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Nota A na classificação
geral
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NOVEMBRO 2017 • ANO 18 • NQ. 212 • REVISTA OFICIAL DA NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY
SEÇÕES REPORTAGENS
NA TELA
VISÕES
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INSTINTO SELVAGEM
EXPLORE
Sustentabilidade:
kelp; Paris; Nigéria;
morangos; flores
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NATIONAL
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Acreditamos no poder da ciência, da exploração e da reportagem para mudar o mundo.
NATIOIUI. GIOM.APHIC aoanv
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1 DO EDITOR DUBAI
LUCA LOCATELU
fa� Multiplan
O cuidado de hoie
é a diferenca no amanhã.
A cada oportunidade buscamos uma nova chance de cuidar dos detalhes, usando tecnologia em
benefício a natureza: cobertura verde, sistema de reúso de água da chuva, escadas rolantes com
sistema de redução de velocidade, valorização da luz natural através de vidros low-e, economia de
água e energia e muito mais. Afinal, o amanhã se faz agora.
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PROMOCIONAL
O COMEÇO
DO BRASIL
Fotógrafo da National
Geographic vai a
Minas Gerais para
explorar as terras
onde foi encontrado
o mais antigo fóssil
humano do país
O homem pré-histórico preparava tintas com cinzas, de uma picape forte e tecnológica capaz de suportar
terra e argila. Passava a noite ao redor da fogueira de os desafios do caminho. Assim, a Nissan Frontier que o
senhando figuras emblemáticas da natureza e fatos conduziu "foi uma ferramenta de trabalho importante",
impactantes do seu cotidiano, uma luta constante pela conta Edson, experiente guia de montanha que superou
sobrevivência. Não é diferente do que nós fazemos hoje terrenos acidentados rumo a cenários para trilhas e
por meio de smartphones que captam instantes mágicos escaladas, por exemplo, no Parque Nacional da Serra
de nossas vidas - e que compartilhamos em redes sociais do Cipó. Sua viagem começou na Gruta da Lapinha, em
como o Facebook ou o lnstagram. Lagoa Santa, onde foi descoberto o crânio de Luzia, nome
Registrar a passagem da vida é uma característica dado ao fóssil humano mais antigo já encontrado no país.
humana ancestral. O homem precisa e gosta de contar A jornada de Edson Vandeira está no documentário
histórias. Com a ideia de buscar um novo olhar sobre l=ronteiras do Olhar, que estreia em novembro no canal
o passado, o fotógrafo Edson Vandeira, da National National Geographic. Com espírito de aventura, Edson
Geographic, partiu rumo a uma das mais ricas áreas resgata o homem pré-histórico do Brasil, conectando pas
arqueológicas do Brasil, no coração de Minas Gerais. sado e presente através da mesma busca pelo momento
Para alcançar trechos remotos, ele sabia da necessidade perfeito - seja em pinturas na pedra, seja em fotos digitais.
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no site da revista. E, no final de cada
mês, duas fotos escolhidas pelos
editores serão publicadas nesta página.
NClMMAPS DAGUESTÃO
EXPLORE I SUSTENTABILIDADE
XIXI COM
MAIS GLAMOUR
Por Daniel Stone
FALTAZI
PLANTANDO A PAZ americano de origem nigeriana. Masha Lavradores nigerianos
dirige o projeto Babban Gona ("Grande colhem tomates cultivados
com a ajuda da iniciativa
Por Nina Strochlic Fazenda"), cuja missão é possibilitar que Babban Gona A maioria
pequenos agricultores jovens deixem dos nigerianos tem menos
O país mais populoso da África não tem o nível de subsistência com a ajuda de de 24 anos, ao passo
como alimentar os seus habitantes. Em métodos para aumentar a produtivi que a idade médía dos
agricultores é superior
bora com mais de 35 milhões de hectares dade e o acesso a mercados que pagam a 50. O objetivo de Kola
de terras cultiváveis, a Nigéria depende melhor. O investimento na agricultura Masha, o criador do
da importação de comida. Enquanto isso, é a forma de ajuda externa mais eficaz projeto, é alcançar 1 milhão
de pequenos produtores
mais de 2 milhões de nigerianos chegam para a redução de conflitos armados. rurais até 2025 - e, com
ao mercado de trabalho a cada ano, tendo Iniciativas similares estão surgindo isso, reduzir os conflitos
de enfrentar uma taxa de desemprego de em todo o continente. "A Nigéria é pio armados e o desemprego.
25% entre os jovens. É em meio a essa neira", diz Evelyn Ohanwusi, que dirige JASON ANDRêW
MORANGOS
LONGA VIDA
Por Daniel Stone
•.,,,-
nuir a quantidade de caminhões e navios
refrigerados que se deslocam entre as
áreas de produção e as de consumo para
entregar alimentos em boas condições .
"Dá para imaginar um mundo em que os
produtos frescos vão estar sempre dispo
TRATADO níveis, independentemente da estação", NÃO TRATADO
diz James Rogers, presidente da Apeei.
APEEL SCIENCES
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POR DAN BUETTNER / FOTOS DE CORY RICHARDS E MATTHIEU PALEY
FELICIDADE
OCEANIA
COSTA RICA ALEGRIA TODO DIA:
SAÚDE, FÉ, FAMÍLIA
Maria dei Carmem Yoursrecha Paterson, à direita, tira uma folga no meio do dia no seu restaurante
em Limón e procura os embalas da música em um bar da vizinhança. Para os costa-riquenhos, é natural
viver cada momento e reservar tempo para conviver com a família e os amigos. MATTH1Eu PALEY
oltemos a Alejandro Zúfüga, que é vendedor de frutas Só três alunos vão às
e verduras no mercado central de Cartago, uma cidade aulas em La Central, uma
a leste de San José, a capital da Costa Rica. Por décadas, povoação rural a cerca
de uma hora de Cartago.
esse robusto feirante de 57 anos tem sido presença as Aqui, eles almoçam
sídua no mercado, onde ele vende abacates, socializa e com o professor em um
conta novas piadas. Todo mundo o conhece. Quando algum dos outros restaurante. O crucifixo
60 e tantos feirantes adoece ou tem alguma emergência familiar, é Zúfi.iga foi removido da igreja
quem providencia uma vaquinha para ajudar. Ele organiza excursões por segurança quando
o Vulcão Turrialba
para torcer pelo amado, mas não muito afortunado, time de futebol da entrou em erupção nas
cidade, o C.S. Cartaginés. É um amigo carismático e um líder nato. imediações. O ensino
Uma noite, alguns anos atrás, Zúfüga recebeu um telefonema de um fundamental e médio
amigo, com uma notícia sensacional: "Você ganhou na loteria!" Ele tinha é gratuito e obrigatório,
comprado o bilhete premiado e estava prestes a receber so milhões de e a taxa de alfabetiza ção
no pais alcança 97,8%.
