Você está na página 1de 134

N AT I O N A L G E O G R A P H I C .

P T | SETEMBRO 2021

COMO FOI
O INÍCIO DO
N O S S O P L A N E TA
N.º 246 MENSAL €5,00 (CONT.)
00246

603965 000006

D E SV E N DA N D O A F E GA N I S TÃO A G U E R R A DA
OS MISTÉRIOS DO 20 ANOS DEPOIS R E S TAU R AÇ ÃO E M
SISTEMA SOLAR D O 1 1 D E S E T E M B RO A RC O S D E VA L D E V E Z
5
N AT I O N A L G E O G R A P H I C SETEMBRO 2021

S U M Á R I O

2 24
Na capa
As dunas de Yesteryear,
o desfiladeiro Paria e
os penhascos Vermilion,
no Arizona (EUA) escrevem
Os restos do Sistema Solar Origens do nosso planeta uma página da história
Há cerca de quatro mil cometas Um fotógrafo documentou os primitiva da Terra.
conhecidos entre os milhares lugares do planeta que expri- OLIVIER GRUNEWALD
de milhões que se estima mem as etapas que tornaram
existirem no nosso quintal possível um mundo único no
cósmico. Alguns poderão universo conhecido. O nosso
um dia ser perigosos. Para planeta rochoso nasceu do caos
alguns astrónomos, os corpos que, graças a circunstâncias
minúsculos espalhados pelo aleatórias e ao impulso das
Sistema Solar contêm pistas forças evolutivas, prosperou.
importantes sobre os maiores T E X T O D E E VA VA N D E N B E R G
mistérios do universo. F OTO G R A F I A S D E O L I V I E R
T E X TO D E M I C H A E L G R E S H KO G R U N E WA L D

PATRICK H. CORKERY, LOCKHEED MARTIN


R E P O R TA G E N S S E C Ç Õ E S

50
A S UA F OTO

VISÕES

A perigosa cisão EXPLORE


do Afeganistão Rochas e estrelas
Depois de as tropas norte-
A paixão milenar japonesa
-americanas partirem em Setembro
pelo papel
deste ano, que Afeganistão
prevalecerá: aquele que defende A ciência de voar à chuva
as liberdades conquistadas
desde 2001 ou aquele que
GRANDE ANGULAR
prefere regressar à opressão
A Guerra da Restauração
exercida pelos talibãs?
no Minho
T E X TO D E JA S O N MOT L AG H
F O T O G R A F I A S D E K I A N A H AY E R I
E D I TO R I A L

72
I N ST I N TO BÁ S I C O
Escaravelhos-jóia

N A T E L E V I SÃO
Ecos de perda
Que forças podem santificar P RÓX I M O N ÚM E RO
um objecto, conferindo-lhe
significado superior? Abnegação.
Coragem. Resistência perante
o indescritível. Estas foram as
forças que centenas de pessoas
(sobreviventes ou vítimas)
mobilizaram no dia 11 de
Setembro de 2001.
T E X T O D E PAT R I C I A E D M O N D S
F OTO G R A F I A S D E H E N RY L E U T W Y L E R

88
Um zoo (marinho) de vidro
Para o mestre de naturezas mortas
Envie-nos comentários
para nationalgeographic
@ rbarevistas.pt
Guido Mocafico, esta tem sido Siga-nos no Twitter em
uma demanda prolongada: Guido @ngmportugal
quer encontrar e fotografar uma
Torne-se fã da nossa página
colecção de criaturas marinhas de Facebook: facebook.
de vidro com um século de idade, com/ngportugal
espalhadas por instituições e Mais informação na nossa
museus de todo o mundo. É o w página de Internet:
diário de um fotógrafo deste mês. nationalgeographic.pt
Siga-nos no Instagram
T E X T O D E N ATA S H A D A LY em @natgeomagazine-
F OTO G RA F I A S D E G U I D O MO C A F I C O portugal

Assinaturas e
atendimento
ao cliente
Telefone 21 433 70 36
(de 2.ª a 6.ª feira)
E-mail: assinaturas@vasp.pt

DE CIMA PARA BAIXO: KIANA HAYERI; HENRY LEUTWYLER/


ARTEFACTO DOADO POR JOHN MCLOUGHLIN; GUIDO MOCAFICO
V I S Õ E S | A SUA FOTO

M A N U E L F E R R E I R A Em Cabanas de Tavira, uma alvorada límpida impeliu o autor a erguer o drone por breves minutos.
No solo, emergiu o bonito Forte de São João da Barra, fortificação mandada construir logo após a restauração da independência.

J O S É M A R I A N O Todos os anos, há uma regata de moliceiros entre a Torreira e Aveiro. Estas embarcações sobrevivem graças
à carolice da população apaixonada pelas tradições da ria de Aveiro. Há agora menos de vinte moliceiros nestas condições.
P E D R O K I N As grandes fotografias também podem ser acidentais. O avião que transportava o autor sobrevoava
as Terras Altas da Islândia, mas uma tempestade forçou uma mudança de rota. “Felizmente, encontrámos este local fabu-
loso”, conta. “O Sol estava no local correcto”, criando a impressão de que os glaciares são artérias num solo vulcânico.
CELULOSE:
UM MATERIAL
RENOVÁVEL
O aumento da população mundial, a escassez de recursos
e as crescentes pressões sobre o ambiente tornam urgente
um novo paradigma na economia, assente na produção de
bens de consumo de maneira sustentável. Neste contexto,
a utilização de matérias-primas renováveis ganha um novo
protagonismo no caminho da substituição dos recursos fósseis.
Fonte de recursos naturais e renováveis, as florestas geridas
de forma sustentável surgem como solução para o futuro, por
disponibilizarem matérias-primas que representam uma
alternativa a materiais intensivos em carbono, como o plástico,
outros derivados do petróleo, e até o próprio aço. Na base
deste potencial está a celulose, um composto orgânico
presente nas árvores – a fibra de madeira – que já é apelidado
de supermaterial do futuro.
As propriedades únicas da celulose têm permitido múltiplas
aplicações no setor do papel, como suporte de escrita e
impressão, ou o uso sanitário. Mas há um novo mundo de
utilizações que estão a ser viabilizadas pelo intenso trabalho
de investigação e desenvolvimento, conduzindo a soluções
ecológicas de embalagem, capazes de substituir os plásticos
de utilização única. A celulose encontra também alto valor
agregado nas mais diversas indústrias, do automóvel ao têxtil,
passando pela construção, decoração de interiores, cosmética
ou farmacêutica.
Deste cruzamento entre ciência, indústria e objetivos
ambientais, a floresta está a tornar-se cada vez mais o pivot
de um novo modelo de desenvolvimento: a bioeconomia.

mpany apoiam a
National Geographic Portugal a diminuir a sua pegada ecológica.
Fontes: Technical Research Centre of Finland (VTT), 2015. "Cellulose turning into a supermaterial of the future: Broad-based cooperation
multiplying the value of Finnish wood." ScienceDaily | “Directive (EU) 2019/904 of the European Parliament and of the Council on the
reduction of the impact of certain plastic products on the environment”, junho 2019 | “Enhancing the long-term competitiveness of the
forest sector in a green economy: policies for forest-based bioeconomy in Europe”, Forest Europe, Bruxelas, maio 2018
publirreportagem
A PRODUÇÃO DE CELULOSE
utiliza basicamente dois tipos
de árvores: as coníferas, como
pinheiros ou abetos, que geram
pasta de fibra longa; e as
folhosas, como eucaliptos
ou bétulas, que são a origem
da pasta de fibra curta.

O EUCALIPTO GLOBULUS,
bastante comum em Portugal,
é reconhecido como a árvore
mais eficiente para produção
de celulose, com vantagens
económicas e ambientais
no processo produtivo.

Os produtos de base florestal,


como é o caso do papel e do
cartão, são REUTILIZÁVEIS
E BIODEGRADÁVEIS, qualidades
que a União Europeia elege
como fundamentais na transição
para o modelo de bioeconomia,
baseado em produtos renováveis
e ambientalmente responsáveis.
V I S Õ E S
Estados Unidos
Uma estrada atravessa um
desfiladeiro profundo no Norte
do Arizona. Estes desfiladeiros,
esculpidos na rocha durante
milhões de anos pela acção da
água, revelam o substrato
rochoso com marcas evidentes
do passado geológico da região.
CAVAN IMAGES / GETTY IMAGES
Espanha
No coração da Extremadura,
o projecto de reintrodução do
lince-ibérico segue a bom ritmo.
Estas duas crias (nascidas em
liberdade) partilham momentos
de cumplicidade entre irmãos.
No próximo ano, vão manter-se
juntos no território dos
progenitores, beneficiando da
sua protecção. Depois, chegará a
altura de explorar e descobrir
novos territórios.
RICARDO LOURENÇO
Quénia
Uma manada de gnus desenha
um trilho ziguezagueante na sua
passagem pela Reserva Nacional
de Masai Mara. Todos os anos,
com a chegada da estação seca,
milhões destes antílopes
atravessam o rio Mara numa
das maiores migrações de
animais terrestres do mundo.
JAMES WARWICK / GETTY IMAGES
E X P L O R E

ROCHAS E ESTRELAS
Moab atrai uma plêiade de observadores de estrelas e aventureiros.

A FOTOGRAFIA VISÃO NO CTURNA MOVIMEN TO DIURNO


Esta imagem da silhueta É um privilégio poder avis- Cercado por terras públicas
de Andy Lewis contra a tar o céu estrelado sem com dunas de areia jurás-
Lua cheia exigiu qua- poluição luminosa e esse sicas transformadas em
tro meses de preparação. objectivo tem norteado penhascos e pináculos cas-
“Mesmo com a melhor muitos processos de clas- tanho-alaranjados, Moab
tecnologia disponível, sificação de regiões Dark atrai aventureiros e natura-
tudo se resumia a ir lá, Sky, como já aconteceu listas que querem interagir
observar e ver o que se em Portugal. Nos Parques com a natureza. As activida-
alinhava”, diz o fotógrafo Nacionais dos Arcos e des físicas disponíveis vão
Renan Ozturk. Para con- Canyonlands e no Parque das mais elementares
seguir o enquadramento Estadual Dead Horse Point, (rafting, ciclismo, caminha-
de Lewis na slackline os visitantes conseguem das) aos desportos extre-
(um cabo suspenso no ver milhares de estrelas mos como equilibrismo, o
ar), o fotógrafo colocou a olho nu, ao passo BASE jumping com pára-
a câmara a cerca de dois que, numa grande cidade, -quedas ou os wingsuits.
quilómetros de distância. só conseguirão avistar As áreas protegidas da
Quando o tempo, o indiví- algumas dezenas. Para região também tomaram
duo e a Lua se alinharam, ajudar a manter essas medidas para tornar as
“tivemos uma janela visões estelares, Moab áreas ao ar livre mais
de 30 segundos para reforçou as leis contra acessíveis para pessoas
capturar o momento”. a poluição luminosa. com deficiência.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“QUANTO MAIS TEMPO
PASSAMOS NOS
DE SFIL ADEIRO S D O DE SERTO,
MAIS SENTIMOS A PRESENÇA
D O S A N T I G O S P O V O S .”
— Renan Ozturk

OS NUMEROS
´

30
C OM P R I M E N TO A P ROX . , E M M E T RO S ,
DO CABO QUE SE VÊ NA IMAGEM

+300
IDADE DAS ROCHAS MAIS ANTIGAS,
E M M I L H Õ E S D E A N O S , N O PA RQ U E
N AC I O N A L C A N YO N L A N D S

+2.000
N ÚM E RO D E A RC O S N O PA RQ U E
NACIONAL DOS ARCOS

A. D
O NO
R
A Lua põe-se
Moab, atrás da crista
TE

Utah de um des-
iladeiro em
OCEANO Moab, Utah.
PACÍFICO

TEXTO DE NORIE QUINTOS FOTOGRAFIA DE RENAN OZTURK

NGM MAPS SETEMBRO 2021


A HISTÓRIA
COMO NUNCA
LHE FOI
CONTADA
Porque a história deve ser
contada por quem mais sabe do assunto
Os nossos artigos são escritos por professores universitários,
historiadores, filólogos, autores de prestígio e especialistas.

Porque é espectacular... no sentido literal


Contamos-lhe episódios da história em grande estilo,
usando as melhores fotografias e ilustrações. Nós fornecemos
uma verdadeira viagem de luxo ao passado.

Porque temos um selo de qualidade


A nossa marca fala por si. A National Geographic significa
prestígio e conteúdos de nível superior.

Nº1
30 DE SETEMBRO
NAS BANCAS
ASSINE AGORA
OFERTA LIMITADA
LANÇAMENTO

18 €/ano
Em vez de

Receba desde o Nº1


historiang.pt/lançamento
Tel. 21 433 70 36
3€/revista
6 revistas por ano

%
0
OFERTA A EXXCLUSIVA 18€/ano
6 revistas por
p ano em sua casa

5
TO
sem cusstoss de envio adicionais
e começará á a receber desde o Nº1
N
CO
Oferta vválida até 31/12/2021

E S
D
DE
DESCUBRA A
NOVA REVISTA

MAIS
E X P L O R E | ARTEFACTO

O mundo do washi

A MILENAR PAIXÃO
O BAIRRO MINO UDATSU
Este bairro histórico está
repleto de antigas casas de
comerciantes washi, algumas

JAPONESA PELO PAPEL preservadas como museus,


outras transformadas em cafés,
lojas e galerias. Em Outubro,
as ruas brilham com lanternas
washi durante o Festival de
Arte Akari.

MUSEU MINO-WASHI
da artista Yayoi Kasama são
R E P R E S E N TA Ç Õ E S D O M O N T E F U J I
A exposição destaca a
impressas nele. Yumi Katsura confecciona vestidos de noiva usando-o. versatilidade deste papel
E o realizador David Lynch usa-o para criar litografias. O washi, o e o processo de produção,
enquanto as oficinas oferecem
papel artesanal japonês, é usado em tudo, desde sombrinhas e jóias aulas curtas e práticas sobre a
até máscaras de protecção contra o coronavírus. E a sua história sua confecção.
tem pelo menos 1.300 anos.
FESTIVAL ECHIZEN KAMI
Usado em pergaminhos, livros e telas, o washi tornou-se Patrimó- A produção de washi não se
nio Cultural Imaterial da UNESCO em 2014, com base nas técnicas limita às áreas designadas pela
de fabrico de papel de três locais: Hamada na província de Shimane, UNESCO. Na região rural de
Echizen, existem mais de
Mino na província de Gifu e Ogawa/Higashi-chichibu na província sessenta fábricas de papel e
de Saitama. “A designação não premiou o washi ou as pessoas que o um tributo à deusa do papel no
Santuário Okamoto Otaki, que
produzem, mas sim as técnicas”, explica Takeshi Kano, um dos oito
homenageia a influência divina
artesãos qualificados para criar o Honminoshi, o grau mais elevado do washi com um festival anual
do washi de Mino. Este deve ser “feito inteiramente à mão usando realizado em Maio.
apenas três ingredientes: papel-amora, água e neri, um composto OZU WASHI
vegetal que garante a dispersão uniforme das fibras do papel”, diz. Inaugurado em 1653, este
O método usado envolve um processo demorado que começa grossista do distrito de
Nihonbashi em Tóquio
com a purificação das fibras da casca da amoreira e a formação de armazena todos os tipos de
uma polpa. Em seguida, o artesão mergulha uma moldura na polpa washi e de produtos à base
e agita-a suavemente até que as fibras entrecruzadas formem uma deste papel. Os visitantes
podem visitar um pequeno
folha de papel encharcada. Após um período de secagem, o washi museu e participar em oficinas
clássico está pronto a usar. — RO B G O S S de produção de washi.

O mestre calígrafo Tadashi Kawamata utiliza washi, um tipo de papel tradicional ainda omnipresente no Japão.
E X P L O R E | FOTOGRAFIA

A CIÊNCIA DE
VOAR À CHUVA
PARA UMA BORBOLETA , velocidade de gotas de água
as gotas de chuva podem sobre as asas de uma borboleta
parecer tão grandes como nocturna. Viram que uma
bolas de bowling para nós, camada cerosa espalha a gota
mas as suas asas protegem- de água e, em seguida, uma
nas contra tempestades: é série de minúsculas saliências
uma espécie de armadura perfura-a, transformando-a
que “quebra” as gotas de em gotas mais pequenas
água da chuva. Para estudar que se dispersam. A réplica
esta superfície “super desse sistema de defesa pode
hidrofóbica”, investigadores melhorar futuras substâncias
da Universidade de Cornell repelentes de água.
produziram imagens de alta — MAYA WEI-HASS

FOTOGRAFIA: BRIAN WU, SEUNGHO KIM, JASON DOMBROSKIE E SUNGHWAN JUNG


G R A N D E A N G U L A R

MARCAS DE UMA
GUERRA ESQUECIDA
D U R A N T E 2 8 A N O S D O S É C U LO X V I I , P O RT U GA L E E S PA N H A
T R AVA R A M U M C O N F R O N T O F E R O Z A O L O N G O D A F R O N T E I R A .
N O M I N H O, A S M A R C A S D E S S A G U E R R A V O LTA R A M A E M E R G I R .
Construído para a Guerra
da Restauração, o Forte do
Bragandelo, em Arcos de
Valdevez, foi usado até
ao início do século XIX.
Depois, a natureza tomou
conta dele. Foi agora
redescoberto e escavado.
CARLOS PONTES
TEXTO DE GONÇALO PEREIRA ROSA

“P
ILUSTRAÇÕES DE ANYFORMS DESIGN

“ P O R TO DA S A S PA RT E S S E P E L E JAVA ,
entre os dois rios
Vez e Lima, tão furiosamente que, a ser o terreno
menos embaraçado, naquele dia se terminar[i]am
todos os intentos daquela campanha.” As palavras
são do conde da Ericeira, digno sucessor de Fernão
Lopes na longa tradição dos cronistas de pena fácil.
Corre o ano de 1662. Vinte e dois anos antes, uma
revolta popular, encabeçada pelo duque de Bragança,
proclamara a independência do reino de Portugal. um homem que “[se] fiava mais do exame dos olhos
Como réplicas de um sismo na Península Ibérica, os [do] que da incerteza da fortuna”. Na Galiza, Dom
exércitos castelhanos tentam arrebatar o trono a Dom Baltasar Pantoja dirige as operações, sucedendo ao
João IV. As fronteiras entre os dois reinos tornam-se marquês de Viana, “que claramente manifestava mais
campos de batalha. A guerra é agora um exercício temor de conquistado [do] que resolução de conquis-
diferente: já não é um confronto de dois exércitos em tador”. Durante dois anos, os dois homens vão jogar
campo aberto, nos quais a superioridade da cavalaria uma partida de xadrez num campo de batalha real.
e da infantaria assegura vitórias. A artilharia torna-se Parte do destino desse jogo do gato e do rato, em
a arma de eleição. E a mobilidade dos exércitos, capa- que os exércitos ganham posições temporárias, logo
zes de vencer grandes distâncias num curto espaço perdidas pela chegada de reforços contrários, é jogada
de tempo, é a chave das operações. na portela do Vez, uma passagem nas imediações de
Na fronteira entre o Minho e a Galiza, os anos de Arcos de Valdevez. O seu controlo assegura caminho
1661 e 1662 são agitados. Dom João IV morrera sem livre para Ponte de Lima e Braga. Para norte, o rio
resolver a questão da independência e sucedera-lhe Minho marca a fronteira com a Galiza, a vinte quiló-
o filho, Dom Afonso VI. Em 1662, porém, ainda é a metros de distância. O conde da Ericeira anota com
mãe, Luísa de Gusmão, a regente. As tropas portu- minúcia as peripécias daqueles dias e lega-nos um
guesas na província de Entre Douro e Minho são guia pormenorizado, e por vezes sarcástico, dos movi-
comandadas por uma velha raposa, o conde do Prado, mentos de homens e animais.
As forças castelhanas haviam estado perto de rom-
per as linhas de defesa, mas esbarraram no fogo de
O Porriño Crecente
artilharia. Dom Baltasar manda queimar a vila de
Salvaterra o Arcos de Valdevez, “situada entre os dois exércitos,
in h
do Miño Rio M sem defesa nem moradores” e sem sequer uma guar-
Melgaço
Monção
Tui
Lapela
nição de protecção. Resta uma hipótese ao coman-
Valença dante galego: chegar primeiro aos fortes do Extremo.
Extremo
Forte do Bragandelo Marchando durante a noite, as forças do conde do
A Barca
de Goián Forte da Pereira Prado atingem primeiro a posição e instalam-se no
Vila Nova
de Cerveira
A Guarda
forte do Bragandelo. As galegas tomam posição num
forte fronteiro, o da Pereira, numa cumeeira, “com
Caminha
Porto
grande trabalho pelo pesado e numeroso trem que
Ponte
da Barca seguia o exército”. Encaram-se. Trocam salvas de arti-
Ponte
lharia, mas, no dia 27 de Outubro, “mandou Dom Bal-
de Lima
Lisboa tasar Pantoja conduzir a artilharia grossa para
Monção”. As forças galegas deixam em ruínas o forte
Viana
do Castelo da Pereira e recuam. É apenas mais uma página na
Faro
longa guerra fronteiriça sem um vencedor evidente.
FOTOGRAFIA: GILBERTO/COUTINHO/SHUTTERSTOCK.
FONTE DO MAPA: REBECA BLANCO-ROTEA SETEMBRO 2021
G R A N D E A N G U L A R | A G U E R R A DA R E STAU R AÇ ÃO N O M I N H O

