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1 Breve História da Saúde Pública no Brasil

Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg

Saúde Pública é a arte e a ciência de prevenir a doença, gente que sonhava com esse mundo imaginário. Soldados,
prolongar a vida, promover a saúde e a eficiência física e mental aventureiros, mendigos, loucos, bufarinheiros, tuberculosos
mediante o esforço organizado da comunidade, abrangendo o e sifilíticos, entre outros, eram impulsionados pela mesma
saneamento do meio, o controle das infecções, a educação dos obsessão: a riqueza, as montanhas de ouro, a felicidade su-
indivíduos nos princípios de higiene pessoal, a organização prema que povoava a imaginação dos primeiros navegadores
de serviços médicos e de enfermagem para diagnóstico precoce que aqui chegaram (RIBEIRO, 1987).
e pronto tratamento das doenças e o desenvolvimento de uma Em 1500, o Brasil esbanjava beleza com suas matas vir-
estrutura social que assegure a cada indivíduo na sociedade um gens e seus índios robustos, ágeis e saudáveis. Suas rique-
padrão de vida adequado à manutenção da saúde. zas naturais davam a ideia de um verdadeiro Eldorado. Em
Winslow, Charles-Edward Amory (1877-1957) busca deste, os colonizadores trouxeram com eles as doen-
ças que os vitimavam intensamente, como tuberculose, sa-
rampo, malária, sífilis, gonorreia etc. Somadas às guerras, es-
INTRODUÇÃO sas moléstias contribuíram enormemente para o extermínio
de tribos indígenas. A conjugação catequese-contaminação,
Para o entendimento da crise do sistema de saúde públi-
guerras de extermínio-escravidão, reduziu drasticamente as
ca no Brasil, traduzida por filas frequentes, deficiência de
populações indígenas. Foi uma verdadeira tragédia a catequi-
leitos hospitalares, escassez de recursos, baixos valores pa-
zação desses índios, além de um terrível equívoco que levou
gos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), recrudescimento
a um grande genocídio e à quase dizimação dos habitantes do
de diversas doenças transmissíveis e, também, para o en-
Brasil e da América (POMER, 1980).
tendimento dos avanços na saúde, como a melhoria nos ín-
Por outro lado, ao chegarem ao Brasil mal alimentados, vin-
dices de mortalidade e expectativa de vida, é importante o
dos em navios fétidos, imundos, desconfortáveis, abarrotados
conhecimento dos determinantes históricos que levaram à
de gente, suportando todo tipo de infortúnio, os colonizadores
situação atual. A evolução da história das políticas de saúde
se deparavam com uma cruel realidade: em lugar do “paraíso
não pode ser dissociada da evolução político-social e econô-
utópico”, um “inferno tropical”. Os conflitos com os indíge-
mica da sociedade brasileira. Em nosso sistema capitalista,
nas, as doenças e dificuldades de vida se constituíram em gran-
a saúde nunca foi tratada como prioridade. Historicamente
des barreiras para o colonizador europeu se estabelecer aqui.
só recebeu atenção dos governantes quando as grandes epi-
Tudo isso ameaçava o projeto português de explorar e colonizar
demias ameaçavam a economia do país. Por outro lado, a
o Brasil. Diante da terrível realidade sanitária, o Conselho Ul-
organização e a reivindicação dos trabalhadores levaram às tramarino Português criou, no século XVI, os cargos de físico-
conquistas sociais do direito à saúde e à previdência, ainda mor e cirurgião-mor. Entretanto, poucos médicos cruzavam o
que de maneira parcial. Atlântico, pois os baixos salários, a pobreza da população e os
perigos que enfrentariam não os estimulavam. Por outro lado,
A SAÚDE PÚBLICA NO PERÍODO COLONIAL o povo tinha pavor aos tratamentos utilizados pelos médicos,
As primeiras notícias que chegaram à Europa sobre o Bra- como as sangrias e os purgativos, tão em voga na Europa, pre-
sil falavam das belezas de um paraíso terrestre utópico, da ferindo recorrer aos curandeiros, que usavam ervas medicinais.
inocente selvageria de seus habitantes e de um jardim tropi- Em 1746, havia apenas seis médicos graduados na Europa pa-
cal idílico. Diante desses relatos, inúmeras expedições zar- ra cobrir os estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato
param do Velho para o Novo Continente com todo tipo de Grosso do Sul e Goiás (BERTOLLI FILHO, 2011).
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2 Capítulo 1  |  Breve História da Saúde Pública no Brasil

