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CARLOS PEDROSO
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HISTÓRIAS E ESTÓRIAS
DE UBERABA
CARLOS PEDROSO
Janeiro 2022

Planejamento Editorial
Guido Bilharinho
(guidobilharinho@yahoo.com.br)

Capa e Foto
Guido Bilharinho

Edição
Revista Dimensão Edições
Av. Leopoldino de Oliveira, 4464 – Sala 301
38065-165 Uberaba/Brasil

Editoração Eletrônica
Gabriela Resende Freire

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SUMÁRIO

O AUTOR
O Autor..........................................................................................9

NOTA EDITORIAL
História e Estórias de Uberaba...................................................11

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS
Oralidade Desde a Década de 1930 em Uberaba.........................14
Introdução...................................................................................14
O Delegado Especial Major Jacinto A. Sacramento....................15
Miano..........................................................................................16
Pedágio em Rodovias Particulares..............................................17
Partidos Políticos........................................................................20
Dona Neguita..............................................................................22
Francisco.....................................................................................26
A Justiça dos Juízes.....................................................................27
A Vida de Miano..........................................................................27
Uberlândia..................................................................................29
Assim o Bispo Explicou o Que Era Laudêmio.............................35
Uberaba – Única Exceção no Brasil Império?............................42
A Demanda Entre a Fábrica da Matriz e a Câmara Municipal de
Uberaba...................................................................................43
Onde Estão as Terras Eclesiásticas de Uberaba?........................49
Igreja da Sé e Matriz Santo Antônio e São Sebastião...................51

4
Adoração Perpétua......................................................................53
Dom Eduardo Duarte Silva.........................................................53
Perseguição ao Bispo – Uberaba: Residência Episcopal Sem Ser
Diocese Ainda..........................................................................57
Côngruas.....................................................................................59
Mão-Morta no Direito Civil Monárquico Brasileiro...................63
Uberaba, Sem Patrimônio Eclesiástico?.....................................64
O Comandante Regente..............................................................65
Farinha Podre.............................................................................66
Trabalhos Forçados Até Por Interesses Puramente Pessoais do
Comandante............................................................................66
A Liderança de Major Eustáquio Transportou a Cidade Deixando
Atrás de Si as Terras Eclesiásticas do Patrimônio da Igreja, lá
no Lajeado...............................................................................68
Dom Eduardo e a Educação........................................................70
Dentistas Práticos.......................................................................70
Tentativa de Primeira Escola de Odontologia em Uberaba........75
O Primeiro Culto da Saudade em Uberaba.................................76
Coroas de Flores..........................................................................77
O Culto da Saudade com Maior Renda.......................................78
O Culto da Saudade Não é Original de Uberaba..........................78
Presente de Meia Pataca..............................................................79
A “Pataca” na Anatomia Humana e a Rótula no Trânsito de
Uberaba...................................................................................80
Primeira Escola de Odontologia em Uberaba e os Farmacolandos
de 1934....................................................................................82
Segunda Faculdade de Odontologia, a Atual..............................84

5
Maristas......................................................................................85
D. Eduardo e a Seca do Nordeste................................................86
Uberaba, Sede do Bispado de Goiás............................................86
Asilo São Vicente e Asilo Santo Antônio.....................................87
Padres Salesianos em Uberaba?.................................................88
O Bispo Cavaleiro........................................................................89
Por Que Um Hemíptero Se Chama Barbeiro?............................90
Culto da Saudade Não Se Originou em Uberaba.........................91
Como Surgiu o Culto da Saudade em Uberaba...........................92
Biscuit é Arte Francesa................................................................93
O Enterro Mais Luxuoso em Uberaba em Todos os Tempos......94
O Primeiro Enterro do Culto da Saudade....................................95
Culto da Saudade........................................................................96
Dia das Flores.............................................................................98
Dia da Bondade...........................................................................98
Festival da Caridade...................................................................98
O Segundo Bispo de Uberaba e o Nome de Uberlândia............100
Toribaté.....................................................................................102
São Miguel de Nova Ponte.........................................................102
Vida Antiga de Fazenda.............................................................103
O Terço e o Café da Manhã........................................................103
O Almoço às 9h00.....................................................................104
Mutirão......................................................................................105
Mulheres Fofoqueiras...............................................................105
Murmúrio Quase Rosnado........................................................106
Ao Jantar, as Enxadas de Sentinela Como Soldados em
Quartel...................................................................................107

6
Mágica Pela Química dos Estudantes.......................................108
Gozação Geral da Peonada........................................................109
Quilombo de Araxá....................................................................110
O Bem e o Mal............................................................................114
O Assassino Que Sempre Tapava o Rosto..................................115
A Filosofia do Major Sacramento...............................................117
Álibi...........................................................................................118
Vinda do Delegado Especial Para Uberaba................................119
Os Amigos de Miano..................................................................119
Bandido Protege Bandido.........................................................120
Espírito da Mocidade.................................................................121
Ranulfo Borges do Nascimento.................................................122
Oposição à Construção do Santuário Dedicado à Santa
Teresinha...............................................................................123
Chega a Uberaba o Delegado Especial......................................130
Morte de Miano.........................................................................132
Morte de Adelino Félix..............................................................132
As Anedotas Folclóricas do Delegado Sacramento...................133
O Poço e a Esmola......................................................................134
As Violências do Major Sacramento..........................................136
Como o Delegado Especial Saiu de Uberaba.............................138
Por Que Aurelino Luís da Costa Foi Preso.................................139
O Rascunho da Carta de Aurelino..............................................141
Filosofia de Fórum, de Delegacia e de Repartição Pública na
Década de 1930......................................................................144
A Perspicácia de Ranulfo Borges do Nascimento......................147
Aurelino Luís da Costa...............................................................147

7
Os Birutas..................................................................................148
Barganha...................................................................................149
Desmaterialização.....................................................................150
Tiroteio Final no Brejo...............................................................151
O Segredo da Riqueza de Aurelino.............................................151
Almas do Outro Mundo.............................................................152
Três Assassinados......................................................................153
Mão Vingada..............................................................................155
Morte do Major Sacramento.....................................................156
Carro de Boi...............................................................................157

ILUSTRAÇÕES

Fotos................................................................43, 54, 82, 100, 138

8
O AUTOR

CARLOS PEDROSO nasceu em 1929 na


cidade paulista de Quatá, onde fez os estudos
iniciais, continuados na cidade de São Paulo,
inclusive em seminário. Seguindo a carreira do
magistério, chegou a diretor, em 1960, de ginásio
em Monte Alegre, na região do Triângulo.
Necessitando-se habilitar-se em curso superior
para atuação profissional, transferiu-se para
Uberaba, onde se formou, em 1963, em pedagogia
na antiga Faculdade de Ciências e Letras Santo
Tomás de Aquino, posterior FISTA. Daí em
diante, lecionou português, latim e francês em
diversos educandários uberabenses e, ainda,
latim e grego no seminário São José, além de
português nas então Faculdades Integradas de
Uberaba – FIUBE, atual Universidade de
Uberaba – UNIUBE, bem como a mesma
disciplina na Faculdade de Ciências Econômicas
mantidas pela Associação Comercial, Industrial e
de Serviços de Uberaba – ACIU. Conhecedor de
Braille, aplicou e corrigiu trabalhos e provas de
alunos cegos ou de baixa visão.

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Bibliografia

Cafubira e Varaunas (1998); Folia de Reis


– Folclore Encantado (2003); Morte e Vida
(2013); Os 10 Primeiros Ministros
Extraordinários da Comunhão Eucarística
(2013); Igreja Santa Teresinha – 70 Anos de
Paróquia (2019).

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NOTA EDITORIAL

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DE UBERABA

O presente livro, de autoria do professor Carlo Pedroso,


conquanto inteiramente dedicado a Uberaba, não persegue a
rota costumeira de focalização dos atos propriamente
históricos – ou assim considerados – que por sua importância,
abrangência e consequências contribuíram para plasmar uma
sociedade e civilização em pleno planalto central do Brasil.
A matéria deste livro são fatos, pessoas e atos que
geralmente ficam à margem das obras de cunho essencialmente
histórico.
Nem por isso é menos importante do que elas. Por sinal, as
complementam, aduzindo-lhes usos, costumes, disse-que-disse,
boatos e percepções populares que, não obstante os
desarrazoados de alguns, compõem e caracterizam modus
vivendi especial.
Os casos eleitos e elencados nessa sucessão de relatos,
crônicas e artigos são apresentados com bonomia,
compreensão e respeito, que não os exime, conforme as
circunstâncias, de análise e crítica.
Ressaltam-se, ainda, na obra, o permanente interesse, a
curiosidade alerta e a disponibilidade do autor não só para
saber e conhecer quanto para considerar e sopesar atos e
atitudes das pessoas focalizadas.

11
Do início ao fim da obra, os assuntos são expostos em
linguagem fluente e dúctil, tão espontânea quanto a atitude
otimista, equilibrada e judiciosa de Carlos Pedroso perante a
vida.

O Editor

12
HISTÓRIAS
E ESTÓRIAS
DE UBERABA

13
ORALIDADE DESDE A DÉCADA
DE 1930 EM UBERABA

Os casos não estão em ordem cronológica. São crônicas


esparsas, escritas em dias diferentes e com tempo foram
digitalizadas no computador, uma história oral depois da outra.
É um ajuntamento de crônicas.

INTRODUÇÃO

Cheguei a Uberaba no dia 1 de março de 1959, trazendo a


mudança de Monte Alegre de Minas, onde era diretor do colégio.
Vim sozinho. A família ficou em Monte Alegre. Vim para estudar
na FISTA - Faculdades Integradas Santo Tomás de Aquino, das
irmãs Dominicanas. Com o tempo minha esposa veio morar em
Uberaba. Já tinha dois filhos. Escutava os antigos contar fatos da
História de Uberaba. No dia em que cheguei, tinha saído às 3
horas da madrugada de Monte Alegre de Minas na boleia do
caminhão de mudança. Cheguei a Uberaba depois de 12 horas de
viagem, à tarde. Era domingo. Havia um jogo de futebol. Escutei
no rádio um locutor noticiando o jogo do Uberaba Sport. Em
certo momento, um jogador do Uberaba quase marcou um gol. O
locutor fez grande desabafo com palavras muito feias. Pensei
comigo mesmo: Que que é isso. Puxa vida. Que coisa feia. Será
que Uberaba é terra de ninguém? Depois fiquei sabendo que era
costume do jornalista irradiar o jogo daquele jeito, pois quem

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escutava jogo irradiado era muito pouca gente em Uberaba e
portanto a sociedade não se importava com esses comentários.
Não consegui ninguém para ajudar-me a arrumar os móveis na
casa. A mudança permaneceu a noite toda na calçada. Só no dia
seguinte consegui um ajudante para arrumar a casa. Interessante
é que mesmo pernoitando a mudança na calçada, o vento chegou
a espalhar algumas folhas de papel. Mas não houve ninguém que
mexesse e roubasse alguma coisa. Tempos bem diferentes
aqueles tempos antigos, de 1959. Sou historiador da oralidade
encontrada em Uberaba no tempo em que vivi aqui. Os relatos
nem sempre são constatados por documentação histórica. Mas
aprendi de ouvir dizer. O que o povo comentava. Alguns
acontecimentos foram mais bem entendidos pois li todos os
números do jornal Lavoura e Comércio desde a edição do
primeiro dia em que foi editado. Entendi bem a História de
Uberaba.

O DELEGADO ESPECIAL MAJOR


JACINTO A. SACRAMENTO

Para se entender bem porque o terrível delegado


Sacramento veio para Uberaba há de se conhecer antes a história
da vida do apelidado de Miano cujo nome era Martiniano Teles
que morava na esquina da rua Pires de Campos 302, onde se
localiza o restaurante chinês, esquina de rua Padre Zeferino 285,
em frente à casa mais velha dessa rua nº 286, construída em
1913, quando se iniciou o comércio da rua Padre Zeferino que à
15
época era a rua mais movimentada comercialmente. Tal primeira
casa comercial da importante rua deveria ser tombada
urgentemente pela Prefeitura, sendo expediente fácil porque é
casa pequena.

MIANO

Miano, em Uberaba, foi até mais famoso em crueldade que


o delegado Sacramento. Mas era covarde. Escondia-se da
responsabilidade de seus atos. Era mau. Sacramento era mau
mas acobertado pela lei. Abusava do poder mas com permissão
da ética da época. Mas o povo fez questão de apagar as péssimas
lembranças do valentão Miano que era analfabeto mas muito
inteligente. Era de prosa até muito agradável. Era líder em toda
roda de bar e até nas rodas políticas e mantinha respeito à sua
pessoa não por ser amado mas por ser temido porque comentava
a vida de todo mundo tomando conhecimento de todas as fofocas
políticas e amorosas da cidade. Perto dele toda opinião política
era bem ajustada sem discussões ou caçoadas. Perto dele homem
que suspeitasse de algum deslize de sua esposa não se atrevia a
comentar proezas amorosas de outro qualquer. Respeito
absoluto por Miano. Poderia ser que Miano soubesse de alguma
coisa e se fosse provocado falaria abertamente tudo quanto
soubesse. Miano respeitado por seus atos de ousadia camuflados
de honestos e de homem de bem.

16
PEDÁGIO EM RODOVIAS PARTICULARES

Não se pode falar da vida de Miano sem falar em estradas


rodoviárias, por causa da profissão disfarçada de nosso herói.
Hoje muitas rodovias estão sendo privatizadas e a política da
malha rodoviária está sendo gerenciada por pedágios,
responsáveis pela conservação, por melhoramentos e até, em
alguns casos, por abertura de novas rodovias. Esse atual sistema
de pedágio teve origem nos pedágios do início do século XX, em
estradas particulares.
As modalidades gerenciais da economia de um país e até da
economia mundial às vezes partem para novas experiências e
quase sempre retornam para a experiência anterior.
Praticamente há dois sistemas ou modelos econômicos: O
Centralizador Estatal e o Liberal. O Egito antigo era
Centralizador. As pirâmides só puderam ser construídas porque
a economia era centralizada e uma mesma política econômica
perdurava pelas continuadas dinastias que se comprometiam a
conservar em execução o mesmo projeto piramidal por até 800
anos. Foi a forma mais desumana dos vários sistemas
econômicos centralizadores de poder que mais tarde no século
XX seriam chamados de socialismos. No Egito admitia-se a
escravidão ou o trabalho forçado. Na História Econômica
percebe-se que o mundo ora é governado por regimes políticos
centralizadores de poder e ora por regimes políticos liberais.
Liberal é o regime político em que o poder centralizador não é
exercido pelo Governo Central mas por Grupos de Empresários

17
representantes dos vários seguimentos da produção e da
comercialização de toda produção nacional. O mundo manteve-
se até agora muito mais regido por regimes econômicos
centralizadores que regimes liberais. O império romano era
sistema econômico centralizador. Toda produção agrícola de
todas as províncias do Império Romano eram controladas ou
centralizadas por Roma. Os soldados romanos dominavam uma
região e a obrigavam a pagar tributo. Aqui há a oportunidade de
se falar a origem do termo tributo.
Toda tribo ou todo povo dominado pelo antigo Império
Romano era obrigado a pagar parte de suas colheitas a Roma. To
é um sufixo apassivador que assinala submissão ou dependência.
Daí, etimologicamente tribu + to significa o que uma tribo se
obrigava a pagar ao Império Romano, como parte de suas
colheitas. O exército romano dominava uma região e perguntava:
quantas toneladas de trigo vocês colhem anualmente? Fosse qual
fosse a resposta, a metade de toda colheita era recolhida. À
semelhança da antiga submissão ao Império Romano, hoje
tributo é o que o contribuinte é obrigado a pagar ao Governo.
Em Roma antiga ninguém trabalhava. Seus cidadãos viviam
da distribuição dos víveres recebidos em tributo. E recebiam
parte do tributo em suas casas, pois o trigo era distribuído de casa
em casa em Roma.
Estamos falando de pedágio.
Taxa é contraprestação pecuniária por serviço efetivamente
prestado. Se em uma rua não houver serviço de coleta de lixo, os

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moradores daquela rua não precisam pagar a taxa anual
correspondente ao serviço não prestado.
Nas três primeiras décadas do século XX, as estradas de
rodagem no Brasil eram particulares. Geralmente o Governo
Estadual contratava uma firma construtora presidida por um
engenheiro que contratava empregados e construía a estrada e
conseguia do Governo Estadual, por 30 anos, licença para cobrar
pedágio dos usuários da estrada. De 30 em 30 quilômetros havia
posto de cobrança de pedágio. Xapetuba, entre Uberlândia e
Monte Alegre de Minas era posto de cobrança. Almeida Campos
era outro. Essa estrada ia de Uberlândia até Santa Rita do
Parnaíba, hoje Itumbiara. Esta estrada foi idealizada pelo
engenheiro Fernando Vilela da família Vilela de Monte Alegre de
Minas que conseguiu o privilégio de pedágio por 30 anos de 1911
a 1941. Os trabalhadores contratados pela Companhia entre os
moradores das fazendas por perto e faziam a estrada com
enxadão e muitas carroças de burro para os aterros. Os burros
eram ensinados e puxavam as carroças uma atrás da outra, sem
necessidade de tropeiro que os guiassem. Com o dinheiro do
pedágio a firma conservava e construía mais estradas. As
estradas eram de chão batido, intransitáveis de automóvel ou
caminhão em tempo de chuva, período em que tráfego era só de
carro de boi, carroça ou montaria a cavalo. O asfalto só chegou a
partir de 1955 no Brasil e em 1960 na região. É bom falar de
estradas de rodagem dessa época de Miano, 1920 e 1930, pois ele
usava uma profissão "disfarçada" de chefe de turma construtora,

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mas realmente era “matador” profissional, de aluguel, assassino
encomendado por políticos.

PARTIDOS POLÍTICOS

Pacholas e Araras

A vida de Miano tem muito a ver com a política de Uberaba


em seu tempo. Aqui havia dois grandes grupos de famílias ou
duas facções políticas, que se alternavam entre oposição e
situação. Tal rivalidade vinha desde o Império, do Partido
Conservador contra o Partido Liberal, cujos nomes populares nas
conversas de bar eram bem diferentes: Chimango contra
Cascudo, depois Pachola contra Arara, como na década de 1960
UDN contra PSD e hoje, com longínqua analogia, PFL contra PT.
A antiga disputa política entre Pachola e Arara era só municipal.
Em eleição estadual ou federal as coligações obedeciam a
orientação das capitais.
Em situações de extremo conflito, Miano sempre era
convidado por uma dessas fações políticas para assassinar algum
desafeto incômodo da ala adversária. O mandante do crime era
sempre um político ofendido e muito humilhado publicamente.
O nome de Miano jamais apareceu em nenhum crime. Como
fazia o “trabalho” para as duas facções políticas, justamente por
isso era protegido por todos.

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Origem do Nome Pachola

Pachola, vem do espanhol pajola que significa


desprezivelmente um pajem.
Também significa farsante; indivíduo pedante, cheio de si;
indivíduo de elegância duvidosa; orgulhoso, vaidoso;
pretensiosamente apurado no trajar.

Os Pacholas de Uberaba foram, na década de 1930, a família


Borges com exceção única de Manuel Borges, que era Arara, João
Pereira Magalhães, Lucas Borges, Leopoldino de Oliveira, Ismael
Machado, Artur Sabino e outros.

Arara

Em uma dança popular do Rio de Janeiro, arara é cada um


dos cavalheiros que dançam no meio da roda não tendo par, e,
com o rosto coberto por capuz, com pedaço de pau representando
falso cetro real, que, a um sinal convencionado, toma a dama de
outro que então fica sendo o arara ou bobo, como o bobo da corte.
Arara é o popular bobo da cidade, também chamado na gíria de
babaca, belarmino, boboca, bocó, cabaça, coió, débil, idiota,
imbecil, maluco, mama-na-égua, mané, palerma, pancrácio,
papa-moscas, paspalhão, pateta, pato, sebastião, tonto, tolo,
indígena que habitava o baixo Xingu.
Os Araras em Uberaba eram: A família dos Rodrigues da
Cunha, especialmente Geraldino Rodrigues da Cunha, dr. José

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Ferreira, Silvério Bernardes. A família Prata era dividida na
política.
Os nomes dos partidos em Uberaba eram de significado
inverso ao nome usual na conversação, onde Pachola significa
pessoa importante, e aqui em Uberaba os pacholas eram os de
família mais humilde, os do Uberaba Sport Clube que era time
popular. Também em sentido inverso, os uberabenses das
famílias mais nobres eram apelidados por desprezo com o nome
de arara, significando tolos em política.
Igual fenômeno se dava na política de Uberlândia onde os
de família mais nobres como Olímpio de Freitas, João Naves e a
família Resende eram lá o Coió ou Bolão, como os araras em
Uberaba. Os políticos uberlandenses de famílias mais pobres,
que seriam em Uberaba chamados de pacholas, em Uberlândia
eram os Cocão, duas peças de carro de boi, que por suportarem
os eixos gemem cantarola agoniada. Pertenciam ao partido Cocão
em Uberlândia os da família de Virgílio Rodrigues da Cunha e seu
irmão Severiano Rodrigues da Cunha, Tomás Rodrigues de
Resende, Artur Fonseca e seus amigos.

DONA NEGUITA

Naquele tempo os chefes políticos mandavam e


desmandavam em toda perseguição e em toda proteção. O
Francisco era um negro muito bom. Protegido de dona Neguita,
a sra. Inês de Oliveira, passadeira de roupa de mão cheia da
tradicional família Pinheiro e Pucci. Passou roupa para o dr.

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Boulanger Pucci 30 anos e também para a família Pinheiro.
Como era costume na época, as famílias ricas davam de presente
a casa de moradia para a família de seus mais fiéis prestadores de
serviço. Era assim que os de boa consciência compensavam as
famílias mais pobres que não eram protegidas por nenhuma
seguridade social e nem aposentadoria por serviços da economia
informal como o de lavadeira e passadeira. Foi assim que d.
Neguita ganhou terreno na rua Gonçalves Dias número 8 velho e
número novo 38, no Fabrício, e os próprios patrões foram
construindo a casinha de dona Neguita, 1 só quarto e mais 3
pequeninos cômodos, em terreno de só 4 metros de calçada,
sendo a melhor frente de todas as casas de qualquer rua de
Uberaba.
Quando a gente fala em dona Neguita a gente enche os olhos
de saudade. Era nossa informante sobre coisas antigas de nossa
história e de nossos velhos costumes. Muita coisa ela me contou.
Era boa informante de folclore. Ela me contou como eram
antigamente os dentifrícios em Uberaba ou como era feita a
higiene bucal semanalmente, quando o dentifrício
industrializado ainda não era fabricado, como hoje. Quando ela
ficou doente por ser idosa, a Pastoral da Saúde da paróquia Santa
Teresinha de Uberaba cuidou dela. Ela foi cuidada gratuitamente
por dr. Luís Fernando Rodrigues da Cunha. A Pastoral da Saúde
de dois em dois dias a visitava. Ela fazia a comida. Depois de mais
idosa eu pedia a ela que viesse todo dia a minha casa à hora do
almoço. Conversávamos de muita coisa antiga de Uberaba.
Finalmente acabou que minha filha levava o almoço na casa dela.

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Morreu no hospital. Eu gostava muito de sua prosa antiga e ela
me contava até coisas do tempo de seus avós que eram escravos.
Com ela aprendi muito costume antigo, muito folclore e muitas
crenças populares:
Certa vez ela me contou como é que antigamente se
escovavam os dentes. Falou-me que havia dentifrício mas era
importado da Europa. Pouca gente comprava. Só gente muito
rica. Era assim a higiene bucal em famílias pobres:
“Aos sábados à tarde ou mesmo sexta-feira à noite, era
comum as mulheres e moças da família ficar reunida na sala
para a higiene bucal. Pegava-se no fogão um tição de lenha de
uma madeira mole. Quando a gente já tinha a intenção de fazer
essa brasa especial de limpeza dos dentes a gente já punha no
fogão a lenha uma ripa retirada de caixa de alguma embalagem
vinda do estrangeiro, muitas das vezes vinda com sardinha seca
da Noruega. A ripa dessa madeira era branca e muito mole.
Diziam que era de pinho europeu. Dessa ripa fazia-se o carvão
que se moía bem. O pó de carvão era colocado em uma boneca
assim chamada o chumaço de pano, desses panos cujos buracos
entre os fios não eram muito achegados, como aquele pano que
a gente usa para coar um favo de mel por exemplo.
Naquele dia determinado para isso, em cada família, cada
mulher ou mocinha pedia para uma outra da casa lhe limpar os
dentes do fundo. Os dentes da frente cada uma limpava o seu.
Em dente de marido só a mulher dele. Mocinho só a mãe dele ou
irmã bem mais velha. Homem não limpava boca de homem.
Mas os homens não entravam na limpeza na hora de roda de

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mulher. Era outra hora. A limpeza dos dentes das mulheres era
feita em clima de conversa animada, como a conversa
costumeira de salão de beleza, hoje em dia, ou salão de barbeiro.
O carvão era como esmeril fino ou areia fina que areava e
brilhava a panela. A cada dois dentes limpos bochechava-se a
boca com uma golfada de água fria que se ia lá no quintal
cuspir.
Mas todo mundo sabia que era horrível ficar limpando o
dente só com pó de carvão. Não era agradável. Desde muito
tempo antigo a gente arrumava um bom jeito para melhorar o
gosto na boca. Em todo quintal até de gente pobre havia um pé
de hortelã cujas folhinhas eram usadas para dar gosto bom na
limpeza dos dentes. Duas coisas clareavam os dentes:
bicarbonato de sódio e sumo de juá. Mas o gosto de bicarbonato
de sódio e de sumo de juá era ruim. Os antigos já ensinavam
para a gente colocar na boneca de pano do pó de carvão um
punhado de folhinhas de hortelã esmagada. Hortelã é gosto
bom. O juá era ótimo para clarear os dentes. Em quase todo
quintal de pobre há umas 3 ou 4 espécies de menta com que se
fazia chá caseiro. A gente usava folha de menta ou de hortelã.
Havia sempre alguma mulher que gostava mais de pó de canela
no lugar da hortelã. Umas usavam a malva. Também a
camomila. Mas camomila, malva, hortelã e canela era só para
o bom gosto na boca. Quem limpava mesmo diziam era o juá e
o bicarbonato de sódio.
Os primeiros dentifrícios que eu conheci na minha vida
acho que foi logo depois da revolução de Minas de 1932. Acho

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que eram pastas de dente estrangeiras, vinham em tubos roliços
feitos de lâmina bem fina de chumbo e tinham igualmente
bicarbonato e finíssimo pó de mármore e sabor de hortelã. Tal
qual a gente fazia em casa antigamente, só que a pasta de
dentre era branca. E para isso, em lugar do esmeril do pó de
carvão, os dentifrícios do comércio vinham com o esmeril de pó
de mármore branco para fazer o brilho dos dentes. Mas acho
que o que clareava melhor mesmo era o sumo de juá que limpa
que nem soda cáustica mesmo. Até tem gente que pensa que tem
soda no sumo do juá.”

FRANCISCO

Francisco, parente dela, um negro que foi moleque em sua


juventude, depois virou homem de muita responsabilidade.
Naquele tempo, de madrugada, os açougueiros colocavam carne
em lugares predeterminados e assim quando o dono da casa
acordava já tinha a carne para o almoço. Assim o padeiro e o
leiteiro. Tudo era pago por caderneta no fim do mês. O Francisco
era muito sabido e toda vez que ele percebia que estavam
colocando carne, leite ou pão em casa de gente que tinha viajado,
ele ia recolhendo a carne, leite e pão. Não era ladrão, era esperto,
o que é bem diferente. Em dias que o dono da casa estava na
cidade, nunca roubou. Dizia que era só para a comida não se
estragar à toa. " Comida é de Deus ", justificava. Certa vez foi pego
em flagrante mesmo com dono ausente, circunstância que o
favoreceu. Denunciado por alguém, o delegado Sacramento

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mandou prendê-lo e o deixou na solitária, para "meditar" no que
tinha feito. Francisco via que ali todo mundo apanhava muito,
teve medo e pediu que dona Neguita avisasse o coronel Manuel
Borges, da Guarda Nacional. Este, escreveu em um pedaço de
papel: "Soltem o Francisco, talvez só esta madrugada tenha
retirado só um pão do queixoso." Foi imediatamente posto em
liberdade.