ENQUANTO UM DRONE SOBREVOA o Forte do Bragandelo, Forte do Bragandelo


com um zumbido característico, a imaginação traba-
lha a galope. É difícil imaginar exércitos aqui, tomando
posição nesta colina tranquila, com infantes, cavalos,
ESPANHA
peças de artilharia, gastadores, mantimentos e car-
ruagens. Mais difícil ainda imaginar o trovão dos PORTUGAL

canhões numa paisagem onde agora só as aves de


rapina piam. A visita, porém, é importante, pois for-
nece uma pista para compreender como um forte desta
envergadura esteve perdido durante séculos: a natu-
N
reza é a grande força moldadora da paisagem. Deixe-
-se o forte, recém-limpo e requalificado pelo município
de Arcos de Valdevez, à mercê da natureza e, em pou-
cos anos, a vegetação tomará de novo conta dele.
Em 2003, a arqueóloga Rebeca Blanco-Rotea, inves-
BRAGANDELO
Desde 1 de Agosto, os fortes do Bragandelo e da Pereira
tigadora da Universidade de Santiago de Compostela,
são visitáveis. O primeiro é um dos mais bem conservados
teve uma epifania. Especializada em arqueologia da do Noroeste da Península Ibérica, mantendo a maioria
paisagem e trazendo para este campo ferramentas dos seus elementos e a configuração original. Os fortes da Portela
metodológicas da arquitectura, iniciou um projecto do Extremo, então conhecida como “Portela do Vez”, tiveram
de identificação das fortalezas associadas às guerras papel relevante durante a Guerra da Restauração (1640-1668).
da Restauração, entre 1640 e 1668, nas regiões do
Minho e da Galiza, no contexto do Plano Director Tenalha em
FORTRANS. Os exércitos lêem a paisagem de uma cauda-de-andorinha
maneira muito própria. “Ocupam elevações porque Obra exterior pouco relevada
com planta-cauda-de-andorinha.
isso lhes permite controlar melhor o adversário”, diz. Cobre as escarpas muito expostas
“Procuram portelas e zonas de passagem para prepa- e leva a defesa a maior distância.
rar emboscadas ou travar avanços.” Durante a década
e meia do seu projecto, Rebeca Blanco-Rotea habi-
tuou-se a olhar para a paisagem como um engenheiro
militar, distinguindo a raia húmida (a fronteira natu-
ral marcada pelo rio Minho – o único ponto da fron-
teira comum delimitado por um rio) da raia seca.
Em 2006, com a disponibilização da ferramenta
Google Earth, Rebeca analisou o território da antiga
freguesia do Extremo. “Não foi uma busca aleatória”, Redente
lembra. “Na década de 1980, o arquitecto Jaime Gar-
rido Rodríguez tinha feito um levantamento exaustivo Baluartes
das estruturas principais associadas a este período Estruturas pentagonais nos ângulos
nos dois lados da fronteira.” Existia também uma dis- salientes das cortinas. A artilharia
concentrava-se nos flancos e
sertação de mestrado, de 1996, de João Viana Antunes, conduzia os ataques pelas faces.
com uma descrição sumária das fortificações. Caíra,
porém, um manto de esquecimento sobre elas. Mulhe-
res pastoras levavam os rebanhos para a elevação do
Bragandelo. “Vistas do ar, as duas estruturas são Contra-escarpa
espectaculares. O Bragandelo, particularmente, exibia Face exterior do fosso da fortificação.
Construída em declive, oposta à escarpa,
um estado de conservação fantástico. Confrontei essas tem ao alto o caminho coberto.
imagens com fotografias aéreas captadas em 1957 e
1958 e deduzi que havia forte probabilidade de se
poder confirmar no terreno a presença do forte.”
Passaram quatro anos. Em 2010, no âmbito da sua Cortinas
investigação de mestrado, a arqueóloga fez prospecção Troço do reparo da fortificação
que liga os baluartes. Corresponde
na zona e alguns desenhos preliminares. Ao nível do ao pano de muralha.
solo, porém, o Bragandelo é uma estrutura complexa.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C FONTES DA ILUSTRAÇÃO: MUNICÍPIO DE


ARCOS DE VALDEVEZ E REBECA BLANCO-ROTEA
Mouro Salvaterra Ponteareas Monção Soutolobre Forte da Pereira
do Minho
Trute

ESPANHA

PORTUGAL

Pereira

Extremo

Praça do forte Porta Plataforma da bateria


Espaço descoberto Acesso aberto ao centro Plataforma de alvenaria , de pedras
para colocação das bocas da cortina. Acede-se sem argamassa. Daqui domina-se
de fogo. Lugar de através do aterro elevado o fundo do vale e a trincheira que
reunião dos defensores. que atravessa o fosso. liga ao Forte da Pereira.

Cavaleiro da bateria

Estacada de pedras fincadas


Um segundo fosso, de menor
expressão e seguido de uma linha
Paiol Caserna de pedras fincadas, reforçava
exteriormente a defesa da bateria.

Caserna

Reparos

Proto-hornaveque
Num momento posterior, foi acrescentado,
numa cota mais baixa, uma forma avançada Fosso
constituída por dois reparos convergentes Escavação em redor da fortificação
que ligam o forte a uma plataforma para dificultar a aproximação
trapezoidal elevada. às cortinas. Era para o fosso que
Trincheira se conduziam as águas pluviais.
G R A N D E A N G U L A R | A G U E R R A DA R E STAU R AÇ ÃO N O M I N H O

Dir-se-ia que um gigante enraivecido enrugou de defensivo requer agora uma articulação entre a for-
propósito a paisagem e o local chegou a ser usado taleza abaluartada, os fossos escavados, os fortes
ilegalmente como pista improvisada de motocross. exteriores, os revelins ou as meias-luas.”
Em 2016, com uma bolsa de pós-doutoramento da Enquanto escavou em Valença, no âmbito dos tra-
Junta da Galiza e a desenvolver na Universidade do balhos de requalificação da cidade com vista a uma
Minho, a arqueóloga dispôs por fim da oportunidade candidatura a Património Mundial da UNESCO, Luís
de realizar trabalho de campo, contando também com Fontes pôde estudar o processo de construção destas
o entusiasmo do Município de Arcos de Valdevez, que fortalezas. “O primeiro factor notável é a rapidez”, diz.
viu nesta página rasurada da história uma oportuni- “É extraordinária a mobilização de recursos para
dade de valorização turística e de conhecimento. No construir fortes em pouco tempo. O segundo factor
terreno, foi então possível perceber que o interior do notável é o facto de a maioria dos fortes ter paramen-
forte era mais complexo do que o previsto, com caser- tos de pedra, ao passo que o miolo é preenchido com
nas, casas de soldados, trincheiras e uma configuração o desaterro que resultou da abertura dos fossos.” De
de fortaleza única na região. Um voo LIDAR, finan- alguma maneira, são uma assinatura da pressa com
ciado pela Comunidade Intermunicipal do Minho em que a guerra no século XVII era travada e da necessi-
2019, forneceu a informação de que estes fortes dispu- dade de aproveitar tudo o que estava à mão.
nham de outras fortificações secundárias associadas.
“Percebemos que o sistema defensivo era mais com- OS DOIS FORTE S DO EXTREMO não eram inexpugnáveis.
plexo do que pensávamos.” Em 2021, foram também Em 1658, após o cerco de Monção, foram tomados com
identificadas, por baixo do coberto vegetal, as trinchei- facilidade pelas forças galegas. Uma vez mais, a ironia
ras de assalto ao forte, que terão servido a dado do conde da Ericeira comentou esses dias: “Com dois
momento para uma tentativa de o tomar pelo lado de mil infantes e trezentos cavalos, [o exército castelhano]
fora. No século XVII, a própria maneira de conduzir a marchou com eles a 7 de Dezembro e achou os fortes
guerra estava a mudar. guarnecidos com gente da ordenança de tal qualidade
que, fazendo maior confiança nos pés [do] que nas
LUÍS FONTES, ARQUEÓLOGO da Universidade do Minho, mãos, os desampararam antes de serem investidos.”
escavou a fortaleza de Valença durante década e meia. Por outras palavras, não houve luta – só fuga.
É uma das fortalezas abaluartadas mais notáveis da A ampulheta do tempo nunca pára e estes vestígios
Península Ibérica. Velho castro da Idade do Ferro, já esquecidos têm enorme potencial pedagógico e
Valença (antiga Contrasta à época de Dom Sancho I) turístico, se identificados nos planos directores
assumiu um papel importante durante a Idade Média, municipais e acarinhados. No Bragandelo, o Muni-
pois dali controlavam-se as duas vias naturais de pas- cípio de Arcos de Valdevez pôs em marcha um ambi-
sagem entre a Galiza e o Minho: a antiga via romana cioso projecto de requalificação, que exigirá a
por terra e o rio Minho. “Descobrimos que o sistema extensão das figuras de protecção a todas as novas
de defesa era mais articulado do que se pensava. Iden- estruturas identificadas e a criação de um roteiro
tificámos cinco fortes secundários, dois dos quais em turístico. A investigação prossegue nos próximos
excelente estado de conservação, bem como trinchei- anos. Ao trabalhar nos dois lados da fronteira, Rebeca
ras, redutos e baterias”, explica. Blanco-Rotea constatou que “o estado de conserva-
A Guerra da Restauração foi a oportunidade para ção destas fortalezas é desigual”. Para os portugueses,
colocar em marcha algumas inovações que vinham as fortificações tornaram-se um símbolo da sua inde-
a ser testadas na Europa desde a integração da pólvora pendência; no lado espanhol, representam a perda
no esforço de guerra. “As fortificações medievais de um território. “Talvez isso explique o motivo pelo
tinham por norma uma torre muito alta e uma mura- qual se conservaram estruturas espectaculares em
lha que a circundava. Eram pensadas para serem Portugal, ao passo que, do lado galego, existiu uma
vistas à distância e aguentarem um tipo de impacte ocultação subconsciente”, diz.
produzido por armas de arremesso, como a catapulta Talvez essa seja a derradeira motivação para preser-
ou as flechas”, comenta Rebeca Blanco-Rotea. A intro- var o que resta dos anos em que a guerra conduziu
dução da pólvora alimentou então a reflexão entre os milhares de vizinhos a estas paisagens idílicas para
engenheiros militares. “Testaram-se fortalezas em lutarem entre si. Em 1662, quando as hostilidades ces-
cubo, depois os bastiões e, por fim, os baluartes, com saram na região, os exércitos retiraram-se “com tanta
frequência em forma de flecha. As suas muralhas são alegria dos povos de um e de outro reino, havendo-se
agora mais baixas e de alvenaria. Os muros são ata- divulgado a prática que os dividiu”. A fronteira voltou
ludados. Diluem-se na paisagem. E o sistema então a ser um espaço de comunhão e partilha.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
A fortaleza abaluartada de Valença foi escavada durante década e meia por Luís Fontes da Universidade do Minho.
Entre várias descobertas sobre o sistema defensivo, o arqueólogo identificou fortes secundários e trincheiras de ligação.

GUERRA DE TRINCHEIRAS
A Guerra da Restauração foi um dos primeiros confrontos
em que se recorreu ao uso sistemático de trincheiras como
defesas complementares. Na Portela do Extremo, em Valença
e noutras fortificações, a arqueologia tem
revelado trincheiras impressionantes.

Estacada de
pedras fincadas

1,5 metros

Escavadas rapidamente, as trincheiras tinham por norma


um fosso de secção trapezoidal com cerca de 1,5 metros
de profundidade e dois taludes laterais e paralelos, construídos
com a terra e pedras provenientes da escavação do fosso.

FOTOGRAFIA: SHUTTERSTOCK. FONTES DA ILUSTRAÇÃO: MUNICÍPIO


DE ARCOS DE VALDEVEZ E REBECA BLANCO-ROTEA
«Acreditamos no poder da ciência, da exploração
e da divulgação para mudar o mundo.»

A National Geographic Society é uma organização global sem fins lucrativos que procura novas fronteiras da
exploração, a expansão do conhecimento do planeta e soluções para um futuro mais saudável e sustentável.

NATIONAL GEOGRAPHIC MAGAZINE PORTUGAL NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY

Dr. Jill Tiefenthaler


GONÇALO PEREIRA ROSA, Director CHIEF EXECUTIVE OFFICER

r p SENIOR MANAGEMENT
MIQUEL APARICI, Director de Arte PRESIDENT AND CHIEF OPERATING OFFICER: Michael L. Ulica
ARIADNA HERNÁNDEZ FOX, Directora-geral Shannon Bartlett
HELENA ABREU, Coordenadora editorial CHIEF DIVERSITY OFFICER:
CHIEF COMMUNICATIONS OFFICER: Crystal Brown
M.ª LUZ MAÑAS, Directora comercial Madrid
JOSÉ LUIS RODRÍGUEZ, CHIEF BUSINESS OPERATIONS OFFICER: Tara Bunch

Tratamento de imagem mluz-m@rba.es - Tel.: 91 510 66 00 CHIEF HUMAN RESOURCES OFFICER: Mara Dell
_____________________________________________ CHIEF SCIENCE AND INNOVATION OFFICER: Ian Miller
CHIEF EXPLORER ENGAGEMENT OFFICER: Alex Moen
CONSELHO CIENTÍFICO ANA GEA, Directora comercial Barcelona CHIEF ADVANCEMENT OFFICER: Kara Ramirez Mullins

ana-gea@rba.es - Tel.: 93 415 23 22 CHIEF EDUCATION OFFICER: Vicki Phillips


AIRES BARROS, Presidente;
CHIEF LEGAL OFFICER: Sumeet Seam
ALEXANDRE QUINTANILHA, Biologia CHIEF OF STAFF: Kim Waldron

CARLOS FABIÃO, Arqueologia SERAFÍN GONZÁLEZ, Director de negócios CHIEF STORYTELLING OFFICER: Kaitlin Yarnall
CHIEF FINANCIAL OFFICER: Rob Young
CARVALHO RODRIGUES, Aerospacial digitais e serviços comerciais
CLÁUDIO TORRES, Arqueologia ___________________________________________ BOARD OF TRUSTEES
CHAIRMAN: Jean M. Case
FRANCISCO ALVES, Arqueologia Náutica IMPRESSÃO E ENCADERNAÇÃO
VICE CHAIRMAN: Katherine Bradley
FRANCISCO PETRUCCI-FONSECA, Zoologia Rotocobrhi, S.A.U.
Brendan P. Bechtel, Afsaneh Beschloss, Ángel Cabrera,
GALOPIM DE CARVALHO, Geologia Ronda de Valdecarrizo n.º 13 Elizabeth Comstock, Jack Dangermond, Joseph M. DeSimone,
28760 Tres Cantos – Madrid Alexandra Grosvenor Eller, Jane Lubchenco, Kevin J. Maroni,
JOÃO DE PINA CABRAL, Antropologia Social
___________________________________________ Strive Masiyiwa, Mark C. Moore, George Muñoz, Lyndon Rive,
JOÃO PAULO OLIVEIRA E COSTA, Edward P. Roski, Jr., Frederick J. Ryan, Jr., Rajiv Shah, Ellen R.
História da Expansão ASSINATURAS Stofan, Jill Tiefenthaler, Anthony A. Williams, Tracy R.
Wolstencroft
SALOMÉ PAIS, Botânica VASP-PREMIUM
EXPLORERS-IN-RESIDENCE
SUSANA MATOS VIEGAS, Antropologia Social Tel.: (351) 21 433 70 36 (de 2.ª a 6.ª feira)
Enric Sala
TERESA LAGO, Astronomia assinaturas@vasp.pt
___________________________________________ EXPLORERS-AT-LARGE
VANDA SANTOS, Paleontologia
Robert Ballard, Lee R. Berger, James Cameron, Sylvia Earle,
VIRIATO SOROMENHO-MARQUES, Ambiente J. Michael Fay, Beverly Joubert, Dereck Joubert, Louise
DISTRIBUIÇÃO
VICTOR HUGO FORJAZ, Vulcanologia Leakey, Meave Leakey, Thomas Lovejoy, Rodrigo Medellin
_____________________________________________ VASP, Distribuidora de Publicações, SA
MLP – Media Logistic Park NATIONAL GEOGRAPHIC PARTNERS
TRADUÇÃO E REVISÃO SENIOR MANAGEMENT
Bernardo Sá Nogueira, Coordenação Quinta do Grajal
EDITORIAL DIRECTOR: Susan Goldberg
de tradução; Bernardo Sá Nogueira, 2739-511 Agualva - Cacém GENERAL MANAGER NG MEDIA: David E. Miller
Erica da Cunha Alves e Luís Pinto,
Tel.: (351) 214 337 000 DEPUTY CHIEF COUNSEL: Evelyn Miller
Tradução; Elsa Gonçalves, Revisão GLOBAL NETWORKS CEO: Courteney Monroe
_____________________________________________
HEAD OF TRAVEL AND TOUR OPERATIONS: Nancy Schumacher
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Periodicidade: mensal CHIEF FINANCIAL OFFICER: Akilesh Sridharan
Anyforms; Carlos Pontes; Filipa Capela (Internet e
redes sociais); José Séneca; Ricardo Lourenço Depósito Legal n.º B-8123-2021 BOARD OF DIRECTORS
_____________________________________________
ISSN 2182-5459 Jean M. Case, Rebecca Campbell, Josh d'Amaro, Karim Daniel,
SIGA-NOS TAMBÉM EM Registo de imprensa n.º 123811 Nancy Lee, Kevin J. Maroni, Peter Rice, Frederick J. Ryan, Jr.,
Jill Tiefenthaler, Michael L. Ulica
nationalgeographic.pt Tiragem média: 40.000
facebook.com/ngportugal INTERNATIONAL PUBLISHING
Estatuto editorial:
zinio.com/NatGeoPT SENIOR VICE PRESIDENT: Yulia Petrossian Boyle
nationalgeographic.pt/lei-transparencia
instagram.com/natgeo_revistaportugal
Canal National Geographic Portugal no YouTube Allison Bradshaw, Ariel Deiaco-Lohr, Kelly Hoover,
_____________________________________________ Diana Jaksic, Jennifer Jones, Leanna Lakeram,
Capital social: € 250.000
Rossana Stella
ACCIONISTAS – SÓCIO ÚNICO:
PROPRIETÁRIA/EDITORA
RBA Holding de Comunicación, S.L.U. Copyright © 2021 National Geographic Partners, LLC.
RBA Revistas, S.L. Todos os direitos reservados. National Geographic e Yellow Border:
Registered Trademarks® Marcas Registadas. A National Geographic
Avda. Diagonal, 189 – 08018 Barcelona Interdita a reprodução de textos e imagens declina a responsabilidade sobre materiais não solicitados.
CIF: B 64610389 membro da
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE

nationalgeographic@rbarevistas.pt
CONTROLO DE TIRAGEM

Licença de
NATIONAL GEOGRAPHIC MAGAZINE NATIONAL GEOGRAPHIC PARTNERS, LLC.
EDITOR IN CHIEF Susan Goldberg
EXECUTIVE EDITOR: Debra Adams Simmons. MANAGING EDITOR, MAGAZINES: David Brindley. SENIOR DIRECTOR, SHORT RICARDO RODRIGO, Presidente
FORM: Patty Edmonds. DIRECTOR OF VISUAL AND IMMERSIVE EXPERIENCES: Whitney Johnson. SENIOR EXECUTIVE
EDITOR: Indira Lakshmanan. EXECUTIVE EDITOR, LONG FORM: David Lindsey. CREATIVE DIRECTOR: Emmet Smith. ANA RODRIGO, Editora
MANAGING EDITOR, DIGITAL: Alissa Swango. MANAGING EDITOR, SPECIAL PROJECTS: Michael Tribble.
JOAN BORRELL FIGUERAS, Director-geral
INTERNATIONAL EDITIONS EDITORIAL DIRECTOR: Amy Kolczak. DEPUTY EDITORIAL DIRECTOR: Darren Smith. Corporativo
TRANSLATION MANAGER: Beata Kovacs Nas. INTERNATIONAL EDITOR: Leigh Mitnick
AUREA DIAZ ESCRIU, Directora-geral
EDITORS ALEMANHA: Werner Siefer. AMÉRICA LATINA: Claudia Muzzi Turullols. BULGÁRIA: Krassimir Drumev.
CAZAQUISTÃO: Yerkin Zhakipov. CHINA: Tianrang Mai. COREIA: Junemo Kim. CROÁCIA: Hrvoje Prćić. BERTA CASTELLET, Directora de Marketing
ESLOVÉNIA: Marija Javornik. ESPANHA: Ismael Nafría. ESTÓNIA: Erkki Peetsalu. FRANÇA: Gabriel Joseph-Dezaize.
GEÓRGIA: Natia Khuluzauri. HOLANDA/BÉLGICA: Arno Kantelberg. HUNGRIA: Tamás Vitray. ÍNDIA: Lakshmi Sankaran. JORDINA SALVANY, Directora Criativa
INDONÉSIA: Didi Kaspi Kasim. ISRAEL: Idit Elnatan. ITÁLIA: Marco Cattaneo. JAPÃO: Shigeo Otsuka.
ISMAEL NAFRÍA, Director Editorial
LÍNGUA ÁRABE: Alsaad Omar Almenhaly. LITUÂNIA: Frederikas Jansonas. POLÓNIA: Agnieszka Franus.
PORTUGAL: Gonçalo Pereira Rosa. REPÚBLICA CHECA: Tomáš Tureček. ROMÉNIA: Catalin Gruia. JOSEP OYA, Director-geral de Operações
RÚSSIA: Andrei Palamarchuk. SÉRVIA: Igor Rill. TAIWAN: Yungshih Lee. TAILÂNDIA: Kowit Phadungruangkij.
TURQUIA: Nesibe Bat RAMON FORTUNY, Director de Produção
S E T E M B R O | EDITORIAL

