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www.sabado.pt N.º 874 – SEMANAL – 28 DE JANEIRO A 3 DE FEVEREIRO DE 2021 – €3,70 (CONT.)

O TERRAMOTO
ANDRÉ VENTURA
Os bastidores da noite eleitoral e o dia seguinte do homem que
conquistou votos a todos os partidos A mensagem de Eduardo Bolsonaro •
• Os encontros do polémico financiador do Chega com Assunção Cristas

e Paulo Portas As opiniões de Pacheco Pereira e Eduardo Dâmaso

25 de janeiro,
um dia depois
de conquistar
quase meio
milhão de
votos nas
Presidenciais

ESPECIAL ESCOLAS GOVERNO COMPROU FOTORREPORTAGEM NAS MORGUES


COMPUTADORES 8 MESES DEPOIS DE OS PROMETER APINHADAS DE MORTOS POR COVID
Sumário

62
VIVER NUM PARQUE
DE CAMPISMO
Sofia e Paulo estão ambos
desempregados. Perde-

46
ram a casa e vivem numa
rulote onde é difícil
escapar ao frio e à chuva
ENSAIO: AS APOSTAS
DE JOÃO PEREIRA
COUTINHO SOBRE
64
ENSINO EM TEMPO
O SEGUNDO DE PANDEMIA
MANDATO DE O que correu mal na esco-
MARCELO REBELO la digital, a guerra entre a
escola pública e os colé-
DE SOUSA EM gios privados, o futuro
BELÉM deste ano letivo
MARILINE ALVES

4
28 JANEIRO 2021
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Reportagem A Semana
14 Justiça Juiz Carlos Alexandre infeta-

76
do com Covid-19
16 Jónatas Machado Especialista avisa
para perigos da vigilância a jornalistas
AS FOTOS Destaque
DAS MORTES 36 André Ventura Os bastidores da
vitória eleitoral e as ligações perigosas
QUE NÃO Portugal
ACABAM 50 Portefólio Eleitores explicam
o que os levou às urnas no domingo
54 Almanaque Animais, monárquicos
e outras figuras das Presidenciais 2021

Mundo

MIGUEL BALTAZAR
58 Entrevista Anne Applebaum explica
a ascensão do populismo na Europa

Sociedade
A morgue do hospital de São João, a maior funerária do País, um crematório que 68 Estudos O impacto da pandemia
passou a trabalhar até à meia-noite. Nunca como antes se morreu tanto em Portugal e do ensino online nos miúdos
72 Adolescentes Como eles namoram
em tempo de pandemia
Entrevista GPS Desporto
CAFÉ 80 Austrália Tenista Frederico Silva
ficou duas semanas a treinar no quarto
ONDE COMPRAR E
COMO FAZER, NO CON- GPS
NOAM GALAI/GETTY IMAGES FOR THE MICHAEL J. FOX FOUNDATION

97 Vinhos A box de vinhos-surpresa


FORTO DE SUA CASA, que a Pop the Wine lhe quer mandar
AS CHÁVENAS MAIS 98 Gourmet iPão, a plataforma que
garante pão fresco à porta de casa
ACONCHEGANTES 100 Cinema A negritude examinada
em One Night in Miami, em estreia
102 Séries Fran Lebowitz, a estrela da
nova série da Netflix de Martin Scorsese
106 Livros Entrevista a Teolinda Gersão
sobre o seu recente livro de contos
108 Carros Testámos o Tucson, o novo
SUV híbrido da Hyundai

30 www.sabado.pt
A FOME, A DOENÇA E OS FILMES BES
Há 30 anos que o ator Michel J. Fox tem Parkin- Os 24 sacos de notas
son. Ele fala da fama, da mulher e das dificuldades de 500 euros
Dinheiro levantado pelo clã Ric-
ciardi antes da queda do banco
Opinião
Covid-19
Baptista Leite e o turno em
que morreu uma pessoa
Médico disse “nunca ter visto

24
JOSÉ
56
NUNO
82
JOÃO
114
JOÃO
morrer tantas pessoas”

PACHECO ROGEIRO PEDRO PEREIRA


PEREIRA GEORGE COUTINHO

6 Editorial 45 António José Vilela 79 Pedro Marta Santos Panda bebé


8 Bastidores 61 Carlos Rodrigues Lima 96 Ângela Marques derrete a Internet
15 Octávio Ribeiro

5
Do diretor

EDITORIAL E na defesa da legalidade e do funciona-

Até onde
mento imparcial das instituições que a
Ventura é um abcesso na devem defender, como único poder

vai Ventura?
democracia, sem dúvida, dos que não têm poder nenhum, que
mas numa democracia que se recusam entrar no tráfico do empre-
também ela está doente. guismo partidário da cunha e do nepo-
Que caminha para o E tismo político, não têm entrada nesse
abstencionismo e a Falhanço à esquerda clube dos eleitos. Esses são os ressenti-
indiferença cívica. E Não tenhamos mais ilusões: o mais fá- dos com a democracia, os deploráveis, i
que se resigna com essa cil – e mais cínico – é adotar a retórica como agora se diz. Não perceberam Ventura sabe
que esse secta-
caminhada para o abismo antifascista para combater André Ven- que a abstenção e o voto de protesto rismo será o
tura e o que representa. estão cheios desses descontentes com vantajoso ini-
O mais fácil é chamar-lhe fascista, al- a atual esquerda e o atual PS, mas que migo externo
drabão, cobarde, troca-tintas, que foi o são originários desse mundo. que lhe alimen-
ta a campanha
que as candidaturas presidenciais mais Uma das provas mais esmagadoras por uma fanta-
à esquerda andaram a fazer nesta desse canibalismo político, à esquerda, siosa IV Repú-
campanha. está na forma como a grande maioria blica, paraíso
Mas fizeram-no divididos, sem estra- dos dirigentes do PS conotam a ação da “gente de
bem”, que luta
tégia, sem discurso que chegue aos de Ana Gomes, no combate à corrup- por uma socie-
portugueses, metendo cinicamente a ção e ao crime económico, com o po- dade livre de
cabeça na areia, com as consciências pulismo de Ventura. Tornou-se quase ciganos, bandi-
repousadas pela ideia (demasiado intelectualmente distintivo dizer que dos, minorias
dogmática) de que estão na trincheira Ana Gomes professa um populismo
certa, estão do lado da decência e da incendiário de esquerda na matéria.
democracia. É o velho maniqueísmo Dá jeito, quando não se quer fazer ri-
moral a funcionar. Isso basta-lhes, por- gorosamente nada sobre o assunto,
que só pensam no dano reputacional que é a linha do PS e do Governo, mas
de não gritar, de não dar um ar de már- é uma das mais arrogantes manifesta-
tires do combate contra mais uma lon- ções contemporâneas de desprezo pe-
ga noite fascista que se avizinha. los eleitores. E foi este PS que não quis
Procurar argumentos objetivos, ra- pôr Ana Gomes a concorrer contra
cionais, que explorem serenamente Marcelo. Privilegiou a tática – com
as contradições de Ventura mas, so- bons resultados, reconheça-se – e ma-
bretudo, respondam aos seus eleito- rimbou-se para a coerência política e
res, é mais complicado, dá demasia- ideológica, atirando-se para os braços
do trabalho. de Marcelo, com o célebre episódio da
Ana Gomes, Marisa Matias e João AutoEuropa.
Ferreira repetiram os mesmos erros da As esquerdas ficaram, por isso, nas
esquerda francesa, da esquerda italia- mãos de António Costa e nada fizeram
na – um verdadeiro padrão de desu- para saltar delas. Com exceção de Ana
nião – e de muitas outras esquerdas Gomes. Desprezaram os eleitores e re-
europeias face aos riscos do populis- fugiaram-se nos respetivos egoísmos
mo. Não aprenderam nada com o que curriculares, para poderem sempre
acontece na Europa vai para umas reivindicar uma qualquer legitimidade
boas duas décadas. E seguiram a de- mais pura e mais especial do que qual-
sastrosa cartilha dos velhos proprietá- quer outra perante os seus públicos e
rios das conquistas do 25 de Abril, da clientelas. Perante este triste espetácu-
essência de ser democrata e da defesa lo, Ventura rir-se-á sempre. Sabe mui-
das liberdades coletivas e individuais, to bem que esse sectarismo é pelo me-
que vão de umas eminências pardas nos igual ao seu e que, enquanto exis-
da chamada ala esquerda do PS até à tir, será o seu melhor seguro de vida.
extrema-esquerda.
Para eles, ninguém é de esquerda ou
democrata o suficiente sem ser pela
sua cartilha. Outras visões do mundo e
de uma esquerda que recusa a lógica
E do rebanho, que pense pela própria
MÁRIO CRUZ

Diretor cabeça, que se reveja na necessidade


Eduardo Dâmaso imperiosa de combater a corrupção,

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Será o vantajoso inimigo externo que presentam uma exigência fortíssima e


lhe alimenta a campanha por uma um desafio vital para o próprio Ventu-
fantasiosa IV República, paraíso da ra. Significam que em breve vai ter de
“gente de bem”, que luta por uma so- discutir lugares e poder dentro de um
ciedade pasteurizada, livre de ciganos, saco de gatos. E que os seus eleitores,
bandidos, minorias, parasitas do ren- apesar de agora terem votado no radi-
dimento mínimo, comunistas e socia- calismo e na boçalidade que chamou ideológico e prenhe de raiva contra a
listas. Por este caminho ninguém trava avô bêbado a Jerónimo de Sousa, nem esquerda, mas também de genuíno
Ventura, como vimos agora no tempo todos virão dessa fileira extremista. protesto contra uma democracia que
que mediou entre a eleição parlamen- Nem todos os eleitores desse quase está paralisada. Que criou paradigmas
tar deste e as eleições presidenciais. meio milhão de votos são defensores de sucesso, antes da pandemia, abso-
da sua IV República. É gente modera- lutamente excludentes de uma larga
E da, trabalhadora, respeitável, que não fatia da população. Era o mundo do tu-
Meio milhão de votos se revê em partidos históricos que es- rismo, do imobiliário, das experiências
Ventura recebeu quase meio milhão tão a hipotecar a democracia com a in- disto e daquilo, de uma classe média
de votos, que não sendo automatica- capacidade de atacar os seus inimigos. embevecida por eventos como a Web
mente transponíveis para uma dinâ- É gente que quer essencialmente res- Summit, que se estava nas tintas para
mica eleitoral de legislativas, represen- postas para resolver problemas na sua o Serviço Nacional de Saúde, para as
tam uma base formidável para crescer. vida e está zangada com os partidos escolas sem aquecimento – apesar
E para condicionar o PSD e a formação que governam ou suportam a gover- dos 2 mil milhões de euros gastos
de maiorias à direita. Mas também re- nação. Há por ali voto extremista, numa vigarice chamada Parque Esco-
lar. Era também o País do sucesso po-
lítico e financeiro, cá dentro e lá fora.
O País que controlava a dívida públi-
ca. Agora, somos, outra vez, o País das
ambulâncias em fila à porta dos hos-
pitais, das mantas nas escolas sem ja-
nelas, dos ventiladores comprados à
pressa mas que não funcionam, dos
miúdos que precisam de escolas aber-
tas para comer, dos velhos que mor-
rem abandonados nos lares, de uma
educação sem rumo. Somos o País de
mão estendida à Europa, a tremer de
medo de que nos deixem cair.
Ventura também recolheu muitos
desses votos, descontentes com essa
esquizofrenia portuguesa, que antes se
exprimiam no PCP ou no BE porque
representavam um genuíno protesto
contra as cumplicidades clientelares
do centrão. É todos esses eleitores que
é preciso recuperar para fora do extre-
mismo, ainda que seja duvidoso que o
sistema político, tal como está, consiga
tal objetivo. Ventura é um abcesso na
democracia, sem dúvida, mas numa
democracia que também ela está
doente. Que caminha para o absten-
cionismo e a indiferença cívica. E que
se resigna com essa caminhada para o
abismo. A bazuca financeira que aí
vem produzirá, outra vez, uma espécie
de embriaguez política e económica
nas esferas próximas dos vários pode-
res mas, se as políticas forem as mes-
mas de sempre, a periferia continuará
a sofrer. E a alimentar os Venturas de
cada época. W

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Opinião 28 JANEIRO 2021
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BASTIDORES B

Na edição online os nossos Comunidade


assinantes passaram
a encontrar notícias e
conteúdos exclusivos.
a crescer
N
Na revista em papel os primeiros dias após o lança-
continuamos a contar-lhe mento do nosso novo site,
a história de pessoas como centenas de pessoas adquiri-
Sofia e Paulo, um dos muitos ram uma assinatura digital da SÁBA-
casais que a pandemia DO. Passaram assim a fazer parte de
lançou no desemprego uma grande comunidade de leitores
que, ao longo do dia, todos os dias, têm
acesso aos conteúdos e notícias exclu-
sivas que passámos a publicar na edi-
ção online. A quem agora se juntou a que teve de ser interrompido vá- g
nós, fica aqui o nosso agradecimento e rias vezes porque Sofia não con- O jornalista Ale-
o apelo para que contribua com as suas seguia conter o choro. Não é para xandre R. Malha-
do esteve com o
sugestões e críticas – porque queremos menos. Depois de perderem o líder do Chega!,
estar em permanente contacto consigo. trabalho, as poupanças, o negócio André Ventura,
A si que ainda não se tornou assinante, e a casa, Sofia diz que perderam na segunda-feira,
25 de janeiro
deixo uma sugestão: folheie esta revista também a esperança. A família –
até à página 27 e use o código que lhe o casal e os três filhos – vive
numa rulote com €400 por mês,
sendo metade para pagar o par-
que de campismo onde se insta-
laram clandestinamente. No fim
de tudo, Sofia ainda enviou um
bilhete à repórter. Dizia “grata
pela paciência que teve a escu-
tar-me”. Não, Sofia: gratos esta-
mos nós pela coragem de parti-
lhar as dificuldades que são as de
muitos casais a precisar de apoio.
ALEXANDRE AZEVEDO

B
Intelectuais populistas
Ler a entrevista à escritora e jorna-
lista americana Anne Applebaum
g oferecemos para, durante uma sema- pode ajudar a compreender um
O repórter na, ver aquilo que temos para lhe ofe- pouco o que se passou em Portugal
Markus Almei-
da entrevistou recer. No final, espero que também se na última semana. Na conversa por
o dono da junte a nós. Porque só consigo é que o Skype com a subeditora Vanda Mar- !
fábrica de
torrefação
nosso trabalho vale a pena. ques, a autora de O Crepúsculo da k
de café Flor Democracia, explica que por trás de SÁBADO
da Selva, na B fenómenos populistas como Donald investigação
Madragoa, Obrigado nós, Sofia Trump não estão apenas pessoas
em Lisboa Faça a sua
Os números mostram que uma pobres que sofrem com a globaliza- parte.
das consequências da pandemia ção e o desemprego, mas também Nós tratamos
foi o aumento do número de ca- intelectuais que estão a virar o jogo do resto
Envie as suas
sais desempregados. Casais como político e a embarcar em experiên-
denúncias para
B Sofia e Paulo, que aceitaram con- cias mais autoritárias. o nosso email:
Chefe de Redação tar a sua história à jornalista Só- Boa semana. Proteja-se – a si e aos investigacao@saba-
Nuno Tiago Pinto nia Bento. Um relato emocionado outros. W do.cofina.pt

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A semana

AS IMAGENS
Amorim não
larga a taça
A treinar equipas de
I Divisão há 13 meses, Rú-
ben Amorim conquistou
no sábado a Taça da Liga
pelo segundo ano conse-
cutivo (em 2020, no Sp.
Braga, venceu o FC Porto).
Agora, no Sporting, triun-
fou (1-0) sobre o Sp. Braga.
Expulso do banco aos 33
minutos, festejou na ban-
cada. Além dele, só Jorge
Jesus ganhou o troféu por
dois clubes diferentes.
FOTO JOSÉ GAGEIRO

9
Mais de 3 mil a dar sangue em Toulouse
Os alarmes soaram em Portugal a 19 de janeiro: alguns tipos de sangue só
tinham reservas para cinco dias. A pandemia e o confinamento estão a pro-
vocar esse efeito de escassez em muitos países. Em Toulouse (França), na
semana passada, uma operação montada num salão da câmara teve a par-
ticipação de mais de 3 mil pessoas em quatro dias para repor os stocks.
FOTO GEORGES GOBET/AFP VIA GETTY IMAGES
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Neve em Londres leva pessoas à rua


Nevar em Londres é raro, mas nem por isso este homem deixou de fazer o
seu jogging em Regent Street, no domingo, dia 24. Apesar do confinamento,
por causa da Covid-19, nos parques dos arredores da capital inglesa houve
muitas pessoas a divertirem-se a fazer bonecos e batalhas de bolas de neve.
FOTO JUSTIN TALLIS/AFP VIA GETTY IMAGES
A semana

F
ebre, arrepios, má dis-
A NOTÍCIA posição, dores e muito
cansaço. Foi este qua-
dro clínico, manifesta-
do a partir de sexta-feira, 15 de
janeiro, que levou o juiz de
instrução Carlos Alexandre a
ter de procurar ajuda médica.
Depois do teste à Covid-19,
feito num hospital, veio o dia-
gnóstico previsível nestes tem-
pos: o magistrado judicial con-
traíra Covid-19.
Segundo a SÁBADO apurou
junto de fonte próxima do juiz,

a
a situação clínica de Carlos
Alexandre já não inspira espe-

x
ciais cuidados, uma vez que a
recuperação do magistrado ju-

e
dicial está a ser relativamente

l
rápida. Depois de vários dias
com febre, e sem nunca ter

A
perdido o paladar ou o cheiro,
Carlos Alexandre voltou até a S
trabalhar em casa nas dezenas P IO

s
RE
de processos que atualmente AR
tem em mãos no Tribunal Cen- E
RE

lr o ado v
tral de Instrução Criminal B
, FE
(TCIC), sediado em Lisboa.
R ES
Uma parte destes inquéritos DO
estão a ser despachados há E
T EV

a
meses por Alexandre porque o
V O.

t
outro juiz do TCIC, Ivo Rosa, SI

C fe Co
U
está a trabalhar em exclusivo (e CL
já na reta final) na instrução da EX
Operação Marquês.
Mas o contágio de Carlos Ale-
xandre levou a que tivessem de

in om
ser tomadas precauções espe-
ciais no TCIC, que está instala-
do no quarto andar da sede
nacional da Polícia Judiciária
(PJ). Pelo menos, três funcioná-
rios judiciais entraram em

c
quarentena e até os seguranças
pessoais de Alexandre foram
afastados do edifício e tiveram
de fazer testes de despistagem.
Estes elementos da PSP acom-
panham diariamente o juiz, in-
clusive nas operações feitas no
terreno como buscas e outras
diligências judiciais.
O juiz Carlos Alexandre deve-
rá voltar ao trabalho presencial
já na próxima semana. Durante
toda a pandemia, o magistrado
manteve sempre o ritmo de
trabalho diário, continuou a

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Sobe&Desce
deslocar-se diariamente às ins-
talações do TCIC e a participar
em inúmeras operações no ter-
reno por todo o País, inclusive
na Madeira e nos Açores.
No verão do ano passado
Octávio Ribeiro
apanhou um primeiro susto

e
Jornalista
quando foi forçado a um isola-

r
mento profilático depois de ter
participado, no fim de junho de g
Marcelo Rebelo de Sousa

d
2020, numa busca a uma agên-
cia bancária em Leiria (banco Presidente da República
Santander), no âmbito da Ope- O discurso de

n
ração Suini-Fatura, que investi- vitória foi o mais
ga suspeitas de fraude fiscal e assertivo nos seus

a
branqueamento de capitais no cinco anos de
comércio e abate de suínos. liderança morna.
Dias depois da diligência, o ge- “Os portugueses
rente bancário e um funcioná- querem mais e
rio testaram positivo à Covid- melhor”, afirma. Na luta con-
-19, bem como o agente da PSP tra a pandemia e na anemia
que participou na operação. comum às principais funções

9
O Departamento Central de do Estado, teremos outro
Investigação e Ação Penal, a Marcelo?

1
Autoridade Tributária e a PSP

-
realizaram então 24 buscas em
sedes de sociedades e instala- i
ções pecuárias, veículos auto- Jerónimo de Sousa

d
móveis, habitações e agências Líder do PCP

i
bancárias nas zonas de Leiria, Viu o seu territó-
Tomar, distrito de Santarém, e rio arrasado por

v
Montijo, distrito de Setúbal. uma força radical
As diligências levaram à de Direita. O
, apreensão de cerca de 4,2 mi- mesmo se passou
a do lhões de euros, assim como de em França, há
s s
as ai m
um “vasto acervo documental, mais de 30 anos,
p m u na grande maioria com rele- com o pai Le Pen a esmagar
ano ção ve foi o vância fiscal”. Marchais. Discurso gasto,
e
do stru aís t não igad s
Segundo informações então incapaz de integrar novas
o
ã in P , r a divulgadas em exclusivo pela pulsões. Nas próximas autár-
ver de do isco i ob a du de SÁBADO, Carlos Alexandre quicas, o PCP corre risco vital.
z r o
No jui cido de as f nten rou ou
teve de fazer um teste de des-
pistagem da Covid-19 e o re- i
o he to , m re pa ab Marta Temido
n ac o a a c a sultado foi negativo. Porém, o
co ont iad qu unc ra a har o. delegado regional de Saúde de Ministra da Saúde
c tag em N go an nt Lisboa e Vale do Tejo, Mário Avança vacina-
n r s. a p e a Durval, decretou-lhe uma ção a bombeiros,
co fica ana ar e or a om Vilel quarentena domiciliária que polícias e titulares
a em alh o p o m sé começou dia 1 de julho e aca- de órgãos de so-
s ab sm a d o Jo bou a 13 desse mesmo mês. berania? Idosos
tr e nç tóni Também durante esse isola- com mais de 80
m oe n mento, o juiz esteve a traba- anos, vacinados
d Por A lhar em casa nos processos até final de março? Todos de-
que tutela, mas teve de adiar sejamos que sim. O problema
os debates instrutórios de dois é a memória coletiva, que
inquéritos, a fase final em que condena a ministra à irrele-
se decide se um processo se- vância verbal.
gue ou não para julgamento
e em que termos. W

15
A semana

ENTREVISTA
JÓNATAS MACHADO. PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DE COIMBRA

“Apenas um juiz deve


ordenar ao jornalista que
revele as suas fontes”
Para o especialista em
Num livro de que é coautor adverte direito da comunicação, a cientes.” Escreveu isto num dos seus
que “uma Imprensa pobre e frágil livros. Integra aí a litigância massiva
não consegue assegurar a realiza-
investigação de violações do MP contra os jornalistas em sede
ção de jornalismo de investigação, do segredo de justiça, da investigação do crime de violação
que constitui um dos mais relevan- do segredo de Justiça?
tes escudos da própria sociedade
com operações de Sim, pode ser mais um fator. Cabe aos
democrática”. A que futuro pode vigilância a jornalistas, jornalistas perceber a lógica do segre-
aspirar o jornalismo de investiga- do de justiça, na proteção do sucesso
ção em Portugal se o MP se imiscuir
pode ter um efeito da investigação e na salvaguarda da
indevidamente na fase de recolha devastador na liberdade presunção de inocência, e respeitá-lo.
de informação? Até certo ponto, é legítimo reprimir as
Urge apoiar o jornalismo credível. O
de expressão. violações do segredo de justiça, mas
Ministério Público e os juízes têm de Por Eduardo Dâmaso e Rui Avelar, tem de se ter muito cuidado. Os custos
ter a noção de que os jornalistas traba- fotografia Sérgio Azenha para a liberdade podem ser maiores do
lham, hoje em dia, num mundo em que os benefícios. O sigilo profissional
mudança e sujeitos a novas ameaças faz parte do conteúdo essencial do
ao jornalismo de investigação. Há que tes, tem consagração constitucional. direito à liberdade de informação
fazer uma literacia mediática, capaz de A quebra do sigilo profissional care- exercida pelos jornalistas.
chamar a atenção das pessoas para a ce de autorização judicial. O jornalista Pensa que os tribunais portugueses
importância da informação verdadeira. desfruta de uma proteção muito si- iluminam suficientemente os pre-
Parece-lhe lícito investigar alegadas gnificativa do sigilo a que tem direito. ceitos de processo penal aplicáveis
violações do segredo de Justiça com Devem ser evitadas as operações de aos jornalistas e ao jornalismo com
recurso a meios especiais de inves- vigilância que concorram para con- a doutrina constitucional?
tigação previstos na Lei 5/2002, tornar a exigência de decisão judicial O processo penal é para ser encarado
aplicável a um conjunto de crimes a preceder a quebra do sigilo acerca à luz de ampla legislação e perante o
de catálogo relacionados com a cri- das fontes. Apenas um juiz deve orde- Estatuto do Jornalista e o Código
minalidade organizada, nomeada- nar ao jornalista que revele as suas Deontológico. Cabe aos juristas, neles
mente vigilâncias a jornalistas, to- fontes de informação e só deve fazer se incluindo os magistrados (juízes e
mada de imagem na via pública, isso em casos excecionais. procuradores), interpretar as leis no
levantamento do sigilo bancário “A utilização estratégica de ações, contexto de uma ordem de valores,
e intromissão em mensagens de providências e diligências judiciais princípios e regras.
telemóvel numa potencial relação contra a Imprensa e a intervenção Portugal é uma democracia plena
entre jornalista e fonte? dos cidadãos, com propósitos inibi- quando submete os jornalistas e os
A nossa lei fundamental contempla o dores e silenciadores, representa, órgãos de comunicação social a de-
jornalismo e a liberdade de expres- hoje, um dos mais graves desafios zenas, ou até centenas, de processos,
são como partes indispensáveis de enfrentados pela liberdade de anualmente, seja no âmbito da difa-
uma ordem constitucional democrá- expressão e informação, impondo- mação, da violação do segredo de
tica. O sigilo profissional do jornalista, -se aos poderes legislativo e judicial Justiça ou de outro tipo de crime?
conferindo uma certa proteção às fon- que dele estejam plenamente cons- Pecamos, muito provavelmente, por

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excesso de processos. As instituições


internacionais que observam a liberda-
de de expressão em Portugal têm cha-
mado a atenção para isso. Ora, isso faz
da vida de um jornalista um calvário. O
diretor de um jornal disse-me, recente-
mente, que quase se limita a andar a
responder no âmbito de processos.
O critério da prossecução de um
interesse público, associado à ação
dos órgãos de comunicação social,
não deveria ter expressa consagra-
ção legal?
Creio que isso está implícito no artigo
38º da Constituição da República Por-
tuguesa. Se tomarem em conta um con-
junto de normas e a jurisprudência do
Tribunal Europeu dos Direitos do Ho-
mem (TEDH), os juristas veem reconhe-
cida a consagração do interesse público.
Tal como a blindagem da liberdade
de Imprensa não deveria ser ainda
mais forte em termos legais, desde
logo nos termos em que o Tribunal
Constitucional alemão defendeu no
famoso caso Cícero, obrigando a
fazer uma lei mais clara no que tange
à defesa daquela?
Sim. Para essa blindagem aponta a
jurisprudência do TEDH. É por não
termos a blindagem a funcionar que
Portugal é condenado.
Segundo dados do International
Press Institute (IPI), entre 2005 e
2015, Portugal foi condenado 18
vezes por violação do artigo 10º da
Convenção Europeia dos Direitos do
Homem. Só três estados signatários
tiveram mais condenações pelo
mesmo artigo. Portugal aprendeu
alguma coisa com isso e melhorou,
nos últimos cinco anos?
Penso que, gradualmente, a nossa juris-
prudência vai interiorizando a ideia da
prevalência da Convenção Europeia
dos Direitos Humanos e a da jurispru-
dência do Tribunal Europeu dos Direi-
tos do Homem. Trata-se de um proces-
so lento e, em matéria de liberdade de
expressão, vai-se avançando na com-
preensão do facto de que as autorida-
des públicas, ao nível nacional e ao ní-
vel local, devem estar naturalmente su-
jeitas a maior escrutínio. Quanto maior
for o impacto das decisões de um indi-
víduo ou de uma organização na vida
da generalidade das pessoas maior,
também, deve ser o escrutínio. W

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A INVESTIGAÇÃO
JUSTIÇA. CASO DA MORTE DO GESTOR DE ISABEL DO SANTOS ARQUIVADO

Segredos protegidos
Nuno Ribeiro da Cunha, antigo diretor de private banking do Eurobic, foi
encontrado morto há um ano. O MP acreditava que os seus telemóveis
tivessem informação relevante, mas a PJ não conseguiu analisá-los.
Por Carlos Rodrigues Lima

Q
uando, no iní- acionista e
cio de janeiro de Nuno Ribei-
2020, saiu da Uni- ro da Cunha
dade Local de Saúde do um dos seus
Litoral Alentejano, Nuno Ribeiro da homens de
Cunha, 45 anos, gestor de conta de q confiança. À
Isabel dos Santos, levou um conselho Confiança PSP, Diogo
da psicóloga: procurar apoio psicoló- Parte da fortuna Champalimaud con-
gico. O gestor tinha dado entrada na- de Isabel dos Santos firmou a ligação entre
era gerida por Nuno
quela unidade, devido a uma tentati- Ribeiro da Cunha os dois factos: “A vítima é
va de suicídio na sua casa de férias, no Eurobic gestora do banco Eurobic e tinha
em Vila Nova de Milfontes, a 7 de ja- uma relação próxima com a empre-
neiro, através de cortes nos pulsos e sária angolana Isabel dos Santos.”
no abdómen. vítima, Constança da Cunha, para Depois de aberto o inquérito no
Algumas semanas depois, o cenário a ausência do seu marido durante DIAP de Lisboa, o Ministério Público
repetiu-se, numa garagem em Belém, a noite do dia 22 de janeiro. ordenou, a 27 de janeiro, uma perícia
Lisboa: perto da 1h da manhã do dia ao telemóvel encontrado junto ao ges-
23 de janeiro, Nuno Ribeiro da Cunha As notícias do Luanda Leaks tor, considerando que aquele poderia
foi encontrado morto. Todos os sinais Nas primeira declarações da teste- conter informação relevante, assim
apontaram, tal como descreve o pro- munha Diogo Champalimaud, regis- como o seu conteúdo poderia ser útil
cesso consultado pela SÁBADO, para tadas no auto, refere-se que Nuno para se perceber se houve algum cri-
suicídio: o corpo encontrava-se pen- Ribeiro da Cunha tinha já “há 15 dias” me de incitamento ao suicídio. Porém,
durado pelo pescoço numa cinta de tentado o suicídio. E que, no dia 22 os técnicos da Judiciária informam
nylon presa a uma barra de ferro no de janeiro, “recebeu uma notícia de que o aparelho se encontra bloqueado
teto. No chão, um banco de madeira conhecimento público, que o deixou e não há meio de aceder ao conteúdo.
caído. Na garagem, não foram encon- abalado”. Este período foi fortemente O procurador Óscar Ferreira ainda
trados quaisquer indícios da presença marcado pelo caso Luanda Leaks, tentou saber se outro telemóvel,
de terceiros. divulgado pelo semanário Expresso. apreendido aquando da tentativa de
O alerta foi dado por Diogo Maria Após as primeiras notícias, Isabel dos suicídio em Vila Nova de Milfontes,
Champalimaud, amigo de longa data Santos terá tentado movimentar mui- tinha sido analisado, mas a resposta
do gestor bancário, que por sua vez to dinheiro que se encontrava depo- foi negativa. O caso foi arquivado em
tinha sido contactado pela mulher da sitado no banco Eurobic, do qual era setembro do ano passado. W

18
Escolhas
Prepare-se para o fim das moratórias
É fundamental não ser como consequência, será também
apanhado desprevenido uma das mais afetadas pelo seu
pelo fim das moratórias, fim, que o governo definiu para ju-
e pode contar com um conjunto nho ou setembro deste ano.
de soluções Unibanco para ajudar Segundo o Decreto-Lei em vigor,
nesta transição. as moratórias do Estado referen-
As moratórias foram a principal aju- tes ao pagamento das prestações
da para muitas famílias e empresas da casa e dos créditos ao consu-
que viram os seus rendimentos mo para fins de educação e for-
cair com a chegada da pandemia. mação viram o seu prazo alarga-
Segundo dados do Banco de Por-
tugal, até setembro do ano passa-
do de 31 de março para o final de
setembro. Já as moratórias priva-
Problemas de pele:
do estavam 46 mil milhões de cré- das (crédito habitação, crédito cuidados a ter
ditos em moratória, quase 25 mil pessoal, crédito automóvel até 75 com o uso
milhões de empresas e 21 mil mi- 000 euros ou para outras finalida-
lhões de euros pertencentes às fa- des no mesmo montante) man- de máscara
mílias. Portugal foi uma das econo- têm ao prazo inicialmente previs- As máscaras são fundamen-
mias europeias que mais recorreu to de 12 meses até à data limite de tais como medida de prote-
a estes adiamentos de despesa e, 30 de junho de 2021. ção contra a covid-19, mas infe-
lizmente também podem causar vá-
rios problemas de pele no rosto. Des-
cubra como evitá-los.
Conheça Tal como o álcool gel, as máscaras
em unibanco.pt tornaram-se uma parte integrante do
todas nosso dia a dia, e são obviamente fun-
as vantagens damentais na luta contra a pandemia,
para o seu mas infelizmente podem também
dia a dia. causar vários problemas de pele. Pro-
Aproveite blemas exponenciados sobretudo
a oferta pela frequência e duração do uso.
de adesão. Quando falamos ou respiramos liber-
tamos ar quente pela boca e pelo na-
TAEG 15,3%
riz, e este fica retido no interior da
máscara, criando um ambiente perfei-
to para o crescimento de diversos mi-
crorganismos, como fungos e bacté-
8 Produtos de beleza tecnológicos rias, onde evidentemente não os que-
para cuidar de si remos. O mais comum dos proble-
mas é a acne, que pode surgir em
Da velhinha máquina de bar- qualquer idade, e por ser tão frequen-
bear a uma inovadora máscara te até já ganhou um novo nome:
de terapia de luz, existe sempre mascne! (de máscara mais acne).
um gadget para nos ajudar nas Como deixar de usar máscaras não é
rotinas de beleza. Da cozinha à sala, uma opção, vamos descobrir em seis
do escritório ao automóvel, os gadgets passos muito simples como evitar ou
revolucionaram todas as divisões da nos- minimizar esses riscos.
sa vida – e a casa de banho não ficou de
Leia a totalidade
fora. Atualmente existem variadíssimos destes e outros artigos
produtos para cuidar da nossa aparência, no blog do UNIBANCO
corrigir quaisquer problemas de pele ou
retardar os efeitos do envelhecimento.
Tudo isso, e ainda nos ajudam a despa-
char as rotinas diárias de uma forma mui-
to mais eficiente e rápida. Gadgets com do de amanhã, já hoje. Descubra as no-
luz micropulsada, máscaras de luz ultra- vidades, faça a sua escolha e conte com
violeta ou que utilizam pequeníssimas toda a segurança e comodidade do seu
descargas elétricas… bem vindo ao mun- cartão UNIBANCO.
*TAEG 15,3% Exemplo para um limite de crédito de 1.500€, prazo 12 meses TAN 14,00%. Válido para adesões desde 1 de abril de 2020. Para mais informações contacte a Unicre - Instituição Financeira de Crédito S.A.
28 JANEIRO 2021
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SÓNIA BENTO

INSÓLITO
! !
Cão coxeia para Pedra na bexiga
imitar o dono com quase meio quilo
O britânico Russell Jo- Uma vietnamita, de 34
nes reparou que o seu anos, foi à urgência de um
cão começou a coxear hospital com fortes dores
um dia depois de ele no abdómen e uma ecogra-
próprio se ter lesionado fia revelou uma massa
num pé. O dono levou- enorme na bexiga. Foi logo
-o ao veterinário e, de- operada e os médicos tira-
pois de ter gasto mais ram-lhe uma pedra com
de 300 euros, Jones re- mais de 10 cm de diâmetro
parou que o animal só e 400 gramas.
coxeava quando estava
junto dele para o imitar.
!
Três meses a morar
! no aeroporto
Gin feito de esterco 1. Aditya Singh, de 36 anos,
de elefante viajou da Califórnia para Chi-
O gin Indlovu é feito cago, a 19 de outubro, mas
com excrementos de com o aumento de casos de
elefante. Os britânicos Covid, assustou-se e refugiou-
Paula e Les Ansley, ex- -se no aeroporto de Chicago-
-professores de Biolo- -O’Hare.
gia, mudaram-se para 2. Encontrou um crachá de
a África do Sul e hoje identificação de um funcioná-
têm uma destilaria que ! rio do aeroporto e deixou-se
usa o esterco de ele-
fante. O gin não tem o 95% do corpo tatuado ficar até ter sido abordado
pela polícia, a 16 de janeiro.
sabor que se imagina... Becky Holt tem 33 anos, vive em Cheshire, Inglaterra, e 3. O homem, desempregado,
é a autoproclamada mulher mais tatuada da Grã-Breta- explicou que tinha medo de
regressar a casa por causa
nha. Tem 95% do corpo coberto de tatuagens, incluindo do vírus e que sobreviveu
rosto, axilas e zona íntima. A primeira que fez foi aos 15 com a comida que as pessoas
anos, na virilha, e era o nome do então namorado, e até lhe iam dando.
aos 22 todos os desenhos estavam escondidos. “O mais
doloroso foi a axila, tenho as virilhas e toda a minha
área íntima tatuada. Foi horrível, mas suportável”, diz
Becky, que já gastou cerca de 40 mil euros.

