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ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO SUS

Créditos
Coordenação do Projeto Professora-autora
Profa. Dra. Ana Emilia Figueiredo de Oliveira Regimarina Soares Reis

Coordenação Geral da DTED/UNA-SUS/ Validadora técnica da Secretaria de Gestão do


UFMA Trabalho e da Educação na Saúde
Profa. Dra. Ana Emilia Figueiredo de Oliveira Bethânia Ramos Meireles

Gestão de projetos da UNA-SUS/UFMA Validadoras pedagógicas


Katherine Marjorie Mendonça de Assis Paola Trindade Garcia
Deysianne Chagas
Coordenação de Produção Pedagógica da
UNA-SUS/UFMA Revisora textual
Profa. Dra. Paola Trindade Garcia Talita Guimarães Santos Sousa

Coordenação de Ofertas Educacionais da Designer instrucional


UNA-SUS/UFMA Karoline Corrêa Trindade
Profa. Dra. Elza Bernardes Monier
Designer Gráfico
Coordenação de Tecnologia da Informação João Victor Marinho Figueiredo
da UNA-SUS/UFMA
Dilson José Lins Rabêlo Junior

Coordenação de Comunicação da UNA-SUS/


UFMA
José Henrique Coutinho Pinheiro

COMO CITAR ESTE MATERIAL

REIS, R. S. Antecedentes do SUS. In: UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO/


UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS. Gestão em Saúde. Organização do SUS. São Luís: UFMA;
UNA-SUS, 2020.
Apresentação
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi oficialmente criado por meio da Constituição
Federal de 1988 (CF/88). Porém, o debate sobre a necessidade de construir um sistema
público e universal de saúde no Brasil já vinha ocorrendo durante as décadas de 1970
e 1980, mobilizado pelo que ficou conhecido como Movimento da Reforma Sanitária
Brasileira (MRSB)¹.
Enquanto o Brasil tem 520 anos de história, o SUS tem apenas 32 anos de existência.
Muito antes do MRSB, o que havia no Brasil era o que se pode chamar de “não sistema de
saúde”². Dessa forma, é importante conhecer os antecedentes históricos da organização
sanitária no Brasil a fim de que não sejam repetidos os equívocos do passado, e também,
para que sejam reconhecidas as potencialidades e os desafios do SUS visando construir
um sistema de saúde cada vez mais coerente com as necessidades de saúde da
população.
A seguir, será apresentada uma síntese dos elementos que marcaram a história
sanitária do país para que você compreenda a trajetória que levou à conjuntura atual das
políticas de saúde no Brasil. Bons estudos!

OBJETIVO

Reconhecer os antecedentes históricos do SUS.


Período
Colonial Organização da saúde no período Colonial
1550 - 1822
• Organização sanitária incipiente;
• Cada indivíduo responsável por si;
• Autoridades locais cuidavam da higiene das cidades, fiscalizando
portos e comércio de alimentos;
• Os serviços de saúde das tropas militares se subordinavam ao cirurgião-
mor dos exércitos de Portugal;
• Primeira Santa Casa instituída em 1543;
• Assistência aos pobres por conta da caridade;
• Modelo de atenção: exclusão dos doentes para preservar os sãos, e
procedimentos como a sangria;
• Militares eram cuidados pelas famílias ricas e por cirurgiões-militares
sob pagamento de uma taxa anual por parte da colônia;
• Chegada da família real no início do século XIX: inicia-se a criação de
estrutura sanitária mínima para dar suporte ao Reino.

