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Junho 2023
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Severiano Antonio de Oliveira;
Silvia Gabriela Panez; Justiça e misericórdia: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Marcos Aurelio Chacaliaza C. características do
Bom Pastor
Aconteceu na Igreja e
Administração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 14 no mundo
Rua Diogo de Brito, 41
São Paulo, devoto do
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admrevista@arautos.org.br Sagrado Coração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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de Jesus?
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.. 18 História para crianças... –
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Somos inúteis?
“Meu filho, dá-Me
(11) 2971-9050 teu coração”
(nos dias úteis, de 8 às 17:00h) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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as virtudes
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Santa Lutgarda de Aywières – Só dos Anjos e dos fortes?
Os artigos desta revista poderão ser Desde menina, conquistada
reproduzidos, desde que se indique a fonte
pelo amor divino
e se envie cópia à Redação. O conteúdo das
matérias assinadas é da responsabilidade
dos respectivos autores.
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Suas origens mais definidas remontam à devoção das Santas Chagas entre religiosos
como São Bernardo e São Francisco.
Mais tarde, protestantes imaginaram idolatria e superstição na devoção ao Coração
de Jesus. Como reação, em 1566 o Papa São Pio V exortou os Bispos no seu primeiro
consistório: “Não conseguiremos deter os progressos da heresia a não ser por uma ação
te
a arden sobre o coração de Deus. É a nós, luz do mundo, sal da terra, que compete esclarecer os
Fornalh a d e
r id
de c a espíritos e encorajar os corações pelo exemplo de nossa santidade e de nossas virtudes”.
O santo Pontífice entendia que a solução para os males se encontrava em tocar o cora-
ção de Deus pela santidade, a começar pela parte mais alta da Hierarquia Eclesiástica.
Imagem do Em 1673, Santa Margarida Maria Alacoque recebeu revelações do Sagrado Co-
Sagrado Coração ração de Jesus, ao qual o Rei Luís XIV deveria consagrar a França. Ante o descaso
de Jesus - Igreja real, a nação caiu mais tarde nos desvarios da Revolução Francesa e numa contu-
Nossa Senhora do maz descristianização. Basta citar que, após o assassinato do pró-jacobino Marat
Carmo, Caieiras em 1793, seu coração foi convertido em símbolo de blasfema devoção: criaram uma
(SP) “ladainha” ao “sagrado” coração do novo “mártir” da revolução.
Foto: Timothy Ring
Em 1917, Nossa Senhora prometeu o triunfo de seu Imaculado Coração, o qual,
segundo a teologia de São João Eudes, está intrinsecamente unido ao de Jesus. Tam-
bém profetizou que a Rússia espalharia seus erros pelo mundo. Após a morte de
Lenin em 1924, o coração do tirano passou a ser infamemente cultuado no mausoléu
da Praça Vermelha de Moscou.
Diante de tantas revoluções e contrarrevoluções em torno do coração, é mis-
ter, pois, ansiar por uma restauração de seu sentido mais elevado, pela devoção ao
Sagrado Coração de Jesus em união com o triunfo do Imaculado Coração de Maria,
prestes a se cumprir.
ão
indicou-nos as múltiplas vias da mi- salvaguardar a dignidade de cada pes-
uç
od
sericórdia, que não só perdoa os pe- soa humana. A mensagem de miseri-
pr
Re
cados, mas vai também ao encontro córdia divina é assim, implicitamente,
de todas as necessidades dos homens. Santa Faustina Kowalska - também uma mensagem sobre o valor
Jesus inclinou-Se sobre toda a misé- Igreja do Corpo de Cristo, Cracóvia de todo homem. Toda pessoa é precio-
ria humana, material e espiritual. sa aos olhos de Deus; Cristo deu a vida
A sua mensagem de misericórdia por cada um; o Pai dá o seu Espírito a
continua a alcançar-nos através do Quantas almas foram todos, oferecendo-lhes o acesso à sua
gesto das suas mãos estendidas rumo intimidade.
ao homem que sofre. Foi assim que consoladas pela Esta mensagem consoladora diri-
O viu e testemunhou aos homens ge-se sobretudo a quem, afligido por
de todos os continentes a Ir. Faus- invocação “Jesus, uma provação particularmente dura
tina que, escondida no convento de ou esmagado pelo peso dos pecados
Lagiewniki em Cracóvia, fez da sua
confio em Ti”, cometidos, perdeu toda a confiança
existência um cântico à misericórdia: que a Providência na vida e se sente tentado a ceder ao
“Misericordias Domini in æternum desespero. Apresenta-se-lhe o rosto
cantabo” (Sl 89, 2). sugeriu através de suave de Cristo, chegando-lhe aque-
A canonização da Ir. Faustina tem les raios que partem do seu Coração
uma eloquência particular: median- Santa Faustina e iluminam, aquecem e indicam o
te este ato quero hoje transmitir esta caminho, e infundem esperança.
mensagem ao novo milênio. Trans- Com efeito, não é fácil amar com Quantas almas já foram consoladas
mito-a a todos os homens para que um amor profundo, feito de autêntico pela invocação “Jesus, confio em Ti”,
aprendam a conhecer sempre melhor dom de si. Aprende-se este amor na es- que a Providência sugeriu através da
o verdadeiro rosto de Deus e o genuí- cola de Deus, no calor da sua caridade. Ir. Faustina! Este simples ato de aban-
no rosto dos irmãos. Ao fixarmos o olhar n’Ele, ao sintoni- dono a Jesus dissipa as nuvens mais
Amor a Deus e amor aos irmãos zarmo-nos com o seu Coração de Pai, densas e faz chegar um raio de luz à
são de fato inseparáveis, como nos re- tornamo-nos capazes de olhar os ir- vida de cada um. ²
cordou a Primeira Carta de João: “Nis- mãos com olhos novos, em atitude de
to conhecemos que amamos os filhos gratuidade e partilha, de generosidade
de Deus: quando amamos a Deus e e perdão. Tudo isto é misericórdia! […] Excertos de:
guardamos os seus Mandamentos” SÃO JOÃO PAULO II.
(5, 2). O Apóstolo recorda-nos nisto
Ato de abandono, que dissipa Homilia na Missa de
a verdade do amor, indicando-nos na as trevas mais densas canonização da Beata
observância dos Mandamentos a me- A Ir. Faustina Kowalska deixou Maria Fautisna Kowalska,
dida e o critério. escrito no seu Diário: “Sinto uma 30/4/2000
Reprodução
a Evangelho A
Naquele tempo, 36 vendo Je- expulsarem os espíritos maus Jesus enviou estes doze, com
5
E Jesus
compadeceu-Se delas…
Não poucos sacrificaram a própria vida ao longo da História,
por Deus ou por um ente querido. Mas por um inimigo,
quem estaria disposto a fazê-lo? Foi o que Jesus fez para
salvar cada um de nós!
õ Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – Deus nos amou primeiro! ilho; quanto mais agora, estando já reconciliados,
F
A ninguém escapa esta evidência do dia a dia: seremos salvos por sua vida!” (5, 7-8.10).
aquilo que compõe o nosso entorno é objeto de Tendo herdado o pecado original e suas con-
tanto maior apreço quanto mais tivermos oportu- sequências, antes do Batismo somos apenas
nidade de o modelar segundo o nosso gosto. Por criaturas de Deus, em estado de inimizade com
exemplo, quando compramos uma casa, é por- Ele. E tal situação agrava-se pelos pecados atu-
que ela nos agrada, caso contrário não a adquiri- ais, que consistem num afastamento consciente
ríamos. Mas, sobretudo, é depois de despender- e voluntário do Criador e um voltar-se desorde-
Se já éramos
mos todos os esforços para torná-la bela de acor- nado às criaturas. A despeito disso, “Deus nos amados por
do com as próprias preferências, que passamos a amou primeiro” (I Jo 4, 19) e tomou a iniciativa
valorizá-la de modo especial. E com maior razão de enviar o seu Filho para redimir a humanidade. Deus apesar
se revestirá ela de significado se a habitarmos Somos limpos da mancha do pecado original e
por longo tempo, vendo nossa família crescer reconciliados com Ele pelas águas batismais, que de maus,
entre suas paredes que, com o correr dos anos, nos elevam à condição de filhos de Deus, parti- quanto mais
guardarão a lembrança de toda uma vida. Pode- cipantes de sua natureza, irmãos de Jesus Cristo
-se dizer que algo semelhante ocorre na relação e co-herdeiros do Céu, pelos méritos de sua En- Ele nos amará
de Deus com a humanidade, conforme ressalta carnação, Paixão e Morte. A esse propósito, co-
São Paulo na segunda leitura (Rm 5, 6-11) da Li- menta São João Crisóstomo: “Que tenha querido depois de
turgia deste domingo. salvar-nos, não obstante estivéssemos abrumados
sob o peso de tantas culpas e malícia, é a prova
termos sido
Deus nos amava ainda quando
estávamos em inimizade com Ele
evidente do grande amor que nos teve Aquele que perdoados e
nos salvou. Porque não foi por meio de Anjos nem
Neste trecho da Carta aos Romanos, o Após- de Arcanjos, mas por seu Filho Unigênito que nos restituídos à
tolo procura estimular à confiança na bondade deu a salvação”.1 Desta forma, se já éramos ama-
divina apresentando um raciocínio irretorquível: dos apesar de maus, quanto mais nos amará Deus
sua amizade
“Dificilmente alguém morrerá por um justo; por depois de perdoados e de termos recuperado in-
uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a teiramente sua amizade, como o proprietário à
morrer. Pois bem, a prova de que Deus nos ama é casa arranjada e decorada a seu gosto!
que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda Ora, como veremos, tão maravilhoso princípio
pecadores. […] Quando éramos inimigos de Deus, torna-se ainda mais convincente à luz do ensina-
fomos reconciliados com Ele pela Morte de seu mento dado por Nosso Senhor neste Evangelho.
Jesus prega às multidões, por Jan Brueghel, o Velho - Galeria Nacional, Parma (Itália)
36b
Então disse a seus discípulos: “A messe 37
poder para expulsarem os espíritos maus e para
é grande, mas os trabalhadores são poucos. curarem todo tipo de doença e enfermidade.
