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População da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e crescimento

A população na Europa nos séculos XVII e XVIII


O recurso à demografia histórica é fundamental para o conhecimento da população da Europa
nos séculos XVII e XVIII. A principal fonte para o estudo da população são os registos paroquiais,
que dão conta do número de batismo, casamentos e óbitos, que eram registados pelas igrejas.

A demografia referente aos séculos XVII e XVIII, designada “demografia antiga”, caracteriza-se
por grandes flutuações nos índices da população, que registavam umas vezes diminuição ou
estagnação, outras crescimento. Estas flutuações deviam-se à maior ou menor disponibilidade
dos recursos alimentares, ao preço dos cereais, às alterações climáticas, às epidemias, ao estado
de guerra, às condições de higiene e de saúde pública.
No regime demográfico antigo pode estabelecer-se uma diferença entre o século XVII e o século
XVIII: primeiro foi marcado, essencialmente, por um recuo ou estagnação populacional,
consoante as zonas geográficas; o século XVIII assistiu ao progressivo e irreversível crescimento
da população
A população no século XVII
No regime demográfico antigo as mulheres casavam tarde com isso a fecundidade era afetada.
Este regime demográfico foi caracterizado por elevadas taxas de natalidade, que rondavam os
40%, a par de altas taxas de mortalidade, entre os 30-35%. A taxa de mortalidade normal era
inferior à taxa de fertilidade. A mortalidade infantil era muito elevada, e uma em cada quatro
crianças não completava um ano de idade, uma vez que as condições de vida na infância eram
muito difíceis.
A esperança de vida à nascença era baixa, situando-se em média entre os 30 e os 33 anos de
idade. A população europeia era jovem devido às taxas de natalidade elevadas e à baixa
esperança média de vida.
O frágil equilíbrio entre os nascimentos e os óbitos foi quebrado frequentemente, durante o século
XVII, uma vez que o tipo de economia praticado na época, denominada economia pré-industrial,
agravava a dependência dos Homens face aos restantes cursos alimentares. A economia pré-
industrial era essencialmente agrícola, utilizava instrumentos e técnicas agrícolas arcaicas, com
recurso ao pousio e, por isso, era pouco produtiva na maior parte das regiões europeias. Cerca
de 85-90% da população ativa trabalhava na agricultura e assegurava 80% da produção. A maior
parte da população vivia no limiar da subsistência, ou abaixo dele, e em estado de
subalimentação crónica.
Este tipo de economia pré-industrial estava profundamente dependente das condições climáticas.
Os meios para enfrentar as crises eram limitados. As populações mais pobres eram as mais
afetadas pela fome e pelo estado de inanição.
As crises de subsistência e as fomes nem sempre eram gerais ou duradouras, mas quando
coincidem com outros fatores, tais como as epidemias e as guerras podiam tornar-se nacionais
ou até mais amplas.
As epidemias, de que a peste era não só a mais temida como a mais mortífera, também
frequentes e sazonais e, juntamente com a fome, provocaram elevadas taxas de mortalidade e a
diminuição da natalidade. As guerras que marcaram o século XVII, em especial a Guerra dos
Trinta Anos, contribuíram para provocar a fome, mediante a requisição de alimentos ou a
distribuição dos campos e das colheitas. Tanto as epidemias como a guerra tiveram
consequências fortemente penalizadas nos índices populacionais.
A coincidência de mais do que um destes fatores (fomes, epidemias e guerras) causava anos
calamitosos. A crise demográfica ocorria quando a mortalidade se tornava catastrófica, isto é,
quando os óbitos superavam três ou mais vezes os nascimentos e as conceções diminuíam,
provocando um recuo populacional significativo.
A população no século XVIII
Ao longo do século XVIII, verificaram-se melhorias nos indicadores populacionais, devido à
diminuição da frequência e intensidade das crises demográficas que marcaram o século anterior.