! ! !
O RESTAURANTE DE UM HOSPITAL NA TAI- Ganha 1 milhão na Pistola
LÂNDIA PASSOU A TER UM MENU EXÓTICO lotaria por acaso e algemas
E VARIADO À BASE DE PRATOS Um vendedor de lotaria, de na casa
46 anos, do estado indiano de banho
COM FOLHAS DE CANÁBIS, DES- de Kerala, não queria acre- Os clientes de
DE QUE A PLANTA FOI RETIRA- ditar que o único bilhete uma loja em
DA DA LISTA DE NARCÓTI- que não vendeu, da edição Osaka, no Japão, encontra-
de Natal e Ano Novo, foi o ram um cinturão com um
COS NO PAÍS. A INICIATIVA premiado. O homem ga- par de algemas e uma pis-
PRETENDE ATRAIR CLIEN- nhou mais de 1 milhão de tola, na casa de banho. Ti-
TES E AJUDAR NA RECUPE- euros e quer montar o nha sido um polícia que se
RAÇÃO DOS PACIENTES. seu próprio negócio. esqueceu lá do material.

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RITA BERTRAND

OBITUÁRIO
Larry King (1933-2021)
A entrevistar celebridades na CNN, rio político, perguntando-lhe se tinha EM 1985, mesma “coelhinha da Playboy” (em
tornou-se ele próprio uma estrela. intenção de ser Presidente. O então A CNN DESA- 1961 e 1968, casando com outra pelo
Casou-se oito vezes, uma delas com empresário respondeu que não, mas, FIOU-O A meio) e teve mais dois filhos (faleci-
uma ex-mulher, e não resistiu à Co- em 1999, voltou ao programa para TRANSFERIR dos em 2020). Em 1972, após ser
vid. Morreu no sábado, aos 87 anos anunciar que iria concorrer ao cargo. O SEU PRO- acusado de corrupção (mas não con-
GRAMA DE denado) em tribunal, divorciou-se
Sempre mulherengo SUCESSO DA definitivamente dela.

M
arlon Brando já não era um Nascido a 19 de novembro de 1933 RÁDIO PARA Estava em horário nobre na rádio
sex symbol e tinha fama de em Brooklyn, Nova Iorque, Lawren- O ECRÃ desde 1978 quando, em 1985, a CNN
irascível quando, em 1994, ce Seiger era filho de imigrantes ju- o desafiou a transferir o seu progra-
foi ao Larry King Live. À pergunta deus e viveu da assistência social ma de sucesso, baseado em entre-
“Preferias ter sido músico?”, respon- quando o pai morreu, era ainda miú- vistas descontraídas – estilo adotado
deu enigmaticamente: “Se o cão não do. Sonhava fazer rádio e um dia viu para escamotear a falta de prepara-
parasse para fazer chichi, talvez ti- um anúncio de uma pequena es- ção – para o ecrã, tornando-se tão
vesse apanhado o coelho.” Depois tação de Miami a pedir es- célebre como os seus entrevis-
trautearam um dueto, que culminou tafetas. Ficou com o tra- tados: fez de si próprio em
com um beijo na boca. Dois anos de- balho e mudou-se mais de 30 filmes e edi-
pois voltou a surpreender o apresen- para lá, conseguindo tou vários livros de me-
tador, ao declarar que Hollywood entrar no ar em 1957, mórias, incluindo um
era “uma treta, por estar nas mãos porque o DJ da ma- sobre o ataque cardía-
dos judeus”. Era o caso de Larry. nhã não apareceu. Fi- co (e a cirurgia de
Foi das poucas celebridades – e cou com o programa, bypass quíntuplo) que
não houve quem não tivesse passa- passando depois para a sofreu em 1987.
do por lá, de Frank Sinatra a Lady informação desportiva e O sexto casamento durou
Gaga, de O. J. Simpson a Seinfeld – a mudando de nome: o di- de 1976 a 1989 e o sétimo, de
desconcertar o apresentador no seu retor achava o verdadei- 1989 a 1992. Em 1997 levou ao
programa da CNN, o mais visto, en- ro “demasiado étnico”. altar a oitava mulher, com quem
tre 1985 e 2010, do canal de infor- Ao mesmo tempo que teve mais dois filhos e passou
mação. Havia uma razão para ser prosperava profissio- por dois processos de divór-
tão popular: estivesse com um artis- nalmente, a sua cio, que acabaram em
ta, político ou corretor de Wall Street, vida sentimental reconciliação.
fazia perguntas pessoais, como as era um caos. O Entretanto ficou diabé-
que gente comum faria. Além disso, primeiro filho, de tico, superou cancros na
tinha uma imagem descontraída – um casamento que próstata e no pulmão e
suspensórios e camisa com as man- durou meses, só o teve um AVC: estava
gas arregaçadas, o que à época, era conheceu três dé- debilitado demais para
uma novidade na televisão. cadas mais tarde. combater a Covid-19,
Em 1987, ao receber Donald Depois casou-se de que morreu no sá-
Trump, Larry fez-lhe um questioná- duas vezes com a bado, no hospital. W
LUIS GRAÑENA

Cardoso e Cunha Natural de Leiria, António Cardo- nomeado comissário europeu


(1933-2021) so e Cunha formou-se em Enge-
nharia Química, trabalhando na
quando Portugal aderiu à CEE,
em 1986.
Militante do PSD, foi deputa- indústria quando, na década de Aí ficou até 1993, acompanhan-
do, ministro dos governos 70, se tornou militante do PSD, do os dois mandatos históricos da
da AD, primeiro comissário pelo qual foi eleito deputado da presidência de Jacques Delors, e
europeu português e presi- AD liderada por Sá Carneiro. cinco anos depois ressurgiu como
dente da TAP. Morreu no Ascendendo a ministro da Agri- comissário da Expo 98, tornando-
último domingo, 24 de cultura e Pescas, cargo que man- -se de seguida presidente da TAP,
janeiro, aos 87 anos teve quando o primeiro-ministro onde esteve até 2004. Foi o seu
passou a ser Pinto Balsemão, foi último cargo público. W

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INDISCRETOS A escandaleira
da lancheira
! pelo ex-secretário de Estado Fran-
O EMBAIXADOR INDIGNADO cisco Seixas da Costa: “Ou vão de

VITOR CHI
O restaurante do Parlamento conti- lancheira?” — o choque, o horror,
nua aberto, mesmo com confina- uma lancheira em São Bento. Não
mento e até para jantares, nos dias viria mal ao mundo, dizemos nós, !
em que houver trabalhos. É equipa-
rado a um refeitório de empresa.
mas Marcelo Rebelo de Sousa foi
mais longe que a lancheira e Carreiras,
Nem sempre as regras são
cumpridas, é certo: note-se o
mostrou como se faz: almo-
çou em campanha um su-
o desconsolado
ajuntamento na foto da di- plemento proteico Fortimel, Carlos Carreiras, autarca de Cas-
reita, a que a SÁBADO teve que, anunciou, “substitui cais, andou desapontado com o
acesso. Os ataques à polémi- uma refeição”. É dar a dica (baixo) nível de civismo de alguns
ca decisão foram contrariados ao senhor embaixador. munícipes. Denunciou gente a
passear a trela sem cão, interdi-
tou o paredão e houve quem sal-
tasse barreiras (os “chico-esper-
tos”) e partilhou a imagem de um
atleta a exercitar-se entre as
baias que fechavam o espaço: “O
que chamar e fazer a este indiví-
duo?”, perguntou.

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA


!
Lavar roupa suja em
público à moda do CDS !

O ambiente no CDS está de tal forma que andam Acrílico


líderes distritais em épicas discussões pe-
las redes sociais. Henrique Monteiro, da
à presidência!
Guarda, e João Merino, de Setúbal, foram A presidência portuguesa da
estrelas maiores de uma delas. Recolhe- União Europeia fez uma enco-
mos um best-of: “Quando o CDS sair dos menda de 27.456 euros de bar-
escombros”; “só se for coerência no reiras de acrílico, por ajuste di-
choradinho”; “este partido tem de- reto, a 21 de janeiro. Ainda vêm
masiados campeões de teclado”; a tempo de futuras reuniões.
“não me dê lições de moral”; “se E talvez dê jeito, já que Portu-
soubesse as suas obrigações não gal acabou criticado por pro-
fazia este tipo de guerrilha públi- mover encontros presenciais
ca”; “quem anda a denegrir o par- em Lisboa que puseram depois
tido e quem o tornou alvo de ironia vários responsáveis de quaren-
e chacota”; “já apresentou a sua de- tena em Bruxelas, já que o mi-
missão?”; “não tenho explicações a nistro das Finanças, João Leão,
dar-lhe”. O que pensará Francisco estava infetado... Com acrílico
Rodrigues dos Santos? é outra coisa.

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O CARTOON
Por Vasco Gargalo

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Opinião

A LAGARTIXA O 5. A Iniciativa Liberal teve o mesmo

E O JACARÉ Notas sobre tipo de simpatia dos media que teve


o Bloco de Esquerda, mas os resulta-

Na verdade, quem travou as eleições dos foram maus. Primeiro, aquilo é


liberalismo só de nome. Segundo,
o Chega não foi Ana
Gomes, que tem um
resultado medíocre face
presidenciais mesmo com o nome é inconsistente,
abstracto e nunca elaborado para
além de umas generalidades. Reduzir
às vantagens que tinha à 1. Não gosto de analisar eleições sob o liberalismo ao combate ao Estado,
partida, mas sim Marcelo. a forma de quem ganhou ou perdeu, e a um programa económico de lais-
Não impediu que o Chega quem está para cima e quem está sez faire, laissez passer é mais “neoli-
e Ventura continuem a para baixo, um mecanismo muito beralismo” do que liberalismo, cuja
mostrar uma dinâmica mediático. Entre outras coisas porque componente política é substituída
ímpar no sistema pode-se perder e ganhar ao mesmo por uma vulgata económica que jus-
político actual tempo, ou vice-versa. E, de um modo tifica a desigualdade e a exclusão.
geral, estas análises tipo podium pre-
judicam o contexto. 6. O BE ainda não percebeu que exis-
te um claro esgotamento do seu pro-
2. Sob todos os pontos de vista, Mar- grama e acção, e esse esgotamento
celo Rebelo de Sousa teve um exce- caiu em cima de Marisa Matias. A sim-
lente resultado. Teve mais votos que patia é um bem que se esgota muito
nas eleições anteriores, teve um pa- depressa em política, pela acção dos
pel decisivo no combate à abstenção slogans. O que é que podiam dizer de
devido à pandemia e ao facto de ser o novo Marisa e BE agora que se encur-
vencedor antecipado e, ao fazê-lo, ralaram numa posição isolada com a
impediu que o voto militante, em votação do orçamento, perdendo ca-
particular no Chega, tivesse uma per- pacidade de influência no principal
centagem superior. terreno em que se mantêm, o do par-

3. Na verdade, quem travou o Chega


não foi Ana Gomes, que tem um re-
sultado medíocre face às vantagens
que tinha à partida, mas sim Marcelo.
Não impediu que o Chega e Ventura
continuem a mostrar uma dinâmica
ímpar no sistema político actual que,
penso, durará até às próximas legisla-
tivas e só depois pode vir a esmorecer.

4. Isso significa que o factor mais im-


portante fora do Chega, ele mesmo,
na sua dinâmica política, é tornar-se
inevitável para a formação de um
qualquer governo que se apresente
como de direita. Rui Rio abriu-lhe o
caminho com o acordo nos Açores.
Ventura não faz outra coisa do que
dizer que sem ele “no governo”, não
há governo alternativo ao PS. Embo-
ra já seja tarde para cortar pela raiz
esta estratégia que foi permitida ir-
responsavelmente, seria saudável
que houvesse uma posição clara de
que tal nunca aconteceria, seja sob a
forma de um qualquer acordo parla-
mentar, seja pela participação na go-
O vernação encapotada ou às claras.
Professor Este é um dos oxigénios de que Ven-
José Pacheco Pereira tura e o Chega precisam. SUSANA VILLAR

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lamentarismo? Cada vez mais o BE é mas não sabe como estancá-la. De


um partido parlamentar, e isso gasta- cada vez que vai às urnas, os resulta-
-se se não houver força cá fora. Basta dos são piores e não parece haver
mais uma eleição legislativa. muita esperança de que seja fácil in-
verter esta situação. Para travar a sua
7. O PCP beneficiou de um candidato decadência, a única coisa que o PCP
esforçado e com boa imagem, e é na- tem é o acordo com o PS que ajudou
tural que os seus resultados fossem o Governo a manter-se. É aí que o
piores sem ele. Embora considerar PCP encontra ainda uma vantagem
que a versão moderna do Manifesto para proteger, em particular a CGTP e
Comunista seja a Constituição da Re- a legislação laboral, medidas que são
pública, que nas suas sucessivas revi- fundamentais para manter algum
sões sempre teve a discordância do poder. W
PCP, não sirva para muito como pro-
grama de futuro, o principal proble-
ma não foi a campanha de João Fer- O
reira, foi o próprio PCP. Diferente-
mente do BE, que tem menos cons- Informar
ciência da sua crise, o PCP tem mais,
nos hospitais
Há medidas que não são transcen-
dentes, nem prejudiciais para o com-
bate à pandemia, nem custam muito
caro pela possibilidade de ir buscar
recursos que estão desaproveitados,
e uma delas é melhorar a informação
que os hospitais que recebem doen-
tes dão aos seus familiares. Imagi-
nem o que é entregar um pai, um ir-
mão, uma filha, numa urgência hos-
pitalar e depois estar dias sem saber
nada, com linhas telefónicas que não
funcionam, sem possibilidade de
aceder a um qualquer local onde se-
jam dadas informações no meio do
caos actual do mundo hospitalar. Na
verdade, pode-se fazer muito mais, e
é desleixo não fazê-lo. W

Texto escrito segundo


o anterior acordo ortográfico

25
Descubra
a economia
Para nos mantermos realmente informados, não basta
ler as letras grandes ou passar os olhos pelos títulos.
É preciso mais, é preciso perceber os contornos, ler
toda a história, ir até ao fundo. Só assim conseguimos
pensarpor
pensarpor nós próprios. E para isso, precisamos
de informação credível, independente e verdadeira.
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A semana

AS FRASES F
Sienna Miller, atriz, Io Donna

“Lido com tudo de


coração aberto,
atiro-me em
relacionamentos
e nunca planeio
nada. Gosto de
viver assim,
mas é mais
complicado”

28
28 JANEIRO 2021
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F
Charlene, princesa do Mónaco, Point de Vue
“Provavelmente, de todos os membros
das famílias reais, sou a que tem feito
mais penteados diferentes, mas
continuarei a fazê-lo”
F F F
Eduardo Marçal Grilo Isabel Jonet Tim
“Um Governo querer impedir que “Regredimos uma década na “Num tempo tão difícil para nós,
haja aumento de conhecimento assistência aos mais músicos portugueses sem
das pessoas, dos miúdos, parece- carenciados” trabalho, a malta da rádio, por
-me completamente descabido. Presidente do Banco Alimentar, Expresso solidariedade, devia passar
Acho que é negativíssimo” música feita em Portugal sempre
Ex-ministro da Educação, Renascença que pudesse, mesmo indo contra
F as ordens do chefe”
Soraia Chaves Vocalista dos Xutos & Pontapés, Facebook
F “Gosto de brincar com o lado
Manuel Carmo Gomes sensual, é um jogo e tenho prazer
“Não podemos continuar a fazer em fazê-lo. É como se fosse uma F
experiências. O vírus já lá vai ao construção” Ricardo Carvalho
Atriz, Caras
fim da rua e nós ainda “Nunca fui sociável. Era
continuamos a ver se o calado, fingia que bebia
conseguimos apanhar”
Epidemiologista, TSF vinho para não me
chatearem. Os meus
colegas ouviam música,
F eu rezava antes do jogo”
Ana Gomes Ex-jogador internacional, Expresso
“Na Indonésia, perguntavam-me
imensas vezes se eu era prima
do Nuno Gomes e eu dizia logo F
que sim” Margrethe Vestager
Ex-embaixadora, Nova Gente “Viver na bolha das redes sociais
tira-nos outras perspetivas”
Vice-presidente da Comissão Europeia,
F Dinheiro Vivo

André Ventura
“Um líder político não se deixa F
vacinar quando há idosos, Renato Godinho
médicos, enfermeiros e “Há uns anos que me tornei num
professores sem vacina. Eu serei abstencionista convicto. Mas
o último a ser vacinado em mudei. O mundo mudou.
Portugal” Portugal mudou”
Líder do Chega, TSF Ator, Nova Gente

F
Carolina Loureiro
“Nunca fui uma
pessoa ansiosa, dou
por mim a combater
mais do que nunca
com a minha mente”
Atriz, Instagram

29
A semana

h
O ator, de 59 anos,
deixou de beber
quando foi dia-
gnosticado com a
doença de Parkin-
GETTYIMAGES

son e isso salvou-


-lhe o casamento

30
28 JANEIRO 2021
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ENTREVISTA
Há 30 anos que o protagonista de Regresso ao Futuro vive com
a doença de Parkinson. Aos 59 anos acaba de lançar o quarto
livro de memórias onde reflete sobre a sua própria mortalidade.
Por Brennen Matthews / ROUTE Magazine / The Interview People

MICHAEL J. FOX

“Antes de Quem
Sai aos Seus estava
na penúria”

E
le é naturalmente simpáti- fui só por gozo. Mas, ao mesmo mobília. Veio até minha casa e…
co e engraçado. Nascido tempo, tinha a certeza de que ficaria vendi o sofá secção por secção. O
no Canadá, ganhou fama com o papel. Nem liguei ao facto de problema era que se tratava de um
como ator na série de tele- que outros 20 miúdos também ti- sofá alugado. [Risos.] Mas fiquei
visão Quem Sai aos Seus antes de nham feito audições. Queria muito mesmo desesperado e devia muito
passar para o cinema. Diagnostica- representar. Fazia teatro à noite, fa- dinheiro às finanças. Estava sem
do com Parkinson aos 29 anos, re- zia séries ou minisséries televisivas perspetivas e era muito duro. Depois
cusou deixar que a doença lhe defi- e pequenas aparições em vários Prémios consegui esta audição para Quem
O ator venceu
nisse a vida. Continuou a represen- programas e anúncios. Deixei a es- quatro Globos de
Sai Aos Seus e não queria fazer co-
tar e no fim do ano passado lançou cola e fui para os Estados Unidos em Ouro de melhor média. Só um miúdo de 19 anos po-
o seu quarto livro de memórias. abril de 1979, com 17 anos. ator. Três com a deria ter essa audácia; pensei que
série Spin City e me pouparia para papéis em filmes
Cresceu numa casa com quatro A sua situação financeira estava um com Quem e que não faria uma série de comé-
irmãos. Quão cedo na sua vida tão complicada que, mesmo antes Sai aos Seus dia. Os meus amigos é que me disse-
soube que queria ser ator? de Quem Sai Aos Seus (transmiti- ram: “Estás a comer papel. Precisas
É curioso, é difícil isolar a parte da da na RTP2, nos anos 80), estava a de arranjar um emprego.” [Risos.]
representação em si. O meu pai es- vender peças de mobiliário para
tava no exército, por isso a vida era pagar as contas. Então foi.
bastante simples. Mas eu levava Antes de Quem Sai Aos Seus estava F Sim, fiz a audição e eles gostaram.
uma [forte] vida de fantasia. Assim, na penúria. Estava mesmo. Tinha “Tinha um Achei que a personagem era mesmo
ao longo dos anos, desenhei muito, um senhorio que passava por minha senhorio que engraçada. Fui a primeira pessoa
pintei, escrevi histórias, toquei em casa todos os dias e que eu tentava passava por que viram. Queriam o Matthew Bro-
bandas – estava sempre a fazer esse ao máximo evitar. Já não tinha tele- minha casa derick, mas ele recusou, por isso vi-
tipo de coisas. Quando estava no 11º fone. Tinha esta mobília e havia um todos os dias e ram-me primeiro. Lloyd Garver, um
ano, a Canadian Broadcasting Cor- ator, o Lance Guest, que fez um fil- que eu tentava dos argumentistas, disse-me que a
poration precisava de um miúdo me chamado O Último Guerreiro do ao máximo sua reação depois da minha audição
para um programa televisivo, e eu Espaço (1984), que me comprou a evitar” foi: “Gostei dele.” Por ele, estava Q

31
A semana

Q decidido, mas o Gary [Goldberg,


produtor-executivo] não gostou de
mim. O Gary disse: “Não o quero ver
novamente. Sou um homem adulto.
Sei do que gosto e do que não gosto.
Não gostei dele.” Assim, cerca de um
mês depois, a Judith voltou a cha-
mar-me. Durante este período, eu
estava a passar fome – comia inse-
tos e larvas e outras coisas. Voltei
para outra audição e tinha perdido
peso, porque estava verdadeira-
mente na pobreza, mas tinha me-
lhor aspeto, estava mais elegante e
consegui o papel.

Estava pronto para a fama e o


sucesso que a série lhe trouxe?
Não há forma de nos prepararmos
para isso. Mesmo que haja… Creio
que um membro da família real pos-
sa estar preparado. O Carlos está, ou
GETTYIMAGES

o William, ou a quem for que isso


seja dito desde tenra idade, que é
com isso que terão de lidar enquanto
crescem. É o que têm de suportar e
têm de o gerir desta forma, têm de g grande ator, e não me disseram comportamentos habitassem o cor-
lidar e, ainda assim, lixam tudo. Por Michael J. Fox nada. Iam partir-me o coração. po de uma pessoa verdadeira, de um
sentado no
isso, para um miúdo do Canadá que Delorean do Começaram a filmar com o Eric, mas miúdo demasiado baixo, demasiado
gostava de beber cerveja, fumar, filme Regresso não estava a correr como queriam. esperto, demasiado autoconsciente,
conduzir demasiado depressa, meter ao Futuro O Gary ligou-me e, uma semana de- bem como todos os seus pontos
conversa com raparigas e ser idiota, pois, estava sentado num parque de fracos. Fez-me sentido.
bem, quando essa oportunidade estacionamento com chamas a pas-
apareceu, agarrei o touro pelos cor- sar-me por entre as pernas. Manteve isso ao longo da carreira?
nos e aproveitei-a. Sim. Depois, com o sucesso, o pro-
Quando era mais novo, alguma blema inverte-se, as pessoas dei-
Levei o meu filho de 12 anos pela vez teve problemas por não ser xam-te fazer tudo do ponto de vista
primeira vez ao drive-in a noite suficientemente alto? Estou a pen- comportamental, social e profissio-
passada e estavam a exibir sar nos estereótipos de Hollywood nal. “Queres fazer Corações de Aço
Regresso ao Futuro [1985]. Depois em relação aos protagonistas [1989]? Ótimo.” Então, de repente,
de todos estes anos, ainda é um masculinos. estás no meio da selva, à noite, com
excelente filme. É verdade que Quando era apenas aspirante a ator, chuva torrencial, bombas a disparar
inicialmente recusou o papel? foi um problema. Não conseguia que à tua volta, o Sean Penn a gritar con-
Não, não recusei, não foi recusado as pessoas ignorassem a minha altu- tigo, e pensas: “O que é que fui fazer?
por mim. O Gary Goldberg e o Ste- ra ou as perceções que tinham sobre Porque é que estou aqui?” Por isso,
ven Spielberg eram muito bons ami- ser canadiano. Fosse o que fosse, ti- sabe, a vida pode ficar muito fora de
gos. Começaram a pré-produção nha de me concentrar no que fazia e controlo. Não é fora de controlo, mas
de Regresso ao Futuro. Nessa altura, no que podia fazer e esperar que, de muito inebriante. Tinha 23 anos, um
o Steven tinha-se encontrado com o F alguma forma, se tivesse talento, que Ferrari, um Mercedes e um Range
Gary e com o Bob Zemeckis, e disse: “Tinha 23 ele se destacasse e que seria final- Rover. Saía de manhã e dizia: “Que
“Gostávamos que o Michael Fox en- anos, um mente reconhecido apenas pelo que carro vou conduzir até à Paramount
trasse neste filme.” E o Gary respon- Ferrari, um conseguia fazer. Quem Sai Aos Seus hoje?” Foi uma época interessante.
deu: “Somos finalmente um sucesso, Mercedes e oferecia algo único, porque havia
estamos a ter boas audiências e não um Range esta personagem que tinha este con- Quando tinha 29 anos, a vida cor-
posso dispensar este miúdo por uma Rover. De junto de traços de personalidade. E ria-lhe bem... e depois diagnosti-
temporada inteira. Vou perder o meu manhã dizia: encontrei uma forma de os absorver caram-lhe a doença de Parkinson.
programa.” Eles disseram que com- ‘Que carro vou e de os deixar sair da forma mais na- Sendo jovem, teve alguma com-
preendiam. Então, escolheram o Eric conduzir tural possível, sem parecer forçado e preensão do que isso realmente
[Stolz], uma ótima escolha, é um hoje?’” caricatural, mas antes como se estes implicava?

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a tudo isto, porque tínhamos casado F outro. Como a Tracy diz sempre, da-
há pouco tempo. “Para mim o mos um ao outro o benefício da dú-
Parkinson era vida. Se achamos que ouvimos algo
A Tracy parece ser uma pessoa só uma que não gostamos, é muito provável
muito sólida e ponderada. doença de que não tenha sido essa a intenção.
Suspeito que a sua reação tenha pessoas mais Pergunte antes de ficar zangado. A
sido de apoio? velhas. vida é demasiado longa para nos
Ela é uma pessoa muito organizada. Demorei a envolvermos em disputas dessas.
Para ser honesto, é por causa da es- interiorizar
cola em que andou. Ela geralmente a situação” Com a doença de Parkinson,
foca-se e diz: “OK, esta é a situação. ajuda-o estar ocupado e canalizar
Isto é o que vamos fazer.” Mas ficou a sua criatividade?
sem reação, porque também não Se não mantivermos a mente ocu-
fazia ideia do que se tratava. F pada, perdemo-nos no que não
“Se não conseguimos fazer, e não vemos as
Os homens têm uma necessidade mantivermos oportunidades que se abrem para
inata de se sentirem fortes e a mente nós. Já senti os meus movimentos
cuidarem da família. No seu novo ocupada, diminuídos e escrevi muito sobre
livro No Time Like the Future: An perdemo-nos movimento porque é algo impor-
Optimist Considers Mortality no que não tante para mim. Mas, com a dimi-
[lançado em novembro de 2020], conseguimos nuição ou limitação de movimentos
a doença parece tê-lo privado, de fazer, e não ou com o cuidado nos movimentos,
certa forma, dessa oportunidade. vemos as há tempo para pensar nas coisas e
É só uma parte disso. A outra parte oportunidades para olhar para elas de um ângulo
é que percebemos quando está a que se abrem” diferente. De algumas formas, as
acontecer, mas também reconhece- minhas oportunidades e capacida-
Não tive ideia porque a doença de mos o resto. Ao deixar isso entrar ou des estão a diminuir, mas este senti-
Parkinson para mim era algo que… ao dizer, “Sim, cuidaram de mim ali”, do está muito aguçado.
Quer dizer, Muhammed Ali teve-a isso é na verdade algo que aconte-
aos 50. Além disso, para mim, era só ceu toda a minha vida. Tive pessoas É muito mais do que a doença de
uma doença de pessoas mais velhas. como a Nina, a minha assistente, que Parkinson: está a fazer muito mais
Era mais um conceito do que uma toma conta de mim em tudo o que do que apenas lutar e trabalhar
doença. Demorei um pouco a inte- faço, sabe que comprimidos tomo, pela pesquisa e cura da doença.
riorizar a situação. Guiava-me pelas quando fui à casa de banho pela últi- Alguma vez se cansa de estar tão
reações das pessoas. Dizia à minha ma vez, sabe coisas que não deveria ligado ao facto de estar doente?
família e aos meus amigos, ou às saber. Mas não faz mal, porque me A doença de Parkinson? Desistiria
pouquíssimas pessoas a quem con- alivia noutras áreas da minha vida. dela num segundo. Afastá-la-ia ra-
tei, o tom com que os médicos fala- A minha casa, por exemplo, não a pidamente. Mas aquilo a que se re-
vam. As atitudes que elas revelavam pode ver agora, mas é uma boa casa. fere, contudo, é algo extraordinário,
é que me diziam que isto era mes- Temos um sítio seguro para estar o estar ligado à doença. Gostava de
mo muito sério. durante a pandemia, e eu sei que sou não a ter, mas como tenho, estou
responsável por muito disso, ou pelo bastante grato pela associação que
Teve medo? menos, parcialmente responsável. as pessoas fazem, porque fomos ca-
Tive medo. Estava mais confuso do Nesse sentido, protejo sempre a mi- pazes de angariar 1.000 milhões de
que assustado, mas tive medo. Tive nha família. Falei com os meus filhos dólares [cerca de 830 milhões de
uma sensação de desgraça incontro- sobre o que querem fazer das suas euros] para investigação, e estamos
lável, mas não havia nada a que aco- vidas, o que precisam e tudo isso. realmente a ultrapassar barreiras. As
plá-la, já que, na altura, a pior coisa Posso cair a caminho da cozinha, coisas que exploramos na área da
que estava a acontecer era que o mas levanto-me e faço o que estava genética, em termos de encontrar
meu cérebro estava um pouco es- a fazer e não digo que não mereço um marcador, de encontrar uma
quecido e o meu braço dorido. Não estar na cozinha só porque caí no forma de identificar a doença antes
tinha ideia da extensão da doença. caminho. É apenas a realidade. Casamento de se tornar evidente, para que pos-
Sabia o quadro final, mas não sabia O ator conheceu a samos tratá-la e interromper a sua
quanto tempo iria demorar a lá che- A que é que atribui isso? Para vocês, mulher, Tracy progressão e os sintomas antes de
Pollan, quando ela
gar, ou que intervenções e medica- qual tem sido a chave de uma rela- serem aparentes. Estamos a chegar
fez de sua namo-
mentos poderia aplicar durante o ção e um casamento sustentáveis? rada em Quem Sai perto disso. Estar numa posição que
processo para o tornar mais fácil. Sabe, as coisas banais que fazem um aos Seus. Casaram pode ajudar a influenciar essa mu-
A minha reação dependeu também casamento ser bom. Gostamos mes- em 1988 e têm dança torna-nos humildes e é algo
muito da resposta da Tracy [Pollan] mo um do outro, e confiamos um no quatro filhos de que me orgulho. W

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Sábado

PREMIUM. MUDANÇAS NO ONLINE A PENSAR EM SI

Um site renovad
A NOVIDADE
Três edições diárias com artigos exclusivos a assinantes e novas funcionalidades que

D
e cara lavada e com muitas
novidades, a SÁBADO on-
line está à sua espera. Com
um design mais simples e
moderno, feito a pensar em si, o
novo site passou também a ter a
maioria dos conteúdos de acesso ex-
clusivo a assinantes. No fundo, a SÁ-
BADO segue o caminho percorrido
pelas grandes marcas mundiais que
procuram valorizar o jornalismo de
qualidade e dar sustentabilidade aos
meios de comunicação online. Nesta
primeira semana demos-lhe em ex-
clusivo a notícia sobre como o clã
Ricciardi levantou 24 sacos de notas
de 500 euros do BES antes da queda
do banco e ainda a acusação do
Ministério Público aos líderes da
WingsNetwork, um esquema de
pirâmide que lesou mais de 13 mil
pessoas em 15 milhões de euros. W
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Edições do Dia
Tenha acesso às princi-
pais notícias: de manhã,
à tarde e à noite.
Três edições com a
melhor informação

Opinião
Acompanhe o olhar único
dos nossos cronistas.
Nomes como Ana Rita
Cavaco, João Paulo
Batalha, entre outros

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ado à sua espera


facilitam a leitura, o novo site da SÁBADO tem tudo o que precisa para se manter informado

Investigações Interatividade
Uma nova área exclusiva na A informação passa
qual pode ficar a par das in- a ser apresentada de
vestigações SÁBADO. De es- forma mais interativa. www.sabado.pt
cândalos financeiros aos Dando ao leitor maior
meandros do desporto controlo do que lê

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do.pt

Entrevistas Novo design


Conversas de vida com O novo site tem um
as mais relevantes figuras aspeto mais moder-
nacionais e internacionais, no a acompanhar
que contam tudo na a qualidade
primeira pessoa da informação

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Destaque

BASTIDORES. O NERVOSISMO NO HOTEL E AS FELICITAÇÕES INTERNACIONAIS

j
O líder do Chega!
a dirigir-se aos
apoiantes após o
resultado das
Presidenciais

A NOITE DOS
496.651 VOTOS…
JOÃO MIGUEL RODRIGUES

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...E O DIA SEGUINTE


Rodeado pelas pessoas de confiança, André Ventura passou
a noite num hotel de Lisboa onde tudo foi preparado para o
Chega! passar uma imagem de força e dinamismo. Na manhã
de segunda-feira, acordou com uma mensagem de Eduardo
Bolsonaro, filho do Presidente brasileiro. Por Alexandre R. Malhado

h
Na sede do
partido, na
segunda-feira,
25, com
António, o gato
recentemente
adotado

37
Destaque

N
a manhã de 25 de h
janeiro, André A mulher de
André Ventura,
Ventura acordou Dina, acompa-
um pouco mais nha-o em todos
tarde do que o os momentos e é
muito influente
costume. Na res- no partido
saca das presi-
denciais, e de quase duas semanas
de campanha acelerada de norte a
sul do País, passou a manhã a dor-
mir no hotel Marriott, Lisboa, o local
escolhido para viver a intensa noite
eleitoral. Já acordado, enquanto na-
vegava no telemóvel pelas dezenas
de notificações de WhatsApp, uma
mensagem de voz surpreendeu-o:
160
mil euros
FOTOS JOÃO MIGUEL RODRIGUES

“Bom dia André! Daqui Eduardo foi o orçamento


Bolsonaro, aqui do Brasil”, come- da campanha
çou o deputado federal de São presidencial do
Paulo e filho do Presidente do Bra- deputado de
sil, Jair Bolsonaro. “Acabei de ver o extrema-direita.
seu discurso, você tweetou. Vi aqui Só em cartazes nor. Antes do discurso, os jornalistas
agora o seu discurso… Sensacional, gastou 50 foram informados por uma asses- Chega! nas urnas
os resultados da eleição aí. Eu não mil euros sora de que não haveria espaço
É a terceira vez que o partido
tinha assim a ideia que foram tão para perguntas. No entanto, acres-
de extrema-direita vai a votos
positivos assim, não. Parabéns, centou também que os repórteres
cara. Desejo muito sucesso a vocês, poderiam “tentar arrancar algumas Europeias
espero conhecê-los. E é isso aí, declarações à saída da sala”. Fun- 1,49%
cara… Fazendo o certo, sendo fiéis cionou: a imagem que passou para Sob a coligação Basta, o então
aos princípios...” o exterior foi a dos jornalistas a se- movimento Chega não
A mensagem, que a SÁBADO ou- guirem o líder do Chega! que aca- conseguiu eleger
viu em parte, prolongou-se durante bou, realmente, por responder a
vários minutos. E foi apenas uma algumas questões. Legislativas
das felicitações recebidas por André Ao seu lado, como sempre, três 1,29%
Ventura de vários líderes populistas seguranças garantiam que ninguém André Ventura foi eleito pelo
e da extrema-direita internacional, O silêncio se aproximava demasiado. Aliás, círculo eleitoral de Lisboa
na sequência do resultado obtido Na noite eleito- essas precauções sentiram-se du-
nas eleições presidenciais: 11,90%, ral, nenhuma rante toda a noite eleitoral. Até che- Presidenciais
ou 496.651 votos. Para além de ser declaração teve gar à sala de conferências, a SÁBA- 11,90%
a primeira vez em democracia que direito a per- DO foi intercetada três vezes. Às Naquela que foi uma candida-
uma figura populista da extrema- guntas de jor- 18h nem sequer era possível entrar tura unipessoal, Ventura alcan-
-direita chega aos dois dígitos nalistas. Nem o no parque de estacionamento do çou os dois dígitos. É, contudo,
numa eleição, o resultado pode discurso final hotel sem passar por três agentes o único rosto do partido
também pronunciar uma reconfigu- de Ventura da Polícia de Segurança Pública que
ração política em Portugal, caso verificavam a identidade. O proces-
esse resultado se repita numas elei- so de identificação era repetido à
ções autárquicas ou legislativas. Foi entrada do hotel – cujas portas, ou- tom irónico. Fonte da direção expli-
por isso que, mais do que um dis- trora automáticas, só abriam com o cou o motivo: “Queríamos evitar si-
curso de vitória, a intervenção de cartão do porteiro – e reconfirmado tuações tipo Setúbal”, explica. Tal-
André Ventura pouco antes da de ANDRÉ VEN- novamente à porta da sala de con- vez isso explique o maior aparato
Marcelo Rebelo de Sousa mais se TURA INSTA- ferências. A meio da noite, ainda foi policial. À chegada de André Ventu-
assemelhou a um comício, com LOU-SE NUM pedido aos jornalistas que abando- ra, às 18h45, dezenas de polícias
música, aplausos de militantes, gri- DOS CINCO nassem a sala para que, um a um, saíram das suas carrinhas da PSP
tos de ovação ao líder que garantiu QUARTOS pudessem verificar a carteira pro- apenas para observar o estaciona-
em direto nos vários canais televisi- DO HOTEL fissional de todos. Os repórteres, mento de dois Mercedes e um Vol-
vos: “PSD, ouve bem, não haverá MARRIOTT alguns em direto, recusaram-se. vo, de onde saiu o candidato presi-
Governo sem o Chega” (ver mais na RESERVA- “Nem chefes de Estado recebem dencial. Após breves declarações,
entrevista na página 41). DOS PELO estas honras”, comentava à SÁBA- subiu ao segundo andar do hotel,
Tudo ali foi preparado ao porme- PARTIDO DO um funcionário do hotel, em onde se instalou num dos cinco

