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Fevereiro 2023
“Pedro, tu Me amas?”
N
www.reconquista.arautos.org
o mês em que a Igreja comemora a festa da Cátedra de Pedro, nada melhor do que
conhecer os tesouros da Fé Católica ensinados ao longo dos séculos pelos Papas,
a partir do trono ocupado por São Pedro. Eles são faróis que nos orientam nesta vida, a
caminho do Céu.
Na Plataforma Reconquista, o espaço de formação on-line dos Arautos do Evangelho,
você pode percorrer esse caminho de conhecimento amoroso, através de vários cursos que
ensinam, de forma simples e didática, a doutrina infalível da Santa Igreja.
São diversas aulas sobre a prática da Fé no dia a dia, o significado e a importância dos
Sacramentos e da vida de oração, a História da Igreja, a devoção a Nossa Senhora e muito
mais. Lá você encontrará as mais importantes lições emanadas da Cátedra de
São Pedro, apresentadas de forma atraente, adaptadas às novas gerações.
Faça parte desta iniciativa e venha se maravilhar com os tesouros pouco
conhecidos da nossa Fé.
Conselho de Redação: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 40
Severiano Antonio de Oliveira;
A propósito do falecimento Arautos no mundo
Silvia Gabriela Panez;
Marcos Aurelio Chacaliaza C. de Bento XVI – O primeiro
e o último Papa
Administração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 14 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 42
Rua Diogo de Brito, 41
02460-110 - São Paulo - SP Trajetória fulgurante de Aconteceu na Igreja e
admrevista@arautos.org.br um Papa histórico no mundo
Assinatura e . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 18 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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atendimento ao assinante:
Sobre a pedra que é Pedro História para crianças... –
(11) 2971-9050 A ovelha, o porco e
(nos dias úteis, de 8 às 17:00h) a lama
Assinatura e Participação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 20 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Assinante (anual): .............. R$ 204,00 únicos
Amor sempre crescente Os Santos de
Participante (por tempo indeterminado):
pela Igreja cada dia
Colaborador.................... R$ 40,00 mensais
Benfeitor......................... R$ 50,00 mensais
Grande Benfeitor............ R$ 60,00 mensais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 24 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Exemplar avulso................ R$ 17,00
Santa Valburga – Alma Vox prophetica
Os artigos desta revista poderão ser sempre fiel à vontade
reproduzidos, desde que se indique a fonte
divina
e se envie cópia à Redação. O conteúdo das
matérias assinadas é da responsabilidade
dos respectivos autores.
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Múnus divino
em mãos humanas
No ministério de Pedro se revela, por um lado, a debilidade do que é
próprio do homem, mas ao mesmo tempo também a força de Deus:
precisamente na debilidade dos homens o Senhor manifesta a sua força.
“ T
u és Pedro, e sobre esta tes e dos doutores da Lei, ser mor- qualifica-se como “testemunha dos
pedra edificarei a mi- to e, ao terceiro dia, ressuscitar” sofrimentos de Cristo e partícipe da
nha Igreja” (Mt 16, 18). (Mt 16, 21). glória que deve manifestar-se” (5, 1).
O que diz exatamente
o Senhor a Pedro com estas palavras?
Cristo é vitorioso na
Igreja sofredora
Que promessa lhe faz com elas e que Cristo permanece
encargo lhe confia? E o que diz a nós, Para a Igreja, a Sexta-Feira Santa e
ao Bispo de Roma, que está na Cátedra na sua barca, a Páscoa existem sempre juntas; ela é
de Pedro, e à Igreja de hoje? sempre tanto o grão de mostarda como
Se quisermos compreender o sig-
a barca da Igreja; a árvore entre cujos ramos os pássa-
nificado das palavras de Jesus, é útil também hoje Ele ros do céu fazem o ninho. A Igreja, e
recordar-se de que os Evangelhos nos nela Cristo, sofre hoje também. Nela,
narram três situações diversas nas ordena às águas e Cristo é sempre escarnecido de novo
quais o Senhor, sempre de um modo e atingido; sempre de novo se procura
particular, transmite a Pedro a tarefa mostra-Se o Senhor pô-Lo fora do mundo. Sempre de novo
que lhe competirá. […] dos elementos a pequena barca da Igreja é abalada
pelo vento das ideologias, que com as
Cruz e glória: realidades suas águas penetram nela e parecem
inseparáveis Os dois aspectos caminham jun- condená-la a afundar.
[No Evangelho de São Mateus] a tos e determinam o lugar interior da E, contudo, precisamente na Igreja
promessa é feita perto das fontes do primazia, mais ainda, da Igreja em sofredora Cristo é vitorioso. Apesar de
Jordão, na fronteira da terra judaica, geral: continuamente o Senhor está tudo, a fé n’Ele retoma força sempre de
no confim com o mundo pagão. O a caminho da cruz, da humilhação novo. Também hoje o Senhor ordena
momento da promessa marca uma do Servo de Deus sofredor e morto, às águas e demonstra-se o Senhor dos
viragem decisiva no caminho de mas ao mesmo tempo está também elementos. Ele permanece na sua bar-
Jesus: agora o Senhor encaminha-se sempre a caminho da vastidão do ca, na barca da Igreja. Assim também
para Jerusalém e, pela primeira vez, mundo, na qual Ele nos precede como no ministério de Pedro revela-se, por
diz aos discípulos que este caminho Ressuscitado, para que resplandeça um lado, a debilidade do que é pró-
para a Cidade Santa é o caminho no mundo a luz da sua Palavra e a prio do homem, mas ao mesmo tempo
da cruz: “A partir desse momento, presença do seu amor; está a cami- também a força de Deus: precisamente
Jesus Cristo começou a fazer ver nho para que através d’Ele, de Cristo na debilidade dos homens o Senhor
aos seus discípulos que tinha de ir crucificado e ressuscitado, o próprio manifesta a sua força; demonstra que
a Jerusalém e sofrer muito, da par- Deus chegue ao mundo. Neste sen- é Ele mesmo quem constrói, através de
te dos anciãos, dos sumos sacerdo- tido, Pedro, na sua primeira carta, homens débeis, a sua Igreja.
“Deixai-vos reconciliar
com Deus!”
