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o Rio Gran

Luiz Alberto Grijó


Fábio Kuhn
Cesar Augusto Barcellos Guazzelli
Eduardo Santos Neumann
Organizadores

EDITORA
O dos autores
I a e d i ~ ã o2004
: ~ Sumário
Direitos reservados desta edicão:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Capa: Carla M. Luzzato


Revisao: Maria da Glória Aln~eidados Santos
Editoração eletronica: 1,uciane Delani
Apresentação ......................................................................................................
'i

Prefácio ............................................................................................................I I
He L
p Iracema I,nndLgqf Piccolo

Uma fronteira tripartida: a formação do continente do Rio


Grande - século XVIII .................................................................................... 25
Eduardo Sanlos Neunzann

Gente da fronteira: sociedade e família no sul da América


portuguesa - século XVIII .............................................................................. 4'7
fibio f i h n

Estai~cieirosque plantam, lavradores que criam e comerciantes


que charqueiam: Rio Grande de São Pedro, 1'760-1825 ................................ '75
ITelen Os b?io

O Rio Grande de São Pedro na primeira metade do século XIX:


Estados-nações e regiões províncias iio rio da Prata ......................................91
-- -
Cesar A zipsto Bmellos Gziazzelli
C244 Capítulos de história do Rio Grande do Sul / organizado por
Luiz Alberto Grijó, Fábio Kuhn, César Augusto Barcellos Brasileiros na fronteira uruguaia: economia e política no
Guazzelli e Eduardo Santos Neumann ; Ileleri Osório ...[et século XIX ......................................................................................................121
al.]. - Porto Alegre: Editora da UFKGS, 2004. Susana Bleil de Souza e fibrício f'ereim Prado

Prefácio de I--IelgaIracema Landgraf Piccolo. Feiticeiros, venenos e batuques: religiosidade negi-a no espaço
urbano (Porto Alegre - século XIX) ............................................................. 14'7
Inclui referências. l'aulo 1-oberto Staudt Moreira

1. História. 2. Rio Grande do Sul - História. I. Crijó, I,uiz A construção de uma Porto Alegre imaginária - uma cidade
Alberto. 11. Kuhn, Fábio. 111. Guazzelli, César Augusto Barcellos. entre a memória e a história ..................................... .
................................. 1'79
IV. Neumann, Eduardo Santos. V. Título. Sandra.Jatal~yPesavcnIo

O movimento operário rio Rio Grande do Sul: militantes,


instituiçoes e lutas (das origerls a 1920) .......................................................209
CIP-Brasil. Dados Internacionais de (:atalogação na Publicaç5o. Silvia 12eginn I;enoaz I'plers~n e Benilo U i ~ s Schmidl
o
(Ana Lucia Wagner - CRB I O/ I 396)

ISKN 85-'7025-789-9
Porto Alegre, início do século XX: imprensa, "iiiisia de
civilização" e memores de rua .......................................................................247 Apresentação
A nderson Zule-ru,skiVurgas

O Rio Grande do Sul e as elites gaúchas na Primeira República:


guerra civil e crise no bloco do poder ...........................................................273
Claudia Wnsserman

Uma cena campeira na avenida Central: políticos rio-grandenses


e a Revolução de 30 ........................................................................................
291
Lz~izAlõerto Cmjó

O fascismo extra-europeu: o caso do integralismo no Rio


Grande do Sul ................................................................................................
321 Nada mais aborrecido do que aquelas apresentações enormes. Ao
Carla Brandalise longo de várias páginas os organizadores iniciam lembrando de seu
tempo de graduação, das venturas e desventuras de anos de trajetória
O Rio Grande do Sul de 1937 a 1964: historiografia ................................ 347
Xené Emnini Gertz
profissional que findam por coroar com a elaboração da obra que orga-
nizaram e colocam orgulhosamente à disposição do público. Agrade-
A região metropolitana e as "cidades-operárias" .............................. ............ 369 cem à infindável número de parentes, amigos e mestres, arrolando es-
Xegina Weõer crupulosamente seus títulos ao lado dos nomes. Não te preocupes, lei-
tor, não precisas saltar esta seção, seremos breves.
Sobre os autores ............................................................................................ 395 Este livro surgiu da idéia de um então recém-concursado profes-
sor do Departamento de História da UFRGS, lá pelo ano de 2000. O
Fábio conversou com o Neumann e um dos dois comentou com o Grijó.
Fim de tarde no Campus do Vale. Uma mesa no bar do Antônio "de
cima". Fábio, Neumann e Grijó sentaram-se para o cafezinho e para
discutir a idéia. Chegou o Guazzelli com sua meia-taça preta, o cigarro
ainda apagado e o isqueiro distribuídos entre as mãos. Resolvemos le-
var adiante o projeto: um livro que pudesse reunir trabalhos já realiza-
dos ou em andamento dos professores do Departamento. Nada siste-
mático em termos de esgotamento das temgticas e da cronologia. Não
uma "História do Rio Grande do Sul" no sentido tradicional. Pensamos
em algo diferente. Queríamos reunir trabalhos que tivessem em co-
muni enfocarem aspectos pontuais da história do nosso Estado e que
propusessem temas, visões ou interpretações novas. J á que a maioria de
nós tem pesquisado questões relativas à história do Rio Grande do Sul,
por que não convocar os colegas, sugerir-lhes a idéia e, como resultado
da primeira e das outras tantas reuniões que n6s quatro fizemos, pro-
por-lhes o projeto de publicação?
Pois bem, eis aqui o resultado. Três anos depois podemos apre-
sentar aos profissionais, estudantes de história e iriteressados em geral
este Cap~tulosde história do Rio Grande do Sul. Estão aqui reunidos quatorze
artigos sobre o assunto, escritos por profcssorcs do Departaniento de realização e, especialmente, à professora Ilelga Piccolo que aceitou o
História da UFRGS. "O Paulo Moreira não é da UFRC:S9',podem obje- convite para escrever o prefácio que se segue. Receiiternente homena-
tar os que são do nieio. Hoje não niais, está lia Uiiisinos e no Arquivo geada com o título de professora emérita da UFRGS, gostaríamos que
Histórico, mas contamos com ele, como nosso colega, ria qualidade de este trabalho seja incluído como parte do reco~lhecimentoe gratidão
professor substituto. Por outro lado, há aqiii ausências dignas de nota, que todos nós temos para com a Helga que, com sua competéncia e
as dos colegas aposentados, alguns dos qiiais coiitiiiuam a se dedicar dedicação, foi responsável direta ou indireta pela formação intelectual
com o mesmo afinco e excelência à história quanto o faziam antes do e profissional de grande parte dos atuais pesquisadores e professores
jubilamento em nossa instituição e a quem prestamos nossa homena- de história de nosso Estado.
gem e reconhecimento de alunos que fomos e de colegas que nos tor-
namos. Não se trata de nenhum esquecimento de nossa parte, mas de Fabio, Grijó, Gucezzelli e Neumann
uma opção por incluir apenas os professores-pesquisadores que se eii-
contravam no exercício efetivo de suas funções na UFRGS quando da
idealização do livro.
Os trabalhos aqui contemplados, pois, não visam esgotar os temas
abordados e nem o conjunto dos textos dá conta de todos os aspectos
da matéria em termos de conteúdos e cronologia. Há, porém, uma se-
qüência cronológica formal na distribuição dos artigos, segundo a qual
os temas e conteúdos são organizados a partir dos mais antigos até os
mais recentes. Ao final, constituem um quadro que é o aprofundamento
de especificidades e, ao mesmo tempo, uma visão geral dos principais e
atuais questionameritos e produtos da pesquisa histórica na área. O
encadeamento temático, feito de modo a seguir a seqiiência cronológi-
ca, permite que o livro possa dar conta dos principais aspectos e proble-
mas que envolvem a produção do conhecimeiito histórico em questão,
apresentando um amplo panorama destes temas e respectivos proble-
mas em termos de fontes e estratégias de abordagem.
Ao mesmo tempo, cabe ressaltar o que consideramos um diferen-
cial importante nesta publicação, ou seja, as diferentes abordagens teó-
rico-metodológicas empregadas pelos autores, bem como o uso inten-
sivo de fontes primárias de vários tipos. Alguns objetos tradicionais na
historiografia, como os de história política, recebem um tratamento
diferente devido a novos instrumentais teórico-metodológicos e temas
pouco explorados ganham luz a partir do uso de fontes até hoje não
muito consultadas, como os dociimentos eclesiásticos, processosjudici-
ais e a iconografia.
Queremos, por fim, agradecer à Editora da Universidade na pes-
soa de sua diretora, professora Jusamara Vieira Souza, qiie prontamen-
te e com entusiasmo acolheu a proposta de publicar este livro e logo
encamiiihou os originais para os trâmites necessários. Agradecemos
igualmente a todos os colegas e amigos que coiitribiiíram para a sua
Prefácio
Helga Iracema L,andgraf Piccolo

Quando recebi o honroso convite para prefaciar a obra coletiva


que, no Departamento de História, estava sendo pensada por diversos
professores, não tive como recusá-lo. Mas não imaginei que a tarefa
com a qual eu me comprometera fosse tão difícil. A dificuldade não
residiu na leitura dos quatorze artigos, elaborados com uma linguagem
acessível, mesmo para alguém de fora da Academia e não versado em
História do Rio Grande do Sul. A dificuldade residiu em articular os
textos que se distinguem entre si, por recortes temáticos e cronológi-
cos e por abordagens teórico-metodológicas.
Sem duvida, estamos diante de um livro de História (visto como
área de conhecimento, ou seja, como ciência). História não do Rio Gran-
de do Sul, mas sobreo Rio Grande, com análises e/ou narrativas densas,
pontuais. Leia-se, de Peter Rurke, "A História dos acontecimentos e o
renascimeiito da narrativa", no livro,já clássico, por ele organizado A
escrita da História. Novas per~pectivas,~
para entender o que estou que-
rendo dizer.
Pode ser dito que foi elaborado um amplo painel (longe de ser
abrangente e muito menos conclusivo) sobre o processo histórico do
Rio Grande do Sul que, no conjunto da obra, ganha outra dimensão.
Não se trata de uma síntese da História do Rio Grande do Sul, uma vez
que muitos temas e/ou acontecimentos não foram contemplados. Não
houve preocupação em estabelecer relaçóes lineares (como de causa e
conseqüência, tão comuns na chamada liistoriografia tradicional) en-
tre os diversos artigos que, croiiologicamerite, estão referidos a distiri-
tos momentos do processo histórico. Se é visível, por parte dos autores,
uma preocupação com as estruturas, percebe-se, no entanto, que algu-
mas conjunturas sigiiificativas estão ausentes, decorrência das temáticas
que foram objeto dos trabalhos. Velhos objetos ganharam novas abor-
dagens que, ao lado de novos objetos, enriquecem a historiografia sul-
rio-grandeiise.
Minha leitura não encoiit.rou nerihum artigo filiado a uma escrita
da história que partisse de rígidos modelos a priori elaborados; nenhu-
rna teoria do coiihecimento com sua respectiva concepção de História
foi contemplada ortodoxameri te. Percebe-se um certo distancianieiito

1 Biirke, Peter: A esr~ztnda Hi~lómn.Novas Perspectivas. São Paiilo: Ed da UNESI', 1992.


de pressupostos teóricos marxistas que, lia Academia, foram até pouco unidade teórico-metodol6gica etc., o que, lembro-me muito bem, acoii-
tempo atrás dorniiiaiites, quase hegemônicos. Alguns artigos primam teceu nos inícios e no decorrer da década de 60 do século XX, quando
pela sua a1)soluta. ausência. Se a chamada Nova História Cultural não começaram a ser publicados os diversos tomos da História Geral da
assumiu totalmcrite o espaço antes ocupado pelo marxismo, ela, no civilização brasileira. Hoje, obras coletivas, com temáticas e abordagens
entanto, está muito bem representada em alguns artigos onde foram as mais diversas, enriquecem a historiografia brasileira.
apropriados conceitos por ela formulados. Uma análise da bibliografia Sem a pretensão de fazer um levantamento exaustivo e abrarigente,
utilizada pelos autores permite dimeiisionar até que ponto o marxismo aponto, aqui, para algiins exemplos recentes (cronologicamente falan-
continua, teórica e principalmente metodologicamente, sendo apro- do, editados nos últimos cinco anos), tendo consciência de que outros
priado e em que medida a Nova História Cultural ganhou espaço. E títulos significativos poderiam e deveriam ser citados. Entre as obras
ficou, para mim, a pergunta para a qual não encontrei resposta: qual a coletivas que tiveram os quinhentos anos do chamado "descobrimen-
dimensão da influência da Escola dos "Annales" na produção do co- to" do Brasil como referência, destaco: as duas obras organizadas por
nhecimento histórico feita no Departamento de História da UFRGS? Carlos Giiilherme Mota e editadas em 2000 pela Editora Senac, ou seja,
Um dado para mim significativo foi que o leque bibliográfico usa- Viagem incompleta. A experiência brasileira ( 1500-2000). Formação: "histó-
do como suporte, aponta para um resgate de historiadores e cronistas, rias" e Viagem incompleta: a experiência bra,sileira(1500-2000): a p n d e tran-
expoentes de uma historiografia tradicional, para não dizer positivista, saçúo.%ary de1 Priore organizou Revisão do j)araiso. Os Drasilein)~e o
que enfatizou o factual. Moysés Vellinho, Marisueto Bernardi, Pandiá Estado em 500 anos de H i t t ó r i ~ também
,~ publicadado em 2000, pela Edi-
Calógeras, Walter Spalding, Alfredo Varela, Dante de Laytano, Alcides tora Campus. E Maria Beatriz Nizza da Silva organizou Brasil colonização
Lima, João Maia, Guilliermino César,José Feliciano Feriiandes Pinhei- e escravidão,' piiblicada em 2000 pela Nova Fronteira. Em 2001 foi
ro, Arthur Ferreira Filho, Henrique Oscar Wiederspaliii, entre outro^,^ publicada, pela Argos, Cliapecó, Santa Catariiia, a obra coletiva organi-
tiveram textos seus apropriados, rios quais foram buscadas inúmeras e zada por Maria Bernadete Ramos, Élio Serpa e Heloisa Paulo e
preciosas iiiformações que, assim, estão sendo recuperadas e valoriza- intitulada O beijo atra~ié,~do Atlrintico. O lugar do Brasil no panlusitanismo,"
das. Q~iandotextos de ícones da chamada historiografia tradicional são Mais uma vez Maria Reatriz Nizza da Silva organizou a obra coletiva De
resgatados e aproveitados, talvez mellior fosse chamá-los de clássicos. Cabra1 a D. Pedro I, publicada também em 2001 pela IJniversidade
Questioná-los faz parte, hoje, do ofício do historiador que, em vez de Portucalerise Infante D. Heiirique, Lisboa.'
uma história factualista (ou ernpirista) linear e cronologicamente ela- Obras sobre teoria e metodologia e liistoriografia mostram corno
borada, dá às informações recolhidas um novo tratamento, no qual a os historiadores procuram enfrentar a crise dos paradigmas, através de
interpretação ociipa o lugar da mera descrição. O que quero dizer é o discussões que eiivolvem a crise da história. Se cito Domínios da História.
que artigos da coletânea ora prefaciada apontam: uma historiografia ensaios de teoria e nzetodolopa, organizada por Ciro Flamarion Cardoso e
mais moderna, mais inovadora, não precisa, necessariamente, rejeitar a Ronaldo Vainfds" His~oriografiebrasileira em perspectiva, organizada por
historiografia tradicional. Iiiovação e tradi~ãopodem caminhar lado a
lado lia prática do historiador, sem que, ao assim proceder, fique com-
pronietido o valor intrínseco dc sua obra.
Viajarites como Saint-Hilaire, Nicolau Dreys, Arsène Isabelle e
brazilianistas cornoJosepli Lovc, de coiisulta obrigatória, respectivamcii- 3 Mota, Carlos <'.~iilherme.Vzcrgen~incompleta. A exflem'inciclD~nsileira(1500-2000).São Paulo: Edito-
te para quem traballia sobre a primeira metade do século XIX e sobre ra Senac São Paulo, 2000, 2 v.
a Primeira Repíiblica no Rio Grande do Siil, tamk~émintegram o elen- 4 Priori, Mary Del. K e ~ i ~ 6dooj)a,-aísa Os 01-nszkirose oI:ststndo enz 500 anos de História. Rio d e Janeiro:
Editora Campiis, 2000.
co de autores citados ria bibliografia. 5 Silva, Maria B e a t r i ~Nizza da. Ljrasil coloniznçcio e escmvid6o. Rio d e Jaileiro: Nova Fronteira, 2000.
Já se foi o tempo ern que críticas eram kitas a obras coletivas devi- 6 Ramos, Mal-ia Beriladete. Sei-pa, Élio e Paulo, I-leloisa. (Org). O beijo através do Atliintico. O lugar
do à heterogeneidade no tratamento liistoriográfico, pela falta de uma do Brasil no paiiliisitaiiismo. Clialit:có: Argos, 2001.
7 Silva, Maria Beatriz N i ~ z ada. De C:abral(zD.Y~(l1-o I. Lisboa: Universidade Portiicalense Infarite
D. Meiiriqiie, 2001.
2 Ver para niaiores detallics B'lrreto, Al~eil~ircl.
B/bl~ogjrrJiaS u l / I z o g i n ~ ~ d ~2~V.c sRio
~ - de J'ii-ieiio: 8 Cardoso, Cii-o Flainarioil. e V4INF'AS, Konaldo. (Org) Dontítzios da História. Eilsaios de 'Ièoria e
Conselho Fediral d c (:riltiira, 1973. Metodologia. Rio de Jaiieiro: Ediioi-a Campi~s,1997.
Marcos Cezar Freitas,%ão posso deixar de eiifatizar a importância da Se, no "fazer História9',as fontes são imprescindíveis, algumas con-
obra organizada por César Augusto Guazelli, Sílvia Regina Ferraz siderações sobre elas devem ser feitas. Neste sentido, os artigos provam
Petersen, Benito Bisso Schmidt e Regina Célia Lima Xavier, a primeira o quanto houve de inovação. Além de fontes escritas, civis, eclesiásticas
obra coletiva que partiu recentemente do Departamento de História, e militares, oficiais ou privadas, falaram indivíduos, falou a imprensa.
especificamente do Setor de Teoria e Metodologia, com o título de Enfim, discursos diversos foram usados. Entrevistas e/ou depoimentos
Questões de teoria e metodolopa da História.l0 Além de professores pesqui- também comparecem, não se discutindo, aqui, se a técnica usada foi a
sadores do Departamento de História, foram "convocados" professores da História Oral. Documentos notariais, inventários, processos-crime,
de fora da IJFRGS para dar conta de uma complexa problemática. apontam para fontes produzidas pelo poderjudiciário que estão sendo
Somaiido-se a essas e muitas outras obras coletivas já publicadas privilegiadas.
por este Brasil afora, surge a obra que ora prefacio, cujo diferencial Se foram feitas - como não poderia deixar de ser - revisões biblio-
reside no fato de apresentar ao grande público exclusivamente artigos gráficas pertinentes às temáticas desenvolvidas, muitas das revisões
sobre temas relacionados com o processo histórico sul-rio-grandense, mostraram ser fontes para a obtenção de informações. Nguiis temas,
elaborados por autores consagrados, todos pertencentes à Academia como também algumas abordagens, se tornaram inteligíveis ao serem
no Rio Grande do Sul. Divulga-se, assim, o que na Universidade vem enfatizados dados empíricos, sem que isto significasse a volta a uma
sendo recentemente produzido, seja em dissertações de mestrado e te- história factual, meramente informativa e/ou narrativa. A fatos resgata-
ses de doutorado, seja através de projetos de pesquisa desenvolvidos e dos foram feitas novas perguntas; em relação a eles, novas questões fo-
aprovados, ou não, institucionalmente. Repito, não é uma História Geral ram formuladas. Enfim, os fatos têm um espaço diferenciado daquele
do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma obra sobre história regional, que tinham na chamada historiografia tradicional.
sem o ranço de um regionalismo tacanho, mal resolvido e, portanto, Comprovam os artigos o milito que já foi feito. E, ao apontarem
mal interpretado, tão presente, por vezes, em textos d e uma
para novas temáticas, apontam para o muito que ainda está por ser
historiografia dita tradicional. Fica evidente que a História do Rio Gran-
feito. As possibilidades são infinitas.
de do Sul não pode ser explicada e, muito menos, compreeiidida por si
Eduardo Neumann, tem as Missões Jesuíticas, especialmente os 7
só, pelos acontecimentos que no seu território ocorreram. Ela não se
Povos estabelecidos no território que é hoje o Rio Grande do Sul, seu
fecha em si e sobre si. O regional aparece articulado não só ao nacio-
campo de pesquisa, resgatando a importâiicia histórica da fronteira
nal, mas também, como não poderia deixar de ser, articulado com
indígena (uma das três fronteiras de que o texto fala) que foi desarti-
o platiiio. O Prata ganha expressão em muitos artigos, mostrando que
culada com o Tratado de Madrid. Não prescindindo de uma biblio-
o que é hoje, em termos territoriais, o Rio Grande do Sul, teve no seu
grafia pertinente, faz uma cuidadosa revisão historiográfica sobre como
processo histórico diversos espaços fronteiriços construídos, havendo
confrontos e também interações com um "outro": o espanhol (ou o a sociedade indígena foi vista. O resultado é uma instigante re-leitura
hispano-platino) e o indígena, atores de urn processo de uma relativa da organização social missioneira, destacando os efeitos sobre ela da
longa duração. Portanto, cabe aos historiadores resgatar estes espaços alfabetização. O significado que a escrita adquiriu entre os guarani,
fronteiriços que não foram estáticos: assim como avançaram, também não se restringiu à existência de uma elite indígena letrada, mas como,
recuaram. através dela, os índios verbalizaram sua forma de resistência. O valor
O resgate destes espaços fronteiriços, isto é, o caráter fronteiriço histórico dos documentos escritos por indígenas missioneiros, "impli-
do Rio Grande do Sul, vem sendo feito cada vez mais sistematicamente ca em romper com a visão tradicional e mesmo colonizada de froiitei-
na historiografia. Neste seritido, não posso deixar de citar outra obra ra que habitualmerite trabalhamos, pois além dos povoadores ibéri-
coletiva, organizada por Luiz Roberto Pecoits 'Targa: "Breve Inventário cos, os índios letrados das reduções também foram capazes de escre-
de Temas do Sul", publicada em 1998. ver a sua versão a respeito dos acontecimentos e conflitos em que
estiveram envolvidos".
No texto produzido por Fábio Kuhn, a situação de fronteira da
9 Freitas, Marcos Cezar. t-l'istom'ograjia(,r-nsiLci?-aem/)m-sl,eclivn. ((:Ira). São Paulo: (2011 texto, Univer- então capitania de São Pedro também é abordada ao deter-se na "gente
sidade São Francisco, 1998. de Viamão" - e é este o seii objeto - para analisar a "sc)ciedade e famí-
10 Petersen, Silvia (Org). Qu~stõesd~ teonn P metodolopa da História. Porto Alegre: UFKGS, 2000. lia no extremo sul da Aniérica Portuguesa". O artigo enquadra-se tan-
to numa História Demográfica como numa História Social. Objctivou tanto sul-rio-graiideriscs coriiu orientais que ali agiam com milita aritoiio-
não só quantificar a população de Viamão usando, para isso, diversas mia, "incompatível com uma subordinação passiva aos governos cen-
fontes, algumas inéditas, como o "rol dos confessados", de 1751, mas trais". No artigo, as articulações entre eles estabelecidas desde o movi-
ver sua condição social, chamando a atenção para o expressivo mento artiguista até a derrota de Oribe são centrais. Evidente é que
percentual de escravos. Tomando como referência dois clãs fainilia- alianças (inclusive chanceladas com a assinatura de tratados) foram
res, isto é, a gente de Jerônimo de Ornellas e de Francisco Pinto Ban- conjuntiirais nos 40 anos que medeiam entre 1811 e 1851. Elas não
deira, o autor analisa as estratégias familiares de reprodução e trans- foram lineares, modificando-se a sua composição conforme as circuns-
missão patrimonial, destacando a importância de alianças matrimoni- tâncias. 0 s senhores guerreiros sul-riograiidenses, ao lutarem junto a
ais quando os dotes serviam para "atrair bons genros". Não se trata da militares reinóis e depois imperiais, contribuindo tanto para a derrota
recuperação de trajetórias individuais procurando enaltecer a ação de Artigas como a de Oribe, comprovaram que havia sólidos interesses
de alguns grandes homens, mas sim "inseri-los no contexto mais am- a defender. A ocupação luso-brasileira do território oriental propiciou
à elite proprietária sul-rio-grandense uma significativa apropriação de
plo de relações sociais, economicas e políticas da segunda metade do
terras, confrontando-se, assim, com interesses da oligarquia cisplatiiia.
século XVIII, período fundamental para a corifiguração dos territóri-
Soluções diplomáticas decididas pelo alto, como foi o caso da Converi-
os lusitanos na América do Sul, e particularmente para a região que ção Preliminar de Paz de agosto de 1828, não propiciaram uma existên-
viria a se tornar o Rio Grande do Sul". cia incoiiteste para o então criado Estado Oriental do Uruguay. Lutas
Constitui-se o trabalho da professora Helen Osório no único arti- entre caudilhos platinos pelo poder; mobilizações de senhores guerrei-
go que aborda significativos aspectos econômicos do Kio Grande do ros sul-rio-graiidenses que não eram neutros nessas lutas, explicam, em
Sul luso. Mesmo sendo um trabalho sobre a história econômica, ele
também deve ser inserido dentro de parâmetros de uma história soci-
a
boa parte, Guerra Graiide e a intervenqão brasileira de 1851.
Susana Bleil de Souza e Fabrício Pereira Prado são os autores de
al. Preocupada com a coiistituição da sociedade colonial, a autora o outro artigo em que a fronteira, no caso a uruguaia, é cenário e, desta
faz considerando o território da então capitania de São Pedro como vez, para a ação econômica e política de sul-rio-grandenses durante o
um espaço fronteiriço. O texto é calcado na sua tese de doutorado, século XIX. Trata-se de um estudo sobre a presença de proprietários
cujo título aponta para a constituição de uma sociedade onde diver- sul-rio-grandenses em terras situadas ao norte do rio Negro. A
sos grupos sociais se estruturaram. Destacando que a maior parte dos "brasileirização" desta região foi um processo com avanços e recuos
produtores também eram lavradores, a pesquisa dá outra dimensão conjunturalmente explicados e, vista como uma ameaça à soberania
socioeconôrriica ao Rio Grande do Sul do século XVIII, ao questionar nacional, levou as autoridades uruguaias a pensarem em estratégias que
a visão tão presente na produção do coiihecimerito histórico, ceiitra- resultassem na "orieiitalização" da fronteira. Contra a base pastoril que
lizada nos grandes estancieiros. Um amplo leque de situações confi- caracterizava as propriedades brasileiras, pensou-se iiuni povoamento
gura as relações de trabalho, sobressaindo a escravid50. Mas a socie- com o deseiivolvimento agrícola, objetivaiido desviiicular a fronteira
dade não se configurou apenas em torno de proprietários de terra. norte da economia sul-rio-grandense. De certa forma, seria a retomada
Ao serem analisados os circuitos mercantis em que o Rio Grande do de idéias já formuladas por Fklix Azara na sua Memória mral do rio da
Sul estava inserido, destacou-se o dorníiiio de grandes negociantes do Prata, redigida em 1801. Confrontando discursos pronunciados no Par-
Rio de Janeiro, aos quais os negociantes locais estavam subordinados, lamento do Estado Oriental com outros pronunciados ria Assembléia
o que não impediu que o grupo mercantil local se constituísse lia Legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, vê-se como
elite economica da Capitania de São Pedro, possuindo patrimônios a presença brasileira na fi-onteira uruguaia era distintamente analisada
superiores aos dos grandes estancieiros. A distiiição ocupacional eii- no seu significado eronômiso e/ou político. Com muita propriedade,
tre estancieiros e negociantes teria importantes desdobramentos no os autores afirmam que "entretarito os chefes políticos regionais manti-
processo histórico sul-riograndense, refletindo-se em posicioiiamentos nham-se constantemente alertas à importância da prese1i';a brasileira
quando da Guerra dos Farrapos. no país. Afiilal, as sólidas redes de relações políticas, econ6micas c até
César Augusto Barcellos Guazzelli tem como objeto temas já de- mesmo familiares entre orientais da froiiteira e os estancieiros
senvolvidos em sua tese de doutorarnento. Mais urna vez o espaço f1-011- riogi-andeiises perrnancsiam". A R<:voluçãoFedcralista dc 1893 a 1895
teiriço tem sua historicidade resgatada conio território de caudillios, o comprovou.
Dos cinco artigos que tiveram espaços fi-oiiteiriçoscomo locus pri- referência dos dois literatos que sobre Porto Alegre escreveram: o
vilegiados, passa-se para dois artigos ern que um espaço urbano - Porto memorialista Antonio Álvares Pereira Coruja, com seu clássico
Alegre - é o cenário. Antiguallzas e o autodenominado historiador Augusto Porto Alegre,
Paulo Koberto Staudt Moreira há muito vem fazendo dos negros - com A fundaçúo de Porto Alegre. Os distintos caminhos seguidos pelos
fossem eles escravos ou fossem eies livres - os atores privilegiados de dois autores são minuciosamente analisados pela professora que se vale
suas pesquisas, nas quais sempre aproveitou obras de autores consagra- de um conceito central para a História Cultural que é o imaginário
dos como especialistas (no que ele também se transformou) em ques- "processo mental de recriação do mundo através de textos e imagens".
tões relacionadas com a escravidão e a abolição (aí incluindo os cami- Arrisco-me a dizer que no artigo em que é trabalhada uma Porto Ale-
nhos existentes e/ou usados para a obtenção da alforria) . Mais uma gre "iiiveiitada" por dois autores, também foi feito um cruzamento en-
vez, como em outros textos por ele produzidos, vale-se de uma enorme tre História e Literatura, no que a professora também é especialista.
gama de fontes depositadas principalmente em dois Arquivos: o Públi- O movimento operário gaúcho não poderia estar ausente de uma
co e o Histórico, para elaborar um artigo sobre um negro liberto, con- coletânea sobre o processo histórico sul-rio-grandense. E ninguém
siderado feiticeiro, acusado de fornecer a uma escrava, substâncias que, melhor para redigir um artigo pertinente do que a professora Sílvia
ministradas ao seu senhor, o levariam à morte. Seduzir ou induzir es- Regina Ferraz Petersen que tem neste empreendimento, como co-
cravas domésticas, fazendo-as ministrar doses homeopáticas de veneno autor, o jovem pesquisador Benito Bisso Schmidt, que também está se
aos seus senhores era uma prática que se constituía em forma de vin- firmando como especialista na temática. Embora seja dito no artigo
gança. Não é de estranhar que a comunidade negra inspirasse medo que não há preocupações teórico-metodológicas, é perceptível uma
aos brancos. A "onda negra" e o "medo branco" eram as duas faces de fundamentação marxista que vem caracterizando a produção dos dois
uma situação criada pela opressão inerente ao cativeiro. O artigo não professores. A ampla bibliografia indicada, atualizada no que diz res-
se desenvolve de forma linear, pois diversos entrecruzamentos são fei- peito a questões relacionadas direta ou indiretamente ao movimento
tos e que informam sobre outros negros (escravos ou não), sobre auto- operário, já é suficiente para justificar a inclusão do artigo na coletâ-
ridades constituídas e, especialmente, sobre práticas como a religiosi- nea. O objetivo do artigo, claramente apresentado, procura articular
dade, próprias da comunidade étnica a que pertenciam os "homens de "as diferentes conjunturas ou temáticas particulares da história do mo-
cor". O réu, que foi inocentado, zombou, no processo, da ignorância vimento operário gaúcho", oferecendo ao leitor uma espécie de "fio
dos brancos sobre a cultura que ele, como negro, dominava. Enfim, o condutor" da trajetória deste movimento. Mobilização operária, a
saber do curandeiro foi confroiitado com o saber do médico que ainda heterogeneidade da militâiicia, a imprensa operária, as correntes ide-
não dispunha de espaços de legitimaçao. ológicas, aspectos da cultura operária são tratados e, embora sinteti-
SandraJ. Pesavento, ao redigir mais um texto que tem como obje- camente, dão uma visão do movimento operário suficientemente
to Porto Alegre (no caso em tela, a Porto Alegre de aiitanho), mostra abrangente. O artigo prova que a chamada crise de paradigmas, atu-
como a cidade a seduz em termos de pesquisa. O artigo se insere na almente tão invocada, não coiiseguiu liquidar com uma boa produ-
História Cultural, com a qual a autora se identifica, sendo ela, no De- ção historiográfica ancorada em pressupostos teórico-metodológicos
partamento de História da Uiiiversidade Federal do Rio Grande do Sul, marxistas. A dialética, como a teoria do coiihecimento com sua con-
a sua mais renomada representante. Lembro, de passagem? que a His- cepção de história, continua de pé. Falando metaforicamente, embo-
tória Cultural ganha, cada vez mais, espaço nas pesquisas acadêmicas e, ra com sinais trocados, não houve uma "queda da Bastillia", riem o
embora em outros artigos, conceitos desta História tenham sido apro- "Muro" caiu.
priados pelos seus autores, o artigo da professora é o único em stricto No artigo assinado por Anderson Zalewski Vargas, é a imprensa
sensu de História Cultural. Como se lê nesse artigo, um dos campos de que se destaca como fonte. É ela que fala e esta fala o autor analisa. Há
âmbito da História Cultural que mais vem sendo desenvolvido é o que uma evidente preocupação em teorizar sobre o papel da imprensa, que
diz respeito h cidade. Assim, o artigo é o de uma História Cultural ITr- não é vista apenas como transmissora de iniormações. Ojornal, a partir
bana "que busca estudar e eiiteiider a cidade através das representa- do qual o artigo foi elaborado, é O Independente, que circulou em Porto
ções que sobre ela se coiistruíram ao longo do tempo". Neste sentido, Alegre rias duas primeiras dccadas do século XX e no qual atuaram
nada poderia ser mais pertinente do que a escollia feita como fonte de indivíduos para os quais o Estado era o "único instrumento de traiisfor-
maca0 da realidade". A êiifase iio "social" e na "nioralização" do povo avultam textos produzidos por participantes dos acontecimentos que
cujo comportamento era considerado, de certa forma, alitiético, apro- se desenrolavam em torno da Revolução de 30. A profissão de fé
xima o joriial, ideologicameiite, de uma visão comteana do que deveria regionalista que transparece da leitura daqueles autores sociais de pro-
ser a sociedade. O artigo, que pode ser vinculado a uma História Social cedência sul-rio-graiideiise gaiilia, na sua fala, uma outra dimensão,
urbana, tem, como corte temático, os "menores de rua" não na visão com um significado nacional. Daí o resgate da historicidade do tão co-
que hoje o problema encerra. Aponta, pois, para um possível estudo nhecido refriio "O Rio Grande, de pé, pelo Brasil". Gaiilia destaque a
comparado da questão em distintas conjunturas. É visível a incoerência liderança de Getúlio Vargas que, de certa forma, correu paralela à
do jornal que se dizia popular. Embora boa parte de seus redatores e autoiiomização dos integrantes da geração de 190'7,frente a Borges de
colaboradores fosse de origem social humilde, seu posicioiiamento em Mcdeiros qiie, embora fora do poder desde 1928 e de ter-se posicioiiado
relação aos meninos de rua (incluindo as terapias sugeridas para os contra a Revolução armada, ainda era forte em distritos interioranos
garotos) revela um peiisamen to elitista. Sem serem necessariamen te onde sempre haviam mandado "coronéis" sobre os qiiais o velho
delinqüentes e/ou abaridonados, os meninos de rua preocupavam pela chimango parecia não ter perdido a influência. A centralidade política
transformação que poderiam sofrer por viverem no espaço público.
passava por Getúlio Vargas, apesar de todas as suas vacilações (que coii-
Superestimando fatos que registrava, o joriial, agindo corno "dono da
fundiram o goveriio federal) diante de unia possível revolixção que se-
verdade", também inventava, no seu afã de denunciar a ameaça qiie
ria "pequenai' sem ele e sem Borges de Medeiros, mas seria "grande"
esses meninos representavam para aqueles (leia-se membros da elite)
com os dois, na avaliação de João Neves da Fontoura. E a Revolução foi
que eram responsáveis pelo futuro do país.
grande, trazendo o que Carlos E. Cortés chamou de "gauchização da
Tendo como marco croiiológico a chamada Primeira República
rio Rio Grande do Sul, isto é, o período que se estende de 1889 a 1930, política iiacioiial".
Claudia Wassermaii é autora do único artigo sobre este período que já Integra o bloco com artigos de História Política o texto de autoria
foi muito privilegiado na Academia. Hoje, outros recortes cronológicos da professora Carla Brandalise sobre o integralismo no Rio Grande do
estão muito mais presentes. Trata-se de um artigo que se enquadra numa Sul, baseado na sua dissertação de mestrado. Visto como um movinien-
perspectiva narrativa onde os acoiitecimentos dispostos liiiearmente to fascista extra-europeu que, ao contrário de outras experiêiicias 110
ganham espaço. É um texto de História Política com algumas articula- coiitiiiente americano (leia-se a bibliografia pertinente citada no arti-
ções com dados economicos. A Bibliografia Básica discriniinada é irite- go) eiicoiitrou possibilidades no Brasil para a sua expansão. Sendo o
grada por obras na sua quase totalidade de História Política e que-já são conceito de fascisiiio polissêniico, isto implicou em questionamentos
obras clássicas que não podem faltar numa revisão sobre como a Pri- sobre que países coirhecerarri movirricritos fascistas. Há um certo cori-
meira República foi vista pela Ilistoriografia. Isto deve ser tomado em senso em torno da Ação Integralista Brasileira ter sido o movimento de
consideração qiiaiido da leitura do texto que eiifntiza a luta iiitra-elites carater fascista mais significativo porque, na América, o Brasil reunia
rias duas guerras civis que assolaram o Rio Grande do Sul; a articulação circiiiistâiicias sócio-históricas suficieiites para a sua emergência. Se o
entre elas no filial da década de vinte e o papel do Partido Republicaiio movimento aqui existiu, ele, no eritaiito, não chegou ao poder. Portaii-
Riograiideiise, com seu discurso positivista quando a conjniitura crítica to, coiiliecidos são discursos, mas não a prática, para sc saber se ria
assim o exigia. administração os integralistas sêriarn diferentes de outros que eles criti-
O artigo do professor Luiz Alberto Grijó constitui-se de um texto cavam. No %o Graiide do Sul, o movimento encontrou receptividade,
de uma História Política clássica que eiifatiza a ação e o papel político especialnieiite nas áreas de co1onizac;ão alemã e italiana, exatameiite as
desempenhado por determinados indivíduos, no caso os integrantes áreas, em terrnos étnicos, identificadas com países europeus, onde o
da chamada "geraçào 1907" ((J qiie foi o objeto de sua dissertação de Pdscismo chegou a ser iiistitiicionalizacio.Mas sua organização e expan-
mestrado). Destaco o conjunto cle fontes escritas usadas, entre as quais, são não foram pacíficas: teve avaiiqos e recuos, enfrentou difici~ldades
além de obras clássicas como O regionalismo gaúclzo, de Joseph Love," e despertou reações. Fica para o observador ilão especialista no sssuri-
to, corno eu) iirria, entre tantas perg-iiiitas possíveis: Sendo o t:,iscisino
aiitiiiidividualista, será que o associativismo, tão arraigado iiris árcas
11 I,ove, Joseph. O r~g.lounbvt~o
go~crritho.São Paulo: Perspectiva, 19%. coloniais do Rio Graiide do Siil, iiifluiu para a peiietração da AIB?
Embora em todos os artigos tenham sido feitas referências gerando um aumento do número de subhabita~õese a iilvasão de coii-
historiográficas, o único trabalho específico sobre historiografia com juntos habitacioiiais; a precariedade do transporte coletivo. A criação
um marco cronológico definido, é o artigo do professor René Ernaini de Distritos Iildustriais levou a autora a fazer algumas perguntas: Por
Gertz, que deve ser parabenizado pela coragem de enfrentar o desafio. que foram escolliidos Caclioeirinha e Gravataí para sediá-los?Até que
É evidente que todos os leitores do artigo vão notar a falta de determi- ponto geraram progresso e postos de trabalho coricretizando previsões
nados textos, o que é natural e não invalida a importância do levanta- otimistas feitas? As respostas estão implícitas quando é assirialado o au-
mento feito. Razão tem o professor em assinalar quão difícil é eiicoii- men to do desemprego; a deficiente infra-estrutura para uma popula-
trar textos sobre a História mais recente do Rio Grande do Sul. Eu acres- ção que crescia vertiginosamente em face da expectativa de emprego e,
cento outras dificuldades que se constituem ern extrapolações que a mais especificamente, as críticas dos ecologistas quanto à poluição, a
leitura do artigo me levou a fazer. Parto do princípio que é difícil fazer violência, a ocupação de áreas verdes com a conseqüente degradação
um levantamento mais ou menos completo de tudo o que se escreveu do meio ambiente. Entendo que o artigo aponta para a necessidade de
sobre o Rio Grande do Sul, incluindo o produzido fora do Estado, serem repensadas políticas públicas.
mesmo que a ênfase se restrinja à produção acadêmica. Além do que, Concluindo, eu diria que os artigos, ora apresentados a um píibli-
se a historiografia é mais do que um mero arrolamento bibliográfico, co maior do que o acadêmico, indicam outras possibilidades de pesqui-
mas implica numa análise crítica da produção do conhecimento histó- sa quanto a temáticas e abordagens. Certamente de outros olhares so-
rico, outra dificuldade se antepõe de natureza epistemológica: asseve- bre os textos resultarão leituras diferentes da que eu fiz. E espero que
rar o que é História e o que não é. E há, por vezes, um outro obstáculo os artigos elaborados pelos diversos professores sejam estímulos para
a enfrentar: o acesso a textos produzidos. Sabendo que o professor Gertz novas reflexões sobre o processo histórico sul-rio-grandense. A impor-
é um especialista não só em imigração alemã, mas no estudo do Estado tância do empreendimento será medida por sua repercussão. Está de
Novo, que é um dos parâmetros do artigo, exemplifico com uma tese parabéns o Departamento de História da UFRGS por ter-se engajado
de doutorado, cujo autor é Sérgio Bairon Blanco Santana. O título já é na produção de uma obra coletiva. Outras virão? Espero que sim.
um desafio: História Palinódica (sipificações culturais de uma regzonalidade
Euto-Brasileira).'* A tese, que é interdisciplinar, relacionando a História
com a psicanálise, o autor impôs dificuldades de acesso, proibindo a
sua reprodução. Ao público interessado é, assim, vedado o conheci-
mento do conteúdo da pesquisa feita.
O artigo da professora Regina Webei-, que trata da Região Metro-
politana de Porto Alegre (RMPA) é o texto que mais avança para os fins
do século XX em termos cronológicos, encerrando a obra coletiva. Além
de fontes escritas, aí incluindo uma bibliografia pertinente e jornais,
foram feitas entrevistas com habitantes de Cacl-ioeirinha,que iestemu-
nharam suas experiências e viv?iicias. (Lastimo que sobre alguns auto-
res citados no texto ilão haja as necessárias referências bibliográficas).
O artigo busca relativizar tanto a idéia de cidades-dorniitórios, quanto
à de cidades iiidustrializadas, elaborando a idéia de cidades operárias
para núcleos urbanos da RMPA. Algumas questóes muito atuais são dis-
cutidas no texto e entre elas destaco: o desconipasso entre local de
moradia e local de trabalho; a crise na agricultura e o êxodo rural,
fazendo surgir vilas irregulares sem infra-estrutura; a falta de moradia

12 Santatla, Skrgio Bairori Blailco. I-lis~órin/)nlinódicn (sigtzz/icni6es c~uùu.,-ni.~


(/e z ~ ~ nregioncrlidntle
n
'Tese de doiitorado, USP, 1991.
teuto-brc~sibiru).
A fronteira tripartida: a formação
do continente do Rio Grande -
I11

Eduardo Sandos Neumann

A formação histórica do atual Estado do Rio Grande do Sul está


intrinsecamente relacionada à questão fronteiriça existente entre os
domínios das duas coroas Ibéricas na Arrierica meridional. Desde o
século XVIII esta região foi cenário de constantes disputas territoriais
entre diferentes agentes sociais. Atritos que não estiveram restritos,
apenas as lutas travadas entre luso-brasileirose hispano-americanos pelo
domínio do Continente do Rio Grande.
A historiografia brasileira e particularmente a sul-rio-grandense,
no século XX quase sempre procurou legitimar a expansão luso-brasi-
leira em terras meridionais. Apresentando argumentos sustentados na
interpretação da diplomacia lusitana a respeito do Tratado d e
Tordesilhas (1494) que, devido a dubiedade dos limites meridionais
estipulado pela linha imaginária, justificava a expansão portuguesa em
direcão 2s terras próximas ao estuário do rio da Prata; ou defendiam
que foi de Portugal, através de seus súditos, a primazia em ocupar de
fato o Continente.
O debate a respeito do direito sobre estas terras reapareceu a pai--
tir da ft~ndação,em 1680, da Colônia do Santíssimo Sacramento. Essa
praça lusitana, iiistalada na margem esquerda do rio da Prata, foi palco
de muitas disputas entre as moilaryuias Ibéricas. As autoridades envi-
adas para garantir os interesses lusitanos na região afirmavam que a
"[ ...I Coroa de Portugal tem direito irrefragável ao domíiiio dessas ter-
ras, pela mais antiga posse [...]",conforme a opinião de Silvestre Ferreira
da Sylva.' Nas primeiras páginas da sua Iielação do sítio da Nova Colhia
do Sacramento, este cronista apresentou corno justificativa o argumento
de que Portugal, desde 1501, tem coiiservarlo, sem interrupção, sua
pi-eseiiça na região.
Os autores sul-riograndenses, no século passado, em geral trata-
vam de advogar a tese da lusitariidade do continente de São Pedro,

1 Sylva, Silvestre Fe1.reii.a da. Ilt?lncfiodo Sitio dn Nova Coldnin do Snn.n~ne~zt«.


Porto Alegre: Aicano 17,
1993 (Fac-similar da obra de Silvestre Ferreira da Sylva, l,isboa, 1748)
para assim vincular a colonização dessas terras às prerrogativas da Amé- reduçoes na margem oriental do rio Uruguai." reocupação dessa área
rica portuguesa. Quem rnelhor expressou esta concepcão riacionalista (Tape) elevou a trinta o núrnero de reduções estabelecidos na Provín-
quanto a ocupação do Rio Grande do Sul foi Moysés Velliiiho na sua cia Jesuítica do Paraguai, e desde a época colonial essas são alvo de
obra Fronteim. Considerada, inclusive, como a obra-síntese desta ver- inúmeras polêmicas devido principalmente a sua organização interna e
tente historiográfica (matriz lusitana) .* Os autores que se posicionaram inserção na sociedade rio-platense.
de maneira favorável à presença espanhola, apoiando o argumento de Aos índios dessas reduções ficou estipulada a tarefa de ocupar e
que as primeiras ações colonizadoras nestas terras ocorrerani a serviço patrulhar toda a extensão da área conhecida no período colonial como
de Espanha, eram os defensores da chamada matriz platina. Argumen- banda Oriental, ficando a cargo dessas reduções a serem instaladas des-
tavam que a ocupação e colonização da América meridional esteve con- de a sua "fundação o Ônus integral de defesa da extensa região circuns-
dicionada pela presença hispano-americana na região adjacente ao rio crita entre o Uruguai, o Prata e o litoral Atlântico" conforme assinalou
da Prata.3 Aurélio P o r t ~A
. ~movimentação de tropas portuguesas e111 direção ao
Uma das poucas exceções na historiografia brasileira quanto à ação Prata gerou um clima de atrito permanente com a população oriental
de Portugal na América é a obra de Moniz Bandeira, que reconhece, i á cl
pois estavam os guaranis inseridos na área de fronteira sujeita às dispu-
no título o caráter "dilatador" da colonização portuguesa no extremo tas entre as coroas Ibéricas. Igualmente as terras orientais abrigavam a
Mesmo diante do reconhecimento desta ação expansionista. ain- Vaqueria de1 mar, um manancial de gado bovino seguidamente saquea-
da permanecia a questão de uma disputa bipartida, expressa na polari- do pelos moradores da cidade de Buenos Aires (acioneros) e lusitanos
zação de interesses eritre Espanha e Portugal, situação esta que da cidadela de Colônia, acentuando as divergências entre as três partes
condicionava todo o debate intelectual que se apresentava previamen- envolvidas. O roubo de gado dessas estâncias era uma constante, obri-
te determinado por conta desta bipolarização entre as metrópoles ibé- gando os índios ao patrulhamento periódico.
ricas. Entretanto, ocorre que esta interpretação, mesmo avançando em As reduções orientais, por sua condição de fração mais exposta à
relação aos demais esquemas explicatGos, desconsiderava a existência expansão lusitana, colocavam os índios em contato frequente com os
de uma outra fronteira, no caso a indígena.
- Refiro-me ao empenho dos portugueses, situação que contribuiu para a elaboração de uma identi-
- guaranis das missões em garantir a sua primazia sobre estas terras, situ-
I

dade fortemente contrastada com a dos lusitanos. Concebo que diante


ação cristalizada diante da celebração do Tratado de Madri (ou de Li- da presença dos agentes portugueses no Prata forjou-se junto aos
mites), em 1750, pelas coroas Ibéricas e de reflexos imediatos entre os guaranis orientais uma identidade regional atribuída, 110 caso a identi-
índios missioneiros. dade Tape. Esta ideiitidade étnico-cultural manifestou-se a partir do
As terras situadas ao oriente do rio Uruguai ("Sierras de1 Tape") confronto com a "gente lusitana9' o que possibilitou ordenar grupos
foram alvo da catequese jesuítica 110 início do século XVII. Em decor- que passaram a ser vistos e se reconheceram dentro dessa dinâmica,
rência dos ataques dos mamelucos de1 brazil (bandeirantes), a primeira identificando-se com os acoiitecimentos protagonizados no Tape.'
tentativa de catequese nessas terras fora iiiviabilizada depois de apro- A atitude manifesta pelos guaranis decorria da própria situação
ximadamente uma década (16261637).Ao filial desse período osjesuítas colonial, determinando uma nova relação da sociedade com a região
foram obrigados a orientar os guaranis ao trarislado para a outra rnar- onde estavam instalados, deflagrando o processo de territorialização,
gem do rio Uruguai. Com a investida portuguesa em direção ao rio da quando uma coletividade organizada formula uma identidade própria
Prata no final do século XVII, concretizada na fundação da Colônia de
Sacramento (1680), iniciava uma nova fase de ocupação dessas terras
orientais pelos guaranis missioneiros, determinando a reinstalação de 5 Ekas rediiçóes começaram a ser f~indadasem 1682 (São Bor:ja), posteriormeilte em 1687 foram
transladados da outra margem do rio Uruguai para a Baiida Oriental 3 rediiçóes: São Miguel,
Sáo Nicolau e Sáo Luis G o n ~ a g aEm . 1691 a partir da divisão d e Santa Maria Ia Mayor tiliida-se
São Loureiiço. Em 1697 dividiu-se São Miguel, devido 3 superpopillação, f~iiida-seSão João.
2 Vellinho, Moyses. fiorzt~ira.Porto Alegre: Editora Globo, 1973 Ern 1707 será instalado o último dos Sete Povos: Saiito Arigelo.
3 Gutfreiild, Ieda. A ro?z~t?up7o zd~nlzclnde:n hzsloizqyrafin ~ u l - r z o p a n d e n(lp~ ~1924 n 1975
d~ z~~rza 6 Porto, Aiirélio. Hislólicc das n/liss&v 01-ientai.s do IJrupai. Porto Alegre: Livraria Selbacli, 1954, p.
Sâo Paulo: USP, 1989. 27
4 Bandeira, Moniz. O ex/)c~nrionismo6rasilei10: o pn/!d do Brclsil n,n bncin do I'mta. Iiio d e Janeiro: 7 Neumann, Eduarcio. "Froi~teirae identidade: coi~frontosIiiso-guarani lia Banda Orieiital -1680/
Philobilioi~,1985. 1757". 111: Iieuistn Covl/~l.utensede liistólin de A77z&icn, Madrid, 2000, 11. 26, p. 73-92.
instituindo mecanismos de tomada de decisões r de representação, e siia diciotiarizac$io poteiicializararn a transição de utn regime de re-
reestruturando suas formas c~ltiirais.~ A territorialidade sempre foi a gistro para outro nas reduções, e iia maioria dos casos análogos conhe-
base da identidade dos povos indígenas. cidos esta passagem def'lagrou uma diferenciação nos níveis
Este foi o caso registrado entre as reduções orientais diante da sociocultiirais pristinos.
decisão das monarquias ibéricas, em 1750, de permutarem sete dessas A alfabetização promovida nas reduções facultou a alguns índios e
missões pela Colônia de Sacramento. Apesar de toda oposiçáo e resis- particularmente aqueles que integravam os cabildos, espécie de conse-
tência local ao TI-atado,ambas as coroas empenharam-se na sua execu- lho de cada redução, a redação de atas dessas sessões, entretanto o iní-
ção, pois configurava-se em uma tentativa de definir uma fronteira en- cio do registro das reuiii6es é considerada tardia nas missões."
tre os domínios ibéricos no Prata. Como mecanismo de protesto diante Cada cabildo contava corn um corregedor, principal autoridade
das decisões metropolitanas, sete reduções, através dos índios princi- civil nativa, secundado por um tenente corregedor, que atuavam coii-
pais de cada cabildo, redigiram cartas ao governador de Buenos Aires juntamente com os demais oficiais e o secretário. Estas magistraturas
expondo toda a contrariedade dos guaranis a esta permuta. eram definidas pela própria condição colonial, pois o léxico da língua
guarani pré-contato não contemplava uma denominação para estas
A elite missioneira funções, visto inexistirem estas categorias nas sociedades indígenas.
Assim foram gerados neologismos a partir da língua guarani para desig-
Nas reduções guaranis do Paraguai colonial, os jesuítas sempre nar estes ofícios no cabildo.1° Todos que participavam dessas reuniões
procuraram ceritrar suas atenções para formar uma elite como fica corn- eram conhecidos como cabildoipara (cabildantes), e havia um secretá-
provado no esforço desses padres em cooptar os caciques e seus des- rio responsável pelas atas e documentos.
cendentes diretos, definindo os mediadores, os intermediários entre a Confornie a observação do jesuíta José Cardiel, que atuava nas
população reduzida e os padres. O primeiro a perceber esta estratégia rriissões em meados do século XVIII, compareciam a "[ ...I escuela 10s
foi Antonio Riiiz de Montoya, no início do século XVII. hijos d e 10s caciques, de 10s cabildantes, de 10s músicos, de 10s
Os índios orientados pelos jesuítas estavam submetidos a um forte mayordomos, de 10s oficiales mecánicos; todos 10s cuales componian Ia
dirigismo, e os padres selecioiiavam nas reduções os mais aptos, apro- nobleza de1 pueblo en su modo de concebir y también vieiien otros si
veitando-os para o "bem comum". Através do ensiiio ministrado nas lo pide sus padres [...I"," estes erarri os índios princifiais de uma redu-
escolas de "ler-escrever de música e dança" os jesuítas acompanhavam ção, personagens fundamentais no processo de mediação entre jesuí-
o desempenho dos guaranis iniciados nas artes y ofcios. Desde a infdn- tas e a população missioiieira.
cia selecioiiavam e orieii tavam os mais capazes para o exercício de algti- Portanto, havia por parte dos padres um tratamento diferencial
mas atividades especializadas, como as de tocar instrunientos, ler, escre- aos indios de re~pectoy benemeritos, ou seja, aos corregedorcs, caciques,
ver e mesmo copiar documentos. As habilidades letradas e musicais capitães, alcaides maiores e os componentes dos cabildos das redu-
geralmente apresentavam-se associadas nas missões e os íiidios selecio- ções (cabildantes), todos os quais podemos assim identificar como
nados para estas atividades circulavam por espaços dentro da redução parte de uma elite indígena das missões. Certamente esta elite niio se
que não erarn franqueados a tocios, como o colégio e a biblioteca (con-
seqiientemente aos livros).
9 Segiiildo R4oririigio. a pi-ova d e seu argumento é o fato cle qiie "alg~insdocunientos relatam
A aquisição e iiso frequeiite da escrita (alfabktica) por uma socieda- sucessos milito antigos, o qiie quer dizer qtie 110 momento em qiie este acoiiteciam iião foram
de até então ágrafa (giraraiii) é uma situação ímpar iio mundo colonial comililicados pelos cabildos 5s aiitoiidades competentes como era d e esperai--se, poi-qiie aiiida
hispano-americano. A rápida difusão e aceitação da tecnologia do escri- iião estavam oficialmelite coiistitiiitios". In: Moriiiigio, Marcos. "Sobre I»s cabildos iiidígeilas
d e Ia misioiies". 111: Rm,i.s/cl de Ln Acnrllemin de Entre Iiios, I, Parariá, 1946, p. 29-37.
to entre os índios das rnissões despertava novas formas de sociabilidade e
10 Conforme Montoya no sei1 Tesoro d e la 1,eilgua Guaraiii: "[ ...I tampoco tenia ilombres con
mesmo de relações corri o poder. A redução gramatical da língua guararii que clesigiiarlos, pero Ilegaroii 2 sei. ~locabiiloscorrientes en Ias doctriilas, porque ya desde e1
pi-iilcipio a1 establecer 10s cargos hiit)iei-on d e darles 10s hlisioiieros ilomhre acomodado a1
gt'iiio d e Ia lengiia, 6 10s niisn-ios índios se lo aplicaroii a cada iiiio". In: Hei-nai-idez, I'ablo.
Rarceloiia: C;iista\lo Ciili, 1913, vol I, p. 110, nota 2.
Otgnniznción social de 10,s (Io(.lriu(~sGun)ar~irs,
8 Oliieii-a. J o a o Pacl-ieco. 'Ilrria etiiologia dos "íiidios inisroi-ados"? Sitilaç5o coloiiial, 1I (hrdiel, .José. "Breve i-elación tlc Ias ii~isioiiesde1 Paraguay". Iii: Iieiilandez, I'ablo. O/).rit,
teri-itoi-ializaçãoe fl~ixosciiltiii-ais". 111: ibfnnn 11.4, 11.1, p, 47-77, 1998. 1913, vol. 11, 11.557.
apresentava de maneira lioinogênea nem rnesmo todos íiidios que a população que variava entre dois a três mil índios; sem a colaboração
integravam eram letrados. A consulta à documentação indígena, in- desses índios principais, seria impossível a organização e o controle das
dica que existiram caciques "agráfos", ou melhor, incapazes de assi- atividades em geral. Esses guaranis atuavam como mediadores diretos
nar o próprio nome. Os íiidios principais de cada redução, quando entre os jesuítas e as demandas da sociedade missioiieira. As funções
habilitados na escrita, costumavam indicar a sua patente, atitude que dessa elite não estavam circunscritas apenas às questões capitulares,
pressupõe uma valorização dessa hierarquia pelos índios. As distintas muito pelo contrário, abrangiam do gerenciamento material às mani-
atribuições exercidas aparecem especificadas na documentação. O festações religiosas e culturais de cada redução.
próprio corregedor, principal magistratura nas reduções costumavam Alguns Guarani chegaram a apresentar excelente domínio das "prá-
iniciar as atas lavrando o seguinte termo: Che correpdor haé Cabildo ticas letradas"," como foi o caso do cacique da redução de Santa Maria
(Eu o corregedor e o cabildo). La Mayor, Nicolas Yapuguai. Este índio ilustrado, escritor e músico, é
Essa elite letrada estava em contato direto com as autoridades da um dos exemplos mais célebres da elite pretendida e formada nas re-
administração colonial, envolvida em vários assuntos desde a organiza- duções pelos jesuítas. Em 1727, Yapuguai recriou em língua Guarani o
ção interna de cada redução até a participação em ações bélicas e nas livro Swmones y ejemplos en l e n p a Guarani.'"
negociações de paz. Um indício dessa atuação pode ser visualizado na Foi nesse coiitexto de domínio das práticas letradas que em julho
celebração dos tratados de paz. Os caciques guaranis envolvidos nas de 1753 os guaraiiis externaram seu ponto de vista, por escrito, na sua
negociações em torno da Colôiiia de Sacramento no ano de 1680 parti- língua, procurando anular ou impedir a execução do Tratado de Ma-
ciparam do Conselho de Guerra, subscrevendo alguns documentos. As dri.17 Argumentavam os cabildantes quanto aos seus direitos históricos
assinaturas desses caciques revelavam suas origens: nomes compostos a sobre essas terras, direitos reconhecidos pelo próprio Rei de Espanha,
partir de uma designação latina ou cristã, seguido do sobrenome, ge- em diversas Reais Cédulas, enfatizando exatamente as funções de guer-
ralmente guarani. l 2 ra prestadas contra os portugueses.
Esses índios possuíam as condições de fixar os acontecimentos atra- Como as reivindicações dos índios principais das reduções não
vés da escrita, expressando um pensamento que não é mais apenas in- foram atendidas, esses decidiram pela insurreição armada. Em 1754
dígena ou europeu, mas fruto da ocidentalização.'" As adaptações e eclodia uma rebelião colonial conhecida na historiografia como guer-
reapropriações esboçadas pelos índios diante do fascínio do ocidente ra guaranítica (1754/ 1756). Essa era uma guerra em defesa do interes-
(escrita, livros e imagens) determinaram a reestruturação do imaginá- se indígena em detrimento das prerrogativas metropolitaiias, sendo um
rio, deflagrando a mestiçagem ~ u l t u r a l . ' ~ dos temas mais recorrentes sobre as missões guaranis, e historicamente
Eram os integrantes dessa elite que vocalizavam as ordens e repas- significou a maior crise da Província Jesuítica do Paraguai; desencade-
savam as decisões aos demais índios, partilhando dessa forma com os ando o processo de desestabilização do espaço missioiieiro a partir de
não leitores as informações que chegavam por escrito às missões guarani. meados do século XVIII.
O papel desempenliado por essa elite nativa, pode ser mensurado nas Entretanto, as manifestações escritas dos índios, em defesa de seus
funções administrativas existentes em cada redução e os mecanismos interesses, não estiveram restritas unicameiite a estas sete cartas. Ou-
de cooptação acionados para o êxito da ação missioiiária. Afinal, cada tros documentos foram redigidos, procurando resguardar a fronteira
redução contava apenas com um ou dois jesuítas para atender uma indígena e evitar o avanço dos exércitos ibéricos. Nas reduções era essa

12 Doc 160 "Consejo d e Guerra eeii e1 qiie 10s-jefes Indios opinaii por la translación de1 ejercito a1
rio San Juan y porque se apresuren las opeiaciones, Saii Gabl-iel, 23 d e j i ~ l i ode 1680". Ao filial 15 As "praticas letradas" remetem as a~iálisesd e João Haiiseii, forjadas a partir d o ponto d e vista
d o ctociimeiito os capitáes índios assinaram pelos demais: D. Francisco Ureta; D. Christobal da retcíiica. Haiiseii, J. "Leitiiras coloniais", In: I,eitzu-as, Izislól-ia e história cln leitura. Abreu,
Capiy; D. Ignacio Ainanclau; D. Jiiaii Aiigiia; D.Migiie1 Arabe e D. Geronimo Giiarubay, i11 Márcia (Org). Carnpiiias, SP: Mercado de Letras; Associação d e Leitura do Brasil, S.P: Fapesp,
Cci??~/~alind ~Brasil.
l A n t e c ~ d ~ n Colomnles.
lp~ Tomo I (15.15-1749) Bueiios Aires: Gmo. Ihaft, 1931, 1999; "A civilização pela palavra". In: 509 anos deEdz~cnceono Brasil. Iapes, Eliaiie; M . T, Filho,
p.218. Liiciano. M. F, Veiga, Cyntliia, G (Org). Belo I-Iorizoilte: Aiitêiltica, 2000.
13 Çriizinski, Serge. Lii colo~z~aiziin de lo iniq@nn7>o. Sorieilailes ind(qen,ns y oc~iiLen~~nlimciór~
rTz el 16 Yapugiiay, Nicolas. S ~ ~ ~y ~qe~tlf~lor
~ o ~eltz kngua
n Guarn?ti.Buenos Aires: Editora Giiarania, 1953
n/II;xico~rf1n6ol.Siglos X'ITI-X'I/IIl. México: Forido d e Ciiltilra Ecoliomia, 1991. (Edicióii fac similar de l'li'i),
14 C;rnziiiski, Serge. 1,n penset; nzetisse. Paris: Fayard, 1999. 17 Arquivo l-listórico Nacioiial (Madri) L e p j o 120j, Atado I.
elite quem reuiiia as melliores condições para expressar suas posi(i0es índios, posiçàio da qual discordamo^.'^ Aceitar este argumento como
quanto aos acontecimentos em curso. Assim, foram rios cabildos das correto, implicaria em desconsiderar o fato de que rnesrno depois de se
missões, pela prática e familiaridade no manuseio da palavra escrita dirigirem ao govei.iiador de Buenos Ares, os guaranis orientais mani-
que surgiram as maiores oportunidades de comuriicação escrita, em festariam novamente, por escrito, sua decisão de ri50 acatar as ordens
guaraiii. recebidas.
As fontes históricas indicam que a prática da escrita foi uma ati-
A reação escrita guarani vidade comum entre os íiidios letrados das 'edu~ões,como demons-
tram vários exemplos: o diário, em língua Guarani, de um índio ano-
A produção histórica sobre as missões Guarani durante muito tem- nimo (provavclmeiite um secretário de cabildo), por ocasião do se-
po esteve condicionada por uma concepção de que esses índios aldeados gundo cerco à Colonia de Sacramento, entre os anos de 1'704 e 1'705.'2
não produziram, durante a sua vida em redução registros escritos, dei- A prática da cultura letrada despertou lia elite missioneira a preocu-
xando de expressar, portanto, o seu ponto de vista. O relato lavrado pação em toriio da redação de memórias e narrativas, pratica acentu-
pelos jesuítas seria, assim, o único testemunho dessa experiência. ada nos momentos de crise, quando experimentavam situações ex-
Atualmente os historiadores têm localizado nos arquivos e biblio- cepcionais. Como aconteceu em 1'754 com os íiidios principais da re-
tecas um número cada vez maior de correspoiidências, relatos e mes- dução de Yapeju. Nesste ano iniciou-se a redação de um livro media-
mo livros redigidos pelos próprios índios. Um caso de destaque é o no, escrito em pergaminho, narrando os fatos recentes em que a re-
registrado nas missões Guarani do Paraguai colonial diante da dução esteve envolvida, destacando os conflitos com o exército espa-
sobreposição de inovações, pois além da alfabetização e do acesso a nliol nas margens do arroio Daymal.'" partir de exemplos como
cultura escrita esses índios conviveram com o advento da imprensa.'" estes é possível afirinar que as fontes de origem indígena, apesar de
A grande profusão de documentos redigidos pelos guaranis ocor- rarefeitas em relação as b'foi~tes
oficiais", não estão restritas uriicamente
reu em meados do século XVIII, e estão relacionados com o início dos 2s sete cartas guaranis.
trabalhos de demarcação dos novos limites na América meridional. A Pois mesmo diaiitc de uma alfkbetizaç%olimitada, como a pra-
celebração do Ti-atado de Madri desencadeou a "reação escrita" nos ticada nas missões, e dif~liididade forma restrita a uma elite, irradiava
guaranis. Como mecanismo de protesto redigiram sete cartas na sua efeitos sobre toda a sociedade. A questão central, portanto, reside ria
Iíiigua,l9estes documentos foram lavrados pelos integrantes dos cabildos possibilidade de avaliar os efeitos da alfabetizaçáo sobre a orgaiiização
das reduções e manifestavam ao governador de Buenos Ares, José de social, independente do grau de domínio da população sobre esta
Aiidoriaegui, toda a contrariedade dos índios á execução da troca das modalidade de registro." Inclusive porque a circillação dos textos esta-
missões orientais pela Colônia de Sacramento. va condicionada pela oralidade diante da decisão adotada pelo Vaticano
Esses documeiitos indígenas foram publicados, em meados do sé- no Concílio de TI-eiito, encerrado em 1563, de valorizar a Truditio (a
culo XX, ria Espanl~a.'~ A divulgação dessas cartas despertou inúmeras tratismissão da verdade canôiiica seria feita pela palavra oral divulgada
polêmicas em toriio da real motivação que os levou a escreverem ao no púlpito por pregadores inspirados pelo Espirito Santo).
governador. Para alguns autores europeus pairava a suspeita de que Certamente os íiidios letrados que possuíam a siia disposição
os giiaranis foram meros marionetes dos jesuítas, expressando nesses anais, cartas e dociimeiitos em geral, podiam alimentar uma idéia mais
textos apenas a opiiiião da Companhia de Jesus e não a dos próprios

21 Becker, Felix. "L.,a gilcor.ra giiaraiiitica desde uiia iiueva pei,spectiva: histhria, ficcióil e
historiografia", 12obtivz Ami.ricn,zisln, 32 (Barceloiia, 1983), pp.7-37.
18 Pla, Josefina. E1 Ocrnoro ki~/)nno-G7~nt-mi.
Asuiicióri: Editorial de1 Centeiiário, 1975. 22 Melia, Bartonie~i."'IIii g~iaranireportero d e giierra" i i i Acciht,, Revista paraguaya cle reflexión
19 As cartas por serem erri níimero d e sete são facilnieiite associadas aos chamados "Sete Povos y ciial<igo, Níiinero 308, Oi~tiibiod e 2000, p,20-23.
das Missões", rnas tlessas recluções orieiitais o cabildo d e São Borja não expediu neiihunia 23 "Ti-ad~iccióiide i i i i libro mediano d e dirz Sox;ts eii pergamiíio esci,itas eii idioma G~iaraniqiie
missi~a,seiido que iima dessas ca-tas foi eiiviatfa da reduçâo de Coiicepción, e esta assiilada
se hallo entre 10s tiespojo d e los l'i'iidios d e I'apeyii [...I i,! I,'oleccio',i F7rtLc::cioEs,hclLtet: ((&')ias do
apeiias pelo corregedor Nicolas Ne~igiiirti. i1 t-rhiuo (IP I~rtlicrs,Sf-nilhn).Gol)i~)-)/o Jonqui??~
de D. L/o.rf;, d~ I'iclrzcc, Tomo 111 ( 1'749-175G), 19%.
20 .Mateos, Fianci5co. S.J . " Carla de Iiidios Ci-istiaiiosde1 Paragilay", l\/l~~sronnL~n hldciiid.
Ifi~j)clr~!tn,
24 Goody, Jack. '4 lbyirn (LI e.sc.,i/nP n o,;qarzizcr(.ciodcr .socif:dntb~.
1,isboa: Edições 70, 198'7.
,4110 VI. N.16, 1949, p. 547-572.
clara, orientada a partir de unia distâiicia liistórica, elaboraiido rcla- cultura ocideiital."' Com isso, uma nova forma de configurar as dife-
ções entre os diferentes momentos.2Essesapresentavam as melhores reiiças culturais se impõe, pois altera as possibilidades de registro
condições de fixar o passado através da escrita, atribuindo desta for- dos acontecirncntos. Certamente o grau de confiança atribuída aos
ma um sentido histórico, na acepção ocidental, para os acontecirneii- registros escritos foi variável de sociedade para sociedade, e inclusive,
tos. Como assinalou o historiador Roger Chartier "a escrita [...I dota mesmo em meios admiiiistrativos. O estudo de Clancliy, para a Ingla-
de competências culturais populações que antes estavam excluídas terra do século XII fornece provas de quanto a oralidade podia se
do muiido do texto [...I ","' alçando dessa forma os guaraiiis a coiidi- prolongar mesmo na presença da escrita.g0Assim as culturas letradas
ção de homens letrados capazes de manusear os códigos retóricos do e orais ri50 apenas coexistiam, como interagiam entre si.
colonizador. Mas foi o domínio das práticas letradas que permitiu aos guaranis
Os documentos produzidos nessa época iiidicam que a popula- ilustrados, em momentos de crise, recorrerem ao expediente da comu-
ção das reduções mobilizou-se em torno dos cuidados com os proce- nicação escrita, enviando cartas ou afixando bilhetes com mensagens
dimentos letrados, possivelmente por haver conferido crédito a es- hostis a presença das comissões dernarcadoras. Nessas epístolas argu-
ses trâmites junto a administração ~ o l o n i a l . ~
A' decisão dessa elite de mentavam a respeito do seu direito histórico sobre as terras e sua
manifestar por escrito suas opiniões legou aos historiadores documen- ancestralidade em relação a este território. A materialidade desses es-
tos que permitem avaliar o elevado grau de iiisatisfação e a mobilização critos é que poderia variar, o conteúdo não, como indicam as inscrições
desses íiidios, explicitaiido sobretudo a importância atribuída a cul- localizadas em papel, cruzes de madeira e mesmo escritos em pedaços
tura escrita nesta sociedade. O fascínio despertado pelas tecnologias de couro.
do ocidente (escrita, livros, imagens) alterou as formas de organiza- Uma fonte privilegiada para a acompanhar as ações desta elite, são
ção social dos g~iaranis.~" os diários dos oficiais militares das comissões ibéricas, como os de Ja-
A importância da escrita, independente da modalidade gráfica cinto Cuiiha e José Custodio de Sá e Faria pelo lado de Portugal e o de
desenvolvida, reside no fato de que cria um novo meio de comunica- Francisco Graell e José Joaquim Viana, pelo lado de Espanlia. Nas aiio-
ção entre os homens, preservando através do tempo informações, em rações de canipo além da informação militar típica, como a movimen-
coii trapon to à transitoriedade da oralidade. A escrita permite salva- tação de tropas e descrição do relevo, foram reproduzidas algumas car-
guardar informações básicas através do registro gráfico, atuando como tas e bilhetes escritos pelos índios. Os exércitos ern marcha na região
um arquivo da memória; desse modo, tanto influencia as lembranças encontraram no percurso várias mensagens em guarani que depois de
quanto produz os esquecimentos, apresentalido uma nova possibili- traduzidas pelos "línguas" foram transcritas iiesses diários.
dade de recompor, de narrar o acontecido. Segurido Micliel de A importância atribuída pelos índios à informação escrita esta di-
Certeau, escrever é uma prática mítica "moderna", pois reorganizan- retamente relacionada a presença dessas comissões demarcadoras na
do aos poucos os domínios por oiide se estendia a ambição ocidental América meridional, como é possível constatar através da documeiita-
de fazer sua história e, assim, fazer história. Nesse sentido, a " I...] ori- ção ora apresentada. Este conjunto de documentos sugere algumas
gem não é mais aquilo que se narra, mas a atividade miiltiforme e iiidagações a respeito da natureza desscs escritos. Por acaso, estavam os
murmurante de produtos do texto e de produzir a sociedade como índios, nessa época preocupados em esclarecer aos deniais eiivolvidos
texto". Assim, a escrita é vista como uma forma de progresso, possibi- no conflito os motivos de sua resistência? Estariam através dessas cartas
litando um afastamento, um apartar-se do muiido mágico das vozes e justificando sua atitude? Esses escritos explicitam claramente a posição
da tradicão. Dessa maiieira se esboça lima fronteira (e urna frente) da dos guaraiiis quanto a permuta de suas reduções, e avisavam sobre qual
seria a reação diarite da decisão metropolitana. Os comunicados em
toni de pregação cristã, indicam o domínio dos códigos retóricos e avi-
25 Gruzinski, Serge. LAL coloniznrión de lo imn@~~rir-io. p.235.
26 Chartiei; Kogei: "As práticas da escrita", 111: £fi.rto/indn Vida /)127)cldn3: da Rennsc~n~.n no Séc.ulo
sam aos espanhóis e sobretudo aos portugueses que 1150 prcteiidiam
d n Luzes
~ (01-g.lioger Chartier). Sáo Paiilo: (:ia das Ixtras, 1991.
27 Oiig, M'altei.. 01-nlb(in(LeP ~ L ~ z Lesnltn: da /jnln-orn. Siio Paulo: Papii-us,1998.
I - n n iec.17~ologiznç60
20 Cei-tcaii, Micliel. A zrzi)~r~çto
do t o l ~ d i n ~Petrópolis:
~o. Vores, 1999, [I. 224.
28 C;oody, Jack. A rionl~rlltnçtiodo/jel~co~~r~nto Lisboa: Editorial Preseriça, 1988. (1- c-dic;iío
~.~l-r~(lgem
inglesa, 1977) 30 Cl,tiicliy, 1979, p. 230, apud Ong, MCilter. OlcrlztlndeeC Z L / ~ I L ) ( pscntn.
I Sáo Parilo: Papyriis, 1998, p.
112.
ceder as exigências irlipostas pelas Coroas Ibéricas. As reiteradas niani- Assim, em novembro de 1754, bi celebrada uma convc1i(;ão de
festações iiidígeiias remetiam aos direitos adquiridos e confirmados paz coni o 013jetivo de suspensiio das armas. Esta convenção definiu
recentemente pelo rei de Espaiiha ria Xeul Cidula de 1743. As epistolas,
que seria o i-ioJacuí o limite para a circulação dos giiaraiiis e lusitarios.
em geral, apreseiitavam como modelo retórico a coiicepção de Cicero, Os termos do armistício foram redigidos eni "língua castellaila e tape"
a Izistón'a magzstra vilae, ou seja, a escrita correspondia a recolher exem- e ao final do encontro cinco caciques guaranis e os demais oficiais
plos com o objetivo de instruir as novas gerações, recordando os acon-
ibéricos preseiites à negociação subscreveram o doc~imento.~'
tecimentos anteriores como base para a argumentação a ser desenvol- Os integrantes dessa elite em determinadas ocasiões procuraram
vida. O passado serve de exemplos e de orieritação para o í'ut~iro.
negociar acordos com os demarcadores ibéricos visando preservar seus
Os documentos produzidos pelos índios sublevados durante os anos interesses. Na convenção de 1754, por exemplo, decidiram que a par-
de conflito permitem repensar as rela<;õesestabelecidas por esses com
te norte das terras, tomando como referência o eixo do Jacuí, seriam
o passado e com território oriental e sinalizam uma discrissão pouco proibidas aos índios das missoes, e que ao sul não se permitiria a
referida pela historiografia sul-rio-grandense, ou seja, a existência da
presença de portugueses, estando todos s~;jeitosa castigos por qual-
defesa por escrito do ponto de vista indígena, neste caso dos guaranis quer infração. Estavam os guaranis definindo uma linha de fronteira
missioneiros. Estes textos permitem resgatar do anonimato os agentes
que procurava salvaguardar a territorialidade das missões, mesmo que
sociais nativos que estiveram relegados ao esquecimento pela
para tanto fosse necessário efetuar acordos que reconhecessem a pre-
historiografia tradicional. Através desses documeiitos torna-se possível
sença dos portugueses nas imediações das reduções orientais. A con-
repensar a coiistrução histórica do atual estado sul rio-grandense, e venção suspenderi temporariamente às hostilidades dos índios para
incluir no debate a questão de uma fronteira indígena que existiu no
com os lusitanos.
tempo e no espaço, e que a partir desses textos escritos pelos guaranis
Em 1'755,o governador de Moiitevideo,José Joaquim de Viaria, foi
passa a ser recuperada pela historiografia sensível as demandas nativas.
nomeado por Aiidoiiaegui seu imediato para atuar lia segunda campa-
Por exemplo, em 1754, o exército luso-brasileiro, acampado no
nha contra os índios rebeldes. Ao conduzir a tropa hispânica na dire-
passo do Jaciii, enfrentava sérias dificuldades, obrigando Gomes Freire,
ção das iiiissões, os soldados corriaridados por Viana, localizarani no
comissário português, a negociar com os giiaranis a retirada de suas
percurso duas cartas afixadas em palanques pelos guaranis. A cópia
tropas. Nessa ocasião alguns índios missioneiros estabeleceram uma
traduzida de uma dessas cartas esta reproduzida no cabeçalho do diá-
trégua com Freire, principal autoridade designado por Portugal para
rio dessa expedição. O título é o seguinte: "Copia de carta traducida de
acompanhar os trabalhos de demarcação na América do Sul.
la lengua Guarani, que e1 exercito nuestro halló en un palo en la
A correspondência de Freire, enviada ao seu superior, Sebastião imediacióii de1 pueblo de Sta Tecla", datada de 30 de junho de 1'755.
de Me10 (futuro Marquês do Pombal) descreve com detalhes o eiicoii-
Esta niissiva é apócrifa, e esclarece qiic 110 ano de 1754 " L...] nos junta-
tro que manteve com uni índio ilustrado. Ao inforniar sobre o acerto
mos 30 pueblos, y ya savemos lo qrie hemos de hacer [...] ", o documen-
de uma trégua com os guaranis, expressou sua opiiiião a respeito da
to iiidica a suposta tomada de rima posição coletiva por parte de todas
conduta do seli iiiterlocutor, o Corregedor da reduçáo de São Luís,
reduções e refere a existência de muitas dúvidas em relação a tregua
Francisco Guacú. <:om certa admiração e espanto afirmou Freire que
estabelecida com Gomes Freire."' Os guai-anis atribuíam à presença
[...I este homem 1ié mais racional, e fino do que cabe lia creação de desse plenipotenciário portrigu6s os distúrbios e dificuldade que esta-
semelhante gente [...I," comentário bastante elogioso. O recoiilieci-
vam eiivolvidos.
rrieiito às qualidades de um g~iaianimissioneiro 6 surpreendente diaii-
te da imagem negativa dos cronistas lirsitaiios a rcspeito dos índios re-
duzidos, e reflete a atuação dessa elite no decorrer da rebelião.

32 "(:opi;~tia Coilvençâo celebratfa eiitrt: Gomes Fi-eirc d e Andi-ade e os caciques para a stispen-
são das ai-iuas" em 14 de Nov 1754. Oar-npo de1 Iiio.Jaciii, iii IZPlnçCo AOtm~indnd« I<e/)uOlicnque os
e.\ln/)ekr.mEo.Lisboa, 1737, p 80.
?eligio.sosdas P,.oui,?cinsde /'ou./ ug01 P ~írs,,t~~lri/1~
31 "Demarcaçáo do sul d o Brasil", (:artas escritas da Fortaleza do Kio Partlo i.c,metidas por l-iuin
Alfères da Guarniçcbo de Saiita (htai-ii-ia para o Rio de.J;liieiro. 111: R(í7~i.>(n
do iirqz~i7~1
1'1íóliro 33 "Dlaiio de Ia Segtii-ida Ex~)edicióiitie Misioiies 511 m,irclia, acahicimentos y reiiditioii c-{c10s
hlin~iro.Belo I-Ioi-izonte, 1928, p. 302. Piical-,105. Ilc-clio por e1 coronel D11 J o s c * l ~ Jo'lqiiiin
li de \'i,in'i, goberi-ia(ioi cle Ici I'lata tle
hlonte\itlco. In lipulrtn I+~tó~lcn.hlIontivideo, Tonio VII, 11. 11, 1914, p. 204/205.
Nos seus escritos recordavam os índios todo o ernpeiilio da po- provocada pela rebelião indígena." Suas interpr<.taçòes são
pulação das reduções em garantir o domínio dessa área ao rei de apologéticas, procurando defender os seus colegas diatite da persegui-
Espaiiha. Estariam por acaso nessa época produzindo os índios uma ção a qiie estiveram submetidos.
versão prbpria sobre estes acontecimentos? Uma leitura atenta do con- O trabalho de Kratz, publicado originalmente em alrrnão, e tra-
junto desses documentos tem permitido repensar a interpretação tra- duzido para o espanhol em 1954, inscreve-se dentro do amplo pro-
dicional quanto a formação histórica do Rio Grande do Sul e a ocupa- jeto de reconstrução do contexto histórico de expulsão dos jesuí-
ção das terras meridionais, que não estiveram restritamente unicamen- tas.'"endo que a causa imediata apontada para a catástrofe em que
te às desavenças entre colonizadores ibéricos. se precipitou a Ordem Iiiaciaiia é o Tratado de Limites (1750) e
todas as suas conseqiiências. A pesquisa, amparada preferencialmente
A guerra guaranitica: algumas interpretações e personagens em documentação inédita, foi realizada na sua maioria rio acervo d o
Arquivo de Simancas (Espanha). E o resultado dessa pesquisa é ape-
O Tratado de Limites, de 1'750,repercutiu de forma muito acentri- nas uma defesa, bem documentada, das ações dos jesuítas para faci-
ada na América meridional, e a batalha de Caiboate. registrada em fe- litar as negociações.
vereiro de 1'756, colocava um limite à resistência dos guaranis, mas não O esforço mais surpreendente em esclarecer os anos cruciais das
encerrava as manifestações de contrariedade a entrega das reduções reduções é o conjunto de monografias de Francisco Matteos, publicadas
orientais. no periódico espanhol MiirsionaliuH i . r ~ a n i c a . ' ~títulos
s dos vários arti-
As várias polêmicas suscitadas nesta negociação geraram uma bi- gos expressam com propriedade os diversos períodos da rebelião indí-
bliografia bastante variada e ampla, sendo igualmente muito tendencio- gena. A pesquisa esta apoiada principalmente em documentos do Ar-
sa, pois esta tentativa de definir as fronteiras meridionais detonou a quivo Geral de Indias (Sevilha), mas também localiza e divulga docu-
suspeita sobre o envolvimento dos jesuítas ou de alguns deles como mentos indígenas inbditos, existentes no Arquivo Historico Nacional
responsáveis no incitamento dos índios das reduções à rebelião. Esta (Madrid). Os trabalhos de Kratz e Mattteos são o resultado de uma
polêmica sempre ocupou um lugar central no debate referente a "guerra revisão histórica geral, empreendida por historiadores jesuítas, visando
guaranítica". apurar os motivos presentes a expulsão e na posterior extinção da Com-
Entretanto, o principal óbice a execução da demarcação dos no- panhia de Jesus no século XWII.
vos limites foi a negativa por parte dos índios em abandonar as suas As pesquisas recentes dos autores regionais (nãojesuítas) têm pro-
reduções. Essa resistência rapidamente transformou-se em uma rebe- curado desfazer alguns mitos e exageros sobre as missões. Esses têm
lião que, apesar de lião ter sido estimulada abertamente pelos jesuítas analisando, entre outros temas, o impacto do Tratado de Madri nas
missioneiros, também é certo que estes nada, ou pouco fizeram para reduções, procuraiido avaliar os efeitos das decisões metropolitanas
impedi-la. Alguns padres, inclusive, são acusados de apoiar e participar juiito à população missioneira. O trabalho de Rejane Several insere o
dessa rebelião, atitude que não reflete a posição conjunta adotada por coi~flitona dinâmica das relações metropolitanas e como a região plati-
parte da Companhia de Jesus nessa polêmica. na estava suscetível a essas riegociações. Entretanto, o texto pouco acres-
Assim, de uma marieira sumária e muito esquemática, poderíamos centa ao debate pois rião aponta nenl-iuma hipótese explicativa quanto
dividir os estudos existentes em dois grandes grupos: um representado a eclosão do conflito.37
pelos historiadores da Companhia de Jesus, que tentam de alguma
maneira isentar os jesuítas da eclosão do conflito, onde se destacam os
trabalhos de Hernaridcz, Kratz e Matteos; r uni outro grupo de pesqui- :34 I-Ieriiandez, Pablo. EL exir.niinmie,~tode lo.rjes7citcls (Iel rio de Ln I'lntn y ([elns ~ n i s i o n ~(de1
s j)nrnç-uny
por- drc~eto(de (,'a,-Los III. Madrict: Victoi-iano Suarez, 1908.
sadores, os autores laicos, interessados nos ternas missioneiros, mas
35 Ii-atz, Guilleimo. El tratndo his/)ccno-l)rugusde limites de 1 E0 y .sus corzsecuencin~.E.~tudiosoD?-eLn
que procuram repensar as raízes do conflito a partir da pesquisa docu- aOoLieión de ln Conzj~clfiiclde Jesus. Koma: I.I-I.S,I, 1954.
mental. 36 h4ateos, Fraricisco S. J . "Avaiices poitiigiieses y rnisiones espafiolas eii la America de1 Siir",
O texto de Hernandez procura esclarecer as circunstâncias da ex- hlissiotlnlin his/)n~aicn,5, Madiid, 1948, ~ 1 : ) .459-505; "E1 tratado de limites entre I!:spcifia y Portu-
gal d e 1750 y las misioncs de1 Paraguay ( 1751-1 753)", Missionnli« Hi.sj)n~/,icn, 6, 1949. pp. 31 3-
piilsão dos jesuítas dos domínios esparilióis, e para tanto refere-se as 373, além cle otitros artigos liesta rivista.
implicações negativas para a Companhia de Jesiis qiiaiito a repercussão 37 Several, Rejane. A g-u~r-~c~ p~clrnnillcts.Porto Alegre: Martins Livreiro, 1995.
O extenso trabalho de Tau Golirn, é f~~iidameiitado quase que ex- Recentemente, foi publicado em Portugal o livro O Tratado de fi-
clusivaniente ilo Diúr;?'oda expediçuo e denza~caçãoda Amh-ica Meridional e dri e o Brasil nzwidional, com atenção voltada para a forma como se pro-
das campanha.^ D'Mi.rsões do Rio IIruCpayescrito por José Custódio de Sá cedeu à demarcação nas terras envolvidas nos novos limites." 0 traba-
e Faria, funcionário a serviço de Portugal. O texto apresenta muitas lho analisa a ação das 'Par-tidas do Sul" e se baseia na análise da carto-
novidades do ponto de vista factual, diante das inúmeras informações grafia e de documentos gerados por ocasião das demarcações. Pesquisa
contidas neste documento." Esse diário redigido u -f>oshioli,está basea- minuciosa amparada em farta documentação, mas que pouco acres-
do em observações pessoais e nas informações partilliadas com os de- centa ern relaç20 ao coiihecimento já existente a respeito do tema.
mais oficiais, e o exame dos conflitos bélicos ocupa espaço significativo O interesse 110 estudo das sociedades indígenas durante as últimas
nas anotações de José Custódio de Sá e Faria. Entretarito, a perspectiva décadas determinou uma revisão quanto ao papel dessas na história,
teórica esta ausente nesta pesquisa histórica, sendo mais uma recons- implicando em uma reconsideração de determinadas categorias utili-
trução pormenorizada dos acontecimentos, do que uma interpretação zadas na sua análise. A guerra é uma delas. A guerra indígena, ou me-
com caráter explicativo. lhor as guerras, tal como a conhecemos historicamente estão relacionadas
O processo histórico das missões foi analisado por Julio Quevedo ao processo de conquista e colonização de grandes proporções empre-
com o objetivo de recuperar as raízes desta rebelião indígena, endido na Arnéri~a.~'
contextualizando-a na conturbada diplomacia Ibérica e os seus desdo-
Nesse contexto de revisão teórico-metodológica os episódios rela-
bramentos no rio da Prata."" partir do vínculo estabelecido pelos ín-
cionados a "guerra giiaranitica" também merecem uma releitura, prin-
dios com a terra e as alterações impostas ao espaço missioneiro diante
cipalmente a partir do aporte e empréstimo de categorias oriundas de
do Tratado de Madri, Quevedo discute o papel do guarani inserido nas
outras áreas de conhecimento, particularmente da Antropologia. No
reduções, enfatizanclo o desagrado e posterior desacato desses índios à
que tange às manifestações indígenas um fator f~i~idarnental é se ater às
ordem de mudanca. A pesquisa, apesar de estar amparada em fontes
suas formas e que para captar as estratégias nativas é necessário aliar
impressas, não acrescenta novidades ao quadro factual, e trata de ma-
uma certa sensibilidade antropológica i s iiiformações inéditas que sur-
neira muito generalizada os efeitos da vida em redução (não distin-
gem, em fragmentos e séries documentais outrora esquecidos nos ar-
guindo, por exemplo, a diferença eirtre urn guarani letrado e um
quivos e bibliotecas de diferentes países.
iletrado) .
A historiografia tradicional ao analisar os conflitos nas missões,
Um trabalho que corre em faixa própria é o do historiador alemão
Félix Recker, que piiblicou sua tese doutoral abordaiido a rebelião somente concedeu espaço a dois índios, no caso o alferes de São Miguel,
giiarani e as controvérsias em torno da fábula de Nicolas I, rei do de nome José Tiaraju, o Sepé, e o corregedor da redução de La
Paraguai.l0 Nesse livro, Becker considera os chefes guaranis rebeldes Concepción, Nicolás Nenguiru. O destaque coiiferido a Sepé, por sua
como meras marionetes dosjesuítas. A pesqi~isa,realizada em siia grande atividade "militar", despertou em alguns pesquisadores regionais o iii-
maioria em arquivos europeus, desconhece a realidade regional que teresse em alçá-lo à condição de símbolo da resistência iridígena.'%na-
analisa, e descoiisidera a capacidade das lideraiiças indígenas envolvi- lises históricas preocupadas com a heroicização desse personagem, tem
das. O autor apresenta uma intricada argumentação, na qual procura eclipsado outras individualidades guerreiras, como a do próprio
esclarecer os motivos da perda de poder da Companhia de Jesus, mas Neiiguiru.
acaba por alimentar mais preconceitos ern relação ao tema.

41 Ferreii-a, Mário Olímpio Cleineilte. O Trntnrlo de A'lndrid e o Brasil Meridionnl. Os trnbnlhos


de~nnrcncloresdas Pc~rticlnsdo Sol e sua produ~ciocnr~oqhjicn(1 749 1761). 1,isboa: Comissão Nacio-
38 G~lirn,~I:~iii. A guer7-n g ~ ~ n l n n i t i cC,'onlo
n . os exkrrilos de Po7 t u p l e e s f ~ n n l clrst~-uirnv~
~n os Sele I'ovos dos nal para as (:oinemoraçóes dos Descobi-imeiitos Portiigueses, 2001.
jesi~iinse ítzdios g~,int.nn,i.rno Rio G I - ~ do ~ ~( I 750-1761). £'ns.ro I+knclo: filiuf,JI Porto Alegre:
I LSrtl
Ediifrgs, I!IOfi, G24p. 42 Fausto, Carlos. Irtimig-o,~fipleisalzistól-ia, I;rzlem e xnrnnnismo n n An~nzo~zicl.
São Paulo: Edusp, 2001.
39 Que\etio, Julio. Guet I P L J O S P ~ P \ ~ L ~ ~176
( L Jutoj~indo Pmtn Raiirii: Ediisc, 2000
43 Berilardi, Mai~siaeto.O primeiro caiidillio sul-riograiiclense. IZer~i.rtn(lu M u s ~ uAI-q,uivoPúOLiro do
I?S. Porto Alegre, 11. 20, p. 107-220, 19%. O p~imeirocnucllill~o7io-grc~nden.se:/isiono?tzin do
40 Becker, Félix. 1122/0 Jr\~iiíl(o:AJ/ro/c~s 1 1 9 (1~1I->tnguny.A~iiiicióii:Carlos Sclia~irn~in. Editor, v~issioneimSrj~é72n1.nju.Porto Alegre: Globo, 1957, 18Gp.
1987.
44 "<:artu d e Pascital 17agiiapo pai-a 10s íildios cliie han d e avistar cor1 10s espalloles sobre lo qiic
Esses dois guaraiiis letrados, certameiite, iião foram os ííi,ic«s O padre Tadeu IIenis, siispeito de apoiar os rebeldes, anotou iio
protagonistas dessa sublevação, visto que os demais índios que inte- seu diário que a notícia da batalha somente chegou à redução de São
gravam a elite missioneira, também estiveram eilvolvidos na rebelião Miguel dias depois, através de Bernabé Parabé, íiidio miguelista, que
até o desfecho final em Caiboate. Um índio que apresentou ativa par- havia abandonado o teatro das operações de guerra e retorilado a sua
ticipação iiesse período foi o alferes de São Miguel, Pasqual Yaguapó. redução de origem. Na sua volta descreveu o combate com traços
Em 1'155 chegou a redigir urna carta, na forma de iim manifesto iriter- bastante funestos. Esta iriformação foi posteriormente confirmada por
calada com um possível diálogo, instruindo os índios quanto aos ar- outros "sugetos iiobles veciiios de1 mismo lugar9'conforme mencionou
gumentos que deveriam apresentar caso encontrassem as comissões o jesuíta em seu diário."
demarcadoras. O conteúdo dessa instrução indica que o texto, muito Passados alguns dias do conflito em Caiboaté, um grupo de
provavelmente, foi concebido com a finalidade de leitura coletiva, guaranis suspeitos de atuarem na rebelião foram capturados e subme-
servindo de instrução geral a população quanto aos argumentos que tidos a um interrogatório. Através dos depoimentos prestados por es-
os índios deveriam apresentar aos espanhóis. Nessa missiva recordava ses índios é possível identificar os nomes e sobreiiomes das demais
Yaguapó às recomeiidações do governador para que os guaranis cui- lideranças Guarani nos momento decisivos.4gEstes testemunhos pos-
dem " [ ...I bien de vuestras estancias, que rio eiitre ningún espaiíol, sibilitam resgatar do anonimato muitos integrantes dessa elite, parti-
mulato, ni negro, quanto mas en la estaiicia alçun Portugues, nos dijo cularmente os da redução de São Miguel, uni dos focos de oposição
que se mudasen 10s soldados, y se mantuviesen siempre corriendo 10s ao Tratado.
Campos [...I"" e que esses, diante das razões apresentadas, não esta- Em 1759 as comissões demarcadoras retornaram às proximidades
vam dispostos a atender a ordem de abandonarem às suas reduções. do local onde ocorreu o conflito do dia 10 de fevereiro, para concluir
O depoimento de um índio de São Luís, Cristoval Reu, informa que os traballios de demarcação, e encontraram iio local urna cruz de ma-
logo depois da morte de Sepé Tiaraju, no dia 7 de fevereiro, foi Pasqual deira com uma inscrição em guaraiii. Era uma narrativa fúnebre, iiis-
Yaguapó quem estimulou os demais para um eiifrentamento direto crita lia própria cruz em memória à Sepé e aos demais soldados mortos
com os exércitos ibéricos, agora coligados. em Caib~até.~" breve iiai-rativa, que indica com exatidão o dia dos
A leitura dos documentos históricos tem indicado que Nicolas acontecimeritos derradeiros, e está assinada por Miguel Mayra, um dos
~ e n ~ u i er uPasqiial Yaguapó foram os principais responsáveis pela principais articuladores da resistência missioneira.
manutenção do estado de guerra após a morte de Sepé, e que ambos
opinaram favoravelnierite pelo confroilto aberto, em campo de bata-
lha, abandoiiando a tática de guerrillia adotada até o momento. Assim,
no dia 10 de fevereiro, sob o comando de ~ e i i ~ u i riiidicado
u, às pres-
sas como substituto de Sepé, foi registrado o maior confronto eiitre a 47 "Di6rio redigido pelo padre Tacleii Xavier IHeiiis, a pedido do padre Nusdorffer, d e meados
milícia guaraiii e o cxéi-cito coligado luso-espaiihol. Esse episódio ficou d e Janeiro de 1754 a 1 3 ele h4aio ele 17.56", i11 A t ~ c ~di ns Bil)lioteca Nacional clo Rio deJnneiro, 1930,
Volume 52. Docuinentos sobre o TI-atado d e 1750.ITolI, 11.532.
conhecido ila liistoriografia sobre o tema como a Batalha de Caib~ate.'~ 48 Coin a derrota Guaraiii em Caiboaté, 127 índios foram aprisionados e por ordem d e
E seguiido Fraiicisco Graell, oficial espaiiliol, em seu diário, o ernbate Ai~clonaegui iiitei.1-ogactos. Nos eiepoimentos d e alguns fica evidente o reciirso 2 palallra
durou uma hora e um quarto e dele participaram índios egressos de escrita como meio cie coniiinicação durante a Guerra: ''[,,.I qiie el cacique Zepe escrivio a
si1 Corregidor llamudo Francisco Chaca [...I in, 1V.~tit1~0i~io de Ias Infinnariottes nctundns ettz
nove reduções. Ao final da luta aprc)ximadamente 1.500 guaraiiis esta- vi,-tucl de 0,-dei~esde los L;x,rzo,s Secores Don Josef'h de Andonclegz~iy (Lor~l'edro rle Cevallos, sie?itdo
vam m ~ r t o s . ~ " (;ob-c~e~rzcrc/or.
de 13uenos Aila.~,sobra a u e ~ i ~ p los
~ n motivos
r que hubo !)ara no vereijica,. l n r?zlrega de lus
Pueblos de iLlision,es de Iradios Gunt.rr?iís, con/ònlie n Ias lienles Orclenes. " 111: Revista I-listol-ira.
Moritevideo, Tomo VII, N 19, 1914. pp. 732, 740.
liari d e decir, a fiii d e qiie lo oigan toeios los caciques y cdbildos. Sai1 Miguel, 16 d e j u i ~ i od e 49 '2fio de 1 756. A 9 de I'èl,mo//j,he o~?~clttO co~7~pdorJo.~e l i e ~ l , t l ~7lk7uynyú
~a Ci2ceu.inij)ipl:scibndo rolno. A I O
1755. 111:Pastells, Vol. VIII, 1949, (clocrirneiito 4.728). de Febrero f)i/~eojin gunt-irz i glcc~sli 7nnries pi/re, 9 TecOn Ut,uguny rebqiih 1500 soldndos re0~hnebeictere.
iWu7.11bichh r& omcrnó 6ngo n/x. A 4 de n~n7zo/ ) i / ~qya/)o.~~,rn 6ngn ro Cruz ~ n o m n g c ~ t úDon
. ibliguel
45 Assis Brasil. Gal. Bc~inl/lndo Cn/OocclP. Porto Alegre: (;lobo, 1935.
iVlccyrci solclndos ntn u l ~ r ?i-adiição:
. Ano tle 1756 - A 7 d e fevereiro morreu o corregedoi- José
46 O iiiiinero d e guaraiiis rnortos nesse combate varia muito coiiforine a fonte corisirltada. Uma Tiamju em unia hatallia que l~oiiveem dia d e s5bado. A 10 do niesrrio, ern lima terça, liouve
tabela coml~ai-aiidoas difere13tcs cifras dados pode sei- consiiltatlo i11 C:olirn, 'r'ari, ii í;~rertn urna graiicle batallia ein qiie morrei-am, neste Iiigar, 1500 soldaclos e setis oficiais, p e r t e i ~ c ~ i i -
giccrrnridirn. O/). cit, p. 436. (Mortos lia batalha tie (:ait)oaté). tes aos 9 Povos de) lii.iigiiai. A 4 cle março rnaiicloii Migiiel Mayrá fazer esta cruz pelos solda-
dos. Ver, Uemn?ra~ciodo RI-nsil,Biblioteca Nacioiial, Kio d e Jaiieiro, I, 1,1, 20.
Esse índio iriiguelista, ficou conliecido como uni dos opositores
mais ferrenhos à transmigração e entrega das redii~ões.N ~ depoi- S
Concluindo
mentos, Mayra é apontado como um dos principais interlocutores Assim, pelos exemplos já apresentados, é que proponho repensar
com os índios infiéis (charruas e minuanos). Mesmo diante dos anta- a formação histórica do continente do Rio Grande no século XVIII a
gonismos passados com os guaranis, estes índios auxiliaram na guer- partir de uma tripla determinação, procurarido dessa maneira resgatar
ra, atuando como espias, vigias e informantes à favor dos rnissioneiros; a fronteira indígena que foi desarticulada a partir do Tratado de Madri.
mas não participaram dos enfrentamentos armados coritra os exérci- A simples consulta à documentação colonial (civil, militar ou eclesiásti-
tos i b e r i c o ~ . ~ ~ ca) sobre o passado dessa região já indica diferentes maneiras de desig-
A atuação desses índios letrados e o intenso recurso a comunica- nar esta mesma porção territorial.
ção epistolar pode ser confirmada, tanto nos depoimentos prestados As terras circunscritas pelo rio Uruguai na sua face oriental eram
conhecidas pelos índios de fala guarani como tape, os jesuítas no sécu-
pelos índios, como nas relações elaboradas pelos jesuítas. O diário de
lo XVII mantiveram a mesma nomenclatura; os colonizadores espaiihóis,
Beriiardo Nusdorffer, superior das missões e responsável pela negoci-
por sua vez, referiam-se a essas terras como otra banda de1 Urupay, e por
ação de traslado junto aos índios é repleto de passagens narrando a último a parte leste, delimitada pelo rioJacuí recebeu no século XVIII,
vigília guarani quanto a circulação de documentos durante as negocia- dos luso-brasileiros a denominação de continente de Rio Grande. A
çÕe~.~l existência de três topoiiimias para uma mcsnia regi50 histórica indica
A missiva do administrador Valentim Ibarengirá é exemplar a este os diferentes interesses e disputas presentes em um mesmo espaço, e
respeito. Esta carta é uma das que foram encontradas na algibeira de esclarece quanto as origens dos agentes sociais envolvidos.
Sepé, quando este foi atingido e executado em campo de batalha, no A perspectiva indígena ficou registrada na atuação dessa elite
dia '7 de fevereiro. No texto, Ibarenguá solicitava ao capitáo das tropas missioneira que diante da ocidentalização em curso nas reduções apre-
guarani rapidez no repasse de informações, e agregava as seguintes re- sentou papel de destaque nas negociações, legando para a posteridade
comendações: "Se os ditos vos mandarem alguma carta, despachai-a uma versão nativa sobre essa rebelião iiidígeila. Uma luta marcada
imediatamente ao Padre Cura [...Iv,e acrescentava que no caso de ne- pela posse de um território e dirigida contra as decisões metropolita-
nas. Essa rebelião colonial contrariava a decisão das coroas ibéricas,
cessitarem alguma coisa "[ ...I escriban iiimediatanientr, y que todos 10s
através da manifestação escrita dos índios procurando defender seus
días escriban 10 que hubiere de novo sin falta".'?
direitos conquistados liistoricameiite, garantidos e confirmados coiis-
Os cuidados adotados com a informação epistolar e o domíiiio tantemente, em diversos documentos, pelo Rei de Espanha.
dos códigos retóricos ocidentais permitiram aos guaranis, através da A exist2iicia de uma gama de tipos de escritos serviu de rxperiên-
sua oposição escrita e armada, reduzir praticamente a nada o famoso cia no momento de reagir as decisões tomadas na Península Ibérica,
Tratado de Limites. como na reaç%oao Tratado de Limites de 1750. Após dÇcadas maiiusean-
do textos c mesmo produzindo obras, a elite missioneira demonstrava
grande familiaridade com os diferentes níveis das práticas letradas, ex-
perimentado essas competências um elevado grau de deseiivolviniento
nessas reduções. A alfabetização praticada nas reduções, mesmo restri-
ta a uma elite, promovia sociabilidades inéditas, permitirido novos
50 Acosta y Lara, Eduardo. h,n Guelra cle loj Cl~nt~utcr pn ln bnndn Onentnl jpe~-íodo Izcs/ja)zzco). modos de relação com os outros e os poderes.
Montevideo: Montever d e y (:ia S. A, 1961. (Capitulo VII: L,os charriias y Ia G~aeri'aG~iaranitica. Devido a preocupação com as iriforniações que circularam ria so-
p. 97-108). ciedade colonial iicsse período 6 que os índios egressos dessa elite
51 XV- Kelaçáo do padre Bernardo Niisciorfkr sobre o plano d e rnutiaiiça dos 7 povos desde missioneira valorizaram o modo escrito de comuiiicação, trocando di-
~ O S cle Arcg~lis. Vol VII. D o tratado d c Madri à
1750 ate fins d e 1755. I11 M ~ I Z U S Cda~ ~Cole~:6o
coiiquista dos 7 povos 1750/1802. Kio de Jaiieiro: Biblioteca Nacional/Divis,'io d e Piiblicução versas cartas c bilhetes com colegas de outras reduções. Analisar a rebe-
e Divulgação, 1969, p. 139-300 lião guarani a partir da perspectiva da memória coletiva e do sentido
52 Tratliiccióii d e la cal ta esciiu a1 corregi(lorJos6: 'Tiaiayii por e1 mayordonio (te1 pueblecito d i atribuído pela cultura escrita como criterio de ordenamento das dife-
Saii.Ja~.iei;Valentíii Ibai eiiguá. Saii Javiei; 5 d e fe\ei.iii o d e 1756, iii P;tseells, 'Ibmo V111, I)oc. renças culturais, pode possibilitar algumas explicações razoáveis qiian-
4.758. 13. 243.
to às atitudes indígenas.
As formas de registro e temporalidade dos guaraiiis fixam altera-
das nas reduções diante das práticas letradas. Estas práticas redcfiniram Gente da fronteira: sociedade
as formas de mensurar o tempo e os suportes da memória eiitre os ia no sul da érica
índios, em contrapartida estas transformações atuavam como reforço a
uma tradição cultural nativa, a da guerra. Nessa época determinadas
portuguesa - sécu
"lembranças" foram postas por escrito e operaram como iiistrumeiitos
de ordenamento do passado. Durante a fase de rebelião, nos seus escri- i4aõio Kuhn
tos, os índios recordavam frequentemente as vitórias obtidas contra os
portugueses à serviço do rei de Espanha, informações que poderiam Este texto pretende abordar algumas questões relevantes para a
ser obtidas facilmente através da consulta aos documentos e mapas compreensão da formação da sociedade sul-rio-grandeiise durante um
guardados nos arquivos de cada redução. As gerações que conviveram período crucial para a configuração do espaço colonial lusitano na re-
com a codificação e padronização lingiiística do guarani, pelo domínio gião platina. Ele se apresenta dividido em duas partes, sendo a primeira
escrito que apresentaram de sua língua nativa, recorrem com grande dedicada à caracterização da sociedade sul-rio-granderise do século
facilidade a este expediente, principalmente nos momeritos de crise XVIII, particularmelite o caso de Viamão, uma das regiões de povoa-
nas missões. mento inicial do atual território do Rio Grande do Sul. A partir dos
O conhecimeiito da língua, seja através da leitura oii da escrita, e dados demográficos tornou-se possível entrever uma sociedade típica
sobretudo pela conjugação dessas competências forneceu aos índios
do Antigo Regime português nos trópicos, baseada na existência de
letrados um instrumento importante para explicitar o seu desagrado
unia nítida hierarquia social e marcada pela presença expressiva da es-
diante das formas de convívio iiitercultural a partir do domínio dos
cravidão. Longe do cenário que enxerga o passado coloriial como terra
códigos retóricos.
de gaúchos, vivendo envoltos em lides guerreiras, o que se descortiiia é
Quando os cabildoipara escreveram as cartas ao governador de
uma sociedade extremamente excludente, onde uma peyueiia mino-
Buenos Ares, o fizeram de um ponto de vista muito particular, ou seja,
ria de famílias detém unia grande parte da riqueza existente, fosse lia
o de poder explicitar suas insatisfações a partir de categorias construídas
forma de terras, gados ou homens,
na sua própria língua. A familiaridade e o domínio da escrita favorece a
A segunda parte do texto procurajustameiite entender como se
uma maior emancipação com relação as foi-mas tradicionais de existên-
davam as estratégias familiares desta primeira elite colonial sul-rio-
cia, e principalmente diminui a dependência em relação aos
grandense que se formou lia região dos Campos de Viarnão. Dentre
intermediadores obrigatórios, como interpretes ou leitores.
O recoiiliecimento do valor histórico desses documentos implica as estratégias de reprodução das elites coloniais, as alianças matrimo-
em romper com a visão tradicional e mesrno colonizada de fronteira iiiais apresentam-se como uma das mais importaiites, senão a mais
que habitualmente trabalhamos, pois além dos povoadores ibéricos os relevante delas. No séciilo XVIII, era comum a prática dos casameii-
índios letrados das reduções tambi-m foram capazes de escrever a sua tos eiitre filhas de estancieiros e conierciantes advei~tícios,a tal ponto
versão a respeito dos acontecimentos e conflitos que estiveram eiivolvi- que a traiismissão patrinioiiial se dava muitas vezes via rnatriliiiear, em
dos. A froiiteira na América meridioiial em meados do século XVILI detriniento dos fillios homeiis. Aqui também encontrarnos elemen-
apresentava-se tripartida, dividida entre os iritcresses das duas Coroas tos de uma sociedade de Antigo Regime, onde estes arranjos matri-
ibéricas e a luta guarani pela autodeterminação. moniais podem ser entendidos ronio forma de ascensão social para o
A missões orieiitais somente rio início do século XIX foram defiiii- genro comerciante, que adquire .stutusao se "afazeridar", casaiido com
tivamente anexadas aos domínios da America p«rtuguesa, conferindo a filha de um estancieiro.
ao Rio Graride do Sul a sua atual geografia. A incorporação dessas sete
reduções, em 1801, por Borges do Canto e Manuel Pedroso é referida I - Uma sociedade de Antigo Regime
na historiografia sul-rio-granderise como a tomada das missões orien-
tais do Uruguai; surgiam assim os "Sete Povos das Missões", refletindo A relativa carência de estudos demográficos para o período colo-
as divisões iiacionais a que foram submetidas às trinta rediiçõcs Guaraiii nial motivou a realização desta bieve aproximação ao problriria do tipo
do Paraguai. de povoameiito inicial que se constituiu nesta região. Dilraiite muito
tempo, qualquer estudo desta natureza deveria assentar-se basicameii- 1740 e priiicípios da década de 1750, quaiido o número rlcfogos mais
te nos registros paroquiais de batismos, casamentos e óbitos, dada a do que duplicou, em um período ainda anterior às rnigrajiirs açoria-
inexistência de lista nomiiiativas como as existentes para São Paulo co- nas, que modificariam completameiite o padrão dernográfico da fre-
lonial por exemplo.' No entanto, a utilizagáo de outros documentos de guesia. Entre 1741 e 1756 a capela e depois freguesia de Viarnão pas-
origem eclesiástica - os róis de confessados - possibilitou a compreen- sou por um rápido crescimento populacional, que praticamente
são mais exata do processo formativo da sociedade do extremo sul do sextiiplicou o número de fogos (ver Quadro I).Vários motivos podem
Brasil. Com efeito, apesar das lacunas e omiss0es destes róis (como a ter contribuído para que a região se tornasse atraente aos olhos de
ausência de dados sobre a produção econômica), eles lançam alguma muitos povoadores: o relativo esvaziamento econôrnico de IAaguna,
luz sobre este período fundamental para a manutenção das pretensões que provocou a migração de alguns de seus moradores para Viamão;
colonialistas lusas nas terras do Continente do Rio Grande de São Pedro. a fundação da vila de Rio Grande em 1737, ponto de referêricia para
Basta lembrar que até o Tratado de Madri, celebrado em 1750, não os povoadores portugueses de Viamão, que para lá se deslocavam para
havia qualquer definição efetiva sobre as possessões meridioiiais portu- batizar seus filhos, por exemplo; ou ainda a própria dinâmica econô-
guesas, sendo que a partir daí define-se o eiiraizamento dos interesses mica da região, cada vez mais integrada aos mercados coiisumidores
econômicos e políticos da Coroa sobre esta região, atualmente conhe- de gado do sudeste brasileiro.
cida como Rio Grande do Sul.
Os dados traballiados permitiram reavaliar a importâiicia da po- Quadro I: Viamão - E\~oluçãodemográfica
pulação escrava na formação da sociedade colonial sul-rio-grandense, (1741-1811)2
ao evidenciarem a expressiva presença de cativos de origem africana
dcsde o seu período formativo, além de lançarem alguma luz sobre as
diversas formas de apropriação de mão-de-obra (escravos, admiiiistra-
dos, camaradas e agregados) na economia colonial do extremo sul da
América portuguesa. Nesta primeira parte, o estudo baseia-se fuiida-
mentalmente em alguns remanescentes de recenseamentos paroquiais
(os róis de confessados), valendo-se também de levantamentos
populacioiiais determinados pelas autoridades metropolitanas nas duas
últimas décadas do século XVIII, mas da mesma forma coligidos, con-
forme acreditamos, a partir das informações paroquiais. A análise dos
dados empíricos possibilitou, por outra parte, avaliar alguiis indicado-
res relativos à estrutura de posse de cativos e sobre a presença c difusão
da família escrava iiesta região da Colônia. O rol dos confessados de Viamão, datado de 1751, coristitui-se em
As dificuldades existentes em teiitar captar a dinâmica populacional um documeiito de grande riqueza informativa, apesar de suas lacunas
de Viamão no século XVIII começam pela heterogeiieidade das fontes. e omissões já apontadas. Dado seu péssimo estado de coriservação, al-
Em alguns casos temos somente o número de fogos (que também cha- guiis outros fogos apreseritarn iriformações incompletas, o que nos im-
maremos de UC, as unidades de censo), ao passo que outras vezes pede de fazer estimativas demasiadamente exatas. Porérri, algumas in-
dispomos do número de fregueses e mais raramente do número total formações relevantes são apreendidas com a análise das portes legíveis
de habitantes da freguesia, incluindo os "inocentes". A grande "arran-
cada" no povoamento de Viamão se deu entre finais da década de
2 Fontes: 1 741 : AHU-KS, cx. 1, doc. 38. il/In/)n das J n z ~ n d povoccdas
n~ dp gado no 1t20 C:ranrl~d~ S6o
P~dto;1746: BNKJ, mss. I, 1, 32, 2, 0; 1751, 1736 e 1778. AI-ICMf'A, Rol dos (;onfessado5 d e
1 Ver Maria 1,uiza Bertiiliili Qi~eiróz.A Vila do Rio Grclnde (te ,760 Pedro (1 737-1822,).Rio Grande: Vidrnão.; 1780. BNKJ, ctidice 9,4,$4e AII(:MPi4, Kol de Coilfessactos de Viamão, 1798. AE-TIJ-RS,
Editora da FIJKG, 1987, p. 70. Neste livro a aritoi-a se valeu hasicanieilte dos registros paroquiais cx 9, doc. 43 n/le~/)c[dp /odor os hnbztar~tprdn Ca/)~/arz?n.; 181 1. ACMKJ "Iiifoi nid~Boda Visi ta
d e eveiitos vieais pura tei~tai-recoiistitiiir a população ria primeira vila sul-rio-gi-ailcleilse. G e i d do Coiltiiieiite do Si11 [ . .I". Obs, O niimero d e ll,~bit'1nte5pala o ano d r 1751 6 urria
estim,iti\a.

48
do documeiito (cerca de 85% do total). No filial do dociimeiito, o es- No total, mais de 45% da popiilaçáo era cativa, uni perceiitual muito
crivrio padre Tliomas Clarque anotou que haviam 132 fogos com mais elevado, scmelhaiite ao eiicoiitrado rias zonas rniiieradoras o u de
de setecentas almas. No entanto, a quantia total de fregueses está cor- planlation e náo muito adequado à uma região voltada ao mercado iii-
roída, impedindo qiie saibamos com exatidão esta cifra. Uma terno. Para efeitos cornparativos, podemos citar a zona rural de Buenos
extrapolação pode ser feita se coiisiderarmos a média de moradores
Aires, oiide as pessoas de "cor", cativas ou não, perfaziam somente 15,4%
por fogo em torno de 6 pessoas, chegando a um número entre 750 a
em 1744 ou ainda a vila de Sorocaba em 1772, oiide apenas 15,6% da
800 pessoaq se incluírmos os "andaiites" (pessoas em trânsito pela fre-
população era composta por escravos. Todavia, os números de Viamão
guesia). Na verdade, uma análise atenta permite verificar que não havi-
iião parecem tão discrepantes quando comparados ao Piauí colonial,
am 132 mas sim 136 fogos na freguesia, dos quais não temos informa-
ção alguma para 18 deles. Assim, dos 118 fogos em que foi possível outra conhecida região de pecuária. Em 1762, segundo um levanta-
extrair informações, chegamos ao número de 631 pessoas, com uma mento da população das fazendas do Piauí, havia cerca de 2.400 mora-
média de 5,35 fregueses por unidade de censo. Se talvez houvesse em dores, dos quais mais de 1.300 eram escravos. Ou seja, 55% do total de
torno de mais 90 pessoas nos 18 fogos dos quais não temos dados, além moradores.* Outro dado significativo para a compreensão da estrutura
dos 74 aridaiites que foi possível contahilizar, chegamos a um cifra pró- de posse de escravos em Viamão refere-se ao fato de que em 74 dos
xima àquela já aventada (631+90+74= 795). fogos analisados (62%) havia cativos, indicaiido uma grande dispersão
Na Tabela I podemos visualizar a estratificação social da popula- no padrão de posse de escravos nesta freguesia do Rio Grande do Sul
ção viamonense em 1751. Os dados encontrados surpreendem pelo coloiiial. Isto também se reflete lia relativamente baixa posse média de
elevado número de escravos em um período tão recuado da coloniza- cativos por fogo, equivalente a 4 escravos por unidade doméstica (conside-
ção lusa. De fato, passadas somente duas décadas do início do seu povo- rando-se o conjuiito de fogos onde haviam traballiadores servis).
arrielito, a freguesia apresentava rnais de 42% da siia população com- Dentre os maiores proprietários de escravos ria paróquia, destaca-
posta por- cativos de origem africana. Os cativos indígenas perfaziam se Fraiicisco Pinto Bandeira, um dos mais relevantes membros da elite
sorriente cerca de 3% da população de Viamão em 1751, o que iios local e dono de 20 cativos neste recenseamento. Outro dado que revela
indica o virtual desaparecimento da "administração particular" entre uma precoce conceritraçáo da escravaria nos grandes proprietários in-
os povoadores da freguesia. dica que os doze maiores seriliores - com 8 ou mais cativos - detêm
coiijuiitamente 132 escravos, ou 46 % do total da freguesia, com uma
posse media de 11 cativos por plantel, típicos do padrão dos estanciei-
Tabela 1: População de Viamão conforme a condição social -1'751" ros. Os demais fogos possuidores de escravos, no total de 62 unidades
Condição social I N ~ e s s o a sI % domésticas, detinham 54 % dos cativos, com Lima posse média de 2,5
escravos por proprietário, típica do padrão dos lavradores. Outras pes-
Homens escravos 1 204 132,4
quisas, traballiaiido com iiiventários, chegaram a números muito senie-
Homens livres 1 197 131,2 lhaiites: 3,3 escravos em média no grupo dos lavradores e 11 escravos
Mulheres livres 1 108 1 17,1 em média rio grupo dos estaricieiros.'

Camaradas I 14 1 2,2
índios 14 1 22 4 Joie 1,iiis Moreno, "Población y sociedad eii e1 B~iei-iosAires iurul a fines de1 siglo XVIII". 111:
(comp.) J. C. Gara\agliil ç J L. Moreno. Pohlnczón, vocz~/ln(l,fninzlza y ?nzpccizo/r~ren d es/)nc~o
~~of)lnterr r ~ .Siglos XVIII y XIX. Biienos Aii es, Ciiitaro, 1993, p 26; C h i los d e Almeidu Prado
B,icellar. Fi~1rr2ie soczeclade n u m fro?zonaznd~ nhnd~czme17toz ~ t l e ~ n--aSo?otnOn, skculor X W P XIX.
Sdo Paulo, Tese cie doritorarri<-ilt»/LJSI', 1994, 11. 74; I.uís Mott " 0 5 íiidios e a peciidri't lias
Total 1 631 1100 fc1l/iildus cie çudo do Piuuí coloilial". 111: Ii'evzrtn r l ~Anl~o/)olo~yz/l_JSP,
1979, p. 71.
separata d o vol. XXII,

5 Iielen Oscírio, C,lrínrií.i,-».r, j/rli?.nrio~ese cot1ierc-itcl7,tetna rot/slitlciç&o da Irki?p,trclil~rrn/~or%ccguerolan


~ P%O i'cciro, 1 737-1822. Ni tercíi. Tese d e c h u t o i - a i ~ i ~ i i ~ < ~ /19519,
I\ t?/ki.icn:Rio ( ; I w ~ de u F I ; , p. 1.57-
3 Foii tt.: Al-I(:MPA. Kol dos (:oilfcssados d e Viamão - 1751. 158.

50
O levaiitamento paroquial de 1751 permite entrever uma socie- 20 fogos, o que demonstra que Jerônimo de Oriiellas não estava sozi-
dade fortemente dependente da mão-de-obra cativa, especialmente nho na sua sesinaria. Mais do qiie isso, revela a importância das redes
africana. A escravidão indígena aparece já de forma residual, na exis- familiares dentro de cada "bairro rural": quase metade dos fogos do
tência dos 20 administrados dispersas nos plantéis da freguesia. Ou- Morro de Santa Anna estavam de alguma forma interligados. Assim,
tros tipos de traballiadores também são encontrados, como os cama- além do fogo de Jerônimo de Ornellas, estavam ali situados o seu gcnro
radas e agregados; os primeiros são certamente de condição social Francisco Xavier de Azambuja, seu cunhado Dionísio Rodrigues Meii-
mais baixa, pois em cerca de um terço dos casos listados aparecem des e ainda os fogos de João Brás e seus 4 filhos, núcleo parenta1 estrei-
juntamente com os escravos. Quanto aos agregados, existentes em tamente ligado ao sesmeiro de Santana. Mais adiante retornaremos a
muito pequeno número, são encontráveis quase todos na estância de falar da importância destas redes.
José Leite de Oliveira, um dos genros do povoador Jerônimo de Na localidade denominada "Beira-Rio" temos apenas 8 fogos, den-
Ornellas. Além destes, encontramos um pequeno número de índios, tre eles o da quase legeridária estancieira Ana da Guerra, proprietária
supostamente livres, pois não são administrados, porém certamente de muitos (para o padrão local) índios e índias administradas. Nas "Lom-
submetidos a alguma forma de servidão. O único dado que causa cer- bas" existiam outros 8 fogos onde residia, por exemplo, Cláudio
to espanto no rol é a presença minúscula de pardos forros, o que é Guterres, filho do espaiiliol Agostinho Guterres, um dos pioneiros
muito discrepante com a realidade étnica efetiva da freguesia. Supo- lagunenses de Viamão. Nas "Estâncias de Fora" eiicoiitramos dezoito
mos que a maioria dos "pardos forros" tenham ficado encobertos na fogos, dentre eles, um dos maiores proprietários de escravos da fregue-
listagem, em meio ao grupo de homens livres. Este foi o caso de Inácio sia, Francisco Pereira Gomes. A localidade mais numerosa em termo de
José de Mendonça, o fundador da Capela de Santo Antônio, pardo fogos era a "Guarda de Viamão", com 31 unidades domésticas. Aí esta-
forro assim mencionado em outros documentos, mas que aos olhos do vam coiicentrados os maiores plantéis de escravos, sendo que no total
"reccnseador" paroquial não mereceu esta distinção. existiam 104 cativos, ou 36% do total computado da freguesia. Quatro
O rol de 1751 também nos revela o grande desequilíbrio existen- "bairros rurais" do rol abrangiam a região dos rios dos Sinos, Caí e
te entre os sexos, tanto entre os escravos quanto entre os livres. Para o Taquari, o n d e havia 22 fogos. Seis anos depois esta região se
primeiro grupo, a razão de sexo chegou a 329, ultrapassando a propor- desmembraria da freguesia, constituindo-se iia rica paróquia de Tririri-
ção de 3 homens para cada mulher cativa. Uma sociedade na qual se fo. Finalmente, mais ao norte, "Em Cima da Serra", encontramos onze
desenvolvia com dificuldade a família escrava, muito embora ela exis- fogos, entre fazendas habitadas por famílias e aquelas geridas somente
tisse, principalmente nos plaritéis dos maiores proprietários. No total, por capatazes e alguns escravos. Os 3 maiores "bairros rurais", Guarda
foi possível computar 24 famílias escravas em 17 UC, ou seja, apenas de Viamão, Morro de Santa Anna e Estâncias de Fora concentram 5 1%
23% dos fogos escravistas api-csentavam famílias cativas, decorrência dos fogos ou 69 UC, que possuíam 202 escravos, ou seja, mais da meta-
sem dúvida da alta taxa de rnasculiiiidade entre a população servil, as- de do total de cativos computados na fregriesia.
sociada à predominância de pequenos proprietários de escravos. No Se os dados do rol de 1751 podern ser considerados inexatos, e
que se refere à população livre a taxa chega a 182, denotando a grande por isso mesmo colocam dúvidas quanto aos iiúmeros apresentados, o
quantidade de indivíduos solteiros, dentro do padrão típico de uma rol de 1778 é extremamente bem-feito, incluíndo também a quantida-
região de fronteira. Mas aqui também temos a formação das estruturas de de "inocentes" livres e escravos existentes em cada unidade domésti-
ca. Desta forma, torna-se possível calcular a pop~ilaçãototal da fregue-
hmiliares, tanto aquelas geradas pelas grandes fazendas ou estâncias,
como aquelas originadas nos sítios e chácaras dos lavradores pobres ou sia - todos os moradores - e não apenas os fregueses. Ademais, devido
remediados. ao seu bom estado de conservação, meiios de 3% da população
recenseada não pode ser devidamente classificada (a ilegibilidade im-
A extensa freguesia aparece dividida em dez "distritos" ou "bair-
pede que saibamos seu sexo, mas não a sua condição de livres ou c-ati-
ros riirais", na verdade as diversas localidades que compiinham os vas-
VOS). A Tabela 2 rijo dá lima idéia aproximada das transformações ocor-
tos Campos de Viarnão. O rol inicia provavelmente com os fogos situa-
ridas na estrutura social de Viamão em iirn período de cerca de urn
dos no Arraial, mas cabe lembrar que dos treze primeiros fogos se per-
quarto de séciilo.
deu toda informação. Na localidade de "Morro de Saiita Atina" existiam
Tabela 2: Popula~áode Viamão coiiforme a coildi(ão social -1778 dois terços das unidades domésticas estão iiesta situaçâo, em flagrante
(:«litraste com oiitras regiões vinculadas ao mercado interno, como o
Paraná oii Sorocaba, eni São Paulo. Neste aspecto em particiilar, os
números de Viamão apresentam notável semelhaiiça com aqucl(:s en-
contrados lia Capitania da Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro. IJina pos-
sível explicação para este aparente paradoxo seria a maior vinculação
destas regiões (Viamão e o norte flumiiiense) coiii as redes do tráfico
atlântico sediadas no Rio de Janeiro, iiesta ocasião o maior porto ini-
portador de cativos do Brasil.

