava pelos mesmos trilhos.
Criou-se ali a oportunidade perfeita. O tempo arranjar-se-ia, à von-
tade, sem prazos. Porque esse seria um princípio de partida: não ter
pressa para cumprir o objetivo.
URKIAGA
5
VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 15
A PÉ PELA CORDILHEIRA
GR11 EM NÚMEROS
• 47 dias
• 820 quilómetros
• 40 mil metros de
desnível acumulado
Maior distância
percorrida num dia:
28 km – dia 45 (Espola -
Port de la Selva)
Maior descida:
1 200 m em 2 km – dia 17
(Refúgio Goriz - Refúgio
Piñeta)
Custo
Cerca de mil euros
por pessoa, incluindo
17,5 km comboio Lisboa-Irún,
camioneta de Creus
a Barcelona e regresso
de avião Barcelona-Lisboa
6
BURGETS 17,5 km
21 km
7
HIRRIBERRI
8
OCHAGAVIA
Z
Ao sexto dia, a tenda
ficou perto de um
bunker da Segunda
Guerra Mundial
com a data de 1940.
O amanhecer foi
mágico (em cima)
21 km
12 km
ZURIZA
15 km
10
9
ISABA
OZA
11
11 SANTA ANA
VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 17
A PÉ PELA CORDILHEIRA
baixo e constrói um mar de nuvens. Outro também se ao saber quando parar ou arriscar e continuar.” E não
porque foi onde se plantou a tenda para cantar os pa- desmoralizar quando a temperatura se faz negativa ou
rabéns a Nuno, com o bolo possível – muita da comi- a entressola da bota se quebra na aresta de uma rocha,
da era liofilizada (a “Gallina Blanca” ficou registada quando a marcação do caminho não está ali, quando o GPS
para sempre), autonomia em montanha oblige – e a tem bases erradas e a viagem se faz de mapa na mão, quan-
fome a acumular para sorver tudo o que lhes puseram do o trilho não está no mapa que se traz, quando a marca
à frente no dia seguinte e deixar outros comensais à ali é de outro percurso, que os há às dezenas nos Pirenéus.
míngua. Ou aquele, finalmente, que é uma encosta tão “Houve um dia em que, até hoje, não sabemos se montá-
medonha que desce mais de um quilómetro em altitu- mos a tenda em Espanha ou em França, dada a quantida-
de no espaço de 1 200 metros de distância e obriga a de de vezes que atravessamos a fronteira de um lado para
passar mochilas à mão. Nesse dia, os céus caíram-lhes o outro em busca do caminho certo.”
literalmente em cima. Nesse dia que é um daqueles dias Porquê contá-lo agora, volvidos uns anos – a trilha
em que a cabeça precisa mesmo de funcionar. fez-se em 2014? Porque a pandemia pôs as pessoas a des-
“Foi uma experiência sensacional, que acima de tudo cobrir o Mundo lá fora, aquele que se escreve a verde e
nos ensinou que na montanha nada é garantido, inde- se canta em riachos a correr e se sorve muitas vezes bo-
pendentemente da experiência que tenhamos. Uma quiabertos, esmagados pelo peso da “verdadeira Natu-
das certezas que trouxemos connosco poderá resumir- reza”, pelo caminho que, afinal, não procura um fim.
15 RESPOMUSO
Este foi o dia em que
tivemos que voltar para trás
por causa de muito gelo
nos pontos mais altos 22 km
CANDANCHÚ
13
20 km
22 km 14 SALLENT
12
BAÑOS 16
LIZARA PANTICOSA
12 CANFRANC-ESTACIÓN
3
Os Pirenéus selvagens
como companhia da
16.ª etapa. “Não há
pessoas nem trilhos
à vista… É isto que
é apaixonante nesta
cordilheira”
16 km
17 REFÚGIO BUJARELLO
REFÚGIO GORIZ
18 19 REFÚGIO PIÑETA
23 km 15 km
O Vale de Ordesa,
um horizonte grandioso
23 km
21 km
20
BIADÓS
PARZAN
21
22
PUENT SAN JAIME
REFÚGIO RESTANCA
Z O lago no percurso
do 24.º dia, que termi-
nou no refúgio Restan-
ca (em baixo)
13 km
REFÚGIO
25 COLOMERS
REFÚGIO
RESTANCA
24 REFÚGIO
19 km CONANGLES 18 km
12 km
REFÚGIO
AMITGES
COL ANGLIOS 23
26
10 km
J
O 25.º foi um dia puxado para evi-
tar a tempestade do dia seguinte;
deixou para trás o refúgio Colo-
mers e acabou no de Amitges
30 TAVASCAN
12 km
16 km 15 km
REFÚGIO
BAIAU
LA GUINGETA 32
28
12 km 29 31
ÁREU
11 km
REFÚGIO
ESTAON
ESPOT 27
QUARTOS ALUGADOS
12
REFÚGIO GUARDADO
5
REFÚGIO NÃO GUARDADO
2
TENDA
22
AO RELENTO
3
GARAGEM/ANEXO
2
34
ENCAMP
16 km REFÚGIO L’ILLA
35
14 km
REFÚGIO MALNIU
36
18 km
37 PUIGCERDÁ
VILLALOBENT
39 SANTUÁRIO
DE NÚRIA
21 km 19 km
38
PLANOLES
n
Ao 33.º dia atravessou-se Andorra,
ainda com muita neve e algum gelo
apesar de ser verão. “Um pé mal posto
e parávamos na água. Nada de grave,
mas dada a temperatura da água,
a experiência não iria ser agradável”
Espanhóis
às carradas
Franceses
aos montes
Alemães
muitos
Ingleses 4
J
O refúgio Baiau, ao final
do 32.º dia, aqui numa
fotografia de longa Suecos 2
exposição com rápida
passagem do casal
Holandeses 2
Australianos 2
20 km Canadianos 2
Austríacos 1
40 Portugueses...
SETCASES nem um. Estávamos lá nós!
25 km
15 km
45 STA LUCIA 20 km
16 km
LA JONGUERA 46
44
ESPOLA
LA VAJOL
18 km
18 km
43 3
Um fogão
ALBANYA improvisado por
Ana no abrigo
da Igreja de
Sta Lucia, num
dos últimos dias
28 km
47 PORT DE LA SELVA
48
17 km
CAP DE
CREUS
G U I A P R ÁT I C O
aventura ter uma omoplata cerca podíamos sempre “vestir” as mochi- nho, espuma de barba e champô) e
de dois centímetros abaixo da ou- las pelas pernas para aquecer. secando a roupa pendurada na mo-
tra. Nada que um osteopata não chila nos dias de sol. Para o final já
resolvesse numa sessão. colhíamos hortelã nos trilhos para
MATERIAL colocar nas meias ainda húmidas
• Tenda para ajudar a disfarçar o aroma de
• Calçado No caso de trekkings de autono- vários dias de uso intensivo. Funcio-
Para a realização de trekkings de mia, é aconselhável uma tenda COZINHA nava. Ou pelo menos aligeirava.
curta ou longa duração o que con- leve, resistente a ventos fortes e Investimos num cantil com filtro para
sideramos fundamental é fazer um com uma boa capacidade de im- poder beber qualquer água de qual-
bom investimento num par de boas permeabilização. E que seja autos- quer fonte. E foi decididamente um
botas semirrígidas e usá-las antes em sustentável, ou seja possa ser mon- bom investimento porque bebemos
algumas caminhadas mais leves. O tada sem recorrer a fitas esticado- muita água de proveniência duvido-
apoio que nos dão ao nível dos torno- ras, porque por vezes os locais para sa e não tivemos qualquer problema. MAPAS E GPS
zelos impede torções que poderão montar a tenda são muito exíguos Verifiquem que estão atualizados…
originar problemas graves, assim e não é possível prender fitas. A ou-
como as solas semirrígidas permitem tra característica relevante é poder
andar em arestas de rocha, suportan- ser montada sem expor o interior
do todo o nosso peso numa peque- às intempéries, ou seja, ter a capa
na parte da sola sem danificar a estru- exterior impermeável ligada ao te- ROUPA
tura do calçado, o que não é possível to interior, o que permite montar a Por pessoa levámos duas calças, PESO
com solas mais suaves e maleáveis. tenda debaixo de chuva sem mo- duas t-shirts, uma sweat, um casa- Acabámos por levar mais do que
lhar a parte de dentro. co polar (a Ana levava mais um ca- o recomendável para uma cami-
• Mochila saco de penas compressível), um nhada tão longa. As nossas mo-
Não menos importante é a mochi- • Saco-cama impermeável, três mudas de roupa chilas, já com água para o dia, pe-
la com um bom apoio lombar para As noites com bom descanso são interior e uns chinelos para banhos savam 16 kg e 13 kg, bem acima
nos distribuir o peso entre as cos- muito importantes nestes desafios. e descansar os pés das horas enfia- do recomendado. O ideal será en-
tas e a cintura e permitir que 80% Assim decidimos por sacos-cama le- dos nas botas… e chega. Foi-se la- tre 10 e 15% do peso corporal,
de toda a carga passe para as per- ves mas com temperatura de con- vando tudo com a regularidade mas nós transportávamos mais de
nas. Mesmo assim a minha mochi- forto 5 ºC. Nas noites mais frias dor- possível com sabão azul e branco 20%, o que ao longo dos dias vai
la não me impediu de no final da mimos vestidos e se fosse preciso (que também serviu de gel de ba- moendo.
EDEN
PROJECT
A floresta futurista erguida nas pedras
Numa pedreira desativada, na região inglesa da Cornualha,
nasceu um paraíso improvável, com mais de um milhão de
visitas por ano. Ciência, tecnologia e arte trabalham aqui
em simbiose para proteger as espécies ameaçadas. A maior
estufa do Mundo, em St Austell, é um conto de fadas tornado real,
demonstrando que os desafios climáticos são colossais,
mas a regeneração da Natureza é sempre possível.
TEXTOS KÁTIA CATULO
H U F TO N + C R OW
Q
décadas, já atuaram os Oasis, Amy Winehouse, Paolo Nu-
tini ou Muse. Boa parte das refeições servidas nas canti-
nas sai diretamente das hortas cultivadas no local, os plás-
ticos descartáveis estão proibidos e a água é recolhida da
chuva com dispositivos e canais eficientes.
