Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CARLOS PEDROSO
2
HISTÓRIAS E ESTÓRIAS
DE UBERABA
CARLOS PEDROSO
Janeiro 2022
Planejamento Editorial
Guido Bilharinho
(guidobilharinho@yahoo.com.br)
Capa e Foto
Guido Bilharinho
Edição
Revista Dimensão Edições
Av. Leopoldino de Oliveira, 4464 – Sala 301
38065-165 Uberaba/Brasil
Editoração Eletrônica
Gabriela Resende Freire
3
SUMÁRIO
O AUTOR
O Autor..........................................................................................9
NOTA EDITORIAL
História e Estórias de Uberaba...................................................11
HISTÓRIAS E ESTÓRIAS
Oralidade Desde a Década de 1930 em Uberaba.........................14
Introdução...................................................................................14
O Delegado Especial Major Jacinto A. Sacramento....................15
Miano..........................................................................................16
Pedágio em Rodovias Particulares..............................................17
Partidos Políticos........................................................................20
Dona Neguita..............................................................................22
Francisco.....................................................................................26
A Justiça dos Juízes.....................................................................27
A Vida de Miano..........................................................................27
Uberlândia..................................................................................29
Assim o Bispo Explicou o Que Era Laudêmio.............................35
Uberaba – Única Exceção no Brasil Império?............................42
A Demanda Entre a Fábrica da Matriz e a Câmara Municipal de
Uberaba...................................................................................43
Onde Estão as Terras Eclesiásticas de Uberaba?........................49
Igreja da Sé e Matriz Santo Antônio e São Sebastião...................51
4
Adoração Perpétua......................................................................53
Dom Eduardo Duarte Silva.........................................................53
Perseguição ao Bispo – Uberaba: Residência Episcopal Sem Ser
Diocese Ainda..........................................................................57
Côngruas.....................................................................................59
Mão-Morta no Direito Civil Monárquico Brasileiro...................63
Uberaba, Sem Patrimônio Eclesiástico?.....................................64
O Comandante Regente..............................................................65
Farinha Podre.............................................................................66
Trabalhos Forçados Até Por Interesses Puramente Pessoais do
Comandante............................................................................66
A Liderança de Major Eustáquio Transportou a Cidade Deixando
Atrás de Si as Terras Eclesiásticas do Patrimônio da Igreja, lá
no Lajeado...............................................................................68
Dom Eduardo e a Educação........................................................70
Dentistas Práticos.......................................................................70
Tentativa de Primeira Escola de Odontologia em Uberaba........75
O Primeiro Culto da Saudade em Uberaba.................................76
Coroas de Flores..........................................................................77
O Culto da Saudade com Maior Renda.......................................78
O Culto da Saudade Não é Original de Uberaba..........................78
Presente de Meia Pataca..............................................................79
A “Pataca” na Anatomia Humana e a Rótula no Trânsito de
Uberaba...................................................................................80
Primeira Escola de Odontologia em Uberaba e os Farmacolandos
de 1934....................................................................................82
Segunda Faculdade de Odontologia, a Atual..............................84
5
Maristas......................................................................................85
D. Eduardo e a Seca do Nordeste................................................86
Uberaba, Sede do Bispado de Goiás............................................86
Asilo São Vicente e Asilo Santo Antônio.....................................87
Padres Salesianos em Uberaba?.................................................88
O Bispo Cavaleiro........................................................................89
Por Que Um Hemíptero Se Chama Barbeiro?............................90
Culto da Saudade Não Se Originou em Uberaba.........................91
Como Surgiu o Culto da Saudade em Uberaba...........................92
Biscuit é Arte Francesa................................................................93
O Enterro Mais Luxuoso em Uberaba em Todos os Tempos......94
O Primeiro Enterro do Culto da Saudade....................................95
Culto da Saudade........................................................................96
Dia das Flores.............................................................................98
Dia da Bondade...........................................................................98
Festival da Caridade...................................................................98
O Segundo Bispo de Uberaba e o Nome de Uberlândia............100
Toribaté.....................................................................................102
São Miguel de Nova Ponte.........................................................102
Vida Antiga de Fazenda.............................................................103
O Terço e o Café da Manhã........................................................103
O Almoço às 9h00.....................................................................104
Mutirão......................................................................................105
Mulheres Fofoqueiras...............................................................105
Murmúrio Quase Rosnado........................................................106
Ao Jantar, as Enxadas de Sentinela Como Soldados em
Quartel...................................................................................107
6
Mágica Pela Química dos Estudantes.......................................108
Gozação Geral da Peonada........................................................109
Quilombo de Araxá....................................................................110
O Bem e o Mal............................................................................114
O Assassino Que Sempre Tapava o Rosto..................................115
A Filosofia do Major Sacramento...............................................117
Álibi...........................................................................................118
Vinda do Delegado Especial Para Uberaba................................119
Os Amigos de Miano..................................................................119
Bandido Protege Bandido.........................................................120
Espírito da Mocidade.................................................................121
Ranulfo Borges do Nascimento.................................................122
Oposição à Construção do Santuário Dedicado à Santa
Teresinha...............................................................................123
Chega a Uberaba o Delegado Especial......................................130
Morte de Miano.........................................................................132
Morte de Adelino Félix..............................................................132
As Anedotas Folclóricas do Delegado Sacramento...................133
O Poço e a Esmola......................................................................134
As Violências do Major Sacramento..........................................136
Como o Delegado Especial Saiu de Uberaba.............................138
Por Que Aurelino Luís da Costa Foi Preso.................................139
O Rascunho da Carta de Aurelino..............................................141
Filosofia de Fórum, de Delegacia e de Repartição Pública na
Década de 1930......................................................................144
A Perspicácia de Ranulfo Borges do Nascimento......................147
Aurelino Luís da Costa...............................................................147
7
Os Birutas..................................................................................148
Barganha...................................................................................149
Desmaterialização.....................................................................150
Tiroteio Final no Brejo...............................................................151
O Segredo da Riqueza de Aurelino.............................................151
Almas do Outro Mundo.............................................................152
Três Assassinados......................................................................153
Mão Vingada..............................................................................155
Morte do Major Sacramento.....................................................156
Carro de Boi...............................................................................157
ILUSTRAÇÕES
8
O AUTOR
9
Bibliografia
10
NOTA EDITORIAL
11
Do início ao fim da obra, os assuntos são expostos em
linguagem fluente e dúctil, tão espontânea quanto a atitude
otimista, equilibrada e judiciosa de Carlos Pedroso perante a
vida.
O Editor
12
HISTÓRIAS
E ESTÓRIAS
DE UBERABA
13
ORALIDADE DESDE A DÉCADA
DE 1930 EM UBERABA
INTRODUÇÃO
14
escutava jogo irradiado era muito pouca gente em Uberaba e
portanto a sociedade não se importava com esses comentários.
Não consegui ninguém para ajudar-me a arrumar os móveis na
casa. A mudança permaneceu a noite toda na calçada. Só no dia
seguinte consegui um ajudante para arrumar a casa. Interessante
é que mesmo pernoitando a mudança na calçada, o vento chegou
a espalhar algumas folhas de papel. Mas não houve ninguém que
mexesse e roubasse alguma coisa. Tempos bem diferentes
aqueles tempos antigos, de 1959. Sou historiador da oralidade
encontrada em Uberaba no tempo em que vivi aqui. Os relatos
nem sempre são constatados por documentação histórica. Mas
aprendi de ouvir dizer. O que o povo comentava. Alguns
acontecimentos foram mais bem entendidos pois li todos os
números do jornal Lavoura e Comércio desde a edição do
primeiro dia em que foi editado. Entendi bem a História de
Uberaba.
MIANO
16
PEDÁGIO EM RODOVIAS PARTICULARES
17
representantes dos vários seguimentos da produção e da
comercialização de toda produção nacional. O mundo manteve-
se até agora muito mais regido por regimes econômicos
centralizadores que regimes liberais. O império romano era
sistema econômico centralizador. Toda produção agrícola de
todas as províncias do Império Romano eram controladas ou
centralizadas por Roma. Os soldados romanos dominavam uma
região e a obrigavam a pagar tributo. Aqui há a oportunidade de
se falar a origem do termo tributo.
Toda tribo ou todo povo dominado pelo antigo Império
Romano era obrigado a pagar parte de suas colheitas a Roma. To
é um sufixo apassivador que assinala submissão ou dependência.
Daí, etimologicamente tribu + to significa o que uma tribo se
obrigava a pagar ao Império Romano, como parte de suas
colheitas. O exército romano dominava uma região e perguntava:
quantas toneladas de trigo vocês colhem anualmente? Fosse qual
fosse a resposta, a metade de toda colheita era recolhida. À
semelhança da antiga submissão ao Império Romano, hoje
tributo é o que o contribuinte é obrigado a pagar ao Governo.
Em Roma antiga ninguém trabalhava. Seus cidadãos viviam
da distribuição dos víveres recebidos em tributo. E recebiam
parte do tributo em suas casas, pois o trigo era distribuído de casa
em casa em Roma.
Estamos falando de pedágio.
Taxa é contraprestação pecuniária por serviço efetivamente
prestado. Se em uma rua não houver serviço de coleta de lixo, os
18
moradores daquela rua não precisam pagar a taxa anual
correspondente ao serviço não prestado.
Nas três primeiras décadas do século XX, as estradas de
rodagem no Brasil eram particulares. Geralmente o Governo
Estadual contratava uma firma construtora presidida por um
engenheiro que contratava empregados e construía a estrada e
conseguia do Governo Estadual, por 30 anos, licença para cobrar
pedágio dos usuários da estrada. De 30 em 30 quilômetros havia
posto de cobrança de pedágio. Xapetuba, entre Uberlândia e
Monte Alegre de Minas era posto de cobrança. Almeida Campos
era outro. Essa estrada ia de Uberlândia até Santa Rita do
Parnaíba, hoje Itumbiara. Esta estrada foi idealizada pelo
engenheiro Fernando Vilela da família Vilela de Monte Alegre de
Minas que conseguiu o privilégio de pedágio por 30 anos de 1911
a 1941. Os trabalhadores contratados pela Companhia entre os
moradores das fazendas por perto e faziam a estrada com
enxadão e muitas carroças de burro para os aterros. Os burros
eram ensinados e puxavam as carroças uma atrás da outra, sem
necessidade de tropeiro que os guiassem. Com o dinheiro do
pedágio a firma conservava e construía mais estradas. As
estradas eram de chão batido, intransitáveis de automóvel ou
caminhão em tempo de chuva, período em que tráfego era só de
carro de boi, carroça ou montaria a cavalo. O asfalto só chegou a
partir de 1955 no Brasil e em 1960 na região. É bom falar de
estradas de rodagem dessa época de Miano, 1920 e 1930, pois ele
usava uma profissão "disfarçada" de chefe de turma construtora,
19
mas realmente era “matador” profissional, de aluguel, assassino
encomendado por políticos.
PARTIDOS POLÍTICOS
Pacholas e Araras
20
Origem do Nome Pachola
Arara
21
Ferreira, Silvério Bernardes. A família Prata era dividida na
política.
Os nomes dos partidos em Uberaba eram de significado
inverso ao nome usual na conversação, onde Pachola significa
pessoa importante, e aqui em Uberaba os pacholas eram os de
família mais humilde, os do Uberaba Sport Clube que era time
popular. Também em sentido inverso, os uberabenses das
famílias mais nobres eram apelidados por desprezo com o nome
de arara, significando tolos em política.
Igual fenômeno se dava na política de Uberlândia onde os
de família mais nobres como Olímpio de Freitas, João Naves e a
família Resende eram lá o Coió ou Bolão, como os araras em
Uberaba. Os políticos uberlandenses de famílias mais pobres,
que seriam em Uberaba chamados de pacholas, em Uberlândia
eram os Cocão, duas peças de carro de boi, que por suportarem
os eixos gemem cantarola agoniada. Pertenciam ao partido Cocão
em Uberlândia os da família de Virgílio Rodrigues da Cunha e seu
irmão Severiano Rodrigues da Cunha, Tomás Rodrigues de
Resende, Artur Fonseca e seus amigos.
DONA NEGUITA
22
Boulanger Pucci 30 anos e também para a família Pinheiro.
Como era costume na época, as famílias ricas davam de presente
a casa de moradia para a família de seus mais fiéis prestadores de
serviço. Era assim que os de boa consciência compensavam as
famílias mais pobres que não eram protegidas por nenhuma
seguridade social e nem aposentadoria por serviços da economia
informal como o de lavadeira e passadeira. Foi assim que d.
Neguita ganhou terreno na rua Gonçalves Dias número 8 velho e
número novo 38, no Fabrício, e os próprios patrões foram
construindo a casinha de dona Neguita, 1 só quarto e mais 3
pequeninos cômodos, em terreno de só 4 metros de calçada,
sendo a melhor frente de todas as casas de qualquer rua de
Uberaba.
Quando a gente fala em dona Neguita a gente enche os olhos
de saudade. Era nossa informante sobre coisas antigas de nossa
história e de nossos velhos costumes. Muita coisa ela me contou.
Era boa informante de folclore. Ela me contou como eram
antigamente os dentifrícios em Uberaba ou como era feita a
higiene bucal semanalmente, quando o dentifrício
industrializado ainda não era fabricado, como hoje. Quando ela
ficou doente por ser idosa, a Pastoral da Saúde da paróquia Santa
Teresinha de Uberaba cuidou dela. Ela foi cuidada gratuitamente
por dr. Luís Fernando Rodrigues da Cunha. A Pastoral da Saúde
de dois em dois dias a visitava. Ela fazia a comida. Depois de mais
idosa eu pedia a ela que viesse todo dia a minha casa à hora do
almoço. Conversávamos de muita coisa antiga de Uberaba.
Finalmente acabou que minha filha levava o almoço na casa dela.
23
Morreu no hospital. Eu gostava muito de sua prosa antiga e ela
me contava até coisas do tempo de seus avós que eram escravos.
Com ela aprendi muito costume antigo, muito folclore e muitas
crenças populares:
Certa vez ela me contou como é que antigamente se
escovavam os dentes. Falou-me que havia dentifrício mas era
importado da Europa. Pouca gente comprava. Só gente muito
rica. Era assim a higiene bucal em famílias pobres:
“Aos sábados à tarde ou mesmo sexta-feira à noite, era
comum as mulheres e moças da família ficar reunida na sala
para a higiene bucal. Pegava-se no fogão um tição de lenha de
uma madeira mole. Quando a gente já tinha a intenção de fazer
essa brasa especial de limpeza dos dentes a gente já punha no
fogão a lenha uma ripa retirada de caixa de alguma embalagem
vinda do estrangeiro, muitas das vezes vinda com sardinha seca
da Noruega. A ripa dessa madeira era branca e muito mole.
