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Número 229

Janeiro 2021

Admiração e afeto
João é apenas um Profeta?

No dia 11 de janeiro de 2021 você vai conhecer o homem que


vai mudar a sua vida: João, o primeiro catequista.
Queremos dar a você uma visão que ninguém deu até agora
sobre a figura de São João Batista e como a sua mensagem ainda
ecoa até os dias atuais.

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Ano XX, nº 229, Janeiro 2021
SumáriO
Escrevem os leitores ���������������������������������������� 4 Modelo e mestre
incomparável
ISSN 1982-3193
Admiração e escravidão (Editorial) . . . . . . . . . 5 ...................... 32
Revista de cultura
e inspiração católica
publicada por: A voz dos Papas – A música instrumental
“Sede como crianças” no santuário
Associação Brasileira
Arautos do Evangelho
CNPJ: 03.988.329/0001-09 ........................ 6 ...................... 34
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Comentário ao Evangelho – Voz da Igreja,
Onde mora Jesus? voz da França
Diretor Responsável:
Mario Luiz Valerio Kühl
........................ 8 ...................... 38
“Esperava deles justiça, Arautos no mundo
Conselho de Redação:
mas brotou iniquidade”
Severiano Antonio de Oliveira;
Silvia Gabriela Panez;
Marcos Aurelio Chacaliaza C. ...................... 14 ...................... 42
Do longínquo Oriente… Aconteceu na Igreja e
Administração no mundo
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Admiração e afeto História para crianças... –
da Virgem-Mãe Aguardando o retorno
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Santo Antão – Pai da Onde os Reis Magos uma
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E screvem os leitores

escolhidas para nos brindarem com Um dos momentos mais altos


essa belíssima revista católica. A for- e especiais a cada mês
mação espiritual que emana das pu-
A revista Arautos do Evangelho é,
blicações me concede muitas inspira-
a cada mês, com a Santa Eucaristia e
ções e contribuem para que eu conti-
a leitura diária da Bíblia, um dos mo-
Sobre “São Nicolau nue tendo sede da palavra de Deus e
mentos mais altos e especiais. Sem-
ou Papai Noel?” da presença de Nossa Senhora.
pre a recebo com alegria, pois a sin-
Fiquei boquiaberta diante da reve- É a Revista fonte de pesquisa para
to verdadeiramente como um refor-
lação muito bem documentada, apre- meu apostolado nos lugares onde te-
ço para me fortalecer na fé, na espe-
sentada pela revista Arautos do Evan- nho peregrinado em missão evangeli-
rança e na caridade. Eu a leio toda,
gelho do mês de dezembro, de como zadora. Nessa caminhada, já estive na
com um grande conforto físico e es-
São Nicolau foi “deposto” e em seu lu- Bolívia, Manaus, São Paulo, e agora
piritual, não relego qualquer artigo,
gar se introduziu o “produto” Papai me encontro servindo a Deus em Por-
pois todos são para mim muito im-
Noel. A documentação deixa clara a to Velho, Rondônia, cidade na qual
portantes e me trazem grande con-
operação de guerra psicológica que, resido atualmente. Registro aqui que
forto e fortaleza.
afastando São Nicolau, acabou por desde que comecei minha caminhada
na evangelização, não parei mais de Por isso vos peço, mais uma vez,
apagar a lembrança do grande Ani-
ler. Ao longo desses cinco anos como não vos esqueçais de me enviar a Re-
versariante, que é o Menino Deus.
leitora, percebi quanto Nossa Senho- vista. Despeço-me, com um abraço
Se perguntar não ofende, gostaria
ra trabalhou em mim a cada texto, ar- fraterno, certo de que todos os que
de saber que oposição as famílias fi-
tigo, testemunho, História da Igreja e estão ligados aos Arautos do Evange-
zeram contra a retirada de São Nico-
ensinamentos referentes à nossa Dou- lho, por todo o mundo, estão, com as
lau? Outra pergunta: por que a nos-
trina Católica, e quanto pude levar to- vossas famílias, todos os dias nas mi-
sa Igreja, com tantos membros ilus-
dos esses ensinamentos para várias nhas orações.
tres e inteligentes em seu clero – que
Deus os tenha consigo! –, não foi ca- pessoas de diferentes lugares. Alfredo Augusto Mandim
paz de perceber a manobra? Um de- Sempre que leio a Revista e encon- Santos Primavera
talhe muito curioso: até a ganancio- tro um novo artigo, sinto que estou Maia – Portugal
sa Coca-Cola serviu de instrumento aprendendo algo original, como um
licor de amor, paz, serenidade e sabe-
Como médico, “receito”
para a manobra ateisante. esta revista
Parabéns à jovem articulista, doria, que seguramente irão me aju-
Ir. Antonella Ochipinti, desejando dar nessa empreitada evangelizadora. Caríssimos e estimados editores
que todos os párocos e todos os semi- Certa vez, quando estava fazen- da revista Arautos do Evangelho, me
naristas conheçam esta matéria. do apostolado, dando um curso de dirijo a vocês para agradecer o belo e
Consagração a Nossa Senhora em magnífico trabalho que fazem a cada
Bruna Aparecida Alves Aguiar
uma área ribeirinha no interior do publicação. Eu sou médico e me de-
Maringá – PR
Amazonas, algumas pessoas vieram dico a velar pela saúde corporal das
Auxílio para a evangelização me perguntar de onde eu trazia tan- pessoas, e cada história, cada refle-
no Amazonas to conhecimento mariano e católico. xão, cada artigo de vossa Revista
É com grande satisfação e alegria E quando mostrava qual era a fonte, são verdadeiros medicamentos para
que escrevo estas linhas para a revis- que se tratava de uma bela revista ca- a alma e para o estado de espírito
ta Arautos do Evangelho, pois, como tólica, e lia para elas alguns trechos de quem lê, são um autêntico medi-
leitora assídua, quero aqui comparti- e citações de algum dos artigos, elas camento para a saúde e conforto de
lhar junto aos amigos leitores quan- ficavam radiantes com cada tema. nossa salvação.
to essas publicações me têm servido Confesso que, como leitora, Nossa Receito a todo verdadeiro católi-
de auxílio para minha formação mo- Senhora me concedeu várias graças, co a leitura e divulgação desta Revis-
ral e espiritual, através dos artigos e modificou minha forma de pensar e ta, para sua saúde espiritual e salva-
textos edificantes, escritos por pes- de referir à nossa Santa Igreja. ção de sua alma.
soas que, sem dúvida, são inspiradas Antônia Nunes Carlos Alberto Barrenche Osorio
por Deus e Nossa Senhora, foram as Porto Velho – RO Via revistacatolica.com.br

4      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Editorial

Admiração e escravidão

S e pudéssemos sintetizar com uma palavra o movimento das almas que acor-
riam a Jesus, essa seria a “admiração”. De fato, após a narração dos inúme-
ros portentos – milagres de cura, ressurreição, exorcismos, etc. –, os evangelis-
tas insistem em revelar o estado geral de maravilhamento: “E a multidão ficava ad-
mirada”, “todos se admiravam de tudo o que ele fazia”, ou ainda, “todos admira-
vam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca” (cf. Mc 9, 15; Lc 9, 43;
Lc 4, 22). Ora, qual a razão de tanto enlevo?
A admiração nasce quando a alma deseja, a partir dos efeitos, reconhecer a cau-
sa. Trata-se da porta de todo percurso metafísico, ou seja, o primeiro olhar da inte-
ligência, como a própria origem da palavra nos indica: “voltar os olhos a” (ad + mi-
rar). Se de fato um belo panorama tanto nos enleva, o que dizer da divina mirada do
Redentor? Como sabemos, porém, muitos – como Judas – negaram este sacratíssi-
mo olhar, preferindo a cegueira da alma aos raios do Sol de Justiça.
Nossa Senhora, pelo contrário, foi o arquétipo das almas admirativas: na
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229
Anunciação fez-Se “escrava do Senhor” porque o Salvador olhou para a sua hu-
mildade (Lc 1, 38), na Visitação o seu espírito exultou em Deus (cf. Lc 1, 47) e no
2021
Janeiro

Nascimento de Jesus pôde Ela finalmente glorificar, junto com os Anjos, a pró-
pria causa da admiração. Entre essas três moções da alma de Maria – isto é, a es-
cravidão, a exultação e a glorificação a Deus –, a primeira talvez seja a mais cru-
cial. De fato, na atitude de escravidão já se encontrava em gérmen a sua obediên-
to cia ímpar, o seu amor entranhado pelo Filho e, por fim, a entrega incondicional
ção e afe
Admira aos desígnios da Providência, ou seja, àquilo que desde todo sempre a Trindade
proveu (“viu antes”) para Ela.
A história dos Santos, em particular dos fundadores, nada mais é do que o espe-
lho dessa admiração primeva e consequente atitude de escravidão. De fato, foi sob
Mons. João esse influxo que Mauro obedeceu a seu pai espiritual Bento para salvar Plácido. Foi
Scognamiglio por contemplar as chagas do Poverello que uma coorte de almas se uniu a Francis-
Clá Dias, EP, co, o “outro Cristo crucificado”. Foi como num relance que Dom Bosco se admi-
em 14/12/2020 rou pela inocência de Domingos Sávio, chamando-o carinhosamente de “bom te-
Foto: Teresita Morazzani
cido” (diante da mãe que era costureira). E a resposta do jovem brotou como num
flash: “Sou um tecido; que tu sejas então o alfaiate para preparar uma bela veste
para o Senhor”!
Após um 2020 tão conturbado, nosso espírito certamente anseia por um ano
novo bem diferente. Como ele será? Não sabemos. Mas basta contemplar o exem-
plo admirativo de Maria e da constelação de almas bem-aventuradas para consta-
tar que uma autêntica mudança da sociedade só pode começar por uma conversão
individual. Urge, portanto, buscar um novo “olhar”, que se traduz em dar as costas
ao egoísmo e tantos outros vícios que nos impedem de admirar. E assim, a todo mo-
mento, poderemos rogar ao Altíssimo com propriedade: “Eis aqui o vosso escravo,
faça-se em mim a vossa vontade!” ²

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A voz dos Papas

“Sede como crianças”


Os três Reis Magos não viram o Menino imperando sobre os demônios, nem
ressuscitando mortos. Encontraram, pelo contrário, uma criança entregue à
solicitude de sua Mãe. Aquele que ainda não proferia sequer uma palavra,
já ensinava, assim, pelo simples fato de ser visto.

A
recordação dos atos do Sal- do que foi dado como medicina para majestade, nascer como homem e
vador do gênero huma- quem estava morto surgiu uma nor- morrer pelos homens.
no será de grande utilida- ma de costumes. Deus fez com que uma causa tão
de para nós, irmãos caríssi- Não foi, pois, sem razão que os difícil como a nossa fosse salva gra-
mos, se fizermos desse objeto de nos- três Magos, guiados pela luz de uma ças à sua humildade, pela qual Ele
sa Fé o ideal de nossa imitação. estrela para ir adorar o Menino Je- destruiu a morte e o autor da morte,
Com efeito, na ordenação dos sus, não O viram imperando sobre os nada recusando de tudo quanto seus
mistérios de Cristo, os próprios mi- demônios, nem ressuscitando mor- perseguidores Lhe impuseram. Ao
lagres são graças e estímulos que so- tos, nem restituindo aos cegos a vis- contrário, obediente ao Pai, supor-
lidificam a doutrina, para que imite- ta, aos coxos a faculdade de andar e tou com doçura e paciência os tor-
mos com o exemplo das obras o que aos mudos a de falar, nem operando mentos de seus algozes.
confessamos com espírito de Fé. Pois qualquer outra ação divina. Encon-
até mesmo esses primeiros instantes traram, pelo contrário, uma criança
Cristo ama a verdadeira e
de vida do Filho de Deus nascido da silenciosa e tranquila, entregue à so-
voluntária humildade
Virgem-Mãe nos ensinam a progre- licitude de sua Mãe. Sendo assim, quanto devemos ser,
dir na piedade. N’Ele não aparecia nenhum si- também nós, humildes e pacientes,
Os corações retos aí veem apare- nal de seu poder, mas sim uma pro- uma vez que, se alguma provação nos
cer simultaneamente, numa só Pes- digiosa humildade. A contempla- assaltar, nunca a sofreremos sem tê-
soa, a pequenez própria à humanida- ção deste Santo Menino, que era ao -la merecido!
de e a majestade própria à divindade. mesmo tempo Filho de Deus, apre- “Quem se gloriará de ter um co-
Aquele que o berço atesta ser um me- sentava diante dos olhos um ensi- ração limpo ou de estar livre de pe-
nino, o Céu e os espíritos celestiais namento que mais tarde seria pro- cado?” (Pr 20, 9). E, como diz São
proclamam seu Criador. clamado para os ouvidos. Aquele João: “Se dizemos que não temos pe-
Esse menininho é o Senhor e Mes- que ainda não proferia sequer uma cado, enganamo-nos a nós mesmos,
tre do mundo; recolhe-se no regaço palavra, ensinava já pelo simples e a verdade não está em nós” (I Jo
de sua Mãe Aquele que nada pode fato de ser visto. 1, 8). Logo, quem pode considerar-se
conter. Mas é nisso que estão a cura Com efeito, toda a vitória do tão isento de pecado que nele a justi-
de nossas feridas e nossa restauração, Salvador sobre o demônio e o mun- ça nada encontre a censurar ou a mi-
porque a natureza humana não pode- do, Ele a começou pela humildade sericórdia a perdoar?
ria ter se reconciliado com Deus se e rematou pela humildade. Iniciou Donde, meus diletíssimos, a re-
duas realidades tão diversas não tives- na perseguição sua vida predesti- gra da sabedoria cristã não consis-
sem se encontrado para se unirem. nada e na perseguição a terminou. te na abundância de palavras, na
A este Menino não faltaram os so- subtileza da discussão nem no afã
A vida de Jesus iniciou-se e frimentos, mas nunca neles per- de obter glória e louvores, mas sim
terminou na perseguição deu a mansidão infantil, pois o Fi- na verdadeira e voluntária humil-
O remédio que nos foi administra- lho Unigênito de Deus aceitou, por dade que Nosso Senhor Jesus Cris-
do tornou-se, assim, regra de vida, e um singular rebaixamento de sua to abraçou e ensinou com grande

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Gustavo Kralj
A sabedoria cristã não consiste na abundância de palavras nem na sutileza da discussão
mas sim na verdadeira e voluntária humildade
Adoração dos Reis Magos, por Fra Angélico - Museu da Basílica de Santa Maria delle Grazie, San Giovanni Valdarno (Itália)

v­ alor desde sua concepção até o su- tado de menino, tomemos por mes- rado pelos Magos. E para nos mani-
plício da Cruz. tre São Paulo. Diz-nos ele: “Não sede festar o troféu que reserva a seus imi-
Discutindo certo dia seus discípu- como meninos no modo de entender, tadores, Jesus glorificou com o martí-
los sobre qual deles seria o maior, Je- mas sim no que se refere à carência rio aqueles que vieram ao mundo ao
sus colocou no meio deles um meni- do mal” (I Cor 14, 20). mesmo tempo que Ele. Nascidos em
no e lhes disse: “Em verdade vos de- Não se trata, portanto, de voltar Belém, como o Cristo, foram a Ele as-
claro: se não vos transformardes e aos brinquedos e às debilidades da in- sociados pela idade e pelo holocausto.
vos tornardes como criancinhas, não fância, mas de imitar certas coisas que Amem, pois, os fiéis a humilda-
entrareis no Reino dos Céus. Aquele são convenientes também à maturi- de e, sobretudo, fujam de toda sober-
que se fizer humilde como esta crian- dade. Por exemplo, que passem logo ba. Cada qual dê a preferência a seu
ça será o maior no Reino dos Céus” nossas agitações interiores e recupe- irmão; ninguém procure seu provei-
(Mt 18, 3-4). remos rapidamente a paz; não guar- to particular, mas sim o do próximo
Cristo ama a infância que Ele vi- demos rancor pelas ofensas recebidas (cf. I Cor 10, 24).
veu em sua alma e em seu corpo. nem ambicionemos altos postos; gos- Quando todos estiverem cheios de
Cristo ama a infância, mestra de hu- temos de estar juntos e mantenhamos sentimentos recíprocos de amor, o
mildade, modelo de inocência, exem- a igualdade de ânimo. veneno da inveja desaparecerá, “por-
plo de doçura. Cristo ama a infân- Grande qualidade é não saber cau- que todo aquele que se exaltar será
cia, para a qual orienta os adultos e sar prejuízo nem tramar maldades, humilhado, e todo aquele que se hu-
reconduz os anciãos. Ele a dá como porque em injuriar e replicar às injú- milhar será exaltado” (Lc 14, 11). É o
exemplo a todos quantos desejam al- rias consiste a astúcia deste mundo; ao que testifica o próprio Nosso Senhor
cançar o Reino eternal. contrário, não retribuir a ninguém o Jesus Cristo, que com o Pai e o Espí-
mal pelo mal (cf. Rm 12, 17) é próprio rito Santo vive e reina pelos séculos
Semelhantes a crianças da equanimidade da infância cristã. dos séculos. Amém. ²
na carência do mal A ter esta semelhança com as
Entretanto, se queremos enten- crianças vos convida, irmãos caríssi- SÃO LEÃO MAGNO.
der plenamente como é possível con- mos, o mistério que hoje celebramos. Sermão VII
seguir tão admirável transformação Esta é a forma de humildade que vos na Epifania do Senhor:
e como fazer para voltarmos ao es- ensina o Salvador Menino, ao ser ado- SC 22, 276-283

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Francisco Lecaros
Pregação de São João Batista - Igreja de Saint-Malo, Dinan (França)

a  Evangelho  A
Naquele tempo, 35  João estava do?” Eles disseram: “Rabi (que seguiram Jesus. 41  Ele foi en-
de novo com dois de seus dis- quer dizer: Mestre), onde mo- contrar primeiro seu irmão
cípulos 36  e, vendo Jesus pas- ras?” 39 Jesus respondeu: “Vin- Simão e lhe disse: “Encontra-
sar, disse: “Eis o Cordeiro de de ver”. Foram pois ver onde mos o Messias” (que quer di-
Deus!” 37  Ouvindo essas pa- Ele morava e, nesse dia, per- zer: Cristo). 42  Então André
lavras, os dois discípulos se- maneceram com Ele. Era por conduziu Simão a Jesus. Jesus
guiram Jesus. 38  Voltando-Se volta das quatro da tarde. olhou bem para ele e disse: “Tu
para eles e vendo que O esta- 40 
André, irmão de Simão Pe- és Simão, filho de João; tu se-
vam seguindo, Jesus pergun- dro, era um dos dois que ou- rás chamado Cefas” (que quer
tou: “O que estais procuran- viram as palavras de João e dizer: Pedra) (Jo 1, 35-42).

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Comentário ao Evangelho – II Domingo do Tempo Comum

Onde mora Jesus?

Aos discípulos que O seguiam desejosos de conhecer sua


morada, Nosso Senhor dirige afetuosas palavras: “Vinde ver”.
Também a nós Ele faz esse apelo, ansioso por nos revelar
seus mais íntimos desejos e cogitações.

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

I – Chamados a seguir mais passava ao longe, São João Batista proclama:


de perto o Senhor “Eis o Cordeiro de Deus”. Com as palavras do
Após encerrar o ciclo natalino com a celebra- Precursor, a voz da graça ecoa nos corações de
ção do Batismo de Nosso Senhor, a Santa Igreja João e André, os quais imediatamente seguem o
abre para nós as portas do Tempo Comum, con- Salvador. “Mestre, onde moras?”, indagam-Lhe
vidando-nos neste 2º Domingo a seguir Jesus os dois discípulos. E nesta pergunta, tão simples
mais de perto, conviver com Ele, moldar nosso
interior segundo o d’Ele.
na aparência, encontra-se a síntese do convite
que hoje a Liturgia nos faz.
Quando
A primeira leitura (I Sm 3, 3-10.19) nos ensi- as graças
na como bem atender a esse apelo ao descrever o II – Nosso Senhor Se manifesta
início da vocação de Samuel, chamado aos nove a quem O procura
místicas
anos de idade para ser profeta de Israel. O ver-
sículo final recolhe um belíssimo elogio sobre o São João Evangelista abre seu relato da vida
atingiram um
menino, o qual, disposto a cumprir por inteiro a de Jesus com três declarações de São João Ba- verdadeiro
vontade do Senhor, “não deixava cair por terra tista sobre o Messias, pronunciadas em dias con-
nenhuma de suas palavras” (I Sm 3, 19). secutivos ante públicos diversos (cf. Jo 1, 19-36). cume, João
Na segunda leitura (I Cor 6, 13-15.17-20), ain- Vê-se nesses versículos o quanto o Discípulo
da mais cogente, profunda e cheia de substância, Amado, que tivera por mestre o Precursor, co-
exclamou:
São Paulo faz uma séria advertência a respeito da nhecia a extraordinária força de sua palavra. “Eis o
responsabilidade que cabe a nós enquanto bati- O trecho do quarto Evangelho contemplado
zados: devemos conservar longe do pecado não neste domingo apresenta o último depoimento e Cordeiro de
só nossas almas, mas também nossos corpos, marca o começo da missão pública de Nosso Se-
pois estes são “membros de Cristo” e “santuário nhor, o qual atrai a Si os primeiros seguidores. Deus!”
do Espírito Santo” (I Cor 6, 15.19). Trata-se, por-
tanto, de conformar todos os aspectos de nossa
Num auge de graças místicas
vida aos princípios que nutrem e regem nosso re- Naquele tempo, 35 João estava de novo com
lacionamento com Deus.
Nesse sentido o Evangelho é muito claro, dois de seus discípulos 36 e, vendo Jesus
como se comprovará adiante. Vendo Jesus que passar, disse: “Eis o Cordeiro de Deus!”