Os fatores que contribuíram para a redução das taxas de mortalidade foram os seguintes:
 as melhorias climáticas (verões mais quentes e secos), que se traduziram em boas
colheitas, diminuindo as crises de subsistência;
 a introdução de novos alimentos, como o milho e a batata, contribuíram para colmatar as
ausências de trigo e a sua carestia; os legumes e a fruta permitiram uma alimentação mais
diversificada e equilibrada;
 a melhoria dos transportes, que possibilitou uma maior circulação de bens alimentares;
 a melhoria das condições materiais de vida- nas habitações assistiu-se à substituição dos
telhados de colmo (que facilitava a acumulação de parasitas) por telha, com chaminé, ao
alargamento das janelas, com introdução das vidraças, tornando as casas menos frias e
com melhores condições de higiene;
 a promoção de medidas de saúde pública por parte dos Estados e governos mais
centralizados, para combater as epidemias, tais como as quarentenas nos portos, a
criação de lazaretos e de dispensários e a obrigatoriedade, a partir de 1777, do
encerramento dos mortos fora dos limites das cidades;
 o aparecimento da ratazana contribuiu para eliminar o rato negro responsável pela difusão
da peste;
 o uso do quinino ajudava a debelar as febres e descoberta, em 1789, da vacina contra a
varíola, por Edward Jenner, permitiu combater esta doença, embora os efeitos da sua
utilização fossem mais significativos a partir do século XIX;
 a assistência durante o parto, por médicos e por parteiras, o uso de instrumentos mais
adequados, como os fórceps, e a criação de maternidade permitiram melhorar as
condições dos nascimentos, a partir da segunda metade do século XVIII;
 o uso de vestuário de algodão, que se divulga junto de povo em finais do século XVIII;
 A alteração dos cuidados com as crianças (abandono do enfaixamento, generalizado do
uso do berço e amamentação pela mãe) melhorou as condições de vida na infância.

A Europa dos Estados absolutos e a Europa dos parlamentos


Estratificação social e poder político nas sociedades de antigo regime
A sociedade de ordens assente no privilégio e garantida pelo absolutismo régio de direito
divino
O período entre o século XVI e os finais do século XVIII designa-se Antigo Regime, época em que
a sociedade era tripartida e hierarquizada em ordens ou estados, de acordo com o nascimento, a
honra e a dignidade.
O clero era a primeira ordem, cabendo-lhe a responsabilidade do culto divino, sendo intermediário
entre as outras ordens e Deus. Estava isento do pagamento de impostos, regia-se por direito
próprio (direito canónico) e a justiça era aplicada em tribunais eclesiástico. Recebia a dízima, para
além de rendas e outros impostos que derivavam da posse da terra.
No topo da hierarquia estava o clero, o primeiro estado, que se dividia em alto e baixo clero. O
alto clero era formado pelos cardeais, arcebispos e bispos, que eram oriundos da nobreza e
ocupavam os principais cargos eclesiásticos. Quanto ao baixo clero, era composto pelos
sacerdotes que, viviam perto das populações responsáveis pelos batismos, casamentos e
enterros. Eram oriundos de diversos setores sociais das comunidades, mas mais frequentemente
oriundos da pequena nobreza. O alto e o baixo que vivam em contacto com a sociedade e
constituíam o clero secular. Quanto ao clero regular estava sujeito a uma regra religiosa, vivendo
num mosteiro. A função desta ordem social acentuava a influência que tinha sobre a vida das
populações, quer através dos sacramentos, quer nas funções de ensino, assistência e registo dos
principais momentos da vida individual e coletiva (do nascimento até à morte).
A segunda ordem era composta pela nobreza, que tinha a função militar e protegia os outros
estados, dispunha da maior parte das propriedades da terra, pelo que canalizava para si
rendimentos substanciais. À nobreza estavam associadas prerrogativas exclusivas, como o direito
de usar a espada, ter brasão, direito de ser decapitado e não enforcado por crimes capitais e
também o direito de apelação. Ainda que pudesse exercer cargos de acordo, com a sua
dignidade não era obrigada a exercê-los. A nobreza tinha tribunal próprio, como o clero. A
condição da nobreza derivava do nascimento. Para além da guerra e do serviço militar, os nobres
desempenhavam funções na corte ou como conselheiros do rei.
A nobreza tinha um estatuto jurídico próprio, baseado no privilégio do nascimento na riqueza e
pelas funções que desempenhavam. Dividia-se em três estratos: a nobreza de espada, a nobreza
rural e ainda a nobreza de toga. A nobreza de espada, ou de sangue provinha das mais antigas
linhagens do reino. Tinham na carreira das armas a sua principal função. Quanto à pequena
nobreza rural, composta por fidalgos, vivia nas suas propriedades, afastados da corte, com uma
vida mais modesta. A nobreza de toga, por seu turno, ligava-se ao desempenho de funções
administrativas e judicias podendo ser originária da nobreza ou da burguesia. A mobilidade social
era uma realidade, ainda que limitada. As letras e os cargos públicos, quer judicias, quer na
administração, constituíram duas formas possíveis de ascender socialmente e de nobilitado.
A nobilitação concedida pelo monarca conferia honra, pelo que a burguesia procurava imitar a
nobreza, adquirindo terra, símbolo de poder e prestígio.