Quadro I1 - Indicadores demográficos e estrutura de posse de cativos -


Brasil (skculo XVIII e priiicípios do século XIX)'

I Região (local/ano) 5% escravos na


populaçáo total
% fogos com
escravos
Posse
médía por

Os dados apresentados pelo censo paroquial de 1778 não deixam


de ser surpreeiideiites no qiie se refere ii manutenção de um elevado
percentual de cativos no conjunto da população total. Se eni 1751 esta
taxa chegava a niais de 45%, passados 27 anos o percentual tinlia sofri-
do apenas um ligeiro decréscimo passando a 40,5% do número total de
habitantes. Segundo o rol em questão, existiam 656 iiidivíduos submeti-
I MG(1718-1804) 1 1786 = 47,9X
18(J8=34,35a 1 40.9% (Vila Rica
- 18041
1 3,7 a 6,5

dos ao cativeiro, coiitaiido aqui a somatória dos homens e mullieres es-


cravas, os inocentes cativos e mais 19 fregueses que indubitavelmente são
escravos, entre aqueles 45 iiomcs que computamos enquanto ilegíveis
(quanto ao gi-nero do recenseado).
Este elevado percentual de escravos em Viamáo toriia-se aiiida
mais impactaiite na medida em que comparamos este número com
outras regiões do Brasil iio final do período colonial, cotiformc os da-
dos compilados no Q~iadro11. Somente em Minas Gerais e no Piauí
encontramos percentuais de população escrava superiores ao eiicori-
trado em Viamão, qur siiplantava em termos relativos aquelas regiões
tipicamente vinculadas à econornia de plantation, corno o Rio de Janei-
ro ou a Bahia.
Em Viamão, segundo o rol de 1778, também encoiitranios uni ele- 7 Forites: Bacellai; í:arlos (ir. Nineida Pi.ado. ("001) I'iuere.rol,izvilic.rei,i uiun uiln cok,,~2itl-~<;opornDa,
vado número de fogos que apresentam a existência de cativos: cerca de siculos Xk'JJJ e XJX. São Paiilo: Aiiiiabltimc/Fapesp; C:uiikrez, Horacio. (1988) "Crioiilos e
africanos 110 P;~i-aiiá,1'798-1830". 111:Ker~i~ln t2rnsileii.n (/e Hi~tórin,v. 8 , n . 16, p. 161-188; L , i i i ~ ; i ,
Fiancisco Vitiai. (1981) lbliirns (kixis: esc?-níio.re seniaoi-es - Aizh/i.sr da esti7~~uro /)opliLc:il(.iot~nI P
eto~zciirriccl( / P nlg1it7~rer~Iiu.s~ / i ~ ? , r r ~ ~ /(Ó1 /plh-I804).
>jo.~ São I'aiilo, IPE/USP; Rlotta, .Jose F'lá~,io.
(1999) ( ~ O I - ~ ~ W S " S C vontades
I - ; I V ~ Slivi-es
, - Posse cie cativos e família escrava em Bai-~;~nal (1801-
6 Fonte: AHCMI'A, Kol de (:oiifessatios d e Viarnão - 1778. 1829). São Paiilo: F~4PESI'/Aiiiiahlitme; Pai~,a,Eduardo França. (19!15) ELsr~izzto.r e bjheito~IZ(LJ
Se compararmos o dados de 1778 corri os de 1751, veremos que veira, que a possuía a muitos anos aiites cla doação, e há qiiase 30 anos
passado mais de um quarto de século, verificou-se de certa forma uma está no domíilio do doiiatário"."
estagnação no processo de concentração da mão-de-obra cativa na fre- Este reduzido grupo de grandes proprietários detililia cxpressiva
guesia, sendo que a posse média por fogo cresce para apenas 4,l cativos parcela da escravaria em Viarnão. Se tomarmos os 20 maiores proprie-
por unidade doméstica. Diferentemente de regiões em expansão eco- tários (de um total de 160), todos com 8 ou mais escravos, temos que
nômica, em Viamão iião há um aumento perceptível no número de eles coiicentram 230 cativos, ou cerca de 35% do total de escravos da
freguesia (conceiitração menor do que em 1751, no entanto). A estru-
cativos possuídos, em média, por cada proprietário. Isto faz com que a
tura de posse de escravos revela, contudo, que a grande maioria dos
média encoiitrada em Viamão seja uma das mais baixas do Brasil colo-
proprietários se situava na faixa de 1 a 4 escravos (104 em 160),ou s-ja,
nial, conforme os dados também constantes do Quadro 11.
65% do total dos seriliores eram pequenos escravistas.
Mas continuam a existir em Viamão os grandes proprietários, que
Em 1751 a presença da família nuclear escrava se fazia sentir ainda
concentravam significativa parcela da mão-de-obra cativa da freguesia.
de forma tímida, mas com o desenvolvimento da coloiiização eni
O maior deles em 1778 era um dos parentes colaterais mais importan- Viarnão, aparentemente as condições tornaram-se mais propícias para
tes do já citado Francisco Pinto Bandeira: se tratava de Antônio José o surgimeilto de relações familiares entre os cativos. De fato, o rol de
Piiito, seu concunhado, pois ambos tinham o mesmo sogro, muito 1778 indica que o número de famílias escravas cresceu, mesmo que
embora tivessem trajetórias um tanto quanto diferentes. Com efeito, apenas de fornia indireta. Das 160 UC que tinham pelo menos um cati-
no caso deste Antônio Pinto, temos uma origem diferenciada (Colônia vo, apenas 16 (10%) explicitamente indicavam a presença de famílias
de Sacramerito e não Laguna ), além de um outro círculo de relações escravas. No entanto, em 58 (36%) das 160 UC escravistas eiicontramos
sociais, vinculado ao Rio de Janeiro. Quando se casou, em 1757, com plantéis compostos por inoceiites escravos, o que indica que talvez o
24 aiios, ele afirmou que "de idade de 16 anos saíra da compaiihia de pároco tenlia registrado sornerite os casais de cativos c~?jaunião tivesse
seus pais e viera para o Rio de Janeiro na companhia do tenente-coro- sido celebrada pela Igreja. Naqueles caso de uniões conserisuais - cer-
nel Domingos Fernarides e de lá viera ria mesma companhia para estes tamente a maioria entre os cativos - o recenseador paroquial omitia a
Campos de Viamão". Não se trata pois de um negociante, mas sim de existência de uma família formalmente coiistitiiída, o que não quer dizer
um indivíduo desde o princípio ligado à atividade pecuária, tornando- que ela não existisse. Talvez se os dados de 1751 também iiicluíssem os
se grande fazendeiro. Certamente era próspero, pois em 1767 temos inocentes o percciitual por nós encontrado pudesse ser alterado, pro-
um registro de uma criança exposta lia sua casa, indicativo praticameil- vavelmeilte iio sentido de um acréscimo.
te certo de sua coiidição social e econômica privilegiada. Neste mesmo O rol de 1778 evidencia a transformação ocorrida lia composição
ano, Pinto também era vereador lia Câmara de Viamão, mais um indí- do contingente de traballiadores existeiites em Viaiiião. Eni primeiro
cio de sua destacada posição social. De fato, cliegou a ser o maior pro- lugar, a escravidão indígena desapareceu definitivameiitc, certamente
prietário de escravos de Viamão em 1778, possuindo 20 cativos iiacliiele
ano. Na Relação de Moradores (1785) aparece já a sua viúva, Felícia
Antônia de Oliveira, que estava de posse da "Estância Grande", a qual
8 AHCMPA, Aiitos tleJustiticaçiio cle Matrirnoiiio, 1757,ii"; lql,ivrod e Óbitos d e Viarnão (1748-
"foi doada ao dito Antônio José Pinto por Domingos Ferriaiides de Oli- 1777) e Rol d e Coiifessatlos d e 1778; Anais do AHPA, vol. 5, 1992, 11. 15-17; AIJKS, Kelaçio d e
R.lorac1ores d e Viarnão, 1785. Dorniiigos Fernaiicles d e Oliveira era iim homem de iiegócios do
Kio d e Jaiieii-o,praça lia qual estava raclicado e atiiava tias campaiilias do sul desde o final da
tlbcada d e 1720, onde rnantiiilia atividades comerciais lia C;oloiiia cle Sacrainei~toe na Bancla
Minas Gej-cri5do séc~uloX1TII- Es~rntiginsde ?-e,si,stêncinalriivés dos testnvzentos. São Paulo: Aniiabliime; Orieiital. Para lima descrição siimár-ia de suas ati~~itiades iia região ver Pracio, Fabrício Pei-eii-a.
Schwartz, Stuart B. (1988) Segtedos inlernos -Enger~hose ~ S C ~ C C ~nI nO sociedade
S coloninl. São Paulo: cor)ié7xio e sot iedrzde n n fbnteirti /)lLii7ln ( 1 716-1 75'53).Porto Alegre, PPG-
(:ol611in do ,Y(~i-rn~n)nerz/o:
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o colonicil. Iiio de Janeiro: Nova Fi.c,riteira; Sleiies, Iiobei-t Viamão come~ai-ania sei realizados, a parti1 d e 1747, corneçarn tanibéin os registros cle batis-
M.. ( 1!)99). N a sr~~,znin, u ~ i l n/1or e~s,i)e~~n?zç(~s iln fi~))lilineso-clim. Kio d e
e recordn~6e.rn,n ,fi,~rr~nçcio mos d e seus escravos, "moi~adoiescla estiiiicia grande". Foi esta pi-oprietlade - wja carta de coiiiii.
Jaiieiro: Nova Fi-oiiteira; Riilrii, Fábio. (2001) "liio Graiiclc d e S5o Pedi-o: popiilaqão e socie- i~iaçáot: de 1756 -que cle dooii ao sViiprotegjcio, Aiit6iiioJosé Ijinto. AI-ILJ-KJ,11"1$181$)-10H29> e
dade ira Segiiiida metade do sicolo XVIII", Pi~pei-apresçiitado iio 2' Seiiiiiiário d e tlistúria AFI ;h11'14. 1' Z,ivro de IjnLi,s~t~os
(1.e 14(?))l&o( I 74 7-1758).
Qiiariiitativa e Serial, Belo I-lorizoiite.
sob o impacto das restrições formais operadas durante o período namciito de redes familiares horizontais muito extensas em um espa-
pornbalino. De qualquer forma, a administração indígena já era uma ço relativaniente próximo"."' Este parece ser o caso da "rede" de
instituição em decadência no início da década de 1750?sendo muito Dioiiísio Rodrigues Mendes, um dos primeiros povoadores de Viamão.
mais importante o uso da mão-de-obra indígena aldeada diirante as Ern 1'778, ela envolvia além do próprio Dionísio, sua mullier, neta,
dí-cadas de 1760 e 1770. Seguiido, também desaparece neste ceriso a escravos e agregados (moradores todos da mesma unidade domésti-
figura dos "camaradas", presentes em 1751. É possível que esta catego- ca), mais outros 3 "fogos7',um do seu geiiro José Machado da Silva e
ria tenha sido incorporada àquela dos "agregados". Estes indivíduos, outro dois compostos por seus fillios Francisco Roiz e André Beriiardes.
sujeitos a alguma forma de subordinação pessoal, nunca chegaram a se No seu conjunto, estas 4 UC continham 21 pessoas livres, 3 agregados
constituir em uma categoria muito expressiva, soniando poiico mais de e 25 escravos.
3% da população total. E, por último, permanece pouco significativa a Passemos agora aos recenseamentos de cunho oficial, deixando
presença de indivíduos forros ria composição geral da população, não de lado, por um momerito, os róis de confessados. O primeiro recensea-
ultrapassando meros 1,576. Mais uma vez, uma suposição viável é pen- mento determinado pelo governo colonial ocorreu somente em 1780,
sar que houve um subregistro dos "'pardos forros", vistos como "bran- no início da administração do governador Sebastião Xavier Cabra1 da
cos",já que militas vezes o recenseador mencionava explicitameiite que Câmara. O detalhe é que, ao que tudo indica, este censo foi realizado
se tratavam de "pretos forros". com base nas iiiformações paroquiais. Em carta-circular, datada de 5/
Um outro aspecto relevante que pode ser apreendido do rol de 6/1780 e dirigida aos párocos das freguesias do continente, o próprio
1778 refere-se à substancial queda verificada na razão de sexo, tanto governador ressaltava que era "conveniente ao Real serviço que eu seja
entre os livres, assim como entre os cativos. No caso da população livre, instruído do número de moradores de que se compóem o Continente
os números mostram uma sociedade fortemente arraigada em um pa- do Rio Grande, que vim governar, com declaração das diferentes cir-
drão de colonização familiar. Se em 1751 a taxa chegava a 182, iiidican- cuiistâncias em que se acharem, por exemplo, honieris, mullieres, ve-
do uma supremacia masculina, em 1778 ela caiu substancialmente, che- lhos, sujeitos capazes de pegar em Armas, meninos, casados, solteiros,
gando a 104. Ou seja, havia uma distribuição equilibrada entre mulhe- escravos e escravas C.. ] ".
res e homens livres em Viamão neste momento, o que pode ser parcial- No entanto, as coisas não se apresentam de forma tão simples ao
mente explicado pelo "envelliecimento" de algumas famílias de cotejarrnos os dados dos róis com o censo de 1780. No caso de Viamão,
povoadores originais: um indicativo é a presença de m~ilheresviúvas o rol de 1780 nos dá um total de 1691 fregueses, serido que destes 312
em 20 das 245 UC. No caso dos escravos também ocorre uma diminui- são "menores só de coiifissão". Não consta o nílmero de "inocentes",
ção da taxa, com uma queda relativamente mais abrupta: ela passou de como em 1778.Já no censo oficial, a população de Viamão no mesmo
329 em 1751 para somente 172 em 1778. Aqui temos oiitro indício de ano é de 1891 habitantes (s~ipostameiiteiieste número incluem-se os
qiie a coiifiguração da população escrava poderia oferecer melhores inocentes), sendo que os meninos e meninas '6decoilfissão" são 317.
condições para o deseiivolvimento familiar, corno já apontamos." Não sabemos de que forma explicar estas discrepâncias: talvez no caso
Por último, ainda com referência ao ceiiso paroquial de 1778, dos inocentes os párocos tenham eiicaminliado esta informação em
cabe retornar à questão das redes familiares. Mesmo que este rol riao separado para o goveriiador. O que causa certa estrarilieza é a propor-
esteja dividido em "bairros rurais" como 110 caso de 1751, fica patente ção relativamente baixa de inocentes em relação à população total em
qiie a ordem de recenseamento seguia, de alguma forma, a ordem 1780, de apenas 10,6%.Para efeitos comparativos, eiri 1778 os iiiocen-
espacial. Em outras palavras, "esta domiiiâiicia da família nuclear tes compunham 19% da população total da fi.egilisia.
deve ser matizada, quanto aos seus efeitos sobre as relações sociais,
pelo fenomeno da estreita proximidade espacial que permitia o fiiiicio-

C) Os cii1c~iIosdas taxas d e rnasculiiiicla<le iião forarn realizados a partir da popiilaçao total cla
freguesia, visto qiie o rol nào especifica o sexo cios "iiioceiites". Desta forma, descoiltados os 307 10 Cai 'n.aglia, Judri (:,ri 10s. (1090) f'autor ~u y 1ahtntlo)e~.Una hzrlo, zn n p a n a r l L~a ccctn/)cc6ahor1c~~li.n
,P

iiiocentes mais os 45 casos ilegí\.eis tios qiiais c1.a inipossí~,elcletermiilai- o sexo dos receiiseados, o (1 700-1830). Biiiiios Alies: IEIIS/Etlicioiies d e Ia Floi, p. 73.
riúrriero o total de intlivíciiios fi)i de 1267 (785%dci populaçáo totíil). 1 1 AHKS. Cód. A. 1 O6 - (;o1 I espoiidêiici'i Expedida (1780-1784), fl 4
Feitas estas ressalvas clriaiito à corifiabilidade deste ceiiso de 1780, A teiidêiicia de i~eversãotambéin passa a aparecer nas taxas de
podemos tentar analisar alguns aspectos da evolução demográfica da masculinidade, sendo que tanto livres como escravos apresentam au-
freguesia. A população escrava decresceu ligeiramente em relaçrio a merito no iiúmero de homens. A população livre, que estava equilibra-
1778, mas coiitinuava elevada: 39,676. Aliás, das 14 freguesias então da em 1780, passa a ter unia taxa de 114, ao passo qiie a população
existentes, Viamão era terceira colocada quanto às pro~orc;ões de es- escrava ascende para 178, talvez já como reflexo da retomada das aqui-
cravos na popiilação, perdendo someiite para Ti-iuiifo (50,1%) e Vaca- sições de riovos escravos, inajoritariameiite do sexo masculino.
ria (43,4%).Na média de todas as freguesias, a população escrava cio Eiifirn, este celiso de 1798 também permite vislumbrar algo sobre
Rio Graiide de São Pedro era equivalente a 28,5% do total. a família escrava, ou ao menos, sobre o acesso ao casamento formal
O censo de 1780 também permite que comparemos as taxas de entre os cativos. Em Viamão, somente 6% dos homens escravos eram
mascilliiiidade da população livre e cativa. Neste aspecto, novamente legalmente casados, eiiquanto entre as mulheres este iiúmero subia para
verificou-se um decréscimo: no caso dos livres ela caiu de 104 em 17'78 meros 1176. Estes perceiituais modestos de casamentos entre escravos
para 100 em 1780 e no caso dos escravos a queda foi ainda maior, pas- mostram as dificuldades no acesso ao sacramento do matrimônio para
sando de 172 para 142. Como o ceiiso 1120 trnz maiores detalhes sobre a os cativos de Viamão. Ao que tiido indica, o priiicipal entrave era a
pop~ilaçãoescrava, os dados para análise ficam bastaiite liinitados. pi-ópria estrutura de posse de escravos da freguesia, onde, conlo vimos,
Por seu turno, os dados do ceiiso de 1798, o último do século XVIII, preponderavam os peqiieiios escravistas.
são bem mais completos, abrangendo homens e mullieres "de todas as
condições, estados e idades". O primeiro indicador a ser analisado refe-
re-se ao número total de escravos na populaçrio total. Para o continente I1 - Gente da fronteira: estratégias familiares
como 11111 todo, este índice cresce eritre 1780 e 1798. Neste ultimo alio dos primeiros povoadores
ele chega, na média, a 37%. Mas, mais iima vez, eni Viamão, a tendêii-
cia é decliiiaiite, o que nos levaria a pensar numa inexorável decadêii- As elites coloniais no Brasil vêm sendo objeto de inúmeros estudos
cia da escravidão africana na freguesia lia medida em que nos eiicami- por parte da historiografia receiite, a partir dos mais diferenciados
iihamos para o século XIX. Todavia, não é exatamente este cenário que erifoques. Uma destas novas interpretações abraça urna perspectiva que
se descortiria quando observamos os núineros dispoiiíveis, confornie subverte os princípios básicos do quadro teórico do 'kiitigo sistema
dados do Quadro 111. Em outras palavras, pode-se dizer que h5 um recru- colonial" (Fragoso e Floreiitiiio) , dernoilstraiido a relativa autoiioniia
descimerito do escra\iisino em Viamao, sendo que eiri 1830 o percentual ecori6mica das elites nativas - no caso, do Rio dcJariciro - diaiite das
cle cativos supera aquele existente eni meados do seculo XVIII. pi-cteiisões coloiiialistas metropolitanas. Outra corrente é represeiita-
da por aqueles trabalhos de história social lios quais os grupos domi-
Quadro 111- População escrava eni Viamão (1751-1830) " nantes são arialisados em relação aos demais grupos formadores da so-
ciedade coloiiial. Este é o caso das abordagens de Schwartz e Faria,
respectivamente sobre os seuliores de engenho baiaiios e do iiorte
fl~imiiiense.Existem tamlléni autores que se prendem ao estudo espe-
cífico das Pziniílias de elite, nomçadameilte para o caso de São Paulo
coloiiial (Bacellar, Costa e Metcalf). Temas como os sistemas de lieran-
ça e as estratégias familiares de reprodução patrimonial são alguns dos
aspectos que sobressaein iieste tipo tle ariálise.'Wo entanto, com exce-

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790-1830).Rio de-Iaiicii-o:(:i\,iliza~áoBrasileira, 1098 (1.etl.); Floi-entiito, Manolo.
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~Ju 51'1ll e
12 Fontcs: ,4I1(:r\II'i?l, i(íi5 tle coiifeas,itlou clc 1751, 1778 e 1830; BNKJ, cód. 9, 4, 9 c AI IIJ-RS, cx. ?il.Y). S â o I'a~ilo:(lia. clas 1,cti-as, 1997: Scli~vai-t~, Sl.iiar.t 13. Seg~v(lnrI ~ I L ~ P ) . IPI/~P'
IOJ ~PIL/~O.S
: e /<SC~.~/UOS
9, doc. 43 e 44. n c r socierlndr c.o/o?/irll.Sáo Paiilo: (:ia. das 1,eti-as,1988; Fai-ia, Slieila rle
ção da tese de Osório sobre os hzendeiros e comerciaiites do Mio Grari- coiitexto mais arnplo de rela~óessociais, ecoiiómicas c pollticas da se-
de do Sul colonial, não existern traballios específicos para esta região gunda metade do século XWI1, período fundamental para a configura-
particular da América portuguesa. Todavia, não foi objeto de sua aten- ção dos territórios lusitanos na América do Siil, e particular-mente para
ção a questão das estratégias familiares deste grupo dominante, aspec- a região que viria a se tornar o Rio Grandc do Sul.
to que consideramos fundamental para a própria reprodução econô- A análise dos casamentos não é arbitrária, pois os rnatrimôiiios
mica deste estrato social, qiie estava iiitimamentc viiiculada à questão constitiiíam não apenas urn importante momento para o cstabeleci-
da transmissão patrirnonial.14 mento de aliaiiças, nias marcavam também o estabelecirnei-ito de um
Antes de iniciarmos a análise das estratégias de duas das princi- novo núcleo e a garantia dc manutenção do ciclo familiar. Através do
pais famílias do período coloiiial, devemos prestar aqui um breve escla- estudo do comportamento matrimoiiial, elemento fuiidame~italdas es-
recimento conceitual quanto ao que entendemos por farnllias de elite. tratí-gias familiares, torna-se possível, como afirma Levi, "tirar para dan-
Em primeiro lugar, o termo "elites" será utilizado de forma muito am- çar [...I a sociedade inteira". Nossa concepção de família é apropriada
pliada, sendo elas "definidas como grupos superiores, [...] segundo três da vertente microhis~brica,pois a compreendemos no seritido de "gru-
critérios: statw, poder e riqueza".lWertameiite não faltaram os 3 atri- pos não-co-residentes mas interligados por vínculos de parentela
butos referidos por Burke nestes pequenos potentados dos confins do consaiiguínea ou por alianças e relações fictícias qiie aparecem ria iie-
Império luso-brasileiro. No caso particular do Brasil colonial, somente bulosa realidade institticional do Antigo Regime, corno cunhas
a posse d e (muitos) escravos já possibilitava uma distinção estruturadas que serviam de auto-afirmação diante das incertezas do
socioeconômica que poderia projetar um indivíduo em direção aos es- mundo social [...]".I7 Portanto, não tratamos da família nuclear someii-
tratos superiores da hierarquia social. Mas iião era somente a riqueza te, mas sim de sua "versão ampliada", que abrange além do núcleo fun-
que definia este grupo, mas também o acesso a cargos públicos ou nier- dador origiiial, o coiijuiito de iiúcleos familiares associados. Assim, para
cês, também importantes na defiiiição de um stat~csdifereiiciado na designar este grande griipo familiar, composto pelo "fundador da li-
sociedade colonial. Neste sentido, este griipo (a elite colonial), mesmo nhagem", seus parentes diretos, colatei-ais e por afinidade, ~itilizaremos
não tendo autonomia em relação aos imperativos metropolitanos, foi o termo "iiúclco parental", c~iiihadopor Levi. Trata-se de expressão
de fuiidamelital importâiicia para a garantia e a manutenção dos irite- perfeitamente adequada à realidade por iiós estudada, conio rio caso
resses portugueses na América meridional.'" Não se trata aqui, diga- das famílias de Jerónimo de Ornellas e Francisco Pinto Bandeira, am-
mos logo, de recuperar trajetórias iildividuais com um intento de bos represeiitaiites da primeira elite colonial sul-rio-graiidense.
eiialtecer a ação de alguns "grandes homens", mas sim inserí-10s no Jerônimo de 01-nellas de Menezes era um dos mais aiitigos
povoadores dos Campos de Viamâo, com sesniaria rio atual Morro
Santalia. Seguiido o seu próprio dcpoinieiito7'~stabe1eceu-seem
Castro. A c o l h i a em t~io7~imen/o:fo~tz~i7,a
ejkmilia n,o rotidinno co/o~lial.Rio d e Janeiro: Nova Fron- Viamâo por volta de 1734, tendo constituído uma extensa família, com
teira, 1998; Bacellai; Cai-los tle Almeida Pi-ado. Os senhoizs da íerrn: faniília e sistema sucesscírio 10 fillios legítimos, sendo 8 mulheres. Para felicidade deste madeirelise,
enti-e os senhores d e engeiiho do oeste paulista, 1765-1855. Campii~as:Centro de MemGria/
Uiiicainp, 199'7; Costa, nora Isabel Pailia da. Hernn,ça e ciclo de vida: iim estudo sobre família e nascido rios filiais do séciilo XVII, o fato de ter tido muitas filhas foi
populaçáo. Campiiias: Sáo Paulo, 1765-1850. Niterói, PI'GHistória/UFE; 1997; METÇALF, decisivo na estratégia de reproducão deste grupo familiar, O casanieiito
Alicla. Fainily antl Froiitier i11 Colonial Brazil: Santana d e P~I-iiaítja,1580-1822. Berkeley,
Uiiiversity of Califòrilia Press, 1992.

1.5 Biirke, Peter. Iktzeza e Anzster(L6: um estudo das elites do século XVII. Sáo Paulo: Rrasilieilse, 17 L,evi, Giovatiiii. Centro e/)e7*!/erindi u~co.~/aloas.solulo. Toi-iiio: Roseii berg e Sellier, 198.5, p. 152
1991, p. 16. e il herança imnreric~l:t~njetói-iade uln exorci.rta no I->ie)~zo~zte
(10 s i c ~ ~XVIl.
l o Rio deJanciro: (~i\~iliz~i-
16 "A expaiisáo e a coiiêj~iistade novos tri,ritórios permitiram à coroa portiigiiesa atribuir ofícios çáo Brasileira, 2000, p. 98-99.
e cargos civis e militares, conc:eder privilégios comerciais a iiicIi\lídiios e grupos, dispor de 18 Em uma cai-ta dirigida à Miguel Bi-cis,Jeronirno declarou qiie "[ ...I milito bem lenibratlo estou
no\.os rendimeritos L....] Tais coricess6es eram o desdobi-airicrito d e uma cadeia d e ~wclere d e qrie n o ano d e 1'732 estando Vossa h4ei,cê com seus animais 113 Ferreira ao pé da Guarda, eu e
recles d e hierarquia que se esteildiarn desde o reiiio, propiciando a expaiisão dos interesses Sebastião Francisco o trouxernos a \/assa Merc6 para dentro e Ilie demos esse campo aonde V.
ineti-opolit;tnos, estabeleceildo vínciilos estratégicos coiii os colonos" in: João Fragoso, hlaria Mercê assiste e veio I! Mei,cê somenie a po\roá-lo [...I e passados dois aiios ti.ouxe eu a miiiha
Fei-naiitia Ricallio e Maria cte F5tima Silva (;oi~\-ea,organizaclort.s. O Anl& I<cgirnt!11,05 3-ól,ifos: família para iniiilia fàzt.iic!a e depois ti.ouxe 1 '. A4ercG seu I'ai e seiis iriiiãos ...I". Este docii-
a diiiáriiica imperial portugtirsa (sCciilos ><VI-XVIII).Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, nieii to encontra-se i-eprocliiziclo ?rn Joi-ge C;. Felizardo. O sesr,i,eiro do Mol-,-o (JP k Y a f ~>I
l 110. Sáo
200 1, p. 23. I'aulo: Empreza Gi-apliica da Kevist;~dos ?i-ihunaes, 1940, p. 41.
desta filhas com adventícios represeiitoii a possibilidade de alavaiicagem ciaiitcs, que provavclmeiite não eram de grossos cabedais, ao iiúcleo
ecoiiômica deste iiíícleo pareiital, seiido que alguns dos herdeiros des- parental, que se via beneficiado pelo seu provável acesso a algumas das
ta família serão proprietários de enormes fortunas nos princípios do redes comerciais que iam se constituindo nesta região da América Por-
século XIX. tuguesa. Mesmo que tenham sido mercadores de menor expressão,
A história da família de Jerônimo de Ornellas pode ser dividida certamente aportaram algum capital ao circuito familiar, toriiando-se
em duas fases distintas, uma ligada ainda a Laguna (os 3 primeiros gen- eles próprios também fazendeiros. Na verdade, em termos de estratégi-
ros) e outrajá associada ao estabelecimento em Viamão e depois Triuii- as matrimoniais, Jerônimo foi extremamente bem-sucedido, pois coii-
fo. De fato, os matrimônios das 3 filhas mais velhas de Jerônimo iiidi- seguiu realizar pelo menos 7 casamentos (num total de oito) que im-
cani que ele se valeu, em urn primeiro momento, do seu circuito de
pulsionaram o desenvolvimento do núcleo pareiital.
relações ligado ao tropeirismo. José Leite de Oliveira, Francisco Xavier
Aprofundando ainda mais a análise do núcleo parental d e
de Azambuja e Manuel Gonçalves Meirelles foram todos tropeiros, à
semelhança do próprio Jerônimo, que teve filhos ilegítimos com mu- Jerônimo de Ornellas podemos perceber os efeitos das estratégias fa-
lheres oriundas das Minas e de Curitiba, pontos cruciais da rota dos miliares sobre o grau de acumulação e nível de prosperidade dos seus
tropeiros de gado. Esta filiação bastarda, aliás, nos revela um pouco a membros. De fato, não parece ser casual que entre as 10 maiores for-
respeito dos caminhos percorridos pelo sesmeiro do Morro Santai~a.~" tunas iiiveiitariadas rio Continente entre 1765 e 1825, duas fossem
Por outro lado, se tomarmos outra fonte, como os registros notariais, pertencentes a indivíduos ligados à família do sesmeiro de Saiita Aniia.
podemos reconstruir um pouco das redes comerciais e de sociabilida- Estes são os casos de Antônio Xavier de Azambuja, neto de Jerônimo
de de Jerônimo de Ornellas. Em janeiro de 1764, o velho sesmeiro apre- e Antônio Ferreira Leitão, marido de uma neta sua.22Esses dois indi-
seiitou-se "em pousadas" do Tabelião Ignácio Osório Vieira, onde regis- víduos são represeiitativos do topo da escala social, que seriam consi-
trou uma procilração, riomeaiido representantes seus em diversas loca- derados como membros da "elite" em qualquer lugar do Brasil colo-
lidades: na própria freguesia de Viamão, na freguesia nova (Triuiifo), nial. Tomemos o caso paradigmático de Antônio Leitão como o da
em Rio Grande, na ilha de Santa Catarina e no Rio de Jaiieiro. Dos 17 trajetória de um membro típico desta elite que estamos definindo.
procuradores que nomeou, 4 eram seus geiiros, o que demoiistra a Natural da vila de Peniche, cidade litorânea da Estremadura portu-
importância dos maridos de siias filhas como herdeiros e representan- guesa, ele nasceu em torno de 1730, tendo iiiiciado sua vida como
tes de seus negócios. Assim, iia fase filial da sua vida, aparecem ligações marinheiro lia frota que fazia a rota Lisboa - Rio de Janeiro. Eni uma
com outras regiões, em particular algumas cidades portuárias, difereii- destas viageris, acabou ficando ria futura capital do vice-reiiiado, onde
temente das regiões iiiterioranas anteriornieiite citadas e percorridas "se pôs a navegar para a vila do Rio Grande e para a dita cidade [do
pelo sesnieii-ode Santa Aniia, lia fase tropeira de sua vida.") Rio de Janeiro] e algumas vezes para esta freguesia de Viamão, onde
Q~iaiitoaos outros 5 geiiros que compõem a pareiitela imediata está morador iiesta freguesia nova [...I ". Acabou se estabelecendo em
de Jerôiiinio, podenios perceber uni outro perfil, especialmeiite quaii- Triuiifo, ondejá em 1760 tiiilia "sua casa com vários gêneros de fazen-
to ao tipo de ocupação. Nenhum deles tiiiha sido tropeiro e neni todos da" e acabou se casando neste mesmo alio com Maria Meirelles de
tinham concessões de sesmarias. Dois eram militares de carreira, sendo Menezes, filha de Manuel Gonçalves Meirelles, genro de Jerôiiimo.
o ííltimo genro provavelmeiite lavrador e o menos aquinlioado de to-
Não se tratava de mercador de restritas relações, pois possuía procu-
dos. Q~iaiitoà origem geográfica, pei-mancce o predomínio r n i n l i ~ t o ~ ~ radores em Viamão, na ilha de Santa Catarina, rio Rio de Janeiro, em
(3 dos 5 geiiros em questão), havendo um origiiiário de Coimbra e Lisboa, além da sua cidade natal, Peiiiche. Todavia, como muitos
outro da Madeira. A fami'lia Orliellas também incorporou dois cornc:r- outros comerciantes coloniais, Antônio Leitão acabou gradualmeiite
abandonando os negócios e dedicando-se à atividade de estancieiro,
que lhe conferia um stutus social mais elevado, dentro desta socieda-
19 Estas i11fi1rrnaç6essáo retiradas d e dois termos d e batismos de netos deJerÔnimo tle Oriiellas. de de Antigo Reginie, onde a rnercância estava associada ao "defeito
Vt:i- AI-Ií;h/lPh. 1qI,izi~o de Bnli.rmos d p 17innz~o( 1 747-1759), fls. 60 e 84. meciiiiico", não coiií'eriiido prerrogativas de nobilitação àqueles que
20 XI'KS - 1" Notariado de Porto Alegre, I,i\,ro 1 (176~3-17(i6), fls. 18v-1'3.
21 Para as riIoti\.açóes tia einigração niinliota pa1.a o KI-asil,ver Ro~vlaiid,Kobei-t. "Bi-asileiros do
A~Iiill-io:eniigração, propriedade e fàiiiília", 111:(Org.) Francisco Uetl-ieiicotirt e 161-ti(:haiidiii.i
/)or./ujircesci,v. 4, Namrrri, 1<)98,1). 324-347.
I-ii.stór7a (10 r.x/)(~ruCo
se dedicavam a esta atividade. Assim, na Relação de Moradores (1784) dcira era portugues e sua mãe, <:atarilia de Brito, era fillia mestiça de
ele constava irI como fazendeiro, dono de mais de 7 iiiil animais e
d um paulista (Brito Peixoto) com uma indígena. Apesar de seu nome
grande criador de mulas, pois possuía 48 echores. Como uma elite estar associado a diversos feitos heróicos da história inicial do Rio Gran-
não se define somente pela riqueza, inas também pelo poder, vamos de, envolvendo as coriquistas portuguesas (Colônia e Rio Grande) e as
encontrá-lo por esta mesma época (1782) como juiz ordinário da Câ- disputas com esparihóis e índios missioiieiros, preferimos, por detrás
mara em Porto Alegre, conduzindo processos criminais. Enfim, no da legenda, eiifocá-I« como exemplo clássico de um patriarca do Anti-
seu inveiitário, datado de 1810, consta um vultoso monte-mor de mais go Regime português nos trópicos, o que pode nos ensinar algo sobre
de 43 contos, sendo que ele possuía cinqiieiita escravo^.'^ o modo de vida e as estratégias familiares de um destacado membro da
Jerônimo de Ornellas morreu em 1771, tendo convivido corn to- elite socioecoi~ômica.
dos os membros da sua parentela que foram mencionados até agora,
A presenca de Francisco Pinto Bandeira em Viamão remonta pelo
mas o inventário foi aberto somente no ano seguinte por sua viúva, menos a 1739, quando estava "governando a guarda de Viarnão". Ape-
Lucrécia Lemes Barbosa. Observamos no seu caso, uma discrepância
sar de seu primeiro filho, Rafael, ter nascido (na verdade, foi batizado)
em relação ao padrão das estratégias familiares verificadas entre os se-
ainda em Rio Grande, é indúbitável que a residência da família já fosse
nhores de engenho paulistas, por exemplo. Diferentemente das famíli-
na estância de Gravataí, o qiie é confirmado pelo Mapa das Fazendas
as da elite caiiavieira, que acabavam privilegiando deterininado herdei-
ro na hora da partilha, nesta família de estancieiro a partilha foi, ao
(1 741), onde Pinto Baiideira já aparece deiitre os estancieiros de
menos em tese, rigorosamente igualitária entre os herdeiros. Seria esta Viarnão. Dez anos depois, em 1751, no primeiro rol de confessados que
uma prática comum do conjuiito das famílias da elite sul-rio-grandeiise? dispomos para Viamão, ele tem dezenove escravos africanos, além de
No momento não é possível ainda responder esta questão, mas há indí- iim índio cativo. No seu inventário, executado em 1772, o seu plante1
cios de que pode ter havido um padrão senielhaiite ao de São Paulo no de escravosjá havia praticamente duplicado, serido neste momento de
século XVIII em alguns casos, como o da família Pinto Darideira. 37 cativos. Indício claro da capacidade de acuinulação deste meinbro
Francisco Pinto Bandeira era certamente um dos próceres da da elite colonial, que através de estratégias diversas, como a apropria
primeira elite colonial sul-rio-graiidense, quaisquer que sejam os cri- ção privada de terras ou as corridas de gado,2%oiiseguiu multiplicar
térios da avaliação utilizados. Para exeniplificai-, a cornparação das for- sua riqueza em um período particularmente conturbado da coloniza-
tunas (montes-mores) constantes nos inventários de Jerônimo de ção lusitana 110 Rio Grande, coiiio foram as décadas de 1760 e 1770,
Ornellas e Francisco Pinto Baiideira nos dá bem a iiiedida das dife- niarcadas pelos conflitos com os espanhóis.
renças de cacife entre os dois fdzeiideiros. Coincideritemerite, arnbos Assim como Jerônimo, o estancieiro de Gravataí também teve
faleceram no mesmo ano (1 771), o que favorece a perspectiva com- uma numerosa descendência, totalizaiido oito fillios, sendo 4 liomens
parativa: 1:522$860 reis era a fortuna do sesineiro de Saiitaiia, en- e 4 mulheres. Nos deteremos priiicipalniente nesta parentela direta de
quanto a de Piiito Baiideira a1canc;ou o total de 12:997$040, ou seja Francisco Piiito Bandeira, com exceção do caso de Rafael Piiito Ban-
um patrimoiiio 8,5 vezes rnai~i-.'~ deira, q ~ ijá
e dispõe de um documeiitado estudo feito por Augristo da
Francisco Pinto Bandeila nasceu em Laguna (1701), sendo neto Silva. No caso desta fimília de elite, parece que realmente o herdeiro
de Francisco Brito Peixoto e uma índia carijó. Seu pai, José Pinto Ban- privilegiado foi o priniogênito, apesar das leis igualitárias de sucessão
em vigor no direito português. A partir de uma "lierança pouco coiivin-
cente", lias palavras do biógrafo de Rafael, o filho mais velho de Fran-
ele An!c?~?,io
2:3 AI ICA/I[-'A,Hfl/jilitn~ciol~intri~~zoninl P?j.1-c.il-nI,eit6o &?hinr-ic~iZ/lei~ellesde A~fenezrs.Eieiiifo, cisco pode constituir rima das maiores fortunas do Continente, tlasea-
17(jO,n"7; APKS, IWotariado, L,ivi.o 1, fls. 89-90 (19.01.17(35) e Cartót-io do Júri - Sirmários,
Maço 1, 11" (1782);AlIIIS, Relnç6o de i\/lo~~ntlol~ (h Siz~nfò, 1784; e Osório, 11. o/). cil. 11. 242.
24 ''Inyen tario cle.Jerfitiiino tfr Ori~ellasMeiieses e Va,qcoi~celos".In: He-oisln do I~islilrlloWisió1iro
GeoguíJico do Rio G~.nnde(/o SILI, 80, 11. 3.57.-416, 1940. O valor do monte-mor está lia p. 390;
Itiventái-io tle Francisco Piiito B;~licleira.111: Silva, A~igilstocla. Ii'qli~elPij~toBcindeircl: tle t)aiido-. 25 Isto foi declai-ado pelo próprio Fraiicisco Pitito Bandeira, como depoente d e iim pt-ocrsso de
leiro a ISo\rcrtl;iclor- Kelaqões eiiti-e os poderes pt-ivado e píiblico eni Rio Grande tle Sáo crisarnento:" I., ] hat.er.5 três ai-ios qiie o jiistificat~te[tioi\~o]aiida corn ele testemiiiilia indo
Pedi-o. Porto Alegre, PI>C;-I-Iistória/IJI.'lIC;S,1<)90,p. 158-174. O \ialor do monte-~norvsiá tia t). \,irias v e m à cainpan ha, a coi.t-idas d e g;icion.AI-Ií;A/IPA. Ll(zDi/ifc~~cio r/? Fj;in~zcisco
~rrcllri~iro~zinl
169. 0 s valores aciina citados referem-se ao rilomeiito eni cluc. f'oi fèito o ":i~itotle partill-ias" de U Isnhrl (hrrricl cio h-crtlo,Viaii-iiio, 1760, n" 9. A ii-ifòi-i-iiaçãotle que estaria
Ar~lc?)riode il~1io1711~
cada iiiveiitArio, o que se dvii eiii 1782 t. 1772, respc.cti\,aniente. cni Vianiâo erii 1739 tanibini 6 dacla 11~10 pt-ópi-ioKai-ideira, cni oiitra li;ibilitaç,'io, datada d e
1753. Cf: Neis, IPiiheri. G u n ~ d nkll~lrde I'in~rldo.1'01-to Alegre: Stilii~a,1075, 13. 7(i.
da em negócios lícitos e ilícitos e que poderia certarnciite coiistar de Guimarães, arcebispado de Braga. No seu depoiniento afirmou que
qualquer listagem dos mais destacados patrimonios sulinos."' vivia de neg6cios de fazendas e "viera de sua pátria para a cidade do
Da rnesma forma que na família de Jerônimo, neste riiicleo Rio de Janeiro de idade de 12 para 13 anos [...I ; veio embarcado do
parental também percebemos o importalite papel exercido pelos geii- mesmo Rio de Janeiro para a Praça da Colonia do Sacramento e daí
ros. Nos referimos a dois militares, também comerciantes, respectiva- se passou para o Rio Grande e se transportou às Missóes na comitiva
mente Bernardo José Pereira e Custódio Ferreira de Oliveira Guirna- do Exército e lia retirada ficou morador nestes continentes de Viamão
rães. Pereira era natural da vila de Provezende, arcebispado de Braga aonde tem residido há nove anos". Após o casamento também
(Portugal), tendo casado com Maurícia Aiitônia de Oliveira, fillia de afazendou-se no distrito do Rio dos Sinos, onde era graiide proprietá-
Fraiicisco Pinto Bandeira e Clara Maria de Oliveira. Na vila do Rio rio de escravos. Paralelamente a sua atividade de estancieiro, Guima-
Grande foi alferes de ordenanças em 1760 e ajudante de ordens do rães também permaneceu ligado à carreira militar, chegando ao pos-
governador Ignácio Eloy de Madureira até a invasão espaiiliola. Com to de capitão da Cavalaria Auxiliar em 1'782. Era personagem de rele-
a tomada de Rio Grande pelos castelhanos em 1763 veio para Viamão, vo na freguesia de Triunfo, aparecelido até mesmo como testemunha
onde acabou ligalido-se ao núcleo parental de Pinto Bandeira. Quan- em um processo inquisitorial referente a um caso de bigamia ocorri-
do contraiu matrimonio com a segunda filha de Francisco, Pereira do na década de 1'790.28
recebeu como dote um campo de 3 por uma léguas, afazendando-se Apesar de nos determos em apenas duas famílias de elite, pude-
em Triuiifo, tornando-se morador na "Ilha do Rio dos Sinos". A traje- mos perceber algumas difereiiças em relação aos padrões básicos da
tória de Bernardo José Pereira é significativa, pois é de certa forma elite dos senhores de engenho. Em primeiro lugar, não parecia ser im-
modelar, iio que tange ao processo de ascensão social de alguns emi- presciiidível o favorecimento de um determinado herdeiro, em fuiição
grantes portugueses que acabaram se constituíndo em membros da da própria natureza da atividade agropecuária aqui praticada. Difereii-
elite regional duraiite o século XVIII. De modesto caixeiro, passou a temente da terra dos engenhos, onde a unidade produtiva não poderia
bem-sucedido negociante, ao mesmo tempo que exercia fuiições mi- ser dividida, a propriedade fuiidiária e os rebanhos eram bens que po-
litares. O próximo passo foi o casamento, que lhe guindou a uma deriam ser divididos de forma mais ou menos equânime entre os lier-
posição destacada no núcleo parental dos Piiito Bandeira e lhe abriu deiros. Este parece ter sido o caso de Jerôiiimo de Oriiellas, que coii-
possibilidades de compor com a elite fuiidiária local. A etapa final da templou cada um dos seus filhos com um pequeno qiiinhão do seu
sua trajetória está marcada pelo ocupação de cargos no aparato admi- pati-imôiiio, ernbora nos dotes dados às suas íillias não coiistassem ter-
nistrativo colonial, o que evidencia mais uma vez sua posição de desta- ras. Mas, no caso de Francisco Piiito Bandeira, apesar da divisão iguali-
que social. 6 desta forma que o encontramos no cargo de juiz ordiiiá- tária do patrimôiiio entre os lierdeiros, de Fato houve o favorecimento
rio, conduziiido "devassas" em 1786 e 1793; 110 primeiro caso iiivesti- do filho mais vellio, Rafael. Isto não sigiiifica, rio entanto, que alguiis
gaiido a fabricação de moeda falsa rias vizinhanças de Rio Pardo, "as- genros també m rião pudesseni ter sido favorecidos, como mostramos
sim de moeda castelliana, como de 640 rCis, moeda portuguesa [...] ", no caso de Bernardo José Pereira.
enqiianto no segundo devassou um caso de assassiiiato de uma escra- Isto nos remete ao segundo aspecto das estratégias familiares, que
va em Pir-atini, que resultou em um "auto de sequestro de bciis" do trata da política de dotes benevolente para a t r a ~ ã ode "bons" genros,
senhor criminoso que havia cometido o homicídio.*' principalmente cornerciaiites. Aqui temos uma aparente similaridade
O percurso social de Custódio Guimarhes, outro genro impor- nos padrões cornpoi-tamentais da elite estiidada, pois tanto no caso de
tante de Fraricisco Pinto Bandeira, guarda muita semclliaiica corri o Jcrôiiimo, quanto no caso de Francisco Pinto Bandeira, vemos que cm
de Bernardo Pereira, anteriormerate esboçado. Casou-se com Desideria algurria medida esta cstrategia foi adotada. No caso do iaúclco parental
Maria Bandeira tarnbéni no ano de 1763, quando declarou ter idade de Ornellas, ciicontranios esta prática sendo utilizada tanto por
de 29 anos e scr natural da freguesia dc Nossa Senhora de Oliveira,

26 Augiisto cla S i l ~ a 01).


. czt. 1,. 43-54. 28 AI-Ií:MI'A, Ii(~cr(,iliincZo dt? Clrsthtlio filizi)a ( / P Oliveira (:IL%IPL(LI.(C~S & L)(~si~k~).i(~
rti,a/ri~)~,orzinl iV1a)la
Viam%), 1763, 11" 2; Aiiais clo AI-IIIS, \..I. 11, 11. 2.31. F1245, 32-32v; ANT'II Iiiqiiisicão
H(ctluh~i~~cz.
27 AI'KS. (:ai-t(íi io do J t í i i - Sii~riáiios, Rllaço 1, 1iV3e 20 de Lisboa, processo 11" 62.58.

69
Jerôiiimo, que casou duas de suas filhas com iiegociaiites, qiiaiito por verdade que José Raymiindo "migra" para São Paulo, para cobrar dívi-
alguiis de seus genros (Azarnbuja e Meirelles), que tambéni procilra- das da família segundo a versão oficial, coiistaiite do inventário, mas
ram atrair pai-a o grupo familiar alguiis mercadores ligados às redes provavelmeiite para também escapar à Justiça colonial, devido ao seu
conierciais do centro da Colônia, especialmeiite do Rio de Janeiro (este envolvimento no caso de um homicídio de iim açoriaiio. Esta estratégia
é o caso de Antônio Ferreira Leitão, que se tornaria um dos rnais ricos torna-se mais evidente rio caso dos Piiito Bandeira, em que vemos que
proprietários da capitania no início do século XIX). Também a família alguns dos irmãos mais jovens de Rafael acabam se instalarido em Tri-
Piiito Bandeira se valeu da estratégia de atrair homens qrie viviam de uiifo, fazeiido uni movimerito que caracterizava a ocupação de uma
seu "iiegócio" para se tornarem maridos de suas filhas. Aqui eiicontra- zona de fronteira,já que o território desta freguesia era ainda conlieci-
mos ao menos dois casos importantes, o j á citado Bernardo Pereira e o do como "Terra de Tapes" na década de 1'150. Neste caso particular, é
poderoso coronel Custódio Guimarães. Como miiitos oiitros homens possível pensar que, dado o favoreciniento do primogêiiito, os irmãos
de negócio do seu tempo, ao se casarem estes também foram abando- mais novos acabaram procurando terras em outra freguesia, adjacente
à de Viamão.
nando gradualmente a atividade mercaiitil, tornando-se prósperos es-
tancieiros. Parece que aqui temos a recorrência de um padrão comum O que fica claro nestes casos analisados é a impossibilidade de se
pensar as estratégias familiares desta elite iiiseridas eni um modelo
na América Portuguesa, identificado por certos autores, corno Joáo
sucessório previamerite coiicebido, fosse ele igualitário ou iião. A
Fragoso e também por Sheila Faria: o comerciante procurava se afastar
historiografia que tratou da questão específica das práticas s~icessórias
da atividade mercantil, visto que em termos de status social esta nâio era
conceiitrou suas análises sobre as elites canavieiras do sudeste. Neste
enobrecedora, ao contrário do ser senhor-de-engenho ou grande fa-
grupo social foi possível identificar pelo menos dois padrões distiiitos,
zendeiro ou estancieiro. iim matriliiiear - onde a transmissão da herança se fazia pelas filhas,
Quanto a uma estratégia de migração dos herdeiros desfavorecidos, havendo uma sobrevaloriração dos gciiros - e outro patriliiiear, onde a
visando o desbravamento de iiovas zonas de fronteira agrícola, aqui te- traiismissão patrimoiiial se fazia pelos filhos, embora alguiis genros
mos uma dificuldade adicional na teiitativa de comparação entre os
pudessem ser escolliidos."' O que deve ser destacado aqui é que deiitro
casos de São Paiilo e Rio de Janeiro e o caso do Rio Grande do Sul. de uma mesnia elite poderia existir mais de uin modelo ou padrão
Diferentemente dos casos de Campinas ou Campos de Goitacazes, por sucessório. Para Bacelar, isto se deveria a iima tlifereiiciação na situação
exemplo, na região de Vianião e adjacêiicias existia um elenieiito ecoiiômica das regióes açiicarciras, algumas rnais diiiâmicas, como o
complicador. Não se tratava de iiicorporar simplesmente novas áreas Oeste paulista e outras, onde a atividade caiiavieira passava por algu-
para plantio de canade-açúcar, coiistit~iíiidonovos eiigenlios. A expari- mas dificuldades (especialmeiite o eiidividaiiieiito crônico dos sciiho-
são da coloiiização lusa nesta região, que tanibém demaridava terras res de engerilio), como a rcgiáo dos Campos de Goitacases. Segundo
para a criação de animais e para agricultura, estava limitada pela exis- este autor, riem sempre seria um privilégio Iierdar um eiigciiho, dcpeii-
tência de uma situação de fronteira muito mais complexa do que um deiido das condições ecoiiôniicas mais ou menos adversas em que ele
mera fronteira agrícola ou ganadeira. Na verdade aqui temos uma fron- se eiicontrasse.")
teira entre os dois impérios ibtricos, além de uma fronteira iiidígena Esta discussao sobre a pliiralidadc dos rriodelos nos remete a
(todo o território ao sul do Jacuí era denominado como bgTerrade Ta- uni tema caro aos praticaiites da micro-história, iim certo ceticismo
pes" ainda na década de 1750).Não era possível aos colonizadores irem quanto à validade analítica das tipoloçias coristrriídas a firiori. Se to-
simplesmente se expaiidindo pelas terras iricultas, pois haviam litígios
quanto a posse das áreas de expansão. Coiiflitos estes que poderiam ser
tanto com os viziiilios castelhanos, quanto com os indígenas, fossem 29 Na priiiiril-a pprispec~ivaestào os tial~alliosclr Slieila Faria ( 1998) e Alicia Metc;iit (1983). Os
eles "selvagens" ou missionriros. 'Todavia, durante os períodos de paz relxexntailtes c-la stagiinclavertente são Racellar ( I 997) e Dora Costa (1997). Faria e hletcalf
clcswcani ;i inipoi-íiiici;i (Ir iini parll-jo d e tr;iiismissão ni;itrilii-i<:ai-da Iie~iiiça,oiirle os geiiros
foi possível a expansão em dircção ao sul, garaiitirido aos dorníriios ~lesernpeiili;inium papel central lias estratégias Eimiliares. Por seii (iiriio, Bacellar e Costa
lusos territórios que origiiialmente pertenceriam aos domínios rspa- apon tarn cluc as piriticas s~icessói-iasda elite cailavieira p~itilistanao sc dava pela \,i;i niatriliiieat;
rihóis. Não é possível percrber o uso da estratégia de migra<;ãodos 1ia1,eiidotiniu opção pr<:l:reiicial pelos honir~rs,enihora iilgiiiis grlil-os t;inibCoi piidessei~iser
cscolliiclos Sei-ia iim sisiciria siicess6i-io d o tipo "lieicir)g(~iro'~, privilegiiiiiclo 01-21 (3s fillios,
herdeiros dcsfavorecidos i10 caso da família de Jer6iiini0,~jáquc todas ora as filliíis. \'(.i. Bacellar. O ~ .rs ~ r / l r o dn
~ ~ ~/PI.I.{L.
r I CIO/, p. Ir>.-l6"
as siias fillias se casani c prrmaiiecem em Viamão ou crn Triunfo. E 30 Bacellai; o/). cil. 1). 15..18.
marmos as Ordennçóur Filzpinas, veremos que a legislação atribuía unia am, então, os elementos constitutivos de um modelo sucessório em uma
igualdade na partilha de bens entre os herdeiros. Todavia, este mo- sociedade de Antigo Regime que não estava viilculada à agroexportação!
delo "legal" poucas vezes parece ter sido cumprido fielmente, o que I
Esta era uma sociedade que supostamente se diferenciava das socieda-
nos indica a possibilidade de uma multiplicidade d e práticas
I des da região canavieira do sudeste, especialmente pelo fato da trans-
sucessórias. Isto não significa que não existisse modelo algum, mas missão das heranças não envolver o problema da indivisibilidade dos
antes sugere que os modelos que usamos podem ser pouco aplicá- engeiihos. Considerando o que foi observado nas nossas histórias de
veis. Giovanni Levi destacou a importâiicia de se repensar a utiliza- família, pode-se elencar os sepintes elementos de um modelo sucessório
ção dos modelos de análise social e nas suas investigações a intenção que possa dar conta das realidades sociais do extremo sul da América
era construir modelos que dessem conta do caráter processual e Portuguesa durante a segunda metade do século XVIII:
generativo de seus objetos, ou seja, "modelos que pretendiam com-
preender processos e não apenas realidades estáticas e que para isso As formas de transmissão patrimonial não apresentavam u.m padrão per-
deveriam incluir nos seus parâmetros internos as variações, a reali- feitamente definido, prevalecendo uma tendência matrilinear, matizada
d a d e individual". Numa crítica aos modelos estruturais/ pela possibilidade de favorecimento de alguns filhos;
funcionalistas, ele passou a resgatar as estratégias individuais e de . A concessão de dotes era uma prática fundamental, significando a for-
grupos, no sentido de compreender de que modo engendravam-se mação de novas alianças familiares, com arranjos matrimoniais envol-
nas situações singulares os processos sociais de grande escala. Daí vendo, quando possível, genros comerciantes ou indivíduos que tives-
decorre o uso da metáfora da rede - influência de Barth - para des- sem alguma posição social de destaque;
crever o tecido social: "O conceito de rede conduz de fato, antes de . A ascensão social dos comerciantes que ingressavam nas fdmílias
tudo, a procurar definir quais são as ligações reais que sustentam os terratenentes passava, na maioria das vezes, pela ocupação de cargos na
grupos sociais e quais são os conteúdos profuridos que neles são ne- Câmara ou postos nas Ordenanças, sendo que o caminho mais comum
gociados". Esta negociação implica em admitir a existência de "es- era o negociante tornar-se fazendeiro após o casamento;
tratégias" individuais e de grupo que podem ser reconstituídas, de- .A migração de alguiis dos herdeiros excluídos para uma região de fron-
volvendo ao historiador a inteligibilidade dos comportamentos ~ o c i n i s . ~ ' teira era prática recorrente, sem que esta opção se configurasse necessa-
Não se trata de reconstruir situações típicas, mas como afirma o riamente como desfavorável, na medida em que possibilitava o acesso a
historiador italiano, "revelar os elementos constitutivos de um mode- recursos materiais importantes (como a posse da terra, por exemplo).
lo". Como destacou Lirna i?" "a crítica aos macro-modelos estáticos ba-
seava-se antes de tudo em uma recusa do seu pressuposto básico, isto é, A transmissão das heranças podia assumir formas muito diferen-
a concepção de que a estrutura social ampla era constituída de iim modo tes. No caso da família Pinto Bandeira, encontra-se um aparente
totalmeilte homogêneo e respondia a uma coerência iriterila que ex- igiialitarismo entre os herdeiros, mas na prática foi beneficiado o
plicaria por si só todas as variações". Esta perspectiva, assentada em uma primogênito Rafael, além dos genros casados com as 3 filhas mais ve-
descorifiança em relação aos grandes esquemas abstratos dc cxplicação Ilias de Francisco. O seu filho Rafael foi beneficiado por ter herdado a
histórica e na recusa de ur;ia causalidade meca~iicistao levou a tentar condução direta dos negócios do seu pai e os genros por terem recebi-
entender as formas familiares a partir de uma tipologia construída a do vultosos dotes, bastaiite superiores às legítimas que teriam direito.
posteriori. Não se tratava de tima "simples descrição de forrrias", mas sim Aqui não houve predomínio de uma transmissão matrilznear ou patrilinear,
da construção de um rnodelo processual ou generativo onde aparece- mas antes uma combinação de ambas as formas. Houve um certo privi-
ria a eriunciação dos seus "priiicípios de f u n ~ i o n a m e n t o " Quais
. ~ ~ seri- légio de um herdeiro nesta sucessão, rnas certamente nesta estratégia
familiar foi importantc a fiiiição do dote, na medida em que possibili-
tou o ingresso de pelo merios dois genros que ocuparam posição de
31 Lima FY,Heiirique Espada Kodiigiies, Miiiortoiio: rsrolor, indirior r siriguLulriiidni1rs. (hmpinas: destaque naquela sociedade. Os seciliidogênitos foram aparentemente
Uiiica~np,19914 (Tese de cioiirorado), p. 25" 258-2.59. A iclkin origiiial dos "modeios
geiiei-ativos" vem tarrih6rri da iiiiluêsicia t j a r t h i a a sobre t,evi. preteridos, sendo que efetivamente os filhos mais novos acabaram mi-
i 2 l.evi, 01). r i i p. 99: I.inia F", o/>. r i i p 257 r Koseiir~l,Paiil-,411drk. "Cuiisti~iiiio inacro prlo grando para áreas de fronteira, como era, naquela coi:juntura, a fre-
niicro: Fiedei-ik Bartli e a riiicrostoi.ia". 111:Jogos tle c.st.c~ln,s.Rio de Janeiro: Editora cla F(;l',
gilcsia de Triunfo.
1998, p. 164-166.
A família de Jeroiiinio de Ornellas mostra uni caso de rigoroso Estancieiros que p
igualitarisrno, aléin de uma opção pela transmissão matrilinear (em
função da inexistêricia de herdeiros masculiiios habilitados). Todos os que criam e comerciantes
genros foram dotados, mas os valores dos dotes foram baixos e não
tinhani terras. Curiosamente, neste caso em que houve uma opção cla-
@e charqueiam: Rio Grande
ra elas filhas, os dotes não foram os maiores atrativos, embora não
I
c.
de São Pedro, 1760-1825
possamos menosprezar a importância dos meios de produção que to-
ram transmitidos (escravos e gado). Não houve neste núcleo familiar
uma opção explícita por genros comerciantes, nias a maioria era bem
posicionada socialmente e muitos deles eram proprietários de terras e Este texto apresenta várias conclusões da tese de doutoramento
homens da governança. Como nesta família não houve herdeiros pre- Estancieiros, lauradores e comerciantes n a constituição da estrernadura portugue-
teridos, a estratégia de migração simplesmente não se verificou. Estes sa n a América: Rio Grande de São Pedro, 1 737-1822,' relativas à caracteri-
casos demoiistram a fragilidade analítica dos modelos descritivos das z a ~ ã odas estruturas agrárias e dos principais grupos de produtores exis-
estratégias familiares e nos indicam a necessidade de novas pesquisas tentes no Rio Grande do Sul colonial. Abandonando o uso quase exclu-
que possam confirmar a extensão dos elemeiitos constitutivos do mo- sivo das sempiternas memórias e relatos de viajantes, debruçamo-nos
delo anteriormente enunciado. sobre outros tipos de fontes, seriadas, que são mais adequadas para o
estudo das estruturas agrárias e das unidades produtivas. Inventários, tes-
tamentos e censos agrários foram utilizados para delinear uma paisa-
geni agrária e para traçar um perfil destes grupos, esseiicialmeiite em
seus aspectos relacionados à produção. O resultado da investigação
contradiz em alguiis aspectos a visão mais difundida e simplificada do
campo gaiícho, no qual existiriam apenas grandes propriedades, lati-
fiíiidios, dedicados exclusivamente à pecuária, e que a experiência agrí-
cola teria se resz~midoao núcleo de migrantes açorianos.
Um segundo problema que nos colocamos foi o de tentar deter-
minar quem constituiu o núcleo charqueador nos primórdios da capi-
tania e depois província do Rio Grande de São Pedro. Dada a irnpor-
tância ecoiiômica desta atividade, com seus desdobramentos sociais e
políticos, a resposta a esta questão pode contribuir para o avanço da
histoi-iografia acerca da primeira metade do século XIX.

Urna primeira aproximação


Iniciamos a investigação tentando perceber o que significavam as
deriomiiiações de "estancieiro", "criador" e "lavrador" para os habitari-
tes do Rio Grande de São Pedro, a partir da década de1760. Uma fonte
preciosa foi a base para este estudo: a "Relação de moradores que tem

I íb(irio, Hilcli. I</nirriuiriis. I~ziiiniLomc roi>ie~iiniiiesn,n cu),>isiit~iiçrio


(10 &rc>iin(k~iinp o i i ~ ~ ~ wTrn~ s n
i\iiri;l.ictr:Rio (;raiidi cl<: Sào Peclro, 1f 37-1822 Nitei-cíi, G s e ele rioutomdo api-c:seiitacla ao PPC;H
do 1F'C:I-1 da LJ~iiversiciade Federal Fluiniiiense, 1990.
campos e aiiimais no Coiitiiieiite", mandada i.ealizar pelo Vice-rei do Cada registro especifica o nome do ocupante, os títulos de propri-
Brasil, Luís de Vasconcelos e Souza, ao Provedor da Fazeiida do Rio edade que possui, ou não, o nome de antigos proprietários, a atividade
Grande, Diogo Osório Vieira, no início de 1784 com o objetivo de co- à qual se dedica e à espécie e riúmero de animais que possui. A
nhecer a real situação da distribuição de terras no extremo sul.' Este represeritatividade da fonte é muito alta, e foi verificada através do con-
documento ímpar constitui-se numa verdadeira lista nomiiiativa dos fronto do número de sesmarias listadas na "Relação", que são 116, com
possuidores de terras no Rio Grande, ou um "tombo de terras", para o do conjiiiito de sesmarias obtidas em diversos arquivos, para o perío-
utilizar uma expressão de época. Através dele podemos estudar o ritmo do de 1738 a 1784, que foi de 117. Estamos, portanto, frente a uma
da ocupação do território, as formas através das quais os habitantes
fonte extremamelite fidedigna.
obtiveram a posse dos terrenos, a ocupação priiicipal a que se dedica-
vam e o tamanho do rebanho possuído. Portanto, fornece-nos dados
Iniciaremos a análise pela ocupação declarada para cada um dos propri-
que permitem esboçarmos a estrutura agrária da região, em um dado etários de terrenos. A base de registros diminuiu para 1.564 porque vári-
momento, que foi o da rápida apropriação de terras, 7 anos depois da as pessoas detinham mais de uma propriedade e consideramos cada nome
reconquista da vila de Rio Grande. apenas uma vez.
As razões da ordem do Vice-rei deviam-se à "grande desordem,
com que tem sido distribuídos os terrenos dos diversos distritos", e a O Vice-rei ordenara que o provedor indicasse "qual é o iiegócio
irregularidade na obtenção e venda de sesmarias.' O provedor realizou em que se empregam os seus moradores, se na lavoira, se em criação de
a relação de cada distrito e freguesias a partir dos títulos comprobatórios
animais". Nem sempre os capitães auxiliares que realizaram as relações,
eiiviados pelos possuidores, após seu requerimento através de edita1 e,
em primeira instância, cumpriram tal determinação. Por isso o número
na falta destes, das informações dos capitães de tropas auxiliares de
cada localidade. A "Relação" (como a denomiriaremos a partir de ago- significativo de ocupações "não informadas". Por outro lado, como não
ra) de cada freguesia foi sendo enviada, uma a uma, ao Rio de Janeiro consta nenhuma outra referência à agricultura que a declaracão de
desde agosto de 1784 até fevereiro de 1786. Enquanto os borradores ocupação, optamos por considerar apenas as grandes categorias e igno-
são encontrados no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, os "origi- ramos os casos de difícil classificação, que demonstram as diferenças de
nais" estão depositados no Arquivo Nacional, Rio de Janeiro." Ocorre critérios dos elaboradores das relações. Estes casos estão agrupados em
que não foram enviadas à capital as relações de <:onceição do Arroio, "oiitros". De qualquer forma, as 4 primeiras categorias listadas, "lavra-
Santo António da Patrulha, Caí e Lombas. Para estas freguesias utiliza- dor", "criador", "criador e lavrador" e "mais lavoura que criação" - qiie
mos as relações existentes no primeiro arquivo, o que representou um passaremos a denominar abreviadamente por "mais lavoura" - repre-
acréscimo de 272 registros5 ao universo de 1555, perfazendo um total seiitani 79,2% das ociipações.
de 1827 terrenos. Destes, apenas 3 não são de "particulares": 1iá uma A primeira constatação que a "Relação" possibilita é a de que no
Fazenda Real, do Bojuru, que abrigava animais do exército, um campo Rio Grande, região comumente considerada como o "reino da pecuá-
pertencente à igreja matriz da freguesia de Estreito e um campo, utili-
ria", o número de possuidores de terras dedicados à agricultura predo-
zado como potreiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da frc-
minavam amplamente sobre os criadores de gado. Se considei-armos os
guesia de Rio Pardo.
"lavradores" e aqueles que se dedicavam "mais à lavoura do que à cria-
ção" de aiiimais, temos um coiitigente de 56,7% dos censados o que
equivale dizer, das unidades produtivas existentes. Eliminando-se os casos
2 Ofício do Vice-rei do Brasil ao Provedor da Fazenda Keal. Kio deJaiieiro, 7/3/1784. ANIIJ, cód.
104, v. 6, fls. 562-563. não informados do número total de registros, este percentual chega a
3 "Desta notável iiregularidade procede a ma f6, com que rniiitos requerem as mesrnas sesmai-ias 67,6%, contra 26,8% dos "criadores" e "criadores e lavradores" soma-
e logo as traspassain e vendem para preteiider outras até por interpostas pessoas, d e modo que dos. A iniportância numérica deste grupo na configuração da paisa-
[...I se fiz manifesta a irisofrivel desigualdade, corri qiie uns claeios d e ambição iilsaciável ties- gem agrária e produtiva do Rio Grande fica aqui evidenciada.
friitam, alienam e traspassam a maior parte dos terrenos, ficando outros, coiiseqiieiltemente,
privados dos quais podem c~iltivarcom maior utilidade tlo Estado e mais conhecida vantagem Das 19 freguesias existentes, não forarn listados "lavi~adorcs"em
dos rentlimentos". Idem, apeiias diias, ambas fronteiriças, de recente ocupação e com as maiores
4 No ANKJ, cõd. 104, v. 6, '7 e 8; iio AI-IKS, F1198 A e B. médias de aiiimais por freguesia: Cerro Pelado e Encriizilliada. Nelas
5 Vei-ificainos a repetiçâo d e alguns registros, iiicliiídos tanto em Viarnão (ANIIJ) e 1,ornbas dorninani largamente os "criadores" e "criadores e lavradores", e 112
(AI-ilIS),e Triiinfi) (ANKI) c (AHKS), qite forarn devielameiite eliiniilados.
uma pequena iricidencia dos "mais lavoura". Os lavradores, portanto, em 1752, ou oriundos da Col6iiia de Sacrameilto (entregue defiiiiti-
vamente aos espanhóis em 1777), ou de Maldoriado (em território d a
estão disseminados por praticamente todo o território da capitania. - - -
banda Oriental, para onde tinham sido levados pelos espanhóis com
-.-.

Desenha-se assim uma paisagem agrária bastante scmelhante a que vem


sendo estudada para a região do rio da Prata, ria qual pequenos e médi- a conquista do Rio Grande ern 1763, e "devolvidos" ria base do Trata-
os proprietários constituíam-se no maior contigente ocupacional da carn- do de 1777). Provavelmente sua participação entre os lavradores i i J -
---

panha de Buenos Aires, seg~iiidocensos de população da metade do trapasse o percentilal encontrado-, pois esta informação dependia do
século XVIII e início do XIX," com maior concentração nas áreas mais detalhamento com que o capitâo do distrito realizasse a "Relação9'.
próximas do grande mercado que se constit~liulia cidade de Buenos Outras características definidoras de cada categoria serão deduzidas
Aires. Por exemplo, no distrito de Areco Ar-riba, um censo de 1815 da análise de outras variáveis como tamanho do rebanho possuído e
apontava que, de 259 pessoas com ocupação conhecida, 134 eram forma de acesso à terra.
"labradores", 67 "estancieros" e 53 "jornalero~".~ O tamanho do rebanho possuído por cada proprietário é o único
dado relativo à produção, além da ocupação declarada, que a "Rela-
ção" fornece. Como podemos observar no Quadro 2, ele é bastante
Quadro 1 Ocupação dos possuidores de terras, 1784. elucidativo acerca das denominações das ocupações e da própria estru-
I I tura agrária.obra escrava.

Quadro 2 Número médio de animais por ocupação, 1784.

~ u c u p a ç a oreses
l I bois I cavalos Iég

I criaaor 1 852 1 8
-
1 27 1 344 ( 31 1 7 1 6

Fonte: "Kelação de nioradores ..."ANKJ, c6d. 104,vols. 6 , 7 e 8; AI-IKS, F1198 A e E.


a: iricluídos 5 casos "vive pobremente"
b: iilcliiídos 10 casos '\vive d e seu negócio e estailcia"
P 'c-, . - .
I I I I I I I I I
c: incliiídos 7 casos "criador e planta para seu susteilto" . 104, vols. 6 , 7 e 8; AHKS, F11.18 A e R.
d: incliiídos 22 casos "planta para o sustento cle sua casa",
G ''~lived a produção de sua fazeiidu", 17 "vive d e seli riegócio", A primeira constataçâo refere-se ao caráter rnislo das unidades pro-
10 "vive d e sua agência", 16 virios tipos d e artesanato e 1 "capataz"
dutivas. O "lavrador" tamb6iii possuía seu rebanho; um rebarilio qiie
para outras regióes da Ameri( a portuguesa não seria nada desprezível.
Quase a metade dos "lavradores" (46,8%) e dos "mais lavoura" Por exemplo, na capitania de Paraíba do Sul, Rio deJaneiro, ern 1785,
(48,676) forarn identificados como "casais do iiúniero". Ou seja, eram com o mesrno tipo de fonte, um rilapa agrário, foi determinado o nú-
casais açorianos originalmente enviados para povoar o Rio Grande mero médio dc vacas parideiras, dos produtores definidos corno exclu-
sivameiite c~iarlores,como sendo de 22 cabeças.' No Rio Graride, irrn
proprietário que possuísse 61 reses, 6 bois, 6 cavalos e uma égua era
6 Morcrio, J . 1,. L.u eçtructura social y ocupacioria1 de Ia campafia de Btieiios Aires: tili aixílisis
comparativo a traves tle 10s padr.c,ii<:sd e 1744 y 1815.111: Garavaglia,~J~iaii Carlos e Morei~o, José
e72 e1 es/)ncio t-iof~klerse.Siglos XC7111 y XIX.
Lrii.;. (comp.). Poblnciórl, socierlnd, juttziCn y r~zigt~lciorzes
Bueiios Aires: (;ántaro, 1093, 11. 104122 8 F~iria,Slleila S. rle Cisti-o 11 col&t?ir/e m tt1or~ztt/,e7zto.FOTL~.LR,Q
e /?[t,~jlinn o ~oti(Lia?zocolot~inl(s?l(le,~/e,
"?<hSI.711) Niterúi:
. <;iiisoP<iiGiad~iiiçGi> rni Filistóri:~.Uiiivt:rsid;idc Fedei;il FliiniilreiiSe, 1994.
7 C;ai-a\.iiglia,J . C. Migracioiles, estriictrii-as familiares y vicia can-il~esiiia:Ai-cco Arriba eii 1815. 111:
(%se tle doiitorameiito) , p. 177.
Idem, p. 158.
considerado lavrador. Tomernos 4 exemplos da faixa mais pobre de produziam mulas.'" A produc;áo de mulas necessitava uma inversão
lavradores, moradores da freguesia de Triunfo, 2 deles pardos forros. importante, que era a aquisição do burro reprodutor, o "burro hechor",
Literalmente a informação diz "vive pobremeiite de algumas lavouras". o animal de maior valor unitário. Em contrapartida, possuíam, propor-
Possuíam de 12 a 30 reses, nenhum boi, alguns cavalos, éguas e potros cionalmente às reses, o maior número de bois que qualqiier outra cate-
e, desta forma, "viviam pobremente"." goria (um boi para 10 reses, contra um boi para 107 rcses, entre os
Mesmo que o produtor possuísse um pouco mais de uma centena criadores), o que é um indicativo da prática da agricultura (quer como
de reses, em média, ainda assim considerava-se que se dedicava "mais à animal de tração para o arado ou para os carros e carretas que escoa-
vam seu excedente agrícola). Estamos frente, portanto, a um prodiitor
lavoura do que à criação". Isto significa que rebanhos de tal tamanho
rural que é .timultaneamente um agricultor e um pastor, que alimentava
não eram suficientes para o sustento de uma família, e que seu sustento
seu grupo familiar com sua produção de trigo, milho, feijão ou farinha
provinha principalmente da agricultura.'" Garavaglia lançou como hipó-
de mandioca,14 carne e leite de seu pequeno rebanho e que possivel-
tese, ao estudar um censo que continha a ocupação dos habitantes, mas
mente comercializasse algum excedente alimentar, alguma vaca ou al-
não o gado que possuíam, que a denominação de "estanciero" ou guns coiiros. Podemos definir este produtor como campones, no senti-
"labrador" devia basear-se no maior ou menor número de cabeças de do de que contava fundamentalmente com a força de trabalho de seu
gado que o produtor tivesse." O censo que estamos analisando confir- grupo familiar para sua maiiutenção e reprodução. Na análise do
ma, para o Rio Grande do Sul, esta hipótese, conforme o quadro apre- patrimônio dos proprietários de menos de 100 cabeças de gado vacum
sentado. E comprova, também, a predominância de unidades produti- que apresentaremos mais adiante, realizada com inventários, detecta-
vas mistas, dedicadas à agricultura e pecuária concomitantemente. mos um número significativo de produtores que contavam com a
Este caráter misto das unidades produtivas também pode ser no- complementação de mão-de-obra escrava. Mas, como os inventários
tado a partir da observação do uso da palavra estáncia no censo. Nas retratam os estratos economicamente superiores da sociedade, julga-
raras ocasiões em que aparece, é sinônimo de "fazenda". Aléni disso, mos não poder gciieralirar a participação dos escravos como força de
está associada a lavouras e à criação de gado: "Manoel dos Santos trabalho para o conjunto do grupo dos lavradores. Recordemos, tam-
Pereira. Possui uma estância [...I vive de lavouras e da criação de ani- bém, que identificamos, lia própria "Relação", quase 50 % dos lavrado-
mais ". Este produtor possuía apenas 200 vacuns. Eiicontramos outros res como sendo "casais do número" açorianos. Estes camponeses, pelo
proprietários de estâncias que possuíam de 200 a 2.000 cabeças de menos nos momentos iniciais de sua instalação, contavam apenas com
gado. Portanto, a palavra não tinha nenhuma conotação relativa ao os braços de siia própria família. A esta conclusão, que caracteriza como
tamanho dos rebanhos." camponeses, agricultores e pastores, a este tipo de produtor, já chegara
Os "lavradores" praticavam uma pecuária menos diversificada que Garavaglia ao analisar a estnitura produtiva da campanha de Buenos Aires
os "criadores" ou os "criadores e lavradores". Não criavam ovelhas nem através de inventários," no período de 1750-1815.Também aí os campo-
neses contaram, complementarmente, com mão-de-obra escrava.
Quanto aos criadores, observamos unia subdivisão. Há os que só
vivem de sua criação, e os que vivem de sua criacão e lavoiiras. Em ambas
9 ':José Gonçalves, pai-do forro [...I vive pobremerite de algiimas lavoiiras: giido vacum 20, cavalos as ocupações verificamos a criação de todos os tipos de animais. Mas,
3, égiias 25 e potros 6"; José do Prado, parclo forro [...I vive polrremerite cle algiimas lavoiiras:
gaclo vaciim 30, ciivalo~4, égiias 42 e potros 8; Goiiçalo Barbosa [...I vive pobremente d e algti- surpreendentemente, os "criadores e lavradores" possuem, em média,
mas lavouras: gado vaciim 12, cavalos 4, éguas 13 e potros 2 e Iiiácio Mendes, vive agregado a
siia sogra [...I e vive pobremeiite d e siias lavoilras: gado vacilm 20, ca\~alos2, égiias 20 e potros
4." "Kelaçáo dos moradores [...I da R-egiiesia d o Sr. BomJesiis do Triiliifo". ANRJ, cód. 104, v. 6,
fl. 474. 13 Existe apenas Lima ocorriiicia d e lavrador qiie cria o\rellias em Triiiiifo, e d ~ i apara * criaçio d e
10 Eiitre os 254 casos d e ociipaçáo "n5o informada", a mi-dia d e reses i- 279, o qiie iiiclica qiie boa muares na Fregiiesia de Estreito.
pai-te deles seriam lavradoi-es. 98 deles cletiiiliam d e 0 a 100 cal>eças de gado vaciini, e oiitros 14 Estes são o s alinientos que constam c10 "Mapa da colheita perteiicei-itr ao alio d e 1780 em
107 detinham de 101 a 1.000 cabeças. tudo o <;olitiiiente do Ilio (;i-;iiidc", d c 1780; o ai ror aparecr iiesic ni;ipa iiiima qiia~itid~idc
11 " [ ...I ya sra que 10s Ilainernos "estaircieros" o "labradoies" (Ia d i i r e i i c i i probabl<:meiite debia ínfima. ANIIJ, c6d. 104, v. 3.
estribar eii e1 coiiti-o1d e mjs o merios cabrras cle gaiiado) I...]" Garavaglia, J. (I. Migl-acioires. 15 C~ara\~aglia, J ~ i a i iChilos. "Las "cstancias" en Ia campaiia d e Biieiios Aires. Los metlios d e
estriictoras fiiiiiiliai-esy vida caml~esina:AI-eco Arriba eii 1815. <ij>. iit., p. 171. 11-(1ducci(íii (1750-1815)." 111: E'i-adkiii, Iiaúl O. (Org.) LA hislot?n ngrc~rindel Río (/e 1n I'inicl
12 "Kelaçio dos moradriies [...I da Fregiiesia da Fregiicsia da villa de )<ir)Gi-aiide". ANRJ, ~ 6 d . colorzinl. Los e.stnhbcinlie?rlo,/ I ) . O ~ I ~ L ~(I/).
I ~ ~ )Btieiios
O.Y Aires: (:eiitro Eclitoi. de Anrbrica L,atina,
104, fl. 35 1993, 11. 186 e 187.
22% mais reses que os "criadores". Possuem também o dobro do niirne- 3 Freqiiêincia (%) de meios de produc;ão rtas estâiicias, 1765-1825.
Q~~acli-o
ro de bois, um indicativo da prática da agricultura, da mesma forma
que um número superior de mulas, utilizadas em múltiplas tarefas. Os
maiores proprietários de rebanho eram portanto, não os especializados,
mas justamente aqueles produtores mistos que combinavam a pecuária
com a agricultura, que diversificavam sua produção. Novamente a com-
paração com o rio da Prata pode ser esclarecedora. Em Buenos Aires,
os produtores que praticavam nas mesmas unidades produtivas peciiá-
ria e agricultura eram os mais capitalizados, possuindo o maior númc-
ro de escravos e os maiores rebanhos para todos os tipos de anirnais,
além de serem proprietários das terras em um percentual superior ao
da amostra traballiada.16

Estancieiros que plantam


Foiite: 185 inveiitários po~t-nzo~lenl,
APERGS
Pode-se ter uma idéia mais concreta da estrutura da pecuária e da
agricultura do Rio Grande se utilizarmos como foiite os iiiveiltários post-
mortern, os quais arrolam todos os bens, rurais e urbanos, passíveis de Os bois mansos, utilizados como animal de tração para carretas,
serem distribuídos através de partilha entre os herdeiros do falecido atafoiias e arados são um dos indicativos da prática de agricultura, e
inventariado. De uma amostra de 541 inveiitários" tomou-se aqueles estavam presentes em 87% das estâiicias. Mais da rnetade delas possuía
nos quais constassem rebanhos de gado vacum superiores a 100 cabe- carros ou carretas, necessários ao transporte da produção. Foices de
ças. Por que este limite mínimo? Viu-se através da "Relação de morado- trigo e arados existiam em aproximadameiitc um terço das unidades
res" que os denominados lavradores possuíam ein média 61 cabeças de produtivas. São instrumentos pouco comuns em outras regiões da Anié-
gado vacum e que os que se dedicavam "mais a lavoura do que à cria- rica portuguesa. Não há registro do uso do arado ern Mariana, Miiias
ção" possuíam 104 cabeças. Opcraiido com o limite de 101 cabecas, Gei-ais,'%iiãosendo tampouco usual na capitania do Rio de Janeiro no
estamos lios aproximando daquele grupo de produtores que "vive da século XVIII. Em coiitrapartida, há apenas 3 inventários de nossa amos-
criação de animais". Como denominar siias unidades produtivas? litili- tra em que aparece a cavadeira, instrumento típico de plaiitio nas zo-
zarenios o termo estância, mas ressaltarido que rio século XVIII ele sig- lias tropicais. Já as foices segadoras de trigo existiram no planalto
nifica simplesmelite pl-opriedudes em que se cria gado, 1150 possuindo a paulista, durante o surto trigueiro do século XVI1.l" O arado, as foices
coiiotação de grande propriedade. Leinbrcmo-nos que na "Relação", de trigo e as atafoiias,"' em menor medida, são o cquipamcnto típico
propriedades com 200 cabeças recebiam esta dciiomiiiação. Tampouco
do cultivo do trigo, trazidos pelos camponeses açorialios.
o termo remetia para o exclusivismo pecuário, acepção que será
coiistruída rnais tarde, como veremos.
Do universo de 185 inventários que possuíam 101 vacuns ou rriais,
constatou-se que em 25% dcles existiam referêiicias à existência de la-
18 Almeicla, C:arla M. C:. de. ALle~.~~çó~.r
nczs urridnde.r/~~-odutivns
~aineirrrs:i\/ln~in.ran1750-1850. Niterói,
vouras, em geral mencionadas conjuiitamente com cercados, currais e Depto. d e História, IJniversidade Federal Fliimiiiciise, Dissei.tação de mestrado, 1994
pomares, entre outras benfcitorias. Mas se tomarmos vários meios dc 10 Ver o capítiilo "O celeiro do Brasil" em Moiiteiro, Johií M. Negas da ten-n. Ín,rlios e Dnr~cieirn?tte~
produção, esta proporção aumenta. 77n.r o~@erz.rtbe S6o Paulo. São Paulo: C;ompaiiliia das Letras, 1994, p. 99-128. E tani1jí.m Sérgio
Buarql-ie de Holancla , "Os trigais de São Paiilo", 111: (~nnrinl~os e/?ontei~-ns.3. etl. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
20 Sérgio Buarcliie d e I-folanda coineiita qiie foi o ciiltivo do trigo qite i~itiodiiziiiem Sso I'aulo
16 Gai-avaglia,J. C. "l,a agriciiltiira de1 trigo eii Ias estaiicias". 111: Maiicti-inI,R. Kegiiei,a, A. (coníp.). "iiteiisílios da tbcnica européia", como o nioiiiho d'ágiia, a/,eillia oii avafòna, até eiitáo ciesco-
Tai~dil,IEI-IS, 1993, p. 109-111.
H.Lr~lLnse17 Ln tie~.j.c~. iihecidos iio plarialto. E, quaiiclo cla fundação tlo Kio Grailde, eiri 1737, os agi-icultores paiilistas
f'orani chaniaclos a colaborar corii 60 alqueil-es d e gi-áos ].)araas prinirii.ai; semeiiteiras cta i i o ~ i
1 'i A amostra foi coinposta toniantlo-se toclos os inveiitái-ios clos ítiios termiiiados em 5 e O, de
col6iiia. o/). cil., 1). 173-175
176,5 a 1825, ctc toílos os cai.tói-ios existeiites iio Arqui\ro Pí~hlicodo Iiio (;raiicle do Siil.
Em preseiiça descendente, rio quadro, aparecem os nioirilios ("de Prata, que muito desorganizaram a estrutura produtiva da região. Sua
mão9' ou de água), as atafonas (utilizadas na moagem do trigo, mas definição de estância parece ter passado despercebida: "uma estância é
também com algumas referências à ralação da mandioca) e os fornos uma propriedade onde pode haver algurnas terras cultivadas, mas onde
de cobre necessários ao preparo da farinha de mandioca. Por último, a se ocupam sobretudo da criação de gado". Em outro momento, é mais
roda de ralar mandioca e a prensa, também utilizadas no preparo da específico ainda: "Do Rio Grande a Santa Tereza, vi campos de trigo
mesma farinha (conhecida corno "farinha de guerra"), estão presentes junto a quase todas as estâncias. Os agricultores, homens trabalhado-
em 13% das estâncias. Além do trigo e mandioca, encontram-se refe- res, também criam animais. ""
rências nos inventários, quer como lavoiira, quer como gêneros já co-
lhidos, ao feijão, ao milho e, uma vez, ao algodão. Não constam do Lavradores que criam
quadro as enxadas e as foices comuns, instrumentos mais frequentes
nestas unidades produtivas (64 e 4076, respectivamente). Excluímo-los Em 1744 um carta do governador atestava a variedade das produ-
por julgarmos serem instrumeiitos genéricos, que por si só iião seriam ções do Rio Grande: "as estâncias dos Lavradores vão medrando tanto
suficientes para indicar práticas agrícolas. na cultura, como na variedade dos gados de que se compõem, a saber,
Se tomarmos por critério para determinar a prática da agricultura vacas, éguas, potros, ovelhas, e marrãos e também algumas bestas miia-
nas estâncias (lembremos, possuidoras de, i10 mínimo, 100 cabeças de res [...I".'" Já caracterizamos como pastores e agricultores aqueles pro-
gado vacum), a preseiiça de, pelo menos, 2 tipos dos instrumeiitos cons- dutores presentes lia "Relação de moradores" e que possuíam em mé-
tantes no quadro, coristataremos que 66% delas dedicavam-se também dia 61 cabeças de gado vacum. Podemos agora examiná-los através da
à agricultura. Estamos, portanto, frente a unidades de produção mis- amostra de iiiventários. Os detentores de 100 ou meiios cabeças de gado
tas, que combinam pecuária e agricultura, como já concluíra Garavaglia representaram 51 % dos inveiitários rurais, contra 49% dos que deiio-
para a campanha de Buenos Aires. Avaliando exclusivamerite a exten- miiiamos de estaiicieiros (possuidores de mais de 100 cabeças) .24 Lem-
são do cultivo de trigo, este autor encoiitrou um percent~ialde 65% bramos que os inventários são tima fonte que sobrerepresenta os estratos
para as "estâncias" com mais de quanreiita bovinos e equinos.'' mais ricos da população, aqueles que possuem bens para serem lega-
E não se pense que a agricultura estava restrita às estâncias meno- dos. A presença destes lavradores na sociedade rio-graiidense, como já
res. As estâncias eiitre 101 até 1.000 cabeças de gado compõem 73% foi constatado na análise da "Relação de moradores", é muito maior do
das estâncias da amostra e, entre as que desenvolvem atividades agríco- que esta fonte pode rios indicar. A paisagem rural do Rio Grande não
las elas represeiitam 75% do total. As grandes, que possuem mais 1.O00 se resumia, portanto, ao latifúndio pecuário.
cabeças, corresporidem a 27% do número total das estâncias e a 25% Destes peq~ieriosprodutores iiiveiitariados, 11% não possuía se-
das que possuem agricultura. Em números absolutos, das 50 estâiicias quer uma cabeça de gado vacum, ainda qirr tivessem algumas Sguas e
com mais de 1.000 vacuns, a agricultura é praticada em 30 delas. cavalos; 15,2%1150 tiiiliani neiihum escravo e 30,9% não possuíam ter-
Assim, a estância do último quartel do século XVIII e das duas ras próprias. Comparando com os estaiicieiros, todos os grandes (mais
primeiras décadas do XIX não pode mais ser tomada como sinôriiiiio de 1.000 cabeças) eram proprietários de terras e escravos. Entre os es-
exclusivo de atividadc pecuária. A quase onipresença pecuária de me- tancieiros "médios" (deteiitores dc 101 a 1 .O00 cabeças), 4,5% iião pos-
diados do século XIX ria ecoriomia do Rio Graiide do Sul projetoii sua suíam escravos e 15,5% produziam em terras alheias. Portai~to,o aces-
imagem para tempos mais remotos, o da constituição e integração do so aos escravos e às terras era bem mais diflcil para este grupo de lavra-
território ao restante da América portuguesa. Nesta conclusão, pode-
mos trazer as observacões do botiiiico Saiiit-Hilaire, que percorreu o
Rio Grande e a Banda Oriental entre 1820 e 1821, momento já de deca- 22 Saiita ?%reza situa-se iio Uruguai, atiialriieiite. Na serjii&icia, o autor assiiiala clifereriças regi-
oilais. Diz que em "Pan D'A~uc~li'', oiideestava, "os p.~tn)~cipilas littzitat,z-se pt?z gemi n ~ r i ( l r g ( ~ (".I o
dência da cultura do trigo e das guerras de indcpeildêiicia do rio da Saiiit-Hilaire, Aiigiiste tle. 17ingenzno R i o C?-nnBedo Sul. Porto Alegre: Maitiils 1,ivreiro Editor,
1987. Cita~ões,rc.specti\,arrieilte, 11.291 e 136.
2 3 Diogo O/.orio Cai-dozo ao C;ardeal da Mota, Rio de S5o Peclro, 20 d e agosto 1744. illHU, li(;,
cx. 1, cloc. 16.Grifòs iiossos.
2 1 (hra\raglia,J. C. "Idaagriciiltui-a de1 trigo eii Ias estiiiicias". Iii: Mandi-iiii, K. Kcgiiera, A. (comp.). 24 Da arnosti-zi total de 54 1 in\rc,ritãi-ios,3'76 possiiíarri 11t.n.i i.~irais:191 tiiiliani de O a 100 cabeças
d i l , 1993, p. 100.
Hurlla.5 e71 L(r Lirt.,n. T ~ - ~ s ~IF:IjS, de gado viicuni e 185 tiiiliani 101 oii ~iiaiscahcaças,
dores. Ainda assim, entre os lavradores qiie possuíam escravos, eiicoii- Assim, coiistatanios que tanto nas estâiicias (e principalmente rias
tramos a média de 3 3 escravos por proprietário. detentoras de até 1.000 vacuns) quanto nas pequenas propriedades
As propriedades iiiveiitariadas eram descritas de diversas formas. deserivolviam-se as mesmas atividades produtivas. Garavaglia já enuricia-
Na amostra, a mais comum é "campo" (71 ocorrências), seguida de ra esta conclusão, para a camparilia de Bueiios Aires: "estaiiciei-os" y
"data de terras" (40),"chácara" (37),"terras" (17),"sítios" (15),"rincão" "labradores" se dedicaban exactamente a las mismas actividades
(9) e "estiincia" (3). Foram avaliados iiidividualizadamente, ainda, 30 productivas". Observa este autor, com muita propriedade, que a linlia
casas, 5 "potreiros", 4 "matos" e 2 "cercados". Nada podemos afirmar demarcatória entre os prodiitores deve scr biiscada não no tipo de ati-
sobre a extensão dessas propriedades, pois ela é declarada em um nú- vidade exercida, mas numa série de variáveis, entre elas a posse de es-
mero íiifimo de casos. Mas, as "datas" concedidas aos lavradores tinham, cravos, a propriedade da terra, o uso de força de trabalho externa ao
no máximo, 2'72 hectares. Como benfeitorias destes campos, datas, chá- grupo doméstico e o controle de unia quantidade maior ou menor de
caras, foram descritos, mas não avaliados separadamente, 46 casas e animais.*"
ranchos, 26 "cercados" e "valos", 22 arvoredos, 19 ciirrais, 19 lavouras e
roças, 10 pomares (em geral de "árvores de espiiiho"; a árvore mais Comerciantes que charqueiam
citada individualmente é a laranjeira), 3 paióis e 2 atafoiias. A combina-
ção mais freqiiente de benfeitorias foi "casa, curral, cercas e arvoredo Para o estudo e delineamento dos grupos sociais de grandes estan-
(ou lavoura) ". A descrição destas benfeitorias é bastante pobre nos in- cieiros e comerciantes também foram utilizados os iiiventários post-
ventários. A avaliaçàlo da propriedade como uma unidade só, indica mortem. Com eles pudemos traçar um perfil do patrimonio dos iridiví-
que ela adquiria valor apenas por seu conjunto. No rio da Prata a situa- duos e verificar se havia coincidência, ou não, de investimentos e de
çào foi diversa: árvores, currais, cercas, casas e galpóes eram avaliados tipo de bens qiie compunham suas fortunas.
indi~idualmente.~Ws poiicos paióis listados provavelmente indicam a Formulou-se rima lista de nomes da elite de estancieiros a partir da
pequeiia monta do excedente produzido e/ou a necessidade imediata "Relação de moradores ..." de 1784, selecioiiando os que possuíam 1.O00
que tinham os lavradores de comercializarem seu excedente, especial- ou mais cabeças de gado. São 91 nomes dos quais foram localirados
mente o de trigo. Temos algumas referêiicias de que os lavradores endivida- iiiveiitários de 36, ou seja, 40% do total. Para os iiegociaiites tomou-se
vam-se ein espécie, comprometendo a colheita futura. o Almannck de Porto Alegre, qiie arrolou todos os coinerciantes existentes
A existência de currais e cercados demoiistra a combinação, tam- na capitania em 1808. De 135 nomes, obteve-se os inventários de 61,
bém para estes pequenos produtores, da agricultura e pecuária. Veja- perfazendo 46 % do ~iiiiverso ."
mos que animais estes lavradores possuíam. Detinham, em média, 40 Comparando-se o patrimôriio total dos estancieiros e dos conierci-
cabeças de gado vacum, 6 bois, 6 cavalos, 11 éguas c 2 potros. A média arites, vei-ificoii-seque o patrimonio bi-rito (sem as dívidas) dos últimos
de gado vacum é iiiferior a eiicoiitrada ria "Relação"justameiite por era superior em 30 % ao dos primeiros. Iiidividualmen te, as fortulias
que estabeleceu-seum número de corte superior, as 100 cabeças. Quaiito dos homens de iiegócio também eram superiores à dos grandes estan-
aos bois e os cavalos, a média eiicontrada é exatamente a mesma pre- cieiros. A seguir comparoiwe a coiistituição e distribuição do pati-imôiiio
seiite ria "Relação9'(vei Quadro 2). Nos iiiventái-ios, o iiúmero médio eriti-e os seguiiites tipos de ativos: "padrão de vida" (roupas e iitensílios
de éguas é bem superior. Quaiito a outros tipos de animais, verifica-se domésticos), dinheiro, jóias, prédios urbaiios, bens comerciais (lojas,
que dos 191 proprietários, apenas 10 possuíarn porcos, 9 ovelhas, 6 estoques, barcos), bens rurais (terras, benfeitorias, animais, equipamen-
burros eixores e 25 mulas. Confirma-se o constatado na "Relação", aiii-
da que com algum matiz: os pequenos criadores possuíam um rebanho
pouco variatlo em espécies, composto basicamente por vacuns; iião ti-
nham praticamerite acesso à criação de ovelhas ou rniilas. 27 Para os procedirncntos metodolcígicos que iiortearam a ailálise, coiisultar a tese, (:ap. 8 "Fai-
xas d e fortiiiia e itleiltificaçào da elite econ6mica".
'Relaqão de moracloies que possuein teri-as e animais iit:ste (:ontinenten. 1784. Códicr 104
('\"ice-t.~i~tcido),71.. (i e 7.ANJ!]. Alnianack da Vila de I'orco Alegre, com reflt~x6essohre o est;~clo
25 Gaia\,agliiZ,J. C. "1.a agi-ic.iiltui-ade1 trigo e11 Ias istancias", o/). c i ~ . c:, "l.as cliacras y quiiit;is de da Capitania tlo Kio (.;rande tio Siil, (i(,r\~lntro~Ld~ /I I Z L O I Ii\.í~gci/h&.s,
~O 1808. Cóclire cYO7 (i\let~(jt.i-
Biieiios Aires ...", o/). r i / . ) 1, ALVJ!].
c ~ s 11.
tos e produção), escravos e dívidas ativas (creditas) . Houve similitude seus 50 escravos; este é rriais urn iiidicativo de suas atividades creditícias
de pcrcerituais do patrimônio de estancieiros e liomens de negócio e comerciais e de que possivclnieiite a origem de sua foi-tuiiafosse co-
imobilizados em padráo de vida, jóias e escravos. Mas os percentuais mercial.
para prédios ui-baiios, bens comerciais e dívidas ativas eram muito mais Já eiitre os 55 inventários de homeris de negócio que exerciam
altos para os comerciantes, enquanto os de bens rurais eram muito su- suas atividades em 1808, ano em que foram listados por Manoel de
periores para os estancieiros, como era de se esperar. Estas diferenças Antônio Magallrães em sei1 Almanack, encontramos 10 charqueadores
notórias da composição do patrimônio de um e outro grupo estão indi- em atividade e 3 que haviam sido cliarqueadores (como indicam outras
cando justamente isto: que eram grupos distintos, quanto às atividades fontes), mas iião o eram mais no momento de suas mortes. Esses últi-
econômicas que exerciam. O fato de se encontrar 19,8% de bens rurais mos tinham transformado-se em rentzstas urbanos. Foram loiigevos" e,
na composição média da fortuna dos negociarites indica que uma par- ao final de siias vidas, tinham 50,5% de suas fortunas alocadas em pré-
cela deles, ao fim de suas vidas, tinha conseguido diversificar seus negó- dios urbanos. Foram negociantes que abandonaram suas atividades
c i o ~ .Tendência
?~ esta que responde a uma das características do merca- comerciais e produtivas (charqueadas) e aplicaram o capital acumula-
do pré-industrial europeu e do colonial também: rapidez das mudanças do em bens de raiz.
conjunturais e instabilidade dos ramos de negócio.?" Os comerciantes-s-charqueudore<~encon travam-se no topo das fortunas
A carreira de um comerciante poderia terminar em uma estância, mercantis do Rio Grande. Na coniposição de seus patrimônios desta-
mas o inverso não é verdadeiro." Basta ver os percentuais de bens co- cam-se os bens rurais, dívidas ativas e escravos. Possiiem o maior
merciais, prédios urbanos e dívidas ativas dos estancieiros. De resto, percentual de dívidas passivas (mesmo quando se observa apenas os
nenhum dos 91 membros da elite dos estancieiros do censo de 1784 soh~entes),o que indica siia capacidade de endividamerito, e uma parti-
aparece na lista de comerciantes de 1808 - ainda que 44% dos quais se cipação importante dos bens comerciais (4,4%)- apenas inferior ao do
obteve inventário tivessem morrido após 1808 (ano da listagem dos grupo dos exclusivamente come?-ciantes.São armazéns, estoques impor-
comerciantes) . tantes de fãzendas, e "efeitos de fora e da terra", como sal e açúcar,
Portanto, pode-se identificar os negociantes como a elite eco- charque, couros, graxa e sebo. Além destes, possuem a metade de to-
nômica do Rio Grande de São Pedro e como grupo ocupacional dos os barcos e canoas existentes ira amostra.
diverso dos grandes proprietários de terra e gado. Mas e os Também são os maiores proprietários de escravos - média de 67
charqrieadores? Quem eram? De onde se originarani os capitais que - grande parte deles especializada em tarefas da cliarqlieada, mas tam-
possibilitaram a montagem das charqueadas, de forma intensiva, a bém marinheiros, oleiros, campeii-os, pedrciros, alfaiates, sapateiros,
partir da década de 1780? tanoeiros, calafdtcs, etc. Os 3 íiiiicos plaritéis com mais de 70 escravos
Dentre os proprietários de mais de 1.000 cabeças de gado vacum ericon trados em todos os inverltários levantados pertencem a estes co-
constantes da "Relação de moradores" de 1184, dos quais encontramos merciantes-chayueadore<r.
o inventário (36), apenas 2, no momento de sua morte, possuíam Os bens rurais são compostos essencialmente pelas valorizadas
charqueadas. Um deles, Antônio Ferreira Leitão, no entanto, foi terras ao redor do canal de São Goiicalo, localização ideal e iiecessária
almoxarife da Fazenda Real eiitre 1789 e 1792, cargo normalmente para a produção do charque e escoamciito da produção através do por-
ocupado por comerciantes. Em seu patrimônio, o valor de seus crédi- to de Rio Grande. As instalaçòes das charqiieadas (varal, galpão, arma-
tos (dívidas ativas) ultrapassava em mais de uni conto de réis o valor de zém de despejo e senzala) não erarn caras; custavam, em média, o pre-
ço de apenas 4 escravos. Dos 10 charqueadores, apenas 3 são simultane-
ameirte grandes estancieiros, prodiitores de gado. Os outros apenas
28 Osbrio, Iielcn. I;5lnn,ci~i,os,.. 01). cil, p. 24.5 e 246. compravam os animais para o abate. Os estancieiros dedicavam-se si-
29 I'ragoso, JoZo. I . R, Ifonirnr ile y-o,~ i i v e n t ~ ~ inc~~iiiulo(io
a: e i ~ i e i n ~ q in~ai nprnrn i~~errantil do Rio multaiieamente à agricultura, produzindo trigo e farinha de mandioca.
dcJi~rieiiu(1790-1830)Rio dej:iiieiro: Arquivo Naciolial, 1992. p. 267.
Dois outros charqueadores possuíam olarias, forma alternativa de ocu-
30 Sheila S. d e Castro Faria chega ii esta mesma coiiclus5o em r c l a ~ ã oaos seiiliortls dt: engenlio
d e <:a~iiposdeGoitac>ires,~ i skculo o XVIII: coinerciaiites abalidoiiam o comkrci<ie toriiam-se
~ o coiitriirio iião ocorre. <:f. A rolo'iiio i r i i i,ioiiiiia,,lo. liorlt~rindhiiiilin
seiilioi-es [li:~ i i g e i i i i ornas
no c.»litlirr,)ioc o l o ~ ~ i (slrt(e.ste,
nl sí;rulo XVIII). Niterói: (:urso P ó s - g \ . u d ~ ~ ~erri â ol-iistória, Uriiversi-
dade Fedeixl I;'liirriii\eiic,1994. 'lese de doiitoracio. 31 Fixei ci,iil? o colnc2icio ein 1808 c f,ilccei,~ni e171 183'3, I86,i e 1868.
par os escravos, compensaiido a atividade sazoiial da cliarqueada. As
olarias progressivamente farão parte do complexo da cliarqiieada;
O Rio Grande de São Pedro
minoritárias lia arnostragem, que abarca o período 1808-1820, estarão na primeira metade do sécu
quase sempre presentes na metade do séciilo XIX.
Os 2 charqueadores com montes-líquidos negativos (quer dizer,
Estados-naqões e regiões províncias
com uma dívida superior aos seu patrimônio), sintomaticamente, ti- no rio da Prata1
nliani suas charqiieadas instaladas ein terras alheias. Foram comercian-
tes que teiitavam lançar-se a um patamar superior de negócios. Um
Cesar Auguslo Barcellos Guazzelli
deles tiiiha a charqueada em terras de parentes de sua esposa e estava
terminando de construir "uma morada de casas novas repartidas e pron-
tas" em Pelotas. Seu principal credor era Antônio João de Magalhães
Lírio e Freitas e Cia., do Rio de Janeiro, de quem havia comprado um A iiivasão de 1811 e influências platinas
estoque de farendas; outros importantes comerciantes daquela praça
também estavam entre seus credores." O segundo charqueador falido Já nos começos da Revolução de 25 de Maio de 1810, liavia espe-
ranças de que o movimeiito fõsse além dos limites do Vice-Reinado do
montara sua charqueada com créditos de um outro negociante local,
que se apropriava aiiiialmeiite de parte da produção. Possuía um so- Rio da Prata, e envolvesse o Rio Grande, como niaiiifestou Mariano
brado novo em Porto Alegre e acabou com a maior parte de seus bens Moreno em seir "Plan Revoliicionario de Opera~ioiies".~ Parece mais
hipotecados. Também tiiiha dívidas importantes com Miguel Ferreira provável, no entanto, que os efeitos da revolução porteria tenham sido
Gomes e Antônio da Cunha, negociantes do Rio de Jai~eiro.~" indiretos: na esteira da crise política das regiões platinas, acépalas da
Os cornercianter-~haryueadore~s
foram os negociantes rio-grandenses autoridade real de Espaiilia, apareceram projetos expansionistas - tari-
que mais conseguiram diversificar suas atividades: possuíam lojas, bar- to carlotistas quanto bragaiitinos - que resultaram na primeira inter-
cos, produziam charque, emprestavam dinheiro, alguns cram ainda venção na Banda Oriental em 1811, pretensanieiite para acudir o rca-
grandes estancieiros e produtores agrícolas. Foram os principais ne- s Artigas. E aqui houve
lista Elío sitiado em MoiitevidCu pelas m o n t o n ~ ade
gociantes, os que mais acuniularain: das 10 maiores fortunas dos iiegociaii- oportunidade para qiie alguns coiltiiientirios militasseni nas fileiras
tes da lista de 1808, 5 são charqiieadorcs, um ex-cliarcjueador, 3 exclu- artiguistas," mesmo que a niaior parte dos chefes optasse pelas forças
sivameiite comerciaiites e uni comerciante-agricultor. lusitanas.
Os capitais que possibilitaram a instalação das charqiieadas fo- Dessa iiiterveiição fez parte o futuro chefe farroupilha Bento Goil-
ram, portaiito, originários de atividades comerciais. Os homens de ne- çalves, que anos antes havia emigrado para Cerro I.arg«, onde adq~iiriu
gócio do Rio Grande constituíram-se, pelo merios nos seus primórdios, terras, casou-se com uma oriental, e cargos administrativos, como o de
em um grupo ocupacional difereiiciado daquele dos grandes proprie- alcalde. Estaria nessas fiiiições quando iniciou movimento de Artigas,
tários de terras e de rebanhos. As coiiscqUCncias sociais e políticas des- ao qual teria aderido o jovem Beiito; mais tarde, talvez em razão do
te fato, cremos, merecem novas iiivestigações, que certamente lança- sucesso das armas luso-brasileiras, abandonaria os artiguistas, iniciando
rão luz sobre eventos da magnitude da iiidependência do Brasil e da sua trajetória como chefe de milícias rio-granderises, de acordo com
Revolução Farroiipillia. Rodrigo de Soiiza ponte^.^ A opinião de Souza Pontes foi incorporada
por Alfredo Varela sem rnuitas reservas, sustentando que "o próprio

1 Os temas tidndos aqui foiani dl:sei~\ol\fi(losn'i iniiilia Tew <Irdotitoi;itlo: O iio~zzo~~ic. (10 I?«I,~IL-
no: n J < ~ / ) i i l i i ~??O i dri I'inin (1835-184 7). Rio d c J'iiicii o: LJFKJ
r i ,piiiidc.)~srP o i < A ' ~ ~ d z l(l/ O~ oRIO
i 2 Frnin J«;iqiiirn Jus6 da Silva e <:ia eJ0:iohlai-tiiis Bar~.oso,ainhos priiicipais conierciaiites de (rnimeo), 10'38.
1"-ociiitos gaiiclius no Rio deJiiireii-o lia s ç ~ i i ~ i <cikracla
lii do sii:iilo X I S Iiivciit,íriu í1e Uiiltezar 2 Moreno, hlariiiiio. Hriii Knioii~rioiiriiiuiir O/)einiioii<.r.Biieiius Aiics, I'liis Ilitl-a, p. 73.
(;(jnit:s \iiaiiii:i. APEKGS, 1- cartório 6rf2os e 1)rovcdoria Pclotas, 11.45 a .52, niç. 4, 1820.
3 Varc:la, Alfiwlo. As wi1oluc6e,~ (ii,~/)Loli?/o~. I'ortc): (-;li;irdroii, 15115,1,. I , .1,
33 In\reiit:íriu tleJosé AntOiiio da Sil\r;i Neves, AT'I.;K(;S, 1'' cartório de órfàos e aiisentes de Porto
Alegre, 11.'701, inç. 28, 1830. 4 I'iil>lica~óçsdo Ai-qiiii80Narioii;il (411) X X S I Ale)oóriii Histiiiirn i i i Kodiigo ric Soiizn l>oizt<i>. Kio clc
Janeiro: Oíiciiias (;t.áSic;is cio Arqiii~~o N;icion;il, 10:1.'>.p. 177-236.
Assini, eram difíceis articulações que conipronietesscm estes obje-
Bento Goiiçalves n2o escapoii ao arrastanieiito que awiltou a lioste de tivos, o que limita milito o alcance do "federalismo9'no do Rio da Prata;
Artigas com os riograndeiises liberaes".0utros autores negaram mais o nível mais elevado que atingiram os acordos iriter-provinciais foi o
tarde essa iiicorporaçáo a Artigas, sustentando que Bento Gonçalves das Liças, qtie eram formadas quando algumas unidades temiam inter-
serviu sempre as forças portuguesas lia Banda Oriental." venções centralizadoras por parte d e outras. Corno observou
Mesmo sem iilfluências mais radicalizadas, a presença de Bento Chiaramonte, o que "solemos coiisiderar como tendeiicias federales
Gonçalves e de outros tantos chefes da fronteira em território oriental coiisistía, eii realidad, eii políticas de unióii confederal, cuaiido iio de
permitiu-lhes o convívio com as propostas federalistas que circulavam siniple ligas o aliaiizas. Políticas c011 las cuales Ias llamadas provincias
amplamente pelo Prata. A luta armada de Artigas sempre tivera tintas actuabari eii calidad de Estados indepeiidierites y soberalios" ."
muito fortes em relação às autonomias proviliciais - contra os anseios Os senhores da fronteira do Rio Graiide - historicameiite afirma-
uriitários de Buerios Ares - e sua concepção federal de uma Pátria Grande dos como poder local pelas extremas dificuldades das autoridades cen-
contemplava estes interesses: a Liga de1Litoral reconhecia-no como "Pro- trais em siibmetê-10s aos seus projetos - tiveram a oportunidade não
tetor", mas os líderes de Corrieiites, Entre Ríos e Santa Fé, atiravam apenas de acompanhar as lutas proviiiciais, como também o caso de
com bastante iiidependêricia. uma delas constituir-se como Estado nacional recoriliecido. E aquela
Eram no eiitaiito vagas estas noções de federalisrno; mesmo que noção de união "coiifederal' passaria a compor o leque de reiviiidica-
houvesse uma inspiração iio modelo norte-americaiio, faltava no caso ~ õ c dos
s chefes rio-graiidenses.
platiiio a organicidade que a reunião das várias unidades configurara
na formação dos Estados Uiiidos. Certamente importou no Rio da Pra- A Província Cisplatiila
ta a tardia definição das "regiões-províncias", sempre resultante do
fracionaniento das intendencins, unidades mais amplas lierdadas do pe- A tomada da Baiida Oriental traduziu-se,pelo menos de início, numa
ríodo colonial. É difícil pensar numa união federativa entre províiicias, se situação em que conjugaram-se os iiiteresses da Corte portugticsa e dos
elas muito receiitemente se haviam afirmado com a dissol~içãode entida- estancieiros do Rio Graiide de São Pedi-o. A política bragantina, por um
des políticas maiores, e que por coiisequêricia reciisariam um poder cen- lado, ampliava as possessões portuguesas na América, ao mesmo tempo
tralizado que tentavam organizar os próceres de Biienos Aires. em que refi-eava os ímpetos republicanos que vinham do Prata; os rio-
As províncias do antigo Vice-Reinado resultaram dos anseios por gi-aiidciises,por outro, viam a possibilidade de anipliarem suas estâncias
autonomia dos respectivos grupos dominantes levados ao extremo: à e rebaiihos. Alem disso, o fini das reformas de Artigas trazia traiiqiiilida-
recusa de submissão a, somar-se-iam as iiisubordiilaçõcs a tentativas de de para os estaricieiros da Banda Oriental e de R~ienosAires, afastando-
mando nas diferentes Iiiteiidências, fracioiiarido-as naquelas uiiidades se as ameaças radicais à "ordem". Assim, o geiieral poi-tiiguêsfoi recebido
políticas qric represeiitavam o alcaiice máximo de poder dos proprictá- com entusiasmo ein Moiitevid6u,!' e mesmo aiitigos comaiidados dc
rios rurais. Não foi diferente o artiguismo iio litoral que, ao reivindicar Artigas, como Fr~ictuosoRivera, se iiicorpol-arairi ao exército iiivasor.
a soberania dos povos, "recogió un clamor surgido de las diversas áreas As sucessivas medidas de Lecor foram de plciio agrado dos que
riirales, 110 tanto contra las autoridades espafiolas en gci~eral,sirio es- liaviam sido prejudicados pelo projeto de Artigas. Em "baiidos" expe-
didos pelo agora govcrnador da Cisplatiiia, foi.arn restabelecidos os
pecialmente contra aquellas institucioiies y grupos socialcs que
direitos dos que Iiaviarn sido expropriados: espanhóis, porterios e ori-
preteiidiaii centralizar e1 poder provincial."'
entais tiveram seus campos devolvidos, corn a aiiula(;ão das doacões
que tinliam sido feitas pelo "Reglamento" de Artigas.1° Voltava assim a

5 Varela 1915, o[). cit., p. 994. 8 < : l i i ~ i i . i i i i o i i t ç , . J o s G<.riilos. i l A 1 1 i o {/v [os 01i,,17es rr1 [ri l{?>toi,otycdin I.niziion>nrii(uirn.Biiriior Aiir\:
Cuadeinos siri Instituto Kavigii~ni,Ic)!tl, p. 26.
6 Pono, Aiii-Cliu (Piiblicriçócs cio ai10 XXIX). A'ote~rrio I>ioi:es>orios Fr~i,n/~o,<. KchnOiLilri(i", <k I l e i ~ t o
[I B.iiidcii-.i. L \ l i / Albri t o Aloiii/. O rxJ)nt~szoiii<inei bin<7lizio r n / « ) am(no rios I < i n ( i n snn I,n<zn (to I'~cLii1
r s . cic Janeiro: Oiiciiias (:i-ificas c10 Arqiiiii) N:icioiiiil, 1933, p 513. Miedei-sl>;iliii.
( ~ o i i ~ ~ n l i iIiio
..
rle Aiiig(1i. (:;ixias CIO Siil: U<:S/IE.I 11179, p. G(i.
tlçiiricliie 0sc;ii: l i r i i i o Coi1(nh1i.i e iis g~~vi.io,< ~41~q~tz/~
1'305, p. 66
(1)i iic~i ,g ~ ~ cl >i li ~ t a g l-~ 00
r~~ (,'o1ot~1zcz~Eo I ~ L7 j + l / ( r A l i r i i l ~ r i U1~15íli:1:
h G I L P ~(/o . Ei15~1io/LJiiB,
i F r e p . Aiia Apiiiitcs par;i cl Esiiiciio de1 Ft:clcialisnio cii 1;i Ilrioliirii51i Kioplarcrisr (1810-l'i2O).
Sen-iiii;írio Iiiteriiricioiial I'pi~,cc~i. f i i k i u i i t t n . 1-50 Gi-alide: Fiindação I!iiivcrsitiade tic
c1 l?evol~c~6o
10 alo^ 50 fi;1o~,1205n P / ri11 , L3<i Olig'ii C I ~ L ~ C01-iei1tdI I e11 IA (;i\pl'ii~i~~i / i d o t ~ t r ~ ~ ?E(].
c l ~ lt>i :/ ~ ~ l ) /(Jil~clo\,
os
Iiio <;i-aiicle, 1993 (rninieo),p. 6. 1970, ,i)32
Estas amizades riitre caudillios dos lados opostos da froiiteira, em
"ordem" à campariha orierital, coin a recoiistituição dos latifúndios e
fiingão de iii teresses evcri tualrnente comuns ou de parcii tescos e
a almejada chance de recompor a economia d a região, abalada por
rompaclrioOrestabelecidos, superaram muitas vezes as deterrniiiações dos
taiitos anos de lutas.
govei-lios aos quais serviam; era mais fácil ao caudillio compreeiider a
Os problcrnas apareceriam por conta dos estancieiros do Rio
oiitro, mesmo de distinta nacionalidade, do que as distaiites autorida-
Grande, especialmente relacionados às terras, já que muitos daque-
des ceiitralizadoras que ameaçavam os anseios regionais. Mesmo com a
les aboletaram-se em campos reclamadas por uruguaios. As ações de
Guerra da Cisplatiiia, qiie cle 1825 a 1828 separou rio-graridenses e ori-
Lecor - a quem interessava uma efetiva incorporação da Banda Ori-
entais em campos opostos, muitas dessas alianças se recompuseram a
ental como província - em favor da oligarquia urugiraia, contradizia
partir dos anos 30, e dificilmente acoiitecimeiitos no Estado Orieiital ou
as demandas dos homens do Rio Grande, que liaviam participado ati-
iio Rio Graiide deixavam de fora caiidilhos do outro lado da fronteira.
vamente da ocupaçáo e agora pretendiam o botim. Inverteu-se, além
Foi durante a ocupação da Cisplatina iniciam as indisposições en-
disto, a importância relativa dos portos por onde escoava a produção
tre as autoridades centrais e estancieiros rio-grandeiises. O desenvolvi-
pecuária: Montevidéu não se recuperou como exportador de couros
mento da pecuária extensiva a expansão das propriedades: com a to-
e charque, ao passo o porto de Rio Grande passou a ter um papel
mada das Missões na virada do séciilo, os rio-grandenses haviam ampli-
muito sigiiificativo nesse comércio. Há estimativas de que até quiiize
ado sua froiiteira ecoiiômica, apesar destas pastagens serem inferiores
milhões de reses foram levadas da Banda Oriental durante a domina-
às da campaiiha;já a invasão da Baiida Orieiital, possibilitara um gran-
ção luso-brasileira; mesmo que esta cifra seja exagerada, é provável
de iiicremeiito no estoque de terras de qualidade superior aos campos
que grandes "arriadas" de gado dos campos orieiitais comprometes-
d o Rio Grande, o que justificara a pronta adesão aos projetos
sem a recuperação da Cisplatilia.
expansioiiistas bragaiitiiios. As terras ao iiorte do Rio Negro atraíram
A situação de confroiito entre rio-graridenscs e orieiitais, 1150 de-
os rio-graiidenses sequiosos por mais terras, mas a disputa com os ori-
moraria a repercutir por todo o Prata: os porlefios, livres de Artigas e
e11tais por certo não iii teressava às autoridades ocupaii tes.
siias anieaças radicais, e confortados pela siibjiigaçâo de possíveis coii-
Afinal, a ocupação fora urna operação militar cuidadosameiite
correntes na Banda Oriental, passaram a ter preocupações com os re-
dirigida para derro tal- o projc to de Artigas, aparei1temeii te invencível
sultados da ocupação luso-brasileira, visto que o Rio Grande tornava-se
lias províiicias do lirorr~le ameaçador em relação a RL~CIIOS Aires e ao
agora um competidor iildesejado. Sempre com um discurso que fazia
I próprio Rio Graiide. A restauração pi-omovida na nova Província
referência à comiinhâo Iiistórica da Baiida Orieiital com as Províncias I Cisplatina os estancieiros de todo o litoral, de Bueiios Aires, do Rio Graii-
Unidas do Rio da Prata, despejavam-se queixas de autoridades argeiiti- I
nas no gabinete do govcriiaclor Lecor.'" i de e da própria Banda Oriental. Para as autoridades do Rio de Jaiieiro,
I a iiicorpora~iioda Banda Oriental cumpria aiiida um antigo desqjo de
Até 1825 acumularam-se as tensões que culminariam lia Guerra da
I ampliação do espaço; se a produção dc cliarq~ie,subsidiária da ecoiio-
Cisplatiiia. Por outro lado, os comaridaiites-estal~cieirosrio-graiideiises I
I mia escravista do centro, fosse viabilizada por orientais ou rio-graiideiiscs,
afiançaram durante a ocupação rima série de alianças pessoais, que mais I

tarde teriam decisiva importincia não só na Guerra dos Farrapos, coriio isso tinlia rnenor irnportincia, mas iiáo podiain ser adinitidos traiistor-
rios à reorgaiiizaçáo produtiva e atritos coni os novos súditos, e foijusta-
naquelas ocorridas lia Baiida Oriental e no litoral argeiitiiio: Bento
mente isto qiie promoverarli os rio-grandeiises.
Gonçalves tiiiha uma grande ligação com Lavalleja, o fut~irocomaii-
Assim, a guerra, entre múltiplas motivações, teve sempre por de-
dante dos treinla y tre-sque sublevariam a campanlia orieiital em 1825,
trás os aiiseios privados dos militares-estancieiros. A derrota militar, se-
assini como Beiito Marioel Ribeiro com Fsuctiioso Rivera, o caudilho
guida de Lima solução diplomática qire os privava da rica aqiiisicão,
oriental mais iriiportaritc durante as décadas de 30 e 40.
potencialirou a dissidência corii o Irnp&-io.Mesmo ficaiido as Missões
eni mãos rio-gi-aandeiises,a razriu de Rivera esvaziara os campos de reses
e de traballiadores niissioiieiros, serido os gtiai-aiiislevados para os cani-
pos orieiitais ciitre o Q~iaraie o Arapey. Além do recuo da fronteil-a,
1I Ibid., P. 132.
12 Al-qilivo do Itain;i~-;ity(Ai), < :;+tilogo (.orrçspoiicl6lici~l, 16, ?O'J-t-l 1 ( ( h r ~ a sde ~ci-ll;i~-(iilio com liriiites aiiida incertos, os ataqiics promovidos pelos «i.irii tais to1-
I(irad;iuia, lniliisiii) se<i,t.c,írio<IrKclacfies Exteriores clc Uiiçii~sAiics) r 109-4-10 ((hinta iiaram-se um scrio prol~leiiiapara os proprietários.
1.íicio R/lai~sill;i,go\,c.i-l~atloi~
11(. Eiiti-e Kíos).
O Império, por sua vez, tinha poucas coildições para atuar com car um "algodão entre cr-istais9'criou um perrnancnte motivo de atritos
firmeza. Se iiiaiitiiiha contatos permanentes coin os agentes diplomáti- entre o Império e as Províncias Unidas - mais tarde Confederação Ar-
cos argentinos em torno das grandes questões, pouca coisa prática po- gentina -, estabelecendo para o Rio Grande e para as provínciai do litoral
dia fazer localmente,já que as ações dos seus efetivos estava sob vigilân- um possível aliado onde as intervenções do Império e da própria Confedera-
cia das Província Unidas e da própria mediadora Grã Bretanlia. O Rio ção estaiiam limitadas.
Grande empobrecera, voltara a um estágio anterior àquele que aiitece- Um primeiro problema transparece nos dois artigos iniciais da
deu a ocupação da Banda Oriental, e agora estavam divorciadas as re- Convenção,'" que seria a base para um tratado definitivo: o Império e
clamações da província e as ações do Estado. as Províncias Unidas garantiam o Estado Oriental independente, sob
Restavam ainda grandes ressentimentos em relação à condução mediação da Inglaterra, sem a participação dos orientaisno acordo; em
militar da guerra, quando os rio-grandenses foram chefiados por oficiais conseqüência, o terceiro artigo rezava que as "altas partes contratantes
do Império, e os desastres foram atribuídos à inépcia destes em relação obrigão-se a defender a independencia e a integridade da Provincia de
às formas mais adequadas de combater nas regióes platinas, onde o uso Montevidéu", o que chancelava eventuais intervenções das duas po tên-
da cavalaria ligeira, capaz de rápidas e incisivas incursões, se prestava cias para "proteger" a nova nação. Nos artigos quatro a seis, o Império
mais que as manobras acadêmicas, com sólidos quadros de infantaria e as Províncias Unidas determinavam a forma como deviam ser escolhi-
apoiados por artilharia pesada. Os rio-grandeilses tinham convicção dos os representantes para formação do aparelho de Estado, e no se-
neste sentido, lamentando a perda de vários de seus destacados chefes, guinte impunham-se como fiadores da constituição que fosse elabora-
culpando o comandante Barbacena e as autoridades que o indicaram. da pelos deputados uruguaios.
Por outra parte, estavam conscientes quanto à perda do seu pró- Para tanto estabeleciam-se os efetivos que dos dois acordantes per-
prio prestígio. Subsidiários do centro do país, para onde destiiiavam maneceriam em terras orientais: mesmo depois da ratificação da Con-
siia produção e de onde vinham os iiisumos, sua importância dependia venção de Paz deveriam permanecer 1.500 soldados brasileiros e ou-
do papel de guardiões da fronteira. Praticamente alheios às tratativas tros tantos argeiitinos, uns vigiando outras e ambas controlando o Esta-
do Império com as Províncias Unidas - analogamente ao que acoiitecia do criado com o beneplácito britânico, que garantia a supremacia de
com os orientais - tinham em mente a iião-resolvida questão dos limi- sua mediação no artigo dezoito. Ainda visando os interesses apenas das
tes, que no atual estado das coisas tornava-se decisiva para a retomada "altas partes" e da potência mediadora, foi acrescentado um ato adicio-
das atividades econôii~icas.Esta pendência, que atravessaria o século, nal à Convenção que dizia respeito ao controle que Buenos Aires exer-
fora postergada para tratados futuros, e os principais interessados - ori- cia sobre a navegação rios rios tributários, especialmeiite o Paraiiá.
entais e co~~tiriciltinos- estavam ausentes dos debates. Ao longo deste alio de 1828, o Império e as Províncias Unidas
Derrotados ecoiiGniica e militrrrmente, descorisidcrados em rela- trocaram profusa correspondêricia sobre a mútua confiança na a ne-
ção aos assuiitos fi-onteiriços,os chefes do Rio Grande não podiam pen- gociação e nos positivos resultados para ambos que resultaria a inde-
sar-se integrados a uma grande e poderosa unidade política. Por outro pendf ncia dos orientais.14 Mas se essa diplomacia parecia calma, lias
lado, assistiam a unia província vizinha, mesmo que tutelada pelas duas Províncias Unidas começava mais um ciclo d e guerras civis:
grandes potências antes litigantes, coiistituir-se em Estado. Mesnio que iiicoiií'ormados com a perda da Banda Oriental, os unitariostentaram
esta autoiiomia fosse muito relativa, ela permitia unia recuperação das retomar o controle das Províncias Unidas, e tropas que retornavam a
propriedades e aumento dos estoques de gado, o que serviria para aceii- Buenos Aires sob comando de Juan de Lavalle promoveram lima in-
tuar ainda mais a crise concorrêricia vaiitzijosa ern relação aos para surreição que resultou ria prisão e posterior fuzilamento do presiden-
criadores e charqueadores rio-graiideiiscs. te Dorrego.

Estado Oriental: "algodão entre cristais"


l i Arqiiivo Hist(irico CIO Kio <:i-dnde cio Si11 (Aliis). C11 Di\lersos, Maço 66, L.ara 77 <oiivenç,ío
A Coiivriição Ejreliminar de Paz, que deveria defiiiir como um Es- Pielimiilai- de P ~ L .
14 AI, (:at.ilogo Cori rspod61iria ((Toieiiioicstraiigciros. iiutas c l ç <:o~rci-iioa GOYPI
110). 278-2-1.
tado nacional iiidepeiidriite a aiitiga Província 0i.ieiital dos ai-genti- io Toiri'is Giiicio de 28/9/1828, 14/10/18%, 15/ I O/ 1828 c ?7/10/
<;ai ta\ do ~3leiiil~otciiciil
nos, depois Províiicia Cisplatina dos brasileiros, muito mais que colo- 1828.
A rebelião se propagou pelo interior, com sucessos iniciais dos ge- fiéis ao Império e afastados os chefes locais, que poderiam burlar as
nerais unitarios Lavalle e Paz, eiisejando o primeiro grande momento autoridades. A maior parte da fronteira com o Estado Oriental era
de Juan Manuel de Rosas: chefiando milícias rurais mais a plebe urba- "raia seca", e mesmo os rios mais caudalosos apresentavam vários pon-
na de Buenos Aires, contando com Juan Facundo Quiroga, de La Rioja, tos vadeáveis. Os rio-grandenses adquiriam reses nos Estados viziiihos,
maior caudilho do norte, e de Estanislao Lopez, de Santa Fé, principal misturavam-nas com as suas próprias e as apresentavam nos postos
chefe do litoral, o Rosas concentrou os poderes que lhe permitiriam aduaneiros, o que veio a exigir maiores controles sobre as boiadas
construir uma confederação na qual Buenos Aires não perderia seu que transitavam, e o contrabando continuaria muito ativo nas terras
papel de província hegemônica. Assim, a crise da Banda Oriental gera- de São Pedro, eventualmente a única forma de sobrevivência de al-
va ao mesmo tempo as condições para a dominação dos federalesrosistas guns estancieiros.
e a proscrição dos unitarios, que imigrariam majoritariamente para o novo O Império criava ainda obstáculos para a construção d e
Estado Oriental. charqueadas na região fronteiriça, como alternativa dos criadores aos
A partir de então Rosas lutaria pela reconstituição do antigo Vice- comerciantes da "laguna". Impedidos de introduzir reses da Banda
Reinado, tentando reincorporar o Estado Oriental e também o Paraguai; Oriental, essa produção estava condicionada ao contrabando, e as me-
já o Império mantinha em relação ao Prata uma diplomacia de "neutra- didas para coibí-10 aumentaram. Para os homens da fronteira o contro-
lidade espectante", desde que incapaz de impor-se a um rival que não le de sua área de domínio por autoridades distantes era intolerável,
conseguira derrotar manu militari. Restava assim aos dirigentes do pe- depois de tantos anos como senhores e guardiões de fato da estremadura
queno Estado que se organizava uma política externa de conciliação com sulina. Anos mais tarde, Bento Gonçalves justificaria a rebelião
6s poderosos vizinhos. farroupilha culpando os representantes da Corte que "nos puseram
desde este momento na linha dos povos estrangeiros; desnacionalizaram
a nossa província e de fato a separaram da comunhão brasileira", agra-
Contradições da política economica do Império vando a situação dos rio-grandeiises que já iam "de vencida pela concor-
Para o Rio Grande, a recuperação econômica do Estado Oriental rência dos nossos vizinhos nos mercados gerais."15
era desastrosa. Os orientais concorriam agora vantajosamerite com a Por outro lado, outras medidas trariam contrariedades aos
charqueadores. Segundo Leitman, "os rio-graiidenses pagavam 25 por
produção rio-grandense, depauperada pelo resultado da guerra e sem
cento a mais do que o valor original, enquanto seus competidores
receber estímulos por parte do Império. Aqui a questão teve um duplo
platinos pagavam uma taxa de exportação de 4 por cerito."'%ste autor
aspecto, se pensarmos nos efeitos sobre os criadores e os charqueadores,
atribui ainda um custo mais elevado do charque rio-grandense pelo
já que a partir dos anos 20 era o charque o principal produto rio-
uso de escravos, enquanto na Banda Oriental os trabalhadores eram
grandense. Considere-se ainda que algurnas vezes charqueadores eram
assalariados. Parece, no entanto, ser mais decisivo o papel que esta eco-
também criadores, tornando mais complexo o problema.
Na época da Cisplatina, as arriadas de gado favoreceram estanciei- nomia representava para ambos: subsidiária e voltada para o mercado
interno, no caso do Rio Grande; produção de exportação por excelência,
ros e também charqueadores da "laguna9'(Pelotas, São José do Norte e
beneficiária das medidas goveriiameiitais, no caso do Estado Oriental.
o porto do Rio Graiide). Mas a perda da Banda Oriental não atingiu da
mesma forma os dois grupos: contra os criadores, a Corte impôs a proi- O liberalismo do Império privilegiava os exportadores do centro,
que preferiam o charque uruguaio mais barato que o rio-grandense,
bição do trânsito de reses do Rio Graiide para o Estado Oriental e a
enquanto estancieiros e charqueadores do Rio Grande clamavam por
criação de postos aduaneiros para cobrar inipostos de exportação; como
protecioiiismo às suas mercadorias. Esta era uma situação crítica, na
as taxas de importação eram muito inferiores, os estancieiros eram pre-
qual as autoridades não tinham muitas alternativas: criar entraves para
judicados, enquanto os charqueadores tinham garantido o abastecimeri-
a produção oriental, atendendo as reclamações dos rio-grandenscs,
to de reses; sendo estes sócios menores de grandes atacadistas do Rio de
Janeiro, e em grande parte portugueses, os senhores da fronteira viam o
Império como patrocinador do "partido português". 15 AI-IKS. Colittinra d p Br7tto (;on~al7jrs.
Por outro lado, era extremameiite difícil o controle da fronteira, 1G I,eitinaii, Spc-iicc.1.Xnkrc soiiocto~~ú~tzzctz~
da Ctaet~ah s Farrclj,os. iirri capíiiilo da história do
rnesmo qiie tivessem sido colocados como fiscais e coletores pessoas Brasil 1 1 0 sécrilo XIX. Rio de Jaiieiro: <;i-aal, 1979.
poderia comprometer a independência d o novo Estado que, os dois grandes nomes da Cisplatina: Lavalleja, com o prestígio de lia-
inviabilizado economicamerite, traria de volta os problemas internos ver iniciado a sublevação dos treintu y tre<c~rientule~q Fructuoso Rivera, o
gerando nova crise política i10 Kio da Prata. Desateiidendo os interes- militar trânsfuga que arrasara as Missões e delas retornara com muito
ses dos grupos domiiiantes sulinos, aumentava a desconfiança destes gado e milliares de guaranis missioneiros.
em relaçáo ao Estado nacional, encaminhando o ciclo farroupilha de O fato de ter muito tardiamente concordado com a independên-
1835. cia da Província Orieiital, ao contrário de Rivera, deixava Lavalleja em
Nas vésperas da crise o governo provincial - representante legal da segiiiido plano; no governo de Rondeau, agentes riveristas eram nome-
Corte - criou novas taxas sobre produtos importados, além de impos- ados para os cargos diplomríticos e faziam os entendimentos do novo
tos que gravavam a propriedade da terra.I7 Aqui aparece a qirestão an- Estado com as Províncias Unidas e com o Império, apesar das reclama-
terior de forma invertida: o Inipério aplicando uma política protecio- ções de Lavalleja, que atribuiu às maquinações de Rivera a falta de alia-
nista, enquanto os rio-grandenses defendiam a liberdade de comércio. dos seus na representação diplomática oriental, pondo eni dúvida a
A taxação sobre importados já afetava a fabricação do charque, cujo sinceridade de Don Fructo. Enquanto cresciam os temores de Lavalleja,
principal insumo era o sal; os novos tributos configuravam uma situa- os rio-grandenses não tinham esperanças em relação ao Governo Provi-
ção de total subordinação da província aos interesses do centro do país, sório do Estado Oriental, visto que suas perdas durante o final da guer-
disseminando-se um sentimento de revolta contra as autoridades. ra não seriam ressarcidas pelas autoridades uruguaias.'"
Pesava ainda a questão das dívidas contraídas pelo Império quaii- Quaiido a Assembléia em 1830 elegeu Rivera como primeiro pre-
do da Guerra Cisplatina, ocasião em que o Rio Grande teria sido muito sidente Constitucional do Estado Oriental do Uruguai, iião era de se
mais gravado que as, outras províncias, conforme opinião de Bento esperar que os senhores da fronteira obtivessem uma reversão daque-
Gonçalves: "Sobre povo algum da terra carregou mais duro e mais pesa- las medidas tornadas durante o marido de Rondeau. A aproximação
do o tempestuoso aboletamento; transformou-se o Rio Grande numa que em breve teriam com o dei-rotado Lavalleja refletiria a insatisfação
estalagem do Império!" Acrescentava que as despesas de guerra, dife- com os governos do Império e do riovo Estado Oriental, buscando uma
rentemente de outras províncias, pesavam para o Rio Grande "em gado solução privada para os problemas comuns. Rivera, por seu turno, pro-
vacum e cavalar e em exigência de todo gênero mil vezes mais do que curava manter boas relaçoes com a Corte, valendo-se das relações feitas
cumpria quotizar-nos proporcio~ialme~itc."'" aos tempos da Cisplatina e durante o Governo Proviscírio."'
Exauridos ecoiioniicanientc, desprestigiados politicamente, os Poucos meses depois, Lavalleja ronipeu com Rivera, birscando au-
homciis da extremadura tratariam de estabelecer e reforçar relações xílio fora do Estado Oriental. Recebendo apoio discreto de Rosas, o
através da fronteira com eventuais dissidentes do vizinho Estado Orien- Rio Grande passou a ser seu refúgio predileto, devido à amizade com
tal; os rio-gra~iderisesestiveram iio desericadeainerito da Guerra Beiito Gonçalves. Recebia ainda forte influência do padre Caldas, um
Cisplatiiia, foram os mais diretamerite atingidos pelos resultados des- einigrado da Confederação do Equador que exercia funções de pároco
vantajosos da Conveiição de Paz, e agora passariarri a intervir diretarnen- de suas forças. A rebelião de Lavalleja foi facilitada pela ruptura de
te rias questões que se abriram entre os principais chefes uruguaios. Rivera com os índios que estabelecera em BelZu Unión:sem outros meios
para sobreviver,os cliamias passaram a saquear estiinciasviziiihas, e o govcr-
no oriental moveii-lhes unia guerra de extermínio; os sobreviverites compo-
Disputas no Estado Oriental: Lavalleja e Rivera
Tiarri a partir de ent5o as rnontonerus dos adversários de Don Fnltos.
No período imediatamerite segui~itià independência oriental foi Iniciado o rnovirneiito de Lavalleja, o goveriio comunicou com os
montado um Governo Provis6rio sob comando do velho general sigiiatários da Conveiição Preliminar de Paz, solicitando providências
Roiideau, veterano do primeiro cerco aos realistas de Montevid6ii rrn caso os sublevados erivolvessem os territórios l i n i í t r ~ f e s Em
, ~ ~setembro
1811. Enquanto eram cumpridas as exigêircias das "altas partes contra-
taiites" da Coiivenção Preliniiiiar de Paz, acentuava-se a disputa entre 19 AI, Cat'ílogo (01 r esl)ontl<'.iicia(Notas d e C;o\~ernoa (;o\rei n o ) . 278-2-14
20 Ihld.
17 lhl(l., 1>.1:39. 21 AI. C,ltilogo ( , o i - r e ~ ~ ~ o l ~ d i(Not'tj
. i i c i ~ ~d e (;ovei iio (;o\ei-i~o)2'78-2-14. Pei e/ ein 10/7/32,
6 ~ ol,.
18 AI IKS, Co l ~ t o..., ~ c / ( . , ibicl R 3 , ~ / n irn 7/ 12/32.
de 1832, o ministro Vasquez dirigiu-se ao Império com informa~ões pais razões alegadas era a impossibilidade de coiitrolar os problerrias
sobre a colaboração recebida pelos rebeldes na fronteira," anexando fronteiriços .'"
farta correspondência do Comandante da Fronteira do Jaguarão, José Mesmo que estas intenções tenham ficado de lado com a abdica-
Reys, que afirmava estar entre os "anarquistas" o próprio Comandante ção de Pedro I, eram já evidentes as preocupaçóes com o trânsito dos
da Fronteira do lado brasileiro, Bento Gonçalves.*W atento Reys dava caudilhos pela fronteira. No ano seguinte aumentaram as queixas das
notícias ainda do padre Caldas, que "ha llegado a1 Cerrito, y desde su autoridades orientais para legação brasileira, insistindo no envolvimento
arribo 10s anarquistas alli refugiados han creado mas entusiasmo" espe- dos chefes rio-grandenses com os planos confederativos de Lavalleja.
cialmente porque estaria trazendo munições, armas e conduzindo no- Em outubro de 1832 o encarregado de Negócios e cônsul-geral do Bra-
vos efetivos .24 sil, Almeida Vasconcellos, noticiava mais uma internação de Lavalleja
Lavalleja buscou ainda apoio em Porto Alegre, onde haviam clu- no Rio Grande, acobertado por Bento G o n ç a l v e ~Em . ~ ~março de 1833
bes e jornais republicanos, aos quais porpunha o antigo projeto de Rivera informava a legação sobre mais incursões dos insurretos pela
Artigas de uma confederação unindo a Banda Oriental com as provín- fronteira, presumivelmente apoiados pelo Comandante do JaguarãoQ31
cias do litoral argentino e mais o Rio Grande.'"emia-se também em
Em maio o representante brasileiro informou a Rivera sobre o envio
Buenos Aires que a Lavalleja efetivamente resgatasse a Liga Federal de
do Marechal Sebastiáo Barreto, Comandante das Armas no Rio Gran-
Artigas na "mesopotâmia" argentina, incluindo os rio-grandeiises con-
trafeitos com o Império.*"A partir de 1832 os destinos destes estariam de, para proceder ao desarmamento dos emigrados, tendo entrado em
ligados às ações de Lavalleja; impelido pelas reclamações do governo choque com alguns destes aliados a milicianos rio-grandenses." Tais
oriental e sem poder interferir contra os uruguaios que se socorriam medidas ocasionaram mudanças na estratégia de Lavalleja, que levou
no Rio Grande, as autoridades centrais tratariam de obstaculizar a cola- suas montonera.~para a província de Entre Ríos, território de histórica
boração dos caudilhos da estremadura, aumentando ainda mais o cis- influência artiguista, onde contava com a proteção do governador
ma que os separava. Echague: aqui tinha acesso ao território oriental de Bella Unión, contan-
do com os missioiieiros sobreviventes ao massacre de Rivera, e à fron-
teira rio-graiidense do Alegrete, guarnecida pelo Comaridante Bento
Os senhores da guerra e o Estado Oriental Manoel R i b e i r ~ . ~ ~
As autoridades proviiiciais já se preocupavam com a propaganda Essa mudança do teatro de lutas foi seguida de uma ação mais
republicana através da fronteira desde o final da Cisplatina, especial- agressiva de Lavalleja em Buenos Airesjunto a Rosas, e em Porto Alegre
mente pela influência que Rivera tinha rias M i ~ s õ e s Com
. ~ ~ Bon Fucto filiando-se "no dito anno de 1832 em hiima sociedade secreta do Rio
presidente, as "provocações" ficariam por conta de Lavalleja. Em 1831 Grande, com o fim de adquirir partidistas". Dessas sociedades faziam parte
o Império eiiviou a o Marquês de Santo Amaro para a Europa, buscan- muitos militares estacionados no Rio Grande, incluindo o próprio Co-
do apoio a novos plaiios expansionistas em relação ao Prata: essa foi mandante das Armas, a quem seria dado o encargo de reprimir as turbu-
uma manobra bragantina que "ofereceu à Santa Aliança vantagens na lências fronteiriças." Essa questão motivou o envio de Bento Gonçalves à
América Latina em troca de a Santa Aliança apoiar D. Maria da Glória Corte para prestar esclarecimentos sobre os incidentes.
contra D. M i g ~ e l " 'na
~ dispiita pelo trono português; lima das priiici- Mas a presença de Bento Gonçalves no Rio de Janeiro permitiu-
llie a defesa das acusações e o apoio de liberais, como Evaristo da Veiga

22 Iõid.,Vasquez em 9/9/32.
23 Iõid,Reys para Vasqiiez em 1/10/32, 14/10/32,25/12/32 e 27/12/32. 29 Pivel Devoto,.Jirari E. & Pivel Devoto, Alcira Raiiieii. Hzstona (/eln RejbuDlzrn onentnl &I LJrug1rny
24 Iõid.,Reys para Vasquez em 10/12/32. (1830-1930).Moiitevidéii: Editor Raul Artagaveytiu, 1945, p. 53.
25 Diaz, apiid Varela, Alfredo, 01). cit., p. 994. 30 Piiblicaçòes do ano XXXII. C:orresi>oridência para a Corte dos Eiicarregados de Negticios em
Moi1tevicli.u. Oficiiias Gráficas do Arquivo Naciorial, 1937, p. 13.
26 Iõid.,p. 1029.
27 AI, C:atjlogo Correspondêilcia (Governos, Repartiçòes e Ailtoridades Kegioriais 1,ocais. Rio
Grande d o Siil) . 509-422.
28 Silva, J o s é L,iriz MTei.rieckda. A.r duns/hces (cEn vloed(r: a política externa do Brasil mon5rqiiico.
Rio d e Jaiieiro: Uiliversidade Aberta, 1990, p. 40.
e o padre Diogo Feijó, que Ilie maiitiverani o cargo, além da indicação mo seguidor de L.avall<ja na Guerra da Cisplatiiia, seu sucessor; para si
do rio-graiidense Antônio Rodrigues Fernandes Braga para o governo próprio, criara o cargo de Comaiidaiite Geral da Canipariha, tornan-
da províiicia em fevereiro de 1834. Seguia assim cada vez mais aberto o do-se chefe das armas orientais.
apoio obtido por Lavalleja no Rio Grande: Bento Gonçalves no Jaguarão Em janeiro de 1835, Braga já escrevia sobre um "partido
e Bento Manoel no Alegrete eram parceiros fundamentais para as ações desorganizador" que pretendia "separar esta Província do resto do Bra-
do caudilho, facilitando seu trânsito e proporcionando-lhe meios mate- sil constituindo a república semelliante à do Estado do Urugilai, com a
nais.35 O clímax dessa tensão seriam hostilidades eiitre tropas de Rivera e
qual pretendem federar, caso Lavalleja consiga derribar o Governo le-
de Bento Goiiçalves muito além das rapinas habituais.'" gal,:'8 propondo trocar os comaiidaiites da fronteira. A reação dos se-
A crise provocou em Montevidéu "huma effervecencia geral con- nliores da guerra foi o movimento de 20 de setembro, e lia sua primei-
tra o Brasil", e a legação do Brasil em Montevidéu era consciente de ra proclamação Beii to Goiiçalvcs alegou que a "vontade decidida e unâ-
que o Comandante do Jaguarão agira por conta própria, salientando- nime do povo fez baquear a autoridade que tinha substituído a arbitra-
se a presença entre os invasores rio-grandenses de Manoel Lavalleja, riedade ao império da lei9'."Ws primeiros textos traziam, significativa-
irmão do chefe dos treinta y tres, e mais de cinqueiita orientais emigra- mente, saudações finais ao "jovem Monarca Constitucional" e à "consti-
dos. A mobilização militar dos orientais para proteger a fronteira pre- tuição reformada", em nome da "liberdade" e dos "i-io-graiideiises li-
ocupava o encarregado dos negócios, já que o Ministro da Guerra vres", queixando-se do "partido português" e das mudaiiças nos coman-
Manoel Oribe mandara para o teatro das lutas seu próprio irmão dos propostas por B~-aga.~'
Ignacio, um "caloroso inimigo do Brasil". A ameaça de uma nova guer- Este discurso omitia os distúrbios lia fronteira. Três anos mais, tar-
ra na Cisplatina, tinha como fundamento a não resolvida questào de em seu manifesto o presidente da República Rio-Grandeiise, Bento
fron t e i r i ~ a . ' ~ Gonçalves referir-se-ia aos tratos que mantiiilia com Lavalleja como es-
A Corte exigiu medidas duras contra os desmandos, e abriu-se tando ao amparo do "direito das geiites", e que teriam servido apenas
nova guerra entre o presideiite da Província e o comandante das Armas como um pretexto para a interferéncia dos representantes do "partido
contra os dois indisciplinados Beiitos, especialmente o que comandava português". Afirmava ele que "é a hospitalidade rio-graiideiise univer-
o Jaguarão. Essa política contrária aos interesses privados dos caudilhos salmente coiiliecida9' e qiie "o patriota rio-graiidense, verdadeiro cos-
seria um dos estopins da rebelião farroiipilha; uma vez mais, como acon- mopolita, aqui a oferece franca, larga e generosa ao primeiro infeliz
tecia desde os conturbados alios da Cisplatina, estavam as questões ori- que se apresenta à sua vistan.'l
entais envolveiido os chefes rio-granderlses, para os quais os assuntos A Regência iiidicoii corno novo presidente da Província oiitro rio-
da fronteira eram de cunho privado daqireles que a guarneciam com grandeliseJosé Araújo Ribeiro, mas as autoridades ainda desconfiavam
suas próprias tropas. dos chefes rio-grandeiises que estariam, conforme carta de Almeida de
Vascoiicellos para a Corte, "querendo Iiuns a scparação da Proviiicia,
Os primeiros tempos da República Rio-Grandeme oiitros preteiiderido impor condições ao presideiite José de Araújo Ri-
beiro, e os dcmais, a união com o Imperio, mudando somente o Presi-
A política imperial em relação à fi-ontcira era contraditória: o deiitc Braga".4Versistia o temor de que o "Coronel Bento Goiiçalves
cliefe insubordiiiado fora indultado e seguia Iiostilizando o Estado Ori- da Silva, de accordo com 1,avallcja (e ambos favorecidos pelo Dictador
ental, que o Brasil se obrigara a defender; ao presidente Provincial, Rosas) pretendia, attentando contra a integridade do Imperiu, separar
nomeado por indicação de Bento, e ao <:omandaiite das Armas, antigo a Proviiicia do Rio Grande da cominuiihão Bra~ileira".~~
membro dos clubes liberais lavallejistas, eram exigidas providências
contra os dois Bentos da fronteira. No país vizinho, a situação era tam-
bém insólita: Rivera fizera de Manoel Oribe, que tinha sido o mais próxi-
38 ANAIS DO AI IKS, 1980, \lol. 4, 11. 46 1, ( :V-2746.
39 AIIllS, C,'ol~/ci,r~c~ ... , o/). c / / . ,AE?IzK 39,10, 1). 265-266.
40 Itl., rlP. C:\'-85!)2, p. 269.
35 IDid.,p.lOlO. 41 Itl., AP.(:\i-8598, p. 28-&285.
36 Piiblicações do ai10 XXXII, Correspondêi-icia ..., o/). c/( , p. 19
42 Piiblica~<,r5 d o 'iii. (:olctfii~cd
37 TDid., p. 21.
43 /h?(/.
Nesta situação ainda iiidefiiiida, entrara Bento Gonçalves em conta- atores eram os caudilhos, seus peões e escravos libertos, no modelo da
to com o presidente Oribe inteirando-o a respeito dos motivos da rebe- g u m çauchu, oiide a cavalaria ligeira seria a única forma eficieiite de
lião, e do exílio de Sebastião Barreto e outros em terras ur~iguaias.'~
De- combater um adversário militarmente superior, e essa viiiculação dire-
nunciava a Manuel Oribe que era iminente uma invasão dos "retrógra- ta com os viziiilios orientais configuraria questões internacionais muito
dos" desde a Baiida Oriental dadas as "circunstâncias suspeitosas do complexas.
Marechal Barreto com o Sr. Brigadeiro Fructuoso Rivera"," iiisistiiido Mas se a República Rio-Grandense contava com o apoio do presi-
que o asilado "auxiliado por Fructo, não desiste de hostilizar-nos apesar dente Oribe, que criara o Partido Blanco e era secundado por Lavalleja,
das ordens em contrário do Presidente Oribe"." Se a fronteira era o o rebelde Rivera fundava o Partido Colorado, e cruzava a fronteira atrás
território de Bento Gonçalves, também o era de Rivera, e as ações de do apoio do velho comparsa Bento Manoel, buscando as graças do Im-
um e outro não respondiam às respectivas autoridades legais. pério. Como Oribe e Lavalleja eram aliados dos federales de Rosas, go-
Araújo Ribeiro, por seu lado, não se afastou de Pelotas e Rio vernador de Buenos Aires e principal caudilho da Confederação Ar-
Grande, onde tomou posse do cargo em julho de 1836, temendo a gentina, e Rivera recebia a adesão dos proscritos unitarios, os insurgen-
Assembléia Provincial da capital, na maioria a favor dos rebeldes. Ao tes do Rio Grande logo tratariam de estabelecer relações diplomáticas
invés de pacificá-los, preferiu dividi-los, atraindo seu parente Beiito com blancos orientais e federales argentinos.
Manuel como seu Comandante de Armas; além de guerreiro afama- Assim, Oribe frariqueou a fronteira aos negócios dos sublevados,
do, mantinha boas relações com o Comandante Geral da Campanha abastecendo de cavalos, armas, munições e vestuário as forças armadas
oriental, afirmando que "não lhe desse cuidado a fronteira, porque o da República, enquanto os negociantes de Montevidéu asseguravam o
amigo Rivera a conservaria em paz9'.17ABento Manoel cabia derrotar aporte de grande q~iantidadede reses, couros e mesmo charque, em
os farrapos, divididas em duas frentes de combate: Beiito Gonçalves condições muito favoráveis em razão das necessidades prementes dos
assediando Porto Alegre, que caíra em mãos legalistas, e Netto, com- republicanos. Montevidéu tornara-se a praça comercial dos republica-
batendo na fronteira contra os imperiais que haviam emigrado para nos, mas o Estado farroupilha tinha dificuldades para controlar a fron-
o Estado Oriental em 1835. teira e conter as atitudes indepeiideiites de alguns "cidadãos", e o con-
A situação complicava-se com o pronunciamiento de Rivera contra trabando tornava-se iirn problema para a República construída por aque-
Manuel Oribe, buscando DO?% Frutos O apoio do agora prestigiado Ben- les que pouco antes haviam combatido as aduanas imperiais.
to Manuel; isso deixava Oribe numa situação delicada, e sua opção se- Nas aproxiinações com Rosas, os farrapos apregoavam um discur-
ria o apoio aos rebeldes condicionado a uma secessão definitiva, coiisti- so repriblicaiio e federalista, buscando a proteção do riiaior líder federal
tuiiido uma unidade política independente. Assim, a proclamação da do Prata.4" Rosas, no eritanto. coiidicionava seu apoio à República Rio-
República Rio-Grandense por Netto, nos campos do Seiva1 em 11 de Graiideiise a um efetivo empeiilio de seus chefcs na perseguição a liivei-a,
setembro de 1836, teria inspiração no presidente oriental.'" o que estava muito além das suas possibilidades. Por outra parte, iicgó-
Pouco depois Bento Gonçalves rendia-se a Bento Manuel na ilha cios na capital portena eram mais difíceis pela distância e pelas disputas
do Faiifa, e a sobrevivência da República dependia do Estado Orieiital, que as facções rivais travavam nos rios da bacia platina. A procura de
não apenas como um refúgio às perseguições, mas como mercado para aliaricas com blancos e federales persistiram até 1839, mas tanto Oribe
os gados, couro e charque dos farroupilhas, e o abastecirneiito de equi- quanto Rosas receavam apoiar abertamente os dissidentes e criarem
pameiitos bélicos e cavalhadas. Mal começava uma guerra em que os animosidades com o Império do Brasil.