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      9


A cena é descrita por uma de suas sinamentos do Precursor já os en-
testemunhas: o próprio Apóstolo chiam de enlevo e entusiasmo,
São João, como em geral ad- como resistir à atração exer-
mitem os comentaristas, que cida pelo Varão do qual ele
oculta sua identidade sob os viera dar testemunho e de
véus da humildade. Acom- quem não se considerava
panha-o André, irmão de digno de desatar as san-
Simão Pedro. dálias (cf. Jo 1, 28)?
A expressão “esta- Temos aqui um im-
va de novo” refere-se às pressionante exemplo
declarações do Precur- do quanto devemos
sor consignadas nos ver- ser flexíveis ao chama-
sículos anteriores. En- do que a graça cotidia-
tretanto, o efeito fulmi- namente faz em nossos
nante da sintética frase corações para seguir-
de João Batista, descrito mos o Cordeiro Divino.
Exímio logo a seguir, faz supor que

nn
Um encontro preparado

ma
havia muito ele prepara-
apóstolo e fiel

oll
desde toda a eternidade

oH
va aqueles discípulos para o

rgi
encontro com o Messias. Qui-
38a 
Voltando-Se para eles
restituidor,


çá até mesmo prometera apon- e vendo que O esta-
São João tá-Lo, quando surgisse vam seguindo, Jesus
uma oportunidade.
Batista Provavelmente am-
São João Batista - Catedral de
Notre-Dame, Paris
perguntou: “O que
bos faziam parte de um estais procurando?”
procura núcleo de seguidores mais admirativos, mais ar-
transferir dorosos e mais dispostos, cujas perguntas sobre o
Desejado das Nações haviam permitido ao Pre-
A princípio, os dois O acompanham de lon-
ge; depois apertam o passo a fim de se aproxi-
para Jesus cursor narrar o início de sua missão na visita de marem. Percebendo sua presença, Nosso Senhor
Nossa Senhora a Santa Isabel, contar as maravi- volta-Se para eles e lhes dirige a palavra. É a pri-
todo o encanto lhas que conhecia a respeito de Jesus, transmitir meira vez que a voz do Redentor se faz ouvir no
que André e as inspirações que a graça soprava em seu interior.
Tais comunicações estavam num crescendo, e
Evangelho de São João.
“O que estais procurando?”, pergunta-lhes.
João nutriam naquele dia João deve ter notado que se tratava Mais do que obter uma resposta, que enquan-
de uma situação especial criada pela Providên- to Deus já conhecia, Jesus desejava dar àqueles
por ele cia. Sem dúvida foi no auge da conversa, quando discípulos a oportunidade de estreitarem os la-
as graças místicas atingiam um verdadeiro cume, ços com Ele e, sobretudo, de explicitarem para si
que ele exclamou: “Eis o Cordeiro de Deus!” mesmos, com clareza, o que buscavam.
Cabe recordar que tal cena não foi fruto do
Flexibilidade ao chamado divino acaso. Desde toda a eternidade o Verbo Divi-
37 
Ouvindo essas palavras, os dois discí- no havia escolhido João e André, e idealizado
pulos seguiram Jesus. as circunstâncias nas quais se daria aquele en-
contro. E o mesmo se passa conosco. Com cari-
No mesmo instante André e João se despe- nho eterno Nosso Senhor nos elegeu e em incon-
dem do antigo mestre e, aceitando o convite táveis ocasiões de nossas vidas toma a iniciativa
da graça, acompanham Nosso Senhor. Exímio de falar em nosso interior. Para que isso aconte-
apóstolo e fiel restituidor, São João Batista apro- ça, Ele põe apenas uma condição: que abramos a
veita a ocasião a fim de transferir para Jesus todo alma para sua graça.
o encanto que ambos nutriam por ele.
As paragens onde o Mestre habita
Não os move uma mera curiosidade, mas a
profunda ação do Espírito Santo em suas al-
38b 
Eles disseram: “Rabi (que quer dizer:
mas, que os arrebata. Se a companhia e os en- Mestre), onde moras?”

10      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Ao chama-Lo “Rabi”, São João e Santo An- Nosso Senhor não lhes indica a localização
dré manifestam o desejo de ser seus discípulos,de uma moradia física, mas os convida a convi-
aprender sua doutrina, seguir sua escola espiri-
ver com Ele. Se São João Batista viera endirei-
tual. E esse anseio é corroborado pela pergunta:
tar os caminhos, rebaixar as colinas e elevar os
“Onde moras?” vales (cf. Lc 3, 4-5), a fim de conduzir as almas
Com efeito, desejavam os dois apenas conhe-até o Messias, cabia agora a este continuar o tra-
cer o local em que Jesus vivia? Parece pouco pro-
balho do Precursor, revelando àqueles discípu-
vável, pois mais tarde Ele próprio declararia: “As
los seus objetivos, seus métodos, seu pensamen-
raposas têm suas tocas e as aves do céu, seus ni-
to, sua mentalidade.
nhos, mas o Filho do Homem não tem onde re- O Evangelista faz questão de ressaltar um de-
pousar a cabeça” (Mt 8, 20). Na realidade ambostalhe: “Era por volta das quatro da tarde”. Se-
anelavam visitar muitas vezes o Divino Mestre egundo a contagem do tempo usada pelos judeus
estar em sua companhia, pois naquele tempo o da época, tratava-se da hora décima, número
aprendizado se dava, sobretudo, no convívio. que nas Sagradas Escrituras simboliza plenitu-
Todavia, a indagação “Onde moras?” apre- de. Portanto, nos relógios da Providência havia
senta ainda um sentido místico muito profundo, soado a hora de uma manifestação completa,
relacionado com outra afirmação de Nosso Se- uma verdadeira epifania do Salvador de Israel.
nhor: “Onde estiver o vosso tesouro, ali estará Conforme os costumes então vigentes, é São João e
também o vosso coração” (Lc 12, 34). Nós mora- provável que os venturosos discípulos tenham
mos onde depositamos nossa atenção, nosso en- permanecido aquela noite com Jesus, pois fal- Santo André
levo, nossos interesses. tava pouco para o entardecer. Num ambiente
Desse modo, a pergunta dos dois discípulos distendido e íntimo, devem eles ter crivado seu
manifestam
poderia ser assim formulada: “Mestre, em que Anfitrião de perguntas. Nosso Senhor a tudo o desejo
altura estão vossas cogitações, por quais sen- respondia e, enquanto os instruía por meio da
das caminham vossos desejos, em que paragens linguagem humana, através da ação divina tra- de ser seus
se encontra vosso Espírito, onde repousa vossa balhava-lhes a alma com graças novas, para
Alma? É isso que almejamos saber!” que se interessassem cada vez mais pelos te-
discípulos,
Sendo Ele o Verbo Encarnado, só mas tratados. aprender sua
poderia morar nos mais elevados A matéria transmitida pelo Mes-
páramos… Sua Alma, criada tre era incomparavelmente mais doutrina,
na visão beatífica e hiposta- elevada, atraente e profunda
ticamente unida à divin- do que aquela aprendida jun- seguir
dade, jamais abandonou
esta sublime perspecti-
to a São João Batista. Am-
bos estavam extasiados
sua escola
va, mesmo nos momen- com os panoramas por espiritual
tos em que o Homem- Ele descortinados. Im-
-Deus contemplava os pressionava-lhes, sobre-
lírios do campo, en- tudo, a Pessoa de Nos-
tretinha-Se com uma so Senhor Jesus Cristo,
criança ou dormia na seus gestos, seu olhar!
barca. Embora ainda não dis-
cernissem sua divinda-
O prêmio reservado de, tratava-se de um Ho-
aos que O buscam mem tão extraordinário,
39 
Jesus respondeu: tão diferente de todos os
“Vinde ver”. Foram outros que conheciam, tão
s
ro

pois ver onde Ele mo- penetrado pela graça, que os


ca
Le

dois sem dúvida concluíram:


rava e, nesse dia, perma-
co
cis

“Encontramos o Messias!” Quiçá


an

neceram com Ele.


Fr

tenham feito, a este res-


Era por volta das O chamado de São Pedro e Santo André - Igreja peito, uma pergunta ca-
quatro da tarde. de São Pedro, Bordeaux (França) tegórica a Jesus, o qual

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      11


jamais os despediria sem uma resposta clara, que Então André conduziu Simão a Jesus.
42 

lhes robustecesse a fé. Jesus olhou bem para ele e disse: “Tu és
Infelizmente as páginas da História não regis-
traram o conteúdo daquela abençoada conver- Simão, filho de João; tu serás chamado
sa… O certo é que, partindo dali, Santo André Cefas” (que quer dizer: Pedra).
apressa-se em transmitir a boa nova a seu irmão.
Novamente chama a atenção que uma simples
Quem descobre onde Jesus mora, frase tenha movido São Pedro a procurar o Mes-
Naturalmente deseja conduzir outros até Ele tre, como acontecera com São João e Santo An-
cristã, a André, irmão de Simão Pedro, era um
40 
dré, sem levantar objeção alguma. Ainda mais se
dos dois que ouviram as palavras de João e tratando do primeiro Papa, que se mostraria tão
alma humana seguiram Jesus. 41 Ele foi encontrar primei-
inquiridor e renitente em outras circunstâncias
(cf. Mt 16, 22; 18, 21; Mc 14, 29-31; Jo 13, 6-9). A
voa em ro seu irmão Simão e lhe disse: “Encon- prontidão com que ele atende ao chamado do ir-
seguimento de tramos o Messias” (que quer dizer: Cristo). mão permite supor que ele já esperava a alvissa-
reira notícia sobre o Messias.
Nosso Senhor, São João e Santo André poderiam ter guar- As famílias eram numerosas naquele tempo,
dado para si a grande descoberta. Entretanto, e com muita probabilidade André tinha outros
pois foi criada sendo o bem eminentemente difusivo,1 a prova irmãos. Portanto, o fato de ele procurar Simão
de que alguém encontrou o Senhor é o empenho não se deve apenas a que a caridade começa na
para Ele que manifesta em fazer apostolado com os ou- própria casa… O futuro Príncipe dos Apóstolos
tros, a fim de salvá-los. também havia sido formado por São João Batista
Assim nós devemos agir: quando descobrir- e, sabendo que o Redentor prometido já aparece-
mos onde “mora” Jesus em um determinado as- ra em Israel (cf. Jo 1, 26), aguardava com ansie-
pecto de sua doutrina, mentalidade ou modo de dade o momento de encontrá-Lo.
ser, procuremos logo levar aqueles que nos são Talvez aqueles três discípulos tivessem feito, in-
próximos a seguir o mesmo caminho e, dessa for- clusive, o pacto de imediatamente comunicar aos
ma, conviverem com Ele. outros quem era o Messias, assim que algum de-
Sérgio Hollmann

Colégio Apostólico - Pórtico do Mosteiro de Santa Maria de Montserrat (Espanha)

12      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


les o descobrisse. Desse modo, a su- sus Cristo, suas palavras, seus dese-
cinta afirmação de Santo André jos, seus sentimentos.
vinha apenas pôr termo a uma Aceitemos então o convi-
questão acalentada em lon- te que Ele nos faz – “Vin-
gas conversas. de ver” – e O busquemos
onde, de fato, Ele Se en-
III – Onde vive contra. Para isso basta
Jesus hoje? que imitemos a pronti-
dão de João e André,
“O testimonium ani- e nos abramos inteira-
mæ humanæ naturali- mente à influência da
ter christianæ”,2 excla- Santa Igreja.
ma com razão Tertulia- Nesse sentido, conti-
no. Naturalmente cris- nua Dr. Plinio:
tã, a alma humana voa “Não nos esqueça-
em seguimento de Nos- mos, porém, de que ‘no-
so Senhor, pois foi cria- blesse oblige’.4 Pertencer à
da para Ele. Há no coração Igreja é coisa muito alta e
do homem uma percepção muito árdua. Devemos pen-

ki
“Devemos
za
iya
sobrenatural que, ante as cir- sar como a Igreja pensa, sen-
M
io
rg
cunstâncias mais diversas, tir como a Igreja sente, agir
pensar como

permite-lhe afirmar: “Jesus como a Igreja quer que pro-


vive aqui”. Trata-se, portan- Plinio Corrêa de Oliveira em 1993 cedamos em todas as cir- a Igreja
to, de ser fiel a essa marca cunstâncias de nossa vida.
inconfundível de Cristianismo gravada em nós e, Isto supõe um senso católico real, uma pureza pensa, sentir
assim, torná-la cada vez mais robusta. de costumes autêntica e completa, uma piedade
Contudo, há algo a mais. Nós, filhos da San- profunda e sincera. Em outros termos, supõe o
como a Igreja
ta Igreja, temos a graça extraordinária de des- sacrifício de uma existência inteira. E qual é o sente, agir
cobrir com segurança onde Jesus mora. Como? prêmio? ‘Christianus alter Christus’.5 Eu serei de
Ouçamos as palavras cheias de unção de Dr. Pli- modo exímio uma reprodução do próprio Cristo. como a Igreja
nio Corrêa de Oliveira, varão que marcou inde- A semelhança de Cristo se imprimirá, viva e sa-
levelmente o século XX com sua Fé: grada, em minha própria alma”.6 quer que
“Em suas instituições, em sua doutrina, em
suas leis, em sua unidade, em sua universalidade,
Com efeito, Jesus faz sua morada naqueles
que se empenham em descobrir onde Ele habi-
procedamos”
em sua insuperável catolicidade, a Igreja é um ta. Assim, ao encerrar estas linhas, dirijamo-nos
verdadeiro espelho no qual se reflete nosso Divi- a nosso Redentor e Lhe manifestemos nosso de-
no Salvador. Mais ainda, Ela é o próprio Corpo sejo de segui-Lo:
Místico de Cristo. E nós, todos nós, temos a gra- “‘Rabi, onde moras?’, Vos perguntaram An-
ça de pertencer à Igreja, de sermos pedras vivas dré e João. E Vós respondestes: ‘Vinde ver!’
da Igreja! Como devemos agradecer este favor!”3 Hoje o mundo não deseja saber onde Vós mo-
Sim, na única e verdadeira Igreja de Cristo, rais e, se soubesse, talvez promovesse sua des-
indefectível em sua moral, imutável em seus dog- truição. Em reparação, Senhor, quero Vos convi-
mas, exemplar em seus Santos, íntegra em sua dar a morar comigo. Vinde, Senhor, e permane-
oposição ao “príncipe deste mundo” (Jo 16, 11), cei em mim! Meu coração é inteiramente vosso,
conhecemos a mentalidade de Nosso Senhor Je- entrai e tomai conta dele!’” 

1
Cf. SÃO TOMÁS DE das almas, naturalmente cazes. Ano I. N.3 (mar., dição exige proceder de
AQUINO. Suma Teológi- cristãs”. 1951); p.4. forma adequada a ela.
ca. I, q.5, a.4, ad 2. 3
CORRÊA DE OLIVEI- 4
Do francês, literalmente: 5
Do latim: “O cristão é ou-
2
TERTULIANO. Apolo- RA, Plinio. Via-Sacra. “a nobreza obriga”. Ex- tro Cristo”.
geticum, XVII: PL 1, 377. VI Estação. In: Catolicis- pressão usada para indi- 6
CORRÊA DE OLIVEI-
Do latim: “Ó testemunho mo. Campos dos Goyta- car que uma elevada con-
RA, op. cit., p.4-5.

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      13


“Esperava deles justiça, mas
Em um dos textos mais comovedores da literatura profética, Isaías mostra a
ingratidão do povo eleito ante os benefícios recebidos de Deus, situação que
não perde atualidade, pois pode se dar com qualquer um de nós.

O
Livro de Isaías é o maior dos israelitas sobre eles mesmos, de- data aproximada do nascimento de
dos escritos proféticos vido à sua má conduta. Isaías. Suas indicações precisas sobre
do Antigo Testamento. O cântico da vinha manifesta o Jerusalém dão a entender que ele nas-
Seus sessenta e seis capí- desvelo de Deus para com Israel, do ceu na capital do Reino de Judá. Era
tulos ricos em conteúdo teológico e qual esperava colher bons frutos, mas casado e tinha dois filhos, aos quais
espiritual fazem dele uma verdadei- auferiu apenas desgostos. É a expe- deu nomes simbólicos (cf. Is 7, 3; 8, 3).
ra obra catequética. Em meio a ta- riência amarga do vinhateiro dedica- Esse grande profeta exerceu seu
manha riqueza, pode passar inad- do que trabalhou em vão; mas é, so- ministério durante quarenta anos
vertido um pequeno trecho que, en- bretudo, o fracasso das relações entre (740-700). O início de sua atividade
tretanto, constitui uma magnífica li- Deus e seu povo, de um amor não cor- coincide com um período de pros-
ção sobre o amor de Deus às suas respondido. Apesar de todos os cui- peridade deixada pelo falecido Rei
criaturas, das quais Ele espera uma dados do Senhor com a nação eleita, Ozias (781-740), como resultado de
retribuição. Trata-se do cântico da esta não Lhe deu senão ingratidão. O suas vitórias militares a leste e oeste
vinha (cf. Is 5, 1-7). que fará Ele com tal “vinha”? de Israel. Entretanto, esse bem-estar
Escrito muito provavelmente no ocultava uma realidade sócio-religio-
começo da atividade de Isaías, esse
O profeta e sua época sa cada vez mais decadente, a qual
cântico – conhecido também como o A maioria dos comentaristas con- Isaías não deixou de censurar.
poema da vinha – faz parte do bloco corda em apontar o ano 760 como Mais adiante, já no reinado de
literário composto por vaticínios diri- Acaz (736-727), agravou-se a situa-
gidos a Israel (cf. Is 1-12). Nesta seção ção. Este monarca introduziu em
há um conjunto de oráculos comina- Judá o culto pagão a fim de agradar
tórios e salvíficos entrelaçados (1-5), o
O cântico da vinha ao rei assírio, do qual havia recebi-
relato da vocação de Isaías (6) e o Li- manifesta o desvelo do ajuda militar para enfrentar uma
vro do Emanuel (7-12), no qual predo- ameaça por parte da Síria e do Reino
minam os textos messiânicos. Ou seja, de Deus para com Norte de Israel.
alternam-se ameaças e promessas. Desejando rebelar-se contra a in-
Esse poema ou cântico pode ser
Israel, do qual fluência assíria na região, estes dois
contemplado de duas perspectivas esperava colher bons estados pediram a Acaz que se unis-
diversas: a teológica e a psicológica. se a eles. Ante sua resposta negati-
A primeira, por uma interpretação frutos, mas auferiu va, declararam-lhe guerra e amea-
da história das relações entre Deus e çavam destroná-lo. Nessa perigo-
seu povo, uma relação de Pai e filho; apenas desgostos sa conjuntura, Acaz pediu ajuda ao
a segunda, na instigação de um juízo próprio rei assírio, contrariando os

14      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Gustavo Kralj
brotou iniquidade”

Diác. Alejandro Javier de Saint Amant, EP

conselhos de Isaías, que lhe prome- A raiz de seu pensamento con-


tia uma intervenção divina. Teglat- siste, sem dúvida, na santidade di-
-Falasar III, soberano daquele im- vina. O livro gira em torno des-
pério, avançou sobre a região do Le- ta ideia. Deus é o Santo de Israel,
vante Mediterrâneo e acabou com um Ser todo revestido de majes-
a rebelião. Em consequência, Judá tade, sentado em seu trono como
ficou dependente da Assíria, com Rei do universo. Ele é o Juiz das
tudo quanto isto significava no ter- nações, particularmente do
reno religioso. povo eleito, com o qual
Com Ezequias (727-687), filho e possui uma especial re-
sucessor de Acaz, a situação melho- lação. Javé tem um de-
rou inicialmente. Este piedoso rei fez sígnio sobre o mundo; a
todo o possível para limpar Jerusa- história humana avan-
lém dos desvios religiosos introduzi- ça para uma etapa deci-
dos por seu pai. Nos seus primeiros siva da salvação. Rebelar- Profeta Isaías - Pedestal do Monumento
anos de reinado, manteve-se submis- -se contra o plano histórico à Imaculada, Roma
so ao soberano assírio. Rebelou-se, de Deus constitui uma grande
porém, por volta do ano 705, quando ofensa. Isaías ressalta também a expec-
houve naquele país uma mudança de tativa da chegada do redentor. A fi-
governo. gura do Messias representa a pleni-
Jerusalém foi cercada pelas tro- tude dos tempos, com tudo quanto
pas mesopotâmicas, mas, graças
Javé tem um isto implica de bem-estar espiritual
à ajuda do Céu, o exército sitiante desígnio sobre o e material. Ele será a solução de to-
viu-se obrigado a bater em retirada dos os problemas do gênero humano;
(cf. II Rs 18-19). Pouco tempo de- mundo; transformará a sociedade num reino
pois, Isaías saiu de cena. de justiça e equidade. O dia de Javé
a história humana – tema tratado já por Amós – é para
Teologia de Isaías
avança para uma Isaías um dia de juízo purificador, no
Por ser muito difícil, dada a sua ri- qual serão humilhados os orgulhosos
queza, resumir em poucos conceitos etapa decisiva e castigados os pecadores. Contu-
a teologia de Isaías, destacamos aqui do, salvar-se-á da catástrofe um res-
apenas alguns aspectos mais impor- da salvação to que será a semente da futura so-
tantes. ciedade teocrática.