20 ANOS
DEPOIS Uma pausa para
a memória
DO 11 DE
SETEMBRO

TEXTO DE SUSAN GOLDBERG

S E T E M P E LO M E N O S 3 0 A N O S , provavel-
mente recorda-se do que estava a fazer
quando tomou conhecimento do que
estava a acontecer no dia 11 de Setem-
bro de 2001. É um daqueles momentos
memoráveis para uma geração.
Este mês, assinalamos o vigésimo
aniversário do 11 de Setembro, um dia
que matou quase três mil pessoas e que
deu início à guerra mais longa da histó-
ria moderna dos Estados Unidos.
Duas reportagens desta edição explo-
ram as consequências desse aconte-
cimento. Uma delas expõe fotografias
de estúdio de objectos aparentemente
comuns, mas que, na verdade, são invul-
gares. Nunca antes mostrados, estes
artefactos provêm dos escombros do
World Trade Center em Nova Iorque, de
um campo na Pensilvânia, e do Pentá- completariam 31 anos, é devastador Elementos do grupo que
gono na Virgínia. Foram os locais onde pensar na nossa perda colectiva. viajou com a National
Geographic posam para
os terroristas da al-Qaeda provocaram a No dia 11 de Setembro, também per- uma fotografia no Aero-
queda de aviões sequestrados, criando demos três professores empenhados: porto Internacional de
um novo mundo assustador. Sara Clark, James Debeuneure e Hilda Dulles antes do voo. Da
esquerda para a direita:
O avião que atingiu o Pentágono era Taylor, que acompanhavam os alunos. James Debeuneure, Rodney
o voo 77 da American Airlines, com Sara, 65, e o noivo estavam a planear Dickens, Bernard Brown,
destino a Los Angeles. Às 9h37, cinco o casamento. James, 58, pai e avô, Hilda Taylor, Asia Cottom,
Joe Ferguson e Ann Judge.
terroristas fizeram-no embater no lado gostava de golfe e de coleccionar arte.
oeste do edifício, matando-se e condu- Hilda, 58, mãe e avó, adorava cozinhar
zindo à morte 59 outras pessoas que e trabalhar no seu jardim.
seguiam a bordo e 125 que se encontra- Os outros cuja morte lamentamos tra-
vam no solo. Entre os mortos estavam balhavam para a National Geographic.
oito pessoas que viajavam para uma con- Ann Judge, 49, organizou viagens pelo
ferência de ecologia patrocinada pela mundo para os nossos jornalistas e exe-
National Geographic. Todos os anos, cutivos. Joe Ferguson adorava ensinar
no dia 11 de Setembro, na nossa sede geografia às crianças. Tinha 39 anos.
em Washington, fazemos uma pausa Saudamos aqueles que perdemos
para os recordar. há 20 anos com esta citação do Memo-
Três dos viajantes da National rial 9/11 do Pentágono: “Reclamamos
Geographic tinham 11 anos: Bernard este solo em memória dos eventos de
Brown, Asia Cottom e Rodney Dickens. 11 de Setembro de 2001, para home-
Cada criança fora seleccionada para nagearmos as 184 pessoas cujas vidas
participar na conferência. Segundo se perderam, as suas famílias e todos
homenagens escritas na época, eram os que se sacrificaram para que
inteligentes, determinadas e bondosas. p o s s amo s viver em lib erdade.
Hoje, quando Bernard, Asia e Rodney Nunca esqueceremos.”

GWEN FAULKNER
O S
R E S T O S
A as
tron
omia
forn
ece-
nos
imag
ens i
nédi
tas d
os o
bjec
tos m s
inús corpo
culo
s r. Estes
a Sola
m
o Siste
s
lo nos
e
ados p
lh
espa
m
contra
e se en
qu
pequen
os dão-n
os pistas
sobre o
s maio
res m
istér
ios d
o un
ivers
o.

o
re shk Em 2015, o cometa C/2014 Q2
a e l G Lovejoy (aqui apresentado num
ic h mosaico de duas fotografias)
O DE M
TEXT
aproximou-se do Sol pela pri-
meira vez em milénios. É prová-
vel que Lovejoy seja oriundo da
nuvem de Oort, uma cobertura
distante que se pensa rodear o
Sistema Solar. É um dos cerca de
quatro mil cometas conhecidos
entre os milhares de milhões
que se estima existirem no
nosso quintal cósmico.

3
A ENERGIA SOLAR de 12 anos a explorar os
asteróides troianos de
Um painel solar da sonda Júpiter. Estes antigos
Lucy, da NASA, desdo- enxames, que orbitam
bra-se durante os tes- o Sol juntamente com o
tes nas instalações da planeta gigante, podem
Lockheed Martin. Com conter pistas sobre a dis-
lançamento agendado posição original do Sis-
para Outubro, Lucy pre- tema Solar.
cisará de dois destes PATRICK H. CORKERY, LOCKHEED MARTIN
painéis para gerar ener- IMAGEM DE ABERTURA: VELIMIR POPOV E
gia durante uma missão EMIL IVANOV NO OBSERVATÓRIO IRIDA
PÉS NA TERRA em Sagamihara, no
No dia 6 de Dezembro Japão. Os cientistas espe-
de 2020, uma cápsula ram que este material os
libertada pela sonda ajude a desvendar segre-
japonesa Hayabusa2 dos sobre o início da for-
pousou entre arbustos mação planetária e talvez
no interior rural da Aus- até sobre as origens da
trália. O contentor vinha vida na Terra. Embora
carregado de detritos a carga de Hayabusa2
recolhidos no asteróide tenha regressado, a
próximo da Terra, sonda prossegue agora a
Ryugu, em 2019. sua missão alargada que
O material ancestral a levará a visitar outro
encontra-se agora no asteróide em 2031.
Centro de Amostras AGÊNCIA DE EXPLORAÇÃO
AEROESPACIAL DO JAPÃO (À ESQUERDA);
Extraterrestres (à direita) NORIKO HAYASHI (À DIREITA)
M A R AV I L H A S M I N Ú S C U L A S 7
NA MIRA
Com largura equivalente
à altura do Empire State
Building, o asteróide
Bennu é o corpo mais
pequeno alguma vez
orbitado por uma sonda.
Em 20 de Outubro de
2020, Bennu tornou-se
o terceiro asteróide
sujeito a recolha de
amostras. A sonda
OSIRIS-REx mergulhou
o seu braço na superfí-
cie (pormenor) e colheu
poeira e rocha. A cáp-
sula com a amostra deve
chegar à Terra em 2023.
VISUALIZAÇÃO DE KEL ELKINS, CENTRO
DE VOO ESPACIAL GODDARD DA NASA;
CENTRO DE VOO ESPACIAL GODDARD
DA NASA/UNIVERSIDADE DO
ARIZONA (PORMENOR)
Dante
Lauretta
está sereno
enquanto se
prepara para
os 17 segundos
para os quais
trabalhou
nos últimos
16 anos.

Cientista planetário, Dante contempla fixa-


mente um monitor onde se vêem três imagens
simuladas de um objecto pedregoso, parecido
com um pião, flutuando num mar de estrelas. É o
asteróide conhecido como 101955 Bennu. Empo-
leirado sobre um banco metálico estofado no in-
terior de um edifício discreto no Colorado, Dante
observa-o. O edifício pode ser confundido com
um vulgar complexo de escritórios. No entanto,
os decalques de naves espaciais nas paredes e
as etiquetas afixadas sobre cada cubículo – Cor-
rente Eléctrica; Telecomunicações; Orientação,
Navegação & Controlo – revelam a sua verdadei-
ra função: aqui fica o controlo de missões da Lo-
ckheed Martin Space.
São 13h49 no fuso horário das montanhas (MT)
do dia 20 de Outubro de 2020. Bennu aparece no
ecrã dentro de um aro verde que representa a
órbita de uma sonda espacial da NASA com um
nome complicadíssimo: Origins, Spectral Inter-
pretation, Resource Identification, and Security-
-Regolith Explorer, ou OSIRIS-REx, resumindo.
Daqui a menos de três horas, o emissário robóti-
co tentará descer e tocar em Bennu pela primeira
vez e, com sorte, colher uma amostra de poeira e
pedras extraterrestres e trazê-la para a Terra.

M A R AV I L H A S M I N Ú S C U L A S 9
BERÇÁRIO
Imagens em comprimen-
tos de onda quase-in-
fravermelhos, captadas
pelo telescópio Gemini
South revelam restos
de planetas em redor
de outras estrelas. Cada
disco de detritos gela-
dos e rochosos rodeia
uma estrela jovem (blo-
queada na imagem).
Muitos discos têm “bura-
cos” interiores, talvez
escavados por planetas
recém-formados. Estes
discos assemelham-se
à cintura de Kuiper do
nosso Sistema Solar.
COMPOSIÇÃO COM CINCO IMAGENS
CAPTADAS PELO OBSERVATÓRIO
INTERNACIONAL GEMINI /NOIRLAB/
GPIES/T. ESPOSITO, UC BERKELEY

10 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Lançado em 2016, OSIRIS-REx foi obrigada a mos e os cientistas planetários suspeitam que
orbitar o Sol duas vezes até conseguir alcançar falte algo, uma vez que, dado o aspecto que lhe
Bennu, que se encontra a mais de 300 milhões de conhecemos, é extremamente difícil explicar de
quilómetros. Com quase 500 metros de largura, que maneira Úrano e Neptuno se formaram nos
Bennu é o corpo celestial mais pequeno alguma locais que orbitam actualmente. O nosso lar cós-
vez orbitado por uma sonda. A sua superfície mico parece não possuir alguns dos tipos de pla-
é tão irregular que a equipa de Dante Lauretta netas mais comuns que orbitam outras estrelas.
passou um ano a cartografá-la até encontrar um E, até 2021, a Terra é o único refúgio de vida que
local seguro onde pousar. Toda esta expectativa conhecemos. Como foi então, ao certo, que o nos-
poderia contribuir para algum nervosismo, mas so Sistema Solar veio aqui parar e deu origem aos
Dante parece em paz. “A sonda está bem-dispos- seus habitantes?
ta hoje”, brinca. Durante muito tempo, corpos pequenos como
A que se deve este stress e esforço para obter Bennu foram desvalorizados como meros vestí-
dois quilogramas de poeira e detritos? Para co- gios do processo de criação dos planetas. Agora,
meçar, os componentes do asteróide formaram- porém, os investigadores sabem que estes corpos
-se nos primeiros momentos do Sistema Solar, há são muito importantes. À semelhança de Bennu,
mais de 4.500 milhões de anos. Estas rochas, que muitos são cápsulas do tempo, que praticamente
mostram indícios de conterem carbono, consti- não mudaram desde o nascimento do nosso Sol.
tuem um arquivo prístino de como os planetas se Outros podem também representar uma ameaça
formaram e, possivelmente, de onde a Terra ob- à vida na Terra. Ao seguirmos e visitarmos estes
teve os materiais fundamentais para a vida. “Em mundos primordiais, colhendo amostras deles,
termos científicos, é ouro”, diz Dante Lauretta. temos finalmente uma oportunidade de perce-
No entanto, Bennu tem também um potencial ber de onde viemos e, com sorte, de impedir estes
de destruição. Está a aproximar-se suficiente- objectos de destruir aquilo em que nos tornámos.
mente da Terra para que os astrónomos dêem
crédito a uma pequena, embora séria, probabili-
dade – 1 em 2.700 – de colidir connosco entre 2175
A
e 2199. As amostras que OSIRIS-REx trouxer po- SS E D
T ERE HUMA
N IDADE
derão ser essenciais para conceber a defesa certa ININTERESSE
OO DA HUMANIDADE por corpos
contra um impacte que poderá libertar mais de pequenos (todos os objectos naturais que orbi-
dois milhões de vezes a energia da explosão de tam o Sol mas não são planetas, planetas-anões
nitrato de amónio que abalou Beirute há um ano. ou luas) acompanha-nos desde que existem seres
Numa escala de dimensão superior, Bennu e humanos a olhar para o céu. Durante milénios,
OSIRIS-REx simbolizam duas revoluções parale- várias culturas detectaram os cometas e meteo-
las na astronomia contemporânea que põem em ros visíveis no céu nocturno e trataram-nos como
causa antigas concepções do Sistema Solar. Os importantes presságios. Havia, porém, limites
telescópios actuais conseguem ver objectos mais para aquilo que se podia fazer para aprender
pequenos e ténues do que nunca, permitindo que mais, porque os corpos pequenos reflectem es-
os astrónomos examinem os céus e descubram a cassa luz solar e são, por isso, difíceis de encon-
população cósmica que rodeia os oito planetas. trar no negrume do espaço.
Há vinte anos, os seres humanos conheciam cer- Na alvorada do século XX, os astrónomos já ti-
ca de cem mil corpos celestiais no Sistema Solar. nham identificado cerca de quinhentos asteróides
No início de 2021, já tínhamos catalogado mais orbitando o Sol, começando pela descoberta de
de um milhão de objectos orbitando o Sol. Ceres, em 1801. O ritmo das descobertas começou
Em simultâneo, agências espaciais de todo o a acelerar nas décadas de 1980 e 1990, com o aper-
mundo desenvolveram ferramentas e tecnolo- feiçoamento dos telescópios. Em 1992, os astró-
gias para visitar e explorar esses mundos e até nomos detectaram o primeiro mundo para lá de
trouxeram pedaços deles para a Terra para os es- Plutão e uma das suas luas, situado além da órbita
tudarem mais pormenorizadamente. de Neptuno, confirmando teorias sobre a zona
As probabilidades pouco têm de abstractas. exterior do Sistema Solar, actualmente conheci-
A imagem do Sistema Solar que todos apren- da como cintura de Kuiper. Hoje, os astrónomos
demos na escola parece ter uma arquitectura sabem que esta região está cheia de milhares de
lógica. No entanto, há décadas que os astróno- corpos gelados. (Continua na pg. 16)

M A R AV I L H A S M I N Ú S C U L A S 11
OS CORPOS PEQUENOS
Resíduos rochosos EROS: BRILHANTE
E ROCHOSO
Os objectos que orbitam mais perto do Sol são pequenos e
Eros é um de milhares de asteróides
rochosos. A gravidade de Júpiter deve ter impedido a for- que atravessam a órbita da Terra e
mação de um planeta da cintura de asteróides principal e podem ser fragmentos de asteróides
levado à colisão e destruição dos primeiros protoplanetas. de maior dimensão ou vestígios de
A massa total dos asteróides é inferior à da nossa Lua. cometas desgastados.

Algumas partículas A rotação está Lagoas de crateras Regos nas pare-


ejectadas são reti- a acelerar, o que profundas e cheias des das crateras
das pela gravidade. poderá alterar de poeira. indiciam fluxos de
a sua órbita. detritos aquosos.

34 km

Estrutura
interna
uniforme

Diâmetro: 564 metros

Meteoritos
de Vesta

BENNU: FRAGMENTOS
AGLOMERADOS
Este aglomerado de detritos, unidos BENNU, EROS,
pela gravidade, mostra a sua idade OSIRIS-REx, 2018-2021 NEAR
através de rochas com superfícies Shoemaker,
fendidas e desgastadas pelo Sol. Nome da missão,* data da visita 1998-2001

60º

ÓRBITAS DISPERSAS Zona de perigo


Os asteróides e cometas de maior
dimensão, cujas órbitas passam
INCL INAÇÃO

Os cientistas identificaram mais de perto da Terra, são vigiados


atentamente. Há mais de 2.100
um milhão de objectos próximos da
objectos com estas características.
Terra. Os corpos celestes mais dis-
tantes do Sol são difíceis de observar
devido à sua distância e superfícies
mais escuras e menos reflectoras..
Os objectos conhecidos são mostrados
30º pela inclinação da órbita em relação
aos planetas maiores.

Asteróide
Asteróide talvez perigoso
Centauro
Objecto transneptuniano

RYUG ,
JAXA Hayabusa2
2014-2020

SOL M E RC Ú R I O VÉNUS TERRA M A RT E


ASTERÓIDES PRÓXIMOS

0 1 Unidade astronómica (UA) 2


CORPOS NÃO À ESCALA *MISSÃO DA NASA, EXCEPTO QUANDO IDENTIFICADA EM CONTRÁRIO
†CONTAGEM DE OBJECTOS À DATA DE 30 DE JUNHO DE 2021.
Fragmentos dos materiais formativos de planetas orbitam o Sol sob a forma de asteróides,
cometas e planetas-anões. Estes corpos pequenos fornecem pistas sobre a história do
nosso Sistema Solar através da sua composição, órbita e comportamento.

VESTA: PSYCHE:
PROTOPLANETA INTACTO ESFERA RARA
Os modelos sugerem que até cem planetas Terão as colisões arrancado uma camada
emergentes começaram a formar-se. Vesta, o rochosa que envolvia o núcleo metálico de
maior asteróide, parece ser o único sobrevivente um antigo planeta em desenvolvimento?
intacto. Crateras, fracturas e fluxos de lava deixa- Uma missão futura investigará se é essa
ram cicatrizes sobre a superfície deste objecto. a história das origens de Psyche.

VESTA, Pensa-se que seja No mínimo,


Crosta constituído por duas grandes
Dawn, 2011-12
basáltica
60% de metal depressões

Manto
rochoso

O
L
Núcleo
metálico

E
571 km

G
277 km

Material
ejectado

O
Interpretação
de artista

D
Grande cratera de impacte; PSYCHE,
possível fonte de asterói- Lançamento
des mais pequenos Psyche, 2022

A
H
CINTURA DE CERES,
ASTERÓIDES PRINCIPAL
Dawn, 2015-18

N
Detritos em colisão desfizeram planetas primor-
diais enquanto estes se formavam. Partículas com
Núcleo
características orbitais similares juntaram-se em
rochoso
grupos conhecidos como famílias de asteróides. I
L

975 km

Água salgada
gelada

CERES: A ANOMALIA
O único planeta-anão da cin-
tura principal possui uma
espessa camada subterrânea
de gelo salgado que irrompeu
através de uma superfície cra-
vejada de pequenas crateras.

P R I N C I P A L C INTU R A DE A STE RÓIDE S

3 4

SMALL WONDERS 13
PARA LÁ DA CONGELAÇÃO
COMETA:
CONTACTO GELADO o ANÃO GELADO
Porosos, esburacados e esgui- Montanhas de gelo cobertas
chando vapor de água e poeira, de metano e um glaciar de
alguns cometas já revelaram com- nitrogénio com 4 quilómetros
postos essenciais à criação de vida. de espessura são algumas das
características de Plutão. Atmosfera rarefeita
rica em nitrogénio
e metano
Poeira e
emissões
de gás PLUTÃO,
Rotação
retrógada New Horizons, 2015
4,3 km Gelo e materiais
rochosos 2.300 km

Superfície
O

Glaciar
de gelo de azoto
Dois pedaços
L

aglomerados
E

COMET 67P
CHURYUMOV-GERASIMENKO,
G

CHARON
ESA Rosetta, 2014-16

1,207 km
Montanhas
com gelo
O

Vulcão de gelo
D

Desfiladeiro extenso
e profundo
A
H

TROIANOS DE JÚPITER,
Lançamento de
N

Lucy, 2021
I

Troianos Centauros
Há milhões de asterói- Viajando entre Júpiter e Neptuno,
L

des que se encontram estes objectos (parte cometa,


equilibrados entre a parte asteróide) podem ser
força de atracção de empurrados na direcção do Sol
Júpiter e a do Sol. pelos planetas maiores ou mesmo
para fora do Sistema Solar.

Pholus

Troianos de
Neptuno

JÚPITER S AT U R N O ÚRANO NEPTUNO


CENTAURO

5 10 20 30
A esta distância do Sol, a água começa a condensar-se, formando gelo.
Os corpos são tipicamente mais gelados e mais gasosos, com órbitas mais elípticas.
Aqui, muitos objectos surgem emparelhados.

Manto
gelado OBJECTO ESTRA-
NHO: O VISITANTE
Possível
oceano A sua velocidade extrema e
trajectória leva os cientistas
a acreditar que o asteróide
‘Oumuamua teve origem fora
do nosso Sistema Solar.

Fendas
expelem gás 805 km

Núcleo
rochoso Superfície

1.099.978
reflectiva

Interpretação
de artista CORPOS CATALOGADOS NO
NOSSO SISTEMA SOLAR. AINDA HÁ
‘OUMUAMUA,
BILIÕES POR IDENTIFICAR.†
observado em 2017

Como sabemos
Quando os objectos passam à
Separados por 19.640 quilómetros, Plutão e frente de um corpo mais bri-
a sua lua, Caronte, mostram sempre a mesma lhante, podem expor informação
face um ao outro ao longo das suas órbitas. sobre o seu tamanho e formato.

