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Fevereiro 2024
Santa e indefectível
em meio à procela
O estudo piedoso da doutrina católica é uma ocasião para progredirmos na vida
espiritual, uma fonte de alegria neste vale de lágrimas e um utilíssimo meio
de nos unirmos mais a Deus. Por isso, no intuito lhe ajudar a compreender melhor as
verdades da Fé e a trilhar os caminhos da virtude, a plataforma de formação dos Arautos
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tualidade, crescer no conhecimento do Sagrado Magistério e se encantar com a história
da salvação no Antigo Testamento e nos dois milênios de existência da Igreja Católica.
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Transmissão da Santa Missa
diariamente às 19h (Horário de Brasília)
Ano XXIII, nº 266, Fevereiro 2024
SumáriO
Escrevem os leitores ���������������������������������������� 4 Sobre o subjetivismo –
Uma lição de vida através
ISSN 1982-3193
Ser ameaçado de Santa Catarina de Sena
Revista de cultura
e inspiração católica
ou ameaçar? (Editorial) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 30
publicada por:
A voz dos Papas – Lourdes: uma promessa
Associação Brasileira
Arautos do Evangelho Nova e incomparável
CNPJ: 03.988.329/0001-09 efusão da Redenção
www.arautos.org.br . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Comentário ao Evangelho – Mãe que vela pela saúde do
Diretor Responsável:
Mario Luiz Valerio Kühl A cátedra indestrutível corpo e da alma
Conselho de Redação: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Severiano Antonio de Oliveira;
Condessa Matilde de Arautos no mundo
Silvia Gabriela Panez;
Marcos Aurelio Chacaliaza C. Toscana – Virgem virtuosa,
guerreira e nobre
Administração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 14 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 40
Rua Diogo de Brito, 41
02460-110 - São Paulo - SP Papa Marcelo II – Lições de Aconteceu na Igreja e
admrevista@arautos.org.br um curto pontificado no mundo
Assinatura e . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.. 18 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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atendimento ao assinante:
Cruzados do século XIX História para crianças... –
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Assinatura e Participação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Argúcia maternal e amorosa Os Santos de
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.. 24 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Exemplar avulso................ R$ 17,00
Beata Isabel Canori Mora – Espelhos de Jesus Cristo
Os artigos desta revista poderão ser Vidente das tribulações
reproduzidos, desde que se indique a fonte
da Igreja
e se envie cópia à Redação. O conteúdo das
matérias assinadas é da responsabilidade
dos respectivos autores.
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.. 26 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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M uito se tem falado nos últimos tempos a respeito das ameaças de todo
gênero que circundam a nau da Santa Igreja, nas águas cada vez mais pro-
celosas deste mundo. São elas reais, não cabe a menor dúvida. Entretan-
to, pouco ou nada se menciona sobre as ameaças proferidas pelos divinos lábios
d’Aquele que constituiu essa mesma nau e que, a despeito das ilusórias pretensões
das forças do mal, a mantém e conduz vitoriosa há dois mil anos.
Com efeito, se incontáveis foram as palavras de doçura e perdão exaladas da
boca do Divino Mestre, não pouco numerosas foram suas variegadas expressões
ameaçadoras contra as mais diversas categorias de seres. Ele ameaçou a febre que
prostrava a sogra de Simão (cf. Lc 4, 39) e a tempestade que aterrorizava seus dis-
cípulos no Mar de Tiberíades (cf. Mc 4, 39); ameaçou os demônios (cf. Mt 17, 18;
Mc 1, 25; 9, 25; Lc 4, 35; 9, 42) e os seus mais fiéis servidores daquele tempo, a
saber, os escribas e fariseus (cf. Mc 3, 5; Mt 23, 13-38; Lc 11, 38-52) que se tinham
apossado da cátedra de Moisés (cf. Mt 23, 2). Também nas suas sapienciais pará-
bolas inseriu com frequência fortes ameaças, por exemplo, contra o administrador
relapso que, se fosse encontrado por seu senhor maltratando os servos, seria parti-
do ao meio (cf. Lc 12, 46).
266
Essas ameaças não faltaram até mesmo nos momentos mais decisivos da vida do
Salvador, como na Santa Ceia, quando ditava aos discípulos o sublime testamento
Número
o 2024
Fevereir
de seu amor: “Em verdade vos digo: um de vós Me há de trair. […] Mas ai daquele
homem por quem o Filho do Homem é traído! Seria melhor para esse homem que
jamais tivesse nascido!” (Mt 26, 21.24).
À luz dessas considerações, a parábola dos vinhateiros (cf. Lc 20, 9-19) nos ofe-
rece uma consoladora aplicação no tocante às mencionadas ameaças que cercam a
tível Santa Igreja em nossos dias. Por três vezes, o senhor da vinha manda servos seus
indefec
Santa e r o cela
em meio
à p para cobrar o que lhe compete dos que a tinham arrendado. No entanto, os vinhatei-
ros os espancam e ferem, assassinando, por fim, o próprio herdeiro, que lhes é igual-
mente enviado. Interpela então Jesus seus ouvintes: “Que lhes fará o dono da vinha?
Navio em Virá e destruirá esses vinhateiros, e dará a vinha a outros” (Lc 20, 15-16). Assim
tempestade aconteceu aos ministros da Antiga Lei que não quiseram aceitar o Messias, os quais
(editado), por se reconheceram sem dificuldade figurados nesses criminosos (cf. Lc 20, 19).
Thomas G. Purvis - Após Se referir à pedra angular rejeitada pelos construtores, Nosso Senhor sela
Museu Marítimo suas divinas palavras com uma ameaça: “Todo o que cair sobre aquela pedra, será
Nacional, Londres quebrado; e sobre quem ela cair, será esmagado” (Lc 20, 18). Tal intimidação bem
Foto: Reprodução
pode ser atribuída à Esposa Mística d’Aquele que é essa pedra angular, sobretudo em
relação à promessa de sua indefectibilidade (cf. Mt 16, 18), pois a parábola mostra
que, quando faltam bons ministros, o Senhor não tarda em enviá-los, aniquilando
os usurpadores.
Assim, em meio aos maiores vendavais e às águas mais revoltas, quem deve
temer as ameaças não é a Santa Igreja, mas sim seus inimigos. Os externos, que se
quebrarão ao cair sobre esta rocha; e os internos, que serão esmagados quando a
virem cair sobre si com o peso do calcanhar da Santíssima Virgem: “Ela esmagará”
(Gn 3, 15). ²
Nova e incomparável
efusão da Redenção
Junto à gruta bendita, a Virgem nos convida, em nome de seu Divino Filho,
à conversão do coração e à esperança do perdão. Escutá-La-emos?