A própria nobreza, ao procurar a proteção e o favor régio, acabou por submeter-se e tornar-se
dependente do rei. Eram quatro os tipos de cargos que possibilitavam a nobilitação: o de
comensal, os cargos judiciais, os cargos de finanças e ainda os cargos municipais. Uma outra
forma de ascensão era ainda possível: o casamento realizado entre a nobreza e a burguesia
enriquecida era benéfico para ambas.
A última ordem era a do Terceiro Estado, e onde se incluíam camponeses, artesãos, mercadores
ou burgueses. Tinha por função trabalhar e manter as outras duas ordens, através do pagamento
de pesados impostos e de diversos direitos senhoriais. No Terceiro Estado era onde se
manifestavam diferenças muito acentuadas de riqueza. Deste modo, os estratos sociais do
Terceiro Estado iam desde os banqueiros e ricos comerciantes aos vagabundos e mendigos,
passando pelos camponeses. A diversificação de estratos sociais variava ainda consoante se
tratasse do mundo rural ou do mundo urbano. Assim pela oposição entre os que eram
proprietários de terra e aqueles que trabalhavam a terra sem serem os donos. No mundo urbano,
destacava-se a burguesia no topo da hierarquia, ligada aos mais variados ofícios ou atividades
mais rentáveis (banqueiro, comerciantes e artesãos).
A sociedade do Antigo Regime era baseada no privilégio do nascimento, conferido pela
ancestralidade e pela linhagem familiar, bem como pela posse da terra, que continuava a ser um
elemento de prestígio social. A riqueza era outro elemento de diferenciação social, mesmo entre
os privilegiados.
Os privilégios constituíam como uma forma de posicionamento na hierarquia social. Os privilégios
ordenavam hierarquicamente as categorias sociais que deviam desempenhar um determinado
papel. O conceito de privilégio não era mal visto, era legítimo e aceite, pois considerava-se que a
diferenciação social assentava em direitos e deveres diferentes, consoante a ordem a que se
pertencia ou a comunidade em que se estava inserido. O privilégio era um direito particular e a
desigualdade social era reconhecida como necessária. A contestação aos privilégios e a
consciência da desigualdade surgirá de forma gradual.
A sociedade do Antigo Regime era tripartida e profundamente desigual. Era ao rei que cabia a
atribuição de grau de nobreza e de títulos, bem como a confirmação dos privilégios das diferentes
categorias, grupos ou instituições sociais, assumindo-se como o garante da ordem e das
hierarquias.
Absolutismo régio de direito divino
O Antigo Regime está ligado à conceção da monarquia absoluta que teve a sua origem no
processo de centralização do poder.
Este entendimento de governo foi posto em prática entre os anos 1624, quando o cardeal
Richelieu entrou no Conselho Real de Luís XIII. Este período foi decisivo no processo de
fortalecimento do poder régio e na conceção teórica e jurídica de um governo absoluto, não só
associado às ideias preconizadas por estes dois ministros, como também ligado a outras
teorizações do poder político que foram produzidas.
Com efeito, reflexões sobre o poder absoluto de direitos divino surgiram numa Europa marcada
por conflitos militares, nomeadamente a Guerra dos Trinta Anos e a guerra civil em Inglaterra. A
guerra e a necessidade de ordem foram fatores que contribuíram para a implementação de uma
autoridade absoluta. Os contributos de juristas e o apoio da burguesia, em ascensão, foram
também fundamentais. O reforço da autoridade real procurou apoiar-se, por um lado, na
administração e na burocracia, e por outro, no exército nacional e permanente.
Nos séculos XVII e XVIII surgiram textos que faziam a apologia do poder absoluto do rei. Um
exemplo foi o de Cardin le Bret, que na sua obra, publicada em 1632, Da Soberania do Rei,
defendeu que o monarca detinha a única autoridade e que todos se lhe deviam submeter. O seu
tratado foi decisivo para a ação política desenvolvida pelo rei Luís XIII e por Richileu, seu
primeiro-ministro de 1628 a 1642. O cardel Richelieu, no seu Testamento Político de 1688,
defendia que a unidade religiosa do Estado era crucial para o reforço da França e do poder do rei,
bem como para subordinar o orgulho dos grandes e prestigiar a França e o seu monarca, na cena
política internacional.
Depois da morte de Richelieu, foi o cardeal Mazarin que, entre 1643 e 1661, como ministro de
Luís XVIII e de Luís XIV, consolidou o fortalecimento da autoridade régia. Esta era determinante
na estabilidade política e social do reino, bem como no desenvolvimento económico e na
afirmação dos interesses políticos franceses, no contexto europeu.