60º

OBJECTOS TRANSNEPTUNIANOS
Cerca de quatro mil corpos pequenos foram, até à data, iden-
tificados nesta zona situada além da órbita de Neptuno.
Muitos, como quatro dos planetas-anões conhecidos, são
suficientemente grandes para terem as suas próprias luas.
Os desconhecidos
O Sistema Solar prolonga-se
até uma distância mais de 50
mil vezes superior do que a
que separa a Terra do Sol e
ainda há muito por descobrir
Makemake sobre os seus confins.
Haumea 30º

MANUEL CANALES, EVE CONANT;


Orcus
PATRICIA HEALY, ALEXANDER
STEGMAIER, MATTHEW TWOMBLY
ARTE 3D: ANTOINE COLLIGNON
FONTES: BASE DE DAD OS ASTORB
E NICK MOSKOVITZ, OBSERVATÓRIO
LOWELL; BETHANY EHLMANN,
CALTECH; KEVIN PETER HAND, NASA/
Quaoar JPL; MICHAEL SHEPARD, UNIVERSIDADE
BLOOMSBURG; NASA/UNIVERSIDADE
DO ARIZONA/AGÊNCIA ESPACIAL
CANADIANA/UNIVERSIDADE
DE YORK/MDA

CINTURÃO DE KUIPER

40 50 UA 60

SMALL WONDERS 15
No entanto, se fosse preciso identificar o mo- cintura de Kuiper na esperança de encontrar ob-
mento exacto em que o frenesi da descoberta de jectos maiores e mais brilhantes do que as poucas
corpos pequenos começou, um candidato razoá- centenas de habitantes conhecidos na região, a
vel seria o dia 11 de Março de 1998. Nesse dia, o equipa começou a descobrir um número eleva-
centro norte-americano Minor Planet, repositó- díssimo de mundos novos. “Senti-me como se
rio oficial global de todas as órbitas de asteróides houvesse objectos a cair do céu”, disse.
e cometas, divulgou um comunicado de impren- Entre as descobertas de Mike Brown contavam-
sa de tom ameaçador: um asteróide aproxima- -se três objectos com cerca de metade do diâmetro
va-se a uma distância de 42 mil quilómetros da de Plutão e um (denominado Eris) ainda mais ma-
superfície da Terra, existindo uma pequena pro- ciço. Em 2006 a União Astronómica Internacional
babilidade de atingir o planeta. votou para criar a categoria de “planeta-anão” que
A notícia afectou o público cada vez mais cons- actualmente inclui Plutão. Nos 15 anos entretanto
ciente da gravidade dos danos que um asteróide volvidos, os astrónomos encontraram ainda mais
poderia infligir. Anos antes, geólogos tinham objectos para lá de Neptuno e aprenderam como
identificado a cratera deixada pelo asteróide que eles são muito diferentes entre si no que respeita
atingiu a Terra há 66 milhões de anos, matando ao seu movimento em torno do Sol.
todos os dinossauros excepto as aves. Alguns objectos possuem órbitas estáveis e en-
Os astrónomos apressaram-se a verificar de fadonhas, indicativas de que a sua formação ocor-
novo os seus cálculos. No dia seguinte, Don Yeo- reu no local onde se encontram agora. Outros fo-
mans e Paul Chodas, do Laboratório de Propul- ram atirados para órbitas erráticas pela gravidade
são a Jacto da NASA, confirmaram que o asterói- de Neptuno e alguns, raríssimos, têm órbitas tão
de passaria, inofensivamente, ao largo da Terra, distantes e alongadas em torno do Sol que prova-
a uma distância de 960 mil quilómetros. A crise velmente não sentem a influência da atracção gra-
fora evitada, mas a troca de ideias pôs a desco- vitacional de nenhum dos planetas conhecidos.
berto, de forma gritante, o escasso investimento Estes corpos pequenos “desligados” são tão
que até então fora concedido à detecção de as- estranhos que Mike Brown e alguns astrónomos
teróides perigosos. acreditam serem reveladores da presença de
Em Maio de 1998, o Congresso dos Estados um planeta invisível com uma massa várias ve-
Unidos incumbiu a NASA de descobrir, no mí- zes superior à da Terra, escondido a dezenas de
nimo, 90% de todos os asteróides com mais de milhares de milhões de quilómetros do Sol. Para
quilómetro de diâmetro que se aproximassem resolver este quebra-cabeças, os seres humanos
até 195 milhões de quilómetros do Sol. Conce- precisam de trazer peças do cosmo para a Terra.
deu uma década para esse objectivo. Em Julho,
a NASA criou um gabinete para supervisionar a
busca de asteróides. NA MAD
RUGADA
Os astrónomos contavam então com a tecno- DE
20,
E MBRO DE 20
logia certa. Em finais da década de 1990, os sen- NA MADRUGADA 6 DEDE 6Z
DE DE DEZEMBRO DE 2
sores das câmaras digitais tinham-se tornando o helicóptero de Shogo Tachibana aterrou na Zona
suficientemente grandes e sensíveis para obte- Interdita de Woomera, uma área no interior rural
rem melhores resultados do que as desajeitadas da Austrália com vegetação arbustiva, cerca de
placas de vidro utilizadas, durante décadas, para 450 quilómetros a norte de Adelaide. Nesta
captar imagens do céu nocturno. De repente, os manhã de Verão, serviu de local de aterragem
telescópios passaram a conseguir ver objectos a uma sonda espacial que regressava após con-
mais pequenos, mais ténues e mais distantes. tacto com um asteróide.
E como os novos dados já eram digitais, os inves- Shogo Tachibana, da Universidade de Tóquio,
tigadores podiam analisá-los com programas in- encontrava-se em Woomera com a sua equipa em
formáticos, simplificando assim o processo. busca da cápsula com 40 centímetros de diâme-
O astrónomo Mike Brown assistiu, em pri- tro. Após uma viagem abrasadora pela atmosfera
meira mão, ao que se seguiu. Em 2002, Mike e da Terra, aquele equipamento imobilizara-se no
os colegas decidiram actualizar o telescópio de meio de arbustos prateados e árvores encarqui-
1,2 metros de diâmetro do Observatório de Pa- lhadas, trazendo consigo poeira prístina e rochas
lomar, equipando-o com uma grande câmara quase tão velhas como o Sol, apenas pela segun-
digital. Quando apontou o instrumento para a da vez na história da humanidade.

16 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
CHUVA DE PEDRA?
Os astronautas recolhe-
ram as primeiras amos-
tras prístinas de outro
mundo, incluindo solo
libertado da cratera
lunar Copérnico (em
cima), durante a missão
Apollo 12 (em baixo).
Essas amostras suge-
rem que a cratera se
formou há cerca de 800
milhões de anos, possi-
velmente durante uma
fase intensa de chuvas
de asteróides que bom-
bardearam a Terra e o
seu satélite natural.
AGÊNCIA DE EXPLORAÇÃO AEROESPA-
CIAL DO JAPÃO/SELENE (NO TOPO);
CHARLES CONRAD, JR., NASA (EM BAIXO)
Dez anos antes, a Agência de Exploração Aeros- Visitando asteróides, os cientistas talvez consi-
pacial do Japão, ou JAXA, tornara-se a primeira gam ajudar a resolver um mistério de longa data:
agência espacial a colher uma amostra na super- de que maneira a superfície da Terra se tornou
fície de um asteróide. A missão Hayabusa aproxi- um oásis para a vida, apesar de o nosso planeta se
mou-se do asteróide 25143 Itokawa em 2005, mas a ter formado tão perto do Sol? Enquanto ganhava
manobra de colheita de amostras não correu como forma há mais de 4.500 milhões de anos, o nosso
planeado. Uma cápsula com uma pequena pitada mundo atravessou uma juventude escaldante e
dos seus grãos de poeira aterrou em Woomera em infernal. Contudo, aqui estamos nós: o nosso pá-
2010. A sua sucessora, Hayabusa2, partiu em 2014 lido pontinho azul viaja pelo espaço como um pa-
para o asteróide próximo da Terra 162173 Ryugu. raíso biológico dependente da água e do carbono.
No interior da nave espacial, os engenheiros Segundo algumas investigações, apesar de a
instalaram um conjunto de instrumentos cien- Terra ter cozido no Sistema Solar interior duran-
tíficos, um módulo para pousar, três veículos de te a sua infância, os seus componentes da vida
exploração, um projéctil especialmente concebi- poderiam conter uma quantidade de hidrogénio
do para criar uma cratera artificial e uma câma- suficiente para explicar grande parte da água exis-
ra independente, que filmaria a explosão. Esses tente no nosso planeta. No entanto, as crateras de
acessórios ajudaram a Hayabusa2 a concretizar meteoritos e de impactes existentes em todo o
Sistema Solar apontam para outra
fonte, paradoxalmente violenta, de
hidratação: bombardeamento por
estudando asteróides, asteróides e cometas. As missões
os cientistas esperam com destino a corpos pequenos
descobrir como a realizadas até à data forneceram in-
dícios fascinantes sobre o estímulo
superfície da Terra se
destes impactes ancestrais para a
tornou um oásis para química prebiótica da Terra.
a vida, apesar de o Os 1.500 grãos trazidos de
planeta se ter formado Itokawa pela primeira missão
Hayabusa mostram que os mine-
o p e r to
tã rais do asteróide contêm água que
do Sol.
parece quimicamente semelhan-
te à existente na Terra. E a missão
Rosetta, da Agência Espacial Euro-
o seu derradeiro objectivo: tocar duas vezes em peia, a primeira sonda espacial a orbitar e a fazer
Ryugu, disparar uma bola contra a sua superfície descer um veículo sobre um cometa, entre 2014 e
e recolher a matéria libertada. 2016, revelou que moléculas orgânicas formadas
Agora há 5,4 gramas de grãos de poeira e rochas por processos inanimados poderão constituir
escuros num laboratório dos arredores de Tóquio. até um quarto da massa do cometa.
É a primeira vez que a humanidade contempla de Porém, não podemos pensar apenas na sua
perto a superfície e a subsuperfície de Ryugu e os utilidade para o nosso planeta. Os asteróides e os
próximos estudos produzirão registos inestimá- cometas são mundos minúsculos com terrenos
veis sobre a história do Sistema Solar. próprios. “É como se, de repente, tivéssemos
Até à realização de missões como a Hayabusa2, milhões de novos tipos de mundos para explo-
os cientistas dependiam dos meteoritos caídos rar”, afirma Lindy Elkins-Tanton, cientista pla-
na Terra para sondar as origens do Sistema Solar. netária da Universidade Estadual do Arizona e
Alguns destes torrões primordiais indicavam que investigadora principal de uma missão da NASA
os asteróides de origem continham uma quanti- que pretende explorar Psyche, um asteróide es-
dade surpreendente de minerais com água, bem tranhamente reflector e possivelmente metálico.
como os tipos de química carbonada capazes de Além da sua composição, os movimentos di-
dar origem a alguns dos componentes da vida. versificados dos corpos pequenos estão a revelar
Mas os meteoritos não são completamente prísti- em que medida estes mundos têm sido impor-
nos, pois sobreviveram a uma descida flamejante tantes para dar forma ao sistema estelar a que
através da nossa atmosfera. chamamos lar.

18 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
O M
E SM mais próximo do Sol do que a sua órbita actual.
O
ÍCIO
À medida que os corpos pequenos eram atraídos
EDIF NO COLORAD
O
onde se pela gravidade dos gigantes gasosos, as órbitas
aloja o controlo da missão OSIRIS-Rex contém a dos planetas mudaram até estes deslizarem para
gigantesca sala onde os engenheiros constroem uma configuração instável.
outras missões da NASA, incluindo uma espécie Pensa-se que, de súbito, os planetas cambalea-
de paleontólogo robótico que, em breve, viajará até ram, prosseguindo de forma instável, e as suas
Júpiter. Em Outubro passado, para observar este órbitas se expandiram até atingirem as posições
equipamento, vesti o meu melhor fato… de ir ao actuais – o lugar onde Júpiter capturou os seus
espaço: uma máscara facial e um macacão com- troianos. Durante a refrega, muitos corpos pe-
pleto, com carapuço, concebido para impedir que as quenos foram empurrados mais para dentro, para
minhas roupas e a minha pele causassem qualquer perto do Sol, ou expulsos do Sistema Solar. Os
contaminação. Hal Levison e Cathy Olkin, cientistas planetas interiores, incluindo a Terra, poderão ter
do Investigação do Sudoeste, juntaram-se a mim. sentido as sequelas como um aumento dos bom-
Hal e Cathy são investigadores da primeira bardeamentos. “É como se alguém tivesse pegado
missão destinada a explorar os asteróides troia- no Sistema Solar numa fase inicial e o tivesse aba-
nos de Júpiter, dois enxames de objectos primor- nado com imensa força”, diz Hal Levison.
diais que se deslocam à frente e atrás de Júpiter Após o seu lançamento, em Outubro, entre 2027
ao longo da sua órbita. Na opinião destes espe- e 2033 Lucy sobrevoará uma série de troianos se-
cialistas, os troianos são os fósseis do Sistema leccionados. A cor, composição, densidade e cra-
Solar e, por isso, Cathy sugeriu chamarem Lucy à teras devem ajudar os investigadores a descobrir
missão, em homenagem ao famoso esqueleto de quando e onde cada um se formou no Sistema
Australopithecus afarensis. Solar, sustentando estimativas semelhantes para
Os engenheiros responsáveis pela construção os outros. Estes dados vão lançar um desafio: para
de Lucy testavam um mecanismo essencial para terem alguma possibilidade de estarem certas, as
manter o olhar da sonda fixo nos seus alvos du- futuras simulações do início da formação do Sis-
rante uma série planeada de sobrevoos a alta velo- tema Solar devem reproduzir os padrões que Lucy
cidade. Descrevemos um arco espaçado em torno encontrar. De caminho, a sonda deverá captar as
do dispositivo, ansiosos pelo espectáculo. Mexia primeiras imagens dos troianos com pormenores
-se lenta e metodicamente e até este ligeiro mo- discerníveis jamais vistos por seres humanos.
vimento maravilhou Hal e Cathy. “Está vivo! Está “Esta é a última população estável de pequenos
vivo!”, exclamou Hal, em tom de brincadeira. Os planetas que falta explorar”, diz Cathy Olkin. “É a
olhos de ambos mantiveram-se colados à criação altura certa.”
da equipa enquanto esta ia despertando.
Os troianos de Júpiter, que Lucy estudará, são DE
um enigma dinâmico: não parecem ter-se for- E SAR TO
P DOS OS,
A G RESS
S PRO
mado no local onde se encontram, mas as suas ESTE
órbitas são extremamente difíceis de penetrar os astrónomos sabem que o nosso conhecimento
por serem muito parecidas com o percurso que do que existe lá fora e dos benefícios ou perigos
o planeta gigante descreve em torno do Sol. Se os que poderão estar escondidos na escuridão é
corpos pequenos da actualidade tentassem inva- meramente superficial.
dir o domínio de Júpiter desta maneira, o mais Quando o Observatório Vera C. Rubin iniciar
provável seria colidirem com o colosso, serem es- as suas operações no Chile, em 2023, passará
palhados pela sua gravidade ou até possivelmen- uma década a cartografar o céu austral noctur-
te expulsos do Sistema Solar. Como foi, então, que no com um espantoso nível de pormenor, ob-
Júpiter adquiriu o seu séquito? servando a maior parte do céu 825 vezes. Željko
Em 2005, Hal Levison e os seus colegas do Ob- Ivezić, cientista responsável por este projecto de
servatório da Côte d’Azur, publicaram uma hi- levantamento, compara-o frequentemente com
pótese influente, actualmente conhecida como a rodagem do “mais fantástico filme de todos os
o modelo de Nice, na qual postulavam que o Sis- tempos”. Quando se juntarem todas as imagens
tema Solar começou com muitos mais corpos pe- num time lapse cósmico, o vídeo resultante po-
quenos do que possui actualmente e que Júpiter, derá ser apresentado em full-color HD ao longo
Saturno, Úrano e Neptuno se formaram num local de 11 meses.

M A R AV I L H A S M I N Ú S C U L A S 19
DE OLHOS NO CÉU
Engenheiros juntam-
-se sob o conjunto de
sensores que fornece-
rão energia à câmara
digital do Observatório
Vera C. Rubin, o maior
alguma vez construído
para fins astronómicos.
Em fase de construção
no Chile, o observatório
financiado pelos EUA
espera descobrir mais
cerca de cinco milhões
de asteróides, cometas
e outros corpos peque-
nos quando for acti-
vado em 2023.
JACQUELINE ORRELL, SLAC LABORA-
TÓRIO NACIONAL SLAC DE ACELERAÇÃO
INVASOR ESPACIAL
Em 2019, Gennadiy
Borisov, originário da
Crimeia (em baixo), vis-
lumbrou um objecto a
deslocar-se demasiado
depressa para estar
a orbitar o Sol.
O cometa 2I/Borisov
(em cima) é um de ape-
nas dois corpos de gran-
des dimensões oriundos
de outras estrelas
detectados a atravessar
o Sistema Solar. Neste
momento, existem tal-
vez milhares de intrusos
interestelares.
O. HAINAUT, OBSERVATÓRIO EUROPEU
DO SUL (NO TOPO); YULIA ZHULIKOVA
(EM BAIXO)
Espera-se que, no final de 2033, o Observa- embaterá contra a lua minúscula de um asterói-
tório Rubin tenha aumentado dramaticamente de a cerca de 24.000 quilómetros por hora, en-
o número conhecido de corpos pequenos. As curtando a sua órbita até dez minutos.
suas previsões incluem mais cinco milhões de Se a DART for bem-sucedida, os seres huma-
asteróides na cintura principal, cerca de 300 mil nos poderão, no futuro, recorrer a uma versão
troianos de Júpiter, 40 mil objectos para lá de maior desta manobra para manter Bennu sob
Neptuno e 10 a 100 objectos que transitam pelo controlo. Primeiro, contudo, pedaços muito
nosso Sistema Solar e se formaram em redor de mais pequenos de Bennu atravessarão inofensi-
outras estrelas, que se juntarão aos dois desco- vamente a nossa atmosfera.
bertos pelos astrónomos desde 2017.
Para a astrónoma Michele Bannister, da Uni-
versidade de Canterbury, o potencial do Ob- N O FU S O
ÃO AG O RA 16H13
S HORÁRIO
servatório Rubin é motivo de admiração. “Ba- (MT)

sicamente, temos sido crianças à beira-mar, a das montanhas (MT) do dia 20 de Outubro de
apanhar conchinhas e a contemplar a sua be- 2020 e os 17 segundos pelos quais Dante Laure-
leza”, diz. “No entanto, à nossa volta, existe um tta tanto esperou já decorreram para seu grande
oceano enorme a perder de vista que, de repen- contentamento. Dois minutos antes, ele e a sua
te, se transformou num sítio que podemos visi- equipa receberam a informação de que a OSIRIS-
tar e explorar.” -REx se encontrava a cinco metros da superfície
Espera-se também que a cartografia des- de Bennu e o sistema de detecção de perigos da
te mar celestial permita identificar mais cem sonda dera-lhe luz verde para avançar. Dante faz
mil asteróides próximos da Terra, situados até um sorriso rasgado. Pergunto-lhe como se sente
195 milhões de quilómetros do Sol, alguns dos e ele diz apenas uma palavra: “Transcendente.”
quais “potencialmente perigosos” como Bennu: A engenheira de sistemas Estelle Church con-
objectos com mais de 150 metros de diâmetro, firma então que as ordens que transmitiu foram
com órbitas que os posicionam a um alcance de cumpridas. A milhões de quilómetros da Terra,
7,5 milhões de quilómetros do percurso da Terra esquivando-se de rochedos maiores do que ca-
em torno do Sol. Se aprendemos alguma coisa sas, a OSIRIS-REx já recolheu o seu tesouro e
com a COVID-19, para não mencionar as crises está a afastar-se.
climáticas e as extinções, é que os sistemas so- A extremidade do braço de recolha de amos-
bre os quais assenta a civilização contemporâ- tras da OSIRIS-Rex ficou tão carregada de detri-
nea são frágeis. Agora imagine atirar uma rocha tos que se encravou na posição de abertura e a
espacial bem grande contra eles. equipa foi obrigada a apressar-se a vedar a fuga
“Como é óbvio, os asteróides e cometas próxi- do contentor. Devido ao sucedido, não sabem
mos da Terra são um problema menos provável, que quantidade de Bennu chegará à Terra quan-
comparado com algo como a actual pandemia”, do a OSIRIS-REx largar a cápsula em 2023, mas
afirma Amy Mainzer, cientista planetária da calculam que seja abundante e que uma obser-
Universidade do Arizona e especialista em as- vação mais aprofundada da sua química poderá
teróides próximos da Terra. “Mas… um dia, se abalar os conhecimentos actualmente disponí-
esperarmos tempo suficiente, os eventos impro- veis sobre os primórdios da biologia.
váveis acabam por acontecer.” “Vamos compreender melhor as probabilida-
Para proteger a Terra de tal destino não vamos des de existir vida noutros lugares da galáxia, ou
precisar de equipas desorganizadas de astronau- mesmo do universo”, diz Dante Lauretta.
tas armados com bombas nucleares como nos fil- Somos feitos de matéria estelar, como diz o
mes. Se os astrónomos conseguirem prever uma velho adágio de Carl Sagan. Porém, enquanto
colisão com antecedência suficiente, uma sonda produtos do Sistema Solar, também podería-
espacial expedita poderá ser lançada a tempo de mos considerar-nos irmãos de Bennu, irmãs de
atingir o asteróide e tornar a sua órbita inofen- Psyche, primos e primas dos cometas, parentes
siva. Em 2022, uma missão da NASA concebida dos asteróides e cometas que contam as nossas
e gerida pelo Laboratório de Física Aplicada da histórias mais profundas. Num certo sentido,
Universidade Johns Hopkins tentará fazer esta também nós somos corpos pequenos do Sol: in-
manobra com uma sonda espacial chamada Dou- finitamente belos e diversificados, guardando
ble Asteroid Redirection Test, ou DART. DART os segredos da própria vida. j