38
Pedi pois ao dono da messe que envie tra-
balhadores para a sua colheita!” Levemos em conta que o mal, naqueles tempos,
evidenciava-se sobretudo pela possessão diabóli-
É importante ressaltar que Jesus Cristo, sendo ca visível, com manifestações ruidosas, enquanto
Deus, poderia realizar diretamente aquilo que re- hoje o demônio se apodera talvez de número maior
comenda aos Apóstolos pedir ao “dono da messe”. de pessoas, mas de forma sub-reptícia e velada.
Para tal, seria suficiente um simples ato de sua O fato de Nosso Senhor chamar os Doze para
vontade – “Quero que todos sejam guiados nas lhes dar autoridade sobre os espíritos maus e poder
vias da santidade!” –, prescindindo da nossa prece. de curar doenças, significa que lhes conferia o
Mas, não! Por misterioso desígnio Ele deposita em dom de estrangular o mal e difundir o bem. Assim,
nossas mãos a possibilidade de colaborar na obra Jesus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade
de salvação das almas. Como? Orando! Encarnada, antes mesmo de ser crucificado
para ressaltar seu papel de Chefe da Igreja nascen- dos Céus está próximo’. 8 Curai os doentes,
comprovar a te, representante de Nosso Senhor Jesus Cristo na ressuscitai os mortos, purificai os leprosos,
terra, detentor da infalibilidade. Aquele que, para expulsai os demônios. De graça recebestes,
grandeza do conduzir o Corpo Místico de Cristo com fidelida- de graça deveis dar!”
Reino por eles de plena, deve contar com as forças do Céu!
A principal missão encomendada aos Apósto-
anunciado Os cuidados de um apóstolo principiante los foi a de transmitir a Boa-Nova: o Reino dos
Jesus enviou estes doze, com as seguintes
5
Céus está próximo!
recomendações: “Não deveis ir aonde mo- Ora, normalmente um homem de Deus atesta-
ram os pagãos, nem entrar nas cidades dos va a veracidade de suas palavras com fenômenos
samaritanos! 6 Ide, antes, às ovelhas perdidas extraordinários. E estava dito nos Livros Sagra-
da casa de Israel!” dos que, quando viesse o Messias, coxos anda-
riam, cegos enxergariam, mudos falariam, surdos
Quando foram enviados para sua primeira ouviriam (cf. Is 35, 5-6). Portanto, visando dar
missão, não estavam os Apóstolos ainda de todo testemunho convincente de que Ele era, de fato,
formados, e poderiam, com facilidade, ser mal in- o Messias, Jesus ordena aos Apóstolos realizar
fluenciados por ambientes perigosos como o dos muitos milagres. “Para que ninguém se recusas-
gentios ou o dos samaritanos, voltados em geral se a crer nesses homens rústicos e sem elegância
para o gozo dos prazeres terrenos. Apenas depois na linguagem, ignorantes e iletrados, que prome-
da Ressurreição, Jesus lhes diria: “Ide, pois, e ensi- tiam o Reino dos Céus, concedeu-lhes esse poder
nai a todas as nações” (Mt 28, 19); e somente com […], a fim de comprovar, pela grandeza dos mila-
a descida do Espírito Santo, em Pentecostes, esta- gres, a grandiosidade das promessas”.4
riam eles preparados para desempenhar a missão Mas, assim como eles receberam “de graça”
de pregar aos pagãos. esse dom, também deveriam agir em benefício do
Homilia durante uma Santa Missa na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Caieiras (SP)
1
SÃO JOÃO CRISÓSTO- n.2. In: Obras. 2.ed. Ma- tiens. Roma: Pontifi- otros escritos. Madrid:
MO. In Epistolam ad Ro- drid: BAC, 2007, v.I, cio Istituto Biblico, 1955, BAC, 2002, v.II, p.109.
manos. Homilia IX, n.3: p.637-638. p.419. 5
SÃO GREGÓRIO
PG 60, 471. 3
KIDDUSHIN. Y 66cd. 4
SÃO JERÔNIMO. MAGNO. Homiliæ in
2
SÃO JOÃO CRISÓSTO- In: BONSIRVEN, SJ, Comentario a Mateo. L.I Evangelia. L.II, hom.9,
MO. Homilías sobre el Joseph (Ed.). Textes (1,1-10,42), c.10, n.23. n.4. In: Obras. Madrid:
Evangelio de San Ma- rabbiniques des deux In: Obras Completas. BAC, 1958, p.679.
teo. Homilía X
XXII, premiers siècles chré- Comentario a Mateo y
D
entre as parábolas com- fundo do abismo com perigo para si Como proceder nesses casos? Qui-
postas pelo Divino Mes- mesmo, ali recolhe carinhosamente çá o eloquente exemplo de São Ber-
tre, talvez nenhuma indi- um lobo astuto, solta no redil o fruto nardo de Claraval deite uma luz sobre
que melhor como deve de seu caridoso apostolado e, depois o assunto. Mesmo distante de nós por
ser um governante quanto a do Bom de um prolongado e terno olhar para a alguns séculos, ele parece refulgir
Pastor (cf. Jo 10, 1-30). Nela o pró- nova “ovelhinha” em “confraterniza- para todas as gerações como um mo-
prio Nosso Senhor Se apresenta como ção” com as demais, vai dormir sobre delo de bom pastor.
verdadeiro guia, amparo e pai de uma os louros de tão brilhante feito?
multidão de ovelhas que ouvem a sua Por outro lado – coisa talvez mais
Cisma na Santa Igreja
voz e O seguem. difícil – o bom pastor precisa tam- Grave, delicada, complexa, mas ao
O cuidado com o rebanho, longe bém saber diferenciar esses intrusos mesmo tempo simples: assim se afi-
de ser um mero lazer ou distração, da ovelha que, embora desgarrada, gurava a paradoxal conjuntura euro-
constitui um ofício de grande respon- arredia, embrutecida e suja, continua peia na década de 1130.
sabilidade: “Ai dos pastores de Israel sendo ovelha, e não deve ser expulsa A Santa Igreja estava abalada em
que só cuidam do seu próprio pasto”, a cajadadas, porque fora do aprisco sua unidade. Dois prelados se diziam
disse Deus a Ezequiel (34, 2). Ao pas- só encontrará a morte. papas. É impossível pensarmos em
tor cabe fortalecer a ovelha fraca e
atravessar vales e montes para encon-
trar aquela que se perdeu, mas sem
descuidar das que têm vigor, manten-
do o redil seguro do ataque dos lobos,
ainda mais sabendo que alguns ousam
se apresentar mascarados com pele de
ovelha (cf. Ez 34, 16; Mt 7, 15).
Nesse contexto, o pastor não pode
se deixar iludir, em nome de uma
“misericórdia” espúria, pelos “ingê-
Reprodução
sofrer divisões intestinas, até mesmo “Se desdenhas tudo o que te disse
em suas mais adelgaçadas capilarida- e não prestas ouvido a motivos, de
des. Contemplemos o que se passava minha parte não perderei o fruto desta
na cidade francesa de Tours. carta que nasce de meu amor, mas tu
Em 1133, estando vacante a sé deverás responder por teu desprezo
episcopal, ocorreu que um ambicioso perante o terrível tribunal de Deus”.3
diácono de nome Filipe se fez eleger Infelizmente, nem isso bastou.
para o cargo de Bispo e imediata- Uma vez nomeado legado pontifício
Por uma missão profética,
São Bernardo teve o encargo
mente correu para junto do antipapa, para dirimir a questão em Tours, São
de amparar o rebanho de Cristo Anacleto II, a fim de oficializar sua Bernardo destituiu Filipe de seu car-
nomeação. Ora, como nessa eleição go. Este, uma vez derrubado da altura
São Bernardo de Claraval - Igreja a ele
dedicada em Frankfurt (Alemanha) se verificaram muitas irregularida- que galgara sem merecer, foi lamen-
des, o clero de Tours reuniu-se outra tar-se junto a Anacleto, que o empos-
situação de maior gravidade e com- vez e escolheu novo sucessor. sou como Arcebispo de Tarento.
plexidade, tanto mais que as eleições É comovente notar o modo que
se deram em condições ambíguas e São Bernardo, tomando conhecimen-
Pastores que se portam como lobos
pareciam irregulares para ambos os to do caso, escolheu para tratar esse Deixemos, por ora, esse empe-
partidos. revoltoso – aliás, íntimo amigo seu. O dernido para considerar um segundo
A cidade de Roma estava em mãos discernimento profético do Santo fê- caso, ocorrido poucos anos antes, no
do antipapa Anacleto II. O verdadei- -lo ver nele não um lobo empederni- qual bem diversa foi a atitude de São
ro Papa, Inocêncio II, viu-se obri- do, mas uma ovelha transviada. Disso Bernardo em relação a outro prelado.
gado a refugiar-se temporariamente temos conhecimento através de uma Falamos de Gerardo, Bispo de An-
na França, nação que logo aderiu ao carta escrita pelo Doutor Melífluo a gôuleme.