A governação de Luís XIV assentou, por isso, num profundo conhecimento do governo e da
administração, o que fez dele um monarca bem informado dos assuntos de Estado. Ainda que
ouvisse os seus conselheiros, cabia-lhe a responsabilidade das decisões.
Foi ainda no reinado de Luís XIV que surgiu uma outra importante reflexão teórica acerca de
poder absoluto do rei, produzida por Jacques-Bénigne Bossuet, em que o pregador associava o
poder real ao direito divino e considerava que o poder do monarca era absoluto, paternal e
sagrado.
Segundo Boussuet, o rei apenas prestava contas a Deus, de quem emanava o poder régio e,
assim, o seu poder era sagrado. A autoridade do monarca, tal como a de um pai, não podia ser
modo algum questionada e, caso as suas ordens fossem contrárias à vontade de Deus, nada
mais restava aos súbditos do que a oração.
Todos os poderes procediam diretamente do rei, apenas responsável diante de Deus; a
autoridade estava centralizada na sua pessoa e, portante, o seu papel era determinante no
funcionamento do governo do Estado.
A conceção da origem divina do poder absoluto, veiculada pelos teorizadores e pela prática do
exercício do poder régio, diferenciava-se da ideia do poder arbitrário e ilimitado. O poder exercido
pelo monarca absoluto, representante de Deus na Terra, era limitado pelo respeito da lei
tradicional, pelos usos e costumes, pela razão e pela consciência cristã, com base nos quais o rei
fixava e confirmava a hierarquia das ordens sociais do Antigo Regime.
Não era consentida qualquer oposição ao ideal de poder protagonizada por Luís XIV e a máxima
um rei, uma fé, uma lei revelava a vontade de garantir uma coesão do reino e dos seus súbditos
em torno do rei. Para exercer um poder forte, tinha de ter um país unido. O monarca reforçou a
sua autoridade na fé, eliminando as fações religiosas, e através da lei, que era a sua vontade,
impôs a disciplina e o comportamento a que todos se submetiam.
Para atingir estes objetivos, Luís XIV foi mais longe. Não só reforçou a autoridade régia, como lhe
acrescentou o culto em torno da sua pessoa e da sua imagem, através da teatralização e da
encenação do poder.
Os modelos estéticos de encenação do poder
O início do século XVII, tanto em França como noutras regiões da Europa, foi ainda marcado
pelas questões resultantes da Contrarreforma católica, após o Concílio de Trento, provocando
transformações no domínio artístico. Assistiu-se, assim, ao longo do século XVII e primeiras
décadas do século XVIII, ao desenvolvimento do barroco, que teve na Itália o centro, a partir do
qual irradiou para toda a Europa. O barroco caracterizou-se também na França pelo sentido de
grandeza, de riqueza e de movimento, pelo apelo aos sentidos e às emoções e ainda pelo sentido
dramático.
O patrocínio régio das artes e das ciências contribuiu para cultivar a majestade do monarca e
difundir a imagem do rei e da sua grandeza. Colocaram a arte barroca não apenas ao serviço da
Igreja e da propagação da fé, mas também ao serviço do rei.
Luís XIV implementou o seu gosto, com caráter régio e majestoso, transpondo a arte, para um
contexto político, ao serviço do esplendor da corte. Luís XIV apoio as letras, o teatros, a música e
as artes plásticas.
A magnificência, a dignidade e a pompa teatral do dia a dia do monarca obrigavam a um
cumprimento rigoroso de normas a que os cortesãos se submetiam. Os desfiles sumptuosos, as
entradas triunfais, as festas e os espetáculos eram encenados dando vida ao conceito de obra de
arte total.
A corte assumiu-se como um espaço de deslumbramento e pedra angular da estruturação do
poder durante o Antigo Regime. O rei, para além de evidenciar a sua corte, apresentava-se coo a
sua figura principal, pelo que esta forma de encenação do poder se constituiu como um elemento
indissociável do absolutismo.
A arquitetura espelhou a importância dos monarcas como figuras centrais na medida em que os
palácios acabaram por funcionar como um mecanismo de controlo e de submissão da nobreza,
particularmente interessada em agradar ao rei para conseguir a sua atenção e,
consequentemente, beneficiar dos seus favores. Tomando como exemplo mais paradigmático a
corte de Luís XIV, instalada em Versalhes a partir de 1682, os nobres que outrora haviam
desafiado a autoridade real disputavam entre si para agradar ao monarca.
