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Jeane Lima e Silva Carnei
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Histórico da saúde no Brasil
Gustavo Swarowsky
Willian Adami
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão

1. Introdução
O Brasil é um país de dimensões continentais, com amplas desigualdades
regionais e sociais, e, ao longo da sua história, sofreu grandes transformações
políticas, econômicas, demográficas e sociais. A Saúde nunca ocupou um
lugar central na política brasileira, tanto na resolução dos problemas de saúde
da população quanto na destinação de recursos ao setor. A evolução histórica
das políticas de saúde está diretamente relacionada com a evolução política e
socioeconômica da sociedade brasileira.
Entende-se como sistema de saúde o “conjunto de relações políticas,
econômicas e institucionais responsáveis pela condução dos processos
referentes à saúde de uma dada população que se concretizam em
organizações, regras e serviços que visam alcançar resultados condizentes
com a concepção de saúde prevalecente na sociedade”. Dentro desse
contexto, as políticas de saúde podem ser entendidas como o conjunto de
decisões e compromissos definidos pelo Estado para orientar o
desenvolvimento de ações e estratégias voltadas à melhoria da saúde.
A situação de saúde no Brasil é resultado de uma história que foi se
construindo, principalmente, em torno da questão da saúde do trabalhador. A
assistência médica no país traz, ainda hoje, forte presença de uma herança
previdenciária, que se caracteriza por clientelismo, ineficiência, burocracia e
não universalidade. Para ser possível analisar a realidade de saúde atual, é
necessário conhecer os determinantes históricos envolvidos nesse processo.

2. Breve histórico da saúde no Brasil


A - De 1500 a 1889

Durante o período colonial (1500-1822), o Brasil não dispunha de nenhum


modelo de atenção à saúde da população. Alguns poucos eram assistidos
pelos doutores trazidos de Portugal, enquanto aos nativos restavam os
recursos naturais (plantas e ervas) e os conhecimentos empíricos
(curandeiros). A vinda da Família Real ao Brasil (1808) criou a necessidade
de organizar uma estrutura sanitária mínima, de forma a dar suporte ao poder
que se instalava na cidade do Rio de Janeiro.
A história do Brasil Imperial tem início com a Proclamação da Independência,
em 1822, e termina com a Proclamação da República, em 1889. Durante esse
período, as ações de saúde limitavam-se ao controle sanitário mínimo,
delegado às Juntas Municipais, e ao controle de navios e saúde dos portos.
Devido à organização política, unitária e centralizada, não havia eficiência na
transmissão e execução a distância das determinações emanadas dos
comandos centrais.
As necessidades da Corte forçaram a criação das 2 primeiras escolas de
Medicina do país: o Colégio Médico-Cirúrgico, no Real Hospital Militar da
Cidade de Salvador, e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro, únicas medidas
governamentais até a República.

B - De 1889 a 1920

A falta de um modelo sanitário ocasionou um quadro de saúde caótico,


caracterizado pela presença de diversas doenças, como varíola, malária, febre
amarela e, posteriormente, peste. Tal cenário gerou consequências para a
saúde coletiva, mas também para o comércio exterior, pois os navios
estrangeiros não queriam atracar no porto do Rio de Janeiro. A saúde emergiu
como efetiva prioridade do governo no começo do século XX, com as ações
de saúde concentradas no eixo agrário-exportador e administrativo (Rio de
Janeiro e São Paulo).
Na década de 1900, Oswaldo Cruz foi nomeado Diretor Geral de Saúde
Pública e propôs erradicar a epidemia da febre amarela por meio de um
modelo de intervenção de desinfecção, conhecido como campanhista, em que
o uso da força e autoridade pelos “guardas-sanitários” era considerado o
instrumento preferencial de ação. Em 1904, Oswaldo Cruz instituiu, por meio
de Lei Federal, a vacinação antivaríola obrigatória em todo o território
nacional, o que agravou a onda de insatisfação social causada pela
intervenção campanhista e levou a um grande movimento de revolta,
conhecido como a Revolta da Vacina.
O modelo campanhista tornou-se hegemônico como proposta de intervenção
na área da saúde coletiva, visto que foi eficiente no controle das doenças
epidêmicas, conseguindo erradicar a febre amarela na cidade do Rio de
Janeiro. As políticas sanitárias eram desenvolvidas para a erradicação das
doenças portuárias e ligadas diretamente à economia agroexportadora; dessa
forma, Oswaldo Cruz obteve o apoio do governo para as ações de controle da
febre amarela, peste bubônica e varíola, porém não conseguiu sensibilizar a
classe política quanto à necessidade de maior intervenção estatal na
tuberculose.
Em 1908, o Instituto Soroterápico Federal foi rebatizado como Instituto
Oswaldo Cruz, e com a morte de Oswaldo Cruz, em 1917, Carlos Chagas
assumiu sua direção.
Em 1916, a Fundação Rockefeller chegou ao Brasil, e, em 1923, estabeleceu
convênio com o governo brasileiro para cooperação médico-sanitária e
programas de erradicação de endemias, tendo como foco principal a febre
amarela e, em seguida, a malária. Em 1937, foi inaugurado o Laboratório do
Serviço Especial de Profilaxia da Febre Amarela pela Fundação Rockefeller,
dentro do Instituto Oswaldo Cruz, e a vacina contra a febre amarela foi
utilizada pela 1ª vez no Brasil. Desde então, a vacina é produzida pela
Fundação Oswaldo Cruz, atualmente responsável por 80% da produção
mundial desse imunizante.

De modo geral, durante esse período, a assistência à saúde restringia-se às


situações de epidemia e aos casos de especial interesse para o controle das
condições de saúde pública no eixo central da economia, praticamente sem
capacidade de atuação na assistência individual à saúde. Dessa forma, a
assistência médico-hospitalar dependia, em maior parte, de entidades
beneficentes e filantrópicas e das diversas mutualidades a que se filiavam os
grupos de imigrantes. As sociedades de socorro mútuo foram criadas em
meados do século XIX e são consideradas precursoras dos movimentos
operários do século seguinte, que proporcionaram aos trabalhadores maiores
coesão e condições de enfrentamento diante dos interesses da classe
dominante.

Dica
No período de 1889 a 1920, a assistência pública à saúde estava restrita às
situações de epidemia, sem ações direcionadas à assistência individual à
saúde.
C - De 1920 a 1930

A partir de 1921, o modelo campanhista foi inovado por Carlos Chagas,


sucessor de Oswaldo Cruz, por meio da introdução da propaganda e educação
sanitária na técnica rotineira de ação. Foram criados órgãos especializados na
luta contra tuberculose, hanseníase e doenças venéreas, e as assistências
hospitalar e infantil e a higiene industrial se destacaram como problemas
individualizados. Além disso, as atividades de saneamento se expandiram
para outros estados, além do eixo central.
Em 1923, foi aprovada a Lei Eloy Chaves, marco inicial da Previdência
Social no Brasil. Por meio dela, foram instituídas as Caixas de Aposentadoria
e Pensão (CAPs) para os empregados de cada empresa ferroviária. As CAPs
proviam pensões, aposentadorias, serviços funerários e serviços médicos aos
operários afiliados, mas sua criação não era automática, dependendo do poder
de mobilização e organização dos trabalhadores. A administração só poderia
ser realizada pela empresa e contava com um conselho composto por
representantes dos empregados e empregadores.

Importante
A Lei Eloy Chaves foi o marco inicial da Previdência Social no Brasil, pois
foram criadas as CAPs, que proviam pensões, aposentadorias, serviços
funerários e serviços médicos aos trabalhadores afiliados.

O Estado não participava do custeio das Caixas, as quais eram mantidas pelos
empregados (3% dos respectivos vencimentos), pela empresa (1% da renda
bruta) e pelos consumidores dos serviços. As próprias empresas recolhiam
mensalmente as contribuições de todas as fontes de receita e as depositavam
na conta bancária de sua CAP. O financiamento das CAPs não era suficiente
para construir serviços de saúde (como hospitais e ambulatórios) e municiá-
los com equipamentos e recursos humanos; dessa forma, elas passaram a
contratar serviços de saúde privados, pontapé para a privatização da saúde no
Brasil.

D - De 1930 a 1940

A partir de 1930, com a depressão econômica mundial e a crise nos setores


associados à exportação do café, o governo brasileiro passou a dar maior
prioridade e incentivo à indústria. No plano social, esse período caracterizou-
se por mudanças importantes introduzidas pelo governo de Getúlio Vargas
(1930-1945), como a consolidação da legislação trabalhista e a estatização da
Previdência Social. Os benefícios previdenciários foram, então, estendidos a
todas as categorias do operariado urbano. Dessa forma, em substituição ao
sistema fragmentário das CAPs, foram fundados os Institutos de
Aposentadoria e Pensão (IAPs).
Nesses institutos, os trabalhadores eram organizados por categoria
profissional, e não por empresa. O Estado passou a ter o controle
administrativo dos Institutos, que ainda eram custeados por meio de
contribuições obrigatórias por parte de empregadores e empregados. Os IAPs
foram criados de acordo com a capacidade de organização, mobilização e
importância da categoria profissional, logo os benefícios e serviços prestados
eram diferenciados por categoria. O 1º Instituto criado foi o IAPM
(Marítimos), em 1933, seguido pelo IAPC (Comerciários) e o IAPB
(Bancários), em 1934, entre outros.
Os IAPs prestavam serviços e benefícios apenas aos trabalhadores registrados
em carteira. A presença direta do Estado na administração dos IAPs
contribuiu para cristalizar o perfil centralizador, burocrático e ineficiente da
política previdenciária brasileira, na medida em que os trabalhadores não
tinham mais controle sobre essas instituições. Apesar de a centralização da
gestão estar nas mãos do Estado, o financiamento, a distribuição e a prestação
dos serviços não estavam, de modo que esses serviços também eram
oferecidos por instituições privadas.

Dica
As CAPs foram substituídas, nos anos de 1930 a 1940, pelos IAPs. Os
benefícios previdenciários estendiam-se a todos os trabalhadores urbanos
registrados em carteira.

E - De 1940 a 1960

No período entre 1945 e 1964, o Brasil viveu uma fase de instabilidade


democrática, em que muitas das estruturas corporativistas permaneceram
intactas, especialmente no campo das relações de trabalho. As disparidades
normativas entre os IAPs contribuíram para que surgissem reivindicações em
favor de um sistema de previdência unificado e menos desigual, politizando-
se, assim, a questão previdenciária. O Estado defendia a permanência do
clientelismo e do controle administrativo estatal, enquanto os trabalhadores
urbanos assalariados, principais financiadores e beneficiados dos IAPs,
reivindicavam seu controle administrativo.
Na assistência à saúde, a maior inovação aconteceu em 1949, quando foi
criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (SAMDU),
mantido por todos os Institutos e as Caixas remanescentes.

Importante
A importância histórica do Serviço de Assistência Médica Domiciliar de
Urgência está na criação do atendimento médico domiciliar no setor
público, financiamento consorciado entre todos os IAPs, e, ainda, na
instauração do atendimento universal, mesmo que limitado aos casos de
urgência.

A partir da 2ª metade da década de 1950, com o maior desenvolvimento


industrial, a aceleração da urbanização e o assalariamento de parcelas
crescentes da população, ocorreu maior pressão pela assistência médica via
Institutos, viabilizando o crescimento de um complexo médico-hospitalar para
prestar atendimento aos previdenciários, no qual se privilegiava a contratação
de serviços de terceiros.
Nesse contexto, sob forte pressão dos trabalhadores, a Lei Orgânica da
Previdência Social (LOPS) foi criada em 1960, propondo a uniformização dos
benefícios prestados pelos IAPs e a responsabilidade da Previdência Social
pela assistência médica individual de seus beneficiários, representando,
porém, a maturação de um ciclo que reafirmou a participação reduzida dos
trabalhadores na gerência e no controle dos IAPs.

F - De 1960 a 1980

Com a instauração do governo militar, em 1964, foram realizadas as


principais reformas econômicas e institucionais, a partir de uma perspectiva
centralizadora. O regime militar era extremamente ditatorial e repressivo e,
como estratégia, utilizou o sistema previdenciário para conquistar o apoio
social e a sua legitimação. Como os IAPs eram limitados às categorias
profissionais mais mobilizadas e organizadas, o governo militar garantiu,
então, os benefícios da Previdência Social para todos os trabalhadores
urbanos e seus dependentes.
Dessa forma, os IAPs foram unificados no Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS), que incorporou todos os benefícios já instituídos, inclusive a
assistência médico-hospitalar. Considerando que todo trabalhador urbano com
carteira assinada era automaticamente contribuinte e beneficiário do novo
sistema previdenciário, foi grande o volume de recursos financeiros
capitalizados. O aumento da base de contribuição, aliado ao crescimento
econômico da década de 1970 (o chamado Milagre Econômico) e ao pequeno
percentual de pagamento de aposentadorias e pensões em relação ao total de
contribuintes, fez que o sistema acumulasse um grande volume de recursos
financeiros. Em 1955, eram 8 segurados trabalhando para 1 afastado. Estima-
se que atualmente a relação de ativos para inativos seja de 2:1, quando a
média ideal é de 4:1.
Diante disso, o governo militar decidiu alocar os recursos públicos para
atender à necessidade de ampliação do sistema médico, direcionando os
recursos para a iniciativa privada, com o objetivo de conquistar o apoio de
setores importantes e influentes dentro da sociedade e da economia. Dessa
forma, foram estabelecidos convênios e contratos com a maioria dos médicos
e hospitais existentes no país, pagando-se pelos serviços produzidos e
formando um sistema médico-industrial. Esse sistema, dentro da estrutura do
INPS, foi se tornando cada vez mais complexo, tanto do ponto de vista
administrativo quanto do financeiro, o que levou à criação, em 1978, de uma
estrutura administrativa própria, o Instituto Nacional de Assistência Médica
da Previdência Social (INAMPS).
Cabe lembrar que, naquele período, os pagamentos eram realizados por
serviços prestados, o que facilitava as fraudes.

Importante
Entre as décadas de 1960 e 1980, foi criado o INPS, em substituição aos
IAPs, incluindo a assistência médico-hospitalar aos demais benefícios já
instituídos.

Somente na década de 1970 é que algumas categorias profissionais


conseguiram se tornar beneficiárias do sistema previdenciário, como os
trabalhadores rurais, com a criação do Programa de Assistência ao
Trabalhador Rural (PRORURAL), que destinava fundos específicos para a
manutenção do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL).
Além disso, em 1974, o sistema previdenciário saiu da área do Ministério do
Trabalho para se consolidar como um ministério próprio, o Ministério da
Previdência e Assistência Social, e juntamente a ele foi criado o Fundo de
Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), que permitiu a remodelação e
ampliação de hospitais da rede privada, levando a um crescimento próximo de
500% no número de leitos hospitalares privados. Em 1975, foi instituído o
Sistema Nacional de Saúde, que estabelecia de forma sistemática o campo de
ação na área de saúde, dos setores públicos e privados, para o
desenvolvimento das atividades de promoção, proteção e recuperação da
saúde. O documento reconhecia e oficializava a dicotomia da questão da
saúde, afirmando que a Medicina Curativa seria de competência do Ministério
da Previdência, e a Medicina Preventiva, de responsabilidade do Ministério
da Saúde, criado em 1953.
Em 1975, porém, o modelo econômico implantado pela ditadura militar
entrou em crise, acompanhando a crise do capitalismo em nível internacional.
A população com baixos salários, contidos pela política econômica e pela
repressão, passou a conviver com o desemprego e as suas graves
consequências sociais e de saúde. Dessa forma, o modelo de saúde
previdenciário começou a mostrar suas mazelas.

Assim, devido à escassez de recursos para a sua manutenção, ao aumento dos


custos operacionais e ao descrédito social em resolver a agenda da saúde, o
modelo de saúde proposto entrou em crise.

G - De 1980 a 1990

Na tentativa de conter os custos e combater as fraudes, o governo criou, em


1981, o Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária
(CONASP), ligado ao INAMPS.
Durante a 2ª metade da década de 1970, devido à crise econômica e social,
surgiu o Movimento Sanitário, cuja concepção defendia a saúde não como
uma questão exclusivamente biológica a ser resolvida pelos serviços médicos,
mas uma questão social e política a ser abordada no espaço público.
Professores de Saúde Pública, pesquisadores da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) e profissionais de saúde de orientação
progressista se engajaram nas lutas dos movimentos de base e dos sindicatos.
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) foi fundado em 1976,
organizando o movimento da Reforma Sanitária, e, em 1979, formou-se a
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO).
Ambas propiciaram a base institucional para alavancar a Reforma Sanitária.
O movimento também foi influenciado por movimentos e intelectuais de
outros países, como Giovanni Berlinguer, um dos sanitaristas e bioeticistas
mais respeitados do mundo. No Brasil, além do Cebes e ABRASCO, o
sanitarista Mário Magalhães da Silveira teve destaque na liderança do
movimento sanitário.

Na década de 1980, a crise econômica se aprofundou consideravelmente. O


governo precisou criar meios para controlar os gastos públicos em geral,
inclusive no setor da saúde. Para obter maior controle sobre as internações,
foi criada a Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Dessa forma, para
cada paciente internado era emitida uma AIH, mediante a qual a internação
seria paga ao hospital. Com essa estratégia, o governo eliminou o repasse de
verbas às internações escritas (controle sobre o setor privado), e os hospitais
passaram a reter o paciente no hospital o menor tempo possível, pois era
necessário liberar leitos para internar mais pessoas e, consequentemente,
emitir mais AIHs.
Outra estratégia foi a transferência de atribuições e encargos da esfera federal
aos estados e municípios. Com a criação das Ações Integradas de Saúde
(AISs), algumas responsabilidades em saúde foram repassadas diretamente da
Federação aos estados e municípios, que se tornaram responsáveis pelo
atendimento médico individual da população previdenciária, representando os
primeiros passos em direção à descentralização. Em 1985, esgotado o regime
autoritário, a Nova República expandiu consideravelmente as AISs, que se
tornaram parte do programa de governo do presidente Tancredo Neves.
Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde aprovou o conceito da saúde
como um direito do cidadão e delineou os fundamentos do Sistema Único
Descentralizado de Saúde (SUDS), com base no desenvolvimento de várias
estratégias que permitiram a coordenação, a integração e a transferência de
recursos entre as instituições de saúde federais, estaduais e municipais. Essas
mudanças administrativas estabeleceram os alicerces para a construção do
Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.
Esses fatos ocorreram de forma concomitante à eleição da Assembleia
Nacional Constituinte, em 1986, e à promulgação da nova Constituição em
1988. Com base nas propostas da 8ª Conferência Nacional de Saúde, a
Constituição de 1988 estabeleceu, pela 1ª vez de forma relevante, uma seção
sobre a saúde. O texto constitucional, no Art. 196, define que: “Saúde é um
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da
saúde”. O SUS, por sua vez, é concebido e definido no Art. 198, que diz: “As
ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes: descentralização, integralidade e participação social”.
Com o advento do SUS, previsto na Constituição de 1988, ocorreu a definição
da participação livre à iniciativa privada, de forma complementar, na
execução de serviços de saúde no Brasil. No entanto, esse setor somente foi
regulamentado 10 anos após, em 1998 (leia mais no capítulo Sistema de saúde
suplementar – Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Tema frequente de prova


A aprovação do conceito de saúde como um direito do cidadão em 1986,
na 8ª Conferência Nacional de Saúde, é um tema frequente nas provas de
concursos médicos.

As reformas contemporâneas dos sistemas de saúde induziram um gasto


crescente universal, público e privado. O aumento dos gastos no setor
privado, ocasionado pela falta de equidade e efetividade vigente no sistema
público de diversos países, criou uma anomalia (disparidades de atenção),
levando o sistema de saúde a rever o modelo e retornar à discussão do SUS
como modelo ideal e único. Apesar de o SUS ter sido definido pela
Constituição, somente foi regulamentado em 1990, por meio das Leis nº 8.080
e nº 8.142 (Leis Orgânicas). Essas leis definem o modelo operacional do SUS,
propondo a sua forma de organização, funcionamento e financiamento. O
SUS e suas legislações serão aprofundados nos próximos capítulos.

Resumo
Sistema Único de Saúde
Gustavo Swarowsky
Marcos Vinícius Ambrosini Mendonça
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão

1. Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) é a formulação política e organizacional dos
serviços e das ações de saúde no Brasil, estabelecida pela Constituição de
1988. É um sistema único, visto que segue a mesma doutrina e os mesmos
princípios organizativos em todo o território nacional, com vistas à promoção,
proteção e recuperação da saúde.

A - Histórico

Antes da Constituição de 1988, o acesso aos principais serviços de saúde


públicos restringia-se aos trabalhadores formais que pagavam a previdência,
cuja assistência ficava a cargo do Ministério da Previdência Social
(INAMPS). A organização da saúde era fragmentada e centralizada, ou seja,
gerida pelo Governo Federal e apenas executada pelos municípios,
independentemente das diferentes demandas de saúde, sem levar em
consideração as distintas características populacionais e culturais das regiões
do país. Além disso, havia uma baixa cobertura assistencial, com dificuldades
de acesso a consultas e procedimentos. Quem não tinha vínculo com o
INAMPS tinha 2 alternativas: procurar os serviços privados ou esperar
atendimento nas santas casas e hospitais filantrópicos. O financiamento era
essencialmente por produção (sem se importar com o perfil do usuário ou
com o desfecho de saúde populacional), e a atenção à saúde era feita
predominantemente nos hospitais, sendo o foco essencialmente curativo, sem
um vínculo preventivo ao longo do tempo.
Neste contexto, no Brasil e no mundo, a partir dos anos 1980, os movimentos
de reforma sanitária eram muito fortes, com o objetivo de modificar a
organização e o conceito de saúde. Em 1986, na 8ª Conferência Nacional de
Saúde em Brasília, a Reforma Sanitária Brasileira atinge seu momento apical,
quando discutiu a crise da saúde e os novos rumos para ela com diferentes
segmentos da sociedade brasileira, tais como profissionais, estudantes e
entidades da área da saúde, movimentos e instituições sociais, sindicatos,
lideranças políticas e pessoas de diferentes classes e segmentos sociais. Nesse
momento, consolidam-se as ideias que viriam a ser a base do texto
constitucional (artigos 196 a 200) da Constituição de 1988. Definiu-se o
conceito de que saúde é um direito do cidadão, formando as primeiras ideias
de um sistema único, público e integrado com mobilização social. Todos os
conceitos relacionados à unificação do serviço de saúde foram influenciados
pelos resultados dessa conferência. A seguir, os artigos da Constituição de
1988:

Art. 196: a saúde é um direito de todos e dever do Estado;


Art. 198: as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado
e de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, integralidade e
participação social.
A construção do SUS norteia-se por princípios doutrinários (sua filosofia
ou estrutura ética) e princípios organizacionais, que explicam como o
sistema deve ser ordenado.

B - Princípios doutrinários

a) Universalidade

Universalidade é a garantia de acesso à saúde a todo e qualquer cidadão


brasileiro, independentemente de situação laboral, financeira ou social. Ou
seja, qualquer indivíduo tem o direito de ter acesso a todos os serviços
públicos de saúde do SUS, bem como aos serviços privados conveniados por
ele. Esse princípio é um dos mais importantes porque rompe com a ideia
antiga de que apenas quem contribuía com a previdência podia receber
atenção do sistema público de saúde.

b) Equidade

Por definição, equidade é a característica de algo ou alguém que revele senso


de justiça, imparcialidade, isenção e neutralidade; é a disposição de
reconhecer a imparcialidade do direito de cada indivíduo.
Quando falamos que um sistema é equânime, queremos dizer que ele assegura
a prioridade das ações e dos serviços de saúde para quem mais tem
necessidade.
Um sistema com equidade dá tratamento desigual aos desiguais, ou seja, há
uma discriminação positiva que tenha como objetivo minimizar as
disparidades entre os usuários.
Um bom exemplo de equidade é quando priorizamos o agendamento de uma
consulta com o oftalmologista para um paciente com suspeita de glaucoma,
em relação a um paciente que precisa de uma consulta para troca de lentes.
Ambos receberão o atendimento, mas o serviço de saúde investirá mais em
quem mais precisa.

c) Integralidade

Traz o conceito de que o homem é um ser integral e biopsicossocial, portanto


deverá ser atendido em sua integralidade por um sistema de saúde também
integral, voltado à promoção, à proteção e prevenção e à recuperação da sua
saúde.
São exemplos de promoção à saúde: campanhas de conscientização,
educação, aconselhamentos;
São exemplos de proteção e prevenção à saúde: vigilância epidemiológica
(informações), vigilância sanitária (qualidade dos serviços, meio ambiente e
produtos), vacinações, saneamento básico, exames médicos e odontológicos
periódicos;
São exemplos de recuperação da saúde: atendimento médico, tratamento de
urgência e emergência, limitação da invalidez e reabilitação.
A integralidade garante que o usuário do SUS receba todo tipo de
atendimento que precisar em todos os níveis de atenção (primário, secundário
e terciário), e não apenas os procedimentos curativos, pois o tratamento
integral também engloba a prevenção e a promoção à saúde.

Dica
Saber identificar os 3 princípios doutrinários (ou éticos) do SUS é um
raciocínio bastante exigido em concursos médicos, então vamos lembrar:
Universalidade, Equidade e Integralidade.