A Liturgia de hoje nos apresenta um decisivo embate entre os
embaixadores de Cristo e os do demônio, que tem por campo
de batalha a sociedade atual e cada alma em particular. Por
qual dos lados optaremos nesta Quaresma que se inicia?
para exortar à mudança de rumos. Pode-se cons- A Liturgia ainda nos oferece o exemplo de um
tatar nas Escrituras quantas vezes a advertência se dos mais admiráveis conversos do Antigo Testa- Quantos
cumpriu porque, ignorando a voz do embaixador mento: Davi, que atendeu à repreensão de outro
divino, os judeus omitiram as obras de conversão. embaixador de Deus, o profeta Natã, e se emen- castigos se
Para deter a punição bastava, entretanto, adotar a dou. O Salmo 50, conhecido como Miserere e abateram
via de penitência proposta: “Voltai para Mim com composto por ele para pedir perdão a Deus pelos
todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e ge- pecados de adultério e homicídio que havia come- sobre o povo
midos” (Jl 2, 12). Quando há consciência clara do tido, reflete a perfeita postura da alma contrita:
pecado, arrependimento e pedido de perdão, o Se- “Criai em mim um coração que seja puro, dai-me eleito por não
nhor, que é a Misericórdia, está disposto a voltar de novo um espírito decidido” (50, 12). Como é trilharem
atrás em suas ameaças e esquecer as faltas cometi- bela a história de uma pessoa que ouviu a voz dos
das. E o faz inclusive em atenção à sua própria gló- profetas e corrigiu sua vida! Seu nome, longe de se os caminhos
ria, pois sua herança – que no Novo Testamento é a tornar sinal de ignomínia, converte-se num título
Santa Igreja – poderia sofrer infâmia ao afirmarem de glória: Rei Davi, antepassado do Messias! indicados pelo
os ímpios: “Onde está o Deus deles?” (Jl 2, 17).
Vemos então que na penitência se encontra a
Embaixador de Cristo entre os homens embaixador
solução para muitos dos problemas que assolam Tal como se passava na Antiga Aliança, no divino!
nossas vidas. Mesmo porque Deus não somen- Novo Testamento o Apóstolo São Paulo se apre-
te perdoa aqueles que se convertem, como lhes senta como embaixador de Deus, desta vez feito
concede dons novos para operar uma verdadeira Homem: Nosso Senhor Jesus Cristo. À luz do
restauração em suas almas. Quando os passos di- mistério da Redenção, essa missão adquire ou-
vinos se apressarem e ouvirmos o rumor do cas- tros fulgores, como nos mostra a segunda leitu-
tigo que vem chegando, peçamos, pois, perdão ao ra: “Irmãos, somos embaixadores de Cristo, e é
Senhor de coração aberto à correção. Deus mesmo que exorta através de nós. Em nome
Reprodução
Há quem afirme ter sido ele o último Pontífice de uma época que se
foi. Muitos o consideram o tutor da Tradição num período de rupturas.
Poucos ousam negar que sua vida marcou a transição de uma era antiga
para uma nova, no mundo e na Igreja. Afinal, quem foi Bento XVI?
õ Humberto Luís Goedert
estava vacante! Mas nada haveria anos, até o seu fechamento pelos
de se temer, pois o Divino Mestre nazistas e a expulsão dos estu-
constituíra sua Igreja sobre rocha dantes para casa. Apesar da saúde
firme. Dela emanaria uma coorte débil e sua oposição ao regime
de sucessores do primeiro Papa hitlerista, foi obrigado ao serviço
que, um após outro, transmitiria o Da rocha sobre a qual Cristo constituíra sua militar. Nas situações mais ad-
poder das chaves até a atualidade. Igreja, emanaria uma coorte de sucessores do versas, sentia a presença de um
O derradeiro dia de 2022 as- primeiro Papa, que transmitiriam o poder das “Anjo especial”1 que o protegia,
chaves até a atualidade
sistiu à mais recente morte de um à maneira daquele que libertou
Pontífice. Bento XVI não seguiu “Martírio de São Pedro”, por Pedro Sierra - Museu Pedro da prisão (cf. At 12, 7-11).
Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona (Espanha);
seu mais antigo predecessor no acima, fachada da Basílica de São Pedro durante a Mesmo perseguido em razão
martírio, mas quis ecoar a respos- Missa fúnebre de Bento XVI de seu desejo de abraçar o sa-
no meio da tempestade to XVI seria, nesse sentido, verdadei- No dia 11 de fevereiro de 2013, um
Quando os cento e quinze Carde- ro Pontífice, isto é, “ponte” entre dois raio em céu sereno cravou-se sobre
ais se reuniram em conclave no dia 18 mundos, como ele mesmo se retratou: a cúpula da Basílica de São Pedro.
de abril de 2005, raras vozes arrisca- “Já não pertenço ao mundo antigo, Bento XVI seria o primeiro Papa
vam apostar que o Cardeal Ratzinger mas tampouco existe o novo ainda”.7 dos tempos modernos a renunciar ao
seria eleito Papa, após apenas quatro De fato, durante o seu papado, múnus petrino. Até os Céus estavam
escrutínios. Por razões bem diferen- uma nova geração nasceu com os surpresos com a decisão!
tes, também poucos sugeririam que o dispositivos eletrônicos nas mãos. É inegável que esse ato determinou
iletrado e indouto Pedro (cf. At 4, 13), A Revolução alargou seus passos, uma nova fase na vida de Bento XVI,
pescador do Mar da Galileia, poderia promovendo a secularização, a dis- à maneira das negações de Pedro. Não
ser alçado à mais alta dignidade da solução familiar e um modo de viver estamos a induzir que a renúncia ao
1
RATZINGER, Joseph. Aus 4
Cf. RATZINGER, Rapporto 7
Idem, ibidem. lução. 5.ed. São Paulo: Retor-
meinem Leben. Erinnerungen. sulla fede, op. cit., p.20-21. 8
Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, narei, 2002, p.204.
München: DVA, 1998, p.41. 5
Cf. BENTO XVI. Audiência Plinio. Tribalismo indígena, 10
Cf. DREHER, Rod. The Be-
2
Cf. RATZINGER, Joseph. Ra- geral, 27/4/2005. ideal comuno-missionário para nedict Option. A Strategy for
pporto sulla fede. Roma: Paoli- o Brasil no século XXI. São Christians in a Post-Chris-
6
BENTO XVI; SEEWALD, Pe-
ne, 1985, p.28. Paulo: Vera Cruz, 1977. tian Nation. New York: Senti-
ter. Benedicto XVI. Últimas
nel, 2017.