colones (na época, uns 93 ooo dólares). Mas ele não acreditou no amigo, MATTHIEU PALEY
um notório pregador de peças. E não estava com ânimo: o dia fora longo,
e ele não tinha vendido todos os seus abacates. "Pensei que fosse uma O FATOR FELICIDADE
piada", recorda ele. "Eu só tinha no bolso os meus últimos 8 dólares." COSTA RICA
Zúfüga desligou o telefone. O Gallup divide os seus
estudos em cinco categorias
Quando foi trabalhar no dia seguinte, os feirantes o receberam com para o bem-estar. Os costa
aplausos. A notícia da premiação tinha se espalhado. Toda semana, ele riquenhos sempre lideram
nos quesitos relacionamento
jogava no mesmo número, enfim sorteado. Aturdido, Zúfüga percorreu social, sentimento de
as bancas dos amigos e colegas com o braço erguido de um campeão propósito e saúde física
olímpico, batendo na mão espalmada de um por um. Eles sabiam que PERCENTUALº" t'OPULAÇAO
Zúiíiga nunca tivera uma vida fácil. Crescera em favelas, largara os ME:LHORANDO lM CADA ASPfCTO
FELICIDADE
e cortadas por ravinas e pouca mão de obra barata, as condições ali não lleana Álvarez Chaves,
eram favoráveis ao surgimento de grandes haciendas. Em vez disso, pe técnica de saúde que
quenos proprietários de mentalidade independente prosperaram no Vale trabalha no programa de
assistência médica do
Central, depois que descobriram um mercado internacional para o café. governo da Costa Rica,
Os costa-riquenhos elegeram professores para a Presidência do país, e, verifica os sinais vitais de
sem ter de arcar com o fardo de instituições coloniais corrosivas, imple Mayela Orozco, uma viúva
mentaram políticas que iniciaram uma espiral ascendente de bem-estar. de 68 anos que mora
Em 1869, o ensino primário tomou-se obrigatório para todas as crian sozinha No decorrer de
um ano, lleana visitará
ças - inclusive para as meninas, uma iniciativa notável. Em 1930, a taxa todas as casas de
de alfabetização já estava entre as mais altas da América Latina. Ao mes Paraíso. O enfoque
mo tempo, o país investiu no fornecimento de água potável para as po em saúde preventiva
voações rurais e na redução de doenças infantis, como cólera e diarreia. reduziu a mortalidade
Nos anos 1940, vieram a previdência social e o fim do Exército. Em 1961, infantil e aumentou
a expectativa de vida.
foi aprovada a legislação sobre a assistência médica universal, trazendo MATTHIEU PALEY
clínicas de atendimento primário à maioria dos vilarejos.
Esse comprometimento continua até hoje. Em uma manhã de inver NA COSTA RICA
no, acompanhei uma técnica de saúde chamada Ileana Alvarez Chavez
UMA ALQUIMIA
nas suas rondas, de mochila e geladeira portátil com vacinas, pela arbo
rizada cidade de Paraíso, no Vale Central. Ela trabalha nos Equipos Bási DA GEOGRAFIA
cos de Atención Integral em Salud (Ebais), o sistema nacional criado em COM POLÍTICAS
meados dos anos 1990. Saúde e felicidade são inextricavelmente ligadas. SOCIAIS
Pequenas equipes compostas de médico, enfermeiro, escriturário INTELIGENTES
e vários técnicos são designadas para dar assistência a 3 soo pessoas. CRIOU UMA
A quota de Ileana requer que ela visite até 12 casas por dia. Em cada
COMBINAÇÃO
uma, ela gasta 30 minutos para atualizar os prontuários médicos, medir
a pressão arterial, aplicar vacinas, dar orientações e procurar água para DE LAÇOS
da, onde se reproduzem os mosquitos portadores do vírus zika. FAMILIARES.
Na casa de Hemández Torres, Ileana dá orientações a uma jovem mãe ASSISTÊNCIA
sobre uma dieta saudável para o seu filho de 2 anos e deixa vitaminas e MÉDICA. FÉ. PAZ.
comprimidos vermífugos. Ela nota pão branco e leite na mesa da cozi IGUALDADE E
nha. "Procurem comer mais feijão, frutas e hor
GENEROSIDADE.
taliças", aconselha. Na casa de Aurora Brenes, de
89 anos, Ileana faz um inventário dos remédios,
mede a pressão arterial e marca uma consulta
para a octogenária com o médico da sua equipe.
"Muitas vezes detecto doenças antes que apare
ça uma crise de diabetes ou um ataque cardíaco",
diz ela. "Muitos dos meus clientes são solitários,
gostam quando alguém lhes dá atenção."
Desde 1970, a expectativa de vida na Costa Rica
deu um salto de 66 para 80 anos, e a mortalidade
infantil decresceu sete vezes. A taxa de óbitos por
doença cardíaca em homens é cerca de um terço
menor que nos Estados Unidos, embora, na Costa
Rica, o gasto per capita com assistência médica
seja um décimo do americano. O ex-presidente
José María Figueres, que implementou o progra
ma Ebais, disse-me que o sistema de saúde do
país funciona tão bem porque procura, antes de
tudo, manter as pessoas sadias. "Aqui, já há anos
que a ênfase é na saúde preventiva, porque, afi
nal de contas, o objetivo de uma boa política de
saúde é evitar que as pessoas adoeçam", diz ele.
Em resumo, o sistema social da Costa Rica
cuida da maioria das necessidades do povo, diz
o costa-riquenho Mariano Rojas, economista da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
na Cidade do México. "O sistema proporciona ao
povo a sensação de segurança e uma boa saúde.
E elimina a maioria das grandes preocupações da
vida enquanto oferece um ambiente onde a maio
ria das pessoas ainda é capaz de se sustentar."
FELICIDADE
DINAMARCA NECESSIDADES BÁSICAS
GARANTIDAS E TEM�O LIYRE
No norte de Copenhague, estudantes colhem legumes que eles mesmos plantaram e que irão comer como
parte de um programa voltado para maior valorização do meio ambiente. Atividades comunitárias desse tipo
são típicas entre os dinamarqueses. O estilo de morar conhecido como "cohousing" é comum conrn1ctiARDS
u conheço Sidse Clemmensen na terceira viagem que faço ao Um imigrante cubano
país escandinavo para investigar o tipo único de felicidade assimila a paixão da
local - que parece capacitar as pessoas a viver uma vida com Dinamarca pela
socialização e dança
propósito. Sentada na cozinha tomando chá, essa mãe de com a filha, de mãe
35 anos usa cabelo curtinho, blusa sem mangas, pantufas de dinamarquesa, em um
couro e um diamante no nariz. "O Estado fornece tudo de que preciso", gramado próximo a uma
diz Sidse. "Meus filhos são felizes. Tenho um marido maravilhoso. E amo área de natação em
o meu trabalho. Sei que nada de muito ruim pode me acontecer." Copenhague que é um
ponto muito procurado
Sidse e os seus formam uma das 22 famílias em uma comunidade de pelos moradores. Os
moradia compartilhada, chamada de bofcellesskab, na cidade de Aalborg. locais costumam receber
Cada família possui uma casa pequena que lembra um bloco de Lego, bem os imigrantes,
mas, juntas, dividem um jardim enorme, lavanderia, oficina, depósito, embora a recente crise
estacionamento e sala de jantar, onde podem optar por refeições comu dos refugiados arrefeça
um pouco o entusiasmo.
nitárias. Cada família fornece uma ou duas refeições mensais para toda a CORV RICHARD$
comunidade, e faz as demais gratuitamente. A localização do complexo,
construído em um morro baixo com vista para pastagens ondulantes, O FATOR FELICIDADE
queses parecem ter mais consciência das neces GALLUP WORLO P0U.. 2015-16
sidades globais de um ser humano do que povos
de outros lugares", explica o psicólogo Mihaly
Csikszentmihalyi. "As pessoas precisam enfren
tar desafios. Está nos nossos genes. Adquirimos
autoconfiança por meio da adversidade. Cada re
vés é um tijolo do edifício da felicidade."
