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História da Saúde Pública no Brasil

Do Império à Primeira República: o surgimento da saúde pública

Aula 1

Saúde e doença da Colônia ao Império

Objetivos educacionais

Ao final desta aula, você vai ser capaz de:

Compreender o processo de institucionalização da medicina e o surgimento das primeiras


medidas de saúde pública no Brasil.

Principais assuntos

Nesta aula, vamos abordar:

As questões de saúde na Colônia e as mudanças institucionais decorrentes do processo de


independência.

O surgimento das epidemias e a crise sanitária no século XIX.

As principais doenças durante o Império.

Desenvolvimento da higiene e o surgimento da vacinação antivariólica.

Compreender o processo de institucionalização da medicina e o surgimento das primeiras


medidas de saúde pública no Brasil.

Escravidão e doença

Desde a Colônia, muitos negros africanos foram trazidos ao Brasil para o trabalho escravo nas
plantações dos engenhos de açúcar do Nordeste, e depois se estendeu para a mineração no
Sudeste.

Isso gerou um novo grupo social vulnerável, e criou o sistema de exploração que moveria a
economia da Colônia, e depois do Império.

Por todo o período Colonial e Imperial, as condições de saúde da população negra eram
lastimáveis. Os problemas começavam na captura dos africanos e na viagem forçada para o
novo continente: a cada cinco escravizados embarcados para o Brasil no início do período
escravista, um morria antes da chegada.
Isso ocorria porque a travessia do Atlântico era realizada em condições deploráveis, em navios
prisões, onde os negros africanos eram amontoados, sem higiene, alimentação adequada ou
qualquer tipo de cuidado médico.

No contexto de violência e superexploração vivido pelos escravizados, a ancilostomíase e


outras verminoses, as doenças carenciais como o escorbuto e a tuberculose eram muito
frequentes nessa população.

Sob a condição de mercadoria, os escravizados viveram à margem dos cuidados médicos,


sendo alvo de atenção somente quando sua morte poderia significar perda econômica para o
seu senhor.

Apesar de haver diferentes atividades exercidas pelos escravizados africanos e diversas formas
de tratamento dos senhores, os negros normalmente eram extremamente explorados, sendo
mantidos à base de açoite, em geral mal alimentados e em péssimas condições de higiene.

No auge da produção mineira, em meados do século XVIII, o tempo estimado de vida dos
escravizados nas minas era de apenas sete anos.

Nos principais centros urbanos, como Olinda, Recife, Salvador e Rio de Janeiro, embora o
trabalho parecesse menos pesado, as condições gerais de sobrevivência dos escravizados não
eram muito diferentes, pois muitas vezes trabalhavam até a exaustão.

Reflexos da escravidão na sociedade atual

Após 130 anos do término oficial da escravidão, a grande diferença das condições de vida entre
negros e brancos e o racismo permanecem em nossa sociedade.

E quais são as consequências disso?

Educação

O período da escravidão deixou como legado uma forte desigualdade social expressa na baixa
escolaridade, menores salários e maiores taxas de analfabetismo entre a população negra.

Saúde

Na saúde, os negros são mais expostos a diferentes riscos e muitas vezes sofrem preconceito
(racismo institucional) no atendimento em serviços de saúde.

Os problemas relacionados à desigualdade entre negros e brancos em nossa sociedade estão


ligados ao longo período de escravidão. Este sistema construiu em muitos brasileiros uma
persistente ideia da existência de diferenças a partir da cor da pele.

Hoje, mais do que nunca, é necessário refletir sobre o racismo em suas diversas dimensões, em
particular nas nossas práticas cotidianas.

Doença dos colonos

As condições de saúde da população eram muito variadas. Ser nobre ou plebeu, morador de
cidades ou do campo, comerciante, ou profissional mais bem remunerado, pertencente ao
clero, tropeiro ou mascate – tudo isso influía nas condições de saúde, determinando as
principais doenças nos diferentes grupos.
De forma geral, as condições de vida e saúde na Colônia não eram fáceis, e em relação às
doenças, as febres eram um dos principais problemas. Caracterizadas genericamente como
febres intermitentes ou palustres, eram na verdade diferentes doenças que tinham origem
desconhecida na época.

A malária e a febre tifoide eram algumas das doenças que surgiam regularmente em diversas
regiões onde a presença de insetos ou de água contaminada possibilitava a transmissão.

A tuberculose, a lepra, a sífilis, a febre amarela e doenças carenciais como o beribéri eram
muito frequentes na época também.

Um Império de doenças

Navegue nos anos e veja alguns acontecimentos importantes relacionados à saúde pública.

1808: A chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808 e a transformação do país em


Reino Unido a Portugal inauguraram um período de fortes transformações na antiga Colônia.

Com o novo status do país, surgiu a necessidade de abertura comercial, modernização de


algumas áreas – como a produção de manufaturas – e o desenvolvimento dos meios de
comunicação, até então reprimidos pelo domínio colonial. Essas mudanças, somadas às
urgências políticas do período, fizeram com que o contato com outras nações europeias fosse
ampliado, principalmente por causa do comércio de mercadorias e escravos.

