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A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS WWW.VISAO.PT
JUSTIÇA
RELVAS DOSSIER
E SANTANA VERDE
CHAMADOS DESAFIOS
A DEPOR E RISCOS
NO CASO DA TRANSIÇÃO
Nº 1519 . 14/4 A 20/4/2022
TIAGO ANTUNES
O “ATOR” QUE
ACOMPANHA
COSTA NA EUROPA
Grupo de refugiados
austríacos e alemães,
em Sintra, antes
da partida para os EUA
14 ABRIL 2022 --- Nº 1519
VISÃO
ENTREVISTA
Sandra Tavares .............. 12
RADAR
A semana
em 7 pontos
Porque precisamos de
voltar a falar de restrições
pandémicas ...................... 18
Holofote
VISÃO SETE
Dmitry Moratov,
Cursos de cozinha,
combatente
o bê-á-bá da culinária ..88
da liberdade.................... 20
Exposição: Ecos
Raio-X
da pandemia................... 96
LUCÍLIA MONTEIRO
A Humanidade
em números .................... 21 Rodrigo Amarante,
a solo e bem
Periscópio
acompanhado ................ 98
Rio versus Costa, ainda a
digestão das eleições .... 23 Eddie’s Klub,
tudo sobre whisky ..... 108
Próximos capítulos
O que se segue no Os novos pastores da Serra da Estrela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 4 O gosto dos outros:
combate à Covid-19? .. 24 São jovens e têm cursos superiores. O que os faz irem em direção Branko ...............................111
Fotos com História aos pastos das montanhas cuidar de ovelhas e cabras?
World Press Photo OPINIÃO
2022 ...................................27 Viagem ao Portugal “neutral” da 2ª Guerra . . . . . . . . 3 2 Mia Couto
Senhas de racionamento, venda de volfrâmio, propaganda dos dois lados, Lição de caligrafia ...........8
Transições
Mimi Reinhardt, refugiados… Como se vivia em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial Rui Tavares Guedes
a secretária O que fica quando
de Schindler ................... 28 Tiago Antunes, protagonista sem cartão do PS . . . 4 4 desaparece o centro?....10
Balão de ensaio Perfil do novo secretário de Estado dos Assuntos Europeus Pedro Marques Lopes
Como queimamos Colaboracionistas
calorias, a importância Processo “Rota do Atlântico”: Destino à vista . . . . 5 0 e aliados de Putin ......... 22
do metabolismo ............30 José Veiga pode escapar ao julgamento, mas terá de pagar €37 milhões...
Bernardo Pires
de Lima
FOCAR Le Pen, a candidata do Kremlin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 6 O perigo da orbanização
Assédio na universidade: A segunda volta das presidenciais francesas adivinha-se muito disputada. de França ......................... 26
Medo até quando?........80 Marine Le Pen quer ganhar a Macron e pôr França “na ordem”,
José Carlos
desmantelando o Estado de direito com a ajuda da Rússia de Vasconcelos
Que parlamento
A estratega da fortaleza financeira de Putin . . . . . . . 6 0 com maioria? ................. 86
Quem é Elvira Nabiullina, a mulher ao leme do banco central da Rússia? Joana Marques
Interdita a reprodução,
mesmo parcial, de textos, Cristina Rodrigues: Não
fotografias ou ilustrações Transição energética em tempos de guerra . . . . . . . . 7 0 é carne nem é peixe .....114
sob quaisquer meios, A União Europeia está a tentar libertar-se da dependência dos
e para quaisquer fins,
inclusive comerciais. combustíveis fósseis russos. Qual é a sua estratégia? Esse é o tema
principal do caderno mensal VISÃO Verde
w w w.visao.pt
ONLINE Luís Delgado Alice Vieira Rui Bártolo-Ribeiro
LINHAS DIREITAS e Nelson Mateus ORGANIZAÇÕES
Últimos Donbass é o fim? DIÁRIO DE UMA AVÓ E PESSOAS
artigos E DE UM NETO Entrevistas de seleção:
no site da Solidão! Um drama arte ou ciência
VISÃO da nossa sociedade
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VISÃO SETE
VISÃO PLUS Felizmente, no nosso
VISÃO VERDE país, ainda há lugares
onde se pode usufruir
de paz e sossego.
VISÃO
– Diamantino Reis Portimão
U
o que o Governo tem feito
ma criança pode pensar que, por já ter em prol da nossa gente? Era
acontecido há 48 anos, a revolução do 25 importante que aqueles que
de Abril nada tem que ver com ela. Redondo nos governam não fossem
engano, como se demonstra no póster tão solícitos para uns esque-
destacável que a VISÃO Júnior deste mês publica, e que cendo-se dos que moram em
aqui reproduzimos. Além dessa explicação, conta-se nossa casa.
também como era viver em Portugal antes de 1974 – Mário da Silva Jesus
GUERRA Odivelas
e o que se passou no dia 25 de Abril.
Efeitos na economia
A VISÃO Júnior é a única revista de grande informação global
portuguesa para crianças e jovens. Se não a encontrar EURÁSIA, UMA NOVA ORDEM?
nas bancas, pode encomendá-la online, em loja. Segundo Medvedev, ex-Pre-
trustinnews.pt, e recebê-la comodamente em casa. sidente da Federação Russa,
Poderá também fazer uma assinatura anual e receber Putin imagina uma Eurásia de
12 números por apenas €28,80, beneficiando de um Vladivostok a Lisboa. Nada
desconto de 28%. que nos cause estranheza.
O mundo já esteve dividido
entre Espanha e Portugal,
potências expansionistas.
VISÃO vence Prémio Jornalismo em Quantos povos sucumbiram à
Saúde pelo segundo ano consecutivo sanha colonizadora? A nova
ordem mundial de Putin vai
Publicado em abril de 2021, o artigo A Longa Estrada Pós- fazer correr muito sangue.
-Covid, da autoria da jornalista da VISÃO Vânia Maia, ganhou SALGUEIRO MAIA
– Ademar Costa
o Prémio Jornalismo em Saúde, categoria Imprensa, atribuí- Um símbolo
Póvoa de Varzim
do pelo Clube de Jornalistas e pela Associação Portuguesa do 25 de Abril
da Indústria Farmacêutica (Apifarma). Trata-se do sexto
prémio atribuído à cobertura da pandemia feita pela VISÃO.
É o segundo ano consecutivo em que a VISÃO recebe
--------
Contactos
esta distinção. No ano passado, foi galardoado o trabalho visao@visao.pt
Os Heróis da Linha da Frente, pioneiro a mostrar como As cartas devem ter um máximo
os hospitais foram obrigados a reorganizar-se devido ao de 60 palavras e conter nome,
SARS-CoV-2. Na edição deste ano, o Prémio Jornalismo em morada e telefone. A revista
Saúde distinguiu ainda a SIC: Grande Prémio para a repor- reserva-se o direito
de selecionar os trechos que
tagem Estado Crítico, de Lúcia Gonçalves; Prémio Carreira considerar mais importantes.
para Dulce Salzedas; e categoria televisão para Os Maes-
tros das Emoções, de Catarina Marques. Na rádio, venceu o Morada
trabalho Apontados a Dedo, de Filipe Santa-Bárbara (TSF). UCRÂNIA CORREIO: Rua da Fonte da
A Máquina de Salvar Vidas, do jornal Público, recebeu a Guerra, propaganda Caspolima – Quinta da Fonte,
categoria de jornalismo digital e, por fim, Rui Vieira Cunha, Edifício Fernão Magalhães, 8,
e verdade
da Universidade do Porto, ganhou a categoria dedicada 2770-190 Paço de Arcos
aos trabalhos académicos.
Lição de caligrafia
Mia
M
Couto inha filha: E mais um conselho: não é da perfeição
Vinhas dos teus primeiros do desenho que te deves ocupar. Esse
dias de escola. Entraste em desenho será sempre imperfeito se não
casa e dirigiste-te para a despertar a gente que mora dentro de ti. Se
mesa da sala para cumprir não escutares essas vozes, é melhor rasgares
os deveres de casa. Surpreendeu-me a tua a folha. Não se escreve nada se não estiver
apressada determinação. Estranhei o zelo ninguém dentro do papel.
com que abriste a tua pasta. Assustou-me Depois do teu primeiro dia de escola,
o cuidado com que ordenaste os cadernos quis saber como tinha sido a tua estreia
sobre a mesa. De repente, pareceu-me que como aluna:
a infância tinha fugido para sempre de ti. E – Tivemos aula de clarigrafia – murmu-
a casa ficou mais escura. raste, sem erguer os olhos do caderno.
Apertaste o lápis entre os teus pequenos – Essa palavra não existe, minha filha
— Escritor
dedos e a tua mão era a minha, tão minha – avisei.
que compareciam naquele gesto, tão novo A verdade é que, errando, disseste o
e tão medido, os nossos antigos e desmedi- que é correto: a caligrafia nos clarifica.
dos parentes. E a casa voltou a ficar ilumi- Eu estou agora mais clara do que me
nada. levou a improvisar esta lição. Na verdade,
Até àquele momento, o mais que havias só hoje entendo o medo que tomou
feito era desenhar e colorir bichos e flores, conta de mim quando te vi rabiscar, pela
sóis e céus. Era como se infância a si mesma primeira vez, sobre um papel em branco.
se alinhavasse. Mas agora, ao rabiscares o Quando escrevias, não era apenas a letra
caderno escolar, o teu gesto ganhava outro que emergia do papel. Era a tua mão que
peso, outra gravidade. Pensei que te devia despontava. Eras tu que te tornavas legível.
proteger contra o abismo do tempo. No E tinha medo de deixar de te saber ler.
fundo, era eu que me queria amparar a Um dos motivos do meu medo é que a
mim mesma. Talvez tenha sido por isso que escrita, sendo luz, tem os seus escuros. Às
preparei esta lição de caligrafia. Dirás que vezes, a palavra torna-se na própria coisa
esta aula já vem tarde. E estou de acordo: a que nomeia. Quando redigires a palavra
maioria dos ensinamentos chegam quando “chuva”, terás de ter cuidado para não mo-
já não são necessários. lhar a folha. Torrentes de água podem jorrar
Começo por confessar um segredo: a de um simples poema. Cada palavra é um
escrita é um rio. As vogais são água. As poço onde cabe um oceano.
consoantes são pedras. A escrita é um rio Até aqui, ocupei-me de quem mora na
antigo, que se inunda de gente. E o alfabeto escrita. Tratemos agora desse território que
é um barco. A maioria das pessoas nunca é a folha de papel. As margens do papel,
viajou nesse barco. uma esquerda e outra à direita, separam os
Não é da Repara, filha: o espaço entre as letras é inseparáveis lados do pensamento. Vão-te
um pestanejar. O espaço entre as palavras ensinar a partir as sílabas no final de cada
perfeição é um suspiro. E o parágrafo é um degrau. linha. Lembras-te do tio rachando lenha?
do desenho A escrita é uma escada de pernas para o ar: Ele erguia o machado e suspirava, como se
que te deves descemos quando queremos voar, subimos
para nos tornarmos pequenos.
pedisse desculpa à madeira: É para caber
na lareira! Rasgamos as palavras pelo vinco
ocupar. Esse Agora já podes ver como as linhas do das sílabas para que caibam nas margens da
desenho caderno são fios onde estendes panos a folha. Quanto mais cheio, mais o papel fica
secar. Cada palavra é uma peça de roupa às leve. A folha rabiscada é a primeira a ser le-
será sempre avessas: ao vestir-nos o corpo, despe-nos a vada pelo vento. A primeira a ser consumida
imperfeito alma. pelo fogo. Os que queimam livros aprovei-
ILUSTRAÇÃO DE SUSA MONTEIRO
H
Rui á promessas que não devem so que vigorou durante anos e que fez de
Tavares nem podem ficar esquecidas,
até porque o seu não cumpri-
Paris um dos principais motores da União
Europeia. E não deixa de ser sintomático
Guedes mento pode ter consequências que isso tenha ocorrido precisamente no
inesperadas e imprevisíveis. É momento em que o seu Presidente mais se
a isto que se está agora a assistir em França, tem esforçado para, depois da saída de cena
onde o sistema político tradicional acaba de de Angela Merkel, assumir o papel de líder
implodir e de transformar-se em algo nun- incontestado da Europa e ser uma das vozes
ca visto no país, desde o final da II Guerra mais ativas ao nível internacional, procuran-
Mundial. E mesmo que Emmanuel Macron do devolver à França uma “grandeza” que
venha, com maior ou menor dificuldade, a muitos pensavam já perdida.
ser reeleito Presidente, nada voltará a ser o O que é certo é que os tempos mudaram
que era – exatamente porque ele foi incapaz mais depressa do que Macron foi capaz de
de cumprir a sua mais importante promes- prever. Ao ocupar, de forma hegemónica,
sa de há cinco anos, proferida num discurso o centro político do país e, em simultâneo,
— Diretor-executivo
emotivo no majestoso cenário do Museu ao manifestar uma grande insensibilidade
do Louvre, logo depois de ter derrotado, de para tratar dos assuntos que maior cliva-
forma concludente (66,1% face aos 33,9%), gem provocam na sociedade, ele acabou por
a candidata de extrema-direita Marine Le perder a relação especial que tinha conse-
Pen. Nesse momento de glória, aos 39 anos e guido estabelecer, em 2017, com a esmaga-
poucos meses após ter criado o próprio par- dora maioria dos franceses. Além disso, ao
tido político, Macron mediu bem as palavras dominar hegemonicamente o centro políti-
e anunciou o seu grande objetivo: “Farei de co e ao recusar, ao mesmo tempo, o debate
tudo para que os franceses não tenham mais ideológico e o combate aos extremismos,
motivos para votar nos partidos extremistas.” Macron não foi capaz de encontrar as res-
Os resultados da primeira volta das pre- postas certas para os principais anseios da
sidenciais francesas são eloquentes acerca sociedade francesa.