AMI. 18:35-HGS, p. 23.


44 AHKS. C;oletcin~í~,
43 Icl., AM1.18:35-BCS, p. 30.
46 Itl., AP.FK-20.36, p. 34.
4'7 Publicações do ai1 XXIX. P,ores,o (10s I:hncll/os, Iiio de .Jrineir.o:Oficiilas Crificas do Arqiiivo
Nacional, 1933, p. 233. (:<irta tleJoáo Ant6iiio em 21/2/18YG. 49 Ai-clii~oGeileial [>eIda Narloii (AGN). Carta3 de J . hl. de I,iina e Siha e Bento C;oiiçalves.
48 \'arela, 01). czf., p. 882. AGN.
O ass~iritocciitral do Tratado de Caiigiii. seria abordado lios arti-
A República e o Estado Orieiital: gos adicionais, e versava sobre os aiiseios de DONFruto.<em 11ermanecer
'rratados de Cangué e de Çan Fructuoso iiidefinidamente na direção dos destiiios orientais, alternaiido-se 1.10s
cargos de presidciite ou cle comaiidaiite da (:arripailha, passaiido assim
Com o retorno de Bento Manucl Ribeiro ao exército repiiblicaiio,
a ser a única autoridade oriental reconhecida pelos rel3uhlicailos.
Fructuoso Rivera, que se exilara no Mio Grande biiscaiido a pioteção
Nem todos estavam confiantes no curnprimei~todos termos do tra-
daquele aiitigo parceiro, precisou repensar suas aliancas, c ji rio início
tado, tendo o prúprio Bento Mai~oelalertado Almeida sobre a necessi-
de 1838 buscoii aproximações com Bento Goilçalvcs "purs si Iaspira
dade de Bciito Goncalves toniar a frente das negocia<;Ges,que deveri-
álibertar asu Patria sacudieiido e1 yiigo deun Gobicrno Moiiar quico yo
am ser cuidadosas." Alais otimista em relação a Rivera era o plenipo-
peleo p.r destruir un tiraiio". <2iiaiito 2s relações coni o Iinpéi-io,justifi-
tencigrio Correia da Câmara, qiie acaleiitava espei-ancas na aquisição
cava-as como forma de ganhar "Ia bastante confialixa para estar al
de um porto ein terras orientais,'ji que nunca se coricretizou, já que
coi-iociniiento de todos 10s recursos de aquella corte y Ias medidas que
boa parte dos lucros do comércio de Montevidéii pi-ovinharn do forne-
pense tomar sobre la Proviiicia de San Pedro"." Eiii jiiiiho, já iioirieara
cimento de reses e couros pelos rio-grandcnses, e Rivera precisava con-
Martiniaiio Cliilavert como enviado junto aos repuhlicaiios."
tar corii o apoio dos negociaiites daquela praça.
Rivera ainda não liavia retomado o posto de presidente do Estado
Coni a volta de Rivera, o Estado Oriental mantinha-sc autônomo
Orieiital quando assiiioii com os i-epublicaiios rio-graiideiises, em 21
apcsar da coristalite arncaça de Rosas, que acolhera Oribe corno seu
de agosto de 1538 o Tratado de Caiigúé, que pressupunha a volta do
principal chefe militar; a resistência oriental era comparada com àque-
caudillio ao cargo máxinio do Estado Oriental e a presei-vac;iio da Re-
la dos Farroiipilhas contra o ImpErio."" Don Frutor, apesar de iião se em-
pública Rio-Grandelise corrio uni interlocutor reconhecido, propon-
peiilrai- iio curnprimeii to das cláiisulas firmadas eni Cangiié, rnantiiiha
do-se ambos "uiiirse eii virtud de iin tratado de Aliaiiza Ofei~sivay de-
com~inicaçõescorri a Rcpúl~lica,procurando aparar as arestas que se
fensiva". Os dois prirnciros artigos explicitam o mútuo recorihecimeii-
criavam. Tambéin estava consciente dos prqjuízos de urna eveiitiial rup-
to. No artigo quinto, havia a promessa de "expulsioii de1 tcrritorio Ori-
tura com os farrapos, qiie llw abriria iirn flaiico ii~coiiveiiieiitepara seu
eiital de todos los Agentes politicos de1 Iiiiperio", além de propiciar aos
projeto de unia 1'uh-in G m n d ~iia qual iludearia toda a "mesopotâniia"
rey>ublicai:ros a eiitrcga d e "arrriailiicntos niunicioiies y d e mas
platina. A partir de 1840, esse plaiio incluiria iiecessai-ianiente os rebel-
propiedades publicas" dos iiuperias, eiiquaiito o artigo obi-igavaaiiálo-
d e s do Rio Grande, enl que pese os cuidados que tii~liaem relaç-ao ao
ga medida aos rio-graiideiises."
Império do Brasil.
Mais adiante, Rivera se coii~piomctiaa dispor de i r i i i esquadrão
Em 1840 os far-i-oiipillias tiiiliam clueixas de IZivera, eni especial
'"con trez cahallos por plaza e1 cual pcrmaiiccera unido en ciralidad de
por pcr-mitil- reilniGes de legalistas em tei-ritorio orieiital. Isso 11ão im-
A~iziliara1 Ejcrcito Rio-Grariclerisc: eiicuaiito cliirai-a la guerra ctc Irr
pedia Moiitcvidéu de coritiiiiiar Siiiicioiiando corno ceiitro comercial
liidepci~deilciade este paiz", coni a obrigação de Bciito Goiicalves "á
para osprodutos dos r-epublicai~os,c que os rregcícios com gado pros-
poiicr igual fuerza, de la misrna ai-ina, y por e1 ticmpo ai-i-il~afijado 5
perassciii lia Banda Orieiital, ao cliie parece com participaçâo ativa de
disposicioli de1 Geiieral Dcieiisor". Os poritos segiiiiites eram rriais pi-ag-
Do?zl;i.ic~or." krri fevereiro de 1841 escrevia Bento Goii~alvespara Rivera
rnsticos, como a disposição para os repiiblica~iosde "ti-ez rriil caballos
sobrc a missao que coiifiara a Aiitoiiio Vicente da Foiltoiira, prevendo
para e1 uso de su Caballeria de I,ii.iea", e o compromisso de Don Fructo
pr6xiimos ncrr tos com o Estado Orieiital.'"
erii vigiar a fronteira entre os dois Estados para rcpriinir forças Icgalistas.
Notável aiiida. ci-a o destaqiic para O coinCrcio claiidcstiiio, "nnri parti-
ciilarrnciite 5 Ias qiic vcrscii sol.11-c Ia propicdad de 10s csclavos qiir se
-54 AIIIZ.";,I I , i i t a 71, M,i<o 49, í:V-7749.
asilcii 6 condiiscari de uiio a oirtm-o tcrritorio".""
55 Icl., ibitl., (8V/-.:SLT:37,p. 5.
.56 Mriseii e Arcliivo Jlistrii-ico tlo R i o C;i-ailtle d o Si11 (M~iseaiJ i i l l o tle (:astillios). Dociimeiitos
1iitercss;iiitc.spai-a o esti~clotla gi'iii~clc.i-e\,oliiçãode 1835..1815.1" \.lol~inic.O I'c)7~o(Ecl. Fac-
siinilai-).Foi to hlegi-r: (;lobo. 19:50. O /'01/0 72.p. 307.
57 .AI~I<S,v. 3, ( 3 7 - l,'((j5, 1). 319.
58 d~\tlRC;S,(,'o/~inivcr.,., o/). cii., (;L'-8448, p. 1 '72.
As aproximações progrediam ao loiigo de 1841, com a ratificação
O litoral: diplomacia em Corrientes e no Paraguai
por parte de Rivera numa coiiveiição secreta em 5 de julho que previa
a devolução para a República de desertores refugiados na Banda Orien- A vizinhança de Corrientes sempre fez desta província uma refe-
tal, ao que parece contando com a efetiva colaboração de Don Frutos.s9 rêiicia para os republicanos rio-grandenses, se iião como aliados ao
Tudo indicava a assiiiatura de um novo tratado entre o Estado Oriental menos como eventuais fornecedores de cavalos e mantimentos. Tam-
e a República, ainda mais que Rivera, perdido o apoio dos franceses, bém as embaixadas que os farroupilhas tentaram junto a Buenos Aires
voltava-se para os eventuais aliados do litoral.6o e ao Paraguai passavam necessariamente pelo território correntino, onde
Com os farroupilhas seria firmado em 28 de dezembro o Tratado o plenipotenciário Correia da Câmara mantinha boas comunicações
de San Fructuoso, de texto muito mais eiixuto que o de Cangué, visan- com os governadores aliados a Rosas. Em 1839, mesmo com as tentati-
do as necessidades prementes da República Rio-Grandense por cava- vas de ganhar o apoio de Echague, não eram perdidos de vista os
lhadas e o esforço do caudilho oriental em reunir efetivos para uma corren tinos mais influen te^.^^
possível operação na província de Entre Ríos. Assim Bento Goiiçalves e O interesse pelos assuntos do litoral aumentaram com as vitórias
Rivera acordaram que os farrapos dariam "um auxílio de 500 homens obtidas por Rivera e Lavalle. O Povo de 4 de dezembro reproduz vários
de infantaria e 200 de cavalaria, todos de linha, para invadirem e ocu- boletins e proclamações dos vencedores, como a de Pedro Ferré em 25
parem a província de Entre Rios", e que os orientais cederiam "depronto de outubro:" a edição seguinte, de 7 de dezembro, ocupou-se quase
com 2.000 .61 inteiramente em reproduzir pronunciamentos de Ferré, Lavalle e Rivera,
Esta convenção, apesar da sua simplicidade, repercutiria ampla- mostrando a importâiicia desta oposição armada de federales provincia-
mente pelo Rio da Prata, significando a desistência definitiva dos re- nos, uni ta rio.^ exilados e colorados orientais, articulando-se iiuma frente
publicanos de alguma aliança com a Confederação Argentina, agora conjunta para enfrentar Rosas." Em f~inçãodesta nova realidade, dia 8
tendo rebeldes do Rio Grande como aliados de Rivera e dos dissideii- de dezembro Bento Goiiçalves escrevia a Domiiigos José de Almeida
tes do litoral, como manifestou o enviado Tomás Guido para o miiiis- sobre a importância de estreitar relações com o novo governo
tro Oliveira Coutinho em 19 de janeiro de 1842." Procuravam os di- correntii~o.~"
plomatas da Confederação Argentina provar a "escandalosa protecion Em fins de 1841 mais um fracasso de Echagüe, frente ao correntiiios
que Frutos prestaba a 10s rebeldes", para tirar o Império da sua posi- lia batalha de Caaguazú, aumentaria as esperanças de Rivera em reali-
ção de "neutralidade" em relação aos assuiitos platiiios. O Brasil, po- zar sua coalisáo de províncias, conforrne escreveu para Almeida."' Já o
rém, não tiriha ainda condições para definir claramente sua política Boletim de Bagé também coiigratulava-se com a notícia, reproduzia carta
de alianças, e seguia negociando com Rivera lia Baiida Oriental, mcs- do general veiicedoi-,José Maria Paz, para o presidente Beiito Gonçal-
mo que houvesse consciêircia da indcpeiidêiicia do caudilho ria sua ves." Abriam-se amplameiite as possibilidades para o "quadrilátero" de
luta pela sobrevivência deiitro do seu estilo. Mais preocupaç6es teria Rivera: ao Tratado de San Fructuoso somava-sea aliança entre Corrientes
Tomás Guido se estivesse ao par das negociações que os farroupilhas e o Estado Oriental, o que estimulou a envio para Corrientes do pleni-
tratavam com a dissideiite províiicia de Corricntes, chave para o con- potenciário Ullioa Cintra que, em 29 de janeiro de 1842, celebrou com
trole político do lito~ul. o representante correlitirio uma coiiveiição secreta, fechaiido o triâii-
gulo entre Rivera, Ferré e Bento Gonçalves.

59 Aii;iis d o AIHR(;S, v. 3, CV-1736, p. 471, e (X-2016, p. 5.50.


G3 Miiseii e Ai-cliivo..., Docilmeiitos Iilteressailtes ... I"].., o/). tzt., O Yo-cton. 69, p. 29.5.
f1~12ten liozcls y Hivern. Buerios Aires: Pellegriiii
60 Stewart Vargas, Giiillei.rno, Ol-ibey .YLL ,si,qr~z/i'liccccion
Impressores, 1958, p. 296. 64 Id., OI'o7~oii. 124, p. 52G.
São Paiilo: Cia. Editora Naciorial/UnB, 1982, p. 192.
61 Spalding, M'altei: i1 l~~~o1zr~6ol~k~~~'0i~j1il/zcl. 6.5 Id., OPouoii. 125, p. ,530.
62 AI, Cori-es~>oiidêiicia, Kepi~sc-ntaç6rsDiploiliáticas Esti-aiigeiras ilo Brasil, 1,egação da Chnfè- 66 AIJIIC;S, (;O/P/~^I?P
o..., ojj. cit., (;V-8404, 11. 1125.
deração Ai~geiitiiia,280-4-9. 67 AIIKGS, 1,at;i 71, hlaço .'>O, (3'7882.
G8 Aliai, d o AIIIIGS, \: 4, (:V-"04, p. 423.
Os prinieiros artigos tratavam de foineiitai o cornércio f'roiitcii-i- Pouco aiites da assii-laturado Ti-atado de Saii Frucliloso coin IZivei-a,
ço;'j9 os artigos quarto e quinto detalliavarn procedimentos para evitar e já eiisejaiido a formação cla "confedei-ação mest~potâmica",os
o contrabaiido, autorizaiido fuiicionários de ambos signatários para qiie farroupillias eiiviavarn Ulhoa Ciiitra conio plenipotciiciái-io para
controlassem as embarcações que fizessem a travessia do rio Uruguai; o Corrientes e Pai-agiiai" Através da iiifluência obtidajunto a Ferre, Ciiitra
sexto e o sétimo garantiam para os cidadãos rio-grandeiises e correntiiios conseguiu na abertura das negociações com o Paraguai, como infoi--
o tratamento como súditos da "Nação mais favorecida" respectivameii- mou o próprio Carlos Antoiiio ao coiigrcsso iiacional." boa voiitade do
te em Corrientes e na República Rio-Granderise. Nos três artigos se- futiiro S?rí>remoda República do Paraguai com o enviado rio-graiideiiscs,
guintes, a Convenção de Corrientes tratava dos assuntos da guerra, com- no entanto, seria seriamente comprometida pela investida do comaii-
prometendo os pactantes em fazer desarmar e impedir de causar danos
dante Guedes em terras que eram disputadas por paraguaios e
os eventuais inimigos da outra partei0.
correiitinos sempre atrás das cavalhadas para a guerra.
No décimo-primeiro artigo proibiam-se as reuniões de adversários
O brigadeiro legalista José Maria Gama, que mantinha algiins vín-
do governo do "Estado amigo" no Rio Grande e em Corrientes, e no
culos pessoais com os paraguaios, tiiiha sido encarregado de adquirii-
seguinte havia o compromisso de devolução de armamentos e cavalos
de desertores que se asilassem em um e outro território. O décimo- cavalos rio Paraguai, por ordens do presidente legalista da pi-ovíiicia do
terceiro previa a foi-mação, "logo que as circuiistâncias permitam", de Rio Graiide do Sul, Saturnino de Souza e Oliveira. 'Tendo adqiiirido
uma aliança ofeiisiva e defensiva contra os iiiirnigos de ambos sigiiatári- uma respeitável tropilha de seiscentos animais, o brigadeiro foi forçado
os. Os poiitos seguintes visavam ampliar as relações dos rio-grandciises a permaiiecer em Itapila, já que atravessar a província de Corrieiites
com outras unidades da Confederação lia medida em que a guerra coii- significava arriscar a preciosa aquisição aos ataques farroilpilhas lia clie-
tra Rosas fosse bem-~ucedida.~' Dispiiiilia-se ainda sobre o caráter se- gada ao Rio Grande. Estes cavalos iiiveriiados atraíram para o seu refú-
creto da convenção, que foi endossada por Bento Gonçalves em 5 de gio a expedição de Guedes, como acresceiitava Carlos Antoiiio ern seu
março, tendo liavido a troca das ratificações de ambos os governos em documento para o l e g i s l a t i v ~ . ~ ~
16 de setembro. Na mesma meiisagem comunicava Cai-10s Antoiiio que, apesar das
O acordo visliimbrava uma participação mais ativa dos farroupilhas cartas d e lillioa Cintra desde Corrientes com o objetivo de "dar
nas disputas da Chnfederação, e foi cogitada unia "Divisão Expedicio- satisi;acioiies", estava resolvido a "creer en obras, y no eii coiiceptos
nária" para auxiliar as operações de Rivera em Entre Ríos" e em agos- fastuosos, cerrando e1 Gobieriio sus relaciones con tal eiiviado". Neste
to, Bento Gonçalves escrevia para Pcdro Ferré sobre rnaiiobras coiijuii- sentido, escrevia que o governo paragiiaio liavia provideiiciado em
tas contra Rosas.'" Esses contatos chegaram ao conliecirnento de To- manter em suas fronteiras uma "esti-icta iieiitralidad, que e1 Gobiei-rio
más Guido, eiiviado de Rosas ria Corte, que deiiuiicioii os acordos e ha adoptado, no solo eri las diseiicioiies de1 Rio Graiitle, siiio eii Ias de
clamava por urna operação comuni eiiti-e a Confederação e o Império. las proviiicias ~oiifcderadas".'~ O Paraguai, iiitcrcssado em uma aber-
Regis, eiicari-egado da legação de Montevidéu, duvidava aiiida da possi- tura política e coiiiei-cial, miiito rapidamente sofria os efeitos dos coii-
bilidade de operações coiijuntas dos farroilpilhas com os corren~iiios ratos com os caiidilhos do Rio da Prata, e em primeira mão daqueles do
Poucos dias depois, iio eiitanto, escreveria pi-eocupado sobre o ciicoii- Rio Graiide.
tro dos chefes rebeldes do liiorul que Rivera promoveu em Paysaiidú, A República Rio-Grandeiise teiitoii, afirmaiido qiir a invesiicla do
do qual participou Bento Goiiçalvcs. A ameaça agora era de uma nova terieiite-coroiiel Gucdes iião tiiiha o apoio oficial, e que tirilia tomado
confederação platina, capaz de resistir ao Império e à (:oiifederação as providêiicias para sanar a má repercussão do caso no Paraguai c ein
Argeiitiiia, talvez ampliada com uma eveiitual adesão do Paraguai. Corrieiites; como explicou o próprio Bento Goncalves na carta

69 Biblioteca Naciorinl (RN) 07,03,34.


70 I/)l(I 74 Ana15 do AI IKCS, v. 3, CV-197.5, 1) 537.
71 Ihz(1. 75 Il,zrl.
72 Anais do AI IMCiS, \ . 3, (:V-,570, 11. 19. 7G /h///.
r-<
/.3 AI, (:oi-iespon~lêiici~i,Kel~reseiitacóça..., Lxgaçso Aigc,niiii,i, 280-4-9. 77 AI, (:o1 respoiitli.nci,i, Reprcjeiit,ic,6cs ..., 1,egnçio Argciititi'i, 2880-4O
eiidireçada para o governador Pedro Ferré em 15 de n ~ v e m b r o . 'Mas
~ consecuencia se estipulase, solo aparescari dos entidades, e1 Estado
os incidentes também repercutiriam neçativameiite para o Império, Oriental y Ia Revolucioii Argeiitiiia".""stro excluía tratados em sepa-
porque o governo paraguaio ordenou em 11 de outubro que os oficiais rado pelas partes, ficando Rivera de fato e direito como Diretor da
legalistas se retirassem de Itapua.'" Guerra contra a Confederação.
As repercussões sobre a presença de Bento Gonçalves em
Volta da "Pátria Grande": O convênio de Paysandu Paysandu apareceriam alguns dias depois. Em 29 de outubro, um iri-
dignado Regis escreveria para a Corte sobre as homenagens que o
Desde 1840 a legação de Montevidéu ocupava-se dos movimeiitos presidente farroupilha recebera na reunião, e que "o Presidente Don
de Rivera no litorul, mas Gaspar José Lisboa subestimava a capacidade Fructo dera hum baile a Bento Gonçalves, que a sua chegada a Pay-
de agregação do caudilho, apostando que seu conhecido caráter o im- Sandú fora recebido com huma salva de 21 tiros",s4 conforme a de-
pediria de "obrar de accôrdo com Ferré e Lavalle; mas que pretende
núncia anônima de legalistas exilados em Taquarernbó e Salto que
sêr o Commandante em Chefe de todas as forças alliada~".~~) Era similar
em Paysandu "estava já o Presidente Rivera esperando seu Aliado e
a opinião de Almeida Vascoiicellos, para quem os seguidores de Lavalle
amigo Bento Glz. (dizem que será ali muito bem recebido e obsequi-
não cessavam de "accrisar D, Fructuoso Rivera de ter faltado a todas as
suas promessa^".^^ Mas justan~entepor não ter a pretensão de cumprir ado, pois se fazião grandes preparativos para isto) ".s"m 8 de novem-
2 risca todos os acordos Don Frutos movia-se com facilidade, sabendo bro Regis iiiformava que "D.Fructo dera a Berito Gonsalves duas peças
que qualquer dissidência com Buenos Aires dependeria do porto de de artilharia, clavinas, laiiças, algum fardameiito, munições de guer-
Montevidéu. ra, e quatorze mil pezos em moeda, devendo receber em retribuição,
Assim tarnbem foi na Reuiiião de Paysaiidú promovida por Rivera e como socorro a infantaria rebelde".86
em 14 de outubro de 1842, para a qual compareceram o governador Mais enfáticas aiiida eram as reclamações que o plenipotenciário
Pedro Ferré de Corrientes, Juan Pablo Lopez de Santa Fé e José María da Confederação no Rio de Janeiro, Don Tomás Cuido, dirigia ao gabi-
Paz como representante de Entre Rios, "expresando que teniaii por nete de São Cristóvão. Aiiexando uma carta de 15 de outubro, também
objecto acertar cuanto creyesen coiidiiciente a1 buen exito de Ia guerra não assinada, que noticiava as homenagens recebidas por Bento Gon-
que sosteiiiaii contra e1 tirano de Ia Republica Ai-gentina,D.Juaii Manoel çalves em Salto, escrevia o representante argerititio para Oliveira
Coutinho em 15 de novembro reiterando que "el caiidillo orieiital Fru-
Rozas". Ao encontro foram aiiida convidados Beri to Goiiçalves e Carlos
tos Rivera se entablan conveiiios coii e1 de Rio Grande, se franquia la
Antonio Lopez, do Paraguai, que não compareceu.
Banda Oriental a1 amplio comercio dc 10s eiieniigos de S.M."." A Con-
Os dois primeiros pontos foram resolvidos em conjunto, e os
federação procurava provar ao Império que os inimigos eram comuns,
contrataiites "convenieron coii la misma uniformidad, en que e1
iiucleados por Don En~tos,e que cabia às duas maiores potências siil-
Seilor Presidente, General Rivera, delnia ser e1 Director de la Giner- americanas agirem em comum acordo para a liquidação destes peque-
ra", corno era desejo de Iiii~cto. NO terceiro, que envolvia os custos nos dissidentes, o que prenunciava o tratado que a Confederação e o
da guerra, que pretendia fossem rateados entre os aliados."' Por su- Império encaminhariam em 1843.
gestiio do general Paz as províncias argentinas seriam tratadas coirio
uni "todo compacto", d e forma que "en e1 converiio, que á

78 Miiiistério das Relaçoes Exteriores. A Missíio Bellrgardr no I ' a ~ r ~ ~ . z(1849-1852).


~ni Rio de J a i ~ e i -
ro: DivisGo de P~ihlicaçõesdo MKE;, 1966, v. 1, p. 1 16.
83 publicações do ,4110 XXXII, Co, )esj)otzdPt,tzcc..., op. tzl., p. 341.
..., ol,. cil., p. 205.
70 P~iblicaçõesdo alio XXXII. Cor7-~sj)onrlP~7cia
84 Ibid., p. 343.
80 Ibid.,p. 231.
85 P\iblicaç<Sesdo a n o XXXII, Correspondência ..., p. 345.
81 Ibid.
8G ..., l,egaçâo Argentiria, 289 4-5).
AI, (:o1 res],oiitlf.ri( id, Kepi-ejeiita~fies
82 Ihitl.
87 Ibid.
Essa co1ivicc;áo de qrie Rivera atrairia libertos para sua causa foi
coiifirmada com o iiiício da Cz~erruGrande9quaiido Do17 Frutos aboliu a
Mas em dczenibro de 1842, Rivera foi derrotado pelo exercito misto escravidão no Estado Orieiital visando recompor suas liostes. Tais atitu-
de federales rosistas e blnncos comaiidaclos por Oribe em Arroyo Grande, des estavani dc acordo com as deiiúncias qrie Guido, o enviado de Ko-
que resultou na perda definitiva de Entre Ríos para a Confederação. O sas, fazia na Corte, e abria o camiriho para negociar coni a Confedera-
declíiiio do Estado Oriental de Rivera e o isolamerito qiie erifrciitaria ção Lima forma de resolverem em conjuiito os problemas que causa-
Corrientes, assediados pelas forças armadas da Confederação em ofen- vam os colorados e os rebeldes da cxtremadura. Assim, eni 24 de marco
siva, reduziam dramaticamente as possibilidades de sobrevivéiicia dos de 1843, o Brasil e a Argeiitina "desejando restabelecer a paz lia Rrpii-
republicanos rio-çraiidenses. A Banda Oriental esteve dividida nos nove blica Oriental do Urugiiay c na Província de Rio Grande cle São Pedro",
anos segiiiiites por dois governos: o da Defunsa, dos colorados cercados formali~aramum tratado de aliariça ofensiva e defen~iva."~
em Montevidéu, coritando com o apoio dos batalhões estrangeiros - Nos dois primeiros artigos manifestavam os objetivos comuns de
quase dois terços dos nioradores - e das esquadras inglesa e francesa; e combater Rivera e os rebeldes rio-graiideiises, dispondo no terceiro
o do Cerrito, dos blunros que controlavam a campaiilia e coiitava com sobre o apoio da marililia imperial ao bloqueio de Montevideu, cujos
expressivo coiitingentr de J;(cEerulesargentinos. custos o artigo seguiiite estipulava à Confederação; o quinto dctermi-
Assemelhava-se a Daiida Oriental com a províiicia de São Pedro, iiava o fornecimerito de seis mil cavalos para o exército em canipariha
cada qual com um governo coiitrolando a regi20 portuária e outro a iio Rio Grande. Também dispiiiiha sobre o destiiio dos chefes rebeldes,
campanha, e paradoxalmente com as alianças cruzadas. A difícil situa- que iião poderiam asilar-se nos países signatários e deveriam permane-
ção de Rivera a partir do final de 1842 causava apreensões entre os cer a mais de diiieiitas léguas das respectivas províncias. O décimo-
clicfes farrapos, assim como a sittiaçáo de Corrieiites." 0 Oúico trunfo segiiiido artigo trazia, eiifim, a priiicipal reivindicação do Império an-
de Don Frutos, na opiriiao de Bento Goiiçalves, seria um eventual apoio tes da conformação desta aliança, "a celebração do Tra?ado definitivo
das potêiicias européias.") A República perdeu a praça comercial de de paz entre ambos os países, coiiforme a estipulaçiio do Artigo 17 da
Moiitevidéii, iiitensificando-se o "coiitrahaiido" para as regiões coiitro- Coiiveiição Preliminar de 27 de agosto de 1828".!"
ladas pelos legalistas, e iriiciavani querelas com os ataqurs dos Dlancos às Os termos desta coiivenção deveriam ser ratificados em Ruerios
propriedades rio-gi-aridriises na Banda Oricn tal. Aii-es, mas Rosas negou-se a confirmar o tratado, alegando que este
Uma qiiestão irriportarite foi gerada pela presença dos li bertos nas dispuiiha "da sorte dos 01-ieiitaes, e do seu territorio sem ter parte,
tropas fari-oiipilhas. O Consellio de Estado do Inipkrio em seteml-)I-ode iieril sei- ouvido Oribe".04Provavelinente o Kesta~iradoi-,com os aliados
1842 discutia as grandes cliaiices de Caxias veiicer os rebeldes, mas com Dlancoc às portas de Moiitevicléu, esperasse obter mais concessões do
o risco de estender a gurria ao Estado Oriental, porqtic i r a niuito pro- Brasil."' Esta iiidefiiii~iioda Coiifcderação - após o InipCrio ter cedido
vável qiie "pelo inerros os escravos armados, prociireni rcriiiir-se ao 11a protelação do Tratado Defiiiitivo de Pay - provocaria um rccuo dos
Geiieral Rivera";'")o Coiisclho deveria decidir entre o iiso da força con- representantes brasileiros em relação a Rosas, especialmerite em rela-
tra Rivera, se este acolliessr os libertos, eiivolvciido-se ern nova grierra ção ao conflito oriental.
no Prata, ou aceitar a alforria rlesses soldados, criando iini "tei-rivelpre-
ccdeilte de premiar com a lil~erdadeo crime de insiirrci(ão, com o fim
de evitar uma guei ra estrangeira". "I Os coiisellieiros foram irnanirrie-
mente favoráveis a uma interveiiçáo militar. Iiiiha
,.
v sido mais Ecil coilviver corri os vcllios iiiimigos dc kila
castí:lliaiia quc coiii a autoridade ceritrnliiadora de urn Império. A fmii-
teira marcara urna alt cridade, iiias possil~i1i~;tr.a
rinia coiivivêiicia parrta

88 1I)zd.
80 A N , Códice (503,Aloiirnt.iaios Igoliticos, Rio C;i-aiidc do Srll, Folh,i 4 0 1 . 92 l b ~ d .
$1 O l/)ld. rlo A N O .XSXl\', i\lr.~tl(jrrtr , o/) r?/., p
93 Piil)lic~i<õcxs (30

91 BN, 11-32, 3, 6 11. 13. $14 I>i\r.l Dt51oto. (I/] (7!., 11. 155).
da pela ação autônoma dos que ali faziam siias vidas e suas guerras, e Referências
que por vezes tinham interesses comuns. A afirmação da identidade
regional, necessária para a expansão e segurança dos limites nacioriais, ALONSO ELOX Rosa et alli. La Oligarquia Orioztal en lu Cisplatina. Montevidéu:
dificultara a incorporação de uma identidade nacioiial. A guerra exter- Ed. Pueblos Uiiidos, 1970 (214 p.) .
na, tantas vezes alardeada como um fator importante de consolidação BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O expan~ion~ismo brnsiluiro e a f m a ç ã o dos Estudos
do "ser ilacional", no caso do Rio Grande reafirmou o 66continentino" - na bacia do Prata. Ayentinu, ( J r u p a i e P a r a p u i - da Coloniraçüo a à ~ e r r ada Tr$dice
só bem mais tarde traiisformado em "gaúcho" - como quem carregava Aliança. Brasília: Ensaio/UnB, 1995.
sobre os ombros o fardo pesado do Brasil, o "tempestuoso aboletameiito" CALÓGERAS, J. Pandiá. A política exterior d o Império. B l . III: rln Regência à
referido por Bento Gonçalves. Queda de Rosas. Brasília: Câmara dos Deputados/ Companhia Editora Nacioiial,
O trânsito pelas fronteiras de homens, gados e mercadorias garan- 1989 (Edicão Fac-similar) .
tira a sobrevivSncia da República Rio-Grandense, e lhe dera uma posi- CERVO, Amado Luiz. O Parlamento brasileiro e as relações exteriores (1826-1889).
ção de agente político de fato nos assuntos platinas. Submeter o Rio Brasíiia: UnB, 1981.
Grande pela força significaria para o Império a perda de comandantes
CHIARZMONTE, José Carlos. Mmcadmes de1 Litoral. Econon2ia y sociedad en Ia
e soldados que poderia ser decisiva no caso de um enfrentamento que povincia de Corrientes, ~ m n c r nmitad de1 selo X7X Bueiios Aires: Fondo de Cultura
se avizinhava com Rosas; permitir-llie a secessão, seria perder um espa- Economica, 1991.
ço conquistado com tantos sacrifícios. A única solução possível era um
FONTOURA, Antônio Vicente. Lliario. De l q e j a n e i r o de 1844 a 2 2 de março de
armistício, que fosse honroso para os dissidentes e realmente os
1845. Caxias do Sul: EDUCS/Sulina/Martins, 1984.
reconduzisse ao antigo papel de "sentinelas avançadas do Brasil". Con-
templados com as medidas econômicas e políticas que lhes interessa- SALA DE TOURON, Lucía y ALONSO ELOY, Rosa. E1 Urugurcy Co7~zercia1,Pa~lonl
vam, os homens da fronteira mais uma vez perfilariam na defesa das y Caz~dillesco.ibmo 11: Sociedad, Politicu y Ideologza. Montevidéu: Ed. de Ia Baiida
Oriental, 1991.
cores imperiais.
Não houve, no entanto, o abandono das ações independentes, SPALDING, Walter. A ~ o l u ç ( i Fàrrou~illza.
o São Paulo: Cia. Editora Nacioiial/
comandadas por chefes privados, interferindo nos assuiitos platiiios. UnB, 1982.
As "~alifórnias~~de Chico Pedro e algumas escaramuças de Souza Netto STEWAKTVARGAS, Guillerrno. Otióey su signflcucionfi-ente a Roras y Ririera. Buenos
precederam a intervenção brasileira em 1851, defixiindo os rumos da Aires: Pellegi-irii Impressores, 1958.
Guerra Grande, teiido os rio-gi-andensesparticipado com toda sua ca- VARELA, Alfredo. Hirtória da p n d e reuoluçüo. O ciclo f~rroupillzano B7 asil Porto
valaria na derrubada de Oi-ibe, e mais tarde dc Rosas. Iiiterfei-êiicias Alegre: Globo, 1933 ( G v.).
contra os governos bluncos lios anos 60, obrigariam o Império a agir
WEDEKÇPAHN, Hcnrique Oscar. Bento Gonçok~ese a s p n - ~ r r&Arligas.
s Caxias d o
novamente na Banda Oriental, o que seria uma das causas da Guerra Sul: Universidade de Caxias d o Sill/Instituto Estadual do I,ivro, 1979.
da Tríplice Aliança. Mas essa era a condição da fronteira: sua garantia
exigia um grau de autonomia dos homcns da guerra, incompatível com
uma subordiiiação passiva ao govcriio central.
eiros na fronteira uruguaia:
economia e po ítica no séc
Susana Bleil de Souza e Fabricio Pereira Prado

A região ao norte d o rio Negro, no atual território da República


do Uruguai, já na época colonial contava com sigiiificativa preseiiça
de luso-brasileiros. Desde as fundações da Colonia do Sacramento e
Laguna, na década de 1680, começou a tomar impulso a presença e
exploração da Banda Oriental e do Rio Grande de São Pedro por
parte de luso-brasileiros. Na primeira metade do século XVIII, a fun-
dação de Rio Grande e do forte de Sâo Miguel, por parte de Portugal,
é representativa dos fortes interesses que os particulares e a Coroa
portuguesa maritinham junto aos rebanhos da Banda Oriental. O trân-
sito entre a Colonia do Sacramento, Rio Grande, e os demais núcleos
populacionais hispano-americanos da região, acabou por definir, ain-
da no século XVIII, a presença de brasileiros na região norte do atual
territór-io uruguaio.
Em 1801, o demarcador espanhol, Félix de Azara registrava em
sua Memória wral do Rio da Prata que a produção pecuária da região
estava fortemente vinculada à economia charqueadora rio-grandeiisc.
Azara alertava aiilda, que o comércio ilícito entre "portugiieses" e "es-
panhóis" era uma realidade e "sendo muito difícil cortar estas vendas,
talvez se pudesse permiti-las mediante direitos iirn poiico altos, e não
em toda fronteira, senão unicarnerite aos povoadores ao norte do rio
Negro, por estarem muito distante dos saladeiros de Moiitevid6u".'
Após a i n d e p e n d ~ n c i ad e Espariha, e o fracasso da Revolução
Artiguista, a fronteira norte permanecia ainda com características
socioecon6micas muito semelliantes às descritas por Azara rios pri-
meiros anos do século XIX.
O espaço froriteiriço entre Brasil e Uruguai no século XIX era ain-
da bastante indefinido, poroso. Tratava-se de uma fioriteira seca, que se
estendia por mais d r 400 quilometros em meio ao pampa, nunia paisa-
gem onde predominam os mares de morros e povoada por grande nú-
mero de mariadas de gado cimarrón. Não bastasse a paisagem seinelhari-

'': Este artigo é tuna vei-sâo ampli:itla e i-evisada de um primeiro trabalho sobr-e esse tema, piil>lica-
do em CD-Roin, eni Montevidkii, em 1909.
1 Felix de Azara. Merntii-ia i-ilral do Rio da Prata. (1801). 111:FIlE:ITAS, Décio. O rc~f)i~nlisuao
l)nstoril
Porto Alcgi-e:Escola Siiperioi dr Teologia Silo l,oui.enço de Briiides, 1980, p. 69.
le do norte uruguaio e da campanha gaúcha, o tipo social, e os valores vam-se com a garantia da propriedade dos brasileiros estabelecidos no
culturais eram também compartilhados, de um lado e outro da frontei- Uruguai, e tal problemática, persistiu durante o decorrer do século XIX.
ra. Assim o norte uruguaio e a campanha gaúcha constituíam um espa- Pode-se perceber, entretanto, que as chamadas "opressões e violêiicias"
ço fronteiriço integrado, economicameiite complementar, e ainda: os reclamadas pelos brasileiros lá estabelecidos, variaram em termos quaii-
limites entre os dois países durante os três primeiros quartos do século titativos e qualitativos no decorrer do período analisado, de acordo com
XIX não haviam sido definidos. a conjuntura política de cada momento.
Após a independência do Uruguai, o preço convidativo da terra e O objetivo deste estudo é examinar a presença brasileira na fron-
a qualidade superior dos pastos foram fortes atrativos aos rio-grandenses teira norte do Uruguai e analisar a evolução política da tensão entre os
que voltaram a se estabelecer na Banda Oriental. Alguns proprietários proprietários brasileiros e grupos das elites orientais durante o século
rio-grandenses que ali haviam permanecido durante a guerra, também XIX. Tal período, denominado pela historiografia como "Viejo Uru-
retomavam à normalidade em suas atividades produtivas. Dessa forma guai", era marcado pela predominância da "estancia criolla" nesta re-
muitas estâncias organizadas ainda antes da independência do país te- gião, onde o poder estatal era débil e a instabilidade política bastante
rão seus títulos de propriedade reconhecidos pelas autoridades da Re- acentuada.
pública. Não obstante, já nos anos iniciais da década de 1830, encontra- Para este trabalho, constituíram-se em preciosa fonte, as notas,
mos reclamações de estancieiros rio-granderises estabelecidos na ban- ofícios e listas de proprietários encaminhadas pelas autoridades de fron-
da oriental quanto à "alienação" e "desapropriação" de propriedades teira do Brasil ao governo do I m p é r i o ~ e l a t a n d oas adversidades
na região norte.' encontradas pelos brasileiros proprietários frente às autoridades do
A partir de 1828, os rio-grandenses continuaram a comprar e ar- país vizinho. Através desses documentos, os estancieiros rio-grandenses
rendar terras na fronteira do país vizinlio. Os chefes políticos solicitavam ao governo central proteção "à vida e propriedade de seus
montevideanos perceberam que seria impossível impedir os estanciei- súditos" e o cumprimento dos acordos internacionais entre a Repúbli-
ros rio-grandenses de voltarem a se instalar na Banda Oriental. Assim, ca e o Brasil." partir deste material, elaborado na fronteira, pode-
"os uruguaios reataram relações ecoriômicas com os rio-grandeiises mos entender melhor, o que os rio-granderises qualificavam de "vexa-
colocando anúncios nos jornais locais para vender e alugar os melho- mes" e "opressóes" sofridos em território uruguaio ao longo de todo o
res pastos de inveriio".% terras ao norte do rio Negro, em meados do período abordado. Tais agressões e confiscos de terras e gado, o desres-
século XIX, tornaram-se praticamente um apêndice econômico e soci- peito ao direito de propriedade, acabavam por influir diretamente na
al do Império. A maioria dos proprietários era brasileiro, criador de economia agropastoril da províiicia do Rio Grande. Dessa forma, os
gado para abastecer charqueadas da província, praticante da pecuária interesses desse grupo latif~indiário-pastorilencontravam eco na As-
extensiva, utilizador de mão de obra cativa (mesmo quando a escravi- sembléia Provincial do Rio Grande do Sul.
dão tornou-se ilegal lia República). Os rio-grandenses acabaram por O exame dos discursos dos parlamentares na Assembléia Proviiicial'
influir, determinantemente, na língua, na moeda, nos costumes e no rios permite vislumbrar, com relativa clareza, a evoliição das interven-
modelo produtivo adotados na r ~ g i ã o . ~ ções e das propostas políticas encaminhadas ao governo central pelos
Entre tanto, a instabilidade política da República dava margem a pecuaristas da fronteira, através do Legislativo Proviiicial. Tais manifes-
constantes confiscos e "embargos" (por parte de autoridades, ou che- tações cobravam ações protecionistas da diplomacia imperial junto às
fes políticos uruguaios) de bens de brasileiros lá estabelecidos. Desde
os anos iniciais da década de 1830, os líderes rio-grandenses preociipa-
5 Constaiites rios livros d e Notas ao miilistério dos Negócios d o Estraiigeiro (MNE), Notus ao
Ministério dos Negócios da G~ierl-;i(MNG), Avisos ao Miiiistéi-io da Justiça (M!j) e Correspoli-
dêilcia Expedida pelo presidente da Proilvíricia (CEPP), todos no Arqiiivo EIistórico d o Rio
2 Não possuímos informações , eritretailto, sobre a procedêiicia dos titiilos de propriedade, ou
Grailcle d o Sul (AI-IKS).A lista d e proprietãrios elaborada pelas autoridades d e fronteira é do
seja, qual a autoriclade e em qual momento liaviam sido emitido tais títulos. Algumas proprie-
Arquivo Nacional do Rio d e Janeiro (ANKJ).
dades constam cle antes da iilvasão luso-brasileira, por exemplo. Coiif'orme ofícios ao MNE d e I
20/10/1832; 28/10/1834; 30/1 e 7/5 d e 1835 (AHRGS). I
I
G Especialmeiite o de 1851, beni corno siia revisão em 1857. Material obtidojunto ii Biblioteca
Nacional.
3 Spericer Leitmaii. Raizes ssócio-ecoi/o~~zicns
(lcr (;z~er~-n Sáo Paulo: Graal, 107'9.
clos fi~n-nj~os. I
7 Anais da Asserrihleia Provincial (AAPKGS) nos anos d e 1848,5Y, 66 e '73, Centro d e Pesquisa do
4 Beiijamiii Naliíiin e Jose P. Barrili. Nistcí,ic~rzcm1 de1 lil~~~n~ni
moderno. Tomo 1. Montevicleo:
Solar dos Câniara c Aryiiivo I-Iistórico do Rio Grande do Si11 (AI'1RS).
Ediciories d e Ia Barida Orieiital. 1
autoridades urugtiaias em defesa da garaiitia do dii-eito de pi-oprieda- Coiivém ressaltar que, lia fronteira, os problenias e suas st>lu<;ócs,
ultrapassavam, em muitos nioniciitos, as diretrizes políticas e diplornáti-
de dos brasileiros estabelecidos no territorio Orlciital.
cas. As disputas políticas eiitre BZuncoc e Colaruh não apenas ocomiam iio
Os Anais do Câmara de Represeiitantes de MontevidéiiVambém
espaço oriental, mas atravessavam a fronteira e se materializaram 110
foriiecem importantes informações no que conceriie aos projetos polí-
cenário político rio-grandense, através de alianças eiitre os líderes polí-
ticos referentes a uma política de terras para a região ao riorte do rio ticos daquele lado da fronteira com os grupos rio-graiidenses. Os líde-
Negro. Através deles podemos perceber, a partir dos anos iniciais da res políticos da fronteira tanto do Rio Grande, quanto da República
década de 1860, como a elite política em Montevidéu enxergava e tra- Oriental, já se encontravam ligados, no século XIX, 1150 só por laços
tava a questão da presença massiva do elemento brasileiro, essencial- políticos," mas também familiares e comerciais. Assim os enfrentameritos
meiite agropastoril, ao norte do país. Tal preocupação traduziuse em ou agressões aos estancieiros rio-granderises estabelecidos no Uruguai
propostas e projetos de colonização da fronteira. As propostas dcfendi- estavam determinados, em muitos casos, pelos víiiculos pessoais e polí-
am desde a nacionalização à 'Vesbrasileirizaçáo" da fronteira, substitu- ticos do proprietário. Durante o período abordado, principalmente nos
indo o elemento brasileiro bem como seu modo produtivo, essencialmen- momeiitos de maior crise ou de anarquia, as políticas oficiais estipula-
te agropastoril e utilizador da mão-de-obra escrava. das pelos diplomatas dos governos centrais de ambos os países, nem
Este conjunto documental deve ser coinpreendido de forma inte- sempre se realizavam e davam margem a novos arranjos políticos, defi-
grada. O intercruzameiito das iriformações contidas riesses diferentes iiidos e implemeiitados ao iiível regioiial, levaiido em coiita as intrica-
tipos documentais acaba por indicar um quadro bastante complexo de das redes de fidelidades pessoais existentes no período. Muitas vezes as
relações sociais, políticas e econômicas na fronteira. Os interesses dos diretrizes definidas entre os grupos rio-granderises e orientais iam con-
habitantes da fronteira e as facções políticas eiivolvidas contrapunham- tra as políticas determinadas pelo governo do Império.
se, em diferentes momentos, com as diretrizes pretendidas pelos gover-
rios centrais do Brasil e do Uruguai. A fronteira uruguaia e as guerras civis: 1835 - 1851
Ligadas a estas questões políticas regionais, e, por vezes, delas re-
sultaiites, estão os tratados interiiacionais celebrados entre os governos No iiiício da década de 1830, os brasileiros estabelecidos no Uru-
do Império e da República do Uruguai. Exemplarmente podemos citar guai reclamavam dos embargos e confiscos de suas terras por forças
os tratados de 1851, sua revisão parcial de 1857 e o coiivêiiio de 1865. militares de caudilhos uruguaios, as quais, seguiido as autoridades de
Em mais de uma ocasiáo o Império brasileiro utilizou-se da força mili- fronteira do Brasil, chegavam a contar, por vezes, com mais de 600 110-
tar" para celebra-los e maiité-10s. Esses tratados atendiam, antes de niens. No eiitaiito, as autor-idades, ou chefes políticos urtlgtiaios não
tudo, aos interesses geopolíticos e ecoii6micos do governo central em foriicciam iienhum documelito q~iaiidoefetuavam tais coiifiscos, c) que
relação ao Prata. Seciiiidariamente, levavam em consideração, os iiite- dificriltava ao proprietário reaver seus bens.
A A

i-esses dos estancieiros rio-grandeiises. Pode-se situar nos tratados de Em setembro de 1835, ainda em um momeiito dc afluxo de rio-
1851 a m;tior aproxiniaçao dos interesses do Iinpério coni os interesses çraiidenses aos campos orientais, teve início a guerra dos Farrapos no
dos rio-grandeii~es.~') Nos tratados seguintes haverá o paulatirio af'asta- Rio Grande do Sul. Nos primeiros anos do coiiflito, o intercâmbio coni
mento eiitre as diretrizes políticas e os interesses assumidos pelo Impé- o Urug~iaiiião liavia sido afetado, "durante a maior parte da guerra os
rio em relação aos interesses e propostas defendidas pelos rio- Farrapos eram senhores absolutos das pastagens e também conirola-
vam o movimento do gado das terras que os brasileiros possuíam ria
graiideiises, ou mais especificamente, pelos pecuaristas da fronteira.
Banda 01-ie~ital".'~

8 Trechos de <-lisciirsosselecioiiaclos ein Petrissans Agililar e Freiria Cai-ballo. Extra~~eiixtrción r& Ias 11 Quase todos os graiidc-s conflitos lia Banda C>i~ieiital oii no Rio Grailde c10 Stil (Iiivasão Iriso-
tio.?-asr i a ~ i o ~ ~ ahllonte\idee):
ks. Proyeccioit, 1987. Discui-sos iiitegi-ais: Aiiales de Ia 29"legislatirra de hrasilera na Banda Oriental, C;~ierrados Farrapos, (;~iei-raGraiide, 'Ti-íplice Aliaiiça e Kevol~i-
Ia tioiiorable Chrnara de Representaiites. Prirner Período de Ia No\leiia I.,e$slatui-a - Tonio 11. ção feíleralista), tiveram eni coniiim, o eiivolvimerito d e g n i ~ j o s p o l í t i c o ~olitro o Iacio da
Motite\.idc-o:Tip. Oiiciitiil,19H(i,1986. fi~oiiteii-a.
Ver: Mal-ia I i ~ e Moi-aes,
s Iiio C;rande do Sul y Ui-~igiiay:histórias fi-onterizas (apiiiites
1mi-a una age11tla de llist(ji.ia coinparatlti) 111: 'Targa, 1,. (Org.) Breur i ~ / ~ i r i ~ t(If>h ~tr~tzas
i o (io rul.
9 Kef'ei-imo-110sespecificanieiitc. às iiiter~eiiçõesde 18.54 e d e lOfi4,
I'orto 12ligre: UFKGS/FEE; I,+jea(lo: lJiiiz.att.s, 1098.
10 Seguiicio Elsa A\~anciiii.ii/ut~ccioli? I'c~rtr~~ll,os
r m n/lontrvicleo, 1851-3, lbse rile mesti.ado USP.
12 Spelicer Leitrilali. Il'crizrs so'cio-rco~io~trirt~~i
da (-;t~prm S;Io Paulo: (;i-aal. 1979.
clo.r (;(117~1I)os.
1982.
O coilflito, que s6 terminou em 1845, com a pacificação imperial e Em 1848 a campaiiha eiicoiitrava-se praticamerite devastada, de-
o ateiidimento parcial das reivindicações farroupilhas, encontrou o serta. Falta de mão-de-obra, iiisegurança, matilhas de cães selvagens, e
Uruguai enfrentando uma guerra civil com dimensões internacionais apenas um terço do rebarilio bovino 110s campos. (Aproximadamente
que assolava o território do país, desorganizando a campanha. 2,5 milhões de cabeças restavam dos 6,5 milliões de antes da guerra).
Com o fim da Guerra dos Farrapos, os rio-grandenses passaram a Manuel Oribe, líder das tropas Blancas (que dominavam a campa-
contar com o gado da Banda Oriental para dar novo fôlego à economia nlia), aliado de Rosas,'Viante de tal quadro, temendo, ao menos teo-
da província, frente a uma campanha devastada pelo longo conflito. ricamente, pela aniquilação do rebanho uruguaio, proibiu a passagem
Entretanto, a situação belicosa, de total anarquia e devastação da cam- de bovinos para o Rio Grande do Su1.17A partir de então, milícias blancas
panha uruguaia nos Últimos anos da Guerra Grande, fez com que mui- passaram a vigiar a travessia de gado na fronteira. Quem fosse apanha-
tos brasileiros estabelecidos ao norte do rio Negro encontrassem pro- do atravessando gados para o Rio Grande era enquadrado no crime de
blemas em garantir suas propriedades.
contrabando, fazendo com que as propriedades dos "contrabandistas"
Os embargos de propriedades e o confisco de rebanhos para a
fossem passíveis de embargo. Embora muitos rio-grandenses já estives-
alimentação dos exércitos eram constantes. Nas palavras do historia-
dor uruguaio A. Barrios Pintos: existiam "estancias que habían sido sem com seus interesses embargados em função de seus víriculos pes-
embargadas, otras estaban ocupadas por tropas uriiguayas, pero en su soais e políticos na guerra, este decreto aumentou as tensões entre au-
mayor parte habían pertenecido a propietários b r a s i l e Í i o s . " ' ~ oen- toridades orientais (as tropas do Governo hlanco de Cerrito, neste mo-
tanto tais medidas encontravam amparo constitucional. Pela Consti- inento) e os estancieiros rio-graiidenses que necessitavam atravessar seu
tuição do Uruguai, de 1830, no Artigo 144 estabelecia-se que a proprie- gado para o abastecimento das charqueadas no Brasil. Significativa quan-
dade privada era inviolável, mas que em tempos de guerra, em caso tidade desses embargos realizaram-se apenas com base em denúncias
de extrema necessidade o governo poderia dispor da propriedade dos chefes políticos vinculados a 0 r i b e . l W a s não eram somente as
alheia, mediante a prestação de recibo. Segundo as autoridades e os forças Blancas que embai-gavam as propriedades de brasileiros. As recla-
proprietários brasileiros, na maioria das ocasiões tal prática não era mações dando coiita de embargos realizados por forças de Rivera tam-
respeitada,14 além do problema de as facções em conflito, não reco- bém eram recorrentes.lg Tal fato contribui para a percepção de que,
nlieciam os recibos emitidos pelas forças opostas. Somente os acor- enfim, mais importante do que a origem do proprietário era os víncu-
dos de 1851 resolveram essa questão. los pessoais e políticos que maiitinha, ou seja, as redes sociais nas quais
Muitas vezes as desapropriações poderiam vir acompanhadas de estava inserido.
violêiicias ou de recrutameiito obrigatório em um dos exércitos. Ha-
A alienação das propriedades ocorria, normalmente, sob a alega-
via ainda os grupos de bandoleiros que vagavam pela campanha em
ção da prática de contrabaiido (essa era a explicação mais recorrente),
épocas de guerra, e podiam ou 1150 estar vinculados às forças político-
militares em embate. Mas foram os bandos viriculados aos grupos po- eiitretanto, alguns embargos eram motivados por serem os proprietári-
líticos em combate os principais responsáveis pelo que os rio-
grandeilses qualificavam de "violêiicias", "vexames", "opressões", além
de muitos assassinatos nas estâncias durante os anos da Guerra Gran-
de. Neste período registrou-se a fuga de grande iiírmero de famílias 16 A Guerra Grande op6s Blailcos e Colorados n o Uriig~iai,e Federalistas e Uiiitários na Argeii-
que deixaram o território oriental em busca de segurança em terras tiria. Os Blailcos eram aliados dos Federalistas, e os Colorados atuavam articulados aos LJriitá-
rios.
rio-grandenses.l5
17 Kepetii~cioo expediente iitili/aci« por Arrigas iro "Reglameilto Provisõrio" d e 1815, no qual
proibia a passagem d e gado para 'Tortrigal", pois o rebanho oriei-ital encontrava-se milito
redu~ido.
13 Conforme A17íb~11Rarrios Piil tos. A r t i p s - cle kos nbonger~escmndo~-esn 10s tie?rzl)ospreselztes-Tomo 18 C:onfornie AI-IKS - CEPP -A-2/9 -. 13./3/ 1848; CEPP - A-2/9 - 1/8/1845; e AHKS ofícios ao
I . h4oiltevideo. 1989. p. 208. MNE cle 28/8/1850. Alkrn da Lista d e Propriethrios Brasileiros na Banda Orieiital obtida
14 AHKS - Notas ao MNE d e 28 Agosto d e 1850. junto ao Arquivo Nacioiial d o Rio d e Jaiieiro.
15 AI-IKS - Notas ao MNE d e 28 Agosto de 1850. A lista de proprietários brasileiros revela que a 19 AHRS - Ofícios ao MNE. 28/ 10/ 1834, Keclarnaçáo de envolvimeiito d e brasileiros tam lutas
maior parte dos proprietarios com propriedades embargadas passou ao Rio Grande ein busca iiiteriias no Urilg~iai,e de desapropriação d e propriedades d e brasileiros 16 1,esiderites por
d e segurança. Ver tainhémi Bei?jamiii Nahíirn e José P. Bari-511.Histhin I+ural &l CTr~~plai iV[otler- Kivera (com GOO homens) na regiao do hrapey. 'Tanlhérri AHKS - Oficios ao MNE 30/ 1/1835;
no, Tcimo I . Moiitevirleo: Edicicxies d e Ia Banda Orieiltal AHRS - CEPP - A-2/88 - 7/5/ 1835.
os simpatizantes do partido colorado, oii o iiiverso. A carga tributária a garantia da propriedade dos estancieiros sulinos estabelecidos na Re-
qual os proprietários estavam submetidos também variava conforme os pública.?"
víiiculos políticos do estancieiro. As tropas que impunham o confisco, O resultado dessa mobilização política foi o eiivio ao governo
r~ormalmenteutilizavam a fazenda embargada como quartel de uma central, em diversas instâncias, ofícios e represeiitacões pedindo pro-
milícia e o gado para abastecimento. Outra prática, era deixar essas teção ao "direito de propriedade" ao Governo Central. Entretanto
propriedades sob administração ou posse de correligionários, poden- este se esquivava de uma ação efetiva, alegando o princípio da neutra-
do algum, eventualmente, ser até mesmo bra~ileiro.~" Ta1 fato indica a lidade, não querendo influir nos assuntos internos dajovem Repúbli-
participação ativa dos brasileiros residentes rias questões políticas inter- ca. As autoridades imperiais alegavam aiiida que "violências" e "opres-
nas daquele país. Alguns comprometidos com colorados, outros com sões" eram termos vagos, pouco explicativos, argumentando que os
blancos; entretanto tais alianças caudilliescas eram por demais instáveis, conflitos eram casos isolados e se deviam à vinganças pessoais pelos
uma vez que eram calcadas em vínculos pessoais, e estes, sofriam estre- erivolvimentos, por parte dos rio-grandeiises, nas questões políticas
mecimentos nos momentos de crises abertas de poder político, como é daquele país.?"
o caso de uma guerra. Na fronteira a resposta à proibição do trânsito de animais materiali-
Assim os estaiicieiros rio-grandenses residentes na República, em zou-se nas "califórnias", comandadas pelo Barão de Jacuí.?? As
muitas ocasiões, variáveis de acordo com o equilíbrio de forças na re- "califórnias" eram expedições que chegavam a reunir forças com mais
gião norte e seus vínculos pessoais, solicitavam ao governo imperial de 600 homens, todos armados que adeiitravam na Banda Oriental
proteção as suas propriedades. apreendendo gado, saqueando propriedades, e até mesmo aprisionan-
do negros para conduzir ao Rio Grande.
Com o severo controle para evitar o atravessamento de gado na
Tais agitações criaram tensões diplomáticas entre os governos dos
fronteira, a situação tornou-se crítica para a maioria dos estancieiros
dois países, pois as "califórnias" constituíam invasões para saquear o
rio-grandenses. Em 1848, as tropas de Oribe, chamadas "blanquillas"
território uruguaio, e preocupou sobremaneira o Império quanto à si-
criavam proibições de trânsito de animais do Uruguai para o Brasil,
tuação na fronteira. Afinal, a lembrança da Guerra dos Farrapos ainda
assim como impediam a passagem de gado entre diferentes regiões do
se fazia bastante presente 110 centro do país. Ao Governo Central,
país, especialmente entre os rios Arapei e Quaraim, área de predomí-
intercssava manter a ordem e conter q~ialquerforma de sublevação na
nio de proprietários brasileiros.?' Nesse momento, a campanha gaúcha fronteira, além de não ver com bons olhos a autonomia dos caudill-ios
aiiida sentia os reflexos da Giierra dos Farrapos e o gado uruguaio era rio-graildenses. É com essa finalidade que já em 1849 é destacado, para
fiiridameiital para as charqueadas do Rio Grande. Assim, a proibição por fim às "correrias" e às "reuniões" que aconteciam lia fronteira, o
de fazer retoriiar o gado levado para cngordar no Uruguai para o Bra- Tenente- Coronel Manoel L,. Osório.
sil, contrariava frontalnlente as necessidades e os interesses dos estanci- As correrias, eritretaiito, continuaram a ter lugar na fronteira ain-
eiros e charqueadores rio-grandenses. da no mesmo ano, e a açào dos militares do Império foi ineficaz para
Tal situação foi levada por políticos e autoi-idades regionais à dis-
cussão na Assembléia provii~cialdo Rio Grande no mesmo ano. 0 s
deputados Brusque e Ubatuba solicitaram no plenário provincial que o
21 AI-IKS - CEPPA-2/9 - 3/3/1848, beni como AI-IKS - ofícios ao MNE - 28/8/1850.
parlamento rio-grandense enviasse representação ao Governo Central
22 Helga Piccolo (Org.) . ( ; o l ~ t k n ~d~nI)zsrzc~;ro5Pn~lnme,llnr~s
da Asse?~zblí;in
h,e~+sslntiva dn Provínrin
visando que este, pelas vias diplomáticas, intercedesse pelo interesse e (IP .SZo J'P~YO(10 RZO(handr do SUL Porto Alegre: AssemblGia I>egislativa cio E m d o d o Kio (;i-air-
d e cio Siil. 1998.
23 AI-IKS - Ofício ao MNE - 28/8/' 1850. Este ofício é uma resposta ao goveriio Imperial, oiide
todos as autoi-iciades do Rio Graiicie buscciiri coi~veiiceras aiitoridacles imperiais da gravidade
20 iiifbrniaçóes sohi,eos nxotivos dos embargos lcvani em consideraçâo a "Lista d e Proprietá1.i- da situaçiio e da necessidade cle tima ii~tei-vençãopara a garantia das propriedades brasileiras
os Hi-asileiros lia Baiitla Orieiital" obtidajiilito ao i\rqiiivo Nacional d o Rio d e Jaiieiro, além 110 Ur~igiiai.

dos Oficios ao hlinisti-rio c10 Estrangeiro (AHKS - MNF,). l i m caso exen-iplar é o tle José L>uiz 24 Francisco Pedro d e Abreu, oii (;bico Pecii-o era iim irnportaiite líder político iia região da
da (:osta Fai,ia, ai.1-eiidatário brasileiro, possuidor de mais dr 3.000 reses, protegiclo d o líder fronteira, possuía campos tanto 110Rio Grandt. (i-egiáo cle Alegrete e do ariial miiiiicípio d e
OlnrtroDiogo I.an.ias. (:osta Faria, mcsino coiit1.a a voiitacle tio proprietário ao qiial arrei1da1.aas D. I'etli-ito) quanto i10 Estaclo 0i.ieiital. Foi lirn cios niais importarites líderes realistas, aiiti-
terras, prestava arixilio 2s tropas rebeldes. FLtrroiipillia na guerra civil da província.
acalmar os âiiiinos dos proprietários rio-graiidenses. Foi sonieiite com nar todos os proprietários brasileiros estabelecidos no Uruguai, as ca-
os tratados de 12 de outubro de 1 8 5 1 2 q u e as "califórnias" cessaram, racterísticas da propriedade e a situação em que se encontrava no mo-
posto que, as garantias à propriedade r à facilidade de trânsito de ani- mento. As listas fòram concluídas nos meses de junho, julho e agosto
mais na fronteira foram asseguradas aos rio-graizdenses. do mesmo ano, apesar de muitos proprietários não terem fornecido
O baixo valor das terras, depreciadas pela devastação provocada dados sobre a extensão de terra que possuíam.
pela Guerra Grande, que diminuíra, consideravelmente, o rebanlio Segundo essas listas, em 1850, encontravam-se, aproximadamen-
uruguaio, entre 1843 e 1851, estimulou "latifundiários e aventureiros te, 1.181 proprietários brasileiros2%o Uruguai. Deste total, o docu-
do Brasil" a converterem-se no Uruguai, em "terratenientes por pouco mento aponta que 920 rio-grandenses possuíam 3.403,25 léguas de
campo, sendo que os demais não declararam a extensão das proprie-
dinheiro". Nestas campanhas quase desertas, instalaram-se os novos
dades. Dos declarantes, aproximadamerite 9% (105) estavam com os
proprietários com suas familias e seus escravos. Os brasileiros emigra-
bens embargados. Outros 8% (91) tinham abandonado seus interes-
dos continuavam considerando-se súditos do Império e, ignorando a
ses (propriedades abandonadas eram, muitas vezes, utilizadas pelos
legislação uruguaia, trasladavam uma "esclavitud apenas disfrazada".'" revoltosos), vítimas das violências e da insegurariça da Campanha nesse
Autoridades militares da fronteira encaminlzaram nesse período diver- momento.
sas notas ao Miiiistério dos Negócios do Estrangeiro do Império solici- Os proprietários brasileiros, pela natureza de seus negócios, con-
tando proteção à propriedade dos súditos brasileiros residentes no Uru- sideravam-se forçados a praticar o que as autoridades blancas considera-
guai. Em cada representação dessa espécie constavam, normalmente, vam contrabando. O trânsito de animais entre o Uruguai e o Rio Gran-
mais de uma centena de assinaturas de proprietários que se considera- de era fundamental para o abastecimento das charqueadas rio-
vam lesados. Tais autoridades mostraram-se francamente solidárias às grandenses. Ou seja, o trânsito ti-ansfroiiteiriço era estrutural na eco-
reclamações de seus compatriotas. nomia da fronteira. A proibição da passagem de gado resultou num
Em ofício encaminhado a 28 de agosto de 1850, os proprietários aumento das tensões e conflitos lia região. Os acordos de 1 2 de outu-
brasileiros pediam a intervenção diplomática do Império de forma efe- bro buscaram por fim a tais problemas.
tiva, alegando que movimeiitos como o do Barão do Jaciií, tinham por
objetivo a defesa das propriedades dos rio-grandenses na Banda Ori- Os acordos de 1851: o norte vira invernada
ental. Tal documeizto considerava que as "califóriiias" realizadas por
brasileiros na froiiteira eram reflexo da política implementada pelo O Estado brasileiro atuou em 1851, mediando a paz na Banda
governo Bknco de Oribe. Oriental sucedida pela assinatura dos 5 tratados de 12 de outubro eii-
tre a República e o Império. Esses tratados representaram a coi~juizção
Resultado do eiicaminliameizto das notas ao Ministério do Estraii-
dos iilteresses tio Império com os dos estancieiros rio-grandeiises. Afi-
geiro, o Impéi-io no início de 1850 solicitava às autoridades militares
nal, a anarquia na Banda Oriental já prejudicava em demasia os iiegóci-
fronteiriças a confecção de uma série de listas2' que procurava relacio-
os britânicos lia região. A Grã-Bretanha permitiu que seu braço infor-
mal i10 período, o Império brasileiro, interviesse na região acabando
25 Em 12 d e outiibro 18\51 foram assii~adostio Rio de Janeiro, por Andrés Lamas, os Ti-atados com o conflito. 0 goveriio Central utilizou-sc das "violências", "vexa-
entre Brasil e Uruguai: de Aliança, Siibsídios, C:oinércio e Na\legaçáo e Extradição e Limites. mes", e "opressões" reclamadas pelos súditos k)rasileiros na froiiteira
Tais tratados a~segiii-a\~am
o livi-etrânsito d e gado na froiiteira, garantiam a iitivegação conjiiil-
ta na Lagoa Mil-im, e garantia a exti,adic,ão d e escraIros fiigidos clo Bi-asil para o Ur.iigriai. A
uruguaia, como o pretexto da intervenção brasileira de 1853, que bus-
manutenção desses tratados signiíicoii a inter\.eiição brasileira na figura d e mais d e 3.000 cava assegurar o partido Colorado no poder, alem da garantia do cum-
soldaclos em Montevicl6ii em 1833, a fim tfe garantir a mailiitençáo do governo Coloracio, e o primentos aos tratados de 12 de outubro. Tal interveii@o, em 1853,
ciimprimento dos tratados.
tinha por ob~ctivotambém, assegurar a derrota de Rosas. Enfim, os

27 Listas elaboradas em 1851, no mês d e agosto pelas brigacl;is d e froilteira do Iinperio. A/laterial
obtidoj~intoao Ai-qui\,o Nacional do Kio deJsiiieiro. As listas fi~rainelaboradas por tlifèreii tes
28 Esse iiliniero é al~roxirriacloe sut)estiniatio, uma vez qiie eiii algiiiis casos registraram-se apenas
compallhias militares. Dessa fòrrna existem difèreiiçus entre elas d e dados of'et-ecidos. Algil-
o nome d e li111 pl.olj~-it.tArio
senclo qiie a pi-opi-irdade posstiía mais scícios.
mas cifras aproxiniadas se de\wn a liniitaçi5es clessa oi.rlern.
tratados e a interveiiq2o 1150 erain motivados apenas pela pressão dos das i~eclaiiiaçõesé ci-esceiitc ao lo~igoda década de 1850 e, entre 1857
rio-grandeiises, mas tarribSm por interesses comerciais britânicos, e e 1864, eiicontramos a maior iiicid?ncia de reclames do Iri~périocom
geopolíticos brasileiros, no sentido de assegiirar a livre navegação lia 41 ofícios eiicamiiihados. As "violências'', "vexames" e "opressões" con-
bacia do Prata, importante para o acesso ao então território do Mato tra súditos brasileiros eram definidas pelos rio-graiidei~sese autorida-
Grosso. des imperiais como: assassinatos, estupros, prisões (legais e ilegais), re-
Dos tratados assinados em 12 de outubro de 1851, eram o de crutamento forçado, imposição d e traballios obrigatórios,
Comércio e Navegação e u de Extradiçâo"' os que mais diretamente "estaqueamei~to",violações de domicílio, extrações de gado e extra-
atendiam aos interesses dos estancieiros da fronteira. Estipulavam res- ções de dinheiro." Dos inúmeros embargos, seguidos de assassinatos
pectivamente, entre outras cláusulas, o livre trânsito de gado na fron- de brasileiros na fronteira, a maior parte é atribuída aos comissários de
teira, assim como desobrigava os brasileiros de cederem suas proprie- polícia e chefes políticos uruguaios.
dades para serem usadas nas guerras, bastante comuns no Uruguai Em resposta a essas reclamações do Império, o governo de Monte-
desse período. Além disso, o de extradição, garantia a recuperação dos vidé~inegava uma ação sistemática por parte de suas autoridades con-
escravos fugidos da província para a República, onde já se extinguira a tra os brasileiros. As autoridades uruguaias argumentavam qiie tais acon-
escravidão. tecimentos eram erifrentameiitos entre facções políticas, e que cstan-
Estes tratados acabaram por criar coiidições legais para que os es- do os brasileiros eiivolvidos nas contendas entre blnncos e colorado,r, aca-
tancieiros do Rio Grande coritinuassem a utilizar a região ao norte do bavam por sofrer as mazelas da guerra."'
Rio Negro como invernada de gado para as charqueadas gaúchas. Tais As elites políticas do Uruguai, de ambos os partidos, percebiam
garantias atraíram novamente os brasileiros ao norte uruguaio. As ex- a alta iiicidência de propriedades brasileiras na região norte como
celentes pastageiis e o preço convidativo das terras da Banda Oriental, uma ameaqa à soberania territorial e à identidade oriental naquele
somado às garantias legais agora respaldadas pelo governo Imperial espaço.
constituíram-se em forte argumento para o afluxo de estancieiros brasi- Em 1857, estimava-se que os rio-grandesiises possuíssem cerca de
leiros. Os rio-graiideiises levaram consigo novamente gado e capitais. 30% do território oriental. Em meados do século XIX, o Urilgiiai esta-
Reocuparam suas propriedades e 15 se estabeleceram novamente, prati- va convertido em um imenso campo de engorda de gado para a indíis-
caiido a pecuária extensiva e prodiizindo animais para as charqiieadas tria de cliarque brasileira. As terras da fronteira eram iiiveriiadas dos
rio-graiidenscs. Utilizavam como mão-de-obra, escravos brasileiros, que estaiicieiros rio-graiidenses que necessitavam cada vez de mais espaço,
eram iiitroduzidos como peões, no Uruguai, sob falsos contratos de tendo em vista sua exploração extclisiva. A fronteira norte da Republi-
traballio, com duração de qiiiiize a vinte ca 01-ieiital transforiiiara-se, praticanieiite, em uni apéiidice ecoiiómi-
Eiitretanto, a debilidade do Governo central uriiguaio ainda era co do Inipério. Tal situação era bastante coiihecida rio Brasil. Em 1859,
pateiitc, e as autoridades de Montevidéu iião coiiseguiam impor seus o senador do Inipkrio pela Província de São Paulo, Silva Ferrar, num
desígnios freiite aos caudilhos blancos da camparilia. E , ao longo da discurso declarava qiie "ao passar para o outro lado do Jagiiarão se-
década de 1850, as reclamações da continuidade das "\~iolências"e riliorc~s,o traje, o idioma, os costuriies, as moedas, pesos e niedidas,
"opressões" contra os brasileircis continuaram sendo recori-c~ites.E11- tudo, até a terra é bra~ileiro"."~
tre 1852 e 1864 o governo brasileiro eiicaminhou 56 reclamacõcs oficiais
ao governo iirugiiaio a respeito dos conflitos entre as autoridades uru-
guaias e os proprietários brasileiros.'" Podemos notar que a recorrêiicia

:3:! C:rrndet.n«.s de Mnt-chn. N . 62. I,a Rlission Saravia, Moiite\~icleo:19'72. Doe. O2 I?erln111ncio)z~s
29 Pnra iirn qiindio mais cori~pletoa respeito do5 tratados d e l i d e oiitiibro de 18.51 \ e r Elsa l)ei/cIirrl,tesin?rindn.\ pot. Iri lqqciciij7i ittlperie[ietr :\íloutyoi(Ieo O I ~ LejP pbienro dr ki /&/jrliúhlicn Ot-i~t,tnl
rle
A~ancini.Alr~cl(Eo(/P f'nln)~Izo~ PIW ibko~~ie7izdr0,
1831-3, tese d e rnesti-atlo USP. 1982 l l r ~ ~ g u nTi~adiiccióil.
j. p. 13.
30 Petrissdiis Agiiilar e $leilia (,ai ballo. O/). (11. 13. 56. C;unrlert~oscle A/krrr~l~ct. N . (52. I,a hlission Saraiiél. hloiltcvidco: 10'72. Doc. 02 I?~i.lnnt,ctciorl~s
31 Crtntl~t1 / 0 5 dr AIntcl~n.N . 62 I,a hIi4sioii Sara\ ia. Rloii tevideo:19'72. Iloc. O2 I?rc/c~t,~nctotr~s /)B~~~IPIIIPS / ) ~ r ~ d i o /itririrtttct.~
le.~ pot- 10 l~,~r(~ción
ilu/)cvi(il(;r1 M o t ~ t ~ ~ i dat~te de (n XeJirih1ic.n 017r;utnl(IP
e o ~lg(i'»úiet.tlo
ztzztzntlezs po) ln k~gu(~ótz 1tt1/)~7xnl ~ t (JP l i tZc$tihlltn 01~rrlinld r 14 i ~ g t i q .
e!/ Alontr7~ltlrocrtlir r/ g u h ~)/o l i atliiccihn. p. 15.
1 II.~L(C~I.OJ.
TI-adiiccióii, p. 6-14. 34 Trecho d e cliscrirso extraído d e Petrissans Agiiilai e E'i.eiiia (;arballo. O/).cil. p. 67.
A tentativa de reação oriental: tal. Portanto, dava-se preferêiicia para a instalacão de colôiiias agr íco-
Ias, uma vez que substituiria a pecuária comandada pelos riograndcnses.
as políticas do governo Berro para a frorit.eir-a "Es preferible Ia iilstalación de agricultores porque 10s brasileÍíos son
'poco amigos' de la agricultura, por su naturaleza esencialmente pasto-
O norte uruguaio chega a década de 1860 como uma extensão
ril, e1 elemento labrador atuará como fator exp~lsor."~'
dos campos de pastoreio do Rio Grande, um apêndice da economia Alguns deputados chegaram a entusiasmar-se com a idéia de um
charqueadora da província. No entanto, tal situação era também re- cinturão agricultor ao longo da linha de fronteira, isolaiido o elemeiito
conhecida pelos uruguaios, e em nada agradava aos chefes políticos brasileiro, pastoril por exceli-ncia. Dessa forma a preferência produtiva
em Montevidéu. A grande quantidade de proprietários brasileiros na pela instalação de colonos agricultores era priorizada, colocando a ques-
fronteira passou a ser tratadas como questão de Estado. Em março tão da nacionalidade dos imigrantes em plano secundário, como
de 1860, na Câmara de Representantes, .José Vásquez Sagastume de- exemplifica o deputado Juaii Maria Perez: "Yo, sciiores, seré franco:
nuncia a extinção da cidadania oriental ao norte do Rio Negro, decla- prefiero ser turco que brasilcfio".'"m outras palavras, não importava
rando que, na maioria dos estabelecimentos de campo situados na- a nacionalidade dos imigrantes, desde que cessasse a forte predomi-
quela região, havia escravos contratados com o iiome de peões, nância do elemento brasileiro na região.
Substituir o modelo produtivo tradicional utilizado pelos brasi-
registrados em alguma "oficina pública." Argumeii tava o deputado,
leiros, por outro mais moderno, significaria também orientalizar a fron-
que iiesta localidade, tão importante para a República, podia-se dizer teira. O estímulo à pequena propriedade pastoril de ovelhas e, priiici-
que não havia Estado Oriental: "10s usos, costurnbres, e1 idioma, e1 palmente, o estímulo à agricultura, em substituição à pecuária extensi-
modo de ser, todo es brasileiio: puede decirse como continuación de va (sem melhoria de pastagens, sem refino do gado, cuja carne só po-
Rio Graiide de1 S U ~ " . ~ presença
" maciça de rio-grandenses lia fron- dia ser aproveitada pelas charqucadas), acabaria por oricntalizar aque-
teira atingira níveis tais que ameaçava a soberania territorial da região la região, integrando-a mais ao espaço uruguaio, desvinculaiido-a da
no final da década de 1850. econ?mia rio-graiidense.
É justamente nos anos iniciais da década de 60, no período da E com intuito de conter a "iiivasão" e a iiiíluêiicia brasileira que.já
presidência Dlanca de Beriiardo Berro que o assui2to passou a ser trata- se desenvolvia, desde 1853, urna política de criação de pequenas vilas
do com maior preocupação pelo legislativo urugilaio. Esse período é ern poiitos de fronteira, como Santa Rosa dcl Cuareiii (atual k l l a
marcado pela criação de uma Coniissão Especial para tratar do povoa- Uiiión), Treiiita y Tres, villa Artigas (hoje Rio Branco), entre outras.
Em 1862, criava-se a Vila de Cevallos, futura cidade de Rivera, Neste
mento da fronteira, Vários projetos de coloiiiza<;ãosiio elaborados, e
momeiito, entretanto, tais iiílcleos populacionais eram aiiida bastante
amplos debates tiveram espaço no parlamerito. No entanto um ponto débeis. Cogitava-se aiiida, por exemplo a permuta da pequeiia Villa de
era pacífico na questão: "la urgeiite iiecessidad de Ilevar población a la Cevallos por outra área lia fi-oiitcira com o Brasil. Tal possibilidade ex-
r1oiircra por la irivasióii de1 elemento brasileiio, e1 cúal constituye una tingue-se apenas em filiais da dCcada de sessenta, devido à atuação de
masa de poblacióii homogénea, de fuerte tradicióii, costumbrçs arrai- parlamentares preocupados em conter o avanço brasileiro."Vais nú-
gados y aún por su proprio idioma, que se coiistituye u11 elemeiito de cleos populacionais vieram a constituir "cidades geminadas", que em-
peligro a la Rep~blica."~ hora adiniiiistrativameiite iiidependeiites, eram complementares qiiaii-
A quase to talidade dos projetos apresentados eram de inspiração to a sua economia. Mas sobretildo, tais núcleos urbanos marcavam a
liberal, e previam a concessão de terras para colonos uriiguaios, oii para presença estatal uruguaia na região.'O
"coloiios nacionais e estraiigeiros" (europeus). rIàiito Blancos quanto
Colorados eiixergavam a presença brasileira ao norte do rio Negro como
um grande risco à soberania territorial daquela p o r ~ ã odo Estado Orien-

39 Oscar F a ~ r eCarlos
. Keylcs y Niiestra E'roiitera c011 Brasil. Hoy es f1islo1-ia. Montevideo Aiao VI1
N. 38, 1c190, p. 07-09.
3.5 Ver o pr-ólogo d e Picel Devoto em B a i t ~ ãFrdilcisco.
, Sor znC~y f i o n b ~ ~ ~ ~Molltevideo:
EsJ-tudzo~ co,.
Biblioteca Artigas, 1972. 40 Siisan'i Bleil de Soula, Os caminiios e o s hoineils do coiitr,ib,lndo. 111:Iaia Castello, Fnio
lI,i~iseil~t 01. (org.). P I ( ~ ~ L C( 1( I?~\) & / P ~ ~ (tL~( nEf,on/czra$:
)o IPmnJ / ~ a , no lll~rrorríl.Porto Alegi e. Ed.
36 'li-echo cle discurso exti.aído de Petrissans Agiiilar e Fi-eiria Cai,ballo. O/~.(:it.p. 62. d,i Universiciatle/UFK(;S, Institiito Goethe/l(,BA. 1905, p. 126-139.
Coricomitaiite, buscava-se erradicar a escravidão velada dos pa- blanco. Nesse momelito podemos perceber que as articulaçóes da
trões brasileiros. Eni 1861 o presidente Bernardo Berro, além de de- Tríplice Aliança já estavam sendo previamente ajustadas.
nunciar o término legal da cláusula do tratado de Comércio qiie garan- Nessa conjuntiira teve início a guerra do Paraguai, que envolveu
tia a livre passagem de gado para o Rio Grande, proíbe a celebração de não apenas grandes coiitigeiites dos caudilhos gaúchos, como tambkm
contratos de trabalho eiitre patrões brasileiros e "cidadãos de cor," por as forças dos caudilhos da campanha oriental. Nesse período os assun-
um período maior do que seis anos. Para evitar o descumprimento da tos internos assumem importância secundária frente 2 contenda inter-
lei, os contratos celebrados entre patrões rio-grandeiises e negros ti- nacional.
nham que ser realizados lia Jqaíura Defiartamental, onde o peão era es-
clarecido de sua condição de homem livre, da qual não gozava do ou-
tro lado da fronteira. Modernizaçào ao sul, tradição ao norte
Tal medida visava por fim à prática usual dos estancieiros brasilei-
ros que introduziam escravos como peões livres no Estado Oriental sob Após o fim da Guerra do Paraguai a região platina ficou pacificada
falsos contratos de trabalho, que terminavam, devido a seu longo tem- quanto à conteiidas internacionais. Entretanto a volta dos caudilhos e
po de vigência, garantindo a imobilidade do trabalhador. O salário acor- chefes político-militares aos seus territórios de influência fez mais uma
dado por esse instrumento era em média metade do salário de um peão vez as disputas internas surgirem na ordem-do-dia. Assim, os anos inici-
oriental." Além disso, os estancieiros uruguaios reclamavam da com- ais da década de 1870 testemunharam a revolução do caudilho Timo-
petição desleal, não apenas pela diferença de custo, mas também pela teo Aparício. Nesses momentos de guerra civil, as terras de brasileiros
constante disponibilidade de mão-de-obra garantida pela existência dos continuavam a ser expropriadas para sediarem acampamentos milita-
cativos sob forma velada. Na campanha, principalmente nos períodos res ou era simplesmente confiscada pela facção política vitoriosa e dis-
de guerra civil, o elemento liumano tornava-se precioso; e, muitas ve- tribuída como prêmio entre seus partidários (dependendo da vinculação
zes, o processo produtivo das estâncias era desestriiturado pela absolu- política do proprietário). Os rebanhos dos brasileiros continuaram a
ta carência de mão-de-obra. ser utilizados para o sustento das tropas militares dos caudilhos em guer-
Assim, moderiiizar o modelo produtivo da fronteira passou a ser ra, e o couro era utilizado como moeda juiito aos cornerciantcs, em
uma preocupação do Governo Central Uruguaio. Erradicar a escravi- troca de tabaco, agiiardeii~e,tecidos, armas e outros artigos necessári-
dão, fundar e manter escolas para o erisino do espanhol, incentivar a os, e os chefes políticos não prestavam recibo algum, e quando o fazi-
utilização de novas técnicas prodritivas na estâricia e introduzir o ovino: am, o Estado não os honrava.
nioderiiizar a estâiicia criolla, orieiitalizando a fronteira norte, passou a Por outra perspectiva, os proprietários brasileiros continuavam a
ser um objetivo da elite política de Montevidéu. Mas o Estado oriental manter alianças c a iiiterredcrem lias disputas políticas eiitre os caudi-
não estava ainda, suficientemente iiistriinieiitalizado para fazer frente lhos uruguaios.
e impor-se ao poder caudilliesco da camparilia. O Império jiistificava suas poucas medidas, e iienhuma disposição
Em virtude dessa condição, tais políticas foram abortadas em 1864 de uma nova iiiteivenção no Uruguai, em defesa da propriedade des-
pelo levante do caudillio Venâiicio Flores. Este foi respaldado pelo ses súditos, alegando que as acusaçòes eram vagas, e que não havia tes-
Império Brasileiro, com amplo apoio dos estancieiros da fronteira que
temunhas. No eiitaiito, quando estas existiam, e testemunhavam, se-
coiitinuavanl solicitaiido ao governo brasileiro, em repetidos ofícios,
gundo as autoridades de fronteira brasileiras, tornavam-se vítimas de
proteção às propriedades dos súditos do Império residentes na Repú-
vingança por parte das autoridades da facção política rival.
blica." A atuação do caudilho foi apoiada pela intervenção militar
Assim, tal problernática foi levada novameiite a discussão na As-
imperial no Uruguai, oficialmente visando a protecão dos súditos brasi-
sembléia Proviricial do Rio Grande. É em 1873 que encontramos uma
leiros estabelecidos naquele país e qiie terrriinoii por depor o governo
produção parlameiitar mais avultada a respeito do assunto. Nos meses
de março e abril diste alio tiveram lugar acalorados debates sobre a
forma como o legislativo gaúcho deveria atuar junto a« govcriio cen-
41 Petrissaiis Agitilai c Freiri'i Chi-ballo. 01).( I / . p. 56.
tral com intuito de protcger os interesses dos estancieiros rio-graiideiises
42 (;oniòrme ofít ios enviaclos ao M N E e111 3/10/1860, 18/ 1 I / 1861, 24/09/18(32, 26/08/18G:3; estabelecidos iio norte ~irugiiaio.Os deputados salieiitavain ainda a im-
bein como (XPP de :30/08/1860, 6/10/1861 e I / 0 3 / 1862 (AIIK(>S). portância ecoiicirnica da indústria charqueadora e pecuária afirmando:
Veremos que rnetadc da reiida da pi-oviiicia tem siia oi-igcrri iia iiiclustria
pastoril [. . .] é foi-a de dúvida que esses rendimentos, que veni eiii-ique- aqui pedir providências que garantam a propriedade dos brasileiros
cer nossos cofres e tesouros, não é ele somente originado da indfistria naquela República". O mesmo deputado lembrava aiiida do esforço de
desenvolvida nessa província e sim também em sua maior parte no Esta- guerra feito pelos rio-grandenses, especialmente os estancieiros que
do Oriental do Uruguai. 43 montaram as companhias de cavalaria, em defesa do Império contra o
Paraguai, cobrando uma política em favor dos interesses brasileiros no
Inicialmente o Coronel Silvestre Nuiies, representante cornbativo Uruguai, ou no mínimo que o Império fizesse cumprir os acordos de
dos interesses dos brasileiros estabelecidos no Estado oriental, propôs 1851.""
um requerimento ao goveriio imperial para que qrialificasse a proprie- Deputados como Silvestre,Arruda, Diaiia, eram representantes dos
dade de brasileiros estabelecidos naquele país como "iiialienáve19'sob interesses dos estancieiros da fronteira, e trouxeram à Assembléia as
quaisquer circunstâncias, ou que se respeitasse na íntegra o que previa muitas reclamações e denúncias quanto às arbitrariedades por parte
o Artigo 6 V o Tratado de Comércio e Navegação de 12 de outubro de das autoridades orientais. Violências pessoais, roubos, assassinatos e
1851.44Segundo o próprio Silvestre "o tratado não tem sido executado, inúmeros prejuízos à benfeitorias, assim como a depredação dos cou-
e não o será sem que o nosso governo se mova com a energia de que é ros dos animais abatidos para o sustento das tropas, eram as denúncias
capaz".45Através dessa representação o deputado pretendia fazer ces- feitas com maior recorrência no legislativo provincial. O deputado Sil-
sar, com o amparo do Império e sua diplomacia, as constantes violações vestre Nunes defendia a tomada de providências a todo custo, não te-
de propriedade, no país vizinho, principalmente nos momentos de iii- mendo sequer uma guerra com a República em defesa dos interesses
surreição dos caudilhos da ~ a m p a n h a . Entretanto
~" a Comissão de Jus- dos rio-grandeiises lá estabelecidos.
tiça do legislativo provincial não aprovou tal requerimento ern vista de Aprovou-se, após longas discussões, um indicativo ao Governo
problemas jurídico^.^ Central, rio qual pedia-se o "fiel cumprimento do Tratado de 12 de
Nas sessões seguintes, dos últimos dias dc março e os prinieiros outubro de 1851";ou seja, que ern caso de embargo de bem, se prestas-
dias de abril miiitos deputados sucederam-se na tribuna em defesa dos se recibo e este fosse honrado pelo governo da República.
interesses dos "40 mil brasileiros residentes ria República Entretanto, é coiiveiliente lembrarrnos que o Estado Oriental nes-
Havia preocupação por parte dos deputados de inspiração liberal, em te momento, não tinha ainda recursos financeiros. A autoridade oficial
não intervir politicamente ofendendo a soberania da República; unia ainda não é forte o suficiente para adeiitrar na campanha. Dessa for-
vez que a própria constituição daquele país garantia a possibilidade do ma, indicações e representações similares a esta acabavam seiido inefi-
Estado em caso de guerra utilizar-se da propriedade privada, rnediaiite cazes, uma vez que o Império poderia levá-las ao Governo de Montevi-
prestação de recibo. E foi justamente essa a tônica das representaç6es déu, mas este não teria coiidiqões de cumpri-la.
do legislativo gaúcho junto ao goveriio central: fazer com que os i.eci- Os discursos dos deputados cvideiiciam ainda, de forma bastante
bos fossem emitidos em presença do proprietário ou dc algiini seu eii- clara a divergência entre o grupo pastoril da fronteira e as políticas
carregado, bcni como fazer com que o governo oriental honrasse tais imperiais. Além disso, podemos observar divergências de interesses
documentos. Como declara o deputado Epaminoiidas Arruda: "venlio dentro do próprio lcgislativo provincial. Neste rnoniento, a província
registrava o crescimento político e econômico de outras regiões (com
ênfase no planalto), assim diluindo o poder político, anteriormente
concentrado basicamente em função dos interesses dos estaiicieiros vin-
43 Anais da Assenibléia Pro\,incial d o Rio Grande d e São Pedro. 7/3/1873 (Solar dos (;ámai-a) culados ao setor pecuarista tradicional da fronteira.
44 Tal artigo coiisistia e m "Os brasileiros residentes 110 '1Jrugiiai estão desobrigxlos tle todo e Tal conjuntura é aiiida marcada pelo principio do declínio da es-
qualqiier enipréstiino forçado, imposto ou recluisiçáo militar [.. . ] q ~ i a ~ i dseo iizer iiiuito rie-
cessário deve-se prestar recibo sobre gado vac:iim e ca\.alar que for usado". tância crioiila, e da economia charqucadora. A rnodernização começa,
4.5 Solar dos Câmara - Anais da Assciiibléia Proviiicial do Rio Grande d e Sáo Pedro (AAPR(:SP). lentamente, a chegar no campo. No Uruguai registraram-se os primei-
7/3/1873. ros cercamcntos, ao mesmo tcnipo em que se difuiide a iitilização de
matrizes importadas. Nesse momelito, eritretanto, tal rc!alidade não se
Chegava-se a pensar que se poderia forrnar, com iniigrantes, uma
apresentava ao iiorte do rio Negro, principalmente rias propriedades
"barrera para la población brasileiia", na regiáo norte do país."'
de brasileiros, que ainda utilizavam a mão-de-obra escrava e pratica-
Os projetos e o ímpeto modernizante desde Montevidéu tomaram
vam a pecuária extensiva, sem refino do gado para mellioria da carne e
força com a ascensão da ditadura de Latorre, em 1876. A partir de en-
da produtividade.
tão o governo de Montevidéu buscou na modernização de alguns seto-
É com a ascensão dos militares, encarnados ria figura de Latorre res da economia a forma de consolidar a área polarizada pela capital
que as reformas moderiiizadoras terão maior impulso. O período de
no território nacional. Expressão direta dessas diretrizes no que se refe-
governo com lideranças militares à frente do executivo") acelera a moder-
re à fronteira norte, foi a publicação na imprensa montevideana do
nização do aparelho de Estado uruguaio. A partir do fim da década de
projeto de "Colonización Industrial - eiisayo sobre un sistema para la
70, e nos anos subseqüentes, reformas políticas são implementadas. A
República de1 U r ~ g u a y " , 'de
~ autoria de Francisco Bauzá. O autor
promulgação do Código Rural em 1873 transformara a terra em mer-
alertava para o predomínio de brasileiros em toda a região fronteiriça
cadoria. Um sistema de comunicações mais eficiente começa a funcio-
ao Brasil, e via com temor o predomínio da língua e dos costumes bra-
nar a serviço do Estado, o cercamento dos campos é estimulado, e a
sileiros rio território uruguaio. O projeto propunha a criação de colô-
modernização das unidades produtivas passa a ser nieta da elite política
nias de imigrantes estrangeiros (preferencialmente de língua hispâni-
montevideana.
ca), baseadas na pequena propriedade agrícola, e com um modelo pe-
Entretanto, tais reformas nesse momento ainda não conseguem
cuário moderno. Tais medidas neutralizariam os elementos brasileiros.
fazer o poder e a ordem estatal chegarem à campanha. As terras do
Para Bauzá, os brasileiros residentes no Uruguai não deveriam ser ex-
norte ainda são controladas pelo poder caudilhesco, as estâncias per-
pulsos, mas deveriam criar seus filhos de acordo com os costumes, a
manecem utilizando as velhas técnicas da pecuária extensiva, e a pre-
língua e a educação da República Oriental, e assim acabariam por "amar
seiiça de brasileiros subsiste.
dulcemente a tina patria en cuyo sue10 se deslizara e1 tiempo feliz de la
A produção bovina das estâncias tradicionais, devido à utilização
primera edad".5' Ou seja, a preocupação surge no sentido d e
das técnicas arcaicas, acabava por produzir carnes de pior qualidade
"orieiitalizar" a região da fronteira. A presença de brasileiros passa a
em relação às estâncias "modernas" do sul, que desde de a década de
não ser vista enquanto um problema na medida em que estivesse inte-
1860já estavam introduzindo a utilizaçáo de matrizes iniportadas. Des-
grada ao espaço ecoiiômico e político vinculado a Montevidéu.
sa forma a produção dos estancieiros nortistas, especialineiite a dos bra-
Em 1879, o chefe político de Equarembó, senador Carlos Reyles
sileiros estabelecidos naquela regiáo destinava-se, em grande parte, à
irá defender, novameiitc, no parlamento da República a fundação de
produção de charque, lima vez que a carne não se prestava para outra
cidades, ou povoações na liiilia de fronteira. Para Reyles coiistituía-se
finalidade. Assim as terras ao norte do Rio Negro permarieciam forte-
de fundamental importância, que o Estado deseiivolvesse uma política
mente vinculadas à economia rio-grandenses. A partir desse momento,
de povoamento da fronteira por orientais, contribuindo assim para a
este setor prodiitivo, mais tradicional, passou a sentir cada vez mais a
nacioiialização do território, conterido dessa forma a penetração pací-
crise da economia charqueadora.
fica e silenciosa dos brasileiros em territórios uruguaios.
A preocupação da elite política da capital da república com a
A tônica do projeto do senador permanece a mesma dos projetos
massiva presença brasileira lia região Norte era assunto em pauta. Des-
discutidos na administração de Rernardo Berro. Dessa forma, Reyles
de inícios da década de 1870, políticos e intelectuais começaram a for-
irá insistir que "se acuerde la prefereiicia en las donaciones de solares e
mular projetos de coloilização para a fronteira norte. Os projetos apre-
cliacras a pobladores agricultores nacionale~""~ (grifo nosso). Assim pre-
sentados visavam à "orirntali~ação'~ da fronteira. Para tanto propiiiiha-
se a utilizaçáo da imigração de europeus (especialmente espanhóis),
bem como a moderriização do modelos produtivo iitilirado ria região. 51 Conforme os prc!jeios de Gregorio Peies Goniai; político ~liiiciilacloà r\ssociação Rural. I'i-\lel
1)cvoto.IN Fraiicisco Baiizã. Oj,. cil. p. C:IAIII. Tomo I.
52 Fraiicisco Baiizá. 01,. cil. Tonio 11.
53 IOid. p. 144.
~ ( (l J T Z I ~ I ( IMoi~tt.video:
(I( L i ~ ~ t o )(10
50 Nalliim, Beiijaniiii /i/ln~~z~rcl ~I. Eclicioiics de la Baiitla 0ric.n-
tal. 1993 54 Diario d e Sesio1ic.s d e la (:amara dc Seliadores. 21/6/1879. Aj~utl:Oscar F a ~ wCarlos . Iieylcs )i
Nuesti-a Fro1iter;i c011 Brasil. FIoy e , I-listotin.
~ Moiitevideo, v. V1I. 11. 38, 1990, p. 7-9.
tendia-se iião apenas iiacioiializar a fronteira, mas substituir o modelo porte ferroviário para a condução das tropas de gado apresentava-se
produtivo da regiâo, integrando-a à economia nacional e desviiiculaiido sobrcinaneira elevado frente ao custo de condução dos aiiirnais erri tro-
a região da economia rio-granderise. Para taiito era necessário também pa por terra. Dessa fornia os víiiculos com o Rio Gi-ande permaneciam
modificar o padrào das propriedades, estimulando o cercamerito da fortes, uma vez que era ainda mais lucrativo o modelo produtivo
área, a utilização do trabalho livre, e das novas técnicas de produção utilizador da pecuária extensiva e subsidiária da economia rio-grandense.
agropeciiária que já se disseminavam pelo sul do país. Entretanto a economia ~ h a ~ q u e a d ojár ademonstrava sérios sinais de
O projeto foi aprovado no Senado, no entanto, nunca foi discuti- esgotamento e a abolição da escravidão no Brasil significou mais um
do pela Câmara de Deputados. Entretanto os cliefes políticos regionais agravante da crise deste setor produtivo.
mantinham-se constantemente alertas para a importância da presença É importante referir que há significativa, porém ainda modesta,
brasileira no país. Afinal as sólidas redes de relações políticas, econômi- instalação de colônias de imigrantes europeus na região fl-onteiriça.
cas e até mesmo familiares entre orientais da fi-onteira e os estancieiros Tais núcleos apresentavam propriedades moderiiizadas, utilizadora do
rio-graiideinses permaneciam. alambrado, de bretes, raças bovinas européias, etc. Um exemplo é a
A presença de brasileiros em 1888, às vésperas da abolição da es- colônia de "Estrella" 110 departamento de Artigas, com uma população
cravidão do Brasil, atingia o índice de 82% das propriedades do Depar- de aproximadamente dois mil imigrantes de origem italiana.5' Tais
tamento de Rivera. Em Artigas e Cerro Largo, respectivamente 68%, e núcleos vão consistir em verdadeiras ilhas de modernidade fi-ente à re-
64% dos proprietários eram rio-grai~deiises.Em Salto e Taquarembó alidade tradicional das lides pecuárias da fronteira.
encontramos 52,5% e 55,6% das estâncias propriedade de brasileiros.
Nos departamentos de Treinta y Tres e Rocha um quarto dos proprietári- O ciclo revolucionário de 1893 - 1904
os eram de origem rio-grandelise.
Assim, em 1890 o Chefe político do Departamento de Artigas irá Em 1893, teve início a Revolução Federalista no Rio Grande do
registrar que dos 21.1'74 habitantes do Departamento, 4 mil eram bra- Sul. As tropas do caudilho Gumercindo Saraiva iiivadirani o Estado,
sileiros. Sendo que mais de 60% das inversões realizadas naquele mo- vindas da Banda Oriental. A revolta já vinha sendo gestada nos depar-
mento na região eram realizadas por rio-graiidenses. Na mesma época, tamentos blancosdo norte uruguaio desde o ano anterior. Devido à cons-
em Cerro Largo as inversões realizadas por brasileiros representavam tante instabilidade política 110 Rio Grande do Sul, e à ferocidade das
aproximadamente 50% do total. Para Rivera tal proporção elevava-se a perseguições partidárias deseiicadeadas pelo Partido Republicano o
mais de 70% do total invertido no Departame~ito.~~ número de rio-graiidenses emigrados para o Uruguai ul~apassavaos
As propriedades da froiiteira ainda se caracterizavam pela prática 14 mil. As sólidas relações qiie uniam os estancieiros do norte uruguaio
da pecuária extensiva, o que acarretam em baixos iiidiccs de urbaniza- com os estancieiros rio-grandenses transformavani as propriedades ao
ção e nenhuma industrialização. A região, portanto, permanecia forte- 1101-te do rio Negro, muitas delas de brasileiros, praticamente em quar-
mente vinculada à economia e à sociedade da província. O historiador téis-generais dos maragat~s.~'
riverense Joel de Léon assinala que a permanêricia da utilização de Em 1893 estimava-se que lios departanientos de Rocha e Treiiita
técnicas produtivas tradicionais ao Norte, enquanto o restalite do país y Ti-ês 22% dos capitais investidos fossem de rio-graiideiises, em
modernizava-se, não pode ser entendida sem levar em consideração às Tacuarembó tal índice era de 35%, enquaiito em Salto, Cerro Largo e
dificuldades e o cilsto da modernização na região. De Léon acentua Artigas as presenças do capital brasileiro era rcspectivamente 44%, 56%
que muitos proprietários tentaram utilizar rnatrizes importadas, entre- e 64%. No departameiito de Rivera, 79% dos capitais investidos eram
taiito o índice de mortalidade dos animais (vítimas tia febre aftosa e da de rio-graiideiises. Tais dados rios dão a dimensão dos interesses dos
tristeza) atingia índices de 80%1.~(' Ao mesnio tempo o custo do trans-

-55 Petrissans Agirildi B- Fieii-id (:arballo. 01). t z / . p. 72-74. S'iPetrissaiis Agiiilar e Friii-i;i (:ai.ballo. O/).cit. p. 73. Rem como Liiiz Abell5 y Juel I)e 1,eóil.
56 A tristeza 6 molkstia pai-asii.ol6gica iilcicleiite em bo\lirios, traiisrnitida pelo carrapato. Ailimais I . Kivrra: s/e. 1993. p. 31.
Co~cl.syGentes cle liiverc~-/)cll-t~
atitcíctoiies ~sossuemresis(i.1-]<:iairiiiiiiológica, ao coiiti-ãrio d e boviiios pro\reiiientes d e oiitras f)olf/ictrse 7 l t ~o I<io (;~nrl(lrd a SILIe o
58 4 n a 1,tiiza Keckziegel. A I~i/jlomcrc.icri\'l«rgirlnl: 71i7aniln~6c.s
regiões. Ver Joel Salornón d e 1,eoii. Lliciot~cirioKivo-~nsr,itbl4, Rivera: s/e. 1998, p. 1.245. lJr/,ripc{ri1893-1903. %,se cltl cloiitor-ado PUC/RS .l<197.
rio-grandenses rio país vizinho, e o grau de viiicula<;ãoeconômica eii- conflito. Eiitrctai1to as autoridades 1150 exerciam podei- de fato ainda
tre os grupos de um lado e outro da fronteira. sobre a fronteira. Tal situaçào originará o que Alia Liiíza Reckziegel
Dentre os líderes federalistas, muitos eram proprietários de ter- definiu como "diplomacia marginal", uma vez que o goveriio castilhista
ras ao norte do Rio Negro, ou possuíam vínculos econômicos, políti- abandonou as diretrizes da diplomacia do governo central e passou a
cos e até mesmo familiares com os proprietários uruguaios. Dessa for- desenvolver urna política diplomática de alianças autónomas.
ma as alianças realizadas entre os estancieiros da fronteira transcendi- A permaiiência de Júlio de Castillios no poder regioiial rio-
am à lógica política institucional, definida pelos governos legais, via grandeiise após a pacificaçáo federal faz com que muitos maragatos
diplomacia, e acabavam por ser determinadas pela realidade do espa- emigrassem para o Estado Oriental, uma vcz que o goveriio rcpixbli-
ço fronteiriço. cano gaúcho adotou uma política repressiva bastante forte contra as
Os estancieiros rio-grandenses estabelecidos na República Orien- oposições.
tal, utilizavam suas propriedades e ligações no Uruguai para financiar Aparício, após o término da guerra, toriiara-se senhor absoluto ao
logisticamente a guerra. O líder Silveira Martins em mais de uma oca- norte d o rio Negro. Apoiado pelos Dlancos, bem como por muitos
sião, durante a guerra civil irá buscar asilo em terras orientais, maragatos residentes no Uruguai, começou a articular um novo levan-
reestruturando forças em sua estância em Rincão do Pereira em te, dessa vez contra o governo colorado de Montevidéu. Entretanto,
Taquarembó, numa das costas do rio Negro. As forças de Gumercindo constituía-se grave risco realizar um levante na Banda Oriental sem
Saraiva eram em grande parte composta por orientais; além disso os contar coni aliados que garaiitissem segurança no outro lado da fron-
federalistas contaram com o apoio do caudilho uruguaio, irmão de teira. A aliaiiça entre os Dlancos da fronteira e os republicaiios acabou
Gumercindo, Aparício Saraiva que combateu em território brasileiro tendo êxito, e sendo endossada porJulio de Castillios que via com bons
com suas próprias colunas. Após a morte do irmão é Aparício quern 01110s a idéia de cooptar os Dlancos, neutralizando dessa forma a aliança
toma o comando das forças revoltosas no SuL5" destes com os federalistas.
A partir das anotações do oficial maragato Senna Guasina," p d e - No início do séciilo XX, essas aliançasjá não coiitavam mais com a
mos perceber o quão importante constituíram-se as terras do norte uru- simpatia do governo do PRR mas, no entanto, coiitiriiiaram em plciio
guaio para a manutenção da guerra. Em mais de um momeiito o oficial vigor, pois essas ligações entre os caudilhos da froiiteira não atendiam
registrou concentração de forças federalistas em estâncias no território às ideologias, ou às políticas institucioriais de cada Estado, mas calca-
oriental, muitas vezes de propriedade de brasileiros, ou então de alia- vam-se na lógica caudilhesca e nas relações tradicioriais ainda predomi-
dos políticos." Assim, os chefes políticos da fronteira norte, Dlancosprin- nantes no espaço fronteiriço.
cipalmente, irão auxiliar em armas, proteção e ate em homens aos
federalistas gaúchos. As forças que os caudillios rio-grandcnses reiiiii-
am no Uruguai para dali invadir o Rio Grande do Sul cliegavam a con-
tar com mais de quatro mil liomens.
Tais ligações desagradavam sobremaneira aos líderes goveriiistas
gaíichos, os quais i-eiteradamente pediram que o governo central iiiter-
viesse diplornaticamente em defesa da "neutralidade" dos orientais no

59 A família Saraiva G caracteristicameiite fronteiriça. (>iinrierciiido, o primogêiiito foi batizado


n o Brasil, seiido que suas fainíliajã era proprietãria de terras 110 norte uriigilaio. Aparício, o
mais tiovo dos Sai-ailras, iio eiitanto j5 foi batizado iio pr6pi.io país. Para maiores detallies
sobre o assunto ver o artigo d e J o h n Chasteen. Aparício Saravia, mito y realidad. tloy e.v H i t « ? i n
Moiitevideo. Vol. X, 11. 22. 198'1.
60 Luiz Seiliia Giiasitla. L)irírios da R~-ooltiçEoFedei-alista, Pc~i,toAlegre: Edições EST. 1999.
61 C o n i o relata (iilasina, nos dias 28, 29 e 30 d e seteinbro de 1894, berii coino entre os dias 10 e
17 do rnes de dezenibro do mesmo ano. O/). cit.
Feiticeiros, venenos e batuaues:
religiosidade negra no espaço
urbano (Porto Alegre - século XIX
Paulo Roberto Staudt Moreira

A religiosidade entre os cativos e libertos no Rio Grande do Sul é


um fenômeno ainda pouco estudado, mas que pode nos trazer infor-
mações sobre as experiências sociais de escravos e negros em geral,
suas expectativas, tradições trazidas da África, formação de lideranças
representativas da comunidade étnica negra, etc. A prisão e julgamen-
to do preto liberto Joaquim Mina, em 1871, gerou um documento raro
em termos do resgate destas experiências ligadas ao contato com o so-
brenatural, e deu-lios uma chave para o entendimento de outras fontes
documentais esparsas que tínhamos.
O chefe de Polícia José de Araújo Brusque, em ofício de 29 de
novembro de 1871, ao subdelegado de polícia do 2" distrito de Porto
Alegre, determinava a iiistauração de processo contra o preto forro Jo-
aquim Mina, encontrado com "substâiicias cáiisticas, capazes de produ-
zir a morte com sua propiiiac;ão, bem como drogas, inclusive vidro
moído", as quais estariam sendo propiiladas a duas pessoas da família
do cidadão José Antônio Rodrigues de Barros.' No dia anterior, a polí-
cia havia recebido uma correspoiidência do doutor em medicina Israel
Rodrigues Barcelos Filho, informarido que fora chamado a tratar da
família de Barros e que ficara "plcilameiite conveiicido de que a causa
íinica de taiitos e tão prolongados sofrimentos sáo a propiiia<;ãodas
siibstâncias" eiicontradas com o preto Mina Joaquim, as quais:

[,..I umas são sem dúvida alguma muito irritantes e muito cá~xsticase
portaizto capazes d e produzirem a morte com a continuação da
propiiiaqão e outras até venenosas e fazelido-se notar entre as rnesmas
drogas o -vidro moído - a respeito do que cliamo milito em particular a
ateiiçáo da autoridade competente por causa do grande alcaizce que tem
como meio destruidor e desorgaizizador dos riossos tecidos.'