Diziam que era de pinho europeu. Dessa ripa fazia-se o carvão
que se moía bem. O pó de carvão era colocado em uma boneca
assim chamada o chumaço de pano, desses panos cujos buracos
entre os fios não eram muito achegados, como aquele pano que
a gente usa para coar um favo de mel por exemplo.
Naquele dia determinado para isso, em cada família, cada
mulher ou mocinha pedia para uma outra da casa lhe limpar os
dentes do fundo. Os dentes da frente cada uma limpava o seu.
Em dente de marido só a mulher dele. Mocinho só a mãe dele ou
irmã bem mais velha. Homem não limpava boca de homem.
Mas os homens não entravam na limpeza na hora de roda de
24
mulher. Era outra hora. A limpeza dos dentes das mulheres era
feita em clima de conversa animada, como a conversa
costumeira de salão de beleza, hoje em dia, ou salão de barbeiro.
O carvão era como esmeril fino ou areia fina que areava e
brilhava a panela. A cada dois dentes limpos bochechava-se a
boca com uma golfada de água fria que se ia lá no quintal
cuspir.
Mas todo mundo sabia que era horrível ficar limpando o
dente só com pó de carvão. Não era agradável. Desde muito
tempo antigo a gente arrumava um bom jeito para melhorar o
gosto na boca. Em todo quintal até de gente pobre havia um pé
de hortelã cujas folhinhas eram usadas para dar gosto bom na
limpeza dos dentes. Duas coisas clareavam os dentes:
bicarbonato de sódio e sumo de juá. Mas o gosto de bicarbonato
de sódio e de sumo de juá era ruim. Os antigos já ensinavam
para a gente colocar na boneca de pano do pó de carvão um
punhado de folhinhas de hortelã esmagada. Hortelã é gosto
bom. O juá era ótimo para clarear os dentes. Em quase todo
quintal de pobre há umas 3 ou 4 espécies de menta com que se
fazia chá caseiro. A gente usava folha de menta ou de hortelã.
Havia sempre alguma mulher que gostava mais de pó de canela
no lugar da hortelã. Umas usavam a malva. Também a
camomila. Mas camomila, malva, hortelã e canela era só para
o bom gosto na boca. Quem limpava mesmo diziam era o juá e
o bicarbonato de sódio.
Os primeiros dentifrícios que eu conheci na minha vida
acho que foi logo depois da revolução de Minas de 1932. Acho
25
que eram pastas de dente estrangeiras, vinham em tubos roliços
feitos de lâmina bem fina de chumbo e tinham igualmente
bicarbonato e finíssimo pó de mármore e sabor de hortelã. Tal
qual a gente fazia em casa antigamente, só que a pasta de
dentre era branca. E para isso, em lugar do esmeril do pó de
carvão, os dentifrícios do comércio vinham com o esmeril de pó
de mármore branco para fazer o brilho dos dentes. Mas acho
que o que clareava melhor mesmo era o sumo de juá que limpa
que nem soda cáustica mesmo. Até tem gente que pensa que tem
soda no sumo do juá.”
FRANCISCO
26
mandou prendê-lo e o deixou na solitária, para "meditar" no que
tinha feito. Francisco via que ali todo mundo apanhava muito,
teve medo e pediu que dona Neguita avisasse o coronel Manuel
Borges, da Guarda Nacional. Este, escreveu em um pedaço de
papel: "Soltem o Francisco, talvez só esta madrugada tenha
retirado só um pão do queixoso." Foi imediatamente posto em
liberdade.
A VIDA DE MIANO
28
distribuir boatos que do dia tal ao dia tal estaria ausente da
cidade, em viagem ou a serviço na Companhia de Construção de
Estradas de Rodagem. Deixava-se passar como um empregado
de Companhia de Construção. Antes de praticar um crime, a mais
de uma pessoa da situação ou da oposição, fosse quem fosse o
mandante do crime, Miano gentilmente se oferecia a ser
prestativo, como um bom amigo que vai viajar: “Você quer
alguma coisa de São Pedro de Uberabinha?” Era o nome de
Uberlândia. Quase sempre Miano fingia viajar para São Pedro de
Uberabinha Mas na realidade se escondia por perto de Uberaba.
Em todo crime usava uma máscara.
Uberlândia era a terra de refúgio de Miano em quase todo
crime praticado em Uberaba.
UBERLÂNDIA
29
de carro de boi até a estação de estrada de ferro de Uberaba. Mas
em 1895 São Pedro do Uberabinha ganha a estrada de ferro. Tudo
muda. Começa o início do progresso daquela cidade e região.
Na página 128 da Revista do Arquivo Público, ano XXXVII
- 1988 - volume II, publicado em Belo Horizonte, há o registro
que em 19 de maio de 1821 foi nomeado sesmeiro com o título de
alferes o sr. João Pereira da Rocha que ganhou a sesmaria de
Paragens de Uberaba, no Sertão da Farinha Podre, no julgado de
Desemboque. De 1821 até a elevação da capelinha de São Pedro,
aquela região não se chamava São Pedro do Uberabinha mas se
chamava Paragens de Uberaba, conforme o título da sesmaria.
Até 1888 São Pedro de Uberabinha era distrito de Uberaba. Em
1888 foi criada a vila de São Pedro do Uberabinha. Erradamente
chamada de Uberabinha. O diminutivo nada tem a ver com a
cidade de Uberaba e sim com o nome do maior rio da região, o
rio Uberabinha, que margeia aquela bela e próspera cidade. Mas
maldosamente dizia-se sempre que São Pedro da Uberabinha era
miniatura de Uberaba, o que era realmente depreciativo. Aquela
região quase toda era da família Carrijo, também donos de
"posse" em Campo Belo, hoje Campina Verde. Os senhores da
família Carrijo tinham se apossado e até adquirido grande
extensão de terra em um lugar das Paragens de Uberaba.
Francisca Carrijo era a maior proprietária da região e dona de
todas as terras onde se situa a cidade de Uberlândia. Mas no
distrito havia diversas capelinhas isoladas em fazendas. Nas
terras de Francisca Carrijo havia a capelinha de São Pedro
porque ela gostava muito de fazer todo ano animadíssimas festas
30
com fogueiras e balões em todos os três santos de junho, com
predileção para São Pedro. Felisberto Carrijo quis que fosse
fundada paróquia no lugar para que fosse promovido à freguesia
e ser distrito, o que facilitaria a criação do futuro município e,
assim, até se poder pensar na criação da futura comarca. Tudo
isso já é uma realidade sonhada pela antiga família Carrijo.
Houve esse despertar de altaneiro sentimento cívico que
continuará sendo sempre a maior caraterística de Uberlândia.
Toda paróquia deveria ganhar um patrimônio. Felisberto
Carrijo providenciou a criação da paróquia e doaria o patrimônio
eclesiástico de uma légua quadrada ao redor da igreja matriz da
nova freguesia, com sede na capelinha. Em 1840 o professor e
ferreiro de profissão Felisberto Carrijo havia arrematado da
prima Francisca todas suas propriedades por 400 contos,
pagando aos poucos, até em mercadoria, pois houve até
pagamento feito mediante um maço de carretéis de ótima linha
inglesa no valor de quatrocentos réis, segundo me contou o dr.
Jorge Cunha, dono de boa memória para detalhes históricos. Dr.
Jorge Cunha era dentista prático e para fugir a perseguições, já
idoso, fez o curso de Odontologia em Uberlândia. Homem de
valor.
Felisberto, agora dono das terras das Paragens de Uberaba,
doou à Igreja o patrimônio eclesiástico de uma légua quadrada.
Nasce a freguesia de São Pedro do Uberabinha.
A Igreja, em todo o Brasil, não tinha muito interesse em
administrar financeiramente o patrimônio eclesiástico, de que
poderia cobrar o laudêmio. O foreiro pedia licença para o padre
31
para construir no patrimônio, sempre muito mal administrado
pelos padres que favoreciam amigos e especialmente os festeiros
das grandes festas de toda capela. Mas o caso é que a Igreja
mandava soberanamente no patrimônio eclesiástico. Só morava
ali ou construía casas ali perto da igreja a quem o padre
autorizasse. Para a concessão eclesiástica de construção em
terras do patrimônio o foreiro pagava anualmente o foro
conforme o contrato por 10, 15 ou 25 anos, a combinar. O uso era
que não se cobrasse aluguel de nenhuma dessas casas ali
construídas a expensas do proprietário. Só a casa paroquial era
construída com dinheiro das festas religiosas. Os padres
recebiam muitos favores de alguns desses foreiros que lhes
faziam o favor de promover as festas anuais que lucravam
dinheiro para a Igreja. Em geral as senhoras residentes nesse
aforamento eram as que cuidavam da limpeza da igreja. Mas em
caso de alguém vender alguma casa dentro de seu patrimônio, a
Igreja tinha o direito de cobrar a taxa que se chamava laudêmio,
que era em geral de 2,5% de seu valor. Só quando havia venda é
que a Igreja cobrava laudêmio. Só que a Igreja não tinha
escritórios de cobranças nem arquivos para guardar e controlar
os títulos de aforamento que deveriam ser renovados em cada
venda, permuta, doação ou herança. Nada era feito por escrito.
Tudo era resolvido verbalmente, pois os vigários pouco se
interessavam pelo laudêmio. Ninguém pagava e os padres
protegiam os foreiros pois eram os encarregados das festas
religiosas de que viviam as Fábricas das Paróquias. Fábrica,
assim era chamada a paróquia quanto à administração de seus
32
bens ou direitos civis. Os padres não organizavam o laudêmio e o
aforamento do patrimônio eclesiástico, protegendo os foreiros.
Para entender bem o que era laudêmio, vamos aos
documentos escritos nos livros do Tombo. No livro de Tombo da
Arquidiocese de Uberaba, há uma carta de dom Eduardo Silva,
primeiro bispo de Uberaba, explicando a um padre como resolver
problemas com foreiros. Eis a resposta do bispo, na ortografia da
época:
33
o art. 692 § IIº ; a emphyteuse (o aforamento ou arrendamento)
extingue-se pelo comisso [comisso= pena ou multa em que
incorre quem falta a certas obrigações impostas por contrato ou
lei, adendo nosso], deixando o foreiro de pagar as pensões
[encargo ou despesa habitual ou obrigatória, adendo nosso],
devidas, por três annos consecutivos "
Com essas Leis à vista, está V. Rva habilitado a resolver tudo,
isto é, deixar em santa paz os que aforaram (arrendaram) por
25 annos, não os obrigando a comprar os terrenos enquanto
não terminar o prazo, e sim obrigando-os , pelos meios legaes,
a pagarem as pensões, sob pena de perderem o direito
adquirido, e para isso deve cumprir o que determinei na
INSTRUÇÃO PASTORAL sobre aforamentos cuja existencia
V.Rva ignora, a qual dei quando ainda era Bispo de Goyas. Essa
INSTRUÇÃO , cuja edição ficou logo esgotada por terem os
outros Snres Bispos pedido exemplares foi a primeira que se
imprimio no Brasil sobre tal matéria.
Mandei-a para todos os vigários e si V. Rva esmerilhar bem ahi
no Archivo Parochial, ou no livro do Tombo encontral-a-á.
Quanto ao modo de recorrer à Justiça também dei instruções ,
que V. Rva achará à página 100 do Appendice, regule-se por
ellas, e para tal fim neste mesmo correio lhe envio delle outro
exemplar. Que lhe hei de responder sobre o titulo de doação que
o Conego Tardio passou a um seo patricio delle de um terreno
do patrimônio, senão que tal doação é nulla ? V.Rva chame o tal
patrício, peça-lhe para examinar o tal titulo, diga-lhe que é de
nenhum valor e que se habilite perante a Fábrica, ou aforando-
34
o ou comprando-o. Não lhe fale em atrazados, porque talvez o
pobre homem esteja laborando em ignorância. No caso que elle
recalcitre dirija-se ao Juiz competente, tendo em vista o que vai
mandado na INSTRUÇÃO DO APPENDICE, mutatis mutandis.
Está acabada por hoje a aula de Direito Civil; agimus tibi
gratias etc, etc, etc...
Deos Nosso Senhor lhe vá dando forças, coragem, paciência e
saúde para ( como já lhe disse) como Esdras ir recolhendo as
folhas esparsas desse antigo Testamento de São José do Tijuco,
Villa Platina e Ituyutaba.
Receba a bênção do
Servo em Christo,
+ Eduardo, bispo de Uberaba"
36
vez em que o senhor bispo perguntou: Quem é?, identificando-se
por bispo, a criança reagiu: "É o bispo? Ah! então é o senhor que
quer tirar a casa de papai?" E alguns dizem que por causa dessa
cena o bispo ficou muito triste, pois estava sendo muito mal
entendida sua boa intenção de libertar os antigos foreiros de
Uberlândia do incômodo de se dirigirem ao bispado em todo caso
de venda de suas casas.
Vamos reforçar o que era o laudêmio. O sucessor de dom
Eduardo Duarte Silva, na diocese de Goiás, foi dom Prudêncio
Gomes da Silva, que certa vez telegrafou a dom Eduardo pedindo
explicações sobre o laudêmio de Caldas Novas, cujas termas
estavam dentro do patrimônio eclesiástico. Eis na íntegra a carta
de dom Eduardo, escrita em português antes da reforma
ortográfica de 1942, onde há uma outra aula de Direito Civil:
37
presente, para dal-as com mais amplitude do que
telegraphicamente poderia dar; eil-os:
Como deve V. Exa saber, tomei posse dessa Diocese no novo
regimem = da Separação da Egreja do Estado = e por
conseguinte, encontrando a Diocese com suas parochias sem
recursos para a manutenção dos vigários, continuação do culto
e conservação de seus edificios religiosos. Ocorreo-me então a
lembrança (e fui o primeiro Bispo que a teve, tanto que por isso
o Exmo Snnr D. Silvério felicitou-me e mandou pedir-me as
Instruções que então dei aos vigários para tal fim, de aforar o
patrimônio das Matrizes e Capellas, com a necessária
autorização da S. Sé.
Esbarrei logo com a resistência das Câmaras Municipaes, dos
usufruidores de terrenos patrimoniaes, e com a carência
completa de titulos comprobatórios de doação dos mesmos,
nada encontrando nem na Camara Eclesiástica do Bispado e
nem nos Archivos Parochiaes. Ordenei então aos Vigários que
procedessem a justificações e que onde não houvesse resistencia,
mesmo sem a exhibição de titulos, procedessem ao Aforamento,
visto como toda e qualquer carta de aforamento dada e aceita,
já de per si constituia um título de posse.