FELICIDADE
CIMGAPURA UM CAMINHO Ll!lRE E
SEGURO LEVA AO SUCESSO
Para comemorar a formatura, recrutas varam a noite em uma marcha de oito horas até o maior palco flutuante
do mundo. O serviço militar, obrigatório para homens, engendra orgulho e união, além de criar laços entre
os grupos étnicos do pais. O Exército é um símbolo de segurança, prezado pelos cingapurenses. MATIH eu PAtev
ingapura criou o seu próprio estilo de felicidade, personi Três pessoas oram
ficado por Douglas Foo. Ele é dono da Sakae Sushi, a maior diante da urna com as
cadeia de restaurantes japoneses quick service, mas ain cinzas de uma pessoa
da sua família durante
da encontra tempo para trabalhar como voluntário para uma feérica cerimônia
22 organizações. Nas suas 14 horas diárias de trabalho, ele com direito a show
veste terno azul e preside uma dezena de reuniões com um misto de for de laser em um retiro
malidade séria, deliberação minuciosa, firmeza no vozeirão de barítono de luxo. Para muitos
e humor pandêmico. O seu dom para dissipar a tensão diária com uma cingapurenses,
a riqueza amplamente
risada espontânea, combinado a uma capacidade de trabalho hercúlea, ostentada é um aspecto
facultou-lhe o conjunto completo dos símbolos de sucesso cingapuren essencial da sua
ses. E, apesar de Foo se declarar feliz, ele ainda sente que não conseguiu fórmula de felicidade.
tudo. "No cenário geral, sou apenas um inseto", diz ele, com um ar grave CORY RICHARDS
chamam de "satisfação com a vida". Nela, a nota é GALLUP WORLD POLL. 2015-16
FELICIDADE
POR WILLIANS BARROS / FOTOS DE MARCELO CURIA
do Sul. Carlos Barbosa, em plena Serra Gaúcha, a pouco mais de 100 qui BRASIL
lômetros de Porto Alegre, por exemplo, ostenta indicadores surpreen A pesquisa do Instituto Gallup
dentes de qualidade de vida. O Índice de Desenvolvimento Humano mostra a influência negativa
do aspecto financeiro na
(IDH) do município, medido com base em indicadores de educação, ren vida dos brasileiros em
da e expectativa de vida, é considerado alto, embora não ocupe o topo do anos recentes, gerando um
desequilíbrio no conjunto de
ranking brasileiro. E a cidade é também pentacampeã gaúcha no Índice outros fatores do bem-estar.
de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), um indicador-síntese para
PERCENTUAL DA POPULAÇÃO
mensurar o nível de desenvolvimento dos municípios do estado. MELHORANDO EM CADA ASPECTO
NÍVEL DE SENTIMENTO
de 7 soo funcionários, em dez unidades fabris, a NEGATIVO
rotatividade do seu quadro funcional é conside
GALLUP WORLO POLL. 2015-16
rada baixíssima, fruto de intensivos programas
de treinamento e arraigada relação comunitária.
Os habitantes de Carlos Barbosa também in
flam o peito na hora de falar dos seus queijos e
embutidos, herança dos imigrantes italianos que
colonizaram a serra a partir da década de 1870.
FELICIDADE
Com o FestiQueijo, realizado todo ano desde
1987, o município celebra a riqueza produtiva das
empresas da região. Mas a menina dos olhos da
cidade é, hoje, o seu "esporte nacional", o futebol
de salão. Fundada em 1976, a Associação Carlos
Barbosa de Futsal, ou ACBF, como é popular
mente conhecida, é tricampeã mundial de clubes
pela Fifa. O caneco máximo do futebol de salão
foi erguido pelos barbosenses em 2001, 2004
e 2012 - é o segundo clube do mundo com mais
títulos mundiais, superado apenas pela equipe
espanhola Inter Movistar. A sala de troféus do
time está abarrotada de taças regionais, nacio
nais e continentais. Não por acaso, quase todas
as crianças da cidade querem participar das cate
gorias de base do clube e vestir a camisa alaranja
da do time, criada em homenagem ao "carrossel
holandês", a famosa equipe da Holanda que fez
história na Copa do Mundo de 1974.
É no dia a dia, nas coisas rotineiras, que
Carlos Barbosa revela o motivo da satisfação dos
seus habitantes. Um dos efeitos mais visíveis da
redução da desigualdade está na diminuição ex
pressiva nos indicadores de violência urbana.
"A maior parte das ocorrências é de pequenos de
litos e desavenças", diz Leônidas Reis, delegado
titular de polícia. "Há anos não temos registro de
crimes violentos por aqui." Afora isso, mesmo a
parcela economicamente menos favorecida da
população - uma minoria - está amparada por
programas bem-sucedidos de assistência e inclu
são social. Na área da saúde, uma farmácia muni-
cipal abre as suas portas todos os dias, inclusive
nos feriados. A cidade conta com um centro ra-
diológico, custeado com recursos públicos, que realiza exames de raio X Em sua propriedade na
e mamografia com imagem digital. Há ainda o Centro Municipal de Fi zona rural do município,
sioterapia e Tratamento da Dor, a Clínica do Homem, o Centro de Aten Comercindo Zarpelon
não passa nenhum
dimento Psicossocial e o Centro Municipal de Saúde, com atendimento dia sem tocar gaita
24 horas. No campo da educação, Carlos Barbosa já fez o seu dever de na antiga casa em que
casa, mantendo todas as crianças e os jovens na escola, além de, pratica nasceu e ainda mora
mente, ter erradicado o analfabetismo. E, com 80% da população viven com a esposa, Inês,
do na zona urbana, quase todos os domicílios possuem água encanada. e a filha, Roselaine.
Para ele, não há lugar
A expectativa de vida é de 78,8 anos, maior que a média brasileira, melhor no mundo para
hoje de 75,5 anos. Não à toa, as políticas públicas de atenção aos idosos se viver. "Daqui ninguém
são exemplares. Um centro de convivência oferece aos mais vividos pro me tira", garante.
gramas que incluem aulas de ginástica, dança, teatro, canto e informáti
ca. Idosos acamados ou dependentes recebem atendimento domiciliar.
FELICIDADE
PTEROSSAUROS
Incríveis
• •
an1ma1s
alados
Novos achados e estudos
estão mudando o modo como
entendemos as maiores, mais
ferozes e estranhas criaturas
que cruzaram os céus da Terra.
1
não existe solo apropriado à agricultura.
Que tipo de povoação humana é viável num lu
gar desses? Por séculos, Dubai foi um vilarejo de
pescadores e um porto pequeno. Então o petróleo
e um crescimento imobiliário fenomenal trans
formaram o lugar em uma cidade de prodígios
t
arquitetônicos, com o terceiro aeroporto mais
movimentado do mundo. "Do ponto de vista
da sustentabilidade, nenhuma cidade teria sido
construída aqui", diz Janus Rostock, arquiteto de
renome transplantado de Copenhague. queima bem mais combustível fóssil para clima
Mas é justamente uma cidade sustentável que tizar as suas torres de vidro. Para manter a água
o governo de Dubai agora promete criar. saindo nas torneiras em todos esses prédios, a
Sustentável? Dubai? Só quando um camelo cidade basicamente ferve centenas de piscinas
voar, você poderia dizer. Os anos de crescimento olímpicas de água do mar por dia. E criou mais
febril fizeram da cidade um clichê para os exces praias para mais hotéis e vilas de luxo soterrando
sos resultantes do encontro da energia barata recifes de coral sob imensas ilhas artificiais.
com a indiferença ao meio ambiente. O esqui em Em 2006, o grupo WWF (Fundo Mundial para
recinto fechado é apenas um símbolo - Dubai a Natureza) declarou: os Emirados Árabes Unidos
eram o país com a maior pegada ecológica per ca
Esta reportagem é parte da série Expedições pita do mundo, principalmente pelas suas emis
Urbanas, uma iniciativa da National Geographic sões de carbono. A carapuça serve bem em Dubai,
Society financiada pela United Technologies. a consumista mais ostensiva dos sete emirados
NATIONAL GEOGRAPHIC • NOVEMBRO 2017
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Um prodígio da climatização, o Ski Dubai é o primeiro parque de esqui em recinto fechado do Oriente Médio,
com cinco rampas. Uma nova rampa está em projeto para quebrar recordes, como parte de um surto de
construções impulsionado pela Expo 2020, uma exposição de seis meses com público previsto de 25 milhões.
que formam o país. Desde então, em uma década, produzirá a eletricidade mais barata e mais limpa
a população da cidade duplicou para mais de do planeta. "A liderança reconhece que o cresci
2,8 milhões de pessoas. Mas algo mais aconteceu mento da economia não será sustentável se não
a partir de 2006: Dubai começou a mudar. tomarem providências sobre as emissões", diz
Reluzentes trens de metrô sem condutor ago Tanzeed Alam, diretor de clima e energia da
ra correm em paralelo à Sheikh Zayed, levando Emirates Wildlife Society, parceira local da WWF.
mais ou menos o mesmo número de pessoas que Em Dubai, a "liderança" é a sua alteza, o xeque
os carros na engarrafada avenida de 12 pistas - e, Mohammed bin Rashid al Maktoum, de 68 anos,
geralmente, mais rápido. Um novo conjunto re o emir hereditário também conhecido como "o
sidencial chamado Cidade Sustentável recicla a Governante". O xeque Mohammed assumiu o
sua água e o seu esgoto e produz mais energia do governo em 2006. Decretou que, até 2050, a sua
que consome. No deserto, Dubai está construin cidade extrairá 75% da sua energia de fontes lim
do uma usina de energia solar que, em breve, pas. Ele quer deixar a menor pegada de carbono
DUBAI
Areias mutantes
Em uma geração, Dubai passou de uma pequena povoação
a uma metrópole dependente do automóvel, impulsionada
pelo turismo, negócios imobiliários e aviação - a cidade
tem o terceiro aeroporto mais movimentado do mundo, e
está construindo outro. Para um futuro mais seguro, investe
em energia solar, edifícios verdes e transporte coletivo.