Pontífice. Igualmente permaneceram Filipe, enquanto este ainda usurpava Homem de raras qualidades, dis-
fiéis ao legítimo Sucessor de Pedro a a cátedra de Tours: tinguiu-se prontamente como teólo-
Inglaterra e a Espanha, entre outros. “Sofro por ti, Filipe amadíssimo. go, orador e literato. Seus predicados
A situação era ademais delicada, […] Minha dor não é digna de burla, intelectuais eram acompanhados, no
pois envolvia não só a ordem espi- mas de compaixão, porquanto não entanto, por grande cobiça. A sede de
ritual, mas também a temporal. O nasce da carne nem do sangue, nem poder o fizera obter de Pascoal II o
trono do Sacro Império Romano era da perda de coisas caducas, mas de cargo de legado pontifício em diver-
disputado entre Lotário, legítimo her- ti mesmo, Filipe. Não posso mani- sas regiões da França, dignidade que
deiro e fiel a Inocêncio, e o duque da festar-te mais expressivamente a ele manteve durante o reinado dos três
Suábia, seguidor de Anacleto. Ade- causa tão grande dessa dor: Filipe Papas seguintes.
mais, o antipapa contava com Gui- está em perigo. Uma vez introduzido o cisma
lherme X, duque da Aquitânia, e Ro- “E quando digo isso, refiro-me ao no seio da Igreja, o soberbo prela-
gério da Sicília, “o mais competente grave pranto da Igreja, que em outros do solicitou o posto também a Ino-
militar e governante do seu tempo”.1 tempos te levava em seu seio e viu-te cêncio II. Todavia, estando o Papa
Reprodução
se mantinham fiéis ao verdadeiro toca e me angustia mais do que
Sucessor de Pedro. os outros, e exige a insistência
Em 1132, São Bernardo viu-se especialíssima de minha súplica.
impelido a dirigir uma carta aos Nosso Filipe havia se elevado e foi
Bispos da Aquitânia, denunciando humilhado; mas voltou a humilhar-
o crime de Gerardo. Se não conhe- -se e não foi elevado, como se o Se-
cêssemos o vigor das almas santas, nhor não tivesse dito ambas as coisas
não pensaríamos provir do Doutor (cf. Mt 23, 12)”.6
Melífluo: Esse pedido mostra até onde che-
“O inimigo da Cruz de Cristo – e Dois Bispos, com condutas gou o apreço por uma ovelha que se
o digo chorando – tem a ousadia de igualmente pecaminosas, receberam deixou reconduzir pelo bom pastor.
de Bernardo tratamento distinto
expulsar de suas sedes os santos que Por essa missiva, o santo abade obte-
não rendem homenagem à fera, a Detalhe de “A entrada de São Bernardo ve para Filipe a permissão de exercer
em Milão”, por Vicente Berdusán -
qual ‘abriu sua boca para maldizer Museu de Saragoça (Espanha) novamente seu ministério sacerdotal.
a Deus, insultar seu nome e sua mo- Em direção diametralmente oposta,
rada’ (Ap 13, 6). Pretende levantar ‘se uniram contra o Senhor e contra segundo tudo parece indicar, Gerardo
um altar contra outro altar e não se seu ungido’ (Sl 2, 2)”.5 recebeu a sorte dos infelizes, morren-
envergonha de confundir o lícito com do em 1136 “sem haver esboçado o
o ilícito. Esforça-se em suplantar uns
Morte dos dois prelados menor indício de arrependimento”.7
abades por outros, e uns Bispos por Dois Bispos, levando condutas
outros Bispos, arrincoando os cató- igualmente pecaminosas, receberam
São Bernardo: um mau pastor?
licos para promover os cismáticos. de Bernardo de Claraval tratamento Será que, se São Bernardo houves-
[…] Percorre mar e terra para fazer distinto. Que fim tiveram esses ho- se usado para com Gerardo da mesma
um Bispo, que se tornará um filho do mens sobre os quais pousou a destra benevolência que prodigalizou a Fili-
inferno, duas vezes mais culpado do de um Santo, em um para afastá-lo pe, não encontraríamos também na-
que ele próprio (cf. Mt 23, 15)”.4 com violência e em outro para apontar quele um penitente contrito? Afinal,
Contudo, o ímpeto e o furor des- o caminho de regresso ao redil? a misericórdia sempre salva… Terá o
sas imprecações não se deviam a me- Muito tempo esperou o Doutor Doutor Melífluo errado em seu modo
ras inconformidades pessoais, mas Melífluo para avistar ao longe o filho de proceder? Haveria sua linguagem
ao fato de que se tinha transformado pródigo que retornava à casa paterna firme e pontiaguda provindo de um
em lobo quem deveria ser pastor. Em (cf. Lc 15, 20). Somente alguns anos coração insensível ao diálogo, des-
outra carta, dirigida a Godofredo de depois, em 1139, os ventos justiceiros provido de caridade?
Loroux, célebre literato da época, o se lançaram contra aquela casa cons- É o que parece saltar aos olhos ao
santo abade manifesta sua grande in- truída sobre a areia (cf. Mt 7, 26-27). contemplarmos esses fatos. Entretan-
dignação contra esses maus pastores: Estando já restabelecida a unidade da to, na própria vida de Nosso Senhor
“Aquela besta do Apocalipse, à Santa Igreja, Inocêncio convocou um lemos que o moço rico, a quem o Di-
qual concederam uma boca blasfema concílio e depôs todos os prelados ou- vino Mestre olhou com amor, recusou
e permitiram guerrear contra os con- trora partidários de Anacleto. o chamado a ser Apóstolo (cf. Mc 10,
sagrados (cf. Ap 13, 5-7), senta-se Destituído da Diocese de Tarento, 21-22). Os espíritos cegamente pa-
na cátedra de Pedro, ‘como um leão e privado do exercício das funções li- cificadores também estranhariam se
ávido da presa’ (Sl 16, 12). Ademais, túrgicas, Filipe encontrou refúgio no presenciassem os lábios divinamente
outra besta grunhe sibilante junto a ti, claustro cisterciense de Claraval, onde doces de Jesus pronunciar: “Ai de vós,
‘como uma cria de leão que habita seu viveu seus últimos anos sob o desvelo escribas e fariseus hipócritas!”, “Se-
esconderijo’ (Sl 16, 12). Uma mais e a proteção de São Bernardo. De co- pulcros caiados”, “Serpentes! Raça de
feroz e a outra mais astuciosa, juntas ração sincero, o penitente se emendou víboras!” (Mt 23, 27.33).
Para saber diferenciar as ovelhas transviadas dos lobos que ameaçam o rebanho, a exemplo de São Bernardo,
é preciso imparcialidade, paciência e uma profunda vida interior
“O bom pastor”, por Thomas Cole - Crystal Bridges Museum of American Art, Bentonville (Estados Unidos)
1
LUDDY, Ailbe J. São Bernar- 4
SÃO BERNARDO DE CLA- Claraval ao ducado da Aqui- 6
SÃO BERNARDO DE CLA-
do de Claraval. São Paulo: RAVAL. Carta 126, n.7. In: tânia, os cismáticos chega- RAVAL. Carta 257, n.1. In:
Cultor de Livros, 2016, p.276. Obras Completas, op. cit., ram a destruir o altar onde ele Obras Completas, op. cit.,
p.471. Cabe notar que os adep- oferecera o Santo Sacrifício p.833.
2
SÃO BERNARDO DE CLA-
tos de Anacleto se mostraram (cf. LUDDY, op. cit., p.279).
RAVAL. Carta 151. In: Obras 7
LUDDY, op. cit., p.328.
bastante hostis à influência de
Completas. 2.ed. Madrid: 5
SÃO BERNARDO DE CLA- 8
CHAUTARD, OCR, Jean-
São Bernardo, e dificilmen-
BAC, 2003, v.VII, p.535; 537. RAVAL. Carta 125, n.1. In:
-Baptiste. L’âme de tout apos-
te aceitariam o frescor de sua
Obras Completas, op. cit.,
3
Idem, p.537. misericórdia. Logo após a pri- tolat. 15.ed. Paris: Téqui, 1937,
p.459.
meira embaixada do abade de p.136-137.
até mesmo dos pés para evocar a gou” (Ef 5, 2), “Maridos, amai
totalidade da atividade humana. as vossas mulheres, como Cristo
O coração, evidentemente, tem a amou a Igreja e Se entregou por
primazia.6 ela” (Ef 5, 25).
São Paulo foi herdeiro dessa São Paulo, por Antonio del Ceraiolo - Nessas perícopes, o Apóstolo ex-
concepção. Se analisarmos suas Museu da Academia Etrusca e da Cidade pressa as três dimensões do amor de
cartas, em muitas passagens encon- de Cortona (Itália) Nosso Senhor: “Cristo me amou”,
traremos alusões ao coração como: “Cristo nos amou” e “Cristo amou a
o receptáculo da caridade ou a fon- Igreja”. Trata-se de uma dileção por
te de onde ela procede (cf. Rm 5, 5; Percorrendo cada homem, pela humanidade e, de
I Tim 1, 5), o sacrário das consolações os escritos do modo especial, por seu Corpo Místi-
(cf. II Tes 2, 16; Col 2, 2), da paz de co. São Paulo deixa claro também que
alma (cf. Col 3, 15), da obediência à Apóstolo São Paulo, o amor de Jesus O levou a entregar-
Palavra de Deus (cf. Rm 6, 17), da mi- -Se. O próprio Redentor o expressou
sericórdia (cf. Col 3, 12), da generosi- descobrimos nele nas palavras da instituição da Eucaris-
dade (cf. II Cor 9, 7) e das resoluções tia, como recorda a Primeira Carta aos
firmes (cf. I Tes 3, 13).
um verdadeiro Coríntios: “Isto é o meu Corpo, que é
Em síntese, o coração aparece paladino do Sagrado entregue por vós” (11, 24).
como o centro da personalidade, o lu- Dir-se-ia ser tal o carinho de Cris-
gar no qual se enraíza a vida religiosa Coração de Jesus to por nós que acabou “obrigando-O”
e moral e se determina a orientação a consumar a Paixão e, não contente
Reprodução
sunção? Para fornecer uma solução Amoldar nossa
adequada a tais perguntas, nada me-
lhor do que ceder a palavra ao próprio mentalidade ao
São Paulo.
O Apóstolo nos preceitua a ser Sagrado Coração
“imitadores de Deus” (Ef 5, 1), pro-
gredindo na caridade até o derrama-
de Jesus significa
mento de sangue se necessário, con- conhecê-lo, adorá-lo
forme o exemplo de Nosso Senhor.