Em 2023, espera-se mais um salto na sustentabilidade
deste projeto com a conclusão da primeira central de ener-
gia geotérmica do Reino Unido. O plano, que sofreu atra-
sos por causa da pandemia, passa por perfurar um poço
de granito com quase cinco quilómetros de profundida-
de para extrair o calor adormecido nas rochas do subso-
lo. A água fria será bombeada para o interior do furo, aque-
cida pelas altas temperaturas do núcleo da Terra, regres-
sando depois por um tubo interno para climatizar as bo-
lhas (ou biomas), os escritórios e todas as instalações do
Eden, fornecendo ainda eletricidade à rede nacional.
uantas utopias se tornaram reais a partir de meia dúzia de
rabiscos num guardanapo? Impossível dizer, mas que é um A OBRA LEVANTADA DO DILÚVIO
clássico na história de muitas quimeras saídas do papel, lá À entrada deste improvável paraíso, há uma placa de
isso é. E foi também assim que a maior estufa do Mundo, boas-vindas aos visitantes que resume em duas frases a
na região inglesa da Cornualha, começou a ganhar forma essência do Eden Project: “Somos pessoas comuns a ten-
E D E N P R OJ E C T
– uma conversa entre amigos num pub e Tim Smit empol- tar mudar o Mundo. Junte-se a nós”. Viajemos, então, ao
gado com a ideia de regenerar uma desativada pedreira de princípio desta história para entender como a mudança
argila, em St Austell, Inglaterra. Essa foi a visão de um ho- aconteceu. Corre o ano de 1998 e as obras arrancam de-
mem que, de antropólogo a arqueólogo, de compositor baixo de uma chuva torrencial que não dá tréguas duran-
a produtor de rock e de ópera, foi um pouco de tudo. Desse te os meses de outubro e novembro.
encontro com designers e arquitetos do ateliê Grimshaw Quase 45 milhões de litros de água alagam os terrenos J
nasceu o Eden Project, que completa agora 20 anos, desde ocupados pelas jazidas de argila. É preciso montar um O Eden Project foi
construído numa
que abriu oficialmente as portas, em março de 2001. sistema de drenagem 15 metros abaixo do lençol freático pedreira de argila
No meio de uma paisagem lunar coberta de poços, lama para secar os solos. Oito buldózeres movem depois 1,8 desativada, implicando
uma megaoperação
e crateras cresceu uma floresta encantada, com cerca de milhões de toneladas de terras subterrâneas para estabi- de remoção e trata-
um milhão de visitas todos os anos. Bolhas gigantes pro- lizar o chão. Segue-se a operação para levantar a estru- mento dos solos.
O desafio foi ainda
tegem ecossistemas com mais de 100 mil plantas, de cin- tura dos biomas com recurso a 370 quilómetros de an- maior porque as obras
co mil espécies, oriundas das mais variadas zonas climá- daimes – proeza com entrada direta no Livro de Recor- arrancaram debaixo de
uma chuva torrencial
ticas do Planeta. Engana-se quem julga que este paraíso des do Guinness. A armação serve de apoio aos operários que alagou os terrenos
é uma dádiva da Natureza. Ela só teve uma chance por que, pendurados como macacos em cabos, instalam as
obra e graça de um grupo de homens e mulheres com fé gigantes almofadas hexagonais.
no poder da ciência e das tecnologias para mudar o des- As bolhas surgem como a solução arquitetónica mais
tino de um lugar inóspito e condenado ao esquecimen- maleável às características do terreno, podendo acomo-
to. Eles quiseram mostrar que, com vontade e empenho, dar-se em qualquer superfície, mesmo em pisos irregu-
se consegue conquistar o (quase) impossível. Mais do que lares. São projetadas em modelos 3D no computador e
isso, quiseram “dar um sinal de que os desafios climáti- construídas com materiais sustentáveis e leves para se
cos do século XXI são colossais e exigem o melhor de cada moverem com o vento. As cúpulas estão suportadas
um”, como adverte o cofundador Tim Smit no vídeo que, numa estrutura de tubos de aço galvanizado de diferen-
no site, nos introduz ao universo do edenproject.com. tes tamanhos. E a inspiração, essa, chega da Natureza,
Os jardins do Eden não hospedam apenas a maior es- com os biomas a adotarem a forma de favos de mel e o de-
tufa do Mundo. No seu interior, com mais de 15 hectares senho do chão a copiar a configuração de girassóis.
de terrenos, há terapias de horticultura, programas de Mais de 83 mil toneladas de solo são, mais tarde, cozi-
capacitação para a população local, alimentos produzi- nhadas com resíduos, minerais e matéria orgânica das
dos e comercializados com princípios éticos, sessões de pedreiras da região. A fórmula, sulcada em parceria com
educação ambiental para milhares de crianças, forma- os investigadores da Universidade de Reading, permite
ção de professores, pós-graduações destinadas aos uni- regenerar os terrenos e abrir caminho às primeiras plan-
versitários ou festivais de música por onde, nestas duas tas – boa parte cultivada a partir de sementes em vivei-
5| CAMEFED GARDEN
deslumbrantes em pontes suspensas entre as copas das
A NÃO PERDER Mostruário das hortas e das
técnicas usadas por mulheres
BIOMA MEDITERRÂNICO
árvores, quedas de água e densas neblinas que se abrem do Zimbabué apoiadas pelo
para plantações de bananas, de café, de cajus, de cacau programa pan-africano Campaign
For Femail Education (CAMFED).
ou matagais de bambu. Feijão enriquecido com zinco,
O éden plantado na Cornualha não se esgota num úni- batata-doce com doses extras de
co ecossistema. A ideia é reproduzir grande parte da bio- vitamina A, papaias ou bananas
diversidade da Terra, com o Bioma Mediterrânico a des- são alguns alimentos cultivados.
vendar os segredos das paisagens áridas e quentes da re-
gião ou com os jardins exteriores a replicar outros habi-
tats típicos da Austrália, da Europa e das Américas. Será
A NÃO PERDER
sempre uma obra inacabada e em permanente mudan-
ça, não só pelas renovações dos ciclos de vida que se su- 1| JARDIM MEDITERRÂNICO JARDINS AO AR LIVRE
cedem a cada estação do ano, como também pelos no- Passeie pela típica paisagem
do Mediterrâneo com oliveiras,
vos projetos que vão sendo enxertados num puzzle orgâ-
vinhas e uma profusão de ervas
nico a juntar várias partes do Planeta num único lugar. aromáticas, flores e plantas que
Tudo com o tempo e o ritmo próprios da Natureza como representam 8% da biodiversidade
é o caso das primeiras 40 de 100 mudas de sequoias plan- da flora do Planeta.
tadas em 2016 na principal avenida deste complexo. Só em
2050 é que elas irão subir até aos 25 metros de altura, al-
cançando o céu e reclamando o seu estatuto de seres vivos
2| JARDINS PERFUMADOS
Inspirado nos pátios mouriscos,
mais altos do Planeta. A floresta é ainda um embrião, mas com azulejos, paredes brancas
terá o seu futuro assegurado no Eden Project, a sua primei- e vasos de terracota, o Perfume 1| EVE SCULPTURE
ra casa na Europa. Podendo viver até aos quatro mil anos, Garden reúne ervas e plantas Eve é a escultura orgânica que
a espécie está seriamente ameaçada pelos incêndios, se- como jasmim, rosas, bergamota, faz parte da exposição Mitos
lírios, frésia, lavanda ou tomilho, e Folclore. Criada pelos irmãos
cas e mudanças climáticas na costa oeste da América. que libertam aromas em constante Peter e Sue Hill, tem um rosto
Este é um mundo à parte em que a ciência, as tecnolo- mutação com as mudanças de lama e espelhos e cabelo
gias e as artes trabalham em simbiose para proteger as es- de estação. de plantas vivas. O corpo
pécies que, noutros pontos da Terra, lutam pela sobrevi- esculpido em barro está
vência. O propósito está mais do que demonstrado – sim, suportado por uma armadura
interior de aço galvanizado.
é possível ultrapassar os desafios ambientais e regenerar
a Natureza. Os tentáculos verdes do Eden Project estão
prestes a chegar, entretanto, a outros lugares ameaçados
do Planeta, mobilizando, desde 2017, parceiros para res-
taurar florestas na Costa Rica, revitalizar antigas minas na
Austrália, reabilitar pedreiras na China ou recuperar lagos
secos no Chade. O Eden Project celebra este ano duas dé-
cadas, mas o seu caminho ainda agora começou. Z
3| TAPETE DE TULIPAS
Mais de sete mil tulipas florescem
na primavera – Dream Touch, com
tons roxos, ou La Belle Époque, 2| ABELHA GIGANTE
flor rosa com pétalas castanhas, Bombus, a abelha gigante
são alguns exemplares neste do artista Robert Bradford,
corredor colorido. está à entrada dos biomas
para relembrar os visitantes
que mais de um terço dos
4| PORCOS DE CORTIÇA alimentos no Planeta dependem
Perdidos entre a vegetação dos insetos polinizadores
mediterrânica, os porcos para se reproduzirem.
esculpidos pela artista britânica
Heather Janschda surpreendem
H U F TO N + C R OW
os visitantes.
