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SEMANAL
A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS WWW.VISAO.PT

JUSTIÇA
RELVAS DOSSIER
E SANTANA VERDE
CHAMADOS DESAFIOS
A DEPOR E RISCOS
NO CASO DA TRANSIÇÃO
Nº 1519 . 14/4 A 20/4/2022

JOSÉ VEIGA ENERGÉTICA

TIAGO ANTUNES
O “ATOR” QUE
ACOMPANHA
COSTA NA EUROPA

MEMÓRIA DO “PAÍS NEUTRAL”

COMO PORTUGAL MUDOU


NA II GUERRA MUNDIALOs espiões vigiavam-se uns aos outros, vendia-se propaganda
dos nazis e dos Aliados, criavam-se fortunas com o volfrâmio, havia filas
para as senhas de racionamento, temia-se uma invasão e os refugiados
que fugiam de Hitler tornaram-nos menos provincianos

Grupo de refugiados
austríacos e alemães,
em Sintra, antes
da partida para os EUA
14 ABRIL 2022 --- Nº 1519
VISÃO
ENTREVISTA
Sandra Tavares .............. 12

RADAR
A semana
em 7 pontos
Porque precisamos de
voltar a falar de restrições
pandémicas ...................... 18
Holofote
VISÃO SETE
Dmitry Moratov,
Cursos de cozinha,
combatente
o bê-á-bá da culinária ..88
da liberdade.................... 20
Exposição: Ecos
Raio-X
da pandemia................... 96

LUCÍLIA MONTEIRO
A Humanidade
em números .................... 21 Rodrigo Amarante,
a solo e bem
Periscópio
acompanhado ................ 98
Rio versus Costa, ainda a
digestão das eleições .... 23 Eddie’s Klub,
tudo sobre whisky ..... 108
Próximos capítulos
O que se segue no Os novos pastores da Serra da Estrela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 4 O gosto dos outros:
combate à Covid-19? .. 24 São jovens e têm cursos superiores. O que os faz irem em direção Branko ...............................111
Fotos com História aos pastos das montanhas cuidar de ovelhas e cabras?
World Press Photo OPINIÃO
2022 ...................................27 Viagem ao Portugal “neutral” da 2ª Guerra . . . . . . . . 3 2 Mia Couto
Senhas de racionamento, venda de volfrâmio, propaganda dos dois lados, Lição de caligrafia ...........8
Transições
Mimi Reinhardt, refugiados… Como se vivia em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial Rui Tavares Guedes
a secretária O que fica quando
de Schindler ................... 28 Tiago Antunes, protagonista sem cartão do PS . . . 4 4 desaparece o centro?....10
Balão de ensaio Perfil do novo secretário de Estado dos Assuntos Europeus Pedro Marques Lopes
Como queimamos Colaboracionistas
calorias, a importância Processo “Rota do Atlântico”: Destino à vista . . . . 5 0 e aliados de Putin ......... 22
do metabolismo ............30 José Veiga pode escapar ao julgamento, mas terá de pagar €37 milhões...
Bernardo Pires
de Lima
FOCAR Le Pen, a candidata do Kremlin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 6 O perigo da orbanização
Assédio na universidade: A segunda volta das presidenciais francesas adivinha-se muito disputada. de França ......................... 26
Medo até quando?........80 Marine Le Pen quer ganhar a Macron e pôr França “na ordem”,
José Carlos
desmantelando o Estado de direito com a ajuda da Rússia de Vasconcelos
Que parlamento
A estratega da fortaleza financeira de Putin . . . . . . . 6 0 com maioria? ................. 86
Quem é Elvira Nabiullina, a mulher ao leme do banco central da Rússia? Joana Marques
Interdita a reprodução,
mesmo parcial, de textos, Cristina Rodrigues: Não
fotografias ou ilustrações Transição energética em tempos de guerra . . . . . . . . 7 0 é carne nem é peixe .....114
sob quaisquer meios, A União Europeia está a tentar libertar-se da dependência dos
e para quaisquer fins,
inclusive comerciais. combustíveis fósseis russos. Qual é a sua estratégia? Esse é o tema
principal do caderno mensal VISÃO Verde

w w w.visao.pt
ONLINE Luís Delgado Alice Vieira Rui Bártolo-Ribeiro
LINHAS DIREITAS e Nelson Mateus ORGANIZAÇÕES
Últimos Donbass é o fim? DIÁRIO DE UMA AVÓ E PESSOAS
artigos E DE UM NETO Entrevistas de seleção:
no site da Solidão! Um drama arte ou ciência
VISÃO da nossa sociedade

4 VISÃO 14 ABRIL 2022 14 ABRIL 2022 VISÃO 4


---------- L I N H A D I R E TA

– CORREIO D O LEI TOR

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ANTEVISÃO
VISÃO SETE
VISÃO PLUS Felizmente, no nosso
VISÃO VERDE país, ainda há lugares
onde se pode usufruir
de paz e sossego.

VISÃO
– Diamantino Reis Portimão

E NÓS POR CÁ?


Júnior já JJá nas bancas O nosso país tem tido um
papel importante na ajuda

à venda aos refugiados da guerra e o


povo ucraniano bem precisa
de solidariedade. Mas por cá,

U
o que o Governo tem feito
ma criança pode pensar que, por já ter em prol da nossa gente? Era
acontecido há 48 anos, a revolução do 25 importante que aqueles que
de Abril nada tem que ver com ela. Redondo nos governam não fossem
engano, como se demonstra no póster tão solícitos para uns esque-
destacável que a VISÃO Júnior deste mês publica, e que cendo-se dos que moram em
aqui reproduzimos. Além dessa explicação, conta-se nossa casa.
também como era viver em Portugal antes de 1974 – Mário da Silva Jesus
GUERRA Odivelas
e o que se passou no dia 25 de Abril.
Efeitos na economia
A VISÃO Júnior é a única revista de grande informação global
portuguesa para crianças e jovens. Se não a encontrar EURÁSIA, UMA NOVA ORDEM?
nas bancas, pode encomendá-la online, em loja. Segundo Medvedev, ex-Pre-
trustinnews.pt, e recebê-la comodamente em casa. sidente da Federação Russa,
Poderá também fazer uma assinatura anual e receber Putin imagina uma Eurásia de
12 números por apenas €28,80, beneficiando de um Vladivostok a Lisboa. Nada
desconto de 28%. que nos cause estranheza.
O mundo já esteve dividido
entre Espanha e Portugal,
potências expansionistas.
VISÃO vence Prémio Jornalismo em Quantos povos sucumbiram à
Saúde pelo segundo ano consecutivo sanha colonizadora? A nova
ordem mundial de Putin vai
Publicado em abril de 2021, o artigo A Longa Estrada Pós- fazer correr muito sangue.
-Covid, da autoria da jornalista da VISÃO Vânia Maia, ganhou SALGUEIRO MAIA
– Ademar Costa
o Prémio Jornalismo em Saúde, categoria Imprensa, atribuí- Um símbolo
Póvoa de Varzim
do pelo Clube de Jornalistas e pela Associação Portuguesa do 25 de Abril
da Indústria Farmacêutica (Apifarma). Trata-se do sexto
prémio atribuído à cobertura da pandemia feita pela VISÃO.
É o segundo ano consecutivo em que a VISÃO recebe
--------
Contactos
esta distinção. No ano passado, foi galardoado o trabalho visao@visao.pt
Os Heróis da Linha da Frente, pioneiro a mostrar como As cartas devem ter um máximo
os hospitais foram obrigados a reorganizar-se devido ao de 60 palavras e conter nome,
SARS-CoV-2. Na edição deste ano, o Prémio Jornalismo em morada e telefone. A revista
Saúde distinguiu ainda a SIC: Grande Prémio para a repor- reserva-se o direito
de selecionar os trechos que
tagem Estado Crítico, de Lúcia Gonçalves; Prémio Carreira considerar mais importantes.
para Dulce Salzedas; e categoria televisão para Os Maes-
tros das Emoções, de Catarina Marques. Na rádio, venceu o Morada
trabalho Apontados a Dedo, de Filipe Santa-Bárbara (TSF). UCRÂNIA CORREIO: Rua da Fonte da
A Máquina de Salvar Vidas, do jornal Público, recebeu a Guerra, propaganda Caspolima – Quinta da Fonte,
categoria de jornalismo digital e, por fim, Rui Vieira Cunha, Edifício Fernão Magalhães, 8,
e verdade
da Universidade do Porto, ganhou a categoria dedicada 2770-190 Paço de Arcos
aos trabalhos académicos.

6 VISÃO 14 ABRIL 2022


MAPEADOR
DE ILHAS

Lição de caligrafia
Mia

M
Couto inha filha: E mais um conselho: não é da perfeição
Vinhas dos teus primeiros do desenho que te deves ocupar. Esse
dias de escola. Entraste em desenho será sempre imperfeito se não
casa e dirigiste-te para a despertar a gente que mora dentro de ti. Se
mesa da sala para cumprir não escutares essas vozes, é melhor rasgares
os deveres de casa. Surpreendeu-me a tua a folha. Não se escreve nada se não estiver
apressada determinação. Estranhei o zelo ninguém dentro do papel.
com que abriste a tua pasta. Assustou-me Depois do teu primeiro dia de escola,
o cuidado com que ordenaste os cadernos quis saber como tinha sido a tua estreia
sobre a mesa. De repente, pareceu-me que como aluna:
a infância tinha fugido para sempre de ti. E – Tivemos aula de clarigrafia – murmu-
a casa ficou mais escura. raste, sem erguer os olhos do caderno.
Apertaste o lápis entre os teus pequenos – Essa palavra não existe, minha filha
— Escritor
dedos e a tua mão era a minha, tão minha – avisei.
que compareciam naquele gesto, tão novo A verdade é que, errando, disseste o
e tão medido, os nossos antigos e desmedi- que é correto: a caligrafia nos clarifica.
dos parentes. E a casa voltou a ficar ilumi- Eu estou agora mais clara do que me
nada. levou a improvisar esta lição. Na verdade,
Até àquele momento, o mais que havias só hoje entendo o medo que tomou
feito era desenhar e colorir bichos e flores, conta de mim quando te vi rabiscar, pela
sóis e céus. Era como se infância a si mesma primeira vez, sobre um papel em branco.
se alinhavasse. Mas agora, ao rabiscares o Quando escrevias, não era apenas a letra
caderno escolar, o teu gesto ganhava outro que emergia do papel. Era a tua mão que
peso, outra gravidade. Pensei que te devia despontava. Eras tu que te tornavas legível.
proteger contra o abismo do tempo. No E tinha medo de deixar de te saber ler.
fundo, era eu que me queria amparar a Um dos motivos do meu medo é que a
mim mesma. Talvez tenha sido por isso que escrita, sendo luz, tem os seus escuros. Às
preparei esta lição de caligrafia. Dirás que vezes, a palavra torna-se na própria coisa
esta aula já vem tarde. E estou de acordo: a que nomeia. Quando redigires a palavra
maioria dos ensinamentos chegam quando “chuva”, terás de ter cuidado para não mo-
já não são necessários. lhar a folha. Torrentes de água podem jorrar
Começo por confessar um segredo: a de um simples poema. Cada palavra é um
escrita é um rio. As vogais são água. As poço onde cabe um oceano.
consoantes são pedras. A escrita é um rio Até aqui, ocupei-me de quem mora na
antigo, que se inunda de gente. E o alfabeto escrita. Tratemos agora desse território que
é um barco. A maioria das pessoas nunca é a folha de papel. As margens do papel,
viajou nesse barco. uma esquerda e outra à direita, separam os
Não é da Repara, filha: o espaço entre as letras é inseparáveis lados do pensamento. Vão-te
um pestanejar. O espaço entre as palavras ensinar a partir as sílabas no final de cada
perfeição é um suspiro. E o parágrafo é um degrau. linha. Lembras-te do tio rachando lenha?
do desenho A escrita é uma escada de pernas para o ar: Ele erguia o machado e suspirava, como se
que te deves descemos quando queremos voar, subimos
para nos tornarmos pequenos.
pedisse desculpa à madeira: É para caber
na lareira! Rasgamos as palavras pelo vinco
ocupar. Esse Agora já podes ver como as linhas do das sílabas para que caibam nas margens da
desenho caderno são fios onde estendes panos a folha. Quanto mais cheio, mais o papel fica
secar. Cada palavra é uma peça de roupa às leve. A folha rabiscada é a primeira a ser le-
será sempre avessas: ao vestir-nos o corpo, despe-nos a vada pelo vento. A primeira a ser consumida
imperfeito alma. pelo fogo. Os que queimam livros aprovei-
ILUSTRAÇÃO DE SUSA MONTEIRO

se não Outra confidência: a caligrafia é uma


lição de humildade. Não pode haver vai-
tam-se bem desta desabrigada condição.
Como vês, a escrita pretende ser uma
despertar dade no alfabeto. A letra que, nesta frase, é arrumação do caos. E como há muita varie-
a gente que maiúscula, na frase seguinte, já desceu do dade de caos, também há muitos modos de
pedestal. Somos como as letras: o tamanho os ordenar. Há países em que as linhas não
mora dentro que temos depende dos outros que, junto nascem deitadas. Os cadernos dessas crian-
de ti connosco, costuram as frases. ças têm linhas verticais e as palavras são

8 VISÃO 14 ABRIL 2022


postas umas sobre as outras como fazem os as cabeças de gado. Com vaidade, declarava
pedreiros com os tijolos. que nunca lhe faltou nenhuma. Certo dia,
Noutros lugares, há crianças que faltaram-lhe os números para contar as
desenrolam palavras imitando o movimento balas que lhe cravaram no corpo. A guerra
do Sol: da direita para a esquerda. E há é uma escola que nos ensina a deixar de ser
ainda, noutras geografias, outras crianças gente. Nas palavras do avô, a guerra é um A escrita
que, em vez de letras, desenham ideias. cemitério escavado num país sem chão.
Mais do que todas as que já referi, há ainda Lembra-te, filha: há vários modos de pretende
milhões de meninas e meninos que ficarão ser analfabeto. Um deles é esquecer que ser uma
para sempre longe do alfabeto.
Na sala onde fizeste os deveres,
o papel já foi árvore, que a tinta e o lápis
já foram suor de gente anónima. Outro
arrumação
havia uma fotografia do meu pai, todo modo de ser analfabeto é desconhecermos do caos.
empertigado, como se guardar cabras fosse a nossa própria história. Para nos salvar E como
o ofício mais importante do mundo. O teu a ambas dessa ignorância, termino esta
avô explicava o amor pelos números. E lição com uma revelação. Na oficina onde há muita
repetia mil vezes a mesma adivinha: fabricavam os teus cadernos, trabalhou variedade
– Quando é que o zero se torna um? É
quando o dois passa a ser um?
uma mulher que, em cada turno, corria
de volta a casa para cuidar da filha. Essa
de caos,
O avô dizia que preferia os números criança tinha o mesmo nome e a mesma também
às letras. Não era uma preferência. Era idade que tu. Talvez fosses tu. Depois de há muitos
ausência de escola. Em contrapartida, o tantos anos, depois de tanto teres escrito,
meu velho pai nunca falhou na aritmética espero bem que continues sendo essa modos de
da sobrevivência: logo pela manhã, contava menina. visao@visao.pt os ordenar
14 ABRIL 2022 VISÃO 9
E D I TO R I A L

O que fica quando


desaparece o centro?

H
Rui á promessas que não devem so que vigorou durante anos e que fez de
Tavares nem podem ficar esquecidas,
até porque o seu não cumpri-
Paris um dos principais motores da União
Europeia. E não deixa de ser sintomático
Guedes mento pode ter consequências que isso tenha ocorrido precisamente no
inesperadas e imprevisíveis. É momento em que o seu Presidente mais se
a isto que se está agora a assistir em França, tem esforçado para, depois da saída de cena
onde o sistema político tradicional acaba de de Angela Merkel, assumir o papel de líder
implodir e de transformar-se em algo nun- incontestado da Europa e ser uma das vozes
ca visto no país, desde o final da II Guerra mais ativas ao nível internacional, procuran-
Mundial. E mesmo que Emmanuel Macron do devolver à França uma “grandeza” que
venha, com maior ou menor dificuldade, a muitos pensavam já perdida.
ser reeleito Presidente, nada voltará a ser o O que é certo é que os tempos mudaram
que era – exatamente porque ele foi incapaz mais depressa do que Macron foi capaz de
de cumprir a sua mais importante promes- prever. Ao ocupar, de forma hegemónica,
sa de há cinco anos, proferida num discurso o centro político do país e, em simultâneo,
— Diretor-executivo
emotivo no majestoso cenário do Museu ao manifestar uma grande insensibilidade
do Louvre, logo depois de ter derrotado, de para tratar dos assuntos que maior cliva-
forma concludente (66,1% face aos 33,9%), gem provocam na sociedade, ele acabou por
a candidata de extrema-direita Marine Le perder a relação especial que tinha conse-
Pen. Nesse momento de glória, aos 39 anos e guido estabelecer, em 2017, com a esmaga-
poucos meses após ter criado o próprio par- dora maioria dos franceses. Além disso, ao
tido político, Macron mediu bem as palavras dominar hegemonicamente o centro políti-
e anunciou o seu grande objetivo: “Farei de co e ao recusar, ao mesmo tempo, o debate
tudo para que os franceses não tenham mais ideológico e o combate aos extremismos,
motivos para votar nos partidos extremistas.” Macron não foi capaz de encontrar as res-
Os resultados da primeira volta das pre- postas certas para os principais anseios da
sidenciais francesas são eloquentes acerca sociedade francesa.
do seu falhanço neste propósito: mais de Assim, mesmo que até tenha conseguido
50% dos eleitores franceses votaram nos fazer aumentar o investimento estrangei-
extremos (de direita e de esquerda), um em ro em França e descer o desemprego para
cada três franceses depositou o seu voto mínimos históricos, Macron deixou que
num candidato de extrema-direita (Marine Marine Le Pen empunhasse a bandeira da
Le Pen e Éric Zemmour). Em contrapar- luta contra o aumento do custo de vida,
tida, os dois principais partidos do centro usando inclusive argumentos e soluções
(conservadores e socialistas), que, através “roubados” à esquerda: mais Estado social,
do normal equilíbrio esquerda-direita, mais aumentos de pensões e do salário
dominaram e estruturaram a V República, mínimo, menos impostos para os trabalha-
valem agora, em conjunto, apenas 7% dos dores, a manutenção da idade de reforma
votos, quando há apenas 10 anos tinham nos 60 anos (em vez dos 65 propostos por
56% da confiança dos eleitores. A implosão Macron). Um plano económico que o Insti-
dos partidos moderados foi de tal ordem tuto Montaigne calculou que irá custar 105
Se, para que até o candidato dos Verdes, Yannick Ja- mil milhões de euros líquidos por ano, um
ganhar, dot, foi incapaz de chegar aos 5% de votos, valor insustentável para as Finanças france-
Marine Le Pen limite mínimo para que a campanha seja
subvencionada pelo Estado (tal como suce-
sas, mas que ela insiste em apresentar como
viável e que, acima de tudo, constitui a
precisa de ir deu com a conservadora Valérie Pécresse e a principal arma para amenizar o seu discur-
buscar votos socialista Anne Hidalgo). so e “desdiabolizar” a sua imagem.
No momento em que a Europa vive o seu É verdade que Macron parte em vanta-
à extrema- momento mais crítico das últimas décadas, gem para a reeleição, mas o seu primeiro
esquerda, os resultados da primeira volta das eleições mandato ficou manchado pelo contrário
no atual francesas devem ser, por isso, motivo de
preocupação – especialmente quando mais
do que ele anunciou: a “normalização”
dos extremos. Por isso, aquilo que pare-
contexto tal de metade dos eleitores vota em candida- cia impossível pode, afinal, acontecer: se,
deixou de ser tos que se manifestam abertamente hostis à para ganhar, Marine Le Pen precisa de ir
União Europeia e à participação na NATO. buscar votos à extrema-esquerda, no atual
uma missão Ou seja: estas eleições revelam que, entre a contexto tal deixou de ser uma missão im-
impossível sociedade francesa, está quebrado o consen- possível. rguedes@visao.pt

10 VISÃO 14 ABRIL 2022


Sandra Tavares Investigadora do cancro da mama

Não existe uma estratégia


clara na Ciência. Para que
é que fazemos um grande
investimento na formação?
Para dizermos que temos
investigadores a fazer um
brilharete no estrangeiro?
— P O R M A R I A N A A L M E I DA N O G U EI R A T E X TO E LU CÍ L IA M O N T E I R O FOTO
A
Aos 35 anos, Sandra Tavares, in-
vestigadora do i3S – Instituto de
Investigação e Inovação em Saúde
da Universidade do Porto, está a dar
passos decisivos na investigação do
cancro da mama triplo-negativo,
terapia direcionada às células que
têm aquela proteína. O problema do
triplo-negativo é que não tem ne-
nhuma das três proteínas, obrigan-
do-nos a usar uma quimioterapia
muito agressiva, numa lógica all in,
como no póquer.
Além disso, todos os cancros que vão
parar a este saco evoluem de forma
muito negativa para o paciente. Apa-
recem cedo, em idades mais jovens
do que os outros, crescem mais rapi-
damente, têm uma maior capacidade
de se espalhar pelo corpo e, como
se isto não bastasse, para este tipo
de cancros não existe uma terapia
direcionada e não se sabe se a químio
Para isso, estamos a usar pedaços
de tumores que foram recolhidos
aquando da biopsia, nos quais exis-
tem células doentes e saudáveis, e
cultivamo-los, em 3D, em laborató-
rio, conseguindo recriar um ambien-
te mais semelhante ao que realmente
se passa dentro do nosso corpo.
De que forma vai isso repercutir-
-se no tratamento das pacientes e
na esperança de vida das mesmas?
O cancro da mama triplo-negati-
vo não é um diagnóstico concreto
com uma terapia especifica. Dá-
-se uma quimioterapia fortíssima,
porque não se sabe o que se está a
tratar, entra-se com tudo, tenta-se
um cancro raro, mas agressivo, que vai funcionar ou não. Muitas vezes, limpar o máximo e reza-se para
atinge sobretudo mulheres jovens. em cinco a dez anos, estas mulheres que funcione. Mas temos pessoas
A investigadora foi recentemente voltam a ter cancro da mama. E se o que ficam muito debilitadas e que
distinguida com uma Medalha de primeiro não é bom, o segundo não nunca recuperam, há mulheres que
Honra L’Oréal Portugal para as Mu- vai ser melhor. Daí ser tão impor- morrem de enfarte por causa de
lheres na Ciência, que atribuiu um tante estudar este tipo de cancro, químios que receberam (morrem
prémio total de 60 mil euros a qua- porque, para estas mulheres, logo a da cura e não da doença) e isto não
tro vencedoras, selecionadas entre partir do primeiro diagnóstico, não pode acontecer. Esta investigação
mais de 72 candidatas por um júri há boas notícias. abre a possibilidade de encontrar
científico, presidido por Alexandre E o que se propõe exatamente uma alternativa de tratamento que
Quintanilha. fazer com esta investigação? tenha menos efeitos secundários e
No projeto em questão, Sandra Quero perceber o que corre mal na que seja altamente eficaz. Ou seja,
Tavares propõe-se identificar as biologia de uma célula saudável para ao contrário do que acontece na
proteínas que levam à formação que, de repente, ela se transforme quimioterapia, o tratamento que
acelerada de metástases (tumores neste pequeno monstro, e jogar com poderá surgir deixará de atacar ma-
secundários) neste tipo de cancro, isso a nosso favor. Para isso, tenho quinaria que está presente também
que afeta 13 em cada 100 mil mu- de saber mais sobre outras proteínas em células saudáveis.
lheres por ano, em todo o mundo, e que estejam associadas a esta res- Este tipo de cancro é raro, mas
representa cerca de 15% da incidên- posta diferenciada, a fim de conse- acaba por matar a maioria das
cia de cancros de mama invasivos. guir, por exemplo, ir a bibliotecas de doentes. Sente que ainda existem
Em entrevista à VISÃO, a cientista drogas que já estejam aprovadas pela poucos apoios à investigação de
revelou o impacto que tal investiga- FDA [Agência Americana do Medi- tratamentos para cancros que
ção poderá vir a ter no tratamento camento] e perceber se posso usá-las causam mais mortalidade entre
desta manifestação rara, mas muito no tratamento do cancro da mama. as mulheres?
agressiva e de rápida metastização, Portanto, o primeiro passo é per- Não. O que sinto é que existe um
da doença e refletiu sobre a impor- ceber o que faz com que estas cé- interesse maior nas doenças mais
tância em financiar a investigação lulas se comportem desta forma? mortíferas. É uma coisa que aconte-
científica num País que é muito Sim. Já percebemos que o pro- ce quase por modas, ou seja, quando
mais eficaz em formar talento do cesso de reciclagem proteica está se começa a controlar um tipo de
que em conseguir retê-lo em terri- envolvido neste comportamento cancro e conseguimos que este mate
tório nacional. superagressivo. As células, sejam menos gente, o financiamento passa
Apesar de a estatística ditar que saudáveis ou tumorais, em vez de a ser alocado a outros cancros que
se trata de uma manifestação rara estarem continuamente a produzir matam mais. No caso específico da
da doença, o cancro da mama proteínas, retiram-nas de um local investigação do cancro da mama
triplo-negativo preocupa onde já não servem para as coloca- triplo-negativo, não penso que haja
a comunidade científica. Porquê? rem noutro onde são mais precisas. um desinvestimento, antes pelo
O triplo-negativo é um diagnóstico No caso das células tumorais, elas contrário. O problema é que são
por exclusão. Existem três pro- estão superativas, porque têm de muitos subtipos de cancro que são
teínas, três marcadores, que são andar de um lado para o outro para metidos no mesmo saco e, quando
usadas pelos médicos para definir a formação das metástases, e estão se faz investigação, as descobertas,
a terapia a ser utilizada nos pacien- muito dependentes desta reciclagem apesar de muito úteis e relevantes
tes. O que acontece, em 70% dos proteica. para o subtipo estudado, podem não
cancros da mama, é que o recetor O que queremos perceber é se há traduzir-se como algo útil e rele-
de estrogénio, que é um destes três diferenças na maquinaria utilizada vante para os restantes.
marcadores, está presente. Então, para regular este processo em células E quanto à obtenção de
é possível aplicar no paciente uma saudáveis e em células que não o são. financiamento para conseguir

14 ABRIL 2022 VISÃO 13


investigar? Alguma vez se sentiu Foi muito lado, este facto vai tornar a inves-
discriminada por ser mulher? tigação de processos como os que
Em Portugal, não. Já na Holanda, frustante ver eu estudo muito mais relevante.
onde estive cinco anos a investigar, que a atenção Por outro, infelizmente, o resultado
há uma maior tradição científica e dessa investigação não vai chegar
os velhos hábitos estão mais enrai- dada pelas a tempo a estes pacientes, que vão
zados, sim. Os painéis de avaliação pessoas aos ser tratados como se pode, com as
são maioritariamente constituídos opções ainda existentes e vão sofrer
por homens que consideram o en- cientistas [na muito mais, não só com o diagnós-
tusiasmo de um homem carisma e o pandemia] não tico inicial como com toda a evolu-
de uma mulher imaturidade. E isto ção da doença.
eu ouvi e li em relatórios, mesmo se traduziu em A solução poderá estar no
tendo uma vasta lista de trabalho apoio real, em investimento privado, ou este
publicado e apresentado, tal como também escasseia?
os meus colegas homens. financiamentos Em Portugal, temos um problema
Em Portugal é ainda difícil, de cultural que é o pouco envolvimento
uma forma geral, encontrar da sociedade. Por exemplo, no Reino
financiamento para a investigação Unido existe uma rede de financia-
científica? mento da sociedade para a Ciência,
É, é muito difícil. Desde 2019 que o altamente prestigiada. As pessoas
orçamento para projetos de investi- doam as suas propriedades e heran-
gação não se altera. É absolutamente dinheiro do Estado quando as coisas ças numa dinâmica quase de mece-
ridículo, não há um contínuo. Em já não custam o mesmo que em nato científico. Em Portugal, temos
Portugal, as pessoas são muito bem 2019, altura em que o dinheiro que duas instituições privadas que
formadas, mas são bem formadas chegava já era curto. fazem investigação, mas basta olhar
para sair, porque cá há uma enorme Havia esperança que a atenção que para a lista da Forbes para perceber
dificuldade em fazer ciência básica a sociedade deu à Ciência, durante que não existem só duas famílias
de qualidade e competitiva. Quem a pandemia, se refletisse num multimilionárias no nosso país.
volta para Portugal, como eu, não o aumento destes financiamentos? Estamos a boicotar quem pode
faz pela Ciência, mas pela família e Sim, falei disso com muitos colegas. aumentar as nossas opções
pelas saudades. Com a pandemia tivemos a sensação terapêuticas futuras, sem sequer
Andamos a formar muito talento de sermos vistos pela primeira vez e nos apercebermos disso?
e a conseguir reter pouco dele em alimentámos a esperança de que tal A investigação é algo que demora
território nacional? reconhecimento se traduzisse num muitos anos. Do início ao fim de um
Andamos todos a navegar à vis- aumento do investimento. projeto, podem passar cinco anos,
ta. Não existe uma estratégia clara Mas isso não aconteceu... sem a certeza de que o trabalho se
relativamente a onde queremos ir Não... Foi muito frustrante ver que a vai traduzir em aplicabilidade clíni-
na Ciência. Pessoalmente, é algo que atenção dada pelas pessoas aos cien- ca ao fim desse tempo. As pessoas
me frustra muito. Para que é que tistas não se traduziu em apoio real, agora nem sequer estão a pensar a
fazemos um grande investimento em financiamentos. Já se sabe que, longo prazo. Quando precisarem
na formação de qualidade? É para em termos de estratégia do Estado, a destas inovações ainda nem haverá
irem lá para fora fazer um brilharete Cultura e a Ciência estão lado a lado investigação para o que precisam e
e termos notícias a dizer que temos e são vistas sempre como luxos. No será demasiado tarde. Por isso é que
investigadores nacionais no estran- Plano de Recuperação e Resiliência tem de haver um investimento sus-
geiro? Era muito mais importante (PRR) ouve-se falar de Economia e tentado e regular para garantir que
se tivéssemos trabalho de investi- Infraestruturas, mas Ciência como se dá respostas atempadas e cada
gadores a trabalhar cá dentro que investimento quase não se ouve falar. vez melhores. Não dá para fazer
brilhasse em notícias lá fora. Ainda existiram programas doutorais ciência em cima do joelho.
A Covid-19 complicou ainda mais focados em Covid, mas não somos só Mas, por exemplo, o desenvolvi-
o problema? Covid, não é? mento das vacinas contra a Co-
A Covid-19 bloqueou tudo. Além Que consequências terá o vid-19 foi algo muito rápido. Isso
disso, quando as coisas voltaram a bloqueio na investigação, e não volta a acontecer tão cedo?
arrancar, houve uma crise de plás- mesmo ao nível de rastreios, que Para o público em geral pareceu
ticos e todo o material que existia, ocorreu durante a pandemia? quase um milagre, mas aquela tec-
e que nós precisávamos, foi dire- A interrupção que houve nos ras- nologia já vinha a ser desenvolvi-
cionado para os testes da Covid. treios contínuos, durante dois anos, da há décadas para vacinas contra
Ou seja, além do bloqueio inicial vai fazer com que os pacientes che- outras doenças. Não foi tudo num
comum a todos, ainda tivemos de guem ao médico em estados muito ano, ao contrário do que as pessoas
estar parados mais tempo, por- mais avançados e sejam diagnosti- pensam. Além disso, o investimento
que não havia material, o pouco cados com graus mais elevados de que foi feito dificilmente se repetirá,
que havia era muito mais caro, não agressividade da doença. Imagino muito menos para todas as doenças
houve uma atualização dos projetos também que poderão existir ainda que existem e das quais morrem
e continuamos a receber o mesmo mais recidivas do cancro. Por um muito mais pessoas. mnogueira@visao.pt

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7
JOSÉ CARLOS CARVALHO
Porque precisamos de voltar a
falar de restrições pandémicas
PONTOS
DA SEMANA É verdade que, no meio de uma guerra in-
sana que ameaça mudar toda a geopolítica
vos para não o fazer – e seria bom que, de
uma vez por todas, nos convencêssemos de
e pôr fim ao mundo global em que vivemos que o nível civilizacional de um país tam-
nas últimas três décadas, fica difícil voltar bém se mede pela forma como se tratam
a escrever sobre pandemia. Mesmo assim, os mais novos (e os mais velhos, mas não
volto ao tema. O mais provável é não haver é nesses que me concentro agora). Numa
leitores interessados neste assunto, o que análise fria de custos e benefícios, neste
aliás se compreende, após dois anos inten- momento, o impacto das restrições sobre
síssimos, em que quer a ciência quer o jor- as crianças e os jovens é muito superior aos
nalismo foram postos à prova. Regresso por danos provocados pela Covid-19. Falo das
acreditar que, aos jornalistas, e em particular máscaras, mas não só. Para quem está mais
aos da VISÃO, também compete falar do que distante destes assuntos, tenho notícias:
está fora das tendências, do que ninguém em Portugal, ainda há escolas a funcionar
quer saber – no caso, do que “já” ninguém em “bolhas”, que obrigam ao desfasamento
quer saber. Arrisco e, naturalmente, aceito dos horários nas entradas e saídas; ainda
protestos – mais do que legítimos – dos há irmãos que vão juntos para a escola mas
S A R A B E LO L U Í S *
leitores que se sentirem defraudados. que não podem entrar pela mesma porta
Pelo menos até à próxima segunda-feira, nem encontrar-se nos intervalos; ainda há
18, está em vigor a situação de alerta, apro- miúdos que tomam o pequeno-almoço às
vada pelo Conselho de Ministros, que obri- sete da manhã e almoçam às duas da tarde
ga ao uso de máscara em espaços interiores por causa das “bolhas” no refeitório; em
públicos, entre os quais escolas, serviços Portugal, os bebés que nasceram durante
de saúde e transportes. Também andará a pandemia e que frequentam a creche
por esta altura a prossecução da meta de ainda adivinham a expressão facial dos
20 mortos por Covid-19 por milhão de ha- educadores por detrás da máscara.
bitantes, numa média a 14 dias: de acordo Há poucas semanas, a diretora-geral da
com os cálculos dos matemáticos Óscar Saúde, Graça Freitas, disse que as crianças,
Felgueiras e Carlos Antunes, da equipa de os adolescentes e os jovens estão habitua-
peritos que aconselha o Governo, Portugal dos às máscaras e às restrições. Não, não
deverá atingir esse objetivo ainda antes estão – e, se estão, é nossa obrigação fazer
da Páscoa ou, o mais tardar, na próxima com que se desabituem rapidamente. O
semana. Seguindo o exemplo de outros terceiro período deste ano letivo começa
países europeus, Espanha vai flexibilizar, na próxima terça-feira, 19 de abril. Ao
a partir de dia 19, a utilização de máscara contrário do que aconteceu nos momen-
em espaços fechados, mantendo-a obri- tos mais críticos da pandemia, em que o
gatória em alguns sítios, como transportes medo do desconhecido e a inércia das ins-
e serviços de saúde. tituições levaram a melhor, a prioridade,
Por cá, no alívio das restrições que feliz- agora, são os mais novos. Por mais que isso
*Subdiretora mente se avizinha, as escolas deveriam ser atrapalhe os adultos que decidem – para
sbluis@visao.pt a prioridade das prioridades. Com as nos- quem, dois anos depois, o vírus e as regras
sas taxas de vacinação, não existem moti- se tornaram uma espécie de lei moral.