Era Vigário de Morrinhos então Encarregado de Caldas Novas
o Padre Aurélio Elias de Souza e este em cumprimento do seo
dever aforou ao Coronel Victor Ozeda Ala o pequenino
Patrimonio d´aquella Matriz, com o fim de também obter
recursos para a dita Matriz e para a construção do novo
cemitério, captando assim a benevolencia do dito Coronel
38
Victor, o único que ali interessava-se pela Egreja, e pela qual
muito fez, sem falar nas hospedagens do Bispo e dos Vigários.
O fôro foi então taxado em muito pouco, mas ficou garantida a
propriedade da Egreja, sem lides ou demandas.
Como bem ensina-me V. Exa o resultado do aforamento não é o
que dá o fôro e sim a porcentagem que em todas as
transferências percebe o Senhorio directo do terreno, quer
sejam por vendas, permutas, doações, heranças etc, que chama-
se laudemio, e que pela lei é de dous por cento sobre o valor pelo
qual se transfere, de qualquer modo que seja , o dito terreno. É
pois evidente que ao passo que se fôr valorizando este, irá
sempre o proprietário do dominio directo obtendo maiores
lucros nas transferencias, porque irá sempre sendo transferido
por maior quantia. Eis po caso do patrimônio de Caldas.
Falecido o Coronel Victor, dos seus herdeiros o que ficar com o
dominio utul do patrimonio deverá receber novo titulo de
aforamento e pela transferencia pagará o laudemio, e assim por
diante. Não vejo pois como a Egreja possa ter ficado
prejudicada, porque si as aguas thermas de Caldas, que até hoje
nenhum lucro deram á Egreja, com o andar dos tempos,
poderão ainda dar por meio dos laudemios nas transferencias
a particulares ou a Companhias.
É o que cabe-me informar a V.Exa Revma, a quem com toda a
humildade atrevo-me a dar o seguinte, não digo conselho,
porque seria temeridade, e sim parecer de amigo; Snr Bispo, é
melhor perder-se pouco do que muito, e é isto que sempre
acontece mas malfadadas demandas. Aqui estamos, em
39
Uberaba, vae quase para tres annos, em demanda com a
Camara Municipal sobre o patrimonio da Matriz; já estão
gastos bons contos de reis e não sabemos ainda qual será a
sentença final, apezar de tão claro, tão evidente e tão provado
estar o direito da Egreja. No entretanto V. Exa em seu criterio,
prudencia e tino fará o que melhor julgar, e eu nada mais anseio
senão a maior somma de bens para essa Diocese, que muito
amei e ainda muito amo.
Beijando o annel de V.Exa sou
De V. Ex
+Eduardo, Bispo de Uberaba.
P.S. Permita-me ainda V. Exa eu dizer que o protesto que vai V.
Exa fazer nada adianta, porque os herdeiros de Victor Ozeda
teem legitimo titulo de dominio util que é a carta de aforamento,
e a unica cousa que resultará é uma odiosidade contra V. Exa,
contra o humilde antecessor de V.Exa e seo preposto , o falecido
Vigário de Morrinhos.
O mesmo."
Vamos transcrever uma carta de dom Onofre Cândido Rosa
que foi bispo coadjutor de Uberlândia. O assunto é laudêmio:
40
Jardim, 19 de maio de 1998.
Ao senhor
Carlos Pedroso
Uberaba - MG
41
trabalho da Cúria da Diocese. Não houve muita procura dos
interessados. Minha saída de Uberlândia, não foi motivada pelo
descontentamento criado pela cobrança da taxa de laudêmio.
Pedi para ser transferido de lá, porque dom Ladislau Paz, Bispo
de Corumbá - MS, insistia em conseguir um sucessor salesiano
para lá, ele estava no tempo da sua aposentadoria, e então eu,
como sempre desejei ser um "missionário no Mato Grosso", me
ofereci para ir para Corumbá, fiquei lá 3 anos e agora estou há
18 anos em Jardim -MS.
Reze por nós aqui, pela nossa Diocese de Jardim, e pela
minha saúde. Já estou com 73 anos de idade. Depois da
Assembléia dos Bispos em Itaici-SP, fui passar uns dias em
Lavrinhas, com pe. Gutemberg do Reis, atual diretor daquela
casa. Fomos visitar Pindamonhangaba, onde fiz minha
primeira profissão religiosa. Neste completo 50 anos de vida
religiosa. A vida passa... Envio minhas orações e bênçãos, do
amigo Bispo de Jardim - MS.
+ Dom Onofre Cândido Rosa"
44
produto aplicado em obras da Matriz. Note-se, em primeiro
lugar, que Tristão de Castro nunca teve terras à margem
esquerda do Lajeado.”
José Francisco de Azevedo estava muito mal intencionado
e como rábula de muitas encrencas falsificou o documento de
Tristão de Castro. Era uma vingança contra o major Eustáquio
que não ficara morando na sede de suas sesmarias, preferindo
fundar Uberaba. José Francisco Azevedo tentou por todos os
meios possuir terras em terras de major Eustáquio e até com isso
prejudicar o major. Por sentença de 11 de junho de 1838 o rábula
José Francisco Azevedo perdeu a causa. Ficou desmoralizado e
faleceu de desgosto e pobre, em 3 de setembro de 1839.
Tudo parecia calmo e a tal doação de terras feita por Tristão
de Castro teria caído em total esquecimento se em 1845 não
aparecesse um outro interessado em ganhar facilmente terras em
Uberaba, com a desculpa de estar defendendo o direito da Matriz
em seu patrimônio. Em 1845 um tal de alferes Silvestre da Silva
e Oliveira se intitulou "zelador interino " da Matriz fazia uma
outra petição judicial em favor da Matriz. Novamente o juiz não
deu ganho de causa ao requerente provando-se que as terras
pretendidas não eram de Tristão de Castro mas da
municipalidade.
Parecia tudo estar em perfeita paz novamente. O coronel
Sampaio muito fez por Uberaba. Fez o recenseamento para que
Uberaba, vila desde 22 de fevereiro de 1836, recebesse em
seguida o título honorário de cidade, a 02 de maio de 1856, título
45
que se dava a uma vila que progredisse mais que a média das
outras vilas vizinhas.
O coronel Sampaio cometeu um equívoco em seus trabalhos
"Notícia Histórica Sobre a Igreja Matriz de Uberaba e
Nomenclatura das Ruas", declarando que realmente a Matriz de
Uberaba tinha direito a laudêmio por ter patrimônio.
Tal equívoco de Borges Sampaio nunca foi bem esclarecido
e depois de sua morte, muita gente em Uberaba falava que a
Matriz de Uberaba tinha direito a laudêmio e a receber fôro por
terras eclesiásticas.
Mas é necessário que se esclareça uma vez por todas o "por
que" que os habitantes de Uberaba ficavam a favor da Fábrica da
Matriz desejando-lhe um patrimônio eclesiástico em Uberaba.
Havia muito interesse social nesse desejo popular. Não era
certamente um grande amor à Igreja, desejando à Igreja um
patrimônio. Nada disso. O verdadeiro motivo era este.
E agora quero ser ousado. Muitos historiadores de Uberaba
não tem a coragem de comentar os dados históricos disponíveis
a seu alcance. Desse modo a História de Uberaba fica quase sem
sentido e não causa nenhum impacto no civismo uberabense. A
História deve ser interpretada em suas implicações de causa e
efeito. Nesse ponto há a grande falha dos historiadores
uberabenses. Não comentam. Não dão opiniões. Receiam
interpretar o passado. Receiam interpretar as intenções dos
políticos. Receiam falar do que possa desagradar. E assim muita
coisa fica enterrada no tempo e no espaço de Uberaba que dá
pouco valor à sua História pois que sempre acovardada pela falta
46
de ousadia de interpretar os fatos passados. Por exemplo. Quero
ser ousado em comentar porque houve essa querela entre a
Fábrica da Matriz e a Câmara Municipal de Uberaba. Sou o
primeiro a ousar explicar porque não se diz a querela entre a
Prefeitura e a Igreja mas se diz querela entre a Fábrica da Matriz
e a Câmara Municipal de Uberaba. É porque antes de 1934 não
havia prefeito. Havia o Poder Executivo exercido pelo presidente
da Câmara, ou Agente Executivo. O governo da cidade era feito
pela Câmara.
Ninguém antes de mim explicou por que o povo estava do
lado da Igreja em questões de patrimônio e nunca estavam do
lado da Prefeitura. Isso nada tem que ver com religião. A verdade
é que o povo quando se posicionava a favor da Igreja estava
procurando um favorecimento em causa própria.
47
eclesiástico e não arquivava títulos de
aforamento por não se interessar propô-los
por escrito, do que se conseguir terras da
municipalidade, sempre muito bem
protegida por lei.
48
ONDE ESTÃO AS TERRAS
ECLESIÁSTICAS DE UBERABA?
49
terras de um possível patrimônio eclesiástico ao redor da Matriz
da praça Rui Barbosa.
Mas a Igreja perdeu a causa jurídica mas a Câmara
Municipal desejou acabar com ressentimentos entre católicos e
não católicos. Em 1916 na grande festa do jubileu da sagração de
d. Eduardo, a Câmara ajudou e esteve presente em todos os
festejos, permitindo a inauguração da estátua de bronze de Jesus
Eucarístico na praça Rui Barbosa.
Por essa festa de 1916 a Câmara Municipal fez acordo com a
Fábrica da Matriz para que se considerasse completamente
extinta toda pretensão da Igreja com respeito a patrimônio em
Uberaba e em troca a Câmara faria construir artísticos degraus e
colunatas na frente da Matriz que foram inaugurados em 1918.
Eram belas tais artísticas colunatas construídas em 1918,
encimadas por abacaxis. Hoje, após a reforma da Catedral de
1994, a extensão construída por colunatas é maior que a extensão
das colunatas de 1918, época em que a escadaria da Matriz na
praça Rui Barbosa era muito feia, e se subia até a porta da igreja
por grosseiras grades de pedras tão mal e irregularmente sem
nenhuma arte em seu aparelhamento. Tal escadaria doada à
Matriz pela Câmara Municipal durou uns 60 anos, mas foi aos
poucos se desmoronando pelo tempo. As muretas de 1918 foram
construídas só na parte frontal da catedral. Padre Paulo
Aparecido Porta, que tomou posse do Curato da Sé a 24 de
setembro de 1989, promoveu uma grande reforma da catedral em
1994, restaurando as muretas fronteiriças e construindo às
expensas da paróquia semelhantes muretas do mesmo estilo de
50
1918 mas com uma extensão maior ao redor da Catedral.
Aconteceu que a catedral foi vítima de vandalismos contínuos
duas ou três vezes por semana. Muitas noites amanheciam com
muretas destruídas e toda vez padre Porta as reconstruía. Até que
em 1995 já o vandalismo era insustentável. Padre Porta, com
autorização da Prefeitura, construiu grades ao redor de toda a
catedral e somente assim cessaram os vandalismos. Com as
grades está sendo possível a conservação do belo ajardinamento
também ao redor de toda a Catedral desde 1995.
IGREJA DA SÉ E MATRIZ
SANTO ANTÔNIO E SÃO SEBASTIÃO
52
As duas ruas centrais da cidade, com os nomes de seus co-
padroeiros, representam externamente na cidade o ambiente
interno da catedral nos altares laterais. Tudo voltaria a ser como
era no início do século XX e como sempre foi. Essa reinversão
dos titulares dessas respectivas igrejas históricas deveria ser
retificada, quanto antes, se possível antes do início do próximo
milênio.
ADORAÇÃO PERPÉTUA
53
Foi sagrado bispo em Roma a 8
de fevereiro de 1891, pelo cardeal
Parochi. Sua nomeação para bispo
de Goiás se deu por escolha
pessoal do papa Leão XIII, por
causa de um fortuito episódio. O
cônego Eduardo Duarte Silva
estava em Roma simplesmente
acompanhando o bispo brasileiro
dom Joaquim Arcoverde de
Albuquerque Calvacanti, eleito depois o primeiro Cardeal
Brasileiro do Rio de Janeiro. Havia necessidade da nomeação de
um novo bispo para a Diocese de Goiás. Enquanto conversavam
sobre a Diocese vacante, o Papa começou a conversar com o
cônego Eduardo, quem era ele, que ano tinha estudado Filosofia
e Teologia em Roma, onde se doutorara, como era seu apostolado
na Capela Real no Rio de Janeiro, porque tinha o título de Conde
do Império Brasileiro, e imediatamente procurou saber de dom
Joaquim Arcoverde melhores detalhes do cônego Eduardo
Duarte Silva ali presente. O Papa percebeu que o cônego Eduardo
conhecia muito bem os problemas do Brasil Centro Oeste,
embora estivesse trabalhando no Rio de Janeiro, como capelão
do Palácio Real, onde havia sido condecorado com o título de
Conde da Comenda da Coroa de Cristo que lhe foi outorgada pelo
Imperador do Brasil, em louvores ao Cônego Capelão Imperial
pelos serviços prestados ao Ministério do Império, por ocasião
em que a Assistência Pública desejou fundar o Asilo da
54
Maternidade, tendo o então cônego Eduardo conseguido em
indulto papal um terreno no Rio de Janeiro para a construção do
referido Asilo da Maternidade. Na mesma ocasião Leão XIII, em
sua rápida intuição, convidou o cônego Eduardo para aceitar ser
bispo de Goiás. Tendo aceito, no mesmo dia foi expedida a Bula
Papal de sua nomeação episcopal datada de 22 de Janeiro de 1891
e recebeu pessoalmente a Bula. Foi sagrado bispo em Roma 15
dias depois, a 8 de fevereiro de 1891. Nas Bodas de Prata de sua
sagração episcopal, em 8 de fevereiro de 1916, em Uberaba, o
Papa Bento XV mandou-lhe entregar o segundo título nobiliário
como Conde Romano, por serviços prestados ao clero brasileiro,
em assuntos relacionados à melhor convivência com o Governo
Republicano Brasileiro, especialmente em assuntos relacionados
a aforamentos de patrimônio eclesiástico e laudêmio. Em 1916
houve a grande festa de jubileu de sua sagração episcopal, tendo
d. Eduardo convidado o único cardeal da América Latina, d.
Arcoverde, que em Roma tinha presenciado 25 anos o episódio
insólito da nomeação do bispo de Goiás. O Círculo Católico
prestigiou a festa mandando confeccionar estátua de bronze do
Sagrado Coração de Jesus que foi colocada na praça Rui Barbosa.