C - Princípios organizacionais

Regionalização: o Brasil é um país continental e possui perfis


epidemiológicos bastante diferentes. Para tanto, o SUS deve se adaptar e estar
organizado diferentemente em cada região de um determinado estado ou
cidade. Dessa forma, o serviço de saúde delimita as comunidades onde vai
atuar, assim fortalecendo a autonomia para definir suas prioridades. A
regionalização dos serviços implica a delimitação de uma base territorial para
o sistema de saúde, que leva em conta a divisão político-administrativa do
país, mas também contempla a delimitação de espaços territoriais específicos
para a organização das ações de saúde, subdivisões ou agregações do espaço
político-administrativo;
Hierarquização: os serviços devem ser organizados e hierarquizados em 3
níveis de complexidade crescente: atenções primária (ou básica), secundária e
terciária. A porta de entrada do serviço de saúde deve ser a atenção primária
(onde se devem resolver pelo menos 85% dos problemas de saúde de uma
população). Ao passo que o paciente necessita de recursos mais complexos
para seu problema ser resolvido, ele deve ser encaminhado para a atenção
secundária (centros ambulatoriais de especialidades, unidades de pronto
atendimento) ou para a atenção terciária (hospitais de alta complexidade). A
hierarquização estabelece uma rede que articula as unidades mais simples até
as unidades mais complexas, por meio de um sistema de referência e
contrarreferência de usuários e informações;
Implicações da regionalização e da hierarquização: maior conhecimento
dos problemas de saúde da população da área delimitada, favorecendo ações
de vigilância epidemiológica e sanitária, controle de vetores, educação em
saúde, além de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de
complexidade;

Figura 1 - Níveis de atenção à saúde

Dica
A regionalização e a hierarquização propõem a organização dos serviços de
saúde em níveis de complexidade crescente (primário, secundário e
terciário) e com definição da população a ser atendida.

Resolubilidade: os serviços devem estar capacitados para enfrentar e resolver


os problemas de saúde, individuais ou de impacto coletivo, até o nível de sua
competência;
Descentralização: é a redistribuição das responsabilidades entre os vários
níveis de governo (municipal, estadual e federal) quanto às ações e aos
serviços de saúde, com base na ideia de que, quanto mais perto do fato a
decisão for tomada, maior será a chance de acerto. A descentralização reforça
o poder municipal no processo de gestão da saúde. Essa transferência de
responsabilidades de cada nível diz respeito não apenas à condução político-
administrativa do sistema de saúde em seu respectivo território (nacional,
estadual, municipal), mas também com a transferência de recursos
financeiros, humanos e materiais para o controle das instâncias
governamentais correspondentes;
Implicações da descentralização: reforço do poder municipal
(municipalização da saúde) – municípios têm a maior responsabilidade na
promoção das ações de saúde;

Importante
Com a descentralização, ocorreu transferência maior de responsabilidade
aos municípios na gestão da saúde da população.

Participação social: entende que a população, por meio de entidades


representativas, deve participar do processo de formulação das políticas
públicas de saúde e do controle da sua execução em todos os níveis de
governo;
Implicações da participação social: participação social nos Conselhos de
Saúde (representação paritária de usuários, governo, profissionais de saúde e
prestadores de serviços) e nas Conferências de Saúde (definição de
prioridades e linhas de ação sobre a saúde);
Complementaridade do setor privado: o SUS deve contratar os serviços
privados quando os públicos forem insuficientes. A contratação deve
acontecer sob 3 condições: .

Por celebração de contrato, conforme as normas de direito público;


A instituição privada contratada deve estar de acordo com os princípios e
as normas técnicas do SUS;
Os serviços privados devem seguir a lógica organizativa do SUS em
termos de posição definida em uma rede regionalizada e hierarquizada.

Dentre os serviços privados, devem ter preferência os não lucrativos


(hospitais filantrópicos e santas casas), conforme determina a Constituição.
Assim, cada gestor deve planejar primeiramente o setor público e, na
sequência, complementar a rede assistencial com o setor privado, com os
mesmos conceitos de regionalização, hierarquização e universalização.

Dica
Atualmente, no SUS, o predomínio do financiamento é feito pelo setor
público, entretanto o predomínio da prestação de serviços é feito pelo setor
privado.

D - Gestão

Trata-se das entidades encarregadas de fazerem que o SUS seja implantado e


funcione adequadamente dentro das doutrinas e da lógica organizacional e
seja operacionalizado dentro dos princípios. Há gestores nas 3 esferas,
conforme a Tabela 1.

E - Financiamento

O investimento e o custeio do SUS são feitos com recursos das 3 esferas de


governo. Os recursos financeiros do SUS estão em uma conta especial, ou
seja, um fundo único para os gastos em saúde chamado Fundo Nacional de
Saúde, cujo montante provém principalmente da Seguridade Social e de
outros recursos da União, constantes da Lei de Diretrizes Orçamentárias,
aprovada anualmente pelo Congresso Nacional.
Dentre os recursos federais destinados ao custeio da Seguridade Social e,
portanto, para a saúde, têm-se, além dos recursos ordinários, a contribuição
das seguintes fontes: o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e a Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Outros recursos incluem 45% do
DPVAT e outras receitas e créditos.

Importante
O financiamento do SUS é feito com recursos das 3 esferas de governo, e
os recursos federais são provenientes do Fundo Nacional de Saúde, que
recebe quantias do INSS, do PIS, da COFINS e da CSLL.

Os recursos, geridos pelo Ministério da Saúde, são divididos em 2 partes: uma


é retida (para o investimento e custeio das ações federais), e outra é repassada
às Secretarias de Saúde, Estaduais e Municipais, de acordo com critérios
previamente definidos em função da população, das necessidades de saúde e
da rede assistencial.
Os recursos da esfera federal destinados às vigilâncias sanitária e
epidemiológica configuram o Teto Financeiro da Vigilância Sanitária (TFVS)
e o Teto Financeiro de Epidemiologia e Controle de Doenças (TFECD). O
custeio de seus valores pode ser transferido fundo a fundo, de forma regular e
automática, ou pago diretamente pela execução de ações de média e alta
complexidades.

Em cada estado, os recursos repassados pelo Ministério da Saúde são


somados aos alocados pelo próprio governo estadual, advindos da cobrança
dos seus tributos. Desse montante, uma parte fica retida para o custeio de
ações e serviços estaduais, enquanto a outra parte é repassada aos municípios,
de acordo também com critérios específicos.
Os municípios gerem os recursos federais repassados e os seus próprios
recursos alocados para o investimento e custeio das ações de saúde de âmbito
municipal. Todos os recursos são administrados por meio de Fundos de Saúde
(nacional, estadual ou municipal), de forma a assegurar que sejam geridos
pelo setor de Saúde (e não pelas Secretarias da Fazenda), garantindo, assim, o
acesso do setor aos recursos.
Apenas no ano 2000 a Saúde iniciou uma era de financiamento estável e
crescente, com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 29 pelo
Congresso Nacional. Ela obriga os vários níveis de governo a alocar uma
parcela dos seus recursos na Saúde (ou seja, a responsabilidade pelo
financiamento dos serviços do SUS é das 3 esferas) e é associada à Lei de
Responsabilidade Fiscal, sujeitando a sanções o governante que não cumpri-
la.
A Emenda definiu percentuais mínimos de financiamento da Saúde para a
União, estados e municípios:

União: montante do ano anterior + variação nominal do PIB (Produto


Interno Bruto);
Estados: 12% da arrecadação anual em impostos;
Municípios: 15% da sua receita total.

Apesar de a EC nº 29 definir a quantia a ser investida, ela não define o que é


gasto público em saúde, tampouco onde o recurso deve ser aplicado.
Com a EC nº 29, houve um aumento da participação relativa de assistências
farmacêuticas e atenção básica e uma diminuição relativa da participação de
pessoal ativo e dos serviços de média e alta complexidades.
Em dezembro de 2016, com a promulgação da EC nº 95, ficou instituído o
Novo Regime Fiscal no âmbito do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social
da União, que limita as despesas primárias e, consequentemente, o repasse
financeiro da União. Assim, os limites para o exercício de 2017 equivalem à
despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos
e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2%, e,
para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício
imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços
ao Consumidor Amplo , publicado pelo IBGE, ou de outro índice que vier a
substituí-lo.
Em 2017, 1º exercício financeiro sob o novo regime, que vigorará por 20
exercícios (anos), apesar de ter havido um aumento de recursos para as Ações
e Serviços Públicos em Saúde de R$8 bilhões em relação a 2016, a fatia das
despesas com saúde no orçamento federal foi de 3,93% em 2016 para 3,25%
em 2017, uma queda de 17% da participação da saúde no orçamento da União
em 2017 (INESC, março/2017).

F - Ações desenvolvidas pelo SUS

As ações de saúde devem ser combinadas e voltadas, ao mesmo tempo, para


promoção, prevenção e proteção e cura (ações de recuperação e reabilitação).
Promoção e proteção:

São ações que buscam eliminar ou controlar as causas das doenças e dos
agravos, ou seja, o que determina ou condiciona o aparecimento de
problemas de saúde. Essas ações podem ser desenvolvidas por
instituições governamentais, empresas, associações comunitárias e
indivíduos. As ações, em seu conjunto, constituem um campo de
aplicação que se convencionou chamar, tradicionalmente, de Saúde
Pública, ou seja, o diagnóstico e tratamento científico da comunidade;

Recuperação:

Ações que evitam mortes e sequelas e que atuam sobre os danos. Essas
ações são exercidas pelos serviços públicos de saúde (ambulatoriais e
hospitalares) e, de forma complementar, pelos serviços privados
conveniados ao SUS;

Promoção:
Ações de promoção:

Educação em saúde;
Bons padrões de alimentação e nutrição;
Adoção de estilos de vida saudáveis;
Uso adequado e desenvolvimento de aptidões e capacidades;
Aconselhamentos específicos (como genético e sexual).

Prevenção e proteção:
Ações de prevenção e proteção:

Vigilância epidemiológica;
Vigilância sanitária;
Vacinações;
Saneamento básico;
Exames médicos e odontológicos periódicos.

Cura:
Ações de recuperação:

Atendimento médico (ambulatorial e Urgência e Emergência);


Atendimento odontológico;
Diagnóstico e tratamento oportunos;
Acidentes e danos de qualquer natureza;
Limitação da invalidez;
Reabilitação.

Dica
As ações desenvolvidas pelo SUS são de promoção, de prevenção e
proteção e de recuperação (cura e reabilitação). Ou seja, é importante
lembrar que a Vigilância Sanitária (que controla a qualidade dos alimentos
e produtos, por exemplo), o saneamento básico e a política de vacinações
também são parte do SUS.

Para identificar os principais grupos de ações de promoção, proteção e


prevenção e recuperação da saúde, é necessário conhecer as principais
características do perfil epidemiológico da população, tanto em termos de
doenças mais frequentes quanto em termos das condições socioeconômicas da
comunidade.
A vigilância epidemiológica possibilita a obtenção de informações para
conhecer e acompanhar o estado de saúde da comunidade e desencadear
oportunamente as medidas dirigidas à prevenção e ao controle das doenças e
agravos à saúde. Já a vigilância sanitária visa garantir a qualidade de serviços,
meio ambiente, meio de trabalho e produtos (alimentos, medicamentos,
cosméticos, saneantes, agrotóxicos etc.).

G - HumanizaSUS

Em 2003, foi constituída a Política Nacional de Humanização (PNH), que tem


foco na efetivação dos princípios do SUS na prática cotidiana e na gestão. É
uma política transversal ao sistema, perpassando diferentes ações, políticas
públicas e instâncias gestoras. Nesse sentido, a PNH apresenta um novo modo
de fazer saúde, aprimorando os princípios originais do SUS por meio da:

Transversalidade: estar inserida em todas as políticas e programas do


SUS; reconhecer que diferentes especialidades e práticas de saúde estão
conectadas com aquele que é assistido, para a produção do cuidado;
Indissociabilidade entre atenção e gestão: como as decisões da gestão
interferem na atenção à saúde, trabalhadores e usuários devem conhecer
a rede de saúde e a gestão dos serviços para que possam participar do
processo de tomada de decisão nas organizações de saúde e nas ações de
saúde coletiva;
Protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e dos
coletivos: o cuidado e a assistência em saúde não se restringem às
responsabilidades da equipe de saúde. O usuário e sua rede sociofamiliar
devem também corresponsabilizar-se pelo próprio cuidado nos
tratamentos, assumindo posição protagonista com relação a sua saúde.

Em suas diretrizes, a PNH destaca o acolhimento do usuário, a gestão


participativa e a cogestão, a ambiência (espaços saudáveis, acolhedores e
confortáveis, que respeitem a privacidade e propiciem mudanças no processo
de trabalho), clínica ampliada e compartilhada (olhar interdisciplinar, que
coloca o sujeito e sua necessidade de saúde em outras perspectivas, como a
social, econômica, cultural, psíquica etc.), Valorização do trabalho e do
trabalhador e Defesa dos Direitos dos Usuários.

Resumo
Princípios doutrinários do SUS

Universalidade;
Equidade;
Integralidade.

Princípios organizativos do SUS

Regionalização;
Hierarquização;
Resolutividade;
Descentralização;
Participação social;
Complementaridade do setor privado.
Leis Orgânicas da Saúde
Gustavo Swarowsky
Marcos Vinícius Ambrosini Mendonça
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão

1. As Leis Orgânicas da Saúde e suas


regulamentações
A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a Lei nº 8.142, de 28 de
dezembro de 1990, compõem as chamadas Leis Orgânicas da Saúde que
regem o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). A primeira foi
sancionada pelo Presidente da República Fernando Collor de Melo; contudo,
seus vetos a artigos fundamentais, que tratavam principalmente do controle
social e do financiamento, motivaram a formulação da Lei nº 8.142, em que
tais artigos são resgatados.
A regulamentação das Leis Orgânicas da Saúde que, em tese, deveria ter
ocorrido em seguida, a fim de esclarecer as normas que balizariam a
implementação do SUS, ocorreu apenas em 2011, por meio do Decreto nº
7.508, de 28 de julho. Em razão disso, durante esse intervalo de 21 anos, o
modo de operacionalizar o SUS foi definido por intermédio de normas
operacionais, como a Norma Operacional Básica (NOB) e a Norma
Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), publicadas em forma de
portarias do Ministério da Saúde do Brasil.

A - Lei nº 8.080/90

A Lei nº 8.080/90 define a saúde como um direito fundamental do ser


humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício, pois os níveis de saúde expressam a organização social e
econômica do país, cujos determinantes e condicionantes são, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso a bens e
serviços essenciais.
Segundo essa lei, o SUS objetiva prestar assistência por meio de ações de
promoção, proteção e recuperação da saúde, integrando ações assistenciais e
preventivas; divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde;
formular a política de saúde a fim de garanti-la como direito. Para isso, deve
realizar ações de vigilância (epidemiológica, sanitária, nutricional e na saúde
do trabalhador), ordenar a formação de recursos humanos para a saúde,
formular políticas de saúde específicas, como de medicamentos,
equipamentos e sangue, bem como colaborar com outras políticas, como a de
saneamento básico.
Na Lei nº 8.080/90 são definidos os princípios doutrinários (universalidade,
integralidade e equidade) e as diretrizes organizacionais do
SUS(regionalização, hierarquização, descentralização e participação popular).
Salienta-se que o texto da lei não distingue claramente os princípios das
diretrizes, além de apontar outros. Contudo, a literatura especializada no tema
consagra os já citados como os principais e essa distinção aqui feita. A partir
dessa premissa, o SUS deve executar ações e serviços através dos entes
federativos (municípios, estados, Distrito Federal e União), com a
participação complementar da iniciativa privada, por meio de uma rede
organizada de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de
complexidade crescente.
A Lei nº 8.080 sofreu diversas alterações desde sua publicação; dentre as
quais, destacam-se: a inclusão do subsistema de saúde indígena, pela Lei nº
9.836, de 1999; do subsistema de atendimento e internação domiciliar, pela
Lei nº 10.424, de 2002; do subsistema de acompanhamento durante o trabalho
de parto, parto e pós-parto imediato, pela Lei nº 11.108, de 2005; da
assistência terapêutica e da incorporação de tecnologias em saúde, pela Lei nº
12.401, de 2011; a permissão para a participação, inicialmente vetada, de
empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde, pela Lei nº 13.097,
de 2015.

Dica
A Lei nº 8.080/90 determina que a entrada do usuário para usufruir dos
serviços do SUS seja feita pelos serviços de atenção primária e de
urgência, quando for o caso. Ou seja, não adianta o usuário procurar
diretamente o especialista focal no hospital se desejar atendimento
específico: ele deverá procurar o seu serviço de atenção primária de
referência para que seu problema seja resolvido e, caso haja necessidade de
maior complexidade de recursos, será encaminhado aos demais níveis de
atenção conforme a demanda.

B - Lei nº 8.142/90

A Lei nº 8.142 institui medidas que fortalecem a participação social no SUS e


as transferências intergovernamentais dos recursos financeiros. Sobre a
participação popular, essa lei cria, em cada esfera de governo, as seguintes
instâncias colegiadas:

I - Conselhos de Saúde.
II - Conferências de Saúde.

O Conselho de Saúde tem caráter permanente e deliberativo (ou seja, o


conselho de saúde reunido pode tomar qualquer decisão em caráter definitivo,
sem precisar de julgamento de nenhuma outra instância ou poder). É um
órgão colegiado composto por representantes do governo e prestadores de
serviço (25% do total), profissionais de saúde (25% do total) e usuários (50%
do total), que devem fazer reuniões mensais com o objetivo de atuar na
formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na
instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros,
cujas decisões são homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído
em cada esfera de governo.
As Conferências de Saúde devem ocorrer a cada 4 anos, com a representação
de vários segmentos sociais para avaliar a situação de saúde e propor
diretrizes para a formulação da política de saúde em âmbitos municipal,
estadual e federal. Além disso, são convocadas pelo poder executivo ou,
extraordinariamente, pelo Conselho de Saúde.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho
Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) têm
representação no Conselho Nacional de Saúde.
Figura 1 - Composição paritária dos Conselhos de Saúde

Dica
Podemos dizer, com referência à composição dos Conselhos de Saúde, que
a participação dos usuários é paritária com relação à participação do
conjunto dos demais segmentos (governo, prestadores de serviços e
trabalhadores da saúde).

A transferência intergovernamental dos recursos é repassada pela União


(Fundo Nacional de Saúde) para os estados, o Distrito Federal e os
municípios. Pelo menos 70% dos recursos devem ser destinados aos
municípios, e o restante é repassado aos estados. Os municípios podem
estabelecer consórcios para a execução de ações e serviços, remanejando,
entre eles, as parcelas dos recursos para as ações e os serviços de saúde. Para
receberem os recursos, os municípios, os estados e o Distrito Federal devem
preencher os requisitos listados na Tabela 2.

2. A regulamentação da Lei nº 8.080/90 por


meio do Decreto nº 7.508/11
O Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, dispõe, entre outras
providências, sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde, a
assistência à saúde e a articulação interfederativa.
Quanto à organização do SUS, o decreto reitera a forma regionalizada e
hierarquizada, oferecendo ações e serviços em Redes de Atenção à Saúde
localizadas nas Regiões de Saúde. As Regiões de Saúde são espaços
geográficos contínuos, constituídos por agrupamentos de municípios
limítrofes, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a
execução de ações e serviços de saúde. As Redes de Atenção à Saúde são
conjuntos de ações e serviços articulados em níveis de complexidade
crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência.
As Regiões de Saúde são instituídas pelos estados em articulação com os
municípios, respeitadas as diretrizes gerais pactuadas na Comissão
Intergestores Tripartite (CIT). As Regiões devem conter, no mínimo, serviços
de:

I - Atenção Primária.
II - Urgência e Emergência.
III - Atenção psicossocial.
IV - Atenção ambulatorial especializada e hospitalar.
V - Vigilância em saúde.

As Redes de Atenção à Saúde estão compreendidas no âmbito de uma Região


de Saúde, ou de várias, em consonância com as diretrizes pactuadas nas
Comissões Intergestores (CIs). Nas Redes de Atenção à Saúde, são portas de
entrada os serviços de atenção primária, de atenção à urgência e emergência;
de atenção psicossocial; especiais de acesso aberto. As CIs pactuam as regras
de continuidade do acesso às ações e aos serviços nas respectivas áreas de
atuação, com vistas a ofertar e ordenar o fluxo de ações e serviços de saúde,
bem como monitorizar a integralidade e equidade no acesso.
O planejamento da saúde é ascendente e integrado, do nível local até o
federal, compatibilizando as necessidades das políticas de saúde com a
disponibilidade de recursos financeiros. A compatibilização é efetuada no
âmbito dos planos de saúde, resultantes do planejamento integrado dos entes
federativos, nos quais constam as metas de saúde. O Conselho Nacional de
Saúde estabelece as diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos.
No planejamento, devem ser considerados os serviços e as ações prestados
pelas iniciativas pública e privada, de forma complementar ou não ao SUS, os
quais deverão compor os Mapas de Saúde. O planejamento deve estar
orientado pelos Mapas de Saúde que contêm a descrição geográfica da
distribuição de recursos humanos, ações e serviços de saúde ofertados pelo
SUS e pela iniciativa privada, considerando a capacidade instalada existente,
os investimentos e o desempenho aferido a partir dos indicadores de saúde do
sistema.
Com a intenção de promover a articulação dos processos de planejamento em
saúde nas 3 esferas de governo, o PlanejaSUS foi implantado em 2008/2009,
de forma a favorecer o aperfeiçoamento da gestão do sistema e conferir
direcionalidade. A sistematização do processo de planejamento ocorre por
meio de instrumentos de ação governamental, previstos na Constituição de
1988, como o Plano Plurianual (PPA), que apresenta as diretrizes, os objetivos
e as metas em saúde, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que explicita
as metas e prioridades para cada ano, e a Lei Orçamentária Anual (LOA), que
prevê os recursos necessários para a execução das metas. Essa estratégia
pressupõe que cada esfera de gestão realize o seu planejamento, articulando-
se de forma a fortalecer e consolidar os objetivos e as diretrizes do SUS,
contemplando as peculiaridades, necessidades e realidades de saúde
locorregionais. Cada gestor (federal, estadual, municipal) realiza seu
planejamento, utilizando-se de instrumentos básicos: o Plano de Saúde, as
Programações Anuais de Saúde e os Relatórios Anuais de Gestão. O
PlanejaSUS obedece ao PPA, à LDO e à LOA.
No tocante à assistência à saúde, o decreto reitera a integralidade da
assistência que deve iniciar e se completar nas Redes de Atenção à Saúde,
mediante o referenciamento do usuário regional e interestadual. Para isso,
estabelece a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES),
Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e Protocolos
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) em âmbito nacional. A RENASES
compreende todas as ações e serviços que o SUS oferece para garantir a
integralidade da assistência. A RENAME compreende a seleção e
padronização de medicamentos indicados para atendimento de doenças e
agravos no âmbito do SUS. Os PCDTs são documentos que estabelecem
critérios para o diagnóstico dos problemas de saúde, o tratamento
preconizado, as posologias recomendadas, os mecanismos de controle clínico,
e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos.
Na articulação interfederativa, destaca-se o papel das CIs como espaços de
pactuação consensual entre os entes federativos para definição das regras da
gestão compartilhada do SUS. Compreendem espaços de discussão que
pactuam com a organização e o funcionamento das ações e dos serviços de
saúde integrados nas Redes de Atenção à Saúde, definindo desde os aspectos
operacionais, financeiros e administrativos da gestão compartilhada até as
diretrizes sobre as Regiões de Saúde e Redes de Atenção à Saúde e as
responsabilidades de cada esfera na integração das Redes de Atenção.
O decreto estabelece que os acordos entre os entes federativos para a
organização das Redes de Atenção à Saúde sejam firmados por meio de
Contratos Organizativos de Ação Pública (COAPs). Para isso, entes federados
integram seus planos de saúde e definem no contrato as responsabilidades
individuais e solidárias de cada um com relação a ações e serviços a serem
oferecidos na Região de Saúde, bem como indicadores e metas, critérios de
avaliação de desempenho, recursos financeiros utilizados e forma de controle
e fiscalização.

Leitura recomendada
O Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, dispõe sobre a organização do
SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação
interfederativa.
3. As Normas Operacionais e o Pacto pela
Saúde: instrumentos normativos para a
implementação do SUS
Entre a publicação das Leis Orgânicas da Saúde em 1990 e sua
regulamentação em 2011, transcorreram 21 anos em que a implementação do
SUS foi regida por normas operacionais e, a partir de 2006, pelo Pacto pela
Saúde. Quatro NOBs foram publicadas entre 1991 e 1996: NOB 01/91, NOB
01/92, NOB 01/93 e NOB 01/96; 2 NOAS foram publicadas entre 2001 e
2002: NOAS SUS 01/2001 e NOAS SUS 01/2002; o Pacto pela Saúde foi
publicado em 2006. São leis infraconstitucionais que foram editadas
seguindo, em maior ou menor proporção, o que estabeleciam as Leis
Orgânicas da Saúde para normatizar a implementação do SUS nos seus
respectivos períodos históricos. A seguir, apresentaremos as principais
características de cada uma delas.

A - Norma Operacional Básica 01/91


Esta norma enfocou os mecanismos de financiamento do SUS, ou seja, o
repasse, acompanhamento, controle e avaliação dos recursos financeiros do
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS)
para os estados e municípios. Não descentralizou a gestão para estados e
municípios, porque estes figuravam como prestadores de serviços, e valorizou
principalmente as atividades hospitalares e ambulatoriais, perpetuando a
lógica da assistência médica historicamente desenvolvida pelo INAMPS. O
fato de ter sido editada pelo INAMPS e não pelo Ministério da Saúde, como
se esperava após as Leis Orgânicas da Saúde, revelava que o cumprimento
dessas leis e a consequente implantação do novo sistema de saúde, o SUS,
seriam desafios a serem enfrentados nas décadas seguintes.

