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ALEXANDRE DE SOUSA BARBOSA


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SILVÉRIO JOSÉ BERNARDES
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A ESTRADA DO ANHANGUERA
ALEXANDRE DE SOUSA BARBOSA
SILVÉRIO JOSÉ BERNARDES
2ª Edição – Outubro 2022

Planejamento Editorial
Guido Bilharinho
(guidobilharinho@yahoo.com.br)

Capa e Foto
Guido Bilharinho

Edição
Revista Dimensão Edições
Av. Leopoldino de Oliveira, 4464 - Sala 301
38065-165 Uberaba/Brasil

1ª Edição
Dos autores, impressa tipografia Jardim, Uberaba, 1911

Editoração Eletrônica
Gabriela Resende Freire

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SUMÁRIO

NOTA EDITORIAL

A Estrada do Anhanguera............................................................7

BIOGRAFIAS

Alexandre Barbosa – A Inteligência Que Assombra....................13


Silvério José Bernardes – Político e Dirigente Classista.............25

A ESTRADA DO ANHANGUERA

Introdução..................................................................................29
As Testemunhas Informantes.....................................................30
Abertura da Estrada do Anhanguera..........................................35
Policiamento da Estrada e Terras dos Índios..............................39
Largura das Terras dos Índios....................................................43
O Patrimônio da Matriz..............................................................48
Ainda a Largura das Terras dos Índios........................................53
De Toldas ao Vau do Rio Uberaba...............................................57
Objeções......................................................................................86
O Patrimônio Municipal e o Estranho Equívoco........................92
O Vau do Bebedouro.................................................................100

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Ainda a Meia Légua...................................................................105

ANEXOS

Depoimento de João Leal do Alemão........................................109


Depoimento de Antônio José da Silveira Vaz............................110
Exame Feito pelo Juiz................................................................111
Os Vestígios da Estrada do Anhanguera....................................112
Segundo o Título de 28 de Dezembro de 1812 a Área da Cidade
Não Está Compreendida na Doação...................................114
O Vau do Bebedouro..................................................................116
As Divisas do Patrimônio da Igreja............................................118
Divisas de Aplicação da Capela de Santo Antônio e São
Sebastião............................................................................130
História Topográfica................................................................131
Sesmaria da Paragem de Santo Antônio das Lajes....................135
Carta de Sesmaria......................................................................139
Trasladada.................................................................................144
Cumpra-se.................................................................................149
Termo de Remessa....................................................................163
Sesmaria da Paragem do Lajeado..............................................166
Luís d’Alincourt........................................................................180
Primórdios de Uberaba………………………………………....…….......181
Confrontos………………………………………………………....……........192
O Testemunho de Eschwege......................................................196
Errata........................................................................................198
Os Patrimônios (planta)............................................................199
Legenda....................................................................................200
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NOTA EDITORIAL

A ESTRADA DO ANHANGUERA

Em junho de 1837 José Francisco de Azevedo, na alegada


qualidade de zelador provido da Fábrica da Matriz (como então
se a denominava), ajuizou ação judicial na comarca de
Paracatu (que abrangia Uberaba e região) contra a Câmara
Municipal de Uberaba para, com base em escrito particular
assinado em cruz por Tristão de Castro e sua esposa, datado de
28 de dezembro de 1812, reivindicar a área da cidade para a
igreja Matriz.
Perdeu a demanda, mas, a questão não foi sepultada,
retornando à lide posteriormente por outro proponente,
também frustrado.
Contudo, em outubro de 1909, o então fabriqueiro,
monsenhor Inácio Xavier da Silva, ex-agente executivo do
município, propôs ação de reivindicação contra a Câmara
Municipal, pleiteando a restituição à Igreja da área urbana de
Uberaba sob o mesmo pretexto invocado no longínquo ano de
1837 por José Francisco de Azevedo. Desta feita a Fábrica da
Matriz conseguiu o intento em primeira instância por sentença
de março de 1911. Todavia, em fevereiro de 1914, o Tribunal de
Relação de Minas, para o qual a Câmara recorreu, reformando
a sentença originária, julgou a ação improcedente, encerrando
de vez a questão.
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Dados o vulto e a importância do bem reivindicado, essa
lide judicial envolveu os melhores advogados de Uberaba à
época, principalmente, Felício Buarque (pela Matriz) e Antônio
Cesário da Silva e Oliveira Filho (major Cesário, pela Câmara).
Tanto eles, como os peritos Alexandre Barbosa e Silvério
José Bernardes publicaram livros a respeito.
De autoria destes últimos é a obra, que salva do
sepultamento da edição física esgotada, ora é publicada
integralmente neste blog com as erratas devidamente
corrigidas no texto e a ortografia atualizada.
Tanto pelo teor das questões arguidas quanto pelos
documentos que pela primeira vez trouxe à luz – a exemplo das
primeiras cartas de sesmarias locais – o presente livro é
fundamental para a historiografia de Uberaba.
Contudo, conquanto a competência, capacidade, rigor e
lisura de seus autores, algumas de suas informações restam
controvertidas quando não equivocadas.
As mais significativas delas não podem deixar de ser
indicadas, a fim de se evitar que leitores e futuros pesquisadores
e historiadores as tomem como incontroversas e as repitam
como isentas de dúvidas, em contínua corrente de transmissão.
*
Informam os autores (à p. 07 da edição original e p. 36
desta), que a expedição do Anhanguera 2º, que partiu de São
Paulo em 30 de junho de 1722, possuiu “um corpo de 500
homens”.

8
O historiador Edelweiss Teixeira contesta, contudo, esse
número, aduzindo em seu livro O Triângulo Mineiro nos
Oitocentos (2001), à p. 23, que “enfim, organizou-se a bandeira
goiana que se compunha de 152 pessoas, e não de 500, como
exagerou o cronista Pedro Taques”.

*
Os autores (p. 09 da edição original e p. 41 desta), afirmam
que “tendo já Goiás governo próprio, por ordem deste abriu ainda
Pires de Campos nova campanha contra os caiapós pelo ano de
1755”.
Ao que consta, isso não ocorreu nesse ano, já que Pires de
Campos faleceu em 1751, justamente em decorrência, seguindo
uns, de flechada que levou nesse combate acontecido, porém, em
1748, ainda por determinação do governo de São Paulo, visto
que o governo de Goiás ainda não estava estabelecido.
*
Já à p. 13 do original e p. 50 desta edição, citam os autores
trecho do ensaio Igreja da Matriz, de Antônio Borges Sampaio,
de que “pelos idos de 1809 a 1811 esteve naquela paragem
[povoado do Lajeado] o sargento-mor Antônio Eustáquio”.
Dois reparos. O ano foi de 1812, conforme vigário Silva em
História Topográfica da Freguesia do Uberaba – Vulgo Farinha
Podre. Antônio Eustáquio não era, então, sargento-mor,
patente que obteve só em 1820. À essa época, era capitão.
*

9
À p. 14 do original e p. 50 desta edição, os autores
informam que a chácara de Antônio Eustáquio “foi fundada de
1809 a 1811”.
Na realidade, o fato se deu em 1812, quando da segunda e
definitiva vinda de Antônio Eustáquio.
*
Já às p. 85/86 do original e p. 184/185 desta edição, os
autores apontam quatro equívocos de Borges Sampaio no
ensaio Sertão da Farinha Podre.
1º- A data de 25/01/1803 não se refere à instalação da
“medição da sesmaria concedida pelo Governo de Goiás a José
Gonçalves Pimenta”, mas à concessão da referida sesmaria.
Segundo eles, “a data da instalação da demarcação foi 27 de abril
de 1807”. Por sua vez, à p. 124 de Uberaba: História, Fatos e
Homens (1971), de Sampaio, por confusão oriunda da
semelhança gráfica de 8 e 3 foi consignado equivocadamente o
ano de 1808.
2º- A denominação da paragem dessa sesmaria é Santo
Antônio das Lajes e não Santo Antônio da Laje como informado
por Sampaio.
3º- No referido texto de Sampaio ainda se diz que o
povoado existente nessa paragem “tinha recebido a
denominação de Uberaba”, sendo “elevado à categoria de
distrito”.
Não foi, porém, nessa paragem, lembram os autores, que
se fundou a primitiva povoação, conhecida como arraial da

10
Capelinha, mas, sim, na paragem do Lajeado, na qual se
demarcou a segunda sesmaria de José Francisco de Azevedo.
4º- Não foi a sesmaria de Santo Antônio das Lajes “a mais
antiga atualmente conhecida no Sertão da Farinha Podre”, como
afirma Sampaio, pois, segundo os autores, “várias sesmarias
foram nesta zona concedidas cerca de 60 e 70 anos antes”.
*
Por sua vez, os autores, à p. 87 do original e p. 187 desta
edição ponderam com proficiência e razão que se tem “atribuído
a esta data de 13 de fevereiro de 1811 a elevação de Uberaba à
categoria de distrito, sem contudo se apontarem jamais os
termos em que foi lavrado esse ato e não há muito a imprensa
local festejou-a como a data do centenário”. É de se lembrar que
em 1811 Uberaba nem existia.
Como se sabe (Vigário Silva, op. cit.), nessa data de 13 de
fevereiro de 1811 Antônio Eustáquio e Outros obtiveram
provisão da Mesa de Consciência e Ordens para erigirem capela
com orago de N.S. do Monte do Carmo. Mas, onde? É o que
indagam os autores, eles próprios cogitando ser no povoado de
N. S. do Carmo do Prata, “cujo povoamento terá começado em
seguida à exploração aí feita em 1810” por Eustáquio. Para o
arraial da Capelinha não foi, porque lá já estava sendo
construída a capela em honra a Santo Antônio e São Sebastião.
Muito menos em Uberaba, que ainda não existia.
*
Da maior relevância para o deslinde da tormentosa
questão da doação da área por Tristão de Castro e esposa

11
constitui a atilada observação dos autores, à p. 88 do original e
p. 188 desta edição, de que essa doação foi efetuada para
patrimônio da capela do Lajeado, então já existente, pois
terminada por volta de setembro/outubro de 1812, sendo a
doação datada de 28 dezembro desse ano, visto que, à época,
Uberaba não existia, só vindo a ter igreja em 1818.
*
Por fim, é de se observar que, conquanto o título, o
presente livro não enfoca a estrada como um todo, por ela
própria, mas, apenas em relação ao trecho que atravessa o
município de Uberaba e, ainda assim, somente no que se
relaciona às questões ligadas à doação de terras que Tristão de
Castro e esposa teriam feito a favor da Igreja.

O Editor

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BIOGRAFIAS

ALEXANDRE BARBOSA
A Inteligência Que Assombra

Guido Bilharinho

O Professor

Alexandre de Sousa Barbosa nasceu na cidade de


Paraopeba/MG, em 1865, falecendo em Uberaba, em 1940.
Informou-nos Mendes André (1910-), contador e, na
década de 1930, diretor da Gazeta de Uberaba, quando esteve na
cidade, em maio de 2005, em uma de suas visitas a seu filho
médico, que Alexandre Barbosa foi seminarista, sendo designado
no decorrer do curso para, em torneio, atacar a Igreja, enquanto
outro aluno a defenderia. Tendo muito estudado para esse prélio,
saiu-se muito bem, sendo bastante elogiado.
Sua vinda para Uberaba decorreu, consoante Mendes
André, que o conheceu, por ter sido aprovado, em Vila Rica (atual
Ouro Preto), em concurso para professor de história da Escola
Normal Oficial de Uberaba, criada pela lei provincial nº 2.783, de
22 de setembro de 1881, de iniciativa de Joaquim José de Oliveira
Pena (senador Pena) e instalada em 15 de julho do ano seguinte,

13
acrescentando, ainda, que Alexandre Barbosa era estudiosíssimo
e afável.
Em diversos setores expandiu-se sua atividade profissional
na cidade, seja como agrimensor, professor e diretor da Escola
Normal e professor do colégio Uberabense, fundado pelo
professor Paulo Frederico Barthes, em 1889 (José Mendonça,
História de Uberaba, p. 104), além de, no bairro das Mercês, ter
plantado e cultivado em chácara de sua propriedade cerca de
5.000 (cinco mil) árvores frutíferas de variadas espécies,
notadamente mangueiras, cuja produção comercializava, além
de árvores raras do Brasil e de outros países.
Sobre seu desempenho no magistério aduziu José
Mendonça (op. cit., p. 256), “realizou o ensino de geografia por
processos próprios, que muitos pedagogos modernos estão
agora ‘descobrindo’, como autênticas novidades...”
A respeito de sua preocupação social, José Soares
Bilharinho, na História da Medicina em Uberaba (vol. II, p.
570/571), transcreveu extrato de carta do médico Tomás
Pimentel de Ulhoa dirigida à Congregação da Escola Normal, na
qual foi destacada a participação de Alexandre Barbosa como
autor da proposta, aprovada por unanimidade, de cessão de
cômodos desocupados da escola para acomodação de indigente.
Nessa mesma obra (vol. III, p. 887), José Bilharinho
ressaltou, no tópico referente ao “Combate à Hanseníase”, como
“digno de menção o esforço do professor Alexandre de Sousa
Barbosa em cultivar aqui o chaulmoogra, planta cujo óleo
constituía o melhor dos medicamentos propostos, até àquela

14
época, contra o mal de Hansen”, transcrevendo, em seguida,
depoimento de Alexandre Barbosa a respeito de suas dificuldades
para aclimatação dessa planta, o que somente conseguiu após 15
(quinze) anos.

O Intelectual

Segundo José Mendonça (op. cit., p. 256), foi Alexandre


Barbosa possuidor de grande cultura, mantendo, inclusive,
correspondência com intelectuais estrangeiros, entre os quais o
geógrafo e político francês de tendência anarquista, Élisée Reclus
(1830-1905), autor da Nouvelle Géographie Universelle – La
Terre et les Hommes, em 19 (dezenove) volumes, iniciada em
1876 e concluída em 1894, cuja parte atinente ao Brasil foi
traduzida pelo médico e historiador Ramiz Galvão e editada no
Rio de Janeiro, em 1900, em volume de 488 páginas, sob o título
Estados Unidos do Brasil, sendo que, conforme a Enciclopédia
Mirador (vol. XVII, p. 9.650), “a divisão do território brasileiro
em regiões naturais, constante dessa obra, teve influência nos
estudos geográficos em curso no país, durante a primeira
década do séc. XX, enriquecendo-os com uma nova visão dos
problemas regionais”.
Essa correspondência foi possível e facilitada por dominar
Alexandre Barbosa, além do português, os idiomas francês,
espanhol e latim, o que lhe permitiu, ainda, traduzir,
provavelmente de edição francesa, o livro A Conquista do Pão,
do revolucionário anarquista russo Piotr Alekseievitch Kropotkin

15
(1842-1921), autor, entre outras obras, de livro sobre a Revolução
Francesa, em três volumes.
Além disso, Alexandre Barbosa escreveu assiduamente para
a imprensa local artigos e ensaios sobre a história e a geografia
de Uberaba, listando-o José Mendonça no capítulo XXIV, da
História de Uberaba (p. 184/185), entre os mais destacados
colaboradores do jornal Lavoura e Comércio.
Consta que teve trabalhos publicados também no jornal
francês L’Humanité.
Já no capítulo XXVI, “A Arte em Uberaba” (p. 189), José
Mendonça o incluiu entre os maiores historiadores da cidade, ao
lado de vigário Silva, Borges Sampaio, Hildebrando Pontes e
Gabriel Toti.

O Político Republicano

Por ocasião da visita a Uberaba do conde d´Eu, esposo da


princesa Isabel, em 20 de março de 1889, um grupo de jovens
intelectuais e políticos uberabenses fundou, antes que o visitante
deixasse a cidade, informou Hildebrando Pontes (História de
Uberaba, p. 128), o clube republicano 20 de Março, do qual, além
de Alexandre Barbosa, fizeram parte José de Oliveira Ferreira
Filho (dr. José Ferreira), Manuel Raimundo de Melo Meneses,
Elisiário Ribeiro de Vasconcelos, Venceslau Pereira de Oliveira,
Francisco Cordeiro da Paixão, Rafael Vanucci, Desidério Ferreira
de Melo e outros.

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Na diretoria do clube, eleita na ocasião, Alexandre Barbosa
ocupou o cargo de orador e Manuel Raimundo de presidente.
Nos dias que se seguiram à proclamação da República, o
clube teve atuação decisiva. Já às primeiras horas do dia 16,
informou ainda Hildebrando (op. cit., p. 129), o clube “tomou
diversas providências de caráter urgente, nomeando fiscal para
o Correio ao cidadão Elisiário de Vasconcelos, delegado de
polícia ao cidadão Ernesto da Silva e Oliveira, ordenando ao
comandante do destacamento local, capitão Sebastião da Costa
Lana para que se apresentasse com os seus comandados na
área fronteira à Câmara Municipal [...] Aí, perante a diretoria
do clube e após o discurso do orador oficial sr. Alexandre de
Sousa Barbosa, os soldados bradaram viva à República e
arrancaram das barretinas a coroa imperial”.
No dia seguinte, à noite, promoveu-se imponente marche
aux flambeaux com acompanhamento da banda União
Uberabense, percorrendo inúmeras ruas centrais, com paradas à
frente das residências dos líderes republicanos locais, que
falaram na ocasião, sendo Alexandre Barbosa um dos oradores
dessa marcha memorável.
No dia 17 ou 18 de novembro de 1889, “o povo, reunido no
paço da Câmara Municipal às 10 horas da manhã, aclamou
uma Junta do Governo Provisório para manutenção da ordem
pública”, escreveu Hildebrando Pontes (op. cit., p. 130).
Compuseram a Junta, além de outros, Venceslau Pereira de
Oliveira, José de Oliveira Ferreira Filho (dr. José Ferreira),
Manuel Raimundo de Melo Meneses e Alexandre Barbosa.

17
Essa Junta Governativa serviu até 14 de fevereiro de 1890,
sempre conforme Hildebrando (op. cit., p. 424), data em que foi
empossado o primeiro Conselho de Intendência, nomeado pelo
governo estadual, tendo, como intendente, Venceslau Pereira de
Oliveira e, membros do Conselho, Alexandre de Sousa Barbosa,
José de Oliveira Ferreira Filho, Lanes José Bernardes e Luís
Beltrão de Novais, além de diversos suplentes, entre os quais
José Augusto de Paiva Teixeira (Casusa) e Manuel Raimundo de
Melo Meneses.
No dia 13 de junho de 1890 fundou-se o partido União
Política, em cuja comissão executiva Alexandre Barbosa ocupou
a vice-presidência, sendo Joaquim José de Oliveira Pena
(senador Pena) eleito presidente e José Augusto de Paiva
Teixeira (Casusa), primeiro secretário.
No Conselho de Intendência nomeado em 25 de janeiro de
1891, tendo José Augusto de Paiva Teixeira como intendente,
Alexandre Barbosa ocupou uma das suplências.

O Deputado Constituinte

No início da década de 1890, Alexandre Barbosa foi ainda


constituinte mineiro na primeira legislatura – da qual também
fez parte João Pinheiro – sendo membro de várias comissões na
Assembleia Legislativa de Minas, destacando-se na do ensino,
conforme José Mendonça (op. cit., p. 256), que ainda informou
que Alexandre Barbosa foi autor da lei estadual nº 41, de 03 de

18
agosto de 1894, que organizou o ensino no Estado e criou o
Instituto Zootécnico de Uberaba.

O Vereador

Em outubro de 1919, Alexandre Barbosa foi eleito pelo


Partido Republicano Popular Federativo (P. Operário) para uma
das duas vagas havidas na Câmara Municipal, sendo a outra vaga
ocupada por João Henrique Sampaio Vieira da Silva que, este,
imediata e surpreendentemente, segundo Hildebrando (op. cit.,
p. 182), foi eleito presidente da Câmara.
Em 1924, para preenchimento de duas outras vagas havidas
na Câmara, Alexandre Barbosa foi novamente indicado
candidato, juntamente com Lucas Borges de Araújo, pela facção
política de Leopoldino de Oliveira, ferindo-se a eleição somente
em janeiro de 1925, tendo, conforme Hildebrando (op. cit., p.
196), Lucas Borges de Araújo 1.516 votos e Alexandre Barbosa
1.510, seguidos por Vítor de Carvalho Ramos (1.480) e João Alves
Moreira Lara (1.477).
Contudo, mesmo eleitos e empossados, Alexandre Barbosa
e Lucas Borges, por força de recurso interposto contra a validade
de seus diplomas, foram destituídos de seus cargos por decisão
de conotação política oriunda de Belo Horizonte e empossados
Vítor de Carvalho Ramos e João Lara (Hildebrando Pontes, op.
cit., p. 202/203).

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O Historiador e Pesquisador

Dos livros e ensaios que escreveu, apenas se teve acesso aos


seguintes:
A Estrada do Anhanguera – Notas ao Folheto
Alegações Finais da Fábrica da Matriz de Uberaba
(Uberaba, tipografia Jardim, 1911), em co-autoria com Silvério
José Bernardes.
Conforme exposto neste livro no ensaio sobre Tristão de
Castro, a Igreja Matriz moveu ação judicial contra a Câmara
Municipal de Uberaba, ou seja, contra o município, visto que
àquela época, sob regime parlamentarista municipal, a
administração não era submetida à dualidade de órgãos, sendo
enfeixadas as tarefas legislativas e executivas na Câmara, cujo
presidente era o agente executivo, função correspondente a de
prefeito.
A obra em apreço constituiu uma das várias que foram
publicadas em decorrência do pleito, sendo seus autores peritos
no processo. Compôs-se de duas partes: índice e anexos.
A primeira abrangeu os capítulos “Testemunhas
Informantes”, “Abertura da Estrada do Anhanguera”,
“Policiamento da Estrada e Terras dos Índios”, “Largura das
Terras dos Índios”, “Patrimônio da Matriz”, “Ainda a Largura das
Terras dos Índios”, “De Toldas ao Vau do Rio Uberaba”,
“Objeções”, “O Patrimônio Municipal e o Estranho Equívoco”, “O
Vau do Bebedouro” e “Ainda a Meia Légua”.

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Os anexos, por sua vez, apresentaram documentos
diretamente atinentes à questão e referenciaram e analisaram
livros que, de uma forma ou de outra, tiveram influência na
controvérsia, a exemplo, neste caso, da História Topográfica da
Freguesia do Uberaba, Vulgo Farinha Podre, de 1824 a 1826, do
vigário Silva; da Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá,
publicado em 1830 e de autoria de Luís d’Alincourt; de Brasil,
Novo Mundo (Brasilien die Neue Welt), editado em 1824, do
barão de Eschwege, além de diversos ensaios e artigos de Antônio
Borges Sampaio.
Os autores deram razão à Câmara que, vencida em primeira
instância, logrou decisão definitiva favorável em instância
superior.
Salientou-se essa obra pela pertinência e propriedade de
suas colocações, análises e conclusões, além de enorme cópia de
informações históricas.
Primórdios de Uberaba – A Posse da Terra - Ensaio
histórico publicado no Lavoura e Comércio, provavelmente em
fevereiro de 1936 e constante do arquivo de recortes organizado
por Rubens Chaves Mendes e conservado por seu irmão, Reinildo
Chaves Mendes. Subdividiu-se sua matéria nos capítulos “A
Farinha Podre e os Índios”, “Imigração Individual”, “Imigração
Coletiva – Posses e Sesmarias”, “Os Índios da Estrada” e “A Posse
Judicial”.
Se tudo que Alexandre Barbosa escreveu é importante, mais
ainda se tornou esse ensaio por abordar, de maneira clara e
precisa, a expulsão, em 1812, dos índios bororós, das terras

21
aldeanas na região do Triângulo ao longo da estrada do
Anhanguera, “que lhes fora reservada em recompensa dos
relevantes serviços anteriormente prestados ao país”.
Caiapó e Panará – Ensaio inédito sobre os índios
caiapós e panarás, acompanhado de vocabulário da língua
panará e mapa da região ocupada por essa tribo.
À semelhança de Antônio Borges Sampaio, Alexandre
Barbosa previdentemente remeteu esse trabalho ao Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, encontrando-se os originais na
lata 188, doc. 39, de onde o Arquivo Público de Uberaba extraiu
e digitalizou cópia.
Segundo informou o autor, em 1911, em serviço de
agrimensura no pontal do Triângulo, junto à confluência dos rios
Grande e Paranaíba, nela encontrou índios caiapós, originando-
se esse estudo, que encerrou, ainda, notícia histórica sobre os
caiapós.
O vocabulário trouxe setecentos vocábulos eruditamente
comentados. Exemplos: abóbora = kukút; água = inkô; aprender
= kuácytê; aranha = cê cê; bexiga = icê; braço = ipá; cachorrro =
ióp; casa = kukré; curar = kuatámunató; fechar = tipió; lua =
ptuá; rio = pakré; um = ipút; urubu = kêkê.

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A Inteligência Que Assombra
(Depoimentos sobre Alexandre Barbosa)

Em Terra Madrasta, escrito por volta de 1926, Orlando


Ferreira, o Doca, estigmatizando a “política” de Uberaba,
asseverou, à p. 146, que:
“É por isso que, entristecidos, vemos um homem como
Alexandre Barbosa, de uma inteligência que assombra,
bastante culto, homem de previsão, várias vezes consultado por
João Pinheiro, de uma argúcia e finura que não se encontra em
nenhuma pessoa do Triângulo, homem que vive estudando, que
quase tudo conhece, ferozmente honesto, muito trabalhador e
utilíssimo à sociedade, – completamente esquecido,
inaproveitado e solitário lá na sua casinha do alto das
Mercês!...”
A importância desse depoimento sobrepôs-se a qualquer
outro se se levar em conta o rigor e o critério crítico nesse livro
de Orlando Ferreira, que nele apenas elogiou, dos políticos
uberabenses de sua época, Alexandre Barbosa, Hildebrando
Pontes e Leopoldino de Oliveira, figuras ímpares em todos os
sentidos.
Fidélis Reis, em artigo no Lavoura e Comércio, de 18 de
abril de 1935, por ocasião dos setenta anos do biografado,
escreveu:
“Alexandre Barbosa é, sem contestação, um dos valores
mais altos que tem tido o nosso meio. Pela inteligência, pela
cultura e pelo coração. Notável, por isso mesmo, a influência

23
que teria de exercer na formação cultural de Uberaba [....]
Alexandre Barbosa é uma das inteligências mais lúcidas que
conheço. Espírito poderoso, uma cerebração fora do comum.
Formidável poder de raciocínio e uma memória surpreendente.
[....] Geógrafo e historiador. Humanista e sociólogo. Em outro
meio, em outras condições, seria um nome de projeção nacional.
Além do mais, um insigne professor [....] Não só sob este
aspecto, deve ser vista a sua individualidade, senão também
como pensador, com ampla e descortinada visão do mundo e do
problema do destino humano. De ideias as mais liberais e
avançadas.”
José Mendonça (op. cit., p. 256), entre outras informações,
acentuou que Alexandre Barbosa foi “um dos intelectuais mais
brilhantes que já viveram em nossa terra. Homem de bem,
caráter puro, imaculado. Agrimensor competentíssimo”.
José Soares Bilharinho (op. cit., vol. I, p. 106), após
enfatizar que “a cidade fez-se luz”, acrescentou, “luz que, em
crescendo contínuo de benfazeja claridade, passou a refletir-se
em todo o Estado, a que ofereceu a lucidez de um Alexandre
Barbosa, de um Leopoldino de Oliveira e de um Lauro
Fontoura”.
Edelweiss Teixeira, ao encerrar seu livro O Triângulo
Mineiro nos Oitocentos - Séculos XVIII e XIX (p. 165), prestou
significativa “homenagem aos historiógrafos que cuidaram com
carinho do passado uberabense”, salientando entre eles a figura
de Alexandre Barbosa.