A JUSTIÇA DOS JUÍZES

Falávamos que o poder policial era completamente


dependente do poder político. Os juízes eram imparciais só em
causas que não envolvessem política, pois os donos da política
reinante sempre tinham razão. Só se perdia uma eleição se o mau
governo ia engrossando a oposição na cidade. Se a oposição
ganhasse trocava o juiz. O major Sacramento ficou muito tempo,
10 anos, porque naquele período aconteceu continuidade política
do partido do Ranulfo Borges Nascimento.
Em assassinatos políticos, a razão tanto na Delegacia como
no Fórum ficava sempre do lado da política da situação. A lista
do corpo de jurados era escolhida a dedo pela situação.

A VIDA DE MIANO

Podemos voltar a examinar a vida de Miano, muito


conhecido em toda a redondeza de Uberaba. Até os políticos das
cidades vizinhas encomendavam crimes a Miano.
27
Aparentemente, Miano era quase inofensivo cidadão comum.
Todos o respeitavam, só por medo e não por mérito social. Sua
vida era interpretada ou como o homem de bem ou como a
imagem do diabo. Até hoje, nunca se conseguiu uma prova
sequer de nenhuma autoria de crime praticado por Miano. Não
se conhece seu túmulo. Seus crimes foram tão esquecidos que ele
verdadeiramente repousa em paz para sempre em lugar
desconhecido. Ninguém mais fala dele.
A influência desse matador em Uberaba chegou até ao
exagero de Miano passar a ser uma espécie de quase consultor
em tudo o que se passasse na Delegacia de Uberaba. Em qualquer
pequena ou grande lide na cidade, a interpretação dos fatos feita
por Miano seria infalivelmente a mesma opinião oficial acatada
por delegados em seus relatórios oficiais. Tudo com a
cumplicidade de todos os políticos da situação. Assim Miano
mantinha todo mundo de rabo preso.
Miano se livrava de toda encrenca no tempo da impunidade
total. Sua principal defesa era o álibi, que é palavra latina que
significa noutro lugar. Álibi é meio de defesa que o réu apresenta
provando sua presença, no momento do crime ou do delito, em
lugar diferente daquele em que este foi cometido. Miano sempre
parecia estar em lugar diferente daquele em que o crime foi
cometido. Por que? Porque Miano não matava em situações
dominadas pela emoção. Planejava sempre tudo muito bem.
Provava que estivera fora da cidade no dia do crime.
Como o conseguia? Assim. Poucos dias antes de praticar um
crime ele calculadamente, por si e por amigos, se encarregava de

28
distribuir boatos que do dia tal ao dia tal estaria ausente da
cidade, em viagem ou a serviço na Companhia de Construção de
Estradas de Rodagem. Deixava-se passar como um empregado
de Companhia de Construção. Antes de praticar um crime, a mais
de uma pessoa da situação ou da oposição, fosse quem fosse o
mandante do crime, Miano gentilmente se oferecia a ser
prestativo, como um bom amigo que vai viajar: “Você quer
alguma coisa de São Pedro de Uberabinha?” Era o nome de
Uberlândia. Quase sempre Miano fingia viajar para São Pedro de
Uberabinha Mas na realidade se escondia por perto de Uberaba.
Em todo crime usava uma máscara.
Uberlândia era a terra de refúgio de Miano em quase todo
crime praticado em Uberaba.

UBERLÂNDIA

Como nasceu São Pedro de Uberabinha, a atual


Uberlândia? Tudo foi muito interessante. A História de
Uberlândia me dará oportunidade de falar sobre laudêmio.
Laudêmio tem muito a ver com patrimônio eclesiástico, era taxa
eclesiástica, hoje em desuso na Igreja. O laudêmio passou a ser
cobrado pelo Governo com o nome atual de I.T.B.I.. Quando era
da Igreja no tempo em que a Igreja era unida ao Estado
Monárquico, o laudêmio era de 2,5%.
Como se deu a mudança do nome para Uberlândia? Foi
assim. Em 23 de abril de 1889, a Mojiana chega a Uberaba que
liderava a região. Muito café de Araguari chegava a Santos vindo

29
de carro de boi até a estação de estrada de ferro de Uberaba. Mas
em 1895 São Pedro do Uberabinha ganha a estrada de ferro. Tudo
muda. Começa o início do progresso daquela cidade e região.
Na página 128 da Revista do Arquivo Público, ano XXXVII
- 1988 - volume II, publicado em Belo Horizonte, há o registro
que em 19 de maio de 1821 foi nomeado sesmeiro com o título de
alferes o sr. João Pereira da Rocha que ganhou a sesmaria de
Paragens de Uberaba, no Sertão da Farinha Podre, no julgado de
Desemboque. De 1821 até a elevação da capelinha de São Pedro,
aquela região não se chamava São Pedro do Uberabinha mas se
chamava Paragens de Uberaba, conforme o título da sesmaria.
Até 1888 São Pedro de Uberabinha era distrito de Uberaba. Em
1888 foi criada a vila de São Pedro do Uberabinha. Erradamente
chamada de Uberabinha. O diminutivo nada tem a ver com a
cidade de Uberaba e sim com o nome do maior rio da região, o
rio Uberabinha, que margeia aquela bela e próspera cidade. Mas
maldosamente dizia-se sempre que São Pedro da Uberabinha era
miniatura de Uberaba, o que era realmente depreciativo. Aquela
região quase toda era da família Carrijo, também donos de
"posse" em Campo Belo, hoje Campina Verde. Os senhores da
família Carrijo tinham se apossado e até adquirido grande
extensão de terra em um lugar das Paragens de Uberaba.
Francisca Carrijo era a maior proprietária da região e dona de
todas as terras onde se situa a cidade de Uberlândia. Mas no
distrito havia diversas capelinhas isoladas em fazendas. Nas
terras de Francisca Carrijo havia a capelinha de São Pedro
porque ela gostava muito de fazer todo ano animadíssimas festas

30
com fogueiras e balões em todos os três santos de junho, com
predileção para São Pedro. Felisberto Carrijo quis que fosse
fundada paróquia no lugar para que fosse promovido à freguesia
e ser distrito, o que facilitaria a criação do futuro município e,
assim, até se poder pensar na criação da futura comarca. Tudo
isso já é uma realidade sonhada pela antiga família Carrijo.
Houve esse despertar de altaneiro sentimento cívico que
continuará sendo sempre a maior caraterística de Uberlândia.
Toda paróquia deveria ganhar um patrimônio. Felisberto
Carrijo providenciou a criação da paróquia e doaria o patrimônio
eclesiástico de uma légua quadrada ao redor da igreja matriz da
nova freguesia, com sede na capelinha. Em 1840 o professor e
ferreiro de profissão Felisberto Carrijo havia arrematado da
prima Francisca todas suas propriedades por 400 contos,
pagando aos poucos, até em mercadoria, pois houve até
pagamento feito mediante um maço de carretéis de ótima linha
inglesa no valor de quatrocentos réis, segundo me contou o dr.
Jorge Cunha, dono de boa memória para detalhes históricos. Dr.
Jorge Cunha era dentista prático e para fugir a perseguições, já
idoso, fez o curso de Odontologia em Uberlândia. Homem de
valor.
Felisberto, agora dono das terras das Paragens de Uberaba,
doou à Igreja o patrimônio eclesiástico de uma légua quadrada.
Nasce a freguesia de São Pedro do Uberabinha.
A Igreja, em todo o Brasil, não tinha muito interesse em
administrar financeiramente o patrimônio eclesiástico, de que
poderia cobrar o laudêmio. O foreiro pedia licença para o padre

31
para construir no patrimônio, sempre muito mal administrado
pelos padres que favoreciam amigos e especialmente os festeiros
das grandes festas de toda capela. Mas o caso é que a Igreja
mandava soberanamente no patrimônio eclesiástico. Só morava
ali ou construía casas ali perto da igreja a quem o padre
autorizasse. Para a concessão eclesiástica de construção em
terras do patrimônio o foreiro pagava anualmente o foro
conforme o contrato por 10, 15 ou 25 anos, a combinar. O uso era
que não se cobrasse aluguel de nenhuma dessas casas ali
construídas a expensas do proprietário. Só a casa paroquial era
construída com dinheiro das festas religiosas. Os padres
recebiam muitos favores de alguns desses foreiros que lhes
faziam o favor de promover as festas anuais que lucravam
dinheiro para a Igreja. Em geral as senhoras residentes nesse
aforamento eram as que cuidavam da limpeza da igreja. Mas em
caso de alguém vender alguma casa dentro de seu patrimônio, a
Igreja tinha o direito de cobrar a taxa que se chamava laudêmio,
que era em geral de 2,5% de seu valor. Só quando havia venda é
que a Igreja cobrava laudêmio. Só que a Igreja não tinha
escritórios de cobranças nem arquivos para guardar e controlar
os títulos de aforamento que deveriam ser renovados em cada
venda, permuta, doação ou herança. Nada era feito por escrito.
Tudo era resolvido verbalmente, pois os vigários pouco se
interessavam pelo laudêmio. Ninguém pagava e os padres
protegiam os foreiros pois eram os encarregados das festas
religiosas de que viviam as Fábricas das Paróquias. Fábrica,
assim era chamada a paróquia quanto à administração de seus

32
bens ou direitos civis. Os padres não organizavam o laudêmio e o
aforamento do patrimônio eclesiástico, protegendo os foreiros.
Para entender bem o que era laudêmio, vamos aos
documentos escritos nos livros do Tombo. No livro de Tombo da
Arquidiocese de Uberaba, há uma carta de dom Eduardo Silva,
primeiro bispo de Uberaba, explicando a um padre como resolver
problemas com foreiros. Eis a resposta do bispo, na ortografia da
época:

"Uberaba 25 de Setembro de 1919.


Revdo. Vigário P. Monteiro.
Deos Nosso Senhor o abençoe.
Pela sua carta de 19 do corrente, tive sciência de estar
procedendo à venda dos pedaços do patrimônio, que ainda
restam, muito a contendo dos foreiros, havendo de antemão ter
entendido com elles. Muito bem! Fala-me V.Revma de foreiros
que estão em atrazo 4, 5 e 6 anos de fóros e de laudemios, eu não
pagaram, e que se recusam a comprar os terrenos, allegando
que aforaram por 25 annos, e pergunta-me o que fazer. Pois
aqui vai a resposta: as leis que regem essa matéria são as leis
civis e por ellas é que V.Reva tem de agir na qualidade de
Fabriqueiro. Que dizem ellas? No Código Civil o artigo 679
assim dispõe: "O contracto de emphyteuse (aforamento) é
perpétuo. A emphyteuse por tempo limitado considera-se
arrendamento, e como tal se rege; art. 686 = Sempre que, se
realisar a transferência do domínio útil , o senhorio directo ( a
Fábrica) terá direito de receber o laudemio que será de 2 1/2 %;

33
o art. 692 § IIº ; a emphyteuse (o aforamento ou arrendamento)
extingue-se pelo comisso [comisso= pena ou multa em que
incorre quem falta a certas obrigações impostas por contrato ou
lei, adendo nosso], deixando o foreiro de pagar as pensões
[encargo ou despesa habitual ou obrigatória, adendo nosso],
devidas, por três annos consecutivos "
Com essas Leis à vista, está V. Rva habilitado a resolver tudo,
isto é, deixar em santa paz os que aforaram (arrendaram) por
25 annos, não os obrigando a comprar os terrenos enquanto
não terminar o prazo, e sim obrigando-os , pelos meios legaes,
a pagarem as pensões, sob pena de perderem o direito
adquirido, e para isso deve cumprir o que determinei na
INSTRUÇÃO PASTORAL sobre aforamentos cuja existencia
V.Rva ignora, a qual dei quando ainda era Bispo de Goyas. Essa
INSTRUÇÃO , cuja edição ficou logo esgotada por terem os
outros Snres Bispos pedido exemplares foi a primeira que se
imprimio no Brasil sobre tal matéria.
Mandei-a para todos os vigários e si V. Rva esmerilhar bem ahi
no Archivo Parochial, ou no livro do Tombo encontral-a-á.
Quanto ao modo de recorrer à Justiça também dei instruções ,
que V. Rva achará à página 100 do Appendice, regule-se por
ellas, e para tal fim neste mesmo correio lhe envio delle outro
exemplar. Que lhe hei de responder sobre o titulo de doação que
o Conego Tardio passou a um seo patricio delle de um terreno
do patrimônio, senão que tal doação é nulla ? V.Rva chame o tal
patrício, peça-lhe para examinar o tal titulo, diga-lhe que é de
nenhum valor e que se habilite perante a Fábrica, ou aforando-

34
o ou comprando-o. Não lhe fale em atrazados, porque talvez o
pobre homem esteja laborando em ignorância. No caso que elle
recalcitre dirija-se ao Juiz competente, tendo em vista o que vai
mandado na INSTRUÇÃO DO APPENDICE, mutatis mutandis.
Está acabada por hoje a aula de Direito Civil; agimus tibi
gratias etc, etc, etc...
Deos Nosso Senhor lhe vá dando forças, coragem, paciência e
saúde para ( como já lhe disse) como Esdras ir recolhendo as
folhas esparsas desse antigo Testamento de São José do Tijuco,
Villa Platina e Ituyutaba.
Receba a bênção do
Servo em Christo,
+ Eduardo, bispo de Uberaba"

ASSIM O BISPO EXPLICOU O


QUE ERA LAUDÊMIO

Em Uberaba, por um processo do arquivo do Fórum em


petições do advogado José Felício Buarque de Macedo, se tem
notícia de um só caso de cobrança de laudêmio por parte da
Igreja de Uberaba, cobrado ao cidadão Tomás Batista Blatgé. Há
muitas certidões forenses de que contratantes uberabenses
nunca pagaram laudêmio e fôro [fôro = quantia ou pensão que o
enfiteuta dum prédio paga anualmente ao senhorio direto,
adendo nosso] sobre patrimônio eclesiástico.
Com o advento da República, que foi um movimento de
tendência anticlerical, ninguém mais quis pagar o laudêmio. Mas
35
como as terras do patrimônio eclesiástico são da Igreja, em
Uberlândia, em alguns casos ainda, o senhor bispo tem de assinar
algumas escrituras, hoje, duas ou três por ano.
D. Onofre Cândido Rosa, em 19 de março de 1970, foi
sagrado bispo coadjutor de Uberlândia em Araxá e desejou
resolver essa situação de maneira definitiva, pois, muitas vezes
saía em visita pastoral e se ausentava visitando paróquias por
vários dias e atrasavam-se as transcrições de escrituras de vendas
de casas construídas dentro do patrimônio eclesiástico
uberlandense. Para favorecer e não importunar as imobiliárias e
os cartórios uberlandenses, que se viam às vezes prejudicados em
demoras, dom Onofre diz que "Foi criado um escritório para
resolver os pedidos de desistência do direito ao terreno,
pagando uma taxa de 5% sobre o valor do mesmo lote ou
terreno maior. Isto parece que revoltou o pessoal e começaram
a aparecer as reações contrárias."
Reações contrárias, algumas fortes. Certa vez o sr. bispo
ficou muito triste na praça onde morava em Uberlândia.
Toda tardinha dom Onofre Cândido Rosa ia ao jardim da
praça Nossa Senhora Aparecida e gostava de conversar com
crianças e até algumas vezes dirigia-lhes a palavra em grupo para
explicação de algum ponto fácil de catecismo, no que era muito
bem sucedido. Muitas vezes distribuía-lhes santinhos ou
estampas infantis, ocasião em que dom Onofre costumava
brincar com as crianças de cobra cega, um brinquedo em que
uma pessoa adulta chega, sem ser notado por trás e tapa os olhos
da criança, perguntando: Advinha, quem é? Aconteceu que uma

36
vez em que o senhor bispo perguntou: Quem é?, identificando-se
por bispo, a criança reagiu: "É o bispo? Ah! então é o senhor que
quer tirar a casa de papai?" E alguns dizem que por causa dessa
cena o bispo ficou muito triste, pois estava sendo muito mal
entendida sua boa intenção de libertar os antigos foreiros de
Uberlândia do incômodo de se dirigirem ao bispado em todo caso
de venda de suas casas.
Vamos reforçar o que era o laudêmio. O sucessor de dom
Eduardo Duarte Silva, na diocese de Goiás, foi dom Prudêncio
Gomes da Silva, que certa vez telegrafou a dom Eduardo pedindo
explicações sobre o laudêmio de Caldas Novas, cujas termas
estavam dentro do patrimônio eclesiástico. Eis na íntegra a carta
de dom Eduardo, escrita em português antes da reforma
ortográfica de 1942, onde há uma outra aula de Direito Civil:

"Uberaba, 15 de Dezembro de 1913.


Exmº amigo Sr. D. Prudêncio.
Laudetur J. C. in aeternum.

Acabo de responder com as seguintes palavras "V. Exa faça o


que julgar conveniente" o telegrama que hontem expedio-me V.
Exa declarando ir protestar contra o aforamento do patrimônio
de Caldas Novas, dessa Diocese, feito em 1893, ao Coronel
Victor Ozeda Ala, durante a minha gestão de Bispo de Goyaz, a
fim de salvar, em benefício da Egreja, as águas thermaes, que
estão no perímetro do dito patrimônio. Pede-me V. Exa mais
esclarecimentos por telegrama, mas julguei melhor escrever a

37
presente, para dal-as com mais amplitude do que
telegraphicamente poderia dar; eil-os:
Como deve V. Exa saber, tomei posse dessa Diocese no novo
regimem = da Separação da Egreja do Estado = e por
conseguinte, encontrando a Diocese com suas parochias sem
recursos para a manutenção dos vigários, continuação do culto
e conservação de seus edificios religiosos. Ocorreo-me então a
lembrança (e fui o primeiro Bispo que a teve, tanto que por isso
o Exmo Snnr D. Silvério felicitou-me e mandou pedir-me as
Instruções que então dei aos vigários para tal fim, de aforar o
patrimônio das Matrizes e Capellas, com a necessária
autorização da S. Sé.
Esbarrei logo com a resistência das Câmaras Municipaes, dos
usufruidores de terrenos patrimoniaes, e com a carência
completa de titulos comprobatórios de doação dos mesmos,
nada encontrando nem na Camara Eclesiástica do Bispado e
nem nos Archivos Parochiaes. Ordenei então aos Vigários que
procedessem a justificações e que onde não houvesse resistencia,
mesmo sem a exhibição de titulos, procedessem ao Aforamento,
visto como toda e qualquer carta de aforamento dada e aceita,
já de per si constituia um título de posse.
Era Vigário de Morrinhos então Encarregado de Caldas Novas
o Padre Aurélio Elias de Souza e este em cumprimento do seo
dever aforou ao Coronel Victor Ozeda Ala o pequenino
Patrimonio d´aquella Matriz, com o fim de também obter
recursos para a dita Matriz e para a construção do novo
cemitério, captando assim a benevolencia do dito Coronel

38
Victor, o único que ali interessava-se pela Egreja, e pela qual
muito fez, sem falar nas hospedagens do Bispo e dos Vigários.
O fôro foi então taxado em muito pouco, mas ficou garantida a
propriedade da Egreja, sem lides ou demandas.
Como bem ensina-me V. Exa o resultado do aforamento não é o
que dá o fôro e sim a porcentagem que em todas as
transferências percebe o Senhorio directo do terreno, quer
sejam por vendas, permutas, doações, heranças etc, que chama-
se laudemio, e que pela lei é de dous por cento sobre o valor pelo
qual se transfere, de qualquer modo que seja , o dito terreno. É
pois evidente que ao passo que se fôr valorizando este, irá
sempre o proprietário do dominio directo obtendo maiores
lucros nas transferencias, porque irá sempre sendo transferido
por maior quantia. Eis po caso do patrimônio de Caldas.
Falecido o Coronel Victor, dos seus herdeiros o que ficar com o
dominio utul do patrimonio deverá receber novo titulo de
aforamento e pela transferencia pagará o laudemio, e assim por
diante. Não vejo pois como a Egreja possa ter ficado
prejudicada, porque si as aguas thermas de Caldas, que até hoje
nenhum lucro deram á Egreja, com o andar dos tempos,
poderão ainda dar por meio dos laudemios nas transferencias
a particulares ou a Companhias.
É o que cabe-me informar a V.Exa Revma, a quem com toda a
humildade atrevo-me a dar o seguinte, não digo conselho,
porque seria temeridade, e sim parecer de amigo; Snr Bispo, é
melhor perder-se pouco do que muito, e é isto que sempre
acontece mas malfadadas demandas. Aqui estamos, em

39
Uberaba, vae quase para tres annos, em demanda com a
Camara Municipal sobre o patrimonio da Matriz; já estão
gastos bons contos de reis e não sabemos ainda qual será a
sentença final, apezar de tão claro, tão evidente e tão provado
estar o direito da Egreja. No entretanto V. Exa em seu criterio,
prudencia e tino fará o que melhor julgar, e eu nada mais anseio
senão a maior somma de bens para essa Diocese, que muito
amei e ainda muito amo.
Beijando o annel de V.Exa sou
De V. Ex
+Eduardo, Bispo de Uberaba.
P.S. Permita-me ainda V. Exa eu dizer que o protesto que vai V.
Exa fazer nada adianta, porque os herdeiros de Victor Ozeda
teem legitimo titulo de dominio util que é a carta de aforamento,
e a unica cousa que resultará é uma odiosidade contra V. Exa,
contra o humilde antecessor de V.Exa e seo preposto , o falecido
Vigário de Morrinhos.
O mesmo."
Vamos transcrever uma carta de dom Onofre Cândido Rosa
que foi bispo coadjutor de Uberlândia. O assunto é laudêmio:

"MITRA DIOCESANA DE JARDIM

Av. 11 de Dezembro, s/nº - Caixa Postal (ACS) 104


Fone/Fax (067) 251-1002 - CGC 15462021/ 0001-04
CEP 79240-970 - Jardim - MS.

40
Jardim, 19 de maio de 1998.
Ao senhor
Carlos Pedroso
Uberaba - MG

Saudações em Cristo Jesus!

Recebi, com muita alegria sua carta e muito lhe agradeço.


Quanto ao assunto do laudêmio, o que me lembro é que: no
arquivo da Cúria Diocesana de Uberlândia deve estar o
documento que comprova que existe um terreno foreiro de cem
léguas por cem (+ ou -), e que quando estive em Uberlândia
como bispo coadjutor, resolvemos liquidar com o assunto do
laudêmio que só dava amolação para nós. Foi criado um
escritório para resolver os pedidos de desistência do direito ao
terreno, pagando uma taxa de 5% sobre o valor do mesmo lote
ou terreno maior. Isto parece que revoltou o pessoal e
começaram a aparecer as reações contrárias: aquela do
menino que você faz alusão em sua carta que me disse: "O
senhor é o Bispo que quer tomar nossa casa?" e ainda mais
grave, por duas vezes a minha residência, no antigo colégio
Cristo Rei, na praça N. S. Aparecida foi apedrejada durante a
madrugada, quebrando vários vidros das janelas do segundo
andar. Mas estes fatos e outros não foram as causas que me
levaram a pedir transferência de Uberlândia. Durante o tempo
em Uberlândia, nós somente instalamos o escritório para
receber a taxa de laudêmio, com a finalidade de desafogar o

41
trabalho da Cúria da Diocese. Não houve muita procura dos
interessados. Minha saída de Uberlândia, não foi motivada pelo
descontentamento criado pela cobrança da taxa de laudêmio.
Pedi para ser transferido de lá, porque dom Ladislau Paz, Bispo
de Corumbá - MS, insistia em conseguir um sucessor salesiano
para lá, ele estava no tempo da sua aposentadoria, e então eu,
como sempre desejei ser um "missionário no Mato Grosso", me
ofereci para ir para Corumbá, fiquei lá 3 anos e agora estou há
18 anos em Jardim -MS.
Reze por nós aqui, pela nossa Diocese de Jardim, e pela
minha saúde. Já estou com 73 anos de idade. Depois da
Assembléia dos Bispos em Itaici-SP, fui passar uns dias em
Lavrinhas, com pe. Gutemberg do Reis, atual diretor daquela
casa. Fomos visitar Pindamonhangaba, onde fiz minha
primeira profissão religiosa. Neste completo 50 anos de vida
religiosa. A vida passa... Envio minhas orações e bênçãos, do
amigo Bispo de Jardim - MS.
+ Dom Onofre Cândido Rosa"

UBERABA - ÚNICA EXCEÇÃO


NO BRASIL IMPÉRIO?

Em Uberlândia houve dois patrimônios eclesiásticos, o de


Santa Maria de Uberabinha com a criação de sua freguesia por lei
provincial nº 1759 de 1º de abril de 1871, não consegui a lei que
criou a freguesia de São Pedro de Uberabinha. Araguari teve
patrimônio. Prata teve patrimônio. Todas as cidades antigas do
42
Brasil tiveram patrimônio. Em Uberaba não houve nenhum
patrimônio eclesiástico. Uberaba é a única exceção no Brasil
entre todas as cidades criadas no século XIX.

A DEMANDA ENTRE A FÁBRICA DA MATRIZ


E A CÂMARA MUNICIPAL DE UBERABA.