B - Norma Operacional Básica 01/92

A NOB 01/92 já foi publicada pelo Ministério da Saúde, mas manteve a


lógica de financiamento da NOB 01/91. Embora não tenha descentralizado a
gestão das ações e dos serviços, como indicado nas Leis Orgânicas, avançou
em explicitar princípios da descentralização. Foi entendida como uma norma
de transição, resultado de um acordo entre diversos atores que disputavam o
rumo da saúde no país, ou seja, entre os militantes do SUS e os que, como o
INAMPS, resistiam à sua implantação.

C - Norma Operacional Básica 01/93

A NOB 93 estabeleceu as instâncias intergestores bipartite e tripartite como


espaços de negociação, pactuação e integração entre os gestores do SUS.

Até 1993, quando houve a criação da NOB 93, as ações de saúde de caráter
curativo e individual, produzidas pelos estados e municípios, eram
“compradas” pelo Governo Federal por meio do INAMPS. Tal sistemática
passou a ser a política dominante após o golpe militar de 1964, quando o
Governo Federal não construiu mais instituições públicas de saúde, optando
pela compra de serviços da iniciativa privada. Mais tarde, com a criação das
Ações Integradas de Saúde (AISs), em 1983, o governo também passou a
comprar serviços de saúde dos estados e municípios.
Dessa forma, as instituições de saúde estaduais e municipais, apesar da sua
relevância pública, eram tratadas como meras prestadoras de consultas
médicas e outros procedimentos cobertos pelo INAMPS. Além disso, como
os recursos financeiros se concentravam na esfera federal, os estados e
municípios aderiram à cultura da produtividade, preocupando-se
exclusivamente em produzir o maior número possível de procedimentos
médicos, sem se importarem com a qualidade e a resolutividade deles.
A NOB 01/93 começou a modificar essa situação ao implantar formas
progressivas de gestão municipalizada das ações de saúde. Os municípios
habilitados passaram a dispor de tetos financeiros definidos a serem
repassados pelo Governo Federal, bem como de autonomia de gestão de todas
as unidades de abrangência municipal ou regional (dependendo do porte do
município). A NOB 93 iniciou a municipalização da saúde no país, pois
definiu municípios e estados como gestores, desencadeando o processo de
municipalização da gestão, com a habilitação dos municípios nas condições
de gestão então criadas: incipiente, parcial e semiplena.

Dica
A NOB 93 iniciou a municipalização da saúde no país ao definir
municípios e estados como gestores da saúde.

Ao gestor que se habilitar no modelo de gestão semiplena caberá a


transferência de recursos fundo a fundo, ou seja, diretamente do Fundo
Nacional de Saúde para o Fundo Municipal ou Estadual.
D - Norma Operacional Básica 01/96

Visando superar os limites de descentralização, gestão e financiamento, surgiu


a NOB 96, que introduziu alguns instrumentos de ação e tornou a autonomia
de estados e municípios mais próxima das leis que hoje regulam o setor. Na
lógica assistencial, a NOB representou o rompimento com o produtivismo
(pagamento por produção de serviços, como realizado pelo INAMPS) e a
implementação de incentivos aos programas dirigidos às populações mais
carentes e a uma nova lógica assistencial, como o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde da Família (PSF).

De forma geral, a PPI é uma pactuação coordenada pelo gestor estadual e


representa o principal instrumento para garantia de acesso da população aos
serviços de média e alta complexidades não disponíveis em um determinado
município.
Os municípios, a partir dessa NOB, passaram a habilitar-se em uma das 2
novas condições de gestão: Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB) e Gestão
Plena do Sistema Municipal (GPSM). Na GPAB, os municípios tornam-se
responsáveis pela gestão apenas dos serviços que realizam assistência à
Atenção Básica de Saúde (baixa complexidade); já na GPSM, os municípios
se tornam responsáveis pela gestão de todos os serviços que realizam
assistência à saúde no seu território.
Os estabelecimentos desse subsistema do SUS municipal não precisam ser de
propriedade da prefeitura. Suas ações, desenvolvidas pelas unidades estatais
(próprias, estaduais ou federais) ou privadas (contratadas ou conveniadas,
com prioridade para as entidades filantrópicas), têm de estar organizadas e
coordenadas de modo que o gestor municipal possa garantir à população o
acesso aos serviços e a disponibilidade das ações e dos meios para o
atendimento integral. Isso significa que, independentemente de a gerência dos
estabelecimentos prestadores de serviços ser estatal ou privada, a gestão de
todo o sistema municipal é, necessariamente, da competência do poder
público e exclusiva dessa esfera de governo, respeitadas as atribuições do
respectivo Conselho e de outras diferentes instâncias de poder.
Para o financiamento dessas ações, foi determinado o Piso Assistencial
Básico (PAB), que consiste em um montante de recursos financeiros
destinado ao custeio de procedimentos e ações de assistência básica, de
responsabilidade tipicamente municipal. Esse piso é definido pela
multiplicação de um valor per capita nacional pela população de cada
município (fornecida pelo IBGE), transferido, regular e automaticamente, ao
Fundo de Saúde ou conta especial dos municípios e, transitoriamente, ao
fundo estadual, até a habilitação municipal. O valor do PAB inicial foi fixado
em R$10,00/habitante/ano. Hoje esse valor varia entre R$23,00 e R$28,00 (de
acordo com a Portaria nº 1.409, de 10 de julho de 2013).
Tais incentivos significam melhoria do modelo assistencial ao romper com a
lógica do pagamento por produção de serviços, estimulando os municípios a
construir sistemas de saúde voltados à promoção, prevenção, tratamento e
reabilitação do conjunto de seus cidadãos. Só fazem jus a esses recursos os
municípios que se habilitam em alguma condição de gestão segundo a NOB
96, e a transferência total do PAB é suspensa no caso da não alimentação, pela
Secretaria Municipal de Saúde junto à Secretaria Estadual de Saúde, dos
bancos de dados de interesse nacional, por mais de 2 meses consecutivos.
E - Norma Operacional da Assistência à Saúde SUS
01/2001 e Norma Operacional da Assistência à Saúde
SUS 01/2002
Em janeiro de 2001, continuando o processo de aperfeiçoamento do sistema e
visando reordenar os caminhos trilhados pelo SUS após a NOB 96, o
Ministério da Saúde criou a Norma Operacional da Assistência à Saúde
(NOAS), que adota a estratégia de regionalização da assistência como forma
de reorientar o processo de descentralização do sistema, promovendo a
organização de sistemas ou redes funcionais de forma a perpassar as
fronteiras municipais, com o objetivo de facilitar e garantir o acesso dos
cidadãos à integralidade da assistência, além de fomentar comportamentos
cooperativos entre os gestores.
A principal estratégia da NOAS é a realização do Plano Diretor de
Regionalização, definindo que compete ao gestor estadual a sua confecção. O
plano de regionalização tem, como estratégia, a divisão administrativa do
estado em sub-regiões. Dessa forma, o município-sede passa a receber
recursos fundo a fundo para atendimento não só da sua população, mas
também da população a ele referenciada. Mais uma vez, são redefinidas as
condições de gestão para habilitação dos municípios, seguindo a tendência
anterior de ampliar cada vez mais a condição gestora dos municípios. Assim,
são 2 as novas possibilidades de habilitação: GPAB ampliada e GPSM.

Dica
A criação do NOAS adota a estratégia de regionalização por meio de um
Plano Diretor de Regionalização, que propõe a divisão administrativa do
estado em sub-regiões.

Para a qualificação da região, a proposta deve ser enviada à CIB, que a


encaminha ao Conselho Estadual de Saúde. Se aprovada, vai à CIT, que a
envia ao Conselho Nacional de Saúde para homologação. A NOAS
2001/2002 pressupõe, também, que a PPI esteja implantada no estado. As
habilitações devem conter termos de compromisso firmados com o estado por
cada município-sede, em relação ao atendimento da população referenciada
por outros municípios. E, como nova estratégia de financiamento, há a
implantação de um valor per capita nacional correspondente a esse conjunto
de serviços mínimos de média complexidade.
A NOAS criou uma modalidade de habilitação para os municípios, visando
ampliar os procedimentos requeridos para a atenção básica. Criou-se o valor
do PAB - Ampliado (PAB-A), que passou a ser de R$13,00, embora alguns
municípios recebam R$18,00. Essa diferença existe na tentativa de promover
maior equidade na alocação dos recursos.
Para habilitar-se à condição de GPAB e receber o PAB-A, correspondente ao
financiamento da atenção básica ampliada, o município deve ser avaliado pela
Secretaria Estadual de Saúde, pela CIB e pelo Departamento de Atenção
Básica (DAB) da Secretaria de Atenção à Saúde. Já para habilitar-se como
gestor pleno, o município deve dispor de uma rede assistencial capaz de
ofertar, além do elenco de procedimentos propostos para a atenção básica
ampliada, um conjunto mínimo de serviços de média complexidade, como
laboratório de patologia clínica, radiologia simples, ultrassonografia
obstétrica, fisioterapia etc.
Em 2004, segundo a Portaria GM/MS nº 2.023, os municípios e o Distrito
Federal passaram a ser responsáveis pela gestão do sistema municipal de
saúde na organização e execução das ações de atenção básica, o que significa
que todos os municípios e o Distrito Federal passaram a ser responsáveis pela
gestão do sistema municipal de saúde, independentemente da habilitação
como gestor, sem prejuízo das competências definidas na Lei nº 8.080/90.
Essa Portaria também extingue as condições de GPAB e GPAB ampliada,
conferidas aos municípios que cumpriram os requisitos da NOB 96 e da
NOAS SUS 2002 para habilitação nessas formas de gestão. Isso significa que,
atualmente, não há mais habilitação específica para ser gestor pleno da
atenção básica e todos os municípios brasileiros se constituem como gestores
responsáveis pela atenção básica. Logo, atualmente só existe habilitação de
municípios para a condição de GPSM.
Assim, o Ministério da Saúde definiu mecanismos e instrumentos de
monitorização e avaliação dos municípios por meio do Pacto de Indicadores
da Atenção Básica, bem como as sanções cabíveis em caso de
descumprimento das respectivas responsabilidades. Portanto, verifica-se que a
habilitação como gestor básico tenha sido substituída por uma
responsabilização por meio de metas a serem cumpridas por todos os
municípios e o Distrito Federal.
F - Pacto pela Saúde (2006)
O Pacto pela Saúde é um conjunto de reformas institucionais pactuado entre
as 3 esferas de gestão do SUS com o objetivo de fazer avançar sua
organização e seu funcionamento. Foi aprovado pelos gestores do SUS na
CIT, assinado pelo Ministro da Saúde, pelo Presidente do CONASS e pelo
Presidente do CONASEMS. Sua intenção é superar problemas que
acompanharam as NOBs, como a distância entre as normas e a realidade dos
municípios, a dificuldade de fiscalização do SUS pela falta de instrumentos
que responsabilizem os gestores de forma clara a partir de metas e indicadores
de saúde, e a necessidade de avançar na regionalização e descentralização.
Saliente-se que, a partir de então, todo município possui a gestão plena das
ações e dos serviços oferecidos em seu território. O Pacto deve ser revisado
anualmente com ênfase nas necessidades de saúde da população e implica o
exercício simultâneo de definição de prioridades, articuladas e integradas nos
3 componentes: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão
do SUS.
Tais prioridades são expressas em objetivos e metas no Termo de
Compromisso de Gestão (TCG). Extingue-se, então, a necessidade de
habilitação dos municípios como gestores junto ao Governo Federal,
substituída pelo TCG, a ser assinado por todas as esferas de governo do SUS,
em que são explicitadas as atribuições de cada ente federativo.
Importante
De forma geral, as prioridades do Pacto pela Vida são: saúde do idoso,
câncer de colo uterino e mama, mortalidade materno-infantil, doenças
endêmicas, promoção à saúde e fortalecimento da atenção básica. As
prioridades do Pacto em Defesa do SUS são: implementar um projeto
permanente de mobilização social e elaborar e divulgar a Carta dos
Direitos dos Usuários do SUS; as prioridades do Pacto de Gestão são:
definir a responsabilidade sanitária de cada instância gestora do SUS e
estabelecer as diretrizes para a gestão do SUS.

O Pacto introduziu mudanças nas relações entre os entes federados, inclusive


nos mecanismos de financiamento, significando, portanto, um esforço de
atualização e aprimoramento do SUS. As transferências de recursos foram
modificadas, passando a ser divididas em 6 grandes blocos de financiamento
(Atenção Básica, Média e Alta Complexidade de Assistência, Vigilância em
Saúde, Assistência Farmacêutica, Gestão do SUS e Investimentos em Saúde),
garantindo maior adequação às realidades locais.
Em 2008, o Pacto pela Vida, regulamentado pela Portaria nº 325, foi revisado
e ampliado, preconizando 11 prioridades: atenção à saúde do idoso; controle
do câncer de colo de útero e de mama; redução da mortalidade materno-
infantil; fortalecimento da capacidade de respostas às doenças emergentes e
endemias, com ênfase na dengue, hanseníase, tuberculose, malária, influenza,
hepatite e AIDS; promoção da saúde; fortalecimento da atenção básica; saúde
do trabalhador; saúde mental; fortalecimento da capacidade de resposta do
sistema de saúde às pessoas com deficiência; atenção integral às pessoas em
situação ou risco de violência; saúde do homem.

Resumo
Legislações do SUS

Lei nº 8.080/90: dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e


prevenção da saúde e sobre a organização e o funcionamento dos
serviços de saúde;
Lei nº 9.142/90: dispõe sobre a participação social na gestão do SUS e as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da
Saúde;
Decreto nº 7.508/11: regulamenta a Lei Orgânica nº 8.080/90 e dispõe
sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde, a assistência à
saúde e a articulação interfederativa.

SUS – Arcabouço jurídico

NOB 93: estabeleceu as instâncias intergestoras bipartite (CIB) e


tripartite (CIT) como espaços de negociação, pactuação e integração
entre os gestores; iniciou a municipalização da saúde no país;
NOB 96: introduziu alguns instrumentos de ação (PPI, transferência
fundo a fundo, habilitação de municípios para gestão) e fortaleceu a
autonomia de estados e municípios; determinação do PAB;
NOAS-SUS 2001/2002: adota a estratégia de regionalização da
assistência como forma de reorientar o processo de descentralização do
sistema, promovendo a organização de sistemas ou redes funcionais de
forma a perpassar as fronteiras municipais, com o objetivo de facilitar e
garantir o acesso dos cidadãos à integralidade da assistência, além de
fomentar comportamentos cooperativos entre os gestores;
Pacto pela Saúde (Portaria nº 399/2006): conjunto de reformas
institucionais pactuado entre as 3 esferas de gestão do SUS, com o
objetivo de promover inovações nos processos e instrumentos de gestão.

Pacto pela Vida

Saúde do idoso;
Câncer do colo uterino e de mama;
Mortalidade materno-infantil;
Doenças endêmicas;
Promoção à saúde;
Fortalecimento da atenção básica.

Pacto em Defesa do SUS

Implementar um projeto permanente de mobilização social;


Elaborar e divulgar a Carta dos Direitos dos Usuários do SUS.

Pacto de Gestão do SUS

Definir a responsabilidade sanitária de cada instância gestora do SUS;


Estabelecer as diretrizes para a gestão do SUS, com ênfase em
descentralização, regionalização, financiamento, PPI, regulação,
participação e controle social, planejamento, gestão do trabalho e
educação em saúde.
Atenção Primária à Saúde e
Estratégia Saúde da Família
Gustavo Swarowsky
Marcos Vinícius Ambrosini Mendonça
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão

1. Atenção Primária à Saúde

A - Conceito e princípios
A Atenção Primária à Saúde (APS) comporta 4 concepções distintas:

1 - APS seletiva, realizada com programa focalizado e seletivo com cesta


restrita de serviços.
2 - APS de 1º nível, que corresponde a um dos níveis de atenção do
sistema de saúde e oferta serviços ambulatoriais médicos de 1º contato
não especializados, incluindo ou não amplo espectro de ações de saúde
pública e de serviços clínicos direcionados a toda a população.
3 - APS abrangente ou integral, caracterizada como uma concepção de
modelo assistencial e de organização do sistema de saúde conforme
proposto em Alma-Ata para enfrentar necessidades individuais e
coletivas.
4 - APS como filosofia que orienta processos emancipatórios pelo direito
universal à saúde (Giovanella; Mendonça, 2012).

Na Europa, a atenção primária refere-se, de modo geral, aos serviços


ambulatoriais de 1º contato integrados a um sistema de saúde de acesso
universal, diferentemente do que se observa nos países periféricos, nos quais a
atenção primária corresponde também, com frequência, a programas
seletivos, focalizados e de baixa resolutividade.
No Brasil, a APS nasce com características de APS seletiva, mas, a partir do
momento em que é assumida como estratégia para reorientação do modelo
assistencial, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), pode ser
caracterizada como uma APS integral. No Brasil, o uso do termo Atenção
Básica em substituição à Atenção Primária ocorreu no contexto de
implementação do SUS a fim de se diferenciar das propostas de APS seletivas
e focalizadas difundidas por Agências Internacionais (Giovanella; Mendonça,
2012).
Os princípios gerais da APS têm base na Declaração de Alma-Ata e podem
ser resumidos em 4 atributos essenciais: acesso ou 1º contato, integralidade,
longitudinalidade e coordenação do cuidado; e 3 atributos derivados:
orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural (Starfield,
2002).

Tema frequente de prova


Os atributos essenciais da APS – acesso (ou 1º contato), integralidade,
longitudinalidade e coordenação do cuidado – são bastante frequentes nos
exames de concursos médicos.

Acesso (ou 1º contato): definido como porta de entrada dos serviços de


saúde, ou seja, quando a população e a equipe identificam aquele serviço
como o 1º recurso a ser buscado quando há uma necessidade ou problema de
saúde. Para que o serviço de saúde possa ser o 1º contato ou porta de entrada,
é preciso analisar os quesitos de acesso e acessibilidade. Acesso traz a ideia
de não impedir a entrada do paciente ao serviço, enquanto acessibilidade diz
respeito à oferta de serviços, à capacidade de produzir serviços e responder às
necessidades de saúde de determinada população, ou seja, a capacidade de o
usuário obter cuidados de saúde sempre que necessitar, de maneira fácil e
conveniente;
Integralidade: também é um dos princípios doutrinários do SUS. Trata-se da
capacidade da equipe de saúde em lidar com o amplo espectro de
necessidades em saúde do indivíduo, da família ou das comunidades,
resolvendo-os em até 85% das vezes ou referindo-os a outros níveis de
atenção à saúde conforme a necessidade (secundário ou terciário). Pressupõe
um conceito amplo de saúde, no qual são reconhecidas necessidades
biopsicossociais, culturais e subjetivas; a promoção, a prevenção e o
tratamento são integrados na prática clínica e comunitária, e a abordagem
envolve o indivíduo, sua família e seu contexto;
Longitudinalidade: ou vínculo e responsabilização, é uma relação
personalizada entre usuário e serviço de saúde que se estabelece ao longo do
tempo, independentemente do tipo de problemas de saúde ou mesmo da
presença de um problema de saúde. Nesse conceito surge a proposta do
acolhimento, que consiste na busca constante de reconhecimento das
necessidades de saúde dos usuários e das formas possíveis de satisfazê-las, o
que resulta em resolução na unidade, encaminhamentos ou deslocamentos e
trânsitos pela rede assistencial;
Coordenação do cuidado: atributo essencial para a obtenção dos outros
aspectos, é considerada a capacidade de integrar todo cuidado que o paciente
recebe em diferentes pontos, por meio do gerenciamento e da coordenação
entre os serviços. É, portanto, um estado de harmonia por meio de uma ação
ou um esforço comum. Sem ela, a longitudinalidade perderia muito do seu
potencial, a integralidade seria dificultada, e a função de 1º contato se tornaria
puramente administrativa.
As abordagens familiar e comunitária e a competência cultural são observadas
principalmente na Estratégia Saúde da Família (ESF), relacionadas ao foco de
atenção da equipe de saúde.

B - Histórico
a) Relatório Dawson

O conceito de APS surgiu na Inglaterra no início do século XX. Na época se


vivia uma revolução na estrutura do cuidado em saúde e no ensino médico
proposta por Flexner (1910); observava-se uma expansão de cuidados
médicos apenas de cunho curativo, fundado no reducionismo biológico e na
atenção individual em nível predominantemente hospitalar. Esse modelo
preocupava as autoridades inglesas devido ao elevado custo, à crescente
complexidade, à fragmentação da atenção médica e à sua baixa
resolutividade.
Nesse contexto, o médico britânico Bertrand Edward Dawson, em 1920, após
ter sido convocado pelo governo inglês, escreveu o Interim Report on the
Future Provision of Medical and Allied Services (mais conhecido como
Relatório Dawson), em que a ideia de atenção primária foi utilizada pela 1ª
vez como forma de organização de um sistema de saúde e se tornou uma
alternativa para contrapor o modelo flexneriano. Nesse documento, Dawson
organizava o modelo de atenção em centros de saúde primários e secundários,
serviços domiciliares, serviços suplementares e hospitais de ensino. Os
centros de saúde primários e os serviços domiciliares deveriam estar
organizados de forma regionalizada, em que a maior parte dos problemas de
saúde deveria ser resolvida por médicos com formação em Clínica Geral. Os
casos que o médico não tivesse condições de solucionar com os recursos
disponíveis na atenção primária deveriam ser encaminhados para os centros
de atenção secundária, onde haveria especialistas das mais diversas áreas, ou
então, para os hospitais, quando existisse indicação de internação ou cirurgia.
Essa organização caracteriza-se pela hierarquização dos níveis de atenção à
saúde.
As concepções desse documento influenciaram a criação do sistema nacional
de saúde britânico (National Health Service – NHS) em 1948, que, por sua
vez, passou a orientar a reorganização dos sistemas de saúde em vários países
do mundo. O relatório Dawson definiu 2 características básicas da APS: a
regionalização (os serviços de saúde organizados para atender áreas definidas
com características próprias) e a integralidade, que define que os cuidados em
saúde devem ser tanto curativos quanto preventivos.

b) Declaração de Alma-Ata

Os elevados custos dos sistemas de saúde mundiais, o uso indiscriminado da


tecnologia dura (exames laboratoriais e de imagem) e a baixa resolutividade
preocupavam a economia da saúde nos países desenvolvidos, fazendo-os
pesquisar novas formas de organização da atenção com custos menores e
maior eficiência. Em contrapartida, os países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento sofriam com a desigualdade do acesso à saúde, aliada à falta
de cobertura dos cuidados primários, à alta mortalidade infantil e às péssimas
condições sociais, econômicas e de saneamento básico.
Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fomentou o debate
sobre os rumos mundiais para a saúde, gerando, em 1978, na cidade de Alma-
Ata (antiga URSS, hoje Cazaquistão), a I Conferência Internacional sobre
Cuidados Primários de Saúde (Figura 1), na qual foi proposto o maior nível
de saúde até o ano 2000, por meio da APS, conhecida como “Saúde para
Todos no Ano 2000”. Nessa conferência, foi escrita a Declaração de Alma-
Ata, em que 134 países (incluindo o Brasil) assinaram uma carta
comprometendo-se a modificar seus sistemas de saúde, levando em conta um
conjunto de princípios que ampliavam o conceito de saúde.
A partir de Alma-Ata se definiu, em nível mundial, a saúde como um direito
do cidadão, defendendo a ideia de que a saúde depende da elaboração de
políticas públicas, que vão desde o comprometimento com o planejamento até
a equidade social, passando pelo fortalecimento da sociedade, por meio do
acesso à educação e informação e direito à participação social para o
fortalecimento das ações de saúde a serem implantadas.
Figura 1 - I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde

Importante
A Declaração de Alma-Ata definiu a saúde como um direito do cidadão, e
foi necessária a criação de políticas públicas a fim de garantir um maior
nível de saúde até o ano 2000.

c) Carta de Ottawa e o Movimento de Promoção da Saúde

Em 1986, em Ottawa, Canadá, foi realizada a I Conferência Internacional


sobre Promoção da Saúde. Essa conferência foi uma resposta às crescentes
expectativas por uma nova saúde pública, movimento que vinha ocorrendo
em todo o mundo.
A conferência tinha como plano discutir o futuro da saúde pública,
principalmente nos países desenvolvidos, e introduzir um conceito novo, o de
promoção de saúde. Promoção de saúde é o nome dado ao processo de
capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e
saúde, incluindo maior participação no controle desse processo.
Como estratégias de ação, a Carta de Ottawa defendia a criação de ambientes
sustentáveis, a reorientação dos serviços de saúde, o desenvolvimento da
capacidade dos sujeitos individuais e o fortalecimento de ações comunitárias.
As discussões basearam-se nos progressos alcançados com a Declaração de
Alma-Ata e tinham como objetivo auxiliar na meta de “Saúde para Todos no
Ano 2000”.
Entre 1986 e 2000, realizaram-se 5 Conferências Internacionais de Promoção
da Saúde em vários países do mundo. A reorientação dos serviços de saúde
proposta nessas conferências fortalece a ideia de organizar os sistemas de
saúde com base na atenção primária. Em 2014, foi publicada, no Brasil, a
Política Nacional de Promoção da Saúde que, em seu texto, afirma a
necessidade de articulação com a Política Nacional de Atenção Básica (Brasil,
2014).

d) Histórico da Atenção Primária à Saúde no Brasil

No Brasil, há registros de serviços orientados para a APS nas décadas de 1920


e 1940 em São Paulo; entretanto, foram experiências isoladas. Em 1960
houve outra experiência, a criação da Fundação Serviço Especial de Saúde
Pública (SESP), que teve atuação marcante nas regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, organizando e operando serviços de saúde pública e assistência
médica. Contudo, apenas na década de 1970 houve uma expansão da APS em
nível nacional, com o surgimento do Programa de Interiorização das Ações de
Saúde e Saneamento do Nordeste (PIASS), cujo objetivo era possibilitar o
acesso à saúde às populações marginalizadas, e a criação em 1976 dos
primeiros programas de Residência Médica em Medicina de Família e
Comunidade (na época Medicina Geral e Comunitária), formando médicos
especializados em construir um novo modelo de atenção à saúde no país.
Assim, principalmente após a Constituição de 1988, a APS se tornou o
modelo de saúde preconizado pelo SUS. Em 1991, criou-se o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e, em 1994, o Programa Saúde da
Família (PSF), representando modelos APS bastante restritos, pois
focalizavam populações específicas e ofereciam serviços restritos ao
enfrentamento de problemas específicos. A partir de 1997, com a publicação
pelo Ministério da Saúde do documento “PSF: uma reorientação do modelo
assistencial”, a APS foi alçada à condição de estratégia estruturante de
organização do sistema de saúde brasileiro, reiterado em 2006 e 2011, quando
da publicação e republicação da Política Nacional de Atenção Básica
(PNAB), pelas Portarias 648, de 2006, e 2.488, de 2011. A versão da PNAB
de 2011 manteve a essência da anterior, embora tenha feito mudanças, como a
flexibilização da carga horária de médicos, antes contratados
obrigatoriamente em regime de 40 horas semanais, podendo, desde então,
estabelecer contratos de 20, 30 ou 40 horas semanais (Brasil, 2011).
Em 21 de setembro de 2017, a Portaria nº 2.436 aprovou uma nova versão da
PNAB, em que a ESF deixou de ser o único modelo para a organização da
Atenção Básica no Brasil; passou a ser admitida, também, a composição de
equipes multiprofissionais apenas por médicos, enfermeiros e técnicos ou
auxiliares de enfermagem (portanto, sem Agente Comunitário de Saúde –
ACS), com carga horária mínima de 10 horas semanais para os médicos.

