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Fevereiro 2021
Ai de vós,
que chamais mal o bem,
e bem o mal
Conheça a Fé Católica
com os
Arautos do Evangelho
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Ano XX, nº 230, Fevereiro 2021
SumáriO
Escrevem os leitores ���������������������������������������� 4 Perfeito modelo de
ISSN 1982-3193 humildade e
submissão
Revista de cultura
e inspiração católica
Látego, pranto ou sorriso? (Editorial) . . . . . . . 5 ...................... 34
publicada por:
Silêncio sinfônico!
Associação Brasileira A voz dos Papas –
Arautos do Evangelho Mais bela, vigorosa
CNPJ: 03.988.329/0001-09
e pura
www.arautos.org.br ...................... 36
........................ 6
Comentário ao Evangelho – Elevada devoção ao
Diretor Responsável:
Mario Luiz Valerio Kühl Os insondáveis planos Sagrado Coração
divinos e os defectivos de Jesus
Conselho de Redação:
critérios humanos
........................ 8 ...................... 40
Severiano Antonio de Oliveira;
Arautos no mundo
Silvia Gabriela Panez; O momento
Marcos Aurelio Chacaliaza C. mais precioso do dia
cumule com sua graça, para que Minha entrega a essa mãe, que é
possam seguir por muito tempo esta tão próxima do Sagrado Coração de
obra de evangelização que desenvol- Jesus e da Virgem Santíssima, é to-
vem, sempre levados pelas mãos de tal, sem reservas, pois confio em que
Maria Santíssima, farol seguro de fi- ela faz por mim até aquilo que não
“Castidade: nosso paraíso interior” delidade a Jesus Cristo, nosso único ouso pedir. Obrigada, minha Nos-
Muito bom o artigo Castidade: Salvador. sa Senhora, por ter concedido a seus
nosso paraíso interior, da Ir. Mariana Eduardo Soto Kloss filhos uma mãe tão bondosa quanto
Morazzani Arráiz. Um abraço desde Santiago – Chile Vós, para nos auxiliar.
o Panamá. Joana Paula Fonseca Assis
Enquanto o lia, tentava encon- Analogia dos Via revistacatolica.com.br
trar uma definição de castidade, par- “Sísaras interiores”
ticularmente aplicada a nossos tem- Muitíssimo interessante a matéria Um encontro renovador
com o Senhor
pos, para entendê-la melhor. Prova- Ninguém se torna grande repentina-
velmente o que mais nos aproximaria mente da Ir. Cristiane Marques e Sil- Belíssima reflexão, o Comentá-
disso seria analisar o conceito de im- va, na edição de novembro passado. rio ao Evangelho da edição de janei-
pureza, isto é, saber o que são os atos A analogia dos “Sísaras interiores” ro último! Levou-me à contemplação
denominados impuros. Um artigo so- fez-me meditar sobre as lutas interio- do encontro de André, João e Pedro
bre esse tema nos ajudaria muito. res, as quedas e o caminho tortuoso com a Pessoa do Senhor Jesus. Um
Rosa Trejos de Montenegro até aqui alcançado única e exclusiva- deleite para minha alma necessitada
Via revistacatolica.org mente através da graça. de um encontro renovador com o Se-
A coragem da mulher, a até então nhor! Louvado seja Nosso Senhor Je-
Maravilhoso artigo, no momento desconhecida Jael, é um exemplo sus Cristo!
mais adequado. Não deixarei de com- de confiança e entrega nas mãos da Tilcia Delgado
bater o demônio para não ofender a Providência e do sobrenatural para Via revistacatolica.org
Deus com a impureza. Deus bendiga realizar grandes feitos. Realmen-
os Arautos do Evangelho! te são nossos pequenos atos, inten- Força e suporte para fazer
ções, entregas e sofrimentos de cada o nosso apostolado
Alfredo Torres Barrera
Via revistacatolica.org dia, com a firme confiança em Nos- Vivemos em nossa fazenda, em
so Senhor e Maria Santíssima, que Canavieiras (BA), e neste mundo,
Igreja de Jesus Cristo: nos farão alcançar o ápice de nossa onde o materialismo impera, ter o pri-
sem mancha nem ruga missão. Avante! vilégio de receber a revista Arautos do
Com tais atos de vandalismo e pro- José Roberto Cruz Rosário Evangelho é uma graça que nos ajuda
fanação dos templos, só se confirma a Via revistacatolica.com.br a participar de uma realidade onde a
presença satânica no coração de mui- espiritualidade e a Fé são os pilares da
tas pessoas, que são os protagonistas Intercessão de Dona Lucilia vida, e nos dá o conforto de ver que
das profecias do próprio Jesus e de Corrêa de Oliveira ainda neste mundo materialista exis-
muitos de seus enviados. É a tenebro- Sim, tão bondosa mãe és, Senho- te uma ilha de profunda fé e esperan-
sa evolução que tem de suceder, para ra Dona Lucilia! Às vezes a imagino ça para a humanidade!
a definitiva nova imagem da Igreja de sentada em meu sofá sorrindo, me es- Ela nos dá a força e o suporte para
Jesus Cristo, chamada a aparecer sem perando para lhe contar algo ou pedir fazer o nosso apostolado, para aju-
mancha nem ruga. seu auxílio, sua intercessão. E quantas dar a levar a esperança a quem so-
Pe. Julio César Gómez L. vezes fui socorrida por ela! fre os efeitos da pobreza material e,
Via revistacatolica.org Lembro-me de algumas situações na maioria das vezes, espiritual! Pa-
que vivi e por pouco não caí, e vejo rabenizamos os nossos irmãos de Fé,
Sempre levados pelas mãos hoje que foi ela… Sim, foi ela quem Arautos do Evangelho, por esta Re-
de Maria Santíssima me segurou, ela quem me amparou! vista santificante!
Agradeço muitíssimo pela Re- E os milagres que ela já intercedeu Guido e Jocelina Pelizzari
vista e peço ao bom Deus que os por minha família?! Canavieiras – BA
O título de “Bom Pastor” foi dos poucos atribuídos a Si pelo próprio Jesus
(cf. Jo 10, 11). De fato, Ele passou o seu percurso terreno “fazendo o bem”
(At 10, 38), até imolar-Se por suas ovelhas.
Mas se Nosso Senhor era tão amável, manso e humilde, por que empregou o lá-
tego para expulsar vendilhões do Templo? Por que vituperou tantas vezes contra fa-
riseus, sacerdotes e anciãos? Enfim, por que censurou a Pedro, chamando-o dura-
mente de “Satanás”? Simples: porque a Bondade encarnada era também a própria
Verdade (cf. Jo 14, 6). Portanto, doa a quem doer, para o triunfo do bem e da verda-
de, o Redentor não poupou o látego, seja ele feito de cordas ou de palavras…
Por vezes, porém, diante da iniquidade, Cristo preferiu Se calar, como na impos-
tura de Pilatos. Em situações extremas, limitou-Se a verter lágrimas ao contemplar
Jerusalém que O recusava, ou no Getsêmani ao lamentar-Se pela infidelidade de
seus discípulos.