Organização da saúde no período Imperial


Período
Imperial 1550 - 1822
• Ampliação das estruturas de saúde, mas ainda com organização
rudimentar e centralizada;
• Ampliação do número de médicos;
• Medidas de higiene escolar e proteção de crianças e adolescentes no
trabalho fabril;
• Primeiras instituições de controle sanitário de portos e epidemias -
polícia sanitária;
• Modelo incapaz de responder às epidemias e de assegurar assistência
à saúde a todos os doentes;
• Ricos eram atendidos por médicos particulares;
• Pobres eram atendidos pelas santas casas, pela caridade e pela
filantropia.
Perceba que, por quase quatro séculos, da colônia ao império, a
organização da saúde pública no Brasil foi praticamente nenhuma ou
muito elementar. Os primeiros ínfimos sinais de intervenção somente
ocorrem para receber a família real portuguesa, a partir de 1808².
1901
Século XX: medidas de polícia sanitária
Um maior grau de institucionalização da saúde pública pelo
estado começa a ser verificado somente no início do século XX, quando
epidemias de febre amarela, peste bubônica e varíola comprometem a
economia agroexportadora do país. Os governos recorreram, então, a
medidas de polícia sanitária, pois a saúde era tratada mais como um
caso de polícia, que visava à proteção da economia, do que como uma
questão social. Para se ter uma ideia, o órgão que cuidava da saúde
pública era o Ministério da Justiça e Negócios Interiores, não havia
ministro da saúde².
Assim, por meio do combate a vetores e obrigatoriedade da
vacinação, o estado começa a intervir mais na saúde pública, sendo
estas medidas conhecidas como campanhas sanitárias. Entretanto, o
acesso aos médicos e hospitais não era uma prioridade e dependia da
capacidade de pagamento. A concepção liberal de estado recorrente
indicava que cabia intervir apenas nas situações em que o indivíduo ou
a iniciativa privada não fosse capaz de responder³.

REFLETINDO

O contexto do início do século XX era de crescimento acelerado


da população urbana, as indústrias começavam a se expandir e a
situação sanitária era caótica devido ao crescimento de epidemias
e de doenças pestilenciais. Ao mesmo tempo, o poder público não
disponibilizava à população atenção à saúde de modo coerente
com as necessidades emanadas desse contexto social.

Você sabe como a trajetória da atenção à saúde começa a mudar


de rumo no Brasil?
1923
Lei Eloy Chaves
É a partir da constituição e organização da classe operária que a
luta por direitos e tensões sociais se amplia e culmina na criação das
Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), por meio da Lei Eloy Chaves,
em 19232, 3.
A criação das CAPs marca o início da previdência social no
Brasil e corresponde a um embrião do sistema de saúde no país. É
nesse momento que categorias profissionais passam a ter acesso a
benefícios, como alguma assistência à saúde e aposentadoria, por meio
da sua inserção formal no mercado de trabalho. Aos demais, o acesso
a serviços médicos e hospitalares somente poderia ser obtido mediante
pagamento ou atendimento em instituições filantrópicas, ou em alguns
postos e hospitais de estados e municípios².
A atenção à saúde no Brasil teve um ponto de virada com a Lei
Eloy Chaves, que ampliou o acesso à saúde aos trabalhadores. Porém,
também oficializou uma grande contradição: o direito à saúde não
estava vinculado à condição de saúde dos indivíduos, e sim ao fato de
trabalharem com carteira assinada.

IMPORTANTE

As complexas relações público-privadas observadas no SUS


nascem nesse momento histórico em que surge a medicina
previdenciária por meio das CAPs. Essa organização, em CAPs,
posteriormente, se transformou em Institutos de Aposentadoria
e Pensão (IAPs), conformados por categorias profissionais. Esse
desenho previdenciário de atenção à saúde demarcou a dicotomia
entre ações de saúde pública e saúde individual.

1930/
1935 Os subsistemas de saúde no Brasil
Durante o século XX, foram formados três subsistemas de
saúde no Brasil que eram relativamente independentes: saúde pública,
medicina previdenciária e medicina do trabalho. Veja na figura a seguir
a diferenciação entre esses subsistemas que existiam nas origens do
sistema de saúde brasileiro².
Subsistemas de saúde vinculados ao poder público no início do século XX.

Medicina Medicina do
Saúde Pública
previdenciária trabalho

Estatal; Previdenciária, Empresas médicas


liberal ou prestadoras de
filantrópica; serviços a grandes
Voltada para a empresas;
coletividade,
profilaxia e Caráter individual
educação sanitária. e curativo. Medicina de
grupo. Evitava que
os trabalhadores
buscassem a
assistência
médica da
previdência social,
obtendo dispensa
de impostos.