2. Política Brasileira de Atenção Básica


A PNAB mais recente foi publicada com a Portaria nº 2.436, em 21 de
setembro de 2017. Nela, a Atenção Básica é definida como um conjunto de
ações de saúde, individuais, familiares e coletivas, que envolvem promoção,
prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos,
cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvida por meio de práticas
de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe
multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre as quais
as equipes assumem responsabilidade sanitária (Brasil, 2017).

A - Princípios e Diretrizes da Atenção Básica no Brasil


(PNAB 2017)

A Atenção Básica tem como princípios a universalidade, a integralidade e a


equidade, assim definidos:

Universalidade: possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de


saúde de qualidade e resolutivos, caracterizados como a porta de entrada
aberta e preferencial da rede de atenção (1º contato), com o acolhimento
das pessoas, promovendo a vinculação e corresponsabilização pela
atenção às suas necessidades de saúde. O estabelecimento de
mecanismos que assegurem acessibilidade e acolhimento pressupõe uma
lógica de organização e funcionamento do serviço de saúde que parte do
princípio de que as equipes que atuam na Atenção Básica nas Unidades
Básicas de Saúde (UBSs) devem receber e ouvir todas as pessoas que
procuram seus serviços, de modo universal, de fácil acesso, sem
diferenciações excludentes, e a partir daí construir respostas para suas
demandas e necessidades;
Equidade: ofertar o cuidado, com o reconhecimento das diferenças nas
condições de vida e saúde, de acordo com as necessidades das pessoas,
considerando que o direito à saúde passa pelas diferenciações sociais e
deve atender à diversidade. Ficou proibida qualquer exclusão com base
em idade, gênero, cor, crença, nacionalidade, etnia, orientação sexual,
identidade de gênero, estado de saúde, condição socioeconômica,
escolaridade ou limitação física, intelectual, funcional, entre outras, com
estratégias que permitam minimizar desigualdades, evitar exclusão social
de grupos que possam vir a sofrer estigmatização ou discriminação, de
maneira que impacte na autonomia e na situação de saúde;
Integralidade: é o conjunto de serviços executados pela equipe de saúde
que atendam às necessidades da população adscrita nos campos do
cuidado, da promoção e manutenção da saúde, da prevenção de doenças
e agravos, da cura, da reabilitação, da redução de danos e dos cuidados
paliativos. Inclui a responsabilização pela oferta de serviços em outros
pontos de atenção à saúde e o reconhecimento adequado das
necessidades biológicas, psicológicas, ambientais e sociais causadoras
das doenças, além do manejo das diversas tecnologias de cuidado e de
gestão necessárias a estes fins, além da ampliação da autonomia das
pessoas e coletividade. As diretrizes da Atenção Básica são:
1 - Regionalização e hierarquização.
2 - Territorialização e adstrição.
3 - População adscrita.
4 - Cuidado centrado na pessoa.
5 - Resolutividade.
6 - Longitudinalidade do cuidado.
7 - Coordenação do cuidado.
8 - Ordenação das redes.
9 - Participação da comunidade.
Regionalização e hierarquização: dos pontos de atenção das Redes de
Atenção à Saúde (RAS), tendo a Atenção Básica como ponto de
comunicação entre eles. Consideram-se regiões de saúde como um
recorte espacial estratégico para fins de planejamento, organização e
gestão de redes de ações e serviços de saúde em determinada localidade,
e a hierarquização como forma de organização de pontos de atenção das
RASs entre si, com fluxos e referências estabelecidos;
Territorialização e adstrição: de forma a permitir o planejamento, a
programação descentralizada e o desenvolvimento de ações setoriais e
intersetoriais com foco em um território específico, com impacto na
situação, nos condicionantes e determinantes da saúde das pessoas e
coletividades que constituem aquele espaço e estão, portanto, adstritos a
ele. Para efeitos dessa portaria, considera-se território a unidade
geográfica única, de construção descentralizada do SUS na execução das
ações estratégicas destinadas à vigilância, promoção, prevenção,
proteção e recuperação da saúde. Os territórios são destinados para
dinamizar a ação em saúde pública, o estudo social, econômico,
epidemiológico, assistencial, cultural e identitário, possibilitando uma
ampla visão de cada unidade geográfica e subsidiando a atuação na
Atenção Básica, de forma que atendam a necessidade da população
adscrita e/ou das populações específicas;
População adscrita: população presente no território da UBS, de forma
a estimular o desenvolvimento de relações de vínculo e
responsabilização entre as equipes e a população, garantindo a
continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado, com o
objetivo de ser referência para o seu cuidado;
Cuidado centrado na pessoa: aponta para o desenvolvimento de ações
de cuidado de forma singularizada, que auxilie as pessoas a
desenvolverem os conhecimentos, aptidões, competências e a confiança
necessária para gerir e tomar decisões embasadas sobre sua própria
saúde e seu cuidado de saúde de forma mais efetiva. O cuidado é
construído com as pessoas, de acordo com suas necessidades e
potencialidades na busca de uma vida independente e plena. A família, a
comunidade e outras formas de coletividade são elementos relevantes,
muitas vezes condicionantes ou determinantes na vida das pessoas e, por
consequência, no cuidado;
Resolutividade: reforça a importância de a Atenção Básica ser
resolutiva, utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado
individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de
construir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente
efetivas, centrada na pessoa, na perspectiva de ampliação dos graus de
autonomia dos indivíduos e grupos sociais. Deve ser capaz de resolver a
grande maioria dos problemas de saúde da população, coordenando o
cuidado do usuário em outros pontos da RAS, quando necessário;
Longitudinalidade do cuidado: pressupõe a continuidade da relação de
cuidado, com construção de vínculo e responsabilização entre
profissionais e usuários ao longo do tempo, de modo permanente e
consistente, com acompanhamento dos efeitos das intervenções em
saúde e de outros elementos na vida das pessoas, a fim de evitar a perda
de referências e diminuir os riscos de iatrogenia decorrentes do
desconhecimento das histórias de vida e da falta de coordenação do
cuidado;
Coordenar o cuidado: elaborar, acompanhar e organizar o fluxo dos
usuários entre os pontos de atenção das RASs; atua como o centro de
comunicação entre os diversos pontos de atenção, responsabilizando-se
pelo cuidado dos usuários em qualquer desses pontos através de uma
relação horizontal, contínua e integrada, com o objetivo de produzir a
gestão compartilhada da atenção integral, além de articular outras
estruturas das redes de saúde e intersetoriais, públicas, comunitárias e
sociais;
Ordenar as redes: reconhecer as necessidades de saúde da população
sob sua responsabilidade, organizando as necessidades dessa população
em relação aos outros pontos de atenção à saúde, contribuindo para que o
planejamento das ações, assim como a programação dos serviços de
saúde, parta das necessidades de saúde das pessoas;
Participação da comunidade: estimular a participação das pessoas, a
orientação comunitária das ações de saúde na Atenção Básica e a
competência cultural no cuidado como forma de ampliar sua autonomia
e capacidade na construção do cuidado à sua saúde e das pessoas e
coletividades do território; considerar, ainda, o enfrentamento dos
determinantes e condicionantes de saúde, através de articulação e
integração das ações intersetoriais na organização e orientação dos
serviços de saúde, a partir de lógicas mais centradas nas pessoas e no
exercício do controle social.

B - A Atenção Básica nas Redes de Atenção à Saúde


As RASs são arranjos organizativos formados por ações e serviços de saúde
com diferentes configurações tecnológicas (na atenção primária, secundária e
terciária) e missões assistenciais (prevenção, promoção e recuperação da
saúde), articulados de forma complementar em determinada região de saúde,
espaço geográfico geralmente composto por municípios circunvizinhos com
características sociodemográficas e epidemiológicas semelhantes.
A Atenção Básica é parte integrante das RASs, atuando como porta de entrada
preferencial e ordenadora dessas redes e coordenadora dos cuidados nelas
oferecido. Para cumprir sua missão, a Atenção Básica deve possuir alta
resolutividade, com capacidade clínica e de cuidado, e incorporação de
tecnologias leves e/ou de baixa complexidade (diagnósticas e terapêuticas),
além de articulação com os demais serviços da rede. Para isso, deve realizar
práticas de microrregulação nas UBSs, como gestão de filas, exames e
consultas, ligado ao Telessaúde. Assim, a Atenção Básica deve, no interior da
RAS, ordenar o fluxo de pessoas aos demais pontos de atenção da rede, gerir
a referência e contrarreferência, bem como estabelecer relação com os
especialistas que cuidam das pessoas de seu território.
O Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes foi instituído em 2007 e
redefinido e ampliado em 2011. Os núcleos de Telessaúde desenvolvem
atividades técnicas, científicas e administrativas para planejar, executar,
monitorizar e avaliar as ações de Telessaúde, principalmente a produção de
teleconsultoria (consulta/pergunta e resposta registrada sobre dúvidas em
manejo, condutas e procedimentos clínicos, ações de saúde e processo de
trabalho). Há 2 formas:
Síncrona (em tempo real): por meio de chat/videoconferência e serviço
telefônico gratuito;
Assíncrona (mensagens offline respondidas em até 72 horas): tele-
educação (ensino a distância) e telediagnóstico.

Figura 2 - Núcleos da Telessaúde

- Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da


Qualidade da Atenção Básica

Em 2011, foi instituído o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da


Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), cujo principal objetivo é ampliar o
acesso e melhorar a qualidade da Atenção Básica, garantindo um padrão de
qualidade comparável nacional, regional e localmente, permitindo maior
transparência e efetividade das ações governamentais direcionadas à Atenção
Básica. O PMAQ foi organizado em 4 fases, de forma que os compromissos
assumidos sejam cumpridos, avaliados e, assim, façam jus ao incentivo
financeiro de 20% do valor integral do Componente de Qualidade do Piso da
Atenção Básica variável (PAB variável) por Equipe de Atenção Básica
participante. Dos 47 indicadores pactuados, 23 são imprescindíveis para a
permanência da equipe no programa. Os indicadores selecionados se referem
a alguns dos principais focos estratégicos da Atenção Básica, assim como a
iniciativas e programas estratégicos do Ministério da Saúde, buscando
sinergia entre o PMAQ e as prioridades pactuadas pelas 3 esferas de governo.

C - Funcionamento da Atenção Básica (PNAB 2017)


A Atenção Básica funciona nas chamadas UBSs, Unidades Básicas de Saúde
Fluviais e Unidades Odontológicas Móveis, onde atuam equipes
multiprofissionais.
As UBSs funcionam 40 horas semanais, 5 dias por semana, no mínimo,
habitualmente em horário matutino e vespertino. Horários alternativos podem
ser pactuados nas instâncias de participação social, como os conselhos de
saúde. Podem ter até 4 equipes de Atenção Básica ou Saúde da Família para
atingir seu potencial resolutivo. As equipes devem assumir a responsabilidade
sanitária por uma população de 2.000 a 3.500 pessoas, residentes em território
definido. As ações realizadas deverão seguir 2 padrões: essencial, com ações
e procedimentos básicos relacionados a condições básicas/essenciais;
ampliados, com ações e procedimentos considerados estratégicos.
Todas as UBSs devem monitorizar a satisfação dos usuários (registro de
elogios, críticas, reclamações) e assegurar acolhimento e escuta ativa e
qualificada das pessoas, mesmo que não sejam da sua área de abrangência,
com classificação de risco e encaminhamento responsável e articulado com
outros serviços.
Há 5 tipos de equipes multiprofissionais que podem atuar na Atenção Básica:
equipe de Saúde da Família (eSF), Equipe de Atenção Básica (EAB), Equipe
de Saúde Bucal (ESB), Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção
Básica (NASF-AB) e Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde (EACS).
A EAB é uma novidade da PNAB 2017. Ela não exige a participação de
ACSs em sua composição e pode ser formada com médico, enfermeiro e
técnico ou auxiliar de enfermagem, o que não é possível no caso da eSF, que
conta com todos esses profissionais.
As ESBs, compostas por dentista, técnico de saúde bucal ou auxiliar de saúde
bucal (modalidade I) ou dentista, técnico de saúde bucal e auxiliar de saúde
bucal ou outro técnico de saúde bucal (modalidade II), atuam sempre
vinculados às eSFs ou EABs. As equipes da EACS são uma possibilidade
para a reorganização inicial da Atenção Básica, com vistas à implantação
gradual da ESF ou como forma de agregar os agentes comunitários a outras
maneiras de organização da Atenção Básica. Para isso, é necessária a
existência de UBS, ACS e enfermeiro supervisor. Cada ACS deverá realizar
suas ações previstas, dentro de sua microárea de responsabilidade, com um
limite máximo de até 750 pessoas.
Já as Equipes do NASF foram criadas pelo Ministério da Saúde por meio da
Portaria GM nº 154, de 2008, com o objetivo de ampliar a abrangência e o
escopo das ações da Atenção Básica, bem como sua resolubilidade. Com a
publicação da Portaria nº 3.124, de 2012, o Ministério da Saúde criou uma 3ª
modalidade de conformação de equipe: o NASF 3, abrindo a possibilidade de
qualquer município do Brasil fazer implantação de equipes NASF, desde que
tenha ao menos 1 eSF. As modalidades de NASF estão assim definidas:
NASF 1 (de 5 a 9 ESFs), NASF 2 (de 3 a 4 eSFs) e NASF 3 (de 1 a 2 eSFs).
Com a PNAB 2017, o NASF passou a complementar não só as eSFs, mas
também as EABs. Por isso, o nome foi trocado para Núcleo Ampliado de
Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB).
As equipes do NASF-AB são compostas por diferentes ocupações da área da
saúde para dar suporte (clínico, pedagógico e sanitário) às eSFs e EABs,
atuando em conjunto com elas, em seus respectivos territórios. Como parte do
corpo de profissionais, podemos citar: médico acupunturista, assistente social,
profissional/professor de educação física, farmacêutico, fisioterapeuta,
fonoaudiólogo, ginecologista/obstetra, médico homeopata, nutricionista,
pediatra, psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional, geriatra, clínico
médico, médico do trabalho, veterinário, arte-educador e profissional de
saúde sanitarista. Portanto, as equipes do NASF-AB não se constituem como
serviços com unidades físicas independentes ou especiais nem são de livre
acesso para atendimento individual ou coletivo (estes, quando necessários,
devem ser regulados pelas equipes que atuam na Atenção Básica). Devem, a
partir das demandas identificadas no trabalho conjunto com as equipes, atuar
de forma integrada a RASs e seus diversos pontos de atenção, além de outros
equipamentos sociais públicos/privados, redes sociais e comunitárias.
Há, ainda, as equipes que atuam com populações específicas: as Equipes de
Consultório de Rua, cujo objetivo é ampliar o acesso desses usuários à rede
de atenção e ofertar de maneira mais oportuna atenção integral à saúde.
Realiza atividades de forma itinerante, desenvolvendo ações na rua, em
instalações específicas, na unidade móvel e nas instalações das UBSs do
território onde atua, sempre articuladas e desenvolvendo ações em parceria
com as demais equipes de Atenção Básica do território (UBS e NASF) e dos
Centros de Atenção Psicossocial, da Rede de Urgência e dos serviços e
instituições componentes do Sistema Único de Assistência Social, entre
outras instituições públicas e da sociedade civil. Há, também, as Equipes de
Saúde da Família para o Atendimento da População Ribeirinha da Amazônia
Legal e Pantanal Sul-Mato-Grossense. As Equipes de Saúde da Família
Ribeirinha (ESFR) desempenham a maior parte de suas funções em UBSs
construídas/localizadas nas comunidades pertencentes à área adscrita e cujo
acesso ocorre por meio fluvial. As equipes de Saúde da Família Fluviais
(eSFFs) desempenham suas funções em Unidades Básicas de Saúde Fluviais
(UBSFs).
Dentre as Estratégias e Programas da Atenção Básica, que inclui as equipes
citadas, há também o Programa de Saúde na Escola (PSE). Foi criado em
2007, pelo Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro, na perspectiva da
atenção integral (promoção, prevenção, diagnóstico e recuperação da saúde e
formação) à saúde de crianças, adolescentes e jovens do ensino público
básico, no âmbito das escolas e UBSs, realizada pelas equipes de saúde da
Atenção Básica e educação de forma integrada, por meio de ações de
avaliação clínica e psicossocial; promoção e prevenção, visando à promoção
da alimentação saudável, à promoção de práticas corporais e atividades físicas
nas escolas, à educação para a saúde sexual e reprodutiva, à prevenção ao uso
de álcool, tabaco e outras drogas, à promoção da cultura de paz e prevenção
das violências, à promoção da saúde ambiental e desenvolvimento
sustentável; educação permanente para qualificação da atuação dos
profissionais da educação e da saúde e formação de jovens.

D - Atribuições dos profissionais da Atenção Básica


Importante
O médico da equipe de Saúde da Família é responsável pela conduta de
todos os pacientes de sua região de atendimento, sendo, muitas vezes, o
único ponto de acesso à saúde aos usuários. Por esse motivo, deve entender
e evitar o processo de medicalização social, compreendido como a
expansão progressiva do campo de intervenção da Biomedicina por meio
da redefinição de experiências e comportamentos humanos como se fossem
problemas médicos. O desfecho prático disso mostra que resfriados, lutos,
pequenas contusões, tristezas, crises de relacionamento, dores ocasionais,
morte e nascimentos, crises existenciais etc. passam a ser vertiginosamente
medicalizados.

E - O processo de trabalho na Atenção Básica

A Atenção Básica como contato preferencial dos usuários na RAS orienta-se


pelos princípios e diretrizes do SUS, a partir dos quais assume funções e
características específicas. Considera as pessoas em sua singularidade e
inserção sociocultural, buscando produzir a atenção integral, por meio da
promoção da saúde, da prevenção de doenças e agravos, do diagnóstico, do
tratamento, da reabilitação e da redução de danos ou de sofrimentos que
possam comprometer sua autonomia. Dessa forma, é fundamental que o
processo de trabalho na Atenção Básica se caracterize por:

I - Definição do território e territorialização.


II - Responsabilização sanitária.
III - Porta de entrada preferencial.
IV - Adscrição de usuários e desenvolvimento de relações de vínculo e
responsabilização entre a equipe e a população.
V - Acesso de modo a acolher todas as pessoas do seu território, de
modo universal e sem diferenciações excludentes.
VI - O acolhimento em todas as relações de cuidado, nos encontros entre
trabalhadores de saúde e usuários.
VII - Trabalho em equipe multiprofissional.
VIII - Resolutividade, com capacidade de intervir nos riscos,
necessidades e demandas de saúde da população, solucionando
problemas de saúde.
VIII - Atenção integral, contínua e organizada à população adscrita, com
base nas necessidades sociais e de saúde.
IX - Realização de ações de atenção domiciliar.
X - Programação e implementação de ações com base nas necessidades
de saúde, priorizando-as de acordo com a frequência, risco,
vulnerabilidade e resiliência.
XI - Implementação da Promoção da Saúde como um princípio para o
cuidado em saúde.
XII - Desenvolvimento de ações de prevenção primária, secundária,
terciária e quaternária.
XIII - Desenvolvimento de ações educativas.
XIV - Desenvolver ações intersetoriais.
XV - Implementação de diretrizes de qualificação dos modelos de
atenção e gestão.
XVI - Participação do planejamento local de saúde.
XVII - Implantar estratégias de segurança do paciente.
XVIII - Apoio às estratégias de fortalecimento da gestão local e do
controle social.
XIX - Formação e Educação Permanente em Saúde.

F - Financiamento da Atenção Básica

O financiamento da Atenção Básica é tripartite e deve estar detalhado no


Plano Municipal de Saúde. No âmbito federal, o montante de recursos
financeiros destinados à viabilização de ações de Atenção Básica à saúde
compõe o financiamento de Atenção Básica. O financiamento federal é
composto por: a) recursos per capita; b) recursos para estratégias e programas
da Atenção Básica, como eSF, EAB, EACS, NASF, Equipe Consultório na
Rua, eSFF, PSE e Academias da Saúde; c) recursos condicionados à
abrangência e oferta de serviços; d) recursos condicionados a desempenho
dos serviços, como o PMAQ; e) recursos de investimento. O recurso per
capita é transferido mensalmente, de forma regular e automática, do Fundo
Nacional de Saúde aos Fundos Municipais de Saúde e do Distrito Federal,
com base em um valor multiplicado pela população do município.

3. Programa/Estratégia Saúde da Família:


histórico e mudanças recentes
O PSF foi criado no Brasil em 1994, com a publicação do Ministério da
Saúde “Programa de Saúde da Família: dentro de casa”. Seu antecedente
imediato foi o PACS, iniciado em 1991, a fim de aumentar a acessibilidade ao
sistema de saúde e incrementar as ações de prevenção e promoção da saúde,
contribuindo para a redução das mortalidades infantil e materna,
principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Para ser um ACS de
determinada unidade de saúde, o profissional deve morar na área adscrita de
abrangência da unidade, ter no mínimo o ensino fundamental e ter realizado o
curso introdutório de ACS.

Importante
Com o Programa Saúde da Família, a família passa a ser o objeto de
atenção, no ambiente em que vive, permitindo uma compreensão ampliada
do processo saúde-doença, por meio de ações que incluem a promoção da
saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais
frequentes.

Na 2ª publicação oficial do PSF, em 1997, intitulada “PSF: uma reorientação


do modelo assistencial”, observa-se a mudança de sua característica de
programa (com tempo de início e fim definidos) para Estratégia Saúde da
Família (ou ESF, sem tempo determinado para o término). Em 28 de março de
2006, o Ministério da Saúde emitiu a Portaria nº 648, na qual ficou
estabelecido que o PSF é a estratégia prioritária do Ministério da Saúde para
organizar a Atenção Básica no Brasil, o que se mantém com a PNAB, em
2012.
Com a PNAB publicada em 2017, ocorreu uma flexibilização no modo de
organizar a Atenção Básica, não sendo mais obrigatório a ESF como único
modelo de organização, pois os municípios podem, desde então, compor
equipes menores, as chamadas Equipes de Atenção Básica, sem a presença do
ACS. Outras mudanças significativas também são verificadas com a PNAB
2017: estabelecimento de “padrões” na oferta de serviços – padrão de ações e
serviços essenciais e padrão de ações e serviços ampliados; flexibilização da
carga horária dos profissionais das EABs, que podem ser contratados com
carga horária de 10 horas semanais (no caso da eSF continua sendo 40 horas
semanais, com exceção do médico); flexibilização do atendimento nas UBSs,
não sendo obrigatório o usuário pertencer ao território de abrangência de sua
equipe de referência para ser atendido.

4. Sistema de informação em saúde


A OMS define um sistema de informação em saúde como mecanismo de
coleta, processamento, análise e transmissão da informação para planejar,
organizar, operar e avaliar serviços de saúde.