Neste fevereiro, comemoram-se quatrocentos anos da aprovação diocesana das
revelações de Nossa Senhora do Bom Sucesso a Madre Mariana de Jesus Torres, em
Quito (Equador). Tal mensagem prenunciava um tempo em que o “mar imundo” de
impureza se alastraria pelas ruas, a inocência infantil praticamente desapareceria e
Número
230
os sacerdotes perderiam a “bússola divina”; contudo, uma pequena grei conserva-
ria a fé. Esse aparente diagnóstico de nossos dias convida-nos a indagar: como seria
o 2021
Fevereir
B em sabeis sem dúvida, ve- mais vigorosa e mais pura, refulgin- Indefectível na santidade
neráveis irmãos, como a do no esplendor das maiores virtudes. da doutrina e das leis
Igreja, apesar de continua- A suma benignidade de Deus con- Realmente, é só por um milagre
mente atribulada, nunca é firma deste modo com novos argu- do poder divino que, tomada entre
deixada por Deus sem alguma con- mentos que a Igreja é uma obra divi- a inundação da corrupção e a fre-
solação. Pois Cristo a ama e a ela Se na; seja porque na prova mais doloro- quente deficiência de seus membros,
dá para santificá-la e apresentá-la a Si sa – a dos erros e dos pecados que se a Igreja, enquanto Corpo Místico de
mesmo toda gloriosa, sem mácula, sem infiltram em seus próprios membros Cristo, pode se manter indefectível
ruga ou qualquer outro defeito, mas – Ele a faz superar o perigo; seja por- na santidade da doutrina, das leis e
santa e irrepreensível (cf. Ef 5, 25-27). que lhe mostra realizada a palavra de sua finalidade, bem como tirar de
de Cristo: “as portas do inferno não suas próprias provações resultados
Deus faz o erro concorrer prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18); frutuosos e, graças à fé e à justiça de
para o triunfo da verdade seja porque comprova de fato a pro- seus filhos, colher copiosíssimos fru-
Assim, a Igreja sente melhor a pro- messa: “Eis que estou convosco to- tos de salvação.
teção divina quando é mais desen- dos os dias, até a consumação dos sé- E não é por um sinal menos cla-
freada a licenciosidade dos costumes, culos” (Mt 28, 20); seja enfim por- ro de sua vida divina que – em meio a
mais feroz o ímpeto da perseguição, que dá testemunho daquela misterio- tantas e tão vergonhosas corrupções
mais ardilosas as ciladas do erro que sa virtude pela qual “outro Paráclito” de opiniões perversas, entre tão nu-
parecem ameaçá-la de extrema ruína, (Jo 14, 16), prometido por Cristo no merosos rebeldes, tantas variedades
a ponto de arrancar de seu seio bom momento de sua Ascensão, nela in- de erros – ela persevera imutável e
número de seus filhos para engolfá- funde continuamente seus dons, a de- constante como coluna e sustentácu-
-los no turbilhão da impiedade e dos fende e consola em todas as tribula- lo da verdade, na profissão da mesma
vícios. Isto porque, queiram ou não ções. É o “Espírito da Verdade, que o doutrina, na comunhão dos mesmos
queiram os maus, Deus faz com que mundo não pode receber, porque não Sacramentos, em sua constituição di-
o próprio erro concorra para o triunfo O vê nem O conhece, mas vós o co- vina, no governo, na moral. […]
da verdade, da qual a Igreja é a guar- nhecereis, porque habitará entre vós
diã vigilante; a corrupção sirva de in- e estará convosco” (cf. Jo 14, 17).
Denominaram-se reformadores,
cremento à santidade, da qual ela é Desta fonte jorram a vida e o vigor
mas eram corruptores
promotora e mestra; a perseguição re- da Igreja; dela jorra também o espí- Essa admirável influência da Di-
sulte numa admirável libertação de rito que a distingue de qualquer ou- vina Providência na obra restaurado-
nossos inimigos. tra sociedade, como ensina o Concí- ra promovida pela Igreja se manifes-
Acontece assim que, quando a lio Ecumênico Vaticano, pelos sinais ta esplendidamente no século que viu
Igreja aparece aos olhos profanos sa- manifestos que a destacam e caracte- surgir, para revigoramento dos bons,
cudida e quase submersa pela mais rizam “como um estandarte levanta- São Carlos Borromeu. Nessa época,
feroz tempestade, ela sai mais bela, do entre as nações”.1 sob o jugo das paixões, o conhecimen-
Reprodução
torizada da Igreja e lisonjeando as eles reformar segundo seus ca-
paixões dos príncipes e das gentes prichos a Fé e a disciplina. E não
mais corrompidas, subvertiam de são melhores as pretensões dos re-
modo quase tirânico sua doutri- formadores modernos contra os
O Papa São Pio X fotografado em 1903 por
na, sua constituição, sua discipli- Francesco De Federicis quais temos de combater, venerá-
na. Em seguida – imitando aqueles veis irmãos. Também esses sub-
ímpios aos quais se dirige a ameaça: vertem a doutrina, as leis, as institui-
“Ai de vós, que chamais mal o bem, ções da Igreja, tendo sempre nos lá-
e bem o mal” (Is 5, 20) – eles chama- bios o brado de cultura e de civiliza-
ram de reforma aquele tumulto de re-
A Igreja sente ção, não porque tomem isto a peito,
belião e aquela perversão da Fé e dos melhor a proteção mas porque com tais imponentes vo-
costumes, e se denominaram refor- cábulos podem mais facilmente ocul-
madores. Na realidade, porém, eram divina quando é tar suas más intenções.
corruptores. […] Quais são, de fato, seus objetivos,
mais desenfreada a seus complôs, e quais as vias que pre-
Renovar-se para discernir
a vontade de Deus licenciosidade dos tendem trilhar? Nenhum de vós os
ignora, e seus desígnios foram já por
De fato, a Igreja, sabendo bem costumes e maior nós denunciados e condenados. Pro-
quanto os sentimentos e os pensa- põem eles uma apostasia universal
mentos do homem são tendentes ao a perseguição da Fé e da disciplina da Igreja; apos-
mal (cf. Gn 8, 21), nunca cessa de tasia pior do que a antiga, a qual pôs
combater os vícios e os erros, para em perigo o século de Carlos Borro-
que seja destruído o corpo do peca- Deus, o que é bom, o que Lhe agrada meu, na medida em que ela serpen-
do e deixemos de ser escravos do pe- e o que é perfeito” (Rm 12, 2). teia mais astuciosamente nas pró-
cado (cf. Rm 6, 6). O filho da Igreja e reformador sin- prias veias da Igreja, e tira mais su-
Nessa luta, como a Igreja é mestra cero nunca se persuade de haver atin- tilmente consequências extremas de
de si mesma, guiada pela graça infun- gido a meta, mas apenas protesta que seus princípios errôneos. ²
dida em nossos corações pelo Espíri- tende para ela, junto com o Apósto-
to Santo, ela adota a regra de pensar lo: “Esquecendo o que fica para trás, Excertos de: SÃO PIO X.
e de agir do Doutor dos Gentios, que lanço-me para o que está à frente. Editæ Sæpe, 26/5/1910 –
recomenda: “Renovai sem cessar o Lanço-me em direção à meta, para Tradução: Arautos do Evangelho
sentimento da vossa alma” (Ef 4, 23); conquistar o prêmio que, do alto,
e “não vos conformeis com este mun- Deus me chama a receber, no Cristo
do, mas transformai-vos pela renova- Jesus” (Fl 3, 13-14).
ção do vosso espírito, para que pos- Daí resulta que nós, unidos com 1
CONCÍLIO VATICANO I. Dei Filius,
sais discernir qual é a vontade de Cristo na Igreja, “cresceremos em c.III.
án
chaves a Pedro -
sti
ba
Catedral de Oloron-
Sainte-Marie (França) Se
a Evangelho A
Naquele tempo, 13 Jesus foi à perguntou: “E vós, quem di- digo que tu és Pedro, e sobre
região de Cesareia de Filipe e zeis que Eu sou?” 16 Simão Pe- esta pedra construirei a mi-
ali perguntou aos seus discípu- dro respondeu: “Tu és o Mes- nha Igreja, e o poder do in-
los: “Quem dizem os homens sias, o Filho do Deus vivo”. ferno nunca poderá vencê-la.
ser o Filho do Homem?” 17
Respondendo, Jesus lhe 19
Eu te darei as chaves do
14
Eles responderam: “Alguns disse: “Feliz és tu, Simão, fi- Reino dos Céus: tudo o que
dizem que é João Batista; ou- lho de Jonas, porque não foi tu ligares na terra será ligado
tros que é Elias; outros ainda, um ser humano que te reve- nos Céus; tudo o que tu des-
que é Jeremias ou algum dos lou isso, mas o meu Pai que ligares na terra será desligado
profetas”. 15 Então Jesus lhes está no Céu. 18 Por isso Eu te nos Céus” (Mt 16, 13-19).
