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Histórico da Saúde Pública no Brasil

Conhecer a história da saúde pública no Brasil, através da análise de seu processo


evolutivo e as múltiplas variáveis que contribuíram para a sua efetivação, tendo como
referência os principais períodos políticos da história do país.

O Brasil é um país de tentativas. É difícil estabelecer a real dimensão de suas


conquistas no campo das políticas sociais. Seus indicadores sociodemográficos
exemplificam a crueza de suas mazelas e injustiças sociais, e somente estudando
e compreendendo sua história podemos encontrar algumas respostas para explicar
os problemas ainda presentes neste século. Com a saúde brasileira não poderia
ser diferente, apesar de termos obtido conquistas importantes nas últimas décadas,
com a implantação do Sistema Único de Saúde. Para compreendermos esse
contexto, é necessário fazermos uma retrospectiva nas bases da história da saúde
no Brasil.
1. Brasil Colônia (1500 - 1808) A primeira referência de saúde de que se tem
notícia no Brasil remete ao descobrimento, quando, junto à tripulação de Pedro
Alvares Cabral, vieram para o país os primeiros médicos.
No período colonial brasileiro, no entanto, não existiu um projeto de medicina
social. O médico desempenhava o papel de funcionário e suas atividades estavam
sob o controle da coroa real. Eram raros os médicos que aceitavam transferir-se
para cá, desestimulados pelos baixos vencimentos e pelo medo dos perigos que
enfrentariam. O povo, por sua vez, tinha medo de se submeter aos tratamentos
então vigentes, baseados em purgantes e sangrias, preferindo utilizar-se dos
remédios recomendados pelos curandeiros negros ou indígenas.
A ausência de serviços de saúde melhor estruturados contribuía para que as
orientações dos médicos só fossem aceitas, ainda que parcialmente, em épocas
de epidemias, como a de varíola, principal motivo de óbitos naquele período.
A única medida preventiva existente para as doenças infectocontagiosas era o
afastamento e isolamento dos doentes, medida que remonta aos séculos VI e VII,
na Europa (Idade Média), quando as pessoas acometidas por lepra (atualmente
Hanseníase) eram afastadas do convívio da sociedade.
2. O império enfermo (1808 – 1889) A vinda da corte portuguesa para o Brasil,
em 1808, determinou mudanças na administração pública colonial, inclusive na
área da saúde, com a introdução da medicina europeia, através dos “físicos”,
“cirurgiões- barbeiros”, boticários e os cirurgiões-dentistas. Todos tinham como
concorrentes para a população pobre, no saber e no poder social, os curadores.
Os doentes ricos, por sua vez, buscavam assistência médica na Europa.
O Rio de Janeiro, sede provisória do império lusitano, tornou-se centro das ações
sanitárias. Foram fundadas, por ordem real, as academias médico-cirúrgicas do
Rio de Janeiro e da Bahia, respectivamente em 1813 e 1815, logo transformadas
nas duas primeiras escolas de medicina do país.
Em 1828 foi criada a Inspetoria de Saúde dos Portos, como resposta à
preocupação imperial com os espaços de circulação de mercadorias, área vital
para economia nacional. Foi dada também atenção especial às melhorias de
condições sanitárias das cidades, ficando o meio rural relegado a segundo plano,
destacando somente quando os problemas sanitários comprometiam a produção
agrícola ou extrativista, destinada à exportação.
A fase imperial da história brasileira encerrou-se sem que o Estado solucionasse
os graves problemas de saúde da coletividade. Apesar das tentativas, no final do
segundo reinado o Brasil mantinha a fama de ser um dos países mais insalubres
do planeta, e isso se tornou uma preocupação de caráter econômico e político.
3. Na República Velha, a ordem é o progresso (1889 – 1930). Em 1889 a saúde
pública passa ao domínio estatal, através da criação das políticas de saúde que,
articuladas a outros setores, inseriam-se no quadro das políticas sociais.
Entre 1898 a 1910, ocorrem no Brasil às primeiras campanhas sanitárias nos
principais portos brasileiros (Santos, Rio de Janeiro e Recife), integrando-se a um
vasto programa de saneamento marítimo em nível mundial e sob imposição do
imperialismo internacional, uma vez que as epidemias nos Portos comprometiam a