Se todas as cidades antigas do


Brasil tiveram seu patrimônio
eclesiástico, na certa Uberaba
deveria ter também o seu. Tal
presunção iria provocar demanda
judicial entre a Fábrica da Matriz de
Uberaba e a Câmara Municipal de
Uberaba de 1910 a 1914, por 4 anos.
Entretanto eu mesmo quase
cheguei a me equivocar certa vez
acreditando em boato muito encontradiço em Uberaba de que
essa demanda entre a Matriz e a Câmara foi o processo mais
demorado no Fórum de Uberaba, tendo se alongado por mais de
70 anos. Não é verdade. Na realidade a demanda durou tão só 4
anos, segundo uma carta de dom Eduardo ao bispo de Goiás em
15 de dezembro de 1913, onde se lê:

"Aqui estamos, em Uberaba, vae quasi para três


annos, em demanda com a camara municipal
sobre o patrimônio da matriz;..."
43
Ora se em 1913 eram decorridos três anos, é porque a
demanda se iniciou em 1910 e como sabemos que a demanda
terminou em 4 de fevereiro de 1914, a demanda durou tão
somente 4 anos e nunca 70 anos, conforme às vezes se ouve dizer
erradamente em Uberaba. A demanda que a Fábrica da Matriz
teve com a Câmara Municipal por 4 anos foi por presunção do
bispado de que Uberaba deveria ter patrimônio eclesiástico ao
redor da Matriz da praça Rui Barbosa.
José Mendonça, em sua História de Uberaba (1ª ed., p. 24)
deixou escrito:
“Ora, José Francisco de Azevedo, um dos fundadores do arraial
do Lajeado [perto de Santa Rosa], era rábula incorrigível, a
ponto de esbanjar em demandas as suas duas sesmarias do
Lajeado e do Paraíso. Em 14 de julho de 1837, sendo já falecidos
Antônio Eustáquio, Tristão de Castro Guimarães e sua segunda
mulher dona Frutuosa Rodrigues Pires, o dito José Francisco de
Azevedo, dizendo-se "zelador provido" da Matriz, apareceu com
um "Título de Mão" ou "Particular", datado de 22 de dezembro
de 1812, pelo qual Tristão de Castro Guimarães ( que o teria
assinado "de cruz" pois era analfabeto) e sua mulher dona
Frutuosa Rodrigues Pires declaravam doar a Santo Antônio e a
São Sebastião, para patrimônio de sua Igreja, uma légua de
terras em quadro, pouco mais ou menos, vindo elas do lajeado
a entestar ao poente, com as "Terras dos Índios", onde Antônio
Eustáquio da Silva e Oliveira fundara Uberaba. E com esse
papel particular, o rábula pediu que fossem as referidas terras
levadas em hasta pública para serem arrematadas e o seu

44
produto aplicado em obras da Matriz. Note-se, em primeiro
lugar, que Tristão de Castro nunca teve terras à margem
esquerda do Lajeado.”
José Francisco de Azevedo estava muito mal intencionado
e como rábula de muitas encrencas falsificou o documento de
Tristão de Castro. Era uma vingança contra o major Eustáquio
que não ficara morando na sede de suas sesmarias, preferindo
fundar Uberaba. José Francisco Azevedo tentou por todos os
meios possuir terras em terras de major Eustáquio e até com isso
prejudicar o major. Por sentença de 11 de junho de 1838 o rábula
José Francisco Azevedo perdeu a causa. Ficou desmoralizado e
faleceu de desgosto e pobre, em 3 de setembro de 1839.
Tudo parecia calmo e a tal doação de terras feita por Tristão
de Castro teria caído em total esquecimento se em 1845 não
aparecesse um outro interessado em ganhar facilmente terras em
Uberaba, com a desculpa de estar defendendo o direito da Matriz
em seu patrimônio. Em 1845 um tal de alferes Silvestre da Silva
e Oliveira se intitulou "zelador interino " da Matriz fazia uma
outra petição judicial em favor da Matriz. Novamente o juiz não
deu ganho de causa ao requerente provando-se que as terras
pretendidas não eram de Tristão de Castro mas da
municipalidade.
Parecia tudo estar em perfeita paz novamente. O coronel
Sampaio muito fez por Uberaba. Fez o recenseamento para que
Uberaba, vila desde 22 de fevereiro de 1836, recebesse em
seguida o título honorário de cidade, a 02 de maio de 1856, título

45
que se dava a uma vila que progredisse mais que a média das
outras vilas vizinhas.
O coronel Sampaio cometeu um equívoco em seus trabalhos
"Notícia Histórica Sobre a Igreja Matriz de Uberaba e
Nomenclatura das Ruas", declarando que realmente a Matriz de
Uberaba tinha direito a laudêmio por ter patrimônio.
Tal equívoco de Borges Sampaio nunca foi bem esclarecido
e depois de sua morte, muita gente em Uberaba falava que a
Matriz de Uberaba tinha direito a laudêmio e a receber fôro por
terras eclesiásticas.
Mas é necessário que se esclareça uma vez por todas o "por
que" que os habitantes de Uberaba ficavam a favor da Fábrica da
Matriz desejando-lhe um patrimônio eclesiástico em Uberaba.
Havia muito interesse social nesse desejo popular. Não era
certamente um grande amor à Igreja, desejando à Igreja um
patrimônio. Nada disso. O verdadeiro motivo era este.
E agora quero ser ousado. Muitos historiadores de Uberaba
não tem a coragem de comentar os dados históricos disponíveis
a seu alcance. Desse modo a História de Uberaba fica quase sem
sentido e não causa nenhum impacto no civismo uberabense. A
História deve ser interpretada em suas implicações de causa e
efeito. Nesse ponto há a grande falha dos historiadores
uberabenses. Não comentam. Não dão opiniões. Receiam
interpretar o passado. Receiam interpretar as intenções dos
políticos. Receiam falar do que possa desagradar. E assim muita
coisa fica enterrada no tempo e no espaço de Uberaba que dá
pouco valor à sua História pois que sempre acovardada pela falta

46
de ousadia de interpretar os fatos passados. Por exemplo. Quero
ser ousado em comentar porque houve essa querela entre a
Fábrica da Matriz e a Câmara Municipal de Uberaba. Sou o
primeiro a ousar explicar porque não se diz a querela entre a
Prefeitura e a Igreja mas se diz querela entre a Fábrica da Matriz
e a Câmara Municipal de Uberaba. É porque antes de 1934 não
havia prefeito. Havia o Poder Executivo exercido pelo presidente
da Câmara, ou Agente Executivo. O governo da cidade era feito
pela Câmara.
Ninguém antes de mim explicou por que o povo estava do
lado da Igreja em questões de patrimônio e nunca estavam do
lado da Prefeitura. Isso nada tem que ver com religião. A verdade
é que o povo quando se posicionava a favor da Igreja estava
procurando um favorecimento em causa própria.

E aqui está minha opinião que a digo por


primeiro pois ninguém antes de mim ousou
pensar ou julgar assim. O povo queria que a
Fábrica da Matriz de Uberaba tivesse um
patrimônio ao redor da Matriz junto à praça
Rui Barbosa não porque amasse a Paróquia,
mas porque, como é sabido, toda Paróquia
do Brasil não cuidava bem de seu
patrimônio. Ao povo seria muito mais fácil
conseguir futuramente um título de
propriedade através do descaso da Igreja,
que não sabia administrar seu patrimônio

47
eclesiástico e não arquivava títulos de
aforamento por não se interessar propô-los
por escrito, do que se conseguir terras da
municipalidade, sempre muito bem
protegida por lei.

Por isso é que o povo ficou do lado da Igreja contra a


Municipalidade.
Instigado por essa opinião nada jurídica do povo, mons.
Inácio Xavier da Silva requereu em juízo o direito ao patrimônio
da Fábrica com a ganância eclesiástica de poder por direito
legítimo cobrar laudêmio e foro.
Infelizmente o fez apoiado pelo bispo d. Eduardo Duarte da
Silva, que errou pela primeira vez na vida. Sua intenção era boa,
pois teria mais recursos para administrar os bens da Igreja muito
prejudicados, gerando falta de recursos depois da proclamação
da República, abolida a Monarquia quando a Igreja era unida ao
Estado. Devemos perdoar o erro de d. Eduardo. Não teve acesso
a fontes históricas fáceis como nós, hoje. O livro de história de dr.
José Mendonça foi publicado em 1971 e d. Eduardo tinha que
opinar sobre o caso já em 1909. Toda Matriz de todas as cidades
da redondeza tinha seu patrimônio e era lógico imaginar que
Uberaba também o tivesse.

48
ONDE ESTÃO AS TERRAS
ECLESIÁSTICAS DE UBERABA?

Estão a 15 quilômetros da atual Matriz, onde Carlos Pedroso


com o dr. Demóstenes Soares as encontrou aos 18 de setembro
de 1983 e cuja autenticidade histórica é testemunhada pelo jornal
órgão oficial Minas Gerais de 6 de março de 1936, com notícias
das comemorações do primeiro centenário de elevação de
Uberaba à vila.
22 de fevereiro de 1836 - 22 de fevereiro de 1936.
Requerida para a capela do Lajeado, onde se encontra o
marco a 15 quilômetros da atual Uberaba, como para a atual
Uberaba se tinham mudado todos os moradores da sede da
sesmaria de José Francisco Azevedo ao chegar o decreto de 02
de março de 1820 de d. João VI criando a freguesia de Uberaba,
a instalação da paróquia de Uberaba se deu na Matriz da praça
Rui Barbosa, atual Uberaba, e não se instalou a freguesia perto
da capela do Lajeado do marco, onde foi, uns 5 anos antes,
requerida a paróquia, a 15 quilômetros onde está também o
verdadeiro patrimônio eclesiástico de Uberaba. Foi por isso que
os senhores juízes togados deram ganho de causa à Câmara
Municipal contra a Fábrica da Igreja. O patrimônio de Uberaba
nunca poderia ter sido demarcado ao redor da Matriz da praça
Rui Barbosa, atual Uberaba.
Mons. Inácio em outubro de 1909 erradamente tentara ação
de reivindicação contra a Câmara Municipal pretendendo as

49
terras de um possível patrimônio eclesiástico ao redor da Matriz
da praça Rui Barbosa.
Mas a Igreja perdeu a causa jurídica mas a Câmara
Municipal desejou acabar com ressentimentos entre católicos e
não católicos. Em 1916 na grande festa do jubileu da sagração de
d. Eduardo, a Câmara ajudou e esteve presente em todos os
festejos, permitindo a inauguração da estátua de bronze de Jesus
Eucarístico na praça Rui Barbosa.
Por essa festa de 1916 a Câmara Municipal fez acordo com a
Fábrica da Matriz para que se considerasse completamente
extinta toda pretensão da Igreja com respeito a patrimônio em
Uberaba e em troca a Câmara faria construir artísticos degraus e
colunatas na frente da Matriz que foram inaugurados em 1918.
Eram belas tais artísticas colunatas construídas em 1918,
encimadas por abacaxis. Hoje, após a reforma da Catedral de
1994, a extensão construída por colunatas é maior que a extensão
das colunatas de 1918, época em que a escadaria da Matriz na
praça Rui Barbosa era muito feia, e se subia até a porta da igreja
por grosseiras grades de pedras tão mal e irregularmente sem
nenhuma arte em seu aparelhamento. Tal escadaria doada à
Matriz pela Câmara Municipal durou uns 60 anos, mas foi aos
poucos se desmoronando pelo tempo. As muretas de 1918 foram
construídas só na parte frontal da catedral. Padre Paulo
Aparecido Porta, que tomou posse do Curato da Sé a 24 de
setembro de 1989, promoveu uma grande reforma da catedral em
1994, restaurando as muretas fronteiriças e construindo às
expensas da paróquia semelhantes muretas do mesmo estilo de

50
1918 mas com uma extensão maior ao redor da Catedral.
Aconteceu que a catedral foi vítima de vandalismos contínuos
duas ou três vezes por semana. Muitas noites amanheciam com
muretas destruídas e toda vez padre Porta as reconstruía. Até que
em 1995 já o vandalismo era insustentável. Padre Porta, com
autorização da Prefeitura, construiu grades ao redor de toda a
catedral e somente assim cessaram os vandalismos. Com as
grades está sendo possível a conservação do belo ajardinamento
também ao redor de toda a Catedral desde 1995.

IGREJA DA SÉ E MATRIZ
SANTO ANTÔNIO E SÃO SEBASTIÃO

Havia um grande equívoco em Uberaba, promovido pelo


grande progresso do centro da cidade de Uberaba. A igreja
Catedral de Uberaba fora construída e ainda estava em 1926 no
largo Cuiabá, hoje praça D. Eduardo, nas Mercês. Em 1926 a
igreja mais famosa e circundada de muito mais linda praça era a
Igreja da Matriz na praça Rui Barbosa. D. Lustosa pediu ao Papa
para trocar os títulos entre as duas igrejas. Em 1926, por Decreto
Papal " Translationis Ecclesiae Cathedralis Decretum", de 20 de
maio de 1926, a Catedral do Coração Eucarístico passou para a
praça Rui Barbosa e a Matriz de Santo Antônio e São Sebastião
passou para as Mercês. Eis um trecho do referido Decreto Papal
em uma tradução do original em Latim:
"Achando-se a igreja Catedral de Uberaba, consagrada ao
Divo Coração de Jesus, afastada do centro da cidade, embora
51
próxima do palácio episcopal, sendo além disso pequena,
incapaz de conter o número de fiéis e destituída de obras de arte,
e havendo por outro lado, no centro da cidade, em lugar
aprazível, outra igreja paroquial dedicada a Santo Antônio e
São Sebastião, bem ornada e suficientemente ampla... Sua
Santidade Pio XI, tudo maduramente ponderado, houve por
bem atender a esse pedido..." (Decretum )
Hoje o bispo diocesano tem todo poder para fazer tais
transferências não mais necessitando requerer ao Papa. Uberaba
deve merecer mais atenção às suas origens históricas. Há um
projeto para essa re-inversão de títulos entre as duas igrejas
uberabenses. A Catedral na praça Rui Barbosa continuaria sendo
Catedral do Divo Coração de Jesus, que é o padroeiro principal
da Arquidiocese de Uberaba e a Paróquia do centro da cidade
passaria a se chamar Paróquia de Santo Antônio e São Sebastião.
A Paróquia da Adoração passaria a se chamar Paróquia do
Santíssimo Sacramento. Mas as estátuas de São Sebastião e
Santo Antônio da igreja das Mercês não retornariam mais para o
centro da cidade. Somente os títulos dos primeiros padroeiros
centrais retornariam ao centro, combinando com os nomes das
ruas centrais Santo Antônio e São Sebastião. Em frente da
catedral duas enormes estátuas de cimento armado de 2 metros
de altura seriam colocadas de tal modo que Santo Antônio ficasse
abençoando a parte da cidade ladeada pela rua Santo Antônio
que corresponde ao lado do altar do mesmo santo e São Sebastião
abençoaria a parte da cidade onde começa a rua São Sebastião,
correspondente ao lado onde fica o altar desse santo na Catedral.

52
As duas ruas centrais da cidade, com os nomes de seus co-
padroeiros, representam externamente na cidade o ambiente
interno da catedral nos altares laterais. Tudo voltaria a ser como
era no início do século XX e como sempre foi. Essa reinversão
dos titulares dessas respectivas igrejas históricas deveria ser
retificada, quanto antes, se possível antes do início do próximo
milênio.

ADORAÇÃO PERPÉTUA

A Adoração Perpétua foi fundada em Uberaba na festa de


Cristo Rei em outubro de 1951 e de 1951 até 1971 havia adoração
perpétua, dia e noite. Hoje só há adoração durante o dia. Há um
grande movimento em Uberaba, iniciado com Carlos Pedroso e
com Alberto Valize e ministros extraordinários da comunhão
Eucarística, para se restabelecer dia e noite, todos os dias do ano,
a Adoração Perpétua, de tal modo, que a todo instante, do dia ou
da noite, haja sempre pelo menos um adorador em guarda de
honra ao Santíssimo Sacramento.

DOM EDUARDO DUARTE SILVA

Faleceu no Rio de Janeiro a 16 de outubro de 1924 e naquela


cidade foi sepultado e transladado para Uberaba tão somente no
dia 11 de dezembro de 1983 e atualmente seus restos mortais
aguardam a ressurreição em cripta da Catedral de Uberaba.

53
Foi sagrado bispo em Roma a 8
de fevereiro de 1891, pelo cardeal
Parochi. Sua nomeação para bispo
de Goiás se deu por escolha
pessoal do papa Leão XIII, por
causa de um fortuito episódio. O
cônego Eduardo Duarte Silva
estava em Roma simplesmente
acompanhando o bispo brasileiro
dom Joaquim Arcoverde de
Albuquerque Calvacanti, eleito depois o primeiro Cardeal
Brasileiro do Rio de Janeiro. Havia necessidade da nomeação de
um novo bispo para a Diocese de Goiás. Enquanto conversavam
sobre a Diocese vacante, o Papa começou a conversar com o
cônego Eduardo, quem era ele, que ano tinha estudado Filosofia
e Teologia em Roma, onde se doutorara, como era seu apostolado
na Capela Real no Rio de Janeiro, porque tinha o título de Conde
do Império Brasileiro, e imediatamente procurou saber de dom
Joaquim Arcoverde melhores detalhes do cônego Eduardo
Duarte Silva ali presente. O Papa percebeu que o cônego Eduardo
conhecia muito bem os problemas do Brasil Centro Oeste,
embora estivesse trabalhando no Rio de Janeiro, como capelão
do Palácio Real, onde havia sido condecorado com o título de
Conde da Comenda da Coroa de Cristo que lhe foi outorgada pelo
Imperador do Brasil, em louvores ao Cônego Capelão Imperial
pelos serviços prestados ao Ministério do Império, por ocasião
em que a Assistência Pública desejou fundar o Asilo da

54
Maternidade, tendo o então cônego Eduardo conseguido em
indulto papal um terreno no Rio de Janeiro para a construção do
referido Asilo da Maternidade. Na mesma ocasião Leão XIII, em
sua rápida intuição, convidou o cônego Eduardo para aceitar ser
bispo de Goiás. Tendo aceito, no mesmo dia foi expedida a Bula
Papal de sua nomeação episcopal datada de 22 de Janeiro de 1891
e recebeu pessoalmente a Bula. Foi sagrado bispo em Roma 15
dias depois, a 8 de fevereiro de 1891. Nas Bodas de Prata de sua
sagração episcopal, em 8 de fevereiro de 1916, em Uberaba, o
Papa Bento XV mandou-lhe entregar o segundo título nobiliário
como Conde Romano, por serviços prestados ao clero brasileiro,
em assuntos relacionados à melhor convivência com o Governo
Republicano Brasileiro, especialmente em assuntos relacionados
a aforamentos de patrimônio eclesiástico e laudêmio. Em 1916
houve a grande festa de jubileu de sua sagração episcopal, tendo
d. Eduardo convidado o único cardeal da América Latina, d.
Arcoverde, que em Roma tinha presenciado 25 anos o episódio
insólito da nomeação do bispo de Goiás. O Círculo Católico
prestigiou a festa mandando confeccionar estátua de bronze do
Sagrado Coração de Jesus que foi colocada na praça Rui Barbosa.
Em 1970 o prefeito dr. João Guido fez grande reforma na praça
Rui Barbosa e por acordo celebrado entre a Prefeitura e a Diocese
em data de 25 de março de 1970, a Prefeitura retirou a estátua
colocando-a entre as palmeiras da avenida Getúlio Vargas, no
lugar onde em 1923 ou 1924 foi demolida a igreja de Nossa
Senhora do Rosário, igreja também antigamente chamada dos
Negros.

55
A propósito. Há pessoas que pensam em reconstruir essa
igreja de Nossa Senhora do Rosário. Não tem sentido algum. O
que nunca deveria ter acontecido é sua demolição pura e simples.
Atualmente a estátua de bronze do Coração de Jesus foi
reconduzida à praça Rui Barbosa e colocada na frente da
Catedral, tendo sido inaugurada com placa com os dizeres:
"HISTÓRICO. Esta imagem de bronze representando o
Sagrado Coração de Jesus, oferta do Círculo Católico de
Uberaba ao exmo. dom Eduardo Duarte Silva, primeiro bispo
desta Diocese, por ocasião de seu jubileu episcopal, confiando-a
aos cuidados da municipalidade foi benta e inaugurada no dia
8 de fevereiro de 1916, com a presença honrosa do exmo. senhor
cardeal Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro. A pedido da
Arquidiocese, volta o sagrado ícone ao local onde fora
primitivamente erigido, na antiga praça da Matriz,
preservando assim a memória da História Religiosa da cidade.
Deste seu trono, o Coração de Cristo abençoa os filhos de nossa
terra.
Arcebispo Metropolitano dom Al. R. Oppermann; Arcebispo
Emérito dom Benedito U. Vieira; Prefeito Municipal dr. Luís
Guaritá Neto; junho mês do Sagrado Coração de Jesus -
UBERABA 1996."

56
PERSEGUIÇÃO AO BISPO − UBERABA:
RESIDÊNCIA EPISCOPAL SEM
SER DIOCESE AINDA

No Império o cônego Eduardo recebia um ordenado


mensal, chamado de côngruas. Estavam atrasadas as côngruas a
que tinha direito. Como bispo, tomou posse na Diocese de Goiás,
em 29 de setembro de 1890 e logo o exército da Revolução
Republicana requisitou-lhe o prédio onde funcionava o
seminário de Goiás, sob a alegação de que em revolução deveria
ser requisitado o prédio para Hospital Militar. Em vão dom
Eduardo alegou a seu favor o decreto de 7 de Janeiro de 1890 do
Governo Provisório onde se determinava que se conservassem
em poder da Igreja todas as propriedades de que a mesma
estivessem em posse. O bispo alegava em vão que nenhum
combate havia sido travado em Goiás e que não havia nenhum
soldado do exército ferido, portanto não havia necessidade de um
Hospital Militar justamente no prédio do seminário diocesano.
Não havia feridos. A Revolução Republicana no Brasil era de
inspiração maçônica que, pelo menos à época, tinha clara
orientação anticlerical e perseguia a Igreja. Hoje ao que parece os
maçons têm formação talvez diferente do pensamento antigo
anticlerical da maçonaria francesa. Mas em Goiás não era
vontade de se ter um novo Hospital, o que se desejava era o
fechamento do seminário diocesano.

57
Percebendo a real intenção do exército, dom Eduardo
tomou uma decisão inédita na História Eclesiástica Brasileira.
Como todo bispo pode residir em qualquer cidade dentro do
território de sua Diocese, dom Eduardo alugou tropa de 60
burros, reuniu mantimentos de cozinha itinerante ao longo do
caminho de 23 dias em paradas diárias só para almoço e pouso,
com comitiva da cozinha sempre em uma etapa anterior e
demarcando a direção em atalhos bifurcados.
Encaixotaram-se os livros da Diocese, os livros do
seminário, e com todo o clero e seu cabido e seus seminaristas,
ao todo 60 pessoas em mudança, vem para Uberaba. Veio na
comitiva um menino goiano, Eduardo em homenagem ao bispo
e que seria educado com a mesma cultura dedicada a
seminaristas. Tornar-se-ia mais tarde o cônego Eduardo, falecido
em Uberlândia em odores de santidade.
D. Eduardo foi recebido com festas e lhe fizeram um hino
cantado por crianças das escolas primárias em sua chegada, de
que uma das estrofes de música e letra do poeta mineiro Artur
Lobo se cantava:

“A cidade que escolheste


para vossa habitação
Vos entrega entre festejos
As joias do coração.

Estribilho:

58
Permiti que um povo grato
Neste momento feliz
Seus arroubos vos transmita
Nestas vozes infantis.”

Tal hino com melodia de Carlos Pedroso e do ilustre


maestro da Banda do 4º Batalhão, major José Januário, foi
cantado pelas alunas do orfanato Santo Eduardo ao final da
Missa Solene de 11 de dezembro de 1883, celebrada por d.
Benedito de Ulhôa Vieira, por ocasião da transladação dos restos
mortais de d. Eduardo do Rio de Janeiro a Uberaba.

CÔNGRUAS

Côngruas eram proventos eclesiásticos pagos pelo Governo


Imperial a bispos e eclesiásticos. A constituição republicana
eliminou tais côngruas.
Tendo recebido suas côngruas atrasadas de 5 contos de réis,
acrescidas com dinheiro doado por todas as paróquias da
Diocese, dom Eduardo eleva a sua Catedral e o primeiro Palácio
Episcopal, hoje, praça D. Eduardo e à época largo Cuiabá, onde
em 1854 o dr. Fernando Vaz de Melo fundara o primeiro
estabelecimento de instrução secundária em Uberaba e onde dr.
Des Genettes foi professor. Esse estabelecimento funcionava em
um vasto prédio denominado Sobrado Cuiabá, construído depois
de 1842 pelo cel. Alexandre José da Silveira, posteriormente
barão de Ituverava, com nome de rua em Uberaba. Por

59
insignificante questão política foi esse utilíssimo colégio
obrigado a fechar três anos depois, assim diz Lavoura e
Comércio em 09-10-1924, página 3.
Lavoura de 6-7-1924 relata a história do primeiro prédio do
colégio Diocesano, onde funcionou também o primeiro
seminário diocesano de Uberaba, o seminário Santa Cruz. O
edifício primitivo foi construído em 1893 pelo farmacêutico
major Francisco Sebastião da Costa, por subscrição popular. Nele
funcionou o colégio Uberabense de ensino primário e secundário
fundado em 1889 por Paulo Frederico Barthes, no edifício em
que antes existia o liceu Uberabense, na rua do Imperador, à
época (1924), Saldanha Marinho. Dois anos após (1901) passou o
dito colégio para a direção do dr. Manuel Joaquim Bernardes,
médico do 2º batalhão, e foi transferido pelo educador dr.
Augusto Ferreira Reis, para novo edifício na praça das Mercês.
Esse professor, dr. Manuel Joaquim Bernardes, era famoso por
ser profundo conhecedor de Português e Literatura Portuguesa e
Brasileira. Sabia de cor muitos trechos de autores variados,
conhecia o Latim, o Grego e o Francês. Recitava poesias e
obrigava os alunos a decorá-las. Tinha memória prodigiosa. Foi
o mais famoso professor de português no Triângulo Mineiro,
comparável só a prof. Santino Gomes de Matos que, na década de
1960, já ensinava Português antecipando-se a tendências
linguísticas que só vieram a ser aprovadas como certas em
gramática alguns anos depois. Em 10 de agosto de 1896,
deixando dom Eduardo Duarte Silva a capital do vizinho Estado,
chegando a Uberaba precisou de casa adequada para a instalação

60
do corpo docente e discente do aludido seminário, comprou, por
12 contos de réis, do mesmo dr. Augusto Ferreira Reis, o edifício
e terreno do colégio Uberabense e fundou o seminário (Santa
Cruz) de 80 alunos repartidos pelo curso superior e secundário.
Extinguindo-se o seminário em 1899, o prédio abrigou o
externato Sagrado Coração de Jesus, sob a direção do pe.
Celedônio Mateus de São José, da Ordem dos Agostinianos
Recoletos. Durou tal externato até 1902"
Esses padres recoletos eram espanhóis e muito rigorosos
consigo mesmos e com o povo. Criaram alguns problemas com o
bispo que os queria mais simpáticos. Depois de algumas
desavenças, preferiram retirar-se de Uberaba.
À entrada do externato, a pedido de d. Eduardo, uma
estátua do Sagrado Coração de Jesus foi colocada.
O bispo construiu ao lado do seminário Santa Cruz o seu
pequeno Palácio Episcopal, inaugurado em 15 de junho de 1902,
foi demolido e edificado onde hoje (1998), ao lado esquerdo da
igreja da Adoração, está o prédio da residência dos padres
sacramentinos.
Em 1913, em Uberlândia, Paulo Roberto Duarte, juiz
municipal de Termo, e Dernanni Campos do Amaral, tabelião do
2º Ofício, quiseram comprar o patrimônio restante da Matriz e
escreveram ao bispo, para livrá-lo das dificuldades em manter
em dia os dados sobre laudêmio e dificuldade de cobrar dos
foreiros que não pagavam nada à Igreja.
"Scientes de que V.Exa Revma pretende, diante das
naturaes difficuldades em receber dos foreiros dos bens

61
patrimoniais da Igreja nesta cidade o respectivo fôro, arrendá-
los à Câmara Municipal, permittimo-nos a adquirir por compra
o referido patrimônio..."
O bispo escreveu ao padre Pedro Pezzuti de Uberlândia
para comunicar que não venderia o patrimônio, pelas razões:
"1º Já me comprometi com o Dr. Agente Executivo da Câmara
por escrito e não posso sem desaire faltar a minha palavra.
2º Já approvei o contracto que V. Reva enviou-me havendo
passado o respectivo documento.
3º o arrendamento ainda que não seja de prompto tão
vantajoso como a venda, é preferível, porque a Egreja continua
sempre proprietária do immovel e com certa esperança de
futuras vantagens na reforma do arrendamento, valorizando-
se cada vez mais o terreno.
4º à Câmara posso sem a formalidade da chamada de
concorrentes arrendar o patrimonio inteiro, a particulares
porém não; sendo mister que por editaes e em lotes sejam elles
cedidos ao maior licitante."
O terreno onde a Companhia Mogiana construiria em 1916 a
Estação de Estrada de Ferro era do patrimônio eclesiástico em
Uberlândia, conforme carta de 27 de Fevereiro de 1915, vendido
a 350$000 o alqueire de 80 litros :
"Aproveito a opportunidade para avisá-lo de que a Companhia
Mogiana, conforme informou o Coronel Ernesto Penna a Mons.
Ignácio, pretende adquirir o terreno ocupado pela linha e que
está dentro do patrimônio; pode V. Revma entrar em
negociações com a dita Companhia quanto á medição e ao

62
preço, e de antemão louvar-me-ei no que decidir.... + Eduardo,
bispo de Uberaba."
O cemitério de Araguari era do patrimônio daquela cidade
e foi comprado pela Câmara Municipal em 1915.