do seu falhanço neste propósito: mais de Assim, mesmo que até tenha conseguido
50% dos eleitores franceses votaram nos fazer aumentar o investimento estrangei-
extremos (de direita e de esquerda), um em ro em França e descer o desemprego para
cada três franceses depositou o seu voto mínimos históricos, Macron deixou que
num candidato de extrema-direita (Marine Marine Le Pen empunhasse a bandeira da
Le Pen e Éric Zemmour). Em contrapar- luta contra o aumento do custo de vida,
tida, os dois principais partidos do centro usando inclusive argumentos e soluções
(conservadores e socialistas), que, através “roubados” à esquerda: mais Estado social,
do normal equilíbrio esquerda-direita, mais aumentos de pensões e do salário
dominaram e estruturaram a V República, mínimo, menos impostos para os trabalha-
valem agora, em conjunto, apenas 7% dos dores, a manutenção da idade de reforma
votos, quando há apenas 10 anos tinham nos 60 anos (em vez dos 65 propostos por
56% da confiança dos eleitores. A implosão Macron). Um plano económico que o Insti-
dos partidos moderados foi de tal ordem tuto Montaigne calculou que irá custar 105
Se, para que até o candidato dos Verdes, Yannick Ja- mil milhões de euros líquidos por ano, um
ganhar, dot, foi incapaz de chegar aos 5% de votos, valor insustentável para as Finanças france-
Marine Le Pen limite mínimo para que a campanha seja
subvencionada pelo Estado (tal como suce-
sas, mas que ela insiste em apresentar como
viável e que, acima de tudo, constitui a
precisa de ir deu com a conservadora Valérie Pécresse e a principal arma para amenizar o seu discur-
buscar votos socialista Anne Hidalgo). so e “desdiabolizar” a sua imagem.
No momento em que a Europa vive o seu É verdade que Macron parte em vanta-
à extrema- momento mais crítico das últimas décadas, gem para a reeleição, mas o seu primeiro
esquerda, os resultados da primeira volta das eleições mandato ficou manchado pelo contrário
no atual francesas devem ser, por isso, motivo de
preocupação – especialmente quando mais
do que ele anunciou: a “normalização”
dos extremos. Por isso, aquilo que pare-
contexto tal de metade dos eleitores vota em candida- cia impossível pode, afinal, acontecer: se,
deixou de ser tos que se manifestam abertamente hostis à para ganhar, Marine Le Pen precisa de ir
União Europeia e à participação na NATO. buscar votos à extrema-esquerda, no atual
uma missão Ou seja: estas eleições revelam que, entre a contexto tal deixou de ser uma missão im-
impossível sociedade francesa, está quebrado o consen- possível. rguedes@visao.pt
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RR A DA R
7
JOSÉ CARLOS CARVALHO
Porque precisamos de voltar a
falar de restrições pandémicas
PONTOS
DA SEMANA É verdade que, no meio de uma guerra in-
sana que ameaça mudar toda a geopolítica
vos para não o fazer – e seria bom que, de
uma vez por todas, nos convencêssemos de
e pôr fim ao mundo global em que vivemos que o nível civilizacional de um país tam-
nas últimas três décadas, fica difícil voltar bém se mede pela forma como se tratam
a escrever sobre pandemia. Mesmo assim, os mais novos (e os mais velhos, mas não
volto ao tema. O mais provável é não haver é nesses que me concentro agora). Numa
leitores interessados neste assunto, o que análise fria de custos e benefícios, neste
aliás se compreende, após dois anos inten- momento, o impacto das restrições sobre
síssimos, em que quer a ciência quer o jor- as crianças e os jovens é muito superior aos
nalismo foram postos à prova. Regresso por danos provocados pela Covid-19. Falo das
acreditar que, aos jornalistas, e em particular máscaras, mas não só. Para quem está mais
aos da VISÃO, também compete falar do que distante destes assuntos, tenho notícias:
está fora das tendências, do que ninguém em Portugal, ainda há escolas a funcionar
quer saber – no caso, do que “já” ninguém em “bolhas”, que obrigam ao desfasamento
quer saber. Arrisco e, naturalmente, aceito dos horários nas entradas e saídas; ainda
protestos – mais do que legítimos – dos há irmãos que vão juntos para a escola mas
S A R A B E LO L U Í S *
leitores que se sentirem defraudados. que não podem entrar pela mesma porta
Pelo menos até à próxima segunda-feira, nem encontrar-se nos intervalos; ainda há
18, está em vigor a situação de alerta, apro- miúdos que tomam o pequeno-almoço às
vada pelo Conselho de Ministros, que obri- sete da manhã e almoçam às duas da tarde
ga ao uso de máscara em espaços interiores por causa das “bolhas” no refeitório; em
públicos, entre os quais escolas, serviços Portugal, os bebés que nasceram durante
de saúde e transportes. Também andará a pandemia e que frequentam a creche
por esta altura a prossecução da meta de ainda adivinham a expressão facial dos
20 mortos por Covid-19 por milhão de ha- educadores por detrás da máscara.
bitantes, numa média a 14 dias: de acordo Há poucas semanas, a diretora-geral da
com os cálculos dos matemáticos Óscar Saúde, Graça Freitas, disse que as crianças,
Felgueiras e Carlos Antunes, da equipa de os adolescentes e os jovens estão habitua-
peritos que aconselha o Governo, Portugal dos às máscaras e às restrições. Não, não
deverá atingir esse objetivo ainda antes estão – e, se estão, é nossa obrigação fazer
da Páscoa ou, o mais tardar, na próxima com que se desabituem rapidamente. O
semana. Seguindo o exemplo de outros terceiro período deste ano letivo começa
países europeus, Espanha vai flexibilizar, na próxima terça-feira, 19 de abril. Ao
a partir de dia 19, a utilização de máscara contrário do que aconteceu nos momen-
em espaços fechados, mantendo-a obri- tos mais críticos da pandemia, em que o
gatória em alguns sítios, como transportes medo do desconhecido e a inércia das ins-
e serviços de saúde. tituições levaram a melhor, a prioridade,
Por cá, no alívio das restrições que feliz- agora, são os mais novos. Por mais que isso
*Subdiretora mente se avizinha, as escolas deveriam ser atrapalhe os adultos que decidem – para
sbluis@visao.pt a prioridade das prioridades. Com as nos- quem, dois anos depois, o vírus e as regras
sas taxas de vacinação, não existem moti- se tornaram uma espécie de lei moral.
Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), atualizados no último domingo,
10, os mais de 4,5 milhões de pessoas que já fugiram do país constituem o maior movimento de refugiados na Europa
desde a II Guerra Mundial.
GOVERNO JUSTIÇA
coletivas de
culpa em
Portugal,
SERGEI SUPINSKY/GETTY IMAGES
senhor
deputado” ESPANHA
AUGUSTO SANTOS
SILVA, presidente
À procura
GUERRA da Assembleia da da verdade
República, dirigindo-
“A vossa luta é a nossa luta” se a André Ventura
A juíza e ex-alcaide de
enquanto este
discursava e defendia Madrid Manuela Carmena,
Mesmo que a resposta europeia continue a soar haver, no País, “um o antigo diretor do jornal El
demasiado escassa perante as atrocidades de Bucha paraíso de impunidade” País Juan Luis Cebrián e o
e de Borodianka, a visita de Ursula von der Leyen a relativamente à pedopsiquiatra português
Kiev, na semana passada, foi um gesto de coragem comunidade cigana. Pedro Strecht integram a lista
de que só alguns são capazes. A Volodymyr Zelensky, Santos Silva foi de 28 figuras do grupo que,
a presidente da Comissão Europeia levou um quinto aplaudido de pé por em Espanha, investigará os
pacote de sanções e, sobretudo, a garantia de que a PS, PCP e Bloco de abusos sexuais na Igreja. A
União Europeia aceitará o pedido de adesão da Ucrânia. Esquerda, e também equipa agora anunciada é
Os líderes políticos também se medem pelas palavras por alguns deputados presidida pelo advogado Javier
do PSD e da Iniciativa
que proferem: “Em Bucha, a nossa humanidade foi Cremades, que já começou a
Liberal
despedaçada. Esta é minha mensagem para o povo ouvir as vítimas, “para atender
ucraniano: os responsáveis pelas atrocidades serão à verdade, acompanhá-las e
levados à Justiça; a vossa luta é a nossa luta. Estou em conhecer a dimensão social e
Kiev para vos dizer que a Europa está do vosso lado.” eclesial do problema”.
Dmitry Muratov
Combatente da liberdade
Mortes por A luta
explicar Fazendo justiça ao continua
“Eu não posso Após anos de
ficar com o crédito Nobel da Paz que perseguição
deste prémio. recebeu em 2021, da parte das
Ele é do Novaya autoridades
Gazeta. E é dos o jornalista russo de Moscovo,
Mal menor
que morreram a mantém-se ativo na De Nobel
a atividade do
defender o direito Novaya Gazeta
Ser atacado com das pessoas à luta pelo jornalismo para Nobel acabou por tornar-
tinta vermelha liberdade de independente e Dmitry Muratov -se insustentável
e acetona, na expressão”, nasceu em 30 de com o início da
passada quinta- afirmou Dmitry pela liberdade de outubro de 1961, guerra na Ucrânia.
-feira, 7, num Muratov, no dia expressão, pagando, em Kuybyshev, O jornal anunciou
comboio em que em que recebeu agora chamada a suspensão de
viajava de Samara, o Nobel da Paz, por isso, o preço Samara. Descobriu toda a atividade
sua terra natal, enunciando os de enfrentar o regime a paixão pelo em território russo,
para Moscovo, terá nomes de Igor jornalismo na e os jornalistas
sido coisa pouca Domnikov, Viktor de Vladimir Putin faculdade, deixaram o país.
para quem, como Popkov, Yuri profissão que Alguns deles
Dmitry Muratov, Shchekochikhin, — POR MANUEL BARROS abraçou depois fundaram, na
luta há décadas Anna MOURA de passar Letónia, o Novaya
pela liberdade Politkovskaya, pelo Exército Gazeta Europa,
de Imprensa e Anastasia soviético. Chegou um projeto
pelo jornalismo Baburova, Natalia a editor do assente nos
independente Estemirova. Komsomolskaya mesmos princípios
num país como Todos eles foram Pravda. Em do jornal russo
a Rússia. O assassinados, 1993, juntamente mas formalmente
incidente, revelado a tiro ou por com 50 colegas independente, por
pelo próprio envenenamento, daquele diário forma a não cair
jornalista russo, em circunstâncias moscovita, sob a alçada da
não terá passado nunca Muratov fundou lei russa. Muratov,
de mais uma esclarecidas, o Novaya Gazeta. esse, continuou
provocação da na sequência Os recursos na Rússia e
parte daqueles de uma eram escassos viu o grupo de
que nunca viram atividade e, para pôr de comunicação
com bons olhos o jornalística pé um jornal norueguês Amedia
papel de Muratov em que que fosse “uma entregar-lhe a
na chefia do relataram fonte honesta, propriedade de
Novaya Gazeta, factos e independente todas as empresas
o maior e mais acontecimentos e rica” para os de impressão
antigo jornal inconvenientes cidadãos russos, que detinha em
independente para o regime o jornalista território russo.
da Rússia. Um liderado por contou E, para mostrar a
trabalho que Vladimir Putin. nomeadamente sua oposição à
valeu ao jornalista com o apoio guerra na Ucrânia,
o Prémio Nobel financeiro o jornalista
da Paz de 2021, de Mikhail anunciou que vai
a par da filipina Gorbachev, leiloar a medalha
Maria Ressa, mas ex-Presidente de Nobel da Paz
que, desde 2000, da URSS, que e doar a receita
custou a vida a doou parte para apoio aos
seis jornalistas, do dinheiro refugiados da
assassinados, do referente ao Ucrânia.
Novaya Gazeta. Nobel da Paz
que ganhou
em 1990.
FONTE Population Reference Bureau, Divisão de População das Nações Unidas, World in Data e Visual Capitalist MT/VISÃO
T
enho-me lembrado que escrevi, ao relativismo com que olham os massacres
Pedro não há muito tempo, um texto em terminando na costumeira culpabilização da
Marques que considerava o PCP fundamen-
tal à democracia portuguesa.
UE, da NATO e, claro, dos EUA.
O PCP, diga-se, não está sozinho. Há mais
Lopes Os argumentos que dava são gente em Portugal a apoiar claramente a
conhecidos e nada originais. O PCP teve um agressão, os crimes de guerra e o ataque deli-
papel importante no derrube do antigo regi- berado às populações civis. É vê-los a queixa-
me, tem defendido e dado voz a gente sem voz rem-se de uma espécie de censura enquanto
e ajudou de forma decisiva a institucionalizar publicam verdadeiros abaixo-assinados de
o protesto. Este último aspeto foi decisivo para apoio à invasão russa ou de um relativismo
a consolidação da nossa democracia e basta moral que a não ser colaboracionista seria de
ver o que são os movimentos do tipo coletes uma indigência intelectual sem nome.
amarelos e quejandos para termos noção do Que trabalhadores, que oprimidos, que
importante que é ter gente que represente famélicos da Terra está o PCP a defender?
quem protesta nas ruas e com quem se possa Serão os povos esmagados pela bota opressora
dialogar. russa?