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      15


Símbolo do amor de Deus para viver feliz; criou o universo para mentos, mas de obras, e que também
pelos homens estar a serviço do homem. Esperava a resposta deve ser de obras”.1
O poema da vinha é uma das me- assim ser por ele reverenciado e ado-
lhores peças literárias de Isaías. Pre- rado, mas a História nos mostra que o
Como retribuímos ao Senhor
nuncia a parábola dos vinhateiros Senhor é ofendido e mal correspondi-
o dom da vida?
composta por Jesus, dando-lhe con- do a cada momento. O amor do vinha- “E agora, habitantes de Jerusa-
quanto outro enfoque doutrinário teiro à sua vinha simboliza o amor de lém, e vós, homens de Judá, sede juí-
(cf. Mt 21, 33-46). Para despertar a Deus às suas criaturas, das quais es- zes entre mim e minha vinha. Que se
imaginação dos ouvintes, o profeta pera restituição. Não, porém, uma re- poderia fazer por minha vinha, que
se apresenta como um trovador que tribuição apenas hipotética: é neces- eu não tenha feito? Por que, quando
vai cantar as relações entre Deus e Is- sário traduzi-la em atitudes, no com- eu esperava vê-la produzir uvas, só
rael, embora de início não o diga ex- portamento com Deus e os seme- deu agraço?” (5, 3-4).
pressamente. lhantes. “Isto nos diz que não se trata Isaías interrompe a continuida-
“Quero cantar para o meu amigo exclusivamente de um amor de senti- de do canto para convidar o povo a
seu canto de amor a respeito de sua desempenhar o papel de jurado num
vinha: meu amigo possuía uma vinha pleito entre o vinhateiro e sua vinha;
em um outeiro fértil” (5, 1). Um terreno sem deseja que haja uma participação co-
O cântico trata sobre alguém que letiva, que todos sejam testemunhas
plantou em bom terreno uma vinha cuidados está de tudo quanto ele fez por sua vinha.
por ele amada. De igual modo pode-
ríamos dizer que o ser humano é a vi-
destinado ao O vinhateiro dedicou-se por intei-
ro, é justo que peça uma retribuição.
nha plantada por Deus na terra, a qual fracasso, assim Quem recebe, deve também dar, por-
se tornou objeto de seu amor. Cavou a que amor com amor se paga.
terra, tirou as pedras e plantou cepas como a alma A retribuição reclamada por Deus
selecionadas. Edificou no centro uma para Si não é, porém, exclusiva; quer
torre e construiu um lagar. Esperava
sem o auxílio Ele que o homem exerça a caridade
colher boas uvas, mas ela só produziu da graça com os demais, que pratique obras de
uvas selvagens (cf. Is 5, 2). justiça com o próximo. Um autor
Com grande delicadeza, o contemporâneo chega a afirmar:
profeta se faz eco da decepção “O objeto do verbo ‘esperar’ não
de seu amigo ao constatar que, se refere a Deus. Ele não quer
apesar de tomado todos os cui- como resposta um amor dirigi-
dados para que sua vinha desse do a Si, mas aos seres humanos,
bons frutos, o resultado foi o aos mais pobres, aos mais neces-
contrário. Em hebraico, śōrēq – sitados”.2
‫ׂשרק‬
ֵ – significa uma cepa seleta, Infelizmente, o resultado con-
de qualidade especial (cf. Gn siste quase sempre em agraços;
49, 11; Jr 2, 21). Ou seja, o dono por isso vemos tantas guerras,
da vinha utilizou o que havia de ódio, perseguições, atos desuma-
melhor, pôs o terreno em per- nos, etc. É assim que retribuímos
feitas condições e edificou uma ao Senhor o dom da vida?
Victor T.

torre de vigilância contra possí-


veis incursões inimigas. Mas
É insensato viver
não obteve o que desejava.
como se Deus não existisse
Família camponesa, por Francesco Londonio
Da mesma forma, Deus deu Museu Nacional do Hermitage, “Pois bem, mostrar-vos-ei
ao ser humano todas as condições São Petersburgo (Rússia) agora o que hei de fazer à minha

16      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


vinha: arrancar-lhe-ei a sebe para deu ao Senhor o contrário do que Ele
que ela sirva de pasto, derrubarei o esperava; foi rebelde e injusto.
muro para que seja pisada. Eu a farei
devastada; não será podada nem ca-
O que quer de nós o Senhor?
vada, e nela crescerão apenas sarças Por meio do cântico da vinha, Deus
e espinhos; vedarei às nuvens derra- acusava o seu povo de ser ingrato com
mar chuva sobre ela” (5, 5-6). Aquele que lhe outorgara tantos bene-
O resultado da esterilidade é o fícios ao longo de sua história, por não
castigo, como aconteceu ao servo retribuir à altura tudo quanto recebeu

Gustavo Kralj
que não se esforçou para fazer ren- como demonstração de seu amor.
der o talento recebido de seu senhor Vamos agora atualizar o problema.
(cf. Mt 25, 14-30). Por isso a vinha fi- O Senhor dá a todo ser humano
cará sem proteção e será pisoteada. São Tiago e São Pedro - Catedral de as graças necessárias para agir reta-
Um terreno sem cuidados está desti- Cristo Rei, Hamilton (Canadá) mente e santificar-se, para adorá-Lo
nado ao fracasso, assim como a alma e servi-Lo. Como correspondemos a
sem o auxílio da graça. Ninguém se tantos favores recebidos? A restitui-
interessa por um campo que produz “Se a vinha houvesse ção é uma virtude difícil de praticar.
erva selvagem. Quando o homem Muitas vezes julgamos que os suces-
não colabora com o plano de Deus, correspondido às sos obtidos em nossa vida são fruto
sua vida perde o valor.
Muitas vezes o Senhor espera um
intenções do amado, de nossas qualidades, de nosso esfor-
ço pessoal. Raramente reconhece-
arrependimento de quem anda mal mão alguma mos que tudo vem de Deus.
e, de um modo ou de outro, envia “si- O que quer de nós o Senhor? Fo-
nais” para a pessoa dar-se conta de a teria tocado. mos criados com uma intenção; nin-
seu erro, mas tudo tem um limite. guém está neste mundo sem uma fi-
“Negar a chuva aos campos é o últi-
Os obedientes são nalidade. Se queremos gozar da eter-
mo gesto de Deus ao seu povo para intocáveis” na bem-aventurança, não podemos
chamá-lo à conversão”.3 fazer ouvidos moucos à voz de Deus;
Não se pode abusar da bondade devemos viver de acordo com as obri-
divina; viver como se Deus não exis- Caso restasse alguma dúvida, o gações de todo batizado. Portanto,
tisse é uma insensatez. Fugir da pró- profeta faz uma dura aplicação: aque- não nos tornemos uma vinha estéril,
pria responsabilidade acarreta suas les que eram testemunhas de um juízo mas produzamos frutos de justiça! ²
consequências. Pelo contrário, cum- tornam-se réus.
prir o dever é garantir proteção para Quantas vezes Javé foi pródigo
si: “Se a vinha houvesse correspondi- com eles! Como nação eleita, tinha 1
ALONSO SCHÖKEL, SJ, Luis; SICRE
do às intenções do amado, mão algu- Israel o dever de ser santa, de ser mo- DIÁZ, SJ, José Luis. Profetas. Isaías, Je-
ma a teria tocado. Os obedientes são delo para os demais povos. Deus não remías. 2.ed. Madrid: Cristiandad, 1987,
intocáveis”.4 deixou de enviar profetas para lhes v.I, p.133.
transmitir sua vontade. Sempre que 2
MARCONCINI, Benito. Guía espiritual
As testemunhas tornam-se réus pediam ajuda, Ele escutava seus ge- del Antiguo Testamento. El libro de Isaías
(1-39). Barcelona-Madrid: Herder; Ciudad
“A vinha do Senhor dos exércitos é midos e os socorria. Nueva, 1995, p.84.
a casa de Israel, e os homens de Judá De que valeu todo esse esforço? 3
JIMÉNEZ HERNÁNDEZ, Emiliano.
são a planta de sua predileção. Espe- Com linguagem magistral, Isaías re- Isaías: el profeta de la consolación. Madrid:
rava deles justiça, mas brotou iniqui- produz comparações rítmicas: mišpāṭ Caparrós, 2007, p.34.
dade; esperava deles retidão, mas se / miśpāḥ… ṣedāqâ / ṣeՙāqâ (justiça / ini- 4
MOTYER, J. Alec. Isaías. Barcelona: An-
ouviram alaridos” (5, 7). quidade… retidão / alaridos). O povo damio, 2005, p.93.

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      17


Do longínquo Oriente…
Durante as longas noites de viagem, os Reis Magos foram
sendo preparados pela graça para estar com Jesus. Neles
chamejava o fulgor da fé, que não mais ardia em Jerusalém.

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

E nquanto a Sagrada Famí- Disfarçando seu ódio, Herodes so astro avançava em direção a uma
lia voltava para Belém de- chamou os Magos em segredo a fim região situada ao sul de Belém. Se-
pois da Apresentação do de informar-se com detalhes sobre guiram-no até que, em meio a uma
Menino Jesus no Templo o surgimento do astro (cf. Mt 2, 7). campina, avistaram uma estância
de Jerusalém, a muitos quilômetros Como ignoravam suas péssimas in- pobre, mas digna; sobre ela pousou
da Judeia uma caravana de persona- tenções, estes lhe contaram com en- a estrela.
gens ilustres também viajava rumo à tusiasmo as profecias que conheciam Tratava-se, em realidade, de um
Cidade de Davi. sobre o futuro Rei e como desponta- Anjo do Senhor1 que, sob a forma de
Provenientes do longínquo Orien- ra sua estrela no firmamento, claro luz, os conduziu até a casa onde es-
te, alguns Magos, com seu imponen- sinal do cumprimento próximo das tava instalada a Sagrada Família.2
te séquito, seguiam uma misteriosa predições. Desse modo, viajando de Jerusalém
estrela, cujo surgimento contempla- Tendo consultado os príncipes dos a Belém numa noite fria e estrelada,
ram numa noite escura e de céu des- sacerdotes e os escribas, enviou-os descobriram com toda a facilidade o
coberto. Vinham em busca do Rei a Belém, cidade anunciada por Mi- discreto lugar que albergava o Me-
dos judeus que havia nascido e trazia queias como berço do Messias (cf. Mq nino.
a salvação ao mundo inteiro (cf. Mt 5, 1). Ainda lhes pediu que retornas- Tomados pela graça, os Magos
2, 1-2). sem a ele para dar-lhe indicações pre- desceram de seus camelos e saudaram
cisas sobre o Menino pois, segun- São José, que os esperava à entrada,
Fria acolhida na Cidade Santa do dizia, também queria adorá-Lo com a deferência devida ao mais dig-
Chegados a Jerusalém, pergunta- (cf. Mt 2, 8)… no dos príncipes. Pediram-lhe licença
ram com candura onde estava o Mo- Surpresos com a fria acolhida do para fazer seu ingresso na habitação
narca que acabara de nascer. Ao con- povo de Jerusalém, os Reis puseram- com todas as honrarias.
trário do que se poderia pensar, He- -se a caminho da Cidade de Davi, com Tendo ele consentido, vestiram
rodes e toda Jerusalém perturba- certa perplexidade. Logo no início da suntuosos mantos sobre sua roupa-
ram-se com a notícia divulgada por viagem, porém, viram novamente a gem faustosa, a melhor que possuíam,
essa caravana tão prestigiosa e nobre estrela que refulgira no Oriente. Seus estenderam tapetes de lindíssimas
(cf. Mt 2, 3). corações se encheram de profunda cores e formas, acenderam incensá-
A opinião pública da capital rea- alegria: ela não mentira, estava ali rios e organizaram um solene cortejo.
giu com desconfiança e suspeita: para guiá-los! “Entrando na casa, acharam o Meni-
como poderia ter nascido o Salva- no com Maria, sua Mãe. Prostrando-
dor sem que eles o soubessem? Para
Numa pobre habitação, brilha a -se diante d’Ele, O adoraram. Depois,
os Magos a interrogação não foi me-
gala mais sublime da História abrindo seus tesouros, ofereceram-
nor: não devia alegrar-se pelo ad- Era uma noite belíssima, que pa- -Lhe como presentes: ouro, incenso e
vento do Messias o povo eleito por recia prenunciar um dos mais gran- mirra” (Mt 2, 11).
Deus para recebê-Lo e introduzi-Lo diosos amanheceres da História. Os A piedosa atitude dos Magos indi-
no mundo? Magos perceberam que o lumino- ca bem a fé e a retidão que os ­movia.

18      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


O Espírito Santo apresenta-
va àquelas almas, dóceis à sua
voz, a visão de um ideal novo,
feito de desprendimento, de
espírito de pobreza e de do-
çura, contrário à mentalida-
de mundana dos antigos tem-
pos, que desprezava a pobreza
como sinal de inferioridade.
Assim predispostos, ao se de-
pararem com a simplicidade
manifestaram sua adoração
exuberante, espontânea e ra-
Reprodução

diante. Neles reluzia com fulgor


a fé, que não ardia em Jerusa-
lém, onde Herodes e os judeus
jaziam nas trevas do egoísmo
Entraram na casa com toda solenidade e adoraram aquela frágil criança e do pecado.
Adoração dos Reis Magos, por Gentile da Fabriano – Galleria degli Uffizi, Florença Após alguns dias de aben-
çoadíssimo convívio, os Magos
Eles chegaram a Belém, depois de tados de admiração, júbilo e fervor. voltaram às suas terras com os cora-
longas jornadas sob o sol caustican- Essa foi a insuperável recompensa ções repletos de alegria intensa, lu-
te do Oriente Próximo, à procura do à sua fidelidade. Uma graça interior minosa e nobre. Todavia, tendo em
Rei mais glorioso de todos os tempos pervadiu seus corações e lhes mostrou vista a inveja dos maus, um Anjo do
e O encontraram numa habitação que aquele pequenino era Deus… Senhor lhes advertiu em sonhos de
pobre. Todavia, em nenhum momen- que paradoxo! Um bebê-Deus, todo- retornarem sem passar por Jerusa-
to experimentam o menor movimen- -poderoso! lém (cf. Mt 2, 12).
to de decepção. Com os olhos banhados em lágri- Os Magos obedeceram com total
Ao contrário, entram na casa com mas, indo além daquele corpo in- prontidão à voz do Anjo, pois já ha-
toda a solenidade e adoram aquela fantil, em espírito tomaram contato viam discernido no curto convívio
frágil criança que, entretanto, deixa- com o próprio Verbo. E para com- com Herodes seu espírito falacioso e
va ver em suas feições e em seu olhar pletar o cadre, junto d’Ele estavam tirânico, capaz de todas as violências
o resplendor da divindade. Nessa Maria e José, como que transfigura- para conservar um trono que con-
noite brilhou a gala mais sublime de dos, à semelhança de dois serafins a quistara de modo injusto.
toda a História, nunca superada pe- estender suas asas sobre aquela cena A partida dos Magos encerra um
las requintadas cortes cristãs que flo- feérica. capítulo na vida da Sagrada Famí-
resceriam depois. Os corações dos Magos haviam lia, feito de alegria pelo nascimento
sido trabalhados pela graça a partir do Menino e pelas mais variadas ma-
Um bebê-Deus, todo-poderoso! do instante em que se mantiveram em nifestações de reverência e adoração
Os Magos permaneceram certo vigília à espera do surgimento da es- em relação a Ele. ²
tempo inclinados, tocando o solo com trela. Sobretudo, a rogos da Sagrada
a testa, e cheios de temor reverencial. Família, foi-lhes sendo comunicado Extraído, com adaptações, de:
Nossa Senhora saudou-os com tal um senso profético e sobrenatural que São José: quem o conhece?…
bondade e meiguice, que eles se apro- os preparava, durante as longas noites São Paulo: Lumen Sapientiæ,
ximaram d’Ela e do ­Menino arreba- de viagem, para estar com Jesus. 2017, p.256-263

1
São João Crisóstomo afirma CRISÓSTOMO. Homilías so- indizível e sua novidade admi- (SANTO INÁCIO DE AN-
que se tratava “de uma for- bre el Evangelio de San Ma- rável. Todos os astros, junta- TIOQUIA. Lettre aux Éphé-
ça invisível que tomou a apa- teo. Hom.VI, n.2. In: Obras. mente com o sol e a lua, for- siens, c.XIX, n.2: SC 10, 75).
rência de estrela. O que se 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.I, maram coro em torno daque- 2
Cf. SÃO TOMÁS DE
prova, sobretudo, pelo cami- p.106). E Santo Inácio de An- le astro, e ele projetou sua luz
­AQUINO. Suma Teológica.
nho que seguiu” (SÃO JOÃO tioquia observa: “Sua luz era mais do que todos os outros”
III, q.36, a.7.

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      19


Admiração e afeto
da Virgem-Mãe
Ao contemplar o Menino Jesus Nossa Senhora tinha
por Ele um afeto cheio de admiração, primeiramente
considerando-O como Deus, e secundariamente
em sua fragilidade humana.

Plinio Corrêa de Oliveira

A
o meditarmos sobre o rela- do que o comum dos homens, daría-
cionamento de Maria San- mos risada, porque é tal a distância
tíssima com seu Divino Fi- entre a Terra e o Sol que cabe per-
lho ainda criança, conside- guntar: o que são dez centímetros em
raremos a adoração da criatura para comparação a ela?
com seu Deus e Criador e, ao mesmo Sendo Deus infinito, até a imensa
tempo, o afeto d’Aquela Mãe celeste distância que separa Nossa Senhora
para com seu Filho único e incompa- de todos nós é pequena quando com-
rável. parada com a que A separa de N ­ osso
Senhor.
A admiração é o É compreensível, portanto, a série
fundamento do amor de atos de humildade que Ela fazia
Sendo modelo de humildade, Nos- na presença do Menino Jesus e que
sa Senhora não se aproximaria do não estavam fundados em considera-
Menino-Deus antes de ter-Lhe mani- ções egocêntricas, mas teocêntricas.
festado todo o respeito e toda a admi- Nossa Senhora não dizia “sou a últi-
ração que Ele merecia. Sabendo que ma das criaturas”, mas tinha em vis-
seu Filho era, enquanto criatura, a ta, mais do que a sua própria contin-
chave de cúpula da Criação, não po- gência, a grandeza infinita de Deus.
dia deixar Ela de Se colocar nessa po- Por isso, suas manifestações de afeto
sição humilde diante do Salvador. começavam por atos de admiração.
A mais alta das criaturas está tão Há nisso uma ordenação lógica
infinitamente abaixo do Criador que que merece um rápido comentário.
pode falar a Nosso Senhor como se Quando queremos muito bem a al-
fosse a última. Por exemplo, se uma guém, devemos começar por admi-
pessoa se julgasse mais próxima do rá-lo. Porque a admiração é o funda-
João Paulo Rodrigues

Sol por medir dez centímetros a mais mento do amor verdadeiro.