MÃO-MORTA NO DIREITO CIVIL


MONÁRQUICO BRASILEIRO

Ainda para saber isso se transcreve carta de dom Eduardo


ao padre do Prata quando doutor rábula muito inteligente, dr.
Bittencourt, mas com ideias anticlericais, quis impedir que a
Igreja vendesse terras eclesiásticas, exigindo que fossem doadas,
pois eram propriedade de mão-morta. Depois da prova jurídica
do sábio bispo ninguém mais ousou levantar a voz:
"Que são bens de mão-morta? Nas Ordenações, Livro 2º, Título
18 e Aviso de 4 de Junho de 1768 e de 20 de Julho de 1793 temos
a noção do que seja o nome de mão morta. Nos citados lugares
da legislação civil do Império Brasileiro dá-se o nome de mão
morta a todas as comunidades eclesiásticas e seculares que são
perpétuas, e ás Igrejas, conventos, mosteiros, comunidades
religiosas, colegiados, cabidos, ordens terceiras, irmandades,
confrarias, hospitais e outros estabelecimentos pios.
Toda mão morta podia na Monarquia possuir bens imóveis e
vendê-los e recebê-los, com uma única exceção as ordens
Regulares para as quais havia a Lei de 9 de Dezembro de 1830
que dizia " não podem ser alienados sem licença do Governo os
imóveis, móveis e semoventes das Ordens Religiosas porque
63
seus bens deviam passar para o patrimônio Nacional logo que
elas ficassem extintas com o falecimento do último religioso."

UBERABA, SEM PATRIMÔNIO


ECLESIÁSTICO?

Estamos falando do patrimônio eclesiástico de Uberlândia,


do Prata, de Arguari, etc e o que falar do patrimônio eclesiástico
de Uberaba?
Uberaba se constitui em única exceção em todo o Brasil,
pois na cidade onde está Uberaba atual nunca a Igreja possuiu
patrimônio eclesiástico. Exceção única no Brasil.
E onde está o patrimônio eclesiástico de Uberaba? Está
enterrado e hoje cedido a outros donos, por usucapião, a 15
quilômetros desta cidade. Lá onde está o marco erigido a 22 de
fevereiro de 1936, no primeiro centenário da emancipação
política de Uberaba, criado seu município a 22 de fevereiro de
1836. "Acresce que a sesmaria das cabeceiras do Lajeado
outrora concedida a José Gonçalves Pimenta pertencia no
tempo da doação a José Francisco de Azevedo" (História
Topográfica da Freguesia do Uberaba, in Revista do Arquivo
Público Mineiro, fascículo 2º, de abril a junho de 1896, p. 340 e
também Igreja Matriz, p. 4, in Revista de Uberaba, p. 10 e 11)
A criação de paróquia era sempre iniciativa de proprietários
políticos para tornar mais conhecida e mais fácil a demarcação
de suas terras de sesmaria. Essa foi a intenção do sesmeiro José
Francisco de Azevedo da sesmaria de Uberaba, com sede perto
64
de Santa Rosa. Logo de início José Francisco de Azevedo
construiu capelinha de pau a pique dedicada a Santo Antônio e
São Sebastião e, embora com pouquíssimos habitantes na sede
de sua sesmaria, assim mesmo José Francisco de Azevedo ousou
requerer a d. João VI, rei de Portugal, a criação da freguesia de
Santo Antônio e São Sebastião, para tão só facilitar e reafirmar a
posse de sua sesmaria porque estava surgindo dúvida de que sua
sesmaria estaria sendo demarcada em sesmaria já doada a José
Gonçalves Pimenta.
Acontece que para se criar freguesia, por decreto do Rei de
Portugal, havia longa demora burocrática.

O COMANDANTE REGENTE

As novas sesmarias eram obrigadas a receber grande


quantidade de criminosos que, foragidos da lei, se abrigavam
para trabalhar em suas sedes quase só pelo sustento: comida e
roupa. Faziam assim para se livrarem das penas da lei onde
tinham cometido crimes. Era uma pena alternativa muito
utilizada à época. Para a sesmaria de José Francisco de Azevedo
vieram muitos desses criminosos, via Desemboque. E quem
cuidava de dar trabalho a esses criminosos fugitivos da Justiça?
Era o Comandante Regente, aqui em Uberaba, o então capitão
Antônio Eustáquio da Silva e Oliveira, nomeado Comandante
Regente dos Sertões da Farinha Podre.

65
FARINHA PODRE

O nome de Farinha Podre veio porque nas Bandeiras


antigas quem fosse entrando para o sertão levava comida para a
ida e para a volta. Em cada pouso guardavam bem escondida no
alto das árvores a provisão necessária que seria utilizada no
retorno, feito sempre pelo mesmo caminho de ida. Nesta região
de Uberaba, certa vez, deixaram em cima de uma árvore um saco
de farinha de mandioca coberto por pedaço de couro. Aconteceu
que o couro da cobertura foi roído pelos ratos. Caiu água da chuva
e a farinha azedou. E apodreceu. Daí o nome de Farinha Podre à
região onde isso aconteceu.

TRABALHOS FORÇADOS ATÉ PARA


INTERESSES PURAMENTE
PESSOAIS DO COMANDANTE

O major Eustáquio obrigava todos esses criminosos a


trabalhar nos campos, fazer cercas, construir muros, casas de
taipa e casas de hospedagem para peregrinos. Acontece que
major Eustáquio era ao mesmo tempo Comandante Regente dos
Sertões de Farinha Podre e também Curador de Índios. Por
Uberaba passava a estrada do Anhanguera que era o caminho de
São Paulo até Goiás onde havia pedras preciosas e ouro. A
propósito há um belo livro dos doutores Alexandre de Sousa
Barbosa e Silvério José Bernardes, intitulado A Estrada do

66
Anhanguera. Major Eustáquio tinha a incumbência de afastar os
índios Caiapós, sempre proibidos de permanecerem na faixa
entre uma légua à esquerda e uma légua à direita do traçado
central da estrada do Anhanguera, que passava atrás do
cemitério São João Batista das Mercês, próxima da atual BR 050.
Ora como o lugar de trabalho de curador de índios Caiapós o
obrigava a percorrer a estrada Anhanguera antiga, não lhe
convinha de modo algum residir na sede da sesmaria de José
Francisco de Azevedo, perto de Santa Rosa. Eustáquio resolveu
vir residir perto do lugar de seu trabalho, distante uns 2
quilômetros do traçado da estrada Anhanguera, no lugar onde
hoje é a fazenda experimental ou univerdecidade, onde se fixou
com alguns amigos e condenados que lhe deviam total
obediência, estabelecendo-se, pois, onde hoje se ergue a atual
cidade de Uberaba. Com seus homens ex-criminosos major
Eustáquio construiu sua casa onde a 5 de setembro de 1996
inaugurava-se o uberabense novo bairro Univerdecidade. Sua
casa era tão grande que depois ali funcionou o Aprendizado
Agrícola Borges Sampaio. Eustáquio, com muita mão de obra à
sua disposição, construiu também onde hoje é a praça Rui
Barbosa uma casa de retiro para gado e em 1818 uma capela onde
hoje, ano 2000, é o Senai. Atrás da capela, aqueles fugitivos da
lei construíram o primeiro cemitério da cidade.

67
A LIDERANÇA DE MAJOR EUSTÁQUIO
TRANSPORTOU A CIDADE DEIXANDO
ATRÁS DE SI AS TERRAS ECLESIÁSTICAS
DO PATRIMÔNIO DA IGREJA,
LÁ NO LAJEADO

Acontece que o major Eustáquio tinha maior liderança que


o sesmeiro José Francisco de Azevedo, dono das terras. Por tal
maior liderança e simpatia, os habitantes ao redor da sede da
sesmaria de José Francisco de Azevedo, perto de Santa Rosa,
foram aos poucos se transferindo para viverem sob a proteção de
major Eustáquio na hoje atual praça Rui Barbosa, em frente da
antiga capela. Eis a origem de Uberaba no lugar onde se ergue a
atual cidade.
Os últimos moradores da sede da sesmaria de José
Francisco de Azevedo lá perto de Santa Rosa, ao saírem de lá,
trouxeram em 1817 as estátuas dos Santos padroeiros Santo
Antônio e São Sebastião, posteriormente colocadas na capela do
retiro de major Eustáquio.
Mas como a paróquia ou freguesia tinha sido requerida para
a sede da sesmaria que ficava perto da atual Santa Rosa, também
ali foi criada a paróquia ou freguesia de Santo Antônio e São
Sebastião com as terras eclesiásticas ao redor da capela do
Lajeado, perto de Santa Rosa. Lá estão as terras do patrimônio
eclesiástico de Uberaba, a 15 quilômetros da atual Matriz da
praça Rui Barbosa.
68
Monsenhor Inácio Xavier da Silva estranhou muito o fato
de Uberabinha ter o seu patrimônio, Araguari ter o seu
patrimônio, Tijuco e Prata terem seus patrimônios eclesiásticos
e somente Uberaba não os ter.
Nenhuma paróquia ou freguesia no Brasil se fundava por
decreto real do Rei de Portugal sem que lhe fosse concedido uma
légua quadrada de patrimônio eclesiástico para que sobrevivesse
pelo laudêmio e pelo foro dos arrendamentos do patrimônio.
Mons. Inácio pensou que Uberaba não poderia ser exceção. Por
isso contratou os serviços do advogado dr. Felício Buarque de
Macedo para requerer em juízo contra a Câmara Municipal de
Uberaba defendida pelos advogados Antônio Cesário da Silva e
Oliveira, Mário de Mendonça Bueno de Azevedo e Antônio Garcia
Adjuto. Em sentença de 6 de março de 1911 a Matriz ganhou a
causa mas a Câmara apelou (apelação 2.912) e em Belo
Horizonte, por acórdão de 4 de fevereiro de 1914, o Tribunal da
Relação de Minas julgou vitoriosa a Câmara Municipal. A
Câmara Municipal se insurgiu contra o bispo. A Fábrica requereu
em Juízo contra a Câmara. Foram 4 anos de luta e de
intranquilidade em Uberaba. Na biblioteca deixada por dr. Edson
Gonçalves Prata que conheci em 1983 há dois livrinhos, um do
advogado de defesa da Câmara Municipal e outro do advogado
da Fábrica da Matriz. Doutor Edson Gonçalves Prata foi
fundador do Jornal da Manhã, cujo primeiro exemplar surgiu
em Uberaba a 25 de julho de 1972.

69
DOM EDUARDO E A EDUCAÇÃO

D. Eduardo Duarte Silva foi o maior benfeitor no início do


século XX de Uberaba para que a cidade fosse dotada de bons e
modernos estabelecimentos de ensino. Fundou o externato
Sagrado Coração de Jesus, de que não podendo tomar conta
trouxe os maristas para o colégio Sagrado Coração de Jesus, hoje
o Diocesano. Foi quem por primeiro pensou na fundação da
primeira escola de Odontologia.

DENTISTAS PRÁTICOS

Desde os tempos de Portugal existiu a profissão do cirurgião


barbeiro. Tanto em Portugal como na França antiga a profissão
de dentista era exercida pelo barbeiro. Em Portugal a legalização
da profissão de dentista foi anterior à da França. Em Portugal o
tio de dona Maria I, a Louca, o príncipe consorte d. Pedro III, em
1782, tornou ilegal a profissão de odontologia por pessoas não
habilitadas em conhecimentos científicos e não diplomadas em
escolas. O rei exigiu que todos os que ambicionassem ser
dentistas deveriam obrigatoriamente fazer curso na escola Proto
Medicator de Lisboa que dava diploma de cirurgião-mor. Todo
cirurgião-mor diplomado nessa escola teria a faculdade de poder
por conta própria dar ensinamentos práticos a outros dentistas
que passariam a exercer legalmente a profissão de dentista. Essa
é a origem do dentista prático. Essa mesma tradição veio para o
Brasil. Todo cirurgião-mor cobrava pequenas importâncias pelo
70
treinamento. Quase sempre esses segredos eram transmitidos a
amigos ou parentes. Era proteção política e tal curso era tão só
para se evidenciar que a odontologia não estava sendo exercida
por barbeiro.
A primeira literatura odontológica foi escrita pelo francês
Fauchard em 1764.
A primeira escola de Odontologia no mundo foi fundada em
Baltimore, a Dental College em 1839, nos Estados Unidos, quatro
anos depois de ter sido inventada a anestesia, em 9 de março de
1844, por Horácio Wellis, também nos Estados Unidos. Horácio
Wellis fez várias experiências com sua anestesia Protóxico de
Azoto. Entretanto, certa vez, em sessão de demonstração
científica, em público, ao arrancar o dente de um voluntário, sua
anestesia falhou. Envergonhado, suicidou-se, cortando a própria
artéria. Como Horácio Wellis tinha ido à França e feito
demonstração satisfatória de seu invento, é conhecido como o
inventor da anestesia à base de Protóxico de Azoto, nunca mais
utilizada após o fracasso de Wellis. A anestesia teve seu início
com as experiências de William Morton, assistente de Horácio
Wellis, que realmente conseguiu anestesia mais eficiente baseada
em éter, que por muito tempo foi aplicada. Depois o clorofórmio
foi utilizado até pouco tempo em odontologia e em medicina.
Entre trabalhar de odontólogo e ser dentista há diferença
muito grande. O odontólogo é cientista que estuda uns 17 anos.
O dentista prático, embora sendo semi-analfabeto, pode
aprender a profissão até com 60 dias de prática, podendo
conseguir ter ótima fama de grande profissional.

71
Havia dentistas práticos que esculpiam muito bem uma
dentadura e esculpiam obturação muito bem, contornada
segundo a caraterística de cada dente. Nos dentes da frente o
dentista prático trabalhava em ouro e alguns eram verdadeiros
artistas em esculpir dentes restaurados. Jorge Cunha aprendeu
com Osvaldo Gonçalves, prático de Santa Juliana, muito hábil
como escultor, embora de pouca cultura. Jorge Cunha não tinha
boa habilidade artística em esculpir, mas sempre teve muito
conhecimento de estomatologia, pois sempre leu sobre o assunto,
comprando muitos livros a respeito.
No Brasil a primeira escola de Odontologia foi fundada pelo
visconde de Sabóia, anexa à faculdade de Medicina da Bahia em
1888, 40 anos depois da escola Baltimore Dental College dos
Estados Unidos. Logo depois foram fundadas escolas de
Odontologia em São Paulo e Rio. Desde a fundação dessas escolas
todo dentista prático era perseguido. Mas era perseguido só em
caso de trabalhar em região onde por perto havia odontólogo
formado por escola de Odontologia. Geralmente os dentistas
práticos ficavam nas pequenas cidades e na zona rural.
Em Uberaba havia o dentista Eliseu Batista, que era prático
e tinha o melhor consultório da cidade. Eliseu Batista quando
moço era ambulante pela região de Campo Florido e depois de
ter conseguido ótimo consultório importado da famosa marca SS
White - Samuel Stock White - equipado até com RX, veio residir
em Uberaba, ficando seu consultório na rua Manuel Borges perto
da av. Santos Dumont. Era muito respeitado. Nunca foi
perseguido. Morreu em 1955.

72
O dentista prático perseguido mesmo em Uberaba foi Jorge
Cunha. Se outros eram perseguidos era por causa de sua
influência. Como Jorge Cunha não era formado nem sequer em
primeiro grau, tronou-se grande autodidata. Sendo assim
prestou prova de Madureza na Escola Normal de Uberaba, tendo
conseguido diversas notas 10 em seu certificado. Jorge Cunha era
humilde e trabalhava só pela periferia de Uberaba.
Até 1934 houve tentativa de moralizar o problema do
dentista prático pela concessão dada a uma Escola Livre de
Odontologia, sendo a mais famosa a de Ubá. Tão famosa como a
de Piracicaba. Entretanto, a maioria dos dentistas práticos
tinham diplomas falsos dessas tais Escolas Livres. Em 1934
Getúlio Vargas as proibiu. Havia muita gente que nunca
frequentou uma dessas Escolas Livres e, no entanto, tinha
diploma de odontólogo.
Até 1966, antes da criação do Conselho Federal de
Odontologia, os dentistas práticos eram fiscalizados pelo
Departamento Estadual de Saúde. Mas, pela grande quantidade
de diplomas falsos era impossível boa fiscalização.
Jorge Cunha, como tinha conhecimentos científicos e não
tolerando a perseguição resolveu em 1970 tentar o vestibular na
Faculdade de Odontologia de Uberlândia, obtendo a trigésima
sexta colocação naquele vestibular, disputando com pessoas já
portadoras de curso superior que não conseguiram ser aprovados
naquele vestibular. Por quatro anos estudou em Uberlândia e foi
diplomado.

73
Toda perseguição nunca conseguiu acabar com o dentista
prático no Brasil. Somente a grande concorrência havida entre
dentistas diplomados em muitas escolas de Odontologia é que
impossibilitou o exercício da profissão de dentista prático no
Brasil. O curioso é que em Uberlândia todo dentista prático era
muito perseguido pelo Conselho Regional de Odontologia.
Entretanto, Jorge Cunha, durante todo o curso de Faculdade,
também trabalhou como prático, não sendo perseguido para
servir de exemplo a todos os outros dentistas práticos do Brasil
para que procurassem uma Universidade para estudar.
Mas o Brasil deve muito ao dentista prático pelo tratamento
dentário antes da existência de faculdades. Por exemplo, na
criação do Conselho Federal de Odontologia, o Estado de Minas
Gerais, em 1966, tendo 700 municípios, em 418 deles não havia
nenhum dentista formado.
Jorge Cunha colocava no lombo de burro cargueiro suas
ferramentas: motor dentário movido a pé para preparar
cavidades de cáries para obturações. Instrumental,
medicamentos e anestesia, que eram praticamente como hoje. A
primeira anestesia dentária era cocaína sintetizada em 1864 por
Newman. Muitas vezes a cocaína era usada para retirar o vício de
viciados em morfina. Não deu certo. O vício era simplesmente
transferido. O prático se hospedava na sede da fazenda onde
trabalhava e onde era bem recebido pelo fazendeiro. O dentista
prático era disputado de fazenda em fazenda. Era mais
interessante ao fazendeiro ter dentista de tempos em tempos em

74
sua fazenda do que ter de levar à cidade seus empregados para
tratar de dentes.

TENTATIVA DE PRIMEIRA ESCOLA DE


ODONTOLOGIA EM UBERABA

D. Eduardo idealizou também a fundação de escola de


Odontologia em Uberaba, em 1919, juntamente com seus dois
grandes amigos, o farmacêutico coronel Francisco Sebastião da
Costa e o dr. Alvaro Caldeira, que foi escolhido como primeiro
diretor da Escola de Odontologia de Uberaba, ficando d. Eduardo
como seu Presidente de Honra por ter sido seu idealizador. Mas
essa primeira escola de Odontologia não prosperou. Estava
destinada a formar dentistas, mas acontece que à época os
dentistas eram tão somente práticos, isto é, aprendiam a
profissão com um amigo também dentista prático e a escola foi
considerada inútil, por não haver exigências legais que
proibissem, como hoje, o exercício da profissão aos não
formados, isto é, aos somente práticos.
Esse farmacêutico coronel Francisco Sebastião da Costa, no
fim da vida, padecendo do mal de Hansen, foi até Portugal em
busca de cura que não conseguiu, retornando ao Brasil onde
morreu. Foi o primeiro dono das primeiras mais bem montadas
farmácias de Uberaba. Quem visita o cemitério São João Batista,
na grande mais antiga avenida da entrada principal, bem em
frente à avenida da Saudade, encontrará grande e belo túmulo de

75
mármore avermelhado à esquerda de quem entra, onde
repousam ele e sua esposa dona Maria Carolina da Costa.

O PRIMEIRO CULTO DA
SAUDADE EM UBERABA

Maria Carolina da Costa, falecida a 26 de setembro de 1929,


com seu túmulo na antiga avenida principal de entrada, foi a
ocasião em que pela primeira vez se utilizou o Culto da Saudade
em Uberaba, a única cidade do mundo ainda com tal uso. Por
causa do enterro luxuoso do Bebê Campos, houve muitos
comentários a respeito da inutilidade das grandes despesas com
enterros. Viúva do famoso fundador da primeira farmácia de
Uberaba, a São Sebastião, em 1877, na rua Municipal (atual
Manuel Borges) hoje ainda existente na rua João Pinheiro 101,
coronel Francisco Sebastião, da Costa, falecido em 31 de julho de
1923. Esse mesmo Francisco Sebastião da Costa, muito amigo de
d. Eduardo Duarte, juntos idealizaram a vinda dos irmãos
maristas franceses para Uberaba. D. Eduardo entraria com o
prestígio e Francisco Sebastião com o patrimônio de parte de
seus terrenos, realmente doados aos maristas. À ocasião do
enterro de Bebê a viúva e avó de d. Beatriz de Moura Teles Guido
se achava enferma ao leito, em fase terminal, sendo muito
visitada pelas senhoras da sociedade uberabense. Sabedora do
enterro de Bebê Campos, todos os dias, às inúmeras visitas
manifestou claramente seu desejo, para que não houvesse em seu
enterro as caras coroas: “Para meu enterro, não mandem fazer
76
coroas, e nem comprem flores, que logo enferrujam ou
murcham. Com a quantia arrecadada, mantenham-se as casas
de caridade de Uberaba.” Assim surgiu o primeiro Culto da
Saudade para os asilos Santo Antônio e São Vicente. Na
construção e manutenção do Instituto dos Cegos, serviço do
Rotary Clube, foi muito utilizado o Culto da Saudade. Mas no
enterro de Maria Carolina da Costa ainda houve algumas coroas
de flores. Em 29 de julho de 1934 faleceu em Uberaba o cel. José
Afonso Rato. Antes de morrer fazia apelos a seus amigos para que
não levassem flores em seu enterro. Foi o primeiro enterro em
Uberaba sem nenhuma coroa. Gastão Rato, residente no Rio, em
fins de 1934 levou a Humberto de Campos essa notícia e o famoso
escritor fez uma crônica publicada no capítulo 15 do livro
Sepultando Meus Mortos, sob o título “Caridade Flor dos
Mortos” (São Paulo, Jackson Editores, 1947, p. 87-92)

COROAS DE FLORES

O certo é que a partir do uso do Culto da Saudade diminuiu


o uso de coroas. O número 5.412 de Lavoura e Comércio, de 13-
7-1930, traz a publicidade de alguém que tenta (essa página é nº
4) ainda vender bom produto em decadência: “Saudade? Em
memória dos nossos mortos enfeitai os túmulos com coroas,
com flores de Biscuit que são duráveis e que não fenecem.
Recusai imitações chamadas “coroas de metal em esmalte ou
esmaltadas” cujas flores são apenas de lata e oferecidas como
sendo de Biscuit”.

77
O CULTO DA SAUDADE COM MAIOR RENDA

Foi o do cel. Eliezer Mendes dos Santos, pioneiro dos


zebuzeiros, falecido a 1 de agosto de 1930, que rendeu 5: 450 $
000 (cinco contos de réis e 450 mil réis), o equivalente ao preço
de carro popular novo em 1996.

O CULTO DA SAUDADE NÃO É


ORIGINAL DE UBERABA

Realmente o nº 5.012 de Lavoura e Comércio, de 13


de setembro de 1928, nos dá conta de que a origem do Culto de
Saudade entre nós se deveu à crônica do jornalista de
peseudônimo A. Luce, o notável cronista Alceu de Sousa Novais.
Eis trechos dessa crônica : “feliz inicativa de senhoras do escol
social paulistano... obter donativos para conclusão de um
sanatório em Campos do Jordão, para tratamento de
tuberculosos pobres... Em vez de colocar sobre o féretro a
tradicional coroa... a pessoa, parente ou amigo, leva a
importância correspondente...” Ao fim da crônica A. Luce fez
apelo para que tal uso fosse introduzido em Uberaba. Após o luxo
do enterro de Bebê o assunto ferveu em Uberaba. Assim se
originou o Culto da Saudade, erradamente chamado Culto de
Saudade pois o que interessa não é o culto, mas a saudade que
fica em cujo enterro aconteceu o primeiro Culto da Saudade em
Uberaba a 29 de setembro de 1929.

78
PRESENTE DE MEIA PATACA

A expressão "presente de meia pataca" significa presente


de pouco valor. Patacão era também a designação de várias
antigas moedas. Em Portugal antigo valia 40 réis e com o tempo
passou a se chamar pataca. No Brasil pataca foi a designação de
duas moedas de cobre de 20 réis muito antigas e depois de 40
réis, que circularam no início do século XX no Brasil com o nome
de pataca de cobre. No século passado no Brasil a pataca era de
320 réis. Mas até a metade do século XX pataca ficou sendo
moeda de prata de 2.000 réis ou o papel moeda correspondente
a esse valor. Pataca no Brasil foi também o apelido de relógio de
algibeira, também chamado do cebolão.
Oitava era a designação de valor monetário correspondente
da 1.200 réis. Um conto de réis era 1.000.000 de réis. E se
escrevia assim 1:000$000. A moeda brasileira até 1.942 era o
Real ($001 = um Real), mas nunca houve a emissão antiga de 1
Real. Antigamente a menor unidade em circulação era moeda de
20 réis ou um vintém. Já na década de 1930 a menor unidade
monetária com valor era o tostão ou $100 (cem réis). Pataca era
três tostões e um vintém ou 320 réis. O valor monetário de 480
réis nunca foi cunhado em moeda mas era valor usual de troca
valendo pataca e meia. Pela proximidade entre 480 réis e 500
réis, a moeda de 500 réis também ficou chamada de pataca e
meia. Em 1942 a unidade monetária oficial passou a ser o
Cruzeiro, em substituição a um mil réis. O cruzeiro permaneceu
até o Governo Sarney cedendo lugar para o Cruzado. Depois com

79
Color houve até o Novo Cruzado, substituído no Governo Itamar
Franco pelo Real, a moeda atual, hoje, 1998.
No início do século, "cruzado" não era unidade monetária
mas designava o salário braçal de um dia. O cruzado valia 1$500
em 1939 até o fim da Segunda Guerra, mas depois o termo salário
foi alterado para a designação de "o dia de um salário” braçal vale
1$500 (um mil e quinhentos réis). Esse era o valor em todo o
Brasil, mas na cidade de São Paulo se pagava até 3$000 (três mil
réis) por dia braçal, o que provocou grande imigração nordestina,
as mulheres para as fábricas e os homens para serviços braçais.