Os insondáveis
planos divinos e
os defectivos critérios
humanos
es
gu
discutido com os saduceus e fa- de algum modo classificar, São Pedro
in
m
Do
riseus, Ele advertira os Após- pois este é o empenho do gê-
vid
tolos sobre a inconveniência Da nero humano diante daquilo foi movido
de aceitar a doutrina desses que constata de novo. Ora, no
guias cegos (cf. Mt 16, 1-12).
São Pedro sentado na sua cátedra
Basílica de São Pedro, Roma caso d’Ele como fazê-lo sem
pelo Espírito
Era preciso separá-los da ve- uma revelação sobrenatural? Santo a
lha Sinagoga, da qual, a justo título, julgavam-se As conclusões enumeradas pelos Apóstolos
membros plenos. Com efeito, a instituição que procediam de meras elucubrações da inteligên- proferir essa
o Divino Mestre iria fundar seria a continuação cia e demais qualidades naturais. São João Batis-
da Antiga Aliança e o cumprimento de todas as ta, por exemplo, havia marcado a história de Is- confissão
profecias, mas ela traria uma tal mudança de cri-
térios e horizontes que se fazia necessário desta-
rael de forma intensíssima. Sendo ele o Precur-
sor, tinham sido derramadas graças especiais a
grandiosa
cá-los da Opinião Pública judaica, a fim de pode- seu respeito e, como morrera pouco tempo an- sobre a qual
rem contemplar o panorama que se descortina- tes, sua lembrança ainda estava viva na mente
ria a seus olhos. de todos, associada ao pressentimento de que seria edificado
Eles seguiam um Homem que, por sua vez, se tratava de alguém muito ligado ao Messias. E
era o próprio Deus Encarnado. Entretanto, não algo semelhante se passava com Elias, Jeremias
o novo templo
tinham uma noção clara a respeito e Nosso Se- ou outros profetas. de Deus: a
nhor desejava que tomassem consciência de tal Chama a atenção, na ingênua resposta dos
realidade. Apóstolos, a visão por demais humana que eles Santa Igreja
Com esse intuito faz-lhes uma pergunta na próprios tinham de Nosso Senhor, tal como
qual aplica a Si um título que ressalta sua nature- o povo que os circundava. Julgavam fazer um
za humana: “Quem dizem os homens ser o Filho grande elogio ao Mestre ao transmitir-Lhe suas
do Homem?” Desde toda a eternidade Nosso hipóteses e, embora soubessem perfeitamen-
Senhor conhecia a resposta, mas, como veremos, te que Jesus não era João Batista, nem Elias ou
ao interrogar os Apóstolos queria adestrá-los Jeremias, compartilhavam a essência daquelas
para que saíssem de seu egoísmo e pensassem afirmações: a ideia de um Homem fora do co-
nos objetivos relacionados com a altíssima voca- mum, é verdade, mas no qual não discerniam o
ção que lhes reservava. aspecto divino.
Em sua defesa, contudo, pode-se alegar que,
Olhando para o Homem, e não para Deus de fato, a existência de um Homem unido hi-
14
Eles responderam: “Alguns dizem que postaticamente à Segunda Pessoa da Santíssima
é João Batista; outros que é Elias; ou- Trindade está tão acima da inteligência humana
e angélica, que sequer um dos espíritos celestes
tros ainda, que é Jeremias ou algum dos conseguiria imaginá-la… Tampouco os Apósto-
profetas”. los, mesmo depois de tudo quanto tinham visto,
poderiam chegar pelo simples raciocínio à con- deuses falsos – como o de Cesareia de Filipe, a
clusão de que o “Filho do Homem” era Deus. cuja sombra estavam –, mas para fazer face ao
Tornava-se indispensável um dom de fé inco- paganismo: o templo do Deus verdadeiro, a San-
mum, que movesse suas almas. ta Igreja Católica Apostólica Romana.
de Deus, não quem dizeis que Eu sou?” és tu, Simão, filho de Jonas, porque não
queiramos Curiosamente, após indagar a respeito do
foi um ser humano que te revelou isso,
mas o meu Pai que está no Céu”.
levá-la “Filho do Homem”, Nosso Senhor acrescenta:
“Quem dizeis que Eu sou”. Em certo sentido, A resposta de Nosso Senhor indica que as pa-
adiante com estas palavras já lhes revela sua verdadeira lavras de São Pedro não procediam de suas capa-
fisionomia, ajudando-os a não errar na resposta, cidades humanas, seja uma inteligência privile-
por meios pois a expressão “Eu sou” – Javé – evocava o ter- giada, uma vontade possante ou um sutil discer-
humanos; mo com que o próprio Deus Se apresentava no nimento. Tratava-se de uma revelação do Pai, e
Antigo Testamento (cf. Ex 3, 14). por isso Ele o declara feliz, isto é, bem-aventura-
cabe a Ele Bem podemos supor que depois dessa per- do. Sem essa revelação, ao constatar que Jesus Se
gunta houve um momento de silêncio, durante o cansava, tinha sono, fome e sede – pois assumi-
dirigir aquilo qual vários dos Apóstolos pensaram: “Bom, nós ra um corpo padecente para sofrer por nós –, São
que Lhe acreditamos que Ele seja um pouquinho mais do Pedro jamais chegaria a semelhante conclusão.
que dizem os outros…” Contudo, isso ainda não Nenhum dos outros Apóstolos nega a confis-
pertence era suficiente… são feita pelo futuro Chefe da Igreja. Certamen-
te todos receberam nesse momento uma graça
Um ímpeto inspirado pelo Alto para aceitar a divindade de Nosso Senhor e des-
Simão Pedro respondeu: “Tu és o
16
tacar-se, por fim, dos conceitos errados de seus
Messias, o Filho do Deus vivo”. contemporâneos.
de seus lábios, nesta ocasião dá uma resposta e sobre esta pedra construirei a minha
acertada e categórica: declara que Nosso Senhor Igreja, e o poder do inferno nunca pode-
é “o Messias, o Filho do Deus vivo”.
Dir-se-ia, à primeira vista, tratar-se de um
rá vencê-la”.
pensamento elaborado com base em suas expe- Desde toda a eternidade, a Segunda Pessoa
riências junto Mestre. Na realidade, porém, ele da Santíssima Trindade desejou erigir a Cátedra
foi claramente movido pelo Espírito Santo a pro- infalível de sua Igreja na pessoa de um homem
ferir essa confissão grandiosa. Sobre ela seria mortal e, apesar de todas as misérias decorren-
edificado um novo templo, não mais para cultuar tes do pecado original, para isso escolheu Pedro
como primeiro Papa e depositário de sua solene ciar a divindade de Jesus, Deus e Homem verda-
promessa. deiro, mistério cuja aceitação só se torna possível Perseguições,
Nosso Senhor empenha o testemunho de sua mediante o dom da fé.
palavra absoluta e o aval de sua onipotência ao apostasias
afirmar que as portas do inferno jamais prevale- III – A Igreja, razão da
cerão contra a Igreja. Refere-Se à pedra visível,
sem conta,
nossa confiança
constituída por Pedro e seus sucessores, e à pe- heresias
dra invisível, Ele próprio, que do Céu sustentará Propositalmente os comentários aos versícu-
seu Corpo Místico. Nada poderá destruí-la, pois los deste Evangelho foram sintéticos, pois em ou- devastado-
se trata de uma instituição divina. tras ocasiões tivemos a oportunidade de apro-
Com efeito, em seus dois mil anos de História fundar seu sentido exegético. No presente artigo, ras… Nada
a Igreja atravessou incólume todo gênero de tem-
pestades, delas saindo sempre mais jovem, bela
será de maior proveito considerarmos alguns en-
sinamentos que a gloriosa cena transcorrida em
conseguiu
e forte. De maneira que, ao constatarmos a cri- Cesareia de Filipe nos traz. destruir a
se da sociedade atual, o crescimento da crimina-
lidade, o completo abandono da moral e tantos
Uma instituição insuperável Igreja, pois
outros horrores que grassam pelo mundo, deve- Nascida do Preciosíssimo Sangue de Nosso
mos acreditar que a Igreja nunca perecerá. Pelo Senhor Jesus Cristo, a Santa Igreja reúne carac-
ela possui
contrário, quanto mais os homens decaírem, tan- terísticas que fazem dela uma instituição inigua- a força do
to mais o poder de Deus refulgirá em sua obra. lável.