M A R AV I L H A S M I N Ú S C U L A S 23
Na Islândia, recriando
o ambiente da Terra
mais antiga, uma torrente
de lava penetra num desfila-
deiro profundo depois de
ejectada de uma fissura do
vulcão Eyjafjallajökull durante
a erupção de 2010. Em poucos
dias, a lava preencheu
a fenda que a água demorara
séculos a escavar.
T E X T O D E E VA VA N D E N B E R G

F O T O G R A F I A S D E O L I V I E R G R U N E WA L D

ORIGENS
UM PA S S E I O F OTO G R Á F I C O P E L A T E R R A PA R A V I S LUM B R A R C OMO

E R A O N O S S O P L A N E TA N A S S U A S É P O C A S M A I S A R C A I C A S .
Há 3.800 milhões de
anos, a vida surgiu num
ambiente semelhante ao
de Dallol, na depressão
de Danakil, no Norte
da Etiópia. A beleza
da sua riqueza mineral
exprime-se aqui em bacias
hidrográficas azul-celestes
e verde-opala, terraços
de enxofre, saliências
de geiserito, afloramentos
de salmoura e cristais de sal.
Gotas de chuva caem
sobre as folhas destes
fetos aquáticos (Salvinia
auriculata) durante
uma chuvada matinal
nas zonas húmidas do
Pantanal, no Brasil.
As microalgas foram
o ponto de partida
de um processo que
conduziu à exuberância
das plantas actuais.
“Origens” é uma viagem ao longo
da história da Terra. O nosso
planeta, como um livro aberto, ainda
revela os processos geofísicos
primitivos que culminaram
no aparecimento da vida.
“Esta viagem pelo tempo, o espaço e a diversi- tes, auroras polares dançando, fantasmagóricas,
dade pretende fortalecer o nosso vínculo com a na noite gélida, as forças da erosão modelando
natureza e inspirar o respeito pela Terra, o lar de montanhas e rochas, as formas de vida mais
todas as nossas origens”, explica o fotógrafo fran- incipientes esforçando-se por abrir caminho, a
cês Olivier Grunewald. Ele e a sua companheira, a vegetação conquistando o mundo mineral e os
conservacionista e escritora Bernadette Gilbertas, animais diversificando-se por todos os ambien-
percorreram e documentaram durante 30 anos os tes naturais do nosso planeta. “Por vezes desen-
lugares do planeta que melhor exprimem as eta- freada, outras vezes serena, sempre comovente
pas que tornaram possível um mundo único no e eloquente, a natureza é uma fonte ilimitada de
universo conhecido: o nosso. Um planeta rochoso inspiração”, realça Bernadette Gilbertas.
nascido do caos que, graças a circunstâncias alea- Os artistas classificaram as imagens recolhi-
tórias e ao impulso das forças evolutivas, alberga das em quatro categorias: Caos, Terra, Oásis e
hoje habitats mais diversificados, povoados por Bestiário. A primeira agrupa as fotografias que
milhões de espécies. Entre elas, está a nossa, ca- remetem para as origens do planeta, ainda imer-
paz de se extasiar perante as maravilhas planetá- so no caos. A segunda dá lugar a uma grande va-
rias, mas também capaz de arrasá-las. riedade de paisagens modeladas pelos diferen-
Impressionados pela sexta crise de extinção tes agentes erosivos. A terceira, Oásis, exprime
actualmente em curso, pelas alterações climáti- a persistência dos organismos em singrar nos
cas e pelos restantes problemas ambientais que ambientes mais inesperados. Por fim, Bestiário
nós, os seres humanos, detonámos à escala glo- exalta a magnificência da biodiversidade.
bal, Olivier e Bernadette investiram toda a sua Nestas páginas, mostramos apenas uma parte
energia criativa nesta homenagem ao nosso fas- deste incrível trabalho. Uma obra na qual Olivier
cinante planeta azul. “Foram necessários 4.500 Grunewald e Bernadette Gilbertas captaram a
milhões de anos para forjar este planeta exube- essência dos lugares onde esses acontecimentos
rante, generoso e acolhedor. O que vamos fazer distantes são perceptíveis. Essas palpitações an-
agora? Continuaremos a explorar a crise ecoló- cestrais tornaram possível o pulsar da vida. j
gica ou iremos decidir-nos, por fim, a agir para
evitar o pior?”, reflecte o fotógrafo.
O projecto “Origens”, que resultou numa expo- As falésias escarpadas de Toroweap Point, no
sição itinerante em França e se encontra agora coração do Parque Nacional do Grande Canyon,
em Montreal, no Canadá, presta um espectacu- no Arizona, tingem-se de vermelho na alvorada.
Os cortes transversais do Grande Cayon, uma
lar tributo à história da Terra. Vulcões em erup- garganta do rio Colorado, revelam 2.000
ção derramando torrentes de lava incandescen- milhões de anos da história geológica da Terra.

30 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
CAOS

T U D O C OM E Ç O U H Á C E RC A D E 4.500 milhões após um longo, árduo e acidentado processo.


de anos, quando o colapso de uma gigantesca No início, o nosso planeta era uma massa
nuvem molecular originada pela explosão incandescente que, devido à força da gra-
de uma supernova deu origem ao Sistema vidade, sofreu uma redistribuição dos ele-
Solar. Oito planetas principais (e muitos mentos que o formavam. Quando os mais
outros corpos celestes) iniciaram as suas pesados migraram para a sua parte central,
trajectórias orbitais em redor da nossa grande o núcleo metálico consolidou-se.
estrela. Deles, apenas três, Vénus, Marte e Pouco depois, um longo processo de
a Terra, foram gerados na zona de habita- arrefecimento tornou possível o apareci-
bilidade, esse intervalo de distâncias orbitais mento de dois elementos decisivos para a
entre um planeta e o Sol que permitem a vida: a crosta terrestre e o vapor de água
existência de água líquida. No entanto, só que, ao condensar-se naquela atmosfera
a Terra parece ter sido conquistada pela vida, ancestral, derramou as primeiras chuvas
Fragmentos de gelo flutuam
no maior lago glaciar da
Islândia, o Jökulsarlon, sob
a luz mágica da aurora
boreal. Esta origina-se
quando o vento solar
colide com a magnetosfera
terrestre e se desloca ao
longo dela, gerando uma
luminescência visível nas
latitudes mais elevadas.

sobre um planeta fustigado pelos impac- dioactiva do urânio e de outros elementos


tes de meteoritos e asteróides. Devido a provenientes da supernova que originou
terramotos e erupções constantes, enor- o nosso mundo. Graças a essa actividade
mes quantidades de magma emanaram interna, contamos com um campo mag-
através de fissuras e vulcões, transportan- nético que se estende do núcleo à mag-
do para o exterior grandes quantidades netosfera e nos protege de um vento solar
de lava e gases. carregado de radiações cósmicas. Sem
Quase todos formados nos rebordos das esse escudo, tais radiações destruiriam a
placas tectónicas, os vulcões continuam a camada de ozono essencial para a vida.
ser a porta de saída dos materiais fundi- O facto de a vida ter conseguido progre-
dos nas entranhas do nosso planeta. Para dir durante cerca de 700 milhões de anos
nossa sorte, o núcleo terrestre continua após a génese do planeta, nesse ambiente
a emitir calor devido à desintegração ra- tão hostil, parece um milagre.

ORIGENS 33
Os basaltos da Terra primitiva
formaram jangadas de crosta
terrestre, como estas que
flutuam no lago de lava
do vulcão Nyiragongo,
na República Democrática
do Congo, que borbulha
na caldeira vulcânica com
500 metros de profundidade,
recordando o fantasmagórico
olho do ciclope.
TERRA

de ligação das nossas vidas,


“O S O LO É O E LO como oxigénio, silício, alumínio, ferro,
a origem e o destino de tudo”, diz o filósofo cálcio, sódio, potássio ou magnésio.
e agricultor Wendell Berry numa das suas As maravilhas resultantes possuem
obras. Sustento do nosso mundo, o solo que uma diversidade espantosa: montanhas
pisamos tem sido moldado, desde as origens, afiadas, planaltos extensos, planícies in-
pelas forças da natureza. finitas, depressões, barrancos profundos,
Como se de um conluio cósmico se fiordes, fossas submarinas, dunas, falé-
tratasse, meteoritos, vulcões e sismos, sias… Os diversos minerais e rochas for-
em colaboração com a energia erosiva da mados a partir dos elementos químicos
água e do vento e sob o inclemente efeito primordiais foram cinzelados ao longo de
da gravidade, transformam as matérias- milhares de milhões de anos. Esse barro
-primas que formam a crosta terrestre, primitivo, em certo momento, foi enri-
constituída por elementos químicos quecido com a matéria orgânica da vida e
Na alvorada, uma nuvem
paira sobre Uluru, uma
estrutura rochosa de arenito
que se ergue no coração da
paisagem australiana,
formado há mais de
500 milhões de anos.
Com 863 metros de altitude,
esta montanha sagrada
destaca-se na imensidão
do Território do Norte.

rapidamente se tornou uma nova e potente pográficas perseveraram, transforman-


força da natureza. Entre todos os seres vi- do-se em livros abertos que revelam nos
vos, destaca-se a transformação que os se- seus estratos a acção de eras geológicas
res humanos causam na Terra. Somos hoje inteiras. Ao captar a sua magnificência,
o agente erosivo mais potente. Além disso, como Olivier Grunewald fez no Grande
os produtos que fabricamos têm mais peso Canyon, no estado do Arizona, em Ca-
do que toda a biomassa do planeta. pitol Reef, no estado de Utah, no monte
Graças à geologia, sabemos ler a his- Uluru, na Austrália (em cima) ou na sel-
tória da passagem do tempo na com- va de pedra de Madagáscar, entre mui-
posição e estrutura da Terra. Enquanto tos outros lugares, o fotógrafo, de certo
alguns segredos líticos foram apagados modo, realizou viagem introspectiva que
da actual superficie terrestre, enterrados nos ajuda a tomar consciência da verda-
sob relevos mais jovens, outras formas to- deira magnitude da realidade.

ORIGENS 37
Horseshoe Bend, próxima
da cidade de Page, no estado
do Arizona, é um meandro
escavado há cerca de seis
milhões de anos pelo rio
Colorado, que abriu caminho
através de enormes quantidades
de rochas e sedimentos.
A erosão deixou à vista
camadas espessas de arenito.
OÁSIS

surgiram na
O S P R I M E I RO S S E R E S V I VO S para concretizar essa proeza foram as
Terra há cerca de 3.800 milhões de anos, ou cianobactérias, os primeiros microrga-
seja, 700 milhões de anos depois da formação nismos que realizaram a fotossíntese, um
do nosso planeta. No entanto, não sabemos processo que gera oxigénio como resíduo.
exactamente como, embora as hipóteses Graças a elas, a atmosfera ancestral
apontem para que a agregação das primeiras formada na sua maior parte por hidro-
moléculas orgânicas ocorresse nos ambien- génio, nitrogénio e dióxido de carbono
tes extremos e de temperaturas muito ele- transformou-se num ambiente rico em
vadas das fontes hidrotermais marinhas. oxigénio. Esse ambiente viabilizou a for-
Nas entranhas desses seres primígenos, mação da camada de ozono, que protege
pulsava o gérmen de uma força desmesu- a superfície terrestre das radiações ultra-
rada, que conseguiria expandir-se pelo violetas provenientes do Sol. Esse novo
planeta. Um dos alicerces fundamentais marco representou o fim de quase todos
Estes aloés-aljava (Aloiden-
dron dichotomum), formam
um pequeno bosque no
Sul da Namíbia. São
muito procurados pelos
tecelões-sociais (Philetairus
socius), aves que constroem
enormes ninhos comunitários
nas suas copas.

os microrganismos anaeróbios existen- origem a uma extraordinária proliferação


tes. Alguns, porém, segundo a teoria da de organismos multicelulares complexos.
endossimbiose, formulada pela bióloga A coexistência de espécies foi consoli-
Lynn Margulis, conseguiram associar-se. dando os diferentes ecossistemas mari-
Isso possibilitou o aparecimento de célu- nhos e terrestres. Sustentados por uma
las mais complexas, dotadas de núcleo, rede de interdependência mútua, os siste-
as eucariotas, a partir das quais surgiram mas biológicos foram resistindo aos em-
todas as plantas e animais que conhece- bates naturais, assegurando a durabili-
mos actualmente. dade da vida. Lamentavelmente, os seres
A explosão câmbrica, ocorrida há cerca humanos torpedeiam conscientemente
de 540 milhões de anos, favoreceu essa este oásis único que tanto custou a tecer,
grande diversificação da vida. A conver- ao mesmo tempo que imaginam viagens
gência de circunstâncias favoráveis deu até planetas distantes e inabitáveis.

ORIGENS 41
A floresta Hoh, no coração
do Parque Nacional Olympic,
no estado de Washington,
é uma das últimas florestas
temperadas chuvosas
da América do Norte e
um verdadeiro espectáculo
para os olhos. Múltiplas
formas de vida proliferam
sob o dossel arbóreo de
coníferas, musgos e fetos.
BESTIÁRIO

universal,
O Ú LT I MO A N T E PA S SA D O C OMUM por microrganismos) com 3.700 milhões de
conhecido pelas suas siglas em inglês LUCA, anos na Gronelândia. A descoberta ultrapas-
é o hipotético antepassado comum a todos sou em 200 milhões de anos outras estrutu-
os seres vivos que existem sobre a face da ras semelhantes encontradas anteriormente
Terra. Segundo os cientistas, tudo aponta em Warrawoona, na Austrália. A outra teve
para que esse ser unicelular de tipo bacte- lugar em 2017, quando outra equipa de cien-
riano tenha vivido em fontes hidrotermais tistas superou esse feito ao descobrir fósseis
no fundo do mar há cerca de 4.250 milhões de uma comunidade bacteriana com 3.570
de anos. Hoje em dia, os fósseis dos organis- a 4.280 milhões de anos de antiguidade na
mos vivos mais antigos que se encontraram formação geológica de Nuvvuagittuq, no
correspondem a dois achados recentes. Um Canadá. Tratava-se de um aglomerado de
deles, produzido em 2016, localizou estro- habitantes remotos do fundo do mar que se
matólitos (formações sedimentares criadas alimentavam de ferro.
Em Outubro, os cisnes
(Cygnus cygnus) abandonam
a Sibéria para fugir das
temperaturas extremas.
Depois de percorrerem
8.000 quilómetros durante
18 horas de voo ininterrupto,
aterram em Hokkaido, a ilha
mais setentrional do Japão,
onde os termómetros
rondam 30°C.

No entanto, a vida iria transformar-se te diversificada, que criou na Terra uma


num processo mais complexo, em espe- rede de interacções físicas, químicas e
cial quando as células eucariotas “inven- biológicas. A entrada em cena dos verte-
taram” a reprodução sexual: uma forma brados, durante a explosão câmbrica, deu
bem-sucedida de trocar material genético o tiro de partida para uma nova diversifi-
e evoluir. Quando as células unicelulares cação que culminaria com os primeiros
se associaram e tornaram possível a vida hominídeos, há cerca de seis milhões de
pluricelular, originou-se uma explosão anos e com o Homo sapiens, há apenas
de possibilidades biológicas e inúmeras 200 mil anos. Uma espécie, a nossa, com
combinações. Surgiram as plantas, que, capacidade intelectual para compreender
juntamente com os fungos, colonizaram a extraordinária história da vida na Terra,
a Terra. Apareceram os artrópodes e uma mas demasiado imatura para assumir a
infinidade de formas de vida incrivelmen- responsabilidade que isso acarreta.

ORIGENS 45
Perspectiva aérea
de Hardy Reef, na
Grande Barreira de Coral
australiana. Este ecossistema
constitui a maior estrutura
construída na Terra por
organismos vivos. Nela
abundam as esponjas,
o grupo mais antigo
de animais vivos, que
apareceram no oceano
há 800 milhões de anos.
Estima-se que, no século XIX
existissem 80 milhões de
bisontes deambulando pelos
Estados Unidos, mas o exército
massacrou-os para destruir a
principal fonte de recursos dos
nativos americanos: em 1875,
só restavam 600 bisontes.
Actualmente, existem quatro
mil exemplares no Parque
Nacional de Yellowstone.
20 ANOS DEPOIS DO 11 DE SETEMBRO

A PERIGOSA CISÃO

50
À ESQUERDA:

Sumbul Rhea, de 17 anos,


estudante do Instituto
Nacional de Música do
Afeganistão, nasceu
numa aldeia isolada no
Nuristão. O pai foi rap-
tado três vezes pelos
talibãs por ter deixado
as filhas estudarem
música, conta.

À D I R E I TA :

Samiullah, de 16 anos, um
recruta talibã acusado
de colocar uma bomba,
encontra-se detido num
centro de reabilitação
juvenil em Faizabad.
O pai, que comanda uma
milícia antitalibã, recu-
sou-se a assinar os docu-
mentos para autorizar a
libertação do filho.

DO AFEGANISTÃO

Depois de as tropas dos EUA partirem,


que Afeganistão prevalecerá: aquele que
defende as LIBERDADES conquistadas
desde 2001 ou aquele que prefere regressar
à OPRESSÃO exercida pelos talibãs?

T E X TO D E JA S O N M OT L AG H
F O T O G R A F I A S D E K I A N A H AY E R I
O bazar Kote Sangi, em
Cabul, fervilha às primei-
ras horas da manhã, em
Abril, durante o Rama-
dão, o mês sagrado
do islão. A maioria dos
39 milhões de habitan-
tes do Afeganistão são
muçulmanos sunitas.
As minorias xiitas são
frequentemente marca-
das como alvo a abater
pelos militantes sunitas.
No meio da névoa azul
do narguilé que enche
o Cafe Delight de
Kandahar numa tarde de
fim-de-semana, é fácil
esquecermo-nos de que
há uma guerra lá fora. Hafiza olha pela janela
da pequena casa perto
de
J OV E N S P R O F I S S I O N A I S D O S E XO M A S C U L I N O, de Faizabad, onde se
barbas bem cuidadas, cabelo rapado nos lados e refugiou depois de
comprido atrás aconchegam-se em poltronas con- os talibãs terem con-
quistado a sua aldeia
fortáveis beberricando café, olhando ecrãs planos em 2019. Quando um
que transmitem vídeos atrevidos de música turca dos seus quatro filhos
e indiana, onde as barrigas expostas das mulheres se alistou nos talibãs,
Hafiza implorou ao
foram esbatidas pelos censores do canal. comandante que o dei-
O Afeganistão ainda é assim, uma sociedade xasse regressar a casa.
islâmica conservadora. No entanto, estes clientes “Você já deu dois filhos
ao governo e um à milí-
pertencem a uma geração urbana, mais permissi- cia [antitalibã]” – foi a
va, que atingiu a maioridade depois da queda dos resposta que escutou.
talibãs: têm uma memória vaga, ou nula, do regi- “Este vai ser nosso.”
me fundamentalista opressivo, nascido nesta cida-
de meridional, que proibiu a televisão, a música e
o cinema. Um regime que impedia os homens de

54 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
apararem a barba e obrigava as mulheres a vesti- um acordo assinado em Fevereiro de 2020 com o
rem burkas, que as cobriam da cabeça aos pés. governo dos Estados Unidos, que empurrou para
O dono do café, Ahmadullah Akbari, regressou segundo plano o governo afegão e abriu caminho
a Kandahar em 2018, depois de passar dois anos à retirada das forças norte-americanas, os tali-
no Dubai, desenvolvendo a sua própria empresa bãs reforçaram a sua influência sobre as zonas
em Ayno Maina, uma moderna urbanização em rurais e estão a aproximar-se das cidades. Atrás
crescimento nos arredores da cidade. Com aveni- do balcão do café, Ahmadullah vigia as câmaras
das ladeadas por eucaliptos, vivendas luxuosas e do circuito fechado de televisão que recentemen-
amplas praças com lojas iluminadas por candeei- te instalou como prevenção contra as “bombas
ros eléctricos quase 24 horas por dia, este condo- pegajosas” – explosivos rudimentares detonados
mínio fechado proporciona um ambiente de nor- por telemóveis – que têm como alvos funcioná-
malidade suburbana a afegãos de classe média e rios públicos, activistas, minorias e jornalistas,
alta, muitos dos quais funcionários públicos. no âmbito da estratégia desenvolvida pelos ex-
No entanto, para lá das montanhas, começou tremistas para eliminar a dissidência e instaurar
a formar-se uma tempestade. Encorajados por o medo nos centros urbanos.