A "PATACA" NA ANATOMIA HUMANA


E A RÓTULA NO TRÂNSITO DE UBERABA

Inicialmente, era patacão e depois pataca o nome dado à


patela do joelho que até pouco tempo a anatomia chamava de
rótula do joelho, aquele osso redondo. No Brasil, aquela
circunferência nos cruzamentos se chamava rotatória. Uberaba
foi a primeira cidade no Brasil em que a rotatória foi apelidada
de rótula. Isso aconteceu no tempo em que a Prefeitura de
Uberaba foi governada pelo médico dr. Marcos Montes Cordeiro.
Ao que dizem, é que como médico o prefeito sabia que o osso
redondo do joelho não se chamava mais rótula por alterações
havidas em congresso médico em São Paulo a 28 de agosto de
1997, quando foi aprovada a nova terminologia anatômica de São
Paulo. Esse congresso foi realizado em São Paulo em homenagem
ao médico brasileiro Liberato di Dio, considerado um dos
80
maiores anatomistas do mundo. O Brasil era país que usava
terminologia anatômica diferente do resto do mundo, causando
confusões em publicações médicas em língua portuguesa.
Eis algumas alterações da terminologia anatômica havidas
em 28 de agosto de 1997:

NOME ATUAL NOME ANTIGO

Mandíbula maxilar inferior


Escápula omoplata
Patela rótula
Ulna úmero
Cúbito cotovelo
Sistema digestório sistema digestivo
Tuba auditiva trompa de
Eustáquio.
Tuba uterina trompa de Falópio
Tendão calcâneo tendão de Aquiles
Corpo mamário ou mama seio
Zigoma maçã do rosto ou
zigomático
Tonsila amígdalas
Fíbula perônio ou canela
Orelha interna, média e externa ouvido

81
PRIMEIRA ESCOLA DE ODONTOLOGIA EM
UBERABA E OS FARMACOLANDOS DE 1934

Em 1932, em Uberaba,
havia bons médicos que
prescreviam os remédios
dosando eles próprios nas
receitas a percentagem de
cada medicação. Cada receita
era manipulada pelos
próprios farmacêuticos na
dosagem percentual de cada
sal ou loção enunciada na
receita médica. A juventude
uberabense e da região estava
com o entusiasmo do Espírito de Mocidade e desejosos de
modernizar Uberaba. Os médicos uberabenses dr. Mineiro
Lacerda, dr. Alvaro Guaritá, dr. Mozart Felicíssimo, dr. Carlos de
Morais, dr. Rui Pinheiro e dr. Nicolau de Oliveira, alguns recém
formados no Rio de Janeiro e entusiasmados com a profissão,
desejaram, motivados pelo Espírito de Mocidade, criar escola de
Odontologia e fundar também, anexa à nova escola de
Odontologia, a primeira escola de Farmácia de Uberaba, esta
muito mais concorrida, na proporção de 5 farmacolandos para
cada odontolando. Essas escolas inciaram suas atividades em
1927 sob a diretoria de dr. Mineiro Lacerda, sendo vice-diretor o
dr. Mozart Felicíssimo. Os outros médicos acima citados eram
82
professores. As mulheres, à época, eram muito tímidas, quando
muito faziam o curso de Magistério para professoras primárias.
Numa das formaturas, 5 moças tomaram parte ao lado de outros
47 moços, num total de 52 formandos, dos quais 51 se formaram,
pois Calixto Filipe se suicidou antes de formar. Calixto Filipe era
aplicadíssimo e quando todos saíam do laboratório costumava
ficar ainda estudando. Por isso ficara encarregado de arrumar o
laboratório que cuidava com total e invejável esmero. Era o
primeiro da classe em matérias laboratoriais.
Como foi o suicídio de Calixto? O dr. Mozart Felicíssimo era
filho do engenheiro dr. Jesuíno Felicíssimo, que fez o primeiro
plano de captação de água potável encanada de Uberaba,
reunindo as águas de duas minas das nascentes da quinta Boa
Esperança, hoje de propriedade de Nicolau Laterza e José Elias,
perto da antiga chácara do dr. Abel Reis, nos Estados Unidos. As
minas que forneceram a melhor água de Uberaba, hoje em 1998,
estão contaminadas por esgoto ao ar livre. Para essa quinta da
Boa Esperança dr. Jesuíno Felicíssimo chegou, outrora, a
importar mudas de videira da França e até fazer bom vinho. Hoje
a chácara aguarda a canalização da continuação da ampla
avenida dr. Odilon Fernandes, o que vai tornar aquelas paragens
numa das mais nobres e dos mais lucrativos loteamentos de
todos os tempos em Uberaba.
Pois bem, o dr. Mozart Felicíssimo, vice-diretor da escola de
Odontologia e Farmácia de Uberaba, andava sempre armado.
Quando entrava na escola de Farmácia para dar aulas, depositava
o revólver em gaveta do laboratório. Em um certo dia, o

83
estudante Calixto Filipe, de família árabe, demorou-se mais do
que usualmente o fazia no laboratório da escola, no prédio da rua
Manuel Borges, esquina com Afonso Rato, em frente ao palacete
de Pedro Salomão. O estudante pegou do revólver e atirou contra
sua própria cabeça, sendo visto por transeunte que deu o alarme.
Foi um mistério sua morte injustificável.
Outra fatalidade aconteceu com o professor da escola de
Farmácia e Odontologia, o médico dr. Nicolau de Oliveira, novo
ainda e de futuro muito promissor. De família síria. Certo dia
entrou em casa muito alegre, comunicando à senhora sua mãe
que tinha ficado noivo de uma senhorinha brasileira. Sua mãe lhe
disse que não permitiria seu casamento com a brasileirinha, pois,
em atenção ao costume de seu país, já o prometera em casamento
a uma das filhas de família síria. O jovem médico tinha recebido
educação muito rígida de obediência à mãe e caiu em depressão
profunda. Foi internado no sanatório Esquirol de Campinas onde
viveu vinte e tantos anos, sempre nu e completamente
introvertido, ali falecendo. Depois do episódio, o clube Sírio
Libanês se esforçou por promover muito mais forte
entrosamento entre famílias sírias e brasileiras, nunca mais
acontecendo traumas por semelhante choque de cultura.

A SEGUNDA FACULDADE DE
ODONTOLOGIA, A ATUAL

Depois em outubro de 1947 surge a faculdade de


Odontologia fundada pelo futuro embaixador Mário Palmério.
84
Reconhecida pelo Decreto 28.416 de 25 de fevereiro de 1950.
Hoje parte integrante da Universidade de Uberaba - UNIUBE.

MARISTAS

D. Eduardo, certa vez na França, tratou da vinda para


Uberaba dos irmãos maristas, providenciando para eles os
terrenos do colégio e de uma chácara. Lecionariam no colégio
Sagrado Coração de Jesus, que funcionou inicial e precariamente
sob a orientação de d. Eduardo e de padres e que só passou a
funcionar com toda regularidade sob a orientação dos maristas.
Hoje é o colégio Diocesano de Uberaba.
Em primeiro de dezembro de 1902 os maristas chegaram
em São Paulo e no dia 3 de dezembro partiram de trem para
Franca/SP. Dezessete horas de viagem. Pernoitaram aí e daí
partiram, para mais 7 horas de viagem, até Uberaba, onde
chegaram às 17 h 00 de 04 de dezembro de 1902. Hospedaram-
se com os dominicanos. Apresentaram-se a dom Eduardo e
combinaram as bases do contrato: Um capelão, pagamento
imediato de 6 contos de réis para as viagens da Europa até
Uberaba de 5 maristas; doação do colégio Sagrado Coração e não
interferência em questões de pedagogia marista.
Durante dezembro de 1902 e janeiro de 1903, os irmãos se
prepararam e “a 1º de fevereiro de 1903 abrem-se as aulas” com
o 1º reitor marista, o irmão Gondulfo (fonte irmão Epifânio
Maria, historiador marista, copilador da revista Comemoração
do Cinquentenário dos Maristas no Brasil- 1897/ 1947).

85
Ainda sob a proteção da influência do grande bispo dom
Eduardo junto ao Rio de Janeiro, pelo Decreto 6.062 de 14 de
junto de 1906 o colégio Sagrado Coração de Jesus (hoje
Diocesano) ficou equiparado ao Ginásio Nacional do Rio de
Janeiro, tendo o direito de conceder aos moços o diploma de
bacharel em ciências e letras, que lhes abria as portas a qualquer
escola superior do Brasil, à época.
A primeira capela do colégio Diocesano, menor que a atual,
foi inaugurada em 10 de fevereiro de 1911.

D. EDUARDO E A SECA DO NORDESTE

Em 1920 houve grande seca no Nordeste. Dom Eduardo, a


28 de fevereiro de 1920, recebeu telegrama do bispo de Sobral
pedindo auxílio a ser enviado ao banco do Brasil aos cuidados da
´Comissão Esmoler` para os "flagelados, pois mulheres de
retirantes esqueléticos e nus vagueavam pela cidade
desorientados..." A população de Uberaba motivada pelo bispo
em três dias arrecadou e enviou 847$000 (oitocentos e quarenta
e sete mil réis) pelo banco do Brasil.

UBERABA, SEDE DO BISPADO DE GOIÁS

Com a transferência de sua residência episcopal para


Uberaba, permanecendo bispo de Goiás, houve atraso nas
negociações entre d. Eduardo e os maristas e se adiantaram as
negociações entre os maristas e d. Silvério Gomes Pimenta, bispo
86
de Mariana, que foi a primeira cidade no Brasil a ter os maristas,
ali chegados em 1897, 5 anos antes de Uberaba. D. Eduardo foi o
primeiro bispo do Brasil a pensar na vinda dos maristas, em
1893, quando, visitando a Europa, foi até a casa superior dos
maristas Saint Genis-Laval na cidade de Lion e acertaram a vinda
para o Brasil. Os maristas iriam para a capital de Goiás, mas
como d. Eduardo transferiu-se para Uberaba os Maristas para
Uberaba vieram. D. Eduardo ficou bispo de Goiás, residente em
Uberaba, por 10 anos, até que foi criada oficialmente a diocese de
Uberaba, desmembrada da diocese de Goiás, a 8 de novembro de
1907. Uberaba de 1896 até 1907 tinha residência de bispo mas
não era ainda Diocese. Era só a residência do bispo da diocese de
Goiás a que pertencia Uberaba. O bispo pode residir em qualquer
cidade de sua diocese.
Por doença, em 1923, o bispo pediu a Santa Sé seu
afastamento da diocese e foi em tratamento de saúde, muito
abalada, morar no Rio de Janeiro, onde faleceu a 16 de outubro
de 1924.

ASILO SÃO VICENTE E


ASILO SANTO ANTÔNIO

D. Eduardo se esforçou em 1902 para que os vicentinos


construíssem aqui na Abadia o asilo São Vicente e também que
se instituísse a Associação 8 de Setembro em 8 de setembro de
1912.

87
PADRES SALESIANOS EM UBERABA?

Dom Eduardo também muito se esforçou para a vinda dos


padres salesianos com o apoio da Prefeitura. Pela lei 133, de 12
de abril de 1902, o agente executivo Manuel Terra permutou o
prédio de propriedade da Prefeitura sito à rua do Comércio (hoje,
rua Artur Machado), onde esteve alojado o 2º Batalhão da
Brigada Policial (hoje no ano 2000, sub-estação desativada da
CEMIG na rua Pe. Zeferino entre av. Fidélis Reis e rua Artur
Machado), pela casa e terrenos do Instituto Zootécnico (hoje no
ano 2000, é da fazenda Modelo e o novo bairro Univerdecidade,
inaugurado solenemente a 6 de setembro de 1996, no mesmo dia
em que foi inaugurado o cemitério das Candongas, cujo nome
Candongas foi dado por Carlos Pedroso, por ser ali lugar de
proteção de escravos fugitivos. Candonga vem de língua africana
“ca” significando “pequeno” + “ndong” significando “carinho,
proteção”), conforme escritura de 3 de maio de 1902 no tabelião
do 2º Ofício. Era intenção de dom Eduardo (primeiro bispo de
Uberaba) e de Manuel Terra transformar aquele instituto em
estabelecimento para cursos de escola primária e liceu de ofícios
com sapataria, carpintaria, tipografia e encadernação e em uma
Escola Agrotécnica, sob a orientação dos padres salesianos, que
em São Paulo já tinham liceu de Ofícios no largo Coração de
Jesus, Campos Elíseos, com ótima escola profissionalizante para
meninos pobres. Visitaram Uberaba os padres salesianos
Alexandre Fia e Bernardo Ciccho. Por que os padres salesianos
não vieram a Uberaba? Acontece que os salesianos, além de dar

88
aulas em cursos profissionalizantes, desejavam fazer apostolado
junto aos meninos e jovens, com atividades recreativas todos os
dias à tarde e durante todo o dia de domingo, em seus Oratórios
Festivos. Os padres não gostaram do lugar que lhes fora
reservado pela Prefeitura Municipal lá na fazenda Modelo, muito
afastado da população mais pobre de Uberaba, o ideal para o
apostolado salesiano entre crianças e a juventude, em seus
Oratórios Festivos, uma espécie de parque de diversões
orientados e endereçados para boa convivência entre os próprios
jovens no total respeito aos direitos devidos ao próximo e aos
direitos devidos a Deus Criador. O Oratório Festivo assim se
chama porque d. Bosco reunia os jovens especialmente em dias
festivos. A sociedade salesiana surgiu de pequena obra de
Oratório Festivo em Turim. Em um Oratório Festivo os jovens
têm sadia recreação e oportunidades de bons conselhos para vida
humana digna.

O BISPO CAVALEIRO

D. Eduardo era muito curioso e amava a natureza. Gostava


de viajar pelo sertão em visitas pastorais. Gostava de boas
montarias, de que sabia zelar, mesmo porque os missionários de
seu tempo só andavam a cavalo em Goiás e em Minas. D.
Eduardo era domador de cavalos na difícil arte do uso das rédeas
e no manejo da obediência programada do animal, do qual, para
isso, se tem que conhecer todas as artimanhas.

89
O bispo só andava a cavalo. Para ir crismar a 15 de agosto na
antiga igreja de Água Suja, onde já havia grande romaria, dom
Eduardo saía a cavalo cedinho de Uberaba, chegando à tardinha
na fazenda do sr. Joaquim Fernandes Rodrigues não muito
distante de São Miguel da Nova Ponte, onde o fazendeiro
construíra um quarto só para o bispo, quando de suas visitas por
aquelas paragens. Naquela fazenda, como de costume da época,
trocava de cavalo selando outro bom animal e chegando
igualmente à tardinha em Água Suja. Em viagens a cavalo, parava
para examinar pequeninas coisas da natureza, uma flor, às vezes.
Não caçava, admirava os animais. Era bom observador da
natureza, do universo e da humanidade, desejando endereçá-la a
Deus. Muita gente consultava o sábio bispo a respeito de direito
estudado em Roma e sobre natureza.

POR QUE UM HEMÍPTERO


SE CHAMA BARBEIRO?

Certa vez no Rio de Janeiro, em campanha contra Doença de


Chagas e contra o Bócio, certo médico, dr. Laudelino, escreveu a
d. Eduardo pedindo subsídios de sua experiência de tudo o que
tinha aprendido em andanças pelo sertão de Goiás. D. Eduardo
em carta de 11 de agosto de 1911 respondeu ao médico, cujos
melhores trechos se transcrevem aqui:

"pernicioso inseto da ordem dos hemípteros a que aqui dão o


nome de barbeiro ou vum-vum que segundo experiências do dr.
90
Chagas ... julgo ser chamado ´barbeiro´ porque extrai grande
quantidade de sangue e quem suga, ofício que pelos barbeiros
antes era exercido... vi por lá (Goiás) papos de todos os feitios,
uns em forma de uma grande moranga que da garganta
desciam quase no meio do peito. Os chamados de corda que são
como uns pequenos coités dependurados em tendão e que
descem até o umbigo. Um desses tinha, como ouvi dizer, um
sapateiro que o jogava às costas quando trabalhava em sua
tenda, mas que por infelicidade em certa ocasião voltando à
posição natural, ficou furado pela sovela."
Antigamente, no Brasil, era muito usado o sistema de
sangrias por ventosa em casos de males súbitos. Não havia
hospitais.
Era o barbeiro do lugarejo que, além de extrair dentes,
exercia a função de aplicar ventosas. Eis porque o vum-vum
goiano se chama também barbeiro.

CULTO DA SAUDADE NÃO SE


ORIGINOU EM UBERABA

Diga-se Culto da Saudade e não Culto de Saudade. Há


opiniões de que a iniciativa tenha sido de D. Eduardo. Não foi,
pois, o Culto apareceu entre nós em 1929 e d. Eduardo faleceu em
1924. A paternidade da ideia do Culto da Saudade deve ser
exclusivamente atribuída ao jornalista Alceu de Sousa Novais,
articulista de Lavoura e Comércio com o pseudônimo de A. Luce.
O Culto da Saudade não surgiu em Uberaba como muita gente
91
pensa. Foi usado antes em São Paulo, onde desapareceu por
volta de 1945 e ainda continua em 1998 em Uberaba embora com
sinais de franca decadência. Atualmente só em poucos enterros
está sendo usado o recebimento de dinheiro para essa finalidade
filantrópica. Eu sugeriria uma aliança tripartite entre líderes
uberabenses do Espiritismo, do Catolicismo e do Protestantisto
que pudessem se responsabilizar pela distribuição equitativa do
arrecadado em cada enterro. Caso contrário o Culto da Saudade
desaparecerá em Uberaba por falta de interesse das casas de
caridade.

COMO SURGIU O CULTO


DA SAUDADE EM UBERABA

Em artigo assinado por A. Luce em 13 de setembro de 1928,


se lêem as seguintes frases: "feliz iniciativa de senhoras do escol
social paulistano.... obter donativos para a conclusão de um
sanatório em Campos do Jordão/SP, para tratamento de
tuberculosos pobres... Em vez de colocar sobre o féretro a
tradicional coroa... a pessoa, parente ou amigo, leva a
importância correspondente..."
Segundo A. Luce, as próprias floristas paulistanas eram as
únicas prejudicadas pela campanha de caridade, pois, elas
mesmas, colocando publicidade em seus balcões e vitrines,
pediam dinheiro correspondente ao mesmo valor das coroas,
oferta que seria destinada para auxílio da construção de
sanatorinhos de crianças tuberculosas, que realmente se
92
construíram na década de 1940 em Campos do Jordão, SP. Uma
entusiasta promotora dessa campanha foi a primeira dama
paulista dona Leonor de Barros, digna esposa de dr. Ademar de
Barros, ilustre político paulista. Em 1954, quando eu morava em
São Paulo, tendo ido à conferência na Sociedade Paulista de
Medicina, ouvi um orador comentando que partiu
exclusivamente de dona Leonor de Barros essa felicíssima ideia
de aconselhar à sociedade paulistana para que em lugar de doar
coroas de flores em luxuosos féretros que se recolhesse, em listas
de adesão, o dinheiro correspondente ao valor de uma coroa
mortuária, cuja soma total recolhida em cada enterro seria
destinada à construção de sanatorinhos em Campos do Jordão.
Visitei 3 desses famosos sanatorinhos em Campos do Jordão em
1957.

BISCUIT É ARTE FRANCESA

Para se compreender bem o assunto é bom entender a


publicidade da página 4, de 13 de julho de 1930, e da página 2, de
28 de julho do mesmo ano, em Lavoura e Comércio: "Saudade?
Em memória dos nossos mortos enfeitai os túmulos com coroas,
com flores de Biscuit que são duráveis e que não fenecem.
Recusai imitações chamadas coroas de metal ou esmalte ou
esmaltadas cujas flores são apenas de latas e oferecidas como
sendo de Biscuit."
Biscuit é delicada obra de arte do artesanato francês, feita
com material que levado duas vezes ao forno imita o mármore.

93
Uma coroa não ficava barato. De 70 a 100 mil réis, à época,
quando o salário braçal diário era remunerado de 2 a 3 mil réis
na cidade de São Paulo e 1 mil e quinhentos réis no interior. À
época, 100 mil réis, R.100$000, correspondia ao preço de 500
quilos de feijão.

O ENTERRO MAIS LUXUOSO EM UBERABA


EM TODOS OS TEMPOS

O enterro mais suntuoso e concorrido que já se viu em


Uberaba foi, em 29 de julho de 1929, o de Bebê, Alexandre
Campos Filho, joqueano, solteiro de 22 anos, dançava muito
bem, vítima de desastre automobilístico, tendo atropelado uma
vaca em Santa Luzia, Goiás. De Araguari um trem especial trouxe
o féretro até Uberaba, com quase toda a população da cidade à
espera. Ao enterro todos os caminhões da cidade foram
requisitados para transportar as 35 grandes coroas de flores com
as respectivas faixas de condolências. Naquela época havia
muitas pessoas que faziam coroas com armação de ferro a que
circundavam-se enfeites de palmas, folhagens e flores amarradas
com arame em área de um metro quadrado e até maiores. Muitas
coroas eram confeccionadas em Biscuit, obra de arte com
material francês que levado 2 vezes ao forno imita mármore e
aceita bem a tintura. O luxo do enterro foi tão exagerado que
chegou a questionar a ética uberabense de cuja reflexão resultou
o Culto da Saudade.

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Nesse enterro foram oferecidas 35 coroas no enterro de
Bebê. Trinta e cinco coroas mortuárias tinham o valor
equivalente a 3,5 contos de réis, uma fortuna, correspondente ao
preço de 17,5 toneladas de feijão.

O PRIMEIRO ENTERRO
DO CULTO DA SAUDADE

Esse primeiro enterro foi o da senhora Maria Carolina da


Costa, viúva do coronel Francisco Sebastião da Costa,
farmacêutico, conforme se lê em Lavoura e Comércio de 26 de
setembro de 1929. A primeira pessoa que assinou uma lista de
Culto da Saudade foi dona Augusta de Moura Teles,
subscrevendo com 200 mil réis, valor de 2 luxuosas daquelas
coroas. Ao todo nesse primeiro Culto da Saudade, foram
arrecadados 900 mil réis entregues ao asilo São Vicente, a
instituição católica dos vicentinos. A primeira vez em que houve
destinação também a instituições espíritas foi no quinto Culto da
Saudade, de Bertoldo Cardoso (Lavoura e Comércio de 3 de
setembro de 1930). O túmulo de senhora Maria Carolina da Costa
está no cemitério São João Batista Uberaba, avenida central (ala
esquerda) a partir do portão principal, túmulo alaranjado a uns
100 metros da entrada oficial sempre como principal.

95
CULTO DA SAUDADE

O Boletim de julho de 1963 do Rotary Clube de Uberaba,


assinado pelo presidente Elias Nicolau, historiou: "O Culto da
Saudade teve início, aqui em Uberaba, em 26 de setembro de
1929, quando faleceu d. Maria Carolina Costa. O saudoso
uberabense sr. Gastão Cruvinel Rato, solicitou aos amigos da
família, que em lugar de flores ou coroas, oferecessem donativos
às casas de caridade, em homenagem à falecida e que era avó
de sua esposa. Naquela instante nascia o Culto da Saudade"
(Arquivos do Rotary de Uberaba).
O segundo Culto da Saudade foi em homenagem a Miguel
Jorge Miziara, conforme Lavoura e Comércio de 18 de março de
1930, portanto 7 meses depois do primeiro.
O terceiro Culto da Saudade foi celebrado à Maria Antonieta
Mendes (Piúca), esposa de Segismundo Mendes, talvez o homem
mais rico que existiu em Uberaba, tendo Lavoura e Comércio
dado a notícia: "entre as pessoas de relações de amizade da
finada, uma subscrição em benefício das casas de caridade
desta cidade... arrecadado a quantia de 1.920$000... (um
milhão de réis e novecentos e vinte mil réis) ... os tesoureiros dos
asilos São Vicente e Santo Antônio... poderão procurar com o
nosso diretor sr. Quintiliano Jardim a parte que lhes foi
destinada."
A partir de setembro de 1930 e tão somente um ano após o
apelo jornalístico de A. Luce em Lavoura e Comércio, estava
definitivamente implantado em Uberaba o Culto da Saudade.

96
O Culto da Saudade tornou-se hábito uberabense porque
satisfez às principais exigências sociológicas para que um uso se
fundamente em cultura de uma cidade:
1ª-A concordância entre religiões,
2ª -Uma sólida instituição que o apoiou, no caso o jornal
Lavoura e Comércio, que por muitos anos, até depois da morte
de Quintiliano Jardim, ficou encarregado de depois de cada
enterro publicar as casas de caridade agraciadas, entregando a
cada uma delas a importância a elas destinada. Dava um grande
trabalho para o jornal Lavoura e Comércio. Hoje, em 1998, o
Culto da Saudade está desaparecendo por não haver mais
entidade responsável para distribuir o dinheiro arrecadado e
entregue à família.
Muitas famílias não querem arcar com tal responsabilidade
e até com esse constrangimento de ter que arrecadar dinheiro em
velório. Por constrangimento, certas famílias preferem não
apresentar a lista de adesão à disposição de quem visita a sala
mortuária. Se a família tivesse instituição a quem entregar o
dinheiro a ser distribuído para as casas de caridade tudo ficaria
mais fácil. O órgão oficial da Prefeitura ou um dos grandes
jornais da cidade poderia fazer esse favor da publicação do
arrecadado em culto e a destinação feita pela família enlutada a
cada instituição de caridade da cidade. É o recomendável.

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DIA DAS FLORES

Em Uberaba, o Culto da Saudade não foi a única


modalidade utilizada para se arrecadar dinheiro para as casas de
caridade.
Houve o Dia das Flores usado pela primeira vez em 1927,
dia em que algumas moças da sociedade saíam quase forçando a
venda de flores pelas ruas e casas comerciais. Tal costume foi logo
abandonado pelo constrangimento aos transeuntes de dar
dinheiro para não passar vergonha em público por não ter
contribuído. (Lavoura e Comércio de 13 de setembro de 1928)

DIA DA BONDADE

No dia 11 de julho de 1930, Lavoura e Comércio estampava


o acontecido no dia anterior: "mesma finalidade dos dias das
flores na capital de nosso país... visando comemorar (o 4º)
aniversário da fundação da Sociedade de Medicina e Cirurgia
de Uberaba... está sendo levantada (construída), com incríveis
dificuldades, nossa Santa Casa de Misericórdia..."

FESTIVAL DA CARIDADE

Lavoura e Comércio em 27 de julho de 1930 anuncia o


Festival da Caridade, tradição uberabense imortalizada na
literatura.

98
Foi famoso em Uberaba também o famoso "Festival da
Caridade" como o anunciado em Lavoura e Comércio de 27 de
julho de 1930.
O Culto da Saudade está na literatura brasileira. O saudoso
Sr. Gastão Cruvinel Rato foi até o Rio de Janeiro para pedir uma
crônica a Humberto de Campos, famoso escritor brasileiro, da
Academia Brasileira de Letras. O escritor de muitos livros
realmente fez bela crônica que se constitui no capítulo 14
"Caridade, Flor dos Mortos" publicada em seu livro Sepultando
os Meus Mortos, onde se lê o diálogo de Gastão Cruvinel Rato e
Humberto de Campos, que assim imortalizou aquela visita
uberabense:
"Sorrimos os dois, e ele entrou na matéria, ao mesmo tempo eu
esgaravatava no chão, com a ponteira do guarda-chuva, o
interstício entre dois paralelepípedos:
- Como disse ao senhor, eu sou de Uberaba, e queria que
o senhor... Abolimos, lá, inteiramente, as coroas mortuárias.
- E como demonstram os senhores, por lá, aos mortos, a
saudade dos vivos?
- Pela caridade. Quando morre uma pessoa altamente
estimada, os amigos que vão ao enterro se cotizam,
contribuindo com a importância das coroas que iam adquirir, e
cujo produto é destinado a associações de beneficência."
(Humberto de Campos, W M Jackon Incorporation Editores, São
Paulo, 1947, Sepultando os Meus Mortos, capítulo 14, página
88).

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O SEGUNDO BISPO DE UBERABA
E O NOME DE UBERLÂNDIA

Em 1888 o distrito de
São Pedro de Uberabinha foi
desmembrado e fundada a vila
de São Pedro de Uberabinha
como município independente
de Uberaba. D. Antônio de
Almeida Lustosa, segundo
bispo de Uberaba, sagrado
bispo a 11 de fevereiro de 1925,
por ter sido eleito bispo de
Uberaba, foi sagrado bispo em
São João del Rei. Esse segundo bispo de Uberaba gostava muito
dos paroquianos de São Pedro de Uberabinha e sentia que eles
estavam sempre humilhados com o nome de Uberabinha. Certa
vez em carta dirigida ao coronel Franklin Jardim, em 1925, d.
Lustosa declarava seu amor por Uberabinha, ao propor comprar
o prédio do ginásio Silvino, por 60 contos de réis para colégio
também leigo. Textualmente escreveu: "Compreendo a
importância de Uberabinha e com o maior prazer contribuirei
para o progresso dela. "
Para isso o bispo sempre tinha a intenção de mudar aquele
nome de Uberabinha que considerava humilhante para cidade
que depois de receber a estrada de ferro em 1895 progredia muito
e em ritmo mais acelerado que a própria cidade de Uberaba. Eis
100
alguns nomes cogitados, à época, para substituir o nome de
Uberabinha: Santa Maria, Gardênia e Tapuirama. O povo estava
dividido quando ao nome a ser adotado. D. Lustosa percebendo
tal hesitação que poderia dividir a cidade julgou por bem intervir
para unificar a opinião pública. Era muito amado e respeitado e
todos sabiam de seu grande interesse em trocar o nome de
Uberabinha. Sendo bispo muito letrado, conhecendo hebraico
bíblico, latim, grego e falando fluentemente francês, italiano e
espanhol, soube provocar uma situação de ser convidado a
opinar e saiu-se muito bem. Vendo que havia em São Pedro do
Uberabinha muitas ótimas e abundantes plantações de arroz e
milho, o sábio e santo bispo idealizou que seria bom se misturar
o termo latino usado pelo poeta bucólico latino Virgílio “UBER”,
significando a fertilidade do solo, acrescido de “LANDIA”
adaptação da palavra inglesa "LAND"= "terra, região, lugar".
Assim Uberlândia tem o bonito nome que se explica por si
mesmo como UBER+LÂNDIA = a terra fértil. Previamente dom
Lustosa soube escolher vários fiéis católicos de Uberabinha que
soubessem fazer propaganda do novo nome Uberlândia e de seu
belo significado, para ser o nome de consenso, como realmente
foi.
A idéia do bispo era favorecida pela forte tendência
brasileira à época em que muitas cidades novas escolhiam a
terminação " landia " ou "polis" e até "ania" e "ia":
Abreulândia/CE, Agrolândia/SC, Abadiânia/GO,
Alpinópolis/MG, Adrianópolis/PR, Alexândria/RN,
Altinópolis/SP, Alvinópolis/MG, Amorinópolis/GO,

101
Anápolis/GO, Andrelândia/MG, Anitápolis/SC, Aragoiânia/GO,
Arenápolis/MT, Aurilândia/GO, só para citar os nomes de
cidades iniciadas com a letra A.
Foi assim que Uberabinha passou a se chamar, com muito
orgulho, Uberlândia.