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Rui Paulo Sousa, a assessora Patrí- A NOITE nemas recebidos por Ventura, por
cia Carvalho, a gestora de redes so- ELEITORAL exemplo, pertenceu a um diretor de
ciais, Rita Matias e o amigo Luc FOI PASSADA um órgão de comunicação social,
Mombito), a direção (Diogo Pache- NUM HALL que frisou: “André, vais ficar em
co de Amorim, Nuno Afonso e Pe- COM QUA- segundo. Vais ver.”
dro Frazão) e os presidentes dos ór- TRO TELEVI- Ao contrário da agitação que se
gãos nacionais (Luís Graça, cujo SORES NOS vivia no segundo andar do Marriott,
passado ligado à fundação da Nova PRINCIPAIS militantes e dirigentes distritais do
Ordem Social, movimento neonazi CANAIS partido aguardavam no piso térreo
de Mário Machado, foi revelada pelos resultados. Entre os líderes
pela SÁBADO e que, apesar das ga- das distritais com mais peso esta-
rantias de André Ventura de que vam os de Lisboa, Pedro Pessanha
não ia tolerar extremismos, conti- (militar na reserva e gestor imobi-
nua no partido num cargo de desta- liário, foi diretor do Banco Econó-
que) estavam autorizados a entrar – mico, rebranding do BES Angola
e na altura de ir comer, cada um após a derrocada do banco), e de
teve de ir para um quarto. Todos Setúbal, Luís Maurício. A represen-
pediram peito de frango, mas André tar o Porto estava Jerónimo Fernan-
Ventura, por estar a fazer dieta, op- As pedras des, líder da concelhia que, como a
tou por uma salada César. As pedras “de SÁBADO também noticiou utilizou
todas as cores” as redes sociais para insultar adver-
quartos reservados pelo partido. Não Extremistas na festa que Tino de sários: Marisa Matias foi classificada
voltaria a sair de lá até ao fim da A partir do fim da tarde, quando Rans ofereceu de “pu…”, o CDS de “partido pane-
noite, para o discurso em que recla- alegadas sondagens começaram a a Ventura num leiro” e o líder do PAN, André Silva
mou vitória e anunciou a demissão circular nas redes sociais, a maioria debate televisi- de “sofredor hemorroidal”. Entre os
por ter ficado atrás de Ana Gomes. dos presentes passou o tempo em vo estão na presentes estava também Nelson
De acordo com informações reco- chamadas telefónicas para tentar sede do Chega Dias da Silva, ex-membro da NOS e
lhidas pela SÁBADO, a noite eleito- confirmar a sua veracidade. “Era porta-voz do movimento Portugue-
ral foi passada no hall de um quar- muito nervosismo. A partir das cin- ses Primeiro, liderado por João
to, onde foi montado um pequeno co da tarde, começaram a circular Martins, condenado a 17 anos de
gabinete improvisado, com quatro sondagens (a maioria falsas). Uma prisão pelo homicídio de Alcindo
televisões nos principais canais. Por dava a André para baixo de 6% ou i Monteiro.
restrições impostas pelo hotel, só a 5%, outra dava uma segunda volta, O líder do Chega! Os resultados acabariam por dar
esteve sempre
comitiva presidencial (a mulher, Di- com Marcelo com 49%…”, conta um rodeado por 60,7% a Marcelo Rebelo de Sousa –
na Ventura, o mandatário nacional dirigente do partido. Um dos telefo- três seguranças o grande e incontestado vencedor –
e 12,97% a Ana Gomes. Ao conhecer
os números finais, Ventura decidiu
não ligar ao Presidente da Repúbli-
ca: “Felicitei-o em público, no meu
discurso, mas fiquei particularmente
chateado com ele por naquele dia
de Setúbal não ter dito nada”, expli-
cou mais tarde à SÁBADO.
Também não telefonou a Ana Go-
mes – “Claro que não!”, reagiu –,
que ficou à sua frente e o levou a
demitir-se e a prometer um con-
gresso do Chega! no futuro que,
apurou a SÁBADO, só acontecerá
depois da pandemia.
Apesar do terceiro lugar, os quase
500 mil votos conquistados no do-
mingo traduzir-se-iam em 17 luga-
res no parlamento, num cenário hi-
potético em que o Chega alcanças-
se um resultado idêntico nas legis-
lativas, de acordo com o Jornal de
Negócios. Esse será um dos gran-
des problemas do partido. Como Q

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Destaque

j
André
Ventura à

O
secretária
do seu gabi- líder do Chega! recebeu a
nete na sede SÁBADO na sede do par-
do Chega!,
em Lisboa tido para a sua primeira
entrevista após as eleições
presidenciais do passado domingo.
Diz que vai usar os resultados para
preparar as autárquicas e deixa um
aviso à direita: não pretende mo-
derar-se e quer um governo Che-
ga!-PSD e não PSD-Chega!
JOÃO MIGUEL RODRIGUES

Há um mês, na entrevista que


deu à SÁBADO, disse: “Para mim
é evidente uma coisa: se ficar
atrás de Ana Gomes, neste con-
Q constituir um grupo parlamentar? prio André Ventura pintados por texto, de não haver apoio do PS,
André Ventura diz que tem “isso na militantes. Foi aí que recebeu a SÁ- acho que Ana Gomes é uma má
cabeça”. “Estamos a fazer um esfor- BADO ao fim da tarde de segunda- candidata, se eu não tiver um re-
ço para identificar os melhores -feira. No seu gabinete, uma divisão sultado melhor é porque fiz um
quadros do partido porque pode- austera com mobiliário em madeira mau trabalho.” Mas no domingo
mos ter eleições este ano ou no e um pequeno bar com três garrafas pareceu um discurso de vitória,
próximo”, explicou. – uma de CRF e duas de whisky, até falou de “uma noite históri-
Segundo as informações recolhi- andava António, o gato adotado há ca”. Em que ficamos?
das pela SÁBADO, vice-presidentes poucos meses pelo partido. Acho que tivemos um resultado
do partido, como Diogo Pacheco de Foi também aí que recordou as extraordinário, de facto. Acho que
Amorim e Nuno Afonso, membros várias felicitações de outros líderes 12% para um partido que veio de
da direção, como Pedro Frazão e populistas e da extrema-direita in- 1% é histórico. Acho que vai recon-
Rui Paulo Sousa potencialmente se- ternacional. Desde logo, dos cole- figurar a direita em Portugal. Mes-
rão candidatos. No último congres- gas do grupo político do Parlamen- mo assim, atendendo que a candi-
so, a integração de novos militantes to Europeu, Identidade e Democra- data é Ana Gomes, acho que devia
como o diplomata António Tânger e cia (ID) como Marine Le Pen (Rea- ter feito mais – e portanto, a res-
o académico Gabriel Mithá Ribeiro grupamento National), que esteve ponsabilidade é minha. É impor-
para a direção do partido foi tam- em Portugal durante a campanha a tante dar aos militantes a palavra,
bém uma “tentativa de arranjar apoiá-lo e Matteo Salvini (Liga Nor- para saberem se querem ou não
pessoas com alguma experiência, te) que lhe disse estar “triste por não esta continuidade. Eu avalio positi-
ou na vida política ou pública, e que ter vindo”. Mas também de outras vamente isto pelo número, mas
possam apresentar alternativas cre- forças das quais o Chega! está ainda este número só me deixaria feliz se
díveis”, conta um membro da dire- a tentar aproximar-se, como o Vox Ana Gomes tivesse 11% ou 10%. Ela
ção do Chega. (Espanha) e o AfD (Alemanha). “Es- não conseguiu esse resultado por
tavam no grupo dos conservadores, ela, foi por ser socialista. Se tivesse
Apoios internacionais mas com a saída dos ingleses… es- sido o candidato do PSD, tinha tido
Na manhã de segunda-feira, após tão interessados [em entrar para o 40%, provavelmente.
sair do hotel – onde o quarto mais ID] e nós queremos ser protagonis- Não acha que foi vítima da
barato custa 107 euros por noite –, tas dessa integração”, diz à SÁBA- sua própria arrogância.
André Ventura e a mulher foram al- DO fonte da direção do Chega!. Um político é como um
moçar a casa e depois o deputado Aliás, pôr o partido no mapa dos treinador de futebol: tem
dirigiu-se à Assembleia da Repúbli- movimentos populistas internacio- de estabelecer metas e
ca. No seu gabinete despachou o nais é um objetivo para os próximos tem de viver de resulta-
trabalho parlamentar e fez uma re- anos. Ventura não o esconde. Para dos. Eu estava sentado a
trospetiva do que fora a noite ante- além das recentes viagens a Itália e ouvir o PCP a dizer que
rior ao olhar para o mapa que mos- da vinda de Marine Le Pen a Portu- saía deste resultado mais
tra o segundo candidato mais vota- gal, fez questão de mencionar os firme. O País todo ri-se
do em todo o País (ver pág.43). seus homólogos estrangeiros nos disto. Estabelecemos
Em seguida, dirigiu-se à sede do discursos de candidato à Presidên- um objetivo. Podia ter
Chega!, um primeiro andar nos ar- cia da República. O objetivo não sido o grande vence-
redores do parlamento com cinco será apenas mediático: aceder a dor da noite se não
gabinetes e onde só se entra depois uma rede de contactos e de poten- tivesse posto obje-
de se passar por um segurança e ciais financiamentos poderá ser tivo nenhum.
que está repleto de quadros do pró- fundamental no futuro. W O que é que aconte-

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ceu com o mau resultado no Por- A junta é para ganhar.


Entrevista a to? Foi por causa das polémicas Onde vão arranjar caras novas?
em torno de César do Paço e José Vai ser um esforço muito grande.
ANDRÉ VENTURA Lourenço? A minha intenção é ir a todos os
Depois de conseguir quase 500 mil vo- Francamente, acho que não. É pre- concelhos. Essa é a meta.
tos nas presidenciais, o líder do Chega! ciso ter em conta que o Porto, nas Já que não vai ser candidato au-
legislativas, foi o nosso pior resulta- tárquico, já encontraram algum?
dá por adquirida a reeleição no partido
do ao nível nacional. Há aqui vários Ainda não, estamos a fazer esse
e já aponta para as autárquicas. fenómenos que se cruzam, o fute- trabalho. Alguns eu já tenho na ca-
bol pode ainda ser um deles em ter- beça, sobretudo nas grandes cida-

“Se tivesse
mos explicativos, ainda vamos ana- des, mas ainda não fiz convites. É
lisar os resultados. Apesar de o Por- sabido que eu gostava do Hernâni
to, em termos genéricos, ter tido um Carvalho, por exemplo.

sido o resultado abaixo do geral, temos de


perceber o crescimento. Vimos de
muito pouco no Porto, atenção.
Vai dar liberdade para acordos
pré-eleitorais ou pós-eleitorais?
Muito pouca. A nossa ideia é perce-

candidato E já sabem onde vão a jogo nas


autárquicas?
Não sabemos ainda. A partir de
bermos o nosso peso real no País.
Nesta eleição fui eu a votos, foi em
tom unipessoal, nas autárquicas
do PSD, tinha hoje, o meu trabalho é todo autár-
quico. Estou convencido de que o
serão as caras e os rostos do Chega!
em cada zona. E aí vamos ver se o

tido 40%”
verdadeiro salto do partido é as Chega! já tem algum impacto local
autárquicas. É quando mostrarmos ou se vive da figura de um líder, o
que temos dirigentes locais, pes- que é mau.
soas que resolvem localmente os Como têm sido as conversas
problemas, e é a implantação do com o PSD?
esqueleto do partido. Deputados, deputados da Madeira,
Vão trabalhar com base nos outros. Tenho tido uma reação
resultados presidenciais? muito boa com muita gente do PSD.
Vamos trabalhar com base nos Ao mesmo tempo tem David
dados destas eleições, sim. Perce- Justino que diz “com este Chega
ber onde estamos fracos para po- é impossível conversar”.
dermos apostar mais e reforçar É por isso que disse aquilo que dis-
onde estamos fortes. Uma grande se ontem [domingo]. Eles vão ter
aposta que vamos fazer, sem dúvi- de decidir, não sei se vão fazer um
da, é o Alentejo. Em Póvoa de São congresso ou não, mas acho que
Miguel, por exemplo, onde ganhá- vão ter que decidir como é que vai
mos mesmo, vamos pôr ser com o Chega!
um autarca forte. Com este resultado, tenciona
moderar-se?
Não. Não tenciono moderar. É um
mau caminho. O que é que o PSD
quer dizer com moderar? Quer di-
zer que eu abandono grande parte
das minhas bandeiras. E o que
acontece depois a este eleitorado?
RAQUEL WISE

Imagine que de hoje para amanhã


deixo de falar da justiça, das penas,
da castração dos pedófilos, da re-
forma do sistema fiscal, é isso que
o PSD quer. O PSD não quer
transformar nada. O PSD quer
que o Chega! se transforme num
novo CDS, para poder formar
governo. E eu não vou estar dis-
posto a isso. Espero
que seja possível ser
Chega!-PSD e não
PSD-Chega! W

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Destaque

A MÁQUINA. QUEM SÃO OS ROSTOS DO CHEGA

O PARTIDO POR DENTRO


André Ventura é o Chega. Contudo, as figuras que o rodeiam fazem parte da máquina
de controlo do partido de extrema-direita. Por Alexandre R. Malhado e Bruno Faria Lopes

O
Chega já tem 25 mil mili- outros fundadores de ser o respon- partido e ex-cônsul honorário de
tantes, de acordo com fonte sável pelas assinaturas falsas do A rolha Portugal em Palm Coast. Lourenço
oficial do partido, mas con- partido entregues no Tribunal A cúpula do é também dirigente do Canelas.
tam-se pelos dedos as figuras in- Constitucional. Chega instituiu Quase sempre que André Ventu-
fluentes. André Ventura, líder, fun- Da fundação do partido, perten- uma diretiva ra faz um discurso ou tem uma
dador, deputado e rosto do partido, cem a uma fação ostracizada do que proíbe a aparição pública, há duas figuras
está no centro de todas as decisões partido: Luís Filipe Graça e Lucinda militantes todas que estão ao seu lado: a mulher,
- mas quem lhe é próximo tem al- Ribeiro. Nacionalistas como Patrí- as referências Dina Ventura, e o amigo de infân-
gum controlo. cia Sousa Uva, ex-mandatária da negativas na cia, Luc Mombito, que é seu moto-
Os mais chegados nas decisões campanha de André Ventura, am- imprensa ou rista no partido, sendo assalariado
do partido são os vices Diogo Pa- bos são alvo de pressões dentro do redes sociais do Chega.
checo de Amorim e Nuno Afonso. partido, apesar de conseguirem Nos últimos tempos, têm apareci-
Enquanto o primeiro é o homem mobilizar eleitores. O PARTIDO do novas caras ao lado de Ventura.
dos contactos internacionais e da A nível distrital, é Lisboa e Porto CHEGA JÁ Rui Paulo Sousa, vogal da direção,
estratégia política, resultado de que mais peso têm. No congresso TEM 25 MIL destacou-se na campanha presi-
anos de experiência como braço- de Évora, em setembro, Ventura FILIADOS. dencial como mandatário nacional.
-direito de Manuel Monteiro no teve de negociar com os dirigentes É O QUINTO O empresário de 53 anos foi cabeça
CDS-PP, o segundo é chefe de ga- distritais para poder ver a sua lista MAIOR de lista do Aliança nas legislativas.
binete no Parlamento e conhece os da direção aprovada. Próximo do PARTIDO Também Pedro Frazão, médico
meandros do aparelho, além de ser FC Porto e dos Superdragões, José EM PORTU- veterinário e supranumerário do
um amigo de longa data de Ventu- Lourenço, no Porto, é o braço direi- GAL EM MILI- Opus Dei, ganhou destaque por as-
ra no PSD. Afonso foi acusado por to de César do Paço, financiador do TANTES sessorar Ventura no Parlamento. W

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Destaque

PERFIL. AS LIGAÇÕES POLÍTICAS DE CÉSAR DO PAÇO

O POLÉMICO
FINANCIADOR
DO CHEGA
Foi militante e fez donativos ao CDS, partido que incluiu
a sua mulher nas listas às legislativas. Chegou a cônsul
por “não cumprir os critérios de elei-
honorário através do PSD. Agora é dos principais ção”. Ou seja, tinha de ser revistado
apoiantes do partido de André Ventura. Por Alexandre R. Malhado de cada vez que regressava ao país.
Quaisquer que fossem os motivos,
a desconfiança em relação ao em-
presário foi crescendo no MNE. “Ele

A
o longo do primeiro go- FINANCIOU não o contrário”, terá dito numa exorbitava constantemente as suas
verno de António Costa, O CDS APÓS ocasião o antigo secretário de Esta- funções. Parecia que vinha a Portu-
foram várias as vezes que ENCONTROS do das comunidades, José Luís Car- gal em funções bilaterais: ia a en-
uma comitiva pouco dis- COM CRISTAS neiro, relata um dos presentes no contros de negócios ou com a lide-
creta de dois Chevrolet Suburban E PORTAS E A encontro. rança do CDS e parecia que ia numa
pretos chegou com grande aparato SUA MULHER À SÁBADO, César do Paço não ex- missão diplomática. Havia a sensa-
ao Palácio das Necessidades, em Lis- ENTROU NAS plicou por que motivo pretendia ter ção de que usava o cargo para se
boa. Nessas ocasiões, um segurança LISTAS DO um passaporte diplomático – que alavancar”, disse uma fonte no MNE.
privado saía de um dos carros para PARTIDO terá obtido o ano passado quando se Nos seis anos em que ocupou o
abrir uma porta. Lá de dentro, surgia ÀS LEGISLA- tornou cônsul de Cabo Verde na Fló- cargo de cônsul honorário em Palm
César do Paço, cônsul honorário de TIVAS rida, de acordo com dois ex-funcio- Coast, gastou milhões de euros em
Portugal em Palm Coast, na Flórida, nários do empresário. Contudo, uma festas luxuosas, em que estiveram
entre 2014 e 2020. batalha legal na justiça norte-ameri- presentes deputados e políticos por-
De relógio Patek Philippe coberto cana pode dar uma pista para essa tugueses; apoiou o Movimento Zero
de diamantes no pulso e uma ban- i insistência: em janeiro de 2014, o em Portugal e o Blue Lives Matter
deira portuguesa na lapela, dirigia- César do Paço serviço de Alfândegas e Proteção de nos EUA (este último em oposição ao
-se para a sede do Ministério dos com André Fronteiras dos Estados Unidos revo- Black Lives Matter, que defende o
Negócios Estrangeiros (MNE) com Ventura e José gou a filiação de César do Paço no fim de violência policial excessiva
Lourenço, ex-
um objetivo: convencer o Governo a -CDS e atual líder programa Global Entry Entrusted contra afro-americanos); e financiou
conceder-lhe passaporte diplomáti- da distrital do Traveler, que lhe dava passagem na o CDS após encontros com Paulo
co, um privilégio reservado a um Chega! no Porto segurança de aeroporto e alfândega, Portas e Assunção Cristas, conse-
conjunto de titulares de cargos polí- guindo colocar a mulher nas listas
ticos, diplomatas e entidades que se para as legislativas de 2019.
encontrem em missão no estrangei- Mais recentemente tornou-se um
ro, mas que pode também ser con- dos principais financiadores do
cedido pelo ministro dos Negócios Chega!, tendo como sócio e braço-
Estrangeiros em situações de “inte- -direito José Lourenço, o atual e po-
resse público”. lémico líder da distrital do Porto do
César do Paço insistia nesse privi- partido liderado por André Ventura.
légio para que “não estava habilita- Como a SÁBADO noticiou em feve-
do”, segundo explicou à SÁBADO reiro de 2020, ambos arregimenta-
uma fonte oficial da Secretaria de ram membros dos Superdragões e
Estado das Comunidades. Por isso, a pugilistas do FC Porto, clube patro-
resposta foi sempre negativa. “Você cinado por César do Paço, para fa-
precisa de servir o Estado português, zerem a caixa de segurança de

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g Fora da Europa. Contactada pela de e era mulher de um cônsul hono-


ugue, id tempus SÁBADO, Assunção Cristas diz que, rário”, justificou.
dolor. Etiam orci
magna, euismod “no que respeita aos donativos, a A direção do CDS não foi a única a
eget tempus sed, matéria é de conhecimento públi- reunir-se com César do Paço. Nesse
congue id mau- co”, e acrescenta: “O Sr. César do início de 2019, o então cônsul hono-
ris. Nunc gravida
sem Paço foi-me apresentado em agosto rário também se encontrou com
de 2019”. No entanto, uma fotogra- Paulo Portas, num jantar no Gam-
fia no Facebook de Pedro Morais brinus, mais uma vez proporcionado
Soares, então secretário-geral do por José Lourenço, que era amigo
CDS, contraria a ex-líder centrista: do eurodeputado Nuno Melo. “Ele
houve um encontro entre ambos queria reunir-se com as figuras to-
seis meses antes. das e tirar a fotografia da praxe”, ex-
Já Gonçalo Nuno Santos, que foi plica um ex-funcionário de César do
cabeça de lista do CDS pelo círculo Paço. Contactado pela SÁBADO,
Fora da Europa, recorda que a esco- Paulo Portas não respondeu às
lha de Deanna de Paço coube à di- questões colocadas.
reção do CDS. “Foi o nome que sur-
giu na secretaria-geral quando se As guerras com
q g faziam as candidaturas e teve segu- o embaixador
Placas da polémica O empresário ramente a aprovação da presidente h Os constantes encontros com a
César do Paço mandou colocar placas no seu gabinete
em Palm Coast, do partido, Assunção Cristas”, diz à liderança do CDS, a extravagância e
que diziam Consulado de Portugal na Flórida SÁBADO. “Não fui eu que a escolhi, o abuso do título de cônsul honorá-
quando na verdade se tratava de um
Consulado Honorário mas aceitei. Tratava-se de alguém rio não deixavam o embaixador de
que nos podia dar representativida- Portugal em Washington, Domin- Q

André Ventura num jantar-comício


no Mercado Ferreira Borges, no PUB

Porto. Apesar das várias tentativas,


o empresário não respondeu às
questões enviadas pela SÁBADO.

Os encontros
com Cristas e Portas Ventura
h A 22 de fevereiro de 2019, César O deputado
do Paço entrou na sede do CDS-PP único do Che-
no Largo do Caldas, para um encon- ga! confirma à
tro com a então líder do partido, As- SÁBADO que o
sunção Cristas, o vice-presidente, empresário “fez
Diogo Feio, e o secretário-geral, Pe- um donativo”
dro Morais Soares. A reunião, muito ao partido
aguardada pelo então cônsul hono-
rário português, que era também
militante nos centristas, foi propor-
cionada pelo seu braço-direito José
Lourenço, na época coordenador do
CDS no Brasil.
Apesar de um dos dirigentes cen-
tristas presentes no almoço assegu-
H A R D T I M E S , C O U R A G E R E D O U B L E D !
rar que “do encontro não resultou
nada em específico”, a verdade é ASSUNÇÃO
que, um mês e meio depois, o parti- CRISTAS DIZ
do recebeu um donativo de 10 mil QUE CONHE-
euros, confirmou a SÁBADO junto CEU CÉSAR
da atual direção do CDS-PP. E em DO PAÇO EM
setembro desse ano, a mulher, AGOSTO DE
Deanna DePaço, norte-americana 2019. HÁ FO-
com nacionalidade portuguesa, TOGRAFIAS
entrou na lista dos centristas para DOS DOIS EM
as legislativas pelo círculo eleitoral FEVEREIRO

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Q gos Fezas Vital, agradado. Um dos tencente a José Lourenço, e era a


primeiros motivos de colisão foi por ponte para algumas figuras da polí-
causa de… uma placa. Nos primeiros 1 tica portuguesa. Além de Duarte Pa-
tempos, lia-se “Consulado de Portu- checo, chegou à deputada Teresa
gal” nas placas do 145 City Place, 2 Morais, por exemplo, e teve encon-
Palm Coast. “Quando o sr. embaixa- tros com o Presidente Marcelo Re-
dor descobriu, ficou irado e mandou belo de Sousa.
substitui-las por outras que disses-
sem ‘Consulado Honorário de Por- O Estado falhou?
tugal’”, conta um ex-funcionário. h César do Paço foi nomeado côn-
“Nós éramos durinhos com ele… sul honorário de Portugal em Palm
Mas tinha de ser”, comenta uma Coast em outubro de 2014, por indi-
fonte do MNE de então. cação do então secretário de Estado
Além de pagar integralmente os das Comunidades, José Cesário. “Al-
custos do consulado honorário, “que guém próximo dele disse-me que
tinha melhores condições que ele queria conhecer-me e, portanto,
muitos consulados por esse mundo falei com ele. Mais tarde, numa altu-
fora”, como descreve quem o visi- ra em que havia problemas finan-
tou, César do Paço exibia a sua ri- 3 ceiros sérios e o ministério decidiu
queza e extravagância, fosse através fechar o consulado em Orlando, a
dos relógios Patek Phillippe, das falar com ele surgiu a hipótese de
malas Louis Vuitton, da roupa da ele pagar todo o serviço de cônsul
Prada, dos Rolls-Royce, do jato ou honorário desde que garantíssemos
dos cristais das festas. Até as capas que o posto em causa teria um fun-
dos iPhones topo de gama das filhas cionário do MNE”, explicou à SÁBA-
eram da Louis Vuitton – e custavam DO o ex-governante, atualmente
milhares de euros. deputado do PSD.
Os seus convidados, alguns deles De acordo com a SIC, César do
deputados, ficavam admirados: Paço foi declarado contumaz entre
1994 e 2002 após alegadamente fu-
gir a um mandado de captura emiti-
1 do pelo Tribunal de Portimão, acu-
Encontro no Caldas sado de roubo qualificado com fuga.
César do Paço com Assunção César do Paço terá roubado o reló-
Cristas, José Lourenço, Diogo
Feio e Pedro Morais Soares
gio de ouro da namorada e várias
joias, no valor de 1 milhão e qui-
2 nhentos mil escudos.
O amigo do CDS Com o escrutínio feito pelo Estado
O empresário acompanhado
da mulher, Deanna de Paço, português aos candidatos a cônsul
do eurodeputado Nuno Melo honorário, como pôde César do
e do braço-direito, José Lou- Paço ser nomeado? “Os serviços do
renço Ministério dos Negócios Estrangei-
3 ros com atribuições na criação de
Deputados nos EUA postos consulares, bem como na
Os deputados do PSD, Duarte 4
preparação do processo de nomea-
Pacheco e Teresa Morais visi-
taram o consulado honorário
ção e exoneração dos seus titulares,
de Portugal em Palm Coast, “Claro que ficava deslumbrado. Há não tiveram conhecimento de qual-
na Flórida homens com muito dinheiro que quer informação alusiva a processos
4 são discretos, mas este não era o judiciais envolvendo o Senhor César
Amigos à mesa caso, gostava de mostrar”, afirma “HÁ HOMENS do Paço”, informa fonte oficial do
O casal De Paço à mesa de Duarte Pacheco, que fez várias visi- COM MUITO gabinete da secretária de Estado das
um restaurante com o antigo tas aos EUA na qualidade de secre- DINHEIRO Comunidades.
secretário de Estado das Co- tário da Mesa da Assembleia da Re- QUE SÃO Qual é a origem da falha? Isso é,
munidades, José Cesário, que
o indicou para o cargo de pública e líder da delegação portu- DISCRETOS. para já, um mistério. “Quero acredi-
cônsul honorário em 2014 guesa na União Interparlamentar. ELE GOSTA- tar que o Estado português, quando
Nos primórdios do consulado, em VA DE MOS- o nomeou como cônsul honorário,
2014, o seu braço-direito era Maria TRAR”, DIZ que avaliou e concluiu que ia honrar
João Ávila, ex-deputada do PSD. Fa- DUARTE a bandeira portuguesa”, concluiu
zia de “consultora”, papel hoje per- PACHECO Duarte Pacheco. W

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Opinião 28 JANEIRO 2021
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INSTANTÂNEOS
(OU QUASE)
c c c
O banqueiro O descarado O terramoto
João Rendeiro fundou Quem ouve hoje em Os resultados de
e rebentou com o BPP. dia o ministro da André Ventura vistos
Pelo caminho cometeu Educação a falar com por alguns nas TV e
crimes de falsificação tanta veemência sobre nas redes sociais são
e de falsidade exclusão e ensino à de uma falta de
informática. O banco distância até pode clarividência gigante.
foi intervencionado duvidar se será o Será que ainda não
pelo Estado em 2008. mesmo governante perceberam que os
Rendeiro foi condenado que pululava pelos votos de Ventura
a cinco anos e oito microfones a elogiar a vieram de todo o lado
meses de prisão. Mas maravilha da escola e não são da malta
não está preso. online há uns meses. atrasada do interior?

c c c
Haja memória O Presidente Ai, este País!
Há dias li uma entrevista de Aquilo que Marcelo- Ninguém percebe que
um CEO ao Sol. Lamentava -político-presidente faz Costa vá às TV dizer
a falta de estratégia do País em público é algo que que temos de ficar já
e dava como exemplo as nunca mais vou ver na em casa e, depois, os
maravilhas do Taguspark minha vida. Marcelo, tribunais e polícias
que dirige. Aquele que há sendo quem é, continuem a marcar
anos foi usado para pagar é também quem nós diligências presenciais
favores eleitorais e dar somos. Até no bife com como se não existisse
lugares de direção ovo que vai buscar ao pandemia. Porque falta
a amiguinhos. takeaway. uma lei qualquer.

c c c
A derrotada Estamos feitos As escolhas
Ficou mal a Marisa Alguém acredita que Sou só eu que acho que
Matias queixar-se não existirão vagas ter numa TV, na TVI,
que a derrocada da de desemprego, os presidentes das
esquerda nas falências em Câmaras de Lisboa e
presidenciais é culpa catadupa e crise Porto a comentar a noite
do PS. Não, os culpados generalizada nos eleitoral presidencial
foram os candidatos da próximos anos? Com é simplesmente
esquerda sem chama ou sem bazuca estapafúrdio? Ah, pois, já
e sem estratégia. Sim, financeira europeia. lá são comentadores
a culpa foi tua, Marisa. residentes.

O
Diretor-adjunto
António José Vilela

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Portugal

BELÉM. O QUE FAZER COM MAIS CINCO ANOS

FOI ASSIM QUE


ACONTECEU
O segundo mandato de Marcelo em dois takes alternativos, vistos a partir de 2026.
Inspirador, com “comissão Rennie”, ou falhado, com a exposição MarSelfie?
BRUNO COLAÇO

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j
Marcelo Rebelo
de Sousa foi
eleito dia 24 para
o seu segundo
mandato. Será
Presidente da
República
até 2026

49
Portugal

Take 1
Lisboa, Janeiro de 2026
Marcelo Rebelo de Sousa despe-
diu-se hoje dos portugueses e o
seu legado, se merece o nome,
não é inspirador. Reeleito em
2021 com votação expressiva, o
Presidente herdou um País des-
troçado pela pandemia e mergu-
lhado numa crise económica pro-
funda, que nem a famosa “bazu-
ca” europeia foi capaz de atenuar.
A necessidade de um novo resga-
te internacional, o quarto desta III
MÁRIO CRUZ/LUSA

República, foi a prova de que, em


matéria de insolvência, somos de 1
facto “os melhores dos melhores”.
Podia ter sido de outra forma?
Dificilmente: com uma socieda- Marcelo presidiu, inerme. em conjunto, permitiram a Portu-
de civil cada vez mais amedronta- Sobram as selfies. Na hora do gal adquirir imunidade de grupo
da e enfraquecida, Marcelo suspi- adeus, é revelador que o último em inícios de 2022 e relançar a
rou várias vezes que não cabia ao acto do Presidente tenha sido a economia a partir de 2023.
Presidente substituir-se à vontade João Pereira inauguração da exposição MarSel- Por um lado, o Presidente
soberana do povo, que escolhe Coutinho fie: são milhares de fotos tiradas entendeu, logo no início do segun-
como escolhe. Politólogo, com os portugueses ao longo de do mandato, que era imperioso
E o povo foi escolhendo, divi- escritor 10 anos. Um jornalista, mais atre- constituir um gabinete de crise cen-
dindo o seu apoio entre o PS (que vido, perguntou a Marcelo o que trado na testagem, no rastreamento
se tornou o partido “mexicano” tinha ele a dizer àqueles rostos
do regime) e o Chega (o partido sorridentes que com ele posaram
anti-regime que congrega um mi- – rostos entretanto desemprega- h
lhão de descontentes) – e aban- dos, emigrados, doentes, alguns já Marcelo apontou
o combate à
donando gradualmente o PSD de ausentes. pandemia como
Rui Rio, que é hoje uma associa-
ção recreativa sem fins lucrativos.
A triste realidade das coisas ficou
77
A idade
Depois de uma lágrima sincera, o
Presidente quase octogenário per-
maneceu em silêncio. Foi talvez o
prioridade
imediata

exposta nas legislativas de 2023, de Marcelo mais importante testemunho de


quando o PS de Ana Catarina Rebelo de toda a sua vida pública.
Mendes venceu as eleições sem Sousa quando
maioria absoluta. Convidada a terminar o

Take 2
formar governo, a primeira-mi- novo mandato
nistra foi lapidar: “Se não tiver
apoio parlamentar dos restantes
partidos, o País será entregue a Lisboa, Janeiro de 2026
André Ventura.” Marcelo Rebelo de Sousa despe-
Dito e feito: contando com o diu-se hoje dos portugueses e o seu
apoio dos deputados únicos do 2026: SÓ 30% legado é inspirador. Na noite da
PCP, do Bloco e do PAN, e com a DA POPULA- reeleição, o Presidente já tinha avi-
colaboração sonolenta dos 11 de- ÇÃO ESTÁ sado ao que vinha: queria vencer a
putados do PSD, os socialistas go- VACINADA pandemia e a crise económica cor-
vernam com margem mínima, li- PARA A respondente, sem hesitações ou
mitando-se a gerir a decadência. O COVID-19, desculpas. O que significava, para
facto de, no momento em que es- NUMA ALTU- bom entendedor, reverter as más
crevo, só 30% da população estar RA EM QUE O práticas do primeiro mandato e ter
vacinada contra a Covid-19, numa MUNDO JÁ SE uma atitude vigilante e crítica do
MÁRIO CRUZ/LUSA

altura em que o mundo já se preo- PREOCUPA desgoverno de António Costa.


cupa com a Covid-25, dá bem a COM A Isso implicou duas “magistratu-
medida do fracasso colectivo a que COVID-25 ras de influência” que, exercidas

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1 tirar selfies com ele ostentando os


Ao volante célebres “passaportes de imunida-
no último dia
de campanha de”, através dos quais a economia
voltou a reabrir.
2 Por outro lado, o Presidente foi
O desempenho crucial ao patrocinar a constitui-
no segundo man-
dato determinará ção da informalmente designada
a forma como o “Comissão Teodora”, presidida
seu legado políti- por Teodora Cardoso, e que
co será visto
acompanhou de forma indepen-
dente a aplicação de recursos eu-
ropeus na resposta à crise social e
à reconstrução do tecido empre-
sarial português.
Mais polémica terá sido a in-
fluência do Presidente na reconfi-
BRUNO COLAÇO

guração do centro-direita. O dis-


2 curso do 10 de Junho de 2021, em
que Marcelo avisou para “os peri-
gos do extremismo do centro que
e na vacinação dos portugueses. de Costa, a começar por Marta alimenta sempre os extremistas
Ficaram célebres as reuniões de Temido e Eduardo Cabrita, e uma dos extremos”, foi lida pelo PSD
sexta-feira do gabinete, quase importante inflexão no combate como um toque de despertar para
sempre abandonadas a meio por pandémico: Portugal, que era o mudar de liderança. Não foi fácil:
António Costa, que alegava indis- carro-vassoura da Europa em iní- mesmo depois de vencido em
posição. Essas reuniões, conheci- cios de 2021, tornou-se exemplar eleições internas por Pedro Pas-
das no meio jornalístico por “Reu- no fim do mesmo ano. Os portu- sos Coelho, Rui Rio acabaria por
niões Rennie”, terão determinado gueses, em reconhecimento pelo se barricar na sede do PSD do
as demissões de vários ministros esforço do Presidente, passaram a A tomada Porto. A intervenção rápida das
de posse forças de segurança, que conse-
tem sempre lu- guiram convencer Rio de que
gar em Março. havia um trono de rei só para ele,
Marcelo sairá evitaram prejuízos maiores.
de cena quan- O PSD cresceu e, nas eleições
do já estiver de 2023, numa coligação refor-
escolhido o seu mista e pré-eleitoral com a Ini-
sucessor ciativa Liberal e o CDS, Passos
em 2026 Coelho regressaria ao poder com
maioria parlamentar. O Chega,
com uma votação pífia de 5%, não
parece ter sobrevivido ao fortale-
cimento do centro-direita. O con-
vite insensato aos Gipsy Kings
para que actuassem num dos seus
congressos provocou a revolta de
muitos militantes e também não
deve ter ajudado.
Na hora da despedida, só existe
uma pedra no sapato de Marcelo:
o seu sucessor. Ninguém calcula-
2026: O PRE- ria que Carlos César batesse Paulo
SIDENTE FOI Portas na corrida a Belém. Mas o
CRUCIAL A slogan “Portugal é a minha famí-
PATROCINAR lia” levou as massas a votar em
A INFOR- César, na busca de um eventual
MALMENTE emprego. W
DESIGNADA
“COMISSÃO Texto escrito segundo
TEODORA” o anterior acordo ortográfico

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Portugal

PORTEFÓLIO. O TESTEMUNHO DE QUEM FOI ÀS URNAS NAS PRESIDENCIAIS

O QUE ELES QUEREM


DO PRESIDENTE
Inspiração, apoio, estabilidade e muito mais: eleitores do Porto, Lisboa e Beja revelam
as suas expectativas para o segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa.
Fotos de Raquel Wise e Ricardo Meireles Recolha de depoimentos Diogo Barreto, Filipa Teixeira e Paulo Barriga

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Francisca
Dias da Silva i
Estudante, 21 anos Arlindo
Santos
Reformado,
72 anos

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j
Isabel
Basílio
Estudante,
24 anos

j
Helena Trigo
Funcionária pública,
Miguel Góis 42 anos
Gestor de
Comunicação
e Marketing,
43 anos

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Portugal

g i
José Santos João Silva
Polidor de móveis de- Segurança,
sempregado, 48 anos 30 anos

g
Luísa
Castro
e Brito
Consultora de
comunicação,
40 anos

h
Miguel
Teotónio
Administrativo,
48 anos

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Elvira
Prata
Técnica
de contabilidade
reformada,
75 anos

i
Eliana
Vieira
Médica,
33 anos

c FOTOGALERIA INTEGRAL EM i
www.sabado.cofina.pt PREMIUM

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Portugal

ALMANAQUE. PERDEDORES, VENCEDORES E ARTISTAS VÁRIOS NAS PRESIDENCIAIS

O FILME DOS
CANDIDATOS
Ação, cenas inesperadas e truques de câmara. A noite eleitoral de
cada concorrente, se tivesse sido um filme, seria...
Por Maria Henrique Espada e Sara Capelo

Houve derrotados, os vencedores e ram, Tiago Mayan estreou-se, Vitorino


apenas artistas. O clássico Marcelo es- Silva mostrou-se (outra vez). Em 2026
magou, o newcomer Ventura cresceu, há mais, com outros atores. Agora, o fil-
Marisa Matias e João Ferreira encolhe- me será Marcelo, a sequela.