Como já mencionado, muitas doenças infecciosas chega- enjeitados e sepultavam os mortos. Posteriormente, passa-
ram ao Brasil trazidas pelos europeus. A tuberculose foi uma ram a prestar assistência aos recém-nascidos abandonados na
delas. Um dos primeiros tuberculosos que por aqui aportou foi “roda dos expostos”.
o jesuíta Manuel da Nóbrega que, ao realizar sua missão evan- Quase tão antigas quanto o Brasil, pois aqui chegaram em
gelizadora, disseminou o bacilo de Koch entre as populações 1539, as Santas Casas de Misericórdia desempenharam pa-
indígenas. O jesuíta José de Anchieta também foi tuberculoso, pel importante no atendimento aos enfermos dos navios e
embora a documentação existente sobre sua moléstia não seja moradores da colônia. A primeira foi instalada em Olinda,
tão exuberante quanto a de Nóbrega (RIBEIRO, 1956). em 1539. Depois foram instaladas em Santos (1543), Vitó-
A varíola provavelmente foi trazida pelos escravos africa- ria (1545), Salvador (1549), São Paulo (1560), Rio de Janeiro
nos, tornando-se a principal causa de morte no Brasil Colônia. (1582), João Pessoa (1602), Belém (1619) e São Luís (1657).
Nos surtos epidêmicos, quase nada podia ser feito por médicos Hoje, estão presentes em quase todas as capitais e em mui-
e curandeiros, que apenas isolavam os doentes, deixando-os, tos municípios do interior do país. É importante frisar que as
muitas vezes, morrer à míngua (BERTOLLI FILHO, 2011). Santas Casas de Misericórdia se anteciparam às atividades es-
Nos primeiros tempos da colonização, homens e mulhe- tatais de assistência à saúde.
res acreditavam que a doença era uma advertência ou um cas-
tigo de Deus. Havia um desconhecimento total do corpo fe-
minino, e a mulher era vista como um receptáculo de um A SAÚDE PÚBLICA NO IMPÉRIO
depósito sagrado que precisava frutificar. Existia a crença de Em 1808, fugindo de Napoleão Bonaparte, Dom João VI
que a mulher era apenas terra fértil a ser fecundada pelo ma- chegou ao Brasil com toda a Corte portuguesa. Até então,
cho. Essa concepção vinha de Aristóteles (384-322 a.C.), que não existia no Brasil faculdade de medicina, já que Portugal
dizia ser o homem o insuflador da alma. O útero, conhecido não permitia a criação de faculdades em suas colônias. Em 18
como “madre”, era apenas para receber o sêmen e engendrar de fevereiro de 1808, logo após sua chegada a Salvador (BA),
um novo ser. Achava-se que a “madre” lançava a mulher em Dom João VI criou a primeira faculdade de medicina do Bra-
uma cadeia de enfermidades que iam da melancolia e da lou- sil. Inaugurada com o nome de Escola de Cirurgia da Bahia,
cura até a ninfomania (DEL PRIORE, 2004). ocupava o prédio do Hospital Real Militar, que ficava nas
O curandeirismo, um tipo de medicina com base em co- dependências do Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus.
nhecimentos populares adquiridos por meio do empirismo, Posteriormente, foi transformada em Academia Médico-
foi largamente utilizado no Brasil Colônia. Nesse mundo no -Cirúrgica, ganhando, em 1932, a denominação de Faculdade
qual, como vimos, praticamente não havia médicos, as curan- de Medicina da Bahia. No dia 5 de novembro de 1808, Dom
deiras e benzedeiras recebiam a estima e o respeito do povo. João VI criou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com
Conjurando os espíritos com suas palavras e ervas mágicas, o nome de Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina. As duas
suas orações e adivinhações para afastar entidades malévolas, primeiras faculdades do Brasil muito contribuíram para o
elas curavam todos os males. Os regulamentos sanitários ve- avanço da medicina no país.
tavam aos leigos o exercício da medicina, mas no Brasil Colô- A mudança da Corte portuguesa para o Brasil determinou
nia foram totalmente inoperantes, pois a necessidade gritava importantes transformações na área da saúde. Além da cria-
mais alto (DEL PRIORE, 2004). ção das duas faculdades de medicina, o Rio de Janeiro, capital
A concepção da doença como fruto de uma ação sobrena- do Império, recebeu ações sanitárias para mudar sua péssima
tural e a visão mágica do corpo faziam com que as curandei- imagem no exterior. A vacina antivariólica, usada no Brasil
ras fabricassem remédios com a utilização de plantas, mine- desde 1805, ganhou maior difusão. Dom João VI, por ter per-
rais e animais. Mesclando-se a esses saberes, havia os advin- dido dois irmãos e um filho acometidos pela doença, criou,
dos da África (emprego de talismãs, amuletos e fetiches) e as em 1811, a Junta Vacínica da Corte, para implementar a vaci-
cerimônias de cura indígena, apoiadas pela flora medicinal nação no país. Já na década de 1820 havia Institutos Vacínicos
brasileira. Tudo isso foi utilizado para curar as doenças que em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em 1831,
atingiam os brasileiros no período colonial. As curandeiras e a Junta Vacínica passou a se chamar Junta Central de Vacina-
benzedeiras que curavam com orações, benzimentos, rezas e ção. Em 1829, foi criada a Academia Nacional de Medicina.
palavras santas pertencentes ao monopólio eclesiástico eram Inicialmente denominada Sociedade de Medicina do Rio
perseguidas pelas autoridades civis e religiosas (Igreja e Santo de Janeiro e depois Academia Imperial de Medicina, nasceu
Ofício), que as viam como feiticeiras. com a finalidade de ser um órgão consultor nas questões de
A medicina praticada na Europa era quase inexistente no saúde do país. Em 1831, a referida Academia passou a publi-
Brasil Colônia. Não havia hospitais, a não ser as Santas Ca- car os Seminários de Saúde Pública, posteriormente converti-
sas de Misericórdia e as enfermarias mantidas pelos jesuítas. dos em Anais da Academia Nacional de Medicina (a mais antiga
A instituição, que depois gerou a Confraria de Nossa Senho- publicação ininterrupta do país).
ra da Misericórdia, foi criada em 1498, em Lisboa, pelo frei No mesmo ano em que foi criada a Academia Nacional de
Miguel de Contreiras, com o apoio da rainha D. Leonor de Medicina surgiu a Junta de Hygiene Pública, a qual não desem-
Lancaster. Surgiram, no mesmo ano, oito filiais em Portugal penhou papel relevante no controle das doenças da população.
e duas na Ilha da Madeira. Inicialmente, alimentavam os fa- Suas atividades eram limitadas ao controle de navios e portos
mintos, assistiam os enfermos, consolavam e educavam os e a delegar atribuições sanitárias aos municípios. Epidemias de

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Capítulo 1  |  Breve História da Saúde Pública no Brasil 3