L’Osservatore Romano
gue sua fé, sem men-
cionar os martírios que
ainda hoje ocorrem.
Perseguições, apos-
tasias sem conta, he-
resias devastadoras…
Em meio Nada conseguiu des-
Bento XVI recebe Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, na Biblioteca do
Palácio Apostólico, em 26/11/2009
truir a Igreja, pois ela
à confusão possui a força do Onipotente. Eis o segredo da tivista, um João por demais inexperiente ou um
dos nossos perenidade desta obra divina, apesar das defi- Tiago pouco bondoso e propenso à violência
ciências humana; eis a beleza de sua solidez, ape- (cf. Lc 9, 54). Quem garante que não escolhería-
dias, a Igreja sar de todas as misérias. mos um homem cheio de bom senso, equilibrado
e de grande capacidade administrativa chamado
caminha E qual é o nosso papel nessa cena histórica? Judas Iscariotes?
rumo a uma Pois bem, tanta maravilha tem como pilastra Quão falhos resultam os juízos dos homens!
uma pedra frágil: Pedro! Concebido com pecado As escolhas divinas nem sempre coincidem com
plenitude de original, ele possuía, ademais, uma série de im- as nossas. Se uma obra é de Deus, não queira-
perfeições, agravadas por um temperamento im- mos levá-la adiante por meios humanos; cabe a
santidade que pulsivo e inconstante… Ele dirigir aquilo que Lhe pertence.
não podemos Entretanto, o Salvador edifica sua Igreja so-
bre essa pedra. Por quê? A resposta, Ele a con-
Deus nos escolheu para a melhor época
imaginar fiou a São Paulo: “É na fraqueza que se revela to- Dessa Igreja assim constituída, temos a graça
talmente a minha força” (II Cor 12, 9). Tal rea- de ser pedras vivas! Pertencemos ao Corpo Mís-
lidade evidencia quão diferentes são os nossos tico de Cristo enquanto células que participam
critérios dos d’Ele, fazendo-nos lembrar do orá- de todos os benefícios de sua Cabeça: tudo o que
culo dirigido a Isaías: “Meus pensamentos não é de Nosso Senhor se transmite para nós!
são como os vossos pensamentos e vossos cami- Conduzida pela Santíssima Trindade e vivi-
nhos não são como os meus caminhos, diz o Se- ficada por uma “alma” que é o Espírito Santo,
nhor. Estão meus caminhos tão acima dos vossos nada do que acontece na Igreja escapa ao con-
caminhos e meus pensamentos acima dos vossos trole de Deus. Devemos ter fé de que, mesmo em
pensamentos, quanto está o céu acima da terra” meio à confusão que nossas vistas humanas acu-
(55, 8-9). sam em nossos dias, tudo tem seu significado e
Se naquela conversa em Cesareia de Filipe se passa segundo o beneplácito da Providência,
o Divino Mestre Se voltasse para nós e pergun- rumo a uma plenitude que não podemos imagi-
tasse qual dos Apóstolos julgaríamos mais apto nar.
a receber a Cátedra infalível da Igreja que Ele Neste conturbado século XXI assistiremos a
iria fundar, provavelmente nenhum de nós esco- um glorioso prolongamento da História da Igre-
lheria a figura espontânea e um tanto impruden- ja, que será o Reino de Maria. Contudo, ele se
te de Simão Pedro… Percorrendo os Doze, tam- constituirá com “pedras” muito mais miserá-
bém não nos pareceria ideal um Tomé tão posi- veis que Pedro, às quais sequer poderíamos dar
1
Cf. CLÁ DIAS, EP, João 2003); p.6-15; A Pedra Pedro, fundamento do 2
Cf. SÃO TOMÁS DE
Scognamiglio. Pode o Inabalável. In: Arautos Papado. In: Arautos do AQUINO. Suma Teológi-
Papa errar? In: Arautos do Evangelho. São Pau- Evangelho. São Paulo. ca. I, q.102, a.4.
do Evangelho. São Pau- lo. Ano VII. N.78 (jun., Ano XIII. N.152 (ago.,
lo. Ano II. N.14 (fev., 2008); p.12-19; A fé de 2014); p.8-15.
A
s realidades inferiores refle- Nas ocasiões especiais, o esmero na Terminada a refeição, esse conví-
tem sempre outras superio- preparação é indispensável. Imagi- vio se torna ainda mais intenso. Quem
res. Esta foi a regra que re- nemos uma comemoração importan- nunca se serviu do famoso cafezinho
geu a criação do incontável te, como a ceia de Natal, o aniversá- como escusa para, concluída a so-
número de seres saídos das mãos de rio de um familiar ou qualquer outra bremesa, prolongar aprazivelmente a
Deus, os quais são, ao mesmo tempo, efeméride. Pensa-se em tudo com an- conversa? E, em sentido contrário, o
diversos e harmônicos entre si. tecedência: o local da festa, se deve- que pensar de alguém que se retirasse
Isso se passa, por exemplo, com a rá ser um almoço ou jantar, o núme- apressado, logo após ter se alimenta-
perfeita constituição do organismo ro de convidados, o horário de início, do? Difícil será considerar bom ami-
humano, que espelha o Corpo Mís- o cardápio com seus diversos pratos e go a quem não gosta de conviver com
tico de Cristo, a Igreja. Esta sagra- vinhos, etc. os outros e sequer tenta disfarçá-lo…
da instituição, apesar de posterior no Nessas ocasiões solenes, porém,
tempo, constitui o modelo segundo o há algo que se aprecia ainda mais do
Agradável conversa
qual foi criado o nosso corpo. Por as- que o manjar e as iguarias postas à
ao término do Banquete
sim dizer, Deus pensou primeiro no mesa: é o convívio entre os comen- Pela reversibilidade entre as reali-
mais importante. sais, sejam eles parentes ou amigos. dades imateriais e materiais mencio-
Algo similar também acontece nadas acima, as refeições que sabo-
com a alimentação do homem. reamos nesta terra podem nos ajudar
Lúcio César
Reprodução
so claustro. Falai-Lhe por mim, mi- ra o vosso Reino. Porque, minha Mãe,
nha Mãe, e dizei-Lhe tudo quanto eu o que Vos peço mais do que tudo é o
quereria ser capaz de dizer e não o triunfo de vosso Coração Sapiencial e
sou. Adorai-O como eu quereria ado- Imaculado, e a implantação de vosso
Nossa Senhora do Santíssimo
rá-Lo e – oh, dor! – não sou capaz de Reino, em mim e sobre todos os ho- Sacramento – Igreja de São Cláudio e
fazê-lo. Dai-Lhe a ação de graças que mens. Assim seja. Santo André dos Borguinhões, Roma
córdia e justiça, a quem amo imen- fim de que os pecados do mundo se- renova a cada Missa de maneira in-
samente. Preciso agradecer-Lhe por jam reparados. Finalmente, cabe pe- cruenta. Que Ela diga por nós pala-
ter derramado seu amor sobre mim dir tudo o que preciso, as graças ne- vras de afeto à altura de tão digno
ao me criar, ao conceder-me a filia- cessárias para minha santificação e Hóspede, e nos faça, por fim, parti-
ção divina pelo Batismo, ao viver em para aqueles por quem tenho obriga- cipar do sublime e eterno convívio
meu interior pela Comunhão. Estou ção de rezar. entre o Sagrado Coração de Jesus e
obrigado a suplicar o perdão pelos seu Imaculado Coração, modelo da
meus pecados, faltas, ingratidões e
O “segredo” para uma perfeita união de uma alma virtuo-
pelas vezes em que O ofendi; sou me-
boa ação de graças sa com o Santíssimo Sacramento na
recedor do inferno, mas tenho fé em Pedir o auxílio e a intercessão de Comunhão. ²
seu perdão infinito, o qual invoco a Nossa Senhora ao comungar é, sem
dúvida alguma, o “segredo” para se
fazer uma boa ação de graças. 1
Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma
Quem melhor do que Ela saberá Teológica. III, q.65, a.3.