TORIBATÉ

Interessante e oportuno se registrar aqui que no tempo de


Getúlio Vargas se desejou corrigir o erro brasileiro do mesmo
nome para duas cidades. Deveria prevalecer o nome da cidade
mais antiga. A cidade mais nova deveria trocar de nome. A cidade
de Monte Alegre, perto de Uberlândia, teve trocar seu nome por
Toribaté para evitar outros nomes muito piores também
sugeridos para Monte Alegre, como Tejupá e Jaceporã. Em 1942,
por insistência política de Nicanor Parreira, o maior político da
cidade, por 25 anos prefeito do lugar. No tempo da ditadura de
Getúlio Vargas, Toribaté voltou a se chamar Monte Alegre de
Minas.

SÃO MIGUEL DE NOVA PONTE

Terras boas como nunca. Fundaram a cidade, entre outros


ilustres nomes, Sebastião Paulino, Nhonhô Teles, Manuel
Luciano de Resende e Joaquim Fernandes Rodrigues, que foi
quem, na Alemanha, encomendou a ponte de ferro colocada
entre o gargalho de morros sobre o rio estreitado, hoje parte
102
submersa da represa da usina hidroelétrica Nova Ponte da
CEMIG.

VIDA ANTIGA DE FAZENDA

É interessante descrever a vida na fazenda de Joaquim


Fernandes Rodrigues em São Miguel de Nova Ponte. Tinha muito
peão na fazenda e, em tempo de escravidão, muito escravos.
Nunca maltratou um escravo. Quando pequenino faltou leite à
sua mãe. Uma escrava, chamada Negra, amamentou o menino
que, crescido, a chamava também de mãe.

O TERÇO E O CAFÉ DA MANHÃ

Todos, todo dia, tinham que vir à sede da fazenda bem de


madrugadinha, antes de ser distribuído o serviço para cada peão,
desde os do canavial, do engenho, das máquinas e os do gado.
Ninguém poderia faltar a esse encontro madrugadeiro e todos
deveriam vir acompanhados de toda a família, inclusive os
pequeninos de colo e os velhos. Ali todos haveriam de tomar a
bem suculenta primeira refeição matinal farturenta a mais não
poder com café quentinho, mingau de fubá, leite, rosca de vários
tipos, canjica com leite e canela, pão, pão de queijo, quitandas
variadas, mandioca frita, o famoso biscoito frito, queijo e
manteiga caseira e, em dias santos de guarda, com doce e a
grande lata cheia tendo o papel de boa chocolateira de conteúdo
fumegante, pastoso e muito apreciado sobretudo pelas crianças.
103
Antes porém do café da manhã de tanta fartura, chamado
de café colonial, todos rezavam o terço com a família do
fazendeiro em social e igualitária refeição comum a negros e
brancos irmanados à mesma mesa. Ao se aproximarem, todos
entoavam uma cantoria ainda sonolenta, embora sagrada,
seguida invariavelmente da récita do terço rezado bem rapidinho
por uma senhora entre as carolas da comunidade. O canto
entremeado no terço era muito mais murmurado que bem
compreendidas suas palavras, às vezes em duas vozes.

O ALMOÇO ÀS 9H00

Para os trabalhadores que fossem longe da sede era levado


a lombo de três burros as três grandes caçarolas, invariavelmente
as duas primeiras de arroz e a outra de feijão e a terceira com
carne pura ou mistura quase quibebe um quase ensopado de
abóbora simples, de mandioca simples ou de mandioca cozida
misturada com pedacinhos de carne. Isso logo às 9 h 00 de toda
manhã, com direito a café e pinga. Toda hora tinha um moço,
chamado bombeiro, encarregado de fornecer à vontade a água
em vasilha de barro conservada fresquinha desde a fonte mais
próxima. Se o moço se atrasasse, todo o grupo começava a gritar
em rítmo que acompanhava o vaivem das enxadas, em tom bem
agudo que se podia ouvir ao longe: Bombeeeeeeeroooo
Bombeeeeeeeroooo. Não demorava que logo lá vinha o burro e o
moço bombeiro encarregado daquele grupo.

104
MUTIRÃO

Às vezes o fazendeiro Joaquim Fernandes Rodrigues


determinava um mutirão porque um pasto deveria ser roçado ou
porque um trabalho inadiável deveria ser feito com urgência. Era
convocado o mutirão previamente anunciado com prazo nunca
inferior a 7 dias. Todo mutirão era uma festa. Logo pela
madrugada soltava-se um rojão. Era o sinal de levantar naquele
dia um pouco mais cedo.
Em dia de mutirão, todo mundo já vinha para o terço e café
da manhã cantarolando e com a enxada ou seu instrumento de
trabalho às costas. Se era tempo de milho verde, em dia de
mutirão, além do costumeiro, não podia faltar a pamonha à
vontade.

MULHERES FOFOQUEIRAS

As mulheres gostavam mais que os homens dos dias de


mutirão, pois com tanta mulher e pouco serviço restava a cada
uma delas, reunidas na cozinha ou pelas salas adjacentes, ótima
oportunidade para por em dia todo o noticiário de todos os fatos
verdadeiros ou boatos, alegres e tristes, amargamente ciumentos
ou docemente amorosos. A mulherada, de gente presente nada
comentava, para não estragar a festa. Mas. Infelizes dos ausentes
e das ausentes, vítimas de qualquer indecência desvelada por

105
alguém. Tudo era comentado. Tudo ficava nu. Mas as mulheres
nunca falavam alto um caso escandaloso.

MURMÚRIO QUASE ROSNADO

Em assunto reservado, a primeira mulher conhecedora do


assunto rosnava o relato para a vizinha à qual se ajuntavam as
mulheres que estavam por perto. Uma mulher mais esperta que
tinha ouvido bem a história, logo se encarregava de fazer outra
rodinha com as mulheres que nada sabiam da novidade. As
outras distantes, percebendo que vinha vindo fofoca,
disfarçavam e continuavam a trabalhar na esperança de que logo
estariam sabendo do que se tratava. O cochicho vinha vindo. Em
pouco tempo todas ficavam sabendo. Para dar prazo de alguém
ter tempo de pensar na próxima fofoca a ser divulgada, de vez em
quando descansavam cantarolando. E logo em seguida lá vinha
outra fofoca passada de grupo em grupo pela cozinha, pela sala e
até pelo alpendre e por onde estivessem espalhadas as senhoras
e senhoritas trabalhando ou fingindo trabalhar. Em dia de
mutirão, o almoço era servido na roça para os homens, mas o
jantar era servido para todos reunidos na sede da fazenda, pelas
16 horas.

106
AO JANTAR, AS ENXADAS DE SENTINELA
COMO SOLDADOS EM QUARTEL

Todos ao chegarem depositavam suas enxadas, que traziam


às costas, e as punham em pé em muitos montinhos de enxadas
que se ajuntavam unidas conforme alguma caraterística entre
seus donos, por serem parentes ou por serem vizinhos. As
enxadas ficavam ali quietinhas, com as lâminas em meia lua ao
chão e os respectivos cabos de madeira guatambu unidos ao alto,
em montinhos afunilados de cabos de enxadas em pé.
Guatambu = palavra da língua do Brasil tupi que significa
"o que é duro e sonoro", aspidosperma da família dos
apocináceos. Madeira muito usada para cabo de ferramentas
agrícolas.
Para enfeitar as enxadas postas de pé ou os pés de milho
replantados, traziam ramos e flores cortadas na limpeza dos
pastos durante todo o dia de mutirão. Às vezes era um ramo de
melãozinho que foi cortado e às vezes era até flor de bucha ou
buchinha ou bucha-dos-caçadores com cujo fruto seco se fazem
ainda hoje um bem usado espalmado material auxiliar na
limpeza da pele nos banhos diários. As flores desse ramo são bem
amarelinhas e seus ramos compridos, facilitando o enfeite bem
enrolado nas enxadas ou no pé de milho homenageado em cada
mutirão. Flores de paineira e de ipê eram, em certos mutirões de
certa época do ano, comemoração que marcava data com nunca
esquecida saudade.

107
Muita gente trazia ramos floridos de tudo o que de mais
bonito haviam roçado durante o dia e colocavam por sobre o
amontoado das enxadas, tudo muito arrumado perto do alpendre
da fazenda. Se o mutirão era para carpir roçado de milho, um pé
de milho era trazido e plantado simbolicamente de novo em
frente ao alpendre da fazenda e enfeitado com os ramos floridos
do campo roçado. Havia até flores enfeitando o punhado de
enxadas aqui e acolá ou o pé de milho festejado
Era uma alegria esse fim de dia de mutirão na fazenda.
Havia mais de duzentas famílias espalhadas por toda a área. Não
havia ordenado mensal, ganhavam 50 % de tudo o que colhiam.
Com o 50% da renda do fazendeiro se podia, indistintamente de
raça e cor, repartir a fartura entre todas as famílias moradoras na
fazenda.

MÁGICA PELA QUÍMICA


DOS ESTUDANTES

Só os filhos de grandes fazendeiros tinham o privilégio de


estudar. Em toda família fazendeira rica mineira havia sempre
um estudante no Rio de Janeiro. Nas férias traziam segredos
aprendidos em laboratórios e referentes à química francesa.
Quando não era encontrado rojão pela redondeza, algum
estudante conseguia em farmácias o puríssimo nitrato de prata
em pó que era adicionado ao enxofre em 50%, enrolado em papel
apertado com pedrinhas. Tudo explodia ao ser atirado contra um
muro. Era a famosa bomba de parede. Certa vez apareceu um
108
estudante da Escola de Farmácia do Rio de Janeiro que fez furor
em um mutirão falando que conseguia fazer queimar o açúcar
adicionando-lhe um pingo d´água. Como fazia? Pegava um
nitrato fingindo ser açúcar e depois pegava um pouco de açúcar
que o povo provava para comprovar que era açúcar mesmo. O
estudante pegava um vidrinho de ácido sulfúrico dizendo que era
água e apenas pingava uma única gota de ácido sulfúrico no
açúcar, tudo pegava fogo. O ácido sulfúrico era o catalizador para
o início da reação química.
No outro ano voltou o mesmo estudante de Farmácia,
deixando permanganato de potássio escondido dentro de um
copo, pegando água, até bebendo um pouco e fazendo o povo
beber para provar ser água mesmo. Ao contato com o
permanganato a água fica vermelha pensando o povo ser vinho.
O herói privilegiado, porque estudava curso superior, colocava
no " falso vinho" umas gotas do que dizia ser água, mas na
realidade era ácido sulfúrico e eis que o "vinho" se tornava água
de novo. O povo gostava de tudo isso.

GOZAÇÃO GERAL DA PEONADA

À tardinha na hora do jantar de volta do mutirão era a hora


das gozações. Gozação contra o moço bombeiro que atrasou a
água fria. Gozação contra quem tinha ficado para trás não dando
conta do recado em seu eito na capina. Gozação alegre do melhor
contador de casos em um ou outro grupo do mutirão. Tudo

109
termina também com um rojão e aos poucos os filhos e os pais se
encaminhavam para as suas casinhas.
Os homens nunca contavam bisbilhotices sobre a vida
alheia em nenhum mutirão. Mas, indo para casa acompanhados
da esposa sabem que, a partir daquele instante, a noite em casa
será mais alegre, pois, a sua mulher vai contar muitas e boas
novidades fofocadas de que resultarão belas gargalhadas a dois,
marido e mulher. Toda mulher irá repetindo ao marido a fofoca
ouvida. Para maior liberdade no linguajar adulto sempre mais
permissivo entre casais, os filhos menores deveriam ir andando
à frente do casal. O marido se deliciando pela surpresa da notícia
e pela alegria contagiante da mulher. Mesmo se percebesse algo
errado nas fofocas, nunca censurava a mulher nesse andar de
volta para casa, para ter a oportunidade de ir conhecendo todas
as fofocas do dia. Se censurasse poderia provocar discórdia
inibidora de outras novidades íntimas a serem contadas pela
mulher que estava com a língua solta.
O bem e a alegria dos casais de volta compensavam todo o
cansaço de árduo dia de mutirão na Fazenda São Miguel.

QUILOMBO DE ARAXÁ

Uberaba nunca teve quilombo ou república de negros


escravos fugitivos. Em Araxá houve um que não teve a origem de
outros quilombos do Brasil, inicialmente formados por negros
fugitivos. O Tengo Tengo de Araxá foi fundado por padre
missionário que viveu pregando missões navegando pelos rios e

110
riachos da região do Triângulo Mineiro e norte do Estado de São
Paulo. Saiu de Guaira/SP e para lá voltou para lá morrer.
Navegou os rios Quebra Anzol de Nova Ponte, rio das Velhas de
Araguari, rio Grande perto de Uberaba, tendo passado por
Indianópolis que antigamente se chamava Aldeia de Santana.
Esse padre Caturra começou abrigando negros e pobres em
geral e descendentes de índios desprezados. Fez uma República
de Fraternidade Cristã. Era líder. O trabalho não era escravo
embora obrigatório para todos. Todo lucro era dividido
igualmente. Só foi vencido pelos soldados do Governo da
Província Mineira porque o padre proibia que roubassem armas
de fogo. Se as tivessem, seriam invencíveis. O padre queria só
promover a paz e nunca os preparou para a guerra.
Certo dia apareceu um negro, o Ambrósio, que nascera
escravo da fazenda de Ambrósio Antônio João de Oliveira. O
nome do escravo tinha algo do nome do seu dono que maltratava
muito os escravos. Eis os castigos mais comuns dados aos
escravos:
1º - Vira Mundo - Era colarinho de ferro sobre os ombros
encimado por um suporte alto a que se prendia tanto um sininho
como um enfeite qualquer que propiciasse notar em que direção
o escravo ou escrava estava olhando. Esse castigo era dado a
negros e negras de quem se suspeitasse alguma desconfiança por
contarem segredos ouvidos dos patrões.
2º - Golinha - Era argola de ferro conservada bem apertada ao
pescoço que incomodava até para dormir e até para engolir
alimentos. Obrigava o portador a manter o pescoço sempre bem

111
elevado, o que causava dores nos músculos e nervos do ombro e
crânio. Era usado um dia e em caso de reincidência da falta dois
dias, até três dias no máximo.
3º - Marcas na Pele em Ferro em Brasa - Embora lei de Portugal
de 1784, assinada por dom Pedro II de Portugal, o quinto avô de
nosso d. Pedro II, proibisse marcar escravos a ferro em brasa, tal
uso nunca foi abolido no Brasil. Marcava-se com a letra "F" a todo
negro fugitivo, se recapturado.
4º - Algema de braço e Algema de tornozelo - Presa a uma
corrente ou da parede ou do chão.
5º - Se aplicadas ao mesmo tempo as duas algemas descritas
acima, o escravo ficava até três dias em uma posição muito
incômoda e totalmente arrevesada, além da dor da
impossibilidade de qualquer movimento. O escravo ficava com os
tornozelos presos rente ao chão e igualmente com os braços
presos bem próximos do ponto onde se prendiam os tornozelos.
Se aplicado por três dias, o escravo ficaria sem dúvida três dias
sem poder dormir.
Contra tudo isso se insurgia o padre Caturra e Ambrósio, a
quem padre Caturra preparou para sucedê-lo na direção do
quilombo Tengo Tengo, que se chamou depois quilombo do
Ambrósio, pois o padre, tendo formado o quilombo, saiu para
outras missões.
Certo dia apareceu outro padre que estava a caminho de
Confusão, que hoje se chama São Gotardo, e Ambrósio o fez
prisioneiro do quilombo, para usá-lo em caso de algum ataque do
Governo, pois o quilombo já tinha mais de 300 homens

112
guerreiros, vivendo da caça, da pesca e da bem abundante
agricultura, cujos produtos vendiam nas aldeias vizinhas, a preço
vil, mas, vendiam para comprar pelo menos o sal. Tudo o mais
era produzido no quilombo, onde se fabricava um bom tecido
para roupas e outro mais grosseiro para servir de cobertor.
Tudo era bom no quilombo até que o Governo da Província
de Minas Gerais interferiu pelo mestre de campo Inácio Correia
Pamplona, um dos delatores da Insurreição Mineira de
Tiradentes juntamente com Silvério dos Reis e Malheiros de
Brito. Pamplona designou o capitão Manuel de Sousa Portugal,
que teve o adiantamento de 750 mil réis e 360 soldados bem
armados com amissão de destruir o quilombo de Araxá.
Ambrósio e seus homens haviam cavado valetas ao redor do
quilombo, que já estava todo cercado de paus bem rentes um a
outro, altos e pontudos em cima. Muito soldado foi morto a
paulada quando imobilizados pela roupa presa nos paus
ponteagudos, o que ensejava o desâmino da tropa que já estava
pronta para recuar quando lhe reanimou a esperança pela notícia
de que Ambrósio estava mortalmente ferido. Sem comandante o
quilombo foi dizimado. Dos 360 soldados que vieram de Ouro
Preto só 53 retornaram pois 307 ficaram mortos ou feridos em
Araxá ou inválidos, que, por isso, iam preferindo ficar pelas
aldeias por onde passavam no caminho de volta para não se
sentirem eternamente desprezados.
Durante a refrega do combate, o padre cativo conseguiu
fugir e se refugiou em gruta que até hoje pode ser visitada entre

113
Perdizes e Araxá, a 6 quilômetros do Barreiro de Araxá, a gruta
do Frade.

O BEM E O MAL

Certa vez ouvi dizer que: O Bem não é eternizado só porque


o Mal ainda não foi afastado.
Tenho feito pouquíssimas trovas na vida. Uma rara é esta:
“Nesta vida há mistura,
Não há bem que sempre dure,
Não há água sempre pura
Não há mal que se ature.”

E sobre a certeza da morte que dá a exata angústia


existencial sempre disfarçada entre o Bem o e Mal na vida, há
bela trova de Antônio de Castro, trovador carioca:
“Na terra, a morte é um comboio,
Passagens todos já têm... .
O que homem nenhum sabe,
É a hora certa do trem.”

Mas nem em tudo na vida o Bem fica enlatado e separado


em redoma de isolamento em nossos porões nunca por nós
visitados.
Na vida também há o Mal.
Vou contar um mal. Um filho de Joaquim Fernandes
Rodrigues, que era milionário na época em Nova Ponte, José

114
Custódio Pereira, veio para Uberaba, tendo se tornado o maior
comerciante atacadista itenerante de boiadas inteiras, açúcar,
pinga e cereais em geral, de honestidade a toda prova e homem
de extraordinária capacidade de cumprir o que prometia. Torna-
se o maior atacadista de entreposto entre Uberaba e São Paulo e
Rio de Janeiro, chegando a dominar de tal sorte o comércio
exportador local que ficara folcloricamente conhecido em
Uberaba e no Brasil. Todos repetiam o aforismo: "Comprar por
atacado de qualquer maneira em Uberaba só com o José
Custódio Pereira." Pagava boiadas à vista, contando uma nota
após a outra até o fim da quantia em dinheiro combinado.
Abastecia frigoríficos de São Paulo. Era o que mais pagava fretes
na Mojiana local. Por sua fama de principal vendedor para todo
o Brasil e para os principais atacadistas de Uberaba, em especial
aos escritórios famosos da família Cunha Campos, todos os
fazendeiros só queriam vender suas boiadas e suas mercadorias
para José Custódio Pereira.

O ASSASSINO QUE SEMPRE


TAPAVA O ROSTO

O caso ficou tão sério em 1934 que covardemente


planejaram eliminar o dono desse muito incômodo monopólio
uberabense conquistado com honradez e trabalho por José
Custódio Pereira que, de tão rico, mandara construir, com
material vindo da França, uma casa na rua João Pinheiro, 127, só
para moradia de sua filha única, estudante interna no colégio das
115
irmãs dominicanas de Uberaba, tendo-a, anos depois, em 1932,
matriculado com muito orgulho na escola de Farmácia de
Uberaba. Pois foi no alpendre ou na porta dessa casa que no dia
14 de fevereiro de 1934 bateram palmas. José Custódio Pereira,
que tinha acabado de almoçar, foi atender. Assim que abriu a
porta recebeu um tiro disparado à queima-roupa na região do
fígado, causando-lhe hemorragia interna. Carregaram-no para o
hospital do dr. Schmitd, famoso médico pelo enorme número de
abortos ilegais e clandestinos ali realizados. Apesar de ser crime,
nunca o dr. Schmitd foi condenado.
José Custódio Pereira faleceu no hospital pouco depois. O
moribundo teve a oportunidade de contar que ao abrir a porta só
teve tempo de ver um homem de camisa branca que, tapando o
rosto com o chapéu, já o estava esperando com a garrucha
engatilhada bem pertinho e, com frieza, calculou bem no sentido
de disparar na direção do fígado, provando ser profissional. Não
havia dúvida. Esse jagunço estava a mando de gente interessada
no comércio de gado e cereais de Uberaba para São Paulo na
década de 1930.
Quem teria sido o assassino? Quem seriam os mandantes?
Mais uma vez todo mundo suspeitou de Miano. Um crime
tão perfeito assim só podia ser ideia de um bom profissional
como Miano. Por quê?
Em primeiro, pela caraterística de o assassino ter tampado
o rosto com o chapéu que era a caraterística preferida de Miano.
Em segundo lugar, porque naqueles dias Miano teria
propalado que viajaria para Uberlândia.

116
Em terceiro lugar, porque, dias atrás, alguém teria
espalhado o boato da inverídica dívida pela compra de uma
boiada que grande comerciante de Uberaba teria feito sem pagar.
Miano conhecia bem a índole do major Sacramento, para quem
em qualquer discussão na justiça, o devedor sempre deve perder
o direito. Espalhado o boato de que o assassinado devia grande
quantia, o crime nunca seria investigado pela polícia.
Miano sabia fazer bem feito o serviço de crime, de tal modo
que os mandantes nunca seriam descobertos. Todo mundo
acreditou realmente que o pivô do crime foi dívida contraída pelo
morto por ter comprado boiada e não ter pago. Isso é grande
mentira. Era falso. Mas a falsidade, de tanto ser falada, vira
verdade, sentenciava Miano, às vezes. Como em todas vezes de
crime em Uberaba, também desta vez Miano conseguiu não ser
descoberto. O major Sacramento nem sequer se interessou por
desvendar o crime que com o tempo passou a ser considerado
como rotina sem importância. Que José Custódio Pereira teria
comprado boiada e não pago era mentira e todo mundo sabia
disso, porque Custódio só comprava boiada à vista e todo mundo
sabia que o morto estava em boa situação financeira, pois,
deixara muito dinheiro para até comprar outras três boiadas
iguais àquela alegada no boato da falta de pagamento.

A FILOSOFIA DE MAJOR SACRAMENTO

Mas porque apareceu esse boato que o pivô do crime era


dívida? Aí tem dedo intrometido de Miano. O plano do matador

117
profissional deu certo. Boato melhor nunca poderia ter surgido
em melhor hora para esfriar a investigação por parte do major.
Todo mundo conhecia bem Sacramento, que em sua filosofia de
vida policial só se norteava por princípio estável e sem exceção
que bem se podia resumir assim: “Em questões de dívida, quem
tem razão é sempre o credor, nunca o devedor”.
Como antes do crime já tinham culpado injustamente José
Custódio Pereira de devedor, Sacramento não se interessou a
investigá-lo. E o crime caiu no esquecimento em Uberaba.

ÁLIBI

Uberabinha já se chamava Uberlândia. O famigerado


bandido e criminoso uberabense propalou que iria a Uberlândia,
escondendo-se porém em algum lugar em Uberaba. Pelo
conhecimento da vida rotineira da vítima, Miano programava o
dia do crime. Depois do crime em Uberaba, ele imediatamente já
estava na cidade de Uberlândia ou no canteiro de obras da
construção de estradas, mas dava a entender que havia
abandonado a cidade de Uberaba um ou dois dias antes do crime,
como anunciara. O delegado que suspeitasse de Miano tinha, às
vezes, até 4 ou 5 testemunhas que afirmavam que Miano lhe
tinha perguntado se queria alguma coisa para Uberlândia, pois
estava para lá se dirigindo. Assim nunca Miano foi indiciado.
Seus colegas de acampamento nas barracas de construção de
estradas, por medo ou por corporativismo, nunca desmentiam
esse ótimo e bem planejado álibi.

118
VINDA DO DELEGADO ESPECIAL
PARA UBERABA

E agora já é hora de se saber o por que o delegado


Sacramento veio para Uberaba na década de 1930. Foi por causa
de Miano, que se tinha tornado tão poderoso na profissão de
articulador de vinganças políticas em Uberaba que com o andar
dos tempos ele não mais matava, pois tinha arrumado umas dez
pessoas que sob suas ordens podiam praticar todo crime que lhe
fosse encomendado. Miano nem precisava mais de álibi. Era
esperto e seu nome não se ligava a nenhuma prova real de crime.
Uberaba, por isso, na década de 1920 a 1930, era muito
violenta. Não eram raros os matadores profissionais aqui. Os
homens de Miano eram contratados até para fazer o “serviço” em
outras cidades. Sempre Miano era o organizador de toda ação
criminosa de vingança política partidária ou não, em Uberaba e
região. Para acobertar crimes idealizados por Miano, surgiam
muitas suspeitas e boatos de vinganças até por questões de
ciúmes amorosos. Encobria-se o crime político. Era assim o
Brasil antigo.

OS AMIGOS DE MIANO

Foram também muito famosos alguns amigos de Miano, o


Félix e alguns da família Capeto. Eram pessoas até de boas
famílias uberabenses mas que se envolveram com Miano.

119
Destacou-se Adelino Félix que aos 15 anos chegou a Uberaba
fugido de Itaquira ou dos Pintos onde acabara de matar o mestiço
Antônio Macaco, filho de membro da importante família
Caetano, pois aquele senhor, como todo mundo sabia, sempre
morou com a negra Felisbina, segundo me contou o dr. Jorge
Cunha. Por isso alguém lá desejava matar Adelino que chegou em
Uberaba como mocinho inocente à procura de bom emprego.
Mas aqui em Uberaba, por precaução e por afinidade criminosa,
procurou a proteção de Miano, em cuja escola esse rapazinho
acanhado e de primeira viagem virou doutor na arte do crime tal
qual seu famoso mestre protetor. Matou muita gente. Com uma
única diferença. Miano era valentão e enfrentava o perigo.
Adelino Félix era convarde. Chegava até a apanhar na cara na rua
e não reagia na hora da briga. Mas, depois, encontrava a boa hora
de matar seu desafeto pelas costas, em emboscada, na expressão
do informante dr. Jorge Cunha. Quando se iniciou a perseguição
aos dentistas práticos, Jorge fez vestibular na universidade de
Uberlândia e diplomou-se em Odontologia. Hoje, aposentado,
com sua memória de anjo, lembra-se de muita história antiga.
Jorge testemunha que Adelino se tornou o homem de confiança
e o protegido número um do Miano.