varíola, febre amarela e cólera continuavam assolando a capital frentarem baixos padrões socioeconômicos (alimentação de-
do Império. Uma das hipóteses para explicá-las era a de que os ficiente e trabalho excessivo), tornavam-se presas fáceis de
navios vindos do estrangeiro seriam os causadores. Em 1828, foi diversas doenças infecciosas, sendo a tuberculose a mais pre-
organizada a Inspetoria de Saúde dos Portos, e todas as embarca- valente. Como a “peste branca” não era doença endêmica em
ções que transportassem passageiros doentes passavam por uma seus países de origem, os negros africanos não tinham resis-
quarentena (BERTOLLI FILHO, 2011). tência contra o bacilo e, assim, caíam vítimas da velha doença
Entre 1828 e 1840, o Rio de Janeiro foi assolado por várias dos centros industriais europeus.
epidemias de febre amarela, febre tifoide, varíola e sarampo, Mary C. Karasch, em sua tese de doutorado, “A Vida dos
entre outras. Em 1849, uma forte epidemia de febre amare- Escravos no Rio de Janeiro: 1808-1850”, concluiu que a tu-
la matou mais de quatro mil pessoas no Rio de Janeiro. Esse berculose era endêmica na cidade e que, segundo uma te-
episódio desencadeou a necessidade de reorganização da hi- se médica de 1853, a “peste branca” era a principal causa de
giene pública no país (MACHADO et al., 1978). Em 1850, o morte entre os escravos sepultados pela Santa Casa de Mise-
Governo Imperial solicitou à Academia de Medicina um pla- ricórdia do Rio de Janeiro (Quadro 1.1).
no para barrar a febre amarela, o qual foi elaborado tendo por Valiosa contribuição ao estudo da epidemiologia da tu-
base os princípios da Polícia Médica, ou seja, a criação de um berculose foi dada pelo Dr. Carlos Luiz de Saules, que fez
órgão (Comissão Central de Saúde Pública) para dirigir as um balanço da mortalidade por tuberculose, durante quatro
ações de controle da saúde. Em setembro de 1851, a Junta de anos, no Rio de Janeiro (Figura 1.1).
Hygiene Pública foi transformada em Junta Central de Hy- Somente em 1859 a tuberculose passou a ser apresenta-
giene Pública com o objetivo de controlar o exercício da me- da na estatística mortuária, tendo início, então, sua menção
dicina e inspecionar a vacinação, alimentos, farmácia, açou- nos trabalhos bioestatísticos do país. Em 1876, por meio do
gues etc. (MACHADO et al., 1978). Apesar de não ter resol- Decreto 6.387, de 15 de novembro, os serviços sanitários em
vido os problemas de saúde pública, a Junta iniciou uma nova diversas cidades do Império foram reorganizados. Nas paró-
etapa na organização da higiene pública no Brasil. quias do Rio de Janeiro passaram a funcionar comissões sa-
No período colonial, a tuberculose chamou a atenção das nitárias que exerciam a polícia de higiene domiciliar. A partir
autoridades públicas, mas nenhuma ação concreta foi toma- daí foi decretada uma série de leis sobre o serviço de higiene
da para impedir sua disseminação. Entretanto, sua gravidade e saúde pública, mas todas relacionadas com as condições de
foi denunciada por vários esculápios na Academia de Medici- habitação. De 1876 a 1886 entraram em vigor cinco decretos,
na, nos congressos, na imprensa e nas teses de doutoramen- um aviso ministerial e várias instruções (RIBEIRO, 1956).
to (ROSEMBERG, 2008). As Santas Casas de Misericórdia Os higienistas se preocupavam com as epidemias de febre
foram os únicos refúgios que os tuberculosos pobres tiveram amarela, varíola e febre tifoide, que de vez em quando visita-
para hospitalização até o final do século XIX. Em janeiro de vam a capital do Império. Essas doenças impressionavam pe-
1839, o provedor da Santa Casa do Rio de Janeiro, José Cle- lo quadro agudo e a rapidez com que atacavam suas vítimas.
mente Pereira, impressionado com a promiscuidade dos tísi- Já a tuberculose, lenta, polimorfa e insidiosa, não alarmava,
cos em estado de caquexia, solicitou à Mesa Diretora a com- porém matava em percentuais mais elevados do que todas as
pra de uma casa para isolá-los. Assim, começou a funcionar o outras reunidas. Entretanto, a “peste branca” insinuava-se va-
primeiro hospital do Brasil para isolamento de tuberculosos, garosa e traiçoeiramente, aniquilando completamente as for-
sob a direção do Dr. Cruz Jobim (RIBEIRO,1956). ças dos tísicos e os levando ao túmulo.
Os escravos trazidos da África, em péssimas condições No século XIX não se conhecia a etiologia das doenças
nos navios, chegavam debilitados ao Brasil e depois, ao en- infecciosas. Acreditava-se que seriam causadas por miasmas

Quadro 1.1  Dez causas principais de morte de escravos na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (1833-1849)

Causas Homem % Mulher % Soma % do total


Tuberculose 181 22,9 131 36,8 312 27,2
Disenteria 81 10,3 34 9,6 115 10,0
Diarreia 98 12,4 17 4,8 115 10,0
Gastroenterite 70 8,9 44 12,4 114 10,0
Pneumonia 77 9,8 25 7,0 103 9,0
Varíola 67 8,5 24 6,7 91 7,9
Hidropisia 60 7,6 20 5,6 80 7,0
Hepatite 59 7,5 19 5,3 78 6,8
Malária 43 5,5 28 7,9 71 6,2
Apoplexia 53 6,7 14 3,9 67 5,9
Total 789 100,0 356 100,0 1.146 100,0
Fonte: Karasch MC. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro: 1808-1850. São Paulo: Companhia das Letras, 2000: 210.

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4 Capítulo 1  |  Breve História da Saúde Pública no Brasil