Em 1970 o prefeito dr. João Guido fez grande reforma na praça
Rui Barbosa e por acordo celebrado entre a Prefeitura e a Diocese
em data de 25 de março de 1970, a Prefeitura retirou a estátua
colocando-a entre as palmeiras da avenida Getúlio Vargas, no
lugar onde em 1923 ou 1924 foi demolida a igreja de Nossa
Senhora do Rosário, igreja também antigamente chamada dos
Negros.
55
A propósito. Há pessoas que pensam em reconstruir essa
igreja de Nossa Senhora do Rosário. Não tem sentido algum. O
que nunca deveria ter acontecido é sua demolição pura e simples.
Atualmente a estátua de bronze do Coração de Jesus foi
reconduzida à praça Rui Barbosa e colocada na frente da
Catedral, tendo sido inaugurada com placa com os dizeres:
"HISTÓRICO. Esta imagem de bronze representando o
Sagrado Coração de Jesus, oferta do Círculo Católico de
Uberaba ao exmo. dom Eduardo Duarte Silva, primeiro bispo
desta Diocese, por ocasião de seu jubileu episcopal, confiando-a
aos cuidados da municipalidade foi benta e inaugurada no dia
8 de fevereiro de 1916, com a presença honrosa do exmo. senhor
cardeal Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro. A pedido da
Arquidiocese, volta o sagrado ícone ao local onde fora
primitivamente erigido, na antiga praça da Matriz,
preservando assim a memória da História Religiosa da cidade.
Deste seu trono, o Coração de Cristo abençoa os filhos de nossa
terra.
Arcebispo Metropolitano dom Al. R. Oppermann; Arcebispo
Emérito dom Benedito U. Vieira; Prefeito Municipal dr. Luís
Guaritá Neto; junho mês do Sagrado Coração de Jesus -
UBERABA 1996."
56
PERSEGUIÇÃO AO BISPO − UBERABA:
RESIDÊNCIA EPISCOPAL SEM
SER DIOCESE AINDA
57
Percebendo a real intenção do exército, dom Eduardo
tomou uma decisão inédita na História Eclesiástica Brasileira.
Como todo bispo pode residir em qualquer cidade dentro do
território de sua Diocese, dom Eduardo alugou tropa de 60
burros, reuniu mantimentos de cozinha itinerante ao longo do
caminho de 23 dias em paradas diárias só para almoço e pouso,
com comitiva da cozinha sempre em uma etapa anterior e
demarcando a direção em atalhos bifurcados.
Encaixotaram-se os livros da Diocese, os livros do
seminário, e com todo o clero e seu cabido e seus seminaristas,
ao todo 60 pessoas em mudança, vem para Uberaba. Veio na
comitiva um menino goiano, Eduardo em homenagem ao bispo
e que seria educado com a mesma cultura dedicada a
seminaristas. Tornar-se-ia mais tarde o cônego Eduardo, falecido
em Uberlândia em odores de santidade.
D. Eduardo foi recebido com festas e lhe fizeram um hino
cantado por crianças das escolas primárias em sua chegada, de
que uma das estrofes de música e letra do poeta mineiro Artur
Lobo se cantava:
Estribilho:
58
Permiti que um povo grato
Neste momento feliz
Seus arroubos vos transmita
Nestas vozes infantis.”
CÔNGRUAS
59
insignificante questão política foi esse utilíssimo colégio
obrigado a fechar três anos depois, assim diz Lavoura e
Comércio em 09-10-1924, página 3.
Lavoura de 6-7-1924 relata a história do primeiro prédio do
colégio Diocesano, onde funcionou também o primeiro
seminário diocesano de Uberaba, o seminário Santa Cruz. O
edifício primitivo foi construído em 1893 pelo farmacêutico
major Francisco Sebastião da Costa, por subscrição popular. Nele
funcionou o colégio Uberabense de ensino primário e secundário
fundado em 1889 por Paulo Frederico Barthes, no edifício em
que antes existia o liceu Uberabense, na rua do Imperador, à
época (1924), Saldanha Marinho. Dois anos após (1901) passou o
dito colégio para a direção do dr. Manuel Joaquim Bernardes,
médico do 2º batalhão, e foi transferido pelo educador dr.
Augusto Ferreira Reis, para novo edifício na praça das Mercês.
Esse professor, dr. Manuel Joaquim Bernardes, era famoso por
ser profundo conhecedor de Português e Literatura Portuguesa e
Brasileira. Sabia de cor muitos trechos de autores variados,
conhecia o Latim, o Grego e o Francês. Recitava poesias e
obrigava os alunos a decorá-las. Tinha memória prodigiosa. Foi
o mais famoso professor de português no Triângulo Mineiro,
comparável só a prof. Santino Gomes de Matos que, na década de
1960, já ensinava Português antecipando-se a tendências
linguísticas que só vieram a ser aprovadas como certas em
gramática alguns anos depois. Em 10 de agosto de 1896,
deixando dom Eduardo Duarte Silva a capital do vizinho Estado,
chegando a Uberaba precisou de casa adequada para a instalação
60
do corpo docente e discente do aludido seminário, comprou, por
12 contos de réis, do mesmo dr. Augusto Ferreira Reis, o edifício
e terreno do colégio Uberabense e fundou o seminário (Santa
Cruz) de 80 alunos repartidos pelo curso superior e secundário.
Extinguindo-se o seminário em 1899, o prédio abrigou o
externato Sagrado Coração de Jesus, sob a direção do pe.
Celedônio Mateus de São José, da Ordem dos Agostinianos
Recoletos. Durou tal externato até 1902"
Esses padres recoletos eram espanhóis e muito rigorosos
consigo mesmos e com o povo. Criaram alguns problemas com o
bispo que os queria mais simpáticos. Depois de algumas
desavenças, preferiram retirar-se de Uberaba.
À entrada do externato, a pedido de d. Eduardo, uma
estátua do Sagrado Coração de Jesus foi colocada.
O bispo construiu ao lado do seminário Santa Cruz o seu
pequeno Palácio Episcopal, inaugurado em 15 de junho de 1902,
foi demolido e edificado onde hoje (1998), ao lado esquerdo da
igreja da Adoração, está o prédio da residência dos padres
sacramentinos.
Em 1913, em Uberlândia, Paulo Roberto Duarte, juiz
municipal de Termo, e Dernanni Campos do Amaral, tabelião do
2º Ofício, quiseram comprar o patrimônio restante da Matriz e
escreveram ao bispo, para livrá-lo das dificuldades em manter
em dia os dados sobre laudêmio e dificuldade de cobrar dos
foreiros que não pagavam nada à Igreja.
"Scientes de que V.Exa Revma pretende, diante das
naturaes difficuldades em receber dos foreiros dos bens
61
patrimoniais da Igreja nesta cidade o respectivo fôro, arrendá-
los à Câmara Municipal, permittimo-nos a adquirir por compra
o referido patrimônio..."
O bispo escreveu ao padre Pedro Pezzuti de Uberlândia
para comunicar que não venderia o patrimônio, pelas razões:
"1º Já me comprometi com o Dr. Agente Executivo da Câmara
por escrito e não posso sem desaire faltar a minha palavra.
2º Já approvei o contracto que V. Reva enviou-me havendo
passado o respectivo documento.
3º o arrendamento ainda que não seja de prompto tão
vantajoso como a venda, é preferível, porque a Egreja continua
sempre proprietária do immovel e com certa esperança de
futuras vantagens na reforma do arrendamento, valorizando-
se cada vez mais o terreno.
4º à Câmara posso sem a formalidade da chamada de
concorrentes arrendar o patrimonio inteiro, a particulares
porém não; sendo mister que por editaes e em lotes sejam elles
cedidos ao maior licitante."
O terreno onde a Companhia Mogiana construiria em 1916 a
Estação de Estrada de Ferro era do patrimônio eclesiástico em
Uberlândia, conforme carta de 27 de Fevereiro de 1915, vendido
a 350$000 o alqueire de 80 litros :
"Aproveito a opportunidade para avisá-lo de que a Companhia
Mogiana, conforme informou o Coronel Ernesto Penna a Mons.
Ignácio, pretende adquirir o terreno ocupado pela linha e que
está dentro do patrimônio; pode V. Revma entrar em
negociações com a dita Companhia quanto á medição e ao
62
preço, e de antemão louvar-me-ei no que decidir.... + Eduardo,
bispo de Uberaba."
O cemitério de Araguari era do patrimônio daquela cidade
e foi comprado pela Câmara Municipal em 1915.
O COMANDANTE REGENTE
65
FARINHA PODRE
66
Anhanguera. Major Eustáquio tinha a incumbência de afastar os
índios Caiapós, sempre proibidos de permanecerem na faixa
entre uma légua à esquerda e uma légua à direita do traçado
central da estrada do Anhanguera, que passava atrás do
cemitério São João Batista das Mercês, próxima da atual BR 050.
Ora como o lugar de trabalho de curador de índios Caiapós o
obrigava a percorrer a estrada Anhanguera antiga, não lhe
convinha de modo algum residir na sede da sesmaria de José
Francisco de Azevedo, perto de Santa Rosa. Eustáquio resolveu
vir residir perto do lugar de seu trabalho, distante uns 2
quilômetros do traçado da estrada Anhanguera, no lugar onde
hoje é a fazenda experimental ou univerdecidade, onde se fixou
com alguns amigos e condenados que lhe deviam total
obediência, estabelecendo-se, pois, onde hoje se ergue a atual
cidade de Uberaba. Com seus homens ex-criminosos major
Eustáquio construiu sua casa onde a 5 de setembro de 1996
inaugurava-se o uberabense novo bairro Univerdecidade. Sua
casa era tão grande que depois ali funcionou o Aprendizado
Agrícola Borges Sampaio. Eustáquio, com muita mão de obra à
sua disposição, construiu também onde hoje é a praça Rui
Barbosa uma casa de retiro para gado e em 1818 uma capela onde
hoje, ano 2000, é o Senai. Atrás da capela, aqueles fugitivos da
lei construíram o primeiro cemitério da cidade.
67
A LIDERANÇA DE MAJOR EUSTÁQUIO
TRANSPORTOU A CIDADE DEIXANDO
ATRÁS DE SI AS TERRAS ECLESIÁSTICAS
DO PATRIMÔNIO DA IGREJA,
LÁ NO LAJEADO
69
DOM EDUARDO E A EDUCAÇÃO
DENTISTAS PRÁTICOS
71
Havia dentistas práticos que esculpiam muito bem uma
dentadura e esculpiam obturação muito bem, contornada
segundo a caraterística de cada dente. Nos dentes da frente o
dentista prático trabalhava em ouro e alguns eram verdadeiros
artistas em esculpir dentes restaurados. Jorge Cunha aprendeu
com Osvaldo Gonçalves, prático de Santa Juliana, muito hábil
como escultor, embora de pouca cultura. Jorge Cunha não tinha
boa habilidade artística em esculpir, mas sempre teve muito
conhecimento de estomatologia, pois sempre leu sobre o assunto,
comprando muitos livros a respeito.
No Brasil a primeira escola de Odontologia foi fundada pelo
visconde de Sabóia, anexa à faculdade de Medicina da Bahia em
1888, 40 anos depois da escola Baltimore Dental College dos
Estados Unidos. Logo depois foram fundadas escolas de
Odontologia em São Paulo e Rio. Desde a fundação dessas escolas
todo dentista prático era perseguido. Mas era perseguido só em
caso de trabalhar em região onde por perto havia odontólogo
formado por escola de Odontologia. Geralmente os dentistas
práticos ficavam nas pequenas cidades e na zona rural.
Em Uberaba havia o dentista Eliseu Batista, que era prático
e tinha o melhor consultório da cidade. Eliseu Batista quando
moço era ambulante pela região de Campo Florido e depois de
ter conseguido ótimo consultório importado da famosa marca SS
White - Samuel Stock White - equipado até com RX, veio residir
em Uberaba, ficando seu consultório na rua Manuel Borges perto
da av. Santos Dumont. Era muito respeitado. Nunca foi
perseguido. Morreu em 1955.
72
O dentista prático perseguido mesmo em Uberaba foi Jorge
Cunha. Se outros eram perseguidos era por causa de sua
influência. Como Jorge Cunha não era formado nem sequer em
primeiro grau, tronou-se grande autodidata. Sendo assim
prestou prova de Madureza na Escola Normal de Uberaba, tendo
conseguido diversas notas 10 em seu certificado. Jorge Cunha era
humilde e trabalhava só pela periferia de Uberaba.
Até 1934 houve tentativa de moralizar o problema do
dentista prático pela concessão dada a uma Escola Livre de
Odontologia, sendo a mais famosa a de Ubá. Tão famosa como a
de Piracicaba. Entretanto, a maioria dos dentistas práticos
tinham diplomas falsos dessas tais Escolas Livres. Em 1934
Getúlio Vargas as proibiu. Havia muita gente que nunca
frequentou uma dessas Escolas Livres e, no entanto, tinha
diploma de odontólogo.
Até 1966, antes da criação do Conselho Federal de
Odontologia, os dentistas práticos eram fiscalizados pelo
Departamento Estadual de Saúde. Mas, pela grande quantidade
de diplomas falsos era impossível boa fiscalização.
Jorge Cunha, como tinha conhecimentos científicos e não
tolerando a perseguição resolveu em 1970 tentar o vestibular na
Faculdade de Odontologia de Uberlândia, obtendo a trigésima
sexta colocação naquele vestibular, disputando com pessoas já
portadoras de curso superior que não conseguiram ser aprovados
naquele vestibular. Por quatro anos estudou em Uberlândia e foi
diplomado.
73
Toda perseguição nunca conseguiu acabar com o dentista
prático no Brasil. Somente a grande concorrência havida entre
dentistas diplomados em muitas escolas de Odontologia é que
impossibilitou o exercício da profissão de dentista prático no
Brasil. O curioso é que em Uberlândia todo dentista prático era
muito perseguido pelo Conselho Regional de Odontologia.
Entretanto, Jorge Cunha, durante todo o curso de Faculdade,
também trabalhou como prático, não sendo perseguido para
servir de exemplo a todos os outros dentistas práticos do Brasil
para que procurassem uma Universidade para estudar.
Mas o Brasil deve muito ao dentista prático pelo tratamento
dentário antes da existência de faculdades. Por exemplo, na
criação do Conselho Federal de Odontologia, o Estado de Minas
Gerais, em 1966, tendo 700 municípios, em 418 deles não havia
nenhum dentista formado.