circulação de mercadorias e valores.
A desorganização dos serviços de saúde, nos primeiros anos da República,
facilitou a ocorrência de novas ondas epidêmicas no país (varíola, febre amarela,
peste bubônica, febre tifoide e cólera). Médicos higienistas receberam incentivo do
governo federal assumindo, em troca, o compromisso de estabelecer estratégias
para o saneamento de áreas pré-determinadas.
Apesar da alta mortalidade, não existiam hospitais públicos, apenas entidades
filantrópicas, mantidas parcialmente por contribuições e auxílios governamentais.
Nesse contexto destacavam-se as Santas Casas de Misericórdia, ligadas à Igreja
Católica. Para as pessoas com melhores condições financeiras existia a
assistência médica familiar. Os poucos hospitais existentes até então contavam
apenas com trabalho voluntário, sendo um depósito de doentes que eram isolados
da sociedade com o objetivo de não a contagiar ou contaminá-la.
A medicina assumiu o papel de guia do Estado para assuntos sanitários. Porém, a
atuação médica enfrentaria o choque entre as ideias tradicionais, que atribuíam as
epidemias aos “miasmas”, e as teorias da medicina moderna, baseadas nos
conceitos da Bacteriologia e da Fisiologia, desenvolvidas na Europa.
Neste período, o Brasil presenciou um grande progresso na área da pesquisa
laboratorial, especialmente realizada na região Sudeste/Sul, através da
contribuição de médicos eminentes como Oswaldo Cruz e Carlos Chagas.
Assegurando a eficiência das tarefas dos higienistas e fiscais sanitários, foram
articulados vários institutos de pesquisa. Em 1892, foram criados os laboratórios
Bacteriológico, Vacinogênico e de Análises Clínicas e Farmacêuticas (atuais
Institutos Butantã e Adolfo Lutz). No Rio de Janeiro, o principal centro de
pesquisas, foi o Instituto Soroterápico de Manguinhos (atual Instituto Oswaldo
Cruz), funcionando desde 1899 com o objetivo principal de produzir soros e
vacinas.
Enquanto a propagação de várias doenças contagiosas ou parasitárias no Rio de
Janeiro e em São Paulo era relativamente controlada, no restante do país os
índices das mesmas enfermidades mantinham-se altos, tendendo a elevar-se, em
parte pela multiplicação dos cortiços e favelas.
Nas cidades, as mesmas doenças que atingiam a população nos períodos colonial
e imperial ganhavam novas e trágicas dimensões. Foram tomadas as primeiras
providências pelo então presidente Rodrigues Alves que, em 1902, lanç ou o
Programa de Saneamento do Rio de Janeiro e Programa de combate à Febre
Amarela urbana em São Paulo. Ao mesmo tempo, Oswaldo Cruz vinha forçando o
Congresso Nacional a aprovar uma lei que tornava obrigatória a vacinação contra
a varíola. Como o povo nunca havia passado por um processo semelhante, aliado
ao fato de desconhecer a composição e a qualidade do material empregado, tal lei
acabou por desencadear, em 1904, a Revolta da Vacina.
Apesar das resistências, em 1910 foi implementada houve a Campanha de
Erradicação da Febre Amarela no porto do Rio de Janeiro, com a criação da “polícia
sanitária” e as ações de vigilância dos portos. Coordenada por Osvaldo Cruz, essa
Campanha representou um marco fundamental para o fortalecimento da saúde
pública brasileira. Em 1920 foram criados os primeiros centros de saúde em
algumas cidades brasileiras, incumbidos de promover ações emergenciais de
saúde. O primeiro marco da atuação do governo federal na esfera da saúde deu-
se somente em 1923, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública
e a definição das ações de saúde pública.
Em 1923, com a Lei Eloy Chaves, deu-se a criação da “Caixa de Aposentadorias e
Pensões” (CAPs) dos Ferroviários; seguida dos marítimos e telegráficos. A filiação
às CAPs era feita pelas empresas (natureza civil) e a administração pelos próprios
trabalhadores, sendo facultativa a adesão, proporcionando os benefícios de
assistência médica, medicamentos (preços especiais); aposentadorias e pensões,
contudo, gerava pouco impacto.
As Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), são consideradas as sementes do
sistema previdenciário atual. Pela primeira vez que o Estado interferia para criar
um mecanismo destinado a garantir aos trabalhadores urbanos algum tipo de