adorar, agradecer e amar a seu Divi- 2
Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teo-
no Filho, e pedir-Lhe aquilo de que logía de la perfección cristiana. Madrid:
BAC, 2018, p.453.
necessitamos? Devemos, pois, re-
correr sempre a Maria Santíssima,
3
Cf. CERIA, SDB, Eugenio. Don Bosco
con Dios. 4.ed. Madrid: CCS, 2001, p.39.
para que inspire em nosso interior
uma forma de ação de graças intei-
4
Cf. GERMÁN DE SAN ESTANISLAO,
CP; BASILIO DE SAN PABLO, CP.
ramente consoante com a realizada
João Paulo Rodrigues
Todos os Santos
foram, não só
pacientes e
conformados no
sofrimento, como
apaixonados
pela cruz
Francisco Lecaros
Francisco Lecaros
Martírio do Beato Nicolau Alberca e companheiros - Igreja de São Francisco, Puebla (México)
Francisco Lecaros
tado para com Deus interiormente, do pecado.
juntavam-se às primeiras para fazer
penitência e reparar suas faltas.
Deus Se toma a
sério a Si próprio
“Aproximai-vos de onde Como manter acesa essa Catedral de Chartres (França);
o perdão vos vem” noção que inúmeras cir- abaixo, vista panorâmica de Albarracín (Espanha)
Assim, quando os sinos começa- cunstâncias procuram desbotar em
vam a tocar nesse dia convocando nós?
a população, os habitantes da cida- Para melhor entendermos a ques- A Igreja estava
de iam saindo de suas casas e se diri- tão vou formular uma pergunta um
giam para a igreja. tanto estranha. O que meus ouvin- tão no centro da
Imaginemos o estado de espíri-
to dos pecadores andando em gru-
tes pensariam de alguém que nos fi-
zesse a seguinte acusação: “Você é
sociedade medieval,
po pela rua ao lado da população um tipo leviano, que não se toma que até os pecadores
inocente enquanto vislumbravam de a sério a si próprio”? A resposta a
longe a fachada da igreja, adornada tal injúria poderia ser uma bofeta- públicos iam no
de Santos e de Anjos, tendo no cen- da! Pois um homem assim não vale
tro uma imagem do Crucificado, ou nada. Tomar‑se a sério é o primeiro
templo na Quarta-
de Nosso Senhor Jesus Cristo aben- passo para alguém conseguir ser al- -Feira de Cinzas
çoando, ou, então, a imagem da Vir- guma coisa na vida.
“Juntos trabalharemos e
Secretário de Estado de São Pio X, o Cardeal Merry del Val
foi escudo, braço direito e amigo íntimo do bem-aventurado
Pontífice, além de valioso instrumento em suas
mãos no governo do Corpo Místico de Cristo.
E
ntre os inúmeros fatos con- xaram-lhe como legado os sangues ir- gham, Arcebispo de Westminster, a
tidos nas Sagradas Escri- landês, inglês, escocês, holandês e, so- continuar os estudos em Roma, para
turas, chama a atenção a bretudo, espanhol, das regiões de An- lá partiu em companhia do pai.
relação singular existen- daluzia, Aragão e Navarra.
te entre Davi e o filho de Saul: “Jôna- Ainda criança, nele despontou
A convite do Papa, ingressa na
tas apegou-se profundamente a Davi; a vocação sacerdotal. Certa vez um
Academia Pontifícia Eclesiástica
amou-o como a si mesmo” (I Sm de seus tios, o padre jesuíta Francis- Ao saber da chegada do embaixa-
18, 1). Tal relacionamento, difícil de co Zulueta, perguntou-lhe o que que- dor Merry del Val e de seu filho à Ci-
ser compreendido pela mentalidade ria ser quando crescesse, recebendo dade Eterna, o Papa Leão XIII ma-
moderna, era todo sobrenatural. Es- como resposta: “Bispo!”1 nifestou o desejo de recebê-los em
tava firmado numa fidelidade ada- Não obstante esse desejo, o jovem audiência. E, já nesse primeiro en-
mantina e no que poderíamos cha- Rafael gostava muito de esportes, contro, deu mostras de grande pre-
mar de vassalagem mútua. como natação e tênis, e inclinava-se à dileção pelo jovem Rafael, convidan-
Algo muito semelhante se passou, vida militar, com preferência pela ar- do-o a estudar na Academia de No-
sem dúvida, na vida do Cardeal Ra- tilharia… Assim, logo se viu diante de bres Eclesiásticos. Essa instituição,
fael Merry del Val, que poderia ser um dilema: que caminho escolher? atualmente chamada Academia Pon-
dividida em “antes de Pio X” e “de- Certo dia, procurando saber se o tifícia Eclesiástica, é a escola diplo-
pois de Pio X”. rapaz realmente queria abraçar as mática do Vaticano, onde se prepa-
vias do sacerdócio, seu pai pergun- ram aqueles que servirão à Santa Sé
O despontar de uma tou-lhe: “Rafael, que farás do espor- nas nunciaturas e demais cargos emi-
grande vocação te, da caça, dos jogos?…” Respon- nentes de representação.
Batizado, como era costume nas deu ele: “Papai, por Deus pode-se e Julgando ser ousado demais o pas-
famílias nobres da época, com um deve-se sacrificar tudo”.2 Com esta so que Leão XIII pedia a um rapaz de
longo nome próprio a invocar a prote- primeira renúncia, estava dado um pouco mais de vinte anos, o embaixa-
ção de numerosos Santos, Rafael Ma- passo decisivo na íngreme escada da dor tentou dissuadir o Pontífice, sem,
ria José Pedro Francisco de Borja Do- santidade. contudo, obter frutos. Em face dos ar-
mingo Geraldo da Santíssima Trin- Tendo em vista a formação sacer- gumentos apresentados, o Papa ape-
dade, mais conhecido como Rafael dotal, aos dezoito anos Rafael ingres- nas respondeu: “Permita-me dizer-
Merry del Val, nasceu em Londres no sou no Ushaw College, na Inglaterra, a -lhe, Senhor Embaixador, que a partir
dia 10 de outubro de 1865. Seus pais fim de cursar Filosofia e ali recebeu as deste momento Rafael não é só filho
– Rafael Carlos Merry del Val e So- ordens menores na primavera de 1885. seu, mas nosso também. E nós deseja-
fía Josefa de Zulueta y Wilcox – dei- Sendo aconselhado pelo Cardeal Vau- mos que ele vá à Academia”.3
Fotos: Reprodução
cerdote da Academia de Nobres Ecle- da Academia de Nobres Eclesiásti-
siásticos – prosseguiu ali seus estudos. cos, onde anos antes fizera seus estu-
Entretanto, a predileção de dos. Aos trinta e cinco anos, Merry
Leão XIII não se deteve nesse ges- del Val se tornará Arcebispo!