(do livro físico Personalidades Uberabenses, 2014)


24
SILVÉRIO JOSÉ BERNARDES
Político e Dirigente Classista

Guido Bilharinho

O engenheiro civil e proprietário rural Silvério José


Bernardes nasceu em Uberaba em 1877, falecendo em 1956.
No decorrer de sua existência participou de inúmeras
associações e ocupou cargos de relevância no município.
Foi um dos fundadores e dirigentes da empresa Ferreira,
Caldeira & Cia., organizada por volta de 1905 para implementar
e explorar os serviços de produção e fornecimento de
eletricidade, inaugurados em dezembro do referido ano.
Segundo o historiador José Mendonça, empresa “durante
muitos anos dirigida com eficiência pelo notável engenheiro
uberabense dr. Silvério José Bernardes, que a mantinha em
condições de atender às necessidades da população” (História
de Uberaba, Academia de Letras do Triângulo Mineiro, 1974, p.
126).
Já o ensaísta Orlando Ferreira, o Doca, em Terra Madrasta
(blog Bibliografia Sobre Uberaba), expende opinião diversa,
procurando demonstrar a insuficiência dos serviços prestados
pela empresa.
Em 1906, Bernardes foi eleito presidente do Clube
Separatista, fundado com intuito de emancipar a região do

25
Triângulo do Estado de Minas Gerais, criando o Estado de Entre
Rios.
Em 1909 participou da fundação da Associação Beneficente
8 de Setembro, destinada a dar assistência aos necessitados e
organizar asilo, instituição que, atualmente, deveria passar a ser
denominada de centro de convivência.
No decorrer da tramitação da rumorosa (e vultosa) Ação de
Reivindicação da área urbana de Uberaba pela Fábrica da Matriz
proposta em 1909 contra a Câmara Municipal, Silvério José
Bernardes e Alexandre Barbosa foram nomeados peritos, por
força de cuja função elaboraram substancioso parecer
contrariando frontalmente as Alegações Finais da Fábrica da
Matriz, constituindo tal parecer o presente livro, originalmente
publicado em 1911, ano em que também foram editados a
respeito da aludida demanda livros de autoria dos advogados
Antônio Garcia Adjuto (Razões de Apelação) e Antônio Cesário
da Silva e Oliveira Filho, major Cesário (Razões de 1ª Instância).
Na legislatura municipal (sob regime parlamentarista)
iniciada em 1º de junho de 1912, Bernardes, como vereador, foi
um dos presidentes da Câmara e automaticamente agente
executivo (prefeito) do município, sendo, nessa legislatura, que
teve três agentes executivos, antecedido pelo médico e futuro
fundador de laboratório Filipe Aché e sucedido por Hildebrando
Pontes.
Em fevereiro de 1934, juntamente com Heitor Diniz
Mascarenhas, José Caetano Borges e outros organizou a
Companhia Popular Melhoramentos de Uberaba para

26
construção de usina hidrelétrica na cachoeira Pai Joaquim, no
atual rio Araguari, com capacidade de oito mil cavalos,
propondo-se também a remodelar e ampliar os serviços de
telefones da cidade.
Em junho desse mesmo ano de 1934 participou da fundação
da Sociedade Rural do Triângulo Mineiro – SRTM, antecessora
da atual Associação Brasileira de Criadores de Zebu – ABCZ,
entidade que a partir de então assumiu a promoção,
centralização e liderança de iniciativas de aprimoramento,
seleção e desenvolvimento do gado zebu no país.
Na primeira diretoria, presidida por Fidélis Reis, ocupou o
cargo de 1º vice-presidente. Com a renúncia de Fidélis Reis em
março de 1935, Bernardes assumiu o cargo de presidente da
entidade.
Nesse mesmo ano de 1935 foi também presidente da
Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Uberaba –
ACIU.

(Inédito)

27
A ESTRADA DO ANHANGUERA

Notas ao Folheto

Alegações Finais

Da

Fábrica da Matriz

De

Uberaba

Por

Alexandre de Sousa Barbosa

Silvério José Bernardes


28
INTRODUÇÃO*

No folheto impresso nas oficinas do Correio Católico, sob o


título Alegações Finais da Fábrica da Matriz de Uberaba,
afirma-se não ser a estrada antiga de São Paulo a Goiás aquela
cujos vestígios patentes se vêm do alto da cabeceira da chácara
das Toldas ao vau do rio Uberaba, passando pelo fundo do atual
cemitério público: do texto desse folheto depreende-se também
serem incoerentes e ilógicos (p. 35, linha 31), contraditórios (p.
31, linha 35 e p. 36, linha 3), injustificáveis (p. 38, linha 11) e
finalmente inverídicos (p. 32, linha 11) os laudos, que os
signatários desta apresentaram.
Nunca se preocupando os infra assinados com os aplausos
ou com as censuras aos atos praticados por mando de sua
consciência, dos quais só a essa mesma consciência reconhecem
juiz, não viriam trazer à publicidade as presentes Notas àquelas
afirmações não provadas, se na causa de que se trata não
estivesse em jogo a verdade histórica, que as ditas Alegações
invertem com magistral habilidade.
Vêm, por isso, trazer sua modestíssima contribuição para o
restabelecimento da verdade, de acordo com o escrupuloso
exame a que procederam e de acordo com os documentos
conhecidos e constantes dos autos.

* Título posto pelo editor.


29
AS TESTEMUNHAS INFORMANTES

Tendo sido os signatários desta e o dr. Militino Pinto de


Carvalho nomeados peritos na questão entre a Igreja Matriz e a
Câmara Municipal de Uberaba, tinham de responder, entre
outros, aos seguintes quesitos formulados e apresentados pela
Matriz autora:
“2º quesito - Há dentro do mesmo perímetro ou em sua
extremidade a oeste, em rumo ao porto da Espinha para o
Lanhoso, vestígios de estrada antiga que se possa afirmar
sejam os da primitiva estrada aberta por Anhanguera
(Bartolomeu Bueno da Silva) no século XVIII?” (Alegações
Finais, p. 33, linha 27 a 33).
“4º quesito - É possível, atenta a conformação dos nossos
campos, com a circunstâncias de serem transitados em direções
diversas, a existência de vestígios dessa estrada em abandono
há mais de 90 anos, em trânsito só feito por tropas de animais
e não ainda por carros de bois, cujos sulcos são mais ou menos
profundos?” (Alegações Finais, p. 34, linha 37; p. 35, linha 2).
No intuito de proceder ao reconhecimento da zona,
dirigiram-se os peritos, a 14 de fevereiro de 1910, às Toldas, onde
se sabia, com certeza, passava a antiga estrada do Anhanguera,
na direção do porto da Espinha ao Lanhoso.
Chegados às Toldas, à casa do honrado velho Antônio José
da Silveira Vaz, deste ouviram que a estrada do Anhanguera
passava muito perto de sua morada, e apontou ao poente, e que
era muito conhecida não só dele, como de outros homens velhos,

30
nascidos e residentes no trecho da estrada que vai até o porto da
Espinha e indicou os nomes de João Leal do Alemão e Antônio
José Rodrigues; disse mais que era, relativamente, recente a
abertura da estrada, pela qual os peritos tinham vindo (a atual da
cidade às Toldas) e que, depois que se abriu essa estrada, ficou
abandonada a estrada do Anhanguera no trecho que vai desde
perto de sua morada até o desbarrancado do alto da cabeceira das
Toldas, acima da chácara do dr. José de Oliveira Ferreira; e que
desse trecho, recentemente abandonado, há vestígios patentes
desde as Duas Cruzes, subindo, margeando o correguinho das
Toldas até o sítio da chácara mencionada, onde houve muito
antigamente um cemitério e onde ainda existia um velho cedro,
que foi cruz, erguida junto ao mesmo cemitério: que
continuando, subindo, se viam patentes esses vestígios até o
mencionado desbarrancado e que finalmente entendia
conveniente fossem convidados os velhos, cujos nomes tinha
indicado, a fim de virem mostrar os vestígios dessa estrada.
Acreditando os peritos na sinceridade desse homem de
bem, aceitaram seu parecer e dirigiram convite, por escrito e para
dia marcado, às pessoas que ele indicara e que moravam mais
longe da cidade.
No dia designado compareceram elas, e, sem vacilação, sem
dubiedade, mostraram aos peritos a velha e abandonada estrada,
que tinham certeza ser a do Anhanguera, pois sempre a
conheceram por esse nome, e os guiaram desde as Duas Cruzes
até o alto dos desbarrancado da cabeceira do correguinho da
chácara das Toldas, lugar onde, mais tarde, a 31 de março do

31
mesmo ano, houve a audiência: ali mostraram ainda o vestígio
dessa antiga estrada, que segue para o espigão e passava,
segundo disseram, no vau do rio Uberaba, junto à morada do
falecido Apolinário.
Em todo esse percurso, os peritos examinaram, com
especial cuidado, se havia vestígios de alguma estrada velha que,
de algum ponto desse trecho da estrada antiga, que se percorria,
se dirigisse para o poente; nenhum vestígio encontrando e
perguntando aos informantes se havia vestígios de estrada antiga
que, saindo daquela, que eles diziam ser a do Anhanguera, se
dirigisse para o lado do Capão Limpo, eles responderam que não
havia vestígios nem notícia de estrada velha alguma, que, saindo
da do Anhanguera, seguisse a direção indicada.
Nesse dia os peritos, tendo se despedido dos informantes,
prosseguiram na inspeção desses vestígios da antiga estrada até
junto ao atual cemitério público.
Julgando os signatários desta da máxima importância as
declarações desses honrados velhos, resolveram requerer fosse
tomado por termo o depoimento deles, manifestando-se em
desacordo nesse ponto o dr. Militino Pinto de Carvalho, que disse
não lhe parecer importante o que diziam os velhos e mais que,
segundo lhe parecia, a estrada do Anhanguera devia se achar
para o poente.
Observaram-lhe os signatários desta que nem ele nem eles
tinham encontrado vestígio algum nessa direção e que os velhos
afirmavam não haver e que, se tal estrada houvesse, cumpria
mostrá-la aos peritos quem a conhecesse, pois o que se desejava

32
era que aparecesse a inteira verdade: pediram-lhe até que
indagasse do vestígio dessa estrada, que ele dizia dever estar mais
ao poente, para que se pudesse examiná-la. Infelizmente nunca
lhes foram mostrados vestígios alguns de tal estrada ao poente e
isto por uma razão bem simples: porque tal estrada antiga, ao
poente e indo das Toldas ao Lanhoso, não existe, salvo adotada a
preliminar de que todas as estradas vão a Roma.
Assim foi requerido que se tomassem por termo as
informações deles e mais as do capitão José Joaquim de
Carvalho, que constava algo saber desses assuntos.
O requerimento foi deferido e em audiência realizada no
lugar indicado na planta junta, no alto da cabeceira da chácara
do dr. Ferreira, acima do desbarrancado, aquém da porteira do
Capão Limpo e à beira da estrada dos Lemes a esta cidade, foram
ouvidas as testemunhas informantes, menos Antônio José
Rodrigues, que não compareceu.
As declarações deles constam de anexo no fim destas notas.
Examine-as o leitor.
Essas testemunhas eram velhos proprietários agricultores,
nascidos e residentes à beira da estrada do Anhanguera, homens
de notória probidade, católicos fervorosos e desejosos de ser úteis
á religião, mas intransigentes quando em jogo está a verdade e
em cujos lábios casaria bem o dito antigo: amicus Plato, magis
amica veritas. Embora fossem, como eram, apenas testemunhas
informantes, mereciam crédito.

33
Tais foram os respeitáveis guias, que mostraram a estrada
do Anhanguera, que sempre conheceram com este nome,
conforme a tradição existente nesta zona marginal da estrada.
Para a fácil compreensão do assunto, cumpre expor
sucintamente os fatos relativos à

34
ABERTURA DA ESTRADA DO ANHANGUERA

É de notar que alguns escritores dizem que o segundo


Anhanguera apenas reabriu a estrada trilhada por seu pai. Não
interessando à vistoria a verificação desse asserto, serão aqui
empregadas as expressões: estrada do Anhanguera ou a estrada
aberta pelo Anhanguera, como se lê no quesito da autora.
Não está no plano destas Notas estudar as primeiras
explorações do território das minas de Goiás, suas datas, seus
objetivos, seus roteiros, suas lendas e anedotas, nem a fortuna
vária dos autores delas.
Por isso aqui não se tratará das expedições de Antônio
Pedroso de Alvarenga, Pascoal Pais de Araújo, Francisco Dias de
Siqueira, João de Brito, Nicolau Barreto, Manuel Correia,
Buenavides, Heredia e tantos outros, nem mesmo de Bartolomeu
Bueno da Silva, o primeiro Anhanguera.
Não se tratará também aqui dos roteiros seguidos por essa
brilhante plêiade dos audazes precursores do segundo
Anhanguera, nem também das hipóteses figuradas por alguns
escritores, entre eles o dr. João Pandiá Calógeras, sobre a linha
(ou linhas) de exploração, que se supõe corrida pelo segundo
Anhanguera, antes de definitivamente adotado o traçado no
território do atual Triângulo Mineiro-Espinha-Registro e Porto
Velho, linha da qual, parece, acham-se vestígios na carta dirigida
pela Câmara de Tamanduá à rainha Maria 1ª, em 20 de julho de
1793, em termos algum tanto vagos.

35
Falta aos infra-assinados tempo, que da luta pela vida lhes
não sobra, para o estudo interessantíssimo dessa pré-história da
região central do país.
*
Em virtude da Carta Régia de 14 de fevereiro de 1721, d.
Rodrigo César de Meneses, governador da capitania geral de São
Paulo contratou com Bartolomeu Bueno da Silva (o 2º
Anhanguera) e seu genro João Leite da Silva Ortiz a descoberta
de minas de ouro, prata, pedras preciosas, etc., como se vê do
Regimento de 30 de junho de 1722 (Arquivo Público de São
Paulo, vol. XII, p. 53).
Segundo os cronistas (Arquivo Público de São Paulo, vol.
XII, p. 61), a expedição partiu de São Paulo nesse mesmo dia 30
de julho de 1722.
Na numerosa expedição chefiada pelo Anhanguera, homem
de inteligência cultivada e poderoso, se viam seu mencionado
genro Ortiz, riquíssimo e audaz, Antônio Pedro Calhamares,
Antônio Ferraz de Araújo e Urbano do Couto que, mais tarde,
guiou a abertura da famosa Picada de Goiás. Um corpo de 500
homens, preparado à custa de Ortiz, formava o grosso da
comitiva.
A 25 de outubro de 1725 chegou a São Paulo, de volta, o
Anhanguera (Arquivo Público de São Paulo, vol. XII, p. 63),
tendo sofrido, durante mais de três anos de peregrinação, as mais
cruéis contrariedades e vencido os maiores obstáculos, desde que
pisou a terra do atual Estado de Goiás, tendo aí se desviado do
rumo que devêra seguir e perdido muitos membros da expedição

36
desertados, mortos de fome ou assassinados pelos índios;
reduzia-se a comitiva a 70 praças.
Em consequências dessa expedição foi, além de outras
recompensas, concedido a Anhanguera, a Ortiz e a seus
descendentes o pedágio dos portos que acabavam de abrir; estes
foram os dos rios Iguatibaia, Jaguari, Pardo, Grande, das Velhas,
Paranaíba, Meia Ponte e Pasmados. Essa concessão tem a data
de 2 de julho de 1726 (Arquivo cit., p. 64).
Já em maio desse mesmo ano tinha o Anhanguera abalado
com sua segunda expedição para Goiás. Desta vez levou, entre
outro sertanistas experimentados, Manuel Pinto Guedes, o padre
Manuel de Oliveira Gago e o engenheiro Manuel de Barros. Esta
expedição se compunha apenas de 152 pessoas.
Em 1728 o então governador de São Paulo, Caldeira
Pimentel, célebre nos fastos da gatunice, moveu ao Anhanguera
e aos seus sócios nessa empresa de Goiás, na qual tinham gasto,
este e seu genro, fortunas, a mais atroz perseguição e cassou-lhes
as concessões, que lhes tinham sido feitas pelo Governo; e, como
João Leite da Silva Ortiz viajasse para Lisboa, a fim de
representar ao Rei sobre as injustiças, que ele e seus sócios
sofriam, em caminho, já em Pernambuco, faleceu em 9 de
dezembro de 1730, traiçoeiramente envenenado, com a
cumplicidade desse governador, pelo padre Matias Pinto,
protegido do mesmo Ortiz; esse padre, fingindo-se amigo, viajava
desde Goiás em companhia e de favor dele, que nunca suspeitava,
de bom coração que era, fossem fundados os avisos, que do
caráter do miserável lhe traziam os amigos.

37
(Arquivo Público citado, p. 66 – História Antiga das Minas
Gerais, p. 413).
O Anhanguera morreu pobre em 19 de setembro de 1740.
(Arquivo cit., p. 65).
Mais tarde foram restituídas à sua família as concessões
cassadas.
Seria de toda a justiça que as municipalidades do Triângulo
Mineiro fizessem erigir, em uma das praças desta cidade, hermas
a esse homem notável e ao seu genro Ortiz, aos quais se deve, com
a abertura da estrada, o início do povoamento do antigo sertão
da Farinha Podre.

38
POLICIAMENTO DA ESTRADA E
TERRAS DOS ÍNDIOS

Começada a exploração das minas de ouro de Goiás, que


pareciam inesgotáveis, uma multidão de aventureiros,
principalmente de São Paulo, para lá seguiram pela estrada do
Anhanguera, assim tornada transitadíssima e que, nesta zona,
passava, como acima ficou dito, no rio Grande (porto da
Espinha), no rio das Velhas (porto do Registro) e no rio
Paranaíba (porto Velho).
Foram, por isso, requeridas e concedidas várias sesmarias à
beira da estrada, no território do atual Triângulo Mineiro.
Para logo, porém, sobrevieram as repetidas agressões dos
índios Caiapós tornados bravios e indômitos; delas em seguida
dar-se-á notícia.
Os documentos juntos aos autos e relativos a essas
concessões são outas tantas provas do percurso da estrada.
As sesmarias, porém, não passaram de tentativa de
colonização da zona marginal da estrada do Anhanguera pela
raça branca.
Para evitar contrabando do ouro exportado, que pagava o
melhor ao rei de Portugal e talvez para atender ao comércio de
São Paulo, o Governo proibiu sob penas severíssimas, até a de
confisco, a abertura de qualquer outra estrada para Goiás,
como se vê dos bandos “sobre não haver mais que um caminho
para as minas de Goiás”, de 10 de janeiro de 1730 (Arquivo Púb.

39
de São Paulo, vol. XXII, p. 51), de 2 de outubro de 1732 (ibidem,
p. 15), de 20 de julho de 1733 (ibidem, p. 51), etc.
Esta estrada, de Moji até Goiás, atravessava terras ocupadas
pelos índios Caiapós, nação pacífica e poderosa, que irritada
pelos abusos cometidos pelos viandantes, muitas vezes
interceptou o trânsito de São Paulo a Goiás, sendo mister que,
por ordem expressa do rei, de 5 de março de 1732 (ibidem, p.
120), se organizassem contra eles expedições, como se vê dos
bandos e atos do Governo de 18 de dezembro de 1736 (ibidem, p.
120), de 27 de dezembro de 1741 (ibidem, p. 165), de 6 de janeiro
de 1742 (ibidem, p. 166), de 7 de dezembro de 1740 (ibidem, p.
153), de 17 de fevereiro de 1745 (ibidem, p. 185), de 15 de julho de
1748 (ibidem, p. 210) e de 30 de agosto de 1733 (Arquivo Púb. de
São Paulo, vol. XIII, p. 255).
O coronel Antônio Pires de Campos, o mais audaz dos cabos
de guerra nesta campanha contra os Caiapós, organizou e
comandou várias expedições e foi quem afinal destruiu-lhes o
poder. Celebrara para tal fim ajustes com o Governo, sendo o
primeiro com d. Luís Mascarenhas, governador da capitania de
São Paulo, datado de 12 de outubro de 1742, depois que já tinha
iniciado a campanha contra esses índios (Arquivo Púb. de São
Paulo, vol. XIII, p. 259). Este contrato foi celebrado em Vila Boa
de Goiás, onde se achava o governador. O segundo é o que se vê
à p. 210 do vol. XXII do citado Arquivo e nele foi estipulado que
se fundasse a aldeia do Rio das Pedras e, crescendo o número de
seus comandados, a do Lanhoso. Não tem a forma de contrato

40
mas a de regimento e sua data é de 15 de julho de 1748 e foi feito
em virtude da ordem régia de 1746.
Finalmente, tendo já Goiás governo próprio, por ordem
deste abriu ainda Pires de Campos nova campanha contra os
Caiapós pelo ano de 1755 e no Governo de d. Marcos de Noronha,
conde dos Arcos.
À frente de várias centenas de índios mansos de diversas
nações, principalmente Bororós, que trouxe de Cuiabá, Pires de
Campos, em menos de três meses, percorreu a estrada de Goiás,
destruindo, com inaudita crueldade, as populações Caiapós, que
pôde surpreender, e depois, por ordem do Governo, estabeleceu,
ao longo da estrada, diversos aldeamentos de seus fiéis índios,
para que servissem de barreira aos Caiapós, caso voltassem,
“pour la [a estrada] garantir plus sûrement de nouvelles
ataques” escreveu Saint Hilaire (Voyage aux Sources du Rio S.
Francisco, vol. 2º., p. 225, linha 5).
Assim, malograda a tentativa de colonização pela raça
branca, pelo sistema das sesmarias, então usado, assentara afinal
o Governo povoar de índios de raça amiga a zona marginal da
estrada do Anhanguera.
Já a esse tempo existiam as aldeias do Rio das Pedras e
Lanhoso; a de Sant’Ana do Rio das Velhas, diz Azevedo Marques
ter sido fundada em 1741; outras tradições e lendas, porém,
atribuem à sua fundação época muito anterior e aos jesuítas
fugitivos por estes sertões (Saint Hil, cit. p. 284, nota 2 e Revista
do Arquivo Público Mineiro, ano IX, fascículos III e IV – 1904).

41
Pires de Campos, no último combate contra os Caiapós,
recebeu um frechada, da qual veio a falecer em Paracatu
(Arquivo Púb. de São Paulo, vol. XIII, p. 285).
Das aldeias fundadas e que ainda existiam em 1821 havia no
Sertão da Farinha Podre (denominação sob a qual no primeiro
quartel do século passado era conhecida esta parte ocidental do
atual Triângulo Mineiro), as seguintes, entre a aldeia do Rio das
Velhas e o rio Grande: Rocinha, Uberaba (junto ao atual ribeirão
de Uberabinha), Tijuco, Lanhoso, Uberaba-falsa (nas
proximidades do atual rio Uberaba), Toldas, Posse, Espinha e
Rio Grande (Saint Hilaire, vol. cit., p. 312). Em alguns pontos
principais foram mais tarde estabelecidos quartéis para prevenir-
se também o contrabando.

42
LARGURA DAS TERRAS DOS ÍNDIOS

A zona de três léguas de largura, da qual a estrada do


Anhanguera era eixo, isto é, a faixa de terras de légua e meia para
cada lado da estrada, ficou pertencendo inalienável aos Barorós
e demais índios mansos, trazidos de Cuiabá por Antônio Pires de
Campos e por ele aldeados à beira da dita estrada (Saint Hilaire,
vol. cit., p. 25, linhas 16 a 23, ibidem, p. 225, linhas 4 e 8).
Entre o rio Paranaíba e o rio das Velhas têm sido
respeitadas essas terras com a mencionada largura. Do rio das
Velhas até o rio Grande conservou-se a tradição das terras
aldeanas ou indianas, como se vê de antigos papéis e
documentos.
Um destes, que se acha em poder do coronel José Américo
Teixeira Junqueira, contém referências a essa tradição, sendo a
mais clara a escrita na petição de Claudino Leal da Fonseca,
morador no córrego do Quartel Velho (entre Espinha e Toldas),
na qual se lê:
“Que o terreno que o suplicante comprou com as
benfeitorias constantes de capoeiras, casa de vivenda, quintal,
rego de água, açude, curral, pastos, etc. está compreendido nas
terras chamadas da estrada, que sendo outrora reservadas e
concedidas para os índios que as abandonaram e nunca
cultivaram, circunscrevendo-se a certas aldeias, foram depois
concedidas aos brasileiros que se quisessem estabelecer, tendo
preferências os cultivadores como bens primi capientis”. Tem a
data de 30 de julho de 1836.