- Sistema de Informação em Saúde para a Atenção


Básica (SISAB)
Dentro dos sistemas de informação, foi criado um sistema exclusivamente
para a Atenção Básica, que teve início em 1993 com o nome de Sistema de
Informação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (SIPACS), com
troca para o nome SIAB em 1998 (Sistema de Informação da Atenção
Básica). O SIAB é um sistema desenvolvido pelo DATASUS com o objetivo
de agregar, armazenar e processar as informações relacionadas à Atenção
Básica, usando como ponto central a ESF.
Tal instrumento incorporou em sua formulação conceitos como território,
problema e responsabilidade sanitária, completamente inserido no contexto de
reorganização do SUS no país, fazendo que assumisse características distintas
dos demais sistemas existentes. As fichas que estruturam o trabalho das
equipes de Atenção Básica e produzem os dados que compõem o SIAB são
utilizadas para o cadastro, acompanhamento domiciliar, registro de atividades,
procedimentos e notificações, organizadas conforme indicado na Tabela 6.
No intuito de reestruturar o SIAB para um sistema unificado, integrando
todos os sistemas de informação para a Atenção Básica e garantindo o
registro individualizado por meio do Cartão Nacional de Saúde (CNS), foi
instituído o Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB),
pela Portaria GM/MS nº 1.412, de 10 de julho de 2013. Este tem como fins o
financiamento e a adesão aos programas e estratégias da PNAB. O SISAB
integra a estratégia do Departamento de Atenção Básica (DAB/SAS/MS)
denominada e-SUS Atenção Básica (e-SUS AB), que propõe o incremento da
gestão da informação, a automação dos processos, a melhora das condições de
infraestrutura e das condições de trabalho.
A estratégia é implementar um software único (e-SUS AB) e é composta por
2 sistemas que instrumentalizam a coleta dos dados que serão inseridos no
SISAB: a Coleta de Dados Simplificado (CDS) e o Prontuário Eletrônico do
Cidadão (PEC). Recentemente incluído pela PRT GM/MS nº 1.653, de
02.10.2015, também já está disponível um módulo de atenção domiciliar para
os Serviços de Atenção Domiciliar, compostos por Equipes Multiprofissionais
de Atenção Domiciliar e Equipes Multiprofissionais de Apoio.
Os sistemas e-SUS AB foram desenvolvidos para atender os processos de
trabalho da Atenção Básica para a gestão do cuidado em saúde, podendo ser
utilizados por profissionais de todas as equipes, incluindo o Núcleo de Apoio
à Saúde da Família, do Consultório na Rua, de Atenção à Saúde Prisional, do
Programa Saúde na Escola, da Academia de Saúde e da Atenção Domiciliar.

Resumo
Medicina de Família e
Comunidade
Gustavo Swarowsky
Marcos Vinícius Ambrosini Mendonça
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão

1. Introdução
Ainda no início do século XX, a Medicina era exercida de forma muito
independente e com direcionamentos terapêuticos diversos. Além da medicina
ortodoxa, havia práticas médicas como o fisiomedicalismo ou
botanomedicalismo, precursores da fitoterapia e da homeopatia, por exemplo.
Não havia um controle de abertura de escolas médicas, tampouco necessidade
de conexão com as universidades ou uma padronização científica da prática
clínica.
Assim, em 1910, foi publicado pelo médico estadunidense Abraham Flexner
o estudo chamado Medical Education in the United States and Canada – A
Report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, que
ficou conhecido como Relatório Flexner. Esse relatório revolucionou a
educação médica, pois reorganizou e regulamentou o ensino médico nos
Estados Unidos e serviu de base para estruturar as faculdades de Medicina no
mundo inteiro. Suas principais características são a definição da estrutura do
curso em 4 anos, a vinculação das escolas médicas às universidades, a ênfase
na pesquisa biológica como forma de superar a era empírica do ensino, o
controle do exercício profissional pela profissão organizada e a prática da
Medicina centrada na doença e no ambiente hospitalar. Construiu-se um
modelo fragmentado (com divisão entre ciclos básicos e ciclos clínicos), cuja
abordagem de ensino trazia à lembrança o antigo modelo de Descartes do
dualismo corpo e mente, em que se acreditava que era possível compreender a
biologia do ser humano apenas por suas partes orgânicas, separadas das
emoções.
Entretanto, essa revolução desencadeou um processo de exclusão de todas as
propostas de atenção em saúde que não estivessem dentro dos seus
parâmetros, desconsiderando outros fatores que interferem na qualidade do
trabalho dos médicos para a sociedade, como o estudo da Medicina de
Família e Comunidade (MFC), a compreensão das necessidades sociais das
pessoas e a resolução das doenças mais prevalentes de uma população fora do
ambiente hospitalar.
Em função disso é que, a partir da década de 1960, em todo o mundo, esse
modelo vem sendo contestado. Nesse ínterim, surge o movimento da MFC
como forma de resistência à ênfase dedicada ao modelo flexneriano,
enfatizando a preocupação com as demandas dos pacientes nas comunidades
e seus enfrentamentos psicossociais em relação às suas doenças.
A formação da Organização Mundial de Médicos de Família e Comunidade
(World Organization of National Colleges, Academies and Academic
Associations of General Practice – WONCA) em 1972 e a formação do
Grupo de Leeuwenhorst, durante a II Conference in the Teaching of General
Practice (Holanda, 1974), podem ser considerados marcos importantes para o
fortalecimento da Medicina de Família e Comunidade no mundo.
No Brasil, a formação em Medicina de Família e Comunidade teve início em
1976, quando foram criados 3 programas de Residência Médica (Rio de
Janeiro, Vitória de Santo Antão e Porto Alegre), que tinham como propósito
formar especialistas em MFC no campo da Atenção Primária à Saúde (APS).
Hoje a MFC é uma especialidade médica reconhecida pelo MEC/AMB, com
vagas de Residência Médica espalhadas por todo o país. Com a Lei nº
12.871/2013, foi instituído o Conselho Nacional de Educação (CNE), que, por
sua vez, discutiu e aprovou as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de Medicina no Brasil. Estas orientam que a formação médica seja
dirigida fundamentalmente às reais necessidades de saúde da população e do
sistema brasileiro, com ênfase para atuação no médico na APS, além de que,
no mínimo, 30% do internato aconteça na APS e nos serviços de urgência.
Essas medidas levaram a um maior contato do estudante com a especialidade
de MFC.
Em todo esse contexto histórico, a MFC tem contribuído para a reestruturação
científica da própria Medicina, pois seus princípios e práticas são centrados
na clínica para a pessoa (e não apenas para a doença), na relação médico-
paciente e na interlocução com o indivíduo, sua família e sua comunidade.

2. Princípios
A MFC é uma especialidade médica com foco privilegiado na APS e, por
isso, é considerada especialidade estratégica na conformação dos sistemas de
saúde. A definição de princípios para a MFC foi esboçada pela Seção
Europeia WONCA (Tabela 1), e a partir dela mesma foram traçados objetivos
para a MFC (Tabela 2).
Figura 1 - Abordagem do médico de família e comunidade, em comparação às demais especialidades
Fonte: adaptado de Gusso; Lopes, 2012.

Dica
A MFC tem seu foco na APS e, por conta disso, é regida pelos mesmos
princípios: 4 atributos essenciais (acesso ou 1º contato, integralidade,
longitudinalidade e coordenação do cuidado) e 3 atributos derivados
(orientação para a família, orientação para a comunidade e competência
cultural).

3. Doença x moléstia
Um dos processos estudados e treinados na MFC é a diferenciação entre
doença (disease) e moléstia ou adoecimento (illness). Tal diferenciação foi
descrita por Susser e Watson em 1971 (e, posteriormente, por Eisenberg em
1977) e relata que a doença (disease) se refere a um processo explicável a
partir da fisiopatologia, dos sinais e sintomas clínicos e exames
complementares, com base em anomalias estruturais, que definem alterações
orgânicas funcionais, e que se expressam de maneira similar
independentemente de cada indivíduo. Já a moléstia ou adoecimento (illness)
se refere à experiência subjetiva que vive cada pessoa ao adoecer ou sentir-se
mal por qualquer motivo; essa experiência é expressa por queixas, problemas
ou disfunções, de modo único, ou seja, cada pessoa expressa adoecimento de
forma distinta de acordo com sua história de vida.
A illness, em geral, deve ser avaliada em termos de sentimentos da pessoa,
ideias com relação ao processo de adoecimento ou de procura ao serviço,
efeitos que esse problema imprime no dia a dia (na função) e a expectativa da
pessoa quanto ao atendimento prestado. É importante lembrar que o
adoecimento (ou moléstia, illness) nem sempre está necessariamente ligado a
um diagnóstico nosológico: pacientes em sofrimento podem procurar o
médico por frustrações de vida, luto e outras condições não classificadas
como doenças (disease); entretanto, é função do médico de família e
comunidade ser o 1º contato do paciente, entender o contexto deste acerca de
seu problema e resolver a situação utilizando de técnica e tecnologia
adequada para que o adoecimento (ou moléstia) também não se transforme
em doença (disease).

Importante
O conceito de illness é de grande importância em MFC, pois se relaciona
com as percepções individuais em relação a um problema ou doença, o que
interfere na forma de abordar o paciente e orientar seu tratamento, bem
como na adesão das medidas propostas.

O estudo do processo de illness e sua relação com o processo de disease é


extremamente importante na MFC, pois, em muitos casos, o paciente pode
sofrer incapacidade e reclusão do ambiente social e econômico, tamanha é a
expressão/percepção da doença para ele (illness). Além disso, o paciente deve
ser tratado como um todo, portanto ambos os processos devem ser analisados
na tomada de condutas.
Figura 2 - Processo de doença e moléstia
Fonte: adaptado de Ruben et al., 2009.

4. Abordagem centrada na pessoa


O paciente, quando chega à consulta clínica na Atenção Primária, apresenta
problemas e queixas não pré-selecionados como num consultório de um
especialista focal; são frequentemente encontrados num estágio
indiferenciado no que diz respeito à História Natural da Doença. Para uma
boa avaliação, diversos modelos de abordagem são propostos (Tabela 3),
conforme o objetivo da consulta.
No caso do médico de família e comunidade, diversos são os caminhos que
podem ser tomados no início da consulta (conversa direta com diagnóstico e
tratamento, apenas renovação da medicação ou mesmo choro durante toda a
consulta) sendo, portanto, importante ao médico incorporar um método que
assegure que as atitudes tomadas serão na busca do melhor cuidado. Tal
método clínico é conhecido como abordagem centrada na pessoa.
O método clínico centrado na pessoa é uma sistematização da abordagem
centrada na pessoa e tem como objetivo o estabelecimento de uma boa
relação médico-paciente, com uma avaliação integral, resolutiva, longitudinal,
com responsabilização da pessoa, humanização e vínculo, considerando o
sujeito em sua singularidade e inserção sociocultural. Possui 6 passos (Figura
3 e Tabela 4):

1 - Explorar a doença e a experiência da pessoa (disease e illness).


2 - Entender a pessoa como um todo, inteira.
3 - Elaborar um projeto comum ao médico e à pessoa para o manejo dos
problemas.
4 - Incorporar prevenção e promoção à saúde na prática diária.
5 - Intensificar a relação médico-pessoa.
6 - Ser realista.

Figura 3 - O método clínico de abordagem centrada na pessoa


Fonte: adaptado de Gusso; Lopes, 2012.
Os componentes do método de abordagem centrado na pessoa estão
estreitamente interligados. O bom médico de família e comunidade move-se
com habilidade para frente e para trás entre os componentes, seguindo as
palavras e sentimentos da pessoa durante a consulta. Essa técnica “de ir e vir”
é o conceito-chave para utilizar e ensinar da abordagem centrada na pessoa,
requerendo prática e experiência.
Nesse sentido, o modelo transteórico é um instrumento promissor de auxílio à
compreensão da mudança comportamental relacionada à saúde. O principal
pressuposto é o fato de que as mudanças bem-sucedidas dependem da
aplicação das estratégias certas na hora certa. O processo de mudança inclui
diferentes estágios motivacionais e, se considerados em conjunto, possibilita o
entendimento de como ocorre a mudança de comportamento.
Os 6 estágios são considerados flutuantes, ou seja, é possível o retorno do
indivíduo ao estágio anterior e sua transposição novamente. Na pré-
contemplação, não há motivação para a mudança, pois o indivíduo não
acredita na necessidade de mudar; na contemplação, o sentimento mais
prevalente é a ambivalência; na preparação, há melhor conscientização do
problema; no estágio de ação, o indivíduo engaja-se em ações específicas e
incorpora habilidades que o levem ao novo comportamento; na fase de
manutenção, o desafio é a estabilização do novo comportamento; a recaída é
uma etapa prevista no processo de mudança.
O profissional deve atuar de forma clara e objetiva, mas evitando o confronto.
As estratégias da entrevista motivacional podem auxiliar nesse processo.
Também é papel do profissional auxiliar na elaboração de estratégias de
enfrentamento da situação, oferecer o suporte necessário e envolver a rede
social mais próxima, fortalecendo o paciente para que, em caso de recaída,
haja a percepção do que a motivou e a retomada do processo de mudança.

Importante
A abordagem centrada na pessoa envolve avaliar a illness (moléstia ou
percepção do paciente sobre o adoecimento), levar em conta seu contexto
de vida e trabalho, ser realista a respeito do problema/doença do paciente,
praticar uma relação médico-paciente horizontal, realizar promoção e
prevenção de saúde e, por fim, tomar uma decisão compartilhada com o
paciente a respeito de seu tratamento.

5. Registro clínico orientado por problemas


Além da correta abordagem clínica pelo médico de família e comunidade, na
atenção primária há a necessidade de um registro correto dos encontros entre
médico e paciente, pois o elemento que mais contribui para aumentar o
desempenho da coordenação do cuidado do paciente é o processo de
reconhecimento das informações a respeito dos problemas, pois apenas
quando estes são reconhecidos é que os profissionais podem agir sobre eles.
Dentro desse contexto, o Registro Clínico Orientado por Problemas (RCOP)
tem-se mostrado eficiente.
O RCOP possui 3 áreas fundamentais para o registro das informações
clínicas: a base de dados da pessoa, lista de problemas e as notas de evolução
clínica (notas “SOAP” – Subjetivo, Objetivo, Avaliação e Plano), podendo ser
adicionado um 4º componente: as fichas de acompanhamento, que resumem
os dados complementares mais relevantes e sua evolução.
A base de dados da pessoa é formada pelas informações e dados obtidos na
história clínica e de vida (antecedentes pessoais e familiares), no exame físico
e nos resultados de exames complementares, registrados geralmente na
primeira ou nas primeiras consultas.
A lista de problemas constitui a 1ª parte de um prontuário baseado no RCOP,
devendo vir logo após a identificação da pessoa, elaborada a partir da sua
base de dados e das notas de evolução subsequentes, sendo dinâmica. Com o
uso dela, forma-se um resumo dos problemas de saúde da pessoa, facilitando
a compreensão do caso por parte do médico.

Importante
Na prática do registro clínico orientado por problemas, deve-se realizar
uma lista de problemas, a partir da qual se tomarão as condutas e se
orientará o tratamento com base em uma decisão compartilhada. Esse
registro clínico é feito com base no atendimento médico, no qual se
utilizam informações e dados colhidos na história clínica e nos
antecedentes pessoais e familiares, bem como no exame físico e no
resultado de exames complementares.

As notas de evolução clínica são formadas por 4 partes, conhecidas


resumidamente como “SOAP” (Tabela 5).
6. Abordagem familiar
Outro ponto extremamente importante na MFC é a abordagem familiar, tendo
em vista que o impacto de um problema de saúde sobre uma pessoa não afeta
só a ela, mas também ao seu entorno. Além disso, a família pode atuar como
origem ou perpetuadora da crise ou servir para ajudar na resolução do
conflito.
Hoje, verifica-se uma ampla variação da organização familiar de uma
sociedade para outra ou mesmo no interior de uma dada sociedade. Porém,
algumas organizações podem ser definidas, como:

Família nuclear, conjugal ou elementar: pai, mãe e filhos nascidos


dessa união; todos habitam o mesmo espaço, e sua união é reconhecida
pelos demais membros da comunidade;
Família composta: conjunto de cônjuges e de seus filhos na sociedade
poligâmica, podendo ocorrer a poliginia (homem com mais de 1 esposa)
ou a poliandria (mulher com vários maridos);
Família extensa: rede familiar ligando consanguíneos, aliados e
descendentes, ao longo de pelo menos 3 gerações, correspondendo, em
geral, a uma unidade doméstica (propriedade da terra e das habitações).

A - Estágios do ciclo vital

Em uma organização familiar, diferentes estágios do ciclo de vida (ou ciclo


vital) são observados (Tabela 6), baseados em eventos significativos que
transformam a estrutura da família, apresentando novas tarefas a serem
cumpridas em cada etapa. É na transição desses estágios que geralmente
aparecem dificuldades, e estas se transformam em problemas se a família não
consegue realizar adequadamente suas tarefas. O estudo do ciclo vital permite
que o médico perceba os entraves que a família está atravessando, previsíveis
ou não. A classificação do ciclo vital mais aceita foi proposta por Carter e
McGoldrick (1995).
Ainda dentro do estudo dos ciclos vitais, estão presentes as crises normativas,
ou seja, aquelas esperadas no decorrer de cada ciclo, e as crises
paranormativas, as quais não estão previstas nos ciclos e acabam gerando
maior impacto na família, podendo-se desestruturá-la emocional e
socialmente. Dentro das crises normativas, podemos citar dependência
econômica, insatisfação sexual, gravidez, aleitamento, ingresso e adaptação
escolar, separação e independência dos filhos, climatério, síndrome do ninho
vazio, perspectiva da morte.
Nas crises paranormativas, os exemplos são os seguintes:

Fatores ambientais: separação do casal, infidelidade, rivalidade entre


irmãos;
Doenças: aborto, doenças venéreas, doenças graves, suicídio,
hospitalização, invalidez, morte;
Fatores econômicos: desemprego, mudança de posto/horário do
trabalho;
Outros: mudança de residência, migração, atividades criminais e prisão.

B - Ferramentas de abordagem familiar


Para avaliar diferentes aspectos da organização familiar, a MFC conta com
diferentes ferramentas, oriundas da Sociologia e da Psicologia, que visam
estreitar as relações entre profissionais e famílias, promovendo a
compreensão em profundidade do funcionamento do indivíduo e de suas
relações com a família e a comunidade.

a) Genograma

O genograma é um instrumento de avaliação do paciente e de sua família.


Também chamado de árvore familiar, foi usado no passado por Gregor
Mendel para explicar a transmissão genética das doenças, por meio das linhas
de transmissão entre as gerações.
O genograma proporciona uma visão de um quadro trigeracional de uma
família e de seu movimento por meio do ciclo de vida, ajudando o médico (e
também a família) a analisar o contexto presente e as transformações
familiares longitudinalmente; o genograma pode ser interpretado tanto na
forma horizontal, olhando a situação-problema por meio do contexto familiar,
quanto na forma vertical, ou seja, das gerações, tentando desvendar padrões
que se repetem ao longo do tempo que possam explicar a origem de alguns
problemas.
No genograma, são representados os diferentes membros da família, padrão
de relacionamento e principais morbidades. Ainda se podem adicionar dados
como ocupação, hábitos, grau de escolaridade, entre outros. Os componentes
do genograma devem incluir:

1 - Utilizar simbologia-padrão, utilizando símbolos e siglas (Figuras 4 e


5).
2 - Representar pelo menos 3 gerações (Figura 4).
3 - Iniciar com a representação do casal e seus filhos.
4 - Indicar o ciclo vital da família.
5 - Representar as relações familiares.
6 - Indicar os fatores estressores, como doenças e condições.
7 - Obedecer à cronologia de idade − dos mais velhos para os mais novos
(da esquerda para a direita).
O genograma está indicado em situações que apresentem: sintomas
inespecíficos, utilização excessiva dos serviços de saúde, doenças crônicas,
isolamento, problemas emocionais graves, situações de risco familiar
(violência doméstica, drogadição) e mudanças no ciclo de vida. Seu valor é
diagnóstico e terapêutico.
Figura 4 - Exemplo de genograma

Dica
A criação de um genograma está indicada quando se verificam situações
em que o paciente apresenta sintomas inespecíficos e faz uma utilização
excessiva do serviço de saúde, quando se apresentam doenças crônicas,
isolamento, problemas emocionais graves, risco familiar por violência ou
drogadição e, ainda, quando há mudança no ciclo de vida do paciente.

b) Ecomapa

O ecomapa é um desenho complementar ao genograma na compreensão da


composição e estrutura de relações intrafamiliares e, principalmente, com o
meio que cerca a família. Isso é realizado ao colocar todos os pontos de
suporte da família: trabalho, igreja, amigos, grupos comunitários, vizinhos
etc. Assim como no genograma, linhas demarcam os tipos de relação entre a
família e os grupos destacados.
Figura 5 - Exemplo de esquematização de um ecomapa

c) F.I.R.O.

F.I.R.O. (Fundamental Interpersonal Relations Orientations) é a sigla para


“Orientações Fundamentais nas Relações Interpessoais”, ferramenta que
procura avaliar sentimentos de membros da família nas relações do cotidiano.
Pode ser usada em situações em que as interações na família possam ser
categorizadas nas dimensões de inclusão (dinâmica de relações), controle
(exercício do poder na família) e intimidade (união entre membros para
compartilhar sentimentos).
Essa ferramenta é útil quando, por qualquer motivo, há mudança de papéis na
família. Por exemplo: quando o chefe da família perde seu emprego e passa a
ser sustentado pela esposa. Essa proposta de modelo é bastante difundida no
Brasil, principalmente por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), mas
ainda não temos nenhum estudo de validação no Brasil.

d) P.R.A.C.T.I.C.E.

O modelo P.R.A.C.T.I.C.E. auxilia o médico na estruturação do seu


atendimento às famílias e na avaliação do funcionamento das mesmas,
facilitando a coleta de informações e o entendimento do problema, de ordem
clínica, comportamental ou relacional. Deve ser aplicado em reuniões
familiares, e o profissional deve ter a clareza de que só uma entrevista
familiar será insuficiente para construir com a família soluções para a
resolução do problema apresentado.
e) A.P.G.A.R. familiar

Reflete a satisfação de cada membro da família (estado funcional familiar),


representado pela sigla APGAR, que significa: Adaptation (adaptação),
Partnership (participação), Growth (crescimento), Affection (afeição) e
Resolve (resolução). Cinco perguntas (Tabela 10) são realizadas e pontuadas,
para posterior análise.

7. Atenção domiciliar
O Ministério da Saúde brasileiro utiliza o termo Atenção Domiciliar para
designar o conjunto de ações integradas em saúde que ocorrem no domicílio
destinadas à população em geral.
A atenção domiciliar é, em outras palavras, o cuidado prestado no domicílio,
para qualquer pessoa em qualquer situação. É uma categoria de atendimento
estudada e amplamente treinada na MFC, muito presente em toda a APS por
meio, mas não exclusivamente, da Estratégia Saúde da Família. Nesse
contexto, é utilizada para conhecer e avaliar o território onde o médico de
família e comunidade está inserido, para cadastro dos pacientes de uma
determinada área, para análise de situações relacionadas ao ambiente
domiciliar (estruturas de risco para quedas em idosos, por exemplo), para
fazer a busca ativa de pacientes em situação de vulnerabilidade (risco de
suicídio, abandono do tratamento de tuberculose, por exemplo) e para
entender melhor o contexto de determinados pacientes (má adesão ao
tratamento).
Por via de regra, em função da alta demanda, são visitadas as pessoas que,
permanente ou temporariamente, estão impossibilitadas de comparecer à
Unidade de Saúde.
É importante que o paciente atendido more na área adscrita da unidade de
saúde, que a equipe tenha o devido consentimento para que ele receba
cuidados domiciliares e, caso seja idoso frágil, tenha um cuidador
responsável.

Dica
As visitas domiciliares são ações realizadas pela Estratégia Saúde da
Família que possibilitam o maior conhecimento do ambiente de vida do
indivíduo e facilitam a formação de vínculo entre o paciente e a equipe de
saúde.

A atenção domiciliar é subdividida em:


Assistência domiciliar: ocorre no âmbito da APS, vinculada ou não à ESF.
Destinada a pessoas com perdas funcionais e dependência para as atividades
de vida diária. Subdivide-se em:

Vigilância domiciliar: decorre do comparecimento de um integrante da


equipe até o domicílio para realizar ações de promoção, prevenção
(visitas a puérperas, busca de recém-nascidos), educação e busca ativa da
população de sua área de responsabilidade;
Atendimento domiciliar: voltado a pessoas com problemas agudos,
temporariamente impossibilitadas de comparecer ao serviço de saúde;
Acompanhamento domiciliar (ou monitoramento domiciliar):
dirigido a pessoas que necessitem de contatos frequentes com os
profissionais de saúde, como portadores de doença crônica que
apresentem dependência física, pacientes terminais, idosos com
limitação da mobilidade.

Internação domiciliar: conjunto de atividades prestadas no domicílio para


pessoas clinicamente estáveis, mas que exijam intensidade de cuidados maior
que das modalidades ambulatoriais, desde que com equipe profissional
voltada para esse fim. Sendo assim, é oferecida aos pacientes com problemas
agudos ou egressos hospitalares, que exijam cuidado mais intenso, mas que
possam ser mantidos em casa. São realizadas em comum acordo entre o
paciente, a família e a equipe de saúde, desde que haja condições físicas e
psicológicas para tanto.
Alguns critérios de inclusão utilizados pelas equipes de saúde para fornecer
assistência domiciliar continuada incluem:

Idosos sem condições de locomoção;


Paciente terminal;
Possuidor de deficiência física;
Possuidor de distúrbios psicológicos;
Pacientes egressos de internação hospitalar;
Pacientes orientados a permanecer em repouso absoluto;
Impossibilidade de comparecer à unidade de saúde por questões
anatômicas, sociais ou ambientais.