T
oda terra cristã é uma terra trabalhadora na sua pobreza. “Ela vem E, poderíamos acrescentar, ja-
marial, e não há povo redi- a Bernadette”, dizíamos nós outrora, mais se saberá a soma de benefícios
mido pelo Sangue de Cris- “fá-la a sua confidente, a colaboradora, de que o mundo é devedor à Virgem
to que não goste de procla- o instrumento da sua ternura maternal auxiliadora! “Ó gruta feliz, honrada
mar Maria sua mãe e sua padroeira. e da misericordiosa onipotência de seu pela presença da Mãe de Deus! Rocha
Relevo empolgante assume, todavia, Filho, para restaurar o mundo em Cris- digna de veneração, da qual brotaram
esta verdade quando se evoca a his- to por uma nova e incomparável efu- abundantes as águas vivificadoras!”
tória da França. O culto da Mãe de são da Redenção”. […]
Deus remonta às origens da sua evan-
Definição pontifícia
gelização […].
Rocha da qual brotaram confirmada em Lourdes
águas vivificadoras Estes cem anos de culto maria-
Manifestações marianas, Sabeis, caros filhos e veneráveis no teceram, ademais, entre a Sé de
cheias de predileção irmãos, em que condições estupen- Pedro e o santuário pirenaico laços
Devia, no entanto, o século XIX, das, apesar de zombarias, de dúvidas estreitos, que nos apraz reconhecer.
após a tormenta revolucionária, ser e de oposições, a voz daquela menina, A própria Virgem Maria não dese-
por muitos títulos o século das predi- mensageira da Imaculada, se impôs jou essas aproximações? “O que em
leções marianas. ao mundo. Sabeis a firmeza e a pureza Roma, pelo seu magistério infalível,
Para só citarmos um fato, quem é do testemunho, experimentado com o Sumo Pontífice definia, a Virgem
que não conhece hoje em dia a Meda- sabedoria pela autoridade episcopal e Imaculada Mãe de Deus, a bendita
lha Milagrosa? Revelada, no próprio por ela sancionado desde 1862. entre as mulheres, quis, ao que pare-
coração da capital francesa, a uma Já as multidões haviam acorrido e ce, confirmá-lo por sua boca, quando
humilde filha de São Vicente de Pau- não têm cessado de precipitar-se para pouco depois Se manifestou por uma
lo que tivemos a alegria de inscrever a gruta das aparições, para a fonte mi- célebre aparição na Gruta de Massa-
no catálogo dos Santos, essa meda- lagrosa, para o santuário elevado a pe- bielle”.
lha cunhada com a efígie de Maria dido de Maria. É o comovente cortejo Certamente, a palavra infalível do
concebida sem pecado espalhou por dos humildes, dos doentes e dos aflitos; Pontífice Romano, intérprete autênti-
todos os lugares os seus prodígios es- é a imponente peregrinação de milha- co da verdade revelada, não necessi-
pirituais e materiais. res de fiéis de uma diocese ou de uma tava de nenhuma confirmação celes-
E, alguns anos mais tarde, de 11 de nação; é a discreta diligência de uma te para se impor à fé dos fiéis. Mas
fevereiro a 16 de julho de 1858, à Bem- alma inquieta que busca a verdade… com que emoção e com que gratidão
-Aventurada Virgem Maria aprazia, Dizíamos nós: “Jamais num lugar da o povo cristão e seus pastores não
por um favor novo, manifestar-Se na terra se viu semelhante cortejo de so- recolheram dos lábios de Bernadette
terra dos Pirineus a uma menina piedo- frimento, jamais semelhante irradiação essa resposta vinda do Céu: “Eu sou a
sa e pura, saída de uma família cristã, de paz, de serenidade e de alegria!” Imaculada Conceição”! […]
Guillermo Torres
Numa sociedade que não tem lá
muita consciência dos males que a
corroem, numa sociedade que vela
as suas misérias e as suas injustiças
sob aparências prósperas, brilhantes Peregrinos em oração na Gruta de Masabielle, Lourdes (França)
e descuidosas, a Virgem Imaculada,
por quem o pecado jamais roçara, puras; está na indiferença para com
manifesta-Se a uma menina inocente. seu irmão, no egoísmo que o esma-
Com compaixão maternal percor-
A uma sociedade que, ga, na injustiça que o priva dos seus
re com o olhar este mundo redimido na sua vida pública, direitos, numa palavra, nessa concep-
pelo Sangue de seu Filho, onde, infe- ção da vida que regula tudo em vista
lizmente, o pecado faz cada dia tantas contesta os direitos somente da prosperidade material e
devastações, e por três vezes lança o das satisfações terrenas. […]
seu apelo premente: “Penitência, peni-
supremos de Deus,
Premente missão para
tência, penitência!” Gestos expressi- a Virgem maternal os sacerdotes
vos são, mesmo, pedidos: “Ide beijar a
terra em penitência pelos pecadores”. lançou como que um A uma sociedade que, na sua vida
E ao gesto há que juntar a súplica: pública, não raras vezes contesta os
“Rogareis a Deus pelos pecadores”. brado de alarme direitos supremos de Deus, que quere-
ria ganhar o universo ao preço de sua
Atualidade da mensagem por nós mesmos. Esse materialismo alma (cf. Mc 8, 36), e que assim corre-
Tal como no tempo de João Batis- não está somente na filosofia conde- ria à sua perdição, a Virgem maternal
ta, tal como no início do ministério de nada que preside à política e à econo- lançou como que um brado de alarme.