3
BENTO XVI. Encontro com o conversaciones con Peter Se- 9
CORRÊA DE OLIVEIRA, Pli-
clero de Roma, 14/2/2013. ewald. Bilbao: Mensajero, nio. Revolução e Contra-Revo- 11
PASCAL, Blaise. Lettre du fin
2016, p.195. de octobre 1656 a Charlotte
T
eólogo admirável, diploma- Apesar das dificuldades ocasio- nomeado Arcebispo de Munique, re-
ta perspicaz, eclesiástico nadas pela Segunda Guerra Mundial cebeu a ordenação episcopal em 28
influentíssimo: tais são al- – durante a qual teve de servir no de maio de 1977 e, um mês depois, foi
guns dos atributos daquele exército alemão –, pôde realizar seus criado Cardeal pelo Papa Paulo VI.
que há pouco deixou esta vida, o Papa estudos, sendo finalmente ordenado Em fevereiro de 1982, o novo pur-
Bento XVI. Dificilmente alguém po- sacerdote em 29 de junho de 1951. purado mudou-se para Roma. Exer-
deria cumprir com mais propriedade ceria ali não o governo sobre uma
todos os requisitos para desempenhar o
Influente perito no diocese, mas uma eficaz ascendên-
encargo de Sumo Pontífice em nossos Concílio Vaticano II cia sobre a Igreja Universal, enquan-
dias do que Joseph Ratzinger; e creio Ratzinger não tardou a se destacar to Prefeito da Congregação para a
serem raros os que ousariam negá-lo. como homem eminentemente instru- Doutrina da Fé.
Entretanto, se é verdade que ele ído, exercendo o ofício de professor Agora vemos Ratzinger, com sua
possuiu tais predicados, também é em 1952 e obtendo, já em 1953, o dou- boina e maleta, atravessando todos
real que os adquiriu ao longo de uma torado em Teologia. os dias a Praça de São Pedro rumo
extensíssima trajetória de experiên- Não foi à toa que, por ocasião ao seu escritório, onde passa toda a
cias que formaram essa personalida- do Concílio Vaticano II, o Cardeal jornada – inclusive durante feriados
de tão impactante quanto discreta. Joseph Frings, Arcebispo de Colônia, – em intensos trabalhos: lê incansa-
Portanto, para entender mais a fundo o convocou como seu conselheiro te- velmente inúmeras obras, sempre na
a figura de Bento XVI, nada melhor ológico particular, a fim de elaborar língua original; prepara documentos
do que analisar sua vida. os esquemas a serem lidos nas ses- da congregação; julga delitos gra-
sões conciliares. ves; toma contato com textos sigi-
Nasce na Baviera um menino De tal maneira reluziu sua capaci- losos, como o da mensagem de Fá-
destinado ao sacerdócio dade intelectual, que logo o sacerdote tima, “a mais profética das aparições
Joseph Ratzinger nasceu a 16 de bávaro se tornou um dos peritos da modernas”.1
abril de 1927, em uma modesta famí- magna assembleia, exercendo gran- Sua firmeza doutrinária – que lhe
lia do vilarejo bávaro de Marktl am díssima influência no seu desenvol- valeu dos seus desafetos o epíteto de
Inn, num ambiente de muita alegria vimento. Panzerkardinal, numa alusão aos tan-
e religiosidade. Tal circunstância o ques de guerra alemães –, conferiu-lhe
auxiliou a arraigar sua fé, produzindo
O guardião do depósito da Fé cada vez mais destaque no corpo ecle-
nele verdadeiros encantos em relação Entretanto, Ratzinger não estava siástico, sendo reconhecido unanime-
à Igreja, os quais despertaram muito destinado a permanecer como mero mente como o braço direito de João
cedo em sua alma o desejo de se tor- erudito. Sua atuação na Igreja esten- Paulo II, sobretudo na última década
nar sacerdote. der-se-ia a um âmbito mais pastoral: do seu pontificado. Com a morte do
Fotos: Reprodução
foi o mais votado para sucedê-lo. que todos se indagavam sobre o futuro
da Igreja após a renúncia.
“Habemus papam!” Certamente Bento XVI ponderou
Poucas vezes a Praça de São Pedro com vagar as consequências daquele
foi palco de maiores manifestações ato antes de concretizá-lo. Logo após
de entusiasmo do que naquele 19 de sua eleição, afirmara ser necessário
abril de 2005, quando se anunciou a cada um estar ciente de que um dia
eleição de Joseph Ratzinger – a par- prestaria contas ao Supremo Juiz por
tir de então, Bento XVI – como 265º tudo quanto fez ou omitiu pela unida-
sucessor de São Pedro. Ele escolheu de plena e visível de seus discípulos.3
para seu brasão pontifical a mesma Nesse estado de espírito inaugurou
frase do episcopal, indicando sua seu pontificado, nele haveria de en-
meta enquanto pastor: “Cooperato- cerrá-lo, e nele entraria no silêncio e
res veritatis – Cooperadores da ver- no recolhimento, como a semente que
dade” (III Jo 1, 8). penetra no seio da terra. O Vigário
Como atuaria enquanto Papa aque- de Cristo tornou-se, desse modo, um
A
tecnologia tem feito pro- tos, porém, em que o cerne da luta se cedendo-lhe direta e imediatamente
gressos assombrosos no estende até o coração de Pedro, e os um primado de verdadeira e própria
campo dos armamentos ao inimigos procuram fazê-lo palpitar jurisdição, e não apenas honorífico.2
longo das últimas décadas. contra a própria instituição que deve- Em virtude de seu cargo como repre-
Inovações do gênero noticiam-se com ria proteger. Nessas condições, o que sentante de Cristo e pastor da Igreja,
frequência, ainda mais a propósito do podem fazer por ele os fiéis que mili- o Sumo Pontífice tem poder supre-
ameaçador conflito na Ucrânia. O po- tam na terra? mo e universal sobre toda a institui-
derio bélico de uma nação, contudo, Remontemo-nos às origens da mis- ção.3
não pode limitar-se à mera produção são do Sumo Pontífice, para melhor Mas o primado de Pedro, cujo re-
e armazenamento de armas. Como é responder a essa pergunta. conhecimento e submissão são neces-
praxe nas guerras, cada partido pro- sários para a salvação,4 exerce-se em
cura apropriar-se do arsenal inimi-
Quem é Pedro? harmonia com a constituição colegial
go, estudá-lo e usá-lo contra o antigo Ao longo dos séculos, elaboraram- da Igreja, quer dizer, com os Bispos do
detentor. -se expressões muito singulares para mundo inteiro que estão unidos a ele.