assistência. Todavia, o direito às CAPs é desigual, pois elas são organizadas
somente nas empresas que estão ligadas à exportação e ao comércio (ferroviárias,
marítimas e bancárias), atividades que na época eram fundamentais para o
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, beneficiando assim apenas uma
pequena parcela da população.
4. A institucionalização da saúde pública na era Vargas (1930 – 1945). Incluída
no conjunto de reformas estabelecidas pelo governo Vargas, a área sanitária
passou a compartilhar com o setor educacional um ministério próprio, o Ministério
da Educação e Saúde Pública, promovendo uma ampla remodelação dos serviços
sanitários do país. Atualmente, esses dois Ministérios apresentam gestão
separadas.
Na nova organização do setor saúde, anunciava-se o compromisso do Estado de
zelar pelo bem-estar sanitário da população. Nas áreas onde havia pouca ou
nenhuma assistência médico-hospitalar, essa proposta foi naturalmente bem
aceita. Nos estados mais ricos, que já possuíam serviços de saúde organizados, a
intervenção federal foi considerada desnecessária e centralizadora, mais
dificultando que ajudando a melhorar o atendimento à população.
As políticas sociais foram a arma utilizada pelo ditador para justificar diante da
sociedade o sistema autoritário. Com o crescimento das CAPs, foram criados os
Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Enquanto as CAPs privile giavam a
assistência médica como um dos principais benefícios, os IAPs privilegiavam a
previdência social, mantendo a assistência médica num segundo plano. As caixas
apresentavam um serviço irregular, oferecendo pouca cobertura aos doentes mais
graves. Os IAPs eram formados por categoria profissional, com participação direta
do Estado, e representavam com um importante mecanismo de poupança interna,
A partir da instalação do Estado Novo (de 1937 a 1946, com Getúlio Vargas), a
administração sanitária buscou reforçar as campanhas de educação popular,
unindo as técnicas pedagógicas vigentes na época com os princípios da medicina
sanitária, através da elaboração de cartazes e panfletos que chamavam a atenção
pelas ilustrações coloridas, já que grande parte dos brasileiros continuava
analfabeta.
Durante os anos 30 até metade da década de 40, houve uma nítida diminuição das
mortes por enfermidades epidêmicas, principalmente nos grandes centros urbanos
do Sudeste e Sul do Brasil. Foi realizada uma série de ações governamentais com
vistas ao controle e erradicação de doenças. No entanto, aumentaram as doenças
endêmicas, atingindo milhões de pessoas, como a esquistossomose, doença de
Chagas, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis e a hanseníase. Mesmo
com a expansão da cobertura médico-hospitalar aos trabalhadores urbanos e as
novas técnicas de controle das epidemias rurais, o Brasil permanecia como um dos
países mais enfermos do continente.
5. A luta pela democratização da saúde (1945 – 1964) A década de 50 foi
marcada por manifestações nacionalistas e um forte crescimento da entrada de
capital estrangeiro na economia, favorecendo a proposta de modernização
econômica e institucional coordenada pelo Estado. Tal proposta foi conhecida
como plano Salte, que visava estimular o desenvolvimento de setores de saúde,
alimentação, transporte e energia.
Em maio de 1953 foi criado o Ministério da Saúde (MS). A nova pasta contou com
verbas irrisórias no decorrer da década de 50, confirmando o descaso das
autoridades para com a saúde do povo. Em consequência da falta de recursos, o
MS atuou de maneira pouco eficiente na redução dos índices de mortalidade e
morbidade das doenças, que comprometiam a qualidade de vida e a possibilidade
de trabalho de muitos brasileiros. Já em 1956 foi criado o Departamento Nacional
de Endemias Rurais que, juntamente com o MS, procurou combater as doenças
que atingiam sobretudo a população do interior, tentaram ainda promover a
educação sanitária da população rural.
A movimentação dos sindicatos, ao longo dos anos, foi forçando o governo a rever
a legislação previdenciária. Com a sucessão de leis federais que garantiam o
atendimento de saúde dos segurados, a Previdência assumiu a prestação de
assistência médico-hospitalar aos trabalhadores, à custa do rebaixamento da