18 VISÃO 14 ABRIL 2022


4 503 954
NÚMERO
Cerca de 90% dos refugiados
da Ucrânia são mulheres
e crianças

Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), atualizados no último domingo,
10, os mais de 4,5 milhões de pessoas que já fugiram do país constituem o maior movimento de refugiados na Europa
desde a II Guerra Mundial.

GOVERNO JUSTIÇA

Pacote contra aumento “In dubio pro reo”?


dos preços
Segundo o jornal Público, o
Tribunal da Relação do Porto,
O Governo anunciou um conjunto de medidas para numa decisão assinada por
travar o aumento generalizado dos preços, com o José Carreto e Paula Barreto,
objetivo de apresentar “soluções que possam aliviar as recusou-se a aplicar uma
empresas e famílias, sem causar problemas na espiral medida de coação de proibição
inflacionista”, nas palavras da ministra da Presidência, de permanência na residência
Mariana Vieira da Silva. A saber: redução do Imposto do casal a um homem que terá
sobre Produtos Petrolíferos (ISP) equivalente a uma agredido a mulher durante 50
redução do IVA para 13%; apoio no cabaz alimentar anos, com o argumento de que
de todas as famílias com prestações sociais mínimas; o arguido não tinha outro local
isenção temporária do IVA dos fertilizantes e das rações, FRASE para viver. Os juízes também
redução do ISP sobre o gasóleo agrícola e redução da dizem que o facto de a mulher
taxa mínima do IVA dos equipamentos elétricos.
“Não há não querer manter relações
sexuais com o marido releva da
“diferente natureza do homem e
atribuições da mulher em função da idade
e da apetência para o ato”.

coletivas de
culpa em
Portugal,
SERGEI SUPINSKY/GETTY IMAGES

senhor
deputado” ESPANHA

AUGUSTO SANTOS
SILVA, presidente
À procura
GUERRA da Assembleia da da verdade
República, dirigindo-
“A vossa luta é a nossa luta” se a André Ventura
A juíza e ex-alcaide de
enquanto este
discursava e defendia Madrid Manuela Carmena,
Mesmo que a resposta europeia continue a soar haver, no País, “um o antigo diretor do jornal El
demasiado escassa perante as atrocidades de Bucha paraíso de impunidade” País Juan Luis Cebrián e o
e de Borodianka, a visita de Ursula von der Leyen a relativamente à pedopsiquiatra português
Kiev, na semana passada, foi um gesto de coragem comunidade cigana. Pedro Strecht integram a lista
de que só alguns são capazes. A Volodymyr Zelensky, Santos Silva foi de 28 figuras do grupo que,
a presidente da Comissão Europeia levou um quinto aplaudido de pé por em Espanha, investigará os
pacote de sanções e, sobretudo, a garantia de que a PS, PCP e Bloco de abusos sexuais na Igreja. A
União Europeia aceitará o pedido de adesão da Ucrânia. Esquerda, e também equipa agora anunciada é
Os líderes políticos também se medem pelas palavras por alguns deputados presidida pelo advogado Javier
do PSD e da Iniciativa
que proferem: “Em Bucha, a nossa humanidade foi Cremades, que já começou a
Liberal
despedaçada. Esta é minha mensagem para o povo ouvir as vítimas, “para atender
ucraniano: os responsáveis pelas atrocidades serão à verdade, acompanhá-las e
levados à Justiça; a vossa luta é a nossa luta. Estou em conhecer a dimensão social e
Kiev para vos dizer que a Europa está do vosso lado.” eclesial do problema”.

14 ABRIL 2022 VISÃO 19


R ---------- H O LO FOT E

Dmitry Muratov
Combatente da liberdade
Mortes por A luta
explicar Fazendo justiça ao continua
“Eu não posso Após anos de
ficar com o crédito Nobel da Paz que perseguição
deste prémio. recebeu em 2021, da parte das
Ele é do Novaya autoridades
Gazeta. E é dos o jornalista russo de Moscovo,

Mal menor
que morreram a mantém-se ativo na De Nobel
a atividade do
defender o direito Novaya Gazeta
Ser atacado com das pessoas à luta pelo jornalismo para Nobel acabou por tornar-
tinta vermelha liberdade de independente e Dmitry Muratov -se insustentável
e acetona, na expressão”, nasceu em 30 de com o início da
passada quinta- afirmou Dmitry pela liberdade de outubro de 1961, guerra na Ucrânia.
-feira, 7, num Muratov, no dia expressão, pagando, em Kuybyshev, O jornal anunciou
comboio em que em que recebeu agora chamada a suspensão de
viajava de Samara, o Nobel da Paz, por isso, o preço Samara. Descobriu toda a atividade
sua terra natal, enunciando os de enfrentar o regime a paixão pelo em território russo,
para Moscovo, terá nomes de Igor jornalismo na e os jornalistas
sido coisa pouca Domnikov, Viktor de Vladimir Putin faculdade, deixaram o país.
para quem, como Popkov, Yuri profissão que Alguns deles
Dmitry Muratov, Shchekochikhin, — POR MANUEL BARROS abraçou depois fundaram, na
luta há décadas Anna MOURA de passar Letónia, o Novaya
pela liberdade Politkovskaya, pelo Exército Gazeta Europa,
de Imprensa e Anastasia soviético. Chegou um projeto
pelo jornalismo Baburova, Natalia a editor do assente nos
independente Estemirova. Komsomolskaya mesmos princípios
num país como Todos eles foram Pravda. Em do jornal russo
a Rússia. O assassinados, 1993, juntamente mas formalmente
incidente, revelado a tiro ou por com 50 colegas independente, por
pelo próprio envenenamento, daquele diário forma a não cair
jornalista russo, em circunstâncias moscovita, sob a alçada da
não terá passado nunca Muratov fundou lei russa. Muratov,
de mais uma esclarecidas, o Novaya Gazeta. esse, continuou
provocação da na sequência Os recursos na Rússia e
parte daqueles de uma eram escassos viu o grupo de
que nunca viram atividade e, para pôr de comunicação
com bons olhos o jornalística pé um jornal norueguês Amedia
papel de Muratov em que que fosse “uma entregar-lhe a
na chefia do relataram fonte honesta, propriedade de
Novaya Gazeta, factos e independente todas as empresas
o maior e mais acontecimentos e rica” para os de impressão
antigo jornal inconvenientes cidadãos russos, que detinha em
independente para o regime o jornalista território russo.
da Rússia. Um liderado por contou E, para mostrar a
trabalho que Vladimir Putin. nomeadamente sua oposição à
valeu ao jornalista com o apoio guerra na Ucrânia,
o Prémio Nobel financeiro o jornalista
da Paz de 2021, de Mikhail anunciou que vai
a par da filipina Gorbachev, leiloar a medalha
Maria Ressa, mas ex-Presidente de Nobel da Paz
que, desde 2000, da URSS, que e doar a receita
custou a vida a doou parte para apoio aos
seis jornalistas, do dinheiro refugiados da
assassinados, do referente ao Ucrânia.
Novaya Gazeta. Nobel da Paz
que ganhou
em 1990.

20 VISÃO 14 ABRIL 2022


R ---------- R A I O -X

Humanidade, passado e presente


Com a população mundial prestes a bater um recorde, calcula-se que,
em 192 022 anos, nasceram e morreram 109 mil milhões de pessoas
— POR MANUEL BARROS MOURA

Quantas pessoas estão


vivas e já viveram
no mundo
Um grão de areia
representa 10 milhões
de pessoas

140 milhões de crianças


nascem todos os anos
117 mil 14 grãos de areia entram
na ampulheta
milhões
É muito provável que,
no decorrer deste ano,
a população mundial
atinja a barreira dos
8 mil milhões de pessoas,
o maior número de
NÓS ESTAMOS AQUI
indivíduos vivos alguma
Estes 795 grãos representam
vez registado na História
7 950 milhões de pessoas
da Humanidade.
vivas até hoje
Mas quantas pessoas, ao
todo, nasceram na Terra?
Essa é uma das perguntas
para a qual demógrafos 60 milhões de pessoas
como Toshiko Kaneda morrem, todos os anos
e Carl Haub, do 6 grãos passam para baixo
Population Reference da ampulheta
Bureau, organização
sem fins lucrativos
norte-americana, tentam Cerca de 109 mil milhões
encontrar resposta. de pessoas já morreram
Para isso, fixaram o início até hoje, representando
da Humanidade no ano 10 900 grãos
190 000 a.C. Segundo
os seus cálculos, desde
essa altura, nasceram Cerca de metade
e morreram 109 mil da Humanidade nasceu
milhões de pessoas em e viveu nos últimos
todo o mundo. 2000 anos
Se juntarmos a estes
os cerca de 8 mil milhões
de indivíduos vivos neste O número de pessoas
ano, a Terra já terá tido nascidas antes da Revolução
117 mil milhões Agrícola não passou
de habitantes dos 9 mil milhões

FONTE Population Reference Bureau, Divisão de População das Nações Unidas, World in Data e Visual Capitalist MT/VISÃO

14 ABRIL 2022 VISÃO 21


POLITICAMENTE
CORRETO
Colaboracionistas
e aliados de Putin

T
enho-me lembrado que escrevi, ao relativismo com que olham os massacres
Pedro não há muito tempo, um texto em terminando na costumeira culpabilização da
Marques que considerava o PCP fundamen-
tal à democracia portuguesa.
UE, da NATO e, claro, dos EUA.
O PCP, diga-se, não está sozinho. Há mais
Lopes Os argumentos que dava são gente em Portugal a apoiar claramente a
conhecidos e nada originais. O PCP teve um agressão, os crimes de guerra e o ataque deli-
papel importante no derrube do antigo regi- berado às populações civis. É vê-los a queixa-
me, tem defendido e dado voz a gente sem voz rem-se de uma espécie de censura enquanto
e ajudou de forma decisiva a institucionalizar publicam verdadeiros abaixo-assinados de
o protesto. Este último aspeto foi decisivo para apoio à invasão russa ou de um relativismo
a consolidação da nossa democracia e basta moral que a não ser colaboracionista seria de
ver o que são os movimentos do tipo coletes uma indigência intelectual sem nome.
amarelos e quejandos para termos noção do Que trabalhadores, que oprimidos, que
importante que é ter gente que represente famélicos da Terra está o PCP a defender?
quem protesta nas ruas e com quem se possa Serão os povos esmagados pela bota opressora
dialogar. russa?
— Analista político
Também relevante é o PCP ser visto por Os comunistas portugueses, de facto,
todos os outros partidos e demais parceiros apoiam uma oligarquia fascista e corrup-
sociais como uma organização de palavra e ta apoiante de tudo o que é extrema-direita
respeitadora dos compromissos. europeia. O PCP que aparece no Parlamento
A defesa dos direitos de determinadas fran- a defender os direitos dos trabalhadores é o
jas da população fazia com que essas pessoas mesmo que apoia o assassinato em massa de
relativizassem as posições inqualificáveis de populações indefesas, de trabalhadores co-
defesa de regimes como o coreano, o venezue- muns que apenas querem viver como decidi-
lano, o chinês ou o russo, eram vistas como ram e em paz.
uma bizarria sem consequências. A obsessão do PCP contra a União Euro-
A prática democrática e respeitadora dos peia, a NATO ou os Estados Unidos, que tan-
valores constitucionais fazia esquecer que no tos consideram a razão das posições de apoio
cerne da sua doutrina os comunistas rejeitam ao ditador Putin, é apenas a ponta de um ice-
a democracia liberal e os seus pilares funda- bergue que ficou bem à vista. Também não há
mentais. exatamente uma vontade de reerguer o muro
Esse papel de defensor de grupos de cida- de Berlim. É mais do que isso: o PCP apoia os
dãos estava em acelerada erosão. As razões têm desejos imperiais russos e secunda a guerra
menos a ver com a capacidade menor ou maior deles contra as democracias porque sabe que
de os representar, mas mais com o facto de es- cada pedaço de terra conquistado na Ucrânia é
ses grupos estarem a desaparecer. Os operários mais um abalo nas democracias liberais. Cada
e camponeses são espécies em vias de extinção soldado ou civil ucraniano morto é menos um
e o PCP sempre se esqueceu ou não foi capaz defensor da liberdade, do nosso modo de vida
de defender os precários ou compreender os e dos nossos valores.
O PCP novos tipos de relações laborais, os sindicatos O PCP quer a ocupação da Ucrânia pelos
deixou de ser dominados pela CGTP pouco mais são do que russos porque isso seria uma grande derro-
corporações de defesa de interesses instalados ta para a democracia; alia-se a ditadores e
indispensável e já poucas autarquias restam. faz parte de um grupo onde estão todos os
à democracia, Sobrava pouco mais do que o respeito de partidos nazis e de extrema-direita da Europa
pelo contrário. grande parte da comunidade pela sua práxis
democrática.
porque uns milhões de mortos e o desres-
peito por direitos básicos das pessoas são
Os comunistas Mas a posição do PCP sobre a guerra da instrumentais para os diabólicos amanhãs que
são, neste Ucrânia destruiu o que restava do património anseiam. Não há outra palavra, tornou-se um
moral do partido. partido colaboracionista.
momento, Não vale a pena voltar a tentar analisar as O PCP deixou de ser indispensável à de-
aliados declarações e ações do PCP em relação à guer- mocracia, pelo contrário. Os comunistas são,
empenhados ra na Ucrânia, são muito claras: os comunis-
tas estão do lado dos invasores russos. Desde
neste momento, aliados empenhados dos que
têm por objetivo acabar com a democracia,
dos que têm o primeiro dia da ocupação dos territórios a liberdade e os direitos fundamentais. É um
por objetivo ucranianos em 2014 até à declaração de re- triste fim, mas é uma escolha clara. A única
provação da proposta da ida de Zelensky ao coisa que se pode elogiar é que ao menos não
acabar com Parlamento, passando pelos espantosos apelos fazem as cenas hipócritas de tanta gente que
a democracia ao não armamento do exército ucraniano ou por aí anda. visao@visao.pt

22 VISÃO 14 ABRIL 2022


R ---------- P E R I SCÓ P I O

Digestão de resultado eleitoral


Rio confrontou Costa, no debate do programa do Governo, com promessas
eleitorais que pode não cumprir. O socialista retorquiu com tom desafiante

“Rendeu votos seguramente “Ao ouvir o fervor com que


[aumento do salário voltou ao debate eleitoral,
mínimo], porque parece fiquei com a sensação de que
muito dinheiro, mas a queria uma segunda volta
inflação em Portugal já das eleições. A ver o bom
passou 5%. Se não ajustar exemplo do que conseguiu
[valor], tiramos a conclusão na segunda volta do círculo
óbvia: enganou as pessoas” da Europa, vamos a isso”
RUI RIO ANTÓNIO COSTA
Presidente do PSD Primeiro-ministro

INDISCRETOS 15 MINUTOS DE FAMA


Louvor que se dispensa Mendes, sentada do lado direito de
La Salette Marques, ex-assessora Costa, teve igual responsabilidade, com
do Ministério do Planeamento, terá semelhante número de fichas à frente.
mordido a língua para não soltar um Porém, só Mariana levou um aperto de
impropério quando viu o conteúdo do mão de Costa, no final dos dois dias de
louvor que recebeu de Nelson Souza, discussão. Será que foi por ter sido mais

GONÇALO ROSA DA SILVA


o titular da pasta. No final de cada fácil para o líder socialista mover a mão
mandato, um governante enaltece o direita no sentido da esquerda?
percurso de quem esteve sob a sua
alçada. No caso de La Salette – que
há muito assegura a comunicação em
Da bancada ao gabinete
governos do PS – o louvor veio nuns O ex-deputado do PCP António Filipe,
termos inesperados. Souza agradeceu que, ao fim de 33 anos no hemiciclo, não
o trabalho da assessora, mas lamentou foi eleito nas legislativas em Santarém –
com a subida do Chega naquele círculo –,
Sair do Twitter
“a falha que não poderia ter acontecido
no seu desempenho”. As más bocas é a mais recente contratação da bancada de mansinho
conhecedoras do processo sinalizaram ao parlamentar, liderada por Paula Santos. Ao
Periscópio que o ex-ministro não gostou contrário dos funcionários do partido que Gabriela Canavilhas lamentou
de saber que La Salette terá espalhado eram contratados pelo grupo parlamentar na sua conta no Twitter que
que ele queria manter-se no novo ao longo de anos, sem serem vistos nos “nenhuma TV” referisse que,
Governo. corredores do Parlamento, António Filipe por causa das denúncias de
não tem tido parança. assédio na Faculdade de
Direito de Lisboa, Guilherme
Mariana, a preferida de Oliveira Martins (filho) era
No debate do programa do Governo Nem um sorriso sequer um ex-secretário de Estado
no Parlamento, a ministra da A ex-ministra da Modernização de Passos Coelho. “Se fosse
Presidência, Mariana Vieira Administrativa, Alexandra Leitão, socialista diriam ex-secretário
da Silva, sentada do lado dá ares de não ter assimilado de Estado de Sócrates.”
esquerdo de António ficar – contra a sua vontade – Entretanto, alguém lembrou
Costa, esteve superativa de fora do novo Governo; e a ex-ministra da Cultura de
com uma caixa de fichas quem sabe do núcleo duro Sócrates que Oliveira Martins
mnemónicas à frente, de Costa no PS. No debate tinha estado no governo
de onde retirava do programa do Governo, de Costa. Após assumir a
as respostas que o Leitão não mostrou argolada – “confundi com o
primeiro-ministro dava grande esforço em filho de Jaime Gama… eles
aos deputados que o aplaudir os ex-colegas do são tantos...” –, Canavilhas
questionavam. A ministra Executivo ou em esboçar eclipsou-se da rede social,
Adjunta, Ana Catarina um sorriso. — N.M.R. apagando a sua conta.

14 ABRIL 2022 VISÃO 23


---------- P R ÓX I M O S CA P Í T U LO S

Covid-19 com mais de 65 anos tive-


ram contacto com o vírus,
menos, por seis semanas.
Em Portugal, a Comis-

Prontos para tirar


ou seja, não há imunidade são Técnica de Vacinação
natural suficiente”, diz o contra a Covid-19 está a
especialista, que chama a acompanhar a evolução

a máscara
atenção para o facto de esta dos estudos sobre a quarta
população continuar a pre- dose. A VISÃO sabe que a
cisar de ser mais protegida. equipa de peritos não prevê
Uma forma de o fazer aprovar, de imediato, este
— P O R R I TA R ATO N U N E S
é através da quarta dose novo reforço, mesmo para
da vacina que, na sema- as pessoas com mais de 80
na passada, recebeu luz anos, uma vez que as eleva-

F
verde da Agência Europeia das taxas de vacinação do
omos avisados, desde -nos que vamos levar mais de Medicamentos (EMA) País permitem aguardar por
cedo, que o combate tempo do que esperávamos e do Centro Europeu para resultados mais sólidos.
à pandemia Covid-19 a atingir valores na ordem a Prevenção e Controlo Mais de 90% dos por-
era uma marato- dos mil ou dois mil casos das Doenças (ECDC), mas tugueses têm a vacinação
na e não um sprint. Mes- por dia, mas nota-se que a só para pessoas com mais completa e, apesar de as
mo assim, passados dois tendência é de diminuição de 80 anos, uma vez que novas variantes e subva-
anos, embora mais bem da incidência e também ainda não existe literatura riantes que têm surgido
apetrechados com infor- dos óbitos. Se mantivermos científica suficiente sobre a se caraterizarem por uma
mação, o vírus não deixa esta trajetória, podemos ter eficácia de mais uma dose capacidade maior de fuga
de surpreender até quem 20 mortos por milhão de de reforço. Numa investi- aos anticorpos, “a prote-
o monitoriza diariamen- habitantes [nos últimos 14 gação publicada na revista ção das vacinas mantém-se
te. Continuamos a correr dias], entre 20 e 24 de abril. The New England Journal em níveis muito elevados
para cortar uma meta que E, a partir daí, o Governo of Medicine – com uma contra a doença grave, o
vai sendo colocada cada vez vai decidir, provavelmente, amostra de 1,3 milhões de que tem permitido manter
mais longe da partida. Em o fim da obrigatoriedade vacinados com a quarta o nosso sistema de saúde
resultado do aparecimento das máscaras em espaços dose da Pfizer/BioNTech, livre de grandes pressões”,
de subvariantes da Ómi- fechados”, antevê Car- durante o período em que a nota Luís Graça, imunolo-
cron, as infeções volta- los Antunes, professor da Ómicron era predominan- gista do Instituto de Medi-
ram a disparar para níveis Faculdade de Ciências da te –, os resultados apon- cina Molecular João Lobo
históricos no Reino Unido Universidade de Lisboa e tam para uma redução das Antunes e um dos elemen-
e na Alemanha, no início de investigador na equipa que infeções, mas apenas ao tos da Comissão Técnica de
abril; e da China chegam faz a modelação da evolu- longo de quatro semanas. Vacinação.
notícias de grandes cida- ção do vírus desde o início Já quanto à doença grave, a A linhagem BA.2
des fechadas na sequência da pandemia. proteção revelou-se supe- prevalece em mais
de surtos. É precoce ou rior, prolongando-se, pelo de 98% dos casos
inevitável falar sobre uma QUARTA DOSE
sexta vaga da pandemia e na A CAMINHO?
quarta dose da vacina con- A exceção no alívio das
tra a Covid-19? máscaras poderá dar-se em
Em Portugal, é cedo, lugares como hospitais
garantem à VISÃO especia- ou lares, onde há uma
listas que produzem dados grande concentração
para o Governo. Com uma de população vulnerável
cobertura vacinal superior e, no caso dos idosos
à dos países acima mencio- acima dos 65 anos,
nados e ainda sem registo com uma imunidade
expressivo das misturas inferior a outras
originadas pelas linhagens faixas etárias.
da Ómicron, os casos e as “Apenas 18%
mortes estão a percorrer das pes-
uma curva descendente. Na soas
próxima semana, o número
de óbitos já deverá tocar no
estabelecido para aliviar as
poucas medidas de con-
tenção em vigor no País,
nomeadamente a obrigato-
riedade do uso de máscara
em espaços fechados.
“Os dados mostram-

24 VISÃO 14 ABRIL 2022


Em Portugal, de infeção em Portugal, sabe o suficiente, mas que, à RADIOGRAFIA
a Comissão de acordo com o Instituto semelhança das anteriores, DA PANDEMIA
Nacional de Saúde Doutor se destaca pela capacidade
Técnica de Ricardo Jorge (INSA), e “os de transmissão. Casos e óbitos a descer,
e os internamentos não
Vacinação contra poucos casos que têm sur- “Continuamos a ser põem em causa a resposta
gido das novas subvariantes confrontados com variantes
a Covid-19 não não têm tido um aumen- altamente transmissíveis,
do Serviço Nacional
de Saúde. A taxa
prevê aprovar, to sustentado”, continua e isso faz com que haja um de vacinação de Portugal
de imediato, Luís Graça, referindo-se à
misteriosa XE, detetada no
elevado número de casos,
aliado ao facto de as vacinas
continua entre as melhores
do mundo
a quarta dose da Reino Unido, uma subli- protegerem menos con-
vacina, mesmo nhagem que combina o tra estas novas linhagens”, POPULAÇÃO
material genético de duas assume o imunologista que, TOTALMENTE VACINADA
para pessoas variantes – a BA.1 e a BA.2 contudo, é tranquilizador: Mais de 60% dos
com mais –, sobre a qual ainda não se “Este grande número de portugueses já tomaram
de 80 anos infeções não se traduz num
impacto hospitalar muito
a terceira dose de reforço

elevado, porque continua-


mos protegidos contra a
92,6%
doença grave. Só temos de
nos manter vigilantes.” 60%
rrnunes@visao.pt

15º
INFEÇÕES
Posição de Portugal na
tabela europeia de infeções
por milhão de habitantes
(em 45 países)

61 988
NOVOS CASOS
Registados no País,
na primeira semana de abril

1 110
HOSPITALIZAÇÕES
Nos primeiros sete dias de
abril, estavam internados
1 110 doentes. Nos cuidados
intensivos, 60 doentes

2,2
MORTES
Por cada milhão
de habitantes, em sete dias

18/100
RESTRIÇÕES
Classificação de Portugal
no Government Stringency
Restrições Index, desenvolvido pela
A partir da próxima
Universidade de Oxford,
semana, o Governo
poderá começar para avaliar de 0 a 100
a ponderar o alívio o nível de restrições
da obrigatoriedade aplicadas em cada país
do uso de máscara (100/100 é o mais restritivo)
em espaços fechados