De modo análogo, desde as suas se referir ao primeiro Papa. Entre ou- Trata-se, portanto, de um primado de
origens, o Papado foi uma instituição tras denominações que remontam a comunhão.5 Nosso Senhor Jesus Cris-
ferozmente combatida por homens e tempos longínquos, encontramos es- to, afinal, é quem governa sua Esposa
demônios. Claro está, nesse embate tas: “Príncipe dos Santos Apóstolos”, Mística por meio do Papa e dos legíti-
já há um vencedor, pois as portas do “corifeu de seu coro”, “boca de todos mos pastores.6 Assim, não condiz com
inferno jamais prevalecerão contra a os Apóstolos”, “vértice da Igreja”.1 o desempenho dessa autoridade um
Igreja (cf. Mt 16, 18). Existem momen- Como salientou o Papa Leão XIII, regime tirânico e totalitário.
esses títulos preconizam brilhante- O Santo Padre também preside na
mente que Pedro foi posto no caridade,7 isto é, cabe-lhe a primazia
mais alto grau de dignida- no amor a Nosso Senhor. Precedên-
de e poder. cia na caridade! Um olhar retrospec-
De fato, Nosso Se- tivo aos albores do Papado poderá
nhor o constituiu – e ajudar-nos a compreender melhor a
nele também seus grandeza dessa instituição divina.
legítimos sucesso- Sobretudo, alentar-nos-á a ter por ela
res – chefe visível da mais fervorosa dileção, já que o devo-
Igreja Militante, con- tamento desinteressado das ovelhas
Pixabay licence
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André era um dos dois discípulos Senhor moldou e predispôs passo a
que acompanhavam São João Batista passo o coração de Simão para que,
quando este, avistando Jesus, decla- em determinado momento, ele rece-
rou: “Eis o Cordeiro de Deus” (1, 36). besse de Deus Pai uma importantíssi-
Tendo permanecido com o Mestre ma revelação (cf Mt 16, 17).
aquele dia, André foi logo à procu- São Pedro possuía a virtude da fé
ra de seu irmão e testemunhou-lhe: em tão alto grau, que foi o varão es-
“Achamos o Messias” (1, 41). Que colhido para confessar a divindade de
luzes devem ter iluminado a alma de Jesus. Essa proclamação “se realizou
Simão ao ouvir o anúncio da chegada com base num discernimento pene-
do Salvador! trante, luzidio e abarcativo da nature-
Jesus ladeado por São Pedro e
Devemos considerar que, desde za divina do Filho de Deus”,9 confor- São João Evangelista - Igreja do
toda a eternidade, Jesus sabia quem me explica Mons. João Scognamiglio Santíssimo Sacramento, Nova York
iria escolher como pedra fundamen- Clá Dias.
tal de sua Igreja. Era, porém, chega- Assim, estando com o Mestre na
do o momento de encontrar-se com região de Cesareia de Felipe, longe A relação entre
ele no tempo. Narra o Evangelista de acontecimentos arrebatadores e da os Apóstolos Pedro
que André levou seu irmão ao Divi- agitação das turbas, só a voz da fé se
no Mestre, “e Jesus, fixando nele o fez ouvir: “Tu és o Cristo, o Filho do e João parece
olhar, disse: ‘Tu és Simão, filho de Deus vivo” (Mt 16, 16). Em seguida,
João; serás chamado Cefas (que quer Jesus anunciou a Cefas que edificaria sublinhar o quanto
dizer pedra)’” (1, 42). uma obra indestrutível, a Igreja, e en-
Esse olhar de eterna dileção ja- tregaria a ele “as chaves do Reino dos
a excelência da fé
mais abandonará Pedro. É a revela- Céus” (Mt 16, 19). depende da soberania
ção inicial que Jesus faz a seu futuro
Vigário, e sobre essa verdade funda-
Pedro e João,
uma evocativa relação
da caridade
mental ergue-se a missão do “vérti-
ce da Igreja”. Contudo, a fé do primeiro Papa, centro da nossa Fé e a imagem cristã
Fixando-o, o Mestre contemplou por grande que fosse, não lhe basta- do Criador, ao dizer: “Deus é amor, e
todos aqueles que haveriam de suce- ria para corresponder a seu chamado. quem permanece no amor permane-
dê-lo no sólio pontifício. Com efeito, Pedro garantiu ao Mestre que nunca ce em Deus e Deus nele” (I Jo 4, 16),
é por instituição do próprio Cristo – O abandonaria; dentre os Apóstolos, como ensina Bento XVI.10
logo, por direito divino – que o Bem- porém, apenas João esteve junto à Não pretendemos insinuar que
-Aventurado Pedro tem perenes suces- Cruz (cf. Lc 22, 33; Jo 19, 26). Pe- entre o Príncipe dos Apóstolos e São
sores no primado sobre a Igreja uni- dro teve medo quando Jesus operou João existisse uma completa igualda-
versal.8 Cada legítimo Sumo Pontífice a pesca milagrosa no Lago de Ge- de. Em meados do século XVII, du-
perpetua o mesmo primado de Cefas. nesaré: “Retira-Te de mim, Senhor, rante o pontificado de Inocêncio X, foi
De certa forma, também eles recebem porque sou um homem pecador” julgada e declarada herética a doutrina
de Nosso Senhor o olhar que, além de (Lc 5, 8); João repousou sua fronte no sustentada pelo jansenista Martinho
os convocar para o cargo, os convida a Coração do Redentor (cf. Jo 13, 25), de Barcos, que defendia uma dupla
firmarem-se no seu amor. pois “no amor não há temor” (I Jo cabeça na Igreja.11 O herege equipa-
No primeiro olhar de Jesus a Pedro, 4, 18). Enfim, Pedro proclamou sua rava o Apóstolo Paulo a São Pedro no
o Papado encontra seu verdadeiro ho- fé em Jesus, e João expressou com poder supremo e no governo da Igreja
rizonte. A força desse olhar continuou singular clareza em que consiste o universal.
As defecções de
Pedro ao longo
dos séculos não
seriam reparadas
por Jós que sofrem
desinteressadamente
pela Igreja?
Francisco Lecaros
Reprodução
1
LEÃO XIII. Satis cognitum: DH 234; BONIFÁCIO VIII. 9
CLÁ DIAS, EP, João Scog- 12
SÃO TOMÁS DE AQUINO.
DH 3308. Unam sanctam: DH 875. namiglio. O inédito sobre os Suma Teológica. II-II, q.4, a.3.
5
Cf. CONCÍLIO VATICA- Evangelhos. Città del Vati- 13
SANTA FAUSTINA KO-
2
Cf. CONCÍLIO VATICANO I.
NO II. Lumen gentium, n.18: cano-São Paulo: LEV; Lu- WALSKA. Diario. La Divi-
Pastor æternus: DH 3055.
DH 4142. men Sapientiæ, 2013, v.VII, na Misericordia en mi alma.
3
Cf. LEÃO XIII, op. cit., 3309. p.125-126.
6
Cf. Idem, n.14, 4137. Stockbridge: Marian Press,
4
Cf. BONIFÁCIO I. Carta “Ins- 10
Cf. BENTO XVI. Deus cari- 2010, p.600.