1829: Depois da Independência, surgiram as primeiras instituições médicas no país. Em 1829,


foi criada a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, que reuniu a elite médica na busca da
melhoria das condições de saúde da Corte e do fortalecimento institucional da medicina.

1832: Em 1832, os cursos médicos cirúrgicos existentes na Bahia e no Rio de Janeiro foram
transformados em faculdades de medicina e começaram a formar médicos, farmacêuticos e
parteiras. Era o início da medicina oficial brasileira. Ainda nesta unidade aprofundaremos o
conhecimento sobre as instituições da Medicina oficial.

1835: A Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro foi transformada em Academia Imperial de


Medicina em 1835, passando a ser uma instituição oficial, ativa no aconselhamento do Estado
em temas de saúde pública.

Os eventos que você viu nessa linha do tempo marcaram os primeiros passos da medicina
oficial brasileira. Embora tenham servido de base para a formação das primeiras estruturas de
saúde e práticas médicas institucionalizadas, essas iniciativas não conseguiram melhorar as
condições de saúde da população.

No Brasil independente surgiam novas instituições e atividades.

Nesse cenário, com novas manufaturas, pequenas fábricas, culturas agrícolas em ascensão
como o café e o setor de transporte, começou a demanda pela importação de máquinas,
serviços e trabalhadores que passaram a ser indispensáveis para mover a economia agora
autônoma.

Nesse período, as áreas urbanas das regiões economicamente mais ativas começaram a atrair
trabalhadores e negócios.

As transformações demográficas e socioeconômicas ocorridas no século XIX trouxeram grandes


impactos na área da saúde.

Nessa época, surgiram diversas doenças. A maioria delas estava relacionada à alimentação
inadequada e à condição de vida precária, atingindo assim uma grande parte da população.

Saiba Mais

Durante o período colonial e no Império foram as infecções gastrointestinais que mais mataram
brasileiros.

Além disso, diversas doenças de caráter transmissível passaram a ser mais frequentes, como
por exemplo: a sífilis e a tuberculose.

Atenção

Apesar da contínua degradação das condições de saúde em virtude do aumento da população,


da falta de condições de saneamento e da exploração do trabalho, até meados do século XIX o
país esteve distante das epidemias mais violentas que atacavam a Europa.

Existia na época a crença de que o Brasil, pela condição climática ou geográfica, estaria imune
às pestes que assolavam a Europa.

Em 1844, José Francisco Xavier Sigaud discordou dessa ideia e afirmou que a inexistência de
epidemias importadas no Brasil se devia ao isolamento econômico e cultural imposto pelo
estatuto colonial, mas que a chegada delas seria inevitável.

Ele tinha razão nessa afirmativa, pois infelizmente essas epidemias começaram a acontecer
regularmente no país.

Varíola

A varíola foi trazida ao Brasil pelos europeus no século XVI, gerando surtos que atingiram
diversas cidades, do litoral ao interior.

As primeiras vítimas da doença foram os índios, que não contavam com resistência biológica ao
agente patogênico. A doença foi responsável pela redução e mesmo extinção de diversas tribos
no país.
Saiba Mais

Em 1938, os viajantes Von Spix e Von Martius, observaram que era difícil encontrar índios com
marcas de varíola, não por eles não contraírem a doença, mas porque não sobrevivem a ela.

No período colonial, as autoridades ordenavam a quarentena aos navios com o objetivo de


impedir que doentes de varíola entrassem no continente, pois poderiam provocar novas
epidemias.

Como para a maioria das doenças, nem os médicos e nem os religiosos – mais acostumados às
atividades de cura na época – tinham formas efetivas de lidar com a varíola.

Não existiam fórmulas caseiras e nem remédios eficazes contra a doença. As medidas de
prevenção também não eram eficazes, assim a varíola continuou a atacar fortemente diversas
regiões do país durante todo o Império.

O aumento dos surtos da varíola, da febre amarela e outras doenças, em meados do século
XIX, fez surgir as primeiras instâncias governamentais voltadas para a melhoria das condições
de saúde no Brasil.

A varíola foi a primeira doença a ser alvo de uma ação pública específica no Brasil.

Navegue nos anos e veja alguns acontecimentos importantes relacionados à Saúde Pública.

1804: Os comerciantes baianos, liderados pelo Marquês de Barbacena, pagaram a ida de


escravos à Europa para serem inoculados com a doença.

1808: Com a vinda da Corte, a vacina antivariólica ganhou maior impulso. Acredita-se que isso
se deve ao fato de D. João ter perdido dois irmãos e um filho que adoeceram com a varíola.

1811: Em 1811, foi criada a Junta Vacínica da Corte com o objetivo de implantar a vacinação
no Brasil.