1 O chefè d e Polícia Br~isclrieera fiii~cionAi-iop81lico experierite, atuando como prociirador


Fiscal d a (:oiitacloria Proviiicial tias Keiidas ein 1854,j i i i ~de Direito da coniarca tle Caçapa\,a c,
depois de abai~tloiiara chefia tiv polícia, j i i i ~d e Direito clt.Jagiiarão. AHKS - Fa~eiitla,F-321;
AI IKS -. I'olícia, (lõdice 241, ofício cly 29-1 1-1871.
"LE-TIIS - Siimíirios~Jílri,snaço 43, pi-ocesso 1236.
Coiii um diliamis~nosurpreendciite, tratarido-se da polícia da épo- sc como caiigticii-o- apesar de ser preso vendeiido pão -, c como veio
ca, e qiie denioiisti-a o medo que provocava a figura de um preto tia Costa da Afi-ica muito novo ignorava o iiome de seus pais, supondo
eiiveneiiador, o subdelegado Manuel da Silva Moreira Illia organizou ter 45 aiios. Se até este momento Joaquim apeiias usava a rcferência a
já no dia seguinte (30 de novembro) o Auto de Corpo de Delito, nome- sua etnicidade, dizendo-se Joaquiin Mina como devia ser coiiliecido
ando como facultativos os doutores em medicina: Israel Rodrigues Bar- entre os negros da cidade, quando percebeu que a situação ficava mais
celos Filho e Iiiácio Manuel Domingues, os quais deveriam comparecer delicada e que seria levado a tribuiial, passou a declarar como seu o
na casa do ofendido às 16 horas daquele mesmo dia.g sobrenome de seu ex-seiihor. No Auto de Qualificacão, situando-se sim-
A presença do Ur. Barcelos Filho - que havia feito a denúncia -, bólica e socialmerite frente às autoridades policiais e judiciárias, aban-
praticamente condicionou o exame das substâncias encontradas, que dona a alcunha "Mina" e passa a chamar-seJoaquim da Cunha Vieira."
acabou confirmando tudo o que ele já havia declarado por escrito à Joaquim foi alforriado quaiido da morte de seu senlior Francisco
polícia. Responderido aos quesitos apresentados pelo subdelegado, os José da Cunha Vieira, em 19 de maio de 1865, o qual destacou na carta
médicos confirmaram a "propinação" de veneno de qualidade "cáusti- de alforria que o libertava em recompensa dos bons serviços prestados,
ca e irritante" e em um misto de temor e respeito aos conhecimentos pois "sem ele e outro eu não posso viver"." conservação de bons laços
do maléfico negro, declararam que: entre senhores e escravos, ou ao menos assegiirar-se - dentro do possí-
vel - da obediência escrava através da promessa de liberdade, era fuii-
[...I sem dúvida a propinação foi tão bem manejada que seguir-se-ia a damelital, principalmente quando se tratava dos trabalhadores domés-
morte, porém lenta e quase imperceptivelmente, por causa da nature- ticos. Esses, viveiido no interior da esfera familiar, podiam - e realnien-
za da substância e da pequena dose administrada [...I a morte seguir- te aproveitavam -, os moinentos mais cotidianos e íntimos, para mani-
se-ia mas antes da ominação fatal, graves ii~cômodosde saúde aparece- festarem oposição a sua condição servil, vingando-se do seiilioi-ou sua
riam, como de fato apareceram [e] que os incômodos maiiifestaram-se família. Um bom exemplo disso, é o temor manifestado pelas autorida-
para o lado do tubo intestino, tais como perturbações gástricas e intes-
des c sociedade em geral com o escravo eiiveiieiiador, que recebeu
tinais e também para o lado dos importantíssimos sistemas - ilei-voso e
circulatório. ineiição especial na Lei Excepcioiial de 10 de jiinho de 1835. Segundo
o historiador Mário Maestri:
A "nota constitucioiial na forma de lei" foi recebida por Joaquim
já na Cadeia Civil de Porto Alegre, oiide estava preso desde 28/11,' "O medo do escravo erlvenenador era d i f ~ ~ n d i d o os seilhores...com
entre
doses homeopáticas ou generosas dos mais diversos veiiei-ios,os escravos
1871, seiido assinada a rogo por José Valeiitim de Siqueira, por ser o elimiilai-iam amiúde os proprietários".'
réu aiialfabet-o.Joaquim era preto e liberto, de nação M i ~ i aocupava-
,~

3 Como boa parte dos delegados e siibdelegados do período Moreiia Ilha era negociante, estahe-
leciclo eni Porto Alegre (iiatiiral rlrsta Pro~íncia,com 30 anos de idade, casado, falecido em do séciilo XVrI1, "todos os que pro\ii~hainda Costa do Oiiro, mas izimbkni. os da Costa dos F,scr,avos
1880). Serviu cle testemuiil~aem pi-ocesx) d e 1873 - APEIZS - S~imArios Jíiri, maço 43, pi ocesso e do golfi) d e Beilim, oii s ~ j aiiidivícliios
, oritiiiclos de povos muitas j8ezesdifereiites, mas qire possri-
1257; APEKS - C:artõrio d e 0if2os, maço 109, t i . 2 x 3 (1880). íam traços cultiirais, creiiças e iiin panteáo relibioso muito prcíximo". Portiligal, Coinissào Nacioilal
4 As deilomiilaçóes de origem africana 1120 encerram a questáo d e saber-mos a cultura a qiie para as Cornemoraçòes dos Descobiimeiitos Port~igueses.0.r negros ctn IJottug(~l- Siculi~sXii-XJX.
pertenciam estes indivíduos, pois lia maioria clos casos refletem apenas o porto d e onde parti- Lisboa: Mosteiro closJeròiliinos, 1999, p. 73.
ram no coritiilente afi-icano, cada rim deles (2s vezes apeiias referência a tima deiiorniilação 5 Na vertlade, existiii irina peqiieila corifùsáo, às vezes constando Joaq~iirrida Cunha Vieira e
topoilímica) ei-a respoiisável pela ciiáspora cle inúmeras etiiias que vinham coildeiisadas em tim oiiti-asJoaqiiim Vieira cla Ciiriha. Poclc, pai-ecer uma sirnples alteração, mas a seguiida maneira
mesnio r6tillo de exportação. 0 s Minas, por exeniplo, eram Lima referência a fortaleza de São remeteria o r-6ii para a área d e dependência tle iim cidacláo de respeito, seu liom6nirno, que
Jorge da Mina - coiisti-uída em 1481 -, qiie segiindo os relatos de época possiiiria dois fossos em 1868 assiiniiii a I'resid6ilcia ci~iPi-ovii~cia,corno 1" vice-presidente. A confiisão talvez losse
cavaclos lia roclia, 400 canhões e potleria "armazenar" até 1 .O00escravos, tendo sicio tomada do pr-(íprio escravo, acost~imadoa usar o seri sobi-enome '%brancon apenas qtiai-ido precisa\.a
pelos liolancleses em 1637. A partir daí, a deiiominaçào passoii a abarcar "toda iiina gama d e j~istificar-secoiri as aiitoridades. Na siia comiiiiidacle tle pi-etos cle~vriaiisar somente a alcuiiha
afiicaiios cle ciiltuia Ioriiba, Haiissá, Ashanti, etc., pois eles ei-ain 'importa(1os' desde a Costa da h4ina, símbolo de ancesti-alidade, qiie icieiitifica\la e reforçava sei1 papel tle feiticeii-o.
Mina". Capela, Josí.. Esun71rrt~rc~, n sv~f,rc.rcz(1s snq11~, o «Õoliriortin?zo (1810-1875).Porto: Ed. 6 No rnoinciito da alfoi-ria tinlia 37 aiios e tral)alha~.;t11os e i ~ i ç odoinkstico. No dia 29 tlt. maio do
Afi-ontarriento, 1974, p. 08. (:arreii.a, Antõilio. ii-hjic.o/)o~?u,crrr~.r
de P J C ~ I I.isboa,
J O . Jiinta cle Inves- mesmo alio, foi lihertatlo o oiitro esci,avo,Fi-ailcisco, (:oiigo, 37 aiios, seiviço doriibstico. APEKS
tigações C:içiitíficas do Ulti-arnar/(:eiitro de Estiidos de Antropologia (:iiItiir.al, 1979: 116. (Es- -- 13'114, 18, fòlha 46v.
PVL tr).r(i.rg(i(Iú-
tiitlos d e Aritrol~ologia(:iiltiiral, 12) R4ac.sti.i Fillio, Már-io. Quilotnbo.~c (j71ilo~r~bol~.s
ch(1.s. Porto Alegre/( :axias do Si11:E:S'T/U(:S, 1979, p. 62. (:orno Minas foi-arn d(asignarlos,a partir 7 A/ILtestii,h42110. A s~)7~cddo ncgt(1. Poi to Alcgie: hlei (ado Aberto, 1988, p. 110.
Mas o escravo enveiieiiador não era, riecessariameiite, rim feiticei- O caso Joaquim Mina pode ser usado como deinoiisti.ativo das vá-
ro qiie soubesse manipular drogas e poções drscoiiliecidas. Podemos rias formas qiie o indivíduo ficava preso cm tramas com seu ex-senhor.
dizer que o perigo residia nas próprias cozinhas dos senliores, gozava Manter lealdade com seu ex-seiilior, não o desrespeitar e praticar al-
da intimidade das suas casas e poderia, em um ato vingativo repentino guns serviços mesmo ocasionais, trazia algumas vantagens para os indi-
e quase indefensável, atingir os seus familiares causando a morte ou víduos saídos do cativeiro. Ao longo de todo o processo, Joaquim será
consideráveis danos físicos. O pajem ou cozinheira submissos, de uma auxiliado pelo sobrinlio de seu ex-senhor, qiie por ele já havia se com-
hora para outra, poderiam fazer chegar a seus senhores, de várias for- prometidojunto a polícia para livrá-lo de prisões e castigos, seiido por-
mas, algum tipo de veiieno corriqueiro, utilizado em suas práticas ca- tanto recusado pela promotoria pública como jurado.
seiras. Esse era o caso do verde-paris ou verdete, um corante ou tinta Segundo as testemunhas arroladas no processo, Joaquim seduzia
muito usado, que tinha em sua composição química o arsênico.s A cor as criadas da casa da família Barros - escravas ou negras livres -, fazeii-
verde tornava esta substância química ideal para ser depositada, sorra- do-as ministrar doses homeopáticas de veneno aos seus senhores ou
teiramente, no mate dos senhores e de sua família. Assim fizeram a amos. Isso ocorria há anos e Barrosjá tinha dispensado 3 ou 4 escravas,
preta Joaquina, eni Rio Pardo e o menor Ladislau, na capital do Impé- manipuladas para esse fim pelo réu. A última cativa seduzida, também
rio, ambos cativos em 18'19. Este último colocou: apontada como ré no processo, chamava-se Silvana, escrava de José
Aiitônio Rodrigues de Barros, preta, nascida em São Jerônimo, vivia
" [...] grande porção de verde-Paris 110s bules, chaleiras, coador e mais em Porto Alegre há 3 alios e ocupava-se do serviço doméstico da casa
vasos de uso doméstico."" de seu senhor.
Os desentendimentos entre Joaquim e a família Barros tiiiliam uma
liistória de muitos anos, siirgidos de uma denúiicia feita por José Aiitô-
nio Rodrigues de Barros ao sei1 senhor, e que ocasionou um dos raros
8 Langaard, Theodoro J. 13. Diciotzcí~.io(Ie n~,edicinndo~néslicnepopulnr- I/olu~,~es I, I I P 111. 2. ed., Rio
castigos sofridos por ele ainda em cativeiro. Açoitado lia casa de seu
d e .Jai~eiro:Laemniert & Cia., 1872, p. 374; Aiilete Caldas, LIIcion~h~io ronten1/1o1-ri~eo dn li~lgun seiihor - que conforme o texto da carta de alforria coiisiderava-o ti-aba-
5. ed. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1968, p. 469.
/)ort.tig~ies~. lhador de coiifiança e essencial a siia sobrevivência -Joaquim passou a
9 Iiigerindo doses d e Verde Paris, teiitai-am suicidar-se, roubando a seiis senlioi-es o aproveita- usar de seu prestígio e conhecimeiitos como feiticeiro, para sem pressa
meiito de siias /)?o/)lledcrtles,o pardo Alfredo da Silva, marceiieiro, escravo ein Pelotas (1881) e a
parda Kita, em Porto Alegl-e (1879) e matori-se a escrava I-Ionorata, em Cachoeira do Sul (1882). obter vingança de seu desafeto, Nomeado como ciirador da 1-6Silvalia,
hlCSHC -Jornal Rio-Ci-crt~derzse(5/7/1879) e Joi.~~,nl113ercnrztil (8/10/1879). Em 1863 foi assassi- o advogado Francisco Pedro de Miraiida e Castro,lo api-escritou uma
iiado em siia padaria na Rua de Bragança (Porto Alegre), R4aiiuel (laetano d e Caldas Qiiii~tela
e siii irmão (Aiitoiiio Joaqiiim d e Caldas), por seiis escravos Delfino (paicio), Camilo (preto) e
interessalite narrativa do caso:
Sil~zestre(preto), estrangulados e esljancatlos coiii aclias d e lenha, Constarido porérn que: "[ ...I
j6 enl tempos mais remotos rim dos escra\rosassassinos pusera veneiios em tima clialeii-a d e ágiia A acusada Silvana é iilculp5vel deste horroroso crime.
pai-a seu senhor tomar mate, que teria sem clii\ida coiiseqiiências fiinestas a não sei- o aviso d o
Neste crime, revestido de todas as coles negras, com cortejo de cii-cuns-
preto Pedro a seu senhor". APEKS - Siiinários -Júri, maço 36, pi,ocesso 1087. MCSHC -Jo?.tznl
do Cottdicio (19/2/1881) ,~Joi-?~nlMe~r(~t1til(13/10/1879) e,Jornnldo Conlétrio (18/6/1882). Voltaire tâncias aterradoras, friamerite calculado para extinção de urna família
em iim d e seus contos relata os ino\.imentos d e rua, iios quais os Jesuítas eram aciisaclos d e inteira, inclusive inocentes crianças, minha ciiratelada nenliunia parte
coritrabandear "drogas e verdete". Voltaire, François Marie Aroiiet de. Cun,tos. São Paulo: Abril teve, mas se a teve foi tão pequena e tão maquinalmente executado seu
Cultural, 1983, p. 279. O imaginário d o período parede "coiltamiriado" pelo receio d o enveiie-
iiarnento, produto destas práticas qiie vimos enti-e os cativos, mas também de referêiicias literá- ato, debaixo d~pri.ssãode ta-rore medo irreesi.stzúel,que 1150 llie cabe responsabi-
rias qiie fermentavam o medo das pessoas em serem sorrateiramente assassinados. O coiisul lidade alguma.
pol-tuguês em Rio Grande, eni abril de 1883, informanclo sobre a prisão d e iim português ocor- Com efeito o preto Joaquim, tendo resolvido envenenar lentamente toda
rida logo após seu desemt)arqiie em Porto Alegre, disse qiie este ( e niais dois italiarios e tini
espaiiliol), f-L~ziaparte d e lima "forniidá\~elqiiadrillia de salteadores com sede em São Paulo" família de Barros, tem-se servido de suas escravas como iii~trurn~ritos de
que pretenclia assaltar o Banco Ii~glêse outras casas coinerciais e ainda dedicavam-se a "iniiito sua intenção criniintssa...L)iaas escravasjá foram vendidas por Barros, por
]>rejutlicial indústria cle passadores d e notas hlsas e ainda, cii.cunstância qiie produziii iiin ver- terem sido achadas com papéis corn substâncias venenosas, foriiicidas
dadeiro pânico a nrria cidade como esta, poiico e mal policiada, qiie eles clisl.)unham e se aclia-
vam miinidos cle cloi-oS61.inioe oiitias siibstâncias qiiiinicas siificienteinciite eiiei-géticas para
da!- morte instâiitanea a quem qrit:r cliie contra eles tentasse a luta eni dcksa dos seiis ha~rei-es
oii clos conielidos a sua guartla". AHRING - Correspoiidi.ii(,i;~d o (:onsillatlo poititgiii-s iio Rio
C:raiicie do Siil, Caixa ,562, ofício clc 12/4/1885. 1 0 Filho tie J o ã o Cayistrano de Mii-antla c. (;astro, ad\,ogado pela Faciildatle dc: Direito tlc Sáo
Paiilo, qiie fòi rliretor geral da Fazenda P~.oviiiciale pi-esicleiit e da Província iiirerino.
1301-Joaquim; e unia criada despedira-se de sua casa por ver-se ameaçada Eni defesa do rPii passou a atuar o solicitador João Pereira Maciel,
em sua existência em coilseqiiêizcia de não querer anuir ao seu plano de então com 51 anos, indivíduo muito conhecido lia capital da Províii-
envenenamento da família de seu amo, tia.':' Causou-nos surpresa a participação de Maciel neste caso como
Silvana, dominada por Joaquim, cheia de terror com ameaças de ser en-
deferisor, pois 6 anos antes ele esteve envolvido em outro processo cri-
venenada se não se prestasse ao plano de assassinato da família Barros,
me iio qual um preto tambérn apoiitado como feiticeiro havia assassi-
recebia os papéis com substâncias veizeiiosas que lhe fornecia e os fazia
desaparecer sem aplicá-los ao fim para que foram dados, dizendo sem- nado a siia esposa. Talvez seja necessário um desvio momentâneo de
pre a Joaquim que os propinava em bebidas e comidas. rumo, para narrar brevemente este entrecruzanieiito de histórias.
A prova evidente desta ameaça e terror encontram-se nestes autos.
A segunda e terceira testemunha ouviram o réu ameaçá-la quando fazia
revelações a seu respeito, proferindo aí estas palavras: "Põe-te bem com O feiticeiro Cabeça
Deus, que eu hei de me vingar de ti". Inquirida iza presença do Réu afir-
mou que deitara algumas vetes em bebidas e comidas tais substâncias, po- Na noite do dia 23.03.1865 a esposa de João Pereira Maciel, Ana
rém em doses muito pequenas. Deve-se notar que na presença do Ferreira Maciel, estava conio era seu costume na janela da sua casa na
Subdelegado e de outras pessoas, negou este fato, que se o afirmou depois Rua de Bragança - atual Marechal Floriano -, com rnais duas moças,
foi ainda debaixo de pressão de Joaquim em presença do qual depôs, que quando repentiiiamente um ndto passou correndo e disparou em sua
passando por feiticeiro e dizendo que adivinhava e munido de venenos que nas direção um tiro com um hacamarte, provocando-lhe a morte imedia-
treuas propinava) a ameaçara de matar .PP nüo se prestarse a execuçüo do seu crime. ta.14Após alguns dias de iiivestigação, foram apontados corno réus:
Admitindo porkm a hipótese de que algumas vezes propinasse as drogas
venenosas, não é intuitivo, à vista dos autos, que ela o praticou violentada - Ve.rzL?ncio:preto, escravo de Maria Bernarda da Silva, ligo ao certo sua
por rnedo irresistível! Nüo éjora de dúuida que Joaquim pasraua pol-feiticeiro, idade, representando ter 28 anos, solteiro, nascido lia Ilha de Santa
que sabia amansnr os senhores, e, mediante ret7ibuiçáopecunicriria, fornecia a escra- Catariiia, pedreiro (em um interrogatório disse que vivia do que sua se-
vos pós e outros objetos para sm-e~nlr~nçudosnas comidas e bebidar de seus senhores, nhora lhe dava), residia lia Rua da Igreja em casa de sina senhora 115
cuja.5 qualidades venenosas ignoruvamn) para o fim de amansa-10s !Tentando alguns meses, filho de Manuel e Eduvirges, não sabia ler e escrever;
eiiverienar a famíiia Barros, por cujo ~notivo já por outras vezes fora a ca- - Amélia Accioli Pi~rheiro:28 anos, viú\.a, de Pernarnl>uco (Vila da Água
deia e uma vez castigado, izão procuraria dominar pelo terror Silvana, como Preta), vivia de seins rendimeiltos (soldo como viúva de militar), residia
já dominara outras duas, afim de poder realizar seu plano criminal ! na Rua Clara há dois ailos, não sabia escrever, filha dc Albiiio José de
iòdos sabem do pod~rque nessa classe de gmte boçal exercem os tais feiticeiros Barros e Maria da Coiiceiçáo;
en-ilenenadores [. ..]. '' - Finnina, escrava de Mailrícia Alves de Azamb~ua,parda, solteira, 16 anos,
aliigada como criada na casa de Arnélia Accioli Pinlzeiro, morava com
Procinraiido caracterizar o réu como feiticeiro, nias ao mesmo tem- sua ama na Rua (:lapa, fillia de Leandro e Benta, de Porto Alegre, não
po denlonstrando como a fama do mesmo estrapolava o seu grupo ét- sabia ler e escrever.
iiico, o Promotor Publico Miguel, Lino de Morais Abreu, conduziu o
interrogatório do negociante Ricardo Manuel de Azevedo, fazendo-o Casado recentemente com Ana Ferreii-a,João Pereira Maciel Iia-
respoiider que havia visto o Oficial de Justiça Manuel Antônio do Couto via sido amante de Arnélia por muito tempo, sendo pai de um filho
pagar 32$000 réis a Joaquim por uma garrafa contendo "uma prepara- que ela carregava no colo duralite as audiCncias do tribunal e outro
ção própria para amansar sua mulher9'." que trazia 110 ventre." Mais ou menos um mês antes do assassiiiato,
Veilâilcio passou a freqiientar a casa de Amélia, contratado para com

11 Trechos iião estno stiblinhados i-io oi-igiiial. Ofício de 2/:4/ 1873. Quando foi feita tinia acaie-
acão riitre Sihlaiia e.Joacltiiin, e4te tleclarou "como am<~ac;aiiclo-a": "põe-te beni com Deus". 13 hlaciel aparece como testemunha em processo d e 18'iG, APEIIS - Siiinirio Jíiri, rnaço 50,
Atetiioi icdda, S i l ~ a i iac,tbou
~i i~igiiidoe seiido jtilgad,c a rcaveliii. processo 1355.
12 1,arira de Mello e Soiiza cita casos tle feitiços sob enconieilcla, qtie tiiiliam coi~iofinalidade a 1 4 APEKS - Siiinários -,Ifiri, maço 37, pi-occsso 1090.
ol~teriçiiotlt. alfi)i-rias. Souza, 1,atii-a cle Mello e, O IIic~Dor n %.,-ade S n ~ i t nQ-LZ: feitiçaria c: 15 (:onforrne clepos a pi-ofessoi-a ita1ian;i I-Ieiiriqiieta Velliitti (26 ailos, solfeii-a, viziiiha tla 1-6):
religiosidade 1)optilar 110 Bi.asil (:olorii;il. São Paiilo: (:oinpai-iliia tias Letras, 1986, p. 207. "[ ...I que efit"1clo iiltirnaiii~nter:orn ela [Arnélia], ~ ~ e i ~ d triste
o - a e sc.i~tlc)pí11)lic.onesta
poderes de feiticeiro resolver scus pi-oblenias afeti~os.'~'
Conio apa- dessa espécie aquelas africanas coni aparê1lr:ias tle "niouras trotas" c aque-
reiitcrneiite, os poderes de Veiiâiicio não foram suficientes para les negros com o aspecto de "negros do surrão", corisagrados pelo folclo-
reaproximar os antigos amantes, o obstiiculo existente eiitre eles teve re da nossa gente como terríveis mestres de catimbó: conhecedores de
ervas venenosas e de pós inisteriosos.'"
de ser eliminado. Aí é que tornou-se cúmplice a esciava Firmina, pois
alguém tinha que mostrar ao assassino o alvo do ódio da mandaiite
Além de ter seus poderes reconhecidos fora de seu grupo étnico,
do crime." Por volta do meio-dia Veiiâncio encontrou Firmiria na
Venâiicio Cabeça havia obtido há alguns aiios um bom protetor, quan-
cozinha da casa de sua ama e pediu-lhe que se encoiitrasse com ele "a
do pedira ao então Capitão do Corpo Policial Sebastião Maria Ricaldes,
boca da noite" na Praça da Matriz para mostrar-lhe a esposa de João
para ser seu padrinho de crisma. Mesmo que isso não tenha se realiza-
Pereira Maciel. Ela anuiu e "às Ave Maria", apontou Ana Ferreira en-
do ('por que ele não sabia rezar e por ser ainda escravo, tempo em que
tre duas moças que estavam na janela e quando regressava ouviu o
estampido de um tiro.
[...I promovia uma subscrição para se libertar",l%ontinuou a chamá-lo
de Padrinho. Na verdade, em troca de proteção, Veiiâncio atuava como
Venâncio tinha o apelido de Cabeça "por ter testa grande e le-
informante da polícia, papel para o qual tiiiha facilidades em decorrêii-
vantada" e era chamado mesmo de Sete Cabeças, "por causa de sua
cia de sua cor e prestígio como curandeiro.""
enorme cabeça", chamando ainda mais atenção pois quando andava
Um último detalhe que merece ser mericioiiado no processo que
balançava com o corpo. Tipos físicos como o de Veiiâncio aparecem
envolvia Venâiicio, Firmiria e Amélia, é que no Auto de Busca realiza-
coiistaiitemente na literatura como se trouxessem a "malignidade" de
do pela polícia na casa de Amélia, vários objetos de feitiçaria foram
seus atos estampada em seu corpo, o que tornava aleijados, anões,
encontrados:"
etc., como indivíduos ideais para exei-cereni as artes de feitiçaria. O
Iiistoriador Gilberto Freyre diz - em seu estudo sobre os anúiicios de C.. ] dentro de u n ~pequeno saco de chita, que se achava atrás da porta
fuga d e escravos -, iião ter encontrado cativos descritos como do quarto da varanda, pendurado na chave da niesma porta, um pano
'6catimbozeirosou bruxos": pintado de cores represeiitando um painel corn diversos objetos; uma
figura de pau; e uma pequeriiiia esteira com mancha de sangue no cen-
Apeiias alguiis são apresentados como pretos tão feios de feições, tão tro, e dois búzios, um em cada ponta da mesma esteira, achaiido-se pega-
corcundas ou aleijados das costas, tão tronclios das pernas, tão apallietados do a dita manclia de sangue, uma pena pequena de ave.
dos pés, tão esfumaçados nos olhos, tão "carregados de semblante^^^, tão
tortos das bocas, tão monstruosos de corpo, que diante deles nos !em a Sendo indagada sobre os objetos e a quem perteilciani, Firmiila
suspeita: talvez fosseni afl-icaiios dados a artes negras trazidos da Africa respondeu:
para o Brasil nos navios negreiros. 'Talvez fossem feiticeiros - dos que
matavam e aleijavam brancos inermes com seus feitiços ou suas artes. E
que não fùrtávamos ao peiidor de associar ao feiticeiro ou a bruxaria
[...I que os objetos pertencem ao réu Veiiâncio, que os levou em uma
ocasião a Casa em que mora a R6 Amelia, e que o pregou no quarto da
Varanda, acendeu umas velas e falava com uni boneco preto e que tem
no peito um espelho, e bebendo ao mesmo tempo cacliaça, borrifava 110
cidade que Maciel era seli ainatite, pergi~i~toii-lhe [...I se a tristeza em que estava ei-a causada pano, o boneco que está presente e o outro boneco preto que já referiu,
1x11-saiidades d e Maciel, ao que respoiideii-llie sua viziiiha qiie iião, pois subia qiie Maciel e [macerando] umas ervas que estava na gaveta, misturava o pó com o
aiiida a amava, e se tiiiha casado com outra foi devido a força das circiinstâiicias."
16 A parda liberta Judite ( 1 G anos, sabia ler e escrever, solteira), qiiaiido falava d e Venâncio
tratava-o como "o preto feiticeiro Cabeça". do Sicz~loXIX.2. ecl., São Paulo: Ed.
18 Freyre, Gilberto. O escrcci~or ~ o s( L ? ~ Z ~ ~ Z Cde
~ O~ OS . I . ) L C LOrn.rileiros
~S
17 Na vespera d o crime siia amajá tirilia mandado mostrar a Venancio a n-iulher de Maciel: '7[...I Nacional, 1099, p. '77.
o q cie não fez por que essa noite foi ter ela iiiterrogada coni uma camarada que a dernor-o11
19 Depoimento do Capitso refoi,maclo do Corpo Policial Sebastiiio Maria Kicalde (47 anos, sol-
milito, e tio dia segiiiiite d e manhã qiit:ixando-se Veiiincio a sira ama Amélia, esta i-cpreelide- teiro, residia no Kiaêl-io).
ra a ela interrogada dizendo qiic náo a tinha maiidado p:issear". No (lia d o assassiilato: ""Kes-
poncieu qiie até o meio-dia este\.e na [,liacla L,cideira, qiie depois fez as coi-ripras prel~aiaildoo 20 O Capitâo Kicaldcs infoimoti qiie coiiliecia VenLiiicioj6 '"c alg~iiisaiios, desde que ele teste-
jantai; engomoii algiima roupa, e sua ama Aniélia nlaiitio~i-apassar pela rua tle Bragaiiqa para miinha f i ~oficial
i do (:orpo I'olicial em que lhe foriiecia algiimas iiiformaçGes a bem cio servi-
[TI- se esta1.a eni casa Maciel; cliie ela ii1tei.i-ogada foi, e voltou dizen<loa siia Aina qiie Maciel ço píiblico".
estava tia riia da 1,adeii.a e elicoiiti-ori siia ama ~x:iiteaiido-se[...In 21 Foi-arii tainhbrn eiicoiitiatios dois hillietes cle J o ã o I'el e i n ~Macicl a sua amante, sericlo iim
cieler assiii'icto '"li.ii 'ité a iriorte".
saiiçue de iini ponibo, cujo r...] Veriâilcio tinlia torcido o pescoço, sericio Na sessão do jlíri de 18 de maio de 1865, os jurados dividiram-se e
este pombo de cor braiica, e um outro que Veiiâncio soltou pintado de acabaram por inocentar Amélia e Fiririiiia, condenando por uiiaiiimi-
branco e preto. dade Venâiicio com várias circuiistâiicias agravaiites (matou com a es-
perança de alguma i-econipei~sa, foi de noite, com premeditação, com
Firmina negava saber o fim deste ritual, acrescentando que superioridade de sexo, forças e arma, com surpresa) e neiihuma cir-
Venâncio ainda fizera cruzes com um giz em volta do pano e fechara-se
cunstância ateriuante. O juiz de Direito coizdeilou-o ao Grau Máximo
em um quarto, e que ela: "[ ...I ouviu alguns estouros, e quando o réu
do Artigo 192 do Código Criminal - Pena Capital -, sendo o seu caso
Venâncio abriu o quarto estava ele enfumaçado e cheirando a pólvora."
remetido ao Tribunal de Relação, onde foi novamente julgado em 25
Só podemos cogitar do sigiiificado deste ritual e dos objetos usa-
de agosto com o mesnio resultado. Condenado 2 morte, Venâizcio Ca-
dos. O Missionário Altuna - estudioso da cultura banto -, fala de boiie-
beça recorreu às graças do Imperador e ainda vivia na cadeia quando
cos de trapos, de uns 30 centímetros, preparados por adivinhos e cha- da prisão de Joaquim da Cunha Vieira, vindo a falecer somente em 29
mados de Kissola, usados para diversos fins e que deveriam ser alimen- de fevereiro de 18'73, de "lesão no coração".24
tados "aspergindo-o com bebidas e alimentos" pelos fiéis. Se demorasse
a surtir efeito, o adivinho mataria um animal - uma galinha, por exem-
plo -, e esfregaria o Kissola com o seu sangue. O espellio talvez escon- A Religiosidade Negra em Porto Alegre
desse uma pequena cavidade, que poderia conter algo da pessoa a quem
Voltando ao caso do feiticeiro Joaquim Mina, percebemos que nas
o feitiço visasse - pedaço de unha ou cabelos.'? A esteira é um siibstitii-
vésperas do seu primeiro julgameilto - em 1872 -, cresceram as "dan-
to para o altar de sacrifícios e a pólvora é usada para limpar a alma de
quem faz o sei-vic;o,parte importante de rituais qiie visavam destruir ças e batuques de pretos" em Porto Alegre, o que levou os vereadores a
reclamarem ao chefe de Polícia por terem sido coiicedidas licenças para
algum inimigo. O antropólogo Ari Pedi-o 01-0, em pesquisa sobre os
estas manifestações, que talvez possamos cogitar tivessem a inteiição de
cultos africaiios na atualidade, só mencioiza um saiito que receberia
coiiseguir auxílio dos orixás para o companlieiro preso. A maior autori-
sacrifício de pomba Ilraiica - Xangô -, orixá do trovão, da justiça e do
dade policial da Pi-ovíiicia respoizdeu que nada constava a respeito des-
fogo, o que talvez tambCm justifiq~ieo uso da pólvora.'
tas permissões e que os subdelegados seriam novamente avisados da
Os bonecos aiiti-oponiórficos de madeira deveriam representar a
proibiçào de tais reuniões, devendo os fiscais da Câmara Muiiicipal,
entidade a que se estava dirigindo pedindo algo e o próprio Pereira
sempre que tivesseni iiotícias de tais ajuntamei~tosrequererem "o iie-
Maciel, sendo provável qiie a rnagia fosse 110 sentido de provocar uma
cessário auxílio para dispersá-l~s".~'
reaproximação entre os ex-amantes, com algum rnalefício que afastasse
Como Porto Alegre caracterizava-se por uma grande presença de
o obstáculo que os separava. Com o fi-acasso dos apelos ao além, Cabe-
população iiegra, percebemos que liavia o costume de se expedir per-
ça viu-se obrigado a acabar com o entrave que existia para que seu feiti-
missões - pelo rneiios até meados de 1850 -, e com limites bem preci-
ço desse certo - matar Alia Ferreira Maciel.
sos, para algunias maiiifestações culturais religiosas africanas. O criou-
lo chefe dos cacumbis, Eduardo, pediu liceiiça em agosto de 1849 para
sair com o seu "balido" nos domingos de tarde até a festa de Nossa
Seil1:iora do Rosário, para obterem esmolas e cumprirem a promessa
22 Alt~iiia,P. Kaiil Kuiz d e Asíia. (,'ulturn t~ndictor2nlbnrzto. Liialida: Secretaliado Arqiiidiocesaiio feita para a '5luminação da porta da Igreja da dita santa". Para come-
d e Pastoral, 1985, p. 553/555, O espelho, em \,irias ciiltitras, é símbolo poclvroso d e inaii
presságio oii d e proteção coiiti-a inau olliaclo. Repi-eseiitacla coni espelhos temos DadA, pri-
morar Nossa Seizhora por ocasião do Natal de 1850, pediu e recebeu
meira dos qiiiiize filhos d e Iemailjá e seu filho Oriingiã, protetora dos recérri-iiascidos. Ver: mercê do chefe de Polícia, o preto forro E'raiicisco, de nação Mina para
Cascudo, 1,riis cla (:âmai,a. L)icionririo do jblclo~e Drc~.silei,-o.7 . ediçiio, Belo IIorizorite: Editoi-a as "da1ic;as de sua nação na casa de sua residência na Rua do Arroio".
Itatiaia Ltda.; Sâo Palilo: F'(litorada Uiiiversidade d e São Paiilo, 1088, p. 278; 12odrigues, Nina.
110 B~.n.sil.7. C ' ( ! . Sâo F'aiilo: Eclitoi-a Nacional; Brasília: E:ciitora da IJNB, 1988, p.
Os cl/i-i~(~~ios No mês de o ~ i t ~ i b rdo
o rrxsmo alio, o prcto liberto João Francisco
222.
23 Oro, Ari. Os negrose os ciiltos aft-o-bi-asileirosn o Rio (;r;ii-ide cio Siil. 111: Leite, Ilka Boaventiii-a
(01-g.). NeCg7.oxJ ~ ~1i1(10
O r t~)-).ito).ií~li(l(~<le.
I ~ J . ( L/~t~~isiÚilid(~~lo
s~~. Floriai-ii>lx)lis:1,eti-as (:oi1teiiipor5- 24 AI-IKS - J u $ t i ~ aICegi\tro
, dc Óbitos d e Kéii4 -- 1867/1801 --J-O(j8.A.
ileas, 199G, p. 49. Na bre\se aiiálise deste ritiial, agraclrço a niiiilia iiifòi.niante tlos ciiltos afi-o, 25 O ofício do5 \jeie;itlores í. de 29/4/1872 c a respost~ldo clic4e tle Polícia 'tos inesmos é cli 4/
Síl\ria Kegiiia dos Saiiios. 5,ex,itniiic-niv o cli'i tlo jitlgarnciito. AIIIIS - I'olicid, (:ódicc (1'1 Polícia 11.240.
Beriiardo, tambkrri solicitou licença para abrir o scu "ensaio para daii- os briiiqiicdos fosscrn ria Várzea desta cidade, e por que esses diverti-
ça que costuina sair pelo Natal com o nome de quicuriibi". Seguiido o I mentos são inteiramente iiloceiites e servem de distração, e alcrii disso
delegado de Polícia, a permissão só deveria ser concedida se o suplicaii- resulta em benefício dc todos por que deles se obtém esmolas qiie são
aplicadas para socorros mútuos em casos de enfermidades e para enterros.'"
te informasse onde pretendia fazer os ensaios e em que lioras do dia,
para que a vizinhaiiça iião fosse incomodada, "por que é costume faze- Rainha Ginga era uma figura que ficou marcada quase mitologica-
rem muita bullia e algazarra". Em resposta o requerente declarou que mente na lembrança dos trabalhadores africanos escravizados. Tratava-
OS ensaios ocorreriam em terreno de sua propriedade no Beco do Ro-
se da rainha quimbundu Nzinga Mburidi, do reino do ndongo (parte
sário, "lugar este que não incomoda, por ser longe de famílias" e que só da Angola atual), que no século XVII resistiu ao avanço português. Como
pedia autorização para os domingos e dias santos de guarda e só por em sua resistência aos exploradores portugueses, Ginga conseguiu
duas horas contadas das 4 às 6 da tarde, prometendo "não fazer bullia montar uma grande aliança com povos antes férreos inimigos, explica-
nestes ensaios, e declara mais que os seus ensaios são decentes para se em parte o predomínio da preta Maria José - no papel de Rainha
poder dançar em casa de famílias particulares pelo Natal".2" Ginga - sobre várias nações afi-icaiias."' O delegadoJacinto José Iriácio,
Cucumbis eram festividades que reuniam "grupos de negros com I em 24 de março, aprovou a concessão de licença dizendo que iião ha-
uma identidade religiosa e étnica comum que se maritiveram e mani- via "iienliuma dúvida" em concedê-la "menos para os enterros, por se-
pularam as tradições das Congadas no espaço urbaiio", seja no período rem atos que eles praticam contra a nossa religião", desde que os diver-
do Carnaval, Festividade de Nossa Senhora do Rosário e Natal e muitas timentos ocorressein na Várzea, Olaria oii outras áreas iguais fora do
vezes tinha como motivação o pagamento de alguma promes~a.'~ ceiitro, "por causa das queixas que costumam fazer os vizinhos, em vir-
Como já fazia liá muitos anos, o preto forro de nação rebolo tude do barulho que fazem 110sbatuques", tornando-se um "tormcnto"
Venâiicio Martiiis Baião, "morador na rua da Igreja em uma meia água 1 para os moradores dos arredores. O alvará de licença foi passado pelo
de propriedade do Padre Francisco de Paula Macedo", requereu em prazo de um ano, para a casa da Rua da Varzinha 102, deveiido cessar o
I
abril de 1850 licença para "nos dias de preceito, com os pretos de sua divertimeiito à noite, ocorreiido somente iios doniingos e dias santos,
I
nação, fazerem o seu baile com um surdo tambor" para tirarem esmo- I
com a coiidição de não liaver qualquer desordem e somente partici-
las e com elas "sufragar as almas dos seus parentes". Venâncio baseava
seu pedido nas diversas licençasjá obtidas em alios anteriores das auto-
ridades policiais - o que provava não ter havido qiialquer desordem - e
I pando escravos coni ordem por escrito de seus senliores.
Era importante que o suplicante possuísse residência fixa -facili-
tarido a obtenção de iiiformaçõesjuiito aos inspetores de quarteirâ« e
reafirmava que suas danças ocorreriam apenas de dia "até o pôr do I vizinliança e a sua localização ein caso de alguma transgressão - e de
sol". As autoridades policiais coiifirmaram que nunca houve proble- I
I preferência que o local onde ocorresse o "divertimeiito" fosse em urna
mas, mas que tal "divertimento" não podia ser feito iio centro da cida- residência, para que o seu proprietário pudesse ser respoiisabilizado
de e que uma patrulha da polícia devia fazer séria vigilâricia. TÍimbém por qiialquer ocorrência. Se iios primeiros tempos de Porto Alegre,
em 1850, Maria José, preta forra, moradora na Rua do Arvoredo 64, mesmo a zona central poderia possuir locais reservados a terreiros, com
"na qualidade de Rainha Ginga da iiação Angola, corn predomínio so- o passar do século XIX, a Várzea toriioii-se a região por exceli.ncia dos
bre as mais nações de pretos da Costa da África", iriforrnava ter sido cultos africanos, com permissão ou à revelia das autoridades. A Várzea
cassada a licença obtida para brincar "ao modo de suas nações" em aparece neste período, mesclada à Azenha c ao Meiiiiio Deus, con-io
algumas casas na Rua do Rosário e sugeria que: ,
I

28 AIHKS - Kclqiiei-ir-iiei~tos maços 90 (!3/4/1830, 19/2.1850).


29 A Rainha Nziinga Mbuiidi t:in I656 Fez uin tratado com Portiipl, dctermii~andoo rio Liik~ila
2G AE-IKS- Kequri irneiitos rriaqos 80 ( 3 0 / 8 / 1849), 90 (20/10/ 1850) e 90 (25/10/1850). como liiiiite a peiretraqão Iiisa, nias gradiialriic~iiteo seli reino passou a iisufi-iiir do irãfico de
27 Mello, Marco I,ii,io de. lirvi).crs, OCI~II(II~P.Se ~ C O . ) Z ( ~ A
~ Kc~ilt~ii.;t
~ I . T . d e i.esiseeiicia dos esci-avos em esci-a\ros.Aleiicastro,L,~iizFelipe de. O trato do.\ I J ~ ~ J ~S;\o~ / ~Paiilo:
P . s . (:ia. tias I,etiai;, 3000. O
I'elotas. Pelotas: IJniversidacle lJiliveisitái-ia UFPEL,, 1994, p. 82. Ver tart-ibéiri: C:asciido, ol,. Solcloi-istaI'aixâo (>oi-tiiiieiicioiia o i-eiiiado da K;iiillia Ginga, diirante a festa dos Moçanibiqiies
ril., p 266. eiri Oscírio. Paixão (:oi.tes,J o â o (hrlos. I;oklorr gu/íc.l~o.Porto Alegre: Corag, 1987.
zonas mediadoras entre a cidade proprianieiite dita e os arrabaldes ou No Rio Grande do Sul, conforme Daiite de Laytario, 1)aiiique não
zona rural. Pelos inventários e anúncios dejoriial percebemos que erarn é simplesmente uma d a w a não deve ser reduzido a unia festa ou "sim-
compostas priiicipalmente de chácaras, inatos e descampados, onde a plesmente uma cerimônia coreográfica", mas pode ser usado como si-
autoridade policial tililia dificuldades em exercer. sua a ~ t o r i d a d e . ~ ' nônimo de "religião de Batuque é uma religião caracteristica-
Além de esconderijo de escravos em fuga e palco da sociabilidade mente Jê-je Nag6" e segundo o antropólogo Ari Pedro Oro:
entre os populares, o espaço da Várzea era um dos locais tradicionais
de práticas religiosas negras. Tal característica era explicitamente men- [...I apóia-se em elementos mitológicos, axiológicos, linguísticos e sim-
cionada pelas autoridades da época. Na ampliação das Posturas muni- bólicos das tradições banto e sobretudo jêje-nagô. É o caso do Candom-
cipais feitas pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, no Capítulo blé da Bahia, do Xangô de Recife, do Tambor de Mina do Maranhão e
4Weiiominado "Vozerias, injúrias e obscenidades", o Artigo 48 discri- do batuque do Rio Grande do Sul. Seus cultos centram-se nos orixás,
minava amplamente: [...I divindades que representam concomitantemente elementos ou for-
ças da natureza (pedra, chuva, trovão, vento, terra, fogo, ar, água) e ativi-
"São proibidos os zungús e batuques. Os moradores das casas, onde eles dades humanas elementares (caça, guerra), que regulam o funcionamen-
se fizerem, ou chefes dos mesmos zungús serão multados em 10$ ou 10 to d e determinados órgãos do corpo humano e que se relacionam com
dias de cadeia." determinados tipos psicológicos. A cada orixá, "de Bar5 a Oxalá", atri-
bui-se competências e qualidades próprias, são simbolizados por deter-
Já o Capítulo 12" que tratava "Da Segurança, Comodidade e Tran- minadas cores e objetos, sendo-lhes ofertados determinados animais e
qüilidade Píiblica", indicava claramente o local que deveria ser vigiado comidas e todos de alguma forma mantém correspondências sintéticas
com maior ateiiçao: com santos

"Artigo. 122 - Ficam proibidos os caizdombes ou batuques, e danças de


pretos na Várzea, chácaras ou outro lugar, Pena de 16$ de multa ao dono Nos pedidos feitos às autoridades requerendo autorização para estas
da casa ou chefe de batuque, e sendo escravo 25 açoites.""' reuniões de pretos, os suplicantes podiam até salientar o aspecto lúdico,
festivo, mas por detrás certamente estava uma manifestação de identi-
dade étnica. As reuniões em "candomblés" ou "batuques9',ou outras
formas religiosas de manifestação, mesmo que descritas pela imprensa
como meros ajuntamentos e não como reuniões organizadas, possuí-
am hierarquia própria e com uma linguagem ritual compreensível pela
30 Afastado d o centro da cidade, o Caiiipo do Bom e Fim e a Azenha erarii lugares ideais para a comunidade de praticantes. "
\~eiidad e ol~jetosroilbados n o centro e o ei~treteilimeiitod e persoiiageiis dos mais díspares.
Às 11 1101-asda inaiihã d e 2G d e abril d e 1881, os galés José Loiirenço e Sarniiel da Silva (coii-
cleiiaclos a 8 e 4 anos e meio, respectivamente), tei-niiiiai.am a faxina do Palácio do Go\leriio
onde eram \,içiados pelos policiais Jose Martiiis tle Oliveira e Alex~iiiclreda Porciúiicula (33 32 Laytano, Daiite cie. filclo7-e clo Rio Gralzcrl~do Szcl. Caxias d o Siil: EUUCS; POA: Martiiis Livreiro,
anos, D/I'). Ao saírem clo palácio, os presos pediram que, cotiforme era cosfl~n~e airtorizado EST, 1984, p. 198. Ver aiiida: Cascudo, 011.czt., p. 114.,
pelo carcereiro, fòssein lia Várzea veiider algillis chinelos fahi-icados por eles lia cadeia e
também visitar a fianiília de iim cleles. Segiindo o policial Alexaiidre, iiidiciado como réu, ao 33 Correa, Nortoil Figueii-edo. Panorama das lieligiões Afro-Brasileiras do Rio Grande d o Sul.
cliegareni à Azenlia, entraram ein lima vetida e comeram sardirilias, ap6s o que solicitoii In: Oro, Ari Pedro (Org.). A.s reLig'Ues aj?o-brasileiras do Iiio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed.
autorização a José Martiiis, encarregado dri escolta, para fazer necessidacles tios fiiilclos cle um UFKGS, 1994, p. 12.
qriiiltal e lia volta já 11ão os eiicontroii - clesesperado foi prociirá-10s erri dois locais cliie coiisi- 34 Oro, 011.cit., 1994, p. 47/48.
dei-oii impoi.tantes: primeiro, em casas da Azenha oiide compravam sola para os trabalhos lia 35 No aiiiíiicio d e fuga d o escravo João, publicado em 1864, eiitre as várias características apoil-
cadeia e no Beco tlo Barbosa (atiial Bari-os Cassal), eim casas tle prostitutas. Ojiiiz ile Direito tadas para facilitar a captura (30 anos, de Nação, alto, delgacio d e corpo, vestindo um poilche
preteiicleu iio processo ciar iiiii exeinplo, pois os 2 policiais: "[...]iiido []ara o Campo do Bom d e pano curto e chapéu de pano), seu seiilior salienta que ele era muito coiihecido como
Fiin h z e r qiiitaiida e beber em uma ta\lerii;i, pela iieglig6iicia do pi-inieiro réu Porciiíncula e "tocador d e paildeii-o" e "iiiflileilte lia dança dos Calumbis". J o ã o havia frigido da olaria d e
cotiivCilcia do segtiiido, José Martiiis, sencio revoltaiite que galés, eni \/e/.de serem emprega- sei1 seillioi.José cle Sousa Costa MCSHC: Mercantil - 8/6/1864. Já em 1829, a Câmara Muiii-
dos em trabalhos piíhlicos, andem pelas ruas desta capital cliiitaiiclaiido, ofei-eceiido-se por cipal reclainava da "coiltiiiua~iiodos ajiintameiltos d e negros em C;aiidombléWi10 interior da
isso ocasiào a qiic eles se e\.atlain iio ai10 primeiro tle suas senteiiqas coiideiiat6rias". APEKS - cidade "com \7ozerios e alaridos contiiiuados, e obscenidades, qiie ofèiidern a moral pública"
Siirn;írio,Júi.i,maço 54, pi-ocesso 1414. e pedia a Pi-esidêiicia da Pro~íiicia“que por bem do sei.viço público se silva dar providências
?I 1 AHKS - Autori<lades hltiiiicipais, [,ata 134, rnac;o 138, olício de lH.OO.lH.5G. para que d e lima vez cessrin tais escâiidalos". AHIIS - Aiitoriclades M~anicipais,PoA, maço
123, Lata 131, 13.11.1829.
Não encontrei qualquer processo que envolvesse conflitos ocorri- saram a exigir das autoridades públicas a transforniação da Aldeia em
dos em terreiros ou casas de batuque, demonstrando as solidariedades Cidade - policiamento das ruas, calçamento, iluminação, medidas de
ali tecidas e a importrincia dos orgaiiizadores, que conseguiam resolver higiene, etc. -, além de medidas repressivas contra os irracionais, imo-
os problemas internamente. Talvezjustifique esta aparente traiiqiiilida- rais e perigosos ajuntameiitos de negro^.^"
de o fato de que boa parte dos praças da polícia da época serem negros, O impedimento as reuniões de negros, constam explicitamente
já que é de supor que componentes do mesmo grupo étnico dos das novas posturas propostas pela Câmara Municipal da capital em 1856
batuqueiros, com eles deveriam compartilhar muitas das crenças ou e aprovadas pela Lei Proviiicial405, de 28/ 12/ 1857. A Câmara Munici-
pelo menos fazer "vistas grossas" aos cultos, os quais só denunciariam ou pal propôs que fossem proibidos os "zungús ou batuques", sendo os
invadiriam com ordens dos superiores.'" moradores das casas onde ocorressem (ou os chefes dos mesmos zungús)
A religião católica, com seu calendário festivo, deveria ser aceita multados em 10$000 réis ou 10 dias de detenção. A presidência da Pro-
pelos negros e escravos e as suas comemorações deveriam respeitar li- víncia aprovou a sugestão, mas substituiu, toriialido mais ampla a proi-
mites severos evitando qualquer tipo de "extravasamento"."' Os jornais bição, "zungús" por "reuniões de escravo^".^^"
- importante veículo de propagação de idéias -, continuamente me- Na documeiitação pesquisada, não foi possível encontrar requeri-
nosprezavam os cultos africanos de qualquer espécie, seguindo a regra mentos para "festas de pretos" posteriores a 1850, o que pode compro-
de que "superstição é simplesmente a religião do outro ara".'^ O ano var o aumento da repressão às manifestações de religiosidade negra.*l
de 1857 pode ser anotado como marco do fim da coiicessão de permis- Pressionados em suas práticas religiosas mais autênticas, provavelmeri-
sões para a festa de negros em Porto Alegre. Os motivos talvez estejam te os negros aumentaram a sua presença em rituais católicos permiti-
ligados ao fim da Guerra Civil Farroupilha (1835/1845) e ao término dos pelas autoridades policiais (nos quais dissimuladamente poderiam
dos problemas com Rosas, que fizeram com que os esforços das autori- continuar rezando aos seus orixás) e engrossaram as irmandades religi-
dades provinciais dos inimigos internos se voltasse aos iiiimigos domés- osas, como a do Rosário." Isso também explica, em boa parte, o fato da
ticos. Por outro lado, o aiimciito populacioiial de Porto Alegre, direta-
mente ligado ao crescimerito da capacidade prodiitiva da colônia de
São Leopoldo, fez com que idéias de moralidade e civilização contami- 39 Não sabernos até que ponto influeilciou nesta mudança d e sensibilidade, a chegada d o 2"
Bispo d o Kio Grande d o Siil, o dinâmico e influei-ite Dom Sebastião Dias Laranjeira (1820-
nassem a mente dos cidadãos de bem da capital da Província, que pas- 1888), empossado em Porto Alegre em 19/7/1861. L,aranjeira foi o respoi-isável pela edificação
do enorme - para a época - Seniiilário Episcopal e incentivador d e uma imprensa católica
atuante, medidas importantes n o fortalecimei-ito da presença da Igreja Católica n o Rio C;ran-
de do Sul. No bispado d e Dom Sebastião 1,arai:jeira é que se inai-iif'estaram os principais con-
36 Cabe destacar que eilcontramos ocorrência d e atritos eiri procissoes, corridas d e cavalo, festas flitos entre Igreja Católica e grupos rivais, como a Maçonaria. Colussi, Eliane Lucia. A bilnçona-
d o Espirito Santo, etc. Em 1867, por exen-il~lo, fili montado um processo eni Viamão, relativo ?-iagaúcha no séczclo XX. Passo Fundo: EDIUPF, 1998, p. 388.
a clesordei~sfeiras por escravos niiina Sesta d e Nossa Senlioi-a da Conceição, porém o a1j.o da 40 AI-IKS - I,egislaç5o 11\5'77, Lei 405, d e 28.12.1857. As pena? cle açoites aos escravos infratores
acusação era o siibdelegado ern exercício Firn~ii-ioMartins que teria dado, em 8 d e Dezembro foram siibstitiiídas por miiltas d e 5$000 réis aos seus seill~ores.AIWS - Autoridades Munici-
daquele ano, consentin~ento"a seus escravos e a outros, um divertimeilto usado por homei-is pais, Lata 134, rilaço 138.
dessa condição, mas que apesar d e ser divertimelito tem muitas vezes se coiiverticlo em desor- 41 E claro qiie estas mailifestações continiiaram ocorreildo, como demonstra informação coi-is-
dem e em perti~rbaçãoda tranqiiilidade piíblica pela pouca moralidade d e que podem dispor tante em processo criminal d e 1888. Na tarde d e 22 de janeiro daqiiele ano, um jornaleiro e
homens escravos e por isso e~nbrutecidos,e que ainda siicecieii lia ocasião dessa festa." AI'EKS um marítimo trocaram tiros iio Campo da Redenção, por dí\~idastsendo tal conflito preseilci-
- 1" (Cível e Crime - Maço 133, processo 3575.
ado por poricas pessoas pois estavam "lodos no diuertirnenlo que hnvin n,o centro dn lfrirzea de pretos
37 Pesaverlto, Sandra. Einergiizrin clos szcbalternos. POA: Ed. UFKGS: Fapergs, 1989, p. 38. minas". AF'EKS - Sumário Jiíri, maço 67, processo 1673. Ein 1881, os jornalistas d o joriial
38 Price, Kichard, A/~uclKeis,João.José. MagiaJ-je na Bahia : A iilvasão do Calrindu do Passo d e Mer-cnntil chamavam a atenção da polícia, para um grande "batuqiic d e pretos minas" estabe-
Cachoeira. Ihlistn H,-n.riLeij-ncle História. São Pai~lo,ed. Marco Zero, 11. IG, 1988, p. 68. Não é lecido na rua da Ponte, entre as ruas Clara e a do Arroio, que iilcomodava a vizinhança até
difícil compreender o receio das classes dominantes e dos responsáveis pela segiirança piíbli- altas lioras da noite: "Esses batuques já não condizem com os progressos da nossa civilização."
ca, ,já que temos urn exemplo coiicreto da iilfliiência da religião na revolta dos Malês, na Na atualidade, este bat~iqiiese sitilaria na rua <!o Kiacl-iiielo, entre Bento Martiils e João Ma-
Bahia em 1835. Segundo Keis, "Os rebel(tes forain para as ruas corn rotipas só ~isaclaslia Bahia nuel. MCSI-I(; --Mercantil, 22/8/1881, artigo "A Polícia". Em 1859, sete escravos foram reco-
pelos adeptos do Islã. No corpo clos qiie morreram a polícia encoiltroii an-iiiletos m~~çiilma- Il-iidos ao xadrez por estarem sem licença "fazendo oraçoes em iima casa com altar iliitniila-
nos e pal.>kis com rezas e passagens do Alcoráo. Estas e oiitras marcas da revolta le\.araiil o do", n o 1Wistrito d c Porto Alegre; em 25,' 4/1888, foi presa a crioula Kosaiii-a, por fazer
Chefe de Polícia (2onçalves Martins a coiiclilir o óblio: 'O certo, escreveii ele, G que a religião "bat~tque"em scia casa, "pert~irbancloo sossego público". RIICSHC;, ./ol.ncll (,'omeio do Sul, 10,'
tiillia siia parte n a siiblevaçáo'; segiiia a ohsen~ação:'Os cliefes faziam persiiaclir os inisei~áveis, 12/1859; AIJKS -- Polícia, cõdice 11. 11i .
que certos papkis os livrai-iam da morte"'. lieis, João.Josk.I-r'ebeliiioescrní~a120 Brn.vi1. Siio Paiilo: 42 O Brummer,Joseph IJ6rrneyer, qiie esteve em Porto Alegre nos primeiros anos d e 1830, desta-
Brasilieiise, 1087. cou qiie os meios d e controle tlos escravos crani forilecidos pela Igreja (htõlica - "Os muitos
festa do Divino Espírito Saiito ser citada como a maior iriariifèstação 130$00O em pagamento das mezinhas e brnzirnentos que foram-lhe apli-
popular de Porto Alegre rio século XIX. Apai-eirtando cultuar uin sím- cados. E irnperdoá~~el a tolerância, senso consentimeiito das autorida-
bolo da crença católica, os negros livres e escravos podiam honienage- des, para tais ajuntamentos e para o exercicio da feitiçaria por essas loca-
lidades, onde são fl-equentes semelhantes casos, que muitas vezes são a
ar o pai de todos os orixás Oxalá, representado também por uma pom-
origem de crimes a que são arrastados estes infelizes fanatizados pelas
ba branca, correspondeiido a Cristo e ao Espírito S a n t ~ . ~ " macaquices de um preto, geralmente escravo fugido, que inculca-se
Intermediários na relação com o além, os feiticeiros ou curandei- mandingueiro. Será conveniente que o Exmo. Desembargador Chefe d e
ros tinham grande prestígio entre escravos e negros livres, assustando Polícia, preste sua atenção para o caso que acima referimos, mandando
as autoridades não só com seus conhecimentos (venenos e remédios) dar caça ao feliz Mandú, antes que o mau aumente.44
mas também com o público que conseguiam reunir a sua volta. Foi
assim com o preto Mandú, denunciado pela imprensa em 1880, que há Como observamos, mais do que os seus "milagrosos curativos", o
dois ou três anos atuava no Paredão - situado na estrada que ligava que se salienta e encerra o artigo é o risco de "tais ajuiitamentos" e dos
Gravataí a Santa Cristina do Pinhal e que exercia a profissão de "médi- "infelizes fanatizados" que seguem o curandeiros, maiidigueiro ou xamã
Mandú. Na verdade, misturava-se nestes indivíduos práticas mágicas e
co-mandigueiro":
elementos d e medicina popular, fazendo com que o público
frequentador destes especialistas fosse maior do que o seu grupo étni-
A sua clínica, segundo consta, estende-se desde os referidos municípios
até ao da Conceição do Arroio e por onde a fama dos milagrosos curati- co (como deixa perceber o oficial de justiça que comprou de Joaquim
vos de Mandú, já é referida com fanatismo. A dezenas de léguas, o astuto Mina um remédio para amansar sua esposa) .45
mandingueiro acode a chamados, conduzido em cavalos de boa marcha, Um ano antes da denúncia do preto Mandú, a polícia do 3Vistri-
ou para curar uma enfermidade qualquer classificada de feitiçaria, ou to de Porto Alegre, "assaltou" um cortiço localizado no centro da cida-
para exercer um ato de ciência em que é especialista, que consiste nas de - na Rua General Bento Martins -, onde se reuniam diariamente
mesadas, onde o mandiiigueiro fecha o corpo a uns para preservar do "alguiis pobres de espírito" liderados por um "novo messias", um preto
feitiço, e abre a outros a quem se quer enfeitiçar para urn pretendido escravo fugido há mais de um ano do Capitão Andrade Neves:
enlace de dois corações rebeldes à ternura. E assim, para o mesmo efei-
to, um crescido número de enfeitiçados e verdadeiros enfermos, é atraí- Este industrioso e mais uma preta obesa com quem vive amasiado, abu-
d o para casa d e Maiidú, que esta constantemente circulado d e sando da santa credulidade de seus fanáticos admiradores, praticavam
arranchamentos e carretas. Até desta cidade, tem ida enfeitiçados en- de a muito proezas e cenas as mais repugnantes e asquerosas que se po-
grossar a romaria, pois sabemos de um miseráveljornaleiro que, atacado dem imaginar. Assim é que, para purificar as entidades do sexo femiiii-
de grave enfermidade, foi induzido pelos milagres de Maridú, em busca no, fazia-as despojar de todas as suas vestes e extraia com os lábios -
de alívio dos seus padecimentos, e voltou no mesmo estado, deixando lambaris, pregos e outros ingredientes imaginários do ventre da infeliz
vítima; com o sexo masculii~o,praticava oiitras proezas de mais ou me-
nos quilate. Neste pressuposto, pois, não havia dentre os seus assíduos
frequeritadores, quem não visse no respeitável cavalheiro, um santarrão,
que lhes progiiosticava o presente, o passado e o futuro, com uma certe-
dias de festa, as procissoes e fògos de artifício, ligados a isso, e os dias de descanso dos escravos za realmente matemática [...I Porém mais matematicamente procedeu a
destarte causados, fazem dos mesmos, sem que entendam muito daqiiilo, os mais fervorosos
autoridade a que aludimos, que apanhou toda esta troupe em flagrante
adeptos da Igreja unicamente salvadora; e raras vezes o cortejo de iim dos Santos consta d e
menos de 2.000 escravos de todas as matizes, a tagarelar e a gritar. E visto qire um escravo e deu com ela 110 xiliiidró. Informam-nos que entre outros artigos
castigado com chicoteada niii-ica mais se possa juntar a uma tal cerimônia, essa massa de nicrománticos, foram apreendidos diversos objetos de valor na busca dada
público é Lima satisfação para o brasileiro possiiidor de escravos." Hiirmeyer, Josepl-i. O Rio no cortiço, notando-se entre alguns jóias de ouro, prata, etc. Que ajusti-
Grande do Srl de 1850. POA: D. C. 1,iizzatto; EDUNI-SUL, 1986, p. 79. Ailtonil acoi-isell~avaem ça canonize como merece o novo santo improvisado, é o que ardente-
seu Tratado, que os senliores permitissem as "festas de pretos": "Portanto não lhe esti.anliem o mente anelar no^.^'
criarem seus reis, cantar e bailar poi. algiimas horas honestamente em alguns dias do ano, e o
alegrarem-se hoiiestamente 2 tarde depois de terem feito pelrz manhã suas festas de Nossa
Senhora d o Rosário, de São Beriedito e do orago da capela d o engenho." Antonil, J o ã o A.
Cultuj-a r opulr'ncin do Brasil. 2. ecl. São Paulo: Nacional, S. d., p. 96. 44 MCSI-IC-.]o? nnl Mmrt~?zLzI,13/ 1O/ 1880.
43 0 1 - 0 , Oj). cit, 1994, 50/51. A festa do Diviiio comemora a descida c10 espírito santo sobre os 4.5 Não devemos esqiiecer qiie a província ha~siapassado há poiico po1- iirna experiência messi2nica,
apóstolos e realiza-se em data móvel, 50 dias após a páscoa. O aiimento da presença riegia eni na qual o prestígio das pi.áticas médicas dos seus líderes liavia tido destaque. Ver a respeito:
festas religiosas catdlicas, ,justifica a ~itilizaçãodestas datas nos plurios d r insiiri~eiçãoescrava Amado, Janaina. O'o,z/lilo socicd n o Brasil: a I-evolta dos Mlickeis. Sáo Paiilo: Símbolo, 1978.
do pei-íodo. 46 MCSHC: -~]ornalMrlrantil, 18/ 10/ 1879, artigo "Nigromaiicia".
A historiadora 1,aura Mello e Souza, estudando a bruxaria iio Bra- Rollerto I,aiidçll, em 1870, teve que ser irripedido pela polícia de coiiti-
sil colonial, eiicoiitrou vários casos de curas mágicas feitas através do niiar a aplicar reniédios, no 3° distrito da Aldeia dos Ai~jos.Landcll era
sopro e da sucção. Segundo ela, a primeira técnica era de origem iiidí- proprietário de unia Botica na Rua da Praia em Porto Alegre e dedica-
gena (tupinambá, apopocuva e chipaia) e a segunda era uma prática va-se à homeopatia, seiido provável que seu ex-escravo tivesse obtido
mágica compartilliada por africanos e europeus, "o que, mais uma vez, prática de manipulação de remédios no seu e~tabelecimento.~"
aproxima práticas mágicas comuns a sociedades tribais e a sociedades Os senliores viam-se obrigados a permitir o uso pelos escravos de
européias da época pré-industrial, lançaiido por terra a possibilidade métodos próprios de cura, ou por acreditarem nestas técnicas (quantas
de distinguir rigidamente umas das outras". Através da sucção, os cu- cartas de alforria foram passadas a escravas que prestaram atendimento
randeiros "chupavam" para fora do corpo de seus pacientes doenças ou a seus senhores quando estes estavam doentes), por acarretarem dimi-
malefícios - muitas vezes neutralizando a ação de outros feiticeiros -, nuição dos custos de produção (menos gastos com tratamento de seus
que se materializavam nos "ingredientes imaginários" cuspidos para fora trabalhadores) e por evitarem que, tratados em casa, os maltratos infli-
(no caso, lambaris e pregos) .47 A descrição do "novo Messias",já citada, gidos não chamariam a atenção das autoridades. Temos que considerar
parece trair a excitação do jornalista, quando ele escreve sobre mulhe- também, que os populares iião tinham militas possibilidades de opção,
res despidas e tocadas no ventre pelos lábios de um negro, levantando em termos de tratamento médico. Se as ervas e outros remédios casei-
a suspeita que esta cerimôriia religiosa secreta tivesse ligação com orgi- ros não funcionavam, o interiiamento em um estabelecimento procu-
as de prazer sexual. A imagem do negro portador de uma sexualidade rando auxílio médico, esbarraria na própria deficiência destes locais. O
descontrolada, primitiva, alimentava o imaginário da época e auxiliava principal estabelecimento para atendimentos médicos no período, era
ajustificar a inferioridade racial (e também a inveja de eventuais narra- a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, a qual somente no final
dores assexuados). Não só a cor da pele, mas o tamaiiho avantajado do do século XIX, principalmente após a criação da Faculdade de Medici-
pênis" e o comportamento sexual "desavergonliado" caracterizavarn- na em 1898, é que apresentou mudanças eni seu caráter institucioiial
nos,justificando a itiformação que Saint-Hilaire coletou em 1821:"As íii- de estabelecimeiito predominantemente assisteiicial para toriiar-se tam-
dias dizem que se entregam aos homens de sua raça por dever, aos braii- bém local de ciência."'
cos por interesse e aos pretos por prazer".4Y Médicos do período deveriam usar o traballio nestes estabeleci-
Sugestivamente morador na Rua dos Pretos Forros, arrabalde do meritos para angariar reconliecimeiito (capital simbólico produzido
Menino Deus, existia em 1881, um preto liberto chamado Antônio que pelo traballio juiito aos pobres) e conliecimeiito prático, sendo seu
às claras passava receitas e aplicava emplastros, e 1150 satisfeito ainda sustento obtido através de seus consultórios e, principalinente, com as
divulgava ter aprovação de vários médicos, entre eles o Dr. Maiioel visitas domiciliares. Na Saiita Casa, o atendimento coiitiiiuava sendo
Martiiis dos Saiitos Pena. 'Também o ex-escravo do Dr. Guilherme feito através, priiicipalmeiite, dos e i i f e r m e i r ~ s . ~ ~

47 Souza diz que a eliminação dos malefícios extraídos pelo sopro o u sucção, poderia realizailse 50 MCSI-{C-,Joi.nc~/Aferrri.n.til,28/5/1881, artigo "Novo Rilédico". AI-IRS - Polícia, Cóclice n. 249.
também por via oral oii retal, e ainda para as miillieres, através da vagina. Souza, Laura d e Isso ia contra o Cal>ítiilo 20 das Posturas Miiiiicipais: "Nenliiinia pessoa poderá ter escravos
Mello e. O diabo e a Term de Sc~ntnCruz. São Pai~lo:Conipai-ihia das Letras, 198G, p. 168/170. por caixeiros d e tabernas, t)oteqiiins, bodegas e outras semelhantes casas, seilão estando pre-
48 Ver narrativa d e RichardJobsoii, citado por Dalis, David Brion. E1 ProDkmn de 10 Esclnvitzld e7~Ia sentes nas mesmas seus respectivos donos; e qiieni isto coiitravier pagará, pela primeira vez, a
Cz~ltu~tr Orcidentnl. Biieiios Aires, Editorial Paidos, 1968, p. 402. Gilberto Freyre várias vezes multa d e 4$ réis e pelas mais o cliiplo. A proibição desta Postura conipreende os boticários,
fala da "liibriciclacie" dos negros, comparantto-o com outras etiiias, concliliiido que a "imora- qiie empregarem escr-a1.o~ n ~ maiiipula~ão
t o ~venda
i d e remédios." AI-IMPOA- Posturas Poli-
lidade" que eles apresei1taIram era produto da escra\.idão: "Passa por ser defeito da raça afi-ica- ciais, Tipografia do Comércio, 1'0i\, 1847.
tia, comiliiicado ao brasileiro, o erotismo, a luxíiria, a depravação sex~ial".Serri esclarecer a 5 1 M'ebei-, Beatriz. As c~rlesde czirclr - inedirintr, ~-rl<pGo, ?t~,ngine /)o., itivisrt~,~
Izn KepÚOlicc~Rio-Grandense
fonte de suas pesq~iisas,Freyre desmeiite as percepções d o período ao contrastar o corpo do - 1889 -- 1928. Santa Alaria: Ecl. da UFSM; Baiii.ii: EDIJSC, 1999, 1,. 133.
senhor braiico ("mãos d e mulher, pés cle meriino, só o sexo arrogantemerite viril") con-i a dos 52 'Ao longo do skculo XIX, o cuidado com os doentes coiisistia em recolher os necessitados,
negros ("tailtos cleles gigantes ei-iormes, mas pirocas d e meiiiiio pequeno"). Freyi-e, O/). ril., assistiiido-os riiatei.ia1e espiritualrneiite, aleni d e oferecii. os últimos ciiidados e sacramentos
1990, p. 134, 337-338. ao pobre que estava mori-eiitlo.X n o ~ ã od e cloença em rnarcada pela visão hipocrática, cal-ac-
49 Saint-Hilaire, Aiigiiste de. I/r:og~ni(10 Rio í;rrlnde clo Sul. Belo l-lorizoiite: 1tat.iaia;SP: USP, 1974, tei-izacla por i i i i i deseqiii1il)rio ei-iti-e os 'liiirnores' cio corpo. O tratamento rediizia-se a pi.irgas,
13. 190. Ver o último capítiilo d o li\,i.odt: David Brio11Davis, iiititulado "l.,a Iniagen C:ariibiaiite baiilios, fiiiriigaçOes e coi-itrolr a1imci:iitai-. A fiinção pi.ir-iiordia1tlo hospital, iiesse contexto,
de1 Negro". 1-150era a tei.apGlitica, mas ;i assistêi-icia." Weber, O/). cil., p. 147.
Em um estudo clássico, o aiitropólogo Claude Lévi-Strauss destaca Lourenço morreu na manhã scguiiite, "menos de 24 horas depois
que o poder do feiticeiro deposita-sejustamente na crença qiae existe a do seu último martírio, em um quarto onde se lhe fazia recolher depois
respeito da sua magia: de açoitado", e logo em seguida a notícia do seu assassinato vazou para
a rua através de uma escrava da casa de Bier, que encontrando a preta
Não há, pois, razão de duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. africana Luiza, chamou-a "para trás do trapiclie, quando carregava água,
Mas, vê-se, ao mesmo tempo, que a eficácia da magia implica na crença a fim de não ser vista pelo seu senhor, que então morava em frente" e
da magia, e que esta se apresenta sob três aspectos complementares: existe,
inicialmente, a crença do feiticeiro na eficácia de suas técnicas; em segui-
denunciou o ocorrido. A suspeita de que um integrante do grupo havia
da, a crença do doente que ele cura, ou da vítima que ele persegue, no sofrido maustratos, provocou a movimentação da comunidade étnica,
poder do próprio feiticeiro; finalmente, a confiança e as exigências da que mobilizou um de seus líderes para tomar a frente das averiguaçóes
opinião coletiva, que formam a cada instante uma espécie de campo de - tratava-se de um dos "parceiros" de nome José Canhoto, da mesma
gravitação no seio da qual se definem e se situam as relações entre o nação. José fazia parte da liderança do grupo étnico, descrito por duas
feiticeiro e aqueles que ele enfeitiçaeS3 características que aparentemente o distinguiam: ele era forro (o que
lhe permitia maior mobilidade e garantia capital simbólico entre seus
A crença na magia consolida a liderança do feiticeiro - ou do cu- pares e mesmo na sociedade dos brancos, a f na1 havia triunfado na bus-
randeiro - e através dele reafirma ou reinventa a identidade étnica, ca da liberdade) e era apontado como "Capitão dos Cangueiros", figu-
principalmente tratando-se de populações arrancadas de seus locais ra que pensamos ser similar aos "capitãos-do-canto" existentes em Salva-
origens, misturadas com indivíduos de nações diferentes (ou mesmo dor. Talvez por Porto Alegre apresentar no período - em comparação
inimigas) e sujeitas ao trabalho forçado e ao sentimento de que não com a capital da Bahia - menos população e espaço urbano, a figura do
passam de mercadorias. Confiar nos poderes mágicos de certos indivídu- capitão-de-canto tenha aqui se alterado de uma base geográfica da ci-
os é acreditar na existência do grupo étnico, que se materializava nos dade (os cantos) para englobar um grupo profissional - no caso os
vários rituais religiosos e na eventual proteção de membros ofendidos. êangueiros. O capitão dos Cangueiros tinlia a tarefa.de dirimir discus-
Em 1866, recaíram suspeitas sobre o alemão carpinteiro da ri- sóes sobre preços e serviços, seja entre os próprios cangueiros - majori-
beira Frederico Bier, de que teria assassinado o seu escravo Lourenço tariamente escravos ou negros alforriados - ou entre estes e os seias
Cabinda, a pancadas, no final da década de 1840. Bier havia comprado a li entes.^"
Lourenço há anos, já "com a inglória pretensão de nada poupar-lhe, Lembremos que o feiticeiro Joaquim Mina também era um
por lhe constar que este mísero escravo não era dos mais mansos", o cangueiro, o que nos fàz cogitar (sem qualquer "prova") seJosé Ganho-
que foi repetidamente desmentido pelo comportamento ordeiro e dili- to também não possuía algum atributo mágico que o fizesse sobressair
gente deste escravo. No ano de seu assassinato, em um Domingo de dos demais. Será que o fato de não ser destro o havia marcado como
Passos, Loureiiço foi a tardinha fazer "despejo de águas servidas, de- possuidor de potencialidades mágicas encarnadas no uso preferencial
pois de haver trabalhado por todo aquele dia em embarricar açúcar" e da mão esquerda? Lembremos que o esquerdo geralmente tem o senti-
demorou-se numa esquina próxima a casa de seu senhor, observando a do de "sinistro", errado, lado de onde vem os maus presságios; assim,
procissão da Paixão de Cristo. Ao recolher-se a casa de Bier, o caixeiro
do mesmo (seu irmão Luiz Bier) censurou-o pela "suposta tardança" e
à noite, chegando Frederico em casa, Lourenço foi amarrado e: "E ...I
54 Porto Alegre - Sumários -Júri, maço 38, processo 1128, 1866. Sobre as formas d e eleição do
depois de tremenda sova de bolos, ordenou uma não menos tremenda Capitão-de-canto e oiiti-as iiiformações, ver: Reis,J. J . A greve negra cile 185'7 na Bahia. I&rtistn
surra de açoites da qual foi vítima esse escravo, que ainda serviu de U X São Paiilo: EDUSP, li. 18, 15193. Niio só iia teiitativa insiirrecional d e 1863 em Gravatai,
mas também em aníincio d e fiiga d e esci-avo de 16/11/1847, ieinos escravos que trazem ao
pasto ao gênio carniceiro de seu senhor, receberiglo uma nova surra no lado d o nome a palavra "<:apitáon (iiin deles roceiro e oiitro oficial d e canteiro), o qiie nos faz
seguinte dia e tão bárbara como a primeira". pensar se sigiiificava algiim tipo especial cle liderariça, respeitada pelos demais parceiros. Reis
n o trabalho já citaclo, c15 como tima das possi~eisorigeiis do iioine traciiçóes afi-icaiias (como
o Capitáo dc Mercado, do Daoiné, os pai-akoyi e bale yoriibaiios, o Chpitiio d e G~ierrado
reino d e Uidá), o que eiri parte coincide com o fàto dos três escravos por 126s eilcontrados
tercrn em comiim a origem afi-icana. Maniiel, irin dos líderes da tentativa d e Cravataí, ir,a
2 ed., Rio d e Jaiieiro:
53 Lévi-Straiiss, C:laiide, O feiticeiro e sua magia. In: Aniro/)ologn ~ s t ~~tuicll
? chnt~rntlocle Maiiiiel, mas ( . o ~ r l ~ ~ rpor
i d o "h4aiiiiel (:apitãon, cic:iioiniiiaç2o pela qual deareriam
Ed. Tempo Brasileiro, 198.3, p. 194/195. chainá-lo seus parceiros.
indivíduos com esta cai-acter-ística talvez despertasserrr talitas expectati- [...]o que ria verdade fácil foi achar por qiie estava o corpo todo pisado e
vas quanto ao seu potencial como feiticciros, c o n ~ oos aleijados e ou- cheio de [bichos] e cl-iagas,consen~ando-sea roupa do corpo c~isar~gften-
tros portadores de deficiências físicas. 55 tada, seiido que esse escravo Lourenço, apesar da cor fula que o asseme-
lhava a pardo, estava basta11te denegrido.
Da primeira vez que ele foi a casa de Bier, pedindo licença para
visitar o escravo machucado, José Canhoto foi informado que Lou-
No requerimento da Rainha Ginga ou na mobilização solidária
renço estava melhor e "não carecia de visitas". Após, uma escrava da
dos escravos cabinda, não encontramos informações sobre os ritos
casa informou que Lourenço encontrava-se morto na cozinha da casa
mortuários que a comunidade negra praticava, muito menos das dife-
de seu senhor, o que provocou a ida de "muitos pretos da mesma
renças e semelhanças que cada nação apresentava no tratamento de
nação'' até a residência de Bier reclamar o corpo "para lhe fazerem o
seus mortos. Assim, não entraremos em de talhes sobre estas cerirnoni-
enterro, como é costume entre os escravos de nação". Recebendo nova
as que - em virtude de serem colocadas em prática por elementos peri-
negativa, os "pretos parceiros" de Lourenço foram até o juiz de Paz
gosos (negros escravos e libertos) -tinham caráter secreto. O pedido
fazer uma denúncia, o qual nada quis fazer. Combinaram, então, "bom-
da Rainha Ginga, que representava além da sua própria nação Angola,
bear"5% casa de Frederico Bier, indo José Cabinda (ou Canhoto), e
as "mais nações de pretos da Costa da África", e a declaração dos escra-
outros pretos, dormir junto ao cemitério atrás da Igreja Matriz, onde
vos cabinda que diziam quererem fazer o enterro "como é costume
viram "alta noite" escravos da casa de Bier carregando "em pau e cor-
entre os escravos de ilação", parece indicar unidade entre os rituais
da" um corpo que sepultaram. Este caso, que teria ocorrido em finais
fúnebres praticados por estes escravos africanos, o que pode significar
da década de 1840, coincide com as críticas feitas àquele cemitério
a reinvenção da identidade étnica destas nações no Brasil e a adaptação
onde, segundo o próprio presidente da Província Conde de Caxias
destas práticas a situação de ilegalidade que elas passaram a represcn-
relatava em 1846, existiam "cadáveres de escravos mal amortalhados e
tar em uma sociedade e s c r a ~ i s t a . ~ ~
foçados pelos cães errantes"."
Como nâo haviam sido acreditados pela autoridade judiciária, os
A precariedade deste campo santo, do qual exalavam odores pesti-
cabindas voltaram a enterrar seu parceiro, sem que saibamos se coiise-
lentos e miasmas contaminadores, era aumentada pela superpopulação
guiram remediar o enterro profano de seu parceiro com algum ritual
de cadáveres o que certamente tornava o lugar rnuito lúgubre, princi-
fúnebre. De qualquer forma, uma das funções sociais do tratamento da
palmente à noite (quando, como podemos ver, ilegalmente alguns ca-
rriorte - que é a coesão entre os vivos que compartill~amas mesmas
dáveres eram "desovados" e enterrados em covas rasas). Talvez por medo
crenças -, foi preenchida, pois este acontecimento permaneceu na
mas também para poderem observar o estado de Lourenço, os parcei-
memória destes escravos por décadas, sendo relatado em drtallies qua-
ros marcaram a cova mas só a abriram quando amanheceu, exiimaiido
se vinte anos depois.'"
o cadáver para vc-rificar se havia vestígio de crime:

55 Note-se qiie o fato d e ser "carilioto" constava nos aniiricios d e escravos fugidos, junto com
outras características distintivas. Em 1882 fugiu o preto Simeão, corpulento, pernas grossas, 58 Cabe meiicionar só como apontamerito da complexidade cultural abordada, que Lourenço
canhoto, cicatriz de golpe de fòice iiiim braço, costa d e lima das mãos queimada e cicatriz em havia sido repreeiidiclo por obsei.var a procissão da Paixão d e Cristo (ritual essericialmeriie
um ombro; iio ano seguinte, foi a vez d o miilato Bonifácio, sem barba, cailhoto, alto, magro, catblico), seiido siipliciado e morto por seiilioi- e enterrado escondido, e exumado por setis
cicatriz em iim biaço, dedos dos pes apontados para baixo. MCSHC - Jol-nnl do Combrcio, 25,' pai-ceii-os cabiiidas para algiiiis aceitos afi.icanos para que tivesse urna "boa morte9'.
12/1882 e Jor7accl Collseri~nclo?;
14/8/ 188ZVer a ótima explaiiação clue faz Câmara Casciido dos
sigiiificados da "mileiiar conveiiçáo verbal e religiosa" sobre "Direito e escluerclo" e m várias 59 Vários pr-elos derarn depoirneii tos, serielo os melhores e mais detalhados dados, por duas teste-
épocas e cultiii~as.(:ascudo, 01). cit. p. 293 e .>95/596. Ver também: Hei-tz, Kobcrt. A preerni- miitlhas: a preta Liiiza, esci-alrcitle Fraiicisco de Souza Cliagas, da Costa da Africa, 50 ai-ios,
iiêiicia da mão direita: iim estudo sobre a polaridade religiosa. solteira e a preta forra Iiomana, tcniib6m com 50 anos, solteira, iiascicla em Pernairibiico,
agregada d e Maiiiiel <ia(:urilia, ambas risicleiites 110 ano do processo (18GG) em São 1,eopoldo.
56 Do guarani mov~beú,,y Lier dizei- "espreitar caritelosaniiiite e de longe o campo iiiimigo". Porto Na descrição dos cultos dos riiortos no hlai-aiihão e m iirria Casa d e Mina, o sociólogo Jean
Alegre, Apoliiiário. I'o/~uln17um sul-r7o-gr{rr.clnde1/se(es!stzctlotle/ilolog-ic~e /obclo~.p).POA, UIXC;S; IEL, Ziegler faia dos rnales qite poderiarr-i provocar Egiiiis errantes, coiiseqiiência d e niortes solitã-
1980, p. 34. i-ias e d e enterros sem cliialqiiei- preparaçso, em valas comiiiis. Ziegler, Jeari. Os 7~il~o.s
e n n~o1-1e.
57 MI-IKS - Relatcíi-io do presidente da PI-ovíncia,A 7.01, Kio d e Janeiro: %aliar,15377, p. 33/34,
Voltando ao caso Joaquim Mina
Joaquim Mina foijulgado duas vezes, sendo a primeira às 11 lioras
da manhã de 4/5/1872. Naquele dia, cumprindo o ritual jurídico, o
Porteiro tocou a campainha para anunciar a reunião do júri na Sala do
agência
Jurados

médico
r
Paço Municipal. As testemunhas foram divididas por diversas salas para O agência
que uma não escutasse o depoimento da outra e o menor Leopoldo empregados médico
sorteou na urna o Júri de Sentença."Após a Promotoria e o defensor públicos O proprietário
42%
do réu descartarem alguns, foram escolhidos os 12jurados e o primei- Oadvogados
ro deles como presidente do ,Júri, depositou sua mão direita sobre os IInegociantes
públicos]
Santos Evangelhos e jurou haverse com "franqueza e verdade" conforme a
sua consciência.
Dosjiirados sorteados, foram recusados pelo promotor:José Pedro -
negociantes
de Carvalho Moreira e Antonio Heleodoro da Cunha Vieira (sobrinho
do ex-senhor do réu); pelo réu: Hemetério José Veloso da Silueira, o
Dr. Israel Rodrigues Barcelos Filho (médico que havia feito a denún-
cia),José Ant6nio Coelho Jr., Timoteo Pereira da Rosa, Francisco Ant6-
62 Através d o Capítiilo 111 do Kegiilamento 11. 120 d e 31 ciejaneiro d e 1842, regiiloii-se a escolha
nio da Silva Neto e José Joaquim Leite Castro Filho. Jurou suspeição e convocação de.jiii-ados, zijnstanelo o qiie ficou disposto na Keforma do Código de Processo
Pedro Maria Xavier de Oliveira Meireles (arriigo íntimo da família Bar- Criminal. AHKS - CL 068 - Lei 2G1 d e 3/12/1841. ,4 escollia dos jiirados seguia d e perto as
listas d e votantes, sendo poi-érn mais exigente e discricionãria, estailclo aptos a atriarem conio
ros) e ficou inibido de servir o advogado Francisco Pedro de Miraiida e Jurados os cicladãos: 1" qiie pudessern ser eleitores, 2" que soubessem ler e escrever, 3"
Castro (que foi curador da preta Silvana). que tivessem d e rendiiileiito aiirial, por bens d e raiz oii emprego píiblico 400$000 nos Termos
Preso desde o final de novembro de 1871, Joaquirn da Cunlia das Cidacles d o Kio cle Janeiro, Bahia, Recife e S. Luiz do hfai-aiihão; 300$000 iios termos das
outras Cidades, e 200$000 em todos os mais Termos. No caso de rendimento d e comércio oii
Vieira, ao depor relatou que nada tinha a opor as testemunhas arrola- indíistria, deveriam ter o clohi-o.A organização ela lista d e cidadãos aptos a exercerem o cargo
das, nem ao que atribuir a acusação, mas estava "sofrendo inoceiite- dejilr-ados, deveria ser oi-çaiii~adapelos Delegados d e Polícia (qtie obteriam informações dos
Inspetores de Qiiai-teirão,S~ibdelegaclos,Escri\.ães criiniiiais,.juízes d e Paz, Párocos, emprega-
mente". Demonstrando coiisciência de sua situação étnica e social, e dos da Fazenda, etc.) e enviada aos respectivos j i i í ~ e sd e Direito no prazo conipreendido
conhecimento dos mecanismos jurídicos, Joaqiiim alegou que não ti- eiitre os dias 10 e 20 d e oiitiibro d e cada ano. Nela deveria constar: " [ ...I o renciiineiito que
nha testemuiilia alguma para "provar ou alcrgar" a sua inocencia pois tem, se provém d e bem de raiz, o u emprego píiblico, coinércio ou indústria, especificando a
circuiistância d e saberem oii não ler e escrever, assiin como se estão proniinciados, o11 se
"sempre inorou com companheiros pretos, rnas que testemuiilios de sofierani condenação passada e111jiligado, por crime d e Iiornicídio, furto, ioi.ibo, bancarrotri,
preto não serve". estelionato, fc~lsidatlc.oti moeda falsa". Esta airtoi-itlacle, então, afixaria esta lista de jurados
potenciais em locais de grande trânsito d e povo e 111-evidenciaria a siia piiblicação na impreii-
Se somarrnos os dois julgamentos, ternos os rioiries de 28=jurados, sa, marcando prazo até dia 10 d e noveinbro para reclamações contra nomes inscritos oii orni-
assim distribuídos profis~ioiia!mente:~j~ tidos. Após este limite de tempo, uma Junta Kevisora - composta tio juiz de Direito, coriio
~xesideiite,o 11roniotor Píiblico e o presidente da Câmara Municipal .- investigaria os proble-
mas siirgidos e coiicluiria os traballios até 15 d e janeiro próximo, apresen~andoiima lista
geral d e jiiraclos pai-a servir o ano todo, qiie seria tambeni afixada lia porta da casa das sess6es
da-jiinta e pi~hlicatla.Todos os nomes deveriam ser colocaclos em cécliilas e inseridos em urna
iirna, fèchada por três cha\.es, ficando cada iim dos membros da Junta com iima delas."? No
dia da reiiiiião do,jíiri, cla iiriia seriam sol-teados 48 jiii-ados por iim menor e fechadas estas
cc?diilasem lima iiriia difèreiite, providenciada então a coiivocação d e todos por Editais e pela
ação dos siibdelepdos de Polícia e oficiais ele Justiça, obrigando-se os hltosos a api.esentai,em
jiistificatira. Assim, pocicmos perceber qiie também na esf-raji~rídicaa infliiencia do partitlo
60 Presidia os traballios o jiiiz d e Direito (ia 2"Tar-a e prCsideiit<.aits 'Tribiiiial AiitOnio d e Afonso que u~ut")la\.ao gabinete irnpcirial ei-a eiioi-ine. Niio só cabia ao h4inistro da Justiqa a escollia
Guirnaráes, tendo corrio aciisador o promot.oi- hlig~ielL,iiio de Mor.ais Abreii e defensoi- cio do C;hefè de Polícia pro~.iiicial-- e através deste eiicaclea\ta-se toda a hiefareliiia policial, p x -
réu o solicitador João I'ereira Maciel. saiitio por Deleg;ictos, Siibclrlegatloo; e 1iispetorc.s cle Qiiarteirão - como mesnio sobre os ein-
pi.eg;idos pUhlicos qiie ;Itiia\Tanlcomo jiirados, podei-ia o presiderite da Pi.ovíncia --.repi-esen-
61 Não eiiconti-amos tlados de ti jtiratlos: João Batista Al\w Porto, Joiio José (;lilarte, J o ã o 1,iiiz
tante elo Imperador - eft.tii:ti. algiiir-i tipo de pressão. Os repuhlicaiios dojori-ial A F~tlewz(íio,
Gomes ele Abreii, 1,iiiz Pereira Rilarclues e Pet11.oMaria Xa1ic.a.dc. al>li\.eii-aMeireles.
eiii 1887, argilrnenta\,ani c ~ u;i-( escr;n.idão
~ liavia pro\:ocado o "pi.trcoiiceito cle q i i ~
o tl-íibalho
Logo rio iiiício do julgamento, quando Joaqiiim é chamado a de- judicial que corai:indava o processo iiomeou para iiixia iiova ii-ivestiga-
por, configura-se uma liita entre ele e os médicos do primeiro auto de ção dois farmaciilticos cjiiímicos (Maiiiiel de Araújo (lastro Ramallio e
corpo de delito. Seguiido o réu, entre as substâncias apreendidas com Luiz Nicolau Massoi-a),os quais declararam que iião poderiam naque-
ele, não existia vidro moído las condições realizar um exame satisfatório das substâncias api-eeiidi-
das, mas garantiram qiie iião existia vidro moído entre elas.""
Respondeu. que haviam uns pós feitos de canela de boi com sabugo para O ataque médico do Dr. Israel Rodrigues Barcelos Filho a conduta
limpar dente^,^" e que os demais objetos eram inofensivos, contando-se de um curaiideiro parece coiifigurar uma luta microscópica destes pro-
entre eles a erva picão" para urinas e outra de nome Rasteira também
fissionais por afirmação, a qual iião ocorreria no século XIX, iiecessi-
para dores de ~ i - i n a . ~ '
tando que fossem criados espaços onde o discurso medico pudesse acu-
João Pereira Maciel - defensor do réu -, sustentou que as substân- mular capital simbólico, como o Hospício São Pedro e a Santa Casa de
cias apreendidas não eram venenosas, nem vidro moído e conseguiu Misericórdia de Porto Alegre.
sensibilizar o juiz que mandou que se realizasse outro exame. Mostraii-
"O poder da Medicina foi construído num longo processo que, certa-
do a pouca legitimidade que tinham lia época os médicos, a autoridade mente, percorreu o século XIX, só se consolidando, no Rio Grande do
Sul, por volta da década de 1940."(j7

é uma desonra [...I De fato, o que observamos? O meiioscabo geral pela vida modesta, a
Os jurados retiraram-se para a sala secreta das conferências, em
negação para o acúmulo lento da economia, o afastamento do trabalho manual e a falta d e
educação cívica pelo mesmo trabalho. As famílias da classes abastadas e da classe média nive- cuja porta ficaram dois oficiais de justiça "a fim de não coriçentirem
iam-se 11a mesma iliisão falsa; só criam fillios para doutores e os que escapam ao pergamiiilio qualquer comuiiica~ão"seja na sala ou iio caminho de ida e volta, e
vão cair no emprego publico." MCSHC -./o, 1zcrl12/le,cclnlzl,29/10/1880; A 01clen~-31 /3/87.
demonstraiido a liesitauão que sentiam lá permaneceram do dia 4 até a
63 Nas pormenorizadas descrições dos cativos fiigitivos, encontradas nos jornais, temos várias
vezes mencionado o bomfestado dos dentes dos mesmos. Tal\zez com práticas culturais de madrugada do dia seguinte, dividindo-se quaiito a resposta dos quesi-
higiene biical trazidas da Africa - como a exemplificada por Joaqiiim -, os escravos se desta- tos apreseiitados pelo juiz.
cassem em comparação com os seus seliliores, freqiientemeiite banguelas: tiiiham Do~zsde~l,tes,
o preto Benedito, d e 42 anos, f~igitloem 1863 e a fiila quase parda Benta, 18 anos, fiigida ern ( 1)- deu as substâiicias para Silvaria para que niinistrasse 2 família
1868; tinham dentes rlrtros, o crioiilo Benedito, d e 15 anos, fiigido em 1882, e a parda Maria, Barros: SIM, 9 votos
fugida em 1847; Felipe, d e 26 anos, fiigido em 1877, tinha Do~~ilos dentes; Simião, d e Nação,
com 30 anos e fugido em 1866, tinha todos os dentes d a frent~;o preto campeiro fugido em 1861 (2)- assim, coiiseguiu que a escrava Silvana satisfizesse seu instinto:
tinha os dentes da jk?)lle li~?~~adosfo~n~nndo,/Orquilhns; e o preto africano I,otirenço, fugido em SIM, 8 votos
1852, também tiilha os deli tes limados. MCSI-IC -./o,-?rclis Correio do Sul (27/12/1861), I\/Ieicnn-
til (28/11/1852), Comircio (16/ 10/1847), Me,z.clr~til (19/6/1863), Conzé~rio(14/12/1882), (3)-resultaram "ofensas" desta propinação: SIM, 8 votos
Rio(;ra17,den.r~(6/11877). AHIZS - Polícia, Códice 240, 3/8/1868. Em relatório sobre a Casa de
Correção de Poi-to Alegre, em 1897, o Di-. Sebastião 1x20 expos vários de seiis levantamentos (4)-produziram grave iiicômodo de saúde: SIM, 8 votos
aiitropométricos baseados em I,ornbroso e oiiti-os. Qtiailto as declarações de Loinbroso de
que "anomalias c-leilt2riasnpoderiam indicar criminosos (4 % dos homicidas estudados por (5)- quis matá-los: SIM, '7 votos
ele apresee"ta\ranicaninos proeminentes), 1x50 declarava que: "Náo há duvida que estes fatos
são observados em alguns criminosos; mas, qiiaiito dentre eles, e priiicipalmei~teos mulatos, (6)-serviu-se de veiieiio: NÃO, 10 votos
apresentam belíssimas cleiitaduras!". AE-IIZS - S1E3-004.
('7)- foi impelido por rnotivo reprovado: SIM, 9 votos
64 O picáojá era lia +oca conliecido tia medicina, como podemos coristatar cle verbete do
Dicionhrio de Ln~zgnc~,.rl,que recomenda a erva como "aiiti-scorbutico e desobstruente. O siico
das folllas é prescrito contra a icterícia. O cozimento é milito usatio para banhar as úlceras d e
mau caráter. As folhas, contusas e aplicadas sobre as úlceras sõrclidas, as mundificam. Contu- 66 Diias testemuiihas que acornipanliaram o primeiro exanie feito pelos médicos, iiáo cliegaram
sas conjuiitameiite com as do fedegoso (as da C h i a sericia oii occidentalis) e as da jaciia- a demoiistrai. diividas, mas certaniente não acreditavam piamente nos rnbdieos. O embarcadi-
canga, e aplicada em forma de cataplasma sobre o seio, diz-se que resolve as glandulas induradas ço Alexandre Daniel tia Silva acornpan hoii a revista e disse qiie viii as substâncias ciiconti-adas
ou entiimecidas, e mesmo o scirro deste õrgão", I,angaard, O/). rit. p. 294/295. Picáo (Bidens no balaio o u sainbiirá, e que "di~iainser" veiieno, inas "sem contudo poder asseverai. por n")
Pilosa I,., Coln/)osilne) zucl(1o em t r n b n l l ~ oj1n7-n
~ "fizer alguém ter pesadelos" e como "proteção coiiliecer"; o ilegociaiite portiigiics h4aiiiiel José Fernaiides Sim6es dizia que "iiatla sabe d e
contra a ganância". Verger, Pieri-e Fatumbi. E7ui: o uso das plantas na sociedade Iorubá. São positivo" apenas pr~sencioila revista e viii o saniburã ori asil ilha com as drogas "que os rnédi-
Paulo: Companliia das 1,eti-as, 1995, 11. 415 e G38. cos reco~lllecemsei'erii \*eiiconosasn.
(i5 Verger cita a folha de cai,rapiclio-i-asteil-o(Acantliospernii~~n
I Iispidtim, Compositae) corno com- 67 M'eber, o/). ri(. 11. 25,Ve'er.:M'acli, J70iiissaMarmitt. I'nlhcio /)ara g~~,n,d(zl-
doidos: urna liisttjria tlas
ponente de "trabalho pai-a fazer Ogirn atacar algii6mn.Verger, o / ~rit., 13. 307. lutas pela coi~struçáotio 1'lospital d e Alienados e da I'siqiiiatria no M i o Ci,aiide do Sril. Porto
Alegre: IFCH/UFK(;S, 1996, 303 p. (Dissertação de Mestrado ern EIistói.ia).
(8)-houve premeditação (mais de 24 lioras entre o designo e o ato): tinha acesso pila cor da pcle e pela 01-igcrn africana. Os envolvidos
SIM, 6 votos neste processo moravam riiuito prcíximos, c.<-rtamrnticrirzando-se dia-
(9)- Houve ajuste entre o réu e outra pessoa: SIM, 8 votos riamente no caniirilio para o serviço e a casa, o que evidencia a existên-
cia de proxirriidade física e distância cultural.
(10)- Circuristâncias atenuantes: come teu em desafroii ta a alguma
injúria que lhe foi feita: SIM, 6 votos, NÃO, 6 votos;

O juiz então condenou-o ao grau médio do Artigo 192, combina-


Abreviaturas
do com o Artigo 34 do Código Criminal - 20 anos de galés e custas - e AHMNG - Arquivo Histórico do Mitiistério dos Negcíclos Estrailgeiro/ E'alácio das
fez apelação ao Tribunal de Relação. Em 1 W e maio de 1873, comJoa- Necessidades - I[,isboa, Portugal.
quim ainda preso, houve nova reunião do júri. Se os jurados já estavani AHMPOA - Arquivo FIistórico Miiiiicipal de Porto Alegre (Porto Alegre/RS)
confusos da primeira vez, desta então a situação complexificoil-se com AHRS -Arquivo 13istórico do Rio Grande do Sul (Porto CUegre/RS)
uma das testemunhas de acusação acrescentando uma informa~ãopre- APERS - Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (Poi.to Alegre/RS)
ciosa que ainda mais desqualificava o primeiro exame feito pelos médi- LTPA - 1,ivros do ITahelioilato de Porto Alegre - Registioç Diversos.
cos. O negociante João Marcelino de Oliveira Braga, falando da apre- MCSHC - Miiscu de Comuiiicaçáo Social Hipólito Jose da Costa (Porto Alegre/RS)
ensão das drogas na casa de Joaquim, disse:

[...I que entre essas substâncias se eilcontrou pós pretos; que serids p w n -
tado ao réu pai-a o qzle cu-u aquilo, respondeu que nlio era nada e par(- o 771osti-ur
tirou u17z Docadinlzo com o dedo epis na lingua; quc esses objetos foram condu-
zidos para casa do subdelegado e que não foi-ani examinados imediata-
mente, ignorando se o foram nesa ou em outro qualquer dia.

Reunidos, os jurados respondem apenas um dos quesitos, inoceii-


tando Joaquim: - forneceu as substâiicias: NÃO, 9 votos, "o júri deixa
de responder aos demais quesitos, por ficarem prej~ldicados"~"
O medo que despertava a existêi~ciade elemciitos como Joacluirn -
e qiae talvez terilia influenciado a decisão dos jurados -, é iama p v a da
existEricia da comunidade étnica negra com sua cultura própria. A idéia
de viiigaiiça associada com a de morte lei1ta e imperceptível, trazia 2 luz
do dia o receio destes inimigos domésticos imprescindíveis, nos quais a
sociedade tinha alicerçada a sua economia. Joaquim falava de ervas c
pós descoiihecidos pelos juízes, médicos e testeniunlras - tanto os rrie-
dlciriais como os de uso meramente estético -, e quando ele provou
com o dedo uma das substâncias vcneriosas, zombou da ignorancia de
seus coiitemporâiieos brancos sobre a cultura que ele dominava, a qiial

68 A absolvição d e Joacluim talvez tenha sido fàcilitada pelo desaparecimento de Sil~aim,yiie


mesirio auseiite foi iiicursa n o art. 192 tlo Ci>tfi:,.o (:rimii~alcoino ciímplicc da teilc;itiva cle
hoiiiisídio. POA, 4/4/1875. AI-IKS .- Ji~stiqa(:i>clice- J-O,56 - Livro cle Kol de (:iilpados tlo
Jiiízo de Ilii-cito - POA - 1872/77.
A constnição de uma Porto Alegre ima-
ginária - uma cidade entre
a memória e a história
SandraJatuhy Pesavento

Uma cidade de fantasia? Uma cidade irreal, a Porto Alegre que


nunca existiu? Só o desconhecimento do que representa o imaginário
pode permitir uma leitura de tal tipo. O imaginário é um conceito cen-
tral para a História Cultural, corrente da historiografia que não só já
tem larga tradição de estudo como, atualmente, no início deste novo
milênio e século, agrega a maior parte das pesquisas, das publicações
científicas e das dissertações e teses que se fazem no país.
Partamos da idéia de que os homens, através de sua história, sem-
pre criaram para si formas de representar o mundo e a si próprios. Ou
seja, dotaram espaços, atores e práticas de significados, sigiiificados es-
ses que pautaram coiidutas, criaram valores, normalizaram compoi ta-
meiitos, deliiiearam perfis e orieiitaram a percepção do rniindo.'
Dá-se o nome de imaginário a esta capacidade, esseiicialmeiite
humana, de representar o mundo por um mundo paralelo de sinais,
capacidade meiital que se expressa através de imagens, palavras, idéias
e práticas. O imagiiiário vem a ser, pois, um conjuiito de representa-
ções coletivas que dá sentido à realidade.
Assim, o imaginário não é o oposto do real, mas um seu outro lado:
aquele que pauta a percepção e a ação e dá iiiteligibilidade ao rniindo. E
ainda nesta medida que se pode falar em coiistnição social e irnagiiiária
da sociedade, pois se vive e se tem percepção da realidade ~ e ~ q i i i sigiii-
do
ficações construídas e datadas. Este é, pois, iim processo histórico, pois
cada época expressou o muiido de forma específica e o que a História
Cultural busca é resgatar essas reprcseiitações que os homeiis coiistruí-
rann sobre o muiido.'

1 Para o estudo do imagii~ário,lias siias difereiites abordagens, co~isirltai;entre otlti-os: Baczko,


Broiiislaw. I,os itr~qynhrios.soc.inLes. Biienos Aires: Nueva Visiõii 1991. Castoriadis, Coi-neliris. A
irzstitui~6oi~nnginhl-indn sot.iedn(le.Rio d e Jaiieiro: Paz e 'Erra, 1982. Duraiid, Cilbert. Les s t ~ u cura t
de l'im@uni7a. Paris: Duiiod, 1984. Le C;off, Jacqries. Histoire et imcgnnire. Pai-is:
ontlzrof,oLo~ig~~r;i,
Poiesis, 19HG. Patlageari, Evelyne. A histi>ria.do imagii~ário.111: l,e GoSf,Jacques, 01-17 A 1-Iisihin
no-i~n.São Paulo: Martiiis Forices, 15190, (;oloiribo, Ecliiai-cio e1 nl., org. E1 it/zn,qi7t(i7.ioso(:i(~L.
h/foiice-
vidéu: Altamira, 1993.
2 Pesa~wito,Saiidrajataliy. Eni hiisca de urna oiitra hisioria: imagiiiaiido o irnagiiiãrio. Revista
BmsiL~ir-nde I-fisfó?la,São Piiiilo, v. 15, li. 29, 1905
Mas este acesso ao imaginário de um outro ternpo só pode se dar Unia cidade é, sem dúvida, inaterialidacle. Ela é pedra, tijolo, fer.ro,
através das marcas deixadas pelo passado. Mesmo as serisil>ilidades,para vidro, cinieiito, madeira, tudo aquilo que o horneni coiist;uili e que
serem objeto de estudo do liistoriador, precisam ter sido exteriorizadas converteu em volume, espaco, superfície, através de coiistruções, mo-
e objetivadas eni palavras, soiis, textos, imagens, materialidade. Foiites, nuineiitos, vias públicas, equipameritos.
em última aiiálise, através das q~iaisse cumpre a tarefa do historiador, Uma cidade é sempre, sobretudo, sociabilidade, pois não é possível
na sua pesquisa de arquivo, iiiterpretando os registros deixados e bus- pensá-la sem atores, sem relações sociais, sem iiiteração. A cidade é seni-
cando atingir aquele pah distante clo passado, onde os homens agiam e pre obra de homens e só se realiza na coletividade.
pensavam de forrna diferente. Foiites essas, afirma o historiador da cul- Mas não é possível deixar de entender que a cidade é, além de
tura, qiie já lhe chegam como represeiitações, ou como registros que se tudo, sensibilidade. Uma cidade é sempre materialidade e sociahilida-
de qualificada, é realidade que se defiiie por valores, ethos, imagens,
colocam no lugar de algo que um dia existiu."
discursos, sentimentos. Uma cidade que, ao loiigo da história, foi obje-
A História Cultural se apóia, assim, em certos conceitos, busca ter
to de discursos e imagens que traduziram sensações, expectativas, dese-
acesso ao passado através das representações4 e sai em busca de fontes,
jos, medos, sonhos e utopias, razões e sentimentos.
matéria- prima de sua pesquisa. E quanto ao método, ou seja, a sua A História culfiiral urbana busca estudar essa cidade peiisada e
estratégia operacional para trabalhar com as fontes? sensível, onde se atribuíram valores e significados a seus atores, espaços
Neste domíiiio, o trabalho do historiador será comparável ao da- e práticas.
quele que enfrenta a montagem de um puzzle, a combinar informações, Onde encontrar as fontes, estas representaçòes do passado que
a compor os cacos, a descobrir significados, a desvendar uma trama, façam falar a cidade que um dia foi? O universo é amplo e oferece ao
que foi aquela posta pela pergunta inicial que desencadeou a sua pes- historiador um leque de possibilidades: discursos políticos, literários,
q u i s a . " ~ ~método é - e o liistoriador não pode abrir rnão de tal proce- poéticos, técnicos, cieiltíficos, médicos, históricos, joriialísticos, polici-
dimento - o da composição e contraste de pe<;ascoletadas. Detetivesco ais ou projetos urbai~ísticos,que discutem, qualificam, organizam, clas-
sim, pois o historiador se converte em arquiteto de montagem em bus- sificam a cidade, seus habitantes e suas práticas; imagens fotográficas,
ca de explicações, cruzaiido dados e articularido um i-efereiicialde coiitiii- cinematográficas, pictóricas, gráficas, caricaturais, que fornecem ollia-
gEncia sigiiificativo. res distintos sobre a urbs, fixando cenas e atores; traçados urbaiios,
Um dos campos de pesquisa que tem se deserivolvido no âmbito prédios e monumentos qiie Falam da cidade e são portadores de car-
da História Cultirral é aquele que diz respeito às cidades. Uma História ga simbólica. As fontes são muitas e só se revelam como docurnentos
cultural urbana é aquela qiie busca estudar e entender a cidade através significativos do passado a partir das questóes ou perguntas propostas
das represeiitações que sobre ela se construíram ao loiigo do tempo." pelo historiador.
E neste contexto que, a partir de urna certa abordagem teórica, da
defiiiiçào de um método e da escollia de uni campo de trabalho, a
3 Para iiin aiiálise desta postiira em Mralter Beii~amin, ver: Pesaveilto, SandraJataliy O desfazer da
IIistória cultiiral urbana se propõe a estudar questões e problemas que
orclein fetichizacia: M'alter Beii.janiin e o imagiiiário social. I&-ili,stnC,'ultut-nVozes, São Paulo, v. 89, dizem respeito ao imagiiiário, ou às reprcseiitações coiistruídas sobre a
11. 5,set.-oiit. 1995. cidade. E qual seria o nosso problema, a nossa indagaçào sobre o passa-
4 Entre oritros que abordam o tema, destacam-se os estuclos: Ch;ireicr, Kogen A l-listÚ)?n cu,Ùuml: do, já que eiiuiiciamos que este estudo se dirige para Porto Alegre?
Lisboa: Difèl, 1901. Cliartiei; Koger. O muiido como representaçáo.
entre/)rhticns e 7-e/)~i?se7~tc~ç0e~~.
EsJ;ludosAvar~~ntlo.r, Sáo Paulo: LJSP, v. 11, li. 5, jan.-abc 1991. Chartiei; lioger, A história hoje: Vamos analisar a cidade de Porto Alegre i10 momento da traiisi-
dnvidas, desafios, propostas. lZ.st~c(Ios/-li.stc.í)-ico.5,Rio d e Jaiieii-o, v. 13,jay.juii. 1994. Ginzburg, ção do século XIX para o sécrilo XX, o que implica tomar as décadas
Carlo. Kepresentaçáo: a palavra, a idéia, a coisa. Iii: Giiizbiirg, (hrlo. Oll~osde macleiln. São Pau- filiais de uiii século e as priinciras do outro, período particularmente
lo: Compaiiliia das I,etras, 2001.
interessalite, pois cobre iião só a transição do regime, da monarquia
5 Coi~siiltai;a piop6sito: C;iii~biirg,(iarlo. Sinais: raízes d e um paradigma iildiciário, Iii: Ginzbiirg,
Carlo. ~Vlito~, ett~bken~ns,sinais. S ã o Paulo: (;ompanliia das 1,etr-as, 15190, Bei?jainiii, 12'alter. Paris,
para a r e p a ~ l i c aconio
, assiste ao crescinieiito urbano de uma cidade
capitale tlu XIX" siiicle. I,P 1ivi.r ~Les/~,as,rtige,s. I'aris IPUF, 1989. que passa a se colocar conio problema aos seus moradores e dirigcii-
6 C;oilsultar, sobre o tema: Peçaverito, S;iiidra Jatahy. Milito além cio espaço: por tima história tcs. Neste c-ontexto, a pc~giintaqiie colocamos é: c o ~ n oesta cidcch in-
ctilitiral do iirbaiio. l21lido.,IfistrP,ir«.r, Rio tle,J:ineii-o,v. 8,n. 16, 1095. I'rs;i~.eiito,SaildraJatahy. uentai,a o rcw pcr ~ \ a d ?o
Uni ir o v o olhar sobre a cidade: a noi.a liistói-ia ciiltiiral e as i-c.prc-s~ii ta<;óc.sd o ~irhaiio.111:
\l:irg:is. hiiderson %. P / nl,, org. 1'or.to illqrprr rrn .r~i).ntl«do s k i t l o 19; ( u l l r i ~ ec ~soc.ie(lncle.Poi-to Alegre: 'Tal qu<:stãonos i-ciiicte eiii clieio sobrc o imagiiiário de uilia Cpo-
Ed. da Uni~~ersiciacie; (:alioas: E,({, ria lJlbi-a; Sáo 1,eopoldo: Ecl. cia liiilsii-~os,15304. ca, ou sobre represeiitações que sc coiistriiíam sol->i-ea cidade alcAsse
tempo ou, mais ainda, ao momento em que a cidade passa a ser colo- <:âiidido Jacques e a de 1896 de Alexandre Alirons. Não apenas se assi-
cada como oejeto da história. Toda esta ari5lisc lios conduzirá a tecer nala um número crescerite de prédios públicos, como se pode corista-
considerações sobre a escrita da própria história, seu eiitrelaçanieiita tar o avanço das áreas coiistruídas. Surgem os arraiais, os subúrbios,
com a memória e como se construiu o passado de uma cidade, no zonas para as quais a cidade se desdobra, criaiido iiovos distritos para
caso, Porto Alegre. onde devem ser estendidos os serviços urbanos. A extensão destes e a
Ora, a virada do século viiilia encontrar um contexto urbano que sua renovação marca bem o crescimento da cidade: transportes públi-
crescera e se transformara. Dos 1.500 habitantes em 1780, passara para cos, iluminação, esgotos, segurança públicas são, mais do que questões
6.035 em 1807, 12.200 em 1833, 34.183 em 18'72,42.115 em 1888, às urbanas e problemas a serem resolvidos pela edilidade, signos de uma
vésperas da queda da monarquia, para atingir 52.186 habitantes em nova realidade.
1890 e 73.274 em 1900.7Ou seja, houve um aumeiito populacional Ora, essa cidade transformada estava a exigir uma história: apre-
significativo ao longo de pouco mais de um século de existência. Por sentava marcas de mudança do visual urbano, com a derrubada de pré-
um lado, podemos atribuir esse crescimento ao processo de imigra- dios para ceder lugar a novas edificações; ocorrera a substituição dos
ção estrangeira ocorrido no Estado que, mesmo se orientando para a pitorescos nomes das ruas, brotados do cotidiano dos habitantes da
região colonial, deixava suas marcas na cidade, onde se deixavam fi- urh, por outros que celebravam homens públicos de renome; constata-
car muitos imigrantes. Também o porto da capital, colocando-se a va-se a desaparição daqueles que haviam vivido os velhos tempos e que
meio caminho entre Rio Grande, a lagoa dos Patos e a rede dos rios a seriam as testemunlias do passado; verificava-se a mudança dos costu-
desembocar no Guaíba, dera uma feição movimentada aos negócios. mes, substituídos por outros, inusitados e estranhos aos velhos hábitos.
Porto Alegre colocara-se como escoadouro da produção colonial, mo- Tudo isso marcava a passagem do tempo, assinalava a mudança, exibia
vimentando os negócios, atraindo capitais e ofereccndo oportunida- a presença das gerações a suceder-se, chamava a atcnção para traços de
des de emprego. Abriram-se oportunidades para investimentos, e, nas uma outra época que desapareciam ou estavam em vias de sumir. A
décadas finais do século, empresas industriais, bancos e companhias materialidade da urbs mudava, as sociabilidades se transformavam, e,
seguradoras surgiram na cidade, a acompanhar o desenvolvimento rio plano das sensibilidades, os cidadãos do final do século tinham iio-
de suas casas comerciais. Por outro lado, o fato de ser a capital da vas exigências e percepções.
província e, pós-república, do Estado do Rio Grande do Sul fizera de Nesse contexto, podemos mesmo falar de que Porto Alegre estava
Porto Alegre o ceiitro urbaiio com maior concentração de órgãos de em busca de um passado. Não é por acaso que, diaiite da ameaça da
serviço público e administrativo. perda, se configure a necessidade de presenTaro passado, que aquilo
Nesta medida, iião é de espantar que o incremento populacional que é velho passe a scr considerado antigo, ou seja, passe a tornar-se
havido se devesse também, e em grande parte, a uni êxodo crescente poiito de referência e recoiihecimerito para os liomeiis de urna epoca.
do interior para a maior e mais niovinieiitada cidade do Estado, que Trava-se, pois, de uma mudança qualitativa que se opera rio contexto
oferecia oportunidades de emprego, iiivestimeiito e também estudo. urbano: a cidadejá sejulga detentora de um passado, passado este que,
Na esteira desse aumento de população, a cidade espraiou-se para se não for salvo, pclo registro da evocacão e da sua fixação em narrativa
além daquilo que poderia ser chamado o recinto intramuros: a cida- textual, se perderá para sempre,
de que se abrigava na eiitão península a projetar-se no Guaíba, e que Mas que passado era esse, como preservar para os homens do pre-
se delimitava, simbolicameiite, na zona outrora encerrada pelas forti- sente e para as geraqões do futuro aquela cidade do passado, de um
ficações ou rnixralhas. tempo transcorrido por fora da experiência de vida dos leitores? Esta
Podemos apreciar esse crescimento iirùario acompariliando a evo- questão nos coloca diaiite da problemática da escrita sobre o passado
lução das plantas da cidade, desde aquelas de 1837 e 1839, elaboradas oii sobre a história, cnteiideiido que estas iiarrativris são inventadas pelos
no momento da Revolu~ãoFarroupillia e que assinalavam as rnurull~us liomeiis para explicar o presente e coiistruii-o futuro. Procede-sc a uma
eiitão existeii~s,para chegar até as plantas de 1862, a tle 1888 deJoào recorifigiiração tcinporal, que sc apresenta lia narrativa para dar conta

'7 Porto Alegi e , Aiig~i\to.A ju,tdcr~.íío( 1 1~' 0 7 1 0 A/wP. Porto Alegl e: 1 iviuria tlo (;lobo, 1906, p.VI1.
do tempo que se iòi. Essa se constituirá, forçosanicnte, riuina represeii- do Rio Grande do Sul, como Alcides Lima" ouJoaquim Francisco de
tação criada sobre aquilo que teria existido um dia e que, niesnlo sendo Assis Brasil,I2duralite o período monárquico, a respeito da ainda re-
construção imagiriária sobre a realidade passada, busca se substituir a cente Revolução Farroiipilha, ou Alfredo Varela'" r João Maia,14já no
ela, atiiigiiido uma versão, o mais possível, aproximada daquilo que um período republicaiio. Recolher depoimentos dos antigos que haviam
dia ocorreu. A invenção do passado passa a ter curso de verdade - Ioi presenciado os acontecimentos era de vital importância, e foi neste seii-
assim - e atinge efeitos de real - aquilo realmente aconteceu. tido que, em 1885, Alfredo Varela correspondeu-se com Coruja? resi-
Para dar conta desta inuençüo do @suado, selecionamos dois textos dente no Rio, para que este lhe fornecesse informaç6es sobre os fatos e
que se constroem como narrativa de forma diferenciada: aguele que se personagens que conhecera.l5Coruja, ao relembrar, era fonte para o his-
apresenta como memória - a obra Antipall~us,de Antonio Alvares Perei- toriador Varela, era testemunho fidedigno do que acontecera.
ra Coruja - e o que se apresenta como históriu- o livro A fundação de Porlo Se havia historiadores interessados, havia também o u t r o
Alepe, de Augiisto Porto Alegre. interlocutor para tais registros: um público para o qual este discurso
Principiemos pela narrativa de Coruja, este porto-alegrense nas- devia fazer sentido. Um público para o qual era importante sentir o
cido em 1806 e falecido no Rio de Janeiro, em 1889. Popularizando- contraste entre o antigo para melhor entender o presente e sonhar
se como professor das primeiras letras, Coruja foi candidato a deputa- com o futuro. Um horizonte de expectativas que anuiiciava recepção
do liberal para a primeira assembléia da província. Ficando como su- favorável para ouvir contar e para ler coisas do passado, em contraste
plente, foi chamado a assumir em dezembro de 1835, ou seja, em com a realidade vivida. Uma cidade que marcasse diferença com a urbs
plena Revolução Farroupilha. Detido de juriho a novembro de 1836, atual, que definisse uma alteridade, enquanto materialidade, costumes,
na Presiganga - o sinistro navio-prisão ancorado ao longo da costa de personagens.
Porto Alegre, em frente ao Largo do Arsenal -, Coruja transferiu-se E, neste ponto, deixamos o Coruja estudioso e pesquisador da líii-
para o Rio de Janeiro no ano seguinte, para fugir à perseguição polí- gua, o Coruja que se tornara fonte de iilformações para os historiado-
tica. No Rio, passou a fnzer parte, desde 1839, do Instituto Histórico e res, para descobrirmos iim outro Coruja, fonte de si mesmo, que passa
Geográfico Brasileiro,"assando a publicar suas pesquisas na revista a escrever suas memórias sobre a cidade de Porto Alegre, sob o título
dessa instituição, onde compilava registros linguísticos do Rio Gran- de Remini~cências.~%urge um memorialista para oferecer uma alteridade
de que deixara." 110 tempo para a cidade do presente.
Ora, Coruja era uma testemuiiha, ou seja, aquele que viu e ouviu Neste caniinho, Antonio ÁIvares Pereira Coruja veio a ser um su-
acontecimentos que, no final do século, já eram passado. Por outro cesso de público, pois a coiitinuada republicação de suas crônicas mos-
lado, era também aquele que tiiiha, por sua vez, ouvido contar de ter- tra que havia mesmo uma expectativa de recepção positiva para tal tipo
ceiros sobre personageils e fatos acontecidos lios primeiros tempos, na de assun to. Primeiranien te, Coruja publicara algumas lembranças da
Porto Alegre do século XVIII. Sua palavra tinlia a autoridade do teste- sua cidade nojonial Gazelu de Porto A@e, de Carlos von Koseritz, para logo
munho de uma vivêiicia. Ele lá estivera, quando os outros já 1120 mais lá ter suas crônicas editadas, em 1881, pela Tipografia do Jornal do Comérci~'~
estavam. A importâiicia desta condição - a de ser testemiinha ociilar
dos fatos - tinha particular importância para aqueles iilteressados em
recuperar o passado e escrever sobre fatos, relativamente recentes mas 11 Lima, Alcides. f Iistõriccl~ol,ulnrda Rio Cilnndfido Sul. Kio deJaneiro: 'Tip. Leuziiiger, 1882.
que, se não fossem registrados, poderiam vir a ser esquecidos. 12 Assis Brasil, Joaquim Francisco de. História dn I?ej)úDlicnRio-gran,den.re. Rio d e Janeiro: Tip.
Leuzii-iger, 1882.
É neste ponto que o registro da memória passa a ser de extremo 13 Vtirela, Alfredo. liio Grairde do Sul. De.scriçíio ,i"og~-(íjicn,Izistó~~cn e econ6micn. Pelotas e Porto
significado para aqueles qiic se empenhavam em escrever uma história Alegre: Echenique e Irmâos, 1897. Ib7iolu~õe.sCis/)lntir~crs. Porio: Chardroii, 1915.
14 Mdia,João. Hzstúrza doI-ho (;?n?u/~ (hSuljjc~rczo c.rwzno czírzro. Porto Alc-gre: SeIbdch, 1898.
15 C:oriija, A.A. CV-4090. Aptad A7zazr clo AIQLLZTIO Hz\/órz(o (10 Ei>zoClt ande do Sul Porte) Alegre, 1983,
\r. 7.

9 F'i-aiico,Sergio da Costa. Inii-odrição. 111:(:oii!ja, Aiitonio 4lvarc.s I'ereii-a. A1~li~y~~c~1l~a.s:


~~,ni,~,i.rr?i~cicrs 1G Para iinra leitura de (;ori!ja coraio acesso ao iniagiir5i-io d e Porto Aleg-e, coiisliltar: Pesavento,
í I t tlor/o Akgte, Porto Alegi-c-.:(;ori~paiihiaUiiião tle Segiii-os(;c-i-ais, 1!183. Sairdra ,Jatahy.As leitiiras tla rnenicíria: a cidacle iniagiiiária de iirn croiiista no siil. Ano.r 90,
10 (/oiisiiltai; paji. exerriplo, o í.stiido (:oleçáo tle C'oçá1)iilos <: 1"r:tses Usatlas iia Províiici:~r10 R i o Porto Alegre, 17.14, dez. "000,
Hi.s(brir.or <;ro,yt./ilic.oUt.c~szleiro,1852, to1110 ><V.
(;i-aiide tfe (iâo I'edi-o. H~vi.\lndo I~~,sli/tt/o 17 Villas Boas, Pedro Leite. I)iczoit(írioI)i/)liogui/irogozirho. Porto Alegl,e: EST/Etiigal, 1C171. 13.65.
e, alguns aiios depois, publicadas, nos aiios de 1886 a 1890, no A?z~~úrio Marceliiio, para obrigar os vereadores a vcrearem em Porto Alegre, fe-
do Rio Grande do Sul, organizado por Graciano Alvcs de Azaiiih~tja. chara o portào, e eles não haviam podido retoriiar, era evidente sinal
Desde o Rio de Janeiro, onde passara a viver, o velho Coruja escre- que a cidade era, de fato murada. Tratava-se, diz Corrga, de urna triii-
via, na década de 80, sobre a sixlina Porto Alegre do início do skculo lia cheira fortificada, assinalada por dois valos e fechada por um portão.
qual vivera, mas também sobre a Porto Alegre do século anterior, fora, Nosso mernorialista diz não ter conhecido esse portão, mas sim o seu
portanto, da siia experiência de vida, mas da qual ouvira coiitar: chaveiro, e que o cercamento se dera - suposição sua - por razões de
Ou seja, há uma superposição de tempos: o tempo da escritura e defesa coiitra os espanlióis.")Portaiito, o nome que veio a ser dado ao
da leitura das memórias de Coruja, em que se manifesta o interesse do lugar - Praça do Portão - adviiilia da construção do século X\?II, e não
público sobre o passado de uma cidade que se transformou; o tenipo do novo portão construído em 1836, junto com as fortificações que
da narrativa e da vivência de quem rememora, tempo do qual poucos comparecem nos mapas de Porto Alegre de 1837 e 1839 para defesa da
são os que restam para lembrar como foi; e, finalmente, o tempo onde cidade durante a Revolução Farroupillia.
Este apagamento de memória e nova explicação para o nome da
nem mesmo o cronista esteve presente e para o qual era preciso recor-
praça, dizia Coruja, era uma "mentira oficial", construída ex-post, e que
rer aos relatos de terceiros.
levava ao esquecimeiito de certos fatos do passado. Portanto, Coruja
Mas quais seriam os leitores de Coruja, o público de seu texto? Em
colocava o seu testemunlio contra novas versões que vieram a ser
termos de interlocutores, poucos seriam os contemporâneos vivos do construídas depois. "Conta-se que"," diz o cronista, para relatar o que
autor para concordar com ele, e temos de concluir que a maior parte não presenciou. Mas, no caso das problemáticas muralhas, mesmo o
de seu público leitor fosse aquele desejoso de saber como foi, como era a guarda do portão - o tal cliaveiro que Coruja dizia ter conhecido e que
cidade em que viviam. seria peça-chave para provar qualquer coisa sobre as fortificações - j á
A memória é sempre represeritação de uni tempo que se foi, esco- 1150 mais existia quando ele estava a escrever as suas meniórias! Acaba-
ado lia sua dimensão física, mas que pode ser recuperado pela evoca- ra de morrer, dcixaiido Coruja como o único a afiançar sobre algo que teria
ção. Memória é, pois, presentificação de uma au~êiicia,'~ que se baseia existido.
no testemunho da voz narrativa, que tece o discurso não do qixe acoil- Um pouco como Heródoto, que descrevera o que vira e o que
teceu, mas daquilo que lembra o autor que rernemora. Este traballio outros lhe contavam ter visto, Coruja ia traçarido o seu relato sobre a
de representação - de construção e invenção de uma ausência no tem- cidade em que vivera e sobre aquela do tempo em que não vivera.
po - lança reciirso ainda de outras testemuiilias que não mais estão Coruja tem consciência, na sua narrativa, de que há um largo tem-
presentes para contar, mas que sobrevivem lia lembrança daquele que po percorrido entre o seu tenipo e o do narrado e usa, com frequêiicia,
tece a memória corri os fragineiitos do que viii e oilviu dizer. expressões de cuiilio bastante antigo e de coisas e seiltimentos que "j5
Por exemplo, Coruja não coiiliccera o poderoso e controvertido hoje não teriam liigar".22Relcmbrandoincidentes da cidade de um tem-
José Marcelino de Figueiredo, mas relata, em suas lembranças, ixnia po loiigíiiquo - "110 tempo em que [...]"'" - e alertalido muitas vezes o
série de episódios sobre a sua atuação, por ouvir dizerpela gente de sua estranliameiito do presente frente ao passado - "não se admirei11 [...I ",'"
época, Com isso, ficamos sabendo que o governador fora capaz de proi- - Coruja vai, com muito liumor, pondo diante do leitor o contraste e o
bir os vereadores da câmara rnuiiicipal da cidade, que ainda tinlia sede estranliamcnto de uma outra cidade, pequeiia e curiosa: "alguns luga-
em Vianião, a permaiieccrem eni Porto Alegre, fechando os portões da res, em outro tempo muito conhecidos por certos e designados nornes,
cidade, pois eles llie liaviam recusado os recursos necessários para a são hqje quase desconhecidos ou talvez esquecidos por ter desapareci-
reparação da poiitc da Azenlia."' Exemplar é o caso controvertido das do o que servia de motivo a tais designaçõe~".~~
muralhas, que teriam sido erguidas cin toi-rio da cidade no governo de
Josk h4arceliiio de Fig~ieiredo(1773-1780) e das quais os docrimeiitos
oficiais, que restaram nos arqiiivos, iiarla falam. Mas, se o goveriiador

18 Kicoelii; Paiil. L'bci-itlirc cle 1'2iisioii.e et Ia i,epi-bsteiitation tlii passí-. ii~~j~nle.\,


I-ISS, l'aiis, v. 4,
jiiillet-a6iir 2000.
Como ficavam, pois as informações prxstadas pclo autor das Quem da Rua Clara descesse para os lados do Rio, passando da Rua da
AntiguaMa.r? O leitor devia acreditar no que dizia o cronista? Vemos Praia para baixo, aí encontraria ii esquerda urn terreno quase devoluto a
que Coruja representa pai-a os leitores do final do s6culo o já repre- que por falta de outro nome dçi-iomii1a\?arn- Beco da Rua Clara. Este
sentado, ou seja, narra para os leitores o que lhe foi narrado, constru- terreno, até certo ponto composto de um marachão ou entulhos, e a que
puseram um paredão que servia de cais onde desembarcavam marinhei-
indo uma versão sobre a cidade do passado ... Qual o grau de confian-
ros freqüentadores das bodegas e freges que aí se foram estabelecendo,
ça no seu relato? Não há provas, há uma voz que, 110 presente, dá a foi por este fato conhecido pelo nome de Beco dos Marinheiros. Este
ver, pela narrativa, o passado d a cidade. Coruja lida com a beco foi creuscendo;estendeu-se para o lado da nascente; e aumentou
plausibilidade, com a crença e o sabor de autêntico de sua narrativa, tanto, que forma o que hoje se chama rua Sete de Setembro, que, como
além do prestígio de ter vivido aqueles tempos, testemunhado uma se vê, é composta de belos e custosos edifícios.'"
outra época ou recolhido iriformaçòes de que participara de tempos
ainda mais antigos da cidade. Nomes que nos soam pitorescos, a revelar identidades esquecidas,
Mas, Coruja é o primeiro a desconfiar de si próprio e de sua capa- particularidades de uma outra época, índices de reconhecimento de
cidade de dar conta do passado, estando convicto das suas limitações, uma cidade ainda muito pequena, onde todos se conheciam, onde as
pois assevera que lhe era impossível lembrar tudoe2"em consciêiicia referências eram claras para os seus habitantes e onde todo mundo
de que memória e esquecimento andam juntos, e é para salvar para o tinha apelido: Vaca Braba, Chico da Azenha, Manoel Fanha, Queixo de
presente uma temporalidade perdida que se empeiiha para tecer a sua Cabra, Lentilha, Verruga, Diabo Coxo, etc., etc.
narrativa, mesmo que esta apresente incertezas ou laciinas. Tem ainda Coruja conduz o leitor a visitar espaços que o progresso da urhs
consciência de que a memória se oficializa pela crenga e, neste caso, diz fizera desaparecer, fosse pela renomeada das vias públicas, fosse pelo
que quem não quisesse acreditar no que contava, que fosse consultar redesenho da cidade coni a abertura de novas artérias. Dá-nos dá con-
"as velhas daquele tempo"."
ta dos famosos becos, essas ruas de subida ou descida sjuilto ao
Nosso memorialista se esforça para mostrar que, na aiisência da
espinhaço da península, transversais 2s artérias principais da cidade
fonte escrita - atas da vereança e outros papéis oficiais -, era possível
ou abertas como ramificações secundárias das mesmas. Mas o beco -
imapnar os inícios do agrupamento que dera origem à cidade de Por-
to Alegre. é importante assinalar - não é ainda, na época em que Coruja fala,
Nada está escrito, mas ele sabe. Por ouvir contar, pela geração que um lugar maldito da urbs, uma rua estreita, suja, feia, malclieirosa,
o antecedeu, pela tradição. Cor~Ijacoiistrói, assim, uma narrativa das antro do vício e habitada por pessoas de mau viver como seria eiiten-
origens, apontando para os míticos casais açorianos que, com sacrifício dido no final do século. Se, para os leitores de Coruja, o beco era um
e muita garra deram início ao burgo, já nas origens abençoado pelo lugar de má fama, contra o qual se desencadearia uma carnpaiilia
capelão. Fala "do que todos sabem", sem estar escrito, fixando com sua moralista de saneamento, a narrativa meinorialista o descreve como
narrativa a origem da cidade. vias pitorescas da cidade, seja pelos seus nomes bizarros, seja pelas
É a partir das suas recordações que tomamos conheciniento dos curiosas liistórias de seus moradores e dos fatos que aí ocorriam, res-
espaços, atores e práticas sociais de uma cidade de Porto Alegre quase poa-isáveis por vezes pclo iioirie dado ao beco.
esquecida. Coruja dá nome aos becos e ruas do passado: Sete Pecados Havia, nessa época, uma certa não-distinção social de espaqos, pois
Mortais, Nabos a Doze, Rua do Cotovelo, Beco do Fanha, Beco do Im- os personagens nomeados por Coruja como habitantes de tais becos
pério, dos Mariiilieiros, do Juca da Olaria, do Oitavo e do Poço, Rua do eram pessoas com profissão definida, ora mais humildes, ora mais gra-
Arvoredo, da Varzinlia, Rua Clara, Beco dos Guaranis, Rira do Ouvidor. duados socialmente, chegando alguns mesmo a serem da elite da épo-
Traça quase corno que imia geografia da cidade, mas de uma cida- ~a.~"abernos, porém, que, quando Coruja passou a divulgar suas me-
de não mais visível, a que só se pode ter acesso pela força do irnagiiiá- mórias, a especirlação imobiliária e a valorização do solo urbano fize-
rio, despertado pela mcm6ria de quem rememora: ram com que fosse realizada a scgregaçâo dos sul~alteriiosem determi-

28 Idem, p. 08.
29 Pesavento, Saiicli-a.J;it;illy.Era iiin;i r.eL i i i ~ ibeco: oi-igeiis cle iiin inari Itigar. 111: Bi-esciaiii, Stella
(01-g).As polnu,.rr.r dn (.id(ld~.Porto Alcgi e : kkl. da IJili\,c.i-sid;ide,200 1 .
nados espaços da urbs fossem esses lugares de eiiclave dentro do cen- A cidade de Coruj:~lios pci,initc imaginar - compor Lima irnageni
tro urbano - os tais becos -, com sua descida para a Praia do Riacho e no pciisanieiito, por qtiv não? - um contexto ~irbaiiosedirtor, pitores-
Cidade Baixa, fosse pela varrida dos pobres para uma espécie de cinturão co, com um sabor de passado ududeiro, que ciicoiitra ressonância num
negro em torno da região central, como foi o caso da Coloiiia Africana cruzanieiito intertextual com os relatos de viajantes. Sim, pois a cidade
e do Areal da B a r ~ n e s a . ~ ~ de Coruja seria aquela que Saiiit Hilaire, Nicolau Dreys ou Arsèiie
Portanto, as memórias de Coruja deviarn fornecer aos leitores da Isabelle descreveram. Urn olhar desde dentro - o de Coruja, morador da
época um estranliamento diante da cidade em que viviam, fosse pela urbh mas que escreve ex$o~l-, que pode ser cruzado com olhares desde
noção da distância no tempo e da concepção de um tempo percorrido, fwa, dos tais viajantes estrangeiros que passaram por Porto Alegre e que
fosse pelo tom pitoresco, vetusto e de uma diferença entre modos de deixaram suas impressões sobre a cidade no tempo em que Coruja ali vivia.
ser, espaços e gentes do passado com relação ao presente. Mas o olhar viajante, este olhar do outro que se define na
Ora, todas aquelas sociabilidades e personagens antigos, evocados estrangeiridade de vistas diante do local, é um olliar que expõe a dife-
por Coruja no final do século como modos d'ar~tanhoe fixados no tempo rença de modo claro, exibindo seus marcos refereiiciais. Os viajantes
do passado, comparecem como uma alteridade a contrastar com o pre- são europeus, elite ilustrada portadora de saber científico, que saiu do
sente citadino: "no tempo em que se vendiam os ovos a 2 e 3 por um Vellio Mundo para viajar em outros países da distante América, onde,
vintém, se fazia nas tabernas dez reis de melado".31 imbuída do espírito do século, pretende observar, inventariar, catalo-
gar, dar a conhecer. Seus parârnetros são os europeus, e nesta medida é
Neste ponto, a narrativa de Coruja converte-se em fonte inestimá-
que seus marcos valorativos estabelecem as aproximações, contrastes e
vel, pois se torna referência para todos os que, depois dele, tentam iden-
analogias. Assim, as mulheres da cidade são bonitas, mas nem tão viva-
tificar onde era, quem foi, como foi que aconteceu.
zes corno as fi-aiicesas,ou, então, o sítio da urús tinha um céu da Itcília e
Se Coruja dá a ver traços que não mais eram visíveis, também de-
unia vegetação da Proveiice, e o Guaíba podia ter uma largura do L,oii-e
senterra os mortos e, sobretudo, aqueles que, na ausência de um cargo em sua maior diniensão. Mas, em algo, esses viajantes sáo mais ou rne-
importante ou posição social, estariam fadados ao esquecimento, não nos concordes: a beleza do sítio, a supremacia da natureza sobre a cul-
fòsse a mernória de iiosso cronista! Pai Lelé, Arriansa Burros, a Bronze, tiira. Porto Alegre, como cidade, é bela. Pode ser ora considerada pe-
José Cabelos, Caixa d'óculos, Manoel da Espada. Gente humilde, sim- quena e pacata, ora agitada e progressista, mas é, sobretudo, uma cida-
ples, negros mulatos, portugueses, caboclos. Todos relatados de maiiei- de-espetáculo, cidade-palco, cartão postal.
ra pícara, mas que dão a ver as maneiras dos outros tempos. Saiiit Hilaire destacava esse aspecto marcaiite, fazerido da peque-
Apostando na capacidade imaginária dos leitores, Coruja intro- na Porto Alegre, disposta sobre um dos lados da coliiia, voltada para
duz, no seu texto rnemorialístico, um pequeno relato de ficção pura: iioroeste, unia cidade-paisagerii, com suas "casas caiadas de branco, de
cria um personagem - um certo Pisa Flores de Figueiredo - que, a cava- tellias avermelliadas","' espécic de presépio à beira do Guaíba, onde a
lo, daria unia volta pela cidade e iria eiicoiitrarido gentes e freqfieiitan- iiaturera sobrepujava as obras humanas. Os relatos de Nicolau Dreys
do liigares!'%om isso, nosso cronista introduz estratégias literárias - dão conta de uma cidade bela, "suntuosa9'e promissora, "abastecida de
uma história dentro da história - e estabelece uni jogo com os leitores: todos os niisteres da ~ida".'~Já Arsèiie Isabelle, que passou pela cidade,
alguém conlieceria estes lugares e atores? Era possível acompaiiliar, pelo ila década de 30 do século XIX, deixa uma descrição entiisiasniada da
pensamento, seu percurso e identificar os lugares visitados e as pessoas "linda pequena cidade", com seus "tetos róseos, pouco levantados e
que ele encontra? Estamos, pois, diante da criação ficcional pura ou do salientes [...I coroando casas brancas oii amarelas de uma arquitetura
relato testemunhal da memória que prcsentifica o passado? Coruja lida simples e graciosa".""
com veracit-ladc oia plausibilidade!