J
NOS BASTIDORES DO GREEN PROJECT O Bioma Mediterrânico
é a segunda estufa
do Eden Project e foi
Recolha de água Compostagem Energias renováveis Isolamento Plástico eliminado criado para reproduzir
O sistema de drena- aeróbica Painéis fotovoltaicos As paredes dos edifí- No recinto ou nas a biodiversidade desta
região. As paisagens
gem subterrânea Um enorme com- nos telhados do edifí- cios estão isoladas zonas de refeições são áridas e quentes,
recolhe toda a água postor, instalado cio Core – centro com jornal reciclado não há copos nem não faltando oliveiras
que chega ao local, em 2005, converte educacional –, turbina e os telhados cober- garrafas de plástico, e carvalhos centenários
usada para irrigar as cerca de 150 eólica no parque tos de vegetação, as bebidas e as co- que fazem parte de
as plantas e limpeza toneladas de resí- de estacionamento mantendo as instala- midas são servidas paisagens em Portugal,
Espanha ou Marrocos
das instalações. duos alimentares e extração de calor ções quentes no em loiça reutilizada,
A chuva que cai produzidas anual- geotérmico, a iniciar inverno e frescas as sandes e outros
sobre os biomas é mente num aditivo em 2023, são as solu- no verão. Nas cúpu- alimentos são em-
também utilizada natural e rico em ções para fornecer las dos biomas, as brulhados em papel.
para regar as plantas nitrogénio para energia aos recintos estruturas de aço Os visitantes são
das estufas, encher adubar as plantas. do Eden Project. Cal- que prendem as incentivados a trazer
a cascata e manter O processo demora deiras a gás de alta efi- almofadas hexago- o seu próprio cantil
os níveis elevados de 80 dias e atinge ciência dentro e fora nais capturam o ar ou a comprar copos
humidade no Bioma temperaturas de do recinto climatizam e atuam como uma de bambu no comér-
Floresta Tropical. 60 graus. os viveiros de plantas. manta térmica. cio local.
TERRA, PAVILHÃO DE
O pavilhão de sustentabilidade SUSTENTABILIDADE,
na Expo 2020 alimenta-se
de 1 055 painéis solares
EXPO 2020 DUBAI
Onde: Dubai, Emirados
Árabes Unidos
Parceiro: Grimshaw Architects
da Floresta de Matambú
Quanto: não divulgado
Quando: outubro de 2021
a 31 de março de 2022
EDEN PROJECT-DERRY
Onde: Derry, Londonderry, Irlanda
do Norte, Reino Unido
Parceiro: Foyle River Gardens
Quanto: 78 milhões de euros
(67 milhões de libras)
Quando: 2023
SVART | NORUEGA
Um hotel com
energia positiva
Este ambicioso projeto hoteleiro, no sopé
de um glaciar norueguês, será o primeiro hotel
no Mundo a produzir mais energia do que aquela
que consome. O objetivo é atingir a neutralidade
carbónica e o desperdício zero nos
primeiros cinco anos.
A
s primeiras imagens do Svart, para já apenas uma projeção do que
será o hotel, mostram uma estrutura circular algo futurista, com fa-
chada em vidro, instalada na base do glaciar Svartisen, o segundo
maior da Noruega. O projeto da imobiliária norueguesa Miris foi
inspirado nas tradicionais casas rorbu e nas palafitas sobre as
quais eram elevadas, pelo que a estrutura pré-fabricada irá apoiar-se em
estacas de madeira sobre a água do fiorde Holandsfjorden, com vista de
360 graus para a paisagem imaculada do Círculo Polar Ártico.
Construir um hotel numa localização tão privilegiada como esta traz res-
ponsabilidades acrescidas quanto ao impacto ambiental e essa é uma preo-
cupação central no plano. Quando abrir portas, no final de 2022, o Svart
será o primeiro hotel no Mundo a produzir mais energia do que a que gas-
ta, graças aos painéis solares que revestem o telhado – são produzidos na
Noruega com recurso a energia hídrica, o que contribui ainda mais para a
redução das emissões de CO2 – e que absorvem a abundante radiação so-
lar dos longos dias de verão do Ártico. Num prazo de cinco anos, o objeti-
vo é ser uma operação neutra em carbono e com produção zero de resíduos.
Uma peça importante para atingir esta meta é o envolvimento dos hóspe-
des, que contribuem com o seu próprio movimento para a produção de ca-
lor que vai aquecer os vários espaços do edifício.
S N Ø H E T TA P LO M P M OZ E S
A estrutura é inspirada
nas casas rorbu
e nas palafitas sobre
as quais eram elevadas
J
De caiaque pelo fiorde Mais do que um hotel ecológico, o Svart quer
ou no interior do
ser também um exemplo para futuros projetos:
glaciar, as propostas
em carteira prometem vai albergar uma incubadora de novas tecnolo-
surpreender gias e ideias aplicadas à construção sustentável
e um espaço de consciencialização, aberto à co-
munidade local tal como aos hóspedes.
A abordagem holística do hotel, que quer fun-
cionar como um organismo vivo, inclui uma forte
vertente educacional, envolvendo os visitantes nas
atividades da cozinha e da horta, como forma de
educar para a conservação e proteção dos glacia-
res, a mudança climática, a gestão de desperdício
e a preservação da Natureza em geral, mostrando
de forma interativa e prática como podem adotar
um estilo de vida mais sustentável.
Além de um centro educacional e de um labo-
ratório de design, o hotel terá também um spa
interno e externo, quatro restaurantes com um
conceito “farm to table” e um leque de ativida-
S N Ø H E T TA P LO M P M OZ E S
Web: svart.no
P R E S E R VA R
A M O N TA N H A
O
Big Sky Resort, nas Northern Rockies,
começou o ano a assinalar um consumo
energético totalmente livre de carbono.
Na verdade, já desde março do ano pas-
sado que as subidas de teleférico para o Lone Peak,
a mais de três mil metros de altitude, não contri-
buem para a emissão de CO2. A estância de esqui,
que opera em 2 300 hectares da encosta monta-
nhosa, tem adotado uma série de medidas para
diminuir a pegada ecológica, focada em atingir a
meta das zero emissões de carbono até 2030,
além de preservar o ecossistema da montanha e
do vizinho Parque Nacional de Yellowstone.
Os esforços do resort incluem o consumo de
energia proveniente de recursos renováveis, a re-
novação dos hotéis e alojamentos com soluções
mais eficientes, otimizando a atividade dos ter-
móstatos nos quartos, por exemplo, e dedicando
um dia na primavera para a limpeza da montanha.
A estância desafia ainda os visitantes a anular
a pegada carbónica da sua viagem – que pode
ser calculada no site –, apoiando a iniciativa Tra-
dewater, que procede à recolha e destruição de
gases de refrigeração.
O Big Sky é um destino de referência para os
amantes da neve, de esqui e snowboard e, no ve-
rão, de aventuras na montanha, como descidas de
zipline, caminhadas guiadas e downhill.
Web: bigskyresort.com
D. R .
KLIMAHAUS | ALEMANHA
APRENDER
SOBRE O CLIMA
N U M A V I AG E M
PELO MUNDO
S
eis villas mergulhadas na selva, com vista panorâmica para os vulcões Karisim- ra mão como vivem as populações destas cinco
bi e Bisoke, compõem este eco-resort no coração do Ruanda. As cabanas fo- zonas e, através das exposições interativas, com-
ram construídas segundo a tradição local, à base de junco, madeira, bambu e preender o complexo sistema climático da Terra.
rocha vulcânica, evocando as formas das colinas arredondadas da região e a Uma parte central da exposição foca-se nas
arquitetura do palácio real. O Bisate Lodge é um dos mais recentes alojamentos da Wil- mudanças climáticas, desde as flutuações natu-
derness Safaris e segue a mesma linha dos restantes, aliando luxuosas comodidades – rais ao longo da história da Terra até às mudan-
que aqui se traduzem, por exemplo, em lareiras em todas as suítes, tratamentos de spa ças causadas pelo Homem, mostrando o traba-
e um restaurante que funde gastronomia local com cozinha contemporânea – a uma for- lho de vários investigadores e ilustrando os des-
te vertente conservacionista, não estivesse o resort instalado num lugar muito especial. envolvimentos que devemos esperar nos próxi-
Envolto na neblina que paira sobre o maciço de Virunga, onde a renomada primato- mos anos como resultado dessas alterações.
logista Dian Fossey dedicou grande parte da sua vida a estudar e defender os gorilas-
da-montanha, o Bisate iniciou ainda antes da sua abertura, em 2017, um programa de Am Längengrad 8, Bremerhaven, Alemanha
reflorestação da selva, que incluiu a criação de um viveiro de espécies indígenas. Já Web: klimahaus-bremerhaven.de
contribuiu com mais de 30 mil árvores e permitiu o regresso de um grande número de Entrada: 14 euros
espécies animais para a área, como o macaco-dourado. Os hóspedes são também con-
vidados a participar no programa e a entranhar-se naquele território selvagem, em passeios
guiados para observar a família de gorilas que ali habita, aves ou outros animais, subidas aos
vulcões e caminhadas pela floresta ou até às aldeias próximas.
O Bisate Lodge, assim como outros da Wilderness Safaris – que há 38 anos tem alia-
do o turismo à conservação da vida selvagem com mais 40 projetos em sete países afri-
canos – é membro da Beyond Green, uma nova coleção de 27 hotéis, resorts e lodges
comprometidos com os preceitos fundamentais do turismo sustentável.
A partir de 1 400 euros por pessoa por noite (refeições e atividades incluídas)
D. R .
Web: wilderness-safaris.com
D E S C O N E C TA R N A P L A N Í C I E A U S T R A L I A N A
As cabanas do Kimo Estate, na zona rural de New South Wales, reúnem o essencial para uns dias de refúgio no interior da
Austrália. São alimentadas a energia solar e têm um deck para apreciar a planície.
