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“Recebi hoje a sua carta de 30 de junho deste

ano, e a ela vou responder, devendo primeiramente


dar-lhe a infausta notícia da morte de sua prezada
mãe, minha tia D. Bárbara, ainda nos limites do
Piauí, em casa do Pe. Pedro (Rodovalho) a 28 de
Agosto passado, fazendo já, hoje completamente um
mês e um dia. Êste triste acontecimento nos deixou
bastantemente penalizados, e muito principalmente
quando ouvimos os gemidos e as lágrimas dos pobres
e indigentes, a quem ela com tanto amor socorria” .
(Trecho de carta do Pe. Carlos Augusto Peixoto de
Alencar a José Martiniano de Alencar, em 29 de
Setembro de 1832, a página 248, dos A N A I S da
DIVISÃO DE PUBLICAÇÕES E DIVULGAÇÃO —
Rio, 1968).

ANO 1970

INSTITUTO CULTURAL DO CARIRI — CRATO — CEARÁ


IH11Z OSTERNE DE ALENCAR $. A.
C O M É R C IO - IN D Ú S T R IA ~ A G R IC U L T U R A

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E DE DESCASCAR ARROZ — UM MUNDO DE ARTIGOS
PARA USO NA AGRICULTURA E NA INDÚSTRIA ! ! !

MATERIAL ELÉTRICO EM GERAL


M A T R I Z :

RUA DR. JOAO PESSOA Ns. 405/419 — FONE: 583

F I L I A L :

RUA BARBARA DE ALENCAR N.° 796 — F O N E : 505

TELEGRAMA: O S T E R N E — CAIXA POSTAL, 16

O MAIS BEM ORGANIZADO SISTEMA


CREDIÁRIO NO INTERIOR NORDESTINO

_____________________________________________
D I R E T O R I A.
DO
I N S T I T U T O C U L T U R A l , L »0 C A R I R I
ELEITA PA RA O ANO SOCIAL ENTRE
OUTUBRO DE 1969 A 1970
P residente :
JOSÉ ALVES DE FIGUEIREDO FILHO
V ice-P residente :
P e. ANTÔNIO GOMES DE ARAÚJO
Secretário G eral :
JOAO LINDEMBERG DE AQUINO
2.° Secretário :
ZULEIKA PEQUENO DE FIGUEIREDO
T esoureiro :
ANTÔNIO CORREIA COELHO
Comissão da R evista “ IT A Y T E R A ” :
J. DE FIGUEIREDO FILHO
P e. ANTÔNIO GOMES DE ARAÚJO
J. LINDEMEiZRG DE AQUINO
Comissão de Ciências L etras e A rtes :
D r. RAIMUNDO DÊ OLIVEIRA EORGES
P rcf . JOSÉ NEWTON ALVES DE SOUSA
D r. JEFFERSON DE A. E SOUSA
Comissão de Sindicâncias :
. D r. JOSÉ DE PA U LA B AN TIM
P rofa. EDMÉIA ARRAIS DE ALENCAR
P rofa. M ARIA DE LOURDZS ESMERALDO
SÓCIOS QUE TOMARAM POSSE EM
CADEIRA COM PATRONO, NA
SECÇÁO DE LETRAS:
N.° 1 — João Lindemberg de Aquino
PATRO N O — Padre Ibiapina
N.° 2 — Dr. Raimundo de Oliveira Eorges
PATR O N O — Bruno de Menezes
N.° 3 — J. de Figueiredo Filho
PATRONO — José Alves de Figueiredo
N.° 4 — Profa. Edméia Arraes de Alencar
PATRONO — Alexandre Arraes de Alencar
N.° 5 — Profa. Maria de Lourdes Esmeraldo
PATRONO — Mons. Pedro Esmeraldo
N.° 6 — Pe. Antônio Gomes de Araújo
PATRONO — Irineu Nogueira Pinheiro
N.° 7 — Cap. Otacílio Anselmo e Silva
PATRONO — Barbosa de Freitas
N.° 8 — Prof. José Newton Alves de Sousa
PATRONO — Álvaro Bomílcar
N.° 9 — Mons. Rubens Gondim Lóssio
PATRONO — D. Francisco de Assis Pires
N.° 10 — Tomé Cabral
PATRONO — Pe. Emílio Leite Cabral
SECÇÃO DE CIÊNCIA :
N.° 1 — Dr. Napoleão Tavares Neves
PATRONO — Dr. Barreto Sàmpaio
Í N D I C E Pág.
Neste 14.° Número ............................................................................... 3
A ta da Sessão 'da Câm ara Municipal do Crato ............................ 4
A Civilização que veio pelo São Francisco ..................................... 7
“ O D ia Santo da Pá tria ” — Seus Orágos ..................................... 15
Tom a posse da Cadeira N.° 1 o Dr. Napoleão Tavares. Neves ---- 21
Aspectos da “ Doença de Chagas” no Cariri Cearense ................... 24
Monsenhor Rubens Gondim Lóssio ...................................................... 41
O Bom Pastor — Dom Francisco de Assis Pires ........................... 45
D. Marica e a Questão de 8 em Aurora ......................................... 61
Terras de Invasão .................................................................................... 65
Onde e Quando Morreu Bárbara de Alencar ................................. 70
O Baú Verde ............................................................................................. 75
Padre Cícero — Mito e Realidade ................................................... 76
Embate Humano e Descoberta Pré-H istórica .................................. 77
Gente Ilustre ..................................................................
H istória da Ind. do Charque Gaúcho Fundada por um Cearense 85
A Poesia Emocional de Pedro M avignier ........................................ 95
Parde Serafim Leite, S. J........................................................................ 99
Sobrevivente da Insurreição Acreana, em Crato .............................. 102
Crato, Sangue Bom ................................................................................ 105
Solenidade da Posse da Cadeira N.° 10 na Secção de Letras ......... 109
Discurso do Escritor Tom é Cabral Santos ........................................ 112
Quem não q u e r... manda; quem quer................................................ 118
Monsenhor Távora no Sacerdócio e na Política - ( I I ) .................... 121
F A C - S I M I L E ........................................................................ 123
L IT E R A T U R A — Acadêmico Cearense .................................................. 125
Da Terra nos vem a Riqueza ............................................................ 126
Duarte Júnior, companheiro que desaparece ..................................... 129
Um Livro sôbre Bichos .......................................................................... 180
Traços e Episódios de sua V ida - ( I ) ............................................ 133
Capistrano de Abreu ................................................................................ 145
A Ig re ja e a Pobreza ............................................................................ 149
Festejos Juninos no Recife ................................................................... 151
Pega-de-Boi-Brabo Espetáculo condenado a desaparecer ................ 153
Carta do Dr. Reinaldo Carleial .......................................................... 157
O H O M E M ....................................................................................... 162
Antroponim ia Patriótica da Independência ......................................... 165
Outras Cadeiras do Instituto Cultural do Cariri .............................. 167
“ O CEARENSE” de Parsifal Barroso ................................................. 168
O Patriarca M ajor José do Vale em Missão no C ariri ................ 170
Eu conheci Antônio Silvino ................................................................. 173
Hospital Psiquiátrico do Crato .......................................................... 178
Folclore do Cariri ................................................................................. 181
Aspectos Interioranos .......................................................................... 184
Sigisnando Sisnando Batista ................................................................ 187
Dr. TELES, vida dedicoda ao Bem ................................................... 190
Exposição de Pintores de Fortaleza ..................-•............................... 193
O Vale do Cariri e as Sêcas do Nordeste ........................................ 195
Cariri, Nordeste e Universidade ............................................................ 197
Gualter Martiniano de Alencar Araripe, Barão do Exu (A ta ) ---- 199
A M aior Serpente do Mundo .............................................................. 201
J. DE FIGUEIREDO FILHO

Há 17 anos, está funcionan­


do, com tôda a regularidade, o
Instituto Cultural do Cariri, Foi igualmente desdobrada
mantendo a revista “ ITA YTE - a secção dei Ciências, com a
R A ” , já em seu 14.° número. defesa da primeira tese pelo
Foram várias as dificuldades a inteligente e culto médico, Dr.
serem rompidas. Nossa publi­ Napoleão Tavares Neves, que
cação disseminou-se peles ocupou, em Barbalha, em ses­
meios cultos do país e até são do IN STITU TO CULTU­
mesmo pelo exterior, encon­ RAL DO CARIRI, patrocinada
trando a melhor acolhida pos­ pelo LIONS CLUB, a CADEI­
sível. A Biblioteca aumentou RA N.° 1, do novo sector que
e recebeu, há pouco, nova desdobramos.
transfusão de sangue com os Nossa entidade cada vez se
livros que pertenceram ao es­ expande por aí afora. Toma
critor cratense - Manuel Mon­ parte em certames vários e
teiro, doado pela viúva D. Eli- seus associados colaboram, em
zabeth Barbosa Monteiro, tam­ múltiplas e divulgadas publi­
bém cultora das letras. cações do país, ou, de quando
São múltiplas também as re­ em quando, lançam livros de
lações mantidas pelo I. C. C. sua autoria.
com os demais congêneres do Sucedem-se de dia para dia
país e a correspondência que as visitas à sede social de inte­
seu presidente recebe e respon­ lectuais e de estudantes locais
de, é uma das maiores de Cra- e de fora, em busca de conhe­
to. Só o Museu está parado cimentos do Cariri, atendidos
momentaneamente à espera pelo presidente e secretário ge­
que a Prefeitura de Crato con­ ral do Instituto Cultural do
clua a remodelação do antigo Cariri, sempre com ofertas de
edifício da. Municipalidade pa­ publicações locais ou com con­
ra o instalar condignamente. sultas à sua riquíssima biblio­
O I. C. C. congrega todos os teca.
principais escritores de Crato A Tesouraria, em mãos do
e da redondeza e suas cadeiras consócio Antônio Correia Coe­
com patrono têm obtido o me­ lho, prima em manter-se sem­
lhor sucesso. Nove consócios pre em equilíbrio financeiro,
já se vincularam à secção de de forma que consideramos
letras, coml trabalhos que se sucessão de vitórias, esses 17
constituiram em noites memo­ anos de existência consagrados
ráveis, incluindo até reunião à difusão da cultura no meio
no recinto da Catedral. caririense.
A T A "A o s dezessete dias do mês de M aio
do ano de 1970, ás 16 horas, têve lu­
D A gar a sessão solene da Câmara M u n i­
cipal do Crato, para a outorga do tí­
S E S S Ã O tulo de Cidadão Cratense ao Coronel
Virgílio de M orais Fernandes Távora,
D A ex-Governcdcr ao Ceorá e integrante
da representação federal do nosso Es­
C Â M A R A
tado, no Congresso Nacional. Êsse
título lhe fôra concedido de acordo
M U N I C I P A L
com a Resolução 13/69, aprovada por
unanimidade de votos sendo oriunda
D O
de Projeto de Resolução de autorio do
vereador José Luís de França. O a u­
C R A T O
ditório do Palácio do Comércio, onde

P A R A se realizou o solene ato, estava repleto


do que mais ilustre e representativo

O U T O R G A tínhamos em nossa Cidade e em nossa


região. Tôdas as entidades clubes de
D O serviço, associações de classe, colégios
e instituições se fizeram representar,
T Í T U L O consagrando, em uníssono a admira­
ção do povo da nossa Cidade ao ilus­
D E tre homem público.

C I D A D Ã O As autoridades, civis, religiosas e


militares do Crato, também estavam
C R A T E N S E presentes além de senhoras e senhori-
tas e de grande massa popular.
A O
Abrindo os trabalhos, o Presidente
CeL VIRG ÍLIO TÁVORA, do Casa, Vereador Jcsé Valdevino de
Brito, constituiu uma Comissão compos­
R E A L I Z A D A ta dos Vereadores Eron Pinheiro, Pedro
Saraiva, Joaqum Brasil e Cícero de
E M M oura Rosendo para introduzir no re­
cinto da sessão o Cel. Virgílio Távora
1 7 e sua comitiva, que foram mcebidos
sob vibrante salva de palmas. A se­
D E
guir, foram convidados para ladear o
cel. Távora os seguintes autoridades:
M A I O
Prefeito Humberto M acário de Brito,

D E Deputado Derval Peixoto, Monsenhor


Pedro Rocha de Oliveira, Deputado Os-
19 7 0 sian Araripe, Cel. Humberto Bezerra,
Cel. Cesor Cols de Oliveira Filho can­ fazendo uma profissão de fé na conti­
didato indicado ao Governo do Estado nuidade dos destinos gloriosos de nossa
Senador Wilson Gonçalves, Deputado gente. Agradeceu aos componentes do
Wilson Roriz Deputodo José Napoleão, Diretório da A R E N A e aos senhores
Secretário do Interior e Justiça, Cel. Vereadores do Crato a honrosa distin­
Osmar de Oliveira Lima, Sr. Thomaz ção e traduziu, por fim o seu reco­
Osferne de Alencar, Dr. Nestor Soares nhecimento eterno pela homenagem re­
Costa. Formada a Mêsa, o Presidente cebida. Convém salientar a presença
da Caso, Vereador José Valdevino de de diversos deputados estaduais e di­
Brito, explicou as finalidodes da reu­ versos Prefeitos da região, que compa­
nião, concedendo a palavro ao Vereador receram paro se integrar às homena­
José Luis de França, que fez a sauda­ gens ao novo Cidadão Cratense.
ção oficial em nome da Casa. O ora­
dor fêz um relato retrospectivo da mag­ E como nada mais houvesse a tratar,
nífica atuação do cel. Virgílio Távoro o Vereador Presidente do Câmara M u ­
em favor do progresso de nossa comu­ nicipal autorizou a Leitura da Ata que
nidade desejando-lhe, em nome do será assinada por quem de direito para
nosso povo, as bôas vindas como novo gravar á posteridade êste histórico fato,
Cidadão Craterse. O Presidente Jose após o que encerrou a sessão solene.
Valdevino leu os termos do diploma de
Cidadão Cratense fazendo-lhe a entre­ (Assinaram o Ata) José Valdevino de
ga do referido diploma legal. Todos Brito, Virgílio Tóvora Cel. Cesor Cais
de pé soudaram com visivel emoção e de Oliveira, Humberto Bezerra, Hum ­
vibrante salvo de palmas ao homeno berto Macário de Brito W ilson Gonçal­
geado. O novo Cidcdão Cratense pro­ ves, Wilson Roriz, Thomaz Osterne de
nunciou a seguir, o seu discurso de a- Alencar, Osmar de Oliveira Lima, José
gradecimento, manifestando, prelimi- Napoleão de Araújo, Ossian Araripe,
normente, o seu contentamento por Monsenhor Pedro Rocha Derval Peixo­
contar, nesta hora importante de sua to, Joaquim Brasil, José de Sousa Brito#
vida, com as presenços a solenidade Valdir Leite Pedro Saraiva de Macêdo,
dos candidotos a Governador e a Vice Cícero de M oura Rosendo, José Eron
Governador, o Senador Wilson Gonçal­ Pinheiro, M aria Arroes Simião José
ves, e dos deputados Estadua;s e Fe­ Luís de França, Dr. Nestor Soares Cos-
derais, Prefeitos da Região e demais ta/ José Kleber Calou, Edson Olegário,
autoridades. Frisou que a sua admi­ José Dácio Leite, Jorge Furtado Leite,
ração pelo Crato se ligo dêsde a in­ Januário Feitoso Vicente Augusto,
fância do seu venerando Pai, que aqui Marconi Alencar, Adauto Bezerra,
viveu muitos anos, pelo passado de Amarílio Cavalcante Macário de Brito
tradições históricas da terra cratense. Monteiro, José Miguel Soares, José
Renovou o sua gratidão pela homena­ Teófilo Machado, Alcides Alves de
gem recebida que bastante lhe emo­ Oliveira, M aurício Peixoto, João Lin-
cionara e fêz apelo oos futuros gover­ demberg de Aquino, Lu.s de Borba
nantes para que ouvissem e acolhessem Maranhão. (Seguem-se dezenas de as­
as reivindicações do Crato e do Cariri, sinaturas).
r

Fábrica Fortaleza
ü. DMS BRANCO S. A. - Comércio e liiúsiría

A M AIOR FÁBRICA DE MACARRÕES E


BISCOITOS DO NORDESTE DO BRASIL

SÓ FABRICA PRODUTOS
DE SUPERIOR QUALIDADE

DEPÓSITO DO C A R IR I:

RUA SENADOR POMPEU, 11 — CRATO - CEARÁ


A Civilização que veio pelo São Francisco
J. DE FIGUEIREDO FILHO, PRESIDENTE DO
IN S TIT U T O CULTURAL DO C ARIRI, PROF.
DA CADEIRA DE H ISTÓ R IA DO CARIRI,
NA FACULDADE DE F ILO S O FIA DO CRATO

O São Francisco deixou de ser netração para o vale caririense,


motivo apenas de lendas ou inspi­ depois melhoradas pelo homem.
rador de poesias. “ O mais brasi­ Padre Antônio Gomes de Araújo,
leiro dos rios” é realidade palpi­ infatigável devasador da história
tante, fator im portante de progres­ na zona sul cearense, enumera as
so, em todos os setores, mesmo em seguintes: JA G U A RIB E - C A R IR I;
zonas longínquas. V IL A BELA — C A R IR I; CABRO-
O Cariri cearense é filh o da BÓ — C A R IR I; CABROBÓ — E X U ;
espansão povoadora, vinda pelo rio EXU — C AR IRI.
S. Francisco e seus afluentes, en­ O Cariri, povoado anterior­
tre os séculos X V II e X V III. Fo- mente por amenncolas de igual
íam brasileiros brancos e mesti­ nome, atingido pelo sertanista
ços da Bahia, Sergipe e Pernam ­ chegado pelo sul( foi devassado,
buco, os primeiros portadores da com cêrca de duzentos anos de
civilização, a penetrarem nesta atraso do descobrimento do Brasil,
sub-região, atraídos peito sortilégio e cem do povoamento da faixa li­
de novas pastagens para o gado. torânea do Ceará.
Estávamos no período do ciclo do O silvícola, encontrado na
couro, de que nos fala o historia­ terra pelo civilizador, também
dor Capistrano de Abreu, em rela­ chegara, entre os séculos I X e X,
ção ao Norte do país, ou Sarmien- depois de Cristo, pelas mesmas es­
to, no caso do Uruguai, Argentina tradas apontadas, pelos afluentes
e Rio Grande do Sul. , do S. Francisco, conforme a opi­
Os afluentes do rio civilizador nião abalizada de um dos mais ar­
do Nordeste não têm curso perene, gutos pesquisadores da pré-história
no lado pernambucano. Enchem cearense — Tomás Pompeu Sobri­
nas épocas invernosas, ou ficam nho. Vejamos trecho do que diz,
esturricados, quando cessam as em seu livro publicado pela CO­
chuvas. Deixam, no entanto, ca­ LEÇÃO — H ISTÓ R IA DO C EARÁ:
minho aberto no meio da caatinga “ Quanto ao tempo da chegada
a penetrar em longos trechos do das primeiras levas (aborígenes)
sertão. Serviam de roteiro ou via somente conjecturas se permitem.
natural para o sertanista embre­ Os Cariris foram dos primeiros
nhar-se de mato a dentro. Foram imigrantes proto-malaios que abi-
aquelas veredas líquidas ou sêcas, caram às costas americanas do
que conduziram os colonizadores Pacífico, nos ístimos ou na Colôm­
das entradas baianas em direção bia. Teriam bem cedo deixado a
do Cariri. Chegavam em poucas área de caracterização tipológica.
levas, ou quase isoladamente. Isso ocorreu, provavelm ente quan­
Várias foram as rotas de pe­ do ainda nel'e chegavam novas le­

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vas que vinham a galgar os Andes. sertões inóspitos, deparou-se com
Adm itindo que essas prim eiras le­ terras de rica vegetação, córregos
vas na quarta corrente de povoa- abundantes e várias zonas embre-
dores alcançaram as costas, de jadas, convidando-o a trocar o la ­
onde se internaram, no continen­ ço e a aguilhada pelo machado e
te, no curso de NW Amazônico, aí enxada. Foi c que fez logo, sem
pelos últimos séculos dêste milênio. esquecer o gado vacum, indispen­
O estacionamento na área de fo r­ sável à vida agrícola. Os aborí­
mação dos Brasílidos (provindos genes já sabiam cultivar o milho,
dos Pré-Brasílidos) não teria sido algodão e mandioca, Quem vinha
inferior a um milênio. Tudo isso do recôncavo baiano, ou da mata
nos leva a conjecturar que êste de Pernambuco, sentia que pisava
povo chegara à m argem do São em terreno de massapê, por de­
Francisco, há cêrca de 1,5 milênio, mais propício à cultura canavieira.
portanto ainda no prim eiro quar­ A gramínia, de pouco a pouco,
tel da era cristã. Poucos séculos tomou conta dos brejos e dos pés-
depois estariam alguns grupos de de-serras do Araripe. Os engenhos
C ariri estabelecidos no sul do Cea­ de rapadura e aguardente m ulti­
rá, isto é( ai pelo I X ou X séculos plicaram-se. O boi, o cavalo e
de nossa era” . mais tarde o m uar tornou-se o
Foram aquêles silvícolas que m otor da engrenagem de retirar
os colonizadores, também vindos o suco daqueles riquíssimos colmos.
das bandas do São Francisco, O senhor de engenho passou
encontraram como donos dessas a ser também fazendeiro no ser­
terras dadivosas, parecendo mais tão de Pernambuco, Piauí ou mes­
outra Canaã dos tempos bíblicos mo do Ceará. Muitas vêzes, insta,
Verdadeira ilha de vegetação exu­ lava logradouro, lugar de retirada
berante, perenemente verde, no de gado na serra do Araripe, que
meio da caatinga bravia. Aliás, divide o Cariri da terra pernam ­
era velho costume do indígena bucana. O senhor de engenho
Cariri, das oito grandes nações caririense, como ainda h oje acon­
classificadas por Capistrano de tece, completava seu trabalho de
Abreu, apossar-se dos trechos fé r ­ cultura de cana e de moagem, em ­
teis do Nordeste. pregando três tipos de proprieda­
Não houve cheques profundos, des: o sítio de plantio com água
imediatos, com a chegada do con­ de rega, a fazenda de criar gado
quistador, portador da civilização e o logradouro para a engorda dos
do banco. É que veio a in terfe­ animais e para as vacas leiteiras
rência benfazeja do capuchinho, em determinados mêses.
notadamente do fundador da Mis­ Os tempos mudaram, O gado
são do Miranda, que deu origem crioulo foi perdendo em pêso e em
a Crato, F rei Carlos M aria de produção leiteira. A rapadura
Ferrara. Conseguiu terras culti- desprestigiou-se, em face da con­
váveis e fixeu o indígena. O Ca­ corrência do açúcar branco produ­
riri não tomou parte na chamada zido em uzinas de Pernambuco,
guerra dos bárbaro^, espécie de como também pelo esgotamento
confederação bélica dos índios Ca- sempre crescente de terrenos.
riris, que quase impedia o esforço Delm iro Gouveia, sertanejo de
colonizador do lusitano no interior idéias avançadas para a época,
cearense e adjacências. aproveitando minúscula parte da
O povoador, ao atravessar energia da cachoeira de Paulo

8
Afonso- criou em pleno sertão, in­ de piauiense do antigo Nelson da
dústria de linhas e de tecidos. Franca Alencar, hoje em mães do
Introduziu igualmente tipo de ga­ ex-deputado pelo Ceará — Dr.
do mais forte e adaptável ao cli­ Antônio de Alencar Araripe.
ma. Foi exemplo pioneiro. Co­ -Convém registrar que houve
meçou a aparecer, aqui e &li, o touro de sangue zebu, no Cariri,
boi de cupim, possante para o que teve até fama de SANTIDADE,
engenho e em nada estranho à na crendice dos fanáticos do Pe.
zona sêca do Nordeste. Cícero Romão Batista, de Juazeiro
Quem teria introduzido no do Norte. Chamava-se MANSINHO
Cariri cearense cs primeiros re­ e foi presenteado àquêle sacerdote
presentantes daquelas rêzes, pro­ por um de seus admiradores. O
cedentes da lendária e quase an- beato José Lourenço, sertanejo
típoda índia ? místico, da reda fanática do PA-
Justiniano de Serpa, vulto de D RIN CIRÇO, ficou encarregado
destaque nas letras e nas ciências de tratá-lo em propriedade rural
jurídicas, assumiu a presidência do na Baixa Danta. Tornou-se bicho
Ceará a 12 de Julho de 1920, após regalado, comendo do bom e do
renhido pleito. Reformou a cons­ melhor, amarrado de fitas colori­
tituição, a instrução pública, in­ das, passando a fazer MILAGRES,
centivou o mundo intelectual cea­ filhos do misticismo de quem vive
rense. Seu plano de ação atingiu na ignorância e no subdesenvolvi­
a própria estrutura agro-pecuária, mento. As promessas ao boi MI-
quando, nesse setor, o estado vivia LAGREIRO centuplicaram-se, pela
estagnado, herança ainda da colo­ sugestão coletiva.
nização. Para melhorar o gado Num belo dia a notícia chegou
vacum encarregou seu genro La­ à Câmara Federal, no Rio, onde o
nes Bernardes a ccmprar reprodu­ lugar tenente do padre Cícero —
tores zebus, no Triângulo Mineiro, Dr. Floro Bartolomeu da Costa re­
para revenda, sem lucros, no Cea­ presentava o Ceará. Os ataques
rá. No meio dessa fecunda admi­ contra aquela demonstração de
nistração, faleceu Justiniano de primitivismo da vida juàzeirense
Serpa, antes de cumprir o manda- foram diretos ao Dr. Floro. Êste,
to; a primeiro de agosto de 1923. o mais-que-depressa voltou à cida­
Parte daquele gado foi vendi­ de que o elegeu. De uma feita só
do em Crato, sendo que meu pai a ferro e fogo, extirpou muita
— José Alves de Figueiredo, misto coisa anômala que se passava por
de agricultor e farmacêutico, re­ lá. O boi Apis, ressuscitado, em
cebeu de presente bonito novilho- plagas caririenses, ou por outra,
te, por parte do senhor de enge­ aquela renovação totêmica, com
nho e lavrador evoluído — Nelson raízes aprofundadas, em nossos a-
da Franca Alencar, figura respon­ voengos das selvas africanas, não
sável de antigo dono de sitio cari- podia perdurar. O deputado juà­
riense e de fazenda de criar no zeirense mandou sacrificá-lo, com
estado do Piauí. Não é preciso a- afiada peixeira, em holocausto ao
crescentar que aquelas rêzes dife­ onipotente deus-progresso. Foi
rentes do PÉ-DURO, cria de casa, uma vez a vida de abastança do
despertou a curiosidade geral. Foi MANSINHO. Sua excelente carne
a primeira vez que vi um zebu. foi distribuída a populares, a sol­
Dessa leva, restam descendentes, dados de polícia e até o beato José
na fazenda CONDADO, proprieda­ Lourenço, o sacerdote-máximo, te­

9
ve de comer-lhe bom pedaço, com zebus e outras raças, incluindo até
farinha de mandioca e naco de búfalos. Com os irmãos Medeiros,
rapadura. naturais de Flores, em Pernam bu­
A entrada regular de zebus no co, constituiu sociedade para in­
Cariri, provindos de Jacobina e de tensa venda de zebus, na zona ca-
Mundo Novo, na Bahia, fo i que ririense e imediações. Eram êles,
contribuiu decisivamente, para a Ozael, Saturnino e Joaquim. As
m elhoria da pecuária regional. Seu manadas que conduziram pelo
introdutor, em caráter comercial, mesmo caminho das antigas en­
ainda no prim eiro quartel do pre­ tradas baianas, povoadoras do sul
sente século, foi o sertanejo da do Ceará, transform aram , quase
zona cearense de Ibiapaba — Dio- totalmente, a pecuária da zona.
go Farias. Com prava gado mesti­ Sua missão terminou. Agora os
ço de zebu, naquelas paragens planteis de gado são melhorados e
baianas e revendia no Cariri e v i­ selecionados pela Exposição Cen­
zinhanças. tro Nordestina de Animais e P ro ­
Era aquele boiadeiro dos mais dutos Derivados, realizada, anual­
autêntico produtos da mestiçagem mente, em Crato, com repercussão
nordestina, entre o branco e o ca­ até no Triângulo Mineiro.
boclo. Alto, moreno, quase côr de Ozael Medeiros prestou-me va­
canela, delgado, mas de complei­ liosas informações dêsse penoso
ção robusta, vive. Usou cavanha­ transporte de rêzes de Mundo No­
que por muito tempo. Não se can­ vo e Jacobina ao Cariri e outros
sava, de form a alguma, com a as­ pontos interessados na m elhoria
pereza da luta cotidiana no meio da raça bevina. A principio, con­
da caatinga braba. Conheci-o em duziam novilhos mestiços que ven­
seu mister, em 1921, quando eu, diam prontameste nos mercados,
de regresso à minha terra, proce­ mas os criadores começaram a
dente de Petrolina, montado em exigir reprodutores mais puros.
muar e acompanhado de arreieiro, Suas boiadas alcançavam média
parei em frente à alpendrada ca­ de 500 cabeças, constituídas de
sa sertaneja. Encontrei-o ali. NELORE, G IR , IN DUBRASIL, GU-
Confessou-me estar com febre e ZERÁ. A marcha, naquela época,
não dispor de qualquer m edica­ através do sertão, não era tão fá ­
mento. Dei-lhe alguns comprimi­ cil quanto agora, com o possante
dos de B R O M O Q U IN IN A e toquei caminhão a conduzir tudo. A ca­
para frente com mêdo de arran- minhada se fazia de pé, em ritmo
char-me ao abrigo do alpendre e tardo de passos bovines. Durava
ficar em contacto com qualquer de 30 a 40 dias entre o local de
infecção perigosa, no meio daque­ partida a Crato, Juazeiro do N or­
les êrmos. Mais tarde, o revi, ins­ te, Barbalha ou Missão Velha. A
talado em Crato, com seu comér­ boiada com o vaqueiro guia à fren ­
cio de zebus, ininterrupto, entre a te, em seu cavalo bem amestrado,
Bahia e o Cariri. atravessava o sertão baiano, com
O fornecimento de gado baia­ o auxílio de oito a dez homens
no para a renovação dos planteis encourados, em contínua vigilância
sul cearense continuou e ternou-se aos lados e detrás a fim de m an­
mais avultado. M ário A lves de terem a disciplina, quase m ilitar
Oliveira, com propriedade em raquela prolongada marcha.
Mundo Novo, nas vizinhanças de À beira do S. Francisco havia
M inas Gerais, mantinha criação de pausa indispensável. Nova arre-

10
gimentação des bichos pela va- ! astadas em plena verdura. Se
queirada para a travessia do rio. aquele mercado não consumisse
Eram ne:essários muita ordem e lôdas as rêzes, com o rebanho re­
olhar arguto dos guias, a fim de duzido, rumavam para as zonas
colccar o gado nas respectivas criadoras dos Inhamuns ou de
barcaças. No transcurso, ai de Jaguaribe, ou mesmo Crateús, Sc-
qualquer descuido ! Nas descidas bral e a própria capital — Forta­
a operação se tomava bem penosa leza.
para evitar o espanto das rêzes e Desde a Bahia pousavam em
não contaminar tôda a imensa fazendas, ou descampado, mas
boiada. A barca era como se fos­ passavam em povoados, vilas e
se curral flutuante, arrodiada de cidades. Santa Cruz, Ouricuri,
cerca, igual' aos caminhões trans­ Bodocó, Araripina ou Exu. A des­
portadores de gado, dos dias de cida da serra podería ser pelas la­
hoje. deiras das Guaribas, Belmonte ou
O zebu, com aparência de ar­ Santa Rita. Quando razões espe­
rebento não é tão indisciplinado ciais não lhe aconselhassem a ve­
quanto o bei PÉ-DURO. É brinca­ lha estrada de Porteiras, hoje Jati.
lhão e afeiçôa-se ao homem. Aquela viagem pelas estradas
Aquela caminhada de cente­ a fora, da terra baiana ao Ceará,
nas de quilômetros efetuava-se co- aparentemente monótonas, ofere­
mumente no início do inverno, cia vários atrativos aos boiadeiros.
para assim não faltar água nos A natureza no sertão, em tempos
poços, riachos ou açudes e pasto de chuvas rejuvenesce, como por
fresco para as rêzes, naquêle per­ encantamento. A alegria dos pás­
curso em terras ásperas. O va­ saros se torna contagiante. Há
queiro em seus alforges< conduzia caças em proporções avultadas,
( farnel indispensável ãs grandes tudo dependendo da boa pontaria
jornadas. Quando todos se abole­ do homem. Os imprevistos são
tavam no ARRANCHO, os bois a comuns na vida do vaqueiro. Fa
pastarem quietos, assavam a car­ zem parte de seu hábito cotidiano.
ne no espeto de pau, com farinha A fuga de uma rez não lhe é des­
e cebola, faziam a farofa de com- conhecida e tem a paciência de
boeiro e comiam. Não deixavam arrancá-la dos esconderijos. Os
de usar, à guisa de sobremesa, c atoleiros se sucedem e não falta
bom naco de RAPADURA FIXE, aos guias a perícia de desatolá-la,
azulada dos engenhos caririenses sem perda de muito tempo. Não
ou de Januária, de Minas. Bebi- escasseiam os acidentes e o enve­
am água de borracha, confeccio­ nenamento de um bei por planta
nada com couro e tão fria como daninha. A peçonha da cobra,
se fosse de geladeira. Muitas vé- escondida em moitas, não é difícil
zes, naquele repasto não faltava o a inocular-se em bicho que a as­
gole sedutor da pinga para alegrar susta. O vaqueiro é meisinheiro,
a conversação. conhece os segredos terapêuticos
Abandonavam a zona sertane­ das raízes, entrecascas e folhas.
ja, subiam a serra do Araripe, a- É rezador igualmente, podendo cu­
travessavam o caminho reto, cer­ rar uma bicheira até pelo rastro.
cado de vegetação exuberante, às Quando uma vez morre, por um
vêzes, até em plena mata. Desci­ motivo qualquer, vem a lamenta­
am, divisando o imenso vale Cari- ção plangente dos irmãos de raça
riense, pontilhado de cidades, en- Daquele centro dolorido que nas­

11
ceu o aboio, agora adicionado de zebu vem diretam ente do Triângu-
versos- a encher as estradas de vo, com agrônom os especializados
nostalgia na m archa len ta dos de Uberaba. O holandês já é ou­
bois. Tem tam bém o efeito m ági­ tro concorrente, adaptado por
co de acalm ar as rêzes que pos­ criadores sertanejos de A lagoas ao
suem senso de compreensão m u­ clim a nodestino pelo m ilagre da
sical igualzinho aos homens que P A L M A S A N T A . C ratç é das três
as conduzem. cidades nordestinas a possuir ex ­
O vaqueiro está prestes a de­ posição de cava ter regional, o ficia ­
saparecer do cenário nordestino lizada.
As grandes m archas de bovinos, A adaptação do gado holandês
com aqueles cavaleiros, encoura- ao clim a nordestino m erece regis­
dos a aboiar, está se confinando tro especial. É m ilagre da tena­
bastante. O transporte da boiada cidade de sertanejo. Quem diria
se fa z presentem ente em possan­ que aquelas rêzes, habituadas ao
tes cam inhões engradados, sem conforto dos estábulos e à tem pe­
aboio, sem m angas ou pousos em ratura fr ia de seu país de origem
cam pos abertos. poderíam viv er tão bem em zona
Ozael Medeiros acabou por sêca de pleno Nordeste brasileiro
deixar o comércio que o prendeu Há pouco tem po, ainda no
por ancs. Só existe agora no m es­ mês de Outubro do corrente ano,
mo ramo, mas com novo m étodo Os cratenses aficcionados à criação
de transporte, c fazendeiro M ário — Dr. Jósio de A len car Araripe.
Alves, a com parecer em tôdas as Joaquim M onteiro e Juarez R ib ei­
exposições de animais, com raça ro Lobo, visitaram a B A C IA L E I ­
cada vez m ais pura. T E IR A de Alagoas. Já se depara­
Ozael estabeleceu-se em Crato ram com téenicos-pecuaristas n or­
com ram o de negócios, fixo. Ca- te am ericanos que não escontra-
scu-se com cratense Dona M a riêta \am explicação plausível como j .c
Gomes de Matos Medeiros. Educa poderia criar gado holandês, ro ­
os filhos, alguns em Recife. Não busto, sadio e com produção avul-
esquece êle, porém , aqueles dias e tada de leite, em terras quentes,
mêses, quando atravessava estra­ à base alim entar de -cactos, como
das e m ais estradas, na pisada sucede ali, em Alagoas, nas v izi­
tarda da boiada, revia o velho S. nhanças do rio São Francisco.
Francisco, subia e descia serras, A cham ada B acia L eiteira de
com o aboiar plangente dos v a ­ A lagoas compõe-se de municípios
queiros, ou ficava em cintacto com de B atalha, M a jo r Isidoro e Jacaré
horizontes novos. A alm a da gen ­ dos Hcmens. Ficam num a distân­
te esquece sempre as canseiras, cia m édia de 35 léguas de M aceió.
para viver de saudades das coisas Compõe-se de terrenos ondulados,
boas. Cumpriu bem a sua missão. parte plana, compostos de barro
Renovou o rebanho bovino da ter­ com areia > com 300 metros de al-
ra que o acolheu tão carinhosa­ iitude. A pluviosidade é rela tiv a ­
m ente e que preferiu para berço m ente pouca. Caem m ais nebli­
de seus filhos. nas do que chuvas pesadas. O rio
H o je em dia não há mais Ipanem a que passa naquelas pa­
necessidade daquele comércio. As ragens raram ente dá enchente. A
transações são realizadas no re­ palm a doce, pouco adaptável em
cinto das exposições, com em p rés­ outras terras é alim ento principal
timos bancários a longo praso. O do gado, medra, com tôda a pu-

12
jança/ saqueies terrenos. Além BU. Os uberabenses não espoca-
disso não escasseiam “ capim-ver- ram em vão os seus foguetes nem
de”, elefante e outras variedades. a sua charanga tocou dobrados em
A S U D E N E para suprir a falta homenagem a qualquer político
d’água instalou perfeito serviço de que já passou, sem qualquer ras­
canalização para abastecer tôda tro. Uberaba teve visão exata do
aquela im portante zona pecuarista' futuro em recepcionar <ão ccndig-
O holandês da R AÇ A L E IT E I­ namente o zebu. Veio na quali­
R A DE A LAG O A S não é puro. É dade de salvador econômico da
cruzado com o zebu, em tôdas as zona. Ficou e assenhorou-se da
modalidades. A produção leiteira terra, estendeu-se depois pelo Bra­
é enorme, consumida localmente, sil todo. Uberaba engrandeceu-se.
exportada para Salvador e Maceió Agora é das urbes que mais pro­
ou empregada na fábrica de lati­ gridem em todo o país. Mas, ve­
cínios Sta. Maria. Há vacas que jamos o trecho do livro de Lima
alcançam média de 35 litros de Barreto :
leite diariamente. A tarefa de ter­ “ — Eu não quero adiar o pra­
ra, naquela redondeza, é vendida zer que te prom eti
a razão de 200 cruzeiros novos. — Qual ?
Não falta serviço para o trabalha­ — A leitura destas lindas
dor rural que pode plantar tam ­ crônicas da “ GAZETA DE
bém feijão mulatinho e outros ce­ UBERABA” .
reais. — Vamos ler.
O gado em pé é exportado p a ­ — Trata-se da chegada a U-
ra o Norte e anualmente é expos­ beraba de alguns poetas ?
to na Exposição Centro Nordestina — Não.
de Animais e Produtos Derivados — De naturalistas ?
de Crato e em exposição de outras — Não. Trata-se da chegada
zonas; e em Alagoas importam re­ de reprodutores zebus. O
produtores holandeses da colônia jornal ocupa-se com o fato
flam enga de Castr^lândia, no Pa em três colunas e começa
raná e zebus do Triângulo Mineiro. assim: “ ainda uma vez
Todo gado, de sangue zebu Uberaba teve o ensejo de
que nos veio da Bahia é originário constatar o quanto pode a
do Triângulo e mais remotamente iniciativa de seus filhos,
da União Indiana. etc., etc.
Lim a Barreto, o talentoso mu- Continuou a ler e em outro
lato, que deixou obra imorredoura, ponto disse-me :
ao criticar, com sarcasmo, a re­ —• Guarda essa frase : bate­
cepção aos antepassados zebus, em dores de uma nova cruza­
Uberaba, não advinhou a avulta. da, etc.
da importância daquela raça na Encomendou a leitura e, em
economia e no progresso do T r i­ dado m cmentoj chamou-me a a-
ângulo Mineiro. F oi isso em V I ­ tenção :
D A E MORTE DE M. J. GONZAGA — Olha êste pedaço: “ embo­
DE SÁ, escrito no ano de 1908. ra o adiantado da hora,
R elata as festas com que aquela grande massa do povo,
cidade acolheu os primeiros repro­ calculada em cerca de
dutores de gado de cupim, proce­ quinhentas pessoas, etc.
dente da índia. Agcra é ela a ra i­ “ Que multidão ! Hem ?
nha incontestável do REINO ZE­ Reencetou a leitura e não tar-

13
dou em interrompé-la para subli­ cetro do império do zebu da pró­
nhar certo trecho : pria União Indiana, que lhe man­
Nota que houve música (então dou os primsiros reprodutores.
quando chegaram os touros e as Aquela festa repercutiu em
vacas) a banda SANTA CECÍLIA todo o Brasil. O gado novato tão
rompeu brilhante dobrado e nu­ adaptável ao sertão, irradiou-se
tridas aclamações se fizeram ou­ em todos os quadrantes. Pelos an­
vir. Vivam as vacas ! — acres­ tigos caminhos das entradas baia­
centou Gonzaga. nas, chegou ao sul do Ceará e
Seguiu por diante a sua lei­ ficou.
tura e, em certo tempo, disse-me: O S. Francisco foi o rio da ci
— Observa êste pedacinho vilização e da unidade nacional,
“ vieram alguns indivíduos antes conduziu indígenas para o
N ELO R E... destacando-se Cariri, depois povoadores da Bahia
um pelo belo porte e be­ e de Sergipe, mais tarde o gado
leza” . zebu e holandês.
Abaixou o jornal e considerou: Em 1960 chegaram ao Vale
— Imagina tu quantas vacas Caririense, os fios redentores da
amorosas não o esperavam CHESFj criando novas riquezas
em Uberaba” . especialmente com apreciável sur­
Não advinhava o escritor que to industrial. A principio foi atin­
nem poetas nem naturalistas te- gida pela crise nacional e regional.
riam influído tanto nos destinos de Agora começa a refazer-se, a equi­
Uberaba do que aquelas rêzes que, librar-se, graças à cooperação se­
com razão e perfeita previsão do gura da SUDENE.
futuro foram estrepitosamente a- A missão do grande rio é emi­
clamados na acanhada cidadesi- nentemente civilizadora, não só
r.ha de outrora, hoje capital natu­ para o Vale Caririense como para
ral do Triângulo Mineiro. Em importante trecho deste nosso
certos pontos já roubou até o Brasil.

O D I V I N O J E S U S
DA TÜNICA INCONSUTIL LHE DESPIRAM,
DEIXANDO O TORSO NU E O AÇOITARAM.
ESPINHOS NA CABEÇA LHE PREGARAM
E EM SEU RÔSTO PURÍSSIM O CUSPIRAM
TÔDO O CÔRPO SANTÍSSIMO FERIRAM
E NAS MAOS UMA CANA COLOCARAM.
SÔBRE OS OMBROS UM MANTO LHE JO G A RA M ...
DO SEU ESTADO, LASTIMOSO RIRAM.
Á CASA DE PILATO S FOI LEVADO
E AO PÔVO ENFURECIDO APRESENTADO :
— “ QUEREMOS BARRABÁS ! MORTE A JESUS ”
O CALVÁRIO SUBIU SOB O MADEIRO,
AQUELE QUE SALVOU O MUNDO INTEIRO.
— O DIVINO JESUS, MORRE NA CRUZ.

JOÃO ALVES ROCHA

14
“0 Dia Santo da Pátria"-
Gen. Raimundo Teles Pinheiro

(PALESTRA PROFERIDA NO
SALÃO NOBRE DA FENIX
CAIXEIRAL DE FORTALEZA.
AOS 4 DE SETEMBRO DE
1969)

Atendendo a honroso e gentil que o grande e insuperado guer­


convite do Prol. Raimundo Antu­ reiro Napoleão Bonaparte, através
nes, para dizermos algo sôbre a das aguçadas baionetas dos vigo­
destacada e distinguida efeméride rosos e tenazes granadeiros de
da INDEPENDÊNCIA PO LÍTIC A Junot, forçando o apressado e es-
DO BRASIL, sôbre tão aureolado pavorido embarque do bonachão
evento que poderemos, com evi­ D. João VI, sob a proteção da Es­
dente propriedade, denominar “ O quadra inglesa, da bela Lisboa pa­
D IA SANTO DA P Á T R IA ”, e enal­ ra o então ignoto Brasil, teria sido
tecer, consequentemente, os seus a poderosa mola que impulsionou
eminentes criadores ou evidentes o potente isstrumento que dilace­
oragos, aqui comparecemos praze­ rou as cortinas da opressão e per­
rosamente, muito embora para mitiu o estabelecimento do ade­
tanto desprovidos das necessárias quado e preciso ambiente, que nos
e claramente desejáveis creden­ permitiu pulverizar os feros g ri­
ciais. lhões que nos acorrentavam à pre­
Que de nôvo, que de original, potente Metrópole ? (Coincidente­
poderiamos relatar-vos todavia, em mente, o bicentenário de nasci­
que peze o nosso elevado senso de mento de Napoleão Bonaparte,
civismo e altanado amôr à Pátria, guerreiro genial para uns, o ca­
a que servimos abnegadamente valeiro do apocalipse para outros,
durante quase oito iustros, através ocorreu no dia 15 de agosto último.
do glorioso Exército Nacional a que E no conceito de Pedro Calmon
tanto amamos e jamais esquecere­ em artigo inscrito na imprensa lo­
mos, — e continuamos servindo, cal, "para a América êsse herói
honestamente, noutro setor ? inesperado foi uma Idéia em opo­
Conviría lembrar-vos, contudo, sição ao Passado, um princípio

15
contraposto a uma Herança e uma dos em que se tem divulgado ta­
Bandeira (a tricolor) sôbre a crise manha estultície ? Haverá, pelo
de mudança nos países que surgi­ respeito e amor à autenticidade
ram: Estandarte, Princípio e Idéia dos fatos, quem ignore que, em
de Nacionalidade” ). holocausto à nossa desejada AU ­
Recordar-vos — dispertando, TONOMIA PO LÍTIC A, derrama­
acicatando o sono profundo da ram precioso sangue Filipe dos
memória —• a clarividente adver­ Santos, Tiradentes, os mártires de
tência do sagaz D. João V I ao seu 1817, entre tantos outros, e terem-
reconhecidamente fogoso filho D. se travado, na Eahia, até 2 de
Pedro, no justo momento do seu julho de 1823, cruentos combates
forçado e indesejado regresso a contra as tropas portuguesas de
Fortugal, sôbre a preciosa corôa Madeira de Melo, e jorrado sangue
do vasto Império que poderia ser de bravos e inesquecíveis patrio­
arrebatada e facilmente preada tas, inclusive de humildes e santas
por audacioso aventureiro inescru- freiras, como ocorreu sàdicamente
puloso ? com a heroina Joana Angélica ?
Rememorar-vos carinhosamen­ E que, aqui pertinho de nós,
te, pleno de sagrada unção, deta­ no Piaui e no Maranhão, comba­
lhada e minudentemente, o efici­ teu-se violentamente, de fevereiro
ente engenho, o tremendo esforço, a 31 de julho do citado ano de
o extremado denôdo, as cruciantes 1823, bem assim, como insofismá­
canseiras, os inauditos sacrifícios, vel e x e m p l n o sangrento comba­
as incontáveis lágrimas, o inconti- te de GENIPAPO, travado em 13
do e pegajoso suor, o volumoso de Março — aií, nas proximidades
sangue empenhados, valorosa, ab­ da atual cidade de Campo Maior,
negada e patrioticamente, pelos — entre as tropas do intrépido
inolvidáveis construtores da INDE­ valoroso e experimentado Major
PENDÊNCIA POLÍTICA, que até o João José da Cunha Fidié e as
presente momento vimos desfru­ dos patriotas independentistas pi­
tando e desfrutaremos, acoberta­ auienses e cearenses da área ibia-
dos pela graça DIVINA, sempre e pabana e adjacências, tiveram es­
evidentemente ?.. . tas 2C0 mortos e feridos, além de
Aspiramos, óbvia, honesta e 542 prisioneiros'?
veementemente, eliminar crimino­ E mais, que os bisonhos, po­
sos equívocos, restabelecer a ver­ rém valorosos soldados nordestinos
dade histórica, entronizando pa­ comandados pelo Capitão-Mor do
trioticamente a justiça em tôda a Crato Pereira Filgueiras —■ Gene­
sua plenitude : ral em Chefe — Tristão Gonçalves
Costuma-se dizer, e está escri­ de Alencar Araripe, Simplício Dias,
to clamorosa, desgraçada e crimi­ Souza Martins (posteriormente
nosamente, de modo geral, que foi Visconde de Parnaíba) e Melo Cé­
incruenta a nossa INDEPENDÊN­ sar, combatendo denodadamente,
CIA e trombeteia-se em todos os forçaram a capitulação de Caxias
quadrantes, o GRITO simbólico do (onde se recolhera Fidié depois da
IPIRANG A, como se não fôsse êle vitória de Puro alcançada sôbre
apenas um momento, um momen­ os independentistas nos Campos de
to simbólico, é verdade, de pro­ GENIPAPO), após três longos e
longado e sanguinolento processo penosos meses de violento assédio
político. E s ó ... aos reinóes, brava e eficientemen­
Esteiados, estruturados, basea­ te comandados pelo já citado Fi-

16
dié, e constituíam o último núcleo mórias, porque indubitavelmente
de resistência portuguèsa organi­ imperecível.
zado na América, orçavam por Pouco mais podemos recor­
8.000 homens, vultoso efetivo para dar, portanto; mas podemos, que­
a época e o meio ? Bem como remos e devemos afirmar, plena­
que aludido efetivo era superior mente convencidos de que, nesta
aos dos Exércitos comandados, res­ clamorosa e esfingética quadra de
pectivamente, pelos grandes liber­ decepções incontáveis e apreensões
tadores americanos Bolivar e San atordoantes. nossos amoráveis co­
Martin ? (O maior, organizado pe­ rações, nosso honesto e criterioso
lo primeiro, tinha 7.000 homens e senso de responsabilidade e com­
o organizado pelo segundo, apenas preensão, reverenciam contrita-
5.000). mente a memória dos incansáveis
São evidentemente válidas as obreiros que tudo empenharam,
gritantemente verídicas afirm ati­ sacrificando-se, não raro perdendo
vas dc eminente médico e imortal a vida preciosa, pelo nobre ideal
escritor Afrânio Peixoto, em con­ de criar( emoldurar e conservar,
ferência proferida aos 2 de julho até os nossos angustiantes e tur­
de 1923, no Instituto Histórico bulentos dias, c grande e primoro­
Brasileiro, no Rio. so quadro da NAÇÃO B RA SILEI­
Ouçamo-lo com unção : “ O RA.
Norte, era então o principal do Exmas. Senhoras e Senhores.
Brasil; dois têrços de sua ativida­ Demais listintos e atenciosos
de útil, o que os portuguêses mais cuvintes.
guardavam e onde acumulariam Já o dissemos alhures, em cir­
seus elementos de resistência. No cunstâncias idênticas, inebriados
Sul, a Independência foi “Te- por profunda e sacrosanta devo­
Deum”, beija-mão, aplausos, lumi­ ção ao querido Brasil e a seus g i­
nária, flores, fitas e proclamações. gantescos construtores, a par de
No Norte, sítio e trincheira, fome esfusiante contentamento de sin­
e peste, sangue e morticínios... cero patriota, ungidos plenamente
Aqui a adesão; lá a guerra” . .. pela mesma exaltação cívica de
Retomando a posse da pala­ amor à órdem e às instituições :
vra, prossigamos. Recordar-vos, Cada um de nós aqui presen­
em suma, que LIBERDADE e IN ­ tes — permitimo-nos afirmar com
DEPENDÊNCIA eram uma idéia, veras segurança — estamos ele­
primorosa idéia em marcha sem vando uma sincera prece a DEUS
vacilação e uma contingência do ONIPOTENTE pela alhia daquêles
século — auridas no humos des- inesquecíveis titans que, com o
humanamente sanguinolento da cérebro, com o vigor de potentes
Revolução Francesa — abundante­ músculos, com a generosidade dos
mente propagadas na vasta am­ pulcros corações, o elevado calor
plidão ecumênica da América La­ do seu estuante sangue, argamas-
tina ? saram e erigiram o indestrutível
O indelével quadro de tão ra­ edifício da NACIONALIDADE a
ro lavor artístico, de civismo, de que pertencemos e se chamam,
amor à terra-mãe, é do conheci­ sim, chamam-se porque aqui pre­
mento e sentimento de todos, e sentes nesta memorável e esplen-
permanecerá sempre, evidente e dente solenidade; F IL IP E DOS
eviternamente, em nossos corações^ SANTOS, TIRADENTES, JOSÉ BO­
em nossas almas e em nossas me­ N IFÁC IO DE ANDRADA E SILVA

17
JANUARIO DA CUNHA BARBOSA Cultivemos o amôr, “ porque o
GONÇALVES LÊDO, CLEMENTE amôr é o mais belo sentimento da
PEREIRA, FEIJÓ, LUIS ALVES DE natureza humana” ; sejamos since­
LIM A E SILVA, PEDRO PRIM EI­ ros, qualquer que seja” o ambiente
RO, MARIA QUITÉRIA DE JESUS, das nossas atividades e o alcance
PEREIRA FILGUEIRAS, TRISTÂO da nossa influência” ; elevemos “ o
GONÇALVES DE ALENCAR ARA- orgulho da profissão e o prazer
RIPE, JOÃO CÂNDIDO DE DEUS corajoso do trabalho, qualquer que
E SILVA, SOUZA MARTINS, SIM- seja a nossa ocupação, e nas can-
PLÍCIO DIAS E SILVA, entre tan­ seiras, nas suas vicissitudes, nos
tos outrcs bons e insignes patrio­ desalentes pecaminosos cantemos
tas envoltos no tenebroso manto ditirambos ao dever bem cumpri­
do anonimato. do”.
E então, conscientemente, ca­ Exmas. Senhoras e Senhores.
lorosamente, podemos e concita- Senhoritas.
mcs a todos — para que perma­ Numa sincera, verdadeira e
neçamos dignos dos nossos valoro­ contrita majestosa prece, nas vés­
sos antepassados — que juremos, peras do “DIA SANTO DA PÁ ­
plenos de verdadeira fé, dedicado T R IA ”, que ora cultuamos com ar­
e carinhoso amôr, férrea e convic­ dor cívico incomparável, perore-
ta vontade, conservar, melhorando mos inspirados no genial Rui Bar-
tenaz e incesantemente, o precio­ bosa :
so e proeminente monumento por Acatemos e elevemos a justiça,
êíes edificado e a nós legado. “porque da justiça nasce a confi­
E para tanto, como cantaria ança, da confiança a tranquilida­
o inspirado poeta — principe Gui­ de, da tranquilidade o trabalho,
marães Bilac : “ Amemos calorosa do trabalho a produção, da pro­
e sinceramente a PÁTRIA, sagra­ dução o crédito, do crédito a opu­
do e estimado escrínio que contém lência, da opulência a respeitabi­
a nossa Terra, a Família, a Lin­ lidade, a duração, o vigor”. E
guagem com que exprimimos os mais, para finalizar êste aranzel
nossos pensamentos, a Igreja que que já vos fa tig a : firmados na
alivia as apoquentações das nos­ “ moderação e na tolerância, no
sas dôres, a História que enfeixa progresso e na tradição, no res­
as viris tradições dos nossos maio­ peito e na disciplina, e no valor
res e a jovem raça que, lenta mas insuperável das capacidades” ,
progressivamente, esteriotipa, os SIRVAMOS BEM AO BRASIL.
marcantes e humaníssimos traços Jamais, em tempo algum, alie­
de nosso povo” . nemos a ambicionada e sacrosanta
Preocupemo-nos, sempre e condição de bons e, se possível,
constantemente, com a “a prática excelentes BRASILEIROS !.. .
incessante das virtudes pessoais,
domésticas e cívicas” ; eliminemos
AUTORES CONSULTADOS :
a “ indigência dos instintos e mo­
ralizemos a fraqueza das paixões, —• Oliveira Lima
enamorando-nos perpetuamente da — Hermínio de Brito Conde
honra” ; cultivemos a “ intrepidez — Olavo dos Guimarães Bilac
sem violência, a prudência sem — Rui Barbosa
timidez, a firmeza, sem que, ja ­ — J. Denizard M- de Alcântara
mais, a nossa perseverança se re- — Raimundo Teles Pinheiro
paste na desdita de outrem” ... (Trabalhos anteriores)

18
Indústria de Massas Alimentícias GESSI

I M AG
ESMERADA FABRICAÇÃO DOS MAIS
AFAMADOS BISCOITOS E MACARRÕES

P R O D U T O S
D E
ALTA
Q U A L I D A D E

Á VENDA NAS PRINC IPAIS MERCEARIAS


E SUPER-MERCADOS

Apoio financeiro
Convênio :

B N B
SUDENE Rua Santos Dumont, 20/22
CODECIF CRATO — CEARÁ

V, ✓
CADISA
Caruaru Diesel S. A.
VEÍCULOS, PEÇAS E ACCESSÓRIOS

CONCESSIONÁRIOS MERCEDES BENZ NO

INTERIOR DE PERNAMBUCO

E NO CARIRI

RUA SÃO PAULO, N.° 2 — CARUARU - PE.

Escritório Regional do Cariri:

RUA SANTOS DUMONT, 23 — FONE 552

CRATO — o— CEARÁ

j
Toma posse da Cadeira N. 1,
de Ciências, tendo como Patrono
o Dr. Barreto de Sampaio,
o Dr. Napoleão Tavares Deves.
Patrocínio do Lions Clube de Barbalha
Sob o patrocínio do Lions Clube Neves, o conferencista e vários
de Barbalha, realizou-se na noite membros do Lions Clube, Dr. Mar-
de 28 de Setembro de 1969 a Sessão chet Callou, Dr. Napoleão Tavares
Extraordinária do I. C. C. que deu Luz, de Jardim, Dr. Lyrio CaUou
posse ao Dr. Napoleão Tavares Ne­ Pe. Temoteo, Pe. Manfredo. En­
ves na Cadeira n.° 1 da secção de cerrada a reunião do Lions pelo
CIÊNCIAS e que tem como patrono Snr. Edmundo, o presidente do I.
o saudoso cientista Barbalhense — Cultural do C^riri iniciou a magna
Dr. Barreto Sampaio. Os traba­ assembléia explicando a sua fin a­
lhos ocorreram no Cetama Clube, lidade e dando a palavra ao Prof.
cheio, feericamente iluminado e José Newton AlVes de Sousa que
artisticamente decorado. Foi pre­ fêz a oração de recepção ao Dr.
sidida por J. de Figueiredo Filho Napoleão. E;te seguiu-lhe com a
que compôs a mesa com o Dr. palavra. Todos os dois discursos
Edvar Teixeira Ferrer, presidente serão publicados nas páginas desta
do Centro de Cultura de Juazeiro, revista, como atestado das sessões
Snr. Edmundo Sampaio, o anima­ mais brilhantes do I. C. C. O P re­
dor principal daquela promoção e feito Antônio da Costa Sampaio,
quem abriu a sessão, Dr. José convidado pelo presidente do I. C.
Newton Alves de Sousa, Snr. José C„ com belas palavras encerrou
de Sá Barreto, Presidente da C â­ aquela magna sessão. Seguiu-se
mara Municipal de Barbalha, Snr. lauta mesa de bebidas e comple­
Antônio da Costa Sampaio, Prefei­ mentos da festa do Lions Clube de
to Municipal, o Vigário da Paró­ Barbalha. O secretário foi o jor­
quia — Pe. E. Oliveira, Dr. Anibal nalista Huberto Cabral e aquela
de Figueiredo, do Rotary de Crato, reunião deixou a melhor repercus­
Antônio Correia Coelho, tesoureiro são, como ponto máximo da cul­
do I. C. C., Dr. Napoleão Tavares tura caririense.

21
Discurso do Professor José N ew ton
A lv e s de Sousa, saudando o primeiro
ocupante da Cadeira de Secção de Ciências,
Dr. N ap ole ão lavares N e ves

É para mim um prazer receber- formou tantas gerações e permitiu


vos, Senhor Dr. Napoleão Tavares a continuidade, no Cariri, de uma
Neves, ao ocupardes a Cadeira N.° cultura que se nueleara no Semi­
1, da Secção de Ciências, do Ins­ nário Diocesano e cujas raízes
tituto Cultural do Cariri, e sau- persistem vivas, pois os veios que
dar-vos nesta terra, onde ergues­ as alimentaram procediam de ma­
tes vossa tenda profissional, vos nanciais perenes e eternos, in te­
pusestes em íntimo comércio com riorizar, com bom fundamento, o
os livros e em convívio com vossa ensino, em todos os graus, é> sem
fam ília e vossos amigos. dúvida, obra de altíssimo descor-
Na vida de cada homem, como tínio político e esclarecido patrio­
na de cada grupo, interferem duas tismo, além de atender a um in-
constantes fundamentais, tempo e disfarçável e inadiável imperativo
espaço, às quais nos sentimos ir­ de justiça nacional.
remediavelmente ligados. Fortaleza foi, para vós, o pri­
Começastes a existir, històrica- mordial apêlo talássico.
mente, em 1930, procedente de Ali, a civilização da montanha
uma das mais honradas fam ílias miscigenar-se-ia, em vosso espíri­
da região. to, com a do oceano. Praia, mar,
Estudastes em Crato, Fortaleza, sol e céu, na beleza de seu eroma-
Salvador e Recife. tismo, seriam, ante vosso espirito
Em Jardim, que floresce nos aberto à ordem universal, um nôvo
flancos da chapada, tivestes nasci­ mundo de encantamento, não só
mento e infância, dias felizes, de para o poeta que a todos nós nos
talurismo forte e singeleza espon­ acompanha, como para o homem
tânea, temperatura helvética, mas de ciência, que seríeis depois.
coração tropical. Era o prenuncio Acolheu-vos depois Salvador, a
de uma vida assinalada para as mais maternal e mais nossa de
determinações vitoriosas. tôdas as cidades brasileiras. Ali, o
Toca-me profundamente a alma tempo tem tôdas as idades e cada
evocar a Ginásio do Crato, onde lar é uma extensão do nosso. Ali,
ambos estudamos. as Humanidades, que por séculos
Está por escrever-se a história predominaram, não se fecharam à
dêsse educandário modelar, que Ciência, e o conjunto do Pelouri­

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nho não conflita com o Centro In ­ Cariri incluiu vosso nome entre os
dustrial de Aratu. Ali, prosseguis­ que devem constituir sua Secção
tes em vosso aprendizado e assi­ de Ciências, foi porque reconheceu
milastes lições de bahianidade, que vossos méritos e confia em vossos
é uma fórmula concentrada de ser conhecimentos.
bom. Vosso Patrono é o oculista Bar-
De Salvador, fostes para Recife, rêto Sampaio, de ilustre memória.
onde os rios e o mar são íntimos Entrais para o Instituto sob a
e onde fizestes vossos estudos su­ tutela de um luminar desta terra.
periores. O interior, Senhores, pode ser
Recife, que também é tão nossa, alguma vez esquecido, mas nunca
havia-nos talhado bacharel em deixou, nem deixará, de ser berço
Medicina, para em Barbalha ser­ e forja de grandes homens.
des médico. O Instituto Cultural do Cariri,
Jardim fôra-vos o bêrço. Crato abre, com vossa entrada nêle, nova
constituira-se, para vós, a primei­ página em sua fecunda história.
ra grande escola. Fortaleza vale- Vós, Senhor Doutor Napoleão
ra-vos como experiência vestibular Tavares Neves, sois dela a razão
ao grande mundo. Salvador re- de ser, lustre e esperança.
temperou-vos a brasilídade. Reci­ Em vosso encalço, outros virão,
fe profissionalizou-vos. em sucessões horizontais e verti­
Barbalha seria um retorno. Uma cais.
segunda Jardim. Apenas, aqui, a Ficai certo, porém, de que vosso
ordem da vida viria a ser outra: nome é já um marco.
do impulso de transitividade, que Êste ano, comemoramos o bicen­
leva o homem a buscar na esposa tenário de Napoleão Bonaparte.
o acusativo substancial, o comple­ Seria o ano dos Napoleões ?
mento afetivo do coração, terra Só sabemos que não haverá blo­
lírica onde brotam todas as flores e queio nem “ Santa Helena” .
podem repontar todos os espinhos. Bloqueio é imperialismo e vio­
Jardinense e jardineiro, plantas­ lência, e vós lutais pela causa do
tes o amor pelo casamento, espa­ próximo, curando corpos e ilumi­
lhais o bem pela profissão e a nando inteligência.
verdade pelo magistério. “ Santa Helena” é insulamento e
Sabemos todos que sois, simul­ vós sois uma presença viva na co­
taneamente, homem inteligente e munidade que hoje vos homena­
homem da inteligência. De vossa geia, do modo mais consagrador.
pena, pela “ Itaytera” tem dito co­ Tomais assento na Cadeira N.°
mo é brilhante, e de vossa pala­ 1, da Secção de Ciências, do Insti­
vra os auditórios testemunham tuto Cultural do Cariri.
como é fluente e erudita. Bem o mereceis, e nós vos aplau­
Quando o Instituto 'Cultural do dimos.

23
Dr. NAPOLEÃO TAVARES NEVES

Autoridades civis, militares e Digo caráter regional no bom


eclesiásticas ! sentido, no sentido amplo de abra­
çar e englobar regiões afins pela
Senhores do Instituto Cultural fisiografia, pelos costumes, pela
do Cariri ! paisagem social enfim, e nunca no
sentido restrito e lim itativo de ex­
Senhores Leões e Excelentíssi­ cluir paragens e delim itar fron tei­
mas Domadoras ! ras.