Jesus, a mesma injunção, forte e rigo- mia de uma porção da humanidade; Atentos ao seu apelo, ousem os sacer-
rosa, dita aos homens a trilha da volta manifesta-se também no amor do di- dotes a pregar a todos, sem temor, as
a Deus: “Arrependei-vos” (Mt 3, 2; nheiro, cujas devastações se amplifi- grandes verdades da salvação. […]
4, 17). E quem ousaria dizer que esse cam à medida dos empreendimentos Assim como, compassiva para
apelo à conversão do coração perdeu, modernos, e que, infelizmente, co- com as nossas misérias, mas clarivi-
nos nossos dias, a sua atualidade? […] manda tantas determinações que pe- dente sobre as nossas verdadeiras ne-
Junto à gruta bendita, a Virgem nos sam sobre a vida dos povos; traduz- cessidades, a Imaculada vem aos ho-
convida, em nome de seu Divino Filho, -se pelo culto do corpo, pela procura mens para lhes lembrar as diligências
à conversão do coração e à esperança excessiva do conforto e pela fuga de essenciais e austeras da conversão re-
do perdão. Escutá-La-emos? […] toda austeridade de vida; induz ao ligiosa, devem os ministros de Deus,
Ora, o mundo, que tantos e tão desprezo da vida humana, daquela com sobrenatural segurança, traçar às
justos motivos de ufania e de espe- mesma que é destruída antes de ver almas a estrada estreita que conduz à
rança oferece nos nossos dias, conhe- a luz; está na demanda desenfreada vida (cf. Mt 7, 14). ²
ce também uma terrível tentação de do prazer, que se ostenta sem pudor e
materialismo, muitas vezes denun- que mesmo, pelas leituras e pelos es- Excertos de: PIO XII.
ciada pelos nossos predecessores e petáculos, tenta seduzir almas ainda Le pèlerinage de Lourdes, 2/7/1957
a Evangelho A
Naquele tempo, 13 Jesus foi à perguntou: “E vós, quem di- digo que tu és Pedro, e sobre
região de Cesareia de Filipe e zeis que Eu sou?” 16 Simão Pe- esta pedra construirei a mi-
ali perguntou aos seus discípu- dro respondeu: “Tu és o Mes- nha Igreja, e o poder do in-
los: “Quem dizem os homens sias, o Filho do Deus vivo”. ferno nunca poderá vencê-la.
ser o Filho do Homem?” 17
Respondendo, Jesus lhe dis- 19
Eu te darei as chaves do Rei-
14
Eles responderam: “Alguns se: “Feliz és tu, Simão, fi- no dos Céus: tudo o que tu li-
dizem que é João Batista; ou- lho de Jonas, porque não foi gares na terra será ligado nos
tros que é Elias; outros ainda, um ser humano que te reve- Céus; tudo o que tu desliga-
que é Jeremias ou algum dos lou isso, mas o meu Pai que res na terra será desligado nos
profetas”. 15 Então Jesus lhes está no Céu. 18 Por isso Eu te Céus” (Mt 16, 13-19).
A cátedra indestrutível
I – A cátedra que nenhum poder fice são, por si mesmas, e não apenas em virtude
humano conseguirá destruir do consenso da Igreja, irreformáveis”.2
É um secular e venerável costume comemo- Contudo, a autoridade doutrinal do Vigário
rar a Cátedra de Pedro, exaltada pelos Padres da de Cristo não é independente, nem absoluta. O
Igreja em seus escritos.1 A pioneira em instituir mesmo concílio explica com clareza sua subor-
essa festa foi a cidade de Antioquia, em lembran- dinação à Divina Revelação: “O Espírito Santo Pelo múnus
ça de seu primeiro Bispo, o próprio Príncipe dos não foi prometido aos Sucessores de Pedro para
Apóstolos. Mais tarde Roma, sua última diocese, que, por revelação sua, manifestassem uma nova
petrino o Papa
começou também a celebrá-la, estendendo-a de- doutrina, mas para que, com sua assistência, con- possui um
pois à Igreja universal. servassem santamente e expusessem fielmente a
Ao referir-nos à cátedra entendemos a sede revelação transmitida pelos Apóstolos, ou seja, o poder delegado
estável da qual o Bispo ensina palavras de salva- depósito da Fé”.3
ção aos seus fiéis. Tratando-se da Cátedra de Pe- Portanto, pelo múnus petrino o Papa possui um por Cristo,
dro, fazemos alusão ao ensinamento infalível do poder delegado por Cristo para certificar os cató- não para
Papa, pastor universal da Igreja, de cujos lábios o licos das verdades fundamentais, de sorte que co-
rebanho de Cristo deve receber o alimento puro e nhecendo e amando Deus com segurança possam manifestar
santo da verdade divina. santificar-se e, na conclusão de seu percurso ter-
Nesse sentido, o Concílio Vaticano I con- reno, ter acesso às mansões eternas. Foi o próprio doutrinas
sagrou uma antiquíssima tradição eclesial ao Jesus, na região de Cesareia de Filipe, quem quis
declarar: “O Romano Pontífice, quando fala ex estabelecer sua Igreja sobre a rocha da confissão
novas, mas
cathedra – isto é, quando no desempenho do mú- de fé de São Pedro. Trata-se de um dom de inesti- para certificar
nus de pastor e doutor de todos os cristãos, define mável valor, pelo qual somos gratos a Deus.
com sua suprema autoridade apostólica que de- Entretanto, ao longo da História não faltaram os católicos
terminada doutrina referente à fé ou à moral deve acontecimentos infelizes que puseram em evi-
ser sustentada por toda a Igreja –, em virtude da dência a fragilidade de alguns Papas e o mau uso
das verdades
assistência divina prometida a ele na pessoa do feito de seu magistério. Por temor à opinião do- fundamentais
Bem-Aventurado Pedro, goza daquela infalibili- minante, em diversas circunstâncias a Fé foi pos-
dade com a qual o Divino Redentor quis que es- ta em risco de forma vergonhosa. Basta lembrar
tivesse munida a sua Igreja quando deve definir – além dos casos de Vigílio e Libério – a defecção
alguma doutrina referente à fé e aos costumes; e de Honório, condenado por heresia pelo III Con-
que, portanto, tais declarações do Romano Pontí- cílio de Constantinopla, com a posterior confir-
Apóstolos dos Apóstolos. Trata-se do próprio Nosso Senhor, nem São Pedro nem os outros Apóstolos são fun-
não são pois é Ele quem constitui Simão como pedra ba- damentos distintos de Nosso Senhor, mas depen-
silar da Igreja, e quem promete torná-la invencí- dentes d’Ele. Sua doutrina não é diferente daque-
fundamentos vel contra os assaltos do maligno. la de seu Mestre, mas a mesma de seu Mestre. […]
A este propósito os protestantes arguiam nas “Nosso Senhor, portanto, é fundamento,
distintos disputas teológicas ser incoerente pretender e São Pedro também, mas com uma diferen-
que a Esposa de Cristo tivesse dois alicerces, ça tão notável que, comparados um ao outro,
de Nosso ou seja, Jesus e o Apóstolo Pedro. Baseados na pode-se considerar o segundo como não o
Senhor, mas Escritura, que se refere diversas vezes a Nosso sendo. Isto porque Nosso Senhor é fundamen-
Senhor enquanto rocha fundamental da Igreja, to e fundador, fundamento sem outro funda-
dependentes procuravam descartar a missão do Papa, Su- mento, fundamento da Igreja natural, mosaica
cessor de São Pedro e seu inimigo jurado. Cita- e evangélica, fundamento perpétuo e imortal,
d’Ele, e sua vam com frequência a célebre asserção de São fundamento da Igreja Militante e da Triunfan-
doutrina não Paulo: “Quanto ao fundamento, ninguém pode te, fundamento de Si mesmo, fundamento de
pôr outro diverso daquele que já foi posto: Je- nossa fé, esperança e caridade e do valor dos
é diferente da sus Cristo” (I Cor 3, 11). Como esclarecer essa Sacramentos. São Pedro é fundamento, mas
aparente dicotomia? A Igreja teria, então, dois não fundador de toda a Igreja; fundamento,
de seu Mestre fundamentos distintos? sim, mas firmado sobre outro fundamento, que
Para responder a essas indagações, vem ao é Nosso Senhor; fundamento unicamente da
caso citar uma obra apologética de São Francisco Igreja evangélica, fundamento sujeito a suces-
de Sales, que o fez merecedor do título de Doutor são, fundamento da Igreja Militante, mas não
da Igreja: da Triunfante; fundamento por participação,
“Nós [católicos] não o colocamos [São Pe- fundamento ministerial, não absoluto, e, em
dro] como fundamento, mas quem o colocou foi definitivo, administrador e não senhor, e de ne-
Aquele mesmo sem o qual não pode haver ne- nhum modo fundamento de nossa fé, esperança
nhum outro fundamento. Portanto, se Nosso Se- e caridade, nem do valor dos Sacramentos.