O palácio de Versalhes, local de diversão e de prazer, foi onde se criou um novo conceito
espacial revelador e difusor de uma nova ordem de poder. O rei Luís XIV, identificado com Apolo,
Júpiter ou com o Sol, assumia-se como o Rei-Sol, o líder, o garante da paz, da estabilidade e do
governo, cuja luz envolvia alimentação tudo e todos. O rei assumia-se como a figura principal a
quem todos deviam um respeito submisso, tal como a divisa de Luís XIV.
Versalhes foi o cenário ideal onde os quadros, os espelhos, os baixos-relevos, os medalhões, os
panegíricos, os jardins e as fontes, não só contribuíram para transmitir a imagem de um rei
magnificente, como foram usados na veneração e glorificação da pessoa do rei, bem como nos
festejos que duravam dias e noites. Os festejos, para além de divertirem a corte, contribuíram
para alhear o povo, que a eles assistia, do seu quotidiano. O rei Luís XIV organizou grandiosas
festas pondo em cena a temática e a estética barrocas. Nessas festas da corte associavam-se o
teatro, a música e a ópera, culminando com grandiosos fogos-de-artifício. Essas festas barrocas
recorriam frequentemente à arquitetura efémera, isto é, à construção de modelos e de cenários
que reproduziam ambientes e situações determinadas e que, após os festejos, eram
desmontadas.
No palácio de Versalhes, a arte da governação foi acompanhada de um cerimonial, em que a
corte se assumiu como o palco ideal destinado, simultaneamente, a impressionar os súbditos e a
veicular princípios ideológicos.
A sociedade de corte tornou-se determinante ni exercício do poder. Se entrar em Versalhes era
fácil, difícil era conseguir a atenção do monarca e, por isso, compreende-se que os vários
espaços no palácio se sucedessem, em termos de acessibilidade, consoante o rígido cerimonial
de corte. Quanto maior fosse a consideração do soberano pelo nobre, este ia sendo autorizado a
aceder aos espaços mais reservados no interior do palácio. Versalhes oferecia residência aos
nobres que queriam e podiam viver junto ao rei. Porém, as condições de vida no palácio eram as
melhores e aqueles que haviam deixado os seus palácios eram obrigados a viver em
apartamentos exíguos e com poucas condições de habitabilidade. Viver em Versalhes eram
também dispendioso. A vida e a etiqueta da corte exigiam avultados recursos (alimentação,
carruagem, cavalos, criados, vestuários) e muitos eram os nobres que se endividavam para poder
manter um estatuto adequado, passando a viver, em muitos casos, de pensões, das doações e
empréstimos do rei. Aqueles que não podiam viver no palácio arrendavam habitações, a preços
exorbitantes, nas proximidades de Versalhes, para poder partilhar do brilho e esplendor da corte.
A vida do rei e todos os seus atos tinham um simbolismo, mobilizador de toda a corte. O levantar,
as refeições, as receções, os passeios, a ida à caça, à missa e o deitar do rei eram metáforas que
o promoviam como figura divina.
Versalhes foi um modelo para as demais cortes europeias. As festas, o vestuário, a alimentação,
os valores estéticos, e as regras de etiqueta da corte do Rei Sol serviram de referência para as
elites e os soberanos europeus seus contemporâneos, numa época, que também ficou conhecida
como o “século de Luís XVI”.
Sociedade e poder em Portugal: preponderância da nobreza fundiária e mercantilizada
A sociedade portuguesa, no século XVII e início do século XVIII, apresentava uma estrutura de
ordens, hierarquizada e estratificada, típica de Antigo Regime. Em Portugal, e à semelhança do
que se passava na Europa, a propriedade fundiária, bem como o domínio sobre a terra e os
homens, mantinha-se como fonte de poder e de prestígio. A nobreza, enquanto proprietária de
terras, continuava a afirmar-se como uma ordem privilegiada. Era dominante a esta nobreza
antiga e de linhagem que cabiam os principais cargos, distinções e títulos, bem como, a maior
parte das propriedades, agraciada com as mercês concedidas pelos vários monarcas, ou
integrando os principais cargos da hierarquia religiosa pelos filhos-segundos que se seguiam.
Após a perda da independência em 1580 e a ascensão de Felipe II ao trono de Portugal, a
aristocracia portuguesa viu a corte deslocar-se para Madrid. A nobreza portuguesa de corte,
durante o período filipino, diminuiu de forma significativa.