14 ABRIL 2022 VISÃO 25


P O N TO S
CA R D E A I S
O perigo da orbanização
de França
Bernardo

N
Pires a primeira volta das presiden- eleitores suficientes para compor a frente
de Lima ciais francesas, metade dos republicana de proteção ao sistema político.
eleitores votou em candidatos À saída desta primeira volta, nenhum destes
pró-Putin ou em adeptos de pontos é hoje replicável.
um não alinhamento com a Nem Macron é novidade nem a presiden-
Ucrânia, o que na prática vai dar ao mesmo. cialização que imprimiu ao sistema lhe reduz
Um deles, Marine Le Pen, passou à segun- a responsabilidade pelo curso destes últimos
da volta com o resultado mais expressi- anos. Pelo contrário: Macron absorve toda
vo alguma vez obtido e com condições de a raiva incontida que percorre a socieda-
competitividade nunca antes reunidas. À de francesa. Por seu lado, os dois partidos
entrada para os 15 dias finais da campanha, que há dez anos valiam 56% dos votos, hoje
o intervalo de distância para Macron é sufi- valem 6%. Há cinco anos, o PS praticamente
cientemente curto para fazer soar o alarme desapareceu, no último domingo evaporou-
— Analista de política
em Paris e em todas as capitais da União -se do mapa. Há cinco anos, o candidato dos
internacional
Europeia, com exceção de Budapeste. O ce- Republicanos, François Fillon, teve 20% dos
nário de orbanização de França, com Le Pen votos, no último domingo a sua sucessora
NORTE no Eliseu, existe e deve ser considerado por teve 5%. Macron não tem por isso as mes-
São dos que dependem todos os decisores políticos europeus. mas condições para absorver diretamente
a 100% do gás russo, mas No momento de pressão das democra- eleitores desses partidos quando estes, na
os três países bálticos cias pelas autocracias, com uma guerra na prática, dispersaram o voto ou abstiveram-
decidiram parar a compra Ucrânia sem fim à vista e um Presidente -se. O apelo ao voto em Macron feito por
já este mês. Quem disse russo que resiste e, pelos vistos, continua Anne Hidalgo e Valérie Pécresse não produz
que o motor europeu não
a inspirar delfins, é prudente colocarmos o mesmo efeito de 2017.
pode também assentar na
o pior dos desfechos em cima da mesa: Mas o elemento mais diferenciador nesta
coragem dos pequenos
Estados?
França mudará radicalmente, o alinhamen- campanha talvez esteja no foco escolhido
to com Berlim será esvaziado, Moscovo ga- por Le Pen, não tão assente no binómio
SUL nhará peso, Washington será alvo preferen- imigração/insegurança, ou em ruturas na
A competição no Pacífico cial na antecâmara do regresso de Trump, moeda única, mas naquilo que 85% dos
subiu recentemente e soluções comunitárias para travar crises franceses consideram prioritário resol-
de nível, com o acordo conjuntas serão alvo de retrocesso. ver: o aumento brutal do custo de vida e o
de segurança entre a A certeza sobre boicotes internos na NATO acesso à saúde, expostos pela pandemia e
China e as Ilhas Salomão. vai acompanhar o sentimento de dúvida pela guerra na Ucrânia. Este alinhamento
Geografia e alinhamentos sobre as reais intenções de fazer implodir pragmático com novos eleitores diz-nos
estratégicos impõem-se pouco a pouco a UE, alimentando com isso que Le Pen estará mais preparada se for
com naturalidade. atitudes miméticas em partidos espalhados confrontada por Macron sobre economia,
pelos Estados-membros, que se verão mais energia, impostos ou mesmo a gestão da
ESTE legitimados a fazer o mesmo caminho, fo- relação com a Rússia, o que também reduz
Pela primeira vez na sua mentando um atrito perigoso em cada de- o arco de surpresas que a prejudicaram há
história, um primeiro- bate nacional. A sensibilidade do momento cinco anos. Por fim, para contornar tudo
ministro foi destituído por europeu com duplo epicentro em Kiev e em isto, Macron vai ter de despir o fato pre-
uma moção de censura no Paris exige que, à semelhança de 2017, quem sidencial e fazer a campanha da sua vida:
Parlamento do Paquistão. está fora perceba as implicações daquele chegar aos eleitores jovens que mobilizou
O jogo de forças com desfecho e quem está dentro se mobilize em 2017, muitos deles a pagar a fatura das
Imran Khan vai, agora,
para travar a ascensão vitoriosa da melhor crises sucessivas, faixa etária que esteve
prosseguir nas ruas.
amiga de Putin na Europa. sobretudo com Mélenchon e Le Pen nesta
OESTE
É aqui que entra a outra parte da história primeira volta; mostrar outra sensibilidade
Há dias, 63 republicanos desta primeira volta. Há cinco anos, Macron social para chegar a setores desencantados,
(em 209) com assento foi eleito com o dobro dos votos de Le Pen. travando a sua mobilização pela adversária;
na Câmara dos Beneficiou largamente do efeito novida- e retomar o discurso aspiracional, quer de
Representantes votaram de, da transferência de voto do centro-es- França no mundo quer sobretudo da classe
contra uma resolução onde querda e do centro-direita tradicionais, da média pressionada com o custo de vida.
se afirmava o compromisso prestação no derradeiro debate televisivo, 15 dias é pouco para tudo isto, mas é
dos EUA com a NATO e as e de um misto de impreparação económica o que Macron tem para salvar França e a
suas democracias. Putin com um radicalismo identitário da parte da Europa de caírem numa orbanização com
celebrou. sua oponente, que acabaria por mobilizar estrondo. visao@visao.pt

26 VISÃO 14 ABRIL 2022


R ---------- FOTO PA R A A H I STÓ R I A

AMBER BRACKEN

WORLD PRESS PHOTO 2022

Homenagem aos ausentes


Esta fotografia, da autoria de Amber Bracken, foi publicada, em 2021, no The New
York Times. Os vestidos vermelhos pendurados em cruzes, ao longo de uma estrada,
homenageiam os que morreram num internato para crianças indígenas, na Colúmbia
Britânica, Canadá. A Kamloops Indian Residential School era uma das instituições
que começaram a funcionar no século XIX, integrando uma política de assimilação
das várias comunidades indígenas na cultura ocidental e predominantemente cristã.
Em 2021, foram descobertas cerca de 200 sepulturas de crianças não identificadas.
Esta imagem foi eleita Fotografia do Ano da edição de 2022 do World Press Photo e
tem de marcante o facto de ser a primeira foto vencedora, na história deste prémio,
em que não há pessoas – apenas a memória delas. O concurso anual que atribui a
maior e a mais prestigiada distinção de fotojornalismo do mundo traz-nos, como
sempre, imagens fortes, únicas, impossíveis de observar com indiferença.
Conheça todos os vencedores em visao.pt

— POR MANUEL BARROS MOURA

14 ABRIL 2022 VISÃO 27


R ---------- T R A N S I ÇÕ ES

MORTES

Maria de Jesus
Serra Lopes
A primeira mulher bastonária
da Ordem dos Advogados
morreu, na sexta-feira, 8, aos
88 anos. Maria de Jesus Brito
Lamas Moreira Serra Lopes
exerceu o cargo de bastonária
entre 1990 e 1992. Casada
com o também advogado
António Serra Lopes, falecido
em novembro de 2021, e mãe
da jornalista Inês Serra Lopes,
Maria de Jesus foi agraciada,
em 1996, com a grã-cruz da
Ordem do Infante D. Henrique
e, em 2005, com a grã-cruz
da Ordem Militar de Cristo.

Salvador Guedes

YOSSI ZAMIR/FLASH90
Presidente da Sogrape
entre 2000 e 2015, Salvador
Guedes morreu na quinta-
feira, 7, aos 64 anos,
vítima de esclerose lateral
amiotrófica. Depois de lhe
ter sido diagnosticada esta
doença neurodegenerativa, 1915–2022

Mimi Reinhardt
o empresário fundou a
Associação Portuguesa de
Esclerose Lateral Amiotrófica.
Em 2016, Marcelo Rebelo de
Sousa condecorou-o com A autora da lista de Schindler
o grau de comendador da
Ordem do Mérito.
Era uma das poucas testemunhas ainda era membro do Partido Nazi, mas via nos
António Reis vivas do Holocausto e uma das persona- judeus presos preciosos trabalhadores
gens com direito a lugar na História, pelo para a sua indústria de cerâmica, então
Figura ímpar do teatro
contributo que deu a salvar a vida de mi- convertida em fábrica de armamento.
nacional e da vida cultural da
cidade do Porto, o ator que
lhares de judeus. Carmen Koppel nasceu Mimi passou, assim, a ser secretária de
foi cofundador da companhia a 15 de janeiro de 1915, filha de Emil e de Schindler, tendo, nessas funções, a seu
Seiva Trupe e do Festival Frida Koppel, comerciantes em Viena, na cargo a compilação da famosa lista com
Internacional de Teatro de Áustria. Para facilitar o estudo no curso cerca de 1 200 nomes de pessoas que,
Expressão Ibérica, FITEI, de Línguas e Literatura, aprendeu este- por irem trabalhar para o empresário
morreu na terça-feira, 5, aos nografia, algo que seria determinante na alemão, escaparam às câmaras de gás de
77 anos, vítima de doença sua vida e na de muitos outros. Em 1936, Auschwitz. Foi esta história que ficaria
prolongada. já casada e com o sobrenome Weitmann, mundialmente conhecida graças ao filme
Mimi mudou-se para Cracóvia, onde A Lista de Schindler, de Steven Spielberg,
nasceria o filho Sacha, em 1939. Seis anos premiado com sete Oscars e dezenas de
Afonso de depois, perante a invasão nazi da Polónia, outros prémios internacionais.
Albuquerque os Weitmann conseguiram mandar a Terminada a guerra, Mimi juntou-se ao
Pioneiro em estudos sobre criança e a avó materna para a Hungria, filho, na Hungria, e de lá partiram para
o stresse pós-traumático, o mas não escaparam à detenção no gueto Marrocos, onde viria a conhecer e a ca-
psiquiatra criou, em 1988, a de Cracóvia, onde o marido de Mimi viria sar-se com um gerente de hotel, de quem
fundação APOIAR, para ajudar a ser morto aquando de uma tentativa adotou o apelido Reinhardt e com quem
ex-combatentes. Foi também de fuga. A viúva foi, então, enviada, com teve uma filha. Mudou-se, depois, para
um dos sócios-fundadores os demais judeus sobreviventes, para o Nova Iorque, em 1957, e aí viveu até 2007,
da Sociedade Portuguesa de campo de concentração de Plaszow. Os ano em que fez a aliyah, a migração para
Sexologia Clínica. Morreu em conhecimentos de estenografia permi- Israel, para se reunir de novo com o filho,
casa, na terça-feira, 5. Tinha tiram-lhe trabalhar como secretária de professor de Sociologia na Universidade
87 anos.
administração do campo, tendo aí co- de Telavive, e os netos. Morreu na sexta-
nhecido Oskar Schindler. O empresário -feira, 8 de abril. Tinha 107 anos. M.B.M.

28 VISÃO 14 ABRIL 2022


C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O

UM VERÃO INESQUECÍVEL,
DE PORTO EM PORTO
Novidade para quem procura um verão de 2022 para mais tarde recordar: a MSC Cruzeiros
tem 11 cruzeiros com partida e chegada a Lisboa– com bebidas incluídas, que é um detalhe
importante – em itinerários nunca antes vistos. Bem-vindo a bordo!

O
ano de 2022 representa a retoma do turismo interna- ...OU VÁRIAS SEMANAS DE VERDADEIRO DESCANSO
cional, segundo indicam os estudos, e a MSC Cruzei- Os cruzeiros de 11 noites com partidas do Funchal, a 22 de Se-
ros não quis ficar para trás, apresentando novidades tembro e a 3 de Outubro, realizarão escalas em Málaga, Marselha,
imperdíveis especialmente para aqueles passageiros Génova, Barcelona, Casablanca e Santa Cruz de Tenerife antes
que preferem embarcar “à porta de casa”. Pela primeira vez, a de regressarem novamente ao Funchal - com preços, incluindo
MSC Cruzeiros vai realizar cruzeiros com embarque e desem- bebidas, desde 799€ (a que acrescem 110€ TSH e 220€ de taxas
barque em Lisboa durante as férias de Verão. Serão 11 cruzeiros portuárias).
de 10 noites com um itinerário novíssimo e único a bordo do Com partida no Funchal a 14 de Outubro, o MSC Magnifica
MSC Orchestra, entre Junho e Outubro, com preços a partir percorrerá um itinerário de 9 noites que passará por Málaga,
de 539€ (a que acrescem 100€ de Taxa de Serviço de Hotel Marselha, Génova, Barcelona, regressando depois ao Funchal
(TSH) e 220€ de taxas portuárias). Com a promoção Bebidas por apenas 439€ (+90€ TSH e 210€ de taxas portuárias) com
Incluídas, os preços começam nos 679€ - em vez dos 539€ bebidas incluídas ao longo de toda a viagem.
(mantendo-se os mesmos preços de TSH e de taxas portuá- Para os fanáticos de viagens mais longas, o MSC Magnifica
rias). Este cruzeiro passará por Alicante, Mahón, Olbia, Génova, navegará por Tanger, Málaga, Marselha, Génova, Barcelona, Ca-
Marselha, Málaga e Cádis, regressando a Lisboa. sablanca, Santa Cruz de Tenerife e Arrecife de Camarote, ao longo
de 13 noites, com preços com bebidas incluídas a partir dos 829€
ESCAPADINHAS DE 5 NOITES... (+130€ TSH, a que acrescem as taxas portuárias no valor de 250€).
Os amantes de escapadinhas de 4 ou 5 dias poderão também O MSC Magnifica partirá ainda de Génova no dia 16 de Setem-
partir da capital, no dia 20 de Outubro, e realizar um mini-cru- bro de 2022, passando por Barcelona, Casablanca, Santa Cruz de
zeiro de 5 noites que passará por Alicante, Mahón e Olbia com Tenerife, regressando ao Funchal por um preço extremamente
destino à cidade italiana de Génova desde 209€ (+50€ TSH +110€ convidativo de 239€ (+60€ TSH, a que acrescem 170€ de taxas
de taxas portuárias) usufruindo da promoção Bebidas Incluídas. portuárias), aproveitando assim a promoção Bebidas Incluídas.
Com a mesma duração, 5 noites, mas com partida na cidade Mais curto, com um itinerário de apenas 5 noites, em Novem-
italiana de Génova, pode ficar a conhecer a cidade de Marselha, bro de 2022, o MSC Magnifica partirá do Funchal e passará por
as duas cidades espanholas de Málaga e Cádis, para finalmente Málaga, Marselha e Génova com preços a partir de 179€ (+50€
desembarcar em Lisboa por apenas 289€ (+50€ TSH +110€ de TSH, a que se juntam os 170€ de taxas portuárias). No MSC
taxas portuárias) com a promoção já incluída que lhe permite Magnifica poderá beber tudo o que pretende, por usufruir da
beber o que desejar no navio. Pode realizar esta partida no dia promoção Bebidas Incluídas.
27 de Junho de 2022. Este ano, todos os motivos são válidos para fazer um cruzeiro!
Para os passageiros que desejam embarcar e desembarcar no Embarque nesta aventura com a MSC Cruzeiros.
Funchal este Verão podem fazê-lo através do MSC Magnifica Para mais informações contacte o seu Agente de
entre Setembro e Novembro de 2022. Viagens ou visite www.msccruzeiros.pt.
---------- BA L ÃO D E E N S A I O

Queimar calorias
Passar o dia no
ginásio pode não
ajudar a perder mais
peso. A explicação
está na evolução
do metabolismo
— POR SARA RODRIGUES

O
s confinamen- estudante tropeçou várias
tos ditados pela vezes na subtração e foi
pandemia de ficando nervosa. Enquanto
Covid-19 fizeram- isso, nos bastidores, uma
-no ganhar uns quilos extra equipa ia medindo a sua
e não consegue perdê-los, pressão arterial, os bati-
apesar das horas que passa mentos cardíacos e a quan-
no ginásio? A resposta está tidade de dióxido de carbo-
no seu cérebro e não nos no (CO2) expelido. Este foi
seus bíceps, segundo Her- apenas um dos exercícios
man Pontzer, professor de realizados pelo investigador energia”, explicou, recente-
Antropologia Evolutiva na para estimar a energia que mente, numa entrevista.
Duke University e de Saúde gastamos quando estamos Pontzer não está focado
Global no Duke Institute for sob stresse, a correr, a saltar no excesso de peso ou na
Global Health, nos Estados ou mesmo quando desen- obesidade; o que o norte-a-
Unidos da América. volvemos uma resposta mericano pretende saber é a
O propósito deste inves- imunitária a uma vacina. quantidade de calorias que
tigador é quebrar o mito de No livro Burn: The Mi- gastamos diariamente nas
que, quanto mais exercí- sunderstood Science of nossas rotinas ou apenas
cio fizermos, mais calorias Metabolism, lançado no ano para nos mantermos vivos.
gastamos e, deste modo, passado, Pontzer desmonta O exercício pode Uma das comparações
emagrecemos. Afinal, não é
bem assim.
a confusão em torno do que
é o metabolismo: “Con-
evitar que se fique que fez foi entre humanos e
orangotangos. E a conclu-
Uma das suas mais re- siste em todo o trabalho doente, mas a são é inesperada. Os quatro
centes experiências foi pôr que as células ou o corpo dieta é “a melhor animais que entraram na
alunos – voluntários – sob fazem. Tanto aquilo que experiência beberam um
stresse, com o objetivo de vemos, como o movimen- ferramenta para inofensivo chá frio sem
contabilizar a energia gasta to, como o que não vemos, controlar o peso”. açúcar com isótopos – o
em momentos de ansie-
dade. Pontzer pediu a uma
como os pensamentos, o
funcionamento do sistema
O balanço é indicador mais usado em
investigações metabólicas
aluna para, começando no imunitário, a digestão, a sempre entre as para estimar a produção de
número 1 022, subtrair con- reprodução, a recuperação calorias que se dióxido de carbono e o gas-
tinuadamente 13 até chegar de lesões ou o crescimento. to de energia. As amostras
a zero. Sempre que errasse, Sempre que as nossas célu- ingerem e as que de urina dos orangotangos
teria de voltar ao início. A las funcionam, precisam de se gastam revelaram que queimaram

30 VISÃO 14 ABRIL 2022


Metabolismo A maior
parte da nossa energia é
gasta a manter-nos vivos
e não no ginásio

idade, “não há diferença no MITOS SOBRE


gasto diário de energia en-
tre homens e mulheres Ha-
O EMAGRECER
dza e os adultos nos EUA, Há quem faça muitas
da Europa ou do Japão”. asneiras para perder peso.
A explicação para a in- Quatro dicas úteis
credulidade dos investiga-
dores está no facto de nos Devo evitar
concentramos demasiado os hidratos
nas calorias que queimamos de carbono?
quando fazemos exercício. Não, eles são essenciais
O modelo atual de socieda- ao bom funcionamento
de está cada vez mais virado do organismo e a sua
para corpos perfeitos que principal fonte de energia.
caibam num pequeno bi- Apresentam-se sob a
quíni ou nos músculos que forma de açúcar simples,
se mostram na praia. Mas, amido (massa ou arroz)
na verdade, é no processo e fibra (pão, leguminosas
básico para nos mantermos ou massas integrais). Para
vivos, ao nível do sistema uma dieta equilibrada,
nervoso ou na manuten- deve reduzir-se a ingestão
ção das células ativas, que de açúcar, optando-se
“gastamos a maior parte da pelos outros dois.
energia”.
Com isto não se pretende O óleo de
dizer que a atividade física soja é mais
não é importante para a saudável?
saúde, pelo contrário. É es- Este óleo
sencial para o bom funcio- passa por um processo
namento do sistema cardio- de hidrogenação, ou seja
vascular, reduz o risco de tem gorduras trans na sua
desenvolver doenças como composição, as menos
a diabetes, fortalece ossos benéficas para a saúde. O
e articulações, aumenta a melhor é moderar a sua
resistência muscular e ajuda utilização.
a diminuir o stresse.
O exercício pode evitar Ser vegetariano
que se fique doente, mas a emagrece?
um terço das calorias espe- Herman Pontzer tam- dieta é “a melhor ferramen- As pessoas
radas pelos cientistas para bém quis avaliar o gasto de ta para controlar o peso”. vegetarianas tendem a ter
um mamífero da sua enver- energia dos Hadza (uma Herman Pontzer nota que, um peso mais equilibrado,
gadura. Um deles, com 113 tribo com cerca de 40 mil ao fim de um ano de um mas o que conta é a
kg, gastou 2 050 quilocalo- anos de existência, que vive programa de exercícios fei- quantidade consumida de
rias por dia, enquanto um no Norte da Tanzânia). Os tos de forma diligente e sé- alimentos. Se ingerir mais
homem com o mesmo peso Hadza são uma comunida- ria, é expectável que se per- calorias do que aquelas
perde cerca de 3 300. Os de tradicional de caçado- cam dois quilos. O que não que gasta, o resultado
orangotangos mostraram- res-coletores, caçam e co- é muito. Afinal, o balanço será igual.
-se os “mais preguiçosos da lhem plantas e frutos para é sempre entre as calorias
família dos macacos”, talvez viver. Sendo um estilo de que se consomem e as que O “light”
porque, no decorrer da sua vida ativo e ágil, têm muito se gastam diariamente. é melhor?
evolução, “tiveram escassez mais atividade física diária Os seus estudos indicam Depende. Há
de alimentos”, habituando, do que, por exemplo, um que é difícil perder peso produtos que
desta forma, o seu corpo a citadino típico. Contudo, porque o nosso corpo “não se anunciam light porque
sobreviver com menos ca- surpreendentemente, não está preparado para mudar substituem o açúcar por
lorias por dia. queimam mais calorias do assim tão facilmente”. Pont- outro tipo de adoçantes
Outros estudos feitos que o “americano típico”. zer diz que o metabolismo menos calóricos, como a
com macacos em cativeiro Numa entrevista à revista humano evoluiu ao longo estévia. Para serem light, é
mostraram que os huma- da universidade de Harvard, de milhões de anos “para se necessária uma redução
nos, quando ajustada a onde estudou, o antropó- defender contra a perda de de 25% das calorias
massa corporal, queimam logo-biólogo explicou que, peso” – e é isso que preten- em comparação com o
mais 20% de energia por se tivermos em considera- de continuar a mostrar nas produto normal.
dia do que os chimpanzés e ção o tamanho do corpo, a próximas investigações.
40% mais do que os gorilas. percentagem de gordura e a srodrigues@visao.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 31


II GUERRA MUNDIAL

Como se vivia
no Portugal
“neutral”
Costumes As refugiadas,
que enchiam as praias do
Estoril, usavam fatos de banho
“audaciosos”, que o governo
obrigaria a que fossem
“cobertos com saias”

A “rigorosa neutralidade” determinada por Salazar


deu para Lisboa receber o maior avião do mundo,
para se ler, por igual, a propaganda nazi e dos Aliados,
para a venda de volfrâmio aos alemães enriquecer
de súbito camponeses pobres, para o racionamento
dos bens essenciais, para a fome pura e dura, e para se
recear uma invasão das forças do Führer. Mas também
serviu para os refugiados que fugiam de Hitler
nos tornarem menos provincianos
GETTYIMAGES

— PO R J . PL ÁCI D O J Ú N I O R
O
Ontem como hoje, em tempo de guer-
ra, a censura e a propaganda eram e
são armas tão importantes quanto os
canhões, os aviões e as bombas. Mas,
situando-se este texto na vida em
Portugal durante a II Guerra Mun-
dial (1939-1945), há que reconhecer
que as regras do jogo da propaganda
dos beligerantes eram, por cá, crista-
linas – porque alinhadas, claro, com
o interesse da ditadura salazarista do
Estado Novo de dar a ilusão de uma
neutralidade resultante da expressão
de opiniões desavindas. Mostra-o a
edição de 28 de agosto de 1941 da
revista portuguesa Vida Mundial
Ilustrada. Quando o exército nazi já
dominava a maior parte da Europa se comenta; verifica-se. E a vida por- revista Sinal, produzida e impressa
e a Grã-Bretanha procurava resistir tuguesa prossegue…” na Alemanha, em diferentes línguas,
aos intensos bombardeamentos da Ao mesmo tempo que nos revela e depois distribuída em vários países.
Luftwaffe, a publicação semanal de- as claras regras do jogo propagandís- Os “anglófilos” compravam a revista
dicou algumas das páginas daquele tico, por cá, dos beligerantes, aquela A Guerra Ilustrada, proveniente de
número às vantagens de Portugal ser reportagem também nos traz o odor Londres nos mesmos moldes. Am-
um “país neutral”. da autocracia de Salazar, o Presidente bas eram publicações com excelente
A exemplificá-lo, a revista fez uma do Conselho (que também chamou a grafismo, recheadas de reportagens
pequena reportagem no Rossio, epi- si a pasta dos Negócios Estrangeiros fotográficas de qualidade superlativa
centro da vida lisboeta, para demons- logo em 1936), a qual aferrava o País. da frente de batalha (em grande parte,
trar como as notícias sobre a guerra Portugal não era o exemplo de “equi- claro, encenadas), cumprindo a sua
que se desenrolava no resto da Eu- líbrio e de bom senso” que a Vida função principal: desmoralizar os
ropa podiam ser “lidas” por quem se Mundial Ilustrada exaltava, com o à inimigos e encorajar os aliados.
queria manter informado. Em Lisboa, época diretor da revista, José Cândi- Quem “torcia” pela Grã-Bretanha,
escrevia o repórter, “as fachadas das do Godinho, a elogiar, em editorial, porém, informava-se sobretudo na
casas de vendas dos jornais são mos- a “política sábia de governo”, numa revista quinzenal Mundo Gráfico, di-
truários do pensamento e da atuali- edição com o aviso de que tinha sido rigida por Artur Portela, a qual refletia
dade de todos os povos e de todos “visada pela Comissão de Censura”, a ausência de simpatia de Churchill
os continentes”. E as fotografias que como todos os números anteriores e para com Salazar, dando muito maior
acompanhavam a peça ilustravam-no todos os que se seguiriam. Tal exem- cobertura ao marechal Carmona,
bem. Ainda melhor, sublinhavam-no plo era uma trágica ficção num país então Presidente da República. Mas
as descrições das imagens. Eis duas sem eleições e sem Imprensa livre. na verdade, nos títulos da Imprensa
das legendas: “No Rossio, praça cen- No entanto, como a diversidade de portuguesa, a diversidade de opiniões
tral da cidade, coração da capital, há, opiniões servia os intentos do regime, tinha de ser mais sub-reptícia do que
sem atritos nem malquerenças, duas os ardinas desdobravam-se na venda expressa, única forma de servir os
montras de objetivos opostos. Aqui de jornais e de revistas preferidos interesses do regime. Caso contrário,
a Alemanha fala… Aqui expõem-se pelos apoiantes dos Aliados ou do o lápis azul da censura tratava de as
‘as verdades inglesas’. O povo passa, Reich de Hitler. Os “germanófilos” riscar das publicações. Ainda assim, as
observa e segue. Não se discute nem tinham à disposição, por exemplo, a opções eram claras: os leitores pró-

34 VISÃO 14 ABRIL 2022


GETTYIMAGES
-Aliados compravam, por exemplo, Perigo Em conluio com Hitler, o
o Diário de Lisboa e o República. Já ditador espanhol Franco (na foto,
com Salazar, em 1942, em Sevilha)
os pró-Hitler adquiriam O Século ou ponderou invadir Portugal. O povo
a revista Flama. Havia até anuncian- viveu um certo receio, mas nunca
tes que tomavam partido, como era um clima de pânico
o caso do importador de um creme
de barbear. “O homem moderno faz
diariamente a barba com Oatine, o
produto preferido não só no Império quela vila endinheirada em contactos
Britânico como em todo o Mundo dissimulados com refugiados e exila-
Civilizado”, publicitava. dos em trânsito, além de altas figuras
da aristocracia e da finança. Por sinal,
Como a UM “MONSTRO” NO TEJO o britânico Ian Fleming, que prestou
No elitista Estoril, quem apoiava o serviço em Portugal durante a guerra
diversidade Reich de Hitler ou os Aliados também como agente secreto, inspirar-se-ia
de opiniões servia tinha poisos bem demarcados. As
festas com champanhe no Hotel do
no Casino Estoril, que conheceu bem,
para escrever Casino Royale, o seu
o regime, Parque significavam uma vitória dos
alemães na frente de batalha. Mas se as
primeiro romance da saga de 007.
Com grande probabilidade, foi um
os ardinas vendiam taças cintilavam no Hotel Palácio, era erro de espiões alemães colocados
certo que se comemorava um triunfo na capital portuguesa que conduziu
jornais e revistas dos Aliados. Os “Estoris”, como então à morte do então muito popular ator
preferidos pelos se dizia, eram um local de informação
privilegiada sobre a evolução da guer-
britânico Leslie Howard, que contra-
cenou com Clark Gable em E Tudo o
apoiantes dos ra – as notícias da frente chegavam ali
antes mesmo de saírem nos jornais. As
Vento Levou. Viajando por iniciativa
dos Ministérios britânicos da Infor-
Aliados ou do fontes eram os espiões dos dois lados
que, à época, infestavam Lisboa e que
mação e dos Negócios Estrangeiros,
Howard esteve em Lisboa entre abril
Reich de Hitler gastavam boa parte do seu tempo na- e fins de maio de 1943, com uma ida a

14 ABRIL 2022 VISÃO 35


GUERRA
LUCRATIVA
O banqueiro Ricardo Espírito Santo
entrou na lista negra dos Aliados
– negociava e ganhava demasiado
com a Alemanha de Hitler

Durante a II Guerra Mundial, o Banco


Espírito Santo e Comercial de Lisboa
(BESCL) tornou-se o maior de
MUNDO GRÁFICO

Portugal. Os seus 48 balcões eram


responsáveis por 17% do crédito
comercial e 2,1% dos depósitos.
O presidente, Ricardo Espírito Santo
(avô de Ricardo Salgado, o ex-
banqueiro agora caído em desgraça),
visitava Salazar todas as semanas e
era um homem de contrastes: fazia
negócio com os alemães, embora se
dissesse monárquico e defensor do
modelo inglês de governação.
Mas tanto negociou com a Alemanha
de Hitler que, a 1 de maio de 1944,
os Aliados puseram o BESCL na sua
lista negra, obrigando o banqueiro
a interromper a ligação aos nazis. O
historiador António Louçã concluiu,
em investigações que efetuou, que
as divisas resultantes da troca de
ouro por escudos eram depositadas
em contas que os alemães tinham no
BESCL e no Banco Lisboa & Açores.
MUNDO GRÁFICO

Ricardo Espírito Santo era casado


com Mary Cohen, filha de um rico
judeu sefardita. E a sua família
assegura estar na posse de cartas
de refugiados judeus que agradecem Madrid pelo meio, para proferir pales- Os jornais de todo o mundo noti-
ao banqueiro os serviços prestados tras sobre o teatro de Shakespeare e a ciaram prontamente o brutal derrube
durante a guerra. indústria do cinema em tempo de or- do avião de carreira, destacando a
Quanto ao resto, Ricardo Espírito
çamentos apertados. O próprio Leslie morte no voo fatal de Leslie Howard,
Santo sustentava que fazia negócio
com os dois lados, ao abrigo da
Howard, magro e sereno, acabara de ator e galã muito disputado pelos
neutralidade tão cara a Salazar. realizar e protagonizar o filme Pim- produtores dos filmes de Hollywood
pernel Smith, em que ridicularizava o – ainda para mais quando a “linha de
regime de Hitler. À versão oficial da Lisboa”, como era conhecida, gozava
viagem, por sinal, contrapunha-se a de imunidade, por via de um acordo
suspeita de que o ator era um agente diplomático não escrito que vigorava
ao serviço de Sua Majestade para cap- entre as forças do Eixo e os Aliados.
tar as simpatias de cidadãos de países Porque foi, então, o indefeso avião
neutrais para a causa dos Aliados. A atacado de forma tão implacável? A
1 de junho, no Aeroporto da Portela explicação mais plausível diz que, no
(inaugurado sete meses e meio antes), embarque para o Ibis, no Aeroporto
Leslie Howard embarcou num avião da Portela, espiões alemães confun-
civil da KLM, batizado de Ibis, ao lado diram Alfred Chenhalls com Winston
do seu gestor financeiro, Alfred Che- Churchill, e de imediato informaram a
nhalls, um exuberante homem forte e Luftwaffe de que o primeiro-ministro
calvo, sempre de charuto na boca, que britânico seguia a bordo do DC-3 da
acompanhou o ator em permanência. KLM. O próprio Churchill subscreveu
Com mais 11 passageiros e quatro tri- esta tese em A Segunda Guerra Mun-
pulantes, o Douglas DC-3 levantou dial, a obra que lhe valeu o Prémio
voo, com destino a Bristol (Inglaterra), Nobel da Literatura de 1953. “Quando
mas seria abatido por uma esquadri- o voo comercial regular estava quase a
lha da Luftwaffe quando sobrevoava partir do aeroporto de Lisboa, entrou
o golfo da Biscaia. no aparelho um homem forte fuman-

36 VISÃO 14 ABRIL 2022


Guerra e paz Se havia
monumentos “encaixotados”,
face a um eventual ataque aéreo,
e refugiados fugidos de Hitler

BIBLIOTECA DE ARTE FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN/HORACIO NOVAES


chegavam aos milhares, a vida
decorria dentro da normalidade
possível, com quiosques recheados
de publicações e, até, concertos
de música clássica

elementos). Mas, a 22 de fevereiro de


1943, o Yankee Clipper, da Pan Ame-
rican, terminou a longa viagem desde
Nova Iorque, via Horta, de forma trá-
gica: despenhou-se no rio Tejo. Vinte e
quatro dos 39 ocupantes do aparelho
perderam a vida. O desastre ganhou
ainda maiores proporções mediáticas
porque a bordo do Yankee Clipper
viajava a cantora e atriz norte-ame-
ricana Jane Froman, uma celebridade
à época, que conseguiu sobreviver ao
acidente, apesar de ter ficado grave-
mente ferida. A sua história viria a dar
origem ao filme With a Song in My
Heart (Quando o Coração Canta, no
título em português), produzido em
1952 pela 20th Century Fox – mas o
desastre no Tejo representou o princí-
pio do fim das ligações transatlânticas
nos Clippers da Pan American.