Senhores do Centro Juàzeirense Pois bem, senhores, com êsse ca­


de Cultura ! ráter regional, o Instituto Cultural
do Cariri, faz dos tradicionais sa­
Ilustres convidados ! lões do “Cetama Clube” a sua séde,
não sem razão de ser, porque, em­
Visitantes ! bora seja esta uma casa de diver­
são, “ Cetama” foi também o nome
Meus Senhores ! de um vibrante jornal barbalhense
do in'cio dêste século, de admirá­
Minhas Senhoras ! vel vitalidade para a época, e em
cujas páginas independentes abri­
Meus queridos pais aqui presen­ gou a fina flôr da intelectualidade
tes, a quem emocionado, transfiro caririense que nêle encontrava o
todas as alegrias e homenagens desaguadouro amplo para Os seus
desta festa ! extravasamentos literários e cí­
vicos. A êle as minhas homena­
Provando o caráter sabidamente gens porque a êle me liga grande
regional que ostenta até no seu afeição, pois em suas páginas Na-
próprio nome, o Instituto Cultural poleão Franco da Cruz Neves, meu
do Cariri, nesta noite memorável avô paterno, de quem herdei o no­
da vida barbalhense, desloca-se do me e uma tradição de honradez
Crato para Barbalha, deixa as e honestidade, intocado patrim ô­
margens do Grangeiro impetuoso nio que legou à sua descendência,
para instalar-se no tôpo ondulado publicou na prim eira década dêste
da colina barbalhense, que o Sa- século célebre e intemerato mani­
lamanca, amoroso, enlaça doce­ festo político que fez época pelo
mente em meio aos efluvios de um seu desassombro e intrepidez.
ampiexo natural, cenarizado inde-
levelmente na nossa retina pela Além do mais, se isto não bas­
paisagem clorofilada e quase pa­ tasse, êste simpático salão é a fu r­
radisíaca dos seus brejais. na dos “ leões” de Barbalha a

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quem, nesta hora festiva, rendo as as mais gratas recordações que
minhas homenagens por haverem deixaram marcas indeléveis na
reivindicado a promoção desta fes­ formação da minha personalidade,
ta e mais ainda, por fazerem do incólumes à ação deletéria da po­
seu clube a fonte natural de todas eira dos tempos. Sois, não há
as sadias iniciativas que ornamen­ negar, a ebulição cultural de um
tam com as flores do progresso e povo adulto que caminha para o
da cultura a vida da nossa comu­ futuro certo de alcançá-lo, porque
nidade. busca nas tradições imarcescíveis
de um passado glorioso, o refrigé-
Pois bem, fazendo do “ Cetama rio para as horas de canseiras da
Clube” o seu refúgio nesta noite longa caminhada na passarela dos
de cintilações primaveris, na qual séculos, balsamisada sempre pela
lá fora o brilho das estrelas pare­ brisa da Liberdade. que no Ceará
ce festejar no firmamento inco- fez do Crato o seu esplendido ber­
mensurável a conquista da lua pe­ ço e o fulcro onde se apôia a ala­
la tecnologia humana, o Instituto vanca dos cometimentos intelec­
Cultural do Cariri, solenemente, tuais e cívicos do Cariri.
recebe como seu membro o modes­
to orador que vos fala e que, da E deslumbrado pelo brilho ofus­
planície do seu anonimato intelec­ cante desta solenidade, eu me per­
tual contempla embevecido, como gunto a mim mesmo e vós da pla­
amante das boas letras, os pínca­ téia haveis de perguntar uns aos
ros já alcandorados de glórias e outros ou de si para s i : “ Como
de conquistas da cordilheira inte­ aconteceu isto ? Por que emergi
lectual formada por aqueles que da minha obscuridade, do isola­
em boa hora o criaram, mais que mento compulsório’’ da minha mo­
isto, projetaram-no nacionalmente. desta clínica para as eulminâncias
E ao vos contemplar posso bem desta evidência ? Não s e i! Per­
aquilatar o desnível cultural da guntai a Figueiredo Filho cuja
planície onde me situo sem falsa grandeza de coração aqui me
modéstia, para a cordilheira ma­ trouxe e à benevolência de que
jestosa que sois vós, Instituto Cul­ farto o coração dos que fazem esta
tural do Cariri, personificado nes­ Casa de cultura que me não bate­
ta magnífica seleção de homens rem a porta, permitindo que eu
de pensamento em plena maturi­ entrasse para ser um de vós, “ em­
dade intelectual e no apogeu efer­ bora sabendo não ser o esperado,
vescente de uma atuante vivência o candidato ideal entre tantos va­
cultural, completada por esplêndi­ lores que ainda estão do lado de
da e sadia experiência humana. fóra’’. Fui entretanto, o eleito,
arrancado do anonimato de minha
Modestamente eu vos contemplo vida de médico sertanejo para,
e no vosso meio identifico figuras perante vós, defender uma tese e
exponenciais da cultura caririense ocupar, por via de consequência,
em todos os campos da seara do uma das cadeiras de Ciências do
pensamento, alguns dos quais Instituto Cultural cio Cariri. Co­
meus antigos e diletos mestres, de mo era natural, recebi o honroso
cuja convivência no velho e sau­ convite como um tremendo impac­
doso ginásio -do Crato, nos albores to e atônito, fiquei indeciso entre
da minha vida estudantil, guardo aceitar tão grande honraria e não

25
aceitá-la, porque, sem falsa mo­ outros criaram e -.esde os meus
déstia, rebusquei no meu cérebro bons tempos de ginasiano no sau­
o lastro de cultura indispensável doso e querido Ginásio do Grato
ao bom cumprimento de tão difí­ até os tempos da Faculdade nun­
cil missão e não o encontrei. Que ca deixei de ler tudo que estivesse
fazer, então ? Como desincum- ao meu alcance, nunca perdi ses­
bir-me de tão honroso mandato ? são c'vicar ou literária, sessão do
Com que roupagem apresentar-me juri ou comício e até fui assíduo
perante tão seleto convívio e tão frequentador das sessões públicas
exigente auditório ? Uns aqui vie­ das Academias de Letras do Ceará-
ram saídos das lides jornalísticas. da Bahia e de Pernambuco.
Outros: do brilho das tribunas sa­ Lançando um olhar retrospecti­
cra ou civil. Outros mais da pro­ vo aos caminhos palmilhados é
ficiência das cátedras e alguns até fácil recordar como se fosse hoje,
da glória literária que as vitrines com que embevecimento ainda gi­
das livrarias e editoras infundem nasiano ouvia no Crato a palavra
àqueles que materializaram a ân­ fulgurante de Aluísio Epitácio P e­
sia de criar em alguma obra de reira, Elísio Gomes de Figueiredo
sucesso regional ou até nacional, e Mlonsenror Antônio Feitosa. Pos­
como é o caso do vosso grande teriormente, em Fortaleza, nunca
Presidente que, nesta sua inquieta perdi um concurso de Catedrático
juventude de cabelos brancos, apa­ fosse qual fosse a Faculdade que
rece simultâneamente nos jornais o realizasse. Assim conhetd e ou­
do Cariri, de Fortaleza e de Recife, vi entre outros Hermes Lima, H a-
no mostruário das nossas livrarias roldo vaiadão, Joaquim Pimenta e
e vez por outra ainda costumo Djacir Menezes. Podia nada en­
apreciar a beleza do seu estilo le­ tender do assunto debatido, mas
ve, escorreito e convincente na era o primeiro da fila a ouvir a-
“ Revista Brasileira de Medicina” tento o que se discutia ! Mais tar­
onde o seu castiço vernáculo leva de, na velha e querida Salvador,
Os temas para — médicos do nosso nunca perdi nenhum discurso dos
amado rincão ou na revista “B ra­ maravilhosos tribunos daquela en­
sil Açucareiro” por êle escolhido cantadora terra, tais como: Otávio
para falar de agricultura, base da Mangabeira, João Mangabeira, Pe­
nossa economia. E eu ? que li­ dro Calmon, Antônio Balbino, A-
nhagem literária ou cultural vos loísio de Carvalho Filho, Orlando
traria para vossa apreciação ? De Gomes, Estácio de Lim a e Pinto
súbito encontrei algo que justifi­ de Carvalho. Ainda na Bahia
casse a ousadia de haver atendido perdi um dia de aulas no Curso
ao vosso chamamento : “ Na vida Científico pelo prazer de ouvir
acompanhou-me sempre uma Erico Veríssimo na Academia Ba-
constante, qualquer que fosse o hiana de Letras. Finalmente em
caminho percorrido. Uma exigên­ Recife, onde fiz o curso médico,
cia da própria natureza que, não onde quer que falassem D. Antônio
se afeiçoando a outros prazeres, se de Almeida Morais Júnior, Vaide-
recreava nos livros, adquiriu a pai­ m ar de Oliveira, Bezerra Coutinho,
xão da leitura” e não sendo um Gilberto Freire, Nilo Pereira, Fran­
criador de belezas literárias sou, cisco Montenegro, alí estava eu a
entretanto, um eterno e apaixona­ escutá-los! Lembro-me que ain­
do admirador das belezas que os da em Recife retardei dias de fé ­

26
rias para ouvir Afonso Arinos de Dr. Carlos Chagas cuja dedicação
M elo Franco, Alcides Carneiro, ao estudo e amor à pesquisa ci­
Carlos de Lacerda, Fernando F er­ entífica possibilitaram o descobri­
rari e Peregrino Júnior. E mesmo mento de tão grave moléstia até
hoje, apesar do azáfama da cl.nica então total e universalmente des­
sertaneja, ainda saio para Jardim conhecida. Sim, porque a “ Doença
pelo prazer de ouvir o verbo arre­ de Chagas” é uma doença desco­
batador de Napoleão Neves da Luz, berta no Brasil e, fato raro ou úni­
poéta e médico, ou para Crato pa­ co no mundo, descoberta por um
ra deleitar-me com a palavra de só homem desde o agente etiológieo
Monsenhor Rubens Gondim Los- ou causador ao agente transmis­
sio, professor José Newton Alves sor ! É portanto, um problema de
de Sousa, ou Dr. Raimundo de O- saúde pública muito nosso, mas
liveira Borges, entre outros, todos também nossa e só nossa é a gló­
oradores espontâneos, fluentes e ria de tê-lo revelado ao mundo.
sonoros, como sonoras, fluentes e
espontâneas são as fontes crista­ Nada de novo vos trago, portan­
linas que brotam do sopé da nossa to, além do que o mundo já sabe
majestosa Araripe. Com isto que­ sôbre tão alarmante doença de
ro justificar a ousadia de haver grande morbidade e relativa mor­
aceito o vosso convite. Além do talidade, entretanto, trago-vos a
mais, diz o grande José Américo côr local da moléstia, os matizes
de Almeida, que “ a palavra é a caririehses dessa endemia que até
mais nobre faculdade do homem, bem pouco tempo ouvíamos falar
não deve morrer na garganta-’ e como um grave problema de saúde
após muito refletir, senti ser um pública lá do distante interior de
imperativo de consciência atender Minas Gerais e longe estavamoi
ao vosso chamamento porque, co­ de supor que sorrateirameníe o
mo médico e como caririense, ja ­ “ barbeiro” , seu transmissor, inva­
mais me perdoaria se deixasse fu ­ dia o Nordeste e o Cariri sem que
gir esta m agnífica oportunidade o percebessemos. Hoje êle já é f i ­
de falar a uma platéia culta e res gura popular entre os nossos rurí-
ponsável sôbre um assunto que me culas que o conhecem por “ proco-
tem apaixonado desde os bancos tó” e em propriedade agrícola ^e
acadêmicos aos dias atuais e que minha fam ília no Município de
escolhi para tema da minha tese: Porteiras, ao fazer um ligeiro in­
“A doença de Chagas no Cariri quérito epidemiológico sôbre a
Cearense” . Mesmo assim, não dei­ presença desse horripilante Tria
xa de ser uma temeridade esta tom'deo nas casas de taipa dos
ousadia, todavia, a mesma bene­ nossos operários, tive uma cho­
volência que vos fez chamar-me cante surpresa ao ouvir do mora­
far-vos-á aturar-me e aqui estou dor da primeira casa visitada esta
sem pretensões de brilho literário terrível resposta na sua matuta
ou eloquência oratória, sem lastro linguagem : “ Doutor, mais não,
de cultura cientifica e sem acres­ mas meio litro aqui em casa dá
centar novidades minhas a êsse para se arranjar” ! E efetivamen­
palpitante tema ao qual tantos te nessa casa foram encontrados
luminares das ciências médicas “ barbeiros” suficientes para en­
brasileiras emprestaram o fulgor cherem um terço de um vidro va-
dos seus talentos, a começar pelo sio de sôro de 500 cc de volume !

27
Acreditai-me, pois, senhores do feitua pelos séculós sem fim a face
Tsstituto Cultural1 do Cariri, aqui do genero humano, como se arame
vim principalmeníe porque senti farpado e pedra fossem barreiras
que estaria prestando um serviço capazes de deter a ânsia de Liber­
à nossa terra e a nossa gente, fa ­ dade que nasceu com o homem e
zendo-as melhor conhecedoras do ostensivamente ou veladamente
um assunto que precisa ser tem reside no seu coração distinguin-
conhecido por todos nós, médicos co-o dos outros seres.
cu não, jovens ou velhos, para que Bois bem, senhores, aqui estou
do seu mais amplo e melhor co­ não somente pelo vosso convivio
nhecimento, possa sair uma ajuda mas, porque senti que esta augusta
mais efetiva da nossa parte na lu­ casa que tanto honra a cultura
ta que visa livrar a nossa gleba nordestina, seria um magnífico
amada de um problema que, se é amplificador onde minhas despre­
gravíssimo no presente, será no tensiosas palavras encontrariam
futuro um verdadeiro flagelo, tais eco nas inteligências criadoras dos
os danos que poderá nos causar, que a constituem, na cultura mul-
minando a já combalida saúde do tifacetada dos que a enobrecem e
nosso povo, sobretudo do povo no talento fulgurante dos que a
sofredor e humilde da nossa zona dignificam levando-lhe além fron ­
rural que, mesmo abandonado, é o teiras o nome já aureofado, sali-
sustentáculo da nossa economia, entando-se sobremodo a pertinácia
viga mestra do nosso progresso, dêste inimitável Figueiredo Filho,
até do nosso incipiente progresso bandeirante da cultura- caririense,
industrial, porque fonte, por seu porta-voz das forças vivas do nos­
turno, da nossa matéria prima ar­ so rico folclore que, na feliz ex­
rancada ao adusto solo nordesti­ pressão do Prof. Delgado, “ é mais
no, sabe Deus com que sacrifícios, do que um simples indivíduo; é
ainda a golpes de enxada, apesar uma força da terra, agindo e es­
de vivermos no século X X , fabu­ timulando, metendo nas almas a-
loso século do domínio pelo ho­ Iheias a ideia de que a cultura tem
mem do espaço sideral e da con­ de ser uma form a de patriotismo” .
quista da lua, quando o Ocidente Outro nãc terá sido senão êste o
provou, mais uma vez, entre ou­ motivo principal de minha presen­
tras coisas, aquilo que só os sec­ ça aqui, nesta noite de gala não
tários não querem aceitar : — Os das vossas vidas mas da minha
regimes políticos da livre empresa vida, quando genufiexo me posto
são mais propícios ao progresso diante da própria cultura cariri­
material e espiritual1
, vale dizer, ao ense aqui tão magnificamente re­
bem-estar humano, porque em úl­ presentada por esta pleiade de in­
tima análise, a conquista da lua telectuais valorosos e vontadosos,
foi a vitória insofismável da tec­ que honrariam qualquer grande
nologia do mundo livre sôbre a centro de cultura, verdadeiros pio­
tecnologia do mundo comunista ou neiros das boas causas do espírito,
mais poéticamente, já que falamos desbravadores autênticos que, em
da lua, foi a descida da Liberdade meio a hostilidades e incompreen-
na superfície selênica para evitar sões de toda ordem, conseguiram,
que lá descesse a opressão e den­ e que com altivez, dotar Crato e
tro em pouco erigisse um novo o Cariri de uma instituição como
muro de Berlim, estigma que de- esta que significa os seus foros de

28
terra civilizada, honra o seu pas­ como uma autêntica consagração,
sado de cultura, de lutas e de ci­ palavras nas quais além da sua
vismo e pressagia alvissareiramen­ inteligência pôs um pouco do seu
te o seu grande destino de lide­ grande coração que, segundo êle
rança regional. Êste acatado re­ próprio disse alhures, “ é sensível
cinto é hoje o refugio ameno da à Verdade e à Beleza, feito para
chamada “ Escola do Crato” que a Felicidade e o Bem ”. Graças a
deu ao Nordeste a revista “ Itay- estas duas beneméritas e incor­
tera” e que tem em Figueiredo F i­ ruptíveis instituições, a seus mem­
lho o caixeiro viajante das suas bros e a seus órgãos de divulgação,
preciosas joias literárias que êle, aqui se plasma sólida cultura re­
com o desprendimento de bom gional sem regionalismos doentios
nordestino e êste seu jeitão de ou separatismo, mas pslo contrá­
vaqueiro, sai espalhando por êstes rio prenhe do mais puro e sadio
Brasis tão vastos, tornando a nos­ nacionalismo, valorizando os fato­
sa terra conhecida e respeitada lá res ecológicos e sociais do Cariri
fora e a nossa atividade intelec­ para integrá-los, burilados por
tual admirada até no exterior. mãos hábeis, no contexto nacional'
Tal tem sido a dedicação de F i­ da cultura brasileira. Sãc m ovi­
gueiredo Filho a esta Casa que, se mentos de baixo para cima, do re­
hoje fosse novamente escrever “ O gional para o universal, segundo
meu mundo é uma Farmácia” , p o­ as boas normas de desenvolvimen­
dería sem pejo completar o título to cultural. Os nossos mais b ri­
do seu grande livro, dizendo: “ O lhantes movimentos culturais são
meu mundo é uma Farmácia e o fermentações do espírito que têm
Instituto Cultural do C ariri'’. E na Faculdade de Filosofia do Cra­
graças a esta febricitante ativida­ to e no Instituto Cultural do 'Ca­
de intelectual êle hoje deixa de riri a sua sadia levedura cuja ação
ser uma glória do Crato e desta dinamizadora do nosso processo
Casa, para ser glória também do cultural finca as suas raizes pro-
Ceará e da Academia Cearense de fund amente nas tradições imacu­
Letras e, por que não dize-lo, po­ ladas da grande terra cratense, so­
dería como poderá ser glória da nho bom de Frei Carlos M aria de
própria Casa de Machado de Assis. Ferrara, outrora Aldeia do M iran­
É graças a êle, graças ao Instituto da, hoje Crato, Princêsa do Cariri,
Cultural do Cariri e a “Itaytera” Município Modêlo do Ceará, cida­
que o Cariri tem se projetado in­ de cosmopolita, celeiro cultural do
telectualmente além fronteiras, interior cearense que o meu pa­
tarefa hoje realizada também, e rente Juarez Ancilon Aires de A -
com brilho, pela nossa grande F a ­ lencar, poeta e orador, assim sau­
culdade de Filosofa do Crato e dou :
suas publicações que o destino em
hora inspirada entregou à direção N êste so n ho fa ntástico de heróis,
sábia e segura deste poeta da me­ Q u a n d o o século dezoito o véu rom peu
lhor qualidade, professor, intelec­ E a estrela da m a n h ã su rgiu no céu
tual e orador do mais refinado ga­ C la re a n d o os sertões, C rato nasceu !
barito que é José Newton Alves de
Sousa, a quem penhorado e sen­ Eia J P rovíncia do C a riris N o v o s...
sibilizado agradeço as belas pala­ De B arb alha, de Jard im , de E xu !. . .
vras de recepção que por si valem C a m in h a , oh ! cidade capital !

29
Para o progresso — teu porto seguro, O Dr. Chagas que fez a grande
Onde se lê a legenda imortal : descoberta com apenas 29 anos de
idade era pai do atual professor
Heróica pelo passado, Carlos Chagas Filho, da Faculdade
G rande pelo presente. Nacional de Medicina e represen­
Imensa, pelo futuro ! tante do Brasil na UNESCO.

Peita esta digressão introdutória, HISTÓRIA DA DOENÇA


passarei agora a focalizar objeti­
vamente o apaixonante tema que O Dr. Carlos Chagas fôra desig­
aqui me trouxe estimulado pelo nado pelo saudoso Osvaldo Cruz
vosso cativante convívio : de quem era amigo e discípulo
para ir ao norte de Minas comba­
ASPECTOS DA DOENÇA DE ter um surto tíe malaria. Lá che­
CHAGAS NO C A R IR I CEARENSE gando, arguto e inteligente como
era, notou logo nos habitantes da
Prometo ser breve, entretanto, cidade de Lassance uma grande
antes de retratar a côr local da. frenquência de doentes cujo diag­
doença achei de bom alvitre fazer nóstico não conseguiu firmar.
rápida exposição sôbre generalida­ Examináva-os, catalogava os sin­
des da mesma para que, sobretudo tomas mas não conseguia encaixá-
os leigos em assunto de medicina los em um diagnóstico firme e
possam melhor entender o pri- convincente que satisfizesse a sua
blema. curiosidade. Eram doentes, sobre­
tudo crianças, que apresentavam
Vejamos inicialmente a razão dc anemia, astenia, perturbações car­
ser do nome “ Doença de Chagas” díacas e digestivas, distúrbios ner­
Ao contrário do que muita gente vosos, decadência orgânica, febre
pensa, inclusive gente ilustrada, o baixa, fastio, aumento dos glan-
nome "Doença de Chagas” não glios e as vezes do baço e do fíga ­
quer significar que o doente apre­ do. Êle procurava a causa dessas
sente chagas pelo corpo. Não, ês- queixas e não encontrava. Deveria
te nome foi dado em homenagem haver algo desconhecido por traz
ao grande sábio e médico brasilei­ de tudo isto. A malaria, razão de
ro — Dr. Carlos Chagas — que, sua ida a Lassance, não justifica­
no dia 9 de abril de 1909, na ci­ va esta rica gama de sintomas. O
dade norte-mineira de Lassance, seu espírito de sanitarista ficou
no vale do Rio das Velhas, na em constante vigilia e posterior­
pequena doente de nome Berenice mente, ao fazer visitas domiciliares
Moura, descobriu a doença até en­ aos seus doentes, ouviu dêles re­
tão desconhecida. Êste fato, de ferências frequentes a um inseto
larga repercussão cientifica inter­ sugador do sangue, hematófago
nacional, evidenciou aos olhos do por excelência, que os picava à
mundo o valor e a pujança da me­ noite e tão logo acendiam o can-
dicina brasileira e ainda hoje se dieiro da casa, êles fugiam e se
constitui uma das glórias maiores escondiam nas frestas das paredes
da cultura médica do Brasil. O de taipa de suas toscas moradas.
nome correto é. portanto, “Doença
de Chagas” e não “ Doença das O Dr. Chagas desconhecia até
Chagas”. então a existência de tal inseto

30
que os habitantes do lugar cha­ que é o reservatório do protozoá­
mavam “ procotó” . “chupão” ou rio ou hospedeiro definitivo e con­
até “ barbeiro”, isto porque têm sequentemente a grande vítima, ao
especial predileção pelas faces das lado do gato, do cão, do gambar,
pessoas para picarem. Como era da cutia, do tatú, e principalmen­
natural, o Dr. Chagas, ficou intri­ te do pombo e da galinha além
gado com aquilo e resolveu exa­ de outros pequenos animais em
minar ao microscopio o conteúdo cujas tocas o “ barbeiro” se escon­
intestinal do “ barbeiro” . Com sur­ de quando não encontra casa de
presa lá encontrou um protozoá- taipa para morar. A doença que
rio desconhecido que batizou com a princípio era silvestre evoluiu
o nome de ‘,Tripanozoma Cruzzi” para o homem do campo e hoje
em homenagem ao seu grande já chegou ao homem das cidades.
mestre e chefe Dr. Osvaldo Cruz. Sua transmissão é feita da seguin­
Posteriormente levou ao microscó­ te maneira: o “ barbeiro” infecta­
pio o sangue dos seus doentes e lá do, isto é, portador do protozoário,
encontrou o mesmo protozoário pica o homem geralmente na face
encontrado nas fezes do “ barbei­ ou braços e ao encher o estomago
ro” . Em seguida inoculou o referi­ de sangue defeca logo em seguida
do protozoário em cobaios e êles A sua picada é indolor e no má­
adoeceram ! Estava, assim, des­ ximo produz discreto prurido, sen­
vendado o grande mistério e des­ do portanto, imperceptível1. Pois
coberta a terrível moléstia que lhe bem, ao sentir o prurido da
herdou o nome para glória da me­ picada a vítima leva a mão ao
dicina brasileira, esta mesma me­ local da mesma e sem querer, in­
dicina que acompanhou o pionei- voluntariamente, espalha as fezes
rismo dos transplantes cardíacos, do "barbeiro” contendo o proto­
transplantes de rins, transplantes zoário no ferimento produzido pela
de pancreas e deu os primeiros picada do mesmo ou na mucosa do
passos para a cura cirúrgica da ôlho mais próximo ao ferimento
hidrofobia ! ou ainda em alguma solução de
continuidade da pele. Portanto,
TRANSMISSÃO DA DOENÇA não é a picada em si que transmi­
te a doença e sim a contaminação
A responsabilidade da doença do ferimento pelas defecções do
corre por conta do seguinte tripé: “ barbeiro”. Além dessa maneira
o protozoário, o “ barbeiro” e o há também a possibilidade da do­
homem. ença ser transmitida pela mãe do­
ente ao filho por via placentar e
O protozoário de nome “ Tripa- principalmente pelas transfusões
nozoma Cruzzi” é o agente etioló- de sangue dos doadores doentes.
gico ou agente causador. O “Bar­ É oportuno dizer que, certa vez,
beiro” que é um Triatomideo com de 576 doadores de sangue de Belo
mais de 50 espécies é o agente Horizonte que foram examinados,
transmissor ou hospedeiro inter­ 14 dêles eram portadores de “ Do­
mediário cujas principais espécies ença de Chagas” . Êste fato causou
entre nós são: “ Panstrongilus Me- tremenda celeuma e apreensões na
gistus” principalmente, seguido de época, entretanto, entre nós o pro­
“ Triatoma brasiliense e Triatoma blema hoje não é menos grave.
Infestans’’. Finalmente, o homem Basta dizer que segundo a dra. Lise

31
Mary Alves Lima, em momentoso doadores de sangue ! É bom lem ­
e interessante trabalho publicado brar que Crato já tem pràtica-
na “ Revista da Faculdade de M e­ mente 5 instituições hospitalares;
dicina do C ea rá ’, em junho de Juazeiro tem 2; Brejo Santo tem
1967, de 1.230 doadores de sangue 2; Várzea Alegre, Campos Sáles,
dos Bancos de sangue da nossa Lavras, Cedro, Barbalha, Nova O-
Faculdade de Medicina e da M a ­ linda, Santana do Cariri têm 1;
ternidade Escola Assis Chauteau- Missão Velha, Milagres e Jardim,
briand nos quais foi pesquisado brevemente terão também o seu
“ Doença de Chagas” , o índice de Hospital e em todos êles quantos
positividade foi de 5,2% e 8,6% chagásicos não serão doadores de
respectivamente naquelas modela­ sangue para salvarem vidas das
res instituições. Isto é ■realmente garras da morte por anemia agu­
alarmante e catastrófico, assumin­ da, mas deixando tais vidas estig­
do ares de verdadeira calamidade matizadas indelevelmente e com
pública ! E o que é mais grave encontro marcado com a morte
para nós no Cariri, a maioria des­ por “ Doença de Chagas” em futuro
ses doadores era de interioranos, próximo ! Paradoxalmente salva­
tendo o Cariri contribuído eom 8 dores assim são algozes das vidas
õêles, sobretudo Crato e Jardim ! que salvam ! Lembremo-nos co­
É bom lembrar que em Crato o mo ilustração e também advertên­
índice de infecção humana por cia que o boiadeiro João Ferreira
“ Doença de Chagas” , segundo o da Cunha, primeiro brasileiro a
Frofessor Joaquim Eduardo de receber um coração novo pelas
Alencar, foi superior a 12% nas mãos miraculosas do Professor
pessoas examinadas. Assim, no Zerbini, com apenas 22 anos de
sangue que vai salvar uma vida idade, era um homem condenado
em nossos hospitais poderá ir à à morte por “ Doença de Chagas” !
morte posterior por “ Doença de
Chagas” , pois no Cariri ainda não EVOLUÇÃO E SIN TO M ALO G IA
se faz, infelizmente, a Reação de DA DOENÇA
Machado Guerreiros pára pesqui­
sar “ Doença de Chagas” . O T ri- Dsz a quinze dias após a picada
panozoma no sangue estocado em do “ barbeiro” aparecem os primei­
geladeira poderá permanecer vivo ros sintomas que geralmente são
por 21 dias e somente será morto aparentemente benignos e podem
pela adição a êste sangue de uma passar por sintomas de gripe nos
solução de violêta de genciana a menos avisados. São sintomas va­
1/4.000 pelo espaço de 24 horas a riados que vão de febre em torno
temperatura de 4°C, prática que de 37,5°C ao fastio, indisposição,
também ainda não se faz nos nos­ esplenomegalia ou aumento do
sos Bancos de Sangue. baço, hepatomegalia ou aumento
do fígado, aumento da tiróide e
Senhores, êste problema é da dos gânglios, distúrbios nervosos
mais alta gravidade para o Cariri tais como: insônia, neurastenia,
onde o movimento hospitalar já é cefaléia e raramente convulsões e
dos mais intensos, o número de sinais de meningite; distúrbios di­
cirurgias e de transfusões muito gestivos e principalmente distúr­
elevado sem a paralela pesquisa bios cardíacos tais como: Taquio-
de “ Doença de Chagas” nos nossos cardia ou pulso acelerado; queda

32
da tensão arterial, falta de ritmo vas dos plexos nervosos intramu-
cardiaco, falta de ar, edemas e rais das vísceras ôcas do aparelho
principalmente cardiomegalia ou digestivo, produzindo diminuição
aumento do coração. Além disto da sua tonicidade e consequente­
há um sinal muito típico que é o mente hipertrofia e dilatação das
sinal de Romanã e que consta de mesmas, dando a chamada “ gas-
edema da palpebra de um dos o- tropatia chagasica” constante de
Ihos sem causa aparente; o doen­ mega-esofago, ou seja dilatação do
te aparece com a palpebra incha­ esofago conhecido popularmente
da sem conjuntivite, sem haver como “mal do engasgo” , além de
recebido traumatismo e sem haver mega-cólon ou dilatação dos có­
sido picado por inseto. É um si­ lons intestinais com prisão de ven­
nal muito característico e que já tre e posterior formação de feca-
observei em um doente do Caldas lomas que são verdadeiros tumores
que veio ao “Pôsto de Saúde de fecais. Sua importância médico-
Barbalha” por mim dirigido. In- social é muito grande porque atin­
daguei se conhecia o “ barbeiro” e ge o grupo etário mais produtivo
a resposta foi que conhecia e que das populações, de 20 a 50 anos.
já fôra por êle picado. Com isto A doença pode ter evolução aguda,
quero demonstrar que a doença é causando logo a morte, principal­
largamente espalhada no nosso mente na infância ou evolução crô­
meio rural, sem que disto tenha­ nica, nunca porém permitindo que
mos conhecimento. Quantos não o doente chegue a idade madura.
morrem subitamente, “ de repen­ A morte é sempre súbita e quase
te-’, como dizem e a causa do óbito sempre por rutura do miocardio.
cutra não é senão "Doença do
Chagas” ! Quantos não caem do PR O F ILA X IA DA DOENÇA
seu cavalo na estrada da feira
pontilhando de cruzes as estradas A profilaxia, ou seja, a maneira
poeirentas do nosso sertão ! de evitar a doença, tem por base
evitar o “barbeiro” por todos os
FORMAS DA DOENÇA meios ao nosso alcance. Como evi­
tá-los, então ? Substituindo os ca­
As formas mais comuns da do­ sebres de taipa e palha por casas
ença são: a forma cardíaca com de alvenaria e têlha ou pelo me­
95% dos casos e a forma nervosa nos, rebocando e emboçando as
com apenas 5%, de onde concluí­ casas de taipa, além de pulverizar
mos que o protozoário afeta prin­ frequentemente o interior das ca­
cipalmente o músculo cardíaco, sas, móveis e arredores, galinhei­
cujas fibras se enfraquecem até se ros e pombais com B. H. C., pode­
romperem, levando à morte súbita roso inseticida que já teria para-
Segundo os doutores Reynaldo de lizado a invasão doméstica do
Brito Costa e Francisco Gomes de “ barbeiro” , se êle não fosse tão
Alcântara, do Departamento de prolifero. Á bem da verdade, de­
Patologia da Faculdade de Medici­ vo dizer de público e com satisfa­
na de Ribeirão Preto, da Universi­ ção que o B. H. C. tem sido admi­
dade de São Paulo, em artigo na ravelmente eficiente na luta con­
“ Revista Brasileira de Medicina” tra o “ barbeiro-’ levada a efeito
de novembro de 1965 a “ Doença de pelos anônimos guardas do D. N.
•Chagas” causa lesões degenerati­ E. Ru. sob o eficiente comando do

33
Dr. Fábio Esmeraldo secundado O diagnóstico é suspeitado por
pelo Dr. Romão Sampaio que, sa­ dados clínicos principalm ente pa­
indo de Jardim supervisiona toda ra o lado dos aparelhos circulató­
a zona rural do Setor Crato da­ rios e digestivo. Em seguida uma
quele eficiente Departamento. É radiografia do torax evidenciando
meritório o trabalho dessa adm i­ aumento do coração fundamenta
rável equipe que vai até o mais mais a suspeita que só será con­
longínquo casébre do sopé das firm ada por uma reação específi­
nossas serras, de Jeep até onde vai ca chamada Machado-Guerreiro
o jeep, a cavalo quando tem ca­ que consta da pesquisa do próprio
valo e a m aioria das vezes a pé Tripanozom a no sangue ou pelo
Mas não é só na zona rural que o Xeno-Diagnóstico.
“ barbeiro” é problema. Não, in fe­
lizmente êle já evoluiu nos seus
IN C ID Ê N C IA DA DOENÇA
hábitos e tem sido frequentemente
encontrado em Barbalha em pleno
perímetro urbano, em casas de al­ Sem exagero o Brasil é h oje um
venaria, estilo funcional, com piso vasto viveiro de “ barbeiros” . T e ­
de mosaico, água canalizada da mos aproximadamente 6.000.000
fonte do Caldas e luz de Paulo (seis milhões) de chagásicos. Há
Afonso ! Em Juàzeiro encontrei anos passado por ocasião do in­
um “ barbeiro” no moderno Pôsto quérito epidemiológico feito em
do Ex-Sandu no apartamento des­ Salvador foram encontrados “ bar­
tinado aos médicos, em uma das beiros’ infectados em 2.127 casas
minhas noites de p la n tã o ! Até dos suburbios daquela grande ci­
parece um desafio ! E aqui cabe dade ! Dez por cento (10%) da
citar um fato de minha observação população do interior de Minas
pessoal que pode ser contestado Gerais, é chagásica. Em Itacam -
mas que merece uma investigação bira, interior de Minas Gerais, de
por parte dos nossos sanitaristas. cinco em cinco dias morre umo
É que tenho verificado que a m i­ pessoa de “ Doença de Chagas”
gração de “ barbeiros” da zona ru­ sendo que de 360 pessoas da loca­
ral para as cidades aumentou con­ lidade examinadas 324 tiveram
sideravelmente com o advento da reação positiva para “ Doença de
energia elétrica de Paulo Afonso Chagas” , o que dá um índice de
aqui no Cariri. Como explicar o chagásicos de noventa por cento
fato ! Talvez pelo instinto de de­ (90%) da população. H oje a “ D o­
fesa e conservação da espécie, pois, ença de Chagas” está espalhada
o “ barbeiro” , embora habitual­ por toda a Am érica do Sul e Cen­
mente tenha a sombra e a penum­ tral e até no sul dos Estados U ni­
bra como mais propícias a sua dos já foi encontrado o “ barbei­
constante busca de vítimas, é a- ro” . No nosso sofrido Nordeste,
traído de longe pelo clarão das então o problema é gravíssimo.
cidades e para elas têm migrado Recentem ente o Departamento
constante e ininterruptamente. É Médico do D. N. O. C. S. constatou
um fato nôvo que precisa ser es­ na cidade de Cedro 4% de “ bar­
tudado pelos estudiosos do as­ beiros” infectados, n a cidade de
sunto. Forquilha 7% e aqui no nosso rico
e verdejante Cariri não é diferente
D IAG N Ó STICO DA DOENÇA o panorama.

34
À guisa, de ilustração devo citar rusalém, sustentou a tese de que
o fato que mais dispertou a minha Darwin, genial criador da origem
atenção de Médico para o proble­ das espécies pela seleção natural,
ma da incidência da “ Doença de teria falecido vítima de “Doença
Chagas'’ no Cariri Cearense. Em de Chagas” . E argumenta que
uma das nossas cidades uma jo­ Darwin, na sua celebre viagem ao
vem da melhor sociedade começou redor do mundo pernoitara em
a referir distúrbios nervosos. A- Mendosa, na Argentina em março
conselhada por seu médico a pro­ de 1835 e referiu que ali fôra pi­
curar um neurologista em Recife cado por enormes percevejos pos­
para lá se dirigiu. O neurologis­ teriormente identificados comc
ta. para esclarecer o seu diagnós­ “ barbeiros’’.
tico, pediu uma série de exames
complementares e eis que a radio­ TR ATAM EN TO DA DOENÇA
grafia do torax revelou um enor­
me coração. Diante disto e da
pouca idade da jovem foi pedido Pràticamente não existe trata­
um exame de sangue especifico mento para a “Doença de Cha­
para “Doença de Chagas” , exame gas” , porque ainda não dispomos
êste que infelizmente ainda não de uma droga capaz de curá-la.
se faz no Cariri. Pois bem, o tal No máximo atenuam ou retardam
exame revelou que a nossa jovem a sua virulência. O câncer, quan­
do tratado em tempo, é vencido
era portadora da “ Doença de Cha­
gas’. Ora, meus senhores, se a- pela radioterapia e pela cobalto-
terapia.
quelá jovem diplomada e relativa­
mente abastada que mora em casa
moderna com todos os requisitos A “ Doença de Chagas’’, não
de conforto que a civilização ofe­ Uma vez contraída representa uma
rece, tinha no seu sangue o temí­ inexorável sentença de morte mais
vel Tripanozoma Cruzzi, agente cêdo ou mais tarde. Infelizmente
causador da “ Doença de Chagas” , não temos ainda meios para negar
o que não estará acontecendo no o seu fatalismo, apezar dos enor­
sangue do nosso pobre homem ru­ mes esforços feitos, principalmen-
ral em cujas casas tem sido en­ et em Ribeirão Preto onde, na sua
contrado até 150 “ barbeiros’’, co­ modelar Faculdade de Medicina
mo ocorreu recentemente em um desde 1955 o serviço do Professor
casebre do Sítio Mata, em Barba- Fritz Koeberle outra coisa pràti­
Iha ! ! ! camente não tem feito senão bus­
car a cura desta terrível doença.
Posteriormente foi sabido que a De lá possivelmente sairá a solu­
jovem em apreço, embora residin­ ção para problema de tal magni­
do na cidade, passava as férias na tude.
zona rural e lá provavelmente con­
traiu a doença. Como curiosidade Na Faculdade de Medicina de
histórica devo dizer que o Dr. Goiás, o Dr. Anis Rassi catalogou
Clovis Buhler Vieira, de Ribeirão algumas drogas que teriam- ação
Preto, na Revista Brasileira de contra a temível endemia e entre
Medicina de setembro de 1967 re­ elas vale ressaltar: Derivados qui-
lembra que o professor Saul Adler noleínicos, principalmente o Bayer
da Universidade Hebraica de Je­ 7602, arsenobenzóis, sulfurados,

35
antagonistas purinicos e outros. tais como : Eletrificação rural, as­
Infelizm ente na prática médica os sistência efetiva e crédito menos
resultados não têm sido satisfató­ burocrático ao agricultor, mais
rios. Da eternidade que o diga o justa distribuição das terras, com­
Padre Marcelino Aldemir de Quei­ bate ao latifúndio improdutivo,
roz Lima, pranteado e virtuoso melhor difusão dos princ pios bá­
ex-Vigário de Jardim que faleceu sicos da higiene, combate ao anal­
chagásico no Hospital São F ran­ fabetismo, reform a de uma estru­
cisco, de Crato. O Dr. Humberto tura social superada que não dá
Menezes, ainda da Faculdade de ao povo siquer a oportunidade de
Medicina de Ribeirão Preto, se­ se alfabetizar e acima de tudo mu­
gundo registra a Revista Brasilei­ dança da mentalidade do homem
ra de Medicina de agosto de 1966, do campo, não somente do empre­
experimentou substâncias chama­ gado como do empregador, para
das anti-metobólitos, no caso a que se olhem como seres que se
pirimetamina e amethopterina, em devem auxiliar mutuamente para
camondongos chagásicos e os re­ subirem ambos de posição na es­
sultados, mais uma vez, não foram cala social. Em suma, são neces­
satisfatórios. sárias medidas que possibilitem o
alevantamento do nível sócio-eco-
Finaimente, Halsmani e Castela- nómico das populações rurais que
ni conseguiram uma promissora ainda vivem à margem da civili­
vacina que tem se mostrado eficaz zação, incultas, subnutridas, sub­
contra infecções por Tripanozo- desenvolvidas, analfabetas, enfer­
mas em camondongos, estando tu­ mas e fazendo de práticas agríco­
do, entretanto ainda no movediço las rotineiras e superadas a única
terreno da patologia experimental fonte de rendas para o seu susten­
que é infelizmente, ainda o terre­ to e ainda mais, sugadas pelo in ­
no de tudo que diz respeito ao tra­ termediário que lhes compra a sa­
tamento e a prevenção contra a fra por preço inferior ao próprio
“ Doença de Chagas’’. custo da produção e daí viver a
agricultura sempre deficitária. No
Cariri tal situação apresenta-se
C O N C L U S Õ E S
com cores negras, já que a agro­
indústria rapadurcira é uma ati­
Que fazer, então, diante de tão vidade economicamente superada e
grave problema ? Como substituir hoje serve apenas para clorofilar
as casas de taipa dos sítios por a miséria dos que dela vivem com
casas de alvenaria nêste Nordeste o verde exuberante dos nossos ca­
fam into onde falta até o pão de naviais. “ A Mater et Magistra ’
cada dia na casa do infeliz homem do saudoso e inolvidável Papa João
da roça ? Como combater eficaz­ X X I II ai está para- mostrar como
mente o “ barbeiro” em tão imensa se fazer tudo isto sem se ser co­
vastidão territorial ? São pergun­ munista, mas, pelo contrário, u-
tas sem respostas no presente e sando as reformas sadias como po­
só o futuro poderá respondê-las e deroso dique para conter a ava­
até onde respondê-las, tal é a lanche do comunismo internacio­
complexidade do problema. Para nal malsão e iconoclasta. No
tanto é necessário desde já um momento cabe-nos tão somente
cortejo de medidas revolucionárias, fazer o que aqui ora estamos fa ­

36
zendo: Uma campanha de escla­ do e carente de tudo, mas acima
recimento do povo, dispertando-o de tudo carente de saúde, paz e
contra o perigo que ronda os seus fraternidade, para que o Oriente
lares e dentro dêles conduz a Médio e Vietnãn sejam os últimos
morte. pontos sangrentos de sua sinuosa
trajectoria na interm inável passa­
Eram êstes os esclarecimentos rela dos séculos. Que as nações
que desejava transmitir como um beligerantes tomem conhecimento
brado de alerta inicial, talvez pre- daquilo que certa vez disse Vietor
núncio de uma cruzada que have­ Hugo, glória da França e da hu­
rá de vir no futuro contra a “ D o­ manidade : — “ Se m atar um é
ença de Chagas” no nosso meio, crim e, m atar muitos não pode
já que a Nação parece reencon- nem deve ser glória” .
trar-se a si mesmo e m archar pa­
ra o equaoionamento e a solução Finalizando, cabe-m e por dever
dos seus seculares problemas. de justiça, por gratidão e por im ­
Graças a Deus parece que Deus é perativo de praxe secular, dizei
mesmo brasileiro e a Revolução algumas palavras sôbre o Dr. B ar-
Democrática de 31 de março de rêto Sampaio, famoso médico bar-
1964 ai está irreversível e atuante, balhense em boa hora escolhido
banindo a corrupção e pondo nos para patrono da Cadeira N.° 1, se­
eixos êste País que a demagogia e tor de Ciências, do Instituto Cul­
a m istificação de um falso traba- tural do C ariri, que passarei a o-
lhismo pretendiam lançar no caos cupar. Trata-se, efetivamente, de
econômico e social para dêle sur­ uma hom enagem muito justa e
gir, qual: nova flô r de Lotus, o co­ merecida há muito reclam ada pe­
munismo, alimentado pelo adubo los reais méritos do homenageado
da miséria de um povo sempre que, a seu tempo, fo i nome nacio­
pessimamente governado, com ra­ nal da Medicina nordestina, mais
ras exceções e que teve no perío­ precisamente da oftalm ologia, da
do governam ental de Vargas uma qual era profundo conhecedor, go-
longa hibernação cívica onde as sando conceito nacional no con-
forças morais desaparecem para censo médico e no reconhecimento
darem lugar a demagogia de fa l­ popular.
sos lideres que proliferaram sob o
sorriso complacente do “ solitário Manoel de Sá Barrêto Sampaio
de Itú ” . era o seu nome, sexto filh o entre
oito, do casal Antônio Manoel
Que Deus ilumine a visão dos Sampaio e Antônia Porcina do
nossos atuais e futuros governan­ Am or Divino. Nascido em Barba-
tes para que consigam em tempo Iha no ano de 1848, pertencente a
útil desentulhar o montão de er­ tradicional fam ilia Sá Barrêto
ros que se acumulôu de 1930 a Sampaio cuja história se confunde
1964 e êste País retom e a senda com a própria história da terra
do desenvolvimento, mas do de­ barbalhense, fez os estudos prepa­
senvolvimento sem escândalo, é ratórios em Recife, doutorando-se
bom que se frise, para galgar as em medicina brilhantem ente pela
metas do seu grande destino no tradicional Faculdade de Medicina
concerto das grandes naç,es livres da Bahia, especializando-se em
do mundo, deste mundo conturba­ oftalm ologia em Paris por volta de

37
1880 onde passou dois anos como tempo sepulta no esquecimento fa ­
assistente do famoso oculista pro­ zendo-os desconhecidos das novas
fessor Wecker, de fama mundial, gerações.
cuja universalmente adotada Es­
cola Wecker ajudou a estabelecer. Assim, cada cadeira ocupada é
Clinicou inicialmente em Baturité, como que um renascimento da
Crato, Barbalba e finalmente em obra e da vida do seu patrono
Recife onde em 1917 presidiu o l.° mais ou menos esquecido porque
Congresso Médico de Pernambuco, esquecer é próprio da humanida­
fazendo naquela progressista me­ de. E por momentos as novas ge­
trópole nordestina grande clientela rações tomam conhecimento assim
como um dos raros oculistas bra­ das grandezas do nosso passado,
sileiros com curso de pós-gradua­ quais volumes empoeirados e em­
ção no estrangeiro, coisa rara na­ pilhados na grande estante dos
quela remota época. Casado com séculos e que pelas dimensões de
dona Maria Eulalia da Câmara suas obras e pela grandeza de
Sampaio, filha do seu irmão Dr. suas vidas merecem uma revivên-
Atendo de Sá Barreto Sampaio e cia que é um culto, culto que não
neta do famoso barão de Palm a­ deixa de ser reconhecimento, re­
res, deixou filh a única — M aria conhecimento que certamente é
Ester Sampaio, assassinada em gratidão, virtude humana de rara
condições misteriosas e que, ape- beleza talvez por ser de bela rari­
zar de casada, não deixou descen­ dade. Dizia o inimitável tribuno
dência que lhe perpetuasse o no­ brasileiro João Alangabeira, que
me pelos tempos afora. “ nada é mais útil aos povos, prin­
cipalmente às novas gerações e
Era um apaixonado das artes, sobretudo nas épocas de convul­
principalmente da pintura na qual são e de delinquência, do que pôr
era profundamente versado, sendo em realce a beleza, a majestade,
um grande colecionador de qua­ o primado das grandes forças mo­
dros raros cuja rica coleção era rais e das grandes virtudes huma­
considerada a melhor de Pernam ­ nas, concretizadas ou expressas
buco. Gostava de escrever e de nas instituições que as represen­
falar em público, tendo vários tam e nos homens que as encar­
trabalhos publicados dentro da nam e que, por isso mesmo, fazem
sua especialidade médica. Era jús à comemoração dos monumen­
culto, espirituoso e cheio de verve. tos ou à imortalidade na perene
Após 72 anos de ir.tensa vida fa ­ lembrança dos que vivem” . Assim
leceu em Recife em 1920 na sua sendo, êste é mais um grande ser­
residência à Rua da Saudade. Por viço que o Instituto Cultural do
seus reais méritos merece figurar Cariri presta à cultura caririense
na galeria ilustre ae patronos do e queira Deus que o exemplo se
Instituto Cultural do Cariri que multiplique pelo Brasil afora, pa­
andou muito bem quando resolveu ra que, sorvendo os exemplos do
buscar no passado os nomes para passado, as novas gerações possam
patronos das suas cadeiras, por­ chegar mais longe e voar mais al­
que com isto força os seus mem­ to nas asas da moderna tecnolo­
bros a estudarem a vida de gran­ gia sem excesso de tecnicismo,
des nomes das nossas letras e ci­ porque adicionando o passado ao
ências que a ação destruidora dc presente na projeção do futuro

38
para que o mundo seja mais belo integração se difunda em tomo
e o Brasil seja cada vez maior das instituições culturais e dos
“ não somente pelo sem fim do seu clubes de serviço como a luz em
território mas e principalmente torno de uma lâmpada, em todas
pela imensidade e pela soberania as direções, atingindo todas as co­
dos seus iluminados destinos” . munidades caririenses, para que a
união verdadeira nos faça chegar
Meus senhores ! à grande méta por todos sonhada:
a grandeza do Cariri, do Ceará e
O título que dentro em pouco do Brasil. Que a intelectualidade
receberei não é apenas uma hon­ de Crato, a operosidade de Juà-
raria literária porque, paralela­ zeiro e a austeridade de Barbalha
mente, impõe grandes responsabi­ e das outras cidades caririenses se
lidades, já que os órgãos de cul­ fundem no cadinho de um sadio
tura são, por isto mesmo, também nacionalismo para darem ao Bra­
células atuantes do nosso desen­ sil novo um novo Cariri sem dis-
volvimento, centelhas ativas da senções e cheio de vontade de
própria segurança nacional. crescer.

Segundo sábiamente conceitua o Não pode haver desenvolvimen­


grande constitucionalista e pensa­ to sem cultura e não é possível
dor brasileiro, Afonso Arinos de segurança sem desenvolvimento e
Melo Franco, “A segurança do muito menos Liberdade sem segu­
Pais não se efetiva apenas pela rança. Assim as instituições cul­
repressão comum ou pela preocu­ turais como o é o Instituto Cultu­
pação exclusiva da manutenção da ral do Cariri e como o é também
crdem material, mas por laços o atuante Centro Juàzeirense de
culturais, por uma mesma cons­ Cultura, são necessárias à nossa
ciência nacional, por valores cul­ própria sobrevivência como povo
turais profundamente arraigados. e merecem todo o nosso apoio,
Não há desenvolvimento sem cul­ admiração e respeito.
tura porque desenvolvimento não
é apenas uma infra estrutura ma­ Ao Instituto Cultural do Cariri
terial, mas também uma perma­ pois, a minha gratidão por rece-
nente preocupação com valores ber-me no seu seio e os meus res­
culturais. Assim, a cultura há peitos como instituição de cultura
que estar integrada rio processo indispensável ao desenvolvimento
de desenvolvimento e no da segu­ que promove o homem, ao patrio­
rança” . tismo que faz heróis e mártires,
à segurança nacional que gera
Pelo exposto, quando o Instituto progresso e possibilita a Liberdade,
Cultural do Cariri difunde a nossa suprema aspiração do gênero hu­
cultura promove desenvolvimento mano e sublime oxigênio indispen­
e fortalece a segurança nacional sável à vida com dignidade.
quando preserva os nossos valores
culturais; quando se desloca do Tenho dito.
Crato para Barbalha faz integra­
ção regional e integrar em época Barbalha-Ce, 28-09-69
cie tanta desintegração é meritó­
ria obra de patriotismo. Que esta Dr. Napoleão Tavares Neves

39
--------------------------------------------------------- -

WAGNER STÚDIOS
Gravarão de “ jingles” e “ spots”

Promoção de campanhas políticas de alto nível

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Os melhores locutores da região

CONFIE SUAS PROPAGANDAS E CAMPANHAS A


W A G N E R S T U D I O S

Rua Bárbara de Alencar, 941 — CRATO — Ceará

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Dr. Emídío Macedo Lemos


A D V O G A D O

Aceita causas cíveis, trabalhistas, comerciais,


criminais e fiscais

ATENDE, INCLUSIVE, NOS ESTADOS VIZINHOS

Escritórios:
CRATO — Rua Carolino Sucupira, 245 — Fone 670
Juàzeiro do Norte — Rua S. Pedro, 285 — Fone 632
>__ .. /
Em solene Sessão, na Sé Catedral,
Monsenhor Rubens Gondia Lóssio
toma posse da Cadeira N. 9
que tem como Patrono D. Francisco
de Assis Pires. Os discuross
Das grandes sessões do Instituto de Araújo, o Diretor da Faculda­
Cultural do Cariri foi a que se de de Ciências Econômicas, Dr.
realizou, na noite de 6 de Agosto Raimundo de Oliveira Borges, o
de 1969, na Sé Catedral, por oca­ Vice-Presidente da Câmara Júnior
sião da posse do sócio Monsenhor do Ceará, Dr. Antônio Darcy Bar­
Rubens Gondim Lóssio, na cadeira bosa, o Presidente da Associação
n.° 9, que tem como patrono o dos Empregados no Comércio do
segundo Bispo de Crato o saudoso Crato, Prof. Pedro Felício Caval-
D. Francisco de Assis Pires. Pode- cânti, Delegado Especial de Polí­
se considerar das maiores festas de cia, Cel. Osmar Oliveira, o Dire­
cunho cultural, já realizadas nesta tor da Faculdade de Filosofia do
cidade. A nave da Catedral esta­ Crato, Prof. José Newton Alves de
va à cunha com representantes de Sousa, Representante do Ceará —
tôdas as classes sociais. Em pou­ Senador Wilson Gonçalves, o Pre­
cas localidades poderia haver reu­ sidente da Associação Comercial
nião de tanto brilhantismo, com de Juazeiro do Norte e represen­
desfile de tantos cultores da inte­ tante da fam ília de Monsenhor —
ligência. Houve iluminação des­ José Gondim Lóssio.
lumbrante e números de arte. O presidente J. de Figueiredo
A magna sessão foi presidida Filho abriu a sessão com algumas
por J. de Figueiredo Filho que palavras, referentes ao caráter da­
convidou para ladear a m esa : o quela solenidade. Convidou a fa ­
Prefeito Municipal — Dr. Hum­ lar o Prof. José Newton Alves de
berto Macário de Brito, o Reve­ Sousa, que saudou o conferencista.
rendo Monsenhor Raimundo Au­ Seguiu-se este, logo depois. A
gusto, Vigário Geral da Diocese, o sessão foi encerrada com discur­
presidente da- Câmara Municipal, sos do Prefeito Humberto Macá­
José Valdevino de Brito, o presi­ rio de Brito e do Senador Wilson
dente da Associação Comercial, Gonçalves. Pronunciaram êstes
Thomaz Osterne de Alencar, o magníficas orações completando
vice-Presidente do Instituto Cultu­ assim o brilhantismo daquela noi­
ral do Cariri, Pe. Antônio Gomes te. Seguem-se Os dois discursos :

41
Discurso de Saudação e recepção
ao Revoo. Mois. Rubens Goudio
Lóssio, cooo 1.° ocupante da
Cadeira N. 9 da Secção de Letras
do Instituto Cultural do Cariri
No calendário das comunidades Igreja, em Crato, com operosida­
momentos existem, em que, sôbre de de pastor vigilante e dedicado.
o dia-a-dia dos acontecimentos O Revmo. Mons. Rubens Gondim
rotineiros, repontam cimos singu- Lóssio nasceu a 27 de maio de
Iarizados por sua feição espiritual 1924, em Jardim, neste Estado, f i ­
e sentido histórico. lho de Júlio Lóssio (falécido) e D.
Estamos numa dessas horas, em Eleonor Gondim Lóssio.
que a figura do inolvidável se­ Tendo feito o curso de humani­
gundo bispo do 'Crato patrocina dades em nosso tradicional Semi­
uma cadeira, na mais alta assem­ nário S. José, e os de Filosofia e
bléia cultural do Cariri, cadeira Teologia no Seminário Maior de
que vai inaugurar-se com o dis­ Fortaleza, capitai do Ceará, exer­
curso de posse do seu primeiro ceu o magistério em vários esta­
ocupante, Mons. Rubens Gondim belecimentos, nos níveis primário,
Lóssio, a quem me coube a- honra secundário e superior, sendo pro­
de receber e saudar, nesta noite. fessor titular da Cadeira de F i­
Pessoalmente, a levar em conta losofia, da Faculdade de Filosofia
o que de próprio especifica o fe ­ do Crato.
nômeno literário, e em consonân­ Ordenado sacerdote católico, do
cia com o que hoje, neste parti­ Presbitério da Diocese do Crato, a
cular, se tornou doutrina defini­ 20 de dezembro de 1947, foram-lhe
tiva, preferiria ressaltar, no santo confiados, ao longo de sua carrei­
prelado, não a sua pena, que, em ra religiosa numerosos cargos e
primeiro lugar e acima de tudo, oficios, que bem atestam sua in­
manejou para o bem das almas, teligência, capacidade e valor.
mas aquelas virtudes que lhe exor- Orador de raça, impõe-se à ad­
naram o coração de bispo e de miração de todos que lhe reconhe­
santo. cem a extrema facilidade de ex­
Devo, entretanto, saudar, não o pressão, o efetivo dom da palavra,
Patrono da Cadeira N.° 9, da que flui de seus lábios como em
Secção de Letras do Instituto Cul­ cascata, contendo-se quando ne­
tural do Cariri, mas aquele que cessário, porém nunca dando si­
agora passa a ocupá-la e honrá- nal de que estaria a esgotar-se ou
la, pela cultura e pelo saber, como a tornar-se débil.
tem sabido ilustrar o púlpito, com Ecrevendo, como freqüentemen-
grande eloqüência e dignificar a te o faz, é cuidadoso no têrmo.

42
escorreito na construção, justo no conexões do orgânico. Parece que
conceituar, preciso no definir, e, então sofre o m agno sonho das
agudo perquiridor de fontes e do­ exatas construções estudadas e e-
cumentos, guarda fidelidade no in ­ laboradas em tôdas as minúcias.
form e e reveste de graça o estilo, E aquelas partes ordenadas com
rico de fôrça ornam ental e comu­ tanto rigor, e aquelas lucubrações
nicativa. que subtrai às noites e m adruga­
Nêl'e, o escritor denuncia o ora­ das vão, no interregno das labu­
dor, e o hom em de ação, o poeta tas sacerdotais, adensar-se, con -
que não fa z versos. cretam ente, no quadrilátero de um
M ente aberta, amante, en tretan ­ boletim de festa religiosa ou nas
to, da ortodoxia, atualiza-se sem quadrículas de relatórios anuais.
dem agogia e age sem precipitação. ~É êsse hom em realizador, êsse
O “ sentir com a Ig r e ja ’’ não ilustre m inistro de Deus, que h oje
tem, para êle, a m era ressonância tom ará assento na C adeira de D.
de frase feita, mas representa e Francisco de Assis Pires, do In s­
traduz uma afirm ação e um pro­ tituto Cultural do Cariri.
gram a de vida. Que relações descobririam os en­
Podia não usar batina, mas esta tre o Patrono e o racipiendário ?
nunca lhe prejudicou a dinâmica Diversos no tem peram ento, no
pastoral e a impressão que, como grau hierárquico, na idade e quan­
sacerdote, nos dá, é a de que a to ao lugar de nascimento, muito
sagrada veste que enverga reflete se identificam pelo vínculo reli­
uma consagração in terior e supe­ gioso, pelo am or à Ig re ja , pelo es-
rior tão forte, que êle não fa ria p rito de serviço, pela caridade o-
nunca do tra jo um problem a, po­ perativa.
rém um sinal. É uma honra para m im sau-
Espírito organizado pela disci­ dar-vos, Mons., recebendo-vos nes­
plin a filosófica e enriquecido pela te Instituto, nas condições com
cultura hum anística, não tran sfor­ que agora nêle tendes ingresso.
m a a Teologia em tram polim p ro­ Vosso insigne Patrono, que foi
mocional, antes lhe assume, das meu padrinho de crisma, aqui se
divinas entranhas, a substância encontra, pela recordação piedosa,
doutrinária, que incorpora como no meio de nós, e pode atender
alim ento próprio e alheio, no in ­ por qualquer dos nom es: H u m il­
com parável m ister de gerar e d i­ dade, Eondade ou Santidade.
fu ndir Cristo nas almas e corações. F oi um an jo de Deus a ilum inar
H om em da Ig re ja , fo i posto à e proteger a Diocese do Crato.
fren te da C atedral de Nossa Se­ Seu nome, no Instituto, deverá
nhora da Penha, que êle reform ou ser mais do que um patrocínio i n ­
com zêlo e dirige com dedicação. telectual. D everá ser um prote-
A estátua física opõe-se-lhe à torado m oral, um protetorado
intelectual e a ninguém caberia exem plar e constante a fim de
m ais à justa a assertiva segunda que, sob sua irradiante luz, vós,
de que “ as m elhores essências se a quem saúdo, e nós outros, que
contêm nos menores recipientes” . vos adm iram os e estimamos, pos­
Quando elabora um plano de samos jornadear pela terra, m ais
ação ou um program a religioso, é seguros de um dia term os o céu.
um parnasiano torturado pelo fa s­ Crato, 6 de agosto de 1969
cínio do perfeito e pelas exigentes José N ew ton A lves de Sousa

43
Ha posse da Cadeira N. 9 da
Secção de Letras do Instituto Cultural
io Cariri cuja Patrono é
Dom Francisco de Assis Pires
Exmos.
Sr. Presidente do Instituto Cultural do Cariri
Mons. Vigário Geral' da Diocese
Sr. Prefeito Municipal
Srs. Senador do Crato e Presidente da Câmara Municipal
Sr. Delegado Especial e Presidente da Escola Técnica de Comércio
Srs. Presidentes da Assoe. Comercial de Crato e Juàzeiro do Norte
Srs. Diretores das Faculdades de Filosofia e Ciências Econômicas

Demais Autoridades

Distintas Representações
dos Clubes de Serviço : Rolary, Lions e Câmara Júnior
do Centro Social N. S. da Penha e da Fundação Dom Francisco
da-s Associações de Classe, da UEC e dos Educandários da Cidade
da Imprensa falada e escrita do Crato e do Ceará
da Legião de Maria e das Associações Religiosas

Meus irmãos no Sacerdocxo Ministerial


Filhas de Santa Terêsa e de São Vicente de paulo
Irmãs Missionárias e do Coração de Maria

Senhoras e Senhores
Amigos e admiradores de D. Francisco :

Agradeço, penhorado, ao nobre ventura maior. Honra por ocupar


consócio Comendador Prof. José a Cadeira N.° 9 da Secção de L e­
Newton Alves de Sousa, que vem tras do Instituto Cultural do Ca­
de saudar-me em nome do Ins­ riri. Ventura, por ter a mesma
tituto Cultural do Cariri, com pa­ como insigne Patrono a figura es­
lavras eloquentes e vibrantes, nu­ tremecida e veneranda de DOM
ma generosidade que ultrapassou FRANCISCO DE ASSIS PIRES.
de longe os meus fracos méritos. E, como é de protocolo que o
A quantos se dignaram de honrar recipendiário faça uma apresen­
esta solenidade com a sua pre­ tação do vulto proeminente que
sença, o testemunho do meu re­ dá nome à sua Cadeira, ouso ten­
conhecimento, nêste momento em tar, sem mais delongas, debuchar
que me sinto possuído de uma o perfil simpático do meu P a ­
grande honra e possuidor de uma trono.