— Analista político
Também relevante é o PCP ser visto por Os comunistas portugueses, de facto,
todos os outros partidos e demais parceiros apoiam uma oligarquia fascista e corrup-
sociais como uma organização de palavra e ta apoiante de tudo o que é extrema-direita
respeitadora dos compromissos. europeia. O PCP que aparece no Parlamento
A defesa dos direitos de determinadas fran- a defender os direitos dos trabalhadores é o
jas da população fazia com que essas pessoas mesmo que apoia o assassinato em massa de
relativizassem as posições inqualificáveis de populações indefesas, de trabalhadores co-
defesa de regimes como o coreano, o venezue- muns que apenas querem viver como decidi-
lano, o chinês ou o russo, eram vistas como ram e em paz.
uma bizarria sem consequências. A obsessão do PCP contra a União Euro-
A prática democrática e respeitadora dos peia, a NATO ou os Estados Unidos, que tan-
valores constitucionais fazia esquecer que no tos consideram a razão das posições de apoio
cerne da sua doutrina os comunistas rejeitam ao ditador Putin, é apenas a ponta de um ice-
a democracia liberal e os seus pilares funda- bergue que ficou bem à vista. Também não há
mentais. exatamente uma vontade de reerguer o muro
Esse papel de defensor de grupos de cida- de Berlim. É mais do que isso: o PCP apoia os
dãos estava em acelerada erosão. As razões têm desejos imperiais russos e secunda a guerra
menos a ver com a capacidade menor ou maior deles contra as democracias porque sabe que
de os representar, mas mais com o facto de es- cada pedaço de terra conquistado na Ucrânia é
ses grupos estarem a desaparecer. Os operários mais um abalo nas democracias liberais. Cada
e camponeses são espécies em vias de extinção soldado ou civil ucraniano morto é menos um
e o PCP sempre se esqueceu ou não foi capaz defensor da liberdade, do nosso modo de vida
de defender os precários ou compreender os e dos nossos valores.
O PCP novos tipos de relações laborais, os sindicatos O PCP quer a ocupação da Ucrânia pelos
deixou de ser dominados pela CGTP pouco mais são do que russos porque isso seria uma grande derro-
corporações de defesa de interesses instalados ta para a democracia; alia-se a ditadores e
indispensável e já poucas autarquias restam. faz parte de um grupo onde estão todos os
à democracia, Sobrava pouco mais do que o respeito de partidos nazis e de extrema-direita da Europa
pelo contrário. grande parte da comunidade pela sua práxis
democrática.
porque uns milhões de mortos e o desres-
peito por direitos básicos das pessoas são
Os comunistas Mas a posição do PCP sobre a guerra da instrumentais para os diabólicos amanhãs que
são, neste Ucrânia destruiu o que restava do património anseiam. Não há outra palavra, tornou-se um
moral do partido. partido colaboracionista.
momento, Não vale a pena voltar a tentar analisar as O PCP deixou de ser indispensável à de-
aliados declarações e ações do PCP em relação à guer- mocracia, pelo contrário. Os comunistas são,
empenhados ra na Ucrânia, são muito claras: os comunis-
tas estão do lado dos invasores russos. Desde
neste momento, aliados empenhados dos que
têm por objetivo acabar com a democracia,
dos que têm o primeiro dia da ocupação dos territórios a liberdade e os direitos fundamentais. É um
por objetivo ucranianos em 2014 até à declaração de re- triste fim, mas é uma escolha clara. A única
provação da proposta da ida de Zelensky ao coisa que se pode elogiar é que ao menos não
acabar com Parlamento, passando pelos espantosos apelos fazem as cenas hipócritas de tanta gente que
a democracia ao não armamento do exército ucraniano ou por aí anda. visao@visao.pt
a máscara
atenção para o facto de esta dos estudos sobre a quarta
população continuar a pre- dose. A VISÃO sabe que a
cisar de ser mais protegida. equipa de peritos não prevê
Uma forma de o fazer aprovar, de imediato, este
— P O R R I TA R ATO N U N E S
é através da quarta dose novo reforço, mesmo para
da vacina que, na sema- as pessoas com mais de 80
na passada, recebeu luz anos, uma vez que as eleva-
F
verde da Agência Europeia das taxas de vacinação do
omos avisados, desde -nos que vamos levar mais de Medicamentos (EMA) País permitem aguardar por
cedo, que o combate tempo do que esperávamos e do Centro Europeu para resultados mais sólidos.
à pandemia Covid-19 a atingir valores na ordem a Prevenção e Controlo Mais de 90% dos por-
era uma marato- dos mil ou dois mil casos das Doenças (ECDC), mas tugueses têm a vacinação
na e não um sprint. Mes- por dia, mas nota-se que a só para pessoas com mais completa e, apesar de as
mo assim, passados dois tendência é de diminuição de 80 anos, uma vez que novas variantes e subva-
anos, embora mais bem da incidência e também ainda não existe literatura riantes que têm surgido
apetrechados com infor- dos óbitos. Se mantivermos científica suficiente sobre a se caraterizarem por uma
mação, o vírus não deixa esta trajetória, podemos ter eficácia de mais uma dose capacidade maior de fuga
de surpreender até quem 20 mortos por milhão de de reforço. Numa investi- aos anticorpos, “a prote-
o monitoriza diariamen- habitantes [nos últimos 14 gação publicada na revista ção das vacinas mantém-se
te. Continuamos a correr dias], entre 20 e 24 de abril. The New England Journal em níveis muito elevados
para cortar uma meta que E, a partir daí, o Governo of Medicine – com uma contra a doença grave, o
vai sendo colocada cada vez vai decidir, provavelmente, amostra de 1,3 milhões de que tem permitido manter
mais longe da partida. Em o fim da obrigatoriedade vacinados com a quarta o nosso sistema de saúde
resultado do aparecimento das máscaras em espaços dose da Pfizer/BioNTech, livre de grandes pressões”,
de subvariantes da Ómi- fechados”, antevê Car- durante o período em que a nota Luís Graça, imunolo-
cron, as infeções volta- los Antunes, professor da Ómicron era predominan- gista do Instituto de Medi-
ram a disparar para níveis Faculdade de Ciências da te –, os resultados apon- cina Molecular João Lobo
históricos no Reino Unido Universidade de Lisboa e tam para uma redução das Antunes e um dos elemen-
e na Alemanha, no início de investigador na equipa que infeções, mas apenas ao tos da Comissão Técnica de
abril; e da China chegam faz a modelação da evolu- longo de quatro semanas. Vacinação.
notícias de grandes cida- ção do vírus desde o início Já quanto à doença grave, a A linhagem BA.2
des fechadas na sequência da pandemia. proteção revelou-se supe- prevalece em mais
de surtos. É precoce ou rior, prolongando-se, pelo de 98% dos casos
inevitável falar sobre uma QUARTA DOSE
sexta vaga da pandemia e na A CAMINHO?
quarta dose da vacina con- A exceção no alívio das
tra a Covid-19? máscaras poderá dar-se em
Em Portugal, é cedo, lugares como hospitais
garantem à VISÃO especia- ou lares, onde há uma
listas que produzem dados grande concentração
para o Governo. Com uma de população vulnerável
cobertura vacinal superior e, no caso dos idosos
à dos países acima mencio- acima dos 65 anos,
nados e ainda sem registo com uma imunidade
expressivo das misturas inferior a outras
originadas pelas linhagens faixas etárias.
da Ómicron, os casos e as “Apenas 18%
mortes estão a percorrer das pes-
uma curva descendente. Na soas
próxima semana, o número
de óbitos já deverá tocar no
estabelecido para aliviar as
poucas medidas de con-
tenção em vigor no País,
nomeadamente a obrigato-
riedade do uso de máscara
em espaços fechados.
“Os dados mostram-
15º
INFEÇÕES
Posição de Portugal na
tabela europeia de infeções
por milhão de habitantes
(em 45 países)
61 988
NOVOS CASOS
Registados no País,
na primeira semana de abril
1 110
HOSPITALIZAÇÕES
Nos primeiros sete dias de
abril, estavam internados
1 110 doentes. Nos cuidados
intensivos, 60 doentes
2,2
MORTES
Por cada milhão
de habitantes, em sete dias
18/100
RESTRIÇÕES
Classificação de Portugal
no Government Stringency
Restrições Index, desenvolvido pela
A partir da próxima
Universidade de Oxford,
semana, o Governo
poderá começar para avaliar de 0 a 100
a ponderar o alívio o nível de restrições
da obrigatoriedade aplicadas em cada país
do uso de máscara (100/100 é o mais restritivo)
em espaços fechados
N
Pires a primeira volta das presiden- eleitores suficientes para compor a frente
de Lima ciais francesas, metade dos republicana de proteção ao sistema político.
eleitores votou em candidatos À saída desta primeira volta, nenhum destes
pró-Putin ou em adeptos de pontos é hoje replicável.
um não alinhamento com a Nem Macron é novidade nem a presiden-
Ucrânia, o que na prática vai dar ao mesmo. cialização que imprimiu ao sistema lhe reduz
Um deles, Marine Le Pen, passou à segun- a responsabilidade pelo curso destes últimos
da volta com o resultado mais expressi- anos. Pelo contrário: Macron absorve toda
vo alguma vez obtido e com condições de a raiva incontida que percorre a socieda-
competitividade nunca antes reunidas. À de francesa. Por seu lado, os dois partidos
entrada para os 15 dias finais da campanha, que há dez anos valiam 56% dos votos, hoje
o intervalo de distância para Macron é sufi- valem 6%. Há cinco anos, o PS praticamente
cientemente curto para fazer soar o alarme desapareceu, no último domingo evaporou-
— Analista de política
em Paris e em todas as capitais da União -se do mapa. Há cinco anos, o candidato dos
internacional
Europeia, com exceção de Budapeste. O ce- Republicanos, François Fillon, teve 20% dos
nário de orbanização de França, com Le Pen votos, no último domingo a sua sucessora
NORTE no Eliseu, existe e deve ser considerado por teve 5%. Macron não tem por isso as mes-
São dos que dependem todos os decisores políticos europeus. mas condições para absorver diretamente
a 100% do gás russo, mas No momento de pressão das democra- eleitores desses partidos quando estes, na
os três países bálticos cias pelas autocracias, com uma guerra na prática, dispersaram o voto ou abstiveram-
decidiram parar a compra Ucrânia sem fim à vista e um Presidente -se. O apelo ao voto em Macron feito por
já este mês. Quem disse russo que resiste e, pelos vistos, continua Anne Hidalgo e Valérie Pécresse não produz
que o motor europeu não
a inspirar delfins, é prudente colocarmos o mesmo efeito de 2017.
pode também assentar na
o pior dos desfechos em cima da mesa: Mas o elemento mais diferenciador nesta
coragem dos pequenos
Estados?
França mudará radicalmente, o alinhamen- campanha talvez esteja no foco escolhido
to com Berlim será esvaziado, Moscovo ga- por Le Pen, não tão assente no binómio
SUL nhará peso, Washington será alvo preferen- imigração/insegurança, ou em ruturas na
A competição no Pacífico cial na antecâmara do regresso de Trump, moeda única, mas naquilo que 85% dos
subiu recentemente e soluções comunitárias para travar crises franceses consideram prioritário resol-
de nível, com o acordo conjuntas serão alvo de retrocesso. ver: o aumento brutal do custo de vida e o
de segurança entre a A certeza sobre boicotes internos na NATO acesso à saúde, expostos pela pandemia e
China e as Ilhas Salomão. vai acompanhar o sentimento de dúvida pela guerra na Ucrânia. Este alinhamento
Geografia e alinhamentos sobre as reais intenções de fazer implodir pragmático com novos eleitores diz-nos
estratégicos impõem-se pouco a pouco a UE, alimentando com isso que Le Pen estará mais preparada se for
com naturalidade. atitudes miméticas em partidos espalhados confrontada por Macron sobre economia,
pelos Estados-membros, que se verão mais energia, impostos ou mesmo a gestão da
ESTE legitimados a fazer o mesmo caminho, fo- relação com a Rússia, o que também reduz
Pela primeira vez na sua mentando um atrito perigoso em cada de- o arco de surpresas que a prejudicaram há
história, um primeiro- bate nacional. A sensibilidade do momento cinco anos. Por fim, para contornar tudo
ministro foi destituído por europeu com duplo epicentro em Kiev e em isto, Macron vai ter de despir o fato pre-
uma moção de censura no Paris exige que, à semelhança de 2017, quem sidencial e fazer a campanha da sua vida:
Parlamento do Paquistão. está fora perceba as implicações daquele chegar aos eleitores jovens que mobilizou
O jogo de forças com desfecho e quem está dentro se mobilize em 2017, muitos deles a pagar a fatura das
Imran Khan vai, agora,
para travar a ascensão vitoriosa da melhor crises sucessivas, faixa etária que esteve
prosseguir nas ruas.
amiga de Putin na Europa. sobretudo com Mélenchon e Le Pen nesta
OESTE
É aqui que entra a outra parte da história primeira volta; mostrar outra sensibilidade
Há dias, 63 republicanos desta primeira volta. Há cinco anos, Macron social para chegar a setores desencantados,
(em 209) com assento foi eleito com o dobro dos votos de Le Pen. travando a sua mobilização pela adversária;
na Câmara dos Beneficiou largamente do efeito novida- e retomar o discurso aspiracional, quer de
Representantes votaram de, da transferência de voto do centro-es- França no mundo quer sobretudo da classe
contra uma resolução onde querda e do centro-direita tradicionais, da média pressionada com o custo de vida.
se afirmava o compromisso prestação no derradeiro debate televisivo, 15 dias é pouco para tudo isto, mas é
dos EUA com a NATO e as e de um misto de impreparação económica o que Macron tem para salvar França e a
suas democracias. Putin com um radicalismo identitário da parte da Europa de caírem numa orbanização com
celebrou. sua oponente, que acabaria por mobilizar estrondo. visao@visao.pt
AMBER BRACKEN
MORTES
Maria de Jesus
Serra Lopes
A primeira mulher bastonária
da Ordem dos Advogados
morreu, na sexta-feira, 8, aos
88 anos. Maria de Jesus Brito
Lamas Moreira Serra Lopes
exerceu o cargo de bastonária
entre 1990 e 1992. Casada
com o também advogado
António Serra Lopes, falecido
em novembro de 2021, e mãe
da jornalista Inês Serra Lopes,
Maria de Jesus foi agraciada,
em 1996, com a grã-cruz da
Ordem do Infante D. Henrique
e, em 2005, com a grã-cruz
da Ordem Militar de Cristo.
