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Introdução
Na história oficial, existe o registro de que o Sisten1a Único de Saúde
(SUS) surgiu com a Constituição Cidadã, em 5 de outubro de 1988. Para
muitos, essa grande conquista social tem três décadas de existência, po-
dendo ser comemorada no presente ou examinada criticamente como um
balanço entre progressos e retrocessos.
Entretanto, se forem recuperados os antecedentes do SUS, pode-se as-
sinalar um longo processo de crises e reformas, que culn1inaram na pro-
posta da Reforma Sanitária Brasileira ( RSB) a partir da década de 1970 do
século 20 (PAIM, 2008). Desse modo, caberia ressaltar que o SUS é um
dos frutos dessa reforma ( PAIM, 2015) e, consequentemente, faz-se neces-
sário conhecê-la para explicar seus avanços, obstáculos, impasses e desafios.
Mesmo sem o propósito de ser exaustivo, o presente capítulo tem o
objetivo de sublinhar os principais fatos, eventos e acontecimentos no de-
senvolvimento histórico do SUS, a partir de certos antecedentes, ilustran-
do-os com a apresentação de uma linha do tempo.
Antecedentes do SUS
Desde o século 16, entre as iniciativas voltadas para a saúde no Brasil,
destaca-se a criação de hospitais da Santa Casa de Misericórdia em Santos
(SP), São Paulo (SP), Bahia, Rio de Janeiro (RJ), Belém (PA) e Olinda
(PE). Purante o período de colônia até a Independência, constata-se un1a
org~ni~ão ~ nitária incipiente. No Império, as estruturas de saúde vol-
tavam-se para a polícia sanitária, com parte da administração centrada nos
~unicípios, verificando-se a implantação das prirrietras inst.Ituições de con-
~ol<:_~ _drio dos portos e de epidemias de modo centralizado entre 182~
e 1850.Já o alvorecer do século 20 foi marcado, entre outros aconteci-
mentos históncos, pela propagação de epidemias e doenças pestilenciais,
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Parte 1• Introdução
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lecimentos, como hospitais de isolamento, sanatórios para tuberculose,
l_epr~sários e h~spÍCI<?S. Em seguida, ampliou -se um pouco a oferta de
serviços públicos, por meio de e9stos de puericultura, centros de saúde e
hospi~is de pronto-socorro.
Todavia, com o aumento da urbanização, a expansão da industriali-
zação, a ~ nstituição.. da Cfasse operária, a elevação êfa~ tç.osões sociais e
a~ l:i~as pop ulares e_QOL tra balhadores, a problemática social passo~ a ser
considerada pelas classes dirigentes para além de uma g_t}est~~ olícia.
Assim, no início da segunda década daquele século, foi aprovada a legis-
lação sobre as caixas de aposentadoria e pensões (CAPs), que, de forma
compl<:_n_iemar à l:!evi.9ência ~oci~l, incluíam a assisttné'1ª médj~ ndo
houve_sse so bra de recursos orçamentários (,!,el E.!9.Y- Ch~~SÚ....f tn 1923.
Tr~ ava-s~ mam é ~ te _a~ têncíâ à saúde __p_el~<:_vidênc~ al,
porém configurando uma dicotomia entre saúde pública e previdência so-
cíal (Pí\TM; 2015) . -~ .- . . -----
0 desenvolvimento da medicina
previdenciária e os sanitarismos
Após a década de 1_930, essas cai xas foram progressivamente substi -
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tuídas por Institutos de Ãposc ntadoria e Pensão (IAPs) para diferen tes
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1 • Aspectos históricos
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Assim, foram realizadas ---
reunindo campanhas, programas -~ eP.,.a r_f?~e12~~ em seu organograma.