44
O B O M P A S T O R

Dom Francisco de Assis Pires


1. A IMAGEM DO BISPO NA visivel da unidade invisível do Povo
IGREJA de Deus, há de ser o Bispo, em sua
Diocese, o primeiro Profeta, o su­
VISUALIZAÇÃO DA IGREJA mo Sacerdote e o único Pastor.
Por fôrça da Consagração epis­
A Encíclica de Paulo V I Eccle- copal que lhe confere todos os po­
siam Suam projetou com felicidade deres para o govêrno e pastoreio
uma imagem da Igreja de Cristo, do seu rebanho, não se reduz êle
no esforço de uma reflexão ten­ a um funcionário ou delegado do
dente a renovar a rejuvenescer a Papa, mas antes participa plena­
sua face diante dos homens. E o mente do tríplice munus do Cristo
Concilio, principalmente com a Salvador. Tornando-se responsá­
Lumen Gentium e Gaudium et vel pela porção do Povo a si con­
Spes, revelou de fato uma visão fiado e corresponsável pela Igreja
profunda e total da Igreja, num inteira, pôsto que é em união ver­
autêntico auto-retrato. tical com o Colégio Apostólico e o
Complementando o trabalho do seu Chefe e em união horizontal
Vaticano I, que havia cinzelado a com os irmãos no Episcopado, afir­
cabeça da Igreja, sem que lhe as­ ma-se verdadeiramente como o
sistisse tempo e amadurecimento sacramento da unidade em meio
para modelar o bloco informe do aos carismas e funções do Corpo
corpo, o Vaticano I I perfaz a obra Místico de Cristo.
oferecendo à cabeça o enriqueci­
mento de um corpo bem configu­ ANIMADOR DA COMUNIDADE
rado. Num crescimento vivo da DA IGREJA
doutrina, que não implica em rup­
tura com o essencial nem oposição Revestido primeiramente do Sa­
entre o Primado de Pedro e a cerdócio Comum, pelo qual o
dignidade do Povo de Deus, ou en­ cristão, partícipe do munus de
tre a Hierarquia e os Carismas, Cristo, é também participante da
aparece a Igreja como uma rea­ missão da Igreja, o Bispo se co­
lidade orgânica e dinâmica divi­ roa com o Sacerdócio Ministerial,
namente encarnada na vida hu­ em sua plenitude. Êste o habili­
mana, a atualizar a História da ta a autenticar oficialmente a
Salvação em cada contexto histó­ mensagem evangélica, a confeccio­
rico. nar o sacrifício de louvor e re­
denção, e a apascentar o Povo fiel,
SACRAMENTO DA UNIDADE em nome e com a autoridade do
Cristo-Cabeça. Nisto vai uma di­
Nêste painel, delineia a Christus ferença de essência, que não ape­
Dominus a figura do Bispo, sacra­ nas de grau, na participação do
mento da unidade eclesial. Sinal Sacerdócio Eterno de Jesus. Par­

45
tilhando da mesma dignidade fu n ­ fiança real e vivenciada com o
damental de filho de Deus, assu­ Salvador: o Bispo verdadeiramen­
me o Bispo a responsabilidade al­ te repete a voz e renova a vez
tíssima de gerar e reger a comu­ de Cristo, de quem atualiza c:;
nidade eclesial. gestos salvíiicos e presencializa a
figura de Sacerdote e vítima
SERVIDOR DO POVO DE
DEUS BOM PASTOR
Mais que o simples cristãos, é o
Se o Sacerdócio Comum o á Bispo chamado a oferecer hóstias
consequentemente, o Ministerial é espirituais e a ser, êle mesmo, uma
cssenjcialmente serviço. Por isto, hóstia viva, oferecida e consagra­
ser Bispo importa antes de tudo da e consumida no altar da vida.
em s e rv ir: nis ministrari, sed Ora, o sacrifício não se contém
ministrare. nos ritos. Supõe-se a participa­
Primeiramente, pelo serviço da ção consciente e generosa no Sa­
Palavra : nos autem ministério crifício do Cristo. Tal como acon­
Verbi. Não, no sentido professoral teceu no seu Corpo físico, assim
de quem expõe a ciência, mas co­ no Corpo Místico se pereniza a
mo o Profeta de Deus, na face do imolação livremente aceita do ho­
Povo, a dar o testemunho vivo do mem. associada à imolação reden­
anúncio da Boa Nova da Salva­ tora de Deus. Eis por que o Bispo
ção. Igualmeste, pelo serviço do não se pertence, mas se consome
Culto: et cratione instanter. Não. na ação salvífica da Igreja. Qual
no sentido mágico de quem é dono Bom Pastor, êle se faz tudo para
do rito, mas como o Liturgo de todos, doando as suas energias e
Deus, no meio do Povo, a praticar talentos, os seus bens e afeições,
o ministério em que tôdas as ações o seu tempo e a vida tôda. Ainda
se tornam sacramentais. Final­ quando não conhece o fulgor he­
mente, pelo serviço dos Sinais, na róico do martírio de quem aceita
Caridade: cor unum et ânima una. a morte, há de viver o heroísmo
Não, no sentido triunfalista à m a­ martirizante de quem incessante­
neira de quem exerce o domínio mente dá a própria vida pela sal­
mas como o Bom Pastor, na vi­ vação e libertação do seu reba -
vência do Povo, a vivificar eficaz­ nho: pônere vitam pro óvidus su:.
mente a união do corpo social e
da família reunida em Cristo. 2. UMA ENCARNAÇAO DESTA
IMAGEM
SACERDOTE E VÍTIMA
TESTEMUNHAS
Nesta perspectiva, o Episcopado, PROVIDENCIAIS
antes de ser uma dignidade ou
privilégio, é eminentemente um De um Bispo, que encerrou a
carisma e uma graça social. Co­ sua carreira pouco antes do V a ti­
mo a vocação de Abraão, êle exi­ cano II, evidentemente não se po­
ge renúncia total para a criação dem cobrar os acentos da renova­
de um Povo nôvo, já não mais e- ção conciliar. O Concilio, entre­
leito mediante o sangue do Patri­ tanto, não se definiu por uma ten­
arca, mas gerado pelo Sangue do tativa alucinada de inovações ca­
Cordeiro divino. Daí, a sua con­ pazes de destruir a realidade pe­

46
rene da Igreja, mas antes por um vador. Encerrando o seu paro-
tsfôrço eficaz de renovação ten­ quiato em agosto de 1920, volta à
dente a fazer o ajornamento da Capelania do Azilo e em janeiro
Igreja no mundo de hoje, de mo­ de 1931 aceita a investidura de
do a transparecer mais bela e au­ Vigário Geral do Sr. Arcebispo
têntica a infrangível identidade da Prim az D. Augusto Álvaro da Sil­
Esposa de Cristo. Mais do que va. Nessa função e nêsse ano é
mudanças colimadas, sobressaem e que o dia 11 de agosto lhe traz, da
dominam verdadeiras redescober- parte de Pio XI, a eleição para o
tas, inspiradas e alimentadas na Episcopado. E, celebrada a sua
fonte da Verdade eterna. Consagração Episcopal, a 6 de de­
Por isto, embora sem a tôniça zembro de 1931, estava perfeita a
dos movimentos atuais, sempre o formação daquêle que vinha suce­
fermento do Evangelho e a fôrça der a Dom Quintino Rodrigues de
da Caridade do Cristo suscitaram Oliveira e Silva, primeiro Bispo do
no Reino de Deus figuras apostó­ Crato. Aqui empossado a 10 de
licas e carismáticas, a testemu­ janeiro de 1932, por vinte e sete
nharem providencialmente a m en­ anos, nove mêses e catorze dias,
sagem salutar da Boa Nova. gastos e vividos no serviço do Se­
A esta geração pertenceu, de nhor e do seu Povo, praticou a
certo, o segundo Bispo do Crato, doação de si mesmo, nos seus ta­
pôsto pelo Esp'rito Consolador pa­ lentos e bens. culminando a sua
ra reger e apascentar esta por­ trajetória com a renúncia a 24 de
ção do rebanho do Senhor. outubro de 1959. E, então, con­
templado como Arcebispo Titular
DADOS BIOGRÁFICOS de Antioquia da Pisídia, ainda
permaneceu junto ao seu rebanho
Nascido a 4 de outubro de 1880, até o momento final, que, fulm i­
na histórica Cidade de São Sal­ nando um lento e silente m artírio
vador, FRANCISCO DE ASSIS no dia 10 de fevereiro de 1960, o
PIRES frequentou o Seminário da subtraiu à vida para transplantá-
Bahia e concluiu o Curso Superior lo ao seio de Deus e no coração
em Olinda. Ordenado Sacerdote do Povo.
no dia 14 de abril de 1903, exerceu
as funções de Capelão Central da HOMEM DE DEUS
Santa Casa de Misericórdia, de
maio a novembro do mesmo ano, Animado pela mística da trans­
quando foi nomeado Vigário de cendência que projeta a Igreja em
Santo Amaro. A i se demorou até linha vertical como presença de
novembro de 1911, retornando à Deus no meio dos homens, provo­
Capital como Capelão do Aziio cados para um diálogo vivenciado,
Conde Pereira Marinho, para em D. Francisco não se eximiu à di­
julho de 1912 assumir a Paróquia nâmica da imanência que sitúa a
de São Pedro, no centro da Cida­ Ig re ja em linha horizontal como
de. Em outubro de 1913, é agra­ comunidade inserida no contexto
ciado com o título de Monsenhor sociológico dos homens, reunidos
Camareiro de Honra do Papa Pio no Cristo Salvador pelo vínculo do
X e em abril de 1916 passa a in­ Amor. Desta sorte, do seu coração
tegrar o Cabido da Arquidiocese, povoado de bondade divina e hu­
como Cônego Catedrático de Sal­ mana, irrompia a oração da Fé

47
que o fazia um Homem de Deus FLORAÇÃO DE VIRTUDES
e a ação da Caridade que o tor­
nava um Homem da Igreja, a A Liturgia, porém, não toma
serviço do Povo que peregrina por sentido profundo e autêntico senão
êsses Cariris. quando mergulha as raizes na
Homem de Deus, eis o que prin­ própria vida da comunidade e cia
cipalmente se afirmou D. Fran­ pessoa, manifestando-se qual eflo-
cisco. rescência das virtudes sinceramen­
te praticadas. Em D. Francisco, o
VIDA DE ORAÇÃO Liturgo que oferecia a Deus o sa­
A espiritualidade sacerdotal, so­ crifício por si mesmo e pelos ou­
bremaneira no Bispo que deve tros, não se acobertava no farisa-
exercer a perfeição, reclama na ismo funcional. Numa visão teo-
prática ao menos o propósito efi­ logal, êle demonstrava hospedar o
caz de cumprir dignamente os seus espírito de Fé que, à luz da Es­
deveres. Supõe assim um mínimo perança, viva a Caridade sobrena­
ce perfeição pessoal que se realiza tural, como perfeição da Lei.
na m stica da oração vital e na Mais que nas pregações, que às
ascética da renúncia positiva. vêzes ostentam antes o conheci­
D. Francisco soube exercitar o mento do que o testemunho do
colóquio com Deus, num diálogo Evangelho, a sua ótica de Céu e
existencial da palavra e doação, eternidade transparecia nas con­
sublimado no convívio real com o versas e conselhos, em sintonia
Cristo. A oração pessoal não com o seu modo de agir. Na sua
mendigava sobras de tempo, mas caridade transudante, a atingir a
tinha um lugar certo e importan­ todos em público e em particular,
te em sua agenda de trabalhos. até mesmo aos domésticos e au­
Testemunha habitual de suas pre­ xiliares, D. Francisco fazia virtu­
ces, o genuflexório da Capela ou des com tanta naturalidade que
do apartamento confirmava a i- nem a sua modéstia, a toda hora
magem singela do homem que re­ de sentinela, conseguia disfarçar a
zava piedosamente na adoração sua humildade. É que a unidade
mensal1 da Catedral ou na cadeira orgânica da Caridade se compõe
que descansava na área superior postulante de tôdas as virtudes,
de Palácio. Ninguém privou de inclusive da simplicidade. E esto
sua amizade que não o tenha sur­ foi uma das características domi­
preendido abismado em medita­ nantes do perfil de D. Francisco,
ções e entretido na recitação de­ a quem o Cardeal Dom Leme pro­
vota do Têrço e do Breviário. E clamou públicamente a Violeta do
esta convicção no valor da oração Episcopado Brasileiro.
particular ou oficial se patenteava
ESPÍRITO DE POBREZA
no zêlo nunca esmorecido pela
ação litúrgica, religiosamente pra­ Superando a tentação do TER,
ticada na Capela Episcopal e vi­ empenhou-se êle na linha do SER:
vamente estimulada na Sé e nas ser mais, pelo crescimento pro­
Igrejas Paroquiais. A todo Vigá­ gressivo de uma personalidade
rio que recebia sempre paternal­ cristã, na capitalização altamente
mente, traia logo o cuidado e rendosa dos valores nobres e es­
preocupação com a Missa de Pre­ pirituais, tal a meta perseguida.
ceito. Assim se explica o seu espírito de

48
pobreza, expressivamente traduzi­ RENÚNCIA E
do no uso dominado dos recursos DISPONIBILIDADE
ao seu alcance e, no despojamento
voluntário dos seus bens. Ga­ Precisamente, o espirito de re­
nhando pouco e doando muito, po­ núncia era o que animava a sua
de viver simplesmente pobre num vida, consagrando-o numa hóstia
Palácio de Príncipe. Digam-no as viva. Qual círio aceso, que se
damas de nossa sociedade encar­ consome a iluminar o meio am­
regadas da hospedagem nas fes­ biente, com a sua alma luminosa.
tas jubilares, as quais tiveram de A aceitação positiva de uma pri­
adquirir para o Sr. Bispo as rou­ vação, quando feita por um motivo
pas inferiores que lhe faltavam. superior bem acolhido, ao invés
Confirmem-no os esmoleres que se de gerar recalques ou frustrações,
aglomeravam à porta para rece­ produz a sublimação enlevante da
ber de suas próprias mãos o óbulo própria imolação. Então, fundada
envolto numa bênção amiga e pa­ no equilíbrio biológico, psíquico e
ternal. Ratifiquem-no os pobres espiritual da pessoa e vivenciada
envergonhados que, na dissimula­ na opção consciente e adulta de
ção de uma consulta, estendiam a quem se dá a um Deus pessoal, co­
salva do coração para uma ajuda nhecido pela inteligência, amado
redentora. Mas, nem era preciso pela vontade e querido pelo cora­
pedir, porque êle mesmo sentia ção, a vida ascética tende a reali­
ânsia de dar. Numa dadivosidade zar o homem em suas dimensões
conhecida de poucos, destinava tô- maiores. No domínio de si mesmo
da a renda das Visitas Pastorais pois, o self-control ou auto-domí-
para o Seminário Diocesano e as nio se resolve no equilíbrio da
Instituições Pias ou para as Ca­ virtude — encontra cada um a
sas Religiosas. E maior atestado fôrça de evitar o mal e praticar o
de desprendimento não seria mis­ bem. Mergulha assim o cristão no
ter que o legado em vida de um Mistério Pascal do Cristo, partici­
tesouro tão afeiçoante como a bi­ pando continuamente de sua Mor­
blioteca particular montada em te e Ressurreição.
meio século de seleção de livros, Ora, D. Francisco teve a graça
bem como a doação à Diocese do de descobrir no Cristo a presença
majestoso Palácio Episcopal, orna­ de seu Deus pessoal, vivo e atua­
mento distinto da Princesa do Ca- lizado em seu caminho. Por isto,
riri, inteiramente construído às não se cansou de sacrificar-se pe­
suas expensas, mercê de parcas e- la causa do Reitor. Esvaziado de
conomias e do investimento inte­ si mesmo pelo espirito de pobreza
gral de sua herança paterna. evangélica que se implica na as­
Contudo, se vale muito esta co­ cética da renúncia, colocou-se êle
ragem de não grangear riquezas na inteira disponibilidade em or­
materiais, bem maisi significa a dem ao bem dá comunidade.
sua comprovada desinstalação in­ Empolgou-o a mística do serviço.
terior. Em nome dela, com efeito, Se algum Bispo já foi feliz na es­
é que D. Francisco, ainda válido colha do seu lema e já foi fiel na
que nem muitos e querido como sua prática, êste foi D. Francisco
poucos, soube coroar a pirâmide que verdadeiramente não veio pa­
de suas doações com a renúncia ra esta Diocese a fim de ser ser­
ao trono episcopal. vido, mas somente para servir:

49
non m inistrari, sed m inistrare ! E H I N O J U B I L A R
o fa z sem pre com a in efá vel a le­
gria que serve de apanágio ao Letra do Dr. A ndra de Furtado, em
cristão. Não, por im positivos da 1 95 3 para o Jubileu de Ouro de
posição. Nunca, por am or do ve- O rdenação Sacerdotal de D. F ra n­
detismo. N em pelas solicitações cisco de A ss is Pires,
Êle servia por servir. E servia adaptada em 1 9 6 9 para a H o m e n a ­
com boa vontade, com o sorriso gem ao m esmo prestada ao ensejo
nos lábios ou a bondade nas mãos, da posse do M ons. Rubens Gondim
porque o seu coração encontrara Lóssio, na Cadeira do Instituto
o Cristo de Deus, que deu a p ró­ C ultural do Cariri, que o tem por
pria vida pelos irmãos. Patrono.
Nisto se contraria a falsa in ter­
pretação da religião autêntica co­ N ê s te d ia fe stiv o se e x a lta
mo algo de alienante. P orqu e dar O fu lg o r d a s v it ó r ia s d a c ru z.
do seu quem dá de si, não aca rre­ Não Há g ló ria , p or certo, m a is a lta
ta espoliação que sim desenvolvi­ Q ue se rv ir n ê ste m undo a J e su s.
m ento pessoal. D a r ao outro é
en contrar-se com o Cristo lib e r­ C Ô R O
tador e dar-se a Deus é encon­
tra r-se a si mesmo, na p len ific a - P 'r a n ó s fo stes. P a sto r V e n e r a n d o ,
ção de sua personalidade, cujo O e m is sá rio e sc o lh id o d o C é u .
vórtice toca o coração do In fin ito. Q ue d o ç u ra n o v o ss o com ando.
T a l, o segrêdo por que servir a C h e fe a u g u st o , se m ja ç a o u la b e u !
Deus é reinar. E D. Francisco era
fe liz ao servir. Pelo rein o de C r is to su b is te
D o m F ra n c isc o , os d e g r a u s d e u m a lta r
I N T E R V A L O
E d ep o is, e n tre nós, a ssu m iste s,
A essa altura, Senhores, seja- Êsse só lio de b rilh o se m par !
nos perm itido in terrom per por
m om entos a presente exposição. É m o tiv o - o m a is justo , o m a is g r a to -
M uito de propósito e por am or De ren d e r-vo s, com to d o o fe rvo r,
da brevidade, procuram os em ­ A q u e rid a D io c e se d o C r a t o
prestar-lhe um caráter em i­ O se u p reito d c a p rê ç o e d e a m o r.
nentem ente intelectual, abafan­
do as vozes do coração. A gora, No c e n á rio sa g r a d o da Igre ja ,
porém, en fatizan do as modulações S o is p a d r ã o d e v irt u d e e sa b e r
hum anas e afetivas de uma h om e­ V ossa bênção de paz nos p roteja,
nagem dêsse porte, façam os um Faça o cam po de Deus flo re sc e r !
parênteses para reviverm os, numa
oportuna recordação, as grandes H O M E M DA IG R E JA
m anifestações de aprêço e carinho
que um dia o Crato teve a sorte H om em da Ig re ja , eis conse­
de trib u tar ao seu querido Pastor. quentem ente o que se confirm ou
Repassados dos mesmos sentim en­ D. Francisco.
tos que então acalentaram a alm a N a H istória da Salvação, Deus
do Povo, na m aior consagração não se revelou o Dono absoluto,
jam ais produzida nesta Cidade a mas o D om in fin ito de A lgu ém que
uma pessoa viva, entoem os todos, amou, por prim eiro, na provoca­
de pé, os acordes m elodiosos do ção de um am or que fa ça da vid a

50
humana a resposta concreta à vo­ Francisco, por conseguinte, o seu
cação divina. E o Cristo se pre- rebanho era mesmo o Povo de
sencializa em cada situação his­ Deus, presidido e assumido pelo
tórica juntamente para explicitar- Cristo Salvador.
se na reintegração do homem na Não tivesse embora a visualiza­
família de Deus. A mística do ção atual de comunidade eclesial,
Batismo, operando pelo Espírito deixou-se o nosso Pastor possuir
Paráclito, provoca uma verdadeira da mística comunitária, no seu
mutação no homem que evolue espírito de Koinônia ou comunhão,
para a condição de filho do Pai de Diakonia ou serviço e de Mar-
celeste, no Cristo de Deus. Desta tyria ou testemunho.
sorte, entra êle na órbita da vida
KOINÔNIA OU COMUNHÃO
trinitária, participando da nature­
ECLESIAL
za divina.
Todavia, a adesão real do ho­ Traduzindo com rara felicidade
mem a Deus pela encorporação no o sinal visível da invisível unidade
Cristo importa simultaneamente da Igreja, D. Francisco de tal mo­
na sua concorporação com os ir­ do conjugou em Cristo o verbo
mãos. A consagração ôntica da amar que implantou e cultivou a
graça batismal procede à inserção comum união na Diocese. Dentro
na família divina, pela dimensão do mais religioso acatamento ao
vertical para a Trindade Santa de Papa, Chefe do Colégio Episcopal,
Deus e pela dimensão horizontal e no mais harmonioso relaciona­
para o Corpo Místico de Cristo. mento com os Pastores do Ceará
Necessariamente, a união com UM, e do Nordeste, êle cativou também
que é o Cristo, identifica-se com o seu Clero e o seu Povo, estabe­
a união comum com os irmãos lecendo uma sintonização comum
reunidos no Cristo. Porque um só de mentalidade e de ação.
Batismo e um só Cristo, também A fidelidade à Igreja Católica se
um só corpo. E todos somos o denunciava não apenas no filial
Povo de Deus em marcha para a afeto ao sucessor de Pedro, senão
Casa do Pai. ainda no zêlo com que procurava
Portanto, ao sagrar-se Homem seguir as diretrizes e normas e-
de Deus, consagrou-se D. Francis­ manadas dos Superiores. Provo­
co Homem da Igreja. cado pela problemática pastoral,
Realmente, as suas virtudes, ali­ compulsava inteligentemente os
mentadas no comércio íntimo com livros de Teologia e manuseava
Deus, tinham de manifestar-se co­ pacientemente o Código de Direito
mo epifania da graça e canalizar- Canônico, para então conferir sua
se para os homens que peregrina­ opinião com o parecer dos con­
vam com êle. O Cristo a quem sultores. Até o Concilio Brasileiro
se propôs servir está sacramenta­ e as Circulares provinciais man­
do em sua Igreja e esta se en­ tinham-se à mão. Era tão fam i­
contra encarnada na comunidade liarizado e seguro no que concer­
humana. Como o Senhor não se ne às coisas da Igreja que o Pe.
divide nem se parte na Eucaristia, João Rijnts, renomado canonista
pois está em pessoa em cada Pão do Seminário Maior de Fortaleza,
vivo e vital, também não se frag­ o considerava o melhor Mestre de
menta a Igreja que se atualiza to­ Direito Canônico do Ceará. Nem
da na comunidade local. Para D. por isto se escravizava à mentali­

51
dade juridieista de então. Não acontecimentos sociais e, por zêlo
hesitava em adotar as renovações ou solicitação, mediciava frequen­
autorizadas e êle mesmo aprovava temente em delicadas questões de
com entusiasmo as iniciativas to­ casais ou desafetos, não raro, con­
cais, quando prudentes e frutuosas. seguindo se quebrasse a flecha da
Outra nota m arcante em sua paz lá mesmo em Palácio. Daí
vida, de certo, foi a comunhão Onde se demorava quase sempre,
com o seu rebanho. Sobretudo, cobria a Cidade e a Diocese com
pela presença vigilante e perm a­ o seu coração paternal, que fun­
nente. Anterior a esta fase de cionava bem como um polo de
encontros epidêmicos — sem dú­ união.
vida, hoje necessários e úteis, a A m aior auréola de glória a co­
despeito de mais repetidos que e- roar-lhe a fronte foi talvez a con­
ficientes — D. Francisco habitu­ quista amiga dos seus Padres. Em
almente não se ausentava da D io­ que pesassem as fraquezas e lim i­
cese mais que uma vez por ano tações de todos, a sua terapêutica
em gôso de férias passadas com da bondade dissolvia os ressenti­
D. Tereza ou D. Ana, suas irmãs, mentos por ventura despertados
ou com D. Glorinha, sobrinha e pela oportuna disciplina, e nin­
afilhada. Mesmo quando um im ­ guém havia que se não rendesse
perativo pastoral lhe ditava uma à suave soberania do seu amor de
viagem, procurava evitar as épo­ Pai. Numa hora em que não se
cas contraindicadas pelo calendá­ falava de Presbitério, de fato, D.
rio litúrgico e, em qualquer hipó­ Francisco realizou o prodígio da
tese, dava conhecimento à Nuneia- comunhão a fetiva e efetiva com o
tura da partida e do regresso. Clero cratense. Lem brar-se-ia a
Realmente, D. Francisco montava citara com as suas cordas a fin a ­
guarda aos fiéis, observando estri­ das, a modular o acalento dos ho­
tamente e residência em sua co­ mens e a glorificação de Deus.
munidade. e o mais positivo é
que a sua permanência se fazia niAKONIA OU MÍSTICA
ativam ente benéfica. Não se ca­ DO SERVIÇO
m uflava na ociosidade de lazeres
excessivos. Nem se desperdiçava A mística do serviço desponta
em encontros sociais inúteis. M ui­ naturalm ente do espírito de comu­
to menos se derivava para ativi­ nhão, responsável pela solidarieda­
dades divergentes do ministério. de funcional na comunidade. E
Era o Pastor sempre atento aos D. Francisco dedicou-se todo ao
anseios de sua grei e angustiado serviço do Reino.
pelos problemas do Povo. Com Na linha da pastoral profética,
esta solicitude, recebia am avel­ fêz-se o arauto da Verdade, na
mente a todos na Cúria e no con­ transmissão da mensagem da Boa
fessionário, nas audiências e con­ Nova. Sem explorar arroubos de
fidências. Adm irável na doçura eloquência ou requintes de orató­
pontual de sua correspondência e ria, de que por vêzes dava mos­
na discreta correção com que se tras, sobretudo no prim or de brin­
solidarizava com Autoridades e fa ­ des e improvisos, revetou-se cons­
mílias, em momentos de tristezas tante evangelizador em suas pre­
e de alegria. De fato, acompa­ gações. À simplicidade espontâ­
nhava com interêsse a crônica dos nea que envolvia as suas pales­

52
tras e catecismos, dirigidos a c r i­ prestigiava noutras partes como
anças e adultos, somava adequa­ realizava na Diocese Congre-scs
damente a sóbria competência dos Eucarísticos, como apoteoses pú­
sermões e ca rta s Pastorais. Estas, blicas e solenes do Cristo do Altar
secundadas pelas Circulares siste­ e instrumentos de formação litúr­
maticamente distribuídas em cada gica. Verdadeiramente, D. F ia n -
acontecimento relevante, focaliza­ cisco agia e fazia agir como quem
vam a doutrina e a posição da acredita que a Eucaristia é o cen­
Igreja, frequentemente com suges­ tro da vida cristã e a Liturgia, e-
tões práticas para as program a­ pifania m aior da Ig re ja santa, a
ções na Catedral e nas Paróquias. fonte e o ápice da ação eclesial, a
Ajudando-se de pregadores e mis­ promover o louvor perfeito de Deus
sionários, suplementava ainda a e a obra redentora dos homens.
ração do pábulo da Verdade ofe­ E na linha da pastoral caritati-
recido aos fiéis. E não esmorecia va, desdobrou-se por igual a sua
nunca no a fã de estimular os V i­ operosidade. A sua prudência e
gários e Organizações Apostólicas humildade não se compunham
no ministério da Palávra. Ao bem com a febre de inovações ou
tempo dos exercícios Espirituais e o delírio dos pioneirismos e Dom
das Visitas Pastorais, contagiava Francisco se aplicou sobretudo em
a todos com a ardência dêste zêlo consolidar e desenvolver as a ti­
que o levava a organizar o D e­ vidades e obras implantadas pelo
partamento Docesano do Ensino seu antecessor. Quando, porém, a
Religioso e a promover, na Sede realidade o reclamava, tornava-se
Episcopal e em outras Paróquias, valentemente criadora a sua cari­
Semanas e Congressos Catequeti- dade pastoral que escreveu uma
cos. A Catequese organizada larga folha de inestimáveis servi­
constituía uma das metas priori­ ços.
tárias em sua pastoral. Na v e r­ Antes de tudo, preocupava-o a
dade, D. Francisco sentia que es­ form ação do Clero, na assistência
sa é a missão prim eira do Pastor: regular aos Padres, para quem
evangelizar aos pobres a Palavra providenciava normalmente o R e ­
de Deus. tiro anual e as Conferências
Na linha da pastoral litúrgica, mensais, a par de uma acolhida
px-esidia pessoalmente a tôdas as sempre franca e amiga. Desde a
funções diocesanas na Cat Irai, hospitalidade cativante até o diá­
Igreja-M ãe de tôdas as Igreias logo afável, encontravam os Sa­
Paroquiais, as quais cuidadosamen­ cerdotes o m elhor ambiente em
te exam inava em seus equipamen­ Palácio, que funcionava mesmo
tos e serviços. À valorização da como a casa de todos. E se as
Missa dominical sabia juntar c portas da casa estavam sempre a-
incentivo à vida sacramental1 e à bertas, mais acolhedor se abria o
prática da oração. Fomentou a coração. Por isso, graças a Deus,
aplicação das reformas iniciadas não viu jamais perder-se um dos
sob Pio X I I e multiplicou os lu­ seus Padres e, como Jesus, pode­
gares de culto, desvelando-se até ría repetir ao Pai que conservara
pela criação de várias Paróquias todos quantos lhe haviam sido
e mesmo da Diocese de Iguatu, confiados. N ão menos solícita,
desmembrada na m aior parte do patenteava-se a sua preocupação
território de sua Igreja. Tanto com os futuros levitas do Senhor.

53
Incontestàvelmente, o Seminário mo sociológico, D. Francisco nã''
era mantido e amado como a me­ descurou os problemas sociais.
nina dos olhos, recebendo todos os Ainda não circulavam as termino­
recursos materiais disponíveis e logias equívocas de hoje, mas, sem
merecendo o trabalho dos melho­ assoletrar o nome, êle já canali­
res Sacerdotes da Diocese. zava a ação pastoral no sentido
Aos Religiosos, por sua vez, re­ de conscientização e promoção do
servou uma das mais desveladas Povo.
províncias do seu coração. Dedi­ No setor educacional, alargando
cou-se em particular à Congrega­ a área de ação frutuosamente ful-
ção das Filhas de S. Terêsa, criada crada no Seminário de São José,
por D. Quintino e por êle adotada amparou e ajudou o Colégio Santa
carinhosamente, assegurando-lhe Teresa, do Crato, e provocou a sua
a estruturação e a formação de irradiação com a proliferação de
modo que, no seu govêrno, a mes­ Educandários da Congregação em
ma gosou 0 seu período áureo de diversas Paróquias. Adquiriu e
equilíbrio, de prestígio e de atua­ modernizou o Ginásio, depois pro­
ção. Também, acolheu ou convi­ movido a Colégio Diocesano. E, a
dou Ordens e Institutos, de ambos não falar no ensino ministrado em
os sexos, contribuindo moral e m a­ algumas obras promocionais da
terialmente, inclusive com suas Diocese, dentro e fora da Sede,
rendas pessoais, para a sua ins­ patrocinou com firmeza a criação
talação e manutenção. Comple­ da Faculdade de Filosofia do Cra­
mentava destarte a organização to, pioneira no interior do Ceará.
de sua Comunidade Eclesial, os­ No campo assistencial, foi m e­
tentando mais claramente, a par morável a sua atuação por ocasião
dos Clérigos e Leigos militantes, a das sêcas, notadamente em 1932 e
porção proeminente do seu Povo, 1953. E comportou-se qual bom
consagrada como sinal legível da samaritano, ao ceder o próprio
Igreja escatoiócia. Seminário para Hospital de emer­
Também enfatizou a preparação gência em 1936, quando assolava
dos Leigos, nucleados nas Associa­ a Peste Bobônica. Como assistên­
ções Religiosas ferventemente a- cia metódica e organizada, fundou
bençoadas pelo Pastor. E, en­ a Sociedade Beneficente do Hos­
quanto fomentava a assistência pital de S. Francisco de Assis que,
eclesiástica ao Círculo Operário e no correr do tempo, montou o me­
outros movimentos, porfiou ardo­ lhor e mais completo conjunto
rosamente pelo aprimoramento da hospitalar do Estado. Depois de
militância nos quadros da Ação socorrer, anos a fio, a vetusta Casa
Católica. Graças à cooperação de 'Caridade, fundada pelo gênio
devotada de uma equipe de Assis­ do Padre Ibiapina, aprovou a sua
tentes, houve tempo em que flo ­ atualização, num plano arrojado e
resceram e frutificaram tôdas as portentoso. Antes disto, porém,
organizações fundamentais, segun­ alcançou a construção do prédio e
do Pio X I, e, ao resignar, ainda a movimentação das atividades do
entregava em dinamismo algumas Liceu Diocesano de Artes e Ofícios.
atividades de Ação Católica Espe­ Mas, uma das promoções que a-
cializada. braçou com mais alína foi o P a ­
Numa época em que não era tronato Padre Ibiapina, cuja fi­
moda a fantasia de um cristianis­ nalidade era dar uma continuação

54
atualizada à obra sustentada na mento do patrimônio diocesano,
Casa de Caridade. Ao arrepio dos mediante doações do Govêrno do
seus hábitos e temperamento, não Estado e ofertas generosas do P o ­
se dedignou de sair em comissão vo. E razão é relembrar aqui a
de porta em porta, arrecadando edificação, às suas próprias ex-
ajuda para a Instituição que êle pensas, do imponente Palácio,
deixou em plena vitalidade, com franciscanamente transferido para
alfabetização de adultos, ensino a Igreja do Crato.
ginasial, doméstico e normal, a- Releva observar que todo êsse
prendizado profissional e a maior esforço, visando a renovar o tem­
organização de apostolado jamais poral, operou maravilhosos resul­
realizado por Religiosas, na Cida­ tados, sem comprometer ou des­
de, graças às Irmãs Missionárias figurar o conceito apostólico do
de Jesus Crucificado que assistiam Pastor, que antes e acima de tu­
às órfãs internas, às domésticas do do D. Francisco timbrava por ser.
centro urbano, aos alunos dos Co­ Conquanto lhe falecessem os meios
légios Públicos e aos presidiários ricos e as técnicas modernas de
da Casa de Detenção. planejamentos e organogramas, a
Quanto aos meios de comunica­ ação social da. Diocese era movi­
ção, a Diocese que, ao fim de sua mentada quase que integraltaente
gestão, ganhava uma Emissora, à base do voluntariado e do bom
lucrou-se sobremaneira da Tipo­ senso aplicado à realdade loval.
grafia e do Hebdomadário A Ação, Vacinando-se contra o funciona-
fundado e mantido por D. Fran­ rismo bem remunerado, a obra
cisco à custa de sacrifícios extra­ diocesana, funcionava antes como
ordinários. serviço do que instalação, alimen­
No tocante ao patrimonial, o tada que era mais da colaboração
nosso Bispo, que viveu pobre e humana que dos recursos m ateri­
morreu literalmente pobre, esfor­ ais. Por isto, não se obnubilava
çou-se por defender os bens ecle­ a predominância da transcendên­
siásticos na sua conservação e ad­ cia missionária do Sacerdócio M i­
ministração criteriosa. Numa pes­ nisterial, deputado primordialmen­
quisa diligente, procedeu à regu­ te para a missão evangelizadora e
larização de todos os documentos santificadadora. Contidas na pro­
da Mitra, das Paróquias e até das porção de meios a serviço dos fins
Capelas Rurais. Integrado no D i­ mais elevados, felizmente as ativi­
reito Canônico e Civil, usou e ge­ dades eclesiais não rompiam o
riu as propriedades e valores, com equilíbrio pastoral. E, num con­
tôda equidade e honestidade, res­ texto ainda não explosivo, trans­
peitando conscienciosamente os parecia, a face iluminada da Ig re­
direitos das pessoas físicas e ju ­ ja servidora dos pobres.
rídicas e bem assim a intenção e
vontade dos doadores. Além dos MARTYRIA OU ASCÉTICA
imóveis adquiridos, construídos e DA RENÚNCIA
reformados para o serviço do cul­
to ou a ação social, fêz êle cons­ A ascética da renúncia impõe-se
tituir um valioso patrimônio, em como consequente à mística do
propriedades e prédios, para a O- serviço e ao espírito da comunhão.
bra das Vocações Sacerdotais, as­ Efetivamente, para que a vida hu­
sim como consentiu no SJevanta- mana se pronuncie uma resposta

55
à mensagem divina, mister se faz união com o Papa no Colégio E-
a animação d.e uma fé autêntica piscopal e em comunhão com o
e adulta capaz de levar ao enga­ Presbitério na assembléia dos fiéis,
jamento real no Reino de Cristo. e que se consumiu no ministério
As exigências do Reino, a postu­ da evangelização e da santificação
larem a união do amor e o ser­ e não se desgastou na ação pro­
viço do bem comum, correspon­ mocional em vista à renovação do
dem precisamente aos imperativos temporal.
da vocação cristã, cuja missão é D. Francisco do Crato foi um
proclam ar o anúncio da Boa Nova, grande confessor de Cristo.
oferecer o Sacrifício salutar e san­ Ora, na vivência comunitária a
tificar a vida e o mundo. A v i­ emulação do amor ao bem comum
vência comunitária tem de pedir e a prática do serviço ao outro
justamente aquilo que a consagra­ por fôrça implicam no sacrifício
ção sacerdotal do Batismo tem a de si mesmo. Esta, a razão por
dar: a participação no munus de quê a História associou o testemu­
Cristo e na missão da Igreja, pelo nho mais eloquente da Fé em
testemunho da vida e da palavra. Cristo ao heroísmo dos mártires
E isto, por redobradas razões, se que selaram a sua adesão cristã
há de supor num Bispo, consagra­ com a própria morte. Todavia,
do na plenitude do Sacerdócio M i­ uma análise profunda constata
nisterial1. que o testemunho autêntico do
Pois, à luz do que acima ganhou m artírio não reside propriamente
enfoque ressalta, à evidência o tes­ em abraçar a morte, e sim em dar
temunho eloquentemente cristão a vida até o fim . E, muitas vêzes,
dado por D. Francisco no grêmio menos brilhante porém mais he­
de sua comunidade. Testemunho róico é sacrificar lentamente a v i­
não apenas na palavra e com a da no cumprimento diuturno de
língua, mas sobretudo com a vida dever. Assim o fêz Maria, Rainha
na verdade: ópere et Veritate. A dos mártires.
Verdade, quando é Caminho, não D. Francisco, na fieldade jamais
é coisa de dizer, mas sim coisa de desmentida à sua missão pastoral,
fazer, porquanto é Vida: facientes comprovou a sua fortaleza cristã
Veritaten in Caritate. Viver a Fé de beber a cálice do Senhor. Quem
no Am or — e quem não ama está não se lembra da humilde cora­
morto ! — significa encarnar o gem com que, no flagelo da Bo-
testemunho da palavra no teste­ bônica, se constituiu no Capelão
munho da vida. Podia então pro­ amoroso que visitava pessoalmen­
clamar a mensagem do Reino a- te os doentes e assistia aos m o­
quêle que, no cubículo e na comu­ ribundos ? M aior prova não há do
nidade, cultivava a oração como que dar a vida pelo irmão, en­
uma flôr cujas raizes mergulha­ saiava o Mestre. E a vida, D.
vam numa vida virtuosa, que dia­ Francisco a empregou e gastou in­
logava conscientemente na doação teiramente no sacerdócio da bon­
dos seus bens como sinal da doa­ dade, até que se apagou como a
ção de si mesmo, que se imoláva vela do Altar.
continuamente qual hóstia viva no Como a vela ? Não apenas as­
holocausto do serviço de Deus, que sim. Também, como o incenso
se ergueu na Diocese como o sa­ que, em se queimando, alevanta
cramento da unidade eclesial, em diante dos homens as volutas per­

56
fumadas a subirem na direção de com a figura do Papa bom cha­
Deus. Sim, porque, se o testemu­ mado João X X III, experimentou o
nho é fato real e concreto, tem Crato e a Diocese o fascínio da
uma alma de símbolo e vale por bondade soberana de D. Francis­
um sinal que deve ser legível para co de Assis Pires.
a comunidade. Por graça de Deus, para nós êle
E o nosso Povo soube entender foi bem o grande Profeta. Tam ­
a mensagem do seu Bispo santo. bém, o sumo Sacerdote. E, como
Sobretudo no fim da vida, D. ninguém, o Bom Pastor que deu a
Francisco conseguiu a unanimida­ vida por amor do Reino.
de da admiração e da estima.
Mesmo os indiferentes e anticleri- 3. HONRA AO MÉRITO
cais se curvavam ante a figura
veneranda dêste Pastor, coluna da A vida de D. Francisco foi em i­
Igreja do Crato, pára-raios divino nentemente pastoral e, pela virtu ­
nas horas de tempestade e subli­ de do Cristo em cujo nome ope­
me catalizador do bem entre os rava, contribuiu antes de tudo pa­
homens. Dificilmente, logrará a l­ ra a construção do Reino de Deus,
guém chegar com a cabeça ou despertando assim ressonâncias
com as mãos onde se alcandorou para a eternidade. A sua obra
D. Francisco com os joelhos e o porém, se encarnou na história do
coração. Prova-o o halo de sim­ Crato. Aqui êle formou uma ge­
patia geral que o circundava em ração nova e serviu à comtinida-
vida, atraindo-lhe grandes e pe­ de inteira. Aqui dinamizou ou
quenos, ilustres e desconhecidos, desencadeou movimentos constru­
de perto e de longe, tal como a- tivos e multiplicou Instituições e
contecia nas festas em sua hom e­ serviços promocionais. Aqui êle
nagem que superavam surpreen­ conservou, remodelou ou construiu
dentemente as mais otimistas ex­ prédios e edifícios. Fiel à tradi­
pectativas. Comprova-o a eonsa- ção dessa Igreja, sob cujas bên­
gradora manifestação de pesar, çãos divinas e humanas nasceu,
quando de sua morte, que desper­ cresceu e floresceu a gloriosa Me­
tou inegàvelm ente a sensação de trópole do Cariri, a sua atuação
que o véu da orfandade caia sô- se configurou, a um tempo, evan-
bre a Cidade e o Povo da Região. gelizadora e civilizadora. Porque
E ainda permanecem indeléveis os influiu de maneira preponderante
traços dessa veneração sincera e na promoção do Homem e da T e r­
geral, junto à sua tumba na C a­ ra, cooperando para a criação dos
tedral, onde se depositam frequen­ pré-eondicionamentos à atual ar­
temente flores de saudade e gra­ rancada para o desenvolvimento
tidão e se acendem diariamente do Município Modêlo do Ceará.
velas de fé e confiança em um P e r isto, sem favor, conquistou
verdadeiro justo. Tão cedo não se D. Francisco um dos lugares mais
apagará no coração do Povo, que distintos na galeria dos B enfeito­
é o seu verdadeiro túmulo, a lâm ­ res do Crato.
pada votiva do amor reconhecido. Inexplicàvelmente, contudo, esta
Bem profetizou o Cristo a ven­ Urbs hospitaleira e nobre não res­
tura dos mansos que possuem a gatou ainda a sua dívida de gra­
terra. Pois, à guisa do fenômeno tidão para com o inolvidável Bispo
que o mundo conhecería em breve que, antes de, um dia de festas,

57
receber da Câmara Municipal os até na Imprensa de Fortaleza, com
foros de Cidadão Cratense, já ha­ os reclamos de J. C. de Alencar
via por anos de devotamento ado­ Araripe — o escolheu para Pa tro­
tado, em seu coração, o Crato por no de uma de suas cadeiras. Me-
sua nova pátria. Um homem, por rece-o D. Francisco, não apenas
muitos títulos benemérito e m e­ pela sua cultura solidamente ali­
morável, que faz jus a um monu­ mentada, pelas produções literá­
mento e a uma Praça como o do rias vasadas em Sermões, Cartas
Cristo Redentor ou a da Sé, nem Pastorais e Circulares, e pelas suar,
sequer pôde ser comemorado no peças oratórias oportunamente
Roteiro Biográfico das Ruas do proferidas, mas também pelos ser­
Crato, recentemente pôsto em li ­ viços prestados à Cultura e à
vro por J. Lindemberg de Aquino. Ciência, com a manutenção e fun­
Para não aludir a figuras de ilus­ dação de Educandários de todos os
tres desconhecidos do Povo ou de níveis e com a proliferação de mo­
valores extranhos que nada fize­ vimentos e promoções que, no
ram por esta gleba, enquanto se Crato e na Região, consolidaram a
im ortalizam os nomes de 3 Bispos. vida cultural da Princesa do Cariri.
5 Monsenhores, 6 Padres e 1 Mis­ Nesta homenagem se reflete bem
sionário, continúa oficialmente es­ uma justa e incontida manifesta­
quecido e ausente o grande Pai ção de Honra ao Mérito.
dos pobres e Amigo da Cidade. Razão me assiste, portanto, de
A nós, que o carregamos sempre louvar e aplaudir êste gesto do
vivo na lembrança como um Nume Instituto Cultural do Cariri, ao
sagrado, a nós que batizámos com qual, não sem desvanecimento e
o seu nome o Anfiteatro e a Fun­ ufania, apraz-me significar o tes­
dação D. Francisco, a nós confor- temunho do meu duplo reconhe­
ta-nos sentir que êle caminha em cimento, neste momento solene em
todas as Ruas e está em cada Pra que tomo posse, por primeiro, da
ca do Crato, pois o Povo o l'eva Cadeira que tem por Patrono D.
dentro do Coração. FRANCISCO DE ASSIS PIRES.
Bem haja então o IN STITU TO Tenho dito.
CULTURAL DO C A R IR I que, re­ Crato, 06 de agosto de 1969
dimindo em parte êsse débito cla­ MONS. RUBENS GONDIM LÓSSIO
m oroso— tão clamoroso que ecoou Cura da Catedral
--------------------------------------------------------- -
; SONETO PARA LEMBRAR M INHA MÃE
I ZÉYPSILONE
QUANDO O DOCE LU AR C AI NAS CAM PINAS
COMO F IC A M A IS PU R A A SOLIDÃO !
E SIN TO EM MINHAS MÃOS TUAS MAOS DIVINAS
F R IA S COMO É QUENTE O C O RA Ç ÃO .. .
TENS DO M A R O M ISTÉRIO DAS ONDENAS. ..
ÉS M IN H A SUPREMA INSPIRAÇÃO
COM O TEU SILÊNCIO LÍR IC O ME ENSINAS
A DAR AOS QUE SÃO M AUS O MEU P E R D Ã O ...
E O LU AR SE PU R IF IC A NO TEU ROSTO
TU A VOZ É COMO A VOZ DOS QUE NASCERAM
PA R A U M ETERNO E ÍN T IM O D ESGOSTO...
VEM PA R A A SOLIDÃO, Ó BELA E MANSA
A LE LU IA DOS SONHOS QUE MORRERAM
Ó TU QUE ÉS A M IN H A Ú LTIM A E S PE R A N Ç A ...
> i .
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RUA Dr. JOÃO PESSOA,376 — CRATO — CEARÁ


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D. M e a a a Qneslão de 8 em Aurora
JOARYVAR MACÊDO

Quem pertencer à linhagem dos antigos “ Terésidios” dêste Cariri


e fôr à cidade de Aurora, tem obrigação moral de visitar ali, o ve­
nerando e conceituado cidadão cel. Antônio Landim de Macêdo. R e­
vendo-o ültimamente, aproveitei o ensejo para anotar algo de sua ca­
tivante palestra, sôbre acontecimentos da acidentada história daquele
município, na qual entra de cheio a pessoa de sua genitora — a fa-
manada Maria da Soledade Landim, mais conhecida por D. Marica
Macêdo ou D. Marica do Tipi.
Apeguei-me, particularmente, a fatos atinentes ao saque de Au­
rora, em 1908.
Antônio Macêdo também foi protagonista nesses eventos. É vá­
lido, com efeito, o seu testemunho que ressalta particularidades, des­
conhecidas talvez, dos poucos que, sucintamente, registraram o fato.
Em atividades humanas próprias dos varões, muita vez consta­
tamos o sexo frágil ombreando com o forte. Efetivamente, é famosa
entre os líderes das revoluções libertárias, Bárbara de Alencar. Re-
nomadas, entre os cantadores nordestinos, Rita Medeiros e Chica Bar-
rosa. Mulheres vestiram roupas de cangaceiro e empunharam o tra­
buco, como Maria Bonita e Inacinha. O coronelismo, criado pela pró­
pria estrutura política, dasdo amplos e ilimitados poderes ao coronel
teve. no Ceará, como um de seus maiores expoentes, D. Fideralina
Augusto Lima, de Lavras da Mangabeira.
São apenas exemplos.
No coronelismo meridional cearense avulta o nome de D. Marica
Macêdo. Circunstâncias especiais fizeram-na sair do anonimato e en­
veredar por esta sinuosa senda.
Em 1905 enviúva, com o falecimento de José Antônio de Macêdo,
por alcunha 'Cazuza Macêdo. Sua filha Joana da Soledade de Macêdo
contrai núpcias com Vicente Leite de Macêdo, filho do chefe político
de Aurora, onde morava D. Marica, cel. Antônio Leite Teixeira Neto,
vulgo cel. Totonho Leite e de Ana Isabel de Macêdo, sobrinha do alu­
dido Cazuza Macêdo.
Ao tempo da oligarquia aciolina, quando, no Ceará, o banditismo
teve sua apoteose, em que vários Intendentes do Cariri cairam ao fr a ­
gor de tiroteios, inclusive o cel. Totonho Leite, êste abre campanha
em ordem a apear do poder seu sobrinho Antônio Leite de Oliveira,
intendente e coletor de Aurora. Convoca o filho, Vicente Macêdo. Os
cunhados, (filhos de D. Marica) o acompanham. D. Marica exorta os

61
filhos — sendo atendida — a não tomarem parte na campanha, de
vez que Antônio Leite de Oliveira fôra dos maiores amigos de Cazuza
Macêdo. Ademais José Francisco Sales Landim, irmão dela, era casado
com Joana Leite de Oliveira, irmã do dito Antônio Leite de Oliveira.
Foi como D. Marica passou a figurar no rol dos adversários do
cel. Totonho.
Posteriormente o referido coronel enceta perseguição aos amigos
e correligionários do sobrinho. Houve ataque ao sítio Pavãó dó cel.
Cândido Ribeiro Campos (Cândido do Pavão). Os perseguidos eram
os Paulinos, sobrinhos do cel. Cândido, os quais, tempos atrás, haviam
sido espancados por um elemento do cel. Totonho, de nome Jósé Gon­
çalves Pescoço e tinham então revidado o espancamento. A pretensão
do cel. Totonho era capturá-los. O cel. Domingos Leite Furtado, de
Milagres, vem em auxílio do cel. Cândido que transfere os sobrinhos
para o sítio Taveira (nos limites de Milagres com Aurora), onde o
cel. Domingos os garantiría. O cel. Totonho solicita do Presidente
Acioly, fôrça para prendê-los no Taveira. Por sua vez o cel. Domin­
gos providencia elementos para a defesa.
O sítio Taveira já estava ameaçado de cêrco. Pessoas dali in­
vadiam, frequentemente, o território de Aurora, praticando arromba-
tos de açudes, incêndios, roubos, espancamentos, além de tentarem a-
poderar-se de terrenos de aurorenses. Havia agitação ali, também pela
iminência da demarcação das terras do Coxá.
A êsse tempo D. Marica é avisada pelo genro — Vicente M a ­
cêdo de que sua propriedade — o s.tio Tipi — será atacada. Ela, sem
garantias, retira-se imediatamente, com a família, a cavalo, para o
Cariri. Pernoita no Taveira. Pela madrugada o Taveira é cercado.
Há forte e demorado tiroteio. Varado de balas, tomba seu filho José
Antônio de Macêdo, de 14 anos de idade. É sepultado em Boa Espe­
rança, hoje Iara.
Era o dia 17 de dezembro de 1908.
O acontecimento ficou conhecido como o “ Fôgo do Taveira” .
N'o Cariri D. Marica conta com o irrestrito apôio de seus paren­
tes, coronéis Antônio Joaquim de Santana e João Raimundo de Ma­
cêdo (Joca do Brejão). Êstes juntamente com os coronéis Domingos
Furtado e José Inácio, do Barro, exigem do Presidente Acioly a reti­
rada da fôrça que permanecia em Aurora. Comunicam-lhe outrossim
o propósito de devastar aquela vila, como represália ao ataque feito ao
território do cel. Domingos. Incontinenti o Presidente ordena a salda
do contingente policial. O cel. Totonho com sua gente foge para ou­
tros municípios.
A 23 de dezembro chegam os atacantes. A resistência é insig­
nificante. A vila capitula. Os agressores roubam e incendeiam casas
comerciais. Praticam outras ignomías. A pilhagem e a devastação
atingem inclusive as propriedades do cel. Totonho e de pessoas suas.

62
Dentre as propriedades que foram incendiadas menciono o sitio
Jitirana, de meus ancestrais maternos — os Torquato Gonçalves. José
Torquato Gonçalves Ferreira Júnior era genro do cel. Totonho, e seu
irmão Róseo Torquato Gonçalves, delegado de Aurora, comandara o
ataque ao Taveira conforme as ordens do mesmo coronel.
O trágico evento é referido em Aurora, como a “ Questão de 8’’.
Cessada a questão, começa o poderio de D. Marica Macêdo que
reveste tôdas as características do coronelismo. Passa a ser legítima
mandona. A té 1924, ano de seu passamento, exerce profunda influência
política no município de Aurora.
Após a derrota dos inimigos, até 1914 assume a Intendêneia Mu­
nicipal o cel. Cândido Ribeiro Campos; a função de juiz municipal l.°
suplente José Francisco Sales Landim, (irmão de D. Marica), a de 2.°
suplente Antônio Landim de Macêdo, (filho de D. Marica), a de 3 °
suplente João Monteiro Damasceno, a Delegacia de Polícia João Cân­
dido Ribeiro, (filho do cel. Cândido).
Deposto o Presidente Franco Rabelo (1914), é someado prefeito
de Aurora Manuel Teixeira Leite (cel. Teixeira), sôgro do mencionado
Antônio Landim de Macêdo e irmão do cel. Totonho Leite, pôsto que
seu inimigo político. Perm ane:e no cargo até 1919, sucedendo-lhe o
genro Antônio Landim de Macêdo que governa até 1922, quando toma
posse mais uma vez o cel. Cândido Ribeiro.

NOTAS
1 — D. Maria da Soledade Landim (Marica) era natural de
Missão Velha, filha de João Manuel da Cruz (Joca) e de Joaquina de
Sales Landim (Quina). Seu marido — José Antônio de Macêdo (Ca­
zuza) — era também de Missão Velha, filho de João Antônio de M a­
cêdo e de Maria das Dores Paes Landim.
Vinculam-se ambos a colonizadores do Cariri, a famílias histó­
ricas da região, fixadas já no século X V III, em terras caririenses,
consoante estudos e pesquisas do historiador e linhagista Padre An­
tônio Gomes de Araújo.
Da fam ília foi o primeiro casal que instalou morada no muni­
cípio de Aurora no último quartel do século passado.
Viúva, D. Marica convola a segundas núpcias. A propósito va i;
ressaltar que, em 1906, no mesmo dia, realizaram-se quatro casamen­
tos, exemplo típico do entrelaçamento das familias nordestinas :
a) D. Marica casou-se com Antônio Abel de Araújo (também
viú vo ).
b) Manuel Inácio da Cruz, (viúvo), irmão de D. Marica, matri-
moniou-se com Maria Abel de Araújo, filha do citado Antônio Abel.
c) Casaram-se dois filhos de D. Marica — Raimundo Antônio
de Macêdo (Mundoca) e João Antônio de Macêdo, respectivamente

63
com Maria da Glória Furtado da Cruz e Joana Furtado da Cruz, filha
de Mianuel Inácio da Cruz.
2 — Assaz ilustre é a descendência de D. Marica. Desta-co den­
tre seus filhos :
a) Cel. Antônio Landim de Macêdo. Vivo, com 78 anos. Balu­
arte e mentor da família. Varão de raras qualidades morais, inclusive
coragem excepcional. Viveu horas amargas. Dissolveu questões e de­
sentendimentos no seio da própria familia. Esteve foragido. Resistiu
a ataques de adversários. Sentiu, por vêzes, roçarem-lhe o corpo os
projéteis, cujos vestígios ainda se verificam r.a casa em que residiu e
onde funcionam atualmente, os Correios e Telégrafos de Aurora.
De documentos do seu arquivo, tomei nota dos cargos que ocu­
pou, com as datas correspondentes às nomeações : 14-2-18 — l.° su­
plente do substituto do Juiz Federal; 8-7-19 — prefeito municipal;
32-8-20 — presidente da Junta Municipal'; 13-6-44 — l.° suplente do
Delegado de Polícia; 19-8-45 — adjunto do Promotor de Justiça;
25-4-59 — Delegado de Polícia.
b) Raimundo Antônio de Macêdo (Mundoca, falecido) — Dele­
gado de Polícia de Aurora, por nomeação de 17-3-21. (Arquivo de
Antônio Macêdo).
c) Silvino José de Macêdo. (Ainda vivo). Fundador da capela de
Na. Sra. do Perpétuo Socorro e da povoação, séde do Distrito do Tipi.
Juazeiro do Norte, janeiro de 1970.

- -
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S O L D Ã O
DJANIRA F1LGUEIRAS
A NOITE SÓ, A NOITE FR IA
A BALADA DO VENTO QUE SUSSURRA
UMA PRECE, UM LAMENTO.
TUDO É TRISTEZA, É ESPERANÇA QUE SE VAI.
O PERFUME DAS FLORES QUE MURCHARAM NA SAUDADE...
AO REDOR, A CHUVA CAI
O PRANTO, A AMARGURA DA VIDA
A INTRANQUILIDADE, O MÊDO
ENVOLVENDO A A LM A DE TÉDIO E NOSTALGIA
E O DESEJO IMENSO DE G R ITAR
G R IT A R PARA ESQUECER A DOR
PARA ABAFAR A MÁGUA
DA LEMBRANÇA QUS FUGIU PARA NÃO MAIS VOLTAR
O PASSADO DISTANTE. A AGONIA IN FIN ITA
SABOR DE MEL E DESVENTURA.
E SOB A LUZ MORTIÇA DO “ABAJOUR'’
SOMERAS QUE PASSAM.
E NO CÉU, ESTRELAS QUE BRILHAM E QUE SE APAGAM,
NA ETERNA GRANDEZA DO CRIADOR.
Recife, julho de 1969

- ___________ ■^
T E R R A S DE
I N VA S A 0
Francisco de Vasconcelos

Há exatamente cinco anos e Em julho dêste ano, por mo­


meio não ia a Salvador. Quando tivos profissionais, tornei à “Bôa
lá estive pela última vêz, por oca­ Terra” , cheio de esperanças e an­
sião da Festa da Conceição da sioso por ver novas paisagens hu­
Praia, em dezembro de 1963, lem- manas.
bro-me nitidamente da forte im­ Minha cliente, baiana de Ita-
pressão que me deixou a gritante parica, há alguns anos residente
disparidade entre a Graça e Mas- em Botafogo na Guanabara, reco­
saranduba. Naquele bairro abas­ mendara-me que ficasse em casa
tado, era a suntuosidade de pala- de sua irmã em Fiais, para que
cêtes, solares e chácaras, que nem minorassem as despesas de estada.
mesmo na Guanabara é facilmen­ Pelas condições de vida da minha
te encontradiça, mansões que bem constituinte, nunca pude supôr,
testemunham os explendores do que sua irmã vivesse em situação
cacau, do fumo ou do gado. Nes­ tão diametralmente oposta. Em
te reduto de pobreza, era a po­ verdade, Fiais trouxe-me de volta
dridão, o mau cheiro, os montes tôda aquela impressão de miséria
de detritos, a falta absoluta de e abandono pintada magistralmen­
infra estrutura, as ruas alagadas, te por Jorge Amado em Capitães
os barracos paupérrimos, as crian­ de Areia, Mar Morto ou Jubiabá,
ças esquálidas, as fisionomias ma- obras de trinta anos mas de uma
ceradas, a descrença, a desolação, atualidade impressionante.
a falta de horizontes, creio que E, aqui, começo eu a contar,
nem mesmo encontrados no re­ com a fidedignidade que me deu
côndito das favelas cariocas. a vivência, dentro de um espírito
Mas, os anos voaram. E, nêsse honesto e autêntico, atributos in­
interim, não faltaram as reporta­ dispensáveis ao pesquisador de as­
gens espetaculares, à base de muita suntos sociais, o que é realmente
foto e pouca matéria, mostrando a vida nos Fiais. Os nomes das
progresso espantoso, através de pessoas serão ocultados, sendo, en­
polpudas promoções publicitárias. tretanto, verídicos os seus apelidos.
E, eu de cá, insuflado pela Afinal, o drama não é de uma fa ­
propaganda pertinaz, sonhando mília e sim de uma comunidade,
com uma nova Bahia, cheia de que sofre unida no vai e vem das
novas graças e belezas ao alcance marés.
de tôdos, Bahia criando riqueza, Nanoca foi criada em Valença,
Bahia dando oportunidade a tôdos a velhíssima cidade bahiana, ter­
os seus filhos, grande parte dêles ra de um grande do Im p ério:
em busca de progresso material e Zacarias de Góes e Vasconcelos.
intelectual. Alí, casou, alí nasceram os seus

65
filhos : Leninha, Icinho, Vavá, Irá Êste senhor de águas, sem qual­
e Lulú, que nos dias que correm quer documento hábil, transferiu
contam, respectivamente, 13, 11, 8, os seus direitos à nova adquirente,
7 e 4 anos. Mas as desavenças cem contratos ou escrituras. Ne­
com o marido, levaram Nanoca à gócio de boca, à vista e sem re­
uma separação, que a obrigou a cibo. Transação surpreendente­
fugir para Salvador com a filha- mente simples à base da confian­
rada às costas afim de arranjar ça, sem prestações de contas aos
trabalho para o sustento da pro­ cofres públicos, em têrmos de im ­
le. Encarou a luta sem esmoreci- postos, taxas, laudêmios, etc.
mento. Aos trancos e barrancos E pensar-se que tôdo aquêle
conseguiu finalmente um lugar na mundo construído sôbre água e
Cia. E. I. N., que se dedica à fa ­ lôdo nasceu e cresceu assim, atra­
bricação de sacos de aniagem. vés de negócios ingênuos, onde
Seus rudimentares conhecimentos não há a interveniência dos po-
nunca lhe permitiram perceber dêres constituídos, onde as parte.;
mais que o salário mínimo. não se munem de documentos ca­
A té aí, nada de novo. Cada pazes de lhes garantir os direitos
um tem o salário condizente com em qualquer tempo. Serão estas
o seu grau de instrução e com sua as vantagens da ignorância e da
capacidade de trabalho. Mas, a falta de civilização ?
poderosa emprêsa, construída prã- Fiais, não passa de uma
ticamente dentro dágua, à m ar­ imensa favela que se desenvolveu
gem da Estrada de ferro que liga em tôrno da Cia. E. I. N., naquêle
a capital baiana a Paripe, Peri- pedaço de funda da Bahia de Tô-
peri, Nazaré das Farinhas, etc., dos os Santos, onde se chega es­
nunca se preocupou em construir falfado depois de muito perguntar
casas proletárias decentes para os e de tanto bater pernas. Vejamos
seus funcionários. As poucas mo­ o roteiro mais simples para se
radias que alí existem, pertencen­ chegar até lá. Partindo da Praça
tes à fábrica, sôbre serem cons­ Cayrú, segue-se até o Largo dos
truídas em lugares insalubres, são Mares e daí ruma-se para o Largo
ultra rudimentares e quase imun­ do Tanque, passando pelo Mercado
das. Além disso, são disputadís- da Baixa do Fiscal. Do largo do
simas pela numerosa legião de o- Tanque, saem várias estradas.
perários. Numa dessas palhoças, Mas não há que errar; a certa é
Nanoca conseguiu se abrigar por a de São Caetano. Por ela, cami­
algum tempo. Mas, as paredes de nha-se cêrca de trezentos metros.
taipa ameaçaram ruir. O telhado Logo à esquerda, em meio à u’a
cedeu e as crianças passaram a moita, desce uma picada em dire­
correr perigo. Foi então que ela ção à linha férrea e à maré. Não
comprou nas circunvizinhanças um é preciso cuidado. O povo é bom
“ pedaço de m aré” por Cr$ 60,00 e e mesmo a noite não oferece pe­
alí resolveu construir o seu bar­ rigo. Lá embaixo, está Fiais, com
raco de tábcSas. O negócio foi o imenso prédio da Fábrica e o
simples. Apesar de tudo aquilo casario que se desenvolve ao Deus
pertencer à União, havia um ra­ dará, sem um plano de urbaniza­
paz que se dizia dono daquela por­ ção, sem infra estrutura, sem leis
ção de mar, que ninguém sabe on­ e posturas, na constante aventura
de exatamente começa e termina. da conquista do mar.

66
E Nanoca vive alí, com a fi- de altura. 'Portas não existem e,
Iharada e um novo companheiro as poucas janelas vivem ferrolha-
de infortúnio, “ seu” Lando, peque­ das. O soalho, tem tantos bura­
no negociante na- Baixa do Fiscal. cos e fissuras, que todo cuidado é
Homem rude, sempre amargurado ponco, para que pequenos objetos
e queixoso, é, entretanto, bom pa­ não caiam no chão, pois arriscam-
ra a mulher e para os enteados se a desaparecer dentro dágua.
Foi êle, aliaz, o arquiteto e o cons­ A casa, comunica-se com a ter­
trutor do barraquinho, erguido às ra firm e através de uma pequena
pressas dentro dágua, durante ponte de madeira apoiada sôbre
noites a fio, porque o dia era es­ paus roliços A parte da ponte
casso para a luta no mercado. contígua ao barranco, faz as vê-
Primeiro, foi a dificuldade de zes de alpendre, onde Nanoca cul­
arranjar madeira adequada para tiva algumas plantas, jeitosamen-
as estacas de sustentação da casa. te condicionadas em latas. A lí
É de se explicar, que não serve também está o enorme cilindro de
qualquer uma, pois que as funda­ ferro onde se guarda água para
ções têm que resistir ao sobe e os serviços domésticos. E, esta
desce da maré. Somente aroeira, água vem de longe. As crianças
sapoti e massaranduba apresen­ vão buscar no chamado Crafariz
tam condições de durabilidade e da Lavadeira, do outro lado da li­
segurança. Depois, foi o árduo nha de ferro, a cêrca de quinhen­
bater de estacas até encontrar tos metros de distância. A senti-
terreno firme. Seguiram-se o soa­ na, designação local do aparêlho
lho de táboas de pinho e as pare­ sanitário, é um buraco no soalho
des no mesmo material. Final­ de um cubículo de madeira cober­
mente o engradamento de traves­ to de zinco. A tosca construção,
sas e ripas, cortadas no mato ao erguida a uns vinte metros do bar­
acaso e, a cobertura de telhas raco, é sustentada por duas esta­
francesas. Mas, as telhas conse­ cas fincada em terra firm e e duas
guidas a duras penas, não chega­ dentro dágua, de modo que os de­
ram para tôdo o telhado. O di­ jetos quando espelidos, já caem no
nheiro não deu e não dá para mar, evitando assim maiores pro­
comprar mais e, assim, ficou um blemas. Releva notar, que êste
enorme vazio no teto, por onde a primitivo e funcional aparêlho ser­
lua penetra mansamente, diria o ve também a outras famílias das
poeta, esquecendo-se que a chuva vizinhanças.
também existe. O barraco de Nanoca dorme
O barraco consta tão somente aberto. Há um tapume, perma­
de duas peças : uma sala grande, nentemente encostado à parede da
em forma de L, que serve para frente, que faz as vêzes de porta,
tudo, sendo sala de visitas, de jan­ mas raramente é usado. Quase
tar, dormitório, despensa e cozi­ não há necessidade do seu emprê-
nha e, um quarto de proporções go. Nada há naquela morada que
reduzidas, onde se aloja o casal, possa interessar, mesmo a “ ladrão
onde também Se toma banho à de galinha” .
base da cuia e da bacia. Separa De móveis e utensílios, pouco
os dois cômodos um taboado mal há que falar. Apenas três camas
alinhavado e cheio de frestas, que mutiladas peto tempo e pelos maus
não atinge um metro e sessenta tratos, um sofasinho com as mo-

67
Ias a rompei- a lorração, peça de va-lhe meu apelido — Chico. Êle,
dupla utilidade, único assento para num sorriso malandro não perdia
as visitas e leito para um dos me­ tempo : “A bença seu Chico” . I-
ninos. Duas cadeiras, u’a mesa cinho é o mais preguiçoso. Custa
para refeições, umas poucas de a deixar o desconforto do sofá de
panelas, pratos, xícaras, talheres molas saltadas. Irá, toma logo da
de flandres e um fogão velho, eis vassoura para varrer o barraco,
tôda a riqueza daquela família. enquanto a água ferve para o ca­
E, nos outros barracos, não é di­ fé. Leninha desembaraça os ca­
ferente a situação. belos de Lulú e depois prepara as
As roupas, de cama e do ves­ escovas para que tôdos escovem os
tuário, são guardadas em malas dentes. Isto dia após dia, na mo­
empoeiradas e encardidas. Nada notonia de uma rotina que é de
de rádio ou televisão, peças já tôdo aquêle lodaçal, sem horizon­
muito comuns nas favelas cario­ tes e sem esperanças. Ainda as­
cas. Na redondeza, há apenas um sim as crianças riem e brincam
aparêíro de TV, que atrai grandes sem amarguras e malcriações.
e pequenos às primeiras horas da Nunca ouvi daquelas bôeas o me­
noite. Em geral, dorme-se cedo nor queixume, a mais leve lamú­
em Fiais. Não pela falta de luz ria, um desabafo siquer. Infância
elétrica, o que muitas vêzes é mo­ pobre, quase miserável, porém con­
tivo para que tal aconteça, mas formada, talvez pela falta de a-
pelo fato da vida começar muito cuidade suficiente para perceber a
cedo em virtude dos rígidos ho­ imensa e profunda desgraça em
rários da Fábrica. Saliente-se que que se arrasta.
tôda Fiais gravita em tôrno da Todas as manhãs compra-se
Cia. E. I. N. Nanoca, por exem­ um quilo de pão. A encarregada
plo, deita-se às oito horas da noite é Irá. Leninha divide os pedações
e sai de sasa às quatro da manhã. entre os irmãos, depois de passar
Seu companheiro, não tem horário um pouco de manteiga nos mes­
certo e às vêzes nem vem dormir, mos. Depois, uma xícara de café
empenhado que está em compras preto para cada um e nada mais.
de mantimentos pelo interior, a- Ninguém tem o direito de repetir,
fim de bem fum ir sua barraca no pois não há sobras. O almoço é
Mercado. Com Nanoca, sai uma frugal1 e especificamente pobre.
comadre velha, que parece sozinha Carne é artigo de luxo, verduras
no mundo. Figura taciturna, de são inusitadas, feijão, farinha e
pouca conversa, fala por monossí- arroz mitigam a fome da família.
labos em meio a cuspidelas pelo O jantar, consta invàriavelmente
chão. Também é funcionária da de uma sopa de macarrão e de
Fábrica e contribui para as des­ uma xícara de café com pão. As
pesas da casa. Às seis horas, co­ vêzes, as crianças catam algumas
meça a criançada a se levantar. ostras. Então, faz-se verdadeira
Leninha, a mais velha, assume o festa, pois a meninada diverte-se
comando da casa e bota os meni­ a valer quebrando as conchas, pa­
nos para trabalhar. Vavá, vivo e ra retirar os moluscos e preparar
simpático, dormia numa caminha a muqueca.
perto de mim. De manhãsinha Mas Nanoca, em breve estará
êle me perguntava : “ Como é seu em terra firme. Pretende ela, a
nome” ? E eu maquinalmente da­ exemplo do que fazem os vizinhos,

68
BARBALHA, 21 DE DEZEMBRO DE 1968

Prezado Professor J. DE FIGUEIREDO F ILH O

Abraço-o

L i em “Revista Brasileira de Medicina” , Fevereiro de 68, o seu


“ Manga de Gibão-Clister Punitivo” .
O fato relativo ao Coronel Raimundo Cardoso e seu “ punido”
Manoel Mitrado já era do meu conhecimento como menino dos sítios
dos pés de serra de Porteiras.
Sôbre as várias maneiras de aplicação do clister pelo sertanejo
tão bem descritas pelo senhor, devo acrescentar mais uma que pre­
senciei ser feita em um cavalo, por vaqueiro do meu avô, Manoel
Rozendo, no sítio “ Saco” de Porteiras : Aplicação do clister através de
um grande chifre de boi, naturalmente sem o “ sabugo” , em cuja ex­
tremidade fina fôra adaptado um talo de folha de mamoeiro. A parte
dilatada do chifre servia de receptador do clister.
Para o próximo número de “ IT A Y T E R A ” , naturalmente se pas­
sar pelo crivo da sua censura, vai anexo mais um modesto trabalho
meu.
Cordialmente.
NAPOLEÃO TAVARES NEVES

/1 '
TEUS OLHOS CATANHOS
G. L ô BO
QUANDO EU V IA NO CÉU, A SERENA BELEZA
DE UM LINDO P A R DE SÓIS, A T R A N S M IT IR FULGORES,
NÃO SABIA QUE A LUZ, ESSA LUZ DE ESPLENDORES
PR O V INH A DE OUTROS SÓIS DE SIN G U LA R GRANDEZA.
MAS, EM FIM. DESCOBRI, (QUE BELEZA, QUE AMORES ! )
QUE A LUZ DÓ TEU OLHAR, É QUE EM PRESTA A PUREZA
A DOÇURA, A MEIGUICE, A SU TIL SINGELEZA
ÀQUELES LINDOS SÓIS, DA M AIS BELA DAS CÔRES...
SÃO TOPÁZIOS GENTIS, OS TEUS OLHOS MORENOS;
B R ILH A NÊLES A PAZ, EM FULGORES SERENOS,
EMBEBIDOS DE GRAÇA E PRAZERES TAMANHOS.
NOS TEUS OLHOS EU GUARDO A C AR ÍC IA DE UM BEIJO;
VEJO NÊLES O AM OR EM SUBLIME LAMPEJO
E A TERNURA A SO R RIR NESTES OLHOS CASTANHOS.
>■ ■ ... ' ......................................................

entulhar o pedaço de mar, onde já vem sendo executado há anos,


implantou seu barraco. Sste, é pois já é imenso o pedaço de mar
outro aspecto interessante da v i­ conquistado.
da dos habitantes da maré. Du­ E Nanoca está agora empe­
rante a noite, chegam botes e ca­ nhada nesta luta, na luta de v i­
noas carregados de restos de de­ ver em terra firme, ainda que em
molições e de saibro para alicer­ casebre carente de tudo. Mas,
çar as -casas ainda dentro dágua. para alegrar o pobre basta um
É trabalho demorado e penoso que pouco...