qualidade dos serviços. Tornaram-se comuns longas filas, consultas rápidas,
dificuldade em se obter internamento e morte de pacientes nas filas.
Diante do precário atendimento à infância e índices de mortalidade infant il
altíssimos, o MS incumbiu-se em 1956 de desenvolver um novo programa voltado
para a assistência às crianças. Multiplicaram-se os serviços de higiene infantil e os
postos de puericultura.
A fome, entre outras ramificações da miséria e da exploração, tornou-se assunto
de interesse político. A maior parte dos brasileiros passava fome, tornando-os
presa fácil de enfermidades e da morte. Mesmo assim, as lideranças políticas
brasileiras continuaram incapazes de conviver com os compromissos
democráticos, como sempre ocorrera ao longo da história do país.
6. Período Militar (1964 – 1985) Durante o período militar, a ideologia e a prática
do planejamento, como uma administração “racional”, passaram a desempenhar
um importante papel na construção de um Estado centralizador e planificador.
Com a individualização da saúde, o Ministério da Saúde, devido à política de
contenção de gastos, restringiu suas atividades à elaboração de projetos e
programas, delegando às outras pastas parte da execução das tarefas sanitárias.
Com essa medida não houve melhorias aos serviços de saúde.
Apesar da pregação oficial de que a saúde constituía um “fator de desenvolvimento
e de produtividade”, o Ministério da Saúde passou a privilegiar a saúde como
elemento individual e não como fenômeno coletivo. Como resultado alastravam-se
enfermidades como a dengue, a meningite e a malária. As ações de controle de
endemias perderam a sua importância na lógica oficial, ainda que fossem mantidas,
mas não mais com a prioridade dada no início da década de 50.
Como resultado de sua política centralizador, o governo militar criou em 1965 o
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) a partir da unificação de todos os
IAP (Institutos de Aposentadorias e Pensões) num único órgão estatal. A sua
criação consolidou o modelo brasileiro de seguro social e de prestação de serviços
médicos. Ficou estabelecido, na esfera pública, um sistema dual de saúde: o INPS
deveria tratar dos doentes individualmente, principalmente através da terceirização
de serviços, enquanto o MS deveria elaborar e executar programas sanitários e
assistir à saúde da população durante as epidemias.
Os baixos preços pagos pelos serviços médico-hospitalares e a demora na
transferência das verbas do INPS para as entidades conveniadas determinaram a
fragilidade desse sistema de atendimento à população, tendo como consequência
mais grave a degradação dos serviços prestados à população trabalhadora e o
aumento do número de fraudes financeiras.
No tocante à assistência odontológica, só em 1969 foram fixadas, pela primeira
vez, diretrizes específicas destinadas a orientar o modelo de prática no âmbito da
Previdência Social.
Tirando proveito das fragilidades do sistema de Saúde do país, as empresas de
medicina de grupo realizaram um forte movimento de implantação no Brasil na
década de 1970. As grandes e médias empresas começaram a firmar contratos
com grupos médicos, que substituíam os serviços prestados pelo INPS. Como
resultado desses acordos, as empresas deixavam de pagar a cota previdenciária
ao governo e em troca comprometiam-se a prestar assistência médica a seus
empregados. Com essa medida, visavam também reduzir os períodos de
afastamento dos funcionários doentes.
Em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) que
passou a incorporar o INPS, buscando eliminar fraudes e corrupção bem como
renovar a promessa de saúde aos segurados. No ano de 1975 foi criado o Sistema
Nacional de Saúde, com a finalidade de baratear e ao mesmo tempo tornar ma is
eficazes as ações de saúde em todo o país. Em seguida (1977) surgiu o Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), dividindo as ações
relativas à previdência e à assistência médica, através do IAPS (Instituto de
Administração Financeira da Previdência Social) e INAMPS (Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social), este último responsável pelas ações de
assistência médica no Brasil, continuando a mesma política de privilegio do setor