7
Cf. SANTO INÁCIO DE AN-
titutio”, aos Bispos da Tes- tas est, n.1. 14
Cf. VIEIRA, Antônio. Ser-
TIOQUIA. Lettre aux Ro-
sália: DH 233; Carta “Ma- mão da primeira sexta-feira da
mains: SC 10, 107. 11
Cf. INOCÊNCIO X. Decre- Quaresma. In: Obra Comple-
net beatum”, a Rufo e aos ou-
8
Cf. CONCÍLIO VATICANO I, to do Santo Oficio, 24/1/1647: ta. São Paulo: Loyola, 2015,
tros Bispos da Macedônia:
op. cit., 3056-3058. DH 1999. t.II, v.II, p.154.
P
ara conhecer a Igreja em dos sentidos, em sua mente configu-
todo o seu fulgor, é preciso, rar-se-á uma síntese de tudo: casca,
em certo momento, sentir cor e sabor, e ela logo tirará suas con-
no íntimo da alma o que clusões e estabelecerá um juízo.
ela é. E o Autor utiliza o termo sentir,
porque, de fato, dir-se-ia ser um gosto
“A Igreja me parece uma
místico, um ouvir, ver, respirar e, in- alma imensa…”
clusive, quase apalpar a Igreja… Sem Com Dr. Plinio Corrêa de Oliveira
uma luz do Espírito Santo tudo se re- este fenômeno sobrenatural, à manei-
duz a um teorema de matemática que ra de um contato direto com a Santa
poderá servir de base a longas confe- Igreja Católica Apostólica Romana,
rências ou grossos livros teóricos, nos tocou de tal modo a sensibilidade,
Sérgio Hollmann
No alto, Santa Valburga - Igreja de São Lourenço, Wœrth (França); nesta página e na próxima, vitrais representando
cenas da vida da Santa - Mosteiro de Santa Ema, Greensburg (Estados Unidos)
de Deus e dedicar-se à oração, para o ram seu espírito para a missão a que e até os mais experientes marujos jul-
que muito concorria seu aguçado es- seria convocada em terras distantes. gavam que não conseguiriam escapar
pírito contemplativo. com vida.
Os ventos e águas ouviram Valburga, contudo, pôs-se a rezar
Formada na escola da santidade a sua voz e logo em seguida ordenou aos ele-
Valburga herdara dos pais o tem- Por essa época, São Bonifácio, seu mentos da natureza que se acalmas-
peramento próprio a uma nobre don- tio, trabalhava incansavelmente na sem. “Os ventos e as águas ouviram
zela. Seu coração afetuoso, transbor- a voz de Deus, que falava por meio de
dante de simpatia e bondade, torna- sua serva, e obedeceram. Seguiu-se
vam-na de agradável convivência. A vida conventual então uma milagrosa calma, como se
Era inclinada a compadecer-se das a paz e a doçura que habitavam no in-
fraquezas alheias e se valia da ama- forneceu-lhe todos os terior dela tivessem sido derramadas
bilidade como meio para auxiliar o elementos necessários como óleo sobre o mar”.1 Graças ao
próximo. milagre, em pouco tempo lograram
Contudo, tais qualidades facil- para a reta formação chegar ao continente.
mente poderiam se deturpar no con-
tato com o mundo, transformando-se de seu caráter, Abadessa em Heidenheim
em capricho e indulgência para com As religiosas foram recebidas com
o mal, por ignorar seus perigos e ar-
forjando seu espírito alegria pelo Arcebispo São Bonifácio
dis. Almas assim, se não corrigidas, para futuras missões e por São Vilibaldo, irmão de Valbur-
impacientam-se com as repreensões ga e Bispo de Eichstätt, que ouviram
Fotos: Reprodução
Da esquerda para a direita: seus familiares partem em peregrinação, entrada no Mosteiro de Winburn, sua profissão religiosa,
durante a tempestade no mar, sendo recebida por seus irmãos, cuidando dos doentes
Da clausura do
mosteiro, ela marcou
Joachim Schäfer (CC by-sa 4.0)
a História, ornando
com suas virtudes
a vida religiosa e
atraindo as almas
para a santidade
Sepulcro de Santa Valburga no Mosteiro de Heidenheim (Alemanha)
Sumário
Fotos: Reprodução
Dos sete Papas desse período – in- manecesse na Cidade Eterna; porém, emaranhado de interesses humanos,
cluindo Clemente V –, todos foram sem resultado. que duraria quarenta anos.
franceses… Nenhum deles chegou Foi somente Santa Catarina de Sena Teria Catarina se enganado? Não
a renunciar totalmente à ideia de re- que, após inúmeras dificuldades, por estava a Igreja em melhores condições
gresso a Roma, mas a situação na ca- fim convenceu Gregório XI a retornar antes, no exílio, mas com uma cabeça,
pital do mundo cristão não lhes enco- a sede papal ao seu devido lugar. do que agora com duas? Era a via do
rajava a isso. aparente fracasso que Deus lhe pedia.
Estaria o Papado seguro na Penín-
Um Papa em Roma e outro E não só a ela. Com efeito, tais se reve-
sula Italiana? Ali as divisões políticas em Avignon… fracasso? lavam as infidelidades daquela época
cresciam, e dentro das cidades os par- Graças a Deus, no ano de 1377 que, para castigo dos homens, até en-
tidos guerreavam entre si. No meio da o Santo Padre encontrava-se em tre os Santos a Providência permitiu
tensão geral, quiçá só um sentimento Roma… para falecer no ano seguin- divergência de opiniões.
unisse os italianos: a aversão pela do- te. Complexa revelava-se a conjun- Com os Papas romanos, Santa
minação estrangeira. Ora, não somen- tura para os Cardeais, pois a agita- Catarina de Sena, Santa Catarina da
te os Papas de Avignon tinham na- ção popular pressionava o conclave a Suécia, o Beato Pedro de Aragão; com
cionalidade francesa, mas quase todo eleger um Papa romano. Foi escolhi- os papas avinhonenses, São Vicente
o Sacro Colégio! Por outro lado, não do Bartolomeu Prignano, não roma- Ferrer, Santa Coleta, o Beato Pedro
parecia que na França o Papa pudesse no, mas italiano, que tomou o nome de Luxemburgo. A morte de ambos os
encontrar sossego, visto que emergia de Urbano VI. “papas” tampouco resolveu a contro-
um conflito com os ingleses, princípio Tudo parecia prometer a paz. vérsia, pois cada partido elegeu o res-
de uma guerra de cem anos… Contudo, reformas imprudentes, pectivo sucessor. Três décadas de ten-
somadas ao caráter rude e colérico tativas harmonizadoras provaram-se
O Papa deve voltar a Roma! do Sumo Pontífice, despertaram as inúteis. A Cristandade encontrava-se
Nessa difícil situação, a voz de antipatias dos purpurados. Em vão dividida de alto a baixo. Como encer-
Deus não cessou de soar através de Santa Catarina o advertiu, rogando- rar este pesadelo?