Devemos, afirma em outro lugar, ser e imitá-lo, sobretudo
uma “carta de Cristo” (II Cor 3, 3),
escrita não com tinta, mas com o Es- no escândalo da Cruz Sagrado Coração de Jesus - Coleção
particular
pírito do Deus vivo, não em tábuas de
pedra, mas nas tábuas de carne dos dinos do Sagrado Coração de Jesus de vida com suas santas máximas, que
nossos corações. Em síntese, eis a res- não houvessem explicitado bem cla- se traduz numa completa diminuição
posta: é evidente que sim! ramente seu significado. e esquecimento de si mesmos, como
Também Santa Margarida, em uma São Paulo preceitua: “Deixai de afirma Santa Margarida em uma de
missiva, suplica a certa religiosa que lado todas estas coisas: ira, animo- suas cartas.14
faça uma doação de todo o seu ser, sidade, maledicência, maldade, pa- Em suma, amoldar nossa mentali-
para que Nosso Senhor, tendo-o puri- lavras torpes da vossa boca, nem vos dade ao Sagrado Coração de Jesus sig-
ficado daquilo que O desagrada, possa enganeis uns aos outros. Vós vos des- nifica conhecê-lo, adorá-lo e imitá-lo
dispor dele segundo o seu beneplácito. pistes do homem velho com os seus em sua integridade, sobretudo onde
De ordinário, continua a Santa, Ele vícios, e vos revestistes do novo, que ela brilha com mais intensidade, ou
pede isso a seus mais queridos amigos: se vai restaurando constantemente à seja, no escândalo da Cruz. São Pau-
unidade de vontade, para não querer imagem d’Aquele que o criou”. Por- lo não conhecia nada além de “Jesus
nada além do que Ele quer; unidade de tanto, continua ele, é preciso que nos Cristo crucificado” (I Cor 2, 2), e foi
amor; unidade de coração, de espírito revistamos “de entranhada miseri- pregado misticamente com Nosso Se-
e de operação, para nos unir ao que Ele córdia, de bondade, humildade, do- nhor no madeiro (cf. Gal 2, 19). A nós
realiza em nós.13 çura, paciência” (Col 3, 8-10.12). é pedida a mesma atitude, pois “a Cruz
Meta tão sublime poderia parecer Sim, Nosso Senhor quer tudo dos é o trono dos verdadeiros amantes de
um pouco etérea, se ambos os pala- que Ele ama: a perfeita conformidade Jesus Cristo”.15 ²
1
É o que sustenta o célebre con- 5
Será de enorme utilidade para 9
SANTA MARGARIDA MA- São Paulo. São Paulo: Paulus,
vertido Joris-Karl Huysmans esta reflexão a obra do Pe. José RIA ALACOQUE. Autobio- 2010, p.530.
(cf. En route. Paris: Tresse & María Bover, SJ, à qual reme- grafía. In: SÁENZ DE TEJA- 13
Cf. SANTA MARGARIDA
Stock, 1895, p.341-342. temos o leitor interessado em DA, José María (Org.). Vida
MARIA ALACOQUE. Car-
maiores aprofundamentos so- y obras completas de Santa
2
Cf. BAINVEL, J. Cœur Sacré ta 94. A la H. de la Barge,
bre o assunto: San Pablo, ma- Margarida Maria Alacoque.
de Jésus (dévotion au). In: VA- Moulins (octubre de 1688). In:
estro de la vida espiritual. Quito: Jesús de la Misericor-
CANT, Alfred; MANGENOT, SÁENZ DE TEJADA, op. cit.,
3.ed. Barcelona: Casals, 1955, dia, 2011, p.142.
Eugène (Dir.). Dictionnaire p.366.
p.283-317.
de Théologie Catholique. Pa- 10
SANTA MARGARIDA MA- 14
Cf. SANTA MARGARIDA
ris: Letouzey et Ané, 1908, 6
Cf. CÔTÉ, Julienne. Cent RIA ALACOQUE. Memoria
MARIA ALACOQUE. Car-
v.III, c.303. mots-clés de la théologie de escrita por orden de la M. Sau-
ta 109. A la M. M. F. Dubuys-
Paul. Ottawa: Novalis, 2000, maise. In: SÁENZ DE TEJA-
3
Cf. SÃO BERNARDO DE son, Moulins (22 de octubre
p.84. DA, op. cit., p.172.
CLARAVAL. Sermones de 1689). In: SÁENZ DE TE-
in Cantica. Sermo 61, n.4: 7
Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, 11
SANTA MARGARIDA MA- JADA, op. cit., p.398.
PL 183, 1072. Plinio. Devoção ao Sagra- RIA ALACOQUE, Autobio- 15
SANTA MARGARIDA MA-
do Coração de Jesus. In: Dr. grafía, op. cit., p.115.
4
Cf. VANDENBROUCKE, RIA ALACOQUE. Carta
Plinio. São Paulo. Ano XIV.
François. Storia della Spiri- 12
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. 16. A la M. de Saumaise, Di-
N.155 (fev., 2011); p.10.
tualitá. Il Medioevo: XII-XVI Homilias sobre a Carta aos jon (25 de agosto de 1682). In:
secolo. 3.ed. Bologna: EDB, 8
BOVER, op. cit., p.288. Romanos. Homilia 32, n.24. SÁENZ DE TEJADA, op. cit.,
2013, v.V, p.66. In: Comentário às cartas de p.246.
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Ir. Maria Cecília Lins Brandão Veas, EP
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m dos movimentos mais A criação e a Redenção: tas, entendimento e vontade, com uma
belos da natureza consis- obras do amor alma imortal destinada à bem-aventu-
te no brincar das águas A Providência Divina não poderia rança eterna.
em todo o universo. As dar-nos mais provas de amor do que já No entanto, querendo entrar em
nuvens descarregam-se sobre a terra, nos concedeu: Ela criou céus e terra, contato conosco de forma mais sensí-
regam e fecundam o solo, fazendo ger- plantas, mares, rios, fontes, toda sor- vel, “de tal modo Deus amou o mundo
minar as plantas que ornam os pano- te de animais quadrúpedes, répteis e que lhe deu seu Filho único, […] para
ramas e dão alimento aos homens, ou aves; as criaturas todas servem-nos que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,
bem se solidificam em imensas gelei- sem cessar, são para nós reflexos do 16-17). O amor d’Ele por sua criatura
ras. Logo vem o estio, e ao calor impe- Criador e garantem-nos a sobrevivên- amada transbordou de seus limites!
tuoso forma-se o vapor: as nuvens se cia. Só isso? Não. Sim, Deus foi visto na terra e conviveu
transformam, sucede-se novamente a “Amo-te com eterno amor, por isso entre os homens.
chuva, o orvalho, a geada ou a neve. a ti estendi o meu favor” (Jr 31, 3). O Verbo Encarnado não veio só
É o perpétuo movimento de um ser Deus nos criou à sua imagem e seme- para ser vítima expiatória oferecendo
inanimado que sobe num estado, e se lhança, dotou-nos de potências perfei- sua vida em resgate por nossas faltas;
precipita em outro. Dir-se-ia, humani- se assim o fosse, talvez tivesse morri-
zando esse mineral, tratar-se de uma do com as crianças inocentes imola-
permuta inteligente, intercâmbio de Sendo a expressão das por Herodes. Mas, sendo a expres-
atributos, efeito que retorna à sua cau- são do amor divino, quis fazer de cada
sa como dever de gratidão. do amor divino, o passo de sua vida um testemunho de
Que pálido símbolo do relaciona- Verbo Encarnado sua insondável caridade.
mento que deveria haver entre Cria- Por trinta e três anos respirou nos-
dor e criatura! A natureza é dadivosa quis fazer de cada so ar, conviveu com os mais próximos
e obedece às leis de sua força motriz; sob os véus da humanidade. Ele atraiu
o homem, entretanto, manchado pelo passo de sua vida um a Si os Apóstolos, compadeceu-Se
egoísmo, tende a fechar-se em si mes- da multidão faminta, enterneceu-Se
mo ao invés de fazer de sua vida um
testemunho de sua com as criancinhas, chorou com Mar-
contínuo ato de louvor, gratidão, res- insondável caridade ta e Maria a morte do amigo Lázaro,
tituição. louvou os corações retos, curou os
Gustavo Kralj
jamais eu Vos possa esquecer, nem me separar de Vós.
Suplico-Vos, por vossa bondade, que meu nome seja escrito em Vós,
pois quero que toda a minha felicidade consista em viver e morrer como
vosso escravo. Assim seja.
Aparição do Sagrado Coração de Jesus a
Santa Margarida Maria Alacoque - Igreja de
Oração composta por Santa Margarida Maria Alacoque São Pedro, Lima
a titude de abandono filial, sabendo florida, isenta de espinhos e men- ração um trono para que aí reine seu
que Ele proverá todas as tuas neces- tirosa, mas a via da abnegação, do amado Jesus.
sidades. Luta por Ele contra o peca- sacrifício, da cruz e, por isso, a via Se um grande número de almas
do, renuncia aos prazeres munda- do perdão, mil vezes bendita, que te se dispuser a tal empresa, tenhamos
nos, imola-te em sacrifício pela conduzirá ao Paraíso! por certo que já começarão a soar
dilatação do reinado d’Ele em toda Peçamos ao Imaculado Coração as primeiras melodias de uma era
terra. Quando deixares este mundo, de Maria que nos introduza definiti- nova, marial e celeste, onde todos os
verás então quão magnífico foi o ca- vamente no Sagrado Coração de seu corações serão um com o de Jesus e
minho que escolheste: não a vereda Divino Filho, e prepare em nosso co- Maria! ²
1
SANTO AFONSO MARIA segundo os escritos de San- 4
Idem, ibidem. 6
CHARMOT, SJ, François.
DE LIGÓRIO. A prática do ta Mechtilde. Belo Horizon- Apelo ao amor. Mensagem do
5
MARMION, Columba. Jesus
amor a Jesus Cristo. 7.ed. te: Divina Misericórdia, 2017, Coração de Jesus ao mundo
Cristo nos seus mistérios. São
Aparecida: Santuário, 1996, p.85-86. e sua mensageira Sóror Jose-
Paulo: Cultor de Livros, 2017,
p.49. fa Menéndez. 4.ed. Contagem:
3
Cf. SCHRIJVERS, José. O Di- p.395.
Líttera Maciel, 1998, p.133.
2
GRANGER, OSB. O amor do vino Amigo. 2.ed. São Paulo:
Sagrado Coração explicado Cultor de Livros, 2021, p.134.