Jorge Cunha colocava no lombo de burro cargueiro suas
ferramentas: motor dentário movido a pé para preparar
cavidades de cáries para obturações. Instrumental,
medicamentos e anestesia, que eram praticamente como hoje. A
primeira anestesia dentária era cocaína sintetizada em 1864 por
Newman. Muitas vezes a cocaína era usada para retirar o vício de
viciados em morfina. Não deu certo. O vício era simplesmente
transferido. O prático se hospedava na sede da fazenda onde
trabalhava e onde era bem recebido pelo fazendeiro. O dentista
prático era disputado de fazenda em fazenda. Era mais
interessante ao fazendeiro ter dentista de tempos em tempos em
74
sua fazenda do que ter de levar à cidade seus empregados para
tratar de dentes.
75
mármore avermelhado à esquerda de quem entra, onde
repousam ele e sua esposa dona Maria Carolina da Costa.
O PRIMEIRO CULTO DA
SAUDADE EM UBERABA
COROAS DE FLORES
77
O CULTO DA SAUDADE COM MAIOR RENDA
78
PRESENTE DE MEIA PATACA
79
Color houve até o Novo Cruzado, substituído no Governo Itamar
Franco pelo Real, a moeda atual, hoje, 1998.
No início do século, "cruzado" não era unidade monetária
mas designava o salário braçal de um dia. O cruzado valia 1$500
em 1939 até o fim da Segunda Guerra, mas depois o termo salário
foi alterado para a designação de "o dia de um salário” braçal vale
1$500 (um mil e quinhentos réis). Esse era o valor em todo o
Brasil, mas na cidade de São Paulo se pagava até 3$000 (três mil
réis) por dia braçal, o que provocou grande imigração nordestina,
as mulheres para as fábricas e os homens para serviços braçais.
81
PRIMEIRA ESCOLA DE ODONTOLOGIA EM
UBERABA E OS FARMACOLANDOS DE 1934
Em 1932, em Uberaba,
havia bons médicos que
prescreviam os remédios
dosando eles próprios nas
receitas a percentagem de
cada medicação. Cada receita
era manipulada pelos
próprios farmacêuticos na
dosagem percentual de cada
sal ou loção enunciada na
receita médica. A juventude
uberabense e da região estava
com o entusiasmo do Espírito de Mocidade e desejosos de
modernizar Uberaba. Os médicos uberabenses dr. Mineiro
Lacerda, dr. Alvaro Guaritá, dr. Mozart Felicíssimo, dr. Carlos de
Morais, dr. Rui Pinheiro e dr. Nicolau de Oliveira, alguns recém
formados no Rio de Janeiro e entusiasmados com a profissão,
desejaram, motivados pelo Espírito de Mocidade, criar escola de
Odontologia e fundar também, anexa à nova escola de
Odontologia, a primeira escola de Farmácia de Uberaba, esta
muito mais concorrida, na proporção de 5 farmacolandos para
cada odontolando. Essas escolas inciaram suas atividades em
1927 sob a diretoria de dr. Mineiro Lacerda, sendo vice-diretor o
dr. Mozart Felicíssimo. Os outros médicos acima citados eram
82
professores. As mulheres, à época, eram muito tímidas, quando
muito faziam o curso de Magistério para professoras primárias.
Numa das formaturas, 5 moças tomaram parte ao lado de outros
47 moços, num total de 52 formandos, dos quais 51 se formaram,
pois Calixto Filipe se suicidou antes de formar. Calixto Filipe era
aplicadíssimo e quando todos saíam do laboratório costumava
ficar ainda estudando. Por isso ficara encarregado de arrumar o
laboratório que cuidava com total e invejável esmero. Era o
primeiro da classe em matérias laboratoriais.
Como foi o suicídio de Calixto? O dr. Mozart Felicíssimo era
filho do engenheiro dr. Jesuíno Felicíssimo, que fez o primeiro
plano de captação de água potável encanada de Uberaba,
reunindo as águas de duas minas das nascentes da quinta Boa
Esperança, hoje de propriedade de Nicolau Laterza e José Elias,
perto da antiga chácara do dr. Abel Reis, nos Estados Unidos. As
minas que forneceram a melhor água de Uberaba, hoje em 1998,
estão contaminadas por esgoto ao ar livre. Para essa quinta da
Boa Esperança dr. Jesuíno Felicíssimo chegou, outrora, a
importar mudas de videira da França e até fazer bom vinho. Hoje
a chácara aguarda a canalização da continuação da ampla
avenida dr. Odilon Fernandes, o que vai tornar aquelas paragens
numa das mais nobres e dos mais lucrativos loteamentos de
todos os tempos em Uberaba.
Pois bem, o dr. Mozart Felicíssimo, vice-diretor da escola de
Odontologia e Farmácia de Uberaba, andava sempre armado.
Quando entrava na escola de Farmácia para dar aulas, depositava
o revólver em gaveta do laboratório. Em um certo dia, o
83
estudante Calixto Filipe, de família árabe, demorou-se mais do
que usualmente o fazia no laboratório da escola, no prédio da rua
Manuel Borges, esquina com Afonso Rato, em frente ao palacete
de Pedro Salomão. O estudante pegou do revólver e atirou contra
sua própria cabeça, sendo visto por transeunte que deu o alarme.
Foi um mistério sua morte injustificável.
Outra fatalidade aconteceu com o professor da escola de
Farmácia e Odontologia, o médico dr. Nicolau de Oliveira, novo
ainda e de futuro muito promissor. De família síria. Certo dia
entrou em casa muito alegre, comunicando à senhora sua mãe
que tinha ficado noivo de uma senhorinha brasileira. Sua mãe lhe
disse que não permitiria seu casamento com a brasileirinha, pois,
em atenção ao costume de seu país, já o prometera em casamento
a uma das filhas de família síria. O jovem médico tinha recebido
educação muito rígida de obediência à mãe e caiu em depressão
profunda. Foi internado no sanatório Esquirol de Campinas onde
viveu vinte e tantos anos, sempre nu e completamente
introvertido, ali falecendo. Depois do episódio, o clube Sírio
Libanês se esforçou por promover muito mais forte
entrosamento entre famílias sírias e brasileiras, nunca mais
acontecendo traumas por semelhante choque de cultura.
A SEGUNDA FACULDADE DE
ODONTOLOGIA, A ATUAL
MARISTAS
85
Ainda sob a proteção da influência do grande bispo dom
Eduardo junto ao Rio de Janeiro, pelo Decreto 6.062 de 14 de
junto de 1906 o colégio Sagrado Coração de Jesus (hoje
Diocesano) ficou equiparado ao Ginásio Nacional do Rio de
Janeiro, tendo o direito de conceder aos moços o diploma de
bacharel em ciências e letras, que lhes abria as portas a qualquer
escola superior do Brasil, à época.
A primeira capela do colégio Diocesano, menor que a atual,
foi inaugurada em 10 de fevereiro de 1911.
87
PADRES SALESIANOS EM UBERABA?
88
aulas em cursos profissionalizantes, desejavam fazer apostolado
junto aos meninos e jovens, com atividades recreativas todos os
dias à tarde e durante todo o dia de domingo, em seus Oratórios
Festivos. Os padres não gostaram do lugar que lhes fora
reservado pela Prefeitura Municipal lá na fazenda Modelo, muito
afastado da população mais pobre de Uberaba, o ideal para o
apostolado salesiano entre crianças e a juventude, em seus
Oratórios Festivos, uma espécie de parque de diversões
orientados e endereçados para boa convivência entre os próprios
jovens no total respeito aos direitos devidos ao próximo e aos
direitos devidos a Deus Criador. O Oratório Festivo assim se
chama porque d. Bosco reunia os jovens especialmente em dias
festivos. A sociedade salesiana surgiu de pequena obra de
Oratório Festivo em Turim. Em um Oratório Festivo os jovens
têm sadia recreação e oportunidades de bons conselhos para vida
humana digna.
O BISPO CAVALEIRO
89
O bispo só andava a cavalo. Para ir crismar a 15 de agosto na
antiga igreja de Água Suja, onde já havia grande romaria, dom
Eduardo saía a cavalo cedinho de Uberaba, chegando à tardinha
na fazenda do sr. Joaquim Fernandes Rodrigues não muito
distante de São Miguel da Nova Ponte, onde o fazendeiro
construíra um quarto só para o bispo, quando de suas visitas por
aquelas paragens. Naquela fazenda, como de costume da época,
trocava de cavalo selando outro bom animal e chegando
igualmente à tardinha em Água Suja. Em viagens a cavalo, parava
para examinar pequeninas coisas da natureza, uma flor, às vezes.
Não caçava, admirava os animais. Era bom observador da
natureza, do universo e da humanidade, desejando endereçá-la a
Deus. Muita gente consultava o sábio bispo a respeito de direito
estudado em Roma e sobre natureza.
93
Uma coroa não ficava barato. De 70 a 100 mil réis, à época,
quando o salário braçal diário era remunerado de 2 a 3 mil réis
na cidade de São Paulo e 1 mil e quinhentos réis no interior. À
época, 100 mil réis, R.100$000, correspondia ao preço de 500
quilos de feijão.
94
Nesse enterro foram oferecidas 35 coroas no enterro de
Bebê. Trinta e cinco coroas mortuárias tinham o valor
equivalente a 3,5 contos de réis, uma fortuna, correspondente ao
preço de 17,5 toneladas de feijão.
O PRIMEIRO ENTERRO
DO CULTO DA SAUDADE
95
CULTO DA SAUDADE
96
O Culto da Saudade tornou-se hábito uberabense porque
satisfez às principais exigências sociológicas para que um uso se
fundamente em cultura de uma cidade:
1ª-A concordância entre religiões,
2ª -Uma sólida instituição que o apoiou, no caso o jornal
Lavoura e Comércio, que por muitos anos, até depois da morte
de Quintiliano Jardim, ficou encarregado de depois de cada
enterro publicar as casas de caridade agraciadas, entregando a
cada uma delas a importância a elas destinada. Dava um grande
trabalho para o jornal Lavoura e Comércio. Hoje, em 1998, o
Culto da Saudade está desaparecendo por não haver mais
entidade responsável para distribuir o dinheiro arrecadado e
entregue à família.
Muitas famílias não querem arcar com tal responsabilidade
e até com esse constrangimento de ter que arrecadar dinheiro em
velório. Por constrangimento, certas famílias preferem não
apresentar a lista de adesão à disposição de quem visita a sala
mortuária. Se a família tivesse instituição a quem entregar o
dinheiro a ser distribuído para as casas de caridade tudo ficaria
mais fácil. O órgão oficial da Prefeitura ou um dos grandes
jornais da cidade poderia fazer esse favor da publicação do
arrecadado em culto e a destinação feita pela família enlutada a
cada instituição de caridade da cidade. É o recomendável.
97
DIA DAS FLORES
DIA DA BONDADE
FESTIVAL DA CARIDADE
98
Foi famoso em Uberaba também o famoso "Festival da
Caridade" como o anunciado em Lavoura e Comércio de 27 de
julho de 1930.
O Culto da Saudade está na literatura brasileira. O saudoso
Sr. Gastão Cruvinel Rato foi até o Rio de Janeiro para pedir uma
crônica a Humberto de Campos, famoso escritor brasileiro, da
Academia Brasileira de Letras. O escritor de muitos livros
realmente fez bela crônica que se constitui no capítulo 14
"Caridade, Flor dos Mortos" publicada em seu livro Sepultando
os Meus Mortos, onde se lê o diálogo de Gastão Cruvinel Rato e
Humberto de Campos, que assim imortalizou aquela visita
uberabense:
"Sorrimos os dois, e ele entrou na matéria, ao mesmo tempo eu
esgaravatava no chão, com a ponteira do guarda-chuva, o
interstício entre dois paralelepípedos:
- Como disse ao senhor, eu sou de Uberaba, e queria que
o senhor... Abolimos, lá, inteiramente, as coroas mortuárias.
- E como demonstram os senhores, por lá, aos mortos, a
saudade dos vivos?
- Pela caridade. Quando morre uma pessoa altamente
estimada, os amigos que vão ao enterro se cotizam,
contribuindo com a importância das coroas que iam adquirir, e
cujo produto é destinado a associações de beneficência."
(Humberto de Campos, W M Jackon Incorporation Editores, São
Paulo, 1947, Sepultando os Meus Mortos, capítulo 14, página
88).
99
O SEGUNDO BISPO DE UBERABA
E O NOME DE UBERLÂNDIA
Em 1888 o distrito de
São Pedro de Uberabinha foi
desmembrado e fundada a vila
de São Pedro de Uberabinha
como município independente
de Uberaba. D. Antônio de
Almeida Lustosa, segundo
bispo de Uberaba, sagrado
bispo a 11 de fevereiro de 1925,
por ter sido eleito bispo de
Uberaba, foi sagrado bispo em
São João del Rei. Esse segundo bispo de Uberaba gostava muito
dos paroquianos de São Pedro de Uberabinha e sentia que eles
estavam sempre humilhados com o nome de Uberabinha. Certa
vez em carta dirigida ao coronel Franklin Jardim, em 1925, d.
Lustosa declarava seu amor por Uberabinha, ao propor comprar
o prédio do ginásio Silvino, por 60 contos de réis para colégio
também leigo. Textualmente escreveu: "Compreendo a
importância de Uberabinha e com o maior prazer contribuirei
para o progresso dela. "
Para isso o bispo sempre tinha a intenção de mudar aquele
nome de Uberabinha que considerava humilhante para cidade
que depois de receber a estrada de ferro em 1895 progredia muito
e em ritmo mais acelerado que a própria cidade de Uberaba. Eis
100
alguns nomes cogitados, à época, para substituir o nome de
Uberabinha: Santa Maria, Gardênia e Tapuirama. O povo estava
dividido quando ao nome a ser adotado. D. Lustosa percebendo
tal hesitação que poderia dividir a cidade julgou por bem intervir
para unificar a opinião pública. Era muito amado e respeitado e
todos sabiam de seu grande interesse em trocar o nome de
Uberabinha. Sendo bispo muito letrado, conhecendo hebraico
bíblico, latim, grego e falando fluentemente francês, italiano e
espanhol, soube provocar uma situação de ser convidado a
opinar e saiu-se muito bem. Vendo que havia em São Pedro do
Uberabinha muitas ótimas e abundantes plantações de arroz e
milho, o sábio e santo bispo idealizou que seria bom se misturar
o termo latino usado pelo poeta bucólico latino Virgílio “UBER”,
significando a fertilidade do solo, acrescido de “LANDIA”
adaptação da palavra inglesa "LAND"= "terra, região, lugar".