A
propriedade é uma das mais antigas Três cabanas com o telhado revestido a painéis plemento às paredes envidraçadas que dei-
da região. Data de 1832 e tem a his- solares, decoração elegante e minimalista, e duas xam entrar a paisagem e ao deck de onde se
tória recheada de peripécias, com li- casas de campo oferecem o ambiente ideal para pode contemplar o campo e ouvir cacatuas.
gações à realeza francesa, políticos fugir da agitação citadina e regressar a um modo Além de aproveitar o sossego, os hóspedes
e governadores australianos, até de vida mais simples, envolvido pela Natureza. podem também fazer passeios a cavalo, visi-
chegar aos atuais proprietários da quinta, já na As cabanas foram construídas com madeiras tar os jardins e zonas de cultivo da quinta, fa-
segunda geração. David Ferguson e Emilia re- locais sustentáveis, elevadas em colinas a quiló- zer provas de produtos locais e explorar a re-
gressaram ao campo com a vontade de diversi- metros de distância umas das outras e debruça- gião com uma série de outras atividades que
ficar e desenvolver as muitas potencialidades do das sobre as planícies do rio Murrumbidgee e as o Kimo Estate propõe.
terreno com quase três mil hectares. Por isso, à grandes montanhas que o rodeiam – Kimo é o
produção de gado e ovelhas, juntaram a organi- nome aborígene para montanhas. Estão equipa- Cabanas a partir de 380 euros por noite
zação de casamentos nos cenários rústicos da das com recuperador de calor, banheira exterior (com pequeno-almoço de produtos locais)
D. R .
quinta e uma série de unidades de alojamento. aquecida a lenha e chuveiro com vista, um com- Web: kimoestate.com
Y U R I KO N A K AO/G E T T Y I M AG E S
QUANDO A MÚSICA É VIAGEM
ESTRANHAMENTE REAL
POR EMANUEL CARNEIRO
O
s Andes e a voz de Yma Sumac. Perante A bonomia das gentes peruanas resiste a con-
ambos, o raciocínio desiste e o fascínio dições sociais que, por norma, não cumprem o
instala-se. O segmento peruano da for- que os sonhos ousaram propor. Sumac não se re-
midável cordilheira sul-americana é um signou e voou para os Estados Unidos, com nome
desafio aos eletrocardiogramas, por mão novo e saudades.
do relevo propriamente dito e pela emoção de o con- Triunfaria em Hollywood, onde um alcance
templarmos e nele nos aninharmos. O canto de Zoila vocal de quatro oitavas e meia (uma cantora ex-
Augusta Emperatriz Chávarri del Castillo – uma linha cecional, de voz devidamente treinada, conse-
inteira da certidão de nascimento – tem um efeito si- gue atingir as três) a transformaram num acon-
milar, atordoando pela majestade e imponência. tecimento único.
ESTA IMAGEM
DISTÂNCIA FOCAL
15 mm
ISO
250
TEMPO DE EXPOSIÇÃO
1/3200 s
ABERTURA
f/8
PEDRO CORREIA
À ESPERA DO MOMENTO
A reportagem no terreno, o retrato genuíno do que está a acontecer e a garantia
de todos os dias serem diferentes é o que mais prende o fotojornalista
à profissão que o faz andar de câmara às costas há duas décadas.
A
fotografia “era uma paixão antiga”, nho de tudo”, de coberturas desportivas a viagens
que começou a despontar no Secun- passando por hard news. Mas é “a reportagem no
dário. “Tínhamos um professor de terreno” que mais o desafia. “Gosto de captar as
Educação Visual que nos deu uma in- emoções mais genuínas, de fotografar as pessoas e
trodução, com aulas no laboratório, e tudo o que está a acontecer naquele momento. Acho
ficou sempre aquela curiosidade e aquele gosto”, que é mais interessante viver o acontecimento, re-
conta Pedro. Quando chegou a altura de escolher o tratá-lo e transmiti-lo ao leitor. Nós somos mensa-
futuro, ainda ponderou seguir arquitetura ou design, geiros do que aconteceu e por isso procuro sempre
mas a fotografia falou mais alto. estar no sítio quando as coisas estão a acontecer e
Entrou para a Escola Superior Artística do Porto, encontrar o momento decisivo. A fotografia, pelo
em 1997, e desde logo começou a perceber uma pre- menos a de reportagem, é um bocado isso, é estar
ferência pela reportagem. “Era a área que me fasci- no sítio certo à hora certa, e é disso que eu mais gos-
nava mais. Durante o curso fomos apresentando vá- to no jornalismo.”
rios trabalhos e eu sempre optei mais pela parte da Pedro também teve que esperar pela ocasião cer-
reportagem, desde a pesca em alto-mar a retratos de ta para captar esta imagem do Farol de Gonçalo Ve-
profissão.” Daí que tenha naturalmente seguido o lho, na ilha de Santa Maria, nos Açores, um lugar
caminho do fotojornalismo, estreando-se com um que o cativou “pela calma e pela paz”. Foi uma das
estágio curricular no “Jornal de Notícias”, onde aca- primeiras reportagens que fez após o confinamen-
baria por ficar. to do início deste ano, com a revista “Evasões”.
Das duas últimas décadas, e em particular desde “Gosto muito desta fotografia porque estava um dia
a formação da Global Imagens – a partir da qual o estranho, com nuvens, e de repente abria um bo-
fotojornalista passou a colaborar com todos os títu- cadinho – aquela coisa açoriana de termos as esta-
los do grupo Global Media –, Pedro realça a varie- ções todas no mesmo dia –, e tive de esperar na-
dade de trabalhos que tem feito. “Gosto de ter to- quele sítio mágico que a luz aparecesse por um bo-
dos os dias um dia diferente e de fazer um bocadi- cadinho para conseguir a fotografia.” Z A.C. instagram.com/pedro_an_correia
CÂMARA OBJETIVA
Canon Canon RF 15-35mm
EOS R5 F2.8L IS USM
N
ada como um mapa que nos diz “mil trezentos e trinta e
nove quilómetros e depois virar à direita, Wills Terrace”,
para quebrar em pedacinhos essa ilusão que é o tempo.
É assim na Austrália, vai-se do Porto a Paris numa deci-
são de noite à volta da fogueira a olhar para a lua cheia.
Ou melhor, com a lua cheia a olhar para nós.
As malas vivem feitas na traseira da Blanchie, e, por esta
altura, já é claro como aquela água que choveu milagres
que o meu carro – também a minha casa – é parte da cons-
ciência coletiva que somos: sangra quando eu sangro e
mostra-me a estrada quando eu não a consigo ver. Às cur-
vas, a direito, para trás e para a frente, de cima para baixo.
ao travesso e do avesso. Uma perda desse tempo que não
existe, tentar controlar para onde, já que o vento sopra
sempre mais forte e resistir-lhe é resistir ao caudal do nos-
so rio, que corre livre e selvagem com os nossos espíritos.
Os sopros desse vento sopraram tão intensos que me
deixaram descalça. Despiram-me de camadas desses véus J Cangurus salto Não tardou, estávamos com o pé fora do avião que nos
acima, salto abaixo,
do condicionamento humano que carregamos quase sem em Esperance,
levou a Darwin, Northern Territory, a tentar respirar a
saber e fizeram de mim o ponto imóvel de um Mundo em Western Australia humidade e a densidade do ar quente daquela estação
rotação, o centro de uma tempestade – como Michael A. 3 Ao lado, paragem das chuvas. Fomos em carro alugado, nós e as nossas ir-
Singer diz naquele livro, “The untethered soul”, sobre os na Great Ocean Road, mãs de Bondi e de vidas sem-fim, daí até Perth, em
Victoria
espinhos no coração e a libertação de os arrancar. Western Australia, por paraísos, tempestades e céus
com mais pontos cintilantes do que negro. Uma noite,
PRIMEIRO FORAM-SE AS SANDÁLIAS em Exmouth, ficámos depois de o Sol se pôr, a pedir aos
Muitas luas, incontáveis vidas e algum tempo atrás, ia de olhos que se adaptassem à escuridão para podermos
sapatos em desmedida dedicação por Sydney: uma mão distinguir as rochas das tartarugas, arrasto atrás de ar-
no meu currículo de jornalista, cineasta e contadora de rasto fora do mar agora laranja-cor-de-rosa, em dire-
histórias; outra nos recibos, ora do Bucket List, ora do ção às dunas. É aí que põem os ovos, exatamente no
Opera Bar, a encantar-me com as pausas para almoço mesmo lugar onde há muitas luas, vidas e tempo emer-
sentada na areia de Bondi Beach, ou com o fogo de arti- giram do seu próprio ovo com centenas de irmãos e ir-
fício de Ano Novo a iluminar a Opera House. mãs. Magia, a areia que atingia a cara sempre que ela fa-
Um dia, a Rita convenceu-me da urgência de voar para zia mais um buraco, ou como adormecemos junto dela
Cairns – North Queensland – para mergulhar na Grande sob aquele céu sem lua. Uns quilómetros a sul, em Co-
Barreira de Coral e explorar Cape Tribulation. Quão fun- ral Bay, eu e a Rita mergulhámos dias a fio no recife de
do flutuámos atrás daquela tartaruga foi suficiente para Ningaloo, raias-mantas à distância de um suspiro, com
agendar em pedra o nosso certificado PADI Open Water. uma mão na mão da outra e a outra na máquina que nos
E aquela noite na floresta tropical, no parque de estacio- diz quanto oxigénio ainda vai no tanque. Era ver o pon-
namento da “praia com o melhor penhasco para o nas- teiro descer quando parámos na “cleaning station”, tal
cer do sol mas cuidado com os crocodilos não vão mui- e qual aquele filme de desenhos animados, com mais de
to perto da água” – de vidros fechados com medo de pi- 30 tubarões de boca aberta com serviço expresso para
tões –, seria uma espécie de ativação do coração. limpeza dental.
J
DE OESTE A SUL A OESTE carro alugado, lá estava a Árvore Bicentenária de Dave Do coala numa ilha
Essa estrada acordou-me. Voei de volta a Sydney, mas só Evans, que trepámos pé ante pé. Algo sobre aquela estru- à serpente na estrada,
das aranhas a outros
para passear nas Blue Mountains, em New South Wales, tura sem arnês e os degraus desnivelados falou direto ao es- rastejantes, seguimos
com a Eva e a Ana, voadas de Portugal com um pão de ló pírito livre que por esta altura já vivia bem mais além do que em comunhão com
a Natureza
de Ovar. E depois reencontrar a minha irmã, a Francis- os contornos do coração.