A Atenção Domiciliar, no âmbito do SUS, é organizada em 3 modalidades:

AD1: estarão os usuários com problemas de saúde


controlados/compensados com algum grau de dependência para as
atividades da vida diária (não podendo se deslocar até a unidade de
saúde). Essa modalidade tem as seguintes características:
Permite maior espaçamento entre as visitas;
Não necessita de procedimentos e técnicas de maior complexidade;
Não necessita de atendimento médico frequente;
Possui problemas de saúde controlados/compensados.
AD2: destina-se aos usuários com problemas de saúde e dificuldade ou
impossibilidade física de locomoção até uma unidade de saúde que
necessitam de maior frequência de cuidado, recursos de saúde e
acompanhamento contínuo, até a estabilização do quadro. A frequência
das visitas deve ser semanal. A prestação de assistência à saúde na
modalidade AD2 é de responsabilidade da Equipe Multiprofissional de
Atenção Domiciliar (EMAD) e da Equipe Multiprofissional de Apoio
(EMAP), ambas designadas especialmente pelo município para esta
finalidade;
AD3: destina-se aos usuários com problemas de saúde e dificuldade ou
impossibilidade física de locomoção até uma unidade de saúde, com
necessidade de maior frequência de cuidado; é semelhante ao da AD2,
mas aqui os pacientes precisam de equipamentos especializados
(oxigenoterapia, por exemplo) e procedimentos especiais.

Para a admissão de usuários nas modalidades AD2 e AD3, é fundamental a


presença de um cuidador identificado e devem ser garantidos, se necessário,
transporte e retaguarda de unidades assistenciais de funcionamento 24 horas,
definidas previamente como referência para o usuário, nos casos de
intercorrências.

Resumo
Sistema de saúde suplementar
– Agência Nacional de Saúde
Suplementar
Edson Lopes Mergulhão
Thaís Minett
Marcos Rodrigo Souza Fernandes
Fábio Roberto Cabar
Anderson Sena Barnabe
Fernando Starosta de Waldemar
Jeane Lima e Silva Carneiro

1. Histórico
O desenvolvimento do sistema suplementar teve origem no surgimento das
instituições previdenciárias do último século (institutos de aposentadoria e
pensão) durante a conformação mais consistente de um sistema de saúde no
Brasil. Essas instituições previdenciárias eram representadas pelas diferentes
categorias profissionais de trabalhadores urbanos que, para a organização da
oferta de saúde, compravam a prestação de serviços médicos ambulatoriais ou
de hospitais. Nesse mesmo período, surgiram as caixas de assistência,
dirigidas a funcionários de determinadas empresas e cujos benefícios
ocorriam por meio de empréstimos ou reembolsos pela utilização de serviços
de saúde.
Com a instalação de empresas estatais e multinacionais na década de 1950,
surgiram os sistemas assistenciais patronais, prestadores diretos de
cuidadosmédicos aos funcionários. Na década de 1960, houve a unificação
dos institutos e caixas de assistência, que originou o INPS (Instituto Nacional
de Previdência Social), aumentando significativamente a cobertura de
beneficiários e configurando uma rede de serviços julgada insuficiente por
usuários das categorias profissionais de maior poder aquisitivo.
Esse fato levou à ampliação do credenciamento de prestadores de serviços
privados, principalmente por meio do financiamento de grupos médicos (que,
gradativamente, se transformaram em empresas médicas), e à organização da
rede de serviços próprios e credenciados em 2 subsistemas, um voltado aos
trabalhadores urbanos, e outro, aos trabalhadores rurais. Tal ampliação gerou
conflitos entre a categoria médica, configurando-se uma disputa por um grupo
que pretendia preservar a prática liberal da Medicina e por outro que
considerava mais importante adaptar a prática médica às necessidades do
mercado que se constituía. Assim, surgiam as cooperativas médicas (que
atendiam a demanda nos consultórios de cada profissional) e as medicinas de
grupo (responsáveis pelo atendimento hospitalar).
Conformava-se, portanto, um sistema de saúde com intensa relação público-
privada, cuja assistência médica tinha o apoio da rede do INPS com unidades
próprias e credenciadas, além de contratos coletivos de serviços credenciados
de empresas e cooperativas médicas e empresas com planos próprios (as
autogestões). Em geral, a cobertura prestada era igual para todos os
empregados, sem diferenciação por nível hierárquico nas categorias
profissionais, até começar a haver a segmentação dos planos, criada por uma
lógica de benefício e mérito (quem paga valor mais alto tem direito a um
leque maior de serviços).
Com o advento do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição
de 1988, ocorreu a definição da participação livre à iniciativa privada, de
forma complementar, na execução de serviços de saúde no Brasil. No entanto,
esse setor somente foi regulamentado 10 anos depois, em 1998.

Importante
O sistema de saúde brasileiro é híbrido, isto é, composto por serviços
públicos garantidos por legislação pelo Estado e um sistema privado que o
complementa, chamado saúde suplementar.

O setor de saúde suplementar tem, como marcos legais:

1 - A Lei dos Planos de Saúde – Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998 – é


o marco histórico da regulação sobre o mercado dos planos de saúde.
Delibera, dentre os pontos principais, sobre a restrição da liberdade das
operadoras e ampliação da cobertura mínima (Plano Referência), sobre a
cobertura parcial temporária de lesões e doenças preexistentes, carência,
reembolso, vigência mínima e renovação automática do contrato,
vedação de discriminação por idade ou portadores de deficiência,
redação do contrato (instituindo regras gerais com o objetivo de
favorecer a interpretação e reduzir os conflitos), coberturas obrigatórias,
condições especiais e vedações aos contratos anteriores à promulgação
da lei.
2 - A criação da ANS, Lei nº 9.661, de 28 de janeiro de 2000.
3 - A Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001, que incluiu e revogou
diversos artigos da Lei nº 9.656.
4 - A Lei nº 10.185/01, que instituiu a figura da seguradora
especializada.

Vinculada ao Ministério da Saúde, a ANS tem como missão promover a


defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regular as
operadoras setoriais – inclusive quanto às suas relações com prestadores e
consumidores – e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no
país. Dessa maneira, a atuação da ANS deve contribuir para que as
operadoras aumentem sua eficiência e capacidade de gestão, os prestadores
qualifiquem a assistência e os beneficiários tenham seus direitos respeitados e
o seu bem-estar garantido.
A ANS desenvolve ações em todo o território nacional como órgão de
regulação e caracteriza-se como uma autarquia especial com autonomias
administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos e de
decisões técnicas. Cinco diretorias formam a diretoria colegiada, instância de
decisão deliberativa da Agência.

2. Atualidades
Hoje em dia, aproximadamente 25% da população brasileira é coberta por
planos privados de assistência médica e 11,6% de planos privados de
assistência exclusivamente odontológica.
A seguir, apresentaremos uma evolução em números absolutos (Tabela 1 e
Figura 1) de beneficiários de planos privados de assistência médica com ou
sem Odontologia.
Figura 1 - Número de vinculações a planos privados de saúde conforme a cobertura assistencial
(Brasil, 2000 a 2016)
Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2016.

Em todos os estados, a taxa de cobertura na capital é maior do que no interior.


No conjunto das capitais, 43% da população é coberta por plano de
assistência médica, enquanto no interior a taxa é de 19%. Vitória (ES) é a
capital com maior cobertura (67%).

Figura 2 - Taxa de cobertura dos planos privados de assistência médica por Unidades da Federação
(Brasil, junho/2016)

3. Modalidades de empresas prestadoras de


serviços na saúde suplementar

Importante
As diferentes modalidades de serviços prestados na saúde suplementar
incluem autogestão (serviços patrocinados diretamente pela empresa
interessada), medicina de grupo (usuários fazem contribuição mensal com
valor fixo), cooperativas médicas (constituídas por médicos e que
funcionam em sistema assistencial de pré-pagamento) e seguro-saúde
(sistema de reembolso das despesas dos segurados).

A - Autogestão

Trata-se de um plano de assistência médico-hospitalar patrocinado


diretamente pela empresa interessada, que fornece e administra os serviços
exclusivos a seus funcionários e respectivos dependentes, sem a interferência
de intermediários. É, portanto, um tipo de plano exclusivo a pessoas jurídicas
(empresas). De acordo com a política de benefícios da empresa, a prestação
de serviços médicos cobertos pode ser mista ou de 3 formas distintas: serviços
próprios, credenciados e de livre escolha.

Vantagens

Há flexibilidade da empresa em definir a representação do plano, com a


possibilidade de atuar diretamente sobre o sistema, corrigindo eventuais
desvios e lançando alternativas que beneficiem a empresa e o
funcionário;
Maior facilidade de comunicação entre o beneficiário e os gestores do
plano, que podem ser empresas privadas, autarquias, sindicatos etc.

Desvantagem
O serviço de saúde não se relaciona com a atividade-fim (core business)
da empresa e tem necessidade de elevado investimento, dirigido para a
criação e manutenção de uma estrutura administrativa de controle do
plano. Em acréscimo ao poder de negociação com a rede credenciada,
esse sistema provoca elevação do custo, em comparação com os demais
planos disponíveis no mercado.

B - Medicina de grupo
São empresas constituídas, especificamente, para a prestação de assistência
médica, em que seus usuários, empresas ou indivíduos contribuem
mensalmente com um valor fixo (sistema de pré-pagamento). Costumam ter
prestadores e locais predefinidos para o atendimento, determinando que seus
usuários se mantenham em sua rede própria de ambulatórios, prontos
atendimentos, hospitais e serviços de exames complementares. Nesse tipo de
plano, o valor garante assistência nos termos do contrato assinado,
repassando, assim, os riscos à empresa contratada.
Vantagem

Várias empresas oferecem maiores alternativas de preço, qualidade do


produto e abrangência de atendimento, além de o preço ser competitivo.

Desvantagem

Não disponibilizam a livre escolha de serviços (algumas empresas estão


mudando esse perfil), e a distribuição geográfica de atendimento é mais
restrita.

C - Cooperativas médicas
Constituídas por médicos, garantem um plano de assistência no sistema de
pré-pagamento e atuam nos segmentos individual e coletivo, tendo como
diferencial a prestação de serviços feita por médicos da região onde se tornam
cooperados. Algumas cooperativas possuem hospitais próprios. Os
cooperados têm participação nos resultados obtidos, caracterizando a relação
como uma espécie de sociedade exclusivamente formada por médicos. As
cooperativas exigiam que o cooperado não fosse credenciado a outros tipos de
planos de saúde, o que dificultava a entrada de outros planos privados de
assistência médica na região. Nos últimos anos, os tribunais superiores têm
determinado que essa exigência seja abandonada, por cercear a liberdade de
trabalho do médico. A administração dos planos é descentralizada, levando a
grande variedade tanto dos produtos quanto da abrangência de local de
atendimento.
Vantagem

Extensão da rede de prestadores de serviços e, inicialmente, preços


competitivos em função do tamanho da carteira, já que outros planos têm
dificuldade para entrar na região.

Desvantagem

Conforme o porte da cooperativa, pode haver menor flexibilidade na


escolha de prestadores. Em alguns casos, o âmbito regional da cobertura
pode ser restrito.

D - Seguro-saúde

Trata-se de um plano privado de assistência médico-hospitalar que tem, como


principal característica, o reembolso das despesas efetuadas pelos segurados,
de acordo com o limite do plano contratado. Proporciona a livre escolha de
médicos, clínicas e hospitais e pode ser oferecida, como recurso adicional,
uma rede referenciada, que, se utilizada, dispensa o usuário de qualquer
pagamento no ato da utilização. Essa modalidade, além de estar submetida a
regulação da ANS, está subordinada à Superintendência de Seguros Privados
(SUSEP).
Vantagem

Como as doenças são incertas quanto à data de sua ocorrência e ao custo


de seu tratamento, o seguro torna esse risco e seu custeio previsíveis,
pois seus fundamentos possibilitam tal aferição. Além disso, proporciona
a livre escolha de médicos e hospitais.

Desvantagem

A existência de poucas seguradoras atuando no mercado afeta a


competitividade quanto a preços e qualidade de produtos.

4. Classificação dos planos de assistência


privada

A - Quanto à forma de contratação


Importante
Independentemente da forma de contratação do plano de saúde (contrato
individual ou coletivo), desde a entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, para
evitar futuras negativas de assistência, é obrigatório constar no contrato, de
forma clara, a cobertura assistencial oferecida.

B - Quanto ao tipo de cobertura assistencial

Cobertura assistencial é a denominação dada ao conjunto de direitos


(tratamentos, serviços, procedimentos médicos, hospitalares e/ou
odontológicos) a que um usuário faz jus pela contratação de um plano de
saúde.

C - Quanto à abrangência geográfica

O termo “cobertura” também é utilizado para especificar a abrangência


geográfica onde o beneficiário pode ser atendido. A cobertura geográfica –
que deve ser especificada no contrato – pode alcançar um município
(abrangência municipal), um conjunto de municípios, um estado (cobertura
estadual), um conjunto de estados ou todo o país (cobertura nacional).

5. Atividade das operadoras


Em março de 2017, 780 operadoras médico-hospitalares e 296
exclusivamente odontológicas estavam registradas na ANS. Nos anos de 2015
e 2016, houve um decréscimo de 2,3 e 3,1% de beneficiários em planos
privados de assistência médica com ou sem Odontologia em relação a
dezembro do ano anterior. No ano de 2017, até março, houve mais um
decréscimo de 0,3% em relação a dezembro de 2016, reflexo do cenário
político-econômico nacional. O número de operadoras ativas, com ou sem
beneficiários, é decrescente desde 2001.

Figura 3 - Operadoras de planos privados de saúde em atividade no Brasil, de dezembro/1999 a


junho/2016
Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2016.

6. Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998


modificada pela Medida Provisória nº 2.177-44,
de 2001)

Importante
Dentre os principais pontos da lei que rege os planos de saúde, estão:
proibição da comercialização de qualquer plano de saúde com redução ou
exclusão de coberturas assistenciais; cobertura de todas as doenças listadas
na CID-10; controle dos reajustes de preço; proibição da seleção de risco e
do rompimento unilateral do contrato; proibição do aumento por faixa
etária de planos para aqueles com mais de 60 anos, sendo que seu valor não
pode exceder 6 vezes o menor preço.

Da legislação dos planos de saúde, destacam-se os seguintes pontos:

Proibiu-se a comercialização de qualquer plano de saúde com redução ou


exclusão de coberturas assistenciais;
A permissão de comercialização de planos exclusivamente ambulatoriais
ou hospitalares não abdica da cobertura integral no segmento;
Cobrem-se todas as doenças listadas na CID-10;
Permitiu-se a comercialização de planos exclusivamente ambulatoriais
ou hospitalares.

São regras de proteção ao consumidor definidas pela legislação:

Controle dos reajustes de preço, inclusive por faixa etária;


Proibição da seleção de risco e do rompimento unilateral do contrato
com os usuários de planos individuais;
É vedado o aumento por faixa etária de planos para aqueles com mais de
60 anos, e seu valor não pode exceder 6 vezes o menor preço;
Não pode haver limitação do número de consultas, de cobertura para
exames e de prazo para internações, mesmo em leitos de alta tecnologia
(UTI/CTI).

7. Características do setor antes e depois da


regulamentação
Figura 4 - Características do setor antes e depois da regulamentação
Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Uma análise, mesmo superficial, das mudanças evidencia o desafio da


regulamentação. Das empresas que antes se organizavam livremente para
atuar no setor, submetendo-se, unicamente, à legislação do tipo societário
escolhido, foi exigido o cumprimento de medidas específicas, desde o registro
de funcionamento até a constituição de garantia financeira. A regulamentação
determinou a sujeição das operadoras a processos de intervenção e liquidação.
Foi estabelecido um prazo para a migração de todos os contratos antigos para
as novas regras: dezembro de 1999. A resistência do mercado à fixação dos
preços dos planos novos e o questionamento da retroatividade inviabilizaram
a cobrança do cumprimento desse dispositivo da legislação, que foi revogado.
Os usuários mantiveram o direito de permanecer com seu plano antigo por
tempo indeterminado e o de exigir a adaptação – a qualquer tempo – para um
contrato novo.

Importante
Principais alterações após a regulamentação: quanto à empresa, há uma
atuação controlada por meio de autorização de funcionamento, regras de
operação uniformes e empresas sujeitas a intervenção, com exigência de
reserva ou garantias financeiras; quanto à saúde e acesso, a mudança prevê
assistência integral à saúde obrigatória, com proibição da rescisão
unilateral dos contratos, definição e limitação das carências, reajustes
controlados e proibição de limites para internação.
8. Classificação quanto à época da contratação

Dica
Dependendo da época em que o plano de saúde foi contratado, pode ser
considerado antigo, novo ou adaptado, tendo como referência a plena
vigência da Lei nº 9.656/98, em 02.01.1999.

A - Planos antigos

São os contratados antes de 02.01.1999. Como são anteriores às regras da Lei


nº 9.656/98, a cobertura é exatamente aquela que consta no contrato, e as
exclusões estão nele expressamente relacionadas.

B - Planos novos

São os contratados a partir de 02.01.1999 e comercializados de acordo com as


regras da Lei nº 9.656/98.

C - Planos adaptados

São os firmados antes de 02.01.1999 e posteriormente adaptados às regras da


Lei nº 9.656/98, passando a garantir ao consumidor a mesma cobertura dos
planos novos. Os consumidores do plano antigo podem adaptá-lo à lei,
bastando solicitar à sua operadora uma proposta. A operadora é obrigada a
oferecer-lhes essa proposta (inclusive com novo valor de mensalidade), mas,
como os consumidores não são obrigados a aceitá-la, podem permanecer com
o plano antigo, caso seja mais conveniente. Aos contratos antigos, o ponto
crítico da legislação, foram garantidos alguns dos direitos da nova
regulamentação:

Proibição de limites de consultas e suspensão de internação, inclusive em


UTI;
Proibição de rompimento unilateral para os contratos individuais;
Controle dos reajustes para os contratos individuais. Em adição, os
usuários de planos antigos passaram a beneficiar-se do maior controle
sobre as operadoras.

O número de beneficiários em planos novos é crescente desde a edição da Lei


nº 9.656/98. Em junho de 2016, eram 43,4 milhões, ou 89,5% do total de
beneficiários vinculados a planos de assistência médica. Ainda há, contudo,
5,1 milhões do total de beneficiários (10,5%) com planos antigos, contratados
antes de 1º de janeiro de 1999 e ainda não adaptados.

Figura 5 - Beneficiários em planos privados de assistência médica por época de contratação do plano
(Brasil, junho/2016)

Nos últimos 10 anos, observa-se uma tendência de diminuição no número de


contratos antigos, como se pode observar na Figura 6.
Figura 6 - Porcentagem dos beneficiários de planos de assistência médica antigos por modalidade da
operadora, de junho/2006 a junho/2016

9. Classificação quanto à cobertura

A - Cobertura assistencial obrigatória

Conforme preconizado pela lei, as regras da legislação de saúde suplementar


definem a cobertura obrigatória em função da assistência prestada, gerando
segmentos específicos. Ficou, então, permitido contratar 1 ou mais segmentos
(independentemente da modalidade do seu plano de saúde –
individual/familiar ou coletivo).
As operadoras podem oferecer combinações de diferentes segmentos, como
plano com cobertura ambulatorial + cobertura hospitalar com Obstetrícia ou
plano com cobertura ambulatorial + cobertura odontológica. Cabe ao
consumidor escolher o mais conveniente e o que oferece maiores vantagens,
sempre devendo ser fornecida a opção do Plano Referência, que oferece
cobertura total.

B - Cobertura assistencial para plano novo e adaptado

Para conhecer a listagem completa de procedimentos com cobertura


obrigatória para os consumidores de Planos Novos e Adaptados, pode-se
consultar o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, disponível no Disque
ANS (0800-701-9656) e no site da ANS, na área sobre planos e
operadoras/espaço do consumidor.

a) Plano ambulatorial

O plano ambulatorial compreende os atendimentos realizados em consultório


ou em ambulatório, definidos e listados no Rol de Procedimentos e Eventos
em Saúde, não incluem internação hospitalar ou procedimentos para fins de
diagnóstico ou terapia, serviços que demandem o apoio de estrutura hospitalar
por período superior a 12 horas, ou serviços como Unidade de Terapia
Intensiva e unidades similares, observadas as exigências relacionadas na
Tabela 5.

b) Plano hospitalar

O plano hospitalar compreende os atendimentos realizados em todas as


modalidades de internação hospitalar e os atendimentos caracterizados como
de urgência e emergência, não incluindo atendimentos ambulatoriais para fins
de diagnóstico, terapia ou recuperação.

C - Coberturas proporcionadas

São as previstas na legislação e no Rol de Procedimentos Médicos para o


segmento hospitalar (sem Obstetrícia), incluindo, entre outras:

Internações em unidades hospitalares, inclusive em UTI/CTI, sem


limitação de prazo, valor máximo e quantidade;
Honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação;
Exames de diagnóstico e de controle da evolução da doença;
Fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais,
transfusões, sessões de quimioterapia e radioterapia durante o período de
internação;
Qualquer taxa, incluindo os materiais utilizados;
Remoção do paciente, quando comprovadamente necessário, dentro dos
limites da cobertura geográfica previstos em contrato;
Despesas do acompanhante para pacientes menores de 18 anos;
Cirurgias, mesmo as passíveis de realização em consultório, quando, por
imperativo clínico, necessitem ser realizadas durante a internação
hospitalar, como as cirurgias odontológicas bucomaxilofaciais;

Procedimentos considerados especiais, cuja necessidade esteja relacionada à


continuidade da assistência prestada em regime de internação hospitalar,
como:

Hemodiálise e diálise peritoneal;


Quimioterapia;
Radioterapia, incluindo radiomoldagem, radioimplante e braquiterapia;
Hemoterapia;
Nutrições parenteral e enteral;
Procedimentos diagnósticos e terapêuticos em hemodinâmica;
Embolizações e radiologia intervencionista;
Exames pré-anestésicos e pré-cirúrgicos;
Fisioterapia;
Cirurgia plástica reconstrutiva de mama para tratamento de mutilação
decorrente de câncer;
Acompanhamento clínico no pós-operatório, imediato e tardio, dos
submetidos a transplantes de rim e córnea, exceto medicação de
manutenção.
D - Plano hospitalar com Obstetrícia

Engloba os atendimentos realizados durante internação hospitalar e os


procedimentos relativos ao pré-natal e à assistência ao parto.

a) Coberturas proporcionadas

São as previstas na legislação e no Rol de Procedimentos Médicos para o


segmento hospitalar com Obstetrícia, além das coberturas elencadas para o
plano hospitalar, incluindo, entre outras:

Procedimentos relativos ao pré-natal, inclusive consultas obstétricas de


pré-natal;
Exames relacionados, ainda que realizados em ambiente ambulatorial;
Partos.

b) Coberturas e benefícios para o recém-nascido

Atendimento a recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor ou de


seu dependente, durante os primeiros 30 dias após o parto;
Inscrição assegurada do recém-nascido no plano, como dependente, isento do
cumprimento de carência, desde que a inscrição seja feita no prazo máximo
de 30 dias do nascimento;
A assistência e a inscrição com isenção de carência só alcançam o recém-
nascido após o cumprimento de 300 dias de carência pelo titular do plano.

c) Exclusões

Consultas ambulatoriais e domiciliares, tratamentos e procedimentos


ambulatoriais não ligados ao pré-natal.

E - Plano odontológico
Inclui, apenas, procedimentos odontológicos realizados em consultório,
incluindo exame clínico, radiologia, prevenção, dentística, endodontia,
periodontia e cirurgia.

a) Coberturas proporcionadas

São as previstas na legislação e no Rol de Procedimentos Odontológicos,


incluindo, entre outras:

Consultas e exames auxiliares ou complementares, solicitados pelo


odontólogo assistente;
Procedimentos preventivos, de dentística e endodontia;
Cirurgias orais menores, assim consideradas as realizadas em ambiente
ambulatorial e sem anestesia geral.

b) Exclusão

Tratamento ortodôntico e demais tratamentos não relacionados na cobertura


obrigatória.

F - Plano Referência

Constitui o padrão de assistência médico-hospitalar, pois conjuga as


coberturas ambulatorial, hospitalar e obstétrica. A Lei estabelece que a
operadora de plano de saúde deva oferecer aos consumidores,
obrigatoriamente, o Plano Referência, que garante assistência nesses 3
segmentos.

a) Coberturas proporcionadas

São as relacionadas para o plano com cobertura ambulatorial somadas às


previstas para o plano com cobertura hospitalar com Obstetrícia, constantes
da legislação e do Rol de Procedimentos Médicos.
b) Exclusões

Aquelas excluídas dos planos ambulatorial, hospitalar com Obstetrícia e sem


Obstetrícia.

G - Exclusões para todos os tipos de planos

Os procedimentos que, de acordo com a Lei nº 9.656/98, não são


obrigatoriamente cobertos pelas operadoras de planos de saúde, são:

Transplantes, à exceção de córnea e rim;


Tratamento clínico ou cirúrgico experimental;
Procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos;
Fornecimento de órteses, próteses e seus acessórios, não ligados ao ato
cirúrgico ou para fins estéticos;
Fornecimento de medicamentos importados, não nacionalizados
(fabricados e embalados no exterior);
Fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar;
Inseminação artificial;
Tratamentos ilícitos, antiéticos ou não reconhecidos pelas autoridades
competentes;
Casos decorrentes de cataclismos, guerras e comoções internas
declarados pelas autoridades competentes;
Tratamento em clínicas de emagrecimento (exceto para tratamento de
obesidade mórbida);
Tratamentos em clínicas de repouso, estâncias hidrominerais, clínicas
para acolhimento de idosos ou internações que não necessitem de
cuidados médicos em ambiente hospitalar.

Importante
Não pode haver limitação do número de consultas, da cobertura para
exames e do prazo para internações, mesmo em leitos de alta tecnologia
(Unidade de Terapia Intensiva/Centro de Terapia Intensiva), salvo na
assistência relacionada a transtornos psiquiátricos.
10. Carências
Carência é o tempo que o usuário tem de esperar para ser atendido pelo plano
de saúde em um determinado procedimento, a partir da assinatura do contrato
e seu respectivo pagamento.