BANDIDO PROTEGE BANDIDO

Ainda me contou dr. Jorge Cunha que certa vez no Governo


dr. Guilherme Ferreira na Prefeitura de Uberaba, na década de
1930, próximo à porta da Prefeitura o Miano, junto com Adelino,

120
discutiram com guarda municipal, corporação que se iniciou
como guarda civil em 1928 para cuidar do patrimônio da cidade
de Uberaba, depois passou à guarda municipal. Esse guarda
municipal era respeitadíssimo na época. Sem mais nem menos,
Adelino puxou do revólver e matou o guarda. Miano não aceitou
que a polícia prendesse Adelino, tendo-o escondido dentro do
prédio da Prefeitura, não permitindo que ninguém pusesse a mão
em Adelino Félix, que não foi preso e nem precisou fugir de
Uberaba.

ESPÍRITO DE MOCIDADE

Tive bons informantes a respeito do que se chamou em


Uberaba o Espírito de Mocidade, mas ninguém melhor que dr.
Jorge Cunha soube me explicar o que foi esse movimento cívico
em Uberaba. Os políticos antigos sempre se conformavam com
essa situação quase de rotina em Uberaba. Mas, por aquela época
surgira em Uberaba, como em todo o Brasil, o que se chamou O
ESPÍRITO DE MOCIDADE, inspirador de toda modernização e
da era que precedeu à revolução de Getúlio Vargas. Essa nova
mentalidade emergente em Uberaba não se conformava com
aquele claro e audacioso acobertamento desse crime do guarda
na porta da Prefeitura. O assassinato do guarda da Prefeitura e a
audaciosa proteção de Miano ao criminoso foi a gota d´água que
faltava para o copo se encher e para que se propusessem
mudanças na vida sócio-política uberabense para acabar com

121
essa ilegal influência de Miano sobre a polícia, sobre as
autoridades políticas e sobre o modo injusto de se fazer justiça.
Os mais tradicionais da cidade queriam a continuidade
dessa situação por puro conformismo. Houve então grande
choque de ideias entre os “tradicionais” e os de "espírito de
mocidade". Novo clamor público foi grandemente ouvido e
aceito. Eis que a cidade parecia que se preparava para luta
sangrenta, especialmente pelo ardor do Espírito de Mocidade. A
pedido de Belo Horizonte, o quartel de Uberaba começou a agir,
espalhando soldados por toda a parte da cidade. Desta maneira
estava sendo preparado por Belo Horizonte o clima para a
aceitação de delegado especial.

RANULFO BORGES NASCIMENTO


Viveu de 27-05-1900 a 26-12-1979

Um dos chefes políticos da época era o senhor Ranulfo


Borges Nascimento, residente à praça Santa Teresinha, 106. Por
causa desse clima tenso, Ranulfo pediu a José Maria Alkmim,
secretário de segurança na época, que fosse providenciado
delegado especial para Uberaba. Ranulfo com toda firmeza
comunicou à capital do Estado que todo o apoio político desta
cidade à situação somente seria continuado se o Governo
nomeasse um delegado especial para Uberaba que viesse com a
exclusiva finalidade de acabar de vez com a impunidade do
banditismo. Poucos dias depois estava decidida a vinda do major
Sacramento para Uberaba.

122
OPOSIÇÃO À CONSTRUÇÃO DO SANTUÁRIO
DEDICADO À SANTA TERESINHA

É bom fazer digressão para falar um pouco de Ranulfo


Borges do Nascimento. Em 1925 e 1926, dom Antônio Almeida
Lustosa, segundo bispo de Uberaba, cuja causa de canonização já
foi iniciada no Vaticano, homem bondosíssimo. Santa Teresinha
tinha sido canonizada em 1924 e sua devoção se espalhou
facilmente pelo Brasil central. Esse bispo comprava muita
estátua de Santa Teresinha e dava de presente. Toda paróquia
ganhara sua estátua enviada gratuitamente. Muitos benfeitores
da Igreja também ganhou tal estátua. Certo dia, o bispo desejou
construir o Santuário de Santa Teresinha na praça que já se
chamou largo Santa Bárbara. Depois da morte de Irineu Aristides
Borges, pai de Ranulfo, se chamou praça Aristides Borges e hoje
praça Santa Teresinha.
No princípio deste século, em Uberaba, a população rural
era infinitamente superior à urbana. Pessoas falecidas na fazenda
chegavam de carro de boi a Uberaba. Assim foi em 17 de setembro
de 1917 o enterro do sr. Irineu Aristides do Nascimento, pai do
grande político do partido Pachola de quatro costados, sr.
Ranulfo Borges. Este, o progenitor do deputado estadual Leão
Borges.
O cardeal arcebispo de Madrid criara com sucesso o
apostolado de enfermos do Sagrado Coração de Jesus. D. Lustosa
fundou o terceiro grau da Legião de Santa Teresinha para
percorrer bairros e anotar os endereços onde houvessem doentes
123
Antes da construção desta atual igreja de Santa Teresinha,
matriz da paróquia de Santa Teresinha de Uberaba, no mesmo
local da igreja atual, houve pequena igreja dedicada também a
Santa Teresinha, cuja pedra fundamental foi benta, em 18 de
dezembro de 1927, por dom Antônio de Almeida Lustosa,
segundo bispo de Uberaba. Com o início da construção da nova,
grande e atual igreja Santa Teresinha, em 7 de janeiro de 1960, e
bênção da pedra fundamental em 2 de outubro de 1960, a antiga
pequena igreja, em 1962, ficou contida por todos os lados pelas
altas quatro paredes desta atual igreja bem maior que a anterior.
A antiga igrejinha que ficou totalmente dentro desta atual igreja
começou e terminou a ser demolida em 10 dias de agosto de 1962.
Ranulfo não queria em 1926 a construção do Santuário
Diocesano de Santa Teresinha na praça Aristides Borges de jeito
nenhum, fazendo campanha contra sua construção. Tendo
influência política, em dias de barraquinha pedia para
funcionários da Prefeitura perseguir toda e qualquer iniciativa
relativamente a festas para angariar fundos para a capela.
Ranulfo era poderoso. O bispo ficava calado e aborrecido. Mas o
bispo era santo e mais sábio, embora não sendo político. O bispo
recebia muita carta anônima, mas ficava caladinho, só rezando
por seus perseguidores que faziam até anonimamente eco à
vontade política de Ranulfo Borges.
Houve em Uberaba, em 1926, inclusive com cartas
anônimas, clamor geral na cidade de que não se deveria construir
o Santuário Diocesano de Santa Teresinha, mas que deveria ser
construído em Uberaba um leprosário.

124
*

Em Uberaba havia uma onda de cartas anônimas. Nosso


santo bispo entristeceu-se tanto com cartas anônimas que, vários
anos depois de construir a pretendida capela à Santa Teresinha,
pediu para sair de Uberaba, indo para o bispado de
Corumbá/MT, por ato da Santa Sé de 17 de dezembro de 1928,
tendo tomado posse em Corumbá a 28 de abril de 1929. Em meio
a tantos anonimatos, à época, Reis Júnior, que hoje tem em
Uberaba seu nome em escola municipal à praça Vitória, no
Jardim Espírito Santo, Fabrício, teve muita coragem de, no jornal
Lavoura e Comércio, em meados de 1926, emprestar sua mão e
seu cérebro, que sabia redigir magistralmente, para em forte
artigo discordar do bispo e concordar com a opinião de boa parte
dos uberabenses, especialmente com maçons e protestantes, que
obviamente prefeririam a construção de leprosário com o
dinheiro arrecadado para a construção do Santuário Diocesano
de Santa Teresinha.
O pai de José Maria dos Reis Júnior fora político muito
influente, fazendo muito por Uberaba e região. Reis Júnior foi
pintor e entre 1924 a 1935 redator do jornal O Estado de São
Paulo e o que mais caracterizou sua vida foi o ter-se dedicado à
dificílima missão de crítico e historiador de arte. Em 1978 dirigiu
e publicou bela pesquisa sobre o pintor brasileiro Belmiro de
Almeida que viveu de 1858 a 1935. Belmiro de Almeida, pincel de
ouro nas artes brasileiras, imortalizou-se fazendo o elo de ligação
entre a antiga tradição nacional, à europeia, e a febre de

125
modernização de sua época, quando pontificou por
unanimidade.
Correio Católico, no dia 22 de agosto de 1926, publicou
artigo tecendo considerações interrogando: Santuário ou
Leprosário?
Envolto em tanta controvérsia de aplausos de um lado e
oposição de outro, o bispo teve boa inspiração para que a capela
pudesse ser construída. Uma das festeiras das barraquinhas era
a senhora esposa de dr. José Ferreira, igualmente político
influente em Uberaba. Escreveu a dr. José Ferreira belíssima
carta com arrazoados interessantes, prometendo não usar da
força de seu jornal Correio Católico para diminuir a polêmica,
mas escreveu em caráter particular ao grande médico cuja esposa
Dona Iaiá era uma das festeiras das quermesses para a
construção do Santuário Diocesano de Santa Teresinha.
Eis um trecho da carta do queixoso bispo, muito perseguido
pela Prefeitura, à época, que assumia atitude hostil às
quermesses para a construção do Santuário de Santa Teresinha:
"Em consequência disto, as barracas foram retiradas do
jardim, como se ele não fosse um logradouro precisamente para
as festas populares, como se de uma quermesse organizada por
excelentes famílias se devessem temer maiores vandalismos do
que nas festas carnavalescas que se realizam no mesmo jardim.
A esta primeira remoção seguiu-se uma segunda para a rua, e
as duas remoções foram cobradas, como serviços prestados à
quermesse. "

126
Dona Iaiá, assim conhecida familiarmente a esposa de dr.
José Ferreira, tomou o partido do bispo e como o bispo tinha
dado dois contos de réis, dona Iaiá doou dois contos de réis e
arrecadou lista com sete contos e quinhentos réis. Dona Iaiá
tinha grande liderança entre as senhoras uberabenses e o
Santuário Diocesano de Santa Teresinha foi construído.
Ranulfo Borges, morador da praça Santa Teresinha, perdeu
nessa vez, pois houve a doação de parte da praça Aristides Borges
para a construção da capela, pela Lei nº 549 de 12 de novembro
de 1927. Sr. Ranulfo não era contra a capela, como bom profeta
político bem sabia que com a capela construída em honra da
santinha das rosas haveria de destronar o nome de seu pai da
praça Aristides Borges. Dito e feito. Aristides Borges teve seu
nome tirado da praça e foi para pequena rua de menos de 100
metros. Ranulfo era político de visão.
A antiga praça Santa Bárbara se chamou praça Aristides
Borges depois Santa Teresinha, destronando o nome de Aristides
Borges. Ranulfo adivinhou o futuro.
Ranulfo perdeu desta vez mas haveria de vingar-se fazendo
prevalecer sua opinião política quando na década de 1960 ele foi
o político mais influente em Uberaba durante a Revolução
Militar. Os padres capuchinhos derrubaram a capela antiga, em
1962, e já tinham destruído a capela em agosto de 1962 e no lugar
da capela de Santa Teresinha os capuchinhos, com auxílio de
todo o povo de Uberaba, construíram outra igreja muito maior
no mesmo lugar. Desejaram fazer um convento rente à igreja
Santa Teresinha onde instalariam alojamentos para

127
seminaristas, todas essas construções anexas à igreja, inclusive
com acesso interno do convento para a igreja, como é usual em
conventos capuchinhos anexos a uma igreja. No antigo convento
dos frades haveria de se levantar conjunto de apartamentos,
cobiçado por muitas imobiliárias. Os capuchinhos pensavam
assim : " Se quando o povo de Uberaba desejou construir uma
capela, a Prefeitura pela Lei 549 de 12 de novembro de 1927 deu
à igreja um terreno de 55 metros por 40 metros na praça da
capela, conforme o artigo 1º da referida lei, para nesse pequeno
terreno ser construída em 1926 uma capela de 15 metros, quando
agora o povo todo de Uberaba ajudou a construir uma grande
igreja 4 vezes maior, seria justo que o povo pretendesse da
Prefeitura um aumento dessa área na mesma praça. Os católicos
julgaram que tudo estava dentro da lógica. Frades e líderes
católicos de toda a cidade conversaram com todos os vereadores
e todos estavam de acordo. Ranulfo soube dessa unanimidade
política e, muito bem caladinho como sempre agia e sabia vencer,
deu um único telefonema e na hora da votação propaladamente
garantida a favor dos capuchinhos, com toda a surpresa do
mundo, ninguém sabe o porquê, a proposta dos católicos foi
recusada pela Câmara Municipal. Era assim que tudo acontecia,
em política e em tudo, nos anos da Ditadura Militar dos anos 60,
70 e 80 no Brasil. É por isso que a frente da majestosa igreja
Santa Teresinha na praça homônima é tão estranhamente
acanhada merecendo uma reforma na praça. Uma igreja tão bela
com a fachada principal tão desvalorizada por terminar
abruptamente em acanhada rua estreita que separa

128
drasticamente a igreja da praça, onde deveria estar folgadamente
assentada.
Ranulfo chamava o professor Carlos Pedroso, seu vizinho,
de menino ingênuo. Todo sábado o professor vizinho o visitava
ao alpendre. Conversavam sobre história antiga. Entendidíssimo
de Brasil e de mundo o coronel Ranulfo detestava o comunismo
e os "padres comunistas", na concepção dele, os padres que
favoreciam um melhor modo de vida para o povo simples. Tinha
um fordinho 29, que usava para ir uma vez por semana à sua
fazenda, até um pouco antes de sua morte. Era mau motorista na
cidade; perito na roça. Toda vez que entrava na garagem
amassava um pouco mais o fordinho marrom ou prejudicava os
pilares do portão da garagem. Tinha perdido um olho, mas lia
jornais muito bem. Ficava horas e horas no alpendre sentado,
fumando cigarro de palha e preparando uma jogada política,
sempre jogando com cartas marcadas.
Certo sábado, após o Ato Institucional 5º, que dava
autorização ao Governo para cassar políticos sumariamente sem
ter que dizer o motivo, o menino ingênuo, no alpendre daquela
casa, comentava que a Revolução de 1964 duraria só o segundo
mandato dos governos militares, o que daria uns 8 anos de
Governo Militar, pois a pressão do povo já se via presente nas
ruas. Ranulfo profetizou:
"Eu não digo que você é um menino ingênuo em política?
Pode crer que antes de vinte anos e até muito tempo depois a
perder de vista os militares não vão entregar o poder de jeito
nenhum. E se tiver oposição do povo o Exército vai contra o

129
povo e o dominará completamente, tudo pela força. Força é
força, menino. Eu até posso morrer antes disso. Você mais moço
vai ver isso."
E conforme sua própria profecia, Ranulfo morreu em 26 de
dezembro de 1979, uns dez anos antes de os militares entregarem
o poder aos civis. Ó boca de anjo profeta essa boca política de
Ranulfo Borges!
Nos tempos de 1930, Ranulfo foi o político que haveria de
solicitar um Delegado especial para Uberaba e vai ser o próprio
Ranulfo Borges que tempos depois vai pedir a saída do mesmo
delegado, como veremos adiante.

CHEGA A UBERABA O DELEGADO ESPECIAL

Para chefiar a delegacia de Uberaba chegou o delegado


especial major Jacinto A. Sacramento com ordem de fazer justiça
a qualquer preço e não aceitar influências políticas. Infelizmente,
esse delegado Sacramento continuou a utilizar o mesmo método
de Miano. Na frente de todos parecia honesto, mas ocultamente
fazia maldades, arbitrariedades e vinganças. Não havia
correspondência entre o que falava ou escrevia e o que agia.
O major assinava Jacinto A. Sacramento. Não gostava de
seu nome Jacinto. Era por causa das brincadeiras de mau gosto
em Uberaba, em certas ocasiões de desastre ou infortúnio: "Já
sinto mau cheiro de encrenca!" ou "Já sinto maldade nesse
caso!" ou "Já sinto má intenção!" ou ainda "Já sinto muita

130
mentira nisso tudo!" Por isso gostava só do nome Sacramento.
Era nome sagrado repetia sempre.
Vamos ter a oportunidade de provar o fingimento, lendo
sua carta datada de 3 de fevereiro de 1936, onde há provas de que
suas palavras eram umas e suas atitudes eram outras, muito de
acordo com a época de muito fraca democracia. O delegado
impunha sua vontade e a de seus amigos com quem às vezes até
planejava a vingança a ser aplicada. Como era major da Polícia
Militar, abusava da cega obediência a si devida por policiais de
graduação inferior e obrigava os soldados a praticarem as mais
atrozes injustiças, arbitrariedades e torturas. No dia seguinte ao
da vingança ainda se encontrava com os "amigos" para conferir
como havia sido feliz na prática do mal feito: "Você viu, fiz como
combinamos!" Sacramento procedeu tal qual procedia Miano,
com a mesma deslealdade à Justiça. O violento delegado
planejava toda sorte de estripulia. Tal qual Miano. Sacramento
não obedecia à política majoritária e, nesse ponto, acabou com o
antigo “mandonismo político”. Resolvia tudo na bravata, usando
só a força da autoridade e de seu cargo policial, dando contas de
sua atuação só à Polícia. Assumia em total ilegalidade o papel
próprio de um juiz togado, decidindo tudo com sua sentença
rápida sem dar a mínima atenção ao que as testemunhas
declaravam. Falaremos disso narrando a vida de Aurelino Luís
da Costa, ao final destas histórias. Naquele tempo, qualquer
desavença social entre partes, por menor que seja, era resolvido
pelo delegado. Na delegacia, no tempo de Sacramento, nada era
escrito. Tudo era resolvido por instinto. No “reinado” de

131
Sacramento, o Miano e Adelino eram figuras sem influência de
decisão alguma. Miano foi trabalhar em bem distantes
construções de diversos outros trechos de outras mineiras
estradas de automóvel. Mas Miano ainda agiu criminosamente
em Uberaba por várias vezes e nunca foi processado por
Sacramento. Miano ficou sem glória em Uberaba no tempo de
Sacramento.

MORTE DE MIANO

Depois de um ano, numa abandonada casa de tábua, em


acampamento de construção de estrada, Miano, após ter tomado
café, sentiu fortes cólicas e morreu poucos minutos depois.
Dizem que foi envenenado pelo próprio amigo Adelino Félix.
Medo e alguma desconfiança de ser assassinado por Miano.
Adelino ainda fez alguns crimes na região de Nova Ponte e
Itaquira.

MORTE DE ADELINO FÉLIX

Certa vez, Adelino apanhou muito de Manuel Francisco,


também "matador" profissional que acobertava sua vida de crime
com a disfarçada profissão de trabalhador de roça sem nunca ter
pegado em uma enxada. Após a surra, Adelino foi juntar-se a
seus colegas de construção de estradas, como se nada tivesse
acontecido, mas no dia seguinte ele e mais alguns colegas, de
noite, foram incendiar a casa de Manuel Francisco. No dia
132
seguinte, quando Adelino estava, com seus companheiros,
almoçando no galpão, Manuel Francisco, munido de uma velha
carabina, apareceu de repente atrás de uma moita e atirou. A bala
passou de raspão em Adelino, que saiu ileso, matando um outro
empregado da companhia de construção de estradas de rodagem.
Adelino não morreu pelo tiro de Manuel Francisco, mas depois
disso toda turma de Adelino desbaratou-se e ele fugiu, vivendo
dali por diante sempre sozinho. E alguém supor que Adelino
abandonou a vida de valentia está enganado. Muito velho,
Adelino trabalhou como guarda noturno do frigorífico de
Uberaba dos Rodrigues da Cunha, nos anos 63 ou 64, quando já
velho matou estudante que namorava no escuro perto da portaria
do frigorífico que foi também dos Irmãos Teles. Adelino nunca
foi preso, tendo morrido com mais de 80 anos.

AS ANEDOTAS FOLCLÓRICAS DO
DELEGADO SACRAMENTO

Todo injustiçado uberabense, em todo acerto de contas


entre partes, à simples ameaça de chamar o delegado Sacramento
logo via valer seus direitos de cidadão. Por isso o delegado era
uma bandeira da justiça contra opressores e a favor de
oprimidos. Tudo isso a seu modo e segundo sua particular escala
de valores morais e éticos. Nem sempre bem, pois nem sempre
era correto seu critério sobre o que é opressão e do que seja
oprimido. Em geral, para Sacramento, político, seu amigo, nunca

133
era opressor. O credor nunca era réu. A situação política sempre
deveria ter razão e obedecida. Ordem é Ordem.
Alguém viajando por São Paulo ou Rio, ao ouvir lá anedota
de valentão, chegando a Uberaba a contava, colocando o nome
do delegado Sacramento como personagem central, usando
também o nome do todo seu desafeto político como o trapalhão
e perdedor anedótico.
Muita coisa foi inventada e não vale a pena mentir contando
histórias que não aconteceram em Uberaba. Deixo de repetir
nove anedotas que relatam, mas que certamente, como estas
anedotas são conhecidas em todo o Brasil, não se referiram só a
Sacramento. Mas há uma história muito conhecida em Uberaba
que realmente aconteceu na rua padre Zeferino, que até a década
de 1930 era a melhor rua comercial de Uberaba e onde moravam
vários libaneses proverbialmente muito seguros a seu dinheiro
ganho com muita dificuldade, à época.

O POÇO E A ESMOLA

Um libanês contratou senhor recém vindo da roça para


abrir poço em seu quintal. Combinaram o preço de 50$000
(cinquenta mil réis), que era muito dinheiro, pois, trabalhador
braçal ganhava à época 1$500 (mil e quinhentos réis) por dia.
Seria a retribuição de 33,33 dias de serviço braçal; uma
importância jamais entregue de mão beijada por nenhum
comerciante. O poceiro alegou que estava pedindo preço alto
porque poderia trabalhar até uns 6 dias cavando na pedra bruta

134
e, se trabalhasse até 10 dias, o preço seria sempre o mesmo e
tinha ainda de pagar ajudante. Acertaram o preço em 50 mil réis.
Era meio dia. Ficou tratado o serviço para o dia seguinte, pela
manhãzinha. Pela tardinha o sabido, bem entendido e experiente
poceiro, visitou terreno vizinho acima do local onde cavaria o
poço no dia seguinte. Estudou cuidadosamente a curvatura do
terreno e calculou por onde estaria o veio d´água. Com sua
grande experiência, adivinhou com sabedoria a direção tomada
por esse veio d´água naquela encosta de morro. Tendo ajudante,
começou a cavar o poço às 6 h 00. Com sorte, pelas 17 h 00 do
mesmo dia encontrou abundante água e estava terminado o
serviço fácil para 50 mil réis. O libanês não quis pagar os 50 mil
réis prometidos, alegando serviço fácil. Pagaria só 20% do
combinado porque o trabalho foi de um só dia e não em 6 dias. A
queixa foi parar com o delegado Sacramento que, pessoalmente,
compareceu ao local da contenda. O libanês e o poceiro na frente
de Sacramento. Falaram cada um a sua vez. A certa altura,
perdendo a paciência, o libanês jogou 5 notas grandes e novinhas
ao chão gritando: "Tá certo, tome de esmola os 50$000." O
poceiro pegou o dinheiro. Parecia tudo resolvido. Puro engano.
Sacramento sentenciou: "Agora o senhor pague os 50$000 ao
poceiro, por justiça!" O libanês retrucou que já tinha pago tudo
um minuto atrás, como o próprio delegado presenciara. O
delegado sentenciou: "O senhor não pagou. Jogou aquele
dinheiro dizendo que era de esmola. Agora pague os 50$000
pelo preço do serviço terminado!" E foi assim que o poceiro

135
ganhou num só dia 100$000 (cem mil reais), preço de 66 dias de
serviço braçal, à época, o dobro do combinado.

AS VIOLÊNCIAS DO MAJOR SACRAMENTO

Usava pau de arara, que é aparato circular de madeira onde


cabe uma pessoa de braços e pernas formando a letra "X". Cordas
puxam nas quatro extremidades causando dor insuportável em
todos os músculos do corpo humano. A pessoa não consegue
dormir por uns dois dias até que a luxação muscular geral
melhore. É uma tortura.
Mesmo em processo a ser enviado ao Fórum, o delegado
especial prendia a torto e a direito. Prendia até para simples
averiguações. Em caso sabido que a testemunha iria negar-se a
colaborar com a polícia, ficava muito bravo. Deixava
incomunicável por uns dias sem que ninguém na cidade o
soubesse. O delegado especial tinha até filosofia para ditar a
melhor hora de prender uma pessoa. A melhor hora de prender
nunca era quando o possível indiciado estava em sua própria
casa. Causava clamor entre vizinhos. A melhor hora era na saída
do trabalho. Não chegando em casa, sempre deixaria nos
familiares alguma dúvida sobre alguma falcatrua praticada às
escondidas pelo procurado pela polícia. Continuando na filosofia
do major, a situação de incomunicável faz o indivíduo ficar
pensando que seria melhor colaborar com a polícia, que tem
poder até de tirar a liberdade de alguém, sem direito de defesa.
As pessoas importantes ficavam em sala livre, mas também

136
incomunicáveis. O método de Sacramento era este:
incomunicável, a vítima pensaria melhor no que deveria
espontaneamente revelar ao delegado para se livrar quanto antes
do incômodo de ser testemunha "oficial" em documentário
escrito, o que poderia resultar, algum tempo depois, em vingança
por parte de algum denunciado. Confessando tudo ao delegado,
este nada escreveria e tomaria as providências de fazer outros
culpados confessar o erro ou crime. Assim quem contasse tudo o
que soubesse ao delegado poderia sair logo da cela incomunicável
e sair jurando que nada dissera e fora solto por nada saber do
assunto em questão. Quem falasse facilmente era bem tratado na
delegacia. Às vezes, antes de ser interrogado, após somente
algumas horas de solidão, o preso já pedia para se apresentar ao
delegado para contar tudo o que sabia, mesmo sem ser
perguntado. Quem não falasse ou se fosse pego em até pequena
contradição tomava purgante de óleo de rícino e, depois de
passar três dias sem comer, bebia sua própria urina misturada
com sal amargo e até engolir um pouco de suas fezes torradas ao
fogo, disfarçadas em cheiro e sabor pelo acréscimo de sal de
cozinha e temperos bem fortes e bem usuais na cozinha
brasileira.
Havia o purgante para casos mais leves. Mas os castigos
sujos eram cada vez mais sujos em proporção da pirraça do
detento em não querer colaborar com a polícia.

137
COMO O DELEGADO ESPECIAL
SAIU DE UBERABA

Está na hora de
perguntar: como o major
Sacramento saiu de Uberaba?
Foi por causa da prisão do
comerciante Aurelino Luís da
Costa e da prisão do médico dr.
Boulanger Pucci. A gota d´água
mesmo foi a prisão de dr.
Boulanger Pucci que já tinha
sido precedida da prisão de
BOULANGER PUCCI Aurelino Luís da Costa. Essas
duas gotas d´água entornaram o nível da tolerância com a tortura
e a arbitrariedade. Na ordem natural das coisas, a prisão de
Aurelino aconteceu antes da prisão de dr. Boulanger Pucci. Mas
vou inverter a cronologia, para melhor desfecho da história
romanceada pelo folclore na boca do povo.
A saída do delegado bravo foi assim. Certa vez Sacramento
mandou recado malcriado para o dr. Boulanger Pucci, médico
importante que foi até prefeito da cidade. Boulanger revidou o
desaforo não reconhecendo a autoridade de Sacramento. O dr.
Boulanger foi preso por desacato. Mas antes se armou de revólver
à cintura, não permitindo que ninguém na delegacia o revistasse.
Sacramento foi logo gritando para um sargento para ir
preparando um copo de purgante para o dr. Boulanger, que pelo
138
jeito não estava disposto a colaborar para a "verdade". Dr.
Boulanger Pucci gritou também ao mesmo sargento que traria o
purgante: "Traga logo 2 copos."
Interrogado pelo delegado para quem seria aquele segundo
copo, o valente médico esbravejou: "O segundo é para você, seu
safado, pois, se eu tomar, você vai tomar junto, à força também.
Na luta, um de nós dois haverá de morrer ou aqui ou lá fora.
Fico preso um ou dois dias, pela arbitrariedade. Mas pelo
simples fato de ter discordado de um delegado, não se
sujeitando a tomar forçadamente um purgativo, isso não será
considerado crime e portanto logo terei de novo a liberdade.
Prometo que em liberdade eu o enfrentarei na rua de revólver
em punho e vamos ver qual de nós dois sobrará para dizer quem
é o valente.”
Pela primeira vez na vida, Sacramento se acovardou,
soltando imediatamente o dr. Boulanger Pucci. Começou ali
naquela hora a decadência da autoridade do delegado especial
tão valentão e arbitrário. A corda sempre muito usada, um dia
acaba arrebentando.