seus eleitos. -lhe maior temperança. Cinco meses
Santa Brígida da Suécia relatou ter depois, treze Cardeais franceses ale-
Pior que dois papas
ouvido o próprio Nosso Senhor Jesus garam ter votado invalidamente por No ano de 1409, vinte e quatro
Cristo condenar a cobiça, o orgulho e coação e elegeram um antipapa, Cle- Cardeais – quatorze de Roma e dez
a devassidão da corte dos Papas fran- mente VII, que retornou a Avignon. de Avignon – decidiram tomar uma
ceses, e acusá-los de povoarem o in- Estava iniciado o Grande Cisma atitude. Reunindo em Pisa um concí-
ferno! Encontrando-se numa estadia do Ocidente, a maior cisão que até o lio, condenaram os dois pontífices e
em Roma com Urbano V – o sexto momento conhecera o mundo cató- elegeram o grego Petros Filargo, Car-
Papa do exílio – implorou-lhe que per- lico; situação caótica, gerada por um deal de Milão, que adotou o nome de
Por pior que seja a borrasca que a nau de Pedro venha a atravessar, a Igreja permanecerá sempre imaculada
“Cristo resgata São Pedro das águas”, por Lorenzo Veneziano - Museus Estatais de Berlim
1
Para mais detalhes a respeito ma. In: Arautos do Evangelho. 3
Cf. CONCÍLIO VATICA- deixa bem claro que Deus não
da atuação do Beato João Do- São Paulo. Ano XVI. N.186 NO II. Lumen gentium, n.4. quer “de modo nenhum” o mal
minici no concílio de Constan- (jun., 2017); p.16-21. da culpa, isto é, o pecado. No
4
SÃO TOMÁS DE AQUINO.
ça, conferir o artigo: CABAL- entanto, continua sendo verda-
2
Cf. LEÃO XIII. Satis cogni- Suma Teológica. I, q.19, a.9,
LERO BAZA, EP, Eduardo de que Ele o permite.
tum, n.7; 22: ASS 28 (1895- ad 3. No corpo desta mesma
Miguel. Um homem providen-
1896), 712; 723. questão, o Doutor Angélico 5
Cf. CCE 314.
cial na solução do Grande Cis-
H
á algumas décadas vem- Jamais esses dedicados mensa- ria destes nossos dias cinzentos vai
-se evaporando o mile- geiros imaginariam que algum dia desaparecendo.
nar hábito de redigir car- sua honrada tarefa seria substituída Por isso, causa-nos especial atra-
tas. Desde a mais remota por tão eficazes quanto sem graça ção a leitura de certos epistolários,
Antiguidade, escritas em papiros ou cabos de fibra ótica ou sinais de sa- mais ainda quando seu conteúdo re-
pergaminhos e até em tábuas de ar- télites. Como a vida humana, neste vela a santidade do remetente, sua
gila ou de pedra, esses instrumentos século XXI, está perdendo o sabor, missão específica nesta terra e as pes-
de comunicação sempre refletiram não é? Onde ficaram os lacres com soas com as quais ele se debateu para
os hábitos, a educação, a mentali- monogramas, os sinetes, os papéis cumpri-la e assim glorificar a Deus,
dade dos povos. As milenares es- acetinados e perfumados ou aqueles ao mesmo tempo em que arrastava
telas de pedra, lápides nas quais se mais sérios, com pautas quase invi- outros a assumirem também a serie-
escreviam as mensagens no Egito síveis, em que uma bela caligrafia dade do papel que lhes cabia no gran-
antigo, nos causariam hoje não pe- registrava as vicissitudes da vida, de mosaico da história das almas.
quenos problemas… Que espessura as saudades de uma pessoa ausente, Esse é o caso das cartas de San-
teria cada folha? Onde guardá-las? os negócios a serem realizados, as ta Catarina de Sena. Esta singular
Como colecioná-las? E o carteiro? novidades que enchem de alegria – dama, a vigésima quarta dos vinte e
Levaria apenas uma por vez? Have- ou de tristeza – a nossa existência? cinco filhos de Tiago di Benincasa
ria um veículo especial para carregar Foram-se. O tufão da cibernética os e Lapa dei Piagenti, nasce em 1347,
seu malote? levou. E com eles, quanto da histó- na cidade de Siena, Itália, seu epô-
nimo. Sua vida mística inicia-se aos
seis anos, com uma visão de Nosso
Senhor Jesus Cristo, ladeado pelos
Apóstolos Pedro, Paulo e João. Aos
sete anos faz secretamente voto de
virgindade, o que a sustém mais tarde
quando os pais querem encaminhá-la
para o matrimônio. Nessa ocasião,
ante as evasivas de Catarina e a insis-
tência da família em apresentar-lhe
pretendentes, ela corta seus longos
Gustavo Kralj
Reprodução
núncia profética da Santa sienense. mãos. […] [Os demônios] batiam
“Meu venerável pai, pela bondade no meu corpo, mas o desejo aumen-
de Deus espero que apagueis em vós tou e clamei: ‘Ó Deus eterno, rece-
esse mal; que não ameis a vossa pes- be o sacrifício da minha vida pela
Suas cartas são, quase sempre,
soa, o próximo e Deus por causa de Hierarquia da Santa Igreja. Não sei
extremamente severas e revelam uma
vós mesmo, mas por causa de Deus, reflexão anterior muito ponderada dar-Vos senão aquilo que me des-
que é a Suprema e Eterna Bondade, tes. Retira meu coração e espreme-
“Santa Catarina ante o Papa Gregório XI”,
e digno de ser amado. […] Meu pai, por Blasco de Grañén - Fundação Barnes, -o sobre a face da Esposa’”.10
doce Cristo na terra, imitai o bondo- Filadélfia (Estados Unidos) Para dois clérigos que haviam se
so Gregório (Magno), pois é possí- desentendido, Catarina lhes pede a
vel a vós como o foi para ele”.6 bros da Igreja apodrecem. De modo reconciliação nestes termos: “Sede
Santa Catarina se exprime com in- especial, Cristo olha os nefandos ví- vós mesmos os intermediários entre
teira segurança, como que impondo cios da impureza, da avareza e do or- vós e Deus, entre a sensualidade e a
sua vontade, de modo a deixar notar gulho, reinantes na Esposa de Cristo. razão, expulsando o ódio (pelo pró-
as palavras do Espírito Santo em sua Falo dos prelados, que só cuidam de ximo) com o ódio (por si mesmo) e
pena: “É o que eu quero ver em vós. prazeres, posições sociais e riqueza. o amor (por si mesmo) com o amor
Se por acaso até agora não fostes bas- Tais prelados percebem que os demô- (pelo próximo). […] Odiai o ódio ao
tante firme, quero e peço que se apro- nios arrebatam as almas dos súditos, próximo. […] Desde agora o homem
veite com fortaleza o tempo restante, mas disso não se preocupam. Torna- pode saborear a vida eterna, convi-
como homem decidido, na imitação ram-se lobos e mercadores da graça. vendo com Deus em diálogo de amor.