69
Onde e Quando Morreu
B Á R B A R A DE ALENCAR
J. DE FIGUEIREDO FILHO

(T R A B A L H O APRESENTADO NO I I SIMPÓSIO

DE H ISTÓ R IA DO NORDESTE, REALIZADO

EM /MAIO DE 1970, EM JOAO PESSOA - PB.)

Até há bem pouco, ignorava-se a data exata da morte da heroína


Bárbara Pereira de Alencar. A versão do local também, pelas fontes
inexatas antigas, bebidas pelos historiadores — Barão de Studart e
Irineu Pinheiro, dava que havia falecido na Fazenda Touro, no Ceará,
hoje coberta pelas águas do açude Itaguar.
Visitando o município de Pio Nono, em companhia do então depu­
tado Antônio de Alencar Araripe, tive a oportunidade de demorar-me
na fazenda ALECRIM, em Froteiras, estado do Piauí. A casa per­
tencia ainda à fam ília Alencar e tinha .a particularidade de abrigar
outra menor, dentro de suas paredes e conservada com o máximo de
veneração. Diziam todos que a casinha era assim protegida e vene­
rada por ter morrido ali a heroína Bárbara de Alencar, sendo seus
restos conduzidos depois para a Capela de Poço de Pedras, agora com
o topônimo traduzido para o tupi — ITA G U A R, nas vizinhanças do
açude do Departamento Federal de Obras Contra as Sêcas, de igual
denominação.
Escreví o fato na imprensa de Fortaleza e, em trabalho que fiz
para “ IT A Y T E R A ” - Crato e para a “ RE VISTA DO IN STITU TO A R ­
QUEOLÓGICO DE PERNAMBUCO". Mencionei-o em “ H IS TÓ R IA DO
C A R IR I” , de minha autoria, terceiro volume, edição de 1966.
Ao rebentar-se o movimento de revolta, em 1831, de tendência
restauradora, a fam ília Alencar era visceralmente inimiga de seu
chefe — Joaquim Pinto Madeira. Bárbara, com setenta anos, alque-
brada, muito doente, foi transportada por familiares para o Piauí,
onde possuia fazendas e numerosa parentela, tanto quanto em Crato
e em Exu.
A chamada guerra do Pinto e do Padre E'enze Cacetes, contra a
Regência, também provocada pelas medidas drásticas da Câmara Mu­
nicipal de Crato, contra os pintistas, envolveu automáticamente tôda

70
a liberal família Alencar. Seu campo de ação abrangia todo o sul
da Província. Operações e transportes de tropas se davam contínua­
mente, entre o Icó, a zona caririense, Santana do Brejo Grande, As-
saré e S. Mateus. E a fazenda Touro, onde ficava, senão nas imedia­
ções das lutas ?
Nos artigos que escrevi defendendo meus pontos de vista, compro­
vei até que a província piauiense estava bem guarnecida nas fronteiras.
Citarei trecho do terceiro volume de “ HISTÓRIA DO C AR IR I” , de mi­
nha autoria, página 13, edição — 66 :
“Para Bárbara Pereira de Alencar o abrigo nas terras piauienses
era mais do que o esconderijo natural e o aconchego dos seus. A lí
havia a proteção de ficar sob a segurança de homens armados, sob a
imediata responsabilidade do govêrno provincial e da própria Regência
Vejamos o que diz Abdias Neves em “ O PIA U Í NA CONFEDERAÇÃO
DO EQUADOR’-, editado pela Imprensa Nacional, 1921 — Rio de Ja­
neiro : “Anos de paz e reconstituição econômica decorrera, o espírito
de rebeldia entretanto, continuava latente. Irrompe no Crato com o
movimento do coronel Pinto Madeira que à frente de tropas numerosas
e de um grande partido, se levanta em favor do ex-imperador. Cum­
prindo ordens positivas da Regência, é o Piauí obrigado a agir para
evitar o contato dos agitadores e ir em socorro do Ceará. Põe 500
praças municiadas à disposição do govêrno, servida por duas BOCAS
DE FÔGO e as mantém enquanto durar a revolução” .
Creio que Dona Bárbara, no fim de sua jornada terrena, não
tinha melhor proteção contra os pintistas, seus inimigos, do que 500
praças municiadas, dois canhões, fiéis à Regência, govêrno em que seu
filho José Martiniano de Alencar tinha vez de comando.
Em Itaguar, em 1962, muitos membros da família Alencar vieram
do Piauí para a Missa na Capela e à aposição da lápide no túmulo de
Bárbara Pereira de Alencar. Tive ocasião de falar com muitos 'êles.
Todos foram unânimes em afirmar que a heroína fechara os olhos
entre seus parentes de Alecrim. A casa conserva-se envolvida por ou­
tra maior e ainda perduram muitos pertences de D. Bárbara, guarda­
dos, como relíquias da fam 'lia” .
A data exata da morte é que se ignorava e por isso não constou
da inscrição da lápide que o Instituto Cultural do Cariri, de Crato,
mandou apôr alí.
A BIBLIOTECA NACIONAL distribuiu há pouco o volume 86 de
seus ANAIS, referentes à correspondência passiva do SENADOR JOSÉ
MARTINIANO DE ALENCAR. É da DIVISÃO DE PUBLICAÇÕES E
DIVULGAÇÃO - 1968, só presentemente divulgada. À página 248 dá a
chave exata do problema. Faleceu ela em terras do Piauí no dia 28
de Agosto de 1832. A carta é dirigida a José Martiniano de Alencar
por seu primo e colega de sacerdócio — Carlos Augusto Peixoto de
Alencar.

71
Transcreverei apenas trecho da carta que está à pág. 248 :

Padre José xou bastantemente penalizados, e


muito principalmente quando ou­
Vila do Crato, 29 de Setembro
vimos os gemidos, e as lágrimas
de 1832
dos pobres, e indigentes, a quem
“Recebí hoje a sua carta de 30 ela com tanto amor socorria.
de Julho deste ano, e a ela vou Morreu testada, deixando a sua
responder, devendo primeiramen­ terra ao pequeno, que criava com
te dar-lhe a infausta notícia da tanto mimo, único coitado, que a
morte de sua prezada mãe, minha afligia nos últimos insítantes de
tia D. Bárbara, ainda nos limites sua existência, ao lembrar-se, que
do Piauí, em casa do Pe. Pedro ficaria sem ter quem tomasse a si
(Rodovalho), a 28 de Agosto pas­ a sua educação. Deixou mais al­
sado, fazendo já hoje completa­ guma coisa para pobres e algumas
mente um mês e um dia. Êste parentas nas mesmas circunstân­
tão triste acontecimento nos dei­ cias” .

Passei a ortografia da época para a atual, a fim de tornar o


trecho mais compreensível.
O Padre Pedro seu sobrinho não esquece de salientar o alto espírito
de caridade de Dona Bárbara, qualidade que vem mais acentuar aquela
figura que encheu a história do Cariri de tanto heroísmo e de exemplo
de acentuado amor à independência.
A fazenda Alecrim situa-se no atual município de Fronteiras, fica
a poucos quilômetros da cidade cearense de Campes Sales, outrora de­
nominada de Várzea da Vaca. Seu cadáver foi inumado na capela
mais próxima daquele local a três léguas, em Poço de Pedras, agora
Itaguar, então encravada no município de S. Mateus, Ceará.
Dona Bárbara, como por feliz predestinação, pertencia de corpo
e alma a três prov,ncias do Nordeste brasileiro. Nasceu a 11 de F e­
vereiro de 1760, na fazenda Caiçara, do município atual de Exu, no
distrito de Araripe. Residiu, casada com o comerciante lusitano José
Gonçalves dos Santos na Vila Real de Crato. Já enviuvara quando
se deram as lutas que a envolveram como cabeça ao lado de seu filho
José Martiniano de Alencar e outros, na revolução nativista de 1817,
soprada de Recife. Foi a primeira mulher republicana do Brasil, em
ordem cronológica. Com o malogro do movimento em Crato, foi presa
na Paraíba onde se refugiara, conduzida à Fortaleza e à Bahia, so­
frendo mil agruras, por si e pelos filhos e petos amigos. Anistiada, em
consequência da Revolução Constitucionalista do Porto, voltou ao Cra­
to, onde sustentou luta varonil para rehaver seus bens e os dos seus
filhos, confiscados, em 1817. Daí a série de inimigos pessoais que cri­
ou e autores de pesadas calúnias que caíram sôbre a sua memória,
destruídas com dados concretos, descobertos em arquivos pelo histo­
riador caririense — Padre Antônio Gomes de Araújo.
Quanto mais se esmiuça a história da revolução de 3 de maio de

72
Tf lü © W /A Para ITAYTER A
ILDEBRANDO SISNANDO

Dos olhos de mãe sai luz Um alegre Carnaval


que sofrimento alivia. começou ao meio dia.
Jesus morrendo na cruz lío je no Municipal
sofreu menos que Maria. um confete é fantasia.

Quando Deus voltar à Terra, Não tenho religião,


duas coisas vou pedir : não sou cristão nem judeu,
que jamais permita guerra, sou incréu de coração,
nem carestia existir. graças a Deus sou ateu.

Reparte o teu coração Já tenho idade avançada,


entre o Amor e a Saudade. já estou no fim da vida.
Reserva mais outro vão Quem me dera outra alvorada,
para abrigar a Saudade. minha infância repetida.

1817, na vila Real de Crato, em conexão com o movimento idêntico


de Março, em Recife, mais avulta a personalidade de Bárbara Pereira
de Alencar. Foi a custeadora da rebeldia e animadora principal dos
filhos e dois irmãos, heróis consagrados das lutas em prol da indepen­
dência, no Ceará, no Piauí e no Maranhão. Antes mesmo de 1817,
foi preconizada heroína pelo naturalista e revolucionário Arruda Câ­
mara. Talvez a conhecesse bem pela correspondência dela, com os
próprios filhos, no então Seminário de Olinda, ou até pessoalmente,
quando de possíveis excursões científicas pelo interior pernambucano,
à cata de espécimes vegetais para estudo. Arruda Câmara em sua
carta-testamento, de Itamaracá, de 2 de Outubro de 1810, ao amigo e
futuro cabeça da revolução pernambucana de 1817 — Padre J°ão R i­
beiro Pessoa de Melo e Montenegro, escreveu o seguinte trecho refe­
rente à genitora de José Martiniano de Alencar :
“DONA BÁRBARA CRATO DEVEM OLHÁ-LA COMO HEROÍNA” .

Precisamos transcrever outra e essa Bárbara Crato de quem fala


parte do livro do historiador Pe­ o sábio naturalista, é D. Bárbara
reira da Costa, referindo igual­ Pereira de Alencar mãe do Padre
mente à mesma carta-testamento: Martiniano de Alencar, natural­
mente pernambucana, porquanto
“ Quase tôda aquela gente men­ registrando o seu nome o Padre
cionada nos transcritos trechos Dias Martins, na sua obra, que ela
(ANAIS PERNAMBUCANOS); e era viúva nos sertões de Pernam­
que faz parte de aréopago, tomou buco, mas domiciliada na Vila de
parte depois na revolução de 1817; Crato - Ceará” .

Bárbara Pereira de Alencar, heroína das lutas de independência,


mostrou que o elemento feminino, neste importante pedaço do Brasil,
também se sacrificou para que o Brasil1sacudisse o jugo da mãe-pátria,
no momento mais oportuno.

73
Quisesse Deus m e em prestar C ontigo canto dorm indo,
seu poder p o r um segundo, contigo sonho acordado,
m oça algu m a sem casar contigo vivo sorrindo,
fic a ria neste mundo. co n tig o ao céu fu i levado.

A s estréias lá dos céus As covinhas do teu rosto,


são beijos de nam orados, fontes de intensos desejos,
que fica ria m com o os teus, têm perfu m e e têm o gosto
no firm a m e n to enerustados. que ju stifica m m il beijos.

N ão perca oportunidade Quando a m u lh er é am ada,


de fa z e r um benefício. de m uito a fa go precisa.
Quem p ra tica a caridade N ão a rra n ja nam orad a
não conhece sacrifício. quem beijos econom isa.

Nestes dias não comí, Você transform ou meu peito


não saí, não passiei, em ja rd im de m u ita flo r,
não dorm i, não decansei, onde ex iste a m o r-p erfe ito
com saudade da Geni. e tam bém p e r fe ito am or.

Coisa ig u a l in d a não v i T u escreveste, M aria,


no terren o da am izade. teu nom e em meu coração,
— A ca rta que recebi m as notei que prin cipia
não matou, fê z m ais saudade. na palm a de m inha mão.

M enina nam oradeira, Eu vou consu ltar os sábios,


que por m uitos é beijad a, in vestigar a razão,
acaba fazend o asneira, por que um b e ijo nos lábios
e por todos desprezada. escraviza o coração.

O lu ar do m eu sertão Em m ulh er n ova e bonita


é b e ijo que a L u a envia. tudo assenta, tudo enfeita.
D erra m a lu z pelo chão, Com um vestido de chita
a noite tra n s fo rm a em dia. eu já v i Vênus p erfeita.

Pessoa bem educada, O b eijo ja m a is consola


de sensível coração, quem tem fo m e de am or.
de se fa z e r estim ada A cen de o fogo, que assola,
nunca perde ocasião. cada vez com m ais fu ror.

A verd a d e e a m entira, A s lá grim a s que derram as


am bas fe r e m iguahnente, são pérolas de va>lor.
porém sem pre h á quem p r e fir a Enviadas a quem amas
punhaladas de quem m ente. são saudades, são am or.

N o ja rd im do meu am or Vês em m im um crim inoso


p la n tei beijos com fa rtu ra. porque um b e ijo roubei.
O n tem colh i u m a flo r : T a m b ém estou pesaroso,
tem perfu m e, tem doçura. som ente um b eijo te dei.

74
baús que teem as iniciais de meu
0 Baú Verde pai pertencem a meus filhos.
Em casa de Cauby, em S. Paulo,
está um dos tais, restaurado, con­
Zuleika Pequeno de Figueiredo servando as características de an­
tiguidade, apenas envernizado e
Se eu podesse advinhar que um polidos os pregos dourados que lhe
dia os baus velhos seriam anti­ servem de ornato. Lá, foi um su­
guidades preciosas, teria pedido cesso ! Americano, apreciador de
preferência dos de meu avô. velharias, ofereceu-lhe um dinhei­
Lembro-me que anos atrás, os rão. Ele não quiz se desfazer de
que restavam, escondidos como sua preciosidade■ O da filha Enei­
coisa fóra da moda, foram dados, da, enfeita-lhe também a casa.
vendidos por qualquer preço, ou Mas, o que mais guardo recor­
ainda aproveitada a madeira de dação é do bau verde de mamãe
cedro, para cômodas ou outros onde ela guardava retalhos e ou­
móveis. tras bugigangas. No dia destinado
Grandes, pequenos, retangulares à arrumação, era uma festa. Her-
ou com tampa curva, com arabes- dáva-mos o que sobrava e as bo­
cos de pregos dourados encrusta- necas iam ter novas roupagens.
dos em couro preto ou marron. Havia outro grande, imenso, com
Enormes fechaduras embutidas. grades de cadarço, de espaço a es­
Alguns com parte suposta, inter­ paço, onde era guardada a roupa
na, com chave minúscula para engomada.
desfarçar serviam de cofre, onde Outras velharias resurgiram do
era guardado o dinheiro destina­ desprezo a que haviam sido rele­
do à compra dos negociantes, na gadas
“ Praça”. Tachos de cobre, areiados, relu­
No tempo dessas arcas de pre­ zentes, serviam para fazer os do­
garia, o comércio do Crato era ces de buriti ou leite. De diver­
feito com Recife. Tudo transpor­ sos tamanhos, conforme a quan­
tado em costa de animal. Nem tidade dos ingredientes.
sei quantos dias nessas longas ca­ Nos tachos grandes, refinava-se
minhadas. Quando o sol a pino o açúcar mascavo. Quando bati­
fazia suar o cavalo e o cavaleiro, do, pulverisado e peneirado, as
botavam abaixo o comboio. Ar- crianças esperavam pelos caroços
ranchavam-se em alpendres de para saboriá-los. N a cosinha cos­
casas de fazenda, ou à sombra de tumavam dizer : “ Menina, não co­
juazeiros à margem dos riáchos. me açúcar puro que cria lombri-
Mêsmo sêcos no verão, ficam ca­ gas” .
cimbas com agua fresca. O arre- Elas ainda não conheciam a
eiro, depois de arrumar o cercado estória de Jeca Tatu.
para os animais ia cuidar na boia. Que dizer do pilão ? Despreza­
O arroz fumaçando em panela do e carcumido, lá num cantinho
sobre trempes de pedra e a car­ do quintal ? Outrora duas moças
ne sêca no espeto, aguçando o a- de serviço, alegres e fortes, ao rit­
petite. O dono do comboio r»a rê- mo do “ tum — tum, tum, tum” ,
de branca de varandas, repousan­ pilavam o arroz, o milho e o café.
do e aguardando a refeição. Anos depois quando já havia
Dois dos remanescentes desses motores de descaroçar arroz, o

75
Padre Cícero — Mito e Realidade
PEDRO GOMES DE MATOS
Antes de mais nada, “ Padre C'.- de esclarecer e apontar, no que
cero - M ito e Realidade” (Editora não prescinde da erudição. Se bem
Civilização Brasileira, 584 págs.), “ Padre Cícero - M ito e Realidade”
de Otacílio Anselmo, é uma obra não seja um livro polêmico, como
de mérito, de muito mérito. A aliás adverte o autor, há nêle a-
rigor, não se trata de obra de in­ firm ativas discutíveis e pontos-de-
terpretação sociológica ou psicoló­ vista dos quais pode o leitor dis­
gica. Porém se biografia é a his­ cordar, não arbitrariamente, mas
tória de uma vida, pode dizer-se com arrimo na formação cultural
que a vida do Padre Cícero aí es­ e nos intercâmbios sociais e eco­
tá descrita, da infância à velhice. nômicos da região do Cariri.
Embora Otacílio Anselmo escreva Com “ Padre Cícero - Mito e R ea­
com indisfarçável atitude interior, lidade” presta Otacílio Anselmo
tudo quanto êl'e afirm a é calcado valioso serviço às letras históricas,
na melhor massa documentária. inclusive sob o aspecto geográfico.
Sou em que até agora não se reu­ O capítulo “ O M EIO” é uma pá­
niu em volume sôbre a discutida gina digna de Euclides da Cunha.
figura do Patriarca de Juàzeiro
Veja-se êsse trêcho :
tão vasto documentário. O inte-
rêsse de Otacílio Anselmo na m i­ “ Constituindo-se um arco de
núcia, leva-o a digressões, a des- círculo orientado de leste a oeste,
bordamentos de todo desnecessá­ com um comprimento aproximado
rios. Daí resulta a amplitude do de 180 quilômetros por 33 na sua
contexto, que chega a desapontar maior largura, e tendo uma alti­
o leitor menos cioso de generali­ tude que varia entre 900 a 1.000
dades. Tudo porém quanto Ota­ metros, a cordilheira, araripiana
cílio Anselmo escreve em “ Padre caracteriza-se pela planura de sua
C cero - M ito e Realidade” tem o chapada e o contorno escarpado
seu valor, ilustrativo e histórico. de suas encostas, submetidas à
Trabalho de pesquisa, nenhum ou­ ação lenta mas continuada das
tro o sobrepuja na documentação, erosões, pelo que já foi denomi­
cujas fontes o autor se não cansa nada de “ serra em decomposição” .
Dêsse trabalho demolidor exercido
pelas precipitações pluviais, resul­
café de Baturité, ainda era pilado ta o desmoronamento das verten­
em casa. As torrefações livraram tes e sua transformação em talu­
a doméstica desse trabalho. O des quase a prumo, surgindo, aqui
gosto bom do café é que não exis­ e acolá, ravinas gigantescas como
te mais. as que não vistas nos arredores de
Hoje, deixaram de ser utilidades, Grato, Nova Olinda, Santana do
levados para apartamentos do Rio Cariri e Jardim, por onde rolam
e S. Paulo, como objetos de deco­ camadas de areia que aterram as
ração. baixadas” .
A h ! Se as antiguidades huma­ Meus aplausos, e calorosos, a
nas estivessem também na moda ! Otac'lio Anselmo.

76
Embate Humano e
JOSÉ DOS ANJOS DIAS

Choca-se o mar de encontro examinar as cousas, que têm as


aos corpos recifosos, os veículos qualidades essenciais à sua natu­
entre si, os rios na confluência e reza. A revista DESPERTAI, de
suas águas com o m ar para pro­ 24.4.1969, traz um artigo surpre­
duzirem a pororoca. Os piores endente na página 14. Torna-se
macaréus são originados pelo an­ m agn'fico porque as TESTEMU­
tagonismo da humanidade entre NHAS DE JEOVÁ, procuraram
si mosma. mostrar que em 1975 o homem
Provocam desacordo de idéias, Adão completará 6.000 anos que
vivência desarmônica, desprêzo a saiu do barro. Respeitosamente e
Deus e às coisas sagradas e dispo­ sem intenção de criar polêmica,
sição. em alguns grupos, para de­ peço licença para dizer algo sôbre
sacreditar da ciência. A ciência é a história humana, sem propósito
luz divina que aclara o obscuran­ de ferir o pensamento alheio.
tismo. Deus deu-a ao homem pa­ O aparecimento do homem na
ra fazê-lo conhecedor das cousas face da Terra, vem de época que
passadas, presentes e futuras. por enquanto não se pode compro­
Condoeu-se em ver a humanidade var cada fóssil achado surpreen­
sequiosa para saber a origem das de o anterior em idade. Em 1966,
cousas e a idade das mesmas, en­ o arqueólogo e etnólogo Dr. Cal-
tão, permitiu-lhe que através da deron, esteve, aqui, em Juàzeiro
leitura e da meditação conseguis­ da Bahia, onde moro, tive a honra
se o seu desejo. de conhecer aquela sumidade da
A ciência mostra-nos as cousas ciência e palestrar com êsse em i­
ocultas no solo e subsolo, no mar nente professor, repositário do
o no ar. Bem assim, descobre com conjunto de conhecimentos rela­
precisão a idade da matéria. tivos a pré-história e a etnologia.
É lamentável que haja quem Explicou-me o motivo de sua
diga, que a ciência compactua com presença nesta região. Sua missão
os íncubos, com sua teoria moder­ por esta zona de São Francisco era
na, quer destruir uma doutrina procurar algo pertencente a ar­
milenária. queologia.
A ciência com seu avanço, Deus o ajudou no seu intento,
concorre para nos mostrar a re­ pois, não muito longe daqui, en­
tidão das cousas, com a descober­ controu um fóssil à margem di­
ta do número de anos possuídos reita do São Francisco, na “ G R U ­
pelos objetos. T A DO PADRE” .
Desacreditar nas revelações Nela havia esqueletos huma­
científicas, é descrer do próprio nos, facas e machados de pedra,
Deus, pois, sem consentimento Dê- também restos de tecido grosseiro
le não seria possível surgir os com partes prejudicadas por car-
prodígios científicos. A oposição bonização.
à verdade, só não desaparece do Tudo quanto foi encontrado
conceito de quem não procura conduziram para Salvador; dali,

77
então, foram encaminhados aos E. Os ossos estão no Museu Na­
Unidos da América do Norte amos­ cional, na Guanabara. Além t.o
tras para exame. ossário, encontraram utensílios
O C 14 revelou que datavam de domésticos em cerâmica.
7 500 anos. Os sêres humanos que A ciência não é inimiga da
viveram na região do fóssil, eram Bíblia, tem procurado clarear as
mais antigos do que Adão e Eva. incertezas de quem as possui pa­
Como se explica isso ? Co­ ra fazer desaparecer as dúvidas,
nheciam algo da indústria, porque sem pretensão de pôr por terra,
fabricavam tecido, embora gros­ os ensinamentOs religiosos.
seiro, suponho que faziam uso do O Velho e o Nôvo Testamento
tear primitivo para tecelagem, a- são livros de inspiração divina,
cionado pelo movimento do pé do proféticos e em parte, históricos,
tecelão ou da teceloa. sem nenhuma concatenação cien­
Aquela interrogação é para a tífica.
idade de Adão e em tom respei­ Não tenho propósito de fazer
toso, consoante a revelação em pouco de alguém, por outra forma
DESPERTAI. Servirá de observa­ menosprezar a Bíblia, todos nós
ção e confrontação entre os nú­ somos falíveis e a ciência, não.
meros de anos de Adão e os do Minha intenção neste artigo, é
fóssil, para termos as coordenadas dar conhecimento que o último
e definir com exatidão, se Adão fóssil descoberto no Brasil, é mag­
foi o primeiro varão e Eva a pri­ nífico pela revelação que nos trou­
meira mulher. Os esqueletos esta­ xe. Deu-nos a conhecer que o
vam chamuscados, havia sôbre povoamento de nossa Pátria, no
êles tições e carvão, fazendo-nos solo bahiano, assinala um período
crer que os sepultantes usavam superior a 7.500 anos, isso é sur-
pôr fogo nos sepultados, antes de preza extraordinária !
cobrí-los com terra. Mais tarde, o Tempo e a Pro­
Na índia, até hoje, perdura o vidência Divina, tomarão para si
emprêgo de incineração dos cadá­ a incumbência de nos ofertar ou­
veres, queimados na fogueira e tros fósseis mais antigos.
acompanhado de ritual1 para al­ Porque aquela e aquêle outro,
cançar um fim determinado. Em são liberais em tudo e para tudo,
tôdas as cousas há mistérios so­ não usam de sovenice.
brenaturais, exclusivamente com­ Não era povo sem arte, porque
preendidos pelos iniciados das cou­ usava tecido; teria sido ramifica­
sas divinas ou espirituais, eis os ção dos homens da Atlântida ?
casos da índia, Sociedades Filosó­ Para considerar Adão e Eva co­
ficas e a Maçonaria com seus se- mo originadores da humanidade,
grêdos maçônicos. dando-se a Adão 5.994 anos como
Anterior a descoberta arqueo­ as T E S T E M U N H A S
lógica na “ GRUTA DO PADRE” , DE J E O V Á afirmam, força-
houve outra importantíssima em nos a depreciar a ciência. Se fos­
Minas Gerais. Em Lagoa Santa, se possível negar a verdade nela
foi encontrado um fóssil, testes contida, então poderiamos enxotá-
radioativos realizados por especia­ la do nosso convívio, mas, até en­
listas na América do Norte, reve­ tão, não apresentou desvio de bom
laram que a ossada rumana tem caminho e, jamais afastar-se-á da
mais de 10.000 anos. retidão, continuará com bôa-fé no

78
proceder. Os fósseis da “ GRU TA tender. Eis porque, limitou-se a
DO PAD RE’’ e de Lagoa Santa, dizer ao povo, a fim de satisfazer
através da ciência, provam que a curiosidade de alguém que, Deus
antes de Adão e Eva surgirem, já criou o mundo em seis dias, tendo
existiam sêres humanos no solo como primeiro varão Adão.
brasileiro. Em nosso lar, quando um filho
Vejamos que um daqueles fós­ pergunta : — Mamãe ou papai co­
seis tem mais de 10.000 anos, Adão mo foi que eu nasci ? Apresen­
únicamente 5.994, bôa diferença tamos dona cegonha como trans­
para a idade dêste. portadora da criança e nada da
Aquelas descobertas pré-históri­ realidade. O tempo com sua sa­
cas, são corroborantes de que o bedoria, encarrega-se de revelar
gênero humano não teve inicial ao infante. Então, foi escrito que
em Adão e Eva, houve várias fon­ o mundo teve origem em seis dias,
tes genetrizes. Adão e Eva os primeiros morado­
Podendo-se compreender e per­ res da Terra.
ceber pelas revelações da ciência, Atualmente com o desenvolvi­
que Adão e Eva não foram os ge­ mento da ciência e, a mente hu­
radores da humanidade, como tí­ mana bastante esclarecida, pôde-
nhamos à idéia. se chegar a uma conclusão de que,
Pelo fator exposto, o livro sa­ os seis dias foram seis per'odos,
grado não vai deixar de manifes­ porém, não se sabe a duração de
tar-se como regedor das relações cada.
entre o homem e a divindade, Quando Adão e Eva tomaram
tampouco perde a essência divina conta do Paraíso, já existia gente
que encerra. em Minas Gerais e no atual ser­
Pela motivação que a ciência tão da Bahia, nas cercanias da
faz positivar a idade da matéria, “ GRUTA DO PA D R E ” , segundo
não exclui Adão em continuar me­ prova a ciência. Isso, conforme
recendo, todo respeito de nossa os resultados dos testes radioati­
parte, por ter sido um privilegia­ vos, efetuados na América do N or­
do de Deus, em concorrer para a te, com as amostras enviadas dos
proliferação da Terra, juntamente fósseis da “ GRU TA DO PADRE” e
com outras famílias mais antigas. Lagoa Santa.
Não podemos encobrir a verdade Existe muita cousa doutrinada
sôbre a sabedoria de Moisés, não como evidente, no entanto, na rea­
se pode negar que tenha exercido lidade a explicação que recebemos,
o ocultismo de tal maneira que entra em dissentimento com o rea­
sobrepujou a todos os magos do lismo e acolhemos como certa.
seu tempo, colocando-se na van­ Adão e Eva realmente existiram,
guarda. porém, a raça humana não teve
Conhecia os Mistérios da Cria­ origem exclusivamente dêsse ca­
ção. Porém, na esfera inculta em sal, os fósseis da “ G RU TA DO
que vivia, não podería fazer co­ PADRE” e de Lagoa Santa, são
nhecer ao povo rude conduzido por provas insofismáveis. O Velho
êle, a duração exata dos períodos Testamento, narra claramente que,
da Criação. Isto, porque perdería o primeiro filho de Adão e Eva,
seu tempo em relatar, visto que, Caim, depois de praticar o homi­
aquela gente não possuia senso de cídio contra seu irmão Abel, a-
compreensão adequado para en­ bandonou o lar de seus pais e f °i

79
morar noutra torra. Lá, contraiu A DÁDI VA
matrimônio e fundou uma cidade.
Nessa exposição de fatos com­ Ao Rvmo. Pe. Hélio Ramos,
preendida no primeiro volume da no seu natal'cio
bíblia, é uma corroboração de que Quando viestes das alturas,
existiam pessoas descendentes de Harmonias vivas, puras,
outras famílias. Soaram no abismo dos céus.
Após a saída de Caim, nasceu o Contra o mal que o mundo encerra,
terceiro filho de Eva, chamado Mais um levita na terra,
Seth-, daí então, brotaram-lhe as Mais um soldado de Deus !
filhas. Porém, a Bíblia não es­
pecifica a quantidade de meninas Sim, pois luta aquêle que ama,
que Eva deu à luz. Que a divindade proclama
Caim, não poderia ter contraído D0 filho de São José,
núpcias com alguma de suas ir­ E embora de invicto porte,
mãs, porque até então, não havia É grande, é potente a coorte
nascido nenhuma. Dos inimigos da Fé !
Outro documento esclarecedor Se hoje vemos fazer anos
dêsse assunto, é a existência das
O herói que nos leva ufanos
três raças. Adão e Eva, possivel­ Pelo caminho cristão,
mente eram brancos ou amarelos,
De alma em transportes divinos,
não poderia sair dêles a progênie Como não entoarmos-lhe hinos,
dos ÁPRICOS. Supor, que naquele
Num preito de gratidão ?
tempo, era possível, é ir de en­
contro a genética. A vós, neste augusto dia,
Deus criou distintamente as três Que tanta luz irradia
raças humanas, pois, estava em Sob o amplo azul do Brasil;
sua santa vontade para assim Neste momento inspirado,
proceder. Os membros do Apostolado
Prêtos, amarelos e brancos, pe­ E da Cruzada Infantil,
rante Deus, são todos iguais.
Vêm trazer-vos, guia místico,
Nunca considerou, não considera e
Triunfador eucarístico,
nem considerará nenhum povo,
Enviado do Redentor,
com complexo de inferioridade.
Com alegrias tamanhas
Êsse sentimento psicológico que
Por vossas batalhas ganhas,
leva alguém julgar-se superior sem
Uma oferenda de amor :
o ser, é atributo de quem não
procura anelar-se ao espiritualis- Seja esta caneta espada,
mo. Sempre, sempre imaculada
Procuremos dar a Deus o que é Nestes combates da Cruz,
de Deus, e a César o que lhe per­ Ao que, jamais indeciso,
tence. Tem por pátria o paraiso,
Então, tomemos a Bíblia como Por soberano — Jesus !
vereda religiosa, caminho por on­
de o homem deve seguir, para ALVES DE OLIVEIRA
mais tarde, alcançar a morada de
Deus, sem desconceituar a ciência. as portas da prisão onde quer que
A ciência é heroína e carcereira, esteja encerrada a ignorância,
oriunda da essência do perfume dando-lhe luz e calor, liberdade e
divino, encarregando-se de abrir conhecimento científico.

80
GENTE ILUSTRE
J. Lindemberg de Aquino
NA CORRIDA D IÁ R IA PELO G ANHA PÃO NAO TIV E TEMPO
DE PR E P A R A R TR ABALHO DE M A IO R PÊSO M ENTAL PA R A
ESTA EDIÇÃO DE ÍTA Y TE R A . MESMO NO IN TER IO R A
GENTE JÁ ESTÁ NÊSSE CORRE-CORRE DA V ID A MODERNA
ONDE O TEMPO NAO SOBRA MAIS P A R A N A D A ... E ASSIM,
PA RA NAO ESTAR AUSENTE, NESTA G A LE R IA DE TAO
NOBRES COLABORADORES, VOU IN SER IR UNS SIMPLES
DADOS BIOGRÁFICOS SÔBRE 4 PERSONAGENS ILUSTRES —
CONTRIBUINDO P A R A M A IO R E MELHOR CONHECIMENTO
DE SUAS EXISTÊNCIAS E ATIVIDADES. SÃO 4 DOS QUE
RBCENTEMENTE GANHARAM NOMES EM NOVAS RU AS DA
CIDADE, GRAÇAS À IN IC IA T IV A DO PREFEITO HUMBERTO
MACÁRIO DE BRITO. NOTAS SIMPLES, DESPRETENSIOSAS,
SEM PRETENSÕES LITERÁRIAS. VEJAMOS FATOS DESSA
GENTE IL U S T R E :

E D I L S O N S U C U P I R A
EDILSON DE A R A R IPE SUCU­ no que tivemos em nossa terra.
PIR A, filho de Francisco Otaviano Dele foi seu aluno o escritor Irineu
Batista e Dulce de Araripe Sucu­ Pinheiro que, em EFEMERIDES
pira, nasceu em Crato, a 18 de DO CAR IRI, lhe dedica a pág. 154.
Março de 1868 e faleceu, já ve­
“ Era Edilson alegre, inteligente,
lhinho, em Breves, Estado do P a ­
bom, conversador, mas enérgico
rá, onde se radicara.
nas aulas, a dar boas palmatoadas
Fez seus estudos primários no em alunos que merecessem” , diz o
Seminário do Crato, no reitorado historiador cratense.
do Monsenhor Francisco Rodrigues
Para o renomado estabelecimen­
Monteiro e no Colégio Venerável
to de Edilson Araripe Sucupira v i­
Ibiapina, de José Marrocos, em seu
período de maior esplendor. nham alunos até de outras Cida­
des. Várias gerações ele as edu­
Naquele Colégio foram seus co­ cou com sadio estusiasmo, dando
legas José Carvalho, poeta, jorna­ grande impulso á causa da educa­
lista e folclorista, e Fernandes ção em nosso meio.
Távora, médico, depois Senador da
Em 1901 partiu para o Norte,
República e Presidente do Ceará.
dedicando-se, no iPará, ao funcio­
Exerceu a Promotoria Pública nalismo público.
em Crato e o magistério particu­
Diz Irineu Pinheiro : “ Morreu
lar, instalando seu afamado Colé­
em Breves, naquele Estado, já bem
gio na esquina das Ruas José Car­
velhinho, aposentado, a recordar,
valho e José de Alencar.
em seus últimos dias, melancóli­
Foi um dos melhores e mais e- camente, sua distante terra natal
ficientes estabelecimentos de ensi­ que êle jamais veria” .
Dr. j o s I a s S I S N A N D O
Nasceu o Dr. JOSIAS S ISN A N - foi removido para a Comarca de
DO DE L IM A na cidade do Crato, Maranguape, depois para a de Ca-
a 15 Abril de 1883 e faleceu em mocim, de onde foi transferido pa­
Fortaleza a 22 de Dezembro de ra a Comarca de Quixeramobim.
1965. Era filho do casal José A le­ Promovido a Juiz de Direito da
xandre Alves de Lim a - Raquel 4.a Entrância, exerceu essas fun­
Sisnando de Lima. ções na Comarca de Crato, de on­
Curso primário com Raimundo de foi transferido para a Terceira
Duarte Jacinto Guerra e com o Vara Civil, de Fortaleza e, em se­
professor Carolino Sucupira. Es­ guida, para a Terceira Vara Cri­
tudou, também, no Seminário S minal, também de Fortaleza.
José, em Crato, e no Ginásio C e°- Aposentou-se, compulsòriament ,
rense, do Professor Anacleto Pe­ a 16 de Julho de 1953, com 42
reira Cavalcante de Queiroz, em anos, 2 meses e 5 dias de função
Fortaleza. Ingressando, pôster'or- pública, com honras e vantagens
mente, na Faculdade de Direito de Desembargador.
do Ceará, ali colou grau no mês Quando no desempenho de Juiz
de Abril de 1912. de Direito da Comarca dé Maran­
Antes de sua formatura, fôra guape, serviu, por mais de uma
nomeado, em data de 07.12.191o, vez, como Desembargador ad-hoc
pelo Desembargador Antônio de do Tribunal de Justiça do Estado.
Oliveira Praxedes, Presidente do Nas horas vagas, lecionava par­
Tribunal da Relação, para as fun­ ticularmente, pois era apaixonado
ções de advogado nas Comarcas pela profissão de mestre, figuran­
de Crato, Barbalha, Jardim, M ila­ do, entre aqueles que foram seus
gres, Lavras, Aurora e Icó, bem alunos, o médico e jornalista Ota-
assim, em data de 26.01.1911, no­ cí io Macêdo e o médico, também
meado pelo Presidente do Estado jornalista, José Leite Maranhão.
Antônio Pinto Nogueira Acioly, Dr. Josias Sisnando foi casado
para o cargo de Prom otor de Jus­ com D. Hermelinda Carvalho Sis­
tiça da Comarca do Crato. nando de Lima, tendo dêsse enlaça
Após sua formatura, foi nomea­ os seguintes filhos: José Sisnando,
do, em 05.05.1913, pelo Presidente funcionário da Universidade Fede­
do Estado, Cel. Marcos Franco R a ­ ral do Ceará, dr. Antônio Sisnan­
belo, para exercer as funções do do, médico, chefe do Posto de Saú­
cargo de Juiz Substituto do Têrmo de de Mombaça, casado com dona
de Aquiraz, Comarca de Cascavel, M arta Ayres de Morais Sisnando
de onde foi removido para o T ê r­ Lim a; Dr. Tarcísio Sisnando, ba­
mo de Quixeramobim, da Comar­ charel, advogado e Procurador
ca do mesmo nome. Fiscal da Prefeitura Municipal de
Nomeado pelo Presidente do Es­ Fortaleza, casado com d. Miriam
tado àquela época — engenheiro Campos Sisnando de Lim a; Maria,
João Thomé de Saboia e Silva, lo­ diplomada em prendas domésticas
go a seguir, para exercer o cargo residente em Fortaleza; Belgilde
de Juiz Substituto do Têrm o de Sisnando, médica, residente em
S. Benedito, da Comarca do mes­ Fortaleza; Yula Sisnando, profes­
mo nome, passou a Juiz de D i­ sora, funcionária do INPS em For-
reito quando da elevação da re­ tareza; Maria Silves Sisnando, fo r­
ferida Comarca a 2.a Entrância. mada pela Faculdade Católica de
Nas funções de Juiz de Direito, Filosofia de Fortaleza, casada com
MONSENHOR SILVANO DE SOUSA
Monsenhor FRANCISCO SILVA- Fortaleza, onde foi professor do
NO DE SOUSA nasceu no Sítio Seminário da Prainha, da Escola
■Chapada, Município de Barbalh" Normal e redator do CORREIO DO
a 8 de Abril de 1879. Foram seus CEARÁ. Em 1921 acompanhou o
pais Reinaldo Alves de Sousa e Bispo cratense, Dom Joaquim Fer­
Silvana Gonçalves de Sousa. Na reira de Melo, para Pelotas, Rio
idade de 5 anos ficou orfão de Grande do Sul, onde trabalhou 39
Mãe, que faleceu num ato heróico anos. Em sua nova atividade, na­
de Caridade, cuidando dos vario- quela Diocese, foi Pároco, Vigário
losos. Entre os 3 e 4 anos de ida­ Geral Capitular, Reitor e Pro
de, casando-se a irmã mais velha, Reitor do Seminário daquela Ci­
foi residir com ela, no sítio 'Ca­ dade.
beceiras, onde passou a infância, Retomando ao Cariri, já velhi­
frequentando a escola do ex-semi­ nho, foi, ainda assim, professor
narista Antônio Apolinário. De­ por mais de 5 anos na Faculdade
pois de fechada essa escola, pas­ de Filosofia do Crato, exercendo
sou alguns anos sem aulas. Mas seu Ministério pastoral com gran­
seu pai abriu uma escola primá­ de atuação, até que veio a fale­
ria no Sítio Pelo Sinal, onde en­ cer, em 26 de Fevereiro de 1968.
sinou a meninos pobres — e onde quase nonagenário, no Hospital S.
ele estudou, ao lado do Pe. José Lucas, de Juazeiro, sendo sepulta­
Ferreira. Dali seguiu para o Co­ do em Barbalha.
légio que o cel. Siébra abriu em Monsenhor Silvano de Sousa —
Barbalha. Fechando-se esse Co­ disse Figueiredo Filho — “na vida
légio, seu Pai matriculou-o no Se­ só fez espargir luzes em torno de
minário do Crato, onde ficou três si. Cumpriu na íntegra o aposto-
anos, até o ano de 1898, quand"~ lado que escolheu, por inteira vo­
aquela Casa fechou suas portas, cação. Todo o povo de Barbalha
então sob a direção do Pe. Quin­ festejou, com efusão e festas des­
tino de Oliveira e Silva, que mais lumbrantes, seu 60.° aniversário de
tarde seria o Primeiro Bispo do sacerdócio. Veio até Bispo do Rio
Crato. Grande do Sul, para aquelas ho­
Matriculando-se no Seminári • menagens. Só a doença e os anos
de Fortaleza, mesmo vencendo conseguiram impedir-lhe o traba­
certa oposição do Pai, que achava lho cotidiano. Ainda continuou a
não dever o filho único extinguir assistir missas diárias, auxiliado,
a geração de sua mãe. Em 1902 em sua caminhada matutina, por
esteve no Recife, tratando da parentes e amigos dedicados. Seu
vista. Ordenou-se em 1904, sen­ exemplo de fé e coragem inspira­
do nomeado Coadjutor em Bar­ vam admiração a todos que dele
balha, a seguir, Vigário de Tauá se acercavam. Soube bem cum­
e depois Vigário de Assaré, com prir o seu dever e com êle a
séde em Santana do Cariri, des­ Igreja e o Ceará perderam ilus­
de 1909. Em 1914 foi chamado à tre e dedicado filho” .

Elisio Rodrigues de Araújo, resi­ qualidades uma honradêz pessoal


dente em Brasília. a toda prova, sendo das figuras
Homem de rara inteligência, de marcantes que nasceram em nos­
extraordinária bondade e de gran­ sa terra, motivo de orgulho para
de espírito público, aliou a essas a gléba cratense.
C E G O A D E R A L D O
ADERALDO FERREIRA DE nária pujança imaginativa” . Lan­
ARAÚJO, o Cego Aderaldo, nasceu çou, em 1964, o livro EU SOU O
em Crato em 24 de Junho de 1878 CEGO ADERALDO, reunindo suas
e faleceu em Fortaleza em 29 de principais criações poéticas.
Junho de 1967, aos 89 anos de “Há nêle (no livro) um pou­
idade. co de tu d o : elegia, lirismo, sá­
“ Desde o berço, a sorte lhe foi tira e humorismo. Em qualquer
adversa, como afirm a Osvaldo A - dessas facêtas o apreciado rapsodo
guiar — Muito cêdo perdeu o Pai, era fantástico” .
surdo e paralítico. Morreu-lhe a “ O Cego Aderaldo, sem dúvida,
Mãe, pobre e valetudinária. E pa­ enfeixou na Coletânea, o que
ra aumentar-lhe a dor moral, aos existe de bom, no Brasil, em m a­
18 anos sobreveio-lhe, inopinada- téria de poesia popular. Cons­
mente, irremediável cegueira. Sem truiu, assim, um monumento de
lar, sem pão, sem amigo e sem reial valor folclórico destinado a
vista, procurou ganho honesto que projetar-lhe o nome, no mundo
lhe assegurasse o sustento, nada das letras, como luzeiro de rara
obteve. Desaparecida a esperança cintilação” .
do amparo humano, recorreu, pre- Cego Aderaldo cantou e recitou
nhe de fé, á Providência Divina. do Amazonas ao Rio Grande do
Esta logo lhe veio ao encontro, Sul. Teve audição especial para
dotando-o da graça miraculosa da Ademar de Barros, no Palácio do
inspiração. E ele, que não tinha Governo, em São Paulo, e para o
bossa poética, transformou-se, de Presidente Juscelino Kubistchek.
noite para o dia, em fecundo re- no Palácio do Catete, no Rio. Êste
pentista... assinou Decreto concedendo-lhe
“Passou a cantar, munido de uma pensão mensal.
rabeca e guia. Invadiu o interior “ Com a sua morte, diz Otací-
nordestino. Percorreu sítios, fa ­ lio Colares, podemos estar certos,
zendas, aldeias, vilas e Cidades, encerrou-se o ciclb dos grandes
derramando, no seio das massas cantadores, aqueles que tinham
extasiadas, a musicalidade de suas como característica primordial a
estrofes enternecedoras. Enfrentou singeleza no viver e no interpre­
e venceu os mais afamados can­ tar a sua arte” .
tadores do Polígono das Sêcas. “ Ninguém o esquecerá jamais
Criou, por isso, justa fama, e se — afirmou Eduardo Campos, P re­
tornou respeitado” . sidente da Academia Cearense de
Exibiu-se nas grandes metró­ Letras — Ao passar dos anos, mais
poles, em rádio e televisão. Em e mais se tornará indelével a obra
Setembro de 1960, em memorável poética do maior cantador do Nor­
Congresso folclórico, recebeu o deste, aquêle que foi o encanto das
honroso diploma de R E I DOS noites sertanejas, o cinema e a
CANTADORES E VIOLEIROS. televisão do pobre, o grande es­
“ Apesar de octogenário, pos­ petáculo de sabedoria dos terrei­
suía inteligência lúcida e gargan­ ros em serras e vales” .
ta sonora. Andava a pé, dedilha­ Cego Aderaldo nunca casou.
va a viola e cantava desafio com Mas conseguiu criar e educar 27
admirável agilidade”. filhos adotivos, que encaminhou
“ Excelente e viasto o seu re­ de maneira positiva para a vida
pertório, revela-lhe a extraordi­ prática.
O primeiro, José Pinto Martins
Maj. CLÁUDIO MOREIRA BENTO que faz dois séculos fundou a in­
dústria do charque gaúcho, fator
fundamentai no povoamento do
Rio Grande do Sul e de reper­

HISTÓRIA cussão apreciável na geopolítica


portuguesa no Prata, e ainda não
devidamente considerada.

DA O segundo e o terceiro, os dois


de Alencar de Mecejana, o José,
no centenário do lançamento de
seu romance “ O Gaúcho” e o

INDÚSTRIA Humberto Castello Branco, na o-


portunidade do Jubileu de Prata
da vitória aliada na 2,a Grande

DO Guerra, na qual os muito gaúchos


que dela tomaram parte, o fieze-
ram, sob os planejamentos inteli­
gentes do Cel. Castello Branco,

CHARQUE então oficial de Operações na F.


E. B.
O quarto, o Brigadeiro Sampaio,
o ‘‘Leão do Tamboril” o “Bravo
GAÚCHO dos Bravos” , na oportunidade do
Centenário do Término da Guerra
do Paraguai, em que em TU IU TI,

FUNDADA sua Divisão Couraçada, composta


de grande número de cearenses,
por sua bravura invulgar, contri­
buiu decisivamente, para que mui­
POR tos gaúchos fossem poupados da
morte, ou retornassem mais cêdo
aos lares.

UM O quinto, o inesquecível bispo de


Pelotas, D. Joaquim Ferreira de
Mello nascido no Crato, e uma das
figuras que mais me impressiona­
CEARENSE ram na infância, por sua imensa
bondade e carinho para com as
crianças.

(I7$0-I$30j Sua morte em Pelotas, foi sen-


tidíssima por tôda a Diocese que,
em sinal de reconhecimento, lhe
ergueu um monumento em Praça
Como gaúcho, dedico esta his­ Pública, para imortalizar sua san-
tória à comunidade cearense, em tificante vida pastoral em Pelotas.
gratidão pelo que de bom e m ar­ O sexto, o Cel. Hélio Ibiapina,
cante fizeram pelo Rio Grande do pela contribuição ao meu torrão
Sul, seis de seus destacados filhos. natal Canguçu - RS e ao próprio
Rio Grande do Sul, na construção em Pelotas, em consequência de
de estradas. uma imprevista demanda dos mer­
Brilhante Oficial de nosso Exér­ cados consumidores, foi o fator
cito, que despertou minha vocação determinante da corrida “ estância
para a carreira das armas ao co- própria” na área, ocasionando o
nhecê-1'o em minha infância. rápido povoamento da Zona Sul,
por futuros estanceiros que para
A êste Oficial, quando fôr escri­
lá se dirigiram, para fundarem
ta a história da Revolução de 31
suas estâncias e, com o gado nelas
de Março de 1964, aparecerá por
produzido, abastecerem as char­
certo, como um fator importante
queadas pelotenses que, dia a dia,
na sua eclosão e condução.
tornavam-se mais ávidas de ma­
A êle, muito deve o Nordeste, téria prima.
grande parcela do clima de paz,
Em consequência dêste evento,
ordem e compreensão de que des­
Canguçu - R. S. durante os próxi­
fruta, e fundamental ao seu de­
mos 23 anos, dada a aproximidade
senvolvimento, que desde 1964 se
das charqueadas e consequente va­
tornou célere.
lorização de seu gado, conheceu o
Mas vamos à história das char- período mais progressista de sua
queadas, e de como elas foram história, atraindo para suas terras
vistas pelos sábios franceses St inúmeras famílias ilustres que de
Hilaire e Debret, e pelo inglês lá partiram em grande número, a
Herbert Smith. partir de 1801, para disputarem
JOSÉ PINTO MARTINS, natural melhores campos de criação, nas
do Ceará, fundou a indústria sa- terras conquistadas pelos portu-
ladeiril no Rio Grande do Sul, guêses, no sul dos rios IB IC U I e
instalando-a cêrca de uma légua P IR A T IN I e nos Sete Povos das
da foz do rio Pelotas próximo a Missões.
local já habitado por alguns ca­ Antes do estabelecimento das
sais de açorianos. charqueadas em Pelotas, o gado
As primeiras charqueadas pre­ era utilizado para o consumo local
paravam a denominada “carne e com esta finalidade, abatiam-se
sêca” segundo técnica trazida do as reses mais novas e mais gor­
Ceará, posteriormente os franceses das, as demais eram sacrificadas,
João Batista Roux e Eugene Sas- unicamente, com a finalidade de
ques introduziram a técnica do aproveitar o sêbo e o couro, com
preparo do “ charque” bem dife­ boa cotação no mercado interna­
rente da primeira e que veio a ter cional e cujo monopólio, havia sido
grande aceitação e procura nos exercido por muito tempo pela co­
mercados nacionais e internacio­ roa espanhola.
nais. tornando-se o atrativo econô­ O restante da rêz era perdido
mico da área, o que veio propor­ e deixado no meio do campo, para
cionar a Pelotas por longos anos, servir de pasto aos cães e corvos.
grande projeção econômica, cultu­ Nos dias atuais houve uma com­
ral, social e política na zona Sul pleta inversão, a carne e todos os
do Rio Grande do Sul e impor­ sub-produtos de origem bovina va­
tante fator na geopolítica portu- lorizaram-se bastante e o couro,
guêsa no Prata. fibras sintéticas, teve seu preço
A proliferação das charqueadas avultado.

86
Uma visão do que foram as do pela carne e sêbo proveniente
charqueadas em seu inicio, nos é de uma rês, o que permitia o pro­
transmitida pelo célebre pintor cessamento simultâneo do charque
francês JOÃO BATISTA DEBRET, de 230 animais.
através de pinturas que realizo t Ao sul da vala, estendiam-se
em Pelotas em 1823, por ocasião ampla área onde escravos encar­
de sua passagem pelo local. regavam-se do estaqueamento pa­
Originais destas pinturas podem ra secagem ao sol, de diversos
ser admirados na Fundação Rai­ couros.
mundo de Castro Maia, situada na Bem ao norte, ao fundo do es­
Floresta da Tijuca na cidade do tabelecimento, situa-se enorme
Rio de Janeiro, onde se encontram depósito, presumivelmente destina­
ao lado de numerosos outros do à administração, depósito de
exemplares de sua grande obra. sal, charque produzido ou charque
Numa de suas pinturas, fixa o em produção, empilhado, aguar­
flagrante de uma charqueada às dando bom tempo para a secagem.
margens do rio Pelotas, com ad­ Esta charqueada como as de­
mirável riqueza de detalhes de mais, era tôda a base da mão de
tôdas as operações necessárias à obra escrava e assim também ob­
fabricação do charque, operações servará Herbert Smith em 1882.
estas que tentarei descrever aos Em ou :a pintura, Debret fixou
leitores. o flagrante de outra charqueada,
Tratava-se de uma área de cêr- em Pelotas, menos aperfeiçoada,
ca de 100 x 200 m, cujo lado maior na qual a matança se processava
era apoiado no rio Pelotas. no interior de uma enorme man­
A área era atravessada, trans­ gueira.
versalmente, por uma profunda Nesta pintura, vêem-se índios
vala que tinha ao meio um pon- charruas civilizados, a cavalo, la­
tilhão. çando o animal, enquanto outros,
Por esta vala, corria para o rio tendo em mãos uma enorme vara
o sangue das rezes abatidas, desde com uma meia lua de metal, cor­
um galpão de matança situado na tante, seccionavam o nervo da
posição central, no lado oposto do perna trazeira do boi (desgarro-
rio, o qual por sua vez, era ligada namento), fazendo-o cair ao solo
a uma mangueira onde aguarda­ imobilizado.
vam as reses a serem abatidas. Nesta situação, um escravo des­
Um pouc0 mais à frente do gal­ montado, e portando enorme faca,
pão de abate, encontrava-se ou­ corria em direção ao animal para
tro, com enorme tacho de água dar-lhe o golpe mortal no coração
fervente, destinado a tirar a gra­ (sangramento), e entregar-se pres-
xa dos ossos. suroso a faina de carneação, com
A norte da vala, situavam-se o animal muitas vêzes ainda com
separadas por um corredor, dois vida.
conjuntos com 10 fileiras de va­ Êstes índios charruas civilizados
rais, destinados a secagem ao sol foram atraídos em grande número
do “ charque” em fabricação e do para Pelotas, com o advento das
sêbo retirado da carne. charqueadas e por muitos anos
Cada varal era dividido em 13 compuseram a paisagem pelotense.
espaços e cada espaço era ocupa­ Em VO Y AGE PITTORESQUE

87
AU BRÉSIL de Debret, consta a dade no Brasil e é preparada na
pintura Barque brasilíense faite província do Rio Grande do Sul,
avec cuir de boef, com algumas geralmente afamada pela reunião
diferenças da existente na Funda­ de suas numerosas charqueadas
ção de Castro Maya, que, em re­ situadas, em sua maior parte, sô­
sumo, retratavam as célebres pe­ bre a margem esquerda do Rio de
lotas que deram o nome ao rio e San Gonzales (São Gonçalo), rio
à cidade. que facilita a exportação conside­
Nesta última, vê-se uma pelota, rável dêste comestível, realizada
em cujo interior viajava um rico por iates, sumacas, e pequenas
senhor, sendo rebocado pelos den­ embarcações de cabotagem, utili­
tes, por um escravo nadando. zadas no aprovisionamento dos
Mais acima, vê-se uma tropa de portos do Brasil e do Chile” .
mulas de carga atravessando o rio A seguir refere-se ao couro :
e logo atrás da embarcação um “ O comércio de couro de bois
cão. do Brasil não deixa de constituir-
Estas pelotas também foram des se em outro grande negócio para
critas por Auguste Saint Hilaire o charque do Rio Grande do Sul,
em sua Voyage au Rio Grand du estabelecido numa província pri­
Sud, na qual também, se refere, vilegiada, com uma variedade gi­
entre outras cousas, às 18 char­ gantesca de bois, quais somente
queadas pelotenses, escravidão em chifres e cabelos da cauda, por si
Pelotas, além de transcrever inte­ sA constituem um ramo de comér­
ressantes dados de exportação pelo cio explorado por negociantes
pôrto de Rio Grande, que lhe fo ­ franceses.
ram oferecidos por Gonçalves Por outro lado, o couro mal cur­
Chaves, em cuja casa à beira do tido do Brasil proporciona uma o-
rio Pelotas estêve hospedado. portunidade lucrativa à introdução
Estas embarcações, antes mesmo dos couros europeus, muito procu­
de Pelotas, tiveram largo uso no rados por causa de sua perfeição” .
Brasli, tendo o próprio Marechal O couro na época de Debret era
Rondon, posteriormente, feito lar­ apenas curtido, posteriormente pa­
go uso das mesmas, no Brasil' ra assegurar o mercado europeu,
Central. passou a ser exportado apenas
Elas tinham capacidade comu- salgado.
mente, para uma pessoa apenas, Debret em diversas pinturas
dévido a sua pouca estabilidade, constantes de sua Viagem Pitores­
eram muito sujeitas a naufrágios, ca e Histórica ao Brasil, tradução
sendo numerosos os casos fatais de Sérgio Milliet, e outras cons­
de afogamento em consequência tantes da Fundação Raimundo
de viradas inesperadas. Castro Maya, fornece valioso sub­
Ao retornar do Brasil, Debret sidio para o estudo dos costumes
publicou em Paris em 1835 V IA ­ e tipos humanos existentes do
GEM PITORESCA E HISTÓRICA tempo das charqueadas pelotenses
AO BRASIL na qual se refere ao O povoamento inicial de Pelotas
charque e às charqueadas pelo­ verificou-se junto às charqueadas
tenses. no Passo Rico assim denominado,
Sôbre o charque assim escreveu: pela enorme riqueza que por êle
“ A carne sêca (viande seche) é atravessava em ambos os sentidos
um alimento de primeira necessi­ e posteriormente, Passo dos Ne­

88
gros, cm virtude dos numerosos Extensos campos cuidadosamen­
escravos que por lá entravam im ­ te cercados, são ocupados POR
portados pelos charqueadores, pa­ LIN H AS REGULARES DE ESTA­
ra acionarem suas indústrias de CAS HORIZONTAIS DEITADAS
carne. SÔBRE OUTRAS A PIQUE, A A L ­
Os escravos entrados em Pelotas TU RA DE MENOS DE DOIS ME­
foram em tão grande quantidade TROS DO CHAO (seguem a des­
que em 1814, numeravam 2.226 ao crição das charqueadas conforme
fado de igual número de brancos. as retratou Debret).
Para ficarem as famílias longe Há muitos grandes ARMAZÉNS
do ambiente das charqueadas que DE CAMPANHA que dependem dos
chegaram a numerar 35 abaterem de Pelotas.
em 15 anos mais de 5.000.000 de Admirou-me encontrar numa ci­
cabeças, vão se condensando em dade pequena, como esta, arma­
tôrno do povinho de São Francis­ zéns que fariam honra ao Rio de
co de Paula, que veio tornar-se Janeiro (Isto se observa até hoje
na atual cidade de Pelotas. no tocante aos modernos super­
Além das impressões das char­ mercados pelotenses).
queadas em 1820 por August de Realmente a carne sêca é um
Saint Hillaire em sua Voyage au gênero alimentício sadio e nutri­
Rio Grand du Sud e do pintor De- tivo; considero-a superior à carne
bret em 1823 através de suas pin­ salgada de que usam soldados e
turas em 1835, em sua obra pu­ marinheiros de outros países.
blicada na França, transcrevo, a Uma das mais características e
seguir, trecho de como o geólogo ao mesmo tempo mais interessan­
e naturalista Herbert Smith viu tes vistas de PelOtas é a TAB LAD A
em 1382 ditas charqueadas, decor­ (Era a região do bairro das TRÊS
ridos 60 anos das estadias em P e­ VENDAS compreendida pelos locais
lotas das famosas personalidades onde se situam o Hipódromo da
citadas. TAB LAD A e ASSOCIAÇAO R U ­
As observações entre parentesis R A L ).
são do autor. Nêste local de dezembro a maio
“ Todo o comércio de Pelotas de­ vendem-se as manadas (tropas)
ve-se ou a indústia do charque ou que chegam.
ao comércio com o interior, dire­ Algumas trazem 15 dias de via­
tamente DEPENDENTE DESTA gem (Canguçu ficava de 3 a 4 dias
INDÚSTRIA. de viagem daí sua posição privi­
Êste comércio estende-se por legiada neste particular).
metade da Província, para oeste Pode haver aqui, ao mesmo tem ­
ao Ri0 Uruguai e para o sul até po, umas vinte datas, cada uma
o Estado Oriental. de centenas de cabeças, RUDES
Denota a atividade comercial na GAÚCHOS VESTIDOS COM A
praça de Pelotas, o grande núme­ H ABITUAL CAM ISA DE CHITA,
ro de embarcações no porto: con­ CEROULAS OU EOMBACHAS E
tei não menos de 54, ao tempo de PONCHOS RISCADOS, GALO PA­
minha passagem, sem contar os VAM EM TÔDAS AS DIREÇÕES.
vasos miúdos e chatas. Os dados das charqueadas mo­
Logo depois de entrar no Canal vem-se ràpidamente aqui e ali em
de São Gonçalo, atrai a vista es­ belos cavalos, examinando as vá­
petáculo mui singular. rias tropas, calculando-lhes o va­

89
lor com rapidez e precisão admi­ mam muito os que não são pre­
ráveis, porque a concorrência é parados dêste modo (Ao tempo da
muito forte entre os vinte ou trinta estada de Debret em Pelotas o
charqueadores” (a seguir é des­ processo era o de secagem ao sol.
crita a matança no interior das (A seguir Herbert Smith ocupa-se
charqueadas). dos sub-produtos aparecendo a
A operação inteira 1'eva cêrca de cinza de ossos como artigo de ex­
um minuto e muitas vêzes num só portação para a França, somente
estabelecimento, no mesmo dia, não se aproveitando os intestinos
são mortos 600 a 700 cabeças de (fígado e bofe).
gado. “ Há um não sei o que de RE­
Acabada a esfolação, tira-se VOLTANTE e ao mesmo tempo ca-
limpamente a carne dos ossos em tivador nestes grandes matadou­
OITO PEDAÇOS, que são laçados ros; os trabalhadores negros (ain­
em estacas horizontais; DOIS da escravos em sua maioria) se-
TRABALHADORES HÁBEIS COR- minus, escorrendo sangue; os ani­
TA M -N A E RE TALH AM -N A EN­ mais que lutam, os soalhos e sar-
TÃO, DE M ANEIRA QUE CADA getas correndo sangue rubro, os
PEDAÇO FIQUE REDUZIDO À feitores estólidos vigiando 60 mor­
ESPESSURA DE 15 mm. tes por minuto.
Para esta esfolação emprega-se De tôda esta carnificina dema-
um verbo especial — CHARQUEAR- nou a riqueza de Pelotas (e, como
— e dêle derivam os substantivos é lógico, foi fator fundamentai no
C HARQUE, CHARQUEADA, progresso da zona sul, determinan­
CHARQUEADOR. do inclusive o aproveitamento de
Esfregando bem o sal na carne, diversas cidades gaúchas e o mais
empilham-se em camadas, primei­ importante, determinou 0 povoa­
ro o sal, segundo a carne, depois mento e vivificação de nossa fron­
nova camada de sal e assim por teira meridional ■(repercussão geo-
diante; AS PILHAS CHEGAM A política).
ALTU RA DE MUITOS METROS, “Êstes animais comprados na
COM O DUPLO EFEITO DE IM ­ tabela representam o valor de 22
PREG NAR A CARNE DE M ATÉ­ mil contos de réis (22.000.000.000
R IA SALINA E DE ESCORRER OS réis - :- 400.000 cabeças/ano dão
LÍQUIDOS CONTIDOS NELA, PE­ 55.000 réis por cabeça) que vão pa­
L A PR Ó PR IA PRESSÃO. De 8 a ra o bolso dós estancieiros’’.
10 quilos de sal usam-se para a Êstes homens pousam alguns
carne de cada animal1 , conforme o dias nas cidades a comprar forne­
tamanho. cimentos para o an0 seguinte, an­
Passando um ou dois dias, se o tes de voltarem para suas remo­
tempo está suficientemente limpo, tas habitações.
desempilham a carne e depéndu- Os tropeiros que receberam seus
ram-na para secar. salários aglomeram-se nas lojas e
Os couros bam limpos são m e­ tavernas; e assim, no fim de con­
tidos na salmoura que escorre das tas, grande parte que pagaram
pilhas dê carne; depois de vinte pelo gado volta nas compras aos
e quatro horas tiram-nos, cobrem- comerciantes (oú seja, não sai de
nos de sal, dobram-nas, e estão Pelotas).
prontos para embarcar para os Acabam pois os leitores cearen­
mercados da Europa, onde esti­ ses decorridos 80 anos dêste rèla-

90
to de Herbert Smith, em plena educado de quem conhecia campo
escravidão e regime imperial, de e gado e se erro houvesse era de
apreciar e deduzir sôbre a vida quilinhos.
dos avós e bisavós gaúchos, que A ronda da sorte deu a muitos
viviam em função dos dividendos dinheiro, enquanto outros desapa­
proporcionados per esta atividade, receram para sempre, muitas vê-
fundada por nosso conterrâneo. zes perdendo fortunas ganhas ho­
A partir do fim da I GRANDE nestamente.
GUERRA, esta atividade que por Zeferino Costa era um semipro-
quase um século e meio fêz a ri­ feta dos bons negócios.
queza e glória de Pelotas, entra Homem atilado, gaúcho de ver­
em declínio progressivo, agora em dade, seus negócios eram condu­
concorrência com os frigoríficos. zí,'os com segurança, foi corretor
Em 1905, já Rio Grande adian­ de alto prestígio.
tava-se em pleitear um estabele­ Montevidéu ainda possui a sua
cimento desta natureza, a fim de tablada, a nossa desapareceu.
ccmpansar-se de não ter podido O gado que vinha para a tabla­
explorar o charque em suas char­ da era bom.
queadas, dizem alguns, devido a Seu dono tinha que fazer o cál­
uma fina poeira que carregada culo do pêso, perdido nas longas
pelo vento aderia ao charque, con- jornadas.
íerindo-lhe um sabor diferente O capataz da tropa, pessoa de
que diminuiría seu valor comer­ absoluta confiança, tornava-se o
cial. fiador do negócio.
O declínio progressivo das char- Gado bem conduzido quando
queadas obriga que os charquea- gordo, pouco perdia de pêso.
dores em 1828, fundem seu sindi­ O tempo e Os homens passam,
cato que teve como primeiro pre­ mas quem conheceu Pelotas ao
sidente o Cel. Pedro Ozório (o rei tempo de sua tablada, há de ter
do arroz). saudades.
Em 1940, quando o tempo das O dinheiro então valia dinheiro.
charqueadas já era saudade, assim Hoje, das charquadas só restam
escreveu Fortunato Pimentel sôbre dois pequenos estabelecimentos na
o assunto : margem Leste do São Gonçalo,
“ Que bons tempos aquêles, além da pertencente ao ANGLO
quando Pelotas tinha a sua ta- S. A. e a saudosa lembrança dos
blada. tempos de glória e prestígio que
Das serras, das fronteiras, de e’ás trouxeram a Pelotas, reme­
tôdas as zonas pastoris do esta­ morados de certa forma neste
do, al'i chegavam bois e vacas, no- trabalho.
vilhada bagual, vindos dos lon­ Próximo ao local em que no pe­
gínquos campos da Palmeira, bem ríodo áureo do charque funciona­
como os bovinos melhorados de ram cêrca de 35 charqueadas, o
nossa pecuária. Sr. Rafael Mazza fêz conservar
Reunidos, corretores e charquea- algumas instalações que pertence­
dores ao sabor do mate, após uma ram a uma delas, as quais o tu­
vista geral, discutiam qualidades, rista poderá contemplar, ao cruzar
preços, pesos e daí surgiam negó­ a ponte do Rio Pelotas a caminho
cios quase sempre de vulto. da praia do Laranjal, na Lagoa
O ôlho servia de balança, ôlho dos Patos.