1.450 estava voltada, naquele momento, para o combate às doenças


pestilenciais, por comprometerem os interesses dos cafeicul-
1.400 tores, uma vez que atingiam os imigrantes, mão de obra para
a agricultura do café e para a incipiente indústria paulistana.
1.350
Coube a Clemente Ferreira e colaboradores, por meio
da associação filantrópica denominada “Liga Paulista contra
a Tuberculose”, o início da luta, a qual foi influenciada pe-
1.300
los movimentos que ocorriam na Europa, especificamente
na Alemanha, onde a tuberculose atingia seu pico epidêmico.
1.250
Segundo Lourival Ribeiro, a iniciativa de Clemente Fer-
reira animou outros médicos a fazerem o mesmo em seus
1.200 estados. Na capital da República, vultos expressivos do meio
1855 1856 1857 1858
médico reuniram-se na Academia Nacional de Medicina e na
Total de óbitos por tuberculose: 5.344 Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro para de-
bater o assunto e preparar o terreno a fim de organizar a luta.
Figura 1.1  Mortalidade por tuberculose no Rio de Janeiro (1855-1858).
Em 1900, Cypriano de Freitas, Hilário de Gouveia, Azevedo
Lima, Carlos Seidl e o Visconde de Itabuna criaram, no Rio
(vapores, eflúvios, venenos) que se desprendiam dos solos, de Janeiro, a “Liga Brasileira contra a Tuberculose”.
pântanos, esgotos e lixos originados de matéria orgânica em Médicos de vários estados do Brasil criaram Ligas de com-
decomposição ou dos dejetos de pessoas doentes. A teoria bate à tuberculose: Octávio de Freitas, Eduardo de Menezes,
dos miasmas era conhecida como teoria da “infecção”. Ramiro de Azevedo e Manoel Rodrigues Peixoto fundaram,
Entretanto, havia também a teoria do “contágio”, segun- respectivamente, as Ligas Pernambucana, Mineira, Baiana e
do a qual as doenças se propagavam pelo contato direto ou Campista. No entanto, cabe a Clemente Ferreira a invejável
por meio de fômites do doente para as pessoas sadias (RO- posição de pioneiro na luta organizada contra a tuberculose no
SEMBERG, 2008). Era mais fácil combater a febre amare- Brasil. A Liga Pernambucana foi fundada a 19 de julho de 1900
la do que a tuberculose, e, além disso, havia fortes interesses pelo Dr. Octávio de Freitas. A Liga Baiana foi instalada no dia
econômicos e políticos, pois a cada epidemia de febre amarela 22 de julho de 1900, no salão da Faculdade de Medicina, pelo
os imigrantes europeus caíam vitimados, enquanto os negros Dr. Ramiro de Azevedo. A Liga Mineira foi fundada a 4 de se-
resistiam bem à doença. O flagelo tornou-se um dos princi- tembro de 1900 pelo Dr. Eduardo de Menezes. O grande mé-
pais óbices à realização do projeto que vinha se instituindo no rito das Ligas no Brasil foi a obtenção de uma interação eficaz
Brasil no alvorecer da República. com o Estado, mostrando as causas sociais que geravam a doen-
ça e os altos custos para a implantação de medidas de controle e
constatando, ainda, que somente com a intervenção do Estado
A SAÚDE PÚBLICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA seria possível enfrentar, com êxito, o problema da tuberculose.
(1889 a 1930)
O advento do regime republicano, em 1889, incentivou 450
debates com a finalidade de elaboração de projetos modernos
para o Brasil. A saúde pública foi contemplada, em relação às 400
doenças pestilenciais, já que o padrão sanitário da época do
350
Império era lamentável e havia a necessidade de proteger os
imigrantes europeus. Com a Abolição da Escravidão, em 13 300
de maio de 1888, surgiu a ideia de trazer esses imigrantes pa-
250
ra substituir a mão de obra escrava. No começo do século XX
foi iniciado o combate efetivo à febre amarela com Oswaldo 200
Cruz no Rio de Janeiro e Emílio Ribas, entre outros, em São
Paulo. O Governo Federal conseguiu conter o avanço da fe- 150
bre amarela, da varíola, da febre tifoide e da “peste do Orien- 100
te”, entre outras. A tuberculose, apesar de reconhecida como
uma das doenças de maior mortalidade, não foi contemplada 50
(BERTOLLI FILHO, 2011). Em 1897, a mortalidade geral 0
na capital de São Paulo foi de 5.719 óbitos, dos quais 716 cau- 1897
sados por doenças transmissíveis (Figura 1.2).
Em São Paulo, apesar de ter sido responsável por alto ín- Tuberculose – 406 Febre tifoide – 223
dice de mortalidade no final do século XIX e começo do sé- Difteria – 33 Febre amarela – 28
culo XX, maior até do que o de todas as doenças pestilenciais
reunidas, a tuberculose não recebeu dos poderes públicos a Varíola – 26 Total – 716
assistência adequada para seu controle. A atenção do estado Figura 1.2 Mortalidade por doenças transmissíveis – São Paulo, capital, 1897.

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Capítulo 1  |  Breve História da Saúde Pública no Brasil 5