Fonte: Adaptado de: PAIM; J. S. et. al. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015.
93 p. (Coleção Temas em Saúde). Disponível em: http://www.livrosinterativoseditora.
fiocruz.br/sus/4/.

Após a 2a Guerra Mundial, entre os anos de 1950 e 1960, com a


aceleração da industrialização, são difundidos consultórios, laboratórios,
clínicas e hospitais privados, muitos deles contratados pela previdência
social. Nesse contexto, as empresas criavam serviços médicos ou
contratavam empresas de medicina de grupo para selecionar e manter
a força de trabalho. Por meio desse mecanismo, e com apoio político e
econômico do próprio estado, os interesses econômicos privados foram
se consolidando no sistema de saúde brasileiro que começava a se
formar³.

IMPORTANTE

Somente no ano de 1953 foi criado um ministério dedicado


exclusivamente às políticas de saúde no Brasil. A perspectiva do
então criado Ministério da Saúde era reunir campanhas, programas
e departamentos, com a finalidade de atender principalmente
à população das zonas rurais que não tinha acesso ao mercado
formal de trabalho.
1964
Golpe civil-militar
Esse cenário de crescente participação privada na atenção à
saúde, financiada por recursos públicos da previdência, se aprofunda
após o golpe civil-militar de 1964.

Instituto Nacional de Assistência Médica da


1977
Previdência Social (INAMPS)
Durante a ditadura, praticamente todos os IAPs foram unificados,
e assim foi formado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)
que, posteriormente, teve parte de suas atribuições transferidas para
o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS), criado em 1977. O INPS privilegiou a compra de serviços de
saúde no setor privado, em vez da expansão estatal. Além disso, grandes
empresas, de medicina de grupo e cooperativas médicas, aderiram ao
convênio com o INPS, sendo dispensadas de parte da contribuição de
impostos².

1975
Sistema Nacional de Saúde
Nesse cenário, consolida-se, no período ditatorial, uma lógica
de atenção à saúde excludente e ineficiente. Chegou a ser criado, em
1975, o Sistema Nacional de Saúde, e abriu-se espaço para algumas
políticas sociais compensatórias. Contudo, a crise do setor de saúde
era inequívoca, dada a existência de um sistema descoordenado, mal
distribuído e inadequado².
Veja abaixo, uma síntese da situação social e sanitária que
mobilizou uma nova concepção de políticas de saúde para o país e que
ajuda a responder à seguinte pergunta: “Por que a população precisou
reivindicar e se mobilizar por um sistema único de saúde?”5.
• Um quadro das doenças condicionadas pelo tipo de desenvolvimento
social e econômico do país e que o antigo sistema de saúde não
conseguia enfrentar com decisão;
• Completa irracionalidade e desintegração das unidades de saúde, com
sobre oferta de serviços em alguns lugares e ausência em outros;
• Excessiva centralização, implicando, por vezes, em impropriedade
das decisões pela distância de Brasília dos locais onde ocoriam os
problemas;
• Recursos financeiros insuficientes em relação às necessidades de
atendimento e em comparação com outros países;
• Desperdício dos recursos alocados para a saúde estimado nacionalmente
em, pelo menos, 30%, produzido por incompetência gerencial;
• Baixa cobertura assistencial da população, com segmentos
populacionais excluídos do atendimento, especialmente os mais pobres
e nas regiões mais carentes;
• Falta de definição clara das competências dos vários órgãos e instâncias
político-administrativas do sistema, acarretando a fragmentação do
processo decisório, o descompromisso com as ações e a falta de
responsabilidade com os resultados;
• Desempenho desordenado dos órgãos públicos e privados, conveniados
e contratados, acarretando conflito entre os setores público e privado,
superposição de ações, desperdício de recursos e mau atendimento à
população;
• Insatisfação dos profissionais da área da saúde, que vêm sofrendo as
consequências da ausência de uma política de recursos humanos justa
e coerente;
• Insatisfação da população com os profissionais da saúde pela aparente
irresponsabilidade para com os doentes, erros médicos e greves
frequentes, e corporativismo se sobrepondo à saúde do povo;
• Baixa qualidade dos equipamentos e serviços profissionais oferecidos.
• Ausência de critérios e de transparência dos gastos públicos, bem como
de participação da população na formulação e gestão das políticas de
saúde;
• Falta de mecanismos de acompanhamento, controle e avaliação dos
serviços;
• Imensa preocupação e insatisfação da população com o atendimento
à sua saúde;
A seguir, você verá um trecho do documento que subsidiou o
movimento pela reforma do sistema de saúde brasileiro6.