É comum que as operadoras ofereçam prazos de carência inferiores ao


máximo autorizado pela ANS.
Para as doenças e lesões preexistentes, o consumidor tem cobertura parcial
temporária até cumprir 2 anos de ingresso no plano. Durante esse período, ele
não tem direito à cobertura para procedimentos de alta complexidade, leitos
de alta tecnologia – CTI e UTI – e cirurgias decorrentes dessas doenças.

11. Prazos máximos para atendimento


Após o prazo de carência, o beneficiário terá direito ao atendimento,
conforme segmentação do plano (se odontológico ou médico-hospitalar;
ambulatorial ou hospitalar com ou sem Obstetrícia; referência). Esse
atendimento deverá ocorrer dentro dos prazos máximos conforme resolução
normativa nº 259 a seguir.

12. Evolução da regulamentação


A regulamentação do setor de saúde suplementar compõe um sistema, mas
sua evolução pode ser mais bem analisada em 6 dimensões capazes de
expressar as ações normativas e fiscalizadoras para garantir o cumprimento da
legislação:

1 - Cobertura assistencial e condições de acesso.


2 - Condições de ingresso, operação e saída do setor.
3 - Regulação de preço.
4 - Fiscalização e efetividade da regulação.
5 - Comunicação e informação.
6 - Ressarcimento ao SUS.

A - Cobertura assistencial e condições de acesso


Configuram-se como dimensão essencial e, talvez, o maior desafiador da
regulação devido à sua importância e ao absoluto ineditismo. Não havia
paradigma nacional ou internacional de regulação do setor privado de saúde
com as características adotadas pela nossa legislação: cobertura assistencial
integral, proibição de seleção de risco, limite de 24 meses para alegação de
doença e lesão preexistente com fixação de conceito jurídico para sua
definição e proibição de rompimento unilateral do contrato individual ou
familiar. São pontos de destaque na regulamentação da ANS:

1 - Plano Referência.
2 - Registro de Produtos.
3 - Rol de Procedimentos Médicos.
4 - Rol de Procedimentos Odontológicos.
5 - Urgência e Emergência.
6 - Coordenador de Informações Médicas.
7 - Definição de Faixas Etárias.
8 - Regulamentação do Acesso nos Casos de Doença e Lesão
Preexistente.

Dica
Deve-se notar que o impacto dessa regulamentação, exceto quanto ao
Coordenador de Informações Médicas, ocorreu apenas sobre os planos
novos, contratados a partir de janeiro de 1999, posto que, nos contratos
antigos, prevalece a cobertura assistencial constante no contrato.

B - Condições de ingresso, operação e saída do setor

A ANS foi responsável por toda a regulamentação das condições de ingresso,


funcionamento e saída de operação do setor de saúde suplementar.
C - Regulação de preço
Diferentemente dos setores regulados que operam em regime de concessão e
tarifação, no setor de saúde suplementar é livre a determinação do preço de
venda dos planos. A regulamentação estabelece somente a necessidade de
registro de uma nota técnica atuarial, que define, na verdade, o custo do plano
a ser oferecido, impede sua comercialização abaixo desse patamar e garante
sua operacionalidade.
Também estão estabelecidas as exigências para a fixação de preços
diferenciados por faixa etária. Desde 2004, após a implementação do estatuto
do idoso, são admitidas 10 faixas etárias com intervalos de 5 anos – exceto
quanto à 1ª faixa, que vai de 0 a 18 anos. O valor fixado para a última faixa
etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a 6 vezes o valor da 1ª faixa (0
a 18). Além disso, proíbe-se a variação de preços para usuários com mais de
60 anos e mais de 10 anos de plano.
Os reajustes dos planos individuais e familiares são controlados pela ANS,
que fixa, em conjunto com os Ministérios da Saúde e da Fazenda, a política
anual a ser adotada – o percentual máximo permitido – para posterior
aprovação caso a caso, até o limite estabelecido. Desde 2000, foram fixados
tetos máximos para os reajustes, calculados pela média ponderada dos
reajustes coletivos livremente negociados e informados à ANS. O reajuste
aplicado a contratos individuais/familiares dos planos antigos (realizados
antes de 1º de janeiro de 1999 e não adaptados à Lei nº 9.656/98) fica
limitado ao que estiver estipulado no contrato. Caso o contrato não seja claro
ou não trate do assunto, o reajuste anual de preços deverá estar limitado ao
mesmo percentual de variação divulgado pela ANS para os planos novos.
Os preços dos planos antigos foram calculados com base no contexto do setor
antes da Lei nº 9.656/98: preço de venda livre, reajustes anuais automáticos e
indexados (em geral, pelo IGP-M), cláusulas de reequilíbrio econômico-
financeiro com aplicação automática a critério da operadora, periodicidade
anual dos contratos e possibilidade de não renovação e de rompimento a
qualquer tempo. As operadoras que assinaram o Termo de Compromisso com
a ANS para estabelecer a forma de apuração do percentual de reajuste a ser
aplicado aos contratos dos planos antigos têm os percentuais autorizados para
o reajuste anual, por variação de custos e são diferenciados por operadora.

Importante
Na saúde suplementar, é livre a determinação do preço de venda dos
planos. No entanto, os reajustes dos planos individuais e familiares são
controlados pela ANS.

As Figuras 7 e 8 apresentam os índices de reajuste aplicados de 2000 a 2016.

Figura 7 - Índices de reajuste aplicados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar


Figura 8 - Evolução dos índices dos planos de saúde (individual) da Agência Nacional de Saúde
Suplementar em relação à inflação (IPCA) acumulados entre 2006 e 2016

D - Fiscalização e efetividade da regulação

A fiscalização, uma ação central da ANS, desenvolve-se de 2 formas:


fiscalização direta e fiscalização indireta.
A fiscalização direta é exercida pela apuração de denúncias e representações
(Programa Cidadania Ativa) e por diligências nas operadoras – preventivas e
programadas (Programa Olho Vivo).
A aplicação das multas contra a operadora infratora busca inibir sua repetição,
mas, não sendo uma instância do Poder Judiciário, a ANS não tem
instrumentos para garantir a reparação do dano individual, que deve ser
buscada na esfera judicial. Isso significa que uma denúncia à ANS de recusa
de atendimento por parte de um usuário gera, após o devido processo, multa
pecuniária, e a reincidência caracteriza insubmissão, o que permite a
intervenção da agência. Em casos extremos, a ANS pode optar pela
liquidação extrajudicial da operadora.
A fiscalização indireta é exercida por meio do acompanhamento e da
monitorização das operadoras, com base nos dados fornecidos aos sistemas de
informações periódicas – assistenciais, econômico-financeiras e cadastrais – e
no cruzamento sistemático das informações disponíveis, inclusive a
incidência de reclamações e as multas aplicadas.
Os instrumentos de ação da fiscalização indireta e dos atos decorrentes dela
estão na esfera da regulamentação do setor e, em geral, produzem impacto
protetor sobre todos os usuários da operadora.

Dica
A fiscalização dos planos de saúde pode ser feita de 2 formas: direta ou
indireta. A primeira é feita por meio de denúncias e representações
(exemplo Programa Cidadania Ativa) e por diligências nas operadoras
(Programa Olho Vivo); já a última é feita por meio do acompanhamento e
da monitorização das operadoras realizados a partir dos dados fornecidos
ao sistema de informações periódicas e com base no cruzamento das
informações disponíveis (reclamações e multas).

A partir de fevereiro de 2012, observou-se tendência de aumento no índice de


reclamações, demonstrando o crescimento da procura pela ANS. Destaca-se,
como principal motivo desse crescimento, a entrada em vigor, em dezembro
de 2011, da resolução normativa nº 259, que dispõe sobre a garantia de
atendimento aos beneficiários de planos privados de assistência à saúde.

Figura 9 - Percentuais dos motivos de reclamação dos planos de saúde


Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2017.
E - Ressarcimento ao SUS

A legislação estabelece que devem ser ressarcidos pela operadora, em valores


superiores aos pagos pelo SUS, os atendimentos feitos pelo SUS a usuários de
planos privados de assistência à saúde – procedimentos com cobertura
prevista nos respectivos contratos. Nos contratos novos, as exclusões ao
ressarcimento estão limitadas ao período de carência, à cobertura parcial
temporária, à área de abrangência do contrato e à segmentação (ambulatorial
ou hospitalar). Nos contratos antigos, as exclusões ao ressarcimento abrangem
as próprias exclusões de cobertura dos contratos anteriores à Lei nº 9.656/98
que ainda estão em vigor.
O ressarcimento é cobrado com base na Tabela Única Nacional de
Equivalência de Procedimentos (TUNEP), com valores, em média, 1,5 vez
superiores à Tabela SUS. Desses valores, o Fundo Nacional de Saúde é
reembolsado no montante pago pelo SUS, e o prestador de serviço do SUS
recebe a diferença entre a TUNEP e a Tabela SUS.
O processamento é feito sem qualquer envolvimento direto ou indireto do
usuário de plano privado que foi atendido pelo SUS: a ANS, com o apoio do
Departamento de Informática do SUS (DATASUS), compara o cadastro de
beneficiários de planos de saúde com as Autorizações de Internação
Hospitalar (AIHs) processadas para pagamento pelo SUS, identifica os
usuários atendidos e informa às operadoras o valor a ser ressarcido.

Importante
É obrigação legal das operadoras de planos privados de assistência à saúde
restituir as despesas do SUS no eventual atendimento de seus beneficiários
que estejam cobertos pelos respectivos planos. Entre os anos de 2001 e
2014, mais de 3 milhões de consumidores tiveram internações no SUS
identificadas pela ANS. O valor das AIH/APAC cobradas foi de R$74,3
milhões em 2001 e R$212,5 milhões em 2014.

Atualmente, a efetividade do ressarcimento está comprometida por um


conjunto de fatores:

Faltam informações completas nas AIHs, com a ocorrência de


homônimos e falhas no preenchimento dos campos relativos a
procedimentos e valores, o que impede a correta identificação do usuário
e do motivo da internação e, portanto, a cobrança à respectiva operadora;
Cerca de 20% de operadoras ativas não fornecem seus cadastros de
beneficiários, em descumprimento sistemático da legislação ou
amparadas por medidas judiciais. Há operadoras que obtiveram liminares
judiciais contra a cobrança do ressarcimento. É conveniente lembrar que
o ressarcimento ao SUS é objeto de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIn) ainda não julgada pelo Supremo Tribunal
Federal;
Há um elevado número de operadoras que não pagam os valores
cobrados e estão em processo de inscrição na dívida ativa da União.

13. Pagamento ou reembolso dos serviços


médicos
Os valores de pagamento ou reembolso dos serviços prestados são negociados
diretamente entre operadoras e prestadores. A tabela utilizada no passado foi
conhecida como AMB92, pois foi elaborada pela Associação Médica
Brasileira (AMB) com atualização do Rol de Procedimentos em 1992. Em
2003, o Conselho Federal de Medicina, a AMB e a FENAM (Federação
Nacional dos Médicos) definiram uma nova lógica de hierarquização de
procedimentos médicos, criando a Classificação Brasileira Hierarquizada de
Procedimentos Médicos (CBHPM). Essa classificação teve sua edição mais
atual publicada em 2015 e tem substituído a tabela anterior como referência
para remuneração médica.

Importante
Os valores de pagamento ou reembolso dos serviços prestados são
negociados diretamente entre operadoras e prestadores. Desde 2003, as
entidades representativas dos médicos defendem a adoção da Classificação
Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos.

14. Desafios atuais


Ampliação da cobertura assistencial dos planos antigos – migração dos
contratos antigos para contratos regulamentados: boa parte dos problemas
apontados no setor de saúde suplementar hoje está ligada a usuários de planos
antigos, principalmente os usuários de planos individuais. A não extensão a
esses usuários da cobertura assistencial integral garantida aos contratos novos
é a origem da maior parte das denúncias e reclamações – desde a exclusão de
doenças e lesões preexistentes até os reajustes abusivos por faixa etária;
Contratos novos: neles se enfrentam problemas de descumprimento da
legislação. Essa situação exige o cumprimento irrestrito da lei, o que tem sido
obtido e, certamente, pode ser melhorado;
Repactuação da relação operadoras x prestadores (médicos, laboratórios,
clínicas e hospitais): a sistemática atualmente adotada, de pagamento
exclusivamente por procedimento, tem acirrado as tensões entre operadoras e
prestadores. Também o fato de que essa relação se transformou, na prática, no
único ponto de gerenciamento das operadoras não submetido à regulação, fez
que se transferissem para ela os muitos abusos antes praticados na relação
operadora x consumidores;
Mobilidade dos consumidores de planos individuais (“portabilidade da
carência”): o desenvolvimento de mecanismos que permitam ao consumidor
maior mobilidade no sistema seria fator fundamental de controle de qualidade
e preço, pela competitividade;
Resseguro/cosseguro: a maior disseminação de mecanismos de resseguro
(operação pela qual o segurador, com o objetivo de diminuir sua
responsabilidade na aceitação de um risco considerado excessivo ou perigoso,
cede a outro segurador uma parte da responsabilidade e do prêmio recebido) e
cosseguro (divisão de um risco segurado entre vários seguradores, ficando
cada um responsável direto por uma quota-parte determinada do valor total do
seguro) poderia reduzir significativamente os custos dos planos e aumentar a
viabilidade das operadoras de menor porte;
Integração ao SUS: é necessário aprofundar a discussão quanto aos
prestadores e à incorporação tecnológica, além de ampliar a discussão sobre o
ressarcimento ao SUS;
Assistência farmacêutica: a parcela significativa dos usuários de planos,
principalmente coletivos, que não dispõe de recursos para a aquisição dos
medicamentos prescritos seria favorecida no caso da introdução desse
benefício, cuja discussão, sistêmica, deve avançar;
Garantia de continuidade de atendimento: esgotados os mecanismos da
regulamentação – alienação compulsória e leilão –, não há instrumentos na
legislação que garantam a continuidade do atendimento aos usuários de
operadoras liquidadas extrajudicialmente;
Segurança jurídica: há 2 ADIns ainda sem julgamento no STF, ambas de
grande impacto sobre a regulação. Uma se refere ao ressarcimento ao SUS; a
outra, talvez de maior impacto, refere-se à extensão de direitos da legislação
atual aos contratos antigos;
Previsibilidade e segurança regulatória: toda a base jurídica do atual
modelo regulatório, inclusive a exigência de cobertura assistencial integral,
está prevista na Medida Provisória nº 2.177-44, a qual não tem prazo para
conversão em lei, fator de instabilidade no marco regulador. Também é
importante concluir o processo de revisão do modelo das agências
reguladoras, fator decisivo em todos os setores regulados;
Preocupação com a transparência das ações: desenvolver instrumentos
sólidos de avaliação do agente regulador, ampliar o conhecimento dos
consumidores sobre seus direitos e aumentar a taxa de conhecimento da ANS
são alguns desafios nesse campo.

- Desafios conjunturais

Coibir falsos planos de saúde – cartões-desconto: é necessário concluir a


ação iniciada para coibir os sistemas de cartão de desconto. Quanto às
operadoras, a ação, nesse momento, é de fiscalização para garantir o
cumprimento da regulamentação que as proíbe de operar esse tipo de sistema.
A preocupação maior é com as empresas que atuam à margem do sistema e
oferecem um produto sem qualquer garantia real de assistência à saúde;
Agilizar a aplicação de multas: é necessário rever a legislação atual, a fim
de permitir maior agilidade nos processos de punição das empresas que
operam em setores regulados. As agências reguladoras atuam sobre um
número limitado e conhecido de operadoras, o que permitiria que meios de
comunicação mais rápidos fossem reconhecidos como válidos na esfera do
Judiciário, sem prejuízo do direito de defesa. A atual precariedade dos
quadros de recursos humanos impacta, negativamente, todas as atividades das
agências, mas certamente é na área de fiscalização direta que ela mais
compromete a efetividade das ações. É importante definir o quadro de
carreiras das agências;
Coibir falsa coletivização de planos individuais: crescem as denúncias
relativas ao crescimento de uma falsa coletivização de contratos, para fugir às
regras mais rígidas dos contratos individuais quanto à proibição de
rompimento e controle de reajustes;
Concluir saneamento do mercado: ampliar as ações contra as operadoras
que se mantêm à margem da regulamentação, buscando, inclusive, parceria
com o Ministério Público e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE).

Resumo
Programa Mais Médicos
Marina Gemma
Jeane Lima e Silva Carneiro
Edson Lopes Mergulhão

1. O contexto de surgimento do Programa Mais


Médicos
A Constituição de 1988 reconheceu o direito à saúde como um direito
fundamental, exigindo do Estado a garantia da sua efetividade. A criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), também estabelecida pela Constituição de
1988, produziu o desafio da universalização e da integralidade da saúde, com
vistas à promoção, prevenção e recuperação da saúde dos cidadãos
brasileiros. Para isso, desde a década de 1990, o SUS opta por um modelo de
saúde organizado a partir da Atenção Básica (AB), a qual deve ordenar o
acesso aos demais serviços e níveis de cuidado da rede de saúde de forma
equânime, oportuna, integral e com qualidade (Brasil, 1988, 1990a, 1990b,
1990c, 2011).

Importante
O PMM objetiva resolver a questão emergencial do atendimento básico,
além de criar condições para um atendimento qualificado no futuro àqueles
que acessam cotidianamente o SUS.

A AB é a porta de entrada preferencial do SUS, organizada prioritariamente


pelo modelo Estratégia Saúde da Família (ESF) (Brasil, 2011, 2012). É na AB
que podem ser solucionados cerca de 80% dos problemas de saúde da
população. Nesse contexto, entre 2011 e 2014, foi realizada uma série de
medidas que reforçam o seu papel central e a sua importância dentro da rede
de atenção à saúde (Brasil, 2015).
Dentre as medidas estabelecidas nesse processo de valorização e
fortalecimento da AB no país, destacam-se: a Resolução nº 439/11, do
Conselho Nacional de Saúde, que tratou de diretrizes para a AB, demandando
um conjunto de ações; o Decreto nº 7.508/11, que regulamentou a Lei
Orgânica nº 8.080/90 e, em geral, dispôs sobre a organização do SUS; a
Portaria nº 2.488/11, que aprovou a Política Nacional de Atenção Básica
(PNAB); o Programa de Requalificação das Unidades Básicas de Saúde
(Requalifica UBS), instituído em 2011 com o objetivo de melhorar as
condições de trabalho dos profissionais de saúde, bem como modernizar e
qualificar o atendimento à população; o Programa Nacional de Melhoria do
Acesso e da Qualidade (PMAQ), que propõe um conjunto de estratégias de
qualificação, acompanhamento e avaliação do trabalho das equipes de saúde;
a Portaria nº 1.412/13, que instituiu o novo Sistema de Informação em Saúde
para a Atenção Básica (SISAB), integrante da estratégia e-SUS AB, que visa
informatizar e melhorar a gestão da informação e dos processos de trabalho;
entre outras (Brasil, 2015).
Como resultado das discussões e medidas instituídas pelo Governo Federal e
pelo Ministério da Saúde, foram identificados os principais desafios que
condicionavam o desenvolvimento da AB e que deveriam ser considerados na
definição das ações e dos programas em saúde propostos pelos entes
federativos (Tabela 1).

Nesse contexto, apesar do aumento de recursos e dos esforços implementados


em função da AB a partir de 2011, a cobertura da ESF representou um
incremento de somente 1,5% ao ano na cobertura da população durante os
últimos 7 anos, o que equivale a um crescimento médio de 1.141 equipes de
ESF. Segundo estudos da Rede de Observatórios de Recursos Humanos do
SUS, um dos maiores condicionantes da expansão da ESF é a disponibilidade
de médicos para compor as equipes (Pinto et al., 2014; Brasil, 2015). Essa
opinião é compartilhada pela população: de acordo com os dados do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 58% dos entrevistados
consideravam um problema a quantidade insuficiente de médicos para atender
à demanda de trabalho no SUS e defendiam que a medida mais importante a
ser tomada pelo governo para melhoria do atendimento público de saúde era o
aumento do número de médicos nos serviços (IPEA, 2011; Brasil, 2015).
Assim, ainda em 2011, o Governo Federal definiu que o problema prioritário
a ser enfrentado era o “déficit de provimento de profissionais de saúde”, de
forma a garantir acesso aos serviços de saúde para a população. A definição
dessa prioridade foi seguida por inúmeros debates e eventos que abordaram o
tema da atração, provimento e fixação dos profissionais de saúde. Além disso,
foram reunidos estudos de todo o mundo para compreender como os diversos
países lidavam com essa questão. Dessa forma, no fim de 2011, o governo
brasileiro implementou 2 ações para enfrentar o problema: regulamentou a
Lei nº 12.202/2010 e lançou o Programa de Valorização dos Profissionais da
Atenção Básica – PROVAB (Tabela 2). Ambas as medidas tiveram efeito no
provimento de médicos para a AB, mas em quantidade inferior à que o
sistema demandava (Pinto et al., 2014; Brasil, 2015).

Embora sejam importantes, essas medidas de incentivo não tiveram volume e


abrangência para enfrentar o problema da falta de médicos. Tal problema foi
reforçado no início de 2013 pelo movimento “Cadê o médico?”, organizado
pelos prefeitos eleitos em 2012, que demandou que o Governo Federal
tomasse medidas para enfrentar o problema da falta de profissionais (FNP,
2013; Pinto et al., 2014; Brasil, 2015). Somando-se a isso, em junho de 2013,
as massivas manifestações de rua que tinham entre suas pautas a exigência de
melhores condições e serviços de saúde para a população levaram o Governo
Federal a concluir a política pública que estava sendo formulada desde o
início do ano: o Programa Mais Médicos (Pinto et al., 2014; Brasil, 2015).

2. Lei nº 12.871/2013: Programa Mais Médicos


O PMM foi instituído em 8 de julho de 2013 e é composto por medidas que
buscam intervir de forma quantitativa e qualitativa na formação de médicos
brasileiros, com efeitos sinérgicos às demais ações da PNAB (Pinto et al.,
2014; Brasil, 2015). Foi criado por meio de Medida Provisória nº 621/2013,
convertida em Lei (nº 12.871/2013) em outubro desse mesmo ano, após
diversos aperfeiçoamentos decorrentes de amplo debate público e tramitação
no Congresso Nacional (Brasil, 2015).
O PMM é composto por uma dimensão de resposta imediata e emergencial e
por outra de medidas estruturantes de médio e longo prazo, que serão
detalhadas a seguir. Por ora, vale destacar que o Programa está articulado a
um conjunto de ações associadas à qualificação da estrutura dos serviços, à
melhoria das condições de atuação das equipes e ao funcionamento das UBSs,
de forma a consolidar um novo padrão de qualidade para a AB brasileira
(Pinto et al., 2014; Brasil, 2015). Nesse contexto, o PMM apresenta, como
objetivos:

- I: diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a


fim de reduzir as desigualdades regionais na área da Saúde;
- II: fortalecer a prestação de serviços de AB em saúde no país;
- III: aprimorar a formação médica no país e proporcionar maior
experiência no campo de prática médica durante o processo de formação;
- IV: ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de
atendimento do SUS, desenvolvendo o seu conhecimento sobre a
realidade da saúde da população brasileira;
- V: fortalecer a política de educação permanente com a integração
ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação
superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos
médicos;
- VI: promover a troca de conhecimentos e experiências entre
profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições
estrangeiras;
- VII: aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde
do país e na organização e no funcionamento do SUS;
- VIII: estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.

Para a consecução dos objetivos do PMM, destaca-se a adoção das seguintes


ações:

- I: reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas para


Residência Médica, priorizando regiões de saúde com menor relação de
vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde em
condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade aos
alunos;
- II: estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no
país;
- III: promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de
médicos na área de AB em saúde, mediante integração ensino-serviço,
inclusive por meio de intercâmbio internacional.

Dessa forma, considerando o conjunto da Lei do PMM, pode-se dizer que o


Programa é constituído por 3 grandes eixos: o eixo de Provimento
Emergencial de médicos, o eixo de Investimento na Infraestrutura da rede de
serviços da AB e, por fim, o eixo Educacional, relacionado à formação
médica no Brasil (Brasil, 2015). Logo, dentre os desafios condicionantes do
desenvolvimento da AB, apresentados na Tabela 1, o PMM dirige-se
especialmente ao cumprimento dos itens 2, 4, 8 e 9.

3. Eixos constituintes
Como dito, o PMM reúne um conjunto de iniciativas de curto, médio e longo
prazos com efeitos sinérgicos às demais ações da PNAB. Em síntese, o
Programa recruta médicos graduados no Brasil e fora do país, brasileiros ou
estrangeiros, para atuar nos serviços de AB em áreas com maior necessidade e
vulnerabilidade. De forma concomitante à atuação assistencial, os
profissionais selecionados participam de uma série de atividades de educação
e ensino-serviço, de forma a desenvolver competências importantes para a
prática profissional na AB e promover a implantação de melhorias no serviço
de saúde (Brasil, 2013). Antes de nos debruçarmos sobre a forma como o
PMM funciona, nos deteremos na compreensão do contexto que embasa cada
um de seus eixos constituintes.