to. Dois anos depois, com vinte e Nessa época, escreveu a certo ami-
dois anos de idade Rafael recebeu go uma carta na qual bem transpare- Retrato oficial do Papa São Pio X,
o título de monsenhor, antes mesmo cem sua humildade e despretensão, realizado no dia 9/8/1903; na página
de ser sacerdote, passando a trajar- apesar de tanta glória: “Nada pode- anterior, o Cardeal Merry del Val
fotografado em outubro de 1903
-se como os Bispos, à exceção do so- ria ser tão contrário às minhas aspira-
lidéu, cruz peitoral e anel. ções… Teria pensado que Nosso Se-
A partir de então o juveníssimo nhor faria a graça de chamar-me a Si, com a cabeça entre as mãos e os co-
Mons. Merry del Val empreenderia antes de enviar-me isso…”5 tovelos apoiados num banco de ma-
várias viagens diplomáticas. Também serve como testemunho deira. Enquanto o secretário expli-
dessa atitude de alma a famosa La- ca a situação, as lágrimas correm na
“Nada poderia ser tão contrário dainha da Humildade, escrita em in- face do Cardeal. As únicas palavras
às minhas aspirações…” glês e a ele atribuída. que Dom Merry del Val consegue
Em 1888 ele recebe o diaconato e, pronunciar após explicar que neces-
em seguida, o presbiterato, com vinte
Nem a morte os separará! sita de uma resposta são: “Coragem,
e três anos. Ambas as ordenações são Agosto de 1903. Os cardeais es- Eminência, o Senhor ajudá-lo-á!”6
realizadas pelo Cardeal Lucio Pa- tão reunidos em Roma. Há pouco fa- No dia seguinte pela manhã, 4 de
rocchi, o mesmo que alguns anos an- leceu Leão XIII, a quem tanto deve agosto de 1903, a fumaça branca co-
tes consagrara Mons. Giuseppe Sar- Dom Merry del Val. Escolhido para meça a sair diante de todo o povo
to, futuro São Pio X, como Bispo de secretário e organizador do concla- reunido na Praça de São Pedro, os si-
Mântua. ve, cabe a ele manter relações com os nos repicam e em breve ecoa o anún-
O novo sacerdote espera realizar o Príncipes da Santa Igreja e recolher cio “Habemus Papam!” O Cardeal
seu grande anseio de dedicar-se intei- os seus votos. Giuseppe Sarto havia aceitado o mi-
ramente ao apostolado, assumindo o Após alguns escrutínios, a esco- nistério e escolhido o nome de Pio X.
cuidado de alguma paróquia na Ingla- lha recai sobre o Patriarca de Vene- No mesmo dia à noite, Dom M erry
terra, onde almeja trabalhar pela con- za, Cardeal Giuseppe Sarto. Contu- del Val dirige-se aos aposentos de Sua
versão daqueles que haviam se afas- do, o purpurado reluta em aceitar… E Santidade para colher algumas assina-
tado da Sé de Pedro. Entretanto, lhe o tempo corre. turas e despedir-se, uma vez que ter-
será pedido mais um sacrifício, mais O Cardeal decano dá a Dom minara o seu trabalho de secretário.
um passo na escada da santidade… Merry del Val a incumbência de ir ter No final do despacho, o Santo Padre
Leão XIII deseja que ele continue com o Cardeal Sarto e conseguir uma lhe diz: “Monsenhor, quer abandonar-
na vida diplomática. Para isso, o no- resposta definitiva sobre sua aceita- -me? Não, não! Fique! Ainda não deci-
meia Camareiro Papal e Prelado Do- ção, ou quiçá, recusa do papado. di nada. Ainda não sei o que devo fa-
méstico de Sua Santidade, bem como Dirigindo-se à Capela Paulina, zer. De momento não tenho ninguém.
lhe confia importantes encargos, ele o encontra ajoelhado diante do Fique comigo como Pró-Secretário de
como o de Delegado Pontifício numa quadro da Mãe do Bom Conselho, Estado; depois veremos”.7
Estava consignada
uma amizade que
enfrentaria a dor
da rejeição; estava
firmada uma união
de almas que nem a
morte separaria!
O Papa São Pio X despachando
com seu Secretário de Estado
1
GONZÁLEZ CHAVES, Al- 3
Idem, p.31. nheci de perto. Porto: Civiliza- celona: Juan Flores, 1965,
berto José. Rafael Merry del ção, [s.d.], p.14. p.140.
4
Idem, ibidem.
Val. Madrid: San Pablo, 2004, 7
Idem, p.20. 9
MERRY DEL VAL, op. cit.,
5
Idem, p.42. p.145-146.
p.23. 8
JAVIERRE, José María.
6
MERRY DEL VAL, Rafael. Merry del Val. 2.ed. Bar- 10
JAVIERRE, op. cit., p.581.
2
Idem, p.28. São Pio X: um Santo que eu co-
H
á cerca de dois milênios à lei que Ele mesmo havia criado, e Quem concebera virginalmente
a humanidade encontra- por uma profunda humildade, diri- por obra do Espírito Santo não tinha
va-se pervadida de orgu- giram-Se ao Templo, acompanhados necessidade de se submeter a esse
lho e infidelidades à Lei por São José. rito. Porém, a humildade incompa-
de Deus. Aquele “que ainda não fazia uso rável da Rainha das Virgens levou-
Os gentios seguiam suas práticas da palavra a fim de assemelhar-Se -A a apresentar-Se ao sacerdote jun-
pecaminosas, tendo por lei o amor em tudo aos homens, exceto no pe- to com seu Divino Filho.
a si e o esquecimento dos outros. Os cado (cf. Hb 4, 15), comunicava-Se “Convinha também que a Mãe fos-
judeus, embora possuíssem a luz das continuamente de forma mística com se configurada pela humildade do Fi-
profecias e conhecessem o Deus ver- seus pais. E lhes fizera saber seu de- lho, pois ‘Deus dá sua graça aos hu-
dadeiro, haviam esfriado na expecta- sejo de cumprir em tudo a Lei, para mildes’ (Tg 4, 6)”,2 ensina o Doutor
tiva da vinda de seu Redentor e, con- dar bom exemplo de humildade e de Angélico.
sequentemente, não se esforçavam obediência”.1
em levar uma vida virtuosa. Fiéis à sobrenatural inspiração,
O prêmio de uma inabalável fé
Ignoravam estes, porém, que na Nossa Senhora e seu santo Espo- É nesse momento que se dá o en-
pequena cidade de Belém um no- so tomaram o caminho de Jerusa- contro com o velho Simeão.
bre e Santo Casal já adorava o Deus- lém conduzindo o Divino Infante. O Movido pelo Espírito Santo, ele se
-Bebê que há pouco nascera. Era o Deus-Homem ia passar pela primei- aproxima do jovem casal que portava
Divino Infante que a Santíssima Vir- ra vez naquela cidade que, anos mais a mais preciosa criatura, toma-a nos
gem dera à luz e afagava em seus bra- tarde, percorreria novamente fazen- braços e canta a sua glória: “Este Me-
ços, à espera de completarem-se os do o bem, e atravessaria, por fim, nino está destinado a ser uma causa
quarenta dias necessários para a pu- carregando a Cruz às costas para de queda e de soerguimento para mui-
rificação d’Ela e a apresentação do consumar sua obra de amor. tos homens em Israel, e a ser um sinal
Menino no Templo, conforme orde- Assim, oculta aos olhos humanos, que provocará contradições, a fim de
nava a lei de Moisés. mas servindo de espetáculo aos An- serem revelados os pensamentos de
jos, a Sagrada Família aproximava-se muitos corações” (Lc 2, 34-35). Frá-
“Deus dá sua graça aos humildes” do Templo. Ao chegar junto das mu- gil criança, na aparência sem enten-
Que necessidade havia de o Autor ralhas Maria Santíssima parou à por- der, Nosso Senhor compreendia aque-
da Lei e a Mãe da graça observarem ta, como as outras mães de Israel que le cântico que Ele mesmo inspirara…
os preceitos mosaicos? Certamente não podiam entrar antes de se puri- O sintético da narração des-
nenhuma. Entretanto, por um amor ficarem. se encontro, que ocupa apenas onze
civilização de então?