43
Não resta, porém, dúvida que nesta zona (antigo Sertão da
Farinha Podre) não só essas terras foram invadidas pelos
entrantes, como também tentou-se estabelecer a opinião (a
palavra é do autor das Alegações Finais, p. 17, linha 20), segundo
a qual a largura da terra dos índios era de uma légua, isto é, meia
légua para cada lado.
Disso dá testemunho Saint Hilaire, quando escreveu:
“Farinha Podre est située, disent les habitants, à plus d’une
demi-lieue portugaise est veritable route de Goiás à S. Paul, et,
par consequent, hors des limites du territoire des indiens”, que,
traduzido, diz: “Farinha Podre está, no dizer dos moradores, a
mais de meia légua portuguesa da verdadeira estrada de Goiás
à S. Paulo e, por isso, fora das terras dos índios”, ou ainda: “Ouvi
dos moradores da Farinha Podre que esse povoado está a mais
de meia légua portuguesa da verdadeira estrada de Goiás à São
Paulo e que, por isso, está fora das terras dos índios”.
Dessa opinião da meia légua adiante se verá testemunho na
demarcação das fazendas de Badajós e Santa Gertrudes.
Cumpre aqui estudar detidamente o que sobre esse assunto
escreveu Augusto de Saint Hilaire, a quem o visconde de Taunay,
em sua Relação dos estrangeiros ilustres e prestimosos
merecidamente qualifica “um dos maiores e úteis amigos do
Brasil, botânico ilustre, viajante tão verídico quanto minucioso”
(Rev. Tr. do Inst. Hist. Geog Bras., vol. 58, p. 229).
À cit. p. 254 do vol. 2º da Voyage aux Sources du Rio S.
Francisco et dans la Province de Goiás, ele reproduz, nos termos
seguintes, a tradição que encontrou na aldeia do Rio das Pedras:

44
“Fiquei contentíssimo com o capitão dessa aldeia;
demorou-se muito comigo e respondeu a todas as minhas
perguntas com muita delicadeza e amabilidade.
Segundo as informações, que me foram comunicadas por
ele e por outros índios, esta foi a origem da Aldeia do Rio das
Pedras: quando os paulistas formaram seus primeiros
estabelecimentos na província de Goiás, os Caiapós, sem dúvida
exasperados pela crueldade de alguns dos entrantes,
começaram a infestar a estrada de São Paulo a Vila Boa e
levaram o terror às comitivas. A Antônio Pires, o vencedor de
muitas nações de índios na zona de Cuiabá e homem de notória
intrepidez, foi feito convite para vir socorrer a colônia nascente.
Por ser já avançado em anos não pôde chefiar pessoalmente a
expedição, mas em seu lugar mandou seu filho o coronel
Antônio Pires de Campos com um troço de índios de várias
nações, principalmente Bororós e Parecis. Os Caiapós foram
vencidos e tratados com horrível barbaridade: a estrada ficou
perfeitamente livre e, para mais seguramente garanti-la de
futuras agressões, deu-se a Antônio Pires para si e para seus
comandados o território que se estende do rio Paranaíba ao rio
Grande com a largura de UMA E MEIA légua portuguesa de
cada lado da estrada.”
Essa tradição é a que Saint Hilaire adota, como se vê à nota
3 à p. 256 do vol. cit., onde em contradita a divergências relativas
a esses fatos, que se lêem nas sucintas indicações de Cazal,
Pizarro e Pohl, ele escreveu: “Era difícil a esses escritores
saberem EXATAMENTE a verdade, ao passo que os índios, dos

45
quais ouvi as informações acima, as receberam dos filhos dos
mais antigos moradores”.
Além disso, no mesmo vol. à p. 251, Saint Hilaire escreveu
do modo o mais categórico: “A zona, que eu ia atravessar antes
de entrar na província de S. Paulo e compreendida entre o rio
Paranaíba e o rio Grande, tem cerca de 30 léguas de
comprimento. Forma um distrito privilegiado de TRÊS léguas
de largura que foi concedido, como adiante se verá, aos
descendentes de vários povos de raça indígena e compreende
terras fertilíssimas”.
É claro que Saint Hilaire adotou a tradição, segundo a qual
de TRÊS léguas era a largura das terras indianas entre o rio
Paranaíba e o rio Grande.
“A afirmativa do sábio viajante permanece como um
testemunho insuspeito e valioso através do tempo e das
tentativas contra a verdadeira histórica. Mas não é sem fatos e
sem autoridade que se há de condenar ao olvido a ouvida
palavra de quem não escreveu por interesse nem por ideias
preconcebidas” na deveras bela frase das Alegações.
Sobre a opinião, que encontrou em Farinha Podre, de ser
de meia légua, para cada lado da estrada, a largura da terra
indiana, o criterioso e sábio viajante limitou-se a narrá-la,
abstendo-se de emitir juízo sobre o valor dela e, se algum tivesse
emitido, seria certamente condenando-a, pois de outra maneira
o escrupuloso e verídico narrador seria incoerente por completo
com suas afirmativas categóricas, acima transcritas, nas quais

46
manifesta sua convicção de ser de TRÊS léguas a largura da terra
dos índios, desde o rio Paranaíba até o rio Grande.
Para mais fácil compreensão do que vai ser exposto, segue
uma ligeira notícia sobre

47
O PATRIMÔNIO DA MATRIZ

Entre os anos de 1807 e 1812 (não se pode, por enquanto,


determinar com precisão a data) alguns aventureiros, vindos do
Desemboque, fundaram nesta zona então conhecida por Farinha
Podre, nas cabeceiras do córrego do Lajeado, afluente do rio
Uberaba da margem esquerda, a quase duas léguas e meia
portuguesas da estrada do Anhanguera, um pequeno povoado
com capela, cujos oragos foram Santo Antônio e São Sebastião.
Entretanto, os moradores do Lajeado foram transferindo
sua residência para o local da atual cidade de Uberaba, junto ao
qual já tinha sua chácara o sargento-mor Eustáquio da Silva e
Oliveira, comandante do Distrito e curador dos índios, “homem
preponderante nos negócios públicos” e nesta zona sempre
respeitado e obedecido até a data do seu falecimento.
Começou dessa retirada dos moradores a decadência do
primitivo povoado das cabeceiras do Lajeado.
Tem a data de 28 de dezembro de 1812 o escrito de doação
feita por Tristão de Castro Guimarães e sua mulher a Santo
Antônio e São Sebastião e vai abaixo transcrito com o teor que se
vê a fls. 23 do folheto Egreja Matriz, cit. linha 6 seguintes:
“Digo eu Tristão de Castro Guimarães e minha mulher
Frutuosa Rodrigues que somos senhores de uma posse de terras
com matos e campos na paragem entre o sítio das Toldas,
estrada de São Paulo e o sítio do Lajeado que compreenderá a
dita posse uma légua de terras em quadro pouco mais ou menos
e pela parte do norte contesta pelo veio do córrego do dito

48
Lajeado abaixo até fazer barra no ribeirão de Uberaba e por
este abaixo veio d’água até onde chegarem as terras dos índios,
declaramos que deste terreno se reservam três capões de matos
que pertencem a José Gonçalves Pereira e pela parte do leste
contesta com a sesmaria já medida a José Francisco de Azevedo
e pela parte do sol contesta com José Dias servindo de divisa o
espigão que divide águas vertentes ao rio Grande e a dita
Uberaba e para oeste contesta com terras dos índios, de cuja
posse de terras muito de nossas livres vontades por este papel
fazemos doação ao Senhor Santo Antônio e a São Sebastião
para patrimônio de sua igreja e ao procurador que houver dos
referidos santos, aos quais cedemos e traspassamos todo o
domínio que até aqui tínhamos nas mencionadas terras, por
bem da referida posse que nelas tínhamos. E por firmeza de tudo
aqui fica expressado e por eu não saber ler nem escrever
somente me assino com uma cruz, sinal de que uso e pela dita
minha mulher assina a seu rogo Inácio Rodrigues da Silva na
presença das testemunhas José Francisco de Azevedo e José
Gonçalves Heleno. Rio das Velhas, 28 de dezembro de 1812.
Tristão de Castro Guimarães (assinado com uma cruz). Assino
a rogo de Frutuosa Rodrigues, Inácio Rodrigues da Silva. Como
testemunha José Francisco de Azevedo. Como testemunha que
esta doação retro vi fazer e assinar, José Gonçalves Heleno.
Como testemunha que esta doação escrevi a rogo do autor, José
Pedroso da Silva.”

49
Nota – Vê-se nesse título que a divisa ao poente era a terra
dos índios e que o doador só excluiu da doação três capões
pertencentes a José Gonçalves Pereira.
Escreveu o coronel Sampaio (Igreja Matriz, p. 4, linhas 31-
38):
“Pelos anos de 1809 a 1811 esteve aquela paragem [refere-
se ao povoado do Lajeado] o sargento-mor Antônio Eustáquio
da Silva e Oliveira, homem observador, o qual reconhecendo
não oferecer a localidade boas proporções para o
desenvolvimento de um povoado no Sertão da Farinha Podre,
visto ter contra si, especialmente, a exiguidade das águas,
avançou-se adiante cerca de duas léguas e meia, onde se lhe
deparou o córrego Laje de numerosas vertentes em suas
cabeceiras; por conseguinte com abundante abastecimento de
águas e ilhotes florestais de prodigiosa vegetação, circulado por
campos viçosos.
Nesta localidade na margem esquerda fundou uma
situação (chácara) que ainda conheci com a primitiva
construção, isto é, casa baixa, tendo entrada por uma varanda
aberta, pela qual era feita a servidão da casa, como era costume
em muitas fazendas antigas em Minas Gerais.
Nessa Chácara residiu o major Antônio Eustáquio até o
seu falecimento, fato que teve lugar a 6 de fevereiro de 1832.
Reconstruída a casa de morada na dita chácara pelo tenente
Fidélis Gonçalves dos Reis, depois pelo Governo Estadual, ali
funcionou o Instituto Zootécnico.”
Essa chácara foi, pois, fundada de 1809 a 1811.

50
O escrito da doação de terras feita por Tristão de Castro e
sua mulher tem a data de 28 de dezembro de 1812; é posterior
portanto à fundação da chácara do major Eustáquio.
O terreno, em que está essa chácara, está dentro das divisas
das terras que o autor das Alegações diz pertencerem à Matriz
segundo o que se pode compreender da declaração das divisas
feita no libelo: “divide... com o córrego do Lajeado e por este
abaixo até o rio Uberaba nas imediações do antigo vau próximo
à ponte no caminho do Caçu; com o espigão que começa nas
imediações do mesmo vau, segue em rumo do sul, dividindo as
águas” etc.
Se esse terreno pertence à Matriz pertencia a Tristão, pois a
Matriz não tem outras terras senão as doadas.
Logo o major Eustáquio fundou sua chácara nas terras
pertencentes a Tristão de Castro, agregado, portanto, de Tristão.
O sargento-mor depois major Eustáquio da Silva e Oliveira,
o Comandante Regente do Sertão da Farinha Podre,
personalidade a mais importante, o chefe incontestado destes
sertões, não passava de um agregado do pobre Tristão de Castro!
Ninguém o acreditaria por aqui, se o advogado da Matriz o
não dissesse!
*
Eis aí a consequência legítima das pretensões exageradas:
dão absurdos dessa idade.
Para acomodar aqui em toda a área da cidade e adjacências
as terras doadas, recuaram demais as terras dos índios para o
poente, e não repararam nas consequências...

51
Pois é notório que o major Eustáquio, curador dos índios,
fez sua chácara nas terras deles. Deu o exemplo aos invasores das
terras indianas.
Eschwege e Saint Hilaire poderiam contar melhor o caso...

52
AINDA A LARGURA DAS TERRAS DOS
ÍNDIOS

Quase sete anos depois deste escrito de doação, esteve Saint


Hilaire neste distrito, onde acesa ia a invasão das terras dos
índios pelos entrantes e aventureiros.
Assim diz ele no vol. cit. p. 282:
“Nas regiões desertas, de policiamento impossível, onde
quase nada valem as leis, homens há que pela audácia, pela
inteligência ou pela fortuna, adquirem sobre os vizinhos grande
ascendente e tornam-se verdadeiros tiranos. Quando em 1816
Eschwege chegou às aldeias, um desses regulosinhos, cujas
ordens tinham muitas vezes mais valor que as do próprio
governador, apresentou ao coronel alemão um projeto, cujo
objetivo não era senão a expulsão gradual dos índios das terras
que lhes pertenciam, a fim de poder dividi-las entre os
portugueses.
Eschwege repeliu indignado o projeto e garantiu ao autor
dele que, tanto quanto pudesse, embaçaria a execução de tal
medida. Mas a retirada dos militares de Minas deixava o campo
livre a esse personagem e em 1821 os índios da parte do distrito
privilegiado, situada entre o rio das Velhas e o Grande,
recorreram ao Governo, queixando-se de que os portugueses,
chefiados pelo homem de quem estou tratando, os expulsavam
das terras que lhes pertenciam.”
Depois, à p. 293 do mesmo vol. e livro, escreveu referindo-
se aos campos aquém do rio das Velhas:
53
“Não é para admirar que os portugueses e o tiranete, ao
qual me referi, cobiçassem esse pedaço de terra aos índios, mas
confrange o coração pensar que devéras não queiram deixar
algumas léguas de terras a esses homens que, ainda há tão
pouco, eram donos da América toda.”
Diz um velho documento, iluminando talvez a história
dessa época: “...alguns homens criminosos e foragidos, que se
acolheram ao arraial do Rio das Velhas, que pelo temor de
serem punidos pelos seus delitos, entraram a cometer outros
maiores, como foi o de valerem-se do gênio manso, que com o
disfarce de bravo matavam e roubavam aqueles vizinhos, a fim
de desampararem o que estavam possuindo, o que é bem
constante e notório.”
(Informação da Câmara da vila de São Bento de Tamanduá
sobre o requerimento dos moradores do Araxá, em 1º de junho
de 1815. Rev. do Arq. Pub. Mineiro. ano 9, fasc. 3 e 4, p. 881).
Saint Hilaire esteve no povoado da Farinha Podre cinco
dias; pois, como se vê do Quadro das Observações
Termométricas (Voyage, cit. vol 2º p. 317), aqui chegou a 17 de
setembro de 1819 e retirou-se a 22 do mesmo mês; aqui ele
mesmo, embora bastante adoentado, serviu de médico e talvez
até de enfermeiro ao seu camarada Marcelino, atacado de febres;
sentiu-se, durante esses dias de estada no povoado,
aborrecidíssimo a acabrunhado ao pensar na enorme distância
que tinha a percorrer ainda até São Paulo; notou aqui a falta de
boa sociedade e não disse ter confabulado com as principais

54
pessoas do lugar como em Diamantina, Paracatu, etc.; aqui ele se
achou quase isolado. (Veja-se o livro cit., p. 305).
Assim quando ele, na frase acima transcrita, escreveu:
“disent les habitants”, isto é “dizem os moradores”,
evidentemente não se referia senão às pessoas (e quem sabe se à
pessoa?), de quem ouvira aquela informação tanto da meia légua
de cada lado da estrada, como da distância a que o povoado ficava
da estrada.
E não teriam sido os informantes alguns daqueles que se
empenhavam em invadir as terras dos índios ou que delas já se
haviam apoderado?
Em seu folheto Igreja Matriz citado, à p. 29, o coronel
Sampaio transcreve um manuscrito antigo, que possuía e que lhe
fora dado pelo cônego Hermógenes Cassimiro de Araújo
Brunswich, vigário da freguesia do Desemboque, a qual
compreendia, até o ano de 1820, todo o sertão da Farinha Podre,
e homem notável pelo saber e pela influência; aí se lê:
“As terras, sitas ao longo da antiga estrada de Goiás, que,
de tempo imemorial foram reconhecidas da propriedade de
algumas hordas de índios, que debaixo da administração do
falecido coronel Antônio Pires, se mandaram pelo Governo de
Goiás estabelecer ali no século XVIII, em socorro dos comboios
de negociantes, que na mesma estrada eram invadidos pelo
sáfaro Caiapó, se contém desde o rio Grande até o rio
Paranaíba, estendendo-se para cada lado da mesma estrada
LÉGUA E MEIA. NAS MESMAS TERRAS se acham erigidas a
antiga paróquia da Missão de Sant’ Ana dos mesmos índios

55
longe do rio das Velhas uma légua e entre este e o rio Paranaíba
e a de Santo Antônio e São Sebastião do Uberaba criada em
1820 entre o rio das Velhas e o rio Grande.”
Este manuscrito antigo, “cuja autoria [diz o coronel
Sampaio] se atribui ao padre Luís Antônio da Silva e Sousa”,
era, conforme se depreende da exposição feita pelo mesmo
coronel em seguida à transcrição, anterior ao ano de 1830, isto é,
anterior de mais de 18 anos à publicação da Voyage cit. de Saint
Hilaire que foi publicada em 1848 e em cujo escrito não pode pois
ter-se inspirado. É pois mais um testemunho insuspeito da
verdadeira tradição que o verídico Saint Hilaire adotou.

56
DE TOLDAS AO VAU DO RIO UBERABA

Que a estrada do Anhanguera passava nas Toldas é


indubitável.
Essa passagem nas Toldas está confirmada no livro de Saint
Hilaire, na parte onde, entre as aldeias fundadas à beira da
estrada, menciona a de Toldas (Voyage, vol. 4º, p. 312), pelo
coronel Sampaio (Igreja Matriz, p. 29, linha 4), onde escreveu:
“A estrada, que vinha do porto da Espinha para o vau do
ribeirão de Uberaba, passava nas Toldas e por conseguinte à
vista da nova povoação de Uberaba” e finalmente pelo escrito
de doação, feita por Tristão de Castro Guimarães e sua mulher,
acima transcrito, onde se lê: “sítio das Toldas estrada de São
Paulo”.
Esse sítio ou aldeia de Toldas ficava ao sul da área onde está
a atual cidade de Uberaba e em direção ao porto da Espinha, do
qual, em nota à p. XLVII da Introdução ao vol. XI do Arquivo
Público de São Paulo, se diz: “Alguns mapas têm o nome de
Anhanguera junto ao porto da Espinha e a ser exato (e não há
motivo para duvidar) isto por si só basta para identificar a
passagem da antiga estrada de Goiás”.
Pois o Mapa da Província de Minas Gerais, de Gerber, de
1862, traz o porto da Espinha com o nome de Anhanguera e,
quando Saint Hilaire teve de transpor o rio Grande, ali perto,
encontrou “o homem que recebia o pedágio pela família do
Anhanguera”, isto em 24 de setembro de 1819 (Voyage cit., vol.
2º, p. 311, linha 10).

57
Na História Topográfica da Freguesia de Uberaba, que se
atribui ao padre Antônio José da Silva, à p. 343, linha 27-28 da
Revista do Arquivo Público Mineiro, ano 1º, fasci. 2º, se lê, na
descrição dos portos e em seguida ao da Ponte Alta: “outro, rio
abaixo, denominado o porto da Espinha estabelecido pelo
Anhanguera no tempo em que abriu a estrada de Goiás”.
Toldas não contava em 1821 (Saint Hilaire, vol. cit., p. 312)
mais que 23 índios, dos quais 5 homens, 7 mulheres e 11 meninos,
e era provavelmente ali “a única pobre choupana habitada por
índios”, que Saint Hilaire encontrara entre Farinha Podre e
Guarda da Posse (ibidem, p. 306).
A tradição, da qual Antônio José da Silveira Vaz dá
testemunho em seu depoimento a fls. 226 v. dos autos da Ação
de Reivindicação proposta pela Fábrica à Câmara Municipal,
aponta na margem direita do correguinho das Toldas o local de
um cemitério antigo, cuja cruz estava no ponto, onde se acha hoje
o velho cedro, junto ao sítio da chácara do dr. José de Oliveira
Ferreira.
Esse cemitério, cristão como a antiga existência da cruz
demonstra, e que não podia ser o cemitério da povoação do
córrego da Laje (atual Uberaba) e muito menos o do primitivo
povoado do Lajeado, seguramente estava nas proximidades da
aldeia de índios mansos, estabelecida à margem direita do
córrego das Toldas, à beira da estrada de São Paulo a Goiás.
Desse ponto a estrada seguia, subindo pela dita margem
direita, beirando os matos e os brejos, no meio dos quais o
córrego das Toldas corria e para evitá-los, contornando-os, é que

58
a estrada forçosamente aí inclinou-se para a esquerda,
afastando-se de sua direção geral de sul a norte e tomando a
direção do noroeste neste pequeno trecho de cerca de um
quilometro e meio. Evidentemente essa pequena inflexão da
estrada não pode constituir INEXPLICÁVEL desvio.
*
Agora os vestígios.
Passados os currais da chácara, evidente se apresenta a
estrada antiga, ora no desnudado da fita do terreno, que ela
ocupa, ora na depressão geral do seu antigo leito. Não pode haver
quem, salvo se cego, aí não veja seguidos até o desbarrancado,
junto ao qual houve a audiência de 31 de março de 1910, lugar,
que na planta junta está indicado, os vestígios patentes da
estrada antiga, que a tradição dos velhos moradores da zona
aponta como sendo a estrada do Anhanguera.
No desbarrancado a estrada desaparece; não há, porém,
nisso motivo para se julgar impraticável o reconhecimento dela;
pois no alto desse mesmo desbarrancado, menos de duzentos
metros aquém da porteira geralmente chamada do Capão Limpo
construída na divisa de João Marinho, se apresenta novamente a
estrada antiga, cujos vestígios vão seguido até a chapada entre o
Capão Limpo, a cabeceira do córrego da chácara das Bicas,
propriedade do dr. Gabriel Orlando Teixeira Junqueira, e a do
córrego dos Tabuões, como da planta se vê, perfeitamente de
acordo com a tradição afirmada por Antônio José da Silveira Vaz
e por João Leal do Alemão, testemunhas na vistoria, e pelo dr.
Gabriel Orlando Teixeira Junqueira e pelo major Carlos Batista

59
Machado, testemunhas, cujos depoimentos, claros e precisos, se
inspiravam na tradição do capitão Manuel Joaquim da Silva
Prata de veneranda memória.
No curto trecho em declive, mais próximo ao
desbarrancado, a estrada tropeira do Anhanguera é um trilho ou
cava estreita, de bordos geralmente desnudados, coberto em
parte o leito de gramíneas, vendo-se aqui acolá raros vegetais de
maior porte, nascidos de longo tempo junto ao bordo e na parte
interna desse trilho ou cava, que em alguns pontos mostra sinais
de dano produzidos por enxurros.
Assim mesmo devia ser, aí, a estrada tropeira do
Anhanguera.
Com a fundação do povoado, os visitantes abandonaram,
nas proximidades dele, a estrada antiga e passavam pelo próprio
povoado, segundo narra Saint Hilaire (ibidem, p. 303).
Ora, aí, no lugar desse desbarrancado, é que estava a
encruzilhada (autos cit., fl. 225 v. a 226 v. transcrito em anexo no
fim deste escrito), aí é que a estrada se bipartia, seguindo uma, a
antiga, rumo norte em direção ao Lanhoso e a outra, a nova,
rumo nordeste demandando o povoado.
É o que se vê do depoimento de João Leal do Alemão e de
Antônio José da Silveira Vaz de perfeito acordo com a topografia
dessa paragem. Leiam-se esses depoimentos no anexo.
Era aí o ponto, onde os viajantes, que vinham da Espinha,
abandonavam a estrada do Anhanguera e procuravam o
povoado.

60
Abandonada, a velha estrada conservou, nesta sua primeira
parte, na qual não se vêem vestígios de carros de boi, os
caracteres que devia ter a estrada do Anhanguera, no princípio
do século passado, transitada só por tropas, boiadas e cavaleiros
nesse trecho de subida da encosta de pouco declive e em terreno
arenoso.
Estreita, funda e algum tanto cavada de enxurros é ela aí
nesse campo quase limpo e em lançante.
É com esses mesmos caracteres que a estrada do
Anhanguera se apresenta, em trechos abandonados antigamente,
entre Sant’ Ana do Rio das Velhas e Porto Velho do rio Paranaíba.
E que deveria ser a estrada do Anhanguera, só transitada
por tropas, boiadas e cavaleiros e não pelos carros de bois?
- Um ou mais trilhos não paralelos; nas chapadas
geralmente vários e pouco fundos; nos lançantes – um ou poucos
e profundos.
*
Relativamente a esse trecho da estrada escreveu o advogado
da Matriz nas Alegações à p. 38, in fine: “Devemos, porém, notar
que esta nova estrada do Anhanguera, de cuja descoberta se
pode orgulhar o perito Alexandre de Sousa Barbosa, é muito
estreita e muito cavada pelos enxurros que lhe desnaturaram a
feição de estrada se algum dia mereceu este nome”.
A compreensão, dada pelos infra-assinados à primeira
parte dessa transcrição, é esta: A verdadeira estrada do
Anhanguera é outra: esta, que ali se vê, é uma nova estrada
inventada por este perito.

61
Se esse é o sentido da frase, seja lícito aos infra-assinados
perguntar:
Será esse perito quem inventou a tradição antiga dos velhos
moradores da zona marginal da estrada do Anhanguera, no
trecho que vai de Espinha a Toldas?
Será ele quem inventou a velha estrada, há tempos
abandonada, desde as Duas Cruzes até esse desbarrancado, e a
qual a mencionada tradição afirma ser a estrada do Anhanguera?
Será ele quem inventou as velhas testemunhas informantes
João Leal do Alemão e Antônio José da Silveira Vaz, cujos
depoimentos estão em anexo no fim deste escrito e que na
audiência, realizada nesse lugar a 31 de março do ano passado,
mostraram esse trilho, afirmando ser ele a estrada do
Anhanguera?
Será ele quem criou o perfeito acordo em que se acham,
desde o alto dessa chapada até o atual cemitério, a tradição
dessas duas citadas testemunhas e a tradição das testemunhas
dr. Gabriel Orlando Teixeira Junqueira e Carlos Batista
Machado, baseada na narrativa do finado nonagenário capitão
Manuel Joaquim da Silva Prata?
Será obra dele a topografia dessa paragem, perfeitamente
harmônica com aquela tradição?
Se o procurador da Matriz tinha certeza de que outra era a
antiga estrada do Anhanguera, porque nunca diligenciou para
que aos peritos fossem mostrados os vestígios dela?
Aquela frase, pouco cortês, em nada aproveita à sua causa;
apenas revela seu estado de ânimo.

62
*
Acompanhando o vestígio acima descrito e subindo, à
pequena distância, se vê que ele se confunde, em curta extensão,
com o de uma estrada carreira velha que, vindo da parte do Capão
Limpo, se dirigia para a cidade. Logo adiante se apresenta ao
norte, em frente, a serra do Lanhoso e o culminante morro da
Galga, fechando o horizonte longínquo.
Aí já os vestígios ganharam a chapada, onde está o atual
cemitério público. Nessa chapada a estrada atual, que dos Lemes
vai ao alto das Mercês, bairro ocidental da cidade, sobrepõe-se à
estrada do Anhanguera em pequeno trecho e à pequena distância
dos antigos valos da chácara das Bicas, propriedade do dr.
Gabriel Orlando T. Junqueira; pouco mais adiante reaparecem os
vestígios dela, seguindo na mesma direção em que vinha, rumo
quase norte, em direção ao Lanhoso, e são patentes junto ao atual
cemitério público.
Informando-se primeiro dos velhos moradores entre
Espinha e Toldas, dê o leitor um agradável passeio a essa
belíssima paragem dos arredores desta cidade, seguindo pela
estrada atual de Toldas até a paragem das Duas Cruzes, à
margem direita e junto ao vau de Toldas, e, ganhando ali a
estrada antiga rumo norte, acompanhando-a até a casa da
chácara do dr. José de Oliveira Ferreira e seguindo daí em diante
o roteiro traçado na exposição acima.
Certamente o surpreenderá a empolgante evidência.
Adiante do cemitério atual, várias vaus antigos se
apresentavam no rio Uberaba, vendo-se neles vestígios de

63
estradas velhas que se dirigem para a parte do Lanhoso, ficando
mais ao poente de todos o vau que se acha abaixo da ponte
construída na estrada para o Caçu. Acima desse vau e perto da
barra do córrego da Laje da margem esquerda do rio Uberaba há
outro. Acima deste último e ainda acima do córrego da Laje e do
córrego da Tapera, da margem direita do mesmo rio, está o vau
dos Bernardes, que serviu antigamente para o trânsito entre a
chácara dos mesmos Bernardes e a chácara do major Eustáquio.
Estes dois últimos vaus, segundo parece, estão dentro dos fechos
antigos da chácara do major Eustáquio (atualmente chácaras do
Instituto Zootécnico e do coronel Tutuna e Matadouro), cuja
fundação é anterior à fundação do atual povoado de Uberaba.
(Igreja Matriz, p. 4, in fine).
Desses vaus o que mais se desvia da direção do Lanhoso é o
primeiro, que mais ao poente de todos fica.
Cumpria examinar, com os elementos conhecidos, qual
desses vaus antigos era o da estrada do Anhanguera, parecendo
à primeira vista difícil a solução, como bem se pode ver do que
acima fica exposto.
Nesta cidade, quando se diz “o vau do rio Uberaba”,
entende-se logo ser o primeiro dos vaus acima mencionados, isto
é, aquele que se acha abaixo da ponte lançada sobre o rio, na
estrada que vai ao Caçu, junto à morada do finado Apolinário
José de Almeida, hoje pertencente ao capitão Antônio Zeferino
dos Santos.

64
O segundo signatário desta, aqui nasceu e tem sempre
residido e o primeiro transferiu para aqui sua residência há um
quarto de século; podem, pois, dar testemunho disso.
Quem quer se referir a outro qualquer vau logo diz: o vau
dos Bernardes, o vau do Bebedouro, etc.
O correguinho, cujas fontes ficam, uma a SO do atual
cemitério público e, outra, abaixo e perto dele que é afluente do
rio Uberaba da margem esquerda e tem sua foz pouco abaixo
desse vau, chama-se simplesmente córrego do Vau.
A chácara dessa mesma margem do rio, atual propriedade
do coronel José Bernadino da Costa, chamou-se chácara do Vau
e a um dos antigos proprietários dessa chácara, há mais de 20
anos, maldosamente apelidaram Zé do Vau.
A chácara da margem direita do rio, que foi do finado
Apolinário José de Almeida, chamou-se também sempre, como
dos antigos inventários se pode ver, chácara do Vau.
A ponte da estrada do Caçu, acima e perto desse vau,
também é conhecida por ponte do Vau.
A testemunha Carlos Batista Machado disse (autos, fl. 177)
que a estrada “seguia entre a chácara do dr. Gabriel Junqueira
e a chácara dos Tabuões a transpor o vau do Uberaba”. A
circunstância de passar a estrada entre a chácara do dr. Gabriel e
a dos Tabuões exclui os vaus situados na parte inferior do curso
do rio Uberaba e, portanto, o vau do Bebedouro.
A testemunha informante José Joaquim de Carvalho,
“pessoa de muito conceito” como se lê nas Alegações, p. 34, linha
14, nascido, criado e residente nas proximidades do rio Uberaba

65
(e não do Capão Limpo como ali se diz), agricultor e perfeito
conhecedor desse rio, afirma “que do vau do Apolinário PARA
BAIXO não existia desta data a quarenta anos atrás nenhum
vau de estrada antiga, a não ser algum vau do estrada
particular. Que o vau que existe hoje no lugar em que havia uma
ponte, conhecido por vau do José Elias, originou-se este vau de
uma estrada que o mesmo José Elias fez para colher roça no
tempo do comendador João Quintino; acima desse vau há
outros dois no lugar denominado Bebedouro, os quais foram
feitos por João Mateus dos Reis também para estrada a fim de
colher roça nas terras do mesmo comendador João Quintino e
que há ainda para acima outros vaus porém sem importância
em estradas particulares e feitos por pessoas da família de
Ovídio Irineu de Miranda” (autos cits., fls. 227-228).
A testemunha informante João Leal do Alemão declarou
“que a estrada vinha do porto da Espinha em direção ao vau de
Uberaba, onde ele testemunha julga que ainda existe uma ponte
perto da morada de Apolinário, ponte para a qual a testemunha
havia serrado os esteios e vigas e ainda a madeira”. (Autos, fls.
225-226).
A testemunha dr. Gabriel Orlando Teixeira Junqueira,
afirma “que a estrada do Anhanguera ia ter ao vau do Uberaba,
abaixo da ponte do Apolinário, vau este hoje na chácara de José
Bernadino” e mais abaixo disse ser “ponto incontroverso que o
vau de Uberaba era o ponto certo da passagem do
Anhanguera”. (Autos fls. 172-176).