A P E R I G O S A C I S ÃO D O A F E G A N I S TÃO 55
Passaram-se vinte anos desde que os EUA in- ram por decidir pôr termo à mais longa guerra em
vadiram o Afeganistão para erradicarem os ter- que se viram envolvidos na época contemporânea.
roristas da al-Qaeda responsáveis pelos ataques Com as últimas forças dos EUA preparadas
de 11 de Setembro de 2001, derrubando o regime para retirar antes do dia 11 de Setembro deste
talibã afegão que os protegia. Os chefes talibãs ano, os militantes talibãs disputam ou contro-
refugiaram-se no vizinho Paquistão e, quando a lam pelo menos 80% dos distritos locais nas
atenção de Washington se desviou para a guerra 34 províncias do país. Funcionários norte-ame-
no Iraque, organizaram o seu regresso. Seguiu-se ricanos e paquistaneses admitem, em privado,
então um fluxo de apoios militares e de fundos sentir-se preocupados com a possibilidade de
de desenvolvimento, oferecidos ao governo pós- os extremistas conseguirem reconquistar o país
-talibã, sobretudo pelos EUA, totalizando mais de no espaço de seis meses a dois anos. Mais de três
150 mil soldados internacionais e quase sete mil em cada quatro afegãos têm actualmente me-
milhões de dólares de ajuda anual, sobretudo no nos de 25 anos de idade: demasiado jovens para
seu auge, em 2011. Esse fluxo não foi suficiente se lembrarem do reinado de terror dos talibãs
para esmagar os talibãs e, por fim, os EUA acaba- e, sobretudo nos centros urbanos, demasiado

56 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
reagem, disparando aleatoriamente foguetes. São
uma arma que tem matado civis e transformado o
mercado das redondezas numa cidade-fantasma.
No Verão, o vale do rio transforma-se num
denso labirinto de pomares luxuriantes, canais
e muros de adobe que, há uma década, deram
cobertura aos talibãs para emboscarem os solda-
dos norte-americanos. Mais tarde, a segurança
melhorou e os agricultores passaram a poder cul-
tivar as uvas e as romãs que deram fama ao vale.
Porém, segundo os habitantes locais, esta calma
aparente foi desfeita pela corrupção crescente,
pelo favoritismo tribal e pelos abusos policiais
que provocaram descontentamento entre uma
população privada de serviços essenciais. Há 25
anos, a insatisfação face aos senhores da guerra
corruptos contribuiu para que os talibãs conquis-
tassem o poder. Agora, abusos semelhantes estão
a alimentar a ressurgência deste grupo.
Há poucos anos, “Arghandab era o distrito mais
seguro da região”, lamenta Shah Mohammad
Ahmadi, antigo governador do distrito. “Os EUA
Depois de terem
estado posicionados fizeram o que lhes competia: muitos bons pro-
em longínquos postos jectos foram aqui desenvolvidos. Infelizmente,
avançados na provín- alguns dos nossos funcionários corruptos traíram
cia do Badaquestão
durante quatro sema- o seu país e alimentaram-se apenas a si mesmos.
nas, soldados afegãos Quando as pessoas não são ouvidas pelo Estado,
de licença caminham a procuram a ajuda de outros, como os talibãs.”
pé durante cinco horas
até chegarem à capital Haji Adam, um ancião tribal da margem do rio
da província, Faizabad. controlada pelos talibãs, afirma: “Nada de impor-
Os talibãs intensificaram tante foi construído” em Kandahar desde que os
os ataques na irrequieta
região do Nordeste, talibãs foram expulsos em 2001, queixa-se. O úni-
que faz fronteira com a co hospital regional de grande dimensão foi cons-
China, o Paquistão e o truído pelos chineses na década de 1970.
Tajiquistão.
Hoje em dia, o Hospital Mirwais, conhecido
como hospital chinês, apresenta-se cheio de
baixas. Dois agentes da polícia atingidos a tiro
durante uma patrulha jazem em macas. Já es-
habituados às liberdades para estarem dispostos tavam mortos quando chegaram. Nos cuidados
a renunciar-lhes. Algumas comunidades rurais intensivos, três homens recuperam da explosão
encaram o regresso dos fundamentalistas como de uma bomba à beira da estrada. Mais à fren-
inevitável e preferível, mas muitos afegãos mol- te, no salão, Lalai, de 16 anos, encontra-se em
dados pela realidade pós-2001 mostram-se desa- estado crítico devido a uma bala perdida dis-
fiadores, sem vontade de regressar a um passado parada num distrito controlado pelos talibãs, a
reaccionário e repressivo. seis horas de distância de automóvel. Os seus
familiares trouxeram-no para Kandahar depois
de distância de
A C E RC A D E O I TO Q U I LÓ M E T RO S de duas intervenções cirúrgicas falhadas numa
Kandahar, o rio Arghandab tornou-se uma linha da clínica local.
frente. Numa manhã límpida de Março, um avião “Ele é órfão”, murmura o tio. “Os pais já mor-
A-29 da Força Aérea afegã executa uma viragem reram e o irmão mais velho foi assassinado há
brusca e mergulha para bombardear um alvo de tijo- três meses.” Após um mês de cuidados médicos,
los do lado controlado pelos talibãs, desencadeando a situação de Lalai degradou-se. Dez dias mais
um ruído trovejante por todo o vale. Os militantes tarde, morreu.

A P E R I G O S A C I S ÃO D O A F E G A N I S TÃO 57
que caracte-
A C I S ÃO E N T R E O C A M P O E A C I DA D E menos bem definida, foi tomando forma. Os líde-
riza o Afeganistão agravou-se nos últimos 20 anos res dos EUA e da NATO manifestaram esperança
e as classes dirigentes ignoram-na. Desde finais do de que as oportunidades económicas e a democra-
século XIX, “já conhecemos pelo menos doze ciclos cia imunizassem o país, impedindo-o de se trans-
de elites rurais que aqui chegaram, conquistaram formar de novo num paraíso para os terroristas.
o poder em Cabul, tornaram-se dirigentes e depois A formação académica, a participação política
acabaram por se tornar quase estranhas para a sua e o estatuto da mulher melhoraram, mas a enxur-
antiga base de apoio”, afirma Tamim Asey, antigo rada de dinheiro estrangeiro exacerbou as linhas
vice-ministro da Defesa e fundador do Instituto para de fractura entre a cidade e o campo. A ajuda e os
contratos militares criaram uma bolha
económica nas cidades, mas a maioria
“De um lado, temos os HABITANTES dos afegãos continuou a sobreviver à
DAS GRANDES CIDADES, mais custa de uma agricultura de subsistên-
liberais, moderados e com estudos, cia, apesar de os EUA terem investido
mais de 144 mil milhões de dólares na
mas que foram PERDENDO CON-
reconstrução do país desde 2001.
TACTO com a população rural.” Plenamente consciente destas dis-
paridades, o primeiro presidente eleito
do Afeganistão, Hamid Karzai, lançou
os Estudos sobre a Guerra e a Paz, um centro de ambiciosos programas de desenvolvimento rural.
reflexão sediado em Cabul. Trata-se de uma “guerra Liderado pelo então ministro das finanças Ashraf
entre duas mundivisões e dois sistemas de valores. Ghani, antigo funcionário do Banco Mundial que
De um lado, temos os habitantes das grandes cida- é actualmente o presidente do país, o Estado ca-
des, mais liberais, moderados e com estudos, mas nalizou 2,5 mil milhões de euros atribuídos pelos
que foram perdendo o contacto com a população doadores internacionais para os concelhos comu-
rural. Do outro, os afegãos rurais, conservadores, nitários com autonomia governativa para finan-
que se sentem negligenciados por um Estado cen- ciar as prioridades locais e a concessão de crédito.
tralizado e governado por elites”. Os doadores despenderam milhões de euros na
Durante 50 anos, o Afeganistão oscilou entre construção de estradas, destinadas a estabelecer
golpes de estado e conflitos. Em 1973, um general a ligação entre as aldeias e os mercados.
afegão expulsou o rei e proclamou-se presiden- “Acesso a estradas, formação académica mo-
te. Cinco anos mais tarde, os comunistas afegãos derna, cuidados de saúde e electricidade deve-
conquistaram o poder. No ano seguinte, a União riam ajudar a estabilizar o país”, comenta Richard
Soviética invadiu o país para apoiar os comunis- Boucher, o diplomata mais graduado dos EUA na
tas, desencadeando uma guerrilha que
durou uma década. Os EUA canaliza-
ram milhões de dólares, através do Pa- “‘Do outro, os AFEGÃOS RURAIS,
quistão, para os mujahedin provenien- conservadores, que SE SENTEM
tes de todo o mundo islâmico, entre NEGLIGENCIAdOS por um Estado
os quais o jihadista saudita Osama bin
centralizado e governado por elites.”
Laden. Por fim, acabaram por obrigar
TA M I M A S E Y , antigo vice-ministro da Defesa
os soviéticos a retirar. Após o fracasso
de um acordo de partilha do poder, os
militantes dividiram-se em facções que
guerrearam entre si. Os talibãs emergiram do caos Ásia Central e Austral, responsável pela região en-
e conquistaram o poder em 1996. tre 2006 e 2009. A teoria era boa, mas houve fa-
Pouco depois, os talibãs impuseram impiedo- lhas na execução. “Deveríamos ter desenvolvido
samente uma versão olho-por-olho da lei Sharia, mais esforços na formação das pessoas que admi-
oprimindo brutalmente as mulheres e as mino- nistram os programas capazes de justificar os di-
rias, destruindo tesouros culturais e dando abrigo nheiros aplicados e de pôr em prática as políticas
à al-Qaeda. Após os atentados de 11 de Setembro públicas… Despendemos muito dinheiro connos-
de 2001, os EUA invadiram o país para erradicar os co e com os nossos empreiteiros e não tanto como
responsáveis por esses ataques, mas outra missão, deveríamos com o povo do Afeganistão.”

58 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
SÉCULOS DE LUTA
e rodeado por montanhas,
S E M F RO N T E I RA S M A R Í T I M A S
desertos e impérios concorrentes, este país da Ásia EUR.
Central tem sido moldado pela guerra e pela diploma- AFEGANISTÃO
ÁSIA
cia desde que o Império Afegão foi fundado em 1747. Um

ÁFR
século mais tarde, as rivalidades geopolíticas entre britâni-

ICA
cos na Índia, a leste, e os russos, a norte, contribuíram para OCEANO
influenciar as fronteiras actuais. Na época contemporânea, ÍNDICO

a identidade nacional do Afeganistão também tem sido


moldada pela resistência às incursões estrangeiras, quase
todas protagonizadas por potências não-muçulmanas.

I A R U S S A
Ê N C
Potência C HIN A
U
F L
histórica
USB. TAJIQUISTÃO IN
I N
vizinha

FL N E
C

UÊ S A
H
TUQUEMENISTÃO

NC
IA
I RÃ O
IN

AFEGANISTÃO
FL
P E


R S

AQ U IS T Ã O
NCI

ra nd I A
ha
Du N C
Ê
A

Li
n
L U
A

F I C A
N Â N
I T
I
R
B ÍNDIA
A Linha Durand
Imposta pelos britânicos em 1893, a fron-
teira deixava metade daquele que é o
grupo étnico dominante do Afeganistão,
os pashtun, sob tutela britânica no actual 100 km
território do Paquistão.

1820 1860 1900 1940 1980 2020

Primeira Segunda Terceira O último rei é Ocupação Início da Talibãs Invasão


guerra guerra guerra destronado soviética al-Qaeda no poder dos EUA
anglo-afegã anglo-afegã anglo-afegã

Monarquia (1747-1973) Guerras anglo-afegãs Guerra soviético-afegã Invasão dos EUA


O Afeganistão é coman- A Grã-Bretanha tenta A invasão da URSS O regime talibã é der-
dado por reis, na sua anexar o Afeganistão instala no poder um rubado por apoiar a
maioria do grupo étnico em três ocasiões para governo comunista. al-Qaeda e Osama bin
pashtun, que domina os proteger o seu Cresce a resistência dos Laden após os ataques
talibãs na actualidade. domínio sobre a Índia. guerrilheiros islâmicos. de 11 de Setembro.

A P E R I G O S A C I S ÃO D O A F E G A N I S TÃO 59
AFEGANISTÃO
EM GUERRA
O país é controlado em Cabul, mas Intensidade do conflito, Área urbana
Jan. 2017–Junho 2021 JOWZJAN
75% dos afegãos vivem fora dos Área pashtun
Andkhoy
centros urbanos. A corrupção, a Baixa Elevada Área hazara
ineficácia do governo, a inexistência
Densidade de campos Fronteira transitável
de infra-estruturas e de serviços míni- de papoila em solos Shibirghan
mos essenciais permitiram que os agrícolas, 2020 Base da NATO,
talibãs conseguissem facilmente Abril 2021
recrutar nas zonas rurais, ao longo Inex. Baixa Alta
Sar-e
das últimas duas décadas de agitação. Pul

Maimanah

FARYAB SAR-E
PUL

N
Toraghundi

BADGHIS
Qalah-ye Now

A CIRCULAR
GHOR A
Esta estrada com 2.200 quilómetros Fayroz Koh
Ghoriyan
G
de extensão faz a ligação entre cida-
Herat
des e permite que as zonas rurais
tenham acesso a mercados, hospitais
HAZARAJAT
e escolas. A sua construção começou

E
As terras altas centrais são
na década de 1950, com apoios da
o lar do grupo étnico hazara,
União Soviética e dos EUA. As déca-
das posteriores de conflito destruí- H E R A T
uma minoria de muçulmanos
xiitas perseguidos pelos
ram grande parte da auto-estrada.
talibãs e pelo Estado
CI R C U L

F
Desde 2002, os EUA investiram cerca
Islâmico, dois grupos Nili
de 2,5 mil milhões de euros na cons-
de extremistas sunitas.
trução de estradas no Afeganistão,
AR

mas a Circular encontra-se de novo


arruinada, devido às más condições DAYKUNDI
Distrito

A
atmosféricas, à falta de manutenção e Baghran
às bombas constantes. A insegurança, PASHTU N
a ineficiência e a corrupção prejudi- URUZGAN
cam a capacidade do Afeganistão F A R A H
para manter as estradas transitáveis,
Tarin Kot
ameaçando a viabilidade do Estado.
Farah

Gereshk Distrito
Arghandab Ayno
I R Ã O Kandahar Maina
Lashkar
SAFRA DE ÓPIO Gah
Calcula-se que a papoila
opiácea do Afeganistão
abasteça mais de 80% do Distrito
tráfico mundial de heroína. Zaranj Panjwai
H EL M A N D Spin Boldak
Esta cultura cresce em
condições desfavoráveis KANDAHAR
e põe dinheiro nos bolsos NIMROZ
de agricultores, dos chefes D E S ER T O R E G IS TA N
talibãs e dos funcionários
públicos corruptos. Desde a invasão dos
EUA que os talibãs
mantêm controlo
da zona isolada de
Baghran, na pro-
Lin
ha D víncia de Helmand.
50 km ura
nd
BA DAQ U E X Ã O
miz
Ter
Faizabad
Ha
ir a
ta n H AN
BALKH KUNDUZ AK
W

O
Taluqan R
Mazar-e
Kunduz
TAKH AR D
O E

Ã
Sharif R
E H
O
R C

T
C U
Aibak C

S
SAMANGAN O
Pul-e Khumri
D
P A Q U I S T Ã O
IEm 2001, os talibãs fizeram
BAGH L A N
I
N
Parun

N
explodir dois budas do PANJSHIR
século VI, num esforço
Bazarak N UR IS T Ã O
para erradicar a arte
não-islâmica do país. Charikar Mahmud-e Raqi
PA RWA N KAPISA Asadabad
Budas de Bamian BAGRAM LAGHMAN
Bamian KUNAR
BA MIA N A população de Cabul
Cabul Mehtar aumentou de 2,5 milhões
Maidan Lam
Shahr de habitantes em 2001 para
CABUL Jalalabad 4,4 milhões na actualidade.
WA R D A K
L OG A R Tora NANGARHAR Passagem de Khyber
Bora
Pul-e Alam Peshawar
HAZARA Islamabad
PA KTI YA PARA ONDE
FOGEM OS AFEGÃOS
Ghazni Gardez
Outros países acolheram 2,6 milhões de
Khost refugiados registados do Afeganistão,
GHAZNI
KH O S T em 2020. A nível mundial, o país é responsá-
d

r
an

Du
vel pela terceira maior população de
Sharan
Lin h a refugiados, depois da Síria e da Venezuela.
A violência crescente continua a empurrar
a população local para o estrangeiro.
R
LA

PA KTIKA PAS HT UN REFUGIADOS AFEGÃOS (2020)


CU
IR
C

Paquistão Irão
1,44 milhões 780.000

Qalat Europa
338.000 Outros
ZABUL 49.000

DESLOCADOS INTERNOS
2020
VÍNCULOS TRIBAIS O conflito em curso 2,89 milhões
Os pashtun são o maior grupo étnico obrigou milhões de afegãos
do Afeganistão, mas uma extensa a deslocarem-se dentro
comunidade vive no Paquistão, em do seu próprio país.
virtude da Linha Durand, traçada
pelos britânicos em 1893. Os talibãs
reagruparam-se no Paquistão depois
da invasão dos EUA e foram ajudados
por algumas forças de segurança
paquistanesas.

P A Q U I S T Ã O
Quetta 2000
758.625

2000 ’05 ’10 ’15 ’20


Os contratos de reconstrução e de segurança fo- bras políticas, alegadamente pago pela CIA, acre-
ram controlados por elites que favoreceram redes ditando-se que se tenha servido da sua posição e
de clientelismo, em função da pertença étnica, tri- relacionamentos para dar cobertura ao tráfico de
bal e familiar. Segundo a Integrity Watch Afgha- droga e lavagem de dinheiro em grande escala.
nistan, uma organização anticorrupção sem fins De igual modo, constou que a ascensão de Mah-
lucrativos, quase todas as empreitadas principais mood estava ensombrada por jogo sujo, em espe-
são adjudicadas a pessoas estreitamente relacio- cial devido a um escândalo no Banco Kabul em
nadas com funcionários públicos. “Por esta altu- 2010, que era então o maior banco privado do país.
ra, já deveríamos ter instituições”, afirma Rahma- Mahmood era o terceiro maior accionista do ban-
tullah Amiri, um analista de segurança oriundo co. Boatos de que o banco ia falir desencadearam
de Kandahar. “Em vez disso, temos indivíduos.” uma corrida aos depósitos que quase provocou o
Em Outubro de 2020, um relatório do inspec- seu colapso. Um inquérito independente apurou
tor-geral dos EUA para a reconstrução do Afega- que cerca de 763 milhões de euros foram roubados
nistão afirmava que, dos 63 mil milhões de dólares do banco, representando então 8% do PIB afegão
auditados em fundos de reconstrução, quase um de 10,1 mil milhões de euros. Um grande júri dos
terço tinha sido perdido devido a “desperdício, EUA investigou Mahmood devido a queixas de ex-
fraude e abuso”. Parte desse dinheiro é ostentado torsão e evasão fiscal numa venda imobiliária no
na capital, onde os milionários-instantâneos via- Dubai, mas não deduziu acusação contra ele.
jam entre arranha-céus e urbanizações-fortaleza Mahmood desvaloriza essas queixas, classifi-
em Lexus blindados, com um séquito de homens cando-as como calúnias de inimigos da família
armados atrás de si. Alguns fizeram fortuna em Karzai, embora reconhecendo que a sua proximi-
novas indústrias depois de 2001, mas incontáveis dade relativamente ao poder o ajudou. Quando o
milhões foram desviados para o Dubai por funcio- irmão era presidente, o governador de Kandahar
nários públicos e respectivos amigos, acumulados disponibilizou-lhe o terreno necessário para o
em contas bancárias e condomínios de luxo. complexo de Ayno Maina. Mahmood afirma ter
Uma cultura de corrupção desenvolvida a partir começado com 42 mil euros de poupanças pes-
do topo, alimentada por dinheiro estrangeiro, teve soais e que um organismo governamental dos
repercussões na polícia. “Se uma esquadra de po- EUA lhe concedeu um empréstimo de 2,5 milhões
lícia precisar de 15 agentes, só existem três: o resto de euros . “A riqueza chegou e foi consumida por
do dinheiro é roubado”, afirma Ahmadi, antigo meia dúzia de pessoas e eu sou uma delas”, afir-
governador local na província de Kandahar. Mal ma, sem arrependimento. “Infelizmente, a maio-
equipada, a polícia também é odiada por extor- ria dos afegãos não obteve uma quota adequada.
quir dinheiro às pessoas, de maneira a compensar Demos demasiada atenção ao desenvolvimen-
os salários atrasados e a escassez de material. to urbano e esquecemo-nos das zonas rurais.
E quem tem as armas são as zonas rurais.”
certas, Mahmood Karzai deixou
C O M A S R E L AÇ Õ E S No ano passado, o presidente Ghani empossou
para trás uma cadeia de restaurantes afegãos nos Mahmood como ministro do Desenvolvimen-
EUA e regressou ao seu país para participar no cresci- to Urbano e Rural. Este prometeu que tornaria a
mento explosivo do sector da construção após 2001. aquisição de habitação própria mais acessível a
Irmão mais velho do então presidente Hamid Karzai, uma população urbana em crescimento rápido,
tornou-se a força motriz que incentivou a construção devido à elevada taxa de natalidade e às más pers-
de Ayno Maina, um dos mais bem sucedidos com- pectivas económicas e insegurança nas regiões
plexos imobiliários privados do Afeganistão. rurais. Mahmood está a expandir a construção de
“Sempre corri riscos. Se tivesse um milhão, ia habitação acessível em Ayno Maina e a preparar
jogá-lo em Las Vegas”, afirma Mahmood, presidin- o terreno para um projecto maior em Cabul: uma
do à sua corte, na sua sede de estilo italiano, loca- urbanização de cinco mil hectares financiada
lizada no centro do complexo. Pendurado junto da pelo Estado. “A procura é inacreditável”, afirma,
porta, vê-se um retrato a óleo de outro irmão Kar- com o entusiasmo de um vendedor. “Se conseguir
zai, Ahmed Wali. Até ao seu assassínio em 2011, vender tudo, ficarei muito rico.” Mesmo assim, re-
Ahmed Wali presidiu ao conselho provincial de conhece: “Não estou seguro quanto ao futuro do
Kandahar: era o homem mais poderoso no Sul do país.” Quando os EUA partirem, ele prevê que os
Afeganistão e um símbolo do fracasso da missão talibãs “tomem o país à força”. Se a guerra civil re-
dos EUA. Foi empresário e especialista em mano- bentar, partirá. “Não quero que me matem.”