Após a Restauração da independência, em 1640, entre os reinados de D. João IV e de D. João V,
assistiu-se a uma reestruturação e renovação da nobreza. A participação de setores da nobreza
provincial e da nobreza de toga no apoio à nova dinastia traduziu-se na atribuição de novos títulos
nobiliárquicos e ainda na assunção de um papel preponderante na governação, já que dela
saíram muitos dos elementos que assumiram os novos cargos políticos e administrativos. A
nobreza em Portugal apresentava uma hierarquização em que os senhores da terra, detentores
de cargos na Casa régia, e os “Grandes” do reino, detentores dos principais títulos constituíram o
topo da aristocracia portuguesa.
A corte da nova dinastia, sediada em Lisboa, implicou a criação de uma nobreza de corte, cujos
elementos, recrutados nas fileiras da nobreza provinciana, eram disciplinados, obedientes e
cumpridores eficientes das funções que lhe eram confiadas, tanto a nível judicial, como militar, ou
administrativos, tanto no reino, como nos domínios ultramarinos. As guerras da Restauração
serviram também como um fator de renovação da nobreza, pois era fundamental ao rei D. João
IV e seus sucessores (D. Afonso VI e D. Pedro II) assegurar meios para a defesa das fronteiras
portuguesas. Ainda em consequência da Restauração, a nova dinastia precisou de fazer-se
reconhecer no exterior, pelo que foi importante a participação e o contributo de altos dignitários,
da nobreza e do clero, para promover a diplomacia junto das cortes europeias, a fim de obter o
reconhecimento internacional da independência do reino e a legitimidade da nova dinastia, bem
como negociar a recuperação de parte das possessões perdidas durante o domínio filipino.
Uma parte da nobreza portuguesa continuava a ver no Império Ultramarino uma forma de
aumentar os seus rendimentos. A organização político-administrativa de aumentar os seus
rendimentos. A organização político-administrativa dos domínios coloniais levou a Coroa
portuguesa a atribuir quer o vice-reinados na Índia, quer o cargo de governador no Brasil, quer a
capitania das armadas e das fortalezas a elementos da nobreza que, deste modo, representavam
nestes territórios a autoridade régia. Esta participação na administração colonial contribuiu para
engrandecer os rendimentos das casas senhoriais, tendo em conta que os nobres não
desdenhavam dedicar-se, em simultâneo, ao tráfico ultramarino, fosse por conta própria, fosse
integrados em companhias de comércio. A atividade mercantil foi aproveitada pela nobreza para
aumentar a fortuna que a posse da terra não conseguia, só por si, garantir.
Ao nível interno do reino, desde o final do século XVII e início do século XVIIIA, no Norte de
Portugal, o alargamento da cultura vinha, em ligação com o desenvolvimento do comércio do
vinho do Porto, sobretudo impulsionado pela procura do mercado inglês, contribuiu para que
muitas casas senhoriais, entre as quais se destacavam as casas da alta nobreza ligadas a este
setor. A prática do comércio foi sempre encarada pela nobreza como uma fonte suplementar,
destinada a equilibrar as quebras dos seus rendimentos tradicionais, relacionados particularmente
com a propriedade agrícola e com os direitos fundiários.
Esta nobreza mercantilizada, composta por fidalgos-mercadores, contou com o apoio régio e com
um regime de proteção económica que impediu, assim, o desenvolvimento de uma burguesia
forte, empreendedora e dinâmica, ao contrário do que a acontecia no Norte da Europa, onde a
burguesia detinha um papel ativo no desenvolvimento comercial.
Em Portugal, devido à existência da sociedade de ordens e à mentalidade nobiliárquica, até a
burguesia, enriquecida com o comércio, ou pelo desempenho de funções, aspirava a enobrecer-
se, por mercê régia ou por casamento, investindo, fundamentalmente, na propriedade fundiária.
Ao longo da segunda metade do século XVII e XVIII, o sistema de doações régia e a
monopolização de cargos, por parte da nobreza portuguesa, consolidaram a ordem nobiliárquica
e eclesiástica no topo da hierarquia social. A nobreza estava então dependente das doações e
mercês régias e, por isso, não constituiu uma ameaça ao poder régio.
Criação do aparelho burocrático do estado absoluto no século XVII
Numa época marcada pelo reforço da centralização do poder régio, em Portugal a estruturação
do aparelho burocrático encontra as suas raízes ainda no período do domínio filipino. Foi
importante o contributo das Ordenações Filipinas, publicadas em 1603 e se mantiverem em vigor,
com legislação sucessivamente anexada, mesmo depois do fim do domínio espanhol. Destacou-
se a criação da Casa da Relação do Porto, um tribunal com funções judiciais e jurídico-
administrativas, cuja ação abrangia o norte e ainda a fixação, em 1580, da Casa da Suplicação,
em Lisboa, que era o tribunal de justiça da corte.