66
O coronel Antônio Borges Sampaio, a quem por muito
tempo preocupou a questão do patrimônio da Matriz, escritor
inclinado ao estudo dos detalhes dos assuntos quando os julgava
aproveitáveis, parece supunha bem conhecido de todos o vau do
rio Uberaba, pois nunca tratou de defini-lo para evitar dúvidas
futuras.
Escreveu simplesmente: “A estrada primitiva, que
comunicava a província de São Paulo com a de Goiás (Vila Boa
de), passando pelo território da Farinha Podre, atravessava o
rio Grane no porto chamado da Espinha, o rio Uberaba no lugar
denominado Vau, o rio das Velhas no Registro” (Igreja Matriz,
p. 28).
Em outro lugar diz “A estrada que vinha do porto da
Espinha para o vau do ribeirão de Uberaba passava nas Toldas
(ibidem, p. 29, linha 5).
Escreveu mais que a estrada do porto da Espinha ao
Registro, passava, entre outros pontos, “o vau no rio Uberaba”
(ibidem, p. 31, linha 12), e ali mesmo, à linha 28, diz
simplesmente “o Vau’.
Donde parece que o velho historiador que aqui residiu mais
de meio século e a quem se afigurava tão fácil o reconhecimento
da estrada do Anhanguera e desse vau, que acreditava poder ser
essa tarefa confiada a “um vaqueano do sertão” (ibidem, p. 31),
nunca supôs que mais tarde houvesse quem não reconhecesse,
pelo simples nome, o vau do rio Uberaba.
Esse vau, a que o coronel Sampaio se refere, é o vau abaixo
da ponte do Apolinário estrada do Caçu, de acordo com a tradição

67
corrente, indicada nos citados depoimentos das testemunhas dr.
Gabriel Junqueira, João Leal do Alemão e outros.
*
Pretendeu o autor das Alegações anular o valor probante
dessa tradição pelo motivo de se desviar a estrada para o noroeste
a fim de ganhar o vau do rio Uberaba.
Mas é bem de ver-se que, transposto pela expedição do
Anhanguera o alto da cabeceira do córrego do Vau (no fundo e
pouco abaixo do atual cemitério público), achou-se, logo adiante,
no espigão entre esse córrego do Vau o córrego da Laje. Era
evidente que, descendo por esse espigão e passando o favorável
vau do rio Uberaba, ganharia facilmente a ponta do espigão
fronteiro, pelo qual chegaria, a pé enxuto, ao Lanhoso.
Sendo, como é, de cerca de um quarto de légua essa inflexão
da direção geral da estrada, nesse trecho de cerca de três léguas
da latitude do Capão Limpo ao cemitério da antiga aldeia do
Lanhoso, não pode constituir um INEXPLICÁVEL DESVIO, pois
representa apenas cerca de oito por cento da distância retilínea
dos extremos do trecho.
Não constituiria INEXPLICÁVEL DESVIO em qualquer das
nossas estradas, favorecida dos melhoramentos criados pelo
trabalho e pela civilização e, portanto, muito menos na estrada
“tropeira” do Anhanguera, aberta nesse imenso sertão bruto que
de São Paulo se estendia até Goiás.
Demais, se há quem não deveria, de maneira alguma
estranhar esse desvio, é esse estranhamente o autor das
Alegações, que sabia, perfeitamente, ser tortuosa a estrada de

68
Anhanguera e que à p. 67 delas, linhas 3 a 7, escreveu: “Se em
1825 uma fazenda foi avaliada por tão pequeno preço, qual
deveria ser o de uma légua de terra inculta em despovoada
zona, cuja única via de comunicação era a TORTUOSA estrada
do Anhanguera”.
A explicação é que ali convinha ao autor das Alegações a
declaração do INEXPLICÁVEL DESVIO, que gerava a
consequência – inaceitável tradição do “vau antigo”; e aqui lhe
convinha declarar tortuosa a estrada, para, depreciado o valor
das terras marginais dela, excluir a arguição da nulidade da
doação feita por Tristão de Castro, por falta da satisfação do Liv.
4º, tit. 62 da Ordenação, como se vê à página 67, linha 10, das
Alegações.
Convinha!
*
Mas este autor tem original critério nos assuntos relativos à
vistoria; à p. 37 das Alegações, linhas 26 a 34, se lê:
“O autor do laudo [refere-se ao segundo signatário desta]
recusa “crer que o inteligente Bartolomeu Bueno da Silva
abandonasse o espigão para procurar as vertentes, dificultando
assim o traçado de sua estrada (fls. 241). Pois bem. Entendemos
por igual motivo que o inteligente sertanista não podia deixar
de traçar uma RETA na direção de norte a sul em terreno seco
em vez de se desviar em rumo de nordeste e formar de repente
um ângulo obtuso irregular (?) para noroeste em procura do
chamado - antigo vau.”

69
Parece haver engano aqui; pois a estrada do Anhanguera
não segue o rumo de nordeste. Como é sabido, rumo de nordeste
é rumo de quarenta e cinco graus, ou, como comumente se diz, a
meia esquadria exata, entre o norte e o nascente; talvez erro
tipográfico.
Se o inteligente sertanista seguisse o traçado, agora
lembrado pela amável inspiração do autor das Alegações, e,
traçando uma linha reta de norte a sul ou, antes, de sul a norte
(pois, é de supor-se, de São Paulo vinha), se abalasse da cabeceira
das Toldas em linha reta ao “antigo vau”, iria esbarrar com a sua
numerosa expedição nos matos e brejos do córrego do Vau, cujas
cabeceiras, como neste escrito já se tem dito, ficam próximas ao
atual cemitério público.
Foi mesmo para evitar esse obstáculo que ele, inteligente e
prático, preferiu, embora se desviando um pouco de sua direção
geral de sul a norte em demanda do Lanhoso, seguir sua derrota
pelo espigão limpo e desembaraçado que se estende da cabeceira
das Toldas ao cemitério atual.
É o que resulta do conhecimento da topografia da paragem.
O dr. Gabriel Orlando Teixeira Junqueira, proprietário da
chácara das Bicas, cuja divisa está nessa paragem e perfeito
conhecedor dela, disse em seu depoimento, a fls. 172 a 176, v. dos
autos: “passando mesmo a estrada pelo Capão Limpo, ela para
ter ao referido vau de Uberaba, havia de passar junto à
cabeceira do córrego do meio da chácara dele depoente”, de
perfeito acordo com a topografia local.

70
Entretanto, o traçado em grandes retas que encurtam
distâncias, é, deveras, o que sempre se afigura mais fácil e mais
simples e, pois, mais verossímil principalmente a quem tenha
debaixo dos olhos uma planta, na qual nem todos os acidentes do
solo estejam indicados.
Vem a propósito o traçado da estrada de ferro de São
Petersburgo a Moscou.
Divergiam os engenheiros sobre o traçado e o czar, tomando
de uma régua e aplicando-a aos pontos extremos, traçou a linha
a construir-se.
Sendo muito plana a região, parecia exequível a ordem do
autocrata; entretanto umas miseráveis elevações, de 351 metros
máximo, denominadas Walday, que se encontravam lá para o
meio do traçado, tanto dificultavam o trabalho, que não se
construiu a reta ordenada pelo senhor das Rússias.
Assim são as causas, quase sempre, na sua realidade crua,
muito diversas do que às cogitações da meditação se afiguram.
A estrada do Anhanguera, naturalmente, devia desviar-se
sempre das vertentes para evitar os matos e brejos, e procurar os
espigões; por isso são nela notáveis as tortuosidades, embora
estejam aproximadamente em linha reta seus três portos
principais nesta zona: Espinha, Registro e Porto Velho.
Há, porém, pondo de parte a tradição, motivos seguros que
levem a crer ser esse vau do rio Uberaba e não algum dos outros
dois mencionados vaus aquele que a estrada do Anhanguera
atravessava antes da fundação da chácara do major Eustáquio?

71
A incerteza existente sobre a época da construção dos
fechos dessa chácara e a falta de informação segura sobre a
posição da aldeia de Uberaba-falsa, cujo local uma noticia muito
vaga indica no Capão do Bugre (vide autos cit., fls. 228) e a
deficiência de informações escritas não permitem que, posta de
parte a tradição acima apontada, se forme opinião certa sobre o
traçado da estrada nesse pequeno trecho.
Mas, na falta de dados seguros em oposição à tradição
corrente (e nenhuns foram apresentados), é justo que se dê fé a
essa tradição.
Diante da leal declaração dessa incerteza, que, na ausência
da tradição, se estabeleceria única e exclusivamente no pequeno
trecho junto aos vaus, o procurador da Matriz, jubiloso, escreveu:
“Eis aí a verdade proclamada! E dela resulta que assim como o
traçado dessa estrada não é exato em parte, não é também no
todo”.
Que a verdade foi proclamada, sim; e outro objetivo não
visaram os infra-assinados em todo esse trabalho,
principalmente quando o segundo signatário desta declarou,
como lealdade e sinceridade, a dúvida, que o estudo imparcial lhe
sugeriu e que ninguém lhe tinha revelado.
Assim desejassem todos, tanto quanto os infra-assinados,
desinteressadamente e ardentemente, a descoberta e a
proclamação da verdade!
Não é, porém, aceitável a afirmativa de que “o traçado de
uma estrada não exato em parte não o é também no todo”.

72
Esse critério absoluto não se compadece com a natural
relatividade das coisas: se admissível nas ciências dedutivas, não
pode ser adaptado a todas as aplicações cientificas. É sofístico.
Exemplifique-se: procura-se determinar o traçado de uma
velha estrada de cem quilômetros de extensão, macadamizada e
abandonada há muitos anos.
Num percurso de noventa e oito quilômetros encontram-se
vestígios evidentes da estrada, permitindo conhecer exatamente
o seu traçado: em dois quilômetros, porém, devido a quaisquer
causas, esses vestígios desaparecem de todo, podendo-se
portanto nesse trecho, adotar vários traçados, sendo, porém,
impossível afirmar-se qual o verdadeiro. Consequência (segundo
o critério do autor das Alegações):
O traçado, não sendo exato em parte (2 quilômetros), não o
é no todo (100 quilômetros) e portanto não é também exato no
trecho de 98 quilômetros perfeitamente identificado e
restabelecido!
Que critério! Legítimo produto da Filosofia Escolástica!
*
Assim, caso faltasse, por completo, a tradição (hipótese que
não se dá, como acima se viu) e, por isso não se pudesse
determinar o percurso da estrada nesse pequeno trecho, é claro
que em nada ficava prejudicado o extenso trecho, desde a
cabeceira das Toldas até muito além do atual cemitério público,
cujo reconhecimento está feito, como já ficou exposto.
Ainda nessa hipótese, a área, a respeito da qual
permaneceria a dúvida (que a falta da tradição geraria) do

73
traçado desse pequeno trecho da estrada, será tão diminuta que
a incerteza não excederia os limites estabelecidos pela legislação
nacional à tolerância topográfica para agrimensores em
perímetros regulares. (Note-se que a estrada de que se trata
evidentemente não é divisa de perímetro regular).
O primeiro signatário não se referiu em seu laudo a esse
curto trecho, de cuja área o valor era diminuto na questão dos
Patrimônios, porque reconhecia que a incerteza da vistoria nessa
parte seria desfeita pela certeza da tradição.
Vê claro, pois, o leitor que não havia no laudo do segundo
signatário motivo razoável para aquela exclamação jubilosa do
autor das Alegações.
Não havia de que!
*
Escreveu ele mais:
“Admira que os peritos dr. Silvério José Bernardes e
Alexandre de Sousa Barbosa tivessem desprezado os
depoimentos de testemunhas como o major Venceslau Pereira
de Oliveira, coronel Pedro Floro Gonçalves dos Anjos, Lanes
José Bernardes, Hermógenes Casssimiro de Araújo Brunswick
e a prova que resulta do doc. n. 19 para darem todo o crédito a
essas duas testemunhas”. (Alegações cit., p. 32, in fine).
A testemunha Venceslau Pereira de Oliveira disse (à fl. 150
dos autos cits.) “que a estrada de São Paulo a Goiás era a
princípio pelo Capão Limpo e depois por esta cidade”. Somente.
E disse muito bem. A paragem, ali onde houve a audiência
de 31 de março de 1910, onde a estrada do Anhanguera conserva

74
intatos seus caracteres de tropeira e boiadeira, é chamada Capão
Limpo, embora fique bastante aquém do mato daquele capão,
tanto que a porteira do Patrimônio que fica ali perto, a menos de
duzentos metros do lugar onde houve a audiência e na divisa das
terras do finado João Marinho, o povo não a conhece por outro
nome senão esse – porteira do Capão Limpo e, entretanto, ela
está no campo mais de um quilômetro aquém do mato do dito
Capão.
Se o tenente Venceslau, cuja profissão foi, talvez um meio
século, a agrimensura, se referisse ao mato do Capão Limpo,
onde nasce o ribeirão Buriti e não à paragem, quando empregou
aquela expressão, teria necessariamente indicado se a estrada
passava por baixo ou por cima do mato, ou pelos pontos cardeais
determinaria a posição dela em relação ao mato; é uma
consequência do hábito, um calo do ofício de agrimensores e
viandantes.
Aquela expressão “a estrada passava pelo Capão Limpo”
apenas indica a paragem.
Diz-se por exemplo: a estrada atual de Veríssimo a Dores
passa no Capão da Onça, quando se quer significar que a estrada
passa na fazenda do Capão da Onça.
Se a intenção fosse significar o mato desse mesmo nome e
cuja denominação, desde o tempo antigo, se estendeu a toda
aquela grande paragem, dir-se-ia: a linha divisória ou a estrada
passa no mato do Capão da Onça, e determinar-se-ia de qualquer
maneira a posição.

75
Pedro Floro Gonçalves dos Anjos disse apenas o seguinte:
(autos, fl. 150 v – 151 v., “de conhecimento próprio nada sabe;
mas por ouvir a Francisco Soares Brabo as divisas do
Patrimônio [Não se trata de divisa de Patrimônio nenhum neste
escrito, mas sim da estrada do Anhanguera] eram por um
espigão que verte para o lado da fazenda do tenente-coronel
Ovídio Irineu de Miranda até o rio Uberaba, que aí [Onde? na
fazenda do tenente Ovídio? no rio Uberaba?] havia um vau [se
aí” é no rio Uberaba, está certo; havia mesmo o vau, há muito
abandonado, junto à ponte do Apolinário, onde passou a estrada
do Anhanguera, segundo a tradição corrente] por onde passava
a estrada chamada dos índios, a qual vinha do porto do
Registro e ia até à aldeia de Santa Ana”. E está muito certo nesta
última parte que interessa ao estudo da estrada do Anhanguera,
que também se chamava “estrada dos índios” ou “estrada
indiana” como se pode ver nos depoimentos de José Joaquim de
Carvalho e do dr. Gabriel Orlando Teixeira Junqueira.
Denominação razoável, porque a zona marginal dela terra dos
índios era.
Da primeira parte do trecho transcrito relativa a divisas de
Patrimônios este escrito não se ocupa, sai fora do plano.
*
O depoimento a fls. 200 da testemunha Hermógenes
Cassimiro de Araújo Brunswick, relativamente à estrada do
Anhanguera, não trouxe grandes esclarecimentos. Disse
unicamente: “que a antiga estrada aberta pelo Anhanguera de
São Paulo a Goiás passava perto desta cidade em uma distância

76
de três quartos de légua, passando pelo porto da Espinha, pelo
lugar denominado Lagoa, procurando a fazenda de Ovídio
Irineu de Miranda e seguindo o seu destino”.
É pouco precisa a expressão “perto desta cidade em uma
distância de três quartos de légua”, pois a cidade ocupa área
muito grande e a expressão não determina o ponto donde se
começa a contar a distância; para o reconhecimento de uma
estrada antiga, entre outras estradas antigas, essa expressão não
é guia seguro.
Entretanto, se a testemunha quis dizer que da casa de sua
residência nesta cidade à estrada do Anhanguera, no ponto onde
houve a audiência de 31 de março de 1910, há uma distância de
três quartos de légua, calculou muito bem.
“Passando pelo porto da Espinha pelo lugar denominado
Lagoa” não é ainda relativo ao trecho da estrada que interessa à
vistoria.
Afinal “procurando a fazenda de Ovídio Irineu de Miranda
e seguindo seu destino”. Se a fazenda, a que a testemunha se
refere, é a propriedade atual do capitão Ovídio Irineu de Miranda
(filho do falecido fazendeiro do mesmo nome, que possuiu
diversas terras nas margens do rio Uberaba), e se a testemunha
entende que a estrada chegava até as terras dessa fazenda (o que
não está manifesto) sua declaração talvez se filie à tradição do
vau do Bebedouro, mais explícita e mais clara, da qual adiante se
tratará.

77
Sendo assim, é pena que a testemunha nada tenha
esclarecido quanto ao destino que a estrada tomava quando
chegada àquelas alturas.
Disse apenas: “procurando a fazenda de Ovídio Irineu de
Miranda e seguindo seu destino” e nada mais. Evidentemente
não basta essa indicação para a pesquisa dos vestígios da estrada
antiga.
A testemunha Lanes José Bernardes declarou em seu
depoimento, a fls. 159 a 161 v., ter ouvido do barão da Ponte Alta
“que a estrada de São Paulo para Goiás passava no rio Grande,
porto chamado da Espinha, descia (?) pelas divisas de Toldas e
ia transpor Uberaba no vau bem perto da invernada que foi do
major Ovídio Irineu de Miranda, lugar que teve a denominação
de Bebedouro”.
Foi pena ainda não ter esta testemunha declarado o destino
que segundo essa tradição tomava a estrada desse vau do
Bebedouro em diante; e, como é indubitável que a estrada
passava na aldeia do Lanhoso, é de supor que, chegado o
Anhanguera a esse vau, não prosseguisse nesse rumo, mas
tratasse de procurar a serra do Lanhoso; nessa suposição, é que
se desenhou na planta junta essa variante do traçado, conservada
por tal tradição da qual em outro lugar se tratará mais
extensamente.
*
Da exposição feita se vê que os infra-assinados não
desprezaram aqueles testemunhos.

78
Infelizmente, eles não continham indicações suficientes
para o reconhecimento de uma estrada antiga.
Acreditam os infra-assinados que as próprias testemunhas
Venceslau Pereira de Oliveira, Pedro Floro Gonçalves dos Anjos,
Hermógenes Cassimiro de Araújo Brunswick e Lanes José
Bernardes, quando prestaram seus depoimentos, dos quais aqui
está transcrita na íntegra a parte relativa à estrada, nunca
supuseram que as poucas declarações, aí contidas, fossem
suficientes para o restabelecimento do traçado dessa estrada, que
se procurava.
*
Também não foi desprezado o documento nº 19 e nem
podia sê-lo. É importantíssimo.
Na parte intitulada o VAU DO BEBEDOURO será
devidamente apreciado.
Pretendeu ainda o mesmo autor fazer confusão onde
confusão alguma havia, quando narrou a mudança que sofreu o
traçado da estrada de São Paulo a Goiás, graças à fundação do
povoado de Farinha Podre.
Fundada Farinha Podre, as comitivas abandonaram a
antiga estrada e passavam pelo povoado.
Veja-se como o narra o autor das Alegações: “A tradição
corrente, desde o tempo de Saint Hilaire até hoje é que a
primitiva estrada muito se afastou do seu traçado com a
fundação de Uberaba, CHEGANDO ATÉ a passar por dentro do
povoado, como declaram as testemunhas Venceslau Pereira de
Oliveira (fls. 150), dr. Gabriel Orlando Teixeira Junqueira (fls.

79
174 v.), Carlos Batista Machado (fls. 177 v.) e Hermógenes
Cassimiro de Araújo Brunswich (fls. 201 v.), quando referem
que “os viajantes mudaram a primitiva estrada” (Alegações p.
20, linha 11, etc.).
Onde, quem não estivesse prevenido poderia inferir que a
estrada foi se mudando aos poucos, cada vez se aproximando
mais do povoado e perturbada pelo desenvolvimento progressivo
deste, deixando de se tantos vestígios, que não pudesse mais ser
identificada a verdadeira!
Ainda, no período seguinte, continuando, firme no
propósito de fazer confusão, vem ele narrando a conhecida
abertura do porto da Ponte Alta, exposta pelo padre Antônio José
da Silva em sua História Topográfica da Freguesia de Uberaba,
onde conta que o sargento-mor Antônio Eustáquio da Silva e
Oliveira abriu esse porto em janeiro de 1823.
Que tem esse porto da Ponte Alta com a estrada do
Anhanguera?
A estrada do porto da Ponte Alta vem de sudeste de Uberaba
e a estrada da Espinha vem do sul; essas duas estradas seguem
direções muito diversas, não se tocam nem se cruzam.
O desejo de confundir por meio da estrada da Ponte Alta só
poderia satisfazer-se no cérebro de quem de nossa topografia
nenhuma noção tivesse.
Para que mais ambiguidades na questão dos Patrimônios?
Não bastam ainda os equívocos há longo tempo
preparados?
*

80
Definam-se os termos.
Chamam-se estradas de São Paulo a Goiás a via de
comunicação pela qual se faz, atualmente, o trânsito entre essas
duas cidades e aquelas vias de comunicação pelas quais,
antigamente, esse trânsito se fazia.
A estrada de São Paulo a Goiás tem mudado muitíssimas
vezes ora em pequenas, ora em grandes extensões, no decurso de
nossa história; hoje ela é, de Campinas a Araguari, a estrada de
ferro Mojiana.
Seria longo e não cabe aqui historiar essas mudanças, nem
seria essa tarefa de utilidade à pesquisa da verdade, na parte da
questão dos Patrimônios, sobre que tinham os louvados de emitir
parecer.
Das estradas de São Paulo a Goiás a que interessa à questão
é a do Anhanguera e dela, especialmente, o trecho que passava
nas imediações desta cidade.
Não consta que no percurso desse trecho, de Toldas a
Lanhoso, tivesse havido a mais ligeira mudança antes da
fundação de Uberaba.
Fundada, porém, esta, imediatamente foi abandonada a
estrada do Anhanguera.
Escreveu Saint Hilaire: “DEPUIS la fondation de ce Vilage
l’ancien chemin a été tout á fait abandonné par les caravanes et
actuellement elles passent par le Vilage même, où elles trouvent
plus de facilité pour renouveler leurs provisions”. Traduzindo:
“DESDE que se fundou esse povoado, a antiga estrada ficou
definitivamente abandonada pelas comitivas, que agora

81
passam pelo próprio povoado, onde encontram mais recursos
de viveres”.
Uma tradução imperfeita fez de depuis – “depois”,
alterando bastante o sentido; é o que se vê à p. 17 das Alegações,
linha 4, in fine, quando perfeitamente sabe o autor que depuis
significa “desde” e que après é que significa “depois”, tendo essas
preposições valores diferentes.
*
Uma variante do traçado, que de fato mereceu os estudos
dos infra-assinados, é aquela que o depoimento do dr. Gabriel
Orlando Teixeira Junqueira aponta, quando diz que “a estrada
passava no mesmo lugar em que é hoje a estrada que vem de
Toldas passava junto a chácara dele depoente e ia ter ao vau do
Uberaba” (autos, fl. 172-176 v). Em apoio desta variante está a
variante está a declaração do coronel Sampaio, quando escreveu
(Igreja Matriz, p. 29, linhas 5-7): “A estrada, que vinha do porto
da Espinha para o vau no ribeirão do Uberaba, passava nas
Toldas, por conseguinte à vista da nova povoação Uberaba,
situada às margens do córrego da Laje”.
Esta variante, a que mais aproximava da cidade a estrada
do Anhanguera, interessaria à questão dos Patrimônios em cerca
de 14 por cento e somente na parte ainda não povoada.
Ela encontra a estrada traçada no mapa da vistoria no
espigão ao sul e longe do atual cemitério público, “por fora dos
valos” dos pastos da chácara das Bicas e entre esta e a dos
Tabuões; esta, pois, aí e daí em diante na verdadeira estrada do
Anhanguera, como já se viu, e, portanto, de perfeito acordo com

82
as conclusões dos peritos abaixo assinados e essa parte é a que
interessa à área povoada da cidade.
Essa variante não se harmonisa com os depoimentos das
velhas testemunhas da vistoria, não encurtaria a distância ao vau
de Uberaba, nem a qualquer dos outros que acima dele estão, e
exigiria a passagem nas Toldas em vau, quando a cabeceira ficava
próxima.
*
Ainda não é tudo.
Mais uma versão há nos autos e seria esta resenha
deficiente se dessa versão não se ocupasse também.
Está à p. 15, linhas 30 a 33 das Alegações, onde se lê:
“O auto da medição procedida em 1870 (do n. 3, à fl. 34-
48) comprova os pontos determinados, tendo um importante
valor probatório como elemento subsidiário para a indagação
da verdade. E nele se faz menção dos seguintes pontos: Toldas
(fl. 37 v.), rio Uberaba (fls. 38), estrada do Porto (fl. 38), [QUE
É A DE ANHANGUERA] e chácara de Joaquim dos Anjos
Batista (fl. 38 v.), por onde correm as respectivas divisas.”
Como se vê, esta versão original, do autor das Alegações,
identifica a estrada do Anhanguera com a estrada do Porto,
atravessada pela medição do perímetro do Patrimônio
Municipal.
De fato naquele auto se lê, a fls. 38 dos autos de
reivindicação citados: “Voltou ao primeiro marco e seguiu o
rumo de leste a fazer quadra descendo espigão abaixo se
atravessou um vale e entrou-se em uma capoeira pertencente

83
ao capitão João do Vale Pereira saindo ao campo atravessando
um espigão vertente do Sucuri pertencente ao coronel
Alexandre José da Silveira se atravessou um mato pertencente
ao dito e saindo ao campo atravessando o espigão e ESTRADA
DO PORTO, descendo-se pelo espigão em uma assentada perto
do marco - deste procurou-se o rumo do norte...”
Não é aceitável a identificação dessa estrada do Porto com
a estrada do Anhanguera; porque como bem vêem quantos
conhecem a topografia dos arredores desta cidade, essa estrada
do Porto é a estrada do porto da Ponte Alta, caracteriza-o bem a
indicação da derrota da demarcação mencionando a estrada
entre o espigão vertente ao Sucuri e o mato pertencente a Manuel
de Sousa Carneiro.
Essa versão é, de todas, a que mais aproxima da cidade a
estrada do Anhanguera e portanto a mais contrária às pretensões
da Matriz.
Não a julgam, porém, adotável os abaixo assinados; 1º
porque essa estrada tornou-se a mais transitada estrada de São
Paulo a Goiás depois que o major Eustáquio abriu o porto da
Ponte Alta em janeiro de 1823; 2º porque nenhuma testemunha,
nenhum escrito conhecido identifica essa estrada com a do
Anhanguera; e 3º, finalmente porque ela segue rumo sudeste de
Uberaba à Ponte Alta e a estrada do Anhanguera seguia rumo
geral aproximadamente norte - Espinha, Toldas, Uberaba-falsa,
Lanhoso, etc.
E seja lícito dizer que, não aceitando por não ser verdadeira,
a identificação dessa estrada do Porto com a antiga estrada de

84
São Paulo a Goiás, identificação pela qual o eixo das terras
indianas, isto é, a estrada do Anhanguera atravessaria junto às
casas desta cidade, os infra-assinados deram ainda mais uma vez
prova indiscutível do amor à verdade e da imparcialidade, que
presidiu aos seus laudos, bastante o tendo demonstrado ainda
com a já referida rejeição da variante que apontava o percurso da
estrada do Anhanguera no pequeno trecho da atual estrada de
Toldas a esta cidade; esta variante era, depois da versão da
estrada do Porto, a mais contrária às pretensões da Matriz.
Esta versão da estrada do Porto autorizaria os infra-
assinados a apontá-la como uma “nova estrada do Anhanguera,
de cuja descoberta se pode orgulhar” o autor das Alegações; não
o fazem porém, embora certos de que essa versão é original desse
autor, que não a encontrou em escrito algum ou em depoimento
de testemunha alguma.
Entretanto era justo patere quam ipse fecisti legem.
*
Além do rio Uberaba, as estradas velhas, que cortam os
mencionados vaus, dirigem-se para o Lanhoso, passando junto
ao capão do Burge ou de vista dele; mas, transposto o rio
Uberaba, o traçado delas já não interessa mais aos quesitos.
Até esse rio levaram os abaixo assinados o exame minucioso
e as cuidadosas investigações, que as informações, os
documentos existentes e a topografia da zona lhes permitiram,
guiando-os neste trabalho o ardente desejo de que a verdade se
descobrisse, sendo-lhes completamente indiferente aproveitasse
ela à Câmara ou à Matriz.