nhor é verdadeiro fundamento da Igreja – como “Essa tão grande diferença faz com que, por
de fato é – faz-se necessário crer que São Pedro comparação, um não seja chamado de funda-
também o seja, já que Nosso Senhor o pôs em tal mento em face do outro; mas, considerado se-
posição. […] paradamente, possa chamar-se fundamento, de
“Considerastes bem as palavras de São Paulo? modo a dar razão às palavras sagradas: sendo o
Ele não quer que nenhum outro fundamento, di- Bom Pastor, Ele não deixa de dar-nos pastores
ferente de Nosso Senhor, seja reconhecido, pois abaixo de Si, mas com uma tal diferença entre
1
O grande São Jerônimo, dirigindo- em comunhão com Vossa Beatitu- 3
Idem, 3070.
-se ao Bispo de Roma, assim se ex- de, ou seja, com a Cátedra de Pedro. 4
SÃO LEÃO II. Carta “Regi regum”
pressava: “Julguei que devia con- Sei que a Igreja está edificada so-
ao Imperador Constantino IV:
sultar a Cátedra de Pedro e a fé lou- bre esta rocha” (SÃO JERÔNIMO.
DH 563.
vada por boca apostólica, e buscar Epístola 15. A Dámaso, n.1-2. In:
alimento para minha alma ali onde, Obras Completas. Madrid: BAC,
5
SÃO FRANCISCO DE SALES.
outrora, recebi a vestidura de Cris- 2013, t.Xa, p.73; 75). Les controverses. P.II, c.6, a.2. In:
to. […] Eu, que não sigo outra pri- Œuvres. Annency: J. Niérat, 1892,
2
CONCÍLIO VATICANO I. Pastor
mazia senão a de Cristo, uno-me t.I, p.236-238.
æternus: DH 3074.
Virgem virtuosa,
guerreira e nobre
Reprodução
acontecimento teria enchido Matilde vezes com falhas. Eu Vos conjuro que 4
Idem, p.32.
de alegria! Contudo, havia já sete anos apagueis agora meus pecados. Não
que a condessa entregara sua alma a cessei de viver por Vós, foi em Vós que
5
Idem, p.104.
Deus. depositei minha esperança. Recebei- 6
Idem, p.226.
Lições de um curto
pontificado
“Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos,
morremos para o Senhor. Quer vivamos, quer morramos,
pertencemos ao Senhor”. õ André Luiz Kleina
firme, ser convicto em suas ideias mais probas e santas que fossem,
uç
od
pelo rebanho de Deus a ele con- divinos. Quantas vezes nos é mais
fiado. Logo que subiu ao sólio de Que intenções teve o Altíssimo ao levar um
fácil realizar obras e fazer con-
São Pedro, promoveu a tão deseja- servo de tão promissoras esperanças e que quistas, do que nos resignarmos
da reforma nos costumes do clero, tão pouco reinou como Sucessor de Pedro? diante de um pequeno contratem-
então assaz decadentes. E para Retrato do Papa Marcelo II - po desejado por Deus, mas que vai
remediar o lastimável nepotismo, Museus Vaticanos de encontro aos nossos planos…
amplamente praticado por seus Marcelo II é um exemplo de
antecessores, proibiu a entrada de seus para o Senhor. Quer vivamos, quer pastor a ser admirado, mas sobretudo
parentes em Roma sem seu expresso morramos, pertencemos ao Senhor” imitado. ²
consentimento, além de considerar (Rm 14, 7-8).
com relutância a hipótese de favorecê- E foi isso o que se deu. Após ofi-
-los com os bens eclesiásticos. ciar as cerimônias da Semana Santa, 1 WEISS, Juan Bautista. Historia Univer-
Entretanto… não pôde levar mais Marcelo II caiu gravemente enfer- sal. Barcelona: La Educación, 1929, v.IX,
adiante seus planos, que tanto prome- mo, vindo a falecer em poucos dias, p.681-682.
tiam para o futuro da Igreja. para o espanto de toda a Cristandade. 2 PASTOR, Ludovico. Historia de los Pa-
Seu pontificado durou apenas vinte pas. En la época de la reforma y restau-
Nas mãos da Providência e dois dias, dos quais dez transcor- ración católica. Barcelona: Gustavo Gili,
“Se minha vida há de ser útil à reram com o Pontífice totalmente 1927, v.XIV, p.37.