- -- campanhas
- contra a malária e a varíola, e foi implan-
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tado o Departamento Nacional de Endemias ~ is (DNERu). Ademais,
o Ministério da Saúde e, particularmente~a Fundação SESP participaram
-- - -- -·
no período dos debates sobre as relações entre saude e desenvolvimento,
com que1tiQ11am_g1tos ~qbre a_as$is~ n_c~ _ri;é9 ica h. 9 w j t ã I ~
municipalização dos serviços de saúde, com destaque na 3ª Conferência
~ -Saúde, realizada en1T963, conformando o denominad~
tarismo desenvõlvÍrne~ \(PAIM et ai., 20ll ). /
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1 • Aspectos históricos
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1 • Aspectos históricos
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O · rocesso constituint , embora tumultuado diante das ~ rg~_g-
cias entre- o Presidente da República .e as lideranças progressistas da
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Parte 1• Introdução
O período pós-constitunte
Os vários governos que dirigiram o Brasil depois da promulgação da
Constit uição Cidad ã não se com rometeram' efetivamente com a imple-
mentação da RSB, embora implantassem certas medidas que possibiJ!a-
a estruturação do SUS nas últimas três décadas. -
Período Collor-ltamar
Entre as medidas adotadas logo após a Constituição de 1988, desta-
ca-se a montagem do arcabouço jurídico-normativo do SUS, a partir do
capítulo saúde da Constituição, particularmente a ~i Orgânica da Saúde
(8.080/90 e 8.142/90), além d<; normas operacionais, decretos, portarias
e resoluções, a serem sistematizadas e discutidas no capítulo a seguir.
A formalização do SUS por tais medidas permitiu certo respaldo insti-
-escentralização, embora as restrições ao seu financiamen-
to, dificultassem seu desenvolvimento, apesar das bases estabelecidas p_9a
ê~n;tituição na composição de fontes do orçamento da seguridade social.
- Mesmo com certo atraso, foi realizada a 9ª Conferência Nacional de
Saúde, em 1992, cujo tem~central foi: a municipalização é o cam_!!lhQ.
No ano seguinte Toi concretizada a extinção do INAMPS,. e, em 1994, foi
criado o Programa Saúde da Família (PSP).
Período FHC
A agudiza ão da crise de financiamento do SUS levou à criaç~da
Corltn uição Provisória sobre ov1mentação mance1ra ~MF,f em
eE_guanto o repasse de recursos adotou o meca~ ~ <?- o Pisoda
Atenção Básica 2 anos depois. Apesar da crise, o SUS garantiu o tratamen-
t o gratuito para HIV/ AIOS e implantou Normas Operacionais Básicas
(NÕBs) e Normas de Assistência à Saúde (NOAS ), orientando a descen-
tralização e a regionalização.
- seguindo o calendário definido pela lei 8.142/90 de realização de con-
ferências a cada 4 anos, ocorreram a 10ª Conferência Nacional de Saúde,
em 1996, e a 11 ª , em 2000 1 assegúrando a participação social na avalia-
ção e no cstab~lecimento de diretrizes para o SUS. No segundo goven1o
FH C, observou-se, também, uma expansão da Atenção Primána.
_, lS?? o~ •• ..., _ _ _ _ _ ,.
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1 • Aspectos históricos
Período Lula
Com a eleição do presidente Lula e a participação de vários integrantes
do movimento sanitário na alta direção dÕ Ministério da Saúde no iníciõ
de seu governo, muitos tinham a expectativa de avanço no processo da
RSB e, particularmente, no desenvolvimento do SUS. No que pesem al--
güinas iniciativas setoriais importantes, a política econômica adotada não
~oi favorável ao crescimento do sistema público de saúde, e o subfinancii'=
mento crônico do SUS não foi enfrentado.
Ainda assim, foi criado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
(SAMU), e foram implantados o Programa Farmácia Popular (PFP) e a
Política Nacional de Saúde Bucal, contemplando a Atenção Primária e o nível
especializado (Brasil Sorridente>. Em 2003, foi realizada a 12 ª Conferência
acional e aúde, tendo em conta eixos temáticos selecionados para a dis-
cussão do desenvolvimento do SUS, oportunidade em que reaparecem pro-
posições relacionadas com a RSB. Foram formuladas a Política Nacional de
Atenção Básica e a Política Nacional de Promoção da Saúcfe, e foi imple~n-
tada a Reforma Psi uiátrica ins.talan o uma rede de Centros de Atenção
I>sicossocial (CAPS), residências terapêuticas, com re ução de leitos psiquiá-
tricos. Em 2006, foi instalada a Comissão Nacionãl sobre Determmanfes
Sociais da Saúde (CNDSS ), terÍdo sido estabelecido o Pacto pela Saúde
composto pelos Pactos de Defesa do SUS, de Gestão e pela Vida. ...!...