33 S'iint Ililaire, Aiigti5tt. de. I'z(~grm no I</«( ; I ( I H do ~ PS'ul (lh'20-21) Belo I Ioi iroilte: Itati'iia, 1974,
30 Pesavento, Saildra Jiitaliy. L,iig;ii.cs ~i~altlitos: a " c i d a d ~do oiiti.o" n o sul brasileiro (Porto Ale- 11. 41.
gre, passageni c10 S ~ C L I I C )XIX ijara o s6ciilo S X ) . Iíklisfnljrcl,\i(rirn tle ffisistó~icr,São Paulo, ANI'UII/ 54 DI eys. Nicol'tri it'oLío/~( I e c o / l ~ ~ tia i / c f'~o7~'1tt rci do Klo (;1crr,d~d r ,\NO l'rd~o do ,7111 /)o) hr~(o1(~1(
I)wy.
I-Itinianitas Pul)licaçóes, s 10, 11.37, 1CIC39. Rio (;i,iiid(-.: Bil)liolcc,i Kio-gictiid(~nsc., lt12'7, 11. S!)
31 Coruja, of,.tzi., 1). I5 i33 Isabelle, Ai-seiie. I ' I ~ I ~ P I I (10
I /?)o C : ~ ( i ~ t ( l (.Jtil(l<S33-34).
~do I>o1to Alegi t b .h4tiwiiJiilio rlc (:;lrtilho<,
1046.
Mas Coruja, nosso primeiro cronista urbano, não apresenta ne- Não est5 escrito se ria época primitiva havia mato ou simplesmerite
rlliurri relato entusiasmado sobre o sítio da cidade, alo seu esplendor macegal; é poi-6111dc crer que houvesse uma c outra coisa, e que os pri-
meiros povoadores fizessem algumas na coliiia e escolhessem na praia
diante do Guaíba. Nada há de pictórico no seu texto, nias sim iirna algum lugar de einbarque e desembarque entre tantos ancoradouros que
descrição de tipos, fatos, nomes e costumes. É claro que ele não é iim tem hoje a cidade. Também não está escrito em que a110 para aí foram os
viajante estrangeiro, nem tem a Europa como parâmetro de referência. primeiros povoadores; é porém certo e está escrito que emjulho de 1754
Mas ele viajara no espaço, morava no Rio, não voltara a Porto Alegre e aí aportaram diversas embarcações com tropa em direção à fortaleza de
só podia olhar a cidade com os olhos da memória. Neste sentido, Coru- Jesus Maria José de Rio Pardo, e que já no ano antecedente o rapitão-
ja é um viajante no tempo e, como memorialista, quer oferecer aos general do Rio de Janeiro Comes Fi-eire de Andrade achando-se na pra-
leitores esta alegria reservada àquele que rememora: o reconhecimen- ça da Colônia do Sacramento tinha nomeado um religioso carmelita para
servir de capelão aos ilhéus e paulistas que existiam no Porto de Viamão
to. Na impossibilidade de estar na cidade para apreciar a mudança do
e também capelão da ermida de São Francisco.'"
tempo no espaço, ele guia os leitores: fornece as pistas para que estes
vissem, na sua cidade, o passado. Ele, Coruja, o narrador, é alguém Coruja lida, assim, com um tempo imaginado, em que não há tes-
distante no espaço, mas próximo do passado que ele reconstrói imagi- temunhos nem escrita; a ele acrescenta alguns registros oficiais, ou seja,
nariamente pela narrativa. o que se tem por escrito sobre essa época. A tais dados, recorre ainda à
Coruja descreve lugares, traçado de ruas, equipamentos urbanos e tradição - ou seja, o que se dizia, o que ouviu contar - para tirar suas
prédios, mas dá conta mais da sua função e significado do que da for- conclusões:
ma. De forma detalhada, ele descreve as ruas não apenas dizendo o
nome de seus moradores mais expressivos, mas também explicando a Ora, segundo a tradição, a ermida ou capela de São Fraiicisco era na
origem do próprio nome da rua. Assim, constrói uma espécie de geo- Quitalida Vellia ou imediações d o Beco do Faiiha, e portanto aí se foram
grafia do léxico urbano, dando ao leitor a possibilidade de visualizar a acomodando os prirrieiros povoadores formarido o que depois se cha-
cidade, mesmo naqueles trechos onde o propriamente urbano acaba- mou Rua da Praia. Eis pois a Rua da Praia considerada como a rua mais
va: "Entre a Rua do Arvoredo e a Praia do Riaclio não havia rua algurna: antiga da cidade3"
ou eram fuiidos de quintais de uma e outra, ou moita de pitangueiras e
outros arbustos"."j Portanto, Coruja combina a capacidade irnagiliativa coni a memó-
Mas e o tempo das origens, o tempo em que Porto Alegre não era ria social e o dado escrito para compor a sua riarrativa de memória
ainda cidade e não possuía ruas? O tempo onde ele, depoente, não sobre a cidade. Seii texto é um convite à imagii-lação e ao reconheci-
estivera presente, e talvez mesmo a geração que o antecedera e que llir mento, para ver, na cidade qrie restou, a cidade que foi um dia. Aos
prestava informações sobre o passado? leitores, um passado para acreditar e amar. Urii arquivo imaginário para
consulta pernianeiite. 4

a r edifício é preciso preparar o terreno e pór-


Assim como para l e ~ ~ a n tum Mas julgamos que Coruja foi mais além: ele construiu rima cida-
lhe os alicerces, assim também para tratar das ruas, é preciso saber o que de imaginária que se tornou poiito de referência obrigatória para
era Porto alegre antes de as ter, e qual delas foi a primeira que serviu de oiitros que, depois dele, tentaram cliegar ao passado da cidade de
base às outras. Eis pois o que passo a fazer conforme me é possível.3i Porto Alegre antiga. Mais do que isso, Coruja inventou um passado
para a cidade. A autoridade de sua fala foi reconhecida, estabelecen-
Pois bem, Coruja vai lembrar aquilo que irnagina que teiiha sido do-se a crença - assim podernos dizer - de que o que ele relata é ver-
como o espaço de Porto Alegre priniitivo, convidando o leitor a iniagi- dadeiro! Ou seja, o texto de Coriija, lido pelos outros estudiosos do
nar com ele: passado da cidade qiir se seguiram, tem o valor de texto histórico, é
menibria qiie s i história.
Experiineirteni os leitores deste texto iiidagar de out1.0~textos his- sabe, nada mais iiada meiios do que o doiio do jornal Correio do I'ouo.
tóricos que tenham se ocupado da cidade. Não há nenhum que despre- Fundado por Caldas Júriior em 1895 com o apoio de capitalistas da
ze ou que não cite a obra de Corrija, eiitroiiizado corno foiite recorren-
te e como inventor do passado da cidade.
I
I praça - Eugei-iio du Pasquier e Aiit6iiio Mostardeiro Fillio -, o Correio
do Povo tornou-se o núcleo agregador dos letrados iio período que se
Passemos ao segundo texto escolliido, o de Augusto Porto Alegre. seguiu à turbulenta guerra civil de 1893-1895. Sergipano que viera se
Nosso autor, .jornalista e historiador, era filho do celebrado Acliylles instalar no Rio Grande, estudara no Instituto Brasileiro, escola de
Porto Alegre, o grande cronista da cidade, responsável pela publicação
de muitos livros em que rememorava também locais, personagens, usos
e costumes da cidade. Mas, Augusto Porto Alegre se insere de forma
I Apolinário Porto Alegre, e trabalhara no jornal A Reforma e, depois, no
Jornal do Comércio, sob a direção de Achylles Porto Alegre, de quem viria
a se tornar genro. O Correio do Povo, que fundou, teve a proposta de se
diferente, traçando a primeira história da cidade. I
situar acima da disputa político- partidária que dividira o Rio Grande
Era homem culto, pois não esqueçamos que pertencia a uma famí- durante a Revolução Federalis ta entre maragutos e pica-pau^.^'
lia ilustre no mundo das letras de então: além de filho do já citado I
I Mas Augusto Porto Alegre, este intelectual tão bem inserido na
professor, cronista, poeta, biógrafo, romancista e contista Achylles, era I
sociedade de sua época, dedica também seu livro à "memória excelsa
sobrinho de Apeles Porto Alegre (contista,jornalista, educador e dra- I do extraordinário estadista"Júlio de Castilhos, falecido em 1903, o que
maturgo) e de Apolinário Porto Alegre (pedagogo, romancista, cronis-
ta, teatrólogo, poeta e l i n g ~ i s t a ) , todos
~' personagens de proa no
I implicava nítida adesão ao Partido Republicano Rio-granderise, à figu-
ra do Patriarca e ao seu sucessor no governo do Estado, Borges de
Partenoli Literário, instituição que, a partir de 1868, por dez anos agre- Medeiros. Tinha o autor inserções e relações mais amplas no meio do
I

gara a intelectualidade sulina. I


seu tempo, como se pode ver no elenco de personalidades dos meios
O texto de Augusto Porto Alegre se distingue daquele de Anto- culturais, políticos e até religiosos a quem também dedica sua obra,
nio Álvares Pereira Coruja. Não se apresenta como memorialista, mas I indo desde o Barão do Rio Branco, Joaquim Miirtiiiho, o crítico literá-
como historiador. Postula fazer história, cita fontes, elabora numerosas I
I
rio José Veríssimo, Max Fleiiiss, monseiihor Camillo Passalacqua a José
notas explicativas, evidencia pesquisa, demonstra erudição e sintoriia Gomes Piiilieiro Machado, Thedoro Sampaio, Zeferino Brasil, Plínio
com os autores de seu tempo. Faz-se até valer de imagens para dar a 1 Casado e outros.
ver o passado da cidade, valendo-se de bicos-de-pena para ilustrar per- I
Ou seja, nosso historiador da cidade parece ter em conta, senão
sonageiis e paisagens iirbanas da época. Em suma, apresenta-se como um público leitor qualificado, uma certa repercussão de sua obra no
um texto cieiitífico, num séciilo no qual a história passara a ocupar o meio cultural da época. A respeito da repercussão de A fundação de
posto de rainha das ciências. E, o que para nós se reveste de sigiiifica- Porto Alee, cabe dizer que ocorreu uma seguiida edição da mesma em
do, dialoga com o texto de Coruja, usa-o como fonte, faz correçóes, 1909,4%que, de uma certa forma, faz coiisiderar que a obra tenha tido
mas o tem ria conta de testemuiilio fidedigno, atribuilido-lhe tam- I uma boa recepção.
bém a legitimidade necessária para que seja tomado como discurso I
Por que escrever uma história da cidade? Culto, bem informado,
sobre o passado da cidade. I evideiiciando a base fraiicesa dos estudos de sua geração, o autor in-
I

Mas fixemos o perfil deste Porto Alegre historiador. Se dele nada I


voca Maurice Barrès para justificar a importância do local no terreno
mais soubéssemos além de sua obra, publicada em 1906, as duas pági- da história. No prefácio e na conclusão de sua obra, Augusto Porto
nas de dedicatória que iiitrodiizem A fundação de Porto AleLgrejá nos Alegre cita as palavras do escritor fraiicês em Scènes et doctrines du
rnostram o seu envolviinento com o meio culto, letrado o politizado da nationalisme: "A nacionalidade fraiicesa, segundo nós, é feita das iiaci-
cidade. Além da esposa e de uma fillia que morrera, o autor dedica a onalidades provinciais". 'l
obra a uma sua irmã, Arrnirida, tanibem Pdlccida, e a seu cari~hado,es-
poso desta, Francisco Antonio Vieira Caldas Júiiior." Este era, como se
42 f'esa\.rnto, Santli-a .Jatal~)~. O i)t~(giil21Nriodo cidcl(l<i:\,isões litei-Ai-ias(10 rai-baiio (Pai-is, Rio de
Juiieii-o e Porto Alegi-e). Porto Alegi-c.:Ed. da llni\~cisitlatlc.,10!30.
40 Villas Roas, 01).cil., p. 100-191. 43 Vil1;is Boas, o/). ri/., 11. 1 01.
41 I'orto Alegi-e, 01). ( i / . 44 Porto Alegre, oJ).c.ii.,11. 19 1.
Assim, eiiteiide sei-pelo estudo da parte - o regioiial, o local - que paciei~tcCoruja e oritros. E jiistsrneiite esta, é unia das i7aritagensque
se pode compi ceiidri- o todo, o qiie se revestiria de irnportiiiicia siiigii- tem o livro: corrigir iii~rrierospontos qiie por a i aiirlarri errados, capa-
larjustamelite para o Brasil, que no seu entender iião tiiilia ainda coni- cidade só adquirida lia coiis~iltados arquivos piiblicos [...]. A rrcoris-
trução do passado fugitivo é difícil bastante para o assentarneiito das
pleta a sua história gri-al.Nosso escritor, portalido, julga qiie a nação 6 bases de um trabalho qiir, mormente, vai beber inspira~óesnas folites
feita de regiões e que, ao estudar a sua cidade, está a coiitribuir para a puras dos arquivos, sempre iiovos d e surpresas n a sua vetusta
história do país. Aliás, declara que o qiie o impele a escrever o livro 6 o aiiciaiieidade; a collieita d'um fato aqui, a exatidão d'urna data ali, rujos
amor à pátria e as gerações extintas, que ele, no presente, dava coiiti- traços vão esvaindo-se ria coiitextura dos papéis amarelados, custam
nuidade. Neste poiito, nosso historiador se coloca como tributário das ingentes sacrifícios para reiiiiir até que formem os coiitoriios do corpo
idéias de Augusto Comte a respeito da evolução ~ o c i a l .Mostrava
~" que da obra que se vai erguer.'"
sua cidade tinha evoluído no tempo e estava a merecer que se escreves-
se a sua história. As considcrações do aiitor sobre a sua escrita nos permitem apre-
Neste sentido, Augusto Porto Alegre se define desde o iiiício como ciar a sua coiicepçào sobre a tarefa do historiador: Augusto Porto Ale-
um historiador. Fala do cultivo da "literatura histórica" como uma pre- gre delineia claramente as encruzilhadas da pesquisa, as opçUes, as
ocupação "séria e apurada", à qual ele se dedicava de maneira "decisi- escolhas a serem feitas, as dúvidas que assaltam o estudioso diaiite dos
va" e mesmo com "fanatismo", em tarefa árdua que implicava "reei-guer documentos que se coiitradizem. O autor assiriala bem a natureza do
da poeira pesada dos arquivos mortos num silêncio aterrador, toda aque- trabalho do historiador: é a construção de uma narrativa sobre o acon-
la vida ali palpitando para quem souber animá-la darido-lhe ~ o r p o " . ~ " tecido, que se baseia lia fonte e que pressupõe um conhecimelito cu-
Tem consciêiicia de que esta tarefa de historiador respoiisável, a mulativo. Mas, sobre os seus antecessores na escrita da histbria - o
realizar uma pesquisa científica, é das mais ingratas, mesmo uma em- Viscoiide de São Leopoldo4' ou mesmo Coruja, aqui tomado com es-
preitada "escabrosa". Alude a uma certa iiidigêiicia cultural reinante critor do passado ou liistoriador -, Augusto Porto Alegi e se apresenta
iio país, que deseiicorajava aqueles qiie se aveiituravam a escrever uma com uma vantagem: ele coiisultou as fontes, ele foi aos arquivos, ele
obra séria. Lia-se pouco, pouco se publicava, pensava-se menos ainda, o leu, selecionou, pesquisou em documentos antigos, coiiliecidos ou
que delineava unia vida iiitelect~ialpobre, marcada por juízos ligeiros inéditos. Qual Tucídides a construir a autoridade da fala do historia-
de uma crítica péssima e uma produção banal e sem valor. Citando dor sobre a consulta ao documeiito escrito, Porto Alegre se impõe
Tolstoi e Max Nordau, Porto Alegre critica a "liaturalidade artificial" de sobre outros relatos anteriores, atribuiiido-se inclusive o direito de
certa literatura barata que se impuiiliajunto ao púhlicoa4'Seii alvo pre- corrigi-los. Neste sentido, ousa corrigir o Viscoiide de São Ideopoldo,
fereiicial de ataque é a falsa cultura, o beletrisriio, os iiitelectuais de que não realizou, como ele, a vasta pesquisa de arquivo, ou o sempre
fachada que iião liam e viviam de citações. recorrelite Coruja, que, tal como E-leródoto, coiitava o que via e o que
Ele, no caso, se ernpeiiliava por outros camiiil~os:Augi~stoPorto ouvia dizer por terceiros. Aiigtisto Porto Alegre, corno se vê, apreseii-
Alegre fala em cinco anos de extensa pesquisa nos arquivos píiblicos e ta-se como historiador que sabe e eiifi.enta os deveres do ofício, afas-
no trato direto das "melliores fontes históricas". Logo, ele afirma a base tando seu texto do relato inernorialístico. Ele iiistaura a legitimidade
científica de sua trajetória e iios aponta os impasses de sua pesquisa, da fala daquele qiie consultou as fontes, e sua narrativa se coloca como
diante da miiltiplicidade dos doc~irneiitos: a verdade uconlerida.
Mas Augusto Porto Alegre vai mais longe: anuncia qiie eleiica,
[...I muitas vezes víssemo-nos (sic) na coiitiiigêiicia de, perante docu- iio filial de seu trabalho, Soiites consiiltadas e mesriio incorpora no
mentos origiiiais, abaiidoiiarmos por erroiiea a primitiva fonte; por urn texto a transcrição de alguns dociirneiitos mais sigiiificativos. A cita-
elerneiitar preito de sincera admiração, não mencionaremos a cada pas- ção ou o arrolamento bibliográfico dão margem a q i ~ çse idciitifiqiie
so as correç6es yire fa~einosao graiide viscoiide de S ã o I,eopoldo, ao

40 A pi'iiiic,ira txliçào cic A~/cii.,


//c[ 1'1~71i)uiilde (Sfio I)e(ljn, tlr.fos6 Fe1ici;ino E'ernaiiclcs Piliheil-o, o
Viscoiicte ctt. Sào IJco1>oltlo,data ri<, 1810, iio Rio de Jaiirii-o;a segtiiitla cadiçãa~sril-giii ein
I,ist>oa, em 1822.
na narrativa uma estratégia dc reforço da autoridade da fala e uma Em segiiiido lrigai-,trai! a preseiic;a da cultura indígena para o cen-
evidência de pesquisa além de, pelo meiios teoricameiite, expor o tro da narrativa, atraves da lenda de Obirici, relato qiie,
texto à verificação. Ou seja, distaiiciarido-se de Coruja, Augusto Porto
Alegre não manda o leitor incrédulo "consultar as velhas daquele tem- [...I vindo de datas tão remotas, traz para os estádios da história e da
po", mas sim remete às fontes, indicando ao leitor a possibilidade de literatura largo subsídio, coiiservado pela tradição, lia simplicidade pura
refazer o seu percurso. e natural, adorável e eiiternecedora, que é a característica do período
inicial da humanidade - o fictício, pois as populações primitivas possuí-
Ou seja, Porto Alegre se apresenta e se define como um historia-
am todas uma imagir-iação faiitasista em sua idade i i ~ f a n t i l . ~ ~
dor, em consonância com o método e as regras do ofício, que de-
monstra conhecer. Ao mesmo tempo, sua posição de historiador dis- A inclusão da lenda no relato científico opera como fonte ou evi-
tancia-se também daquela de um Assis Bra~il,~' cujo discurso se substi- dência de uma evolução natural dos povos e culturas. Os índios, no
tui às informações coligidas. Ou seja, no caso deste político e escritor, caso, estão "na infância da vida", a lenda sendo unia expressão "doce e
a citação das fontes só se dá como exemplificação de uma idéia, pois o simpática", porérn cabal, do seu estágio de desenvolvimento ou da sua
historiador é fala autorizada que responde pelo trabalho que faz, sem posição na hierarquia dos povos rumo à civilização.
precisar provar. E, neste sentido, na tarefa que se impôs de dotar a cidade de uma
O erudito Augusto Porto Alegre entremeia sua narrativa com as história, Augusto Porto Alegre renionta às gentes das origens: os primi-
posições de autores consagrados, com quem dialoga: o doutíssimo his- tivos habitantes da terra que se acomodaram sob a tutela dos brancos
toriador Visconde do Porto Seguro, Francisco Adolfo de Varnhagen, o colonizadores, os celebrados casais açorianos, os verdadeiros troncos
Çolclorista Sílvio Romero, o crítico literário José Veríssimo. ancestrais da cidade, aqrielcs que instalam lia rcgiiio o domínio de unia
De acordo com os fundamentos cientificistas qiie regiam a escrita sociedade organizada c estável.
da história no seu tempo, Augusto Porto Alegre principia pelo mcio É interessante que Porto Alegre desvincula a vinda dos açorianos
físico, enquadrando nele a população primitiva da terra, cuja presença das operações militares e diplomáticas travadas entre as duas coroas
era atestada por recentes achados etnográficos. Reforça-se com isto o ibéricas. Ou seja, os Casais d E1 Rei não são apresentados como vindos
aspecto científico da obra, mostrando quão atento se encontra o autor para povoar as Missões, mas como fruto das deliberações do monarca
para os avanços da ciência e para as descobertas arqueológicas. Nosso português D. João V, que resolve colonizar o si11 do país.""or quê?
historiador alerta que, mesmo com as situações de meio físico e costu- Ora, Augiisto Porto Alegre articula uma narrativa que conta o nas-
mes diferentes no Brasil como iim todo, os selvagens não apresentavam cimento de um centro rirbano e o faz segiindo dois princípios que se
variações raciais, e, para dar unidade ao conjunto, valia-se do critério articulam: o da orderri, estabilidade e cultura, instaurado pelo elemen-
linguístico, que dava ao lupy ou guarany a primazia nas populações sel- to iiiterno, açoriano, em uma simbiose de deterniiriação do elemento
vagens do Brasil. civilizador com a natiirera privilegiada do sítio, e o eleineiito externo,
Mas, com relação aos primitivos habitantes do sítio onde se encon- da guerra e das forças ern permanente movimento que dão fora do
trava Porto Alegre, nosso historiador nos dá algurnas contribuições iii- contexto urbano em for-inação,mas de forma determinante para a ca-
teressantes para a sua proposta científica de análise da liistória. Em pri- rac terização da ZL~ÕS.
meiro lugar, incorpora os índios ao surgimento da urbs, pois relata qiie, Na articulação de uma ordem social, pacífica e estável com o ele-
com a chegada dos "civilizadores brancos", os silvícolas do Porto de mento de belicosidade das tropas militares, em estreita conexão e mes-
Viamão continuaram no seu antigo habitat e contribuírarn "com os aço- mo condicionanierito com iim meio geográfico privilegiado, Augiisto
rianos para o progresso da civiliza~ão"."LLogo,o liistoriador coloca o Porto Alegre conibiiia princípios caros ao pensamento comteano, do
indígena como elemento cooperador, embora subordinado, ao qual se diz tributário. E, de uma certa forma, integra Porto Alegre nos
surgimento do núcleo urbano. marcos formadores do Rio Grande histórico, definidos pela mobilida-

50 Assis Brasil, o/).cil.


51 l'orto Alegre, ol).(~r.,p. 4.
de dos grupos aririados e pela sedrntai-ização propiciada pela coriqiiis- se vale, mais urna vez, do depoimento de quern viu ou ouviii dizer, cor-
ta da terra. rigindo, quando jiilga apropriado, ao comparar com ouiros dados de
Mas vanios tentar cliegar- a este ceiitro iirbaiio que nasce com a siia pesquisa e qiie iião necessaiiamente se referem à mesma época.
chegada dos 60 "casais de iiiirnero" eni 1752, em terras de Viamão. Augilsto Porto Alegre, o historiador da cidade, se ernpei-ilia em
Ernpenhado em retraçar origens, o autor discute e argumenta com re- recuperar o burgo que um dia existiu nos seus começos, para que o
lação a quantos eram esses açoriarios, opondo-se ao número de 22, es- leitor se informe sobre a verdade do passado. E qual seria esta vwdadei-
tabelecido por Manoel Antônio de Magalliãcs, no seu Almanak da vila ra cidade das origens?
deporto Alegre, de 1808. Um burgo açoriano onde ele é capaz de dizer o Para a delimitação precisa do sítio, Augusto Porto Alegre identifi-
nome dos 60 cabeças-de-casal ali chegados, nomes esses que dariam ca a região primeira onde se localizaram os açorianos, a região que
início a vários troncos familiares de Porto Alegre. Mesclando sua pes- depois ficaria conhecida como praia do Arsenal, nos terrenos onde se
quisa de arquivo com a bibliografia que leu e utilizou, Porto Alegre estendem as mas Pantaleão Telles, Andradas, Duque de Caxias, Gene-
passa a dialogar com Coruja, a quem chama de "inolvidável cronista", ral Salustiano, Vasco Alves e a beira do Guai'ba:
"paciente investigador", que dissera verdades que ele confirmaria com
suas próprias investigações. C.. ] neste largo espaço continha-se a maioria das habitações, pobres cons-
Notemos que Coruja não é chamado por ele de historiador, mas truções de taipa ou somente madeira, cujas coberturas eram de capim e
sim como alguém que investigou e colheu iiiformações não-escritas folhas, pois tijolos e telhas, não sendo ainda fabricados aqui, vinham de
Laguna. C...] destes pontos em diante a edificação rareava bastante, en-
perpetuadas na memória popular e de autoria anônima. Já ele, historia-
contrando-se nas mesmas condições de modéstia pela rua dos Ferreiros,
dor, dá fiança ao que Coruja disse. Logo, Coruja é fonte e interlocutor seguirido pela Costa do RIO,primitivo nome do Caminho Novo. Da rua
de Augusto Porto Alegre, mas este llie faz correções, mostrando que só dos Ferreiros ern diante é que eiicoiitravam-se os pequenos negócios e
a pesquisa pode cliegar à verdade da história. Segundo seu relato, os quitandas, fuiicioiiando em tendas de coiistrução tosca, oiide a varieda-
açorianos teriam se localizado primeiro em Viamão, mas, logo depois, de do material empregado era grande: panos dc aniagem, etc. Subiiido-
revelaram "decidida vontade" de se mudarem "para o sítio qiie ficava à se pela hoje rua de Bi-agança até a praça q ~ i atualmente
e ainda é cliama-
vista e cuja beleza muita impressão Ihes causara"." da do Portão, por nela achar-se a entrada da povoação, quaiido haviam
as fortificacões, achavam-se liabitações esparsas, verdadeiras chácaras por
Cabe notar que, ao explicar a resolução dos açoriaiios, Augusto
suas grai-ides dimensões, onde o plantio era variado infinitamente, ern-
Porto Alegre toma a si as impressões de Saint Hilaire sobre o sítio, mes- bora fosse a preocupação de todos a cultura do trigo, que dava em boas
mo que não o cite e que o relato deste viajante não compareça nas suas condições iio solo rio-graiideiise.""
referências bibliográficas: "teve como principal motivo sua exccpcioiial
posição, pois apresenta-se soberba esta cidade privilegiada, feita em Portanto, lia coiistrrição dessa cidade de Porto Alegre imagiiiá-
anfiteatro, dotada de natureza opuleiita, pompeaiido por toda parte ria, do tempo das origciis, temos uin meio natural privilegiado pela
trechos siirpreeiidentes de efeitos"." beleza iiatui-a1e pela posição central e estratégica à beira do Guaíha,
A palavra anfiteatro é definitiva, pois é Saint Hilaire que a emprega uma data para o iiiício de tiido - 1742 -, pais ancestrais, constituídos
para louvar a beleza do sítio oiide se erguia Porto Alegre. Para efeitos pelos Casais D E1 Rey, os 60 casais açoriaiios, teiido como atores coad-
de nossa leitura do texto de Augusto Porto Alegre, gostaríamos de sali- juvantes alguiis índios que ali ficam a colaborar e um sítio específico
entar que o historiador explica a vinda dos açorianos pela paisagem para forma<;ãoprirneva do burgo - a praia do Arsenal - para o iiiício
soberba, usando como fonte - pois, mesmo qiie ele não referencie, não do povoamento.
há relatos que autorizem tal opção - a impressão de um viajante, qiie se Uma cidade que ainda não se afigura como cidade, uma vez que,
maravilliara com a paisagem do burgo à beira do Guaíba, uns 70 anos mesmo deiitro do recinto das fortificações, se realiza o plantio do trigo,
depois. Logo, para dar contas do tempo das origens, nosso historiador scndo os terrenos qiie mais produziam os da Rua de Bragança e a da
Igreja. Um hui-go onde o que tcinos coiivcncioiiado como rural se
iiiterpeiietra com o que dcriiiimos conio sinais do iiibano: casas, igreja, do 1)orto e pela cciitraliclade de siia posição no Rio Grande. Tais con-
abertura e aliiiliarnciito de riias, edifícios púldicos. l Jnia ridade coni dições, afirina o liistoriador, teriam sido aiitcvistas pelo tenaz e eiiéi:
início desordeiiado, com os açoriaiios a erguerem suas irioi-adas onde pico goveriiadoi.José Marceliiio, que, por siia ação determinada coni
podeni e como podeni. Uma cidade onde a voiitade de ficar a beira do relação a urbs, passa a merecer o titulo de "fiindador de Porto Ale-
Guai%a teve a força de fixá-los 5 terra e inclusive dar. l i m e ao b u r p : gre". Espécie de grande estadista para a época, elc é o lierói que faz
Porto dc Viamão, ci;ja referência iiominal diz respeito a um out1.o agi-u- desabrochar a cidade e que inscreve seu nome lia liistória, pois sua
pamento urbano, do qual era simples apêndice; Porto de São Francisco ação fora f~indameiitalpara a elevação de Porto Alegre à capital. Tais
dos Casais, a indicar o erguimento da igrejinlia em 1747 e aos açoria- ações são definidoras para que iiosso liistoriador aponte o alio de
nos povoadores; Porto Alegre, nome adviiido "em virtude de sua exce- 1773 como o de fiiiidação da cidade. Esta alteração de status implico~i
lente posição e pródiga nature~a".~' a coristrução de prédios públicos e representou um novo incremento
Mas - e isto é importante remarcar - nosso Iiistoriador afirma que populacional, marcando inclusive uina importância para o burgo ari-
estava reservada a Porto Alegre "o destino de ser a capital do Rio Gran- tes mesmo da sua elevação oficial à vila, em 1810, e à cidade, em 1822.
de do Sul"j8 e é na explicação desta euolucão natural que ele se lança Logo, iiosso liistoriador trata Porto Alegre como cidade defato, arites
para retraçar a história da fundação da cidade. de o ser por direito.
Seria preciso clicgar até o goveriio deJosé Marcelirio de F'igueii-edo Aliás, cabe dizer que a cidade de Porto Alegre teria, ao loiigo de
para que surgisse o que Augusto Porto Alegre vai coilsider-ar corno o sua história, a definiçâo de outros momentos fuiidacionais: 1940, quaii-
início de uma verdadeira cidade. Sua figura, delirieada pelo lristoria- do se datou a fuiidação a partir da oiitorga da sesmaria a Jerôninio de
dor com simpatia, vai tentar demonstrar que o surgirneiito de uma ci- Orriellas - este proprietário de terras que lino é nem sequer citado
dade é, sobretiido, vontade, é desejo e obra do lroinern de disciplinar e 1'01- Aiigusto Porto Alegre -, e 1'772, data qiic assiiialoii a elevação da
usar a natureza em seri benefício. cidade à fieguesia. Tais refuiidaçòes dcrain margem a diias coniemo-
Desde a chegada dos casais, a paz do aprazível biirgu fizera-o cres- raç6es de biceiiteii5rios da cidade, aconipaiiliados das rcspectivasjus-
cer e exigira a anipliação da assistência religiosa aos moradores, sendo tificativas históricas.
substituída a capela de São Francisco das Chagas por igreja rnatri~- Retoriiemos 2 Porto Alegre das origens. Diante da ameaça
Nossa Senhora da Madre de Deus - em 1772, elevando o agiupaniciito castelliana, José Marceliiio mandoii erguer as fortificações qiie cerca-
iirbaiio a freguesia, iio rnesmo ano em qiie o governad«rJos<i.Marceliiio vam toda a cidade, desde o Riaclio, na Cidade Baixa, passando pela
de Figueiredo solicitou ao crigciilieii-o militar Capitã« Alexandre Jose Wrzea, oiide estava o Portiio, siil->indoentão pelos terrenos oiide seria
Montanha para traçar as prirneiras riias c conieçai-2oficialrriciite, a de- ergiiida a Santa Casa, compreendciido a cliácara da Brigadeira (a assim
marcar os lotes de terra aos inoi-adoi-esc tarnbéiii a abrir as estradas - cliamada a viúva do Brigadeiro Kafael Piiito Bandeira), para daí descer
Estrada do Meio e Estrada do Mato Grosso - que ligassem Viairião ao atC o litoral do Guaíba, no Cainiiilio Novo. Mesnio dizeritlo que tais
burgo, clicgaiido até o porto. fortificaqõcs eraiii "coiistrução ruim" c não uiiiforme, o liistoriador
Mas foi em f i i i ~ ~ da
ã o giierra que mudanças sigiiificativas ocorre- Aiigusto I'orto Alegre indica que parte delas aiiida estava de pé por
ram. Já desde 1'762, ciir Porto Alegre,"" com a tornada da (:olôiiia do ocasião da Revolução Farroupillia e teria sido aproveitada para a defesa
Sacramento pelos espanhóis, parte da sua popula~iiose traiisfei-ira da cidade."" Não cita suas fontes, 1120 diz de oiicle til-a tais iiiforrnaçõcs,
para o Porto dos Casais, fidziiido aiirnentar a sua popula<,ão.Com as msrxio rias notas enriquecem seu texto, rnas o teor de suas i i i h a -
levas de invasões castelliaiias havidas no território do Rio Grande, a ç6es 11~)s indica a coiisiilta de Coruja e de suas mcrriórias, tomadas corno
capital acal,on sendo traiisf'crida de Viamiio para Porto Alegre crn 1773, dociirriento do que foi. Coruja, bem o çabcmos, lenibi-ava ter ouvido
por razòes de riatui-ela cstrati-gica - militar, dadas pela proximidade falar das ditas mtirallias e coiiliecera aiiida aquele que giiardava as clia-
ves do poi-tão, riias Augusto Porto Alegrc não diz cjuc fontes atestariam
suas iiifi,rrriac;õcs.
Mas voltemos nossa ateiição para as operações militares: a gueri-a é Estes fatos esparsos, detalhes curiosos não podiam ser atirados a isola-
condicioiiaiite externo, e o Iiistoriador dlí rorita do que acoiitece no mento condenável, pois importava em abandoi~ode doci~mentaçãovali-
Rio Graiide da época. Mas Porto Alegre é refúgio, é contraste e porto osa das i.uinas do inosso passado; por isso aí aparecem reunidos numa
seguro no teatro da guerra, pois a narrativa de nosso historiador se mescla verdadeira porém cheia de utilidade ilustrativa. A priiicípio relu-
interrompe aiites da deflagração do conflito farronpilha, que implicou tamos ern for~riarcom este material subsídio de nosso traballio, mas pen-
sando melhor, o contrário ficou resolvido. Poderão espíritos irreverentes
o sítio da cidade. Neste seritido, Augusto Porto Alegre se diferencia dos levar censura acre ao nosso proceder, para com estas, na aparência,
historiadores de seu tempo, que falam justamente dos conflitos milita- desvaliosas coisas, que constituem, como se diz, a micrologia (ou ciência
res, das campanhas levadas a efeito pelos senhores de terra e gado na das minudências); no entanto há mais de meio século é posta em prática
fronteira, frente aos castellianos, ou contra o Impcrio, no decaiitado em países europeus a cultura destas futilidades da história, e isto ani-
conflito farroupilha. mou-iios a prosseguir nesta ~ e r e d a . ~ "
Ao enfocar os grandes estadistas -José Marcelino e Paulo da
Gama, os dois governadores sob os quais a cidade toma impulso com Ilustradc~,iaosso historiador busca reforço de autoridade na cita-
medidas de caráter propriamente urbano -, a estratégia narrativa do ção de outros autores - o francês Lalanne, o português Camillo Castelo
historiador destaca dimensões institucionais: crime e jiistiça, educa- Branco, o brasileiro Moreira de Azevedo -, que, tal como ele, se dedica-
ção, saúde, cemitério, fazenda, policiamento, a cobrir todos os servi- ram ao recolliirnerito dos pequeiios relatos, sem prejuízo do rigor de
ços necessários a urna vida citadina, tais corno ilumiiiação o ~abasteci-
i seu trabalho. Para a sua tarefa, destaca Augusto Porto Alegre que coii-
mento de água. No delincameiito dessas realidades de uma outra épo- tou com aiitecessores nesse tipo de "literatura histórica", como Manoel
ca, a exposição reiterada de um estranlianiento se expõe no relato do Antônio de Magalliães, Aiigusto de Saint Hilaire, Antônio Álvares Co-
autor: 1iá diferen~as,contrastes, bizarrias, mostrando a passagem do ruja e Aiitôiiio de Azevedo Lima,(j4pelos quais ele passa seu crivo, esco-
tempo, como nos relatos sobre o enforcamento e a roda dos expostos, lhe e selecioria a iiiforinação coligida.
ou lia descrição de "leis extravagaiites"" ou práticas iiisólitas. "Apre- Com isso, nosso liistoriador procede a descrição da cidade que
sentavam coisas curiosas em seus hábitos estas afastadas épocas da nossa havia, com seli traçado e ruas, dando ao leitor a possibilidade de re-
vida; a simplicidade dos costumes trazia consigo a simplicidade a sim- compor, pela irnagnação, a forma da cidade, corno as pessoas procediam,
plicidade da trabalhavzim, se divertiam, expondo a estranheza dos procederes anti-
Aquela cidade, construída pela iiari-ativa do hist«riador, foi a Por- gos e niesmo delineando funções e atividades que não mais existiam.
to Alegre do passado. Suas iiistit~iições,usos e gentes contrastantes com Sua iiarrativa combina e compõe dados de arquivo com suas compe-
os novos hábitos do início do século XX - teiripo de escrita da sua obra tentes citações de fontes e notas explicativas corn o uso da memória e
-já são matkria da Iiistória, que devem ser recuperadas para conlieci- da tradição oral de ointros.
m a t o das gerações preseiites e futuras. Por vezes, o ~ e l l i oCoruja é iiidicado como o autor da referência,
A tarefa que Augusto Porto Alegre se impôs é a de contar a liistói-ia por outras o l-iistoriadordispeiisa dizer de quem obteve o relata. Coriija
dos tempos primeiros da cidade, dos graiides feitos e dos pequenos e airida emprçgl-iva a expressão "Diz-se..." ou "(:oiita-se..." para se referir
sigiiificativos progressos da urbs, dos seus moradores, seus usos e costu- a Iiist6rias que, de boca em boca, atravessavam as gerações. Augusto
mes. Combina descrição institucioilal com a da vida ecoriômica, social Porto Alegre afirma e coiita como foi, mesmo em iiicideiites rios quais,
e urbana, entremeando a narrativa com o qiie chama de "curiosidades notoriamente, se pode adiviiiliar que só teriam chegado até ele por
históricas", que são os relatos dos pequenos casos e usos do tempo reco- tradição oral, como i:io caso daqueles que precederam a chegada do
lhidos dos autores antigos: governador Paulo da Gama e a organização dos feste~os,em que a di-
vulgação de iim sei1 apelido em Lisboa - Lentillza- impediu a aprcseil-
tação de unia peca teatral lia qual uma das personageris levava este nome.
Mesmo a sugestão de cliie a persoiiagcrn alta-asse o iiorrie para E~71illza Por outro lado, niosso Iiistoriador mostra o caininlmo a pei.correr
foi rejeitado, pois o gow-riiador tanto poderia roiiliccer a peça e se dar qualido dociirnciitos Falraiii, como as tais primeiras plantas da cidade
conta da substitiii~ão,quaiito poderia constatar, coiitrariado, que, ines- que teriani sido p<.rdi<las:;cqiiela traçada pelo Capitâo Montailha, rio
mo tão loiige, siia aiitoiiomásia era coiiliecida. século XVIII, a rnaiido de José Marccliiio, e a seguiida, do início do
Tal pequeno relato - de historietas eiigraçadas, dos chamados bas- século XIX, calcada so t>reaqiiela primeira, feita pelo coroiielJosé Pedi-o
tidores da história - entremeia o texto de nosso historiador, que se afun- César, que a presentcoi~à Câinara da cidade. Como proceder dialite
dara na poeira dos arquivos e fora em busca de fontes documentais dessa ausência dos documentos de época? Pode-se recorrer a outra
para apurar a verdade do acoiitecido. Mas seu texto, como se vê, iião documentação, diz nosso historiador, mas que se revela, em termos de
dispensa o uso de tais recursos - fictícios, literários, talvez?,- que pare- pesq~"sa, muito mais rrabalhosa: "as escrituras forenses que por sua
cem ter sido colocados para fornecer ao leitor uma trama mais viva natureza tinham que coiriportar descrição dos lugares c u ~ traiisaçiio
a ia
daquele outro tempo da cidade, que ele coiistrói como passado. fazer-~e".~'~
Tal tarefa, assevera o autor, implicara a
Mesmos as soleriidades e festejos são descritos c~iidadosarnentee
de forma quase pictórica pelo autor da iiarrativa: as roupas, os adere- [...I leitura e ccpiisulta de infinito i ~ ú m e r ode amarelados e poeirentos
papéis guardados dos arqirivos nas repartições, por riós mailuseados cari-
ços, a etiqueta, os rituais. Também os sentimeiitos das pessoas são poii- ilhosarnerite, com urna fidelidade tão exagerada que as vezes, por um
tuados de forma a eiifàtizar ações futuras - a galeria de Iieróis urbanos respeito jiisto ao passado quase copiamos, riada rnodificandca.""
-, assim como as quadrinhas populares, satíricas ressaltam que a v o do ~
povo permite ver a cidade como ela foi. Tais eleiiieritos da narrativa mos- Revela-se a postura do liistoriador diaiitc do documento, que é
tram também que aquele que faz a liistói-ia se faz valer da memória e prova e carniiilio para clicgar 2 verdade da cidade do passado. A coii-
tambéin recorta, seleciona testeniuiilios e dá fé a certos relatos da tradi- clusiio cliegada pelo aritor é a de que a coiifigiiraçào ropogr5fica da
ção. Quanto mais Augusto Porto Alegre se empenlia em refazer a vida e cidade se niodiiicai-a, mas era possível, com o recurso de outras fòiites,
o cotidiano da cidade iios tcmpos mais recuados, mais o liistoriador se ver, lia cidade qiie se tinlia eiitão - o início do skculo XX - a cidade que
póe à sombra de Coruja e recorrc a suas recriações do passado. Mesmo fora outrora, iio serij,? Ioiigíiiq~iotempo das origens, das íileinias déca-
que cliame sua obra Antig~~allza.~ de "curioso", com e d i ~ ã já
o esgotada das do skculo XVTII e iiiício do século XIX. Com isso, Augbxsto Porto
lia época, que larneiite algumas imprecisões e qiie corrija ccrtos erros, Alegre pretendia ofer-rcer as provas de quc era possível dai a ler a cida-
"pelo liábito que tiiilia de quase sempre escrever de r~iemória","~ nosso de do passado ati-aves dos piLf>éi.sunt@ que manuseara, trazelido siias
Iiistoriador iião se furta de recorrer sempre a ele, com suas anedotas, coiiclusões ao leitor:
que coiisidrra "históiicas" e "aiitEiiticas": "A história popular será em
todas as idades a Soiite iiispiradora por oiide incllior se avaliar5 de to- [...I a asscr~ãoficará 1i-o17adacabalineilte, poisern niatenia dê liistória,
só a docilmei-itac;ãodc várias fori~ias,fará ressaltar a vei-dade inteira e
das as maiiifcstações de unia raça; ela será o arquivo iiidestrutí\~ele assim procedeirios berri avisados, pois as miiiudêi~ciasjarnais serão tidas
precioso de tudo que a ela diga respeito"."" ein má conta, moi-rilei~tenum trabalho como este, todo local.""
Portanto, ao fãrer história, Porto Alegre se autoriza a iltilizar-se da
memória, mas tariibém a corrigi-la. Uma vez que procura chegar ao Este estudo qiie ernprceiidemos - de recoiistruciic~da escrita de
reduto das seiisibilidacies - que gentes eram estas, o qiic pensavam, que iim texto de meriihria ioutro de liistória que diio a ver urna Porto
valores tililiam, corno se comportavam diante da vida, do poder, da Alegre do passado - rios serve de exercício para cstildar o imaginário,
religião -, entra em ceiia, forçosamelite, o r-elalo da memóriu que se faz estc processo mciital dc recriaqão do mundo através de textos e ima-
/ti.rtória, cliegando ate a se tornar autêntica, oii seja, verdadeira, em cor- geiis. Eiiquaiito produ<;iio,as duas narrativas buscam rrcorifigurar a
resporidêiicia do discurso com a realidade.
temporalidade de um espaço preciso, a cidade de Porto Alegre iras
suas 01-igeiis. Enqiiarito recepção, a menricíria o p e r a corri a
O movimento oper o no Rio Grande do
credibilidade, a liistória com a veracidade. Seus métodos de coiistrri- itantes, instituiçõe tA-Áo
f"
ção do passado diferem: Coruja trabalha com a evocação, com o teste-
munlio do autor e de terce&os, levarido em conta a tradiçáo oral; das origens a 1920 "r
h

Porto Alegre já toma o texto memorialístico de Coruja como foiite,


mas o combina, em grade de correspoiidências e verificações, com
uma pesquisa de arquivo, em que "mostra e cita",'' foriieceiido pro- Silvia Kegzna Ferraz Petevsen e Benito Bisso Schmidl C>!-<?
I
vas. Em um e outro caso, há um público leitor à espera de uma cidade
que se dê a ler e ver, senão nos raros traços de sua materialidade, pelo Tentar resurnir em um breve testo as iiiúmeras experiências de
menos pelo esforço da imaginação. Ambos os textos procuram aten- solidariedade, de resistência e de luta dos operários sul-rio-graiideiises /
der a este horizonte de expectativas, colocando-se no lugar daquilo no processo de sua formação como classe iiáo é tarefa simples. Decidi- s!~/$
que foi um dia. Ou seja, operam como representação - coiiviiicente, mos enfi-entá-la por recoilliecer a necessidade de um trabalho que sir-
cível, verdadeira? - do passado. Curiosamente, nos trabalhos con- va de enlace eiitre as diferentes conjuiituras ou temgticas particulares
ternporâiieos que se fazem sobre Porto Alegre, tem sido o texto de da história do movimeiito operário gaúclio. Afinal, via de regra, devido
Coruja aquele mais usado como porta de acesso a um outro tempo, às próprias condições de produção c especialira~áodo traballio
justamente como fonte para dizer como foi a cidade do passado, ficaii- historiográfico vigentes atualmeiite, os pesquisadores vérn ceiitrando
do o traballio histórico de A~igustoPorto Alegre à margem de urna seus estudos em questões específicas da história operária, tendo o iião-
utilização mais ampla. Mas, sein dúvida, eles se comuiiicam e trocarn especialista, muitas vezes, dificuldade de eiitender o processo mais amplo
sinais, não apenas 110 seu objeto - a Porto Alegre do passado -, mas no qual tais aspectos se iiiserein.
também lia siia tarefa de coiistruçáo imaginária de uma cidade. Nosso objetivo, portanto, é oferecer ao leitor uma espécie de "fio
coiidutor" que, de rriodo muito resumido e sem ignorar a complexida-
de do tema, ajude a articular os diversos elemeiitos dessa trajetória. No
final do artigo, apreseritamos uma bibliografia ainpla, útil aos que dese-
jem aprofundar o assunto ou fazer o percurso iiiverso, do paiiorama
geral para os estudos particulares.
Pelo iiúmero dc paginas possíveis em uma publicação como essa,
também optamos por iião tratar especificameiite das teorias e métodos
através dos quais a liistória operjria gaúclia tem sido abordada. Eles
coinpareceiri, iio elatarito, iiidire tainenite, ila forma e 110s con tei'idos
traballiados iio texto.

A trajetória do movimento operário gaílcho


Desde fins do século XIX, vcrificou-se no Mio Ckande do Sul, da
mesma foi-ma que em outros Estados da Federaçâo, a emergi-iicia das
primeiras oficiiias e fábricas de maior porte, deliiieando os tratos de
uma sociedade url~aiio-industriallia região. Nesse pi-ocesso, milliares
de traballiadores iiacioiiais ou irnigran tes - chegados diretanieii te da
Europa ou das roiias coloiiiais, ou recentemeilte emaliripados cla es-
cravidão - toriiararn-se veiidedores de siia foi-ya de rrahallio para as
90 Para tornar a expressáo da obra dr.: C;iiizbiirg, (hrlo. Montrr'r- ~t c.i/r,: 10 -oeii~é(L? I ' l l i s l o i ~ .Paris:
Verdien; 1997. empresas recém constitiiídas. Especialmelite Porto Alegre, Pelotas e Rio
(;I-aiide ti-aiisforiiiarani-se eiii eiiti-os oiidc a einergEiicia de iiidustri- iio coii texto gaúclio, foram os grandes 111-iii cípios orieiitadores, cni bo-
as, pi-iii(*ipallncirtealiiiiciitícias e tixteis, propoi-cioliou iiina c . o i i i eri- i-a não os únicos, do mo\~iinciitoopcrário local,
tração d e opci-51-ios-artcsãos c por isso a í também se observa o Dentre as entidades já com um carálc-r explicitanientc político,
surgiiiieiito das foriiias iiiiciais de associação/orgaiiira~ãodos t i a b a aiiida iio si-culo XIX, podem scr destacadas a Liga Opci-ária de Pelotas,
lhadoi-es. Posteriornicrite, esse processo se estendeu a São I,copoldo, a União Operária de Rio Graiide e, cm Porto Alegre, a Liga Operária
Margem do Taquari, Cachoeira, BagC, Ui.uguaiaiia e Saiita h.lai-ia,eiitre Iiiteriiacioiial e a Algemeiiiei- Ai-beiter Verciri, dos operários d e origem
outras localidades. germânica. Essas associações iiispii-avam-selia social-democracia alemã
Para se protegerem das vicissitudes do trabalho iias coridi~õesad- e, ao realizarem suas asscmbléias, desfiles do 1W e Maio, congressos ou
versas da socicdade capitalista, miiitos desses iiidivíduos (.oincçararn a publicarem joriiais, difiindiam as idCias - ou, pelo menos, alguns dos
se reunir e fundar associações de socorros mútuos, iiitegradas por dife- slogans- de Marx r de outros peilsadores socialistas oii críticos da socieda-
rentes categorias oii organizadas por ofícios, por griipos Ctiiicos e até de capitalista; lutavam por uma legislação social que transformasse as
por empresas, nesse caso com a participação compulsória dos oprrári- relações de produção e, embora niais rararnênte, não excluíam a via
os. Essa prática mutualista já existia iio Brasil desde o Império, mas revolucioiiária como forma dc implantar o socialismo. Por sua ênfase
agni-a se modifica em função das novas condições a qiie os trabalhado- lia luta pai-lamentar, um ponto central de sua esti-atkgia foi a criação de
res brarn submetidos. Eiitre as associações então fiiiidadas, citamos a rim partido operário a fim de eiifi-eiitar os partidos oficiais, dcfeiisores
Sociedade Beiieficciite Airiparo h4útiio (1890) e a S. B. Tipográfica dos iiiteresses da classe domiiiaii te.
1Jiiião Guttemberg (1899-1977), aiiibas cm Pelotas, coiigregaiido vári- Na terceira parte deste trabalho, aiialisai-enios essas correntes ideoló-
as "classes" de traballiadores. Coirio exemplo de associações étiiicas oii gicas, porém queremos apontar aqiii algiirnas iniciativas coiicreras dos
por iiacioiialidades, encoiiti-amos, agi-iipaiido negros, a S. E. Felir Es- operários iiispii-adas pelas idkias da social-de1rioc.i-acia.
perança (1897), a S. B. I-Iariiioiiia dos Artistas (1881) c o Moiitcpio da Assim, ern 1890, talvezjá dcsiliididos pelas proniessas d e amplia-
União Africana (1890), em Pclotas, e a S. Cooperativa Fillios do Ti-aba- ção da cidadania que a pi-oclainação da Repiíblica náo cuniprira, foi
llio ( 1890), em Rio Graiide; rcuiiiiido respcctivameiite alernães, italia- iuiidado em Porto Alegre uni Partido Operái-io Socialista, cujo desti-
nos c poloneses, a Handwerk Vereiii (1867), a Mutiia Cooperazioiic no descoiihecemos e quc, pi-ovavclmente, se inscreve lia liiihagcm d c
(1884-1935) c a Sociedade Poloiiesa Águia Branca (1896?),todas cin partidos socialistas siirgidos iio centro do país lia mesma época. Em
Rio Graiidc. Eiitre as organizadas iias empresas, a mais iinportarite foi a 1897, foi lançado o Manijesto do Partido Sociali~lndo Rio Grande do Sul,
dos operários das Iiidlistria Rliciiigaritz (1881) em Pelotas e Rio Graiide. n o qrial consiavarn, eiitre oiiti-os, os pi-iiicípios d(: ampla liberdacle d e
Q~iascao irirsino tenipo, os operários passararn a orgariirar oiitras inipreiisa e reuiiião, direito de voto à niullicr, redução dajoriiada d e
eiitidadcs, csiibriões dos sindicatos, coin o objetivo dc ciifi-eiitai-a ex- trabalho para 8 lioras, iiisti-lição geral c profissioiial gi-atiiita,cstabele-
ploi-açáo da biii-giiesia. As socicdades beiieficeiites, 110 ciitaiito, longe ciiiieiito de col6iiias agrícolas c iiidiistriais nas terias do Estado, fisca-
de sigiiificai-cin a "pré-liistói-ia" rla orgaiiização operária, coiit iiiiiai-;isn lização clas coiidi~õesd o tral>allioctc. O A.ilu>lifettofoi div~ilgadocm l"
a ser fiiiidadas iias dccadas seguiiites. Da incsiiia forma, iiiuitas sociçda- de maio de 1897 e contou com a assinatiira (ias pi-iiicipais militantes
des rnesclavani objetivos dc rcsistCiicia c de arixílio riiútiio, corrio foi o socialistas da época.'
caso da Sociedade Uiiião Operária de Rio Graiide (1893-1964). A fiisidação dcste partido repcrciitiii no iixterior do estado. Em
Nesse período, começam a sc inaiiifcstar no Estado as id6ias socialis- Rio Graiide, por exeniplo, oiidc o moviniciito socialista tinha muitos
tas e anarqiiistas qiic, na Europa,já cram as grandcs tciitiêricias i<i(~oló- adcptos, foi iiistalada iima seção d o mesiiio, qiie laiiçoii à vaga de coii-
gicas do inoviiiieiito operário. A coiidição portuái-i;r tle I'orto Alegre, selhciro Muilicipal, lias elcições de 1898, a c-arididatura de Rodolpho
Rio Graride c I>elorasc a pi.cseriça iião <lesprezívelda mão-cle-obra irni- .José Gomes, urii ~joriialistae advogado ligado ao Partido Fcdcralista,
grante - alcinã, italiana, espaiiliola, portugricsa e, crn nieiior riúnicr-o, que, no eiitaiito, apoiava a caiisa dos opei.;irios liavia scxcoinpi-oiirctido
poloiiesa e siicca - contribiiíi-airi para a entrada e divii1gaç;io dcssas defciider o pic,gi.aina do Partido Socialista, Eml~oi-atc>iiliasido eleito,
cor1elites ideolcjgicas, li)i-teriiciitc aliiii(:iitadas pela circiil;ic20 c 1 0 livi.os,
joi-iiais, opúsciilos e paiiflctos c (.oi.i.cspoiidCiiciiicorri coiiipaiili<lii-os
dc oiiti-os Est;iclos e mcsiiio tle oiiti-os países. Tais idéias, rrsiigiiifii-adas , ro Ala.glr, 1-5-18!)7. 1). 1.
1 ( ; m ~ / / n / / nPoi
o resultado da eleição acabuii aiiiilado pelo presidente do Estado, prá- choeira; dele participaram tanibéin aiiarqiiistas e, lia sua senda, rios
tica que não era, ern todo o caso, estranlia aos costuines políticos da anos seguintes, afirmou-se iim processo orgaiiizativo em que siirgirarn
Primeira República. novas eiitidadcs em Bagé, São Gabriel, Santa Vitória, Urugaiaiana, Pelotas
O movimento operário iio Rio Gi-ande do Sul também recebeu e Porto Alegre. Na mesma época, começou a circular, por iniciativa (10s
inflaiêiicias dos militaiites que aqui estamos cliamando genericamente socialistas da União Operária de Rio Grande, a idéia de uma "federa-
de anarquistas, embora deva-se levar em conta a existência de tendêiici- ção nacioiial", proposta à qual aderiram Ligas e Centros Operários do
as variadas no seio dessa corrente. Esses lutavam coiitra todas as formas Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Recife, Santa Catarina, Bahia, Pelotas,
de poder - o do Estado priiicipalinente -, recusando, por isso, a partici- Alegrete e Santa Vitória, mas que nesse momento não se concretizou."
pação na luta político-partidária e modelando a orgaiiizaçáo da socie- Portanto, na virada do século,já podemos observar no Rio Gran-
dade desejada na experiência de luta econômica dos sindicatos. Em de do Sul um certo vigor associativo, bem como a formação de uma
Porto Alegre, a União Operária Internacional, fundada ern 1902, foi rede de contatos com companheiros de lutas ultrapassando as fron-
fruto dessas idéias. teiras do Estado. A tendência associativista foi urna característica per-
Assim, a história dos operários no Rio Grande do Sul, como em manente do movimento operário, resultado da expcriêiicia básica de
outros locais onde o movinierito operário foi se formando, consistiu, seu fazer-se classe: as várias modalidades de exploração na sociedade
em grande parte, na liistória de seus esforços para criar instituições - capitalista em formação (insegurança no emprego, baixos salários,
mutuais, ligas, uniões, sindicatos e partidos - que expressassem sua longas jornadas e coiidiçõcs de trabalho), às quais os trabalhadores
identidade de classe; foi a história de suas experiéiicias e lutas coletivas não podiam enfrentar iiidividualmente e que se tornavam mais visí-
em defesa de direitos e pela traiisformação da sociedade que os oprimia. veis quando o acidente, a enfermidade, a demissão ou a morte se aba-
Na virada do século XIX para o XX, um fito parece corideiisar as tiam sobre eles e siias faniilias.
várias experiências e práticas associativas por meio das (pais esses tra- Essas instituições - associações, sindicatos, partidos -, com dura-
balliadores-artesãos conieçavam a se organizar: a realização, iio alio de ção e representatividade variáveis, não devem pois ser concebidas corri«
1898, em Porto Alegre, de um Coiigresso Operário Estadual, convoca- "elites" com vida própria, mas enquaiito sistemas sociais em coiidiçGes
do pelos socialistas da Liga Operária Iiiteriiacioiial, que reuniu os ele- históricas de existencia, palco de lutas - explícitas ou veladas -, oiide os
rneiitos mais representativos dessa classe em formação, sendo assim líderes e militaiites se eiifi-eiitavam corn outros tantos militantes e não
aiiuriciado pelo jornal rio-grandino Echo OperÚBo: militantes pelo poder de represeiitação dos operários.
Além das sociedades operárias, a criação de jornais foi um pode-
Pela primeira vez a capital do Rio Grande do S ~ iverá
l em seu seio verda- roso iiisti-umento na construção do movimento operário. Neles se di-
deiros represciltai-ites do po\lo que vão ali espoiitai-ieaimentee sern visa-
rem iilteresses pessoais, a uiri aceiio de seus irmãos de lutas, a um apelo vulgavam a propaganda e o noticiário nacional e iiitei-nacional e atra-
dos coimpanheiros de iiifortriiiio que, con.irericidos da forca que produz vés de siias p5giiias ei-am travadas ferozes polêrnicas entre os próprios
a ui~iãoe desiludidos da lzipócrita e refklsada proteção qiie a burguesia militaiites e deiiunciados os al~usosdo goveriio c dos empresários.
diz dispensar 5s classes produtoras, chamain aos operários de todo o Es- (:om orieriiações, tiragens e durarão variáveis, quando examinamos o
tado para acordarem nos inçios de protegerem-se a si própiios e evita- conjunto dessa imprensa, não podernos nieiios que rios surpreeiider
rem assim a contiiiuação de seus sofi-imentos.' não só pela capacidade de eiifreiitar diliciildades (desde i-eciirsos para
sua rnaniiteiição até os frequentes ataques da polícia, que invadia c
Este Coiigresso reuiiiii, além de associações da Capital - Liga Ope-
depredava suas redaqões e prendia seus dirigentes) como, em alguns
rária Iiiteriiacional, Cooperativa Tipográfica, Sociedade T'ipogi-áficaRio
casos, por sara circulação e intercâmbio com outros Estados brasilei-
graiidense, Sociedade Operária Sueca, União ??, Allgerneiiier Arbeiter
ros e rnesnio os países cstraiigeiros, priiicipalirieiite os do Prata e Por-
Vereiii, Floresta Aurora e Grupo Libertrírios -, outras de Rio Grande,
tugal. O i-ekrido l<clzo Operário dc Rio Grande, A Democracia Social dc
Pelotas, Margem do Taqiiari, Alegrete, São Leopoldo, (:rilz Alta e Ca-
Pelotas, A Democrc~ciudc Porto Alegrc - todos de carát<li-socialista -- e A luta política, pois! E se a \vitória deixar d e iios laurear As práaineiras
o aiiai-quista A i.lita, tarril~émpriblicado na capital gaficlia, são boiis escaraniucas, não esinoi-eçainos por isto, que não passará d e experienci-
exernplos dessa iinpi-eiisa operária de fiiis do século XIX e primeira as de forcas, prossiganlos com teliacidade igiial A i esigi~açáocorri que, por
muitíssimos e loiigos anos, teirios sofrido o jugo daqueles que nos nienos-
década do XX. Mas há vários outros, corri circullaçiio ein diferei~tes prezam!'
morneiitos desse período inicial, eiitre os quais, eili Porto Alegre, O
Avaiate, L'Avvenire, Aunnte e O Proletúrio, título esse que aparece tam- Como culrnináricia desse percurso orgailizativo inicial, em outii-
bém em um jornal de Rio Graiide; em Urugiiaiana, O Artista; em Bagé, 1x0 de 1906 eclodi~ia primeira greve geral de Porto Alegre, que tiiiha
A Defezu; em Sáo Gabi-iel, A Lzrcta; em Porto Alegre, Rio Graiide, corrio reiviildicação ccritral a joriiada de trabalho de 8 Iioras diárias,
Pelotas, Uruguaiana, I.ivramento e Cruz Alta, repete-se o iiome O Ope- t>aiidcira também levantada em outras regióes do país e iio exterior.
rúrio em diferentes jornais; ein Jaguarão e Sai1ta Mar ia, surgem perió- Embora as fontes sejam controversas, a pai-ede mobilizou por 21 dias
dicos com o titialo J q e Maio; finalmerite, mas sern esgotar a lista, entre 2.000 e 5.000 traballiadores de diferentes categorias, iiicliisive
registramos O Social, em Alegrete. mulheres.
Militas inforniaçóes que hoje dispomos sobre os operários gaú- Essa greve foi a maior maiiifestação pública do operariado atk eii-
clios são devidas a seus próprios jornais, apesar das dificuldades já refe- tão ocorrida 110 Rio Grande do Sul, marcaiido a visibilidade da classe
ridas: a característica de publicar vários exemplares de cada iiúniero tlialite do patrmato, dos poderes públicos e da sociedade em geral, em
coiiti-ibuiu para que essa fonte tenha perdurado mais que outras, como unia cidade onde availçavam a iiidustrializaçiio e as rela~õescapitalistas
atas, relatórios, correspoiidêiicia diversa etc., ciga destruição sigiiifica a de prodiiçiio. Milliares de traballiadores qiie, ai~tes,iiorrnalmentc, fazi-
perda irrey~arávelde seii coiitcúdo. am suas reivindicações 110 âmbito de cada estabelecinreilto c/ou sêtsi-
Depois de iim certo reflexo das lutas operárias iio Estado iio início rxofissioiial, tomaram as riias e praças de Porto Alegre, agi-upados em
do séciilo - determinadas, em graiide parte, pelas cisões e disputas ocor- toriio da luta pela rediição da jornada laboral, coiitestaildo as hierar-
ridas eiitre os militantes -, percebe-se, nos aiios dr 1905 e 1906, Lima y lidas e as formas de exploração vigentes.
recomposição do iriovimeiito, com um nível mais coriiplexo de orgaiii- A parede reforçou a solidariedade dos operários, coiisubstanciada
zação dos trabalhadores. O ideário libertário estava se esteiidendo e é iia furidaçiio da Federação Operária do Rio Graiide do Sii1, c também
desse pcríodo a fiiiidação do joriial A Lula, qiie poi- muitos anos será o (10s emprcsái-ios que, Si-eiite à mobilização de seiis empregados, foi-am
porta-voz dos anarcluistas, e da Escola Eliseu Reclus, c ~ j eiisiiio
o se ba- obrigados a se 01-garii~are tomar niedidas em comiiin. Entretanto, ela
seava ila pedagogia libertária. No entanto, as priiicipais iiiiciativas iles- taiwibéin exacerboii as difereiiças e as teiisões iio iiltcrior das classes.
se período pai-tirairi dos socialistas, como a criaçiio de uni Partido Ope- Nesse seritido, por- exeiiiplo, aciri-ou-se a disputa eiitre socialistas e aiiar-
rário, cujo rnariiksto-programa é muito cloqiieiite ao deiitiiiciar o ca- cluistas pela lider-aiiça do inovimeiito e muitos patroes atlotarain acor-
ráter excludciite da política burgiicsa e depositar a rsperaiiça cle liber- dos crri separado com seus eni!,rc.gados.
taçào dos prolctái-ios lia coiiqiiista do poder do Estado pelo voto. Dele A ricgociaçiio (i-qjeitada ein totlo o caso pclus aiiai-quistas) eiiti-e
transcrevenios o seguilite ti-ccllo: os erriprcsários - liderados por Alberto Biiis - c os operários - repre-
sentados pelos líderes socialistas Fraiicisco Xavicr da Costa e (:ai.los Cava-
A post(x, opei-5i.ios resideiltes i10 Estado d o Rio G r a n d e d o Sul. co - foi dura e resultou lia coiicess5o da.joriiacla de 9 lioras de trabalho.
I-Iabilitenio-iios todos para eiifi-entar com iiossos dorriinadoi-es n o terre- Mas,findo o niovirneiito, eiicolitiam-se na inipreiisa diversas deiiiíiicias
110 político, qiie é oiid<-eles se firmam e de oricle dific~iltamos meios
para a nossa c m a i i t i ~ ~ a ç ãqtmlifiquemo-rios
o; conio eleitores e concorra-
dc tlão c~iml-,rimeiitodo acordo e d i pçrxguiç6es aos ex-grevistas, Por
mos, dispostos, aos prelios eleitorais; iii-ge dei-i-ocar o pi.iiicipu1 reduto isso, muitos opcriii-ios sciitiraiii-se obrigados a buscai. ocilpacãio em
dos ac-lvcisáriosde nossa classe! outras cidades e mesino em países do Prata.
O Estad(-,6 , por rileios Icçais e ilegais, o proriiotor. e o tlefeiisor dos iilte- Como .já destacamos, duraiitcb a '"i-c17e dos 21 dias" fiji bii~icladaa
resscs dc todaí as (lasies, coin exceção dos tla o~)c.rGria;façamo-lo, ~)oi-- FOKGS (4-10-1906) ~ L I C iios
, aiios sc:gtiiiites, se ti-aiisfor-iiioii na rnais
tanto sei ctliiitativo t. praiitir igualineiitc os iir>s~tas à nossa
siil>rrac~tcrido-o
iiiflueiicia t arnl16nr1,
importante entidade dos operários gaúchos, estabelecendo relações com so dessa 1ideraiic;a- a mais expressiva dos socialistas porto-alegrenses -
o movimento operário de outros Estados, principalmente do Rio de no PRR provavelmeiite foi um dos motivos do enfraquecimento da in-
Janeiro e São Paulo, participando ativamente dos Congressos operários fluência socialista sobre os operários, ao que se pode agregar o próprio
promovidos pela Confederação Operária Brasileira e integrando-se nas avanço anarquista e o iiisucesso das tentativas de formar um partido
grandes causas nacionais ou internacionais apoiadas pelos operários, socialista sólido. No meio dessas tensões, o grupo dos anarquistas, atra-
como o antimilitarismo, a luta contra a política do governo, a defesa de vés de numerosas entidades, acabou alcançando maioria na Federação
companheiros grevistas ou condenados pela justiça, contra a expulsão Operária que, desde 1912 até 1916, viveii sua fase de maior destaque
de estrangeiros, a carestia e o desemprego etc. junto ao movimento operário, embora sua existência se esterida até
Embora naquele momento os socialistas, através de Xavier da Cos- meados da década de 30. Os socialistas, se não desapareceram, passam
ta, tivessem as mais importantes iniciativas de mobilização (para o que a ter uma importância secundária no conjunto dessas forças.
muito contribuiu a propaganda do A Democracia), logo os anarquistas, O referido período é especialmente importante na trajetória dos
agrupados ao redor do A Luta, começaram disputar a direção do movi- anarquistas no Rio Grande do Sul, como de resto foi no Rio deJaneiro
mento operário local. e em São Paulo. Sua negação da "política no seio do proletariado", do
Não se pode esquecer também que, no Rio Grande do Sul, quem Estado, da guerra, da religião e a proposição de uma nova sociedade
corporificava diante dos operários o poder da burguesia era o presi- que teria por base o sindicato, desde logo fizeram corn que fosse cen-
dente do Estado, o qual, durante toda a Primeira República, foi inte- tral em sua estratégia a preparação do "liomem novo" para a nova soci-
grante do Partido Republicano Rio-grandense, o PRR, inicialmente edade. E, nesse sentido, podemos falar, numa acepção ampla, do de-
Julio de Castilhos e logo Borges d e Medeiros. Inspirado pelo senvolvimento de uma "pedagogia libertária", da qual trataremos espe-
positivismo, esse Partido tinha um particular entendimento da máxi- cificamente na parte final deste trabalho.
ma de Comte sobre "a incorporação do proletariado à sociedade Merece ser destacado que várias informações sobre a história do
moderna", expressa já na própria Constituição Estadual de 1891. Con- movimento operário desses anos são devidas a correspondéricia envia-
siderava, igualmente, a ordem a base do progresso e preservava o da por associações de trabalhadores ao comitê organizador do 2 T o n -
privativismo nas relações econômicas, apesar d e que, com um gresso Operário Nacional, promovido em 1913 pela Confederação
"paternalismo7'também comteano, favoreceu medidas estatais de pro- Operária Brasileira, reunindo no Rio de Janeiro o mais significativo das
teção ao trabalhador industrial. Esta aparente contradição, que em sociedades anarquistas do país. Como forma de apresentação, várias
todo o caso se explica dentro do marco da teoria positivista, pode ser entidades do Rio Grande do Sul enviaram cartas relatando sua história,
constatada, por exemplo, na ação dos deputados gaúchos no Parla- às vezes de forma detalhada, como foi o Relatório da FORGS, que é
mento, os quais se opuseram de modo sistemático aos projetos de uma pequena história do movimento operário no Estado de 1906 a
regulamentação do trabalho, mas apoiaram as várias iniciativas de in- 1913. Nessa data, a FORGS reunia 20 entidades de Porto Alegre, Pelotas,
denização aos trabalhadores, contrapondo-se em ambos os casos aos Rio Grande, Moiitenegro, Santa Maria, Caxias e Passo Fundo, com um
representantes paulistas. Assim, a relaqão do governo gaúcho com o total de 3.280 associados, mantendo relações de solidariedade com
movimento operário se diferenciou em relação a dos demais Estados. outras 52 entidades de Livranieiito, Cachoeira, S. Luís, S. Gabriel, Ragé,
Isso niio impediu, no entanto, o uso da força pública sempre que a Povinho, Uruguaiana, Jaguarão, Alegrete, S. Borja, Júlio de Castilhos,
ordem parecia ameaçada, principalmente por ocasião de greves, ou Cruz Alta, S. Leopoldo, Caçapava, Lagoa Vermelha, Encruzilliada, Pal-
que o arbítrio patronal nas questões de trabalho constituísse um pa- nieiras, S. Vicente, Taquara e Viamão.
drão de comportamento sancionado pelo governo. Mesmo assim, fontes desse tipo são excepcionais e é muito difícil
A tentativa de incorporar os proletários significou também esfor- sobretudo quaiitificar o número de associações, operários, proporção
ços por atrair algumas de suas liderariças para o campo governista (pro- de mulheres e criariças na força de trabalho, sua distribuição por ofícios
cedimento igualmente utilizado pelos partidos da oposição). Um dos e empresas etc. Em um país com forte tradição escravista como o Brasil
resultados mais notáveis desse processo consistiu na progressiva aproxi- - e o Rio Grande do Sul não fugiu à regra - o trabalho e aqueles que
mação de Francisco Xavier da Costa à política borgista, que culniiriou dele viviam não eram considerados "matéria iiobre", de modo que os
com sua eleição ao cargo de conselheiro Municipal em 1912. O ingres- registros oficiais sohrr tal setor são precários oii iriexistentes. Também
não fica claro, ria documentação disponível, o conceito de "operário" nal e mcsmo internacional. Como, via de regra, os estudos sobre esta
OU "fábrica", variando seu entendimento conforme a fonte. O Relatório temática são feitos no âmbito dos diferentes Estados da Federação, as
da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul de 1919 apresenta, dimensões inter ou transregioiiais ficam invisíveis. Mas se nos detemos
em todo o caso, os seguintes números: 1908: 14.434 fábricas e 15.426 a reconstruir, por exemplo, as biografias dos militantes, suas histórias
operários; 1916: 9.477 fábricas e 38.488 operários; 1918: 12.770 fábri- de vida nos revelam que, algumas vezes, eles viveram por longos perío-
cas e 58.000 operários; 1919: 12.950 fábricas e 65.000 operários. dos em outros Estados ou mesmo no exterior, por perseguições, falta
Em Porto Alegre, o Bairro Navegantes, por sua localizaçãojunto às de trabalho ou devido às tarefas da militâiicia. Acompanhar essas traje-
redes fluvial e ferroviária que levavam à zona colonial no interior do tórias para além do Rio Grande do Sul provavelmente ajudaria a com-
Estado, vai concentrar progressivamente não só as principais indústrias por um perfil mais nítido de suas biografias. Dentre muitos exemplos,
como as moradias dos operários. Algumas empresas, inclusive, aluga- escolhemos a história de Antônio Nalepinski. Polonês de nascimento,
vam casas para seus trabalhadores. Afinal, a subordinação exercida pelo já em 1905 era um dos representantes dos operários de origem eslava
capital sobre o trabalho no sistema capitalista não se reduz aos disposi- em Porto Alegre. Participou da greve geral de 1906, sendo então demi-
tivos legais de controle ou à disciplina no interior das fábricas, mas tido. Sobre o caso, denunciou A Democracia:
atinge também toda a vida cotidiana do operário, sua forma de morar,
educação, saúde e lazer. O leal companheiro que, com tanto denodo assumiu posição saliente no
Assim, Navegantes tornou-se o bairro operário de Porto Alegre último movimento de resistência da classe aqui, atraiu por isso, contra si
e local de várias de suas associações. A própria imprensa, operária os ódios mesquinhos de certos burgueses que, para se desforrarem dele,
armaram-lhe uma espécie de boicotagem.
ou não, quando queria denunciar casos de exploração da mão-de- Conseguiram, com esse procedimeiito o fim desejado: reduziram-no à ahso-
obra feminina e infantil ou as péssimas condições de trabalho ou luta falta de serviço e, por esse efeito, ele, a sua esposa e fill~os,à miséria."
moradia, encoiitrava sempre exemplos "nos Navegantes". A iiistala-
ção das Indústrias Renner, em 1914, completou o caráter industrial- Por não encontrar mais colocação em Porto Alegre, procurou meios
operário do bairro. de sustentar sua família em Pelotas e Rio Grande. Provavelmente a im-
Embora Rio de Janeiro e São Paulo tenham sido os centros possibilidade de encontrar trabalho no Rio Grande do Sul fez com que
hegemônicos do movimento operário brasileiro, a importância do Rio saísse do Estado. Anos mais tarde, durante as greves de 1917, foi preso
Grande do Sul não foi menor e suas associações e militantes mantive- em São Paulo e deportado como agitador anarquista. Sua deportação
ram muitos contatos com os companheiros do centro do país, partici- constituiu uma verdadeira odisséia, pois a ordem de expulsão não se
pando, às vezes de modo fundamental, para a definição dos rumos da efetivou, mas também ele não foi libertado. Embarcado com outros
luta operária nacional. Assim, em 1912, a decidida participação da de- militantes em Santos, sem destino certo, viajou meses entre portos bra-
legação gaúcha no 4Wongresso Operário Brasileiro, convocado no sileiros e norte-americanos. O caso Nalepinski tornou-se exemplar por
Rio de Janeiro por Hermes da Fonseca, conseguiu denunciar o propó- mostrar como se fabricava um inquérito contra um militante operário,
sito da criação de um sindicalismo político-partidário através do qual o omitindo declarações do acusado e construindo um perfil, no caso, de
filho do presidente, Mário Hermes, pretendia disciplinar os movimen- "agitador estrangeiro" e "cáften" que o transformou em vítima de uma
tos reivindicatórios dos trabalhadores. Também no citado Congresso violência inominável.
de 1913, os representantes do Rio Grande do Sul tiveram atuação des- Também a penetração da imprensa operária gaúcha merece ser
tacada e várias moções por eles encaminhadas foram acolhidas pelos mais estudada: uma análise da circulação dos jornais operários, de sua
demais delegados. Além disso, a FORGS participou em 1914 dos con- rede de colaboradores, do intercâmbio que realizavam com seus
gressos anarquistas realizados no Rio de Janeiro, sendo um deles em congêneres, das leituras que recomendavam, certamente potencializará
defesa da paz, pois que havia iniciado a Primeira Guerra Mundial. o peso relativo dessa imprensa junto aos leitores, contribuindo para
Apesar destas e de muitas outras evidências, quando se estuda a perceber a coristrução e propagação de alguns discursos hegemônicos
história operária gaúcha, - ou dos operários de outras regiões - geral-
mente não se percebe a grande circillação de militaiites e de idéias que
marcou o moviinento operário r que lhe confere uma dimensão nacio- 5 Idem, 15-12-1906.p. 3.
e para acompanhar a relevâricia nacional de alguns proccssos, como a (ias classes produtoras e dos cornerciaiites em razão da iiicficiência dos
conjuntura das greves de 1917, cuja análise frequentementr se circuns- trarisportes. A declaração de guerra do Brasil à Alemanlia levou o go-
creve aos âmbitos locais de sua ocorrência. Ou seja, a história das lutas verno federal a ocupar militarmente a ferrovia, dificultarido o atendi-
pelas quais a classe operária vai se formando no Rio Grande do Sul não mento das reivindicações opei-árias. Finalmente, com a mediação de
é um processo isolado das lutas de seus companlieiros de outros Esta- Borges, se estabeleceu um acordo entre a Viação Férrea e os grevistas, do
dos e, em alguns momentos, dos vizinlios "castelhanos" do LJruguai e qual fazia parte o afastamento do administrador:
Argentina ou mesmo de Portugal. Se, por um lado, esse movimento marcou o ápice da iiifluência
A partir de 1914, com os efeitos do conflito mundial, agravaram-se anarquista no movimento operário, por outro, ao aceitar a necessidade
as condições econômicas do país, o custo de vida e o desemprego ali- de mediação do governo de Borges de Medeiros, abalou pi-ofundamente
mentaram e houve dificuldades de abastecimento. Esta situação cola- a concepção de negação da política no seio dos trabalhadores, a ação
borou para um processo de agitação que levou à eclosão de inúmeras direta e o modelo sindical de organização operária estabelecido desde
greves, culminando na de 1917, de caráter nacional, com uma pauta 1906 no I Wongresso Operário Brasileiro.
mais ou menos comum de reivindicações, mobilizando numerosas ca- Um outro efeito da guerra alcançou o movimento operário gaú-
tegorias em Porto Alegre e no interior. cho: a Revolução Russa. A partir dela se inicia o processo que resultou,
A deflagração da greve foi precedida em Porto Alegre por grande em 1922, na fundação do Partido Comunista do Brasil. Neste sentido, é
inquietação entre os operários, que protestavam contra o aumento do preciso destacar a atuação do imigrante libanês Abílio de Nequete, des-
custo de vida, a diminuição dos salários e a escassez da oferta de traba- de jovem vivendo no Rio Grande do Sul, e que em 1918, com outros
lho. Frente a isso, a FORGS criou a Liga de Defesa Popular, que fez companheiros, fundou em Porto Alegre a União Maximalista, inspira-
proclamações aos porto-alcgreiises, enunciando as medidas que consi- da em Lênin e seu programa socialista. Desde então Neqriete se dedi-
derava urgentes, e enviou igualmente um memorial ao presidente do cou, por diferentes meios, à dihsão dessas idéias o que significava assu-
Estado e ao inteiidente de Porto Alegre. Ao mesmo tempo, em Santa mir a via revolucionária contra o capitalismo e, ao contrário dos anar-
Maria, os operários da Viação Férrea - subsidiária do sindicato norte- quistas, a luta político-partidária. Em 1922, Neque te integrou a nominata
americano Brazil Railway - solicitavam à empresa aumento salarial e dos delegados que fundaram o Partido Comunista, mas logo dele se
desligou por discordâncias iiiteriias.
jornada de 8 horas. Não sendo atendidos, e com o apoio da FORGS,
O ciclo das greves do final da década teve outro pico em 1919,
em 31 de julho foi iniciada a greve, que logo se estendeu a outros muni-
com a eclosiio de um movimento que paralisou aproximadamente 3.000
cípios servidos pela rede feri-oviária. Em Porto Alegre, diversas catego-
dos 9.000 operários da capital. A greve encerrou com violentos inci-
rias foram se declarando em greve: motorneiros, condutores, estivadores,
dentes de rua e Borges de Medeiros decretou o fechamento da FORGS
operários da Usina Elétrica e de várias fábricas e empresas. Como en-
e outras entidades operárias. Fdmbém os líderes não puderam garantir
volveu o transporte, a greve desorganizou a vida em Porto Alegre, in-
o cumprimento das poucas reivindicaç6es alcançadas no período 1917-
clusive o abastecimerito. Finalmente, algumas das rcivindicaçõesjunto
1919: a rápida elevaçso do custo de vida logo corroeu o aumento salari-
aos poderes públicos e aos empresários foram atendidas. Borges de
al que, além disso, não fora concedido por todas as empresas.
Medeiros aumentou o salário dos operários a serviço do Estado e res- A conjiiiitura 191'7-1919ficoii rnarcada pelas greves gerais de grari-
tringiu a exportação dos gêneros de primeira necessidade, pelo que foi de alcance. No entanto, mesmo que seja um número provisório, as
ovacionado pelo povo. Em princípios de agosto, o movimento fiiializou pesquisas históricas já identificaram 140 greves em Pelotas, Rio Gran-
em Porto Alegre. A greve da Viação Férrea foi perdendo adesões e en- de, Porto Alegre, Jaguarão, S. Leopoldo, Uruguaiana, Cachoeira, Mar-
cerrou sem que os operários fossem atendidos. Ern outubro, esta cate- gern do Taquari, Bagé, Passo Fiindo, Livramento, Santa Maria, Caxias,
goria voltou a declarar greve, com apoio da FOR<;S e a simpatia do Caceqiii, Montenegro, S. Jcrôriimo, Alegrete, Gravataí, entre os anos
povo, ampliando suas rciviridicações, dentre as quais a derriiss50 do ins- dc 1884 e 1920.
petor geral da empresa. A greve se estendeu por quase todo o Estado, A partir de 1919, verificarani-se constantes dificuldades na orga-
ao ponto do próprio Ministério do Interior ter pedido informações so- nização dos traballiadores. A Federação Operária voltou a se organi-
bre os acoiitecimcntos ao presidente do Estado, o qual ratifico11 as crí- zar, pro~riovendoincllisive congressos estaduais, mas eiifi-eritoir ci-
ticas à administração da ferrovia, que prejudicava tambkm os iriteresses
sões internas e a concorrência dos partidos tradicioiiais em busca do associações, partidos e sindicatos. Sal situação pode indicar, igualmen-
voto operário. Também em 1922, como já foi mencionado, fuizdou-se te, a pouca capacitação de boa parte dos ativistas para o exercício de
o Partido Comunista do Brasil que, para alguris setores operários, pa- funções que exigiam coizhecimentos específicos, como o da escrita, da
receu ser a via da revolução social. Diferente do resto do país, no Rio aritmética e da oratória. É sigiiificativo, por exemplo, o fato de Rodolpho
Grande do Sul, apesar dos problemas enfrentados e da "concorrên- Pflugrath (18'77-1907),depois da greve geral de 1906, ter sido tesourei-
cia" dos comunistas e partidos oficiais, os anarquistas deram continui- ro de entidades tão diversas como a União Operária Internacional (de
dade à sua militância, fundando jornais, grupos de estudos e realizan- perfil anarquista), da "Allgemeiiier" e do "Club Imprensa Operária"
do congressos. Apesar do sensível declínio da influência libertária após (ambas ligadas aos socialistas). Afinal, provavelmente poucos operários
a conjuntura das greves de 1917-1919, a FORGS permaneceu ainda estavam habilitados a lidar com números, coiztas e balaiicetes.
por muitos anos como um dos derradeiros baluartes do anarquismo Alguns desses líderes fizeram da rnilitância em prol dos trabalha-
no Brasil, tendo inclusive prornovido congressos operários estaduais dores o eixo de suas vidas. Dentre eles, destaca-se Antônio Guedes
em 1920, 1925 e 1928, este último em Pelotas, apesar das persegui- Coutinho (1868-1945). Português de nascimento, chegado ao Brasil
ções que o movimeiito operário sofreu nessa decada, especialmente com 18 anos de idade, foi alfaiate, operário na indústria têxtil
no governo Arthur Bernardes. Rheingantz, professor ejornalista e um dos grandes responsáveis pela
De qualquer forma, os anos de 1917 a 1919 constituíram a culmi- difusão do socialismo na região sul do Estado. Com tal intuito, atuou
nância da mobilização operária na Primeira.República. Se quisermos em associações, especialmente na União O ~ e r á r i ade Rio Grande, re-
caracterizar o padrão organizativo dessa etapa, observamos que as soci- presentando a entidade no citado Congresso Operário do Rio Gran-
edades operárias - ligas, uniões, sindicatos - quaisquer que fossem suas de do Sul de 1898 e na Segunda Conferência Socialista Nacional de
tendências ideológicas, eram iiziciativas constantes, embora de peque- 1902, em São Paulo; participou da organização do Partido Socialista
no alcance e duração. A elas se deve, até a Revolução de 30, uma vida de Rio Grande em 1898, pelo qual coiicorreu ao Conselho Municipal
associativa autônoma e combativa que realizou numerosas greves, fun- dois anos depois; dirigiu periódicos, inclusive o Echo Operário (1896-
dou escolas, publicou jornais e denunciou as diferentes formas de ex- 1901), um dos jornais socialistas mais importantes do país naquele
ploração a que os operários eram submetidos. momento. Sua dedicação à '6causasacrossanta do socialismo" mani-
festou-se no esforço empregado na publicação do Echo: "[ ...I é ele
A heterogeneidade da rnilitância operária quem escreve, revisa, dobra, entrega, faz a expedição para fora, e co-
bra a assinatura: tudo isto de noite (com exceção da cobrança) por-
Na seção anterior vimos que, desde o final do séciilo XIX, os parti- que de dia precisa ganhar o sustento da sua família", revelou em um
cipantes do movimento operário gaúcho procuraram unificar os traba- texto autobiográfico."
lhadores em torno de uma determinada identidade associada ao traba- Outro exemplo de líder operário entregue de "corpo e alma" à
lho e à exploração. Nos jornais e nas tribunas, os líderes operários con- militâiicia é o tipógrafo Henrique Martins. Nascido em Lageado no
trapunham o "nós" (operários/trabalhadores/sobrevivendo com difi- ano de 1888, foi um dos fundadores da Escola Eliseu Reclus e mem-
culdade) ao "eles" (burgueses/ociosos/viveiido no fausto) e reiviizdi- bro da redação do jornal A Luta. Em 1907, futidou o Silidicato dos
cavam os direitos dos primeiros. Iizteressa-izos, agora, analisar as dife- Tipógrafos de Porto Alegre e, em 1911, presidiu a União Tipográfica.
renças existentes no interior desse "nós", ou seja, a heterogeneidade Nesse mesmo ano, dirigiu a redação do jornal OExemplo e, em função
dos "compaiilieiros" que integravam associações e partidos, faziam gre- do acirramento da disputa entre socialistas e anarqiiistas pela direção
ves e lutavam contra as injustiças sociais. Examinaremos, pois, a diversi- da FORGS, respondeu a um processo-crime por calúnia e difamação
dade de entrega à "causa" e a variedade étnica, naciorial, lingüística e movido contra ele por Xavicr da Costa. Condenado a pagar 450$000
de gênero dos militantes operários sul-rio-grandenses. e a quatro meses de prisão, filgiu para o Rio de Janeiro em 1912, ado-
Inicialrriente torna-sc necessário distiizgilir as lideranças das bases. tando o pseudôiiinio de Cecílio Vilar. Na Capital Federal, colaborou
O primeiro grupo, a respeito do qual as informações são relativamente
abuizdaiztes, era, contraditoriamente, bastante reduzido. Por isso, mui-
tas vezes, os mesmos iiidivíduos se desdobravam em cargos variados nas
rio A Guerra Sociul, destacou-se na reorganização da Coiifederação Ainda que precoiiceituoso - pois ojoriial era contrário à greve -, o
Operária Brasileira (COB) e tomou parte lia edição do A Voz do Traba- trecho talvez ilustre a assimetria do comportameiito dos líderes - en-
lhador. Retornou a Porto Alegre no final de 1913 mas maiiteve, nesse volvidos em comícios, passeatas e negociaçóes - e os niilitaiites de base,
último jornal, a coluna Curtas... rioçrandenses. No alio seguinte, foi eleito os quais, apesar de participarem das manifestações d e massa,
secretário-geral da FORGS. Fuiidou também os grupos anarquistas despendiam algumas de suas horas livres nos botecos (lembramos que,
Solidariedade ou Solidário (em Porto Alegre) e Joveiis Libertários em muitos artigos da imprensa operária, 1iá uma condcnação expressa
(no Rio de Janeiro), foi um dos diretores da Escola Moderna em 1915 do consumo de álcool).
e participou da greve geral de 1917. Morreu em 1918, vítima da gripe Não pretendemos, de forma alguma, transformar esses lutadores
espanhola. em "heróis". Se tratamos, no entanto, de aprofundar suas biografias,
Obviamente, a maior parte dos trabalhadores gaúchos, por razões procurando suas múltiplas facetas, como certos historiadores têm feito
variadas, não atuou no movimento operário com a mesma entrega de nos últimos anos, encontraremos militantes com grande dedicação à
Guedes Coutinho e de Henrique Martins. Milhares saíram às ruas du- causa operária, imbuídos da missão de "desenvolver nos companheiros
rante as grandes greves de 1906, 1917 e 1919; talvez uma parcela consi- a consciência d e classe"; mas também as contradiçóes q u e
derável (mas de difícil quantificação) tenha se filiado a associações e frequentemente atravessaram suas trajetórias públicas, as redes de rela-
sindicatos - não apenas devido a razões ideológicas, mas principalmen- ções que coilstruíram, as inimizades que granjearam, as influências que
te a fim de usufruir dos benefícios oferecidos pelas entidades; outros exerceram e aquelas às quais estiveram submetidos.
tantos chegaram eventualmente a ocupar cargos em diretorias de A dedicação de indivíduos como Guedes Coutinho, Henrique
agremiações; mas, sem dúvida, somente alguiis poucos realizaram o Martins e outros - que eram ao mesmo tempo trabalhadores, sindicalis-
"grosso" da militancia. Isso explica as constantes e, muitas vezes, melan- tas, pedaçogos, animadores culturais -, lutando pela união dos compa-
cólicas, manifestações de desaprovação das lideranças em relação às iiheiros e para esclarecê-los sobre as causas da sua exploração, fez com
bases. Por exemplo, Carlos Schmidt Jr., presidente da Sociedade União que a organização operária fosse se fortalecendo no Estado. Entretaii-
Operária de Rio Grande, escreveu no seu Relatório de 1903: to, existe todo um universo de trabalhadores que aparecem quando
muito em estatísticas, cuja existência é objetiva, mas, via de regra, ficam
Infelizmente, cheguei também à conclusão de que o operariado do Rio lateralizados nas análises, eiitre outras razões pela própria dificuldade
Grande, com raras exceções, é avesso a novidades que não sejam recrea- de reconstituir suas experiências e ações. Enfim, poderíamos dizer que
tivas, embora as vezes prejudiciais, e que essa disposição de espírito o
faltam ainda estudos da história operária "desde baixo", para usar a
arrasta a um indiferentismo deprimente, descurando por completo o
futuro e submetendo-se, por conseguinte, à prepotência dos moderrios expressão consagrada na Iiistoriografia.
senhores feudais, preferindo o comodismo do escravo à vida agitada do Deve-se considerar também na análise do referido movimeiito, as
lutador! diferenças étnicas, nacionais e lingüísticas existentes entre os militan-
tes. Já vimos, na primeira parte do texto, o peso dos imigrantes de di-
Da rnesma forma, é interessante o comentário do jornal Deutscf~e versas procedências na fbrmação da classe operária local. A importân-
Zeilung, da comiinidade aleiiiã de Porto Alegre durante a greve de 1906: cia desse fator fica visível ao se constatar que muitos periódicos operári-
os puhlicavani coluiias em alemão e/ou italiano, quando não o próprio
O que os trabalhadores fazem agora com as siias horas livres? Eles estão a jornal inteiro; além do s~irgimeiitode sociedades como a Náprzod, de
maior parte do teinpo, seiltados ou em pé, nas vendas e botecos e gastam operários poloneses, a L,iga dos Operários Suecos e a Allgemeiner, para
o seu dinheiro rriilito mais do que antes [...I. E o que acoiitecerá com o lembrar algumas fundadas riisses anos. A mesma questão tambkm pre-
tempo livre, caso realmente as 8 horas de trabalho diarias C.. ] forem
irnplemcntadas? (...I Os botecos serão, em muitos casos, novamente uti-
cisa ser pensada em relaq%oaos negros, que, após a aboliçáo, forani se
lizados para passar o tempo.7 incorporando ao mercado de trabalho em hrinação.
Se, em algumas ocasiòes, sobretudo lia fase inicial do rriovimeil-
to, as identidades étiiicas e iiacioiiais facilitaram a orgarii~açãodos t r a
balhadores, em outras, tais difereriças foram encaradas corrio ei-itraves
a uiiião da classe. Assiin, por exemplo, segundo o joriial Guzelinha, a
Liga Operária Interiiaciorial de 1896 havia se tornado "quase ilnia Por outro lado, as relações masculino-feminino no contexto do
Babel", pela dificuldade de nela conviverem os diversos idiomas. De movimento operário gaúcho estiveram atravessadas por lima tensão
acordo com o articulista, "[ ...I preferível seria que os operários se reu- entre o projeto socialista/anarquista de transforma~ãodos papéis de
nissem em clubes conforme o idioma que falam, isto é, os brasileiros e gênero tradicionais - a mulher vinculada 2 afetividade e 2 esfera do-
os portugueses em um clube brasileiro, e os alemães e austríacos em méstica e o homem à razão e ao espaço público - e as práticas e discur-
outro alemão e assim os italianos etc." Ainda conforme a proposta, os sos que visavam sua manutenção. Para os socialistas, por exemplo, a
clubes deveriam tratar de matérias comuns, sendo os resultados das libertação da mulher se daria por meio da revolução social mais ampla
discussões apresentados por seus representantes ao diretório da confe- contra o capitalismo: "a emancipação da mulher conio a do proletariado
deração que se formaria, de onde também sairiam as decisões.' está ligada à questão social e só com a libertação da propriedade privada e
A questão étnico-lingüística preocupou igualmente os anarquistas proclamação da coletiva se conquistará essa vitória tão desejada".'"
de Porto Alegre no contexto da greve de 1906. De um lado, os redato- O jornal também divulgava idéias bastante avançadas na época a
res do A Luta apoiavam a difusão do esperanto - "de há muito julgamos respeito da emancipação feminina: "Para que a mulher seja livre e se
ser esta língua um dos poderosos fatores que concorrerão para apres- pertença, para que recupere a liberdade de seu corpo, fora da qual não
sar a fatal in ternacionalização dos povos [...] " - e, de outro, defendiam há mais do que a prostituição revestida pelas formas legais do matrimô-
que "a língua a adotar-se numa associação operária, organizada não nio atual, é necessário que a mulher procure, por si própria, indepen-
importa onde, deve ser a do país em que agem os trabalhadores que dente do homem, os meios de sua subsistência. Não se deve por esse
procuram se associar", pois "a duplicidade de linguagem, além de mui- motivo excluir-se atualmente a mulher do trabalho industrial"."
tas vezes ser a causa de dissensões entre os agremiados, ocasiona uma Ern outro artigo, contudo, reafirmou o modelo dominante da
enorme perda de tempo e energia, com o ter de se redigir todos os mulher-esposa-mãe-dona-de-casa:
trabalhos sociais em duas línguas"."
Frente a essas diferenças, é interessante perceber como, na capital A burguesia, as classes dominantes [...I devem estar orgulhosas dessa
gaúcha, Francisco Xavier da Costa (1871?-1934) consolidou sua posi- grande conquista: arrancar as filhas do povo, a mulher do povo, do lar
ção de líder socialista ao atuar como "homem-ponte" entre os teutos e doméstico, onde sua missão era toda candura e amor, criando e educan-
os luso-brasileiros. Mulato, filho de uma gaúcha e de um baiano, Fran- do sua prole, preparando a frugal refeição à sua família, lavando, com-
pondo e fabricando o vestuário de todos, vivendo, enfim, na família e
cisco empregou-se, ainda menino, em uma oficina litográfica de pro- para a família, I...]
e metê-la na oficina, na fábrica, a fazer concorrência
priedade de alemães. Lá aprendeu o idioma dos patrões o que lhe per- com o trabalho do esposo, expulsando-o de seu posto no trabalho, redu-
mitiu, ao mesmo tempo, ler os livros e jornais socialistas vindos da Ale- zindo-o, e com ele a todos à miséria à degradação.12
manha e transitar na comunidade germânica porto-alegrense.
Em relação aos negros, pesquisas recentes mostram os preconcei- Porém se sabe que muitas mulheres atuaram nas manifestações do
tos sofridos por esses não apenas nos locais de trabalho mas no próprio operariado ao longo do período analisado. No início do século XX,
movimento operário. Assim, a União Operária de Pelotas foi fundada por exemplo, a anarquista Agostina Guizzardi escreveu emjornais ope-
em 1905 porque a Liga Operária, criada em 1890, discriminava negros rários, participou da União Operária de Kio Grande e destacou-se, so-
e/ou pobres. bretudo, como autora de peças teatrais de fundo social, entre elas: A
Particularmente sobre a mulher operária, a historiografia durante honra operária e Amor e ouro. Sobre a primeira, sabemos apenas que visa-
muito tempo praticamente igiiorou seu papel, quer como força de tra- va " [...] a propaganda das idéias libertárias, convictamente professadas
balho, quer como militante. Sabe-se, porgm, que a mão-de-obra femini- pela sua delicada au tara''."
na era significativa e rnesmo dominante em alguns ramos industriais,
corno o têxtil e o alimentício.
10 E(ho O/)c.~cirzo,5-2-1890. p, 1.
11 I ( l ~ n 24-10-7897.p.
/, I,
12 I(IPVZ,17-10-1897. 1,. 1.
13 O Pfol~tcirzo,Kio (I: ande, 211-7 1906.
Na greve de 1906, as mullieres tambéni saíram às ruas c pratas em cipação do proletariado deve ser obra dele mesmo!" - o ~anarquistas
i -
prol da reiviiidicação das 8 horas de traballio. No dia 5 de outubro "Toda a propriedade privada é um roubo!" (Proudhon) -, e bradá-10s
daq~ieleano, ocorreu um grande comício 110s Navegantes. Seguiido o nas ruas ou estanipá-10s em cartazes, mas provavelmente poucos eram
PetitJournul, de Porto Alegre, "a nota [...] de entusiasmo era dada pclas os que estudavam mais a fuiido tais teorias.
moças operárias que chegavam a rasgar os vestidos encarnados e colo- Contudo, uma parcela dos militantes, sobretudo as lideranças, pro-
car no peito topes com o sínibolo da classe". No dia seguinte. "as moças curou orientar e/ou justificar suas ações a partir de correntes ideológi-
operárias, levando à frente o estandarte vermellio, fizeram uma passeata cas chegadas da Europa, em especial o socialismo e o anarquismo (na
pelas ruas da cidade [...]".I4 década de 1920, sob o impacto da Revolução Russa, o comiiiiismo tam-
Apesar dessa participação, pode-se imaginar a discriminação sofri- bém conquistou espaço eiitre o operariado sul-rio-grandciise). Essas
da pelas mulheres que, ao trabalharem fora e atuarem politicarnerite, idéias vieram do Velho Continente na cabeça dos imigrantes ou através
enfrentavam os preconceitos então vigentes. Tal situação é expressa na de livros, jornais, panfletos, opúsculos e cartas que circulavam em di-
carta da militante paulista Maria Antôiiia Soares em correspondência versas cidades gaúchas, principalmente naquelas de condição portuá-
ao jornal operário A Luta de Pelotas: ria (Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande). As teorias importadas, no eii-
tanto, sofriam transformações no contexto local: alguns de seus ele-
Tenho observado que quando algiirna de nós mulheres dá uma opinião, mentos recebiam destaque, outros ganhavam novos significados e ou-
o u presta o seu concurso em um ato qualquer d e propaganda tros, ainda, eram omitidos.
emancipadora, 1150 falta algum imbecil (eu assim considero) que deixe
assomar aos lábios um sorriso zombador, e chegam algumas vezes a pa- Nas últimas decadas do século XIX, como foi apontado anterior-
tentear verbalmente, por rneio de sandices, o desprezo que lhe inspira a mente, já se pode perceber a presença de idéias socialistas em jornais
ação daquela mulher.15 como a Democracia Social de Pelotas, o Eccho Operririo de Rio Grande e a
Gazetinha de Porto Alegre. Neles, operários e intelectuais sinipáticos à
Niio deveria ser muito diferente a situação de suas correligionárias causa dos trabalhadores passaram a deriuriciar a exploração capitalista
no Rio Grande do Sul. e a propor novas formas de organização da sociedade. Em geral, os
Enfim, ao estudarmos o movimento operário gaúcho na Primeira principais iiistrunieritos apontados como necessários à transformação
República é necessário percebir como as diversas identidades dos mili- social eram a arregimentação associativa, a "elevação cultural" do pro-
tantes - política, étiiica, naciorial, de gênero, de classe - se articularam, letariado e, sobretudo, a formação de um partido operário que permi-
dialogaram e, por vezes, eritrechocaram. tisse a conquista do poder político.
Para os socialistas atuantes iio Rio Grande do Sul - e em outros
Estados -, Marx comparecia sobretudo corno uma referência ritual,
As correntes ideológicas: socialismo e anarquismo
como um "Mestre" quase sobreilatural, até porque suas obras eram
Qtie correntes ideológicas orieiitavam os participantes do iiiovi- pouco lidas em nosso meio. Nesse sentido, o Echo Operúrio homeiia-
mento operário gaúcho na Reysiiblica Velha? geou o filósofo alemão com as seguintes palavras: "Que o seu espírito
Pode-se supor que a maior parte dos homeiis e mulheres envolvi- guie a iiossa pena e as iiossas obras, para que os nossos esforcos possam
dos nas associações, partidos, greves e outras manifestações descritas na ser úteis às classes trabalhadoras que ele tanto amou".'" As idéias mar-
primeira parte deste texto visava, simplesmente, melhorias coiicretas xistas aportaram no Estado especialrneiite através de resurrios e de tex-
nas suas condições de vida e traballio - a conquista dajoriiada de 8 tos de divulgadores como Gabriel Deville, qiie escreveu uma versão re-
horas, por exemplo -, sem assuniirem racional e explicitamente uma sumida de O Capital (18831, muito citada no Echo Operário; C. Novel,
posição político-ideológica. Alguris até poderiarri conhecer certos Felicidadepelo .rocinlismo (data descoiiliecida) e Luiz Bertrand, Qu 'ert-ce le
slogaiis rnarxistas -"Proletários de todo o niuiido, uni-vos!" e "A eman- socialirme?( 1887),arn bos traduzidos e traiisci itos no joriial A Ilemomcia,
de Porto Alegre.

14 I'ptll Jou111a1, 6-10-1906. p. 2.


15 A Luta, 31-7-1916. p. 2.
As referências te0ricas dos socialistas gaúchos eram bastante constituir um partido socialista sólido no Estado. Esse reformismo é
ecléticas. Entre os autores mais influentes, pode-se citar o francês Benoit explicitado no artigo significativamente in titulado A Reuoluçcio Social:
Malon (1841-1893),cujo "colctivismo reformista" pretendia abarcar não como a entendem os socialistas:
somente a luta política e econômica (limitação atribuída ao socialismo
marxista), mas todos os âmbitos da atividade humana, como a ciêiicia, A revolução socialista é aquela que se faz com os livros, com os jornais,
a filosofia e a moral. Segundo ele, duas eram as vias de ação para os com os discursos públicos, domésticos, familiares, com o assíduo descarnar
socialistas: a via revolucionária - que deveria ser adotada apenas nos da podridáo onde está engastada a sociedade moderna; é uma revolução
momentos de crise, pois as explosões violentas poderiam piorar a situa- calma, cfigiia, segura [...I.
ção presente e comprometer o futuro - e a via das reformas possíveis - A revolução socialista tem por arma principal o voto.'"
a qual precisava ser trilhada sempre, através da conquista eleitoral da
maioria parlamentar. Em suas palavras: "sejamos revolucionários quan- O socialismo professado no Rio Grande do Sul pretendia-se cien-
do as circunstâncias o exigem e reformistas sempre". tífico, pois os militantes partidários desta corrente buscavam respaldo
A ação do Partido Social Democrata (SPD) alemão - o primeiro para suas idéias na cultura cientiíicista do século XIX, especialmeiite
partido socialista de importância a se consolidar - também inspirou os no positivismo e no evolucionismo. O citado Antônio Guedes Coutiiilio,
socialistas gaúchos. 0 s progressos da agremiação eram constantemen- por exemplo, afirmava que "o socialismo [...I nada mais é do que o
te noticiados e os seus líderes (Lassalle, Liebkiiecht, Singer, Vollmar e sistema de Comte [...I reformado e ampliado de acordo com os pro-
Bebel), saudados como heróis da "sublime doutrina" na imprensa ope- gressos da h~manidade".'~ E também: "[ ...I nós estamos com [...I Ferri,
rária local vinculada a essa corrente. De acordo com o A Democracia, o Lombroso, etc. que vêm nas teorias de Darwin o mais perfeito caminho
SPD "[ ...I tornou-se o grande e poderoso partido operário socialista da para o sociali~mo".~~
Alemanha, que tem conseguido reais e estrondosas vitórias sem come- Alguns socialistas, contudo, criticavam o positivismo, menos devi-
ter atentados, sem pregar nem aplaudir a destruição de homens e coi- do ao teor de seus princípios e mais em virtude de sua vinculação com
sas, à dinamite, nem acoroçoar o assassínio [...I7'." o PRR e o governo estadual. Nessa direção, o Manzfesto do Partido Operú-
Muitos outros autores compunham o panteão dos socialistas atu- r20 de 1905 afirmava ironicamente:
antes no Rio Grande do Sul, entre eles: correligionários europeus -
Estabelecida na terra gaúcha a doutrina comtista como orientação ço-
Jeaii Jaurès, Magalhães Lima, Heleodoro Salgado e Eririco Ferri; litera- vernamental, e em absoluta negação ao que pregavam no tempo da mo-
tos - Victor Hugo, León Tolstoi e Máximo Gorki - e os grandes nomes narquia os propagandistas republicanos Rio-grandenses, nós, os proletá-
da ciência da época - Auguste Comte, Cesare Lombroso, Ciharles Darwin rios, ficamos oficialmente reconhecidos como párias e tanto assim é que,
e Herbert Spencer. de quando em quando em tentativas de aparente interesse por nossa
De forma geral, apesar de não descartarem - ocasionalmente ou sorte, aventa-se aqui, em conciliábulos filosóficos daquela doutrina, a
como "último recurso" - a perspectiva revolucionária de transforma- comiserativa idéia de "nos incorporar- a ~ociedade".~'
ção social, os socialistas gaúchos - da mesma forma que seus compa-
nheiros de outras regiões dii país - defendiam a coiiquista gradual do Apesar da aspiraçiio científica, percebe-se que o socialismo da épo-
poder político pela via eleitoral, tendo como instrumento um "autêiiti- ca trazia>sobretudo, uma conderiação moral das injusticas sociais. Ou
co partido operário", ou seja, um partido constituído por indivíduos sqja, rnais do que a tr-ansfoslriação das estruturas econômicas e sociais (no
"verdadeiramente saídos do seio do elemento trabalhad~r".~Woloca- sentido marxista), os propagandistas do socialismo no Rio Grande do
va-se, portanto, em segundo plano o caráter revolucionário da teoria Sul defendiam a "regeneração moral" da soci~dade,apoiada em valo-
marxista e priorizava-se o refi~rmismode Malon e o exemplo do SPD.
Tal concepção ajuda a explicar as constantes (e infrutíferas) teiitativas de

17 A D~moo-ntin,9-12-1906. p. 2.
18 Idem, 9-7-1905. p. 3.
res tradicionais como a honra e a bondade, cvidenciande) as iaízcs ro- visando a formação do "homem novo", consciente de si mesmo, de seu
mânticas desse pensamento. Assim, segundo o A Democ~acia,o socialis- valor e de seus direitos, despido de toda a sorte de preconceitos e, por
mo representava a fraternidade contra a ignorância, o egoísmo e a bai- isso, preparado para a "ação direta", isto é, a "[ ...I discussão e entendi-
xeza de caráter, típicos do regime capitalista.?" mento entre representantes dos sindicatos e patrões para dirimir ques-
Cabe salientar ainda que pouco se produziu em termos de teoria tões, na greve parcial e geral e na ' b ~ i c o t a g e m " ' .Nesse
~ ~ sentido, como
socialista no Rio Grande do Sul. Uma exceção notável é a obra Catecis- veremos mais adiante, os anarquistas do Rio Grande do Sul fundaram
mo socialicta, de Guedes Coutinlio, publicada corno folhetim no Echo escolas, criaram bibliotecas, jornais e grupos de teatro, entre outras ini-
Operário em 1898. Nela, o autor apresenta pontos importantes dessa ciativas, com o objetivo de denunciar a miséria dos proletários, os abu-
teoria, na forma de perguntas e respostas, agrupados nos seguintes tó- sos da burguesia e do clero, os males da política e do militarismo, os
picos: o conceito de socialismo e a transição para a nova sociedade, a benefícios da solidariedade de classe etc.
forma de organização das associações operárias, a orgaiiização futura Em relação à resistência, os adeptos do anarquismo acreditavam
das coletividades, a união livre ou casamento por amor e as religiões do que os movimentos do operariado - greves, paralisac;ões, boicotes -,
socialismo. organizados em torno de reivindicações econômicas, acentuariam a luta
O anarquismo, por sua vez, também começou a manifestar-se no de classes, pois os trabalhadores, tomando consciência da exploração
Estado no final do século XIX, embora de forma dispersa e iiitermiten- sofrida, começariam a desejar uma sociedade diferente da existente. O
te. Foi sobretudo a partir de 1906 - com a fundação dojoriial A Luta e modelo dessa forma de luta era o sindicalisrno francês. Conforme o
da Escola Eliseu Reclus - que os militantes ligados a essa corrente passa- jornal A Luta, transcrevendo as considerações do "colega" paulistano
ram a desenvolver uma ação mais contínua junto ao operariado. Ape- Terra Livre,
sar de existirem diversas tendências anarquistas, o ideário dos libertários
tinha como ponto comum a luta contra todas as manifestações de po- A sociedade de resistência mais perfeita e a mais completa, embora não
der, sobretudo o estatal e, conseqüentemente, ao contrário dos socialis- sem defeitqs, é o "sindicato" francês, aderente 5 Confederação Geral do
Trabalho. E puramente de resistência, facilitando a entrada a todos, pro-
tas, a recusa da participação no jogo político-eleitoral.
curando agrupar o maior número, mas sem por isso deixar de agir cons-
Os anarquistas gaúchos adotaram o sindicalismo - que não é uma tantemente. Trata de conquistar melhoramentos (sobretudo redução de
"corrente" do anarquismo mas uma forma de organização dos traba- horas), fazendo assim exercício para a greve geral revolucionária e para
lhadores, independente de suas posições ideológicas - como meio de a expropriação dos meios de produção e de transporte. Não aceita a
luta contra a ordem capitalista e como embrião da sociedade futura. política parlamentar, fazendo, porém, luta política (contra o Estado, con-
Defendiam, porém, a completa neutralidade política das associações tra o governo, desde o ministro ao polícia, mas especialmente contra o
operárias. Segundo Fraiicisco Guttmann, secretário geral da FORGS militarismo), pois o poder político é defensor do capitalismo. Mas essa
luta (assim como a econômica) é pela "ação direta", operária, e não indi-
em 1921,
reta por meio dos deputados no parlamento.'"
Sendo a política uma eterna fonte de discórdia, o siridicalismo dirige
suas forças unicamente no sentido economico. Diversos autores influenciaram o ideário dos anarquistas gaúchos,
Como a base do sindicalismo é a autonomia do indivíduo dentro do siii- como: Jean Grave, A sociedadefutura; Pedro Kropotkine, Em uolta de uma
dicato e deste dentro da Federação, segue-se que o operario pode ter a vida; Elisée Reclus, Evoluçáo, revolução, ideal anayuista; Jogo Most, Peste
sua opinião política sem, porém, traze-la para o seio do sindicato. Este reli~osa;Agustin Hamon, Pútria e internacionalismo e Ernílio Pouget, Ba-
lhe serve de núcleo de educação e de resistência para a luta coiltíiiua ses do ~indiculi~cmo.~~A
produção teórica dos anarquistas atuantes no Rio
pela melhoria das cont-liçòes de trabalho e de s a l i i r i ~ s ~ ~ ~ Grande do Sul foi mais extensa que a dos socialistas, tanto na forma de
artigos como de livros. Assinalamos, nesse sentido, os textos de Polydoro
Educação e resistência eram duas palavras-cl-lavesdo pensamento
anarquista. A primeira irriplicava um conjunto dc a ~ ó e spedagógicas
25 Idem.
26 A Lula, Porto Alegre, 13-9-1906. p. 3.
24 A Manhci, Porto Alegre, 1-05-192 I . 27 Idem, 02/01/1907. p. 4 e 26/09/1908. p. 4.

232
Saiitos sobre a Escola Moderna publicados na Keuista L i b m l e a obra D a de luta, através dos quais as associações procuravam despertar a consci-
escravidão liberdade: a deirocuda burpe,su e o adriento da igualdade social, de ência dos compariheiros.
Floreiitino de Carvalho (pseudônimo de Primitivo Kaimuiido Soares).'" Os citados Manqesto do Partido Socialista do Rio Grande do Sul e o
Finalmente, é irnportante salientar que - apesar das inteiisas dispu- Coiigresso Operário de 1898já expressam formalmente a preocupação
tas travadas por socialistas e anarquistas pela liderança do movimerito com o desenvolvimeiito cultural do operariado. Assim o primeiro, em
operário gaúcho - havia, muitas vezes, oscilações e indefiiii~õesnas fron- seu artigo IV, propunlia: "InstruçUo geral e profissional gratuita, bem como
teiras entre as duas correntes. Alguns exemplos: em 1900, Francisco todos os utensílios necessários ao estudo, e além disso vestuário e alimentação, a
Xavier da Costa, principal líder socialista de Porto Alegre - e, posterior- expensas do Estado, para os fillzos das classes pobres". O Congresso, por seu
mente, um feroz inimigo dos libertários -, lembrou [...] de dezenas de " turno, reconieiidou a criação de um jornal e de escolas nas sedes das
muitos [...I homens notáveis, de caráter limpo e borns costumes que associações operárias.
foram e são anarquistas Quase cinco anos mais tarde, A Demo- Tal orientação já era seguida pela União Operária de Rio Gran-
cmcia saudou o geógrafo anarquista Eliseu Reclus como " (...] um dos de, que, desde 1895, mantinha uma escola voltada aos filhos dos operá-
vultos mais salientes da propaganda socialista9'." Em um ponto, po- rios. O "mapa das aulas", anexo ao citado Xelatório apresentado por
rém, socialistas e anarquis tas discordavam fron talmeri te: enquaii to os Carlos Schmidt Jr., indica a presença de 95 alunos do sexo masculino e
primeiros advogavam a necessidade da formação do Partido Operário, 100 do sexo feminino, matriculados nos oito primeiros meses de 1903.
os últimos negavam qualquer participação dos trabalhadores na vida O militante Guedes Coutinho, referido anteriormeiite, foi professor
político-partidária. nesse estabelecimento. Em seu Catecismo Socialista, ele defendia o esta-
É difícil saber o grau de penetração das idéias até aqui analisadas belecimento de escolas para os proletários, "onde possam educar-se li-
junto ao operariado gaúcho. De qualquer forma, elas inspiraram movi- vres dos preconceitos estúpidos e absurdos do respeito ao capital, pre-
mentos de resistência contra a expl oração burguesa, relações de solida- coiiizados tão habilmente nos livros adotados nas escolas públicas por
riedade, conflitos entre militaiites e, algumas vezes, nortearam trajetóri- ordem dos governos burgueses".
as de vida de indivíduos dedicados à causa dos "irmtios explorados". Anos depois, o A Democracia manifestava a mesma preocupação
com a educação dos trabalhadores. Dessa forma, saudou enfaticamen-
Aspectos da cultura operária te a iniciativa da União dos Pedreiros de fundar uma escola pois

O século XIX foi o da difusão da ciência positiva e da cultura letra- [...I somos do número dos proletariados que pensam e estão convei~ci-
dos de que a classe operária jarriais logrará a rcivindicaqão real, efetiva e
da ria vida das sociedades ocidentais. Os operários, priiicipcalrriei~
te suas
definitiva de seus direitos enquanto rio seu seio imperar a ignorância ...
lideranças, também viveram esse clima, no seu caso voltado à chamada Triste é dize-lo - mas é a verdade: a falta de instri~çãona maioria dos
"elevação cultural do proletariado". Pretendiam assim preparar os tra- nossos irmãos de classe é que produz todas as dificuldades que se ante-
balhadores para a iiova sociedade que se libertaria, por sua luta, da põem à rnelhoria de suas co1idiç6es.~'
opressão capitalista. Esta iiitenção pedagógica integrava a agenda de
socialistas e anarquistas e maiiifestoix-se de iiiúnicras formas: ensino; Ao longo de todo o período, tambem os aliarquistas promoveram
preocupação com leituras formativas através da publicação de jornais, a instalação de "aulas", em geral orientadas pelos princípios da pedago-
revistas e livros; criação de bibliotecas; realização de conferêiicias etc. gia moderna de Fraiicisco Ferrer, laica, raciorialista, universal e, por-
O próprio lazer era visto como oport~xnidadede for.raia$io dos operái-i- tanto, ft~ndamen talmen te coiitiária aos pi-iiicípios difuiididos na educa-
os e de suas fàmílias e a encenação de peças de teatro social, a criacão ção pública ou religiosa vigente.
de grupos musicais ou esportivos também constituirani ilistrurneritos Dentre estas iniciativas, destaca-se na capital gaúcha a referida
Escola Eliseu Reclus, fuiidada em 1906
28 Carvalho, Floi-e11tii-10de. Da escmuidEo (i liDe,-datLc a dei-rocatfa hriaguesa e o adeleilto da igual-
dade social. Porto Alegre: Rc:~iasceilça, l L l f l .
J O , Alegre, 8-8-1900. p. 1-2.
29 Co,-ri?ioclo ~ U ~Porto
30 A I)el,loc~acin,9-7-1905. p, 2.
[...I por iniciativa de rnoços estudiosos, C.. ] um grupo de estudos livres É na própria iiistrução pública, mantida ou subvencionada com o di-
baseado nos mesmos princípios das modernas universidades populares, nheiro dos impostos pagos pelos cidadãos de todos os credos, que se
onde podem os trabalhadores encontrar meio fácil de adquirir conheci- percebe a infiltração clerical sob múltiplas e variadas formas.
mentos, que Ihes são vedados em vista das condições economicas em que [...I Ressalta a necessidade de uma Escola Raciorialista. Um estabeleci-
a maioria se encontra [...I Atualmente leciona-se no grupo esperanto, mento de instrução e educação racionalista seria o núcleo de onde pode-
francês, português, aritmética, matemática, história universal, desenho, ria irradiar [...] os princípios d e uma educação racional e lógica,
ginástica sueca etc. Havendo também palestras sobre anatomia descriti- correspoiidendo aos nossos tempos e preparando a mocidade para en-
va, mecânica, física, química etc. O grupo tem uma freqtiência atual de frentar resolutamente a luta pela vida [...I .34
quarenta sócios. As contribuições são voluntária^.^^
Associada à proposta de elevar o nível cultural que, como vimos,
A Escola Eliseu Reclus teve colaboradores entre os intelectuais li-
foi uma constante no movimento operário em todos os locais onde ele
berais e anarquistas, tais como o poeta e jornalista Marcelo Gama e o
Dr. Ronaldo Frederico Geyer, médico, militante anarquista e um dos se organizou, também é interessante mencionar a criação de bibliote-
redatores do A Luta. Encontramos notícias desse estabelecimento pelo cas ou "mesas de leitura" tanto nas sociedades como na própria reda-
menos até 1914. Outra Escola Moderna também foi fundada em 1914 ção dos jornais, onde ficavam disponíveis gratuitamente para os inte-
no Bairro Navegantes, contando [...I com 96 alurios menores e 25 adul-
"
ressados as numerosas publicações recebidas por essas entidades, quer
tos. O diretor- é o prof. J. Ervard. No mês de março abrirá uma seção do Rio Grande do Sul, quer de outros Estados e de países estrangeiros.
feminina que ficará a cargo de uma competente professora".'" Regis- Pelo fato dos jornais operários diviilgarem tais publicações e
tramos igualmente a fundação, em 1916, da Sociedade Pró-Ensino disponibilizá-las nessas "mesas", podemos ter uma idéia das leituras que
Ra~ioiialista~ agremiação com o fim de difundir o ensino e a educação os trabalhadores tinliam a sua disposição, pois a imprensa operária e as
racionalista entre a mocidade. bibliotecas das associações sofreram por vezes perseguição policial e
Em Rio Grande, em 1914, além do Centro de Estudos Sociais, essa literatura foi extraviada.
uma entidade que visava o deseilvolvimentocultural, foi criado o Ateneu E impressionante observar, por exemplo, que um jornal como o
Sindicalista, escola para operários adultos; em 1918 houve outra iniciati- Echo Operário, publicado no interior do Rio Grande do Sul,já em 1898-
va, com o estabelecimento de uma Escola Racionalista. 1899 pudesse disponibilizar tantas obras aos seus leitores, quer na sua
Finalmente, destacamos neste âmbito pedagógico, a atuação de mesa de leitura, quer propoiido-se a encomendar livros e revistas aos
Polydoro Santos, militante anarquista extremamente dedicado à "ele- interessados:
vação do nível cultural dos operários" e que esteve 2 frente da criação
de uma Escola Moderna em Porto Alegre e da Revi~taLiberal, mensário C..] recebemos [de José Ingenieros, de Buenos Aires] um pacote com
antimilitarista, antipolítico e anticlerical que circulou de 1921 a 1923. os seguintes jornais que muito agradecemos: Le Paris Ouvriel; Le Jura
Nas páginas dessa revista, publicou vários artigos justificando os princí- Socialiste, La Lurha de Classes, La Antorcha Valentina, E1 ODrero, Lu Revista
pios da pedagogia libertaria e a necessidade imprescindível de fundar Comica, Ilustracion I'opula~ Buletin Bes Suminai~es,Avanti!, La Lyra Chilena,
escolas para os trabalhadores. Um exemplo: Nurod, Critica Sociale. Tem, pois, os iiossos amigos, em nosso escritório
jornais da Espanl-ia,França, Itália, Bélgica, Bulgâria, Portugal, Chile, Peru,
Ao observador menos descuidado, n ã o passa desapercebido o Bolívia, Argeiitiiia, Montevidéu e diversos Estados do Brasil, às suas or-
desgarramento lamentável da nossa instrução popular para o dornínlo dens. Podem apreciar o movimento operário nas suas melhores folhas
de um espírito de seita, plasmando o cérebro da mocidade na estreiteza de propaganda, pois além d'esses temos muitos outros que nos honram
de dogmas já obsoletos e incongruentes. com a sua visita,35
Já não falamos na facilidade com que se multiplicam os colégios cleri-
cais, onde, aintes de se procurar formar do educando uni cidadão útil a E o jornal tambbm aceitava iiltermediar encorneildas: ""No intuito
si, à família e à coletividade, predomina a preocupação de sci criar urrl de facilitar aos operários de todo Estado meios de conhecer o socialismo,
devoto submisso e dedicado à igreja.

32 A L>zcln, 13-9-190G.
33 Correio do Povo, Porto Alegre, 18-2-1914. p. 12.
frequentadores e cobrain uma mensalidade pesada para as bolsas pobres
ao mesmo tempo que adquirirão corihecimeiitos científicos de utilíssima
vantagem, resolvemos pôr-nos à disposição dos operários em geral para
[...I Em nome dos camaradas que compõem a nove1 e útil agremiaçáo,
pedimos aos nossos coideanos do exterior que se interessam por esse
mandarmos vir qualquer das obras abaixo anunciadas e as mel-10s meio de propaganda de nos remeter peças teatrais que obtiverem e que
dispendiosas". Seguia esta relação, inclusive com os preços: Biblioteca de julguem atingir nosso desiderato. A correspondência para o Grupo de-
ScienciasSociaes; E1 capital, por Karl Marx; Princ@iossocialistas, por Gabriel verá ser dirigida a: G h e z Ferro - Escola Eliseu Reclus - Porto Alegl-e.37
Deville; Lições das cousa,~,Burla capitalista e Direilu a vida, por Ladislau
Batalha; Injustiça econômica, por Benoit Malon, tradução de Ernesto da Na cidade de Pelotas, em 1914, foi fundado o Grupo Teatral Cul-
Silva; O que é ser socialista?, O dia normal, por E. da Silva e Ladislau Bata- tiira Social pelos autores dramáticos anarquistas Zenon de Almeida e
lha; O communismo e a euoluçcio econômica, por Paulo Lafargue, tradução Santos Barboza, sendo que o primeiro também ministrava cursos para
de Ernesto Silva; Manual do povo ou o socialismo ao alcance de todos, por preparar atores amadores.
Manuel José da Silva; Confissão de um rebelde, por Benjamin Motta; Dentre as bandas musicais integradas por operários que atuavam
LXlmanach de lu Q~é~stion Sociale, de 1891 a 1899; História do Primeiro de em ocasiões festivas, a mais conhecida em Porto Alegre foi a Lyra Ope-
Maio, por Gabriel Deville; Lu Kevue Socialiste, fundada por Benoit Malon; rária, da qual encontramos referências de 1909 a 1916. Sabe-se que
Socialismo integral, tradução da obra de Malon; La Petite Republique,jor- nessas mcsmas ocasiões eram entoados hinos de caráter social, como a
nal de Paris chefiado por Gerault Richard; L'Humanité Nouvelle, revista Marsellzesa operúria (letra de Francisco Xavier da Costa), o Hymno socia-
dirigida por Agostin Hamon; La mentira patriótica e E1 militaris,mo y lu lista (música deJoaquim Ferrcira e letra dc Pompeu Matheus), Fillzos do
guerra, por José I n g e n i e r ~ s . ~ ~ povo e Hymno do 1"e Maio (para ser cantado com a ária do coro da
Neste propósito de elevação cultural e formação dos operários, o Ópera Nabuco, de Verdi) .
teatro foi um instrumento da melhor qualidade, pois atingia a própria As sociedades opcrárias promoviam diversas comemorações em
família operária, que assistia essas apresentações, geralmente realiza- datas especiais, como o aniversário de sua fundação, o 14 de julho da
das em datas simbólicas ou em eventos beneficentes. O repertório cêni- Queda da Bastilha, o aniversário do fuzilarnento de Francisco Ferrer,
co incluía peças de circulação internacional, como O 1 "e Maio (I1Pri- comemoraçõcs essas que constavam de conferências proferidas por
mo Magpo) de Piero Gori e Gaspar, o serralheiro, de Baptista Machado e militantes, apresentaçcio das bandas de música e corais femiiiinos das
as produzidas no Rio Grande do Sul, de cunho social ou de humor sociedades. Mas a data máxima do calendário era indubitavelmente o
satírico, dentre elas Avatar, de Marcelo Gama; O trabalho, de Joaquim 1 V e Maio, comemorado no Rio Grande do Sul desde 1892, primeiro
Alves Torres; O apóstolo da liberdade, de João C. de Freitas; Oficzilamento cm Porto Alegre e logo em todas as cidades em que o movimeiito ope-
de Ferrer7Afilha do tecelão e Afonso, o operúrio, de Eduardo Francisco dos rário tinha alguma expressão. Via de regra, as associações saíam em
Santos; Eu n& vou no pacote, de Antônio Cariboiii e as anteriormente desfile, portando seus estandartes e fazendo saiidações operárias nas
citadas de Agostina Guizzardi. sedes das co-irmãs, diante das quais o prEstito passava. Também era
Também se formavam "grupos dramáticos" que tanto traduziam comum que a manifestação encerrasse com um comício, seguido de
obras em idioma estrangeiro como as encenavam. Um desses grupos, o um piquenique ou outra festividade que congregava os operários e suas
Filodramático Libertário, fundado em 1907 em Porto Alegre, justifica- famílias. O primeiro 1"e Maio foi noticiado pela A Federaçcio, veículo
va assim sua atividade: oficial do PRR, e pelo Diário Pofizrlar, da grande imprensa de Pelotas, e
as referências ao caráter pacífico ela comemoração nos dão um indício
A importância que poderá ter uma agremiação de tal gênero é-nos des- da desconfiança que pairava sobre esse novo tipo de trabalhador, consi-
necessário encarecer; em nosso meio vegetam as sociedades dramáticas derado potencialrnei~tedesordeiro:
particulares que, ao em vez de se tornarem centros educativos, são antes
ernbrutecedores com seus detestáveis e inioralíssimos dramalhões. Além Comemoração Operária. As classes operárias reuriir-se-50 amanhã, 2s 2
disso, essas sociedades servem mais para dar largas 2 vaidade de meia horas da tarde, na 1EPrac;ada Alfândega, donde seg~lirãcapor varias ruas da
dúzia de indivíduos, e para o proletário não só são prejudiciais moral-
meiite como ecoiiomicamriite, pois rxigem um certo luxo dos
Y

cidade em grande marcha comemorativa ao dia consagrado às expaii- Esperamos, com o presente texto, ter atingido três objetivos: apre-
sões pacíficas do p r ~ l e t a r i a d o . ~ ~ sentar uma visão ampla, multifacetada e articulada da trajetória do
Porto Alegre, 2 de maio de 1892 - Ontem realizou-se aqui grande rcu- movimento operário gaúcho de suas origens a 1920; evidericiar as di-
nião popular comemorativa do dia 1"e maio. Foram pronunciados dis- ficuldades envolvidas na construção dessa história, especialmente devido a
cursos em alemão, italiano e português. Reinou completa p a ~ . ~ ' escassez e dispersão das fontes e ao caráter moriográfico dos estudos
existentes sobre o assunto e, por fim, estimular os leitores a
Durante todo o período que estamos analisando, os jornais, ope- aprofundarem seus conhecimeiitos e - quem sabe? - realizarem novas
rários ou da grande imprensa, invariavelmente referiam-se à data, os pesquisas a respeito do tema.
primeiros inclusive publicando edições comemorativas,através das quais
podemos encontrar um verdadeiro resumo dos principais acontecimen-
tos do ano operário.
Os festivais operários frequentemente eram realizados visando
Referências
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greve, socorrer companheiros presos, recuperar o déficit de jornais ope- periódico '2 Luta" e o seu desgo de m z ~ d r ~o rrumo da Histbiu em Porto A@e ( 1906-
rários etc. A seguir transcrevemos o programa de um destes festivais: 1907). Porto Alegre, PPG em História UFKGS, 1996. Dissertação (mestrado).
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rio. local da História". Estudos IbmAm'carzos. Porto Alegre, PUCKS, 22 (2),dezembro
No salão "Princesa Elena de Montenegro" será levado a efeito hoje um de 1996.
festival ein benefício das obras do "Ateneu Operário". Este festival obe-
dece ao seguilite programa: . Leituras, edições e circulações de imi~ressosna P M o AkLgre de 1906 a 1911:
1"arte - Conferência por um professor de "Federação Operária" sobre uma análise a partir do periódico 'XLuta ". Canoas, ULBRA, 1999. (Aitigo inédito).
a organização proletária; BAIç Joaii L. Regzonalperspecliue,ul<
on Braziliun labor histmy: labor; state and i d e o l o ~i n
2"arte - Quermesse; Rio Grande do Sul, 1889-191 7. Paper apresentado na Latin American Labor
3"arte - Monólogos cômicos pelo festejado amador dramático Sr. Conferente, abril de 1994.
Alfredo Alves;
4Qarte - Continuação da quermesse; "Class, ethriicity, and geilder in Brazil: the negotiation of workers'
5"arte - Coiiceder-se-á a palavra aos representantes das sociedades; identities in Porto Alegre's 1906 Strike". Latin Ammican Researciz h i e w . Yale, NE,
6"arte - Distribuição dos prêmios da quermesse; 35 (3), 2000.
7"arte - Monólogo do aplaudido amador dramático Sr. Cândido Ilha. . "Labor, cornmunity, and the making of a cross-class alliance in Brazil:
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O
mento da liistória do Brasil só teria a lucrar se os seus períodos decisi-
Ibero-Amm'cunos. Porto Alegre, PUCRS, 21 ( I ) , 1995. vos fossem contados por jornalistas".' O "bom relato joriialístico", ex-
plicou o resenhista, "tem a vantagem de "ater-se aos fatos, não se per-
"A bipolaridade política rio-granderise e o movimento operário (188?- dendo em divagações à moda acadêmica". Klaus Kleber não explicou
1925)".Estudos IDO-o-Americanos.Porto Alegre, PUCRS, 22 (2), 1996. o que seriam as "divagações à moda acadêmica", mas suponho ser
. "A greve geral de 1917 em Porto Alegre". Anos 90. Porto Alegre, PPG tudo o que fuja ao "ater-se aos fidtos". "Divagações" de acadêmicos
em História da UFRGS (5),julho de 1996. podem, no entanto, mostrar o quão simplório e equivocado é imagi-
nar que a história e o jornalismo sejam simples narração de fatos.
. "Etnia e classe 110 mutualismo do RS (18541889)". Estudos IDero-Ammi- Através de "divagações" o historiador, e o jornalista bem informado,
canos. Porto Alegre, PUCRS, 25 (2), 1999.
pode descobrir, e informar ao leitor, o quãÒ arbitrária e precária pode
. "Condicionantes locais no estudo do socorro mútuo (Rio Grande do ser a definição de Lima conjuntura histórica como "decisiva". Muito já
Sul: 18541889)". Locus. Juiz de Fora, UFJF, 5 (2), 1999. se escreveu sobre "grandes momentos" qiie, posteriormente, foram
"Trabalhadores em pedra: conflitos coletivos de trabalho no RS (1895- relegados ao esquecimento porque mudaram os tempos e com eles os
1925)". Hisihica. Porto Alegre, (4), 2000. interesses pelo passado. Nietzsche referiu-se a este aspecto da história
dizendo que : "Todo grande homem exerce urna força retroativa: toda
SILVA,Maria Arnélia Gonçalves da. "Rompendo o silencio: a participação feminina a história é novamente posta na balança por causa dele, e milhares de
no movimento operário de Rio Grande-Pelotas (1890-1920)".Estudos IDero-Ameri- segredos do passado abandonam seus esconderijos - rumo ao sol
canos. Porto Alegre, PUCRS, 22 (2),dezembro de 1996. dele."? Não vivemos mais na época daquele filósofo alemão, e os acon-
Romnpendo o silêncio: mulizozs ol~eráriasm Pelotas e Rio Gande (1890-1920). tecimentos do sécirlo XX rios tornaram descoiifiados para com "gran-
Porto Alegre, CPG em História da PUCRS, 1998. Dissertação (mestrado). des homens" que revolucionam nossa visão do passado. A despeito
disso, podemos concordar com a tese de que é um olliar histórico que
SILWIRA, Marcos César Borges da. O teutla operurio em Rio Grande no tempo das se dirige ao passado, desvelando alguns "fatos" e velando oiitros. Qual-
primeiras chaminés. São Leopoldo, PPG em História da UNISINOS, 2000.
quer historiadoi; oujornalista-liistoriador, está lia posição do "grande
Dissertação (mestrado).
liomem" nictzscheaiio, potencial criador do passado a ser lembrado e
VIOLA, Solon Eduardo Annes. Con.rideraçõessobre o movimento operário no inicio da estudado, e de pertinentes "momeiltos decisivos". A liistória é um cam-
década de 1920. Porto Alegre, UFRGS, 1983. (Monogi-afiade conclusão do <;urso po miitante, indefinido, como defiiiiu Nietzsche na coiiclusão d o
de Especiali7ação em História do Rio Grande do Sul) aforismo já citado: "Não li5 como ver o que ainda se tornará liistória.
XERRI, Eliaiia Gasparini. Uma incursão ao movimento of~errino deXio Grande no inicio Talvez o passado estqja ainda essencialmeiite por descobrir! Tantas
do sséculo X X , Porto Alegre, PPG História PIJCRS, 1996. Dissertação (mestrado). forças retroativas são airida necessárias"."
. "Urna incursão 2s fontes sobre o rnovirnento operário de Rio Graride
110 século XX". Estzldos IDo-o-Anzericanos.Porto Alegre, PUCKS, 22 (2),dezernbro
de 1996. 1 Igebei; I<l,ius.Vigoi do relato histbrico. Gnzpln n/l~?cnt~tzl. São I'aiilo, 1'7, 18 e 19 de novembro d e
2000. (/ilda?zo (te fi~ndu ~pmn?zn, 13. 13.

2 Niettscl-ie, Fi-iedeiich. A garn tzr^nrzn.%o Paiilo: Coinpailhid das L,etias, 2001, Afoiismo 34, p. 81.
3 I(/.
Mais ou menos 10 anos atrás, quando cursei meu mestrado, as O Independente circiilou em Porto Alegre rias duas primeiras déca-
"forças retroativas" daquele tempo fizeram com que muitos historia- das do século XX. Seu criador, Otaviano Maniiel de Oliveira, fora tam-
dores desvelassem um "momento decisivo", específico: a passagem do bém diretor-proprietário de A Gmetinl~a( 1891-1 8991, um jornal de
século XIX para o XX. Viu-se naquele tempo uma série de transfor- "escâiidalo", caracterizando pelo "sensacionalismo grosseiro" de seus
mações fundamentais que ocorreram na sociedade brasileira em ra- ataques à honra de pessoas e de famílias da comuiiidade da capital
zão da modernização provocada pela globalização capitalista. Não fa- g a ú ~ h a Por
. ~ outro lado, o mesmo periódico noticioii e comentou,
lávamos, então, de "globalização capitalista", mas de "imperialismo" com simpatia, acontecinientos ligados ao movirriento operário da ci-
ou de "constituição de sociedades produtoras de mercadoria^".^ Era dade. Otaviano de Oliveira foi associado à Liga Operária Internacio-
um "processo de homogenei~ação"~ do planeta, com as peculiarida- nal de Porto Alegre, entidade que congregava os militantes da social-
democracia, e diversas lideranças operárias colaboraram no seu jor-
des e limites daqueles tempos. Havia então, no Brasil, uma profunda
nal. Devido a isso, A Gazetinha foi classificada como uma folha "social-
rejeição da realidade por parte de alguns indivíduos, daqueles que
democrata", "socialista", "proletária" e "operária".lo O Independente,
tinham condições e interesse em perceber e interpretar as mudanças apesar de matérias simpiiticas aos operários, não pode ser coiisidera-
do mundo, bem como o desejo delas participar. Defini essa rejeição do da mesma forma.
como sendo uma "ânsia de civilização",~oisnão se tratava unica- O segundo jornal de Otaviano de Oliveira foi uma follia secundá-
mente de pretender o progresso material.' Desejava-se, é verdade, ria rio panorama jornalístico de cem anos atrás, mas sobreviveu por
que a cidade colonial fosse colocada abaixo e sobre ela fosse erigida mais de 22 anos e distinguiu-se, em certo sentido, por uma inédita co-
uma moderna urbe, à semelhança das grandes cidades do mundo bertura do interior do Estado." Em seus primeiros níimeros, e ao lon-
daquela época, com serviços de água encanada, esgoto, transporte, go de sua existência, proclamou-se "popular", "republicano-histórico"
iluminação, limpeza. Entretanto, almejava-se igualmente a transfor- e "independente" em relação As forças políticas do Estado. Scm nunca
mação da essência do ser brasileiro - de hábitos, comportamentos, deixar de ser republicano, o periódico variou seu posicionameiito, quaii-
vestimentas, formas de pensar, agir, trabalhar. Desejava-se a instaura- to ao governo local, da oposição, dura e crítica, à adcsáo explícita, de-
ção de uma realidade radicalmente diferente enfim, e a imprensa foi pois de 1907." Não obstante essa variação de suas simpã .ias políticas, O
um dos canais de atuação dos agentes moderniradores: intelectuais, mé- Independentefoi, ao longo dc sua existência, o canal de atuação de indi-
dicos-higienistas, jornalistas, funcionários públicos. Ao invés de sim- víduos que se colocavam, através do jornal, ao lado daqiiele que consi-
plesmente se aterem aosfatos, os jornais foram espaço de divulgação de deravam como o único iiistrumento de transformação da realidade: o
"imagens esquemáticas da realidadeu8 que pretendiam a "civilização" Estado.13 Era este qiic deveria ser o principal ator na soluçáo dos pro-
do país. A imprensa, um jornal porto-alegrense em particular, foi a
principal base documental de minha pesquisa.
9 A ( k e t i n h a foi utili~adapela colega Cláudia Malicli eni siia dissertação d e rriestratlo: Ot~iettz
/)liDlirn e mo7nlitlntr'r: itn/)wizsc~e/)olicinttle?lf«t~thcrtroetn I'otlo A l ~ g r e/?,o(lérn(1ci(/e 1890. Porto Alegre,
1992. Dissertação (Mestrado em História). Crii-so de P6s-gi-aci~iaçãoem IIistoria, Universiclade
Federal do Rio (4raiitie do Sul.
4 A coiiceituação, nestes termos, daquele "processo d e globalizaçáo" pode ser examinada em
10 A primeira classificaçáo 6 d e Peterseii, Síl\ia Kegiiia Fel-i-az. Guio /jrlrn o e.s/rtdo d n Z ~ L / I ~ P dos ILS(Z
Hobsbawii, Eric. A era dos ittr/)é7jo.s. 1875-1914. Rio d e Janeiro: P ~ eL Terra, 1988; Hardmaii,
Francisco Foot. fr~ntnsmcc.A »lodern,idnde ~ z aselva. São Paulo: Compariliia das Letras, 1988. A tt.crDnI/zn(loti?sdo Rio Gi.r~ndedo SILI(1874-1940). Poi-to Alegre: UFKGS/ITAI-'EIZGS, 1089, p. 28. As
demais classificaçóes sâo d e Pesavento, Saiitlra Jataliy. O colidirlr~od a Kr/~liOlicr~. I<lile~e povo n a
Última expressão entre aspas, tio texto, foi retirada da obra d e Mardman, p. 1G.
uit-nda do século. Porto Alegre: UFKGS, 1090.
5 Sevcenko, Nicolau. Lileratura romo ?~zissZo:Tensões sociais e criação cultural na Primeira Repúbli-
11 G o n ~ a ç aAlcides.
, I T o t ~ ~ ePt zf07sns
~ (lejot /?nl.Porto Alegre: Globo, 1944.
ca. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 44.
12 O marco da mudança foi a luta pelo go\.t:riio estacliial, que dividiu o PIIR corri a disputa entre
6 Francisco Foot Hardman designa este mesmo aiiseio com a expressão "ânsia d e progresso".
Fei.naiido Abott, ~ I . ~ ? z s ~ I Lc10~ ( Lpartido d e Borges de Medeiros, e Carlos Barbosa, candidato da
Quando d e miiilla pesquisa, optei por "civilização" por elitelider qrie esse termo expressava,
sitiiacáo. OIt~de/~erz(~e~ztedefeiicleii a candidatura cle Abott at6jiinho d e 1907. No dia 12 dacjiiele
com maior fidelidade, a preocirpação existente n o j o r ~ i a lO Inde/)endente.
mês, em "AG1TA(r'A(3 -. A nossa atitude", artigo assii~atlopelo pi.6prio Otaviailo tie Oliveii-a,
7 Seria iriteressante contl-astar a "ânsia d e civilização" d e cem anos atrás com a "ânsia de Primeiro tudo inudo~i.A partir daquela [lata, o clireto~proprietáriod ' O I ? ~ c / e / e t z /não e mais abairdo-
Mundo" , qiie grassa em nosso pais há mais d e uma década. Poder-se-iam verificar semelhanças nou as hostes oficiais, passando a freqLientar os mesmos anibientes qire os "prócei-es republica-
e diferenças entre dois momentos cle radical rejeição de uma identidade iiacioiial qiie não esteja nos", elogiando-os e recebendo sinais d e coiisicleraç5o tias aiitoridades.
d e acordo com o "niovimeiito da história", oii melhor, com os sonhos d e nos transformarmos
13 E rniiitas vezes acima tlo prhprio Estaclo, pois a iniprensa tla época, e não soinente Ol,ide/)~?a(/etl-
em europeus ou norte-amei-icaiios.
te, tamtkrrt se.julgava fiscal e.jiiiz da ação clas autoi-iclades. (;olo<:ando-.senuina j>osiçáo acinia cle
8 Geertz, Clifford. A in,terfitztaçho das czdturccs. Rio d e Janeiro: Jorge Zalrar, 1978, p. 190. qiialquer interesse part.icular, ela aclqiiiria, oii tencionava aclqiiirir, {irna situação privilegiada
blemas que atrapalhavam a modcrnização de Porto Alegre, em particu- por si só a coiicepqiio negativa da maioria da população e o precoiicei-
lar do "problema social". to quanto ao seu comportamento, se entendermos por moralidade sim-
O que me chamou atenção, desde o iiiício da pesquisa, foi o pre- ples "obediência aos costumes".1('Defender a "moralização do povo"
conceito social das matérias sobre a civilizaçiio daqueles que, em matérias significa não considerar o etl~os" deste como adequado, digno, respri-
mais amenas, eram simplesmente classificados como "inferiores". Não tável, aceitável.
creio que em outra época da história do Brasil republicano o precon- Minha principal preocupação, lia dissertação de mestrado, foi
ceito social teiilia se manifestado de forma mais intolerante do que iio explicitar o caráter autoritário das radicais propostas expostas de rna-
início do século XX. Não creio que em outro período de nossa história neira constante no jornal. Neste artigo em particular, abordo o qiie
o preconceito social tenha sido publicamente expresso de forma mais deixei de lado em artigos anteriores: os "menores de rua". Esta é uma
sincera e agressiva. Há, em boa parte das matérias sobre o "problema expressão contemporânea e pode facilmente induzir ao anacronismo.
social7',uma cliocante conjunção de sentimentos de medo, repulsa, asco Minha intenção é simplesmente destacar o elemento comum nas diver-
e mesmo ódio, e um evidente desejo de inspirar tais sentimentos nos sas matérias aqui analisadas: elas se referem a menores que viviam, cori-
leitores através de algumas terríveis construções simbólicas. É tentador viviam, passavam parte de seu dia nas ruas. Não eram, iiecessariamente,
considerar a imprensa como simples "instrumento de informação". Ela, moradores das ruas, abandonados, drogados, delinqüentes. Existiram,
entretanto, nunca foi isso apenas, e o foi menos ainda no início do é certo, menores delinqueiites, e muitas matérias d'O Independente for-
século passado, quando os jornais, tal como os do século XIX, preten- iiecem informações a respeito disso. Entretanto, o "problema social", no
diam desempenhar um papel ativo nos acoiitecimentos. Concebiam-se início do século passado, era concebido de forma diferente e as diver-
como agentes sociais e lutavam para serem reconhecidos como tais atra- sas classificações dos "garotos", bein como suas respectivas implicações,
vés de matérias antes de caráter opinativo que noticioso.14 Através delas, pertencem àquele tempo, às páginas de um jornal específico e ao pen-
com idéias, conceitos e temores que supunham aceitos pelo leitor ima- samento de determinados indivíduos. Ao lado das "prostitutas7',dos "va-
ginado, seus redatores construíam verdadeiras imagens com os objeti- gabundos" e dos "mendigos", os "menores de riia" - quando classifica-
vos confessos de "moralizar o povo" e "aisxiliar" as autoridades na exe- dos como "vagabundos" - foram uma das quatro j i p r a s ,simbólica,s da
cução de seus deveres. O Independente se classificava como "popular" abjeçiio social. Nas paginas do periódico, essas personagens foram apre-
quando pretendia ser o representante da maioria da população. Nas sentadas, ao leitor e ao Estado, como Lima ofensa e uma ameaça à
matérias sobre o "problema social", porém, povo é, usualmente, subenteii- moralidade, à saúde, à segurança, aos projetos de civiliznção da popula-
dido de forma negativa: é a grande parcela dos porto-alegrenses que ção da capital gaúcha. Ou nielhor, uma ameaça à sobrevivência e aos
nGo é respeitável e rnora1.I" projeto de "moralizar o povo" já indica projetos daqueles que eram considerados como componentes do "es-
col social" porto-alegrciise. Apesar dc Otaviano de Oliveira, e boa parte
de seus redatores e colaboradores, terem tido uma origem social hu-
para a sua atiiação no meio social, podendo alinliar-se oit contrapor-se a qualqirer força, res-
çriardado pela sua posiçáo d e altaiieira neutralidade e isenção. milde," não dcixaram de pensar consoante o elitismo então dominaii-
14 Em 7 dejaneiro d e 1909, o correspoilcieiite A. Viiiardell-Kuig reagiu à concepção norte-arneri- te, presente inclusive no movimento operário.'"
caiia de jorilalisrno, a qual faizia da imprer~sasiriiples insrriiineillo inSormativo. Nas palavras do
correspondente, o periódico, "na siia acepção mais i-acional e sob o ponto d e vista da ética,
devia ser uma escola d e ilustraçào e d e bons costumes". Apesar d'O Ir~de/)ende~ztr, exatamente a 16 Nietzsche, F.. Aumrtl. Porto, RGs, 1983, p. 13.
partir desta 6.poca, ter acentuado seu caráter informativo, nunca cedeu conipletamente à con-
cepçio que Vil-iardell-Riiig classificori corno sendo uni "aviltameiito moral dos costumes 17 Ethos entendido conio hcibifo enpnnto rnrncte7islicn disli?sli?~n e rn-arteirade ser col~lianoii,de forma
joi-~ialisticos". mais precisa, como "tom", o "caráter" e a "qiialidade d e vida", o "estilo moral e estético" e a
"disposiç%)" d e iim "povo". A primeira defiiiição 6. rima adaptação da apreselitada por Eniile
15 Nesses casos, aplicam-se as palavras do prefácio de Jacques L,e Goff ao excelente livro d e Benveniste para o termo,grego, restrita ao plaiio iiidividilal; a segunda 6. elaboração d e C;liffoi~d
Geneviève Bollènie sobre o liso do "povo" pelos literatos: "No âmago da designação d e rima Geertz. Cf: Beiiveniste, Eniile. O rioc.ab,ukíriorins ir~,stitui~ões
indo-euro/)Pins. Yofl~?; I)i,-rito, KvligiGo.
obra, de iim objeto, d e urna literatura, tie urna religião o11 d e uma cultiira como 'popular', há Campinas Eúitora da IJnicamp, 1995, 11. 1, p. 326; Geertz, C;. Op. cit., p. 143.
em vei-dade rima rejeição: o l~opularé sobretudo aqiiilo que não 6 (erudito - científico, racio-
nal -, riobre, ete.)", Bollème, G. Opovo/)o~escrito. São Paiilo, hlartiiis Fontes, 1988, p. VII. "Fa- 18 As principais informações, além daquelas oferecidas pelo próprio jornal, eiicoiitr-am-se rias
tos" como a Re\~olirçãoSoviética levaram à ampliação da noção de povo em artigos como o mem6rias de Vivaldo Coaracy, iim dos seus redatores, pro\~avelmenteentre 1005 e 1907. Coaracy,
piiblicado em 24 de~jaiicirod e 1919, sobre o "maximíilismo". O siirgimeiito deste Sai explicado V. Er'r2c».ntrosrorn n uidn. Rio de.Jaiieiro:José Olympio, 1962.
como fi.iito da falta d e zelo para cotn o "povo": "o operáiio, o patrão, o pobre, o rico, o bacha- 19 O militante socialista, e redator d ' O Itld~/1~?ide?2te,
P,iiis Alves Rolini, em artigo comen~orativoao
rel, o f~~ricioilário",eiifirn, "todos nós". Primeiro d e Maio d e 1904, escreveri iiojornal que o partido "genui~iaine~ite do povo" era giiia-
Os objetivos deste artigo se resiimem a mostrar, inicialmente, al- Em rienhuma capital populosa, vê-se a criai~çadaem grupos pelas luas,
em correrias, em brinquedos, saltando ern bondes ou carroças, como
guns dos elementos usados pelos jornalistas?' daquele periódico para
sucede em nossa terra.
fazcr dos "menores de rua" um problema, e como isso estava ligado ao As mas são apeiias destiizadas ao trânsito público e não a recreio de meninos.
"problema social9'por eles concebido. Posteriormente, apresentarei e Assiin conio as mães contêm as meninas, que são numerosas, e não brin-
analisarei algumas das medidas sugeridas para a resolução do "proble- cam nas vias públicas, também deveriam conter os rapazes, fazeizdo-os
ma" dos "garotos". Ela comportava dois aspectos - como tratar os quejá briizcar nas áreas e nos quintais.
tinham se tornado "vagabiindos" - medidns tera~êuticu.~ para tratamento Mas izão se dá isto. Muitas mães, não quereiido aturar os filhos arteiros e
do "mal' -, e conio resolver de vez o problema, as nzedidus profláticas. desinquietos, deixam-nos sair a porta da rua, com supremo alívio.
Daí os numerosos fatos lamentáveis de crianças apanhadas pelos veícu-
Nos dois casos, o agente de intervenção era um só e o mesmo - o Esta-
los, das rixas entre rapaLes, cabeças quebradas e até mortes eiztre eles.
do. Ao longo de rodo o período pesquisado, apenas o Estado foi consi- As crianças devem ter fhlego, mas este deve sei- vigiado e nunca rias ruas
derado como instrumento legítimo e capaz de criação da nação, de públicas.
intervenção, correção e transformação da sociedade. Não se tratava do Os jardins aí estão, sem nenhuma fi-equência, quaizdo neles seria o me-
reconhecimento de uma realidade, porque ojornal militas vezes, ou na lhor local para reunião de crianças, para os seus briizcos e folgiiedos.
maioria das vezes, não teve atendidos seus desejos de ação estatal. O Preciso é que cada um se coiivença de que nas ruas, sem escolha, izuma
que podemos acompaiihar nas matérias sobre o problema social em promiscuidade deprimente, iião se pode dar boa educação à prole.
particular é o contíiiuo traballio de constituição do direito de interfe- O contbgco moral existe do ~ m s m 77zodo
o com tãofune.s~aclção co,no o coniágzofiiro.'"
Para que se possa educar, é preciso exercer vigilância sobre as criariças, a
rência radical do Estado. Fosse repressora, institucionalizadora ou sini-
fim de que, a cada erro, apareça a censura e a correção.
plesmente violenta, ela seria sempre arbitraria, porquanto resultante ex-
clusiva do juizo de governaiites orientados pela "lanterna de popa" da A hipérbolc - rio seu aspecto de figura que siiperestima determi-
"imprerisa moralizadora" ." iiado dado, informação, fato - é uma das características da retórica do
jornal no trato da queslrio social. A modesta Porto Alegre do inicio do
Os menores e a rua corruptora século XX podia assim ser considrrada, dentre as capitais p@ulosc~sde
então, como a qiie api-esentava, de forma ímpar, uma "criançada em
Em 2 de setembro de 1909, foi publicada tima matéria intitulada grupos pelas ruas, em correrias, em brinquedos, saltaiido em bondes
"OSmenores e as ou carroças". Não se trata do problema de menores abaiidoi~ados,mo-
radores de rua, crimiiiosos. São crianças aparelitemalte i-iorrnais, de
estrato social não definido, que escapavani para as ruas e nelas convivi-
am com outras crianças, foroiarido "grupos" e usando aqueles espaços
públicos como seu pátio de brincadeiras. As culpadas, seguildo o arti-
d o por "mentalidades criltas". O próprio "desenvolvimento espiritual" íla "miiltidáo operãria"
era um dos objetivos da existência da folha cle Otaviaiio d e Oliveira, conforme artigo ein qiie
culista, eram mães, porque, impacieiitcs com seus filhos "arteiros e
saiidou a criaçáo do "Ateiieu Opei-ário" (1/5/1910). Tal estabelecinieiito, escreveu-se, era "uina desinquietos", sentiam-se aliviadas quando os mesmos escapavam das
<c,/
necessidade iirgeiite, pois o mal de qiie se queixava o operariado" era, 'km g r a ~ i d eparte, cleri- areas e qiiiritais" de suas casas. Maiitiiiham as meiiiiias junto consigo,
vaclo da sua carência d e cultivo intelectual". Esse elitismo pode explicar o "estilo autoi-itãrio"
ideiitificado por Benito B. Sch~nidtna concliição c10 mo\.irneiilto ctos trabalhadores gaíichos, e mas permitiam qiie os meninos se evadissem. Preguiça, impacieiicia,
que atribuiu a possível iniflitência das "teorias sociais científicas". Cf. Scmidt, B. B. O deiis tio falta de vontade causavam a incúria materna e criavam uma espécie
progresso - a difiisão do cieiitificismo 110 movimetito operár?o gaUcho da I Kepíiblica. I<evi,stcl
R,-cl~ibir-ndefli.sló7in. São Yaiilo, v. 21, 11. 41, p. 113-12G,2001.
particular de problema social. As ruas eram um espaço perigoso para
20 Osjoriialistas d'O Irtdej)ef,el~derlte
se enqriaclram mais propriamente na categoria d e "espíritos de
criaiic;as. Elas ofereciam alternativas arriscadas para os pequenos tmve,ssos
eleição" que combinavam as suas profissóes d e professores, ad\,ogados, eiigenlieiros, militares, - as simplc-scorrerias lias calcadas e em meio ao trâiisito, as caronas rni
com a atividade inta-:lectlial e joriialística. Não eram jornalistas profissionais. bondes e cai-roças. Nas ruas tambkrri não era possível a cdi.icaqãc) apro-
21 Ao final de Lirn artigo sobre a "vadiagem" d e nieiiores, em 25 de jiiiilao tle 1911, foi escrito: "A priadajá que iiiexistia a vigilância d e um adulto respoiisável - e a corre-
missáo da impreiisa é toda iiisti-iitiva;consiste eni iiifòrmar, apontar; avisar e aconselliar; o resto
afèta aos poderes competentes, àqueles que revestimos tla aiitoriífaclr pfibca".
22 Salvo iiidicaçiio em coiiti.sirio, todas as rnai6i-iasjori~alísticasan-nalisadasnesse artigo perteiiceni
à coleçáo d ' O In~(l~11end~r~te
pi.eservada 110 Artl~iivoMiiiiicipal d e Pon-toAlegre. 23 Salvo observaçáo eril c o n t ~ í r i o to(los
, os destaqiies são tle iiiiiiha aiitoria.
ta formação exigia permaiieiite vigilância para que, a cada "erro ou dos fatores que levou à sua adoção pelos intelectuais brasileiros, a par-
falta", ocorresse a necessária censura e correção. Sem a presença tir do final do século XIX. Na interpretação de Bolívar Lainoiinier, houve
corretora de adultos responsáveis, os menores se reuniam em "grupos9'. uma "assimilação estruturada" dessa metáfora portadora da "reaçâo
Estes eram meios de socialização perigosos - o texto fornece as evidên- romântico-conservadora ao iluminismo, racionalisrno e ao utilitarismo"
cias: havia rixas entre os mesmos, com brigas, ferimentos e mesmo e característica do conjunto de idéias protofascistas européia^".'^ No
mortes. Estas eram acidentais ou premeditadas? É um ponto não escla- nosso país a sua absorção teria acentuado o elemento positivista e os
recido - o que pareceu importante ao redator foi fi-isar o alcance do aspectos conservadores da linguagem organicista. A mudança deveria,
risco corrido por aqueles meiiiiios. Nos 'Jardins" - as praças? - e sob entre outras coisas, se caracterizar pela garantia da perduralidade de
vigilância, eles poderiam se reunir, se divertir e serem formados ade- certos aspectos do passado, pela adequaqão ao grau de maturação da
quadamente. Nas "ruas públicas", em meio aos "grupos", não havia "es- sociedade. Ela deveria consistir na instituição, pelo Estado, de rima or-
colha", a não ser conviver numa promiscuidade não definida pelo arti- dem adequada à natureza do orgaiiismo b r a s i l e i r ~ Confirma
.~~ a argu-
culista, mas sugerida como moralmente corruptora. Essa é causa maior mentação de Lamouiiier, eiitre outros artigos d' O Independente, o come-
do descaminho dos menores: a corrupção moral. Assim como existia morativo à proniulgação da constituição de 24 de fevereiro, publicado
contágio físico de moléstias, assegurou o mesmo, também havia o "coii- na primeira coluna da primeira página da edição de 23 de janeiro de
tágio moral".24 1910. Nele, a monarquia foi classificada como uma "aberração traiis-
A ideologia expressa nas páginas d 5 0Independente é um exemplo plantada de plagas externas, que devia ceder o lugar à "fatalidade
de visão moral de mundo, isto é, da concepção da sociedade como um idiossincrática de nosso sangue, para o qual a República é uma necessi-
"sistema de costumes"."' São estes, os costumes, e não leis econômicas dade fisiológica, um quase iiistinto político." Em uma realidade pensa-
ou políticas, que estruturam e que podem desestruturar uma socieda- da conforme princ@io.sorganiristas, não havia necessidade da livre deli-
de. Disso decorre o moralismo das matérias do jornal e, no caso do beração de seus membros quanto ao regime político que deveria reg&
artigo anteriormente considerado, a referência ao "contágio moral9'. 10s. O "organismo brasileiro" guardava em si a sua formapolitica, a única
Esse assurne sentido especial devido a outra peculiaridade da ideologia possível, que deveria ser simplesmente instituída por quem tinha o di-
dos intelectuais do jornal: a concepção da sociedade em termos orgáni- reito e a capacidade para t a i ~ t o . " ~
cos e naturalistas.'" Nas ideologias historicistas alemãs, a transposição Em seu artigo sobre as relações entre "populares" e "morcegos"
para o domínio social do "conceito naturalista de desenvolvimento or- (policiais), na Porto Alegre do século XIX, Paulo Moreira identificou
gânico" compeiisou a falta de uma história comum para a implantação a existência de uma "seiisação popular" que "construía as ruas como
da nação ~ e r m â n i c a . A
' ~unidade do povo teuto não era conferida pela espaço de relativa liberdade de movimento e comportamento, no qual
história, que a negava, mas pela raça, pelo sangue de um organismo somente alguns elementos eram considerados legítimos para efetua-
cujas origens podiam ser remontadas à longínqua antigüidadc. É possí- rem o ordeiiamento desse 'espaço comum' - legitimidade nunca ab-
vel que essa peculiaridade das "concepções organicistas" tenha sido um

28 1,arnouiiiei; Bolívai: Formação d e Lim peilsanneilto político a~ttorit;íriona Primeira República.