ca e a Nicole, voadas de Portugal, Macau e Londres, com De repente, estava outra vez em Perth, uma mão na
semanas na carteira e vontade de se fazer ao caminho. Blanchie, outra na Joce. Prego a fundo para norte, foi
Metemo-nos num Fiat Punto, rumo a Perth. como se nunca tivesse feito essa estrada que há umas luas,
Primeira paragem Jervis Bay, prego a fundo para sul. Um vidas e tempo nenhum me tinha acordado. A Blanchie
dia a nadar com focas em Narooma, outro com o pé na ilha ensinou-nos desde cedo que limites é coisa que não exis-
Raymond – a ilha dos coalas. Depois houve a ilha dos pin- te e em cada desafio está um cofre de ouro. Ela segue por
guins mais pequenos do Mundo, a ilha Philip, por esta al- terra batida como o 4x4 que não é e descobre como nin-
tura já andávamos nós no estado de Victoria. Depois a Tas- guém segredos de beleza que não cabem em palavras. E
mânia e o seu diabo que vimos na luz da noite e dos faróis, se um pneu rebenta é porque não podíamos perder aque-
20 km à hora, curva contracurva abaixo a Cradle Mountain. le nascer da Lua no Karijini National Park. Seguimos
Depois, a Great Ocean Road e os 12 Apóstolos até South Aus- como num filme, tão selvagem que quando chegámos a
tralia, para espreitar Adelaide e a Kangaroo Island. Broome tivemos de empurrá-la cidade adentro. Essa foi
Nullarbor Desert adentro, volta e meia acordadas por ca- a segunda vez que conduzi por terra vermelha em dire-
miões que parecem comboios e até lhes chamam ção ao paraíso. Broome sugou-me num vórtex onde o
roadtrains, chegámos a Esperance, Western Australia, com tempo não existe e se respira amor e liberdade. Aquelas
os olhos em perfeita sintonia para ver aquela areia branca perguntas “quem sou eu, qual o meu propósito, o que
ainda mais branca e os cangurus salto acima, salto abaixo. ando a fazer desta vida” dissolveram-se no espaço sem
Daí até estarmos num barco milhas fora na Grande Baía julgamento que criámos, eu e o meu cluster. No velho
Australiana, no oceano Índico, atrás de orcas, foi um salti- embarcadouro, quando Andrew cantou o My way, avião
nho. Prego a fundo para norte, por florestas de árvores com sobre as nossas cabeças a aterrar no aeroporto que é o co-
copas até ao céu e emus de bico feito às janelas do nosso ração da cidade – cena digna de um filme para passar no
Mergulhar no recife
de Ningaloo, em Coral
Bay, na Western
Australia, valeu-nos
um certificado PADI
G E T T Y I M AG E S /C AVA N I M AG E S R F
OCEAN COLLECTIVE MEDIA
lo parece um pickle. Este episódio passa-se em Tonga, com os meus amigos de noites na Ribeira um paraíso atrás
umas luas avante, para onde voei com a Rita para nadar do outro – como a visão que são as ilhas Whitsundays da-
com baleias e explorar a ilha no Mini Pajero do nosso cou- quela varanda no cimo da colina – sem saber onde vivia
chsurfer – que fomos a ver também é um pirata. O som essa magia que se acendia e apagava como um trovão.
daquela baleia ecoa vivo como a palpitação no meu pei- Em Sydney estava tudo igual, mas tudo diferente. Foi
to ao vê-la mesmo ali. O tempo dissolveu-se de tal for- tão óbvio. A mudança era dentro de mim. A magia estava
ma que íamos a meio da nossa piza quando percebemos dentro de mim. Cantei e dancei os meus turnos no Opera
que o nosso avião já estava mais do que aterrado em ter- Bar em estado de euforia, com a vista mais bonita para a
ras australianas. Quis o destino que reencontrássemos a Harbour Bridge. O Bailey voou para mim e foi como se en-
família mexicana para um último cruzar daquelas águas trássemos noutra dimensão. Andámos por Newtown de
com 30 metros de visibilidade e ilhas desertas. pés descalços a passear o dingo do Jamie. Entrámos em
Tinha a Blanchie à minha espera em Cairns, a Joce a ca- 2020 nas redondezas de Byron Bay, a servir abacate em to-
minho da Índia, para ser ainda mais mestre da sua mes- das as formas e feitios no Falls Festival.
tria no ioga, e o Madeiras, a Lambertini e o Miguel a ca-
minho de mim, voados de Portugal com o “Livro do De- O FOGO (FUMO) EM FILME
sassossego” e o “Alquimista” na sua língua original. Es- Por esta altura, os fogos em Victoria ardiam aquelas cha-
perei por eles na Daintree Rainforest, tinha 15 dias para mas que tingem o coração. Com a Blanchie carregada
reparar o “estrago” daquele avião “perdido”. Fui de por- com geleiras cheias de doações do Opera Bar para ajudar
ta em porta dos restaurantes de Palm Cove com o meu famílias desalojadas em Bruthen, seguimos para sul. A
currículo de empregada de mesa, barmaid e barista e aí fi- Nicole disse “não te esqueças que fazes filmes” e lá fomos
quei, uma mão a abanar cocktails verde-crocodilo, outra sem saber realmente para onde, uma mão no Bailey, ou-
n
na tenda que montei todos os dias numa praia a norte. Em Windjana Gorge tra na minha câmara.
A Costa Leste fez-se a cantar Rui Veloso e Ornatos Vio- e Tunnel Creek Uma rotação completa em torno do Sol a viajar distâncias
aprendemos que os
leta. Fomos de Cairns a Sydney como quem vai do Porto crocodilos de água e lugares mais fantásticos do que na minha mais livre
a Lisboa. Um dia a mergulhar na Grande Barreira de Co- doce são inofensivos. imaginação abriu o coração a um amor que transcende a
Este, em Willie Creek,
ral quando a noite vai cerrada e os tubarões andam à caça, é definitivamente forma. No dia em que deixámos Sydney para filmar as
outro a virar o 4x4 na ilha de areia, a Frasier Island. Segui “salgado” florestas em chamas, dei permissão ao meu espírito para
VULCÃO
60 CONCEPCION, ILHA OMETEPE, LAGO NICARÁGUA. JULHO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Em Exmouth, ficámos
depois de o Sol se pôr,
a pedir aos olhos que
se adaptassem à escu-
ridão para podermos
distinguir as rochas
das tartarugas
O descanso na East
Coast, refrescar no
Karijini National Park
e a subida aos 75 metros
da Árvore Bicentenária
de Dave Evans, em
Warren, artilhada para
a escalada no bicentená-
rio da Austrália, em 1988
DE REPENTE...
Vemos as notícias e não há espaço para esperança. Pare-
ce que tudo o que está errado é demasiado para algum
dia se transformar e é particularmente difícil respirar com
máscaras à frente da boca. Mas depois lembro-me do Karl
a falar sobre as técnicas e exercícios de respiração que
aprendeu com Wim Hof, enquanto a Olive vai de mão dada
com as meninas, e eu fico a ouvir as histórias sobre o Es-
pírito de Vrilya, uma mão no peito, outra mão na câmara.
De repente tudo se encaixa. De repente não há como não
saber que o leite daquela vaca que foi forçada a parir vai
pesar no nosso corpo. De repente parece ingénuo que nos
surpreendamos com vírus e brutalidades.
Reunida com a minha Blanchie, fui de este a oeste em
J muitas luas e vidas mas tempo quase nenhum. No Ulu-
volta. Querem partilhar os costumes e o amor pela Natu- Foram mais de 70 mil ru reencontrei a Eve, a minha “spirit mama”, como ela
quilómetros de estrada
reza – esse tal existir em sintonia com a Mama Gaia que por desertos, florestas
diz, a Chloe e a Marcia. E a Marzieh e a sua Jasmina. Essa
é abundante e glorioso. tropicais, terra vermelha bebé que segurei nos braços todas as manhãs à volta da
e águas turquesa –
Basta sentar à volta da mesma fogueira a comer o cora- a dançar o ballet da vida
fogueira do Premi, tinha ela um mês. A pureza desse
ção do dugongo que o ancião pescou, honrado e celebrado amor é transcendente. Agora ia com seis meses, e depois
por tudo o que serviu à comunidade, para sentir o corpo de meditações, portais de luz, ovnis e outras histórias
ativar. Uma fatia dessa carne vale por infinitos hambúrgue- fantásticas, foi com elas, o Matthew e o Sascha que me
res do McDonald's. E há tantas variedades de batatas e fru- fiz à outra metade do deserto, em direção a oeste.
tas tropicais que é quase humilhante perceber que nos su- No silêncio e terra batida foram-se dois pneus que re-
portamos num sistema que stressa o Planeta por motivo ne- bentaram tão explosivos quanto o meu coração quando
nhum. Dá vontade de comprar peixe na lota em vez do pei- me disse a minha irmã, na manhã seguinte, que o corpo
xe congelado que veio da Noruega. Provar o mel das abe- da minha avó tinha morrido.
lhas do vizinho e perceber que frutas são desta estação. Se
calhar até arriscamos lavar o cabelo com bicarbonato de só- ONCE UPON A DREAM
dio e óleos essenciais e ir à loja de roupa em segunda mão. Passei 2020 na estrada. Longe da minha família, longe do
É como ligar uma lanterna num quarto escuro. Lanterna meu conforto, bem além dos meus limites. A ouvir o co-
atrás de lanterna e não há espaço para a escuridão. ração, com o vento, a tentar não ter medo do medo. Ser
Foi nessa ilha que conheci a Leah e o Theo. Segui no au- um com ele. Aceitá-lo como aceito a esperança. Uma
tocarro deles para Natural Bridge, um vale nas montanhas com a minha sombra, a guiar-me para o nosso divino
da Gold Coast, e fui recebida por um espetáculo de mor- destino. Guiada de volta ao oeste, suponho que é porque
cegos que se repetia todas as noites. Dei por mim a plan- sabe a casa, com o Sol a pôr-se no mar.
tar arroz e a filmar videoclipes em tempo recorde num Em Perth virei o ano, às danças num bosque, livre.
fluxo de sincronicidades, que só magia pode explicar, com O Sascha abriu-nos as portas do santuário do Eddy e o pi-
o Ronnie – o rapper que o acaso pôs no meu caminho. So- loto para a minha série de filmes Once Upon a Dream fez-
prou-me aí um suspiro em direção ao deserto, aquele Ulu- -se numa noite de lua cheia. Depois reencontrei a Jess e o
mimo que me injetou a energia que editou aqueles video- se dois anos. Com a Josie, a Alica e uma tribo que trans-
clipes numa hora de bateria, sentada na praia nas redon- pira criatividade, energia e liberdade nos tons vibrantes
dezas de Busselton onde dormimos até o Sol nascer. Para de tempestades na estação de chuvas. Vai de roxo a laran-
sul, até Margaret River, cuidou de mim com um coração ja e rosa num céu que é mais pintura do que céu.