“BOMPERNASSE” NO ROSSIO
Quando, na madrugada de 1 de setem-
bro de 1939, a pretexto da não devolu-
ção de Dantzig, as forças do Reich de
Hitler atacaram a Polónia, por terra,
mar e ar, Londres e Paris declararam
GETTYIMAGES

guerra à Alemanha. Salazar emitiu um


comunicado afirmando a neutralida-
de de Portugal na II Guerra Mundial,
que então começava. Diga-se que os
do um charuto”, escreveu Churchill, portugueses, que se reuniam em casa
para acrescentar: “Os agentes ale- de quem tinha telefonia e colavam o
mães no local assinalaram então que ouvido ao aparelho, respiraram de alí-
eu estava a bordo. (...) A brutalidade vio, pois receavam que a sua juventude
dos alemães apenas foi ultrapassada fosse morrer pela Polónia. Era uma
pela estupidez dos seus agentes.” O reminiscência da I Guerra Mundial,
“homem forte fumando um charuto” quando a I República enviara soldados
era, claro, Alfred Chenhalls. ao encontro da morte nas trinchei-
E, a partir do Tejo, outro drama ras da Flandres. Mas era agora certo
tocou Hollywood. Em junho de 1939, que Portugal não ia alinhar-se com a
foi inaugurada a ligação aérea Nova “velha aliada” Inglaterra no conflito.
Iorque–Horta–Lisboa, processada Puderam assim os portugueses con-
por “hidros” Boeing B-314, à época o tinuar a ler com tranquilidade os seus
maior avião do mundo. A rota da Pan jornais censurados e a repetir as pia-
American manteve-se em atividade das da revista que estivesse em cena
durante a guerra, com os hidroaviões no Teatro Maria Vitória, no Parque
Clippers a amararem e a descolarem Mayer, em Lisboa.
Os alemães no rio Tejo, e a doca dos Olivais a A “rigorosa neutralidade” deter-
servir de local de desembarque e em- minada por Salazar, porém, nunca
abateram um avião barque de passageiros – que pagavam, poderia livrar o País dos efeitos do
civil da “linha de a preços atuais, mais de seis mil eu-
ros pela viagem. Era, claro, um avião
conflito mundial. Em junho de 1940,
abria a Exposição do Mundo Portu-
Lisboa” pensando especial, com luxos como quartos de
vestir para homens e mulheres, e um
guês, instalada em 560 mil metros
quadrados de Belém, e que recebe-
que Churchill restaurante requintado, com cozinha
a bordo (podia transportar até 74 pas-
ria, até dezembro, três milhões de
visitantes – um êxito do diretor do
ia a bordo sageiros e tinha uma tripulação de 11 Secretariado de Propaganda Nacio-

14 ABRIL 2022 VISÃO 37


Dias negros Refugiados judeus,
no porto de Lisboa, à espera
do embarque para os EUA; fila
para a recolha de senhas de
racionamento, instituídas em 1943

Na verdade, nem eram a maior preo-


cupação do ditador – ao contrário de
refugiados políticos comunistas e so-
cialistas que tinham combatido contra
as forças franquistas na Guerra Civil
espanhola e de antinazis que não eram
judeus e provinham de outros países
da Europa, os quais circulavam numa
Lisboa inundada de estrangeiros.
Além do mais, Salazar sabia que,
para os refugiados judeus, os EUA

GETTYIMAGES
eram então a Terra Prometida, onde
ficariam a salvo. O Estado de Israel
ainda não existia e a Palestina estava
sob controlo dos ingleses, que não
viam com muito bons olhos a chegada
de refugiados. O Presidente do Con-
selho tinha informações fidedignas de
que organizações como o American
Joint Distribution Committee, criado
pela influente comunidade judaica
norte-americana, e outras, fretariam
os navios necessários ao transporte
de refugiados judeus para os EUA.
O regime já lhes tinha vedado, há
ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO

muito, a possibilidade de arranjarem


emprego, para não concorrerem com
os portugueses. Em 1938, depois de a
Alemanha de Hitler anexar a Áustria,
vários países europeus adotaram
medidas restritivas de fronteiras. E
Portugal seguiu o exemplo. A partir
daí, os judeus, que passaram a ter o “J”
carimbado no passaporte, só podiam
nal, António Ferro. Salazar exultava: entrar no nosso país com vistos de
tal sucesso ajudava, e muito, a fazer trânsito por um máximo de 30 dias.
sobressair o País como um “oásis de Para o governo de Salazar, o pro-
paz”, imagem que o regime (nacio- blema foram os costumes. Houve uma
nalista e ultraconservador) tanto se Lisboa antes e depois dos refugiados.
esforçava para que transparecesse. Em 1940, a capital era uma cidade de
No entanto, ao mesmo tempo que 800 mil habitantes, muito deles fu-
a grandiosa exposição de Belém era gidos à pobreza dos campos. A crer
inaugurada, as tropas nazis ocupavam nas estatísticas, naquele ano mais de
a França, a Bélgica e a Holanda. Só 50% dos 7,6 milhões de residentes no
nos três dias seguintes a 14 de junho, País eram analfabetos. E, de súbito, os
data da queda de Paris, centenas de portugueses confrontaram-se com os
milhares de refugiados procuraram hábitos bem mais liberais dos estran-
o consulado português de Bordéus, geiros – sobretudo das refugiadas.
onde muitos deles seriam salvos pelos Enquanto aguardavam o embarque
vistos de Aristides de Sousa Mendes. no navio que as levaria para os EUA,
Uma gigantesca onda de refugiados Em 1940, a crer enchiam as praias do Estoril, então a
(calcula-se que uns 100 mil tenham “Riviera Portuguesa”, usando fatos de
passado por Portugal durante a II nas estatísticas, banho “audaciosos”, que uma ordem
Guerra Mundial) chega ao País no
verão de 1940. Na sua esmagadora mais de 50% dos governamental obrigaria a que fossem
“cobertos com saia”. Lisboa encheu-se
maioria eram judeus, que fugiam da
Alemanha nazi da “solução final”. O
7,6 milhões de de esplanadas, que – novidade enor-
me – passaram a ser frequentadas por
governo de Salazar não deu apoio
financeiro a esta multidão de refugia-
residentes no País mulheres, para mais sem luvas nem
chapéu e, pior ainda, sem meias. O
dos, mas tolerou que se organizassem. eram analfabetos escritor, jornalista e dramaturgo Ale-

38 VISÃO 14 ABRIL 2022


“Dia D”? Qual “Dia D”?
O País parou para assistir à inauguração do Estádio Nacional, quando o mundo tinha os olhos postos
no determinante desembarque de tropas aliadas na Normandia

“Salazar, o chefe que o desporto português ouro – nos 100 m e 200 m, na o que correu menos bem na
prometeu e cumpriu!”, gritava viveram-se momentos de estafeta 4x100 m e no salto “memorável festa”. O piso da
a capa da revista Stadium, na rubro entusiasmo e profunda em comprimento. pista de atletismo, “formada
edição imediatamente a seguir emoção.” A primeira peça Mas o texto de Salazar por jorra miúda, sem pó de
à inauguração do Estádio que se lia, escrita na primeira Carreira ia por outro caminho. carvão, sem pó de tijolo ou
Nacional, a 10 de junho de pessoa, era de Salazar “Quando dez mil desportistas areia argilosa que servissem
1944, construído no vale do rio Carreira, coordenador das e ginastas, mais 60 mil de aglutinante”, estava
Jamor (Oeiras). O País parou provas de atletismo na espectadores, clamaram nas “demasiado solto e todos
para assistir a essa festa de inauguração do estádio. O estrofes da Portuguesa o os corredores se queixaram
exaltação do regime ditatorial, estilo, esse, era à mesma seu entusiasmo de gratidão da sua pouca consistência,
quando o mundo tinha os gongórico. “Vivi, há oito anos, e a sua fé nacionalista, vim prejudicial ao aproveitamento
olhos postos na gigantesca esse momento insuperável – encontrar afinal o momento do esforço muscular”. E a
operação de desembarque de julgava eu – da inauguração máximo da minha emoção prova de estafeta foi mesmo
tropas aliadas na Normandia, espectaculosa e emocionante desportiva, aquele em que a anulada, pela “impossibilidade
que se iniciara quatro dias dos Jogos Olímpicos de alma sentiu o doce afago de de marcar as linhas dos
antes, a 6 de junho. Ou seja, Berlim”, recordava. Essas uma ambição realizada além corredores periféricos, (...) em
Portugal passou ao lado do Olimpíadas, realizadas em de todas as espectativas”, virtude da pouca consistência
determinante “Dia D”, que 1936, ficariam sobretudo confessava. E, não fossem da pista, revolvida pelo
começou a desenhar a vitória para a História pela tentativa os leitores esquecerem- desfile dos três mil filiados da
dos Aliados e a derrota da fracassada de Hitler (que se do essencial, assinalava Mocidade Portuguesa”.
Alemanha de Hitler. chegara ao poder três anos que “o público soube Em futebol, disputou-se
O título da reportagem antes) de utilizá-las para demonstrar, com o calor e o um Sporting-Benfica, de
da Stadium sobre aquela provar as suas teorias da carinho das suas ovações, qualidade muito criticada pela
cerimónia era longo e superioridade racial ariana. Um ao Presidente Carmona e ao Stadium. Os leões venceram o
devidamente adjetivado: “Na atleta negro norte-americano, presidente Salazar, (...) o seu jogo e o seu mítico avançado
inauguração do grandioso Jesse Owens, deixaria o agradecimento”. Peyroteo marcou o primeiro
Estádio Nacional que Führer a espumar de raiva, ao No entanto, a reportagem da golo da história do Estádio
Salazar fez construir para arrecadar quatro medalhas de Stadium também abordava Nacional.

14 ABRIL 2022 VISÃO 39


Desastre “Hidros” Clippers que faziam
a ligação Nova Iorque-Horta-Lisboa,
estacionados nos Açores. Um deles, em

IMPRENSA DE PROPAGANDA 1943, despenhou-se no Tejo. Ia a bordo


a cantora e atriz norte-americana Jane
Froman (na foto à dir., em cima, em
Entre as armas de propaganda que alemães e ingleses esgrimiam durante a II Guerra cadeira de rodas), que sobreviveu ao
Mundial, contam-se as revistas portuguesas ilustradas A Esfera e O Mundo Gráfico. acidente – história que deu um filme
Os seus diretores, Félix Correia e Artur Portela, respetivamente, conheciam-se bem:
integravam a redação do Diário de Lisboa e até tinham ambos feito a cobertura
da guerra civil de Espanha, mas não partilhavam ideias políticas. Félix Correia era
apoiante de Hitler, que conhecera em 1935, no âmbito de um convite feito ao jornal xandre Babo deixou um testemunho
para ir à Alemanha. Artur Portela entrevistara Churchill em 1939, numa viagem de sobre esse tempo: “À Suíça, no Ros-
jornalistas a Inglaterra organizada pelo British Council, organismo que chegara
sio, já chamavam o ‘Bompernasse’, ali
a Portugal em novembro de 1938, já com os olhos postos numa estratégia de
propaganda. Os germanófilos tomam a dianteira: A Esfera chega às bancas a 6 de
onde predominavam as mulheres (...)
julho de 1940 e O Mundo Gráfico, com periodicidade quinzenal, a 15 de outubro fumando em público.” As estrangeiras
(vindo a contar mais tarde com a colaboração, entre outros, de João de Barros e faziam moda, com o penteado curto
Vitorino Nemésio). “à refugiada” e saias ousadas. Um
A propaganda também se fazia dando eco, por escrito, aos boatos que cada um dos autêntico abanão na moral vigente.
lados punha a circular. Um exemplo de A Esfera, de janeiro de 1941: “Uma senhora
francesa nossa amiga recebeu da zona ocupada do seu país informações acerca À ESPERA DA INVASÃO
do excelente tratamento dos prisioneiros de guerra alemães. Oficiais, sargentos e Tentando equilibrar-se na corda bam-
soldados prisioneiros têm a mesma alimentação que os alemães das suas patentes.” ba da neutralidade, Salazar apanhou
Quando a censura impõe regras mais duras para que a voz da Imprensa alinhe pela um enorme susto logo em 1940, e que
neutralidade de Portugal, as duas revistas são os únicos títulos aos quais é permitido ficaria latente nos dois anos seguin-
publicar referências às atividades propagandísticas dos beligerantes. tes. Soube-se que o ditador espanhol,
Pouco depois de os alemães chegarem aos Pirenéus, um adido da embaixada Franco, estudava a invasão de Por-
britânica diz a Portela que tem lugar reservado para ele num avião, mas o jornalista
tugal, agindo de acordo com Hitler,
não aceita, porque a mulher e os filhos ficariam para trás. Menos popular do que a
Sinal, tradução literal de uma publicação alemã posta a circular em Portugal a partir
no âmbito de uma intervenção com
de 1941, A Esfera tem o último número publicado a 5 de maio de 1945. O Mundo o nome de código Operação Félix.
Gráfico só termina em 1948, ano em que o rei Jorge VI de Inglaterra distingue Artur Tendo em conta o apoio de Salazar
Portela com a Ordem da Liberdade. C.L. a Franco na Guerra Civil espanhola,
a ingratidão de Madrid era indizí-
vel. Mas a vitória nacionalista e os
primeiros êxitos de Hitler desperta-
ram os sonhos imperiais de Espanha.
Após uma reunião com o Führer em
Hendaye, a 23 de outubro de 1940,
Franco ordenou ao seu Alto Estado-
-Maior que planificasse uma rápida
invasão de Portugal, por terra, mar e
ar. A concretizar-se, a ação franquista
enquadrar-se-ia num contexto mais
vasto. Espanha procurava o apoio da
Alemanha para tomar Gibraltar aos
ingleses. E a posse de Gibraltar seria
importante para o Eixo, pois contro-
laria o acesso das esquadras britânicas
ao Mediterrâneo e permitiria à Itália
de Mussolini fazer sair a sua para o
Atlântico.
Portugal preparou-se então para o
pior. Enquanto Salazar negociava com
Londres, a fim de obter apoio para a
retirada do governo português para os
Açores em caso de ataque alemão, ba-
terias antiaéreas protegidas por sacos
de areia foram instaladas em diversos
pontos da capital, e cobriram-se com
tábuas protetoras estátuas e monu-
mentos, incluindo a entrada principal
da Sé de Lisboa. O Terreiro do Paço,
com as arcadas entaipadas, seria ce-
nário de exercícios destinados a pre-
parar a população face à eventualidade
de um ataque aéreo, incluindo a ida
para abrigos – na Rua do Carmo, por
exemplo, foram construídos alguns na
muralha do convento. E toda a gente
GETTYIMAGES

se muniu de grandes rolos de fita go- rio espanhol, para atacar Gibraltar, o
mada branca para colar nas vidraças que exigiria a ocupação de Portugal.
das janelas, de modo a impedir que A pressão sobre a Península Ibérica,
estas se partissem com a vibração das porém, seria aliviada, até se esfumar,
explosões. à conta das aventuras de Mussolini
Mas aconteceu que as condições
colocadas por Madrid, para que Es-
O Terreiro nos Balcãs, descambando num desaire
militar perante as tropas gregas. Em
panha entrasse na guerra e no Eixo, do Paço foi palco socorro do seu aliado, as atenções de
eram tais que o Führer acabou por se Hitler voltaram-se para um cenário
enfadar com Franco. Este reclamava, de exercícios bélico de emergência com que não
além de ajuda militar e económica, a
cedência de Marrocos, do Noroeste que preparavam contava – as invasões da Jugoslávia e
da Grécia. Seguiram-se os compro-
da Argélia e de parte da África Oci-
dental Francesa. Mesmo assim, a
a população missos militares da Alemanha contra
os ingleses no Norte de África e, por
ameaça persistiu: Hitler não desistiu
da Operação Félix, e pensou em atra-
para ataques fim, a gigantesca invasão da União
Soviética, que se tornaria anos depois
vessar com os seus Panzers o territó- aéreos o túmulo do III Reich.

14 ABRIL 2022 VISÃO 41


De regresso à pacatez habitual, os
portugueses iriam rir-se até às lágri-
mas com António Silva no filme de
Arthur Duarte O Costa do Castelo, e
cantarolar A Minha Casinha e Cantiga
da Rua, interpretadas na película por
Milú, e que passavam incessantemente
na rádio.

O MANÁ DO VOLFRÂMIO
Com o início da guerra, a febre do vol-
frâmio atraiu milhares de pessoas em
busca de uma vida melhor. Os exérci-
tos de Hitler precisavam do volfrâmio
BIBLIOTECA DE ARTE FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN/HORACIO NOVAES

das serras beirãs, do qual se extraía o


tungsténio, que, graças à sua elevada
densidade e resistência ao calor, servia
para o revestimento de tanques e de
projéteis – negócio, pago por Berlim
em ouro e divisas, sempre autorizado
por Salazar, até para aplacar os falcões
alemães. Naquelas serras, os “pilhas”,
ou “apanhistas”, faziam dinheiro com
o comércio ao quilo do minério que
recolhiam nas imediações das mi-
nas, por vezes a céu aberto, que eram
obrigados a vender às empresas con-
cessionárias. Estas, para exportarem
maiores quantidades e acabarem com
os roubos, autorizavam os “trabalhos
do quilo” às famílias dos mineiros e
aos habitantes das redondezas. E os
sinais de enriquecimento súbito es-
tavam em todo o lado – a ponto de
se ver camponeses a enrolar notas de
mil escudos em forma de charuto e a
fumarem-nas até ao fim.
As minas da Panasqueira, as maio-
res da Europa, chegaram a empregar,
nos tempos áureos do volfrâmio, 11
mil pessoas. Em muitas aldeias beirãs,
famílias renovavam as suas casas, do
telhado ao mobiliário. Do fundo da

Se, no Tejo,
amarava o “hidro”
Clipper, o maior
avião do mundo,
mineiros das serras
beirãs fumavam
charutos feitos
de notas, à conta
do volfrâmio
42 VISÃO 14 ABRIL 2022
Grandes festas Em 1940, a Exposição
do Mundo Português, em Belém, teve
três milhões de visitantes (em baixo, o
Padrão dos Descobrimentos ainda em
construção). Ao lado, manifestantes
celebram, em maio de 1945, junto à
embaixada britânica, em Lisboa, a vitória
dos Aliados e a derrota do Reich de Hitler

das colónias e do seu próprio regime.


A 5 de junho daquele ano, na véspera
do desembarque na Normandia, o
ditador aceitou as condições dos Alia-
dos, que impunham a proibição total
e definitiva da venda de volfrâmio à
Alemanha, ao abrigo de uma estra-
tégia para estrangular a indústria de
defesa do inimigo. E, sete dias depois,
Salazar decretou o encerramento das
minas de volfrâmio e embargou a sua
exportação.
A Alemanha nazi render-se-ia aos
Aliados em maio de 1945. Na capital
do neutral Portugal, largos milhares
de lisboetas deram, sem receio, largas
à sua alegria, numa época em que as
manifestações eram proibidas. Quer
na Baixa pombalina quer junto à em-
baixada britânica, na Lapa, os mani-
ALAMY STOCK PHOTO/FOTOBANCO.PT
festantes gritavam “vitória”, faziam
com os dedos o “V” popularizado por
Churchill e empunhavam bandeiras
do Reino Unido, dos EUA, de França e
até… do Benfica, em lugar da soviética,
com a foice e o martelo, obviamente
proibida. Um então território portu-
guês, porém, não escapou à guerra:
Timor. A colónia foi invadida, a 20 de
mina saíam, por mês, 140 a 150 to- colónias) de petróleo, oleaginosas, fevereiro de 1942, por tropas do Japão
neladas de volfrâmio, 300 em certos café, cacau, couro, lã, algodão e sisal, imperial de Hirohito (que integrava as
períodos. Em 1943, a Panasqueira provocando, por um lado, o açambar- forças do Eixo), a ocupação prolon-
pagava aos cofres do Estado 30% do camento, e, por outro, a escassez nos gou-se até setembro de 1945, e dela
valor total do imposto mineiro cobra- abastecimentos. A demora do governo resultou a morte de cerca de 90 por-
do a nível nacional. E, com o maná do em decretar o racionamento de bens tugueses, sobretudo em dois campos
volfrâmio (cujas cotações chegaram essenciais (o que só aconteceu em de concentração, em Liquiçá e Mau-
a valer sete vezes mais do que no 1943), a par da sucessão de maus anos bara, cuja existência era desconhecida
início da guerra), cresciam também agrícolas, originou uma grave crise pela população da metrópole, graças
os roubos e o contrabando. Para re- alimentar, com os preços a dispararem à Censura. As vítimas nativas seriam
forçar a vigilância, a Beralt Tin Wol- a partir do outono de 1941. A falta de ignoradas no balanço oficial – mas
fram (concessionária da Panasqueira emprego nos campos e nas fábricas, estima-se que se situaram entre 40
inteiramente controlada por capitais a desvalorização dos salários reais e e 50 mil, perto de 10% da população
ingleses – mais uma confirmação de a hiperinflação deixaram muitos na timorense.
que “o capital não tem pátria”) formou pobreza extrema e desencadearam Terminado o conflito mundial,
um corpo de guardas privativos com revoltas populares, violentamente Salazar sobreviveu, contra as pre-
quase 300 efetivos. reprimidas. visões. Mas a política do “orgulho-
Entre 1941 e 1943, a Alemanha Ainda assim, havia quem se inco- samente sós” que prosseguiu estava
tornou-se o segundo maior parceiro modasse por ter acoplado nos seus condenada. Exemplo paradigmático
económico do País, absorvendo 40% automóveis, na parte exterior tra- é uma decisão inédita tomada, em
do comércio total e contribuindo para seira, um depósito de gasogénio, um 1972, pela Assembleia Geral da ONU:
o saldo positivo da balança comercial. combustível de emergência, à base foram formalmente declaradas legí-
Quanto aos bancos, os seus lucros de carvão, que substituía a gasolina timas as revoltas anticoloniais con-
triplicaram entre 1939 e 1944. e o gasóleo. tra Portugal e chegou-se mesmo ao
Mas a venda de volfrâmio aos ale- ponto de reconhecer os movimentos
mães conduziria a um braço de ferro E SALAZAR CEDEU armados como únicos representantes
entre Salazar e os britânicos (que Em janeiro de 1944, Salazar começou das populações locais dos territórios
também compravam o minério a a perceber que continuar a resistir ao sob domínio português. Dois anos
Portugal), de consequências dramá- embargo britânico e persistir em ne- depois, o regime do Estado Novo caía
ticas. Londres decretou um bloqueio gociar com a Alemanha nazi à revelia de podre com o golpe militar de 25
que impedia a chegada ao País (e às dos Aliados ameaçava a sobrevivência de Abril de 1974. visao@visao.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 43


TIAGO ANTUNES
O “ator” que
Costa chamou
para o palco
Elogiado pela boa capacidade técnica e pela
sensibilidade política, coordenou o processo
legislativo do Governo nos últimos anos.
Fã de viagens e apaixonado pelo teatro,
tornou-se uma peça imprescindível para
o primeiro-ministro durante a pandemia e,
agora, foi premiado com a pasta dos Assuntos
Europeus – fulcral para António Costa
— POR NUNO MIGUEL ROPIO

Talento “Transfigura-se numa personagem


e distancia-se da sua imagem mais
reservada”, diz a ministra Mariana Vieira
da Silva sobre o novo titular da pasta
dos Assuntos Europeus
MARCOR BORGA
J “Já que passa a tê-lo tão per-
to de si, aproveite plena-
mente as suas capacidades.
Vai surpreendê-lo. O seu
contributo foi muito valioso
para mim.” Esta foi a men-
sagem de recomendação que
António Costa recebeu do
eurodeputado Pedro Silva
Pereira, sobre a entrada de
Tiago Antunes no Executivo socialista,
em julho de 2017, na senda de uma das
primeiras remodelações governamen-
tais. O líder socialista terá tido em boa
conta tal recado, já que, após dois anos
em que aquele professor auxiliar da
Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa coordenou na Presidência
do Conselho de Ministros toda a le-
gislação produzida pelas várias tutelas
ministeriais no primeiro governo da
Geringonça, o levou para o seu gabi-
nete com as legislativas de 2019. Agora,
com uma União Europeia mais concer-
tada do que nunca, devido à guerra na
Ucrânia, o primeiro-ministro deu-lhe
a Secretaria de Estado dos Assuntos
Europeus, mas manteve-o sob a sua
alçada – no que foi entendido como nem sempre tem sido o mais célere. do aconselhamento político”, admitiu
um sinal de que o futuro político de Como aponta o constitucionalista sobre Tiago Antunes, que se tem es-
Costa passará, mais cedo ou mais tarde, Jorge Reis Novais, que trabalhou com pecializado em coadjuvar quem está
por Bruxelas. o governante na Faculdade de Direito debaixo dos holofotes, e desde tenra
Tiago Antunes, de 43 anos, regres- da Universidade de Lisboa (FDUL), esta idade. As imagens do concurso Sim ou
sa, assim, ao palco europeu, no qual é “mais uma etapa de alguém cuja pre- Sopas, de 1991, que podem encontrar-
se moveu durante cerca de um ano e sença, seja o primeiro-ministro quem -se no site da RTP/Arquivos, aí estão
meio, enquanto foi assistente do ga- for, é imprescindível num gabinete de para o comprovar: um menino afoito,
binete de Silva Pereira. Entre aqueles proximidade com o decisor político”. cujo olhar ainda hoje se mantém, a
com quem trabalhou e os amigos mais “Não se preocupa com o cargo ou com apresentar com desenvoltura as equi-
próximos, ninguém se mostra sur- o título, mas é indispensável na área pas concorrentes, como assistente de
preendido com o caminho percorrido Manuel Luís Goucha.
por alguém que, além de adorar ver pe-
ças de teatro, tem experiência na área UM “CÃO DANADO” MAS ROSA
da representação. “Tem o grande talen- Regresso a Nascido a 23 de dezembro de 1978,
to de se transfigurar numa personagem no Hospital de São Cristóvão, pro-
e de se distanciar da sua imagem mais Bruxelas, com a priedade da Associação de Socorros
reservada”, admite Mariana Vieira da
Silva, a ministra da Presidência que
pasta de secretário Mútuos de Empregados no Comércio
de Lisboa, o novo titular dos Assun-
conhece o governante vai para duas
décadas e de quem é muito próxima.
de Estado, é tos Europeus entrou para o primeiro
governo de José Sócrates, em 2005,
Mais: a par da enorme sensibilidade visto como quando ainda não tinha completado
política e da capacidade técnica que lhe
apontam, há quem considere o espe- reconhecimento os 27 anos. Ao chegar então a adjunto
do secretário de Estado Adjunto do
cialista em Direito Ambiental, Admi-
nistrativo e Constitucional preparado
de qualidades, mas primeiro-ministro, Filipe Baptista, que
tinha sido seu colega na universidade,
para assumir outros altos voos. Até lá, há quem ache que deixou para trás a docência na FDUL
este alfacinha de Benfica terá como
principais metas aproveitar o trabalho Antunes prepara e uma curta carreira como advogado
no escritório da PLMJ. Manteve-se
da sua antecessora, Ana Paula Zaca-
rias, que muito se destacou durante a
terreno para o depois no segundo executivo do PS que
se seguiu, de 2009 a 2011, como chefe
presidência portuguesa do Conselho futuro de Costa do gabinete de João Almeida Ribeiro,
Europeu, em 2021, e marcar o ritmo da também secretário de Estado Adjunto
transposição de diretivas comunitárias de Sócrates.
para o regime jurídico português, que É nesse período que se cruza com

46 VISÃO 14 ABRIL 2022


MARCOR BORGA

Do teatro para o mundo Algum tempo depois de ambos


Postura mais formal e
personalidade reservada
saírem do governo, em 2011, é que
de Tiago Antunes, que teve Mariana Vieira da Silva percebe que
Marcelo Rebelo de Sousa o amigo, que via “como globalmente
como presidente do júri de muito introvertido”, era “também um
doutoramento, contrastam excelente ator”. “Sabia que gostava de
com atuação no palco ou com
passado como apresentador de
teatro, ainda hoje adora, e não perde
TV num programa de Manuel nada do que está em cena. Mas, de re-
Luís Goucha (fotos à esquerda, pente, vou vê-lo na peça Cães Danados
de cima para baixo). Viagens e ali estava um ator. Fiquei muito im-
diferentes, para locais pouco pressionada, tendo em conta o que ele
turísticos e surpreendentes era pessoalmente e a transformação em
para os amigos, são por norma
a opção do governante cima do palco”, lembra-se. Foi em 2015
e a peça em causa era encenada pelo
apresentador e argumentista Luís Fili-
pe Borges. Tiago era Mr. Pink, um dos
gangsters. Tratava-se de uma reapre-
Mariana Vieira da Silva, que estava sentação de um dos maiores sucessos
então no Ministério da Educação, do Cénico de Direito, o primeiro grupo
liderado por Maria de Lurdes Rodri- de teatro universitário de Lisboa, ao
gues. Começaram por se encontrar em qual o governante pertencera enquanto
reuniões de trabalho e, porque tinham estudante da FDUL e no qual mantém
amizades em comum, passavam horas amigos até hoje. O regresso ao palco foi
a falar sobre política. “Mais tarde, fui então, apurou a VISÃO, uma reunião
trabalhar para o gabinete onde ele era do elenco dez anos depois, que ainda
chefe. Era um ambiente muito estra- resultou numa digressão.
tégico, que coordenava a ação política Filho de um economista e de uma
com um adjunto para cada área do professora de Inglês e Alemão, Tiago
governo, uma equipa muito dinâmica Antunes ainda pequeno entrou em
e onde se preparavam os discursos. E grupos de teatro e, três anos antes de
aí percebi as suas enormes capacidades coapresentar com Goucha o tal progra-
de trabalho e de coordenação transver- ma, estreava-se nos ecrãs da televisão
sal”, revela aquela que é cada vez mais pública, na série Duende Verde, de
FOTOS: D.R.