E
stando na contingência de que lhe causa boa impressão, enter- a má-Lo, a ponto de saber reconhecer
tratar sobre um tema tão necimento, e produz um sentimento o majestoso e suave timbre de sua voz.
caro, a devoção ao Sagra- de bondade e condescendência. Consideremos que essa pessoa hou-
do Coração de Jesus, meu Algo disso se dá comigo, por exem- vesse visto um olhar repleto de bonda-
modo de ser me levaria a procurar es- plo, sempre que vejo uma imagem do de e misericórdia d’Ele para alguém e,
tudar, pensar e meditar a respeito dele, Sagrado Coração de Jesus que está por outro lado, O tivesse contemplado
até ter conhecido tudo quanto seja numa igreja da cidade de São Paulo a açoitando os vendilhões do Templo ou
possível sobre o assunto. A meu ver, Ele dedicada. Ao ver aquela imagem, respondendo aos guardas do Templo
assim também deve ser o amor: feito lembro-me de uma série de emoções “Ego sum” (Jo 18, 5), e todos caírem
do máximo sentimento, mas também de ordem religiosa que tive diante dela, ao chão. Creio que, se eu fosse pin-
de raciocínio, pelo qual nós busca- as quais, evidentemente, de nenhum tor, seria capaz de fazer ao menos uns
mos entender ao máximo aquilo que modo considero ruins. Mas pergunto: cinquenta quadros representando di-
se sente. Da soma desses dois fatores será que o coração representa só isso? ferentes aspectos que n’Ele deveriam
resulta o verdadeiro amor. Devemos considerar que os anti- transparecer neste momento.
Contudo, os deveres de meu apos- gos entendiam o coração num sentido O mesmo se poderia fazer a respei-
tolado não me permitem agir de acor- mais profundo: para eles, o coração to da cena em que, do alto da Cruz,
do com esse princípio, ao menos não representava o conjunto de tudo aqui- entre gemidos Ele disse “Mãe, eis o
tanto quanto gostaria. Assim, ainda lo que o homem conhece e ama. Com teu filho!” e, depois, disse ao Apósto-
que eu não tenha podido fazer estu- um amor, porém, segundo a con- lo São João: “Eis aí tua Mãe!”(Jo 19,
dos profundos a respeito do tema, cepção que apontei acima, ou seja, 26-27). Com que fisionomia Jesus
algo sempre se conhece, e proponho sentindo, raciocinando, julgando e, terá dito isso? Ou, então, quando Ele
que entremos no assunto valendo- conforme o caso, aderindo e amando. afirmou ao bom ladrão: “Hoje estarás
-nos, sobretudo, daquilo que senti- Tudo quanto o homem ama assim, comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Neste
mos em relação a essa devoção. constitui um conjunto que forma a episódio é preciso considerar não só
mentalidade do homem, a qual é re- as palavras d’Ele ao bom ladrão, mas
Duas concepções de coração presentada pelo coração. também seu silêncio gélido em relação
Primeiramente, gostaria de ana- Considerada por esse prisma, a de- ao mau ladrão. Quanta expressividade
lisar duas concepções distintas, mas voção ao Sagrado Coração de Jesus tem o silêncio de uma pessoa como
não contrárias, a respeito do que o co- adquire uma profundidade insondável. Nosso Senhor Jesus Cristo!
ração representa. Pois bem, se a mim fosse dada a
Uma é a concepção moderna, se-
Diversos aspectos de graça de presenciar tudo isso, creio
gundo a qual o coração simboliza o uma mesma cena que, apesar do meu empenho em co-
sentimento puro, divorciado da ra- Imaginemos como alguém, que co- nhecer as mentalidades, eu esquece-
zão. Nessa visualização, o coração nhecesse Nosso Senhor Jesus C
risto ria tudo para só prestar atenção n’Ele.
de alguém deve vibrar à vista de algo durante sua vida terrena, deveria Evidentemente, também em Nossa
Mário Shinoda
ção, podemos nos perguntar como
deve ser a mentalidade de Cristo.
A resposta mostra-se muito difícil,
pois o tema é tão alto que, estando
embaixo, tem-se medo de subir. Por Dr. Plinio no início da década de 1980
outro lado, quando se chega em cima
não se tem vontade de descer. Creio que um dos mais pungentes
Se considerarmos a natureza huma- Considerando o sofrimentos pelos quais Cristo passou
na de Nosso Senhor, podemos tentar foi o do inexplicável, pois nenhuma
explicitar algo, pois no tocante à divin- coração como a dor humana é tão grande quanto a de
dade o assunto atinge tal altura que se sofrer sem saber a razão. Apesar de
torna impossível ao homem alcançá-lo. representação de tudo Nosso Senhor conhecer tudo enquan-
A fé nos ensina ser Jesus Cristo o aquilo que o homem to Deus, e saber que não era passível
Verbo de Deus encarnado que passou de culpa, de alguma forma misteriosa
a habitar entre os homens. Na Pessoa conhece e ama, como Ele deve ter sentido esta forma de dor,
d’Ele a natureza humana e a divina do contrário seu sofrimento não seria
se unem hipostaticamente, de modo deve ser o Sagrado completo.
insuperável e inatingível por qualquer Coração de Jesus? Tenho a impressão de que assim
criatura humana. Nem sequer Nossa como Deus, após criar cada ser que
Senhora, à qual acredito ter sido dado o existe no universo, considerou o con-
dom da permanência eucarística, pode sensação de abandono, que O levou a junto e viu ser este melhor (cf. Gn
chegar a uma união com Deus compa- pedir: “Pai, se for possível, afasta de 1, 31), de modo análogo Nosso Se-
rável à da natureza humana de Jesus. Mim este cálice!” (Lc 22, 42). nhor, depois de haver passado por to-
A relação entre a humanidade e a Ainda mais eloquente é o brado dos os tormentos da Paixão, deve ter
divindade na Pessoa do Verbo é algo lançado do alto da Cruz: “Meu Deus, olhado a beleza do conjunto de seus
tão extraordinário que São Luís, rei meu Deus, por que Me abandonaste?” padecimentos e pensado: “Está tudo
de França, tinha o belo costume, de- (Mc 15, 34). O que se passou naquele oferecido; tudo quanto podia sofrer,
pois adotado por toda a Igreja, de in- momento com esta união da natureza sofri, para a redenção do gênero hu-
clinar-se quando se afirmava durante humana e a divina, que possa ter cau- mano”. E então exclamou: “Consum-
o Credo: Et Verbum caro factum est sado um tão grande sentimento que matum est”.
et habitavit in nobis. O levou a, pouco depois, dizer “Con-
summatum est” (Jo 19, 30) e render
Mentalidade composta de
A maior alegria e o mais seu espírito? contrários harmônicos
terrível sofrimento Vê-se que, apesar da união da na- Ora, é preciso termos presentes
Que alegria tal união deveria produ- tureza humana de Nosso Senhor com esses aspectos de grandeza e forta-
zir na natureza humana de Jesus? Sem a divina, Ele sofria. E por certo equi- leza de alma que vemos transparecer
considerar sua divindade, pela qual líbrio que nesta vida costuma haver nos últimos atos da Paixão do Divi-
Cristo é a própria fonte de toda alegria. entre a felicidade e a dor, conside- no Redentor ao analisarmos cada
Apesar disso, por algum mistério, rando as alegrias de Jesus podemos momento de sua vida terrena. Com
durante a oração no Horto esta alegria medir quão profundos devem ter sido efeito, Aquele que sofreu uma morte
parece ter cedido lugar a uma terrível seus padecimentos. como essa, é o mesmo que acariciou
N o longínquo ano de
1182, numa família
burguesa de Tongres,
cidade da Bélgica, veio
à luz uma menina de olhar vivo e bri-
futuro mundano para a filha. Por
isso arranjou-lhe, antes mesmo que
completasse doze anos, um matri-
mônio financeiramente muito van-
tajoso, em função do qual reuniu
sobre a moça, e recusou ceder sua he-
rança a menos que fosse para que en-
trasse num convento. “Declarou, sem
rodeios, à filhinha que, se quisesse
tornar-se esposa de Cristo, teria um
lhante, a quem batizaram com o nome um rico dote. Contudo, o precioso dote. Do contrário, ‘teria que se casar
de Lutgarda. bem com tanto cuidado acumulado com um boiadeiro’”.1
Já no desabrochar de sua personali- perdeu-se no fundo do mar devido Afinal, fez-se a vontade da mãe e
dade, mostrou uma notável apetência ao naufrágio do navio que o trans- Lutgarda ingressou no mosteiro be-
pela vida sobrenatural e um senso qua- portava… neditino de Santa Catarina em Saint-
se experimental da presença de Deus, Sem condições de reunir um novo -Trond, como uma espécie de postu-
aos quais, contudo, mesclava um vivo dote, o cobiçoso comerciante apelou lante, onde passou a receber instrução
gosto pelos prazeres da vaidade mun- para sua esposa, que possuía um pa- e participar dos exercícios da comuni-
dana e das amizades humanas. Ao trimônio separado, rogando-lhe que dade, embora sem grande entusiasmo
mesmo tempo em que se sentia atraída salvasse o rentável casamento da fi- pela vida religiosa.
a santas cogitações, deleitava-se em lha. Ela, por sua vez, sendo uma mu-
usar roupas que realçassem sua bele- lher piedosa, já discernira em parte
Uma amizade perigosa
za, que era de fato excepcional. o desígnio sobrenatural que pairava Ora, a comunidade onde ingres-
Tudo isso, porém, nada mais era do sara – como infelizmente, naquele
que a sede subconsciente que tinha do então, tantas outras da Ordem de São
infinito, que apenas pode ser saciada Por vontade da mãe, Bento – estava apartada de seu fervor
por Deus. Seu coração ansiava pelo primevo e da fiel observância da re-
amor divino, sem saber ao certo em Lutgarda ingressou no gra… Aproveitando-se da situação,
que consistia nem como alcançá-lo. E um jovem que havia se encantado
ela permaneceu nessa volubilidade até
mosteiro beneditino, com a beleza de Lutgarda começou
que a misericórdia divina dignou-se sem imaginar que a fazer-lhe frequentes visitas no
vir em socorro de sua miséria. mosteiro. Ambos passavam longas
De um precoce noivado
ali encontraria horas no parlatório em conversas
mundanas e sentimentais e, longe
à vida religiosa aquilo por que tanto de serem reprovados, nisso eram
O pai de Lutgarda, homem de ne- ansiava e buscava imitados por várias outras pessoas
gócios, ambicionava um promissor do convento.