privado.
Durante o período Militar, o país viveu também a primeira grande crise da
previdência Social, que chegou a ser considerada como “tecnicamente falida”.
Quando o INPS foi criado, em 1966, o governo liberou verba a fundo perdido para
empresas privadas construírem hospitais, depois o INPS enviou seus segurados
para estes hospitais, isto é, a Previdência financiou e sustentou estes hospitais por
20 anos. Posteriormente estes proprietários consideraram-se capitalizados e se
descredenciaram do INPS. O dinheiro da previdência não era mais suficiente para
cobrir os gastos com assistência médica e o número de leitos diminuiu, portanto,
um dos motivos da falência da Previdência foram os custos crescentes,
determinados pela privatização da rede.
O IAPAS não dispunha dos recursos necessários para manter a assistência médica
através do INAMPS, nem aposentadorias e pensões através do INPS. Foram
tomadas medidas no sentido de diminuir os gastos e benefícios, aumentando -se a
contribuição.
A construção ou reforma de inúmeras clínicas e hospitais privados, com
financiamento da Previdência Social e o enfoque à medicina curativa fez com que
multiplicassem, por todo o país, as faculdades particulares de medicina. O ensino
médico passou a ser desvinculado da realidade sanitária da população, voltado
para a especialização e a sofisticação tecnológica e dependente das indústrias
farmacêuticas e de equipamentos médico-hospitalares.
7. O Movimento Sanitário e a criação do SUS. A partir da segunda metade da
década de 70, iniciou-se o processo de abertura política. Na área da saúde, veio à
tona o Movimento pela Reforma Sanitária, que aglutinava os Movimentos
Populares de Saúde (que surgiam na periferia das grandes cidades, movidos
principalmente por mulheres em busca de assistência médica para seus filhos e
para o conjunto da família) e profissionais da área (que se organizavam e m busca
de perspectivas de trabalho digno e de um novo sistema público de saúde para o
pais). O Movimento pela Reforma Sanitária advogava pelo conceito ampliado de
saúde, e defendia um projeto de transformação do sistema de saúde vigente.
Enquanto organizava comunidades e profissionais em torno da defesa da saúde
pública, elaborava as bases teóricas de um projeto de transformação: propunha um
sistema público, descentralizado, com universalização do direito à saúde,
integrando ações preventivas e curativas e com a participação democrática da
população na formulação das políticas de saúde e no controle dos recursos
públicos da área da saúde.
Em 1979, no I Simpósio Nacional de Políticas de Saúde foi apresentado o projeto
denominado “Sistema Único de Saúde”, uma proposta para a reformulação do
Sistema de Saúde. Baseando-se no conceito ampliado de saúde, e defendendo um
modelo de saúde universal (direito de todos e dever do estado), essa proposta
incorporava experiências bem-sucedidas de outros países como: universalização,
racionalização, integralidade das ações e controle social.
Em 1985, para subsidiar a discussão da saúde na Assembleia Nacional
Constituinte, o Governo convocou a 8ª Conferência Nacional de Saúde para o ano
de 1986. Esse evento é ainda hoje considerado o mais importante momento da
saúde pública no Brasil, pois congregou cerca de 5.000 pessoas, representando os
movimentos de saúde, os profissionais e suas entidades, universidades, hospitais
públicos e privados e gestores municipais, estaduais e federais da área da saúde.
O relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde continha recomendações que
passaram a constituir o projeto da Reforma Sanitária Brasileira, com força e apoio
suficiente para transformar-se na base para o capítulo da saúde na nova
Constituição Brasileira, promulgada em 1988. Assim, a Constituição de 1988
contém avanços importantes para a saúde pública no Brasil, a começar pela
definição da Saúde como Direito Universal: “A Saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. ” Para fazer valer esse
direito, a Constituição determinou a criação de um novo Sistema Nacional de
Saúde, Universal, Integral e Equitativo. Em 1990 foi oficialmente criado o Sistema
Único de Saúde, o SUS, adotando os princípios abaixo sucintamente descritos:

Princípios Doutrinários: tratam dos compromissos gerais do SUS com a sociedade:

• Universalização: a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe


ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve
ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação,
ou outras características sociais ou pessoais.
• Equidade: o objetivo desse princípio é diminuir desigualdades. Apesar de todas
as pessoas possuírem direito aos serviços, as pessoas não são iguais e, por
isso, têm necessidades distintas. Em outras palavras, equidade significa tratar
desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior.
• Integralidade: este princípio considera as pessoas como um todo, atendendo a
todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações,
incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a
reabilitação. Juntamente, o princípio de integralidade pressupõe a articulação da
saúde com outras políticas públicas, para assegurar uma atuação intersetorial
entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida
dos indivíduos.

Princípios Organizativos: tratam de mecanismos para implementação do Sistema,


visando cumprir, na prática, os princípios doutrinários:

• Regionalização e Hierarquização: os serviços devem ser organizados em


níveis crescentes de complexidade, circunscritos a uma determinada área
geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e com definição e
conhecimento da população a ser atendida. A regionalização é um processo de
articulação entre os serviços que já existem, visando o comando unificado dos
mesmos. Já a hierarquização deve proceder à divisão de níveis de atenção e
garantir formas de acesso a serviços que façam parte da complexidade
requerida pelo caso, nos limites dos recursos disponíveis numa dada região.
• Descentralização e Comando Único: descentralizar é redistribuir poder e
responsabilidade entre os três níveis de governo. Com relação à saúde,
descentralização objetiva prestar serviços com maior qualidade e garantir o
controle e a fiscalização por parte dos cidadãos. No SUS, a responsabilidade
pela saúde deve ser descentralizada até o município, ou seja, devem ser
fornecidas ao município condições gerenciais, técnicas, administrativas e
financeiras para exercer esta função. Para que valha o princípio da
descentralização, existe a concepção constitucional do mando único, onde cada
esfera de governo é autônoma e soberana nas suas decisões e atividades,
respeitando os princípios gerais e a participação da sociedade.
• Controle Social: a sociedade deve participar no dia-a-dia do sistema. Para isto,
devem ser criados Conselhos Municipais de Saúde em todos os Municípios, e
devem ser realizadas Conferências de Saúde nos Municípios (a cada 2 anos),
nos Estados e no País (a cada 4 anos). Esses mecanismos de participação
visam formular estratégias, controlar e avaliar a execução da política de saúde
em cada nível de governo.

8. A implantação do novo sistema – Avanços e dificuldades: A implantação do


novo Sistema, considerando sua complexidade, as dimensões do país, e a
necessidade de profundas reformas no aparelho de Estado, é um processo
bastante complexo, que não se completou plenamente, mesmo decorridos 28 anos
da sua criação oficial.
Esse tema será objeto de outras Disciplinas do Núcleo de Saúde Coletiva do Curso
de Odontologia da UNI9, mas desde já é importante salientar que o SUS viveu,
desde sempre, grandes paradoxos. Por um lado, criou e desenvolveu serviços e
ações de alta qualidade e com alto grau de reconhecimento nacional e
internacional, tais como a criação do Programa de Saúde da Família, a criação das
Agências Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e de Saúde Suplementar (ANS), o
Programa dos Medicamentos Genéricos, o Programa de tratamento gratuito às pessoas
com HIV/AIDS, o Programa de Imunizações e o Programa de transplantes. Entre os
resultados mais visíveis, destacam-se o aumento na expectativa média de vida do
brasileiro, a redução dos índices de mortalidade infantil e, no campo da saúde bucal, a
significativa redução da prevalência de cárie dentária especialmente em crianças e
jovens brasileiros, todos observados ao longo dos últimos 28 anos.
Por outro lado, o SUS apresenta grandes problemas, especialmente no que se refere
ao acesso a serviços especializados e a cirurgias eletivas (agendadas), além de grandes
desigualdades regionais na oferta e na qualidade dos serviços prestados à população.
Como principais fatores limitadores ao desenvolvimento do Sistema ao longo da sua
história, destacamos a insuficiência de recursos para pleno Financiamento do sistema,
problemas relacionados com a Qualificação da Gestão e dificuldades para efetivação
do Controle social.

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