62 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
LUTANDO PELO CONTROLO
Os talibãs nasceram de uma guerra civil que grassou Controlo da Influência talibã
na década de 1990 após a expulsão dos soviéticos. capital provincial na província
O grupo islâmico apoderou-se do controlo de Talibã Em controlo
Kandahar em 1994 e de Cabul em 1996, governando Sob ameça Elevado
o Afeganistão até à invasão dos EUA em 2001. dos talibã Moderado
Actualmente, estão a reconquistar o controlo de Governo do Mínimo
muitas regiões, à medida que os EUA vão retirando. Afeganistão
Nenhum ou
ou da Aliança
do Norte insignificante

ANTES DO
11 DE SETEMBRO
Controlo
2000 (ver mapa) Tropas da NATO
da Aliança 2000 no Afeganistão
Os talibãs controlam a do Norte
EUA
maior parte das províncias. Cabul
A Aliança do Norte controla ’01 Outras
10% do Afeganistão, no
Forças Nacionais de
Nordeste montanhoso. Defesa do Afeganistão
2002
e forças de segurança*

’03

APÓS A INVASÃO
DOS EUA ’04
2002
Os EUA expulsam os talibãs de
’05
Cabul e de todas as capitais
de província. Os seus chefes
fogem para o Paquistão. Dois ’06
anos mais tarde, é aprovada
uma nova Constituição e eleito
um novo governo. ’07

’08

ANTES DO 2009
REFORÇO MILITAR
2009
Após um ressurgimento de ’10
0
00

vários anos, os talibãs ganham


50
.0

0.

terreno, com o grupo a conquis-


42

11

’11
tar o controlo de muitas regiões
e a ameaçar apoderar-se de
muitas capitais de província. 2012
00
7.5
33

’13

APÓS O REFORÇO
’14
MILITAR No auge da sua
2012 presença militar,
’15 a NATO posicio-
Depois de um reforço das forças
nou no Afega-
norte-americanas, a NATO con-
nistão mais de
trola a maioria das zonas ocupa-
’16 150 mil solda-
das pelos talibãs, confinando-os
dos de 50 paí-
de novo aos seus bastiões rurais.
ses, incluindo os
’17
EUA, apoiados
por mais de 300
’18 mil efectivos
RETIRADA afegãos.
2021
’19
(dados do mapa relativos
* OS NÚMEROS DA FORÇA
a 1 de Julho de 2021) AFEGÃ ANTERIORES A
Os talibãs reconquistam áreas, ’20 2010 SÃO MENOS
FIÁVEIS DEVIDO A
depois de a NATO transferir a INCONSISTÊNCIAS DOS
responsabilidade pela segu- 2021 RELATÓRIOS E DOS
rança para as forças armadas DADOS.

afegãs em 2014. A retirada total


está prevista para este ano.

CHRISTINE FELLENZ, THEODORE SICKLEY; LAWSON PARKER. FONTES: SERVIÇOS DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO DO AFEGANISTÃO; PROJECTO DE
LOCALIZAÇÃO DOS CONFLITOS ARMADOS E DADOS SOBRE OS EVENTOS; FRED KAGAN, PROJECTO AMEAÇAS CRÍTICAS; ELI BERMAN, JACOB SHAPIRO,
ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE CONFLITOS; BILL ROGGIO, FUNDAÇÃO PARA A DEFESA DAS DEMOCRACIAS; BASE DE DADOS DE USOS DO SOLO:
AFEGANISTÃO 2012, FAO; NATO; INSPECTOR GERAL ESPECIAL PARA A RECONSTRUÇÃO DO AFEGANISTÃO; ACNUR; UNODC; WFP
CUSTO DO CONFLITO O fundador da al-Qaeda,
Osama bin Laden, é abatido
em Abbottabad, no
Segundo a administração federal dos EUA, a guerra no Afe-
Paquistão, em Maio de 2011.
ganistão custou cerca de um bilião de dólares. No entanto,
segundo uma estimativa do Projecto Custos da Guerra,
que inclui custos com os cuidados médicos prestados aos 101 $102 mil milhões
veteranos e os juros relativos a empréstimos associados 89
86
à guerra, o custo total atinge o dobro desse montante.

ORÇAMENTO DISCRIMINADO
As operações de guerra do Ministério da Defesa dos EUA
representam a maior parte desses custos, tendo cerca de
15% sido atribuídos aos esforços de reconstrução.
62

Guerra ($734 mil milhões) 56


Reconstrução ($130 mil milhões) 51
Os custos da guerra aumentam
Os orçamentos aqui apresentados começam em 41 45 mil milhões entre 2009 e 2011,
Outubro de 2001 e prolongam-se até 30 de Setembro devido ao reforço da presença
de 2020. Os dados anuais completos referentes militar dos EUA, de 66.000 para
a 2021 ainda não se encontram disponíveis. 110.000 soldados.

Total $21 mil milhões


20 15
13
12 15
10 13
10
6
1 3 3

Administração: George W. Bush Barack Obama

2001 2005 2010


44 145 153 278 402 592 2.167 2.983
1.984 2.200 5.267 5.232 4.400
4.700
BAIXAS 3.400
3.557
O Afeganistão registou mais de Soldados dos EUA 1.500 2.000
três mil civis mortos devido ao
conflito armado em cada um dos Soldados da Coligação 2.412 6.834
4.821 5.669
últimos sete anos. Em 2020, 43% 4.362 4.709
Forças de defesa afegãs 9.550
dos mortos foram mulheres e
crianças. Nos últimos dois anos, ou de segurança
30 a 40 membros das forças afe- Civis 2.794 2.769 2.969 3.701
gãs foram abatidos todos os dias. 3.133
Calcula-se que tenham ocorrido 14.632 14.379 14.873
mais de 50 mil mortes entre os Mortos Feridos 15.633 15.467
talibãs e outros grupos desde
que a guerra começou.

OS DADOS RELATIVOS A CIVIS COMEÇAM EM 2009 E OS RELATIVOS ÀS FORÇAS AFEGÃS EM 2007. AS BAIXAS DAS FORÇAS AFEGÃS,
CLASSIFICADAS DESDE 2017, NÃO ESTÃO DISPONÍVEIS AO PÚBLICO E SÃO ESTIMATIVAS. FONTES: INSPECTOR GERAL ESPECIAL PARA A
RECONSTRUÇÃO DO AFEGANISTÃO; DOD; BANCO MUNDIAL; PROJECTO CUSTOS DE GUERRA, UNIVERSIDADE DE BROWN; UNAMA

PROGRESSO NÍVEL DE VIDA ENSINO SECUNDÁRIO


LENTO O país tem melhorado o seu nível de ren- Só uma pequena fracção dos afegãos com
dimento, saúde e formação académica. 25 anos frequentou o ensino secundário.
O Afeganistão é um dos
países mais pobres do
mundo, mas regista pro- Melhor EUA 36,9%
gressos. O acesso aos
cuidados de saúde e à Mundo Homens
formação melhorou nos 0.511
últimos 20 anos, sobre- 13,6% 13,2%
tudo para as raparigas. 0,302
Afeganistão Mulheres
No entanto, o conflito 2,3%
continua a provocar des- Pior
locações, pobreza e fome. 1990 ’00 ’10 2019 1990 ’00 ’10 2019

MONICA SERRANO, CHRISTINE FELLENZ,


MATTHEW W. CHWASTYK; FONTE: ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO
LAWSON PARKER DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA ONU FONTES: UNESCO; BARRO AND LEE
DEPENDENTE DE AJUDA CUSTOS
O Afeganistão depende de ajuda inter- DE GUERRA
nacional para custear três quartos da sua Operações e manutenção
despesa pública. A maioria desses custos
Pessoal, formação, transportes e
é consumida pela despesa em segurança. equipamento electrónico

Aquisição
Grandes equipamentos como
aeronaves, navios e blindados

Pessoal militar
Salários e indemnizações a milita-
res no activo e reformados

Investigação e desenvolvimento
Ensaio de equipamento e mate-
riais, como software informático

Fundo de maneio
Bens e serviços diversos

Construções militares
Projectos de grande dimensão,
como bases, escolas e clínicas.

CUSTOS DE
RECONSTRUÇÃO

Segurança
Apoio às forças de segurança e
brigadas antinarcóticos

Operações das agências


Diplomacia e programas de
desenvolvimento

Governação e desenvolvimento
Economia, formação, antiterro-
rismo e controlo de narcóticos

Ajuda humanitária
Assistência a catástrofes para des-
locados internos e refugiados

INSEGURANÇA ALIMENTAR CAUSA DE MORTE POBREZA


Quase três quartos da população não A violência está a aumentar como Uma grande fracção dos afegãos
tem acesso a alimentos suficientes. uma das principais causas de morte. vive abaixo do limiar de pobreza.

FONTE: INTEGRATED FOOD SECURITY FONTE: INSTITUTO DE MÉTRICAS FONTE: ORGANIZAÇÃO CENTRAL DE ESTATÍSTICA
PHASE CLASSIFICATION E AVALIAÇÃO DA SAÚDE DA REPÚBLICA ISLÂMICA DO AFEGANISTÃO
Raparigas da minoria
étnica usbeque saem
da Escola Secundá-
ria Marshal Dostum, no
Noroeste do país. As
famílias de mais de duas
dezenas de estudantes
mudaram-se para a capi-
tal da província depois
de os talibãs se asse-
nhorearem das zonas
meridionais da provín-
cia, em 2018, e proibirem
de novo que as raparigas
estudassem.

EM BAIXO
A deputada Raihana
Azad percorre as ruas
de Cabul num veículo
blindado a caminho de
uma sessão da legisla-
tura no Dia Internacional
da Mulher. Sem papas na
língua, esta mulher de 38
anos sobreviveu a uma
tentativa de assassínio e
a um atentado suicida.
Mandou os filhos para
o estrangeiro e teme
ver-se obrigada a jun-
tar-se-lhes se os talibãs
regressarem ao poder.

66 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
foi eleita para mandatos sucessivos, sem nunca
esconder o seu ateísmo e o seu divórcio. “As pes-
soas não querem saber da minha vida pessoal
porque eu trabalho para elas e conto-lhes sempre
a verdade”, afirma, encolhendo os ombros.
A ousadia de Raihana Azad granjeou-lhe inimi-
gos. Sobreviveu a um atentado bombista suicida
e a uma tentativa de assassínio durante uma via-
gem à região rural. Devido às ameaças, viu-se for-
çada a mandar os filhos para o estrangeiro, a mu-
dar frequentemente de casa e a deslocar-se num
veículo à prova de bala. “Já não tenho medo”, diz.
“Luto para que as próximas gerações não tenham
uma vida tão miserável como a nossa.”
As mulheres representam actualmente 27%
do Parlamento, em parte devido a um sistema de
quotas inscrito na Constituição pós-talibã. De-
putada independente, recusando alianças com
senhores da guerra, Raihana desenvolve esforços
no sentido de canalizar recursos para os seus elei-
tores em Daykundi, na sua maioria pertencentes
à etnia minoritária dos hazara, que habitam uma
região desprovida de infra-estruturas. O Estado e
os doadores estrangeiros “só se preocupam com
as zonas inseguras”, afirma. “Nós somos uma pro-
víncia exemplar e fomos esquecidos.”
A cerca de quatrocentos quilómetros de Cabul,
Daykundi encontra-se isolada das rotas de comér-
cio e de viagem três meses por ano, uma vez que
as estradas são intransponíveis no Inverno. Mes-
mo quando as condições climáticas são boas, as
viagens de automóvel até à capital demoram dois
dias ou mais, percorrendo uma estrada de terra
batida emboscada por bandidos e pelos talibãs.
do Serena Hotel
S E N TA DA N O S A L ÃO D E E N T R A DA Daykundi é uma das regiões mais pacíficas
de cinco estrelas, em Cabul, Raihana Azad, de 38 e orientadas para a educação do Afeganistão.
anos, irradia a confiança da elite endinheirada da É maioritariamente habitada pelos hazara, mu-
capital. Deputada parlamentar desde 2010, veste çulmanos xiitas que foram perseguidos como
um elegante fato de estilo executivo, sem lenço a heréticos pelos talibãs. A cultura hazara tende
tapar-lhe a cabeça e exprime-se numa sucessão de a ser mais progressista: os rapazes e as raparigas
frases curtas e numa voz alta que enche a sala. costumam frequentar a escola juntos, o inglês é
De etnia hazara, nascida num enclave pobre da generalizadamente falado e as mulheres partici-
província de Daykundi, deu à luz dois filhos na pam na agricultura, gerem empresas e conduzem.
sequência de um casamento combinado, aos 13 Os estudantes hazara costumam ser os mais bem-
anos. A história poderia ter terminado aí, à seme- -sucedidos nos exames de acesso à universidade
lhança de inúmeras mulheres afegãs, mas Raiha- nacional, mesmo quando alguns têm de fazer os
na manteve-se na escola, arranjou um emprego testes ao ar livre, acocorados sobre a neve. “Aqui,
na ONU a promover a formação académica das os estudos são tudo”, diz Rahmatullah Sultani,
raparigas e conseguiu mudar-se para Cabul, onde um antigo pastor que frequentou a universidade
concluiu uma licenciatura em Direito. Começou a e ensina inglês numa escola de Nili, a capital da
quebrar tabus, interpondo uma acção judicial de província. “Estudar significa liberdade”, acrescen-
divórcio que a transformou numa pária para a sua ta. “Significa capacidade para pensar por si e esco-
própria família. Candidatou-se ao Parlamento e lher o seu caminho.”

A P E R I G O S A C I S ÃO D O A F E G A N I S TÃO 67
As famílias choram algu-
mas das vítimas, 90
segundo estimativas, na
sua maioria raparigas ado-
lescentes, assassinadas
num atentado perpetrado
perto de uma escola de
Cabul, no dia 8 de Maio.
O bairro Dasht-e Barchi,
habitado pelos hazara,
foi outrora um abrigo
seguro para este grupo
étnico minoritário, mas
nos últimos anos os terro-
ristas mataram centenas
de hazara em mesquitas,
casamentos, escolas
e numa maternidade.
A P E R I G O S A C I S ÃO D O A F E G A N I S TÃO 69
e o terreno acidentado
A LO C A L I Z AÇ ÃO I S O L A DA
são parcialmente responsáveis pelo subdesenvol-
vimento nas terras altas, mas isso não protegeu os
hazara dos ataques desferidos pelos talibãs e pelo
Estado Islâmico (outro grupo de extremistas suni-
tas) contra as minorias étnicas e religiosas. Com as
conversações de paz entre o governo afegão e os
talibãs num impasse, as milícias étnicas – entre as
quais os combatentes hazara – começaram a reagru-
par-se, numa antecipação do que muitos entendem
que está para vir: um regresso à guerra civil.
Desde que os EUA confirmaram a retirada
das suas tropas, os talibãs avançaram, posicio-
nando-se a uma distância suficiente para que os
seus ataques atinjam as cidades principais. No
entanto, Richard Boucher, o antigo diplomata
norte-americano, conta-se entre aqueles que, em
Washington, acreditavam que chegara a altura de Qari Mehrabuddin,
pôr termo a uma guerra sem rumo que custara 1,6 comandante de uma
milícia pró-governo,
biliões de euros em dinheiro dos contribuintes senta-se com dois dos
dos EUA – bem como a perda de mais de 170.000 seus filhos, nos arredo-
vidas, de afegãos (civis, soldados, polícias e com- res de Faizabad. Desen-
volveu pontos de vista
batentes da oposição), de militares e empreiteiros extremistas numa escola
norte-americanos e da NATO e de jornalistas e religiosa, no vizinho
trabalhadores da ajuda humanitária, segundo o Paquistão, regressando
depois ao seu país para
Projecto “Custos da Guerra”, desenvolvido pela ingressar nos talibãs.
Universidade de Brown. Após uma disputa com
“O mundo perdeu uma oportunidade nos últi- líderes talibã, fez uma
aliança com as forças
mos 20 anos e não será capaz de resolver o proble- governamentais e,
ma nos próximos 40”, afirma Rahmatullah Amiri, juntamente com o seu
o analista. “Os talibãs vão chegar, quer se queira guarda-costas – outro
antigo combatente
quer não.” As forças do exército afegão esforçam- talibã, Abdul Qias (à
-se agora por atrasar os avanços dos talibãs com direita) –, está agora a
menos apoio aéreo dos EUA: a fadiga e as deser- recrutar militantes para
mudarem de lado.
ções vão reduzindo as suas fileiras.
Num solitário posto avançado da polícia na
zona de Panjwai, situado a meia hora de automó-
vel para oeste de Kandahar, as bandeiras brancas
dos talibãs são visíveis a curta distância. Desgre- há seis meses. “Os nossos salários desaparecem
nhado e atordoado por falta de sono, o agente no sistema”, afirma, suspirando. “Mas a situação
policial Abdul Ghafoor conta que atiradores ini- aqui está a piorar e nós temos de defender a na-
migos isolados, munidos de armas e binóculo de ção”, enquanto “estivermos vivos e o sangue cor-
visão nocturna norte-americanos, provavelmente rer no nosso corpo”.
apreendidos a soldados afegãos, andam a montar A cerca de 500 quilómetros de distância, numa
emboscadas após o crepúsculo e a semear as es- rua secundária de um dos bairros mais chiques de
tradas com bombas. Cabul, Nilofar Ayoubi comemora a inauguração
Abdul, de 22 anos, queria estudar medicina, da sua boutique de roupa de senhora com balões
mas as reduzidas possibilidades de o fazer na sua e câmaras de televisão: é uma iniciativa arrojada,
província natal de Kapisa e um fervor patriótico tendo em conta que os combatentes e criminosos
impeliram-no a alistar-se. Hoje, recebe um magro andam a marcar mulheres famosas como alvos a
salário mensal de 13 mil afghanis, o equivalente a abater. Nilofar recebeu ameaças de morte e o seu
140 euros. De casamento marcado, foi obrigado a carro foi roubado em plena luz do dia, mas ela
adiar a cerimónia por não lhe pagarem o salário recusa-se a prescindir da liberdade relativa que

70 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
encontrou em Cabul. “A verdade é que eu não do Ministério da Defesa. “Esta geração amante da
quero imaginar-me em mais nenhum sítio”, diz. liberdade, liberal e tolerante é portadora do facho
Originária da cidade de Kunduz, esta mulher deste novo Afeganistão pós-retirada dos EUA e não
de 26 anos e etnia pashtun lembra-se de a mãe tolerará que as suas mães e irmãs sejam chicoteadas
ter sido espancada no tempo dos talibãs por ir às à sua frente ou ver pessoas enforcadas nas ruas.”
compras sem a companhia de um parente do sexo Raihana Azad não tem tanta certeza. Sente-se
masculino. Agora é dona de uma boutique para desiludida pelo facto de Washington ter feito um
mulheres modernas, que vão às compras sozinhas. pacto com os talibãs sem assegurar protecção
“Temos de continuar a fazê-lo”, afirma. para as mulheres e as minorias. Quando nos en-
contrámos pela primeira vez, disse-me que os afe-
firmar um acordo de
Q U E R O S TA L I B Ã S T E N T E M gãos iriam enfrentar os talibãs. Contudo, desde
partilha do poder com o governo afegão quer se que os EUA anunciaram a sua retirada total, foi-
apossem do país pela força, “não serão capazes -se tornando cínica. Falta-lhe ainda cumprir dois
de governar este novo Afeganistão pela força das anos do seu mandato como deputada, mas tam-
armas”, afirma Tamim Asey, o antigo funcionário bém ela está a pensar em deixar o Afeganistão.  j

A P E R I G O S A C I S ÃO D O A F E G A N I S TÃO 71
20 ANOS APÓS O 11 DE SETEMBRO

ECOS
DE PERDA
T E X TO D E PAT R I C I A E D M O N D S F OTO G R A F I A S H E N RY L E U T W Y L E R
A R T E FA C TO S D O M U S E U E M E M O R I A L 9/ 1 1

Joe Hunter, morador de e carregados de equi-


Long Island, licenciou- pamento, a caminho
-se em gestão na Uni- da Torre Sul do World
versidade de Hofstra, Trade Center para se
mas desde criança que juntarem aos esforços
queria ser bombeiro. de evacuação. Quando
Um vídeo noticioso da a torre desabou, Joe
manhã de 11 de Setem- e os colegas morreram.
bro mostra Hunter e O capacete de Hunter
outros membros do foi encontrado entre
Quartel 288 do FDNY, os destroços vários
com expressões graves meses mais tarde.

CORTESIA DE BRIDGET HUNTER E FAMÍLIA ECOS DE PERDA 73


Que forças podem santificar um objecto, conferindo-
-lhe significado superior? ABNEGAÇÃO. CORA-
GEM. RESISTÊNCIA perante o indescritível.
As forças que Joe Hunter e centenas de outras pessoas
mobilizaram no dia 11 DE SETEMBRO DE 2001.