Assim Uberlândia tem o bonito nome que se explica por si
mesmo como UBER+LÂNDIA = a terra fértil. Previamente dom
Lustosa soube escolher vários fiéis católicos de Uberabinha que
soubessem fazer propaganda do novo nome Uberlândia e de seu
belo significado, para ser o nome de consenso, como realmente
foi.
A idéia do bispo era favorecida pela forte tendência
brasileira à época em que muitas cidades novas escolhiam a
terminação " landia " ou "polis" e até "ania" e "ia":
Abreulândia/CE, Agrolândia/SC, Abadiânia/GO,
Alpinópolis/MG, Adrianópolis/PR, Alexândria/RN,
Altinópolis/SP, Alvinópolis/MG, Amorinópolis/GO,
101
Anápolis/GO, Andrelândia/MG, Anitápolis/SC, Aragoiânia/GO,
Arenápolis/MT, Aurilândia/GO, só para citar os nomes de
cidades iniciadas com a letra A.
Foi assim que Uberabinha passou a se chamar, com muito
orgulho, Uberlândia.
TORIBATÉ
O ALMOÇO ÀS 9H00
104
MUTIRÃO
MULHERES FOFOQUEIRAS
105
alguém. Tudo era comentado. Tudo ficava nu. Mas as mulheres
nunca falavam alto um caso escandaloso.
106
AO JANTAR, AS ENXADAS DE SENTINELA
COMO SOLDADOS EM QUARTEL
107
Muita gente trazia ramos floridos de tudo o que de mais
bonito haviam roçado durante o dia e colocavam por sobre o
amontoado das enxadas, tudo muito arrumado perto do alpendre
da fazenda. Se o mutirão era para carpir roçado de milho, um pé
de milho era trazido e plantado simbolicamente de novo em
frente ao alpendre da fazenda e enfeitado com os ramos floridos
do campo roçado. Havia até flores enfeitando o punhado de
enxadas aqui e acolá ou o pé de milho festejado
Era uma alegria esse fim de dia de mutirão na fazenda.
Havia mais de duzentas famílias espalhadas por toda a área. Não
havia ordenado mensal, ganhavam 50 % de tudo o que colhiam.
Com o 50% da renda do fazendeiro se podia, indistintamente de
raça e cor, repartir a fartura entre todas as famílias moradoras na
fazenda.
109
termina também com um rojão e aos poucos os filhos e os pais se
encaminhavam para as suas casinhas.
Os homens nunca contavam bisbilhotices sobre a vida
alheia em nenhum mutirão. Mas, indo para casa acompanhados
da esposa sabem que, a partir daquele instante, a noite em casa
será mais alegre, pois, a sua mulher vai contar muitas e boas
novidades fofocadas de que resultarão belas gargalhadas a dois,
marido e mulher. Toda mulher irá repetindo ao marido a fofoca
ouvida. Para maior liberdade no linguajar adulto sempre mais
permissivo entre casais, os filhos menores deveriam ir andando
à frente do casal. O marido se deliciando pela surpresa da notícia
e pela alegria contagiante da mulher. Mesmo se percebesse algo
errado nas fofocas, nunca censurava a mulher nesse andar de
volta para casa, para ter a oportunidade de ir conhecendo todas
as fofocas do dia. Se censurasse poderia provocar discórdia
inibidora de outras novidades íntimas a serem contadas pela
mulher que estava com a língua solta.
O bem e a alegria dos casais de volta compensavam todo o
cansaço de árduo dia de mutirão na Fazenda São Miguel.
QUILOMBO DE ARAXÁ
110
riachos da região do Triângulo Mineiro e norte do Estado de São
Paulo. Saiu de Guaira/SP e para lá voltou para lá morrer.
Navegou os rios Quebra Anzol de Nova Ponte, rio das Velhas de
Araguari, rio Grande perto de Uberaba, tendo passado por
Indianópolis que antigamente se chamava Aldeia de Santana.
Esse padre Caturra começou abrigando negros e pobres em
geral e descendentes de índios desprezados. Fez uma República
de Fraternidade Cristã. Era líder. O trabalho não era escravo
embora obrigatório para todos. Todo lucro era dividido
igualmente. Só foi vencido pelos soldados do Governo da
Província Mineira porque o padre proibia que roubassem armas
de fogo. Se as tivessem, seriam invencíveis. O padre queria só
promover a paz e nunca os preparou para a guerra.
Certo dia apareceu um negro, o Ambrósio, que nascera
escravo da fazenda de Ambrósio Antônio João de Oliveira. O
nome do escravo tinha algo do nome do seu dono que maltratava
muito os escravos. Eis os castigos mais comuns dados aos
escravos:
1º - Vira Mundo - Era colarinho de ferro sobre os ombros
encimado por um suporte alto a que se prendia tanto um sininho
como um enfeite qualquer que propiciasse notar em que direção
o escravo ou escrava estava olhando. Esse castigo era dado a
negros e negras de quem se suspeitasse alguma desconfiança por
contarem segredos ouvidos dos patrões.
2º - Golinha - Era argola de ferro conservada bem apertada ao
pescoço que incomodava até para dormir e até para engolir
alimentos. Obrigava o portador a manter o pescoço sempre bem
111
elevado, o que causava dores nos músculos e nervos do ombro e
crânio. Era usado um dia e em caso de reincidência da falta dois
dias, até três dias no máximo.
3º - Marcas na Pele em Ferro em Brasa - Embora lei de Portugal
de 1784, assinada por dom Pedro II de Portugal, o quinto avô de
nosso d. Pedro II, proibisse marcar escravos a ferro em brasa, tal
uso nunca foi abolido no Brasil. Marcava-se com a letra "F" a todo
negro fugitivo, se recapturado.
4º - Algema de braço e Algema de tornozelo - Presa a uma
corrente ou da parede ou do chão.
5º - Se aplicadas ao mesmo tempo as duas algemas descritas
acima, o escravo ficava até três dias em uma posição muito
incômoda e totalmente arrevesada, além da dor da
impossibilidade de qualquer movimento. O escravo ficava com os
tornozelos presos rente ao chão e igualmente com os braços
presos bem próximos do ponto onde se prendiam os tornozelos.
Se aplicado por três dias, o escravo ficaria sem dúvida três dias
sem poder dormir.
Contra tudo isso se insurgia o padre Caturra e Ambrósio, a
quem padre Caturra preparou para sucedê-lo na direção do
quilombo Tengo Tengo, que se chamou depois quilombo do
Ambrósio, pois o padre, tendo formado o quilombo, saiu para
outras missões.
Certo dia apareceu outro padre que estava a caminho de
Confusão, que hoje se chama São Gotardo, e Ambrósio o fez
prisioneiro do quilombo, para usá-lo em caso de algum ataque do
Governo, pois o quilombo já tinha mais de 300 homens
112
guerreiros, vivendo da caça, da pesca e da bem abundante
agricultura, cujos produtos vendiam nas aldeias vizinhas, a preço
vil, mas, vendiam para comprar pelo menos o sal. Tudo o mais
era produzido no quilombo, onde se fabricava um bom tecido
para roupas e outro mais grosseiro para servir de cobertor.
Tudo era bom no quilombo até que o Governo da Província
de Minas Gerais interferiu pelo mestre de campo Inácio Correia
Pamplona, um dos delatores da Insurreição Mineira de
Tiradentes juntamente com Silvério dos Reis e Malheiros de
Brito. Pamplona designou o capitão Manuel de Sousa Portugal,
que teve o adiantamento de 750 mil réis e 360 soldados bem
armados com amissão de destruir o quilombo de Araxá.
Ambrósio e seus homens haviam cavado valetas ao redor do
quilombo, que já estava todo cercado de paus bem rentes um a
outro, altos e pontudos em cima. Muito soldado foi morto a
paulada quando imobilizados pela roupa presa nos paus
ponteagudos, o que ensejava o desâmino da tropa que já estava
pronta para recuar quando lhe reanimou a esperança pela notícia
de que Ambrósio estava mortalmente ferido. Sem comandante o
quilombo foi dizimado. Dos 360 soldados que vieram de Ouro
Preto só 53 retornaram pois 307 ficaram mortos ou feridos em
Araxá ou inválidos, que, por isso, iam preferindo ficar pelas
aldeias por onde passavam no caminho de volta para não se
sentirem eternamente desprezados.
Durante a refrega do combate, o padre cativo conseguiu
fugir e se refugiou em gruta que até hoje pode ser visitada entre
113
Perdizes e Araxá, a 6 quilômetros do Barreiro de Araxá, a gruta
do Frade.
O BEM E O MAL
114
Custódio Pereira, veio para Uberaba, tendo se tornado o maior
comerciante atacadista itenerante de boiadas inteiras, açúcar,
pinga e cereais em geral, de honestidade a toda prova e homem
de extraordinária capacidade de cumprir o que prometia. Torna-
se o maior atacadista de entreposto entre Uberaba e São Paulo e
Rio de Janeiro, chegando a dominar de tal sorte o comércio
exportador local que ficara folcloricamente conhecido em
Uberaba e no Brasil. Todos repetiam o aforismo: "Comprar por
atacado de qualquer maneira em Uberaba só com o José
Custódio Pereira." Pagava boiadas à vista, contando uma nota
após a outra até o fim da quantia em dinheiro combinado.
Abastecia frigoríficos de São Paulo. Era o que mais pagava fretes
na Mojiana local. Por sua fama de principal vendedor para todo
o Brasil e para os principais atacadistas de Uberaba, em especial
aos escritórios famosos da família Cunha Campos, todos os
fazendeiros só queriam vender suas boiadas e suas mercadorias
para José Custódio Pereira.
116
Em terceiro lugar, porque, dias atrás, alguém teria
espalhado o boato da inverídica dívida pela compra de uma
boiada que grande comerciante de Uberaba teria feito sem pagar.
Miano conhecia bem a índole do major Sacramento, para quem
em qualquer discussão na justiça, o devedor sempre deve perder
o direito. Espalhado o boato de que o assassinado devia grande
quantia, o crime nunca seria investigado pela polícia.
Miano sabia fazer bem feito o serviço de crime, de tal modo
que os mandantes nunca seriam descobertos. Todo mundo
acreditou realmente que o pivô do crime foi dívida contraída pelo
morto por ter comprado boiada e não ter pago. Isso é grande
mentira. Era falso. Mas a falsidade, de tanto ser falada, vira
verdade, sentenciava Miano, às vezes. Como em todas vezes de
crime em Uberaba, também desta vez Miano conseguiu não ser
descoberto. O major Sacramento nem sequer se interessou por
desvendar o crime que com o tempo passou a ser considerado
como rotina sem importância. Que José Custódio Pereira teria
comprado boiada e não pago era mentira e todo mundo sabia
disso, porque Custódio só comprava boiada à vista e todo mundo
sabia que o morto estava em boa situação financeira, pois,
deixara muito dinheiro para até comprar outras três boiadas
iguais àquela alegada no boato da falta de pagamento.
117
profissional deu certo. Boato melhor nunca poderia ter surgido
em melhor hora para esfriar a investigação por parte do major.
Todo mundo conhecia bem Sacramento, que em sua filosofia de
vida policial só se norteava por princípio estável e sem exceção
que bem se podia resumir assim: “Em questões de dívida, quem
tem razão é sempre o credor, nunca o devedor”.
Como antes do crime já tinham culpado injustamente José
Custódio Pereira de devedor, Sacramento não se interessou a
investigá-lo. E o crime caiu no esquecimento em Uberaba.
ÁLIBI
118
VINDA DO DELEGADO ESPECIAL
PARA UBERABA
OS AMIGOS DE MIANO
119
Destacou-se Adelino Félix que aos 15 anos chegou a Uberaba
fugido de Itaquira ou dos Pintos onde acabara de matar o mestiço
Antônio Macaco, filho de membro da importante família
Caetano, pois aquele senhor, como todo mundo sabia, sempre
morou com a negra Felisbina, segundo me contou o dr. Jorge
Cunha. Por isso alguém lá desejava matar Adelino que chegou em
Uberaba como mocinho inocente à procura de bom emprego.
Mas aqui em Uberaba, por precaução e por afinidade criminosa,
procurou a proteção de Miano, em cuja escola esse rapazinho
acanhado e de primeira viagem virou doutor na arte do crime tal
qual seu famoso mestre protetor. Matou muita gente. Com uma
única diferença. Miano era valentão e enfrentava o perigo.
Adelino Félix era convarde. Chegava até a apanhar na cara na rua
e não reagia na hora da briga. Mas, depois, encontrava a boa hora
de matar seu desafeto pelas costas, em emboscada, na expressão
do informante dr. Jorge Cunha. Quando se iniciou a perseguição
aos dentistas práticos, Jorge fez vestibular na universidade de
Uberlândia e diplomou-se em Odontologia. Hoje, aposentado,
com sua memória de anjo, lembra-se de muita história antiga.
Jorge testemunha que Adelino se tornou o homem de confiança
e o protegido número um do Miano.
120
discutiram com guarda municipal, corporação que se iniciou
como guarda civil em 1928 para cuidar do patrimônio da cidade
de Uberaba, depois passou à guarda municipal. Esse guarda
municipal era respeitadíssimo na época. Sem mais nem menos,
Adelino puxou do revólver e matou o guarda. Miano não aceitou
que a polícia prendesse Adelino, tendo-o escondido dentro do
prédio da Prefeitura, não permitindo que ninguém pusesse a mão
em Adelino Félix, que não foi preso e nem precisou fugir de
Uberaba.
ESPÍRITO DE MOCIDADE
121
essa ilegal influência de Miano sobre a polícia, sobre as
autoridades políticas e sobre o modo injusto de se fazer justiça.
Os mais tradicionais da cidade queriam a continuidade
dessa situação por puro conformismo. Houve então grande
choque de ideias entre os “tradicionais” e os de "espírito de
mocidade". Novo clamor público foi grandemente ouvido e
aceito. Eis que a cidade parecia que se preparava para luta
sangrenta, especialmente pelo ardor do Espírito de Mocidade. A
pedido de Belo Horizonte, o quartel de Uberaba começou a agir,
espalhando soldados por toda a parte da cidade. Desta maneira
estava sendo preparado por Belo Horizonte o clima para a
aceitação de delegado especial.
122
OPOSIÇÃO À CONSTRUÇÃO DO SANTUÁRIO
DEDICADO À SANTA TERESINHA
124
*
125
modernização de sua época, quando pontificou por
unanimidade.