A Santíssima Virgem tinha dian-
te de Si Aquele que, enquanto ho-
Virgem Branca, Escola de
Ibarra (Equador) - Casa Turris Eburnea, mem, era a mais admirável de todas as
Caieiras (SP) criaturas; e enquanto Homem-Deus,

20      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


­ipostaticamente unido à Segunda
h xar lugar ao puro afeto, porque se ela criatura ser chamada a levar uma vida
Pessoa da Santíssima Trindade, esta- morresse, o afeto morreria também; de longa duração, a cumprir com obri-
va infinitamente acima de tudo. Não assim como morrendo o afeto, mor- gações graves, como as da paternida-
há palavras para expressar a admi- re também a admiração. Trata-se de de ou da maternidade, e, sobretudo,
ração que isso merece, nem para ex- duas posições de alma correlatas. os deveres para com Deus: ser boa fi-
primir suficientemente o amor assim Quando uma boa mãe tem um lha ou bom filho da Igreja Católica,
despertado, pois este deflui da admi- bebê, ela se enternece com a crian- dominar as próprias paixões, santifi-
ração. ça. Mas deveria haver, ainda que no car-se, ir para o Céu por toda a eter-
subconsciente dela, a seguinte ideia: nidade! Este “projeto de Anjo” que
Contemplar no frágil Menino “Quanta grandeza há no fato de uma aqui se encontra, que coisa extraor-
a infinita grandeza de Deus dinária! Quão enternecida fico ven-
Evidentemente, as razões que Ma- do algo tão grande contido num cor-
ria Santíssima tinha para amar seu Fi- Mais do que sua po tão pequeno”.
lho recém-nascido estavam muito aci- Ao considerar que aquele é seu fi-
ma do fato de ser Ele belo e engraça- própria contingência lho, entra uma ternura muito grande,
dinho. Considerações assim têm seu
papel legítimo, mas não são o princi-
como criatura, mas também uma grande admiração:
“Quão magnífico é este mistério pelo
pal. Muita gente imagina que Nossa Nossa Senhora qual eu, criatura humana, gerei outra
Senhora olhou o Menino ­Jesus e dis- criatura humana! Que coisa enigmá-
se: “Que bonequinho tão lindo!” Isso, tinha em vista a tica e profunda! Ele nasceu de mim,
porém, absolutamente não estaria à
altura das circunstâncias.
grandeza infinita está sendo alimentado por mim, for-
mou-se no meu claustro, eu o liberei
A Mãe de Deus conhecia, por re- de Deus para a vida e aqui está tão pequenino,
velação divina, feita diretamente a tão minúsculo… Para ele existir reali-
Ela, que o Filho n’Ela gerado era zou-se um imenso mistério”.
a Segunda Pessoa da Santíssima A ele se acrescenta mais um:
Trindade. Por isso, seu assombro o momento exato em que Deus,
ao contemplá-Lo pela primeira como que Se debruçando sobre
vez foi: “Tão fraquinho, tão pe- aquele embrião, “sopra” uma
quenino, Ele entretanto é Deus, alma dando-lhe algo que a mãe
na sua infinita grandeza e na sua não gerou nem veio do ato nup-
admirabilidade incomensurável. cial, mas foi criado diretamente
Deus está aí!” por Deus. Que coisa magnífica!
O pensamento d’Ela subiu até A ternura de uma mãe verda-
o Altíssimo, considerando o que deira, bem orientada para com
Ele tem de grandioso, e depois vol- seu filho, deve estar entrelaçada
tou-Se para o Menino. Pôde as- com reflexões como esta. Ela deu
sim medir a distância que há en- origem a um “outro eu mesmo”,
tre Um e Outro, a profundidade que é carne da carne dela e san-
da união hipostática e a glória que gue do sangue dela. Sobre esse
essa união faz defluir às torrentes novo ser pairou o Divino Espíri-
sobre aquele Menino. Só depois O to Santo e lhe infundiu uma alma.
analisou com afeto de mãe e viu A obra de Deus se somou à dela
no olhar d’Ele o sol de Deus que para dar origem a algo imensa-
se faz refletir. Foi nesse momento mente maior.
que entrou a ternura materna pelo Com a alma, os horizontes se
Francisco Lecaros

Filho, tão pequenino. abrem para aquela criança! Ho-


rizontes de luta, de batalha, de
Admiração e afeto: duas abnegação, ou de alegria e vitó-
posições de alma correlatas ria, nos dias em que se tem a im-
Contudo, a admiração não pressão de estar tocando o Céu
desaparece nessa hora para dei- Sagrada Família - Catedral de Prato (Itália) com as mãos. Mas há também

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      21


horizontes de tristeza, abatimento, na iminência de uma imensa bata- criada na vida de Deus. Ela olha e
desfalecimento, que nos levam a pe- lha. Seja menina ou menino, se a mãe diz: “Com quanta força vai arder esta
dir graças a Deus para continuar. tiver uma verdadeira noção das coi- alma? Que bem fará? Quanta glória
sas, lhe dirá: “Batalhador! Batalha- dará a Deus?”
Como uma mãe deve olhar dora! Eu te admiro porque és com-
para o seu filho batente do bom combate! Teu dever é
Levando a meditação até
Aparece assim um outro aspec- este. Uma vez que recebas o Batismo,
o último ponto
to do nascimento de uma simples a graça te chamará. E a partir desse Assim é como uma verdadei-
criança. momento começará em ti uma vida ra mãe deve olhar para o seu filho.
Segundo a Igreja, a vida de toda sobrenatural semelhante ao fogo que Mas se ela tiver a coragem de levar
criatura é comparável à de um herói alguém ateia numa vela”. os seus raciocínios até o fim, não po-
que se prepara com exercícios para a A criança é para a mãe como uma derá deixar de pensar: “Não será que
luta, e, depois, na hora de entrar na vela a ser acessa. Ela mesma vai le- essa criança vai, um dia, ofender a
arena, se serve de fricções, óleos per- vá-la até o padre que fará brilhar em Deus? Não abusará ela da paciência
fumados e coisas do gênero para pôr sua alma a luz da graça, participação divina? Não será que Deus descarre-
toda sua musculatura em condições gará sobre esta pessoa a sua cólera e
de enfrentar as feras que vai comba- ela irá para o inferno? A mim, como
ter, ou os outros gladiadores contra Seja menina ou mãe, que preparei para ela este berço
os quais vai lutar. tão delicado, tão esplendoroso, como
Chegado o momento, ele pega as menino, uma me dói pensar que pode ser condena-
armas, o escudo, e vai para a arena.
Quem olhasse para um herói desses
criança que entra da às penas do inferno e esta boqui-
nha que agora chora ficar blasfeman-
aguardando na sala dos gladiadores, no mundo está na do contra Deus por toda a eternida-
ou dos domadores de feras, e o vis- de! E se eu me salvar, verei do alto
se sentado tranquilo, pronto, para a iminência do Céu esta criancinha, já adulta,
imensa batalha, não poderia deixar blasfemando contra Deus por toda a
de se admirar.
de uma imensa eternidade! E direi: ‘Meu Deus! Não
Ora, uma criança que entra no batalha teria sido melhor que não tivesse nas-
mundo é como esse herói. Ela está cido?’”
Lucio Alves

Pintura contemporânea representando uma batalha renascentista


Coleção particular

22      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Entretanto, se ela cristalinos do Menino
for verdadeira mãe, Jesus, ressoou a voz
porque antes de tudo grave, paterna e afe-
soube ser verdadeira tuosa de São José e a
filha de Deus, pensa- da Virgem-Mãe, mo-
rá de outra maneira: dulada quase ao infi-
“Se acontecer que essa nito, como um órgão,
minha criança, apesar exprimindo adoração,
de ter rezado por ela veneração e ternura
como Santa Mônica em todos os graus e
rezou por Santo Agos- modalidades.
tinho, resistir à ação da Maria Santíssi-
graça e for precipitada ma pensava na vida
no inferno, oh! Deus, pública de Nosso Se-
que destino terrível! nhor, nos milagres
Mas, se ela tiver me- que Ele iria praticar,
recido a vossa cólera nas almas que Ele iria
eterna, eu, meu Deus, atrair, e como tudo
Francisco Lecaros

não me desligarei de isto daria na rejeição


Vós: se Vós a odiardes, dos judeus e na trai-
eu a odiarei também! ção de Judas.
E quando ela blasfe- Depois de Pente-
mar contra Vós no in- Ceia da Sagrada Família, por Josefa de Óbidos costes, deu-se a ex-
ferno, e Vós a amaldi- Museu de Évora (Portugal) pansão da Igreja por
çoardes, desde já jun- toda a bacia do Me-
to a minha maldição de mãe à vossa. diterrâneo. Ela via, sem dúvida, os
Se ela for vossa inimiga, terá a mim, Naquelas paredes lugares ignotos por onde andariam
mãe dela, como inimiga também”. os Apóstolos, enchendo a terra com
Esta seria a meditação de uma ecoaram os risos sua presença, a libertação da Igreja
mãe levada até o último ponto. cândidos e cristalinos por Constantino, o brilho que alcan-
çou na face da terra, a invasão dos
Inefável convívio entre Mãe e Filho
do Menino Jesus e bárbaros… Mais tarde, São Bento se
Mas, voltando ao convívio entre a afastará do pantanal que era Roma
Santíssima Virgem e seu Divino Fi- ressoaram as vozes à época e fugirá para Subiaco, onde
lho, consideremos o acontecido du- começa uma vida espiritual da qual
rante os trinta anos em que Jesus pas-
de São José e a da nascerá a Idade Média.
sou recolhido na casa de Nazaré. Virgem-Mãe Virá a Cristandade, mas começará
Ali Jesus assistiu à morte de São a Revolução: o Renascimento, o Hu-
José – proclamado, com muito tato e manismo, o Protestantismo, a Revo-
acerto, pela Igreja, como padroeiro Nossa Senhora, meditando no que lução Francesa, a Revolução Comu-
da boa morte, pois não se pode mor- aconteceria no futuro, devia pensar nista… Em tudo isso, sem dúvida, Ela
rer em melhores condições do que inclusive no momento em que os An- pensava; e sobre tudo isso nós deve-
assistido por Nossa Senhora e pelo jos transportariam pelos ares aque- mos também refletir quando estiver-
próprio Jesus – e auxiliou como Filho la casa santa de Nazaré para não cair mos ao pé do Presépio, ou contem-
a sua Mãe que ficara viúva. nas mãos dos maometanos. plando uma imagem de Jesus Meni-
Podemos imaginar as conversas Sabia que ela ia ser pousada num no. Ele é a pedra de escândalo que di-
d’Ele com Ela quando à noite, ter- lugar chamado Loreto, e que um nú- vide a História pelo meio. ²
minada a refeição, estando sozinhos, mero incontável de peregrinos iria
olhavam-se e se queriam bem, fruin- venerar ali, provavelmente até o fim Extraído, com pequenas
do da enorme felicidade de estarem do mundo, as paredes santas entre adaptações, de:
juntos, conversarem, trocarem pen- as quais ecoaram aquelas conversas. Dr. Plinio. São Paulo. Ano XIX.
samentos, etc. Ali se ouviram os risos cândidos e N.214 (jan., 2016); p.12-17

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      23


Um maternal e
infalível socorro
Protegidos pelo maternal socorro de Dona Lucilia, muitos têm
sentido a ação alentadora de sua presença, incutindo-lhes
coragem diante das renhidas lutas e serenidade ante os piores
infortúnios e desmentidos.
Elizabete Fátima Talarico Astorino

C uras repentinas, doações


anônimas, soluções ines-
peradas… Como explicar?
Para os espíritos mais na-
turalistas tudo pode parecer obra
vendo desde os problemas mais sim-
ples, até os mais complicados com es-
pecial atenção e desvelo.
Junto ao Sagrado Coração Jesus
tem sido ela um infalível socorro para
Uma vez que trabalhava como au-
tônoma, não conseguia mais receber
o suficiente para manter as despesas
da casa durante a pandemia. Precisa-
va pagar o aluguel que já estava ven-
de mero acaso, mas para as almas aqueles que pedem sua ajuda nas si- cendo, mas faltava ainda metade do
que têm recorrido à intercessão de tuações de grandes necessidades. valor… Aflita, sem saber o que fazer,
Da. Lucilia, a resposta é clara: en- ouviu tocar a campainha de sua resi-
contra-se aí não só a mão, mas o xale
Doação anônima e misteriosa dência.
protetor de seu maternal amparo. É o que nos confirma Da. An- “Tinha somente quatrocentos
Entre os inúmeros fatos narrados dréia Magalhães, de Curitiba, im- ­reais para o aluguel, e estava deses-
de graças alcançadas por intermédio pressionada pelo inesperado auxílio perada porque o contrato era feito
de Da. Lucilia, chama-nos a atenção a prestado à sua família, enquanto pas- através da imobiliária. Na quarta-
presteza com que ela se dispõe a aten- sava por um período de extrema ne- -feira, um rapaz de Uber veio até a
der as preces que lhe dirigem, resol- cessidade financeira. nossa casa e disse que haviam man-
dado entregar umas caixas. Fica-
mos assustados, pois quem manda-
“Eram muitas ria? Eram caixas e mais caixas de
alimento…”
compras: caixas Da. Andréia procurou se infor-
de leite, bolachas… mar sobre o remetente daquela gene-
rosa encomenda que chegara em sua
Ficamos muito residência, mas o motorista que fize-
ra a entrega se limitou a dizer que lhe
felizes e ao mandavam do centro de Curitiba, e
que já estava tudo pago.
mesmo tempo Surpresa, pôs-se a verificar o con-
abismados” teúdo das caixas: “Enfim, quando
abrimos eram muitas compras, des-
Reprodução

de caixas de leite, bolachas… Pen-


Fotografia dos mantimentos, dinheiro
em efetivo e medalhas recebidos sei: ‘Nossa, quem mandou sabe que
por Andréia Magalhães tem criança aqui em casa’. E dentro

24      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


de uma dessas caixas havia um está grávida, vamos só acompa-
envelope com R$ 475,00 e qua- nhar com o ultrassom. Depois
tro medalhas de Nossa Senhora. que você tiver o bebê, você volta
Quem mandou sabia que havia aqui e retiramos o nódulo se for
quatro pessoas na época moran- maligno mesmo’. Ele pediu para
do em casa. E esse valor era exa- repetir o exame para ir acom-
tamente o que faltava para intei- panhando o nódulo ao longo da
rar o meu aluguel. Ficamos mui- gravidez”.
to felizes pelo acontecido e ao E, para a surpresa de Jéssica
mesmo tempo abismados”. e de seu esposo, de modo sereno,
discreto e inesperado, tudo foi se
A benfeitora estava mais resolvendo:
perto do que imaginavam “Quando repeti o exame, o

Reprodução
Pouco tempo depois, Da. An- nódulo havia desaparecido. Eu
dréia pôde entender a quem de- tinha alguns nódulos, mas o mais
via aquele inesperado e gratuito grave, o de categoria 5, desapa-
ato de generosidade: Melanie Magalhães com sua mãe, recera. E os outros nódulos en-
“Passaram-se uns dias, re- Andréia contrados, que não tinham chan-
cebemos a visita de duas irmãs dos ce de ser malignos, diminuíram”.
Arautos. Conversando com elas, a Jéssica procurou explicações médi-
Melanie, minha filha, relatou que ha- “Minha filha cas, mas logo pôde constatar a enor-
via pedido a Da. Lucilia que nos aju- me graça que recebera:
dasse, pois estávamos passando por relatou que havia “Pegamos o laudo e voltamos ao
dificuldade”.
Estava aí a resposta para a incóg-
pedido a Da. Lucilia médico oncologista. Mostramos para
ele e perguntamos se é normal isso
nita que há dias Da. Andréia procu- que nos ajudasse, acontecer. E ele disse: ‘Olha, não é
rava decifrar: sua benfeitora encon- normal, e eu não sei explicar o que
trava-se mais perto do que imagi- pois estávamos aconteceu. Mas realmente o nódulo
nava, amparando e protegendo sua não está mais aí’.
família através da súplica de sua pe-
passando por
Solução para todos os
quena filha. Aquela misteriosa en- dificuldade” problemas
comenda tinha, sim, um remeten-
te: o maternal e infalível socorro de Também Cristiano Pires, acostu-
Da. Lucilia. correspondia à categoria 5, ou seja, al- mado a recorrer sempre à interces-
tamente suspeito de ser maligno. são de Da. Lucilia, nos envia seu tes-
Inexplicável desaparecimento “Logo que descobrimos o nódulo, temunho, desejoso de relatar o quan-
de um nódulo eu teria que fazer a biópsia, mas des- to foi socorrido nos momentos de
Jéssica Deponti Gobbi, de São cobri que estava grávida… Então, eu grande provação e necessidade pelo
Carlos (SP), ainda com certa surpre- e meu marido procuramos um padre dadivoso e maternal socorro dessa
sa, relata-nos a graça que recebeu Arauto e pedimos uma bênção para bondosa senhora.
por intermédio de Da. Lucilia, atra- ele por intercessão de São Brás. Ele Conta-nos que tinha certa dívi-
vés da qual foi curada de modo inex- nos levou na igreja e nos deu a bên- da no banco, e recebeu uma pro-
plicável. ção de São Brás com a vela na gar- posta para quitá-la. Entretanto, fez
Após mais ou menos dois anos de ganta e também fez uma oração pe- o pagamento de forma errada e cor-
casamento, ela e seu marido, Felipe, dindo a intercessão de Da. Lucilia ria o risco de perder todo o dinhei-
apesar de desejarem, ainda não ti- para que o nódulo desaparecesse ou ro usado com essa finalidade. Uma
nham filhos. Resolveram, então, pro- fosse benigno”. vez que isso poderia trazer-lhe gran-
curar um médico: Pouco tempo depois, Jéssica pro- de prejuízo e uma enorme dor de
“Começamos a fazer vários exa- curou novamente o médico: cabeça, pediu a ajuda de Da. Luci-
mes. E, num deles, descobri que es- “Estava muito nervosa de ter de lia. Pouco tempo depois, antes mes-
tava com um nódulo na tireoide, que fazer a biópsia e tudo… Então, vol- mo que fizesse algo para solucionar
segundo a classificação de TI-RADS, tei no médico e ele disse: ‘Como você o caso, constatou que sua dívida es-

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      25


tava inteiramente quitada, tudo valores correspondentes aos de-
havia se solucionado: “Graças a zessete anos de empresa”.
Deus não perdi os seis mil reais E o favor de Da. Lucilia foi
por intercessão de Da. Lucilia. completo:
Senti uma paz muito grande no “É algo incrível, você pede a
coração, na alma, que veio da intercessão dela e você vê que é
intercessão de Da. Lucilia”. rápido. Em questão de uma se-
Em outra ocasião, desejoso mana resolvi tudo, recebi tudo,
de sair de um dos empregos no pagaram os fundos de garan-
qual trabalhava, Cristiano deci- tia certinho. Vi os colegas re-
diu colocar o caso nas mãos de clamando, brigando com o RH,
Da. Lucilia, certo de que ela o porque não estavam conseguin-
ajudaria: do receber. E graças a Deus, a
“Eu estava trabalhando em Nosso Senhor Jesus Cristo, a

Reprodução
dois hospitais, e já estava can- Nossa Senhora, pela interces-
sado de trabalhar à noite. Esta- são de Da. Lucilia, recebi essa
va há dezessete anos nesse hos- imensa graça”.
pital e já tinha pedido umas três, Jéssica Gobbi com seu esposo na casa
quatro vezes para me mandarem dos Arautos, em São Carlos
Suave odor de rosas
embora, pois não estava aguentando.
no travesseiro
Então, resolvi recorrer à intercessão Lilibeth Caruso, de Houston
de Da. Lucilia”. “Procuramos um (EUA), escreve-nos contando um
significativo fato através do qual
Rápida intercessão da padre Arauto pôde confirmar ainda mais o quanto
“Senhora do Quadrinho”
Não tardou muito para que suas
e pedimos uma esta bondosa senhora, que tanto bem
fez ao próximo durante sua vida ter-
preces fossem ouvidas: bênção... Estava rena, está disposta a ajudar desde a
“Começou a correr um boato de eternidade aqueles que a ela recor-
que quem quisesse ser demitido po- muito nervosa rem e dela se aproximam por meio da
dia dar o nome aos responsáveis. Pedi, oração.
e graças a Deus em janeiro deste ano,
de ter de fazer a Ao visitar uma amiga que se en-
graças à intercessão de Da. Lucilia, biópsia e tudo” contrava há mais de sete anos numa
fui dispensado, recebendo todos os cadeira de rodas, procurou levar-lhe

Inexplicável desaparecimento
de um nódulo

N o primeiro exame, Jéssica descobriu que que estava com diagnóstico de


“TI-RADS categoria 5, devido às características do pequeno nódulo da re-
gião posterior do polo inferior do lobo esquerdo”. O nódulo era altamente suspei-
to de ser maligno.
Após a bênção de São Brás e a oração pedin-
do a intercessão de Da. Lucilia, o resultado foi
bem diferente: “Em relação ao exame anterior
de 03/06/2020 nota-se regressão dos cistos coloi-
dução

des bilaterais e redução nas dimensões do nódulo


Fotos: Repro

do lobo direito, além de desaparecimento da ima-


gem nodular TI-RADS 5 anteriormente visuali-
zadas no lobo esquerdo”.