91
NOVAS CADEIRAS COM PATRONOS, NA SECÇÃO DE
LETRAS E DE CIÊNCIAS SERÃO PREENCHIDAS NOS
PRÓXIMOS MÊSES
Uma das maiores vitórias do I. C. C. é a prova de grau de
cultura desta zona, espe:ialm ente da cidade que o anima, é o fato
do preenchimento, com teses à altura intelectual de qualquer meio, das
cadeiras de Letras e de Ciências. Já temos dez preenchidas com óti­
mos discursos, todos publicados em IT A Y T E R A na parte literária e
uma na científica. Os trabalhos foram insertos na Revista oficial de
nossa entidade e quem quiser pode comprovar se o meio comporta, ou
mão, tal iniciativa. Já temos inscritos bom número de consócios para
ocuparem outras cadeiras, com respectivos patronos — Escritor Pedro
Gomes de Matos, na de seu tio — Dr. Raimundo Gomes de Matos;
Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira, na de D. Quintino Rodrigues de
O liveira e Silva; Prof. Pedro Felício Cavalcanti — Inácio Loiola de
Alencar; Jornalista Francisco S. Nascimento — Manuel Monteiro; Prof.
José de Anchieta Barreto — M,ons. Joviniano Barreto e Dr. Humberto
Macário de Brito (Secção de Ciência) — Dr. Hermínio de Brito Conde.
Por último, inscreveu-se na cadeira N.° 11, patrocinada ps.lo consócio
recem falecido Duarte Júnior — o poeta e cronista Geraldo Lobo.

A U T O R da História do Rio Grande do Sul,


Maj. Eng. CLÁUDIO M O R EIRA sôbre êste último assunto, realiza
BENTO, natural de CANGUÇU-RS pesquisas e colabora em jornais e
com entidades especializadas no
é filho de CONRADO ER N AN I
BENTO e C ACILDA M O R EIRA Rio Grande do Sul.
Sôbre o mesmo assunto, realizou
BENTO, tendo realizado seu curso
pesquisas durante três anos no
primário no Colégio N. S. A pare­
Instituto Brasileiro de História e
cida — Canguçu - R S e ginasial
Geografia.
no Gináso São Luiz Gonzaga de
Em tôdas as guarnições que ser­
P e lo t a s - R S (1944- 1948).
viu e especialmente no Recife, tem
Ingressando na carreira m ilitar
desenvolvido atividades cívicas a-
realizou os seguintes cursos m ili­
través de palestras e conferências
tares : Escola Preparatória de Ca­
e artigos históricos no Diário de
detes de Pôrto A legre (5 1 -5 2 ),
Pernambuco e Jornal do Comércio.
Academia M ilitar das Agulhas Ne­
gras (5 3 -5 4 ), R e z e n d e -R J , Es­ Atualm ente é Conselheiro da
Comissão Estadual do IV Cente­
cola de Aperfeiçoamento de O fi­
nário de Goiana - P E , como repre­
ciais (1964), Rio de J a n e ir o -G B
sentante do E M do IV Exército,
e Escola de Comando e Estado-
frequenta a Escola de Administra­
Maior do Exército (1967- 1969),
ção de Emprêsas de R e c ife - P E ,
Rio de ja n e ir o - G B .
e é Assistente M ilitar da Comissão
Possui os seguintes cursos civis :
de Construção do Parque Histó­
Relações Públicas e de Organiza­
rico GUARARAPES, nomeado pela
ção e Métodos na Escolá Federal
Comt. do IV Exército. J. N. A. S.
do Serviço Público do DASP.
Estudioso de História M ilitar e Recife, A bril de 1970.

92

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CRATO * — CEARÁ
A POESIA EMOCIONAL DE
P EDRO MAVI GNI ER
PEDRO GOMES DE MATOS

Á maneira de Augusto dos Anjos, o mais lido e mais discutido


dos poetas brasileiros, teve a dor o privilégio de apurar o estro e a
sensibilidade de PEDRO M AVIG N IE R.
Fê-lo inclusive o sofrimento aperceber-se do sobrenatural e o
aproximar da mais terna de tôdas as filosofias : a filosofia cristã.
ÚLCERA é testemunho do transe porque passou o poeta :

ÚLCERA, TEU P U N G IR ME DESESPERA,


SOU UM RENDIDO AO TEU CAPRICHO INSANO,
FERE-M E COM A DOR DO DESENGANO
DE QUEM DA V ID A N ADA M AIS ESPERA.

NAS VÍSCERAS DE UM DÉBIL CORPO HUMANO,


O TEU MORBUS F A T A L TUDO LACERA,
E LE N IR TU A DOR SERÁ QUIM ERA
OU MELHOR BENDIZER DE AM ARGO DANO.

ROUEASTE-ME DA V ID A AS ESPERANÇAS
A CIÊNCIA JÁ PO R M IM NÃO QUEBRA LANÇAS,
MEUS ANSEIOS V IT A IS VEJO-OS PERDIDOS.

E SÓ ME DÁS PO R PRÊM IO DERRADEIRO :


F R U IR NO NADA UM CONTINENTE IN TEIR O
COM TÔDA A ETER NID AD E DOS VENCIDOS.

O consolo e a cura porém sem demora lhe adveio das mãos


pródigas de SÃO FR A N C ISC O :

MEU SÃO FRANCISCO QUEM EM VÓS CONFIA


COM O SANTO FERVOR DE UM FRANCISCANO,
JAM AIS TEME O FRACASSO OU DESENGANO,
E ATÉ MESMO O IM PO SSÍVEL DESAFIA.

O M ILA G RE SUBLIME, SOEERANO,


DA POTÊNCIA D IV IN A SE IR R A D IA
M AIS VEM PO R VÓS NA CHAGA QUE CRUCIA,
PONDO O D IVIN O NO SOFRER HUMANO,

POIS. O F IL H O DE DEUS, PREVENDO AS DORES,


DEIXOU EM MONTE ALVERNE AS CINCO FLÔRES,
QUE SÃO AS CHAGAS DADAS PELA FÉ

95
A QUEM POR, SEU AM OR TÔDA A RIQUEZA,
■CONVERTEU NA SERÁFICA POBREZA
QUE AO CÉU LIGOU ASSIS E CANINDÉ.

E em tôrno de si, tíêie que, descrente, palmilhava sem o saber


a estrada de Damasco, sobrevem a claridade e os eflúvios de uma
vida nova expressa em REGENERAÇÃO :

NO L A R CUE FO I OUTRORA DE U M DESCRENTE,


HOJE OUTRA PALESTIN A SE LEVANTA,
O BOM JESUS COMIGO ALMOÇA E JANTA
COMO FÊZ COM OS SEUS ANTIG AM EN TE .

O CÉTICO QUE F U I NÃO M AIS ESPANTA


O SEU VULTO REAL, ONIPOTENTE,
ANTES O CHAMA, O A T R A I CONSTANTEMENTE
P A R A ÊSSE CONVIVER QUE TA N TO ENCANTA.

É QUE NO L A R DE QUEM SE REGENERA,


H Á UM TABOR, UM S IN A I SÒMENTE A ESPERA
DO REBENTO DE DEUS FEITO CORDEIRO,

QUE ABRINDO OS BRAÇOS NUM A CRUZ ERGUIDA,


DÁ-NOS AS FONTES IM O R TA IS DA VIDA,
E MUDA EM PA LE S TIN A O MUNDO INTEIRO.

Não obstante, o pessimismo invade-lhe a alma; e a química da


Natureza, como num ecrã, se lhe retrata sob a égide do carbono :

VIVO NO MUNDO, MAS ME CONSIDERO


O QUE NINGUÉM QUER SER PO R M AIS QUE V IV A
UMA UNIDADE FÚTIL, N EG ATIVA,
QUE VALE T A N TO QUANTO VALE UM ZERO

SER MENOS OU SER M AIS ME NÃO C ATIVA,


SE BEM PE R TO JÁ ESTOU DO FIM QUE ESPERO
D AR AO NADA O QUE QUIS E HOJE NÃO QUERO
A V ID A A RASTEJAR QUASE IN A T IV A

VIVO SOU CARNE FÚTIL, DELETÉRIA,


REPRESENTANDO UM POUCO DA MATÉRIA,
DA QU AL CONHEÇO SEU AUTO R E DONO :

AQUÊLE VERME QUE ANDA CONSUMINDO


O QUE V A I O MUNDO IN TEIR O PRODUZINDO
PA R A A IM ORTALIDADE DO CARBONO.

96
Em CAVEIRA vê a ironia do nada ante o efêmero do humano :

DIZEM TER SIDO DE MULHER B ONITA


A CAVEIRA QUE TENHO EM M INHA FRENTE,
MAS É TÂO F E IA QUE NÃO SE ACREDITA,
QUE TA L BELEZA TENHA SIDO GENTE.

R I SEM SABER DE QUE; MANGA SÒMENTE


DE TUDO QUE NO MUNDO AINDA SE A G ITA,
N A CERTA DE R IR SIN ISTR A MENTE
COMO VIVE A SORRIR DE SUA DITA.

BELEZA DE MULHER É NA MATÉRIA,


APENAS UMA FORMA DE MISÉRIA,
CÁ NO MUNDO TALVEZ A M AIS RASTEIRA.

QUE A MORTE TARDE OU CEDO DESFIGURA


QUANDO TROCA A RIDENTE FORMOSURA,
PELA MÁSCARA HORRÍVEL DA CAVEIRA.

E fixa NO CEM ITÉRIO o desafio dos mármores ao silêncio


igualitário da- morte ;

EM MÁRMORES TALHADOS, E OSTENTANDO


NO CAMPO-SANTO SINGULAR GRANDEZA,
DESTACA-SE UM JAZIGO DE BURGUESA
DOS TÚMULOS QUE SE VÃO DESMORONANDO.

OLHANDO-O NINGUÉM SENTE ESSA TR ISTE ZA


QUE D EIXA A MORTE NO QUE V A I CEIFANDO
SENTE-SE O ORGULHO NO MÁRMORE DOMINANDO
E A VAIDADE ESPLENDENDO NA RIQUEZA

MAS, POR CONTRASTE, À SOMBRA DE UM SALGUEIRO,


LÁ REPOUSA, DEBAIXO DE UM CARNEIRO,
ONDE ERGUIDA SE VÊ SIM PLÓRIA CRUZ,

UMA POBRE DE BENS DESTITUÍDA


DEMONSTRANDO, N A CINZA, O QUE FO I VIDA
E MOSTRANDO, NA SOMBRA, O QUE FO I LUZ.

Em FUMANDO sente o poeta que da vida o sol lhe vai pendendo


e antevê “ Os despojos das coisas que estão vivas” .

VEJO IMAGENS AZUIS SE DESPRENDENDO


DO CIGARRO QUE FUMO POR ESPORTE,
E NOTO QUiE AS VISÕES NEGRAS DA MORTE
NELAS FAZEM SINAIS QUE NÃO ENTENDO.

97
VOLUTEIAM TALVEZ MARCANDO O NORTE
DA VIDA CUJO SOL JA VA I PENDENDO,
MAS SEU MISTÉRIO, ENFIM, JAMAIS DESVENDO
POR MAIS QUE A ÊSSE MISTÉRIO ME TRANSPORTE.

SEI QUE VÔA E SE PERDE NO CARBONO


A CINZA DA FUMAÇA QUE ABANDONO
NA MINHA DISPLISCÊNCTA INUSITADA

DE SENTIR NAS IMAGENS FUGITIVAS


OS DESPOJOS DAS COISAS QUE ESTÃO VIVAS
NOS LÜGUBRES ASPECTOS D® MEU NADA.

Visando a uma fuga, perde, por fim, o interêsse de existir. Bem-


diz a morte e “A foice igualitária de Tarquínio'1:

A MORTE, MINHA ETERNA NAMORADA,


V A I TRAÇANDO O MEU F IM A SEU CONTENTO,
VIVE NA ROTA DE MEU PENSAMENTO,
VIVE EEIJANDO AS CINZAS DO MEU NADA.

CONSAGRAÇÃO POSSÍVEL DE UM MOMiSNTO,


VERDADE PURA, EMBORA INDESEJADA,
GOZO AO VER-TE SEGUIR NA MINHA ESTRADA,
VISANDO M INORAR MEU SOFRIMENTO.

VEM. EU QUERO SUPORTAR TU A AGONIA,


DA-ME, MEU AMOR, MiEU ÚLTIMO DIA,
APRESSA, MEU AMOR, MEU EXTERMÍNIO.

POIS CONTIGO, MEU GRANDE AMOR, SOFRENDO


EU MORREREI SORRINDO E BEM.DIZENDO
A FOICE IG U A LITÁ R IA DE TARQUÍNIO.

Versos como os que aí ficam, pelo sentido filosófico e psicológico,


pela imagem, pelo sentimento, pelos pontos de contacto com os do vate
paraibano, não podem ter vida efêmera. Daí porque aqui os reunimos
certos de que enriquecerão éles o patrimônio da nossa literatura.
Assinale-se: antes, o lírico era a nota da poesia de Pedro
Mavignier.
x x x

Pedro Mavignier nasceu a 2-8-1898 em Maranguape (Ceará).


Pais : Gastão Mavignier e Ana Gomes da Costa. Carreira : Advogado
Provisionado, Contador e Professor de Estatística e Legislação Aplicada.
Casou com Maria Gomes Mavignier. Filhos : Raimundo Antônio M a­
vignier (Engenheiro Civil) e Neuma Mavignier.
Maranguape, julh0 de 1970.

08
Padre Serafim Leite, S. J.
Aires de Montalbo
Faleceu a 27 de dezembro últi­ mente, a tarefa de escrever a His­
mo em Roma, no Instituto Histó­ tória da Companhia de Jesus, no
rico da Companhia de Jesus, o Brasil, incumbência que lhe deu
grande historiador luso, Pe. Sera­ êsse grande homem de govêrno na
fim Leite, S. J. Ordem, P. Cândido dc Azevedo,
Oriundo de São José da Madei­ Provincial na Lusitânia e no Bra­
ra-, Postugal, nasceu a 6 de abril sil.
de 1890. Morre, portanto, com A tarefa era dura e ingente e ia
quase oitenta anos. pôr à prova o historiador solerte e
probo, otimista e ardoroso, pronto,
Quando jovem, na áurea época
portanto, para a árdua missão.
da borracha, estagiou pela Ama­
Nesse ano, já maduro em todo
zônia, em Gurupatuba, atual Mon­
o sentido, acertou o seu rumo d e ­
te Alegre, comerciante e guarda-
finitivo: seria historiador e dos
iivros da firma paterna, 1912. Aí,
melhores e nada mais que isso.
cm contactos com índios do Pa-
Tinha sôbre os ombros a elucida­
doniri e de Uaupés, chegou a a-
ção da obra catequética dos jesuí­
prender a língua geral, que êles
tas no Brasil de 1549 a 1760, quan­
falavam. Voltando depois à Eu­
do se fechou o primeiro ciclo.
ropa-, com 25 anos, entrou na Com­
Em 1938 estêve em Baturité e
panhia de Jesus em Alsemberg,
nesse ano correu todo o Brasil pa­
Bélgica, a 30 de julho de 1914.
ra verificar, in loco, as condições
Fêz os estudos de humanidade antigas e atuais da Companhia de
em Múrcia, Espanha, (1916-1919); Jesus no imenso continente. Nesse
Filosofia no Colégio Máximo de mesmo ano saem do prelo os dois
Granada, (1919-1922); foi profes­ primeiros volumes de sua história,
sor, algum tempo, em La Guardia que lhe valeram o prêmio Alexan­
(Galiza) e concluiu os estudos dre Herculano, adjudicado pelo
teológicos em Enghien, (Bélgica) Secretário Nacional de Inform a­
indo termnar sua formação ascé­ ção, — Lisboa.
tica em Paray-le-Monial, (Fran­ Por essa primeira amostra todos
ça). sentiram que estavam diante de
Sua vocação para escritor era um magnífico historiador. “ Pela-
uma coisa óbvia. E aí estão os primeira vez, conforme Domingos
livros “ Do homem e da Terra'’, Maurício, ressaltava, em moldes
“ Trajetórios, iluminuras” , etc. científicos modernos, rica de côr,
Com 43 anos aceitou, jubilosa- mas sem excluir, honestamente, o

99
claro-escuro dos tons negativos, a Houve quem pensasse que a sua
grande tela panorâmica da evan- intenção era deprimir Anchieta,
gelização do vastíssimo continente objeto de elogios fáceis, como tau-
luso-brasileiro, à luz de um caudal maturgo inconteste do Brasil. Foi
informativo :1o primeira grandeza, engano. Para repor Nóbrega em
criticamente cirandado e primoro- seu pedestal devido, não precisou
mente articulado” . Era a milícia apear ninguém. Também a que-
abnegada de Nóbrega que nos pas­ rela sôbre a fundação de São Pau­
sava diante dos olhes, num arrôjo lo, que não se pode adjudicar a
sem par, nem precedentes. A obrá Anchieta, simples escolástico àque­
era gigantesca, e o homem convi­ le tempo, — lhe trouxe alguns dis­
dado a pôr tudo isso a limpo não sabores íntimos.
o era menos. Um homem sereno Do acervo de documentos acu­
comedido. Que se não perdia em mulado por êle, em anos de pes­
minúcias dispensáveis. Sem aspe­ quisa, muita coisa sobrou, que não
rezas, sem baldões enodoantes, pôde ser aproveitada na síntese
quando assinala a opressão dos história dos dez volumes dados a
déspotas e dos prelados. estampa.
O côro de elogios a cada volüme, Daí nasceu a necessidade dêsse
que se sucedia nos mesmos m ol­ outro grande empreendimento, —
des dos primeiros, foi grande, pro­ o “ Monumenta Brasilae” , — Roma
fundo e justo: umas 152 recenções 1956 -1960.
de sua obra foram escritas aqui e Desde 1950 Serafim Leite fazia
além, por entendidos no assunto. parte, com honra, do Instituto da
A obra completa compreende 10 Companhia de Jesus, que congre­
volumes de boa extensão; e al­ ga, no ramo, os maiores homens
guns dêles foram publicados às da Ordem. E deu-nos, nesse ín­
expensas do govêrno brasileiro, por terim, algumas obras importantes:
intervenção de. A frân io Peixoto e “ Páginas de História do Brasil” ,
d0 Dr. Gustavo Capanema, quan­ 1985; “ Novas Páginas de História
do Ministro da Educação. do Brasil” , 1963, Lisboa; “A rte e
À m argem dessa história, sem Ofícios dos Jesuitas no Brasil” ,
confronto, Serafim Leite, em nu­ 1953; “ Suma Histórica da Cia. de
merosos trabalhos complementa­ Jesus no Brasil” , Itinerário para
res, uns 267, esclareceu pontos co­ uma biografia de Manuel da Nó­
nexos e tangenciais com a grande brega; reeditou a obra de Jorge
História catequética que escrevera. B:enci : — “ Economia cristã dos
Em sua obra suscitou alguma senhores no govêrno dos escra­
polêmica, sobretudo quando quis vos” ; Nóbrega e a fundação de São
reabilitar Nóbrega, deixado, por Paulo; Opera Omnia de M. da
investigadores de outrora, “ numa Nóbrega, (Coimbra, 1955) e além
quase semi-obscuridade, dilucular” . de inúmeros folhetos e separatas

100
deu-nos ainda os “ Estatutos da municação dêsse gesto ao Geral
Universidade de Coimbra” , (1959), da Ordem, P. João Batista Jans-
que êle desenterrou dos arquivos, sens, o Reitor Magnífico da Uni­
e, editou-os em 1963. versidade Federal do Rio de Ja­
Possuía não poucas comendas e neiro, Dr. Pedro Calmon.
honrarias, dadas por Institutos e Foi, não há negá-lo, como sa­
Academias do Brasil e da Europa. cerdote e como profissional de
Era “ doctor honoris et scientiae história, um homem absolutamente
causa” , da Universidade Católica excepcional. E de um gênio bran­
do Rio. Pertencia à Academia do e maleável a tôda prova. Um
Brasileira de Letras. A o Instituto português de lei.
Histórico e Giográfico Brasileiro e Por exigência de seus concida­
às maiores Instituições lusas no dãos, seu cadáver veio sepultar-se
campo da História. Em 21 de ou­ em sua terra natal, que muito lhe
tubro de 1949, o Instituto Históri­ devia, — São João da Madeira, —
co do Rio aprovou e mandou cu­ terra que êle amava e da qual é,
nhar uma medalha comemorativa sem contestação, o maior filho que
do término da obra intitu lada: dela haja saído. Amou extremo-
“ História da Companhia de Jesus samente, o Brasil, onde viveu par­
n0 Brasil” , auspicioso fato, que te de sua, vida, e por isso lhe so­
mereceu essa distinção. Fêz a co­ mos sinceramente reconhecidos.

EXPO
RTADO
RACRATENSE — DE —

ANTÔNIO ALVES DE MORAIS JUNIOR & CIA.

I N S C R I Ç Ã O N .° 1
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C A I X A P O S T A L 11

C O M É R C I O DE A L G O D Ã O

USINA DE BENEFICIAMENTO DE ALGODÃO

USINA e ESCRITÓRIO : Av. Teodorico Teles, s/n

BAIRRO SÃO MIGUEL — o— CRATO — CEARÁ


Sobrevivente da Insurreição lerem, em Craío
J. de Figueiredo Filho
Em setembro último, estando eu mercadoria no seringal Vitória, de
no Sul tive a oportunidade de ler, propriedade de José Galdino de
no “ESTADO DE SÃO PAULO” , Assis Marinho que acabara de or­
telegrama de Fortaleza, noticiando ganizar batalhão patriótico a en­
a morte do derradeiro sobreviven­ grossar as fileiras dos lutadores
te da insurreição acreana. Residia brasileiros, totalmente desampara­
na cidade de Maranguape. dos d0 govêrno. José Norões em­
•Conheço outro que ainda vive e barcou em sua M ONTARIA e tocou
está totalmente lúcido. Tomou a desempenhar a sua missão co­
parte ativa na luta para liberta­ mercial. Eaixou, ou por outra des­
ção do Acre da invasão boliviana, ceu o rio, até Pôrto Franca. No
integrando-o definitivamente ao outro dia atingiu a zona confra-
território nacional. É funcionário gada do Xapuri. A li sentiu o chei­
aposentado e chegou ao pôsto de ro da guerra. Foi imediatamente
alferes, naquela campanha, quase intimado por um sargento e 10
que promovida por cearenses. Não praças a comparecer à sede do
é a primeira vez que é focalizado batalhão patriótico. Aquêle subo-
na imprensa fortalezense. O es­ ficial provisório não passava de
critor Capitão Otacílio Anselmo e outro filho do Crato — Antônio
Silva já publicou entrevista com Barros Cavalcanti O emprêgo de
êle, há vários anos, em tôrno de José Norões foi bastante humi­
sua heróica atuação na luta de li­ lhante. Mas, guerra é guerra. F i­
bertação acreana, iniciada em 1902, cou encarregado de fazer faxina do
mas com antecedentes ainda ao quartel improvisado.
encargo de outro patriota, filho de Em certo dia, desembarcou, na­
Crato — o tabelião e folclorista quele pôrto o comandante geral da
José Carvalho. Trata-se de José insurreição — Plácido de Castro,
Norões Maia, de tradicional fami- em canoa, e acompanhado de qua­
lia caririense, originária do portu­ tro soldados. Viu-o naquele mister
guês integrante da revolução de tão ínfimo, êle que poderia per-
1817 e natural1 de Guimarães — feitamente empunhar uma arma e
Francisco Ferreira Maia. lutar. Foi logo dizendo em tom
Em 1902, na pujança de sua mo­ autoritário :
cidade, como bom cearense, estava
nos seringais acreanos em dois de — Não quero homem para faxi­
março, daquele ano, quando foi na e sim para brigar.
encarregado pelo patrão a receber Incontinenti, foi convidado a dar

102
o seu nome para o batalhão. foram atacados por fôrças supe­
Quando acabara de preencher a- riores bolivianas, sendo estas fra-
auela formalidade, o sargento que gorosamente derrotadas. A 28 do
o recrutou, exclamou sorridente, mesmo mês, na Volta da Emprêsa
abraçando-o : o inimigo foi totalmente rechaça­
— Minha gente, é o Zezinho de do pelos provisórios nacionais. O
D u lcina! (sua genitora). Teve trabalho pior ali foi o sepulta-
também a ventura de encontrar- mento de cadáveres, de ambos os

se com seu primo — primeiro sar­ lados, em adiantada fase de de­

gento do batalhão patriótico — composição. O alimento já escas­


Joaquim de Almeida. Finalmente, seava e a ração passou a ser chi-

tôda aquela soldadesca, arrancada bé, farinha, água e rapadura, com

dos seringais, pela fé patriótica, pedaço de jabá, fedorento a de­

procedia do querido Ceará, do Sul funto. Muitos só faltaram botar

do Norte, ou do Centro. as tripas pela boca.


Naqueles duros embates, teve o-
Tornou-se amigo do médico, fi­
portunidade de conhecer de perto,
lho de Maranguape — dr. Maga­
em muitas ocasiões, a bravura e
lhães, que o recomendou direta­
a dedicação do cearense — Cel.
mente ao ajudante-de-ordens de
Alexandrino que gastou tudo o que
Plácido de Castro.
possuía, naquela campanha, sem
A vida de um praça provisório qualquer indenização. Rolava ao
era dura, naquêles êrmos, sem a chão, e á faca de ponta, tomava
ajuda do próprio govêrno e a lutar trincheira adversária. Acabou sen­
contra exército regular de nação do assassinado. Foi autêntico he­
vizinha. José Norões na primeira rói digno de ser reverenciado paio
diligência que compareceu, por ato Ceará. Diz José Norões que foi
de bravura passou a cabo e na se­ muito mais valente e decidido do
gunda, a sargento. que Plácido de Castro. Êste rece­
Em outubro, José Galdino, sob beu todos os lucros da vitória,
pressão inimiga, em Volta da Em­ além tia indenização que a Repú­
presa, pediu reforço ao quartel blica mandou pagar.
onde acantonava José Norões. O Alferes José Norões retornou
Sste foi o primeiro a oferecer-se, ao barracão Carapatá, quando lhes
como voluntário, a atender tão ur­ chegou pedido imediato de socorro
gente chamado. Foi por isso ele­ para o Xapuri outra vez em deli­
vado ao pôsto de alferes que cor- cada situação. Acompanha então
ponde ao de segundo tenente de o Tenente Júlio Tupi, com 40 pra­
hoje. Os voluntários seguem logo ças. Naquele recanto encontrou
para o seringal — CARAPATÁ, de inimigo mais temível de que o sol­
onde Zezinho conduziu 10 homens dado boliviano — o impaludismo.
para Telheiros. Na madrugada O Dr. Magalhães e o cel. Alexan­

103
drino providenciaram, com urgên­ ao seio de sua fam ília. Casou-se
cia, o seu tratamento. Foi reco­ pouco depois. O temp0 correu. Seu
lhido ao seringal do conterrâneo — cunhado dr. Raimundo de Norões
Ezequiel Crato. Naquele recanto, Milfont, figura de importância, há
chegou-lhe a notícia da ordem de anos atrás, encaminhou os seus
deposição de armas, emanada do papéis, documentados, a fim de
General brasileiro Olímpio da Sil­ receber subvenções, que as leis lhe
veira, enviado do Governo Federal. facultavam pela cooperação na li­
Começaram logo as injustiças com beração do Acre, agora Estado da
os fiéis lutadores. Federação. O procurador a quem
Aquêle ilustre m ilitar nomeou foi destinada tal documentação,
para Juiz de Direito o leigo Vito- sepultou-a definitivamente. José
rino. Iniciou sua gestão judiciá­ Norões nada recebeu, nem em mil
ria obrigando os combatentes a réis, nem em cruzeiros. Só teve a
pagar o atrasado aos patrões, du­ satisfação de, com seu esforço jo ­
rante os dois anos de campanha. vem, ter cooperado em doar ao
José Norões teve de descontar 66 Brasil o vasto e fé rtil território,
mil réis quantia elevada para a mais tarde, transformado em prós­
época. Resolveu voltar para Crato pero e promissor Estado.

O V E R B O A M A R
João Alves Rocha
Quem foi que já viveu no mundo sem amar!
Quem foi que não sentiu no peito estremecer,
Pulsar o coração aos golpes de um olhar,
E a alma quasi morta as vezes, reviver!
Quem conjugar não sabe o doce verbo e dar
Inteiro o coroação, e em tróca receber
Um outro coração, também a transbordar
de máguas ou de amor. De dôr ou bem-querer!
O amor nos faz chorar. O amor nos faz sorrir.
E as vezes nos aponta um mágico porvir
Imersos nos deixando em doces ilusões.
Quem se pode furtar, fugir aos seus encantos !
Quem foi que não verteu, por ele, amargos prantos!
— Pois sempre o verbo amar nos traz complicações.

Este soneto nasceu no dia do lançamento do livro


do Pe. Vieira, “O Verbo Amar e suas Complicações”
C R A T O , SANGUE BOM
GOMES DE MATOS
Se o Brasil é de ontem, de 1.500, Pedrosos, Sobreiras, Linhares, R o­
país novo em fôlha, como afirmam chas, Monteiros, Brizenos, Esme-
os historiadores, se o Ceará é de raldos, Gonçalves, Lim a Verdes.
anteontem, de 1.603, quando foi Peixotos, Norões, Macêdos, Filguei-
palmilhado por Pero Coêlho, por­ ras, Sampaios e Gomes de Ma­
tuguês cujas hostes de soldados tos, não se apresentando esta três
lusitanos e de índios catequizados vêzes mais numerosa porque êsse
foram detroçadas pela sêca, se sobrenome, de fonte baiana, não
isso é verdade, o Crato ainda é foi seguido pelas últimas gerações.
menino de calças curtas, pois nas­ Do desacerto provêem os Gomes
ceu em 1.702. d e ... os Matos d e ... sendo assim
■Centro de uma região privilegia­ evidente a queda e desprestígio da
da pela natureza, oásis fecundíssi- designação primitiva de uma fa ­
mo plantado na aridez bárbara do mília radicada e espalhada por
Nordeste, fácil foi seu povoamen­ toda parte, Rio de Janeiro, São
to acolhendo forasteiros de várias Paulo, Recife e por aí afora, gra­
procedências, baianos, pernambu­ ças a Deus, com a melhor fama.
canos e riograndenses do norte. Despertado pelo que hei publi­
Muitas sãos as suas famílias cado de último sôbre o Crato, cujo
tradicionais, ilustres, de boa raça, Centenário se comemorará entre
gente da melhor qualidade pela os dias 11 e 18 do corrente mês,
erigem, inteligência e amor ao com festejos jámais vistos numa
trabalho — Pinheiros, Bezerras, cidade do “ hinterland” brasileiro,
Bezerras de Menezes, Alencares, distinto e criterioso genealogista
Teles de Quental, Siébras, Frazões, dali enviou-me as linhas que se
Bobos, Meios, Bacuraus, Alves Pe­ seguem, que transcrevo com as
quenos, Britos, Fernandes, Maias, mesmas palavras e as mesmas
(da qual descende o Pe. Cícero), letras :

“ DADOS BIOGRÁFICOS DO CAPITÃO “ ZECO DOS C U R R A IS "

JOSÉ PINHEIRO BEZERRA DE MENEZES, mais conhecido por


■Capitão “ ZECO DOS CURRAIS” (sítio em que residia), não obstante
fôsse Tenente Coronel de Artilharia, foi vereador à primeira Câmara
Municipal de Crato, no regime republicano, tendo sido eleito em 1891;
exerceu também outros cargos públicos, como o ds Juiz de Direito
da Comarca do Crato.
Filho de JOAQUIM ANTÔNIO DE MENEZES (de memória mira­
culosa, segundo JOÃO ERÍGIDO, foi Deputado Provincial. Comenda­
dor da Ordem da Rosa e Capitão Mór de Crato, e filho do Brigadeiro
LEANDRO BEZERRA MONTEIRO, tronco frondoso de onde proveem
os ramos numerosos de grande fam ília) e de D. QUITÉRIA BENEDITA
NOERE.

105
O Capitão “ ZECO” — 10.° neto do casal C AR AM U R Ú PA R A -
GUASSÚ — casou-se com D. A N A TELES BEZERRA DE MENEZES,
filh a de FELIPE TELES FU R TAD O DE MENDONÇA, (destacada figura
no meio social e possuidor de grande fortuna no C ariri), consequen­
temente irm ã de TEODORICO TELES DE QU ENTAL (pa i do atual
Deputado Estadual F ILEM O N FERNANDES TELES, do humanitário
médico JOAQUIM FERNANDES TELES, ex-Deputado à Constituinte de
1934 e ex-Deputado Federal à Constituinte de 1946. Dr. A N TÔ N IO
FERNANDES TELES, agricultor e Presidente do Banco do Cariri, e das
filhas M A R IA — de cujo consórcio com ANDRÉ B’. DO COUTO C AR ­
TAXO , houve 17 filhos, dos quais o Dr. DÉCIO TELES C AR TAXO ,
atual Prefeito do Crato, _ F E R N A N D IN A e TE R E SA ).
Do casal JOSÉ BEZERRA DE MENEZES — A N A TELES BEZER­
R A DE MENEZES, procedem os seguintes filhos :

1 — AN TÔ N IO PIN H E IR O BEZER RA DE MENEZES;


2 — ROSA PIN H E IR O BEZERRA FERNANDES;
3 — JOAQUIM PIN H E IR O BEZERRA DE M ENEZES;
4 — PEDRO PIN H E IR O BEZERRA DE MENEZES;
5 — JOSÉ PIN H E IR O BEZERRA DE MENEZES;
6 — M A R IA PIN H E IR O BEZERRA JURUMENHA;
7 — Q U ITÉ R IA PIN H E IR O BEZER RA GONÇALVES;
8 — TERESA PIN H E IR O BEZERRA DE MENEZES;
9 — HERMÓGENES P IN H E IR O BEZERRA DE MENEZES;
10 — LE O PO LD IN A PIN H E IR O BEZERRA DE MENEZES;
11 — E P IFÀ N IO PIN H E IR O EE ZER RA DE MENEZES;
12 — M A R IA DA CONCEIÇÃO BEZERRA C O IM B RA
13 — CLO TILD E PIN H E IR O BEZERRA DE MENEZES;
14 — A N A PIN H E IR O EEZERRA DE MENEZES;
15 — CÍCERO PIN H E IR O BEZERRA DE MENEZES;
16 — A R T U R P IN H E IR O BEZERRA DE MENEZES.

Houve outros filh os do casal que morreram em tenra idade, e


com exceção de CLOTILDE, todos casaram, e dos casados, só não têm
descendentes ROSA e A RTU R. Atualmente, estão vivos ; ROSA, M A ­
R IA DA CONCEIÇÃO, CLOTILDE, ANA, E P IFÀ N IO e A R T U R (C ÍC E R O
faleceu no dia 30 - 4 - 50).
O Tenente Coronel JOSÉ PIN H E IR O BEZERRA DE MENEZES,
(Capitão “ ZECO DOS CU R RAIS’’ ), nasceu no Crato, em 20 de Setem­
bro de 1835 e faleceu na mesma cidade em 2 de Agosto de 1903, dei­
xando uma prole numerosa, destacando-se, entre outros, atualmente,
os seguintes netos :

1 _ M ajor Dr. JOAQUIM PIN H E IR O M O N TEIRO (filh o de A N T Ô N IO ),


atualmente Diretor do Hospital M ilitar de Fortaleza;
2 — Dr. A NTÔ N IO PIN H E IR O F ILH O , atualmente Professor catedrá-
tico da Escola de Engenharia de M nas, Ouro Preto;

106
3 — Tenente Coronel RAIMUNDO TELES PINHEIRO (filho de C Í­
CERO e TERESA, filha de TEODORICO), atualmente servindo
no Estado Maior da 10a. Região Militar, na Chefia do Serviço
Militar Regional;
4 — M ajor JOSÉ M ONTEIRO PIN H E IR O (filho de CÍCERO e V I­
GÊNCIA, filha de ANTÔNIO), atualmente servindo na Escola
Preparatória de Fortaleza.
5 — Dr. JOAQUIM PINHEIRO FILHO (filho de JO AQ U IM ), médico
do Departamento Nacional de Obras Contra as Sêcas;
6 — Tenente AFONSO PINHEIRO TELES (f.lho de JOAQUIM), atual­
mente na Reserva ca Aeronáutica;
7 — Dr. ABELAR PINHEIRO TELES (filho de REDRO), engenheiro
agrônomo, Chefe da Secção de Fomento Agrícola em Teresina;
8 — Dr. FÁBIO PINHEIRO ESMERALDO (filho de A N A ), médico no
Cr ato;
9 — Dr. HOMiERO PINHEIRO ESMERALDO (filho de A N A ), Cirurgião
Dentista, no Rio de Janeiro;
10 — PROFESSORAS : — M A R IA IVALDA MONTEIRO PINHEIRO
(filh a de CÍCERO), DIONÉ MONTEIRO PIN H EIR O (filh a de
CÍCERO), STELA TELES PINHEIRO (filha de PEDRO), PR IS­
CILA TELES PINHEIRO (filh a de PEDRO), M ARIA SUELY
TELES PINHEIRO (filh a de PE D RO ), IEVE TELES PINHEIRO
( filha de PEDRO), M A R IA LASSALETE PINHEIRO ESMERALDO
(filh a de A N A ), CIRA PINHEIRO ESMERALDO (filh a de A N A ),
PRISC ILA PINHEIRO TELES (filh a de JOAQUIM), ROSA P I­
NHEIRO ESMERALDO (filh a de TERESA).

Dona ANA TELES BEZERRA DE MENEZES faleceu ali, com 89


anos de idade, na posse de todas as faculdades mentais, em 7-11-1933,
tendo auferido a ventura de ter conhecido, de sua numerosa descen­
dência, 137 nètos, 235 bisnetos e 9 tataranetos” .

Conhecí o biografado, vulto no- sempre vestido de preto, lembro-


bilíssimo de minha terra, conhe- me do capitão Zeco na missa con-
ci-o como protótipo da honra, da ventual das 9 horas, muito bem
austeridade, cidadão respeitabilís- posto, envergando a opa- vermelha
simo pela abastança, pela conduta do Santíssimo Sacramento, com o
louvável, homem da têmpera an- barandão á d extra, nas solenidades
íiga de quebrar e não torcer, do religiosas da Matriz.
feitio moral daqueles heróis anô­ Re:ordo-me dêle transitando pe­
nimos, daqueles sertanejos dignos la feira, entrando e saindo nas lo­
c'a nossa admiração que João jas da Rua Grande, hospedado na
Brígido definiu — bons, burros e casa da filha, D. Rosinha Fernan­
bravos. des, e aosí domingos à tarde na
Educado, venerando por seus tí­ roda de calçada de meu pai à qual
tulos de benemerência, silencioso, frequentavam o Padre Fernandes

107
Távora, vigário, o Dr. Francisco roda o h oje único sobrevivente,
Marçal' da Silveira Garcia, Juiz de aqui conhecido, já arrastando os
D ireito, o Cel. Etelém, negociante, pés, porém com adm irável bom
o velho Eembém, rico e filósofo do senso, Cel. Raimundo Guilherme,
sertão. D áric Guerra, farm acêuti­ então alferes da Polícia que es­
co e Delegado de Polícia, T e óíilo tacionara ali uma Companhia sob
Siqueira, então advogado no Juri o comando do Capitão Nicácio.
da zona do Cariri, Pe. Monteiro Isso foi em 1891, na Rua Formosa,
(gran d e responsável pelo sangue esquina com a Travessa da C ali­
da beata M aria de A raú jo do Juà- fórnia, casa de meus pais, quando
zeiro), o velhinho Umbelino T a va ­ eu ainda não calçava sapatos e
res, com pouco mais de um metro ouvia as conversas.
de altura, proprietário do sítio No Crato, portanto, como os P i­
Guaribas, envergando indefectível nheiros e outros, há quem expli­
colete, de prosa muito agradável1, que o nascimento dando nome aos
porque era versadlssimo no “ Luná- bois, — pais, avós, bisavós, trisa­
rio Perpétuo” , livro que explica vôs, sem o perigo que existe no
chuvas, invernos, razão das sêcas. Brasil de, logo às prim eiras inda­
Muitos outros se revezavam n a ro­ gações genealógicas, cair no m ato
da, durante a semana. ou na senzala.
R e:ord o-m c de que figurava na (Do “ O PO V O ” de 15 - 10 - 1953)

Dr. Antônio Valdir de Oliveira


C. R. M. C. E. — INSCRIÇÃO N.° 715

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T E L E F O N E : 401

C R A T O —o— C E A R Á
*
Solenidade da Posse da Cadeira
N. 10, na Secção de Letras
Coube defender a Cadeira N.° 10, da Secção de Letras, o escritor
caririense Tomé Cabral Santos, radicado em Crato e agora residente
na Cidade de Campinas, em São Paulo. A bonita solenidade se deu,
a 12 de Julho, no salão de festas da Faculdade de Filosofia do Crato.
presidida por J. de Figueiredo Filho, às 19 horas com grande assistên­
cia. Após audição do Coral do São João Bosco, dirigido pela Profes­
sora Divani Cabral, em homenagem à aniversariante do dia anterior,
D. P ia Emeraldo Cabral, o presidente d0 I. C. C. abriu a sessão com­
pondo a mesa, dizendo algumas palavras e mandando que o Prof. José
Newton Alves de Sousa lêsse o seu discurso saudando o recipendiário
do dia. Depois falou o escritor Tomé Cabral sôbre o Patrono da Ca­
deira — Pe. Emílio Leite Cabral. J. de Figueiredo Filho pediu ao
general Adauto Esmeraldo, componente da mesa e ilustre cratense, a
era: errar aquela brilhante reunião. Fêz êle belo improviso relembrando
Crato de outrora. Serviu de secretário o sócio — Huberto Cabral.
Publicamos abaixo os dois discursos do Prof. José Newton Alves de
Sousa e de Tomé Cabral Santos :

SAUDAÇÃO A TOMÉ CABRAL SANTOS,


RECEBENDO-O COMO PRIM EIRO OCUPANTE
DA CADEIRA N.° 10 DA SECÇÃO DE LETRAS DO
IN STITU TO CULTURAL DO C ARIRI

SENHORES : Existe e age como um todo, na


Empobrecer-se-ia o conceito de unidade da pessoa e, graças a isso,
Literatura, se tão só o tomáramos Verdade, Bem e Beleza, posto que
como a significar uma das belas distintos em sua funcionalidade e
artes. em sua causa form al, não são es­
É claro que a dimensão estética tanques entre si, mas se interre-
é que caracteriza, especificamente, lacionam, convivem e talvez se
a obra de arte, seja esta ótica, completem, nos longos transcen­
acústica ou rítmica. dentais de suas essências.
Mas, entre a Beleza e a Vida, E porque o homem opera como
há relacionamentos múltiplos, que um todo dentro da vida a que é
seria insensato negar. lançado e que êle também cons­
O espírito não se fraciona em trói, como inevitável colaborador
partes, de modo que uma só a- dela, dai se infere que a Litera­
prendesse a Verdade, outra o Bem, tura, como as demais artes e as
outra o Belo. outras espécies de manifestação

109
espiritual, se ligam ao existir co­ último, em que fêz preparatórios,
mo vida e à vida como existir. no antigo Ginásio do Crato, a cu­
Uma literatura confinada em si ja primeira turma pertenceu.
mesma, extensiva apenas à esfera Tendo servido no comércio cra-
da beleza que a caracteriza como tense e no de Jucás, enveredou,
arte, seria uma literatura apou- a seguir, pela carreira bancária,
cada em sua substância humana. onde lhe estavam reservados mui­
Sabe-se que a Literatura tem tos triunfos, mercê de sua capa­
uma vida em si mesma, elaborada cidade de trabalho, sua competên­
sob medida estética, mas essa vida cia profissional, seu nobre caráter
form al caduca e fenece, assim lhe e lúcida inteligência. No Banco
falte conteúdo expressivo do Ho­ do Cariri e no do Brasil, evolucio-
mem e da própria vida. na de escriturário a gerente. No
Eis porque o verdadeiro artista Eaneo Central, antiga S U M O C ,
é sempre um homem vivido, mes­ desempenha, de 1951 a 1964, a
mo quando jovem. É sempre al­ função de Inspetor. De 1964 a
guém que confere sua obra com 1969, é-lhe confiada, primeiramen­
a própria experiência. te, a supervisão geral, e depois,
SENH O RES: a direção do Banco do Estado do
Tomé Cabral Santos não é um Ceará. A vida de comércio e a
puro esteta, no sentido de um ar­ de banco somam-lhe meio século,
tista a quem só interessasse a Be­ menos um ano. Tal' vivência re-
leza da forma. flete-se-lhe na obra literária, que
Dotado de razoável bom gôsto, nunca é uma obra de devaneios
estudioso da língua, das ccisas e e pura inventiva, porém qualquer
dos homens, é um espírito que coisa de prático, emanante do
perquire para registrar, escreve dia-a-dia fertilizado pela experi­
para assinalar os marcos de sua ência pessoal.
existência, usa a fortaleza inte- Nasceu, como Pedro Gonçalves
lectiva com rara capacidade de Norões e outros privilegiados, para
ordem, seriedade, método e perse­ ser secretário: Foi-o da União dos
verança. Moços Católicos, do Tiro de Guer­
Dêle não se pode dizer que é um ra 118, da Sociedade de S. Vicen-
literato como o fôra Machado ou te de Paulo, do Crato Tênis Club,
Bilac, homens que chegaram à da Federação Esportiva Cratense
Vida pela Literatura. e da Associação dos Empregados
Tomé Cabral chegou à Litera ­ no Comércio do Crato, onde tam ­
tura pela Vida. bém lecionou.
Nascido em Riachão, hoje mu­ Cedo lhe madrugou na altna o
nicípio de Barro, mas antes per­ amor às Letras, levando-o às Mu­
tença de Milagres, veio ao mundo sas e ao jornalismo. Neste últi­
no dia 7 de julho de 1907, filho mo setor, sempre se houve com
de Tomé Ooriolano Gomes dos destaque e invulgar dinamismo.
Santos e D. Rita Cabral dos Fundador de várias folhas, cola­
Santos. borador da “ Gazeta do Cariri” (de
Seus estudos, que não foram que foi um dos diretores), bem
•além do nível secundário, com­ como de “A Classe” , “ O Cariri” , “ A
preendem três períodos: o de 1913 União” (que também dirigiu), fêz
a 1918, o do 2.° semestre de 1924 ainda estampar várias produções
e o de 1927 a 1931, período, êste em revistas do Sul do País.

110
Publicou “ Os 19”, “ A Europa é Está preparando “Memórias:
bem a l í . . . ” e, já êste ano, “Seu coisas e pessoas que conheci” c
M!éu”. ainda promete “Versos esparsos” .
Porque não vou fazer análise Eu tomaria a liberdade de su­
apreciativa de nenhuma dessas gerir-lhe a insersão, nas “Memó­
publicações, limitar-me-ei a su­ rias” de uma coletânea de cartas,
blinhar a singularidade das pági- dessas que costuma endereçar a
san de “A Europa é bem a lí... ” , D. Pia Cabral, cartas onde o bom
mimeografadas, a princípio para humor e o fino espírito crítico fa ­
uso de um pequeno grupo de pa­ riam inveja a muitos que se di­
rentes e amigos, mas, por insis­ zem cultores de tais predicados.
tência dêstes, publicadas, em 1968, Senhor Tomé Cabral Santos :
na série “ Cadernos do Cariri”, pa­ Foi-me cometida a honra de
ra regalo dos espíritos dados a receber-vos neste Instituto, cuja
essa sorte de literatura amer»a e Cadeira N.° 10, da Secção de Le­
intimista, enriquecida, aqui, de tras, ides hoje ocupar.
uma nota curiosa, alí, de uma re­ Ela vos cabe, de direito e de
ferência hilariante, além, de um fato, pelo que tendes sido e pelo
têrm0 de conotação regional. que tendes feito no campo das
“ Seu Méu” é o pequeno itine­ Letras.
rário biográfico de um lutador: Vossas produções ressumam vi­
Tomé Coriolano Gomes dos San­ da em abundância. Nelas, a be­
tos, seu digno pai, escrito para leza não é o ponto mais forte,
comemorar o centenário de nas­ mas nelas estão presentes as no­
cimento daquele heróico nordesti­ tas do bem escrever, do bem co­
no, cuja vida foi, como a quali­ municar.
ficou Tomé Cabral, “ uma autên­ Vossa produção literária é íor-
tica via-sacra, tal! a enfiada de temente valorizada pelo timbre
lutas inglórias, fracassos e sofri­ caririense, de que a tendes sabido
mentos”, que lhe encheram e exis­ impregnar.
tência. Êste opúsculo vale como O Instituto onde passais a ocu­
sentida e nobre homenagem do par a Cadeira patrocinada pelo
filho que, recordando assim o ge­ Pe. Emílio Cabral, considera-se
nitor, o faz como herdeiro das feliz por vos imortalizar no sim­
virtudes tradicionais do homem do bolismo desta investidura.
Nordeste, consubstanciadas no a- Entre vós e vosso Patrono exis­
mor à Terra, ao Trabalho, à Fa­ tem afinidades de sangue e de
mília e à Religião. espírito.
Tomé Cabral Santos tem pron­ Cabe-vos exalçar e perpetuar a
ta uma obra que vai consagrá-lo memória do grande Pe. Emílio
como pesquisador e livre estudioso Cabral.
da Lingüística. Refiro-me ao “ Di­ E a mim, por indicação de meus
cionário de têrmos e expressões u- ilustres confrades, o prazer de vos
sados no Cariri Cearense”, volume saudar.
de várias centenas de páginas, É o que, com ufania, agora faço,
fruto de muitos anos de benediti­ pois bem o mereceis :
no e ordenado lidar. Sêde bem-vindo.
Dado a investigações genealógi­ Crato, 12 de julho de 1970
cas, tem. inédito, um trabalho que
intitulou “Familia Limaverde”. José Newton Alves de Sousa

111
D ISC U R S O DO E SC R IT O R

TOME CABRAL SANTOS


Sr. Presidente

Ilustres membros do Instituto Cultural do Cariri

Minhas Senhorass e Meus Senhores

O Instituto Cultural do Cariri, com êle conviver maior espaço de


num gesto fidalgo, honrou-me com tempo, especialmente nos anos de
o convite para vir ocupar, neste 1921, 1923 e 1924, em Assaré, jus­
sodalício, a cadeira de q.ue é pa­ tamente numa fase, para êle, de
trono meu tio, o Pe. Emílio Leite cruentos sacrifícios e provações.
Álvares Cabral. O Pe. Emílio Cabral nasceu no
Aceitei o convite, menos pelo Sítio Biachão, município de M ila­
ensejo de alimentar a> pressuposta gres (hoje subordinado ao muni­
vaidade de figurar, mesmo pelo cípio de Barro), em 9 de março de
eerra-fila, entre os componentes 1881, Pouca gente, aliás, tinha
dessa valorosa pleiade de intelec­ conhecimento do dia de seu na-
tuais que honram e enobrecem o ta líc io : a pedido seu, a fam ilia
Instituto, do que para prestar sin­ conservava-o omisso, devido ao
gela contribuição no sentido de fato de aquela data coincidir com
retirar das cinzas do esquecimen­ a do falecimento de um seu irmão,
to a figura daquele que, — dentro já adolescente.
da rigidez de seus hábitos e de De descendência portuguêsa, por
um retraimento quase culposo, ■ — ambos os lados, era êle filho le­
foi portador de excepcionais dotes gítim o de José Leite Rabelo da
de inteligência e de sólido prepa­ Cunha e de Felisimina Leite Á lva ­
ro intelectual, aliados, a uma in­ res Cabral’. Passou a infância na
tegridade a tôda prova. E êsse terra natal e em Milagres, rece­
meu sentimento de euforia é mais bendo ali as primeiras letras. E
justificável ainda se levada em como nada mais era possível a-
boa conta a razão de, sem falsa diantar, no campo educacional,
modéstia, ter a certeza de que naqueles recuados tempos, manda­
poucos estariam em condições de ram-no para o Colégio de Canin-
poder relembrar m elhor do que eu dé, onde estudou nos anos de 1892
a figura austera de Pe. Emílio, e 1893. Aconteceu, porém, que,
sua vida e sua obra, tôda ela vol­ em 1894, o Pe. Quintino Rodri­
tada para Os deveres que lhe fo ­ gues de Oliveira e Silva conseguiu
ram impostos, por fôrça de seu reabrir o seminário do Crato, e,
estado sacerdotal. Explico melhor: assim, logo no ano seguinte, o
vivendo o Pe. Emílio a maior par­ menino Em ílio Cabral, juntamen­
te de seus dias longe da família, te com seu irmão José Leite Á l­
tive eu, mais do que os outros pa­ vares Cabral', foram ali matricu­
rentes, a grata oportunidade de lados.

112
A assistência ofieial aos estabe­ prédio do antigo seminário. Foi
lecimentos de educação era, na­ nsssa época que se deu a funda­
quele tempo, maia precária do que ção do jornal “A Cruz”, sob a di­
em nossos dias. P o r essa razão, reção dos três sacerdotes e cola­
o Seminário, mais uma vez foi boração de alguns intelectuais da
forçado, por falta de meios, a fe ­ terra, entre êles, o Pe. Francisco
char suas portas poucos anos de­ SilVano de Souza e o dr. Soriano
pois, isto é, em 1897. Para conti­ de Albuquerque, renomado educa­
nuar os estudos, teve pois o Pe. dor, dramaturgo, e, se não me en­
Emílio de transferir-se para o gano, juiz de direito local. Junto,
Seminário da Prainha, em F orta ­ portanto, a essa pleiade de inte­
leza, ali permanecendo até o ano lectuais de prim eira plana, teve
de 1903, quando recebeu o pres- êle então a oportunidade de ex­
biterato, em 30 de novembro. pandir, em curtos1 vôos embora,
Ordenou-se, portanto, o Pe Em í­ seus sonhos e anseios de aprimo­
lio, aos vinte e dois anos de idade, ramento intelectual.
após um curso brilhante. Sempre O dealbar do século X X foi
considerado um dos primeiros da muito ingrato para os habitantes
classe, isso era comprovado atra­ do hinterland nordestino, pois já
vés dos vistosos livros, escritos em o ano de 1900 assinalava a maior
francês, que enfeitavam sua bi­ sêca dos últimos cinquenta anos,
blioteca, nos quais as dedicatórias tirante a de 1877, com seus repi-
assinalavam as excelentes classifi­ quetes. E, para desassossêgo da
cações nos exames -finais dos cur­ população rural, a fa lta de segu­
sos. Posso ainda mencionar dois rança era absoluta, devido às fr e ­
deles: a Vida de Bertran Dugues- quentes incursões de cangaceiros
clin, célebre guerreiro francês do em tôda essa vasta região e so­
século X IV e “ Le feu du ciei” , que bretudo em face da prepotência
mais parece um tratado de física. des senhores feudais ou seja dos
Êste último ainda conservo em m i­ célebres e nefastos coronéis que
nha biblioteca. dominavam tôdos os núcleos popu­
Após a ordenação, foi o Padre lacionais da zona, bafejados pela
Emílio estrear com0 pastor de a l­ oligarquia reinante. Alarm ado com
mas, inicialmente na qualidade de isso, conseguiu o Pe. Emílio con­
coadjutor em São Mateus, h oje vencer sua fam ília a vir residir
Jucás, e depois como vigário de em Crato. E, assim, pela primeira
Independência. Teve isso, entre­ vez, teve a satisfação de conviver
tanto, curta duração, pois pouco com sua mãe, irmãos e avós m a­
depois, preferindo dedicar-se ao ternos. Meu bisavô Francisco Á l­
magistério, foi lecionar no colégio vares de Oliveira Cabral havia
dos capuchinhos, em Canindé, e então adquirido da genitora do
depois num colégio da Serra do comerciante Francisco M ilfont um
Estevão, que o Pe. Joaquim F er­ casarão de quatro vãos e uma e-
reira de Melo fundara em 1903. norme va&ante no antigo “ Fundo
Em 1909, o padre Melo e o padre da M aca” , isto é, na últim a quadra
Emílio vieram para Crato e fun­ da rua do Fogo, hoje Senador
daram aqui, juntamente com o Pompeu, onde atualmente se en­
Pe. Pedro Esmeraldo da Silva, a contra instalada a Fábrica A ra-
primeiro de abril daquele ano, o ripe.
Colégio São José, instalado no Em 1913 fechou-se o Colégio S.

113
José, mais uma vez por falta de à necessidade de desdobramento
meios e de assistência dos pode­ de algumas, especialmente as de
res públicos. Pe. Emílio abriu maior núcleo populacional ou de
então o Externato São Vicente, grande extensão territorial. Foi
modesta instituição, na praça 3 de então convocado todo o clero da
Maio, na mesma rua em que re­ nova diocese para prestar sua co­
sidia sua família, numa esquina laboração: uns assumiram o go-
fronteiriça, por um lado, à um ter­ vêrno das novas freguesias, outros
reno baldio onde é hoje à Igreja foram substituir os vigários nas
de São Vicente e por outro à en­ paróquias vacantes ou cujos titu­
tão residência do farmacêutico lares já estavam merecendo o des­
Teófilo Artur de Siqueira Caval­ canso de uma aposentadoria.
canti, onde hoje se encontra ins­ Ao Padre Emílio coube a fre­
talado o Banco da Bahia. Isso o- guesia de Assaré, com residência
correu nos anos de 1914 e 1915. fixa em Santana do ‘Cariri, como
De 1905 até 1915, dedicou-se, vinha ocorrendo há cêrca de qua­
portanto, o Pe. Emílio exclusiva­ torze anos. Com o desdobramento,
mente ao magistério, ao estudo da pouco tempo depois, daquela pa­
língua pátria e às lides literárias. róquia, Santana obteve sua auto­
Datam de então seus mais subs­ nomia e então o padre Emílio
tanciosos trabalhos, muitos extra­ transferiu-se definitivamente para
viados, outros esquecidos nos pe­ Assaré. Permaneceu ali de 1916
riódicos regionais e poucos encon­ até junho de 1924.
trados em seu arquivo. Sua bi­ Assaré era então uma pequesa
blioteca, opulenta para o meio e vila, estacionária senão decadente,
para a época, continha, em sua quase isolada naqueles confins, do
maioria, obras de nossos melho­ Cariri ao sul dos Inhamuns. Po­
res puristas, com anotações e co­ voado de hábitos muito rotineiros
mentários, e ainda livros sôbre e longe da vigilância de censores
temas filológicos, dos mais con­ oficiais e eclesiásticos, tal ostra­
sagrados mestres. Escrevera es­ cismo favorecia sobremaneira a
tudes sôbre questões vernaculares proliferação de certos abusos de
e até um esboço de gramática. As ordem moral, tão férteis àquela
outras matérias de sua predileção época nas regiões mais recuadas
foram francês e geografia, em cu­ dos meios civilizados e mais pró­
jos compêndios deixou anotações ximas de semi-selvageria do vizi­
com judiciosas observações. Sen­ nho Estado.
tia-se, pois, que sua carreira de­ Foi entregue, portanto, àquele
veria ter sido encaminhada para sacerdote uma tarefa difícil — o
o magistério, para assuntos lin­ nobilitante apostolado de dirigir a
guísticos e para a literatura. disciplina moral e religiosa da­
Em 1914 criou-se a Diocese do quele pequeno núcleo, alterando,
Crato e em fins de 1915 foi sa­ assim, radicalmente, seus hábitos,
grado seu primeiro bispo o então pois de educador emérito, em con­
vigário Mons. Quintino Rodrigues tacto assíduo com pessoas de alto
de Oliveira e Silva. Com a deli­ nível intelectual, foi transformado
mitação da área da nova diocese, em pastor de almas rústicas e ig ­
foi um dos primeiros passos de D. norantes.
Quintino o reajustamento da zona Para dar cabo plenamente de
de jurisdição das freguesias, face suas novas atribuições, renunciou

114
o Pe. Emílio, por completo, aos trazendo apenas velha e surrada
estudos e aoa devaneios literários batina e as três ou quatro cen­
e dedicou-se, dali por deante, ex- tenas de livros que levara. D e­
clusivamente, aos encargos da pa­ ram -lhe, no Seminário Diocesano,
róquia. a cadeira de geografia, nos diver­
De estatura meã. sem orienta­ sos cursos dali. Parecia até ironia
ção dietética necessária ao com ­ da sorte voltar a ensinar u'a m a­
bate a certa predisposição para a téria que exigia m em ória pronta e
adiposidade, chegou o Pe. Emílio o trato diário dos acontecimentos,
a pesar uma centena de quilos, o justam ente quando houvera uma
que constituía para êle perene radical alteração na geografia po­
m artírio .sempre obrigado a per­ lítica do mundo, especialmente da
correr frequentemente, além dos Europa, pois naquele interregno
chamados a confissões de hora de ocorrera a prim eira conflagração
morte, longas estradas, em visitas mundial.
àc capelas de Amaro, São José de Enfrentando Os maiores óbices,
Quincuncá, Tarrafas e Quixará — o que era natural, — conseguiu
distantes da sede da freguesia, ainda o Pe. Em ílio lecionar todo
respectivamente, 30, 40, 45 e 60 o segundo semestre de 1924, sem
quilômetros, em estradas mal cui­ uma queixa, porquanto já estava
dadas, pedregosas, e em terrenos afeito às cruéis insídias do desti­
acidentados, sempre a cavalo, pois no. Mantinha-se, entretanto, mui­
naqueles tempos desconhecia-se o to retraído, acabrunhado, o que
automóvel na região. agravou mais e mais o estado
Subcrdinou-se a essa vida até neuropático que tanto o afligira
meados de 1924. Longe da fam ília, naqueles angustiosos anos de de­
às vezes até três anos sem con­ gredo. A fam ília resolveu então
tacto com a mesma, refugiado num m andá-lo ao Rio, em busca de
casarão da praça da Matriz, em tratam ento adequado. Ficou ali
companhia de uma velha cozi­ alguns meses, tendo conseguido
nheira e de um rapazalho de 16 considerável melhora. Animado
anos que ocupava as funções de com o tratam ento e à vista de
sacristão, retraído que sempre conselho médico, de procurar cli­
fôra, foi-se tornando o Pe. Em ílio ma mais frio para complementa-
dia a dia mais casmurro, irrita ­ ção da cura, resolveu seguir para
diço, parecendo guardar, não direi Pelotas, no Rio Grande do Sul, a-
revolta mais uma queixa sopitada, tendendo, assim, convite de seus
ante o sacrifício que lhe foi im ­ antigos companheiros de m agisté­
posto de renunciar tôda sua vida rio no Colégio São José, dom Joa­
acs anseios de brilhantes vôos que quim Ferreira de Melo e monse­
tanto sonhara. Não lhe foi possí­ nhores Pedro Esmeraldo e Fran­
vel, entretanto, resistir mais tem ­ cisco Silvano de Souza. Acredita-
po àquela vida e, assim, por m oti­ se tenha sido essa uma das m e­
vos de saúde, fo i chamado ao lhores fases de sua vida, pois ali
Crato. se viu rodeado de velhos amigos.
Voltava sem recursos, pois As- Certo dia, porém, recebeu êle,
saré estava situada numa região em Pelotas, uma carta de seu
paupérrima, não lhe proporcio­ bispo, lembrando-o de já ser tem ­
nando senão minguados meios de po de voltar à sua dio:ese. Sub­
subsistência. Chegou ao Crato misso como sempre, viajou im e-

115
diatamente. Ao paasar pelo Rio, a tratamento, mas não conseguiu
foi despedir-se dos amigos da ilha recuperar-se inteiramente, ficando
de Paquetá, onde residira durante com uma “ banda esquecida” , para
o período de tratamento e cuja usar uma expressão genuinamente
capelania escolhera para o exer­ nossa. Mesmo assim, não quis ce­
cício de seus deveres sacerdotais. der às insídias do mal e ia dia­
Ofereceram-lhe então os encargos riamente, arrastando-se, cumprir
de cura na pequena ilha, que os novos encargos de que estava
estava sem capelão. Seria uma incumbido: censor eclesiástico da
coisa maravilhosa para êle viver Diocese. A êsse tempo já era bis­
dali por deant-s naquele meio cul­ po do Crato dom Francisco de
to, entre excelentes amigos e com Assis Pires.
fácil assistência médica. Mas não Triste e taciturno, sofrendo e
lhe era dado tomar outra decisão: resistindo, veio o Pe. Emílio a fa ­
deveria prestar obediência ao cha­ le. er, vítim a de novo ataque, em
mado de seu superior... 27 de abril de 1933, aos 52 anos
Poucos dias após seu retorno a de idade.
Crato, foi designado para servir
na vila de São Pedro do Cariri,
como coadjutor do velho pároco, Em alguns de seus livros e ca­
quase decrépito. Ocupou essas dernos encontrei, escritos com sua
funções cêrca de seis anos, de 1926 letra e de seu irmão Zé Leite, a-
a 1932, quando certo dia, após o queíes admiráveis versos de Fran­
café da manhã, foi acometido de cisco Otaviano, ainda em sua re­
congestão cerebral. Trouxeram-no dação original, isto é, sem o buril
para o Crato, onde se submeteu dos retoques posteriores:

QUEM PASSOU PELA VIDA EM BRANCA NUVEM


E EM PLÁCIDO REPOUSO ADORMECEU,
NEM O F R IO DA DESGRAÇA NÃO SENTIU
QUEM PASSOU NA VID A E NÃO SOFREU,
NÃO FO I HOMEM, FOI ESPECTRO D’ HOMEM,
SÓ PASSOU PE LA V ID A : NÃO V IV E U ...

Teria o Pe. Emílio reproduzido os grandes vôos do espírito e da


alí, repetidamente, êsses versos, inteligência.
com algum propósito ? Se êle Sofreu, afinal, por entender que
concordava com o poeta, deveria os últimos dias de sua vida tor­
reconhecer que vivera muito, pois naram-se um pêso para aqueles
sofrerá em demasia... que lhe eram tão caros: a fam ília
Sofreu, porque sepultou, ainda e alguns amigos de tôdas as horas.
jovem, todos os seus sonhos.
Sofreu, porque viveu os melho­
res anos de sua mocidade num
meio áspero, onde as condições de Não estou à altura de julgar
vida não ofereciam uma partícula seus méritos espirituais. Isso deve
de estímulo sequer, capaz de sua­ caber Àquele que lhe ditou o des­
vizar as angústias de sua alma tino em campos sáfaros, onde nem
sofredora, simples e forjada para sempre medrava a semente plan­

116
tada. O que resta de tudo quan­ Loiola, no trem, declamou para os
to fêz, na memória dos homens, companheiros e outros passageiros
é um velho retrato, pôsto, depois todo o extenso poema, sem titu­
de sua morte, na saeristia da i- bear uma só ve z...
greja-matriz de Assaré, terra que Tenho ainda, entre alguns tra­
êl'e muito amou. Dizem que, balhos e esboços de estudos da
ainda hoje, alguns velhos e velhi­ língua portuguêsa, duas outras
nhas de seu temp0 vão às vezes produções suas, dois sonetos, aliás,
até alí, para pedir sua intercessão escritos naquele estilo sóbrio, sem
junto ao Poder Celeste ou para vôos de condor, mas seguro, for­
apresentá-lo às novas gerações: mal. Costumava exteriorizar no
Olhe, menino, aquele é o padre papel o que era êle próprio. Não
Emílio Cabral. Foi um santo... gostava das coisas leves, fúteis,
Foi meu vigário e meu amigo... sem profundidade. Lembro-me de
que, certa vez, fui, alvoroçado,
* * Sc mostrar-lhe um poema de minha
autoria, publicado pela primeira
Quanto ao valor literário de sua vez em revista carioca, ao lado,
obra ou, diria melhor, do que por sinal, daquele maravilhoso
ainda encontrei no arquivo da fa ­ ‘‘■Encontro das Águas” , do grande
mília, pouco sei apreciar, por fa ­ vate e boêmio Quintino Cunha.
lecer-me preparo intelectual que Leu-o, releu-o e disse, finalmente:
essa tarefa requer e, sobretudo, — Está bem fe ito ... é original...
porque sou suspeito em proclamar mas muito profano...
suas qualidades de escritor, de Era assim o padre Emílio Ca­
poeta e de mestre. Sei, entretan­ bral.
to, que deixou como peça de maior
mérito, o poema intitulado “A
Procela Aplacada”, gabada por O padre Emílio não passou em
muitog intelectuais da época e so­ branca núvem no meio em que vi­
mente há pouco tempo publicada veu, embora muito poucos destas
em “ Cadernos do Cariri”, por ca­ duas últimas gerações tenham co­
rinhoso gesto de um dos incansá­ nhecimento de sua existência. Po"
veis rebuscadores de nossa litera­ deria recorrer ao testemunho dos
tura indígena, o doutor José New- que foram seus alunos ou de seus
ton Alves de Sousa. Alguns de paroquianos, aqueles espalhados
seus alunos sabiam de cor êsse por todos Os quadrantes de nosso
poema. Entre êstes posso nomear Brasill e êstes, em sua maioria,
Antônio Furtado e Inácio de Loio- ainda insulados na velha e mo­
la Alencar. Fazendo um parente- dorrenta Assaré, esquecida dos go-
se, quero, nesta oportunidade, par- vêrnos e de seus gloriosos filhos.
ticularizar um fato, a êsse propó­ Êsse testemunho, se a êle recorri­
sito : Certa ocasião, em 1925, do, dar-nos-ia um quadro de rara
quando eu viajava para Iguatu, emoção: sexagenários como eu e
em companhia de Loiola, Luiz mais do que isso, iriam desfilar
Teixeira, pai e filho, e de Rai­ na passarela das saudosas recor­
mundo Tavares Lima (o nosso i- dações as passagens imorredouras
nescuecível Gordo), onde iriamos de uma vida útil e proveitosa, sa­
representar o Crato no primeiro crificada em proveito de algo mais
congresso dos caixeiros do Ceará, do que as vaidades terrenas...