Clemente Ferreira, apesar de ter envidado todos os es- mortos a bala. Rodrigues Alves e Oswaldo Cruz foram respon-
forços na luta para o controle da tuberculose, não conseguiu sabilizados pelo motim. O confronto, que teve início no dia 10
lugar no panteão destinado, pela História, aos higienistas de novembro, só terminou no dia 16 com a prisão dos líderes.
Emílio Ribas, Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz, Artur Neiva, Vi- O governo revogou a obrigatoriedade da vacina, tornando-a
tal Brasil, Carlos Chagas e outros que obtiveram sucesso no opcional para todos (BERTOLLI FILHO, 2011).
combate às epidemias que grassavam no começo do século Carlos Chagas, nomeado pelo presidente Epitácio Pessoa,
XX. Por ser uma “doença social”, milenar, causada por um sucedeu a Oswaldo Cruz e, em 1920, criou uma nova estrutu-
bacilo que acompanha o ser humano desde o início de sua ra para a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), que pas-
trajetória na Terra, a tuberculose não poderia ter sido contro- sou a ser chamada Departamento Nacional de Saúde Pública
lada, e muito menos erradicada, por maiores que fossem os (DNSP), ligado ao Ministério da Justiça e de Negócios Exte-
esforços para vencê-la. riores. Chagas modificou o modelo de ação de Oswaldo Cruz,
As epidemias que assolavam as cidades, principalmente que era fiscal e policial, introduzindo a propaganda e a educa-
a de peste bubônica, em 1899, no Porto de Santos, estimu- ção sanitária. Criou órgãos específicos para a luta contra a tu-
laram a criação, em 1900, das duas principais instituições de berculose, a lepra e as doenças venéreas. Deu enfoque indivi-
saúde pública no país: o Instituto Soroterápico Federal, pos- dual às assistências hospitalar e infantil e à higiene industrial.
teriormente transformado em Instituto Oswaldo Cruz, e o Criou, com o apoio da Fundação Rockefeller, o Serviço de En-
Instituto Butantã, em São Paulo. Essas instituições, influen- fermagem, que, em 1923, se desdobrou na Escola de Enfer-
ciadas pela medicina praticada na França e na Alemanha, for- magem Anna Nery. Criou, também, o primeiro Curso de Hi-
maram médicos com novas visões para o combate às doenças giene e Saúde Pública do Brasil. Chagas permaneceu à frente
transmissíveis. do DNSP até o fim do mandato do presidente Arthur Bernar-
Entre 1889 e 1930, período conhecido como Velha Repú- des (1926). Em virtude da reforma política do Estado Novo, o
blica, o país foi governado pelas oligarquias dos estados mais DNSP foi transferido para o Ministério da Educação e Saúde.
ricos (São Paulo, Minas e Rio de Janeiro). A cafeicultura, Com o controle das epidemias nas grandes cidades, a ação
principal setor da economia, favoreceu a industrialização. As do governo deslocou-se para o campo, visando às endemias
cidades cresceram com a chegada dos imigrantes e o governo rurais. A SUCAM (Superintendência de Campanhas), resul-
tratou de apoiar as reformas sanitárias. O Serviço Sanitário tado da fusão do Departamento Nacional de Endemias Ru-
Paulista, criado em 1892, tornou-se uma sofisticada organi- rais (DENERu) com a Campanha de Erradicação da Varíola
zação de prevenção e combate às enfermidades, servindo de (CEV), combateu as endemias de transmissão vetorial e teve
modelo para os outros estados da Federação. A elite paulista grande penetração rural em todos os estados brasileiros. De-
investiu vultosas verbas na saúde pública. O governo paulista senvolveu quatro programas de controle de doenças (Chagas,
criou vários institutos de pesquisa (Institutos Butantã, Bio- malária, esquistossomose e febre amarela), bem como cinco
lógico e Bacteriológico), todos articulados ao Serviço Sanitá- campanhas, contra filariose, tracoma, peste, bócio endêmico
rio. Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário, e seu auxiliar, e leishmaniose. Contava com diretorias regionais em todas as
Adolfo Lutz, deixaram-se picar pelo mosquito transmissor da unidades federadas, as quais tinham em suas estruturas dis-
febre amarela para contestar a teoria miasmática. tritos sanitários, totalizando 80 em todo o país.
No Rio de Janeiro, o Instituto Soroterápico de Manguinhos Não há localidade no interior do Brasil, por mais remo-
(Fundação Oswaldo Cruz), criado em 1899, tinha por objetivo ta, que não tenha sido periodicamente visitada por guardas
produzir soro e vacina. Seu primeiro diretor, Pedro Afonso, foi da SUCAM. Esta se tornou a legítima herdeira de um dos
sucedido por Oswaldo Cruz, que o transformou em um dos mais antigos modelos de organização de ações de saúde pú-
melhores laboratórios do mundo. No governo do presidente blica do Brasil, denominado sanitarismo campanhista, o qual
Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz iniciou um trabalho para er- teve como premissa a revolução pasteuriana (alusão ao cien-
radicação da febre amarela no Rio de Janeiro. Um verdadeiro tista francês Louis Pasteur) e foi implementado pelo médico-
exército de 1.500 pessoas promoveu um combate ao mosquito -sanitarista Oswaldo Cruz na primeira década do século XX.
transmissor da doença, mas, por falta de esclarecimento, a po- O Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) surgiu du-
pulação não recebeu de bom grado o referido exército. rante a Segunda Guerra Mundial com a missão de montar in-
Em 1904, uma lei federal instituiu a obrigatoriedade da va- fraestruturas sanitárias em áreas estratégicas. Com o término
cinação contra a varíola em todo o território nacional. Surgiu, da guerra, o governo decidiu mantê-lo como órgão capaz de
então, um grande movimento popular no Rio de Janeiro, que solucionar parte dos problemas de saúde e saneamento nas
ficou conhecido como a Revolta da Vacina. Foi um verdadei- regiões menos desenvolvidas. Durante seus quase 50 anos de
ro clamor. Muitos não aceitaram que as mulheres levantassem existência, chegou a atuar em 600 municípios, operando com
as mangas de suas blusas para receber a vacina de um desco- cerca de 861 unidades básicas de saúde. Manteve o Instituto
nhecido. Os políticos de oposição engrossaram as críticas con- Evandro Chagas (IEC), que contava com o principal labo-
tra o Estado e a agitação nas ruas tornou-se ainda mais intensa. ratório de investigação em arboviroses no país e desenvolvia
Houve confronto entre populares e policiais, que culminou inúmeros projetos de investigação científica nos campos da
com a morte de um dos revoltosos. A população começou a virologia. Dele faziam parte o Centro Nacional de Prima-
tombar e incendiar bondes, espalhando a revolta por toda a ci- tas (CENP), que estudava a biologia e a reprodução de ani-
dade. Vários manifestantes, e até mesmo uma criança, foram mais para pesquisas científicas, e a Escola de Enfermagem de

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6 Capítulo 1  |  Breve História da Saúde Pública no Brasil