Palm Ilhas
Jebel The World
Ali
(�t�) Jumeirah
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+ Aeroporto
Internacional
AI Maktoum
0km 4
EUROPA ÁS/A
EAU
ÁFRICA
Para o Parque Solar
QC.EANO Mohammed bin
INDIC:O
Rash1d AI Maktoum,
31km /
CD ®
EXPANSÃO URBANA
Antes de 1985 -1985-1999 2000-2016
O petróleo começa Dubai ergue o seu Apesar da crise de
a jorrar nos anos 1960 primeiro edifício icónico, 2008-09, a explosão
e, com ele, vêm e sua pegada ecológica imobiliária prossegue
eletricidade, ruas vai às alturas com o com a permissão para
asfaltadas, edifícios avanço do território, da a posse de imóveis
e um aeroporto. população e do tráfego. por estrangeiros.
1/h;u Deira
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DAM EN SAUNDER. DAISY CtiUNG E IRENE BERMAN·VAPORIS
NGM STAFF EO MERRITT FONTE. COLABORADORES DE
@()PENSTREETMAP D SPONIVEL SOB OPEN DATABASE
LICENSE OPENSTREETMAPORG/COPYR/GHT
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• PRO nos fM ANDAMfNTO E FUTUROS COM DATAS DE
CONCLUSAO PREVISTAS A PARTIR DE JUlHO D E 2017
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2000 2010 2013 2017' 2020'
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EmiratesTowers Burj Khalifa CayanTower DubaiFrame Dynamic Tower
A torre maior Estrutura mais
- O edifício tem uma Estrutura Cada andar
era a mais alta alta do mundo, torção de 90 graus. que emoldura irá girar,
do Oriente 1 828 vistas da separadamente,
Médio m velha e da nesta torre que
• novaDubai. muda de forma
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solares. A ct,munidade gera toda a sua energia
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... e cultiva alimentos em 11 estufas abobadadas.
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do mundo. Muitos que encontrei em uma visita a sua casa. Mas, no início dos anos 2000, quando
recente, inclusive Rostock e Alam, acreditam que Dubai começou a permitir a posse de imóveis por
a cidade poderá atingir esse objetivo. "E, se pode estrangeiros- já atraídos pela ausência de tribu
ser feito aqui, pode ser feito em qualquer lugar." tação sobre a renda-, o dinheiro afluiu. Quatro
grandes construtoras esculpiram a terra. Chega
o XEQUE MOHAMMED CRESCEU em uma casa ram em massa trabalhadores do sul da Ásia para
iluminada por lamparinas a óleo, em que a água construir vilas e arranha-céus vestidos de vidro
do poço da cidade era trazida em carroça. A casa - um material nada aconselhável em uma terra
era do seu avô, o emir - a família AI Maktoum de sol implacável, mas era o que o mercado de
governa Dubai desde 1833. A casa ainda existe, mandava. Os operários viviam em acampamen
perto da foz do estuário de Dubai, uma enseada tos, muitos deles miseráveis, em condições que
natural que é a razão do surgimento da cidade. alguns comparavam à servidão por contrato.
O pai do xeque Mohammed, o xeque Rashid bin A cidade alastrou-se pela costa. Adentrou o
Saeed AI Maktoum, cresceu nessa mesma casa e, Golfo Pérsico, empoleirou-se em penínsulas arti
na juventude, viu gente passar fome em Dubai. ficiais construídas com quantidades titânicas de
A Grande Depressão e a invenção da pérola cul areia dragada, brotou no Deserto da Arábia. "Se
tivada destruíram o mercado para a principal ati você analisar como Dubai cresceu, foi tudo uma
vidade econômica da cidade, a pesca de pérolas. obsessão por avançar pelo deserto, construindo",
Foi Rashid quem decidiu modernizar Dubai, diz Yasser Elsheshtawy, um arquiteto que lecio
após assumir o governo, em 1958, sobretudo de nou por 20 anos na Universidade dos EAU em AI
pois que o petróleo começou a jorrar, no fim dos Ain. "Não havia limitações. A energia era barata.
anos 1960. O xeque providenciou rapidamente As pessoas tinham carros. Então, por que não?"
eletricidade, água encanada e ruas asfaltadas. O objetivo de Mohammed é como o do seu pai,
Construiu escolas, um aeroporto e, em 1979, o só que maior: ele quer que Dubai vença o resto do
World Trade Centre (hoje, Sheik Rashid Tower), mundo para mostrar que os árabes podem ser pio
na época o edifício mais alto do Oriente Médio, neiros novamente, como foram na Idade Média. A
com 39 andares. "Foi feito no meio do nada, na sua estratégia é atrair o mundo para Dubai. Cerca
periferia, e a cidade respondeu crescendo na di de 90% dos 2,8 milhões de habitantes são estran
reção dele" e muito além, diz o britânico residente geiros que vivem em um lugar em que, não muito
em Dubai Neil Walmsley, engenheiro e planejador tempo atrás, milhares de árabes lutavam para so
urbano da empresa de consultoria Arup. breviver. A população de Dubai, o seu maior re
O comércio de pérolas não durou para sempre, curso, é jovem e diversificada- as escolas ensinam
e o xeque Rashid sabia que o petróleo também não crianças de dezenas de nacionalidades. Só que é
duraria. Dubai controla apenas uma fração do solo preciso manter toda essa gente viva no deserto.
dos EAU- a parte do leão é de Abu Dhabi. Por isso, Hoje, Dubai tem eletricidade e água em abun
embora Dubai não fosse centro do comércio mun dância, vindas quase totalmente de uma usina de
dial em 1979, na abertura do Trade Centre, o xeque 4 quilômetros de extensão em Jebel Ali. É nesse
Rashid começou a planejar o emirado para avan conjunto de chaminés e tanques de evaporação
çar nessa direção. Naquele mesmo ano, inaugurou que a Autoridade de Eletricidade e Água de Dubai
um porto maior em Jebel Ali, a 40 quilômetros do (Aead) queima gás natural para gerar 10 gigawatts
estuário, ou Creek, como é conhecido. de energia. O calor residual é usado para dessali
O seu filho Mohammed preencheu o espaço nizar a água do mar- mais de 2 bilhões de litros
vazio entre os dois lugares, e transformou Dubai por dia. O gás vem por <lutos do Catar, com quem
não só em um eixo comercial e financeiro mas os EAU cortaram relações diplomáticas em junho,
também, surpreendentemente, em um centro e é trazido em petroleiros até dos Estados Unidos.
turístico e imobiliário. Cada cidadão dos EAU há Dubai, um minúsculo emirado que nos faz
tempos tem direito a um terreno para construir pensar em riqueza petrolífera, depende de
Marashi, cofundadora da ONG para reciclagem e a projetar um dos primeiros prédios de escritório
educação Emirates Environmental Group. "A crise de "energia líquida zero", ou seja, que produzirá a
freou o ritmo alucinado das construções." mesma quantidade de energia que consome.