Reprodução
nante de seu zelo pelas almas deu-se com o mais intenso dos desejos
no final de sua vida. Com a saúde estar junto a Ele para sempre.
bastante debilitada por diversas do- Tendo se aplicado a isso com
enças e completamente cega havia fidelidade, Lutgarda faleceu
“Cristo aparece a Santa Lutgarda”, por Gaspar
cerca de nove anos, Lutgarda foi vi- suavemente no dia 16 de junho de Crayer - Convento das Irmãs Negras
sitada por um antigo amigo que vivia de 1246. Agostinianas, Antuérpia (Bélgica)
no mundo. Ele lhe confidenciou que
caíra em pecado e, mesmo após ter se
“Amor com amor se paga”
arrependido e confessado, não conse- Muitos ensinamentos poderiam ser Sobre cada um Deus
guia recobrar a paz e vivia abatido e ainda contemplados na vida – tão rica
desconfiado do perdão divino. em detalhes – de Santa Lutgarda. No derrama torrentes
Lutgarda importunou os Céus com entanto, em um só aspecto é necessá-
fervorosas orações em favor dele, sem rio que todos os cristãos a imitem: na
de afeto; imitemos a
obter resultado. No entanto, esses apa- docilidade com que se deixou trans- docilidade com que
rentes fracassos serviam apenas para formar pela força do amor divino.
alimentar sua fé, que terminou por tor- Sobre cada batizado, o Deus de Lutgarda se deixou
nar-se santamente obstinada. Sua alma infinita bondade derrama, a cada
ardente começou “a lutar com o Senhor; instante, torrentes de afeto. Contu- transformar pela
e quando viu, finalmente, que Deus per- do, para que esse amor seja eficaz força do amor divino!
sistia em reter sua misericórdia, excla- é preciso que ele, como ensinava o
mou: ‘Pois bem, apaga, Senhor, o meu dulcíssimo fundador de Lutgarda,
nome do Livro da Vida ou então perdoa “remonte à sua origem, retorne ao 1
Os diálogos transcritos neste artigo foram
a esse homem seu pecado!’”3 seu princípio, e restitua à sua fon- extraídos da obra: MERTON, Thomas. O
Tinha ela certeza de que Deus não te, de onde tire sempre novas águas que são estas chagas? A vida da mística
riscaria seu nome; desejava apenas para fluir sem cessar”.5 Este será cisterciense Santa Lutgarda de Aywières.
Campinas: Ecclesiæ, 2017.
afirmar ao próprio Jesus que sua sempre o segredo de toda a felicida-
misericórdia é sempre invencível. de e santidade dos justos.
2
Idem, p.83.
E o Salvador, por sua vez, Se com- Peçamos à santa cisterciense que, 3
Idem, p.205.
prazia em ouvir as ousadas súplicas do esplendoroso trono de glória onde 4
Idem, p.206.
e orações de sua esposa: “‘Eis que se encontra, nos obtenha do Sagrado 5
SÃO BERNARDO DE CLARAVAL.
já o perdoei, porque teve confiança Coração de Jesus a graça amá-Lo aci- Sermones sobre el Cantar de los Canta-
em ti,’ disse Nosso Senhor a Santa ma de todas as coisas e até os últimos res. Sermón 83, n.4. In: Obras Comple-
Lutgarda, ‘e não a ele somente, mas limites de nosso ser! tas. Madrid: BAC, 1987, v.V, p.1030.
F
olheando as páginas da Le- Cristo aparecia ao Chefe da Igreja “que o Senhor, justo Juiz” (II Tim 4, 8)
genda Áurea, encontramos e entregava-lhe um livro, no qual lhes reservara!
fatos da vida dos Santos São Pedro leu as seguintes palavras: Enquanto isso, porém, aqui na
que, embora possam care- “Fostes Vós, Senhor, que eu desejei terra os seus corpos sem vida servi-
cer de confirmação histórica, fazem- imitar, mas sem a presunção de ser riam de ocasião para um belo ato de
-nos conhecer a vida dos Bem-Aven- crucificado ereto, pois direito, ex- heroísmo.
turados por seu aspecto maravilhoso, celso e elevado sois sempre Vós, en-
como se nota no episódio narrado quanto nós somos filhos do primeiro
Degoladas em defesa das
nestas linhas, o qual nos mostra as homem, cuja cabeça está enterrada na santas relíquias
remotas origens de uma das devoções terra […]. Vós, Senhor, sois tudo para Conta-se que nessa mesma noite,
mais arraigadas entre os católicos. mim, […] nada há além de Vós”.2 E, enquanto reinava o silêncio nas vias
recomendando a Deus todos os fiéis, romanas, duas mulheres da nobreza
Duas colunas da Igreja, rendeu o espírito. aproveitaram a circunstância para en-
unidas até o martírio Ao intrépido São Paulo coube a terrarem os corpos daqueles gigantes
“Que a paz esteja contigo, funda- decapitação, por ser um cidadão ro- da Fé que haviam oferecido seu holo-
mento das igrejas, pastor das ovelhas mano. No momento da execução, causto. Basilissa e Anastácia, conver-
e dos cordeiros de Cristo!” Ouvin- de seus lábios brotou o nome por ele tidas pelas pregações e apostolado de
do essas palavras em momento tão pregado sem temor e pelo qual havia ambos, não hesitaram em arriscar suas
pungente, São Pedro também dirige sofrido amorosamente inúmeros tor- vidas em homenagem e gratidão a seus
ao Apóstolo das Gentes sua fraterna mentos: Jesus Cristo! Com efeito, “a mestres.
despedida: “Vai em paz, pregador dos boca fala do que lhe transborda do co- Entretanto, por disposição da Pro-
bons costumes, mediador e guia da ração” (Mt 12, 34), especialmente nos vidência, as duas foram descobertas
salvação dos justos”.1 Ambos haviam últimos instantes da existência. Aos e levadas ao tribunal de Nero, a fim
travado juntos a última batalha na pre- desprender-se do corpo, sua venerável de revelarem o paradeiro dos corpos,
gação do Evangelho, contra o pérfido cabeça bateu três vezes no solo e, em para serem queimados.
mago Simão, e agora, após o triunfo cada lugar tocado por ela, nasceu mi- Sustentadas pela graça divina, ne-
da ortodoxia, rumavam para igual e raculosamente uma fonte. nhuma delas confessou o esconderijo
glorioso fim: o martírio, que se daria Tendo-se consumado o martírio dos santos cadáveres. As autorida-
no mesmo dia e hora, em Roma, por dessas duas colunas do Cristianismo, des, então, tomadas de furor diante
ordem do Imperador Nero. uma mulher chamada Lemóbia, pre- da heroica resistência daquelas da-
Ao Apóstolo que mais amava foi sente na morte de São Paulo, teve uma mas, optaram por torturá-las: corta-
reservada a crucifixão. Seus discípu- visão dos dois Apóstolos, os quais ves- ram suas línguas e lhes deceparam os
los, desfeitos em lágrimas, tiveram tiam roupas deslumbrantes e traziam braços e os pés. Todavia, nada disso
a consolação de verem Anjos cerca- na cabeça coroas luzidias.3 Aquelas foi capaz de abalar sua fidelidade!
rem a cruz de onde pendia, de cabe- duas almas de fogo já se encontravam Ambas foram, finalmente, degoladas
ça para baixo. Nosso Senhor Jesus na glória celeste, recebendo o quinhão pelo iníquo tribunal.
1
BEATO JACOPO DE VARA- 4
Cf. RUIZ BUENO, Daniel tires. Madrid: Joachin Ibarra, 7
Cf. HIBBERT, Christopher.
ZZE. Legenda áurea. Vidas de (Ed.). Actas de los mártires. 1776, t.I, p.21. Rome: the biography of a city.
Santos. São Paulo: Companhia 5.ed. Madrid: BAC, 2003, London: Penguin, 1985, p.158.
6
Cf. JONIN, Pierre (Ed.). A
das Letras, 2003, p.506. p.277.
canção de Rolando. São Pau- 8
Cf. DH 1822.
2
Idem, p.507. 5
RUINART, Teodorico. Las lo: Martins Fontes, 2006, p.83.
verdaderas actas de los már-
3
Idem, p.517.
P
or vezes somos levados a ça recebida por intercessão de Dona guntava: “Será verdade? Será ela, de
pensar que, para sermos Lucilia, num momento de grande ne- fato, tão ‘milagreira’?”
atendidos ao rezar, de- cessidade. Assim, entre curiosa e maravi-
vemos formular longos e Da. Liliana conheceu os Arautos lhada, Da. Liliana foi crescendo na
complicados pedidos. Entretanto, o en- do Evangelho no ano de 2021, através devoção a Dona Lucilia: “Consegui
sinamento do Salvador é bem diverso: do curso de consagração a Nossa Se- uma fotografia dela, mandei revelá-la
“Nas vossas orações, não multipliqueis nhora. A partir de então, seguia os ví- e a coloquei num quadrinho. Sempre
as palavras, como fazem os pagãos que deos postados na internet, através dos olho para ela e confio em seu gran-
julgam que serão ouvidos à força de quais tomou conhecimento da história de amor para me ajudar. Mesmo nas
palavras. Não os imiteis, porque vosso de Dona Lucilia. Agradava-lhe acom- pequenas dificuldades ela me ajuda,
Pai sabe o que vos é necessário, antes panhar a narração de sua vida: “Ouvi olho para ela e ela me tranquiliza. Em
que vós Lho peçais” (Mt 6, 7-8). falar de seus milagres, de sua grande meus momentos de temor, de medo,
Os relatos transcritos a seguir intercessão; cada vez que assistia ao imagino seu sorriso – se estou lon-
confirmam essa preciosa lição do programa, ficava surpresa com sua ge de sua foto –, e ela me dá calma
Divino Mestre. Como mãe que inter- bondade”. Não obstante, ela se per- e paz”.
cede com solicitude junto ao Sagrado
Coração de Jesus, Dona Lucilia não
precisa de pedidos grandiloquentes. Diante da
Antes, ela quer que confiemos em seu
auxílio como crianças que se abando- impossibilidade de
nam aos cuidados maternos, esperan-
do proteção e amparo, certos de que pagar a cirurgia, a fé
ela sempre se apressa em socorrer os de Da. Liliana não
filhos que lhe apresentam suas neces-
sidades. encontrou obstáculos:
“Dona Lucilia encheu “Peça-lhe, peça-lhe,
nossa carteira!”