Manaus (EEM), que preparava profissionais de enfermagem empregados domésticos e servidores públicos e de autarquias
para os quadros da Fundação SESP e Região Amazônica. que tivessem regimes próprios de previdência. Em 1966 foi
As condições de trabalho no Brasil que se industrializava criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Fu-
eram péssimas. Os operários não tinham direito a férias, jor- são dos IAP, o INPS sofreu a influência dos técnicos que vieram
nada de trabalho definida, pensão ou aposentadoria. O movi- do IAPI, o maior deles. De tendências privatizantes, os referi-
mento operário realizou duas greves gerais, em 1917 e 1919, dos técnicos criaram as condições para o desenvolvimento do
e alguns direitos foram conquistados. Em 24 de janeiro de “complexo médico-industrial” (NICZ, 1988). O referido sis-
1923, o Congresso Nacional aprovou a Lei Elói Chaves, o que tema tornou-se complexo dentro do INPS e acabou criando,
representou um marco inicial da Previdência Social no Brasil. em 1978, uma estrutura administrativa própria, o Instituto Na-
Assim, foram instituídas as Caixas de Aposentadoria e Pensão cional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS).
(CAP). Entretanto, apenas o operariado urbano foi contem- O golpe militar de 1964 teve efeitos negativos sobre o
plado. Somente na década de 1960 foi criado o FUNRURAL Ministério da Saúde, pois foram reduzidas as verbas des-
para proteger os trabalhadores do campo. A primeira CAP tinadas à saúde pública. Mesmo com a retomada dos pro-
criada foi a dos ferroviários, em razão do grau de mobilização gramas de saúde e saneamento, estabelecidos no II Plano
de seus trabalhadores, uma vez que o setor tinha grande im- Nacional de Desenvolvimento, de 1975, isso não mudou o
portância na economia do país. Em 1930, o sistema já abran- quadro de saúde dos brasileiros. Houve aumento de enfer-
gia 47 caixas com 142.464 segurados ativos, 8.006 aposenta- midades como dengue, meningite e malária. Em 1970, o go-
dos e 7.013 pensionistas. verno criou a SUCAM (Superintendência de Campanhas
de Saúde Pública) com a atribuição de executar as atividades
A SAÚDE PÚBLICA NO GOVERNO DE GETÚLIO VARGAS de erradicação e controle de endemias. O PRORURAL foi
(1930-1945 e 1951-1954) criado em 1971, financiado pelo FUNRURAL. Algumas
Em virtude da Revolução de 30, Getúlio Vargas foi alçado categorias profissionais, como as de trabalhadores rurais e
ao cargo de presidente do Brasil. Imediatamente, procurou li- empregados domésticos, só tiveram direito aos benefícios
vrar o Estado das oligarquias regionais. Passou a governar por da Previdência em 1972.
meio de decretos até 1934, quando foi aprovada a nova Cons- Em 1981, o governo implantou o Conselho Consultivo
tituição. Entre as reformas realizadas por Vargas, as áreas de de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), liga-
saúde e educação foram contempladas e passaram a comparti- do ao INAMPS, com a finalidade de combater fraudes e con-
lhar um ministério próprio (Ministério da Educação e Saúde ter custos. Em 1983, criou as AIS (Ações Integradas de Saú-
Pública), que foi instalado em novembro de 1930. A partir de de), um projeto interministerial (Previdência-Saúde-Educa-
então, passou a ser realizada uma ampla reforma dos serviços ção), visando a um novo modelo assistencial que incorpora-
sanitários do país (BERTOLLI FILHO, 2011). va o setor público, procurando integrar ações curativas pre-
No Estado Novo (1937 a 1945), a Previdência Social foi ventivas e educativas ao mesmo tempo. Assim, a Previdência
estendida às diversas categorias do operariado urbano. As an- passou a comprar e a pagar por serviços prestados por estados,
tigas CAP foram substituídas pelos IAP (Institutos de Apo- municípios, hospitais filantrópicos, públicos e universitários.
sentadoria e Pensões), organizados por categoria profissio- Em 1988, foi promulgada a nova Constituição do Brasil
nal (marítimos, comerciários e bancários), e não por empre- e, em 1990, o governo editou as Leis 8.080 e 8.142, conheci-
sas. Em 1933 foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pen- das como Leis Orgânicas da Saúde, regulamentando o SUS,
sões dos Marítimos (IAPM); em 1934, o dos Comerciários criado pela Constituição de 1988, a qual, no Capítulo VIII da
(IAPC) e o dos Bancários (IAPB); em 1936, o dos Industriá- Ordem Social e na Secção II, referente à saúde, define que:
rios (IAPI); em 1938, o dos Estivadores e Transportadores de
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido median-
Cargas (IAPETEC).
te políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
A Constituição de 1934 concedeu garantias ao operaria-
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
do, como assistência médica, licença remunerada à gestante ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
trabalhadora, jornada de trabalho de 8 horas e salário-míni-
mo. No mesmo ano foi estabelecida a Consolidação das Leis A saúde passou a ser definida de maneira mais abrangente:
Trabalhistas (CLT). Graças à política de saúde instituída por
Getúlio Vargas, expandiu-se o atendimento aos operários en- A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre
fermos e seus dependentes (BERTOLLI FILHO, 2011). Em outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
1953, já em seu segundo período presidencial, foi criado o ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o
Ministério da Saúde, um desmembramento do antigo Mi- acesso aos bens e serviços essenciais: os níveis de saúde da popula-
ção expressam a organização social e econômica do país.
nistério da Saúde e Educação.
O SUS é concebido como o conjunto de ações e serviços
A SAÚDE PÚBLICA NA ERA PÓS-GETÚLIO VARGAS de saúde prestados por órgãos e instituições públicas fede-
Em 1960, após intenso debate político, foi sancionada a Lei rais, estaduais e municipais, da administração direta e indi-
Orgânica da Previdência Social. Todos os trabalhadores passa- reta e das fundações mantidas pelo poder público. A inicia-
ram ao regime da CLT, com exceção dos trabalhadores rurais, tiva privada poderá participar do SUS em caráter comple-

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Capítulo 1  |  Breve História da Saúde Pública no Brasil 7