26      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


alguma palavra de conforto e -lo como uma discreta ação de
apoio que a ajudasse a criar âni- Da. Lucilia, dotada de belo sim-
mo diante das dificuldades e so- bolismo. Talvez quisesse ela mar-
frimentos pedidos pela Provi- car com sua presença, já de iní-
dência: cio, a alma daquela senhora, en-
“Dei-lhe uma revista dos sinando-lhe que, assim como as
Arautos e uma foto de Da. Luci- rosas exalam o mais suave aroma
lia, e contei-lhe que ela tem fei- quando esmagadas, as almas ca-
to milagres, apesar de ainda não pazes de se deixarem imolar pelo
ter sido canonizada. Aconselhei- sofrimento oferecem a Deus um
-a a pedir a intercessão dela, di- perfume de agradável odor.
zendo que ela também fora mãe
e a ajudaria”. *      *      *
Amavelmente, Da. Krystal,

Reprodução
sua amiga, aceitou o presente, Muitos são, como vemos, os
dizendo que iria colocá-lo debai- que, no Brasil e no exterior, se
xo de seu travesseiro. Em segui- sentem protegidos pelo socorro
da, ela se retirou por alguns ins- Cristiano Pires com um quadrinho de maternal dessa generosa senhora
tantes do local e, após retornar, Da. Lucilia ou experimentam a ação alenta-
notou algo diferente: dora de sua presença. Ela lhes incute
“Quando voltou ao quarto me per- coragem diante das renhidas lutas da
guntou se eu estava usando perfume. “É algo incrível, vida, mas sobretudo oferece-lhes se-
Disse-lhe: ‘Não, por quê?’ Então, me renidade e confiança mesmo ante os
respondeu que começou a sentir chei- você pede a piores infortúnios e desmentidos.
ro de rosas, que seu travesseiro estava
cheirando rosas. E acrescentou: ‘Mi-
intercessão dela e Certos de que está ela junto ao
trono do Sagrado Coração de Jesus
nha avó dizia que quando uma pessoa você vê que é rápido. conquistando com seu maternal jeiti-
vai ser canonizada cheira a rosas. As- nho uma sentença em favor dos mais
sim, esta senhora Dona Lucilia vai ser Em questão de necessitados, um número cada vez
canonizada’”. maior de pessoas tem recorrido a ela,
Apesar de até hoje não conhecer-
uma semana confiando em sua intercessão para
mos inteiramente o motivo deste re- resolvi tudo” conquistar de Deus não só o imereci-
pentino aroma, podemos interpretá- do, mas até o impossível. ²

Dona Lucilia
Uma biografia de Dona Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira,
escrita por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, e editada pela Libreria Editrice Vaticana.
Pedidos pelo telefone (11) 2971-9040, ou pelo Fax: (11) 2971-9067

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      27


Santo Antão

Pai da vida
monástica
Foi um luzeiro nos primórdios da vida ascético-monacal
e, por sua constância e fidelidade, tornou-se um
sólido rochedo sobre o qual a Igreja se
apoiou para dissipar as pérfidas
Francisco Lecaros

investidas da heresia.
Isabelle Guedes Farias

N
o alto das montanhas vinte anos de idade, ele ficou incum- exímio do conselho dado pelo Di-
ou na vastidão dos de- bido dos cuidados da irmã mais nova vino Mestre.
sertos, varões cheios de e da casa. Foi nesta época que tomou Algum tempo depois, ouviu du-
fervor descobriram for- a decisão que mudaria o rumo de sua rante a Missa a seguinte passagem do
mas heroicas de viver a solidão como existência. Evangelho: “Não vos preocupeis com
meio de se unirem mais a Deus. Tal Certo dia em que se dirigia para o dia de amanhã” (Mt 6, 34). Então,
estilo de vida foi eleito por muitos a igreja, pensava especialmente no distribuiu decididamente o que lhe
cristãos dos primeiros séculos da Igre- modo de vida dos Apóstolos, que restava da fortuna e confiou a irmã a
ja e desenvolveu-se até dar origem às abandonaram tudo a fim de seguir algumas virgens cristãs, para ser edu-
diversas formas de vida religiosa que Nosso Senhor Jesus Cristo. Tendo cada por elas.
hoje conhecemos. chegado ao templo, ali entrou no exa- Deste modo, seguindo com fideli-
É neste primigênio contexto de to momento em que era lido um tre- dade a voz da graça, começou a tri-
isolamento e rigor ascético que en- cho do Evangelho de São Mateus: lhar a via a que o Espírito Santo lhe
contramos a figura de Santo Antão. “Se queres ser perfeito, vai, vende destinara e abraçou exteriormente a
teus bens, dá-o aos pobres e terás um vida ascética que de certa forma já
Abandono completo nas tesouro no Céu. Depois, vem e se- habitava em seu coração.
mãos da Providência gue-Me” (19, 21).
A história deste Santo inicia-se Movido por uma graça, Antão
Busca pela perfeição
por volta do ano 251, no Egito. compreendeu que tais palavras di- Após renunciar ao mundo, An-
Os poucos dados que nos chega- tas outrora por Nosso Senhor ao jo- tão buscou os meios necessários para
ram sobre sua infância indicam que vem rico eram, naquele instante, pôr em prática o seu ideal. Primeiro
esta foi muita tranquila e piedosa. dirigidas a ele. Resoluto e arreba- aconselhou-se com um ancião que
Sabe-se que seus pais eram cristãos, tado de entusiasmo, imediatamen- morava perto de sua aldeia natal,
dispunham de boas condições finan- te distribuiu a herança deixada por o qual levava vida solitária e tinha
ceiras e educaram os filhos no cami- seus pais e vendeu seus bens. Par- fama de ser muito piedoso. Seguindo
nho da santidade. te da quantia recebida destinou aos seu exemplo, o Santo procurou um
Com a morte dos pais, ocorrida pobres e o restante reservou para lugar isolado para morar, fora do po-
quando Antão contava por volta de a irmã, fazendo-se assim executor voado.

28      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Nesse período procurava visitar contra o maligno, Antão decidiu iso- Entretanto, ao recobrar os senti-
homens de fervor, a fim de espelhar- lar-se em dois lugares inusitados. dos Antão rogou-lhe que o condu-
-se em suas obras e emular as virtu- Primeiro tomou a resolução de zisse de volta para o túmulo, onde fi-
des que neles discernia. Por esse mo- morar em um sepulcro situado na cou só. Redobrando o ataque, os es-
tivo, era conhecido como o “amigo de orla do deserto. Certos autores di- píritos malignos apareceram-lhe em
Deus”. Seu amor pelo Criador fazia-o zem tratar-se de uma tumba egípcia, forma de animais ferozes: leões, ur-
ver em cada ato bom praticado pelos fazendo notar que tais locais eram ti- sos, leopardos, touros, lobos, escor-
outros uma revelação do Senhor. dos como habitação dos maus espí- piões e serpentes o atormentavam
Antão avançava resolutamente na ritos: “Reino dos mortos, reino dos por meio de ruídos horríveis e agres-
vida ascética: renúncias, sacrifícios e espíritos malignos. Antão veio para sões, por permissão divina.
orações preenchiam o seu dia, além do este lugar por causa dos túmulos. Antão “gemia de dor física, mas
tempo que dedicava ao trabalho ma- Porque aí os poderes demoníacos so- permanecia com a alma vigilante”3
nual, confeccionando esteiras. Entre- pram mais violentamente que as tem- e zombava de seus algozes. Levan-
tanto, grandes lutas ainda o aguarda- pestades de areia, e são mais os de- tando os olhos, viu o teto abrir-se e
vam na via de penitência que abraçara. mônios que as múmias escondidas uma luz penetrar o ambiente. Os de-
nos sepulcros […] O asceta cristão mônios fugiram e o Santo sentiu-se
Primeiras batalhas encontra-se num terreno capaz de reconfortado em suas penas ao re-
contra o demônio lhe oferecer a luta que deseja”.1 conhecer a presença de Nosso Se-
O anjo das trevas, vendo suas prá- Tendo recomendado a um ami- nhor. Perguntou-Lhe então por que
ticas virtuosas, começou a tentá-lo go que lhe trouxesse alimento pe- não viera socorrê-lo antes, ao que
de forma cada vez mais explícita. A riodicamente, ele entrou no túmu- Ele respondeu: “Eu estava aqui, An-
fim de levá-lo a abandonar a vida so- lo e o fechou. O inimigo, porém, “te- tão. Esperava para ver-te combater.
litária, lembrava-o dos bens que dei- mendo que em pouco tempo o deser- Como resististe e não te deixaste ven-
xara, do cuidado de sua irmã e dos to se tornasse uma cidade de ascetas, cer, serei sempre teu socorro e torna-
prazeres do mundo. certa noite entrou no sepulcro com rei teu nome célebre por toda parte”.4
Por outro lado, mostrava-lhe as di- uma multidão de demônios e o gol- Tais enfrentamentos, longe de o
ficuldades que há na prática da virtu- peou a ponto de deixá-lo estendido abalarem, faziam aumentar seu dese-
de, a fraqueza do corpo e as frequen- por terra”.2 No dia seguinte seu ami- jo de progredir cada vez mais nas vias
tes adversidades que o homem deve go o encontrou desfalecido e, julgan- da perfeição. Com esse intuito deci-
enfrentar devido às suas más tendên- do-o morto, levou-o para a igreja da diu adentrar-se no deserto, ambiente
cias, fruto do pecado original. A es- aldeia. que remete a diversos simbolismos. É
ses assaltos do inimigo infernal ele
resistiu energicamente, com o auxílio
da graça, através da oração.
Sofreu ainda inúmeras tentações
contra a virtude angélica da pureza.
O combate era ininterrupto: usan-
do de artifícios maléficos, o pai da
mentira o perturbava dia e noite com
pensamentos e imaginações lascivas.
Para vencer tais batalhas, Antão
elevava suas cogitações para Nosso
Senhor e a nobreza da alma huma-
na criada por Deus. Além disso, re-
dobrava sua fé, orações, jejuns e mor-
Gustavo Kralj

tificações, convicto de que se tratava


de uma luta sem fim, que ele deveria
travar enquanto estivesse na terra.
“Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-o aos pobres e terás um
Isolado em um túmulo
tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me”
Sempre desejoso de aproximar- Santo Antão distribuindo seus bens aos pobres - National Gallery of Art, Washington
-se mais de Deus e de novos embates (EUA); na página anterior, Santo Antão - Museu Episcopal de Vic (Espanha)

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      29


tido como um lugar de encontro com Em torno de Antão começou a se tia para lá. Após três dias de viagem,
Deus, onde se contemplam as mani- formar uma pequena colônia de as- ele avistou uma alta montanha e re-
festações de seus prodígios, mas tam- cetas. Embora habitassem separada- conheceu-a como sendo o lugar de-
bém como um local de provações, mente, eles buscavam a santificação sejado pelo Senhor: tratava-se do
tentações e lutas. Era o que o Santo sob as orientações do santo eremita Monte Colzim, onde habitou até o
buscava. que, abandonando a solidão, tornou- fim de seus dias.
-se deles mestre e pai espiritual.
Vida eremítica no deserto Muitos outros o procuravam para
Chamado a defender
Já no início de sua viagem o ini- receber conselho e pedir-lhe auxí-
a verdadeira Fé
migo quis tentá-lo, apresentando- lio em suas dificuldades. “De um Há ainda outro aspecto que cha-
-lhe ouro e prata no solo desértico. dia para o outro, vê-se atirado para ma a atenção na vida de Santo An-
Sem se deixar enganar por tal embus- a vida pública, vê-se saudado como tão: o notável papel que ele realizou
te, Antão proclamou em alta voz que mestre por uma multidão de todas as para defender e fortalecer a Igreja
nada seria capaz de desviá-lo de seu idades que procura dar-lhe e receber em sua época.
propósito, e seguiu o seu caminho, o ósculo da paz, tocar-lhe como a um Durante a perseguição de Maxi-
cheio de desprezo por satanás e con- segundo Cristo, cortar-lhe em segre- mino, o Santo dirigiu-se a Alexandria
fiança em Deus. do um pedaço da túnica. […] A mul- com o objetivo de fortalecer com sua
Em determinado momento avis- tidão ruidosamente alegre reconhe- presença e palavras todos aqueles que
tou as ruínas de um forte abandona- ce em Antão o seu chefe e guia”.5 eram chamados a entregar suas vidas
do localizado próximo ao Rio Nilo, O próprio Imperador Constan- pelo nome de Cristo. Também ele de-
no alto do Monte Pispir, atualmen- tino, o Grande, chegou a enviar-lhe sejava sofrer o martírio, mas jamais
te conhecido como Dayr al-Maymūn. uma carta perguntando-lhe como alguém ousou fazer-lhe mal, mes-
Tendo estabelecido ali sua nova mo- devia fazer para governar no verda- mo quando comparecia aos tribunais
rada, Antão cerrou a entrada. Leva- deiro Espírito do Senhor. O monge para exortar os cristãos a permanece-
ra consigo alguns pães típicos da re- do deserto, após ouvir a solene lei- rem fiéis, pois “o Senhor o guardava
gião, feitos para durar por longos me- tura da missiva, ditou uma peque- para o bem nosso e dos outros”.7
ses, e duas vezes por ano recebia no- na resposta: “Praticai a humildade e Anos mais tarde, a pedido do Pa-
vas provisões que lhe lançavam por desprezai o mundo, e lembrai-vos de triarca Santo Atanásio, Antão foi a
cima do muro. Não permitia a nin- que no dia do Juízo, tereis de prestar Alexandria novamente, mas desta vez
guém entrar. contas de todos os vossos atos”.6 para defender a verdadeira Igreja con-
Antão passou cerca de vinte anos Entre os prodígios que lhe são tra o veneno da heresia. Tratava-se do
neste local, sem jamais sair. Do lado atribuídos, conta-se que em uma via- arianismo, falsa doutrina já condena-
de fora podia-se ouvir os gritos que gem feita com alguns discípulos An- da pelo Concílio de Niceia, que nega-
os demônios soltavam para atormen- tão fez surgir água no meio do deser- va a divindade do Verbo e ameaçava
tá-lo; ele, porém, não se abalava e to para saciar a sede de todos, que propagar-se por todo o orbe cristão. O
continuava a rezar e praticar suas pe- estavam já por desfalecer. Ademais, monge do deserto, que em suas comu-
nitências. curava os doentes, consolava os afli- nicações místicas contemplara a di-
tos, reconciliava os inimigos e exor- vindade de Nosso Senhor, era a tes-
Mestre dos monges e cizava demônios. Ele, que no isola- temunha que neste momento a Santa
consolo dos aflitos mento vencera os ataques diabólicos, Igreja tanto necessitava.
A vida de Antão, célebre pelos sa- agora livrava muitas almas do poder Logo após sua chegada, cristãos
crifícios e renúncias, tornou-se co- do tentador. e hereges reuniram-se na basílica da
nhecida de muitos que, cativados por Alguns anos se passaram, e An- cidade para escutá-lo. Assim que o
sua fama de santidade, foram ter com tão ansiava por retomar sua vida de Santo Patriarca iniciou seu discurso
ele no deserto. solidão… Contudo, os antigos locais em louvor da natureza divina da Se-
A partir de então, a via do isola- habitados por ele haviam se converti- gunda Pessoa da Santíssima Trinda-
mento converteu-se no ideal de mui- do em pequenas comunidades de dis- de, um revoltoso rudemente o inter-
tos corações cristãos. Os mais fervo- cípulos. Enquanto buscava uma so- rompeu com protestos, afirmando
rosos encontraram no ascetismo o lução, ouviu uma voz que lhe disse: que o Senhor era apenas um homem
caminho para a perfeição: recusa do “Vai ao deserto interior”. criado por Deus. Quando Antão ou-
mundo, despojamento de riquezas e Deus inspirou-lhe então seguir viu o que dizia, ergueu-se e bradou
purificação da alma. uma caravana de sarracenos que par- em alta voz: “Eu O vi!”

30      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Fotos: Francisco Lecaros

“Eu estava aqui, Antão. Esperava para ver-te combater. Como resististe e não te deixaste vencer,
serei sempre teu socorro”
À esquerda, Santo Antão atormentado pelos demônios - Museu Episcopal de Vic (Espanha);
à direita, aparição de Nosso Senhor - Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona (Espanha)

Tal testemunho, dotado do tim- cípulos, que também cuidavam de souberam glorificar a Deus cumprin-
bre da verdade, arrebatou os presen- lhe levar víveres. Permaneceu cons- do seus desígnios.
tes. “Mais que a bela e lógica doutri- tante na vida de austeridade, entre Nesse sentido, Santo Antão cons-
na exposta no Concílio, a imponente penitências e orações, e num cres- titui-se num luzeiro da vida ascéti-
voz desse homem, para quem a ver- cente convívio místico com Deus. co-monacal, abrindo caminho para
dade da natureza divina de Cristo Em um destes contatos sobrenatu- uma miríade de almas que escolhe-
se tornara quase uma evidência em rais, o Salvador lhe revelou as dificul- riam abandonar o mundo para en-
virtude de uma visão sobrenatural, dades que a Santa Igreja teria de so- contrar-se com seu Criador através
foi o maior golpe que a heresia re- frer e seu futuro triunfo.9 de uma via de penitência. Por sua
cebeu”.8 Já próximo da morte, e tendo mais constância e fidelidade, o Senhor fez
de cem anos, Antão era auxiliado por dele o rochedo sobre o qual a Igreja
Últimos anos dois discípulos. Segundo a tradição, pôde apoiar-se para dissipar as pérfi-
Depois de exortar o povo de Deus entregou sua alma a Deus no dia 17 das investidas da heresia.
a ser fiel à verdadeira Religião e a de janeiro, data em que a Igreja cele- Que seu exemplo possa sustentar
combater as heresias e seus fautores, bra sua memória. todos aqueles que, nos dias atuais,
o monge do deserto retornou à sua travam combates quiçá maiores con-
morada no Monte Colzim.
Rochedo de constância e ortodoxia tra os inimigos de Deus e sua Igre-
Seus últimos anos transcorreram Quão belo é contemplar o alvore- ja, recordando-lhes a promessa in-
na meditação e ascese. Cultivava tri- cer da história da Cristandade! Nele falível do Salvador: “As portas do in-
go e preparava o próprio pão. De vez reluzem damas e varões cheios de ferno não prevalecerão contra ela”
em quando visitavam-no alguns dis- fé que, suscitados pela Providência, (Mt 16, 18). ²

1
QUEFFÉLEC, Henri. Santo 3
Idem, 9, 8, p.96-97. do. 7.ed. Rio de Janeiro: José ria na mente, vida e obra de Pli-
Antão do deserto. Lisboa: As- Olympio, 1968, p.32. nio Corrêa de Oliveira. Cit-
4
Idem, 10, 3, p.98.
ter, 1961, p.63-64. tà del Vaticano-São Paulo:
7
SANTO ATANÁSIO DE
5
QUEFFÉLEC, op. cit., LEV; Lumen Sapientiæ, 2016,
2
SANTO ATANÁSIO DE ALEXANDRIA, op. cit.,
p.90-91. v.I, p.16.
ALEXANDRIA. Vita di An- 46, 6, p.134.
tonio, 8, 2. 3.ed. Milano: Paoli-
6
FÜLÖP-MILLER, René. Os 9
SANTO ATANÁSIO DE
8
CLÁ DIAS, EP, João Scog-
ne, 2011, p.95. Santos que abalaram o mun- ALEXANDRIA, op. cit., 82,
namiglio. O dom de sabedo-
p.166-168.

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      31


Modelo e mestre incomparável

Para cumprir sua missão, a Filha de Maria Auxiliadora deve


possuir a perfeição religiosa traçada, sobretudo, na vida, nos
exemplos e escritos do Pai e Fundador. Pois ele é o modelo e
mestre infalível de nossa própria perfeição.

Beato Filippo Rinaldi, SDB

A
elevação de nosso Pai e ções para obter graças ou para agra- agora, repete às suas filhas: “Dei-vos
Fundador Dom Bosco à decer as graças recebidas. Estou cer- o exemplo, para que façais o mesmo;
honra dos altares,1 que sus- to de que tudo isso tornou quase vivo assim agindo, atingireis certamente a
citou indizível entusias- e palpável para cada Filha de Maria perfeição à qual o Senhor vos chama”.
mo universal e confiança total no Auxiliadora o presente de Natal des- Oh! que grande coisa esta, a de ter
seu poder de intercessão, aguçou no te ano que está por finalizar. no Pai e Fundador do próprio Insti-
meu coração o desejo, já tão vivo, de Impossível é para uma Filha de tuto o infalível modelo e mestre de
ver as boas Filhas de Maria Auxilia- Maria Auxiliadora não ter habitual- perfeição!
dora, que são filhas também dele, mente presente este atraente mode-
progredirem muito na perfeição re- lo de educador e mestre de vida re-
Cada uma se tornará o ornamento
ligiosa. ligiosa que refulge, na auréola do
de seu próprio Instituto
Se o nosso Beato já nos era pro- Bem-Aventurado, de todas as virtu- O supremo Magistério da Santa
posto como modelo e mestre incom- des próprias à sua missão, pois, para Igreja nos garante isso; e sua vida –
parável no início do ano que em bre- cumprir sua vocação, a Filha de Ma- lida, meditada e estudada com amo-
ve não terá mais amanhã, agora com ria Auxiliadora deve possuir a per- roso empenho – será para as Filhas de
mais razão sobreviverá eternamen- feição religiosa definida pelo Funda- Maria Auxiliadora o luminoso espe-
te esse sentimento em nossos cora- dor. Esta é traçada nas regras, no ma- lho no qual poderão ver o desenvol-
ções. […] nual dos atos de piedade, mas, sobre- vimento progressivo de sua perfeição,
tudo, na sua vida, nos seus exemplos baseada na caridade e na atividade,
Ter continuamente presente e nos seus escritos. como a do Bem-Aventurado Padre.
este atraente modelo Peço-vos, pois, Revda. Madre, que Compete a vós, Revda. Madre,
Primeiro a ansiosa expectativa; exciteis cada Filha de Maria Auxilia- proporcionar às suas filhas esse es-
depois as triunfais e insuperáveis co- dora a haurir desta fonte o sopro vital pelho de perfeição. Como? Forne-
memorações; mais tarde a crescen- de sua própria perfeição, isto é, o caris- cendo-lhes, ou ao menos lhes facili-
te devoção ao novo Bem-Aventura- ma do Instituto, que não pode ser en- tando ter à disposição, biografias do
do que logo se tornou quase univer- contrado alhures, nem sequer nos li- Bem-Aventurado, já muito numero-
sal pela grande quantidade de gra- vros que visam conduzir a alma quase sas; dando-lhes tempo de fazer uma
ças e favores, expressos nos ex-votos, passo a passo nas vias da santificação. boa leitura cotidiana, individual ou,
nas centenas de velas continuamen- Podemos encontrar nesses livros melhor ainda, em conjunto; animan-
te acesas diante da urna das relíquias princípios e normas gerais, mas não as do-as a valorizar de todos os modos e
no Santuário de Maria Auxiliado- aplicações conformes ao espírito do em todas as oportunidades os abun-
ra e nos incessantes pedidos de ora- Fundador que, com maior autoridade dantes ensinamentos nelas contidos.