Enquanto recuperava o fôlego, a cidade teve O primeiro conjunto habitacional com energia
várias razões para repensar o seu rumo. Na cons líquida zero foi inaugurado no sul de Dubai. O se
trutora do xeque Mohammed, a Dubai Holding, gredo da Cidade Sustentável, diz o seu construtor,
"uma das questões era como Dubai iria obter Faris Saeed, não são apenas os painéis solares que
energia para atender a todos os empreendimen sombreiam cada vaga de estacionamento e cada
tos imobiliários", conta o consultor Robin Mills, terraço nem o aquecedor solar de água em cada
que trabalhava ali na época. Alternativas verdes casa. São as escolhas simples: por exemplo, cons
estavam surgindo: a cidade de Masdar, projetada truir soo casas em feitio de L em ruas estreitas
pela firma do célebre arquiteto Norman Foster e e próximas entre si o suficiente para que façam
saudada como a primeira cidade "zero carbono" sombra umas nas outras, como são as velhas ca
do mundo, sem carros e movida a energia solar, sas no estuário. Isso permitiu que os aparelhos de
começava a ser erguida nas areias de Abu Dhabi. ar-condicionado fossem menores e mais baratos.
O mais importante: o preço da energia solar Isolamento adicional e janelas e tintas refletoras
está em queda livre, e já é, de longe, a forma mais reduzem ainda mais o uso de energia. "O mito de
barata de eletricidade em Dubai. Em fevereiro, que o sustentável é mais caro é falso", diz Saeed.
quando visitei o Parque Solar Mohammed bin Todos esses esforços começam a compensar.
Rashid AI Maktoum, so quilômetros ao sul da O consumo per capita de água e eletricidade está
cidade, a Aead estava concluindo a instalação de declinando e, segundo o governo, o mesmo vale
painéis solares para gerar 200 megawatts, e as para as emissões per capita de carbono, o prin
sinara um contrato para os próximos 800 mega cipal fator da enorme pegada de Dubai. Hoje, o
watts, a 2,99 centavos de dólar o quilowatt-hora. residente médio "emite" menos de 18 toneladas
A Aead planeja gerar s mil megawatts até 2030. métricas por ano, só um pouquinho a mais que o
"Milhões de hectares de deserto e área de telha americano médio. Mas o consumo e as emissões
do de sobra. Geração de eletricidade, para mim, é totais continuam em alta, pois a população está
quase um problema resolvido por aqui", diz Mills. crescendo. E um morador de Dubai ainda emite
DUBAI
.[
três vezes mais que um nova-iorquino, em parte do Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo, em
porque a cidade se transformou numa vastidão um bairro de lojas e restaurantes térreos, convida
dependente de automóveis. Os moradores do tivo para passeios a pé. Próximo ao Shopping dos
conjunto habitacional que Saeed projetou podem Emirados, a Dubai Holding está projetando um
ir a pé a restaurantes e à mesquita, mas ainda têm condomínio de 1,5 quilômetro de extensão cha
de rodar de 16 a 25 quilômetros de carro até al mado Jumeirah Central, onde centenas de prédios
cançarem um dos múltiplos centros urbanos de se distribuirão por quarteirões pequenos. Haverá
Dubai. O metrô não chega à Cidade Sustentável. uma ligação por bondes até o shopping e o metrô.
Urbanistas estão reformulando a mobilidade Todas as discussões sobre o futuro remontam
local. Janus Rostock, arquiteto-chefe da Atkins ao Governante, à liderança decisiva do xeque
- a firma que projetou o metrô, o hotel com con Mohammed. "Não temos muitas formalidades",
tornos de veleiro Burj Al Arab e a Ópera de Dubai diz Hussain Lootah, do governo municipal. "Aqui,
-, lidera a iniciativa para transformar o entorno os projetos ficam prontos em dias; em outros
DUBAI
Por Richard Conniff
Fotos de Robert Clark
Aí está, portanto, a primeira regra de quem deixam o parque, os dois paleontólogos já pla
pesquisa os pterossauros: é preciso ser otimista. nejam a retomada da busca pelo Quetzalcoatlus,
O fato inegável é que os fósseis são muito raros. impelidos pelo fascínio da intrigante diversidade
Todo o deslumbrante mundo deles, delineado de formatos, tamanhos e comportamentos dos
apenas com base em ossos ocos e de paredes finas pterossauros, uma variedade que apenas se vis
como folhas de papel, há muito virou pó. Tal es lumbra nos mais raros indícios fósseis.
cassez vale sobretudo para o Quetzalcoatlus, que As concepções científicas a respeito dos pte
se tornou conhecido graças apenas a uns raros rossauros também se mostram diversas - mesmo
fragmentos achados no Big Bend nos anos 1970. no que se refere a questões básicas do tipo: qual
Martill e Ibrahim dedicam três dias à busca de a aparência que eles tinham e como se compor
ossos nas encostas gretadas. Passam e repassam tavam. Isso se deve, em parte, ao fato de que os
por um local de nome promissor, a Crista dos Pte pesquisadores tiveram de elaborar as suas hipó
rodátilos, consultando com frequência as anota teses a partir de um mero punhado de espécimes,
ções feitas nos mapas usados pelo descobridor do muitas vezes desprovidos de detalhes cruciais.
Quetzalcoatlus. Atentos às sutilezas dos estratos Outro motivo é a óbvia estranheza na anatomia
geológicos, eles vão evocando mundos perdidos. dos pterossauros, aparentemente mal adaptada
No final, os pesquisadores não topam com o para a vida na terra ou no ar. Alguns cientistas
mais débil resquício de pterossauro. Como prê sugeriram que os pterossauros se arrastavam
mio de consolação, o fêmur de um dinossauro sobre o próprio ventre. Outros os imaginaram
gigante, talvez um Alamosaurus. Mas dinossau andando eretos sobre as pernas traseiras, feito
ros não são pterossauros e vice-versa. Enquanto zumbis. E ainda há os que os retrataram como
quadrúpedes, com as asas dobradas nas laterais, biológico, Habib e os seus colegas descartaram a
mas avançando desajeitadamente, corno se es hipótese de que dependessem de penhascos para
tivessem se acostumando ao uso dos membros alçar voo. Também demonstraram que a hipóte
dianteiros. Para alguns pesquisadores, os pteros se de que decotavam do solo com urna postura bi
sauros eram de tal modo deficientes em termos pedal e ereta, como foi proposto por outros cien
aeronáuticos que apenas conseguiam alçar voo tistas, teria destroçado os fêmures das espécies
depois de se pendurar de cabeça para baixo e se maiores. "Levantar voo a partir de urna postura
lançar da borda de penhascos íngremes. quadrupedal fazia bem mais sentido", diz Habib.
"Não é incomum que a cabeça e o pescoço As asas dos pterossauros consistem de uma
tenham um comprimento de três a quatro ve membrana presa em cada lado do corpo, do
zes maior que o do tronco", ombro até o tornozelo, e es
comenta Michael Habib, um tendida por um quarto dedo
estudioso da anatomia desses alongado no bordo de ataque.
animais. Até mesmo os ilus Eles parecem Espécimes bem preservados,
tradores científicos muitas agora menos do Brasil e da Alemanha, re
vezes se equivocam ao repre velaram que a membrana da
sentá-los. "Eles basicamen
desajeitados no asa era entremeada de mús
te usam o modelo das aves e céu. E se revelam culos e vasos sanguíneos, e re
acrescentam urna asa com sofisticados forçada com cordões fibrosos.
membrana e uma crista, mas Na concepção atual dos
a verdade é que as proporções
seres voadores. pesquisadores, os pterossau
dos pterossauros nada têm a ros eram capazes de fa zer
ver com as dos pássaros." ajustes sutis no formato das
Funcionário do Museu de História Natural do asas, de acordo com as condições de voo, por
Condado de Los Angeles, Habib está empenhado meio dos músculos nas asas ou pelo desloca
em reconstituir a biomecânica dos pterossauros, mento para dentro ou para fora dos tornozelos.
combinando uma abordagem matemática com A alteração no ângulo de um osso carpal deno
o conhecimento anatôrnico prático. Tal como minado "pteroide" pode ter proporcionado a eles
quase todos os pesquisadores, Habib estima que um equivalente das aletas no bordo de ataque na
os pterossauros surgiram cerca de 230 milhões asa de um jato comercial, resultando em maior
de anos atrás a partir de répteis ligeiros e fortes, força de sustentação em baixa velocidade. Os pte
adaptados para correr e saltar sobre as presas. rossauros também mobilizavam mais músculos
E esses saltos - para capturar um inseto ou se es para a atividade do voo, e uma maior proporção
quivar de um predador - evoluíram aos poucos do peso corporal, do que ocorre com as aves. Até
para "saltos cada vez maiores", sugere. No início, mesmo o seu cérebro parece ter se especializa
eles provavelmente planavam, mas, depois, deze do em voar, com lóbulos maiores dedicados ao
nas de milhões de anos antes das aves e dos mor processamento dos complexos dados sensoriais
cegos, eles se tornaram os primeiros vertebrados transmitidos pela membrana das asas.
a conseguir se manter no ar por força própria. Em consequência, os pterossauros hoje pare
Com a ajuda de equações aeronáuticas que cem bem menos desajeitados no céu e, em vez
foram aplicadas pela primeira vez no contexto disso, se mostram corno requintados aviadores.