Por outro lado, as alegres com-
posições instrumentais do fim da
Idade Média, como um Estampie
da Marcha Nupcial de Mendelssohn lodias do Parce Domine ou do Rora- ou um Saltarello, não nos trazem
ouvem-se quase sempre nas cerimô- te convidam à penitência durante a algo daquela vitalidade saltitante e
nias de casamento; ou que a famo- Quaresma e o Advento. E, no Tem- inocente que se rejubilava por sen-
sa Marcia Trionfale da ópera Aida po Pascal, as alegrias da Ressurrei- tir-se próxima de Deus?
de Verdi encerra com frequência os ção se desdobram em jubilosos Ale- Ora, com o passar dos tempos,
árduos anos de estudos nas solenes luias, ao passo que as sublimes notas o desenvolvimento da música foi
formaturas. do Te Deum coroam solenes celebra- exigindo do homem novas técni-
A música, sobretudo, embele- ções de ação de graças. cas, para que através delas se pu-
za e soleniza o culto divino, prepa- desse transmitir outros aspectos
rando as almas para o contato com o
Melodias que resumem do Criador. Uma delas consiste no
mundo sobrenatural. Se prestarmos
graças e estados de espírito uso de um elemento ainda ignora-
atenção nas festividades do calendá- Sejam composições vocais, sejam do pelos medievais e pouquíssimo
rio litúrgico, veremo-nas marcadas instrumentais, a música é também, utilizado em suas composições: o
por uma melodia que resume em si a de forma muito marcante, uma ex- silêncio.
nota característica do tempo. pressão do progresso cultural e es-
Assim, enquanto os acordes sua- piritual dos diferentes povos, refle-
A força simbólica
ves e alcandorados do Puer Natus e tindo de modo muito característico
dos momentos de espera
do Stille Nacht pervadem a atmosfe- seus estados de espírito e sua men- Por incrível que pareça, o si-
ra do Natal, as graves e pausadas me- talidade. lêncio pode produzir harmonias
Com o passar
dos tempos, o
desenvolvimento da
música foi exigindo do
homem novas técnicas,
para transmitir outros
Reprodução
aspectos do Criador
Tão eloquentes
quanto as melodias
de uma orquestra,
esses “silêncios
sinfônicos” são
imagem do modo
Reprodução
de agir de Deus
Leandro Souza
Os momentos de
muda expectativa
despertam nas
almas fiéis a
esperança e
fazem brotar delas
Reprodução
belíssimos atos de fé
do próprio Deus. Em sua alma brotou “Antes mesmo de sa- para aquela Mãe
Shin
o ato de fé e de amor: “A Santa Igre- ber o que ela faria, esta- toda celeste e indi-
Mário
ja Católica Apostólica Romana! Ela é va certo de que o caso zivelmente mais alta e
tudo e vale tudo; e nada se equipara às seria resolvido. mais perfeita do
Sagrado Coração de Jesus pertencente
mil perfeições d’Ela!” Era um ato de a Da. Lucilia; na página anterior, ela que ela. Assim
Enquanto nisso cogitava, voltou o bondade aqui, fotografada em 1912, em Paris nasceu minha
olhar para sua mãe, que estava a seu um ato de mi- devoção a Nossa
lado, e percebeu como a alma dela sericórdia ali, Senhora”. ²
era afim com todo aquele ambiente. um perdão aco- Tal devoção, aliada
Nela viu um reflexo da Santa Igreja, lá, um conselho
o que o levou a compreender e amar mais adiante e à atmosfera de Extraído, com
ainda mais essa divina instituição. uma fina e com-
pleta solução,
recolhimento que pequenas
adaptações, de:
“Prestando atenção
na Salve Regina, entendi
n at u r a l ment e ela mantinha no Dona Lucilia.
com sacrifício Città del
mamãe por inteiro” para ela. Eu saía lar, tornava-o Vaticano-
“Christianus alter Christus”… super enlevado! São Paulo:
Guardadas as infinitas proporções “O afeto de
propício à prece e LEV; Lumen
que separam a criatura do Criador, e mamãe era en- à contemplação Sapientiæ, 2013,
as imensas distâncias de qualquer ho- volvente e está- p.187-191
Moçambique – A TVM, rede pública de televisão, apresentou no seu Jornal da Tarde uma reportagem sobre os
Arautos do Evangelho e sobre o presépio catequético instalado na sua casa em Matola. Coube ao Pe. Santiago
Canals, EP, explicar para os telespectadores o carisma, história e atividades da associação no país.
Fotos: Juan Carlos Villagómez
Equador – No período de Natal, missionários dos Arautos do Evangelho realizaram em bairros da periferia de
Cuenca a campanha “Fé e Caridade”. Cestas básicas, roupas e brinquedos foram distribuídos para mais de
duzentos e cinquenta moradores dessas regiões menos favorecidas.
Fotos: Mateo Collante Rivera
Colômbia – Em parceria com a prefeitura de El Retiro e com a Paróquia do Sagrado Coração de Jesus,
cooperadores dos Arautos distribuíram presentes para as crianças desse município, enquanto os estudantes do
Colégio dos Arautos de Medellín realizaram belos concertos de músicas natalinas.
Espanha – No dia 13 de dezembro, membros dos Arautos acorreram à Basílica de Nossa Senhora do Pilar, em
Saragoça, para participar da tradicional Missa de Ação de Graças e oferecer flores à Santíssima Virgem, em
reconhecimento pelos benefícios recebidos durante o ano.
Vicmary Feliz Gómez
El Salvador – Com o apoio da Fundação El Porvenir de El Salvador, missionários dos Arautos distribuíram
presentes natalinos às crianças da região onde está sendo construída a nova igreja em honra a Nossa Senhora de
Fátima. Para evitar aglomerações, o ato foi realizado em dois momentos diferentes.
asianews.it
nar os corações mais endurecidos”.
Arqueólogos identificam local Atualmente, o horário de abertura
vinculado a São João Batista da capela será de segunda a sexta, das
Escavações recentes realizadas 8h15 até 19h45, por causa das exigên-
por uma equipe húngara nas ruínas cias sanitárias. Assim que for permiti- No Iraque, imagem de Maria é
da fortaleza de Maquero, situadas na do, deverá permanecer sempre aberta, colocada sobre o campanário
Jordânia, trinta e dois quilômetros a durante o dia inteiro. Espanha já conta A igreja sírio-católica de Quara-
sudoeste de Madaba, identificaram com quase setenta locais onde se ado- qosh, no Iraque, findou sua recons-
a sala do trono onde a filha se He- ra perpetuamente a Nosso Senhor Je- trução após ter sido destruída por ata-
rodíades pediu ao Tetrarca Herodes sus Cristo sob as espécies eucarísticas. ques dos jihadistas. A última das ta-
Antipas a cabeça de São João Batis- refas realizadas foi a entronização,
ta (cf. Mt 14, 6-11).
Parlamento polonês sobre o campanário, de uma bela ima-
Construída por volta do ano
recebe relíquias de gem de Nossa Senhora, padroeira
90 a.C., Macheronte foi destruída
São Maximiliano Kolbe desse templo.
pela República Romana trinta e três A pedido de numerosos deputados Quaraqosh foi por muito tem-
anos depois, mas Herodes, o Gran- e senadores, relíquias de São Maximi- po o centro cristão mais importan-
de, a reconstruiu por volta do ano liano Maria Kolbe foram transferidas te da planície de Nínive. No verão de
30 a.C. As pesquisas arqueológicas à capela do parlamento da Polônia, no 2014, o Estado Islâmico invadiu a ci-
começaram no local em 1983, mas último dia 17 de dezembro. Elas fo- dade, incendiou a igreja, arrasou os
a área em que se encontra a sala do ram doadas pelo provincial dos fran- símbolos cristãos e detonou a torre
trono havia permanecido inexplora- ciscanos, Fr. Grzegorz Bartosik, e re- dos sinos. Só agora foi possível fina-
da até o presente. cebidas pela senadora Elżbieta Witek, lizar a obra de reconstrução.