32      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Assim, cada filha de Ma- bitos; e, logo em seguida, co-
ria Auxiliadora se tornará or- mecemos a correr pela via
namento de seu próprio Ins- que nos foi traçada, fazendo
tituto, será “salvadora” de al- obras de amor e aceitando os
mas no campo da educação e sacrifícios inerentes à nossa
perfeita religiosa na prática missão apostólica.
heroica de todas as virtudes Como Dom Bosco, pre-
que levam à santidade. cisamos chegar à união com
Mirando-se nesse espe- Deus pelo caminho mais cur-
lho, ela logo conseguirá eli- to, no mínimo tempo pos-
minar as más inclinações, sível, para poder consagrar
os critérios pessoais, o amor tudo ao bem do próximo, no
próprio – o qual chispeia em qual reside a verdadeira pro-
todos os poros da pessoa e va do amor a Deus e da união
sabe camuflar-se inclusive com Ele.
sob as aparências de zelo – e Nosso Bem-Aventurado
a refinada procura de si mes- fixou o olhar no fim último de
ma, mais insidiosa em tra- nossa perfeição e, por assim
mar silenciosamente em tor- dizer, apossou-se dele para
no do próprio “eu” razões de usá-lo como meio de progre-
todo tipo para fazer prevale- dir em perfeição a cada mo-
cer seus direitos pessoais. mento.
Conseguirá isso porque Ele parece dizer: “Já que
Reprodução

encontrará na vida do Bem- a perfeita união com Deus é


-Aventurado exemplos e nor- a meta de nossa eterna felici-
mas abundantes para lutar dade, comecemos esta união
eficazmente contra todos es- divina aqui mesmo, sem per-
São João Bosco entrega a Santa Maria Mazzarello
ses inimigos pela oração, as regras das Filhas de Maria Auxiliadora -
da de tempo, vivendo unica-
pela mortificação e pela ili- Basílica de Maria Auxiliadora, Turim (Itália) mente na presença de Deus,
mitada atividade em bem das consagrando-Lhe todas as
almas, até a completa imolação de si nossas aspirações, nossas palavras
mesma. […] e nossas obras no apostolado junto
Mirando-se nesse às almas que Ele confiou aos nossos
Nossa perfeição consiste
em nos unirmos a Deus espelho, a Filha de cuidados. Tudo quanto façamos, seja
feito em união com Deus, sem qual-
Mas a filha de Maria Auxiliadora Maria Auxiliadora quer consideração conosco ou com
deve aprender da vida do Bem-Aven- as criaturas: tudo por Deus na obra
turado Padre, sobretudo, a via para logo conseguirá de salvação das almas!”. ²
se elevar continuamente na perfei-
ção religiosa, ou seja, na união com
eliminar as más Excertos de:
Deus. Pois, em última análise, nossa inclinações, os critérios Carta à Superiora-Geral
perfeição consiste precisamente em das Filhas de Maria Auxiliadora,
nos unirmos a Deus e nos identificar- pessoais, o amor próprio 21/9/1929.
mos com Ele, sem repouso e com to- In: DALCERRI, FMA, L.
das as nossas forças. Un maestro di vita interiore:
Ora, a união com Deus nada mais Não nos detenhamos nas abstru- Dom Filippo Rinaldi.
é do que o fruto do amor a Deus e ao sas considerações de tantos métodos e Roma: FMA, 1990, p.109-121
próximo por Ele amado, como nosso fórmulas incongruentes, mas contem-
Bem-Aventurado nos ensinou com plemos a simplicidade evangélica. Re-
sua característica simplicidade e nos movamos com decisão e sem t­ ardança 1
São João Bosco foi beatificado pelo Papa
ensina agora ainda mais, do trono de os obstáculos que se opõem a essa Pio XI em 2/6/1929, alguns meses antes de
sua glória. união, ou seja, o pecado e os maus há- ter sido escrita esta carta.

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      33


Leandro Souza-

A música instrumental
no santuário
Do profano ao sagrado, os instrumentos musicais contribuíram para
criar nas ações litúrgicas um ambiente adequado a seu
momento festivo ou recolhido, preparando as almas
para o amoroso encontro com Deus.
Adriel Brandelero

Q uando a simplicidade dos Os instrumentos musicais prudência, para não chamar a aten-
dias feriais cede lugar aos na Igreja primitiva ção sobre os locais de culto em tem-
esplendores das solenida- Os instrumentos musicais esta- pos de perseguição. Porém, o prin-
des litúrgicas, os dons e vam muito presentes no culto judai- cipal motivo para rejeitá-los parece
sentidos do homem se harmonizam co, e assim o comprova o Antigo Tes- ter sido seu uso nos cultos idolátri-
em gestos de adoração que permitem tamento em passagens como esta: cos e festas pagãs: “Provavelmen-
à alma penetrar-se do divino e mani- “Celebrai o Senhor com a cítara, en- te foram desterrados do templo
festar, através da melodia, o seu amor toai-Lhe hinos na harpa de dez cor- pelo seu caráter profano, sensual e
ao Criador. das. Cantai-Lhe um cântico novo, clamoroso”,2 declara Mons. Mário
As harmônicas vozes de um coro acompanhado de instrumentos de Righetti em sua célebre História da
bem afinado, acompanhadas do ór- música” (Sl 32, 2-3). Liturgia.
gão ou de outros suaves instrumen- A Sagrada Escritura lhes atribui Clemente de Alexandria defendia
tos, e por vezes alvejadas com alta- também um efeito curativo e exor- que, para glorificar a Deus, bastava
neiras clarinadas de trompetes, cons- cístico – foram os acordes da harpa aos cristãos um instrumento, a Pa-
tituem uma verdadeira oração se des- de Davi que livraram Saul do espíri- lavra, portadora de paz.3 Via-se “na
tinadas à glória de Deus. to mau (cf. I Sm 16, 16-23) –, enquan- homofonia do canto sagrado uma
Todavia, ao ouvir a pujança da to sua ausência era considerada sinal imagem e paralelismo com a harmo-
música instrumental, os bons apre- inequívoco de desgraças prestes a se nia do Universo e das esferas celes-
ciadores do cantochão lembrarão abater sobre o povo eleito: “Farei ca- tes”,4 enquanto a heterofonia entre o
– não sem saudades – da gravidade lar a voz dos cânticos, não mais se es- canto e os instrumentos era conside-
monódica do gregoriano entoado a cutará o som das tuas harpas” (Ez rada contrária à unidade da comuni-
capella. A austeridade de sua linha 26, 13). dade cristã.
melódica, regida por um ritmo sem “Esta tradição hebraica relacio- Estabeleceu-se assim nos primór-
compassos, parece muito mais pró- nada com os instrumentos musicais dios da Cristandade uma separação
pria a fazer sentir a grandeza e eleva- não passou, porém, para a Igreja pri- irreconciliável entre o canto sacro
ção do Sagrado Mistério. mitiva; pelo menos os escritos apos- e as melodias instrumentais. Quiçá
Ante esse paradoxo, cabe pergun- tólicos e os imediatamente posterio- essa dicotomia tivesse origem num
tar como os instrumentos se uniram res não fazem alusão alguma a ela”.1 sopro divino, que freava os impulsos
ao coro na Liturgia, inaugurando as- Embora os cristãos não ignorassem desequilibrados da música profa-
sim um novo gênero de música sa- tal costume, sua assimilação no cul- na para fazer nascer e chegar ao seu
cra. Qual é sua função? Ajudam eles, to divino foi repudiada. esplendor o canto gregoriano, cujos
realmente, a aproximar a alma das Certos autores afirmam que se neumas compõem melodias serenas
harmonias celestes? deixou de usá-los como medida de e cheias de paz.

34      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Apenas o órgão foi digno de polifonia sacra dos exageros a que es- tos não eram ainda capazes de refle-
acompanhar as orações da Igreja, a tava exposta. tir por si mesmos os dinamismos da
partir do século VII,5 “por ser par- Foi também nessa época que “à alma humana. “A princípio, eles não
ticularmente adequado aos cânticos voz dos cantores se aditou, além do falavam uma linguagem, mas balbu-
sacros e aos sagrados ritos, por con- órgão, o som de outros instrumentos ciavam imitações retóricas da músi-
ferir às cerimônias da Igreja notável musicais”.9 A severa separação man- ca vocal, tanto da austera e pura mú-
esplendor e singular magnificência, tida durante séculos começou a di- sica da Igreja como das alegres e des-
por comover a alma dos fiéis com a luir-se. Surgem pequenos conjuntos preocupadas canções populares”.11
gravidade e doçura do seu som, por de instrumentos que, primeiramente, A presença dos instrumentos na
encher a mente de gozo quase celes- tocavam em uníssono com as vozes música sacra tornou-se muito maior
te, e por elevar fortemente a Deus e e pouco depois passaram a ter uma ao iniciar-se a época dos oratórios.
às coisas celestes”.6 parte própria no acompanhamento.10 Heinrich Schütz (1585-1672), consi-
Entretanto, se o canto havia pe- derado um compositor de transição
Dois caminhos paralelos netrado a fundo no coração do ho- entre a polifonia e os oratórios, sou-
O sólido império estabelecido mem auxiliando-o a exprimir seus be magistralmente unir às vozes de
pelo gregoriano na música sacra sentimentos religiosos, os instrumen- todos os recursos orquestrais de que
viu-se ameaçado, a partir do sécu- dispunha, prenunciando o apogeu do
lo XI, pela onda de trovadores que novo gênero musical, que se deu com
emergiu na Europa, gerando pro- as inspirações de Georg Friedrich
fundas mudanças na mentalidade Händel (1685-1759).
humana.7 Embora este último não destinas-
Não muito depois, “a figura dos se suas obras ao culto divino, mas sim
Santos se desvanecia ante os com- a apresentações de cunho religioso
bates, e o culto marial cedia lugar ao em ambientes profanos, nem por isso
‘amor cortês’. Pouco a pouco o latim podemos deixar de reconhecer em
foi abandonado em benefício da lín- muitas de suas composições a genia-
gua vernácula, acessível a todos. A lidade em musicar a Palavra de Deus,
poesia e a música conquistaram uma que lhe valeu o título de “compositor
nova popularidade, de que o canto das Sagradas Escrituras”.12 Sua obra-
eclesiástico latino fatalmente care- -prima, o Messias, bem o comprova.
cia”.8
Nascidos no mesmo berço das
Em busca de um sábio equilíbrio
Reprodução

canções profanas, os instrumentos Uma vez que já acompanhavam


musicais se desenvolveram e aperfei- não só a voz dos homens, mas tam-
çoaram, embalados em braços mun- bém, nos oratórios, a Palavra de
danos. Passaram a brilhar nas festas, Deus, os instrumentos musicais pau-
Georg Friedrich Händel,
alegrando com suas melodias a vai- por Thomas Hudson
latinamente foram passando do tea-
dade sentimental presente em tor- tro ao templo, e ganhando por fim ci-
neios e jogos populares. dadania na Jerusalém Celeste. Em
Com ainda mais razão, viam-se meados do século XVIII, o Papa
longe de soar nos templos… A presença dos Bento XIV corroborou que eles sus-
tentassem o cântico litúrgico.13
A polifonia sacra e os oratórios instrumentos na Entretanto, nem tudo na arte mu-
Entrementes, a história do canto
sacro seguia seu curso. Da monodia
música sacra sical sacra corria no seu equilíbrio,
pois durante o século XIX a músi-
gregoriana passou-se ao contrapon- tornou-se muito ca orquestral deu ocasião a abusos
to e à diversidade de linhas melódi- dentro dos templos, fazendo da igre-
cas. No século XVI, belezas inefáveis maior ao iniciar-se ja uma continuação do teatro, com-
eram alcançadas por compositores prometendo o caráter sóbrio e tran-
como Tomás Luis de Victoria e Gio-
a época dos quilo da oração litúrgica e colocando
vanni Pierluigi da Palestrina, cujo es- oratórios em risco a integridade do canto ecle-
pírito profundo e recolhido salvou a siástico.14

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      35


Ora, o abuso não tolhe o uso. Para r­eligioso ou catequético ao templo. riano, como modelo supremo de mú-
sanar este mal, a justa prudência de […] O critério que prevalecia não era sica sacra, e a sábia valorização das
São Pio X exortou que a escolha dos outro além do fato de ser uma melo- demais formas expressivas, que fa-
instrumentos, especialmente os de dia pegadiça, rítmica, vivaz e que o zem parte do patrimônio histórico-li-
sopro, deveria ser limitada, judicio- povo participa”.21 túrgico da Igreja”.23
sa e proporcionada ao ambiente; e Analisando com sabedoria os ex-
a composição feita de modo grave, cessos ocorridos nessa época, que
Rico, profundo e harmônico
conveniente e semelhante em tudo às ainda contaminam largamente mui-
ato de louvor
do órgão,15 pois há alguns estilos mais tas celebrações litúrgicas, Ben- Por fim, deixemos de lado as con-
próprios ao culto sagrado e outros to XVI recorda que na música sacra siderações sobre os instrumentos
menos. Ademais, “como o canto tem é preciso conservar sempre “o senti- musicais na história dos homens e
de ouvir-se sempre, o órgão e os ins- do da oração, da dignidade e da be- passemos a analisá-los sob o ponto
trumentos devem simplesmente sus- leza; a plena aderência aos textos e de vista do Criador.
tentá-lo, e nunca encobri-lo”.16 aos gestos litúrgicos; o envolvimen- “A música instrumental contri-
Pio XII reforçou a ­ necessidade to da assembleia e, por conseguinte, bui, de uma maneira excepcional-
desse equilíbrio ensinando que, a adaptação legítima à cultura local, mente eficaz, para criar o ambien-
“além do órgão, há outros instru- conservando ao mesmo tempo a uni- te adequado, a seu momento festi-
mentos que podem eficazmente vir versalidade da linguagem”.22 vo ou recolhido”,24 comenta um au-
em auxílio para se atingir o alto fim Esses importantes critérios, “que tor contemporâneo. Ela proporciona
da música sacra, desde que nada te- se devem considerar atentamente à alma o estado próprio para elevar-
nham de profano, de barulhento, de também hoje”, não contradizem, mas -se a Deus, pois uma grande orques-
rumoroso, coisas essas destoantes do reforçam “a primazia do canto grego- tra ressoando em oração no interior
rito sagrado e da gravidade do lu- do templo bem pode simbolizar a
gar”.17 alma da Igreja que rende ao Cria-
dor um rico, profundo e harmônico
A música sacra pós-conciliar ato de louvor.
O século XX foi testemunha de Num conjunto musical exis-
profundas mudanças no campo da tem instrumentos de corda e de so-
cultura, e a música sacra infeliz- pro. Nestes, há ainda uma diferen-
mente não esteve imune a elas. ça muito marcada entre madeiras e
Em seu documento dedicado à metais. E se a harmonia do conjun-
Liturgia, o Concílio Vaticano II to é sempre melhor que as partes,
reitera a admissão de outros ins- como é belo, porém, ouvir cada ins-
trumentos musicais, além do ór- trumento em separado, sentindo a
Lucia Vu

gão, no culto divino18 e incentiva singularidade dos timbres e resso-


também o canto popular religio- nâncias exprimindo diferentes es-
so, “para que os fiéis possam can- Cântico da Liturgia das Horas na Casa tados da alma.
tar tanto nos exercícios piedosos e Monte Carmelo, Caieiras (SP) Se um inspirado compositor
sagrados como nas próprias ações se pusesse a musicar a gesta de
litúrgicas”.19 Mas salvaguarda a in- Elias, o profeta, certamente empe-
tegridade do gregoriano enquan- As mudanças nharia a suave nobreza das madei-
to “canto próprio da Liturgia roma- ras para melodiar o murmúrio da
na”.20 não contradizem, leve brisa que precedeu seu encon-
Não há, pois, nenhuma novidade
em relação ao Magistério preceden-
mas reforçam, a tro com Deus (cf. I Rs 19, 12-13). Se,
ao contrário, desejasse pôr em músi-
te. Entretanto, o panorama da músi- primazia do canto ca o fogo do Senhor que devorou a le-
ca sacra mudou radicalmente no pe- nha, as pedras, a poeira, a água e a
ríodo pós-conciliar: “Principalmen- gregoriano como vítima no altar do Monte Carmelo
te nos vinte primeiros anos da refor- (cf. I Rs 18, 38), sem dúvida empre-
ma, presenciamos a uma desmedida
modelo supremo garia os instrumentos de metal, que
incorporação de melodias do âm- de música sacra soam como manifestação da impla-
bito profano, ou melhor, do âmbito cável justiça divina. Por outro lado,

36      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


João Paulo Rodrigues
Apresentação musical na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Caieiras (SP), 19/5/2018

só as cordas seriam capazes de expri- separam-nos, criam barreiras. Mas


mir a profundidade do afeto recípro- A suave nobreza nesta hora vimos e ouvimos que
co entre Elias e Eliseu quando o car- existe uma parte intacta do mundo,
ro de fogo arrebatou o mestre do dis- da madeira poderia mesmo depois da torre e da sober-
cípulo (cf. II Rs 2, 11-12).
Entretanto, quando Deus fala, so-
melodiar a brisa ba de Babel, e é a música: a língua
que todos nós podemos compreen-
mente o órgão é digno de acompa- que precedeu o der, porque toca o coração de todos
nhá-lo. Reunindo em si a simplicida- nós”.25
de e a variedade, este grandioso ins- encontro de Elias A glorificação das perfeições divi-
trumento forma um equilibrado, su- nas por meio da música não é, por-
blime e perfeito conjunto dos mais
com Deus, ao tanto, “apenas uma garantia de que
variados timbres e sons. contrário do metal... a bondade e a beleza da criação de
Deus não estão destruídas, mas que
Linguagem que todos nós somos chamados e capazes de
podem entender vras que todos os homens são capa- trabalhar para o bem e para o belo,
Assim contemplada, a música ins- zes de entender. e é inclusive uma promessa de que
trumental constitui uma forma de “Infelizmente”, comenta o Papa o mundo futuro há de vir, que Deus
oração que toca o fundo das almas Bento XVI, “depois dos aconteci- triunfa, que a beleza e a bondade
através de uma linguagem sem pala- mentos da Torre de Babel as ­línguas vencem”.26 ²

1
RIGHETTI, Mario. Historia 7
Cf. DELLA CORTE, A.; 14
Cf. RIGHETTI, op.cit., p.631. 22
BENTO XVI. Carta ao grão-
de la Liturgia. Madrid: BAC, PANNAIN, G. Historia de la -chanceler do Pontifício Ins-
15
Cf. SÃO PIO X. Tra le solleci-
1955, v.I, p.630. música. De la Edad Media al tituto de Música Sacra, por
tudini, n.20.
siglo XVIII. Barcelona: Labor, ocasião do centenário de fun-
2
Idem, ibidem.
1950, t.I, p.143.
16
Idem, n.16. dação, 13/5/2011.
3
Cf. CLEMENTE DE ALE- 8
PAHLEN, Kurt. La grande
17
PIO XII, op. cit., n.29. 23
Idem, ibidem.
XANDRIA. Le Pédagogue.
aventure de la musique. Ver- 18
Cf. CONCÍLIO VATICA-
L.II, c.4, n.42, 3: SC 108, 93. 24
DUCHESNEAU, Claude;
viers: Gérard & Co, 1947, p.48. NO II. Sacrosanctum Conci- VEUTHEY, Michel. Musique
4
RIGHETTI, op. cit., p.631 9
PIO XII, op. cit., n.5. lium, n.120. et Liturgie. Le document “Uni-
5
Tradicionalmente se atribui ao versa laus”. Paris: Du Cerf,
10
Cf. RIGHETTI, op. cit., p.631.
19
Idem, n.118.
Papa São Vitaliano, cujo pon- 1988, p.90.
tificado se estendeu de 657 a 11
DELLA CORTE; PAN-
20
Idem, n.116. 25
BENTO XVI. Saudação no fi-
672, a introdução do órgão no NAIN, op. cit., p.579. 21
ALCALDE, Antonio. Canto e nal do concerto em sua honra,
culto litúrgico. música litúrgica: reflexões e su-
12
PAHLEN, op. cit., p.127. no Palácio Pontifício de Castel
6
PIO XII. Musicæ sacræ disci- gestões. 2.ed. São Paulo: Pauli- Gandolfo, 2/8/2009.
13
Cf. BENTO XIV. Annus qui
plina, n.28. nas, 2000, p.44-45.
hunc, n.12. 26
Idem, ibidem.