É praticamente consensual entre os especialistas o diagnóstico de que, a


partir da década de 60 vem piorando gradativamente o nível de vida da po-
pulação. Aumentaram significativamente a mortalidade infantil, as doenças
endêmicas, as taxas de acidentes do trabalho, o número de doentes mentais e
etc. Pioraram, igualmente, as condições de saneamento, a poluição ambiental e
os níveis nutricionais chegaram ao ponto de preocupar as autoridades, hoje um
tanto pessimistas com relação ao que chamam de “miséria absoluta".
Cresce a um só tempo a mobilização popular contra o desemprego,
os baixos salários e suas péssimas condições de vida. Cresce também, e mais
especificamente, a irritação da população contra as filas, a burocracia, a cor-
rupção e os custos da má atenção médica que recebem. Crescem, finalmente,
as reclamações e reinvindicações sindicais contra as empresas médicas.

Fonte: Adaptado de: CEBES. A questão democrática na área da saúde. Documento


apresentado pelo CEBES – Nacional no 1º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde na
Câmara Federal – outubro 1979. Publicado em 04/10/2015 [site]. Disponível em: http://
cebes.org.br/2015/10/a-questao-democratica-na-area-da-saude/
Próximo da metade dos anos de 1970, o regime militar já dava
sinais de declínio, constituindo-se uma conjuntura favorável ao avanço
da organização da sociedade civil em torno do debate da saúde como
direito. Esse debate foi conduzido pelo movimento sanitarista, composto
por segmentos sociais, pesquisadores e profissionais da saúde, e elegeu
como marco orientador a consigna “saúde é democracia”1, 2, 3.
Perceba que a proposição do SUS advém de um movimento da
sociedade civil. Assim, tanto o Movimento pela Reforma Sanitária
Brasileira (MRSB) quanto o SUS estão vinculados aos anseios e às
necessidades da sociedade, devendo ser reconhecidos como iniciativas
de governos ou partidos. O SUS é uma conquista da sociedade brasileira.

PARA SABER MAIS

Acesse o documento original A questão democrática na área


da saúde, publicado pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde,
em 1979.
Referências
1. VASCONCELOS, C. M.; PASCHE, D. F. O SUS em perspectiva. In: CAMPOS, G. W. S. et al.
[org]. Tratado de Saúde Coletiva. Ed Hucitec: 2017.

2. PAIM, J. S. et. al. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015. 93 p. (Coleção
Temas em Saúde). Disponível em: http://www.livrosinterativoseditora.fiocruz.br/sus/4/

3. PAIM, J. S. SUS: Sistema Único de Saúde - tudo o que você precisa saber. Editora
Atheneu, 2019.

4. BRASIL. Ministério da Saúde. O Sistema Público de Saúde Brasileiro. Brasília – DF:


2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sistema_saude.pdf.

5. BRASIL. Ministério da Saúde. ABC do SUS: doutrinas e princípios. Secretaria Nacional


de Assistência à Saúde. Brasília – DF: 1990. Disponível em: http://www.pbh.gov.br/smsa/
bibliografia/abc_do_sus_doutrinas_e_principios.pdf

6. CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE – CEBES. A questão democrática na


área da saúde. [site]. 2015. Disponível em: http://cebes.org.br/2015/10/a-questao-
democratica-na-area-da-saude/

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