QUERIDA, ENCOLHI À PROCURA


OS MIÚDOS DE NEMO
O BE saiu reduzido Em busca do
a metade liberalismo,
o peixinho
O MARCELISTA defrontou
QUE NÃO VOTOU MARCELO tubarões
O COURAÇADO
O especialista em comunicação Ro- POTEMKINE
drigo Moita de Deus apoiou desde o Revolucionário,
início o processo de recandidatura de mas há um O HOBBIT
Marcelo Rebelo de Sousa. Agora, uma massacre Pequeno, simples,
coisa é apoiar, outra é votar. Moita de na escadaria honesto, e no fim
Deus, monárquico assumido, confes- volta para casa
sou nas redes sociais que votou em
branco: não ia votar num Presidente,
GODZILLA O FEITICEIRO
se quer um Rei. Coerente?
Tamanho já significativo DE OZ
para o habitat político Em viagem
que o alberga e com INDIANA JONES por uma
potencial para causar E O TEMPLO PERDIDO
terra mágica
estragos Aventura e coragem:
mas sem o templo PS,
o score foi limitado

XERIFE ANA
AO SERVIÇO
Terminada a campanha, elegemos esta
como a imagem mais ousada: Ana Gomes
não apenas foi a uma esquadra de
polícia, como foi claramente mascarada
de xerife. Mas não um xerife qualquer: o
casaco que parece uma capa e a máscara
conferem-lhe também um ar de Zorro,
de herói de identidade desconhecida em
defesa dos injustiçados.

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DIREITO DE RESPOSTA

“AUTARCA,
ARGUIDO
E TALVEZ
CANDIDATO”
ja como
Obtenha este look! Ve
N
“ o dia 23 de Dezembro de
isa
ntraído, cinzento, e a cam 2020, foi publicado na SÁ-
O pulôver em bico desco nto s ess en cia is. Por
star são eleme BADO um artigo designado
branca discreta a contra , a com ple tar o loo k co-
escuro por ‘Poder Local: Quem está acu-
cima, blazer de lã, cinza- con jun to
ral. A versatilidade do sado e quem aguarda. AUTARCA,
munista em noite eleito o ate sta a fot o.
xa etária, com ARGUIDO E TALVEZ CANDIDATO’,
funciona em qualquer fai de
ma is jov em, combinar com calças assinado por Margarida Davim, o
Para uma opção Um clássi co int em poral.
reira. qual versou sobre um elenco de
ganga, como fez João Fer
autarcas em exercício de funções e
contra os quais, de acordo com a
revista, estariam pendentes, ou já
O que come um campeão findos, processos-crime de diversa
Pode ser que dê sorte: em 2026, 20 541.337 natureza.
Tino gaba-se O número de No referido artigo, é afirmado que
é ver os candidatos a repetirem
de ter posto votos que tor- Roberto Silva, presidente da Câmara
a receita vencedora dada na noite
Rans no mapa naram Ana Go- Municipal de Lajes do Pico, foi ‘con-
de 24 de janeiro por Marcelo Rebelo
mas, ao con- mes na mulher denado por comentário difamador
de Sousa. Consistiu em bife com ovo
trário das pre- mais votada de orientação sexual’. A referida
a cavalo, arroz e salada de tomate.
sidenciais de de sempre em afirmação é falsa, na medida em
Se o takeaway não começar
2016, perdeu presidenciais. que Roberto Silva nunca foi conde-
a vender mais não é à falta
na sua fregue- nado, ou sequer julgado, pelo crime
de aparecer nas televisões.
sia por 20 de difamação, ou qualquer outro.
votos para 42,48% O processo a que a publicação se
Marcelo. A percenta- refere - processo n.º 195/18.7PBSRQ
gem mais ex- - foi instaurado na sequência de

+
pressiva obti- uma queixa apresentada, e, finda a
71,8% da por Ventu- investigação realizada, veio a ser
Obteve Marcelo ra: aconteceu proferido despacho de arquiva-
na freguesia de na freguesia mento definitivo dos autos, na se-
Celorico de de São Vicente quência da aplicação, pelo Ministé-
Basto, onde e Ventosa rio Público, do instituto da suspen-
vota. Há 5 anos, (Elvas). são provisória do processo.”
teve mais 233
votos e 75,42%. O Advogado, Pedro Barosa W
2.524
+
Um pequeno
trambolhão Os votos a me- Nota da direção:
local? nos de João A suspensão provisória do processo
Ferreira em re- em causa foi decretada mediante

2.º
lação a Edgar duas condições: a entrega de 2.000
Silva (3,95%), euros ao lesado e a publicação de
A Foz do Porto em 2016. Mas a um pedido de desculpas em três
deu a prata ao percentagem jornais da ilha do Pico e na Rádio
seu eleitor Tia- obtida pelo eu- Pico devido à utilização de uma ex-
go Mayan: teve rodeputado foi pressão com um “teor ofensivo da
ali 15,94%. maior (4,32%). sua honra e consideração” do se-
nhor Terry Costa.

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Opinião

RELATÓRIO O do mandato do atual PR) ou para maio

MINORITÁRIO Tiros (sob Presidente da República interino).


Nada obstava a que se estabeleces-

Não vale a pena o ralhete


“eu bem vos avisei”. Mas
de aviso sem, em alternativa, mais datas de su-
frágio antecipado, ou um sistema de
voto faseado, durante uma semana ou

N
apetecia. Não vale também ada se ganha em fingir que esta um mês.
a pena a lavagem: “Já eleição não foi uma catástrofe Mais grave foi a questão do voto por
passou, agora é andar em política, temperada por acessos correspondência.
frente.” A verdade é que de boas notícias . Embora este precise sempre de ser
há muitas contas a fazer, Algumas verdades, primeiro. solidificado nas medidas de garantia,
e a ajustar Só votaram 40% dos inscritos. Embo- proteção e fidedignidade (veja-se a po-
ra tenha havido presidenciais com me- lémica nos EUA), tivemos um ano para
nos de 50% de eleitores, inclusive em o preparar.
2001 (49,7, 48,7, 45,5), vivêssemos em O voto pelo correio, mesmo que não
pandemia e estado de emergência, e seja instituído como plano A, devia ser
estivessem previstas taxas de não parti- o melhor plano B para um País em con-
cipação superiores a 70%. finamento e emergências intermitentes
No entanto, este descalabro fica a de- desde março.
ver-se, na totalidade, aos erros imper- Tudo isto é tanto mais espantoso
doáveis dos partidos parlamentares, e quanto é certo que o Estado português
da sua emanação executiva. apostava na expansão e melhoria desse
Nos termos constitucionais, o voto po- tipo de sufrágio, que cresceu em suces-
dia ter sido adiado para março (termo so nas últimas europeias e legislativas,
apesar de muitas confusões e boletins
devolvidos, ou mal enviados.
Tudo isto é tanto mais escabroso
quanto é certo que, em vez de se ex- Q

O j
Desafios
e evidências
A pandemia como o maior desafio pre-
sidencial? Não é escolha. É evidência.
Primeiro, travar a marcha da mor-
te. Depois, torna-se urgente imagi-
nar (já não digo tentar construir) o
pós-apocalipse.
Como é que funcionarão os bancos
e os créditos, num panorama de so-
bre-endividamento forçado. Como
serão os serviços, numa altura em
que se pede mais e melhor ao Estado.
Como viverão os recursos humanos
privados, esmagados entre as carên-
cias educativas e a necessidade de
congelar salários. Como se voltará ao
comércio, à restauração, à hotelaria e
à viagem, e à agricultura, que fornece
produtos a todas aquelas.
MIGUEL A. LOPES/LUS A

Como será a nova produção indus-


O
Politólogo trial, com muitos bens tradicionais
Nuno Rogeiro em queda ou em extinção. W
nrogeiro@gmail.com

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de constitucional e formal da eleição, Resultados da liberdade de voto, do


não nos esqueçamos de que, para ou- Manifesto dos 22, dos Seguristas, segu-
tras formas de participação, como o re- ramente. E até de Costa, secretamente,
ferendo, é a própria lei fundamental a bem da Nação.
que sanciona negativamente uma abs- Ana Gomes e André Ventura são
tenção superior a 50%, retirando ao re- ameaças ao PS e PSD, no sentido em
sultado a sua função vinculativa. que podem condicionar as alas esquer-
BRUNO COLAÇO

Importa por isso introduzir, na norma da e populista dos mesmos, com a con-
básica e na lei eleitoral, suficientes me- centração “antissistema” de cerca de 1
canismos para lidar com a exceção e a milhão de votos.
Q pandir o sistema para todo o territó- emergência, proibindo ainda atos elei- Ventura é ainda ameaça a todos os
rio nacional, se eliminou o mesmo para torais durante a sua vigência, a exem- partidos, dado que progride por razões
a emigração. plo do que acontece com a revisão “não ideológicas” entre eleitorados dís-
Ora, Portugal é uma larga diáspora, constitucional. pares, com a possível exceção da Ini-
sendo Paris a segunda maior cidade de As outras verdades chegam da análi- ciativa Liberal e do Livre.
nacionais. E, historicamente, sabe-se o se aos resultados. Mas o grande exército de reserva,
que custou à emigração adquirir o di- Os candidatos que se declararam de sem doutrina intensa e a necessitar
reito de voto para Presidente, algo a direita e do centro, ou que assim são convencimento, é mesmo a maré da
que várias forças retrógradas do PREC considerados, ganharam 75,8% dos su- abstenção.
sempre se opuseram. frágios. Os que disseram que eram de Aí, a política faz-se todos os dias, mas
Tudo isto é desastroso, ainda, tendo esquerda, e vivem reconhecidos como não institucionalizada.
em conta que existem em Portugal tal, tiveram apenas 20,1%. Pode fortalecer-se ali o descontenta-
mais de 150 mil casos ativos de Covid, Marcelo e a abstenção representam, mento e a desobediência, a resistência
com muitas pessoas confinadas com- aparentemente, 70 a 80% do eleitora- passiva, o desespero.
pulsivamente por razões médicas, mas do PS (o que não votou Ana Gomes). E pode ser a mesma “maré” conven-
que poderiam ter exercido o seu direito, cida à participação, ao menos parcial.
em segurança. Marcelo é a pessoa ideal para isso.
Por fim, e sem contestar a legitimida- Mas não faz milagres. W

O h O
Já visto, Ingerimos, digerimos,
nunca visto sugerimos
Nunca na História americana recente Depois de Um Piano nas Barricadas,
tinha um secretário de Estado acusado o soberbo autodidata Tiago Sousa
a China de genocídio, ou de esconder lança Oh Sweet Solitude, um mini-
a origem de um vírus global, prejudi- malista em vários universos.
cando imenso a reação ao mesmo. Música lusófona: bem comportada,
Mas Antony Blinken (na foto), o bem tocada e nostálgica, com os
novo chefe da diplomacia de Biden, Terylene, em Mas Que Feia Tão Bo-
fê-lo sem hesitação. nita, e o ska-reggae-hip hop-rap-
Mesmo o senador-gnomo republi- -jazz de protesto de Luís Varatojo (às
cano Phil Gramm (que já foi Trump, vezes autoirónico) e do seu Luta Li-
anti-Trump e assim-assim) ficou sem j vre, com Técnicas de Combate.
palavras. Mas se gosta mesmo de jazz, heavy
Por outro lado, o novo Presidente metal instrumental e rock progressi-
dos EUA convidou um diplomata da vo, tem de ouvir as duas horas grátis
Formosa para a posse. 48 horas de- de concerto dos Liquid Tension Ex-
pois, Pequim reagia em força: oito periment, Live in L.A., no YouTube.
bombardeiros estratégicos, 16 caças e Nos livros: Henry Thoreau, Desobe-
dois aviões de guerra eletrónica a in- diência Civil, George Orwell (na foto),
vadir o espaço de identificação aérea Opresión y Resistencia (DeBolsillo), e
de Taiwan. Pat Walsh, The Armenian Insurrec-
Também Trump começara com o tion (Manzara Verlag). W
rocket man norte-coreano. W
EPA

59
Mundo

Entrevista
ANNE APPLEBAUM
Durante 10 anos estudou o comunismo e escreveu a obra que lhe valeria um
Prémio Pulitzer – Gulag: Uma História. A jornalista, que já trabalhou na The
Economist e The Spectator, mergulha agora no crescimento do autoritarismo.
Por Vanda Marques

“Trump vai passar


os próximos anos
em tribunal”

U
m jantar de ano novo, das redes sociais. Neste mundo con- h seja, que tenham existido alguns es-
com álcool, música e segues que as pessoas acreditem nas Com 56 anos, tra- forços da administração para enfra-
balhou como jor-
conversas animadas, ser- mais variadas coisas: que o partido nalista no Reino quecer a polícia. Talvez alguns insi-
ve de ponto de partida, no democrata é malvado, que o Joe Bi- Unido, onde tirou ders dentro da polícia tenham aju-
livro O Crepúsculo da Democracia, den é um comunista chinês, que as um mestrado na dado os manifestantes e até mesmo
London School
para explicar a mudança na socie- eleições foram roubadas e que o of Economics alguns membros do congresso que
dade: o crescimento do autoritaris- Trump venceu. Quando se encoraja os tenham convidado para irem ao
mo. Anne Applebaum, jornalista as pessoas a acreditarem numa rea- edifício no dia anterior. Isto tudo é
norte-americana especialista em lidade alternativa, então estão sus- especulação, será necessária uma
política, casada com o ex-ministro cetíveis a qualquer tipo de manipu- investigação séria para perceber.
da defesa polaco e atual eurodepu- lação e isso termina com os próprios Ficaria surpresa se se descobrisse
tado Radoslaw Sikorski, recorda a acharem que podem cometer atos que Trump estava por trás disto?
como em poucos anos passou a vi- de violência. Isto foi um golpe de Sabemos que Trump está por trás
ver numa sociedade polarizada. Este Estado antidemocrático. Foi contra disto, ele encorajou as pessoas e na-
pendor para o autoritarismo não o sistema político americano. quele dia twittou: “Isto vai ser selva-
vem das vítimas da globalização e Há uma coisa que não se gem.” Ele é absolutamente corres-
da emigração, mas dos intelectuais compreende muito bem que é a ponsável por isto. Trump incitou a
cultos e viajados que nos conduzem ação da polícia. O que aconteceu? multidão contra o [Mike] Pence.
a um momento muito perigoso. É claro que a polícia do Capitólio Acha que a carreira política de
não estava preparada. Há centenas Trump acabou?
Esperava uma invasão do Capitó- de manifestações com grandes mul- Nunca digas nunca. Acho que ele vai
lio dos Estados Unidos? tidões todos os dias. Mas eles calcu- passar os próximos anos em tribunal
Não antecipava algo naquele forma- laram mal. A razão por que não es- e acho que à medida que o tempo
to, mas antecipei que os trumpistas tavam preparados é que levanta passa, o poder dele vai desapare-
iam e poderiam tornar-se violentos. questões e há muitas possibilidades. cendo. Se se olhar para os últimos
F
É muito importante entender o que Quais? dias, o facto de o Twitter o ter corta-
é trumpismo e o que não é. Não é Uma delas é que as autoridades não “As melhores do diminuiu a desinformação sobre
conservadorismo, não tem nada a estavam a ler as redes sociais ou pessoas para as eleições em 70 a 80%. Apenas tê-
ver com a luta direita e esquerda. O não as levaram a sério, ou até que lidar com a -lo calado teve um efeito enorme.
trumpismo é a criação de uma reali- acreditavam que os apoiantes bran- extrema- O Partido Republicano vai
dade alternativa, uma caixa de res- cos de Trump nunca iriam atacar a -direita estão conseguir criar pontes, ou ficará
sonância de um punhado de políti- polícia, porque são pró-polícia. Mas no centro- agora ainda mais dividido?
cos desonestos, de propagandistas e pode ter sido algo mais sinistro, ou -direita” Não sei. Depende das decisões que Q

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Q vão ser tomadas nos próximos gosta de debates acesos e prefere a


tempos. O senador republicano Ben homogeneidade de opiniões. Estas
Sasse publicou um artigo na The são as pessoas mais prováveis de
Atlantic a defender que o partido re- apoiar o autoritarismo, porque não
publicano tem de purgar estas ideias gostam da desarrumação da demo-
conspirativas. Há um poderoso con- cracia. Cabe-nos a nós integrá-las na
junto de teorias conspirativas QAnon democracia liberal para que elas não
que defendem que o sistema demo- a derrubem.
crático é feito por pedófilos que tor- Como é que isso se faz?
turam crianças. Há americanos pre- Isso é muito difícil. O melhor que po-
sos neste culto que está muito ligado demos fazer – e essa foi a premissa
ao Trump e ao partido republicano. da eleição de Biden, e será central
Há membros do congresso que são durante a primeira parte da sua pre-
crentes do QAnon e a questão é se sidência – é trazer a conversa políti-
vão ser ostracizados ou não. ca para assuntos práticos. Por exem-
No seu livro O Crepúsculo da De- plo, como lidamos com o coronaví-

GETTYIMAGES
mocracia explica como os intelec- rus? Como aceleramos o processo de
tuais se sentem atraídos pelo auto- vacinação? Como ajudamos negó-
ritarismo. Quando é que se aper- cios com dificuldades? Não devem
cebeu que isto estava a acontecer? g Também refere que o desespero entrar em guerras culturais.
Vi isso a acontecer na Polónia em Mãe de dois cultural influencia o aumento do No seu livro, fala do Vox, e em
rapazes, vive na
2010 e 2011 e depois a tornar-se autoritarismo. Porquê?
Polónia, e recusa Portugal temos um partido, o
muito pior em 2013 com a desinfor- ser pessimistaÉ basicamente a crença de que o teu Chega, com ligações ao partido
mação vinda da Rússia e a espalhar- quanto ao futuro
país está a morrer e está a morrer espanhol. Debateu-se se era legal
da democracia
-se por toda a Europa e pelos EUA. por causa da emigração ou das mu- ou não, porque é xenófobo e racis-
Porquê escrever sobre os danças demográficas e das mudan- ta. Acha que tornar estes partidos
intelectuais? ças económicas. Pode haver várias ilegais é uma forma correta?
Porque os conheço e porque eles são razões para este desespero e é quase Não conheço a política portuguesa
muito importantes e normalmente sempre uma reação à modernidade suficientemente bem para responder
desvalorizados. Querem escrever
Livro e a mudanças sociais muito rápidas. a isso. É uma pergunta interessante,
sobre os que votam no Trump, mas e O Crepúsculo Isto é muito mais do que apenas se mas as melhores pessoas para lida-
quem são os tipos que andam a ven- da Democracia queixarem da esquerda ou ficar in- rem com a extrema-direita estão no
der o Trump aos eleitores? Esse é um Autor comodado pelo feminismo radical. centro-direita. A sua mensagem e
grupo muito importante de pessoas e Anne É um sentimento profundo de que ativismo é o que mais interessa.
não se escreve sobre elas. Mas estão Applebaum a nossa civilização acabou ou está O centro-direita forte é essencial
em todos os países. Se olhares para Editora a morrer e que temos de fazer algo para evitar ditaduras?
eles como uma classe, eles não são Bertrand extremo. Até mesmo algo violento. Porque historicamente são o partido
a classe trabalhadora vítima da glo- Na política, as teorias da conspira- para onde os tradicionalistas e as
balização. Têm uma boa educação, ção sobrepuseram-se à ideologia? pessoas com posições autoritárias
muitas vezes são extremamente bri- Sim, as teorias da conspiração sobre- migram. Como são de centro-direita
lhantes, viajados, falam várias lín- puseram-se à ideologia porque via- têm uma visão mais cautelosa das
guas, e são das pessoas mais sofisti- jam mais depressa na Internet e por- mudanças, e essas pessoas podiam
cadas nas suas sociedades. Eles que a raiva e a emoção são as coisas migrar para lá, expressar a sua opi-
desafiam muitos dos estereótipos que o algoritmo favorece. Outra ra- nião, sem prejudicar o país.
estúpidos que as pessoas criaram zão é que, como os media estão a fa- Continua a achar que é irrespon-
para explicar o Trump. lhar em termos financeiros, uma das sável ser pessimista?
Fala também da influência da formas para sobreviverem é promo- Estamos num momento perigoso, em
nostalgia em todas as classes. vendo coisas que fazem com que as que grandes decisões têm de ser to-
Como é que isso acontece? pessoas fiquem muito zangadas e madas na Europa e nos Estados Uni-
Todos temos nostalgia. Mas há uma F chateadas e que as mantenha a ver dos sobre que caminho tomar que
forma diferente que é a nostalgia “Estamos num e a clicar. Estas duas coisas aumen- tanto pode ser o democrático, como
restauradora. Não é apenas ter sau- momento taram o nível de histeria na política. o de ter loucos como presidentes.
dades do passado, mas procurar ins- perigoso. O No livro explica como existe um Mas não podemos ser pessimistas
taurar o passado e restaurá-lo. Tra- caminho tanto grupo de pessoas que não gosta de porque isso deixa os nossos filhos e
zer de volta a sociedade de há 50 pode ser o discussões, discórdias, prefere o netos sem futuro. Se disser que a de-
anos, retirar as mulheres dos empre- democrático silêncio. Existe uma predisposição mocracia acabou o que é que faria
gos, restabelecer a hierarquia mas- como o dos para o autoritarismo? pelos meus filhos? Somos obrigados
culina-feminina. Isso é um movi- loucos como Há uma percentagem de pessoas a olhar para o futuro, ser construtivos
mento antidemocrático. presidentes” que não gosta de mudanças, que não e melhorar a sociedade. W

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Crónica 28 JANEIRO 2021
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VÁ LÁ Num tempo em que a reflexão e o


pensamento deram lugar à reação
com um militante do Chega, também
este discurso causa confusão a mui-
À SUA VIDA imediata, ao bitaite sobre o nada e o
tudo ao mesmo tempo, André Ven-
tos cidadãos, que o encaram como
uma reação autoritária da tal “bolha”
Habituada a catequizar o resto do País, tura percebeu, melhor do que todos, da capital de um partido que até se
a bolha político-mediática de Lisboa que não precisa de ser rigoroso na encontra legalizado pelo Tribunal
sente-se agora ameaçada pelos mensagem. Basta-lhe saber inter- Constitucional.
trauliteiros militantes do Chega. pretar o que o cidadão acha, inde- Depois dos 500 mil votos nas Pre-
Querem travar André Ventura? Fácil: pendentemente de isso constituir sidenciais não há muito a fazer: com
antecipem as Legislativas de 2023 um facto. Melhor do que ninguém, uma pandemia que impede o Gover-
antes que seja tarde de mais Ventura conseguiu dar dignidade no de tentar melhorar as condições
parlamentar à conversa de café: de vida das populações, afastando-
“vergonha”, “escândalo”, “roubo” – -as do discurso catastrofista do Che-
entraram no hemiciclo, rompendo a ga, só há uma forma de impedir o
tradição parlamentar do salamale- crescimento do partido de André
C que. No fundo, e desde Paulo Portas, Ventura: antecipar as legislativas de

Bem-
quando o CDS também era PP, um 2023, antes que Ventura e o Chega
deputado fala a linguagem de um aproveitem as próximas autárquicas

-aventurados
tipo de português comum, aquele de Outubro para consolidar bases lo-
cuja única ideia consistente é dizer cais de apoio, que serão fundamen-

os que...
que isto está tudo mal e assim não tais em eleições legislativas. Com
vamos a lado nenhum. uma rede montada no poder local, a
A esquerda, ainda capturada por caminhada para as legislativas ficará
métodos de reação do passado e mais facilitada para o Chega, que
AO CONTRÁRIO DO PROFETIZA- carregando a sua superioridade mo- nem precisará de apresentar um
DO POR CRISTO, ESTA TERRA não ral, contra-atacou com a mesma programa. Bastar-lhe-á dizer que o
será possuída pelos mansos, mas sim agressividade verbal: fascista, xenó- que os outros propõem está errado
pelos trauliteiros do Chega. A era da fobo, racista, até com Ana Gomes a do princípio ao fim.
tolerância terminou, o autoritarismo dizer que não daria posse a um go- Os partidos do regime não sabem o
adormecido já não tem vergonha de verno com o Chega. Tal como não se que fazer: no CDS, Francisco Rodri-
se revelar publicamente, as redes consegue debater ideias gues corre um sério risco de se tornar
sociais, onde tudo é discuti- a Carmelinda Pereira da direita, o
do numa lógica simplis- PSD vai sofrer uma erosão com o
ta de “branco e preto”, Chega. À esquerda, António Cos-
encarregam-se do ta sorri: se, no início, estava re-
resto. fém do PCP e do Bloco, agora
Desde a eleição de são estes dois partidos que ne-
André Ventura co- cessitam do PS para sobreviver
mo deputado ficou e travar o crescimento da extre-
claro que a bolha po- ma-direita populista.
lítico-mediática de Lis- O Chega e Ventura jogam
boa nunca soube lidar com muito na vantagem da virgin-
o fenómeno. Primeiro, tentou os- dade política: não têm casos
tracizá-lo. Com um doutoramento judiciais à perna, não têm
feito na universidade do duro co- antigos dirigentes condena-
mentário desportivo, Ventura sabia dos a penas de prisão, nem
o que fazer: vitimizar-se, disparar outros envolvidos em pro-
contra poderes ocul- cessos judiciais, que se ar-
tos que não que- rastam eternamente. Um
rem que a ver- dia, e à medida que o seu po-
dade se saiba. der for crescendo, também te-
Qual verda- rão. É da natureza das coisas e a
de? Isso não sedução do poder, o dinheiro por
interessa. Um baixo da mesa para a conta pessoal
C bom comentador ou para o partido vai contaminar os
Subdiretor desportivo sabe que basta dirigentes do Chega, contaminou
Carlos dizer “vocês sabem do que é outros. Afinal, todos temos contas
Rodrigues que eu estou a falar” para criar para pagar. O poder corrompe. E a
Lima empatia com quem ouve. vez do Chega chegará. W

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Dinheiro
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DESEMPREGO. CASAL COM TRÊS FILHOS ESTÁ SEM TRABALHO E A VIVER NUM PARQUE DE CAMPISMO

“SE TEMOS ESPERANÇA?


NÃO... PERDEMOS TUDO”
Há um ano investiram as únicas poupanças num negócio, que nem abriu porque surgiu a
pandemia. Ele entretanto perdeu o emprego e a seguir ficaram sem casa. Sofia e Paulo estão
a morar numa roulotte e muitas vezes só podem dar esparguete às crianças. Por Sónia Bento

S
e há um ano me dissessem com água e eletricidade chegavam j nunca mais saí daqui. Vivo apavora-
“ que estaríamos a viver numa
roulotte, com os nossos três fi-
aos mil. Em setembro, sem dizer
nada ao meu marido, entreguei a
Paulo, de 53
anos, e Sofia, de
da com a ideia de me virem roubar
o pouco que tenho.
33, vivem com
lhos, diria que era um pesade- loja. Pedi o RSI [Rendimento Social 400 euros do Os meus filhos não me pedem nada
lo. Morávamos num T3 alugado, por de Inserção], mas não tenho direito a subsídio de [chora]... e eu só lhes queria dar uma
desemprego
400 euros, em Loures, tínhamos nada porque o Paulo já recebe 400 que ele recebe casa, mas para isso preciso de traba-
comprado um carro novo em 2018, euros de subsídio de desemprego. lho. A mais velha está no 10º ano, em
não havia dívidas e trabalhávamos os Entretanto, em agosto, o senhorio Artes, e quando precisa de material,
dois. Eu como esteticista à comissão da nossa casa, a quem nunca fiquei a que é caríssimo, só me pede descul-
e o Paulo estava há já 15 anos numa dever nada, lembrou-se primeiro que pa. Antes deste confinamento, tinha
empresa de organização de eventos precisava da casa para a filha, depois voltado a trabalhar à comissão em
em hotéis de cinco estrelas. A nossa propôs o dobro da renda, enfim, até três sítios, só que era pouca coisa
vida era estável e o Paulo conven- eu descobrir que o contrato que tinha porque as pessoas têm medo, e agora
ceu-me a ter o meu próprio negócio. assinado não valia. Num mês e meio, 6.114 então é zero. O Paulo também tem
Em janeiro de 2019 encontrámos tivemos de sair. Pedi 5 mil euros em- casais tinham andado à procura, o último emprego
uma loja, perto de casa, e investimos prestados a uma pessoa amiga para os dois elemen- que tentou foi para entregar pão, mas
as poupanças todas ali, em obras, poder comprar uma roulotte e é num tos desempre- dizem-lhe que precisam de alguém
decoração e material – cerca de 10 parque de campismo que estamos a gados no final mais novo; ou ficam de dar uma res-
mil euros. Era para abrir a 19 de viver os cinco, desde novembro... de novembro, posta que nunca chega.
março, só que entretanto surgiu o Mas não falta amor... [chora]. mais 15,9% do Se eu tenho esperança? Não... Já
confinamento. Dos 400 euros, 200 vão para a que no mesmo perdi tudo, até as forças. Não me
Com os eventos cancelados, o Pau- mensalidade do parque, que faz o mês de 2019 quero vitimizar, nunca fui assim,
lo foi despedido em abril, sem ne- favor de nos deixar viver aqui. E ain- mas sinto o chão a fugir. Olho para
nhuma indemnização. De repente, foi da tenho de pagar a quem me em- os meus filhos, tenho vontade de
o ordenado dele que deixou de en- prestou o dinheiro para a roulotte. É chorar e não posso. O que me anima
trar, a loja que só nos dava despesas, só contas... Temos o apoio de uma é vê-los felizes por viverem ao ar li-
o carro e a alimentação de três crian- assistente social, que nos envia um vre. Mas dormir aqui com mau tem-
ças [duas raparigas de 15 e 13 anos e cabaz todos os meses, e do grupo po é assustador. Quando está vento,


um rapaz de 11]. Um mês, tudo bem, Sobreviver a Pão e Água, que tam- então, parece que vai tudo pelos
isto vai passar, ao fim de três meses bém nos ajuda com comida. Carne ares. Naqueles dias em que estive-
já é o desespero. Aguentei a loja até e peixe não consigo comprar. Brinco Dormir aqui ram temperaturas negativas, passá-
maio e abri no dia 15, com mais des- muitas vezes e digo: ‘Hoje vamos co- [na roulotte] mos muito mal. Foi um ano de per-
pesas no material que a pandemia mer uma coisa que não comemos há com mau das consecutivas. Perdemos o traba-
exige. Mas de maio a setembro só fiz muito tempo: esparguete!’ Os meus tempo é lho, as poupanças, a nossa casa e a
150 euros... chegava a casa desani- filhos misturam açúcar com canela assustador, nossa estabilidade, os meus filhos
JOÃO MIGUEL RODRIGUES

mada e o Paulo tentava dar-me for- para pôr no pão e dizem que sabe a quando está perderam os amigos porque foram
ça. Dizia-me: ‘Vá lá, não fiques assim, Nutella. Há pessoas que nos ofere- vento então, obrigados a mudar de escola. Eu dei
o começo é sempre difícil.’ cem ajuda, mas eu não consigo... te- parece que sempre a volta e agora tenho de me
Tentei resistir, mas não conseguia nho medo que me achem oportunis- vai tudo conformar com a situação a que
pagar os 850 euros de renda, que ta. Desde que viemos para o parque, pelos ares chegámos e dói muito.” W

65
Sociedade

EDUCAÇÃO. EXECUTIVO DEMOROU MAIS TEMPO A COMPRAR COMPUTADORES QUE AS FARMACÊUTICAS A LANÇAR VACINAS

COMO FALHOU
O eventual (e provável) regresso às aulas em casa já não assusta tanto como há um ano, mas

A LIGAÇÃO
ligações à Internet e orientações claras vindas do ministério. Há situações em que é cada um

ENTRE O GOVERNO
não presencial veio cavar ainda mais fundo o fosso entre o público e o privado. Por Lucília Galha e