Igreja de Deus, que Ele a guarde; se inválido… 3
Idem, p.52.
vitória completa
contra os inimigos,
apesar de estarem
em menor número
“A batalha próximo a Mentana”, por
Lionel-Noël Royer - Coleção privada
prestaram juramento de fidelidade poderia ser expressa pelas palavras totalidade dos enfrentamentos a vitó-
em janeiro de 1861. do Barão Onffroy: “Quereríamos ver ria pendeu para lado dos defensores da
Nesse tempo de certa inação, dois nascer, em favor do digno Sucessor religião, em boa medida graças ao seu
fatos merecem especial destaque. O de Pedro, o magnífico movimento treinamento e ao novo comandante.
primeiro foi a chamada Convenção que se verificou na época de Godo- Entretanto, não era possível man-
de Setembro: um acordo assinado em fredo de Bouillon e de São Luís rei, ter uma vida em constante guerra.
1864 entre Vítor Emanuel II e Napo- em vista da libertação dos Lugares Para isso, fez-se necessário encerrar
leão III, que coordenava a retirada das Sagrados”.3 o assunto de uma vez por todas, atra-
tropas francesas do território italiano Aquelas eram verdadeiras graças vés de uma grande batalha.
e a não-agressão às terras papais. O de cruzada, que conferiam aos sol- Com o retorno do apoio de Na-
segundo, no mesmo mês do ano se- dados um dinamismo e uma coragem poleão III ao exército papal, surgiu
guinte, foi a morte de La Moricière. que superavam a simples natureza, a ocasião propícia para finalmente
Com esta perda, Pio IX viu-se na con- como fica claro na carta de um deles à constituir um exército razoável. Ago-
tingência de ceder às instantes solici- sua família: “A ideia de que eu coope- ra seriam cinco mil homens – dos
tações que lhe advinham de todas as ro com a mais santa das missões, que quais cerca de dois mil e quinhentos
partes para dispensar Mons. Mérode estou cumprindo a vontade divina, zuavos – a apresentar batalha a dez
da função de ministro das armas, e me dá uma força que não é natural”.4 mil inimigos.
transferi-la ao general alemão Her- Afirmações como estas testemu- Mentana foi o lugar onde, no dia 3
mann Kanzler, que, diga-se de passa- nham a ação da graça nas almas dos de novembro, ambos os exércitos se
gem, revelou-se muitíssimo eficaz. combatentes para as novas lutas que enfrentaram. Apesar da desproporção
A nova nomeação, somada à indig- viriam. numérica, ao se encontrarem as duas
nação geral causada pela retirada das bandeiras os zuavos avançaram com
tropas francesas, renovou o fervor dos
Mentana: a grande vitória tal élan que, “em um instante, os gari-
zuavos e dos católicos que, do mundo O ano de 1867 veio intensificar a baldinos foram alcançados, atingidos
inteiro, vinham alistar-se nas fileiras atuação do esquadrão papal. Já em fe- pelas baionetas, lançados por terra e
pontifícias. Por causa disso, de um vereiro, Garibaldi percorreu o norte da perseguidos sem poder se reagrupar”.5
batalhão cujo contingente, em 1865, Itália agrupando homens para avançar Finalmente, os exércitos papais os ex-
não passava de quinhentos homens, sobre a Cidade Eterna. Sua sanha anti- pulsaram da cidade para onde haviam
o exército cresceu em dois anos para católica era tão evidente que certos fiéis fugido, deixando mil mortos e feridos,
2.289, dos quais 872 eram holandeses, chegaram a considerá-lo o anticristo. além de 1.398 prisioneiros.
659 franceses e 495 belgas. Devido à retomada das hostilida- A vitória foi completa. Ao chegar
des, os zuavos voltaram também à em Roma, o batalhão entrou acla-
“Coopero com a mais ação e combateram os garibaldinos mado aos brados pelo povo: “Viva
santa das missões” em várias ocasiões: Bagnoregio, Mon- Pio IX! Viva a França! Viva o Papa-
Sentia-se no palpitar dos corações telibretti, Farnese, Monte-Rotondo, -Rei! Vivam os zuavos! Viva a tropa
o surgimento de nova força, que bem entre outras. Graças a Deus, na quase pontifícia! Vivam os franceses!”6
1
A corte romana só escolhe- -SALAGNAC, Georges. Les 3
Idem, p.86. tificaux en 1867. Paris: Victor
ria oficialmente o nome zua- zouaves pontificaux. Paris: Palmé, 1875, p.337.
4
DU COËTLOSQUET, SJ,
vos pouco depois da Batalha France-Empire, 1963, p.60). Charles. Théodore Wibaux. 6
CERBELAUD-SALAGNAC,
de Castelfidardo, da qual se fa- 2
GUÉNEL, Jean. La dernière Zouave pontifical et jésui- op. cit., p.175.
lará a seguir. Contudo, a de-
guerre du Pape. Les zouaves te. Lille: Desclée de Brouwer,
cisão não fez senão chance-
7
GUENEL, op. cit., p.141.
pontificaux au secours du 1890, p.46.
lar um costume existente, uma 8
Idem, p.142.
Saint-Siège: 1860-1870. Ren- 5
MÉVIUS, David Ghislain
vez que já se soía chamar as-
nes: Presses Universitaires de Emile Gustave de. Histoire
sim o batalhão, devido a seu
Rennes, 1998, p.45. de l’invasion des États Pon-
uniforme (cf. CERBELAUD-
“O triunfo da Igreja” - Museu Nacional do Vice-reinado, Tepozotlán (México); em destaque, Dr. Plinio no ano de 1938
família, algum tempo depois abraçou arruiná-la; são eles lobos vorazes
os mais mundanos costumes. Não que, em pele de ovelhas, procuram
obstante os problemas de consciência
A maior tristeza da sua total destruição”.
que lhe causava sua incorrespondên- vidente era constatar A Beata percebia com clareza que,
cia, contraiu núpcias com um afamado muitas vezes, os piores inimigos e
advogado de Roma, Cristóvão Mora, o quanto a Santa perseguidores de Jesus crucificado
que se transformou desde então na encontravam-se na própria Igreja,
cruz e no aguilhão de sua vida.
Igreja era traída conspurcando a santa fé dos Apóstolos
Era o amor de Deus que a perse- por aqueles que e desviando os fiéis da Lei Divina com
guia, encaminhando sua vida rumo doutrinas nefandas; “servindo-se”, di-
a uma dolorosa conversão. Com o deveriam sustentá- zia ela, “das mesmas palavras das Sa-
auxílio da graça, ela encontrou no so- gradas Escrituras e dos Santos Evan-
frimento o caminho para purgar seus la e defendê-la gelhos, para perverter o reto sentido e
numerosos pecados e o meio para ini- para sustentar sua perversa malícia e
ciar um íntimo relacionamento com oferece-te a meu Pai Celeste em favor suas máximas indignas”.