85
OBJEÇÕES

O advogado da Matriz, porém, contestou as conclusões


desse trabalho apresentadas nos laudos, afirmando que os
peritos não PODIAM reconhecer a estrada antiga do
Anhanguera;
1º- porque, não tendo transitado, pelo trecho da estrada,
que se pretendia reconhecer, carros de bois, mas tropas, não pode
ter ficado dela vestígio permanente;
2º- porque, sendo arenoso o tereno nas proximidades desta
cidade, não podiam os vestígios dessa estrada perpetuar-se
depois de um século de abandono; e
3º- porque, existindo, nas proximidades desta cidade,
numerosas estradas novas e antigas e em direções diversas, era
impossível aos peritos reconhecer, entre elas, a estrada
procurada.
*
Resposta à primeira objeção.
A estrada do Anhanguera não foi transitada somente por
tropas; ela o foi também pelas boiadas saídas de São Paulo para
Goiás.
Provam-no vários documentos, sejam citados apenas o
bando lançado pelo governador da capitania de São Paulo, à qual
pertencia Goiás, d. Luís Antônio de Távora, conde de Sarzedas,
em 2 de outubro de 1732 (Arquivo Público de São Paulo, vol.
XXII, p. 15), confirmando o bando de 10 de janeiro de 1730, que
proibia o trânsito para as minas de Goiás por qualquer outra

86
estrada a não ser “a que ia de São Paulo à vila de Jundiaí e
continua de Moji do Campo e daí até as ditas Minas” (é a estrada
do Anhanguera) e ordenando que se confiscasse tudo o que para
aquelas minas fosse por outra parte e no qual se lê: “ordeno que
todas as boiadas, carregações de fazendas e de escravos que
entrarem nas ditas minas de Goiás daqui em diante ou tenham
já entrado antes da data deste bando sejam todas tomadas por
perdidas e confiscadas para a Fazenda Real e os condutores das
ditas fazendas, gados e escravos serão presos”, etc. e o bando de
5 de outubro de 1733, no qual se lê que, constando ter sido
infringida a proibição de outra estrada para Goiás,
principalmente dos Currais da Bahia, donde estraram em Meia
Ponte boiadas, carregações de fazendas e escravos, ordenava se
confiscassem todas essas boiadas, carregações de fazendas e
escravos e se prendessem os condutores e compradores delas,
pertencendo aos denunciantes a quarta parte dos valores
(ibidem, p. 59). Muitos outros documentos se poderiam
apresentar sobre esse objeto.
Não só estava proibida a introdução em Goiás de
mercadorias que viessem por qualquer estrada, que não fosse a
de São Paulo a Goiás (estrada do Anhanguera), como também a
fim de evitar o contrabando, se proibia a passagem pelos atalhos
(ibidem, p. 59).
Garantido ficava assim para São Paulo, pelo draconiano
sistema fiscal da época, o privilégio de todo comércio de Goiás.
Avultado devia ser esse comércio.

87
Descobertas as minas de Goiás, a fama delas atraiu longo
número prodigioso de aventureiros e foram fundados os arraias
da Barra, Santa Cruz, Meia Ponte, Crixá, Natividade, etc.
“Facilmente se extraiam quantidades consideráveis de
ouro dos córregos e regatos. Mas do cultivo das terras ninguém
cuidava. De São Paulo é que vinham os mantimentos através do
deserto e nunca bastavam á população que já cobria a região.
Os mantimentos mais triviais se vendiam por preços
exorbitantes” (Saint Hilaire cit. vol. 1º, p. 313).
Mais adiante (à p. 314) diz:
“Uma numerosa população se tinha, como por encanto,
disseminado na região de Goiás”.
Tendo sido, por ocasião da fundação do povoado de
Uberaba, abandonado o trânsito no trecho que interessa à
vistoria, é claro que esse trecho foi transitado pelas boiadas
durante um certo número de anos e pelas tropas, conduzindo
mercadorias paulistas, durante mais de 80 anos (1726-1812).
O que seria deveras admirável é que tão avultado comércio,
durante tão longo período, não deixasse vestígios permanentes
de seu trânsito, feito em uma única estrada, escrupulosamente
vigiada pelo fisco feroz, que até os atalhos proibia!
*
Resposta à segunda objeção.
Nossos terrenos são geralmente arenosos, é certo; mas não
lhes falta argila, cuja proporção é pequena. São, por isso, muito
permeáveis e de fraca consistência e nos declives, cortados pelos

88
enxurros, facilmente se formam desbarrancados; não são porém
saaras.
Esta fama de terrenos arenosos já serviu de meio apto a nos
prejudicar, pois houve quem, quando se tratava de desviar daqui
a estrada de ferro de Uberaba a Coxim, que de fato, mais tarde,
se tornou a estrada de ferro do Bauru ao Mato Grosso, comparou,
em volume, que corre impresso, grande facha da zona do
Triângulo Mineiro, que a Coxim teria de atravessar, a desertos
estéreis de areia e agitou o fantasma do arenoso, extenso e
imprestável chapadão de Tabatinga, que em alguns mapas
antigos (entre outros o de Gerber já citado) se lê, entre esta
cidade e o rio Paranaíba.
Bem se sabe, porém, não ser assim; mas é de crer que o
autor dessa publicação não estivesse de má fé.
Esses nossos terrenos, sendo comprimidos, adquirem
notável dureza, como se vê em velhas taipas existentes na cidade.
Nem é precisa grande compressão.
Nesta zona, o solo das estradas, pisadas por numerosos
animais de alto porte, tropas e boiadas, endurece, formando-se
uma camada superficial ou crosta muito dura, de consistência tal,
que é trabalho difícil revolvê-la, mesmo a enxadão ou à picareta,
como se tem sempre observado nos quintais desta cidade, mesmo
muitos anos depois que, fechado o terreno, cessou o trânsito.
Seria loucura procurar dentro dos desbarrancados vestígios
de estradas antigas abandonadas; exceto neles, porém, a
observação atenta apanha esses vestígios na mudança do aspecto
da vegetação, nos trechos onde a areia corrida cobriu a crosta

89
dura, ou na depressão do solo; nos trechos, em que a terra, longo
tempo pisada, ficou denudada e enegrecida, à mais ligeira
inspeção se apresenta evidente a estrada abandonada.
*
Resposta à terceira objeção.
Escreveu ainda o autor das Alegações à p. 32, linha 12 a 19,
que “quem se der ao trabalho de examinar atentamente o local
DESDE ESTA CIDADE até o Capão Limpo, verá que em direções
diversas há vestígios de ANTIGAS ESTRADAS, de modo a não
se poder determinar com certeza por onde passava a primitiva
estrada de São Paulo a Goiás. Não admira porque o local é
muito transitado em todas as direções, apresentando aqui e ali
vestígios de ANTIGO TRÂNSITO”.
É a perfeita declaração da verdade. E quem se der ao penoso
“trabalho de examinar atentamente” o local de todas as
paragens nos arredores desta cidade ou de qualquer dos nossos
arraiais, nelas verá aqui e ali vestígios de antigo trânsito em
direções diversas, mesmo porque nossos terrenos guardam
muito bem os vestígios das antigas estradas.
O estudioso, porém, que se der a um trabalho desses,
naturalmente terá algum objetivo, tal como a identificação de
alguma estrada antiga.
Se quiser, por exemplo, identificar pelos vestígios, pelos
documentos e pela tradição a verdadeira estrada do Anhanguera,
não vá “examinar atentamente” o caminho “DESDE ESTA
CIDADE até o Capão Limpo”. Perderia nisso, inutilmente, muito

90
do seu precioso tempo; porque a estrada procurada não segue a
direção “DESTA CIDADE ao Capão Limpo”.
Siga, porém, a linha das antigas aldeias: Rio Grande,
Espinha, Posse, Toldas, Uberaba-falso, Lanhoso, rumo norte
com pouca diferença a direção gera.
Verá que, de Toldas para Lanhoso, no trecho que vai de
Toldas até além do atual cemitério público, as estradas antigas
vindas dos pontos afastados ou das chácaras próximas,
convergem todas para a cidade, todas, exceto uma, cujo traçado
ficou detalhadamente exposto neste escrito e vai do alto do
desbarrancado da cabeceira das Toldas, seguindo pela chapada,
até além do atual cemitério público.
Essa estrada antiga, cujo traçado é estranho à vida de
Uberaba, indiferente à atração deste centro de população e
comércio, a única estrada antiga na direção de Toldas para o
Lanhoso no mencionado trecho é aquela que as declarações de
João Leal do Alemão, de Antônio José da Silveira Vaz, do dr.
Gabriel Junqueira, de Carlos Batista Machado e a tradição
deixada pelo falecido Manuel Prata dizem ser a estrada do
Anhanguera.
Se as estradas que atravessam fossem óbice ao
reconhecimento de uma estrada antiga, só se poderiam
identificar estradas antigas em lugares onde a vida cessasse por
um flagelo, que extinguisse, subitamente, as populações. Só
assim a zona conservaria intatas suas antigas vias de
comunicação, como as construções de Herculano sob a massa
vulcânica.

91
O PATRIMÔNIO MUNICIPAL E O
ESTRANHO EQUÍVOCO

“Resolução n. 206 - O marechal Sebastião Barreto Pereira


Pinto, Presidente da Província de Minas Gerais. Faço saber a
todos os seus habitantes que a Assembleia Legislativa Provincial
decretou a Resolução seguinte:
“Art. 1º - Na vila de Uberaba ninguém poderá edificar
dentro de uma légua quadrada, em terreno devoluto, sendo o
centro de que deve partir a medição a Matriz Velha, sem licença
da Câmara Municipal da mesma vila.
Art. 2º - A Câmara é autorizada a cobrar quarenta réis por
cada palmo de frente com duzentos de fundo, quando conceder
a licença.
Art. 3º - Todos os que, havendo obtido a licença antes da
data da presente lei para edificar, o não tiverem feito, ficam
sujeitos às disposições do art. 2º.
Art. 4º - Ficam revogadas as disposições em contrário.
Mando portanto a todas as autoridades, a quem o
conhecimento e execução da referida Resolução pertencer, que
a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nela se
contém. O secretario desta Província a faça imprimir, publicar
e correr. Dada no palácio do Governo na Imperial Cidade de
Ouro Preto, aos dois dias do mês de abril do Ano do Nascimento
de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e quarenta um,
vigésimo da Independência e do Império. L. S. Sebastião
Barreto Pereira Pinto.”
92
(Igreja Matriz cit., p. 37).
Seja permitida aqui uma declaração.
Os infra-assinados não são juristas: precisando, para
facilidade da exposição, dar um nome ao terreno a que a Matriz
se julga com todo o direito e ao terreno a que com todo o direito
se julga a Câmara Municipal, dão a ambos esses terrenos a
denominação de Patrimônios, que já têm ouvido entre o povo.
Será muito imprópria, absurda mesmo essa denominação
aplicada a um ou a outro desses dois terrenos.
Seja! Os infra-assinados se confessam completamente
profanos na ciência do Direito.
Digam os competentes a palavra apropriada, o termo
técnico.
Em virtude da Resolução n. 206 do Governo Provincial,
acima transcrita, a Câmara Municipal desta cidade fez medir e
demarcar o seu Patrimônio, sendo o ponto de partida o local da
Matriz Velha no antigo cemitério público; essa demarcação foi
julgada em 17 de junho de 1843. Esse Patrimônio é um quadrado,
cujo marco peão e centro é no lugar da Matriz Velha.
Nova demarcação se fez em 1870 para aviventação das
divisas criadas em 1843 para esse Patrimônio Municipal e foi
julgada em 1 de outubro daquele ano.
O Patrimônio da igreja de Santo Antônio e São Sebastião
que nunca foi demarcado e nem medido e cuja divisa ao norte era
o tortuoso córrego do Lajeado e ao sul curvo espigão, não podia
ser confundido com o Patrimônio Municipal duas vezes
demarcado e cujas divisas eram quatro linhas retas.

93
Por mais inverossímil que pareça, o fato é que, de algum
tempo a estar parte, foi se estabelecendo a errônea ideia de que o
perímetro duas vezes demarcado pela Câmara para seu
Patrimônio era o perímetro do nunca medido nem demarcado
Patrimônio da Igreja!
Custa crer, mas assim é!
O próprio coronel Sampaio andou laborando nesse
equivoco e isto se vê claramente no escrito do mesmo coronel,
intitulado Nomenclatura das Ruas, etc., publicado na Revista do
Arquivo Público Mineiro, ano 1º, fase 2º, onde se lê, à p. 304,
linhas 16 a 19, de abril a junho de 1896:
“Joaquim dos Anjos Batista foi um dos primeiros
moradores desta povoação. Foi o primeiro procurador da
Câmara, é nessa qualidade que requereu a medição da LÉGUA
DO PATRIMÔNIO DOADO POR TRISTÃO DE CASTRO”.
Na mesma publicação, escreveu: “...Tristão de Castro fez
doação (1812) de uma légua de terra em quadro, no centro da
qual está situada a atual cidade de Uberaba”. É a consequência
lógica do equivoco.
Ainda aí escreveu:
“Em 1812 Tristão de Castro Guimarães doou à igreja
Matriz para seu Patrimônio uma légua de terras em quadro.
“Importa muito conhecer-se no futuro:
a) que a medição e demarcação desse Patrimônio (I) foi
julgada em 17 de junho de 1843;
b) que esta medição e demarcação foi retificada por
sentença de 1 de outubro de 1870;

94
c) que ambas essas medições (diligências) foram
executadas por deliberação da Câmara Municipal representada
pelo seu procurador para o efeito de fixar-se os limites dentro
dos quais era devido o imposto de licença para edificar em
terreno desocupado na execução da lei mineira n. 206 de 2 de
abril de 1841, limites que ainda prevalecem;
d) que esta medição e retificação não tiveram por ponto de
partida a atual igreja Matriz (Matriz Nova); mas sim a
primeira igreja (Matriz Velha) demolida em 1856 para
construir-se o cemitério público;
e) que se no futuro houver necessidade de retificar-se outra
vez a medição da légua de terras do patrimônio da Matriz
doado em 1812 por Tristão de Castro e Santo Antônio e São
Sebastião (I) deverá começar-se essa diligência no portão do
cemitério público por ter sido este o ponto principal da Matriz
Velha, de onde já partiu a medição de 1843 e a remedição de
1870.”
Seis anos depois dessa publicação, em 1902, no folheto
Igreja Matriz, p. 25, linhas 29 a 35, ele produziu a retificação
nestes termos:
“No texto da noticia modifiquei agora o que havia
ponderado em 1880 sobre a fixação dos limites do Patrimônio
por estar hoje quase evidenciado que a medição e remedição
feitas pela Câmara Municipal em 1843 e 1870 para a execução
da Resolução Provincial n. 206 de 1841 abrangeram terrenos –
do lado do poente - que não pertencem ao Patrimônio
[Patrimônio da Igreja queria ele dizer] entretanto que do lado do

95
nascente os cortou. Bem entendido: nas forças da referida
Resolução.”
Incomodava-o a recordação desse equivoco em que andou,
tanto que várias vezes nos seus últimos escritos volta a insistir
nisso: é assim que no folheto Igreja Matriz, à p. 13, escreveu:
“Deixei largamente demonstrado no texto e nas notas que
a demarcação judiciária, retificada na época indicada da dita
lei, tivera por fim único aviventar, assinalar e confirmar os
limites de 1843, dentro dos quais fora a Câmara autorizada a
conceder licença para edificar – em terreno devoluto, mediante
o imposto de 40 réis por palmo de gente, criado pela Resolução
n. 206 de 2 de abril de 1841.”
A inoculação desse estranho equivoco no cérebro do velho
coronel Sampaio e de outros foi singularmente facilitada pela
expressão “légua em quadro” usada no escrito de doação
transcrito em outro lugar, feita por Tristão de Castro em 1812 a
Santo Antônio e São Sebastião e que se interpretou como sendo
um quadrado de uma légua de lado, ao passo que, de fato, essa
expressão indica apenas a área do terreno doado e não a sua
figura geométrica, que, longe de ser um quadrado, é de
conformidade com as divisas constantes do dito escrito de
doação, um polígono irregular do perímetro curvilíneo em sua
maior extensão.
Manifesto está este equivoco não só na indicação das divisas
e das confrontações da parte ocidental do Patrimônio da Matriz,
que se vê nos arts. 2º e 3º do libelo (se é que os infra-assinados
conseguiram decifrar alguma coisa naquela indicação de linha

96
divisória, complicada charada, cujo estudo não está no plano
destas Notas), como também no depoimento de várias
testemunhas da autora, principalmente o de Francisco Antônio
da Silva, em cujas declarações se lê a seguinte divisa do
Patrimônio da Matriz: “que as divisas do Patrimônio, conforme
sabe a testemunha e consta do Arquivo da Câmara Municipal,
correm por perto da capoeira da Eva e segue por um valo que
vem ter nas cabeceiras do Caximbo e por este abaixo até o rio
Uberaba, segundo parece à testemunha; daí segue em rumo do
Instituto até uma porteira nova que foi assentada pela Câmara,
segundo parece à testemunha, daí segue o espigão até a
cabeceira do córrego dos Tabuões, daí segue em direção à
chácara do dr. José de Oliveira Ferreira, seguindo pelo espigão
até a chácara pertencente ao coronel Carlos Rodrigues da
Cunha na cabeceira do córrego das Toldas, seguindo pelo
espigão em direção ao córrego dos Carneiros e passando pelas
atuais chácaras do coronel Pedro Floro, à direita, e a que foi do
dr. Egídio, do mesmo lado, e daí passando pela chácara dos
herdeiros de Delfino Gomes da Silva, vai até o ponto de partida.
Às perguntas do advogado da Câmara respondeu “que o
patrimônio a que se referiu e disse ser pertencente à Igreja é o
que foi medido primeiramente sob a presidência do padre
Zeferino Batista Carmo, como juiz municipal, começando a
medição da igreja Matriz velha, que é onde está o portão do
cemitério velho, ponto tomado por centro da légua quadrada.”

97
E é desse sábio, salutar e milagroso equívoco que derivou a
opinião, segundo a qual a cidade de Uberaba acha-se toda nas
terras doadas por Tristão de Castro.
Muito melhor que os signatários desta, o sabe quem, tendo
transcrito nas Alegações, à p. 20, in fine, o parágrafo do coronel
Sampaio, acima copiado só letra e deixou de citar também as
retificações, que acima se viu aqui transcritas, feitas, 6 anos
depois, pelo mesmo escritor ao equívoco, em que laborava
quando escreveu aquele parágrafo.
Cumpre notar que essas retificações foram lidas pelo
“distinto médico dr. João Teixeira Álvares, por monsenhor
Inácio Xavier da Silva, ilustrado vigário geral do bispado e
vigário da paróquia de Uberaba, bem como por sua excelência
o senhor dom Eduardo Duarte Silva, ilustrado bispo da diocese
de Goiás. A todos pedi [é o coronel Sampaio quem fala à p. 40,
linhas 2 e seguintes do folheto Igreja Matriz citado] se
dignassem fornecer-me notas do que entendessem dever ser
suprimido, mudado ou acrescentado.
Todos me disseram nada dever alterar-se.”
Mas, para que insistir nisto?
O próprio autor das Alegações implicitamente o declarou,
apresentando essa estranha confusão desses dois perímetros, tão
dessemelhantes, como uma das seis provas da situação do
Patrimônio, quando escreveu à p. 21, linha 31: “3ª) Confirmar a
demarcação feita em 1843 e ratificada em 1870 as divisas
descritas por Tristão de Castro e sua mulher no mencionado

98
escrito”. É a esperança de que o estranho equívoco ainda
continue a operar milagres!
*
Seja lícito aqui apresentar uma ponderação:
Quando se reflete que os primitivos moradores de Farinha
Podre foram gente imigrada do Desemboque e vinda de Minas
Gerais, podendo, por isso, ignorar as instituições vigentes na
capitania de Goiás, a que esta zona pertencia, e não ter noções
seguras sobre a instituição das terras dos índios e sobre a largura
delas; quando se reflete que, no primeiro quartel do século
passado, a quase totalidade das terras dos índios sitas no distrito
de Farinha Podre se tornou propriedade particular por invasões
e posses, graças à influência de um potentado, testemunhada por
Saint Hilaire; quando se reflete que, na evoluída sociedade de
Uberaba, de algum tempo a esta parte, a obra sabia que equívoco
e conseguiu criar a inverossímil confusão dos dois perímetros tão
dessemelhantes – o do Patrimônio doado por Tristão e o do
Patrimônio Municipal; tem-se o direito de duvidar que, no
começo do século passado, no tempo do major Eustáquio e dos
aventureiros do Desemboque, que formaram o primeiro núcleo
de população, pudesse a ambição de apoderar-se das terras dos
índios ter criado e mantido, no povoado da Farinha Podre, a
opinião da meia légua que as restringia?

99
O VAU DO BEBEDOURO

Como se vê da planta, junta, ao poente da estrada do


Anhanguera ficam as antigas fazendas de Badajós (que foi de
Tomás José de Miranda Porto) e da Santa Gertrudes, cujas linhas
divisórias foram fixadas no começo do século passado e
acompanham a direção geral do trecho dessa estrada de Toldas
ao Lanhoso, na extensão de mais de 22 quilômetros desde o
marco antigo da fazenda de Badajós, junto à cabeceira do córrego
dos Lemes, até o morro da Galga.
Nessa grande extensão, orientadas para norte verdadeiro,
essas linhas dividem as mencionadas fazendas “com terras da
estrada de São Paulo a Goiás” (autos cits, fls. 90, doc. nº 19).
Note-se: não se fiz que dividem com a estrada, mas “com
TERRAS da estrada de São Paulo a Goiás”, isto é, com as terras
de índios, de que falam o escrito de doação feita por Tristão e
Saint Hilaire já citado.
Como foram traçadas essas linhas divisórias?
Naturalmente os pilotos, que demarcaram aquelas fazendas
partindo da estrada do Anhanguera, seguiram para o ponte, e,
medida distância igual à metade da largura das TERRAS DA
ESTRADA, cravaram marco no ponto onde essa distância se
achou completa e dali seguiram o meridiano onde estão essas
divisas.
Se assim não fosse, os autos dessas fazendas não poderiam
conter a descrição de que dividam “com terras da estrada de São
Paulo a Goiás” (doc. nº. 19).

100
A distância, entre as ditas divisas e a estrada apontada pela
tradição e reconhecida pelos louvados infra-assinados, como
sendo a do Anhanguera, regula de cerca de meia légua a três
quartos; explica-se: 1º - porque, como se vê do respectivo título,
a planta junta a este escrito é, exceto na parte medida e indicada
na legenda, um esboço; 2º - porque, graças ao baixo valor das
terras, larguíssima tolerância usavam Januário, Petife, Leandro
e os mais pilotos de Farinha Podre; e, finalmente, 3º - porque,
sendo a estrada composta de curva, não lhe podem ser paralelas
as divisas retilíneas dessas fazendas.
Aí está mais um testemunho da opinião da meia légua para
cada lado da estrada, isto é, de uma légua de largura, que Saint
Hilaire aqui encontrou e sobre a qual não se pronunciou, tendo,
aliás, categoricamente, declarado ser de três léguas essa largura,
como já se viu.
Talvez na existência dessa opinião da meia légua esteja não
só a explicação da denominação – Capão da Igreja, dada ao capão
atualmente pertencente ao dr. Josué e que parece estar (ainda
não foi medida essa distância) fora da meia légua, como também
o motivo da arrematação em 1845 da chácara de Joaquim dos
Anjos, pois se essa é a chácara, hoje pertencente aos herdeiros de
Delfino Gomes, no arrabalde dos Olhos d’Água (como se diz nas
Alegações, p. 21, in fine), está certamente a mais de meia légua
da estrada do Anhanguera.
As linhas da meia légua e da légua e meia foram traçadas
pelos louvados na planta junta aos autos, mas não foram
corridas.

101
Os rumos das divisas das fazendas de Badajós e Santa
Gertrudes tem sido corridos várias vezes e em épocas diversas:
parte do rumo da primeira delas foi corrido por ocasião da
divisão da fazenda limítrofe denominada dos Lemes, na qual foi
agrimensor o dr. Alberto de Cerqueira Lima e, mais tarde, por
ocasião da subdivisão da mesma fazenda de Badajós, sendo
agrimensor o primeiro signatário desta; o rumo da divisa da
fazenda de Santa Gertrudes foi corrido pelo dr. Lacombe e mais
tarde verificado pelo dr. João Pandiá Calógeras.
Essas demarcações, respeitáveis documentos, deixados
pelos primitivos possuidores desses imóveis e pelos pilotos, que
as estabeleceram, afirmando estarem as divisas, na opinião deles,
nos limites das terras dos índios, demonstram que, se se
proceder à medição no sentido inverso, isto é, dos marcos antigos
dessas fazendas para o nascente, se encontrará a estrada do
Anhanguera na distância, que os possuidores daqueles imóveis e
os pilotos, que os demarcaram, entendiam dever ser a metade da
largura das terras dos índios.
Essa é mais uma comprovação do traçado da estrada do
Anhanguera, que os louvados infra-assinados reconheceram, de
acordo com a tradição dos velhos moradores da zona marginal
dessa estrada, tradição dos velhos moradores da zona marginal
dessa estrada, tradição perfeitamente harmônica com os escritos
de Saint Hilaire e do coronel Sampaio e com a topografia local.
As linhas divisórias das fazendas de Badajós e Santa
Gertrudes, dividindo “com TERRAS da estrada de Paulo”,
fixadas pelos velhos marcos de pedra e pelo morro da Galga, são

102
irrecusáveis testemunhos da verdadeira posição da estrada
antiga de São Paulo a Goiás.
Entretanto, a pretensão de deslocar para o poente a estrada
do Anhanguera a fim de afastar as terras dos índios e concluir-se
que a cidade de Uberaba não está edificada nas terras dos índios,
mas sim nas terras doadas por Tristão e que com aquelas
dividam, não trepidou em vir a público perfilhar a versão de uma
única testemunha, segundo a qual o vau, onde a estrada do
Anhanguera atravessou o rio Uberaba, é o vau do BEBEDOURO!
“A tradição corrente é que esse vau fica no lugar
denominado Bebedouro, como o declara a testemunha Lanes
José Bernardes em seu depoimento a fl. 161 v.”
(Alegações, p. 19, linhas 11 a 13)
Pois bem. Esse vau do Bebedouro, completamente excluído
pelos depoimentos do dr. Gabriel Junqueira, João Leal do
Alemão, Carlos Batista Machado e José Joaquim de Carvalho,
está cerca de meia légua abaixo da barra do Caçu, dentro das
divisas acima descritas das fazendas de Badajós e Santa
Gertrudes, isto é, fora das terras da estrada de São Paulo a
Goiás!
Para que a estrada do Anhanguera passasse por esse vau do
Bebedouro, que a tradição da testemunha Lanes José Bernardes
aponta e o advogado da Matriz adota, seria mister que, saindo
das Toldas, a estrada, seguindo rumo noroeste em distância de
mais de légua e meia a tal vau, penetrasse nas terras da fazenda
de Badajós e voltasse depois à direita, cortando o córrego da
Cachoeirinha e o ribeirão do Caçu, atravessando terras da

103
fazenda de Santa Gertrudes mais de meia légua, antes de
transpor a antiga divisa desta fazenda para ganhar novamente as
terras da estrada de São Paulo a Goiás, no eixo das quais essa
estrada devia se achar!
E é esse o traçado adotado pelo advogado da Matriz, ao qual
tanto repugnam as tortuosidades da estrada do Anhanguera!
Admirável traçado e ainda mais admirável coerência!