Correio Católico, no dia 22 de agosto de 1926, publicou
artigo tecendo considerações interrogando: Santuário ou
Leprosário?
Envolto em tanta controvérsia de aplausos de um lado e
oposição de outro, o bispo teve boa inspiração para que a capela
pudesse ser construída. Uma das festeiras das barraquinhas era
a senhora esposa de dr. José Ferreira, igualmente político
influente em Uberaba. Escreveu a dr. José Ferreira belíssima
carta com arrazoados interessantes, prometendo não usar da
força de seu jornal Correio Católico para diminuir a polêmica,
mas escreveu em caráter particular ao grande médico cuja esposa
Dona Iaiá era uma das festeiras das quermesses para a
construção do Santuário Diocesano de Santa Teresinha.
Eis um trecho da carta do queixoso bispo, muito perseguido
pela Prefeitura, à época, que assumia atitude hostil às
quermesses para a construção do Santuário de Santa Teresinha:
"Em consequência disto, as barracas foram retiradas do
jardim, como se ele não fosse um logradouro precisamente para
as festas populares, como se de uma quermesse organizada por
excelentes famílias se devessem temer maiores vandalismos do
que nas festas carnavalescas que se realizam no mesmo jardim.
A esta primeira remoção seguiu-se uma segunda para a rua, e
as duas remoções foram cobradas, como serviços prestados à
quermesse. "
126
Dona Iaiá, assim conhecida familiarmente a esposa de dr.
José Ferreira, tomou o partido do bispo e como o bispo tinha
dado dois contos de réis, dona Iaiá doou dois contos de réis e
arrecadou lista com sete contos e quinhentos réis. Dona Iaiá
tinha grande liderança entre as senhoras uberabenses e o
Santuário Diocesano de Santa Teresinha foi construído.
Ranulfo Borges, morador da praça Santa Teresinha, perdeu
nessa vez, pois houve a doação de parte da praça Aristides Borges
para a construção da capela, pela Lei nº 549 de 12 de novembro
de 1927. Sr. Ranulfo não era contra a capela, como bom profeta
político bem sabia que com a capela construída em honra da
santinha das rosas haveria de destronar o nome de seu pai da
praça Aristides Borges. Dito e feito. Aristides Borges teve seu
nome tirado da praça e foi para pequena rua de menos de 100
metros. Ranulfo era político de visão.
A antiga praça Santa Bárbara se chamou praça Aristides
Borges depois Santa Teresinha, destronando o nome de Aristides
Borges. Ranulfo adivinhou o futuro.
Ranulfo perdeu desta vez mas haveria de vingar-se fazendo
prevalecer sua opinião política quando na década de 1960 ele foi
o político mais influente em Uberaba durante a Revolução
Militar. Os padres capuchinhos derrubaram a capela antiga, em
1962, e já tinham destruído a capela em agosto de 1962 e no lugar
da capela de Santa Teresinha os capuchinhos, com auxílio de
todo o povo de Uberaba, construíram outra igreja muito maior
no mesmo lugar. Desejaram fazer um convento rente à igreja
Santa Teresinha onde instalariam alojamentos para
127
seminaristas, todas essas construções anexas à igreja, inclusive
com acesso interno do convento para a igreja, como é usual em
conventos capuchinhos anexos a uma igreja. No antigo convento
dos frades haveria de se levantar conjunto de apartamentos,
cobiçado por muitas imobiliárias. Os capuchinhos pensavam
assim : " Se quando o povo de Uberaba desejou construir uma
capela, a Prefeitura pela Lei 549 de 12 de novembro de 1927 deu
à igreja um terreno de 55 metros por 40 metros na praça da
capela, conforme o artigo 1º da referida lei, para nesse pequeno
terreno ser construída em 1926 uma capela de 15 metros, quando
agora o povo todo de Uberaba ajudou a construir uma grande
igreja 4 vezes maior, seria justo que o povo pretendesse da
Prefeitura um aumento dessa área na mesma praça. Os católicos
julgaram que tudo estava dentro da lógica. Frades e líderes
católicos de toda a cidade conversaram com todos os vereadores
e todos estavam de acordo. Ranulfo soube dessa unanimidade
política e, muito bem caladinho como sempre agia e sabia vencer,
deu um único telefonema e na hora da votação propaladamente
garantida a favor dos capuchinhos, com toda a surpresa do
mundo, ninguém sabe o porquê, a proposta dos católicos foi
recusada pela Câmara Municipal. Era assim que tudo acontecia,
em política e em tudo, nos anos da Ditadura Militar dos anos 60,
70 e 80 no Brasil. É por isso que a frente da majestosa igreja
Santa Teresinha na praça homônima é tão estranhamente
acanhada merecendo uma reforma na praça. Uma igreja tão bela
com a fachada principal tão desvalorizada por terminar
abruptamente em acanhada rua estreita que separa
128
drasticamente a igreja da praça, onde deveria estar folgadamente
assentada.
Ranulfo chamava o professor Carlos Pedroso, seu vizinho,
de menino ingênuo. Todo sábado o professor vizinho o visitava
ao alpendre. Conversavam sobre história antiga. Entendidíssimo
de Brasil e de mundo o coronel Ranulfo detestava o comunismo
e os "padres comunistas", na concepção dele, os padres que
favoreciam um melhor modo de vida para o povo simples. Tinha
um fordinho 29, que usava para ir uma vez por semana à sua
fazenda, até um pouco antes de sua morte. Era mau motorista na
cidade; perito na roça. Toda vez que entrava na garagem
amassava um pouco mais o fordinho marrom ou prejudicava os
pilares do portão da garagem. Tinha perdido um olho, mas lia
jornais muito bem. Ficava horas e horas no alpendre sentado,
fumando cigarro de palha e preparando uma jogada política,
sempre jogando com cartas marcadas.
Certo sábado, após o Ato Institucional 5º, que dava
autorização ao Governo para cassar políticos sumariamente sem
ter que dizer o motivo, o menino ingênuo, no alpendre daquela
casa, comentava que a Revolução de 1964 duraria só o segundo
mandato dos governos militares, o que daria uns 8 anos de
Governo Militar, pois a pressão do povo já se via presente nas
ruas. Ranulfo profetizou:
"Eu não digo que você é um menino ingênuo em política?
Pode crer que antes de vinte anos e até muito tempo depois a
perder de vista os militares não vão entregar o poder de jeito
nenhum. E se tiver oposição do povo o Exército vai contra o
129
povo e o dominará completamente, tudo pela força. Força é
força, menino. Eu até posso morrer antes disso. Você mais moço
vai ver isso."
E conforme sua própria profecia, Ranulfo morreu em 26 de
dezembro de 1979, uns dez anos antes de os militares entregarem
o poder aos civis. Ó boca de anjo profeta essa boca política de
Ranulfo Borges!
Nos tempos de 1930, Ranulfo foi o político que haveria de
solicitar um Delegado especial para Uberaba e vai ser o próprio
Ranulfo Borges que tempos depois vai pedir a saída do mesmo
delegado, como veremos adiante.
130
mentira nisso tudo!" Por isso gostava só do nome Sacramento.
Era nome sagrado repetia sempre.
Vamos ter a oportunidade de provar o fingimento, lendo
sua carta datada de 3 de fevereiro de 1936, onde há provas de que
suas palavras eram umas e suas atitudes eram outras, muito de
acordo com a época de muito fraca democracia. O delegado
impunha sua vontade e a de seus amigos com quem às vezes até
planejava a vingança a ser aplicada. Como era major da Polícia
Militar, abusava da cega obediência a si devida por policiais de
graduação inferior e obrigava os soldados a praticarem as mais
atrozes injustiças, arbitrariedades e torturas. No dia seguinte ao
da vingança ainda se encontrava com os "amigos" para conferir
como havia sido feliz na prática do mal feito: "Você viu, fiz como
combinamos!" Sacramento procedeu tal qual procedia Miano,
com a mesma deslealdade à Justiça. O violento delegado
planejava toda sorte de estripulia. Tal qual Miano. Sacramento
não obedecia à política majoritária e, nesse ponto, acabou com o
antigo “mandonismo político”. Resolvia tudo na bravata, usando
só a força da autoridade e de seu cargo policial, dando contas de
sua atuação só à Polícia. Assumia em total ilegalidade o papel
próprio de um juiz togado, decidindo tudo com sua sentença
rápida sem dar a mínima atenção ao que as testemunhas
declaravam. Falaremos disso narrando a vida de Aurelino Luís
da Costa, ao final destas histórias. Naquele tempo, qualquer
desavença social entre partes, por menor que seja, era resolvido
pelo delegado. Na delegacia, no tempo de Sacramento, nada era
escrito. Tudo era resolvido por instinto. No “reinado” de
131
Sacramento, o Miano e Adelino eram figuras sem influência de
decisão alguma. Miano foi trabalhar em bem distantes
construções de diversos outros trechos de outras mineiras
estradas de automóvel. Mas Miano ainda agiu criminosamente
em Uberaba por várias vezes e nunca foi processado por
Sacramento. Miano ficou sem glória em Uberaba no tempo de
Sacramento.
MORTE DE MIANO
AS ANEDOTAS FOLCLÓRICAS DO
DELEGADO SACRAMENTO
133
era opressor. O credor nunca era réu. A situação política sempre
deveria ter razão e obedecida. Ordem é Ordem.
Alguém viajando por São Paulo ou Rio, ao ouvir lá anedota
de valentão, chegando a Uberaba a contava, colocando o nome
do delegado Sacramento como personagem central, usando
também o nome do todo seu desafeto político como o trapalhão
e perdedor anedótico.
Muita coisa foi inventada e não vale a pena mentir contando
histórias que não aconteceram em Uberaba. Deixo de repetir
nove anedotas que relatam, mas que certamente, como estas
anedotas são conhecidas em todo o Brasil, não se referiram só a
Sacramento. Mas há uma história muito conhecida em Uberaba
que realmente aconteceu na rua padre Zeferino, que até a década
de 1930 era a melhor rua comercial de Uberaba e onde moravam
vários libaneses proverbialmente muito seguros a seu dinheiro
ganho com muita dificuldade, à época.
O POÇO E A ESMOLA
134
e, se trabalhasse até 10 dias, o preço seria sempre o mesmo e
tinha ainda de pagar ajudante. Acertaram o preço em 50 mil réis.
Era meio dia. Ficou tratado o serviço para o dia seguinte, pela
manhãzinha. Pela tardinha o sabido, bem entendido e experiente
poceiro, visitou terreno vizinho acima do local onde cavaria o
poço no dia seguinte. Estudou cuidadosamente a curvatura do
terreno e calculou por onde estaria o veio d´água. Com sua
grande experiência, adivinhou com sabedoria a direção tomada
por esse veio d´água naquela encosta de morro. Tendo ajudante,
começou a cavar o poço às 6 h 00. Com sorte, pelas 17 h 00 do
mesmo dia encontrou abundante água e estava terminado o
serviço fácil para 50 mil réis. O libanês não quis pagar os 50 mil
réis prometidos, alegando serviço fácil. Pagaria só 20% do
combinado porque o trabalho foi de um só dia e não em 6 dias. A
queixa foi parar com o delegado Sacramento que, pessoalmente,
compareceu ao local da contenda. O libanês e o poceiro na frente
de Sacramento. Falaram cada um a sua vez. A certa altura,
perdendo a paciência, o libanês jogou 5 notas grandes e novinhas
ao chão gritando: "Tá certo, tome de esmola os 50$000." O
poceiro pegou o dinheiro. Parecia tudo resolvido. Puro engano.
Sacramento sentenciou: "Agora o senhor pague os 50$000 ao
poceiro, por justiça!" O libanês retrucou que já tinha pago tudo
um minuto atrás, como o próprio delegado presenciara. O
delegado sentenciou: "O senhor não pagou. Jogou aquele
dinheiro dizendo que era de esmola. Agora pague os 50$000
pelo preço do serviço terminado!" E foi assim que o poceiro
135
ganhou num só dia 100$000 (cem mil reais), preço de 66 dias de
serviço braçal, à época, o dobro do combinado.
136
incomunicáveis. O método de Sacramento era este:
incomunicável, a vítima pensaria melhor no que deveria
espontaneamente revelar ao delegado para se livrar quanto antes
do incômodo de ser testemunha "oficial" em documentário
escrito, o que poderia resultar, algum tempo depois, em vingança
por parte de algum denunciado. Confessando tudo ao delegado,
este nada escreveria e tomaria as providências de fazer outros
culpados confessar o erro ou crime. Assim quem contasse tudo o
que soubesse ao delegado poderia sair logo da cela incomunicável
e sair jurando que nada dissera e fora solto por nada saber do
assunto em questão. Quem falasse facilmente era bem tratado na
delegacia. Às vezes, antes de ser interrogado, após somente
algumas horas de solidão, o preso já pedia para se apresentar ao
delegado para contar tudo o que sabia, mesmo sem ser
perguntado. Quem não falasse ou se fosse pego em até pequena
contradição tomava purgante de óleo de rícino e, depois de
passar três dias sem comer, bebia sua própria urina misturada
com sal amargo e até engolir um pouco de suas fezes torradas ao
fogo, disfarçadas em cheiro e sabor pelo acréscimo de sal de
cozinha e temperos bem fortes e bem usuais na cozinha
brasileira.
Havia o purgante para casos mais leves. Mas os castigos
sujos eram cada vez mais sujos em proporção da pirraça do
detento em não querer colaborar com a polícia.
137
COMO O DELEGADO ESPECIAL
SAIU DE UBERABA
Está na hora de
perguntar: como o major
Sacramento saiu de Uberaba?
Foi por causa da prisão do
comerciante Aurelino Luís da
Costa e da prisão do médico dr.
Boulanger Pucci. A gota d´água
mesmo foi a prisão de dr.
Boulanger Pucci que já tinha
sido precedida da prisão de
BOULANGER PUCCI Aurelino Luís da Costa. Essas
duas gotas d´água entornaram o nível da tolerância com a tortura
e a arbitrariedade. Na ordem natural das coisas, a prisão de
Aurelino aconteceu antes da prisão de dr. Boulanger Pucci. Mas
vou inverter a cronologia, para melhor desfecho da história
romanceada pelo folclore na boca do povo.
A saída do delegado bravo foi assim. Certa vez Sacramento
mandou recado malcriado para o dr. Boulanger Pucci, médico
importante que foi até prefeito da cidade. Boulanger revidou o
desaforo não reconhecendo a autoridade de Sacramento. O dr.
Boulanger foi preso por desacato. Mas antes se armou de revólver
à cintura, não permitindo que ninguém na delegacia o revistasse.