de Cristo, de quem sois o represen- Seria preciso haver uma forte justiça Não é grande cegueira, por acaso, ser
tante […]. Ide adiante. Realizai com para corrigi-los. A exagerada con- merecedor do inferno, vivendo com
empenho esforçado e santo o projeto descendência é uma crueldade enor- os demônios no ódio e no rancor? […]
que começastes, o da Santa Cruza- me. Ocorreria corrigir com justiça e Parece que pessoas assim nem que-
da. […] Erguei o estandarte da Santa misericórdia”.8 rem esperar a sentença do Supremo
Cruz, porque no seu perfume encon- Não menos forte é sua lingua- Juiz de irem para a companhia dos
trareis a paz”.7 gem ao se dirigir a Urbano VI: “Se demônios. Elas mesmas já pronun-
Em uma carta a Guerardo de Puy, digo coisas que pareçam exageradas ciaram a sentença. Antes de a alma
Abade de Marmoutier, escrita às vés- e mostrem presunção, que a dor e o deixar o corpo, durante esta vida,
peras do Grande Cisma do Ocidente amor me perdoem diante de Deus e correm como o vento para a perdição
– de 1377 a 1417 –, lemos: “Ai, ai! É de Vossa Santidade! Para qualquer eterna. Vão despreocupados, como
pela falta de correção que os mem- lado que me volte, não encontro onde loucos, em delírio…”11
1
BEATO RAIMUNDO DE ram extraídas da obra: Car- 9
SANTA CATARINA DE na de entrada. In: MISSAL
CÁPUA. Santa Caterina da tas completas. São Paulo: Pau- SENA. Carta 305, n.5; 7. ROMANO. Tradução portu-
Siena. Legenda maior. 5.ed. lus, 2016. guesa da 2ª edição típica para
10
SANTA CATARINA DE
Siena: Cantagalli, 2005, o Brasil realizada e publicada
4
Idem, n.2. SENA. Carta 371, n.8.
p.116-117. pela CNBB com acréscimos
5
Idem, ibidem. 11
SANTA CATARINA DE aprovados pela Sé Apostólica.
2
Idem, p.319.
SENA. Carta 3, n.2; 4. São Paulo: Paulus, 2015, p.574.
6
Idem, n.4.
3
SANTA CATARINA DE 12
SANTA CATARINA DE 14
CORRÊA DE OLIVEIRA,
SENA. Carta 185, n.1. Todas
7
Idem, n.6.
SENA. Carta 23, n.5. Plinio. Notas Autobiográficas.
as citações literais das car- 8
SANTA CATARINA DE 13
MEMÓRIA DE SANTA CA- São Paulo: Retornarei, 2012,
tas transcritas neste artigo fo- SENA. Carta 109, n.5.
TARINA DE SENA. Antífo- v.III, p.90-91.
Nuno Moura
Eric Salas
Braga (Portugal) Toledo (Espanha)
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Xavier Jacob
Ellen Coelho
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Eric Salas
El Salvador Madri
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Frank Murphy
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Arão Mazive
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Víc
Reprodução
Igreja na Europa. Na capela do Hos- dezenove mil circunscrições, hoje os
pital de Barbastro, Espanha, assal- católicos são cerca de 19% da popu-
tantes abriram o sacrário e espalha- lação dos Estados Unidos, e a maior
ram as Sagradas Formas pelo chão. instituição religiosa do país.
A diocese manifestou sua “tristeza, Maravilhosa recordação
consternação e condenação” pelo
Ministério Público recomenda a do Natal em Assis
acontecido, enquanto as autoridades exclusão do Pai-Nosso em escola Afrescos do pintor renascentista
competentes procuram identificar os Numa nova investida de agressivo Giotto iluminaram a cidade de Assis
criminosos. laicismo, os alunos da Escola Munici- durante o período natalino, rememo-
Já na França, a Igreja de São Ro- pal de Ensino Básico João Etchebehe- rando os primeiros presépios da His-
que, no centro de Paris, teve suas pare- re, de Rifaina, São Paulo, não poderão tória elaborados pelo Poverello.
des manchadas com sinais satânicos, mais iniciar o dia de estudos rezando Na fachada de diversas igrejas da
suásticas e inscrições absurdas. Na o Pai-Nosso. Essa foi a surpreendente cidade foram projetados os afrescos
cidade de Lorient, a Igreja de Sainte- decisão do promotor de justiça Alex com cenas da Anunciação e do nas-
-Anne d’Arvor foi alvo de um ataque Facciolo Pires, acatando uma queixa cimento do Menino Jesus, permitin-
em pleno dia: os agressores destroça- apresentada por uma das professoras do aos transeuntes penetrar de modo
ram diversas imagens, destruíram o da instituição. “As instituições públi- mais profundo nos mistérios do Na-
presépio e espalharam as velas pelo cas devem adotar uma posição neutra tal através de mais de dez mil metros
chão. Outras igrejas sofreram atenta- no campo religioso, buscar a imparcia- quadrados de pinturas.
V
erão inclemente! “Meu — Então? O sol está forte aí fora? – nesta sombra. Quando ele quiser mi-
Deus, que calor!”: quei- pergunta a carpa em tom de gracejo. nha lã, que venha buscá-la!”
xam-se os animais da fa- — Bastante… Sem muita energia, Luzidia acaba
zenda. Os cavalos andam O guaru entra na conversa: adormecendo. Depois de um tem-
preguiçosos; os jumentos empacam — É, dá para perceber. A tempe- po, gargalhadas vindas de não mui-
por má vontade; as vacas não querem ratura da água subiu, mas estamos to longe a despertam. “Quem está
sair do curral; as galinhas cacarejam bem. Difícil deve ser estar “agasalha- conseguindo ser feliz nesse calor?”,
ranzinzas… Pelo menos não faltam da” perpetuamente como você, Luzi- interroga-se. Ela se levanta e procura
água nem sombra. Todos sofrem, é dia. Não quer dar um pulinho aqui? satisfazer a curiosidade.
verdade, mas conseguem mitigar o in- — Eu não sei nadar! A alguns metros de onde estava,
cômodo de alguma forma. E se retira mal-humorada. Deita- os suínos brincam na lama; estão
Uma jovem, porém, se aflige com o -se na entrada de uma gruta, observa contentes, pois aquela matéria féti-
calor. Na sua idade, o pelo está no pon- o limpíssimo céu e reflete: “Nem nu- da e suja lhes proporciona frescor.
to ideal para ser cortado pela primeira vem há para cobrir o astro rei. Até pa- Quando se aproxima, ela não conse-
vez! Mas Luzidia – eis como se chama rece que a nuvem, branquinha e fofa, gue reprimir a repulsa.