117
O Cel. pensava nisso, òbviamen-
te, a julgar pelo seu semblante.
“ Vou tirar um cochilo” , disse lá

mania;
pra seus botões.
Não tirou.
Das vizinhanças ecoava um ba­
rulho de sanfona, pandeiro, za­

quem per bumba e outros trecos azucrinan-


tes para o nosso homem.
aquilo infernal.
crescia.
Achava
Sua indignação
Adeus, soneca!

m. patrício de aquino A cada minuto aumentava a ira


do Caju : “Macacos ! ” , exclamou.
“ Como se consegue dançar e pular
Aconteceu pelos idos de 1930. nuns tempos dêstes ? ! Cachacei-
Ou 33. Tempo de cangaço brabo. ros ! Vagabundos ! ”
Era de lutas renhidas — polícia — Ô Chico Silva ! — bradou o
versus sertanejos — nas caatingas Cel. n0 auge da cólera.
ressequidas. — Pronto, C e l ! — correu Chico
O Coronel Cajueiro ( “ Caju”, na com subserviência.
intimidade fam iliar) voltara ago­ — Que diacho de barulho é
ra, à boquinha da noite, de uma êsse ? !
estafante jornada peto latifúndio :
— Um forròzinho, Cel. Tão fes­
suas Fazendas ôlho-d’Água, Jeni­
tejando. ..
papo e outras. Fôra juntar algu ­
— Pois pegue sua faca, vá lá
mas reses tresmalhadas. Voltara
e fure o infeliz daquele zabumba.
cansado, que já muitos janeiros
Vá ! Corte o couro em cem pe -
lhe pesavam nos costados. E, o
daços!
pior, não tivera êxito. Uma rês
sequer conseguira prender. Esta­ Chico não contou conversa. Foi.
va irritado. Irritadíssimo. Dei­ Meia hora depois, l’á vinha o po­
tou o corpo numa rêde armada bre diabo. Todo ensanguentado.
na varanda da casa; e os olhos, Sem camisa, a língua de fora e
nos campos mirrados que se lhe o corpo inteiro chagado, ao que
afiguravam à frente, até onde a parecia, de chicote. Passou veloz
vista não dava. em frente do Cel. Êste gritava
espantado :
A sêca era um espectro. A ve de
rapina que sobrevoava paciente­ — Que foi ? ! Que satanás foi
mente a prêsa. No sertão grosso, isso ? Chico ! ! !
todos estremeciam ante sua im i­ Passou direto, o negro. Pegou
nência. a estrada ao lado e foi embora,

118
sempre apontando prá trás, pro jetivos. O Caju tremia-se todo
lado do furdunço. de raiva, a ponto de perder tam­
O Cel. chutou um monte de im­ bém a fala.
propérios. — Calma, Caju, calma. Seu co­
A zoada aumentava aos seus ração não aguenta ! Já viu o di­
ouvidos viciados. O Cel. tremia. tado ? “ Quem não quer... manda;
Vociferava. Dava socos no ar. quem quer... v a i.. .”

— Zé do Carmo ! — gritou. Zé — E é isso mesmo o que eu vou


do Carm o! ! ! fazer agora, desemtupiu o Caju.
Vou l á ! (e batendo nos peitos)
— Nhô sim, Cel. — falou o ca­
Eu mesmo. Eu mesmo !!! Quem
boclo, já com voz trêmula.
fôr podre que se quebre ! E não
— Nã0 sei o que houve com a-
vou só destruir o zabumba. Vou
quê.le frouxo do Chico Silva. Um
acabar de vez com o pagode.
molóide. Uma vaca !. . .
Você vai ver, Sinhá, vecê vai
Zé do Carmo sabia que Chico ver !.. .
era valente. Perigoso. Mas ouvia
Dizia isso armandc-se de revól­
calado. Não ousava discordar do
ver e faca. Não esquecia o ca­
patrão. Nem com gestos.
cête. Arregaçou as mangas e deu
— ... mandei-o fazer um servi­ de perna no caminho.
ç o ... In ú til! Vá você.
Seu regresso deu-se mais rápi­
— Eu ? ... do que o de Zé do Carmo. E nun­
— Sim, você ! Amole a faca, ca D. Sinhá vira olhos tão gran­
ligeiro. Tome êste cacête. Vá. des no marido. Antes mesmo que
Dê uma porretada na cabeça da­ ela perguntasse o que havia, êle
quele monstro e fure-lhe o mal­ falou, ofegante :
dito zabumba. A go ra ! — Só fiz olhar, da porta. Sabe
—• Mas Cel. ... quem tocava zabumba ? !. . .
— Quem está falando ? 1 — Sim, Caju ?. . . Quem ? ...
— É qu e... — Compadre Lampião ! E o
— Não quero saber de conversa compadre toca bem ! . . .
fiada ! Corra ! ! ! D. Sinhá cruzou as mãos. E o
Se Zé foi correndo, voltou voan­ Coronel1 Cajueiro pôde então dor­
do. Seu estado físico não era me­ mir a soneca dos justos...
lhor que o de Chigc Silva. Nem
o seu pavor menor. Dona Sinhá,
mulher do Caju, espantou-se com
o aspecto do caboclo. E estava
Anuncie em
engasgado. Não conseguia falar;
por mais que o Cel. lhe desse sa-
fanões e lhe aplicasse certos ad­ ITAYTERA
119
t?

Clínica U iológica St. Macárío


D I R E Ç Ã O :

Dr. Heron Macárío de Brito


APARELHO DE 250 M A

RADIOGRAFIA DO CRÂNEO E FACE

ESTUDO RADIOLÓGICO DO ESÔFAGO,


ESTÔMAGO E DUODENO

ESTUDO RADIOLÓGICO DO INTESTINO


DELGADO E GROSSO

RADIOGRAFIAS DA COLUNA VERTEBRAL

UROGRAFIA EXCRETÔRA, ETC.

RUA SENADOR POMPEU, N.° 420

FONE: 52 3 CRATO-CEARÁ
ADEMAR TÁVORA exercia algumas vezes também as
de advogado, resolvendo conflitos

Monsenhor Távora
entre donos de seringais ou outros
habitantes da região. Tinha uma
notável' habilidade para tratar com

no Sacerdócio pessoas de tôdas as categorias so­


ciais, dêle chegando a dizer o Pe.

e na Política-(II) Peixoto de Alencar que seria um


dos melhores diplomatas do Brasil,
se tivesse seguido a diplomacia.
Prometí, n© artigo que há pou­ Não foram poucas as vezes em
cos dias escrevi sôbre meu sau­ que deu provas de suas grandes
doso tio Monsenhor Fernandes qualidades diplomáticas. O fato
Távora, voltar a falar de episódios que vou narrar bem o atesta.
em sua passagem pela política do
Acima da foz do rio Envira no
Ceará e no exercício do seu m i­
Tarauacá, desagua, nêste último,
nistério sacerdotal nos rios do A-
o igarapé Aty e, naquele ponto,
mazonas. E é o que hoje faço.
existia um seringal pertencente a
Já ficou dito no meu citado es­ um cearense, homem sem religião
crito, que Monsenhor Távora, ao e que dizia não admitir a visita
regressar de Roma, onde se for­ de nenhum padre à sua proprie­
mara em Direito Civil e Canônico, dade.
foi solicitado por Dom José da
Tomando conhecimento daquela
Costa Aguiar para ajudá-lo na or­
atitude do seringalista seu con­
ganização do bispado de Manaus
terrâneo, mandou-lhe avisar o
e, terminado aquele trabalho, foi
Monsenhor Távora que em certo
nomeado vigário do Rio Juruá, ou
dia chegaria ao seringal da foz
seja de um território igual ou
do Aty, levando aos seus morado­
maior que o do Ceará.
res a assistência espiritual de que
A sede da nova freguesia era a estavam necesitando. No dia a-
vila de São Felipe, à margem do prazado, lá chegou, realmente, o,
Rio Juruá mas o vigário, para le­ avistando no barranco do rio o ho­
var assistência religiosa aos seus mem que não queria negócio com
paroquianos, tinha que viajar, du­ padre, foi-lhe dizendo:
rante mêses, em batelão puxado a
— Aqui estou, meu caro coesta-
remo, por aquêle grande curso
duano trazendo a palavra de Deus
dágua e seus numerosos afluentes.
a todos que trabalham neste se­
Ia de seringal em seringal, ali
ringal, e confio que o senhor, como
celebrando missa, confessando, ca­
cristão, não se recusará a ouvi-la-.
sando e batizando.
Foi log0 saltando do batelão e a-
Além de suas funções sacerdotais braçando o seringalista que se

121
sentiu desarmado com as palavras viam votar naquele pleito e pôs
o o gesto do sacerdote, convidan- na entrada do prédio onde fun
do-o a entrar no barracão e cer­ eionavam as mesas eleitorais al­
cando-o de atenções. Mandou guns homens armados, com ordem
chamar todos Os seringueiros que de só deixarem ali entrar quem
trabalhavam no centro do serin­ tivesse autorização sua.
gal, tendo o Monsenhor Távora alí O aspecto dos homens usados
passado três dias pregando, con­ por Sedrim para guardarem a en­
fessando, casando e batizando, a- trada d0 prédio em que ia rea­
iém de haver feito do homem in- lizar-se o pleito era de meter
fenso aos princípios religiosos medo, pois se tratava de elemen­
mais um amigo naquela inóspita tos do grupo dos Viriatos, cabras
região. de cabelo descendo até os ombros
À grande facilidade que tinha (precursores dos cabeludinhos de
de fazer amigos, juntavam-se no h oje), empreiteiros de violências e
Monsenhor Távora a coragem e o desordens.
sangue frio para enfrentar qual­ Em dado momento, chegou ao
quer situação perigosa que se lhe local onde se encontrava a guarda
apresentasse. de Sedrim o Padre Fernandes, a-
Um fato ocorrido ao tempo em companhado de numeroso grupo
que esteve êle militando na polí­ de eleitores que iam votar.
tica cearense mostrou bem a sua Quando 0 sacerdote foi tentan­
calma e o seu destemor em frente do transpor a entrada do prédio
a adversários rancorosos. os cabras apontaram as armas e
disseram que atirariam em quem
Ia realizar-se no Crato uma e-
l'eição muito disputada pelos par­ procurasse romper aquela bar­
reira.
tidos Conservador Graúdo, a que
estava filiado o então Padre An­ Sem se perturbar, o Padre Fer­
tônio Fernandes Távora, e Liberal, nandes, baixando com a mão "
de que era chefe local Juvenal de cano da arma que tinha mais per­
Alcântara Pedroso, homem de fino to de si, assim falou para Os ca­
trato, dando a impressão de um bras :
lord inglês perdido no interior do — Rapazes, vocês hão de matar
Nordeste Brasileiro, mas que vi­ todos êstes homens que, protegi­
nha como cabo eleitoral de sua dos pela lei, aqui vêm trazer o
inteira confiança Manuel Sedrim seu voto ? E foi entrando, en­
de Castro Jucá, advogado rábula quanto os cabras, perplexos dian­
e pessoa que não dava trégua aos te da atitude do sacerdote, bai­
seus adversários, políticos. xaram, automáticamente, suas ar­
Entendeu Sedrim que o$ eleito­ mas.
res do partido contrário não de­ Com o Padre Fernandes entra-

122
P A C - S m i L E
c o n io a e
ti a g o a r a r i p e

Eu tinha um boneco igualzinho mo se uma câmara me estivesse


a mim: as mesmas feições, os a seguir e, depois, se projetasse o
mesmos óculos sôbre o nariz, tudo film e diante dos meus olhos. O
como num espelho. Do tamanho que o boneco sentia, eu sentia i-
da minha mão, era guardado com gualmente. Um dia tínhamos dor
cuidado num local seguro e, duas de barriga, colccávamos frente a
vêzes por dia, eu o mirava, ba­ frente, cada qual no seu trono.
nhava-o, escovava seus dentes, co­ Passada a angústia com compri­
locava-o no vaso e ria enquanto midos, ríamos muito: nos achava­
êle fazia pipi. Simplesmente co­ mos ridículos, file se sentia vi­
giado e tolhido; consequentemente
acontecia o mesmo comigo — as
ram todos os eleitores que o v i­ coisas marchavam para q insupor­
nham acompanhando. tável. Certa vez, por fome do
desconhecido e por estar com o
Momentos depois chegou ao lo­
cal Manuel sedrim que caiu fu l­ saco cheio daquele sujeitinho h or­
rível, coloquei sua cabeça dentro
minado por um colapso cardíaco,
ao ter conhecimento do ocorrido. da boca e, depois de a chupar co­
mo um pirolito, arrancando-lhe
Um filho de Sedrim andou a-
gritos elaustrófobos de pavor, dei
meaçando de morte a muita gen­
a primeira mordida. A cabeça
te, mas acabou convencendo-se de
tinha um gôsto estranho, que lem ­
que pelo falecimento do pai nin­
brava bola de ping-pong; de qual­
guém era responsável.
quer maneira mastiguei e a engo­
Deposto o general' José Clarin- lí. Foi um momento lindérrimo :
do de Queirós do govêrno do Cea­ na radiola havia Lindonéia, o
rá pelo marechal Floriano Peixo­ bolero louco de Caetano; o sol en­
to, © Padre Fernandes, então no trava na saia e, batendo no qua­
exercício do mandato de senador dro de Chagall, dava-lhe um bri­
estadual, abandonou a política, lho diferente, como o mesmo bri­
declarando não ser esta digna de lho projetado no espelho. Quan­
um sacerdote. E se êle assim ju l­ do terminei de ingerir os restos
gava a política daquêle tempo, que do boneco, êle engoliu meus úl-
juizo havia de fazer da que assola t :mcs pedaços e partimos para o
êste País, nos tenebrosos dias que nada, com alegria nos olhos e
estamos vivendo ? nenhum mêdo n0 coração.

123
DEVANEIO_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
UM D IA :
em d ia de c h u v a
LEM BRANÇA VIVIDA,
UMA N O IT E :
ESPERANÇA S O F R ID A ...
■COMO É BCM SONHAR AS COISAS BELAS,
COMO É D IF ÍC IL VIVER UM GRANDE A M O R !

OS DIAS VÊM CHEGANDO,


O TEM PO CORRENDO SEM PARAR,
HOJE É ONTEM
A M ANH Ã É HOJE

CRIANÇA, MOÇA, MULHER


IN FÂ N C IA SEM LIMITES,
JUVENTUDE SONHADORA,
DE HORIZONTES INFINDOS,

VIDA, PLENITUDE DE DESEJOS, ANELOS,


LUTAS, AMORES, MAS SEMPRE O D IFÍC IL,
A REALIZAÇÃO DE SI M E SM A ...

O AM O R SEMPRE PROCURADO, EM BUSCA,


CHEGANDO AFIN AL, SEM ESPERAR,
IM PR E V ISTO COMO UM RAIO EM N OITE DE TEMPESTADE
BRILHO DE LUZ, SONHO DE V ID A ...

E O QUE É A VIDA, A F IN A L ?
SONHO? ILU S ÃO ? A M O R ? VERDADE?

SONHO — ESPERANÇA DESFEITA,


ILUSÃO — SENTIDOS EM TRAPOS,
AMOR — RENÚNCIA E DOR
VERDADE — A EXISTÊNCIA NO D IA -A -D IA ...
E A VIDA O QUE É A F IN A L ?
A P A IX Ã O QUE A L IM E N T A ...
O SONHO QUE SE D IS S IP A ...

DEPOIS, DEPOIS,
VAGO O SONHO,
DESFEITA A ILUSÃO,
RESTA O AMOR,
A VIDA, ENFIM.
ZÉYPSILONE

124
Literatura

Acadêmico Cearense
Pela primeira vez em sua his­ do de maior profundidade e am­
tória, a Academia Cearense de plitude, mostrando como se pro­
Letras, sediada em Fortaleza, ele­ cessavam as atividades folclóricas
geu para integrar aquele sodalício naquela região cearense, dando
um escritor residente no interior ênfase a algumas danças, como o
do Estado. O escritor e historia­ maneiro-pau, o milindô, o côco-
dor José de Figueiredo Filho, que gavião e o sapo cururu, esta co-
reside em Crato, é o novo imortal mumente executada ao som de
cearense. Sua eleição, no mês uma “ banda cabaçal” , que tam­
passado, foi realizada com a una­ bém foi objeto de estudo por par­
nimidade dos votos dos membros te do escritor. Recentemente, Fi­
da ACL, estando sua posse progra­ gueiredo Filho escreveu um novo
mada para início do próximo mês livro sôbre folclore, focalizando os
de fevereiro. Figueiredo Filho, au­ “ Folguedos Infantis Caririenses”.
tor de mais de uma dezena de li­ O novo imortal cearense, última­
vros, iniciou as suas atividades mente, se tem dedicado a elabo­
jornalísticas no decênio de 1920 - ração de uma “ História do Cari­
1930 e somente em 1937 fêz sua ri” destinada aos alunos do curso
estréia na literatura, quando pu­ de História da Faculdade de F i­
blicou o romance “Renovação” losofia do Crato da qual é pro­
pela Livraria Editora Odeon, de fessor. De sua “ História do Ca­
São Paulo. Depois, transpondo a riri” já foram lançados cinco vo­
barreira da ficção, publicou “Meu lumes. Figueiredo Filho é o atual
Mundo é Uma Farmácia”, “ Cidade presidente do Instituto Cultural do
do Crato” (esboço histórico) e Cariri, que fundou em 1953 jun­
“ Engenhos de Rapadura do Cari- tamente com um grupo de inte­
ri”. Criado ao contato com Os fi- lectuais da região sul-cearense. E
pos mais representativos da saga colaborador de vários jornais do
caririense, Figueiredo Filho dedi­ Ceará e Pernambuco e de revistas
cou-se, posteriormente, ao estudo científicas do país, além de dirigir
das tradições na região do Cariri. a revista “ Itaytera”, órgão oficial
Como resultado de suas pesquisas do Instituto Cultural do Cariri, de
no campo do folclore, publicou em circulação anual.
1962 “ O Folclore no Cariri”, estu­ (Correio Brasilier.se 26 - 01 - 68)

125
nesse caso, para dar recurso ao

Da ser humano, não precisa de água


de chuva. As nascentes do Ara-

Terra ripe e o lençol freàtico a possuem


de sobra.

nos Paulistas de Mogiguaçu identi­


ficaram isso e correram para cá.
intalando potente fábrica de ce­
vem a râmica, prestes a inaugurar-se, no
município de Crato, às margens da

Riqueza estrada que nos liga a Juàzeiro e


a outros pontos do Ceará e do
Brasil. Mas, há uma outra indús­
J. F. F.
tria grandiosa, em pleno funciona­
Da terra brotam tôdas as rique­ mento. É o milagre da pertinácia
zas principais do homem. Dela inteiramente nossas e mostra por
chega-nos o minério. Nutre a la­ que o nordestino, ou a prata de
voura e a pecuária. A grandeza casa, é capaz de assimilar o mais
de Deus doou-nos o sólo, âmago requintado progresso. Nasceu de
do globo e o ar que o envolve. capitais locais, com a ajuda da
A agricultura e a criação para Sudene, do Banc0 do Nordeste, do
medrarem necessitam também da Banco do Brasil e outras institui­
água. Há áreas que a possuem ções de crédito.
abundante em seu solo. Outras, A princípio fêz parte do PLANO
no entanto, vivem mais escravi­ ASIMOW, surgido de afogadilho,
zadas às precipitações pluviômicas. no tempo ainda da inflação. Se
A sabedoria do homem, dádiva não se afastasse dêle, estaria fra­
também do Criador, precisa do­ cassada como infelizmente aconte­
mar a natureza a fim de regula­ ceu com muitas emprêsas brotadas
rizar as suas riquezas. do mesmo. Não quero culpar seu
Há outros recursos que são ofer­ inspirador, pois, a mente humana
tados do engenho humano, em zo­ por mais inteligente que seja, não
nas privilegiadas. No Cariri existe é infalível e pode estar sujeita a
trecho de terra que é dos manan­ fatores negativos, a qualquer mo­
ciais mais poderosos de argila pa­ mento. Os planejamentos podem
ra cerâmica industrializada de to­ ir de águas a baixo por mais pe­
do o norte brasileiro. Já come­ rspicazes que sejam seus mentores,
çam a despertar a atenção dos como sucedeu desde o princípio da
industriais. O Barro Vermelho, civilização.
.-.uburbio de Crato, é formado des­ A indústria que passou por vá­
sa argila, assim como parte do rias vicissitudes, depois venceu ga-
município de Barbalha. A terra, lhardamente, ao abandonar seu

126
C a d e rn o s B r a s ile ir o s C B
e j . d e F ig u e ire d o F ilh o
A grande revista de cul­ diretor J. de Figueiredo Fi­
tura, bem moderna, “ Ca­ lho, logo em primeiro lugar.
dernos Brasileiros” , dirigi­ Trata-se de trabalho sobre
da pelo intelectual de reno­ assunto regional, com o tí­
me internacional - Afrânio
tulo — “A CIVILIZAÇÃO
Coutinho, editada no Rio,
em seu número 58, de Mar­ QUE VEIO PELO S. FRAN­
ço e Abril, do corrente ano, CISCO” , o mesmo que saiu
consagrada à Sudene, pu­ reproduzido na atual edição
blicou colaboração de nosso de ITAYTERA.

plano anterior, foi a cerâmica do departamentos funcionam ali em


Cariri S. A., implantada no pro­ sincronia.
gressista e risonho município de Cada qual possui orientação per­
Barbalha. É a CECASA a simpá­ feita. O industrial está sob a di­
tica sigla tão repetida pela tevê, reção do engenheiro Eudoro Wal-
imprensa e rádios. Fortaleza e ter de Santana. Não tem a fala
outras cidades já conhecem seus arrevesada. É brasileiro puro e
ladrilho; e cacos. A gente indo filho deste Nordeste, sofredor, for­
visitá-la tem a impressão que está ja perene de inteligência e de ca­
p'sando num pedaço de S. Paulo. ráter. Sua equipe é de primeira.
Ampara quatrocentos trabalhado­ Organiza planos e executa dentro
res que só sabem das condições da melhor técnica.
de calamidade no Ceará, pela si­ A terra não nega recursos ao
tuação de seus irmãos. Testemu­ homem que a trata com carinho
nhei sua alimentação. É nutritiva e com trabalho. Mesmo quando
e boa. Vem de casa e todos das não recebe água dos céus para a
respectivas famílias passam de i- lavoura pode ser trabalhada com
gual modo. fogo e pressão e oferecer das mais
Não tardará a ter restaurante preciosas peças de cerâmica do
próprio. Sua organização equili­ Brasil. Outrora produziu cana e
brada, em sintonia perfeita entre agora enfeita e higieniza os edi­
dirigentes e dirigidos, mostra a fícios de nossas cidades. O ho­
capacidade de adaptação do ca- mem, após tanto sofrimento, não
ririense, como do nordestino em pode abandonar ?. terra que lhe
geral, a qualquer trabalho orien­ dá tudo, de uma forma ou de
tado por técnica moderna. Três outra.

127
Cia. Nordestina Agro Industrial

Rações balanceadas em geral


Produtos alímenticioSj a saber:
Fubá; Creme de Milho; Can-
gíca; Xerém etc,

Tradicionais os seus FLOCOS CINAI

H igien e perfeita

Av. Pe. Cicero, 1051 - Crato-Ceará


j •
Duarte Junior,
companheiro
que desaparece
Sexta-feira 10 de Julho, íui pro­
curado em minha casa pelos jo ­ melhorasse daquela fraqueza. Sua
vens jornalistas, Jurandy Temóteo esposa, solícita como sempre, en-
e Manuel Patrício de Aquino, P e­ carregar-se-ía do resto de sua
diam-me crônica para o nôvo ór­ cura. Mesmo naquela curta con­
gão da imprensa cratense — “ O versação, falamos que o 14.° nú­
SATÉLITE ’, que iriam dirigir e mero de “ IT A Y T E R A ” entrara em
indicaram-me o título — DUARTE composição. Dera êle ótima con­
JUNIOR. tribuição anterior.
Fiquei aturdido. Momentos de­ Duarte Júnior não cursou F a ­
pois é que lhes perguntei. culdade de Direito, mas possuía
— Duarte faleceu ? conhecimentos jurídicos mais sóli­
— Acaba de morrer há pouco. dos do que muitos bacharéis, não
Antônio Duarte Junior era dos lhe faltavam clientes e tinha as
bons amigos que eu possuía. In ­ mesmas prerrogativas de um for­
teligência acima do comum, com­ mado.
panheiro do Instituto Cultural do Foi político militante, em certa
Cariri, a êle se destinava a cadei­ época. Ocupou a Prefeitura de
ra da secção de Letras, tendo co­ Barbalha e deixou ali melhora­
mo patrono o escritor e juriscon- mentos que perduram. Tomou
sulto — Raimundo de Monte Ar- parte, com brilhantismo, na As­
raes. De vez em quando, me en­ sembléia Legislativa Estadual.
contrava com Duarte em bate-pa­ Casou-se com D. Ales Ribeiro
po bem amistoso. Duarte, esposa dedicada. O casal
Há pouco, estive em casa dêle, encaminhou e educou os filhos em
após ter saído da Casa de Saúde bons princípios. Genros e filhos
São Miguel. Estava em convales- ocupam posição de destaque na
cênça de febre tifóide e não re­ vida. Com 74 anos, ao falecer, sua
tomara o riso franco de outrora. inteligência estava em franca pro­
Sua conversa era com sílabas cor­ dução. Filho de Barbalha, há
tadas mas não o julguei morrer muito morava em Crato e sabia
daquela. Não quis demorar-me amar de alma e coração, as duas
muito com êle aguardando que cidades.

129
Um Lí oro sobBich
Há poucos dias, a direção da gaiolas constituíam dos seus maio­
FLORESTA NACIONAL ARARIPE res atrativos, por mais bonitas que
-APO D I, cumprindo determinação fossem constituídas.
legal, extinguiu, em Crato, a feira Havia profusão de bugas, de
de passarinhos. Constituia-se a pouco valor, pegados de alçaprão
socção mais movimentada desses r:a serra. Mas, a patativa azul se
ajuntamentos populares, que se disputava a pêso da muito cruzei­
realizam, para fins comerciais, se­ ro sob encomenda de muita gente
manalmente, nesta cidade. Gaiolas moradora no sul. Canários de
de todos os feitios eram ali ex­ briga não tinham limite de cota­
postas em proporções avultadas, ção. Valiam pelos campeonatos
não lhes faltando compradores, as vencidos. Sabiás e Craúnas apa­
vêzes, até empatando o trânsito da reciam, de quando em quando, só
rua e das calçadas. A frequência acessíveis aos bolsos dos ricos. O
superava até a feira da rapadura, cancão saltitante frequentemente
feijão, ou mesmo das frutas. Mas passava a ser negociado para fins
os passarinhos que enfeitavam as terapêuticos. Tem o dom, desde

Foi dos bons oradores do Cariri. F AM ÍLIA DO ADVOGADO


Ao receber Caravana Liberal, em ANTÔNIO DUARTE JÜNIOR :
Fortaleza, pronunciou o discurso Esposa: — Dona Ales Ribeiro
oficial de repercussão, em todo o Duarte. Filhos : — Laerte Ribeiro
Ceará. Duarte (7 filhos). Fábio Ribeiro
Escrevia- bem, não só em assun­ Duarte (4 filhos). Nicéas Ribeiro
tos jurídicos, como n'a parte pro­ Duarte (8). Jackson Ribeiro Du­
priamente literária ou histórica. arte (solteiro) Alênio Ribeiro Du­
Editou vários opúsculos e no ano arte e Enéas Ribeiro Duarte (sol­
passado, lançou a bem feita se- teiros) Snras. Edênia Duarte de
parata do 13.° número de “ IT A Y - Alcântara, Euna Duarte Gonçalves
TERA”, “Apoteose do Banditismo’’, e Eliane Duarte Veloso. GENROS:
com a maior aceitação possível. Carlos Pedr0 de Alcântara, Wilson
Foi trabalho que deu as origens Gonçalves Cortezia e Ivan da Con­
históricas da questão de 1814 de ceição Veloso. Snras D. Haydée
Juazeiro e o Ten. Cel. Franco R a­ Ribeiro Duarte, Adalgisa Guima­
belo. rães Duarte e Carmen Duarte.
Duarte Júnior, vinculado a Cra­ Antônio Duarte Junior, dos mais
to e a Barbalha enterrou-se na brilhantes sócios do I. C. C. será
iiltima, com grande assistência. patrono de uma das cadeiras da
Que sua alma repouse no Senhor, Secção de Letras, a ser preenchida
como bem merece. pelo companheiro Geraldo Lobo.

130
o tempo da colônia, de trancado CHOS NA FALA DA GENTE” . Foi
num quarto durante a noite com editado p/ INSTITUTO JOAQUIM
um asmático, absorver-lhe a do­ NABUOO DE PESQUISAS SOCI­
ença, ficando acometido do terrí­ AIS. É seu diretor e muito tem
vel puxado, terror noturno de realizado pelo seu progresso cul­
muito cristão, que tem infelicida­ tural. Só um pesquisador profun­
de de ser acometido. Muita gen­ do poderia escrever um .livro do
te, principa.lm.ente criança, ficou quilate de “ OS BICHOS NA FALA
com saudade daquela feira tão DA GENTE'’. É preciso que seja
alacre. conhecedor das coisas do Nordeste
Todo êsse comércio animado, e ter bastante senso de observa­
cheio, com mercadoria viva e ale­ ção. Precisamos conhecer-lhes ao
gre, a cantar sempre, embora so­ menos pequena amostra que diz
frendo no cativeiro, desapareceu da profundidade daquele livro, tão
de uma hora para outra. Fun­ simples e tão ao sabor das coisas
cionários da Floresta Nacional, sertanejas.
munido da lei proibitiva, chegou Mauro Mota tem o dom de es­
no local e deu ordem de soltura crever coisas profundas no lingua­
a todos os engaiolados. Alguns jar tão simples que tanto o iden­
deles soltaram vôo logo e ganha­ tifica com a terra, onde nasceu:
ram o infinito. Outros, originá­ Vejamos o étimo CANÁRIO :
rios da Austrália, como os peri­ “ CANÁRIO DE B R IG A : ho­
quitos, ou da Eélgica, a exemplo mem briguento. CANÁRIO DE
dos canários, não souberam orien­ UMA MUDA: que sempre vive
tar-se no espaço. Desceram nos com a mestma roupa. CANÁRIO
quintais vizinhos e não escaparam N A PO R T E IR A : mulher que de­
à caçada dos meninos, abundantes fende o marido e entra na briga
em tôdas as redondezas. Volta­ a favor dêle. CANÁRIO MUTU-
ram às prisões ou foram mortos C A : Mofino que apanha logo.
sem piedade. CANÁRIO T U R U N A : resistente
Na feira seguinte, retomaram que aguenta briga. CANÁRIO DE
apenas as gaiolas vasias, sem fre- BANDO : quem só gosta de andar
guêses, até desaparecerem do mer­ em grupo; homem de várias mu­
cado, por completo. lheres”.
Sôbre bichos e muito carinho­ O livro é atraente, cheio de
samente sôbre passarinhos, o re- coisas pitorescas, pesquisado nas
cém-eleito membro da Academia cidades e no interior, É escritor
Brasileira de Letras, empossado, de fina observação e seu estilo
em maio último, o escritor Mauro faz dele dos primeiros escritores
Mota glória das letras nordestinas, do Brasil atual, mas é visceral­
publicou, no ano passado, o bem mente vinculado ao Nordeste.
feito e oportuno livro — “ OS B I­ J. F. F.

131
I Companheiro e A lio
ORLANDO MOURA |
Fortaleza, dezessete de onze de mil novecentos e sessenta e nove
Os vespertinos de hoje trazem a infausta notícia da morte do
companheiro e amigo Orlando Moura
Páro e prego os olhos absorto na leitura trágica
Morreu o companheir0 e amigo Orlando Moura
No meio da rua pensativo imagino e retrato a fisionomia do
amigo morto

Desço pela rua do Ouvidor


Orlando me acompanha
conversa comigo
sorrí comigo

De repente não acredito na morte prematura do amigo e


companheiro Orlando Moura
Sua presença é constante em meu pensamento.
sua fisionomia
sua voz confusa
seu jeito alegre.

Orlando Moura não morreu,


sua memória é imarcescível, pois não há morte
para aquêles que passaram pela vida e doaram um pouco de
Si aos outros
em forma jornalística,
em forma didática,
em forma de exemplos.
HUBERTO TAVARES

132
GOMES DE MATOS :

Traços t Episódios sua i a -


Pedro Gomes de Matos
Quando o professor Raimundo Gomes de Matos recebia, na so­
lene compostura da morte, as últimas homenagens dos seus amigos
e admiradores, eu tive oportunidade de d iz e r: sôbre a sepultura de
Gomes de Matos como sôbre a do grego desconhecido de que fala a
antologia se poderá escrever: “ aqui jaz o ruído do vento que passou
derramando ca.lor, perfumes e sementes em vão'’.
Na verdade, morreu Gomes de Matos sem nos ter deixado o de
quanto seria capaz a sua inteligência.
Durante quarenta anos pontificou no jornalismo, frequentou a
política e defendeu as causas mais ingratas e complexas.
Foi como advogado que Gomes de Matos mais se destacou; e
isso o regista José Alcy Paiva na série de notas publicadas no Jornal
“ O POVO” sob o título : “ GRANDES PROCESSOS E GRANDES ADVO­
GADOS DO CEARÁ” .
Diz êle :
“ Dentre os grandes advogados do Ceará, nas décadas que an­
tecederam a presente, tem lugar proeminente, sem dúvida, o Dr. Rai­
mundo Gomes de Matos, advogado tanto no C ível como no Crime em­
prestou aos processos em que tomou parte o conhecido saber jurídico
e o fulgor de invejável inteligência. Como orador de Júri, foi, até
bem pcuco, do?. mais aplaudidos, pela habilidade pela dialética e por
uma verve encantadora.
“ De inúmeros processos em que funcionou, destacamos trechos
de uma carta que endereçou ao Des. Daniel Lopes, então relator do
processo criminal conhecido nos anais forenses do Estado por “ O
Crime de Cariús” .
“ Na crise de caráter que atravessamos evidente é o horror dos
indivíduos dessa espécie ao ostracismo, para êles considerado a coisa
pior do mundo. Já se foi a época sadia dos homens de bem dos par­
tidos políticos perfeitamente demarcados por um idealismo delimitados
nos seu?, campos de ação com os respectivos chefes, e estandartes e
programas.
“ De há muito reina a confusão na capital e nas aldeias do
interior ora tudo nivelado pelo despudor político”.
Tinha tanto poder de assimilação que assim o traduziu Cursino

Notas lidas em 1 0 . 8 . 6 8 no Salão de Conferência da Casa de Juvenal


Galeno.

133
Eelém : Gomes de Matos é tão inteligente que dos artigos da lei só
lê o comêço. E acrescentou : boa ou ruim, o que êle defende é a
causa do cliente.
Esta observação vale por um retrato de Gomes de Matos, senão
como uma mostra do empenho, da vibratilidade com a qual defendia,
com risco às vêzes da própria vida, as causas que lhe eram confia­
das. O calor no debate fê-lo dizer: — os dedos da-s mãos são mui­
tos para contar os juizes honestos do Ceará.
Nas pelejas judiciárias era, de ordinário, um vitorioso em po­
tencial.
Precisamente em 1944, escreveu (a ditadura caminhava para o
fim ) :
“ O Dr. Meneses Pimentel ainda não teve oportunidade de tocar
a busina conclamando eleitores porque realmente dêles não pacisa.
Não se fala fundadamente em pleito eleitoral, boateja-se apenas.
“ Mesmo assim, quem quiser saber onde estão malhando muitas
rêses do Partido Social Democrático, daquele “pujante” que lhe com­
bateu desesperadamente a candidatura à presidência do Estado, não
perca tempo com indagações, não publique anúncios, — pare um mo­
mento na Praça do Ferreira, ponha o ouvido para o lado do Palácio
Governamental e ouvirá o toque dos chocalhos amarrados no pescóçó
de muitas delas principalmente dos ardentos oradores pesse distas pro­
pagadores das “Vozes, do Sertão” , falsas, inverídicas, que tanto engana­
ram o Oel. Felipe Moreira Lima.
“ Vá direitinho nesse rumo e lá encontrará o grosso daquela
gente acampada à sombra do alpendre interno onde não faltam milho
e água fria aos adesistas.
“ Alguns dêsses entraram pelo portão do pardieiro, dando a mão
ao cabo da guarda, outros, humildemente, tirando o chapéu ao pau da-
bandeira. Outros, pularam a janela. Nenhum entrou pela porta”.
Como e ainda neste passo se vê, a veemência era um traço mar­
cante da sua personalidade, a par da crítica por vêzes contundente.
Foi sem dúvida Gomes, de Matos, a seu modo,um hómem feliz,
inclusive porque teve morte quase súbita, como sempre o desejou. E
eis que o inopinado da ocorrência (uma crise cardíaca) não o im­
pressionou. Antes, disse, num lúcido e irônico discernimento da rea­
lidade : — Léa, estou frito.
Viveu e morreu cercado de amizades. Quando do seu último
aniversário natalício vi-o cercado de amigos e quase, todos, como êle.
avançados em idade: Miguel Câmara, de Quixeramobim, Rafael Teó-
filo, Carlyle M artins...
Lembro-me de quando à sua residência, na 24 de maio, chegou,
nessa ocasião, o venerando senador Fernandes Távora, com Moema,
o seu anjo da guarda. Abraçou-o, e deu-lhe um presente. Fiquei

134
comovido com aquela lembrança (a do presente) e quando dali me
retirava rumo a Maranguape, observei para a minha m u lh er: veja
que amizades as da velha geração : vão do comêço ao fim. Nas de
hoje só há interêsse.
Nessa oportunidade, o João Jacques (que a êle por dois anos
serviu como datilografo quando deixava o Seminário de Fortaleza pe­
los idos de 1930), fazia-lhe perguntas que bem identificavam o re­
pórter que naquele mesmo dia se tornaria imortal. Entre outras:
Gomes de Matos, você já foi maçon ? — Um dia, respondeu. E de
govêrno, Gomes de Matos, qual o melhor que o Ceará já teve E an­
tes que viesse a resposta, João Jaques se saiu : Você nunca foi amigo
de govêrno.
Palestrador incomparável, era Gomes de Matos de um repentis-
mo a tôda prova.
Não há quem dêle não guarde um humorismo, uma frase de
espírito rica, por vêzes, de sentido sociológico.
Não faz muito, no contexto de um editorial de primeira página
do “ O GLOBO” , vi a frase por êle proferida no júri de Virgílio Gomes:
o povo é massa falida.
A um primo seu do Crato, Daodoro, que lhe reclamara medidas
contra o jôgo no comêço do Govêrno Beni, respondeu pôr telegrama:
não se preocupe govêrno nôvo fica velho.
Veja a presença de espírito que ainda tem o Gomes de Matos —
disse-me o Dr. Manoel Albano Amora. E refere : ia êle atravessar
uma rua e estava embaraçado com o movimento de veículos. De
lado, um amigo o adverte : Dr. Gomes de Matos, olhe para o sinal.
Êle virou-se e com energia na voz disse : eu olho é para o carro que
sinal não mata ninguém.
Ao lado dc H. Firmeza e Adonias Lima, de Renato Viana e Gus­
tavo Barroso, de Matos Ibiapina e Andrade Furtado, figura Gomes de
Matos, na conceituação de Geraldo Nobre ( “A Imprensa do Ceará
na República” ) entre os jornalistas que mais se destacaram no de­
cênio 1910 - 1919.
Combateu com João Brígido, desassombradamente os desman­
dos políticos do Ceará; e disse, a propósito, numa conferência na
Casa de Juvenal Galeno, que quando deixava de comparecer às reu­
niões em casa dêle o inolvidável panfletário, presto, indagava : onde
anda o Gomes de Matos que não aparece, isso é coisa.
Sucedendo o Des. José Moreira da Rocha a Idelfonso Albano na
governança do Estado, o Ceará transformou-se em autêntico couto de
bandidos.
Chefiados por Lampião, grupos de bandoleiros, após os saques
nos estados circunvizinhos, vinham aqui repousar, tranquilamente,
certo;, de não serem incomodados. Em Palácio os “ coronéis” eram
recebidos de braços abertos.

135
F oi neste comenos que Gomes de Matos escreveu : — o govêr-
no do Des. Moreira da Rocha veio provar que o Ceará não precisa
de Govêrno.
Refere Paulo Elpídio de Meneses que tôda vez que uma causa
empolgava e dividia a opinião pública no Ceará, de imediato vinha
do Rio a pergunta : com quem está Gomes de Matos ? Era homem
que se não omitia, e destacava-se por sua independência de atitudes.
Pertenceu à Aliança Liberal, partilhando dos mesmos ideais de Mau­
rício de Lacerda, Nereu Ramos, Batista Luzardo e outros.
Em 1916, (regista-o Raimundo Girão) fundou o d ário “ O Jornal”
que se tornou temido pela seção por êle assinada “ Flechas e Meehas” .
Dos seus últimos artigos na imprensa de Fortaleza, o que maior
repercussão alcançou foi M ATUTOS NAO SEJAM BESTAS VENDAM
OS SEUS VOTOS e, também, O JUIZ DA VA RA COMPRIDA (artigo por
sinal, transcrito numa revista de S. Paulo) no qual comentou um des­
pacho do Juiz Aguiar Dias liberando, do Rio, um contrabando no Ceará.
Em “ Matutos não sejam bêstas vendam os seus votos” o que
Gomes de Matos pretendeu foi valorizar, no momento oportuno, o
“ homo eleetor” , dos governantes sempre injustiçado e esquecido.
Gomes de Matos — diga-se de passagem — muito contribuiu
para o renome e o engrandecimento da Faculdade de Direito do Cea­
rá, quer como professor catedrático de Direito Comercial (cadeira para
a qual foi nomeado em 23 de dezembro de 1913, e que já a exercia
desde 14 de dezembro de 1910, como substituto do Dr. Eduardo Studart
(então em disponibilidade) e na qual se aposentou por Decreto do
Presidente da República datado de 8 de fevereiro de 1950), quer como
membro da sua Diretoria, que o foi por dez anos.
Foi professor substituto de Direito Penal e de Introdução à Ci­
ência do Direito.
Começou a sua carreira ainda acadêmico como Prom otor de
Justiça da cidade de Jardim. Logo após a conclusão do curso de
Direito foi nomeado Juiz Substituto de Barbalha.
Transferindo-se para a Capital foi Delegado de Polícia de For­
taleza, Procurador Geral do Estado, Secretário de Polícia e Segurança
Pública e Deputado Federal1 como suplente do extinto Partido Social
Progressista do qual foi vice-presidente, no Ceará.
No Recife, onde fêz o curso de humanidades no Instituto P er­
nambucano, do professor Cândido Duarte, foi companheiro dó Embai­
xador Assis Chateaubriand Bandeira de Melo e do grande político
Agamenon Magalhães.
Sôbre a sua formação jurídica exerceu benéfica influência a cha­
mada Escola do Recife de que foram figuras de destaque Tobias Ear-
retc, Sílvio Romero, Clóvis Beviláqua, Artur Orlando, Fausto Cardoso,
Martins Júnior e outros. Visava a dita escola, que tinha como ór­

136
gãos de divulgação “Vigílias Literárias” e “ Idéia Nova” , “Colorar o
Direito dentro da teoria do evolucionismo” .
O curso primário fê-lo Gomes de Matos no Cratò no Colégio
Venerável Ibiapina com José Joaquim Teles Marrocos, mestre latinista,
e a quem, pela escolaridade, menino como êle pagava dois mil réis
por mês-
Aliás, em 1955, o discípulo saiu em defesa do mestre quando, 44
anos após o desaparecimento dêie, pretendeu-se fazer-lhe restrições.
D isse: nunca vi homem mais modesto, mais religioso, mais temente
a Deus. E salientou com êste fato a nobreza de sentimentos do gran­
de educador caririense:
“ Caridosíssimo, à porta do colégio, aparecia um menino dos bre­
jos e dos pés-de-serra, trazendo gaiolas cheias de passarinhos : caná­
rios, patativas, bigodes, rolinhas, papa-arroz e outros. O velho mes­
tre comprava tudo por atacado por preço ínfimo, e ali mesmo, na
calçada do prédio, chamando Os discípulos para testemunhas, abria a
porta do presídio, libertava as avezinhas. Era para êle prazer espe­
cial vê-las esvoaçarem em procura de seus lares-
“Assisti a essa cena mais de cem vêzes, e êle era paupérrimo” .
Do seu tempo no Recife evocava, em palestras, a figura austera
de Laurindo Leão, catedrático da Filosofia do Direito, e pai do es­
critor e acadêmico Múcio Leão, assim como a de Adolfo Cirne, lente
de Direito Civil.
A projeção de sua cultura ultrapassou as fronteiras do Ceará e
se alargou por outras unidades da Federação. Era sempre solicitado
para tomar parte em bancas examinadoras de muitos estados (Per­
nambuco, Piauí, Pará, B a h ia ...) tendo em tôdas atuação marcante.
Foi sem dúvida na tribuna dos júris- populares de Fortaleza e
do interior do Estado que Gomes de Matos mais se axalçou.
Dentre os júris importantes de que participou, destacam-se : o
de Virgílio Gomes, acusado da morte do jornalista Antônio Drumond,
diretor da “ Gazeta de Notícias” ; o de Raimundo Augusto, de Lavras;
o de Mozart Catunda; o de Carvalho Pereira e o do médico paraibano
Nélson de Queirós Carreira, autor intelectual da morte de Carlos Go­
mes de Matos, seu sobrinho, fato ocorrido em Crateús.
Não menos importante foi o júri dos Mororós, em Pacotí, e o
de José Mendes Braga, em Maranguape.
“ Dotado de lógica irrespondível, era um orador vibrante e im­
petuoso principalmente quando da tribuna defendia- um réu e quando
via no advogado da acusação um colega respeitável pela cultura ju­
rídica. Se êste era um Quintino Cunha, com quem teve ocasião de
defrontar-se, usava dos mesmos recursos do adversário para confun-
dí-Io no raciocínio. Era de finíssimo humor e sempre utilizava sá­
tiras durante suas defesas para convencer o conselho de jurados, dei­
xando o colega sem argumentos” . ( “ O POVO” ).

137
Publicou vários opúsculos com temas vinculados às questões que
patrocinou, um dos quais com interessante título — DE A PITO NA
EOCA.
Salienta-se que a sua grande função pública, a em que por as­
sim dizer se celebrizou, foi como secretário de Polícia e Segurança
Pública no Govêrnp do Interventor Beni Carvalho.
Ocorreu o seguinte.
Luís Carlos Prestes, líder do Partido Comunista Brasileiro, de­
sejou vir a Fortaleza e aqui fazer um comício. Desaconselhado a não
permitir tal, dado o perigo de haver desordens, o Secretário não se
deixou intimidar e consentiu que não só fôsse realizado o comício como
também uma passeata à luz de archote. Tudo decorreu normalmente
embora no mesmo dia o Partido Democrático também realizasse con­
centração na Praça do Ferreira com os ânimos bastante acirrados.
Da sua turma de formatura (a terceira da Faculdade de Direito
do Ceará) destacaram-se, entre outros, Matos Peixoto, como civilista
e constitucionalista emérito, Álvaro Bomílcar, como sociólogo, e Hil-
debrando Acióli no campo do Direito Internacional1 .
A propósito do assassinato do Cel. Felinto Cruz, abatido a bala
numa secção eleitoral em Santana do Cariri, escreveu, enfocando a
criminalidade política no B ra s il:
“ A terra de Santa Cruz, atrasada como é, e que só agora começa
despertando para o culto do civismo e do progresso, em tôdas as suas
manifestações, não podia escapar à regra sociológica, fatal, da crimi­
nalidade política.
“ A politicagem é, entre nós, porém somente aos olhos de pou­
quíssimos observadores dos fenômenos sociais que nos envolvem, o mais
poderoso fator de delinqüência, quiçá mais forte que o álcool e a lu-
xúria combinados”.
“ Não há comarca mais ou menos antiga nêste país vastíssimo
que não ostente farta e vergonhosa crônica de delitos dessa natureza,
isto é, de fundo político. Processos crimes instaurados por aí afora
em geral são mal organizados.
“ Alguns juizes e promotores de justiça, precatando-se, preve­
nindo-se contra possíveis atitudes desrespeitosas às suas autoridades
não querem assumir certas responsabilidades, não querem buscar a
gênesis, a origem de determinados fatos delituosos.
“ Esquecem de propósito, muitas vêzes, os mandantes apontados
pela opinião pública, e assim ocultos às perquirições judiciais, êstes
ficam sem punição alguma.
“ Lares onde havia riqueza ou abastança, onde a fam ília entoa­
va o hino da felicidade da vida, se desfizeram ao choque brutal de
estúpidos homicídios de seus chefes e se reduziram a maior miséria.
Alguns nunca mais se reabilitaram nem economicamente nem quan­
tos a antiga alegria íntima.

138
“ Por tôda a parte sangram corações de viúvas, de filhos, de
parentes próximos e de amigos da$ vítimas. A;, estradas que cortam
o sertão são pontilhados de cruzes que assinalam a j emboscadas trai­
çoeiras.
Serpentes devoradoras de existências preciosas, eis a politica-
lha no Brasil1’’.
Nessa mesma oportunidade faz Gomes de Matos um retrato do
que se constituía a massa eleitoral do Brasil.
“ Teu depoimento (alude êle ao do eleitor que foi causa indireta
do crime de Santana do Cariri) é o espelho vivo da crassa ignorân­
cia, da pobreza física, moral e mental da grande maioria, senão da
quase totalidade dessa coisa amorfa, dessa coletividade anônima, dessa
porção de ninguém, dessa massa imbecilizada que era quase todo o
eleitorado brasileiro, multidão, em regra, inconsciente do que fôsse uma
eleição na sua realidade, constitucional, nos seus objetivos patrióticos,
nas suas finalidades para o bem público, para a Nação, párá o Estádo,
para o Município.
“ Tu conheceste eleição apenas pelo lado do bródio, da patuscada.
da cczinha, da bebedeira, pelo lado festivo do almoço de carne co­
zida e pirão, regado a vinho zurrapa e cerveja quente, pelos “ vivas”
acs candidatos desconhecidos, pelos foguetes que fendiam o ar sau­
dando a vitória de uns, e pelas vaias, assuadas, injúrias, apupos e
assobios que desapontavam os derrotados na fuzarca das urnas.
“ Tu és a figura típica, perfeita e acabada do “ Jeca Tatú” , de
Monteiro Lobato ’.
“ Farsas trabalhosas e caríssimas, fontes de eternas desordens
geradoras de crimes, “ foi como considerou eleições em telegrama di­
rigido a Getúlio no 3.° aniversário do Estado Nôvo, e cujo texto foi
estampado no folheto “A Função Social e Política das Faculdades de
D reito” , do professor Djacir Meneses.
Gcmss de Matos só compreendia o exercício da advocacia na
base da honestidade e não no da chicana, da mentira, dos sofismas,
da astúcia, do charlatanismo, da verbosidade sem feitos, da aparência
sem substância.
Assim, comentando o livro “ O Advogado’, do Br. Mário Guima­
rães de Sousa, em trabalho no qual salienta haver advogados de to­
do j os feitios, dos que aceitam causas sem fundamento legal,
com o objetivo de impor acordo ao adversário, dos que traem os pró­
prios constituintes, voltando-se contra êles, exigindo honorários nunca
contratados, e dos que vendem seu direito a parte contrária, — ofe­
rece à tese essa contribuição: “ Na obra invocada não vimos referên­
cia ao tipo manhoso do advogado administrativo que vive agarrado
aos membros dos governos, em tôda;. as situações, anferindo enormes
lucros em negociatas que as repartições públicas não sabem repelir.

139
em face do interêsse recíproco, na divisão dos honorários de dezena.
e centenas de contos de réis” .
Não era norma sua defender com o recurso da negação dos fatos.
O seu escritório de advocacia foi para alguns bacharéis recém-
f erma des, nos quais reconhecia méritos e inteligência, autêntica es­
cola prática de Direito. Por êle passaram José Teles da Cruz, Pedro
Wilson Mendes, Ivan Ribeiro Paraíba, Francisco Olavo de Sousa, José
Sobreira Amorim, Marijeso B enevides... “ Ainda hoje tenho a carta
que o Gomes de Matos me fêz —• disse-me ao sair da missa de 7.°
dia, no Patrocínio, o Dr. Marijeso — convidando-me para ir trabalhar
no escritório dêle. “ Venha trabalhar no meu escritório. Você é um
ra.paz inteligente e de muito futuro ’. E acres:entou : “ se não quiser
acreditar em mim pergunte a sua avó’.
Ao lado de Eduardo Girão e Gondim Neto (da Universidade do
B rasil) de Earreto Campeio o Joaquim Amazonas (da do Recife) in­
tegrou Gomes de Matos a banca examinadora na qual D jacir Meneses
se submetera a- concurso para. a cátedra ds Introdução à Ciência do
Direito, da Faculdade de Direito do Ceará.
Foi o prélio o que houve de mais vibrante tanto pelos conhe­
cimentos do candidato como pela análise da tese, que foi severa e
impiedosa.
Dias depois, Gomes de Matos publicava na “ Gazeta de Notícias”
um artigo sob o título — SALVOU-SE O Pe. HÉLDER. É que ao ilus­
tre sacerdote pedira êle o roteiro da argiiição. Demonstra o fato a
sua despretensiosidade.
Do Pe. Cícero Romão Batista foi particular amigo e como que
assessor ou consultor jurídico. Sôbre êle e 0 $ chamados “ milagres
de Juazeiro” fêz, seguidamente, três conferências na Casa de Juvenal
Galeno, que despertaram vivo interêsse. Pena não tenham sido re­
colhidas por um taquígrafo.
Sem íreqüentar Coulanges, tinha extraordinário poder de sin-
tese no que era servido por assombrosa memória. Nunca reprovou
um aluno, e paraninfo muitas vêzes o foi de concluintes da nossa
Esco.la Juridica.
Defendia a tese de que o fenômeno climáterico das sêcas-, que
dez vêzes visita e empobrece o Ceará no período de um século, influi
poderosamente na nossa organização moral, produzindo “ milionários
famintos, psicologicamente, indivíduos mortos, incapazes de uma ação
mais ou menos digna” .
O abantesma da fome fazia, a seu ver, do intelectual o bicho
mais fraco da fauna cearense.
Como todo filho do Cariri, era Gomes de MJatos um amante da
terra natal. “ Crato, terra doce” . “ Crato, terra valente” , Crato, san­
gue bom” , foram artigos por êle publicados no jornal “ O POVO ’.

140
A ocorrência que Se segue revel'a o senso prático de Gomes de
Matos.
Um conhecido entrou em seu escritório no 311 do Exoélsior Ho-
tsl e foi dizendo : descobri o moto costínuo e quero que você me faça
um pedido de registro do invento. Prontamente, Gome;, de Matos o
atendeu. Ao sair o interessado, com o papel na mão, um dos presen­
tes pergunta : Dr. Gomes de Matos, o senhor acredita que êste ho­
mem descobriu mesmo o moto continuo ? — Claro que não, mas, no
caso, é fazer logo a petição.
F ci bem Gomes de Matos um dispersivo, tanto do ponto de vista
intelectual como do ponto de vista material. Dinheiro para êle não
tinha valia : entrava por um lado e saía por outro.
Gomes de Matos — escreveu Renato Sóldon — só é visto com
muito dinheiro no?, bolsos quando pretende, como êle próprio diz, “ fa ­
zer reunião de credores’’.
“ Certa vez, a convite dêíe assistimos, na antiga Casa Olsen, a
um dêsse? curiosos espetáculos.
“ Presentes vários cobradores, êle fazia a chamada na ordem
cronológica, de memória, e ia saldando, com rigorosa honestidade, to­
dos os débitos.
“ Lá para o fim, apresentou-se uma carta de automóvel da qual
êle desconhecia a procedência.
“ O chofer tentou explicá-la, mas não o fez suficientemente.
“ Todos esperavam, muito naturalmente, que ao suposto devedor
se recusasse o pagamento.
“ Entretanto, Gomes, que é de uma generosidade sem limite,
pagou-a, ato contínuo. E, virando-se para os circunstantes, antes
de entregar o dinheiro ao esperto, observou :
“ — Vou pagar isso, mas olhem : a bêsta não sou eu. A bêsta
é êle que são soube nem inventar o motivo da conta’’, (in Ceará
Moleque’ ) .
Aproximado da boêmia, era um espírito franciscano pelo des-
prêzo às gloriólas da vida. Sem resposta dêle ficavam as fórmulas de
pesquisas para fin? biográficos que de tempos em tempos lhe chega­
vam às mãos de redações de jornais e emprêsas editoras. Nunca
perseguiu cargos, nem renome, nem posições, e foi, não obstante, o
homem de mais largo prestígio que ainda teve o Ceará. Prestígio
oriundo do seu valor pessoal e das amizades que o seu espírito comu­
nicativo granjeou e cultivou.
Era o advogado do pobre, do humilde, do perseguido. “ E sinal
da grandeza do seu coração, era o calor, o entusiasmo com que redi­
gia crafmente, como se se encontraste num púlpito de tribunal as
petições das viúvas pobres, do? funcionários perseguidos peto Govêrno,
dos réus sem dinheiro e sem padrinhos que o convidavam para tirá-

141
los da cadeia. Os requerimentos dos ricos eram alinhavados, sinté­
ticos, frios, pegados à lêtra da Lei. Não deshordavam para a emoção
e a eloqüêneia. (João Jaques).
Defendendo o direito de Lucas Pereira do Nascimento, pobre ne­
gro, analfabeto, de 85 anos de idade, que assinara em Caucáia uma
escritura de venda do seu sítio com o pacto ad retro, expressão que os
próprios intelectuais desconhecem, escreveu :
“ Os pobres são eternos infelizes. Trazem os pés sempre fe ri­
dos pelos espinhos da estrada da vida.
“ Infelizes desde o nascimento, infelizes em face da desigual­
dade existente entre o$. homens, embora aquêle conhecido chavão dos
oradores parlamentares de que todos são iguais perante a lei.
“ Mentira.
“ Foi ai Revolução Francesa que instituiu êsse princípio, incon-
testàvelmente belo, porém, lá para a França.
O-,
“ povos atrasados, como os americanos do Sul, como nós, os
brasileiros, por seus intelectuais, repetem a linda fórmula, que tem
a sua gênesis na frase de Rousseau: “ o homem é a lei de si mesmo”
“ Verdade é que os pobres são tão amesauinhados que já se tor­
nou proverbial a expressão que todos proferem, êles notadamente :
POBRE NAO TEM RAZÃO.
“ La Fcntaine, na sabedoria da fábula — O lôbo e o cordeiro —
traduziu assim o infortúnio dos pobres, dos fracos, dos humildes :
“ L A RAISO N DU PLUS F O R T EST TOUJOUR L A MiEILLEURE” .
De um homem do povo o u v i: “ O Dr. Gomes de Matos era ad­
vogado indo e voltando” . Quis dizer — em todos os sentidos.
Suas inimizades duravam uma semana, um mês, nunca uma v i­
da. Nisto não Se veja falta de caráter, senão uma virtude rara neste
mundo cheio de ódios e perseguições : a bondade que tudo esquece e
tudo perdoa.
Ccstumava d iz e r : — prestígio em política no Ceará é como
gordura de cachorro : chega numa semana e desaparece na outra.
Frequentava mais a História e a Literatura do que o Direito.
Em Euclides tinha o seu autor predileto.
Raro o dia que da sua mesa não compartissem amigos.
Quando os mais chegados lhe reclamavam os excessos em detri­
mento da própria saúde, respondia : com restrições não vale a pena
viver.
Raimundo de Monte Arrais, filho de saboeiro, não tinha diplo­
ma de bacharel em ciências jurídicas e sociais e foi, não obstante,
um grande conhecedor do Direito. A o que se sabe, foi êle quem m e­
lhor comentou a Constituição do Rio Grande do Sul. Aludindo ao
fato, Gomes de Matos afirmou : o Monte Arrai;, operou o maior m ila­
gre que ainda se viu : da carta de a-bê-cê passou, diretamente, para
as culminâncias do Direito Constitucional.

142
À professora Maria Gonçalves da Rocha Leal, poliglota, dis:e
êle certa v e z : Maria, tenho mêdo de você — Por quê, Dr. Gomes de
Matos ? indaga, surprêsa a mestra. Êle responde: se mulher com
uma língua é perigosa, avalie você dominando muitas.
Com Gomes de Matos e Mons. Quinderé — diz o professor CIo-
domir Girão — todos nós ríamos com êles, mas ninguém ria dêles.
E custa crer que tendo sido Gomes de Matos um homem de rua
“ mas dos que não desce ao desprêzo de si próprio e antes imprime na
vida da cidade gárrula animação aos que não encaram as coisas e os
atos humanos só pelo prisma das exigências externas ou demasiada­
mente pundonorosas’’ (Raimundo Girão) — haja se conformado, sem
uma queixa, sem uma imprecação, com a contingência de viver os
seus últimos tempos numa cadeira de rodas.
Era a bênção da sua humildade e da ternura maternal da esposa.
Graças a êle, o nome “ Gomes de Matos” se constitui a carteira
de identidade, o cartão de visita da família, no Ceará.
Gomes de Matos continuará na memória dos que o conheceram
e na dos que ao longe de quarenta anos receberam os seus ensina­
mentos na Faculdade de Direito do Ceará. Êle foi dos que em vida
atingiram a plenitude de seu destino; dos que escreveram nas almas
e nos corações, inclusive como chefe de fam ília e do clã que êle o foi.
Na caracterização dos indivíduos, os episódios valem mais do
que os elogios extensivos.
E felizes — disse Rui — os que, pelos atos, a si mesmos se
estatuam.
# * *

O Professor Raimundo Gomes de Matos nasceu no Crato (C e)


a 10 de outubro de 1885. Filho de Raimundo Gomes de Matos e
Claudiana Matos Leite. Em 1904, matriculou-se na Faculdade de D i­
reito do Ceará, tendo colado grau em 8 de dezembro de 1908. Em
1909 consorciou-se com dona Léa Pompeu Gomes de Matos, sobrinha
do Comendador Nogueira Acióli. Do enlace nasceram os seguintes f i ­
lhos : Hildelbrando Pompeu Gomes de Matos, falecido em 1943 com
31 anos de idade; Maria de Lourdes Gomes de Matos, casada com o
General Antônio Hamilton Mourão; Dr. José Pompeu Gomes de Matos,
bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, Curador de órfãos e Au­
sentes, casado com dona Melânia Falcão Gomes de Matos, e Dr. T o ­
más Pompeu Gomes de Matos, bacharel em Direito, alto funcionário
do Banco do Brasil, casado com D. Maria de Jesú;. Ferreira Gomes
de Matos. Teve ainda José (o prim ogênito) falecido com m enoj de
dois anos de idade. Era irmão do jornalista Celso Gomes de Matos
e do filólogo Eduardo Gomes de Matos, autor de um trabalho sôbre
a crase, que alcançou grande receptividade. Faleceu em Fortaleza a
10 de maio de 1968.

143
.......... ' ■ 1 -«I

S O N H O S !
Sampaio de Alencar
És a madrugada
que foste ontem,
que és hoje,
que serás amanhã!

Apenas,
modificada
no tempo e no espaço,
pela idade cronológica...

Madrugada
sem brilhos ofuscantes;
sem estrelas cadentes;
sem albores místicos;
sem nuvens toldantes!

És a madrugada
cheia de esperanças,
de vida,
de dessabores,
de desilusão,
de desventuras,
mas, por todos,
desejada...

Porque guardas,
sem ostentações,
alguns restos
da palidez da lua
e algumas sobras
dos acórdãos
de um violão!