Com a Restauração e a subida ao trono de D. João IV, a necessidade de, por um lado,
reconstituir a administração central e, por outro, de recompensar a nobreza fiel à causa
independentista, levaram o monarca a atribuir-lhe cargos políticos. Assim esta partilha de podre
entre o rei e a aristocracia assumiu expressão na criação de Conselhos: o Conselho da Guerra,
criado em 1640; a Junta dos Três Estados, nascida em 1642; o Conselho da Fazenda e o
Conselho Ultramarino, criados em 1643. O Conselho de Estado, presidio pelo monarca, assumiu-
se como o principal órgão central e de aconselhamento da decisão política; os seus membros
eram recrutados de entre os homens de confiança do monarca, nos altos representantes do clero
e da nobreza. Foi sob o reinado de D. João IV que o cargo de escrivão da puridade foi extinto e
que surgiu o de secretário de Estado, responsável pela coordenação das tarefas de governo. O
rei procedeu também à criação de duas secretarias: a Secretaria das Mercês e Expedientes e a
Secretaria da Assinatura. Esta estrutura administrativa, cada vez mais complexa e burocratizada,
era sobretudo consultiva e destinada a auxiliar o monarca no processo da administração do reino,
cabendo sempre ao rei a decisão suprema dos assuntos de Estado.
Depois da morte de D. João IV, D. Luísa de Gusmão, sua mulher, assumiu a regência até o
infante D. Afonso atingir a maioridade. Durante este período, o Conselho de Estado assumiu um
papel preponderante na governação. O governo de D. Afonso VI foi marcado pelo declínio dos
Conselhos e pela perda de poder por parte dos secretários. Estes deixaram de interferir na
condução dos assuntos políticos, em grande parte devido ao facto de, por regulamento datado de
1663, D. Afonso VI restaurar o cargo de escravidão de puridade, atribuído ao 3.º conde de
Castelo Melhor, que se afirmara como o a principal figura política e administrativa do reino. Esta
situação provocou descontentamento, pois significava a concentração do poder da administração
central numa figura que não a do rei, com a consequente exclusão de parte da aristocracia. Neste
sentido, D. Afonso VI acabou por retirar o seu apoio ao conde de Castelo Melhor, o que significou
o fim do cargo de secretário particular do rei.
A instabilidade política marcou o reinado de D. Afonso Vi que foi declarado incapaz e acabou
mesmo por ser deposto. D. Pedro assumiu o trono como regente e depois como sucessor, tendo-
se tornado rei. Durante o reinado de D. Pedro II, as Cortes foram convocadas por três vezes, com
caráter não tanto político mas particularmente simbólico, e quando procuraram interferir
politicamente no governo do reino, D. Pedro II dissolveu-se. Neste sentido, as Cortes de Lisboa
de 1697-1698 foram as últimas realizadas no século XVII.
Apesar das dificuldades resultantes do processo de reconhecimento da nova dinastia de
Bragança e, da guerra de Restauração, o processo de centralização em torno de reino prosseguiu
e acentuou-se decisivamente com D. João V.
O absolutismo joanino
O reinado de D. João V iniciou-se em 1707, numa Europa marcada pela figura de Luís de XIV,
quer serviu de modelo ao absolutismo joanino. Apesar das dificuldades económicas do início do
reinado o ouro do Brasil permitiu a D. João V usar a opulência para afirmar externamente
Portugal como um grande reinado. O absolutismo joanino se, por um lado, se inspirou no modelo
francês, por outro, assumiu particularidades que lhe conferiram uma identidade própria. O fausto,
o cerimonial de corte, a figura do monarca paternalista são, sem dúvida, de influência francesa;
porém, D. João V não foi alvo de um culto tão intenso como aconteceu com Luís XIV e manteve
uma maior proximidade face aos seus súbditos.
O caráter paternalista do poder, em que o monarca justo, preocupado com o governo do seu
reino, assegurava o bem dos seus súbditos, a manutenção da ordem social dos privilégios e as
prerrogativas de cada estado, foi a característica que atravessou o reinado de D. João V. Cabia
ao monarca cumprir e fazer cumprir as leis fundamentais do reino, bem como fazer justiça, de
acordo co, os princípios morais e católicos.
O governo de D. João V ficou também marcado pelo facto do monarca controlar todos os
assuntos de Estado. Assistiu-se ao declínio do governo apoiado por conselhos e, os secretários
de Estado viram as suas competências diminuírem.