ILUSTRAÇOES OE RAÚL MARTIN. PESQUISA OE MESA SCHUMACHER. FONTES: OAVE MARTILL E MARK WITTON. UNIVERSIOAOE OE PORTSMOUTH, REINO UNIDO; NIZAR IBRAHIM,
EXPLORADOR OA NATIONAL GEOGRAPHIC. MICHAEL HABIT, UNIVERSIDADE DO SUL OA CALIFÓRNIA E MUSEU OE HISTORIA NATURAL DO CONDADO OE LOS ANGELES
Pterodaustro guinazuí Ornithocheírus mesembrinus Thalassodromeus sethi
Envergadura: 3 m Envergadura: 8 m Envergadura: 4 m
É provável que muitas espécies tenham evoluí uma espécie de hipótese, a do "grande lobo mau":
do de modo a voar devagar, mas com grande efi "Com uma cabeça enorme, você tem uma boca
ciência por longas distâncias, ganhando maiores também enorme, o que é bom para devorar coi
altitudes graças às térmicas mais fracas sobre os sas", diz. "Além disso, tal cabeça é boa para a exi
oceanos. Algumas podem até mesmo ter se torna bição sexual." Os pterossauros, respondeu ele à
do "hiperaéreas", para usar o termo de Habib. Por paleontóloga que o questionou na palestra, "eram
exemplo, o Nyctosaurus, um pterossauro mari gigantescas cabeças voadoras assassinas".
E
nho semelhante a um albatroz, com envergadura
de quase 3 metros, tinha uma "taxa de planagem", M UMA MOVIMENTADA RUA do Centro de
a distância que se percorre no ar a cada metro de Jinzhou, uma importante cidade comer
perda de altitude - "bem dentro do limite de um cial no nordeste da China, Junchang Lü,
atual planador de competição", diz Habib. um dos mais renomados paleontólogos do país,
"Tudo bem, os parâmetros da asa parecem conduz os visitantes por um corredor mal ilu
bons", comentou recentemente uma paleon minado de um prédio de aparência comum que
tóloga ao conversar com Habib. "Mas e quanto abriga o Museu de Paleontologia de Jinzhou.
à cabeça?" Estima-se que o Quetzalcoatlus, por Ali, no gabinete do diretor, Lü abre a porta de
exemplo, tivesse um crânio medindo até 6 me um aposento pequeno e sem janelas para mos
tros, fixado a um tronco com apenas um quarto trar algo que certamente estaria entre as princi
desse comprimento. Também o Nyctosaurus ti pais atrações de qualquer outro museu: lajotas
nha uma cabeça desproporcional, para não falar de pedra contendo fósseis repletos de detalhes
de um enorme mastro que se projetava do seu de dinossauros emplumados, aves primitivas e,
topo, possivelmente dotado de crista. sobretudo, pterossauros, preenchendo todas as
A resposta de Habib tem a ver, em parte, com prateleiras e grande parte do chão.
o cérebro dos pterossauros, que acrescentava um Apoiada na parede do fundo, uma lajota que
peso mínimo à cabeça imensa. E também com os chega quase até o ombro de Lü exibe um pte
ossos desses animais, que eram ocos, ainda mais rossauro enorme - um Zhenyuanopterus, com
ocos que os ossos das aves. Em alguns casos, as envergadura de 4 metros e minúsculos pés de
paredes dos ossos tinham menos de 1 milímetro galinha nos membros traseiros. Comprida e es
de espessura, formadas por camadas laminadas treita, a cabeça, voltada para o lado, é toda uma
e entrecruzadas a fim de resistirem às torções e boca-armadilha, formada pelo entrecruzamento
aos rompimentos - alguns pesquisadores os cha de dentes finos, como agulhas, que crescem e se
mam de "ossos de compensado" - e ainda conta sobrepõem na extremidade letal. "Era para cap
vam com escoras no interior oco para impedir o turarem peixes enquanto nadavam na superfí
colapso dos ossos. Devido a essa característica, os cie", diz Lü. Essa é uma das quase 30 espécies de
pterossauros puderam ir aumentando o esquele pterossauro que ele descreveu desde 2001 - e há
to ósseo, expandindo certos elementos anatômi outras esperando nas prateleiras pelo reconheci
cos sem acrescentar peso em demasia. mento da comunidade científica.
Os crânios, ornados de cristas e quilhas, e as O museu de Jinzhou é apenas uma entre dez
bocarras imensas adquiriram proporções tão des instituições similares com fósseis existentes na
proporcionais que Habib as considera "ridículas" província de Liaoning, o principal filão que via
e até "obtusas". E foi isso o que o levou a propor bilizou a descoberta moderna dos pterossauros
ILUSTRAÇÕES DE RAÚL MARTIN. PESQUISA DE MESA SCHUMACHER. FONTES: DAVE MARTILL E MARK WITION, UNIVERSIDADE DE PORTSMOUTH, REINO UNIDO; NIZAR IBRAHIM,
EXPLORADOR DA NATIONAL GEOGRAPHIC; MICHAEL HABIT. UNIVERSIDADE DO SUL DA CALIFÔRNIA E MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL DO CONDADO DE LOS ANGELES
e promoveu a recente ascensão da China à li certos que com que alguma competitividade.
nha de frente da busca aos fósseis. Mas outros A China é um dos cinco locais no mundo - ao
paleontólogos comentam, à boca pequena, que lado de Alemanha, Brasil, Inglaterra e Estados
ali é uma terra sem lei, onde vale tudo, com os Unidos - nos quais foram achados 90% de to
mais empreendedores realizando a maior parte dos os fósseis de pterossauros. Isso não se deve
da coleta, em detrimento dos critérios científicos. ao fato de que esses cinco países terem sido as
Negociantes, muitas vezes, adquirem os melho únicas regiões em que existiram pterossauros em
res espécimes para vendê-los no mercado negro. abundância. Fragmentos de fósseis foram coleta
Além disso, Liaoning vem a ser a principal re dos por todo o planeta, até mesmo na Antártida.
gião de coleta, em meio a uma disputa que é com O motivo é que, na opinião dos paleontólogos,
parada por forasteiros, de forma um tanto injus a diversidade que havia por toda parte acabou
ta, às infames "guerras dos ossos", que opuseram, simplesmente mais bem preservada nesses locais
no século 19, dois pioneiros paleontólogos ameri em função de peculiaridades geológicas.
canos, Othniel Charles Marsh e Edward Drinker Em nenhum outro lugar, isso se comprova de
Cope. Agora, a rivalidade se dá entre Lü, membro forma tão bela quanto na província de Liaoning.