encarada como a eventual sucessora 1988, em que cada episódio ficcio-


de António Costa. nava um jogo tradicional. Nunca deu

14 ABRIL 2022 VISÃO 47


preocupações aos pais. Bem-compor-
tado, dizem, à exceção de um castigo
aplicado a toda a turma na Primária, e
que na altura encarou com “um grande
sentimento de injustiça”.
Com o irmão – mais velho três
anos e hoje um gestor empresarial –,
aprofundou a aprendizagem do Inglês
(tanto que hoje é elogiada a forma
solta como se exprime na língua de
Sua Majestade). E quando chegou ao
momento de escolher qual a área que
deveria seguir no Secundário, apesar
das boas notas a todas as disciplinas,
optou por Letras – para desgosto do
professor de Matemática do 9.º ano,
admitiram antigos colegas à VISÃO.
No 10.º ano, chega a presidente da
Associação de Estudantes da escola,
numa espécie de underdog das elei-
ções, tendo em conta que os concor-
rentes eram apoiados por juventudes
partidárias. Terá havido pouco dinheiro
para a campanha. Mas, sem apoios,
Tiago Antunes apresentou-se com uma
promessa radical: garantir cacifos para
toda a gente. Como no ano anterior a
sua turma tinha conseguido tal feito antigos por defender os seus. E ali, de Estado “apresentar aos colegas do
para si própria, com a venda de bolos e naquela faculdade, não é de somenos. Parlamento Europeu” um Tiago Antu-
festas, a vitória sorriu-lhe. O mandato É precisa muita coragem para se opor nes de forma insólita. Conta quem viu
terá acabado com metade dos alunos àqueles professores, porque punha em que o atual secretário de Estado chegou
a receber os ditos armários. risco o seu percurso, já que se arriscava cinco minutos atrasado a um encontro,
a ter aqueles professores como júri ao em Bruxelas, onde estava o Presidente
ENFRENTAR A VELHA GUARDA longo da carreira.” da República. Assim que entrou na sala,
É já na faculdade que volta a revelar Por coincidência, teve Marcelo Marcelo soltou: “Ah, este senhor, que
esse ímpeto reformista, segundo o como presidente do júri na defesa da ainda agora estava em Lisboa.” E um
constitucionalista Reis Novais. No ano tese do seu doutoramento, em novem- monte de cabeças se virou para alguém
em que saiu do governo de Sócrates, bro de 2015, pouco antes de rumar a que os amigos assumem ser “muito
entrou “numa lista que se apresenta- Bruxelas a convite de Pedro Silva Pe- reservado, ainda que com um sentido
va contra os catedráticos, entre eles reira, sendo que coube ao atual Chefe de humor muito refinado”.
o atual Presidente da República”. “O Desse período, em Bruxelas, várias
Tiago Antunes pertencia ao meu grupo crónicas que publicou na altura na
de Políticas, ainda que mais ligado ao VISÃO, na rubrica Nós Lá Fora (e que
grupo do Direito do Ambiente e Admi- estão disponíveis no site), dão conta,
nistrativo. Nessa altura, revelou grande Secretário de além das peripécias das rotinas diárias
capacidade organizativa, estratégica e
de combate político contra um statu
Estado dos – como quando conheceu a figura da
comissária de bairro ou foi a uma praia
quo, porque já não havia várias listas
a concorrerem a eleições dos órgãos
Assuntos Europeus belga –, de alguém que começa a sentir
alguma melancolia com a distância de
há várias décadas. Foi uma surpresa não milita no PS Portugal e de como ouvir fado – de
a nossa lista ir contra o estabelecido,
com o professor Marcelo Rebelo de apesar da ligação que hoje é consumidor – passa a ter
um outro significado.
Sousa a fazer campanha pela Lista A
(até então, a única). E ganhámos, com
aos governos O eurodeputado Pedro Silva Pe-
reira conheceu então de Tiago “a sua
a Lista B”, adiantou, assumindo que, socialistas e a correção, honestidade e humildade”,
apesar de não terem vencido na eleição
seguinte, ficou a “valorizar a coragem” dirigentes do que outros tantos lhe apontam. “Tem
um carácter exemplar, que facilita o
do agora governante.
“A Lista A recuperou de novo a
partido nas últimas contacto com as pessoas, além de ser
um jurista de exceção, que concilia com
maioria. Principalmente no Conselho duas décadas a vertente política”, admite. “Tivemos
Científico. Mas o Tiago foi escolhido vários dossiês muito complicados,
para representante dos assistentes, como a legislação da União Bancária.
sendo criticado pelos professores mais Não sendo essa uma área que domi-

48 VISÃO 14 ABRIL 2022


Aventureiro Tiago Antunes Consome muita imprensa, e não é raro
deixou de boca aberta
amigos e colegas, ao
encontrá-lo com jornais e revistas na
relatar os sete dias em mão. Adora comida do Médio Oriente,
que percorreu metade principalmente libanesa, mas não tem
da Islândia a cavalo sem mão para a cozinha, e as horas de refei-
grande prática de equitação ção – principalmente o almoço – são
quase religiosamente cumpridas. E o
“descanso do guerreiro”, que é solteiro
nasse anteriormente, tornou-se, ao fim e não tem filhos, faz-se aos sábados de
de algumas semanas, um especialista manhã. “Dorme nessas horas, porque
admirado por todos no Parlamento precisa de restabelecer as energias”,
Europeu”, conta, sobre um período explicam.
que se interromperia com o convite Um dos mais próximos, e a quem
da então ministra da Presidência e da caberá a maioria das vezes a escolha
Modernização Administrativa, Maria dos locais onde os amigos almoçam e
Manuel Leitão Marques, a Tiago para jantam em grupo, é Francisco André,
substituir Miguel Prata Roque como o secretário de Estado dos Negócios
secretário de Estado. Estrangeiros, que conheceu Tiago
Antunes ainda na faculdade e com
BOM GARFO QUE NÃO COZINHA quem se cruzou por diversas vezes em
Leitão Marques admite que sabia que Bruxelas, quando foi vice-presidente
Tiago Antunes trabalhara com Mariana do PS Europeu. “Uma das caracterís-
Vieira da Silva, na altura secretária de ticas dele é a visão transversal que tem
Estado Adjunta de Costa, mas que foi já do Governo, e neste momento isso é
com ele no seu gabinete que conheceu muito importante. Além de que sabe
“as qualidades todas que lhe atribuem”. fazer muito bem as suas equipas – as
“Tem uma enorme capacidade de en- pessoas gostam de trabalhar com ele,
contrar soluções. Há aquelas pessoas porque tem também um bom sentido
BI À LUPA que, perante os problemas, dizem ‘não
é possível’. Para o Tiago, não há impos-
de humor e é muito perspicaz. Aliás,
trabalho com tanta proximidade com
Detalhes das rotinas de Tiago síveis. Trabalho muito e espero dos o Tiago Antunes que às vezes nem me
Antunes, por quem o conhece bem outros o mesmo. Com ele, sabia que lembro de que não tem o cartão do
não precisava de estar a conferir nada”, Partido Socialista”, brinca André, que
explicou à VISÃO a agora eurodepu- a meio da pandemia passou de chefe
Abstémio mas dançarino
tada. Acabou por ser na Presidência de gabinete do primeiro-ministro a
Não é pessoa para sair à noite do Conselho de Ministros, “por onde secretário de Estado dos Negócios
e beber um copo. Mas gosta de passam os diplomas que vêm de todo Estrangeiros, mas que manteve a li-
dançar. o governo, e onde se faz o controlo de gação ao governante. Assim como Ma-
qualidade, a simplificação e o corte da riana Vieira da Silva, que explica que
Corredores familiares burocracia”, que o governante “mos- a amizade entre eles se reforçou nos
Alguns alunos que teve nos anos trou o seu valor”. últimos dois anos de Covid-19, já que
em que deu aulas estão hoje em Nestas novas funções, “ainda por trabalhou “de forma muito intensa”
gabinetes ministeriais. Quando cima numa Secretaria de Estado junto com o governante.
se cruzam consigo, tratam-no do primeiro-ministro”, Tiago Antunes “O Tiago Antunes tinha a responsa-
por “professor”. poderá “conseguir fazer diferente do bilidade da comunicação das medidas
que os anteriores fizeram”, de forma que eram decididas num ambiente
Experiência internacional “mais transversal e menos setorial”, onde a incerteza sobre o que se estava
Quando estava na faculdade, aponta a ex-ministra, que, do perío- a aprovar foi enorme – a dúvida sobre
rumou a Itália no Erasmus. Só do entre 2017 e 2019, se lembra das se estávamos a fazer o suficiente ou
tinha umas quantas aulas de “gravatas de bom gosto” e das viagens a fazer demais. Foram anos, princi-
italiano, mas o suficiente para “diferentes” que o próprio fazia. Além palmente o primeiro, difíceis e muito
se fazer entender em Pisa – a do tal acessório, outra das paixões pesados, com dias que não acabavam.
cidade que levou a melhor sobre são os relógios. Mas, para os amigos, E ainda bem que estava ali o Tiago”, re-
Trento. as suas incursões nas férias é que se vela a ministra, não deixando de acusar
destacam, como aqueles sete dias em a pedra de toque. “Às vezes brinco com
Planear com antecipação que percorreu metade da Islândia a ele e digo-lhe que só lhe falta a ficha do
Os amigos relatam que neste cavalo – apesar de ter tido, até então, PS”, conclui. Porém, neste caso poderia
momento passa os tempos livres poucas aulas de equitação. aplicar-se uma das máximas de Mr.
a planear as próximas férias. Os amigos dizem que não madru- Pink, de Cães Danados, personagem
Em cima da mesa estarão uma ga no gabinete, aonde chega por volta interpretada outrora pelo secretário de
roadtrip pela Flórida (EUA) e das 9h30. Quando pode, vai dar umas Estado: “Eu não dou gorjeta porque a
uma incursão na Colômbia. braçadas na piscina, onde se cruza às sociedade diz que preciso de a dar.”
vezes com Mariana Vieira da Silva. nropio@visao.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 49


€37 00
JOSÉ VEIGA
Limpeza
de milhões
Miguel Relvas, Pedro Santana Lopes e Sérgio
Monteiro vão ser chamados a depor. Investigação
a suspeitas de corrupção na República do Congo
e a tráfico de influências em Portugal está na reta
final. José Veiga até pode escapar ao julgamento,
mas terá de pagar 37 milhões de euros
— P O R C A R LO S R O D R I G U E S L I M A

50 VISÃO 14 ABRIL 2022


00 000

14 ABRIL 2022 VISÃO 51


PEDRO

Ligações SANTANA
LOPES

perigosas ANTIGO
PRIMEIRO-
-MINISTRO
José Veiga é suspeito de ter sido
o pivô de um esquema de corrupção

E
no Congo com pagamentos a um
ministro e aos filhos do Presidente
e de ter recorrido a políticos do PSD PAULO SANTANA
para comprar o antigo BES/Cabo Verde LOPES
GESTOR
DE EMPRESAS

SÉRGIO
MONTEIRO MANUEL
GESTOR DAMÁSIO
RESPONSÁVEL EMPRESÁRIO,
PELA VENDA DO MIGUEL ANTIGO
NOVO BANCO RELVAS PRESIDENTE
ANTIGO MINISTRO DO BENFICA
DA PRESIDÊNCIA,
CONSULTOR

“Eu sou uma pessoa da aldeia. Não estou a de jogadores de futebol e diretor desporti-
perceber: o senhor foi intermediário, os ou- vo do Benfica e que – após um processo no
tros encostaram-no à parede e o senhor teve Luxemburgo, em 2006, que levou a que as
de lhes pagar uma comissão mas, ao mesmo suas contas bancárias fossem penhoradas
tempo, também pagaram a si uma comis- em Portugal e o caso de suspeitas de fraude
são?” “Correto.” Seis anos depois de ter sido fiscal na transferência de João Vieira Pinto
interrogado pelo juiz Carlos Alexandre (6 de para o Sporting – arrancou para a diáspora
fevereiro de 2016) e de ter ouvido o próprio em África, “à procura de negócio”, aterrando
magistrado judicial a confessar-se “apaler- e estabelecendo-se na República do Congo.
mado” com o que estava a ouvir, José Veiga Em cima da mesa, confirmou a VISÃO junto
já tem uma certeza: até ao final do mês de de fontes judiciais, está a possibilidade de o
maio, o Ministério Público terá de decidir se o Ministério Público (MP) aplicar a suspensão
acusa ou não pelos crimes que está indiciado provisória do processo a José Veiga, conside-
no processo Rota do Atlântico: fraude fiscal, rando-o como mero intermediário nos paga-
corrupção no comércio internacional e bran- mentos feitos pela empresa brasileira Asperbrás
queamento de capitais. Este é o processo com a responsáveis políticos do Congo. Para isso,
mais dinheiro apreendido à ordem dos autos. José Veiga terá de aceitar pagar 37 milhões
Entre contas bancárias, carros e imóveis, há de euros de impostos ao Estado português,
180 milhões de euros bloqueados pela Justiça. montante que o MP considera estar em falta já
O encerramento da investigação é o que que, nas contas da investigação, o empresário
determina um despacho da Procurado- passava mais de 180 dias em Portugal, o que
ria-Geral da República (PGR). No final do o tornava também residente fiscal aqui e não
ano passado, a PGR aceitou um pedido de só na República do Congo, para onde mudou
aceleração processual feito pelos advogados a sua residência fiscal após se ter estabelecido
do empresário, considerando que a investi- como empresário naquele país africano.
gação já corria há tempo suficiente para que
fosse proferido um despacho final. Não é OBRAS, COMISSÕES, CORRUPÇÃO
certo que tudo termine, contudo, com uma António José da Silva Veiga, 58 anos, é um dos
acusação contra o homem que já foi agente sete arguidos do processo por crimes alega-

52 VISÃO 14 ABRIL 2022


DENIS CHRISTEL
L GILBERT
NGUESSO ONDONGO
E CLAUDIA EX-MINISTRO
SASSOU DAS FINANÇAS
NGESSO
FILHOS DO
PRESIDENTEE
DO CONGO, DENIS
ENIS
NGUESSO

JOSÉ ROBERTO
COLNAGHI
PRESIDENTE
DA ASPERBRÁS

JOSÉ
MAURÍCIO
CALDEIRA
EX-DIRETOR
FINANCEIRO
DA ASPERBRÁS

damente cometidos na República do Congo, toda a investigação da Rota do Atlântico. Para


onde o empresário aterrou, juntamente com financiar a construção das fábricas, a Gunvor
Paulo Santana Lopes, em 2009, começando comprou petróleo à República do Congo,
aí uma aproximação à elite política, que lhe Em 2016, adiantando 500 milhões de dólares à em-
valeu a alcunha de o “feiticeiro português” do
Presidente, Denis Sassou Nguesso, no poder
a Polícia presa estatal congolesa, a Sociedade Nacional
de Petróleo do Congo, presidida por Dennis
desde 1997. Além de Veiga e Santana Lopes, Judiciária Christel Nguesso, filho do Presidente con-
são também arguidos os cidadãos brasilei- golês. As suspeitas de corrupção começam,
ros José Maurício Caldeira e José Roberto encon- precisamente, nesta fase, com o pagamento
Colnaghi, diretor financeiro e presidente da
Asperbrás, respetivamente, a advogada Maria
trou três de comissões a dois intermediários da Gun-
vor, a Armada Trading e a Petrolia, os tais que
de Jesus Barbosa e o antigo presidente do milhões “encostaram” José Veiga, exigindo-lhe uma
Benfica Manuel Damásio. Na parte do pro- comissão pelos negócios da Asperbrás, mas
cesso que diz respeito à compra do antigo de euros entregando-lhe 1% dessa comissão. “Tanta
BES/Cabo Verde só o antigo gestor daquele
banco António Cerveira Duarte, residente
e quatro gente a comer à custa do povo do Congo...
este abrir e fechar portas”, desabafou, em
neste país, foi constituído arguido.
A ligação entre os suspeitos começou em
milhões fevereiro de 2016, o juiz Carlos Alexandre.
Questionado pelo juiz sobre a operação de
2008, com José Veiga a fazer uma primeira de dólares financiamento do projeto da Asperbrás, Veiga
aproximação, num casamento no Porto, ao
empresário brasileiro. “Andava mortinho de numa casa explicou ser “normal” em África este tipo de
engenharia financeira: “Se uma qualquer em-
fome”, contou ao juiz, referindo-se à sua cons-
tante procura por oportunidades de negócio.
em Cascais. presa vai para África fazer um projeto a contar
com o Orçamento do Estado, não vai acabar
A atividade empresarial no Congo deu os pri- Até hoje, o projeto, porque chega-se ao mês de abril e
meiros passos em 2010, com a apresentação
ao Presidente, Dennis Nguesso, de um projeto ninguém já não há Orçamento do Estado. Os projetos
têm de ser sempre pré-financiados”, explicou.
da Asperbrás para a construção de fábricas.
É nesta fase que entra a Gunvor, uma tra-
reclamou Só que uma investigação da Suíça aos
negócios da Gunvor acabou por expor todo
ding de petróleo, que vai estar na origem de o dinheiro um esquema de suspeitas de corrupção de

14 ABRIL 2022 VISÃO 53


Cronologia políticos locais, o qual terá contado com a
colaboração dos empresários portugueses
Do Congo a Lisboa, breve José Veiga e Paulo Santana Lopes.
história do processo Veiga é suspeito de ter criado várias so-
ciedades offshore em nome de Denis Chris-
17 outubro de 2014 tel Nguesso e da sua irmã, Claudia Sassou
Depois de receber uma Nguesso, assim como de Gilbert Ondongo,
Carta Rogatória da então ministro das Finanças. E como funcio-
Suíça que detalhava nava o esquema? De acordo com informações
as suspeitas por que constam de uma Carta Rogatória enviada
corrupção no comércio pela Justiça portuguesa para Cabo Verde,
internacional contra em abril de 2013 duas dessas sociedades, a
a empresa brasileira Gabro SA e a Dolomito SA – cujo regime de
Asperbrás, o Ministério propriedade passava por ações ao portador,
Público decidiu abrir um mas que a investigação conseguiu relacio-
inquérito, remetendo ná-las com os dois filhos do Presidente do
a investigação para a Congo – celebraram contratos de prestação
Polícia Judiciária. de serviços com uma terceira, a Prasem Ad-
visors, sediada em Montreal, no Canadá. Esta,
18 dezembro de 2015 por sua vez, celebrou um acordo de prestação
O juiz Carlos Alexandre de serviços com a Energy and Mining, ASP
declarou a “especial ligada ao grupo Asperbrás. Em resumo, com
complexidade” do o acordo feito entre a Gabro e a Dolomito
processo, mantendo com a Prasem, as duas primeiras receberiam
o mesmo em segredo 2,5% dos montantes faturados pela empresa
de justiça, após pedido do Canadá à Energy and Mining, prestando
do MP. Nesta fase, “conselhos e assistência nas negociações”
os procuradores já com a República do Congo. Refira-se que a
identificam José Veiga, investigação apurou que a Prasem tinha como
Paulo Santana Lopes, “formal beneficiário efetivo” o cidadão con-
Manuel Damásio e golês Francel Ndangana, motorista de José
Miguel Relvas como Veiga neste país.
suspeitos, assim como O filho do Presidente da República do
duas pessoas que Congo também terá sido presenteado com
estarão envolvidas um apartamento em Lisboa, no valor de 3,4 O DONO DOS DEPÓSITOS
NO BES/CABO VERDE
na Operação Lex, milhões de euros, um T5, com seis lugares de
que envolve o juiz Rui estacionamento. Com a torneira do dinheiro do Congo a fun-
Rangel, o advogado Outro dos alvos dos pagamentos foi o cionar e os milhões a acumularem-se (Vei-
Bernardo Santos então ministro das finanças, Gilbert On- ga juntou 30 milhões em Cabo Verde e 60
Martins, o escrivão dongo. Também através de um circuito de milhões na Suíça), o empresário português
Octávio Correia. transferências de dinheiro entre contas de apanhou um susto com a queda do Banco
várias sociedades, a 26 de agosto de 2013 a Espírito Santo (BES), em agosto de 2014. “A
6 fevereiro de 2016 sociedade Westside World comprou uma ideia de comprar um banco surgiu depois do
José Veiga e Paulo moradia no lote 22, na rua dos Sobreiros que aconteceu ao BES”, declarou no interro-
Santana Lopes são da Marinha, Cascais. A casa passou a ser gatório de fevereiro de 2016.
detidos e presentes ocupada por Gilbert Ondongo, sempre O primeiro projeto, em 2015, passava
ao juiz. O primeiro fica que se deslocava a Portugal. “A Westside é pela criação de raiz de uma nova marca, que
em prisão preventiva de quem?”, perguntou o juiz. “À partida é teria a participação do Banco Carregosa. Os
(durante um mês), o do senhor ministro”, respondeu Veiga, um primeiros contactos foram feitos com Pedro
segundo foi colocado pouco engasgado. Mais certezas teve Paulo Duarte, então administrador do banco. Como
em domiciliária até Santana Lopes: “A minha conviccção é que o Banco de Portugal vetou a entrada do Car-
pagar um milhão de é da Asperbrás. Sempre que é preciso qual- regosa no projeto de Veiga, a solução passou
euros de caução. quer coisa relativa a essa sociedade é com a pela compra de um banco já constituído em
Asperbrás que trato”, referiu o empresário, Cabo Verde. O alvo era óbvio: o BES/Cabo
30 janeiro de 2018 que durante anos fez o papel de capataz de Verde, no qual o dinheiro das sociedades de
O juiz Rui Rangel e obras no Congo e gestor de José Veiga para José Veiga representavam 70% do volume
outras quatro pessoas todo o tipo de problemas em Portugal, como de depósitos.
foram detidas. O caso para contratar uma empresa para montar Os contactos iniciais com o Banco Central
nasceu da Rota do um cofre na casa do lote 22, onde foram de Cabo Verde foram realizados por Paulo
Atlântico. José Veiga encontrados três milhões de euros e quatro Santana Lopes que, invocando o nome do
está acusado de milhões de dólares. As cintas que envolviam irmão, Pedro, falou com o chefe de gabinete
corrupção. as notas eram de dois bancos, um americano do governador do regulador cabo-verdiano.
e um italiano. Pedro Santana Lopes manteve-se ainda ligado

54 VISÃO 14 ABRIL 2022


José Veiga foi diretor-
-geral do Benfica entre
2004 e 2007, a convite
de Luís Filipe Vieira

Público, à medida que se aproximava a data


limite para a apresentação de uma proposta
vinculativa para a compra do BICV, José Veiga
teve conhecimento de que existiriam mais
dois concorrentes.
Esta informação decorre das escutas te-
lefónicas, nas quais os investigadores inter-
cetaram Manuel Damásio a relatar ao seu
interlocutor que obteve por intermédio do
“amigo Miguel” tal informação, sendo que
Relvas terá referido que a proposta de Veiga
seria a vencedora, por 13,7 milhões.
Posteriormente, José Veiga, em conversa
com António Duarte, terá referido já ter a
informação da existência de três concor-
rentes através de “alguém muito influente
junto da Resolução”, a quem tinha pedido
para “interferir e mexer os cordelinhos”. O
negócio feito por Veiga através da sociedade
Norwish foi concretizado a 31 de dezembro
de 2015 e consumado a 4 de janeiro de 2016,
com a transferência de 10,3 milhões para uma
PEDRO MONTEIRO

conta do NB titulada pelo NB África SGPS, SA.


Com o processo em marcha, faltava a parte
mais importante: o Banco Central de Cabo
Verde teria de dar luz verde ao negócio. Ao
telefone, Manuel Damásio referiu ter estado
ao processo durantes uns meses, mas acabou “em casa do Miguel” e que este lhe tinha ex-
por sair, como confirmaram José Veiga e o plicado que “no espaço de dois meses haveria
seu irmão. eleições em Cabo Verde e que quem iria ga-
Já com o antigo BES declarado como “ban- As socie- nhar seria um indivíduo do PSD”, descreveu
co mau” e o Novo Banco (NB) como herdeiro
da (aparente) melhor fatia, as negociações
dades de o MP na Carta Rogatória para Cabo Verde,
concluindo o antigo presidente do Benfica
teriam de passar por Lisboa, com a própria José Veiga que “depois estamos em casa”.
instituição bancária, mas também com o Veiga procurou ainda chegar a Sérgio
Fundo de Resolução e com o Banco de Por- represen- Monteiro – antigo secretário de Estado que,
tugal. Do interior do NB, o Ministério Público
diz que José Veiga foi auxiliado por António
tavam 70% à data, liderou o processo de venda do Novo
Banco a privados – através de Pedro Sousa,
Duarte, administrador do antigo BES/Cabo dos depósi- jornalista, atual diretor do Canal 11 da Fede-
Verde que passou para a órbita do NB com ração Portuguesa de Futebol. Casado com a
a denominação de Banco Internacional de tos no BES/ também jornalista Patrícia Gallo, que traba-
Cabo Verde (BICV).
Noutras latitudes, ainda não completa-
Cabo lhou com Sérgio Monteiro no governo, José
Veiga viu em Pedro Sousa uma ponte para
mente esclarecidas no processo, surgiu Mi-
guel Relvas, antigo ministro de Pedro Passos
Verde. chegar ao coração da informação.
Pedro Santana Lopes, Miguel Relvas e
Coelho, ou, como Manuel Damásio referia O empresá- Sérgio Monteiro, apurou a VISÃO, vão ser
ao telefone, o “amigo Miguel”. “Como é que
Miguel Relvas aparece aqui?”, perguntou rio queria chamados nas próximas semanas a prestar
depoimento no processo.
Carlos Alexandre. “Não teve intervenção...”,
respondeu José Veiga, ao que o juiz de ins-
o banco A operação, contudo, viria a ser cancelada
pelo Banco Central de Cabo Verde, após um
trução retorquiu: “Não tenho essa opinião.” e procurou parecer negativo do Banco de Portugal. Se-
José Veiga lá admitiu que teve uns contactos
com Miguel Relvas – um até acompanhado a ajuda gundo informações recolhidas pela VISÃO,
um diretor do Novo Banco já declarou no
pela Polícia Judiciária que os fotografou,
juntamente com um elemento da empresa de
de Miguel processo que, ao contrário do que se julgava,
a proposta de José Veiga para a compra do
transportes Torrestir. Segundo o Ministério Relvas BICV foi a única apresentada. clima@visao.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 55


Cumplicidades
Na última década, a
dirigente francesa foi
uma dúzia de vezes a
Moscovo. Em março
de 2017, o Presidente
russo deixou-se
fotografar a seu lado

MARINE LE PEN
A CANDIDATA
DO KREMLIN
A segunda volta das presidenciais francesas
ameaça converter-se num referendo ao
desempenho de Macron e às propostas radicais
de Le Pen – incluindo o diálogo que ela propõe
com a Rússia de Vladimir Putin
— POR FILIPE FIALHO
O
Os amigos são para as ocasiões e Vladi-
mir Putin leva muito a sério este adá-
gio. A 24 de abril, caso Marine Le Pen
se torne a primeira mulher a ocupar a
presidência francesa, vai seguramen-
te receber uma chamada especial de
Moscovo. O Chefe de Estado russo faz
sempre questão de apresentar, de viva
voz, felicitações aos governantes com
quem mantém relações privilegiadas.
Na última semana, de acordo com
o site do Kremlin, o Presidente russo
falou duas vezes com o primeiro-mi-
nistro da Hungria, Viktor Orbán, para
lhe dar os parabéns pela vitória de 3 de
abril – em que o dirigente magiar foi
reeleito para um quarto mandato – e
também para o pôr a par da “operação
militar especial” na Ucrânia e das “cíni-
cas provocações” do Governo de Kiev.
E, enaltecendo uma outra “parceria es-
tratégica”, fez exatamente o mesmo com
o seu homólogo da Sérvia, Aleksandar
Vuksic, também reeleito no primeiro
domingo deste mês.
Uma eventual vitória de Marine Le
Pen levaria Putin a pegar uma vez mais
no telefone, para recordar à sua inter-
locutora que França e Rússia devem
aprofundar o “diálogo sobre os grandes
dossiers comuns”, como está previsto no
programa oficial da candidata ao Palá-
cio do Eliseu. Ora esse é o cenário que
Emmanuel Macron tem a obrigação de
evitar e que o levou a afirmar, no res-
caldo da soirée da primeira volta, que
estas duas semanas podem ser “decisi-
vas” para o Hexágono “e para Europa”.
No dia 10, o jovem ex-banqueiro, que
chegou ao Eliseu com a missão de afas-
tar os populismos e os radicalismos do
poder, conseguiu 9,7 milhões de votos
(27,84%). Caso pretenda manter-se no
cargo e impedir que a sua adversária
ponha a “França na ordem em cinco
anos” – Marine dixit – terá de garantir
o apoio de muitos eleitores que se dizem
frustrados e irados com a sua governa-
ção, por vezes descrita como jupiteriana
e bonapartista, entenda-se autoritária e
arrogante. As sondagens indicam que
tem quase todas as condições para ser