mentar. Em razão da abrangência dos objetivos propostos e mo período de 2016. Os esforços de prevenção e combate ao
da existência de desequilíbrios socioeconômicos regionais, a Aedes aegypti devem ser mantidos, e a participação da popula-
implantação do SUS não tem sido uniforme em todos os es- ção é fundamental para a eliminação de locais com água para-
tados e municípios brasileiros, pois para que isso ocorra são da, verdadeiros criadouros do mosquito. Segue um trecho do
necessários: grande disponibilidade de recursos financeiros, boletim do MS de 9 de maio de 2017:
pessoal qualificado e uma efetiva política nos níveis federal,
estadual e municipal para viabilização do sistema. O Ministério da Saúde acompanha os dados do último boletim epi-
A partir de 1991, com o presidente Fernando Collor de demiológico que aponta redução de 90,3% dos casos de dengue,
Melo, foi implementada uma política neoliberal privatizan- 95,3% de Zika e 68,1% de chikungunya em relação ao mesmo pe-
ríodo de 2016. Vale ressaltar, no entanto, que o período de maior
te. O governo começou a editar as chamadas Normas Ope-
incidência das três doenças segue até o fim de maio. Portanto, to-
racionais Básicas (NOB) para regular a transferência de re-
dos os esforços de prevenção e combate ao Aedes aegypti devem
cursos financeiros da União para estados e municípios. Em ser mantidos.
1993, em função da criação do SUS e em virtude de o co-
mando centralizado do sistema pertencer ao Ministério da A participação da população nesse processo é fundamen-
Saúde (MS), o INAMPS foi extinto. Em 1995, o presidente tal. Nenhum poder público pode enfrentar sozinho a elimi-
Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo e manteve nação dos focos do mosquito transmissor, Aedes aegypti. O
o modelo neoliberal. A crise de financiamento do setor saúde cuidado deve ser constante, em especial a eliminação de lo-
agravou-se. A CPMF (Contribuição Provisória sobre Movi- cais com água parada e criadouros com mosquito.
mentação Financeira) foi criada para ser aplicada na saúde. A redução nos casos dessas três doenças, apontada no últi-
Apesar disso, houve o aprofundamento da crise. mo boletim, pode ser atribuída a um conjunto de fatores, co-
A escassez de leitos nos grandes centros urbanos passou mo a mobilização nacional contra as doenças e a maior pro-
a ser uma constante. Por outro lado, o programa Agente Co- teção pessoal da população, a escassez de chuvas em deter-
munitário de Saúde (ACS), resultado da criação do PACS em minadas regiões do país, o que desfavorece a proliferação do
1991, como parte do processo de construção do SUS, con- mosquito, e a proteção natural que as pessoas adquirem ao ter
quistou alguns avanços na saúde. Embora o Brasil ainda es- alguma das doenças em anos anteriores.
teja longe de cumprir o acordo firmado com a OMS de pro-
porcionar saúde a todos no alvorecer do século XXI, hou- • Dengue: até 15 de abril em 2017 foram notificados 113.381
ve melhoras significativas. Durante os governos de Fernando casos prováveis de dengue em todo o país, o que represen-
Henrique e Luís Inácio Lula da Silva, a economia nacional ta uma redução de 90,3% em relação ao mesmo período de
cresceu consideravelmente. Entre 1991 e 2008, o Produto In- 2016 (1.180.472). Também houve queda expressiva no nú-
terno Bruto (PIB) duplicou. Em 2007, 93% dos domicílios mero de óbitos. A redução foi de 96,6%, passando de 507 em
dispunham de água encanada e 60%, de serviços de esgoto. 2016 para 17 em 2017. Também caíram os registros de den-
Consequentemente, a mortalidade infantil diminuiu em to- gue grave e com sinais de alarme. Foram 57 casos graves em
das as regiões. Além da descentralização da gestão dos servi- 2017, com queda de 91,8% em relação a 2016, quando foram
ços de saúde, vários programas foram implantados pelo go- registrados 700 casos. O número de casos com sinais de alar-
verno, como Programa Saúde da Família (PSF) e Programa me passou de 6.705 em 2016 para 793 em 2017.
de Saúde do Trabalhador (PST) (BERTOLLI FILHO, 2011). A região Sudeste registrou o maior número de casos
O Programa de Controle da HIV/AIDS-MS é referência prováveis (37.281 casos: 32,9%) em relação ao total do
mundial. país, seguida das regiões Nordeste (31.142 casos: 27,5%),
O Programa de Controle do Tabagismo e Outros Fatores Centro-Oeste (25.065 casos: 22,1%), Norte (15.823 ca-
de Risco de Câncer, do Instituto Nacional de Câncer (INCA- sos: 14,0%) e Sul (4.070 casos: 3,6%).
-MS), é referência para a América Latina. De 2006 a 2014 A análise da taxa de incidência de casos prováveis de den-
o percentual de brasileiros fumantes caiu 30,7%. Segundo gue (número de casos/100 mil habitantes) segundo regiões
dados do Vigitel (2014), 10,8% dos brasileiros fumam. Em geográficas demonstra que as regiões Centro-Oeste e Norte
2006, 15,6% dos brasileiros declaravam consumir derivados apresentam as maiores taxas: 160,0 casos/100 mil habitantes
do tabaco. A redução no consumo é resultado de uma série e 89,4 casos/100 mil habitantes, respectivamente. Entre as
de ações desenvolvidas pelo Governo Federal para combater Unidades da Federação (UF), destacam-se Tocantins (287,2
o uso do tabaco. A mais recente foi a entrada em vigor da Lei casos/100 mil habitantes), Goiás (281,3 casos/100 mil habi-
dos Ambientes Livres da Fumaça de Tabaco, em dezembro de tantes) e Ceará (176,6 casos/100 mil habitantes).
2014. As taxas de tuberculose vêm caindo no Brasil: de 1995 • Chikungunya: até 15 de abril foram registrados 43.010
a 2000 sua incidência caiu de 53 para 45 casos por 100 mil ha- casos de febre chikungunya, o que representa uma taxa de
bitantes (MELO, 2011). incidência de 20,9 casos a cada 100 mil habitantes. A re-
Por outro lado, a dengue, a zika e a chikungunya repre- dução é de 68,1% em relação ao mesmo período do ano
sentam imensos desafios da saúde pública nacional, apesar de anteerior, quando foram registrados 135.030 casos. A taxa
os últimos dados divulgados pelo Ministério da Saúde (MS) de incidência no mesmo período de 2016 foi de 65,5. Fo-
apontarem, em 2017, redução de 90,3% dos casos de dengue, ram registrados nove óbitos até 15 de abril. Em todo o ano
95,3% de zika e 68,1% de chikungunya em relação ao mes- passado, foram registradas 196 mortes.

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8 Capítulo 1  |  Breve História da Saúde Pública no Brasil