Salvador Guedes
YOSSI ZAMIR/FLASH90
Presidente da Sogrape
entre 2000 e 2015, Salvador
Guedes morreu na quinta-
feira, 7, aos 64 anos,
vítima de esclerose lateral
amiotrófica. Depois de lhe
ter sido diagnosticada esta
doença neurodegenerativa, 1915–2022
Mimi Reinhardt
o empresário fundou a
Associação Portuguesa de
Esclerose Lateral Amiotrófica.
Em 2016, Marcelo Rebelo de
Sousa condecorou-o com A autora da lista de Schindler
o grau de comendador da
Ordem do Mérito.
Era uma das poucas testemunhas ainda era membro do Partido Nazi, mas via nos
António Reis vivas do Holocausto e uma das persona- judeus presos preciosos trabalhadores
gens com direito a lugar na História, pelo para a sua indústria de cerâmica, então
Figura ímpar do teatro
contributo que deu a salvar a vida de mi- convertida em fábrica de armamento.
nacional e da vida cultural da
cidade do Porto, o ator que
lhares de judeus. Carmen Koppel nasceu Mimi passou, assim, a ser secretária de
foi cofundador da companhia a 15 de janeiro de 1915, filha de Emil e de Schindler, tendo, nessas funções, a seu
Seiva Trupe e do Festival Frida Koppel, comerciantes em Viena, na cargo a compilação da famosa lista com
Internacional de Teatro de Áustria. Para facilitar o estudo no curso cerca de 1 200 nomes de pessoas que,
Expressão Ibérica, FITEI, de Línguas e Literatura, aprendeu este- por irem trabalhar para o empresário
morreu na terça-feira, 5, aos nografia, algo que seria determinante na alemão, escaparam às câmaras de gás de
77 anos, vítima de doença sua vida e na de muitos outros. Em 1936, Auschwitz. Foi esta história que ficaria
prolongada. já casada e com o sobrenome Weitmann, mundialmente conhecida graças ao filme
Mimi mudou-se para Cracóvia, onde A Lista de Schindler, de Steven Spielberg,
nasceria o filho Sacha, em 1939. Seis anos premiado com sete Oscars e dezenas de
Afonso de depois, perante a invasão nazi da Polónia, outros prémios internacionais.
Albuquerque os Weitmann conseguiram mandar a Terminada a guerra, Mimi juntou-se ao
Pioneiro em estudos sobre criança e a avó materna para a Hungria, filho, na Hungria, e de lá partiram para
o stresse pós-traumático, o mas não escaparam à detenção no gueto Marrocos, onde viria a conhecer e a ca-
psiquiatra criou, em 1988, a de Cracóvia, onde o marido de Mimi viria sar-se com um gerente de hotel, de quem
fundação APOIAR, para ajudar a ser morto aquando de uma tentativa adotou o apelido Reinhardt e com quem
ex-combatentes. Foi também de fuga. A viúva foi, então, enviada, com teve uma filha. Mudou-se, depois, para
um dos sócios-fundadores os demais judeus sobreviventes, para o Nova Iorque, em 1957, e aí viveu até 2007,
da Sociedade Portuguesa de campo de concentração de Plaszow. Os ano em que fez a aliyah, a migração para
Sexologia Clínica. Morreu em conhecimentos de estenografia permi- Israel, para se reunir de novo com o filho,
casa, na terça-feira, 5. Tinha tiram-lhe trabalhar como secretária de professor de Sociologia na Universidade
87 anos.
administração do campo, tendo aí co- de Telavive, e os netos. Morreu na sexta-
nhecido Oskar Schindler. O empresário -feira, 8 de abril. Tinha 107 anos. M.B.M.
UM VERÃO INESQUECÍVEL,
DE PORTO EM PORTO
Novidade para quem procura um verão de 2022 para mais tarde recordar: a MSC Cruzeiros
tem 11 cruzeiros com partida e chegada a Lisboa– com bebidas incluídas, que é um detalhe
importante – em itinerários nunca antes vistos. Bem-vindo a bordo!
O
ano de 2022 representa a retoma do turismo interna- ...OU VÁRIAS SEMANAS DE VERDADEIRO DESCANSO
cional, segundo indicam os estudos, e a MSC Cruzei- Os cruzeiros de 11 noites com partidas do Funchal, a 22 de Se-
ros não quis ficar para trás, apresentando novidades tembro e a 3 de Outubro, realizarão escalas em Málaga, Marselha,
imperdíveis especialmente para aqueles passageiros Génova, Barcelona, Casablanca e Santa Cruz de Tenerife antes
que preferem embarcar “à porta de casa”. Pela primeira vez, a de regressarem novamente ao Funchal - com preços, incluindo
MSC Cruzeiros vai realizar cruzeiros com embarque e desem- bebidas, desde 799€ (a que acrescem 110€ TSH e 220€ de taxas
barque em Lisboa durante as férias de Verão. Serão 11 cruzeiros portuárias).
de 10 noites com um itinerário novíssimo e único a bordo do Com partida no Funchal a 14 de Outubro, o MSC Magnifica
MSC Orchestra, entre Junho e Outubro, com preços a partir percorrerá um itinerário de 9 noites que passará por Málaga,
de 539€ (a que acrescem 100€ de Taxa de Serviço de Hotel Marselha, Génova, Barcelona, regressando depois ao Funchal
(TSH) e 220€ de taxas portuárias). Com a promoção Bebidas por apenas 439€ (+90€ TSH e 210€ de taxas portuárias) com
Incluídas, os preços começam nos 679€ - em vez dos 539€ bebidas incluídas ao longo de toda a viagem.
(mantendo-se os mesmos preços de TSH e de taxas portuá- Para os fanáticos de viagens mais longas, o MSC Magnifica
rias). Este cruzeiro passará por Alicante, Mahón, Olbia, Génova, navegará por Tanger, Málaga, Marselha, Génova, Barcelona, Ca-
Marselha, Málaga e Cádis, regressando a Lisboa. sablanca, Santa Cruz de Tenerife e Arrecife de Camarote, ao longo
de 13 noites, com preços com bebidas incluídas a partir dos 829€
ESCAPADINHAS DE 5 NOITES... (+130€ TSH, a que acrescem as taxas portuárias no valor de 250€).
Os amantes de escapadinhas de 4 ou 5 dias poderão também O MSC Magnifica partirá ainda de Génova no dia 16 de Setem-
partir da capital, no dia 20 de Outubro, e realizar um mini-cru- bro de 2022, passando por Barcelona, Casablanca, Santa Cruz de
zeiro de 5 noites que passará por Alicante, Mahón e Olbia com Tenerife, regressando ao Funchal por um preço extremamente
destino à cidade italiana de Génova desde 209€ (+50€ TSH +110€ convidativo de 239€ (+60€ TSH, a que acrescem 170€ de taxas
de taxas portuárias) usufruindo da promoção Bebidas Incluídas. portuárias), aproveitando assim a promoção Bebidas Incluídas.
Com a mesma duração, 5 noites, mas com partida na cidade Mais curto, com um itinerário de apenas 5 noites, em Novem-
italiana de Génova, pode ficar a conhecer a cidade de Marselha, bro de 2022, o MSC Magnifica partirá do Funchal e passará por
as duas cidades espanholas de Málaga e Cádis, para finalmente Málaga, Marselha e Génova com preços a partir de 179€ (+50€
desembarcar em Lisboa por apenas 289€ (+50€ TSH +110€ de TSH, a que se juntam os 170€ de taxas portuárias). No MSC
taxas portuárias) com a promoção já incluída que lhe permite Magnifica poderá beber tudo o que pretende, por usufruir da
beber o que desejar no navio. Pode realizar esta partida no dia promoção Bebidas Incluídas.
27 de Junho de 2022. Este ano, todos os motivos são válidos para fazer um cruzeiro!
Para os passageiros que desejam embarcar e desembarcar no Embarque nesta aventura com a MSC Cruzeiros.
Funchal este Verão podem fazê-lo através do MSC Magnifica Para mais informações contacte o seu Agente de
entre Setembro e Novembro de 2022. Viagens ou visite www.msccruzeiros.pt.
---------- BA L ÃO D E E N S A I O
Queimar calorias
Passar o dia no
ginásio pode não
ajudar a perder mais
peso. A explicação
está na evolução
do metabolismo
— POR SARA RODRIGUES
O
s confinamen- estudante tropeçou várias
tos ditados pela vezes na subtração e foi
pandemia de ficando nervosa. Enquanto
Covid-19 fizeram- isso, nos bastidores, uma
-no ganhar uns quilos extra equipa ia medindo a sua
e não consegue perdê-los, pressão arterial, os bati-
apesar das horas que passa mentos cardíacos e a quan-
no ginásio? A resposta está tidade de dióxido de carbo-
no seu cérebro e não nos no (CO2) expelido. Este foi
seus bíceps, segundo Her- apenas um dos exercícios
man Pontzer, professor de realizados pelo investigador energia”, explicou, recente-
Antropologia Evolutiva na para estimar a energia que mente, numa entrevista.
Duke University e de Saúde gastamos quando estamos Pontzer não está focado
Global no Duke Institute for sob stresse, a correr, a saltar no excesso de peso ou na
Global Health, nos Estados ou mesmo quando desen- obesidade; o que o norte-a-
Unidos da América. volvemos uma resposta mericano pretende saber é a
O propósito deste inves- imunitária a uma vacina. quantidade de calorias que
tigador é quebrar o mito de No livro Burn: The Mi- gastamos diariamente nas
que, quanto mais exercí- sunderstood Science of nossas rotinas ou apenas
cio fizermos, mais calorias Metabolism, lançado no ano para nos mantermos vivos.
gastamos e, deste modo, passado, Pontzer desmonta O exercício pode Uma das comparações
emagrecemos. Afinal, não é
bem assim.
a confusão em torno do que
é o metabolismo: “Con-
evitar que se fique que fez foi entre humanos e
orangotangos. E a conclu-
Uma das suas mais re- siste em todo o trabalho doente, mas a são é inesperada. Os quatro
centes experiências foi pôr que as células ou o corpo dieta é “a melhor animais que entraram na
alunos – voluntários – sob fazem. Tanto aquilo que experiência beberam um
stresse, com o objetivo de vemos, como o movimen- ferramenta para inofensivo chá frio sem
contabilizar a energia gasta to, como o que não vemos, controlar o peso”. açúcar com isótopos – o
em momentos de ansie-
dade. Pontzer pediu a uma
como os pensamentos, o
funcionamento do sistema
O balanço é indicador mais usado em
investigações metabólicas
aluna para, começando no imunitário, a digestão, a sempre entre as para estimar a produção de
número 1 022, subtrair con- reprodução, a recuperação calorias que se dióxido de carbono e o gas-
tinuadamente 13 até chegar de lesões ou o crescimento. to de energia. As amostras
a zero. Sempre que errasse, Sempre que as nossas célu- ingerem e as que de urina dos orangotangos
teria de voltar ao início. A las funcionam, precisam de se gastam revelaram que queimaram
Como se vivia
no Portugal
“neutral”
Costumes As refugiadas,
que enchiam as praias do
Estoril, usavam fatos de banho
“audaciosos”, que o governo
obrigaria a que fossem
“cobertos com saias”
— PO R J . PL ÁCI D O J Ú N I O R
O
Ontem como hoje, em tempo de guer-
ra, a censura e a propaganda eram e
são armas tão importantes quanto os
canhões, os aviões e as bombas. Mas,
situando-se este texto na vida em
Portugal durante a II Guerra Mun-
dial (1939-1945), há que reconhecer
que as regras do jogo da propaganda
dos beligerantes eram, por cá, crista-
linas – porque alinhadas, claro, com
o interesse da ditadura salazarista do
Estado Novo de dar a ilusão de uma
neutralidade resultante da expressão
de opiniões desavindas. Mostra-o a
edição de 28 de agosto de 1941 da
revista portuguesa Vida Mundial
Ilustrada. Quando o exército nazi já
dominava a maior parte da Europa se comenta; verifica-se. E a vida por- revista Sinal, produzida e impressa
e a Grã-Bretanha procurava resistir tuguesa prossegue…” na Alemanha, em diferentes línguas,
aos intensos bombardeamentos da Ao mesmo tempo que nos revela e depois distribuída em vários países.