14 ABRIL 2022 VISÃO 57


bem-sucedido, mas longe do resul- dical” que passa pela saída da França de Le Pen custariam 105 mil milhões
tado de 2017, quando arrecadou dois da União Europeia (Frexit). A visada de euros e provocariam um enorme
terços dos sufrágios por se apresentar nega de forma categórica: “Não quero buraco nas contas públicas.
com uma agenda reformista e expôs a sair da UE, não é esse o meu objeti- As principais associações de ma-
falta de preparação política de Marine vo. (...). Quero é que a sua estrutura gistrados franceses já denunciaram o
num antológico debate televisivo. evolua (...) porque não quero integrar caráter “irrealizável” de algumas das
A chefe de fila da Frente Nacional, um mercado europeu da eletricidade medidas que Le Pen defende na área
rebatizada há três anos como União e do gaz que multiplica os preços da Justiça, nomeadamente duplicar
Nacional (UN), com o propósito de por cinco ou seis (...), que nos obriga o número de juízes e abrir 85 mil
“desdiabolizar” e apresentar como a baixar a produção agrícola quando novas celas prisionais até 2027. Mais
moderado o partido de extrema-di- o mundo atravessa um momento de grave é a forma como Nils Monsarrat,
reita fundado a 5 de abril de 1972, penúria agrícola.” secretário nacional do sindicato dos
afirma que está agora em jogo uma magistrados, tem descrito as pro-
“escolha de sociedade e de civiliza- EMPRÉSTIMOS postas de legislação penal previstas
ção”. No entender de Le Pen, os seus COMPROMETEDORES no programa da UN: “Seria o fim do
23,15% são a prova de que nunca per- Não é preciso ter grandes credenciais Estado de direito!”
deu a “serenidade, a determinação e a na verificação de factos para chegar Bruno Le Maire, ministro da Eco-
absoluta convicção de que é possível à conclusão de que Marine Le Pen, nomia e um dos homens de confiança
ganhar”. formada em Direito e que exerceu ad- de Macron, tem sido outra das per-
Um dos seus principais colaborado- vogacia antes de entrar para a política sonalidades que não perdem opor-
res, Jordan Bardella, presidente interi- (em 1998), tem alguns problemas com tunidade de caricaturar o programa
no da UN, deu o mote aos microfones o rigor. No seu manifesto eleitoral, eleitoral da mulher que concorre
da France Inter, a rádio pública: “70% está elencada uma série de medidas pela terceira vez à presidência: “Uma
dos franceses sabem que, com a reelei- que, a concretizarem-se, obrigariam França retraída, que tem medo, é a de
ção de Emmanuel Macron, haverá mais Paris a entrar em rota de colisão com Marine Le Pen. Uma França que vira
cinco anos de problemas, de aumentos, Bruxelas: a primazia do direito francês as costas aos parceiros europeus é a
de violência, de imigração.” Aparente- sobre o comunitário; a violação de re- de Marine Le Pen. Uma França que
mente, Le Pen e os seus já nem temem gras básicas como suprimir quaisquer faz propostas que não são financia-
a formação de uma frente republicana regalias sociais a cidadãos não fran- das, e que vão empobrecer as classes
que beneficie Manon, como também é ceses; a aplicação de procedimentos populares é a de Marine Le Pen.” A
conhecido o Chefe de Estado: “É uma judiciais semelhantes aos que foram tudo isto, o governante e diplomata
maneira de se tentar salvar quando não adotados na Hungria e na Polónia e acrescenta um argumento que pro-
se tem mérito”, afirmou a candidata. que põem em causa a separação de mete ser repetido até à exaustão nos
“Não, não vai acontecer. Ele dividiu e poderes; instaurar políticas protecio- próximos dias: “Marine Le Pen é uma
criou muitas tensões e desordem no nistas e não cumprir acordos de livre aliada de Vladimir Putin.”
país. As crises que tivemos nos últimos comércio como os que a UE tem, por Há cinco anos, no final da corrida
cinco anos foram criadas por ele – os exemplo, com o Japão ou o Mercosul ao Eliseu, os franceses assistiram ao
Coletes Amarelos, a falta de camas nos (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai); MacronLeaks e o jovem candidato
hospitais”, afirmou Bardella sem fazer ignorar compromissos como “as coo- casado com uma mulher um quarto
qualquer alusão à pandemia e à invasão perações [militares] estruturantes e de século mais velha teve de lidar com
da Ucrânia, insistindo em apresentar desiquilibradas com a Alemanha”; ou rumores de homossexualidade. Uma
Marine como uma dirigente popular, a recusa em “partilhar” com os demais conspiração que Le Monde atribuíu
conhecedora dos desafios quotidianos parceiros da UE “a rede diplomática aos serviços secretos militares da
e sobretudo do aumento do custo de e consular” da França – a segunda Rússia (GRU) e que dificilmente po-
vida, por oposição a um “Presidente maior do mundo, logo atrás dos EUA, derá repetir-se. Devido à invasão da
dos ricos”, “liberal” e “autista” que se com representação em centena e meia
furta ao debate com quem o possa de estados soberanos.
criticar. A ser eleita a líder da UN é pra-
A resposta do homem que chegou ticamente inevitável que ocorra um No final
ao Eliseu com 39 anos está devida- Frexit. Claro que o atual programa
mente preparada e foi dada logo no do seu partido já não prevê essa pos- de fevereiro,
início desta semana, na sua deslocação sibilidade, nem a saída do euro e do
a Denain, no Norte do país, junto à Espaço Schengen, como na campanha Le Pen mandou
fronteira belga: “Marine Le Pen tem de 2017. Só que ao fazer tábua rasa de
um programa mentiroso, que não é princípios basilares da UE e ao exigir a destruir um milhão
financiável.” Tal como afirmou nas en- renegociação dos tratados não se per-
trevistas da última semana ao Figaro, cebe como poderia a França perma- de panfletos
ao Parisien e ao Brut, o Presidente-re- necer no clube que ela própria fundou
candidato insiste em dizer que a mo- em 1957. Estas tautologias também se em que aparecia
deração da sua oponente é um mito aplicam à NATO – de cujo comando
porque ela continua a ser “racista” e, integrado promete retirar-se – e às a cumprimentar
embora não o admita, mantém um questões domésticas. De acordo com
“projeto mortífero” e uma agenda “ra- o Instituto Montaigne, as propostas Putin
58 VISÃO 14 ABRIL 2022
Diferenças programáticas Ucrânia, os agentes do Kremlin têm
agora vida dificultada e Macron é o
As prioridades anunciadas pelos dois candidatos primeiro interessado em acertar con-
tas com Marine Le Pen e denunciar a
sua proximidade com Vladimir Putin.
Emmanuel Macron

.
Marine Le Pen

.
Desde que se tornou líder do par-
tido fundado pelo seu pai, em 2011,
Garantir a autonomia estratégica, Organizar um referendo Marine Le Pen admitiu em diversas

.
energética e tecnológica da Europa sobre a imigração e incluir ocasiões “ter admiração” pelo Presi-
na Constituição dente russo. Logo em outubro desse
Passar “progressivamente” a idade da a necessidade de “controlar” ano, numa entrevista ao diário Kom-

. .
reforma dos 62 para os 65 anos os fluxos migratórios mersant, afirmou que o seu país e a
União Europeia deveriam “dar as cos-
Investir 19 mil milhões para Contratar sete mil agentes policiais tas aos EUA e virar-se para a Rússia”,

.
modernizar o setor da saúde e três mil funcionários administrativos em nome de “interesses civilizacionais

.
para as forças da ordem e estratégicos comuns”. Em 2012, na
Construir seis novas centrais sua primeira corrida presidencial,
nucleares, 50 parques eólicos Baixar o IVA, de 20% para 5,5%, falava numa “aliança trilateral Pa-

.
(até 2050) e multiplicar por dez nos produtos energéticos ris-Berlim-Moscovo” e, dois anos

.
a produção de energia solar depois, após duas visitas a Moscovo,
Cancelar todos os projetos afirmava que a anexação da Crimeia
Condicionar a atribuição do RSA de energia eólica e apostar lhe parecia “legal” por ter havido um

.
(equivalente ao Rendimento Social nas hidroelétricas e no nuclear referendo [nunca reconhecido pela
de Inserção) à obrigatoriedade
comunidade internacional] em que
de trabalhar, pelo menos, 15 horas Isenções fiscais aos cidadãos
a população da península “decidiu

. ..
por semana com menos de 30 anos
juntar-se à Rússia”. Na altura, o sema-
Alargar horários de Matemática e de Renacionalizar as autoestradas
nário Le Canard Enchaîné, citando os

.
Educação Física no ensino obrigatório serviços secretos dos EUA, acusou-a
Privatizar o setor audiovisual de ter recebido um empréstimo de

.
Aumentar salários dos professores, nas mãos do Estado 30 milhões de dólares, de um banco

.
desde que estes aceitem mais funções com ligações ao Kremlin, a troco de
Realizar referendos por iniciativa reconhecer a ocupação militar russa.

.
Introduzir uma dose de proporcionali- dos cidadãos O jornal satírico só se enganou nas

.
dade nas eleições legislativas verbas: 734 milhões de rublos (cerca
Instaurar o método proporcional de 9,6 milhões de euros), que terão de

.
Reduzir os direitos de sucessão nas eleições legislativas ser pagos até 2029. A recente decla-

.
(de 100 mil para 150 mil euros) ração de rendimentos e interesses de
Lançar um plano de urgência Le Pen permite ainda saber que ela e
Duplicar o número de agentes para a saúde, no valor a UN receberam para esta campanha
policiais nas ruas de 20 mil milhões de euros um outro empréstimo, de 10,6 mi-
lhões de euros, de um banco húngaro,
o MKB, detido maioritariamente por
Lörinc Mészáros, um amigo de infân-
cia de Viktor Orbán.
Com negócios assim não é de es-
tranhar que Marine Le Pen recuse
chamar “criminoso de guerra” ao
Presidente russo, seja omissa sobre as
suas várias visitas a Moscovo, a guerra
em curso na Ucrânia e a destruição
de mais de um milhão de panfletos
de campanha, no final de fevereiro,
onde aparecia a cumprimentar Vladi-
mir Putin (uma imagem de março de
2017). Afinal, está em causa o seu fu-
turo político. Ela própria sabe muito
bem que, em caso de ser novamente
derrotada por Emmanuel Macron,
o seu amigo do Kremlin já tem uma
outra aliada, mais jovem, para as
eleições presidenciais francesas de
2027: Marion Maréchal, sobrinha de
Marine. ffialho@visao.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 59


Pistas Nabiullina
costuma usar
adereços, como
alfinetes no peito,
para indicar o rumo
da economia e da
política monetária
do país. Em junho
de 2020, usou uma
pomba para sinalizar
descidas de juros

60 VISÃO 14 ABRIL 2022


A

ARQUITETA
da

FORTALEZA FINANCEIRA
de
PUTIN
Há quase uma década ao leme do banco central da Rússia,
Elvira Nabiullina tornou-se uma das principais conselheiras de
Vladimir Putin e colecionou distinções ao nível internacional.

U
Agora, com a economia à beira do precipício, há quem peça
que seja incluída na lista das sanções
— POR RUI BARROSO

Uma das imagens de marca de Elvira envergou um vestido preto, pesado,


Nabiullina – a governadora do banco dispensando qualquer tipo de adere-
central da Rússia – é a utilização de ço. Alguns observadores da política
adereços ou de roupas que indiquem monetária russa atiraram a hipótese de
a avaliação que faz da economia do seu que estaria a fazer o luto pela morte da
país e que dão pistas sobre as suas fu- economia do seu país ou, no mínimo,
turas decisões. Já usou um alfinete com a sinalizar que este era o tempo de
uma pomba, para sinalizar um corte enterrar a política monetária normal.
nos juros para valores mínimos; um Quase uma década depois de ter
crachá com o símbolo de pausa, para assumido a liderança do banco central
anunciar que iria deixar as taxas inal- russo, Nabiullina, de 58 anos, enfrenta
teradas, e até ostentou um adorno em uma missão quase impossível: manter a
formato de casa, durante a pandemia, economia e o rublo à tona, no meio da
para recomendar o confinamento da barragem de sanções económicas apli-
população. Após a invasão da Ucrânia, cadas pelo Ocidente, nas últimas sema-
e a julgar pela forma como se apre- nas. Em 2014, após a primeira invasão
sentou na comunicação das medidas de território ucraniano e a anexação
de resposta às sanções aplicadas pelo da Crimeia, a economista conseguiu
Ocidente, a líder do banco central pode passar no teste de fogo de defesa do
ter indiciado um prognóstico reservado rublo e do sistema financeiro russo. A
para a economia do seu país. Nabiullina resposta do banco central granjeou-lhe

14 ABRIL 2022 VISÃO 61


créditos, tanto dentro como fora de
portas. E essa crise levou-a a arquitetar
a estratégia da “fortaleza financeira”
russa, de acordo com a qual se pretende
tornar a economia e o sistema finan-
ceiro do país mais resistentes a sanções
internacionais e menos dependentes
do dólar. Nabiullina aumentou as re-
servas externas da Rússia para mais
de 640 mil milhões de dólares – são
as maiores do mundo – e começou a
desenvolver, também a partir de 2014,
uma alternativa ao SWIFT, sistema de
mensagens que permite aos bancos
estarem ligados ao sistema de paga-
mentos internacional. A versão russa,
que funciona quase exclusivamente
ao nível interno, está agora a ser usada
pelos bancos que foram desligados do
sistema internacional.
Mas o plano de defesa da antiga bri-
lhante aluna da Universidade de Mos-
covo foi, em grande parte, neutralizado
pelo anúncio do congelamento de uma
parte substancial dos ativos do banco
central, localizados nos países ociden-
tais e denominados em dólares e euros.
Esta medida, quase sem precedentes, de riu ainda que o contacto entre Putin e
sancionar uma autoridade monetária a economista tem sido quase diário.
foi trabalhada, segundo The Financial A ligação entre o Presidente e a go-
Times, por dois antigos colegas de vernadora do banco central começou
bancos centrais: o primeiro-ministro ainda antes de Putin ter chegado ao
italiano, Mario Draghi, e a secretária do palácio presidencial. Em 1999, durante
Tesouro dos EUA, Janet Yellen. E está a primeira corrida ao Kremlin, o antigo
a fazer mossa na fortaleza financeira agente do KGB criou um think-thank,
da Rússia, com Nabiullina a usar, nas para o ajudar a delinear a parte eco-
últimas semanas, alguns dos ativos que nómica do seu programa, e escolheu
estão disponíveis para segurar, de for- Nabiullina para a vice-presidência
ma artificial, o rublo. A moeda russa já desse centro. A economista, que tinha
recuperou da desvalorização que sofreu passado, durante a década de 1990, por
após a invasão da Ucrânia. alguns cargos de destaque da adminis- Sinais Na declaração após
tração Yeltsin, conquistou a confiança a invasão da Rússia, usou um
CONSELHEIRA DE LONGA DATA do então candidato. Seguiu, depois, vestido preto, sem qualquer
DE PUTIN diretamente para o executivo de Pu-
adereço. Alguns analistas
interpretaram isso como sinal
Com o trabalho de quase uma década tin, tornando-se uma das suas mais de “luto” pela economia
em causa, a governadora apresentou o influentes conselheiras, e chegou a
pedido de demissão, segundo fontes desempenhar o cargo de ministra da
não identificadas em várias notícias de Economia. Mas foi em 2013 que che-
agências financeiras internacionais. Pu- gou o grande voto de confiança: con- incluindo uma instituição controlada
tin rejeitou o pedido. Essa informação tra todas as expectativas, o Presidente por um primo de Putin e outra detida
foi depois desmentida por órgãos de russo nomeou-a governadora do banco pela poderosa Igreja Ortodoxa russa.
comunicação social controlados pelo central do país. Essa limpeza na banca valeu-lhe ini-
Kremlin. No entanto, o facto é que o Os resultados obtidos por Nabiullina migos, mas o acesso direto ao Kremlin
mandato de Nabiullina – que terminava impressionaram Putin. As políticas da para obter o “ok” do Presidente russo
em junho – vai ser renovado por mais governadora resultaram num período deu-lhe a força necessária para pros-
cinco anos. “O Presidente tem repeti- de estabilização da inflação, algo raro seguir com essas medidas. Segundo a
damente dado avaliações positivas ao na economia do país. A especialista, que Bloomberg, Putin trata a sua aliada pelo
desempenho de Nabiullina e ao banco costuma ser discreta e fala de forma primeiro nome, mesmo em cerimónias
central como um todo, e entendemos calma nas reuniões, mostrou também oficiais, o que indicia uma forte proxi-
que a extensão lógica é avançarmos ter “mão de ferro” com algumas insti- midade entre os dois.
com a sua candidatura para outro tuições poderosas da Rússia. Encerrou O currículo de Nabiullina no banco
mandato”, disse recentemente Dmitry cerca de 500 bancos que não cumpriam central e a ligação de longa data podem
Peskov. O porta-voz do Kremlin refe- com os critérios mínimos para operar, ajudar a explicar a recusa de Putin em

62 VISÃO 14 ABRIL 2022


A FORTALEZA FINANCEIRA RUSSA
Desde que assumiu o cargo de governadora do banco central russo, em junho de 2013,
Nabiullina aumentou as reservas externas do país. Agora, está a usar os ativos do banco
central que não foram congelados para defender, de forma artificial, o rublo e impedir
o colapso do sistema financeiro russo

Reservas internacionais russas (Valores em milhões de dólares)


Evolução do rublo face ao dólar (Valores em dólares)

VARIAÇÃO VARIAÇÃO
MENSAL SEMANAL

0,03130 643 200


600 000
0,0300
606 500
450 000 0,01930
0,0225
518 431
300 000
0,01276
0,0150

150 000
0,0075 356 005
0,00749
0
MAI JAN JAN JAN JAN JAN JAN JAN JAN 14 JAN 11 ABR
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2022
FONTE Banco da Rússia, Investing e VISÃO AR/VISÃO

abrir mão do seu ás de trunfo para a instituição na altura, apresentou a Na- hedionda”, afirmou Michael McFaul,
economia. E mesmo com esta à bei- biullina da seguinte maneira: “Como antigo embaixador dos EUA em Mos-
ra do precipício, a governadora tem qualquer amante de ópera sabe muito covo, no Twitter.
conseguido – de forma artificial, é bem, os grandes maestros precisam de Nabiullina, à semelhança da esma-
certo – defender o rublo. Até agora, o ter um carácter notável, intuição e ca- gadora maioria dos detentores de car-
sistema financeiro do país evitou um pacidade de liderança. Não há dúvida de gos-chave na Rússia, não fez qualquer
colapso total, o que aumenta a pressão que a Elvira tem todas essas qualidades comentário público a questionar a inva-
para que o Ocidente use outras armas e mais algumas.” são da Ucrânia. Além disso, num vídeo
para derrubar totalmente a fortaleza Mas a reputação construída por dirigido aos funcionários do banco cen-
financeira russa. Nabiullina no Ocidente poderá ter- tral russo, pediu que parassem com os
-se esfumado de vez. Até porque há debates políticos, porque apenas “quei-
DO RECONHECIMENTO pedidos para que ela própria seja alvo mam a nossa energia, e precisamos dela
AO PEDIDO DE SANÇÕES de sanções, tal como aconteceu com para fazer o nosso trabalho”. Descreveu
Nabiullina não acumulou créditos ape- outras pessoas próximas de Putin. “É a situação económica como “extrema”
nas junto de Putin. Em 2015 – ironica- tempo de os EUA e de a União Euro- e reconheceu que “todos queriam que
mente como resultado do seu sucesso a peia a porem na lista de sanções. Mais isso não tivesse acontecido”.
defender a economia russa das sanções do que qualquer outra pessoa, ela está Há uns anos, numa conversa no
aplicadas após a anexação da Crimeia a ajudar Putin a financiar esta guerra FMI, a governadora do banco central
–, a governadora russa foi eleita a me- russo referiu que “em qualquer política,
lhor banqueira central do mundo pela incluindo a monetária, não é possível
revista Euromoney. Dois anos depois, evitar compromissos. No entanto, é im-
teve uma distinção similar atribuída
pela The Banker. Entre os elogios feitos
Nabiullina chegou portante perceber que há limites para o
compromisso”. Para quem gosta de se
à economista, contava-se igualmente a
forma como ela tinha modernizado o
a ser eleita a expressar por códigos, o aparente “luto”
na declaração que se seguiu à invasão
banco central russo. Foi ainda conside- melhor banqueira da Ucrânia e o pedido de demissão que
rada uma das mulheres mais poderosas
do mundo, pela revista Forbes. central do mundo. não teve confirmação oficial até po-
dem ser um indício de que esse limite
Em 2018, a economista – que é
apreciadora de ópera e de poesia fran-
Mas, após a foi ultrapassado. Mas a verdade é que
“todas as qualidades e mais algumas”
cesa, sabendo de cor, na língua original, guerra, há pedidos de Nabiullina continuam a ser usadas
versos de Paul Verlaine – foi a escolhida
pelo Fundo Monetário Internacional para que seja para manter a economia russa acima da
linha de água, o que permite a Putin ter
para ser a oradora principal na confe-
rência anual sobre política monetária.
incluída na lista as condições financeiras mínimas para
prosseguir com a guerra na Ucrânia.
Christine Lagarde, que liderava essa das sanções rbarroso@exame.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 63


Filipe e Helena
Saraiva O casal
(engenheiro
agrónomo e a mestre
em Educação) tem
um rebanho de
80 ovelhas e uma
queijaria certificada
em Vale do Beijames
Os novos
pastores
da Estrela

Formaram-se em Biologia, Engenharia Florestal,


Zootécnica, Agrária ou Informática. Têm entre
30 e 40 anos e largaram tudo para andar com as
ovelhas de raça bordaleira pelos pastos da montanha
mais alta do País. O que os move, afinal?
— P O R F LO R B E L A A LV E S T E X T O
E LU CÍ L IA M O N T E I R O FOTOS
Q
Quando era miúda,
aquela semana na prima-
vera em que Ana Teresa Matos
saía de Mafra para passar uns dias
com os pais, biólogos, na zona da Torre, era
a melhor de todas. “O meu pai é virologista e
estudava as lagartixas da montanha. O gosto
pela serra da Estrela começou nessa altura”,
conta uma das mais jovens pastoras da região,
com 30 anos. Licenciada em Biologia, com
um mestrado em Engenharia Florestal, Ana é
dona de um rebanho com 40 ovelhas (e quer
chegar às 60) da raça autóctone bordaleira –
que, juntamente com a churra mondegueira,
é a raça que dá o leite para o fabrico do mais Dias no ovil o isolamento, o estar no meio da serra, as
antigo dos queijos portugueses, produzido Francisco Santos vistas e a possibilidade de poder trabalhar na
numa área geográfica DOP (Denominação (em cima) era conservação da Natureza”, conta, de sorriso
comissário de
de Origem Protegida). bordo da British
largo com a pele da cara avermelhada à conta
Desde cedo que a família de Ana Matos Airways e Daniel do vento frio da manhã.
trocava as férias na praia pela Natureza. Daí Fonseca (em Ana Matos sabe que a profissão de pastora
que, quando decidiu que queria viver na baixo) trocou as não tem fins de semana nem feriados, mas,
zona alta e despovoada da Estrela, aliando Forças Armadas por enquanto, isso não a demove. De segunda
e a engenharia
a pastorícia a um projeto de reflorestação, informática pela
a domingo, solta as ovelhas do ovil e guia-
ninguém estranhou. “Alguns dizem que sou ordenha -as, caminho fora, até às pastagens naturais
doida, outros que gostavam de fazer o mes- e ao feno dos lameiros onde se alimentam.
mo”, ri-se. Em 2018, adquiriu um terreno “Já cheguei a ficar lá com elas o dia inteiro.
com 90 hectares em Casal das Pias, um lugar Não me aborreço.” Nas últimas semanas,
inóspito em Casais de Folgosinho, Gouveia, nasceram-lhe 13 borregos, vendidos com a
situado a 900 metros de altitude, aonde se certificação DOP, e, por estes dias, lançou-se
acede percorrendo sete quilómetros de terra nas primeiras ordenhas para poder testar o
batida, mas do qual se avistam paisagens de fabrico de queijo neste lugar a que chamou
perder o fôlego, com o rio Mondego a correr Reserva Etno-Ecológica do Vale Velho. “Para
no vale. Há dois anos, desde que limparam o o ano, espero já ter uma queijaria artesanal
mato e reconstruíram uma pequena casa (cuja e biológica licenciada”, vaticina, feliz. É que
eletricidade é apenas possível com painéis as bordaleiras (cornos enrolados em espiral,
solares), Ana e o companheiro, o arqueólo- pelo branco ou preto), além de servirem como
go André Marques, passaram a viver ali, na subsistência financeira, são também parte
companhia das ovelhas e dos dois cães serra fundamental no projeto de conservação da
da Estrela, o Urze e o Zimbro. “Fascinou-me Natureza que Ana ali quer implementar: “As

66 VISÃO 14 ABRIL 2022


casos de quem tenha trocado um diploma do
Ensino Superior por cuidar de rebanhos na
serra. A bióloga acabou por ser uma das 15
alunas da primeira edição da Escola de Pas-
tores e de Queijeiros que, em 2019 e 2021,
decorreu no Instituto Politécnico de Viseu
(IPV), no âmbito do Programa de Valoriza-
ção da Fileira do Queijo da Região Centro,
abrangendo ainda o Instituto Politécnico
de Castelo Branco com o foco nos queijos
Rabaçal e da Beira Baixa. Embora não es-
teja prevista uma terceira edição, António
Monteiro, presidente do IPV, faz um balanço
positivo desta formação que pretendeu “aliar
os conhecimentos ancestrais às tecnologias,
com vista a uma agricultura mais eficiente
em termos produtivos e ambientais”. A ins-
tituição de ensino disse à VISÃO que uma
das consequências diretas foi o “aumento de
330 fêmeas passíveis de produzir leite para a
produção de queijo serra da Estrela”.

DEIXAR DE SER UM SACRIFÍCIO


Estes números, porém, poderão vir a ser insu-
ficientes para combater a diminuição dos dez
por cento de criadores da ovelha bordaleira só
na última década, registada pela Associação
Nacional de Criadores de Ovinos da Serra da
Estrela (Ancose). Dados recentes apontam
para um total de 22 900 animais registados
no Livro Genealógico (só os inscritos pode-
rão fornecer leite para a produção de queijo,
requeijão e borrego Serra da Estrela DOP).
Para este decréscimo que se tem verifica-
do, não serão alheios fatores como a média
de idades dos pastores (mais de 65 anos), o
consequente abandono da profissão devido
“à pouca rentabilidade económica” e “a não
ovelhas são essenciais para a manutenção das Caras novas renovação de gente no setor”, justifica Manuel
pastagens, os seus excrementos ativam a ativi- O engenheiro Marques, presidente da Ancose.
dade biológica do solo.” Por isso, explica, uma zootécnico João Esse até nem foi o caso de João Pires que,
Pires (em cima)
parte do terreno será destinada à reflorestação e a bióloga e
aos 14 anos, sozinho, já tomava conta do
de tudo o que seja autóctone: carvalho-negral, engenheira rebanho do avô, na Covilhã. E, mesmo en-
medronheiros, freixos, bordos, salgueiros... florestal Ana quanto frequentava o curso de Engenharia
A exploração de Ana Matos é uma das 247 Teresa Matos Zootécnica em Viseu, nunca faltou à ordenha
registadas no Livro Genealógico da raça em (em baixo) são durante os fins de semana. “Sempre sonhei
dos pastores
toda a região. Mas contam-se pelos dedos os mais jovens na
vir a ter um rebanho meu.” E conseguiu-o.
serra da Estrela Com 31 anos, tem um dos maiores da região
(650 bordaleira e mais 60 cabras), na Quin-
ta da Lagoa, em Canas de Senhorim, Nelas.
“Fascinou-me “Conheço as minhas ovelhas todas, até de
costas [risos]. Sinto que se ganha um grande
o isolamento, o estar afeto a estes animais, costumo dizer que é
no meio da serra, as um vício.” Com uma filha de 9 meses, com
quem só consegue estar umas horas quando
vistas e a possibilidade o trabalho deixa – “os animais têm de ir ao
pasto todos os dias” –, João está empenhado
de poder trabalhar em mudar o futuro dos pastores. “É preciso
na conservação tornar a profissão atrativa e que não seja um
sacrifício, para que os meus filhos também
da Natureza”, conta queiram segui-la. Esta paixão que o meu avô
me passou já não está a ser transmitida pelos
Ana Teresa Matos mais velhos.”