POR QUE AURELINO LUÍS


DA COSTA FOI PRESO?

Que fez de mal Aurelino Luís da Costa para ser preso pelo
major Sacramento? Nada. Muita tempestade em copo d´água.
Isso prova que o major Sacramento era de fato mau caráter que
se aproveitava dos mínimos detalhes desafortunados para
139
humilhar até bons e pacatos cidadãos. O caso foi assim. Aurelino
tinha um genro, o Pedro Farnezi, casado com a sra. Maria Jaci
Costa Farnezi. Pedro era trabalhador que, não tendo profissão
fixa, muitas vezes era representante de firmas paulistas junto ao
comércio triangulino e até goiano. Era homem trabalhador e
ótimo chefe de família. Mas por algum motivo de dificuldade
passageira, deixou de cumprir algum compromisso financeiro
para com comerciante paulista. Naquela década de 1930, de
ditadura de Getúlio Vargas, a justiça forense era usada quase que
exclusivamente para grandes crimes de sangue. Casos de
insolvência de compromissos financeiros era levado ao delegado,
que sempre ganhava propina do interessado. Era a estrutura
policial da época. Com tal estrutura bem se pode ver que em todo
e qualquer contenda sempre o credor tinha razão e tinha que ser
vencedor da contenda na delegacia, pois só assim poderia o
delegado vir a receber alguma propina. O major Sacramento
tinha um lema como princípio de aplicação da justiça militar e
por esse princípio se nortearia por toda a vida: "Em questões de
dívida, quem tem razão é sempre o credor, nunca o devedor."
E foi por causa desse princípio de filosofia policial que
Farnezi foi envolvido mas malhas injustas do major Sacramento,
que envolveu também seu bondosíssimo sogro Aurelino Luís da
Costa. A intenção maldosa do delegado era fazer Aurelino, que
era rico, pagasse facilmente a dívida de seu genro e tudo acabaria
bem para o bolso do delegado. Mas Aurelino era homem de fibra
e resistiu até às últimas consequências. Azar do delegado.

140
O RASCUNHO DA CARTA DE AURELINO

Houve três cartas, de que tenho duas. Em 1998 escrevi ao


4º Batalhão da Polícia Militar de MG procurando conhecer o que
o comandante da época teria escrito em dezembro de 1935 a
Aurelino. Não foi possível ao atual comandante conseguir cópia
daquela carta pois não obtive nem sequer resposta do 4º
Batalhão.
Mas em arquivos da família Luís da Costa encontrei este
rascunho de carta:

“Exmo Sr. Major Jacynto Sacramento


DD Delegado Especial do Município
Atenciosas saudações
Havendo surgido, contra minha vontade, um mal entendido, a
propósito de que se deu comigo na noite de 25 do corrente, com
surpresa, li a carta do sr. Comandante do 4º B.C. a mim
dirigida.
Sem outra intenção a não ser o apaziguamento de espíritos
conturbados, sem motivo, bem como evitar certa exploração
que se vem fazendo em torno do meu nome e do meu caso, sirvo-
me da oportunidade para esta explicação que faço sob o
testemunho de Deus, a fim de cessar a indisposição que por
ventura exista contra mim. Ficaria satisfeito de considerar
terminado tal incidente para minha tranquilidade.”
Até aqui letra do rascunho da carta e depois seguem-se
palavras finais de autoria do rábula Alexandre Lacerda,

141
frequentador diário da casa Aurélio para conversas políticas e
sociais. Alexandre Lacerda, o rábula, certamente foi quem
datilografou a carta ao major Sacramento e se leem com sua letra
as palavras finais do rascunho:
“Agradecendo-lhe, pondo-me ao seu inteiro dispor e
amizade. ...”
A carta do comandante do 4º Comandante de 1935 deve ter
sido proposta conciliatória entre o major Sacramento e Aurelino.
O comandante deveria, por corporativismo, tentar que não
houvesse a saída do major Sacramento, que já se vislumbrava
como certa.
Em resposta à carta de Aurelino, o major Sacramento
escreveu a seguinte carta que li no original. O major pensou que
esta carta resolveria o caso de sua permanência em Uberaba e
portanto escreveu escolhendo bem as palavras de conciliação,
mas demonstrando ter razão em tudo o que fez. Mas não deu
certo essa tática:

“Uberaba, 3 de fevereiro de 1936.


Illmo. Sr. Aurelino Luís da Costa.

Saudações.

Tenho em mãos a vossa carta de 31 do mês p/passado, na


qual procura harmonizar o incidente que infelizmente houve
entre vós e o abaixo assinado.

142
Em resposta venho declarar-vos que sempre foi o meu
feitio, como militar que sou, procurar conviver na mais perfeita
harmonia e camaradagem com todos os civis, sem distinção de
classe, não permitindo jamais que nenhum cidadão venha
menoscabar a minha autoridade, sob qualquer pretexto.
Sinto-me satisfeito em ver que vos reconhecestes a
precipitação do vosso ato que teve por consequência os factos
tão desagradáveis para ambos.
O ofício que o senhor Comandante vos dirigiu, foi
simplesmente impulsionado pelo espírito de classe e também
por saber que a razão estava comigo e, em virtude da
exploração que acredito ter havido com o vosso nome, em torno
da minha pessoa, surgindo os mais desbaratados comentários
revestidos de ameaças etc.
Não tenho nenhum interesse em conservar desafetos e
também sei esquecer algum gesto de leviandade que venha ser
praticado por algum, em um momento de irreflexão, assim,
sinto-me bem, em dar por terminado o mal entendido havido,
assegurando-vos, com a fidelidade da farda que tão
orgulhosamente envergo, que serei incapaz de conservar a
menor prevenção de espírito contra vossa pessoa.
Sem outro motivo pelo momento, subscrevo-me mui
Atenciosamente
Maj. Jacinto A Sacramento.”

143
FILOSOFIA DE FÓRUM, DE DELEGACIA
E DE REPARTIÇÃO PÚBLICA NA
DÉCADA DE 1930

Nenhum delegado, nenhum representante judicial ou


funcionário público da época negava ao credor seus direitos
cívicos. Assim era a ética policial. O credor de uma dívida não ia
ao juiz. Ia ao delegado. Era assim o costume, sobretudo policial
da época. Só se deveria favorecer o cidadão em melhor situação
econômica. Pedro Farnezi era genro de Aurelino Luís da Costa.
Com negócios de revenda de máquina de costura SINGER ficou
devendo a uma firma de São Paulo. Tendo o paulista credor de
Pedro Farnezi ido à delegacia falar com major Sacramento, este
imediatamente já entende que Pedro Farnezi não tinha razão e
deveria ser perseguido pela lei até pagar o que devia. Era assim a
filosofia policial da época.
Naquele tempo todo delegado intimava o devedor a pagar
ao credor. Intermediava a questão. Recebia uma quantia do
credor no fim da solução do caso. Sacramento para garantir que
Pedro Farnezi pagasse à Singer quis envolver o sogro Aurelino
para forçar que o credor recebesse de Pedro Farnesi. Sacramento
manda um recado malcriado a Aurelino, tentando atemorizá-lo.
Aurelino, justo de cidadania e religião, manda dizer ao delegado,
pelo próprio portador, que não iria à delegacia alguma, pois sogro
nada tem a ver com a dívida pessoal do genro. O delegado apenas
recebeu o recado julgou-o também "mal criado", ordenando a um

144
par de soldados para prender Aurelino, que foi trazido
imediatamente, com grande aparato. O caso abalou a cidade,
pois, Aurelino era conceituado cidadão, espírita de renome,
fundador do centro espírita Vicente de Paulo, também hoje
conhecido como centro do sr. Joaquim Tomás, até hoje em
atividade. O centro tem o benemérito serviço social inclusive com
um anexo asilo de velhos, à rua Capitão Manuel Prata. No tempo
de Aurelino, o centro espírita proporcionava donativos em
dinheiro, gêneros alimentícios e em agasalhos, até fazia muitos
enterros para pessoas pobres, mantendo conta de acerto mensal
com a funerária Pagliaro. Em apuros financeiros, todo pobre se
dirigia às portas do estabelecimento comercial Casa Aurélio de
Aurelino, pedindo empréstimo até o próximo pagamento.
Aurelino era muito conceituado socialmente. Era esperto em
suas caridades. Com 3 ou 4 perguntas conhecia a verdadeira
necessidade de qualquer pobre pedinte e sempre atendia à
pessoa verdadeiramente necessitada de auxílio. Sabia distinguir
esmola de empréstimo financeiro. Tinha uma caraterística.
Sempre cobrava mesmo uns minguados milréizinhos (1$ 000)
que dava como empréstimo, mesmo a pobres. Cobrava se a
pessoa precisava só temporariamente para acudir alguma
urgência do necessário em casa. Nunca cobrou nada pelo que
dava de esmola. Nem cobrava juro de pobre. Como emprestava a
muitos pobres, o povo logo folcloricamente comentava que ele
emprestaria muito a ricos, portanto ele deveria ter muito
dinheiro, pois emprestava muito. E quem empresta recebe juros.
Quando faleceu a 15 de abril de 1978, deixou 80 casas, frutos de

145
seu trabalho como competente comerciante na Casa Aurélio,
onde vendia sais minerais e remédios para gado e alguns
produtos de fazenda. Também sabia administrar mensalmente
os aluguéis que recebia, nunca tolerando atrasos e sempre
procurando solucionar bem toda pendência com os fiadores de
suas casas alugadas. Morreu sem ninguém lhe dever nada. Isso é
que é ser bom administrador. Seu pai Aurélio, nascera em
Uberaba no dia 17 de agosto de 1870, no dia em que em Uberaba
aconteceu geada brava, que cobriu a cidade com 10 centímetros
de gelo. Deve ter havido algum fenômeno atmosférico
desconhecido, pois em várias partes da região foram encontrados
enormes blocos de gelo que se derreteram só depois de alguns
dias. Os pequenos riachos da região apareceram completamente
congelados. O povo começou a comentar: aqui está virando
Europa.
O pai de Aurelino era peão, carreiro de carro de boi, na roça.
O menino Aurelino, descalço e roupa de algodão tecido na roça,
ajudava o pai como candeeiro, segurando varinha à mão,
andando sempre na frente do carro de boi. Se teve alguma coisa
na vida foi a custo de muito trabalho.
Foi preso o Aurelino Luís da Costa, homem boníssimo, de
distinta família e proprietário de muitas casas de aluguel em
Uberaba. Foi preso e tomou purgante e por isso foi muito
humilhado na cidade.

146
A PERSPICÁCIA DE RANULFO
BORGES DO NASCIMENTO

Na questão entre Sacramento e Aurelino, o ´povo ficou do


lado de Aurelino. O clamor foi geral. Os pobres serviram de voz
de Deus, cuja justiça é perfeita. Aí entrou a perspicácia de astuto
político de Ranulfo Borges Nascimento, chefe político muito
sabido. Julgou, e muito bem, que depois da prisão de dr.
Boulanger Pucci já estava na hora de dar um basta nessa situação
de vandalismo na delegacia de polícia. Condicionou o apoio
político de Uberaba ao Governo Mineiro à transferência
incondicional e imediata do delegado. Belo Horizonte acatou a
solução de Ranulfo. Tiro e queda. Aurelino Luís da Costa foi a
penúltima e dr. Boulanger Pucci a última vítima do despótico e
injusto delegado que logo foi afastado, em 1936, após "reinado"
de quase 10 anos.

AURELINO LUÍS DA COSTA

Conheci pessoalmente Aurelino Luís da Costa, já idoso,


andando devagar em seu escritório, trabalhando, em 1959,
quando já tinha fechado sua famosa Casa Aurélio, à praça Frei
Eugênio n. 37. Nascera a 2 de junho de 1897. Aurelino trabalhava
muito. Por isso ficou rico embora muito pobre em sua infância.
Deixou grande herança. Os boatos no dia de seu enterro foi que
possuía 800 casas. Exagero. Deixou tão só 80 casas, embora em

147
seus tempos áureos tenha chegado a 120 e muitos terrenos. Tudo
fruto de boa administração.
Na Casa Aurélio, todo santo dia para lá se dirigiam dois
grandes amigos e confidentes, o rábula Alexandre Lacerda e
Eustórquio Pinheiro, ambos muito políticos. Eustórquio tinha o
apelido de Torgico, era pai do grande radialista J. Pinheiro,
recentemente falecido.

OS BIRUTAS

Tanto Aurelino Luís da Costa como o rábula Alexandre


Lacerda tinham longínquo parentesco com a lendária família
Pinto Baião, de tronco familiar famoso, "os Birutas", que eram
ricos, tinham sítios aqui e acolá, eram "valentes" e unidos em
qualquer encrenca com quem quer que seja. No tempo ainda em
que a cidade de Água Comprida pertencia a Uberaba, um Pinto
Baião matou a esposa, filhos, moradores da cercania, além de
cachorros veadeiros e perdigueiros, porcos, vacas, bezerros e
galinhas e veio a Uberaba contando à polícia que ele tinha
chegado na fazenda e se deu conta da grande matança, pedindo
para a polícia ir lá mas ele não queria ir. A polícia o levou e viu a
matança. Um detetive foi perguntando isso e aquilo e foi notando
incoerências na versão do Biruta. O detetive esperto procurou
explicação disso e daquilo. Por fim o próprio Biruta acabou
confessando a autoria daquela matança toda, voltando preso
para Uberaba.

148
BARGANHA

Outra vez, um outro Biruta vinha vindo pela serra da Galga,


perto do posto Borgico, com seu carro de bois de oito juntas de
bois grandalhões e bem treinados quando no caminho
encontrou, em direção oposta, carro puxado por duas juntas de
magrinhos cabritos também bem treinadinhos. O Biruta
conversou com o carreiro dos cabritinhos e ficou sabendo da
praticidade do carrinho. Julgou que em seu pequeno sítio ele
pudesse ser mais útil que o grande carro de bois. Trocou o carro
de boi pelo carrinho de cabritos e ia voltando para seu sitiozinho
quando, não sabendo ainda dirigir bem carro de cabritos, em
descida de serra as juntas de cabritos caíram na ribanceira. Lá
em baixo o carrinho destruiu-se por completo. A metade dos
cabritos se machucou muito com quebraduras e a outra metade
fugiu e nunca mais encontrada. Assim mesmo, o Biruta contava
vantagem da barganha, mesmo tendo de voltar para casa a pé.
Não era tão raro assim nas fazendas o uso de carrinho de bode.
Era até brincadeira de jovens na cidade. Aqui em Uberaba existiu
bancário, que depois se formou odontólogo na faculdade de
Odontologia de Mário Palmério. Esse dentista, dr. José Ciriani,
contava que quando rapazinho com seu irmão Milton fabricaram
carrinho de cabrito e passeavam pela cidade, por folguedos. Certa
vez em uma descida os cabritos desembestaram morro abaixo e
o carrinho se desastrou e acabou para sempre tal folguedo.
Houve repreensão em família porque os cabritos não eram dos
jovens.

149
DESMATERIALIZAÇÃO

Mas o caso dos cabritos não foi o caso mais comentado


naquele final de século XIX em Uberaba, pois em uma estripulia
própria dos Birutas, uma mulher Biruta foi presa. Muito
comentou-se em Uberaba que, por várias vezes, a mulher, de
noite, apenas encostando a testa na grade de ferro de sua cela
carcerária se desmaterializava. Saía da cela e amanhecia
sossegada varrendo o pátio da cadeia. Quando os soldados a
recolhiam novamente, inexplicavelmente, notavam que a porta
da cela estava bem fechada e trancados tanto o ferrolho de
segurança como o grande cadeado, cuja chave estava na gaveta
da escrivaninha do delegado. Foi muito comentada essa
desmaterialização acontecida várias vezes. Certa vez até, o
próprio governador de Minas visitou Uberaba só para conhecer
os detalhes do muito comentado fenômeno.
É claro que nunca houve desmaterialização alguma na
cadeia de Uberaba. O que deve ter acontecido é grande amizade
entre a mulher biruta e um policial ou carcereiro, que, por
alguma vantagem pessoal, soltava a biruta de sua cela. Esse tal
policial, surpreendido em dispensar favores ilícitos a detentos,
inventou essa história da desmaterialização.
Aurelino e o amigo Lacerda contavam, de vez em quando,
essas histórias, nas manhãs de conversa ao balcão da Casa
Aurélio, mas sempre acrescentando: "Ainda bem que nó dois só
temos um muito fraco e longínquo parentesco com os Pinto
Baião. Nosso ramo não tem nada a ver com os Birutas".

150
TIROTEIO FINAL NO BREJO

Propriamente eram dois os grupos de Birutas. Os dois


grupos desapareceram de Uberaba, ou melhor, foram
exterminados. Uma pessoa do grupo dos Pinto Baião matou uma
do grupo de lá. Dentro em breve veio a vingança e apareceu
morto um biruta do grupo de cá. Vice versa em "motu continuo”
aconteceu, certo dia, que as duas famílias restantes se
defrontaram em tiroteio que subia morro e descia morro, em
emboscadas sem fim. Até que os dois grupos se precipitaram
num brejo onde ficaram atolados. O muito lento movimento das
pessoas facilitou a melhor pontaria de ambos os lados. Assim
todos morreram. Acabou-se a dinastia dos Birutas do ramo Pinto
Baião, dos quais só vingaram a descendência dos Pinto Baião não
birutas.

O SEGREDO DA RIQUEZA DE AURELINO

Não estou afirmando que os fatos se deram assim. Registro


só o folclore como o povo simples entendia a fortuna de
proprietário de mais ou menos umas 800 casas. Estou
registrando uma lenda, um folclore, e nunca uma história
verdadeira. Recolhi de pessoas simples na década de 1960. A
pessoa rica é muito invejada pelos pobres, que se "vingam"
inventando anedotas contra os ricos.
Alguns folcloricamente acreditavam que conseguia muita
coisa porque era protegido do céu pois fazia bem para a pobreza.
151
O folclore registra que Aurelino comprava só casas abandonadas,
mal conservadas e as de difícil solução inventarial.
Vou contar o que ouvi de figuras populares de Uberaba.
Nada de verdade, só folclore. A verdade sem folclore é que
Aurelino tinha dinheiro, comprava e pagava à vista todo imóvel
que lhe ofertassem, sempre declarando ele mesmo sua única
condição:
"Só eu ponho preço nas coisas que compro".
Esse foi o único segredo de sua riqueza.

ALMAS DO OUTRO MUNDO

Folclore é folclore. Registro o folclore uberabense que diz


que ao pretender comprar determinada casa assim abandonada,
Aurelino fazia espalhar boato de que “aquela casa era
assombrada”. O boato era divulgado na praça. Começavam
acontecer fenômenos estranhos. Seriam os espíritos de mortos
que, propositalmente, assombravam casas abandonadas para
auxiliar a fortuna de Aurelino que só sabia fazer o bem para os
pobres. Com o boato de assombração acolhido na praça, muitos
vizinhos da casa assombrada comentavam que realmente por
várias vezes ao mês vinham ouvindo perfeitamente ruídos de
pedras rolando telhas abaixo, assobios noturnos e ventos fortes
abrindo portas bem trancadas, até em noites de calmaria. E até
havia juramentos pela mãe que tinham visto vidros que se
quebravam sozinhos, nas janelas, quando estavam passando pela
calçada de noite. Outros juravam que altas horas da noite

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apareciam luzes vagando sobre o telhado e dentro daquelas casas
inabitadas. Resultado? O resultado era sempre a imediata
desvalorização do preço do imóvel, cujos parentes por medo de
maior desvalorização logo procuravam o rico comprador
Aurelino, que sempre o comprava pagando à vista. Cheguei em
Uberaba, em 1959, para estudar. Desejei alugar uma casa para
morar. Aurelino seria minha solução, disseram-me.

TRÊS ASSASSINADOS

Folclore é sempre invenção da fantasia popular. O que eu


ouvi vou contar. A história dos três assassinatos por vingança
podem ter acontecido sem nenhuma culpa de Aurelino. Pode até
ser que nem tenha havido nenhum assassinato. Tudo invenção
folclórica do povo que gosta de inventar o triunfo do Bem e o
castigo do Mal.
Em 1959 me contaram que, na prisão, Aurelino teve
realmente de tomar purgante e sua própria urina. Não fosse a
presença inesperada do major Sacramento na sala de tortura
quando Aurelino estava para ser torturado a mando do delegado,
Aurelino nunca teria tomado coisa suja. Era sabido o Aurelino.
Preparou com antecedência sua proteção contra as maldades
sujas conhecidas da delegacia de Uberaba. Como era espírita,
logo depois de ser preso, tinha recorrido a um recurso que o
beneficiasse, em caso de ter de tomar sujeira. Delicadamente e
como líder espírita fez sermão para converter os três corações dos
soldados torturadores. Aurelino calculou quem seriam seus

153
possíveis torturadores a mando de Sacramento. Encontrou logo
jeito de os reunir na prisão, para lhes fazer sermão mais ou
menos assim: "Olhem, vocês devem se lembrar que se vocês
maltratam pessoas do povo com muitas torturas, agradam ao
delegado, mas isso não vem do Bem mas vem do Mal. Olhem.
Vão para casa e peguem uma bola atirando-a contra a parede.
Ela vai voltar contra vocês com a mesma força com que vocês a
atiraram contra a parede. Assim acontece com quem pratica
tortura. O mal vai voltar contra o torturador, um dia."
Os soldados muito impressionados depois disso, mesmo
recebendo ordens de torturar Aurelino, não o fizeram, mas
diziam ao delegado que tinham feito. Pararam de prometer
tortura a Aurelino. Mas dizem que no dia seguinte chegou a hora
da tortura. Seria sessão de puro fingimento de tortura que os três
soldados fariam perto de Aurelino. Fingiriam torturá-lo. Mas
inesperadamente apareceu Sacramento pessoalmente para
assistir à sessão de tortura. Não teve jeito. Os soldados que
tinham prometido a Aurelino mudar de vida de "medo da bola
voltar para o lado deles" não puderam fingir tortura na presença
do delegado. Torturaram. Aurelino bebeu sujeira.
Passado muito tempo depois de ter saído da prisão,
Aurelino conseguiu habilmente ocasiões para matar os três seus
torturadores. Um foi bem difícil de ser encontrado em Belo
Horizonte, pois já havia se aposentado. Morando na Bahia,
viajava para a capital mineira muito raramente, de tempos em
tempos, em época em que os soldos dos militares aposentados
atrasavam até 4 a 6 meses. Só vinha à capital mineira quando

154
sabia que estava pronto o pacote dos vencimentos atrasados.
Dizem que tinha se arrependido e que morava na Bahia de medo,
pois soubera do já acontecido com os outros seus dois colegas.
Embora com costume de vir raras vezes a Belo Horizonte, assim
mesmo, certo dia, em Uberaba, Aurelino recebeu a orelha dele
enrolada num paninho igualzinho ao tecido de farda militar,
como era o costume dos jagunços que só recebiam recompensa
prometida pelo crime mediante prova do serviço do Mal já feito
e bem feito.
Aurelino fez seu testamento em vida e o confiou a um Banco
que só o entregou ao advogado encarregado pelo inventário.
Tudo bem definido.

MÃO VINGADA

No falar de embrulho com orelha de gente vingada,


contaram-me outro caso folclórico que aconteceu em Uberaba
após a morte do ilustre advogado, na abertura do cofre da casa
do dr. Pelópidas Tomé da Fonseca. Certa vez o dr. Pelópidas foi
muito caluniado e humilhado, tendo recebido tapa de um
desafeto. Fingiu que não se aborreceu. Mas em uma boa ocasião
contratou alguém para matar o desafeto. Para recibo do
pagamento, pelo preço combinado, recebeu a mão que o
esbofeteara, sempre guardada no cofre para lição de terceiros
imprudentes a quem contava o que guardava. Quando da morte
do advogado, a família, abrindo o cofre, achou o embrulho. A mão

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imediatamente foi enterrada no cemitério local, juntando-se ao
corpo a que fazia parte em vida desaforada.
Vamos analisar o teor da carta do delgado, publicada acima,
datada de 3 de fevereiro de 1936?
Ressalto a expressão dessa carta de 03 de fevereiro de 1936,
em que o delegado diz que procura "... conviver na mais perfeita
harmonia e camaradagem com todos os civis, sem distinção de
classe, não permitindo jamais que nenhum cidadão venha
menoscabar a minha autoridade, sob qualquer pretexto."
E que dizer da carta de Aurelino ao Delegado escrevendo:
“Ficarei satisfeito se considerar terminado tal incidente
para minha tranquilidade”.
Puro fingimento do delegado. Puro fingimento também de
Aurelino que pôde depois dar ótimo golpe político solicitando à
política uberabense o afastamento de Sacramento,
imediatamente.

MORTE DO MAJOR SACRAMENTO

Mas depois que ouvi tudo isso que contei para vocês,
perguntei, certa vez, a meu último informante: "Como foi a morte
do major Sacramento?"
"Ah! Professor, já estava me esquecendo. Boa pergunta. A
bola da história da parede, que lhe contei, voltou também com
toda força contra a saúde do major Sacramento. Terrível
sofrimento o foi matando aos pouquinhos, como era vontade de
muita gente, que não queria de jeito nenhum que sua morte

156
fosse repentina. Deveria morrer depois de muito sofrer em
tortura demorada de terrível doença de pele que ia se
despregando do corpo, tornando visível carne viva e osso em
inúmeras feridas, profundas que lhe corroíam a pele e os
músculos a tal ponto que, pelas feridas bem se podia ver a
brancura dos ossos ilíacos e do osso mucumbu ou osso-do-pai-
joão como o povo simples costuma apelidar o osso cóccix." E
meu informante sentenciou: "Puxa! O povo brasileiro em seu
folclore costuma fazer o torturador morrer sofrendo muito mais
na fantasia do que a fraqueza humana realmente lhe reservou.
Mas em muita coisa eu imagino que realmente ele morreu assim
sofrendo muito mesmo. Aquilo só pode ter sido obra de alguma
magia encomendada. E magia das bravas, professor!"

CARRO DE BOI

No princípio deste século, em Uberaba, a população rural


era infinitamente superior à urbana. Toda comercialização era
feita com carros de bois. A proibição de tráfego de carros de bois
pelo centro da cidade se deu a 14 de fevereiro de 1931 no Governo
Guilherme Ferreira. No início do século, até as pessoas falecidas
na fazenda chegavam de carro de boi a Uberaba. Assim foi em 17
de setembro de 1917 o enterro do sr. Irineu Aristides do
Nascimento, pai do grande político do partido Pachola de quatro
costados, sr. Ranulfo Borges, este progenitor do deputado Leão
Borges.

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O presente livro teve sua
composição, em computador PC-
Intel Core Duo 300 GHz e sua
organização procedidas nos meses
anteriores, sendo publicado neste
blog no mês de Janeiro de 2022, em
Uberaba/Brasil.

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