A - Provimento Emergencial: o Projeto Mais Médicos


para o Brasil

Correspondendo à dimensão de resposta imediata e emergencial, este eixo é


denominado na Lei que institui o Programa de “Projeto Mais Médicos para o
Brasil” (PMMB). Como já explicitado, o Provimento Emergencial, além de
recrutar e alocar profissionais para a AB, disponibiliza aos participantes um
conjunto de incentivos educacionais, monetários e formativos que envolvem
treinamento em serviço, curso de especialização e supervisão com a
participação das principais instituições de ensino do país, pontuação adicional
na nota de exames de Residência Médica, entre outros (Brasil, 2015).
O SUS, desde a sua criação, enfrenta obstáculos em sua gestão decorrentes do
baixo investimento e escassez de recursos. Somado a isso, houve, nas últimas
décadas, em nível mundial, profundas mudanças provocadas por transições
demográficas, epidemiológicas, nutricionais e econômicas (Paim et al., 2011).
Nesse contexto, o déficit de provimento de profissionais era expressivo, sendo
considerado, a partir de 2011, o problema prioritário a ser enfrentado com
vistas a garantir o direito social fundamental à saúde, previsto na Constituição
de 1988 (Brasil, 2015).
No ano de lançamento do PMM, o Brasil apresentava uma proporção de 1,8
médico por 1.000 habitantes, número muito aquém de diversos países das
Américas e da Europa (Argentina: 3,9 médicos/1.000 habitantes; Uruguai: 3,7
médicos/1.000 habitantes; Portugal: 3,8 médicos/1.000 habitantes; Espanha:
3,5 médicos/1.000 habitantes; Reino Unido: 2,7 médicos/1.000 habitantes).
Não há um parâmetro de proporção ideal de médico por habitante que seja
reconhecido e validado internacionalmente, logo, recomenda-se que cada
contexto seja individualizado, com base no modelo assistencial adotado.
Dessa forma, o antigo Reino Unido foi considerado a referência para essa
situação, visto que, depois do Brasil, é o país que apresenta o maior sistema
público de saúde de caráter universal e orientado pela AB (Brasil, 2015).
Além de o Brasil apresentar uma proporção insuficiente de médicos, esses
profissionais estão mal distribuídos pelo território, de modo que as áreas e
populações mais pobres são as que contam proporcionalmente com o menor
número de médicos por habitantes. Outro agravante, que será detalhado
adiante, consiste no fato de o país formar menos médicos do que a criação
anual de empregos para a categoria nos setores público e privado. Todos esses
pontos assinalados prejudicam o acesso e a qualidade da AB.
Essa insuficiência de médicos leva a uma disputa por esses profissionais entre
os municípios, gerando, entre outras irregularidades e ilegalidades, um alto
índice de rotatividade nas equipes de ESF. Tal rotatividade prejudica o
trabalho multiprofissional, o vínculo entre as equipes de ESF e a população e,
consequentemente, a resolubilidade da AB. A falta de profissionais e sua má
distribuição são evidenciadas no baixo crescimento da cobertura populacional
da ESF nos últimos anos, conforme aspectos já mencionados (média anual de
1.141 equipes de ESF; incremento de 1,5% ao ano na cobertura da população)
(Brasil, 2015).
Não há resposta simples para o problema da escassez de profissionais. De
acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as estratégias para
enfrentar essa problemática incluem, pelo menos, 4 dimensões: políticas
educacionais, como mudanças nos currículos de Medicina e admissão de
estudantes provenientes de áreas rurais; políticas de regulação, como serviço
civil e incentivo para o ingresso na formação especializada para quem
trabalha em áreas remotas; incentivos monetários, como bolsas de estudo e
salários mais elevados; incentivos não monetários, como extensão de visto de
permanência para estrangeiros e supervisão com apoio entre pares. O Brasil,
no entanto, até a instituição do PMM, era um dos países com regras mais
restritivas à atuação, no território nacional, de médicos graduados no exterior,
fossem brasileiros ou não (Brasil, 2015).
De 2011 a 2013, políticas públicas foram formuladas e implantadas, mas sem
resultar em avanço efetivo na superação da falta de recursos humanos para a
ocupação dos postos de trabalho na AB e para a expansão de novos postos
(Lei nº 12.202/2010 e PROVAB). Todo esse cenário, somado à pressão
popular e dos demais entes federativos, culminou na criação do PMM em
julho de 2013 (Pinto et al., 2014; Brasil, 2015).

B - Infraestrutura
A Lei do PMM delimitou um prazo de 5 anos, a partir da data de sua
publicação, para “dotar as Unidades Básicas de Saúde com qualidade de
equipamentos e infraestrutura, a serem definidas nos planos plurianuais”
(Brasil, 2013). No entanto, vale ressaltar que, no momento de promulgação da
Lei, já havia um Programa dirigido à qualificação da infraestrutura dos
serviços de saúde, o Programa Requalifica UBS.
Tal iniciativa já vinha apresentando resultados efetivos na melhoria da
infraestrutura e modernização das Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Em
2013, no lançamento do PMM, o Requalifica UBS apresentou uma nova etapa
de adesão a todos os seus componentes (Construção, Reforma e Ampliação),
e novas propostas foram autorizadas e tiveram recursos alocados para iniciar
sua execução. O PMM possibilitou que o número de reformas e ampliações
saltasse de aproximadamente 9.800 para 15.300 UBSs reformadas/ampliadas
e o de construções, de 2.400 para 7.900 UBSs. Além disso, as UBSs Fluviais
atingiram o número de 45 novas unidades, em comparação às 28 unidades
criadas antes da instituição do PMM (Brasil, 2015).
Esses números correspondem a um total de mais de R$5 bilhões investidos no
financiamento de obras em quase 5.000 municípios brasileiros, das quais
aproximadamente 46% (em torno de 10.500 obras) foram concluídas em 2
anos de Programa. A esse eixo também estão associadas iniciativas como a
informatização das UBSs com o Plano Nacional de Banda Larga e a
implantação do novo SISAB e a estratégia e-SUS AB (Brasil, 2015). Todos
esses esforços visam garantir a estrutura necessária para que os profissionais
atendam a população com o máximo de qualidade e motivação, de forma a
possibilitar o enfrentamento do problema da alta rotatividade de médicos nas
equipes de ESF.

C - Educação
Esse eixo corresponde a um conjunto de medidas estruturantes de médio e
longo prazo que visam intervir na formação médica e solucionar o problema
da insuficiência de médicos nos serviços de saúde brasileiros. O PMM
determina a expansão de vagas de graduação em Medicina e a universalização
da Residência Médica. Além disso, propõe uma formação baseada em novas
diretrizes, instrumentos e metodologias, de forma a diplomar profissionais
mais capacitados para a AB (Brasil, 2013). É por meio dessa expansão
planejada que o governo almeja superar a proporção de 1,8 médico/1.000
habitantes, atingindo, até 2026, a mesma marca do Reino Unido, de 2,7
médicos/1.000 habitantes (Brasil, 2015).

Importante
Os eixos do PMM são Provimento Emergencial, Infraestrutura e Educação.

O contexto desse eixo corresponde ao desequilíbrio entre o número anual de


graduados em Medicina em relação à demanda de médicos no mercado de
trabalho. De acordo com um estudo conduzido pela Estação de Pesquisa de
Sinais de Mercado em Saúde, do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da
Universidade Federal de Minas Gerais, de 2003 a 2012 o mercado de trabalho
abriu 143.000 novas vagas de emprego formal para médicos. No entanto,
durante esse mesmo período, as escolas médicas do país formaram somente
93.000 médicos. Em outras palavras, nos 10 anos que antecederam a criação
do PMM, o Brasil atendia somente 65% da demanda de médicos do mercado
de trabalho, o que representa um déficit acumulado de 50.000 médicos
(UFMG, 2009; Brasil, 2015). Para fins deste capítulo, esse eixo será tratado
em 2 partes: a graduação em Medicina e, posteriormente, a formação de
especialistas.

a) Formação médica (graduação em Medicina)

Com relação à graduação, o PMM determinou mudanças importantes na


orientação da formação médica e na lógica da expansão de vagas nas escolas
brasileiras. A Lei nº 12.871/2013 instituiu que o Conselho Nacional de
Educação (CNE) discutisse e aprovasse novas Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs) para os cursos de Medicina do país, de modo que a
formação médica fosse dirigida fundamentalmente para as reais necessidades
de saúde da população e do sistema de saúde brasileiro, com ênfase na
atuação do médico na AB. A Lei exige que todos os cursos de Medicina, tanto
os já existentes quanto aqueles em implantação, se adaptem às novas DCNs e
determina que essa implantação seja avaliada e auditada pelo Ministério da
Educação – MEC (Brasil, 2013, 2015).
Além disso, o PMM determina que no mínimo 30% do internato – que deve
corresponder a pelo menos 2 anos da formação médica – ocorra na AB e em
serviços de urgência e emergência do SUS. Essa maior aproximação com o
sistema de saúde tem em vista o desenvolvimento, por parte dos alunos, de
atitudes e habilidades necessárias para atuação em equipe, bem como uma
formação mais adequada e contextualizada à realidade de saúde brasileira. Por
fim, o PMM determina uma avaliação a todos os alunos dos 2º, 4º e 6º anos
de Medicina, de forma a contrabalançar seus estados momentâneos de
conhecimento com o perfil esperado pelas novas DCNs, além de acompanhar
a evolução desses educandos, permitindo identificar insuficiências e
fragilidades relacionadas à instituição formadora (Brasil, 2013, 2015).
Considerando a meta do PMM de alcançar a proporção de 2,7 médicos/1.000
habitantes, o Programa propõe a ampliação das vagas de graduação em
Medicina. A expansão de escolas públicas passa a ter maior acompanhamento
do MEC e intenso movimento de interiorização dos cursos, exigindo a
implantação de novos campi para universidades já existentes ou mesmo a
criação de novas universidades. Para as instituições privadas, o Ministério da
Saúde, com base em parâmetros públicos (rede de serviço, demanda
populacional, oferta de vagas e médicos na região etc.), indica quais regiões
de saúde têm necessidade de expansão de vagas e define os padrões exigidos
em termos de rede de saúde para oportunizar campo de prática adequado.
Dessa forma, há a abertura de um edital para as instituições privadas
concorrerem entre si e ganharem o direito de abrir um curso de Medicina em
um dos municípios selecionados (Brasil, 2013, 2015).

b) Formação de médicos especialistas

Com relação à Residência Médica e à formação de especialistas, o PMM


institui o Cadastro Nacional de Especialistas, o qual deve reunir informações
de todos os especialistas do país sobre o local em que atuam e o local/modo
como se formaram ou foram reconhecidos como especialistas (Brasil, 2013,
2015). Tal medida tem como objetivo permitir ao Estado brasileiro melhor
planejamento, dimensionamento e regulação da quantidade e formação de
médicos especialistas, atendendo, assim, o artigo constitucional que atribui ao
SUS a responsabilidade de “ordenar a formação de recursos humanos em
saúde” (Brasil, 1988, 1990a).
A Lei nº 12.871/2013 também determinou mudanças na formação dos
especialistas, visando a uma formação mais adequada às necessidades da
população. Em 1º lugar, o Programa determinou que até o fim de 2018
houvesse o mesmo número de vagas de Residência Médica de acesso direto
que o número de egressos em Medicina (universalização da Residência
Médica). Em 2º lugar, a Lei alterou as especialidades que são de acesso
direito – programas de residência para os quais o candidato pode concorrer
sem o pré-requisito de ter concluído outra residência.

Tal mudança está associada a uma terceira, que estabeleceu uma especialidade
central na formação da maioria dos especialistas do país: a Medicina Geral de
Família e Comunidade – MGFC (Brasil, 2013, 2015). A residência em MGFC
terá duração mínima de 2 anos, sendo o 1º ano obrigatório para o ingresso em
programas de Residência Médica em: Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia
e Obstetrícia, Cirurgia Geral, Psiquiatria e Medicina Preventiva e Social. Para
as demais especialidades, exceto as de acesso direto, será necessário cumprir
1 ou 2 anos de MGFC, conforme disciplinado pela Comissão Nacional de
Residência (Brasil, 2013). O objetivo dessa medida é exigir que, antes de
focarem em um universo restrito de problemas de saúde (especialização), os
médicos tenham experiência e consolidem seus conhecimentos em relação aos
cuidados básicos em saúde (Brasil, 2015).
4. Funcionamento
Como apresentado até aqui, o PMM visa enfrentar a falta de médicos no
Brasil de forma permanente e estrutural, por meio da melhoria da
infraestrutura e das condições de trabalho, bem como do aprimoramento da
formação médica. Paralelamente, o Programa trabalha para preencher as
lacunas emergenciais de demanda por médicos da população brasileira, por
meio do PMMB e seu recrutamento de profissionais, brasileiros ou
estrangeiros, para atuar nas regiões prioritárias do SUS.
Essas regiões são definidas em função de um conjunto de critérios
inicialmente definidos com base no que estabelece a Portaria interministerial
nº 1.377, de 13 de junho de 2011, como áreas de difícil acesso, de difícil
provimento de médicos ou que tenham populações em situação de maior
vulnerabilidade. Delimitadas as áreas com maior necessidade e
vulnerabilidade, abre-se um edital para que os municípios possam aderir
voluntariamente, mediante a assinatura de um termo de compromisso com
ações e responsabilidades de curto e médio prazos. Esse termo responsabiliza
os municípios de garantir condições específicas, como o funcionamento das
Unidades Básicas de Saúde, a inserção do médico para atuação em uma
equipe de ESF, benefícios (moradia, alimentação e deslocamento) aos
médicos selecionados, a gestão dos sistemas de informação previstos etc.
(Brasil, 2015).
Assinado o termo de compromisso, os municípios solicitam as vagas de
acordo com o número máximo definido pelo Programa em função da
demanda populacional, rede de saúde disponível e quantidade de
equipes/serviços para receber o profissional. Todo esse processo de adesão é
realizado exclusivamente pela internet, e, ao seu fim, são conhecidos o
número total de vagas solicitadas e a distribuição delas (Brasil, 2015).
O próximo passo consistiu na abertura de um edital para o recrutamento dos
médicos. Nessa etapa, podem se inscrever médicos brasileiros ou estrangeiros
com registro no Brasil conferido por um Conselho Regional de Medicina e
médicos brasileiros ou estrangeiros formados no exterior e sem registro no
país. No entanto, o Programa estabelece uma ordenação para a escolha de
vaga. Só é vedada a inscrição de profissionais, brasileiros ou estrangeiros, que
se formaram ou atuam em países com proporção de médicos por habitantes
menor do que a do Brasil, de forma a cumprir a regra de equidade e
solidariedade internacional, que busca atrair médicos somente de países que
têm mais profissionais por habitantes do que o país solicitante (Brasil, 2015).
As chamadas seguem a ordem de prioridade, sendo o próximo grupo
recrutado somente se as vagas não forem preenchidas. O último grupo de
prioridade diz respeito a um acordo de cooperação internacional firmado, em
agosto de 2013, com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Nesse
acordo, a OPAS é responsável por trazer médicos para atuação específica no
PMM. Essa Organização, por sua vez, estabeleceu cooperação com o governo
cubano, que disponibilizou médicos com experiência e formação para atuação
na AB. Por isso, esses profissionais são chamados de médicos cooperados,
pois não se inscreveram no PMM individualmente, mas foram recrutados pela
OPAS (Brasil, 2015).
Para todos os médicos sem diploma revalidado no Brasil e,
consequentemente, sem registro junto ao Conselho de Classe, o Ministério da
Saúde concede o Registro Único, que permite ao médico exercer a Medicina
exclusivamente no âmbito das atividades do Programa e na localidade
específica definida por ele. Esse registro dispensa a necessidade de revalidar o
diploma somente no período em que participar do PMM, que tem
durabilidade de até 3 anos, prorrogável por mais 3. Todos esses médicos
precisam, obrigatoriamente, realizar um processo de acolhimento, no qual são
orientados e avaliados nos quesitos comunicação em português, legislação e
características e especificidades para atuação nos serviços de AB do SUS
(Brasil, 2015).

Importante
O acompanhamento dos médicos recrutados pelo PMM foi atribuído a
tutores (médicos) ligados a instituições de ensino, que coordenam a
atuação de supervisores (também médicos), que deverão estar ligados a
instituições de ensino, hospitais-escola, escolas do SUS, programas de
Residência Médica etc.
Para todos os profissionais cuja inserção ocorre individualmente, são
previstas bolsas e garantidos todos os direitos previstos na legislação para
bolsistas em processos de formação. Para os profissionais cooperados, são
cumpridas as regras da cooperação internacional, com respeito, obviamente, a
toda legislação nacional. Da mesma forma, a Lei do PMM prevê o
acompanhamento dos médicos recrutados, de forma a apoiar e orientar seus
processos de educação permanente.

5. Resultados alcançados
Em julho de 2017, o PMM completou 4 anos de existência. Ao final dos 2
primeiros anos, o Programa já atendia toda a demanda emergencial das
prefeituras por médicos, por meio do PMMB. Isso significava, em 2015, um
contingente de 18.240 médicos em 4.058 municípios (73% dos municípios
brasileiros) e em 34 distritos de saúde indígena, representando atendimento
médico na Atenção Primária à Saúde para 63 milhões de brasileiros, com a
estimativa de, até o final de 2018, chegar a 70 milhões (Brasil, 2015). A
concretização do intercâmbio de médicos estrangeiros resultou de um trabalho
conjunto dos seguintes órgãos federais: Ministérios das Relações Exteriores,
do Planejamento, da Defesa, da Previdência e da Educação, além da Casa
Civil, Polícia Federal, Receita Federal e Banco do Brasil (Brasil, 2015).
Em 2016, o PMMB foi prorrogado por mais 3 anos. Contudo, entre 2016 e
2017, passou a apresentar instabilidades, mediante atrasos salariais e anúncios
de mudanças, por parte do Ministério da Saúde, chegando a ser suspenso o
envio de 710 médicos cubanos em abril de 2017, sob a alegação de Cuba de
descumprimento dos termos do acordo de cooperação internacional por parte
do Brasil. Em janeiro de 2017, dos 18.240 médicos do PMMB, 62,6% eram
cubanos, 29% brasileiros formados no Brasil e 8,4% brasileiros e estrangeiros
formados no exterior. Conforme divulgado pelo Ministério da Saúde, em
março de 2018, o número de brasileiros formados no Brasil que atuam no
PMM aumentou 38% em 1 ano: passou de 3,8 mil, em 2016, para 5,2 mil, em
2017. Do total de participantes, 8,5 mil (47%) são profissionais cubanos da
cooperação com a OPAS, 8,4 mil (46%) são brasileiros formados no Brasil ou
no exterior, e 483 (3%) são intercambistas estrangeiros.
As ofertas educacionais do PMMB têm sido realizadas por 11 instituições
públicas de ensino superior por meio da rede da Universidade Aberta do SUS
(UNA-SUS). As ações de educação permanente ocorrem por meio da
integração ensino-serviço e são ofertadas por 74 instituições supervisoras
(universidades públicas, escolas públicas de saúde pública e programas de
Residência Médica), perfazendo um contingente de mais de 200 tutores
responsáveis pelo acompanhamento de mais de 2.000 supervisores, que, por
sua vez, são responsáveis por visitas periódicas in loco para todos os
profissionais que atuam no PMM (Brasil, 2015).
Em relação ao eixo Educacional, em 2014 foram aprovadas as novas DCNs
para os cursos de Medicina, que têm até 2018 para adequarem seus currículos.
Até 2015, foram abertas no país 5.300 vagas de graduação (1.690 em
universidades federais e 3.616 em instituições privadas), com a projeção de
criar 11.550 novas vagas até 2017. Pela 1ª vez, as cidades do interior
passaram a ter mais vagas do que as capitais: o número de vagas nestas
corresponde a 10.637 e, no interior, a 14.522. Entretanto, segundo a Lei de
Acesso à Informação, até dezembro de 2016 foram criadas 7.732 vagas, muito
aquém das prometidas até 2017.
Além da graduação, o PMM criou 4.742 vagas de Residência Médica em todo
o país e tinha a meta de triplicar esse número até 2017 e universalizar a
Residência Médica até 2019 (Brasil, 2015; Santos et al., 2015). Segundo
informações do Ministério da Saúde, entretanto, o número de vagas em 2017
não conseguiu chegar ao esperado, alcançando 7.652 vagas.
Com relação ao Investimento em Infraestrutura, o Requalifica UBS,
articulado ao PMM, possibilitou, até o fim de 2015, a construção de
aproximadamente 9.000 UBSs e a reforma e a ampliação de
aproximadamente 17.000, em 5.000 municípios do país, totalizando um
investimento superior a R$5 bilhões de reais (Brasil, 2015; Santos et al.,
2015). Verifica-se, nesse momento, uma escassez de dados oficiais sobre o
PMM relativos ao período 2016-2017 que permita avaliação do desempenho
do Programa.
Desde o 1º momento, houve resistência por parte de alguns setores da
sociedade, principalmente quanto à vinda de médicos estrangeiros. Apesar da
discussão acalorada que envolveu o PMM e a Saúde no Brasil em seu início,
os primeiros impactos do Programa são positivos no sentido de reduzir as
iniquidades em saúde. As evidências científicas, produzidas por diversos
pesquisadores e instituições brasileiras, apontam redução importante do
número de municípios com escassez de médicos; implantação
predominantemente orientada para os que apresentam maior vul¬nerabilidade
social; aumento do acesso aos serviços de Atenção Primária, impacto positivo
em indicadores de saúde; satisfação de usuários. Assinado em março de 2018,
o 12º termo de ajuste ao 80º termo de cooperação técnica formaliza a
prorrogação por mais 5 anos das ações voltadas à AB, inclusive a atuação de
profissionais de Cuba. Atualmente, o programa está presente em mais de 4
mil municípios e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas.
É necessário acompanhar o desenvolvimento do Programa, de forma a
identificar a necessidade de formulação de ações que se desdobrem das atuais,
especialmente em relação ao eixo Educacional, além de estudar alternativas
que permitam o avanço na construção de uma solução definitiva para o
desafio da atração e da fixação de profissionais de saúde para as áreas hoje só
preenchidas graças ao PMM (Pinto et al., 2014; Brasil, 2015; Santos et al.,
2015).

Resumo
O Programa Mais Médicos

Instituído em 8 de julho de 2013;


Criado por meio de Medida Provisória (nº 621/2013);
Convertido em Lei (nº 12.871/2013) em outubro de 2013;
Constituído por 3 eixos: o eixo de Provimento Emergencial, o de
Investimento em Infraestrutura e o Educacional.

Objetivos

I - Diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a


fim de reduzir as desigualdades regionais na área da Saúde.
II - Fortalecer a prestação de serviços de AB em saúde no país.
III - Aprimorar a formação médica no país e proporcionar maior
experiência no campo de prática médica durante o processo de formação.
IV - Ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de
atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade
da saúde da população brasileira.
V - Fortalecer a política de educação permanente com a integração
ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação
superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos
médicos.
VI - Promover a troca de conhecimentos e experiências entre
profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições
estrangeiras.
VII - Aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde
do país e na organização e no funcionamento do SUS.
VIII - Estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.
Ações adotadas para alcançar os objetivos

I - Reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas para


Residência Médica, priorizando regiões de saúde com menor relação de
vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde em
condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade para os
alunos.
II - Estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no
país.
III - Promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de
médicos na área de Atenção Básica em Saúde, mediante integração
ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional.

Funcionamento

Definição das regiões com maior necessidade e vulnerabilidade pelo


Ministério da Saúde;
Abertura de edital para os municípios: assinatura do termo de
compromisso e solicitação de vagas;
Abertura de edital para os médicos: seleção ordenada:
1º: profissionais, brasileiros ou estrangeiros, com registro no Brasil;
2º: brasileiros formados no exterior sem registro no Brasil;
3º: estrangeiros formados no exterior sem registro no Brasil;
4º: médicos cooperados (acordo OPAS-Cuba).
Atuação assistencial e atividades de educação e ensino-serviço;
Efeito sinérgico às demais ações da PNAB;
Duração: 3 anos, prorrogáveis por mais 3.

Eixo de Provimento Emergencial

Objetivo: recrutar e alocar profissionais para áreas prioritárias do SUS e


qualificar profissionais para atuação na AB;
Lidar com o problema da baixa proporção de médico por habitante,
distribuição desigual pelo país e alta rotatividade nas equipes de ESF;
Garantiu 18.240 médicos em 4.058 municípios e nos 34 distritos de
saúde indígena;
Em 2 anos de Programa, garantiu atendimento médico a 63 milhões de
brasileiros.

Eixo de Infraestrutura

Objetivo: garantir a estrutura necessária para que os profissionais


atendam a população com o máximo de qualidade e motivação;
Possibilitar o enfrentamento do problema da alta rotatividade de médicos
nas equipes de ESF;
Articulação ao Programa de Requalificação das Unidades Básicas de
Saúde (Requalifica UBS);
Efeito sinérgico a outras medidas governamentais (Plano Nacional de
Banda Larga, SISAB, e-SUS AB etc.);
Investimento em 26.000 UBS, totalizando mais de R$ 5 bilhões
investidos em 5.000 municípios do país.

Eixo de Educação

Objetivo: intervir na formação médica e solucionar em definitivo o


problema da insuficiência de médicos no SUS;
Proposta de uma formação médica com maior enfoque na capacitação
para atuação na AB;
Determinação da expansão de vagas de graduação em Medicina e a
universalização da Residência Médica;
Formação médica:
Novas DCNs;
No mínimo 30% do internato devem ocorrer na AB e em serviços
de urgência e emergência do SUS;
Avaliação de todos os alunos do 2º, 4º e 6º anos de Medicina;
Expansão das vagas de graduação.
Residência Médica:
Cadastro Nacional de Especialistas (planejamento e gestão de
especialistas para o SUS);
Universalização da Residência Médica;
Alteração das especialidades de acesso direito;
Especialidade central na formação da maioria dos especialistas do
país: Medicina Geral de Família e Comunidade.

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