14 ABRIL 2022 VISÃO 67


Assim, juntamente com o grupo O Valor do SERRA Lisboa, estagiado no Brasil, trabalhado em Re-
Tempo – que acabou por comprar a Quinta guengos de Monsaraz e em Vila do Conde, fez
da Lagoa, em 2020, e é proprietário, entre DA ESTRELA nascer uma queijaria na aldeia dos avós, em
outros, do Museu do Pão, em Seia, e das nove DOP Vide Entre Vinhas, às portas de Celorico da
lojas da Casa Portuguesa do Pastel de Baca- Beira. “Tinha este sonho. Lembro-me de ver
lhau, iguaria que absorve “cerca de 60% da A região demarcada a minha avó a pôr o leite a coalhar à lareira.
produção” de queijo Serra da Estrela DOP –, em números Defendo a manutenção das raças autóctones,
o engenheiro zootécnico defende a urgência mas tem de ser feita mais alguma coisa para

18
na valorização de toda a cadeia produtiva se conseguir preservar esta nossa cultura.
do setor. “Gosto da ovelha, mas só a consi- Hoje, a maior parte dos pastores tem idade
go valorizar se o queijo a partir do leite que avançada e os rebanhos estão a diminuir.” Na
ela produz for também valorizado. Todos os Casa Agrícola dos Arais, conta com o apoio da
MUNICÍPIOS
pastores da serra da Estrela deveriam receber família na gestão de 270 ovelhas e até a filha
Aguiar da Beira,
dois euros por cada litro de leite [€1,30 é o Arganil, Covilhã,
mais velha, Leonor, 10 anos, dá uma ajuda.
preço em vigor]. E também o queijo tem de Carregal do Mas quando não anda “em liberdade” com
ser pago a um preço mais elevado, para que Sal, Celorico da o rebanho nos pastos – “o que mais gosto”,
se possa valorizar o pastor”, nota João Pires. Beira, Fornos de confessa –, é na queijaria que passa o tempo.
Algodres, Gouveia, Após a ordenha das seis e meia da manhã (há
PRODUÇÃO DE QUEIJO AO VIVO Guarda, Mangualde, outra ao fim do dia), o leite é filtrado, anali-
Quando estudava na escola primária, em Manteigas, Nelas, sado, aquecido, e posto a coalhar com sal e
Manteigas, Filipe Saraiva, 41 anos, lembra-se Oliveira do Hospital, cardo. Depois, é o tempo e as mãos que hão
bem “de ver passar na vila mais ovelhas do Penalva do Castelo, de moldar este seu queijo que ainda há dias
que automóveis”. Hoje, o panorama é bem Seia, Tábua, Tondela, ganhou a Medalha de Ouro no Concurso de
diferente. E apesar de não ter família ligada Trancoso e Viseu Queijos Tradicionais Portugueses. E Célia,
à pastorícia, o engenheiro agrónomo, com que no início nem conseguia prová-lo, agora

247
o curso tirado em Castelo Branco, acabaria já lhe tomou o gosto.
por voltar à terra natal para se tornar pastor. Dizem que a paixão move montanhas e
“Sou um defensor da serra e dos nossos va- a de Francisco Santos, 40 anos, pela raça
lores. Sempre tive contacto com os pastores EXPLORAÇÕES bordaleira, fê-lo abandonar a carreira de
genuínos. Porque não ser também um?” REGISTADAS comissário de bordo da British Airways, em
Em 2020, em conjunto com a mulher, NO LIVRO Lisboa, onde trabalhou durante 16 anos, para
Helena, 35 anos, com um mestrado em Edu- GENEALÓGICO se tornar pastor de mais de meia centena de
cação, abriu o Agroturismo Vale do Beijames, Corresponde a 22 ovelhas e outras tantas cabras, em Paços da
numa bacia que leva o nome do afluente do 900 animais (ovelha Serra, Gouveia. Nascido na aldeia de Livra-
Zêzere, entre a Covilhã e a Guarda, onde tem raça bordaleira e mento, no Estoril, com formação em Gestão
um rebanho de 80 ovelhas e uma queijaria churra mondegueira) Agrícola, “estava cansado da ponte aérea
certificada em vias de se tornar biológica. Lisboa-Londres”. No entanto, nem tudo tem

30
Para complementar a atividade e tornar o corrido como previa. “Este ano, a pastagem
negócio mais rentável porque “os apoios são está baixa devido à falta de água, não tem
poucos”, Filipe e Helena abrem aos visitantes nutrição. Preciso de as suplementar e de au-
a possibilidade de assistirem à ordenha e à QUEIJARIAS mentar o curral para ter mais condições para
produção de queijo ao vivo (€20, marcação CERTIFICADAS COM os animais. Ando a sustentar as ovelhas com
prévia). “Por que razão se dá às raças autóc- SELO DOP as minhas economias, porque os apoios são
tones o mesmo apoio que é dado a quem escassos e as burocracias muitas.” O amor que

184
tem ovelhas exóticas?”, questiona-se Filipe
Saraiva. “A humanização desta paisagem é
conseguida pelos animais que complementam
o ecossistema. A ovelha era a base do tecido TONELADAS DE
“A raça tem de
produtivo que faz parte das nossas raízes.
Se eu não fosse teimoso, já tinha desistido”,
QUEIJO PRODUZIDAS
EM 2021
ser diferenciada
admite. Também a Estrelacoop (Cooperativa
de Produtores de Queijo Serra da Estrela)
Equivalente a uma e protegida. Em
receita de 3,5 milhões
tem defendido a necessidade de serem cria- nenhuma parte do

€19 mundo se consegue


dos mais apoios por parte do Ministério da
Agricultura. “A raça tem de ser diferenciada
e protegida. Em nenhuma parte do mundo se
consegue fazer um queijo destes”, sublinha o
fazer um queijo
presidente, Joaquim Lé de Matos, apostado
VALOR MÉDIO POR
QUILO DE QUEIJO destes”, diz Joaquim
em candidatar o produto a Património Ima-
terial Mundial da Unesco em 2024. FONTE: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
Lé de Matos,
Resiliência é também o que não tem faltado
à engenheira zootécnica tornada pastora, Célia
CRIADORES DE OVINOS SERRA DA
ESTRELA (ANCOSE) E COOPERATIVA
DE PRODUTORES DE QUEIJO SERRA
presidente
Silva, 38 anos, que depois de ter estudado em DA ESTRELA (ESTRELACOOP)
da Estrelacoop
68 VISÃO 14 ABRIL 2022
lar como jovem agricultor, depois de anos a
viver e a trabalhar em Sintra. Começou com
22 ovelhas, hoje soma 140. “Eu era daqueles
que criticavam quem se ia embora daqui, e
cá estou.”
O único sustento do pastor provém do leite
(um quilo de queijo precisa de cinco ou seis
litros) que vende a uma queijaria certificada e
que vêm buscar todos os dias. Daniel faz tudo
sozinho: ordenha de manhã cedo, trata dos
animais, leva-os para o pasto onde semeou
aveia e trevos, vai buscá-los e volta a orde-
nhar, de novo, ao fim da tarde ou à noitinha,
já depois de deitar os três filhos. Por isso, até
instalou uma televisão na sala da ordenha:
“Se não a tivesse, perdia a ligação ao mun-
do.” O engenheiro informático planeava abrir
uma queijaria biológica, mas o investimento
revelou ser um passo demasiado gigante.
“Trabalho 365 dias por ano porque o facto
de, antigamente, virem para esta profissão
sente pelos animais faz com que continue por Da ovelha as pessoas menos qualificadas fez com que
ali. “Estes passageiros são mais fáceis do que ao queijo isto não evoluísse. As coisas têm de mudar”,
os outros que tinha no avião”, atira, enquanto Só com o leite defende. Por isso, tanto o podemos encontrar
da bordaleira
lhes afaga o pelo. se pode fabricar na ordenha, como de cajado na mão, a guiar as
Apaixonado pelo campo, em Várzea de o queijo DOP ovelhas, ou entretido a estudar a forma como
Meruje, Seia, também Daniel Fonseca, 40 como o de Célia os cereais, o pasto e o maneio dos animais
anos, tem andado a fazer contas à vida. Enge- Silva, pastora e poderá interferir numa melhor qualidade
nheiro informático e de multimédia, ex-oficial queijeira em Vide do leite. E remata: “Somos uma agulha num
Entre Vinhas
das Forças Armadas, vai para uma década que (em baixo) palheiro, mas ainda não perdi a esperança.”
regressou à aldeia onde nasceu para se insta- Parece ser este o espírito da serra. falves@visao.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 69


COMO A GUERRA
VAI DEFINIR
A TRANSIÇÃO
ENERGÉTICA
A União Europeia está a tentar libertar-se
das amarras de Putin – da sua dependência
dos combustíveis fósseis russos. A estratégia
deverá passar por investir ainda
mais em fontes renováveis, acelerando
a eletrificação da economia e a transição
energética, o que acabará por levar
a uma redução de emissões. Mas isto também
pode ter o efeito contrário e agravar ainda
mais as alterações climáticas
— PO R LU ÍS RI BEI RO

70 VISÃO 14 ABRIL 2022


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14 ABRIL 2022 VISÃO 71


E
“Espanha devia construir um gigantes-
co parque solar. Podia dar energia para
toda a Europa.” Foi com este tweet, a
4 de abril, que Elon Musk, o homem
mais rico do mundo, entrou no debate
sobre o nó górdio energético em que a
Europa está enredada. Um debate que
pode decidir o futuro da guerra e, por uma só voz, unindo-se, de forma iné- combate às alterações climáticas. No
arrasto, do mundo que teremos nas dita, com sanções duras e concertadas. entanto, há buracos nesse percurso
próximas décadas. Mas houve uma linha que o líder russo que podem fazer descarrilar os planos.
A invasão da Ucrânia obrigou o sabia que não seria atravessada, e não
Ocidente a lutar contra Vladimir Putin se enganou: a Europa continuaria a O FUTURO SORRI A PORTUGAL
com as armas económicas à sua dispo- comprar-lhe energia. No início de março, quando a guer-
sição, tentando isolar e asfixiar a eco- Segundo a Comissão Europeia, 25% ra entrava na segunda semana, a UE
nomia russa. Mas as ondas sucessivas do petróleo e 45% do gás e do carvão delineou um programa para reduzir
de sanções têm deixado de fora o setor consumidos na UE vêm da Rússia. A 7 a dependência energética da Rússia
energético. Grande parte da União de abril, os Estados-membros acorda- “bem antes de 2030”. A estratégia de
Europeia está demasiado dependente ram um quinto pacote de sanções que curto prazo implicava cortar, até ao
do carvão, petróleo e gás russos para inclui um embargo (a partir de agosto) final deste ano, 66% das importações
poder fazer o que se impunha neste ao carvão russo. Essa medida já é um de gás de Moscovo, o que corresponde
momento: deixar de comprar com- pequeno passo para a Europa, mas a 100 mil milhões de metros cúbicos.
bustíveis fósseis a Moscovo, para que ainda não constitui um grande salto. “Devemos tornar-nos independentes
o dinheiro não sirva para patrocinar o Ao contrário do gás, o carvão, que ain-
esforço militar da Rússia. da representa 15% do mix energético
Quem melhor explicou a posição europeu, não é distribuído por gaso-
desconfortável da UE foi Josep Borrell, dutos e pode ser facilmente adquirido
o vice-presidente da Comissão Europeia noutros mercados (os dois maiores
com a pasta dos Negócios Estrangeiros. exportadores são a Indonésia e a Aus- “A energia
“Demos à Ucrânia quase mil milhões de
euros [em armamento]. Isso pode pa-
trália). As transações de carvão entre a
UE e a Rússia valem uns relativamente limpa deve ser
recer muito, mas mil milhões de euros
é o que estamos a pagar a Putin todos
parcos 4 mil milhões de euros.
Não será fácil fazer o mesmo com
considerada
os dias pela energia que ele nos fornece. o petróleo e, sobretudo, com o gás, de a energia
Desde o início da guerra já lhe demos que a maior economia europeia, a Ale-
35 mil milhões de euros.” manha, é particularmente dependente. da liberdade”
Putin errou a vários níveis, quando Mas, agora que finalmente percebeu
decidiu invadir a Ucrânia, nomeada- que não pode confiar numa autocra- Christian
mente ao julgar que o Ocidente era
uma manta de retalhos com as linhas
cia como a Rússia, a UE está a tentar
tornar-se energeticamente autónoma.
Lindner, ministro
descosidas. Afinal, contra as expectati-
vas do Presidente russo, a UE, os EUA
Esse caminho passará necessariamente
por uma aposta em massa nas ener-
das Finanças
e outros países aliados responderam a gias renováveis, com ganhos claros no da Alemanha
72 VISÃO 14 ABRIL 2022
O resultado expectável Repetem-se
os pedidos para que a UE boicote o
gás russo, mas a Alemanha, ao longo
dos anos, foi ficando cada vez mais
dependente: em 2011, Merkel e o
então Presidente russo Medvedev
inauguraram o gasoduto Nord Stream 1

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Berlim, agora, parece ter-se apercebido
de que tem de mudar urgentemente
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de direção. “A energia limpa deve ser


E o clima? considerada a energia da liberdade”,
disse Christian Lindner, ministro das
O conflito está a desviar a Finanças da Alemanha. “O país planeia
atenção das alterações climáticas, reduzir a sua dependência das impor-
do petróleo, carvão e gás russos”, disse tal como a pandemia havia feito tações de energia da Rússia, aceleran-
a presidente da Comissão Europeia, do as energias renováveis e atingindo
Ursula von der Leyen. “Simplesmente A última parte do Sexto 100% de energia limpa até 2035.”
não podemos confiar num fornecedor Relatório Climático do IPCC Pedro Amaral Jorge, presidente da
que nos ameaça explicitamente.” (Painel Intergovernamental APREN – Associação Portuguesa de
Frans Timmermans, o vice-pre- para as Alterações Climáticas), Energias Renováveis, não tem dúvidas
sidente da Comissão Europeia com tornado público na semana de que “a guerra vai acelerar a transi-
a pasta do Clima, fez saber que esse passada, avisa de que a ção”, com vantagens óbvias para a “se-
processo passa pela aceleração da janela de oportunidade para gurança do abastecimento”. “As medi-
transição energética, substituindo os o mundo limitar o aumento das concretas em curso estão em linha
combustíveis fósseis por fontes limpas. de temperatura a 1,5 ºC é já com o Fit for 55 e passam por acelerar
Na prática, espera-se agora um reforço muito curta: as emissões têm a descarbonização da indústria e por
do investimento em renováveis, o que de atingir o seu pico em 2025. duplicar a quantidade de hidrogénio
já estava previsto no âmbito do pacote Mas a guerra na Ucrânia pode verde até 2030. Isto significa que as
Fit for 55 e que implica uma redução atrasar mais a ação necessária. metas da potência renovável necessá-
de, pelo menos, 55% das emissões de “A mudança de foco é um ria para produzir esse hidrogénio vão
gases com efeito de estufa até 2030, risco”, alerta Francisco Ferreira, disparar exponencialmente.”
rumo à neutralidade carbónica em da Zero, lembrando ainda que Portugal não depende da Rússia.
2050. Na verdade, a descarbonização nós não aprendemos nada com A quase totalidade do gás chega-nos
a Covid-19. “Com a pandemia,
que a UE tem vindo a levar a cabo pode de navio, ao porto de Sines, vindo da
deveríamos ter criado
ter sido um fator na decisão de Putin Nigéria (GNL, gás natural liquefeito), e
mudanças estruturais, mas o
em invadir agora a Ucrânia – a cada tráfego rodoviário está quase
da Argélia, por gasoduto. Além disso, o
ano que passa, a Europa está menos nos níveis pré-pandémicos, a País tem os níveis de armazenamento de
dependente da energia russa. aviação está a 90%, continua gás natural mais altos da UE (acima de
Durante muitos anos, a Alemanha a aumentar a concentração 80% da capacidade), pelo que o governo
foi cavando a própria dependência. de CO₂... Com a guerra, pode português pode dar-se ao luxo de apoiar
Dois marcos desta aparente confian- acontecer o mesmo: corremos o embargo total aos hidrocarbonetos
ça cega no Kremlin são os gasodutos o risco de que o desafio de russos, como fez, na semana passada,
Nord Stream 1 e 2, que ligam a Rússia à mudar o paradigma energético o ministro dos Negócios Estrangeiros,
Alemanha pelo mar Báltico. O primei- não se concretize, quando nos João Gomes Cravinho, à margem de
ro, inaugurado em 2011, encontra-se devíamos estar a tornar mais uma reunião da NATO em Bruxelas.
em funcionamento; o segundo, já ter- resilientes e independentes, A longo prazo, Portugal e Espanha
minado e a aguardar apenas luz verde com mudanças energéticas podem mesmo tornar-se as baterias
do regulador alemão, foi entretanto fundamentais.” da Europa, como Musk sugeriu. “A
suspenso, na sequência da invasão. Península Ibérica tem uma vantagem

14 ABRIL 2022 VISÃO 73


As alternativas “limpas”
Os investimentos na energia
eólica podem aumentar, para
acelerar a independência
energética da UE. O nuclear
também pode ser um bálsamo,
mas a Alemanha mantém o
encerramento das últimas
centrais para este ano

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competitiva que advém do seu porte- que o resto da Europa siga a mesma
fólio tripartido de renováveis: eólica, Os governos da direção. Os governos da Alemanha e
solar e hídrica”, lembra Pedro Amaral
Jorge. “Se a isto juntarmos armazena- Alemanha e de de Itália já avisaram de que poderão ter
de aumentar a queima de carvão para
mento adicional, baterias e hidrogénio
verde, podemos ficar energeticamente
Itália já avisaram diminuir a dependência do gás russo.
Seria uma péssima notícia para os
independentes e até exportar.” Em pri- de que poderão esforços no sentido de se cumprir o
meiro lugar, continua, “poderemos ter Acordo de Paris (limitar o aumento
a energia mais barata da Europa, o que ter de aumentar da temperatura média global a 1,5 ºC)
atrairá empresas”; em segundo, com o
reforço das interligações nos Pirenéus a queima de carvão e que vem piorar uma tendência pro-
vocada pela pandemia: o mundo está
(a que a França se tem oposto, para que
as renováveis da Ibéria não compitam
para diminuir a queimar mais carvão para relançar
a economia, incluindo os países que
com as suas centrais nucleares), “po-
demos escoar muito mais eletricidade”.
a dependência têm liderado o combate às alterações
climáticas. No ano passado, os EUA
do gás russo queimaram mais carvão do que em
O NUCLEAR PODE SER OPÇÃO? 2019, quando o Presidente era Donald
Neste momento, há dois caminhos pos- Trump; na UE, o carvão cresceu 18%, a
síveis, diz Francisco Ferreira, presidente primeira subida em quase uma década.
da Zero e professor da Faculdade de “Este balanço tem de ser feito”, avisa A energia nuclear poderia ser um
Ciências e Tecnologia da Universidade Francisco Ferreira. “Não vou fazer bálsamo, uma alternativa sem emissões
Nova de Lisboa. Um passa efetivamente um gasoduto que me obriga a usar ao carvão, defende o físico Luís Guima-
pela aposta nas renováveis e na eficiên- gás natural para o pagar ao longo das rais, professor convidado da Nova SBE
cia energética, “criando uma economia próximas décadas.” Por seu lado, Pedro e membro do braço português da Re-
de escala na energia solar e na do vento, Amaral Jorge, da APREN, não acredita Planet Portugal (ONG de Ambiente ba-
as mais baratas, garantindo a indepen- que esta venha a ser uma opção. “Não seada na Ciência). “A UE importa 40%
dência energética para o futuro”. Mas corremos esse risco, porque os gran- do seu gás fóssil da Rússia. A RePlanet
a segunda via possível pode ameaçar des investimentos dependem de muito propõe um plano ambicioso, o Switch
esta opção: mudar apenas a origem dos tempo de execução, e nós precisamos Off Putin, para que a UE corte o mais
combustíveis fósseis. “Se trocarmos o de respostas rápidas.” rápido possível a sua importação de 155
gás e o petróleo russos por gás dos EUA Há, no entanto, um perigo de curto bcm (mil milhões de metros cúbicos
e petróleo da Arábia Saudita e do Qatar, prazo: a substituição do gás pelo car- anuais) de gás russo. Neste plano, a
não mudamos estruturalmente o uso de vão, que tem emissões de gases muito energia nuclear tem um papel relevante.
combustíveis fósseis e ainda investimos superiores por kWh de eletricidade Parar e reverter o desmantelamento
em infraestruturas, como terminais de produzida. O novo ministro portu- das centrais nucleares alemãs, belgas e
GNL ou novos gasodutos, que podem guês do Ambiente e da Ação Climática, suecas cortaria esta dependência em 14
tornar-se investimentos ociosos.” Duarte Cordeiro, assegurou que as bcm. Um plano de manutenção agres-
Ou seja, são investimentos de mi- centrais a carvão do Pego e de Sines sivo das centrais nucleares francesas
lhões que terão de ser compensados. não serão reativadas, mas não é certo cortaria 26 bcm adicionais. No total,

74 VISÃO 14 ABRIL 2022


SOLUÇÃO
EM 10 PONTOS
A Agência Internacional para
a Energia sugere um plano para a UE
cortar num terço a sua dependência
energética da Rússia

1. Não assinar novos contratos


de gás com a Rússia. Impacto:
maior diversificação da oferta.
2. Substituir os abastecimentos
russos por fontes alternativas.
Impacto: aumento do
abastecimento de gás não russo
em cerca de 30 mil milhões

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de metros cúbicos, no espaço
de um ano.
3. Introduzir obrigações mínimas
de armazenamento de gás.
Impacto: aumento da resiliência do
40 bcm, ou aproximadamente 25% Glasgow, disse que o fim do carvão sistema de gás, no próximo inverno.
das importações russas de gás fóssil, estava “à vista”. Agora, essa declara- 4. Acelerar novos projetos eólicos
poderiam aumentar a independência ção parece irrealista. Porém, à luz dos e solares. Impacto: redução do uso
energética da UE num intervalo de novos acontecimentos, isso é o me- de gás em 6 mil milhões de metros
tempo de até um ano.” nos importante. Há outro pormenor cúbicos, num ano.
O governo alemão, porém, tem saído da Escócia que se revela bem 5. Maximizar a geração de energia
repetido por várias vezes que não rea- mais significativo. No último dia de a partir da bioenergia e do nuclear.
brirá as centrais nucleares encerradas negociações, face à pouca ambição do Impacto: redução do uso de gás em
recentemente nem adiará o fecho das documento final, Sharma pressionou 13 mil milhões de metros cúbicos.
três últimas, previsto para este ano. para que os países concordassem em 6. Decretar medidas fiscais
apresentar novas NDC (Contribui- de curto prazo sobre lucros
UMA ESTRANHA PRESCIÊNCIA ções Determinadas Nacionalmente, os inesperados para proteger dos
A luta para limitar o aquecimento planos de redução de emissões) já na preços altos os consumidores
global poderá ser prejudicada tam- Cimeira de 2022, respeitando o espí- de eletricidade mais vulneráveis.
bém por um dumping dos preços dos rito do Acordo de Paris, que prevê que Impacto: redução da fatura da
hidrocarbonetos. Desesperada por cada proposta vá mais longe do que a energia, mesmo quando os preços
encontrar novos clientes (e como for- anterior. O presidente propôs, então, a do gás permanecem altos.
ma de comprar algum tipo de apoio), frase: “Solicita às Partes que revisitem e 7. Acelerar a substituição de
a Rússia assinou, em março, um con- fortaleçam as metas de 2030 nas suas caldeiras a gás por bombas de
trato para vender petróleo à Índia, com contribuições conforme necessário calor. Impacto: diminuição do uso
um desconto de 35 dólares por barril. para as alinhar com a meta de tempe- de gás em mais 2 mil milhões
A China não quer ser discriminada, ratura do Acordo de Paris até ao final de metros cúbicos.
pelo que também comprará combus- de 2022”. A China e a Índia, contudo, 8. Acelerar as melhorias de
tíveis fósseis à Rússia a preço de saldo, exigiram que se acrescentasse: “le- eficiência energética em edifícios
sobretudo quando tenta cumprir o vando em consideração as diferentes e na indústria. Impacto: redução
crescimento anunciado de 5,5% do PIB circunstâncias nacionais”. Uma adenda do uso de gás em 2 mil milhões de
para este ano, em circunstâncias eco- que pode dar uma justificação para que metros cúbicos.
nómicas adversas. E, se o gás subir de novas NDC não sejam entregues, invo- 9. Incentivar uma redução
preço devido ao aumento da procura cando uma qualquer razão conjuntural. temporária do termóstato em 1 °C.
de GNL por parte da UE, o governo É mais do que certo que, na próxima Impacto: diminuição do uso de
de Xi Jinping irá ordenar a extração e COP, no outono, a guerra será usada gás em 10 mil milhões de metros
a queima de mais carvão. O país com- como desculpa para vários países não cúbicos.
prometera-se a atingir o pico do car- cumprirem este objetivo. 10. Intensificar os esforços para
vão até 2030, mas a guerra na Ucrânia Na altura, pouca gente deu impor- diversificar e descarbonizar as
poderá deitar essa promessa por terra. tância a esta insistência numa rampa fontes de energia elétrica. Impacto:
Em novembro, quando ainda nin- de saída que leva em conta as tais “dife- redução das fortes ligações entre
guém esperava que o mundo se en- rentes circunstâncias nacionais”. Hoje, o fornecimento de gás e a
contrasse nesta situação, Alok Sharma, quase parece que alguém adivinhava o segurança elétrica da Europa.
presidente da Cimeira do Clima, em que aí vinha. lribeiro@visao.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 75


Giulio Boccaletti
Não gosto de um mundo
que depende de gente rica para
dar o que as pessoas deviam
ter por direito
O autor de Água: Uma Biografia diz que o problema da falta de água,
sobretudo nos países menos desenvolvidos, se deve a falhanços
estruturais dos Estados – coisa que não se resolve com filantropia
— PO R LU ÍS RI BEI RO

A
água tem servido de que, numa sociedade não moderna, a Não diria que o que aconteceu no
desculpa para suces- água é o que dá e o que tira a vida. Sudão do Sul foi uma guerra cau-
sivos conflitos. Mas A água é historicamente uma fonte sada pelo acesso à água?
é uma fama injusta, de conflito? As pessoas sentem-se muito confor-
garante o ítalo-britâ- É mais uma fonte de cooperação do táveis ao dizer que a água é a causa
nico Giulio Boccaletti, que de conflito. Conhecemos uma só da guerra. Mesmo no caso da Ucrâ-
investigador no MIT “guerra de água” clara. É uma história nia, têm sido dadas muitas causas
e responsável estratégico da The Na- de há 4 800 anos: duas cidades-es-
ture Conservancy, uma das maiores tado da Mesopotâmia, Guirsu e Uma,
ONG de Ambiente no mundo. Na combateram pelo controlo de um
verdade, historicamente, sempre foi canal. Mas essa terá sido a primeira e
uma fonte de cooperação, diz o autor a última de uma guerra pelo controlo
do livro Água: Uma Biografia (Ed. da água. Na realidade, se definirmos
Desassossego, €19,90, 368 páginas). “guerra” como um conflito entre
Os problemas associados à água, Estados, ela quase nunca acontece
sublinha, não se devem à água em devido à água. É verdade que, no caso
si – seja ela demasiada ou insuficien- de indivíduos ou de sociedades não
te –, mas à pobreza dos Estados e à estatais, isso acontece. Trabalhei no
instabilidade sistémica em regiões Sul da Etiópia, onde há tribos pas-
vulneráveis. torícias que atravessam a fronteira,
As lendas e os mitos das civiliza- entre o Quénia e a Etiópia, com ma-
ções antigas relacionadas com a nadas que vão beber nos buracos de
água veem-na como uma fonte de água. E se não houver água suficiente,
vida ou de morte? elas lutam pelo seu acesso. Mas qual
Ambas. Desde que começámos a é a causa que está na raiz do proble-
gerar estes mitos, reconhecemos a ma? O facto de o governo etíope
água como uma presença poderosa ter restringido o acesso
com que a sociedade tem de lidar. É destas comunidades
simultaneamente geradora e destrui- pastorícias a uma
dora. Os mitos das inundações, como pequena fração do
o da arca de Noé e o de Gilgamesh, que era antes. Se
dizem todos o mesmo: que a origem pudessem conti-
da sociedade decorre de um aconte- nuar a mover-se
cimento destruidor provocado pela livremente, estes
água. Nenhum se refere a um aconte- conflitos não
cimento físico, mas passam a ideia de aconteceriam.

76 VISÃO 14 ABRIL 2022


diferentes. Mas a ideia de que um A Índia e o dez anos, a estes países para que se
conflito é atribuível a um só pro- tornem mais resilientes [às alterações
blema é um erro. O Sudão do Sul é Paquistão tiveram climáticas]. Ser resiliente significa ter
um Estado falhado. Um país onde as infraestruturas que protejam as pes-
pessoas são pobres, não têm comida, três guerras nos soas de inundações e de secas e que
não têm segurança e que, sim, é tam-
bém seco...
últimos 50 anos limpem a água para as pessoas be-
berem. Idealmente, teriam também
Mas o facto de ser seco não pode
ser a “última gota”, por assim di-
e, mesmo assim, saneamento básico. Tudo isto custa
bem mais do que 100 mil milhões de
zer? conseguiram dólares, mas se nem isso consegui-
Não há dúvida de que é um fator de mos emprestar...
pressão. Num sítio com potencial sempre entender-se Nos países mais desenvolvidos, a
de conflito, qualquer coisa pode ser
a faísca. Mas dizer que a água pode com um tratado de água tornou-se um bem barato e à
distância de um braço. Essa faci-
conduzir ao colapso económico é um
argumento muito fácil. Muitos Esta-
água para partilhar lidade torna difícil passar mensa-
gens de campanhas de poupança
dos são vulneráveis porque são agrá- o Indo de água? Se não valorizarmos uma
rios e não têm muitas infraestrutu- coisa, não sentiremos necessidade
ras. Na Somália, por exemplo, um de poupá-la…
milhão de pessoas teve de migrar, É um problema complicado. Mas,
porque o Estado é incapaz de provi- se o preço da água refletisse os seus
denciar-lhes segurança. Esse falhan- e perderam-se todos os ganhos dessa custos reais nas cidades, os mais
ço é causado pela água, mas o que altura, o que é trágico. Isso mos- pobres iam à falência. E os ricos não
está na raiz é o falhanço do Estado. tra o quão difícil é criar instituições querem saber... Na agricultura, é
Porém, quando temos instituições resilientes. E a filantropia não resolve um problema muito maior: se fosse
do Estado funcionais, a coopera- esse problema. pago o valor real, grande parte dos
ção é muito mais comum. Veja-se o Os investimentos de Bill Gates no alimentos teria preços proibitivos, o
caso da Índia e do Paquistão: tiveram acesso à água e ao saneamento em que se refletiria no consumidor e, no
três guerras nos últimos 50 anos e, África não passam de pensos rápi- caso de produtos como os cereais,
mesmo assim, conseguiram sempre dos, quando precisamos de estan- teria um grande impacto na segu-
entender-se com um tratado de água car a ferida de uma vez por todas? rança alimentar em todo o mundo. A
para partilhar o Indo. Portanto, até A Fundação Gates faz um trabalho solução seria uma mistura de coisas:
estes dois arqui-inimigos coopera- decente, tal como outras, mas eu não primeiro, associar o preço da água ao
ram quando a questão foi a água. gosto de um mundo que depende rendimento; segundo, os países têm
Estamos numa era em que o de- de gente rica para dar uma coisa que de mentalizar-se de que boa parte
senvolvimento tecnológico de pon- as pessoas deviam ter por direito. E do orçamento vai para infraestru-
ta convive com um mundo em que acho também que a filantropia tem turas de água. Na Europa, construí-
centenas de milhares de pessoas o problema de estar dependente dos mos muito nos anos 60 e 70, depois
adoecem e morrem de desidrata- caprichos de quem tem dinheiro. parámos de investir e, entretanto, as
ção ou de doenças causadas pela Em várias regiões pobres, são as infraestruturas deterioram-se e é por
má qualidade da água. Porque é tão mulheres que vão buscar água. isso que temos tantas fugas.
difícil garantir uma necessidade Estima-se que gastem mais de Há 10 ou 12 mil anos, o Homem
tão básica? 200 milhões de horas só para isso, adaptou-se às alterações na água
Porque é difícil “construir” Estados quando podiam, por exemplo, disponível. Vamos conseguir fazer
funcionais. A capacidade de garantir estar a estudar. A água é uma das o mesmo, agora, com as disrup-
segurança no abastecimento de água grandes razões para a pobreza e a ções provocadas pelas alterações
é o instrumento mais fundamental desigualdade de género? climáticas?
do desenvolvimento económico. To- Há uma enorme perda de tempo por Dez mil anos de História mostram-
dos os líderes africanos da era pós- parte das mulheres que vão buscar -nos que sim. O problema não é físi-
-colonial tentaram usar a água como água, quando podiam estar a criar co. A quantidade de água no planeta
forma de desenvolver os seus países, valor, a ser o motor económico da é sempre a mesma, a questão é saber
investindo em infraestruturas. Traba- família. O que fazer? Podemos subsi- ir buscá-la onde ela está e ajustar
lhei durante vários anos na Etió- diar estes serviços temporariamente, as nossas necessidades. É aqui que
pia, quando o país saía de uma mas eles são problemas sistémicos. temos de tomar as nossas decisões.
situação muito difícil. E estava Do que precisamos mesmo nes- Não podemos é estar a contar, como
a conseguir. O acesso à água ses países é de infraestruturas, de muitas vezes fazemos, com que surja
potável e ao saneamento bási- sistemas que recolham e distribuam um cientista que invente um plano
co levou a uma queda abrup- a água. Mas, para isso, é preciso qualquer que resolverá todos os nos-
ta no número de crianças dinheiro. E veja-se que ainda não sos problemas e que nos permitirá
mortas por doenças. Agora, pagámos [os países desenvolvidos] ter a vida que sempre tivemos. Se for
a Etiópia encontra-se no os 100 mil milhões de dólares que essa a opção, vamos pagar por ela.
meio de uma guerra civil, nos comprometemos a emprestar, há lribeiro@visao.pt

14 ABRIL 2022 VISÃO 77


10%
INSÓLITO

Leões-marinhos
“assaltam” aquacultura
Uma comunidade de dezenas de leões-
-marinhos conseguiu entrar numa explora-
NÚMERO
ção canadiana de aquacultura e tem esta-
Da eletricidade vem do, nas últimas semanas, a banquetear-se
do Sol e do vento com salmão. Os responsáveis da empresa
É um marco histórico: uma já tentaram afugentá-los por várias vezes,
análise do think-tank Ember, incluindo com ruído, mas os animais não
especializado em energia parecem interessados em sair. Especialis-
e clima, estima que 10% tas acreditam que, quando acabar o peixe
da eletricidade produzida ali, e agora que se habituaram a “comida
no mundo já tem origem fácil”, os leões-marinhos vão atacar as
em sistemas solares e outras 14 explorações da região.
eólicos. Esta subida foi
causada, sobretudo, pela
enorme procura de energia
associada à recuperação
económica pós-Covid. Mas
nem tudo são boas notícias.
Esta “fome” energética
conduziu também a um
crescimento de 9% na
queima de carvão para
produção de eletricidade,
a maior subida desde 1985.