que é dourado como o seu cabelo. Nesta cidade remota de Western Australia não existe
Voltei ao Eddy para me despedir, a estrada a chamar por nem tempo nem caixas do correio. Há garrafas partidas na
mim. Peguei no telemóvel e o Google Maps estava aberto, rua, mas andamos descalços na mesma. Todas as quartas
com um pin point em Wedge Island. Oh, quando o Univer- vou com o Franz explorar a terra e aprender sobre plantas
so se faz claro assim. As aventuras de Wedge Island estavam nativas. Ele leva 30 anos de saber que a goma da madeira
destinadas a ser o primeiro episódio de Once Upon a Dream. de sangue (Corymbia gummifera) cura cancros e nas pa-
Os Gary's e a Tanya a cuidarem de mim naquele dia em que perbark de água salgada (Melaleuca cuticularis) há col-
o alto-mar no navio de pesca da lagosta do Steve me partiu meias e mel. Conheci-o nos mercados de sábado e a pri-
o cóccix e assegurar que as portas da casa do Stumpi, em meira história que ouvi conta como quando chegou da Ho-
Broome, estariam abertas para mim assim que aí chegasse. landa e caminhou longe para norte das rochas em Cable
Assim que aqui cheguei, o disco duro onde vivem as fil- Beach até encontrar uma árvore onde acabou a viver – em
magens de tudo o que vivi nos últimos meses e sonho silêncio – um ano. Nas minhas 30 rotações em torno do Sol,
transformar nos próximos episódios desta série não fun- foi ele quem trouxe a madeira para a fogueira. Cantámos,
ciona. Suponho que esteja a ensinar-me desapego, acei- dançámos e pescámos com o Hozaus. A terra e as histórias
tação do que é, a elevar-me para me alinhar com o meu de embalar dele são mais a norte, mas há umas semanas
maior propósito. Tudo sempre o faz. Como aqueles mecâ- construiu-nos um forno do mato nos penhascos verme-
nicos que me tentaram enganar ou todos os “não temos o lhos da nossa praia favorita e é lá que vamos cozinhar quan-
tamanho de pneus para o seu carro”, quando andava em do ele caça iguanas. Sabe a crocodilo, textura de peixe e al-
Perth a preparar a Blanchie para a estrada que se faz longa guma coisa de galinha. E mar. Sabe a mar. O mar de Broo-
até Broome, a guiar-me até ao Ken com quem cantei Hit me é turquesa e cada pôr do sol uma celebração.
the road Jack e me ofereceu dois pneus que eu não pode- n Após mais de 70 mil quilómetros de estrada por deser-
ria pagar com esta vida cigana, porque “quando nos aju- O Sol nunca pára de tos, florestas tropicais, terra vermelha e águas turquesa
brilhar e para renascer
damos uns aos outros o Mundo é um lugar melhor”. é preciso morrer. – a dançar o ballet da vida, como a marioneta dos meus
Broome. À terceira é de vez, não é o que dizem? Desfiz Uma pele atrás da sonhos mais loucos – fascina-me a cada respirar a divin-
outra, como a pitão
as malas ao fim de muitas luas, incontáveis vidas e qua- das florestas tropicais dade do que somos. Z
El Questro Road
Mossman river
NT
WA Fraser Island
Brisbane
Gold Coast
SA Stradbroke Island
Nimbin Byron Bay
NSW Tweed Heads
Natural Bridge
Wedge Island
Perth
Esperance Sydney
Blue Mountains
Busselton Adelaide
Margaret River Southern Ocean Camberra
Jervis Bay
67
G
Nascem como consequência – mas também de trigo, se for- ONDE COMER:
natural de uma forte cultura li- mos à zona norte do México –
gada à produção do milho e e recheada de ingredientes va-
tornaram-se num dos petiscos riados, conforme o gosto e a
mais conhecidos da gastrono- carteira de cada. A salsa é fun-
mia mexicana, abraçados de- damental aqui e traz a frescura
pois pelos restaurantes e ta- necessária.
querias pelo Mundo fora. Não Hoje, já se fazem tacos com
se conhece uma origem certa combinações infindáveis, até
D. R .
GAST R O N O M I A e definitiva dos tacos, o snack de peixe ou só de legumes, mas
TEXTOS NUNO CARDOSO que se elevou a estatuto de os de carne continuam a ser os CALLEJERO
realeza no campo da finger mais populares. O clássico Al PORTO
food, mas a versão mais divul- Pastor, por exemplo, bebeu in- Há um ano, o mexicano Andrés
gada de forma transversal re- fluência dos imigrantes libane- Montes quis levar os sabores da
sua infância para a Baixa da Invicta.
laciona o nascimento dos ta- ses nos mercados de rua mexi-
O Callejero tem sete tipos de tacos,
cos à comunidade de trabalha- canos durante a década de indo o destaque para o Birria de
dores nas minas de prata no 1990, e recheia-se com porco Res, recheado com guisado de
México, no século XVIII. marinado em malaguetas, cebo- vaca e especiarias, típico de
O termo “taco”, de resto, era dado la e ananás. Já os tacos Barba- Guadalajara, de onde é Andrés.
pelos mineiros aos pequenos coa, também muito populares, Rua das Oliveiras, 118, Porto
D. R .
salsa por cima. Acredita-se
de camaleónica tornaram-no
que os tacos nasceram nas UN POCO LOCO
comunidades de mineiros, no popular, em primeira mão, en-
n AV E I R O
século XVIII, e são hoje um dos tre as famílias e classe trabalha- O taco pode ter sido Abriu há dois anos, assumindo-se
ex-líbris da cozinha mexicana dora com orçamento reduzido. inventado nas minas, como o primeiro mexicano da
Na prática, trata-se de uma ro- porque taco era
e da finger food mundial. um papel a enrolar cidade dos moliceiros. Além de
dela de tortilha, feita maiorita- pólvora que ajudava tostadas, enchiladas e quesadilas,
riamente com farinha de milho a escavar a rocha o restaurante tem seis variedades
de tacos, com base no frango,
novilho, porco, camarão e polvo.
Rua Eça de Queiroz, 36, Aveiro
Tel.: 913667542
Preço: tacos desde 7,10 euros
(três unidades)
D. R .
COYO TACO
L I S B OA
No Cais do Sodré, há margaritas,
burritos e claro, dezenas de varie-
dades de tacos nesta casa nascida
há dois anos. Ao Al Pastor juntam-
se outros recheios com frango,
carne assada, pato, camarão,
robalo ou o vegetariano, à base
de cogumelos.
Rua Ribeira Nova, 36, Lisboa
Tel.: 210514531
Preço: tacos desde 8,15 euros
D. R .
(duas unidades)
R E S TA U R A N T E S
E M A LTA
Dos sabores taiwaneses e sírios que estão a dar que falar
às mesas que marcam a diferença com a sua visão eco-friendly,
sem esquecer os recém-premiados croissants nos arredores
de Paris: estas são quatro das casas que têm virado as atenções
para as suas cozinhas, Mundo fora.
D. R .
D. R .
D. R .
OS SABORES E ROSTOS
QUE MARCARAM BOURDAIN
“World travel: an irreverent guide”, o livro póstumo de Anthony Bourdain, traça
a rota dos locais, pratos e pessoas que mais marcaram o acarinhado chef, escritor
e apresentador, três anos após a sua morte. Dos desertos de Omã aos bairros
cosmopolitas de Paris, sem esquecer os pratos que provou em Lisboa e no Porto.
A
pandemia afastou a vontade de ir “para a
confusão de Nova Iorque ou de Londres,
com movimento, restaurantes e ocupa-
ção”, e desviou Rita Pereira para as Maldi-
vas. A atriz foi de férias com dois amigos, os
designers de moda Gonçalo Peixoto e Juliana Herc, para
o destino tropical no Oceano Índico preferido dos famo-
sos nos últimos meses. “Era o único disponível e seguro
nesta altura, mas foi ótimo”, mesmo já lá tendo estado.
A escolha foi definida depois de ouvir as sugestões da
agência de viagens. “A Tui sugeriu-me os hotéis, fui pes-
quisar para ver se era o que tencionava e se tinha a ver
com o que gosto. Confirmou-se que sim”, recorda Rita
Pereira. Em tempos atípicos por causa da covid, mesmo
com vários voos, garante que “a viagem foi tranquila”. mente diferentes e muito ricas em sabor, e o peixe fres-
“Houve muitos testes para fazer antes, durante e depois, co acabado de apanhar. Não comi carne em nenhum dia
portanto senti-me super segura e confortável.” De res- enquanto estive lá.”
to, não dispensou a máscara sempre que obrigatório. Rendida ao que viveu, a artista recomenda o arquipé-
Durante a estada, a estrela da TVI passou por duas ilhas: lago, notando que “que as pessoas têm de deixar de ver
Kaafu, no Atol de Malé Sul; e Maalifushi, no Atol Thaa. No as Maldivas apenas como destino romântico”. “Eu já fui
entanto, para Rita Pereira, “o gostar das Maldivas não tem mais do que uma vez e nunca com o meu namorado e
a ver com as ilhas, mas com os hotéis”. “Cada ilha é um adorei na mesma.”
hotel e o que ele nos proporciona é que faz a diferença. Acompanhada por profissionais da moda, mesmo em
Neste caso fiquei em dois hotéis da mesma rede, a COMO lazer, Rita Pereira desfilou com algumas das suas propos-
Hotels, e foram experiências diferentes, mas ambas po- tas, mas também levou vários vestidos na mala. Assim
sitivas.” Além de muitos mergulhos, praticou stand up como protetor solar. Por experiência, aconselha quem
paddle, confirmando estar em grande forma. E desfru- pondera seguir-lhe o exemplo “a não levar muita roupa,
tou de um passeio de barco até ao pôr do sol e de um pe- As Maldivas só biquínis, chinelos, um vestidinho fresco, calções e t-
têm a origem do
queno-almoço a boiar na piscina. nome no vocábulo
-shirts”. Ainda sem ideias para o verão, a atriz tirou o má-
Bom garfo, Rita aprova a gastronomia e a fusão “entre maldwipa, no ximo proveito da estadia. “Quero viajar, mas também
idioma malabar:
a comida tailandesa, indiana, chinesa”. “É mesmo deli- “mal” é “mil”
aproveitar o que Portugal tem para oferecer, pois o nos-
ciosa. Parece parvo, mas destaco as saladas, completa- e “dwipa” é “ilhas” so turismo precisa de nós.” Z
SUSTENTABILIDADE:
PARA UM ESTILO DE
VIDA MAIS CONSCIENTE
Muitas marcas de moda e beleza já trilham o caminho
da redução da pegada ambiental e estão um passo
à frente na sua jornada responsável. A sua filosofia
assenta na utilização de materiais reciclados e de fibras
naturais, na diminuição da emissão de gases poluentes,
na aposta no biodegradável, na cosmética com
fórmulas biológicas e na proteção dos habitats marinhos.