da Academia de Ciências Geológicas da China, No início do período Cretáceo, explica Lü, as flo
e Xiaolin Wang, cujo gabinete, restas temperadas e os rasos
atulhado de espécimes, fica lagos em Liaoning viabiliza
no Instituto de Paleontologia ram uma complexa comuni-
de Vertebrados e Paleoantro Existe algo de dade ecológica, que incluía
pologia (IVPP, na sigla em in comovente em dinossauros, aves primitivas
glês}, em Pequim. Tal como
Marsh e Cope, os dois, inicial
ver essa máquina e grande variedade de pte
rossauros. Tempestades vio
mente, trabalhavam juntos, de matar lentas e erupções de cinza
mas, depois, tomaram cami paralisada em vulcânica vez por outra dizi
nhos distintos, guardando
uma hostilidade muda. "Não
forma de fóssil. mavam grande quantidade
de animais de modo repenti-
há lugar para dois tigres numa no, talvez até derrubando-os
montanha", interpreta o pa- em pleno voo sobre planícies
leontólogo Shunxing Jiang, do IVPP. lamacentas. Esses eventos catastróficos enterra
Nos 16 anos que dura essa disputa, cada um ram rapidamente as vítimas, por vezes em con
dos cientistas repetidas vezes conquistou vanta dições anaeróbicas, com sedimentos que pre
gens em relação ao outro e, no total, os dois reve servaram os espécimes intactos e com todos os
laram mais de meia centena de novas espécies de detalhes por mais de 100 milhões de anos. Atual
pterossauro - e quase um quarto de todos os que mente os fósseis surgem em áreas montanho
conhecemos. Algumas dessas espécies talvez se sas e penhascos erodidos por toda a província.
mostrem inválidas, como costuma ocorrer depois A princípio, não parecem muito promissores:
de todo grande surto de descobertas paleontoló apenas uma lajota de pedra com uma ou outra
gicas. No entanto, cada qual ainda tem muitos débil sugestão de osso. Mas, depois que um pre
achados a fazer. "Vão ter de se empenhar, com parador, usando um microscópio, remove meti
dedicação integral, por uma década" para des culosamente milênios de sedimentos acumula
crever tudo o que dispõem, comenta, com inve dos, os fósseis começam a recobrar a nitidez.
ja, um pesquisador de fora. Ao ouvir isso, Jiang E, quando se examina um fóssil após outro
ergue as sobrancelhas, com certa preocupação, - por exemplo, no Museu do Pterossauro em
e diz: "Acho que dez anos é pouco". Beipiao ou na recente exposição no Museu de
Seja como for, o êxito de ambos provavelmente História Natural de Pequim-, eles começam a
tem mais a ver com estar no local e no momento fazer sentido como uma espécie individual em
NATIONAL GEOGRAPHIC • NOVEMBRO 2017
Um sujeito comum com olho aguçado para encontrar fósseis, Ray Stanford descobriu centenas de lajotas
de pedra com resquícios de pterossauros e outros animais na região em que vive, perto de Washington, DC.
toda a sua diversidade original. Há o pterossau Cretáceo. há 66 milhões de anos. Ou talvez o fato
ro de boca larga e cara de sapo, o Jeholopterus de terem evoluído de modo a ficar cada vez maio
(também conhecido por come-come), que su res, alcançando dimensões gigantescas no caso
postamente agarrava libélulas e outros insetos do Quetzalcoatlus e de outros, tenha causado
nas florestas primitivas. Ou o Ikrandraco, assim essa vulnerabilidade, ao passo que espécies me
batizado por causa dos dragões do povo Na'vi, no nores de ave conseguiram escapar da catástrofe.
filme Avatar. e que deviam voar a baixa altitude Já os pterossauros foram extintos para sempre.
sobre a água, usando uma espécie de quilha na No entanto, à medida que esquadrinhamos
mandíbula inferior para capturar peixes próxi os belos resquícios guardados em museus, algo
mos à superfície. Tem ainda o Dsungaripterus, estranho passa a acontecer: começamos a nos
do noroeste da China, com bico comprido. fino e perguntar se o Nemicolopterus não estaria escor
virado para cima, adaptado para sondar mariscos regando para fora da pedra em busca das partes
e outros invertebrados, cujas conchas eram então que faltam no seu corpo. Ficamos em dúvida se
esmagadas pelos seus dentes nodosos. não acabamos de surpreender um movimento
Não há como negar que existe algo comove nos dedos do pé do Kunpengopterus, saltando da
dor na visão de tantos instrumentos de destrui superfície rochosa como letras escuras e pardas
ção preservados em lajes de pedra. No final, por em relevo. Por um efeito óptico ou mental, pode
algum motivo, os pterossauros nos dão uma im mos ficar com a impressão de que os pterossau
pressão de vulnerabilidade. Talvez as fontes de ros, essa expressão bizarra e excessiva da força
nutrientes das quais dependiam tenham acaba vital da Terra, talvez estivessem prestes a ressur
do durante a grande extinção no fim do período gir da pedra e se alçar de novo ao céu. O
PTEROSSAUROS
Por David Quammen
Fotos de Cory Richards
O Delta do Okavango não desemboca no mar. Essa água vem quase toda de Angola, o com
Todo contido no interior da bacia hidrográfica, plicado vizinho de Botsuana, do qual é separado
ele acaba num perímetro a sudeste, com a sua apenas por uma estreita faixa de território na
água sendo absorvida pelos espessos areais do mibiano. A origem da água está nas terras altas
Kalahari. É possível considerá-lo o maior oásis úmidas e chuvosas, no centro de Angola, e de lá
do mundo, um refúgio úmido que assegura a so ela corre para a região sudeste do país, passando
brevivência de uma miríade de vida selvagem: por importante área de drenagem, a bacia do Rio
elefantes, hipopótamos, mabecos, antílopes, ja Cubango, e em seguida, mais lentamente, por ou
valis, búfalos, leões e zebras, assim como de uma tra, a do Rio Cuito, em que forma lagos; depois,
deslumbrante diversidade de aves - sem mencio infiltra-se pouco a pouco através de relvadas
nar um setor turístico que movimenta centenas planícies aluviais, turfeiras e camadas arenosas
de milhões de dólares por ano. No entanto, dos subjacentes, até que acaba, afinal, engrossan
céus, não dá para a gente avistar os crocodilos do afluentes. O Cuito e o Cubango se juntam na
e os hipopótamos descansando. Tampouco os fronteira meridional de Angola, formando um rio
cães-selvagens acocorados à sombra dos arbus mais caudaloso, o Okavango, que atravessa a fai
tos espinhosos ou as expressões de contenta xa de Caprivi, um estreito território da Natn1bia,
mento estampadas no rosto dos visitantes e dos e entra, por fim, em Botsuana. Em média, 9,4 tri
empreendedores locais. Outra coisa que também lhões de litros de água afluem a cada ano à região
não dá para ver do alto é a origem de tanta água. do delta. Se não houvesse essa dádiva líquida,
o Delta do Okavango deixaria de existir.
Apoio à pesquisa NGS O desenvolvimento O pior é que mudanças no sudeste de Angola,
deste projeto foi possível graças à sua assinatura já em andamento ou previsíveis - no uso das
terras, na captação de água, na densidade demo Steve Boyes, à direita, faz uma pausa ao lado do
gráfica e no comércio-. tornam essa perspecti cineasta Neil Gelinas, da National Geographic. Entre
va sombria cada vez mais provável. É por esse todos os desafios que enfrentou nos mais de dez
anos de estudo no Okavango- burocracia, canoas
motivo que o Cuito e o Cubango, dois rios numa reviradas, minas terrestres-, um ataque de abelhas
remota região do continente, vêm despertando Halictidae é apenas mais um obstáculo a superar.
interesse crescente em determinados círculos. É
por isso que um grupo internacional de cientis preparava o doutorado, teve diversos empregos
tas, autoridades públicas, planejadores e explo - foi atendente em vinícolas, guia turístico, ge
radores - reunidos por um entusiástico conser rente um camping no Okavango. Por volta de
vacionista sul-africano, o biólogo Steve Boyes, 2007, a questão do suprimento de água tornou-se
com apoio da National Geographic Society - deu cada vez mais óbvia para ele. Mas, sempre que
início a um amplo projeto de coleta de dados e quis soar o alerta em Botsuana, topou com uma
defesa ambiental batizado Okavango Wilderness. reação marcada pelo fatalismo. "As pessoas não
Entre os participantes há um consenso de que demonstravam interesse", diz. Instigado, Boyes
correm risco a saúde e o futuro do Okavango, e o passou a prestar mais atenção no norte, nas cabe
mesmo ocorre no agreste sudeste de Angola. ceiras dos rios. Ele esperava não só entender mas
"Já deveríamos estar fazendo algo", me diz contribuir para a preservação do sistema fluvial.