EMISSÕES

Concentrações
de metano
continuam
a subir
GETTY IMAGES
Os níveis de metano na
atmosfera aumentaram
para a um nível recorde,
pelo segundo ano DEGELO
consecutivo. De acordo
com a Administração
Oceânica e Atmosférica
Nacional (NOAA), dos EUA,
Alarme na Antártida
a concentração disparou em
17 partes por milhão (ppm) Nas últimas décadas, o “Continente Branco” tem-se mostrado relativamente resistente
em 2021. Desde que as ao aquecimento global. Mas uma nova análise está a deixar os cientistas preocupados:
medições começaram, em no final de março, o gelo marinho na região encontrava-se no nível mais baixo dos
1983, este valor constitui um últimos 44 anos. Segundo o mesmo estudo, realizado com base em imagens de satélite,
novo máximo, após a subida o gelo ao largo da Antártida estava 26% abaixo da média 1991-2000. Para isto muito
de 15,3 ppm no ano anterior. terão contribuído as altas temperaturas que se fizeram sentir no mês passado, que foi
O metano, apesar de ter uma o quinto março mais quente desde que há registos, com a temperatura média global
vida na atmosfera muitíssimo 0,4 ºC acima da média de março (também do período 1991-2020). O gelo marinho,
mais curta do que o dióxido recorde-se, não tem efeitos na subida do nível do mar, mas este é um sinal de que o
de carbono, de “apenas” gelo terrestre antártico se encontra sob pressão devido ao aumento das temperaturas.
algumas dezenas de anos, Se o manto de gelo da Antártida Ocidental derreter, o mar subirá cerca de três metros.
tem um potencial de efeito Investigadores acreditam que esta zona, a mais sensível do continente, tem estado a
de estufa 25 vezes superior. aquecer há pelo menos 100 anos.

78 VISÃO 14 ABRIL 2022


C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O

COMO É QUE
ESTE AR
CONDICIONADO
POUPA ENERGIA?
A TRABALHAR!

Os tempos não estão para desperdícios…


e muito menos de energia. Nos últimos 12
meses, os preços do gás e da eletricidade
não pararam de bater sucessivos records.
E a perspetiva de abrandamento não se
vislumbra. Definitivamente, vamos ter
que aprender a viver com a energia cara.
Será preciso alterar alguns hábitos do
passado, quando a conta da eletricidade
não assustava ninguém. Por exemplo, no
caso do ar condicionado, quantas vezes
Não estamos em o deixamos ligado continuamente, mes-
mo quando o espaço está vazio. É certo

situação de seca que vai aquecendo ou arrefecendo (às


vezes, até demais…), mas, na realidade,
está a consumir mais energia do que a
extrema, mas temos necessária para o nosso conforto. O ideal
seria poder adequar o funcionamento do

um longo caminho ar condicionado, conforme a ocupação


do espaço. E tal é possível! Com o i-See
Sensor 3D, um sistema patenteado pela
pela frente ao nível Mitsubishi Electric, que integra diversos
modelos de ar condicionado desta marca.

da eficiência no Trata-se de um sensor móvel que analisa


as necessidades de arrefecimento ou de

consumo das águas


aquecimento de uma área, detetando a
temperatura corporal das pessoas… e até
a do nosso animal de estimação. Depois,
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Ação reajusta o caudal do ar condicionado,
Climática do novo governo. dirigindo-o à localização específica ocu-
Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera pada por cada utilizador. E quando o
(IPMA), a precipitação no mês passado aliviou a i-See Sensor 3D nota que o espaço não
situação. Em fevereiro, mais de 60% do território está ocupado, o ar condicionado adequa,
continental português encontrava-se em seca extrema, automaticamente, a sua operação a essa
o grau mais grave; no final de março, 81,7% estava em situação, contribuindo para aumentar
seca moderada, 15,9% em seca severa e 2,4% em seca a poupança energética. Assim, o seu ar
fraca. Depois de um dos invernos mais secos da memória condicionado só trabalha o necessário
recente, março foi o sexto mais chuvoso deste século. para garantir o seu
conforto… e sem des-
perdício nenhum.

14 ABRIL 2022 VISÃO 79


---------- J U ST I ÇA

80 VISÃO 14 ABRIL 2022


N
Não. Três letras que morrem
na boca de quem, por medo,
não pode dizê-las. Não às
mensagens insinuantes de
madrugada, não às bolsas de
doutoramento que se perdem
quando se denuncia um pro-
fessor que passou dos limites,
não a uma matrícula conge-
lada para evitar a ansiedade
de confrontar o agressor, não
ao medo de nunca entrar no
mercado de trabalho, se se
enfrentar determinado as-
sistente ou mesmo regente,
não às cadeiras que ficam
por fazer, porque “é melhor
ter cuidado com aquele pro-

ASSÉDIO NA
fessor que gosta de alunas
do primeiro ano”, não à im-
punidade de homens adultos
que, pela exaustão, pela ma-
nipulação, pela pressão e pelo

UNIVERSIDADE
poder, tentam transformar o
“não” de jovens de 18, 19 ou
20 anos num “sim”.
Ao entardecer da passada
quinta-feira, 7, centenas de

MEDO, ATÉ
estudantes juntavam-se ao
pé do relvado da Alameda
da Cidade Universitária, em
Lisboa. O vento frio não aba-

QUANDO?
fou as vozes nem a vontade
de mudança, e as palavras
de ordem sucederam-se em
catadupa. “Assédio abafado,
abaixo a patriarcado”, “toca
numa, toca em todas”, “somos
A onda de denúncias sobre condutas abusivas de pessoas e não mercadoria”.
No alto da escadaria, Éri-
docentes, que agitaram o meio académico, forçou as ca Rodrigues, Carolina Fer-
instituições a encarar, com outro olhar, uma cultura de nandes, Ester Oliveira, Inês
Nowak e Ana Vieira, funda-
dominação que tem permanecido impune. O relatório doras do Movimento contra
interno da Faculdade de Direito da Universidade o Assédio no Meio Académico
de Lisboa e promotoras da
de Lisboa seguiu para o Ministério Público, mas o manifestação, estavam de
afastamento de docentes depende de queixas formais megafone na mão.
Se as palavras foram aco-
lhidas com um silêncio de
— PO R CL AR A SOARES E MARIANA ALM EI DA N O G U EI R A betão pelas paredes da Rei-
toria, lá fora elevaram-se os
gritos e os aplausos de rapa-

14 ABRIL 2022 VISÃO 81


---------- J U ST I ÇA

zes e raparigas de várias fa- assédios morais e sexuais”,


culdades, ex-alunos e alguns nem para o Núcleo Feminista
pais, todos com um senti- da Universidade de Lisboa,
mento comum: é preciso mu- do qual fazem parte as cinco
dar, é preciso que sejam os fundadoras do Movimento
agressores, não as vítimas, a contra o Assédio no Meio
ter medo das consequências. Académico de Lisboa, alunas
O silêncio rompeu-se há do ISEG, ISCTE, Faculdade de
bem pouco tempo, quando, Direito e de Medicina. Como
em apenas 11 dias, um canal sublinha Ana Vieira, “se o
para o envio anónimo de re- problema está no sistema, a
latos de más práticas, criado solução não pode estar nele”.
pela Faculdade de Direito O Movimento contra o
da Universidade de Lisboa Assédio no Meio Académico
(FDUL), recebeu 50 denún- de Lisboa bater-se-á, num
cias por assédio e discrimi- futuro próximo, pela criação
nação relativas a 31 docentes. de um órgão independente de
Nas palavras de uma aluna avaliação de conduta, centra-
do terceiro ano do curso de lizado na Reitoria da Univer-
Direito, presente na manifes- sidade de Lisboa, em vez de
tação, “finalmente começou estar circunscrito à FDUL,
a ser desmascarado o que que represente um espaço
a faculdade há tanto tempo onde as vítimas podem falar,
tenta reprimir”. sentir que são acolhidas e que
De um mero diz-que-diz, os seus testemunhos são ti-
que corria há anos nos corre- dos em conta, “algo que hoje
dores da FDUL, as denúncias não acontece”.
de assédio sexual e moral sal- “Seria bom conseguirmos
taram para um relatório ofi- que esta comissão, este grupo
cial, elaborado pelo Conselho de trabalho, reunisse asso-
Pedagógico da Faculdade, ciações académicas de várias
e daí para a opinião públi- universidades, professores,
ca. Este documento inter- investigadores e psicólogos,
no seguiu para o Ministério para começar a trabalhar em
Público, mas o afastamento propostas eficazes e con-
de docentes vai depender de cretas”, acrescenta Carolina
queixas formais. Entretanto, Fernandes.
no início de maio, começa a A invisibilidade e a desva-
funcionar o gabinete de apoio lorização têm sido, até agora, amigos desvalorizam e acon-
a vítimas de assédio naquela a “solução” adotada sempre selham a ignorar, porque sa-
faculdade, em parceria com que há rumores de más prá- bem que não há nada a fazer”,
a Ordem dos Advogados e ticas. Sete anos antes da ela- revela Érica Rodrigues.
dos Psicólogos. A direção da
FDUL diz ter recorrido às
boração do mais recente rela-
tório, o Conselho Pedagógico
“O problema é Os assédios mais comuns
são os mais difíceis de avaliar.
duas ordens profissionais da FDUL tinha na sua posse que é tudo tão “Mensagens sugestivas, jogos
“para que a independência os resultados de um inquérito normalizado de interpretações, comen-
do apoio psicológico e do em que já constavam relatos tários a meio de uma aula,
aconselhamento jurídico que de abuso. E, desde 2019, era que os próprios coisas verbais, mais difíceis
venham a ser prestados seja público o relatório Violên- amigos de provar; é a palavra dos
objetiva e inquestionável”. cia Sexual na Academia de
Lisboa, da Federação Acadé-
desvalorizam e alunos contra a deles.”

MEDIDAS INSUFICIENTES mica de Lisboa. Na amostra, aconselham a SEM LEI PRÓPRIA


Porém, tais promessas não de quase mil universitários, ignorar, porque Aurora Rodrigues, procura-
parecem ser suficientes, nem 34,2% disseram ter sofrido dora da República jubilada e
para o Conselho Pedagógico, crimes relacionados com as- sabem que não vice-presidente da Associa-
que propõe, além da criação sédio, verbal ou não verbal, há nada a fazer”, ção Portuguesa de Mulhe-
de um código de conduta e
de um manual de boas-prá-
pelo menos uma vez, mas
89% nunca o denunciaram.
Érica Rodrigues, res Juristas (APMJ), coloca o
dedo na ferida: “A importu-
ticas, que já faziam parte das O medo de represálias cala Movimento contra nação sexual não contempla
recomendações do relatório, as vítimas que acabam por o Assédio no Meio a maior parte das situações,
“a criação de um mecanismo falar sobretudo com amigos. só as que são mais gritantes,
célere e eficaz de apresen- “O problema é que é tudo tão Académico de como o toque físico; o que
tação de queixas relativas a normalizado que os próprios Lisboa são as propostas de cariz se-

82 VISÃO 14 ABRIL 2022


Ativistas Érica Rodrigues (ISEG), Ana
Vieira (FMUL), Carolina Fernandes, Ester
Oliveira (ISCTE) e Inês Nowak (FDUL)
fundaram o Movimento contra o Assédio
no Meio Académico de Lisboa

A jurista recorda que, há dois O que diz


anos, a Associação de que é
dirigente enviou um protesto
a lei
à FDUL por causa da redação
do manual de uma disciplina A criminalização do
que continha expressões ve- assédio não é óbvia,
xatórias contra as mulheres uma vez que a sua
e o professor em questão prática carece de lei
acabou suspenso. própria
Desengane-se quem pensa
que a situação é exclusiva da O Artigo 170 do
FDUL. Dois ex-alunos da Fa- Código Penal
culdade de Psicologia da Uni- prevê o crime de
versidade de Lisboa e um ex- importunação
-aluno da Escola Superior de sexual e contempla
Música do Instituto Politéc- situações de
nico de Lisboa, presentes na exibicionismo,
manifestação, asseguram que propostas de teor
sexual e contacto
o problema também existe
físico. Este crime é
nestes estabelecimentos de
punível com pena de
ensino. “No primeiro ano, prisão até um ano,
havia logo o debriefing sobre ou multa até 120
os professores com quem tí- dias, mas também
nhamos de ter cuidado e os pode ser sancionado
quais precisávamos de evitar através de trabalho a
nos corredores. Dentro das favor da comunidade.
faculdades, as pessoas sabem No entanto, não são
quem é perigoso, mas isso é conhecidos casos de
normalizado”, revela um dos condenação efetiva.
três amigos. Já no Código de
“Conheço um caso de uma Trabalho, o assédio é
pessoa que decidiu contar o uma contraordenação
que lhe tinha acontecido a muito grave, previsto
uma professora, a qual, na na Lei n.º 73/2017.
tentativa de ajudar, confron- O Artigo 29 é
LUÍS BARRA

tou o professor em questão. mais abrangente,


Mas o resultado acabou por na medida em
ser a aluna a perder a bolsa que contempla o
assédio moral e o
xual, do Artigo 170? É dizer para que possa aplicar-se de investigação que tinha”,
sexual, que incluem
‘vamos ali fazer’ ou basta in- uma contraordenação.” acrescenta outro.
a discriminação,
sinuar? É muito vago.” E se a A criminalização do assédio Se uns perdem oportu-
no emprego e
conduta indesejada também não é óbvia (ver caixa). “Não nidades por levantar a voz, na formação
for verbal ou não verbal e existe o crime de assédio se- outros não aguentam a pres- profissional, com o
reiterada, com o intuito de xual, mas o da importunação são e preferem afastar-se de fim de perturbar a
violar a dignidade da pessoa sexual, que tem que ver com a vez. É o caso da filha de Isa- dignidade da pessoa
ou de criar um clima intimi- interpretação que a jurispru- bel B., atualmente a estudar ou de criar um clima
dante ou ofensivo – “despir dência fizer”, esclarece Rogé- num país europeu, que, após de intimidação.
uma mulher com o olhar, por rio Alves, o advogado nomea- se ter inscrito na Faculdade Aqui estão ainda
exemplo” –, como previsto do para o Gabinete de Apoio a de Letras, no ano passado, contemplados os
na Convenção de Istambul? Vítimas de Assédio da FDUL. suspendeu a matrícula antes comportamentos
“Por norma, os juízes não se Contudo, acrescenta, “as leis do Natal, “por causa de um indesejados de
posicionam numa perspetiva que há são suficientes para professor que não sabe estar”. cariz sexual, verbal
de género; se acórdãos recen- sancionar comportamentos Isabel prefere manter os – também por
tes não valorizam a violência reprováveis, pelo menos os pormenores privados. Hoje, email ou telefone
doméstica, menos o farão nos mais graves”. levanta um cartaz e a voz, – ou físico. Estas
casos em que há um toque Aurora Rodrigues refere não só pela filha mas também situações dão direito
ou um encosto; as ações não ainda as praxes académicas, pelas colegas do curso de a indemnização, e
verbais ficam invisíveis”, ilus- em que “o assédio é uma prá- Design que, há 22 anos, fo- o autor da prática
tra. Permanecem, por isso, tica corrente e tolerada; por ram assediadas pelo arquiteto abusiva pode ter de
pagar uma multa, mas
impunes? “Sim, porque não ser entre colegas, sem uma Tomás Taveira. “Acompanhei
a conduta reprovável
estão previstas na Lei, só no relação laboral, os atos de de perto o terror de amigas
não é considerada um
Código do Trabalho. É preci- humilhação sexual não verbal que tinham de ir às aulas das crime.
so existir uma relação laboral acabam por não ser punidos”. cadeiras desse professor e

14 ABRIL 2022 VISÃO 83


---------- J U ST I ÇA

fazer uma gestão muito di-


plomática entre tirar dúvi-
das, apresentar trabalhos e
aguentar as investidas dele.”

PODER SEM ÉTICA


Os ventos de mudança so-
pram a partir da base, conti-
nuando uma tendência iden-
tificada há quase sete anos,
no Projeto Assédio Sexual e
Moral no Local de Trabalho”,
do Centro Interdisciplinar de
Estudos de Género. A análise
comparativa permitiu apu-
rar que o assédio, que era
mais comum entre colegas de
trabalho (57%, em 1989), co-
meçou a ter maior expressão
ao nível de superiores hierár-
quicos ou de chefias diretas
(44,7%, em 2015). Antes, boa
parte das mulheres que tinha
sido alvo da conduta impró-
pria fazia de conta de que
não tinha percebido (49%);
mais de duas décadas depois,
a maioria (52%) expressou o
desagrado. Hoje, as universi-
tárias que não se calam que-
rem mais: mudança de men-
talidades, de práticas e, sim, -se, sentir-se demasiado à um longo caminho a percor-
sanções efetivas, sem excluir vontade e ter um comporta- rer na mudança de mentali-
“os senhores doutores” que mento pouco ético, sem ter dades. “Mensagens ordinárias
deveriam ser um exemplo a a noção de que a sua atitude e sugestivas a altas horas da
seguir, mas não o são. vai ser mal interpretada, ou noite, por telefone ou nas
A procuradora Aurora mesmo nociva, para o outro, redes sociais, por exemplo,
Rodrigues vai mais longe, que não está ao mesmo nível.” devem constituir crime, por-
sugerindo que a manifesta- Reconhecendo que “uns que violam a integridade e a
ção estudantil pode ser vista podem ter dificuldades no intimidade das pessoas”, ob-
como “o movimento #MeToo controlo dos impulsos e que serva, na Academia e noutras
localizado nas universidades”, outros são malformados”, esferas da sociedade.
com um pormenor relevante: o especialista frisa que “a
“Os rapazes que estiveram maioria entra em condutas DO TRAUMA
na manifestação perceberam “Mensagens automáticas que não consi- À REVOLUÇÃO
que também sofrem, quando ordinárias e dera graves, sobretudo por É “irónico, mas não sur-
se espera deles que tenham questões culturais”. As cam- preendente” que a impuni-
uma autoridade machista e sugestivas a altas panhas de sensibilização e o dade dos agressores seja tão
impune, uma masculinidade horas da noite, Direito não resolvem isso, evidente na FDUL, adianta-
tóxica que nada tem que ver
com o direito à sedução com
por telefone mas conhecer as áreas ocultas
de cada um, sim, pode fazer a
ram três manifestantes e alu-
nas do terceiro ano do curso
consentimento.” ou nas redes diferença na prevenção des- de Direito. “São pessoas com
Miguel Ricou, presidente sociais, devem tes comportamentos. Miguel muito poder e influência lá
do conselho da especialida- Ricou exemplifica: “Se ocupa fora, e sentem-se protegidas,
de de Psicologia Clínica e da constituir crime, um cargo de responsabilida- de certa forma, o que é muito
Saúde da Ordem dos Psicólo- porque violam a de e sabe que é charmoso e triste mas muito comum.”
gos, rejeita a dicotomia entre
“bons” e “maus” e argumenta:
integridade e a mulherengo, deve ter cuida-
dos acrescidos e humildade
Num mundo de influências,
toda a gente se conhece e, um
“Somos seres em construção intimidade das para admitir erros, evitando dia, estes professores podem
e com defeitos; qualquer um pessoas”, Luís justificar-se, depois, por algo ser os responsáveis e tutores
pode ter um momento infe- que sabe ser errado.” das vítimas.
liz.” E acrescenta: “Quem tem Grave Rodrigues, O advogado Luís Grave Nem a pandemia nem o
capital social pode distrair- advogado Rodrigues considera que há ensino à distância reduzi-

84 VISÃO 14 ABRIL 2022


Mudança As queixas de
assédio moral surgem com
mais frequência do que as de
assédio sexual. As vítimas são,
habitualmente, mulheres, mas
há cada vez mais homens

ram as investidas de certos entendes”. Aí, Ana (nome do que esta ‘não vai dar em
docentes: “Houve casos em fictício) afastou-se das au- nada’ e que ainda irão sofrer
que os professores pediam las e do curso e guardou consequências negativas”.
só às raparigas para ligarem segredo, partilhando-o só O trauma manifesta-se
a câmara, diziam-lhes que a com amigas mais íntimas. nos planos físico, emocional,
luz estava má e perguntavam “Sentia vergonha e, acima cognitivo e comportamental:
se podiam mudar de posição”, de tudo, receio de falar so- “A compreensão que a pessoa
conta Ester Oliveira. bre a situação e de ser, de tem do seu meio é destruída;
A psicóloga clínica e fo- alguma forma, acusada de perde-se a sensação de pre-
rense Rute Agulhas, que ‘provocadora’ ou ‘seduto- visibilidade e de controlo, e a
coordenou O Grande Livro ra’, achando que, ‘no final, vítima sente-se mais vulnerá-
sobre a Violência Sexual: culpam sempre as vítimas, vel e com menor autoestima.”
Compreensão, Prevenção, a roupa que usam, a forma A resposta coletiva dos
Avaliação e Intervenção como se sentam, as foto- estudantes mostrou que “o
(Edições Sílabo), refere o grafias que partilham nas problema existe e é preci-
caso de uma estudante de redes sociais’.” so falar sobre ele de forma
Belas-Artes, de 21 anos, que As queixas de assédio mo- clara e explícita, contrarian-
veio à consulta com ansie- ral surgem com mais fre- do o clima de segredo e de
dade generalizada e que, quência dos que as de assé- tabu”. Resta agora resolver
mais tarde, referiu sentir- dio sexual. As vítimas são, também a falta de apoio
-se “perseguida, intimi- habitualmente, mulheres, psicológico existente nas
dada e assediada” por um mas há cada vez mais ho- faculdades. Inês Nowak re-
professor que ora se mos- mens a reportar estas duas fere que, na FDUL, “há uma
trava intransigente – pe- situações, “que podem ser psicóloga e uma estagiária
nalizando-a nas notas dos acompanhadas de sintomas para todos os alunos”, e Ana
trabalhos e exames – ora depressivos, ansiosos e quei- Vieira fala de três psicó-
sedutor, insinuando “com xas somáticas”, afirma Rute logos para três mil alunos
jeitinho passavas... os alu- Agulhas. Mais do que uma na Faculdade de Medicina.
LUÍS BARRA

nos também têm de mimar vez, “questionam se devem A conversa só agora está a
os professores, se é que me apresentar queixa, acreditan- começar. visao@visao.pt

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O P I N I ÃO

Que Parlamento,
com maioria absoluta?
José
Carlos de

1
Vasconcelos . A existência de uma maioria abso- alterar, a lei eleitoral para as legislativas.
luta inevitavelmente desvaloriza o Trata-se, em meu juízo, de uma imperiosa
Parlamento na sua vertente funda- necessidade: há décadas a defendo, ins-
mental de fiscalização do Governo. tituindo-se um sistema misto, com um
Pode-se elaborar a tal respeito, mas é círculo nacional (à alemã), muito mais justo,
assim mesmo: o Parlamento perde perante por razões bem conhecidas. Tudo que a isso
a opinião pública boa parte da sua impor- se refere está, aliás, mais do que estuda-
tância. Por de antemão se saber que não vai do – e quando o PS e o PSD ensaiaram
fazer cair o Governo; e, mais ou pior, por- um acordo a esse respeito* (as alterações
que a maioria parlamentar em vez de exer- exigem maioria qualificada), sendo seus
cer uma função autónoma e criativamente líderes Guterres e Marcelo, o MAI, de que
fecunda, sempre que necessário crítica, ou então era titular António Costa, editou até
— Fundador da VISÃO
mesmo incómoda, em regra apenas segue, um livro com a legislação de outros países.
apoia ou amplifica o que o Governo quer. Então, e como usual, nada se adiantou por
Será isto surpreendente? Não: o grupo vulgares razões “políticas” conjunturais,
parlamentar e o Governo são do “partido”, e sendo o pretexto, por parte do PSD, o PS
o comando de ambos é o mesmo e do mes- não aceitar, à partida, a muito substancial
mo. No caso, um comando forte, embora redução de número de deputados que pro-
sorridente (e quero crer que dialogante), de punha. Voltarei ao tema.
um político muito talentoso e preparado,
com múltiplas boas provas dadas. Acresce 3. O prestígio do Parlamento com uma
que há muito se verifica, com as inerentes maioria absoluta, passando muito pelo que
consequências, uma crescente tendência o PS faça, passa também pelo que façam
para as eleições para a “casa da democracia” todos os partidos e deputados. Desde logo
parecerem mais para primeiro-ministro não transformando o hemiciclo num palco
do que para os 230 deputados que repre- de comício, ou espécie de barraca de feira,
À MARGEM sentam, na sua diversidade, a soberania para tentar conquistar votos futuros ou
popular. vender o seu “produto” sem olhar a meios.
As vice-presidências Trata-se de uma indesmentível realida- Neste aspeto, a legislatura que agora
de de facto, que ganhou foros de realidade se inicia comporta ameaças que se impõe
Como aqui mostrei em de jure após o Presidente da República, no quanto possível evitar ou minimizar: não
fevereiro, analisando discurso de posse do executivo, ter fei- violando qualquer princípio da democracia
a lei e o regulamento to depender a sua subsistência até ao fim ou norma legal, antes fazendo-os respeitar
pertinentes, nada da legislatura de António Costa se manter como se exige.
obriga a Assembleia como primeiro-ministro. E, neste domínio, assinalo que era difícil,
da República a ter mas mais uma vez o Chega e o seu chefe,
quatro vice-presidentes 2. Mas esta é outra história. O meu ponto, numa surpreendente proeza, conseguiram!
– e muito menos os agora, é a imprescindibilidade da Assem- O quê? Ultrapassar as piores expectativas.
deputados serem bleia da República, para não se despresti- Era previsível que muito iria mudar para
“obrigados” a eleger giar, para servir a democracia e o País, ser pior – mas não tanto! – com uma bancada
quem os quatro maiores capaz de ter uma agenda à altura, traba- de uma dúzia de deputados de um parti-
partidos proponham. lhando a sério no muitíssimo que, dentro do em que se misturam o extremismo de
Assim, e muito bem, os
das suas competências, pode e deve fazer. direita e um populismo tão primário como
candidatos propostos
Sob outra perspetiva: tendo, claro, de cons- ordinário – ainda por cima de slogans
pelo Chega foram
chumbados. Assim, legal
tituir a base de sustentação do Governo, a constantemente repetidos e gritados.
e legitimamente, mas maioria do PS não deve ser um seu simples Desde a mentira sobre a reforma da
muito mal, o líder da IL, “prolongamento” ou uma sua mera “câmara anterior ministra da Justiça, como se a re-
Cotrim de Figueiredo, foi de eco”, antes preservar a autonomia críti- forma adviesse de ser ministra e não de 40
chumbado. Injustamente, ca – e sobretudo ter iniciativa própria em anos de magistratura, até às barbaridades
tal chumbo constituiu muitos campos em que ela é necessária. sobre ciganos, houve de tudo. Espera-se ao
apenas um “serviço” ao A esta luz, registo com satisfação que menos que André Ventura aprenda depressa
Chega, num erro que o novo líder parlamentar socialista, Euri- com a sua “madrinha de guerra”, Marine Le
se possível deve ser co Brilhante Dias, em entrevista ao Públi- Pen, e se modere nas palavras, civilize no
reparado. co, anunciou a intenção de debater, para estilo, não berre tanto… visao@visao.pt

86 VISÃO 14 ABRIL 2022


Proprietária/Editora: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
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Edifício Fernão de Magalhães, n.º 8, 2770-190 Paço de Arcos
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e Pedro Dias de Almeida (Cultura) campanha Chicco que celebra a
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Cláudia Lobo, José Plácido Júnior, Miguel Carvalho e Rosa Ruela
Redação: Carmo Lico (online), Cesaltina Pinto, Clara Soares, Clara Teixeira, Manuel e Vasco, com os primos
Florbela Alves (Coordenadora VISÃO Se7e/Porto), Joana Loureiro, João Amaral Santos, Valentina e Estevão fazem as
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Paulo C. Santos, Rita Rato Nunes, Rui Antunes, Rui Barroso, Sandra Pinto,
marca, vestindo peças da nova
Sara Rodrigues, Sara Santos, Sílvia Souto Cunha, Sónia Calheiros, Susana Lopes Faustino, coleção Primavera Verão 2022
Susana Silva Oliveira e Vânia Maia Terra Cota e Marina Blu .
Grafismo: Paulo Reis (Editor adjunto), Teresa Sengo (Coordenadora),
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Fotografia: Fernando Negreira (Coordenador), José Carlos Carvalho,
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Marques Não é carne
— Humorista
nem é peixe
ELEFANTE NA SALA

“M
uda de agora a um partido conhe- sangue em razão da orientação
vida”, cido por não sabermos nada sexual ou o rendimento básico
aconse- do seu programa. A mudança incondicional, e ter saído de
lham-nos não é tão drástica como se fininho para um partido que,
as canções, pode fazer crer. Cristina tinha grosso modo, advoga o oposto.
os folhetos no vidro do carro, um olho no burro, agora tem A transferência surpreendente
os programas de televisão, a outro no cigano. Não são reali- de Cristina Rodrigues para a
publicidade a suplementos ali- dades assim tão distantes, PAN assessoria do Chega não deve
mentares, os oradores motiva- e Chega têm muitos interesses ser, ainda assim, comparada a
cionais, os políticos, os livros em comum. Ambos apreciam casos como o de Zita Seabra,
de desenvolvimento pessoal, as conversar sobre touradas, por que virou à direita abrupta-
nossas mães, toda a gente. Mas exemplo, embora uns queiram mente (sem fazer pisca). Cris-
quando finalmente alguém reduzi-las a cinzas, e outros tina tem a vantagem de vir de
ousa mudar (radicalmente) de desejem reduzir-lhes o IVA... um partido que diz não ser de
vida, é duramente criticado. É Cristina deixou o PAN mas esquerda nem de direita, e que
o caso de Cristina Rodrigues, prova que continua a ser amiga já percebemos que não é carne
que decidiu desvincular-se da Natureza, já que como ca- nem é peixe (é um aglomerado
do PAN e abraçar o projecto ta-vento político, gera imensa qualquer, estilo seitan), o que
do Chega, e é agora bombar- energia eólica. Acho que é isso torna possível que qualquer
deada com críticas. Não se que deve ser valorizado, e não dos seus dissidentes se junte
percebe. Então o empreen- detalhes como a ligeira incoe- ao Bloco de Esquerda, ao PCP,
dedorismo só é bom quando rência de ter defendido o fim ao Chega ou à Herbalife, de um
alguém abandona um car- da discriminação na dádiva de dia para o outro. visao@visao.pt
go numa multinacional para
abrir um negócio de colares
de missangas? Abandonar um
partido que ama os animais,
para integrar outro que ama
touradas, já não é visto como
um acto de coragem? Ter uma
vida estável, no campo, junto
dos bichinhos e das aulas de
biodanza, e deixar tudo para
trás para integrar o sistema
de um partido anti-sistema,
já não é considerado audacio-
so? Ao contrário da maioria,
acho que Cristina Rodrigues
está a ser coerente. Tornou-
-se conhecida em 2019, ainda
durante a campanha eleitoral,
por não saber nada do progra-
ma do seu partido, e junta-se

Cristina tinha um olho no burro,


agora tem outro no cigano.
Não são realidades assim tão
distantes, PAN e Chega têm
muitos interesses em comum CRISTINA
RODRIGUES
114 VISÃO 14 ABRIL 2022
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