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      37


Voz da Igreja, voz da França

O grande órgão da Catedral de Notre-Dame


embelezou cerimônias nos dias de glória,
atravessou altaneiro a Revolução e permaneceu
incólume em meio às chamas que atingiram o
templo. Sua história não será sinal do amor de
Deus pela filha primogênita da Igreja?
Jiordano Gabriel Carraro

A
voz humana tem extraordi- Como o órgão começou a um teclado eletrônico que recrie, tão
nária capacidade de expres- ser usado na Liturgia fielmente quanto possível, o timbre e
sar as disposições interio- Nos primeiros tempos da Igreja, o o ambiente do órgão tradicional.
res de quem a possui. Assim, uso de instrumentos musicais na Li-
o brado tonitruante de um general turgia foi visto com reserva, devido à
A “soma das idades” aplicada
transmite a força e a valentia que de- sua utilização nos eventos profanos
a um instrumento
vem caracterizar um bom comandan- ou idolátricos, e o mesmo aconteceu No desenvolvimento humano
te e incute ânimo nos soldados que o em relação ao órgão. ocorre um fenômeno curioso, deno-
seguem; enquanto que na forma de fa- Porém, no século VII o Papa Vi- minado por Dr. Plinio Corrêa de Oli-
lar de uma mãe transparecem as tor- taliano autorizou o uso desse ins- veira de “soma das idades”.2 Cada
rentes de afeto que emanam de seu trumento nas cerimônias religiosas, fase da vida do homem tem caracte-
coração, seja ao corrigir o filho, seja e no ano de 757 o envio de um pri- rísticas próprias e, quando alguém se
ao acariciá-lo. mitivo órgão ao Rei Pepino, o Breve, desenvolve em harmonia com a ino-
Ora, o que dizer de alguém que ti- por parte do Imperador Constanti- cência, não perde os aspectos bons
vesse mais de cem registros para ex- no V, marcou uma virada nos acon- da idade anterior, mas os soma à pró-
primir os diferentes imponderáveis tecimentos. O presente do monarca xima etapa. Assim, com o passar dos
que povoam seu espírito, com nuan- bizantino permaneceu na capela de- anos a pessoa constrói um arcabou-
ces próprias a representar cada esta- dicada a São Cornélio, que o rei dos ço de conhecimentos e virtudes que
do de alma? Francos, pai de Carlos Magno, pos- marcam definitivamente sua perso-
Pois bem, o Espírito Santo, de- suía em Compiègne e não deixou nalidade e a tornam capaz de trans-
sejoso de aproximar os homens das de ser registrado pelos cronistas ca- mitir para os seus semelhantes o fru-
realidades celestes, inspirou ao enge- rolíngios. to desse amadurecimento espiritual.
nho humano a criação de um instru- No século seguinte a presença de A expressão de Dr. Plinio pode
mento musical capaz de fazer ressoar órgãos já era comum nos templos ca- ser aplicada, mutatis mutandis, a um
a rica e matizada voz da Santa Igre- tólicos e mosteiros.1 E, com o passar dos maiores e mais famosos órgãos
ja. Contendo em si timbres diversos do tempo, este instrumento tornou- da Cristandade, considerado “o mais
que permitem infindas harmonias e -se o acompanhamento natural dos importante da França e, sem dúvida,
combinações de sons, o órgão tem a cânticos litúrgicos. Todas as cate- o mais célebre do mundo”:3 o da Ca-
virtude de expressar, aqui na terra, as drais e as igrejas de certo porte pas- tedral de Notre-Dame de Paris.
melodias do Paraíso. saram a possuir pelo menos um. No desenrolar dos séculos, ele
Como nasceu este instrumento? Hoje em dia, faltando o tem- foi se aperfeiçoando e ampliando
Quando foi incorporado às celebra- po ou os recursos para instalar tão sem perder aquilo que anteriormen-
ções litúrgicas? ­complexo instrumento, recorre-se a te recebera de bom, até alcançar um

38      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


(CC by-sa 3.0)
e­levado cume no cumprimento da Nave principal da Catedral de Notre-Dame, tou ao de Notre-Dame um novo posi-
sua missão: embelezar as cerimônias tendo ao fundo o grande órgão tivo que duplicava suas capacidades.
litúrgicas e ajudar a transmitir as rea- Assim renovado, ele foi entregue em
lidades sobrenaturais no interior da 1610, na presença do novo organista
catedral. Com timbres titular, Charles Thibault.
Em posteriores reformas, feitas
Séculos de crescente diversos, que sobretudo pelo próprio Héman e por
aprimoramento
A vida desse grande órgão ini-
permitem infindas Alexandre Thierry, fabricante de ór-
gãos do rei, o grande órgão de Notre-
ciou-se no século XV. Obtida uma harmonias, ele tem a -Dame foi ampliado para três e qua-
generosa doação do Duque de Berry, tro teclados, dos quais o primeiro,
os cônegos o encomendaram ao fa- virtude de expressar, que remontava ainda ao período me-
dieval, foi enriquecido com novos re-
bricante Frédéric Schambantz, para
substituir o anterior que, construído
aqui na terra, as gistros.
no século XIII, era por demais pe- melodias do Paraíso Os ventos do Iluminismo
queno para atender às necessidades
da majestosa catedral.
sopram sobre Paris
Em 25 de outubro de 1403, finali- Em 1415 começaram os primeiros No século XVIII, estando Paris
zou-se sua instalação no alto de uma reparos, os quais consistiam na lim- sob o bafejo de uma nova filosofia, a
tribuna de pedra, acima do gran- peza, revisão e ajuste do instrumen- arquitetura da Catedral sofreu mu-
de portal oeste. Compreendia apro- to. Frequentemente, tais manuten- danças significativas que visavam
ximadamente seiscentos tubos, bem ções eram combinadas com peque- adequá-la aos ventos da época.
como um teclado com quarenta e seis nas modificações por parte dos or- “A França havia entrado no sécu-
notas e uma pedaleira. ganeiros convocados para este fim. lo das luzes. O coro da catedral foi re-
As atribuições do novo organista, Assim procederam Jean Robelin e feito no estilo barroco. As arcadas da
Henri de Saxe, eram precisas: ele de- Nicolas Dabenet em 1463 e 1564, res- nave principal ocultam-se com gran-
veria garantir a conservação do ins- pectivamente. des quadros – os ‘Mays’ –, oferecidos
trumento e tocar em vinte e três fes- No início do século XVII, o surgi- cada ano pela corporação dos ourives.
tas durante o ano, além de partici- mento do órgão flamengo, que pos- O capítulo se apressa em substituir os
par em alguns eventos excepcionais, suía dois teclados e registros sepa- vitrais da parte superior da nave prin-
tais como a coroação do Rei Henri- rados, tornou seu congênere me- cipal por vidros com losangos bran-
que VI, realizada em Notre-Dame dieval um instrumento arcaico. Por cos. Até as últimas reminiscências do
no ano de 1431. isso, Valéran de Héman acrescen- estilo medieval deviam desaparecer”.4

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      39


Nesse contexto, o novo organis- o outro, e forma uma orquestra que porém, o incluiu na categoria daque-
ta titular, Antoine Calvière, obteve bem pode servir de acompanhamen- les que deveriam ser conservados por
a reconstrução completa do instru- to para os cantos cívicos, aquecendo sua grande importância.
mento, confiada ao célebre François os sentimentos dos verdadeiros repu- Na singeleza desses episódios, vê-
Thierry. Pôs-se no alto, esconden- blicanos, e avivando também a cólera -se claramente a mão da Providência
do uma parte da rosácea, um grande que reservamos aos tiranos”.6 Por in- protegendo um de seus amados te-
aparador à moda do tempo, em es- crível que pareça, esse discurso sal- souros terrenos.
tilo Luís XV, e a tribuna foi fechada vou momentaneamente o instrumen-
por uma balaustrada de ferro forjado to dos ataques revolucionários…
A reforma de Viollet-le-Duc e
com ornamentos em ouro. Em 1733 o Em março de 1795, uma nova
Cavaillé-Coll
órgão de François Thierry tinha cin- ameaça paira sobre ele. A Conven- Tendo resistido à tempestade da
co teclados de cinquenta notas e qua- ção Nacional exigia a venda dos ór- Revolução Francesa, o grande órgão
renta e sete registros, sendo conside- gãos existentes nas igrejas que perten- continua sua história, singrando ago-
rado por muito tempo o órgão clássi- ciam à República e em agosto do mes- ra o período do Romantismo.
co francês mais completo. mo ano o grande órgão de Notre-Da- Em 1847, quando Eugène Viollet-
Passados cinquenta anos, o orga- me era analisado com esse fim pela -le-Duc7 começava as obras de restau-
neiro François-Henri Clicquot foi comissão temporária de artes. Esta, ração da catedral, Eugène Sergent era
chamado a trabalhar no instrumen- nomeado organista titular. Nessa oca-
to, que se encontrava bastante dete- sião, porém, a poeira nos tubos, o des-
riorado. Clicquot decidiu fazer uma gaste do mecanismo, a alimentação

Reprodução
expansão geral: alargou o apara- defeituosa, a chuva e o vento que en-
dor, ampliou o número de registros e travam pelas janelas haviam inutiliza-
acrescentou um positiv de dos.5 do o valioso instrumento.
O resultado desta profunda remo- A pedido de Viollet-le-Duc, Aris-
delação foi entregue em 5 de maio de tide Cavaillé-Coll fez em 1860 uma
1788. análise geral do estado em que ele se
encontrava. E como os gastos nos tra-
Ameaçado, mas não balhos de arquitetura absorviam qua-
destruído, pela Revolução se todo o montante disponível, Viol-
Durante a Revolução Francesa, let-le-Duc pediu-lhe que o restaurasse
o grande órgão corria o risco de ser usando ao máximo possível o material
destruído ou vendido, mas a Provi- existente. Tratava-se de contar com
dência Divina, agradada com suas um instrumento digno de uma cate-
celestiais harmonias, decidiu poupar dral, mas sem luxos desnecessários.
este tão importante elemento do pa- Tendo sido recusado por Viollet-
trimônio histórico-simbólico da filha -le-Duc seu projeto original, no qual
primogênita da Igreja. O grande órgão da Catedral de Notre-Dame o gabinete do positiv de dos era man-
A Catedral de Notre-Dame foi fotografado em inícios do século XX tido, Cavaillé-Coll optou por dese-
profanada e transformada em “tem- nhar um “órgão revolucionário”8 que
plo da razão”, mas o grandioso ins- refazia completamente, segundo sua
trumento permaneceu de pé. Apenas Impregnado nas própria concepção, a disposição in-
alguns ornamentos que lembravam a terna do instrumento.
monarquia e as flores de lis presentes bênçãos que O grande órgão de Notre-Dame
na base das colunas do aparador fo-
ram arrancadas a golpes de machado.
marcaram séculos passou a contar com oitenta e seis re-
gistros, repartidos em cinco teclados
No ano de 1794, o cidadão Godi- de cerimônias, ele de cinquenta e seis notas e uma pe-
not convocou alguns organistas para daleira de trinta notas. O término da
tocarem o instrumento a fim de evi- continua ressoando obra deu-se em dezembro de 1867,
tar o seu deterioramento e um deles, permitindo que o órgão fosse toca-
o cidadão Desprez, afirmou: “A com-
com um timbre do na noite de Natal, mas sua inaugu-
binação dos registros produz diferen- quase angélico ração ocorreu apenas em 6 de mar-
tes efeitos, cada um mais belo do que ço de 1868.

40      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Na ocasião Dom Georges Dar-
boy, Arcebispo de Paris, abençoou
o novo instrumento, enquanto um
membro do coro o aspergia com
água benta do alto da tribuna. Vá-
rios organistas renomados estive-
ram presentes.

Configuração do órgão
contemporâneo
Uma restauração concluída em
1992 incorporou elementos ele-

Gustavo Kralj
trônicos ao grande órgão. Ele foi
abençoado pelo Cardeal Jean-
-Marie Lustigier, Arcebispo de
Paris, e inaugurado em dezembro.
Organizou-se, então, uma série de Notre-Dame fotografada em 2011
concertos, que acolheram cinquen-
ta mil pessoas no período de uma Sinal de predileção
semana! pela filha primogênita Ainda que a
Os acréscimos que modernizaram da Igreja
a “voz” de Notre-Dame não a fize- O grande órgão de Notre-Dame Igreja pareça ser
ram perder sua nobreza e originali-
dade. As bênçãos que marcaram sé-
é peça essencial na vida litúrgica da
célebre catedral. Testemunha de sé-
atingida pelas piores
culos de cerimônias carregadas pela culos de História, elemento desta- catástrofes, ela
tradição o impregnaram de tal ma- cado do patrimônio religioso-cultu-
neira, que seus tubos, agora meca- ral do povo francês, foi ele poupa- nunca poderá ser
nizados e informatizados, continua- do pela Providência das catástrofes
vam fazendo ressoar seu som quase que a própria catedral teve de sofrer.
morta, vencida e nem
angélico no interior da histórica ca- E nem sequer as chamas do incêndio sequer silenciada
tedral. que recentemente a fustigou atingi-
Por fim, para celebrar o Jubi- ram sua estrutura.
leu de Notre-Dame de Paris, no seu Tal preservação não será um sinal tos, a Igreja pareça ser atingida pelas
850º aniversário, em 2012 ele pas- da predileção de Deus pela França, piores catástrofes, ela nunca poderá
sou por uma renovação de seu sis- filha primogênita da Igreja, à qual, ser morta, vencida e nem sequer si-
tema de transmissão e uma limpe- por assim dizer, ele serve de grandio- lenciada. Na hora em que menos se
za geral dos seus 7.952 tubos, núme- sa e matizada voz? espera, sua voz ressurge gloriosa bra-
ro mais de dez vezes superior àquele O tempo o dirá. Mas uma coisa é dando a Verdade pelos quatro cantos
com o qual fora fabricado. certa: ainda que, em certos momen- da terra. ²

1
Cf. RIGHETTI, Ma- men Sapientiæ, 2016, gão contidas no presen- independente situado mou inúmeros edifícios
rio. Manuale di Storia v.V, p.18-19. te artigo foram tiradas nas costas do organis- na França, tendo fica-
Liturgica. 3.ed. Mila- desta obra. ta. Atualmente é acio- do célebre sobretudo
3
LEFEBVRE, Phi-
no: Àncora, 2005, v.I, nado a partir do tecla- por seu trabalho na Ca-
lippe. Les orgues. In: 4
LEFEBVRE, op. cit.,
p.695. do principal. tedral de Notre-Dame
VINGT-TROIS, An- p.451.
de Paris, onde, junto a
2
Cf. CLÁ DIAS, EP, dré (Dir.). La grâce 6
Idem, p.452.
5
Literalmente: “Órgão Jean-Baptiste-Antoine
João Scognamiglio. O d’une cathédrale. Notre-
positivo do dorso”. Tra- 7
Eugène Viollet-le-Duc Lassus, buscou retor-
dom de sabedoria na Dame de Paris. Stras-
ta-se de uma réplica, (1814-1879), arquite- nar com máxima fideli-
mente, vida e obra de bourg-Paris: La Nuée
em tamanho menor, to, restaurador e histo- dade ao estilo original
Plinio Corrêa de Olivei- Bleue; Place des Vic-
dos principais registros riador francês do sécu- do templo.
ra. Cittá del Vaticano- toires, 2012, p.449. As
do grande órgão. No lo XIX, dedicado es-
São Paulo: LEV; Lu- informações históri- 8
LEFEBVRE, op. cit.,
período barroco, cons- pecialmente à arquite-
cas sobre o grande ór- p.453.
tituía um instrumento tura medieval. Refor-

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      41


Alessandro Signorile

Itália – No dia 2 de novembro o Patriarca de Veneza, Dom Francesco Moraglia, deslocou-se até a Ilha de
São Miguel para celebrar Missa em sufrágio dos fiéis defuntos e abençoar os túmulos do cemitério. Como já é
tradição, os Arautos do Evangelho o auxiliaram no cerimonial litúrgico.
Sergio Plaza

Eric Salas
Espanha – Cooperadores dos Arautos do Evangelho da cidade de Valência conduziram a Imagem Peregrina de
Nossa Senhora de Fátima a diversas residências de Cartagena (esquerda), enquanto missionários dos Arautos do
Evangelho visitavam lares da Paróquia San José, em Gijón (direita).
Fotos: Rafael Nin

República Dominicana – Fiéis pertencentes a diversas comunidades reuniram-se na Paróquia Nossa Senhora
da Evangelização para fazer sua consagração a Maria Santíssima. Os Arautos do Evangelho foram convidados a
participar da Missa e cerimônia, presididas por Dom Faustino Burgos, Bispo Auxiliar de Santo Domingo.

42      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Fotos: Sebastián Cadavid
El Salvador – No dia 16 de novembro iniciou-se a construção do Centro de Espiritualidade dos Arautos em
San Salvador, o qual contará com a Igreja de Nossa Senhora de Fátima e São Paulo Apóstolo, e com uma casa de
formação para jovens. A Celebração Eucarística foi presidida pelo Pe. Fernando Gioia, EP.

Fotos: Agostinho Mapanga


Moçambique – Estando a igreja anexa à casa dos Arautos em Matola ainda em fase de construção, a Missa
dominical e os demais atos litúrgicos são realizados na capela da comunidade. Nas fotos acima, o Pe. Santiago
Canals, EP, preside uma cerimônia de casamento ocorrida no final do mês de novembro.

Aleilton Chavenco

Nazaré Paulista (SP) – A festa da padroeira foi comemorada com uma Santa Missa presidida por Dom Sérgio
Aparecido Colombo, Bispo Diocesano de Bragança Paulista. Um conjunto musical dos Arautos do Evangelho foi
convocado para abrilhantar o evento.

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      43


vés de câmeras instaladas pelas au- Virgem Maria ali erigida ter perma-
toridades e também por represen- necido incólume em meio à destrui-
tantes designados para vigiá-las pes- ção causada pelo furacão Iota.
soalmente. Estes lhes exigiam relatos O fato foi tão fora do comum que
detalhados de suas vidas pessoais, es- até o presidente do país, Iván Du-
pecialmente com relação aos últimos que, relatou o ocorrido durante seu
meses. Alguns desses agentes entra- programa televisivo Prevención y Ac-
vam no convento e chegaram até a ción: “É realmente impactante ver
assediá-las. que, depois de ter passado pela Ilha
Enquanto as expulsavam do mos- de Providência uma tempestade de
teiro, os representantes do governo categoria cinco, a imagem de Nossa
removeram a cruz principal, as cru- Senhora tenha permanecido em pé.
Religiosas são expulsas de zes dentro do prédio e uma dúzia de E muitas pessoas hoje me diziam que
convento na China imagens religiosas. ela é miraculosa, pois evitou muitas
No início de novembro o partido mortes na nossa ilha”.
comunista chinês enviou policiais a
Imagem de Nossa Senhora
um convento em Shanxi, que após inti-
permanece incólume após furacão Franceses protestam contra
midarem as oito freiras que lá viviam, A população do Arquipélago de
a suspensão de Missas
forçaram-nas a abandonar a casa. San Andrés, Providencia y Santa Ca- Na primeira quinzena de no-
Este fato encerra um longo perío- talina, situado no Caribe mas perten- vembro, centenas de católicos pro-
do durante o qual as religiosas foram cente à Colômbia, admirou-se pelo moveram marchas, protestos, ora-
observadas 24 horas por dia, atra- fato de uma monumental imagem da ções e cânticos diante de igrejas em

Continuam no mundo as profanações de igrejas

N o dia 13 de novembro a Igreja de Cristo Rei de Go-


temburgo, Suécia, foi vandalizada com tanta fúria
que os agressores pareciam querer “criar uma Sexta-Feira
A isso se acrescentam as profanações ocorridas após
o fim da guerra entre a Armênia e o Azerbaijão em Na-
gorno Karabakh, registradas em numerosos vídeos com-
Santa eterna”, segundo explicou o pároco, Pe. Tobias Un- partilhados nas redes
nerstal, ao descrever a situação em que se encontrava o lo- sociais. Neles pode-se
cal após a ação dos bandidos. ver militares e civis
Já no Brasil, a matriz da Paróquia São Judas Tadeu, invadindo, profanan-
em Petrópolis, sofreu um ato de vandalismo e tentativa do e até mesmo des-
de profanação do Santíssimo Sacramento no dia 31 de ou- truindo templos cris-
tubro. E no domingo de Cristo Rei, desconhecidos des- tãos da região.
truíram o altar e imagens da Capela de Nossa Senhora de
Monte Serrat, em Aracruz (ES), além de danificarem tan-
to a parte interior quanto a exterior do templo.
Em Bridgeport, nos arredores de Chicago, vândalos pin-
taram com grafite o exterior da Paróquia de Santa Maria
do Perpétuo Socorro e sujaram com tinta preta e vermelha
o rosto de uma imagem da Virgem Maria situada no exte-
Fotos: Gaudium Press

rior do templo. A profanação ocorreu no domingo, 8 de no-


vembro.
Dias depois, uma imagem de Nossa Senhora das Gra-
ças situada na praça pública de um subúrbio de Veneza foi
decapitada e teve as mãos decepadas no dia 26 de novem-
bro, véspera da data em que esta invocação é comemora- Vista do altar-mor e de uma das capelas laterais da
da pela Igreja. Igreja de Cristo Rei, profanada no dia 13 de novembro

44      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Chile: imagem da Imaculada Conceição
recupera sua coroa original

N o dia 8 de dezembro, a imagem da Imaculada Conceição


que coroa o Cerro San Cristóbal, em Santiago do Chile, fi-

Facebook do Santuário da Imaculada


cou livre dos andaimes que a cobriram durante quase um mês e foi
abençoada pelo Núncio Apostólico, Dom Alberto Ortega Martín,
em uma cerimônia com aforo limitado a duzentas pessoas.
Construída em 1908 e situada no ponto mais alto da cidade,
a imagem marca o panorama da capital chilena com seus mais
de vinte e dois metros de altura. Os trabalhos realizados consis-
tiram na consolidação de fendas, limpeza e pintura da superfí-
cie. Aproveitou-se o ensejo para voltar a colocar a coroa de doze
estrelas que ornava originalmente a cabeça de Nossa Senhora.