24 "Acreditamos em uma mente sã iirim corpo são. O corpo político deve estar sadio para qite O Uma iiiterpretação. 111: Faus~o,Bõris (dir.). O Brc~.silre;f,z~Olicnno. 2. ed. Rio cie Janeiro - São
espírito possa ser saudável. Saúde moral e saúde física são a niesma coisa". Essas palavras, que Paulo: DIFEI,, 1978. Tomo 111, v. 2. p. 345-377.
bem poderiam estar nas páginas (1'0 I1t(le/je7zde1z,te,forarn pro~iuiiciadaspor Adolf I-Iitler em 29 Ibzd., p. 362-363; \(:r tdriib6m Pecaiit, Daiiiel. Or itzt~l~ttirnr~
Y (1 /jolitlcn n o BmszL E I L ~oI /)o710
P Y (L
entrevista aojornalista Sylvester Viereck e publicadas lia revista norte-americana I,iDeq, em 9 d e nnçcío. Sdo Paulo, Atica, 1990, p. 4G e ss.
julho de 1932. São iim i~idícioda ligaçâo eiitre as teorias orgailicistas e moralistas e as ideologi-
as autoritárias e nazi-facistas. A entrevista d e Hitler foi reprodiizida em: Hitler. Folha de Scío 30 O Coronel Lúcio C:idacie, iez o elogio d e Carlos Barbosa eni artigo priblicado em 10 tle
São Paulo, 4 de ja~ieirod e 1998, Caderno Mi.irido, p. 18.
1J~12110, novembro d e 1907. Seguildo o articulista, o recém eleito presidente da província eritciidia a
democracia como esta devia ser compreendida em "iiiri meio social em traiisição". Aquele
25 A esse respeito ver Le Goff; Jacques. Histcírin e ~nemórin.Campinas: Editora da Uilicamp, 1990, p. prócere repiiblicaino ateiidia a todos, corisiderava a torios corno úteis à sociedade, sein cleixar
408.
com isso os despseparados "peiictrar na direção política cle um povo". Assirn, Barbosa era iim
26 "As sociedades, como se fossem orPiiismos, tambkrn têm as suas moléstias, também são ataca- democrata sein ser um "agitador clas camadas iiiferiores" , as qnais, "para serem contidas,
das por micrõbios tenazes, por infècçóes mortais". Definição contida em "Sífilis social I", d e 9 precisam ser tlomiiiadas sem qiie lhes ilegiie a liberdatic, cliie é o silpreino beirn". Coiicepqâo
d e março d e 1905. d e liberdade e d e ciemocracia iim tanto restritas, mas adequadas ao IPio Grande cio Sul da
27 Arenclt, Hanilah. As oripns do totnlitntisst~o.Lisboa, Dom Quixote, 1978, p. 231-237. Primeira República.
soluta e seinpi-e ~ o n t e s t a d a " ~A' . coiicepção expressa no jornal de do joriial. Esse era o mal que podia ser trarismitido por "coiitágio rno-
Otaviano era muito diversa. Nele, a "rua pública9' sempre foi apreseri- ral" - de um lado, a desocupação, o ócio absoluto, a vagabundagem, de
tada como uma ameaça a segurança e a saúde do organismo social. No outro a ocupação potencialmente criminosa, a malandragem.
caso do artigo sobre "Os menores e as ri~as",ela é esseiicialmente ame- O que era o "vagabundo"? Em artigo de 28 de abril de 1901, foi
açadora a seguraiiça e à a formação dos "meiiiiios". A cidade, no que definido com um "cancro social". "Cancro7'pode ser enteiidido tanto
diz respeito à socialização infantil, foi claramente dividida. No âmbito como um "câi-icer"ou como uma "lesão inicial de sífilis". Nos dois ca-
privado, havia os lares, com seus quiiitais e áreas, para educação de sos, os significados transmitidos envolvem a idéia de uma patologia que
meiiinos e meninas pelas suas mães (muito tempo ainda se passaria corrói o organismo - por multiplicação de células ou por infecção
até que as transformações da divisão doméstica do trabalho forçasse
I
bacteriana, no primeiro caso, por coiitaminação com microorganisnios
os homens a assumir uma dupla jornada de traballio). No âmbito pú- através de uma relação sexual, 110 caso segundo. Vagabundagem era
blico, havia "jardiris" e "ruas" - nos primeiros, sob o controle adulto, ligada assim à uma degeneração orgânica potencial, 2 qual todo orga-
as crianças podiam se divertir e, ao mesmo tempo, serem educadas. nismo é sujeito, e à sexualidade moralmeiite condenável, através da
As segundas erarn uni espaço de risco. Porque nos logradouros os qrial se propagavam as doeiiças venéreas. Outros perigos, é claro, exis-
meiiinos viviam em "grupos" que se comportavam de forma arriscada tiam. Como o "vagabundo" era um ser que queria viver sem trabalhar,
em suas brincadeiras, que tinham um etl~osque levava ao conflito com esclareceu artigo de 20 de março de 1910, ele dependia do furto, da
outros "grupos", que tiiiham uma moral fuiiesta para os caracteres gatuiiice, do roubo, do jogo, do assassinato, para sobrevive1-. Quando o
em formação. Mas qual a origem do "contágio moral" e no que ele menor era denominado "vagabundo", era à essa figura simbólica que
consistia exatamente? ele era associado, na qual se combinavam idéias de contraveiição e de
O leitor d'O Independente sabia o tipo de "contágio moral" qiie po- traiisgressão criminosa e sexual. Freqüentando os "meios viciados e es-
dia ocorrer lias ruas de Porto Alegre e suas respectivas causas. Na pri- púrios", ou vivendo neles, as crianças eram expostas, na visão do perió-
meira página da edição de 25 de maio de 1905, foi publicada uma ma- dico, ao "contágio" daquele ethos moralmeiitc corrompido e criminoso.
téria intitillada "Garotos" Por isso, os "menores vagabundos" podiam ser referidos como "ladrões
embrionários".32
A policia municipal promove com louvável afã a repressáo 5 iiagaliuridii- Os "becos9'da cidade, juntamente com bairros coiisiderados sus-
gein dos p~quenosgarotos que pululam nas ruas desta capital [...I Por mais peitos como o Areal da Baroneza, eram um dos "meios viciados e espií-
de uma vez, O Independente se tem preocupado com a situação dessas
rios", espaços de transformação do "enibrião da abjeção" - o "meiior
crianças qiie se v50 eclucando enl meios viciados e esj!!úrior.De há muito
que temos notado a necessidade de uma qualquer medida oficial com de rua" - no sei- ignóbil acabado - o "vagabundo". Eles se localizavam
respeito aos guris que por todas as nossas ~-uase j9ruças jaz~7no perigooro iio ceiitro de Porto Alegre e foram um dos alvos privilegiados das maté-
uj!3rendizadoda vuguDzcndagem e da ?nnlandrage?n. rias sobre "saiieamento moral"." Desde os primeiros núnieros, O Inde-
pendente iiivestiu contra esses locais específicos da cidade. Dentro dos
Nesse artigo, os "garotos" que "pululavam", isto é, que se multipli- becos foram precisadas as origens, os focos de "contágio". Em "Sífilis
cavam pelas ruas da cidade, iião são coiisiderados uin problenza social social 11" (12/3/1905), apareceu um desses elementos específicos de
por serem "meiiores abaridonados". O motivo da iiiquietação do arti- contágio
culista E corn o futuro daqueles meiiinos em vista dojuízo quanto aos Çontin~iaiidoa análise que no último número empreendemos da devas-
meios por eles freqtieiitados, ditos "viciados e espúrios". Nesses luga- sidão que como cancerosa pústula vai aos poucos se alastrando em irm
res, a única apreiidizageni possível cra a da "vagabuiidagem e da ma- contcipo perigoso para a nossa mocidade [....I Queremos nos referir às
landi-agrrn"ydois dos maiores temores dos redatoi-es <- colaboradores

31 Staiidt, Paiilo Mot~ertohloreira. E a rua i150 é do rei, Morcegos e poplilares i10 inicio do polici- 33 Como jA o tinharri sido iio final tio séclalo XIX, pela Cnzpl~~zhn i pelo]ojol?bnl dn Ii77CIp, p e s c l i ~ i ~ d d o ~
amento iirbaimo eni Porco Alegre. Skcitlo XIX. 111: Staudt, Paiilo R. h!., Hageii, Acãcia Maria por hlaiirh, (;láiidia. Saiieariieiito rnoial em Porto Alegie ima decada d e 1890. 111: Mauch, PL
Madiiro (Orgs). SoOv n run e oz~troslug~~res. Keini.eiitanclo P ~ I - tAlegre.
o Porto Alegre: Ai qiiivo n//. I'orto A I P ~ I??a
P ~ ~ z ~ adod ~ l o 1'01 to Alegre: Editoia da UFK(;S, Editoia da IJLBKA,
n i o ~ 19.
I-Iistór-icod o Ihio (;i,ande do Siil, Caixa Ecoii6mica Federal do KS, 1995, p. 53. Editora Uni~ino5,1994, p. I1 e ss.
célebres bodegas, antros de vício, que j2zlll~Zanznas, ruas duwido.sas desta jornal, eram as "bodegas9'qiie atraíam os "desociipados", causadores
capital, escolas de embrutecimento, onde a embriaguez acotovela a li- de "desordens" com "resultados trágicos, como facadas, cacetadas,
bertiiiagem e frateri~izacom o jogo. e tc "36 Ameaçavam, esses "ii~divíduos'~,
não apenas a segurança, mas a
r 1
L...J
Muitas outras tascas têm-se (sic) aberto pela Cidade Baixa, além das aiiti- "moral social", isto é, o qiie era considerado como sendo a infra-estru-
gas que continuam franqueando as portas a todos os viciosos, fomentan- tura da sociedade. Na matéria em questão eles foram descritos como
do a devassidão pelos becos do Poço, do Fariha e outros. tendo prazer em se reuiiir para "achincalharem os preconceitos da
ordem e da moral". O (s) redator (es) se esforçaram, então, para gerar
É notável como o organicismo da visão d' O IndeFendente é adeqiia- medo e asco no leitor descrevendo o que seria uma cena de degrada-
do a uma visão alarmista e alarmante da realidade. Segundo jornal, o ção no qiie hoje chainaríamos de "as voltas do mercado":" "talvez sob
organismo social da capital gaúcha tinha sua sanidade ameaçada pela a influência atmosférica alterada pela presença de Marchetti, espu-
corrupção moral que se alastrava a partir de "bodegas", "tascas" , casas mavam de delírio canibalesco, expelindo pela boca, num hálito re-
de pasto ordinário, segundo sentido preservado pelo dicionário Auré- pugnante de cachaça efervescente, todo o rosário oral de seus conhe-
lio. Sendo um todo orgânico, a sociedade dependia da sanidade de to- cimentos de beco".:48
dos os seus "órgãos", especialmente da sanidade moral dos mesmos. Ainda levaria niiiito tempo para a cachaça ser reconhecida como
Como a segregação urbana ainda iião se fizera sentir em Porto Alegre, uma "bebida nacioiial"."" No início do séciilo passado, como até há
o estado i~ormalda cidade era o "doentio",já que habitava111 em seu pouco tempo, ela era considerada a bebida do pobre, do desclassifica-
coração as pessoas cuja moralidade era vista como ameaça de desirite- do, do vagabundo. Mas os "turbulentos" do Mercado não eram apenas
gração. Havia, pois, um permanente perigo e era preciso denunciar o alcoólicos. Antropofagia é um dos atos que distingue o humano (civili-
mal e a possibilidade de seu "alastramento" por "contaminação". As zado) do selvagem. Em nossa visao dc muiido separativa, talvez seja um
"bodegas" erarn "escolas de embrutecimeiito" - produziam "selvagens" dos poucos ''fdtos" que guardam resquícios da idkia de mácula, caracte-
- e a trarisforniação de seres humaiios em '6brutos'9era resultado do rística de concepções interligantes de mundo.") A referência ao "delí-
álcool, da libertinagem e do-jogo. Figura central desse processo de de- rio canibalesco" provocado pela "Marclietti" fazia, portanto, daqueles
gradação era a da prostiluta, freqiientemente considerada como uma "desocupados" seres à parte da raça humana civilizada. 0 s "turbulen-
"infeliz", de "natureza fraca", seduzida por "viciosos" ou por cafetiiias." tos" eram verdadeiro selvagens capazes de comportamentos iiiumanos
De qualquer forma, consciente ou não, vítima ou iião, a meretriz era devido ao seu coiisumo habitual de cachaça. Era a bebida qiie criava a
apresciitada como uma ameaça à saúde, à moralidade e à segurança da "influência atm~sférica~~ que propiciava a exibiçáo dos "conliecimentos
cidade. Era intimamente associada à figura do vagabundo, ao qual, se- de beco", os quais erarn transmitidos aos transeuiites inocentes por ar
gundo o artigo de 20 de março de 1910, seguia, acompanhava c auxili-
ava, ajudaiido a roubar, atraindo as vítimas para que o comparsa fizesse
36 Id.
a "féria do dia".
37 Qiie permaiiece seiiclo, cem anos depois, iirn espaço d e "coiivivêricia pol~iilar",com tiido o que
Mas as Iiodegas, um dos ceiitros de disscminação de "micróbios essa expressão, adequadanieiitc imprecisa, pode sigiiificar.
morais", não se localizavam apriias nos célebres bccos e nos arraiais 38 Id.
suspeitos. O Mercado Público, iio coração da capital, era tini dos meios 30 Sob o títiilo "FI-IC decreta: a cacliaça í- brasileira", o site do E,:.ctcldcionoticia o decreto presi-
contaminados e contaminantes. Isso foi denunciado pela coluiia "Inte- dencial 406% d e 21 d e de~ernbi-opassado, qiie defiiiiii: "O uso das expressóes protegidas
'cachaça', 'Brasil' e 'cachaça clo Brasil' e restrito aos produtores estabelecidos iio País". O
resses Muiiicipais, rio ano dc 1907"." Tal corno hoje, "bodega" é de- okjetivo do cieci-eto é a proteção do "prodilto iiacional" contra a aqáo daiiosa cle estrangeiros
iiomiiiação reservada para pequenos estabcleciineritos c ~ g aimagem e, com isso, estimular a exl>oi.taçào.fistslnclno.com.Dt; São Paiilo, 27 d e dezembro ele "01. Dis-
está ligada à siijeira, consumo excessivo de álcool e brigas. Segundo o poliivel em http://~v~zr\v~jt.~~c~~~.c0m.b1-/ec1itoris/O 1/12/27/~rer()28.Iitnil.Acesso em 15
cle janeiro ele 2002.
40 Sobre as distiiiçóes entre visões d e iniinclo sepai-ativa - qiie sup6e a realiclade diviciida em
ciominios estaiiqiles (huiiiaiio, iiatural e, eveiit~ialmeiite,clivilio) - e iiiterligante - qiie imagina
o cosmos diviclido em àrnl~itose seres iiiiidos por elos qiie os tornarn iiiterdepeiideiites - vei-
34 A respeito cla prostituiçio 12 '0 Ii?d~/jende~~le,
ver Elmir, Cláiiclio Pereira. Iniageiis da prostituição especialrneiite: Oudcrnaiis, 7'h. c:. MT.; l,ardiiiois, A P M I-I. ii-agic ctn~Dig7~it~
An~i-u/)olo~~/~hiloso/~/~~
na Porto Alegre dos anos 10. In: R,Iaiich, C. e outros. O/). c.il.,p. 8%-08. nrld So/~hocLeisAi?tigone.1,eicleii: E . J . Brill, 1987. Os autores iisam o coiiceitr) d e cosinologia, niais
3.5 7 d e março d e 1907. complexo e detalliado qiie o de \,isáo de niuiido.
carregado pelo mau cheiro do "hálito rcpilgiiaiite9',igualmente origi- O caso suspeito deu-se 110 beco do Fanlia.
nado pelo consumo da bebida. Eram, em resumo, seres abominiveis: No beco do Fanlia? Então
"desocupados", "violentos", "bêbados", "fedorentos" e "iinorais". Não vejo aí grande mal.
No ano de 1909, os becos e vielas foram novamente alvo de uma E bem clara a suspeição.,.
Ao menos quanto ii ......Moral.44
campanha do jornal, em matérias intituladas "Embelezamerito geral
da cidade". Em uma delas foi apresentada outra ameaça à sanidade
Esse admirável poemeto, publicado rias páginas do Correio, indi-
do organismo social porto-alegrense. "Além de iiiútil é prejudicial
ca que a equação que relacionava moralidade e saúde física não era
essa travessa, onde se abriga a mais baixa espécie de gente, centro de exclusiva da visáo orgrinico-moralista d ' O Indeprmiente. Na edição d o
imoralidade e de depravação, ponto de reunião de bêbados, cafajes-
Correio que noticiou as primeiras mortes, mais "fatos" foram iiifor-
tes e vagabundos, escola do vício e foco perene de doenças a emjDestar a
rnados ao leitor.
idade".^' Frequentando esses lugares, os menores podiam ser traiis-
formados em "bêbados, cafajestes e vagabiindos", e também podiam O locatário do prédio em questão, um vellio sobrado, sem condições higi-
se transformar em transmissores de doenças. Esse último aspecto êiiicas, sublocava qu"rtos a diversos indivíduos.
pode hoje parecer curioso, mas cem anos atrás, varíola, tuberciilose e Em um desses quartos, morava um moço de 17 anos de idade, Luiz
mesmo peste, eram ameaças consideráveis 2 sobrevivência dos liabi- Dui-igari,trabalhador braçal, o qual adoecendo súbita e gravemente, foi
taiites da capital gaúcha. recolhido ao Hospital da Santa Casa, 110 dia 9 do corrente, falecendo
Através da pesquisa que realizei sobre as epidemias de peste bubô- poucas horas depois, em conseqüência de uma septicemia, segundo o
nica e varíola, pude constatar que o fato de serem doenças com ti-ata- atestado do médico do hospital.
Terça-feira também adoeceu, repeiitiiiamente, um outro morador da casa,
mento conhecido na Cpoca iião impediu que elas rompessem com « Affonso Doneda, sócio do depósito de viillios estabelecido a rua dos A11-
cotidiano da cidade e de seus habitantes. O medo que inspiraram, e as dadas, nO124.4'
medidas tomadas pelas autoridades higiênicas para combatê-las, traiis-
tornaram a capital g a ú ~ l i a . Ela
* ~ permitiu também compreender que a Tratava-se de uni prédio suspeito. Era um "velho sobrado, sem
representação dos becos como locus exclusivo de 6'desclassificados"era condiçóes higiênicas", um cortiço localizado niiina rua moralmente
arbitrária e limitada o que, pela sua importância, merece um pequeno suspeita. A primeira vítima fora um "trabalhador braçal" que, em oii-
excursus neste artigo."" tras situações, poderia ser descrito como "vagaburido9'por morar em
Caso o Correio teiilia corretamente iriformado seus leitores, os pri- iini beco. Mas ao coritrário do que O IndejDendenle geralmente aprego-
meiro casos de peste realmente ocorreram lia Travessa Paissandu, mil- ava, a seguiida vítima não era um "desclassificado". Corno informou o
go Beco do Fanha. Esse fato inspirou a imaginação poética de um de Correio do Povo, Aífonso Doneda era sócio de iim depósito de vinlios
seus jornalistas localizado lia R ~ i ada Praia.*" As matCrias seguintes, do mesmo jornal,
ainda csclarecerarn que Doneda era uni iniigraiite italiano, de casa-
mento marcado para o dia em que foi transferido para o vapor Hori-
zoiitc, por decisáo do Diretor de higiene do Estado, Dr. Protásio
A l v e ~O. ~Horizonte,
~ fiindeado no Guaíba, origiiialmcnte destinado
41 11 d e abril d e 1909. para a função de leprosário, terminou por ser usado para o isolamcii-
42 Vargas, A. Z. Porlo Alegt-c - 1900-1903.E P i d r ~ t ~ i co)~seqiiP^~~cio.~
a~: e iqi~/)lic(~~Ce,s.
Poi-to Alegre, 1990, to de qualquer doeiitc acometido de mol6stia coiitagiosa naquele
53 f. Moilografi;~(Discipliila d e I-iistória do Kio Grande do Sul TV) - (:urso de Pós-(;i-adiia.qào
em História, Iilstituto d e Filosofia e Ciências IHiimarias, UFKGS. período. Dele, o infeliz Doneda pularia, acabarido por morrer afoga-
43 Isto tarnbkrri fòi demonstrado pela anfilise d e algiinias foiites policiais. Cf. Vargas, A. 'L.. "0,s
suljtet.rcit~,eos.... p. 210-224. Apesar tiisso, os inoradores e fi-eqioientatlores das áreas "duvidosas"
da capital podiam partilhai. tla visáo rediitoi-;i e depreciativa cios jornais a seii rt:speito. N o j á
citado artigo d e Paulo Moreira, está reproclilzida a disciissáo eiltse duas rlomí.sticas, ocosi ida 44 (:o7 1rzo do Pui)o, 28 de dezernbt o d e 190 1.
na Kua da Olaria, fiitiira Lima e Silva. Uina delas, Vitalina tias Dores, teritlo sido cl~aniaclad e
45 Coj7elo clo lJovo, 21 de dercmibro de 1901.
"piitinha" por outra, h/lari;i tla Costa, replicoii dizeiido "que 1-150niora\.a n o Beco do Poço
como ela [Maria cla Costa] e qiie vi~fia do seti alugiiel de criatla," Cf, Moreii-a, I'aitlo R, I': n t u n 46 Colmo cla l'oito, 28 dc cie~enil~i o d(- 190 1 .
ncio PcLo Rei ....p. 52. 47 Corre10 do f'ooo, 2 1 d e derernbi o d e 1901.
do. O que se seguiu demonstra o nível de traiistorrio e alarme causa- cos e vielas, seus respectivos moradores e freqiieiitadores, eram torna-
do ria ;ida da capital. Relatou o Correio dos assim ameaça 2 higiene da cidade, um argumento a mais usado
pelo jornal na defesa de suas propostas terapêuticas e profiláticas da
Às 7hs da tarde, zarpou do trapiche da diretoria de higiene a lancha a moléstia que tarito preocupava alguiis porto-alegrrnses.
vapor 17 deJuiiho, levando a seu bordo os Drs. Deoclecio Pereira, médico- Em "Pró-moral", as três principais figuras da abjeção foram reuiii-
Iegista, Ricardo Machado, bactcriologista da Higiene, tenente-coronelJoão
Leite, delegado judiciário, Santo Cimmi, secretário do consulado italiano,
das em outra matéria sobre "saiieamento moral",
Emílio Loncarelli, s6cio de Doneda, Tito de Sá, capataz da capitania do
porto, e outras pessoas, entre as quais diversos compatriotas do finado. Queremos falar da undinçesz, de menores e das prostitutas a que a cafetagem
Após o exame do corpo, em adiantado estado de p~itrefação,e da (sic), ultimamente, não encontrando diques que se lhe opoiiham, tem
constatação da sua identidade, os marinheiros da capitania do porto, tido livre expansão.
que haviam seguido em um bote, fizeram junto à praia, urna cova rasa A autoridade, não há muito, começou uma campanha contra as cafetinas
onde foi sepultado o corpo do malogrado Doiieda, colocado em um cai- e a sociedade não lhe poupou aplausos; urge que continue sua ação bené-
xão de madeira, levado pelos seus compatriotas. fica e enérgica e, uma vez que não é possível por-se termo à prostituição,
Estes também recoiiheceram a identidade do mortoe4"
ao menos pode de alguma forma deter-lhe a marcha, que se u c e h a urda vez
nznis.
O considerável cortejo formado para confirmar a identidade do Os prostíbulos estão cheios de verdadeiras crianças, vítimas dos laços das
cadáver em "adiantado estado de putrefação", confirma que Affonso cafetinas que, enquanto a autoridade se descuida, trabalham na sombra,
Doneda não era um João-iiinguém", um "vagabundo". Além dos com- desmantelando lares pobres, no seu negócio infame, no seu mercado
patriotas, o secretário do consulado deslocara-se com a lancha até o nauseabundo.
ponto em que fora encontrado o cadáver. Os amigos de Doneda, irfor- Essas betesças imundas que cruzam e recruram a cidade, salpicadas de
mou ainda o Correio, esperavam ciiterrá-lo em Porto Alegre, e para tanto tavernas igualmente imundas, são antros onde as víboras se acoitam, so-
tinham contratado um coche fúnebre. O simples fato do carro transitar bre focos infcctos dc peste, que, em nome da higiene e da moral, deuem
pela cidade teria provocado uma "impressão alarmante", na visão de A ser extintos.
Fedmçcio: "Sabemos que o fato de ir e vir, a trote largo, ontem a noite, [...I
Para outro assunto, também deve a polícia voltar vistas e, sobre ele, dema-
pela rua dos Andradas um carro fúnebre causou impressão alarman-
te'' .49 A seqüência de "fatos" provocou uma real perturbação na capital siado temos falado; referimo-nos à extraordinária quantidade de ~nenores
vadios, ladrões e1n0~-iunúrios
que, nas escolas dos becos, se vão já formando
gaúclia, devido ao medo e ao rompimento da vida cotidiana da cidade. na carreira do crinle.
O impacto causado ria vida da capital, agravado pela ocorrêiicia inces Pelas ruas todas da cidade, iioite e dia, passeiam, entregues 5 rapinagem,
sante de tuberculose e de uma epidemia de varíola, indica que o medo ou j ogaiido.
sanilário era unia realidade eni Porto Alegre. Ao corporificá-lo iios be-
cos, os corporificava também em seus moradores e freqiientadores, entre O problema dos "menores de rua", seu tratamento nas páginas
eles os "meriores" que, para O Inde~endente,escapavam à tutela dos pais d 'O Independente, i. iiiseparável do 6cproblernasocial", tal como pensado
e da sociedade, ou que simplesmelite moravam naqueles lugares. Be- e apresentado pelos seus joriialistas. Assim corno todos os moradores
dos becos, bairros c zonas suspeitas eram ou "vagabirrldos" ou "prosti-
tutas", todos OS ineiiores que moravam ou everitualnieiite fieqücnta-
48 I(/. vain aqueles espaêos podiam ser vistos corno "menores vadios", como
49 A fidel-niCo, 28 d e dezembro de 1901. Por oiitro lado, os potenciais aspectos I~icrativosda des- "ladrõcs eml)rioiiári»s", uni perigo para a sol>revivSiiciada sociedade.
grac;a que atiiigiii Poi-to Alegre não passoii (tesapercebido para alguiis, como o demoristra esta Assim todos podiam ser alvo de medidas proporcioiiais à gravidade do
prc'papiida veic~iladapela I;ecie,-crçCo (4/2/ 1902): "Avisu impr)rtaiite do l.aboi.atório Horneopá,.
tico e Bioqiiíinico d e Ixiz 1<6liler. Rim dos Aiidradas 471. (;iassaiido riessa capital Lima epide- problema que, tias páçiiias do jornal, foi qiiase que cotidiaiiamente
mia tlescoilliecida a qiie c150 o noiiie d e peste biil-joiiica, proporno-nos a tratar todas as pessoas elaborado. C o i i r ~as figuras abomináveis, que coiistitiríarn uma amea-
qric se siilmnham [sic] atacadas por esse mal." A i.rticcncia do aiiíiiicio - "epidemia clesconlie-
cida a que dão o ilome cte peste brib6iiica" - pode ser explicacia 1 x 1 0 Cato cle que eiitáo se ça que se expandia "cada vez mais", foram propostas ac,6es c~l-ja
travava iirna grierra d e iiiformaçcies i1a irnpi-eiisa, eslxrialrn<:ntc. eiitre A l.i.tleici<-C«e o Cor,i.io. O radicalidade potencial talvez resida lia imprecisão de sua liiiguagern.
primeiro negava a epidemia, o seguiido a deiiiiriciava.
Terapias e profilaxias Vigilância e repressàio, essas medidas terapêuticas, militas vezes não
foram consideradas bastantes para a resolução do "problema". O artigo
O que fazer com as "criaii~as"que, seguiido o joriial, se multiplica- já comentado, de 25 de maio de 1905, fazia iiiicialrnerite o elogio da
vam de forma ímpar pelas ruas da capital, se educando "em meios vici- ação repressiva: "A polícia muriicipal promove com louvável afã a re-
ados e espúrios"? Um dos meios de controle do "mal" era a vigilância e pressão a vagabundagem dos pequenos garotos que pululam nas ruas
a repressão, o que foi prescrito para os mciiores que viviam nas voltas desta capital". Mas logo depois observou-se que: "E nos perguntamos:
do Mercado, o mesmo meio dos '6turbulentos".Em 13 de março de com o intuito de reprimir a vagabundagem dos garotos, a polícia muni-
1907, a coluna "Interesses Municipais", publicada na primeira página cipal prende-os e depois deles o que faz? Solta-os,após uma reprimenda,
d'O Independente, iniciou lamentando: "E com grande pesar que vimos um piinhado de conselhos e algumas ameaças? Não é suficiente. [...I ."
pela terceira vez nos ocupar do Mercado Público, no ponto referente O que seria então "suficiente"?
ao patrulliameiito. Grande nfimero de negociantes nos pedem que re-
clamemos contra o diminuto número de agentes que guarda aquele Na Capital Federal está organizada a repressão dos garotos, pivetes, como
local, o que dá margem a fatos como o de quinta-feira última, e que lá se diz, mas o governo mantém um internato, escola correcional, a Esco-
passamos a narrar." Colocaiido-se novamente como intermediário en- la 15 de novembro, a que eles são recolhidos e sob o regime de uma severa
disciplina são sujeitos a uma bem orientada educação física, moral e inte-
tre "grande número de comerciantes" e as autoridades, o periódico
lectual até que estejam em idade de serem transfèridos para o Instituto
solicitava reforço de policiamento para evitar a repetição do que regis- Profissional,outra utilíssima instituição mantida pelo governo e de onde os
trou logo a seguir, um conflito entre "marinheiros e turbulentos", cujo pequenos garotos saem ao fim de alguns anos dotados de uma profissão
desfecho foi o esfaqueameiito de iim dos envolvidos. Mas esse não era honrosa, com unia sólida instrução prática, aptos para na vida desempe-
o Único coiiflito existente naquela região da cidade. nhar os seus deveres de cidadãos. Epreciso que e7n Porto Alegre seja rejni~nida,
extinbwidaessa nociva garotagon que enche as nossas ruas [...I é digna de todos
Reclamam ainda aqueles negociantes contra a malta de guris que ali se os louvores e de todo o apoio a ação da polícia; mas é preciso tambérn
juntam para apanhar os restos de cereais, e que, aproveitando-se disso, cuidar do futuro dos pequenos garotos."") Em nosso estado fazem-se tan-
surrupiam também o que encontram a máo, como aconteceu com 10 tas despesas dispensáveis! Seria pedir muito ao excelentíssimo Sr. Presi-
latas vazias de propriedade do Sr. Joaquim Rodrigues d'Almeida e que dente do Estado que fosses criada uma Escola Correcional e mais tarde,
estavam no trapiche [municipal]. para o futuro, quando estivesse em melhores condições o erário publico, a
criação de aulas profissionais anexas a essa Escola?
Os "guris" que perturbavam e prejudicavam os negócios dos nego-
ciantes do Mercado Público eram pobres, mas não eram iiioceiites. A Nem tudo estava perdido. Mesmo crescidos em um meio doentio
mente depreciativa do articulista os agrupa em uma "malta", um grupo e corruptor, os "rneiiorcs vagabundos", "gaturios", ainda tinham salva-
de seres de condição inferior, um bando, uma súcia de criailças mal- ção. Em um primeiro momeilto, a regeneração ocorreria pela ediica-
ção "física, moral e intelectual", sob "severa disciplina9'.O que seria essa
iiitencionadas. Agiam coletivamente, fosse para juntar cereais caídos
"severa disciplina"? Envolveria "punições físicas"? Provavelmente sim,
pelo chão, fosse para furtar bens quando possível, como as "10 latas
já que esse era um recurso accito mesmo deiitro das escolas. Mas que
vazias de propriedade do Si-.Joaquim Rodrigues d'AlmeidaV.Deviam,
grau de severidade sei-ia aplicado a "nienores infratores"? Que "direi-
pois, ser vistos com desconfiança, apesar da miskria que os transforma-
tos" teriam esses meninos de não serem submetidos à algum excesso
va em catadores de grãos. O redator não se preocupava com o que fazia
discipliiiar? Isso aiiida não era algo qiie preocupasse os intelectuais do
corri que criancas fòssem levadas a catar grãos pelo chão, rnas corri a
jornal. Nem podiam eles pensar segundo uma experiêiicia que não ti-
ameaça ao patrirnônio dos comerciantes do Mercado. A solução, nham, a de d6cadas d e iirstituições preteiisarnente reformadoras e
siigerida diretamente ao intendente e ao seu subordiiiado - ao "digno recuperadoras de nieriores dclinqueiites. O segiiiido estágio da rege-
Dr. Montaury e ao ativo silb-intendente" Major 1,ouzada -, seria a colo- neração corrsistia na cej~ica~ão profissional. Q~iaiitosanos seriam con-
cação de um policial na esquina do Mercado, defronte à doca. Com
isso, de acordo com ojoriial, seriam beneficiados traiiseuiites, comei-ci-
antes e o próprio serviço policial,
sumidos nessa regeneração? O provável é que os "pivetes" saissem já A referência a R. Garofalo - o "eminente sociólogo9'que, com a
adultos daquelas iiistituições.
"ciência médica", @ autoridade corroboradora do raciocínio de Fúlvio
Graças a uma educação especial, portanto, o que chamaríamos de
de Paula - é importante para comprovar o manancial de idéias ao qual
"menores infratores" podiam ser cor@dos - se o meio os corrompera,
outro meio poderia corrigi-los. Subjaz a concepção de que o homem é os intelectuais d' O Independente recorreram para pensar o problema
um ser maleável, o que decorria, em grande parte, da hegemonia da representado pelos "desprovidos de educação intelectual9'.Alto magis-
doutrina do determiiiismo do meio, o que fica claro no artigo "Vadia- trado italiano, Garofalo foi o responsável pela transformação da doutri-
gem", de 15 de junho 1911. Nele, a origem do "mal" continuava a ser a na de Cesare Lombroso - do "criminoso natural" - em linguagem jurí-
"vadiagem" e a "incultura" na infância. Por isso, "os meniiios" dica.5" Partilhava com aquele, com Spencer e com a teoria positivista
em geral, da idéia de que a introjeção de uma moral na criança, através
Alimentados e crescidos na estufa do vício, quando a razão se Ihes des- da educação, seria uma alternativa à repressão. Sua proposta, contudo,
perta acha-se de tal maneira eivada e falseada pela influência recebida era mais dura que a de Lombroso, pois não aceitava a miséria como
através da infância, que torna-se impotente para reprimir o mal [...] Por- justificativa do crime e se opunha à educação dos delinqüentes, defen-
que a razão, longe de constituir um foro inderrocável, soberano e intan- dendo a aplicação de penas máximas para castigo de criminosos.
gível no homem7 como se acreditou por muito tempo, constitui uma
"faculdade histórica"(Tobias Barreto) sujeita como qualquer outra, as Não é possível saber se Fúlvio de Paula partilhava completamente
modificações do meio e da evolução. das opiniões de Garofalo. Somente podemos afirmar que o intelectual
italiano foi usado para defender a imposição do eiisino obrigatório,
Deixados a correr, a brincar nas ruas e becos, convivendo em "gi-u- idéia que implicava em uma intervenção do Estado no âmbito familiar,
pos" e com "vagabundos" e "prostitutas", a conseqüência era fatal: os o que não era ponto pacífico. Por essa razão, já tinham sido escritos
"precoces gatunos" seriam "futuros ladrões e assassinos"," porque nem artigos defendendo a legitimidade da ação estatal.
uma razão natural existia para contrabalançar a influência nefasta da
"estufa do vício". Se o Estado é o tutor do povo, tem o implícito direito de zelarpelo progresso deste
A correção, por outro lado, podia mesnio ser descartada se fossem último, sob todos os aspectos; e não somente vemos aí um apoio em favor
tomadas medidas profiláticas, caso os pobres, desde a infância, fossem da iiistrução obrigatória, mas também no fato de que a administração
educados de forma a introjetar neles a obediência às leis. Porque a mi- publica compete, não só velar pelos interesses pátrios na hora presente,
séria era considerada, de uma forma geral, a origem usual dos crimino- mas também preparar o porvir pelo cultivo de cidadãos aptos a compre-
sos de "baixa esfera". O colaborador Fúlvio de Paula, responsável pela ender e interpretar livremente os seus deveres cívicos, o que só se pode
conseguir pela educação e instrução do povo, elaborando assim o pro-
coluna "Gazetilha", recorreu à autoridade de R. Garofalo, um dos
gresso gradual, que garante o futuro, semeando hoje a messe que a Pá-
"teoristas (sic) modernos" que tria colherá arrianliã. Quando, pois, os cidadãos não compreendem a
necessidade de fazer instruir os seus filhos, necessário se faz que iiiterve-
em judiciosos conceitos pensa que a melhor maneira de não aumentar nha o Estado, coagindo-os a isso, obrigando-os a tornar esses filhos capa-
as estatísticas criminais é incutir n o unimo do agente seus recíprocos deve- zes de amanhã se tornarem cidadãos, em umapátria onde sábia legisla-
res, ensinaiido-o a educaçrio intelectual. E essa opinião do eminente sociólogo ção nega aos analfabetos os direitos políticos. E o caso de se dizer que o
tem sido corroborada pelas maiores ~nentalidndesd a ciência nzidica. Pen- Estado vem obrigar os cidadãos a serem l i v m ~ r o g e n i t o r e s . ~ ~
sam esses fisiologistas que o indivídiio educado está menos afeito ao de-
lito do que os baldos dessas noções. Que as abalizadas opiniões preiitadas
têm amparo incoritestado na reparação do crime, ressalta clara c eviden- O problema nâo é o eiisino obrigatório, uma realidade em nossos
temente aos órgãos visuais de quaisquer pessoas. dias, mas as noções de povo e de Estado reveladas nesse artigo. Obvia-
[...] Para cumprir esse objetivo [confirmar a argumeii tação] , bastaria, mente, seu redator não se incluía na categoria "povo", nem a seus cole-
então, coiifabular sobre o niais trivial assunto com pessoas oriundas desse gas, familiares e amigos. Povo era o coqjunto dos miseráveis, sem educa-
núcleo de desf~rovidosde educaçiio intelectual para ficarmos plenamente con- ção intelectual, portanto afeitos ao crime e incapazes de compreender
vencidos de que entre eles predomina o delito máximo, o assassinato."'

53 Peset, José I,iiís. QJ7ê?zc7n


P ru(1?prllzn(io~. LOCOS
Sobw t~~gjos, P nnnznnzs. Barcelona, Grijalbo, 1983, p.
178.
54 22 de oiitubro de 190.5.
seus "deveres" - o articulista, sintomaticamente, i ~ ã ofala ern "direitos". O objeto da ateiição de Aldebarari iião G o "rnerior vagabundo"
Não compreendia, o povo analpdbeto, a necessidade de educar seus iirbaiio. Iriicialmente é mencionado o "vagabuiido natiira19',o brasi-
filhos, riem tiiilia condições de compreeiidei- o qire era adequado ao leiro nato, ao qual é atribuída uma indiferença pelo "trabalho agrá-
seu próprio aprimorameiito e ao progresso da nação. Ilevei-ia se sujei- rio" devido à "abundância" propiciada pelo "solo pátrio". Essa iiidire-
tar, em todos os planos, à ação arbitrária do Estado, o que estava irn~líci- rença assume novos sentidos com a contraposição entre o "natural",
to na sua condição de menor tuleludo. Coupdos, os pais seriam "livres" e, que empobrece, e o imigrante, que se "veste" e "enriquece" porque
no futuro o "tutor do povo" ou, segundo fórmula publicada em outro trabalha o solo. Logo depois é meiicionado o "proletário brasileiro" e
momento, o "diretor supremo da sociedade"" - era o criador do cida- talvez se trate, neste caso, do pobre não proprietário. Esse é acusado
dão, da própria nação. de incúria quaiito ao futuro de seus próprios filhos, porque, como o
As propostas podiam ser mais radicais. Em 17 de setembro de "povo" de Fúlvio de Paula, ele iião pensa nem no presente, iiem no
1908, foi reproduzido uin artigo de Aldebaran, pseudônimo do co- futuro, também sedado pela abundância propiciada pela terra brasi-
ronel Lúcio Cidade, membro do PRR que conciliou o exercício de leira. A creiiça na perduralidade dessa abundância era, porém, adver-
funções administrativas no interior do Estado com a atividade de te Aldebaran, uma "miragem", e o fruto dessa iriconsciência seria os
jornalista nas cidades por onde passou.'" artigo fora originalmente "verdadeiros proletários: sem lar, sem um pedacinho de solo, sem
aptidão para o trabalho." Os "verdadeiros proletários" não teriain posse
escrito em 1904 e publicado sob a forma de editorial do periódico O
qualquer, nem a da habilidade para o traballio, seriam inúteis absolu-
Alto Tuquuri.
tos. São rcuiiidos, então, os elementos que compõem o que hoje con-
O natural, infelizmente, encontrando facilidade no subsistir, não se pre-
sideramos como um lugar-comum do preconceito contra os "brasilei-
ocupa com o trabalho agrário, deixando ao estrangeiro esse dever. ros": os vícios da preguiça, da repulsa e da iiiaptidão para o traballio
Dessa iiidifereiiça por esse capital valioso que possuímos, o solo pátrio, em uma terra de generosa mas limitada fertilidade. Retoriia então a
resulta a pobreza do natural, que entregue à preguiça, vai-se despindo figura do estraiigeiro, agora como 11m algoz do pobre brasileiro. Indi-
enquanto que o estrangeiro veste-se e enriquece. ferente, cruel, o imigrante praticamente coiidciiaria o "natural vaga-
[...I bundo" à morte por negar-lhe "pão e água".
Principalmente o proletário brasileiro, é essencialmerite descuidado do Uma das soluções para tal situação é apenas sugerida: a mistura dc
presente e do futuro, a prole náo lhe merece nenhuma preocupação, sangue com o estrangeiro. O mal do "brasileiro" seria eiitão geiiético,
acreditando que ela encontrará as mesmas facilidades, a mesma abun- racial, natural, inato e hereditário. Seria curado pela sua mistura com
dância sem o menor traballio.
um "sailglie)'que carregava coiisigo o gosto pelo trabalho, a inteligên-
Dessa ilusão, verdadeira miragem, resultará, em não remoto f~itiiro,
uma classe e i ~ o r m eperigosa
, à comuna e inteirarrielite infeliz: os ver-
cia avaliadora das possibilidades de progresso da terra brasileira. A ou-
dadeiros proletários, sem lar, sern um pedacinho de solo, sem aptidão tra solução envolvia a limitaçào de "lit~erdades".Direitos não podiam ser
para o trabalho. E quaiido for chegado esse tempo, o estrarigeiro e o respeitados frente à ameaça de perigo à "comuna".
seu descendente, negarão abrigo, negar50 pão e água, ao natural 7 m -
guóundo. Se llie dá o direito de trabalhar ou não, esse direito não pode ser traiisfe-
[...I rido à prole que é o futuro.
Deixe-se o brasileiro nato, sem mistura de sangue estrangeiro, entregue Trata-se desde já de fundar colonias infantis, para menores de 7' a 13
ao seu vício do mate-chimarrão, à cultura de meia dúzia de pés de aipiin anos de idade e, co~n~ul.rom'arnente,
se faca povo5-las com esses Phrias [grifa-
e outros tai~tosde rniliio; não se o desperte desse dorrnir, que é o seu do no original] do Brasil: os meiiores que, em grande número, vivem pelo
melhor papel, porque se está maduro ou velho, fez-se surdo ao convite interior do estado sem nenhuma ocirpação, preparando-se para constitu-
do progresso e o traballio para ele é o penar. Ma,$toda a liberdadp tem zlm írem um perigo à comuna.
limite, ela termina ondp rowzeçu o perigo .roc'ial. [....I
Criada a primeira colonia, a ela deverão ser recolhidos todos os menores
corri pais ou sem eles, que, n juizo das auloi(;dudes,não recebam a educa-
cão precisa.
56 Foi dii-etoi-c l o , J o ~ ~ ~ ~ c ~ l ~ l / lna
o rcidade ~ orriesino
~ t e ~ i ~tle , nome. ein 1858, e I-edatordo Alto 7itqi~nu' Ali cfeverão permanecer até os 18 anos de idade, saindo para a liberdade,
entre 190 1 e 1905. Cf: Mai~ins,h. E,srr-itorcsd o Kio C;~-UIII/P.Posto Alegre: I_IFIP(;S/IEId/DAC:-SEC, para o trabalho, para scrcm útc.is 5 coiriuiia.
1978, p. "86. Se não for ouvida nossa voz, tanto pior para aqueles que têm a responsa-
bilidade do futuro: esses meiiores, que são hoje desprezados, sei50 a "maltrapilho", concluiu que cabia ao Estado instituir um imposto sobre
força que, a mercê da caudilhagem, servirá para as conflagrações sociais. o analfabetismo, o ensino obrigatório e a Colonia Correcional. Meses
depois, em 19 de março do mesmo ano, publicou artigo em que dizia
A proposta é muito semelliante à educação (agoge) espartana ser melhor um "regime de escravidão voluntária" que protegesse a "cri-
que subtraía as crianças de suas famílias aos 7 anos para transformá- aiiça material e moralmente abandonada" que educasse o analfabeto e
las em cidadãos. Lá, na Esparta antiga, a educaçáo estatal era lei à propiciasse ao "maltrapilho" os meios para o ensino profissional. O que
qual todos estavam sujeitos; aqui, na Porto Alegre do início do século Bettiol propunha era que os cidadãos brasileiros abrissem mão de sua
XX, tratava-se de uma iiiterveiição do Estado em famílias que, pelo liberdade e optassem por uni regime autoritário para a solução do pro-
juízo das autoridades, não fornecessem a "educaçáo precisa" aos seus blema social, porque os que então participavam das sedições eram os
filhos e órfãos. Os meiiores ficariam reclusos por 5 ou 11 anos, quan- analfabetos de ontem.59
do então recuperariam a "liberdade", reduzida por Aldebaran ao "ser Existia ainda uma outra alternativa potencial para resolução do
útil à comuna", a ser um trabalhador. Finalmente, Aldebaran ameaça problema dos menores, sugerida na matéria "Pró-moral": a extinção
o chefe de Policia, pois foi a ele que dirigiu o artigo. Caso suas sugestões dos "focos de containinação", a sua extirpação do "organismo social9'.
não fossem seguidas, aqueles meninos seriam massa de manobra de Isso foi uma alternativa sempre possível no horizonte mental dos inte-
"caudilhos", clara referilncia às revoluções que tinham grassado no lectuais d'O Independente. Em matérias onde a violência potencial da
Rio Grande do Sul. linguagem organicista se fazia presente, revelava-se o desejo de simples
Apesar de se referir ao problema de crianças do campo, a retórica "erradicação do mal7'.No segundo artigo referente ao "Embelezamento
e as propostas do Coronel Lúcio Cidade não discrepavam daquelas geral da cidade", de 8 de abril de 1909, foi proposta a desapropriação e
dirigidas ao "problema social urbano". Tratava-se sempre de criar um demolição de prédios que maculavam esteticarnente a Rua da Praia e a
quadro suficientemente assustador para conccituar a autoridade do "destruição" dos becos do Fanha e do Poço
Estado de forma tal que as liberdades, fossem quais fossem, pudessem
ser violadas. Nesse sentido, O Independente sempre se chocou contra a E em cada cubículo moram oito, dez pessoas, e ali nascem novos seres
indiferen~ado próprio Estado, o que o levou a apelar às diversas ins- que se vão criando naquela atmosfera de pestilência e sífilis, para mais
tâncias do mesmo. tarde virem a ser uma geração d e tuberculoses e doentes, cooperando
poderosamente para a degenerescêiicia da raça.
Se, porém, o governo estadual entende não estar em suas atribuições o Esses dois becos [do Fanha e do Poço], vergonha para nossa capital, de-
decretar essa medida necessária, de alto interesse publico, se julga que vem ser destruidos e destruídos o mais breve possível, porque para esses
não lhe compete tomar sobre si tal empreendiinento, lembremo-nos de lugares infectos não há higiene que sirva e serão sempre um foco de
que a autonomia do município é o estatuto básico da nossa coiistituição micróbios, espalhando a peste e doencas malignas.
federativa e que dentro do vasto e sagrado âmbito dessa autonomia ca-
bem tais providências, recaem essas medidas A estética e a higiene eram as razóes para a destruição dos becos.
Estava em jogo o futuro da raça, pois de outra forma essa estaria sujeita
As propostas d' OIndependente i~iincaforam pleiiamente realizadas. à "degenerescêiicia orgânica". Talvez ela se transformasse num conjun-
Mas o problema dos menores sempre foi o incentivo para a progressiva to de "brutos". Porto Alegre deveria sobreviver e assurnir ares civiliza-
radicalização de seu pensamento. Em 31 de janeiro de 1919, foi publi- dos; para tanto, deveria eliminar focos de doenças - sífilis, peste e tii-
cado um artigo de Lourenço Bettiol, médico graças à liberdade profis- berculose. Apesar dessas ocorrerem em toda a cidade, sua origem foi
sional existente 1-10 Estado, conferencista, polernista, aiitor dc roman- espacialrrierite localizada: nos becos. Neles, o leitor certamente sabe-
ces, contos, obras de história, antropologia, botâriica e e t n o l o g i a . ' ~ N e , ria, viviam e conviviam apenas "vagaburidos", "meretrizes" e "menores
escreveu que depois de testemunhar a prisão de um "menor", "preto", vagabundos9'. No que consistiria exatanierite a "destriiição" daquelas
áreas? O qrie seria feito das pessoas que lá viviam? Os menores erarn
habitantes e frequeiitadores desses ambieiites. O que aconteceria com
eles? Acompanhariam seus pais, "vagabundos" e "prostitutas" caso esses
O Rio Grande do Su
fossem expulsos para o Acre e o Mato Grosso, toiiforrrie chegou a ser gaúchas na Primeir
proposto?" Não é possível saber, mas no momento em que a realidade
multifacetada era reduzida a figuras simbólicas assustadoras, a violên-
guerra civil e crise n
cia podia ser considerada alternativa adequada para a resolução de
qualquer aspecto do problema social: os becos, as áreas "suspeitas" e Claudia Was,rerman
seus respectivos moradores e frequentadores podiam ser "extirpados"
do organismo social. O Indeí?xndente podia, pelo menos, expressar esse Esse artigo destina-se a discutir o período da República Velha no
desejo clara e logicamente. Rio Grande do Sul. Tratou-se de uma fase de grande prosperidade eco-
A imprensa do início do século passado, como a de nossos dias, nómica, baseada no desenvolviniento das atividades primárias ligadas à
nuiica se limitou ao repstro defatos. Nessa tarefa sempre houve "alguma pecuária, no crescimento da agricultura colonial e do cultivo do arroz
coisa inventada", um "deslizamento de sentido", em que o sínibolo do no litoral, marcadas por crises pontuais, mas que basicameiite propor-
"menor de rua" foi investido de outras significações adequadas a uma cionaram o incremento da implantação do capitalismo no Rio Grande
determinada concepção do "problema social" e correlatas propostas de do Sul, com a iiistalação das primeiras unidades fabris e consolidação
tratamento e cz~ra."l Ele poderia ter sido concebido como um ser com de qual seria o perfil industrial do estado, a expaiisão do mercado e o
determinados direitos, mas visto como "precoce gatuno" ou "futuro la- crescimento da urbanização.
drão" era apenas uma ameaça ao futuro daqueles que se pensavam como Neste período ocorreram duas guerras civis: a Revolução
membros da elite, responsáveis pelo futuro do país. Não creio que isso Federalista, entre 1893 e 1895, e a Revoluçiio de 1923, eiitre 1923 e
possa ser percebido e compreendido sem as "divagaçoes acadêmicas". 1925. Pode-se afirmar, inicialmente, que essas guerras foram causadas
por cisões ocorridas no seio das classes dominantes e que o envolvinicnto
de tropas, peões, populares esteve ligado apenas às convocacões feitas
pelas elites. As demandas das classes populares praticamente não esti-
veram presentes nessas gueri-as, embora o período tenha sido extrerna-
mente rico iiesse aspecto.
Ainda que essas guerras tenham sido extremaniente violentas, es-
pecialmente a Federalista, que matou quase 1% de toda a população
masculina do Estado, é interessante notar quc havia hegemoiiia dos
grupos republicanos no Rio Grande do Sul, ati-avésdo Partido Repiibli-
cano Rio-Graildense (PRR) , fundado ern 1882.
Esses coriflitos ocorreranijiistamente contra a coiitiniiidade do PRIR
no poder executi~~o, enibora as oposições iião tivessenr uni projeto po-
lítico tiio consisterite para se contrapor ao projeto republicano. Este
último, tinha urn caráter autoritário e c e i tralizador,
~ com influencia das
teorias políticas adviiidas das idéias positivistas do filósofo francês
Augusto 6:ornte.
Segundo Hblgio Trindade, a peculiaridade do Rio Grande do Sul
60 20 d e inarço d e 1910. no período coiistruiu-sejustamelite iio fato da "fi-agnientação polariza-
61 "Kelembremos o seiitido corrente do termo imagiiiário r...:
falamos de ii~iagiiiárioquando da dos partitlos" e "sisteina bipartidário cni relação direta com o pro-
qiieremos filar d e algirrna coisa 'in\lentada1 - qirçr se trate de tima iiivt:iição 'absoltita' ('uma
liistdria imaginada em coclas as siias part.esl), oii de iim deslizainento, de iim deoslocamento d e cesso de competição político-eletoral". Para ele, na base de explicacão
seiitido, oiide síinbolosjá dispoiiívcis são iilvestidos de oiitras signifiçaqões que 115.0 siias sigi-iifi- dessas disputas cs t avarxi 2 projetos difercnt es de orgariizaçjo do sist <ma
caçóes 'normais' oti 'can6nicas9 [.,.I ," C:astoriadis, Cai-neliiis. A ilastiluicAo iw~c~gi?zii,-in
do socipdn-
. de Jaiieii-o: Paz e Terra, 1982, p. 154.
d ~Kio
político:
Esta diferericiação se traduz na configuração de dois modelos políticos Os anos 1920 foram marcados pela chamada crise das oligarquias
conservadores, ambos assentados na estrutura de dorninac;ão tradicio- centrais no Brasil. Os cafeicultores, representados pelas oligarquias
nal, mas que possuem como elemento permanente e característico o paulistas e mineiras, iio poder desde o final do I1 Reiiiado, enfrenta-
conflito eritre dois modelos de organização do sistema político: a repú- vam uma das mais graves cisões no bloco de poder, baseado ria política
blica liberal versus a república autoritária. ' dos governadores.
A chamada política dos governadores era uma "estratégia" que
O projeto político dos republicanos tentava representar, de certa garantia uma certa harmonia entre as oligarquias centrais e as periféri-
forma, o conjunto das classes domiiiaiites sul-rio-grandenses, embora cas. Particularmente a classe domiiiaiite gaúcha era considerada um
nem todos estivessem satisfeitos todo o tempo. Sua hegemonia esteve "fiel da balança" nas crises republicanas e também um componente
baseada, estruturalmente, no desenvolvimento e expansão do capita- político a ser seriamente considerado nos acordos c alianças.
lismo c nas condições conjiiiiturais de prosperidade econômica da Ao longo da República Velha, o Rio Grande do Sul constituiu-se
principal atividade primária do Estado: a pecuária. Foram condições como uma região peculiar do ponto de vista econômico porque sua
econômicas favoráveis que permitiram a hegemonia d o projeto economia estava voltada para o mercado interno (diferente de outras
castilhista. unidades da federação, cujos produtos estavam destiiiados ao mercado
Entre a Revolução Federalista e a Revolução de 1923, houve uma internacional ou à subsistêiicia) e também politicamente, porque não
relativa estabilidade da classe dominaiite gaúcha porque havia prospe- estava entre os Estados mais importantes (como Minas Gerais e São
ridade; as oligarquias pecuaristas estiveram satisfeitas com a idéia dos Paulo), mas não estava entre os mais fracos (como alguns Estados do
positivistas de que o Estado era como um administrador do bem públi- Nordeste, por exemplo).
co e que orientava c regulava o desenvolvimerito conforme as necessi- Durante a Primeira República, os políticos do sul estiveram eiivol-
dades coletivas, enqiiaiito sentiam-se protegidas pela boa demanda e vidos em todos os episódios controversos das oligarquias, graças ao do-
bons preços do período imediatamente posterior à Primeira Guerra mínio exercido pelo PRR no Estado. Eiitretanto, essa hegernoriia havia
Mundial. sido obtida penosamente. Após a proclamação da República, iniciou-se
A historiadora Maria Antonieta Antonacci discute as condições que no Rio Grande do Sul um período turbulento, durante o qual o Estado
permitiram tal estabilidade política no livro sobre a Revolução de 1923: chegou a ter 16 governos em 3 anos.
Júlio de Castillios, republicano radical, assumiu o poder em 1891,
Apesar de tensões e conflitos momentâneos, a estabilidade política eritre depois de ter redigido e orientado a promulgação da Constitui<;ãoEsta-
as frações da classe dorniiiailte gaúclia foi preservada. Não havia condi- dual, de caráter autoritário e fortemente ceiitralizador. A Constituição
ções objetivas para que os grupos da oposição se organizassem efetiva e de 1891 permitia a reeleição do presidente do Estado, a nomeação do
contiiiuameiite, de modo a viabilizai-suas alteriiativas política ao projeto vice-presidente e o voto a descoberto. Era fiel ao princípio de que a
de organização estabelecido pelo PKR no RS.' mellior forma de governo era a "ditadura rcpublicana": um "governo
de salvação nacional excrcido no interesse do povo". A influência de
Com o fim da guerra, a demanda pelos produtos gaúchos não pa- Comte refletia-se na idéia castilhista de "Conservar, melhorando" e em
raram de cair, bem como os preços no mercado iriternacioiial. Além oiitros preceitos sobre a organização do governo, como orçamentos
disso, a concorrêiicia com os produtos platiiios voltava a incomodar os equilibrados, separação Igreja/Estado, Icgislativo limitado à aprovação
sul-rio-grandeiises nuni mcrcado cada ver mais competitivo. Os estanci- de despesas e receita.
eiros começavam a contrapor-se à hegemonia do PRR no Estado e das Júlio de Castillios foi forçado a renunciar depois do fechaniento
oligarquias cafeicilltoras do goveriio. do Congresso Nacional pelo seu aliado Deodoro da Fonseca, riias já
havia se tornado o maior líder do Rio Grande do Sul. O início do s6cu-
10 no Rio Grande do Sul foi marcado, portanto, pela instabilidade polí-
1 Trindade, Wélgio. Aspectos políticos clo sistema partid5rio Iiepilblicano rio-grai~cieiise(1 882- tica, tanto que o período recebeu a alcuiilia de governiclio, dada pelo
1937). Da coilfroi~taçãoaiitoritário-liberal i implosão da aliaii~apolítico-revolilcioriáriad e 30. próprio Jiílio de Castilhos.
111: DA(:ANAI,, José. IIildebi-ailclo e CONZAGA, Serçilis (Org.). 11.Y: economia e política. Porto
Alegre: hlercado Aberto, 1979, p. 122 Nesse período, Joaqiiini Francisco de Assis Brasil, repirblicano liis-
2 Antonacci, Maria Ai-itoiiieta. KS: as oposições e a Re~oliiçãoc!? 1923. Porto Alegre: Mel-cado tórico e, até então, aliado cle Jiílio de Castillios, rompeu com ele, for-
Aberto, 1981, p. 23. mou uma junta de governo e passou à oposição. Em janeiro de1893,
coin o caos iiistaurado 110 Rio Graiide do Sul, Castilhos i.eassumiu o Os 2 casos mais iiifãmes fo1-ain os massacres do rio Negro e de Boi
governo, Era um redator poderoso e usou as págiiias do recCm-funda- Preto. O primeiro se deu rio dia 27 de iioveinbro de 1893, a poucos
do joriial republicario A Federaçüo para se transformar iiunia grande quilômetros de Bagé, perto do rio Negro, quando foram degolados
lideraiiça e quebrar a hegemoiiia exercida pelos liberais, cortiaiidados 300 republicanos. Qucrn coordenava as operações era o comaiidante-
por Gaspar Silveira Martins. em-chefe do Exército Libertador, Joca Tavares, que tinha mais ou me-
Em 2 de fevereiro de 1893, apenas oito dias após Castilhos assumir nos 3 mil homens sob seu comaiido. O negro uruguaio Adão Latorre,
a presidêiicia do Rio Grande do Siil, rebeiitou a grierra civil. Foi o mai- capataz dos iriiiãos Tavares, teria sido o principal algoz.
or coiifronto interno da história do Brasil: a luta perduroli por 31 me- A viiigança veio em abril de 1894: nos arredores de Palmeira das
ses e custou a vida de 10 a 12 mil liomeiis, aproximadamentr 1% da Missões, os repiiblicaiios, liderados pelo comandante da 5Wivis;io do
população do Estado. A Revolução Federalista de 1893 foi travada por Norte, Firmino de Paula, degolaram 322 maragatos, chefiados pelo co-
razões políticas. De um lado estavam os republicanos positivistas, lide- ronel Ubaldiiio Macliado. Quarenta e cinco maragatos resolveram tro-
rados por Júlio de Castilhos. Do oiitro, aglritiiiavam-se todas as demais car de lado e passaram para as fileiras republicanas, sendo poupados
facções políticas do Rio Graiide do Sul, unidas em toriio dos federalistas, do massacre. Neste episódio, o comandante Firmino de Paula passou o
liderados por Silveira Martins. seguinte telegrama para Júlio de Castillios:
O grupo que lutava contra Castillios era lieterogêneo; reunia mo-
narquistas e republicanos, d e teiidência parlainentarista o u Hoje cinco da manl~ailbatih iibaldino acampado boi preto vg num com-
presidencialista; todos afastados do partido pelo sectarisrno de Chstilhos. bate em que morreram trezentos setenta maragatos e sem absolutarneri-
Entretanto, sua força era também sua fraqueza: além do ódio a Castilhos, te nenhuma perda nossa parte pt tomei tres carretas vg trinta et oito
armas comblaiils vg d u ~ e n t o svinte lailças et quinhentos cavalos vg al-
os rebeldes nada tinham em comum. Já os castilliistas, além de terem guns dos quais passei para minha propriedade particular pt viva a
o apoio de Floriaiio Peixoto, estavam unidos pelos mesmos ideais republica et cordiais saudaçoes pt coronel firmino de paula cornaridante
positivistas, transformados pela habilidade de Júlio de Chstilhos qua- quinta divisa0 norte pt.
se numa religião.
Na Revolução Federalista de 93, ambos os lados procuravam a O primeiro combate froiital entre "maragatos" e "pica-paiis" se deu
melhor alcuiilia para detratar os inimigos. Os federalistas chamavam nos arredores de Alegrete, em abril de 1893: durou seis horas e deixou
seiis inimigos de pica-paus numa alusgo ao quepc. republicano, usado uma centena de mortos. Em setembro de 1893, os rebeldes ganharam
pelos castilliistas, que lembrava o formato de tini pássaro biciido. Os novo fôlego, graças 2 eclosão, no Rio, da Revolta da Armada. Em outu-
castilhistas, por sua vez, deram aos seus inimigos a alcunlia de niaragatos, bro, as tropas rebeldes d e Gumersirido Saraiva chegaram a Santa
referilido-se ao fato dos irmãos Aparício e Gumercindo Saraiva terem Catarina. A cidade de Desterro, hoje Florianópolis, foi tomada pelos
vindo de San José, departarneiito iiriiguaio, cuja popiilação sei-ia origi- rebeldes da Revolta da Armada, que a tinham iraiisformado em sede
nái-ia de uma região espanhola, a Maragateria. do "governo provisório do Brasil". Em Santa Catarina, os 2 gi-tiposrevo-
Mesmo tendo o apoio do governo ceiiti-al,a giicrra iião poupou os Iucioiiários, federalistas e marinlia, qiic nada tiiiliam eni comiim, se
pica-paus. Os clid'es militares iiiaragatos erarn cxpcrientcs, alguns eram uniram ria I~itacoiiti-a Floi-iaiio Peixoto. Qtiaixdo a Revolta da Arinada
veteraiios das guerras platinas e da Guerra do Paraguai. Sua tática de sucunibiu por suas próprias dissidências internas, os homens de Sarai-
guerrillia era várias vezes sufocada e renascia das cinzas. Guniercindo va decidiram contiiiuar combatendo Jíilio de Castilhos e Floriano Pci-
Saraiva e Joca Tavares estavam eiitrc os rebeldes mais destacd d OS. xoto. Corri unia tropa de 3 mil combatentes, o plaiio de Saraiva era
A crueldade da Revolução Federalista ficou coiisagi'ada pela for- tornar as cidades de Tijucas (SC), Paraiiagriii e Lapa (PR), avaiiçando
ma de execução, comum ria regiào desde a Guerra dos Farrapos, mas riimo a São Paulo. Tijricas e Paraiiaguá forani toriiadas com facilidade,
cujos iiúmeros atingiram proporções desniedidas na última guerra civil mas na I ,apa osrebcldes eiicoiitraram fèroz resistêricia.
do século XIX. A degola era rápida, sileiiciosa e barata; as vítinias eram Sempre prrseguido pela temível l)ivisào do Norte, o batallião che-
niortas da mesma forma como se abatiam cariieiros: tiiikiam as artérias fiado pelo General Jose Gomes Piiihciro Macliado, Gumerciiido bateu
carótidas rasgadas por uni golpe de faca. Os castilliistas degolaram aii- em i-ctirada e retoriiou para o sul. Após tima penosa marclia, coni a
tes e mais do qiic os federalistas. Divisão do Norte eiii seu eiicalço, os rebeldes cliegaram ao Plaiialto do
Rio Grande do Sul e tomaram a cidade de Passo Fundo. A tropa de iiéis, capacidade dos coroiiéis na mobilização tias populações locais para
Gumercindo foi veiicida em Passo Fundo em julho de 1894. Foi uma eventuais confrontos eleitorais e a eficiêiiria da Brigada Militar, cons-
vitória da arma de fogo contra a arma branca e da infantaria contra a tantemente empregada para fins políticos.
cavalaria. Depois daquele combate, a guerra virtualmente acabou. Mas A influência positivista no Rio Grande do Sul não se restrinb' ao
~ I U
a sublevação iria persistir por mais de um alio. Maragatos e pica-paus campo político. A "ditadura científica" de Castilhos também foi res-
depuseram as armas apenas em setembro de 1895. ponsável por uma intensa modernização urbana, em Porto Alegre c
Outro importante episódio da Federalista foi o chamado Cerco de nas principais cidades do Estado. Além de unia estatuária típica, colo-
Bagé. Era uma das mais importantes cidades do Rio Grande do Sul: cada nas praças e parques, foram erg'iiidas várias construções suntuo-
tinha localização estratégica, sediava uma guarnição militar e era a ter- sas, os chamados "prédios positivistas;', como as Faculdades de Medici-
ra de origem de Gaspar Silveira Martins e Joca Tavares. Nada mais nor- na, Direito e Agronomia.
mal, portanto, que os castilhistas tomassem a cidade e que os federalistas O PRR foi, também, o responsável pela modernização dos trans-
se esforçassem para retomá-la. Em novembro de 1893, Bagé, então sob portes e das comunicações. A capital do Estado viveu os encantos da
o poder dos "pica-paus", foi cercada pelos "maragatos", sob a chefia de Belle Epòque. Com mais de 70 mil habitantes, tornou-se tima cidade
Joca Tavares. Foi um dos mais dramáticos episódios da guerra civil: o moderna, repleta de novidades. O bonde puxado a burros foi substitu-
cerco durou 47 dias, durante os quais os castilhistas sofreram as agruras ído pelo bonde elétrico. O teatro passou a sofi-er a concorrência do
da fome. Em 7 de janeiro, os reforços republicanos chegaram e os cinema e as corridas de cavalo tiveram de dividir público com as parti-
federalistas foram forçados a bater em retirada. das de futebol. O esporte foi estimulado pelo PRR como modo eficaz
A Revolução Federalista provocou efeitos muito importantes na de discipliiiamento e também para integrar o Estado. O esporte foi
sociedade, política, economia e cultura sul-rio-graiidense. Entre esses difundido a partir da fundação do Rio Grande Futebol Clube. Nessa
efeitos estavam alguns extremamente desastrosos como, por exemplo, época, surgiram os 2 clubes de f~itebolque hoje são os principais do
a brutalização dos setores rurais mais baixos, uma selvageria, muitas Estado: o Grêmio (fundado em 1903) e o Iiiternacional (1909). Tam-
vezes atribuída ao fato de que os comandos superiores do conflito eram bém foi realizado o primeiro campeonato estadual de futebol de todo
completamente indiferentes ao sofrimento das tropas, exigindo os mai- o país, em 1919, sendo que o vencedor foi o Grêmio Esportivo Brasil,
ores sacrifícios em nome da vitória. Mesmo entre as elites, observou-se, de Pelotas.
a partir da Federalista, o incremento de um ódio mútuo niuito grande Até hoje a principal via pública da capital, a Rua da Praia foi o
que perpassou todo o período da Primeira República. A guerra promo- maior símbolo da Relle Epòque no Rio Grande do Sul. A rua era a mais
veu, ainda, a construção de lideranças baseadas no poderio militar, a antiga da cidade e já fora pavimentada em 1799. Mas foi a partir da
maior parte deles ligados ao PRR. Diferentemente de outros Estados expansão industrial que, com seus cinemas, cafés e lqjas comerciais, a
do país, a Federalista dividiu o Rio Graiide do Sul em 2 partidos Rua da Praia se toriiou a mais importante c emblemática da cidade e de
idcologizados, embora sob o domínio dos republicanos, existiu sempre sua modernidade. Por suas calçadas, circulavam homens de fraque e
essa polarização entre presidencialistas autoritários versus parlameiita- cai-tola e mulhercs de vestidos longos.
ristas libertadores. Do ponto de vista economico, houve uma certa diversificação, com
A partir da vitória na Revolução Federalista,Júlio de Castilhos trans- o deseiivolvimento de indústrias e serviços. No Ceiiso Industrial Brasi-
formou o Rio Grande do Sul em um reduto do PRR e das idéias leiro de 1907, o Rio Grande do Sul aparecia como a terceira força do
positivistas, afastando do poder qualquer lideraiiça de oposição. O país, atrás do Rio e São Paulo. A Exposição Estadual de 1901 destacara
modelo autoritário previa uma continuidade adrniiiistrativa, capaz de mais de 300 fábricas em todo Estado, que produziam móveis, banha,
garantir o projeto de modernização centralizador e decidido pelas for- charutos, vinlio, cervqja, tecidos, couros, vidros, chapéus, conservrs e
ças políticas. O poderio dos republicanos provinha de uma liderança outros bens de consumo. As principais fábricas estavam localizadas cm
forte, exercida exclusivameiite por Júlio de Castilhos, que tinha a seu Pclotas, Rio (:raiirlr e Porto Alegre. Erarii pequenas empresas, com
dispor alguiis iiistrurrientos de coerção política: poder de cancelar elei- pouco capital c teriiologia, que abastcciani priricipalrnerite o mercado
ções municipais ou interferir na política local por decreto, controle regional. Os principais produtos de expoiração do Estado continua-
dos assuntos partidários em nível local, através tia lealdade dos coro- vam vindo do setor priiiiário, particularrrientc da pecuária.
Buscalido atender todos os setores da prodiição do Estado, os Entre os principais apoiadores de Carlos Barbosa estavam alguns
positivistas eram portadores de urn projeto que pressupunha a expan- jovens oriundos da Faculdade de Direito de Porto Alegre, que mais
são natural das forças produtivas, através do iiiceiitivo aos setores que tarde teriam papel destacado lia política regional e nacional. Coinpu-
abarcavam toda a produção, como transportes. Este projeto foi viável nham o recém-criado Bloco Acadêmico Castilhista. Fuiidado em abril
até o momento em que começaram a surgir os primeiros efeitos da de 1907 por um grupo de jovens políticos que defendiam a caiididatu-
crise do pós-guerra. As oposições se articularam para propor privilégios à ra de Carlos Barbosa, o grupo promovia reuniões, almoços e debates
pecuária, priiicipal atividade produtiva do Estado, a que mais sofria com para defender o candidato oficial do PRR. Como o próprio nome do
a crise ecoiiômica e aquela que, segundo os opositores do projeto grupo sugere, eles defendiam as idéias de Júlio de Castilhos. Entre eles
castilhista, poderia promover o desenvolvimento do Rio Grande. estavam Getúlio Vargas, Maurício Cardoso, João Neves da Fontoura,
Apesar de ter armado a máquina política que manteve seu par- Firmino Paim Filho, Pedro Góes Monteiro, Eurico Gaspar Dutra e ou-
tido ditando os destinos do Rio Grande do Sul por 4 décadas, Júlio tros estudantes de Direito e cadetes da recém-fundada Academia Mili-
d e Castilhos desfrutou d e pouco tempo n o poder. Fumante tar de Porto Alegre. De junho à dezembro de 1907, os integrantes do
inveterado, ele morreu em 1903, de câncer na garganta. Foi então Bloco publicaram um jornal de propaganda castilhista e republicana,
que Borges de Medeiros, seu herdeiro político, ascendeu ao posto chamado O Debale.
de homem mais importante do Estado. Graças às fraudes eleitorais e Após o mandato de Carlos Barbosa, Borges de Medeiros voltou a
à eficiência da máquiiia partidária, Borges se manteve no governo concorrer em 1913, e venceu outra vez. Eni mais uma eleição coiitesta-
por mais de 20 anos. da, foi reeleito pela quarta vez em 1918, com supostos 100 mil votos.
Borges de Medeiros tornou-se o personagem de um dos mais cé- Em 1923, ousou concorrer em busca de seu terceiro mandato consecu-
lebres poemas da literatura gaúcha: Antônio Cl~inzanço.Escrito por tivo e o qiiiiito de sua vida política. Foi o estopim da Revolução de
Rainiro Barcelos, esse "poemeto campestre9'era uma crítica irônica a 1923, uma espécie de reedição da Revolução Federalistas, sem a pre-
fidelidade subserviente de Borges aos ideais de Júlio de Castilhos. O sença dos políticos monarqiiistas.
poema narra a história de um peão medíocre, mas astuto, que cai nas O papel que Borges de Medeiros desempenhoii na vida política
graças de seu patrão, o "coronel Prates" (referência a Júlio Prates de do Rio Graride do Sul após a morte de Castillios parecia a concretização
Castilhos). Coni a morte do coroiiel, o peão vira o dono da estância. do lema de Augusto Comte, de acordo com o qual "os vivos são sempre
Ramiro Barcelos era do mesmo partido de Borges, o PRR, mas estava e cada vez mais governados pelos mortos". A personalidade do homem
rompido com ele. Até 1922 o poenia só circulou em edições clarides- que comandou o Rio Grande do Sul por um quarto de século era um
tinas, mesmo assim, "Antôriio Chimango" tornou-se o apelido de tanto diferente da de seu mentor. Ao contrário de Júlio de Castillios,
Borges de Medciros. Borges de Medeiros falava sem emoção e se mantinha calmo mesmo
Embora não fosse o mais brilhante nem o mais destacado eiitre os em épocas de crise. Não possiiía a mesma paixão riem a capacidade de
líderes do Partido Republicano Riogranderise, Borges de Medciros era despertar o fanatismo em seus seguidores. Mas, como o próprio
o seguidor mais fiel de Júlio de Castillios. Ele lutou na Guerra Civil de Castillios, Borgcs tinha uni perfil autoritário. Certa vez, qiiaiido um de
93 e, mais tarde, foi iiomeado cliefe de polícia. Após ter ajudado seus subordiiiacfos disse: "Eu penso [...I ", Borges o interrompeu c ia-
Castilhos a elaborar os códigos da 1,egislação Estadual, acabou sendo lou: "Tii rião perisas; quem pensa sou eu. lii te inspiras lias miiilias
indicado por ele como candidato a presideiite do Rio Grande do Sul. iiistruções e ages acordemente"
Ao vencer um pleito sem adversários, Borgis goveriiou o Estado de Embora a inspiração rio positivismo determinasse um
1898 a 1906. As sucessivas reeleições tornavam-se complicadas devido distanciameiito do poder executivo nos assuntos privados, duas ques-
às exigêiicias da Constituição Estadual que deterniinava a necessidade tões específic-asexigiram a participação mais coiituncleiite do goveriio
de 3 quartas partes dos votos para a reeleição. Assim, em 1907, Borges Borges de Medciros.
retiroii-se estrategicamente, indicando para seu liigar o médico Carlos Uma se refere ao niovimeiito operário, Ern julho de 1917, Borges
Barbosa, qiie se elegeu. O dissidente republicario, Fernando Abbot de Medeiros agiu como coiiciliador entre as partes iia greve geral, de-
perdcii as elcições numa coiiteiida onde a fraiide garantiu, mais irrria cretada por grupos aiial-cossiiidicalistas. Iiiterccclru tio sentido de que
vez, a vitcíria da candidatura oficial. os patrões auriielitassern os salarios, evitarido rriaic.)r.es coi~flitos.Eiii
out~ibi-ode 1917, apoiou os operários ferroviários ern gi eve, recebeii- s5o de Criadores, composta eiitre outros por Alberto Bins, Oswaldo
os rio palácio e garantiu o atendimeiito de siias demaiidas. Já nas greves Aranha, Jaciiitho Gomes, Nicolau Kroeff, etc. Seguiido eles, as dificul-
ocorridas nos alios de 1918 e 1919, Borges de hledeiros determiriou dades do setor provinham da falta de pi-oteçáo por parte do goveriio
uma repressão muito violenta, a pretexto da maii~iteii<;ão da ordem estadual.
pública. Segundo Antonacci um dos problemas dos pecuaristas em relaçiio
O outro episódio que exigiii a interveiição do governo foi o surto à política do PRR era a perspectiva de que eles teriam que arcar corn os
de gripe espanhola de 1918. Com a progressão da epidemia, as autori-
custos da crise:
dades implailtaram uma série de iiiedidas de saúde pública, de caráter
obrigatório, como cuidados sanitários de residCiicias, obrigatoriedade
A perspectiva positivista do grupo no poder (PRR),1-10 seiitido de conciliar
de isolamento dos enfermos etc. Muitos republicanos romperam com a conceiitração de riquezas com os iiiteresses coletivos, levara-os a taxa-
o governo porjulgarem uma traição aos princípios que iiorteavam o rem mais fortemente os proprietários de terras (pecuaristas). Em perio-
partido. dos normais, quando o lucro dos pecuaristas era grande e as iiecessida-
Mesmo que Borges de Medeiros fosse o iiicoiiteste líder do Rio des do Estado pequenas, esta 01-ieiitação dos republicaiios não foi seiiti-
Graiide do Sul, ele crivolveu-se poiico com a política nacional, pelo da tão fortemente e não abalou as relacões governo estadual/pecuaristas.
menos até a reação republicana, contra Artliur Bernardes. Considerava Mas eni 1921-22,em meio a situação de crise econômica por que passou
que o não cnvolvimento conr a política central era a melhor forrna de a área rio-graiidense, o projeto positiirista do grupo no poder provocuu a
manter a autonomia do Estado. Seu interlocutorjunto à presidência da ruptura entre o çovcrrio estadual e os criadores."
República era o senador José Gomes Pinheiro Machado. E provável
que Pinheiro terilia sido o político mais infliiente de toda a República A crise econôniica de 1921/ 1922 acirrou a existêiicia de uma cisão
Vcllia. Ele foi o responsável direto pela eleição de 3 presidentes e, por rio interior das classes dominaiites do Rio Graiide do Sul, especialnieii-
isso, a impi-eiisa o chamava de "fn~edoi- de reis". Veteraiio da guerra de te 110 que dizia respeito às funções do Estado e suas i-elaçõcs corri os
1893, Piiiheiro Macliado foi vice-presidente do Senado, líder da maio- grupos econômicos. Assim, a crise econ6mica assumiu uina coiiotação
ria na Câmara e era o chefe das comissões apuradoras do Congresso política, transformando-se iiuma luta pelo poder e desembocaiido lia
que, por meio de contageris manipuladas, decidia qiiais políticos toma- Revolução de 1923, liderada por Assis Brasil contra Borges de Medeiros.
riam posse, quais iião. Ern 1910, com a eleição do militar gaúcho Hermes Assis Brasil tiiiha sido um dos membros do "grupo dos 4" que,
da Foiiseca à presidência do Brasil, o poder de Pinheiro Macliado tor- junto com Júlio de Castillios, Pinheiro Machado e Borges de Medeiros,
nou-se quase absoluto. Temido e odiado no centro do país, ele foi assas- fundara o Partido Republicano Rio-grandense. Era cunhado de Jiílio
sinado pelas costas em setembro de 1915. de Castillios e retirou-se do cenário político gaíicho eni 1891 por nâo
Apesar de ser uma raposa política, Piiiheiro Macliado não teve a coiicordar com a forma corno havia sido redigida a Constituição Esta-
mesma capacidade ou habilidade ou interesse para os assuntos ecoiiô- dual Republicana e com seus termos. Tendo sido coiivocado para tra-
micos do Rio Gi-arde do Sul. O governo de Borges de Merieiros era
balhar no texto da Carta, Assis Brasil, como outros, foi isolado e Júlio
acusado de iiicapacidade ao eiicaminhar as reivindicações dos criado-
de Castillios acabou fazendo tudo sozinho. Em dezembro de 1891 retdi-
res ao goveriio federal. Os pecuaristas sul-rio-graridiiiscs sentiam-se
giu o manifesto '"ssis Brasil aos seus coricidadãos", onde dcixori clara
desprestigiados pelo goveriio federal e desprotegidos pelo governo
Borges de Medeiros. Ao mesmo tempo, com a crisc do pós-guerra, che- sua desaprovação e rompeu com Júlio de Castilhos pessoal c politica-
gavam ao Estado notícias de que os governos da Argeiitiiia e Uruguai mente. Em 1907 apoiou discretameiite a candidatura de Feriiarido
tomavam enérgicas providi-iicias em beneficio da pecniiria platina. Em Abbot, que coiicorria com o indicado de Borges de Medciros, o rnkdi-
1922, a sitiiação dos pecuaristas era mais do que problemstica: dimi- co do PRR, Carlos Barbosa. No ano segiiiiite, voltou à política regiorial,
nuição de preço e demanda externa, falta de apoio do governo federal, através da fundação do Partido Repiiblicaiio Dcrnocrático, que defeii-
disseminação da ft-hre aft osa pelo rcbanlio, efeitos de i.irn inveriio rigo- dia urna dernoci-acia limitada com presidericialismo indireto.
roso e uma seca de mais de 3 meses.
Os produtores corneqaram então a se reunir, desde fevereiro de
1922, para miiiimizar os fracassos pi-oveiiiciitcs da perda paulatilia do
mercado iiiterno para OS pi-cruai-istas platiiios. F o r m a m urna Comis-
A disserisão política dos anos 1920 foi dcflagrada pela crise eco- tado seni pr.otccioiiismo, permitindo o iiicreineiito de todas as ativida-
nômica de 1921/22, mas acabou reuriiiido, além dos prodiltores, as des, inclusive da pecuária, num momento de prosperidade de todos.
As oposi~õespropiinliam a defesa da pecuária, em iiome do desenvol-
oposições coiitra o PRR. Assis Brasil conseguiu ai-reçimeiitar os des-
vimento global, numa época de crise.
coiiteiites; represeiitava os federalistas, antigos aliados de Silveira Depois de muita tensão política, causada pela campanha eleitoral,
Martins; os dissidentes republicanos, como os Pinheiro Machado e a Comissão de Constituição e Poderes, responsiivel pela apuração dos
Menna Bai-reto; e os democratas, seus partidários e de Fernando Abbot, votos, deu por terminado o sei1 trabalho e concluiu pela vitória de Borges
por exemplo. de Medeiros, com 106.360 votos, contra 32.216 votos de Assis Brasil.
Apesar de todas as diferenças existentes eiiti-e os 3 grupos, tinham Para impedir a candidatura de Borges, Assis Brasil deveria ter mais uns
algumas metas comuns, como a revisão da Constitiiição Estadiial, priii- 2 mil votos, para chegar a um pouco mais da quarta parte dos votos. O
cipalmente no que se referia ao tema da reeleição para cargos executi- responsável pela Comissão cle Constituição e Poderes era Getúlio Vargds.
vos, queriam pôr fim ao monopólio do poder político, exercido pelo Havia sido designado para dar a Borges de Medeiros a notícia da derro-
PRR e pretendiam maior atenção à pecuária no qiie se referia aos cré- ta, mas quando an~iiiciou:- "Presidente, tenlio notícias da eleição!", o
ditos e impostos. astuto Borges de Medeiros teria respondido: - "Já sei, ganhei a elei-
A uniao entre as oposiçoes em torno de Assis Brasil foi corijiintural. ção.". Constrangido, Vargas teria concordado, retirando-se rapidameii-
Somente mais tarde, em 1924, foi fundada em São Gabriel, a Aliança te para adtilterar os mapas eleitorais.
Em 25 de janeiro de 1923, dia marcado para a quinta posse de
Libertadora, e, em só em 1928 foi fundado o Partido Libertador; iium
Rorges de Medeiros, rebentou o conflito no Rio Grnde do Sul. Com a
Congresso em Bagé. certeza de que os resultados das urnas haviam sido fraudados, os adver-
Em outiibro de 1922 um maiiifesto, publicado no Correio do Poao, sários de Borgcs, decidiram partir para a luta armada. Sob a liderança
lançava a candidatura de Assis Brasil e iium coinício em Porto Alegre, o de Assis Brasil, os rebeldes se intitulavarn "libertadores". Os partidários
candidato das oposições tentava atrair os setores populares para seu de Borges se chamavam de "legalistas". Foi qiiase urna repetição da
programa, registrando o autoritarismo do PRR e a falta de liberdade do Guerra Civil de 1893: os legalistas estavam eni maior número e tinham
proletariado. A elevação do custo de vida, devido a crise economica do metralliadoras, enquanto os libertadores, com seus lenços colorados,
pós-guerra, permitiu que Assis Brasil fizesse o que, tanto borgistas corno ainda usavam lanças.
libertadores, cliarnaram de tima "campanha popular". Além de contar com os 3.500 homciis da Brigada Militar (fuiidada
Mesmo assim, não se pode afirmar que os defensores de Assis Bra- por Castilhos), Borges tiiiha o apoio de 8.500 soldados dos "corpos pro-
sil estivessem defenderido algo mais do que a mudança da Constituição visórios". Estes I'atalliões de peões eram liderados por caudilhos da nova
Estadual e o fim do moriopólio político do PRR. A aliança das oposi- geração: Flores de Cuiiha, Osvaldo Araiilia e Getúlio Vargas. Flores co-
mandou a Brigada do Oeste e venceu os rebcldes em todos os comba-
ções era devido à conjilntiira de crise ecoiiômica do pós-guerra e não
tes que conseguiu provocar. 0 s libertadores tarnbérn tiveram seus he-
devido a uma articulação bem definida de grupos tão dispares. Mas,
róis, eiitre eles I-ioiiório Lemes, Batista Luzardo, Felipe Portiiiho e Zeca
essa aliaiiça circuiistancial acabou teiido efeitos bem importantes lia Neto. A revolução durou 10 meses e termiiiou uni ciclo de lutas entre
diiiâmica das classes domiiiantes sul-rio-graiiderises. Conieçaram a sur- as classes dorninaiites gaúchas.
gir níveis de articulação, antes impeiisá~~eispara grupos qiie pcrisavani Os rebeldes tinliain comiti-s espalliados pelo ceriti-odo país. Haviam
diferente, iiicltisive em relação à forma de Estado (parlarricirtaristas e fundado um Governo Provisório e umaJurita Suprema no Rio de Ja-
presidencialistas) . Esses níveis de articulação estiveram relacionados neiro que serviam para apoio e para centralizar e dirigir a Revolução.
particularmente à orgaiii~açãomais eficaz dos griipus econômic«s/pro- Também forniararn-se comites de apoio em São Paulo e Rio deJaiieiro
dutoi-es do Estado. Assis Brasil defendia a tese de que a delesa e prote- e Juntas I.ibertadoras em vários municípios do Rio Grande do Sul.
ção que o Estado deveria oferecer aos pecuaristas poderia beneficiar Desde o início do coriflito, Assis Brasil teritoii convencer o presi-
toda a economia do Rio Graiide d o Sul, mesmo os grupos não dente do país, Ar thilr Beriiardes, a iião reconhecer a vitória eleitoral
pecuaris tas. de Borges e a intervir no Rio Graiide do Siil. Emhora Borges fosse
Foram óticas e momentos diferenciados que permitirarri o succsso inimigo político de Beriiai-des ( o Rio (;ralirlr do Sul participou da
aliança char~iadaIieação Republicana, jiiiito corn Rio de Janeiro e
de uma oii outra proposta de desciivolvinieiito econômico. O PRK de-
Paraíba, coiiti-a a caiididatiira de AI-tliiii-Bc.1 iiardes e pela caiididatu-
fendia o deseiivolvimerito global, com uma intei-verição rníiiirna do Es-
i-a do carioca Nilo Peçaiiha), o presidente preferiu aliar-se a ele, for- Iiomens de Prestes desei-d arar ri, mas os outi-os 2 mil romperar11 o cerco
çando a bancada gaúcha no Congresso a apoiar a intervenção federal e, em abril de 1925, após muitos combates, chegaram ao Parariá. Lá,
no governo do Rio de Janeiro. Depois de coiisolidar seu poder 1x0 Prestes foi promovido a coronel e,junto com o General Miguel Costa,
Rio, Bernardes agiu no sentido de forçar Borges de Medeiros a fazer decidiu avançar rumo ao Mato Grosso. Foi o início de um dos episódios
várias coiicessões aos libertadores, em troca de não discutir-se a legiti- mais dramáticos da história do Brasil: a marcha da Coluna Prestes, que
midade do mandato em curso. durou 2 aiios e percorreu 23 mil quilômetros.
Apesar da resistência de Borges de Medeiros ern fazer algumas De 1925 a 1928, não apenas o Rio Graiide do Sul mas todo o Brasil
coiicessões aos libertadores, em dezembro de 1923, a situação tornou- continuaram vivendo um período de grande instabilidade política. A
se insustentável para o goveriio estadual e foi assinado, em Pedras Al- crise foi agravada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. O Rio
tas, o tratado que determinava as obrigações de ambos os lados depois Grande do Sul era o Estado brasileiro menos dependente do mercado
de onze meses de guerra. O pacto, que pôs fim à Revolução de 23, externo e, de certa forma, se fortaleceu com a crise.
estabeleceu que os rebeldes "libertadores" deveriam depor as armas e Em 1927, Borges de Medeiros tinha o direito de indicar um candi-
que, embora pudesse cumprir seu mandato até 1928, Borges de dato do PRR para a sucessão estadual. Sua escolha recaiu sobre o eiitão
Medeiros não poderia mais concorrer a reeleição e deveria indicar um ministro da Fazenda de Washington Luís, Getúlio Vargas. Os libertado-
candidato neutro à sua sucessão, consagrando a fórmula da "concilia- res não lançaram candidato e Vargas venceu as eleições com amplo
ção" proposta por Assis Brasil numa clara referência ao fato de que se apoio das elites. Ele represeiitava a segiiirda geração de republicaiios
tratava de pacificar as elites do Rio Grande do Sul. O Pacto de Pedras históricos do Rio Graiidc do Sul e estava acornpanliado de iim grupo
Altas também estabeleceu outras mudanças na Constituição de 1891, onde havia 4 ministros, um iiiterveritor de Estado e rim governador.*
impedindo o presidente do Estado a nomear seu vice. Muitos dos "li- Seu estilo era diferente dos aiitecessores, tinha uma tendência inaior
bertadores" consideraram o Pacto moderado demais e relutaram antes para a conciliação, proveniente de sua experiência familiar com a Re-
de depor as armas. Um dos caudilhos que sentiu-se revoltado com a volução Federalista e de 1923.
assinatura do acordo foi Hoiiório Lemes, o tropeiro que ficou conheci- Pela primeira vez em décadas, o Estado estava unido: Getúlio Vargas
do como Leão do Caverá. Um dos maiores chefes guerrillieiros do Rio foi eleito governador em 1928, obtendo o apoio de maragatos e
Graiide do Sul, Honório Lemes foi dono de uma frase célebre pronunciada cliimaiigos, finalmente conciliando as classes dominarites gaúchas em
depois da irritação causada pela assinatura do tratado de paz: Queremos torno daquele que seria a maior expressão política do Estado, com pro-
leis que governem homens e não hoineiis que governem a?leis." -jeção nacional.
O Pacto de Pedras caiisou viva indigiiação entre facções militares Vai-gas governou o Estado por 2 aiios, tendo tido bastaiite apoio
do Rio Grande do Sul, em especial entre os integrantes do "movimento do governo federal. Tarnbérn fundou o Banco do Rio Grande do Sul
tenentista". Os rebeldes não podiam admitir que Rorges de Medeiros em 1928 para incrcrnentar créditos aos produtores primários do Esta-
permanecesse no poder até 1928. Alguns dos tenentes envolvidos ria do, diminuiu taxas ferrovinrias dos arrozeiros e cliarqiieadores para
Revolução Paiilista de 1924 vieram para o Rio Graiide do Sul a fim de siihsidiar um nascente comércio de exportaçáo dos 2 produtos. Vargas
insuflar a revolta rio sul. O Batallião Ferroviário de Santo Angelo, lide- estiin~ilavao aparecimento dc associações de produtores, que pudes-
rado pelo capitão gaúcho Luís Carlos Prestes, foi c) primeiro a aderir ao sem organizar as demandas dos setores econ6micos e possibilitassem
movimento. inaior planejamento estadual. I'laiitadores de arroz, produtores de
As giiariiições de São Luiz, Siio Borja e Uriiguaiana sejuntaram ao charque, viticilltores, fabi-icaiiteis dc: banlia, comei-ciaiites e outros fùn-
levaiite logo a segiiir. Em São Borja, os rebeldes tiveram o apoio do dararn associações nesta época.
tenente Siqueira Campos - que fora um dos líderes do movimento dos I Josepli 1n)veobserva que Vargas iião agia apenas no campo ecoii6rriico:
I
18 do Forte. Em Alegrete, o caiidillio Hoiiório Lenies se uniu aos rebel-
des com seu exército particular de 800 liomeiis. L.enies foi batido pelas [...] tambern llies f e coiicessões
~ políticas diretas. Em certos muiiicípios
tropas de Flores da Cunha. Só o quartel de São Luiz se manteve na luta, oiide a oposição cra numei-icamrritr forte, toiiiou medidas para gai aiitir
embora, ali, os 3 mil liornens comaiidados por I.uís Carlos Prestes esti- elciçoes llonestas. Borges havia concedido aos libei-tadorcs em 1923, seis
vessem cercados por I O mil soldados do governo. cadeiras gai-aiitidas sem íiispiiita, dçrltre as 32 da Assembléia Estadrial;
Em fins (Ir 1921, Prestes foi comiiiiicado pelo lider da Revolução Xirgas deixou-os <~aiiliaruma setinia, em março d e 1929. Alkni disso,
Paulista, Gciieral Isidoro Ilias Lopes, qiic deveria iriiir-se aos i-evoltosos
- que haviam ftigido dc Sáo Paulo e se refiigiado rrii Giiaíra (PR). Mil 4 Vei ir1 ga:cll&thoSao Paulo: Pci spectiva, 1'375, 11. 233.
Ido\e ,Joseph. O ~~c~;lonnlirmo
convidou os libertadores a visitá-lo iio Palacio do Governo, um gesto ja- iiômica, devido à valorizaçáo dos produtos da pecuária no mercado
mais cogitado por Borges de Medeiros. Obviamente, Getúlio podia per- iriternacioiial e da elevação do preço da carne. A direção do Estado
mitir-se ser mais flexível do que Borges; aos olhos dos libertadores ele ficou a cargo de um grupo político cujo projeto de desenvolvimento
niio era um usurpador. " econômico liberal era conipatível com as exigências dos produtores
naquele período. A hegemonia foi obtida graças à ausência de projetos
Ao mesmo tempo, a velha aliança São Paulo-Minas Gerais se desfa- alternativos e de uma aceitação por parte das oposições daquela domi-
zia. Em 1929, quando o prcsidciite Wnsliiiigtoii Luís iiidicou o paulista nação. Com a crise econômica d e 1921/1922, as oposições se
Júlio Prestes para sucedê-10, os mineiros se indignaram já que era a sua reestruturaram e passaram a exigir o fim da contiiiuidade adrnirlistrati-
"vez" de ocupar a presidêiicia. Minas então se uniu ao Rio Grande do va do PRR e a defesa da pecuária com todo o vigor necessário ao desen-
Sul e à Paraíba forrnaiido a Aliança Liberal, que laiiçou Getúlio Vargas volvimento daquela que era a principal atividade econômica do Esta-
como candidato à prcsidêiicia. Nas eleições de março de 1930, Vargas do. Essa rearticulação das oposições representou uma nova cisão no
foi vencido porJúlio Prestes. Embora ele admitisse a derrota, seus alia- interior das classes dominantes, que foi parcialmente resolvida com o
dos Osvaldo Aranha, Flores da Cunha,João Neves da Fontoura e Liiidolfo Pacto de Pedras Altas. Porém, somente em 1929, as elites gaúchas esta-
Collor, com apoio dos teiientes, eram favorávcis 2 luta armada. riam unidas novamente, desta vez em torno de um novo pacto: reagir
O assassinato de João Pessoa - candidato a vice na cliapa de Vargas - ao domínio das oligarquias centrais em torno da defesa da cafeicultura,
foi o pretexto para a eclosão do golpe. Apoiada por Borges de Medeiros, para oportunizar um rodízio no poder e a proteção aos demais produ-
a rcvoluç;io eclodiu no dia 3 de outubro de 1930. Só São Paulo, Bahia,
tores nacionais.
Paraná e Santa Catariiia apoiaram o govei-iio federal. Mesino assim,
quase não houve luta. Após apoteótica viagem de trem, desde Porto
Alegre, Getúlio Vargas chegou ao Rio de Janeiro e assumiu o governo Referências
em 3 de riovcmbro cle 1930. O Rio Grande c10 Sul estava "exportaiido7'
para o Brasil seu modelo político autocrático, ainda baseado em con- ANTONACCI, Maria Antonieta. RT.as o$msiçõese a ~ o l z ~ ç de
â o1923. Porto Alegre:
ceitos positivistas. Mercado Aberto, 1981.
Alguns dos mais brilhantes e principais aliados de Getúlio Vargas ASSIS BRASIL,Joaquim Francisco de. Ditadura, j+arlu~nentarismoe~e~non-acia0
Porto
eram integrantes da chamada Geração de 1907 e chegaram ao poder Alegre: Globo, 1908.
junto com ele através do inovimento de 1930. Eles haviam formado o
grupo significativamente dciiomiiiado Bloco Acadêmico Castilhista. Da FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio dg Castillios e rua época. Porto Alegre: UFKGS,
turma faziam parte Joào Neves da Fontoura, Osvaldo Aranlia, Flores da 1988.
Cunha e Liiidolfo Collor. Embora o grupo tenha lutado contra os te- FEITAS, Décio. O homem que inwntou a ditadura no Brasil. Porto Alegre: Sulina,
nentes em 1923-1924, os 2 movimentos se uniram após a eleiçao dc 1999.
Vdrgas em 1928. LOVE,Joseph L. O regzonalisinogaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975.
Em 1929 as elites gaúclias uniram-se para apoiar a candidatura de
Getglio Vargas à preside iicia da república, sob a deiioniinação de Freii- PESAVENTO, Saiidra Jatahy. I<~públicaKZJza gaúcha. Charp~eadas,frigomficos e cria-
te Uiiica. Demonstravam cclm esse apoio que a reconciliação iniciada dores. Porto Alegre: IEL/Movimeii to, 1980.
com o Pacto de Pedras Altas em 1923, completara-se com êxito alguns políiico alternativo. Porto Alegre:
PINTO, Celi ReginaJardim. Positiuis~no:uuinproj~to
aiios depois e frente a um desafio maior que era terrninar com o moiio- Edufrgs, 1987.
pólio do poder central exercido pelos Estados do Rio de Janeiro e São
Paulo, desde a proclamação da república. REVERBEL, Carlos. Mc~ragatose F'ica$aus. Cnmra civil e degola no Rio Grande*Porto
Alegre: L&PM, 1985.
Quanto à estrutura das classes domiiiarites, o Rio Grande do Sul
tcve uin deseiivolvirneiito peculiar ao longo da Primeira Republica. Nos TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do sistema partidário Republicano rio-
primeiros anos do iiovo regime, as elites sul-rio-graiidei~sesestavam granderise (1882-1937).Da confrontação autoritirio-liberal à implosão da aliança
absolutamente cindidas, lutarido pelo doniínio do Estado. Depois de político-revoliicionái-iade 30. In: Ilacanal,José Hildebrando e Goiizaga, Çergius
1895, a paz voltou a reinar lia região, favorecida pela prosperidade eco- (Org.). R? economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979,p. 119-228.
VÉLEZ RODIUGUEZ, Kicai-do. (hstilJ~içino.U~aafiloro/ada Re1>úbliia. Caxias do
Sul: UCS, 1980.
Uma cena peira na avenida Central:
rio-grandenses
uqão de 30

Rio de Janeiro, início de novembro de 1930. Getúlio Dornelles


Vargas, presidente eleito do Estado do Rio Grande do Sul e líder do
movimento político-militar que eclodira há um mês, era ungido chefe
de um "governo provisório" no Brasil. O "povo" nas ruas o saudava. Um
grupo de relativamentejovens rio-grandenses tem uma idéia. Decidem
atar as rédeas de seus cavalos, transportados de trem desde sua terra
natal, em torno de um monumento significativo para os habitantes da
capital federal, o obelisco da avenida Rio Branco, ex-avenida Central,
um dos símbolos do orgulho civilizatório e urbanístico da cultivada eli-
te litorânea nacional. Tiraram uma foto. Era provavelmente uma briii-
cadeira, talvez um souuenir para levarem consigo na volta para casa no
sul.' A foto acabou virando a condensação em imagem do que estava a
ocorrer naqueles dias. Pela primeira vez na história do Brasil um rnovi-
mento eclodido nos interiores periféricos do país assaltava com sucesso
o governo central.
De então para frente, vários rio-grandenses passariam a exercer
postos-chave na administração federal e, alguns deles, a exercer papéis
de protagonistas da política nacional. Ate então, poucos políticos de lá
oriundos, com algumas exceções como os militares-políticos Manuel
Luiz Osório e Hermes da Fonseca, tiveram iiifluência e prestígio nacio-
nais ao ponto de "merecerem" se tornar nomes de ruas ou lograrem
um busto ou uma estátua em praça pública na capital do país. Políticos
civis, com "carreiras" propriamente regionais, que obtiveram tal expres-
são tiriharn sido apenas, com outras poucas exceções, Gaspar Silveira
Martins, ainda no período imperial, e, na República, Jíilio de Castilhos,
Pinheiro Machado e Borges de Medeiros. A partir de 1930 as coisas
mudaram. As portas do Palácio e para a ocupa<;ãodos cargos públicos
mais importantes se abriram com mais facilidade. Seus nomes batiza-
ram ruas e avenidas importantes, bustos e estátuas passariam a ser
erigidos em siia memória. Alguiis foram morar no Rio de Janeiro, tra-
zendo consigo mulher, irmãos, irmãs, filhos, filhas, "amigos" e "correli-

1 Caggiani, Ivo. I;l«tur da Cunhcr (Dzog)a/ia).Porto Alegi e: Mal tins Z,ivi.eiro, 1996, p. 1 2 4 127
gionários", muitos dos quais seriam designados para "bons empregos" Em trabalho anterior7 tive a oportunidade de analisar as trajetórias
na crescente burocracia estatal e, os mesmos ou outros tantos, se casari- dos membros desta "geração". O presente artigo é uma pequena parte
am com "bons partidos" de "boas famílias" do centro do país. deste estudo mais amplo, no qual apresento as análises relativas ao
Entre estes rio-grandenses, destacaram-se Getíilio Doriielles Vargas, momento decisivo nestas trajetórias estudadas: o salto que puderam
Oswaldo Aranha, João Neves da Fontoura, José AntOnio Flores da Cu- dar estes políticos rio-grandenses do plano estadual do controle de re-
nha, Liiidolfo Collor, Firmino Paim Filho e Maurício Cardoso. Eles com- cursos privados e públicos para o controle destes recursos ao nível naci-
punliam, segundo Joseph Love, a "geração de 1907": um grupo de po- onal. Centrando o foco da análise nas trajetórias destes políticos, foi
líticos rio-grandeiises nascidos no final do século XIX, cujas carreiras também possível analisar o quadro mais amplo da situação político-
se inciaram à época em que Borges de Medeiros era o presidente do partidária no Rio Grande do Sul e da sua inserção na Federação, pois
Estado do Rio Grande do Sul e chefe do partido político lá dominante, tais políticos foram, com efeito, agentes-chaves no processo que levou à
o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Possuíam em comum as ascensão de Getúlio Vargas ao centro do governo nacional. Ressalto
seguintes características: faixa etária semelliante (nascidos todos entre também que neste texto não estão presentes as discussões teórico-
1880 e 1894); eram formados em direito, exceto Collor; todos inicia- metodológicas que se eiicoiitram no trabalho citado, ao qual remeto os
ram seus percursos político-partidários na atuação rio PRR quando es- interessados na problemática, principalmente por uma questão de es-
tudantes; "em sua maioria [eram] filhos de republicanos históricos"; paço. Tais questões e referenciais, porém, são as bases sobres as quais
seis deles "eram filhos ou pareiites próximos de coronéis e cinco provi-
repousam as colocações que se s e g ~ e m . ~
nham de famílias de estaiicieiros"; e, o que fez Love os designar como
"geração de 1907", "quatro haviam-se formado na Faculdade de Direito
de Porto Alegre em 1907 ou 1908 (Vargas, Neves, Paim e Cardoso) e A paróquia e o mundo
começaram sua vida política em 1907, participalido do Bloco Acadêmi-
co Castilhista, durante a campanha governamental de Carlos Barbosa Muitos dos aspectos das origens sociais e vidas familiares, profissio-
Gonçalves". Formariam uma "segunda geraçãio de políticos Irepublica- nais, escolares e sociais dos componentes da "geração de 1907" esta-
nos] rio-grandenses".' vam perpassadas por inter-relações com o jogo político, cuja lógica
Mas o que passou a aproximar as trajetórias dos componentes da influenciava as suas mais diferentes relações sociais e âmbitos e insti-
"geração de 1907" é que, a partir da década de 1920, todos ocupariam tuições nas quais atuavam. Para os filhos das elites rio-grandenses em
cargos públicos importantes que instrumentalizaram para alcaiiçar po- geral, um certo domínio da lógica do jogo político impunha-se como
sições cada vez mais importantes frente aos demais líderes político-par- uma forma d e garantia d e sucesso até mesmo "profissional",
tidários rio-grandenses e brasileiros, até o ponto em que todos, ao final I
I
notadamen te para os aspirantes a cargos judiciários, advogados, médi-
desta década, puderam ter participações destacadas nas açoes que leva- cos, engciiheiros, oficiais militares, dirigentes e administradores de
ram à chamada Revolução de 1930, o que os franqueou um novo espa- órgãos públicos, joriialistas e professores. Se nem todos estes se torna-
ço para a ocupação de ouii-os tantos cargos e posições de poder tam- vam propriamente "políticos", contavam eiitre eles com pareiites ou
bém no plano nacional. E somente na década de 1920 que se pode
perceber ou conceber estes ageiites como compondo irm grupo, do
qual iião eram os únicos componentes, mas que os aiielava em ações
comuns ou visando objetivos comuiis. Primeiro, formando ern torno 3 G1yó, I,tiiz Alherto. Ortgert 5 sotzcur, etl1cltPpclrde nscc?z~Zo
e rr(utsos dor conrf)oricntrsda rhninndn " g ~ a ~ n ~
(LP 1907". Porto Alegre, dissei taçáo d e mestrado em Ciêiicia Política/UFRGS, 1998.
de Borges de Medeiros uni núcleo importante de apoio quando das
4 Cabe aiiida iima obser\raçáo. Em seti traballio acima citado, Love usa "geração" sem se preocir-
crises do início dos anos 20 e, depois, gravitando em toriio de um de par em conêeitualizar o terino. Qiiaiido o trabalho qiie deri origem a este artigo foi realizado,
seus membros que alcariça o governo do Estado, Getúlio Vãrgas, quaii- tambkrn iiáo se buscou tal coiiceitiializaçáo, seiido que a referêiicia 2 "geração d e 1907" - sem-
do passam a ser os articuladores do niovimeiito político-eleitoral da Ali- pre eiitre aspas - s e i ~ i uapenas coino uma iiidicaçáo para a constriição d o objeto d e estiido a
partir do texto de l a v e . Para iim estiido mais apurado e específico d e uma "seg~indageração de
ança Liberal e de sua continuidade no movimento armado de 1930. políticos rio-gi-arideiises"- qiie, parece, podeiia ser tomada como objeto -, certame11te os seus com-
p o n e i ~ t e s ~ Gseo restringiriam apenas aos agentes aqui enfocados e geração deveria sei. eiiteiidi-
da de forma niais iigoi,osa em termos teóricos para sua adequada utilização rnetodológica. Nes-
te sciitido, remeto para a disciissáo qiie faz Siriiielli,Jeaii-Fraiiçois.Os intelectuais. In: Kémond,
Kené. 1'07- u,mn Izistcírin J~olilict~.Rio d e Janeiro: FCV, 1996, e para o estudo d e Gomes, Angela d e
2 Love, Josepli. O rr~rionnl~.~mogrniitho.
São Paulo: Peispectiva, 1C1'75, p. 233-234. Castro. t-lislóric~e hisloi-icrclorc.~.Iiio cle Janeiro: FGV, l99c1, sobre os historiadores brasileiros r l o
filial do século XIX e iiiicio do XX.

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"amigos" e, em certos momentos, tinham rnesmo que optar por uma para as carreiras dos proponeiites a posições partidárias ou a cargos
das facções políticas em disputa, como nos casos de crises como a públicos, bem como a consolidação de um poder pessoal enquanto
Revolução Federalista ou as disputas político-eleitorais. Para Neves da centro de redes clientelísticas que se iniciavam, frequentemente, em
Fontoura, Oswaldo Aranha, Paim Filho, Getúlio Vargas, Flores da Cu- distritos e municípios do interior do Estado.
nha, Maurício Cardoso e Lindolfo Collor, no entanto, a participação Esta relaçáo complexa entre os recursos próprios, as "bases 10-
no jogo político tornou-se uma aspiração e uma especialização no sen- cais" no interior, e a indicação pelo chefe do partido não se davam
tido de que paulatinamente a maior parte de seu tempo era dedicada sem tensões e mesmo sem possibilidades de rupturas. O que sobressai
a tal atividade. Com exceção de Collor, todos os demais tinham já nos nas trajetórias dos compolientes da "geração de 190'7" é que, apesar
próprios grupos familiares de origem membros vinculados a partidos das tensões, estes agentes lograram constituir-se, em um primeiro mo-
políticos ou ocupantes de cargos de indicação político-partidária, con- mento, enquanto mediadores entre as tais "bases" e o governo de
tando, portanto, em suas "escollias" fortes estímulos vindos destes gru- Borges, "bases7'estas compostas por familiares, amigos e clientes em
pos para que se engajassem em partidos e almejassem colocações vin- regiões do interior do Estado. Em um segundo momento, já enquan-
culadas a estas participações. to líderes coiihecidos e recorihecidos, gozando de suficiente notorie-
Contudo, somente estes estímulos não explicam a adesão ou o su- dade que extrapolava em muito o plano paroquial, findam por alcan-
cesso no jogo político. Certas circunstâncias bem aproveitadas, como a çar posições de suficiente autonomia frente a Borges de Medeiros, o
campanha eleitoral de 190'7 para os casos de Neves, Vargas, Cardoso e que os possibilitou inclusive a agir sem o necessário conhecimento
Paim, ou a amizade com Pinheiro Machado, caso de Flores da Cunha, prévio ou beneplácito do cliefe do PRR, embora sempre o consultas-
ou ainda o engajamento na militância político-partidária nas escolas sem e buscassem seu "conselho" ou "diretriz". A década de 1920 re-
superiores, como no caso de Aranha, ou mesmo a atividade na impren- presentou para estes então jovens (Flores, o mais velho, tinha 40 anos
sa, como no caso de Collor, ou airida uma bem sucedida banca de advo- e Aranha, o mais novo, 26 anos em 1920) o momento aproveitado
cacia e a docência do direito em escola superior, como no caso de Mau- para virem a se tornar alguns dos principais responsáveis pela conspi-
rício Cardoso, constituíram vias para o acesso aos círculos de militantes ração que levou à Revolução de 30.
de um partido político, no caso o PRR, e a oportunidade de mostra- O controle do poder local por familiares próximos e/ou por eles
rem-se capazes de arcar com o peso das tarefas ou empreendimentos próprios constituíam "bases" importantes de apoio e índice de prestí-
valorados como adequados e mesmo necessários para a iiitegração e gio que os constituía enquanto mediadores entre tais "bases" e o gover-
aceitação no conjunto destes militantes com possibilidades de obter no do Estado. Isto é válido para todos os membros da "geração" em
cargos ou posições de destaque. questão, com exceçiio de Maurício Cardoso.Wo plano local, as rela-
Quanto a estes cargos, os de representante na Assembléia estadual, ções de parentesco, clientelísticas e de posicioname~~tos em termos de
deputado na Câmara Federal, senador, intendente municipal, ministro facções políticas aproximavam estes agentes das lógicas vinculadas a
ou secretário de Estado eram os mais disputados pelas possibilidades tais relações e que estavam perpassadas por um grau bastante grande
em termos de instrumentalização dos mesmos como meios de se obter de violência física, incluindo assassinatos, surras, intimidações e a possi-
maior reconhecimento político e social, bem como para o exercício de bilidade de mobilização de "provisórios"%m tempos de crises. Porém,
patronagem em graus variados. Como somente as eleições ou os méri- nenhum destes agentes limitou-se a atuar neste espaço paroquial. E
tos técnicos, profissionais ou escolares não decidiam de fato quem ocu-
paria os cargos públicos, embora muitos fossem formalmente de cará-
ter eletivo ou exigissem certos conhecimentos e habilidades específi- 5 Ele era filho d o desembargador Melchisedech Matusalém Cardoso. Nascido em Sergipe (1860),
cos, a inclusão do nome em uma nominata de candidatos a um cargo bachareloii-se em Recife (PE) e m 1880. Foi promotor píiblico na Bahia. Transferiu-se para o
eletivo ou sua indicação para o preenchimento de uma vaga,já signifi- Kio Grande do Si11em 1881 como juiz d e 6rfaos ern Soledacte. Foi Juiz d e direito em Cruz Alta,
Kio Pardo e Kio C;rande até a trailsfei.êneia para Porto A1egi.e. Foi também professor na Facul-
cava um certo grau de prestígio ou de importância do proponente frente dade d e Direito d e Porto Alegre. Careciam a Maurício Cardoso as "bases locais" com as qriais os
ao líder do governo e do PRR, Borges de Medeiros. 'Tal proponente, demais puderam coiitai-, mesmo Collor. Este íilcimo, embora de origens sociais modestas, co~ls-
não obstantc, tinha que fazer por merecer o cargo, pois lançava mão de trriiii "bases" irnpoi-tantes entre a comiiilidade de origem germânica da região d o Vale do Rio
seus próprios recursos para collier os apoios necessários ou mesmo aspi- dos Sinos.
rar a poder propor o riome à ratificação de Borgcs. Milito do que se G Tratam-se dos Corpos Provisórios, tropas auxiliares as da Brigada hlilitar coi~vocadasentre os
civis qiiando o governo do Estatfojiilgava iiecessái-io e por siia orclein. A siia testa normalmente
disputava rieste âmbito era o reco~~hecimento do chefe (do partido, o se encoiiti-avain,com postos de oficiais, os grandes líderes políticos civis do PKR dos distritos d o
dono das chaves para as portas das ascensões, estagnações oii entraves interior.
que, para isto, estavam adequadamente iristrumentalizados em termos foram autononiizando frente às disputas político-partidárias paroquiais
culturais, intelectuais e profissionais, pois todos eram diplomados em e qualificando-os socialmente para intervir, agindo e dando conta
cursos superiores e estavam habilitados a manejar instrumentos com« a discursivamente das "razões" disto, em outras esferas: corriando de tro-
oratória, a retórica, a lógica "bacharelesca", bem como as relações for- pas, liderança de bancadas, entrevistas aos jornais, atuação ern tribu-
mais e eufemizadas das "sociedades" de Porto Alegre e, principalmen- nais do júri, enfim, qualificando-os até que o ponto em que pudessem
te, do Rio de Janeiro, onde contavam com relações pessoais herdadas se colocar à frente de ações e mobilizações coletivas mais amplas. O
ou por eles mesmos costuradas, acumuladas e estendidas. sucesso das "carreiras" políticas dos membros da chamada "geração de
As tensões entre a solidariedade ao grupo familiar, à facção parti- 1907" deveu-se tanto a ocupação destas posições de mediação entre
dária, ao chefe do PRR, aos "amigos e correligionários" bem adminis- diversos níveis e esferas cujas lógicas passavam a dominar, quanto a uma
tradas, aliadas a formações culturais e escolares elevadas, permitiram a notoriedade adquirida em "feitos heróicos", seja em ações militares,
estes políticos espaços de atuação diferenciados que iam desde os "du- seja enquanto polemistas na imprensa e oradores parlamentares e em
elos de honra", "organização de eleições", vendetas pessoais e políticas praças públicas.
paroquiais, passando por postos de liderança político-militares, pela
participação em comícios como oradores, em tribunas parlamentares,
em escritos na imprensa, em elegantes bailes e banquetes e em cargos O Rio Grande "De Pé"
político-administrativos no Estado e no Rio de Janeiro. Eles buscaram,
pois, e em grande medida foram bem-sucedidos, notoriedades que Em 1926, nas "comemorações castilhistas"," eritão estudante de
extrapolavam em muito as relações de patronagem que exerciam nos Direito e depois secretário de governo de Getúlio Vargas, Luiz Vergara,
níveis paroquial, estadual e federal e que atravessavam as esferasjurídi-. proferiu um discurso em homenagem ao "patriarca,lo que se encerrava
ca, partidária, dos grupos familiares, burocrática e pautava as relações com a afirmação de que, "em face da calamitosa situação nacioiial", era
de "amizades". preciso "rio-grandensizar o Brasil9'.A manifestação "fora considerada
"Estas expressões interesse do Rio Grande, o deuer do Rio Grande, a pelos conspícuos maiorais partidários [do PRR] um tanto desproposi-
honra do Rio Grande tinham, para os homens da nossa geração, um sen- tada e arrogante". No ano seguinte, quando Getúlio Vargas já ocupava
tido quase místico. Nós nos considerávamos soldados do Rio Grande, o cargo de ministro da Fazenda, Vergara teria se encontrado com ele.
cavaleiros andantes da sua honra, servidores dos seus i d e a i ~ . "Notorie-
~ Vargas lhe teria dito que: 'tJá o conheço. Você foi aquele orador que
dade militar, como oradores, como "tribunas" e "intelectuais", conhe- alarmou a circunspecção do Dr. Borges, dizendo que precisávamos rio-
cidos e reconhecidos, se articulavam para que passassem a se conceber gundensizar o Brasil, e aqui para nós é bem possível que estivesse com a
como encarnações do Rio Grande do Sul, seus porta-vozes e intérpre- razão".l 1
tes dos seus desejos, identificação que se foi constituindo ao mesmo Nesta época o Rio Grande do Sul se encontrava político-partidaria-
tempo em que ~ e t ú l i o
Vargas assumia o governo do Estado e passava a mente dividido entre os componeiites da Aliança Libertadora, liderada
mediar uma aproximação com os principais líderes da oposiçáo ao PRR, por Assis Brasil, e o PRR, chefiado por Borges de Medeiros. Este último
notadamente, a aproximação com os chefes do Partido Libert,ador (PL). tentava reaproximar-se do govci-110 federal, influindo na sucessão de
Esta notoriedad'era pois baseada na crença "mística" a eles atribuída Artur Bernai-des, com quem tivera relações conflituosas por não apoiar
pelos outros de que eles de fato encarnavarn o que diziam e eles própri- sua candidatura em 1922.12Nas eleições de 1926 para a presidência da
os criam encarnar. Ou seja, tornavam-se intérpretes e senhores do sen- República, porém:
tido para a sociedade enquanto seus líderes carismáticos."
Os recursos culturais e escolares adquiridos, as viagens realizadas, Borges aceitou passivameilte a fórmula paulista-mineira e o trapaceiro
sistema de conveilções que j5 re~eitaraem 1922. Em suas considerações,
os laços de amizade estabelecidos com outros políticos, juristas, profes-
sores, advogados, funcioriários públicos e cornpaiiheiros de armas os
9 Peregi-iiiação ao tíiniiilo cle Júlio de Castlllios, segilida d e discursos e banquetes, que membros
clo PKK f a ~ i a maiitialmeiite à dava d e siia morte.
10 Jíilio d e (:astillios era considei-ado pelos niembros d o PIIK o "patriarca d o Kio G r a i ~ d ~ " .
7 Fontorira, João Neves cla. k l e ~ n ó ~ i Borges
~s: cle Medeiros e seii tempo. Porto Alegre: Globo,
19G9, p. 573, grifos iio original. 11 l'ergara, L,iiiz. Fui ser,i.b&)iotle Getúlio V a r p s , Porto Alegre: Globo, l$lGO, p. 7-8, grifos iio origi-
nal.
8 Para a iioçiio d e carisma, ver Boiii-clieu, Pierre. Oj~odel-sirrrbólito.Rio de Jaiieiro/Lisboa: Bertrand
Brasil/DIFE~Z,,1989, p. 191. 12 Borges fizera pai-te da cl.iaiiiada Keaçiio Wepiiblicaiia, qiie apoiava o candidato Nilo Peçai-ilia
contra a caiididatilra d e Bei-iiardes.
pesava iiidubitavelmente um respeito, recentemente adquirido, pelas coii- Para isto foi fiiiidamental a ascensão de Getúlio Vargas à presidên-
seqüências de uma oposição 2 aliança daqueles dois estados, já que as cia do Estado em 1928, enquanto Borges de Medeiros permariecia como
coriturbações dos anos de Berilardes podiam, em certa medida, ser atribu- "chcfe unipessoal" do PRR. Este último muda-se de Porto Alegre para
ídas à campanha de 1922. Demais, o Rio Grande do Sul estava em débito
sua fazenda em Cachoeira do Sul, a estância do Irapuazinho. Por outro
político com São Paulo. Em troca da intercessão paulista para minimizar
o efeito das revisões constitucionais de Bernardes em 1925, Vargas [en-
lado, os oposicionistas a Borges de Medeiros formaram, também neste
tão líder do PRR no Congresso] prometera o apoio gaúclio às ambições ano e a partir da Aliança Libertadora, o Partido Libertador, sob a chefia
de São Paulo pela presidência.'" de Assis Brasil. O novo presidente do Estado passa a aproximar-se des-
tes opositores e vice-versa. Ele "convidou os libertadores a visitá-lo no
Neste contexto, pois, "rio-graiidensizar o Brasil" só podcria scr in- Palácio do Governo, um gestojamais cogitado por Borges de Medeiros",
terpretado pelos "maiorais partidários" corno "impetuosidade do estu- pois "Getúlio podia permitir-se ser mais flexível do que Borges; aos olhos
dante improvisado em orador político".** Dois anos depois, porém, tal dos libertadores, ele não era urn usurpador".'%lérn disto, apesar de
afirmativa ou outras com uni sentido semelhante, estariam presentes Getúlio ter recrutado "provisórios" em 1923, não chegou a participar
em comícios e nas páginas dos jornais com o intuito de mobilizar o diretamente das batalhas. Com Getúlio Vargas na presidência do Esta-
"povo" para a candidatura de Gctúlio Vargas 2 presidencia da Repúbli- do, Paim Filho e Oswaldo Aranha foram chamados a conipor o seu
ca. Este último mesmo se encarregaria de uma outra afirmação a cla secretariado e João Neves, seu vice-presidente, assume uma cadeira na
semelhante ou complemeiitar em seu manifesto lançado eni 4 de outu- Câmara Federal, como Lindolfo Collor, onde passa a ser o Iíder da ban-
bro de 1930 nos jornais do Rio Grande do Sul, na manhã seguinte, cada do PRR. Flores da Cuiilia foi eleito para o Senado e Maurício
portanto, ao dia em que se desencadeou o movimento de 1930: "Rio Gran- Cardoso para a Assembléia estadual.
de, de pé, pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino lieróico".'' Neste contexto, Getúlio Vargas tinha seu poder de atuação limita-
do, no que conceriie ao PRR, por Borges de Medeiros, que mantinha
A partir dos últimos dois anos da década de 1920, as duas grandes
sua centralidade na rede quc a ele vinculava a maior parte dos líderes
facções político-partidárias estaduais formariam uma "frente
do partido no interior do Estado. Esta desvantagem aparente de Getú-
interpartidária" e o Rio Grande do Sul se inseriria na política nacional
lio Vargas findou por ser para ele um grande trunfo. Claramente irn-
tendo como refereiicia esta composição organizada em torno da possi-
pondo-se como o Iíder de sua "geração", João Neves, Flores da Cunha,
bilidade de que um rio-grandense pudesse assumir a presidência da Oswaldo Aranha, Paim Filho, Maurício Cardoso e Lindoliò Collor fica-
República. Isto apenas poiicos anos depois dos confrontos armados nos vam cada vez mais depeiidentcs dele, ao mesmo tempo em que a apro-
quais estas facções se enfrentaram pelo interior do Estado na chamada ximação com os principais chefes Libertadores podia ser capitalizada
Revolução de 1923 e nos posteriorcs movimentos ditos "terientistas". politicamente por Vargas. Desta forma, foi-se delineando uma primeira
Alguns dos principais agentes da esti-uturação desta unidade que trans- característica da asceiisão destes políticos no período, a autonomização
cendia o paroquialismo e rcpousava sobre uma espkcie de regioiialis- frente a Borges de Medeiros, reforçada ainda pelo citado regionalismo
mo recém constituído, foram os componeiites da "geração dc 1907". que era também capitalizado por esta nova "geração". A segunda carac-
Estes artífices e interpretes deste regionalismo do filial da década de terística foi a possibilidade aberta pela "união política" do Rio Grande
1920 imediatamente se posicionararn, instrumentalizados que estavam, do S~i1 de estes políticos colocareni-se como mediadores entre seu Esta-
conio mediadores entre o plano estadual e o "sistema" iiiter-oligárquico do e o plano político iiacional, respaldados agora por csta "união", o
que regia o Estado brasileiro da época. Igualmente estabeleceram medi- que os tornou mais agressivos e exigentes frente ao governo central e
ações com outros grupos em ascensão social e/ou política rio Estado e no frente aos líderes dos demais Estados. Por fim, relações de reciprocida-
país, tais conio, principalmente, alguns militares, irnigraiitcs e dcsceiideii- de Irá muito costuradas, corno as de amizade e coleguisnio desde os
tes destes e agrupamentos, quase todos recérn formados, de categorias pro- bancos escolares c na militância político-partidária, e as relações de
fissionais, de produtores ou de trabalhadores. parentesco, junto com a pei-sp(xctivade desencadcamento de um suposto
ou possível movimento radical de subversão das instituições iorrriais, apro-
ximaram niiiitos destes políticos de líderes militares ditos "terientistas"ou
13 L o ~ eJosepll.
, 01, n/.,p. 230.
não que dariam o siiporte militar iiecessário ao golpc de 1930.
14 Veipi-d, I,ui/. ,(O rzl., p. 7.
1.5 A/)ucl, Fi di-~co,Vil gílio A. tir Melo. O l ~ l u l ~ r 1930.
o, Rio dc Jdmeiio: Nova Iiontvii-a, 1980, p. 2 9 .
1ti Love, Joscph. 01).rit., p. 242.
sões com respeito a ele e amplia-se o grau de possibilidade de atuações
O processo em que a atuação destes rnenibros da "geração de 1907"
mais autônomas. Segundo João Neves, em um discurso da época: "no
foi fundamei~taldeu-se em tres momentos principais. Primeiro, a cita-
campo administrativo" a "orientação [era] do presidente do Estado",
da aproximação com os Libertadores. Segundo, as articulações políii-
enquanto "politicamerite [...I obedecemos à inspiração e ao comando
co-eleitorais para a formação da Aliança I,iberal, com o lançamento da
de Borges de Medeiros, que há de ser sempre o condutor das grandes
candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República. Terceiro, as
legiões deixadas por Júlio de Castilho~".'~ Embora seja muito difícil
articulações político-militares que redundariam na chamada Revolu-
distinguir o que era "administração9'do que era "coiidução política",
ção de 1930.
Em todos estes momentos pesou significativamente o sucesso dos no seiitido de que arnbas as esferas se interpenetravam e estiveram até
entàio centralizadas em Borges de Medeiros, parece que foi iiecessária
membros da "geração de 1907" em colocarem-se em posições-chaves
de mediação. Camargo os qualifica como "mediadores estratégicos", uma acomodação entre Vargas e Borges.
referindo-se tanto a estes rio-grandenses, quanto a uma genérica "gera- Sob este aspecto, o casGrelatado-Por Luiz Vergara de como veio a
tornar-se secretário de gabinete de Vargas é significativo. Quando o
ção política mais nova", que englobaria ainda os mineiros Francisco
Campos e Virgílio de Me10 Franco. Segundo Camargo tal "mediação último era ainda ministro da Fazenda, teria perguntado a Vergara se
estratégica"seria exercida por esta "nova geração" enquanto aglutinadores ele não estaria interessado em um "emprego federal". Vergara, aceitan-
"de grupos regionalmente diferenciados e politicamente heterogêneos". do a oferta e seiido questioriado por Vargas se não sabia de "uma vaga",
Tendo eles acesso direto aos que chama de "vellios patriarcus qiie eram mostrou-se interessado no cargo de "fiscal do selo adesivo" que lhe per-
a ei~carilaçãomesma da República Velha" - Borges de Medeiros, Antô- mitiria também advogar, mas o tal cargo só vagaria com a morte de um
nio Carlos, Olegário Maciel e mesmo Getúlio Vargas, excluído do gru- seu ex-colega de faculdade que o ocupava e que se encontrava "grave-
po dos "novos" -, se posicionavam como elos de ligação entre eles, mente doente". Getúlio Vargas lhe teria dito que "se ele morrer e eu
mediando suas relações." ainda for ministro avise-me". Tempos depois, quando Vargas iniciava o
Embora a noção de "mediadores estratégicos" é adequada aos ca- seu governo no Estado, o ex-colega de Vergara morreu e ele fez chegar
sos aqui abordados, a fornia como Camargo concebe tal noção simplifi- ao presidente a notícia. Vargas maiidou dizer-lhe que "lembrava bem da
ca em muito as funções de mediação que os componentes desta "nova promessa e faria de mim o seu candidato no momeiito oportuno". O
geração" exerciam e passaram a exercer a partir dos dois últimos anos "momento7'seria um encontro que teria com Borges de Medeiros. em
uma "situação delicada em cpe'se encontravam as relações do presi-
-
da década de 1920, incluindo nesta Getiilio Vargas como se tem feito
aqui. Não se constituíram apenas corno niediadores ciitre os "vclhos dente com o chefe do Partido", de modo que Vargas u
não teria auerido I

patriarcas" e governadores dos Estados em função da articulação da cam- fazer as iridicações para os cargos vagos (liavia outras vagas a serem
panha eleitoral de 1929-1930 e do movimeilto armado posterior. Se no preenchidas) sem "antes ouvi-lo a respeito". Desta entrevista, entre
plano mais geral do jogo político nacional isto pode ser verificado, as Getúlio Vargas e Borges de Medeiros, ~ u i Vergara
z teria ouvido a se-
atuações específicas de cada um destes mediadores aponta para ten- guinte versão dada pclo entàio secretário de Vargas,João Pinto da Silva:
sões e ambigüidades lias tomadas de posições e rio exercício das fuii-
Fora cerimoiiiosa mas cordial e liaviam acertado os relógios para um modus-
ções de mediação bem mais complexos e variados.
vivendi, que não sofreu posteriormeizte alterações. Só unia coisa havia dei-
xado Getúlio contrariado e tratava-se iiifelizmeiltc do caso da miiilza indi-
Velhos inimigos se aliam caqão. Acertara as indicações para os outros cargos e por último, quando
se tratou da vaga de fiscal e o presidente disse que para ela tinha iim candi-
O primeiro momento importante no processo que culrninou na dato, declaraiido logo quem era c não esquecendo de acentuar a minha
Revolução de 1930 foi a aproximação entre "republicanos" e "libcrta- qualidade de jornalista e também companheiro político. O Dr. Borges
dores7'.Se, como referido, inicialmente o sucesso destes ':jovens políti- mostrou-se reservado e depois de dizer que estranhava que eu sendo um
cos" deu-se em grande medida por se inr9corircn-i lia rede centralizada jornalista não escrevesse nojornal do Partido A I?edera(ão e preferisse outro
que se apreseiita\~icomo iiitlependei-ite mas tinha colunas alr~ertasaos seus
em Borges de Medeiros, ~oncomitantemente~ porém, voltam as ten-
vclhos adversários, acaboir declaraiido que lamentava iião poclei- concor-

1'7 (:aili:ii.go, Aspásiia. Os\zialcloAranha: a estrvla tla rivoluçiio. Iri: (:amargo, Aspásia, Ai-aejo,Joáo
18 Foritoiiia, J o ã o Neves tla. ill~~no,icr\:
R Aliaiiça Liberal e a Kevolrição de 30. Por-to Alegre: (20-
I-I. Pc:reii-a de, Sirnons<:ii,MIário IIeiii-iqtie. O.irunldo A i n , ~ / t n-- n c,slwln do ,zvolu~cio.São I'aulo:
bo, lCI(i3, p. 41-42.
h/lailclarirn, 19'36, 1). 5G-5'7,grifos 110 origiilal.