A região Nordeste apresentou a maior taxa de inci- Costa Freire J. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
Del Priore M (org.). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Con-
dência – 44,2 casos/100 mil habitantes –, seguida da região
texto, 2004.
Norte, com 35,9 casos/100 mil habitantes. Entre as UF, Godinho V. Sanatórios e tuberculose. São Paulo: Typografia do Diário Ofi-
destacam-se Ceará (189,8 casos/100 mil habitantes), To- cial, 1902.
cantins (109,5 casos/100 mil habitantes) e Roraima (80,5 Loureiro A, Luz R, Muricy K. A vida dos escravos no Rio de Janeiro: 1808-
-1850. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
casos/100 mil habitantes). Machado R et al. Danação da norma: medicina social e constituição da psi-
• Zika: até 15 de abril foram registrados 7.911 casos de zika quiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
em todo o país, o que representa uma redução de 95,3% Melo FAF. Epidemiologia da tuberculose. In: Conde M, Fiterman J, Lima MA
em relação a 2016 (170.535 casos). A incidência passou de (orgs.) Tuberculose. São Paulo: GEN, 2011.
Nascimento DR. Fundação Ataulpho de Paiva. Liga Brasileira contra a Tuber-
82,8 em 2016 para 3,8 em 2017. A análise da taxa de ca- culose. Um século de luta. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2002.
sos prováveis mostra uma baixa incidência em todas as re- Nascimento DR, Carvalho DM, Marques RC (orgs.) Uma história brasileira
giões geográficas até o momento. das doenças. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006.
Em relação às gestantes, foram registrados 1.079 casos Nava P. Capítulos da história da medicina no Brasil. São Paulo: EDUEL, 2004.
Neves JS. A outra história da Companhia de Jesus. Vitória: UFES, 1984.
prováveis, sendo 293 confirmados por critério clínico- Nicz LF. Previdência social no Brasil. In: Gonçalves EL. Administração de saú-
-epidemiológico ou laboratorial. Não houve registro de de no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1988.
óbitos por zika em 2017. No ano passado foram contabi- Pomer L. América: história, delírios e outras magias. São Paulo: Brasilien-
se, 1980.
lizadas oito mortes.
Possas C. Epidemiologia e sociedade. São Paulo: Hucitec, 1989.
Ribeiro D. O processo civilizatório: estudos de antropologia da civilização;
A violência e a dependência química, causadoras de desajus- etapas da evolução sociocultural. Petrópolis: Vozes, 1987.
te social, sofrimento humano e mortes, são dois grandes proble- Ribeiro L. A luta contra a tuberculose no Brasil. Rio de Janeiro: Editorial Sul
mas para a saúde pública neste novo milênio. Apesar de todas América, 1956.
as deficiências, houve queda significativa dos índices de mor- Ribeiro L. Medicina no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Edit. Sul América S.A.,
1971.
talidade geral no Brasil. Em 1960, esse índice era de 43,3 óbitos Rosemberg A, Gerhardt G. Cenário histórico e controle da tuberculose no
por mil habitantes. Vinte anos depois, caiu para 7,2 (BERTOLLI Brasil. In: Conde M, Fiterman J, Lima MA (orgs.) Tuberculose. São Pau-
FILHO, 2011). Uma pesquisa realizada pela USP-Ribeirão lo: GEN, 2011.
Preto mostrou queda significativa da mortalidade infantil em Rosemberg AM. Guerra à Peste Branca. Clemente Ferreira e a “Liga Paulista con-
tra a tuberculose”, 1899-1947. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 2008.
297 municípios brasileiros, com população superior a 80 mil Rosemberg AM. Momentos luminosos da história da tuberculose. In: Arqui-
habitantes, entre 1994 e 2004. As políticas de atenção ao parto e vos Fundação José Silveira, Edição Aniversário do IBIT, 1997:62.
à saúde materna, o planejamento familiar e as ações de preven- Rosemberg J. Tuberculose. Panorama global. Óbices para o seu controle.
Fortaleza: SESA, 1999.
ção de doenças e promoção da saúde foram importantes para a
Rosemberg J et al. O moderno dispensário antituberculoso. São Paulo: So-
queda da mortalidade infantil, segundo a pesquisa. ciedade Brasileira de Expansão Comercial, 1954.
De acordo com o IBGE, a expectativa de vida do brasilei- Rosemberg J, Tarantino AB. Tuberculose. In: Tarantino AB (org.) Doenças
ro alcançou 73,5 anos em 2010. Em 1980, era de 62 anos. Ao pulmonares. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
Rosen G. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
longo de três décadas, o aumento foi de 11,5 anos. Apesar dos Rosen G. Uma história da saúde pública. São Paulo: UNESP, Hucitec, 1994.
avanços nos últimos anos, a expectativa de vida do brasilei- Santos Filho L. História geral da medicina brasileira. 2. ed. São Paulo: Huci-
ro continua abaixo da de outros países em desenvolvimento, tec/Edusp, 1991, Vols. I-II.
como Venezuela (73,8 anos), Argentina (75,2 anos), México Silveira J. Uma doença esquecida – a história da tuberculose na Bahia.
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(76,1 anos), Uruguai (76,2 anos) e Chile (78,5 anos). No Ja- Souza RP et al. Clima e tuberculose. São Paulo: Publicitas, 1936.
pão, a esperança de vida (82,7 anos) é a maior do planeta, se- Tarantino AB. A volta da velha senhora. In: Tarantino AB. Leveloquência. s/e,
gundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), s/d, pp. 31-34.
seguida de Islândia, França, Canadá e Noruega. Nos EUA, a Yida M. Cem anos de saúde pública. São Paulo: Editora da UNESP, 1994.
expectativa média de vida é de 79,2 anos.
No Brasil, segundo o IBGE, a mortalidade infantil, em Sites
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sa_de_Miseric%C3%B3rdia http://www.cmb.org.br/index.php/compo-
de 162,4; em 1980, de 69,14, e em 1990, de 48,3. Apesar do nent/content/article/25-institucional/historia/179-as-santas-casas-nas-
avanço, ainda é maior do que a de países latino-americanos, ceram-junto-com-o--brasil http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/
como El Salvador, Colômbia, Venezuela, México, Argentina iah/P/verbetes/instvacimp.htm http://www.asbn.org.br/artigoaca.htm
e Uruguai. A saúde de um povo depende de muitos fatores e http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/colec_progestores_livro1.
pdf http://www.medicina.ufmg.br/dmps/internato/saude_no_brasil.rtf
exige maior conscientização da população para universa- http://www.funasa.gov.br/internet/museuSucam.asp http://www.ibge.
lizá-la, pois as melhorias necessárias não dependem somente gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2008/
de decisões técnicas tomadas nos ministérios competentes. suplementos/tabagismo/pnad_tabagismo.pdf http://www.inca.gov.br/
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Bertolli Filho C. História social da tuberculose e do tuberculoso: 1900-1950. noticias/2015/numero_fumantes_cai_30_virgula_sete_por_cento_
Tese Doutorado, FFLCH-USP, 1993. em_nove_anos
Chalhoub S. Cidade febril: cortiços, epidemias na Corte Imperial. São Paulo: http://combateaedes.saude.gov.br/pt/noticias/908-casos-de-dengue-no-
Cia das Letras, 1996. -brasil-caem-90-em-2017

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