Deus. da minha Igreja. Prometo-te minha Com grande horror, Isabel com-
Aos vinte e nove anos de idade, ajuda”; “Confia nos excessos incom- preendeu o estado lamentável de inú-
o Senhor a visitou com as primeiras preensíveis de minha infinita miseri- meras almas consagradas ao Senhor:
experiências místicas. Isabel se tor- córdia. Anima-te a padecer por meu “Vi os sacrilégios cometidos por tan-
nou uma vidente das tribulações da amor. Estarei sempre contigo para tos ministros de Deus! Vi a gula des-
Igreja, sendo favorecida com dons ajudar-te e fazer-te vitoriosa sobre ti tes, o apego que têm aos bens transi-
proféticos e com os estigmas da Pai- mesma. Deixo-te minha amada Mãe tórios, o esquecimento do verdadeiro
xão. Deus lhe mostrou, em visões so- para que te conforte. Filha, meu amor culto a Deus! Vi o bem aparente, pra-
brenaturais, as duras batalhas que a te crucificará sobre esta cruz. Eu serei ticado com fins escusos! […] Foi-me
Igreja Militante teria de travar nos úl- o sacerdote, e tu a vítima”. mostrada a má administração dos
timos tempos contra as forças do mal santuários. Vi a grande desonra que
que, externamente e em seu interior,
Dolorosas aflições da Deus recebe de maus sacerdotes”.
urgiam para destruí-la. Santa Igreja Sua maior tristeza consistia em
Em 1814, Isabel decidiu fazer um As visões de Isabel são insistentes constatar o quanto a Esposa Mística
ato de oferecimento de sua vida, dis- em relação a tragédias que, embora já de Cristo era prejudicada pela infide-
pondo-se a tudo renunciar e a padecer tivessem se iniciado em seu tempo, lidade de seus ministros que, em vez
em si todas as penas que o Senhor lhe ainda estavam por descarregar-se em de sustentá-la ao preço do próprio san-
quisesse enviar. Sedento de tais sacri- sua plenitude sobre o mundo e sobre a gue, traíam-na, apoiando-se nas falsas
fícios, Deus logo a colheu como víti- Igreja. Foram-lhe mostradas as dolo- máximas do mundo…
ma de amor pela Igreja e pelo Papado, rosas aflições que a Santa Igreja teria Verdadeira vítima pela Igreja, Isa-
encorajando-a, em duas ocasiões, com de sofrer “daqueles que, sob o nome bel sofria profundamente com os peca-
estas palavras: “Minha amada filha, de bem e de vantagem, procuram dos do clero e pedia a Deus com ardor:
Reprodução
“Destruição de Pompeia e Herculano”, por John Martin - Tate Britain, Cidade de Westminster (Inglaterra)
Sumário
Sobre o subjetivismo
H
á certas palavras que, chegam movidos por simples curio- sua universalidade. As perseguições
uma vez pronunciadas, sidade. religiosas, as guerras e as comoções
são como um raio de luz A resposta se torna ainda mais por que tinha passado a filha primo-
na mais densa escuridão, difícil se recordamos a parcimônia gênita da Igreja a partir da Revolução
que por si só produzem consolo e es- do discurso de Nossa Senhora du- Francesa abalaram profundamente o
perança. Lourdes é uma delas. rante suas manifestações na gruta. É Catolicismo que outrora reinara nes-
Quando ouvimos esse nome, logo curioso, mas em geral a Virgem pare- sa nação, influenciando os demais
nos vem à mente a cena da procissão ce tão mais parca em palavras quanto povos europeus. O mundo caía nas
das velas, da bendita gruta de Massa- mais sua mensagem está destinada a profundas trevas do ateísmo, do ra-
bielle e da imagem que lá se encontra, ser universalmente conhecida. cionalismo e do subjetivismo.
ou das magníficas basílicas dedica- Lourdes não escapa a essa regra. Se Nesse momento a Santíssima Vir-
das à Mãe de Deus. Impossível não se não fosse absurdo, quase diríamos que gem decide aparecer num lugarejo
lembrar das águas que manam abun- a Rainha do Céu se tomou de timidez quase desconhecido da França, a uma
dantemente aos pés d’Ela, e que tanto ao ver-Se surpreendida pelas multi- jovenzinha simples e ignorante, a
benefício físico e espiritual trazem a dões em seu tête-à-tête com a cândida fim de que dali fluísse um caudal de
inúmeros fiéis. De fato, “Lourdes é e humilde Bernadette Soubirous; dedu- graças e de prodígios impensáveis e
um daqueles lugares que Deus esco- ziríamos que aquela publicidade A in- inexplicáveis a não ser pela fé.
lheu para nele fazer resplandecer um comodava, por forçá-La a entreter uma Nossa Senhora veio para transmi-
raio particular da sua beleza”.1 audiência maior do que a planejada. tir ao mundo uma mensagem de ora-
Obviamente, a verdade é diversa. ção, de penitência e de conversão, e
Qual o alcance de Lourdes? Sabemos que o carisma da profecia em seus fiéis devotos, especialmente,
Ao pensar nesse quadro, ao mes- se manifesta de formas variadas. Não quis incutir ânimo e amor ao sacri-
mo tempo tão magnífico e tão singe- devemos limitá-lo ao discurso, pois fício, como bem indica uma das pri-
lo, podemos indagar sobre as razões até mesmo as ações e os movimen- meiras frases que Ela disse à vidente:
que teriam levado Deus a escolhê-lo tos do profeta podem carregar uma “Não prometo lhe fazer feliz neste
para tornar-se um dos maiores cen- mensagem (cf. Ez 37, 15-28; Jr 13). mundo, mas no outro”.
tros de peregrinação do mundo, uma E quando meditamos em Lourdes en-
espécie de Santa Casa de Misericór- quanto símbolo e gesto profético, algo
Um mero fenômeno histórico?
dia aberta para todos, onde inúmeros do mistério começa a despontar em Contudo, podemos nos perguntar
doentes obtêm a cura, pecadores se toda a sua estatura. se essa esteira de graças é como o bri-
convertem, aflitos encontram conso- lho das estrelas que contemplamos no
lação, onde, enfim, uma fonte de luz
Uma resposta aos firmamento durante a noite, as quais
e de graça se derrama sobre os que problemas de seu tempo se originaram há milhões de anos e
para lá se dirigem com um mínimo O contexto das aparições de Maria chegam até nós como um tênue teste-
de devoção, e até sobre aqueles que Imaculada a Santa Bernadette indica munho de algo ocorrido num astro que
M
ãe é a pessoa a quem Vejamos, pois, a solicitude desta Lucilia, que atendeu de modo supera-
clamamos, desde a boníssima mãe e peçamos que ela bundante às suas orações.