Boyes, no início de 2017, em um acampamento à
margem do Rio Cubango, depois de uma jornada EM 2017, ANGOLA talvez pareça um local impro
remando as canoas típicas locais, os mokoros, rio vável para levar adiante projetos visionários de
abaixo. Boyes cresceu em Johannesburgo. mas conservação - por outro lado, ele oferece oportu
sempre foi apaixonado pela natureza. Enquanto nidades incomuns. Embora tenha sido devastado
DELTA DO OKAVANGO
pela guerra, o país está pacificado. Desde o iní Há muito tempo, a pesca é crucial para
cio da década de 1960 até o começo do milênio, os ribeirinhos das bacias do Cuito e
Angola permaneceu no topo da lista de nações do Cubango. Graças a redes melhores,
eles agora apanham mais peixes,
que ninguém gostaria de visitar - a não ser que os quais são defumados e levados,
você fosse um combatente mercenário ou um em motos ou canoas, aos mercados.
negociante de diamantes. Uma das colônias afri Boyes e outros temem que essa
canas de Portugal, o país tomou-se independente pesca ampliada não seja sustentável.
em 1975, depois de uma brutal guerra de liberta
ção, e em seguida foi palco de uma guerra civil
que se prolongou por 27 anos, durante os quais
serviu de campo de enfrentamento das superpo
tências, tendo o seu território recheado de minas
terrestres - um cenário de sofrimento e violência.
Mas a situação mudou de maneira drástica
desde 2002, quando o grupo rebelde Unita foi
definitivamente derrotado, ao mesmo tempo que
começou a extração e exportação em grande es
cala de petróleo, gerando um surto de crescimen
to econômico. "O mais importante que temos a
dizer ao mundo é que Angola hoje desfruta de
estabilidade", me disse recentemente a minis
tra do meio ambiente Maria de Fátima Monteiro
Jardim. "Estamos empenhados na preservação
da natureza", insistiu. O que esse compromisso
significa na prática, porém, é algo difícil de dizer.
A equipe de Boyles conta com a beneplácito dia, depois de remarem por toda a extensão do
das autoridades angolanas, assim como o apoio lago, eles descobrem que, no seu início, o Cuito
internacional, a fim de realizar um levantamento não passa de um pequeno córrego, com 1 metro
ambicioso dos rios Cuito e Cubango e também e pouco de profundidade e a mesma distância
alguns afluentes. Os exploradores vão identificar de largura, e não poderia ser percorrido pelas ca
a fauna silvestre, coletar amostras de água, regis noas de 6 metros de comprimento. Por isso, têm
trar a presença e os impactos humanos nas mar de transportar as canoas até um ponto mais abai
gens, compilar um enorme e acessível banco de xo do rio, arrastando-as pela relva alta, ao mesmo
dados e tentar entender exatamente de que modo tempo que coletavam dados. Esses mokoros são
as águas limpas do sudeste angolano asseguram feitos de fibra de vidro e madeira, e não escavados
a vivificação do Delta do Okavango em Botsuana. em troncos de ébano ou de outras árvores como
Essas expedições exploratórias - das quais já os modelos originais do Okavango, mas ainda
foram realizadas oito - revelam-se, ao mesmo assim estão muito pesados, pois levam todo o
tempo, árduas e minuciosas. A primeira tem iní equipamento. O pessoal precisa arrastá-los por
cio em 21 de maio de 2015, quando Boyles e os mais de uma semana até alcançarem um trecho
seus colaboradores, viajando com uma escolta navegável do Cuito. Só então podem embarcar
de Land Rovers do Halo Trust, uma ONG volta e usar os remos e as varas, mas aí enfrentando uma
da para a desativação de minas terrestres, e um nova ameaça: os crocodilos e os hipopótamos.
enorme caminhão russo, chegam até um lago que Nos trechos iniciais, o Cuito é um rio intocado
é a nascente do Rio Cuito. Eles haviam levado vá - água límpida, poucos sinais da presença hu
rias toneladas de equipamentos e sete mokoros, mana. Na manhã de 11 de julho de 2015, em uma
que lhes serviriam para descer o rio. No primeiro curva larga, algo mergulha na água por entre os
DELTA DO OKAVANGO
!- Um hipopótamo emborca
•1:• uma das canoas - chamada
Os planaltos flocestados de mokoro - e fura o seu casco.
Angola-são a orfgem da "à.gua
que engrossa os rios Cuito e •
1 A expedição dura seis
•
Cubango e,élepois, irriga o delta
•
meses e percorre
O período das chuvas fortes
2 420 quilómetros, do planalto
esten�-se de outubro a abril,
até os areais além do delta
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e as ágefas levam meses para
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chegar aos pântanos sazonais. · ••:
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em junho de 2017.
Um delta
no deserto
As águas da bacia hídrica do Okavango correm das terras altas
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BACIA DO
e se distribuem pelos sinuosos cursos d'água de um raro delta OKAVANGO
Megatransecção da Transecção
nascente ao areal Outras expedições do Cubango
2 420 km 030 · Mt..J.i•M · 6 540 quilômetros no total
340
Delta do
Dun,n
deª"'ª\
Cerca de 100 mil turistas
visitam, por ano, campings e
pousadas no delta, fazendo
a m
do turismo um dos setores
mais rentáveis de Botsuana
ESPÉCIES IDENTIFICADAS
DELTA DO OKAVANGO
nas várzeas, elefantes lançando longas sombras Para além dela, estende-se urna depressão pla
no final da tarde. "Não há nenhum abutre", co na, preenchida, em parte, por sedimentos, mas
menta ele. "Deveriam estar concentrados nesses ainda assim é a área mais baixa da Bacia do
palmeirais - deveria ter abutre por todo lado." Kalahari, pela qual se espalham as águas do Delta
Mas os abutres são odiados pelos caçadores ile do Okavango, assumindo o formato de uma flor.
gais, pois alertam para a presença de carcaças de As pétalas da flor, contudo, alcançam o seu limite
elefantes recém-abatidos; por isso, são mortos em outras duas falhas diagonais, assinalando o
por meio da colocação de veneno na carne des perímetro sudeste do delta. Topando com esses
prezada dos animais. O Delta do Okavango, mes limites naturais, a água restante se desvia na di
mo quando recebe toda a água de que precisa, reção oeste, formando um reservatório linear, o
também tem os seus problemas. Lago Ngami, ou acaba por desaparecer nos areais.
Seguimos para o norte, sobrevoando planícies Ao sul de tudo isso, estão as salinas e o deserto.
de junco e papiro, com ilhas de todos os tamanhos, Em meio à complexidade do suprimento de
até que McNutt diz: "Em algum ponto por aqui água e da proliferação biológica, desde as cabe
deve estar a falha tectônica. A partir dela é que ceiras até o delta, vários fatores são particular
tudo começa a se difundir. A partir do saliente". mente decisivos. O próprio delta recebe chuva,
O "saliente" é uma larga extensão de água que mas não muita, sobretudo durante os meses es
se move aos poucos, contida pelas cristas que se tivais, de dezembro a março. Já no planalto cen
erguem nas várzeas alagadiças, começando logo tral de Angola, as precipitações são bem mais
ao sul da fronteira com a Nanubia e escorrendo abundantes, cerca de 130 centímetros anuais,
até aquela linha mencionada por McNutt e co que saturam as turfeiras e os areais das planícies
nhecida pelos geólogos como a Falha de Gumare. aluviais na região das cabeceiras do Cuito e, em
DELTA DO OKAVANGO