Da. Liliana Rojas León e seu espo-
e ela lhe dará!”
Reprodução
Reprodução
tín como advogado era escasso e seus essa graça assim que me entregassem
rendimentos baixos. Entretanto, a fé o carro”.
de Da. Liliana trouxe esperança para E ela não precisou esperar muito:
a situação quando ela narrou ao espo- Da. Isabel Carriço junto ao
dando-lhe precedência de forma inu-
so as graças que Dona Lucilia conce- carro consertado sual sobre outros clientes, em quin-
de a seus devotos, inclusive em apu- ze dias a concessionária entregou o
ros financeiros como o que estavam veículo consertado, apesar de as peças
enfrentando: “Meu marido, um pouco Não conseguindo que chegarem a conta-gotas da fábrica.
incrédulo, me disse rindo e abrindo Dona Lucilia abreviou de modo ma-
sua carteira: ‘Peça-lhe que encha mi- lhe entregassem o ternal aquela delonga. “Considero
nha carteira!’ E eu lhe respondi: ‘Pe- carro, Da. Isabel pediu isso um grande favor dela, um carinho
ça-lhe, peça-lhe e ela lhe dará!’” dela para comigo!”, escreve Da. Isa-
Três dias depois dessa singular a intercessão de Dona bel, agradecida.
conversa, o Sr. José Martín recebeu
a notificação de que deveria retirar, Lucilia e prometeu No dia em que estiver curada...
numa cidade vizinha, o ganho de uma Do Paraguai nos escreve Da. María
causa trabalhista de um cliente. Seus
que publicaria seu del Carmen Fretes Espinola, carinho-
honorários advocatícios somavam testemunho samente conhecida como Da. Maia,
trinta mil sóis, o valor exato da ci- narrando o modo como foi auxiliada
rurgia! Narra Da. Liliana: “Foi uma por Dona Lucilia: “Em outubro de
grande alegria quando meu marido -nos uma graça obtida pela interces- 2022, comecei de repente a ter uma
chegou em casa e me mostrou o maço são dessa bondosa mãe. febre muito alta. Precisei ir ao hospital
de notas, dizendo: ‘Olhe! Aqui está o Em agosto de 2022, Da. Isabel teve porque a febre não cedia. Após os pri-
dinheiro para a minha cirurgia, com- um pequeno acidente com seu carro e, meiros exames, os médicos decidiram
pleto’. Eu lhe respondi: ‘Viu só? A para consertá-lo, escolheu uma ofici- internar-me, pois os resultados não
mãezinha Lucilia lhe deu. Ela é mila- na credenciada, por ter mais garantias eram nada alentadores. Seguiram-se
grosa, é maravilhosa!”’ de qualidade no serviço. Contudo, de- mais exames durante cinco dias, após
Em abril de 2022, o Sr. José Martín vido aos enfrentamentos na Ucrânia, os quais me disseram que algumas
foi operado com sucesso. Da. Liliana o material necessário para o reparo bactérias muito estranhas haviam en-
viu sua confiança recompensada e estava em falta no país. trado em meu corpo e, como se isso
termina sua narrativa com a gratidão Com verdadeira apreensão, ela não bastasse, detectaram uma mancha
filial: “Obrigada, mãezinha Lucilia!” viu se passarem três meses sem re- no meu pulmão direito”.
ceber notícia alguma quanto à data Após sete dias de internação,
Quando os recursos de retorno do veículo. Como estava Da. Maia recebeu alta, mas devia
humanos falham… precisando dele, telefonou para a con- tomar grande quantidade de medica-
Também de terras lusas nos che- cessionária e lhe disseram que faltava mentos e fazer acompanhamento mé-
gam relatos. Da. Isabel de Jesus Fon- um farol. Apenas um farol! Resigna- dico da mencionada mancha. Poucos
seca Carriço, de Alhos Vedros, conta- da, Da. Isabel deixou passar mais um dias depois, o surgimento de outro
Reprodução
meios de realizar tal menos da metade e os
procedimento no país, nódulos periféricos ti-
Da. Maia consultou nham se dissolvido”.
um especialista da ci- Cheia de alegria,
dade de São Paulo, a Da. Maia encerra seu
quem enviou os resul- relato com palavras
tados de todos os seus Da. Maia junto ao túmulo de Dona Lucilia, no de gratidão: “Nesse
exames. Continua ela: Cemitério da Consolação, em São Paulo mesmo dia entrei em
“O médico recomen- contato com o sacer-
dou que eu viajasse com urgência a dote arauto para contar-lhe tudo o que
São Paulo, pois falava numa neoplasia Cancelada a punção havia acontecido e dizer que eu queria
pulmonar, a fim de submeter-me a uma visitar o túmulo de Dona Lucilia no
lobectomia o mais rápido possível”. pulmonar, Da. Maia dia seguinte. Outra surpresa: o padre
Na véspera da viagem, Da. Maia estava em São Paulo e também plane-
visitou a casa dos Arautos do Evan- decidiu, cheia de java ir ao cemitério! Assim, na sexta-
gelho em Asunción, onde recebeu as- -feira, dia 27 de janeiro, pude visitar
sistência sacramental de um sacerdote
alegria, ir no dia a sepultura e agradecer-lhe por esse
da instituição para atravessar a difícil seguinte ao túmulo milagre”.
fase que se iniciava. Este a confortou
dizendo que Deus tem sempre a última de Dona Lucilia Seguidilha de provações
e dificuldades
palavra, e entregou-lhe uma estampa
de Dona Lucilia com uma oração no para agradecer-lhe Igualmente comovedor é o depoi-
verso. Narra Da. Maia: “Antes de me mento que Da. Patricia Carolina Ríos
despedir, ele me deu uma fotografia de Albert Einstein, em São Paulo. Narra Furlotti nos envia, também do Para-
uma senhora da qual – disse-me ele – ela: “Desde o início senti uma força guai, desejando sinceramente que seu
no dia em que o médico certificasse de muito especial que me deu muita cal- testemunho possa servir para aumen-
que eu estava curada, deveria visitar a ma e tranquilidade durante os exames; tar a fé das pessoas na maternal inter-
sepultura em São Paulo”. contei isso ao meu esposo, porque em cessão de Dona Lucilia.
Da. Maia ainda não conhecia a pro- circunstâncias normais não me teria Casada há dezesseis anos com o
teção maternal de Dona Lucilia, mas a sido fácil superá-los”. Sr. Marcos Rafael Rivelli Barbosa,
partir desse dia confiou sua saúde e seu Estando já na sala de procedimen- Da. Patricia ainda não tem filhos e pa-
tratamento aos cuidados desta bondosa tos para fazer a punção, no dia 26, dece de várias enfermidades, que se
senhora e todas as noites rezava a ora- Da. Maia rezava sem cessar. Nesse iniciaram pouco depois do matrimônio
ção impressa no verso da fotografia. momento, entrou o cirurgião e disse e só se agravaram ao longo do tempo.
que a equipe médica decidira fazer Ambos são cooperadores fervorosos
O diagnóstico se reverte outra tomografia, para esclarecer uma dos Arautos do Evangelho, conhecem
No dia 23 de janeiro, ela iniciou dúvida sobre a mancha no pulmão, a devoção a Dona Lucilia e a ela se
uma série de exames preparatórios pois lhe parecia que esta diminuíra. encomendaram em diversas dificul-
para a punção pulmonar, no Hospital Escreve Da. Maia: “A princípio, assus- dades, recebendo continuamente seus
or
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Jú
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Em
Leandro Sousa
David Ayusso
1 2 3
7
4
10
13
Eric Salas
8
Sérgio Oliveira
14
11
12
15
José Eduardo Valente Emerson Júnior Ivano G. Jesse Arce
Sumário
Fotos: Eduardo Injoque
São Paulo – A convite dos Irmãos Franciscanos na Providência de Deus, a Imagem Peregrina do Imaculado
Coração de Maria visitou, nos meses de março e abril, as dependências do Hospital Universitário São Francisco, em
Bragança Paulista, e as Santas Casas de Misericórdia das cidades de Aparecida e Guaratinguetá. Ao som de belas
melodias executadas pelos jovens arautos, a Mãe de Deus levou conforto e esperança para funcionários e pacientes.
Fotos: Dismery Tineo
República Dominicana – O Asilo São Francisco de Assis, dirigido pela Irmãzinhas dos Anciãos Desamparados
na cidade de Santo Domingo, recebeu também a visita da Imagem Peregrina. Houve a coroação da Santíssima
Virgem e momentos de oração.
Fotos: Aida de Mérida
Guatemala – Grande e inocente alegria manifestaram as crianças da creche pertencente à Igreja da Virgem
do Caminho, na Cidade da Guatemala, ao receber a Imagem Peregrina no dia 23 de março. Juntamente com as
professoras e auxiliares, elas elevaram seus pueris pedidos a Maria Santíssima e receberam terços, estampas e
guloseimas como lembrança.
El Salvador – A fim de arrecadar os meios necessários para a construção da nova igreja dos Arautos no país, no dia 18
de abril mais de quinhentas pessoas se reuniram para um jantar beneficente em San Salvador. Na ocasião, Dom Luigi
Roberto Cona, Núncio Apostólico em El Salvador, coroou a Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria. Os
presentes puderam também assistir a um concerto musical e a um vídeo sobre o avanço das obras de construção.
facebook.com/StClemensBerlin
– talvez a única em Berlim – abriga que afirmam ser nosso dever aban-
a Adoração Eucarística permanente, Adoração Eucarística donar o que Jesus nos ensinou e o
na Paróquia São Clemente, Berlim
as vinte e quatro horas do dia, durante que fizemos durante dois mil anos, e
toda a semana, com concorrida participação dos fiéis. atualizá-lo para o século XXI”; mas “nestes dias a nossa
Outras iniciativas, como as lideradas pelo ex-diretor tarefa é estar ao pé da Cruz e permanecer com Jesus e
de relações internacionais da companhia aérea Luf- com Maria”.