104
AINDA A MEIA LÉGUA

Continua à p. 19 in fine o autor das Alegações: “Os limites


ente o Patrimônio da autora e o território dos índios devem ser
determinados pela verdadeira estrada de São Paulo a Goiás
como a qualifica Saint Hilaire. Mas para se afirmar a existência
de Patrimônio em território de índios, seria preciso provar que a
primitiva estrada de São Paulo a Goiás passava a menos de meia
légua desta cidade.”
De fato já se viu que a Saint Hilaire informaram em Farinha
Podre que o povoado estava a mais de meia légua de distância da
verdadeira estrada de São Paulo a Goiás e, por isso, fora de terras
dos índios.
“Assim sendo”, dizem as Alegações, p. 32, linha 7, deve-se
concluir “que a atual cidade de Uberaba está fora do território
dos índios”.
Admita-se que fosse de meia légua para cada lado a largura
da terra indiana.
Admita-se que seja esta cidade e não o primitivo povoado
do Lajeado a Farinha Podre, que Saint Hilaire visitou, no que não
estão todos de acordo e isto (além de outros motivos que não vem
ao caso aqui expor e discutir) porque, em nota à p. 302 do livro
2º citado, ele escreveu: “Il faut bien se donner de garde de
confondre la paroisse de Farinha Podre avec celle de la nouvelle
ville d’Uberaba, comme on pourrait y être enduit par un
passage de Pizzaro. Quoique voisines, eles sont bien distinctes
l’une de l’autre.”

105
Admita-se também que o pequeno núcleo de população, a
trintena de casas, que Saint Hilaire aqui encontrou, estivesse a
mais de meia légua da verdadeira estrada de São Paulo a Goiás.
É sabido que esta cidade tem as casas disseminadas; foi se
desenvolvendo, principalmente de um quarto de século a esta
parte, ganhando as encostas e chegando à chapada, ocupando,
com suas duas mil casas e grandes quintais, área
desproporcionada à sua população.
Não é hoje mais o núcleo, a trintena de casas encontrada
por Saint Hilaire em 1819.
Se esse núcleo estava, em 1819, fora da meia légua, isto é
(admitido tudo o que acima se concedeu) fora das terras dos
índios, estará ainda, por isso, fora da meia légua toda a atual
cidade de Uberaba?
Demais, as divisas, que a Matriz pretende, pelo que se pode
nela entender, não só abrangem toda a área atual da cidade, mas
também os campos circunvizinhos...
Assim, suas pretensões ao poente só conhecem limite, por
enquanto, no veio do espigão do “vau antigo” EM CIMA DOS
VESTÍGIOS DA VERDADEIRA ESTRADA DO
ANHANGUERA!!!
*
Nem assim os infra-assinados taxam o escrito das
Alegações Finais de incoerente, ilógico, contraditório,
injustificável e inverídico.
Desculpe o leitor o desalinho e as lacunas desta fastidiosa
exposição, atendendo a que aos infra-assinados, inábeis no

106
manejo da pena e avessos a debates, se lhes falta a competência,
sobra a sinceridade.
Uberaba, 18 de fevereiro de 1911.
Alexandre de Sousa Barbosa.
Silvério José Bernardes.

107
ANEXOS

108
DEPOIMENTO DE JOÃO LEAL DO ALEMÃO

“Chegados todos ao lugar indicado e tomado o depoimento


da testemunha a qual diz chamar-se João Leal do Alemão, com
setenta e cinco anos de idade, nascido no lugar denominado
Quarteis Velhos, a três léguas desta cidade e perto do porto da
Espinha, casado, lavrador, aos costumes disse nada.
Inquirida pelo juiz, segundo as indicações dos peritos
presentes, respondeu que quando era menino e vinha dos
Quartéis vender ovos e frangos no arraial de Uberaba, isso em
companhia de um preto velho, recorda-se que nesse tempo no
lugar perto do desbarrancado já indicado ao nascente e junto de
uma árvore de corriola havia uma estrada, cujos vestígios a
testemunha mostrou, estrada essa que diziam ter sido feita pelo
Anhanguera e que vinha do lado do porto da Espinha, seguindo
em direção do vau de Uberaba, onde ele testemunha julga que
ainda existe uma ponte, perto da morada de Apolinário, ponte
para a qual a testemunha havia serrado os esteios e vigas e toda
a madeira. Dessa estrada, perto do mesmo desbarrancado,
desviava-se outra estrada para o arraial de Uberaba, sendo o
desvio mais ou menos no referido lugar em que existe hoje o
mesmo desbarrancado, o qual nesse tempo não havia; disse mais
a testemunha que nessa época em que ele testemunha tinha uns
dez anos mais ou menos não conhecia a testemunha outras
estradas além das duas já referidas: do porto da Espinha para o
vau e da mesma estrada onde há hoje o desbarrancado para o
arraial”. (Autos, fls. 225 v. a 226 v.)

109
DEPOIMENTO DE ANTÔNIO JOSÉ DA
SILVEIRA VAZ

Antônio José da Silveira Vaz, com 59 anos, negociante,


natural e residente nesta cidade... “Declarou que há quarenta e
oito anos conheceu a estrada cujos vestígios foram apontados
pela testemunha e que acabava de ser percorrida numa certa
parte, estrada esta que vinha do porto da Espinha, e ouviu dizer
nesse tempo que a referida estrada tinha sido feita ou aberta pelo
Anhanguera. Disse mais que do ponto da estrada em que se
achava nesta ocasião para baixo a estrada passava junto de um
cemitério onde hoje existe a chácara do dr. Ferreira e o cemitério
estava situado dentro mesmo do quintal que atualmente faz parte
da mesma chácara. Havia nesse cemitério um cruzeiro de cedro,
e a madeira vicejando, transformou-se em uma árvore grande
que ainda hoje existe. Que há apenas dois meses que esteve pela
última vez na referida chácara. Declarou mais que não sabe se
existia naquele tempo outra estrada que seguisse na mesma
direção daquela que diziam ser a do Anhanguera”. (Autos fls. 226
v a. 227.)

110
EXAME FEITO PELO JUIZ

“Declaro em tempo que o juiz em companhia dos peritos e


das testemunhas João Leal do Alemão e Antônio José da Silveira
Vaz, percorreu nesta audiência e examinou os vestígios da
estrada antiga que lhe foi mostrada e consta do depoimento das
testemunhas, no trecho que vai do lugar, em que existe o
desbarrancado já referido até cem metros para cima no lugar em
que existe vestígios de uma estrada de carro, que vindo do lado
do Capão Limpo, atravessa a primeira num ponto e desse mesmo
ponto um outro braço parecia seguir pela estrada percorrida,
seguindo pelo espigão acima; verificou assim o juiz que a estrada,
antes de encontrar a de carro, era estreita e um tanto cavada, em
alguns lugares não lhe parecendo que nesses primeiros trechos
houvessem vestígios de passagem de carros; observou mais que
do ponto em que se encontra com a outra de carro fazendo um
ângulo agudo, daí em diante há vestígios pronunciados de
passagem de carros; notando ainda mais que a mesma estrada
estreita para baixo desse ponto de junção, vai dar em um
desbarrancado que se prolonga por aí abaixo a principiar
próximo do lugar em que existem três árvores das quais duas são
jatobás e isto próximo também da estrada batida que vai à
porteira de João Marinho. Nada mais havendo...” (Autos fls. 228
v-229).

111
OS VESTÍGIOS DA ESTRADA DO
ANHANGUERA

Entre o rio das Velhas e o Paranaíba existem ainda grandes


áreas de terras indianas até hoje devolutas; dessas terras, consta
se fará este ano por ordem da diretoria de terras públicas,
medição, legitimação das posses, etc.
Em correspondência de um provecto funcionário daquela
diretoria, em data posterior ao preparo destas Notas, se lê:
“A antiga estrada, depois de seguir ao longo do chapadão
do Pequi, desce pela vertente da margem esquerda do rio
Paranaíba e vai atravessar no porto Real ou Velho, seguindo
para Goiás.
Nesse trecho da atual estrada se reconhece mais ou menos
afastado e mais ou menos visível o sulco dos trilhos da estrada
reaberta pelo 2º Anhanguera como nas atuais estradas de
tropas que os leitos são formados de trilhos cavados, seguindo
a diretriz da estrada.”
José Joaquim de Carvalho fls. 227-228 declarou que “que
uma vez estando em questão de divisão de terras entre João
Borges e Apolinário, sendo agrimensor em tal Carrijo, este
declarou que aqueles estavam questionando à toa porque as
terras eram indianas, terras essas situadas à margem esquerda
do ribeirão do Caçu. Indagando a testemunha como era aquilo,
Carrijo explicou que na estrada que vinha do porto da Espinha
para o rio das Velhas, o Governo havia dado meia légua para cada
lado para uso e gozo, segundo ele testemunha julga, daqueles que
112
quisessem aí estabelecer-se, a fim de afastar os índios, sendo que
o Governo havia dado uma légua de cada lado da estrada, desde
a aldeia de Sant’Ana do Rio das Velhas até o Paranaíba. Disse
mais que no lugar denominado capão do Bugre, perto do Caçu,
segundo lhe disse a avó da mulher da testemunha, passava a
antiga estrada que ia do porto da Espinha para o rio das Velhas e
a testemunha quando faz roça no dito lugar às vezes encontra um
ou outro utensilio de cozinha como por exemplo caco de panela
de barro e isso porque ali foi uma aldeia de índios. Disse mais não
sabe ser no lugar em que se acha agora depondo, a estrada antiga
do Anhanguera, pois quando passava por aqui já havia sulcos de
muitas estradas. Disse mais que ao poente do vau, isto é que do
vau do Apolinário no rio Uberaba numa distância de três léguas
para baixo não existia desta data a quarenta anos atrás nenhum
vau de estrada antiga, a não ser algum vau de estrada particular.
Que o vau que existe hoje no lugar em que havia uma ponte
conhecido por vau do José Elias, originou-se este vau de uma
estrada que o mesmo José Elias fez para colher roça no tempo do
comendador João Quintino; acima deste vau há outros vaus no
lugar denominado Bebedouro os quais foram feitos por João
Mateus dos Reis também para estrada a fim de colher roça nas
terras do mesmo comendador João Quintino e que há ainda para
cima outros vaus, porém sem importância em estradas
particulares e feitos por pessoas da família de Ovídio Irineu de
Miranda”.

113
SEGUNDO O TÍTULO DE 28 DE DEZEMBRO
DE 1812 A ÁREA DA CIDADE NÃO ESTÁ
COMPREENDIDA NA DOAÇÃO

No título de doação já transcrito se diz que a posse de terras


doadas fica “entre o sítio das Toldas, estrada de São Paulo e o
sítio Lajeado”.
Estas palavras “sítio das Toldas estrada de São Paulo” são
equivalentes destas outras: terras indianas; pois as terras
marginais da estrada de São Paulo pertenciam aos índios
Bororós, como já ficou demonstrado.
Diz mais o título: “...pela parte do norte contesta pelo veio
do córrego do dito Lajeado até fazer barra no ribeirão do
Uberaba por este abaixo até onde chegarem as terras dos índios
e pela parte do leste contesta com a sesmaria já medida (o
advogado da Matriz lê: vendida; é indiferente) a José Francisco
de Azevedo e PELA PARTE DO SUL CONTESTA COM TERRAS
DE JOSÉ DIAS servindo de divisa o espigão que divide águas
vertentes ao rio Grande e a dita Uberaba e para o Este (Leia-se
Oeste: aquela grafia se encontra frequentemente nos escritos
desse tempo) contesta com terras dos índios”.
De onde se vê claramente que a posse, doada à Igreja por
Tristão de Castro Guimarães em 1812, confronta pelo lado sul
com terras de José Dias; ora, ao lado sul da atual cidade de
Uberaba estão as Toldas, como é sabido, e não terras outrora de
José Dias. Assim sendo, a cidade não pode estar nas terras

114
doadas por Tristão de Castro, porque, se o estivesse, limitaria ao
sul com terras que pertenceram a José Dias e não com as Toldas,
terras indianas na época da doação.
Os interessados nas terras da Igreja devem procurar a posse
doada por Tristão em paragem tal que ao sul dela fiquem as terras
que José Dias possuía em 1812.
Na cidade de Uberaba, que ao sul limita-se com Toldas, é
escusado procurar.

115
O VAU DO BEBEDOURO

O autor das Alegações adotou o vau do Bebedouro como


ponto da passagem da estrada do Anhanguera no rio Uberaba,
tendo sido esse vau indicado no depoimento da única
testemunha Lanes José Bernardes, que seguramente o ouviu de
algum dos antigos homens, com os quais privou, como do seu
correto depoimento se vê.
A passagem da velha estrada por esse vau é inadmissível; é
contraditória com a declaração do padre Antônio José da Silva,
primeiro vigário desta freguesia quando, em sua História
Topográfica, diz que o povoado “depois se transferiu por
comodidade para A MARGEM DO UBERABA JUNTO À
ESTRADA DE GOIÁS, onde está hoje formado o arraial”; ela é
inarmônica com o testemunho dos moradores recolhido por
Saint Hilaire de estar Farinha Podre “a mais de meia légua da
verdadeira estrada de Goiás”; pois do vau do Bebedouro à
Matriz Velha a distância é de légua e meia com pouca diferença e
finalmente essa versão é inadmissível como já ficou provado
pelos depoimentos de João Leal do Alemão, Antônio José da
Silveira Vaz, dr. Gabriel Orlando Teixeira Junqueira, Carlos
Batista Machado, José Joaquim de Carvalho, pelos escritos do
coronel Sampaio, pelas demarcações das fazendas de Badajós e
Santa Gertrudes e pela topografia da zona.
Onde teria sua origem essa versão do vau do Bebedouro?
Bebedouros há muitíssimos nesta região.

116
Afirma a tradição na zona de Espinha a Toldas, segundo
narra o coronel José Américo Teixeira Junqueira, que a estrada
do Anhanguera passava na confluência dos córregos das Toldas
e Correias e que o vau dessa confluência é conhecido por vau do
bebedouro.
Não seria daí que se originou a ideia de supor fosse esse vau
o vau do mesmo nome, cuja abertura no rio Uberaba é de data
recente, como afirmou a testemunha informante José Joaquim
de Carvalho?
É bem possível. Nem seria esta a primeira confusão que a
identidade de nome tem produzido nesta questão.
Certo é que a passagem da estrada do Anhanguera no antigo
vau do Bebedouro, na confluência dos córregos das Toldas e
Correias, está perfeitamente de acordo com a diretriz da estrada
no trecho Espinha – Toldas; pois da Espinha à chácara do dr.
José de Oliveira Ferreira a estrada tinha de passar,
inevitavelmente, um vau para ganhar a margem direita do Toldas
e esse terá sido o vau do Bebedouro.
Como é fácil de ver-se, o trecho da estrada do Anhanguera,
que está ao sul das Duas Cruzes, no qual se acha esse vau do
Bebedouro, em nada interessa à vistoria.
Escreveu-se este anexo unicamente com o fito de tentar
desvendar a origem da versão do vau do Bebedouro.

117
AS DIVISAS DO PATRIMÔNIO DA IGREJA

No folheto Igreja Matriz de Uberaba, à p. 31, o coronel


Antônio Borges Sampaio, tratando dos direitos da Igreja e da
necessidade, que se lhe afigurava (e com toda a razão)
imprescindível, de se proceder a um reconhecimento preliminar
da linha pela qual a terra dos índios se separa das terras que
foram doadas por Tristão de Castro Guimarães, escreveu:
“Com esse trabalho provisório, particularmente feito,
ficaria o Fabriqueiro da Matriz habilitado, ao menos orientado,
para requerer a demarcação e consequente reivindicação do
Patrimônio, alegando limites certos ao poder judiciário, visto
como para intentar tal ação, a de reivindicação, é essencial fixar
limites, fazendo certas as confinações”.
Iniciou-se, porém, a ação de reivindicação e foram
declaradas por esta maneira as divisas que a Fábrica da Matriz
pretendia, como se pode ver no libelo, a fls. 6 dos Autos de
reivindicação proposta pela Fábrica da Matriz:
“art. 2º P. que essa posse de terras constitue o patrimônio
único da Matriz desta cidade de Uberaba, e se compõe, na forma
da aludida escritura, de uma légua em quadro, mais ou menos,
cujas divisas por seus diferentes lados são: o córrego do Lajeado
e por este abaixo até o rio Uberaba e as imediações do antigo
vau, próximo à ponte, no caminho do Caçu e o espigão que
começa nas imediações do mesmo vau e ponte segue em rumo
do sul, dividindo as águas que correm para esta cidade das dos
córregos das Toldas e Carneiros e vai em forma de semicírculo

118
até fechar o perímetro no ponto de partida, havendo passado
perto do Capão Alto, no quilômetro 605 da linha Mojiana”.
Faltam a essa declaração de divisas as qualidades essenciais
de uma linha de demarcação: a clareza e a precisão.
Proceda-se a uma ligeira análise dessa peça
importantíssima daquela ação.
“...cujas divisas por seus diferentes lados são: O
CÓRREGO DO LAJEADO...”.
Onde o ponto de partida?
O córrego do Lajeado é, naturalmente, como todos os
córregos, uma linha tortuosa. Onde nessa linha começa a divisa
das terras que a Matriz pretende? Na fonte ou cabeceira desse
córrego? Na barra de algum dos seus afluentes? Na barra de
alguma de suas grotas? Em alguma de suas inúmeras curvas?
Onde? Onde o ponto de partida?
Em qualquer demarcação é essencial a determinação do
ponto de partida.
Nenhum agricultor, mesmo analfabeto, estando de boa fé e
sinceramente convicto do seu direito a terras em litígio, será
capaz de, mesmo em simples palestra com amigos, expor as
divisas de sua propriedade contestada, começando a indicação da
divisa em um córrego sem determinar o ponto do curso até o qual
chega, no seu entender, sua propriedade.
Um córrego pode ser uma divisa; ponto de partida, porém,
um córrego não pode ser, nem um rio, uma estrada, nem a beira
de uma lagoa, cerca, vale, etc., porque são linhas.
Onde em uma linha o ponto limite da propriedade?

119
Esse ponto é o de partida da demarcação. Sem ele a
propriedade está indefinida.
Qual é no córrego do Lajeado o ponto de partida, limite das
terras que a Matriz pretende, dizendo doadas por Tristão de
Castro Guimarães?
Na descrição das divisas está a definição da área sob o ponto
de vista da propriedade.
Linha de demarcação sem ponto de partida não ilumina.
Divisa sem ponto de partida é lâmpada sem azeite.
*
“E por este abaixo até o rio Uberaba e as imediações do
antigo vau, próximo à ponte, no caminho do Caçu”.
Chamando-se barra o lugar, onde um curso de água junta
suas águas às de outro curso, seja permitido substituir aqui
(questão de hábito) as palavras: “o córrego do Lajeado e por este
abaixo até o rio Uberaba” por estas equivalentes: o córrego do
Lajeado e por este abaixo até sua barra no rio Uberaba.
Mas, desde a barra do Lajeado no rio Uberaba até as
imediações do antigo vau estende-se um trecho de mais de légua.
Por onde segue nessa não insignificante extensão a linha
divisória?
Em linha reta? Pelo rio Uberaba?
Não se declara!
A lacunosa indicação de divisa deixa largo campo à fantasia;
não tem precisão alguma.

120
Depreende-se até aqui que as divisas são: “o córrego do
Lajeado até sua barra no rio Uberaba e [num salto de mais de
légua] as imediações do antigo vau”.
Então as imediações de um vau são linhas divisórias?
“Imediações” é termo muito vago. A distância de 10 metros
já é imediações; a distância de um quilômetros e mais também o
é. A expressão não determina nada.
*
Continua:
“...e o espigão que começa nas imediações do mesmo vau e
ponte.”
Agora nada mais se pode compreender.
As linhas divisórias são – o córrego do Lajeado (sem ponto
de partida) e por este abaixo até sua barra no rio Uberaba e (com
um salto de mais de légua) as imediações do antigo vau e o
espigão.
Onde a linha divisória deixa as imediações e ganha o
espigão?
Vago, vago, quando uma linha divisória deveria ser certa,
determinando pontos precisamente exatos.
*
Continua: “...segue em rumo do sul... .”
Segue? Que é que segue? Qual o sujeito da oração?
As divisas, “cujas divisas por seus diferentes lados”?
- Não; pois é plural e segue é singular.
O espigão?

121
- Não; porque o espigão nesse trecho SEGUE rumo sudeste
e não rumo sul. Por esse espigão passava, segundo a tradição
corrente, a estrada do Anhanguera; e exatamente por causa do
desvio produzido na estrada do Anhanguera graças a esse rumo
do espigão é que o advogado da Matriz levantou grande celeuma
nas Alegações.
Portanto o sujeito do verbo segue nem é “divisas” nem
espigão.
Que é que segue, pois? – A incerteza, o vago, o indefinido é
que segue o vai seguindo.
Continua: “...segue em rumo do sul, dividindo as águas que
correm para esta cidade das dos córregos das Toldas...”
- Será ainda o espigão que de fato em sua primeira parte
segue rumo sudeste e em sua segunda parte, rumo sul? A leitura
de todo o trecho faz supor que seja “cujas divisas” o sujeito do
verbo segue.
Continua:
“e Carneiros”.
Não é possível. Carneiros está a leste e a divisa seguiu para
sul.
Como é possível que uma linha, que das imediações da
ponte do Vau segue rumo sul, chegue a Carneiros que está a leste
dessa mesma ponte?
Continua:
“e vai em forma de semicírculo”.
Em forma de semicírculo! Que pasmosa precisão dos
pontos de uma linha divisória!

122
Continua:
“Até fechar o perímetro no ponto de partida.”
Onde?
No ponto de partida?!
Pois a tal descrição de divisas não determinou nenhum
ponto de partida, como pretende que se feche o patrimônio no
ponto de partida?
Nem ponto de partida nem ponto de chegada.
Essa divisa sai de um córrego sem determinar o ponto desse
córrego e termina num espigão sem determinar o ponto do
espigão!
Sai do vago e vai ao vago.
Sai do incerto e vai ao incerto, tendo corrido Seca e Meca e
Olivais de Santarém e girando em semicírculo,
Termina finalmente:
“Havendo passado perto do capão Alto no quilômetro 605
da linha Mojiana.”
O quilômetro 605 da linha Mojiana e a barra do Lajeado são
os dois únicos pontos determinados sem ambiguidade em toda
essa linha divisória, seguramente extensas de várias léguas!
São os dois únicos termos claros da indecifrável charada.
*
E onde ficaram os “três capões de matos que pertencem a
José Gonçalves Pereira”, que o título de doação expressamente
reservou?
Quais são eles? Onde estão? Em poder de quem?

123
Não foram doados à Igreja; porque o libelo declara, que as
terras doadas por Tristão são “o patrimônio único da Matriz”.
As divisas descritas abrangem esses três capões excluídos
pela doação?
Se não abrangem, o libelo devia declará-los excluídos.
A mesma incerteza, o mesmo tom vago e indefinido se vê
nos depoimentos das 8 testemunhas da autora, os quais vão em
seguida transcritos:
1º - Venceslau Pereira de Oliveira (fl. 149). Quanto à divisa,
nada disse.
2º - Pedro Floro Gonçalves dos Anjos, disse “que sua
chácara divide com o Patrimônio do lado esquerdo” (fl. 151).
3º - Francisco Antônio da Silva (fl. 155) declarou “que as
divisas do Patrimônio, conforme sabe a testemunha e consta do
arquivo da Câmara Municipal, correm por perto da capoeira
da Eva e segue por um valo que vai ter nas cabeceiras do
Cachimbo e por este abaixo até o rio Uberaba, segundo parece
à testemunha; dali segue em rumo do Instituto até uma porteira
nova que foi assentada pela Câmara, segundo parece à
testemunha; daí segue o espigão até a cabeceira do córrego dos
Tabuões; daí segue em direção à chácara do dr. José de Oliveira
Ferreira, seguindo pelo espigão até a chácara pertencente ao
coronel Carlos Rodrigues da Cunha, na cabeceira do córrego
das Toldas, seguindo pelo espigão em direção ao córrego dos
Carneiros e passando pelas atuais chácaras do coronel Pedro
Floro à direita e a que foi do dr. Egídio do mesmo lado e daí
passando pela chácara dos herdeiros de Delfino Gomes da Silva,

124
vai até o ponto de partida”. Às perguntas do advogado da
Câmara respondeu: “que o Patrimônio a que se referiu e disse
ser pertencente à Igreja, é o que foi medido primeiramente sob
a presidência do padre Zeferino Batista Carmo, como juiz
municipal, começando a medição da igreja Matriz Velha, que é
onde está o portão do cemitério velho, ponto tomado por centro
da légua quadrada”.
4º - José Tomé da Fonseca (fl. 157, etc) disse “que aqui
chegou a sessenta e três anos, tem ouvido falar no patrimônio
da Igreja, cujas divisas não conhece ao certo parecendo à
testemunha que na direção do sudeste essas divisas passam por
uma porteira que fica acima do alto da Abadia e que fica no
caminho que vai para Ponte Alta e que nada mais sabe a
respeito dessas mesmas divisas”....
.... “Dada a palavra ao advogado da Ré, às perguntas deste a
testemunha respondeu o seguinte: “que, quando falou das
divisas até a porteira que fica além do alto da Abadia, também
disse, e repete agora, nada mais sabia como não sabe a respeito
das divisas do patrimônio em questão”.
5º - Lanes José Bernardes (fl. 159 etc.)
“Quanto aos arts. 1º, 2º e 3º, que desde que aqui chegou
tem ouvido dizer que as terras em questão pertencem à igreja
Matriz desta cidade e por ouvir do finado barão da Ponte Alta,
sabe que as divisas das mesmas terras correm pelo córrego do
Lajeado à barra do rio Uberaba e daí até encontrar com as
terras indianas, daí subia o espigão que divide as águas do rio
Grande das do rio Uberaba e daí seguia até o Capão Alto e que

125
igual declaração ouviu a testemunha do velho Francisco
Rodrigues de Barcelos já falecido, de quem foi a testemunha
empregado... que depois do espigão das águas do rio Grande
com o Uberaba, segundo ouviu do tenente Francisco Rodrigues
Barcelos, as divisas seguiam do rumo das Toldas até às
cabeceiras do Lajeado, perto do Capão Alto.”
Nota-se que Toldas está nas águas vertentes do rio Grande.
6º - João Leal do Alemão (fl. 165) disse “que de
conhecimento próprio nada sabe sobre as divisas dessas terras,
mas tem ouvido dizer que para o lado do alto da Abadia elas
passam por uma porteira situada no caminho da Ponte Alta e
que para o lado da chácara do coronel Carlos Rodrigues da
Cunha essas divisas passam por uma porteira situada nas
divisas dessa mesma chácara.”
7º - José Rodrigues de Sousa (fl. 167) “sabe por ter ouvido
dizer o pai da testemunha e por haver lido a escritura de doação
que.... que esta parte de terras tem as seguintes divisas: começa
no sítio das Toldas, estrada de São Paulo, segue pelo espigão
acima em águas vertentes para o rio Grande e para Uberaba e
vai até o córrego Lajeado e desce pelo córrego Lajeado até o rio
Uberaba, e que por seus diferentes lados as divisas dessas terras
passam pelas atuais chácaras de José Bernardino da Costa,
Adolfo Soares Pinheiro, João Marinho, dr. José de Oliveira
Ferreira, Carlos Rodrigues da Cunha, Pedro F. G. A., Paulo
Finhold, Melanio Feliciano Soares e herdeiros de Delfino Gomes
da Silva.”