1831: Em 1831, a Junta Vacínica recebeu um novo nome: Junta Central de Vacinação. Apesar
de ter sido criada com o objetivo de ampliar o uso da vacina no Império, a atuação da Junta foi
muito restrita, pois existia muita resistência à aplicação da vacina diretamente de uma pessoa a
outra.

Atenção

A vacinação foi mais utilizada nos escravos, porque seus senhores estavam preocupados com a
manutenção de suas vidas, já que eram vistos como sua propriedade. A partir de 1887, a
vacinação de uma substância vinda de pústulas de animais atingidos por cow-pox chega ao
Brasil. Essa nova forma de vacinação amplia o uso dessa forma de prevenção, mas também é
alvo de grande resistência.

Febre Amarela

A febre amarela chegou ao Brasil no final do século XVII, provavelmente trazida das Antilhas,
onde se espalhou desde a época dos Descobrimentos. Os surtos epidêmicos da doença
produziam muitas mortes em diferentes regiões.

Cólera
Trazida do Sudeste Asiático pelos europeus, a cólera se propagou nas rotas de comércio e pelos
deslocamentos populacionais.

A primeira epidemia da doença no Brasil se iniciou na província do Grão-Pará em 1855, mas em


pouco tempo a doença atingiu o Nordeste e a capital do Império, deixando um imenso número
de mortes.

Saiba Mais

A cólera era conhecida pelos médicos europeus em virtude dos problemas que vinha causando
em diversos países.

Sua forma de transmissão ainda era ignorada por grande parte da comunidade médica, e foi
descoberta somente em 1855 pelo médico inglês John Snow.

Para evitar a propagação da doença era realizado o isolamento dos doentes e quarentena nos
navios.

Os enfermos recebiam atendimento nas enfermarias da Santa Casa e em outras instituições


filantrópicas.

As instituições da medicina oficial

Como você viu no início desta aula, em 1829 surgiu a primeira instituição da medicina oficial, a
Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, que em 1835 passou a ser chamada de Academia
Imperial de Medicina e posteriormente, em 1889, foi denominada como Academia Nacional de
Medicina.

O objetivo dessa instituição era o desenvolvimento das ciências médicas, a melhoria das
condições de salubridade do país e a valorização do papel dos médicos frente ao Estado.

A Sociedade de Medicina reuniu os mais conceituados médicos da corte que em suas seções
discutiam sobre os diversos aspectos da medicina, sua organização profissional e, em especial,
as formas de combater as epidemias que atacavam o país.

Seguindo o modelo das sociedades europeias da época, a Sociedade de Medicina do Rio de


Janeiro teve como principal atividade no seu primeiro período de existência, a realização de
estudos sobre os problemas de higiene que afetavam a saúde pública no país.

Saiba Mais

A Sociedade funcionou de forma autônoma até 1835, quando foi transformada em Academia
Imperial de Medicina.
Com a reforma, seu perfil se aproximou ainda mais da Academia de Medicina de Paris, pois ela
se tornou uma instituição oficial do Estado. Nesse momento, seu principal objetivo passou a
ser a consultoria ao Estado nas questões de saúde pública.

Em sua nova fase, a Academia Imperial de Medicina se transformou em uma instância da


medicina oficial e de defesa de interesses corporativos, pois garantia a seus membros
privilégios empregatícios no aparelho estatal do Império.
A institucionalização da medicina oficial brasileira se deu a partir da Sociedade e da Faculdade
de Medicina, ambas criadas a partir da transferência da Corte portuguesa para o Brasil.

Em 1832, as escolas cirúrgicas, que tinham como principal objetivo cuidar da saúde das tropas,
foram transformadas em faculdades. Tanto a do Rio de Janeiro como a da Bahia formavam
cirurgiões médicos e parteiras, profissões extremamente necessárias ao novo país em vias de
construção.

Dessas instituições saíram os primeiros médicos formados em território nacional. A maioria


deles passou a atender a elite local ou ocupou cargos políticos na corte ou em diferentes
províncias, voltando-se muitas vezes para as questões de higiene pública.

Saiba Mais

As instituições da medicina oficial, em particular as faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia


inauguraram uma nova fase na história da medicina brasileira. No entanto, o conhecimento e
as práticas médicas favoreciam apenas um número limitado de pessoas.

Por todo o período Imperial uma imensa parte da população brasileira que vivia nas vastas
regiões rurais, ou mesmo os residentes em cidades com poucos recursos estiveram distantes
dos caros serviços médicos, fazendo uso das mais diversas formas de medicina popular para
mitigar o sofrimento com as doenças.

No ano 1886, surgiu mais uma instituição médica no Rio de Janeiro, a Sociedade de Medicina e
Cirurgia do Rio de janeiro.

Em suas sessões eram discutidos casos clínicos e as questões de higiene que afetavam o país,
principalmente as referentes à febre amarela, que causava milhares de mortes a cada ano
naquela época.

No fim do século XIX essa instituição já havia obtido reconhecimento no meio médico,
mostrando-se como uma instituição diferenciada de sua congênere oficial, a Academia de
Medicina.

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