301
dar com a minlia iildicação, mesmo porque tiilha um compi-omisso e de- coiicessõcs ccoi16niicas'~,c "encorajou" a formação, iiiclusive "patroci-
sejava atendê-lo. Pois se tratava de um moço que havia sido seu oficial de nando", de "novas associaç6es de grupos de interesse9',associações pa-
gabinete e que ele queria premiar pela sua dedicação. Declinou-lhe logo o tronais, de trabalhadores, de comerciantes e de produtores que se vi-
nome e Getúlio surpreendeu-se de ver que o candidato era um fiincioná-
nham organizando desde meados da década de 192OS2lMantendo com
rio estadual que ele havia conservado no seu gabinete juntamente com
mais dois auxiliares de gabinete do Dr. Borges.'" Borges de Medeiros o tal modus-uiriendi, posicionava-se em relativo afas-
tamento com respeito a elc, o que lhe permitiu costurar apoios e acor-
Vergara ainda relata que Getúlio Vargas se "desgostara duplameii- dos fora do partido político ao qual pertencia. Desta forma, a aproxi-
te com o caso da [...I iiidicação": pela "oposição encontrada" e pelo mação com os libertadores e o incentivo ao associativismo, de onde
"procedimento do seu auxiliar de gabinete que sem dizer-lhe nada fora saíam iiovas lideranças e poteiiciais aliados, constituíam recursos im-
solicitar o apadriiihameiito do Dr. Borges". O resultado foi que o ex- portantes para a ação de Getúlio Vargas.
oficial de gabinete de Borges de Mcdeiros ganhou o cargo de fiscal do Mas ele não somente atuou 110 sentido de uma aproxima<;ãocom
selo adesivo e Vergara foi convidado por Vargas para ocupar o lugar os tradicionais opositores do PRR. Mesmo que todos os demais mem-
que este deixou vago em seu gabinete. Vergara aceitou, iniciando "qua- bros da "geração de 190'7"tenham apoiado Borges de Medeiros a partir
se dezoito anos de colaboração ininterruptaU.*' dos confrontos armados de 1923, não parece ter havido maiores resis-
Este caso, além de mostrar como eram preencliidos os cargos pú- tências entre eles a uma aproximação com os líderes do Partido Liber-
blicos, mostra também que as relaçóes entre Borges de Medciros e Ge- tador. Pelo contrário, Oswaldo Aranha possuía diversos ex-colegas de
túlio Vargas foram desde o início marcadas por tensões que chagaram faculdade filhos de oposicioiiistas ao PRR, como Rubens Antunes Maciel.
ao ponto de ser necessário o estabelecimento de um modus-oiuendi,que Em 192'7, "seu prestígio parecia crescente mesmo entre os seus
pode ser formalmente entendido como a tal separação das esferas de opositores", e "é provável qiie Rubens Antunes Maciel já estivesse de-
coiitrole de um e de outro, respectivamerite, os comandos "político" e fendendo Oswaldo junto aos libertadores, como contiiiuaria a fazê-lo
"administrativo". Contudo, fica também claro que mesmo um ato "ad- em 1928, biiscaiido uma aproximação entre aqueles e Aranha".?"
ministrativo" como o preenchimento dos cargos públicos, de responsa- Durante o ano de 1928, porém, tal aproximação deu-se em atos
bilidade legal do presidente do Estado, era objeto de barganha e mais ou menos isolados, como o recoiihecimento de candidatos eleitos
patronagem. Ou seja, Borges de Medeiros não estava de todo afastado pelos libertadores em alguiis municípios, ou em tomadas conjuntas de
da "administração" e, como é analisado na sequéiicia, Getúlio Vargas posição de parlamentares do PRR e do PL, principalmeiite no Legislativo
não se limitou a ser apenas um "administrador". E o caso específico de lederal.?:' Neste plano mais amplo da relação entre os partidos, pois, as
Vergara aponta igualmeiite para uma disputa ou tensao eiitre padri- rivalidades paroquiais podiam ser contornadas 011 diluídas em função
nhos, de um lado o chefe do PRK e de outro o presidente do Estado, da ação de líderes iiidividuais em nome de "interesses do Rio Grande"
que parece não se propor a manter-se em uma posição subalterna fren- frente ao governo iiacional, ou em fuiição de relacóes de amizade ou
te a Borges. de "gestos" como o de Getúlio de convidar líderes oposicionis-
Em favor de Vargas contava que ele era só em parte devedor de siia tas para visitá-lo no Palácio.
posição ao chefe do PRR, pois possuía tanto o apoio de suas "bases" iio A formalização desta aproximação somente ocorreu quando a
interior do Estado quaiito o prestígio que soube granjear no Rio de possibilidade dc eleger presidente da República um rio-grandcnse se
Janeiro como parlamentar e miiiistro, bem corno possuía fortes e pró- abriu. Em meados de 1929 a reciisa de Wasliington Luiz em apontar
ximas relações com, principalmeiite, os outros "jovens políticos" do seu um sucessor mineiro para o seu cargo levou a que membros do Partido
partido. A aparente desvantagem de Vargas frente a Borges ser-lhe-ia Republicano Mineiro (PRM) procurassem líderes rio-grandenses para
um trunfo. Aprcsentando-se ou deixando-se aprcsentar como um "ad- que fosse laiiçado um candidato do Rio Grande do Sul em oposição ao
ministrador", afãstou-se das antigas rivalidades eiitre as facções mutua- candidato "oficial" que, tudo indicava, seria o paulisia Júlio Prestes. Em
mente opositoras no Rio Grande do Sul, coiisegiiiu estabclecer rela- torno da candidatura Getúlio Vargas à presidêiicia da República foi
ções varitajosas com o governo federal, de qiiein "obteve iniportaiitcs

22 I,ag-o. I,rii/ Ai a n h d (' do. O~?~icl/t/o A ,ntr/ln, o ICzo Grnndr r n Iirvolrr(do ( i p 1 930:L O ~ L /joli't?co gatilho
nn I<ef,iihlztn 1Cll~ci.R i o ricbJaiic.iio Nov'l Fronteir'l, 1996, p. 187.
2 3 Lago, I,~ii7Arailha 4:. do. Op. rlt., p. 1'30-200.
possível formalizar uma aliança eleitor91 entre os partidos I-io-grandenses como vinha sendo con<-lilzidaa questão sucessória, Vargas mantinlia
que ficou conhecida como Frente Unica. Getúlio Vargas e Oswaldo relações "amistosas" coni Washington Luiz, recebia informações de vá-
Aranha, pelo lado do PRR, e Francisco Antunes Maciel Júnior e Batista rios parlamentares rio-grandeiises, bem como de "amigos" como João
Luzardo, pelo lado dos libertadores, "sendo que este último desde o Daudt de Oliveira,?"e parece não ter acordado uma "liiilia" muito clara
início de 1928vinha mantendo contatos com Vargas, apoiado por Plínio de ação para seus parlarnentares. Em carta a Daudt de fevereiro de
Casado e com a tolerância de Assis Brasil", teriam sido os principais 1929, quando seu norne era já cogitado para encabeçar a chapa oposi-
artífices da citada união.24 cionista, Getúlio Vargas escreveu que "nossa atitude em face do proble-
Nos planos estadual e nacional, em riome de "interesses do Rio ma político deve ser de discrição e silêncio. [...I A regra deve ser ouvir
Grande" e/ou de "reformas liberais" vagas e imprecisas, como é aiiali- e transmitir, seni p r ~ m e t e r " . ~ '
sado adiante, foi costurado um acordo político-eleitoral visando as elei- Ele procurou manter esta posição ao longo de todo o processo,
ções presidenciais de março de 1930 entre o PRR e o PL. Isto foi mas deixava que os políticos e "amigos" mais próximos a ele agissem,
implementado não pelas velhas lideranças como Borges de Medeiros e inclusive incentivando-os, muitas vezes de forma diversa uns dos ou-
Assis Brasil, embora não estivessem alheios aos acontecimentos que fin- tros, ao mesmo tempo em que se mantinha informado sobre o que
daram por contar com seus beneplácitos, mas por novas lideranças faziam. Desta forma Vargas foi se fortalecendo frente a Borges de
emergentes de ambos os lados que passaram a circular principalmente Medeiros, aos libertadores e aos demais políticos rio-grandenses e bra-
em torno de Getúlio Vargas. Se no plano paroquial, quando ambos milita- sileiros, pois passou a mediar as várias composições c os acordos que
vam em Uruguaiana, Batista Luzardo, oposicioriista, e Flores da Cunha eram estabelecidos, alem de ocupar o cargo político-formal mais im-
quase se envolveram em um duelo de armas de fogo e a partir de 1923 se portante do Estado. Ou seja, tornava-se o principal mediador entre os
enfrentariam nos campos de batalhas, ambos estariam, poucos anos de- vários agentes do jogo: Borges de Medeiros e o PRR, os políticos dos
pois, lado a lado atuando em favor da candidatura de Getúlio Vargas. outros estados, os demais conipoiientes da "geração de 1907",Assis Brasil
e o PL, Washington Luiz e o governo federal.
De um quarto no Hotel Glória para as ruas A partir de então, Borges passa a ser um dos líderes que tinha
muito mais que ser "administrado" do que seguido como um chefe. Em
Enquanto no Rio Grande do Sul o afastamento de Borges do go- janeiro de 1929João Da~idtescreveu ao secretário de Getúlio Vargas,
verno do Estado e a ascensão de Vargas permitiam a aproximação entre ~ o ã Pirito
o da Silva, relatando que Assis Chateubriaiid gostaria de fazer
os partidos locais, no Rio de Janeiro se costiirava a formação da cliama- uma entrevista com Rorges de Medeiros para um de seus jornais. "O
da Aliança Liberal. A ação de João Neves na Capital Federal, enquanto Assis, por indicação do Neves, confiou ao Collor a reportagem. Disse-
líder da bancada do PRR no Congresso, foi para isto decisiva. Ele, sem- me o Neves que orientaria e controlaria as inlerviewi, o que, conforme
pre em contato com Borges e Vargas, foi quem acertou os termos do acordamos, era indispe~isávcl,devido à pouca confiança que inspira o
acordo com os políticos mineiros que viabilizou a formação da Aliança entrevi~tador."'~ "Desco~ifiança"com o eiltrcvistador e "controle" so-
Liberal. Ao mesmo tempo, Getúlio Vargas apoiava as ações deJoão Neves bre a entrevista. Estes mediadores estratégicos, pois, não agiam corno
sem, contudo, restringir os contatos de Flores da Cunlia e Oswaldo Ara- um "bloco [...I emulador de grandes mudanças", embora o que os unis-
nha com políticos paulistas ligados a Júlio Prestes, sendo que ele pró- se era por certo "a dissidência eleitoral cujo objetivo final era um só: o
prio contin~iavaa manter cori-espoiidêiicia com o presidente Washing- poder","' mas exercendo r disputando posições de mediação. E os "cui-
toli Luiz. Em meados de 1929, no entanto, de forrna geral os líderes dados" com a tal entrevista mostram também que Borges de Medeiros
políticos rio-granderises mais importantes do FKR e do PL ensc raj aram-se
estava perdendo o controle sobre os seus subordinados formais.
ria campanha eleitoral apoiando a chapa Vargas-Pessoa.'"
Neste contexto Getúlio Vargas parecia deixar que os demais políti-
cos rio-graiideiises agissem mais ou menos livremente, pois enquanto
João Neves principiava as conversas com políticos desgostosos da forma
26 Eml~resLiriodc 01-igc.111 i-io-grandense estabelecido rio Rio de Janeiro e conteinporârieo cle
Vargas na Faculdade d e Direito cie Porto Alegre.
27 A ~ j ~ i cC;iiiniar5es,
l, Marioel L. I,. Salgado e oiiiros (Org.).A ,~-rioklçAocle 30 - textos e docu,l,,entos.
24 Lago, Liiiz Aranlia C. do. Q. cit., p. 259. Bi-asília: Ed. UnB, tori~oI, 1982, 11. 10G.
2.5 J o á o Pessoa era o presidei-ite da Paraíha que foi escolhido pelos líderes da Aliança 1,iberal 28 ~ : A / ~ i l(hiimai-âes,
d, R!íanoel I,. L. Sa1g;ido P/ crb. (Org.). O/]. cit., p. 100.
como ca11didat.o à vice-presidente e n - ~siia chapa. 29 Cainarço, Aspásia. O/). cit., p. 57.
Com isto, Getúlio Vargas é qiiern passou a lucrar, priiicipalrneiite P ~ outros~rinci$ios, V Z ~ L Spam lviiarmo~u,?zdos
n e ~ t acr~vq!)unhaporc c ~ u ~~ Pa Y Y OU
qinndo foi assiriado o acordo de junho de 1929 entre João Neves e os n o aos u chefia do CPovmo da izj!iblic.a.
mineiros Francisco Canipos e José Bonifácio Ribeiro de Andrada, que Como de hábito, falara pouco, com seii jeito rnordente e imperativo.
ficou conhecido como Pacto do Hotel Glória. Este versava sobre o lan- Flores e Aranha o apoiaram. Quaiito a mim, limitei-me a sorrir, de bom
humor.
çanieiito de um candidato oposicionista à situação federal que seria do
Vargas ergueu-se do sofá, em que estava recostado, deu trés ou quatro
Rio Grande do Sul: Getúlio Vargas ou Borges de Medeiros. O últirrio
passadas pela sala e, voltando-se para nós, exclamou textualmente: V o i ê ~
iião aceita a indicação e o primeiro finda por ser o escolhido. A partir
rrio u n s loucos. Isso meio sério, meio ~ o m p l a c e i i t e . ~ ~
de então, formalizou-se a chamada Aliança Liberal. O "pacto" firmado
foi posteriormeiite ratificado por Borges de Medeiros, procurado em
Em telegrama a Góes Monteiro de 10 de outubro de 1930, o pró-
sira estância por Oswaldo Aranha, e levou Getúlio Vargas a escrever a
prio Paim Filho deu uma versão semelhante deste e n c ~ i i t r o . ~ ~
Washiiigton Luiz comunicando-lhe sua disposição de concorrer nas elei-
Estes quatro participantes da reunião constituíam o principal e mais
ções de março de 1930, carta entregue por Flores da Cunha. O gover-
nador de Minas Gerais, Aiitôiiio Carlos de Andrada, faz o mesmo, de- próximo círculo em torno de Getúlio Vargas. Não necessariamente por
clarando seu apoio à caiididatiira de Getúlio Vargas. Em julho, em Por- relações de amizade mais estreitas com ele ou por manterem eles própri-
to Alegre, reúne-se um Congresso das Municipalidades, quando a can- os entre si uma relação estreita. João Neves fora o principal articulador
didatura de Getúlio Vargas é "aclamada" por membros do PRR e do PL da Aliança Liberal com os mineiros, 0;waldo Aranha um dos principais
e se forma a Frente Uiiica entre estes dois partidos. articuladores da formação da Frente Uiiica e, como Paim Fillio, era se-
Lançada a campanha eleitoral, Lindolfo Collor foi escolhido "por- cretário de Estado de Vargas, Flores da Cunha fora líder da bancada do
ta-voz oficial da Aliança" enquanto redator e diretor do jornal A Pátria, PRR no Congresso antes de João Neves e ele e Paim Filho contavam tan-
"órgão oficial" no Rio de Janeiro da Aliança Liberal. Collor também to com a notoriedade militar iiacional," como eram, dentre os políticos
contribuiria como "autor" da "plataforma política L...] com alguma co- mais próximos de Vargas, os chefes políticos com mais forte penetração
laboração do candidato aliancista e do jurisconsulto Maurício Cardo- nos municípios oi?de eram tambkm estancieiros, Uruguaiana e Vdcaria,
so", que seria lida por Getúlio Vargas na Esplanada do Castelo na capi- respectivamente. Aquela altura, todos já estavam complctameiite ideriti-
tal federal..?"Oswaldo Aranha e Flores da Cunha também se integram ficados e comprometidos com a Aliança Liberal, com exceção de Paim
ativamente na campanha, seja cumprindo "missões" de contatos políti- Filho, que não estava na "liiilia de frente" da campanha.
cos, seja em discursos públicos e entrevistas à imprensa. A partir, pois, Paim assumiii uma posição um tanto ambivaleiite nesta conjuntu-
deste momento os membros da "geração de 1907" de fato comporiam ra. Embora apoiasse a candidatura de Getúlio Vargas, foi também o
e liderariam um griipo visando um fim específico: a eleiqão de Getúlio principal mediador da teiitativa de uma forma de acomodação com o
Vargas 2 presidência da República. presidente Wasliington Luiz. Em dezembro de 1929, pouco antes de
Sobre o caráter deste eiigajamento na canipanha eleitoral cabe desembarcar no Rio de Janeiro para ler a plataforma da Aliança Libe-
citar um encontro ocorrido em outubro de 1929. Estando Flores da ral, Vargas enviou justamente Paim Filho ao encontro de Júlio Prestes e
Ciinha e João Neves em Porto Alegre, Getúlio Vargas convidou-os ao Washiiigton Luiz e dos mineiros Artur Bernardes e Aiitôiiio Carlos.
Palácio para uma reuiiião da qual participaram também Paim Fillio e Desde o lançamento "oficial" da Aliança Liberal ern setembro deste
Oswdldo Aranha. SegiiiidoJoão Neves, Getúlio Vargas teria dito qiie se mesmo ano, ocorreu uma dissidêiicia no PRM. O vice-presidente,
predispunha a reiiuiiciar a sua candidatura, depois de frustradas suas Fernando de Melo Viaiia, "rompeu com o PRM, por discordar da iiidi-
teiitativas anteriores para uma "composição honrosa" segundo a qual cação de Olegário Maciel para o governo de mina^",'^ afastando-se tam-
ele eJúlio Prestes reiirinciariam em beneficio de iim tertiui7.Getúlio Vargas "
bém da Aliança Liberal r aproximando-se do candidato Jiílio Prestes. A
se proporia à "desistêiicia da Aliança Liberal, se o sr.Júlio Prestes, de acor- reuiiião entre os políticos rio-graiideiisesjá citada ocorreu pouco depois
do com o sr. Warhiiigtoii Luiz, se obrigasse a cirniprir os [...I compromis-
sos para corn o povo", que sei-iam "realizar o nosso programa".

Quaiido coiicluiu a exposição, fiquei calado i espera de ouvir, primeiro, 31 Fontoiira, João Neves da. I!Hi3, O/). ril., p. 191-1!12.
os oilti-os com pai1heiros. Paim adiaii tou-se: Eu nüo concordo. Nüo entrei 39 A/11it1,C;iiiinar3rsl Maiioc'l 1,. I,. Salgado r oiltios (Org.). O/). ri/., p . 195.
33 Possiiíam arribos,já o iíriilo clr (;eiie,ral Hc~iiorãiiotlo Exército poi. suas ;1r.naç6ev iio comaiitlo
de tiopasqi~andotios le\,aiites "tenc.iitist;is".
L,ullardelli, 1990, p. 3.5-3íj'
CoLLo~:E;loi-ia~l(jpolis:
30 Costa, 1,icilrgo. 1:ilsnio sobre n -ciidn rle L~i~zclol/i~ 34 Dicioiiário Histúrico-Riogiiliio Brasileiro. I<io c1çl:iiirii-o: <:PDO<:/F(.V, 1984, p. 2.474.

306
desta dissidêricia que podia ameaçar a Aliaiiça Libeid, pois esta pressii- bro de 1929 erri Porto Alegrev -, quanto dos qiie eram merios propen-
puiiha a unidade mineira e rio-grandense em apoio a Vargas. sos a tomadas de posições mais radicais, corno Paim Filho e Rorges de
Este último, pois, tinha razões para estar apreensivo, pois suas Medeiros. Táo logo Paim concluía a sua "missão" em fins de dezembro
cliances de chegar à presidência, que eram já pequenas, diminuíam de 1929, Getúlio Vargas, desembarcava no Rio de Jaiieiro para ler o
aiiida mais em função deste deseiitendimeiito no PRM. Caso não fosse "~"ograma"da Aliança Liberal crn praça pública (110 dia 2 de janeiro),
eleito, Getúlio Vargas, que estava no segundo ano de seu mandato, te- rornpeiido uma das clá~isulasdo recém acordado modu.r-vivendi. Antes
ria aiiida que contar com a possível hostilidade do governo federal nos porém d e realizar a leitura d o "programa", teria se encontrado
anos restantes de sua presidência iio Rio Grande do Sul. A viagem de "secretamen te" com o presidente Washingtoii L~iiz.'"
Paim Filho ao centro cio país ficou conhecida como "missão Paim" c Ao mesmo tempo, o "hall do Hotel Glória [rio qual se hospedou
nos encontros que teve acordou um modus-viwndi entre o governo fe- Getúlio Vargas] transbordava de deputados, políticos, jornalistas, po-
deral e o Rio Grande do Sul. Este corisistia em um compromisso de pulares" e, quando da leitura do "programa" na Esplaiiada do Castelo,
Getúlio Vargas de "iião fazer propaganda eleitoral fora de seu Estado, "multidões imeiisas e entusiásticas enchiam o enorme logradouro".'"
conformar-se com o resultado das eleições, apoiar o governo federal e, Isto mostra que Getúlio Vargas adquiria uma notoriedade q u e
caso fosse eleito, manter boas relações com São Paulo" e em um corn- extrapolava em muito a já conquistada no seu Estado natal e ela seria
promisso de Júlio Prestes e Washingtoii Luiz de "recoi~liccer,ria apura- dividida e compartilliada com outros dos membros da "geração de 1907"
ção das eleições para o Congresso Nacioiial, os candidatos gaúchos - principalmente os que eram parlamentares no Kio deJaiieiro: Liiidolfo
diplomados, aceitar a possível eleição de Vargas e, no caso de vitória de Collor, João Neves e Flores da Cunha, que frequentemente se maiiifes-
Prestes, restabelecer as relações entre o governo federal e o Rio Gran- taram em público apoiando a Aliança Liberal.
de do Sul nos termos anteriores à crise su~essória".~" O interessante e provavelmente até então não rxperimen tado por
Este acordo, mantido em sigilo até o período do levante armado políticos rio-grandenses em tal grau é que esta ampla iiotoriedade iiáo
de outubro de 1930, quando Paim Fillio o tornou público, foi realiza- era restrita aos círculos de elites sociais e políticas, se estendia às tais
do, dentre os que cercavam mais proximameilte Vargas, por seu "ami- "multidões imensas", ou seja, sc confundia coni o que se poderia clia-
go e compadre" Paim Filho, cliie POUCO participara tanto das articula- mar de uma "popularidade" que a campanha eleitoral Ilies trazia na
ções para a formação da frente de partidos do Rio Grande do Sul quaii- capital fcderal e em diversos outros Estados do país. A "populai-idade"
to da Aliaiiça Liberal. No mesmo telegrama citado cndereçado a Góes que vinha seiido conquistada foi bem gerida e ampliada, inclusive com
Moiiteiro, Paim cliegou a mostrar-se contrariado com a aliança cntre o um expediente inédito. Segundo João Neves, as sessões da Câmara, que
PRR e o PL, que atribuía ao "esqiiecimerito de(os) princípios progra- eram utilizadas pelos parlameiitares da Aliaiiça Liberal para atacar o
ma Júlio [de] Castilhos por parte alguns correligioriários" ". O acordo governo federal, passaram a ser obstruíclas pelos congressistas ligados
náo implicava em desistência de Getúlio Vargas ein concorrer às elei- ao goveriio que a elas iião compareciam. Assim, decidiram que "abriría-
ções, o que naquele momento seria, como visto, qiiase impossível, pois mos [as sessões] na praça pública, diante de sua sede", na foi-ma de
ele arriscava-se a perder o apoio de seu principal círculo dc sustenta- "comício popular".'%ste expediente interessava em muito aos mein-
ção, e também não sigiiificava que Paim Filho estivesse ao lado do can- bros da Aliança L.ibera1, pois mobilizava os "populares", mas também, e
didato do goveriio federal. O resultado da "missão Paim" foi muito mais talvez priiicipalineiite, permitia uma ampla repercussão em certos peri-
uma tentativa de pi-eveilc;ão firtura em caso de derrota eleitoral qiie ódicos. Ao mesmo tempo, se armava um palco iio qlial se podiam evi-
permitiria a Vargas contiiiiiar goveriiaiido mais ou menos traiiquila- dciiciar as qualidades oratórias destes parlaiiientares. Usando iios scus
meiite o seu Estado. discursos os "cctnteiídos programáticos" (ia Aliariça Liberal, os quais
Getúlio Vargas coiisegui~i,durante esta crise sucessória nacional, girwam em torno do "voto secreto", "verdade eleitoral" e "anistia", e
manter-se tanto ao lado dos defensores de um rompimento mais radi- atacando o governo de Washingtoii Luiz, se tornavam cada vez mais
cal com o goveriio central - alguns, eiitrc eles Oswaldo Arantia, j i conliecidos e recoiiliecidos.
cogitavam a possibilidade de iim movinieiito armado e mesmo já busca-
vam contatos para tal, sendo que o próprio Vargas se eiicoiitraria com o
então líder "teiieritista" cxilado, Luiz Carlos Prestes, por volta de sctetn- 37 I,ago, 1,iiiz Araniia 6:. clo. O/).cil., p. 291 e segs.
N<:\,es tla, 1!1(5:1. O/). ri/., p. 270.
38 Foi-itoiii-a,%Jo;io
iicc) O/). clt., p. 2474.
3.5 Dicioil<ilioI I i ~ t < j ~ i c o - B i o ~ r ~131-asileiio. 30 Fontorii-a,.JoáoMc:~,esda, 1903. O f j . cií.,p. 272 e 274.
3G Afjzid, (;iiimaiães, M'iiioel I,. I,. Salgado e outros (Org.). O/) czt., p. 203. 40 Foi-itorira, João Neves da. 1063. 011. ci/.,p. 253.
Nestes encontros em frente ao prédio do Congresso a violência
também era uma presença constante. No início, ainda segundo João
Neves, tais comícios se realizaram com certa tranqüilidade, porém, com Antes rnesino da realização das eleições, como apontado, urna
o passar do tempo, "grupos de Pdcínoras e desocupados, ao serviço do alternativa mais radical se esboçava. Oswaldo Aralilia, em outubro de
oficialismo", se fizeram presentes. Em certo momento "a turma 1929, "já estava mantendo contato comi três dos principais tenentes
faciiiorosa dos Bambu, Peru et caterva [...I trocara tiros com os nossos [Luiz Carlos Prestes, João Alberto e Siqueira Campos], orientarido-os
companheiros" e Flores da Cunlia teve de enfrentar um "desacato", o e tomando providências práticas para a compra de armas para uma
qiie fez descendo "as escadarias já de revolver em punho atirando con- r e v o l u ~ ã o " . ~ ~ W oreferido,
mo Prestes teria se entrevistado com Getú-
tra os que intentavam desfeitá-lo9'." .41ém destas ocorrências rias ruas, lio Vargas nesta época e Juarez Távora teria sido apresentado a ele
por Aranha. Este iíltirno, por sua vez, tinha entre os "tenentes" vários
no próprio recinto da Camara algo semelhante se deu. Em 26 de de-
ex-colegas de Colégio Militar da época em que lá estudara no Rio de
zembro de 1929, o deputado do Rio Grande do Sul, Ildefoiiso Simões
Janeiro. Secretário de governo de Vargas e valendo-se destas antigas
Lopes atirou e matou um deputado ligado ao governo, Sousa Filho, de
relações, Aranha mediaria os contatos com os "tenentes" e, depois,
Periiarnb~co.~~ com outros militares, o que trazia a Vargas um trunfo político iiide-
A violência, porém, não se restringiu a estes casos ocorridos no pendente do controle de antigos líderes como Borges e Assis Brasil,
Rio de Janeiro. Depois da leitura do "programa" da Aliança Liberal sem mencionar outros do resto do país. No niesino sentido, João Ne-
feita por Vargas, orgariizarani-se "caravanas liberais" para percorrerem ves também sondava os políticos mineiros, de quem se aproximara
Estados do Nortej4"das quais participaram, entre outros, João Neves e nas articulações para a formação da Aliança Liberal, para a possibili-
Batista Lozardo. Este último "teve de suportar um grave conflito" que dade de uma reação armada. Em caso de derrota eleitoral,João Nevcs
resultou em um "tiroteio" no qual "morreram duas pessoas, além de escreveu em carta a Oswaldo Aranha, a "corrupcão" e o "esbullio",
várias ferida^".'^ que 6'Antôi1ioCarlos [presidente de Miiias Gerais] supóe [...] possa
Estas maiiifestações públicas em comícios, com o uso dos recursos começar já 110 reconliecimento de senador e deputados, [...I agrava-
retórico-oratórios e mesmo da violêiicia, não eram estranhos aos políti- ria mais a situação e justificaria ainda melhor o apelo 2 repulsa violeii-
cos aqui em questão, pois estavam aptos e dispostos tanto a manipular ta" .4 6 Ou seja, paralelamente à campanha eleitoral, algilns dos
"conceitos" e "princípios" quanto um revólver.J á fora assim no Rio Gran- apoiadores da Aliança Liberal já cogitavam e mesmo se preparavam
de do Sul, quando apoiavam Borges de Medeiros na Assembléia esta- materialmente para uma alternativa "violenta" à possível derrota elei-
dual, na imprensa, nas cidades do interior, em comícios. Na campanha toral. Como cscreveii Virgílio de Me10 Franco:
eleitoral nacional, os recursos permaneciam os mesmos e tanto a orató-
ria quaiito a violêiicia não eram novidades para as quais não estivessem Encontravam-se riessa época escorididos no Rio dejaneiro os oficiais revo-
preparados. Se as eleições no Rio Grande do Sul que implicassem em lucioilários de 1922 e 1924, Siqueira Campos, Estillac Leal,João Alberto e
disputa entre candidatos estavairi associadas a crises, esta disputa iiacio-
Juarez Távora, alem de muitos outros r...].
Esses militares trataram de se
pôr em ligação com os elementos mais extremados da Aliança Liberal, srs.
na1 também se revestia de características de uma crise de acornodação João Neves, Flores da Ciiiiha, Afrânio dê Melo Franco e eu prcíprio. Eii-
de interesses inter-oligárquicos que reproduziu em escala nacional as quaiito isto se pa~sa\~a no Rio de Jaiieii-o, o si-. Oswaldo Araiiha, 110 Kio
práticas corriqueiras de violência e acusações mútuas entre as facções Graride, recebia a visita do si-.Luiz Carlos Prestes, chefe supren~odos revo-
em disputa. E, tal qual no Rio Grande do Sul, quem dominava o gover- lucionários, iniciando, assim, a primeira fase da conspiração. Então não
no findoii por vencer o pleito eleitoral. Em 1 de março de 1930 a chapa havia ainda, pi-opi-iarneiite,uma preparacão revolucionái-ia, nias apenas
Vargas-Pessoa foi derrotada. uma coiispii-açáo,marchando em sei~tidolateral a piopaçanda eleitoral."

4 1 Foiitoiira,João Neves tla. 1963. 0/,. cil., 13. 2542.58.


42 Foiitoura,Joao Ne\,es da. 1963. O/). t i t . , p. 295. 45 Lago, I,tri/ Ar'~iili,t (:. do. O/). c//., p. '$16.
43 h atiiiil rt:giáo Noi-tlesic do Brasil era parte deste "Noi-tt-" ã +oca. C:.i clo. 01). r//., p. 200.
46 Laço, I,ui/ A r a ~ i h ~
44 Foiitoiira,João Neves da. 1963, C+. cit., p. 295. 47 Franco, Vii gílio A clc. Melo. 01). rzl., p. 120-121.
Esta "coiispii-ação lateral", levada a cabo ao mesmo tempo em que O Sr. Borges de Medeiros desnieiitira os termos da entrevista publicada
Getúlio Vargas enviava Paim Filho para realizar a sua "missão", em A Noite, retificando-a em certos pontos e atenuando, assim, os desas-
incrementou-se quando a Aliança Liberal perdeu as eleições, principal- trosos efeitos por ela produzidos ... Quanto ao sr. Getúlio Vargas, não
tinha o Sr. Batista Luzardo dúvidas. Apoiado pela ala moça do seu parti-
mciite porque Miiias Gerais e Paraíba passaram a sofrer represálias do
do, o candidato da Aliança Liberal marcharia decididamente para a re-
governo federal. A facção de João Pessoa na Paraíba, segundo João volução. O sr. Oswaldo Araiiha, centro de toda conspiração que, havia
Neves, "não lograra eleger um só deputado", segundo ajunta apiiradora muito, marchava lateralmente à campanha política, combiriou coni o SI-.
do Congresso sob o controle do governo federal, e "o mesmo aconte- Luzardo mandar ao Rio e a Minas o seu irmão, Sr. Luiz Aranha, armado
ceu até certo ponto em Minas, onde a junta diplomou quatorze parti- de plenos poderes para discutir com Miiias e a Paraiba os termos ern que
dários dos srs. Carvalho de Brito e Me10 Viaiia para degolar outros tan- os três estados se comprometeriam a entrar na
tos correligionários do PRM." No Rio Grande do Sul, porém, "não acor-
rera este problema", uma vez que "nossa não-depuração constituía par- A partir desta avaliação da situação feita por um dos envolvidos na
te integrante do acordo [...] aqui celebrado [...] com o sr. Washington conspiração que não era do Rio Grande do Sul, pode-se depreender
Luiz ['missão Paim9]'9.4%ssim, os candidatos eleitos para o Congresso que em torno de Getúlio Vargas um núcleo mais radical e restrito, cons-
pelo Rio Grande do Sul iião foram "degolados":Paim Fillio assumiu uma tituído por uma "ala moça do seu partido", se estruturava. Tal núcleo
vaga no Seriado ao lado de Flores da Cunha, enquanto Liridolfo Collor e era composto por todos os membros da chamada "geração de 1907",
João Neves retomaram à Câmara dos Deputados. com exceção de Paim Filho. Este passou a ser um dos mediadores entre
Em contraposição aos mais extremados, Borges de Medeiros, logo Vargas e o governo federal, enquanto os demais articulavam o movi-
após as eleições, concederia uma entrevista ao jornal do Rio de Janeiro mento armado. Borges de Medeiros, por seu turno, "não se decidira
A Noite, na qual aceitava o resultado eleitoral e declarava finda a Aliança nem poderia decidir-se, naquela altura, por uma solução e ~ t r a l e g a l " , ~ ~
Liberal. João Neves, decidido a continuar a "campanha" mesmo após a o que permite supor ter ele estado até então mais ou menos alheio à
derrota eleitoral, refere que a entrevista teria sido "cavilosamente ajei- "conspira<;ão"em andamento.
tada" pela direção do jornal. Borges, de qualquer modo, recua e faz Então, e novamente, Getúlio Vargas reforçava sua posição central
publicar em A Federação um "comunicado" no qual "não considerando mediando todas estas posições sem aparentemente aderir a qualquer
encerrada a pugna política, admitia o prosseguimento dela pela prega- tima delas. Mesmo Borges delegou a Vargas a fixação da ''liilha de con-
ção doutrinária e a ação parlamentar em torno dos postulados da Ali- duta da bancada" federal, que deveria ser definida, segundoJoão Ne-
ança Liberal"."' Virgílio de Me10 Franco escreveu que, enquanto Borges ves, "como era dos nossos estilos e tradições", pelo chefe do partido, ou
dava a entrevista e era publicado o "desmeiitido", Batista Luzardo en- seja, Borges. Vargas não o faz, porém, sem consiiltarJoão Neves, então em
contrava-se com Antônio Carlos em Minas Gerais e com Epitácio Pes- Cachoeira, e o próprio Borges de Medeiros, enviando a Irapuaziiiho, para
soa em Petrópolis, onde "uma solução revolucionária" teria sido avalia- com ele conversar e definir tal "linha79,Oswaldo Araiiha.
da. Após os referidos encontros, Batista Luzardo retoriiou em 25 de João Neves, paralelamente a isto, encontrou-se com o cliefe do
março de 1930 por via aérea a Porto Alegre. Assini que desembarcou, PRR, quando lhe apresentou a sua redação do que ficou conliecido
encontrou-se com Oswaldo Aranha, João Neves, Flores da Cunha, Mau- como "heptálogo", sete pontos que deveriam pautar a conduta do go-
rício Cardoso, Lindolfo Collor, Sérgio Ulrich de Oliveira e João Carlos verno do Estado do Rio Grande do Sul e da bancada do PRR no Coil-
Machado. No dia segiriiite, foi recebido iio Palácio c10 Governo por gresso frente ao governo federal, corn o qual Borges de Mcdeii-os,aiii-
Vargas e "a este expos, o Sr. Luzardo, iião só a conversa que na véspera da segundo o mesmo João Neves, teria concordado. O "lieptálogo",
tivera com aqueles senhores, como também o ponto de vista dos srs. além de conter pontos gerais que prescreviam que o governo do Esta-
Antônio Carlos c Epitácio Pcssoa. Tendo o Sr. Getúlio Vargas concorda- do manteria "relações apenas oficiais porém não políticas corn o atual
do plenamente coni as sugestões nascidas na conferência da véspera". governo da República", previa tambPm a recoiidução de Joáo Neves à
Em 28 dc inarço, L~irardovolta ao Rio de Janeiro e "expôs-me minuci- liderança da bancada federal do PRR e "integral subordiiiacão de to-
osamente tudo qrianto se passara durante sua curta permaiiêiicia em dos os representantes republicarios na Câmara e no Senado às deternii-
Porto Alegre":

i 1963. O/). czt., p. 210-211 , grifos


48 Foiito~iia,,]oioN v ~ e tia i10 oiigiilal. 50 Fi-aiico, Vil-gílio A. de Melo. (I/). cit., P. 148-149.
J o ã o Neves da. 1963 01,.
49 Foilto~ii-a, (?L., p. 309. 51 Foiitoiira, João Neves da. 1963. Op. tit., p. 309.
ilações emanadas da chefia suprema e da presidkncia do estado".""'aim túlio Vargas."We qualquer forma, Oswaldo Aranha continuou a man-
Filho não concordou com este texto, assim corno, em um primeiro mo- ter os contatos que vinha realizando, bem como acertando a compra
mento, Getúlio Vargas. O último, após algumas alterações, findou por de armas no exterior. Sua renuncia, porém, fez com que João Neves
concordar com ele, mas Paim Filho continuou a recusar aceitá-lo, ao voltasse a Porto Alegre.
que Borges de Medeiros e Getúlio Vargas optaram por autorizá-lo "a Em homenagem a Oswaldo Aranha foi organizado um banquete
defender sua posição pessoal no Congre~so".~" no Clube do Comércio, na capital do Rio Grande do Sul, ao qual, além
Neste momento, pois, dentre os membros da "geração de 1907" de João Neves e Oswaldo Aranha, também estava presente Flores da
as posições se clarificam. Oswaldo Aranha intensifica os contatos com Cunha. Segundo Neves, enquanto este se desenrolava, chegou a notí-
os militares, após o possível candidato a líder militar do movimento cia do assassiiiato de João Pessoa e, "cerca de nove horas da noite quan-
armado, Luiz Carlos Prestes, ter desistindo de participar dele decla- do saíamos, enorme massa de povo estacionava na praça da Alfândega
rando-se "comunista". Contata Euclydes de Figueiredo e Góes clamando por um ato de completa reparação". Flores, Neves e Aranha
Monteiro, sendo que o último acabou por ser escolhido como o líder passaram então a discursar frente a tal "povo" prometendo a "repara-
militar da "revolução"." João Neves volta a assumir a liderança da ção".") No dia seguinte, Virgílio de Me10 Franco chegou a Porto Alegre
bancada federal do PRR em aberta oposição ao governo e Lindolfo de navio e relatou assim o que presenciou: "todas as ruas por onde
Collor e Flores da Cunha seguiram a mesma linha, todos, ao mesmo passávamos fervilhavam de povo e de barulho [...I e, de quando em
tempo, realizando contatos visando ampliar e/ou consolidar a cons- quando, um grito mais alto de viva a revolução se distinguiah1",o que
piração. Maurício Cardoso, então na Assembléia estadual, "participou evidencia o sucesso na rnobilização deste "povo" por parte dos líderes
dos entendimentos com Borges de Medeiros para conseguir sua ade- mais radicais. Em fins de julho de 1930, pois, estavam em Porto Alegre
são ao movimento [...e] entre outras funções, [...I atuou como especi- Flores da Cunha, Oswaldo Aranha, Virgílio de Me10 Franco e Maurício
alista em códigos, traduzindo ordens dadas pelo governo federal e Cardoso, todos hospedados no Grande Hotel, que "virou ostensivo quar-
cifrando as orieiitações distribilídas aos con~piradores".~' Paim Filho, tel-general da con~piração".~? além de "vários outros militares revoluci-
por seu turno, "orientou sua atuação parlamentar no sentido da cola- onários de 22,23,24,25 e 26", o "general Miguel Costa, o capitão Estillac
boração com o governo federal".'" Leal e o tenente Alcides de Araújo7'.('"
Em julho de 1930, porém, o presidente de Minas Gerais, Antônio O assassinato de João Pessoa foi explorado largamente pelos que
Carlos, parece desistir de apoiar a revolta armada. Um telegrama de pregavam o levante armado. A conjuntura que até então parecia desfa-
Estillac Leal, citado por Virgílio de Me10 Franco, dizia: "Francisco Cam- vorável a eles (Borges, antes da morte de Pessoa, teria mesmo enviado
pos telegrafou Oswaldo Aranha dizendo que Antôriio Carlos desistiu "aos chcfes locais [do PRR] Lima carta-circular dando por extinta" a
completamente luta armada. Aproveitando este pretexto Getúlio tam- Frente Unica de partidos rio-grandenses") , levou-os a intensificar a ofen-
bém recuou motivando renúncia de O ~ w a l d o "Ao . ~ ~renunciar ao car- siva em favor de sua posição. Contudo, havia ainda iio Rio Grande do
go de secretário do Interior do governo de Vargas, ele telegrafou a Sul um líder a ser convencido, segundo João Neves, "um homem capaz
Virgílio de Melo Franco: "Minha convicção você e eu vítimas mistifica- de perturbar a marcha das articulações pelo seu veto oii de consagrá-la
ção vergonhosa. Estou farto dessa comédia. Impossível coiitinuar sob pelo seu placet", ou seja,justamerite Borges de Medeiros.""
direção chefe [Vargas] tão fraco que desanima próprios soldado^".^" O processo de articulações para convencer Borges a apoiar um
Qiianto à rcnúiicia, esta é uma das versões, a outra é de que a mesma movimento armado foi tanto característico sob o aspecto de ressaltar
seria parte de um "plaiio" do qual Vargas participava e que objetivava, a importância que este aiiida maritinha no Estado, quanto de esclare-
afastando aparentemeiite o principal coiispirador, confuiidir o governo cer as suas relações com Vargas e os conspiradores. Virgílio de Me10
federal, levando-o a crer em uma ruptura entre Oswaldo Aranha e Ge- Franco aponta que o chefe do PRR era contra um movimento armado

52 Foiltoiira, João Neves da. 1963. 011. cit., P. 31 1-314. 50 Lago, Liiiz Arailha C. do. 0,. cit., p. 322,
53 Brandi n/)ud Lago, Liiiz Aranha C. do. 011. cit., p. 313, 60 Fontoili-a,J o ã o Neves da. 1963. 01).cit., 11. 355.
54 L,ago, l,itiz Araiiha C:. do. 011. cit., p. 32.5-330. 61 Frailco, Virgílio A. d e Melo. O,/). cit., 1). 183.
5.5Dicioniírio IIist61-ico.~Biogs6ficoBrasileiro. 011. cit., p. 628. 62 Foiitoiira, J o ã o Neves tla, 1963, 011. cit., p. 364.
56 Dicionãsio I-IistOi-ico-BiogrificoBr-asileii-o.O/). cit., p. 2474. 63 Franco, Virgílio A. d e Melo. O/). cit.; p. 187.
57 A/~ucl'Franco,Virgílio A, dc Rilelo. 011.cit., p. 176. 64 Dicioii6s.io Histórico-Biogi.áfico Brasileiro. O/). cil., p. 1318.
58 A/)u,d Franco, Virgllio A. de Melo. O/). cit., p. 175. 65 Foiltoi1i-a,J o ã o Neves da. 1963. 017. cit,, p. 367.
e que Getúlio Vargas foi, durante estes últimos meses antes de 3 de com Vai-gas e findou por obter dele uma reafirmacão dos tais "podcres
outubro, "bravio e destemido", estando sempre no centro da conspi- escritos". Só então rumou riovamente para Cachoeira, eri trevistou-se
ração.%Jooà Neves, em suas Memória.r,ao contrário, tende a atenuar a com Borges de Medeiros e obteve dele o consentimento ao levaiite ar-
contrariedade de Borges de Medeiros para com um levaiite armado, mado.'l
e n q u a n t o descreve a atuação d e Getúlio Vargas como d e Apesar das divergências entre as versões acima, cabe salientar que
"procrastinação" do m o v i m e n t ~ . ~ ' ambas mostram o porito ao qiial chegaram os membros da "geração de
De qualquer modo, Otlielo Rosa, poucos dias depois do assassina- 1907" ao final da decada de 1920. Estavam de tal modo autonomizados
to de João Pessoa, retoriiava da estância do Irapuazinho para Porto frente a Borges de Medeiros que este não era mais para eles a referên-
Alegre a fim de publicar em A fi(1eraçGo declarações de Borges de cia básica, senão única, como o fora poucos anos antes, para a tomada
Medeiros contra um movimento armado. Antes, porém, ericontrou-se de posições no jogo político. O PRR também não constituía mais uma
com Getúlio Vargas no Palácio para comunicar-lhe sobre as declara- referência deste tipo, como mostra a disposição de Flores da Cunha de,
ções. Getúlio, então, convocou para discutir o caso uma reunião com junto com seu ex-antagonista, Batista Luzardo (do PL), iniciarem um
Oswaldo Aranha, João Neves e Flores da Cunha. Segundo Virgílio de levante armado em Uruguaiana. Contudo, a ascendência de Borges no
Me10 Franco, Flores da Cunha se mostrava disposto a, junto com Batis- PRR ainda tinha um peso grande caso se procurasse a aceitação das
ta Luzardo, "no caso de não ser possível recompor a unidade gaúcha", principais lideranças paroquiais do partido, os "coronéis", para uma
irem para Uruguaiana iniciar um "levant e", enquanto "nós [Aranha, ação conjunta.j2
Virgílio, Neves, Collor e Maurício Cardoso] seguiríamos para Cachoei- Neste momento e ad hoc, formou-se um grupo engajado em torno
ra, cuja guarnição [do Exército] era integralmente nossa, e nos atiraría- da possibilidade da luta arrnada cujo centro, mesmo com pretensas "va-
mos à luta"." No entanto, decidiu-se que Aranha seguiria para cilações", era ocupado por Getúlio Vargas. Tanto pelo reconhecimento
I
Irapuazinho com uma carta de Vargas dando-lhe "poderes escritos [...] I nacional que consolidara ria campanha da Aliança Liberal, quanto pelo
para desempenhar a missão" de convencer Borges a apoiar o niovimeii- ! cargo que ocupava de presidente do Rio Graiidc do Sul, que punha em
to armado.6c' suas mãos os recursos humanos (Brigada Militar, polícia e funcionalis-
A versão de Melo Franco sobre a "missão" de Aranha é a de que ele
obteve sucesso em conseguir o apoio de Borges de Medeiros devido a
sua "irreverência natural [...I e a siia incontestável sedução pessoal [que]
foram sempre um trunfo com que ele contou para lidar com o Sr. Borges
I
I
mo) e econômicos (possibilidade de compra de armas e equipamen-
tos) do Estado e o legitimava como o mediador por excelência das rela-
ções do Rio Grande do Sul com os demais presidentes de Estados e
com o governo federal, Vargas se impunha como o centro de qualquer
possibilidade de ação que se pretendesse bem-sucedida.
de M e d e i r o ~ "João
. ~ ~ Neves, por sua vez, apresenta uma versão mais
detalhada e um pouco diferente. Ele relata que um dia antes de Oswaldo Os demais membros da "geração de 1907", embora at~iandocom
Araiiha embarcar no trem para Cachoeira, a fim de encontrar-se com certo grau de autonomia frente a Vargas de acordo com os cargos que
Borges de Medeiros tendo em mãos a carta de Getúlio Vargas, Neves ocupavam e em frinção dos rccursos de que dispuiiliam em termos es-
teria visto o vice-intendente de Cachoeira de saída do Palácio do gover- colares, culturais, técnicos, econômicos, de relações sociais e em termos
no. Abordando-o na rua, o vice-intenderite lhe teria dito que se encon- de clientelas - Batista Luzardo junto com Flores da Cunha possivcl-
trara com Vargas a fim de receber "ordens".João Neves relatou o caso a mente poderiam mobilizar a maior parte da população de Urug~iaiana
Oswaldo Aranha que, no dia seguinte e já no trem para Cachoeira, tam- para o pretenso levante armado tinindo suas clientelas que até então
bém teria eiicontrado o mesmo vice-inteiideiite. Araiiha foi até ele e, constituíam facções opostas -, rio nível dojogo político estadual e iiaci-
pressionando-o, coiiseguiu que lhe entregasse uma outra carta de Vargas oiial não podiam dele presciiidir. Segundo Joáo Neves:
endereçada a Borges que desautorizava a carta que Oswaldo Aranha
levava consigo. Este último, portando as duas cartas conflitarites, des-
ceu do trem e voltou a Por-to Alegre de carro. Avistou-se novamente i 71 Foiitoiira, João Netes da. 1'363, O!).cit., p. 372-373
72 A mobilização popiilar constatada por Vir-gílio de Melo Frailco em Poi.to Alegre certameii-
te ilão coi-respoiiclia ao clima bem menos efervescente. dos griipos sociais iiiferioi-es dos
GG Franco, Vii gílio A. d e Melo. O/). czt., p. 200-203. distritos niais ahstados do iiitei-ior cio estado. O ei-igaJameiito destes depentiia tia disposi-
G7 Fontoiira,J o a o Neves da. 19G3. 0;fi r l.l . , p. 368-377. ção dos líderes locais, os "coroilCisV,em eilvolverern-se nas disputas. Sobre estes "coroiléis"
clo PKK Borges parecia aiiitla exei-cer foi-te infliiêircia. Sob o aspecto de iima liita ai-iriada,
C O , A. d e Melo. O/). c ~ t . p.
68 F I ~ ~ I ~Virgílio , 202.
siia ~ ~ a r f i c i l ~ a çse:i.ia
i i o mesmo inipresciiidível, acostiirnados cliie ista\.arn eni sei-\ir nas Iiitas
G9 F'oiitoiira,Joáo Neves cla. 1963. 01,.clt., 11 371. e guerras interiias e ewtciiias nas qiiais o Rio C;rai-ide d o Si11se \rili eiivolvitlo c-lçscle o sí.ciilo
70 Fi-aiico, Virgílio A. d e Melo. O/). rzt., 13. 203. XIX e mesmo antes.
1

Para nós as cartas estavam lanqadas. Não ecoiiomizávamos qualquer sa- i de confiança de Luiz, general Gil de Nirieida, e o próprio
crifício para associarmos, no arranque, todos os valores da nossa gente, I presidente da República se mantivessem pouco propensos a crer em
desde o Sr. Borges de Medeiros e o sr. Getúlio Vargas até os conterrâneos 1
um movimeiito armado de maiores proporções."'
mais humildes. Queríamos a levée en masse, como sucedeu em França
durante os anos her6icos de 1789. Mas, se não fosse possível a grande,
faríamos a pequena revolução.73 Do sul ao obelisco
Contudo, não seria necessário correr os riscos de uma "pequena Ultimados os contatos conspiratórios a partir do retorno a Porto
revolução", pois Borges de Medeiros e Getúlio Vargas terminaram por Alegre de Lindolfo Collor e tendo sido consultados Juarez Távora, que
aceitar o desencadeamento da sua versão ampliada. O interessante nes- lideraria o levante no norte do país, e os conspiradores mineiros, Getú-
ta imagem de João Neves sobre as dimensões hipotéticas do movimen- lio Vargas e Oswaldo Aranha terminam por optar em conjunto pelo dia
to é que a diferença entre a "pequena" e a "grande" revolução seria a 3 de outubro para a eclosão do m ~ v i m e n t oo, ~que~ mostra que Vargas,
participação ou não de Borges de Medeiros e Getúlio Vargas, o que a partir dos últimos acertos, principalmente com Borges, os mineiros e
ratifica o que se vem comentando tanto sobre a persistência do primei- com os militares de alto escalão no Rio de Janeiro, assumiu as responsa-
ro ao centro do PRR, quanto sobre a centralidade recém conquistada bilidades finais para o deseiicadeamerito da "revolução". As cinco ho-
pelo segundo em termos estaduais e nacionais. Isto é ainda reforçado ras da tarde do dia 3 de oiitubro tropas lideradas por Oswaldo Aranha,
pelas várias vezes nas quais Getúlio Vargas "orientava" por cartas os coiis- Flores da Cunha e Lindolfo Collor invadiam o quartel General da 3"
piradores ou enviava algum deles em "missões" de contatos com líderes Região Militar na Rua da Praia, onde se encontrava o General Gil de
de outros Estados ou de testemunho de situações, principalmente no Almeida, enquanto Maurício Cardoso, comandando "grupos civis ar-
Rio de Janeiro. mados", ocupava algumas das mais importantes repartições públicas
Feita a decisiva opção pelo levante armado, Vargas, segundo Me10 federais na cidade.78João Neves, então em Cachoeira, participou lá do
Franco, entregou "em absoluto, a direção dos traballios preparatórios le~ante.~%o mesmo tempo, no Palácio do governo do Estado era insta-
da revolução" a Oswaldo Aranha. Em meados de setembro este teria lado o "quartel-general revolucionário", onde permaneceram Getúlio
considerado os "trabalhos" concluídos e foi comunicar isto a Vargas. O Vargas e Góes Monteiro.
presidente do Estado, porém, ainda enviaria Collor ao Rio de Janeiro No dia seguinte foi publicado nos jornais de Porto Alegre o "ma-
para "entender-se com os generais" Fragoso, d'Agrogne e Andrade Neves nifesto revolu~ionário'~ de Getúlio Vargas que terminava com: "na?
para que, uma vez iniciado o movimento, "o governo não fosse cair em foi em vão que o nosso Estado realizou o milagre da união sagrada. E
mãos de aventureiros". Collor esteve ainda em Minas "onde se enten- preciso que cada um dos seus filhos seja um soldado da grande causa.
deu com os membros do seu novo governo" cliefiado pelo sucessor de Rio Grande, de pé, pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino
Aiit6iiio Carlos, Olegário Maciel." Enfim, o que João Neves chamou ' final do manifesto é característico do que se vem ana-
h e r ó i ~ o " . ~Este
de "procrastinaçiio" ou de "indecisões e perplexidades9?de Getúlio lisando sobre a centralidade de Getúlio Vai-gas,pois. ao mesmo tem-
V a r g a ~c ~o ~que, coiitraditoriameiite, Virgílio de Me10 Franco chamou po em que cita a "união sagrada9',ou seja, a Frente Uiiica, apela para
de "bravura" e "destemor" foram, com efeito, os grandes truiifos no uma espécie de regionalismo militarizado, agressivo e um tanto fata-
sentido de coiifundir o governo federal quanto a sua posição. Assim, lista - "soldado da grande causa", "destino heróico" - recentemente
resguardava-se como goveriiador do Estado caso o movimento fosse urdido em função mesmo da ascensão dos componeirtes de sua "gcra-
abortado, mas também se tornava cada vez mais indispensável como ção" e de sua liderança. Ou seja, Getúlio Vargas apreseiita o movi-
centro do movimento. Mantinha-se, pois, no controle da conspiração mento que lidera como sendo algo alem do facclonismo reinante até
ao mesmo tempo em que parecia e aparecia não conspiraiido, o que POUCO tempo atrás, da mesma forma que propoe iim outro prii~cípio
fazia com que, como salienta Lago, mesmo com toda a movimentação identitário para os "rio-grandenses" enqiiarito 6'soldadosda causa" que,
nas ruas descrita por Virgílio de Me10 Fraiico, ou com os contatos feitos
com oficiais militares, o comandai-itedo Exército no Rio Grande do Siil,
76 Lago, I a i z Aranha c:. do. O/). cil., p. 363-364.
77 Franco, Vil-gilio A. de h4elo. 01).cit., p. 223.
73 Foiitoura, J o ã o Neves da. 1963. 01).rir., p. 3(iM, grifas 110 original. 78 Fraiico, Virgílio A. de blelo. O/). cit., 11. 225-226.
74 Fr-aiico, Virgílio A. de Melo. O/). cit., p, 212-313 e 221. Joâo Nevcs da. 1963. O/). r i / . , p. 411-413.
79 Foi~totira,
J o ã o Neves da. 19G3. O/). cit., p, 373.
75 Foi~toril-a, 80 F'runco, Virgílio A, d e Melo. O/). cit.,11. 229.
enfim, estava expressa ria frase de efeito do então estudante de direi-
to Luiz Vergara: "rio-grandensizar o Brasil". Enquanto líder do movi-
O fascismo extra-euro~eu: A

mento, Getúlio Vargas se apresentava, junto com os demais rio- o caso do integr
grandenses envolvidos, como a encarnação mesma deste regionalis-
mo salvacionista da nação brasileira.
no Rio Grande d
Mesmo assim, João Neves refere que esta liderança de Getúlio
Vargas ainda seria discutida por partidários do PL, para os quais teria
liavido a questão de qual "norma a seguir" assim que fosse deposto o
governo Washington Luiz: apoio a Getúlio Vargas ou a umaJunta Pro- Em artigo publicado rios alios de 1960, ?&eGene,sisofFaascism,George
visória. Assis Brasil teria se manifestado em favor do apoio a Getúlio Mosse afirmara que "no sécrilo XX, dois movimentos revolucionários
~ ' seja,já em
Vargas "como chefe unipessoal" de um novo g o v e r n ~ . Ou deixaram sua niarca sobre a Europa: aquele originalmente nascido do
um primeiro momelito, corno ocorreria depois em vários outros, o marxismo e a Revolução Fascista", e , não sem um certo tom de censura
questionamerito sobre a legitimidade de Getúlio Vargas assumir o go- aos estudiosos, acrescentava, "mas o fascisrno tem sido negligeii~iado."~
verno poderia ser e era levantado. Contudo, ao final de 1930, em que Ao longo das últimas dkcadas, ao contrário, o fascismo tem sido oejeto
qualquer legitimaçào para um novo governo teria que passar pela ad- de amplo debate na literatura especializada, não apenas acerca de seu
quirida em um comando "revolucionário", a centralidade de Getúlio conceito e iiiterpretação, como também sobre o seu possível locus de
Vargas se impunha como a única alternativa possível, sob pena de os desenvolvimento.
"revolucionários", como logo depois ocorreria, se dissolverem em várias Vários autores admitem a ocorrência do fenômeno fascista fora de
facções em disputa pelo espólio da "revolução". Corri certeza o sucesso seu ambiente origiriário, qual seja, o continente europeu do período
situado entre as duas guerras mundiais, mesnio frisando o frágil caráter
de Vargas deu-se, em grande medida, porque conseguiu "fazer media-
do mesmo. Em tal lógica, o coiitiiiente latino-americano, como "extre-
ções quase impossíveis, arbitrando os coiltrários, sem saber no próprio
curso dos acontecimentos qual seria o desfecho final do litígio".82
mo ocidente" na expressão de Rouquié," revela-se a região cultural e
politicamente mais exposta 5s manifestações próximas do fnscismo. E
Em 24 de outubro uma Junta Governativa composta por militares possível observar neste continente alguns niovimentos de relativa im-
derrubou Washington Luir. Getúlio Vargas, então, enviou ao Rio de portância, aprescntando certas correspondencias com os partidos fas-
Janeiro Oswaldo Ararilia e Lindolfo Collor para encontrarem-se com cistas originários. Segundo Staiiley Payiie, "o maior deles foi a Ação
os membros da Junta. Estes conseguem que os militares concordem em Integralista Brasileira (AIB), inspirada, em uma medida considerável,
entregar o governo a Vargas que, eni 31 de outubro chega ao Rio de pelo fascismo italiano. Tratava-se de misturar aritoritarismo corporativista
Janeiro e assume o Governo Provisório em 3 de novembro. No dia da com a cultura autóctorie brasileira."' Apesar de negar, a principio, a
posse as "comemorações" a ela vinculadas possibilitaram o ato mais possibilidade de reprodiição em grande escala do coiljunto clas carac-
caricatura1 deste movimento em sua vinculação com o citado regioria- terísticas do fascismo europeu, o autor reconhece também os casos da
lismo salvacionista. A lógica do "Rio Grande, de pé, pelo Brasil!" e do Uiiiáo Nacional Sinarquista (UNS) do México, do Socialismo Militar boli-
"rio-graiiderisizar o Brasil" findou por permanecer fixada na fi~tografia
dos cavalos que os filhos de Flores da Cunha e outros "gaiichos" ataram
I O p r e x q ~ t eartigo b;iseia-se lia Dissertação d e mestrado da aiitora,defendida tio Crirso cle Pós-
ao obelisco da Avenida Rio Branco. Gracluação erri Ciência Política cla UFKGS em 1991 sob o nome d e O,/h.rristtzo n,nfierj/e7.ia L a l i ~ o -
Altlel-icc1nn:o/ial.c~doxoda irt?/jlrr?lla~cio do zr~Lfgrolisttto??,o Rio (;rnnc/e do Sul.
2 Mosse, (3eoi-ge.~ X C~ne.,is P oJI;nsci.snz in J o u n ~ n loJ'í:otzte~itfio~.nrjl Hi.slory, I , OI,l!IGG, p. 14.
3 Roiiq~iié,Alaiii. i i ~ t i b r i qIcltir2e:
~ ~ ~ itltrodirction (i I'ext7<)1~~ occid~ibl.Paris: Seuil, 1987. O u , 110s termos
d e Stanley I'a),iie (13 I;il.\c.istt~o.Matli-id: Alian~a,1982, p. 1L71 ) : "A região oiitle inais sc teiri copia-
do a política d o contiiientr etiropeil é a AniGi-ica Latina. Ilaclo o caráter rntiitas veLes autorita-
rio tlos governos latino-arriericaiios e o auge do nacioiialisino nessa região, entre as duas giitar-
ras, parecia a Loiia iriais atlecliiatla a aparição cle fiisrismos iii~portantesnão e~iropeiis."
I I p. 172; Payiie, S. i X e co)~ce/~I
4 Payiie, Staiilt-y. I ~ P Ill~id., I~//([J(~JUL i i i I,arseii, Stein et (11.l44o zolzetr. fhe
8 1 Foii(oura,João Neves cla. 1963. O/>.cit., 11. 440. ,/irsri.st.s:socic~ltuols c!/ f ~ i o ~ ) / j ~ ( ~ ) ~ J i ~Uerg(:n:
~ c i , s t t ~IJili\.ei.sit
. etsf01laget, 1980.
82 Cainargo, AspGsia. 01). cd., p. 76. .5 A UNS, por exemplo, 6 fiiiidatia oficialmente n o México em 1037. Api.esentava-sc corrio tini
viano, do Movinieiito Nacional Socialista (MNS) do Chile e do Partido apoio de massas a estes movimentos. Em algumas nações latino-aineri-
Fascista Argentino ("o mais claramente mimético") .' canas, reforça o autor, a ideologia fascista encontrava certa
Alistair Heririessy, do mesmo modo que Payne, aceita a existência aceitabilidade, mas as instituições políticas democráticas não eram sufi-
de fascismos limitados na América Latina, "durante os anos trinta, ocor- cientemente consolidadas. Esta constatação parte do princípio de que,
reram movimentos fascistas estilizados [ .. .] entretanto, somente os para o fascismo tornar-se uma alternativa viável, é preciso haver um
integralistas brasileiros realizaram uma mobilização de massas suficien- certo grau de liberdades políticas. Sem elas, torna-se difícil organizar
temente ampla a ponto de causar alarme. Outros movimentos, tais como um movimento de massas baseado em princípios contestatórios e violeii-
o mexicano, os nazistas chilenos e inúmeros grupos argentinos eram tos. Assim, somente em alguns países da América Latina que apresentavam
limitados em tamanho e expressão."Wo entanto, Hennessy ressalta um grau maior de desenvolvimeiito, houve lugar para movimentos fascis-
que, se realmente esses movimentos podem ser classificados como fas- tas de alguma envergadura. Os mais significativosteriam sido o integralisrno
cistas, eles desenvolveram-se em função das características e das forças no Brasil, a Falange Boliviana e o Partido Nazista no Chile.7
próprias destes países. A influência do fascismo original teria sido tê- Por sua vez, Pierre Milza corrobora igualmente a noção de
nue, pois o contexto histórico-cultural latino-americano era muito dife- potencialidade reduzida do fascismo na América Latina do entre-guer-
rente do europeu. Antes, as condições históricas da América Latina ras, apesar das inúmeras manifestações presentes, tais como: o Partido
deram ensejo à formação de uma ampla cadeia de niovimentos e parti- Fascista Argentino, os Camisas Caquis bolivianos, Partido Nacional-§o-
dos nacionalistas-reformistasde massas que não poderiam ser facilmente cialista e o Partido Corporativo do Chile, o Partido Fascista Peruano.
categorizados em termos de fascismo. Tais associações políticas foram Estes movimentos, sendo em sua maior parte insignificantes imitações
denominados genericamente de "populismos". Para o autor, o fascis- dos correspondentes europeus, não obtiveram as condições mínimas
mo, como outros movimentos políticos inspirados na matriz européia, a para se impor frente às classes dirigentes, quase sempre ditaduras mili-
exemplo do liberalismo e do socialismo, falharam em enraizar-se na tares reacionárias. Apenas o Brasil, segundo P. Milza, "conheceu um
América Latina, pois as inúmeras modificações ocorridas nesses fizeram verdadeiro fascismo de massas [. . .] a Ação Integralista Brasileira (AIB),
com que os princípios originários se tornassem superficiais. o primeiro movimento autenticamente fascista da América Latina."8
De acordo com Juaii Linz, somente alguns poucos países desenvol- Compreende-se, portanto, que, apesar de limitada, a experiência
veram as precondições que viabilizaram a emergência de partidos fas- do fascismo mostrou-se presente no continente latino-americano. O
cistas. Ainda menor era o numero dos países que apresentavam um surgimento deste gênero de manifestação política na América Latina
estaria bastante ligado aos anos críticos das décadas de vinte e trinta. As
perturbações econômicas, sociais e políticas desta época,
movimeiito nacional e náo como iim partido político. Iiiteiicionava "salvar" o país da Revolu-
desestabilizaram regimes que pareciam solidamente implementados.
ção cle 1910, dos comuiiistas, dos norte-americanos, dos franco-maçons, dos protestaiites e Como resposta à crise e sob inspiração de so1uc;ões externas, tendeu-se
dosjudeiis. Pretendia apoiar uni programa religioso e social, baseado 11a fé católica, rias tradi- a abandonar o liberalismo na mesma proporção em que crescia a iriter-
ç6es hispânicas, lia fàmília, na vida em aldeias, na economia do bem comum. Para tanto, venção do Estado e o autoritarismo tornava-se regra. Observa-se um
exaltava a coragem, o sacrifício, o ascetismo, a virilidade e a discipliiia. Da mesma forma,
siirgia iio Chile em 1932, o MNS, deiiomiiiaiido-se como a hiica esperança d e realizaçào dos clima propício à impulsão de vários movimentos de extrema-direita,
interesses nacioiiais. Sob um disciirso nacionalista e através d e um aparato político-adminis- dos quais, alguns assumiram um caráter fascista."
trativo rigidamente l-iierarquizado e inspirado pelo iiacioiial-socialismo alemáo, alinejava
mobilizar Lima maioria popiilacioiial que se encontrava 2 margem do sistema particlário tradi-
cional. O m o ~ i m e ~ latraiu,
to entre 1992 e 1938, cerca d e 200 mil militai~tes.Ver:Potasliiiik, M.
Nocismo: Nntion,nl Socinlism i ~ Chib:
z 1932-1938. Berkeley: Univ. of Califòriiia Press, 1974; Meyer, 7 Linz, Juaii. Soit~esr~oteytorunrd a co,tn/)~ratiuestudy ofJi(scisrn in so~ioLo~~;!cal hisio>icnlper/)rctiue iii
Jeail. Le Sinarquisme:un f;;lscis?ne Mexicnin? Paris, Hacliette, 197'7; I-Iei-inessy,Alistair. Foscism l,aqueur, M!, o/).c.it.; L,iiiz, Juan. A n ~~uilzoritoTi~nz
~rg7tz:tlze case q/'S/)nini11.Allard e Rokkan (ed.).
nnci p@ulis,n i?z L d i n Americo i11 I,aqiieiir, W .( e d ) . Fkscim: n Render's Cuide. Berkeley, Univ. of Mnss politics: stiidies in poli tical socioloçy. New York: Fress Press,l980.
California Press, 1976. Paris: Imprimei-ie naí.ioriale, 1985, p. 428; Milza, P. fiscismes et ideologes
8 Milza, Pierre. Z2e.~k7nscis?tlrn,..
G Heiiiiessy, A., id. ibid., p. 255. Dos movimeiitos siirgiclos na Argeiitiiia, o mais conhecido foi o réclction7snires eu Ezmpe (1919-1945). Paris: Armancl Coliii, 1969.
nacionalismo Argentino ele Direit.a. Pai-a Marysa Gerassi (Los Nncio7xnlislo.~.Biienos Aires: J o r g e 9 Conceito polissêmico, o significado teórico d e fascismo foi amplamente discutido pelos especi-
Alvares,l(lGli), porem, "mais do que fascismo, o nacioiialismo foi uma forma extrema d e reaçáo alistas sem qiie isto efetivasse um consenso. Assim, Ernest Nolte ( L n ci-isi.~clel sistelna liberc~lye1
coiiservadora frente ao ascenso da classe média ao poder através do Radicalismo". Por oiitio ~ ~ u deljhsci.s»~o.
ge Barcelona: Peníiisula, 1973.), constrói uma tipologia lia qiial o fiscismo apare-
laclo, a aut.oia admite que ideologicaineiite .o iiacioiialismo constituiii uma colagem mais o u ce como alitimarxista, alitiliberal, aiiticoiiservador, defendendo o princípio do caudilismo, a
menos artificial do fascismo." Ver também, Deiitsch, Saiidi-a.Coutttej.--1iP71olutimitl A7grntillc~. milícia d e pzirtido e a política do totalitarismo. Para Staiiley Payne ( T l x co~zee/)to/filscisnz i11
l,incoln e L,ondon, 1986. I a - s e n , S., o/).ci/.) tinia clefiiiiçào aplicável a todos os fascismos deveria identifical, tambem os
elementos comuns em materia d e ideologia e objetivos, d e estilo e orgaiiizaçáo. Ressalta, assim,
No eiitanto, a emergêiicia coiicoi-reiite de forças autoritárias iião meira Guerra Muiidial com o aurneiito da iiidustridlilação, a forn~ação
fascistas na cena política latino-americana contribuiu decisivanierite para de um proletariado nas grandes cidades e o rápicio processo de urbaiii-
a limitação do teri-eiio necessário ao florescimeiito de sigiiificativos Tas- zação. Agravam-se os coiiflitos sociais, como as reivindicações operári-
cismos. Obtéin-se, ao invés, um modelo particular de relacioiiameiito as. As classes médias, presentes sobretudo ria burocracia estatal, n o co-
civil-militar niarcado pelo profundo envolvimento dos militares na po- niércio, nas pequeiias empresas e no exército, assim como uma nasceri-
lítica. O militarismo latino-americano, afeito ao uso da violência para a te brirgiiesia industrial, começam a desempenhar um papel significati-
"purificação" do corpo político, associado a um iiacioiialismo pop~ilista vo na vida política,' '
medialite a exaltaçáo dos símbolos e sentimciitos de nacionalidade, A pressão dos novos grupos sociais, o progressivo esgotamento da
juntamente com a adoção de peculiares práticas políticas clieiitelistas ccoiiomia pi-imário-exportadora evoluindo em moldes de "siibstituição
baseadas na troca de benefícios por votos e lealdades pessoais, acabou de importações", a crise rnuiidial de 1929, o aumento das dissidências
por reduzir a área de atuação dos movimentos fascistas. inti-a-oligárquicas coiicorreram na forte coiitestação e lia ruptura d o
Somente no Brasil reuniram-se as circuiistâncias sócio-históricas poder político das elites ti-adicionais. Ademais, o questionamento leva-
suficientes à emergência de um fascismo desenvolvido, onde é efetiva- do a cabo por setores maisjovens das Forças Armadas, com o apoio de
merite possível recoiiliecer o caráter "mítico-regenerador" da ideolo- parte das classes médias, resulta igiialmcnte na perda de legitimidade
gia fascista e seu ultraiiacionalismo dotado de diiiâmica p~pulista.'~) do governo então instituído.
Esta iiação contava com um processo acelerado de formação de um A sitiiacão reiiiante iio país, no ocaso da República Velha, estimu-
Estado pluralista, moderno e parcialmeiite secularizado. Observava-se lou a propagação em esferas culturais e políticas, de discursos apelativas
o desenvolviniento de uma política de massas e de iioções tais como a a uin povo e a um Brasil niitificados como justificativa da edificação de
de unidade cultural nacioiial. As condições políticas míriimas se apre- Lima nova ordem social. Tratava-se d e correiites d e pensamento
seiitavam para o exercício e o clesciivolvimeiito de movimentos políticos e permeadas, implícita ou explicitamciite, dc dialetos "decadentistas" e
ideologicamente oposicionistas. Ao mesmo tempo, não havia um amplo impregiiadas de esquemas de "i-egeiieração"." Ncste qiiadi-o, são par-
consenso da população a propósito dos procedimeritos políticos liberais, ticularmciite siiitomáticas a Revolução estética promovida pelo movi-
onde o governo parlamentar fosse visto como o único modelo legítimo na m e n t o Modernista e as terapias sociológicas d o "objetivismo
condução da sociedade. Fatores estes que se conjugavam &s disfuiições estru- teciiocrático". O antiliberalismo e n c o n t r a também particular
tiirais do sistema, coiisequência das pressões de modernizaçiio. receptividade eritrc os iiitelectiiais católicos que participavam do mo-
A "crise de traiisição" que atravessa o Brasil durante os aiios vinte e vimeiito de 'renovaçáo espiritiialista'. A via de soliiçaio para os males do
trinta constitui, assim, o coiltexto de fermentação cultural-ideológico país passava pela construção de um Estado forte?forneiitador da naciona-
d o Fascismo rio país. Tal situaçáo manifesta-se já iio imediato pós-Pri- lidade e realizador do "ideal coletivo". Incluía a recusa ao Estado liberal-
democrático com seu "desmorali~ado"parlanientaiisrno rnultipartidário,
a criação d e uni i~ovoEstado nacioiialista aiitoritái-io; a oi-gaiiização de algiirn tipo i ~ o \ ~tleo
estrutiira ecoiiomica, elirniiianclo a aiitoiiomia do gi-aiide capital; a defesa d e iiiii crçdo
voluiitar-ista e idealista, com o deseiivolvimento de iiina cliltiii-a no- coiisideracla siipei-ioi-;a 11 O alto grau tle participação das classes médias n o Fascismo ii2o a u t o r i ~ a coiicliiir pela cxclii-
disposição ao liso da violêiicia; a militarizaçâo d;is relaçóes políticas; iim estilo de niiiiitlo pesso- sividacle. A participasão de 11111 gi-aiide níiniiro d e elemei-neosestraiil~osãs clirssçs niétlias neste
al, aiitoritário e carisriiáiico; a exaltnção dajuveiitiicie coino uiiia i~o\.aí'oi-ça vital. N. I<ogaii gi-iiero d e inovinieiito 6 assinalatla por- S. Pajrne (E1 I;crscist,~o,o/).cit., p.184) c., es~>ecialmcnte,
(Fcr.tcism (I.Sn /)»litical sysrpnr i i i S.J. M'oolf (ed.) Fcl.rcisin i11Lu~o/J,P. L,ondoii: Mt:tliiieii, 1081) , por poi- Fraiicis (;aisteli (/?~le7j~r-rlnli«t?s
(!J"nfnst.isttrin M7. Lacllieui-, o/~.c.it.,14. 410), O qii;~l,apelaiido ao
siia vez, concebe ser o totalitarismo a essêticia do fascisnio. tcsteriiiinlio d e divei-sos liistoriacloi-es sobre a mobili~açáotraiisclassista, coiicliii: "o terino "bai-
10 Na pi-oposição coiiceitiial tle Koger Griffin (Tlw t ~ n t u wqf/c~xisitl.b,oiitloii: Piiiter Press, 1901: xa classe rnt.tliav é milito geral e vago para explicar as grandes dikreiiças tio l~ncl~~v-«zlttd social
I l ~ erznliorl r~ljoi-n,paper apr-eseiitatlo tio XV Congi,esso R/Iiindial tla Associaçáo Iilteriiacional d e
r 7

dos Iítiei-es tàscistas c seguitloi-es ( e a participação d e urri be)n-nniinie1.o de Ilessoas oriuiidas cla
C;iêiicia Política JIPSA).Bucai~osAii-es,jiiiiho tlc: 1901), o liipcriiacioiialisrrio fascista clistingite-se classe operária) ".
na i-ecusa axiomática do ii;icioiialisrno liberal, bem como aos valores ciiltiirais c10 hrinianisnio 1 2 As circu~istâiiciasexperimentadas tiaqueles anos eram pei-cebiclas como coiidiqâo d e crise
iliiniinista nos qriais se fiir~tlainenta.Itleiitifica no "ljovo" tima coiriiinidade I1ist61-ic;isiipra--iiiclii.i- exigindo cliagiióstico imediato e prescriçâo d e terapia, como coloca i4.T. Sadek (Ainc.hicrvel,
diial com siia pi.ópria dinârriica e destiiio. Legitiina-se através clo apelo ao poder do po\lo, iiin n ttngkiin oclauinun. Sâo Paiilo: Síniholo, 1978, p. 7 8 ) :"Aqiiele rrioniento liist6rico
A,kclc~llin.r~éi.s:
p o i n~itificado,
~ tim toeto orgiiiiico i-eljositcírio das irirtrides iiacionais, O iiiicleo niobili~atlorcla fiji cle iiiietisa protliição intc~lectrial.Pi-odiiqão essa cliie não apeiias i-eflete aqrieles iinpasses e
icleologia fiiscista eiicoiitra-sc iio rnito i-evoliicionái-io da regeiierac;ão da i i a ~ ã otleca(leiite, tia coiiti-adicóes, coino taniheiii pi-ociira entender as siias caiisas e atiiiar com soliiçóes." \7er
ciiaçáo tla i i o ~ ordcrri,
i d o srirgiinento do no\lo I~orncm,resultante de iinia re\foliiçáo operada I~aiiioiinier-, Boli\ra~-.P;bt-irrci(5o(Ir rltn /)~t~sclttret~lo /)oli'lieo cli~loi-itrit.iotzn I'i.inr~il-nII~/~iíOlicc~:
u,ttr,a
tanibeni e ])i-iiicipali-neiltelia "vicia secr(:tii d e cada alrri;in:o ""hoino fascistils", portatlor tliis 1-irtii- i,llri-l,t~tnicio.111:I:AIJS'II'O, Roi-is. Ili.clór-icr ( h n l cl'n C-i/ilizn~cio I~in.vi/rilir.Sáo I'aiilo: Ilifèl, 2. c<{.,
clvs heróicas r agc.rite. capar de operar as transforinaç15es da societladta. T.111, \: 2, 1'378; I,iiz, Nícizi Vilela. :\ clbccl(l'ccde 1920 p szrc~sci-ispsiii Ii~uisliltlo /1~.sti/i~lo Bri~.sileiiu,11.
Ci,lOGS.
responsável maior pela "situação caótica de desagregação nacional". Em seu suhstrato geral, também o mito político integralista
Um esquecido "Brasil real" e uma abandonada "gente brasileira', em condensa-se a partir da fixação de irma nação e de um povo profunda-
oposição ao Brasil artificializado pela importação de modelos mente idealizados. Eiicontrando-se estes no presente em avançado es-
institucionais estrangeiros, serviriam de instâncias últimas de legitimação tágio de degeneração, urgia recuperar a resistência enraizada em meio
para a reestruturação sciopolítica. ao povo." Segundo Plínio Salgado, "a alma do povo só desperta-se com
Não obstante a formação de ligas, centros, associações e mesmo a coragem, com fé, com energia [. . .] contra os entorpecentes liberais,
partidos na esteira deste clima cultural, os grupos ideológicos do país o cosmopolitismo despersonalizador, o grosseiro oportunismo, o
inspirados pela retórica de renascimento nacioiial e pela rejeição ao aviltante pragmatismo, os pântanos morais onde se afogam as raças
liberalismo falharam na produção de um expressivo movimento de decadentes e se escravizam as nacionalidades." Este despertar, objetivo
massas dedicado ao uso de uma combinação de procedimentos legais maior do integralismo, permitiria à Nação o cumprimento de seu desti-
com táticas violentas, visando à tomada do poder. A incapacidade de se no histórico, "o espírito do sertão está invadindo as cidades. A América
apresentar como pretendentes sérios à criação de uma nova ordem, em do Sul vai erguer-se pelo milagre do Brasil. O Brasil caboclo, Brasil for-
que pesem outras razões, poderá ser buscada em excessos utópicos e te, o Brasil do sertão, o Brasil bárbaro e honesto, num ímpeto selva-
elitistas, ou mesmo, na radicalização insuficiente de seu populismo e gem, vesyiu uma farda cor das matas e desfraldou uma bandeira da cor
nacionalismo, limitados quanto à possibilidade de imprimir uma dinâ- do céu. E o despertar de uma Nação. E um destino que se cumpre. E a
mica revolucionária à seus discursos visionário^.'^ A maioridade ativista resposta do Atlântico. "lf5
e doutrinária de um fascismo nacional viria com o surgimento da Ação A percepção iiitegralista da realidade nacional deriva-se de uma
Integralista Brasileira em 1932. peculiar interpretação filosófica da história, do homem e da sociedade.
Concepção esta governada pelo binomio materialismo-espiritualismo.l 7
O integralismo brasileiro A expansão dos princípios materialistas em direção ao controle absolu-
to da vida social e, coiiseqiientemente, à destruição dos valores espiri-
A elaboração das diretrizes teóricas do integralismo foi efetuada tuais constitui a caiisa da decadência da civilização. Deve, portanto, ser
através da contribuição, muitas vezes discordante, de vários teóricos, a combatida no sentido da restauração do eqiiilíbrio inspirados nos valo-
exemplo de Miguel Reale, Olbiano de Mello, Gustavo Barroso e, sobre- res espirituais da vida. O Brasil contemporâneo, bem como o resto do
tudo, Plínio Salgado, fundador e líder da AIB. Já na primeira fase do miindo, sucumbia ao ateísmo materialista. O fato é que a civiliza~ão
discurso político de Plínio Salgado, entre 1919 e 1930, encontra-se ateísta brasileira, insuflada pela burguesia urbana e pela elite agrária,
esboçada a temática que dará ensejo a parte significativa da doutrina estaria forçada, por circunstâiicias históricas que remontavam ao período
do movimento. As considerações giravam em torno do nacionalismo
nativista, indianista, anticosmopolista e romântico; do espiritualismo
religioso; da crítica ao liberalismo; da crença do sentido missionário
13 OS movimentos fascistas pretendem-se representantes d e toda a nação antes que de grupos
das novas gerações. O cristianismo, igualmente, constitui importante partictilares, imbiiídos clo espírito, desejos e ~irtiidesdo povo. Este aspecto enfatiza a condena-
referência, haja vista o elogio à pobreza honesta, às virtudes da vida ção da participação política cios indivíd~iosqiiando parcial (senão falaz, ao s~iprimiras oport~i-
simples dos pobres e a condenação da riqueza "perversa" que desvia a nidades d e expi-essiio clos g e i ~ ~ i í n anseios
os do povo), restringida pela intermediação dos parti-
humanidade do espiritualisnio. Plíiiio Salgado faz a defesa da "revolu- dos políticos. Alternativamente aos moldes tradicionais cio político, defende-se iim "feitio inte-
gral" d e participação e de completo en\.oIvimento com os destinos da nação. Iniprirne-se n o
ção interior" do homem, na direção de reformas sociais, vaticinando a fascismo, atributos essencialmente cai-ismáticos, condicionaclos pela atuação das lideranças,
formação de irma nova raça no Brasil.14 promotoras maiores da identificação dos adeptos com o movimento. O mito fascista é aquele
da nova ordem, oriundo da crença na experiinentação d e iini processo histórico decisivo, onde
a crise e a decadência são vistos como sinais d e que os velhos tempos estão findos e os novos
tempos se aproximam. Constiltar Sternhell, Zeev. Fnscisrn Icleolody i11Laqueiir, of,.cit.; Sternhell,
13 Entre estes moviineiitos, encontravam-se o Partido Fascista Brasileiro, a Legião Cearense d o
Z et nlli. Naissnnce d~ 1'idio/o~ie/nsciste.Paris: F q a r d , 1989. Ainda, a expressão "mito político" ciiz
Tiabalho (movimento que combinava aspectos doutrinários do catolicismo tradicional corn respeito a um princípio motor ii-racional de toda a ideologia, a despeito das legitimaçóes clue
elementos d e inspiração fascista: ver Parente, Josênio. AnauP: os camisas-vedes no l~odel:Fortale- possam ser invocadas. Não se trata, portanto, apenas d e um mito liistórico especifico o u uma
za: EUFC, 1986); a Ação Social Brasileira, a 1,egião d e Outiibro, o Particlo Nacionalista d e São
ficção. Griffiii, R.I'lle rzcrture offi~scisme,o/).cit,, p. 27-28.
Paulo, o Partido Nacionalista Iiegenerador. Ver Carone, Edgar. A S e p n d n Reflublicc~.São Paulo:
Difel, 1974. 16 S d l p d o , Plínio. Du.rjiejtei>rosa na@o. Rio d e Janeiro: Jose Olympo, 1935, p. 93-98; Salgndo, P. A
quarta h~imanidadezn 0 h n s ( : o ~ ) ~ / ) l e Vol
t « ~ . V, SP: Ed. das Américas, 1955, p. 213-214.
14 Qrianto ri primeira fase da pi o d ~ i ( ã oteórica pliiiiana ver: hiZedeii os,Jarbas. Icleologn A~~tor-zth~za
rto Braszl: 1930-1 945. Rio deJaneiro: FGV,1978;Vasconcelos, Gilberto. A zdeolo~aclci~ru/)~ra.nnhL~re 17 Uma exposição clc(a1liada desta argrimeiitação encontra-se em: Beiizaq~iemd e AraGjo, R . A Cot
do dzscu?so znlegalzstc~.USP: Tese d e doutorado, 1977. da Esperccnça: lotc~litciris?noe ~e~~oltlçiiono integralismo n;? PIZnio Salgc~cl'o.CPDOCVW, 1984.
colonial, ao convívio coni um fundo espiritualista presente sobret~ido AIB corresporide à dos fascismos europeus. Da mesma forma que estes
no interior do país, onde permanecia o caboclo, com seu forte senti- últimos, a grande maioria de seus adeptos procede dos setores médios.
mento de naeioiialidade. A mutação espiritual e a conconiitante traris- Ainda, a estrutura orgariizativa da AIB obedece a padrões hurocráticos-
formação estrutural da sociedade brasileira ocorreriam a partir da po- totalitários segundo o modelo fascista originário.18
pulação interiorana.
Não é de estranhar, frente a este quadro, a anatematização
integralista a todas as forças culturais, sociais e econômicas considera- O integralismo gaficho
das como prornotoi-as do materialismo e, consequeiitemente, da deca- A organização oficial da AIB no Rio Grande do Sul ocorreu de modo
dência naciorial: o racioiialismo cientifico, o liberalismo e o sistenia
relativamente tardio em relação a outras regiões do país. Em nível nacio-
político deniocrático-liberal, bem como as realizações maiores da civili-
nal, a AIB expandira-se, a partir de São Paulo, primeiramerite para o Rio
zação ateísta, o capitalismo e o comunismo. A atuação partidária, sen-
de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e Pernambuco, fato possível devido à
do relacionada a interesses de grupos sociais antagônicos e a pseudo-
maior facilidade com que as lideranças integralistas estabeleceram con-
representatividade, mostra-se ilusória e fraudadora dos interesses legí-
timos do povo. Viiiculada como é ao sistema do sufi-ágio universal, ser- tatos políticos nestas áreas. Na região sul, ao contrário, a comunicação
ve apenas para promover a desorganização, a luta de classes, a opressão era esparsa e desarticulada. De qualquer forma, desde fins de 1932, al-
exploratória dos poderosos, o individualismo competitivo e a injustiça guns simpatizantes, dispoiido de certo conhecimento sobre a doutrina
social. Uma verdadeira democracia, a orgânica, demandaria a substitui- iritegralista, passam a corresponder-se com as lideranças nacionais do
ção do falso voto cívico pela organização corporativa da nação coorde- movimento. Destaca-se Dario Bittencourt, advogado porto-alegreiise, o
nada pelo Estado, onde a representação autentica contemplaria os i11- qual, como um dos principais organizadores do iiitegralismo no Estado,
teresses de todos. será posteriormente designado "Chefe Provincial" da AIB.'"
Vale notar que esta própria dinâmica transforma a representa-
ção da vontade geral em pouco mais que delegação de autoridade a
uma elite, ou a um líder, guardiõcs dos destinos do povo, com o qual
encontram-se misteriosamente vinculados. Os líderes do movinieiito 18 Coiitrariando o trabalho precursor d e EIélgjo Trindade (Itztegrnlismo: o jhscism~o6rn.sibir-o nn
dkncln cle30. São Paulo: Difel, 2. ed., 1979) quanto ã proximidade d o iiitegralismo ao fascismo,
estariam entre aqueles dotados de virtudes para a apreensão e repre- algiins autores discordam dcste ponto d e vista. Para Marileiia Chaiií (Apontnnzmtos j~nl-c~ uma
sentação da vontade, das emoções e do sciitiniento do povo. Seriani cri/ icn n Aç6o int~gralistnO1-nsibitn. 111:CI-IAUI M. e CAK'I!4L2H O A4. Sílvia. I(1eoloyin e ,rnobilizni6o
os arquitetos da pátria, um grupo de heróis capacitados a interpretar j~o/)ulnr:São Paulo: Paz e Terra, 1978, p. 112), a AIB corresponcle antes a Liin "fèiiômeno políti-
co-ideolbgico local, prenúncio d e iim populismo faltiaclo, diverso d o d e Vargas, e que não se
a raça e a hist6ria a partir de sua vinculação ã força poderosa do s~lb- preociipava com o "povo operário", mas com o "povo-classe inétlia". José Cliasin ( O intebrl'nlisvzo
consciente, do sentimento, dos iiistintos da massa humana. O desper- de JYirsio Snlgo(lo: forma de regressiviclade iio capitalismo liipertardio. São Paulo: Ciê~iciasHu-
tar do povo, impulsioiiado pela revolução espiritualista, ag~iardava manas, 1978, p. 41), por siia 1-ez,acredita qiie um ariátenia cle1.e ser lançado sobre Plinio Salga-
do e o integralismo. Isto cie~iei.i;i,n o eiitanto, decorrer claqiiilo qiie a AIB efètivamente repre-
apenas o surgiineiito de seus intérpretes naturais, condição de possi- sentou, e iiáo do que os analistas, via de regra, pensaram o mo\.irnerito repr-eseiitac Deste modo,
bilidade da enérgica traiisformacão pregada pela campanha de salva- C;liasiii coriclena a ideiitificação d o integralismo com o fascismo. Em seti trabalho, o autor iiicicle
ção nacional integralista. Assim, o cai-atei- revolucioliário d o em alertas acerca d o clrie considera iiina iilsistência ii!j~istificadados estudiosos d o integralismo,
na "cornuiiiclatle dos inimigos clo fascismo e d o Iiitegralismo (libei-alismo e coniiiilismo) e com
integralismo expi-essa-se iiãu sonieiltc na intenção ideológica de er- certa ordem d e siinilitucle feilomêiiica entre os dois eventos." Não pocle ser esquecida aqui as
guer uma nova ordem, mas também na vocação para promover uma observaçoes d e Gilberto Vasconcelos (oj).cil., p . l 3 l ) , o qiial pi-ociira, entre outras coisas, dar
profunda transformaçiio social que afastasse do poder as classes diri- conta da "ambi\~alêiiciana coiifigriração do disciirso integralista: seris principais traços ideoló-
gicos teriam sido extraídos tanto d o fascismo europeu quanto d e uma tradição intelectiial auto-
gentes tradicionais em favor da nova elite natural, composta por aque- ritária do Brasil."
les imbuídos da coiicepção integralista do univcrso. O mito político 19 Segundo relato d e D. Bittencourt: '"Certa tarde, vou a Livi-aria do Globo ... e encontro rins
do integralismo passa, ainda, por uma metafísica da revolução conso- prospectosqiie tiiiham recebido cfe São Paulo, como o Manifesto Integralista d e Plinio Salga-
lidando a nova ordem mediante sua reificaçao rium Estado de nature- tlo. Eiitáo, por c~iriosii'latleeu li ... e me agradou aquele manifesto, remeti a vários colegas no
interior do. Isto crn 32. Iniciei a correspondência com São Paulo."(Eiitrevista de: D. Bitteiicolirt:
za corporativo-him-arquizada. Este Estado aparece como um orgariis- 1969. Arq. AIB/I-1.Triiidade. Nupergs/(:oiisul/UfI-gs). Ainda sobre estas primeiras articiilações
mo cornposto de i-6lulas nucleares siiidicais. realizadas por Bitt.encoiirt, Nestoi, Pereira, um dos adeptos d e primeira I-iora cio movimento,
Além da esti-titura ideológica que caracteriza a AIB como u m mo- relata: "D. Bitteiicoui-t publicori rima nota iiojoi-na1 par-a qiie aqueles que simpatizavaiii e est~i-
da\ram o iiitegralisiiio se reriiiissiin ...1-10 seii escrit6rio. Foi a primeira reiiiiiáo. Ali srii.giti a AIB."
vimcnto do ge11(>1 o fkscista, algiiiis aspectos adicioiiais podem scr apori- (Enti.evis~acle Nestoi- I'ei-rim: ICIGS, Arq. AIB/E-I. 'Trinclacle, Nupei-gs/coiisiil/Ufi-.gs).
tados, importaritcs para validar o coiiceito. A carriada social de base da
Apenas em fins de 1933, no entaiito, o aumento na procura de
Diehl pertencera ao PL, mas "quando houve a Revoluçáo de 30, eles
informações sobre o caráter da AIB permitiu à cúpula administrativa
[do PL] brigaram pelos cargos antes da Revolução começar ... j á não
central do iritegralismo visualizar a oportunidade de fundar de uma
gostei daquilo. Depois, quando surgiu o integralismo, entáo eu vi a di-
"sede provincial" no sul do país. Já nas primeiras reuniões na capital
ferença entre os dois." Pereira relembra os fatos da kpoca,
porto-alegrense, define-se o público que preferencialmente optaria pela
movimento integralista. De modo geral, indivíduos pertencentes às pro-
fui libertador até determinada idade. E o PL, que vinha vencendo as
fissões liberais, estudantes, bancários, empregados do comércio, alguns eleições de município por município, mantendo aquela tradição, aque-
operários.*" Em 3 de janeiro de 1934 é inaugurado o Núcleo da AIB 1s: seus princípios, se ligou, com seu maior adversário, formou a Frente
em Porto Alegre, passando a entidade a existir oficialmente no f i o Unica e frustrou grande parte de seus partidários. E ficou a mocidade,
Grande do Sul. da qual eu fazia parte, em disponibilidade, desencantada.'"
As pessoas que se interessavam pelo integralismo no Estado parti-
lhavam, de modo geral, de um sentimento de frustração política. Frustra- Ainda na opinião do integralista Luiz Compagnoni, ex-secretário
ção esta ensejada, ora pela percepção da marginalização política, ora pela Municipal de Educação Moral e Física do movimento em Caxias do
visão do fracasso e decadência dos partidos tradicioiiais. Tal grupo não Sul, com a AIB seria possível romper com a onipotência dos partidos
possuía, via de regra, maiores vínculos partidários ou encontrava-se de- tradicionais. Esses só se interessariam em quantificar votos em épocas
cepcionado com a atuação dos partidos. Nos relatos dos motivos de ade- eleitorais, menosprezando os problemas da população e da comunidade
são à AIB de alguns integralistas observa-se tais circunstâncias. Dario após a vitória nas urnas. A AIB, pelo contrário, permitiria a representação
Bittencourt explica desta forma seu ingresso no integralismo, direta das demandas locais, pois sua organização interna e os assuntos a
receberem prioridade dentro do movimento dependeriam do consenso e
eu aderi aquela idéia [da AIB] desde o princípio, porque os partidos da participação de todos os seus membros e não apenas de alguns poucos
políticos como estavam estruturados naquela época, eram superados, não líderes. Assim, na visão idealizada de Compagnoni, o integralisrno viria
criavam uma coisa nova. Era preciso uma Câmara Corporativa. O dotado de algo maior do que a simples politicagem regional :
Integralismo acenava com esta possibilidade. Com a Revolução de 32, os
partidos praticamente desapareceram, e eu estava então desimpedido
Nós representamos muito mais que a implantação de um regime político.
políticamente."
Um "camisa-verde" que passa é uma consciência reta e pura que serve de
condenação 2imoralidade,2corrupção. O povo vê em nós o restabelecimento
Jayme Castro, que dirigira o jornal integralista A Luta, concorda do equilíbrio e da harmonia na vida moral, econômica e cultural. O povo
com esta perspectiva ao relatar as adesões à AIB, "havia uma disponibi- sabe que não estamos neste movimei~topara obter vantagem material [...I
lidade de grande número de brasileiros. Disponibilidade de política, no atual regime ninguém deposita confiança e, dos homens que dele fazem
anseio por uma coisa nova... A AIB foi um benefício para o parte, poucos se salvam e, destes poucos, quase todos são passíveis de conta-
país...conquistou a mocidade. O Integralismo prop~inhaa revoluçâo mii~ação.E a nós, exclusivamente a nós, que cabe a tarefa de expurgar, de
interior, bons princípios, moralidade ética.?' varrer, de demolir, de construir, de aprovar e de~aprovar.'~
Por sua vez, Roberto Dielil, que fora secretário de Instrução Mo-
ral, Cívica e Física, e o militailte Nestor Pereira acusam a desilusão com Em termos discursivos, a AIB pretendia inserir-se no Estado como
os partidos regionais como o fator de aproximação ao iiitegralismo. uma originalide político-ideológica ao objetar as formas partidárias tra-
dicionais em Favor de um modo de participação concebido como radi-

23 Eiitrevistas d e Iioberto Diehl (o/).cit) e d e Nestor Pereira (o/). cit).


24 Artigo Os I-Iomeiis somos 116s d e L,iiiz Compagnoni publicado no joriial iiitegralista O Bnncllei-
20 Segqr~idoeritrevista cle An6r Biltler Maciel, membro atiiante da AiB, ao C,'urwio cln,1'0710 (5/1/19:34). rnrlle (10/2/1935). A crítica 2s elites diriçeiltes era coiitiiiideiite, como demoiistra o também
militante caxieilse e ex-seci-et5rio rnriiiicipal d e Propaganda do mo~inieiito,Humberto Bassailesi:
Iiifoimaçbes tambkin coi~firrna~ts pelo adepto Iioberto Dielil (Eiitre\ista.l9GC)/Arq.AIB/H. Trin&-
"Não é nada iiiteressaiite fazer sociedade com os mais poderosos [...1 A política d e acomodação
de. N~iper~/consiil/LJf'rgs):"Ein Porto Alegre e cidades maioris do interior, o Iiltegl-irlismo teve
maior nGmero d e adeptos tia classe niédia, eiiti-eos conierciai-ites,os baiicáiios ..." que os libei-ais-democratas fazem para a coiiquista tio poder só revela os mais baixos interesses
destes capitalistas, ambiciosos, bajuladores d e todos os matizes. O capitalista promete coisas
21 Eiitrevista d e Dario Bitteiicourt, ol/.c.tt. ii-icríveis ao o p e ~ í r i oe ao agi-iciiltoc..os iiitegralistas seiitem repiigilâiicia pela falsa vida políti-
22 Entrevista d e Jayme Castro..l9GO, Arq. AIB/H. Trindade. Nupergs/Coiisul/Ufrgs. ca que impera no estado." (Ai.tigo n/Iornl de u ~ njiibuL[~ n piiblicado em O Bnndeirnnlc 15/4/ 1935).
calmente novo. A atuação política do <:oiijiinto dos indivíduos não seria medida do possível, a rnesma rígida orgaiiização hierárquica da estru-
mais mediada através dos políticos tradicionais e de influêiicias tura nacional do movimento. O ano de 1934 foi decisivo no processo
oligárquicas. Pelo contrário, constituir-se-iamediante um comprometi- de difusão espacial da AIB. Neste período, ocorre a maior expansão do
mento pessoal exigindo dedicação total e absoluta ao movimeiito. O integralismo que, a princípio, dimensioiiou-se de forma relativamente
fazer política tradicional, afirmavam os integralistas, teria obstaculirado eqiiilibrada, abrangendo as mais diversas regiões e cidades. Com o in-
a expressão do "verdadeiro interesse do povo". O voto ocasional e se- tuito de fomentar tal implantação, Plínio Salgado visita o Estado no
creto implicaria no reduzido ciivolvimeiito com o destino da Nação. A
mês de setembro de 1934. O efeito da estada do líder máximo é relata-
AIB ambicionava, portanto, propagar-sc como uma entidade de partici-
da por D. Bittencourt, "após a chegada do Plínio Salgado, aqui houve
pação alternativa aos partidos regionais dominantes, o Partido Liberta-
um crescimerito muito grande, descomuiial do movimento. Aiites, con-
dor (PL)e o Partido Republicano Riograiidense (PIZR),aglutinados lia
Frente Unica (FU), e o Partido Republicano Liberal (PRL). O trolava-se bastante a adesão de cada elemento, procurando saber-se os
integralismo apresentava-se como o único "genuinamente democráti- antecedentes. Após a vinda de Plínio Salgado, a progressão foi tão grande
co" nas possibilidades de recrutamento e de acesso ao poder, na medi- que não era mais possível ~ontrolar".~"
da em que se reiviiidicava aberto a todos os desejosos a devotar suas Este forte impulso iião se mantém nos anos seguintes, o desenvol-
energias em prol da AIB. Em seu discurso asseverava categoricamente vimento posterior ocorrerá de forma diferenciada de acordo com a
desconsiderar a origem social ou o status socioeconômico dc seus mem- região. Em certas áreas, o movimento assume um caráter bastante esta-
bros. Arregimentava, assim, também no Rio Grande do Sul, sobretudo cioiiário, enquanto em outras a propagação é significativa. A AIB tende
indivíduos oriundos dos setores médios cujas aspirações políticas não a desenvolver-se principalmente lias zonas de imigração alemã e italia-
encontravam respostas nem espaço efetivo nos partidos tradicionais do na.'"á em outras regiões, sobretudo no sul do Estado, a inserção do
Estado. De resto, dava oportunidade de manifestação à parcela de um movimento acaba revelando-se muito pequena. Em especial, a partir
segmento social em fraiica expaiisão numérica e ecoiiómica, resultado dc 1935, desencadeia-se no Rio Graiide do Sul um processo repressivo
do desenvolvimento acelerado ocorrido no Brasil ao longo das dccadas ao integralisrno, resultante de um lado, da reação de ariimosidacte dos
de 1920 e 1930.'Vnterpelava, em meio a estes setores, os que sentiam- partidos regionais ao desenvolvimento da AIB e, de outro lado, da pró-
se atraídos por idéias de teor nacioiialista e fascista.'" pria entonação agressiva do discurso e das práticas do integralismo.
A partir da orgaiiização oficial da AIB na capital do Estado, o mo- Isto explica, em parte, certo retraimento do partido.
vimento alastra-se pelo interior do Rio Grande do seguindo, lia A fim de propagar a Ação Iiitegralista, a liderança local deseiica-
deia campaiihas de divulgação pela imprensa, comícios e toda sorte de
proselitismos. A natureza do movimento é sistematicamente enfatizada
23 Nesta litilia d e ailálise, resgata-se a importaiite difèi-eiiciação qiie realiza Hélgio Triiiclacle (o/). através de determinadas características, quais sejam: a AIB não constitui
cit., p. 140): "Ao contrário tia Eiiropa, onde as classes médias se sentiam anieaçadas s<ja pela iim partido político, é contra a liberal-democracia e pertencc à gama dos
crise ecoiiomica, seja pela perda cle statiis oii pela agressivitiade da Iiita operária, as classes
médias no Brasil desta época, e~icoiitra\~am-se geraltilente em rápida asceiisão social e i procu-
movimcntos que se identificam com o fascismo europeu. Em entrevista
ra d e urna posição de podei- tia sociedade. Entretalito, a siia voiitade d e ascender socialnieiite concedida aojoriial Diám'o de Noticias (14/1/ 1934),D. Bittencourt define
era bloqueada pela arisêricia de um projeto político capaz d e as liberar d o coiitrole das classes a posição do movimento quanto à questão partidária:
doniiiiaiites tradicioiiais."
26 Como argiiinenta Jilan Linz: (Somes noles to7oarrl n co~t~/)c~,.n/iz~e strr(1j o/' /~,sc.l..s~n
i11 sociologirnl O Integi-alisrno iiáo é um partido político, pois visa, entre outras coisas,
historicnlj~ersj)ectioeiiio/). cil.), "iios anos d e 1920 e 1930, o prestígio dos Estados fiiscistas era tal
qiie estes se toriiararn gi-andes modelos d e referê~iciaa imitar e a assimilar, mesmo qiie fosseni exatainente a combater os partido políticos, porque eles fracioizam a Na-
apenas elerneiitos d e linguagem, cle retórica oii de símbolos. O a~itoi-itarismoformulado pela
direita nestes anos aparecia para muitos como rima soliição para as mazelas sociais. A via fascista
legitimava-se fi-elite ao êxito iiiicial tla Itália e da Alemaiilia em face das pertui-bações cliie afeta- 28 Eiitrevista d e Dario Bicteticorii~t,o/).c.il. Em sua comitiva estavam Migiiel Reale (secretário d o
vam 5s deinoci-acias da Iiiglaterra e da Fraiiça." Delxirtameiito Nacional tle Doiltriiia); Iracy d e Moiira Costa (cliefe da Casa Militar); Ferdinai-ido
27 Em lima ação isolada fora friiidado n o miiiiicipio oie Boa Vista do Erecliim, eni maio de 1033, d e RiIartiiilio (menil~rodo Dc.partameiito tie Dolit.riiia); Américo hlatraiigola (Departametito
o primeiro iiílcleo iiitegralista tlo estado. O rnovinieiito descnvol\lei-a-se i-apidanieilte lia locali- cle Propagarida). ((,'oi-wio i10 h 1 0 , 5/9/1934)
datle, seiido que, eni seternhi-o d e 1934, já eiicoiitiwnos siihniicleos nos clistritos d e Barros, 29 Para o deseiivolvimcnto da AIR nas zonas tie imigração italiana c alemã ver: Braridalise, Carla.
Marceliiio Kanios, Três Arroios, Kalisa, Florença, Rio Suzaiia, T i . e ~ tle e Maio e Viadiitos. Airitla Dissei-taçao de Mesti ado, o/).c.it., e os artigos da niesnia autora: Ir~/~~r)~cl/i,smo: ~llrlacrlter-ncrliva ~ J ~ ~ J P I
em seternb1.o d e 1934, Plíi~ioSalgado resolvera criai. a categoria d e "cidade integralista" a fim ir1 Cnt1~r1zo.s(IP Cili?lria I'olítircl. Shi: 1e.c.e~e dissrrtn(ões, ti. 1, r'ooi-to Alegre:
zona ro[onin/ ilalicr~~n
d e honrar as cidatles brasileiras que mais se salieiita~lariina cainp;iiilia c10 niovi~ncnto.De\itlo a l'PG(:P. UFRGS, 1905; (;c~v~i.sns-l/p~.c(: o i~1lrir,.crli.slrlo~ r osul do B ~ u s i iii
l Areruo, v. 10, 1-1.2, jtil./dcz.
siia primazia e enipeiilio, Eiecliini foi agraciada com cal títiilo. (Cor)zio rlo l'ouo, 5/0/1934; 23/ 1997. Ver igiialriieiite as o1)i.a~preciirsoras do profèssor Kené C;crt~sobre o assiinto.
9/ 1934)
30 Artigo piihlicado rio jor.iia1 O Ir//pgrcllistc~(22/7/ 1934)
ção; pugnamos, ao contrário, por um Estado integral, onde não existirão rédeas do governo e está levando aquela terra admirgvel aos seus glorio-
partidos, mas sim as forças vivas da Nação, organizadas em classes profis- sos destinos, prestigiado cada vez mais pela quase totalidade do povo
sionais, sendo que a união dos interesses de todas estas classes sociais germâniêo, onde o sentimento de disciplina é elevado ao mais alto grau.33
constituiria o partido único.
O posiciorsamento pró-fascista está presente também nas incur-
Ainda com respeito à liberal-democracia, Arlindo Arnoretty Sarai- sões analíticas realizadas pelo chefe provincial, Dario Bittencourt, para
va, na época secretário Provincial de Doutrina, divulga através das Notas quem tanto a AIB, quanto o fascismo europeu procuravam realizar o
sobre o Inteplismo30 que uma das motivações principais da AIB seria Estado ético e totalitário, sendo que ambos os moviinentos "não pas-
justamente combater tal coiicepção política. De acordo com Saraiva, o sam de simples rótulo de uma idéiajá vastamente discutida, de uma
liberalismo partiria de princípios equivocados ao pressupor que a prin- doutrina filosófica já profundamente estudada, de uma tese política já
cipal missão do Estado consistia em garantir o direito de propriedade e claramente definida, de um movimento vitorioso cujos estandartes co-
de liberdade do homem. A atitude passiva do Estado frente aos interes- brirão a terra."g4 Nesta ótica, o fascismo europeu representaria o que
ses de seus cidadãos apenas encobria a exploração dos pobres pelos de mais atual havia em termos de organização dos sistemas estatais e
ricos. Contra esta situação, o integralismo pregava, reforça o secretário, jurídicos, contribuindo de forma especial, com a noção de nacional-
um Estado assistencialista e intervencionista. corporativismo. Ao contrário de A. B. Maciel e E. Kenner, 110 entanto,
Os líderes regionais integralistas recorrem ao fascismo originário D. Bittencourt observava existir uma diferença entre os dois movimen-
parajustificar e explicitar a importância do caráter doutrinário da AIB. tos. Enquarito o fascismo estabeleceria o poder político de cima para
Nesta linha, Anôr Butler Maciel, secretário Provincial de Organização baixo, o integralismo pretendeia criar o Estado integral pela constitui-
Política, defende a idéia, no artigo "O mundo integralista", segundo a ção dos poderes de baixo para cima, partindo do âmbito municipal
qual o fascismo representaria a mais moderna tendência de organiza- para o provincial e, deste, para o nacional." Em janriro de 1935, D.
ção sociopolítica mundial. Em seus princípios estariam contidos as ne- Bittencourt envia uma carta ao subfürer Rudolf Hess, segundo posto
cessidades contemporâneas básicas, à exemplo de um Estado forte que da hierarquia alemã, a fim de divulgar a AIB:
obrigasse os indivíduos a submeter-se a uma disciplina coletiva. Tal po-
der estatal, dirigido por uma elite consciente, teria corno meta, o bem Anauê! Viva Plínio Salgado! Hei1 Hitler! ... quero enviar aV. Excia., como
comum. Ao que conclui Maciel, "é fatal o mimetismo do Integralismo à sincero admirador de Adolfo Hitler e da ideologia nacional-socialista,
experiência fascista, pois é a aurora deste movimento que se apresenta uma mensagem de cordialidade e simpatia. Na hora atormentada que
nos quatro cantos do horizonte político. O fenômeno europeu tende a atravessa, hoje, a humanidade é um refrigério As nossas almas ressenti-
reproduzir-se ."31 das voltarem-se para o estudo daquelas doutrinas que repousam sobre a
Esta condição necessária da AIB acentua-se no artigo do mesmo base moral, e a qual, infelizmente, parece estar tão embotada na alma de
autor, "Políticos e integralismo". Seguiido Butler Maciel, "estamos vi- tantos guieiros do povo! Graças a Deus, tal não é o caso de Adolpho
Hitler , nem de Plínio Salgado C.. ]
vendo uma fase decisiva para a vida dos Estados - ou eles integram os
núcleos econômicos, realizando o fascismo, ou são absorvidos por urn
Ao longo da carta, Bittencourt escreve aiiida sobre as finalidades da
núcleo econômico, com o triunfo do c o r n ~ n i s r n o . "Por
~ ~ sua vez, Egon
Renner, outro destacado mernbro da AIB, embasava seu discurso no
IVB, ressaltalido que, mesmo tratando-se de um movimento de cunho
nacionalista, o iiitegralismo aceitaria de bom grado a cooperação
entusiasmo com a Alemanha. Em uma viagem de estudos à Europa, ele
havia se familiarizado com os fundamentos nazistas. Em seu artigo "A
Alemanha de Hitler", Rersner faz a seguinte colocação,
34 Discurso prof'ericlo por D. Bittencourt por ocasião do f~iiidaçãodo NLícleo Pro\7incial da AIB
iio Kio Grande do Sul. Publicado iio Diálio de Noticias (11/1/1934)
a Alemanha, vertendo sangue por mil feridas [...I eis que aparece Adolf 35 Entrevista de D. Bittezicoiirt coiiceclida ao Chrreio do I'ovo (4/1/1934). Seguiido depoimeiito
Hitler e, com seus camisas-pardas, impede a dissolução interna, toma as de Romano (:iillaii, lia +oca secretário de Orgaiiizaçãcs Política da AIB, uma das primeiras provi-
dêilcias tomadas por D. Bitteilcolirt fi)i colocar em siia sala no Núcleo da AIB de Porto Alegre, ao
lado da fòtografia de Pliiiio Salgado, os i-eti-atosde Hitler e de Mussoli~ii.Assim, totlos os dias o
líder proviiicial saiidaria com Anaiiês os três "cliefes suprerrios". Em sua visita ao E s ~ i d oPlíiiio
,
31 Correzo do P O ~ J(22/9/1934)
U Salgado teiia exigido a retii-atfa imediata das fotogiztfias dos lideres europeus. (Entrevista d e lio-
32 Co,r~zodo Povo (20/6/1934) niaiio C~illau:1969. Arq. AIB/H. TI-iiidarle. Niipergs/(:onsul/IJfi-gs) .
33 Dzcít2o de Notkzns (22/5/1934)
estrangeira, insinuando que coiitribuições financeiras da Alemanha o início de uni renascimento triunfal, de r e a ~ ã oa Kevolu~ãoFraiicesa,
seriam bem vindas."" ao liberalismo que diviiiizando a liberdade provocava a anarquia; reação
Também simpatizante do fascismo, o arcebispo de Porto Alegre, ao individualismo, contra o materialismo ...O fascismo, enquanto expres-
Dom João Becker, em uma "pastoral" de janeiro de 1934, faz aproxima- são de disciplina, de ordem, de justiça social, de dornínio espiritual so-
ções entre o integralismo e os programas antiliberais, an ticomunistas e bre o material, busca suas r a í ~ e s110 cristianisrno [...I ."'I
espiritiialistas que teriam sido levados a cabo por Hitler e Mussolini,
mediante a implantaçáo do "Estado totalitário", para a "salvação" da O integralismo representava para os Capucliiiilios, o fascismo bra-
Alemanha e da Itália das garras dos "movimentos ateizaiites e do libera- sileiro. Coiistituía-se iio niovimeiito que realizaria 110 Brasil os feitos do
lismo amoral"." Sobretudo entre os pequenos prodiitores rurais da fascismo italiaiio. Afinal, para os freis, da mesma forma que este últinio,
zona de imigração italiana, a associação positiva entre fascismo e a AIB prometia lutar pela grandeza da pátria, deieiider a família e
integralismo feita por parcela do clero rio-grandense, no caso prepon- estrutrirar-se sob os priiicípios de Deus. Em janeiro de 1934, o Stufeitu
anuncia na primeira página o movimerito iiitegralista,
derante, a Congregação dos Capuchinhos, produzirá um iiicremeiito
nas fileiras da AIB. Tal circunstância colabora decisivamente para que
a Ação Integralista Brasileira tem suas primeiras manifestações no Estado,
esta zona se torne o ponto da mais forte concentração de militantes do
com a realização de um primeiro encoii tro em Porto Alegre...o In tegralismo
novo movimeiito no Estado sulino. é fascismo, mas um fascismo de caráter iiacional. O programa do pai-tido
A Congregação disponibilizava, em sua comunicação com os pe- não apenas da lugar de honra à religião, mas é nela que se inspira.""
quenos agricultores, do periódico Stafetta Riograndense, f'rndado em 1909
e que era editado em italiano. Segundo frei Alberto,

o jornal era o porta-voz da colônia naquele tempo. O jornal valia mais do Integralismo: ação e reação
que um comício. Havia na época entre 15.000 a 20.000 assinaturas, mas o
número de leitores era muito maior. 0 s que sabiam ler, liam para os que No escopo de divulgação da doutrina iiitegralista no Rio Grande
não sabiam ou contavam as notícias. O jornal era distribuído até por do Sul, um dos pontos a provocar maior reação adversária é justamente
ocasião da missa dominical, era levado até a igreja."' a identificação entre a AIB e o fascismo. Políticos ligados ao PL condu-
zem as críticas mais contundentes ao movimento na defesa de sua posi-
No Stafetta, Mussolini é considerado um herói na luta em defesa ção prograinática, baseada em um liberalismo conservador, com a vrilo-
de uma nova era de paz. Se o Duce atuava com a força da espada, escla- rização das práticas parlamentares. O PRR, por siia vez, encoiitrava-se
recia o joriial, assim o fazia para combater os iiiimigos, a maçonaria no momeiito eiifraquecido em função do exílio do chefe do partido e
socialista, e desarmá-los. O movimento fascista aparece conio das dificuldades ern rearticular os seus membros,
Para o libertador Fay de Azevedo, Plíriio Salgado pretenderia se
tornar um ditador iios moldes de Hitler e Mussoliiii, ao qiie denuncia,
36 Cai-ta de D.Bitteiicourt a Kudolf Wess. Berliin.(Niipergs/Constil/Ufrg~~n. arq. 005, doc. 023.)
Em relação a possível colaboração da Alemailha, Kené Gertz ( O I;nsci.sn~o710 sul cEo Bm.ril. Porto "não jogaremos pela jaiiela, como quer Plíiiio Salgado, todas as nossas
Alegre: Mercado Aberto, 1978, p. 134136), coloca qiie até 1936 não 1iou~:eqiialqiier orieiitação tradições, iiem iiivci-tei-emosas diretrizes de iic~ssaIiistOria 110 deslurn-
oficial iieste sentido por parte dos alemães. A partir d e 1936, a Orgaiiizaçâo do Exterior da
NSDAP fòrnializa uma postiira de estrita ~ie~itraliclade
à AIB, piocurando não entrar em confli-
to com tal ino\~imeiitonem com o governo brasileiro.
37 Pastoral piiblicacla pelo Cor-7ziodo Povo (18/1/1934). Sobre as estreitas relações eiitre ovaticano 39 Stnfi?ttn Hiogrnn<k??zse(8/1 1/ 1932); (2/11/1932). Segiiiido 1,oraiiie Giron ( A s son~bm.rdo littori:
e o Estaclo fascista italiaiio, Caetano Sal\~emini( S u i t t i sull;nsci.smo. Milaiio: Feltriiii, vol. I, 3. eci., oj?~.rcismonri r~giEocobainl itnlinl~crdo Ilio (;i-cltlde do Sul. PUC-Si? Tese tie tio~itoratio,1989, 11.
1966, p. 625) explicita a questão: "Antes d e tudo, a máquiila d e propagalida iiiteriiacioiial d o 191): "Os peqlieiios produtores admiravam a 0lii.a d e Miissoliiii por caiisa da intensa pr-opagaii-
clero cattjlico foi colocacla a serviço d e Mussolini, cai-[leais, arcebispos, bispos, padres, frades, tia realizada pela Igrqja apbs 1929. Sem o apoio efetivo tia propaganda movicia pt.los sacerdotes,
fi-eiras,jornalistas do mundo inteiro foram entiisiastas d e Mitssolini." Noticias sobre as ações d o a maioria da população teria tiesconhecido até a própria existêiicia cio L>uce..."
clero lia Itália chegavam coiistaiitçmerite à região coloiiial: "Os (50 arcebispos e bispos e os 40 Segiiildo clepoimento d e (:ai.los Fabris, chefe iiitegralista iio povoado d e Coiiciiçáo, iiiterior
2.000 sacerdotes coiividados ã Koiiia pai-a as nianifc~staçõesao Diice,..por unanirnitlade aprova- d e Caxias d o Siil, "eu era facisea, ai-iclavade camisa preta, pregava no nieii povoado. Mas, então,
ram iim vibrante voto d e gratidão e devoção a o Fundador d o Impkrio." (I1 Gioriiale veio o integi-:ilismo e 116s pei-isá~~anios qiie era a iriesrii~icoisa e fornos pai-a o iiiic.gralismo,
dell'Agrictil tore: 20/7/1934). nosso, brasileiro eiitão, com o Plínio Salgado." (1969. Arq.AIB/H.'l'i~ii~cl~itle. Niipergs/colisiil/
38 Eiitrc.~.istatle frei Alberto Sta~viiiski,concetlitla em 1991. De acordo com frei L)ioiiísio Vei.onese Ufi-gs). 011 aincla o depoiineiito d e frei Veronese (o/j.cit.): "A AI13 foi milito a c i i ~ ina zona
(eiiti-evis~a conceditla em 1!)!)1): "OS/cfet/n destii~ava-seao colono, com dois otj:,jetivos,guardar a itali:ii~a, c o i ~ ifàcilidatle o coloiio recebeli o integi-alisrno, pois havia o exemplo tlo S~iscisnio
siia fé e ajiidá-lo lia agi-icultura...'l'itllia pouca peiietração lia zona iii.baiia.,," italiaiio. I-Ia~riamuita simpatia por Miissolini lia zoiia italiaiia."
bramento da miragem fascista." Ao rnesrno tempo, Azevedo alerta para estado. O coiitrole mantido pelas oligarquias regionais sobre o eleito-
o perigo da proposta de supressão dos partidos, pois acarretaria na ins- rado e a política interna passava, de alguma forma, a ser questionado.
tauração de uma ditadura baseada no terror e na cartilha do Estado, Um movimento exóçeno tal como a AIB rião poderia deixar de ser
práticas essas, do fas~ismo.~' visto com animosidade.
Já o PRL, partido político situacionista hegemônico no Estado, Nas eleições para deputados estaduais e federais de 1934, a AIB
preocupa-se com o crescimento eleitoral da AIB. Partido de ocasião, o marca a sua presença. Mesmo não tendo eleito nenhum candidato, a
PRL formou-se visando congregar facções políticas que haviam rompi- abrangência da votação da AIB por todo o Estado surpreende. O movi-
do com o PL e o PRR. Tal aspecto concorrerá para a promoção de uma mento obtém votos em 44 dos 83 municípios do Kio Grande do Sulj4' ou
certa ambigüidade programática manifesta na miscelânea de teses seja, no mesmo ano de sua implantação, o integralismo arregimentava
modernizadoras, como por exemplo, a iiiterveiição estatal e a regula- eleitores na metade dos municípios sulinos. Inclusive, a AIB tinha metas
mentação social, do agrado dos setores emergentes, com a defesa de claras ao concorrer ao pleito,
posições tradicionais de inspiração oligárquico-republicanas pré-Revo-
lução de 30. O PRL lança um programa eleitoral bastante amplo, com não é o caso que o Integralismo queira pleitear a vitória agora. AAIB não
ênfase básica em aspectos sociais e econômicos, evitando, deste modo, tem pressa. Sabe que vencerá sem violência ... O Integralismo, se concor-
a focalização excessiva em circunstâncias político-ideológicas. re a eleição, é porque necessita tornar-se conhecido de todos os brasilei-
Criado em 1932 para apoiar e manter os grupos solidários à Getú- ros e as eleições oferecem campo adequado à propaganda de siias idéias.
Se o Integralismo concorre nestas eleições é para impedir que os
lio Vargas no poder no Estado, o predomínio eleitoral interno era o
integralistas cedam seus votos aos velhos partidos.*?
objetivo máximo do PRL. Esta finalidade o conduzirá à tentativa de
aliciamento tanto de camadas médias sociais em ascensão, à exemplo
de profissionais liberais, comerciantes, industriais, quanto de elemeii-
O PRL se volta contra esta possível ameaça ao seu podcr no Esta-
do, no que recebe o apoio dos partidos que compunham a FU. Entre as
tos pertencentes às oligarquias agropecuárias. A acefalia dos partidos
tradicionais, particularmente, permitiu ao PRL congregar coronéis inúmeras perturbações, um dos episódios mais eloqüentes se sucedeu
mandatários do interior e outras lideranças descontentes do PL e do PRR, em São Sebastião do Caí. Em fevereiro de 1935, um grande comício
agora articulados na Frente Unica. O apadrinhamento e o uso sistemático fora organizado pelos integralistas nesta cidade. Fontes da AIB conta-
da coerção auxiliariam no enquadrarnento das bases eleitorais. vam em cerca de 300 as pessoas participantes, vindos sobretudo de Caxias
Flores da Cuiiha, interventor do Rio Grande do Sul em nome do do Sul, Novo Hamburgo, Porto Alegre e São 1.eopoldo. Em decorrên-
PRL, deseiicadeia uma maciça política de alistamento, pretendendo cia de altercações entre as "forças da ordem9'municipal e os integralistas,
abranger sobretudo as zonas colonias alemã e italiana, onde havia um morreram dois policias e um militante de São Ideopoldo,Luiz Schrocder,
razoável contingente populacional em disponibilidade política. Justa- com vários feridos. Emerge, assim, um mártir para a causa integralista.
mente a região onde a AIB estava obtendo uma maior aceitabilidade O prefeito do Caí, Moraes Fortes, do PRL, em seu relato a Flores da
partidária, constituindo-se mesmo em unia terceira força política no Cunha, revela que prendera mais de 50 pessoas, pois "a coiicentração
aqui realizada tiiilia por fim menosprezar as autoridades locais devido
a uma repressão feita no interior do município em um núcleo integralista
41 Artigo d e Fay d e Azevedo publicado no (;onzio cio I'ouo (23/1/1934). Da mesma forma, Kirbeiis que estava atentando contra a
Maciel e Júlio Siiffertli vêm a público para atacar a assim compreedicla vocação fascista cla AIU. O chefe municipal integi-alista, Mctzler, confirrna, em parte, o ob-
R. Maciel, após assistir algumas sessões integralistas, revolta-se com o que a seu eiitencler seria
coiiclamar os brasileiros a aderirem à causa imperialista da Alemanha e da Itália. A AIB, com
jetivo da passeata. A pretensão seria prestar solidariedade pacífica aos
seii i~acionalismoiiisano, levaria os seiis adeptos a participai- da guerra iminente a deflagrar-se integralistas de Nova. Petrópolis, pois estes teriam sofrido violências não
lia Europa pela ação d e I-litler e d e Mussolini. R. Maciel argrimeiita no artigo Plíiiio e a Guerra justificadas por parte das autoridades:
(Gol-xio do I'ovo, 13/9/ 1934), "foi a iiigeiiuiclade d e iim patriotismo iludido, qiie me trouxe do
silê~lcioda minha obsciiridade ...Porque os nossos patrícios, aplaiidindo o ilacionalismo agressi-
vo do chefe integralista, aplaridii-am, sem o saber, o Iiorror incalculável dos morticínios desta Devido ao grande incremento tomado pelas nossas idéias, o prefeito d o
bem próxima guerra cio fiitirro." J. Suffertli, por sua vez, escreve vários art.igos à imprensa com município começou a perseguir todos os integralistas de Nova Petrópolis
o objetivo d e d e m o i ~ s t r a rseri iiicoiiformisrno com a orientação itieol6gica da AIB: "O
Iiitegralisrno se propõe a adotcii os métodos do fascismo italiaiio e c10 nacioiial-socialisino ale-
máo. Ele bate-se pelo corporativisrno, milito emboi-a este nâo tenha sido ~iplicadona Alema- 42 COVPZOdo £'OTJO(3/ 12/ 1934); B I ~ de L ~ (4/ 1" 1034);A L u c t n (16/9/ 193.5).
~ -Noliczns
i ~ l i asendo
, na Itália coriio se costirma dizer a @iiiita roda (10 carro, porqiie lá preclomiria a
voiitade iiicoiiteste de M~issoliili.O Integralis~no1-epi.esei-itaunia tlitacliira que deve sei evita- 43 Joriidl O I t l t e p n l / ~ i n(14/ 10/1034).
da." (Correio d o 1->07~o,14/9/1934) 44 Telegiama de Moiaes Forte a Flores da Cuiiha, citaclo pelo C o r r ~ l odo Povo (26/2/1935).
... Em vista disso, a Chefia provincial resolveu fazei-um grande desfile cni rariamente sol' aciisac;ão de turnult~iara ordem. Em Ragé e TÍiquara, as
São Sebastião do Caí para dar uma demostraqão pública de apoio moral sedes da AIB foram fechadas. Em Erecl-iim, o delegado de polícia, a
aos integralistas de Nova Petr6poliss4j pretexto da falta de policiamento eficiente, impede a realização das
sessões semanais integralistas."
Frente aos acontecimeiltos, Flores da Cunha apóia plenamente o Em sua orientação, o governo estadual acaba sendo auxiliado pe-
seu prefeito. O iiiterventor alega que até o momento teria oferecido los rumos da política nacional. Articulava-se, em nível federal, a aprova-
todas as facilidades de propaganda à A113. Esta, porém, não soubera ção de um projeto de lei cuja finalidade maior era garantir o poder às
corresponder à altura, desrespeitando afrontosameiitc a lei. Urgia, ra- forças situacionistas diantc da crescente mobilização das classes médias
ciocina Flores da Cunha, não mais permitir ao iiitegralisirio suas ativi- e dos setores populares. Sob argumentação de instabilidade social é
dades criminosas, "os atos praticados pelos integralistas, pela sua ine- promulgada, em abril de 1935, a Lei de Segurança Nacional (LSN). A
quívoca significação, dciiuiiciam os processos violentos que sc quer anterior reconstitucionalização do país, que propiciara certas conquis-
colocar em prática para subverter a ordem pública"."' No inquérito tas sociais, como o voto secreto e prerrogativas trabalhistas, ao mesmo
levado a cabo pela polícia administrativa estatal conclui-se que o coiifli- tempo, dera legalidade à atriação política de novos setores da sociedade. A
to fora provocado de forma inequívoca pelos integralistas, sendo esses manutenção do domínio das oligarquias em todo o país exigia a insti-
considerados perniciosos à segurança interna do Estado. tuição preventiva de mecanismos de controle sobre as medidas consti-
Proíbe-se, em decorrência, aos integralistas de fazer uso público tucionais vigeii te^.^^
da "camisa-verde",de realizar passeatas e comícios. As manifestações só As negociações em torno de uma lei que restringisse os "movimen-
poderiam ocorrer nas sedes do movimento. Sem desfiles, tirava-se da tos extremistas", assegurando a "defesa da ordem", são apoiadas desde
AIB o apelo visual. O uniforme, as palavras de ordem, os tambores, os o princípio pelo órgão de imprensa oficial do PRL,, A Fedmção: "Já tar-
hinos exerciam um inevitável apelo junto ao píiblico. A repressão pros- dava uma medida legislativa que viesse por cobro aos abrisos [...I é unia
segue rígida. Em diversas localidades do interior, a polícia estadual, sob medida de prevenção e de bom senso que deve merecer os aplausos de
demanda das autorjdades muiiicipais, tenta impedir a atuação do movi- toda a população, cuja tranqüilidade ficara definitivamente assegura-
mento. Em Sailto Angelo, os líderes integralistas foram presos tempo- da." O governo central deveria adotar de imediato, sustenta o dorilal,
medidas para contcr a "onda de indisciplina" e o "surto de demagogia
delirante" que percorreria o país nas ações de grupos defciisores do
4,;) Entrevista d e hletzler, medico em Novo I-lamburgo, ao Con-eio do Pozio (26/2/1935). Nova
Petrópolis, lia époc;i, era um distrito de São Sebastiiio do Caí, estantlo, portanto, sob a jurisdi- extremismo político. Caso uma lei não fosse suiicieiite, seria preciso
ção d o prefeito hiforaes Forte. Dados oficiais d o integi-alismo contabilizavam 320 inscritos no uma lei maior de ~eguraiiça.~~'
suhní*cleo local, iim bom índice d e adesão. ( O Intrg~nlistn:10/2/1935) O jornal O I~rb~g-)-nlistcz Se o governo federal, com a LSN, pretendia atingir sobret~idoas
viiilia afirmando estai- o prcfeito perseguiiiclo os membros cla AIB. Em fcvereii-o d e 1935, lança
a coiivocação ao desfile, "para deriiostrar qiie não é coiii prisóes que se pode arrancar d o espí-
manifestações operrlrias que fortaleciam-se organizadas principalmcn-
rito dos camisas-iaercles o seli ideal" (10/2/1935). Por sua vez, Moraes Fortesj~istifica~i as pri- te pelo Partido Comuiiista Brasilcii-o, a iniciativa recaía também sobre
sões em No\sa Petrópolis argiiineiitando qiie os integi-alistas eram dirigidos poi- elemeritos es- a AIB. No Rio Graii(ie do Sul, o governo estadual e os demais membros
trangeiros, sendo urna ameaça, pois disciii-savam contra o go\rcLri~o, o exército e as institiiições d o PRL procuravam colocar n o mesmo plano o comiiiiismo e o
republicanas. Tratava-se, para Fortes, d e um grupo de extreniisjas qiie tentavani tlestitiiir o
siibpi-efeito do terceiro distrito c10 (Jaí pela fòrça. (Citado pelo COIT.PIO do 1'0110, 28/2/1935). A integralisino, como duas faces da mesma moeda, 'h extremismo verde
AIB estava longe de ser un-i consenso entre os pi.óprios 1-iabitantes d e Nova Petrópolis, como não sc diferencia clo vermellio, antes, com ele se conf~inde,pelo mciios
deiiioiistra o depoimento tle Elisabetli I<. Evers (citado em (;orztriDl~i~cio p n m n histcirin cle No71c~ nos métodos brutais de ação"."" Pela lei, estava proibida a existência de
Pebr.ó/)olis. Prefeitura d e Nova Petrcípolis, EDUCS.): "Qiiaildo algtiéin náo qiieria mais acompa-
nhar, siia ficha e sua camisa-verde eram queimadas sol-, malclição. Os que saiam eram evitados organizações paramilitares com quadros e liiri-arquia. Isto lcvou a cú-
pelos outros. Além disso, os Integralistas i-iáo pagavam imposto algum, nern contribiiiçáo para a
comiii~iclade.Nas festas mais simples o u nos cultos domiriicais apareciam ... Eles não iiicomotia-
vam, mas iiotava-se claramente como o partido aumeiil.a\.a em níimero aqui em liosso nliii1icí-
pio e eles estavam conscientes de siia fòrça."
48 Sobre a Lei de Sêg~iraiicaNacioiial ver: (:aroiie, Flclgai-. Olzg~~r~quin e cl~ssrssociais nn Srg1o/cln
46 Citado por (hmsio do 1'07K) (.5/3/19:35). Verjoriial A fiderc~(;CCo(26/2/1935; 1/3/1935). Ainda I<e/)liOlictc( 1 930-1937). Siio Paulo: Ilifiisiio Eiiropéia tfo I,i\,ro, 1974.
segiiiiclo deptrirneiito prestado pc-:lo integralista caxiense Oswaldino Artico, "foi uma sitiiaçáo
d e muito pavor. Algiins clos nossos compaiiheiros estavam ai-niatlos. N6s fònios 12 d a i apoio aos
companlieiros dos níicleos locais, qiie estavam sendo hostilizados por capaligas de Flores da 50 A Fede,-ccçclo (%/2/193S). A reljr-essão ao integl-alismo eiicontrava rcspaido ern normas da L,SN
(;iinlra. Os partidos rt:piiblicanos liherais estairam perdendo espaço no estado. i1 ixaçiio era como: " [ ... 1 sâo coiisidc.rados CI-inies111-aticai-atos, iiieqiii\,ocainent pi.eparatórios, oii tie exe-
criai. o pavor. Qiiai~doestávarrios para rios retirar, Flores da <:iinlia mancloii setis capangas Segii- ciiçiio, qiie sc destinein a siiprir o11a rnrtd:ii- poi- meios ~ioleiiiosa :onstitiiição...<>ii a fi)i-ma cle
rança para cirria d e nós." goveriio; iiicitai- entre as classes sociais o cídio, oii instigii-ias à laita pela violincia." (Citacio poi-
pula da AIB a refoririular seu estatuto, extinguindo as milícias Por sua vez, com a finalidade de combater os "eextremi~mos'~ de
integralistas. Esvaziava-se uma das armas de defesa e propaganda do esquerda e direita em favor da liberal-democracia, formou-se em Porto
movimento. Alegre no final de 1936, uma organização de jovens universitários viii-
Por outro lado, paradoxalmente, a LSN acaba fornecendo argu- culados ao PL, o "Centro Universitário de Estudos Políticos e Sociais".
mentos para a continuidade de atuação da AIB no país e no Rio Gran- O alvo principal do Centro recaía sobre o integralismo e as idéias de
de do Sul. A partir de sua edição, o integralismo finalmente registra-se Gustavo Barroso. De acordo com os "liberais", a simples presença dos
como partido político e como um centro de estudos e de cultura mo- integralistas em um local era suficiente para provocar toda espécie de
ral, física e cívica. Ate então, a AIB atuava como um "movimento políti- tumulto. Por ocasião de um congresso do PL, em julho de 1936, é apro-
co" em sua lógica dc condenação ao partidarismo. Corno organização vado por unanimidade uma moção contra o "extremismo de direita",
política legalmente registrada nos Tribunais Eleitorais, a AIB garantia referência clara ao integralismo." De qualquer forma, nas regiões onde
pela constituição e pela própria LSN, sua liberdade de fuiicionamento. o PL ainda mantinha uma certa presença política, como na zona da
Também como centro de estudos poderia desenvolver suas práticas campanha, o integralismo não tivera maior inserção.
doutrinárias. A fundação tardia de núcleos integralistas na zona da campanha,
Contrariando as decisões do governo estadual, mediante a LSN, a como o de Uruguaiana em agosto de 1936,já encontra a resistêiicia
AIB volta a usar a "camisa-verde" em público. Está liberada a realizar articulada do PL. Segundo A Nacrio, jornal da FU, "hoje pela manhã a
reuniões fora de suas sedes, desde que devidamente autorizadas e fisca- cidade amanheceu cheia de propaganda in tegralista [...] o iii tegralismo
lizadas pela polícia. Por fim, a LSN oferece a oportunidade de defesa não passa de letra mort-a. O povo brasileiro e, em especial, o gaúcho
legal à AIB. Alegando coação, os líderes do integralismo recorriam sis- não suporta regimes despóticos, tal como o que preconiza o
tematicamente ao Tribunal Eleitoral com vistas a fazer valer seus direi- Integralismo, o extremismo de direita." Quanto aos responsáveis pela
tos de partido político. Tais prerrogativas eram devidamente reconhe- AIB em Uruguaiana, A Naçãu alertava, "aconselhamos esses iiossos
cidas pelos i~itegralistas.Seguiido Anôr Butler Maciel, patrícios a voltarem para a derriocracia, desintoxicando-se da fantasia
reacionária de Plínio Salgado."" O PRL local segue na mesma linha,
a LSN não nos atinge, porque a nossa doutrina política não se enquadra publicando em seu jornal A fronteira, "os integralistas arrumaram sua
nos extremismos que aquela lei visa coibir. Se somos um partido nacio- toca em nossa cidade. O integralismo consegue atrair alguns incautos
nal, se não há lei que proíba a pregação de nossas doutrinas, quem nos
poderá impedir de fazer propagandas em sessões pública^?^'
que se aproximam de sua órbita. Integralistas e comunistas, dois iiiimi-
gos entre si e inimigos comuns das riossas tradições, da nossa dcmocra-
Em todo caso, os militantes do integralismo consideram por bem cia. Era a praga que faltava em nossa cidade.""'
recuar neste mornento, "não realizaremos mais desfiles, porque não A região sul do Estado, mesmo apresentando estágios diferentes
precisamos mais deles. Os desfiles custam muitas despesas. Poderemos de moderiiiza~ãodo seu complexo pecuário, persistia em um modelo
agora fazer esta ecoriomia. Afinal, a perseguição aos "camisas-verdes" é econômico pouco dinâmico. Tal estrutura era marcuda, por um lado,
o primeiro sinal de nossa ~itória."~? Não importa, a perspectiva de con- pela concentração latifundiária da propriedade e pela criacão eni mol-
fronto permanece a regra entre as duas instâncias partidária^.^^ des cxterisivos, de outro lado, pelo processaniento da carne baseado
em uma tccnologia arcaica, com alto custo de produção e baixo valor
de troca do produto. A resisttrrcia em efetuar uma divisão dos latifiín-
Caroi~e,E., oji.cit., p. 333). Seguiido a perspectiva do PKL,, era exatameiite este o propósito da dios e em introduzir a cultura intensiva implicava na baixa retribuição
AIB, a tomada d o poder pela violêiicia, daí a legitimidade em combatê-la.
51 Artigo de An6r Biitler Maciel, Aos inkpalistns e floIiGl)lu.o,piiblicado 1x0 Cm& (1« P m ~ o(16/8/1935).
52 Declaração d e D. Bitteimcourt ao Correio do Povo (8/8/1935). 54 &?-raio do I'o'oí)~ (18/ 12/ 193G); A h!P7~0lli('60(25/7/1936).
53 N o alio d e 1936, por exemplo, são fechados os nncleos dos muilicípios d e Taquara, d e 5.5 Citado pelo (:on.eio do Po71o (14/8/193G).
Molitenegro, d e Cruz Alta, de Erecliim, de Canela e de C;ramado, sob a aclisação d e desacato à
56 Citado pelo C:orreio cio Po7)o (14/8/1<)36). Em relacão ao cintagonismo entre PL e AIB, o relato
aiitoridade e pei-tlii-baçáo da ortlem. Em Estrela, o chefe muiiicipal é preso; em Palineiras, os
d e Mralter Gomes cle Alrneida (eiitrevista coixcedida em 199l), qiie pei-reiicer-a ao integralismo
iiitegralistas são coagidos a abandoilar a cidade. A AIB tenta instriimentali~aros motivos da
d e Rio Grande fornece iiidicaçóes. A fiiiitiação do i-iítcleo ocorrera já em outri11i.o cle 1934,
peisegitiçtto: ':Já agora, não somos uma simples esperança. Somos um fàto. Existimos. O KS
porém o coi:tiiigeiite cic acleptos iião crescera niiiito, Segiindo Almeicla, "lá, os rnembi.os clos
cleixoii d e ser o ~relhotablaclo das lutas de base clos partidos tradicioiiais. Os partidos liberais-
oiitros partidos lios cliamavam d e galiiilias-vertlês. A AIB se i-ebelaxla cotitrti o PI, devido a ex-
dcmocráticos morreram. Morrerain lia coiisciêiicia do povo. Nitig(iém mais acredita iios políti-
ploração d o ti~aballiatloiI-iii-ai,os peões eram misersveis, maltratados pelos pati-óes tlo PI,."
cos. Quanto ao iiitegraliçrno, pçrcorram o iiiterior da Piovíiicia. O fàto salta aos olhos d o obser-
vador menos avisado." (i1 Ke-riolu~no,18/7/1936)
do trabalho e na restrita circulação de riquezas, serido as relações de tidária ocupara apenas urna secão do rnovinieiito, agora devidanieiitc
produção caracterizadas, em geral, não pelo salário fixo, mas por ou- extinta. A AIR rcaclquiria, no novo sistema, insistiam os líderes
tras formas de remuneração, incluindo abrigo, alimentação. A estagna- integralistas, o seu real carátcr de associacão de estudos, de ediicação
ção das charqueadas somava-se à redução das exportações e o declínio moral e esportiva. Por siia vez, o I'RL considerou a dissoliição dos
da indústria frigorífica motivados, em parte, pela retração do mercado partidos políticos Lima prova cabal do espírito democrático do gover-
e queda de preços em função da crise de 1929. no \largas. O fim do iritegralismo como partido foi comemorado como
Os mecanismos de produção que marcaram a porção sul do Esta- uma medida ímpar.
do favoreceram a coiistrução de uma sociedade senliorial, onde as rela- Os iiiciclciiies entre o Governo Federal e a AIR nacional 110 pós-
ções sociais eram essencialmerite do tipo patriarcal autoritário, com Estado Novo, porem, pcrmaiiecein e acerituaiii-se, fato que renova e
estratificação poiico acusada e baixa mobilidade social. Nesta socieda- reforça as liostilidades mútuas rio Rio Graiide do Sul. Segundo repor-
de, cujos vínculos de dependência entre oligarcas e camadas populares tagem de O Momento de março de 1938, um dos jornais controlados
mostravam-se acentuados, a vertente liberal-conservadora estabelece- pelo PRL,
ra, desde meados do Império, uma sólida ordenação política baseada
na fidelidade de seus membros e no voto condicionado." Sendo assim, prossegue por todo o país, a carnpaillia que o governo desenvolveu con-
o modelo sociopolítico vigente precluiu o espaço necessário à inclusão tra os adeptos do " p a ~ i overde9'.Precisamos oI1iar com firmeza ao redor,
de um movimento com o tipo de apelo participativo e ideológico tal verificar bem de perto quem eram os adeptos de ontem e os inimigos de
como, a AIB.5Y hoje; mais cuidado deve ter 0 g ~ \ ~ e i - nDebaixo
o. de demoiistraç6es Iiipó-
As animosidades generalizadas das forças políticas gaúchas do- critas pode estar escondido aquele que mais tarde poderia ser o porta-
minantes agregou-se, por fim, o advento do Estado Novo em novem- dor do punhal homicida coiitra o povo que iião quer o regime estraiigei-
bro de 193'7. Tanto a AIB quanto o PRL apoiaram inicialmente o novo ro e coiiti-a o governo que se inicia e que trabalha.
regime. Para os integralistas, o fim das práticas político-partidárias no
país parecia vir justamente ao encontro de seus princípios de base. Coiicomitaiite aos acoiite(.imciitos do país, a dcsarticiilação dcfi-
"Os homens de partido não trepidavam em pôr em execução os mei- riitiva do iiitegralismo no Rio Grande do Sul sucedcu-se com o fracasso
os violentos, sacudindo o país, de tempos em tempos, com movimen- do golpe de 11 de maio de 1938, quando alguns integralistas rebela-
tos armados que perturbavam o ritmo normal da vida da Nação [...I rarn-se coii tra o governo federal teli tando tomar o poder. I11tegralistas
se os partidos eram reconhecidaniente inúteis, riada mais correto e das mais diversas partes do Brasil forain convocados ao Rio dc Janeiro
natural q u e sua extinção", afirmava com eritusiasnio o j o r n a l para r e c e b ~ rinstruções. E l o q ~ e r i t eé o depoimento do niilitaiite
iii tegralista O Bandeirante."" Osivaldino Artico, "em Caxias, ficariros reiiiiidos esperando o sirial da
Os membros da AIB, neste raciocínio, iiegavam que sua orgaiii- rádio Mairink Veiga para começarnios a Kevolução. Iniciava no Rio. O
zação tivesse sido um verdadeiro partido político. Apenas iiiscrcvera- sirial não foi feito. Nós não tíiiliarnos armas. Nada organizado. Na liora,
se sob esta rubrica visando propagar idéias legalmente. A política par- íamos peiisar iio qiic fazer, mas iiada acoiiteccu. Ficou por isso mesmo
e o movimento iiitcgr;ilista terminou para ~cnipre.""~)
Enfim, o integralismo rcpresciitoii a« longo da sua exist6iici;i le-
gal no país, ciitr-c os aiios de 1932 c 1938, tima nianifcstaçao da maior
57 Pes~i\.eiito,Sciiidi-a. Ia:a ecoiiomia e o poder iios aiios 30. Porto Alegre: Mercado Aberto, complexidade social eiigcndratla pelas tra~isforniaçõessociopolíticas e
1980; Triiidacle, EIélgio. As/~~rto.r/)oliticos m'chgranrletlse. 111:Dacaiial,
do sistema /)cl,-tirlh~.iore/~u/~licnizo
J . H. e C;oiizaga, S. h': llron07,ricr e/)olílircl. Poi-to Alegre: Mercado Aberto, 1979; No11, Maria Izabel. econ6rnicas ocorridas ao loiigo das décadas de 1920 c 1930. Em detcr-
I'artitios r /)oli/ica tau Rio Cmizde do Sul. Diss<oriaçãod e Mestrado em Ciência Política. Porto Ale- miiiadas regiões do país, o ~ i d eestia fase de transição revcloii-sc signifi-
gre: UFIIC;S, 1980, cativa, a rcceptividade à AIK rxpi-iniiu-se de forma mais iiiteiisa dado
-58 A peqiieiia receptividade do iiitegralismo lia zona da (:anipaiilia revela-se rio esforço d e kizei- ao sca caráter de rnovinicnto político pretensamen tc alternativo ao slrrtlcs
avaiicar o nio\.iinento ria regiâo siil pelo eiitâo chefe pro\rincial, Nestoi- Coiitreiras lioclrigiies.
N o iiiicio d e 19:37, o líder reali~auma viageiii d e 40 dias pelo sril com o claro objetivo d e "levar quo. Coni eicito, siias práticas e propostas radicais com base fascista for-
aos gaíiclios da froi1teir.a a palavra d e fi: clos caniisas-vei-des" (segtiiido eiiire\~istad e (:ontreiras neccrain urii projeto político aiitoiiomo aos segmentos sociais emer-
Rodi-igiies prestada ao í.hi.wio (/o (>o~)o:2/1/19117). O iiúriiero de inilitai-ites iiisci-itos nos iiúcleos gentes ~ L N : se ideiitificavaiii corli tal gCnero de apelo.
ii1~111ici1,aistias cicl;ides visitatlas iiiclica a l ~ i x apeiieti-;ição da AIB: 13agi.. 30; Uriig~iaiaiia,22;
!llegrc.te, 25; D.Pecli-ito, 16; Pelotas, 50. ( C : o ~ x i doo Pu7)o: 20/1/ 193'7)

60 E i ~itevicta <i(. Osw,ilcliiio Ai tico, o/).( t l


No Rio Grande do Sul, sua maior ou rrienor aceitabilidade relacio-
nou-se diretamente com as coridições sócio-históricasprévias das diver-
O Rio Grande do Su de 1937 a 1964:
sas zonas de povoamento do Estado. Naquelas áreas onde as estruturas historiografia
políticas autoritárias estavam tradicional e solidamente instituídas, onde
as dinâmicas social e economica encontravam-se ainda enrijecidas, a re-
percussão do integralismo foi pequena. A AIB padeceu, em tais áreas, de René Ernani Gertz
um público escasso não só em virtude de características estruturais a
estas sociedades, mas também pelo erifrentamento aos partidos Até o início da década de 1990 era relativamente difícil encontrar
oligárquicos em seus domínios históricos. estudos de peso sobre a história do Estado Novo para o Brasil como um
Já as zonas de colonização alemã e italiana, sociedades de forma- todo, mas especialmente para as diversas unidades da Federação.' Mui-
ção mais recente, submetidas a um processo de industrialização e urba- tos trabalhos sobre a história de Estados brasileiros que iniciavam com
nização, com o conseqüente aumento da mobilização e da diversifica-
a proclamação da República se estendiam até 193'7, dando a entender
ção social, produziram um público em disponibilidade política que a
que se partia do pressuposto de que a República Velha ia até aquele
princípio nada não tinha a dever ou a esperar dos partidos tradicionais.
Tais circunstâncias, corroboradas pelo fator étnico-cultural de identifi- momento. Dali para diante parecia iniciar-se uma nova fase na qual
cação e valorização do nazi-fascismo fez com que estas regiões se desta- poucos historiadores se aventuravam entrar. Poderia levantar-se a tiipó-
cassem na arregimentação à AIB. tese de que com o grande fortalecimento do poder central na época e
a conseqüente diminuição da importância dos Estados reduziu o inte-
resse pela história estadual. Os trabalhos de alguns conhecidos
brarilianistas podem exemplificar esse fato.' Para o Rio Grande do Sul,
podem ser citadas, a título de ilustração, obras tão diferentes como as
das historiadoras Sandra Pesavento, Margaret Bakos e Sílvia Petersen e
Maria Elisabeth Lucas. Todas, a seu modo, apresentam estudos que co-
brem o período republicano anterior, mas estancam ern 1937.Wo que
tange à fase de 1945 a 1964, a situação referente ao Rio Grande do Sul
q ~ ~ a nàt oescassez de obras históricas era muito semelhante, 2 exceção
de pesquisas produzidas por cientistas políticos, como se mostrará a
seguir - apesar de que a explicação para essa escassez, evidentemente,
deve ser diferente da do período Estado-novista.