No segundo governo Lula, a indicação do Prof. José Gomes Temporão
para Ministro da Saúde renovou as expectativas para a retomada ao pro-
~ sso da RSJ3, sobretudo considerando a agenda dehrnda ~m seu discurso
de posse no Programa Mais Saúde (PAC da Saúde), apresentado ãõ finãJ
do primeiro ano de gestão. ] m 2007, foi realizada a_l 3 ª Conferência
Nacional de Saúde, na qual o projeto do RSB foi levado em conta e ratífi.Q-
-
do. Entretanto, a d_errQJ:.a..sufrida gelo presidente Lula naquele momento
com a não renovação da CPMF pelo Senado da República, e a resistência'
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Parte 1• Introdução
Período Dilma
~ overnos Dilma também não se comprometeram com uma ~ end~
progressista no âmbito da saúde,Jimitando-se a iniciativas ontuais, como
e e Cegonfi o rograma Mais Médico e o ais Especialidades este
último _não 1m e enta o 1an e a~ ~ uldades po ticas que culmina-
rânl com seu afastamento, em 2016.
--"ó êsde o início do governo, o discurso dominante dos dirigentes era de
que o grande problema do SUS erã gestão e não financiamento 2 buscando
adotar políticas racionalizadoras, quêeiifatizass~ a eficiência, mas sem
compromisso com a eficácia, a integralidade, a efetividade e a participação,
tal como na conjuntura pós-1974 do autoritarismo.
Ampliou-se o PSF, que passou a ser dominado Estratégia Saúde da
F~ília (ESF), com aumento da cobertura populacional, embora flexi-
bilizando a Política Nacional de Atenção Básica em Sâúde já em 2011.
Naquele ano, foi realizada a 14ªConferência Nacional de Saúde e assinado
o decreto presidencial 7.508/ 2011 , regulamentaEdo a lei 8.080/ 9,Q, no
sentido de avançar a regionalização e proRor a organização de uma Relação
Nacional de Serviços de Saúde (RENASES) e a continuidade da Relação
Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), além da assinatura do
Contrato Organizativo da Ação Pública~ (COAP). ~ -
Finalmente, o Con resso Nacional re lamentou a EC29 redundan-
do a lei complementar 141 de 2012, que manteve a mesma estrutura e
fmanciamen~ dos três entes federativos defi.Qi~ ,12 ~E."!!~m~s expli-
ci__tando o entendimento do que são serviços de saúc!$, no sentido de difi-
cultar as manobras de governos para não garantir o cumprimento de suas
responsabilidades no financiamento do SUS. Q_Qróprio Poder Executivo
aE._ticulou sua base arlamentar para impedir que o nível federal d~stmãs-
se e suas receitas brutas para a saúde
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,
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3a , medi~t~ a
1 • Aspectos históricos
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mas contan o com a omissão ou conivência dos Poderes Executivo e
fudici ário, como:
• Abertura da saúde ao capital estrangei,!:2 (Projeto de Lei de
Conversão 16 da Medida Provisória 656/14, atual lei 13.019/14),
sendo sancionada a lei 13.097/2015.
• Saúde, educação, e ciência e tecnologia como moeda de troca entre
executivo e partidos no Congresso.
• Pro osta de obrigatoriedade de planos de saúde para empregado,
exceto domésticos (proposta e emen a const1tuc1on 4).
• Projeto de Lei das Terceirizações (projeto de lei 4.330, aprovado na
Câmara e e;viado ao Senado).
• Reconhecimento da constitucionalidade das Organizações Sociais
ns> SUS pelo Supremo Tribunal Federal em 2015.
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Parte 1• Introdução
Período Temer
A aceitação do pedido de impeachmf:!}J da Presidente da República em
- ---~---- --__.,
dezenibro de 2015, seu afastamento em 12 de maio de 2016 e sua destitui-
_ção em 31 de agostQ, do mesmo ano criaram espaços e oportunidades ara
medidas inteiramente contrárias ao desenvolvimento do Figura 1.1).