Sacramento foi logo gritando para um sargento para ir
preparando um copo de purgante para o dr. Boulanger, que pelo
138
jeito não estava disposto a colaborar para a "verdade". Dr.
Boulanger Pucci gritou também ao mesmo sargento que traria o
purgante: "Traga logo 2 copos."
Interrogado pelo delegado para quem seria aquele segundo
copo, o valente médico esbravejou: "O segundo é para você, seu
safado, pois, se eu tomar, você vai tomar junto, à força também.
Na luta, um de nós dois haverá de morrer ou aqui ou lá fora.
Fico preso um ou dois dias, pela arbitrariedade. Mas pelo
simples fato de ter discordado de um delegado, não se
sujeitando a tomar forçadamente um purgativo, isso não será
considerado crime e portanto logo terei de novo a liberdade.
Prometo que em liberdade eu o enfrentarei na rua de revólver
em punho e vamos ver qual de nós dois sobrará para dizer quem
é o valente.”
Pela primeira vez na vida, Sacramento se acovardou,
soltando imediatamente o dr. Boulanger Pucci. Começou ali
naquela hora a decadência da autoridade do delegado especial
tão valentão e arbitrário. A corda sempre muito usada, um dia
acaba arrebentando.
Que fez de mal Aurelino Luís da Costa para ser preso pelo
major Sacramento? Nada. Muita tempestade em copo d´água.
Isso prova que o major Sacramento era de fato mau caráter que
se aproveitava dos mínimos detalhes desafortunados para
139
humilhar até bons e pacatos cidadãos. O caso foi assim. Aurelino
tinha um genro, o Pedro Farnezi, casado com a sra. Maria Jaci
Costa Farnezi. Pedro era trabalhador que, não tendo profissão
fixa, muitas vezes era representante de firmas paulistas junto ao
comércio triangulino e até goiano. Era homem trabalhador e
ótimo chefe de família. Mas por algum motivo de dificuldade
passageira, deixou de cumprir algum compromisso financeiro
para com comerciante paulista. Naquela década de 1930, de
ditadura de Getúlio Vargas, a justiça forense era usada quase que
exclusivamente para grandes crimes de sangue. Casos de
insolvência de compromissos financeiros era levado ao delegado,
que sempre ganhava propina do interessado. Era a estrutura
policial da época. Com tal estrutura bem se pode ver que em todo
e qualquer contenda sempre o credor tinha razão e tinha que ser
vencedor da contenda na delegacia, pois só assim poderia o
delegado vir a receber alguma propina. O major Sacramento
tinha um lema como princípio de aplicação da justiça militar e
por esse princípio se nortearia por toda a vida: "Em questões de
dívida, quem tem razão é sempre o credor, nunca o devedor."
E foi por causa desse princípio de filosofia policial que
Farnezi foi envolvido mas malhas injustas do major Sacramento,
que envolveu também seu bondosíssimo sogro Aurelino Luís da
Costa. A intenção maldosa do delegado era fazer Aurelino, que
era rico, pagasse facilmente a dívida de seu genro e tudo acabaria
bem para o bolso do delegado. Mas Aurelino era homem de fibra
e resistiu até às últimas consequências. Azar do delegado.
140
O RASCUNHO DA CARTA DE AURELINO
141
frequentador diário da casa Aurélio para conversas políticas e
sociais. Alexandre Lacerda, o rábula, certamente foi quem
datilografou a carta ao major Sacramento e se leem com sua letra
as palavras finais do rascunho:
“Agradecendo-lhe, pondo-me ao seu inteiro dispor e
amizade. ...”
A carta do comandante do 4º Comandante de 1935 deve ter
sido proposta conciliatória entre o major Sacramento e Aurelino.
O comandante deveria, por corporativismo, tentar que não
houvesse a saída do major Sacramento, que já se vislumbrava
como certa.
Em resposta à carta de Aurelino, o major Sacramento
escreveu a seguinte carta que li no original. O major pensou que
esta carta resolveria o caso de sua permanência em Uberaba e
portanto escreveu escolhendo bem as palavras de conciliação,
mas demonstrando ter razão em tudo o que fez. Mas não deu
certo essa tática:
Saudações.
142
Em resposta venho declarar-vos que sempre foi o meu
feitio, como militar que sou, procurar conviver na mais perfeita
harmonia e camaradagem com todos os civis, sem distinção de
classe, não permitindo jamais que nenhum cidadão venha
menoscabar a minha autoridade, sob qualquer pretexto.
Sinto-me satisfeito em ver que vos reconhecestes a
precipitação do vosso ato que teve por consequência os factos
tão desagradáveis para ambos.
O ofício que o senhor Comandante vos dirigiu, foi
simplesmente impulsionado pelo espírito de classe e também
por saber que a razão estava comigo e, em virtude da
exploração que acredito ter havido com o vosso nome, em torno
da minha pessoa, surgindo os mais desbaratados comentários
revestidos de ameaças etc.
Não tenho nenhum interesse em conservar desafetos e
também sei esquecer algum gesto de leviandade que venha ser
praticado por algum, em um momento de irreflexão, assim,
sinto-me bem, em dar por terminado o mal entendido havido,
assegurando-vos, com a fidelidade da farda que tão
orgulhosamente envergo, que serei incapaz de conservar a
menor prevenção de espírito contra vossa pessoa.
Sem outro motivo pelo momento, subscrevo-me mui
Atenciosamente
Maj. Jacinto A Sacramento.”
143
FILOSOFIA DE FÓRUM, DE DELEGACIA
E DE REPARTIÇÃO PÚBLICA NA
DÉCADA DE 1930
144
par de soldados para prender Aurelino, que foi trazido
imediatamente, com grande aparato. O caso abalou a cidade,
pois, Aurelino era conceituado cidadão, espírita de renome,
fundador do centro espírita Vicente de Paulo, também hoje
conhecido como centro do sr. Joaquim Tomás, até hoje em
atividade. O centro tem o benemérito serviço social inclusive com
um anexo asilo de velhos, à rua Capitão Manuel Prata. No tempo
de Aurelino, o centro espírita proporcionava donativos em
dinheiro, gêneros alimentícios e em agasalhos, até fazia muitos
enterros para pessoas pobres, mantendo conta de acerto mensal
com a funerária Pagliaro. Em apuros financeiros, todo pobre se
dirigia às portas do estabelecimento comercial Casa Aurélio de
Aurelino, pedindo empréstimo até o próximo pagamento.
Aurelino era muito conceituado socialmente. Era esperto em
suas caridades. Com 3 ou 4 perguntas conhecia a verdadeira
necessidade de qualquer pobre pedinte e sempre atendia à
pessoa verdadeiramente necessitada de auxílio. Sabia distinguir
esmola de empréstimo financeiro. Tinha uma caraterística.
Sempre cobrava mesmo uns minguados milréizinhos (1$ 000)
que dava como empréstimo, mesmo a pobres. Cobrava se a
pessoa precisava só temporariamente para acudir alguma
urgência do necessário em casa. Nunca cobrou nada pelo que
dava de esmola. Nem cobrava juro de pobre. Como emprestava a
muitos pobres, o povo logo folcloricamente comentava que ele
emprestaria muito a ricos, portanto ele deveria ter muito
dinheiro, pois emprestava muito. E quem empresta recebe juros.
Quando faleceu a 15 de abril de 1978, deixou 80 casas, frutos de
145
seu trabalho como competente comerciante na Casa Aurélio,
onde vendia sais minerais e remédios para gado e alguns
produtos de fazenda. Também sabia administrar mensalmente
os aluguéis que recebia, nunca tolerando atrasos e sempre
procurando solucionar bem toda pendência com os fiadores de
suas casas alugadas. Morreu sem ninguém lhe dever nada. Isso é
que é ser bom administrador. Seu pai Aurélio, nascera em
Uberaba no dia 17 de agosto de 1870, no dia em que em Uberaba
aconteceu geada brava, que cobriu a cidade com 10 centímetros
de gelo. Deve ter havido algum fenômeno atmosférico
desconhecido, pois em várias partes da região foram encontrados
enormes blocos de gelo que se derreteram só depois de alguns
dias. Os pequenos riachos da região apareceram completamente
congelados. O povo começou a comentar: aqui está virando
Europa.
O pai de Aurelino era peão, carreiro de carro de boi, na roça.
O menino Aurelino, descalço e roupa de algodão tecido na roça,
ajudava o pai como candeeiro, segurando varinha à mão,
andando sempre na frente do carro de boi. Se teve alguma coisa
na vida foi a custo de muito trabalho.
Foi preso o Aurelino Luís da Costa, homem boníssimo, de
distinta família e proprietário de muitas casas de aluguel em
Uberaba. Foi preso e tomou purgante e por isso foi muito
humilhado na cidade.
146
A PERSPICÁCIA DE RANULFO
BORGES DO NASCIMENTO
147
seus tempos áureos tenha chegado a 120 e muitos terrenos. Tudo
fruto de boa administração.
Na Casa Aurélio, todo santo dia para lá se dirigiam dois
grandes amigos e confidentes, o rábula Alexandre Lacerda e
Eustórquio Pinheiro, ambos muito políticos. Eustórquio tinha o
apelido de Torgico, era pai do grande radialista J. Pinheiro,
recentemente falecido.
OS BIRUTAS
148
BARGANHA
149
DESMATERIALIZAÇÃO
150
TIROTEIO FINAL NO BREJO
152
apareciam luzes vagando sobre o telhado e dentro daquelas casas
inabitadas. Resultado? O resultado era sempre a imediata
desvalorização do preço do imóvel, cujos parentes por medo de
maior desvalorização logo procuravam o rico comprador
Aurelino, que sempre o comprava pagando à vista. Cheguei em
Uberaba, em 1959, para estudar. Desejei alugar uma casa para
morar. Aurelino seria minha solução, disseram-me.
TRÊS ASSASSINADOS
153
possíveis torturadores a mando de Sacramento. Encontrou logo
jeito de os reunir na prisão, para lhes fazer sermão mais ou
menos assim: "Olhem, vocês devem se lembrar que se vocês
maltratam pessoas do povo com muitas torturas, agradam ao
delegado, mas isso não vem do Bem mas vem do Mal. Olhem.
Vão para casa e peguem uma bola atirando-a contra a parede.
Ela vai voltar contra vocês com a mesma força com que vocês a
atiraram contra a parede. Assim acontece com quem pratica
tortura. O mal vai voltar contra o torturador, um dia."
Os soldados muito impressionados depois disso, mesmo
recebendo ordens de torturar Aurelino, não o fizeram, mas
diziam ao delegado que tinham feito. Pararam de prometer
tortura a Aurelino. Mas dizem que no dia seguinte chegou a hora
da tortura. Seria sessão de puro fingimento de tortura que os três
soldados fariam perto de Aurelino. Fingiriam torturá-lo. Mas
inesperadamente apareceu Sacramento pessoalmente para
assistir à sessão de tortura. Não teve jeito. Os soldados que
tinham prometido a Aurelino mudar de vida de "medo da bola
voltar para o lado deles" não puderam fingir tortura na presença
do delegado. Torturaram. Aurelino bebeu sujeira.
Passado muito tempo depois de ter saído da prisão,
Aurelino conseguiu habilmente ocasiões para matar os três seus
torturadores. Um foi bem difícil de ser encontrado em Belo
Horizonte, pois já havia se aposentado. Morando na Bahia,
viajava para a capital mineira muito raramente, de tempos em
tempos, em época em que os soldos dos militares aposentados
atrasavam até 4 a 6 meses. Só vinha à capital mineira quando
154
sabia que estava pronto o pacote dos vencimentos atrasados.
Dizem que tinha se arrependido e que morava na Bahia de medo,
pois soubera do já acontecido com os outros seus dois colegas.
Embora com costume de vir raras vezes a Belo Horizonte, assim
mesmo, certo dia, em Uberaba, Aurelino recebeu a orelha dele
enrolada num paninho igualzinho ao tecido de farda militar,
como era o costume dos jagunços que só recebiam recompensa
prometida pelo crime mediante prova do serviço do Mal já feito
e bem feito.
Aurelino fez seu testamento em vida e o confiou a um Banco
que só o entregou ao advogado encarregado pelo inventário.
Tudo bem definido.
MÃO VINGADA
155
imediatamente foi enterrada no cemitério local, juntando-se ao
corpo a que fazia parte em vida desaforada.
Vamos analisar o teor da carta do delgado, publicada acima,
datada de 3 de fevereiro de 1936?
Ressalto a expressão dessa carta de 03 de fevereiro de 1936,
em que o delegado diz que procura "... conviver na mais perfeita
harmonia e camaradagem com todos os civis, sem distinção de
classe, não permitindo jamais que nenhum cidadão venha
menoscabar a minha autoridade, sob qualquer pretexto."
E que dizer da carta de Aurelino ao Delegado escrevendo:
“Ficarei satisfeito se considerar terminado tal incidente
para minha tranquilidade”.
Puro fingimento do delegado. Puro fingimento também de
Aurelino que pôde depois dar ótimo golpe político solicitando à
política uberabense o afastamento de Sacramento,
imediatamente.
Mas depois que ouvi tudo isso que contei para vocês,
perguntei, certa vez, a meu último informante: "Como foi a morte
do major Sacramento?"
"Ah! Professor, já estava me esquecendo. Boa pergunta. A
bola da história da parede, que lhe contei, voltou também com
toda força contra a saúde do major Sacramento. Terrível
sofrimento o foi matando aos pouquinhos, como era vontade de
muita gente, que não queria de jeito nenhum que sua morte
156
fosse repentina. Deveria morrer depois de muito sofrer em
tortura demorada de terrível doença de pele que ia se
despregando do corpo, tornando visível carne viva e osso em
inúmeras feridas, profundas que lhe corroíam a pele e os
músculos a tal ponto que, pelas feridas bem se podia ver a
brancura dos ossos ilíacos e do osso mucumbu ou osso-do-pai-
joão como o povo simples costuma apelidar o osso cóccix." E
meu informante sentenciou: "Puxa! O povo brasileiro em seu
folclore costuma fazer o torturador morrer sofrendo muito mais
na fantasia do que a fraqueza humana realmente lhe reservou.
Mas em muita coisa eu imagino que realmente ele morreu assim
sofrendo muito mesmo. Aquilo só pode ter sido obra de alguma
magia encomendada. E magia das bravas, professor!"
CARRO DE BOI
157
O presente livro teve sua
composição, em computador PC-
Intel Core Duo 300 GHz e sua
organização procedidas nos meses
anteriores, sendo publicado neste
blog no mês de Janeiro de 2022, em
Uberaba/Brasil.
158