mais tenra infância, acolha também a nós no número de Cooperadora dos Arautos do Evan-
para vencer qual- seus filhos necessitados. gelho em seu país, Da. Ligia veio ao
quer dificuldade. Não há quem não Brasil em julho de 2022 para participar
tenha passado, ao longo da vida, por
Uma viagem marcada pela dor do congresso internacional que se rea-
provas e complicações que só o bom Da. Ligia María Rojas Zúñiga, da liza todos os anos. Contudo, carregava
coração materno soube compreen- Costa Rica, narra dois favores obti- duas cruzes que lhe afligiam o espírito
der e resolver. das por Nossa Senhora do Carmo, e faziam empreender com temor essa
Os relatos apresentados nesta edi- graças também à intercessão de Dona viagem. Acompanhemos seu relato:
ção mostram-nos Dona Lucilia como
mãe que vela por seus filhos em qual-
quer situação: desde problemas no
repouso noturno até a cura de uma
doença crônica.
Ao partir para o
Brasil, Da. Ligia
carregava duas
cruzes que lhe
afligiam e faziam
Reprodução
empreender com
temor essa viagem Da. Ligia (ao lado da imagem de São José) com os cooperadores da Costa Rica,
em visita a uma das casas dos Arautos em São Paulo
estava avermelhada, mas nada havia ser algo insignificante, para outros “Quando terminei o curso univer-
de líquido ou fluído. torna-se motivo de grande apreensão. sitário, decidi prosseguir meus estu-
“Quando retornei à Costa Rica, É o caso de Da. Susan Alzamora, do dos em Lima, onde também podia
minha família e meus amigos nota- Peru, para quem Dona Lucilia se tor- trabalhar. Em certo momento, pensei
ram em mim algo diferente. De fato, nou um luminoso lenitivo. que essa mudança me ajudaria mui-
durante a viagem havia sido curada “Desde criança”, relata ela, “eu to, mas nada melhorou. Continuaram
de dois males: o do coração e o da tinha pesadelos e muito medo do os pesadelos, aliás, mais conhecidos
má circulação sanguínea, da qual so- escuro. A tal ponto que havia noites como paralisia do sono.
fria há vinte e dois anos. O meu mé- nas quais via-me obrigada a dormir “Alguns meses depois fui convi-
dico confirmou o ‘milagre’, depois no quarto de meus pais, e só con- dada a fazer o curso de consagração
de examinar minha perna e compro- seguia conciliar o sono sentindo- a Nossa Senhora, e me inscrevi. Em
var que a ferida havia se fechado e -me protegida por eles. Minha mãe contato com os Arautos, tomei conhe-
cicatrizado.” ensinou-me que, depois de cada cimento de Dona Lucilia, mas nessa
Assim conclui Da. Ligia seu re- pesadelo ou sonho desagradável, a ocasião não pedi sua intercessão”.
lato: “Encontro-me agora saudável, primeira coisa que eu devia fazer
um ano depois de tudo o que acon- era rezar. Por sua vez, as palavras
Logo após uma oração a Dona
teceu. Desde então, agradeço infi- de conforto de meu pai eram: ‘Fique Lucilia, o fim dos pesadelos
nitamente a Dona Lucilia e a Nossa tranquila, estamos com você, não A Providência tem suas horas para
Senhora por terem permitido que a tenha medo’. intervir e, muitas vezes, elas soam
rosa caísse, por terem me inspirado “Com o passar dos anos, os pesa- no momento em que as dificuldades
a pôr a pétala na gaze, por terem me- delos tornaram-se mais intensos, dei- atingem seu auge. Assim ocorreu
diado para que Deus manifestasse xavam-me imobilizada, sentia como com Da. Susan.
sua glória e me curasse física e espi- se algo me esmagasse o peito. A úni- Continua ela sua narração: “No iní-
ritualmente”. ca coisa que podia fazer era abrir os cio deste ano, os pesadelos tornaram-
olhos, não conseguia mover-me. Co- -se muito frequentes, a ponto de eu te-
Pesadelos e ação preternatural mentei o fato com uma senhora que mer a chegada da noite. Lembrei-me,
Há certas provações que nos nos ajudava em casa, e ela me disse: então, de que uma senhora muito gen-
acompanham desde a infância, e que ‘Medrosinha, quando lhe acontecer til me dera de presente uma estampa
só podem ser superadas com o auxí- isso, berre com eles, insulte-os, e verá de Dona Lucilia, com uma pétala de
lio sobrenatural. como a deixarão em paz’. Segui a su- rosa retirada de seu túmulo. Coloquei-
Talvez nada seja mais difícil para gestão, mas sem qualquer resultado. -a sobre meu peito, dizendo: ‘Dona
uma criança do que enfrentar o medo Passava o tempo e nada melhorava. Lucilia, minha mãezinha, ajudai-me
do escuro e os assaltos dos pesadelos Ao despertar-me, sentia-me cansada, a repousar, protegei-me em meus so-
noturnos. Isso que para alguns pode esgotada e fraca. nhos e defendei-me de todo mal’.
Ivano Gavilanes
Roberto Salas
Asunción Piraquara (PR) Guatemala
Leandro Souza
Nuno Moura
Campo Grande Porto (Portugal)
Cristopher Rodrigues
Nuno Moura
José Rugeles
Jesse Arce
Tatiane Oliveira
1 2 3
Hamilton Langa
Rodrigo Aguiar
Bruno Souza
José Ribeiro
4 5 6 7
Xavier Jacob
Emílio Paez
1 2 3
Esperança para os que sofrem – Os Arautos residentes em Cuenca, Equador, organizaram uma distribuição de cestas
básicas para as comunidades da localidade de Tarqui, através do projeto Fé e Caridade (foto 1). As comunidades de
Sangallaya e Encomarca, no Peru, receberam, por sua vez, a visita da Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria
e do Menino Jesus, junto com doações de alimentos e presentes de Natal para as crianças (foto 2). Já em Asunción,
Paraguai, o Divino Infante levou esperança para os enfermos do Hospital Central do Instituto de Previdência Social (foto 3).