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E A ESCOLA
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M
anuel, 15 anos, tinha re- j ções pontuais de isolamento profilá-
gressado à escola há Menos de um tico, carece de duas autorizações: das
terço dos alunos
quatro dias quando foi carenciados re- autoridades de saúde e do Ministério
decretado o encerra- ceberam compu- da Educação. “Não podemos ligar
mento de todos os estabelecimentos tadores com liga- uma câmara dentro de uma sala de
ção à Internet.
de ensino. Esteve mais de um mês Não vai melhorar aula para apenas um aluno, não está
em casa – desde 9 de dezembro de tão cedo previsto na lei”, diz. Contudo, a SÁ-
2020 até 18 de janeiro de 2021, uma BADO sabe que não é assim. “Desde
segunda-feira –, em dois isolamentos que as escolas tenham os recursos, o
profiláticos sucessivos. Primeiro, por aluno pode acompanhar as aulas à
faltam computadores, causa de um colega que testou positi- distância”, garante Filinto Lima.
vo e com quem ele tinha almoçado; O presidente da Associação Nacio-
depois, pelo contacto com o irmão, nal de Diretores de Agrupamentos e
que também ficou infetado. Durante Escolas diz que essa autorização só
esse tempo, não pôde assistir às aulas se aplica em casos especiais: “Alunos
– não porque não quisesse, mas por- portadores de diabetes ou hiperten-
que a escola nem sequer lhe deu essa são, por exemplo, que tenham um
oportunidade. “A direção informou- atestado médico que os iniba de se
-nos de que não poderia haver aulas deslocarem à escola têm de ter a au-
online, porque a escola estava em re- torização da tutela. Só assim o aluno
gime presencial. E ainda disse que ele pode ficar em casa e ativar-se o pla-
podia entrar em contacto com os co- no de ensino à distância.”
legas para saber que conteúdos esta- A falta de resposta a alunos em iso-
vam a dar”, conta à SÁBADO, incré-
dula, a mãe, Raquel Neves.
O único acompanhamento que teve
€386
milhões
lamento profilático não acontece em
todo o ensino público. No Agrupa-
mento de Escolas de Idães, em Fel-
foi através da plataforma Google Sindicato Inde- gueiras, por exemplo, os alunos assis-
por si. E o ensino Teams, pelos sumários – e mesmo pendente de tem às aulas em casa, mas isso só foi
assim “nem todos os professores os Professores e possível graças à iniciativa dos pro-
escreviam online” –, e de fichas. Educadores diz fessores. Razão: os computadores es-
“Num dia de trabalho enviarem um que numa reu- colares não tinham câmaras e “fomos
sumário é surreal”, reclama a mãe. nião em janeiro nós que as comprámos”, revela à SÁ-
Manuel, que é o mais novo de três ir- o Governo atri- BADO o diretor, Luís Pereira.
mãos, dois rapazes e uma rapariga, buiu a culpa do O Ministério da Educação (ME),
só não perdeu aquele mês porque foi atraso da Esco- através da sua assessoria de impren-
pedindo apontamentos aos colegas e la Digital a Bru- sa, diz à SÁBADO que estas crianças
também teve explicações. xelas (o dinhei- “devem ter um acompanhamento”,
Não é caso único na Escola Secun- ro demorou remetendo a concretização desse
dária do Restelo, em Lisboa. Que o a chegar) “acompanhamento” para as escolas.
diga Marta van Zeller, com os dois fi-
lhos mais velhos – Matilde, de 17, e Onde se liga o portátil?
João, de 15 – também a estudar lá. Também a adaptação ao ensino à
“Cada vez se nota mais o fosso entre distância durante o primeiro confi-
o público e o privado. Começou pelo namento foi diferente entre o públi-
primeiro confinamento e vem-se a co e o privado. “No liceu, os miúdos
Marco Alves agravar”, diz. A economista, que tra- vieram para casa e cada professor
balha numa multinacional, tem as usava a sua plataforma, nunca se
duas experiências – a filha mais sabia qual, só tiveram metade do
nova, Luísa, 11 anos, estuda no priva- tempo das aulas, logo não termina-
do. No colégio, ao contrário do liceu “DOS COM- ram os programas e acabaram por
dos irmãos, quando há um caso posi- PUTADORES ficar com a nota do 2º período”,
tivo, o aluno, se estiver em condições, PROMETI- conta Marta van Zeller.
passa logo a ter aulas online. “O pro- DOS PELO Além da Internet, que funciona mal,
fessor está ligado e o aluno vai acom- GOVERNO e de os professores terem de usar os
panhando a aula em casa”, descreve. EM ABRIL seus próprios computadores – os da
Confrontado com a situação, o di- DE 2020, escola têm “problemas de som”. Já no
retor do Agrupamento de Escolas do CHEGARAM colégio privado da filha terminaram
Restelo, Júlio Santos, afirma que o 20. SÃO PRE- os programas e no pós-confinamento
ensino à distância, mesmo em situa- CISOS 200” continuou a usar-se a plataforma Q

67
Sociedade

Q online, “na qual são feitas as aulas virtualmente à escola. O Governo


de dúvidas em pós-horário e os tra- comprou 100 mil kits de Computador
balhos de grupo”. e 100 mil de Conectividade, que co-
Marta van Zeller está preocupada meçou a distribuir em Outubro. Esse
com o impacto da nova interrupção. número corresponde a um terço das
No ano letivo anterior, a mais velha, necessidades. Os restantes passaram
Matilde, só fez dois exames (as espe- por um longo processo burocrático,
cíficas) para ter acesso à universida- que ainda decorre.
de. Se a pandemia não abrandar São mais 335 mil Kits de Computa-
pode acontecer o mesmo este ano. dor e 335 mil Kits de Conectividade,
“Sabemos que isto não vai correr mas no Portal Base (à data de 26 de
bem”, diz, angustiada, a mãe, que já janeiro) só estão contratos para
pondera mudar também os filhos 258.651 Kits de Computador. Falta o

MÁRIO CRUZ/LUSA
mais velhos para o privado. resto, mas o ME diz à SÁBADO que
Outro problema, transversal às es- tudo está comprado. Mais: “A contra-
colas públicas, é a Internet – é insufi- tualização prevê que comecem a ser
ciente para suportar o ensino à dis- distribuídos no 2º período.” Proble-
tância e todas se queixam que falha ma: o 2º período está a decorrer e
muitas vezes. “Temos uma instalação g do Office e com uma pen de apenas 2 nada foi distribuído.
com quase 12 anos, que pouco me- Tiago Brandão gigas de Internet. “Não precisavam Os contratos que estão no Base refe-
Rodrigues foi
lhorou desde esse tempo”, detalha intransigente de ser topo de gama, mas os que re- rentes aos 258.651 Kits de Computa-
Luís Pereira. Dos computadores pro- e duro com as cebemos são computadores de baixo dor permitem ver o histórico do pro-
metidos pelo Governo em abril de escolas privadas custo que vão ficar rapidamente ob- cesso. Depois do anúncio de António
2020, chegaram apenas duas deze- soletos”. Já há exemplos dessa fragili- Costa, a 9 de abril, só a 20 de julho
nas àquele agrupamento. Mas são dade: no Agrupamento de Escolas de houve resolução do Conselho de Mi-
precisos 200. “Cerca de 20% das Idães houve seis computadores que nistros a autorizar a despesa. A Agên-
crianças não têm acesso nem a com- tiveram de ser devolvidos porque cia para a Modernização Administrati-
putador nem a Internet de qualidade. avariaram ao fim de 15 dias. “Funcio- va deu parecer favorável três meses
E a plataforma de ensino gasta mui- nam muito mal e alguns nem softwa- depois (12 de outubro), a 16 desse mês
tos dados”, conclui o diretor do Agru- Oposição re de edição de texto tinham instala- o ministro autorizou a abertura do
pamento de Escolas de Idães. A deputada do do”, conta o diretor Luís Pereira. Há procedimento e a 21 o secretário de
Na verdade, nada do que foi pro- PSD Cláudia An- outro problema: como os aparelhos Estado aprovou “as peças e a nomea-
metido no primeiro confinamento foi dré diz à SÁBA- são atribuídos aos alunos num regi- ção do júri”. Quase dois meses depois,
concretizado na totalidade, considera DO que “desde me de cedência temporária, há pais 11 de dezembro, deu-se a “decisão de
Paulo Guinote, professor do ensino maio” pergunta que não os aceitam, alerta Paulo Gui- adjudicação e aprovação da minuta”.
básico do Agrupamento de Escolas ao Governo note. “É preciso assinarem um termo Mais burocracia e no dia 31 os contra-
Mouzinho da Silveira, na Baixa da “onde estão os de responsabilidade e não podem tos foram então assinados.
Banheira. A maior lacuna, diz, foi não concursos” para instalar programas adicionais.” Célia Almeida, diretora do Agrupa-
ensinar os alunos a trabalhar com as a Escola Digital e Outra coisa que não chegou a mento de Escolas Pedro Eanes Loba-
novas tecnologias. “Começámos o que obteve “res- acontecer foi a formação digital dos to, na Amora, não ficou à espera que
ano letivo a recuperar aprendizagens postas evasivas”. professores. “Todos respondemos o Ministério da Educação cumprisse a
e o que era digital foi descurado.” Fala em “opaci- a um questionário sobre as nossas promessa. “Logo no primeiro confi-
Apesar de a nova geração dominar os dade” em alguns competências digitais, que nos dava namento começámos a preparar-
smartphones, o mesmo não acontece contratos uma pontuação. A partir daqui, cada -nos”. Dos 1.500 alunos, 62% são ca-
com as plataformas de ensino e até um terá uma formação de acordo renciados – são um chamado Terri-
com os computadores. “Há alunos com esse resultado.” Esse diagnóstico tório Educativo de Intervenção Prio-
que não sabem sequer onde está o só foi feito agora, em janeiro de 2021. ritária (TEIP). Do Governo, chegaram
botão para ligar o PC e tive um a ten- computadores para 40% destes alu-
tar passar os dedos no monitor.” Foi Alunos a leite e água nos, os restantes foram oferecidos
mesmo preciso usar algumas das “SEIS COM- No portal Base de contratos públicos por empresas. “Fomos nós, com os
suas aulas para dar formação. PUTADORES estão várias adjudicações que permi- nossos carros, a ir lá buscá-los”, con-
Também aqui não chegaram com- FORAM DE- tem perceber, à superfície, todo o ta. Para a diretora, teria sido mais fá-
putadores para todos: há 250 alunos VOLVIDOS 15 processo de implementação da Esco- cil arrancar logo com o ensino à dis-
com Apoio Social Escolar, só chega- DIAS DEPOIS. la Digital. O projeto é simples: entre- tância – em vez de ter duas semanas
ram 68 kits. Por cada agregado fami- ALGUNS NEM gar a cada aluno um Kit de Computa- de interrupção. Razão: já têm tudo
liar, só pode ir um – mesmo que mais SOFTWARE dor (portátil, mochila e headset) e um preparado e a experiência de quando
irmãos precisem. Os equipamentos DE EDIÇÃO Kit de Conectividade (router e cartão há alunos em isolamento profilático.
distribuídos também são muito limi- DE TEXTO SIM). Com estes dois kits podem ter Além disso, têm muitas situações de
tados. Vêm com uma licença limitada TINHAM” acesso à Internet, logo, ligarem-se pobreza que não podem ficar sem

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que só comem a sandes e o pacote “NO PRIMEI- seguir trabalhar. Os alunos sabem fa-
Ensino superior de leite do reforço alimentar e casos RO DIA DA zer um [vídeo na rede social] TikTok,
de deficiências graves. Quem é que INTERRUP- mas não aceder às contas de email”.
Sindicado preocupado
vai estar com os miúdos nestes dias?” ÇÃO, UM
com as avaliações
Há um problema prático: a empresa COLEGA MEU Os novos professores digitais
Mariana Gaio Alves, do Sindi- não prevê o transporte nas pausas le- TEVE DE IR A Há quem tenha uma opinião menos
cato Nacional do Ensino Superior, tivas, portanto, será necessário en- CASA DE UMA catastrofista. “Os miúdos são novos,
diz que o semestre deveria arran- contrar uma alternativa. Ali, já chega- FAMÍLIA. ES- adaptam-se depressa”, considera Ale-
car só no final de fevereiro, ou iní- ram praticamente todos os computa- TAVAM A LEI- xandre Henriques, autor do blogue
cio de março. Mas há faculdades dores que eram precisos, mas só al- TE E ÁGUA” sobre educação ComRegras. Profes-
a querer antecipá-lo (não dando guns (muito poucos) foram entregues sor do secundário, acredita que mes-
tempo aos professores para se aos alunos. “Não podemos dá-los mo que o 2º período seja todo à dis-
organizarem, diz) e a adiarem as logo, é preciso verificar um a um e tância, e “de contenção de danos”, é
avaliações para a Páscoa ou ju- tem de se fazer um registo numa pla- possível que o 3º já seja “relativamen-
nho. “Os alunos serão avaliados taforma nacional. É um processo te normal”. Ressalva: “Está na lei que
com grande desfasamento.” muito complicado.” um aluno que falte um período inteiro
O acesso aos aparelhos fará dife- Ajuda possa passar de ano na mesma, e es-
rença, já que no primeiro confina- Segundo o rela- tamos a falar de ensino normal.”
mento a maioria dos alunos só res- tório “Estado da No 1º período, Alexandre Henriques
resposta. “Hoje [dia 22], primeiro dia pondia por telemóvel e o ensino fun- Educação”, há chegou a dar aulas só com três alu-
da interrupção letiva, um colega teve cionou à base de fichas. “Os profes- 411 mil alunos nos em sala e os restantes online –
de ir a casa de uma família levar co- sores imprimiam, os pais iam buscá- a receber Ação situações de isolamento profilático.
mida, porque eles estavam a leite e -las à escola e depois tinham de as Social Escolar Por isso, não percebe a necessidade
água.” Para suprir estas necessidades entregar já feitas. As fichas ficavam desta pausa letiva. “Espero que estes
(além do apoio social), o agrupamen- em quarentena e, se o professor mo- 15 dias sirvam para o Governo fazer
to tem uma espécie de fundo de ma- rasse longe, ainda se digitalizava para aquilo que não fez durante meses. De
neio, com o dinheiro de pais, profes- lhes enviar. Depois, o processo tinha outra forma, para que servirão?”
sores e funcionários. de se repetir para dar feedback aos Em Gaia, na escola Dr. Costa Matos,
Está longe de ser um caso isolado. alunos”, descreve José Loureiro. Con- a professora Paula Santos, 52 anos,
José Loureiro, do Agrupamento de tudo, e mesmo com os equipamen- i dá à SÁBADO uma perspetiva que
Escolas da Baixa da Banheira, Vale da tos, o professor receia o impacto do Há três ensinos garante ser comum a muitos colegas.
previstos: pre-
Amoreira e Moita, também está preo- ensino à distância pelo segundo ano sencial, à distân- Na altura do primeiro confinamento,
cupado com o impacto da interrup- letivo consecutivo. “As ferramentas cia ou misto a sua iliteracia digital era grande. O
ção letiva nos casos de maiores ca- de aprendizagem são complexas e (metade das au- máximo a que ia “era passar nas au-
las online e me-
rências. “Temos dezenas de crianças não basta ter o PC em casa para con- tade na escola) las uns power points e uns testes com
áudio, uns vídeos do YouTube sobre
as matérias para os alunos ouvirem e
depois fazerem um teste”.
A dar aulas a seis turmas e com
cerca de 150 alunos de História do 5º
e 6º ano, se Paula Santos tivesse de
voltar ao ensino não presencial “já
não seria o terror” que foi há um ano.
“Nessa altura foi bombástico. De um
dia para o outro tivemos formação
[com um professor colega de Tecno-
logias de Informação] e comecei
a usar ferramentas que nem sequer
conhecia. Aprendi a entrar na plata-
forma Classroom, tudo aquilo era
muito novo. Para ter uma ideia, nun-
ca antes tinha feito uma reunião com
os meus colegas sem ser presencial.
E hoje usamos essas plataformas,
tanto nas aulas como com os meni-
nos online.” Isto, diz a professora, é a
PEDRO CATARINO

necessidade a aguçar o engenho. W

Com Margarida Davim

69
4
9 66
Sociedade

267
milhõe

A
tivo s
escola digital está de vol- o le al) da esc de crianças
ta – prevê-se que a 8 de do an
J-P fechad ola em 27 pa fora
a parte ratório os p
(relatór ela pandemia
íses
fevereiro, após a suspen- l labo
esco io Insig
são das aulas presenciais veram ados do for Edu h
cation) ts
i
por causa da pandemia –, e com ão t ia (d
n ças n andem
ela paira uma nuvem negra de nú- a
cri a da p
das s
meros. Vejamos novos: 80% dos ento or cau

65
or c r p
professores portugueses do ensino p terio
an

,6
pré-escolar ao secundário indicam
como principal desvantagem a
p
falta de interação com os alunos; e o f or ce
m ter e
61% não adquiriram formação es- jovens refere no cho nto d
por cento dos com a transição para ac da o
pecífica para darem aulas neste aprendido men
os emia Po esso s es s inq
oto pela pandanização

50 27
re m líti c u
modelo. Pioram a transmissão e o en si no
aciona l da O rg ca à ed olas irido
s d uc ag s
acompanhamento dos conteúdos (estudo internional do Trabalho) e E aç ra con
escolares (47%), os problemas a Internac du ão va sid
ca (O a d er
çã bs es am
conciliar as aulas à distância com o e erv ig
outros trabalhos docentes (33,9%), Fo ató uald que
rm rio ad
e a gestão da vida familiar (18,2%). aç da e
ão s
)
Os alunos reportam-lhes dados
preocupantes, sejam nas dificulda- os
des de acesso aos computadores e
po s alungar
est r cen to d
o tre
tablets (183 respostas); no manusea- p ã t cen o en con-
da elo c o su o dos por am nã os no à dis-
mento de aplicações e plataformas Or on jeit jo alegtrabalh nsino do
ga fin os ve
(153); na compreensão dos conteú- niz am a a ns os o de e ados mia
dos (103) e nos níveis de motivação
aç en ns do
ão to ied s 1 textância (d Econoda
Int (es ad 8 a t o de ção
(93). Ainda que residual, há batota ern tu e e os tr a
ac do de 29 Cen a Educ SBE)
de pais e encarregados de educação ion int pr an d va

20.º
al d ern ess os No
quando fazem os trabalhos dos miú- o T acio ão
dos porque subestimam as suas ca- rab na
alh l
pacidades, segundo um inquirido o)
(representante de um grupo de pro-
o dos alunos
fessores de uma escola). lugar – posiçã Matemática,
De acordo com parte da amostra, do 4. º an o em
58 países
1.857 professores com alunos dos 5 no ranking de (estudo
no fim de 20 20
aos 18 anos, o sistema implemen- TIMSS)
internacional
tado à pressa pela crise sanitária
evidencia falhas. E muitas. Por isso,
as informações acima descritas, ESTUDOS. ALERTAS SOBRE AS DESIGUALDADES DE ACESSO À APRENDIZAGEM
dados preliminares do inquérito

NÚMEROS
online realizado pelo Centro Inter-
disciplinar de Ciências Sociais da
Universidade Nova, e que a SÁBA-
DO publica em primeira mão, se-
rão remetidos aos participantes –

NEGROS DAS
33 agrupamentos de escolas de
nove municípios de norte a sul do
País. “Somos uma espécie de par-
ceiros, tentamos arranjar ferra-
mentas de apoio às direções das

AULAS ONLINE
escolas. Como seria de esperar,
o ensino à distância não chegou
a todos, mas face às circunstâncias
foi um primeiro passo”, explica
à SÁBADO a socióloga Liliana
Pascueiro, coordenadora executiva Com o encerramento das escolas volta o ensino à distância
do estudo. – e as falhas. Académicos avançam estatísticas à SÁBADO
Não terá ajudado a falta de pre-
paração de um terço dos inquiri- sobre os impactos para professores e alunos. Por Raquel Lito
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dos, “alguns nunca tinham ouvido ma positiva, solar, até alegre”, conta gime atípico. Por vezes até antipe-
falar de Teams ou de funcionali- 1.200.000 à SÁBADO José Matias Alves, docen- dagógico, conforme o professor
dades Classroom da Microsoft”, Utilizadores da te da Faculdade de Educação e Psi- admite à SÁBADO por ter dado au-
prossegue a investigadora. E, na Escola Virtual, cologia da Universidade Católica, las pela plataforma Zoom à turma
falta de material – entenda-se no fim do ano que está na fase de tratamento dos de 10 das 18h às 22h com um inter-
de computadores portáteis ou letivo passado. dados. Confirma-se que o vaivém de valo de 15 minutos pelo meio. Mas
fixos –, também houve profes- A plataforma foi aulas presenciais versus à distância não os inundou de slides, bastaram
sores (49 respostas) a acompanha- lançada em “os perturbou em termos emocionais quatro sobre os ajustamentos no
rem os alunos através do próprio 2005 pela e de aprendizagem, que foi mais po- universo da educação: “A próxima
smartphone, “via WhatsApp ou por Porto Editora bre”, explica o investigador. Muitos aula será a 5 de fevereiro, com o
chamadas normais, porque o pro- deles estavam sós em casa, em con- mesmo grupo de alunos”, adianta.
blema era não terem sinal de In- textos sociais heterogéneos. O estu- Até lá fica atento às estatísticas e
ternet”. Outra falha: o upgrade tec- do será publicado em breve, numa às crónicas dos colegas, nomeada-
nológico por conta dos docentes, revista científica no âmbito das ciên- mente da professora de Economia
ou seja, 39% adquiriu equipamento cias da educação. da Nova SBE Susana Peralta, que
a título pessoal. Caso de Luís Ma- A fatura a pagar virá mais tarde, escreve no Público. A 15 de janeiro,
tias, 50 anos, professor de Mate- no acesso ao ensino superior ou uma semana antes de o Governo
mática no agrupamento de escolas depois ao mercado de trabalho. decretar o inevitável fecho das es-
D. João V, Amadora, e um dos in- Para quem já lá está, por exemplo colas, a autora enaltecia as escolas
quiridos para este relatório. “Enco- os doutorandos de José Morgado, abertas serem tão importantes
mendei a mesa digitalizadora em 65 anos, investigador e docente do como o funcionamento dos hospi-
março, escrevo no PC como se fos- departamento de Psicologia da tais. Mas, pelo meio, falava do tom-
se um quadro branco e todos os Educação do ISPA – Instituto Uni- bo económico através de um estu-
alunos veem”, diz à SÁBADO. Os Leitura versitário, há que se adaptar ao re- do da OCDE publicado em se- Q
alunos aderiram, embora alguns ti- Fica compro-
vessem dificuldade de acesso à In- metida, alertam
ternet. Solução? “Podiam pedir ao estudos. Há PUB

agrupamento e à câmara uma pla- crianças de 10


ca de banda larga”, responde. anos que não
A mulher de Luís Matias, Paula conseguem ler
Vivas, também colega (leciona a um texto, mes-
mesma disciplina, no mesmo agru- mo simples
O Mundo todo num só Clube!
pamento), acrescenta que os alunos
do ensino profissional manifestam
mais dificuldades na aprendizagem
online: “Não têm tão boas bases. Via
pelas caras deles, mas não apresen-

FORÇA,
tavam dúvidas” – tinham vergonha.

“Não quero voltar ao online”


“As minhas maiores preocupações

PORTUGAL!
são os testes e a pandemia, porque
não quero voltar a ter aulas online.”
Resposta de um aluno do 8º ano,
entre os 600 inquiridos de sete es-
colas do Grande Porto (do segundo
ciclo ao secundário), entre setem-
bro e novembro de 2020. Outro,
do 6º ano, reforça o medo “de vol-
tar a ter aulas em casa”. Do 10º
ano, um deles refere que a “agita- O VAIVÉM
ção” decorrente da pandemia DE AULAS
(professores em isolamento a dar PRESENCIAIS
aulas por videoconferência) pode VERSUS À
restringir o futuro. DISTÂNCIA
Main Sponsor: Gold Sponsors:
Em comum têm o fato de perspeti- PERTURBOU
varem o confinamento como prisão OS ALUNOS
doméstica. O regresso à escola era, EM TERMOS
à época do estudo, encarado de “for- EMOCIONAIS
Media Partners:
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j alunos (35,9%). Dados do Observa-


Liliana Pascueiro tório das Políticas de Educação, re-
adianta à SÁBA-
DO os resultados ferentes ao início de maio passado,
preliminares so- e que levam o coautor Paulo Peixoto
FOTOS MIGUEL BARREIRA

bre os constran- (do Centro de Estudos Sociais da


gimentos do en-
sino à distância Universidade de Coimbra) a antever
à SÁBADO mais e mais desigualda-
de: “Agravará, sem dúvida. O encer-
ramento das escolas deixa, de um
Q tembro passado (The Economic do em Casa/Telescola, da RTP Me- lado, os alunos que, em casa, reú-
Impact of Learning Losses, o im-
pacto económico das perdas de
aprendizagem, em tradução livre).
mória. Mas foi entendido de modo
diverso pelos estudantes: desde igno-
rado; até visto como componente do
26%
de crianças
nem condições para dar continuida-
de e para reforçar as aprendizagens
e, de outro lado, os alunos que não
O encerramento das escolas afetará trabalho remoto, “constituindo, nes- de classes mais reúnem essas condições.” São elas
o rendimento futuro deles em 3%. tes casos, uma ferramenta de com- desfavorecidas, a disponibilidade e as competências
Mais perdas: redução de 1,5% do bate às desigualdades sociais e um no Reino Unido, dos pais para orientarem; o acesso
PIB acumulada até 2100. Nada será suporte para a atividade docente”. conseguem a explicações online ou presenciais;
como dantes: no novo normal, a Para reduzir o fosso, há entre os manter o ritmo o ambiente doméstico adequado
pandemia arrasta a pobreza educa- 1.754 pais/encarregados de educa- escolar dos co- ao estudo.
tiva, um de inúmeros alertas. ção de outra amostragem quem va- legas de classe Às escolas faltam infraestruturas –
lorize a telescola. Encaram-na como média em salas adaptadas, computadores, câ-
Reações à telescola útil para os que não têm computa- confinamento maras, quadros, rede de Internet –
Relatos que vão ao encontro de dor ou Internet em casa (48,1%), ou adaptadas ao ensino não presencial,
outro estudo, feito na mesma altura importante apoio para a maioria dos aponta Paulo Peixoto. “Não se apos-
pelo Instituto de Educação da Uni- tou na formação dos docentes e dos
versidade de Lisboa: 14% dos 900 O FOSSO alunos para que o ensino não pre-
alunos do agrupamento de escolas Tédio e ansiedade ENTRE OS sencial possa ser algo mais que um
D. António de Ataíde (Castanheira do Reações dos universitários ALUNOS DE expediente temporário de substitui-
Ribatejo) teve dificuldade em se preocupados com o futuro CLASSES ção do ensino presencial.
adaptar à plataforma digital; 13% dis- MAIS OU ME- São cerca de 15% os alunos sem
seram que o equipamento informáti- Vários estudos apontam NOS DESFA- computador com Internet em casa,
co era insuficiente para as tarefas. para o impacto emocional do VORECIDAS de acordo com a segunda ronda do
Mas a larga maioria (95%) valorizou confinamento e do estudo em “AGRAVAR- inquérito a educadores e professores
o apoio dos professores. “Demonstra casa. Numa subamostra, 23 -SE-Á, SEM do ensino básico e secundário (2.647
a importância da constituição de re- alunos de mestrado e douto- DÚVIDA” respostas recolhidas entre 5 e 19 de
des de trabalho conjunto entre in- ramento foram ao encontro maio pelo Centro de Economia da
vestigadores/universidades e escolas desta tendência. O catedrático Educação da Nova SBE). Mais: numa
no âmbito do Plano de Ação Digital”, Paulo Ferrinho escreveu num i escala de um a sete, a capacidade de
contextualizam à SÁBADO as auto- artigo científico que eles mani- Estela Costa (à apreensão da matéria nas escolas
esq.ª) e Mónica
ras Estela Costa e Mónica Baptista. festam tédio, ansiedade e Baptista desen- por videoconferência fica-se pela
A par deste trabalho, prestes a ser preocupação com o futuro. volvem estudos média de 4,5.
publicado por uma sumidade da no âmbito do Ins- Resultados que deixam a coorde-
tituto de Educa-
Universidade de Harvard (Fernando ção da Universi- nadora do inquérito, Ana Balcão Reis,
Reimers, de Políticas Educacionais), dade de Lisboa apreensiva com os danos cumulati-
as duas académicas portuguesas afe- vos. Isto é, famílias com vários filhos
riram desigualdades na aprendiza- sem espaço nem meios para que vá-
gem. Onde? No epicentro, as escolas rias crianças tenham ensino à distân-
dos territórios educativos de inter- cia em simultâneo. Quem paga a fa-
venção prioritária (entre Alentejo, tura são os alunos mais novos, frisa à
Lisboa e Vale do Tejo, Centro Norte). SÁBADO, “cujos processos iniciais de
Ainda a fazerem tratamento de da- aprendizagem de leitura e matemáti-
dos, avançam à SÁBADO que as en- ca voltam a ser parcialmente inter-
trevistas a 20 professores/coordena- rompidos, com danos que podem
dores e 10 diretores de escolas per- perdurar ao longo das suas vidas”.
mitem concluir que “nem todos os Igualmente prejudicados são os “alu-
alunos beneficiam de infraestruturas, nos de meios socioeconómicos mais
em suas casas, que lhes permitam frágeis, aqueles que mostram maio-
comparecer no ensino à distância”. O res danos na aprendizagem durante
remendo passou pelo célebre #Estu- o primeiro confinamento”. W

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PANDEMIA. ESPECIALISTAS QUEREM INTEGRAR COMBATE À COVID-19

AS MULTAS NÃO MUDAM


COMPORTAMENTOS
Tal como não são a melhor estratégia para convencer um fumador a deixar de o ser, é
pouco provável que sejam eficazes a obrigá-lo a usar máscara ou a manter a distância. Pode
ser melhor apostar num diário. Imagens de vítimas? Também é discutível. Por Ana Taborda

S
e decidir ir passear à beira-mar, citadina, em teletrabalho ou que tem
a 30 quilómetros de casa, sem de se deslocar para trabalhar. Na Ho-
máscara e em grupo, é quase landa, há um grupo de especialistas a
certo que, em havendo um polícia na trabalhar com as autoridades de saú-
zona, será multado. Também é pro- de locais e todos os meses recolhem
vável que lhe peçam para pagar na dados comportamentais”, acrescenta.
hora, sugerem as novas medidas do Não é caso único, garante: em vários
Governo. Menos seguro é que o seu países estes grupos de especialistas
comportamento mude por isso, de- têm pessoas a recolher dados numa
fende Marta M. Marques. “As puni- lógica quase diária.
ções são uma das fontes de motiva-
ção menos frequentes para aderir a Máscara à porta de casa
comportamentos. As pessoas tor- Já se sabe, por exemplo, que em si-
nam-se mais defensivas ou desafian- tuações familiares é mais difícil usar
tes perante a ameaça, podem sentir máscara; e que não tocar nos olhos,
que estão a ser oprimidas e reagir pe- nariz e boca é um dos comporta-
rante isso”, explica à SÁBADO a in- mentos mais difíceis de alterar. Tam-
JOÃO CORTESÃO

vestigadora do Trinity College Dublin bém se sabe em que populações isto


(Irlanda) e do Comprehensive Health acontece mais. E é isso que gostava
Research Centre da NOVA Medical de ver replicado em Portugal. Até
School (Portugal). Apesar de reforçar porque, depois, há várias soluções
que, neste caso, não tem dados, sabe g possíveis. “Uma das estratégias é um
Marta M. Moreira
que é assim noutras áreas: “Há vários A app e os 15 dias é investigadora
envio de mensagens, com diferentes
estudos, por exemplo, sobre deixar de em Psicologia e conteúdos, a relembrar as pessoas
Mensagens mais claras e que
fumar, que comparam diferentes ti- Mudança Com- para não terem estes comportamen-
nos mostrem os efeitos portamental em
pos de mensagens; e as mensagens tos. Outra é ajudá-las a autonomiza-
Saúde
focadas nos aspetos mais negativos StayAway Covid A app foi rem-se, a terem um registo de quan-
e indutores de medo, que reforçam desinstalada por 1,8 milhões de tas vezes lavam as mãos e as levam
a punição, têm menos efeito.” portugueses. “As pessoas não à cara.” Há várias formas de o fazer:
É precisamente por razões como percebem a utilidade. Tenho através de apps no telemóvel ou de
esta que um grupo de 68 especialis- de ver a utilidade e ter dados que diários. “Mesmo que num registo
tas decidiu assinar e enviar uma carta mostrem que a minha utilização mais informal, é importante pelo me-
aberta ao Governo. Querem que, à está a ter efeito. Isto ajuda a man- nos alertar para que façam essa con-
semelhança do que acontece em paí- ter um comportamento.” tagem e vão pensando nisso ao longo
ses como a Holanda, Alemanha ou do dia.” Também pode ser útil ter a
Canadá, a gestão da pandemia passe Confinamento “O que te- máscara à porta de casa, para a le-
a integrar especialistas em mudança mos ouvido é que vai durar ESTRATÉGIAS varmos quando saímos.
comportamental em saúde. O objeti- mais do que 15 dias, mas que POSSÍVEIS: E é mesmo essencial dar rosto aos
vo é ajudar a definir medidas e me- agora são 15 dias. Começa a TER A MÁS- mortos? “A utilização de imagens
lhorar a comunicação. “Neste mo- existir uma mensagem que CARA À POR- muito chocantes, sobretudo em gru-
mento a comunicação a que temos não é consistente entre várias TA DE CASA pos com os quais não nos identifica-
tido maior acesso tem sido muito fontes de informação. E isso E CONTAR O mos, nem sempre tem o efeito dese-
igual para toda a gente, quando devia pode gerar desconfiança.” NÚMERO DE jado. Muitas vezes as pessoas mudam
ser personalizada com base na idade, VEZES QUE de canal, reforçam que só acontece
na vulnerabilidade, no facto de ser SE LEVAM AS aos outros e tentam negar. Há que
uma população mais rural ou mais MÃOS À CARA pensar em diferentes estratégias.” W

73
Sociedade

D
eixaram de se ver de um j
momento para o outro. Foi Maria Stilwell,
17 anos, e o
assim que Maria Stilwell, namorado
17 anos, e o namorado vi- fazem jogos
veram a notícia do primeiro confi- e têm sauda-
des. “Não
namento – sem conseguirem despe- é sempre a
dir-se. O que se seguiu foi puro im- chorar e a rir,
proviso: arranjaram formas de se às vezes é
só a chorar”,
manterem próximos e de alimentar diz Maria
a relação, com tecnologias, videojo-
gos, encontros virtuais e até leituras
em conjunto. Se nada substitui o
abraço, foi Dostoievski que lhes esti-
mulou os dias mais longos e solitá-
rios. “Lemos o Crime e Castigo em
conjunto, partilhámos opiniões. Mas
eu fui mais rápida na leitura, ele faz
muitas notas”, recorda Maria à SÁ-
BADO, que enfrenta agora circuns-
tâncias semelhantes às vividas em
março: estava em isolamento pro-
filático quando recebeu a notícia
do novo encerramento das escolas.
“Foi frustrante, quando ia finalmente
poder sair as escolas fecharam e
o confinamento voltou”.
O impacto do “murro no estôma-
go” já passou e os últimos dias têm
sido mais tranquilos. Viver aos pou-
cos, aceitar e não criar muitas expec-
tativas. Esta tem sido a fórmula para
os tempos incertos. “Ninguém sabe
quando vamos voltar.” Pelo meio,
inventaram todo o tipo de progra-
mas. Além das conversas e mensa-
gens diárias – de manhã, à tarde IA
ENCURTAR A DISTÂNC
e à noite – instalaram uma aplica- OLOGIAS AJUDAM A
RELAÇÕES. AS TECN

PRIMEIRA
ção, a House Party, para se diverti-
rem com os amigos. “Jogamos Trivial
e Uno. Karaoke é mais com as mi-
nhas amigas. Metemos uma música

PAIXÃO
e desata tudo aos berros. O meu
namorado nisso não alinha. Mas é
de chorar a rir.”
Esta será mais ou menos a realida-

CONFINADA
de de uns milhares de estudantes que
estão em casa desde que o Governo
decidiu encerrar as escolas, por 15
dias. Esta quinta-feira será votado no
parlamento o novo Estado de Emer-
gência, e Marcelo Rebelo de Sousa
propôs que os estabelecimentos de
escola s fechad as , há casais de jovens que
ensino fiquem encerrados até ao Com as
Carnaval. O Governo está a ouvir es-
do pa ra segura r a relação. Os especialistas
fazem tu
pecialistas, mas se o decreto for apro-
para o im pacto em oc ional da pandemia.
vado o novo estado de emergência
vigorará entre 1 e 14 de fevereiro.
alertam
Por André Rito
Se isso acontecer, Tomás Sá e a na-
morada nem serão dos mais prejudi-