És a madrugada
que parou
na minha vida...
sem jamais
amanhecer!
Recife, abril/70

V J
C A P I S T R A N O DE ABREU
Até 1953, Capistrano de Abreu P E D RO G O M E S DE M A I O S
era um grande desconhecido.
Desconhecido do povo e desconhe­ existência, isto é, de 1916 a 1927,
cido, até, dos medianamente cul­ lhe escrevera. Eram 267 missivas;
tos. Foram as comemorações do um tesouro, um verdadeiro tesou­
l.° centenário do seu nascimento, ro de fontes históricas para o es­
ocorrido a 23 de outubro de su­ tudo da vida e obra do Mestre.
pracitado ano (sem embargo da “Passavam já cinco lustras, e
notável contribuição da Sociedade êsse rico epistolário continuava
Capistrano de Abreu, que o tira­ guardado, em segrêdo, na referi­
ram do olvido. Qual a causa dês- da Biblioteca. Nenhum historia­
se desconhecimento ? Por que uma dor, nacional ou estrangeiro, con­
figura tão singular quanto a de seguira utilizá-lo.
Capistrano de Abreu, com uma “ Entretanto, sem êsse precioso
obra vasta e profunda a ser es­ conjunto de documentos, nenhum
tudada e analisada, não desperta­ biógrafo, nenhum historiador dig­
va o interêsse dos biógrafos ? no dêste nome, se aventuraria a
Diz o professor Mozart Monteiro: escrever a Vida de Capistrano” .
“ O silêncio, quase completo, que Na conferência que pronunciou
envolveu, nas lêtras nacionais, du­ no Instituto Histórico, comemora­
rante um quarto de século, a vida tiva do centenário do Mestre, diz
e a obra de Capistrano de Abreu, ainda o prof. Mozart Monteiro :
há de ter várias causas: mas a “ Entre a morte de Capistrano e
principal, a meu juizo, era o si­ a passagem do seu centenário,
gilo que através de todo êsse pe­ transcorreu um quarto de século
ríodo, vinha cercando a sua vasta que foi, por coincidência, o perío­
e preciosa correspondência episto- do áureo da literatura biográfica
lar com João Lúcio de Azevedo, moderna em todo o mundo, inclu­
que era ao tempo, o mais notável sive o Brasil; entretanto, não sur­
historiador de Portugal. giu, nem podia surgir, a biografia
“ Meses depois do falecimento do do egrégio brasileiro. E não apa­
príncipe dos nossos historiadores, receu nem devia apareser por
João Lúcio de Azevedo, num gesto falta de fontes necessárias”.
magnífico, de reverência a memó­ A obrigatoriedade, oriunda de lei
ria do Amigo e de homenagem à do Congresso Nacional (projeto do
cultura brasileira doou à Biblio­ dep. Adahil Barreto), de comemo-
teca Nacional do Rio de Janeiro rar-se, em todo o país, o centená­
a coleção de cartas que Capistra­ rio do seu nascimento fêz com que
no, nos últimos doze anos de sua a nova geração conhecesse Capis-

145
trano de Abreu. Êie foi dos que um modo geral, podería ignorar
da planície alcançaram a glória. Capistrano de Abreu. Pelo menos
Mas através dela não se projetou, ficou-se sabendo que Marangua-
por culpa própria, ou melhor, por pe, no Ceará, dera ao Brasil um
culpa do seu temperamento infen- dos maiores intérpretes da histó­
so à publicidade e às vaidades de ria nacional. Somente isso. Fal-
qualquer natureza. Franciscana- tava-lhe o biógrafo. Era um de­
mente, permaneceu na penumbra: safio. Desafio que nem os mais
de 1883, quando ingressou, por bem dotados tinham coragem de
concurso, no Colégio Pedro IX, até enfrentar. Por íngreme, a escala­
1927 quando, de 17 de agosto, se da metia mêdo. Não admira pois
finou no porão da Travessa Ho- que, ainda agora, e honestamente,
ncrina. Artigos e traduções pú- escreva José Aurélio Câmara.
blicava sem os assinar, trabalhos “ Descrever uma vida como a de
outros vinham a lume com um Capistrano de Abreu, é enfrentar
simples J. C., e, dois anos antes um seríssimo tropeço : o parado­
de morrer assinava-se — “ João xo que representa a humanidade
Ninguém'’. Ao lado disso, um a- do homem ante a majestade da
nedotário negativo envolvia-lhe a obra; a timidez e a indiferença
personalidade. O anedótico con­ do operário face à audácia e à
sagra ou derrota. As comemora­ afirmação gramática do trabalho
ções do centenário tiveram uma realizado.
virtude : tornar conhecida a figu­ “ Na sua história, o homem diz
ra intelectual do autor de “ Cami­ pouco e a obra diz tudo.
nhes Antigos”. N0 Ceará, publi- “Ao contrário de Oscar Wilde,
cou-se um roteiro documental pa­ que dizia ter pôsto na vida o seu
ra a sua biografia, ali se vatici- gênio e na obra o talento, Capis­
nando: “ Capistrano terá necessà- trano pôs nesta tôda a genialida­
riamente o seu biógrafo em futuro de e naquela não chegou a pôr,
mais próximo ou mais remoto” ; sequer, o talento.
no Rio, publicou-se um ensaio bi­ “ O estudo da sua obra é tarefa
bliográfico (Hugo V ia n a ); divul­ monumental, capaz de proporcio­
gou-se, afinal, em 3 volumes, a nar argumento para muitos ca­
sua correspondência, e no Insti­ pítulos de análise social e inves­
tuto Histórico e Geográfico Bra­ tigação histórica e etnográfica,
sileiro foi levado a efeito o Curso sendo, como é, um facho lumino­
Capistrano de Abreu com a par­ so e potente que projeta luz sôbre
ticipação de conferencistas do recantos pouco lembrados e menos
porte de José Honório Rodrigues, conhecidos da evolução nacional.
Gustavo Barroso, Pedro Callnon e "O que nos legou, é bem v e r­
Barbosa Lima Sobrinho, entre ou­ dade, não representa tudo o que
tros. Depois disso, ninguém, de podería ter deixado, mas o que fi ­

146
cou é definitivo, é fundamental e sos mil para formar uma figura
vale como um veio de rico miné­ humana; se, como me paree, o
rio capaz de fornecer imensa ri­ escopo da biografia é realizar, no
queza para o estudo e interpreta­ mundo das lêtras, a ressurreição
ção da história brasileira. científica e artística de uma vida
“ Não se pode julgá-lo apenas humana (quanto à pesquisa dos
pelo que deixou, embora isso, já fatos; artística, quanto à maneira
represente muito. De Capistrano de os coordenar e n a rra r); se a
se poderia dizer o que êle próprio Biografia é, em suma, a História
dissera de Rcrha Lima, o compa­ de um homem com a complexida­
nheiro querido dos prélios inte­ de e a mobilidade que caracteri­
lectuais da juventude: “ Suas o- zam a personalidade humana à
bras só de modo incompleto di­ luz da ciência contemporânea, —
zem o que era o seu autor’’. claro está que não deve ser obra
Nada mais verdadeiro. de arte, nem mei0 de expressão e
“Se, como entende Sindney Lee, sim trabalho histórico e, por
o objetivo da biografia moderna conseguinte, científico’’. (Mozart
é a transmissão verídica de uma Monteiro).
personalidade; se, como observa Foi com êsse critério — histó­
Harold Nicolson, a ciência biográ­ rico e científico — que José A u ­
fica exige, não somente os fatos, rélio Saraiva Câmara elaborou a
mas todos os fatos interessantes sua tentativa biobibliográfica —
de uma vida; se, como diz Taine, “ CAPISTRANO DE ABREU”. Prê­
basta um traço para formar uma mio Otávio Tarquino de Sousa, da
figura geométrica mas são preci­ Editora José Olympio.

MEUS FI LHOS d a n d in h a v il a r

PEDAÇOS DO MEU SÊR QUE TANTO PREZO,


POR QUEM VIVO, A QUEM AMO E POR QUEM CHORO.
ROSÁRIO DE MINH’ALMA AONDE EU RESO
UMA PRECE DE AMOR POR QUEM ADORO.

RETALHOS DE MINH’ALM A ENTRISTECIDA


QUE É FELIZ PORQUE SOFRE <E PORQUE AMA;
QUE AO SEU LADO SE SENTE ENALTECIDA
E ENALTECE O AMOR QUE LHES PROCLAMA.

SÃO IGUAIS, TODOS VIVEM NO MEU PEITO.


TODOS BRILHAM NO PRANTO DOS MEUS OLHOS.
E AO MEU AMOR LHES DOU IGUAL DIREITO.

SE, JUNTOS, LHES DEDICO IGUAL DEIDADE,


ATRAVÉS DAS DISTANCIAS NOS ABROLHOS,
MEUS SUSPIROS LHES SÃO DE IGUAL SAUDADE.

147
Breve Poema para a Morena de Graúdos Olhos...

ZÊYPSILONE
Deixa que te diga,
ó morena de graúdos olhos
que me chamo Francisco,
mesmo na intimidade.
Cinquenta anos tenho bem vividos,
sei ler e escrever
e escravo sou dos teus olhos
e do Assis Chaleaubriand.
Sou branco, não tão claro quanto imagino sejam teus seios
que convidam para o pecado
imediato e sem perdão...
Católico era também,
mas logo que te vi
renunciei a minha religião,
■convertendo-me à de teus olhos
pois sómente eles me farão dobrar os loelhos,
de hoje em diante
e fazer penitências
e jejuns obrigatórios.
Aqui estou me confessando a ti,
te dizendo que em casa falo sòmente o português
mesmo porque outra lingua qualquer
não sei falar
nem mesmo aquela que nos fala da alheia vid a ...
Moro aqui mesmo, filh a minha,
mas a uma palavra tua
me mudarei
nos mudaremos para a casinha pequenina
com coqueirinho ao lado
lá no Pirambu
que não desmoronará jamais,
porque teu;, olhos,
teus cabelos,
teu corpo
são os mais fortes e inabaláveis alicerces do a m o r...
Sou jornalista, escrevo noticias sociais
e necrológios,
notas de guerra e de alegrias,
porém se o quizeres,
se desejar
teu temperamento inquieto e aventureiro
serei gangster de metralhadora e irei,
ó deliciosa morena de graúdos olhos,
fantasiado de gaúcho, ateu e solene,
adorar o próprio Papa na peregrinação à Fátima.
Casado sou,
mas que importa ?
Cometerei o terceiro crime da mala
ou o segundo do poço
para que vivamos tranquilos e sozinhos
pelos séculos afóra
que mais forte do que a morte
também nosso amor se rá ...
A IGREJA E A POBREZA
Pe Antônio de Alcântara
Não devemcs confundir Igreja tido de lhes mandar transporte,
pobre com Igreja dos pobres. A dinheiro para maternidades, para
Igreja irmã da pobreza e mãe dos ambulatórios, etc. Pedem mais :
pobres. pedem recursos para a formação
A pobreza foi o leito de Cristo, de seminaristas pobres. E sabe­
a sua túnica em vida e sua mor­ mos vir de lá ajuda substancial
talha r»a morte. para a previdência nacional do
Os tempos mudam e temos de Cler0 (IPR EC ). E quando aquela
pagar tributo à contingência dos Alemanha generosa manda mais
sêres. Outrora a coisa não era do que lhe pedem, nada sobra c
como agora. Outrora não tínha­ nada lhe devolvem.
mos os problemas que temos hoje. Sôam as trombetas da demago­
A sociedade era outra. A popu­ gia anunciado a necessidade do
lação da terra era outra. Os re­ uma Igreja pobre. Essa pregação
cursos também eram outros. Não é ociosa, porque temos, de fato,
se falava, então, em problemas uma Igreja pobre sem querer.
sociais, porque, de fato, não os Mas não compreendo a incoerên­
havia. cia dêste anúncio. Querer ser po­
Agora o mundo deu um giro. A bre pelo gosto de pedir ?
Igreja despertou para a realidade ■Certos recursos, ou são mal a-
do nosso tempo. Seus olhos se plicados, ou o ladrão vem e rou­
abriram para o problema da su­ ba. ..
perpopulação, do desenvolvimen­ Os subúrbios das nossas cidades
to, da fome por que passa çêrea são miseráveis. Aqui apelidados
de 3/4 do mundo. de “ areias ’, ali de "mangues” , a-
Quem estuda o Nordeste desco­ colá, como r;o Rio, de “ favelas”.
bre que êle é uma região subde­ São nomes humilhantes.
senvolvida, faminta e pobre. F a­ O padre que fô r para o meio
lar aqui em Igreja pobre, ou que­ dêsses pobres com as mãos vazias,
rer que ela seja mais pobre aqui, perde o seu tempo e o seu latim.
é oferecer-lhe a tanga da miséria. De fato. Se mando um comer
A mística de uma Igreja pobre, sem lhe dar pão, si mendo outro
com esta ênfase que certa gente vestir-se sem lhe dar roupa, — si
lhe dá, sofrerá o desmentido da pretendo estimular outro ao tra­
sua pregação na dureza dos fatos. balho sem cuidar que lhe seja pa­
Esta dureza revela muita contra­ go o justo salário, — estou sendo
dição, pois vejo bispos, padres, a- ridículo.
pelando para a Alemanha, no sen­ Precisamos de dinheiro, para ga­

149
nharmos o reino do Céu, fazendo mas também escolas e universida­
caridade, prom ovendo nosso irmão des” (Ib. n.° 12).
pobre, espalhando o riso do con­ Construir escolas e universida­
forto enxugando as lágrim as da des quer dizer dinheiro. O proble­
fome. m a econômico acompanhou sem­
“ A união fa z a fô rça ” , não resta pre a evangelização dos povos, e
dúvida. M as uma soma de trapos desta verdade falam as gloriosas
dá um montão de rodilhas. Quan­ campanhas missionárias, prom ovi­
to mais somamos pobres, m aior das pela Ig re ja do Brasil, no mês
será a miséria. E no meio dessa de outubro.
miséria, como posso abrasar co­ De fato, Cristo pregou a um au­
rações, deixando estômagos vazi­ ditório fam into, mas, depois do
os ? E para term inar o que digo, sermão, m ultiplicou 0$ pães.
citarei as palavras de Paulo VI, Desgraçados de nós, quando de­
na “ Populorum Progressio” : — pois d0 sermão, não temos siquer
“ F ie l ao ensino e exem plo de seu uma côdea de pão para os fa ­
divino Fundador, que dava como mintos.
sinal da sua missão, a Boa N ova A semente só germ ina quando
aos pobres, (1c. 7,22), a Ig re ja cai em terra fé rtil e estômagos
nunca der curou a prom oção hu ­ vazios não é terra fértil. Esta­
m ana dos povos, aos quais levava mos fam iliarizados com o aforis-
a fé em Cristo. Os seus missioná­ ma :
rios construiram, não só Igrejas, — “ Saco sêco não se põe em pé".

AS MÃOS D A N D IN H A V IL A R

M AO S QU E T R A Ç A M DESTINOS, M ÃOS QUE E S C R E V E M ...


M ÃO S QUE C A V A M A TE R R A, MÃOS QUE PL A N T A M .
M AO S QUE CONSTROEM. M ÃOS QUE DÃO, QUE PEDEM,
M AOS QUE C U R A M A DÔR, QUE A DÔR S U P L A N T A M !

M ÃOS QUE FEREM, QUE M A TA M , QUE A PED R EJAM !


M ÃOS QUE CONDENAM , MÃOS QUE A M A LD IÇ O A M !
M ÃOS QUE EM PRECE SE U NEM E AO CÉU SE ADEJAM,
M ÃOS QUE DEFENDEM, M ÃOS QUE O M A L PERDÔAM.

M ÃO S QUE E M B ALA M E QUE T R A Z E M DOCE A L E N T O ...


M ÃO S QUE B R IN C A M . QUE EDUCAM. QUE SE EN LA Ç AM
E U M R O S ÁR IO D ESFIAM COM R E S P E IT O ...

E NO F IM D A JORNADA, EM D ESALENTO,
M ÃOS QUE P A R A M N A V ID A E QUE SE A B R A Ç A M
P A R A SEMPRE, CRU ZADAS SÔ 3RE O PE ITO .

150
Apesar do acelerado crescimen­ JOÂO SANTIAGO
to do Recife, os folguedos do ciclo
junino vêm mantendo as suas ca­ fogueiras e os balões que enfeitam
racterísticas tradicionais. Embo­ as noites juninas do Recife.
ra empurrados para a periferia, Mesmo as ruas apresentam um
os seus aspectos essenciais, fato aspecto mais festivo, mais baru­
que não ocorre talvez, em muitas lhento. O comércio modifica sua
cidades do Erasil, onde o cresci­ feição comum de todos os dias,
mento urbano, a modernização, enfeita-se de fitas e côres berran­
vem eliminando inúmeros folgue­ tes para as festas de São João,
dos folcloricos. aparecem as barracas de fogos e
No Recife, os festejos de junho até o movimento das Lojas e Ca­
não são superados nem pelas fes­ sas de artigos que nada têm com
tas do carnaval. E note-se que o São João, modifica-se, cresce
o nosso é considerado o melhor recrudesce...
carnaval do mundo. Mas acon­ Santo Antônio, São João e São
tece com os folguedos juninos um Pedro, nos suburbios — mesmo os
fenômeno : todo o povo participa, mais próximos, são festejados co­
tanto dos festejos profanos como mo manda o figurino — foguei­
dos religiosos, o que não acontece ras, fogos e, apesar das restrições,
ccm o carnaval, festa profana por balões.
excelência. A participação popu­ Não deixa de ser estranha essa
lar é com pleta: há novenas e conservação dos folguedos popula­
trezsnas tanto na-s igrejas e lu­ res Juninos, em seu estado quasi
gares próprios de oração como em puro, numa urbe como o Recife,
residências, promovidos pelos do­ de crescimento vertiginoso. Mas
nos das casas que as realizam, ou o fenômeno é perfeitamente ex­
pelos moradores de determinadas plicável : O Poder Público Muni­
ruas ou suburbios; há o aspecto cipal, tem participação ativa no
da culinária, que no mês de ju­ incentivo a essa conservação. Pa­
nho é particularíssima: tudo à trocinando — primeiro sozinha e
base de milho e massa de man­ agora com a colaboração da Em-
dioca (canjica, milho verde cozido prêsa Metropolitana de Turismo e
e assado, pé-de-moleque, pamo­ algumas entidades particulares
nha, etc.); isso sem se esquecer como a Comissão Pernambucana
dos folguedos próprios — côcos, de Folclore — festejo nos mais
cirandas, quadrilhas — e os ine­ diversos pontos da cidade, a Mu­
vitáveis fogos de artifícios, o pi­ nicipalidade impede que êsse as­
pocar das bombas e traques, as pecto do nosso folclore sofra mo­

151
dificações violentas ou venha a deira ” é de Dona Mãe Lídia no
desaparecer súbitamente. alto do Bomfim, em Beberibe —
Em 1968, por ex em p lo: além isto para citar as mais famosas
dos tradicionais festejos prom ovi­ e habituais.
dos pela Prefeitu ra do R ecife no O Sítio Trindade, como ser o
Sítio Trindade, efetivou-se uma m aior ponto de atração dos fes­
outra promoção, a cargo do D iá ­ tejos Juninos, no Recife, nem por
rio de Pernambuco, em colabora­ isso reduz os festejos em tôdas as
ção com a Emprêsa Metropolitana residências: os que m oram mais
de Turismo, sendo organizado um afastados do centro da cidade
“ A rraial da Pracinha” , com o con­ procuram em pilhar madeira para
curso de conjuntos folcloricos, de fazer suas fogueiras, os fogos de
cirandas, côcos, bandinhas e ou­ artifícios são vistos e ouvidos des­
tro?. elementos — todos trazidos de muito antes do São João e até
do seu habitat natural, em estado muito depois do São Pedro.
de pureza-, sendo-lhes conferidos É de se louvar o interêsse do
prêmios. Poder Público Municipal recifense
A mais famosa promoção iuni- pelo folclore da cidade do Recife,
na do Recife, entretanto, é reali­ procurando preservá-lo estimu­
zada no Sítio Trindade, conside­ lando os grupos e conjuntos, tor­
rado o Centro Folclorico do R e­ nando-os conhecidos dentro e fo ­
cife, onde se apresentam anual­ ra do Estado de Pernambuco.
mente os mais diversos tipos e Porque, não resta dúvida, tais
conjuntos. E o povo acorre dos folguedo? pelo menos os que se
lugares mais longínquos — da ci­ realizam no Sítio Trindade — já
dade — do Estado e até de outras se constituem por si mesmo, uma
unidades da Federação — nara atração turística para o Recife.
assistir êsses fe s te jo s : os baca-
marteiros, as quadrilhas (do Ca­
jueiro, Vasco da Gama, da Mus- Senador Wilson Gonçalves
tardinha, Centros Educativos de Durante o período que tem exer­
Areias, de Doi? Unidos, do Córre­ cido a representação do Ceará, no
go do B u tijã o ); a B andinha do Senado Federal, sempre com bri­
lhantismo e ocupando as comis­
Z-é Bartolomeu e seus Jagunços;
sões de m aior relevo, o Senador
Carlos Diniz e sua Gente. Wilson Gonçalves foi verdadeiro
H á as “ Bandeiras” dos devotos parlamentar, constituindo-se or­
dos santos de junho. Dona M aria gulho da terra caririense. Foi êle
Edvirgens dos Santos, de Água quem sustentou com suas subven­
Fria, realiza anualmente uma fes­
ções-,. a,
vida cultural de nossa
entidade, especialmente a tira ­
ta dedicada a Sto. Antônio com gem anual de IT A Y T E R A , que é
“ bandeiras” trezenas, rezas e to­ revista que pode equiparar-se com
do ritual tradicional Outra “ ban­ as melhores do norte do país.

352
N I- E - M I —
Espstácilo condenado a desaparecer
Os campos gerais, nos sertões do vaqueiro, que êle conhece des­
criadores nos Inhamuns e do P i­ de a meninice. Sabe que sua pro­
auí, não tardarão a desaparecer. fissão entrou em decadência com
As cêrcas de arame farpado, de as cercas que se multiplicam. É
pau a pique de varas, os vaiados também bom ajudante de carro,
tendem a eliminá-los e com êles maneja a enxada e a foice, com
os vaqueiros perdem a sua missão perícia.
de velhos campeadores. A PEGA-DE-BOI-BRABO para
Outro dia, em alpsndrada de êle é espécie de mutirão, ou ad­
casa sertaneja, tive a feliz opor­ junto como chamamos no Cariri
tunidade de conversar, longamen­ cearense, é muito diferente do
te, com q vaqueiro Antônio Va- simples esporte denominado V A ­
1’entim Alencar, chamado com o QUEJADA, promovido anualmente
apelido familiar de SITU,BA. Na­ em muitas cidades, encravada; no
da tem com o topônimo portu­ sertão criador, onde até doutores
guês de Setúbal. É homem ma­ e sacerdotes podem exibir-se. Ten­
duro, esbelto, desempenado, de côr tarei resumir a palestra viva de
escuras mas de fisionomia de Situba para dar a impressão, mais
branco. Entende de tudo que se ou menos exata, daquela competi­
refere a qualquer fazenda de ga­ ção que se passa no interior da
do. Sabe trabalhar em couro e caatinga bruta, pràticamente sem
conserta, com aprumo, selas e testemunhas de vista. O embate
cangalhas. Já tomou parte em é arriscado e quem consegue der­
diversas vaquejadas, especialmen­ rubar o boi brabo, pelo cedenho,
te na PEGA-DE-BOI-BRABO. pode considerar-se dos melhores
Sua conversação animada, a- vaqueiros da redondeza e muitas
companhada de gestieulação, na­ vêzes recebe a consagração dos
quela noite fria de Julho, na al- versej adore; populares. Não é
pendrada da casa da fazenda Mu ■ cerimônia esportiva, à maneira da
1'ungu, de Br. Araripe, foi em tor­ VAQUEJADA comum. Torna-se
no daquela função que ainda se um tanto ou quanto misteriosa. O
constitui a atração máxima da dia é determinado previamente e
redondeza. o 1'ocal do esconderijo do BICHO
Situba não é perito exclusiva­ passa a ser apontado, quase como
mente em coisas ligadas à vida palpite. Cada vaqueiro afamado

153
dirige-se secretamente para o lu­ Bqi Eargado.
gar onde deverá atuar. Natural- LISÃO foi boi de fama, na ser­
mente, faz suas pesquisas ante­ ra do Retronco, de propriedade tie
riores, à moda detetivesca, com o José Temóteo. Durante três anos,
máximo de cautela. desafiou os vaqueiros mais afama ­
Cada competidor é rival do ou­ dos da terra. Ninguém conseguiu
tro. Não há o menor entendimen­ vencer o boi LISÂO. No quarto
to entre êles. Deve o campeador ano, houve outra chamada gerai
empregar tôda a astúcia em des­ da vaqusrama. Situba aceitou o
vendar o esconderijo do boi, seus desafio com outros 11 compa­
pastos e o bebedouro. Uma vez nheiros.
desvendado, empregar tôda a téc­ Na véspera do grande feito, deu
nica a fim de derrubá-lo, sozinho ração mais alentada ao seu cava­
O BOI-BRABO, naquelas para­ lo PA PAG AIO , reforçou os arreios
gens, tem o nome de ORIUDO e encheu os albornais com fa ri­
(de orelha). Alguns dias após o nha, rapadura, carne assada. Saiu
nascimento, torna-se arredio. Ao para- o embate, em noite escura.
ser beneficiado, castrado, foge do De antemão, preparara seu rotei­
convívio dos outros e tem horror ro, pelo rasto do bicho e inform a­
à espécie humana. Cria-se em ções veladas. Após lances épicos
pleno mato, afastado, comendo e e sem encontrar nenhum compa­
bebendo em lugares diferentes do nheiro, derrubou o celebérrimo boi
gado comum. pelo cedenho. Foi fá cil a vitória.
Cs BOIS VELHACOS, os que Em Campos Sales, na fazenda
se deixam pegar, recebem a de­ do cratense Pedro Macário de B ri­
nominação de ENDIABRADOS, to, embora em terreno que lhe era
têm CABOGE e viram BICHO, is­ fam iliar, passou oito dias para
so tudo no linguajar da vaquera- descobrir e abater o boi da GIA.
ma. Quando é ENCABOJADO o 6 vaqueiros tomaram parte na ca­
vaqueiro que emprega todos os ça e o pobre animal, apesar de
artifí.cios para pegá-lo, diz para sua valentia, foi estupidamente
justificar-se do processo : vendido para o humilde açougue
— O diabo virou veado e o chão de Salitre.
se abriu com êi'e a dentro. Situ- LA B IR IN TO , boi afamado, nun­
ba nunca viu tal coisa, em sua ca foi vencido pela perícia huma­
acidentada vida de vaqueiro. na-. Desafiou céus e terras. A fome
Tem êle série de vitórias a l­ e a sêde, em consequência da sêca
cançadas entre o Piauí, Pernam ­ de 1932, entregaram-no, alquebra-
buco e ceará, nestas afamadas do, inerme aos braços de Situba.
pegas de barbatões, tão decanta­ N a procura, de Labirinto, o va ­
das antigamente, como acontecer queiro pegou viado vivo que ven­
com o Rebicho da Geralda ou >; deu a Cazuza Araújo, morador na

154
fazenda Várzea do Açude. couraça protetora e lembra tosca­
Naquelas façanhas, expondo a mente a indumentária dos prim ei­
vida de quando em quando, mal ros povoadores do Brasil1, vindos
alimentado, quase em vigília per­ de Portugal. O chapéu de couro
manente, nunca lhe pagaram um é quebrado na frente, a fim de
tottão sequer. Tudo foi de graça, proteger orelhas, e pescoço. Situba
por esporte, como chamamos na sempre a sorrir, disse galhofeiro :
cidade. Não chama exclusivamen­ — Se a gente botá aquele cha-
te para si todo o êxito do triunfo. peusinho na crôa da cabeça de
Ao cavalo que deve ter a habili­ Luís Gonzaga, tocado de sanfona
dade de derrubar o boi em plena arranca as oreias ou corta o pes­
arrancada, dá lugar proeminente coço no mato.
no titânico embate das caatingas. O guarda-peito, o gibão, as lu­
Na disparada pelo mato brabo, há vas, perneiras e chicote todos são
espinhos, buracos, galhos de pau de couro eortido. A m elhor espo­
e entrançado de cipós. O vaquei­ ra não é comprada fora e sim a
ro fica apenas com a mão direita fabricada pelos ferreiros da terra.
livre para alcançar o rabo do boi. Recebe a denominação de ESPO­
Este é comumente derrubado pela R A DE FERREIRO. Sua roseta
hábil manobra do cavalo de cam­ é pequena. Ao vaqueiro que cam­
po, bem ensinado. peia é indispensável faca de pon­
Ao perguntar-lhe pelas boas ta, sempre metida na perneira.
qualidades de um cavalo de cam ­ As melhores são da cidade cea­
po, respondeu-me sem titu bear: rense de Jardim. A perneira en ­
— Sê ruço, ou castanho escu­ rolada com o sapato inteiriço,
ro, prêto, tê fôlego bom, resistên- inovação recente, é prejudicial a
ça e habilidade. quem usa por dificultar a circula
— E quanto custa hoje um bi­ ção e produzir edema nos pés
cho assim ? — acrescentei-lhe : PE R N E IR A P U X A é a mais co­
— Duzentos contos. mum naquelas paragens. Naque­
Isso foi há três anos. De lá le ano, o equipamento do cavalo
para cá as coitas subiram muito e do vaqueiro custava quinhentos
e a inflação também penetra, de cruzeiros novos, ou quinhentos
rijo, pelas caatingas. contos. O m il réis no linguajar
Os arreios de um cavalo cam- ainda não foi totalmente substi­
peador constam de CABEÇADA, tuído pela moéda, agora circulan­
(sem bridão), esteira, sela, cha­ te no país. H oje deve custar os
mada de vaqueiro e cabresto bai­ olhos da cara e só os patrões p o ­
xo, que se deita por cima do pes­ dem adquirí-lo. Também não tar­
coço do animal. dará a desaparecer do cenário
Os COUROS, naquela zona, são sertanejo, passando a ser peça de
meios complicados. O GIBÃO é a museu regional.
N ÃO SO U P O E T A
Pe. A N TÔ N IO FEITO SA

Ao inspirado poeta Joaquim Calíope, rstribuindo-lhe o soneto


que começa com o verso “ Não é poeta o Monsenhor Feitosa

É COM TÔDA RAZÃO, PREZADO AM IG O ,


QUE ME ASSEVERA QUE NÃO SOU PO E TA ;
PO IS VEJA L Á O QUE SE DEU COMIGO :
QUANDO QUIS F A Z E R VERSOS, F U I P A TE TA .

PE D I ÁS MUSAS DO PA R N A SO A B R IG O ,
RO GU EI, M AS A RECUSA F O I COMPLETA.
A LÉM DO M AIS, ME DER AM P O R C ASTIG O
N U N C A A C E R T A R N A R IM A BEM CORRETA.

N ÃO RECUEI, CONTUDO, A N TE O FRACASSO;


TO M E I A PEN A E D IS S E : A G O R A EU F A Ç O ...
U M PO E M A IN S PIR A D O E BEM CONCISO !

PO R ÉM O PR O FESSO R QUE LEU A PEÇA


M E RESPONDEU IR A D O : “ O RA E S S A ...
D E IX A DISTO, M ENINO, E T E M JUIZO ! ”

N Ã O É P O E T A ? . . .
A o Mons. Feitosa, logo abaixo do seu soneto
“ N ÃO SOU PO E TA ” e com a mesma rima.

É ÊSTE O PA D R E QUE NÃO É POETA,


O QUE N O VERSO RECEBEU C ASTIG O
E EM T E N T A R FAZE -LO F O I PA T E T A ,
N ÃO EN CONTRANDO NO PA R N A SO A B R IG O ?. ..

N ÃO D IG A ISTO , MEU ILU S TR E AM IG O ;


A SUA PO E SIA É T Ã O C O M PLETA;
F A LO C O N TR A R IO DA QUE VEM C OM IGO
E L A É, A LÉ M DE TUDO, M A IS CORRETA.

SE N A E S TR E IA A LG U É M V IU FRACASSO,
DEPOIS QUE O E S TR E IA N TE DISSE “ EU FAÇ O '’,
TUDO SE COM PLETOU E F O I CONCISO.

SOU EU QUEM D IG O A G O R A : “ ORA E S S A ” . . .


F O I EU QUEM PROVOCOU A M ELHOR PE Ç A
DO PO E TA E PAD RE DO M E LH O R JUIZO !

CR ATO, 18.7.70 J. CALIOPE

156
C A RT A D O

Dr, ReínaldoCarleíal
Fortaleza, 2 de junho de 1969.

Ilustre Prof. José Alves de Figueiredo Filho

Saudações

Aplaudo inicialmente as suas atividades intelectuais, que


têm por centro de irradiação a sua nobre cidade do Crato,
e das quais resulta importante obra de divulgação da terra e
do homem caririenses.

Nos setores da instrução, no campo das instituições cul­


turais, como o I. C. C. e a revista ITAYTE R A, nos estudos
históricos e pesquisas folclóricas, na ficção, seus trabalhos
projetram-lhe o nome muito além das fraldas serranas do berço
natal e ei-lo agora, com assento na Academia Cearense de Le­
tras, escritor de âmbito nacional.

Perante homem de letras assim credenciado, venho hcje,


sensibilizado, apresentar o reconhecimento de minha família
pelas notas, que tem publicado, enaltecendo a memória
de meu querido e inolvidável pal, José Bernardino Carvalho
Leite, em cuja vida, evocada com o carinho de velha e sincera
amizade, J. de Figueiredo Filho procura sempre assinalar um
exemplo de idealismo.

A existência de meu pai, nascido a 20 de maio de 1871


e falecido no dia 6 de março dêste ano, foi, com efeito, uma
luta constante em prol das boas causas em sua cidade e na
região. Em 14 de maio de 1889, êsse outro notável barbalhen-
se, que foi José de Sá Barreto Sampaio, teve a feliz idéia de
fundar o “ GABINETE DE LEITURA” . José Bernardino, com
dezoito anos, naquela época, lego se associou a essa agremiação
literária, vindo a prestar-lhe relevante serviço, dada a sua re­
conhecida capacidade de trabalho e inteligência. Em breve era
eleito l.° Secretário. Sôbre a atuação de Jcsé Bernardino, em
sua passagem na benemérita instituição de Zuca Sampaio, sir­
vo-me das palavras de Alfredo Corrêa de Oliveira, ex-prefeito
municipal de Barbalha, em sua brochura, intitulada JOSÉ
BERNARDINO, UM PIONEIRO, pág. 7 :

157
“ Percebeu bem que as letras estavam prosperando com o
Gabinete de leitura, mas as artes continuavam no mes­
mo atrazo. Não havia música, e, quando ocorriam gran­
des festas, era convidada a orquestra do Crato. Não ha­
via cenários fixos, e, quando apareciam as pequenas
companhias dramáticas, improvisavam-se palcos no salão
da Câmara Municipal, pondo-se tábuas por cima de bar­
ricas vasias e tudo era desfeito ao terminar a represen­
tação. Na sua inteligência encontrou Bernardino uma
solução para o problema. Criou uma agremiação deno­
minada “ PROGRESSO A R T ÍS T IC O - LIT E R Á R IO 3’, fa ­
zendo os seus Estatutos, angariando jovens sócios que
revelavam gôsto artístico. Esta sociedade cresceu e pros­
perou à sombra do “ Gabinete de Leitura” , sem choques
de interêsse e com tanta intimidade que não tardou em
receber como sócio o próprio Presidente do Gabinete.
Consolidado o “ PROGRESSO A R T ÍS T IC O ” , Bernardino
arranjou com os associados empréstimos de certo capi­
tal para a aquisição de instrumentos musicais e, em
seguida, foi a Fortaleza e conseguiu do diretor de música
do Batalhão de Polícia todos os instrumentos para a fo r­
mação de uma banda completa. Foi assim que a Bar-
balha possuiu a música bem organizada Santo Antônio.
Como não existia na cidade nenhum diretor mu­
sical, êle foi a Crato e contratou c melhor músico da­
quela cidade o Sr. Joaquim Alves, conhecido por mestre
Quineo. Ao mesmo tempo, obteve permissão para le­
vantar no salão ds honra do Gabinete um cenário fixo
para as representações teatrais.
Durante mais de meio século não faltou a Bar-
balha nem música nem teatro” .

A seguir, transcrevo uma ata da sociedade acima men


cionada, que ficou sendo conhcedia pelo título abreviado de
“ PROGRESSO ” , transcrição esta incompleta, porque o papel
está, como é natural, esbcrcinado e, em parte, apagado pelo
tempo.

“ X I I I Sessão Ordinária em 11 de agosto de 1901


Presidência do Snr. Carvalho Leite.

Á hora regimental no 5.° compartimento do Pré­


dio do Gabinete de Leitura faz-se a chamada dos sócios,
a qual respondem os snrs. Carvalho Leite, Severino Du

158
arte, José Sampaio, Theophilo Sampaio, José Meira, M i­
guel Teixeira, Manoel Cândido, Hermogenes Beserra
José Queiroz, José Oliveira, Jcaquim Queiroz, Pedro Ca
valcante, Cordeiro Filho, Raimundo Beserra, Martiniano
Ferraz, Casimiro Beserra, Cândido Lcurenço, Ladislau
Leite, João Corrêa, Antonio Corrêa, Pedro Duarte e Sa
lust.iano Grangeiro. Comparece também o ilustrado snr.
Dr. Filguciras Sampaio.
Ao harmonioso som da orquestra é aberta a ses­
são. É . . . discussão. . . aprovada a acta da anterior
sessão. O socio n.° 6 faz uma breve leitura na história
patria em continuação ao que fora lido na sessão pre­
cedente. A comissão musical apresenta a tabela dos
preços da música, a qual é lida e depois de algumas
considerações é aprovada; e informa a mesma comissão
continuar regularmeste o ensino musical; a Comissão
dramatica informa levar hoje, a pedido, o mesmo drama
que fora representado em 4 do vigente, para o qual pede
a assistência dos snrs. consocios; a Litteraria represen­
tada pelo consocio Severino Duarte diz nada ter a in­
formar. É admitto como socio o illustre snr. Dr. An­
tonio Filgueiras Sampaio, que dá de joia R$2:000. Nes­
te inter a musica toca uma linda peça mais uma vez
mostrando a sua incansável dedicação...........................
.......................................................... do pede a palavra o
novo consocio snr. Dr. Filgueiras Sampaio que faz um
vibrante discurso em assumptos concernentes ao “ PRO­
GRESSO” . Fala depois o consocio Severino Duarte que
pede, como membro da Com. litteraria, o thema da ma­
téria de que se deve occupar, ao que o Snr. presidente
pede a opinião do snr. Dr. Filgas. Sampaio, e este res­
ponde dar uma decisão a respeito depois de algumas re­
flexões.
É eleito orador official do “ PROGRESSO” , o ilus­
tre Snr. Dr. Filgueiras Sampaio. O Snr. Presidente pe­
de para que seja consignado na acta um voto de grati­
dão ao illustre patrício Santos Dumont que com seu ele­
vado genio artístico tanto tem ennobrecido o nome bra­
sileiro.
É paga a mensalidade mez pelos socios...............
................. ,............................................. , perfazendo com
a joia acima mencionada um total de R$ 8$000 que é
entregue ao Snr. thesoureiro.
Ao harmonioso som da orquestra é encerrada a
sessão, mandando o Snr. presidente lavrar a presente

159
acta, que, eu, Salusciano Grangeiro de Luna, l.° secre­
tario a escrevi e será assignada pela mesa e mais socios
que quizerem.
(Ass) José Bernardino C. Leite, Severino Duarte
Grangeiro 2'.° secretario, Secretario ad hoc. Manoel
Monteiro, Cândido José Lourenço, Ladislau Leite da
Cruz, José de Oliveira e Silva, Joaquim Duarte Queiroz.
Teophilo Sampaio.

Hí * *

Transcrevo, finalmente, a respeito do “ PROGRESSO” ,


uma carta do culto sacerdote e famoso orador, Padre Miguel
Coelho.

“ Jardim, 11 de Junho de 1901

Am igo Bernardino

Recebi as suas duas cartas e os livros. Não devo


regatear louvores a quem, como você, não quer viver s
não quer que os outros vivam só do pão. Achei bem
concebido o seu plano. Posso até dizer que você dá pro­
va de habil organizador. Há harmonia na estruetura
do seu edifício. Andou inspirado o architecto. Obras
taes, com estarem construídas, não se podem considerar
seguras. Escapa muitas vezes á perspicácia do archi­
tecto um defeito no alicerce da obra, uma imperfeição
nas colunas, e senão quando começa de estremecer o
edifício e zaz ! desmoronam-se colunas e se precipitam
no chão architraves, friso e cornija, todo o tesouro ar­
tístico junto com cuidado, amassado: o suor, concebido,
planejado com longas vigílias. Não será a sorte do seu
“ PROGRESSO” , ao menos não desejo que seja. O que
eu quero inculcar com isso é a solicitude, a perseverança
a tempera de aço que se requerem em quem fundou obra
semelhante nesse meio, senão apathico, ainda não de
todo penetrado da necessidade de desenvolver pelas le­
tras e pelas artes todas as faculdades do homem na sua
vida individual, familial e social, conforme o conceito
de Spencer” .
* * *

E o padre M. Coelho concluía a sua carta com as seguin­


tes palavras:

160
‘Assim, pois, animo, sus!, brava gente. Não negarei ao
seu “ PROGRESSO” os meus esforços” .

Sempre no convívio das letras, com o pensamento voltado


para o desenvolvimento material, social e cultural de sua cida­
de e sua região, transcorreu a existência de José Bemardino
Carvalho Leite.
Por isso, ao depor as armas de velhc lidador, no ádito
da Morte, em meio a consternação da família, foi muito con-
fcrtadora a unânime manifestação de pesar de todos os que o
conheciam. Fazendo referência a êsse nosso doloroso mo­
mento, na qualidade de amigo particular e de porta-voz da
comunidade caririense, o ilustre escritor J. de Figueiredo Filho,
em artigo publicado na “ Gazeta de Notícias” , de 11.5.69, pro­
clamou que meu pai fôra em vida um contínuo exemplo de
probidade e que a sua morte constituía uma perda irreparável
para o Cariri.
Com profundo agradecimento, cordial e atenciosamente,

REINALDO CARLEIAL

f ' m ' A

Certificado de A utorização B. C. B. n .° 316


R egistro D acor n .° 9
E nd . T elegráfico : CEIXEIRAL

Capital Subscrito e Realizado. . . Cr$ 63.222,18


R e s e r v a s ......................... • Cr$ 23.480,08

RUA BÁRBARA DE ALENCAR


ESQUINA COM
RUA D r . JOÃO PESSOA

TELEFONE: 340 CRATO — CEARÁ


- M
161
ômem
Fui troglodita, com meu braço forte
Venci mares, florestas e montanhas;
Habitei em cavernas, entre feras,
Como os brutos, vivi no desconforto.
Procurando criar algum conforto,
De velhos troncos construí canoas.
Domestiquei animais e um belo dia
Lancei semente à dadivosa terra!
E a abundância nasceu, com as colheitas!
Abandonei as cavernas, fiz cabanas;
De um galho recurvado fiz um arado
Para lavrar a terra e ter mais frutos.
Um dia eu fiz uma carroça tosca
Que atrelei a um cavalo chucro,
E fiquei deslumbrado, que beleza!
A era dos transportes começava.
Trabalhei, trabalhei, pensando sempre
Em deixar algo bom aos descendentes.
E fui aperfeiçoando os meus inventos
Em busca do progresso a todo custo.
Construí maravilhas no passado:
As Pirâmides fiz, perto do Cairo,
Na linda Helicarnaso, o Mausoléu,
Em Éfeso, o Templo de Diana,
Na Babilônia, os Jardins Suspensos;
Fiz a Estátua de Júpiter Olímpico,
O Colosso de Rodes — deus Apoio;
Em Pharos, o Farol de Alexandria!
Na voz de Homero, Dante e Shakespeare,
Castro Alves, Camões e tantos bardos,
Cantei meus feitos, aventuras, glórias,
Deixei na história meu passado nobre.
Na música, fui Wagner, Beethoven,
E fui Schubert, Strauss e muitos astros
Na pintura, fui Vinci, fui Rembrandit,
Miguel Ângelo fui nas esculturas.
Na Ciência, Aristóteles e Fleming,
Einstein, Pasteur e fui Curie,
Na aviação, eu fui Santos Dumont,
Estadista — Fui Lincoln, fui Churchil
Depois eu fiz motores poderosos;
Hoje, aquelas canoas, são navios,
São possantes Cargueiros, são Iates
E suntuosos, lindos Transatlânticos
Aquêle galho recurvado, tôrto;
Hoje é charrua, hoje é potente arado
E aquela choça primitiva e tosca
Hoje é linda mansão, rico palácio.
Aquêle carroção, desajeitado,
É belíssimo e rápido automóvel,
É caminhão gigante, é trem ligeiro,
É nave supersônica nos céus!
E para transmitir minhas notícias,
Primeiro o mensageiro destro e forte.
A seguir o telégrafo e depois
A grande maravilha, o Telefone,
E maravilhas outras, como o Rádio,
Televisão, Cinema! E construí
Belas cidades e imponentes obras ! . . .
E penetrei na era espacial.
De todos os meus feitos eu me ufano
De todos os progressos me glorio,
Menos um, que deploro, que é anátema:
— A miserável arte de matar.
Antigamente a guerra era bravura,
Hoje é mortício, inglório e bruto:
O átomo devia ser de paz,
Tende a ser assassino universal!
É preciso, meu Deus, muita prudência
Para empregar as artes, as ciências
Somente para o bem da humanidade.
Acabemos a guerra, a crueldade.
ELÉTRO-DOMÉSTICO, MÓVEIS

PEÇAS E ACCESSÓRIOS PARA BICICLETAS

TELEGRAMA: “ P E Ç A S ”

T E L E F O N E : 232

RUA SANTOS DUMONT, 60

CRATO — CEARÁ
> . — , /

Antônio Al m i n o de Li
DEPOSITÁRIO E DISTRIBUIDOR DA
ESSO BRASILEIRA DE PETROLEO S. A.

Venda de Combustíveis por Atacado para várias Regiões

Vende P N E U S pelos melhores Preços da Região


M A N T É M 5 P O S T O S
Atendendo melhor aos Motoristas e aos Proprietários !
S E N D O 3 EM C R A T O

P O S T O “ E S S O* — EM ARARIPE — CEARÁ
P O S T O “I D E A L ” — EM BARRO — CEARÁ

MATRIZ : RUA ALMIRANTE ALEXANDRINO N.° 1.014


TELEFONE: 531 — CRATO — CEARÁ
> -»■
FELIX LIM A JU N IO R dades secretas então funcionando
na Côrte. Frascisco Pereira Lis­
boa mudou o nome para Francis­

Aitrspiniiia co Caribé Morotova. E assim por


diante, centenas de casos que se­
ria enfadonho citar. Dom Nuno

Fatriítiea Eugênio de Lisboa e Seiblitz, pri­


meiro Presidente de Alagoas, no­
meado em 20 de Outubro de 1823,

da pelo Augusto Filho de Dom João


VI, governou esta então províscia
de l.° de julho de 1824 a 3 de

Independência maio de 1826. Era, no Apostolado,


no Rio de Janeiro, Zanioloxis.
Bacharel da bôa terra trocou seu
nome por outro bem “ curtinho” •
Um

Leio no Vultos do Império, de


Benedito Próscolo Joviano de A l­
Hélio Viana, Coleção Brasiliana,
meida Aimbaré Militão de Souza
volume 319 :
Bariré Itaparica de Boré Fu Mi Ni
Tucundura... Pu xa! Seria de­
“ Antroponimia patriótica da
mência, cretinice ou exibição ou­
Independência — 1822/1824
ra ? Não sei. Com tal nome ex­
— O nacionalismo dos bra­
travagante não se perderia o dou­
sileiros que em 1822 /1824
tor baiano...
lutaram pela dissolução do
Reino Unido de Portugal, Sôbre o Padre Caldas escreveu
Brasil1 e Algarves, em favor Craveiro Costa no livro Maceió,
da organização do esperado pág. 93 :
e independente Império do
Brasil, assumiu alguns as­ “ .. .José Antônio Caldas, de­
pectos ocasionais e ingênuos, putado à Constituinte Bra­
como o do abandono de no­ sileira, nacionalista extre­
mes que se supunham niti­ mado, sofrendo, no Rio, de­
damente lusitanos e sua tro­ pois da dissolução do Parla­
ca por outros que se acredi­ mento, as consequências da
tavam fossem rigorosamente sua imoderação política, nn
nativistas” . enxovia da fortaleza de Sta.
Cruz, donde logrou evadir-se
Cita muitas figuras como “ o dramaticamente, para mor­
trêfego alagoano Padre José A n ­ rer, anos depois de repente,
tônio Caldas”. Lembrando-se da sem mais rever a terra na­
Grécia passou o sacerdote a ser tal1, como Vigário de Itabo-
Cedros I I numa das muitas socie­ raí”.

185
iqui outros patrícios, muda­ roz, madeiras de construção, re­
ram ou alteraram seus nomes. gressando carregada com farinha
Anti nio Pirmiano Macedo Braga de trigo, manteiga, tecidos, louças,
trocou Braga por Carioca, de cer­ calçados, azeite de baleia e outros
to j or haver nascido no Rio de artigos.
Janeiro. Sobre êle escreveu Via­ Para são serem confundidos
na no livro citado : com os odiados “pés de chumbe,
galegos, marinheiros, calcanhar de
“ O Capitão Antônio Pirmiano frigideira” e esquecidos que eles
Macedo Braga, Cavalheiro da eram seus pais, avós e bisavós,
Ordem de Cristo, morado- patrícios entoxicados pelo nacio­
nas Alagoas, fez saber que nalismo mudaram de nome, sur -
pelos barbaros e tirânicos gindo, então, as famílias. Carnaú­
males que a Nação Portu- ba, Cansanção, Gitirana, Jucá,
guêsa lhe tinha causado, Buriti, Oiticica, Jacarandá, Quixa •
“ desde o ano de 1817” , resol­ beira, Urtiga, Coruripe, Cajueiro,
vera “ desterrar de si e de Mangabeira, Paturi, Taboca, Pra-
toda sua fam ília os indignos tagi, Palmeira, Tubarão, Muric\
nomes de Macedo e Braga” . Mororó, Pitanga Limoeiro, Game-
Passou a ser Antônio Fir- leiras e outros.
miano Brasileiro Carioca; Aqui residiram ; Manoel Co -
seu filho Rodrigo, Rodrigo queiro, alfaiate; Pedro Diniz M a ­
Antônio Brasileiro Macei"' ceió, mestre da banda de música
as filhas Cândida Flora e da Polícia; José da Silva Titara,
Inocência com os acréscimo^ deputado provincial; Antônio Je-
Maceió. E até sua sumaca quitá Peroba, militar; Manoel1F a-
“ Constituição Liberal” pas­ briciano Carneiro Tiririca, pre •
sou a ser “ Caipira de Ma prietário do Teatro Maceioense;
■ceió” .. . Cantidiano Bandeira de Melo Cas­
cavel, funcionário público; Manoel
Os filhos do exaltado patriota Gato Bravo; Samuel da Fonseca
de certo .nasceram sesta capital. Barauna; Silvestre Pimenteira, te ­
A sumaca, ao que tudo indica, foi soureiro da Alfândega; Antônio
constituída num dos estaleiros Lima Mulungú, da Guarda Nacio­
improvisados em Pajuçara ou na nal; Manoel Lim a Pitombeira,
ilha de Santa Rita, com madeiras Otávio Pau Ferro, funcionário m u ­
de nossas matas e por operários nicipal; Arthur Xexeu; Manoel
alagoa aos, como os dois barcos de Rodrigues Taquari; M ajor Orlan­
guerra — corvêta Maceió e brigue do Sucupira do Exército; José A n ­
-São Cristovão. A sumaca levava tônio Costa Imbuzeiro; Dr. Jacin­
para o sul do país coco, farinha to Mendonça Jaraguá, senhor de
de mandioca, algodão, açúcar, a r­ esgenho; Joaquim de Andrade

166
Nenhuma iniciativa foi recebida Cea-rá, patrocinará a cadeira a ser
com tanto entusiasmo pelo sócios defendida pelo engenheiro conter­
cio I. C. C. do que essa do desdo­ râneo Dr. Antônio Pinheiro Filho,
bramento da secção de letras e de atual diretor da conhecida e aca •
ciências com patronos. O melhor tada Escola- de Minas de Ouro
de tudo é que não faltam patro­ Prêto e vulto de destaque do mun­
cinadores dessas cadeiras em nos­ do científico do Ceará, com pro­
so pasado. Aviltam quer falecidos jeção no sul do país.
nesta terra ou caririensos que
desapareceram, enchendo de luz
e de benefícios outras para­
gens muitas vêzes se projetando Começa a colaborar nesta revis ■
pelo Brasil inteiro. A Cadeira de ta o cratense, com residência em
José Carvalho, escritor, teatrólogc, Fortaleza, há muitos anos, Ilde-
folclorista e até o primeiro liber­ brando Sisnando. É filho do an ­
tador do Acre da invasão bolivia­ tigo tabelião Enoque Sisnando, já
na, será preenchida pelo seu pa­ negociou em Crato, residiu no Rio
rente e colaborador de IT A Y T E - e em Manaus e finalmente fixou-
RA, das maiores vocações de par­ se na Capital cearense, morand >
lamentar que já tivemos — Dr. com a família, no Hotel Fortaleza
Antônio de Alencar Araripe. Por Como poeta faz quadrinhas cuja
sua vez na secção de ciência, o beleza o leitor pode apreciar. É
sábio Dr. Marcos Macedo, piaui­ irmão de nosso veterano colabo­
ense, tão ligado ao Crato e ao rador, do Rio, Jaime Sisnando.

Nordeste, Diretor da Cia. Trilhos gente do Asilo das Orfãs de Be­


Urbanos; Joaquim Bringel Melo bedouro.; Jo-ino Carápeba, militar
Tempeiro; Manoel Benigno Cama­ A propósito de Carapeba : em
rão; Antônio Flor de Baraúna, Casa Grande e Senzala, Gilberto
Manoel Gregório Cajazeira; Jus ti­ Freyre reproduziu, junto à página
no Flôr do Mundaú; Américo da 20, retrato de “ Um Fonseca Gal:-
Costa Ouricuri; João Bagre, al­ vão que por nativismo mudou o
faiate; Maria Pimenta, hoteleira; nome para Carapeba” .
Zulmira Brasiliense Messias, Re­ Maceió, fevereiro de 1970.
“O C E A R E N S E ”
de
ParsifalBarroso
J. DE FIGUEIREDO FILH O

Há poucos anos, chegou-me


cm casa o suiço, da parte fran- na qualidade de minha vida tão
cêsa — Jean Pierre Chabloz. Bem íntimamente ligada ao Cariri.
alto, robusto, expressando-se re­ O Ceará, mesmo com sua uni­
gularmente em português, muito dade aparente e com o fator sêca
simpático, apresentou-se a mim que o identifica de sul a norte,
como autor de livro inédito sôbre possui zonas diversificadas umas
o Ceará, a ser publicado na língua das outras. É difícil estudá-la, ou
de Moliére. Veio pedir-me a con­ definí-la, de um todo.
tribuição para abordar êle o Ca-
Lí há pouco o tão esperado
riri em seu estudo. Notou à pri­
livro de um dos maiores vultos da.;
meira vista, muita diferença, não
letras, da filosofia e da política
ró quanto à natureza, como no
cearense — Parsifal Barroso, com
homem entre o Vale Caririense e
o título “ O CEARENSE” lançado
o norte da terra cearense. O fato
em bela edição, no ano passado,
lhe chocou bastante e julgou qtr
pela Gráfica Record Editora, Rio.
a sua experiência de cinco anos
cm Fortaleza e proximidades, pou­ A leitura me prendeu e pro­
co lhe valia para esta zona. curei concluí-la logo. É um belo
Crato, Barbalha, Juàzeiro do N or­ espírito o bom sobralense, mas
te, este mesmo com seu fenômeno senti alguma coisa nele que não
■eligioso, possuíam características estava completo e também que
à parte do resto do Estado. cometera algum pecado, filho des­
se louvável bairrismo de sua t e r ­
Em poucas palavras, exph-
ra. Não o condeno por isso.
quei-lhe as origens de nosso po­
Guardarei como preciosidade p a ­
voamento e .história. Firmamos
ra consultas, no momento oportu­
também boa amizade que perdu­
no. Não foi decepção para mim.
ra.
Parsifal não pode escrever livro
Poucos dias depois, recebi a medíocre. Repararei, a meu modo
visita de repórteres da “ R E VISTA de caririense, uma sua injustiça.
4 RODAS ’, tão conhecida no meio Na minha humildade, não faria
rodoviário brasileiro. Pediam-me isso com Sobral, cidade de minha
'gualmente a mesma explicação, admiração.

168
Enalteceu muito o papel de mo Sobral também tivemos fa m í­
sua terra, no conjunto Ceará e lias que só derramaram pelo B ra ­
esqueceu Crato. Aliás tal fato sil, com vultos ilustres a exemplo
chamou a atenção do bom escritor da Alencar e da Bezerra Monteiro.
Aires de Montalbo em bela crí­
Crato, com seus vizishos, hoje
tica que escreveu sôbre “ O CEA­
municípios independentes, descre­
RENSES
veu a mais bela epopéia de uma
A cidade de Parsifal venceu c. localidade interiorana, nas lutas
própria natureza áspera para criar de independência. Seu Seminário
civilização que honra o espírito de e o primeiro Bispo da Diocese mo­
iniciativa inato do nordestino. dificaram o panorama desta zona,
Possui certa aristrocacia com fa ­ com a instrução aliada à sadia e-
mílias que se irradiaram na polí­ ducação. E temos movimento cul­
tica, no mundo intelectual, por aí tural de chamar a atenção, com
afora. Deu capitães de negócios boas revistas, edição de livros o
ao Rio ou a S. Paulo. Até certo imprensa. Não damos capitães do
ponto, dou razão a êsse orgulho de comércio uma vez que fomos f o r ­
Sobral que não lhe rouba o apre­ jados na agricultura. Contribui-
ciável pendor para a hospitalida­ mos até para a primeira liberta­
de mais franca. Forneceu ao ção do Acre das mãos bolivianas.
Brasil, igualmente inteligências de Quase todas as cidades do sul es­
primeira grandeza. tão cheias de militares, médicos,
bacharéis, dentistas, bancários e
Deu o seu a seu dono. Por
que não deu Parsifal, tão justo jornalistas de Crato ou de locali­

como é, o papel que Crato desem dades a ela vinculadas. Partici­

penhou e desempenha, no panora­


pamos do movimento industrial c
ma cearense e mesmo nordestino
o nosso consumo de KW, atesta
bem isso. Houve fracassos, mas
embora não impregnado exterior­
outras fábricas sobreviveram, fun-
mente de CEARENSISMO ?
dam-se novas, comprovando a vi­
Encontramos natureza bonita talidade de seus filhos em todos
e tivemos terras propícias à agri­ os setores de atividade humana.
cultura. Mas tivemos muitos em­
O livro de Parsifal é ótima
pecilhos a vencer. Escravisamo-
contribuição para a cultura cea­
nos à monocultura canavieira c
rense. Nele há pesquisa e origi­
com dificuldade estamos a saii
nalidade. Acima de tudo, nin­
dessa obsessão. Nas terras úmi
guém o olhará com indiferentismo.
das há mais doenças de que nas
sêcas. Sofremos também os efei­ É destinado a provocar discussões,

tos da calamidade climática do a maior delas pendendo para o

Nordeste, direta ou indiretamente, lado favorável ao Autor.

pelo acúmulo de adventícios. Co­ Crato, 19 de Julho de 1970.

169
0 Patriarca
M ajor José do Vale
em Missão no Ca riri
GOMES DE FRE ITAS

Nas constantes pesquisas sôbre de Araújo Costa, no Comando de


história do Ceará, e especialmente um dos Batalhões da Legião dos
dos Inhamuns, a que tenho dado Inhamuns, que se constituia de
a minha maior dedicação, já con mais. de 700 homens (incluindo os
sultando os arquivos paroquiais, já elementos da Ribeira de Crateús,
compulsando a farta documenta­ da responsabilidade do M ajor
ção do nosso Arquivo Público, me Francisco), no dia 23 de Maio do
cenho deparado com preciosos do­ 1832, atacaram vigorosamente, no
cumentos absolutamente inéditos, lugar Poço do Cavalo, Ribeira do
por isso que jamais foram divul­ Rio Cariús, as forças rebeldes de
gados. Pinto Madeira, rechaçando-as e
pondo-as “ em precipitada fuga
Agora, por exemplo, no acêrvo
deixando dezoito mortos” .
do Arquivo Público, encontrei um
documento da maior importância, Nenhum dos nossos historiado­
revelador de um fato inédito da res, até hoje, fêz referência a êsso
nossa história, o qual se refere à importante feito das armas dos
atuação de uma prestigiosa figu ­ meus conterrâneos auxiliados pe­
ra dos Inhamuns — o M ajor José los crateúenses, embora muito se
do Vale Pedrosa (filh o único do tenha falado e escrito sôbre a
Capitão-mór dos Inhamuns, Coro­ chamada GUERRA DO PINTO.
nel José Alves Feitosa, êste, te-
Devo aqui consignar que os f i ­
travô do Juiz Carlos Feitosa), o
lhos dos Inhamuns, em tôdas as
que faleceu no pôsto de Tenente
campanhas, das quais participa­
Coronel da Guarda Nacional.
ram em prol da consolidação do
O documento em alusão refere nascente Im pério Brasileiro, sem­
que o M ajor José do Vale Pedro- pre andaram emparceirados com
ca, com o M ajor Francisco Manuel os seus vizinhos de Crateús, os

170
quais, têm, 'como é sobejam ente que estava nas fr o n te ir a s ...”
sabido, as suas raízss genealógi­ (trecho de um ofício do Coronel
cas vinculada^ ao mesmo tronco. Joaquim de Sousa Martins, Co­
mandante do l.° Regim ento de
H á ainda a salientar um por­
Cavalaria do P ia u í).
m enor isteressante. Um mês após
a batalha do Poço do Cavalo, às Tam bém o Presidente do Piauí
vitoriosas tropas do oeste cearen­ certificou que o M a jo r José do
se foi cometida a missão de guar­ Vale Pedrosa: “ com a m elhor
necer a V ila do Crato. conducta C ivil e de M ilitar, e f i r ­
me adezão á mesma Cauza, de-
A respeito do assunto, ao Pe. zempenhou todas as ordens que
Antônio Pinto de Mendonça, Se lh e foram dirigidas athé que os
cretárlo do Govêrno do Ceará, o inim igos encantonados no m orro
Presidente José M ariano de Albu ­ das Tabocas, se redenrão ás T r o ­
querque Cavalcanti, em correspon- pas Im periaes” (Dos Inéditos do
dêscia datada do Crato, de 25 de Barão de S tu d a rt).
Junho de 1832, assim se expres­
Em 1824, por ocasião do levan ­
sou : “ como não m e convém dei­
xa r esta V ila ao dezamparo por te denominado Confederação do

ser um ponto importantíssimo, te­ Equador, o mesmo Presidente do

nho ordenado nesta data aos M a ­ Piau í Cel. Manuel de Sousa M ar­

jores Francisco M elo de A raújo tins, isform a nor ofício ao M inis­


tro de Estado dos Negócios do Im ­
Costa e Jozé do V alle Pedroza, que
pério, João Severino M aciel da
se achão com mais de 700 homens
Costa que : “ aproveitando a van ­
sustentando outros pontos, para
tajosa ocasião que nos ofereceu
m archarem im ediatam ente - ocu­
os Inhamuns onde o Cel. João de
par este ponto por ser foco dos
Araújo Xaves e o M a jo r Jozé do
mencionados insurgentes” .
Valle Pedroza, identificando-se
Linhas atrás, dissemos que a comnosco em sentimentos fizeram
Legião dos Inham uns sempre con­ levan tar o Pavilh ão Erasileiro no
tou com a colaboração dos seus dia 22 do m ez passado para o que
vizinhos crateúenses. Assim foi lhe prestei o auxilio das Tropa?
em 1823, quando m archaram lado dos Caratiús, desta província, dis­
a lado, para a G U E R R A DO F I- trito que confina com aquelle e
DIÉ. dahi m archaram para o Icó (R e ­
vista do Instituto do Ceará, 1925).
Neste sentido, há informações
colhidas nos. inéditos do Barão de Outro documento, igualm ente
Studart de que : “o Sargento-m ór inédito, por m im encontrado nos
Jozé do V alle Pedroza, prestando alfarrábios do Arquivo Púoiico,
socorro, com a Tropa do seo C o­ refere-se, com detalhes, à h o r r o ­
mando se veo unir ao Exercito rosa chacina perversam ente pra­

171
ticada na antiga Vila de Sousa, seus perversos aliados, as suas
na Paraíba, pelo sanhudo José tropas aguerridas.
Rotéia, o qual ali trucidou, fria ­ Reputo estes documentos de re­
mente, todas as indefesas autori­ levante importância para a nossa
dades locais: o Promotor Públi­ história.
co, o Capitão-mór da Vila, o Juiz
de Paz, e mais. outras pessoas, a l­ NOTA : Há necessidade urgen­
gumas, como aquelas de conside­ te de se fazer o levantamento dos
ração social, escapando, apenas, trabalhos do patriota Major José
os que ainda tiveram tempo de do Vale Pedrosa prestados à cau­
foragir-se. sa do País, a exemplo do que ora
realizou Gomes de Freitas, ilustre
O fato hediondo consta de um:
membro do Instituto do Ceará,
represestação dos Oficiais da Câ­
pois que essa benemérita figura da
mara da Vila de Sousa, datada 0.e
Colônia já começa a ser confundi­
8 de Julho de 1832, dirigida ao
da com o famigerado cangaceiro
Presidente do Ceará, José M aria-
José do Vale, de triste memória
no de Albuquerque Cavalcanti, na
para as populações nordestinas
qual' aquéles Edis pintam, com
( “ Flor dos Romances Trágicos” ,
tintas vigorosas, 0 quadro tene­
Luís da Câmara Cascudo, Editora
broso que foi o truculento domí­
do Autor, 1966, págs. 143 a 153),
nio daquele bárbaro, durante 22
como se viu em artigos em “ O
longos dias que permaneceram
POVO” de 23 de Abril de 1965, da
naquela infelicitada comuna pa­
lavra do venerando Dr. Fernando
raibana.
Távora. e do emérito historiador
Um pormenor, ígualmente triste, caririense J. de Figueiredo Filho
deve ser registrado. O Presidente (JOSÉ DO VALE NO FOLCLORE
da Província da Paraíba ficou, NORDESTINO, “ CORREIO DO
inexplicavelmente, “ em cima do CEARÁ” de 17 de Julho de 1965).
muro” , na linguagem popular, O que é de mais lamentável, no
isto é, indeciso diante das ocor­ caso, é que o Prof. J. de Figuei­
rências de tanta gravidade, con­ redo Filho foi levado a êrro por
forme denunciam os Vereadores le um membro da família, o Sr. João
Sousa, ao Presidente do Ceará Cruz, que informou tudo errada-
sem se definir ou perseguir os mente, inclusive o nome do pa!
criminosos, enquanto, de modo que era o Coronel José Alves Fei-
contrário, procederam as autori­ tosa, Capitão-mór dos Inhamuns,
dades do Rio Grande do Norte se­ e não o prsonagem do mesmo a-
guindo o exemplo de outras Pro­ pelido, conhecido por CASUS^O,
víncias do Nordeste, que, com dc- nascido muito posteriormente, o
"isão, fizeram marchar em perse­ de comportamento completamen­
guição de Pinto Madeira, e de te diferente. C. F.

172
RAIMUNDO ROCHA

A casa grande de meu avô paterno era o ponto certo


das reuniões noturnas de pessoas da família, de moradores que
residiam em sua propriedade, no Junco, ou que moravam per­
to. Era um bate-papo agradável à “ boca da noite, a luz ae
lamparina” , na época da colheita, quando se fazia a debulha
dc feijão. Estavam presentes o contador de estórias e o can­
tador, que animavam as reuniões. Comentavam-se também os
últimos acontecimentos da região e dc país. As notícias eram
transmitidas de “ boca em boca” , pois ainda não havia e rádio,
e os jornais só existiam nas grandes cidades, como Mossoró,
ou na capital dc- Estado.
O tema predileto da palestra era sobre o banditismo,
todas as noites. Lampeão havia atacado Mossoró em 1927.
Era o assunto do dia. Entravam em cena outros bandoleiros,
dos quais alguns já não existiam, mas permanecia na lem
brança do povo a sua fama. Antônio Silvino, recolhido à pe­
nitenciária de Recife, cumprindo sentença judicial, era comen­
tado e discutido sempre.
Eu contava apenos oito anos de idade. Imagine-se o
mêdo, a angústia, que me dominava, ouvindo as estórias e
façanhas violentas, que tinham como auter os cangaceiros que
infestavam o sertão nordestino.
Jesuino Brilhante, Antônio Silvino, Lampião, para só
falar na trindade suprema, porque havia um número apreciá­
vel de bandidos em escala decrescente, menos famosos, porem
igualmente perversos e temíveis. Alguns já desaparecidos, ou­
tros em plena atividade, praticando toda espécie de atrocidade
entre cinco Estados.
Clamando por minha avó paterna, implorando socorro,
mais das noites, eu acordava apavorado, aos grites, pois so-
nhára que o bandido de Vila Bela, com seu grupo, atacava
nossa casa, ou outras vezes, as casas de nossos vizinhos. In­
cendiavam propriedades, praticavam horrores e cometiam toda
espécie de violência e atrocidade, contra a população rural in­
defesa.
Jamais passou pela minha cabeça, na minha infância,
que, mais cêdo ou mais tarde, teria que me defrontar com um

173
desses cangaceiros, em carne e osso, autêntico bicho-papão da
gurizada de minha geração, flagelo do sertanejo de minha
terra-natal.
Patú, então vila pertencendo ao município de Martins,
miniatura de FAR-WEST potiguar, imortalizada na crônica do
cangaço, por ter sido berço das extraordinárias façanhas do
“ maior cangaceiro do século dezenove” — Jesuino Brilhante,
no dizer de Gustavo Barroso, o sr. Joaquim de Oliveira, de
saudosa memória, engraçado, sizudo, falador da vida alheiá,
sem maldade, nos falava das lutas, das mais recentes escara­
muças de cada um desses cangaceiros, na costumeira “ rodi­
nha” pela manhã e à tarde, na calçada da bodega de Manoel
Mota, meu cunhado, no Mercado Público. Tinhamos para ca­
da encontro, mais uma novidade, um detalhe, com que con­
seguia com inteligência, prender a atenção dos ouvintes, gra­
ças à sua imaginação e retentiva privilegiadas. Antônio Sil-
vino, o Rifle de Ouro, era o herói de sua simpatia, de sua
preferência, ainda vivo, e, sobre o qual havia um halo de sim­
patia e admiração por onde passava e até onde chegava sua
fama. Não porque o sertanejo admirasse o cangaceiro, mas
porque gostava de homem valente, de homem disposto, que.
uma vez ferido na sua honra, resolvia a parada sem pensar
nas consequências.

— Fulano de Tal (dizia Joaquim de Oliveira, citando o


nome) certa vez foi visitar Antônio Silvino na P e ­
nitenciária do Recife. Depcis de alguma conversa,
pensando em agradar, resolveu comprar uma botoa-
dura de cabelo de animal, para punho de camisa,
de fabricação do velho e temido- cangaceiro. Solici­
tou que mostrasse os botões de sua fabricação, in­
dagando o preço.

—• 800 réis, cada par ! — infermou o velho Capitão de


mato, de dentro de sua céla.

— O sr. faz uma diferença ? — perguntou o visitante,


no seu costume muito do gosto do sertanejo, de pe­
dir abatimento.

— É. Se eu estivesse de lado de fóra, você não me pe


dia diferença — trovejou o bandoleiro, como féra en­
jaulada, recolhendo o artigo de seu comércio.