Luftwaffe, a publicação semanal de- as claras regras do jogo propagandís- Os “anglófilos” compravam a revista
dicou algumas das páginas daquele tico, por cá, dos beligerantes, aquela A Guerra Ilustrada, proveniente de
número às vantagens de Portugal ser reportagem também nos traz o odor Londres nos mesmos moldes. Am-
um “país neutral”. da autocracia de Salazar, o Presidente bas eram publicações com excelente
A exemplificá-lo, a revista fez uma do Conselho (que também chamou a grafismo, recheadas de reportagens
pequena reportagem no Rossio, epi- si a pasta dos Negócios Estrangeiros fotográficas de qualidade superlativa
centro da vida lisboeta, para demons- logo em 1936), a qual aferrava o País. da frente de batalha (em grande parte,
trar como as notícias sobre a guerra Portugal não era o exemplo de “equi- claro, encenadas), cumprindo a sua
que se desenrolava no resto da Eu- líbrio e de bom senso” que a Vida função principal: desmoralizar os
ropa podiam ser “lidas” por quem se Mundial Ilustrada exaltava, com o à inimigos e encorajar os aliados.
queria manter informado. Em Lisboa, época diretor da revista, José Cândi- Quem “torcia” pela Grã-Bretanha,
escrevia o repórter, “as fachadas das do Godinho, a elogiar, em editorial, porém, informava-se sobretudo na
casas de vendas dos jornais são mos- a “política sábia de governo”, numa revista quinzenal Mundo Gráfico, di-
truários do pensamento e da atuali- edição com o aviso de que tinha sido rigida por Artur Portela, a qual refletia
dade de todos os povos e de todos “visada pela Comissão de Censura”, a ausência de simpatia de Churchill
os continentes”. E as fotografias que como todos os números anteriores e para com Salazar, dando muito maior
acompanhavam a peça ilustravam-no todos os que se seguiriam. Tal exem- cobertura ao marechal Carmona,
bem. Ainda melhor, sublinhavam-no plo era uma trágica ficção num país então Presidente da República. Mas
as descrições das imagens. Eis duas sem eleições e sem Imprensa livre. na verdade, nos títulos da Imprensa
das legendas: “No Rossio, praça cen- No entanto, como a diversidade de portuguesa, a diversidade de opiniões
tral da cidade, coração da capital, há, opiniões servia os intentos do regime, tinha de ser mais sub-reptícia do que
sem atritos nem malquerenças, duas os ardinas desdobravam-se na venda expressa, única forma de servir os
montras de objetivos opostos. Aqui de jornais e de revistas preferidos interesses do regime. Caso contrário,
a Alemanha fala… Aqui expõem-se pelos apoiantes dos Aliados ou do o lápis azul da censura tratava de as
‘as verdades inglesas’. O povo passa, Reich de Hitler. Os “germanófilos” riscar das publicações. Ainda assim, as
observa e segue. Não se discute nem tinham à disposição, por exemplo, a opções eram claras: os leitores pró-
“BOMPERNASSE” NO ROSSIO
Quando, na madrugada de 1 de setem-
bro de 1939, a pretexto da não devolu-
ção de Dantzig, as forças do Reich de
Hitler atacaram a Polónia, por terra,
mar e ar, Londres e Paris declararam
GETTYIMAGES
GETTYIMAGES
eram então a Terra Prometida, onde
ficariam a salvo. O Estado de Israel
ainda não existia e a Palestina estava
sob controlo dos ingleses, que não
viam com muito bons olhos a chegada
de refugiados. O Presidente do Con-
selho tinha informações fidedignas de
que organizações como o American
Joint Distribution Committee, criado
pela influente comunidade judaica
norte-americana, e outras, fretariam
os navios necessários ao transporte
de refugiados judeus para os EUA.
O regime já lhes tinha vedado, há
ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO
“Salazar, o chefe que o desporto português ouro – nos 100 m e 200 m, na o que correu menos bem na
prometeu e cumpriu!”, gritava viveram-se momentos de estafeta 4x100 m e no salto “memorável festa”. O piso da
a capa da revista Stadium, na rubro entusiasmo e profunda em comprimento. pista de atletismo, “formada
edição imediatamente a seguir emoção.” A primeira peça Mas o texto de Salazar por jorra miúda, sem pó de
à inauguração do Estádio que se lia, escrita na primeira Carreira ia por outro caminho. carvão, sem pó de tijolo ou
Nacional, a 10 de junho de pessoa, era de Salazar “Quando dez mil desportistas areia argilosa que servissem
1944, construído no vale do rio Carreira, coordenador das e ginastas, mais 60 mil de aglutinante”, estava
Jamor (Oeiras). O País parou provas de atletismo na espectadores, clamaram nas “demasiado solto e todos
para assistir a essa festa de inauguração do estádio. O estrofes da Portuguesa o os corredores se queixaram
exaltação do regime ditatorial, estilo, esse, era à mesma seu entusiasmo de gratidão da sua pouca consistência,
quando o mundo tinha os gongórico. “Vivi, há oito anos, e a sua fé nacionalista, vim prejudicial ao aproveitamento
olhos postos na gigantesca esse momento insuperável – encontrar afinal o momento do esforço muscular”. E a
operação de desembarque de julgava eu – da inauguração máximo da minha emoção prova de estafeta foi mesmo
tropas aliadas na Normandia, espectaculosa e emocionante desportiva, aquele em que a anulada, pela “impossibilidade
que se iniciara quatro dias dos Jogos Olímpicos de alma sentiu o doce afago de de marcar as linhas dos
antes, a 6 de junho. Ou seja, Berlim”, recordava. Essas uma ambição realizada além corredores periféricos, (...) em
Portugal passou ao lado do Olimpíadas, realizadas em de todas as espectativas”, virtude da pouca consistência
determinante “Dia D”, que 1936, ficariam sobretudo confessava. E, não fossem da pista, revolvida pelo
começou a desenhar a vitória para a História pela tentativa os leitores esquecerem- desfile dos três mil filiados da
dos Aliados e a derrota da fracassada de Hitler (que se do essencial, assinalava Mocidade Portuguesa”.
Alemanha de Hitler. chegara ao poder três anos que “o público soube Em futebol, disputou-se
O título da reportagem antes) de utilizá-las para demonstrar, com o calor e o um Sporting-Benfica, de
da Stadium sobre aquela provar as suas teorias da carinho das suas ovações, qualidade muito criticada pela
cerimónia era longo e superioridade racial ariana. Um ao Presidente Carmona e ao Stadium. Os leões venceram o
devidamente adjetivado: “Na atleta negro norte-americano, presidente Salazar, (...) o seu jogo e o seu mítico avançado
inauguração do grandioso Jesse Owens, deixaria o agradecimento”. Peyroteo marcou o primeiro
Estádio Nacional que Führer a espumar de raiva, ao No entanto, a reportagem da golo da história do Estádio
Salazar fez construir para arrecadar quatro medalhas de Stadium também abordava Nacional.
se muniu de grandes rolos de fita go- rio espanhol, para atacar Gibraltar, o
mada branca para colar nas vidraças que exigiria a ocupação de Portugal.
das janelas, de modo a impedir que A pressão sobre a Península Ibérica,
estas se partissem com a vibração das porém, seria aliviada, até se esfumar,
explosões. à conta das aventuras de Mussolini
Mas aconteceu que as condições
colocadas por Madrid, para que Es-
O Terreiro nos Balcãs, descambando num desaire
militar perante as tropas gregas. Em
panha entrasse na guerra e no Eixo, do Paço foi palco socorro do seu aliado, as atenções de
eram tais que o Führer acabou por se Hitler voltaram-se para um cenário
enfadar com Franco. Este reclamava, de exercícios bélico de emergência com que não
além de ajuda militar e económica, a
cedência de Marrocos, do Noroeste que preparavam contava – as invasões da Jugoslávia e
da Grécia. Seguiram-se os compro-
da Argélia e de parte da África Oci-
dental Francesa. Mesmo assim, a
a população missos militares da Alemanha contra
os ingleses no Norte de África e, por
ameaça persistiu: Hitler não desistiu
da Operação Félix, e pensou em atra-
para ataques fim, a gigantesca invasão da União
Soviética, que se tornaria anos depois
vessar com os seus Panzers o territó- aéreos o túmulo do III Reich.
O MANÁ DO VOLFRÂMIO
Com o início da guerra, a febre do vol-
frâmio atraiu milhares de pessoas em
busca de uma vida melhor. Os exérci-
tos de Hitler precisavam do volfrâmio
BIBLIOTECA DE ARTE FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN/HORACIO NOVAES
Se, no Tejo,
amarava o “hidro”
Clipper, o maior
avião do mundo,
mineiros das serras
beirãs fumavam
charutos feitos
de notas, à conta
do volfrâmio
42 VISÃO 14 ABRIL 2022
Grandes festas Em 1940, a Exposição
do Mundo Português, em Belém, teve
três milhões de visitantes (em baixo, o
Padrão dos Descobrimentos ainda em
construção). Ao lado, manifestantes
celebram, em maio de 1945, junto à
embaixada britânica, em Lisboa, a vitória
dos Aliados e a derrota do Reich de Hitler
Ligações SANTANA
LOPES
perigosas ANTIGO
PRIMEIRO-
-MINISTRO
José Veiga é suspeito de ter sido
o pivô de um esquema de corrupção
E
no Congo com pagamentos a um
ministro e aos filhos do Presidente
e de ter recorrido a políticos do PSD PAULO SANTANA
para comprar o antigo BES/Cabo Verde LOPES
GESTOR
DE EMPRESAS
SÉRGIO
MONTEIRO MANUEL
GESTOR DAMÁSIO
RESPONSÁVEL EMPRESÁRIO,
PELA VENDA DO MIGUEL ANTIGO
NOVO BANCO RELVAS PRESIDENTE
ANTIGO MINISTRO DO BENFICA
DA PRESIDÊNCIA,
CONSULTOR
“Eu sou uma pessoa da aldeia. Não estou a de jogadores de futebol e diretor desporti-
perceber: o senhor foi intermediário, os ou- vo do Benfica e que – após um processo no
tros encostaram-no à parede e o senhor teve Luxemburgo, em 2006, que levou a que as
de lhes pagar uma comissão mas, ao mesmo suas contas bancárias fossem penhoradas
tempo, também pagaram a si uma comis- em Portugal e o caso de suspeitas de fraude
são?” “Correto.” Seis anos depois de ter sido fiscal na transferência de João Vieira Pinto
interrogado pelo juiz Carlos Alexandre (6 de para o Sporting – arrancou para a diáspora
fevereiro de 2016) e de ter ouvido o próprio em África, “à procura de negócio”, aterrando
magistrado judicial a confessar-se “apaler- e estabelecendo-se na República do Congo.
mado” com o que estava a ouvir, José Veiga Em cima da mesa, confirmou a VISÃO junto
já tem uma certeza: até ao final do mês de de fontes judiciais, está a possibilidade de o
maio, o Ministério Público terá de decidir se o Ministério Público (MP) aplicar a suspensão
acusa ou não pelos crimes que está indiciado provisória do processo a José Veiga, conside-
no processo Rota do Atlântico: fraude fiscal, rando-o como mero intermediário nos paga-
corrupção no comércio internacional e bran- mentos feitos pela empresa brasileira Asperbrás
queamento de capitais. Este é o processo com a responsáveis políticos do Congo. Para isso,
mais dinheiro apreendido à ordem dos autos. José Veiga terá de aceitar pagar 37 milhões
Entre contas bancárias, carros e imóveis, há de euros de impostos ao Estado português,
180 milhões de euros bloqueados pela Justiça. montante que o MP considera estar em falta já
O encerramento da investigação é o que que, nas contas da investigação, o empresário
determina um despacho da Procurado- passava mais de 180 dias em Portugal, o que
ria-Geral da República (PGR). No final do o tornava também residente fiscal aqui e não
ano passado, a PGR aceitou um pedido de só na República do Congo, para onde mudou
aceleração processual feito pelos advogados a sua residência fiscal após se ter estabelecido
do empresário, considerando que a investi- como empresário naquele país africano.
gação já corria há tempo suficiente para que
fosse proferido um despacho final. Não é OBRAS, COMISSÕES, CORRUPÇÃO
certo que tudo termine, contudo, com uma António José da Silva Veiga, 58 anos, é um dos
acusação contra o homem que já foi agente sete arguidos do processo por crimes alega-
JOSÉ ROBERTO
COLNAGHI
PRESIDENTE
DA ASPERBRÁS
JOSÉ
MAURÍCIO
CALDEIRA
EX-DIRETOR
FINANCEIRO
DA ASPERBRÁS
MARINE LE PEN
A CANDIDATA
DO KREMLIN
A segunda volta das presidenciais francesas
ameaça converter-se num referendo ao
desempenho de Macron e às propostas radicais
de Le Pen – incluindo o diálogo que ela propõe
com a Rússia de Vladimir Putin
— POR FILIPE FIALHO
O
Os amigos são para as ocasiões e Vladi-
mir Putin leva muito a sério este adá-
gio. A 24 de abril, caso Marine Le Pen
se torne a primeira mulher a ocupar a
presidência francesa, vai seguramen-
te receber uma chamada especial de
Moscovo. O Chefe de Estado russo faz
sempre questão de apresentar, de viva
voz, felicitações aos governantes com
quem mantém relações privilegiadas.