Veja sugestões a ponderar para quem procura
alternativas mais sustentáveis para o dia a dia sem
perder de vista a estética e o bom gosto.
POR RUTE CRUZ
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1 2
1
Que se trata de um jogo de voleibol
parece óbvio. O que se afigura menos
óbvio é o tamanho dos jogadores nesta
partida nos areais de Miami. O que é?
a) É uma falsa partida, desenhada na areia.
b) É um campo muito pequeno mesmo.
c) É a sombra dos jogadores projetada
no campo.
2
À primeira vista é uma tela. Só que não.
Ou é, mas feita de um material bem
3
diferente de uma tinta. Será...
a) Um campo de flores
de cores bizarras?
b) Um cemitério de bicicletas?
c) Uma obra de arte de rua?
3
Alguma luz que localize este incrível
aglomerado de edifícios?
a) Lima, Peru.
b) La Paz, Bolívia.
c) Santiago, Chile.
4
Esta espécie bovina vive nos Himalaias,
5
5
Embarcações tradicionais aguardam
SOLUÇÕES
xemira indiana. porque o alimenta com car- campas aos milhares, no zenas de milhares de bici-
2 - b) São efetivamente de-
pelos turistas que tardam nestes
gar, capital de verão da Ca- o melhor amigo do homem mas não são casas. São
ponto turístico de Srina- Tibete, onde este animal é 3 - a) Lima, capital do Peru, se agigantam.
tempos pandémicos que se arrastam, 5 - c) É o lago Dal, famoso díssimo lago de Namtso, no -deste da China. do dia em que as sombras
no lago... bém isolam muros. caso fotografado no eleva- víncia de Liaoning, no nor- Ocean Drive, a uma hora
a) Titicaca. tão dos dejetos que tam- 4 - a) É um iaque, neste reno de Shenyang, na pro- voa jogadores perto de
b) Victoria. o aquece com a combus- de Julio, no norte da cidade. nadas e recolhidas num ter- por um drone que sobre-
1 - c) É uma imagem tirada
c) Dal.
ne e leite, o veste com lã e curioso cemitério Heroes 19 cletas partilhadas abando-
M A R C O B E R TO R E L LO/A F P
QUE RECUSA
POLUIR
OS MARES
VO LTA AO M U N D O. P T JULHO 2021 81
CRUZEIRO
M A R C O B E R TO R E L LO/A F P
Q
J
uem o vê estacionado no porto de Ná- Civitavecchia é
uma das paragens
poles, imponente nos seus 337 metros desta autêntica
de comprimento e quase 20 andares cidade flutuante, alta
de quase 20 andares
em altura a dominar o porto local
como senhor absoluto da paisagem,
não imagina que ali está quem pode
vir a mudar o paradigma das embarcações de cruzei-
ros num futuro que se quer ver verde e protetor de um
ambiente sustentável. Naquelas águas do Tirreno, sul na proteção do Planeta. Sem que a oferta seja condicio-
de Itália quase anárquico de vozes altas nas esquinas e nada, sem que a mobilidade dos navios seja colocada em
gestos largos nas conversas, o navio Costa Smeralda é causa, sem que a respetiva velocidade e desempenho ge-
rei, senhor e exemplo. Maior modelo da frota da com- ral sejam afetados.
panhia italiana Costa Crociere, é um de apenas dois na- Com 182 700 toneladas de peso, o Costa Smeralda atra-
vios a nível mundial – o outro pertence à mesma empre- vessa os mares como se veludo arrastasse consigo. O GNL
sa de navegação – que, além do tradicional diesel, utili- não lhe cortou rendimento, pelo contrário. A técnica de
za como propulsor gás Natural liquefeito (GNL), consi- redução de atrito com o mar, outra das novidades, tam-
derado o mais limpo dos combustíveis fósseis. bém não. Efeitos na resolução geral do barco? Nenhuns
Essencial para a redução de gases poluentes para a at- negativos, garante quem assegura o leme principal.
mosfera, o GNL limita significativamente a emissão de “Nada muda no desempenho”, explica Francesco Serra,
partículas nocivas e de dióxido de enxofre. Permite ain- o comandante. “É seguro no comportamento e obedece
da que dióxido de carbono e óxido de nitrogénio liberta- a todos os sistemas de segurança.”
dos sejam reduzidos para níveis quase mínimos. Contri- O GNL é transportado diretamente para o Costa Sme-
bui, no fundo, para provar e acreditar que é possível à in- ralda por um outro navio que parte ora do porto de Bar-
dústria dos cruzeiros, tantas vezes criticada como pro- celona, em Espanha, ora do de La Spezia, em Itália.
vocadora de males maiores no que à destruição maríti- Quando necessário, basta abastecer e tudo fica prepara-
ma diz respeito, reverter tal paradigma e colaborar firme do para nova viagem limpa de fatores poluentes.
SAVONA
À VISTA ,
CRUZEIRO
À JANELA
O gigantesco navio
entra no porto
de Savona, perto
M A R C O B E R TO R E L LO/A F P
de Génova, e fica
à altura das
habitações
M A R C O B E R TO R E L LO/A F P
sárias. De resto, basta que nos deixemos ir porque tudo virá
ter connosco, inclusive a disponibilidade simpática das cen-
tenas de funcionários espalhados pela embarcação, sempre
prestáveis para qualquer informação prática e útil.
Para assegurar que em tempos pandémicos os passa-
geiros estão sempre seguros a bordo, são realizados tes-
tes rápidos regulares, em média de dois em dois dias, J
consoante o percurso da viagem. E diariamente é obri- vona, como a histórica Civitavecchia, porto a 50 quiló- A vida dos portos
italianos que fazem
gatória a medição da temperatura através de máquinas metros de Roma que domina uma antiga vila piscatória, parte da rota do
de última geração espalhadas por todo o navio. a confusa mas exuberante Nápoles, da piza original e da Costa Smeralda faz-se
de momentos destes,
Nos restaurantes, por exemplo, os menus abandonaram devoção ao deus humano Diego Armando Maradona, em que uma cidade
as tradicionais listas e são disponibilizados através de códi- com o Vesúvio como testemunha e as ruínas de Pompeia se nos atravessa
à janela. Em baixo,
gos QR. E os buffets perderam a filosofia habitual e são trazi- como lastro de História. as medidas de segu-
dos à mesa ao invés de serem procurados pelos passageiros. Na ilha da Sicília, chegou a Messina, cidade das jane- rança em tempos de
pandemia e a vista à
las azuis que se espalha em alto monte acima, desgre- chegada a Messina
NOVIDADES A BORDO nhada da realidade e serpenteante na forma. E na Sar-
Quarto maior cruzeiro do Mundo atualmente em ativida- denha, arribou em Cagliari, onde as influências medi-
de, o Costa Smeralda destaca-se pela introdução a bordo terrânicas se sentem nas ruas de cores várias e surpreen-
de originais novidades. Como o CoDE (Costa Design Mu- dentes, desafiadoras do sol que as embrulha em luz por
seum), que traça a história recente de facetas que conce- entre gente agitada, miscelânea de estilos de arquitetu-
deram fama global a Itália, como a moda ou indústria au- ra contraditórios que parecem fundir-se em identidade
tomóvel. Na parte gastronómica, a variedade de restau- única. Depois, La Spezia, onde o Costa Smeralda des-
rantes destaca a cozinha internacional, com direito a es- cansou rumo a novas viagens. Que não perturbaram os
paços que vão das especialidades asiáticas a exemplos úni- mares e olham pelo futuro do Planeta. Nem vão pertur-
cos de cardápios gravados com exclusiva estrela Michelin. bar, graças ao GNL. Z
Muito para explorar numa rota em que o Costa Smeral-
da tocou a costa ocidental italiana em pontos como Sa- A “Volta ao Mundo” viajou a convite da Costa Cruzeiros
P E D R O E M A N U E L SA N TO S
M A R C O B E R TO R E L LO/A F P
D. R .
Alpinismo feminino
no Nepal
Primeira expedição portuguesa só para mulheres está a ser
organizada pela Espaços Naturais. Falámos com o ideólogo.
TEXTO IVETE CARNEIRO
D
e onde surgiu a ideia de uma blema ali é que temos muitos requisitos. E um
expedição totalmente femi- deles é já terem alguns conhecimentos e al-
nina aos Himalaias? guma experiência para uma expedição deste
A ideia vinha de há muitos tipo. Todas as pessoas que nos contactaram foi
anos. Eu achava que seria inte- para começar a fazer alpinismo. Estamos a es-
ressante fazer uma expedição só de mulheres truturar algumas coisas nesse sentido de dar
porque era algo que nunca tinha sido feito. formação, de levar as pessoas a realizar pri-
Foi por aí, por ser uma coisa inédita no alpi- meiro coisas mais pequenas, para depois en-
nismo em Portugal. Entretanto, em dezem- tão ir à expedição.
bro, quando me perguntaram por que razão
não tinha mulheres na equipa da Espaços Na- Pode então acabar por ter pouca gente…
turais, desenvolvi muito mais a ideia, porque Pode, mas também é uma expedição para
só tinha efetivamente homens. Hoje somos pouca gente, entre quatro a seis participan-
dez com a Paula (Ferreira). E decidi organizar tes, porque é uma zona remota, porque é um
algo, porque seria bom para estimular a que cume de 6 500 metros…
mais mulheres fizessem alpinismo.
E é obrigatório já ter feito escalada?