O tempo passou. A Civilização penetrou de sertão a


dentro. Os cangaceiros famosos foram acs poucos desapare­
cendo. Mataram Lampião e, com êle, foram os seus desalma­
dos companheiros de cangaço.
Meu mano Lourival, em 1942, se não me tráe a mente,
me surpreendeu com esta pergunta à queima roupa, em Cam­
pina Grande, na Paraíba:

— Você já viu Antônio S ilvin o? ...


— Ou chente. . . Antônio Silvino ? Aquele bandido de
nosso tempo de menino ? Onde ?
— Sim, êle mesmo, em carne e osso. . . Êle aparece sem­
pre pela manhã nos cafés da avenida João Pessoa. . .

Procurei francameníe encontrar-me com o herói, que me


roubou muitas noites de sono, na minha infância. E certo dia,
observei, saindo de um bar, na avenida João Pessoa, em Cam­
pina Grande, caminhando em minha direção, um cidadão ido­
so, torax ligeiramente caido para frente, suportando nos om­
bros, o pêso de seus sessenta e sete janeircs. Identifiquei sem
esforço, pelas características apresentadas, que eu estava real­
mente na frente do famoso e legendário Antônio Silvino, que
ancs atraz, se considerava o “ Governador do Sertão” nordesti­
no. Procurei enquadrar no homem que se achava à minha
frente, sem que êle me percebesse, o destemido cangaceiro de
Afogados de Ingazeira, que não temia força do governo, pron­
to para enfrentar a luta a qualquer momento, o valentão que
não temia adversário, que contava com um grupo por êle pró­
prio adestrado, como cantava o poeta das feiras dos mercados
do Nordeste :

JÁ ENSINEI AOS MEUS CABRAS


A COMER DE MÊS EM MÊS,
BEBER AGUA POR SEMESTRE,
DORMIR POR ANO UMA VEZ. . .
A T IR A R EM UM SOLDADO
E DERRUBAR DEZESSEIS!

Estava à minha frente, a alguns metros, um cidadão


idoso, encanecido, estatura mediana, risonho, chapéu de massa
de aba longa, usando terno de brim caqui, e, na lapela do pa­
letó, uma resa vermelha, bengala à mão, aparentando calma e
tranquilidade.

Desmoronava-se para mim um ídolo, naquele instante,


cuja grandeza, fama e poder, seria impossível se medir. De-

175
tive-me ante o herói-bandido de tantas estórias impossíveis:
ouvidas na minha infância, no Junco, e pús-me, pensar nar;
determinações do Destino. Estava alí o “ maior cangaceiro do
século vinte” , homem que manteve toda a população do nor­
deste à mercê de seus capriches, em polvorosa, durante vinte
longos anos. Ora atacava cidades, vilas e povoados, ora as­
saltava fazendas de inimigos, cra defendendo a honra de moças
■pobres, distribuindo aos humildes e famintos o dinheiro sub-
traido acs ricos, aos seus inimigos. Dupla personalidade, tipo
curioso que bem merecia estudado profunda e cuidadosament.;
sobre os diversos ângulos de sua vida.
Sentí, em suma, ao eenhecer o legendário cangaceiro,
recuperado socialmente, após longos anos vividos na Peniten­
ciária do Recife, tremenda decepção. Estava liquidado o ídclo
do Cangaço de uma época. Antônio Silvino dava-me a impres­
são de um pastor evangélico, com a sua expressão de humilde
e mansidão. Nada pois existia nele que lembrasse o cangacei­
ro “ jamais igualado na sinistra fama, nunca excedido no cri­
minoso mister” , “ o maior vulto de crime dos sertões e do nor­
deste” , na opinião do historiador Gustavo Barroso.
Foi assim que CONHECÍ ANTÔNIO SILVINO.

jT~ --------------------------------------------------- -

U sino Bezerra
IRMÃOS BEZERRA DE MENEZES & CIA.

CAPITAL REGISTRADO Cr$ 620.000,00

COM PRA E B E N E F 1 C IA M E N T O DE ALG O D Ã O

M E L H O R E S P R E Ç O S !

End. Telegráfico: BEMENEZES

TELEFONE: 203 CRATO

AVENIDA TEODORICO TELES, 15 CEARÁ

176
CERÂMICA NORGUAÇÚ S. A.
EM IM P L A N T A Ç Ã O

AVENIDA PADRE CÍCERO, K M 3 — C AIXA POSTAL, 132


TELEFONES : 302 e 459 — Enderêço Telegráfico : CERNOSA
C R A T O — C E A R Á

Diretoria : Dir. presidente — F R A N C IS C O M A R T IN I


Dir. vice-presidente — J O SÉ FERN AN DES DE CARVALH O
Dir. industriol — O SCAR M A R T IN I
Dir. comercial — F R A N C IS C O A. DE CARVALH O N ETO
Dir. financeiro — R A IM U N D O FERN AN DES C A R V A i. H O
Dir. secretário — W A L D O M IR O G IR A R D JACO B
Conselho Fiscal : O R ESTES C O STA
ERNANI B R ÍG ID O E S IL V A
M A C Á R IO DE B R IT O M O N T E IR O

BREVEMENTE ÊSTE HEXÁGONO SIGNIFICARÁ


PADRÃO DE QUALIDADE EM
LADRILHOS CERÂMICOS NO NORDESTE

C o la b o ra ç ã o : P R E F E IT U R A M U N IC IP A L DO CRATO
S U D E N E
BANCO DO N O RD ESTE DO B R A S IL S. A.
COMP. DO D E S E N V O L V IM E N T O E C O N Ô M IC O DO CEARÁ
D E P A R T A M E N T O A U T Ô N O M O DE E S T R A D A S D E R O D A G E M
Hospital Psiquiátrico do Crato
J. DE FIGUEIREDO FILÍIQ

No dia 21, Crato. foi enri­


quecido com o sexto Hospital, confortável edifício, totalmen­
desta feita, de caráter psiquiá­ te isolado, no alto do Seminá­
trico, raríssimo no Nordeste rio. Adquiriu a sede do anti­
interiorano. É um empreen­ go Noviciado das Filhas de
dimento arrojado, de antemão Santa Teresa, daí vindo-Ine i
vitorioso pela sua competente nome e a Santa que a protege.
direção, pela procura, confian­ É aparelhado com o que há de
ça e raio de ação. Foi inicia­ mais moderno na ciência mé­
tiva do casal Dr. Elígio de Fi­ dica neste particular. Dispõe
gueiredo Abath e Professora de concoenta quartos todos
Nerian Oliveira Abath, que lhe bem arejades, com páieos in ­
deram o máximo de esforço, ternos, tudo isso ao lado da
acrescida, com os não menos mais luxuriante natureza ca-
dinâmicos — Dr. Maurício ririense, vendo-se em baixo o
Monteiro Teles e Dr. Carlos panorama da cidade, canavi­
Barreto de Carvalho. ais, fruteiras e mais adiante,
Crato não somente é sede Juàzeiro do Norte.
de intenso movimento de cu­ Sua segura direção compõe-
nho educacional e cultural a se dos abalizados e abnegados
despertar as atenções de meios médicos, já bem conhecidos na
evoluídos, até do sul do país. zon a: Dr. Maurício Monteiro
No setor hospitalar, médico, Teles,Dr. Elígio de Figueiredo
odontológico, é dos centros Abath, Dr. Carlos Barreto de
mais desenvolvidos do inte­ Carvalho. A Professora Nerian
rior, possuindo agora seis mo­ de Oliveira Abath e a Farma­
dernos estabelecimentos hos­ cêutica Lúcia Melo Barreto de
pitalares, várias policiínicas, Carvalho completam-lhe a
gabinetes de análises, além de parte administrativa.
consultórios bem aparelhados, Já entrou em franca ativi­
com movimento intenso de in­ dade e é também credenciada
tervenções e clínica intensa pelo INPS.
especializada, como em qual­ Sua clínica de repouso a-
quer capital. brangerá vasto campo, entre
A Casa de Saúde Santa Te­ cs quais: Psicoterapia, Psi-
resa, especializada em doenças trossonoterapia, Corletiterapia
mentais, situa-se em vasto e e Sonoíerapia.

178
A Casa de Saúde, rscém- dores conservam ainda aquele
inaugurada, é modelo de con­ espírito indômito que fizeram
forto e de organização, fican­ as lutas de independência no
do todo o seu movimento ao Ceará e a disseminação da ins­
encargo direto das esposas dos trução em grande parte da in-
médicos diretores. Até para terl|ndia. As dificuldades não
repouso de pessoas cansadas os abatem. Antes retempe­
do labutar cotidiano da vida, ram-lhe a iniciativa. A Casa
há excelentes lugares, naquela de Saúde Sta. Teresa é exem ■
Casa de Saúde, localizada, em pio disso. Outros empreendi­
recanto privilegiado e cercada mentos de vulto serão inaugu­
de todo conforto da ciência. rados, por estes dias, m oscan­
Crato continua com seu pio- do a vitalidade dessa genl'r
neirismo do passado a ser por­ que, embora embalada pelo
tador do progresso nos dias de passado, nunca esqueceu de o-
hoje. No meio da adversidade lhar fixamente para o futuro,
como que cria alma nova para não só de sua terra como das
outros embates, em prol da ci­ outras co-irmãs.
vilização. Seus filhos e mora­ Crato, 29 de Junho de 1970

iórii isas ui
B r. PAULO CARTAXO ESMERALDO
D ra. MARIA BO CARMO VALBEVINO

S A N G U E — F E Z E S — U R I N A

PROVAS BE FUNÇÃO HEPÁTICA

SERVIÇO BE TRANSFUSÃO BE SANGUE

----- o -----

RUA SANTOS BUMONT N.° 29


C R A T O ------o------ C E A R Á

V _/
179
\
o vôo das muriçocas urbanas
f. assis de sousa lima
(a paisagem urbana derrete os olhos dos arranha-céus)

mas acima de tudo há essa tarde


que o mijo das nuvens lavou
e que ri da acrcmegalia da cidade
que como a rússia vende pepsicolas
(pássaros anêmicos mal saltitam nos jardins burguêses)
e as muriçocas caminham nos cristais
e elas pedem ser azuis ou escarlates
ou quasi transparentes
podem penetrar os ouvidos desavisados
e cantar os temas tristes
da insônia

(mas o povo dorme e as muriçccas cantam)

as lembranças retidas nos olhos


respiram profundamente
e são levadas nos ventos
ou nas primeiras memórias
há sorrisos pensando coisas de ontem
e mistérios inúteis ouvindo o vento de chuva

(mas principalmente um sol morre aos domingos)

e a noite se fêz noite


para que houvesse sombra
e as estrelas se. fizeram
à semelhança de teus olhos

(veio a chuva e também ela mereceu um significado)

a lua veio verticalmente


um dia inspiradora
outro
frígida como o homem que recusa a carne

(depois o caso da desconhecida que se atirou sob o pneu­


mático porque queria viver)
isto para esconder
anos a fio
os casos conhecidos de vietnãs
que um dia o tempo semeou
para que o homem colhesse
v
a Caipora, o Kiriri, o Caldas, a

Folclore Lagoa Encantada, etc.


mo esta última: “ Durante a
Resu­

estação invernosa, a parte bai­

do xa do sítio (propriedade do
Dr. Jcaquim Fernandes Teles,
a poucos quilômetros do Cra-
to) fica completamente inun­
Cariri dada, formando verdadeira la­
goa. Quando baixam as águas
no verão, ficam traiçoeiros su­
midouros em diversos pontos,
R U B E N S F A L C Ã O que constituem ainda hoje ver­
dadeiro perigo para qualquer
(Do Jornal O GLOBO) pessoa cu animal, que passe
descuidado naqueles brejos.
R i o — V de 69
Ainda nos princípios da colo­
nização cearense, atravessava
J. DE FIGUEIREDO FILHO, cerco dia aquelas paragens um
natural do Cariri, é um traba­ carreiro a entoar cantigas de
lhador honesto e de boas in­ abciar, enquanto espicaçava,
tenções. Publicou “ Renov? - com a vara de ferrão, a junta
ção” , romance de costumes; de bois. Gemia o carro dolen-
“ Meu mundo é uma farmácia” temente, cortando a vereda
(êle fôra farmacêutico na mo­ dos brejos. Mas o guia, engol­
cidade); “ Engenho de Rapa­ fado em seus cantares, alhe­
dura” e, por último, “ O fol­ ou-se por completo do meio. E
clore no Cariri” . os bcis, a pouco e pouco, fo­
Numerosos e riquíssimos são ram abandonando a rota cer­
os motivos folclóricos da re­ ta. Ainda lhe ouviam os mo­
gião estudada. Além do Bum­ radores de mais perto a últi­
ba-Meu-Boi, o Baião, dança ma estrofe naquela noite de
popular e característicamente luar claro. No outro dia ioram
cearense. O Rio já a conhece, procurar o carretão e nenhum
trazida que foi pelo Carnaval. vestígio encontraram, nem do
São lendas do vale caririense: tosco veículo, nem dos bois e

181
seu condutor. Tudo desapare­ sugeriu a quadrinha seguinte
ceu como que por encanta­ àquelas a quem o mal não a-
mento. Por muito temoo ti­ fetara:
veram mêdo de passar por a- “ Lá vem o carro cantando
quêles brejos, cheios de assom­ Cheio de olhos de cana,
bração, com o vento a levar As môças do Cariri
sempre a toada do carreiro e o Têm olhos, não têm pestana” .
ranger constante do carro” .
O aboio, “ canto sem pala­
Lapinhas e pastoris com­
vras. marcado exclusivamente
põem mais um capítulo do li­
vro, com o pastorzinho, “ me­ em vogais, entoado pelos va­
queiros quando conduzem o
nina travestida de menino” ,
enteando a louvação: gado” — define Luís da Câ­
mara Cascudo — , o aboio ins­
“ O galo cantou pirou, dentre muitas, a estrofe:
Cristo nasceu
“ A alegria do vaqueiro
O boi perguntou:
É ouvir o ronco do trovão,
Aonde ?
Vê o céu se enubrá
E a ovelha
E a chuva cair no chão,
Logo respondeu:
Bota a sela no cavalo
Foi em Belém
Vou à casa do patrão.
Para c nosso bem” .
Bom dia, senhores todos,
Na Lapinha a mulata rebola Como vai meu cidadão ?
e recebe aplausos estridentes. Vim dizer ao senhor
Responde cantando: Que chove no sertão,

“ Sou correta no agrado Vamos juntá o gado

Para isso tenho jeito. Pra fazê apartação” .

Bem me disse a Senhora O Maneiro-Pau, “ dança


Que eu não tirava proveito. máscula realizada ao ritmo de
verses estribilhados, ante o
Eu arrenego de todos,
entrechoque contínuo de por­
Não me fizeram feliz.
retes” , é um divertimento pe­
Só me deram água nos olhos
rigoso. Ao folclorista potiguar
E catarro no nariz” .
Luís da Câmara Cascudo, cha­
O tracoma, “ doença multis- ma-a Mineiro-Pau, admitindo,
secular no vale caririense” , talvez, que a dança tenha tido

182
origem nas Minas Gerais. Na Tipos curiosos vamos ainda
minha meninice, eu sempre encontrar: o tocador de za­
ouvi dizer Maneiro-Pau. É bumba, o tocador de pífaro, o
uma dança de roda, “ cantada tocador de caixa, figuras in­
e ritmada com palmas. Os dispensáveis das bandas de
dançarinos viram-se para a couro. Em Fortaleza, quando
direita e para a esquerda, com eu saía para as aulas da seve­
um livre cumprimento ao dan­ ríssima D. Amália de Castro,
çarino dêste lado, ou fazendo passava, ligeiramente assusta­
menção de dar umbigada” . do, pele Berimbau ds Barriga.
Cantam quadrinhas interca­ Era um prêto carrancudo, alto
lando : — Maneiro-Pau ! . . . e sêco, que grudava à barriga
Maneiro-Pau ! . . . E verses uma cuia de côco da qual
como êstes: partia um arame que, levado
à boca, retirava um som cavo
“ Me atrepei na bananeira,
e sem graça do instrumento
Me enrolei com o magará,
que prendia entre os dentes.
Comi banana madura
Motivos e mais motivos fol­
Até a gata miá.
clóricos descobriría neste vôo
Assubi de pau arriba de pássaro sôbre o livro do in­
Fui descansar na forquia telectual cearense. Mas fico-
Peguei na perna da véia me por aqui, rezando o Ben­
Pensando que era da fia. dito dos penitentes:

Me desculpe, Siá dona véia, “ Meu senhor tão grande,


Era de noite, eu não via. Que na cruz morreu;
Perna de véia é cascuda, Des filhos ingratos
Perna de môça é m acia! ” O mais maior sou eu” .

P É t É r e s sjuÉQi o ínsiiiuio Cotai Io Cariri


No Orçamento Federal da Re­ son Gonçalves, Deputados Leão
pública quatro representantes do Sampaio, Joaquim Figueiredo Cor­
Ceará deram a contribuição de ria e Wilson Roriz. Muito agra­
sua quota particular para o bom decemos a grande cooperação da­
funcionamento de nossa entidade queles parlamentares que mostra­
associativa e de revista “ IT A Y - ram tanto amor pela melhoria do
TERA'\ São êles — Senador W il- nível cultural de nossa terra.

183
ASPECTOS INTE
ULYSSES VIANA
Os comentários dedicados ao
Município de Bom Jardim po­ lha dentro da Cidade Luz, d ig­
dem ser interpretados ccmo o nificando o nome de Pernam ­
resgate de uma dívida. O m a­ buco e do Brasil. Musicista de
estro Dinamerico Sedycias, alta categoria, alinha-se por
sensível às coisas do espírito, outro lado, no grupo de jovens
numa prova evidente de am i­ compositores que excursiona-
zade, quis mostrar ao cronista ram pela Eurcpa. O Dimas,
as belezas de sua terra natal. com alma de artista consuma­
A grandeza da im portante lo­ do é também discípulo do Po-
calidade pernambucana, resi­ verelo de Assis, através dos
de, principalmente, na classi­ seus agudos princípios de ca­
ficação de seus prestigiosos f i­ ridade, de seu filho extremoso
lhos, no campo da música. e correto.
Aliás, nomes de reconhecido Enumeramos, nesta ligeira
conceito, no cenário nacional, análise sôbre Bom Jardim, no­
desfilam através de composi­ me de pessoas ilustres no se­
ções inimitáveis. Lourenço tor da política: O “ marechal”
Barbosa, o conhecido Capiba, Osvaldo Lim a; o ex-ministro
espalha aos quatro cantos do Osvaldo Lim a Filho, inteligên­
mundo a beleza das suas obras cia brilhante e político ín te­
musicais inspiradas na sociolo­ gro; o ex-governador Otávio
gia e no folclore pernambuca­ Correia de Araújo; os m em ­
nos. Peças como “ M aria Be- bros das tradicionais fam ílias
tânia” , “ Recife, Cidade L en ­ Távora, Barbosa, Souto M aior
dária” , Olinda, Cidade Eter­ e outras que se projetaram
na” , “ Serenata Suburbana” , pelo Brasil a fora.
“ Rosa Am arela” e tantas gra­ Em consequência dessa via­
vações excelentes são atestado gem rápida, mas cheia de re-
vigoroso dc seu talento incon­ miniscências, fizemos boas a-
fundível. mizades, notadamente entre o
O mestre Levino Ferreira, dr. Cícero Guedes Alcoforado,
recentem ente falecido, deixou Juiz de Direito aposentado, re­
números im ortais que carac­ sidente na fazenda Chã das
terizaram sua dedicação ao Velas, encravada no M unicípio
cultivo de tão palpitante arte. de Machados. Êle e sua espo­
Dimas Sedycias, radicado em sa da. Eide, carioca da gema,
Paris, coroado de glórias, bri- ofereceram, em sua residência,

184
assentada no meio de laran­ F E L I C I D A D E
jais, recepção fidalga ao autor
desta crônica e seus familia­ Djanira Figueiras
res. Fci uma festa agradável,
com a presença do Procurador Felicidade onde estás que não

Fiscal Jorge Dreschler; do es­ [ respondes ?

critor cearense J. de Figueire­ Onde estás felicidade ?


do Filho e sua esposa, Zuleica Em que mundo, em que lugar tu
Pequeno de Figueiredo; do [ te escondes
poeta Dinamérico Sedycias, es­ No céu, na terra, no mar
posa e filha. Experimentamos
Ou nas canções de ninar ?
na oportunidade, o gôsto sa­
Nas velhas catedrais, nos templos
boroso da camaradagem, re­
[ santos
tratada através de ambiente
simples, mas saudável, no Ricos de todo encanto
meio de uma natureza exube­ No coração das crianças,
rante. Nas ilusões da mocidade
A visita que fizemos à gem- Cheias de esperanças
tora dc Dinamérico, tronco de
Nas recordações da velhice
família inteligente e corajosa,
Ou nas glórias do passado ?
encheu-me de ternura, quando
o filho reconhecido e solidário Responde onde estás felicidade ?

beijava os cabelos encanecidos Percorres o mundo inteiro


daquela senhora adorável e Noite e dia sem parar
santa. Quem poderia esque­ Nos palácsos, nos lares, nas
cer, também, os acordes afina­ [ choupUas
dos da Filarmônica de Bom
Procuram a tua voz
Jardim, funcionando, em casa
Num desespero atroz !
do sr. Custódio, com a parti­
cipação do mestre Dino ? O Não fujas visão sublime
“ amarelinho” lavrou mais um Porque sabemos que existe
tento, impondo seu desejo de Nos espíritos onde há paz
promover sua gleba generosa, No silêncio das almas puras
realizando, com isso, tarefa de
Nos que praticam a caridade
pura sensibilidade em defesa
Que pregam o bem e a verdade
de sua terra e de sua gente.
O destino de Bom Jardim está Dando abrigo aos aflitos
assegurado e não ficará à mar­ Amenisando a sua dor
gem do progresso, porque, em E buscando no Infinito
verdade, a sua gente sabe o A recompensa do amor !
que quer e para onde vai.
(Do Diário de Pernambuco) Setembro de 1938

185
EM CRATO, AGORA :

C L Í N I C A DE R E P O U S O

C R E D E N C I A D A P E L O INPS

PSICOTERAPIA E SONOTERAPIA

TR ATAM E N TO DE DOENÇAS NERVOSAS E M ENTAIS

Dr. E LIG IO DE FIGUEIREDO AB ATH

Dr. M AURÍCIO M O NTEIRO TELES

Dr. CARLOS BARRETO DE CARVALHO

U M NOVO ESTABELECIMENTO MÉDICO, ESPECIALIZADO


QUE HONRA O DESENVOLVIM ENTO DO CRATO

B A I R R O DO S E M I N Á R I O

C R A T O ------o----- C E A R Á

- ......................... ....... *
Sígísnando Sísnando Batista
JOSÉ DE SIQUEIRA CAVALCANTI

A personalidade de meu tio no Ginásio de Crato, comoven­


materno, Sigisnando Sisnando do-me e convencendo-me, a-
Batista, nascido e falecido em cêrca do que se passa nêste
Crato, onde sempre viveu, sem século de angústia: “ o homem
se ausentar, para onde quer compreende que se dirige para
que fôsse, foi das mais curio­ uma catástrofe. Como tremem
sas, sob qualquer dos prismas as folhas, ao vir um furacão,
por que se a analise. assim também estremecem os
Sigisnando conhecia farto homens ante a enorme reno­
vocabulário de diversos idio­ vação que se opera em todas
mas, línguas vivas e mortas, a as ordens da Vida. Angústia
principiar pelo grêgo antigo, irreflsxiva e exagerada invade
latim, francês, inglês, italiano, até mesmo os espíritos escla­
espanhol. recidos, pela vitória de formas
Traduzia com larga facilida desconcertantes, ou em vista
de, textos dc qualquer dêsses da difusão de intolerâncias v
idiomas e compreendia, com nacrônicas, mas explicáveis, ou
real firmêza, qualquer conver­ diante de grande choque, pre­
sação em qualquer das línguas visto com facilidade” .
vivas, referidas. E, noutro lance, explicando
Apresentava-se, sempre, qui- sua própria filosofia de vida,
étc, modestíssimo, com roupa naquela entrada acanhada da
surrada, maltratada pelo uso, “ Farmácia Siqueira” , de meu
pelo descuido, e com nítidas pai, confessava que uma das
manchas de tabaco ou fumo qualidades próprias do ser hu­
de cachimbo. mano é considerar o presente,
Vóz rouquenha, sempre o por mais sombrio que seja, em
ouví a reproduzir, qual se len­ relação com um futuro m e­
do em um livro mágico, dados lhor.
e fatos do passado, com pre­ Examine cada qual seus pró­
cisão arimética. prios pensamentos — escreveu
Falava-me, quando eu ainda Pascal — e verá que a preo­

187
cupação será sobre o passado o têm aprisionado a filosofia»
e sobre o futuro. O presente de tendências egcista ou ate-
nunca é objeto de considera­ ist-a.
ção. O presente e o passado Esquecendo, completamente,
são meios de que ncs servimos a imponência de taes concei­
para atingir o fim, o futuro. tos, passava a procurar uma
Assim não nos preocupa a v i­ Caixa de Fumo, em uma das
da presente, mas como espe­ prateleiras da Farmácia, e fi­
ramos viver (in “ Pensamien- cava pitando, minutos segui­
tcs” , n.° 172). dos, um fumo de corda que
B alí passava, o tio velho e adquirira na últim a feira.
ilustrado, a outras considera­ O filósofo, a quem não fa l­
ções, esclarecendo que para tava o predicado da súma ori­
julgar os dias da atualidade ginalidade, redigia uns contos,
(1929) sem nenhuma paixão, de literatura vulgar, com sutis
é imprescindível considerá-los detalhes de amôr romântico,
de uma altura que perm ita a- obras literárias essas vendid -s
tin gir um amplo horizonte por cinco ou déz m il réis a n ­
histórico. tigos, a personalidades de des­
E, dentro de seu entreteni­ taque de nossa sociedade de
mento de praxe, invertia os então.
nomes, perguntando-me fr o n ­ M anifestava um detalhe epi-
talmente : “ essot lim orb” , isto leptoide. Sob a ação de mais
é, “ tosse, Brcm il” , ou “ rixile” , forte emoção, de alegria ou
ou “ rixile ed arieugon” — E li­ tristeza, caia, desmaiava, per­
xir de Nogueira, etc., etc. manecendo mui pálido, por al­
E passando da brincadeira, guns segundos.
á seriedade, afirmava-me que Conta-se que meu velho tio,
a confusão contemporânea é extremamente miope, calçou-
resultado, em grande parte, se com sapatos em cores dife
das filosofias materialistas, rentes, e assim foi ter á missa
que hão invadido o mundo. O da Casa de Caridade, celebra­
homem não- se contentou com da pelas 5 da manhã, por
o abandono das antigas cren­ Mons. Vicente Soter.
ças que formavam parte de seu Ao regressar da missa, em
patriotismo : criou teorias que pleno dia, os “ moleques” da

188
rua gritavam : “ Sapato Preto (Salmo 69 : 9); enumera suas
e outro Branco” . qualidades espirituais (Salmo
Explicando-me com profun­ 45 : 7); indica qual seria sua
do conhecimento, de Biblia na pregação (Salmo 78 : 8); men­
mão, a presença indiscutível ciona a realização de milagres
de Jesus, em lances diversos, (Isaias, 47 : 2, 53-4).
como verdadeiro e autêntico Explicava-me que no dia da
enviado de Deus, apregoava: crucificação se cumpriram as
O Messias nascería de uma profecias messiânicas.
virgem (Isaias : 7,13,14); tal A mercê da valiosa influên­
acontecimento ocorrería em cia de Sigisnando, sempre lí,
Belém (Miqueias, 5,2); seria com profunda dedicação, a Bi­
chamado do Egito (Oseias, 11: blia, manancial inexgotável de
1). saber e de inspiração.
E com o Velho Testamento Poucos anos depois, quando
descrevia Sua missão mes­ lá em Crato não me encontra­
siânica (Isaias, 59 : 20. Jere­ va, mais, falecería, em plena
mias, 2-3 : 15 e 16); enuncia paz, sem jamais haver feito
seu ministério na Galiléia (I- mal a quem quer, meu velho
saias, 9: 11 e 2); prediz a pu­ tio e amigo, de Angina Pec-
rificação que faria no Templo toris.

Quem quiser conhecer o mais dos mais modernos e dispõe do


completo conjunto hospitalar do melhor e mais completo aparelha-
Nordeste não precisa sair de Cra­ mento. Tem como provedor essa
to. Basta visitar tôdas as depen­ figura admirável1 do Monsenhor
dências do Hospital de São Fran­ Pedro Rocha de Oliveira e como
cisco de Assis e ficará maravilha­ diretor o Dr. Fábio Esmeraldo que
do. É o melhor nosocômio regio­ se cerca de competente corpo mé­
nal, eleito pelo consenso unânime dico como êle, todos primando
aa população, que beneficia o in­ pela abnegação, ajudados por efi­
terior de parte de quatro impor­ cientes enfermeiras e irmãs de
tantes estados. Compreende: hos­ Caridade.
pital geral, ambulatório, banco de Todo o seu movimento, du­
sangue, hospital infantil, posto de rante o ano passado, está resumi­
puericultura, caixa mortuária e do em relatório bem feito e com
serviço religioso. dados minuciosos, firmado pelo
Seu conjunto arquitetônico é Mons. Pedro Rocha de Oliveira.

189
r. TELES, «iii
J. DE FIGUEIREDO FILHO

No dia 5 a cidade amanhe­ Abril de 1889, filho do respei­


cera silenciosa, triste. Na vés­ tável e saudoso Cel. Teodorico
pera, no Hospital S. Francisco Teles de Quental e esposa D.
que ajudou a construir, fale­ Iaiá Fernandes Teles.
ceu des maiores vultos de Cra- Naquele lar abençoado por
to — Dr. Joaquim Fernandes Deus, ao lado de outros ir­
Teles. O corpo ficou na Ca­ mãos, preparou-se para en­
pela do mesmo Hospital e ver­ frentar o mundo com inato es­
dadeira romaria ininterrupta pírito de abnegação e coragem.
se fêz de visitantes. Fcrmou-se em Medicina em
Às nove horas, grande mas­ 1916 pela Faculdade de Bahia,
sa humana acompanhou o seu tendo ao seu lado outro cra-
féretro, até o cemitério num tense ilustre — o Dr. Elísio de
dos maiores entêrros de Crato, Figueiredo. Vocacionado para
Tcdas as classes estavam ali, aquela carreira, exerceu-a ex­
sem necessidade de convoca­ clusivamente a minorar a dor
ção pelas amplificadoras, do­ alheia, sem proventos. Galgou
brar de sinos, ou mesmo rádios as melhores posições na socie­
emissoras que não alcançavam dade. Em política foi prefei­
tôda a população. Dr. Teles to da cidade, deputado esta­
não existia mais. dual e depois federal. Deixou
Teve êle fortuna, posição, rastro luminoso em todas as
mas soube fazer-se estimar por posições que ocupou. No le­
todo mundo. Quanto mais e- gislativo trabalhou para dotar
levado estêve, mais espargia o Crato com Hospital e Mater­
bem em tôrno de si. O poder nidade, esta tem o seu nome.
e dinheiro nunca o ofuscaram. Constituem o melhor conjun­
Na qualidade de médico levou to do interior nordestino. Mas,
o leniíivo a quase todos os la­ dentro dos dois também deu o
res humildes, sem esperar máximo de seu esforço de mé­
qualquer recompensa. dico.
Nasceu em Crato, a 15 de Em todos os múltiplos en-

190
cargos que teve, só tinha uma paço livre dos pés-de-serras do
preocupação, melhorar a si­ Araripe, ende se instala aque­
tuação des outros. Na criação, la propriedade, da natureza
introduziu no meio raças no­ acolhedora que faz bem ao es­
vas, procedentes da Europa. pírito e até do contacto d?
Seus sítios, bem montados, gente simples do campo. E
continuem modelos de organi­ quem sabe, até do cheirinho
zação, onde o morador é tra­ bom do engenho!
tado como pessoa humana. Revi-o no Hospital de São
Com seus filhes organizou in­ Francisco em cadeira de roda
dústria de papel, bem estru­ puxado por morador amigo e
turada, que é dos justos orgu­ solícito. Apertou minha mão
lhos do Cariri. mas não falou mais. Olhou-
Mesmo doente não deixou me triste e com fixidêz no o-
de trabalhar, parando única­ lhar. Estava quase despojado
mente quando as forças lhe da vida. O espírito forte e
faltaram, quase por completo. bom o mantinha. Foi a nossa
Soube também criar e edu­ despedida Elisa Militão ao
car os filhos, ajudado pela es­ meu lado derramou lágrimas.
posa, Dona Naninha Monteiro Eu fiz da fraqueza força para
Teles, integrando-os à socieda­ não imitá-la.
de e ao trabalho, a continua­ Eu tinha amizade a êle co­
rem o caminho que traçou. mo todo o Crato. A minha
Sempre que o encontrava á afeição e gratidão aumenta­
rua, doente, parava para uma ram, quando eu era jovem
rápida palestra comigo. Con­ ainda, em momento de exa­
versei com êle pela última vez cerbação política, alguém sem
em sua casa à praça da Sé, analisar seguramente o caso
quando fui ali, com sua irmã especial acusou-me. Dr. Teles
Fernandina. Conheceu-me e que militava em corrente con­
e relembrou, como sempre fa­ trária a meu pai, imediata­
zia, meus escritos. Depois fa- mente defendeu-me, com exal­
lcu a Dona Naninha que tação. Aquelas palavras fica­
pretendia ir para o Bel­ ram perenemente gravadas em
monte. Preso no leito qua­ meu coração.
se imóvel, sentia falta do es­ Senti, em profundidade, o

191
seu desaparecimento, embora Monteiro Teles, a enteada Da.
fosse esperado. Era outro pe­ M aria Audísia, esposa do Dr.
daço bom de ncsso Crato que Darival Teles Cartaxo, D. Lui-
se ía. A cidade em peso nãc sa Helena, consorciada com o
escondeu o pesar. Snr. Carlos Henrique Koolem,
Deixou viúva a Exma. Snra. D. Teresinha, casada com o
Dona Ana Monteiro Teles os Snr. Gilberto Mendonça e D.
filhes : Dr. Maurício Teles Car­ Ana Guilhermina espôsa do
taxo, Dr. Hermano José M on­ Prof. José Fernandes de Cas­
teiro Teles, Dr. Joaquim Fer­ tro. Dr. Teles pertence hoje
nandes Teles Filho, Dr. Caio à posteridade.

A P IO N E IR A EM TR ANSPO RTE DE PASSAGEIROS


ENTRE O NORTE E O SUL DO B RA SIL

VIAG ENS D IRE TAS COM CARROS SEM I-LEITO E


T O IL E T A BORDO

NOSSAS LIN H AS :
CRATO — SÃO PAULO via R IO
IG U ATU — SÃO PAULO via R IO
CRATO — IG U ATU via VAR ZE A ALEFRE
M A T R IZ :
PR AÇA FRANCISCO SÁ N.° 26 ----- CRATO — CEARÁ
AGÊNCIAS :
SÃO PAULO : Rua Cavalheiro N.° 58 — F o n e : 93.1229
R IO DE JA N E IR O : R. Santos Lima, 35 - Fone: 234.1605
SA LG U E IR O : H OTEL SALGUEIRO — PERNAMBUCO
JUÀZEIRO DO NORTE : Rua São Pedro N.° 1.046 — Ce.
VENDA DE PASSAGENS N A ESTAÇÃO R O D O VIÁRIA
DE S. PAULO NOS GUICHÊS 179 E Í80, FONE 221-0903
E N A ESTAÇÃO R O D O VIÁ R IA NOVO R IO - GUAN AB ARA
Exposição rigentes aperfeiçoaram-se e
terminaram por vencer. Em
minha terra há Sociedade de
Cultura Artística. Mantém,
de com frequência desusada, a
ESCOLA BRANCA BILHAR.
Todos os anes, já é norma,
Pintores a exposição de pintura, SALÃO
DE MAIO, em comemoração

de ao aniversário da Faculdade de
Filosofia do Crato. Ninguém
tem a coragem de exibir ne­

Fortaleza nhum quadro copiado de quem


quer que seja. Só fazem cria­
ção, ou tirado de original, fi­
J. F. F. liando-se até às mais evoluí­
das escolas. Já surgiram ta­
No interior, as exposições de lentos, agora aproveitados em
arte começam a ser cultivadas, escolas de belas artes.
recebidas a princípio com cer­ Os artistas de fora não ra­
to indiferent.ismo e agora, com ramente nos procuram. A l­
verdadeiro carinho. De pouco guns deles, procedentes de
a pouco, destrói-se o dizer po­ Fortaleza, patrocinados pelo
pular de que o futuro da pes­ Snr. Prefeito do Município —
soa só estará assegurado com Dr. Humberto M. de Brito, or­
a mudança da cidade do inte­ ganizaram salão com pintores
rior para o litoral. Se houver de Fortaleza. Inauguraram, no
talento e condições de cultivá- dia 30 de Julho, no salão de
lo, pode medrar em qualquer entrada da Faculdade de F i­
lugar. losofia do Crato. Muitos dos
Naturalmente, a luta é maior
para o cultivo da inteligência
em localidade interiorana. Quando cs teus olhes não vejo,
Mas, não se perde mais pelo Quando me fogem teus olhos,
simples fato de ficar no inte­ Minha alegria sc oculta
rior, como acontecia, há anos Na tristeza dos refolhos.
atrás. Em Sobral, Crato, Jua­
zeiro, há escolas de música, Do plenilúdio magoado
de pintura, com bens mestres, Copiam êles a luz,
frequência e aproveitamento. Que as noites de minha vida
As de pintura, no comêço, e- A claro dias red u z!
ram nebulosas. Não passavam
de simples cópias. Mas, os di­ José Alves de Figueiredo

193
J O R N A L D O C O M É R C I O
ITA YTE R A — Recebemos, vice-diretor da sua Universi­
enviada pelo jornalista José dade, jornalista, escritor e so­
Alves de Figueiredo Filho, o ciológico, valendo notar com o
N.° 12 da revista ITA YTE R A trabalho de sua autoria
mantida pelo Instituto Cultu­ guedos Infantis Caririenses” a
ral do Cariri, da cidade cea­ que antecederam outros livros
rense do Crato. Neste núme­ como o conhecido e valoroso
ro, J. de Figueiredo Filho es­ “ Meu Mundo é Uma Farmá­
creve um comentário a respei­ cia” . ITA YTE R A é uma revis­
to do romance de José Nival­ ta especializada de cultura e o
do — AMOR, FUXICO E E- melhor atestado de como as
MANCIPAÇÃO. A revista, que letras andam por alio no ser­
engrandece- o interior cearen­ tão do Ceará, um centro uni­
se, tem colaborações de J. versitário de primeira grande­
Figueiredo Filho, membro da za, falando-se em têrmos de
Academia Cearense de Letras, nordeste brasileiro.

artistas expostos ofertaram rio de Brito. Sabedores de


belos trabalhos ao Museu do que, nesta cidade, já se pro­
Crato, fazendo a delícia de cessa intenso movimento de
seus visitantes. Os atuais ex­ arte, vieram até nós, como au­
positores são — Aderson Es- tênticos embaixadores de nos­
trigas, Regina, Gabriela, J. Fi­ sa metrópole, trazendo-nos a
gueiredo, Nice Mariza, J. Fer­ beleza da pintura sob múlti­
nandes, Nathan, Hermany, plos aspectos. Possuem sensi­
Descarte A Exposição foi bas­ bilidade e já obtiveram êxitos,
tante visitada, incluindo pelo em vários lugares, fazendo iús
Rotary e Lions. Falaram na a prêmios bem merecidos.
abertura o seu patrocinador — Contam com o apoio da nos­
Br. Humberto Macário de Bri­ sa terra, sempre sensível a to­
to e o vice-diretor da Facul­ das as manifestações da arte .
dade de Filosofia, em exercício, Crato, Agôsto de 1970.
J. de Figueiredo Filho. Êste
fêz também a pequena apre­
sentação do convite: A tua face é corada
“ Jovens artistas de Forta­ Quase passando a vermelha.
leza, represestantes de varia­ Parece rubra papoula
das escolas, sob o patrocínio Exposta aos beijos da abelha.
do Exmo. Snr. Prefeito Muni­
cipal — Dr. Humberto Macá­ José Alves de Figueiredo

194
O V a le d o C a riri e as
S ê c a s d o N o rd e s te
ANTÔNIO DE ALENCAR ARARIPE

1. CARIRI é a região sita irrigados com água das fontes;


ao sul do Ceará, constituída b) em terras que dependem
de IS Municípios (Crato, Juà- das precipitações pluviais pa­
zeiro do Norte, Barbalha, Mis­ ra produção agrícola.
são Velha, Jardim, Brejo San­ Aquelas abrangem muito
to, Milagres, Mauriti Caririas- mencs de i/4 da extensão ter­
sú, Santana do Cariri, Nova ritorial do VALE e têm sua
Olinda, Jati e Araripe), com produção agrícola deminuída,
uma população, em 1950, de nos anos sêcos, porque, então,
342.605 habitantes, equivalen­ se eleva a exigência da distri­
tes a 12,04% do Estado, e a buição da água para manter
extensão de 9.585 km2. a umidade necessária ao de­
A densidade de população senvolvimento dos plantios; as
ali é de 35.866 habitantes por últimas seguem a regra co­
km2, ou seja, cinco vezes maior mum às terras da área do Po­
do que a do Brasil e superior lígono, isto é, as safras descen­
a do Nordeste. dem do desenvolvimento nor­
Juàzeiro do Norte ap^csen- mal do ciclo das chuvas.
ta-se com 56.146 habitantes e Há município da região em
211 km2 de área, a que corres­ que inexiste ou é muito redu­
ponde a densidade de 266.094 zida, a área irrigada: Nova
por km2. Olinda, Jati, Caririaçu, Mau­
Crato (ora com 57.226 habi­ riti, Milagres, Araripe, Brejo
tantes) e Juàzeiro do Norte Santo e Santana do Cariri.
somavam 102.554 habitantes, O Vale do Cariri situa-se na
em 1.195 kh2, de área, com a confrontação das zonas mais
densidade de 85.819 habitantes atingidas pelas sêcas nos Es­
por km2. tados de Pernambuco, Paraiba,
Para o estudo da região, so­ R. G. do Norte e Piauí, cujas
bre os reflexos da sêca em sua populações, quando assoladas
vida econômica, vale a pena pelo flagelo, para ali acorrem
acentuar que a mesma se di­ pressurosas, agravando, pro­
vide : fundamente, seu desequilíbrio
a) em, terras dos “ pés de econômico.
serra” do Araripe e de brejos 2. A sêca é um fenômeno

195
tanto clímico, como demográ­ É ali que se faz necessária
fico e cultural. a ação dos técnicos do com­
Conjunto dos efeitos, como bate aos efeitos da sêca, para
se diz, da escassêz ou falta de criar, em meio tão adequado,
chuvas sobre as atividades com recursos que, em outras
agrícolas, o abastecimento de paragens, se teriam de mul-
água para cs usos domésticos râneas, realizar-se-ia uma obra
e a criação em geral, com re­ produção e abastecimento de
flexos sôbre a economia da cereais no interior do Nor­
população, pela deficiência de deste.
gêneros alimentícios e do tra­ 4. Carás é o Vale que, se­
balho remunerado, as suas gundo os termes do “ Plano de
consequências são mais gra­ Eletrificação do Cariri” , há
ves onde se acentua o índice pouco editado pela Companhia
da densidade populacion*1 Hidroelétrica do SãO' Francis­
A êsse respeito, pontifica, co, “ apresenta em suas mar­
com justa razão, exímio técni­ gens uma faixa de aluvião fér­
co na m atéria: “ para avaliar til, bastante úmida, onde se
os efeitos da sêca não é pos­ cultivam cereais” , com uma
sível comparar o interior do extensão de 3.595 km2, e
Piauí com o da Paraiba, como 178.746 habitantes.
não pode haver paralelo o ser­ Ao justificar o Projeto de
tão norte da Bahia, apesar de Lei N.° 337/51, salientámos
extraordináriamente sêco. e o que dito Vale do Carás abran­
do Ceará” . ge uma planície de cerca de 50
3. Quem quer que visite quilômetros de extensão, por
o Cariri, registra a impressão um a seis de largura, através
de que a base econômica do os municípios de Crato, Juà-
Vale assenta na produção a- zeiro e Missão Velha, e que se
grícola dos referidos pés de lhe retivessem as águas do
serra e brejos. curso principal e respectivos
Não se acham ali, porém, as afluentes, e lhe soerguessem 0'
possibilidades de maior desen­ lençol freático, mediante um
volvimento da região. sistema de barragens subter­
Ao que nos parece, e tudo râneas, realizar-se-ia uma obra
indica outro setor de sua su­ de extraordinário alcance para
perfície territorial, o que com­ a riqueza da região e conse­
preende os Vales do Carás, Ca- quente melhoria de vida de
riús e do Riacho de Porcos, por seus habitantes.
múltiplas circunstâncias se a- Nêsse sentido, já se deram
presenta mais propício à in­ os passos iniciais, como os le­
tensiva e promissora atividade vantamentos topográficos rea­
agrícola. lizados pela secção de estudos

196
Cariri, M o r d e s t e
c U niversidade
J. DE FIGUEIREDO FILH O

Há 10 anos, meurejamos te­ turo, a dar-nos exemplo de o-


nazmente nesta casa; para timismo, onde, muitas vêzes,
doar à terra caririesse uma enxergames nuvens bem escu­
instituição de nível superior, ras.
que possa influir decisivamen­ “ O Cariri, Nordeste e Uni­
te nos altos destinos da poste­ versidade” , coletânea de dis­
ridade. Falo em nome do di­ cursos, relatórios e outros as­
retor, do corpo de professores suntos vinculados a êstes dez
e dos demais funcionários que anos da Faculdade de File sofia
militam neste educandário. do Crato, não é só obra de ca­
Todos temos o quinhão de he­ ráter literário, escrita em lin­
roísmo, de dedicação e de te­ guagem pura e agradável. É
nacidade. Mas um se sobres­ a história de um decênio, cheio
sai pela abnegação até ao sa­ de lutas, sacrifícios e, por que
crifício próprio e pela fôrça de não dizer também vitórias de
vontade inquebrantável. É o uma instituição de ensino su­
Diretor, professor José Newton perior, encravada para disse­
Alves de Sousa. Quando al­ minar o bem da educação, em
gum de nós esmorece, aparece pleno centro geográfico do
êle, impávide no meio da pro- Nordeste brasileiro. Ou por
cela, a olhar seguro para o fu ­ outra, no coração do polígono

e projetos do DNOCS, em R e­ banhados pelo Carás bem a-


cife. testam que quando cessar a
Resta que se concretize a incerteza do destino dos arro­
execução de um conjunto de zais ali comumente cultivados,
obras de represamento de á- de um a outro extremo, por
guas no Vale em apreço, de fôrça da irregularidade das
forma a ficar assegurada a precipitações pluviométricas,
sobrevivência dos plantios a- notável ssrá a repercussão na
grícolas, quando faltem ou es- vida econômica dos habitantes
casseiem as chuvas. dos três municípios, por onde
Todos cs que conhecem os se estendem.
vastos e fertilíssimos baixios (1 6 — 4 — 1 9 5 9 )

197
das sêcas. Já é tempo de a- sobra, porque pode derramar
bandonarmos o mêdo de fazer tais qualidades sôbre nossos
parte das zonas indiretamente espíritos, reavivando-os para a
acometidas pelo nosso secular nova jornada. Construiremos
flagelo, fascinados pela mira­ assim a Universidade do Cariri
gem desses canaviais; agora para as gerações que virão. O
antieconômicos e sempre ver- programa cu o código a se­
dej antes. guirmos, está aí. É “ O Cariri
O professor José Newton Nordeste e Universidade” . É a
não contente só com a Facul­ história da Faculdade de Filo­
dade de Filosofia que apesar sofia do Crato e a plataforma
das visissitudes os tantos bene­ da Universidade do Cariri que
fícios tem trazido a esta zona, vencerá, com as bênçãos do
quer uma Universidade para o senhor e para a grandeza dês-
Cariri. Seu sonho não será em te pedaço heróico do Nordeste.
vão. As grandes iniciativas ( Discurso pronunciado no
nasceram de bem poucos. São dia 15 de maio-, no Instituto
adubadas com o suor dos lu­ do Ensino Superior, apresen­
tadores. Requer a mobilização tando o livro do professor, Jo­
geral de forças sem interêsses sé Newton Alves de Sousa, “ O
imediatos. Nosso Diretor tem Cariri Nordeste e Universida­
requisitos de sobra. Digo de de” ).

C O R R E I O B R A S I L I E N S E
ITA YTE R A — Recebemos o ka Pequeno de Figueiredo
N.° 12 da revista ITAYTERA (Traços da Vida de Irineu Pi­
publicação anual do Instituto nheiro) ; Otacílio Anselmo e
Cultural do Cariri, com sede Silv'.. (Subsídio para a História
em Crato, Ceará, presidido pe­ de Mauriti); Raimundo Tele~
lo escritor e folclorista J. de Pinheiro (T u iu ti); Tiago Fi
de Figueiredo Filho. O volu­ gueiredo Alencar Araripe (O
me traz colaborações de nu­ Mágico); Geová Sobreira (Va­
merosos intelectuais cearenses, lentes e Valentões — algumas
entre êles jornalista Jurandy implicações sôbre o tema); J.
Temóteo de Souza (Observa­ de Lindemberg de Aquino (As­
ções sôbre a infância e á ado­ suntos só nosso); Jéser de
lescência de Antônio Nobre); Oliveira (Reminiscências). A
J. de Figueiredo Filho (Dis­ revista ITAYTE R A é dirigida
curso de posse na Academia por J. de Figueiredo Filho, Pe
Cearense de Letras); Florival Antônio Gomes de Araújo e
Matos (O Cego Aderaldo ver­ jornalista J. Lindemberg de
sus c Estalo de Vieira); Zulei- Aquino.

198
Ata da Transladação e Sepultamento dos
Restos Mortais de GUALTER MART1NIANO
DE ALENCAR ARARiPE, Earão do Exu

Aos dezenove dias do mês de lecido aos 22 de julho de 1889


julho de mil novecentos e ses­ aos 67 (sessenta e sete) anos
senta e oito (19.07.1968) ro de idade, transladados de seu
Povoado do Araripe do Muni­ l.° Jázigo, no Sítio Gameleira,
cípio de Exu, Estado de Per­ antiga séde da Municipalidade
nambuco, por ocasião dos fes­ de Exu, sob a responsabilidade
tejos do Primeiro Centenário de Francisco Aires de Alencar
da Capela de São João Batista, e sua excelentíssima esposa D.
presente grande número de Diva Parente de Alencar, se­
membros e amigos da F A M Í­ cundados por numeroscs ami­
L IA ALENCAR, a primeira a gos e parentes, a fim de que
localizar-se na região com a fôsse dado ao ilustre fidalgo
instalação da Fazenda Caiçara, sertanejo, membro da nebreza
situada às margens do Riacho do Segundo Império, um jazi­
da Brígida, nos terrenos arren go perpétuo no próprio templo
dados à CASA DA TORRE ’ e por êle criado a São João Ba­
Garcia D ’Avila, nos fins do Sé­ tista em 1868, dando cumpri
culo X V II, por LEONEL PE­ mento, segundo a tradição po­
REIRA DE ALENCAR RÊGO, pular, a uma promessa feita
foram colocados na Urna Mor­ ao Precursor de Cristo, ao tem­
tuária os ossos de GUALTER po de uma Epidemia de CÓ­
M ARTIN IANO DE ALENCAR LERA MORBUS que graçara
ARARIPE, Barão do Exu, fa- antes na região, dizimando
grande parte da população e
da qual saíra incólume junta­
Quando serrindo tu fazes mente com sua família e es­
Diias covinhas no rosto, cravatura. Na mesma urna
Por não enchê-las de beijos foram colocados os ossos de
Fico a morrer de desgosto. Francisco Aires de Alencar,
conhecido como Tenente Fran-
Êsse 'perfume que exala cisquinho e sua esposa Dona
A negra trança que tens, Maria Carlina de Alencar, tra­
É mais suave que o cheiro tada na intimidade por laia-
Do cravo, lírios, cecens. zinha, igualmente translada­
dos na mesma ocasião, por te­
J o sé A lves de F ig u e ir e d o rem sido os sucessores do Ba-

199
rito dc Exu, no Sítio Gamelei- priamente dito, não podia es­
ra na sua condição de genro tar ausente às solenidades de
e filha adotiva de Gualter Mar- que seria mandatária no fu­
tiniano de Alencar Araripe. A turo como decorrência de
urna, contende uma cópia da disposição testamentária do
presente ata, acondicionada Barão aos seus descendentes e
num invólucro plástico, assi­ que coroavam CEM ANOS de
nada pelas pessoas constantes um esforço civilizador, que
da relação anexa iniciada com tem transformado num culto
a assinatura de Francisco A i­ à ordem e ao trabalho as me­
res de Alencar e terminada lhores tradições de civismo da
pela do Bel. Francisco Givaldo gente alencarina. Além disso,
Peixoto de Carvalho. A urna aguardava-se a oportunidade
mortuária, construída em ma­ da eletrificação do Povoado do
deira de cedro, colhida nas Araripe para caminharmos o
matas da região está coberta SEGUNDO CENTENÁRIO no
de pano preto com adornos ritmo próprio, aberto à popu
prateados e forrada em cetim lação local, com a dinâmica da
azul claro, medindo 0,65m do moderna tecnologia. A pre­
comprimento por 0,36m de lar­ sente ata foi ditada pelo Bel.
gura e 0,27m de altura. Fica Francisco Givaldo Peixoto de
rá sob uma lage de mármore Carvalho e secretariada pov
que cobria o primeiro jazig> mim João Oldan de Alencar,
na Gameleira, contendo os se­ Engenheiro Agrônomo, que a
guintes dizeres: “ AQUI JA­ copiei datilográficamente e a.
ZEM OS RESTOS M O R TAIS subscrevo. Araripe (Exu), 19
DO EXMO. BARÃO DO E X J de julho de 1968, João Oldan
FALECIDO NO D IA 22 DE de Alencar. Em tempo : Fo
JULHO DE 1889, COM 67 A- ram tiradas originàriamente 5
NOS DE IDADE” . O túmulo (cinco) cópias desta ata as
do Barão dc Exu foi localizado quais terão o seguinte destino:
no Salão do lado esquerdo do Instituto Cultural do Cariri,
Alíar-M or da Capela de São Biblioteca Alvenir Peixoto
João do Araripe. Os festejos (Exu) Comissão Organizadora
do Primento Centenário da do l.° Centenário, Francisco
Aires de Alencar e urna mor­
Capela do Araripe estão sendo
tuária.
realizados entre os dias 13 e
21 do corrente, em caráter ex­ Francisco Aires de Alencar
cepcional para atender aos re­ Luís Gonzaga
clamos da juventude estudan­ Antoliano Alencar
til que, presa aos bancos esco­ Francisco Givaldo Peixoto
lares no período junino pro­ de Carvalho

200
JOSÉ DOS ANJOS DIAS

As histórias, sempre tiveram ma do REINO DAS AM AZO ­


suas origens, nos acontecimen­ NAS, hábeis em montar a ca­
tos que se passaram. valo e guerrear. Na capital
Mas, na maicria, contêm a- amazonense, não desfrutou da
créscimo dos objetos e da n ■.v- proteção das divindades do rio
rativa, ampliados pelos narra­ mar. Não teve se quer um en­
dores. Porém, mesmo assim, contro com elas, não lhe fci
nunca deixa de haver setenta indicado por alguém, onde po­
por cento de verdade, e, trinta deria encontrá-las, finalmente,
por cento de criação da ima­ viu-se num beco sem saída e
ginação. cbrigou-se trabalhar na extra­
Em 1921, conheci Capistra- ção de latex, no rio Negro. Lá,
no Calixto, irmão do saudoso construiu seu TUGÚRIO, para
cabo-de-guerra Manoel Calixto nêle morar em companhia da
moravam na “ Lagoa do Sapo” melancolia, porque a Eva não
no rio “ CARÁS” . lhe aparecia, para fazer com­
O autor deste artigo, ouviu panhia.
de Capistrano Calixto, várias Construiu o jirau alto do
histórias contadas por êle, so­ solo, para lhe servir de cama
bre casos que se passaram com e atalaia, com o objetivo de
o narrador, nas selvas do EL­ deixá-lc á salvo durante a noi­
DORADO AMAZÔNICO. Den­ te, enquanto dormia. Conser­
tre suas histórias, únicameste vava no terreiro grande alme
uma, despertou minha aten­ nara de prontidão, para cla­
ção, como também, poderia fa­ rear o rancho e adjacências.
zer nascer dúvida, em quem Turiferava a choça, com as
cuvisse historiar, por causa do flores amarelas do iacarearu
tamanho da cobra que o Ca­ depois de sêcas e resina de al-
pistrano dizia ter visto, até mécega, em holocausto às di­
então, nunca registrado nos vindades da exuberante região
anais do âmbito da zcologia. brasileira, para adquirir delas
Todavia, os homens antiga­ amsrccamento e banir da área
mente, vexavam-se em faltar do seu casebre, os espíritos
com a verdade, também os ho- trânsfugas que habitam na''
diernos, não fcgem disso. selvas. Não é somente o ba-
Capistrano Calixto, em 1910 hiano que procura “ fechar” o
saiu do Cariri, atraído pela fa­ corpo, o cearense também faz

201
a sua parte, não vai na onda próprias da formação dêles,
nem embarca em canca fura­ quer sejam irracionais, quer
da, turibula para as divinda­ racionais, não atinam cem a
des e conduz seu patuá. via benevolente. Disse-me Ca-
Saía da cabana pela manhã, pistrano Calixto, que a serpen­
depois de tomar café com fa te que êle viu no rio Negro
rinha de mandioca e charquc tinha a cabeça do tamanho do
assado. Só retornava, ao um tacho médio, do tipo uti­
“ pender do Sol’’ (após a pas­ lizado nas fornalhas dos enge­
sagem do astro rei pelo zênite nhos de rapadura. O corpo
do lugar), a fim de requentar poderia ser comparado ao diâ­
a panela com feijão, que havia metro do jatobazeirc, que exis­
cozido à “ boca da noite” , ser­ tia na junção das ruas S. Pe­
via para duas refeições — al­ dro e Conceição, em Juàzeiro
moço e jantar. dc- Norte. Os eratenses, juà-
Diariamente, antes da janta, zeirenses e barbalhenses 'a
ía ao rio para tomar banho. “ VELHA GUARDA” , lembram-
Conduzia sempre uma cuia, se da frondosa árvore da fa­
para enchê-la de água e des­ mília das leguminosas. Era
pejar sôbre seu corpo, isso, uma testemunha sobrevivente
porque nenhuma pessoa, atre­ do REINO VEGETAL, da fun­
ve-se entrar nágua, temendo dação da mimosa DEUSA que
ser devorada. o riacho Salgado banha. Até
Numa tarde, quando chega­ aquela época, eu nunca tinha
va á margem do rio, observou me ausentado do Juàzeiro,
que vinha da margem oposta, além da serra do Araripe, on­
algo que fazia pequenas vagas de trabalhei muito plantando
e, vinha em sua direção. Man­ mandicca, no Distrito de Sto.
teve-se quieto e redobrou a vi Antônio. Desconhecia comple­
gilância, com a finalidade de tamente que havia ofídios a-
observar o objeto estranho. vantajados, como também ou­
Teve grande surpresa ao reco­ tras ecusas, não acreditei nc
nhecer, pois, tratava-se de co­ Capistrano.
bra descomunal. Incontinehti, Não demonstrei o menor
subiu ao barranco e gritou com menosprezo pela história nar­
tôda força, para espantar a vi­ rada, para não ferir o amor
sitante. Ela retrocedeu e des­ próprio do meu semelhante.
ceu de rio abaixe. Época dura e tudo era difí­
Pôde compreender que não cil, até mesmo as pessoas de
era uma visita cordial, podcri< posses nãc conseguiam o que
ter vindo para devorá-lo, por­ desejavam. A Rêde de Viaçã)
que dos monstros, só recebe­ (R. V. C.), o seu fim de linha
mos as cousas abominosas. mais ou menos em Lavras da

202
Mangabeira, marchava a passo mais desenvolvidas de que nos­
de cágado em prosseguimento sa jibóia. Até então não co­
ao Cariri. Esperávamos com nhecia, apenas ouvia falar da
ansiedade que ela chegasse até sua existência.
nós, porque seria a taboa de Agora, vou tratar do assunto
salvação para a região, que v i­ sôbre “ A M AIO R SERPENTE
via relegada ao seu próprio f a ­ DO M UNDO” . Tribuna de
do. Se não existisse naquela Juàzeiro, edição do dia 6 de
época e nas anteriores, no so­ setembro de 1967, publicou na
lo caririense, homens de pos­ página 7, em “ MUNDO CU­
ses com o coração bem form a­ RIOSO” , de Ivan Gondim, que
do, os pobres da região teriam a maior serpente do mundo é
sucumbido, porque o Cariri a PITON, chega atingir 9 m e ­
não recebia auxílio dos pode­ tros e 90 centímetros de com­
res competentes. primento. O senhor Ivan Gon­
Aquêles heróis anônimos, dim teve razão, baseou-se em
hcje são ignorados pela gera­ dados fornecidos pelos zoólo­
ção presente. gos. Êstes desconheciam e
Éramos desprezados e expos­ talvez desconheçam, a existên­
tos a própria sorte, sujeitos ao cia do maior R EINO OFÍDICO
dilema — “ SALVE-SE QUEM mundial, sediado na região a-
PODER” . Eu e milhares de mazonense. Se não fôsse ig ­
conterrâneos, tinhamos razão norado por êle, não diríam
de desconhecer as causas, que um ofídio como a P ITO N
muitos partiram para a eter­ é a maior cobra do mundo.
nidade totalmente ignorantes Talvez ainda não tenna
por culpa do govêrno, que nãc completado trinta anos, qun
procurava abrir escolas no in foi abatida uma serpente, me­
terior do Estadc. dindo 30 metros de compri
Atualmente nossa região es­ mento e pesando 3 toneladas,
tá bem servida, principalmen no rio Amazonas.
te no setor do ensino, se exis­ Tomei conhecimento, atra­
tem analfabetos, a culpa é ex­ vés dos jornais da época e da
clusiva dos pais, que não pro­ revista “ EU SEI TUDO” , que
curam alfabetizar os filhos, estampou a fotografia do des
criam-nos privados das luzes comunal ofídio. A í então,
das letras. lembrei-me do Capistrano Ca
Antigamente só aprendia a lixto, da história que me con­
ler, os filhos dos homens ricos. tou, e, de mim para mim dis­
— Jararaca, verde e corre- se : êle tinha razão. No pe­
campo, eram por demais co­ ríodo desse caso, êste antigo
nhecidas por mim, achava plantador de mandioca na
que, não podería haver outrac serra do Araripe, encontrava-

203
se transformado de seus an ti­ recorte da foto da SUCURU­
gos hábitos. JU, perém, os meus meninos
Já havia percorrido nosso por ignorância deram-lhe fim.
Brasil de Norte a Sul e, alguns A serpente extraordinária, fô-
países estrangeiros, como tam­ ra abatida pela guarnição mi­
bém, possuía, exíguo conheci­ litar do forte de Óbidos, no
mento da carta de A B C , ad­ Pará. A soldadesca começou
quirido com dificuldade. Não atirar nela de fuzil e, termi­
seria mais capaz, de igncrar a nou com metralhadora. De­
existência das cousas. pois de morta, foi seccionada
Agradeço o pequeno poli­ em três partes, cada secçáo
mento que recebi, a Deus e a parecia tero de TIMBAUBA,
Marinha que me deram luzes serrado nas extremidades.
que eu não tinha. Só desco­ É lamentável que um ani­
nhecia, que havia serpente de mal raríssimo desse gênero, e
tal tamanho, como a do forte porte, tenha sido menospreza­
de Óbidos, que na época, cha­ do e não receber acolhida, per
mou a atenção do mundo, por quem de direito, para seu de­
causa do seu tamanho. Ufa­ vido fim, isto é, figurar num
no-me por ter sido origem museu. Até aquêle tempo, ou
paupérrima, acompanhada de melhor, até o presente, ne
infância e parte da adolescên­ nhum país, excluindo o Bra­
cia, cheias de trabalhos, ár­ sil, teve o privilégio de abater
duos e sacrifícios, porém com ou capturar, uma cobra mons­
ajuda do Deus dos Deuses truosa como a referida. Nos­
venci na vida. so país, é privilegiado em tudo
Cs cearenses quando nas­ e possue de tudo, dos três
cem, trazem o sii.áculo dos REINCS1 DA NATUREZA. Es­
Deuses, recebem dêstes aquies­ tá dotado a ser a maior potên­
cência e auxílio, a fim de con cia mundial.
seguirem tudo que almejam, Nossas reservas: — flores­
sem restrição de limite. M u­ tal, manganífera, aurífera, pe
tação da fé e falta de imanên- trolífera, etc., não inextingui-
cia no objetivo que têm em veis. Só mesmo Deus, poderia
mente, concorrem para afasta ter escolhido êste imenso rin
les do alvo que trazem em mi­ cão, para os brasileiros. Viu
ra, sucumbem na jornada da na raça suposta por muitos
vida, sem encontrar o Templo como autóctone e, no entanto
da Sabedoria Divina. não é, merecimento em conti ­
A PITON, com o porte que nuar morando em sua tem>.
tem, pode ser comparada a não perrmitiu que os forastei­
filhote da SUCURUJU. ros ultramarinos firmassem
Guardei por muitos anos, o nela seus pés.

204
Agora, devemos agradecer essa oferta das águas-mar-
ao Criador, pela dádiva que nhas onde habitam sêres que
recebemos e zelar per ela,'pa­ jamais a imaginação humana
ra deixarmos aos pósteros, c capaz de supor.
muito mais do que recebemos
dos nessos ancestrais. Hoje é
Cópia de carta do Marechal TR IS-
nação independente, a custa
TAO DE ALENCAR ARARIPE ao
dos sacrifícios do herói Arari-
General Raimundo T e lej Pinheiro)
bóia e seus soldados aboríge­
nes, mamelucos e outros. Êsíes Rio, 2 2 -6 -6 9
foram donos por pouco tempo. Prezado Camarada
Êste Brasil é um mundo den­ General1 Raimundo Teles Pinheiro
tro do mundo em que vivemos, Saudações cordiais
pela sua extensão territorial,
com um povo de fibra elástica Recebí com especial' prazer o
exemplar de sua Conferência “A
impartívcl, diferente das ou­
Dezembrada” , em que confirma
tras raças. As maiores ser­ louvável pendor pelos estudos de
pentes do mundo vivem no nossa- História Militar.
Brasil, no Rio Amazonas. Os oficiais com o curso de E M
Também há serpentes mari­ prestam inestimável serviço ao pôr
nhas, não as vi, mas, observei ao alcance dos meios culturais do
país a análise dos feitos de nosso
rastro sôbre o capim. Nc pe
passado militar e principalmente
ríodo do segunda guerra mun­ êste que perpetuou o valor do
dial, sa-vi no Arquipélago dos grande feito do patrono do Exér­
Abrolhos, situado no sul da cito. Nesse aspecto, o prezado ca­
Bahia e fora da costa. marada e ex-aluno da EEME re ■
Por várias vêzes, quando ia vive a preocupação dos mestres da
EEME no aproveitamento das li­
a ilha “ SUESTE” pela manhã,
ções legadas às gerações que se
observava que uma serpente lhe seguiram pelo Mestre dos
havia saído do mar durante a Mestres.
noite e, passeado sôbre o ca­ Não faz mal que nos repita­
pim existente na ilha referida. mos uns aos outros. “A Dezem­
Pelo amassado que deixava brada'’, destacada por Ta-sso Fra­
goso, por Castelo Branco, por ou­
através do rastro, demonstra
tros inolvidáveis Mestres e agora,
va possuir mais ou menos um pela pena brilhante do culto Che­
metre de largura. Verifiquei fe cearense, será lição proveitosa,
com exatidão que não se tra para que as gerações se orgulhem
tava de uma tartaruga, pois do nosso Passado e consolidem a
cra uma serpente. Assim co­ confiança na capacidade do Fu­
turo para a garantia da Seguran­
mo foi abatida a do forte de
ça Nacional.
óbides, também será do mar.
aguardemos a bôa vontade das Com apreço e amizade
ONDAS, para nos conceder a) T. de Alencar Araripe

205
.C. A . P.
Escritor1.© de Contabilidade, Administração e Planejamento

D I R E Ç Ã O DE

JOSÉ PRIM O DE BRITO


ECONOMISTA E TÉCNICO EM CONTABILIDADE

/ P Ú B L I C A

j C O M E R C I A L
CONTABILIDADE )
( I N D U S T R I A L

( A G R O - P A S T O R I L

Organização e Modificação de Sociedades

Defesas de Multas e Recursos Fiscais

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