1 G e r t ~Kenk
, E. "O Estado Novo: um invt.i~táriohistoi-iogrifico". 111: Silva,José I,iii~MTerneckda
(Org.). Ojezxr e o przrrnn: u m a rez~z~üo cio E5lndo Novo. Kio d e Janeiro:Jorge Zah'ir Editor, 1991, p.
111-131.
2 Levine, Kobert. A 71elhausilzn: Pel-rznmbuco n,nJidernçtio brclsileirn, 18891937. Kio d e Janeiro: Paz e
Terra, 1980; Love, Joseph. A Loromolivn: Süo Paulo ?znJideraçcio b~asileira,1889-1937; M7irth,Johil
D. OJieldn balança: Minas Gerais 11a federação brasileira, 1889-1937. Kio d e Janeiro: Paz e Terra,
1982.
3 Além das várias obras da aiitora sobre a Kepública Velha, cf. I'esavento, Saiidra J . 1s:ecoiiomia
e poder nos anos 30. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1080; Kakos, Margaret Marchiori. I'oilo
Akgrr e seus elemos intendentes. Porto Alegre: Edipttcrs, 1996; Peterseii, Sílvia K. F. e Lucas, Maria
Elisabeth. Antologic~do ?rro-oitnen,tooy~erririogc~úclzo,1870-1937. Porto Alegre: Editora da Universi-
dacle/Tcliê, 19532.A referência brnzilic~?~,i~tn para o Kio Giaiide do Sul neste contexto é Bak,J o a n
L. Sow~ea ~ l l e c ~ d r rqf~ tcor~)or(Lti.s~tz:
s .slc~t~
P C O ~ I O ? ~il1l~r71~?1~tiot1
~~C nnd r-urnc!o;gvtzizn~ioni n Urazil: the c c ~ s ~
oJ'I-?io Grnnde do Sul, 1890-,1937.I'ale: Yale University, 1977 (Tese d e doutorado).
Qirrri q~iisesseiriformar-se sobre a liisthria do Rio Graiidc do Siil O Estado Novo (1937-1945)
de 1937 cm diante tinha, assim, a seu dispor niio milito mais do que as
poucas iriformaçóes e ariálises coii tidas em algtiris manuais, como os de O livro de Cai-10s Cortéss cobre, como indica o subtítulo, a história
Artliur Frrreira Fillio e Saiidra Pe~aveiito.~ O íinico trabalho publicado política sul-rio-graiideiise de 1930 a 1964. Apesar de prodiirido no iní-
de maior fôlego era o de Carlos E. Cortés intitulado Gaz~clzo~oliticsi n cio da década de 1970, continua sendo uma obra incoritoriiável, a úni-
Braiil: thepolitics of Rio Grande rlo Sz~l,194?0-1964,que, além das barreiras ca piiblicada - mais detalliada - que se pode recomeiidar a queiri solici-
liiiguísticas e do fato de não poder ser adquirido em qz~akquerlivraria ta iridicações bibliográficas sobre o pcríodo. Mas aprcseiita um proble-
brasileira, eral interessaiitemente, pouco denso em relacão aos anos de ma em relação ao período do Estado Novo. A tentativa de explicação
1937 a 1943, mas rclativaniciitc cletalliado para o período posterior. Cla- há pouco citada sobre a escassa liistoriografia a respeito do período iios
ro, havia alguiis textos memorialísticos c jornalísticos, mas nada de sis- Estados - a de que os autores, apareiitemerite, partem do pressilposto
temático. de que, após um longo período de ceiitrifiiguismo das partcs em rela-
Uma recente obra acadêmica coletiva de qualidade respeitável, ção ao ceiitro, este passa a impor siia supremacia sobre aquelas, e que,
sobre 400 anos de história sul-rio-grandense, mostra que o período aiii- portarito, iião faz mais seriticio estudar as partes para cnteiidei- o todo,
da permanece como um terreno difícil para os liistoriadores gaÚclios5, mas sim deve-se estiidar o todo para entelider as partes - essa cxplica-
e isso qiiarido em relação à liistória iracioiial existe, entremeiites, uma ção parece coiifirmar-se no livro de Çortés. Se o restante do livro --
bibliografia considerável.'' Com isso, aquilo que se tem, ainda, é muito tanto para o período anterior a 1937, quanto para o posterior a 1945 -
pouco deiiso para teiitar uma síntese ou, ao menos, traçar as lirihas- está recheado de daclos sobre o Rio Grande do Sul, é absolutameiite des-
mestras da história do Rio Grande do Sul no período. O que pode ser prezível o coiiteúdo que apresenta sobre a história gaúcha no referido
fcito é uni despretensioso arrolamento Iiistoriográfico, destacaiido algu- Capítulo - o sexto -, deseiivolvc.iido,lia verdade, uma 1iistói.iado Esta-
mas áreas ou aspectos que foram contemplados com estudos.'
do Novo em iiível nacioiial.
Como os anos que vão de 1937 a 1964, do ponto de vista político,
Entre os trabalhos mais antigos, também merece citação iima dis-
podem ser divididos em dois gr-andes períodos, o Estado Novo (1937-
sertação de mestrado de Geraldo Miiller (1972). O aiitor propóe um es-
1945) e a República liberal o ~populista
i (1946-1964),se observará essa
niesnia divisão na apresciitação da liistoriografia. Alguils trabalhos, evi- tudo da história rio-granderise de 1889 a 1964, dividindo esse período
dentenreiite, se estendem pelos dois períodos ou ainda iiicluem perío- em três fases (1898-1930, 1930-1955, 1955-1964). Como essas fases, so-
dos aquém c além dos anos iiidicados. Nesse caso, poderão ser citados bretudo a seguiida, iião são deliniitadas taiito por eveiitos 19olíticos,
11os dõis itens. mas muito mais pelo desenvolvirneiito socioecon6mico, o Estado Novo
se localiza iio centro dc uni período qiie o extrapola croiioloçicamentc
para trás e para freirte. No eiitaiito, aléiii dos dados que o aiitor apre-
seirta em r c l q ã o ao períoclo Estado-liovista, o texto rner-ecc sei- citado
4 Fel-reira Filho, Ai.tlitic Hi.sió/in (:~r-crld o Rio G/.cr/zrle(10 Sul. Porto Alegi-e: Globo, 19'78; Pcsa~~eii
to, neste contexto, por estar estruturado da segiiiiite forma: para cada iinia
Saiidra Jataliy. Ilis/ór.icl do I i i o (;7atsde (10 Sul. Porto Alegre: Rlercado Al)ei-to, 1080. das fidses é feito, primeiro, urn estiido do processo "real" c, dr~)ois,do
5. Qie~eclo,.Jíilio(Org.). Rio (;~-(zn(lp(1'0 Szil: 4 séciilos clc Elisttjria. Poi-to Alegre: Martiiis I,ivreiro, processo "nieiitado" sobre essc real, Em outras palavras, o auto1 estiida
1999. A heni cla precisão, deve-se destacar tliie iini (10s textos - de Orlai-itlo Foiiseca, p. 383-397
- ultrapassa o ni:irco d e 1930, ao tratar cio i~ioviineiiionativista, a partir da d6cada de 1970, corn
primeiro a iiifi-a-estrutura e depois a superestrutura oii o iiível de coiis-
ii-iteresse especial pelas C;alif'óriiias tla Caiiçáo. ciência sobrc a realidade. E esse seg~iiidopasso é desenvolvido de Sor-
(j Para tima avaliaçrio historiogi-iífica inais i-cceiite iio que tai-igc ao Estado Novo, cf'. (:apelato, ma sistemática, corn base lia aiiálisr de um ou dois autores que escreve-
R'Iaria ITeleina Kolirn. "E:stacio Novo: iio\.as liistórias". 111: Freitas, Marcos ( k ~ a r(01-g.). ram iia época sobrc a realidadc~que estavam vivenciaiido. F:, irrsse se-
His/o/.iog/-cllinOrasilpirn em , h ~ r a / ) ~ c i iSào
~ ~ aPaiilo:
. (;oiitexeo, 1998, p. 183-213.
7 De\sc-se eiif'ati~arque o levaiitamento 11ào se pi-etcntlc cornpl<,to.Alkr~icias b~iscasern l~il~liote-
cas, iio cliie taiige aos trabalhos acatli.micos iiào piiblicacios, recoi.reu-se aos PI-ograrrias d(: Pós-
C;i;rciria~àoein I-Iistói-ia- e eveiittiali-iientc de oiitn-as ireas - tlo estado, ate iim passatlo r-eceilte. 8 De agora em diante os iiorries ciii i-icgi.ito pi <-rciitl(~in rcnietei- i bil~liogr-afiaapi t.sc.iitatla n o
P;rr;i os l'rograrn~as de oiiti-os esiaclos isso sti foi kiio ate 1904, período eiii qtte terminam os filial d o texto. Caso o iiorrie cativei- acoiiip;~itIi;itlod c uma data, sigiiificai-5 qric se csrarã fàzeii-
caiáiogos dispoiií\~eia((;ori,Ca,(hrlos Iliinibei-to lorg.1. (,'c~ihlogotl(1.s ~ ~ . s J P ) I N P( te,sfJ,s
~ ~ J clo.s n ~ / s o dp
s d o i-efei-i-iiciaà obra (10 aiitor l~iil~lic~atla iiacliicla data. Qiiaiido i ~ à ohoii.i~eii i i d i c ~ i ~de
a r ~tl;ita,
/)cí,-g~atll~cl(.No e111fIi~iÓ/.Irl,1971-1YSj. Floi-iaiiópolis: Etlitoia da UFSC, 1987; <;apelato, Maria li<:le-
sigiiificai5 qiie scí 6 citada iiiii:i ohi-:i c10 ;rLiroi oii que a refi:rêiicia iitiiige iocicrsas obias ali-o1acl;is
ii;i li. I ~ / o c i l c ~ lhis/ó/7cc1
io 1 1 0 BI-cisil, 19(Yj-1994: carálogo t l e iiisserta<õt:s e tesc-s dos prograinas e
do aiitoi-. A l)il~liografia~i~)i-cseii(a~l~i iio fiiiitl, iiatiii.almcnte, é mais arril~latlo cliit. as i-<-fi.i.i.i~cias
fcitas
" . iio texto.
ciirsos cle pós-.-gi,atliiac;ão erri I listciria. S5o Paiilo: Xamã, 199.5 [ 3 vols.] ).
g u n d o momento, os dois autores que são analisados como sistema coronelístico foi afetado de forma significativa ou, pelo coiitrá-
paradigmáticos escreveram durante o Estado Novo: Limeira Tejo e rio, apesar do discurso oficial sobre um novo papel para essa unidade
Wolfgang I-Ioffmann-Harnisch." político-administrativa, tudo permaneceu mais oii menos no mesmo?
Sem dúvida, um trabalho de peso sobre o Estado Novo no Rio Num levantamento relativamente detalhado sobre as mudanças e/ou
Grande do Sul, escrito antes da década de 1990, é a dissertação de permanências político-partidárias nos principais municípios gaíichos,
mestrado de Dilan D. D'Ornellas Camargo. Baseado em farta documen- Colussi mostra como o pertencimento partidário dos detentores do
tação arquivística, analisa o papel e a atividade do Conselho Adminis- poder local no momento do golpe, em novembro de 1937, foi decisivo
trativo de Estado (CAE). Extintas as Assembléias Legislativas, com a para a ocorrência ou 11áo de mudanças.
decretação do regime implantado em 1937, esse órgão visava, de algu- Uma tentativa de verificação empírica pormenorizada das teses mais
ma forma, substituí-Ias, seja no seu papel de exercer algum controle gerais de Colussi foi feita na dissertacão de mestrado de Sandra n/laria
sobre o Executivo (os interventores), seja no de receptáculo de de- Amara1- orientada por Colussi -, ao dedicar-se a uma avaliação sobre a
mandas da sociedade, como os vários estratos sociais, as associações elite política e as relações de poder em Ijuí entre 1938 e 1945.
de classe e os poderes locais. Camargo tenta responder como o CAE Afora esses estudos sobre história política, na década de 1990, as
desempenhou esse seu papel, analisando desde as origens sociais e o preocupações com o Estado Novo no Rio Grande do Sul se voltaram,
posicionamento político-ideológico de seus membros até suas ações e muitas vezes, para aquilo que se poderia chamar os aspectos ideológi-
decisões. O trabalho reflete aspectos importantes do funcionamento cos e culturais, uma característica também constatada por Maria Hele-
da administração do aparelho estatal, conflitos intraburocráticos e de- na Capelato para a história sobre o período no Brasil todo." Sem gran-
mandas sociais, que nas fontes jornalísticas da época, por exemplo, de preocupação com a cronologia do surgimento desses trabalhos, cer-
eram, naturalmente escamoteadas. Esse trabalho é, sem dúvida, um tamente é justo começar a enumeração com a dissertação de mestrado
dos mais importantes para entender-se vários aspectos do Estado Novo de Gláucia Konrad. Centrado na política e na prática culturais do perío-
no Rio Grande do Sul.'' do, um dos aspectos importantes do texto é a constatação de resistêiici-
Esses são, salvo ignorância minha, os principais textos mais amplos as aos ditames do regime nesse campo e também de divergências inter-
sobre o Estado Novo no território gaúcho, surgidos antes de 1990.Houve nas entre os próprios mandatários e apoiadores no que se refere às
alguns outros, mais específicos, que serão lembrados adiante. Dos que medidas restritivas e seus limites, mostrando, dessa forma, que o
surgiram na década de 1990, merece destaque, neste ponto, o de Eliane monolitismo não era absoluto, deixando claro, inclusive, que algumas
Colussi, pois se coloca na tradição, e de certa forma como contiiiuidade personalidades ligadas a instituições não estatais, muitas vezes, procu-
crítica, do de Dilan Camargo. Centrando sua atenção na política em ravam ser mais realistas que o próprio rei.
nível municipal durante o período, preocupou-se em saber se a centra- Todo aquele que tem alguns conhecimentos básicos sobre os anos
lização representou uma ruptura nesse nível, e, portanto, uma mudaii- 1937-1945 sabe que a "campanha de nacionalização" foi um assunto
ça substancial naquilo que fora uma das características marcantes da muito importante nesse período.'' A partir do pressuposto (correto ou
República Velha. A pergunta que o iiorteou foi a seguinte: houve mu- errôneo) de que havia um perceiitual bastante alto da população não
danças marcantes na configuração da política em nível municipal, e o assimilado nas regiões de coloiiização, coiistituindo "quistos étnicos",
foi, inicialmente, realizada unia ii-itervenção no sistema escolar nessas
regiões. Vinculada a essa política, foi desenvolvido um programa de
9 Tejo, Limeira. "A inclíisti-ia rio-graildense em f~inçãoda ecoilomia i-iacioiial". Iri: Diretoria Geral
d e Estatística (ed.). E,slatística inuizlsllicll do 12io Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1939, p. 5-58; trazer "coloninlios" para a Capital durante a Semana da Pátria, a fim de
I-Ioffmanil-IiIarilisch, Wolfgang. Rio Crancle clo Sul: a terra e o homem. Porto Alegre: Globo, "abrasileirá-10s". Mas para atingir os objetivos, era necessário não só
1941. Cabe destacar que a escolha d e Hoffmaiiil-Hariiisch, iiatiiralme~lte,poderia ser criticada, lidar com os alunos vindos do interior, mas preparar a populaqão porto-
pois tratava-se de um teatrólogo social-democrata alemão que buscou asilo político 110 Brasil
lios alios 1930, e resolveu escrever uin li\rro sobre o pais, então goveriiado por Getíilio Vargas.
Segiirido siias próprias palavras, fez, para tanto, primeiro, uma visita ao Kio Grande d o Si11, a
fim d e familiarizar-se com a realidade dentro da qrial o presiderite da Kepública se criara. E
dessa viagem resiiltou o livro em qiiestào. O autor, assim, iiáo tiilha raízes 110 estado e 11ão era I 1 Capelato, o/). cii.
iim intelectual qiie, ilecessariamei~te,refletisse a visão e o peilsameiito sequer d e uma parte da 12 As principais obras da +oca sobre esse tema são: [Farias, Oswaldo Cordeii,o d e ] . Nnrior/í~lizn-
elite gaiiclia. ~60:dois clisr~osos.S . 1.: S. e., [1941]; I.,eiizi, Branca Regina (Org.). Os colonin1~o.r: S~rrln?znda I'iit,ia,
10 Não se pode esquecer d e consiiltar o relatório do iiiterve~ltoi-Cordeiro d e Farias (Farias, 1940. Poi-to Alegre: (;lobo, 1940; Py, Aurélio cia Silva. A 5"olur~a n,o R171sil.Porto Alegre: (.;lobo,
Os\,aldo (:o1 (1eii.o de. R~ln!ntór?on/~rgrpntndocto Exlno. SI:L),: í;etúlio Ilol-rzeles Vargn.~.DD. l'lssitleute da 1942; Soiiza, J. P. Coelho de. Beuli~zcin:o ,znzisr~~o uns escolas do Rio ( ; , ~ I L ( L Pdo Sul. Poi-to Alegre:
I?e/)iiblica,/)elo general Osualdo... Porto Alegre: Of. Gráf: da [mprerisa Oficial, 1943. Thrirmail, 1941.
alegrciise para recebê-los adcq~iadaineiite.Para coiiseguir isso, a im- Alaria IIoppe Kipper produziu, ern 1979, um pequeno livro sobre esse
prensa exerceu um papel muito importante. Andréa lbrres, graduada em tema em relação a Santa Cruz do Sul. Ele mostra a iritervenção no siste-
joriialismo, coiiseguiu apresentar iim bom quadro do papel da inipreri- ma de associações recreativas, culturais e religiosas e as perseguições de
sa nesse processo. Mesmo sendo um trabalho bastaiite diferente do que muitos cidadãos se tornaram vítimas.
anterior, traz uma coiitribuição importante para ampliar o coiiliecimen- Em 1992 o Instituto Histórico de São Leopoldo realizou seu X
to sobre o campo político-cultural da época. Simpósio, dedicado ao tema da nacionalização. O volume que contém
Mesmo sem ai-rolar uma diversidade tão gi-aiidc de fontes quaii- os textos dos trabalhos apresentados na ocasião foi editado por Telmo
to os dois trabalhos anteriores, a coinparação dos disciirsos refletidos Lauro n/luller, e nele se encontram estudos dos reflexos dessa prática
iium jornal de Porto Alegre e outro de Passo Fuiido feita por Saiidi-a sobre as escolas, a imprensa, as igrejas, ampliando, portanto, a temática
Leideris coiistitui unia conti-ibuição válida pai-a avaliar tendências ide- ti-atada por Maria Kipper alguns anos antes.
ológicas e a eficácia do sistema para produzir discursos para popula- Se os citados estudos se concentravam lia nacionalização em re-
ções-alvo diferentes. giões de colonização alemã, surgiram, mais recentemente, dois traba-
Pode-se eiifileirar nessa mesma categoria a tese de doiitorado de lhos acadêmicos que abordam a história dessa política nas regiões de
José Luit Nunes, sobre os articulistas do Correio do Povo. Os dois artigos, colonização italiana. São os estudos de Cláudia Sganzerla e Marcos
da década de 1980, de lornando i?inda$e sobre a fuiidacão da Faculda- Pagani. O primeiro é uma reconstituição bastante minuciosa das con-
de de Filosofia e sobre a polémica eiitre Erico Veríssinio e o padre Fri tzeii
4
' dições em que se refletiu a determinação estatal de reprimir manifes-
são, sem dúvida, também importantes para o eiitenclimeiito do contex- tações políticas e culturais em Guaporé - a autora estuda a atuação
to ideológico-cultural durante o Estado Novo. das autoridades policiais, o comportamento da população, as diferen-
O texto de Andréa Torres traz à toiia o tema do nacionalismo e de ças entre o centro urbano do município e as zonas rurais. O segundo
seus reflexos sobre a iiacioiiali~açáo,isto é, à forma em que o Estado apresenta uma forma de atuação nacionalizadora que nem sempre
Novo encarava e lidou com as populações de origem imigrante, priiici- foi explicitamente estatal, apesar de bem-vista pelo poder público - a
palmentc ceiiti-o-européias e japonesa. Esse tema já fora abordado por constituição dos Centros Culturais, que visavam levar a "brasilidade"
Maria Luita Morscl~,qiiando se concentrou na análise da dociiineiita- às tradicionais regiões de colonização italiana na Serra. Temos aí um
ção da Secretaria de Educação, destacaiido o que as autoridades da exemplo de atuação de "nacionalistas" muitas vezes alheios à região,
época pensavam sobre alemáes e descendeiites e que medidas aplica- que se dedicavam a "abrasileirar" a população através de palestras,
rarn na área da ediicação formal para tentar acabar com os problemas f~liidaçãode bibliotecas, ensino informal.
que elas viam como prejudiciais à iiacioiialidade. Destacou-se nesse pro- Mesmo tratando-se de um texto de menor extensão, o estudo
cesso o secretário da educação da época,Jose Pereira Coelho de Souza. de Regina Weber (1994) sobre os teiitos e o Estado Novo em Ijuí tam-
Quem quiser realizar um estudo sobre esse político lia citada fuiição bém se agrega a esse conjuiito temático. E não de todo descolada da
não poderá deixar de iniciar seu trabalho sem primeiro recorrer à dis- preocupação com os grupos étiiicos deve-se citar ainda a dissertação
sertacão de mestrado de Liiíza Morscli. de mestrado de Llébora Krebs sobre os judeus de Porto Alegre duran-
O tema eclucação comecou a ser tratado em sua aparente coiitra- te o período, na qual se destaca com maior ênfase que nos casos
dição eiitre coiiservadorismo e recepção de tendências iiiovadoras na anteriores a representação que o grupo étnico deseiivolveu de si
dissei-tacão de mestrado dc Afaria Carmen BuIDo.ru, seiido depois amplia- mesmo nesse contexto.
do na tese de doutorado de Maria Helena Bastos, lia qual a autora se Tudo isso tem, riaturalmeiite, a ver com a íbrnia em que se encara-
dedica a estudar a Reriirta do linsino, editada pçla Secretaria de Educa- va a história e a identidade étnica e cultural do Estado nos anos 1930/
cão. A partir da aiiiilise drssa revista, a autora pode discutir aspectos 1940. Além dos coiiteúdos que, a esse respeito, podem ser encontrados
variados da política cdiicacioiial, como as concepções pedagógicas que no livro já clássico de Ieda Gulfreind, onde sào minuciosamente analisa-
vigoravani, as divei-gêricias rntre as várias aiitoridadcs e iiistitiiições, das as várias matrizes historiográficas aplicadas a« passado gaúcho, a
eiifim foriiccer um pairiel daquilo que caracterizou esse setor da adirii-
tese de Luiz Henrique Erres presta iiiforniações mais detalhadas sobre
nistração pública gaíiclia.
como se interpretava a prcseiiça indígena na forrnaião do Rio Grande
A iiacioiialiração referida 110s trabalhos aiitcrioi-es não se resti-iii-
do Sul. Sandra P~sauenLo( 1991) escreveu um ensaio rápido sobre o regi-
giii à iiitervciição i10 sistema forriial de eiisiiio. A partir do início dos
oiialismo, tema cliie depois foi ampliado por sua orieiitaiida MariaElaine
anos 1940, a preocupação curn os "íliiistos étiiicos" amplioii cm miiito
Áuila em uma dissertação de mestrado.
as fi~i-mas de prcseiiça cstatal e paracstatal rias regiões de coloiiização.
A tentativa de esclarecimento das funções de irnpoi-taritesbrgãos corresporide em amplitude cronológica e C eqiiivaleiite em tcrnios
de imprensa foi feita por Estela Benevenuto em relação à Vida Policial, de importância. Também C uma história política, um pouco mais
revista editada pela polícia gaúcha no período e fuiidameiital para eri- "analítica" do que o livro de Cortés, mas igualmente bastante narra-
terider a ação policial do período, e por Mateus Dalmús no que tange à tiva, no sentido de apresentar uma infinidade de informações rele-
Revista do Globo - com certeza a mais importante revista gaúcha desde vantes para o período. Mercedes Cánepa estabeleceu como norte de
aproximadamente 1930 até os anos 1960 -, mostrando como a repre- seu trabalho uma comparação, ou iim paralelo, entre aquilo que
sentação de Hitler e da Alemanha foi se modificando à medida que a acoiitecia no nível estadual com aquilo que se passava no nível fede-
política externa do Brasil e a posição da opiiiião pública foram sofreii- ral. Para estabelecer esse coiifronto, privilegiou os momeritos em
do alterações no decorrer do tempo. que se processava a troca de governo, isto é, os períodos de campa-
iilia eleitoral. Depois das reflexões teóricas da cientista política -
pois trata-se de uma tese em Ciência Política -, a autora traça um
A República liberal (1945-1964) rápido quadro da conjuntura socioeconômica de 1945 a 1965 e da
Para o período 1945-1964 como um todo a mais importante refe- f o r m a ç ã o d a e s t r u t u r a p a r t i d á r i a regional, a p a r t i r d a
rência em texto publicado continua sendo, ineqiiivocaineiite, o citado redemocratização com a queda do Estado Novo. Nas restantes 330
páginas, debruça-se sobre as eleições de 1950, 1954, 1958 e 1962,
livro de Carlos Cortés. Ao tratar do período do Estado Novo, como que
para analisar com detalhes a campanha eleitoral, com seus discursos
levantou vôo, pois suas informações e seus comeiitários se referem qiia-
e programas, caiididato a candidato, dando atenção especial à ori-
se exclusivamente à política em nível federal. Terminada essa fase, po-
entação que os partidos ou coligações partidárias que apoiavam os
rém, volta ao chão, isto é, a detalhes da história política gaúcha, como
respectivos postulantes assumiram, naquele momento, em nível fe-
já acontecera com referência ao período de Flores da Cunha, de 1930 a deral, para confrontá-la com a postura que tiveram no nível estadu-
1937. O texto é de fácil leitura, numa forma de reprisentação esseiici- al. Segue-se uma análise dos resultados eleitorais e da administração
almente narrativa. O objetivo declarado dessa narrativa é o de demoiis- dos vencedores.
trar sete teses básicas sobre a história do Estado diirante o período. De Os traballios de Cortés e de Cáriepa, juntos, apresentam um im-
forma extremamelite simplificada, essas teses são as seguiiites: continii- portante arcabouço básico da história política rio-granderise do perío-
ando uma tradição que vem desde, no mínimo, o início da República, do da assim chamada Kepública liberal. Os doisjuiitos permitiriam, no
há dois campos político-partidários claramente definidos e estáveis, rio mínimo, a redação de iiin bom manual de história da política gaúcha
entanto - ao coiitrário do que acontece no restante do Brasil; as clivagens de 1945 a 1964.
político-partidárias superarn rodas as demais diferenças derivadas de Mesmo quc surgidos nos anos transcorridos entre a feitura de
outros tipos de iiiteresse; no período pós-1950 verifica-se um grande arnbos - e, por isso, sem levarem em conta o de Cáiiepa -, pode-se
equilíbrio entre os dois caiiipos, eiisejaiido, muitas vezes, o predomí- "rechear" a história política do período com uma série de estudos nie-
nio de um grupo no Executivo contra a presença majoritária do outro 110sabrangeiites em termos croiiológicos, mas igualmente importantes
no Legislativo, além da alternância no poder; o Estado conseguiu ser e coiisistentes, em geral aprofiiiidaiido sensivelmente aquilo que Cortés
fiel de balança político-militar em alguris momentos de grande crise e Cáiiepa só piideram taiigenciar.
institiicional em nível iiacional; a decantada autoiiornia regional - de O primeiro, e lia Iiierarqiiia acadêmica rnais importante, 6 o de
longa tradição - serviu, rnuitas vezes, para dar força 2s deniaiidas regio- Miguel Hodea, origiiialmente uma tese de doutorado. O autor historia o
nais; qiiando gaúchos, no iiitanto, eram alçados ao governo federal, surgimelito e o deseiivolviinerito inicial do Partido Trabalhista Brasilei-
tentavam desfazer a pecha de provincianismo derivada do liistórico ro iio Rio Grande do Sul, de 1945 a 1954, acompanhaiido a trajetória
destaque dado à autoiiomia regioiial, e não se valiam do poder federal dessa organização politica num primeiro ciclo de sua existêricia. São
para favorecer o Estado; fiiialmcnte, a política gaúclia foi caracterizada comporientes importaiites do conteúdo a comparação do PTB gaúcho
pclo persoiialisino pró e aiiti-Vargas. Indepeiideiite das teses, o livro de em relacão ao nacional, e uma tentativa de classificação de suas priiici-
Cortés é fundameiiial conio um panorama geral da história política pais vertentes, coiii ênfase nas relações eiitrc ni()vimentos sociais e as
sul-rio-graiidense, jiistariieritc porque faltam sínteses oii nianiiais mais duas mais destacadas lideranças: a de Vargas e a de Alberto Pasqualini.
detalliados do período. A reorgaiii~acáopartidária mais geral rio Rio Grande do Sul, após
Mais de tini qiiai.to dc sí-ciilo depois do surgirneiito dessr texto, a queda do Estado Novo, já fora tema da dissertação de Maria Amilia da
a p a r e c e u a tese tlc d o u t o r a d o d e Mercedes Cúnel>u, q u e l h e Costa. A dissertac;ãodc ~ o k Karnikoruski,
m por siia vez, pode ser encarada
corno um estudo coniplementar ao de Rodea, pois se propõe a rastrear Um dos episódios políticos mais marcai~tesda história do Rio Gran-
o Trabalhismo desde 1945, passando por toda a Repiíblica liberal, pro- de do Sul pós-1930 foi, sern dúvida, o movimento da Legalidade. E exis-
curando, inclusive, mostrar onde ele se localizou no quadro menos ni- te, a respeito, uma série de publicações, mas certamente ainda falta um
tido do regime militar. A bancada federal do PTR, durante o período estudo de maior envergadura. O que temos são textos mais ligeiros,
em apreço, foi tema do Caderno assinado por Manoel Passos e outros. que não resultaram de grandes pesquisas sistemáticas.'"
AnZcio Rech avaliou a campanha eleitoral de Egydio Michaelsen, pelo A década de 1950 caracterizou-se, no Brasil, pelo crescimento da
PTR, em 1962, tentando definir o que naquela campanha aparece como mobilização por demalidas de parte de uma variada gama de movimen-
típico e tradicional do discurso do bloco político que apoiou o candi- tos sociais: tiveram papel de destaque, por um lado, os movimeiitos
dato e o que deve ser visto como específico e circunstancial. Suely Bastos urbanos, liderados pelas organizações sindicais, por outro lado, os mo-
estudara,já na década de 1970, a cisão que ocorreu dentro do PTB, no vimentos rurais, dentre os quais ocuparam lugar central as Ligas Cam-
final dos anos 1950, sob a liderança de Fernando Ferrari, dando ori- ponesas, com seu epicentro no nordeste.
gem ao Movimento Trabalhista Renovador (MTR). Claudira Cardoso Esses movimentos não estiveram ausentes do Rio Grande do Sul e
abordou a política de alianças do relativamente pequeno Partido de foram tema de alguns estudos, mesmo que relativamente pouco divul-
Representação Popular (PRP) com o PTB, em 1958, partidos que, teo- gados. No que tange aos de caráter urbano, Maria Elisabeth Crimberg
ricamente, se encontravam em pólos opostos do espectro político, tcn- estudou os movimentos operário, sindical e popular no início dos anos
tando explicar por que essa aliaiiça foi possível naquele momento e 1950. Ela procurou caracterizar as especificidades relativas à constitui-
por que ela não pôde ser mantida nas eleições de 1962. Estas rápidas ção e organização da classe trabalhadora no Rio Grande do Sul, tentan-
referências mostram que a história do PTB e de suas adjacências é um do analisar a forma específica de organiza~ãodos movimentos operá-
dos temas mais estudados. rio, sindical e popular, sua articulação com os partidos políticos - com
Neste sentido, merece destaque o empreeiidirnento de Lisandre ênfase especial sobre o PTB e o PCB - e seu relacioiiameiito com o
Oliveira em deslocar-se, praticamente, para o pólo oposto do espectro governo. Receberam ateiição especial ferroviários, motoristas de Ôni-
político-partidário e realizar um detalhado estudo sobre a Uiiião De- bus, greves de bancários, marítimos e metalúrgicos.
mocrática Nacional (UDN), abrangendo todo o Estado, e partindo das Já Maria Assunta Za?zfeliz e Elisabeth Mama Pedroso concentraram-se,
primeiras articulações ainda sob a vigência do Estado Novo até a extinção cronologicameiite, nos anos seguintes, isto é, os mais críticos que ante-
do sistema multipartidário e a criação do bi-partidarismo, em 1965. cederam 1964. Zanfeliz preocupou-se com o período dos dois últimos
Como se vê,juntando os trabalhos de Cortés e Cáriepa e os citados governos pré-1964. Coiistatou, como era de esperar, uma diferença
trabalhos referentes a partidos específicos, tem-se um bom número de muito grande entre os governos Brizola e Meneglietti no que tange ao
informações sobre o sistema político-partidário tradicional do Rio Gran- seu relacionamento e ao tratamento dado ao movimento siiidical. O
de do Sul entre 1915 e 1964. primeiro, ao contrário do que acontecia em algumas das principais
Não se pode deixar de lembrar que todos esses trabalhos se vale- unidades da federação naqueles mesmos anos, mantinha uma atitude
ram, de alguma forma, dos estudos deseiivolvidos por cientistas políti- de relativa complacêiicia com o movimento sindical e um bom relacio-
cos, desde a década de 19'70, sobre o comportamento eleitoral rio Rio namento com suas lideraiiças, priricipalmente através da Secretaria do
Grande do Sul," eiitre os quais se destacam os de flélgio Ti-iiidade Trabalho. No governo do segundo, as relações passaram a ser mais ou
(19'75, 1981, 1991), mas merecem referência tarnbém os de Leônidas meiios as mesmas dos demais Estados. Assim, a autora tentou avaliai-
Xausa e Francisco Ferraz, bem como o de Judson De Ceru.14 sobretudo o significado do governo Brizola para o movimeiito sindical
e para as massas trabalhadoras.
Partindo do pressuposto de que as greves são o momento mais
13 Um iilstriimento de trabalho milito importante, sob essa perspectiva, é Noll, Maria Izabel e "visível" do rnovimento sindical, e que 90% de todas as greves ocorridas
Triildade, tIé1;io (Coords.) . Estslntistirn.~c.bito7-clisco~n/)nrntLn.sdo Rio (;rccrtde (do Sul, 1 945-1994. Por- eiitre 1945 e 1979 se localizat-am no período iiidicado pelo título,
to Alegre: Editora da lJniversidade/Assembléia Legislativa, 1995. Pedroso fez urn levantamento c uma avaliação das greves da Capital e
14 Os cl2ssicos contemporâileos são: Azevedo, A. Fay d e & Rodi-igiies, Félix Comtreiras. "Os partidos do interior, procurando mostrar a ampliação do leqrie de reiviiidica-
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ções, com sua politi~açàocrescente, as conquistas obtidas, mas também nulo Dalmuzo, por sua vez, coiiceii troii-se I io plariejameri to estatal regio-
a reação dos setores que se seritiram prejudicados com elas e os limites nal para implementar urn processo de iiidustrialização, procurando de-
dessa mobilização. A atuação mais específica dos portuários foi estuda- finir os níveis de autoiiomia do governo estadual frente ao federal para
da por Edgar Gandra. Marcos Vinkios Saul realizou iima investigação cro- desenvolver esse projeto bem como os momentos de coopera<;ãocom a
nologicamente mais extensa, abrangendo todo o período de 1945 a instância nacioiial, importante para obter financiamentos. São analisa-
1964, mas numa extensão geográfica restrita, a cidade de Novo Ham- dos, d e forma coiicreta, as áreas de transporte, energia elétrica,
biirgo. Sobre o movimento dos professores públicos estaduais pode-se armazenamento da produção, assisteiicia agrícola, comunicações e edu-
encontrar referências sobre o período na dissertação de Eliezer Pacheco, cação. Por fim, a dissertação de mestrado de Pedro ?i de Almeida (1993)
mesmo que a parte mais substantiva desse traballio recaia sobre perío- representa uma importante iiitervençáo riiima discussão Iiistoriográfica
dos mais recentes. sobre o processo de iiidustrialização gaúcha. Defende a necessidade
Sobre os movimentos rurais, temos, no mínimo, dois trabalhos; d e viiiciilar esse processo - de Corma mais estreita do que isso tinha
um que aborda o Movimento dos Agricultores sem Terra (Master), e sido feito até então - ao processo nacional de i i i d u s t r i a l i ~ a ç ã o . ~ ~
outro que analisa a Frente Agrária Gaúcha (FAG).Trata-se das disserta- Esse breve comentário, bem como a listagern bibliográfica que se-
ções de mestrado escritas, respectivamente, por Cbrdula Eckert e Paulo gue, mostra que aiiida são relativamente escassos os estudos sobre a
Bassani. A primeira estuda a emergência do Master, sua atuação diiran- história do Rio Grande do Sul 110 período posterior a 193'7. Por alguma
te o governo Brizola, os primeiros acampamentos, a repressão sob o go- razão que ainda está por ser esclarecida, houve, rios anos 1980/1990,
verno Meiieghetti e o surgimento de movimeiitos alternativos contrári- um boom de estudos sobre a República Vellia, mas não se avançou cro-
os. Entre estes últimos estava a FAG - estudada por Bassani -, que surgiu nologicameiite. Pelas restrições à atividade política de 193'7 a 1945 é
em 1961, sob orieritação da Igreja Católica, tendo sua atuação, ao contrá- compreensível que os trabalhos sobre esse período teliliam dado mais
rio da do Master, ultrapassado os limites croiioló~cosde 1964. atenção a aspectos ciilturais e à questão da "nacioiialização", que atiii-
Quem estiver interessado na história ecoii6niica pode iniciar com giu iima parte muito significativa da população gaúcha. A busca de uma
a leitura de avaliações contemporâneas, como os livros clássicos de identidade étnico-culttiral está, evidentemente, relacionada à preocu-
Franklin de Oliveira e Paulo Schi1ling.l" A Bibliografia unalitica de aspec- pação contemporânea com as populações de origem "estrangeira". Não
t o . econômicos
~ do Rio Cs~andedo Sul: 1950 -1977foriiece mais informa~ões admira, pois, a ênfase da historiografia nesses temas.
sobre análises da época, constituindo-se em importante instrumento Quanto ao período de 1945 a 1964, a politização crescente da soci-
de trabalho." O pequeno texto de Manoel Marques Leite está acompa- edade brasileira como um todo e a suposta ou efetiva ti.adiçáo de eleva-
nhado de muitos dados com tabelas, gráficos, curvas, séries sobre o dos níveis de politiração do Estado desde o século XIX certamente ex-
intercâmbio economico com outros Estados e corn o exterior. O ti-aba- plicam por qiie a história política é aquela sobre a qual se prodtiziram
1110 de Cláudio Accurso e outros constitui um diagnóstico sobre o fraco mais estudos, de forma que talvez já liaveria condições dc tentar reali-
deseiivolvimento ecoii6mico na década de 1950, escrito por eiicornen- zar iima síritese, iiessc campo específico. E se isso aiiida é difícil, com
da d e uma comissão da Assembléia Lcgislativa, visando um plano dc certeza j5 se poderia escrever, ao menos, iam resumo ou iim manual.
ação, em meados da década de 1960. Mas representa uma importan- Falta, porém, avançar em todas as outras areas.
te análise tanto da evolução da agricultura quanto da indústria. Ke-
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17 Deve-se alertar que esse iiistr~imentod e trabalho 1150 constiiui um arrolamento d e trabalhos
historiográficos ,sobr~,mas siin de trabalhos escritos diu-ctnte o período indicado no título. Nesse
contexto cabe fazer referência, tainbém, a oiltros três importaiites instriimentos d e trabalho
nos quais poclem ser eiiconti~aciosdados e refèrências sobre os pei-iodos aqui abordados: Bail-
deira, Pedro Silveira e Metz, Marli, M. (coords.). 11,lcnlcnl biblio&niik/ic«de I ~ i s t ó ~ ~con6nziccl
ia do Rio 18 Para um born resumo tio processo ecoii6niico gaúcho tliiraiite o período em qiiestão, confira
(;r(l,zde do Sul e t~mn.rcjins. Porto Alegre: FEE, 1C186; Fiindaçáo d e Econornia e Estatística. Rendn o item 2. 2 ((""Tt-ansição:dciscoiitiniiitlacle política e ci,ise cla economia regional, 1<3:30-64").
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TRINDADE, Fernando. "A polêmica entre Érico Veríssimo e o Pe. Leonardo ais (urbanistas, economistas, sociólogos), administradores públicos,
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1 políticos e a imprensa, seja influenciada por aqueles, seja elaborando
vol. XI/XII, 1983/1984, p, 35-98.
sua próprias interpretações, veiculam imagens nem sempre convergen-
TRINDADE, Hélgio. "Padrões e tendências do comportamento eleitoral no Rio tes, a partir de ângulos específicos de análise. Partindo de uma pesqui-
Grande do Sul (1950-1974)".Iii: W O U N I E R , Bolivar; CARDOSO, Fernaiido sa sobre jovens de famílias operárias, centrada em Cachoeiririha, ten-
Heiirique (eds.). Os partidos e as elcições no Brasil. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1975,
tando elaborar uma análise abrangendo diferentes pontos de vista, tan-
p. 153-204.
to dos intelectuais, quanto dos que vivenciaram a situação, este artigo
TRINDADE, Hélgio. "Eleições e partidos no Rio Grande do Sul: do sistema propõe a idéia de "cidades operárias" para algumas das cidades da RMPA,
multipartidário à criação do bipartidarismo (1950-1976)". In: FLEISCHER, David buscando relativizar tanto a idéia de cidades-dormitórios quanto a de
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Brasília, 1981, p. 190-235.
cidades industrializadas.
A partir do caso de Cachoeirinha,' sabe-se que há trabalhadores
TRINDADE, Hélgio e Noll, Maria Izabel. Rio Grande da AmCnca do Sul: partidos e que moram nesta cidade e trabalham em Porto Alegre ou Gravataí,
eleições (1823-1990).Porto Alegre: Editora da IJiiiversidade/Editora Sulina, 1991. assim como destas duas cidades ou de Alvorada vêm operários para as
WEBER, Regina. Os inícios da indust~/aliulçÜoern IjuzLi Ijuí: Editora da UNIJUI, 1987. fábricas do Distrito Industrial daquela, e sabe-se também que a popula-
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Brasil. Canoas: Editora da ULBRA, 1994, p. 105-1.19. Este estudo está indicando que nas estradas da RMPA tem havido um
MEBER, Regina. Os op~iriare a col~,lmn.
Rio deJaneiro: UFKJ, 1996.Tese (doutorado). constante trânsito, nem sempre aquilatável, de trabalhadores, não ape-
nas em função do trabalho, da moradia ou do consumo, mas da reivin-
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u i l o rem ge~taçüo:depoimeiitos sobre os aiios 30 e dicação e do protesto.
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As "cidades-dormitórios"
(mestrado).
Nos anos 70, a visibilidade de uma "Grande Porto Alegre" existia a
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:':

partidos e sindicatos na conjuiit~irade 1958 a 1964. Porto Alegre: UFKGS, 1980. participaram os bolsistas C;ersoi~ Waseil Fraga (PIBIC/CNPQ/UFRGS) e L.airtoil Pedro
Iaeiniibing (BIC/FAPEKGS).
Dissertação (mestracio) .
1 Ver R. Weber, 1998
ção iiidiistrial, isto é, a indústria porto-alegrerise extravasou os limites via, a atividade agrícola entrava em estagnação a partir da década de 50,
da cidade, instalando-se nestes municípios adjacente^.^ A Região Me- gerando expulsão da população do campo, que se dirigia para outros
tropolitana de Porto Alegre (RMPA) foi delimitada pelo Governo do Estados (Paraná, Santa Catariiia) ou para centros urbanos, notadamente
Estado em 1968 em função dos seguintes critérios: a continuidade dos para a RMPA. Em 1970, metade da população da região metropolitana
espaços "urbanizados", medida através de fotografias aéreas; os fluxos era constituída por migrantes, estabelecidos principalmente em Esteio,
de transportes, fundamentalmente de transporte de passageiros; as fun- Cachoeirinha, Alvorada, Sapucaia do Sul e Canoas, e, no período 1940-
ções exercidas por cada um dos centros urbanos periféricos ao espaço 1980,as áreas que correspondem aos atuais municípios de Cachoeirinha
urbano da capital." questão metropolitana compareceu pela primei- e Alvorada foram as que apresentaram maiores taxas de crescimento
ra vez na legislação brasileira na Constituição Federal de 1967 e foi populacional.'
institucionalizada pela Lei complementar de 1973. Em 1974 foram cri- Na década 80, principalmente na primeira metade, as consequ-
adas nove regiões metropolitanas (São Paulo, Belo Horizonte, Porto ências do êxodo rural são uma preocupação dos administradores. A
Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém, Fortaleza e Kio de Janeiro) e análise dos dados do Censo de 1980, associam o êxodo rural com o
os 14 municípios que compunham a RMPA eram, além da capital, Alvo- aumento da população "em cidades como Alvorada, Cachoeirinha,
rada, Cachoeirinha, Campo Bom, Canoas, Estância Velha, Esteio, Gravataí e Viamão, os chamados municípios dormitórios de Porto Ale-
Gravataí, Guaíba, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapiranga, Sapucaia gre".8 Em Cachoeirinha, que dobrou sua população na década de 70,
do Sul e V i a m ã ~ . ~ surgiram mais de uma dezena de vilas irregulares, algumas sem água
Também o governo municipal de Porto Alegre se preocupava nes- ou luz. As declarações do prefeito - que, ao garantir que ninguém
ses anos com os problemas habitacionais da "região metropolitana", seria despejado, foi acusado pelos oponentes políticos de estar mon-
que estavam dando origem ao fenômeno das "cidades dorkitórios", tando "currais eleitorais" - explicitam o fenômeno sociologicamente:
resultado do descompasso entre o lugar de moradia e o lugar de traba- "eles chegam, se acomodam e depois vão buscar os parentes que fica-
lho.5 Para compreendermos este fenômeno, é necessário analisar os ram no interiorV."e muitos dos migrantes das décadas anteriores
processos de industrialização e aumento dos fluxos migratórios con- conseguiram o almejado emprego na capital, como demonstram as
j u n t a m e n t e com o processo d e ocupação das terras urbanas trajetórias de vida colhidas pela pesquisa, a crise do início de década
(loteamerltos). de 801°, que deixou sem emprego operários que já estavam alocados
O processo de industrialização que se intensificou no pós-guerra (as levas de demissões, principalmente nos setores metalúrgicos e de
estava concentrado, até os anos 60, em Porto Alegre, Novo Hamburgo construção), tornava difícil a situação dos novos migrantes. Um Semi-
e São Leopoldo. A partir de meados desta década, também no eixo nário de Planejamento Participativo, com a presença de 30 líderes
norte da região (ao longo da BR-116), Canoas e, com menor peso, comunitários, realizado em Cachoeirinha em 1981, concluiu que ha-
Sapucaia do Sul e Esteio, começam a adquirir importância. "Na década via necessidade de aumentar a oferta de empregos para atender a gran-
de '70, a construção da BR-290, que ligou Porto Alegre à BR-101 (litorâ- de massa de migrantes. No final da década, contudo, estes ainda são
nea), favoreceu a implantação de indústrias no eixo leste-nordeste - alvo de ações assistencialistas, enfrentando problemas de segurança,
Gravataí, Cachoeirinha e Alvorada"."nquai~to a indústria se desenvol- trabalho, saúde e falta de documento^.^^

2 Siilger, I'aul. Dese~zvolvi~nento


ecolz6n/,icoe euolirçéio urbn~an.São Paulo: Cia. Editora Nacional, Ed. da
USP, 1968. 7 Id., p. 269-230.
3 F~iildaçãod e Ecoilomia e Estatística (FEE). lieSP;~oMetropolitana de P o ~ l oAlegre: iiiformação e 8 "IBGE afirma: aumeilta o exodo rural iio estado", Ztro H o m , 11. 5.507, 23 oiit. 1980, Geral, p. 7.
ailAlise. Porto Alegre: FEE, Metroplail, 1988, p. 39. 9 Zva Ilorn, r i . 5534, 19 iio\l.. 1980, Geral, p 28.
4 Id., p. 28.
10 Ver 'Tatçch, 1990.
5 Ver estudo da Secretaria Mililicipal d e Obras e Viação (SMOV) d e 1967 ( n / ~ u Cai-rioil,
d p. 249). 11 2 7 0 Ifoicl, n. 5729, 3 jilii. 1981, Grande Porto Alegre, p. 32; "L,BA lança em Cachoeirinha o
G Carrion, Otilia Beati-iz K. Mei-cado imobiliário e padrão periferico d e moradia: Porto Alegre e 'Mutii-io Legal"', 2 1 ~ ) o J f o 11.
) a ,8248, 9 abi-. 1988, Gei-al, p. 54 e 2roIlora, n. 8.250, 11 abi-. 1988,
sua região rnetropolitai~a.L;t~saio.sFEL. Porto Alegre, v. 10, 11. 2, 1989, 11. 228. Geral, p. 29.
A migração de pessoas do sul dc Santa Catarina para Caclioeirinha passaram a ser objeto de rápida ocupação. Por se situarem junto à divisa
não era uma novidade," mas em tempos difíceis, esses rnigrantes po- com Porto Alegre, Alvorada e Cachoeirinha são, talvez, os exemplos mais
bres chamam a atenção como um problema a mais para os administra- evidentes desse processo.14 (Carrion, p. 233)
dores do Estado. Para conter a ocupação indiscriminada dos espaços
públicos pelos migrantes, a Prefeitura de Cachoeirinha destina-lhes, Para viabilizar isso que Carrion denomina "padrão periférico de
em 1981, uma área de mais de 400 mil metros quadrados: moradia"'Voi decisiva a disseminação do transporte coletivo, que per-
mitia a cone+io com os centros de comércio e serviços e os locais de
Ao justificar a medida, o prefeito disse que um dos maiores problemas emprego.'" por isso que nessas áreas os problemas que envolviam as
do município é a constante migração, vinda principalmente do vizinho rotas de Ônibus eram tão nevrálgicos, como ficou evidenciado nos "que-
estado de Santa Catariiza. Centenas de pessoas, sem condições de sobre- bra-quebras" do início da década de 60 em Cachoeirinha, antes da
vivência nas suas comunidades, tentam uma solução na capital gaúcha. emancipação do município, quando Ônibus foram incendiados e ape-
Como não conseguem se instalar ali procuram, então, uma localidade drejados pela população." Observando-se que a maior parte das linhas
próxima para residir, surgindo então a cidade de Cachoeirinha como a fazia o trajeto Gravataí - Porto Alegre, passando por Cachoeirinha, os
alternativa mais próxima. Dado suas péssimas condições e baixo poder protestos com relação ao sistema de transportes eram maiores nesta
aquisitivo, disse o prefeito, agregam-se na região metropolitana, o mais cidade, pois, como afirma um eiitrevistado, "a maioria [dos Ônibus] já
perto possível do mercado de trabalho. Em Cachoeirinha ocupam todas vinha cheio de Gravataí". ' 'Havia apenas uma empresa de transportes
as áreas disponíveis, destinadas pela administração para praças e áreas coletivos que operava em Cachoeirinha, em péssimas condições de
de lazer.'" manutenção e atendendo apenas aos usuários próximos à avenida prin-
cipal, a Flores da Cunha. Esta situação foi uma das que foi alvo da ação
Observando os acontecimentos sob outro ângulo, vemos que já na dos grupos de bases (as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs), que
década de 40 o avanço das indústrias e da população de menor poder através de manifestações de protestos e audiências com autoridades
aquisitivo em Porto Alegre dava-se ao longo da avenida Assis Brasil, em municipais e proprietários de empresa, obtiveram alguns resultados,
direção aos limites com Gravataí e Viamão (na época, Cachoeirinha e como a extensão do percurso dos Ônibus pelo interior das vilas.l%as
Alvorada, respectivamente). Em vários municípios da região metropo- ao longo da década de 80 as queixas continuaram: em 10 de maio de
litana constroem-se loteamentos nessa década, entre eles os que hoje 1987, as Associações de Moradores fizeram uma passeata protestando
constituem as sedes dos Municípios de Cachoeirinha (Vila Cachoeiriiiha) contra Ônibus superlotados, sujos e que não cumprem horários; em
e Alvorada (Vila Passo do Feijó). As leis municipais que passaram a re- setembro de 1989 passageiros apedrejaram um Ônibus que estragou no
gular os loteamentos na década de 50, particularmente as que foram percurso Cachoeirinha-Porto Alegre. I!'
aplicadas com maior rigor pelo município de Porto Alegre, vão ocasio-
nar um aumento populacional nos municípios vizinhos onde os lotes, 14 Para o caso de Alvorada, ver Riçatti (1983).
desprovidos de infra-estrutura (rede de água, sistema de esgoto pluvial 15 "A situação periférica refère-se tanto a cirens es~ncinlmentenfnstaclns dos poritos mais ceil trais,
e cloacal, iluminação e pavimentação) e áreas de uso público (praças, onde estáo coilcentradas as oportiinidades d e emprego, consumo, lazer, os equipameiltos soci-
ais, etc. e onde o solo 4 mais valorizado, quanto a áreas deI?~/~rovidns
de i?$-a-e.rtrutura satisfatória e
escolas e outros equipameritos), eram mais acessíveis: compatível com as iiecessidades d e moradia, mesmo que centralmeilte sitiiadas" (Carrion, 244).
16 Carrioil, Otilia Beatriz I<. Mercado imobiliário e padrão perifkrico d e moradia: Porto Alegre e
Concomitantemerite ao estabelecimento, por parte de algumas adminis- sua Iiegiáo Metropolitana. EnsaiosfiEl?. Porto Alegre, v. 10, 11. 2, 1989, p. 234.
trações municipais, de determinadas restrições legais para noyos 17 Sobre o assuii to, ver os textos d e Monbacl~(p. 107-109) e 'Teixeira (p. 56-60), qiie apresentam
loteamentos, verificou-se o redirecionamento da ocupação urbana. Are- alguns dados conflittiantes.
as novas, situadas em municípios que não dispunham de legislação pró- :I:*: A pesquisa em Cachoeirinha entrevistou pessoas, quase sempre do sexo masculino, que nasceram

pria ou cuja legislação era menos rigorosa e a fiscalizaçao irieficiente, na década de 60, prioritariamente, e 50, todas fora da cidade, teiido para lá se transferido posteiior-
mente com siias famílias ou parentes. Os depoimentos não seráo identificados.
18 Dvoraiiovski, C;lóvis. O p~-ocessode constituicEo de sujeitos politiros mediante n articulq-Eo entre o
socioj~olítiroe o reli~$xo:As coinunidades Eclesiais de Base em Cachoeirinha (KS), 1976198.5.
12 Ver Mombach, p. 112. Poi-to Alegre, UFKGS, 1990. Dissertaçáo de mestrado eni Sociologia, p. 80.
13 "Cachoeirinha destiila área de 41 1 mil metros qiladractos para migrailtes", & r o f i m , n. 5.732, I9 Associações reclamam contra os transportes, Zero Hola, 11. 7.904, 2 maio 1987, Geral, p. 25;
6juil. 81, Grande Porto Alegre, p 23. Passageiros apedrejam ônibris, 2 1 - 0 H o w , 11. 8762, 2 set. 1989, TI-ai~sportes,
p. 31.
Observe-se que o alto custo da habitação em Porto Alegre não ape- iiidustriais de Caclioeiririlia e Gravataí, paralelamente à coiistruçáo da
nas fazia com que os migrantes se instalassem nas cidades periféricas auto-estrada (BR-290),com a conseqüente realização de obras comple-
visando, prioritariamente, o mercado de trabalho da capital, mas teria mentares de infra-estrutura, produziram uma certa valorização dos seus
também ocasionado um "êxodo" de habitantes da capital para a região terrenos, deixalido Alvorada, Sapucaia do Sul e Viamão como opções
metropolitana nos anos 80. Alguns destes "retirantes" seriam pessoas mais baratas em termos de uso resideizcial.
que, na década de 70, teriam ocupado postos de trabalho nas indústrias Os loteamentos feitos nos municípios da RMPA rios anos 50 supe-
da periferia e que, pressioiiados pelo custo do transporte e da habita- ravam a demanda do mercado por lotes, mas essa "retenção especulativa
ção, passam a residir nestas cidades na década seguinte.?' (Porto Ale- de terras, à espera de maior valorização", por demanda de lotes e pela
gre, nestes casos, teria funcionado, por algum tempo, como cidade- expansão da infra-estrutura e dos equipamentos urbanos,27contribuí-
dormitório.) Na análise de Rigatti,?l o que ocorreu foi uma segregação ram para o fenômeno das vilas irregulares ou clandestinas, ocupações,
espacial da população trabalhadora nestes municípios da RMPA (Alvo- por centenas de famílias, de terras quase sempre pertencentes a "um só
rada, Viamão, Caclioeirinha, Gravataí) com "fuiição residei~cial'~ (ou proprietário":
de reprodução da força de trabalho), incentivada pelo Estado, que faci-
litou as ligações viárias entre estes municípios e Porto Alegre, onde se Inicialmente, a ocupação deste município [Cachoeirinha] se deu de for-
ma desordenada ao longo da Av. Flores da Cunha, única via que dá aces-
localizaria o setor de p r o d u ~ ã o . ~ , ~ "caso de Alvorada é extremo,
so a Porto Alegre. Em seguida, houve implantação de conjuntos
havendo no município, no início dos anos 80, vilas que possuem linhas habitacionais, loteamentos e, nos últimos anos, ocupações clandestinas
de Ônibus que as conectam diretamente com a capital do E ~ t a d o . 'Um~ de áreas do Poder Público e de proprietários particulares.'" 29
levantamento realizado pela Metroplan - Furidação Metropolitana de
Planejamento - em 1979 apontou que, da população economicamen- É bastante freqüente, nas entrevistas, a menção às ocupações, par-
te ativa desta cidade (58% do total da população), 78,3% trabalhavam ticularmente quando explicam o crescimeiito desordenado de algumas
em Porto Alegre, 17, 7% trabalhavam em Alvorada e 4% trabalhavam áreas, onde se concentravam as populações que vinham de fora da ci-
em outros municípios da RMPA, o que demonstraria que Alvorada se- dade, como as vilas a que se tem acesso pela "parada 59". "A cidade de
ria um grande bairro residencial da capital.?j Um metalúrgico, mora- Cachoeirinha tem essa história de invasão", diz um entrevistado. Na
dor de Cachoeirinha, que acompanhou a transferência de sua empresa avaliação de um líder político, 30% das áreas de Cachoeirinha são inva-
de Porto Alegre para Gravataí, conta que em seli setor, onde trabalham didas. Observe-se que as ocupações são um fenômeno expressivo nos
atualmente mais de cem pessoas, poucas são de Gravataí, e a grande anos 80, isto é, a maior parte da família dos entrevistados, que chega-
maioria é de Alvorada. Segundo Carrion,?" cconstrução do distritos ram na cidade quase sempre nos anos 70, adquiriu, senão a casa, pelo
menos seu lote, sendo recorrentes lembranças de se "levar a casa", isto é,
transportar casas de madeira em caminhões e reconstruí-las novamente,
20 "Região Metropolitana: a vida é mais barata fora de Porto Alegre", "Muda o perfil dos retiram e de autoconstrução, ambos processos constituindo o que Maricato")
tes", Hora, li. 8338, 8 jul 1988, Geral, p. 26-7. As reportagens são comentários sobre a
pesquisa "Custo de (:oi~siimoFii-ial da I-Iabitação", de Otilia Carrioil.
descreve como "assentamento resideiicial da classe trabalhadora urbana,
21 Rigatti, Décio. filnlaçíio de ritea~urbanay com funçíio de hnbztnçko na iWIPA: o caso de Alvorada
oriunda dos fluxos migratórios" desconliecidos pelo Estado.
1948-1980. Porto Alegre: UFRGS/PKOPUK, 1953. Dissertação de nieqtrado. p. 183.
22 Id., p. 164.
23 Exemplificaildo as divergências nas avaliações acadêrriicas do mesmo processo histórico, des-
taca-se que, em sua ail5lise dos "padrões fiincioiiais" da KMPA, Kigatti - cujo texto é o mais
antigo dos aqui citados - miilimiza o processo d e indiistrializaçáo das citlades localizadas no 27 Id., p. 236.
eixo da BR-290, qiie cumpririam o papel da "fiinção de liahitação", mas o recorihece para as do 28 Dvoranovski, o/). cit. p. 17.
eixo da BK-116. Ver seu gráfico na p. 192. 29 Este aiitor ofèrece iim ilustrativo relato de um morador, que, expulso de seu lote, iniciori a
24 Id., p. 205. ocupaçáo d e outra área na cidade (Dvoranovski, p. GG-70). Sobre a concentração da propiiedade
25 Irl., p. 163. da terra e, posteriormente, dos lotearnentos em Alvorada, ver Kigatti (1983, p. 88-89),
30 Maricato, Ermínia. Autoconstrilção, a cirqtiitetiira possível. 111: (0i.g.) A pmcluçíio ra/)ilnlista d a
2. ed. Sác:, Paiilo: Alfa-omega, 1982, p. 74.
casa (e da cidade) n o Hrrr.siL i~~dustrinl.
Toda aquela infra-estrutura que os loteamentos (adquiridos ou comuilitária iniciado em 1976, i10 âmbito da Paróquia Nossa Sei1hora de
invadidos), por falta de restrições ou por ausência de fiscalização, dei- Fatima, uma área de concentração operária e de invasão, onde vive pra-
xaram de fornecer foram, posteriormente objeto de reivindicações dos ticamen te dois terços da população do muiiicípio i.. .]
Grupos de estudo bíblico, pastoral, histórico da Igreja, leis trabalhistas
movimentos populares: começaram a se organizar, ao mesmo tempo em que eram encaminha-
dos movimentos reivindicatórios por água, luz, saneamento nas diversas
A canalização do esgoto saiu por conta da prefeitura. Agora, o resto foi vilas abarcadas pela paróquia [...I
tudo batalhado. Quando eles calçaram a rua a gente teve que pagar. Foi Essa organização se manifestou no apoio 2 greve da construção civil, em
feito movimento e tudo, a prefeitura aceitou dar a mão de obra, conse- 19'79, na Grande Porto Alegre, e no interesse e ligação com os movimen-
guir uma ajuda no material e tal. Mas o pessoal pagou. Já o asfalto o tos dos sem-terra no Estado. Outra expressão do movimento de base foi
governo do Estado botou. Questão de campanha política, aí, de eleição ... a procissao ecológica em defesa do rio Gravataí, que reuniu oito mil pes-
Não deu trabalho pra conseguir. Agora, a maioria das coisas é na base soas, em 1980.No preparo dessa manifestação se envolveram grupos de mães,
da ... da pressão [metalúrgico, pai adquiriu o terreno em 19781. associações,escolas,grupos dejovens, que traballiaram três meses aglutinando
representações de Gravataí, Alvorada, Viamão, Cachoeirinha [...I
Ante a pressão dos "vileiros", a Prefeitura de Cachoeirinha passou Outro interesse dos moradores por Educação faz brotarem pressões pela cons-
a embargar loteamentos que não cumpriam a legislação quanto às obras trução de escolas, com base em levantamei~tosque mostrava essa necessidade.'"
de infra-estrutura." Dvoranovski" mostra como os grupos de base liga-
dos à Paróquia Na. Sra. de Fátima apoiaram, no final da década de 70, Mais grave foi a situação das ocupações de áreas impróprias para
a transferência de moradores instalados em áreas de conflitos para no-. habitação, como é o caso da população que se estabeleceu às margens
vas áreas e como estes grupos participaram da organização e mobilização do rio Gravataí, cujas enchentes produziam, periodicamente, uma po-
para a conquista de equipamentos básicos de infra-estrutura (luz, água pulação de flagelados, até a constru<;ãodo dique em 1988.37A prefeitu-
encanada, esgoto), a par da construção da capela local. Instaladas as ra sempre procurou deslocar os moradores das áreas ribeirinhas para
vilas, começam as reivindicações por postos de saúde e transportes e, outros l u g a r e ~ . " ~
ante a recusa dos empresários de transportes de estender itinerários de Um outro fenômeno de década 80, relacionado com a questão da
Ônibus aonde não havia calçamento, aparecem os movimentos por pa- habitação, o das invasões de conjuntos habitacionais, tem origem nas
vimentação de Em 1979, quatro jovens universitários de classe décadas anteriores. O finncionamento do mercado de terra e de habi-
média, vindos de Porto Alegre, passaram a residir na Vila Fátima, defi- tação sofreu mudança com a criação do Banco Nacional de Habitação
nida como uma "vila operária", atuando como agentes sociais." O pro- em 1964 e com a estruturação do Sistema Financeiro da Habitação
longamento destes movimentos, atingindo o âmbito educacional do (SFH). Os novos loteamentos na RMPA, que haviam diminuído a partir
município, com a participação do próprio Dvoranovski, teve repercus- de meados dos anos 60, são retomados na segunda metade da década
são em meados dos anos 80: de 70, mas na forma de conjuntos habitacionais, acompanhando o
redirecionamei~toda atuação do BNH para um segmento popular com
As origens do processo educacional que se desenvolve atualmente no maior renda (três a ciiaco salários mínimos). A recessão econômica do
município de Cachoeirinha estão num trabalho de animação religiosa e

36 Agora, o objetivo é ampliar o processo, Zero tlorn, 11. 7.166, 29 abr: 1985, Educação Popular -
31 Vileiros d e Cachoeirinha realizam ato público, Zero Hora, 11. 6183, 29 ag. 1982, Geral, p. 26;
Filial, p. 36-37. A pai-te iilicial da reportagem está em 2 ) - oHola, n. 7.165, 28 abn 1985, Geral
Cachoeirinha embarga loteamento d e 700 lotes, Zero flora, n. 6476, 17jun. 1983, Geral, Grande
(Eclucação Popular), p. 3G-38.
Porto Alegre, p. 28.
37 O "sistema de proteção contra iniii1daç6esfl foi inaiigiirado emjiii1ho de 1988, ainda iiiacabado,
32 Ver p. 81.
sem ri casa cle bombas dçfii~itiva,operando com iirn equipamento d e ernergêilcia para evitar
33 Dvoi,anovski, o/). cit, p. 91. alagamentos (Cachoeiriilha protegida co11ti.a as iiliiiidações, Hora, n. 8318, 18jiiri. 1988,
34 Sobre a presença d e Pe. Sérgio e m mailifestaç6es contra o moi1opólio ilo serviço d e transporte Geral, p. 25; Cachoeii-inha 1ivi.e das cheias, 2 % ~Hora, 11. 8. 427, 4 out. 1988, Geral, p 37; ver tb.
coletivo, ver Zero Hora, 11. 5495, 11 out 1980, Geral, p 6. A atuação do Pe. Sérgio Fritzen é 11. 8. 420, Geral, p. 41)
destacada por Mombach (p. 113). 38 Vila d e Cachoeirii~haapela por ágiia potável, Zero I-lorcl, 11. 6149>26 jiil. 1982, Geral, 1). 37;
35 Fischer, Maria Clara Bueilo. Do agente no educador populn~.Porto Alegre: UFKGS, 1987. (Disser- Cachoeirinha clesloca moradoies das vilas, a r o Hom, li. 7492, 19 mar. 1986, Geral, Grande Por-
tação d e mestiado em Educação) to Alegre, 11. 37.
início dos anos 80 vai, por uni lado, aumentar a parcela da população Na imprensa dos anos 80, as perspectivas positivas quanto à indus-
que, por falta de poder aquisitivo, estava fora deste tipo dc investinien- trialização crescente de Gravataí e Cachoeirinha, o que é analisado a
to e, por outro, dificultar a comercialização destas unidades seguir, conviviam com as persistentes imagens das "cidades-dormitóiios",
habitacionais." Um enorrne déficit habitacional e conjirritos manuseadas quase sempre quando se tratava de analisar os contínuos
habitacionais vazios ocasionaram o fenômeno das invasões em vários problemas de transporte na região. Por exemplo, um aumento do pre-
Estados do país; para o Rio Grande do Sul ele já havia sido previsto por ço das passagens dos Ônibus poderia significar uma "ameaça de desem-
urbanistas como Rigatti (1983) e deu-se em 1987: prego nas chamadas cidades dormitórios de Porto alegre".'"^ jornais
locais não costumavam usar essa imagem na década de 80, a não ser
A corrida da habitação na Região Metropolitana começou em Alvorada
para negá-la, mas, na crítica ao transporte, enfatizam que "Milhares de
no dia 11 de abril de 1987. As 13h30min daquele sábado, famílias intei-
ras começaram a ocupar os 2.040 apartamentos construídos pela Cohab. trabalhadores cruzam diariamente o trajeto Porto Alegre - Cachoeirinha
No meio da tarde, o fluxo de pessoas se assemelhava a um formigueiro. e vice-versa, indo e vindo do serviço, passeando ou até mesmo fazendo
Todas transportavam móveis e alimentos nas costas. Esta foi a centelha compras".44O congestionamento da zona urbana de Cachoeirinha era
que se espalhou por Porto Alegre, Canoas, Viamão, Guaíba e Gravataí, atribuído ao "fluxo, especialmente de trabalhadores que vão para Por-
entre outras cidades, e gerou a maior onda de invasões urbanas já vista to Alegre".45A crescente criação de linhas de Ônibus com destino a
no Rio Grande do Sul. Estima-se que perto de 100 mil pessoas participa- Porto Alegre (14 em 1981) é usado como argumento, em estudo acadê-
ram das ocupações.40
mico dos anos 90, para afirmar que, apesar dos distritos industriais,
Em Cachoeirinha, o conjunto invadido foi a Granja Esperança e "expressiva parcela da mão-de-obra local continuava vinculada ao cen-
em Gravataí, a Morada do Vale I. A invasão da Granja Esperança teve o tro m e t r ~ p o l i t a n o " . ~ Westudo
m sociológico aponta que as áreas me-
respaldo da Prefeitura de Cachoeirinha, o que atenuou a repressão, nos valorizadas em termos habitacionais de Cachoeirinha eram uma
mas, em outros núcleos, a ação da Brigada Militar deixava pessoas feri- alternativa para aqueles que, desde a década de 50, buscavam empre-
das ou presas.ll Uma professora conta que alguns alunos de sua escola, gos na Grande Porto Alegre, e que, para o período 1976-1985, como o
e mesmo um professor, estavam entre os que invadiram os imóveis da comércio e a indústria locais absorvem pouca mão-de-obra, "a maior
Granja, deixando de vir à escola nesses dias para assegurar seu lugar. parte dela se desloca, diariamente, para outros municípios mais indus-
Para o período de 1981-1985, quando a população dos municípios trializados como Gravataí, Canoas e Porto Alegre".47
de Cachoeirinha e Gravataí continuava a crescer, a implantação de lo- Em Porto Alegre, a informação que, nas horas de "pique", passa-
tes e unidades habitacionais estagna~a:'~ a conseqüência disto, além vam pelo corredor da avenida Assis Brasil (que dá acesso à Alvorada,
das invasões de conjuntos habitacionais desocupados, foi o contínuo Cachoeirinha e Gravataí) cerca de 18 mil passageiros por hora apenas
crescimento das áreas de subabitação (vilas irregulares). numa direção, motivava a demanda de um outro metrô, a exemplo do
que seria inaugurado na direção Canoas-Novo H a m b u r g ~ .A~experiên-
~
cia de implementação, em 1985, de dois hospitais estatais, um em
Cachoeiriiiha, outro em Alvorada, através da Metroplan, considerou a
39 Carrion, o/). cit. p. 238.
40 Uma década d e moradias irregulares. &i-o Hora, 13jul. 1997, p. 32-3. Geral. As COHABs eram
as Compaiihias d e IHabitação Popular dos Estados e M~lilicípios,que compuilham os progra-
mas habitacionais d o BNIH. 43 "Passageiros revoltados com passagens mais caras", Zero Hora, 11. 5.629, 23 fev. 81, Geral, p. 39
(grifo meu).
41 Um ailo de iilvasão, Jonzal clp (hrhoen-uahn, v. 11, li. 20, 27 abi-. 3 maio 1988, p. G'7. No ano de
1987, &?o Hola trazia diai-iamente notícias das iilvasóes: sobre o corifroi-ito policial em Gravati 44 cJnchoei7inhnEs/)ecinl, a110 I, i1 13, 17 set. 1980, p. 13. Esse periódico defendia a eiicampação da
empresa SOGIL, que fazia a liilha Caclloeiriill~a-PortoAlegre, p. 2.
ver edição 11. 7996 (3 ag. 1987, Gerdl, p. 41); para um qiiadro geral, ver 814'7 (31 dez. 1987,
Jor7zal(lo A no, p. P 8) . 45 "Di~ei-estuda novo trevo de acesso para Free-M7ay",229-0 Moi-a9 11. 6.566, 15 set. 1983, Geral,
Grande Porto Alegre, p. 38.
42 De Totii, Jacksoii; Ortiz, Romeu F. O processo (JP consolida~tioe tmnsfòrmn~nodas "cidades-dormi-
tórios" n a 12egino n/1et1-of,olitnna de I'urto A l e p : z ~ mestudo dos inlfinrsos (10,s disll-ltos irzduslriais nas 46 De Toili, Ortlz, o/). cii., p. 53.
cidades de C;achoeirinha e Cravataie suas relnçr?eJ c0191t'orto A h ~ v e Porto
. Alegre: UFKCS, 1991, p. 92. 47 Dvoranovski, op. cit., p. 18.
48 "Metro", &ro H o w , 11. 9,079, I" fev. 1985, Ecoilomia, p. 29.
população destas cidades como "composta, em grande parte, de assala-
riados que permanecem apenas à noite e nos fins de ~eiriaria".~!'Após a
As cidades "industriais"
invasão da Granja Esperança, estudos da Metroplan respaldaram a cri- É dos anos 70 a iniciativa do governo estadual de criar os "distritos
ação de uma linha de onibils, reivindicada pelos moradores, que industriais", em cuja execução deveriam ser fundamentais: a incorpo-
conectou o bairro (além da Vila Aiiair) a Porto Alegre.'() Em resumo, ração de novas teciiologias, a adoção de normas que se preocupassem
diversos estudos e eventos indicam uma relação bastante estreita dos com o meio ambiente, a eficiência operacioiial e a busca de fontes
trabalhadores de Cachoeirinha e outras cidades com Porto Alegre. energéticas alternativas. Superando os limites da indústria tradicional,
Entre os entrevistados, a expressão "cidade-dormitório" é usada os distritos deveriam se toriiar abrangentes, buscando segmentos in-
para descrever uma situação passada de Cachoeirinha, genericamente dustriais mais diilâmicos."'
situada na década de 70. A iiistalação das indústrias rios anos 70, no A localização viária, tanto de Cachoeirinha quanto de Gravataí, foi
Distrito Industrial, não teria modificado de imediato esta situação, de um incentivo à instalação das indústrias, cuja efetivação adquire mais
um lado, porque muitas destas empresas só admitiram localmente mão- visibilidade na década de 80:
de-obra menos qualificada, trazendo seus quadros mais qualificados da
capital (ver a seguir), de outro, porque os mais velhos, ja empregados Cachoeirinha está privilegiada quanto 2 acessibilidade. Situa-se dentro
na capital, não trocaram de emprego: de um anel viário, formado pela BR-290, RS-118 e a projetada auto-estra-
da Porto Alegre - Novo Hamburgo, que atribui vantagens sobre os de-
É, ali [Distrito Industrial], os que foram trabalhar. .. eram principalmen- mais municípios da Região Metropolitana, inclusive Viamão (município
te os mais jovens, porque os mais velhos tinham emprego em Porto Ale- mais antigo) atraindo principalmente atividades de porte. O exemplo
gre. Que Cachoeirinha até aquele momento era uma ciciade-dormitório, concreto disso é o Distrito Industrial que conta atualmente com inúrne-
né. Então as pessoas tinham emprego, daí que as pessoas mais velhas, até ras indústrias, o que proporciona maior número de empregos, garantin-
com mais responsabilidades, prá manter a estabilidade, mantinham o do a continuidade do crescimento apresentado nos últimos a11os.."'
emprego, né, e não arriscavam em se transferir para ali. Tem muitas pes-
soas que ... se aposentaram trabalhando em Porto Alegre, conheço diver- A Moore Formulário Limitada, que detém 35% do mercado nacional de
sas que se aposentaram trabalhando em Porto Alegre, nunca trabalha- formulários, inicia este mês a construção de uma fábrica no Distrito In-
ram em Cachoeirinha, mesmo morando a vida inteira em Cachoeirinha. dustrial de Gravataí, com perspectivas de inauguração para novembro.
E quem estava, por exemplo, na Albarus em Porto Alegre, ou na Zivi, Para tanto, a empresa investirá Cr$ 6,19 bilhões e criará 115 novos em-
que eram as grandes... que absorviam a maior parte da mão-de-obra, não pregos diretos... [...] Para o Moore, que domina 70% do mercado gaú-
queria correr o risco de trabalhar numa empresa menor, que muitas ve- cho no ramo de formulários, a instalação no Distrito Industrial de Gravataí
zes do ponto de vista de ... benefícios sociais oferecia menos, de rancho, se deve, fundamentalmente, à localização estratégica em termos de saída
de assistência médica e tal, então essas pessoas já permaneciam onde para todos os Estados, já que a empresa visa exportar parte de sua produ-
estavam. A não ser depois quando a rotatividade passa a acontecer iiide- ção, especialmente para a Argentina e Chile..""
pendente da vontade das pessoas [chegou em Cach. em 1971; trabalhou
no ramo do vestuário]. A própria escolha do local para instalação do complexo Federação
das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul - FIERGS - e Centro
Para outro informante, que pertenceu a rim grupo de joveiis cujos das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul - CIERGS -, inaugura-
referenciais culturais estavam em Porto Alegre, Cachoeirinha seria uma do em julho de 1987, é uma confirmação da "localização estratégica9':
cidade-dormitório pela quantidade de migrantes, principalmente de
Santa Catarina, não absorvidos pelos mercado de traballio local, e pelo
fato da cidade náo possuir alternativas culturais: sem cinema, poucas
51 De Toni, Ortiz, o/). cib., p. 59.
praças, poucos eqiiiparneii t os recreativos. 52 "Forrnação política e liistórica da cidade",Jo17inlclr Ckchoeirinhn,11. 23, 18-24 maio 1988. Cader-
iio Especial (Cachoeirinha 22 aiios), p. 2. Sobre a decisão da Miliopã Porto Alegre Produtos
Alimeiltícios 1,tda. d e iilstalar-se em Cachoeii.inlia ein 1987, ver "Miliopã chega a 550 mil unida
des por mês", Jot.no-1cle Cnchoei~itikn,1: 11, 11. 8, 28 jan. 1988, p. 3.
49 2 7 0 F'lotc~,11. 7.201, 3jiii-i 1985, Geial, Graricle Poi to Alegle, p. 34.
t e 6,l bi i10 distrito de Gravata?', 2 r o Ilora, 11.7071, 24jaii. 1985, Ecoilomia,
53 "Moore i n ~ ~ e sCr$
50 Um ano de iiivasiio, j«t ~znldp C4'nrhoesr.z~zhn,11. 11, 11. 20, 27 abr. 3 maio 1988, p, 6
p.23.
ele está situado na Av. Assis Brasil, 8.787, próximo a urn viaduto da RS- metalúrgicos da RMPA - que Já eram notícia por suas greves, eleições
290 (a free-wq) , na divisa de Porto Alegre com Cachoeirinha." sindicais e congressos - adquiriram visibilidade na imprensa pelo de-
Efetivamente houve a instalação de indústrias nos distritos indus- semprego que atingiu principalmente seu ramo e o da construçãcj civil.
triais que estavam sendo criados, definindo um certo perfil para cada Em maio de 1983, em reunião da Comissão Especial de Desemprego
um; no caso de Cachoeirinha, o do ramo metal-mecânico:55 da Câmara Municipal de Porto Alegre, foi divulgado que na área de
Porto Alegre, Cachoeirinha e Gravataí existiriam, no setor metalurgico,
Os três distritos industriais, apoiados pelo BNDE têm vocações distintas. cerca de 9 a 10 mil desempregados." Um dos diretores do Sindicato
O de Cachoeirinha, localizado na Grande Porto Alegre, abriga principal- dos Metalúrgicos de Porto Alegre, em reunião com o secretário do Tra-
mente empresas do setor mecânico metalúrgico, que não tinham mais balho, alertou que o nível de desemprego em Cachoeirinha, de 6 mil
condições de expansão na capital do Estado.
desempregados, significava "risco de uma convulsão social".61
O Distrito Industrial d e Gravataí também está localizado na Região
Metropolitana de Porto Alegre, ao longo da estrada Porto Alegre- Enquanto algumas análises j us tificavam o aumento da população
Osório. Este D.I. aproveita a vocação industrial da região e tem, em nas cidades da região metropolitana pelo sua característica de cidades-
sua maior parte, empresas de médio e grande porte, produtoras de dormitório, um estudo da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS,
bens d e capital. de 1982, conclui que, além dos planos habitacionais, aplicados irregu-
O Distrito Industrial de Rio Grande [...I mantém estreita vinculação e larmente, foram os distritos industriais que atraíram as pessoas, e que,
dependência das atividades portuárias [...I Já implantadas, funcionam
em Cachoeirinha, o crescimento industrial nos anos 70 estava ocasio-
fábricas de fertilizantes e de beneficiamento de sojae5"
nando "uma expansão urbana violenta e sem planejamento"." Em ou-
Os distritos da RS-030 continuam a ser ocupados ao longo da dé- tra reportagem, que divulga os dados de tais estudos, a expansão indus-
cada de 80, havendo ainda alguns poucos lotes disponíveis em 1989. O trial de Cachoeirinha e Gravataí é medida pelo aumento da oferta de
de Gravataí é considerado o mais bem-sucedido, com empresas de gran- empregos, "diretamente ligado à instalação de distritos industriais na-
de porte que geraram 15 mil empregos; o de Cachoeirinha mantém a queles dois municípios"." Posteriormente, na visão jornalística, os distri-
especialização metal-mecânica com empresas de pequeno e médio tos industriais e seus empregos haviam acabado com a "cidade dormitó-
porte, que deram origem a 5 mil empregos," refor~ando,portanto, o rio", ainda que tenham causado outros problemas:
segmento dos metalúrgicos, que já possuía expressão na cidade pelo
Com 6'7 quilômetros quadrados e 150 mil habitantes, o perfil econômico
número de operários que se alocaram em metalúrgicas da capital, pois, de Cachoeirinha está obrigando a uma revisão no conceito de que o
segundo a anedota popular, o sonho dos catarinenses que chegavam à município não passa de uma cidade-dormitorio de Porto Alegre. Territó-
Cachoeirinha era "trabalhar no ZIVI, comprar uma bicicleta e um rio escolhido para a instalação de 68 indústrias, espalhadas por quatro
radinho d e pilha99.5"5gNa primeira metade da década de 80, os distritos industriais - um do Governo do Estado e três particulares - o
município já exibe um cada vez mais saudável mercado de trabalho que
atrai, todos os anos, milhares de famílias... [...I
Fruto de um crescimento desordenado, estimulado especialmente pelos
54Jornal de Cackoeirinha, alio I, ri 2, 16 dez. 1987, p. 3.
baixos preços dos terrenos e pela proximidade com Porto Alegre, a
55 O grande destaque da cidade tiillla sido, até e i ~ t ã oa, fábrica de coilsei-vas Kitter, criada i1a
segunda década do século XX (Mombach, p. 30).
56 "BRDE dá Cr$ 415 milhões aos Distritos Iildustriais", 7 ~ Ho,ra, o n. 5.488, 4 out. 1980, Ecoi~o-
mia, p. 19. Ver também "Goverilo vai ocupar "espaços vazios" com mais iildíistrias", Zero Hora, Porto Alegre, abriu uma nova fábrica (ciitelaria) 110Distrito Iildiistrial de Gravataí em agosto
11. 5.741, 15juil. 1981, Execeitivo estadual, p 10. de 1981 (Zero Hora, 11. 5.784, 28jul. 1981, Informe Economico, p. 20).
57 "CEDIC oferece terras baratas nos distritos", Zero Hora, 11. 8.662, 26 maio 1989, Iiiforniativo 60 ""Rriinida coiriissão d e deseniprego", .&)o Hora, 11. 6.433, 5 maio 1983, p. 35.
Especial (Arrancada l[ildustrial), p. 4. Ver também "Progresso é a origem dos problemas das
61 "Dois mil metalui-gicos podem peidei o emprego ila capital", Zero Hora, 11. 6.524, 4 ag. 1983,
iildílstrias localizadas no Disti-ito",~Jornnlde Cachoeirin,lzn,ano I, 11,1, 10 dez. 1987, p. 3. Sobre
Geral, p. 38. Sobre a demissão em massa de operarios da Ii~dílsiriade Mãqiiiilas Mbtail, ver
a Compailliia de Deseilvolviinento Industrial e Comercial (CEDIC),ver De Toili e Ortiz (1991,
'YCachoeiriiiha: pi-eociipação com demissões", 7m-oHora, 11.6.018, 18 mar. 1982, Geral, p. 35.
p. 61).
62 '"NOS quer acabar com as cheias da (;ravataí", Zplo Hora, 11. 6.251, 5 ilov. 1982, (kral, p. 34.
58 Mombach, p. 112.
(33 "'Em 20 a11os, o progresso chega a Viamão", Zero H o ~ n11. 6.302, 26 dez. 1982, (;raiide Porto
59 Em uma outra versão, colhida pelas eiltrevistas, o ideal do migrailte era ter uma bicicleta,
Alegre, p. 13.
carteira d e trabalho 110 bolso e trabalhar ila Zivi. A Zivi-Hércules, metalílrgica iiistalada em
concentração de vilas gerou um sub-produto. a violêilcia, que atinge mo- fosse ocupada por empresas d e Porto Alegre q u e buscavam
radores pobres e de classe média indistintamente e que vem servindo de relo~alização.~' Depois de um certo tempo, é provável que a empresa
tema de campanha nestas eleições.,.64
passasse a contratar mão-de-obra local, como é ilustrado pelo caso da
Os projetos de novos distritos industriais certamente devem ter fábrica Doormarin, de embalagens plásticas, que se transferiu para
sido influenciados pelas análises favoráveis quanto ao mercado de tra- Cachoeirinha no final de 1987, precisando, inicialmente, contratar
balho, tais como as citadas anteriormente, pois o que estava em desta- ônibus para transportar seus empregados que moravam, na sua maio-
que, contrapondo-se às restrições dos ambientalistas, era a expectativa ria em Porto Alegre e Alvorada."
da geração de empregos. Ao anunciar a implantação do Distrito Iiidus- Confirmando o que disse um entrevistado já citado, que as empre-
trial da Restinga, o diretor do Departamento Municipal de Habitação sas que se transferiram para Cachoeiriiiha com seu quadro de pessoal
destacava sua finalidade social, "pois [as indústrias] atenderão aos mo- qualificado, abriram espaço apenas para a mão-de-obra menos qualifi-
radores que não têm mercado de trabalho na região e a população cada, constituída por jovens, relembra um destes que por lá passou: "e
economicamente ativa, que normalmente precisa se deslocar 30 quilô- eu que inclusive já trabalhei no Distrito também, muita gente que eu
metros até o centro da cidade para poder trabalhar9'."Wa mesma for- conheço, da minha idade, passou pelo Distrito; e os trabalhadores do
ma, a criação do Distrito Industrial de Canoas, junto a um conjunto Distrito, são trabalhadores dessa faixa assim, sabe, dos que tavam come-
habitacional, previa oferta de "emprego para parte dos habitantes da- çando o trabalho, a trabalhar nos anos oitenta". Outro entrevistado,
quela região"." A própria idéia, de alguns líderes políticos, de extinção que também entende que o gênero de emprego que havia "rio máximo
dos distritos industriais, em favor do deslocamento das indústrias para era de arigó, e olha lá!", faz um paralelo com o contexto do período da
os distritos municipais, o que a imprensa denominou "indústria distrital", entrevista (1999), o da polêmica acerca da instalação das montadoras
supunha o favorecimento da "mão-de-obra que lá existe".h7 de automóveis: "Mas essas montadoras aí, que que adianta montadora?
Por várias razões é necessário matizar a idéia da geração de empre- Montadora abriram, mas os empregados vem tudo da Bahia e de São
gos. Primeiro, porque se tratavam, muitas vezes, de empresas que se Paulo, né? [..I Todo mundo que veio trabalhar na montadora [GM] tá
transferiram de Porto Alegre para as cidades vizinhas e, portanto, na trabalhando aqui [Gravataí]; mora aqui mas é de São Paulo. Tem um
RMPA como um todo, não geraram novos empregos, "vinham com o monte ali que eu já conheci". Nos anos 80, o trabalho desqualificado e
seu quadro de firncionários ~ o m p l e t o " "Para
~ . "estancar a fuga de pe- mal remunerado foi justamente o que motivou muitos destes jovens a
quenas e médias empresas de Porto Alegre para municípios vizinhos, procurarem alternativas ao trabalho fabril.
especialmente Cachoeirinha", chegou a ser criada uma Central de Apoio Uma segunda razão, de certo modo uma causa da anterior, é que
à Pequena e Média Empresa pelo executivo municipal, com a prorries- distritos industriais corn perfil produtivo específico, como é o caso do
sa inclusive de terreno^."^ Em outubro de 1986, estimava-se que a capi- de Cachoeirinha, trabalham com mão-de-obra relativamente especializa-
tal teria perdido quase 20% de suas indústria^.^^ Na verdade, j2 no pro- da, que necessariamente nâo se encontra no local onde se instalam. Já
jeto de instalação, previa-se que uma parte do D.I. de Cachoeirinha em 1982, buscando urna solução para o aumento da população das
vilas de Cachoeirinha, o prefeito cogita expandir o distrito industrial
do município, atraindo, preferencialmente, pequenas e médias
empresas "não tão sofisticadas,para que possam absorver tima parte do
64 "As vilas abrigam 60% da poprilaç2o", Zero H o I . ~11. , 8.452, 29 oiit. 1988.
chamado mercado iriforrnal (mão-de-obra não especializada,
6.5 "Restinça terá distrito indiistrial. Com isso, mercado de trabalho será garailtido", Zem H ~ I - a11. ,
7704, 16 out. 1986, Geral, p. 44. Ver também Zero Hora, 11.9.749, 29 ilov. 1986, Geral, p. 33. biscateiros), que vem crescendo assustadoramente na Grande Porto
66 "Criado o distrito iildustrial de Canoas", 21-Hom, o 11.8.512, "L dez, 1988, C;ei-al, p. 42. Sobre a
crítica dos ecologistas, ver 21.0 IjO)-a,11. 8.496, 12 dez. 1988, Geral, p. 33.
67 Zero Hora, 11. 6,105, 12juil. 1982, Política, p. 10.
68 Mombach, p. 112.
69 "Fuga de empresas", íof.7.o HUI-a,11. 7190, 23 maio 1985, Ecoiiorriia, p. 23.
70 "Capital perde l8,78%,cie siias iildustiias", Zero Hom, 11,7918, 30 out. 1986, Ecoilomia, p. 28.
AlegreW.'"m 1988, um vereador defeiideu a criação de uma escola
ambiental, eram portadoras de outros males como poluição, violtncia,
profissionalizante com o argumento que "muitas firmas são obrigadas a
vilas clandestinas, ocupação de áreas verdes, etc. Em Gravataí, vários
recorrer à capital para contratar profissi~iiais".~%té1987, quando abre
reclames apareceram já no início da década:
uma escola do Serviço Nacional da Indústria - SENAI - no Distrito In-
dustrial de Gravataí, era em Porto Alegre que os moradores dessas cida-
des buscavam tais cursos técnicos.'" SENAI
E, mesmo que os postos de trabalho não demandassem especiali-
Para De Toni e Ortiz, os Distritos Industriais são produto de uma
zação, as empresas poderiam dar prioridade a candidatos com "currí-
visão que hierarquiza os países segundo o grau de desenvolvimento e
culo operário"; em suma, as vagas disponíveis poderiam ser disputadas
que supõe que os países subdesenvolvidos poderiam atingir, através de
por quaisquer trabalhadores, que, caso residissem a uma certa distân-
etapas sucessivas e encadeadas, o desenvolvimento dos países capitalis-
cia, continuariam a pressionar o sistema de transporte. Como afirma
tas centrais. No Brasil, este projeto foi implementado por um Estado
um metalúrgico, que veio de Santa Catarina para Cachoeirinha em 19'72,
centralista e autoritário, com alto Ônus social:
tendo trabalhado em Porto Alegre e Gravataí: "A pessoa náo escolhe
muito em que cidade vai trabalhar; trabalha onde consegue emprego". O que percebemos também é uma profunda dissociação entre a política
Na visão de um informante, os trabalhadores de Gravataí ou Porto Ale- de desenvolvimento urbano e o planejamento econômico dos distritos.
gre teriam "um histórico operário muito maior do que aquela migra- Neste sentido a tônica de sua implai~taçãoserviu mais as premissas de
ção que vinha habitando Cachoeirinha". As "vagas", com as quais os crescimento do que de desenvolvimento econômico e social. Não pode-
administradores contavam para resolver tanto os problemas de trans- rá ser outra a conclusão se não deixarmos de investigar o grande déficit
habitacional, de transportes, serviços básicos, energia, etc ... presentes,
portes como os de desemprego, se criadas, não estavam garantidas para hoje, nas cidades de Cachoeirinha e Gravataí, alguns estudados ao longo
a população "local". De resto, as próprias previsões oficiais quanto a deste trabalho.'"
número de empregos foram diminuindo proporcionalmente à implan-
tação do D.I. de Cachoeirinha e com a proximidade da recessão nos Se as indústrias traziam empregos e os empregos atraíam migrantes,
anos 80: "dos 12 mil empregos previstos em 19'73, passou-se a 7 mil no o governo cogitou levar as indústrias para onde estava essa mão-de-obra,
final da década, depois 5 mil até a concretiração dos atuais 4.860 em- o interior do Estado, visando "diminuir o impacto negativo que as mi-
pregos direto^".^" a população urbana do município - que pratica- grações causam aos poderes públicos, municipais e estadual, na Região
mente não possui área rural - cresceu, de 1970 a 1980, período que Metr~politana"'~ solução que, na opinião de De Toiii e Ortiz," é equi-
corresponde ao da implantação do D.I., 33.400 pessoas, ou seja, quase vocada, pois "o êxodo rural não se combate com indústrias nas cidades
sete vezes mais." de médio porte, mas sim, com políticas econômicas e sociais voltadas
Na época, mesmo para os que reconheciam que as indústrias esta- para fixação do homem no campo". A idéia presente nessa década, por-
vam criando os tão desejados empregos, sabia-se que elas, por atraírem tanto, era a de que milhares de pessoas em um período de crise iam em
migrantes e por se instalarem sem respeitar as normas de preservação busca das fábricas que existiam na região metropolitaiia.

As cidades operárias
73 "Cachoeirinha: uma revoliição no eilsiiio", &?z, Hora, 11.6.280, 3 dez. 1982, região metropolita- Nas análises do Censo de 1980, ao mesmo tempo er-n que o au-
na, p. 28-29.
74 "Legislativo. Vereador do PMDB quer escola profissitsi~alizaiite",Jorrull de Ikchoeir-iralha,v. 11, 11.
mento populaciorial das cidades da região metropolitana era explicado
21, 4 1 0 maio 1988, p. 4.
75 "Seilai fòrma profissionais para iildústrias",~Jor.nnldc C:nclzoeirirzhn, v. 11, 11 21, 4 1 0 mai. 1988, p,
3.
78 De Toili, O r t i ~ o.),! czt, p. 109
76 De Toili, Ortiz, 01). cif, p. 74.
79"A~laliaçãoI", 2 7 0 Ho~n,1-1. 6.020, 20 mar. 1982, Executivo Estadilal, p. I I.
77 Id., p. 82.
80 De 'Toni, Ortir, op. p. 65
~22,
em termos de êxodo rural para os "niuiiicípios-dormitórios" (visto an- Certamente possuindo um iiúmei-o de postos de trabalho superio-
teriormente), a descompressão populacioiial na capitaljustificava-se por- res aos de décadas passadas, mas com rnigrantes que chegavam coiiti-
que "muitos moradores da periferia deslocam-se em direção aos muni- nuamente e que j5 não encontravam a mesiaia oferta de trabalho na
cípios da Grande Porto Alegre em busca de trabalho nos vários distritos RMPA tal como seus predecessores, Cachoeirinha no final da década
industriais que foram se f ~ r m a n d o " .Assim,
~ Cachoeirinha e Gravataí, de 80 oferecia um aspecto urbano pouco atrativo
ambas com distrito industrial instalado nos anos 70, poderiam estar rece-
A cidade não apresenta qualquer característica de "urbanidade", no sen-
bendo migrantes com expectativa de trabalhar em Porto Alegre e pes- tido de que são muito limitados os espaços oiide as pessoas possam se
soas da periferia porto-alegrense que vieram trabalhar nos distritos. encontrar e aparecer enquanto cidadãos. Inexistem locais públicos, corno
Parece haver um movimento populacioiial que os dados estatísticos glo- praças, passeios, centros de cultura e lazer, onde se possa veicular infor-
bais não desvendam. Isto é, os dados do censo industrial, que atestam mações, estabelecer relações informais, diálogos, assistir a eventos cultu-
um aumento nos postos de traballio, não nos dizem quem estava ocu- rais. Aliás, até mesmo ruas, pátios das escolas públicas, localizados nas
vilas mais pobres, são com freqüência, invadidos pela força policial e,
pando esses postos; por sua vez, o aumento da população empregada
bastando apenas a suspeita, pessoas são detidas e levadas a delegacia de
nas indústrias, revelada pelos censos demográficos, não nos esclarece polícia. Ao contrário da maioria das outras cidades Cachoeirinha não
onde estas pessoas estavam trabalhando. É certo que a contribuição de dispõe de área central e quem atravessa a cidade, no sentido norte-sul,
Cachoeirinlia e Gravataí para a população economicamente ativa (PEA) percorre 5 km de um via (pavimeiitada) desarborizada e cercada, sobre-
da RMPA como um todo aumentou na década 70-80, pelo aumento da tudo, por pequenos estabelecimentos c ~ m e r c i a i s . ~ ~
contribuição dos setores secundário e t e r c i á r i ~ . ~ ~
São as pesquisas de "origem-destino", realizadas pela Metroplan Vista como uma cidade operária, Cachoeirinha teria ern comum
em 1974 e 1986, que podem melhor elucidar a magnitude e as razões com os bairros operários descritos por I-Ioggart a feiúra, ainda que
do movimento pendular através das RS-020 e RS-030. Pelas tabelas que nesses a ausência de beleza é de outra natureza: "ruas e ruas de casas
alinham "Todos os modos e motivos por dia útil", é possível constatar velhas, todas iguais, interceptadas por ruelas e pátios; tudo isto de
que, para Gravataí, um percentual de 60% da pop~ilaçãosempre per- aspecto pobre, esquálido e envolto num nevoeiro permanente; uma
maneceu na cidade e que, em Cachoeirinha, o percentual da popula- paisagem em tons de cinzento sujo, desprovida de verdura".85 Outra
ção que se deslocava para Porto Alegre reduziu-se (de 40% para 28,3%), semelhança destas cidades operárias com os bairros operários ingle-
ses descritos por Hoggart8Qstaria em uma certa fixação resideiicial
mesmo tendo havido aumento da população. E com os dados da tabela
do trabalhador, que poderia mudar constalitemente de emprego na
"Todos modos e motivo trabalho", disponíveis para 1986,verifica-se que,
RMPA - o que seria uma vantagem para o capital -, sem, necessaria-
da população que se desloca para Porto Alegre, parcela expressiva o faz
mente, mudar seu local de domicílio." O que as entrevistas com mo-
por razões de trabalho (53, I%,em Cachoeirinlia e 41,5% em Gravataí).
radores jovens de Cachoeirinha têm mostrado @ uma mobilidade ex-
De Toni e Ortiz entendem que os dados indicam que, mesmo não pos-
pressiva no local de emprego, porém, uma também significativa mu-
suindo "vidas econômicas" desvinculadas de Porto Alegre - como São
dança no local de residência.
Leopoldo e Novo Hamburgo -, Cachoeirinlia e Gravataí, pelo cresci-
A "condição ~perária"~"os moradores das vilas de Caclioeirinha
mento dos setores secundário e terciário nas décadas 70 e 80, já iião
é afirmada em marcliinhas carnavalescas que satirizam tanto sua situa-
padeceriam dos processo de "d~rmitorização".~"

84 Dvorai~ovski,o f ~rzt,
. p. 18
8.5 Hoggart Ricl~aid. li;, utdzznçó~\da cuúura. clrf)~cloc uzda da t l a s s ~ ~ a D c ~ l l a,
~ acom
d o ~esl)~czazJ I P / P ~ @ I Z -
Poi to: Editoiial Preseiiça, 19'73 3 (195'91.V. 1, p. 72
czas ( I ~ J I I D I z ~P~dz?~t?rt~~n~llto~.
cO~J
81 "Resultados d o Censo 80 saem ate o próximo dia 15", Hora, 11. 5.519, 4 iiov. 1980, 86 Id., p. 76
Cieial, p. 7. 87 Kiptti, ofi rzt, p. 194
82 De Toili, O r t i ~op.
, czl., p. 9 4 9 8 88 N'eil, Simone. A cotlrliç60 of~trhin,e outros estuctos sobre a opressào. Rio cle Janeiro: Paz e Terra,
83 Id. p. 103. 1979.
ção quanto a repressão que sofreram ao reivindicar,juiito ao congcla- Na visão do informante, este <: "um sistema de exploração alta-
mento dos preços das passagens de ônibus, a retirada da roleta da porta mente refinado", pois o produtor tem que garantir a qualidade do pro-
de entrada, mais higiene e respeito as paradas. O bloco das vilas Monte duto, se responsabiliza pelo conserto das máquinas, mas não tem ne-
Cristo e Princesa Isabel tinha mais de 100 integrantes: nhum vínculo empregatício. Outro entrevistado lembra de passar a in-
fância (final da década 70) costurando bainhas de calção; sua mãe, após
Você pensa que operário é peça/operário não é peça nãs/operário é de trabalhar por algum tempo de free-lancer para uma empresa de Porto
c?rne e osso/e precisa de muito feijão. [...I Alegre, acabou inclusive obtendo carteira assinada. Considerando que
O operário por que estás tão triste/mas o que foi que aconteceu/foi o
ele se recorda de acompanhar a mãe quando esta levava roupas para a
transporte que subiu de preço/ou o teu salário que não cresceu./Vem
operário, vem transformar/de ti, depende o patrão que te oprime/vê se empresa, pode-se sugerir que alguns deslocamentos por motivo "de tra-
sai desse regime/combatendo a o p r e ~ s ã o . ~ " balho" à metrópole não significa que as pessoas lá trabalhassem; na
capital estava a sede do capital. A pesquisa localizou um informante
Outro aspecto da cidade, que reforça seu perfil operário, em de- que, após um acidente de tránsito em 1994, passou a trabalhar na con-
pendência com Porto Alegre, mas sem a transformar em cidade-dormi- fecção da esposa - uma confecção no fundo da casa -, que está no ramo
tório, são as inúmeras empresas familiares do ramo do vestuário (as desde 1980. Ela conta que existiam pelo menos três grandes confec-
"facções") que trabalham para grandes empresas sediadas na capital: ções em Cachoeirinlia, que faliram com o governo Collor, gerando a
alternativa da compra de máquinas pelos trabalhadores para confecção
É, tinha já bem desenvolvido isso de pequenas ... pequenas empresinhas caseira. Ela reconhece que o empresário que administra o sistema de
caseiras, de fundo de quintal. E isto chegou num momento que ... talvez
facçiio tem a vantagem de não pagar "todos os direitos da pessoa"; mas
pelo motivo, pelo êxodo das pessoas de Porto Alegre prá periferia, e
pelas novas relações de trabalho estabelecidas pelas grandes empresas também vê vantagens de sua parte: não pagar ônibus, estar na própria
também do vestuário, elas... elas começaram a terceirizar seus trabalhos. casa (vantagem especialmente para as mulheres), possibilidade de ma-
E àquelas costureiras que estavam a mais tempo nas empresas, era pro- rido e mulher trabalharem juntos. Quanto ajornada, ela confirma que
posto um acordo de pagar indenização com máquinas e ela montar na se trabalha de "8 às 8" e de "segunda à segunda", mas justifica que em
sua casa a sua empresa e prestar serviços prá sua empregadora original; e janeiro e fevereiro não há demanda.
isso se proliferou em Cachoeirinha. Tu inicia fazendo prestação de servi-
ços, que é quando a pessoa aprende a riscar, a modelar, a cortar, a costu- Os deslocamentos que as pessoas realizam entre as cidades da
rar, e de repente ela tá produzindo peças, né, e daí se constitui uma RMPA, das cidades vizinhas para a capital e vice-versa, e de uma para
pequena empresa de produção. Não é uma empresa de prestação de outra, são muito complexos nem sempre mensuráveis. O próprio lo-
serviços mas de produção. cal de moradia pode sofrer mais de uma alteração - de uma cidade
para outra - em poucos anos. Não há dúvidas que Porto Alegre, princi-
palmente no horário "útil" tem um poder centrípeto, pois, como capi-
É, porque ele [o ramo têxtil] trabalha, primeiro, com a categoria com-
tal de Estado, é sede administrativa, inclusive para alguns sindicatos.
posta basicamente de mulheres; é 90, mais de 90% de mulheres. E... quan-
do terceiriza ele leva para dentro da casa, acaba empregando também a Por outro lado, há toda uma movimentação interna a estas cidades,
mão-de-obra excedente dentro de casa, as crianças, o marido desempre- expressas rias reivindicações não só melhores condições de habitação e
gado, o filho, enfim, né, acaba envolverido todo mundo na produção. E transportes, mas também de escolas, assistência médica, empregos, etc.,
aí... têm situações que as pessoas, para coiiseguir tirar o rníiiiino para o que lhes dá, no próprio ato de mobilizaçâo, uma vida própria, ainda
seu sustento, fica a família inteira trabalhando 16, 18 horas por dia, pro- que uma passeata pudesse, sem rniritas dificuldades, acabar no Palácio
duzindo assim por preço ... [trabalhador do ramo do vestuaio].
Piratini. (:«ntrido, se é preciso rclativizar a imagem de "cidade dormi-
tório", construída unicamente a partir da ótica do mercado de traba-
lho, a ampliação deste mercado, pela iiistalação das indústrias nestas
89 "Cachoeiriiiha teve o bloco do protesto, com muito humor", &O Hora, 11. 5.640, G mar. 1981,
Carnaval, p: 92. As i~otíciaçdas reiriviridicações e da iiltimidaçrio por parte da Brigada Militar 5s cidades, confirmou o caráter metropolitario destas, nas quais não há
ações dos vileiros estão em Zh-o IIolq ri, 5.633, 27 fev. 1981, Geral, p. G e Zero Hora, 11. 5634, 28 reserva de trabalho para a populaqão local, permanecendo o contínuo
fev. 1981, Ponto Livre, p. 3.
vai-e-vem de ô i ~ i b i ~
des operários. Se a região metropolitana fuiicioria WBER, Regina. Rapazes pelas mas:juventude operária da região metropoli~ria
como um grande mercado de traballio, que é também a área de atua- porto-alegrense nos anos 80. 1998. niimeo. 25 p.
ção dos siildicatos, as "vilas" são o locus a partir do qual os "vileiros" --. Coilsiderações sobre a cultura operária. Hu~nanas.Londrina: Ed. UEI,. v.
exercem sua cidadania, inclusive quando estão fora do mercado de tra- 1, n. 1. mar. 1999, p. 45-83.
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Sobre os autores

Anderson Zalewski Vargas. Carla Brandalise.


Professor do Departamento de Histó- Professora do Departamento de His-
ria da UFKGS; doutor em História tória da UFRGS. Doutora em Histó-
Social pela Universidade de São Pau- ria Política pelo Instituto de Estudos
lo. Autor dos artigos Moralidade, au- Políticos de Paris. Autora dos artigos
toritarismo e controle social em Por- Integralismo: uma alternativa viável na
to AIegre na virada do século 19. In: zona colonial italiana. In.: Cadernos de
Maucl~,Cláudia et al. Porto Alegre na Ciência Politica - série teses e disserta-
virada do século 19. Cultura e sociedade; ções. Porto Alegre, n. 1 (1995); Cami-
Anos deferro: intelectuais e decadência da sas-verdes: a alternativa integralista. Nós,
Porto Alegre do inicio do século. In: Ha- os ítalo-gaúchos. Porto Alegre: Ed. da
gen, Acácia M. M. e Moreira, Paulo UFRGS, 1996; e A Europa da direita
Roberto Staudt Moreira. Sobre a rua e radical. Humanas: Revista do Instituto
outros lupres. Reinven tnndo Porto Alegre; de Filosofia e Ciências Humanas. Porto
e Natureza e normatização - A cidade alegre,^. 22, n. 1/2 (1999).
como art$cio corruifitor.In: h i s t a de Pós-
Graduação em História, Assis, Universi- Cesar Augusto Barceflos Cuazzelli.
dade Estadual Paulista; A concej!)ção de Professor do Departamento de Histó-
natureza na Guerra dos Pelof~onesoe Ate- ria da UFRGS. Doutor em História
nienses, de íi~cidides.In: Nodari, Euni- Social pela UFRJ. Autor do livro His-
ce, Pedro, Joana Maria, Iokoi, Zilda tória contemifiorânea da Ambrica Latina
Maria. História: fronteiras. Realiza pes- (1760-1970)) co-autor do livro Histó-
quisas na área de Historiografia A11ti- ria da Arnéi-ica Latina: cinco séculos, or-
ga e Teoria do Mito. ganizador e co-autor do livro Questões
de teoria e nzetodolog-ia da História. Diri-
Benito Bisso Schmidt. ge projetos e realiza pesquisas sobre
Professor do Departameiito de His- as fronteiras americanas do século
tória da UFKGS. Doutor em Histó- XIX e sobre identidade regional.
ria Social do Trabalho da Unicamp.
Organizador e co-autor dos livros Claudia Wasserman.
Questões de teoria e metodologia da I-iis- Professora do Departamento de His-
tória e O biogrúfico: perspeêtiva~ inter- tória da UFRGS. Doiatora em I-Iistó-
autor do livi-c) [Jln socia-
di.~cif~linares, ria Social pela UFRJ. Autora do livro
lista no Rio Grande do Sul: Antônio História Contemnifiorânea da América La-
Guedes Coutinho (1868-194 5). Meali- tina (1960-1990), organizadora e co-
za pesquisas relativas ao movirnerito autora do livro História da América La-
operário no Rio Grande d o Sul e ao tina: cinco sSéculos, autora do livro Pa-
gênero biográfico. lavra de presidente. Realiza pesquisa e
dirige projetos sobre movimentos so- tória Argentina e Americana, Dr. Erni- O parlamento nacional e a Revolução Paulo Roberto Staeidt Moreira.
ciais contemporâizeos da América La- lio Ravigizani, da TJiiiversidade de Bu- Farroupilha. In.: Estudos Leopo1dense.s. Professor de graduação e pós-gradu-
tina. enos Aires, com o prof. Dr. Jorge Gel- São Leopoldo, n. 88; organizadora da ação em História na Universidade d o
man e pesquisou durante seis meses, CoktUnea d*' dis~ursos~~arlamentares
da As- Vale do Rio dos Sinos (T_JnisinoS/RS)
Eduardo Santos Neumann. no Archiuo General de la Nación. Douto- se~nbliiaLegzslativa da Província de São e Historiógrafo do Arquivo Históri-
Professor do Departamento de Histó- rando em História na E?norj Universitj- Pedro do Rio Grande do Sul (1828-1889) - co do Rio Grande do Sul. Graduado
ria da UFRGS. Doutorando em histó- Atlanta/EUA. 2 v; e autora do livro Vidapolítica no sé- enl História pela UNISINOS. Mestre
ria social pela UFRJ. Autor do artigo culo 17. Da descolonização ao movimen- e doutor em I-Iistória pela UFRGS.
"Fronteira e identidade: confrontos Helen Osório . to republicano. Porto Alegre: Ed. Da Defendeu em 1993 a dissertação d e
luso-Guarani na Banda Oriental Professora do Departamento de His- UFRGS, Coleção Síntese Rio-Gran- rrnestrado em História Entre o deboche
(1680-1'75'7) In: Revista Complutens;:de tória da UFRGS. Doutora em Histó- dense, 1991. Realiza pesquisas nas se- e a rapina: os cenários sociais da crimi-
História de América, (Madrid): 2000, n. ria pela Universidade Federal Flumi- guintes linhas: Século XIX: fronteira e nalidade popular em Porto Alepe (1868/
26, p. 73-92 e autor do livro O trabalho nense, cuja tese, Eslanciei?-os,lavrado- limites entre Brasil e Umcguai;e Da des- 1888), na Universidade Federal d o
guarani missioneiro no rio da Prata colo- res e comerciantgs na constituição da es- colonização a consolidação da Republi- Rio Grande do Sul. Na mesma Uni-
nial. Porto Alegre: Martiiis Livreiro, trutura portuguesa na América: Rio Grun- ca: federalismo, regionalismo e separa- versidade, em 2001, defendeu a tese
1996. Atualmente desenvolve pesqui- de de São Pedro, 1737-1822, recebeu tismo no Rio Grande do Sul. de doutorado Os cativos e os homens de
sas sobre o impacto das práticas Ietra- Menção Honrosa do Prêmio Arquivo bem - práticas e representações sobre cati-
das nas missões Guarani. Nacional de Pesquisa, edição 1999. Es- Luiz Alberto Grijó. veiro e liberdade em Porto Alegre na se-
creveu, entre outros, os artigos Comer- Professor no Departamento de His- gunda metade do século X X /1858/
Fábio Kuhn. ciantes do Rio Grande de São Pedro: tória da UFRGS. Mestre em Ciência 1888) ". Realiza pesquisas na área d e
Professor do Departamento de Histó- formação, recrutamento e negócios Política pela UFRGS. I>outorando em História social da escravidão e dos
ria da UFRGS. Doutorando em Histó- de um grupo mercantil na América História Social pela Universidade Fe- populares; Patrimônio histórico do-
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Mestre em História, pela Universida- nhar~s. Kio Grande do Sul/Prpjeto Memória lhador Fabril em gestação: depoimen-
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mércio e sociedade na fronteira platina. Professora rio Departamento de His- formação e reprodução de elites po- sideraçk sobre a cultura of~eruria.Reali-
Bolsista do Programa CAPES/SET- tória da IJFRGS. Doutora em Histó- líticas e intelectuais no Rio Grande za pesquisa nas áreas de Cultura Ope-
CIP, de cooperação Brasil/Argen tina, ria Social pela Iliiiversidade de São do Sul. rária e de Etizicidade.
fez estágio junto ao Iiistituto de I-Iis- Paulo Autora, entre outros artigos de
René Ernaini Gertz. movimento operário Gaúcl-io (1870-
Professor do Departamento de Histó- 1937),autora dos livros Guia para estu-
ria da UFRGS. Doutor pela Universi- do da ilrzf~ren
sa Periódica dos tmbalhadore,~
dade Livre de Berlim. Autor dos livros do Rio Clande do Sul (1874-1940) e Que
Ofascis?no no sul do Brasil e O perigo ale- a união opm-Úria seja nossa pátria! Hist6-
mão. Atualmente desenvolve pesquisas ?iadas lutas dos 9)erÚ.i.iosgaúchos pela cons-
relativas 2imigração e ao Estado Novo. truçüo d~ suas orgccnizaçõe~s.Dirige proje-
to de pesquisa do CNPq "A coiitribui-
SandraJatahy Pesavento. ção da historiografia e dos fundos regi-
Professora titular no Departamento/ onais para configuração de um pano-
Pós-Graduaçãoem História da UFRGS, rama nacional da experiência do mo-
professora titular no Departamento de vimento operário no Brasil".
História, Setor de História do Brasil e
História do RGS; professora do PRO- Susana Bleil de Souza.
PUR/UFRGS; Pesquisadora IA/CNPq; Professora no Departamento e do
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Programa de Pós-Graduação em His-
Cidade e cult ura/CNPq; coordenadora tória da UFRGS. Doutora pela Uni-
do Grupo Internacional Cliope (Histó- versidade de Paris X, Nanterre, é pro-
ria e Literatura) ; doutora em História fessora convidada do Curso de Mes-
pela USP; três pós-doutoramentos em trado do Instituto de Ciências Histó-
Paris. Principais obras: Uma outra cida- ricas da Faculdade de Humanidades
de: o mundo dos excluidos nofinal do sécu- e Ciências da Educação, da Universi-
lo X I X ; O imagnúrio da cidade: visões li- dade da República, em Montevidéu.
terúrias do urbano. Paris, Rio deJaneiro e Publicou capítulos d e livros sobre
Porto Alegre; Exposições uniuersais: espetú- fronteiras na região platina: Proprie-
culos da modernidade no séczclo XIX; Dis- dade Kural na América Latina. A
curso histórico e narrativa literúria. Org. fronteira uruguaio-rio-grandeizse no
c/Jacques Leenhardt; 0spobre.s da cida- séc. XVIII. 111: Azevedo, F. L. N. de e
d.q. Menzória Porto Aleg-e, espaços e vivên- Monteiro, J. M. (Orgs.) Raízes da
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gê~bciados .subalternos; A burguesia gaú- homens do contrabando. In: Caste-
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tiz~bnlho;Re$iública Vellza gaúclza; ffisto- C.; Schaffer, N. O.; Silva, P. C.; Sou-
ria do Rio Crcnnde do Sul. Realiza pesqui- zA, S. B. (Org). PrÚticccs de iniegr-açüo
sa nas áreas de História Cultural das n a fronteira: ternas para o Mercosul; A
cidades, História e Literatura e Histo- J?-onteirado sul: trocas e núcleos urbanos
riografia. - urna afiroximaç6o Histórica. Iii: Leh-
nen, A. C.; Castello, I. R. e Schaffer,
Sílvia Regina Ferraz Petersen. N. O. (Org.). Fronteiras no Mercosul.
Professora do Departamento de His- Desenvolve pesquisas sobre a região
tória da UFRGS. Doutora em Estudos platina, com atenção para a questão
Latiiio-Americanos de História pela de fronteira, comércio e coiitrabaii-
tJNAM (México). Autora com Maria do, e para a construção das ideiitida-
Elizabeth Lucas do livro Antologia do des riacioi~aise de nacioiialisrnos.

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