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cados. São vizinhos na zona de Be- g da a um isolamento profilático devi-


lém, em Lisboa, o que facilita os en- ugue, id tempus do a um caso de Covid-19, já não
dolor. Etiam orci
contros. “Não temos esse impacto magna, euismod houve regresso à escola. “Acabou
negativo como as pessoas que vivem eget tempus sed, por ser uma notícia chocante, estou
em diferentes concelhos”, diz o estu- congue id mau- em casa há três semanas”, conta o
ris. Nunc gravida
dante de arquitetura, 20 anos, à SÁ- sem estudante, que se sente sortudo por
BADO. A viver uma relação desde ter uma namorada.
agosto do ano passado, Tomás re- “Somos duas pessoas bastantes di-
corda que o mais difícil do primeiro vertidas, podemos estar mais tristes
confinamento foi o fim da vida so- um dia, mas nada que não passe
cial, as saídas à noite, e a diversão do com uma chamada ou uma mensa-
primeiro ano da faculdade. O ensino gem. Acho que é melhor passar esta
e a aprendizagem também se torna- j pandemia tendo namorada do que
ram mais complicados. “O exame Manuel Vallêra não tendo ninguém. Não são as me-
vive a minutos da
mais importante do ano, de projeto, casa da namora- lhores circunstâncias, mas é sempre
teve notas mais baixas. Havia muita da. Tentam uma pessoa que está lá para apoiar,
JOÃO CORTESÃO

gente que não podia sair de casa almoçar juntos, que partilha as saudades. Ambos sa-
quando é possível
para não pôr em risco os familiares, e bemos que não podemos controlar
o uso de meios digitais afetou os alu- isto.” A solução – ou parte – é fazer
nos, aumentou o número de chum- planos: projetar os próximos tem-
bos.” Já a namorada, que este ano pos. “Estamos a programar algumas
concorre pela primeira vez à univer- viagens. Se tivermos de adiar não há
Conversar no Tinder
sidade, teve de deixar a ginástica de problema, até porque nos diverti-
competição por incompatibilidade As aplicações de encontros já mos a planear”, conta Manuel. “Sei
com as aulas. O tempo é agora pas- não são apenas para dates que vamos ficar bem.”
sado a estudar e o namoro mudou- Em tempo de pandemia e Quem não teve a mesma sorte foi
-se para o telemóvel. “Faço reuniões Tomás Sá, isolamento, as aplicações de Tiago Barreto, 20 anos. “Apanhei o
com amigos pela Discord, uma app 20 anos, encontros não fazem milagres, bicho, quem diria. A adaptação ao
com videojogos online, que uso com partilha mas há um elemento que, confinamento não é fácil, sobretudo
a minha namorada para partilhar diariamente segundo Marta Crawford, está a quando estamos longe da namora-
ecrã e vermos uma série ou filme. o ecrã com surpreender. “Estas tecnologias da”, conta por escrito à SÁBADO.
Faz-se com o que se tem, nada a que a namorada passaram a ter uma segunda “No dia em que escrevo isto não a
não se sobreviva”, diz Tomás. à noite para vida. Mais como espaço de vejo há seis dias, que parecem cus-
verem um filme conversação quando antes da tar mais agora do que quando tudo
“Menos espontaneidade” ou a série pandemia eram apenas para começou em março.” Com mais ou
A psicóloga e sexóloga Marta Craw- Vampire Diaries marcar um encontro.” menos imaginação, Tiago e a namo-
ford diz que o impacto do confina- rada têm arranjado forma de matar
mento e da pandemia é maior nos saudades “e fazer parecer que mes-
jovens e adolescentes. “É uma fase mo longe estamos perto”.
da vida de experimentação e não ter “Das habituais videochamadas até
essa liberdade é muito limitador”, TIAGO dos os dias, fazíamos videochama- aos jogos que inventamos para fin-
afirma à SÁBADO. Se há miúdos me- E SARA das por Zoom à noite, e jogávamos gir que não estamos fartos de falar
nos responsáveis, mais desafiantes e DECIDIRAM com amigos. Era a única oportunida- um com o outro.” Criaram algumas
que assumem o risco, a psicóloga diz ADOTAR de de contacto que tínhamos, não se rotinas para suavizar os tempos
que estes tempos são também de UM GATO; podia fazer muito mais”, recorda à “estranhos” que se vivem atual-
maior peso e de responsabilidade MARIA E O SÁBADO. O encerramento mais re- mente. “Nas últimas horas da noite,
para muitos desses jovens e adoles- NAMORADO cente foi uma surpresa desagradável só os dois acordados, comemos tor-
centes. “A maior parte tem pais e LERAM JUN- que ninguém esperava. “Desde o iní- radas e vemos o máximo de episó-
avós. O seu comportamento tem im- TOS CRIME cio das aulas, em setembro, os pro- dios que conseguimos de The
plicações diretas. Os momentos a E CASTIGO fessores diziam para estarmos tran- Walking Dead. Acabamos sempre
dois hoje exigem comportamentos quilos, que a escola não ia fechar.” por adormecer e nenhum dos dois é
seguros, há menos espontaneidade Depois de a sua turma ter sido força- capaz de admitir que foi o primeiro
e está tudo mais condicionado.” a ceder.” Entre o sono e a realidade,
Manuel Vallêra, 17 anos, namora há garante Tiago, o confinamento tor-
um ano e oito meses. Conheceram- j na-se mais simples e fácil de ultra-
-se, ele e a namorada, na escola Pe- Marta Crawford alerta que passar, com a companhia certa.
dro Nunes, em Lisboa, e ultrapassa- os momentos a dois perderam “Adotámos o Félix, um gato de rua
ram o primeiro confinamento sem um pouco da espontaneidade que passa horas em frente à janela
grandes dramas. “Ela ligava-me to- – estão condicionados da Sara.” W

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Sociedade

FOTORREPORTAGEM. RETRATOS DO FIM DA VIDA

AS MORTES NÃO TÊM


PARADO. ELES TAMBÉM NÃO
Há passos acelerados nos corredores, contentores extras nas morgues dos hospitais e
em algumas agências funerárias. Nos crematórios, fazem-se funerais a cada duas horas.
Imagens do Hospital de São João, no Porto, e da Servilusa. Por Ana Taborda e Sónia Bento

O
contentor branco disfarça- pondera contratar funcionários que
do por tapumes, no centro
operacional da Servilusa,
na Buraca, mantém uma
721
pessoas
se reformaram há menos de um ano
para reforçar as equipas. No início da
pandemia, houve dois corpos que fi-
temperatura que ronda os 5, 6 graus. A 20 de janeiro caram mais de um mês a cargo da
Lá dentro há já vários caixões, todos morreram mais empresa que já fez mais de 170 testes
sem nome – em vez dele, um código de 700 pes- Covid aos seus funcionários – com o
e a posição na respetiva prateleira soas, 221 com espaço aéreo fechado, foi preciso es-
permitem que o sistema informático Covid-19. Foi o perar para os devolver às famílias.
identifique a pessoa que ali está, à es- número mais Neste momento, os atrasos devem-
pera da última cerimónia. É provável alto de sempre -se em parte às listas de espera dos
que sejam cada vez mais. No dia 21 crematórios, que podem chegar a
de janeiro, o número de mortes em uma semana. Mas também há famí-
Portugal era já 55% superior ao regis- NO INÍCIO lias que, por estarem todas infetadas,
tado nos mesmos dias de 2020, ex- DA PANDE- pedem para adiar a cerimónia duas
plicou o diretor-geral desta funerária, MIA, COM OS semanas. “Os [funerais] Covid são a
Paulo Carreira, à SÁBADO. “Ainda VOOS PARA- coisa mais triste que há”, diz à SÁBA-
ontem me ligaram de hospitais a per- DOS, DOIS DO Manuel Milhano, funcionário do
CORPOS FI-
FOTOS RICARDO MEIRELES

guntar se podia ir buscar dois cadá- crematório de Alcabideche, Cascais.


veres, porque não tinham espaço”, CARAM MAIS Às dez da noite, hora a que muitas
conta. Por ali, a capacidade ainda DE UM MÊS À vezes fazem a última cremação do
não está esgotada, mas o número de ESPERA DE dia, já aconteceu não haver ninguém
funerais quase duplicou e o gestor SAIR DO PAÍS na última homenagem. W

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1 2 3
500 mortos por dia Mortos Covid Preparação dos corpos
Há um túnel subterrâneo que liga Um funcionário do hospital está Manuel Pontes, coordenador da
o Hospital de São João à morgue. a preparar a maca para ir buscar morgue do São João, prepara o ca-
Este mês, já houve mais de 10 dias mais mortos. As vítimas da pan- dáver de uma mulher com mais
acima dos 500 mortos – em 2020 demia chegam a esta sala em de 80 anos. A roupa que está no
e 2019 não houve nenhum sacos selados e desinfetados cabide é para um próximo morto

MIGUEL BALTAZAR

4
Contentores frigorífico
Em abril, a Servilusa já tinha aluga-
do um, que não usou. Agora, vol-
taram a pedi-lo. No total, a funerá-
ria tem espaço para 97 cadáveres,
mais 98% que antes da pandemia

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2
1 2
Duplicar as cerimónias Equipamento Covid
Faziam, em média, 23 funerais A Servilusa já gastou 98.500
por dia. Agora, já chegaram máscaras (um aumento de
aos 45. Os caixões são entre- 787%), 22 mil batas (+ 67%),
gues duas ou três vezes por 489 mil luvas (+16%) e 600 li-
semana (em vez de uma) tros de álcool-gel (+ 900%)

3 4
Equipas reforçadas Cremações até às 24h
No crematório de Alcabideche, Para reduzir as listas de espera,
a cortina que se vê à esquerda os horários foram alargados.
só é levantada se a família qui- No dia da visita da SÁBADO, a
ser assistir à cremação – a par- Servilusa fez o funeral de um
tir de uma sala própria casal que morreu com Covid

FOTOS MIGUEL BALTAZAR

3 c FOTOGALERIA INTEGRAL EM i
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Crónica www.sabado.pt
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SANTOS E...
O som do Mal – e da respiração mecanicamente assistida – atravessou anos de silêncio.
James Earl Jones, 90 anos feitos agora, foi viver com 5 anitos para a casa dos avós
O MORALISTA no Michigan. A adaptação foi difícil e Jones, que sofria de uma gaguez paralisante,
mal falou até ao início da adolescência. Seria um professor do secundário a en-
Dostoievski conhecia-nos bem. sinar-lhe os ritmos e os timbres, graças à leitura de poesia. O resto é história
Conhecia bem o porteiro do prédio galáctica: James Earl Jones é um actor capaz de graciosidade e ironia,
em frente à minha casa que não coloca mas o que ficará é o seu registo de baixo profundo, como o eco
uma máscara há 11 meses, os putos de um trovão de Wagner, enquanto Darth Vader na trilogia
e os velhos que querem que os outros original de A Guerra das Estrelas. A voz mais pode-
putos e velhos se lixem, os arautos rosa de todas correu o risco de nunca
antivacinas, os eufóricos natalícios se fazer ouvir.

C passou quatro anos a dormir num anónimo, enfiado numa cave, com a

O vírus de chão imundo, com baratas, pulgas e


uma casa de banho para 200 homens.
vida suspensa, Dostoievski traça no li-
vre-arbítrio o oposto da compaixão: a

Dostoievski A experiência transformaria um jovem


dado a romantismos num pessimista
de lucidez assombrosa. Celebram-se
possibilidade de escolher é, em última
instância, mais importante que o bem-
-estar ou que a própria vida. Pela li-
A 22 DE DEZEMBRO DE 1849, nove este ano dois séculos sobre o nasci- berdade de escolha, os homens são
homens, condenados à morte por lei- mento de Dostoievski, o pai do ro- capazes de infligir mal a si próprios,
turas conspirativas contra o Czar Nico- mance moderno, precursor da Psico- muitas vezes apenas para provar que
lau I, foram levados para a praça Se- logia Existencialista e do olhar sobre o não prescindirão dela. Dostoievski co-
mionov, em São Petersburgo, onde os humano como novelo complexo de nhecia-nos bem. Conhecia bem o por-
vestiram com longas camisas de cam- vontades em permanente conflito. teiro do prédio em frente À minha casa
poneses e lhes deram os últimos ritos, Daqui a poucos dias, a 9 de Fevereiro, que não coloca uma máscara há 11
colocando-os face a um pelotão de fu- passarão 140 anos sobre a sua morte – meses, os espadaúdos do livre-arbí-
zilamento. No último segundo, um 2021 é dele –, e nenhum escritor ob- trio de 2020, os putos e os velhos que
correio chegou à praça com um de- servaria hoje a espécie com mais pro- querem que os outros putos e velhos
creto imperial que reduzia as senten- priedade. Num longo texto sobre o se lixem, os arautos antivacinas (o
ças de morte a penas de prisão. À boa realismo sombrio de Dostoievski, pu- movimento antivacinas é tão antigo
maneira russa, o salvamento no limite blicado há dias na revista New Crite- como a vacinação e contemporâneo
fora encenado. Com o choque, um dos rion, Gary Saul Morson fala do autor de Dostoievski), os eufóricos natalí-
prisioneiros ficou com o cabelo bran- como “o filósofo da liberdade”. Mas a cios e o Homo sapiens sapiens que
co. Outro enlouqueceu. Um dos ho- caracterização é enganosa. Para Dos- não está para confinamentos até que
mens escolhidos para morrer era Fió- toievski, a liberdade era não o cami- a próxima ambulância na fila seja a
dor Dostoievski. O autor de Crime e nho para um final feliz, mas o irrepri- sua. Leiam o russo. W
Castigo, epiléptico, febril, seria levado mível desejo de contrariar qualquer
para um de vários barracões da coló- desígnio social. Sobretudo em Memó- Texto escrito segundo
nia penal siberiana de Omsk, onde rias do Subsolo (1864), de protagonista o anterior acordo ortográfico

A maior vitória de domingo


foi a do povo racional e corajoso, capaz de
levantar o rabo do medo e ir votar na decência de-
mocrática. A segunda maior vitória de domingo foi a do
povo excluído mas preguiçoso, capaz de desistir do centro-direi-
ta ou de se encher com a irredutibilidade do PCP e ir votar num can-
didato autoeleito por Deus. Mas ao contrário do diagnóstico dos politólo-
gos, o desventurado Ventura não convenceu apenas o interior farto de pro-
messas. Dois terços dos seus votos vieram dos distritos mais ricos, onde o res-
sentimento racista e ultramontano grassa como fogo na pradaria.
C

...PECADORES
Jornalista
Pedro Marta
Santos

79
Desporto

F
azer abdominais e exercícios g
com os braços ou treinar ugue, id tempus
dolor. Etiam orci
pancadas com a raqueta são magna, euismod
rituais comuns no dia a dia eget tempus sed,
de um tenista. Só que Frederico Silva congue id mau-
ris. Nunc gravida
está a fazê-lo há duas semanas fe- sem
chado num quarto de hotel em Mel-
bourne, na Austrália – o português,
de 25 anos, tem de cumprir isola-
mento até este sábado, 30 de janeiro.
“Houve um caso de Covid-19 no
meu voo, que saiu de Doha, onde jo-
gámos o qualifying de acesso ao qua-
dro principal do Open da Austrália, e
houve outros em voos do Dubai e de
Los Angeles”, confirma à SÁBADO.
“Por causa disso, há 72 tenistas em
isolamento, assim como treinadores,
e ainda jornalistas, fisioterapeutas e
pessoas da organização do torneio.”
Mesmo sem esse caso positivo, teria
sempre de cumprir duas semanas de
quarentena. Só que poderia estar cin-
co horas por dia fora do quarto: duas
horas nos courts, duas no ginásio e
uma para refeições. É isso que acon-
tece com Pedro Sousa, o outro portu-
guês no Open da Austrália, que co- g 72 tenistas. Por exemplo, treinar só
Frederico Silva
meça a 8 de fevereiro (João Sousa, in-
fez para a SÁBA- As vitórias marcantes entre eles. Mas as autoridades de
fetado com Covid-19, falha o torneio). DO, com o tele- saúde não aprovaram. Entretanto,
De campeão com 12 anos à
Frederico Silva está numa espécie móvel, algumas deram-nos material de treino e faço
fotos dos treinos chegada ao Open da Austrália
de prisão. “Há seguranças a controlar exercícios, online, com o meu prepa-
que faz no quarto
as saídas nos corredores e quem fu- de hotel onde O primeiro título de campeão rador físico. Também falo com o meu
rar o isolamento é multado e desqua- está em isolamen- nacional, com 12 anos, está na treinador, que está em isolamento
lificado do torneio. Ninguém entra no to, em Melbourne galeria dos melhores resultados. noutro quarto. Apesar de tentar man-
meu quarto. Deixam as refeições à Frederico Silva destaca ainda: ter a forma, claro que vou estar em
porta, tenho de mudar a roupa da “O triunfo num Future de Loulé, desvantagem em relação aos outros
cama e de tratar das limpezas. Mes- TREINA, VÊ com 15 anos, que valeu o primei- por não poder treinar normalmente.”
mo os testes à Covid, de dois em dois FILMES E SÉ- ro ponto ATP; a primeira vitória E logo numa altura em que Frederi-
dias, são feitos à porta.” Para passar o RIES E JOGA num torneio ATP, contra o De- co Silva, nº 182 do ranking mundial,
tempo, vê filmes e séries e joga Play- PLAYSTA- nis Istomin [Estoril Open]; e agora está a viver o seu melhor momento
Station. Conversar com a família não TION. FALAR chegar ao Open da Austrália” [ba- na carreira, ao chegar pela primeira
é fácil, devido à diferença horária COM A FAMÍ- teu Lukas Lacko, Nikola Milojevic vez ao quadro principal de um Grand
– em Melbourne são mais 11 horas. LIA É DIFÍCIL, e Gregoire Barrere no qualifying]. Slam (os quatro torneios mais impor-
“Houve várias reuniões online com DEVIDO ÀS tantes: Austrália, EUA, Roland Gar-
a organização, para se tentar criar 11 HORAS DE ros e Wimbledon). “É o concretizar
uma bolha dentro da bolha com estes DIFERENÇA de um sonho. No ano passado, em

TÉNIS. PORTUGUÊS EM QUARENTENA PARA O OPEN DA AUSTRÁLIA, QUE SE INICIA A 8 DE FEVEREIRO

O SONHO COMEÇA COM


Recebe as refeições à porta, muda a roupa da cama e treina com ajuda online. Por causa da Covid,
80
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g e venceu o Open dos EUA de juniores


ugue, id tempus em pares (com Kyle Edmund). E em
dolor. Etiam orci
magna, euismod 2013, outra vez com Kyle, foi campeão
eget tempus sed, júnior de pares em Roland Garros.
congue id mau- Olhando para o seu potencial, esta-
ris. Nunc gravida
sem rá Frederico desiludido com a carrei-
ra, pois o seu melhor resultado foi
chegar à final de um Challenger (tor-
neio de segundo nível, atrás dos ATP)?
“Quando saí do circuito júnior e co-
mecei a jogar torneios profissionais,
tive um primeiro ano difícil, de adap-
tação. Com 20 anos comecei a ter re-
sultados e a subir no ranking, mas
depois vieram as lesões. Dos 21 aos
24, basicamente foram três anos des-
perdiçados, porque estive sete meses
com uma lesão no pulso esquerdo,
depois recuperei e estive mais meio
ano parado com problemas no pulso
direito. Tive ainda de ser operado a
uma hérnia inguinal, que me deixou
sem competir mais cinco meses”.
A médio prazo, Frederico Silva tem
Paris, estive perto, mas fui eliminado 11 anos andava no ténis, na ginástica como objetivo entrar no top 100, o
na última ronda”, revela. e na natação e ainda jogava futebol Os tenistas que lhe dará outra estabilidade. “Dá-
O objetivo, agora, é estrear-se a ga- na escola. Depois, quando começou com melhor -nos acesso ao quadro principal dos
nhar no torneio. “Nos Grand Slam a ser difícil conciliar os torneios e as ranking que já melhores torneios, aos Grand Slam e
joga-se à melhor de cinco partidas, o provas que tinha em simultâneo ao enfrentou fo- ATP, com direito a hotel e despesas
que é novo para mim. Dependerá do fim de semana, optei pelo ténis, até ram os espa- pagas, além de prize moneys muito
sorteio, porque uma coisa é enfrentar porque já tinha bons resultados.” nhóis Nicólas superiores. Recebi 4.500 euros por
alguém do nº 80 ou 90 do ranking, Com 12 anos, foi campeão nacional. Almagro (n.º 9) ser finalista no Challenger de S. Pau-
outra o nº 1 ou nº 2”, diz. O sonho se- “De todas as vezes que fui campeão, e David Ferrer lo, e ganho mais do que isso só por
ria jogar contra Federer, o seu ídolo, essa ainda hoje é a mais marcante, (n.º 31), ambos passar uma ronda do qualifying do
mas como ele não vai estar na Aus- por ter sido a primeira. Nesse ano, no Estoril Open Open da Austrália. Diria que um te-
trália, “também seria espetacular ter também fiz bons resultados a nível nista português fora do top 300 tem
como adversários Rafael Nadal ou internacional, em provas por sele- de investir para jogar. Já estando no
Novak Djokovic. Mas não queria ções. Jogar contra os melhores de top 200, consegue-se viver do ténis.”
apanhá-los já na primeira ronda”. Itália, Espanha e Inglaterra e perce- NO TOP 100 A dez dias de começar o Open da
ber que estava perto do nível deles é TERÁ OUTRA Austrália, Frederico já vive esse mo-
Ténis, natação, ginástica e futebol motivador. Não é que aos 12 anos te- ESTABILIDA- mento com ansiedade? “Há tenistas
Frederico Silva começou no ténis nha decidido que ia ser profissional, DE FINAN- que são afetados por esse nervosis-
com 6 anos, por influência de um tio, mas deu-me força para prosseguir”. CEIRA. “FORA mo a nível de alimentação e descan-
que depois de o ver jogar raquetas Frederico Silva foi mesmo o portu- DO TOP 300 so. Comigo, isso só começa a bater
com o pai na praia levou-o ao Clube guês que mais se destacou nas cama- É PRECISO duas horas antes do jogo. De certeza
de Ténis das Caldas da Rainha. das jovens. Em 2012, com 17 anos, foi INVESTIR que vou dormir tranquilo na véspera
“Sempre gostei de desporto e até aos finalista no European Championship PARA JOGAR” de me estrear num Grand Slam.” W

M TREINOS NO QUARTO
está a ser assim a estreia de Frederico Silva num Grand Slam: em isolamento no hotel. Por Carlos Torres
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Ensaio
60 GUERRA
ANOS COLONIAL
1961 | 2021

A HISTÓRIA SECRETA DA PROPAGANDA DO REGIME 2ª PARTE

OPERAÇÃO
MAROSCA
A 16 de Dezembro de 1972, quatro caças-bombardeiros largaram várias bombas nas povoações de
Wiriamu, Juwau e Chawola. Enquanto isso, cinco helicópteros desembarcavam quatro grupos da 6ª
Companhia de Comandos, Grupos Especiais de Pára-quedistas, mercenários e agentes da PIDE/DGS,
os quais cercaram as aldeias e desataram a metralhar os aldeões, incluindo mulheres e crianças.

A
Operação Marosca – cercaram as aldeias e desataram a
nome de código da in- metralhar os aldeões, incluindo mu-
cursão militar de re- lheres e crianças, que fugiam em di-
presália ou vingança recção ao mato, para se protegerem
pelas emboscadas lan- dos bombardeamentos.
çadas pelos independentistas, se- Em todas elas o procedimento foi
manas antes, contra grupos de sol- idêntico: primeiro, os militares junta-
dados portugueses, dando assim a ram todas as pessoas no centro das
entender que a Frelimo (Frente de aldeias, incluindo as que se tinham
Libertação de Moçambique) conse- escondido dentro das palhotas. De-
guira infiltrar-se entre a população pois, os agentes da PIDE/DGS, prote-
civil nativa, com o objectivo, entre gidos pelos comandos, realizaram os
outros, de boicotar a construção da interrogatórios, procurando identifi-
barragem de Cabora Bassa (segundo car elementos da Frelimo ou quem,
a PIDE, a Frelimo teria conseguido entre o grupo de camponeses (consti-
instalar na região uma base com tuído maioritariamente por mulheres,
cerca de 300 guerrilheiros) – envol-
veu vários grupos dos Comandos,
elementos da PIDE/DGS, o Batalhão
de Caçadores 17 e a Força Aérea
Portuguesa.
Por volta do meio-dia daquele sá- OUVIU-SE,
bado, 16 de Dezembro de 1972, quatro
caças-bombardeiros Fiat G-91 larga- ENTRE OS
ram várias bombas na região onde fi-
cavam as povoações de Wiriamu, Ju- MILITARES
wau e Chawola, a cerca de 30 km da
cidade de Tete, próxima do rio Zam- PORTUGUE-
beze e a 120 quilómetros da barra-
gem de Cabora Bassa. Enquanto isso, SES, O GRITO
cinco helicópteros desembarcavam
quatro grupos da 6ª Companhia de “MATEM-
O
Escritor e sociólogo
Comandos, Grupos Especiais de
Pára-quedistas, mercenários (alguns -NOS A
João Pedro George
dos quais, provavelmente, rodesia-
nos) e agentes da PIDE/DGS, os quais TODOS!”
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crianças e idosos, todos eles desar-


mados), os apoiasse. Apesar de não
terem conseguido obter absoluta-
mente nada que confirmasse as suas
suspeitas em nenhuma daquelas po-
voações, os “PIDES” insistiram dizen-
do que estavam todos a proteger os
“turras” (guerrilheiros dos movimen-
tos independentistas) e que, inclusiva-
mente, lhes forneceriam comida.
Como os camponeses continuas-
sem a negar qualquer relação com os
“turras”, ouviu-se finalmente, entre os
militares portugueses, o grito “Ma-
tem-nos a todos!”, seguido de “Não
deixem ninguém vivo. Estas são as
nossas ordens”. No dia anterior, as or-
dens das chefias tinham sido de uma
clareza meridiana: “Derrubar tudo o
que estiver em pé” e “liquidar tudo o
que se mova”.
Acto contínuo, atiçaram fogo às pa-
lhotas, aos redis dos animais e a tudo
quanto se lhes deparasse. Violaram
mulheres, mataram à coronhada, fi-
zeram tiro ao alvo, fuzilaram, assassi-
naram recém-nascidos segurando-os
pelas pernas, de cabeça para baixo, e,
como coelhos, arremessaram com a
cabeça deles contra o chão, contra
um muro ou contra os troncos das ár-
vores, jogaram futebol com cabeças
decapitadas, um soldado colocou a
sua arma na boca de uma criança,
como se fosse uma chupeta, reben-
tando-lhe a boca e a nuca à queima-
-roupa. Como se pode ler no relatório
dos padres da missão de S. Pedro so-
bre os massacres de Tete, elaborado
nos dias 18 e 19 de Dezembro de 1972:

Chinteya, uma rapariga de 4 anos,


assustada, chora. Um soldado, simu-
lando compaixão, aproxima-se e,
acariciando a criança, pergunta-lhe
se está com fome. Sem, porém, espe-
rar a resposta, continua: “Toma o bi-
berão.” E metendo à força o cano
duma arma de fogo pela boca da
criança, diz: “Chupa!” E dispara. A
criança cai com um rombo na nuca.
A operação foi lançada em
resposta às emboscadas Não foi Chinteya a única vítima tra-
da Frelimo em Tete tada assim; várias outras tiveram a
mesma sorte.

Num dos relatórios lia-se: “A uma


mulher, chamada Zostina, um solda-
do perguntou qual era o sexo da
criança que trazia nas entranhas. Q

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83
GC
Ensaio
60 GUERRA
ANOS COLONIAL

ANTÓNIO Q Como respondesse que não sabia,


XIMONE abriram-lhe o ventre com um mache-
te e, extraído violentamente o feto,
E O SEU

GC
mostraram-lho para que o ‘soubesse’.
IRMÃO Logo a seguir foram ambos queima-
DOMINGO dos.” Noutra passagem do mesmo
CONSEGUI- documento denuncia-se o soldado
RAM que, vendo uma criança sentada no
FUGIR DE chão, chorando a morte da mãe, aca-
UMA PIRA bada de ser fuzilada, lhe desferiu um
FUNERÁ- forte pontapé na cabeça, aos gritos de
RIA COM “Cala-te, cão!”. O choro da criança Para a PIDE a Frelimo queria

GUERRA
boicotar a barragem
deixou imediatamente de se ouvir:

60
CORPOS estava morta, prostrada no chão, com
de Cabora Bassa
A ARDER o cérebro esfacelado.
No meio da confusão e da fumara-
ANOS
da, alguns indivíduos, que estavam
apenas feridos, conseguiram escapar,
COLO
como António Ximone, um rapaz de
15 anos, e o seu irmão Domingo, de 4 caça aos sobreviventes que tivessem
1961 | 20
ca, com uma longa experiência de tra-
anos, que conseguiram fugir de uma fugido e, finalmente, os eliminar. Al- balho em África, ali tendo permaneci-
dessas piras funerárias com corpos a guns desses sobreviventes, porém, do durante mais de 12 anos), que cha-
arder (António foi um dos sobreviven- protegeram-se na missão de São Pe- mou a atenção da comunidade inter-
tes que, meses mais tarde, relatou ao dro, dirigida por dois padres espa- nacional para o Massacre de Wiriamu.
London Times os factos deste hedion- nhóis da Ordem de Burgos, que ouvi- Em Abril de 1973, o padre Hastings
do crime de guerra). ram os primeiros relatos e produziram foi à Rodésia para participar num ci-
Exaustos da carnificina, os soldados dois relatórios sobre os massacres (a clo de conferências sobre temas reli-
acamparam nas proximidades das esses, felizmente, os assassinos não giosos. Nessa ocasião, ouviu da boca
povoações que tinham acabado de conseguiram deitar a mão). de alguns missionários espanhóis do
varrer do mapa de Moçambique, ali Perante isso, os missionários proce- Instituto de São Francisco Xavier de
ficando durante três dias, para dar deram a averiguações, ouviram os so- Burgos (conhecidos apenas como Pa-
breviventes (alguns dos quais abriga- dres de Burgos) o relato das selvaja-
dos no hospital de Tete) e recolheram rias cometidas por um grupo de mili-
os testemunhos daqueles que tinham tares portugueses no distrito de Tete.
presenciado os acontecimentos à dis- Mostrando-se interessado em saber
tância. Com base nessas informações, mais, sugeriram-lhe que contactasse
elaboraram dois relatórios, um dos a sede da ordem em Espanha.
quais fizeram sair de Moçambique: a Como daí a meses, na semana de 18
20 de Fevereiro de 1973, aproveitando de Junho, iria realizar uma palestra
o facto de as autoridades portuguesas em Salamanca, sobre o novo pensa-
terem expulsado de Moçambique dois mento da Igreja para as questões ecu-
padres de Burgos – Júlio Moure e Mi- ménicas, Hastings aproveitou para se
guel Buendía, por terem denunciado deslocar a Madrid. Já em Espanha,
as atrocidades de vários militares –, teve acesso a um desses relatórios so-
foi possível entregar a este último, bre os massacres de civis perpetrados
Mega Ferreira elaborou vários
relatórios sobre pouco antes de entrar no avião, uma pelo exército português na região
a política ultramarina cópia do segundo relatório (elaborado central de Moçambique (Tete). Ajuda-
por Domingo Kansande, Domingo do por tradutores espanhóis, consul-
Ferrão e José Sangalo), referente aos tou a documentação que o murciano
massacres de Wiriamu e Juwau, que o Miguel Buendía conseguira introduzir
transportou para Madrid e o entregou em Espanha, juntamente com um pe-
à Ordem de Burgos. queno filme que mostrava restos de
cubatas incineradas.
A acção de Adrian Hastings Depois de analisar cuidadosamente
Adrian Hastings foi o padre inglês ca- os relatórios que documentavam, de
tólico, pertencente à congregação dos forma fidedigna, os massacres em
Padres Brancos (além de historiador e três aldeias moçambicanas do distri-
estudioso do cristianismo, membro da to de Tete (com destaque para Wiria-
Congregação dos Missionários de Áfri- mu, pois fora inteiramente arrasada e

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O The London Times publicou


a notícia do massacre
a 10 de julho de 1973

quase todos os habitantes assassina- terrados no mato, porém, de Marcello: “O debate so-
dos, muitos deles de forma sádica e tinham sido presos pelas bre a visita de Caetano fora
cruel), e apercebendo-se da dimen- autoridades portuguesas e muito útil pois apresentara
são e da gravidade do que acabara de estavam no cárcere de à opinião pública inglesa o
ter conhecimento, decidiu que era Lourenço Marques, sob carácter da guerra que
preciso denunciar aquela selvajaria, a acusação de “atenta- Portugal sustenta em Áfri-
cometida com requintes de sadismo, do moral ao exército por- ca.” O mesmo aconteceu
pelo exército português, fazendo tuguês”. no Observer, jornal que
chegar à imprensa internacional Face à gravidade das também veio corroborar
aqueles papéis. acusações, mais a mais di- os relatórios apresentados
vulgadas num jornal com por Hastings; o The Guar-
Repercussão internacional o prestígio e a influência dian publicou na íntegra o
Ao fim da tarde de 6 de Julho de 1973, do The Times, e estando relatório secreto, elabora-
uma sexta-feira, Adrian Hastings tele- programada, para daí a do por militares portugue-
fonava ao jornal The London Times e dias, a visita oficial (a con- ses para consumo interno,
contava a história dos massacres, de vite do governo britânico) que confirmava os massa-
que possuía provas, pois trouxera de de Marcello Caetano a cres de Wiriamu, defendeu
Madrid uma cópia do documento dos Londres (de 16 a 18 de Ju- a expulsão de Portugal da
padres de Burgos, passado em stencil. lho), as imprensas inglesa NATO (juntamente com a
No dia seguinte, sábado, enviou tudo e internacional desenvol- Grécia do regime dos co-
para o jornal. veram as suas próprias in- ronéis), e publicou um edi-
Na segunda-feira, já com os docu- vestigações e escalpeliza- torial intitulado “Portugal:
mentos de Hastings nas mãos, o res- ram a história dos massa- Amigo ou Inimigo?”, onde
ponsável pelas decisões executivas no cres, enquadrando-os na dizia que “é errado confe-
The Times, Louis Heren, telefonou- guerra levada a cabo em rirem-se honras ao Presi-
-lhe e disse: “Temos de publicar o ar- Moçambique, e promove- dente do Conselho Portu-
tigo amanhã. Os tipógrafos estão a ram um debate alargado guês. Ao povo português,
ameaçar com greve e não sabemos sobre os apoios estrangei- sim: 600 anos de cordiali-
quando estaremos em condições de ros de que Portugal bene- dade, menos inconsistente
voltar a imprimir.” Se tal acontecesse,ficiava para a prossecução da que gozámos por
a divulgação da história ficaria adiadadas suas campanhas mili- exemplo com os franceses
e perderia impacto, pois Inglaterra tares em África, pondo em ou com os alemães, mere-
preparava-se, em breve, para receber causa a reputação do regi- cem mais do que uma ob-
Marcello Caetano, o primeiro-minis- me português e a própria servação passageira. Po-
tro português, por ocasião das come- presença portuguesa no rém, o Dr. Caetano não
morações dos 600 anos da Aliança continente africano. pode ser apresentado
Luso-Britânica. O “Insight Team” do como representante do
A 10 de Julho de 1973, o jornal The Sunday Times, por exem- povo português e chefia
London Times, dando honras de pri- plo, realizou uma extensa um Governo que em mui-
meira página à história – título com cobertura do contexto do tos aspectos é mais hostil
grande destaque: “Massacre portu- massacre e qualificou do que afável para com os
guês denunciado por padres” –, pu- como “indesejada” a visita interesses britânicos”.
blicou o artigo assinado por Hastings, Para se ter uma ideia da
O PADRE onde se denunciava o massacre de repercussão internacional deste caso,
ADRIAN quase toda a população de Wiriamu só o The Times publicou, ao longo de
HASTINGS (no total, segundo as informações de seis meses, entre Julho e Dezembro de
TELEFONOU Hastings, teriam sido chacinados, pe- 1973, mais de 200 artigos atacando a
AO THE las tropas portuguesas, entre 300 e posição portuguesa, repudiando a
LONDON 500 negros das populações civis do campanha de contra-informação de-
TIMES E distrito de Tete), bem como um dos Adrian Hastings sencadeada pelas autoridades lusas e
CONTOU A dois relatórios elaborados pelos pa- denunciou mantendo-se firme na defesa das fon-
HISTÓRIA dres que trabalhavam na missão de o massacre tes em que se tinha baseado, que con-
São Pedro. Hastings referia a existên- sideravam consistentes e fidedignas, e
DOS cia de testemunhas do massacre, dos procedimentos de verificação dos
MASSA- nomeadamente um missionário por- factos. Em contrapartida, o jornal con-
CRES, DE tuguês da ordem italiana dos padres servador Daily Telegraph defendeu
QUE Combonianos, e mais dois outros que os inquéritos efectuados não ti-
POSSUÍA missionários que garantiam que os nham provado nada e lançou “fortes
PROVAS corpos das vítimas tinham sido en- dúvidas sobre a história”. Q

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60 GUERRA
ANOS COLONIAL

Recortes de imprensa com


a posição do governo
português a negar os massacres

O REGIME Q Reacção portuguesa


DESMENTIU Em Lisboa, imediatamente a seguir
ao artigo do The Times, o governo
OS MASSA-

GC
português publicou uma nota oficio-
CRES E sa indignada em que desmentia e re-
ALEGOU pudiava a notícia, considerando-a
MESMO A uma “campanha insidiosa de difa-
INEXISTÊN- mação”, uma conspiração interna-
CIA DE UMA cional inventada pelos inimigos de
ALDEIA Portugal, que segundo Marcello Cae-
COM O tano visava “abalar o moral das tro-
NOME DE pas” e “pôr em causa a defesa do Ul-
WIRIAMU tramar português”.