126
8º - Hermógenes Cassimiro de Araújo Brunswich disse (fl.
200) que “as divisas dessa parte de terras doada por Tristão de
Castro correm pelo córrego do Lajeado e por este abaixo e pelo
rio Uberaba perto do antigo vau, que segue [é curioso que este
verbo esteja aqui na mesma 3ª pessoa do singular como no art.
2º do libelo] pelas imediações do mesmo vau em rumo do sul,
dividindo as águas que correm para esta cidade das águas dos
córregos de Toldas e Carneiros e vai até perto do Capão Alto,
próximo à linha Mojiana.”
A 3ª testemunha, Francisco Antônio da Silva, depois de
haver declarado as divisas que sabia do Patrimônio da Igreja,
declarou implicitamente, em resposta às perguntas do advogado
da Câmara, que a divisa que acabava de descrever era a divisa do
Patrimônio Municipal.
Não pode, pois, o depoimento dessa testemunha servir para
prova das divisas do Patrimônio da Igreja.
Não será, pois, esse depoimento tomado em consideração
nesta análise.
Nos outros sete depoimentos ficou provado:
1º - que a divisa do Patrimônio da Igreja desce pelo córrego
do Lajeado e por este abaixo até o rio Uberaba (5ª, 7ª e 8ª
testemunhas);
2º - que a divisa passa pelo espigão divisor das águas do rio
Grande e do rio Uberaba (5ª, 7ª e 8ª testemunhas); concorrem
para essa prova as testemunhas 2ª, 4ª e 6ª, visto que nesse
espigão estão as porteiras a que se referem as testemunhas 4º e

127
6ª, a divisa da chácara da 2ª testemunha e o Capão Alto, a que se
referem as testemunhas 5ª e 8ª.
Os depoimentos das testemunhas da autora estabelecem
pois, definitivamente, duas linhas:
1ª Lajeado abaixo até o rio Uberaba,
2ª Espigão divisor entre rio Uberaba e rio Grande.
Duas linhas que não se tocam; duas linhas cujos pontos
extremos são indeterminados.
Haverá, em descrição de divisas, coisa mais vaga, mais
indefinida?
Os depoimentos provam, salvo se não é verdade que testis
unus testis nul’us:
1º - em que ponto começa no córrego do Lajeado a divisa
das terras que a Fábrica da Matriz pretende. (Nem uma
testemunha se referiu a esse ponto de partida no Lajeado).
2º - que a divisa desça pelo rio Uberaba. (Só afirmou a 8ª
testemunha, única).
3º - em que ponto do espigão, que divide as águas do rio
Grande das do rio Uberaba, começa a divisa das terras desse
Patrimônio (A 7ª testemunha disse que “começa no sítio das
Toldas”; mas o sítio das Toldas não é espigão; é águas vertentes
do rio Grande);
4º - em que ponto desse mesmo espigão essa divisa
termina. (Note-se que esse espigão tem quase 20 léguas de
extensão). (Nem uma testemunha).

128
5º - por onde passa a divisa, que, saindo do Lajeado, vai
fechar no dito espigão, na parte mais alta dessas terras. (Nem
uma testemunha).
6º - por onde passa a divisa, que, saindo do Lajeado, vai
fechar no espigão na parte baixa dessas terras. (Nem uma
testemunha).
Quem poderá, guiado por esses depoimentos, não já provar,
mas ao menos compreender as divisas das terras que a Matriz
pretende?
E era muito natural que à lacunosa declaração de divisas,
que se lê no art. 2º do libelo, seguissem no mesmo tom os
depoimentos das testemunhas da autora, ambas as peças,
incluindo, segundo parece, os três capões, excluídos no título de
doação feita por Tristão, ambas sem declaração de ponto de
partida, lacunosas, sem precisão, vagas, incertas, indefinidas,
formando um conjunto ininteligível.
Nem se vinha dizer que a declaração das confrontações
supre a falta das divisas certas; pois confrontações não são
divisas e a falta de divisas certas é insanável.
Nem se venha dizer que o título de doação supre os pontos
até agora obscuros dessa linha divisória ou preenche as lacunas
do libelo e dos depoimentos; pois que devia ser alegado e provado
senão as divisas constantes desse título?
Bem dizia o coronel Sampaio no trecho acima transcrito:
“...para intentar tal ação, a de reivindicação, é essencial fixar
limites, fazendo certas as confrontações.”

129
DIVISAS DE APLICAÇÃO DA CAPELA DE
SANTO ANTÔNIO E SÃO SEBASTIÃO

No auto da ereção da capela do SS. Sacramento, datado de


24 de agosto de 1820, se diz que “servisse de limites a Aplicação
da mesma capela aqueles mesmos que sempre dividiram curato
da sobredita igreja Matriz da Aplicação da capela de Santo
Antônio e São Sebastião de Uberaba, desde cuja fundação sempre
foram”.
(Revista do Arquivo Público Mineiro, ano 1º, fascículo 4º,
1896, p. 761).

130
HISTÓRIA TOPOGRÁFICA

Vai em seguida publicada a primeira parte do escrito cuja


autoria o coronel Sampaio atribui ao cônego Antônio José da
Silva e cuja data é de 1824 a 1826, História Topográfica da
Freguesia do Uberaba, Vulgo Farinha Podre:
“Entre o rio Grande, e o rio das Velhas na província de
Minas Gerais, comarca do Paracatu do Príncipe, julgado do
Desemboque, prelazia de Goiás, está a povoação de S. Antônio e
S. Sebastião do Uberaba. Os lugares que ela compreende, eram
incultos, e desertos até 1807, e apenas conhecida a estrada, que
atravessa de S. Paulo para Goiás, onde residiam alguns índios
que tinham saído da aldeia de Santa Ana, os quais nunca
tiveram ânimo de alongar-se para alguns dos lados da mesma
estrada, nem ao menos meia légua, como depois se conheceu
pelas culturas sempre vizinhas às suas habitações: então
Januário Luís da Silva, Pedro Gonçalves da Silva, José
Gonçalves Elena, Manuel Francisco, Manuel Bernardes
Ferreira, e outros moradores na freguesia do Desemboque
entraram até a distância de algumas léguas de Sertão, e
descobrindo lindas campinas e ótimos matos apossearam
algumas fazendas, e voltaram tanto por falta de mantimentos,
como pelo terror, que lhes inspirava o gentio Caiapó, cujo
vestígio encontraram em diversas partes. Comunicaram o
resultado da sua estrada ao S. Mr. Antônio Eustáquio da Silva,
e a outros e aquele por gênio empreendedor de novas
descobertas projetou logo explorar todo o Sertão, que pudesse,

131
e convidou muitas pessoas das Gerais para companheiros:
entretanto passou para o norte da Província de Goiás o coronel
José Manuel da Silva e Oliveira, e sabendo a pertenção, que
tinha o sr. sargento-mor seu irmão, a declarou ao Exmº.
marquês de S. João da Palma, que então governava aquela
Província, a que pertencia o julgado Desemboque, e este
conhecendo quanto podia interessar esta nova descoberta,
intervindo a direção do referido S. MR. de quem tinha muito boa
notícias, o nomeou Comandante Regente dos Sertões da
Farinha Podre por portaria de 27 de outubro de 1809. Nos
primeiros dias do mês de julho de 1810 o sargento-mR. munido
das necessárias provisões de mantimentos, associando-se os
que primeiro haviam entrado, e alguns outros geralistas,
formando todos uma bandeira de 30 homens ingrediram pelo
Sertão dentro até o rio da Prata na distância de 30 léguas, a
contar-se o caminho em direitura, encontrando a cada passo o
embaraço já de rios, já de pântanos, que dificultosamente
transitavam, sempre temerosos do gentio, cuja existência se
conhecia, ou pelas queimadas, que fazia, de campos ou pelos
seus ranchos encontrados aqui, e ali. É de notar-se o perigo, a
que se achavam expostos estes empreendedores, quanto aos
animais silvestres e ferozes, pelo que aconteceu a Antônio
Rodrigues da Costa, o qual acometido cara a cara por uma onça
pintada, que avançou furiosamente ao cavalo em que ia
montado, e o segurou com unhas e dentes, pôde com destreza
(depois de faltar-lhe o recurso da espingarda, cujo gatilho
nunca mais encontrou) defender-se com a espada, que trazia ao

132
lado, dando algumas estocadas, com a dor das quais largou a
onça o cavalo, e fugiu até morrer a chumbo depois de
perseguida pelos cães em um capão, que se achava vizinho, e
que pelo acontecimento ficou denominado Capão da Onça. O
referido sargento-mr., e toda a sua comitiva, depois de lançadas
algumas posses, ou sinais pelo sertão na decorrência de dois
meses e feitas algumas pequenas roças, voltou a cuidar de meios
para transportar-se, assim como alguns de seus companheiros;
pois haviam todos conhecido a transcendência tanto dos
campos como dos matos. Em 1812, quando já a povoação
constava de uns poucos moradores, além dos índios da entrada
fez segunda entrada, trazendo consigo muitas pessoas que de
novo convidara e algumas das quais o haviam acompanhado a
primeira vez em entre as quais se contava o reverendo
Hermógenes Cassimiro de Araújo, que dormia junto a ele em
certa noite, quando uma grande cobra jararaca-açu passou por
cima de ambos e sendo percebida, a expeliram com a colcha, e
depois a mataram, antes do que mordeu um cão, que
imediatamente morreu, o que de certo aconteceria aos dois, se
a fortuna os não bafejasse.
Depois desta segunda entrada, as notícias, que deram os
que haviam acompanhado ao s-mr, os convites, e as persuasões
deste atraíram em breve muitas pessoas, que vinham das Gerais
a procurar novos estabelecimentos, não obstante o medo do
gentio que se antolhava. E 13 de fevereiro de 1811 obtiveram o
mesmo s-mr Eustáquio e outros provisão da Mesa da
Consciência e Ordens para exigirem uma capela com o orago da

133
sra. do Monte do Carmo; mas até o presente não levaram à
prática sua pretensão, sem dúvida porque a povoação do lugar
onde querem exigir a referida capela, ainda hoje é muito pouco
considerável. Em 1812 se levantou no sítio chamado o Lajeado
uma pequena casa de oração, onde se colocaram Santo Antônio
e São Sebastião: celebrou ali por pouco tempo os Santos
Mistérios com autoridade do reverendo Antônio José Tavares,
vigário do Desemboque, o padre José de Morais; e depois se
transferiu por comodidade para a margem do Uberaba junto à
estrada de Goiás, onde está hoje formado o arraial: o referido
padre Morais demorou-se apenas até junho de 1813 e despediu-
se ficando os poucos moradores que então existiam com os
recursos espirituais muito distantes até maio de 1814, quando
entrou por capelão o padre Fortunato José de Miranda, sendo
vigário da freguesia de Desemboque o rdº. Hermógenes
Cassimiro de Araújo, que o chamou. Esteve empregado até
1820, deixou a capela em princípio deste ano ao padre Silvério
da Costa Oliveira legitimamente autorizado, o qual esteve até 7
de setembro, dia, em que se retirou para a capela S. Smº
Sacramento do Burá.”
(Da Revista do Arquivo Público Mineiro, ano 1º, fascículo
2º, de abril a junho de 1896, p. 339-341).

134
SESMARIA DA PARAGEM DE SANTO
ANTÔNIO DAS LAJES

José Francisco de Azevedo como cessionário de José


Gonçalves Pimenta e sua mulher Ana Maria de Sousa – sesmeiro
– Escrivão Pedroso.
Ano do Nascimento de N. S. Jesus Cristo de mil oitocentos
e vinte e um anos neste arraial de N. S. do Desterro do
Desemboque comarca da vila do Paracatu do Príncipe em o
cartório de mim escrivão ao diante nomeado aos três dias do mês
de março compareceu presente José Francisco de Azevedo e por
ele me foi apresentado e sua petição ao diante despachada pelo
juiz ordinário deste Julgado o cap. Manuel Fra. de Araújo e Sousa
pedindo-me e requerendo-me que lha aceitasse e autuasse junto
com os autos da medição e demarcação da sesmaria de que trata
a mesma petição o que o escrivão por obrigação de meu oficio e
por bem da distribuição que da mesma petição se me havia feito
como constava da cota posta no alto da mesma petição escrita e
assinada pelo dito juiz ordinário lha aceitei e aqui a autuo com os
ditos autos da medição e demarcação de que trata a mesma.
O que adiante se segue e para constar faço esta.
Raimundo da Cunha Leitão que escrevi.
Dizem José Francisco de Azevedo e sua mulher Maria
Faustina moradores na freguesia de Santo Antônio e S. Sebastião
de Uberaba termo deste Julgado que eles suplicantes como
cessionários de José Gonçalves Pimenta e de Ana Maria de Sousa
fizeram medir uma sesmaria que de fato se demarcou no lugar
135
denominado Santo Antônio das Lajes de três léguas de comprida
e uma de larga cuja medição se fez pelo Juízo Comissário do
Privativo de Sesmaria da cidade de Goiás e pr que os ditos autos
de demarcação e mediação não estão ainda sentenciados e nem
competentemente distribuídos recorrem os sup. a Vmce. para
que seja servido mandar distribuir os ditos autos e citados os
hereos (sic) confrontantes da dita medição e demarcação julgar a
mesma por sentença.
P. a Vmce. seja servido
de deferir na forma
requerida.
D. autuada com os
próprios autos citados os
hereos (sic) faça
conclusos.
Atº e Sousa
Certifico.
Certifico que em observância do requerimento e despacho
retro citei os hereos confrontantes o tenente Joaquim da Silva e
Oliveira e Manuel Pereira Machado pª alegarem o q tivessem de
dizer a sentença da sesmaria de que se trata os me responderam
que nada tinham de opor. Em fé do que passo o presente que
assino.
Desemboque 2 de Março de 1821.
Raimundo da Cunha Leitão.
*
1807

136
Sesmaria D. Aleitão em 27 de
Abril de 1807,
Soisa

José Francisco de Azevedo como cessionário de José


Gonçalves Pimenta e sua mulher Ana Maria de Sousa.....
sesmeiro.
Autuação da carta de sesmaria
Escr. Leitão.
Ano do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
oitocentos e sete aos vinte sete dias do mês de abril do dito ano
nesta paragem chamada Santo Antônio das Lajes vertentes ao rio
Grande da freguesia de Nossa Senhora do Desterro do Julgado
do Desemboque comarca da vila Boa de Goiás onde eu tabelião
adiante nomeado me achava e sendo o por José Francisco de
Azevedo me foi dado o título de sesmaria adiante junto o qual
havia alcançado pela secretaria deste Governo José Gonçalves
Pimenta e sua mulher Ana Maria de Sousa e lhes havia feito
mercê conceder-lhes em nome do Príncipe Regente Nosso
Senhor que Deus guarde o Ilmo. Exmo. Senhor D. João Manuel
de Meneses governador e capitão general que foi desta Capitania
pedindo-me e requerendo-me que em virtude da cessão que
apresentava lho aceitasse e autuasse para tratar de sua medição
e vendo eu ser justo o seu requerimento. E pela distribuição do
Juiz Comissário das sesmarias que da mesma se me havia feito
que é o capitão Custódio Ferreira de Sousa em razão de meu
ofício lho aceitei e autuei e para constar faço esta autuação e

137
adiante junto o dito título de sesmaria e cessão e o traslado da
carta de comissão que tudo é o que se segue eu Raimundo da
Cunha Leitão tabelião que o escrevi.

138
CARTA DE SESMARIA

D. João Manuel de Meneses do Conselho do Príncipe


Regente Nosso Senhor comendador da ordem de Cristo
Governador e Cap. General da Capitania de Goiás e Minas de sua
respam etc.
Faço saber aos que a presente minha carta de sesmaria
virem que tendo consideração a me representarem por seu
requerimento José Gez Pimenta a sua mulher Ana Maria de
Sousa moradores no arraial de N. Senhora do Desterro cabeceira
do rio das Velhas desta Capitania e que eles pretendiam
situarem-se e estabelecerem-se com criação de gados vacum e
cavalar, e que como no dito rio das Velhas abaixo do dito arraial
na paragem chamada Taquaral por onde segue a estrada se
achava terras devolutas nas quais pretendiam afazendarem-se e
para legitimamente poderem fazer me requeriam fosse servido
concender-lhes para sesmaria três léguas de terras de comprido
e uma de largo na sobredita paragem pondo o peão onde mais
conveniente lhes fosse. Contestando o princípio da medição pela
parte do leste com a sesmaria chamada da Restinga e que foi
concedida a José Jim Pedroso e pela parte do norte com o mesmo
rio das Velhas e pela parte do sul com a sesmaria já medida de
Manuel Francisco da Silva como melhor apontariam no ato da
medição sem prejuízo de terceiros e atendendo eu ao seu
requerimento e ao que sobre esta matéria informaram os oficiais
da Câmara e Escrivão da Real Fazenda, e respondeu o Procurador
da Coroa de se lhes não oferecer dúvida na concessão desta

139
sesmaria por não encontrarem inconveniente que lhes obstasse:
Ei por bem na forma das ordens régias e em nome do Príncipe
Regente. N. Senhor fazer mercê de conceder ao dito José
Gonçalves Pimenta e sua mulher Ana Maria de Sousa na
sobredita paragem três léguas de terra de comprido e uma de
largo debaixo das confrontações acima referidas fazendo pião
onde mais conveniente lhe for no caso de não prejudicar a
terceiro, ao que muito se atenderá no ato da medição com
condição porém que será obrigado dentro de um ano que correrá
do dia da data desta a demarcar as ditas terras judicialmente
sendo notificado os vizinhos com que partirem para alegarem o
que for a bem de sua justiça, e ele o será também a povoar e
cultivar as ditas terras ou parte delas dentro em dois anos nas
quais não se compreenderão ambas as margens de algum rio
navegável porque neste caso ficará de uma a outra banda dele as
terras que baste para uso público e comodidade dos passageiros
e de uma das bandas junto a passagem do mesmo rio ficará livre
meia légua de terra em quadra para uso de quem arrendar a dita
passagem na forma Ords reservando os sítios dos vizinhos com
quem partirem suas vertentes e logradouros sem que com este
pretexto se queiram apropriar de demasiadas terras em prejuízo
desta mercê que faço aos supes. os quais não impedirão a
repartição das terras e águas minerais que na tal passagem hajam
ou possam haverem nem os caminhos e serventias públicas que
nelas houverem e que pelo tempo adiante pareçam conveniente
abrirem-se para melhor utilidade do bem comum e apossearão
as ditas terras com a cláusula de nelas não sucederem por tempo

140
algum religiosos, e sucedendo possuírem - nas será com encargo
de pagarem delas dízimos como quaisquer seculares e serão
outrossim obrigados a mandarem requerem a S. A. R. pelo seu
conselho ultramarino com esta carta de sesmaria confirmação
dela dentro em quatro anos contados da data desta o que lhes
concedo, salvo o direito régio e prejuízo de terceiro e faltando ao
referido não terá este vigor e se julgar as ditas terras por
devolutas dando-se a quem as na forma das ordens régias. Pelo
que mando ao ministro a quem tocar dê posse aos sups. das
mencionadas três léguas de comprido e uma de largo feita
primeiro a notificação e demarcação como nesta ordeno, de que
se fará assento nas costas da mesma para o todo tempo constar.
E para firmeza de tudo lhe mandei passar a presente que sendo
por mim assinada e selada com o selo de minhas armas se
cumprirá inteiramente como nela se contém registrando-se na
secretaria deste Governo e aonde mais tocar. Dada em Vila Boa
de Goiás aos 25 de Janeiro de 1803. O secretário interino do
Governo Joaquim Moreira de Carvalho e faz escrever.
D. João Manuel de Meneses
Carta de sesmaria por que S .Exª. há por bem fazer mercê
de conceder a José Gonçalves Pimenta e a sua mulher Ana Maria
de Sousa três léguas de terras de comprido e uma de larga na
forma que nela se declara.
*
Redgª. na secretaria deste Governo no Lº, 7º. serve de
registro de sesmarias a fls. 140 gl. Vª Boa 25 de janeiro de 1803.
Joaquim Moreira de Carvalho

141
*
Regdª a fls. 78 do L.º, 8º. que no arquivo desta Contadoria
serve de Reg.to de sesmarias. Vila Boa 31 de Janeiro de 1803.
Antº. Luís Tavares Sª
*
Registrada no L.º 9.º que no arquivo desta Câmara serve de
regto de sesmarias a fls. 170. Vila Boa 10 de Fevereiro de 1803.
Ant.º José de Abrunhoso Campos.
*
Cumpra-se. Vila Boa 7 de Março de 1803.
Morª.
Eu José Gonçalves Pimenta e minha mulher Ana Maria de
Sousa dizemos que porquanto entre nós contratamos negócio
com José Francisco de Azevedo a um título de sesmaria que
obtivemos da Secretaria do Governo desta comarca determinado
para o lugar do Taquaral e por cujo negócio ser a bem prazer
entre nós fazemos muito de nossa vontade cessão e trespasse do
dito título na pessoa do sr. José Francisco de Azevedo e nele
cedemos todo jus, ação e domínio que nela tínhamos até aqui
pela concessão a nós outorgada e a poderá medir demarcar e
empossar-se segundo o direito e possuírem e disfrutarem dispor
como bem lhes parecer e por minha mulher não saber ler pediu a
Antº. Faustino de Castro que por ela assinasse e eu o assino de
minha firma e letra para clareza do exposto neste arraial do
Desemboque 9 de Abril de 1806.
José Gonçalves Pimenta.

142
Assino a rogo da cedente Ana Maria de Sousa Ant.º
Faustino de Castro como e justamente ttª. Carlos Joaquim de
Azd.º como tt.ª presente q. esta vi fazer Teodoro da Silva
Brandão. José do Couto.

143
TRASLADADA

Carta deprecada de Comissão Geral passada por este juízo


privativo das sesmarias e demarcações desta comarca de Vila Boa
de Goiás a requerimento dos moradores do julgado de
Desemboque desta Capitania e dirigida ao sr. Juiz de Órfãos
daquele julgado de Desemboque e no seu impedimento aos srs.
Juízes Ordinários do mesmo julgado. Para em seu cumprimento
junto com o tabelião do julgado ou escrivão medirem e
demarcarem as sesmarias do sup.º na forma que abaixo se
declara. Ao Srs Juízes de Órfãos do julgado do Desemboque desta
Capitania de Vila Boa de Goiás e em seu impedimento aos Srs.
Juízes Ordinários do mesmo julgado a quem a presente minha
carta precatória de comissão geral se dirige e o seu verdadeiro
conhecimento e pertencer e a sua devida execução se pedir e
requerer. O cap. José Joaquim da Silva Pinto juiz ordinário atual
nesta Vila Boa de Goiás e seu termo inda com vezes de juiz
privativo das sesmarias e demarcações da mesma comarca com
jurisdição e alçada no cível e crime, o presente ano por bem da
eleição na forma das ordenações de sua Alteza Real o Príncipe
Regente N. Senhor que Deus Guarde etc. Faço saber a Vmcês em
como os povos do julgado do Desemboque desta Capitania me
fizeram sua petição dizendo assim:
Dizem os moradores do julgado do Desemboque desta
Capitania que alguns dos supps. tem alcançado seus títulos de
sesmarias pela secretaria deste Governo e porque desejam medir
e demarcar as terras que lhes foram concedidas não sendo

144
possível Vmcê assistir aqueles atos em atenção e longitude
daquele distrito por isto requerem que Vmcê se sirva passar Carta
de Comissão Geral dirigida aos juízes de órfãos e no seu
impedimento aos juízes ordinários para estes procederem a dita
medição e demarcação bem como constantemente se tem
praticado naquele julgado de Araxá onde se conferiu à dita
Comissão Geral ao sargento-mor José Manuel da Sª. e Oliª. e ao
cap. José Antônio de Araújo aos juízes de órfãos e ordinários
daqueles distritos como consta dos autos que existem no cartório
do tabelião desta V.ª os quais os supps. apresentam em prova
deste aviso: pedem a Vmcê seja servido mandar passar a dita
carta de Comissão Geral na forma requerida e somente para o fim
ponderado e receberão mce. a qual petição em que mais se não
continha sendo-me apresentada e por mais bem vista lida e
examinada a margem dela proferi o meu despacho do teor
seguinte: Desp.º
Distribuída passe-se Carta de Comissão requerida dirigida
aos srs. Juízes de Órfãos e Ordinários daquele distrito para
procederem a medição e demarcação das sesmarias que os
suplicantes lhes apresentaram devendo estas depois de autuadas
e preparadas serem remetidas para este Juízo para sentenciarem.
Vila Boa, 17 de agosto de 1805, Silva Pinto. E não se continha
mais coisa alguma no dito meu despacho e em cumprimento do
qual sendo a petição entregue o escrivão este passara e dita a
presente minha carta de Comissão Gal. deprecada pelo teor do
qual requeiro V. mce. sr. Juiz de Órfão do Julgado do
Desemboque e em seu impedimento os srs. Juízes Ordinários do

145
mesmo julgado a quem confiro minha Comissão da parte de Sua
Alteza Real o Príncipe Regente Nosso Senhor que Deus guarde e
da mª. mtº. de mercê lhes peço e rogo que sendo-lhes esta
apresentada indo por mim assinada e selada com o selo que neste
meu Juízo serve que é o valha sem selo ex causa a cumpram e
guardem e façam em tudo muito inteiramente cumprir e guardar
assim e da maneira que nela se contém e declaro. Compritº e em
seu cumprimento e observância cumprida este por V. mcê com o
seu
nela posto mandará citar a todos os hereos (sic) confinantes
e feito a dita citação irá com o tabelião desse julgado ou escrivão
do lugar e paragem das terras assim dadas por sesmarias de
qualquer dos suplicantes moradores que lhes apresentar e na
forma das confrontações onde se lhes apontar será medida corda
a braças de dez palmos craveiros cada uma prestado o juramento
dos Sts. Evangelhos ao piloto para bem seguir os rumos pelo
agulhão sendo este certo e examinado e seu ajudante de que se
fará termo nas costas desta fará apregoar os ditos hereos (sic)
confinantes e não aparecendo por si e nem por outrem mandará
Vmcê seguir os rumos as suas revelias e correr a corda medindo
assim intervalos e nem salvar campos e nem inúteis terras que
constar da sesmaria de cada um em seu certo espaço e no fim
daquele e de cada quadra fará por um marco com duas
testemunhas ao pé dele de sorte que fiquem inteirados cada um
da sua confecção e finda que seja a dita medição e demarcação
fará apregoar outra vez aos mesmos hereos (sic) confinantes e
debaixo do segundo pregão estando presente ou não aparecendo

146
nem outrem por eles as suas revelias dará posse corporal e
judicial a cada supp. da dita terra em quadra já medida e
demarcada com as solenidades do estilo e em nome de S. Alteza
Real o Príncipe Regente Nosso Senhor de que se farão todos os
termos e atos judicial necessário seguindo-se os que se fizeram
das citações e juramentos dados ao piloto e seu ajudante da
medição de corda e certeza do agulhão em auto e se me fará tudo
concluso para eu julgar por sentença e vindo alguns hereos
confinantes com embargos ou protestos em todo ou em uma
parte da dita sesmaria se lhe mandarão tomar em auto apartado
sem suspensão da medição e demarcação e posse que em todo
caso se fará efetiva na forma das mesmas ordens do dito Sr.
Porém aparecendo alguns dos confinantes e opondo-se com
embargos ou protestos por ter sesmaria das terras concedidas na
forma das ordens do dito Sr. neste caso se suspenderá em parte
ou em toda a dita medição e demarcação conforme no que
prejudicar ao que mostra título válido passado pela secretaria do
Governo desta Capitania e se me fará tudo da mesma forma
concluso para eu determinar o que for de Justiça e em vossas
mercês assim o cumprir e fazerem cumprir e guardar
inteiramente como neste se contém e declara farão serviço a S.
Alteza Real que Deus Guarde compri.to de Direito e Justiças as
ptes. que o requerem e a mim mercê que o mesmo farei quando
de parte do mesmo Sr. for requerida e de VVmcês deprecada dada
e passada nesta Vila Boa de Goiás nos cinco dias do mês de agosto
do ano do nascimento de N. S. J. Cristo de 1805 pagar-se-á o
título desta por parte dos suplentes que a pediram e requereram

147
o que abaixo vai contada na forma do regimento que neste juízo
se observa de assinatura, selo e carta e Eu Joaquim Antônio
Ribeiro da Maia tabelião no impedimento do atual que o
subscrevi – José Joaquim da Silva Pinto – aos selo cinquenta reis
e valha sem selo ex causa– Silveira Pinto – importa esta comissão
mil duzentos – assinaturas selo e conta duzentos e setenta e cinco
soma mil quatrocentos e setenta e cinco Silva Pinto.