A criação do Gabinete de Abertura, permitiu a D. João V conhecer o que se passava no reino,
bem como nos territórios coloniais. A decisão suprema cabia sempre e só ao monarca. Havia
matérias que cabiam exclusivamente ao rei sem qualquer audição ou parecer prévio.
Durante o reinado joanino procedeu-se a uma reforma administrativa, que foi responsável pela
renovação da nobreza de corte, no desempenho dos cargos político-administrativo, através da
criação de um corpo de altos funcionários (diplomatas, magistrados e técnicos), recrutados na
universidade e oriundos da nobreza de toga. Nesse sentido, em 1736, D. João V procedeu à
reforma das secretarias de Estado, com vista a tornar mais rápida e eficaz a expedição dos
assuntos do reino.
Apesar destes organismos tratarem de grande parte dos assuntos do reino, reunindo com o rei
duas vezes por dia as decisões cabiam sempre ao monarca. Consolidou-se, progressivamente,
associação de uma elite nobre e eclesiástica, ligada à corte, numa estrutura administrativa em
que o rei era o elemento que superentendia de forma incontestada.
O reinado de D. João V significou definitivamente a substituição das cortes pela corte. A corte, as
artes e as letras foram instrumentos de dominação e de grandeza associados ao poder real. Na
corte, D. João V recorreu a todo um conjunto de elementos simbólicos, exaltadores e glorificados
da figura régia, que assentaram na encenação do poder.
A corte de D. João C assumiu-se como o centro do poder absoluto e as relações que nela se
desenvolviam constituíram um elemento fundamental da ação política, dominada pela figura do
monarca. A vida na corte era determinada por um cerimonial rígido e hierárquico, em que cada
um ocupava um lugar nem definido. Os cerimoniais da corte obedeciam a regras de protocolo e a
formas de tratamento, estabelecidas na forma de lei, conforme o estatuto e a função social.
O rei Magnânimo e a sua corte beneficiaram do ambiente de relativa pacificação social e política
e do uso desmesurado da riqueza do ouro brasileiro.
As primeiras manifestações da imagem de grandeza da corte de D. João V, destacaram-se as
entradas públicas dos seus embaixadores nas principais capitais europeias: em Viena, em 1708,
por ocasião do seu contrato de casamento com Maria Ana de Áustria, e em Roma, em 1716,
aquando da embaixada ao Papa Clemente XI. Nestes cortejos exibiram-se ricos coches
decorados ao gosto barroco. A embaixada ao Papa teve como fim obter, junto da Santa Sé,
regalias semelhantes às de outros grandes reinos católicos.
No reinado de Magnânimo as entradas solenes do monarca e da sua família, em ocasiões
festivais, assumiram destaque. As festas de casamento da realeza eram momento de associação
simbólica entre o poder monárquico e religioso.
Outra forma de D. João V espelhar e simbolizar o seu poder e a sua magnificência foi o patrocínio
das letras e das artes, colocando-as ao serviço da propaganda régia. Como símbolo desta
atividade mecenática, destacaram-se a criação da Academia Real de Histórica Portuguesa, que
tinha como objetivo a investigação e a produção de obras da História de Portugal; a criação da
Biblioteca da Universidade de Coimbra, conhecida como a Biblioteca Joanina, e ainda alguns
núcleos da Biblioteca da Ajuda, em Lisboa.
No campo da ciência, para além de ter promovido a instalação de uma gabinete e observatório
astronómico, apetrechado com instrumentos científicos, destacou-se o interesse de D. João V e
da sua corte na divulgação de curiosidades, tal como acontecia noutras cortes europeias.
No domínio das obras públicas, procedeu a reformas no Paço da Ribeira, residência real, e deu
início à construção do Aqueduto das Águas Livres com o objetivo de solucionar o problema do
abastecimento de águas à população de Lisboa. Por todo o reino se edificaram igrejas, decoradas
com talha dourada, palácios e mansões. Diversos arquitetos italianos vieram para Portugal, entre
os quais João Frederico Ludovice e Nicolau Nasoni, e deixaram as marcas da sua influência.
Ludovice, o arquiteto-ourives da corte portuguesa, foi o impulsionador do barraco em Lisboa e foi
um dos arquitetos de Mafra.
Mas o símbolo do seu reinado foi indubitavelmente a construção do palácio-concento de Mafra,
iniciada em 1711, numa clara demonstração da grandeza joanina, um dos mais importantes
edifícios barrocos de Portugal. O palácio, a igreja, o convento e a biblioteca de Mafra constituem
um exemplo de afirmação do poder de D. João V.

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