Na última semana, de acordo com
o site do Kremlin, o Presidente russo
falou duas vezes com o primeiro-mi-
nistro da Hungria, Viktor Orbán, para
lhe dar os parabéns pela vitória de 3 de
abril – em que o dirigente magiar foi
reeleito para um quarto mandato – e
também para o pôr a par da “operação
militar especial” na Ucrânia e das “cíni-
cas provocações” do Governo de Kiev.
E, enaltecendo uma outra “parceria es-
tratégica”, fez exatamente o mesmo com
o seu homólogo da Sérvia, Aleksandar
Vuksic, também reeleito no primeiro
domingo deste mês.
Uma eventual vitória de Marine Le
Pen levaria Putin a pegar uma vez mais
no telefone, para recordar à sua inter-
locutora que França e Rússia devem
aprofundar o “diálogo sobre os grandes
dossiers comuns”, como está previsto no
programa oficial da candidata ao Palá-
cio do Eliseu. Ora esse é o cenário que
Emmanuel Macron tem a obrigação de
evitar e que o levou a afirmar, no res-
caldo da soirée da primeira volta, que
estas duas semanas podem ser “decisi-
vas” para o Hexágono “e para Europa”.
No dia 10, o jovem ex-banqueiro, que
chegou ao Eliseu com a missão de afas-
tar os populismos e os radicalismos do
poder, conseguiu 9,7 milhões de votos
(27,84%). Caso pretenda manter-se no
cargo e impedir que a sua adversária
ponha a “França na ordem em cinco
anos” – Marine dixit – terá de garantir
o apoio de muitos eleitores que se dizem
frustrados e irados com a sua governa-
ção, por vezes descrita como jupiteriana
e bonapartista, entenda-se autoritária e
arrogante. As sondagens indicam que
tem quase todas as condições para ser
.
Marine Le Pen
.
Desde que se tornou líder do par-
tido fundado pelo seu pai, em 2011,
Garantir a autonomia estratégica, Organizar um referendo Marine Le Pen admitiu em diversas
.
energética e tecnológica da Europa sobre a imigração e incluir ocasiões “ter admiração” pelo Presi-
na Constituição dente russo. Logo em outubro desse
Passar “progressivamente” a idade da a necessidade de “controlar” ano, numa entrevista ao diário Kom-
. .
reforma dos 62 para os 65 anos os fluxos migratórios mersant, afirmou que o seu país e a
União Europeia deveriam “dar as cos-
Investir 19 mil milhões para Contratar sete mil agentes policiais tas aos EUA e virar-se para a Rússia”,
.
modernizar o setor da saúde e três mil funcionários administrativos em nome de “interesses civilizacionais
.
para as forças da ordem e estratégicos comuns”. Em 2012, na
Construir seis novas centrais sua primeira corrida presidencial,
nucleares, 50 parques eólicos Baixar o IVA, de 20% para 5,5%, falava numa “aliança trilateral Pa-
.
(até 2050) e multiplicar por dez nos produtos energéticos ris-Berlim-Moscovo” e, dois anos
.
a produção de energia solar depois, após duas visitas a Moscovo,
Cancelar todos os projetos afirmava que a anexação da Crimeia
Condicionar a atribuição do RSA de energia eólica e apostar lhe parecia “legal” por ter havido um
.
(equivalente ao Rendimento Social nas hidroelétricas e no nuclear referendo [nunca reconhecido pela
de Inserção) à obrigatoriedade
comunidade internacional] em que
de trabalhar, pelo menos, 15 horas Isenções fiscais aos cidadãos
a população da península “decidiu
. ..
por semana com menos de 30 anos
juntar-se à Rússia”. Na altura, o sema-
Alargar horários de Matemática e de Renacionalizar as autoestradas
nário Le Canard Enchaîné, citando os
.
Educação Física no ensino obrigatório serviços secretos dos EUA, acusou-a
Privatizar o setor audiovisual de ter recebido um empréstimo de
.
Aumentar salários dos professores, nas mãos do Estado 30 milhões de dólares, de um banco
.
desde que estes aceitem mais funções com ligações ao Kremlin, a troco de
Realizar referendos por iniciativa reconhecer a ocupação militar russa.
.
Introduzir uma dose de proporcionali- dos cidadãos O jornal satírico só se enganou nas
.
dade nas eleições legislativas verbas: 734 milhões de rublos (cerca
Instaurar o método proporcional de 9,6 milhões de euros), que terão de
.
Reduzir os direitos de sucessão nas eleições legislativas ser pagos até 2029. A recente decla-
.
(de 100 mil para 150 mil euros) ração de rendimentos e interesses de
Lançar um plano de urgência Le Pen permite ainda saber que ela e
Duplicar o número de agentes para a saúde, no valor a UN receberam para esta campanha
policiais nas ruas de 20 mil milhões de euros um outro empréstimo, de 10,6 mi-
lhões de euros, de um banco húngaro,
o MKB, detido maioritariamente por
Lörinc Mészáros, um amigo de infân-
cia de Viktor Orbán.
Com negócios assim não é de es-
tranhar que Marine Le Pen recuse
chamar “criminoso de guerra” ao
Presidente russo, seja omissa sobre as
suas várias visitas a Moscovo, a guerra
em curso na Ucrânia e a destruição
de mais de um milhão de panfletos
de campanha, no final de fevereiro,
onde aparecia a cumprimentar Vladi-
mir Putin (uma imagem de março de
2017). Afinal, está em causa o seu fu-
turo político. Ela própria sabe muito
bem que, em caso de ser novamente
derrotada por Emmanuel Macron,
o seu amigo do Kremlin já tem uma
outra aliada, mais jovem, para as
eleições presidenciais francesas de
2027: Marion Maréchal, sobrinha de
Marine. ffialho@visao.pt
ARQUITETA
da
FORTALEZA FINANCEIRA
de
PUTIN
Há quase uma década ao leme do banco central da Rússia,
Elvira Nabiullina tornou-se uma das principais conselheiras de
Vladimir Putin e colecionou distinções ao nível internacional.
U
Agora, com a economia à beira do precipício, há quem peça
que seja incluída na lista das sanções
— POR RUI BARROSO
VARIAÇÃO VARIAÇÃO
MENSAL SEMANAL
150 000
0,0075 356 005
0,00749
0
MAI JAN JAN JAN JAN JAN JAN JAN JAN 14 JAN 11 ABR
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2022
FONTE Banco da Rússia, Investing e VISÃO AR/VISÃO
abrir mão do seu ás de trunfo para a instituição na altura, apresentou a Na- hedionda”, afirmou Michael McFaul,
economia. E mesmo com esta à bei- biullina da seguinte maneira: “Como antigo embaixador dos EUA em Mos-
ra do precipício, a governadora tem qualquer amante de ópera sabe muito covo, no Twitter.
conseguido – de forma artificial, é bem, os grandes maestros precisam de Nabiullina, à semelhança da esma-
certo – defender o rublo. Até agora, o ter um carácter notável, intuição e ca- gadora maioria dos detentores de car-
sistema financeiro do país evitou um pacidade de liderança. Não há dúvida de gos-chave na Rússia, não fez qualquer
colapso total, o que aumenta a pressão que a Elvira tem todas essas qualidades comentário público a questionar a inva-
para que o Ocidente use outras armas e mais algumas.” são da Ucrânia. Além disso, num vídeo
para derrubar totalmente a fortaleza Mas a reputação construída por dirigido aos funcionários do banco cen-
financeira russa. Nabiullina no Ocidente poderá ter- tral russo, pediu que parassem com os
-se esfumado de vez. Até porque há debates políticos, porque apenas “quei-
DO RECONHECIMENTO pedidos para que ela própria seja alvo mam a nossa energia, e precisamos dela
AO PEDIDO DE SANÇÕES de sanções, tal como aconteceu com para fazer o nosso trabalho”. Descreveu
Nabiullina não acumulou créditos ape- outras pessoas próximas de Putin. “É a situação económica como “extrema”
nas junto de Putin. Em 2015 – ironica- tempo de os EUA e de a União Euro- e reconheceu que “todos queriam que
mente como resultado do seu sucesso a peia a porem na lista de sanções. Mais isso não tivesse acontecido”.
defender a economia russa das sanções do que qualquer outra pessoa, ela está Há uns anos, numa conversa no
aplicadas após a anexação da Crimeia a ajudar Putin a financiar esta guerra FMI, a governadora do banco central
–, a governadora russa foi eleita a me- russo referiu que “em qualquer política,
lhor banqueira central do mundo pela incluindo a monetária, não é possível
revista Euromoney. Dois anos depois, evitar compromissos. No entanto, é im-
teve uma distinção similar atribuída
pela The Banker. Entre os elogios feitos
Nabiullina chegou portante perceber que há limites para o
compromisso”. Para quem gosta de se
à economista, contava-se igualmente a
forma como ela tinha modernizado o
a ser eleita a expressar por códigos, o aparente “luto”
na declaração que se seguiu à invasão
banco central russo. Foi ainda conside- melhor banqueira da Ucrânia e o pedido de demissão que
rada uma das mulheres mais poderosas
do mundo, pela revista Forbes. central do mundo. não teve confirmação oficial até po-
dem ser um indício de que esse limite
Em 2018, a economista – que é
apreciadora de ópera e de poesia fran-
Mas, após a foi ultrapassado. Mas a verdade é que
“todas as qualidades e mais algumas”
cesa, sabendo de cor, na língua original, guerra, há pedidos de Nabiullina continuam a ser usadas
versos de Paul Verlaine – foi a escolhida
pelo Fundo Monetário Internacional para que seja para manter a economia russa acima da
linha de água, o que permite a Putin ter
para ser a oradora principal na confe-
rência anual sobre política monetária.
incluída na lista as condições financeiras mínimas para
prosseguir com a guerra na Ucrânia.
Christine Lagarde, que liderava essa das sanções rbarroso@exame.pt
18
na valorização de toda a cadeia produtiva se conseguir preservar esta nossa cultura.
do setor. “Gosto da ovelha, mas só a consi- Hoje, a maior parte dos pastores tem idade
go valorizar se o queijo a partir do leite que avançada e os rebanhos estão a diminuir.” Na
ela produz for também valorizado. Todos os Casa Agrícola dos Arais, conta com o apoio da
MUNICÍPIOS
pastores da serra da Estrela deveriam receber família na gestão de 270 ovelhas e até a filha
Aguiar da Beira,
dois euros por cada litro de leite [€1,30 é o Arganil, Covilhã,
mais velha, Leonor, 10 anos, dá uma ajuda.
preço em vigor]. E também o queijo tem de Carregal do Mas quando não anda “em liberdade” com
ser pago a um preço mais elevado, para que Sal, Celorico da o rebanho nos pastos – “o que mais gosto”,
se possa valorizar o pastor”, nota João Pires. Beira, Fornos de confessa –, é na queijaria que passa o tempo.
Algodres, Gouveia, Após a ordenha das seis e meia da manhã (há
PRODUÇÃO DE QUEIJO AO VIVO Guarda, Mangualde, outra ao fim do dia), o leite é filtrado, anali-
Quando estudava na escola primária, em Manteigas, Nelas, sado, aquecido, e posto a coalhar com sal e
Manteigas, Filipe Saraiva, 41 anos, lembra-se Oliveira do Hospital, cardo. Depois, é o tempo e as mãos que hão
bem “de ver passar na vila mais ovelhas do Penalva do Castelo, de moldar este seu queijo que ainda há dias
que automóveis”. Hoje, o panorama é bem Seia, Tábua, Tondela, ganhou a Medalha de Ouro no Concurso de
diferente. E apesar de não ter família ligada Trancoso e Viseu Queijos Tradicionais Portugueses. E Célia,
à pastorícia, o engenheiro agrónomo, com que no início nem conseguia prová-lo, agora
247
o curso tirado em Castelo Branco, acabaria já lhe tomou o gosto.
por voltar à terra natal para se tornar pastor. Dizem que a paixão move montanhas e
“Sou um defensor da serra e dos nossos va- a de Francisco Santos, 40 anos, pela raça
lores. Sempre tive contacto com os pastores EXPLORAÇÕES bordaleira, fê-lo abandonar a carreira de
genuínos. Porque não ser também um?” REGISTADAS comissário de bordo da British Airways, em
Em 2020, em conjunto com a mulher, NO LIVRO Lisboa, onde trabalhou durante 16 anos, para
Helena, 35 anos, com um mestrado em Edu- GENEALÓGICO se tornar pastor de mais de meia centena de
cação, abriu o Agroturismo Vale do Beijames, Corresponde a 22 ovelhas e outras tantas cabras, em Paços da
numa bacia que leva o nome do afluente do 900 animais (ovelha Serra, Gouveia. Nascido na aldeia de Livra-
Zêzere, entre a Covilhã e a Guarda, onde tem raça bordaleira e mento, no Estoril, com formação em Gestão
um rebanho de 80 ovelhas e uma queijaria churra mondegueira) Agrícola, “estava cansado da ponte aérea
certificada em vias de se tornar biológica. Lisboa-Londres”. No entanto, nem tudo tem
30
Para complementar a atividade e tornar o corrido como previa. “Este ano, a pastagem
negócio mais rentável porque “os apoios são está baixa devido à falta de água, não tem
poucos”, Filipe e Helena abrem aos visitantes nutrição. Preciso de as suplementar e de au-
a possibilidade de assistirem à ordenha e à QUEIJARIAS mentar o curral para ter mais condições para
produção de queijo ao vivo (€20, marcação CERTIFICADAS COM os animais. Ando a sustentar as ovelhas com
prévia). “Por que razão se dá às raças autóc- SELO DOP as minhas economias, porque os apoios são
tones o mesmo apoio que é dado a quem escassos e as burocracias muitas.” O amor que
184
tem ovelhas exóticas?”, questiona-se Filipe
Saraiva. “A humanização desta paisagem é
conseguida pelos animais que complementam
o ecossistema. A ovelha era a base do tecido TONELADAS DE
“A raça tem de
produtivo que faz parte das nossas raízes.