Por sua vez, o Arquieparca sirí- queimaram e profanaram diversas com os alunos de uma escola pública
aco de Mosul, Dom Benedict You- igrejas locais, e os cristãos que não na cidade de San Vero Milis, Sardenha.
nan Mubarak Hano, teve a alegria conseguiram fugir foram torturados A educadora, Marisa Francescan-
de celebrar em abril a Missa de Pri- e assassinados. geli, tinha confeccionado uma pulseira
meira Comunhão de cento e quinze em forma de rosário com as crianças
crianças na Igreja de São João Ba-
Professora italiana penalizada nas vésperas do Natal, e os convidou
tista, localizada na cidade iraquiana por rezar com alunos a rezar. As reclamações de alguns pais
de Qaraqosh, a qual também esteve Em meados de março, uma pro- motivaram as medidas disciplinares
ocupada pelo Estado Islâmico en- fessora do ensino primário foi punida impostas pela diretoria da escola, as
tre os anos 2014 e 2016. Durante com vinte dias de suspensão e redução quais causaram polêmicas discussões
este período, os fundamentalistas de salário por ter rezado parte do Terço nos meios de comunicação da Itália.
Somos inúteis?
Lembrando-se de tudo, Manuela sentou-se no banco e se
desfez em prantos. Até que soprou um daqueles vendavais
de outono, que faz cair tantas folhas das árvores…
E ra outono, tarde de um
sábado. As crianças es-
peravam o início da aula
de catecismo, ministrada
por uma boa religiosa. Mas, surpre-
sas, veem entrar outra irmã, a coor-
ficar de repouso. Então todos apro-
veitem o tempo para adiantar as li-
ções.
Os alunos se entristeceram com a
notícia pois, além de se compadece-
rem da professora, sentiam por não
irigiu-se aos aposentos dela e encon-
D
trou no percurso a irmã enfermeira:
— A professora está doente; posso
ir cuidar dela ou pelo menos lhe fa-
zer companhia? Quem sabe se ela não
está se sentindo sozinha…
denadora: poder avançar na matéria sobre a A religiosa viu a boa disposição da
— Um aviso: a Ir. Laura não pôde Presença Real de Nosso Senhor Jesus menina, mas precisou explicar:
vir hoje. Ela está resfriada e precisa Cristo na Eucaristia, um dos últimos — Seu desejo é muito bonito! Sei
temas antes do grande dia da Primei- o quanto a Ir. Laura ficaria contente.
ra Comunhão. Contudo, não posso permitir porque,
Com o decorrer do tempo, alguns se você se aproximar dela, poderá
foram terminando as tarefas. Nessa adoecer também. Que a Virgem lhe
turma estudava Manuela, uma pe- recompense! Se quiser escrever uma
quena particularmente inocente e cartinha, posso entregar para ela.
cheia de generosidade. Ela resolveu Conformada com essas palavras,
preencher os minutos que restavam Manuela redigiu um afetuoso bilhete
para auxiliar seus colegas: e depois continuou a procurar alguém
— Alguém precisa de ajuda? necessitado de ajuda.
Entretanto, ninguém respon- Deparou-se então com a irmã
deu… responsável pela costura. Vendo que
Ela se levantou e passou de car- tecia uma linda toalha de altar, pron-
teira em carteira indagando o mes- tificou-se alegremente:
mo, mas as respostas eram sempre — Boa tarde! Precisa de algum
negativas. serviço?
Isso não a ressentiu nem intimi- — Oh, obrigada, pequena! Eu te-
dou: queria fazer algum ato bom! nho uma agulha só… Da próxima vez
Como ainda faltava uma hora e meia consigo mais material para você cos-
para retornar a casa, Manuela decidiu turar comigo. Pode ser?
andar pela escola para ser de utilida- Manuela aceitou, permaneceu um
Vendo o papel no chão, aproximou- de a quem quer que fosse. pouco ali olhando como se tecia e, em
-se e o recolheu. Era uma foto de A primeira ideia que lhe veio à seguida, despediu-se e voltou a andar
Santa Teresinha com uma frase! mente foi a de cuidar da Ir. Laura. pelo corredor. Descendo as escadas,
T
udo corria bem. Até que com tanta naturalidade nessa sen- pão superior, inexcogitável, como é a
um dia suas vidas muda- tença, ele não seria conhecido já nos Sagrada Comunhão.
ram completamente. Por primórdios da humanidade? E então Seja como for, o momento da insti-
uma insensatez, eles per- surge outra pergunta: “Adão e Eva, tuição desse augusto Sacramento che-
deram um mundo de maravilhas e se éreis vós quem o fazíeis? Ou o Padre gou quando, na Quinta-Feira Santa,
viram lançados num terrível vale de Eterno vo-lo dava, como ‘pão descido Nosso Senhor proclamou: “Tenho de-
lágrimas… Sim, caro leitor, refiro-me do céu’ (cf. Sl 77, 24)?” Deixo a res- sejado ardentemente comer convosco
à história de Adão e Eva, ou melhor, posta à mercê de sua imaginação, caro esta Páscoa” (Lc 22, 15). O Coração
à nossa história. Expulsos do Paraíso leitor, para passar a uma questão mais de Jesus vibrava de emoção por, en-
Terrestre, recaíram sobre ambos vá- transcendente. fim, dar-Se em alimento à natureza
rias maldições, que se desdobrariam Alguns teólogos levantam a hipó- humana e permanecer conosco até o
em sua descendência ao longo dos tese de que a Segunda Pessoa da San- fim do mundo (cf. Mt 28, 20)!
milênios. Uma delas se encontra as- tíssima Trindade teria Se encarnado “Eis o Pão dos Anjos que se torna
sim expressa nas Sagradas Escrituras: mesmo se não houvesse o pecado ori- alimento dos peregrinos: verdadeira-
“Comerás o teu pão com o suor do teu ginal, a fim de coroar a obra da cria- mente é o pão dos filhos de Deus!”2
rosto” (Gn 3, 19). ção com a união hipostática.1 Se isto As gerações se sucedem desde a San-
Compreende-se que essas palavras é verdade, não podemos conjecturar ta Ceia e o fervor dos fiéis nunca ces-
aludam ao esforço que a partir de en- que também seria instituída a Santís- sou de buscar novas expressões para
tão o homem teria de fazer para con- sima Eucaristia? louvar a Eucaristia. E um dos títulos
seguir o próprio sustento. Contudo, Talvez por isso o pão estivesse encontrados foi Pão dos fortes.
deixando de lado esse trágico cenário, presente nas refeições desde o Éden, Pão dos Anjos, Pão dos fortes…
as palavras divinas suscitam certa a fim de habituar a humanidade com “A Hóstia consagrada não é o manjar
curiosidade: se Deus menciona o pão seu uso, predispondo-a a desejar um próprio a mim, que não sou pessoa
v alorosa nem espírito angélico”, po- perfeitos, mas um auxílio para nossa seu Filho, e O acolhe e adora em nosso
deria alguém concluir. Nós nos conhe- fraqueza. O segredo está em como, nome. Portanto, “não há lugar em que
cemos muito bem… Quantas covar- por que meio, nos apresentarmos para a criatura seja capaz de encontrá-Lo
dias e vacilações na fé, quantas vergo- receber o Sacramento do Altar. mais próximo de si e em maior equi-
nhosas capitulações ante as tentações Ainda que nossa consciência não líbrio com sua fragilidade do que em
do inimigo! Se ao menos a Eucaristia nos acuse de pecado mortal, sentimos Maria, uma vez que foi por essa razão
tivesse sido dado aos habitantes do certa indignidade ante Jesus-Hóstia. que Ele dignou-Se descer até Ela”.3
Paraíso Terrestre, haveria alguma pro- Como encobri-la e haurir os efeitos su- Tão rica refeição só será bem apro-
porção. Mas a nós?! blimíssimos do banquete celestial? Só veitada pela intercessão de Nossa Se-
Longe de nós cairmos nessa men- há um modo: recebê-Lo por meio da nhora, visto que, em qualquer outro
tira do demônio! Como ensinou São Santíssima Virgem. Ela, a mais perfei- lugar, Jesus será sempre o pão dos
Pio X ao promover a Comunhão fre- ta devota da Eucaristia, prepara nossa Anjos e dos fortes; em Maria, porém,
quente, a recepção do Santíssimo alma revestindo-a de suas virtudes, Ele Se tornará para nós o “pão dos pe-
Sacramento não é um prêmio para os para sermos dignos receptáculos de queninos e dos fracos”.4 ²
1
A maioria dos teólogos jul- de Aquino se encontra no pri- Antonio. Jesus Cristo e a vida Aquino para a Solenidade de
ga que a Encarnação só se re- meiro grupo, mas termina sua cristã. Campinas: Ecclesiæ, Corpus Christi.
Lúcio César Rodrigues
alizou para remédio do peca- explanação sobre o tema re- 2020, p.54-57; SÃO TOMÁS 3
SÃO LUÍS MARIA GRIG-
do. Outros – como o São Ru- conhecendo que, para o po- DE AQUINO. Suma Teológi- NION DE MONTFORT. O
perto de Salzburgo, Santo Al- der de Deus, nada impedi- ca. III, q.1, a.3). Segredo de Maria, n.20. São
berto Magno, Duns Scoto e ria que o Verbo Eterno Se en- 2
Da sequência Lauda Sion, Paulo: Paulus, 2018, p.30.
São Francisco de Sales – têm carnasse sem existir o peca-
composta por São Tomás de 4
Cf. Idem, ibidem.
opinião diversa. São Tomás do (cf. ROYO MARÍN, OP,
E la é, depois de Deus, e
tanto quanto o pode ser,
a caridade viva, o zelo vivo.
O que não faz Ela para ver-
ter numa alma ao menos uma
gota de vida divina!
Desejais, ó Maria, difun-
dir a graça. Pois bem! Dela
sereis a Mãe. A própria fonte
da graça é o Sagrado Cora-
ção de Jesus: Ele é vosso, to-
mai-o, abri-o, derramai-o.
Fazei, num mesmo ato, a fe-
licidade d’Ele, a vossa e a das
almas. Dai, concedei. Vós
nunca dareis tudo, porque
Ele é infinito. Vós nunca da-
reis em demasia, porque Ele
quer dar o infinito.