­ ersailles, Nantes e outras cidades, a


V que com importantes restrições de plos, que foram incendiados, danifi-
fim de defender seu direito ao culto aforo, distanciamento, etc. cados e saqueados. Em outros casos,
religioso diante das draconianas res- porém, os alvos foram pessoas, prin-
trições impostas pelo governo fran-
Pesquisas documentam incremento cipalmente sacerdotes.
cês por causa da pandemia.
da perseguição religiosa De outro lado, pesquisas realiza-
A eles se uniram as vozes de al- Segundo um relatório divulgado das pelo Pew Research Center indi-
guns prelados, entre os quais Dom em meados de novembro pela Orga- cam que a perseguição religiosa se
Dominique Marie Jean Rey, Bispo de nização para a Segurança e Coope- tornou especialmente intensa no ano
­Fréjus-Toulon, que lembrou: “mais do ração na Europa (OSCE), ao longo 2018 na China, Irã, Malásia, Tajiquis-
que nunca, nossa sociedade precisa de do ano de 2019 foram registrados 595 tão e outros países asiáticos, norte-
Deus para enfrentar os medos e as in- crimes de ódio contra objetivos cris- -africanos e do Oriente Médio. Nes-
certezas que pesam em nosso tempo”. tãos. Os países mais afetados foram sas nações, os cristãos são alvo de pri-
Como resultado dos protestos, o França, Alemanha, Espanha, Itália sões, abusos físicos e expulsões, além
governo francês acabou autorizan- e Polônia. Além dos sacrilégios co- de sofrerem com a destruição de suas
do em finais de novembro as celebra- metidos contra o Santíssimo Sacra- propriedades e restrições referentes à
ções eucarísticas nas igrejas, se bem mento, houve atentados contra tem- educação religiosa. ²

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      45


História para crianças... ou adultos cheios de Fé?

Aguardando o
retorno da nobre
caravana

Por um ano inteiro, Misael indagou as estrelas aguardando o retorno


dos reis que lhe anunciaram a vinda do Messias. Eles, porém, nunca
mais voltaram. Algo muito mais grandioso a Providência preparava
para aquele inocente menino…
María Paloma de Oyarzábal Gutiérrez-Barquín

N uma gélida noite de ou-


tono, os gritos desespe-
rados da tribo que ha-
bitava aquelas paragens
romperam o silêncio do deserto. Mu-
Deus também não se lembra de mim?
Será que o tão esperado Messias nun-
ca virá?”
Quando o sol despontou ilumi-
nando a paisagem monótona, Mi-
três ricos senhores, montados em seus
elegantes camelos.
“Quem serão eles? Comerciantes?
Sua aparência é tão nobre que até pa-
recem reis…”, pensava Misael. E di-
lheres corriam para salvar seus fi- sael chorava sem consolo. Olhando rigindo-se ao mais ancião, pergun-
lhos, enquanto os varões tentavam o deserto quase infinito, sentia-se tou-lhe:
em vão resguardar seus mais preza- cada vez mais abandonado. O que — Por que tanta alegria? Neste
dos pertences. fazer? mundo só existem tristezas, pelo me-
Por fim, todos se viram obrigados De repente, uma discreta nuvenzi- nos para mim…
a fugir ante o inesperado saqueio. nha de poeira começou a se delinear — Meu caro jovem – respondeu-
Em meio ao caos, um menino de ape- no horizonte anunciando a chegada -lhe o nobre viajante –, nós viemos das
nas oito anos se perdeu: era Misael. de uma caravana. Em pouco tempo, terras longínquas do Oriente para as-
Escondido entre algumas rochas, es- estava tão próxima que até dava para sistir a um grande acontecimento, es-
perava logo reencontrar seus pais… discernir as palavras do cântico com perado por todas as nações. Enquan-
Porém, quando a nuvem de areia bai- que seus integrantes amenizavam a to estudávamos os céus, vimos uma
xou e os ladrões se foram, viu que viagem: estrela mais luzente que todas as ou-
em todo o acampamento não restava “Noite feliz, noite feliz! Eis que no tras se deslocando para o Ocidente,
ninguém: ficara sozinho. ar vêm cantar aos homens os Anjos e a tradição dos nossos povos diz ser
“Como? Será que minha família dos Céus, anunciando a chegada de esse o sinal dos tempos! A salvação já
fugiu e se esqueceu de mim? E até os Deus. Ele é Rei e Messias; de todos é se encontra entre os homens! Por isso,
mestres em quem eu mais confiava, o Salvador”. Gaspar, Baltasar e eu, Melquior, deci-
me abandonaram?” Soluçando, olhou No meio do conjunto de homens, dimos deixar tudo e seguir o caminho
para as estrelas e pensou: “Será que animais e mercadorias, destacavam-se por ela apontado.

46      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


Enquanto falava, o ancião parecia as esperanças do menino, um dos seus uma nobre Dama sentada num ju-
arrebatado por um entusiasmo todo familiares disse-lhe zombando: mentinho e trazendo um Menino en-
celeste. Depois, fitando o menino, — Menino bobo, ainda acreditas volto em panos em seus braços. Ao
completou: que esses velhos vão voltar? E para seu lado, um imponente varão cami-
— Entretanto, há muito tempo trazer o quê? Sabes por que não apa- nhava.
que estamos viajando e o cansaço já receram? Porque o Messias não nas- Chegando à entrada da tenda
se faz sentir. Onde haveria um lugar ceu coisa nenhuma! E se tivesse nas- aquele homem pediu hospedagem,
para poder repousar? cido, por que te deixariam aqui, se explicando-lhe que viajavam para o
Misael conduziu-os para a ten- são teus amigos? Tu te deixaste en- Egito e ainda tinham um longo ca-
da dos pais. Ali ofereceu-lhes tudo o ganar… – e o riso sarcástico daquele minho pela frente. Misael deu-lhe o
que tinha: leitos humildes, um pou- homem feriu profundamente o cora- melhor que tinha: as confortáveis es-
co de leite e de pão… Após um breve ção inocente de Misael. teiras que tinha preparado para os
descanso, os magos do Oriente conta- Mesmo assim, o pequeno ainda es- reis, pão feito com o maior esmero e
ram para o rapazinho as peripécias das perava. Todas as noites contemplava o leite mais gordo e saboroso do seu
suas travessias, mostrando-lhe o quan- as estrelas no firmamento, até que em rebanho.
to a mão de Deus pairava sobre eles certa ocasião percebeu algo impressio- Tão fria estava a noite, que ele
por terem sido fiéis ao aviso do Céu. nante: a abóbada celeste se encontrava abandonou aquele convívio cheio
Ao entardecer, quando as areias exatamente na mesma posição do dia de bênçãos para conseguir alguns
do deserto começavam a ficar menos em que recebera a visita dos anciãos. tecidos que aquecessem aque-
quentes, a caravana dispôs-se a par- Um ano exato havia se passado. la Criança tão especial. Voltando,
tir, não sem antes despedir-se do me- Com os olhos fixos no horizonte, viu uma luz como que a sair dos lá-
nino, confiando-lhe uma missão: procurava emocionado o retorno da bios da Dama, enquanto ela ninava
— Nosso desejo seria levar-te co- caravana, quando viu aproximar-se o seu Filho:
nosco, mas teu dever é ficar à espera “Noite feliz, noite feliz! O Senhor,
do regresso dos outros membros da Deus de amor, pobrezinho nasceu
tribo. Vocês conhecem, como nós, em Belém! Eis na lapa Jesus, nos-
as profecias a respeito do Mes- so bem. Dorme em paz, ó Jesus!”
sias, mas tu mesmo nos contas- Essa melodia… Misael a
te que muitos não querem acei- conhecia! Quando a escu-
tar a proximidade de sua vinda. tou cantada por aquela voz
Quando os outros voltarem, tu tão suave e aveludada en-
deverás contar-lhes que nós pas- tendeu que tinha diante
samos por aqui e transmitir-lhes a de si o maior dos presentes.
nossa mensagem: a salvação já se E, com timidez, entrea-
encontra entre os homens! briu os lábios para com-
Os olhos de Misael enche- pletar a canção:
ram-se de lágrimas. Sua alma “Noite feliz, noite fe-
inocente se alimentara com a fé liz! Ó Jesus, Deus da luz,
daqueles reis, e agora eles par- quão amável é teu Cora-
tiam deixando-o novamente so- ção, que quiseste nascer
zinho. Mas Melquior continuou: nosso irmão e a nós to-
Ilustrações: Elizabeth Bonyun

— Misael, na nossa ausência, dos salvar!”


contempla o firmamento e lem- Os Reis prometeram
bra-te desta promessa: voltare- voltar e não o fizeram.
mos. Porém, acabaram dando-
Nos dias seguintes, os mora- -lhe um presente muito
dores foram aos poucos chegan- maior do que sua nobre
do para o acampamento. A vida presença: Misael foi visi-
retornou à normalidade. Porém, tado pela Sagrada Famí-
os meses passavam sem que os O varão que acompanhava a nobre Dama lia. Nossa Senhora trou-
Magos do Oriente dessem sinal e o Menino pediu-lhe hospedagem, xera até ele o próprio
de vida. Vendo assim frustradas explicando que viajavam para o Egito Criador dos Reis! ²

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      47


Os Santos de cada dia  ________
1. Solenidade da Santa Mãe de 7. São Raimundo de Penyafort, 14. Beata Afonsa Clerici, virgem
Deus, Maria. presbítero (†1275 Barcelona - (†1930). Religiosa da Congrega-
São Frodoberto, abade Espanha). ção das Irmãs do Preciosíssimo
(†c. 667). Fundador e primei- São Polieucto, mártir Sangue, dedicou sua vida à for-
ro superior da abadia de Mou- (†c. 250). Soldado romano que se mação da juventude em Vercelli,
tier-la-Celle, perto de Troyes, na recusou a sacrificar aos deuses perto de Milão, Itália.
França. durante a perseguição de Décio
15. Santo Arnaldo Janssen, presbí-
e foi por isso morto em Malatya,
2. Santos Basílio Magno (†379 Ca- tero (†1909). Sacerdote alemão,
atual Turquia.
padócia - Turquia) e Gregório fundador da Sociedade do Ver-
Nazianzeno (†c. 389 Capadócia 8. Santo Erardo, Bispo (†707). Na- bo Divino, da congregação das
- Turquia), Bispos e Doutores da tural da Escócia, propagou o Missionárias Servas do Espírito
Igreja. Evangelho em Regensburg, Ale- Santo e a das Servas do Espírito
São Telésforo, Papa e mártir manha, onde exerceu seu minis- Santo da Adoração Perpétua.
(†c. 136). De origem grega, suce- tério episcopal.
16. Santo Honorato, Bispo (†429).
deu ao Papa Sisto I e foi marti- 9. Beata Júlia della Rena, virgem Fundador do célebre mosteiro da
rizado nos tempos do imperador (†1367). Membro da Ordem Ter- ilha de Lerins. Exerceu o episco-
Adriano. ceira de Santo Agostinho, encer- pado em Arles, França.
3. Solenidade da Epifania do rou-se numa estreita cela junto à
17. II Domingo do Tempo Comum.
Senhor. igreja de Certaldo (Itália), para
Santo Antão, abade (†356 Te-
Santíssimo Nome de Jesus. viver em penitência e oração.
baida - Egito).
Santa Genoveva, virgem 10. Batismo do Senhor. Santa Rosalina, virgem
(†c. 500). Por conselho de São Paulo Eremita (†séc. IV). (†1329). Filha de ilustre famí-
São Germano, aos 15 anos Foi um dos primeiros a abraçar a lia francesa, tornou-se priora da
tomou o véu das virgens vida monástica e ascética no de- Cartuxa de Celle-Roubaud, em
consagradas. Confortou os serto do Sinai. Provença, destacando-se por sua
habitantes de Paris aterrados abnegação e austeridade.
pelas incursões dos hunos e 11. Beato Guilherme Carter, már-
socorreu seus concidadãos em tir (†1584). Por ter imprimido 18. Beato André de Peschiera Gre-
tempos de carestia. em sua gráfica um tratado so- go, presbítero (†1485). Religioso
bre o cisma, foi preso, tortura- dominicano que percorreu a pé,
4. Beato Tomás Plumtree, presbíte- do, enforcado e esquartejado em durante muito tempo, toda a re-
ro e mártir (†1570). Executado Londres, durante o reinado de gião dos Alpes italianos, viven-
em Durham, no reinado de Isa- Isabel I. do junto aos pobres e pregando a
bel I da Inglaterra. doutrina católica.
12. Santa Cesária, abadessa (†c.
5. Santo Eduardo o Confessor, rei 529). Irmã do Bispo São Cesário, 19. São Ponciano, mártir (†séc. II).
(†1066). Conseguiu estabelecer que escreveu uma Regra para Morreu traspassado por espa-
a paz na Inglaterra e promoveu a ela e a comunidade do conven- da em Spoleto (Itália), duran-
comunhão com a Sé Apostólica to por ele fundado em Arles, na te a perseguição do imperador
durante seu reinado. França. Antonino.

6. Santo André Bessette, religio- 13. Santo Hilário de Poitiers, Bispo 20. São Fabiano, Papa e mártir
so (†1937). Membro da Congre- e Doutor da Igreja (†367 Poitiers (†250 Roma).
gação da Santa Cruz, exerceu a - França). São Sebastião, mártir
função de porteiro do Colégio São Godofredo, religio- (†séc. IV Roma).
de Nossa Senhora das Neves, em so (†1127). Sendo conde de Santa Maria Cristina da
Montreal, Canadá, e erigiu junto Kappenberg, Alemanha, decidiu Imaculada Conceição, virgem
a ele um eminente santuário de- tomar o hábito premonstratense, (†1906). Fundou em Casória, Itá-
dicado a São José. por influência de São Norberto. lia, a Congregação das Irmãs

48      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


_____________________ Janeiro
­ ítimas Expiatórias de
V mosteiro beneditino
Jesus Sacramentado, da Congregação do
para Adoração Perpé- Calvário, guilhotinada
tua ao Santíssimo Sa- em Angers durante a
cramento e formação Revolução Francesa.
cristã das crianças.
28. São Tomás de
21. Santa Inês, virgem e Aquino, presbítero e
mártir (†séc. III/IV Doutor da Igreja (†1274
Roma). Priverno - Itália).
Beatos João Batis- Beato Julião Mau-
ta Turpin du Cornier noir, presbítero (†1683).
e treze companheiros, Sacerdote da Compa-
presbíteros e márti-
Reprodução

nhia de Jesus que se de-


res (†1794). Decapita- dicou totalmente às mis-
dos em Laval, durante sões populares na região
a Revolução Francesa, de Plévin, França.
por manterem-se fiéis Conversão de São Paulo - Catedral de Sevilha (Espanha)
à Igreja. 29. Santo Afraates,
eremita (†c. 378).
22. São Vicente, diácono e mártir 25. Conversão de São Paulo,
Nascido próximo a Nínive, no
(†304 Valência - Espanha). Apóstolo.
atual Iraque, converteu-se ao
Beato Ladislau Batthyány- Beato Manuel Domingo y Sol, Cristianismo e passou a viver
-Strattmann, pai de família presbítero (†1909). Fundou em como anacoreta em Edessa,
(†1931). Médico oriundo de uma Tortosa, Espanha, a Sociedade Síria.
família principesca húngara, dos Sacerdotes Operários do Co-
atendia gratuitamente os pobres ração de Jesus. 30. Santa Batilde, rainha (†680).
e indigentes no hospital por ele Anglo-saxã de origem, foi captu-
26. Santos Timóteo (Éfeso - Tur-
fundado em Viena, Áustria. rada por piratas e vendida como
quia) e Tito (Creta - Grécia),
escrava na França. Casou-se
23. Santo André Chong Hwa-gyŏng, Bispos.
com o Rei Clóvis II e, no fim da
mártir (†1840). Catequista tor- Santo Agostinho Erlandsson,
vida, retirou-se para a Abadia de
turado e estrangulado na prisão, Bispo (†1188). Arcebispo de Ni-
Chelles, perto de Paris.
durante a perseguição na Coreia. daros (atual Trondheim – No-
ruega), defendeu do poder tem- 31. IV Domingo do Tempo Comum.
24. III Domingo do Tempo Comum.
poral a grei que lhe foi confiada São João Bosco, presbítero
São Francisco de Sales, Bispo
e a fortaleceu com admirável (†1888 Turim - Itália).
e Doutor da Igreja (†1622 Lyon -
diligência.
França). Santo Eusébio, monge (†884).
Beata Paula Gambara Costa, 27. Santa Ângela Merici, virgem Natural da Irlanda, ingressou na
viúva (†1515). Terciária francis- (†1540 Bréscia - Itália). Abadia de São Galo, Suíça, de-
cana de Binaco, Itália, suportou Beata Rosália du Verdier pois se retirou para o Monte São
com paciência a violência de seu de la Sorinière, virgem e Vítor, na Áustria, onde viveu
esposo, levando-o à conversão. mártir (†1794). Religiosa do como eremita. ²

Os Santos do dia, na internet


Acompanhe Os Santos de cada dia em nosso website introduzindo o
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destaque, artigos relacionados e uma galeria de fotos diferente a cada dia

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      49


Onde os Reis Magos uma vez
Elusiva e intrigante como os olhos do beduíno, Petra parece
custodiar, atrás das mudas pedras de suas fachadas, o
segredo da verdadeira identidade dos três Reis Magos.

Gustavo Adolfo Kralj

A
sudeste do Mar Morto, po- melos de portentosa resistência e uma identificam com Petra – “pelo deser-
dem-se avistar ainda hoje secreta habilidade para armazenar to, ao monte de Sião” (16, 1).
as fascinantes ruínas de água, unidos à perícia em se guiarem Indo mais longe nesta ligação, al-
uma cidade talhada na pe- pelas estrelas, tornaram-lhes possível guns autores afirmam que os Reis
dra, que durante séculos permaneceu estabelecer a chamada Rota do incen- Magos foram, na realidade, sacerdo-
oculta no inóspito deserto de Edom. so, que unia o porto de Gaza ao Gol- tes nabateus que uniam o conheci-
Para aceder até ela é preciso percor- fo de Aden e às míticas minas de Sabá mento dos persas à proximidade físi-
rer uma estreita garganta de mil e du- através de dois mil e quatrocentos ca e espiritual com o povo eleito.1
zentos metros de cumprimento, ser- quilômetros de deserto. Qual será a resposta a esse intri-
peando entre paredes rochosas que No transcurso dos séculos, esse gante enigma?
alcançam, em certos pontos, até cen- povo nômade passou a comandar um Seja ela qual for, as chuvas torren-
to e oitenta metros de altura. vasto território. Graças a seus enge- ciais do inverno e os tórridos ventos
Refiro-me a Petra, cidade cons- nhosos sistemas de irrigação, que do deserto ainda não conseguiram
truída pelos nabateus, povo que de- ainda hoje maravilham os estudio- desvanecer a imponência de Petra,
sapareceu nas areias ressequidas do sos, foram eles capazes de edificar a elusiva e intrigante como os olhos do
Oriente tão misteriosamente como magnífica Petra, cuja grandeza per- beduíno. Por trás das mudas pedras
surgiu: de forma semelhante ao re- dura até os nossos dias. de suas fachadas parece habitar o se-
voar da seda levada pelo vento do de- Sem embargo, mais além dos mu- gredo da verdadeira identidade dos
serto ou ao aroma do incenso dima- dos testemunhos de ruínas milena- Reis Magos, esses sábios, astrólogos
nado de um conto de As mil e uma res, a cultura dos nabateus ocupa a e místicos que, guiados por uma es-
noites. atenção dos estudiosos por uma re- trela, um dia chegaram à Judeia para
Enquanto os romanos construíam lação ainda mais enigmática e fasci- adorar o Menino Deus.
práticas estradas, obrigando os po- nante: com os Reis Magos. E, enquanto arqueólogos e aca-
vos por eles dominados a se confor- Terão eles passado por Petra ao dêmicos revelam novos traços do seu
marem negligentemente com as rotas longo do seu intérmino percurso? É passado milenar, a magnificência des-
estabelecidas, os nabateus guiavam muito provável que sim, pois não em sa cidade pode, quiçá, resumir-se em
os seus passos seguindo o movimen- vão diz o profeta Isaías: “Serás invadi- uma frase simples em palavras, mas
to dos astros. da por uma multidão de camelos, pe- densa em conteúdo: Petra, onde os
Navegantes exímios nos mares de los dromedários de Madiã e de Efá; Magos uma vez caminharam… ²
areia, tinham uma incomparável ca- virão todos de Sabá, trazendo ouro e
pacidade de transportar ouro, incen- incenso, e publicando os louvores do 1
Cf. LONGENECKER, Dwight. Mys-
so e mirra para vendê-los e despachá- Senhor” (60, 6). E em outro lugar:
tery of the Magi: The Quest to Identify the
-los a distantes terras como Síria, Egi- “Enviai o cordeiro ao soberano deste Three Wise Men. Washington DC: Reg-
to, Pérsia, Turquia e Roma. Seus ca- país de Selá” –, que muitos estudiosos nery History, 2017.

50      Arautos do Evangelho · Janeiro 2021


caminharam…

A garganta que conduz à cidade Templo de Al Khazneh

Dromedários aguardam os viajantes Antiga porta da cidade

Fotos: Gustavo Kralj

Ruínas do anfiteatro Tumbas localizadas no extremo sul

Janeiro 2021 · Arautos do Evangelho      51


Nossa Senhora de
Auteuil (França)

M eu filho, tenha confiança em


Mim. Eu quero lhe dar o que
você não tem forças para obter. Reze
a Mim, Eu sou sua Mãe.

Plinio Corrêa de Oliveira


Sergio Hollmann

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