Devanildo Barbosa
Roberto Salas
1 2
Willian Bonilla
Xavier Jacob
3 4
Leandro Souza
Mariana Chitsotso
Ronny Fisher
5 6 7
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em novembro de 2023 uma pesqui- 5.500 e 3.000 a.C., o que inclinou
sa intitulada Keep the Faith: Mental favoravelmente os estudiosos para
Health in the UK, que demonstra a possibilidade de que a descoberta
largamente o impacto positivo que a seja autêntica.
prática da religião pode ter na saúde
mental e nas perspectivas de vida
Famílias espanholas promovem
das pessoas. O estudo foi realizado “Adolescência sem celulares”
com 2.004 adultos em todo o Reino Ainda na Espanha, centenas de fa-
Unido, incluindo Escócia e Irlanda Possível descoberta de mílias estão aderindo à iniciativa Ado-
do Norte, e sua descoberta mais elo- vestígios da arca de Noé lescência sem celulares, que visa frear
quente é a diferença numérica entre Estudos recentes parecem rati- o uso excessivo de smartphones e ou-
aqueles que têm fé e se declaram fe- ficar a hipótese de alguns arque- tras telas pelos jovens. O grupo surgiu
lizes, e os que não creem e podem ólogos de que o conjunto rochoso no Bairro Poblenou, Barcelona, e já
dizer o mesmo. que compõe a chamada Formação conta com milhares de seguidores por
Entre os entrevistados, 82% da- Durupinar constitui, na verdade, todo o país.
queles que, pelo menos uma vez na os restos da arca de Noé. A estru- Os pais e mães involucrados têm
semana, participam de um culto reli- tura geológica está localizada no promovido palestras e encontros
gioso declaram-se felizes, 81% sentem distrito de Doğubayazıt, em Ağrı, para discutir como enfrentar os pe-
bem-estar psicológico, estão satisfeitos Turquia, vinte e nove quilômetros rigos que a cibernética está levando
com a própria vida e enfrentam com ao sul do cume do Monte Ararat, para o coração de suas famílias, e
confiança os desafios que se lhes apre- local registrado na Bíblia como como evitar os danos irreversíveis
sentam, 75% encaram o futuro com ponto onde a arca assentou após o que a exposição excessiva às te-
otimismo e 79% têm um elevado nível dilúvio. las ocasiona na formação de seus
de autocontrole emocional. A formação foi identificada pelo filhos. Eles esperam conseguir a
Pelo contrário, daqueles que exército turco no início da década proibição do uso de smartphones
nunca participam de cerimônias de 1950, durante uma missão de nos colégios durante a jornada es-
religiosas somente 56% são felizes mapeamento, e chamou a atenção colar e postergar o acesso dos ado-
e possuem um elevado nível de au- pela impressionante coincidência de lescentes a esses aparelhos.
Milagres… existem!
técnica sofisticada, e em seguida caviam-se assim contra as suspeitas ção e pelo sofrimento, seremos ca-
recoberta com um amálgama de de alguma patrulha mais experiente, pazes de refletir a efígie d’Aquele
mercúrio, provocando tensões de de que o espelho que decorava ino- que nos chama a uma configura-
uma escala pequena demais para ser centemente suas casas pudesse dissi- ção plena consigo. Quanto mais
observada a olho nu, mas que cor- mular uma figura cristã. plana, nítida e transparente for
respondem ao modelo gravado na Como é magnífico imaginar a superfície – quer dizer, quanto
parte posterior do espelho. aqueles confessores da Fé contem- maior for a humildade, a simplici-
O “espelho mágico” chegou ao plando a imagem do Crucificado dade e o esquecimento de si mes-
Japão no século III d.C., como projetada pela luz do sol, enquanto mo –, mais perfeita será a projeção
presente destinado a grandes rezavam suas orações em meio à da Imagem Divina.
senhores, e se tornou conhecido incerteza e ao perigo, mas pondo Peçamos essa graça ao Coração
como shinjūkyō. Mas encontrou sua confiança n’Aquele que afir- Sapiencial e Imaculado de Maria,
sua utilidade mais elevada apenas mou: “Bem-aventurados os que espelho fidelíssimo de todas as
no século XVII, servindo como sofrem perseguição por amor à perfeições divinas. Assim, tendo-
excelente meio de tornar invisíveis justiça, porque deles é o Reino dos -nos esvaziado de todo egoísmo e
as imagens de devoção dos fiéis Céus!” (Mt 5, 10). interesse pessoal, quando sobre
católicos. Esse notável artifício dos cató- nós incidir a luz da graça se mani-
Estes realizavam a obra confor- licos japoneses, riqueza cultural festará que já não somos nós que
me o método tradicional e depois, de um passado hoje lamentavel- vivemos, mas é Cristo que vive em
em vez de deixar visível na parte mente olvidado, é por sua vez uma nós (cf. Gal 2, 20). ²
posterior do espelho a imagem reli- excelente metáfora do que deve se
giosa, que seria projetada pela luz, passar em nós, que queremos ser de 1
Cf. SÃO FRANCISCO XAVIER. Car-
punham sobre esta uma fina placa fato discípulos de Cristo. ta a San Ignacio de Loyola. Cochín,
de bronze com o desenho de uma Só depois de termos sido cuida- 29/1/1552. In: Cartas y escritos. 3.ed.
paisagem ou outro tema inócuo. Pre- dosamente polidos pela humilha- Madrid: BAC, 1979, p.408.
A fecundidade
do apostolado
S ão Bento instituiu um tecido de Ordens
Religiosas que espalharam por toda a
Europa a moralidade. Na base de tudo isso
encontra-se São Bento e, pela ação das con-
templativas, Santa Escolástica.
Santa Escolástica atraiu religiosas que
não faziam assistência social, não davam
catecismo, não faziam “nada”. Numa épo-
ca em que sua ação pareceria tão neces-
sária, elas realizavam algo que era mui-
to mais do que agir: rezavam e se sacrifica-
vam. Pelo seu exemplo, elas deixaram bem
claro que, se o apostolado do ramo mascu-
lino foi tão fecundo, isto se deu porque ha-
via um ramo feminino que orava, que se
imolava, que contemplava.
Então, o ideal da contemplação fica pro-
fundamente presente nesta fecundidade do
apostolado de conversão da Europa. E aí se
vê o papel admirável, insubstituível e, em al-
gum sentido, incomparável de Santa Escolás-
tica. Porque para agir, há alguns tantos; pa-
ra lutar, já são menos numerosos; mas para
sofrer, quão poucos são!