60
O regime português desmentiu pois
os massacres, contestou a veracidade GUERRA
dos factos e dos testemunhos, classifi-
ANOS
cou-os de tendenciosos, e alegou
mesmo a inexistência de uma aldeia
ros, Sir Alec Douglas-Home, discuti-
ram acaloradamente a oportunidade
da visita de Marcello Caetano e o mal-
COLO
cartazes com insultos – “carniceiro”,
“assassino”, etc. – contra Marcello
Caetano.
com o nome de Wiriamu: tudo não
passava de uma “ficção” congemina-
-estar que estava a causar em Ingla-
terra. Enquanto o governo de Londres
1961 | 20
Entre os portugueses que marcaram
presença, destacava-se a figura de
da por meia dúzia de padres progres- defendia o regime português (tal Mário Soares, o primeiro secretário-
sistas apostados em atacar as posi- como, de resto, o governo norte- -geral do recém-criado (e ilegal) Par-
ções portuguesas. Em desespero, as -americano), os trabalhistas e os libe- tido Socialista (em Abril de 1973), que
autoridades portuguesas lançaram rais, em minoria no Parlamento britâ- vivendo então exilado em Paris se
ainda uma campanha para denegrir o nico, exigiram que a visita fosse can- deslocou a Londres para participar na
Padre Hastings, considerado um “ini- celada, pediram a realização de um manifestação. Soares não só foi ofi-
migo declarado de Portugal”, e a ido- debate plenário sobre as alegações do cialmente recebido e acolhido por
neidade dos jornais que tinham divul- massacre e Harold Wilson declarou Harold Wilson, o já referido dirigente
gado a notícia dos massacres. O diário mesmo que, caso ganhasse as próxi- dos trabalhistas ingleses — entrevista-
Época, por exemplo, referiu-se a Has- mas eleições, uma das suas primeiras do na sede do Partido Trabalhista,
SOARES tings como um “paranóico com a ma- medidas seria propor a expulsão de Soares disse aos jornalistas que,
SENTOU-SE nia do escândalo”, um “espantalho Portugal da NATO. “como português, se sentia envergo-
AO LADO louco e um mentiroso agitador”, e se- Um dos momentos mais importan- nhado com a notícia do massacre”,
DE ADRIAN gundo a revista Observador estava tes da campanha anticolonial do Par- mas atribuiu a responsabilidade pelo
HASTINGS em curso uma “campanha desenvol- tido Trabalhista deu-se a 15 de Julho mesmo, exclusivamente, ao Governo
PARA vida pela imprensa inglesa, francesa e (um domingo, na véspera da chegada português, e não aos portugueses –,
DEFENDER italiana”, o convento dos padres de a Londres do primeiro-ministro do como se sentou ao lado de Adrian
Burgos era uma “célula socialista da Estado Novo), quando se realizou, na Hastings na conferência de imprensa
O RELATÓ- igreja espanhola”, Hastings um “mili- capital inglesa, uma manifestação de 11 de Julho de 1973, em Londres,
RIO DOS tante progressista”. contra a visita oficial de Marcello Cae- convocada pelo padre britânico para
MASSA- Na Câmara dos Comuns, Harold tano e contra o regime ditatorial por- defender, de viva voz, o relatório dos
CRES DE Wilson, o líder do Partido Trabalhista, tuguês, que começou em Belgrave massacres de Wiriamu.
WIRIAMU e o ministro dos Negócios Estrangei- Square (onde ficava a embaixada de Num ambiente destes, e prevendo a
Portugal) e terminou em Hyde Park. ocorrência de desacatos, a chegada
Além de Lord Gifford, o inspirador do primeiro-ministro português foi
da campanha “End the Alliance”, rodeada de um apertado dispositivo
participaram na manifestação – pro- policial da Scotland Yard e Marcello
vavelmente a maior manifestação Caetano foi abordado por uma multi-
antiportuguesa da moderna história dão de jornalistas. Os jornais britâni-
da Grã-Bretanha” —, vários exilados cos, incluindo alguns tablóides, en-
e activistas portugueses residentes cheram-se de comentários negativos
Lord Caradon, o padre Hastings e
em cidades como Paris, Bruxelas, a respeito de Portugal, que persistia
Mário Soares reuniram-se Amesterdão ou Estocolmo. Apesar na ilusão de que podia manter o seu
com o primeiro-ministro britânico da chuva, o protesto reuniu mais de império colonial, ofuscando e estra-
cinco mil pessoas frente à embaixa- gando, assim, todos os actos da visita
da de Portugal: entre Belgrave Squa- de Marcello Caetano (continua). W
re e o Hyde Park, a multidão foi gri-
tando palavras de ordem contra a di- Texto escrito segundo
tadura portuguesa e empunhando o anterior acordo ortográfico

86
NOVOS MODELOS
OS CARROS OFICIAIS DOS FILMES DE MAIOR AÇÃO E VELOCIDADE
DO CINEMA, EM 11 RÉPLICAS À ESCALA COM TODOS OS DETALHES

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06/02/2021 13/02/2021 20/02/2021 27/02/2021

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06/03/2021 13/03/2021 20/03/2021 27/03/2021

1327 DODGE CHARGER DOM’S DODGE CHARGER (BARE MET


METAL)
03/04/2021 10/04/2021

Aos sábados, um novo modelo


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Gourmet
iPão, a aplicação que
leva pão fresco à porta
de casa p. 98

Cinema
One Night in Miami, o
filme da Amazon que exa-
mina a negritude p. 100

Séries
Fran Lebowitz, a estrela
da nova série de Martin
Scorsese p. 102

Livros
Entrevista a Teolinda
Gersão a propósito do
seu novo livro p. 106

O MELHOR
CAFÉ PARA
BEBER
EM CASA
A proibição da venda ao postigo é a desculpa
perfeita para descobrir as lojas da especiali-
dade e as cafeteiras de que precisa para sentir
o aroma a café sem sair da sua cozinha
ALEXANDRE AZEVEDO

89
Tema

MUITO MAIS
DO QUE UM
CAFEZINHO
Acabou o café ao postigo. Se não
pode bebê-lo na rua, saiba como
preparar do bom em confinamento.
Reportagem na torrefação mais
antiga de Lisboa, com sugestões de
cafeteiras e lojas de especialidade.
Por Catarina Moura, Filipa Teixeira e Markus Almeida

É DIA DE TORRAR CAFÉ na A torrefação de


Flor da Selva, a pequena torre- 120 kg demora
fação familiar fundada por Ma- uma hora.
nuel Alves Monteiro em 1950 “Numa manhã
no bairro da Madragoa, em Lis-
boa. Porém, o forno a lenha da
podemos torrar
Probat G120 está frio e pelas
meia tonelada”,
ruelas do bairro histórico não aponta Francis-
se sente o cheiro a café, como é co Monteiro na
costume nas manhãs de segun- Flor da Selva
da e quarta-feira. Estamos na
semana em que foi proibida a
venda de café e outros líquidos
ao postigo, e o negócio ressen- clientes empresariais, mas não
te-se de imediato. o suficiente, como explica Fran-
É para hotéis, cafés e restau- cisco: “Sem dúvida que o con-
rantes (canal Horeca) que se sumo em casa aumentou, mas,
destina o grosso da produção com a nossa dimensão, precisa-
da Flor da Selva, hoje gerida mos do volume do canal Hore-
pelo filho e pelo neto do funda- ca para fazer torrefação naque-
dor, Jorge e Francisco – contu- la máquina.”
do, uma enorme minoria co- A máquina em questão é uma
meça a ganhar força. relíquia alemã da Probat, marca
A maior procura desde o pri- fundada em 1868, capaz de
meiro confinamento, em março torrar doses industriais de Q
de 2020, por parte de clientes
habituais, de aficionados de
ALEXANDRE AZEVEDO

café, curiosos e agora também


os órfãos de uma bica na rua –
enfim, o “consumidor final” –
vai compensando a perda dos

90
28 JANEIRO 2021
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Na oficina de
torrefação e
moagem da
Flor da Selva,
na Madragoa,
Lisboa, ainda
se usa lenha

91
Tema

Shopping
Q café com lenha de sobro. A lista de

cafeteiras e acessórios
O avó de Francisco comprou- métodos de
-a no fim dos anos 60 e ainda
hoje a Probat disponibiliza pe- A história da preparação de
ças que garantem a manuten- Flor da Selva café é vasta (e
ção. “Veio tudo desmontado e começa em 1950, até intimidatória).
era suposto vir também um en- não como forne- Estes são alguns
genheiro da Alemanha para cedor de café, instrumentos
ajudar na montagem, mas nun- mas com uma básicos para tirar
ca apareceu.” Por sorte, o pai de loja aberta ao o melhor de
Francisco, Jorge, era estudante público, na Rua cada grão
de Engenharia Civil no Técnico.
“Ele e os colegas montaram
da Esperança
tudo. Hoje o meu pai conhece o
interior da máquina ao detalhe.”
Na época, os alemães conse- g
guiram calcular a rotação ideal grãos torrados. Antes de lá che- MOINHO
para o motor da torra trabalhar garem, os grãos são carregados Para aproveitar toda a qualidade
da forma mais eficaz possível – pelo funil na parte superior da do grão de café, é melhor moê-lo
a famosa eficiência alemã. “Isto máquina, onde a torra tem lu- mesmo antes de o pôr na cafeteira
é algo que já não existe, daí que gar. A fumarada costuma ser ou em qualquer filtro.
as máquinas recentes tenham imensa, o cheiro intenso. Bosch, à venda na Fnac online
diferentes rotações.” €28,18
A torrefação de 120 kg, o limi- DA LOJA PARA A FÁBRICA
te máximo da máquina, demora A história da Flor da Selva co-
cerca de uma hora. “Numa ma- meça em 1950, não como for- j
nhã podemos torrar meia tone- necedor de café, mas antes AEROPRESS
lada”, aponta. O prato gigante com uma loja na Rua da Es- É um engenho ainda novo
(visível na foto anterior) é a perança. A morada atual, na (2005) e desmonta-se em
mesa de arrefecimento dos Travessa do Pasteleiro, na três partes: a câmara onde se
Madragoa, era apenas o ar- deitam os grãos moídos fina-
mazém de apoio. mente e a água quente; o fil-
“A torrefação surgiu mais tar- tro (que se deve ir trocando);
de para fornecer também lojas o êmbolo que se empurra,
como numa seringa, para que
o café saia pronto pela base
para um copo.
Aeropress, na
Portela Cafés online
€39,99

h
CHEMEX
O design elegante dos anos 40 atrai
muitos a este método de fazer café
com filtro de papel – os Chemex são
O contraste também originais. Este processo é
entre grãos um ritual demorado: vai-se deitando
de café a água devagar sobre o filtro com o
antes da
torrefação café numa moagem média e a bebida
pinga no fundo, quase gota a gota.
FOTOS ALEXANDRE AZEVEDO

(parecem
amendoins) Chemex, à venda na Fábrica
e depois Coffee Rosters online
€49,90

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h
COLHER E FECHO DE SACO
Para entrar no lifestyle do café
comece por baixo e pelo item mais
em conta da lista: a colher medi-
dora usada também para calcar o
café no filtro da cafeteira italiana,
por exemplo. Esta vem com um
fecho para o saco do café.
IKEA online
€3,50

j
CAFETEIRA A VÁCUO É no labora-
O “café de balão” faz a mesa tório que se
de jantar parecer uma feira de fazem pe-
ciência. O balão inferior é quenas tor-
ras elétricas
aquecido com uma chama di- para provas
reta e a água é forçada a subir.
Em cima, infusionam-se os
grãos de café moídos e, quan-
do a chama é apagada, o café
desce pela força da gravidade.
Bodum online com os aromas da mudança a
€189,90 “soprarem” com mais força nos
últimos anos, como relata o neto
do fundador: “Como deixou de
haver loja, algumas pessoas co-
meçaram a vir aqui, à fábrica, e
foram falando, recomendando...”
Criou-se um efeito de bola de
neve, alimentado pelos cafés de
origens (mais de 50 países), sem
aditivos ou químicos com que
Francisco e Jorge trabalham, do
g cachê de genuinidade que um
i PRENSA FRANCESA negócio familiar com mais de
ADAPTADOR É um bom compromisso entre meio século de existência acar-
PARA INDUÇÃO praticidade e um café aromático reta, e pela raridade de a torre-
Algumas pessoas vivem com a e complexo. Para isso há que ter fação ser a lenha e acontecer
tristeza de não ver a chama g uma moagem grossa (no momen- num bairro histórico como a
com que cozinham, mas podem CAFETEIRA to), água quente (não a ferver) e Madragoa. “Isto começou a ser
deixar de sofrer por uma ITALIANA deixar infusionar durante 4 mi- falado até no estrangeiro e, de
cafeteira italiana. A Bialetti tem O método patenteado por nutos antes de baixar o êmbolo. repente, estávamos a fazer dois
um adaptador para as usar Alfonso Bialetti nos anos Le Creuset online canais – horeca e consumidor
em placas de indução. 30 faz um café rápido e €60 final – ao mesmo tempo.”
Bialetti, à venda no prático. Basta deixar a
El Corte Inglés online cafeteira ao lume. A água QUARENTENA CAFEINADA
€15,95 sobe por causa da pressão como a antiga Casa Pereira, no O perfil do apreciador de café
do vapor, atravessando Chiado”, conta Francisco. já estava em transição, mas o
o andar intermédio, A loja Flor da Selva foi resis- confinamento e o teletrabalho
onde devem estar grãos tindo ao surgimento dos cafés deram a muitos o empurrão
de café numa moagem de cápsula e de novos hábitos para se começar a dar a esta
média a fina. de consumo, mas os anos da bebida a atenção que ela me- Q
BRA, à venda no El Corte troika revelaram-se fatais.
Inglés online Algo curioso aconteceu desde
€48,75 então, lentamente a início, mas

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Tema

Os Passadiços
do Paiva
integram o
portfólio da
Strike Tours

Francisco
Monteiro
controla
uma torra de
2 kg na
máquina

FOTOS ALEXANDRE AZEVEDO


elétrica

são, contudo, para todos os pa-


ladares. “Em Portugal temos um
sabor muito moldado pelas co-
Q rece. “As pessoas quando têm lónias, que era de onde vinha
a chávena à frente não estão a todo o café que se bebia cá até
ver o panorama...” meados do século XX. Um
Além de tudo o que aprende a sabor muito intenso, típico do
provar, todos os dias, cafés no- café expresso, marcado pelos
vos das mais diferentes prove- robustas de Angola.”
niências, Francisco tem ainda o A Internet e a facilidade de
curso de barista, o que o torna viajar (bom, até ao início de
um escanção da bebida cafei- 2020) tornaram o mundo mais
nada sempre pronto a aconse- pequeno e muito mais aberto
lhar e ensinar quem o procura. do que quando o avó de Fran-
JOÃO MORGADO

Como no vinho, os processos cisco fundou a empresa, nos


de preparação da baga – fer- anos 50. “Ele praticamente não
mentado, lavado ou semilava- tinha contactos com produto-
do, só para mencionar os mais res. Era tudo tratado através de
comuns – alteram os sabores intermediários”, conta, contras-
básicos como acidez, doçura, tando com o seu exemplo:
amargor e por aí fora. Depois “Neste momento, se quiser,
entra a origem, os blends, a pego no telemóvel e ligo ao
própria torra, o método de ex- Diego Andrés, que é um produ-
tração, tudo influencia. “O sabor tor na Colômbia. Faço um
do café é até mais complexo Facetime e é como se estivesse
que o dos vinhos”, remata. na plantação com ele.”
Aromas florais, frutados e coi- Com o confinamento, muito
sas mais exóticas que se encon- do consumo passou do local de
tram nalguns cafés arábica não trabalho e da rua para casa.
Compraram-se cafeteiras, café
melhor e acessórios. E houve
quem fosse mais além: “Cada
Como no vinho, vez temos mais clientes que
os processos de compram café ainda verde para
preparação da torrar em casa – das formas
mais criativas, até com máqui-
baga alteram os nas de fazer pipocas. Já vi de
sabores básicos tudo, e é sempre uma grande
do café, como a confusão e fumarada.” W
acidez, a doçura
ou amargor

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Chame-lhe bica, h i
para encomendar
Shopping
cimbalino ou 7G ROASTER, HOW ABOUT
expresso. Com PORTO COFFEE, LISBOA
A 7g Roaster lançou uma Em Lisboa, a entrega das
estas lojas de promoção no site (7groas- sacas de 250 g é feita pes-
Lisboa e Porto – ter.pt) em todos os cafés soalmente, já para o resto
muitas enviam de especialidade. Portes do País vai por correio. O
para todo o País de envio gratuitos para custo do envio acresce ao
– não vai sentir compras acima dos €20, preço do café, que começa
falta de o beber no Porto, e de €25, no nos €8 (Brasil) e vai até
na rua resto do País. aos €14 (Guatemala).
914 163 442 915 019 614

j i
BOOÍNGA, PORTO i FÁBRICA COFFEE
A Booínga está de por- SIMPLI COFFEE, LIS- ROASTERS, LISBOA
tas fechadas, mas quem BOA A loja continua a funcio-
quiser encomendar café A Simpli Coffee vende cáp- nar em takeaway, mas
e levantar na loja, pode- sulas (10 unidades quem preferir encomen-
rá fazê-lo. Se preferir a partir de €5,50) e café dar no conforto de casa
que os blends de origem em grão de vários países, pode fazê-lo através do
lhe sejam entregues em que pode ser moído na loja site, que permite esco-
casa, poderá indicar sem custos e valores a par- lher, inclusive, o tipo de
essa opção na loja tir dos €11 (250 g). Entre- moagem. A partir de
online (booinga.com). ga grátis num raio de 3 km. €7,50 por 250 g.
968 804 435 960 184 117 211 399 261

i i i h
SARGENTO MARTI- VERNAZZA, PORTO COMIDA INDEPEN- SENZU COFFEE
NHO, LISBOA A loja online vernazza- DENTE, LISBOA ROASTERS, PORTO
A trabalhar numa micro coffee.com tem os lotes A trabalhar com horário A Senzu tem um plano
torrefatora de Lisboa, a Brasil – Monte Cristo reduzido (e fechada 2.ª de subscrições de duas,
Sargento Martinho faz (€7,92/ 250 g), e 3.ª) a Comida Inde- três ou quatro embala-
lotes de café que podem Vernazza Signature pendente vende duas gens de 250 g por mês,
ser encomendados Blend (€7,92/ 250 g) variedades da marca para experimentar dife-
online. As origens são ou o República Domini- própria da Flor da Selva: rentes origens, a partir
a Etiópia e Brasil, a cana – La Lanza a Moka (€7,70) e a de €24.
partir de €11,99. (€9,81/ 250 g). Maracujá (€11,30). senzucoffeeroas-
info@sgtmartinho.com 933 543 020 213 951 762 ters@gmail.com

j i i i
COMBI COFFEE, PÉROLA DO C’ALMA COFFEE, CASA DE CAFÉS
PORTO CHAIMITE, LISBOA PORTO SOLPOSTO, LISBOA
A Combi Coffee – pro- Cafés arábica, em grão As encomendas fazem- A fama de ter sido a pri-
jeto que começou de ou moído, de origens va- -se por Instagram ou meira casa de cafés de
forma itinerante antes riadas, bem como aces- através do site do pro- Benfica vem de longe –
de se fixar numa mora- sórios para a sua confe- jeto TUCA (tucabarista- de 1949. Hoje continua,
da – volta à estrada, ção e armazenamento life.com), que desen- como então, a vender a
agora para lhe entregar podem ser encomenda- volveu um calendário granel café de várias
o café de especialida- dos por telefone e levan- de 30 cafés mensais proveniências e sem loja
de torrado em fábrica tados à porta da loja, torrados por roasters online – por estes dias o
própria. nas Avenidas Novas. diferentes. negócio faz-se à porta.
929 444 939 213 140 361 913 704 600 217 162 441

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opinião
Bom gosto, mau feitio

O PAÍS POR
ÁGUA
ABAIXO ÂNGELA MARQUES

E
usa a expressão “dinheiro vivo” e meia para descobrir esse pro-
vezes demais; e, por último, blema de que ele é porteiro.
mesmo não sabendo o que o Entre uma residência univer-
meu vizinho pensa sobre túneis sitária feminina (ideia que um
de vento custa-me a acreditar dia nos há de parecer tão ven-
que ele não ingira, como eu,
pelo menos três fios de cabelo
“VEIO PARA cida como a caça) e um pilhão,
não tive dúvidas: a descoberta
sempre que põe o pé na rua. UM BOM de um pilhão era já a melhor
Em cinco anos também não BAIRRO. notícia do dia. Foi a poucos
descobri o que queria ele dizer
com “há ali uma zona proble- TENHA SÓ metros do portão da escola
onde ia votar, porém, que per-
ra para meu bem. À porta do mática” e menos decifrei o ATENÇÃO: ALI cebi o medo (e o fascínio, que
elevador, para me dar as boas
vindas ao prédio, o meu novo
“que não interessa a ninguém”,
quando, a julgar por ele, “nin- PARA CIMA namoram) que aquele “daqui
para cima” provocava no meu
vizinho fazia a geopolítica que guém” já era pelo menos um HÁ UMA ZONA vizinho. Três famílias ciganas
podia: “Olhe, veio para um
bom bairro, temos aqui tudo.
homem cheio de medos. No
domingo, graças à Comissão PROBLEMÁTI- explicavam, aos filhos e filhas
que levavam pela mão, quem
Tenha só atenção: daqui para Nacional de Eleições, tive hora CA QUE NÃO era a sua candidata e porquê.
baixo é seguro, daqui para
cima nem tanto, há ali uma INTERESSA No meio do bairro, eles reben-
tavam de orgulho e eu enco-
zona problemática que não A NINGUÉM” lhia-me para que não me vis-
interessa a ninguém.” sem a comoção.
Em cinco anos de Avenidas Ali, percebi que, de facto, não
Novas não percebi o que queria conhecia bem este bairro – e
o meu vizinho dizer com quem perdia era eu. À noite,
“temos aqui tudo”: aqui onde com os votos contados, percebi
eu vivo (ele vive nas nuvens, que também não conheço bem
onde o IMI sabe a algodão o meu País. Só que com isso,
doce), mercearias nem vê-las vizinhos, perdemos todos. W
(estabelecimentos com consu-
mo mínimo de 10 euros, para
mim, são bares); multibancos a
uma estação de metro transfor-
mam-me numa velhinha que

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Vinho www.sabado.pt
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VINHOS-SURPRESA
Basta dizer de quais gosta e Luís Catela converte-lhe os desejos
em três vinhos naturais. Por Catarina Moura

OS RÓTULOS são diferentes,


têm ilustrações ou letras estili-
zadas; os cheiros e os sabores As caixas
idem – muitas vezes mais tur- são
vo, mais frutado, mais ácido entregues
do que se esperaria de um vi- em mão
em Lisboa
nho. Os vinhos naturais são e enviadas
uma subcultura no vinho e o por correio
caminho de entrada pode ser para todo
por vezes retorcido. A Pop The o País
Wine toma conta do ingrato
processo da escolha destes vi-
nhos de nicho: basta indicar as
características que prefere De vez em quando, há a pos-
num vinho e bate-lhe à porta sibilidade de atender pedidos
uma caixa com três garrafas- especiais. Já conseguiu enviar
-surpresa. sidra, vinho do Porto e aguar-
A ideia é de Luís Catela, que dente nestas caixas-surpresa
trabalha com vinhos há cinco – o essencial é encontrar pe-
anos, depois de ter estudado quenos produtores, “malta que
Direito, Produção Musical e de está na mesma onda” dos vi-
ter sido músico em bares. Fez nhos o mais naturais possível.
o nível um e dois do WSet, “Sempre que posso vou visi-
curso de formação de escan- tar as quintas que estão mais
ção, e começou a explorar os próximas [da zona de Lisboa,
vinhos naturais numas férias onde entrega as caixas em
em Paris, onde este mercado é mão]. Gosto de conhecer os
gigante e mais conhecido do produtores e ouvi-los expli-
grande público. A pandemia car a vinha. Gosto principal-
acelerou-lhe a vontade de dar mente de beber os vinhos
a conhecer estes vinhos. com eles”, conta.
Em outubro lançou a Pop A grande dificuldade de um
The Wine para fazer aparecer De vez em projeto que trabalha com vi-
em casa de qualquer um – co- quando, há a nhos naturais em Portugal,
nhecedor deste universo ou terra. Estás a beber uma coisa possibilidade para já, é fazê-lo sair do grupo
não – pequenos produtores que identificas, nos outros de atender de pessoas que já conhece e
com uma vinha tendencial- percebes que há coisas a mar- pedidos bebe estes vinhos. “Tento fa-
mente orgânica e vinhos com telar”, resume. zer sempre um acompanha-
baixa intervenção, sem gran- Nas caixas que envia para
especiais. Já mento. Mando uma mensa-
des adições de sulfitos, por todo o País (€50) põe garra- conseguiu gem ao cliente, pergunto o
exemplo. A sua paixão pelos fas de produtores como enviar sidra, que achou. Se entrego os vi-
vinhos naturais vem, aliás, daí. Daughter’s of Madness, Uivo, vinho do Porto nhos em mão, apresento-os,
“É vinho que sabe a fruta e à Adega Artesanal ou Quinta da e aguardente explico um bocadinho os pro-
Emergeira. Faz a seleção a dutores – quando mostras o
partir dos critérios do senso teu entusiasmo pessoalmente
POP THE WINE
Três vinhos naturais comum: prefere branco, tinto crias logo uma ligação.” W
€50 ou rosé? Mais ácido? Mais
frutado? De que é que não
gosta num vinho?

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Gourmet

RECEBA PÃO
FRESCO PELA
MANHÃ
A iPão é a plataforma que nos deixa pão fresco à por-
ta de casa todas as manhãs. O projeto começou em
Famalicão, neste momento já cobre praticamente
todo o Norte do País e em breve chegará a Lisboa.
Por Filipa Teixeira

PEDRO MOREIRA estava ha-


bituado a receber todas as
manhãs o pão fresco à porta
de casa. Na aldeia onde vivia,
no concelho de Famalicão, o
padeiro não falhava uma en-
trega, mas quando foi viver
para o centro da cidade, não
mais contou com esse servi-
ço. Em conversa com amigos,
“que é como muitas destas
ideias surgem”, lembrou-se
de criar uma plataforma que
pusesse em contacto clientes as padarias. O objetivo, ex-
e padarias: “Fui procurar o O serviço plica Pedro, é dar segurança
que havia, encontrei alguns começou aos parceiros com quem tra-
a ser
projetos mas nenhum idênti- pensado balha e, simultaneamente,
co ao iPão”, diz sobre o ser- antes da garantir a consistência do
viço que idealizou em outu- pandemia serviço para os clientes, que
bro de 2019 e que entrou e funciona já são mais de 4.000 regista-
para o mercado em maio do desde maio dos na plataforma.
de 2020
ano passado. Em termos operacionais, a
O software foi construído plataforma é muito intuitiva.
de raiz por Pedro, um pro- rápido possível”, refere, Se viver num Após o registo, basta escolher
cesso que demorou pratica- apontando como exemplo a apartamento, o distrito, concelho e fregue-
mente três meses a ser con- Uber, uma empresa pela qual pode fornecer sia de residência e, mediante
cluído: “A maior dificuldade tem “um fascínio enorme” a chave ou a isso, aparece uma lista de
foi criar automação na plata- por ter vindo “mudar com- produtos disponíveis para
forma para que todo o pro- pletamente os hábitos das
senha de acesso entrega na zona, bem como
cesso de encomenda, paga- pessoas”. ao prédio para a quantidade pretendida para
mento e envio da informação No iPão, a escala é muito que o padeiro cada dia da semana.
para o parceiro fosse o mais mais reduzida e a dinâmica lhe deixe o pão Os pedidos, entregues entre
concorrencial bastante dife- pendurado as 5h e as 9h num horário à
rente, ao ser valorizada uma à porta ou na escolha do cliente, são váli-
política de exclusividade com caixa de correio dos para um período mínimo

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A NOSSA
EXPERIÊNCIA

Desde o registo no site à en-


trega do pão todo o proces-
so foi muito simples e o
acompanhamento da enco-
menda permanente, por
email e por SMS. Na lista de
produtos, encontrámos não
só vários tipos de pães – do
biju normal (45 g) ao pão de
trigo sarraceno biológico
(350 g) ou pão de forma de
1 kg –, mas também broas,
Além de pão fogaças e doçaria comum
fresco para o de pastelaria (croissants,
pequeno- bolo de arroz, húngaros,
-almoço, pode bola de berlim, nata, mil-fo-
encomendar JORGE MIGUEL GONÇALVES lhas...). Não é, contudo, pos-
também bolos sível ver o nome da padaria
de pastelaria que garante a entrega, por
para um uma questão de proteção
brunch para a iPão, justifica Pedro:
“Não fazia muito sentido
para nós termos o nome da
padaria, porque a partir do
de quatro semanas, “por uma O cliente não zou com os anúncios da iPão momento em que o cliente
sabe qual é, podia ligar para
questão estratégica”, explica paga taxas de nas redes sociais, resolveu
lá.” A encomenda chegou às
Pedro: “Um cliente que faça entrega, inde- experimentar e até hoje ga- 8h43, dentro do limite assi-
uma encomenda para uma rante que nunca lhe falharam
semana recebe, por exemplo,
pendentemente uma entrega nem nunca se
nalado na plataforma (neste
caso pedimos até às 9h,
três entregas e não se fideli- da quantidade atrasaram. “Peço todos os mas é possível pedir tam-
za. Com as quatro semanas, de pão dias o pão até às 7h e dei- bém até às 6h, 7h e 8h) e os
já fica habituado ao serviço encomendada. xam-mo pendurado à porta
produtos estavam frescos.
Se quiser, durante o proces-
e renova automaticamente”, A margem é de casa. É um descanso le- so da encomenda, pode
diz, garantindo que a iPão partilhada entre vantar-me de manhã e saber deixar uma gorjeta ao
tem uma taxa de retenção a plataforma que tenho o pão fresco para a estafeta, entre €0,50 e €5.
acima de 60%. e a padaria primeira refeição do dia.”
Isabel Moreira é uma das Com exceção dos concelhos
clientes que desde a primeira de Braga e de Guimarães, a
hora aderiu ao serviço. iPão já está a operar em toda
“Digo-lhe sem tangas, fun- quando vivia em Felgueiras, a zona Norte do País (Viana
ciona mesmo bem”, conta em casa dos pais, mas ao do Castelo será coberta pela
ao telefone. Tal como Pedro, mudar-se para o Porto, isso plataforma a partir de feve-
também Isabel estava habi- acabou: “Desde que as mi- reiro). Lisboa, “ainda em
tuada a receber o pão fresco nhas filhas foram para a negociações”, poderá ser o
do padeiro logo pela manhã, escola, tive que começar concelho que se segue. W
a comprar o pão de véspera,
mas não era a mesma coisa”.
Em junho, quando se cru-

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Cinema

PODER, NEGRITUDE Esta Rua Falasse) em One Night


in Miami, baseado na peça com

E PERSONALIDADE
o mesmo nome escrita e adap-
tada para o grande ecrã por
Kemp Powers, também argu-
mentista do mais recente filme
Sobre estes e outros temas se debruça One Night in Miami, da Amazon Prime,
da Disney, Soul.
um filme com fulgor de peça de teatro que dramatiza o encontro imaginado
E é uma energia de teatro a
entre quatro ícones negros na era da segregação. Por Pedro Henrique Miranda
que carrega este filme que vive
essencialmente do confronto
entre quatro das mais influentes
personalidades nas suas respe-
tivas áreas. O anfitrião é Mal-
E SE QUATRO das maiores fi- Malcolm X, colm X (Kingsley Ben-Adir), ca-
guras negras da sua geração se Muhammad Ali,
unissem para debater o empo- Jim Brown
deramento afro-americano em
plena luta pelos Direitos Civis,
e Sam Cooke
numa noite que seria decisiva
reúnem-se num
para o rumo subsequente das quarto de hotel
suas vidas? A História já está neste filme que Leslie
escrita e não o contempla, mas examina as rela- Odom Jr.,
o cenário, que poderia muito ções de poder que canta
bem ter acontecido – os quatro, entre brancos e na pele
de Sam
afinal, conheciam-se bem –, é negros nos EUA Cooke,
invocado pela realizadora Regi- é um dos
na King (Melhor Atriz Secundá- destaques
ria nos Óscares de 2019 por Se do filme

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A adaptação da
peça de 2013 de O QUE SE ESCONDE
Kemp Powers
sobre o poder MAIS ABAIXO
negro na músi- A Grande Escavação desenterra uma incrível descoberta
ca, no desporto, arqueológica em solo britânico. Com Ralph Fiennes e Carey
na política e na Mulligan, estreia na Netflix a 29/1. Por Pedro Henrique Miranda
religião estabe-
lece paralelos
entre os anos 60 UMA ESCAVAÇÃO arqueoló- Mas a dramatização dos
e a atualidade gica pode não parecer o tema acontecimentos inusitados
mais entusiasmante para se que levaram à sua descober-
fazer um filme – quando não ta, realizada por Simon Stone
reira e Cooke martiriza-se pelo falamos das aventuras de In- e com o estrelato de Ralph
seu distanciamento da causa diana Jones ou da saga A Fiennes e Carey Mulligan, pa-
dos Direitos Civis. Múmia, isto é –, mas o novo rece conter uma dimensão
Escusado será dizer que a drama da Netflix propõe-se mais íntima. Edith Pretty
conversa não demora a trans- fazer uma outra abordagem, (Mulligan) é a proprietária do
formar-se num debate sobre a mais séria. Porque sério é terreno de Sutton Hoo, que
atitude de cada um em prol da também o seu objeto de estu- contrata o arqueólogo ama-
luta afro-americana, à medida do: as escavações de Sutton dor Basil Brown (Fiennes)
Quatro ícones que o argumento de Powers Hoo, em Suffolk, que desen- para o investigar. O resultado
da América nos confronta com caminhos terraram dois cemitérios dos é um filme adulado pela críti-
Negra dos distintos para a mesma meta: a séculos VI e VII, são conside- ca, que o descreve tanto
anos 60 devoção contra a ostentação, radas algumas das mais im- como um “melodrama britâ-
protagonizam
esta peça a violência contra o pacifismo, portantes descobertas arqueo- nico de época” quanto como
adaptada a ação direta contra a subver- lógicas alguma vez feitas em um “sensual drama
a filme são. Conte com linguagem que território britânico, pela inte- histórico”, potenciado pelas
não se coíbe de ferir suscetibili- gridade e pela significância performances dos dois prota-
dades, como quando Jim Brown dos artefactos anglo-saxões e gonistas e por uma “vontade
rismático e controverso porta- é informado, com toda a natu- do Império Bizantino revela- de consertar o passado, para
-voz da Nação do Islão e con- ralidade, de que “não é permiti- dos no processo. que seja preservado”. W
traponto radical ao pacifismo da a entrada de pretos na casa”;
de Martin Luther King Jr., que ou quando Malcolm acusa Sam
sedia no seu quarto de hotel Cooke de se contentar com ser Edith Pretty é
a proprietária
uma festa para o icónico pugi- “um macaco dançante” para os do terreno
lista Muhammad Ali (Eli Goree), brancos. que contrata
na altura ainda Cassius Clay, na A intrepidez do texto de a persona-
noite da sua lendária vitória so- Powers é amplificada pela so- gem de Ralph
bre Sonny Liston – 25 de feve- lidez das performances e da Fiennes para
o investigar
reiro de 1964. Os convidados visão da realizadora, três aspe-
são o quarterback e jogador tos salientados pela crítica na
mais valioso da NFL, Jim Brown sua quase unânime aclamação
(Aldis Hodge), e o rei do soul do filme. “O nosso povo está a
americano à data, Sam Cooke ser morto na rua todos os
(Leslie Odom Jr.). dias”, diz, a certo ponto, um
Uma noite destinada à cele- Malcolm X lacrimejante – uma
bração adquire contornos aze- observação que seria suficien-
dos quando uma festa sóbria temente presciente tendo em
(patrocinada pelo devoto Mal- conta que metade daquele
colm) impele as quatro estrelas grupo (Malcolm e Cooke) seria
a confrontar os seus problemas: assassinada a tiro dali a menos
X processa desentendimentos de um ano, mas que, à luz dos
que o levariam a separar-se da dias de hoje, se torna verda-
Nação do Islão, Ali tem dúvidas deiramente profética. W
quanto à sua própria conversão
religiosa, Brown contempla
uma mudança abrupta de car-

101
Séries

FAÇAM-LHE perguntas e ela


responde de maneira diverti-
da. Só não façam uma coisa: FRAN LEBOWITZ
SAIU DE NOVA IORQUE
“Não perguntem de maneira
divertida.” Martin Scorsese
cumpriu o contrato em Faz de
Conta que Nova Iorque É uma É adorada pelos nova-iorquinos e conhecida nos Estados Unidos pelas opiniões
Cidade, a recém-estreada sé- sarcásticas sobre as cidades e a política contemporânea. A Netflix
rie da Netflix que põe a escri- dá a conhecer ao mundo a escritora que prefere falar. Por Catarina Moura
tora Fran Lebowitz no seu lu-
gar preferido: falar enquanto
ninguém a interrompe. Esta é
a derradeira internacionaliza-
ção da escritora sarcástica em
bloqueio e nova-iorquina
exemplar que, até agora, an-
dava escondida do grande
público.
Há 50 anos chegou a Nova
Iorque para cumprir um so-
nho: ser escritora na cidade de
onde promete nunca sair (não
aconteceu com o 11 de Setem-
bro nem com a pandemia). Na
altura, tinha acabado de ser
expulsa do secundário e não
havia escola privada na sua
zona que a aceitasse, segundo
a própria, por causa do seu
olhar julgador.
Nos anos 70 a cidade já era
cara, mas havia “um milhão
de maus trabalhos” que per-
mitiam chegar ao fim do dia
com dinheiro na mão. Condu-
ziu táxis e foi empregada de
limpeza mas recusou-se a ser-
vir à mesa porque sabia que
isso trazia assédio. Acabou por
trabalhar em revistas, como a
Interview, de Andy Warhol.