E porquê só mulheres? Porque não mista? É obrigatório ter alguns conhecimentos pré-
Mista já há. Eu organizo muitas. A ideia se- vios, mínimos, do próprio alpinismo, mas o
ria puxar mais mulheres, ter mais visibilida- objetivo até lá é dar formação e fazer com que
de e, como disse, por ser inédito. Nunca foi essas pessoas tenham as competências ne-
organizada uma expedição totalmente femi- cessárias para participar.
nina em Portugal. Pedro Guedes
E é fácil fazer isso em Portugal? Não há ALPINISTA/ESPAÇOS NATURAIS
Há muitas alpinistas em Portugal? nada que replique as condições dos Hi-
Não há muitas. Eu tenho dado formação a mui- malaias… De escuteiro passou ao alpinismo,
tas mulheres e tenho guiado muitas mulheres Não. Em Portugal não conseguimos fazer al- cresceu, fez-se profissional das
montanhas. De quase todas.
no alpinismo e realmente elas estão cada vez pinismo, a não ser na Serra da Estrela. Encanta-se sempre com os Alpes,
mais a entrar na modalidade, mas quando se mas deixou o coração no glaciar do
pára para pensar quais são as mulheres com Falava na formação. sul patagónico. De tal maneira que
se fez guia de expedições e levou lá
competências para ser guias, aí já não há mui- Ah. Formação com condições de neve, vai
outros como ele. Ali e a montanhas
tas. A Paula já está há muitos anos no alpinis- ter que ser em Espanha, no norte ou no ma- acima dos 6 500 metros no Nepal,
mo e eu tinha muito poucas opções. ciço central, na zona de Gredos, para que haja ou mesmo dos sete mil metros,
condições semelhantes. Em Portugal não como o Aconcágua na Argentina e
o Lenine no Quirguistão.
O programa foi lançado em março, conseguimos. Há outras pequenas coisas que
“Das coisas que mais me orgulho
no Dia da Mulher. Já tem interessadas? conseguimos fazer aqui, formações mais téc- foi ter proporcionado cumes
Tivemos muitos contactos. O pequeno pro- nicas como segurança com cordas, materiais, a mais de 1 200 pessoas.”
O papel do Pedro… E preparar um desafio para mulheres pode cair um pedaço de gelo ou uma pedra,
Além de preparar toda a expedição e logís- nos sete cumes. Há muito poucas, por- ou o que nós chamamos um grande “sérac”,
tica e desenvolver todo o plano e projeto, tuguesas só uma. que é uma parede de gelo suspensa, podia
também guio pessoas na alta montanha e Há a Ema Dantas, que vive no Canadá, no ser trágico. Em ambiente de alta montanha,
dou formação de alpinismo. Evereste, onde está a fazer o trekking para o temos que fazer as coisas com rapidez e se-
campo base. Se isso fosse proporcionado se- gurança. Não podemos estar muito tempo
E já faz alpinismo há muito tempo? ria excelente organizar. debaixo desse tipo de sítios. Houve situa-
Há muitos anos, há mais de 20. ções em que ficaram lá duas, três horas à es-
O que lhe sugerem as imagens já famo- pera para passar, a colocar-se em risco du-
De onde lhe veio a paixão? sas de engarrafamentos no Evereste? rante imenso tempo. E com guias, o que é
Comecei com oito anos, no agrupamento Gente a mais, impacto ambiental e coisas pior, porque se colocam nessas situações
de escuteiros do Bonfim (Porto), com muito descontroladas, porque é muito di- para ganhar dinheiro.
trekkings e caminhadas. Depois, aos 12 fícil naquele tipo de condições de alta mon-
anos comecei a escalar e aos 18 fiz um cur- tanha controlar, fazer a melhor prevenção Não tem medo de contribuir para esse
so de iniciação ao alpinismo. Há 15 anos sou e atuação perante aquela imensidão de pes- tipo de imagens?
completamente profissional. soas. Economicamente, é muito vantajoso Não, porque levo o mínimo de pessoas possível,
para o país, os permits são muito caros e tento ter o mínimo de impacto possível na Na-
Que maravilha de vida… sobrevive à custa disso. E as pessoas que tureza, é uma das maiores preocupações que te-
(risos) Toda a gente diz isso. Mas é muita morreram perderam a vida por coisas que nho. Normalmente, procuro destinos não mui-
responsabilidade. nem sequer decorreram do risco da própria to comerciais. Só trabalho dessa forma.
montanha, foi tudo por paragens cardior-
Já fez os “sete cumes”? respiratórias, cansaço, falta de preparação… Então não vai fechar os sete cumes, não
Já fiz alguns, mas o Evereste não, nem o Mon- Agora, estarem 600 pessoas naquele tipo de pode ir ao Evereste…
te Vinson (Antártica). ambiente, em que a qualquer momento Não vou ao Evereste. Z
COM O APOIO
DA REVISTA
PONTE
DE LIMA
OS ENCANTOS
DA MARGEM
NORTE
O
DA SERRA Sol nasce primeiro aqui. Entra pela jane-
la para nos dar um beijo de bom dia e ilu-
Ouvir o silêncio
das lagoas
é participar
na sinfonia
da Natureza
LAGOAS DE BERTIANDOS
E SÃO PEDRO D’ARCOS
NO CAMINHO
DE SANTIAGO
Diz-se que o troço da serra da Labruja é a etapa mais can-
sativa do percurso até Compostela, mormente para quem
vai a pedalar, porque ali tem de carregar a bicicleta às
costas. Por alguma razão há tantos peregrinos a descan-
sar nas esplanadas da freguesia da Labruja e conchas a QUINTA DA ENXURREIRA
indicar o caminho. A meia encosta, a Cruz dos France-
ses assinala o local onde a população emboscou os sol-
dados de Napoleão na invasão de 1809 – e assegura que J
o mais difícil está cumprido. XURREIRA. Acabou de inaugurar, resultado do restauro Uma casa antiga
e a sua adega
Para quem não está só de passagem e tem tempo para a de uma casa rural e de uma adega da década de 1930, re- reerguidas das cinzas
descoberta, há nas redondezas o santuário do Senhor do cuperados das ruínas e decorados por dois casais amigos. transformaram-se
num paraíso com
Socorro e bons petiscos no Café-Restaurante, há a água ir- A casa principal tem agora três suítes e capacidade para vista para o vale
requieta do Rio Labruja e das ribeiras que a ele vão dar e há acolher até oito pessoas e a adega foi transformada num
os muitos moinhos das suas margens. estúdio T0, ambos com acesso a uma zona de refeições ex-
Apertando o calor e a vontade de dar uns mergulhos, terior, com churrasco, alpendre e uma piscina infinita.
trocam-se as águas do Labruja pelas do rio Mestre, que
vai alimentar o sossegado POÇO DO PÉ NEGRO, uma MESAS FAMILIARES E VINHO VERDE
piscina natural abraçada por vegetação, de fácil acesso e Daqui, o caminho segue grosso modo o rio Labruja até
pouca profundidade, ideal para um banho refrescante. este desaguar no Lima, podendo fazer um pequeno des-
Para encontrar lugar de estada também não é preciso ir vio por Calheiros, para conhecer o palacete de finais do
muito longe: debruçada sobre a paisagem do vale e com o séc. XVII, as vinhas e os jardins do Paço de Calheiro, que so-
caminho a passar mesmo ao lado está a QUINTA DA EN- bressai na paisagem com o seu ar nobre e na rota dos Vinhos
POÇO DO PÉ DO NEGRO
TERRA DO EIDO
Em Brandara
e Arcozelo
somos
surpreendidos
por cozinha
de excelência
ENTRE SOCALCOS,
ARTE E TRADIÇÕES CONVENTO DE REFÓIOS
REVIGORADAS
Antigamente, os representantes das paróquias de Calhei-
ros, Cepões, Bárrio e Vilar do Monte sentavam-se à vol-
Lagoas de Bertiandos
ta de uma mesa de granito, em quatro bancos de pedra, e São Pedro d’Arcos
para discutir os assuntos relacionados com cada uma das Centro de Interpretação
aldeias limítrofes, consultando os fiéis que se reuniam à Ambiental, Rua da Lagoa
FAZER de São Pedro d’Arcos,
volta deles. Hoje, a MESA DOS QUATRO ABADES conti- Miradouro dos Socalcos de 476, Ponte de Lima
nua no sítio, coberta de musgo, junto ao marco divisório Labrujó e Rendufe Web: lagoas.cm-pontedelima.pt
das freguesias, numa varanda debruçada para os cam- Lugar do Pereiro, Rendufe,
pos agrícolas. E a tradição ancestral – que remonta ao Ponte de Lima Museu do Brinquedo Português
Casa do Arnado, Largo da
séc. XVIII – mantém-se. Mas agora os “abades” são os Torre de Refóios Alegria, Ponte de Lima. Web:
presidentes das juntas de freguesia, que ali se reúnem Refóios do Lima, Ponte de Lima brinquedo.museuspontedelima
anualmente no terceiro domingo de junho. Web: torrederefoios.com .com Das 10 às 12h30 e das 14
É também aqui, mais precisamente no Centro de Inter- às 18 horas. Encerra à segunda-
Movimento Artístico de Refóios feira. Preço entrada: 3 euros
pretação da Mesa dos Abades, em Vilar do Monte, que Escola Básica de Nogueira,
começa a rota das Paisagens Protegidas de que falámos Refóios do Lima, Ponte de Lima Centro de Interpretação
antes e que nos leva à pequena Capela da Senhora de Fá- Web: facebook.com do Território
/movimentoartisticorefoios Parque Temático do Arnado,
tima do Monte e ao MIRADOURO DOS SOCALCOS DE
Caminho da Oliveirinha,
LABRUJÓ E RENDUFE que se abre à sua frente, a 600 me- Quinta de Pentieiros Arcozelo, Ponte de Lima
tros de altitude, sobre uma espécie de escadaria de cam- Rua de Pentieiros, 570, Das 10 às 12h30 e das 14 às 18
pos verdes incrustada no vale. Estorãos, Ponte de Lima horas. Encerra à segunda-feira.
Das 9 às 19 horas. Web: Preço entrada: 1 euro
Sobre um penedo elevado atrás da capela, um objeto centroequestrevaledolima.com
metálico em forma de pedra parece caído do céu. É uma Passeios a cavalo a partir Parque Temático do Arnado
obra do artista plástico André Banha, de onde podemos de 25 euros por pessoa Caminho da Oliveirinha,
apreciar a vista através de janelas recortadas no metal.
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