O
s sonhos de Joe Hunter incluíram sempre carros de bombeiros. A série “9/11: One Day
in America”, de seis
Aos 4 anos, já pedalava no seu Big Wheel até à esquina para ver episódios, será
passar os carros vermelhos. Aos 11, fazia exercícios de combate a transmitida em Portugal
incêndios com uma escada e uma mangueira de jardim. de 30 de Agosto a 2 de
Setembro, às 22h10.
Começou o seu percurso como bombeiro voluntário, fez o curso
na Academia de Bombeiros da Cidade de Nova Iorque, frequentou
acções de formação de salvamento em situações de ataque terrorista e desa-
bamento de edifícios. Quando a mãe, Bridget, se preocupava, ele dizia-lhe:
“Se algo acontecer, lembra-te que eu adorava o meu trabalho!”
O bombeiro Joseph Gerard Hunter, do Quartel 288 do FDNY, morreu
quando participava na evacuação da Torre Sul do World Trade Center. Foi
uma de 2.977 pessoas mortas no dia 11 de Setembro, quando sequestradores
da al-Qaeda usaram aviões de passageiros como armas no mais mortífero
ataque terrorista perpetrado em solo norte-americano.
Em Fevereiro de 2002, equipas de busca no Ground Zero recuperaram um
capacete do Quartel 288 com o número do distintivo de Hunter. A família
sente-se grata por ter sido encontrado. “É a única coisa que temos dele e que Destacado para as torres
gémeas após o primeiro
estava com ele”, conta Teresa Hunter Labo, irmã de Hunter. ataque, o técnico de
Nas duas décadas decorridas desde o ataque de 11 de Setembro, foram er- emergência pré-hospita-
guidos memoriais nos locais dos ataques na cidade de Nova Iorque, no Pen- lar Benjamin Badillo
permaneceu na ambu-
tágono e na zona rural da Pensilvânia. Artefactos de cada local reflectem os lância, enquanto o seu
pormenores de cada tragédia: quando a tripulação e os passageiros do Uni- colega, Edward Marti-
ted Flight 93 tentaram recuperar o controlo do avião, os sequestradores lan- nez, procurava sobre-
viventes. De súbito,
çaram-no contra o solo. Além de uma secção de fuselagem e de duas peças Benjamin viu “o topo
do motor, a maior parte dos restos ficou fragmentada em pedacinhos. do edifício cair”. Edward
No Memorial e Museu 9/11 de Nova Iorque, mais de setenta mil objectos foi atingido pelos des-
troços. Os dois homens
ajudam a contar as histórias das vítimas, dos socorristas e dos sobreviventes. procuraram refúgio,
Os artefactos são tão pequenos como um anel de safiras e diamantes e tão enquanto a Torre Sul se
grandes como um carro de bombeiros semiesmagado. Muitos são banais: a desintegrava. Edward
foi levado para um hos-
tampa de um recipiente de comida, talvez de um almoço embalado naquela pital e sobreviveu gra-
que começou por ser uma terça-feira igual às outras. No entanto, a intensi- ças a uma intervenção
dade dos objectos comuns reside nos pormenores: uma peça de malha por cirúrgica de emergência.
Benjamin lembra-se de
terminar, ainda nas agulhas de tricô, era o passatempo da executiva de uma “gritar pelo meu colega”
empresa que perdeu 658 funcionários na Torre Norte. enquanto o procurava.
A família de Joe Hunter doou o seu capacete ao museu em sua memória: A ambulância ficou
destruída, mas parte
“É ali que pertence”, diz a sua irmã. Está preservado com os outros artefac- do seu livro de
tos, banais, mas invulgares, num testemunho silencioso da história. j mapas sobreviveu.

CORTESIA DE DA AUTORIDADE PORTUÁRIA DE NOVA IORQUE E NOVA JERSEY ECOS DE PERDA 75


POEIRA SAGRADA

Ao tomar conhecimento dos ataques


terroristas no World Trade Center, o TEPH
voluntário Greg Gully pegou em algumas
provisões e pôs-se a caminho das
TORRES GÉMEAS. Entregou másca-
ras para a poeira aos sobreviventes resga-
tados, prestou assistência médica e, nos
quatro dias seguintes, ajudou a revistar os
destroços. Quando finalmente regressou a
casa, pendurou as calças num cabide, ainda
cobertas de poeira, e afixou-lhes um bilhete
escrito à mão: “Calças usadas a 9-11-01 no
WTC. Por favor, NÃO LAVAR. As cinzas
são os RESTOS DAQUELES QUE
MORRERAM. Deus os Abençoe!”

Por terem presenciado de envio chamuscado


a destruição, Greg Gully que apanhara entre os
e outras pessoas sen- papéis que pairavam no
tiram-se inspiradas a ar e guardara no bolso.
criar os seus “memo- Era da Marsh & McLen-
riais individuais”, diz Jan nan, uma companhia
Seidler Ramirez, cura- de seguros cujo escri-
dor-chefe do Memorial tório foi directamente
e Museu 9/11. Quando atingido pelo avião que
Greg doou as suas cal- embateu na Torre Norte.
ças ao museu em 2012, A seguradora perdeu
juntou-lhes um recibo mais de 350 pessoas.

76 DOADO POR GREG GULLY, TEPH


Trabalhadores de res- iniciou outra campa- um teclado partido
gate passaram nove nha de busca de restos e com pó incrustado
meses a escavar os des- mortais na área onde (em cima) da socie-
troços do Ground Zero, os edifícios do World dade de investimentos
à procura dos restos Trade Center se tinham Garban Intercapital e
mortais das vítimas. erguido. Alguns artefac- a tampa de plástico (à
O gabinete do médico- tos descobertos durante direita) de um recipiente
-legista de Nova Iorque essa investigação: de comida.

FOTOGRAFIAS: CORTESIA DA AUTORIDADE PORTUÁRIA


ECOS DE PERDA 79
ENTERRADOS VIVOS

O sargento de polícia John McLoughlin


e quatro outros agentes transportavam
equipamento de resgate quando a Torre Sul
desabou. Meia hora mais tarde, a Torre Norte
caiu. Sob nove metros de detritos, DOIS
DELES SOBREVIVERAM: o vete-
rano McLoughlin, com 21 anos de carreira,
e o novato William Jimeno. Antes disso,
nenhum sabia o nome do outro. Separados
por 4,5 metros de distância, partilharam
histórias de família e encorajaram-se a
resistir. Quando a noite caiu, ouviram vozes
e gritaram até os encontrarem. William ficou
preso durante 13 horas. John, enterrado mais
abaixo, durante 22 horas. Apenas outra
pessoa foi encontrada viva NOS DES-
TROÇOS depois deles. John McLoughlin
emergiu desta provação ainda com o
emblema de sargento e estas botas calçadas.

J.J. McLoughlin diz que seis semanas, foi sub-


o pai quase deitou fora metido a mais de trinta
as botas, que há mui- intervenções cirúrgicas,
tos anos tinham as solas passou meses hospita-
estragadas. Em vez lizado e ainda tem pro-
disso, a família doou-as blemas de saúde. Com
ao Memorial e Museu 68 anos e reformado
9/11. John McLoughlin desde 2004, faz volunta-
esteve em coma durante riado nos escoteiros.

80 DOADO POR JOHN MCLOUGHLIN


DEVOÇÃO AO SERVIÇO

Rosemary Smith desceu a pé 57 pisos numa


escada escura e cheia de fumo para sair da
Torre Norte… em 1993, depois de outros ter-
roristas terem feito explodir uma bomba no
World Trade Center. Embora RECEASSE
trabalhar no edifício depois desse ataque,
Rosemary adorava ser operadora telefónica
no seu escritório de advogados. Por isso,
regressou ao trabalho. No dia 11 de Setembro,
quando os colegas começaram a evacuar,
ROSEMARY FICOU para reencaminhar
telefonemas para o atendedor automático e
não conseguiu escapar a tempo. Foi a única
funcionária do escritório morta nos ataques.
O seu relógio foi encontrado junto dos seus
restos mortais na véspera de Natal de 2001.

No dia 26 de Fevereiro Torre Norte, Rosemary


de 1993, Rosemary era comprou um presente
uma entre dezenas de para si própria: um anel
milhares de pesssoas de ouro com safiras e dia-
evacuadas do World mantes. Esse anel tam-
Trade Center, após uma bém foi encontrado entre
bomba colocada numa os destroços do 11 de
garagem subterrânea Setembro. O seu relógio,
abrir um buraco de vários com poeira incrustada e
pisos de profundidade. sem mostrador, deixou
Para ganhar coragem de funcionar segundos
e voltar ao trabalho na antes das 13 horas.

82 CORTESIA DE ROSEMARY KEMPTON


Objectos outrora da primeira operação restos de um Rolodex
comuns parecem hoje de resgaste. No dia 11 (à direita), um sistema
comoventemente de Setembro, quase de arquivo rotativo para
anacrónicos. Um rolo todos os pisos das tor- cartões com contactos.
amolgado de película res gémeas tinham Alguns cartões estavam
fotográfica (em cima) escritórios. Equipamen- chamuscados, outros
foi descoberto em tos descobertos após deformados e outros
Manhattan anos depois os ataques incluem os ainda eram legíveis.

FOTOGRAFIAS: CORTESIA DA AUTORIDADE PORTUÁRIA


ECOS DE PERDA 85
PROMETO VIVER

Joanne Capestro não consegue esquecer


o QUE VIU depois de o avião atingir a
Torre Norte, acima do seu escritório, no
87.º piso: pessoas sem rota de fuga, saltando
para a morte. O seu amigo, Harry Ramos, atra-
sou a sua fuga para ajudar um homem doente.
NÃO ESCAPOU. Joanne conseguiu fugir
momentos antes de a Torre Sul desabar.
Quando a poeira assentou, o fotógrafo Phil
Penman captou aquela que viria a tornar-se
uma fotografia icónica do 11 de Setembro:
Joanne e um colega aninhados juntos, cober-
tos de poeira e atordoados. Durante meses,
ela esteve paralisada por stress pós-traumá-
tico. Aos poucos, começou a RECUPERAR
A SUA VIDA. Quando um saco do seu
escritório foi recuperado no Ground Zero, os
objectos que lhe foram devolvidos incluíam
uma fotografia danificada dos seus sobrinhos.

Para Joanne, a prioridade Atormentada pela culpa


passou a ser agarrar a de estar viva quando tan-
sua “segunda oportuni- tos pais tinham morrido,
dade na vida”. Já teve criou laços com os filhos e
medo de regressar ao os netos do homem com
escritório, mas agora quem se casou em 2018.
é assistente executiva Phil Penman fotografou o
de um director-geral. seu casamento.

86 DOAÇÃO DE JOANNE “JOJO” CAPESTRO EM MEMÓRIA DE HARRY RAMOS


N OTAS | DIÁRIO DE UM FOTÓGRAFO

UM ZOO MARINHO DE CRISTAL


T E X T O D E N ATA S H A DA LY
FOTOGRAFIAS DE GUIDO MOCAFICO

Os talentosos vidreiros
Leopold e Rudolf Blaschka
fizeram modelos de
animais marinhos entre
1863 e 1890. Este está
identificado como
Renilla muelleri.

88 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
OS MINUCIOSOS MODELOS ZOOLÓGICOS REALIZADOS NO SÉCULO XIX
PA R A U S O C I E N T Í F I C O P O R A RT I S TA S V I D R E I R O S O R I G I N Á R I O S DA B O É M I A
E S TÃO H OJ E D I S P E R S O S P O R M U S E U S D E TO D O O M U N D O.

UM ZOO (MARINHO) DE VIDRO 89


Em sentido horário, a partir do topo esquerdo: os Blaschka fizeram modelos de Chrysaora hysoscella,
Rhizostoma pulmo, Pelagia noctiluca (água-viva) e Lymnorea triedra (uma variedade de medusa).

90 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
As técnicas desenvolvidas por Leopold Blaschka e outras que aprendeu com os antepassados estão patentes em
obras complexas como esta. Chamou-lhe Enoploteuthis veranii, um cefalópode descoberto no Mediterrâneo.

UM ZOO (MARINHO) DE VIDRO 91


O modelo de vidro elaborado pelos Blaschka de Caliphylla mediterranea, uma lesma-do-mar, encontrava-
-se na colecção de história natural do Museu Nacional da Irlanda quando Guido Mocafico o fotografou.

92 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
O Corallium rubrum reproduzido em vidro pelos Blaschka também é conhecido como coral-vermelho
ou coral precioso. Guido fotografou-o no Museu da Universidade de Utrecht, nos Países Baixos.

UM ZOO (MARINHO) DE VIDRO 93


N OTAS | DIÁRIO DE UM FOTÓGRAFO

E S TA S C R I AT U R A S M A R I N H A S A J U DA R A M O S I N V E S T I G A D O R E S N A S U A É P O C A .
AG O R A , P R OTAG O N I Z A M N AT U R E Z A S M O RTA S F OTO G R Á F I C A S .

Guido
PA R A O M E S T R E D E N AT U R E Z A S M O R TA S Descendente de uma família de artistas vidrei-
Mocafico, esta tem sido uma demanda prolonga- ros, Leopold conseguia criar tendões com fios de
da: Guido quer encontrar e fotografar uma colec- seda e pólipos que pareciam gotas de orvalho.
ção de criaturas marinhas de vidro com um As técnicas específicas utilizadas na criação das
século de idade, espalhadas por instituições e criaturas de vidro nunca foram completamente
museus de todo o mundo. reproduzidas. Para garantir o rigor anatómico das
As peças foram elaboradas pelos vidreiros criaturas marinhas, os Blaschka trabalharam com
checos Leopold Blaschka e o seu filho Rudolf. ilustrações, espécimes reais e, mais tarde, criatu-
Entre 1863 e 1890 estes homens prepararam, à ras vivas mantidas em aquários domésticos.
mão, quase dez mil modelos de setecentas es- Algumas esculturas que começaram por ser
pécies de polvos, medusas e anémonas, entre auxiliares de estudo, sob a luz do candeeiro, ain-
outras. O fascínio pela história natural, sobre- da hoje são usadas por educadores. No entanto,
tudo pelo mar, cresceu em meados do sécu- a obsolescência relegou muitas para os acervos
lo XIX, mas as criaturas marinhas eram difíceis dos museus até serem redescobertas pelo seu
de obter e preservar. Os modelos realistas dos singular valor artístico e exibidas em colecções
Blaschka tiveram muita procura entre cientis- e museus. Quando descobriu o paradeiro dos
tas, naturalistas e curadores de museus. Não só espécimes, Guido Mocafico recorreu à fotogra-
constituíam estupendas ferramentas de ensino, fia para despertá-los e dar-lhes vida, brilhando
mas também objectos de arte. num mar negro. j

Os Blaschka prepararam esta criatura de aspecto extravagante,


que pertence supostamente ao género Glaucus de lesmas-do-mar.

OBJECTOS FOTOGRAFADOS NA COLECÇÃO DE HISTÓRIA NATURAL DO MUSEU NACIONAL DA IRLANDA,


94 MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL DE GENEBRA, COLECÇÃO ZOOLÓGICA DA UNIVERSIDADE DE VIENA E MUSEU DA UNIVERSIDADE DE UTRECHT
INSTINTO BÁSICO | E X P L O R E

H A B I TAT/ R E G I Ã O
O escaravelho-jóia habita

AMOR NÃO CORRESPONDIDO


em regiões áridas e semiáridas
da Austrália, nos estados
de Queensland, Nova Gales
do Sul, Austrália do Sul
e Austrália Ocidental.
T E X T O D E E VA VA N D E N B E R G
O U T R O S FA C T O S
A família Buprestidae do
escaravelho-jóia compreende
cerca de 15 mil espécies,
na Austrália Ocidental, e
E R A P R I M AV E R A , P E RT O D E D O N G A R A ,
incluindo cerca de 1.500
os biólogos Darryl Gwynne e David Rentz realizavam trabalho encontradas na Austrália.
de campo com alguns insectos. Num ponto da estrada, estava O indivíduo que Gwynne e
Rentz estudaram pertence
uma pequena garrafa de cerveja, conhecida na Austrália como ao género Julodimorpha.
stubbie. O vidro estava decorado com faixas de pequenas bolas A designação de espécie
ainda é uma questão em
salientes. Agarrado à garrafa vazia, estava um insecto da famí- debate. Os escaravelhos
lia dos escaravelhos-jóia. Parecia decidido a copular, tentando podem ter 3,81cm de
introduzir o seu órgão sexual na garrafa. comprimento e as fêmeas
são maiores do que os
Depois de Darryl e David testemunharem o acontecimento machos. Os machos
em 1981, outros observadores documentaram o comportamento conseguem voar, mas
as fêmeas não..
nas redes sociais. Está identificado como um exemplo de estí-
mulo supranormal, em que um estímulo provoca uma resposta
exagerada. Neste caso, o agente provocador é a stubbie: o macho
aparentemente confunde a garrafa com uma fêmea gigante da
sua espécie, que tem uma coloração semelhante e saliências na
carapaça. Os machos perdem a cabeça por aquela deusa brilhante
do amor. Um escaravelho que monta febrilmente a garrafa pode ser
atacado por formigas que, nas palavras de Darryl Gwynne e David
Em Shark Bay, na Austrália
Rentz, podem morder “as partes moles de sua genitália externa”. Ocidental, escaravelhos-jóia
Por esta descoberta, os biólogos receberam o Prémio Ig Nobel, o machos exibem o aparente
impulso “sobrenatural” da
prémio sarcástico que reconhece projectos de pesquisa científica sua espécie para acasalar
que “provocam mais riso do que reflexão”. j com uma garrafa de cerveja.

JIRI LOCHMAN, NATURE PICTURE LIBRARY


N AT I O N A L G E O G R A P H I C | NA TELEVISÃO

Europa Vista de Cima 3


E ST R E I A : 1 3 D E S E T E M B RO, À S 2 2 H 1 0.
TO DA S A S S E G U N DA S - F E I R A S

Em Setembro, inicia-se a terceira temporada da série


“Europa Vista de Cima”. Apreciando os países euro-
peus a partir do céu, tomamos contacto com aspec-
tos invulgares da arquitectura, da cultura e do
desenho da paisagem de cada país. Nesta temporada,
investigamos os vulcões activos da Islândia, os anfi-
teatros romanos quase intactos da Croácia e a diver-
sidade da paisagem litoral e interior de Portugal.
Aliás, é com o nosso país que a série se inicia. As
câmaras passeiam ao longo de uma das mais longas
pontes pedonais do mundo, em Arouca, sobrevoam
o palácio de conto de fadas de Sintra e observam a
ousadia dos surfistas nas maiores ondas do mundo
da Nazaré. Descubra o país onde a tradição e a moder-
nidade caminham de braço dado.

O Acontecimento No dia 11 de Setembro, emitimos programação


especial para assinalar o vigésimo aniversário
que Mudou o dos ataques do dia 11 de Setembro de 2001. Nesta
Mundo maratona documental, recuperamos programas
já exibidos e estreamos outros dedicados ao dia
1 1 D E S E T E M B R O, À S 1 3 H 3 0 que mudou a nossa percepção do mundo.

NATIONAL GEOGRAPHIC
The Alps: High Life
e The Alps: Winter
Fortress
E S T R E I A : 1 9 E 2 6 D E S E T E M B R O, À S 1 7 H

Os Alpes elevam-se acima de tudo na Europa Central,


Especial Barkfest mas é preciso um olho de águia para verdadeiramente
os apreciar, na sua imponência e escala. O Sol nasce
E S T R E I A : 6 D E S E T E M B R O, À S 1 7 H .
no sopé oriental e põe-se nos vales ocidentais. As
TO DA S A S S E G U N DA S - F E I R A S
faces sombrias do Norte ficam sempre mergulhadas
O National Geographic Wild apresenta o em sombras geladas. A natureza adapta-se a cada
especial BarkFest, uma celebração dos nossos
circunstância, especializando-se, mas, nos Alpes, o
amigos de quatro patas. Desta vez,
convidámos Cesar Millan, que viajará pela desafio de sobrevivência é maior porque as espécies
América, com o seu filho André, ajudando de fauna e flora tanto podem estar submetidas a
cães problemáticos pelo caminho e conhe- temperaturas elevadas como a registos mínimos.
cendo alguns dos heróis da Dog Nation. A vida, aqui, exige sacrifícios.

Especial World O National Geographic Wild emite programação


dedicada aos rinocerontes, no Dia Mundial do Rinoce-
Rhino Day ronte, criado para sensibilizar o mundo para a conser-
vação das cinco espécies existentes: o rinoceronte-
2 2 D E S E T E M B RO -branco, o rinoceronte-preto, o rinoceronte-indiano,
D U R A N T E TO D O O D I A o rinoceronte de Java e o rinoceronte de Samatra.

TERRA MATER FACTUAL STUDIOS (NO TOPO);


LEEPSON BOUNDS, INC. (AO CENTRO); NGC (EM BAIXO)
P R Ó X I M O N Ú M E R O | SETEMBRO 2021

O futuro das Visão subaquática Máscaras para Observatório do


viagens é eléctrico nocturna lidar com o mal mundo em crise
A revolução verde já Na escuridão do mar, As tradições pagãs na Nas montanhas do Chile,
começou e os carros criaturas pouco vistas Bulgária fazem a ponte foi instalada uma
com baterias eléctricas dançam ao sabor das entre as dimensões estação meteorológica
e os aviões sem correntes e mostram humanas e espirituais que ajudará o país (e a
emissões vão ser quão pouco sabemos para vencer o mal e pedir região) a monitorizar o
comuns no futuro. sobre o fundo. saúde e prosperidade. clima em mudança.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C DAVIDE MONTELEONE
História Cosmo


CONHECE
AS NOSSAS Viagens Matemática

EDIÇÕES
ESPECIAIS?
Cultura Arqueologia

Grandes Grandes
Personagens Mulheres

Você também pode gostar