Foi expulsa do
secundário
e não havia
escola privada
na sua zona que
a aceitasse,
segundo a
própria, por
causa do seu
olhar julgador
GETTYIMAGES

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Em 1978 lançou o seu pri-
meiro livro, que hoje, em se-

+PIADAS DE
gunda mão na Internet, vale
centenas de dólares. Metropo- Fran Lebowitz
litan Life é uma coleção de tem discursos
crónicas e ensaios dedicados sarcásticos
à cidade e ao estilo de vida do
meio cultural dos anos 70. Co-
sobre Nova
meça com Fran a acordar com Iorque e uma
misantropia na
o telefone ao meio-dia e a ex-
plicar que essa não é a sua
forma preferida de pôr termo
dose certa para
quem gosta de
LEBOWITZ
ao sono. É antes “acordar com ir a festas e ter
uma certa estrela de cinema gente a ouvi-la
francês a sussurrar-me às LIVROS
duas e meia da tarde que se “Quando a Toni Morrison
quero ir à Suécia receber o disse ‘escrevam o livro
Nobel da Literatura é melhor que gostariam de ler’, não
pedir o pequeno-almoço”. se estava a referir a toda
Nova Iorque até pode ser a conizava esta série. a gente”
cidade que nunca dorme mas Talvez esta série inverta a
Lebowitz não é. “A vida é o lógica dos mais recentes do-
que acontece quando não cumentários sobre figuras pú-
conseguimos adormecer”, blicas. Não carregamos no TRABALHO
escreveu. É fácil ouvi-la a de- play em mais de três horas de “Tenho duas grandes
clarar-se preguiçosa – justifi- conversa porque conhecemos ocupações: fumar e
cação para que não publique Lebowitz da ribalta, mas pelo orquestrar vingança”
desde o início dos anos 80, que diz e pensa: frases sarcás-
quando lançou o seu segundo ticas sobre Nova Iorque (que
livro, Social Studies. talvez se apliquem a qualquer
Entretanto, descobriu uma urbe), uma misantropia na BERNIE SANDERS
forma fácil de ganhar dinheiro: dose certa para quem gosta de E HILLARY CLINTON
falar em escolas, faculdades ir a festas e ter gente a ouvi-la “Odeio-o desde sempre.
ou auditórios onde a queiram e nenhum descrédito particu- Que tipo de pessoa sai
ouvir e pagar. “É muito mais lar por pessoas com menos de de Nova Iorque quando
fácil falar do que escrever.” 30 anos (comum em pessoas tem 18 anos? As pessoas
As suas sessões encerram com mais de 60). dizem-me ‘não gosto
com perguntas do público. O descrédito de Fran Le- de Hillary.’ [Eu digo] ‘Não
“Não perguntem de maneira bowitz é, aliás, com gente de te preocupes, ela não
divertida”, pede, com falta de todas as idades – é sabido que te vai ligar’
paciência para os congéneres o que mais odeia em andar de
humanos, mais encenada do avião é não poder fazê-lo so-
que real. As perguntas são in- zinha. É uma comentadora so-
variavelmente sobre não ter cial com características de es- ANIMAIS
telefone ou computador, sobre critora. “Para escrever tem de “O meu animal é bife”
política norte-americana (é se saber coisas”, sentencia.
uma democrata crítica até do Toni Morrison, amiga próxi-
Partido Democrata), direitos ma e prémio Nobel da Litera-
LGBT+ ou até sobre a crise cli- tura em 1993, disse-lhe, numa CASAMENTO ENTRE
mática. As respostas vêm do conversa incluída no filme Pu- HOMOSSEXUAIS
seu poder de observação e da blic Speaking, “Tu pareces sa- “Se eu acho o casamento
arrogância requintada. ber tudo. No entanto nunca és gay progresso? Isto era uma
Se esta obra falada era co- razoável.” Lebowitz respon- das coisas boas de ser gay.
Fran Lebowitz nhecida de um público urbano deu: “É por isso.” Outra carac- Fico surpreendida que as
nasceu em e educado, ficou mais acessí- terística: nunca é palavrosa grandes reivindicações se-
1950, em vel às grandes audiências com quando tem razão. W jam casamento e entrar nas
Morristown,
a 60 quiló- Public Speaking, o telefilme de forças armadas. São as
metros de Martin Scorsese para a HBO duas instituições mais
Nova Iorque de 2010. O formato, aliás, pre- opressivas do mundo”

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Música www.sabado.pt
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O sexteto
Beautify
Junkyards
lançou o
quarto disco

Cosmorama
Beautify Junkyards
GHOST BOX
Tendo percorrido um longo
caminho desde a sua
estreia, em 2013, a banda
apresenta um quarto regis-

OS SONS DA MISTURA
to entre o rock, a eletrónica
e o tropicalismo, cantado
em português (europeu e
do Brasil) e em inglês e,

ESTÃO DE VOLTA
A música portuguesa não para e o primeiro mês do ano viu o lançamento de
como o nome indica, que se
assume como uma viagem
cósmica pelas paisagens
sonoras que colorem o
universo musical do grupo.
discos que desafiaram convenções e se destacaram pela ambiciosa mescla
de sons. Descubra três dos melhores. Por Pedro Henrique Miranda

É UMA ALTURA INGRATA Chão Maior,


para lançar álbuns. A pande- um novo sex-
mia podia estar a dar sinais de teto de caras
recuar nos últimos meses, mas conhecidas
com o novo confinamento as
lojas de discos voltam a fechar
e os concertos a ser adiados. In Between
Felizmente para a música por- P.S. Lucas
tuguesa, podemos sempre EDIÇÃO DE AUTOR
contar com alguns destemidos Fiel ao nome que já criou
como parte da dupla Medei-
para darem a conhecer o seu ros/Lucas, Pedro Lucas
trabalho à revelia de qualquer mostra aqui a sua mescla
contratempo. identitária de rock, folk,
E destemidos são estes mú- experimentalismo e música
sicos, tanto nos lançamentos tradicional. Contudo, sem a
rispidez característica da
como na música em si: os es- voz de Carlos Medeiros, Lu-
treantes Chão Maior, que gra- cas assume os vocais (can-
varam Drawing Circles em tados em inglês) e encosta-
2019, só agora trazem o seu -se mais à beleza do que
jazz experimental à luz do dia; Drawing Circles à abrasividade.
Chão Maior
P.S. Lucas, sempre de subver- REVOLVE
ter expectativas, estreou-se É uma proposta diferente
em nome próprio; e, com mais a que faz o recém-formado
uma edição, os Beautify coletivo de velhos conheci- Pedro
dos da cena musical lisboe- Lucas, parte
Junkyards atingem novos pa-
ta: Yaw Tembe (trompete), da dupla
tamares. Uma excelente Norberto Lobo (guitarra), Medeiros/
oportunidade, portanto, para João Almeida (trompete), Lucas
apoiar os artistas no momento Yuri Antunes (trombone),
em que mais precisam. W Leonor Arnaut (voz) e Ricar-
do Martins (bateria) partem
do jazz para se entregarem
às inclinações exploratórias
pelas quais são conhecidos.
D.R.

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APP
provador
CROMOLOGY
Robbialac •
Disponível para
Android e iOS
• Grátis

ESCOLHA
NOVOS TONS
PARA A CASA
A Robbialac lançou uma
aplicação que permite
simular novas cores para
as paredes de casa. Há mais
de 1.200 em catálogo

QUANTAS vezes olhámos para quadro pendurado – nada que


uma tinta em loja a achar que não se resolva ajustando o ní-
tudo ia dar certo, mas, uma vez vel de tolerância aquando da
trinchada a parede, amaldiçoá- captura da imagem.
mos a hora em que “dar uma As imagens podem ainda ser
nova cor à casa” nos pareceu guardadas na opção “Projetos”
excelente ideia? A decisão de – como projeto quarto, sala, co-
colorir uma parede que seja zinha, etc. –, embora esta fun-
pode afetar o feng shui do lar e cor”, que permite que aponte- uma determinada parede. cionalidade requeira um registo
como já tive más experiências mos o telemóvel para um obje- Na segunda funcionalidade, com email e código postal (algo
olhei para a app da Robbialac to e, a partir dessa informação, basta apontarmos a câmara desnecessário, a meu ver). Ain-
com curiosidade. a aplicação indica-nos as tona- para a parede, escolhermos da assim, a aplicação cumpre
Na Cromology, disponível lidades aproximadas em catá- uma cor e tirarmos uma foto com o propósito funcional, dan-
para Android e iOS, há duas op- logo; e o “simulador de cor”, para guardar o resultado final do até sugestões de decoração. W
ções a destacar: a “captura de onde entra a tecnologia de rea- na galeria de imagens. A simu- FILIPA TEIXEIRA TEXTO
lidade aumentada, permitindo lação é satisfatória, ainda que
perceber em tempo real como por vezes a aplicação possa
determinada cor casa com pintar um interruptor ou um

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Livros

“O CONHECIMENTO
SIGNIFICA MAIS PODER”
No novo livro de Teolinda Gersão, O Regresso de Júlia Mann a Paraty, o leitor é convidado
a perder-se nos pensamentos de Freud, Thomas Mann e da mãe deste. Por André Santos

SIGMUND FREUD pensa em O psicanalista mente das personagens/per-


Thomas Mann, Thomas Mann Sigmund Freud, sonalidades que compõem as
pensa em Sigmund Freud e três novelas. Pela forma como
Júlia Mann regressa a Paraty.
o escritor Tho- escreve, sintetiza as ações e
Não são os títulos – mas estão
mas Mann e sua acolhe os sentimentos, o leitor
próximos disso – das três no- mãe, brasileira, é incluído no enredo. Voltando
velas de O Regresso de Júlia Júlia Mann, são aos títulos que são referidos
Mann a Paraty, a mais recente o foco das três no início do texto, eles insis-
obra de Teolinda Gersão (Cer- novelas que tem em ações, são diretos,
nache, 1940), um conjunto de compõem a imediatos e claros. Tudo isso
três novelas que se entrecru- mais recente são características da escrita
zam, num jogo entre factos e obra de Teolin- de Teolinda Gersão, mas já se
ficção. vai falar sobre isso.
A escritora, que este mês faz
da Gersão Em conversa com a escrito-
81 anos, celebra, em 2021, 40 ra, perguntámos sobre a sua
anos de vida literária. Como carreira literária, como é que
celebração, a Porto Editora a vê ao fim de 40 anos: “Com
edita em simultâneo duas a clarividência de que obvia-
obras suas, uma nova, O Re- mente tudo é efémero e muito Teolinda
gresso de Júlia Mann a Paraty, relativo. Mas também com a Gersão
e a sétima edição do livro de sensação de que, enquanto celebra, em
contos A Mulher que Prendeu seres humanos, partilhamos 2021, 81
anos de
a Chuva e Outras Histórias. a aventura arriscada de so- vida e 40
Entre livros de contos, novelas breviver num planeta devas- de literatura
e romances, Teolinda Gersão tado por ódio, guerra, corrup-
tem uma obra vasta e com ção e ganância, onde é urgen-
diversos prémios (em que se te que cada um faça tudo o a dedicar-se inteiramente à
incluem o Prémio Literário que puder para melhorar al- escrita, por causa do “desejo
Vergílio Ferreira, o Grande guma coisa, e dar sinais de de saber mais, de entender
Prémio do Conto Camilo alerta. Estou entre os que não melhor a vida e o mundo, e
Castelo Branco e dois Prémio têm respostas, mas perguntas, também a mim própria. A cer-
Fernando Namora). para quem a arte é conheci- teza de que é esse o meu ca-
As novelas de O Regresso de mento, e o conhecimento si- minho, e de que ele poderá
Júlia Mann a Paraty são um gnifica mais poder e sobretu- ter utilidade para outros”.
rol de informação. Há uma do mais esperança.” Esse “desejo de saber mais”
perceção de se estar a ler Teolinda Gersão estudou nas é bastante evidente em O Re-
história mas, sobretudo, de se O REGRESSO universidades de Coimbra, gresso de Júlia Mann a Paraty.
entrar com clarividência na DE JÚLIA Tübingen e Berlim e durante Por um lado, há o “mais” de
MANN A anos dividiu a escrita com o
PARATY
• Ed. Porto Editora ensino universitário. Contudo,
€15,50 a partir de 1995 decidiu passar

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“Estou entre os
que não têm
respostas, mas
perguntas, para Ao longo dos anos, a escrita
quem a arte é de Teolinda Gersão ficou
conhecimento, mais sintética e precisa. São
e o conhecimen- elementos basilares numa es-
crita que procura clarividên-
to significa mais cia, uma comunicação sim-
poder e sobretu- ples com o leitor, sem perder
do mais espe- o detalhe, profundidade e di-
rança”, diz a versas interpretações: “É ver-
escritora dade que procuro a concisão,
o que dá muito trabalho... [ri-
sos] Mas é a minha forma na-
tural de escrever, despojada
mas densa, por vezes dura,
cruel se necessário, mas tam-
bém aberta à compreensão e
à empatia. Os humanos são
frágeis e falíveis, e só pode-
sendo a sua mãe brasileira, mos melhorar se assumirmos
mas o pai e o avô alemães, e enfrentarmos o nosso lado
apenas um quarto do seu san- mais sombrio.”
gue e dos irmãos era latino- Teolinda Gersão é uma das
-americano (na minha inter- grandes contistas portuguesas
pretação, subentendo ‘feliz- vivas – “durante anos achei
mente’ no meio da frase, de- que nunca seria capaz de es-
pois ou antes de ‘apenas’).” E crever contos”, confessa-nos
foi aqui que percebeu que ti- – e é em alguns desses livros
nha de ler a obra de Júlia. que se encontram algumas
“Li o seu livro Ich spreche so das suas melhores histórias,
gern mit meinen Kindern, com um raro dom de presen-
saber fazer melhor aquilo que vros que vou escrever, são (Gosto Tanto de Falar Com os ça e universalidade.
quer, a clarividência da escri- eles que, a dada altura, vêm Meus Filhos), coletânea de A Mulher que Prendeu a
ta esconde um poder de sínte- ter comigo. Como germanista memórias da infância, peque- Chuva e Outras Histórias –
se e uma naturalidade a fazê- conhecia há muito a obra dos nos contos, escritos diversos e agora reeditado, originalmen-
-lo: treino, pois claro. E o “sa- Mann, onde aqui e ali a sua muitas cartas. Foi o ponto de te publicado em 2007 – e
ber mais” do conhecimento, mãe brasileira surge indireta- partida para mais investigação Atrás da Porta e outras Histó-
as três novelas estão carrega- mente em algumas persona- e muitas revelações sobre uma rias, de 2019, são obras in-
das de informação, pormeno- gens, não raro de forma ambi- mulher dotadíssima, forte e contornáveis para perceber
res que foram retirados de vá- valente, ou mesmo negativa.” inconformada, que morreu em como a escritora domina a
rias fontes e que estão ligados A explicação continua: “Tho- 1923, mas viveu muito à frente difícil arte do conto. W
por uma credibilidade inaba- mas Mann refere, num peque- do seu tempo, atravessando
lável para o leitor. no texto autobiográfico, que dificuldades sem fim. Uma
É irresistível perguntar como grande figura, que me alegro
surgiu a ideia para estas três se tiver podido tornar mais
novelas: “Não procuro os li- conhecida.”

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carros

O NOVO TUCSON marca de Seul (sete milhões de


unidades em todo o mundo).
Passados 17 anos desde a es-

É ELETRIZANTE treia, em 2004, o compacto da


Hyundai apresenta-se agora
de cara lavada, com um design
eletrizante e com a maior
Com motorizações híbrida, mild hybrid e plug-in , o novo SUV da Hyundai
é económico nos consumos e eletrizante na performance, em especial na da versão gama de motorizações eletrifi-
eletrificada a gasolina. Primeiras impressões da quarta geração Tucson. Por Markus Almeida cadas de um carro do seu seg-
mento, que são três: a motori-
zação híbrida, a híbrida plug-
-in e a mild hybrid 48V.
O Tucson híbrido com motor
DE MANHÃ assiste-se à apre- costume no rescaldo de apre- O SUV compacto 1.6 T-GDI com 230 cv e trans-
sentação online do novo Hyun- sentações. Dá tempo suficiente da Hyundai missão automática de seis velo-
dai Tucson e, de tarde, o carro para tirar as primeiras impres- cidades é o topo de gama. O
é-nos entregue à porta de casa. sões do novo Tucson, e pouco
apresenta-se mesmo motor, mas com 150
São danos colaterais do confi- mais – não se chega realmente agora de cara cavalos, também está disponí-
namento: o evento presencial a desfrutar de um carro que tem lavada, com um vel na eletrificação mild hybrid
não acontece e o jornalista não tudo para ser o próximo porta- design eletrizan- com transmissão manual de
tem de se deslocar ao conces- -estandarte da marca sul-co- te e com a maior seis velocidades.
sionário para dar umas voltas reana fundada há 50 anos e que gama de motori- Como continua a ser indis-
na novidade. hoje é um dos principais fabri- zações eletrifi- pensável ter uma opção a ga-
Com ou sem pandemia, este cantes mundiais. É o que é. cadas de um sóleo, eis, pois, o Tucson 1.6
seria sempre um ensaio breve, O novo Hyundai, à venda em carro do seu CRDi mild hybrid, com 136
de apenas três horas, como é Portugal desde o início do ano, cavalos e caixa automática de
é a quarta geração da saga
segmento sete velocidades DCT. Ainda
Tucson que, ressalve-se, é o em 2021 chegará a versão hí-
modelo de maior sucesso da brida plug-in com 265 cavalos

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O Tucson é o
primeiro mo-
delo da Hyun-
dai a dispen-
sar comandos
físicos no
tabliê

As óticas A gasolina, o São valores interessantes


atravessam Tucson mexe-se atendendo aos cavalos despen-
a traseira de
ponta a ponta muito bem. E didos e ao tamanho da carro-
çaria – que cresceu alguns
dando conti- por ser híbrido, centímetros nesta quarta gera-
nuidade ao fá-lo bebendo
design exte- ção e que agora é mais compri-
rior do carro pouco, entre os do (4.500 mm), mais largo
5 e 6 litros aos (1.865 mm) e mais alto (1.650
100 km, em mm) – e que se devem à moto-
de potência e tração integral nome indica, a possibilidade consumo misto rização híbrida; se tirar o pé do
e uma versão N Line, que é a de pisar o acelerador e sentir a entre cidade acelerador em andamento ou
linha desportiva e de perfor- potência nervosa dos dois mo- e estrada se travar, o motor elétrico re-
mance da Hyundai. tores por baixo do capô sem- carrega. O carro chega a andar
O que falta? Uma versão pre que for necessário. só com a potência do motor
totalmente elétrica, pela qual A gasolina, o Tucson mexe-se elétrico, mas sempre com o
podemos desde já esperar muito bem. E, por ser híbrido, motor principal à espreita e
sentados, já que, segundo res- fá-lo bebendo pouco, entre os pronto a entrar em ação.
ponsáveis pela marca, não 5 e 6 litros aos 100 km, em Quanto ao interior, predo-
está nos planos da Hyundai consumo misto entre cidade minam materiais macios ao
avançar com a eletrificação e estrada. toque. Há uma sensação de
no Tucson para lá da motori- fluidez no design do tabliê,
zação híbrida plug-in. talvez causada pelo painel de
A versão topo de gama – a instrumentos digital e por
que mistura um motor a gaso- uma consola central em que
lina com 180 cavalos e um elé- não existem botões, pois to-
trico de 50 cavalos, o que dá das as funções (da música ao
uma potência combinada de ar condicionado) são contro-
230 cavalos – foi a disponibili- ladas através de um ecrã tátil
zada para o miniensaio. Foram de 10,25 polegadas colocado
só três horas, mas bem passa- ao centro – é para lá que to-
das. Modos de condução só há das as linhas confluem. Resu-
dois: Eco e Desportivo. Che- mindo: o carro é bonito.
gam e sobram para o que é A versão 1.6 Os preços arrancam nos
preciso: uma condução econó- T-GDI híbrida €31.786€ para o 1.6 T-GDi 48V
mica no dia a dia e, como o atinge os mild hybrid com caixa manual,
193 km/h passando pelos €38.650 do hí-
Jantes de liga brido testado, até aos €39.100
leve de 19
polegadas da versão diesel. W

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Opinião
Passatempo

por Inspector Fidalgo

TORNEIO DO CENTENÁRIO
DO SETE DE ESPADAS
ESTAMOS A UM CURTO chefe da polícia na Índia e que per-
PASSO DO REGRESSO À corria o país em todos os eventos po-
COMPETIÇÃO, o que vai acon- liciários, como sempre fizera o Sete de
tecer já na próxima semana! Espadas; à direita, sentava-se o KO,
Os detetives nunca se sentem um professor de grande mérito que
confortáveis sem a adrenalina dos um dia descobriu que era exímio de-
desafios por resolver e este ano ain- cifrador de enigmas policiais e ga-
da com o aliciante de homenagear nhou enorme fama no meio; à es-
o Sete de Espadas no centenário do querda sentava-se o restante amigo, o
seu nascimento. Rip Kirby, outro brilhante detetive que
Já na próxima semana estará aqui o seguia todas as movimentações poli-
primeiro desafio para resolver, do ciais, escrevendo e resolvendo enig-
Torneio do Centenário do Sete de Es- mas, com um gosto especial pelas
padas, um problema de característi- classificações...
cas tradicionais, ou seja, a Aos quatro podiam cha- irão chegando, porque isso é uma
exigir um relatório com as mar-se os “três mosque- inevitabilidade.
deduções efetuadas e as
conclusões retiradas. k teiros”, que, como é sabi-
do, eram quatro, ou como
De história em história, chegaram
ao momento em que o Rip Kirby, en-
E como aperitivo e À DIREITA alguém sugeriu, o “bando tre sorrisos, lançou a “farpa” aos res-
aquecimento das “células SENTAVA-SE dos quatro”! tantes, lembrando o acontecido na
cinzentas”, vamos publi- O KO, UM Na verdade, cada qual à reunião do ano anterior, quando estes
car um desafio, passado PROFESSOR DE sua maneira, eram mes- mesmos quatro chegaram ao final do
algures, no local onde se MÉRITO QUE tres venerados e ainda encontro e foram fazer as contas para
reúnem policiaristas já DESCOBRIU hoje muito amados e res- pagarem a despesa…
desaparecidos do nosso QUE ERA peitados no mundo do Po- – Lembram-se em nome de quem
convívio e em que o Sete, EXÍMIO liciário e que se reuniam foi pedida a fatura? Lembram-se?
lá como sempre fez aqui, DECIFRADOR no primeiro dia do mês de – Lembro-me de que o número do
não falha uma presença! DE ENIGMAS julho para comemorar contribuinte correspondia ao nome,
POLICIAIS E mais um aniversário do letra a letra, número a número! – re-
QUATRO AMIGOS GANHOU FAMA Policiário no Público, ago- cordou o Sete de Espadas.
Os quatro amigos esta- NO MEIO ra que estavam impedidos – Ó Rip Kirby, está a lançar confu-
vam reunidos à mesa, de o fazer pessoalmente. são! – referiu Dic Roland com sorriso
algures num local estra- O convite não era só para malandro.
nho, que não conseguimos identifi- eles, podiam comparecer todos os – Pois é verdade e agora acrescento
car. Com maior pormenor, a nebli- confrades que, devido à passagem eu, o número foi o 143792651 – aí es-
na começou a dissipar-se e as fei- para este novo lado, quisessem con- tava o KO a pôr em jogo os seus dotes
ções de cada um mostraram-se fraternizar e certamente ainda iam matemáticos.
bem nítidas, permitindo o seu reco- aparecer mais, mas a esta hora, eram Naquele fim de tarde, soaram gar-
nhecimento: só aqueles quatro. galhadas que ecoaram e se prolonga-
Um era o inevitável Sete de Espadas, No do ano anterior, foram dezenas ram por muito tempo, numa demons-
com a sua cabeleira rala, muito bran- os presentes e ali, ao contrário deste tração de que a camaradagem e a
ca, olhos vivos, sorriso franco; à sua lado, ninguém falta! São solidários e amizade são mesmo eternas. No ar fi-
frente, estava o Dic Roland, detetive firmes nas suas convicções e têm a cou a pergunta para ser devidamente
de vastos recursos, que chegou a ser certeza de que, ano após ano, mais justificada:

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TRÊS ARMAS
DISPARARAM…
Solução de: Sete de Espadas
Sendo fraco desenhador, só vos
posso oferecer o seguinte esquema,
que, no entanto, tem o essencial.
Sabendo que todas as armas dis-
pararam e que todos os carros mos-
tram vestígios de balas, vamos, em
primeiro lugar, dispô-los, tal como
se deveriam encontrar, no momento
do crime
Assim, respondemos à vossa per- gados, aproximou-se… e sem o espe-
gunta. rar, deparou-se-lhe uma oportuni-
Posto isto, tracemos as trajetórias. dade única. Um tiro, e depois ver-se-
– Já estão! -ia…
– E agora, expliquemos a intenção de – Errou o coração, passando centí-
“cada um dos possíveis criminosos”. metros à esquerda, a raspar no braço
1º – Rouhen – Recebeu um telefo- e enfiando a bala no banco de trás do
nema anónimo dizendo-lhe que a carro de Rouhen – pela inclinação
“sua dama” saía da Taverna Negra, da perfuração e do impacto, só pode
com Phillip, a caminho de Bordeaux. ter sido a bala da sua arma.
Louco de ciúmes – desprezando os – Julgou ouvir mais tiros e resol-
bons avisos que já por mais de uma veu-se a acender os faróis do seu
De quem era o número de contri- vez lhe tinham enviado, mostrando carro… Phillip estava estendido de
buinte que ficou na fatura? as intenções daquela “bela espia” –, bruços, mas o carro da frente fugia –
ruma para a Taverna Negra, e arma a estava salva a honra…
SOLUÇÃO: cena da curva – sabendo de ante- 3º – Divonne – Vamos cá perceber
Como é referido no texto, o número do mão que Phillip, sempre solícito, sai- a mentalidade das mulheres! – Já
contribuinte é relacionado com o ria do seu lugar para prestar auxílio. desesperada com aquele flirt – em
nome com que cada um dos confrades O momento fora bem escolhido para que tudo arriscava e nada ganhava –
envolvidos é conhecido. Os confrades se desfazer dele... Com a espera, o resolve ficar com o tempo livre para
são portugueses e por isso teremos de fresco da noite e a trovoada influí- se dedicar a Rouhen e aos seus pla-
considerar que é de um número de ram no seu espírito. A vontade amo- nos… Por outro lado, começava a ter
contribuinte nacional, individual, e por leceu e um outro sentimento tomou medo do escritor, que tinha desco-
isso composto por nove algarismos e vulto… e ele ficou, sim, mas com um berto “muitas coisas” com o seu es-
começado por 1 ou 2. objetivo bem diferente… De facto, pírito observador…
Olhando para os nomes/pseudóni- não havia dúvida. Agora, friamente, Debruça-se na porta, cujo vidro
mos, verificamos que só o confrade reconheceu o interesse de Divonne, desceu e, friamente, ao ruído da
DIC ROLAND tem precisamente 9 le- acerca dos seus planos – como tempestade, dispara sobre ele, ma-
tras e apenas ele tem a mesma letra eram, como não eram, como tinham tando-o à traição. Provocando esta
no início e no fim, pelo que o seu nú- decorrido as experiências, e por morte, salva-se… Porque foi também
mero de contribuinte teria de come- brincadeira se eles estavam no cofre nesse momento que Rouhen dispa-
çar e encerrar com o mesmo algaris- do seu escritório… Como fora louco rou a sua arma, cuja bala penetrou
mo, pelo que encaixa perfeitamente em acreditar que era amor aquele pelo para-brisas a 38 cm da porta e
no número, perfeitamente fictício, sentimento… saiu pelo espaço onde devia estar o
que consta do problema. W E quando o tiro partiu, destinava-se vidro que foi baixado – e a raspar a
à loira do Embaixador… loura cabeleira de Divonne…
2º – O Embaixador – Por sua vez, Quanto aos outros furos no para-
sabendo do encontro da sua mulher -brisas dos carros de Rouhen e do
com o romancista, resolveu segui- embaixador, está provado que es-
-los, para “saber certas coisas…” Qua- tes não se afligiam com isso – o es-
se ao chegar à curva, o carro da fren- sencial era disparar no momento
te parou. Ele, que trazia os faróis apa- oportuno… W

111
Do leitor leitores@sabado.cofina.pt

Dores nas costas - tratamentos


revolucionários transmitem medo aos filhos, para reco-
nhecerem que afinal “as escolas não são
nem foram o principal foco de transmis-
são”. Já vamos na variante, um novo tra-
çado para a miséria e desgraça que não
oferece caminho alternativo, apenas in-
terrompido por campanhas eleitorais e
atos políticos, pois segundo o presidente
da Assembleia da República, “o voto é
um ato de resistência contra o vírus”! O
SNS está à beira da implosão, não por-
que os portugueses se portaram mal no
Natal, mas devido ao desinvestimento
de sucessivos governos, sacrificam-se
os mais velhos, pois verificamos que a
mortalidade nos lares de idosos não di-
minui e agora estamos dispostos a hipo-
tecar o futuro educacional das gerações
mais novas, rebentando com a harmo-
nia familiar e a saúde mental.

L
José P. Costa
L Lisboa
João Cordeiro Patrício Transportes públicos
Lisboa
Quero dar-vos uns calorosos parabéns, pelo nível que a SÁBADO soube man- Dada a situação de confinamento do-
ter e subir, pela qualidade das rubricas, bem como pelo nível dos participan- miciliário, necessária de modo a dimi-
tes. Sou médico-cirurgião e a última edição aborda temas que me dizem mui- nuir os números trágicos provocados
to, como o tratamento da dor nas costas. Quando vemos os “nossos” médicos pela Covid-19, todos devemos reduzir
a ocuparem tão bem as páginas das revistas, sentimos um orgulho desmedido. as saídas de casa, e daí a utilizar me-
A revista está muito bem estruturada, mas sobre isso temos uma excelente classe nos os transportes públicos. Por esta
jornalística a “comandar” as operações. razão, quem tem passe social fica pre-
judicado, já que não o pode utilizar
com a frequência habitual. Recordo
L de “todos” acharem que ele venceu. que na primeira fase da pandemia o
Joaquim Moura Não percebo como é que alguns dizem pagamento dos transportes públicos
Penafiel que foi uma vitória “fantástica” quando esteve suspenso. Não deveria ser
A vitória da frustração outra metade do País já sabia que tal também esta medida de novo imple-
ia acontecer. Quer isto dizer que a ree- mentada, atendendo à realidade?
Marcelo Rebelo de Sousa recandida- leição de Marcelo não constitui qual-
tou-se à presidência da República, mas quer surpresa. A surpresa, até para ele, L
fê-lo contra outros candidatos de plano foi não ter atingido nem se ter apro- Ademar Costa
inferior. Ou seja, sem imagem nem ximado da marca do viajante por Sei- Póvoa de Varzim
obra que lhes tenha dado reconheci- cheles, que também gostava de fazer Peditório para o SNS
mento ou qualquer privilégio. Mas Mar- mergulho. (...)
celo, sempre na qualidade de Presiden- O Serviço Nacional de Saúde precisa da
te, não concorria contra eles. O grande L ajuda de todos. Inúmeras angariações
objetivo do inquilino de Belém era o ri- Emanuel Caetano de receitas através de peditórios ocor-
val “bochechas” que levou com ele a Ermesinde rem todos os anos em Portugal. Porque
sua marca percentual ganhadora quan- A variante da desgraça não um peditório a favor do SNS? Se
do ocupou a chefia da Nação – Mário hospitais públicos atingiram o limite de
Soares. Ultrapassar ou aproximar-se Deve ser caso único, um Governo fechar internamentos, se há necessidade de
dos 70% era o que Marcelo ambiciona- escolas por causa da pressão de um Pre- colmatar a falta de contratações de
va e ficou muito aquém de tal bitola sidente da República, de uma comuni- médicos, enfermeiros e auxiliares, se
que o velho montador de tartarugas cação social irracional, de uma socieda- os doentes não Covid estão a ficar para
conseguiu em eleições com igual fim. de em pânico – mas que já não se im- trás, chegou a hora de, através de trans-
Por isto se conclui que Marcelo saiu porta com os aglomerados nas urnas de ferência bancária ou depósitos diretos,
derrotado deste ato eleitoral, apesar voto –, de docentes e pais ansiosos que ajudarmos quem nos tem ajudado. W

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Crónica 28 JANEIRO 2021
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CUIDADOS co: 13%. Podia ter sido pior? Podia: Ma-


ria de Belém, em 2016, não foi além dos
– e perdeu em Rans. Sugestão para
2026: prometer dividir a subvenção pú-
INTENSIVOS 4,2%. Em contrapartida, Manuel Alegre
concorreu em 2006 sem o apoio oficial
blica pela vizinhança se chegar aos 5%

Existe uma vaidade intrísenca em Marcelo que do Rato e chegou aos 20,7% (contra Ca- SOUSA, MARCELO REBELO DE – Sai
não convive bem com um Governo cabotino, vaco e Soares). das eleições vitorioso e reforçado. E
um país empobrecido e uma direita “social” agora? Agora, é preciso lembrar que o
destroçada. Ficar de braços cruzados, sem GONÇALVES, TIAGO MAYAN – O Presidente reeleito é dominado por
interferir no naufrágio, não é propriamente um melhor de Tiago Mayan foram os esga- dois instintos. Por um lado, Marcelo
grande legado. E Marcelo quer deixar legado res de náusea durante os debates sem- adora ser amado e nunca comprará
pre que os adversários diziam inanida- guerras impopulares enquanto o Go-
des. Pode ser mau marketing eleitoral, verno continuar popular (e sem alter-
mas é um traço de honestidade. E, já nativa que se veja). Por outro lado, exis-
C agora, um grito geracional: até quando te uma vaidade intrínseca em Marcelo

Conta-me teremos que suportar com cara séria as


mesmas línguas de pau que nos trouxe-
que não convive bem com um Governo
cabotino, um País empobrecido e uma

como foi ram para o fundo da tabela europeia? A


ideia liberal, que foi eclipsada no século
direita “social” destroçada. Ficar de
braços cruzados, sem interferir no nau-
XX pelo jacobinismo da Primeira Repú- frágio, não é propriamente um grande
ABSTENÇÃO – Em pleno confina- blica, pelo reaccionarismo do Estado legado. E Marcelo quer deixar legado.
mento, os shoppings estavam fechados. Novo e pelos delírios bolcheviques do
Que fazer? Ir até às urnas e, se possível, PREC, lá vai fazendo o seu caminho. VENTURA, ANDRÉ – O jovem Ventu-
levar a família atrás. Quem temia uma Com um século de atraso, é certo, mas ra começou com 1,3% dos votos em
debandada vexatória não conhece a ainda a tempo de arejar o casebre. 2019. Mas as esquerdas, em busca do
inclinação gaiteira da nossa raça. Além seu inimigo e sem fazerem um esforço
disso, se juntarmos ao quadro o recen- MATIAS, MARISA – Ninguém mere- para perceber o descontentamento so-
seamento automático dos emigrantes ce: estava a Marisa posta em sossego, cial e político do eleitorado de Ventura,
(que esmagadoramente não consegui- comendo os croissants excelentes do transformaram-no na maior ameaça à
ram votar), os 60% de abstenção não Saint-Aulaye, em Bruxelas, quando a democracia desde os tempos do tio
envergonham demasiado a Pátria. Catarina lhe telefonou. Vamos repetir o Benito. De tal forma que até sugeriram
resultado de 2016? Marisa entusias- ilegalizar o partido. Fizeram bem: o ho-
FERREIRA, JOÃO – Foi um dos mo- mou-se e até acreditou que o Bloco, mem agora vale meio milhão de vo-
mentos mais bizarros da campanha: o depois de cinco anos de conjugalidade tos e, nas suas palavras, não haverá go-
amor acrisolado de João Ferreira pela com o PS, é o mesmo Bloco. O resulta- verno à direita sem ele. Rui Rio discor-
Constituição. A mesma Constituição do foi humilhante, mas Catarina Mar- da e, no meio da auto-estrada, confes-
que, nas palavras dos camaradas, foi tins era o rosto da felicidade. Ser actriz sa que não está preocupado com o ca-
sucessivamente desfigurada pelas revi- ajuda. Mas ver uma potencial rival à li- mião TIR que avança na sua direcção.
sões a que o PCP sempre se opôs. Hé- derança a implodir com estrondo ajuda António Costa assiste a tudo e ri (da
las: o Muro de Berlim caiu, o PCP foi ainda mais. arquibancada). W
perdendo eleitorado, a aproximação ao
PS só trouxe vantagens ao PS – e os co- SILVA, VITORINO – Ficou ligeiramen- Texto escrito segundo
munistas, à falta de melhor, agarram-se te aquém do resultado de há cinco anos o anterior acordo ortográfico
à Constituição como um náufrago se
agarra a um destroço flutuante. E nem o
Alentejo é agora terra firme. O próximo
secretário-geral comunista vale pouco
mais do que Edgar Silva em 2016. Edgar
quem? Precisamente.

GOMES, ANA – É uma velha piada que


os brasileiros contam sobre os argenti-
nos. O leitor sabe o que é um bom ne-
gócio? É comprar um argentino por
aquilo que ele vale e vendê-lo por
aquilo que ele pensa que vale. Ana Go-
PEDRO NUNES/REUTERS

C mes e o “pedronunismo”, sempre infla-


Politólogo, escritor cionados pelo mercado mediático, fo-
João Pereira ram vendidos nestas eleições por aqui-
Coutinho lo que realmente valem. E valem pou-

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