Se eu não fosse teimoso, já tinha desistido”,
QUEIJO PRODUZIDAS
EM 2021
ser diferenciada
admite. Também a Estrelacoop (Cooperativa
de Produtores de Queijo Serra da Estrela)
Equivalente a uma e protegida. Em
receita de 3,5 milhões
tem defendido a necessidade de serem cria- nenhuma parte do
GETTY IMAGES
Berlim, agora, parece ter-se apercebido
de que tem de mudar urgentemente
GETTY IMAGES
GETTY IMAGES
competitiva que advém do seu porte- que o resto da Europa siga a mesma
fólio tripartido de renováveis: eólica, Os governos da direção. Os governos da Alemanha e
solar e hídrica”, lembra Pedro Amaral
Jorge. “Se a isto juntarmos armazena- Alemanha e de de Itália já avisaram de que poderão ter
de aumentar a queima de carvão para
mento adicional, baterias e hidrogénio
verde, podemos ficar energeticamente
Itália já avisaram diminuir a dependência do gás russo.
Seria uma péssima notícia para os
independentes e até exportar.” Em pri- de que poderão esforços no sentido de se cumprir o
meiro lugar, continua, “poderemos ter Acordo de Paris (limitar o aumento
a energia mais barata da Europa, o que ter de aumentar da temperatura média global a 1,5 ºC)
atrairá empresas”; em segundo, com o
reforço das interligações nos Pirenéus a queima de carvão e que vem piorar uma tendência pro-
vocada pela pandemia: o mundo está
(a que a França se tem oposto, para que
as renováveis da Ibéria não compitam
para diminuir a queimar mais carvão para relançar
a economia, incluindo os países que
com as suas centrais nucleares), “po-
demos escoar muito mais eletricidade”.
a dependência têm liderado o combate às alterações
climáticas. No ano passado, os EUA
do gás russo queimaram mais carvão do que em
O NUCLEAR PODE SER OPÇÃO? 2019, quando o Presidente era Donald
Neste momento, há dois caminhos pos- Trump; na UE, o carvão cresceu 18%, a
síveis, diz Francisco Ferreira, presidente primeira subida em quase uma década.
da Zero e professor da Faculdade de “Este balanço tem de ser feito”, avisa A energia nuclear poderia ser um
Ciências e Tecnologia da Universidade Francisco Ferreira. “Não vou fazer bálsamo, uma alternativa sem emissões
Nova de Lisboa. Um passa efetivamente um gasoduto que me obriga a usar ao carvão, defende o físico Luís Guima-
pela aposta nas renováveis e na eficiên- gás natural para o pagar ao longo das rais, professor convidado da Nova SBE
cia energética, “criando uma economia próximas décadas.” Por seu lado, Pedro e membro do braço português da Re-
de escala na energia solar e na do vento, Amaral Jorge, da APREN, não acredita Planet Portugal (ONG de Ambiente ba-
as mais baratas, garantindo a indepen- que esta venha a ser uma opção. “Não seada na Ciência). “A UE importa 40%
dência energética para o futuro”. Mas corremos esse risco, porque os gran- do seu gás fóssil da Rússia. A RePlanet
a segunda via possível pode ameaçar des investimentos dependem de muito propõe um plano ambicioso, o Switch
esta opção: mudar apenas a origem dos tempo de execução, e nós precisamos Off Putin, para que a UE corte o mais
combustíveis fósseis. “Se trocarmos o de respostas rápidas.” rápido possível a sua importação de 155
gás e o petróleo russos por gás dos EUA Há, no entanto, um perigo de curto bcm (mil milhões de metros cúbicos
e petróleo da Arábia Saudita e do Qatar, prazo: a substituição do gás pelo car- anuais) de gás russo. Neste plano, a
não mudamos estruturalmente o uso de vão, que tem emissões de gases muito energia nuclear tem um papel relevante.
combustíveis fósseis e ainda investimos superiores por kWh de eletricidade Parar e reverter o desmantelamento
em infraestruturas, como terminais de produzida. O novo ministro portu- das centrais nucleares alemãs, belgas e
GNL ou novos gasodutos, que podem guês do Ambiente e da Ação Climática, suecas cortaria esta dependência em 14
tornar-se investimentos ociosos.” Duarte Cordeiro, assegurou que as bcm. Um plano de manutenção agres-
Ou seja, são investimentos de mi- centrais a carvão do Pego e de Sines sivo das centrais nucleares francesas
lhões que terão de ser compensados. não serão reativadas, mas não é certo cortaria 26 bcm adicionais. No total,
GETTY IMAGES
de metros cúbicos, no espaço
de um ano.
3. Introduzir obrigações mínimas
de armazenamento de gás.
Impacto: aumento da resiliência do
40 bcm, ou aproximadamente 25% Glasgow, disse que o fim do carvão sistema de gás, no próximo inverno.
das importações russas de gás fóssil, estava “à vista”. Agora, essa declara- 4. Acelerar novos projetos eólicos
poderiam aumentar a independência ção parece irrealista. Porém, à luz dos e solares. Impacto: redução do uso
energética da UE num intervalo de novos acontecimentos, isso é o me- de gás em 6 mil milhões de metros
tempo de até um ano.” nos importante. Há outro pormenor cúbicos, num ano.
O governo alemão, porém, tem saído da Escócia que se revela bem 5. Maximizar a geração de energia
repetido por várias vezes que não rea- mais significativo. No último dia de a partir da bioenergia e do nuclear.
brirá as centrais nucleares encerradas negociações, face à pouca ambição do Impacto: redução do uso de gás em
recentemente nem adiará o fecho das documento final, Sharma pressionou 13 mil milhões de metros cúbicos.
três últimas, previsto para este ano. para que os países concordassem em 6. Decretar medidas fiscais
apresentar novas NDC (Contribui- de curto prazo sobre lucros
UMA ESTRANHA PRESCIÊNCIA ções Determinadas Nacionalmente, os inesperados para proteger dos
A luta para limitar o aquecimento planos de redução de emissões) já na preços altos os consumidores
global poderá ser prejudicada tam- Cimeira de 2022, respeitando o espí- de eletricidade mais vulneráveis.
bém por um dumping dos preços dos rito do Acordo de Paris, que prevê que Impacto: redução da fatura da
hidrocarbonetos. Desesperada por cada proposta vá mais longe do que a energia, mesmo quando os preços
encontrar novos clientes (e como for- anterior. O presidente propôs, então, a do gás permanecem altos.
ma de comprar algum tipo de apoio), frase: “Solicita às Partes que revisitem e 7. Acelerar a substituição de
a Rússia assinou, em março, um con- fortaleçam as metas de 2030 nas suas caldeiras a gás por bombas de
trato para vender petróleo à Índia, com contribuições conforme necessário calor. Impacto: diminuição do uso
um desconto de 35 dólares por barril. para as alinhar com a meta de tempe- de gás em mais 2 mil milhões
A China não quer ser discriminada, ratura do Acordo de Paris até ao final de metros cúbicos.
pelo que também comprará combus- de 2022”. A China e a Índia, contudo, 8. Acelerar as melhorias de
tíveis fósseis à Rússia a preço de saldo, exigiram que se acrescentasse: “le- eficiência energética em edifícios
sobretudo quando tenta cumprir o vando em consideração as diferentes e na indústria. Impacto: redução
crescimento anunciado de 5,5% do PIB circunstâncias nacionais”. Uma adenda do uso de gás em 2 mil milhões de
para este ano, em circunstâncias eco- que pode dar uma justificação para que metros cúbicos.
nómicas adversas. E, se o gás subir de novas NDC não sejam entregues, invo- 9. Incentivar uma redução
preço devido ao aumento da procura cando uma qualquer razão conjuntural. temporária do termóstato em 1 °C.
de GNL por parte da UE, o governo É mais do que certo que, na próxima Impacto: diminuição do uso de
de Xi Jinping irá ordenar a extração e COP, no outono, a guerra será usada gás em 10 mil milhões de metros
a queima de mais carvão. O país com- como desculpa para vários países não cúbicos.
prometera-se a atingir o pico do car- cumprirem este objetivo. 10. Intensificar os esforços para
vão até 2030, mas a guerra na Ucrânia Na altura, pouca gente deu impor- diversificar e descarbonizar as
poderá deitar essa promessa por terra. tância a esta insistência numa rampa fontes de energia elétrica. Impacto:
Em novembro, quando ainda nin- de saída que leva em conta as tais “dife- redução das fortes ligações entre
guém esperava que o mundo se en- rentes circunstâncias nacionais”. Hoje, o fornecimento de gás e a
contrasse nesta situação, Alok Sharma, quase parece que alguém adivinhava o segurança elétrica da Europa.
presidente da Cimeira do Clima, em que aí vinha. lribeiro@visao.pt
A
água tem servido de que, numa sociedade não moderna, a Não diria que o que aconteceu no
desculpa para suces- água é o que dá e o que tira a vida. Sudão do Sul foi uma guerra cau-
sivos conflitos. Mas A água é historicamente uma fonte sada pelo acesso à água?
é uma fama injusta, de conflito? As pessoas sentem-se muito confor-
garante o ítalo-britâ- É mais uma fonte de cooperação do táveis ao dizer que a água é a causa
nico Giulio Boccaletti, que de conflito. Conhecemos uma só da guerra. Mesmo no caso da Ucrâ-
investigador no MIT “guerra de água” clara. É uma história nia, têm sido dadas muitas causas
e responsável estratégico da The Na- de há 4 800 anos: duas cidades-es-
ture Conservancy, uma das maiores tado da Mesopotâmia, Guirsu e Uma,
ONG de Ambiente no mundo. Na combateram pelo controlo de um
verdade, historicamente, sempre foi canal. Mas essa terá sido a primeira e
uma fonte de cooperação, diz o autor a última de uma guerra pelo controlo
do livro Água: Uma Biografia (Ed. da água. Na realidade, se definirmos
Desassossego, €19,90, 368 páginas). “guerra” como um conflito entre
Os problemas associados à água, Estados, ela quase nunca acontece
sublinha, não se devem à água em devido à água. É verdade que, no caso
si – seja ela demasiada ou insuficien- de indivíduos ou de sociedades não
te –, mas à pobreza dos Estados e à estatais, isso acontece. Trabalhei no
instabilidade sistémica em regiões Sul da Etiópia, onde há tribos pas-
vulneráveis. torícias que atravessam a fronteira,
As lendas e os mitos das civiliza- entre o Quénia e a Etiópia, com ma-
ções antigas relacionadas com a nadas que vão beber nos buracos de
água veem-na como uma fonte de água. E se não houver água suficiente,
vida ou de morte? elas lutam pelo seu acesso. Mas qual
Ambas. Desde que começámos a é a causa que está na raiz do proble-
gerar estes mitos, reconhecemos a ma? O facto de o governo etíope
água como uma presença poderosa ter restringido o acesso
com que a sociedade tem de lidar. É destas comunidades
simultaneamente geradora e destrui- pastorícias a uma
dora. Os mitos das inundações, como pequena fração do
o da arca de Noé e o de Gilgamesh, que era antes. Se
dizem todos o mesmo: que a origem pudessem conti-
da sociedade decorre de um aconte- nuar a mover-se
cimento destruidor provocado pela livremente, estes
água. Nenhum se refere a um aconte- conflitos não
cimento físico, mas passam a ideia de aconteceriam.
Leões-marinhos
“assaltam” aquacultura
Uma comunidade de dezenas de leões-
-marinhos conseguiu entrar numa explora-
NÚMERO
ção canadiana de aquacultura e tem esta-
Da eletricidade vem do, nas últimas semanas, a banquetear-se
do Sol e do vento com salmão. Os responsáveis da empresa
É um marco histórico: uma já tentaram afugentá-los por várias vezes,
análise do think-tank Ember, incluindo com ruído, mas os animais não
especializado em energia parecem interessados em sair. Especialis-
e clima, estima que 10% tas acreditam que, quando acabar o peixe
da eletricidade produzida ali, e agora que se habituaram a “comida
no mundo já tem origem fácil”, os leões-marinhos vão atacar as
em sistemas solares e outras 14 explorações da região.
eólicos. Esta subida foi
causada, sobretudo, pela
enorme procura de energia
associada à recuperação
económica pós-Covid. Mas
nem tudo são boas notícias.
Esta “fome” energética
conduziu também a um
crescimento de 9% na
queima de carvão para
produção de eletricidade,
a maior subida desde 1985.