O colar de cristal
H
á muito tempo atrás, num Abençoando-a, encomendou-a a brarei nada, mas dá-me em troca teu
modesto povoado da Ba- uma caravana de bons aldeões com colar.
viera, vivia a senhora As- os quais partiu. Vendo que Rebeca ficou um tanto
sunta. Ao nascer-lhe a Ao chegar na cidade, Rebeca viu receosa e pensativa, a senhora conti-
primeira filha, ela teve uma imen- aquela multidão de gente indo de nuou:
sa alegria, mas também uma grande um lado para o outro, encantou-se e — O cristal que levas pendura-
tristeza: a menina nascera cega. logo começou a percorrer as várias do no pescoço não tem grande valor;
Muito aflita, recorreu com grande bancas do mercado. Havia de tudo: meus tecidos, sim. Com eles poderás
piedade a Nossa Senhora, e no dia do desde doces simples e saborosos até fazer belos vestidos para vender, ou
batismo de Rebeca, um milagre acon- joias caras. Ao se deparar com uma até para usares tu mesma. Em nada
teceu: a menina passou a ver! Naquele senhora de idade avançada que ven- sairás prejudicada com a troca, pelo
instante, apareceu também pendura- dia muitos tipos de tecidos, pergun- contrário…
do no pescoço da pequena um límpi- tou-lhe de onde vinham, ao que a ela Fascinada pela proposta, imagi-
do cristal. Todos compreenderam ser respondeu: nando-se reconhecida e admirada
símbolo do milagre que o Céu quisera — Vejo que tens um grande inte- por todos, Rebeca pensou:
dar à menina como presente. resse por eles. Como é o teu nome, — É verdade. Em nada sairei pre-
Os anos se passaram. Da. Assun- menina? judicada; pelo contrário: lucrarei, e
ta dedicava-se ao cultivo do campo — Rebeca. muito. Que boba eu sou! Por que tan-
para a manter a família, mas aos pou- — Oh, lindo nome… Onde está to apreço por um pedaço de vidro?
cos sua saúde foi ficando fraca. Re- tua mãe? És muito nova para andar Entretanto, ainda hesitava:
beca, então, aprendeu a remendar, desacompanhada pela cidade. — Mamãe sempre me lembra que
costurar e bordar com perfeição, a — Minha mãe não veio, senhora, nasci cega e vejo por causa desse co-
fim de poder colaborar com as des- estou sozinha; mas já sou muito res- lar, mas será realmente assim? Talvez
pesas da família. ponsável. Vim para vender os meus ela diga isso para que tome cuidado e
Certo dia, precisou ir à cidade para bordados. A senhora quer vê-los? não o perca… Porém já cresci e não
vender seus bordados e demais traba- A mulher assentiu com um sorriso preciso mais dele. Se o vender farei
lhos sem que sua mãe, muito adoenta- malicioso e ao contemplar os esme- um bom negócio. Adeus, cristal!
da, pudesse acompanhá-la. rados trabalhos de Rebeca, disse-lhe: Com mãos trêmulas, a menina re-
— Minha filha, tome cuidado – — Hum… Vejo que tens talento. tirou o colar do pescoço e entregou-
disse-lhe Assunta antes de partir. E Mas podes ficar com tua mercadoria -o àquela mulher. Quando ia se afas-
lembre-se: diante de qualquer difi- e vendê-la a outra pessoa. Eu vou te tando, satisfeita com os lindos tecidos
culdade recorra a Nossa Senhora. Ela fazer uma proposta diferente: esco- que escolhera, seus olhos começaram
sempre estará ao seu lado! lhe dois dos meus tecidos e não te co- a arder. Mas ela não deu importância
O
s versículos das Sagradas A Lei ordenava aos casais mais po- santos. A rola simboliza as lágrimas
Escrituras, sempre sucin- bres oferecerem ao menos “um par de ocultas das orações; a pomba, viven-
tos, possuem um oceano rolas ou dois pombinhos” (Lc 2, 24) do em bandos, figura as orações pú-
de significados dentro do como sacrifício ao Senhor. E não é blicas da Igreja.
qual podemos mergulhar para co- por acaso que estas duas aves estavam Ora, São Lucas não diz no seu
nhecer as grandiosas maravilhas en- prescritas. Evangelho se foram rolas ou pombi-
cerradas em tão poucas palavras. São Cirilo explica que a rola é a nhos os animais oferecidos ao Senhor
Essa característica a encontra- mais loquaz dentre elas e a pomba a pela Sagrada Família… Dessa forma,
mos de um modo todo especial nos mais mansa.1 Nosso Senhor quis sim- segundo São Beda, o Espírito Santo
trechos que descrevem a vida da Sa- bolizar assim que Ele praticaria nes- deixa insinuado que não se deve dar
grada Família. As imensas realida- ta terra a mais perfeita mansidão preferência à vida contemplativa so-
des sobrenaturais neles contidas e faria ressoar sua voz harmoniosa bre a ativa, ou vice-versa, posto que
serviram de base e inspiração para para atrair o mundo ao seu Coração ambas agradam a Deus e por elas de-
numerosos autores do mais alto qui- misericordioso. vemos todos seguir.5
late porem por escrito o que a graça São Beda, por sua vez, reflete so- Levemos em conta, porém, que as
lhes falou à alma. bre as virtudes que estas aves repre- rolas ou pombinhos oferecidos pelo
Se juntássemos tudo o que foi re- sentam: a pomba, a simplicidade; a Menino Jesus, antes de serem entre-
latado por eles ao longo dos tempos, rola, a castidade.2 Se a rola, porventu- gues nas mãos do sacerdote, repousa-
quantas bibliotecas seriam preenchi- ra, vier a perder seu par, não irá à pro- vam nas mãos do Patriarca São José
das! Notemos, entretanto, que mui- cura de outro. Já em seus primeiros e eram contemplados pelo sereno
to ainda poderá ser explicitado pelos dias Cristo desejou manifestar pre- olhar da Virgem Maria. Isso nos con-
séculos vindouros, pois no referente à dileção pela virtude da pureza, por vida a anelarmos viver sempre sob a
vida de Jesus entre nós “nem o mundo meio destes dois animaizinhos. custódia e o amparo desse santíssi-
inteiro poderia conter os livros que se Outro belo simbolismo está no fato mo casal, pois assim nossa existência
deveriam escrever” (Jo 21, 25). de que, sendo a pomba gregária, re- será, embora pobre em méritos e vir-
Estando no mês de fevereiro, uma presenta a vida ativa, enquanto a rola, tudes, uma agradabilíssima oferta de
passagem chama especialmente a por viver sozinha, evoca a contempla- adoração e louvor. ²
nossa atenção: o relato da Apresen- ção. Mas este isolamento, acrescido da
tação do Menino Jesus no Templo e sua loquacidade, torna-a imagem da 1
Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena
a Purificação de Maria, presente no pregação e da confissão da fé.3 Ambas Aurea. In Lucam, c.II, v.22-24.
Evangelho de São Lucas. Os comen- as vias foram praticadas pelo Salvador 2
Cf. Idem, ibidem.
taristas tecem belíssimas pondera- e conduzem, cada uma a seu modo, à 3
Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma
ções sobre o acontecimento analisan- santificação dos homens. Teológica. III, q.37, a.3, ad 4.
do-lhe os mais diversos aspectos, mas São Beda4 ressalta ainda que esses 4
Cf. Idem, ibidem.
neste artigo nos deteremos somente dois animais, por seu hábito de arru- 5
Cf. TOMÁS DE AQUINO. Catena Au-
num detalhe cheio de significado. lhar, exprimem os prantos atuais dos rea, op. cit.
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Ted Rabbitts (CC by 2.0)
(CC by-sa 3.0)
(CC by 2.0)
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Acima: 1. Apresentação do Menino Jesus no Templo - Universidade Nossa Senhora do Lago, San Antonio (EUA);
2 e 4. Rolas-comuns (Streptopelia turtur) fotografadas em Israel e na Inglaterra; 3. Pomba branca fotografada na Inglaterra.
Na página anterior, detalhe de um vitral da Capela de Nossa Senhora do Bom Socorro, Montreal (Canadá)