– mais do que estar ansiosa pela tos- sou eu, e vim parar aqui embaixo! Ai, — Ei, ovelhinha, que fisionomia é
quia, tem exauridas as suas forças. está tão quente! Vou esperar o pastor essa? Isso aqui é uma delícia! – gru-
— Papai! – bale a ovelhinha – nhe um porco velho e gordo.
Quando o pastor recolherá minha lã? Outro se achega ao cercado. Ele é
— Está quase, filha. Aguente jovem como Luzidia. Fitando-a com
firme! olhar malévolo, mas procurando dis-
— Beé-eéh! Não dá mais! simular suas intenções, sugere:
— Minha querida, espere! — Oh, muito prazer! Eu me cha-
Eu e sua mãe cuidamos ex- mo Apattor. Qual é o seu nome?
tremamente bem de você, a — Sou Luzidia.
fim de deixar seu pelo im- — Sabe, eu a conheço de longe.
pecável. O pastor está tão Quando eu era filhotinho, a via
satisfeito… correndo e pulando pelos pra-
Descontente com a res- dos. Temos quase a mesma
posta paterna – pois queria idade. Mas confesso que me
ser logo aliviada –, a ovelha compadeço de você.
se dirige para a lagoa a fim de — De mim?! Por quê?
matar a sede. Quando vai en- Incomodada pelo calor do dia, Luzidia aproximou- — Porque estando ainda no
costar o focinho, vê os pei- -se do cercado dos porcos e viu que eles se verdor dos anos, está obrigada
xes que nadam alegremente. refrescavam, contentes, com a lama a sofrer este tremendo calor! A
Luzidia tenta e tenta, mas o barro que viver aqui conosco. Como regres-
está terrivelmente grudado. Chorosa, sar sem lã para o redil, hein? Hahaha!
ela decide ir à casa e sofrer a humi- Assim que tais palavras chegam-
lhação perante todos. -lhe aos ouvidos, o medo invade seu
A família se entristece com seu es- coração, abrindo espaço para um sin-
tado deplorável. cero arrependimento.
— Meu bem – exclama a mãe –, o — Meu Deus! Que loucura! Olhe
que aconteceu? Sua lã estava excelen- só o que fiz!
te! O que você fez? Foge de vergonha e receio de se
Entre lágrimas confessa o ocor- aproximar dos familiares, sobretudo Se estivermos dispostos a retomar o
rido. Por causa de seu verdadeiro de decepcionar o pastor. Refugia-se caminho certo, o Bom Pastor sempre
arrependimento, todos se compade- naquela mesma gruta. nos trará de volta ao seu rebanho!
Reprodução
Santa Maria Domingas gregações de eremitas com seu
Mantovani, virgem (†1934). Pri- exemplo de vida.
meira superiora do Instituto das
11. Nossa Senhora de Lourdes.
Irmãzinhas da Sagrada Família,
São Pascoal I, Papa (†824).
fundado por ela juntamente com
Promoveu as primeiras missões
o Beato José Nascimbeni em Ve-
nos países escandinavos e trasla-
rona, Itália, para servir os po-
dou muitas relíquias dos mártires
bres, órfãos e enfermos.
das catacumbas para as igrejas.
3. São Brás, Bispo e mártir (†c. 320 Reconstruiu a Basílica de Santa
Sebaste - atual Turquia). Cecília, em Roma.
Santo Oscar, Bispo (†865 São Policarpo de Esmirna - 12. VI Domingo do Tempo
Bremen - Alemanha). Catedral de Chester (Inglaterra) Comum.
Santa Maria de Santo Inácio Beata Umbelina, priora
Santo Amando de Elnon,
Thévenet, virgem (†1837). Fun- (†1136). Convencida por seu ir-
Bispo (†c. 679). Após vários anos
dou em Lyon, França, a Congre- mão, São Bernardo de Clara-
de vida eremítica, recebeu a sa-
gação das Irmãs de Jesus e Maria. val, a deixar os prazeres do
gração episcopal. Pregou mis-
4. Santa Joana de Valois, rainha sões na região de Flandres e ao mundo, ingressou com consen-
(†1505). Esposa do Rei Luís XII longo do Danúbio. timento do marido no Mosteiro
da França, consagrou-se ao ser- de Jully-les-Nonnains, perto de
viço de Deus após ter sido decla- 7. São Ricardo, rei (†c. 720). Pai Troyes, França, do qual se tornou
rado nulo seu casamento. Fundou dos Santos Vilibaldo, Vinebal- superiora.
em Bourges a Ordem da Santíssi- do e Valburga, morreu quando
ia com os dois primeiros em pe- 13. São Benigno de Todi, presbíte-
ma Anunciação da Bem-Aventu- ro e mártir (†séc. IV). Martiriza-
rada Virgem Maria. regrinação da Inglaterra para
Roma. do durante a última perseguição
5. V Domingo do Tempo Comum. contra os cristãos, no tempo de
8. São Jerônimo Emiliani, presbí- Diocleciano e Maximiano.
Santa Águeda, virgem e már-
tir (†c. 251 Catânia - Itália). tero (†1537 Somasca - Itália).
14. São Cirilo, monge (†869 Roma),
São Lucas de Lucânia, aba- Santa Josefina Bakhita, vir- e São Metódio, Bispo (†885 Ve-
de (†995). Levou vida monásti- gem (†1947 Schio - Itália). lehrad - República Checa).
ca inicialmente na Sicília e, de- Santo Estêvão de Mu- São Vicente Vilar David,
pois, em vários outros lugares, ret, abade (†1124). Fundador mártir (†1937). Renomado en-
por causa das incursões dos sar- da Ordem de Grandmont, per- genheiro de Manises, Espanha,
racenos. Faleceu no Mosteiro to de Limoges, França. Com sua morto durante a Guerra Civil por
dos Santos Elias e Anastásio, em vida austera atraiu numerosos auxiliar os religiosos e não rene-
Carbone. discípulos. gar a Fé.
6. São Paulo Miki e companhei- 9. Santa Apolônia, virgem e mártir 15. Santo Onésimo. São Paulo o
ros, mártires (†1597 Nagasaki (†c. 250). Após padecer numero- acolheu como escravo fugitivo e
- Japão). sos suplícios, foi queimada viva na prisão o gerou como filho na
Apresentação do Menino Jesus no Templo, por Pedro Serra - Basílica Colegiada de Santa Maria da Aurora, Manresa (Espanha)