EMISSÕES
Concentrações
de metano
continuam
a subir
GETTY IMAGES
Os níveis de metano na
atmosfera aumentaram
para a um nível recorde,
pelo segundo ano DEGELO
consecutivo. De acordo
com a Administração
Oceânica e Atmosférica
Nacional (NOAA), dos EUA,
Alarme na Antártida
a concentração disparou em
17 partes por milhão (ppm) Nas últimas décadas, o “Continente Branco” tem-se mostrado relativamente resistente
em 2021. Desde que as ao aquecimento global. Mas uma nova análise está a deixar os cientistas preocupados:
medições começaram, em no final de março, o gelo marinho na região encontrava-se no nível mais baixo dos
1983, este valor constitui um últimos 44 anos. Segundo o mesmo estudo, realizado com base em imagens de satélite,
novo máximo, após a subida o gelo ao largo da Antártida estava 26% abaixo da média 1991-2000. Para isto muito
de 15,3 ppm no ano anterior. terão contribuído as altas temperaturas que se fizeram sentir no mês passado, que foi
O metano, apesar de ter uma o quinto março mais quente desde que há registos, com a temperatura média global
vida na atmosfera muitíssimo 0,4 ºC acima da média de março (também do período 1991-2020). O gelo marinho,
mais curta do que o dióxido recorde-se, não tem efeitos na subida do nível do mar, mas este é um sinal de que o
de carbono, de “apenas” gelo terrestre antártico se encontra sob pressão devido ao aumento das temperaturas.
algumas dezenas de anos, Se o manto de gelo da Antártida Ocidental derreter, o mar subirá cerca de três metros.
tem um potencial de efeito Investigadores acreditam que esta zona, a mais sensível do continente, tem estado a
de estufa 25 vezes superior. aquecer há pelo menos 100 anos.
COMO É QUE
ESTE AR
CONDICIONADO
POUPA ENERGIA?
A TRABALHAR!
ASSÉDIO NA
fessor que gosta de alunas
do primeiro ano”, não à im-
punidade de homens adultos
que, pela exaustão, pela ma-
nipulação, pela pressão e pelo
UNIVERSIDADE
poder, tentam transformar o
“não” de jovens de 18, 19 ou
20 anos num “sim”.
Ao entardecer da passada
quinta-feira, 7, centenas de
MEDO, ATÉ
estudantes juntavam-se ao
pé do relvado da Alameda
da Cidade Universitária, em
Lisboa. O vento frio não aba-
QUANDO?
fou as vozes nem a vontade
de mudança, e as palavras
de ordem sucederam-se em
catadupa. “Assédio abafado,
abaixo a patriarcado”, “toca
numa, toca em todas”, “somos
A onda de denúncias sobre condutas abusivas de pessoas e não mercadoria”.
No alto da escadaria, Éri-
docentes, que agitaram o meio académico, forçou as ca Rodrigues, Carolina Fer-
instituições a encarar, com outro olhar, uma cultura de nandes, Ester Oliveira, Inês
Nowak e Ana Vieira, funda-
dominação que tem permanecido impune. O relatório doras do Movimento contra
interno da Faculdade de Direito da Universidade o Assédio no Meio Académico
de Lisboa e promotoras da
de Lisboa seguiu para o Ministério Público, mas o manifestação, estavam de
afastamento de docentes depende de queixas formais megafone na mão.
Se as palavras foram aco-
lhidas com um silêncio de
— PO R CL AR A SOARES E MARIANA ALM EI DA N O G U EI R A betão pelas paredes da Rei-
toria, lá fora elevaram-se os
gritos e os aplausos de rapa-
ram as investidas de certos entendes”. Aí, Ana (nome do que esta ‘não vai dar em
docentes: “Houve casos em fictício) afastou-se das au- nada’ e que ainda irão sofrer
que os professores pediam las e do curso e guardou consequências negativas”.
só às raparigas para ligarem segredo, partilhando-o só O trauma manifesta-se
a câmara, diziam-lhes que a com amigas mais íntimas. nos planos físico, emocional,
luz estava má e perguntavam “Sentia vergonha e, acima cognitivo e comportamental:
se podiam mudar de posição”, de tudo, receio de falar so- “A compreensão que a pessoa
conta Ester Oliveira. bre a situação e de ser, de tem do seu meio é destruída;
A psicóloga clínica e fo- alguma forma, acusada de perde-se a sensação de pre-
rense Rute Agulhas, que ‘provocadora’ ou ‘seduto- visibilidade e de controlo, e a
coordenou O Grande Livro ra’, achando que, ‘no final, vítima sente-se mais vulnerá-
sobre a Violência Sexual: culpam sempre as vítimas, vel e com menor autoestima.”
Compreensão, Prevenção, a roupa que usam, a forma A resposta coletiva dos
Avaliação e Intervenção como se sentam, as foto- estudantes mostrou que “o
(Edições Sílabo), refere o grafias que partilham nas problema existe e é preci-
caso de uma estudante de redes sociais’.” so falar sobre ele de forma
Belas-Artes, de 21 anos, que As queixas de assédio mo- clara e explícita, contrarian-
veio à consulta com ansie- ral surgem com mais fre- do o clima de segredo e de
dade generalizada e que, quência dos que as de assé- tabu”. Resta agora resolver
mais tarde, referiu sentir- dio sexual. As vítimas são, também a falta de apoio
-se “perseguida, intimi- habitualmente, mulheres, psicológico existente nas
dada e assediada” por um mas há cada vez mais ho- faculdades. Inês Nowak re-
professor que ora se mos- mens a reportar estas duas fere que, na FDUL, “há uma
trava intransigente – pe- situações, “que podem ser psicóloga e uma estagiária
nalizando-a nas notas dos acompanhadas de sintomas para todos os alunos”, e Ana
trabalhos e exames – ora depressivos, ansiosos e quei- Vieira fala de três psicó-
sedutor, insinuando “com xas somáticas”, afirma Rute logos para três mil alunos
jeitinho passavas... os alu- Agulhas. Mais do que uma na Faculdade de Medicina.
LUÍS BARRA
nos também têm de mimar vez, “questionam se devem A conversa só agora está a
os professores, se é que me apresentar queixa, acreditan- começar. visao@visao.pt
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Que Parlamento,
com maioria absoluta?
José
Carlos de
1
Vasconcelos . A existência de uma maioria abso- alterar, a lei eleitoral para as legislativas.
luta inevitavelmente desvaloriza o Trata-se, em meu juízo, de uma imperiosa
Parlamento na sua vertente funda- necessidade: há décadas a defendo, ins-
mental de fiscalização do Governo. tituindo-se um sistema misto, com um
Pode-se elaborar a tal respeito, mas é círculo nacional (à alemã), muito mais justo,
assim mesmo: o Parlamento perde perante por razões bem conhecidas. Tudo que a isso
a opinião pública boa parte da sua impor- se refere está, aliás, mais do que estuda-
tância. Por de antemão se saber que não vai do – e quando o PS e o PSD ensaiaram
fazer cair o Governo; e, mais ou pior, por- um acordo a esse respeito* (as alterações
que a maioria parlamentar em vez de exer- exigem maioria qualificada), sendo seus
cer uma função autónoma e criativamente líderes Guterres e Marcelo, o MAI, de que
fecunda, sempre que necessário crítica, ou então era titular António Costa, editou até
— Fundador da VISÃO
mesmo incómoda, em regra apenas segue, um livro com a legislação de outros países.
apoia ou amplifica o que o Governo quer. Então, e como usual, nada se adiantou por
Será isto surpreendente? Não: o grupo vulgares razões “políticas” conjunturais,
parlamentar e o Governo são do “partido”, e sendo o pretexto, por parte do PSD, o PS
o comando de ambos é o mesmo e do mes- não aceitar, à partida, a muito substancial
mo. No caso, um comando forte, embora redução de número de deputados que pro-
sorridente (e quero crer que dialogante), de punha. Voltarei ao tema.
um político muito talentoso e preparado,
com múltiplas boas provas dadas. Acresce 3. O prestígio do Parlamento com uma
que há muito se verifica, com as inerentes maioria absoluta, passando muito pelo que
consequências, uma crescente tendência o PS faça, passa também pelo que façam
para as eleições para a “casa da democracia” todos os partidos e deputados. Desde logo
parecerem mais para primeiro-ministro não transformando o hemiciclo num palco
do que para os 230 deputados que repre- de comício, ou espécie de barraca de feira,
À MARGEM sentam, na sua diversidade, a soberania para tentar conquistar votos futuros ou
popular. vender o seu “produto” sem olhar a meios.
As vice-presidências Trata-se de uma indesmentível realida- Neste aspeto, a legislatura que agora
de de facto, que ganhou foros de realidade se inicia comporta ameaças que se impõe
Como aqui mostrei em de jure após o Presidente da República, no quanto possível evitar ou minimizar: não
fevereiro, analisando discurso de posse do executivo, ter fei- violando qualquer princípio da democracia
a lei e o regulamento to depender a sua subsistência até ao fim ou norma legal, antes fazendo-os respeitar
pertinentes, nada da legislatura de António Costa se manter como se exige.
obriga a Assembleia como primeiro-ministro. E, neste domínio, assinalo que era difícil,
da República a ter mas mais uma vez o Chega e o seu chefe,
quatro vice-presidentes 2. Mas esta é outra história. O meu ponto, numa surpreendente proeza, conseguiram!
– e muito menos os agora, é a imprescindibilidade da Assem- O quê? Ultrapassar as piores expectativas.
deputados serem bleia da República, para não se despresti- Era previsível que muito iria mudar para
“obrigados” a eleger giar, para servir a democracia e o País, ser pior – mas não tanto! – com uma bancada
quem os quatro maiores capaz de ter uma agenda à altura, traba- de uma dúzia de deputados de um parti-
partidos proponham. lhando a sério no muitíssimo que, dentro do em que se misturam o extremismo de
Assim, e muito bem, os
das suas competências, pode e deve fazer. direita e um populismo tão primário como
candidatos propostos
Sob outra perspetiva: tendo, claro, de cons- ordinário – ainda por cima de slogans
pelo Chega foram
chumbados. Assim, legal
tituir a base de sustentação do Governo, a constantemente repetidos e gritados.
e legitimamente, mas maioria do PS não deve ser um seu simples Desde a mentira sobre a reforma da
muito mal, o líder da IL, “prolongamento” ou uma sua mera “câmara anterior ministra da Justiça, como se a re-
Cotrim de Figueiredo, foi de eco”, antes preservar a autonomia críti- forma adviesse de ser ministra e não de 40
chumbado. Injustamente, ca – e sobretudo ter iniciativa própria em anos de magistratura, até às barbaridades
tal chumbo constituiu muitos campos em que ela é necessária. sobre ciganos, houve de tudo. Espera-se ao
apenas um “serviço” ao A esta luz, registo com satisfação que menos que André Ventura aprenda depressa
Chega, num erro que o novo líder parlamentar socialista, Euri- com a sua “madrinha de guerra”, Marine Le
se possível deve ser co Brilhante Dias, em entrevista ao Públi- Pen, e se modere nas palavras, civilize no
reparado. co, anunciou a intenção de debater, para estilo, não berre tanto… visao@visao.pt
CHICCO
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POR
Joana
Marques Não é carne
— Humorista
nem é peixe
ELEFANTE NA SALA
“M
uda de agora a um partido conhe- sangue em razão da orientação
vida”, cido por não sabermos nada sexual ou o rendimento básico
aconse- do seu programa. A mudança incondicional, e ter saído de
lham-nos não é tão drástica como se fininho para um partido que,
as canções, pode fazer crer. Cristina tinha grosso modo, advoga o oposto.
os folhetos no vidro do carro, um olho no burro, agora tem A transferência surpreendente
os programas de televisão, a outro no cigano. Não são reali- de Cristina Rodrigues para a
publicidade a suplementos ali- dades assim tão distantes, PAN assessoria do Chega não deve
mentares, os oradores motiva- e Chega têm muitos interesses ser, ainda assim, comparada a
cionais, os políticos, os livros em comum. Ambos apreciam casos como o de Zita Seabra,
de desenvolvimento pessoal, as conversar sobre touradas, por que virou à direita abrupta-
nossas mães, toda a gente. Mas exemplo, embora uns queiram mente (sem fazer pisca). Cris-
quando finalmente alguém reduzi-las a cinzas, e outros tina tem a vantagem de vir de
ousa mudar (radicalmente) de desejem reduzir-lhes o IVA... um partido que diz não ser de
vida, é duramente criticado. É Cristina deixou o PAN mas esquerda nem de direita, e que
o caso de Cristina Rodrigues, prova que continua a ser amiga já percebemos que não é carne
que decidiu desvincular-se da Natureza, já que como ca- nem é peixe (é um aglomerado
do PAN e abraçar o projecto ta-vento político, gera imensa qualquer, estilo seitan), o que
do Chega, e é agora bombar- energia eólica. Acho que é isso torna possível que qualquer
deada com críticas. Não se que deve ser valorizado, e não dos seus dissidentes se junte
percebe. Então o empreen- detalhes como a ligeira incoe- ao Bloco de Esquerda, ao PCP,
dedorismo só é bom quando rência de ter defendido o fim ao Chega ou à Herbalife, de um
alguém abandona um car- da discriminação na dádiva de dia para o outro. visao@visao.pt
go numa multinacional para
abrir um negócio de colares
de missangas? Abandonar um
partido que ama os animais,
para integrar outro que ama
touradas, já não é visto como
um acto de coragem? Ter uma
vida estável, no campo, junto
dos bichinhos e das aulas de
biodanza, e deixar tudo para
trás para integrar o sistema
de um partido anti-sistema,
já não é considerado audacio-
so? Ao contrário da maioria,
acho que Cristina Rodrigues
está a ser coerente. Tornou-
-se conhecida em 2019, ainda
durante a campanha eleitoral,
por não saber nada do progra-
ma do seu partido, e junta-se
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