' Lo_ go nos primeiros dias do governo Temer, o Ministrc::cia Saúde mani-
festou- se contra..o SUS e em favor do setor p_rivado (BAHIA et iil. , 2016).
~ eriormente, ocorreram a prorrogação da D RU, comprometendo
30%, e o acréscimo da Desvinculação de Receitas dos Estados (DRE) e da
Des~inculação de Receitas dos Municípios (DRM)2 ben1 como a propos-
ta de emenda constitucional 241 e a proposta de emenda constitucional
55, fixando o teto para os gastos públicos por 20 anos que resultaram
na Emenda Constitucional (95 (EC95) de 20_!!>, a qual comprometeu
radicalmente a expansão do S_9S. Ao mesmo tempo, o governo Temer
passou a valõt izat e a pnonzar a proposta dos Planos de Saúde Acess.íveis
( BAHIA et al., _ 1 , , . além de modific~r, recenten:iente, _a Políti~a
Nacional de Atençao Bas1ca (PNAB ) a ~~spe1to das m~m~~staçoes contra-
rias do Conselho Nacional cfe Saúde e das análises realizadas em universi-
dades e centros de pesquisa, que alertaram sobre o comprometimento da
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FIGURA 1.1. Linha do tempo referente afatos relevantes para odesenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Cebes: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde; INAMPS: Instituto Nacional da Assistência Médica
da Previdência Social; ABRASCO: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva; CNS: Conferência Nacional de Saúde; LO: lei orgânica; PSF: Programa Saúde da Família; CPMF: Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira; Anvisa: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; ANS: Agência Nacional de Saúde Suplementar; EC: emenda constitucional; SAMU: Serviço de Atendimento Móvel de Urgência;
CNDSS: Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde; PNAB: Política Nacional de Atenção Básica; LC: lei complementar; EP: emenda popular; PMM: Programa Mais Médicos; OS: Organizações Sociais;
DRU:Desvinculação de Receitas da União; ORE: Desvinculação de Receitas dos Estados; DRM: Desvinculação de Receitas dos Municípios.
Parte 1• Introdução
Considerações finais
As dificuldades enfrentadas pelo SUS. ao longo de sua história fc~rn
lid
a pela~ ~se política 2 econô~ica e social pela qual o pais atraves-
sa d esde_ a p rocla1na~ão dos resultados das eleições presidenciais de 2014.
A tentanva de um ajuste fiscal no primeiro ano do segundo mandato da
presidente Dilma encontrou uma forte oposição do Congresso Nacional
especialmente da Câmara dos Deputados, que apostava na chamada "paut~
bomba", quando eram privilegiados projetos que criavam embaraços eco-
nômicos e políticos para o governo. Os ataques ao SUS gersistir~m e foram
ra~calizados, inclusive com a substitúição do Ministro da Saúde no final de
29is; quan_go a.2residente cedeu su~ reção para um depútado do PMDB.
Ç o1n movimentos de rua de segmentos da população que defendiam o
imjlC1!clm:J,..ent, ~ ação Lava J~~ e, em seguida, o afastamento da presi-
dente em 2016, coi:_~ gurou-s~.uma si_tua~~o ria g~ a~ 0 s-díre1tos sot iais es-
tãDêlecictos na Ççnstituição Cidadã têm sido questionaaos e aniquilados,
~ -· ---- ·-.---" - ~~-~ ~ -.:..----·- - _:::::__.::.-
com-cqps~quências negatiy_as - - . sus.
Finalmente, a aprovação da EC95 m dezembro de 2016, estabelecen-
do um teto fixo para o gasto pu 1co2 inclusive em saúde, duran~e 20 anos,
juntamente da aprovação da J.ei_das terceiriza~ , da ê na tra6ãlfüsra:
e da proposta de reforma das1'revidência SoCia , criou grandes obstáculos
p~r~ a sustentabilidade econômica 2 po ttca, c1entífico-tecno!ógJ_~ti-
tucional do SUS.
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Referências
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,,.,.---
BAHIA, L. "A saúde em banho-maria". ln: ós anos L_gla'. Contribuições para um
balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond; 2010. p.351-368.
BAHIA, L., et al. Planos privados de saúde com coberturas restritas : atualizaç~o
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D1spo111ve 1 ·
interativo
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