148
CUMPRA-SE

Rio das Velhas do Desemboque 24 de setbrº. de 1805 –


Sousa – Não contém mais em a dita Comissão Geral que tabelião
abaixo nomeado aqui tresladei com verdade e em fé do que o
escrevi nesta dita paragem da sesmaria de que se trata aos 27 dias
do mês de abril de 1807 anos. Eu Raimundo da Cunha Leitão
tabelião que o escrevi e assino.
Raimundo da Cunha Leitão.
Requerimento de audiência aos 27 dias do mês de abril de
1807 anos nesta paragem de Santo Ant.º das Lajes da Freguesia
de N. S. do Julgado do Desemboque comarca de Vila Boa de
Goiás em audiência pública que para esta sesmaria e partes e seus
procuradores fazendo estava o juízo ordinário deste julgado o
cap. Custódio Frª. de Sousa e Juiz Comissário das sesmarias por
comissão do Juiz Privativo das sesmarias e demarcações desta
comarca o ex na dita audiência por Jé Feº. de Azevedo foi dito e
requerido ao dito Juiz Comissário que em virtude da cessão que
apresentava lhe pertencia o título junto e que suposto havia sido
concedido para diferente lugar cujo já se achava medido com
outro título mais antigo e que ele havia comprado as terras do
lugar de que se trata a vários aposseadores por cujo motivo fosse
servido em observância do Bando de S. Exª. mandar-lhe medir
neste dito lugar até se lhe inteirar as terras que pelo mesmo lhe
eram concedidas e que para a presente audiência e termos dela
traziam e vinham citados os vizinhos confrontantes o Tte. Jim.
da Silva e Oliveira e Manuel Per.ª Machado como consta da fé da
149
citação adiante que apresentava pelo que fosse servido mandá-
las apregoar que sendo e não comparecendo por si nem por
outrem as houvessem a ambos por citados e mandasse que
ficassem esperados à primeira audiência com pena de revelia e
mandasse seguir os termos da medição e demarcação o que tudo
sendo visto e ouvido pelo dito Juiz Comissário seu requerimento
informado do referido e da fé de citações feitas aos confinantes
os mandou apregoar por um rapaz ladino que serve de porteiro
na presente audiência o qual os apregoou na forma do estilo de
que só compareceu o citado Tte. Joaquim da Sª. e Oliveira o qual
a nada se opôs pelo que deu o dito Juiz Comissário tanto a um
como a outo por citados e mandou que ficassem esperados até a
primeira audiência com pena de revelia e que no enquanto se
seguisse os termos da medição e demarcação para cujo efeito
nomeava para piloto da mesma medição a Leandro da Silva
Bueno e para ajudante do mesmo a Pulicarpo* Joaquim de Paiva
e que o primeiro prestasse de sua mão o juramento dos Santos
Evangelhos e para constar faço este termo de requerimento de
audiência em que assina o dito Juiz Comissário e eu Raimundo
da Cunha Leitão tabelião que o escrevi – Sousa.
Certifico que a requerimento do sesmeiro José Francisco de
Azevedo citei aos vizinhos confinantes o tte. Jim. da Silva e
Oliveira e mel. Pereira Machado para no terreno desta medição
da sesmaria de que se trata alegarem os embargos ou protestos
que tivessem com pena de revelia e debaixo da mesma pena da

*
De duas maneiras vem, em documentos oficiais, grafado o nome desse Ajudante do Piloto.
Inicialmente, como Pulicárpio ou Pulicarpo e, depois, como Policarpo. (N. E.)

150
mercê e dar-se posse das terras concedidas ao sobredito sesmeiro
em fé do que passo e presente que assino.
Hoje, 27 de abril de 1807.
Raimundo da Cunha Leitão.
Desta 800rs.
Juramento dado a Piloto ao seu Ajudante
*
Aos vinte e sete dias do mês de abril de mil oitocentos e sete
anos nesta paragem de Sant’Antônio das Lajes da freguesia de N.
S. do Desterro do Desemboque comarca de Vila Boa de Goiás e
terras da sesmaria de que se trata onde se achava o Juiz
Comissário das Sesmarias o cap. Custódio Ferreira de Sousa
comigo tabelião adiante nomeado e sendo o Ex. também
presentes o piloto e ajudante nomeados no requerimento de
audiência retro a fls. Leandro da Silva Bueno e Pulicárpio (sic)
Jim. de Paiva aos quais o dito Juiz Comissário lhes deferiu o
juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que
ambos puseram suas mãos direitas e lhes encarregou jurarem em
suas almas de bem verdadeiramente servirem aquele Bo de (sic)
piloto e outro de ajudante e fazerem a medição e demarcação das
terras da sesmaria como são obrigado sem dolo e nem malícia e
recebido por eles o juramento debaixo do mesmo assim o
prometeram fazer e para constar faço este termo em que ambos
se assinam com o Juiz Comissário e eu Raimundo da Cunha
Leitão tabelião que o escrevi-Sousa.
Leandro da Silva Bueno.
Pulicárpio (sic) Joaquim de Paiva.

151
*

Exame do agulhão e corda.


Aos vinte e sete dias do mês de abril de mil oitocentos e sete
anos nesta paragem e terras da sesmaria de que se trata onde se
achava o Juiz Comissário das sesmarias deste julgado o cap.
Custódio Ferreira de Sousa comigo tabelião adiante nomeado e o
piloto Leandro da Silva Bueno e seu ajudante Pulicárpio (sic)
Joaquim de Paiva e sendo aí mandou o dito Juiz Comissário vir à
nossa presença o agulhão e corda com que se havia fazer esta
medição e depois de preparado sevado e certo o dito agulhão
medida a corda de dez braças e de dez palmos craveiros cada uma
braça determinou o mesmo Juiz Comissário que na forma devida
e do mandado da Comissão se seguissem os rumos da medição e
demarcação das terras de que se trata e para constar faço este
termo em que assinam o Juiz Comissário piloto e seu ajudante e
eu Raimundo da Cunha Leitão tabelião que o escrevi-Sousa.
Leandro da Silva Bueno.
Pulicárpio (sic) Joaquim de Paiva.
*

Levantamento do marco pião.


Aos vinte e sete dias do mês de abril de mil oitocentos e sete
anos nesta paragem de Sant’Antônio das Lajes da freguesia de N.
S. do Desterro do Desemboque comarca de Vila Boa de Goiás e
terras de sesmarias de que se trata e sendo em um espigão de
campo serrado à beira de um capão de mato chamado da Divisa

152
a requerimento do sesmeiro José Francisco de Azevedo que
presente estava e juntamente o Juiz Comissário capitão Custódio
Ferreira de Sousa comigo tabelião adiante nomeado e o piloto
Leandro do Silva Bueno e seu ajudante Pulicárpio (sic) Joaquim
de Paiva e as testemunhas abaixo nomeadas e assinadas e sendo
no dito lugar pelo sesmeiro foi dito e requerido que naquele lugar
lhe mandasse por um marco pião da presente sesmaria e que lhe
mandasse correr o comprimento de leste a oeste e a largura para
o norte até se lhe empreencher a sua concessão o que tudo sendo
visto e ouvido pelo dito Juiz Comissário mandou apregoar três
vezes por um rapaz ladino se havia alguma pessoa que com
embargos ou protestos houvesse de impedir o levantamento
daquele marco pião que naquele lugar se pretendia. Por
comparecesse que se lhe aceitariam e por não haver que o
impedisse mandou o dito Juiz Comissário pôr no dito lugar um
marco pião de pau de sucupira com a altura de sete palmos e meio
fora da superfície da terra com quatro faces lavradas em uma
delas se imprimiram duas letras uma P que diz pião e outra S que
diz sesmarias viradas para o rumo do norte com três testemunhas
ao pé também do mesmo pau que uma aponta ao rumo do leste e
outra do oeste comprimento da sesmaria e outra aponta o rumo
do norte sem largura e logo no mesmo lugar determinou o dito
Juiz Comissário ao piloto o seu ajudante que dali seguissem os
rumos daquela sesmaria na forma requerida pelo sesmeiro do
que para constar faço este termo em que assinou o Juiz
Comissário piloto e seu ajudante e as testemunhas que presente
se achavam o Tte. Joaquim da Silva e Oliveira e José Raimundo

153
Vilaboas e eu Raimundo da Cunha Leitão tabelião que o escrevi-
Sousa.
Leandro da Silva Bueno
Pulicárpio (sic) Joaquim de Paiva
Joaquim da Silva e Oliveira
José Raimundo Vilaboas
Rumo do marco pião a fazer o comprimento para oeste.
*
Aos vinte e sete dias do mês de abril de mil oitocentos e sete
anos nesta paragem e terras da sesmaria de que se trata pelo
piloto Leandro da Silva Bueno e seu ajudante Pulicárpio (sic)
Jim. de Paiva e as testemunhas abaixo nomeadas e assinadas se
mediram de marco pião para rumo do oeste e fazer o
comprimento da sesmaria na forma devida até um espigão de
campo limpo ao pé de um murinho de pedra que fica do rumo do
sul cinco mil braças de terras onde no mesmo lugar se pôs um
marco de pau de sucupira com quatro palmos e meio fora da
superfície da terra com uma face lavrada e nele se imprimiu uma
letra -S- que diz sesmaria virada para o rumo do norte com duas
testemunhas ao pé também de pau que uma aponta o rumo de
leste comprimento da sesmaria e outra o rumo do norte sua
largura do que para constar faço este termo em que assina o Juiz
Comissário piloto e seu ajudante e as testemunhas T.te J.im da S.ª
e Oliveira e José Raimundo Vilaboas e eu Raimundo da Cunha
Leitão tabelião que o escrevi -Sousa.
Leandro da S.ª Bueno
Pulicárpio (sic) Joaquim de Paiva

154
J.im da S.ª e Oliveira
José Raimundo Vilaboas
Rumo do marco d’oeste a fazer quadra para o norte.
*
Aos vinte e oito dias do mês de abril de mil oitocentos e sete
anos neste paragem de Sant’Antônio das Lajes da freguesia de N.
S. do Desterro do julgado do Desemboque comarca da Vila Boa
de Goiás pelo piloto Leandro da Sª. Bueno, seu ajudante
Pulicárpio (sic) J.im de Paiva e as testemunhas abaixo nomeadas
e assinadas se mediram do lugar do marco d’oeste a fazer largura
e quadra para o rumo do norte até uma chapada de campo um
tanto serrado à vista de uma vertente com seus buritis onde no
mesmo lugar se pôs um marco. Declaro que neste rumo se
mediram três mil braças eu dito tabelião o declarei um marco de
pau de sucupira com cinco palmos ora da superfície da terra com
uma face lavrada e nele se imprimiu a letra – S – que diz sesmaria
virada para o rumo do sul com duas testemunhas ao pé também
de pau uma aponta o rumo leste e outra para o rumo sul e para
constar faço este termo em que assina o Juiz Comissário piloto e
seu ajudante e as testemunhas tte. Jim. da Sª. Oliveira e José
Raimundo Vilaboas e eu Raimundo da Cunha Leitão tabelião que
o escrevi – Sousa.
Leandro da Sª. Bueno
Pulicárpio (sic) Joaquim de Paiva
Jim. da Silva e Oliveira
José Raimundo Vilaboas

155
Rumo do marco pião para o leste a inteirar o compto. da
sesmaria.
*
Aos vinte e nove dias do mês de abril de mil oitocentos e
sete anos nesta paragem de Sant’Antio. da Laje da freguesia de N.
S. do Desterro do julgado do Desemboque comarca de Vila Boa
de Goiás e terras da sesmaria de que se trata pelo piloto Leandro
da Sa. Bueno e seu ajudante Pulicárpio (sic) Jim. de Paiva e as
testemunhas abaixo nomeadas e assinadas se mediram de lugar
de marco pião no forma devida para o rumo de leste e inteirar o
comprimento da sesmaria por campos serrados e alguns matos
até dentro de uma mato ao pé do ribeirão chamado a Ponte Alta
três mil braças de terra onde no mesmo lugar se marcou em um
pau nativo de aroeira no qual se lavrou uma face e nele se
imprimiu uma letra – S – que diz sesmaria virada para o rumo
do norte para constar faço este termo em que assinam o Juiz
Comissário piloto e seu ajudante e as testemunhas Tte. Jim. da
Sª. e Oliveira e José Raimundo Vilaboas e eu Raimundo da
Cunha Leitão tabelião que o escrevi – Sousa.
Leandro da Sª. Bueno
Pulicárpio (sic) Joaquim de Paiva
Jim. da S.ª e Oliveira
José Raimundo Vilaboas
Rumo do marco pião a fazer largura para o norte.
*
Aos vinte e nove dias do mês de abril de mil oitocentos e
sete anos nesta paragem de Sant’Antio. da Laje da freguesia de N.

156
S. do Desterro do julgado do Desemboque comarca da Vila Boa
de Goiás e terras da sesmaria de que se trata pelo piloto Leandro
da Silva Bueno e seu ajudante Pulicárpio (sic) Jim. de Paiva e as
testemunhas abaixo nomeadas e assinadas se mediram do lugar
de marco pião a fazer largura para o norte até uma chapada de
campo serrado três mil braças de terras onde no mesmo lugar se
pôs um marco de pau de sucupira com cinco palmos fora da
superfície da terra com uma face lavrada onde se imprimiu a letra
– S – que diz sesmaria virada para o rumo do sul com três
testemunhas ao pé também do mesmo pau que uma aponta ao
rumo do leste e outra aponta rumo do sul sua largura do que para
constar faço este termo que assinam o Juiz Comissário piloto e
seu ajudante e as testemunhas o tte. Jim. da Silva e Oliveira e José
Raimundo Vilaboas e eu Raimundo da Cunha Leitão tabelião que
o escrevi – Sousa.
Leandro da S.ª Bueno
Pulicárpio (sic) Jim. de Paiva
Jim. da Sa. e Oliveira
José Raimundo Vilaboas
Rumo de marco retro e supra do norte para o leste a fazer
quadra.
*
Aos dois dias do mês de maio de mil oitocentos e sete anos
nesta paragem de Sant’Antio. da Laje da freguesia de N. S. do
Desterro do julgado do Desemboque comarca da Vila Boa de
Goiás e terras da sesmaria de que se trata pelo piloto Leandro Sª.
Bueno e seu ajudante Pulicárpio (sic) Jim. de Paiva e as

157
testemunhas abaixo nomeadas se mediram do marco retro e
supra do norte para o leste a fazer quadra até um chapadão de
campo meio serrado vertente ao ribeirão do Veadinho onde no
mesmo lugar se marcou em um pau de folha larga no qual se
lavrou uma face e nele se imprimiu uma letra – S – que diz
sesmaria virada para o rumo do oeste com duas testemunhas ao
pé também do pau que uma aponta o rumo do oeste e outra do
sul e para constar faço este termo em que assina o Juiz
Comissário piloto e seu ajudante e as testemunhas o sr. Tte. Jim.
da Sa. Oliveira e José Raimundo Vilaboas e eu Raimundo da
Cunha Leitão tabelião o escrevi e declaro que para este rumo se
mediaram duas mil seiscentas e setenta braças de terras e eu
sobredito tabelião o declarei-Sousa.
Leandro da Sª. Bueno
Pulicárpio (sic) Jim. de Paiva
Jim. da Silva e Oliveira
José Raimundo Vilaboas
Requerimento de audiência.
*
Aos dois dias do mês de maio de mil oitocentos e sete anos
nesta paragem de Santo Antônio das Lajes da freguesia de Nossa
Senhora do Desterro do julgado do Desemboque comarca de Vila
Boa de Goiás e as terras da sesmaria de que se trata em pública
audiência que para esta sesmaria as partes e seus procuradores
estava fazendo o Juiz Comissário capitão Custódio Ferreira de
Sousa por comissão do juiz privativo das sesmarias e
demarcações desta comarca e na dita audiência por José

158
Francisco de Azevedo sesmeiro de que se trata que presente
estava foi dito e requerido que da audiência passada para esta
presente ficaram esperados os vizinhos confinantes o tenente
Joaquim da Silva e Oliveira e Manuel Pereira Machado para
alegar os embargos que tivessem a esta medição pelo que fosse
servido mandá-los apregoar o que sendo e não comparecendo
por si e nem por outrem que seus poderes tivessem os houvessem
por lançados dos embargos e protestos com que se houvessem de
opor à dita medição e demarcação e outrossim que sua medição
se achava finda e que como a mesma tinha coberto um pedaço de
terra pertencentes ao tenente Joaquim da Silva e Oliveira de cujo
cedia na pessoa do mesmo ficando por divisa por onde lhes se
tinham divisado e que a sua sesmaria não tinha ficado inteirada
no comprimento em sua sesmaria não tinha ficado inteirada no
comprimento em uma quadra por não prejudicar a seus vizinhos
pelo que fosse servido dar-lhe em remuneração desta falta as
terras que se acham na quadra no rumo do oeste que verte da
testa da mesma sesmaria ao ribeirão da Conquista pertencentes
a ele sesmeiro por compra que delas jus pelas suas divisas que
protestava havendo erro ou duvidas na sua medição desfazê-la
todo o tempo que necessário fosse que lhe mandasse dar posse
das terras medidas e demarcadas e requeridas por ele sesmeiro
na forma do estilo que tudo sendo visto e ouvido pelo dito Juiz
Comissário seu requerimento informado dos termos dos autos
por mim escrivão deles mandou apregoar por um rapaz ladino
que serve de porteiro na presente audiência aos vizinhos
confinantes esperados o qual os apregoasse na forma do estilo de

159
que só compareceu o confinante tenente Joaquim da Silva e
Oliveira o qual a nada se opôs pelo que houve o dito Juiz
Comissário tanto a um como o outro por lançado dos embargos
ou protestos com que se houvessem de opor à dita medição e
demarcação e mandou que eu tabelião desse posse ao dito
sesmeiro das mencionadas terras medidas e demarcadas na
forma dos seus rumos e do seu requerimento na forma do estilo
que mais se cumprisse na forma requerida para constar faço este
termo do requerimento de audiência em que assina o Juiz
Comissário e eu Raimundo da Cunha Leitão tabelião que o
escrevi-Sousa.
José Francisco de Azevedo.
Auto de posse.
*
Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
oitocentos e sete aos dois dias do mês de maio do dito ano nesta
paragem de Santo Antônio das Lajes da freguesia de Nossa
Senhora do Desterro do julgado do Desemboque comarca de Vila
Boa de Goiás terras da sesmaria de que se trata aonde eu tabelião
ao adiante nomeado me achava com os mais oficiais desta
medição e sendo ali por bem do requerimento e mandado de
audiência retro mandei apregoar três vezes por um rapaz ladino
se havia alguma pessoa que houvesse de impedir a posse que se
pretendia dar das referidas terras ao sesmeiro José Francisco de
Azevedo que presente estava comparecesse com seus embargos
ou protestos que se lhes receberiam e por não haver quem se
opusesse dei posse judicial corporal atual civil e natural ao dito

160
sesmeiro das mencionadas terras já medidas e demarcadas
conforme constantes dos termos destes autos e do seu
requerimento em nome de sua Alteza Real o Príncipe Regente
Nosso Senhor que Deus Guarde como determina a carta de
sesmaria e comissão geral retro e fls. fazendo-o empossado em
todos os atos possessórios com as solenidades e cerimonias do
estilo e tudo dia claro e sol fora sem que a coisa alguma se
impedisse nesta forma deixei investido incorporado ao sesmeiro
de que se trata na sobredita posse de terras as quais goza
livremente por si seus herdeiros e sucessores de que para constar
faço este auto em que assina o mesmo empossado com as
testemunhas que presente se achavam o tenente Joaquim da
Silva e Oliveira e Leandro da Silva Bueno e eu Raimundo da
Cunha Leitão tabelião que o escrevi e assinei.
José Francisco de Azevedo
Joaquim da Silva e Oliveira
Leandro da Silva Bueno
Raimundo da Cunha Leitão
*
Conta destes autos:
Ao escrivão............................................................................3$855
Notificações...........................................................................$800
Juramento ao piloto e ajudante..............................................$150
Estada cinco dias................................................................12$000
Camº. ratiado......................................................................1$900
18$705
Para o Juiz:

161
Estada cinco dias............................................................... 12$000
Camº. ratiado......................................................................1$900
Distribuição e conta................................................................$750
14$650
Para o Piloto:
Estada cinco dias..................................................................6$000
Comº. ratiado........................................................................$950
6$950
Para o Ajudante:
Estada cinco dias..................................................................3$000
Comº. ratiado........................................................................$475
3$475
Soma 43$780
Rio das Velhas 18 de Junho de 1807 – Sousa.

162
TERMO DE REMESSA

Aos quatorze dias do mês de julho de mil oitocentos e oito


anos neste arraial de Nossa Senhora do Desterro das Cabeceiras
do Rio das Velhas comarca de Vila Boa de Goiás em o cartório de
mim tabelião adiante nomeado faço estes autos com remessa
para o juízo privativo das sesmarias e demarcações desta
comarca para nela serem sentenciados e a entregar ao escrivão
do mesmo juízo ou a quem seu ofício servir os quais autos vão
com quinze meias folhas de papel em que entra o deste termo
numerados por mim tabelião e para constar: faço este termo e eu
Raimundo da Cunha Leitão tabelião que o escrevi.
*
De conclusão
Aos três dias do mês de março de mil oitocentos e vinte anos
digo vinte e um anos neste arraial de Nossa Senhora do Desterro
do Desemboque comarca de Paracatu do Príncipe em o cartório
de mim escrivão ao adiante nomeado por bem do requerimento
e despacho a fls. faço estes autos conclusos ao juiz ordinário deste
julgado capitão João do Vale Pereira para o sentenciar e para
constar faço este termo e eu Raimundo da Cunha Leitão escrivão
que o escrevi.
Nº 292
P. G. de selo 340.
Morª. – Leitão.

163
Julgo a medição demarcação e posse por sentença e mando
se cumpra e se observe na forma dela e pague o sesmeiro as
custas. Desemboque 3 de março de 1821. João do Vale Pereira.
*
DATA

Aos três dias do mês do março de mil oitocentos e vinte e


um anos neste arraial de Nossa Senhora do Desterro do
Desemboque comarca do Paracatu do Príncipe e casa de morada
do Juiz Ordinário deste julgado o capitão João do Vale Pereira eu
escrivão ao diante nomeado vim e sendo aí por ele dito Juiz
Ordinário me foram dados estes autos com sua sentença supra
que houvesse por pública em mão de mim escrivão e mandou se
cumprisse e guardasse como nele se contém e declara e para
constar faço este termo. Eu Raimundo da Cunha Leitão tabelião
que o escrevi.
Certifico que intimei a sentença supra ao sesmeiro José
Francisco de Azevedo e aos confrontantes o tenente Joaquim da
Silva e Oliveira e Manuel Pereira Machado do que ficaram cientes
e dou fé. Desemboque 9 de março de 1821 o escrivão Raimundo
da Cunha Leitão.
D 1$200 rs.
Conta
A e R..............................$423
Citação...........................$800
De fé...............................$170
Inti.................................1$200

164
2$593
Para o Juiz
D........................................$150
Desta conta.......................$450
Taxa do selo......................$350
S. ....................................3$553
Vale
*

165
SESMARIA DA PARAGEM DO LAJEADO
Cópia
José Francisco de Azevedo como cessionário de Manuel
Pereira Machado, este de João de Deus Passos-sesmeiro.
Autuação de carta de sesmaria. Escrivão Leitão. Traslado do
outro traslado dos autos próprios que vão para o juízo privativo
das sesmarias para neles serem sentenciados.
Ano do Nascimento de Nosso Jesus Cristo de mil oitocentos
e sete anos aos vinte de maio do dito ano, nesta paragem
chamada o Lajeado, vertentes ao Rio Grande, da freguesia de
Nossa Senhora do Desterro do julgado do Desemboque, comarca
de Vila Boa de Goiás, sendo José Francisco de me foi dada a carta
de sesmaria ao adiante como também lhe pertencia a dita carta
de sesmaria a qual tinha sido passada pela secretaria deste
Governo de três léguas de comprido e uma légua de largo como
queria fazer medir e demarcar as terras que pelas cartas de
sesmaria lhe estavam concedidas me pediu e requereu que ele o
aceitasse e autuasse para tratar de sua medição o que eu tabelião
por obrigação do meu oficio assim o faço na forma requerida e
para constar faço esta autuação e a referida carta de sesmaria e
cessão e tudo o que adiante se segue e eu Raimundo da Cunha
Leitão tabelião:
Carta de sesmaria.
Dom João Manuel de Meneses, do Conselho do Príncipe
Regente Nosso Senhor Comendador da Ordem de Cristo
Governador, Capitão General da Capitania de Goiás e Minas de
sua repartição etc. Faço saber aos que a presente minha carta de

166
sesmaria virem que tendo consideração o representar-me por seu
requerimento João de Deus Passos morador no Desemboque que
ele suplicante desejava possuir por legítimo título de sesmaria
três léguas de terra de comprido e uma de largo para povoar uma
fazenda de gado vacum e cavalar nas sobras das sesmarias de
Domingos Alves da Cunha vertente do rio das Velhas e Quebra-
anzol do mencionado distrito do Desemboque confrontando com
quem deva e haja de partir e me pedia lhe concedesse na forma
das ordens de Sua Real Alteza a sobredita sesmaria de três léguas
de comprido e uma de largo na referida paragem debaixo das
confrontações que no ato da medição se achassem fazendo pião
onde mais conveniente lhe fosse e atendendo eu ao requerimento
o que sobre esta matéria informaram os oficiais da Câmara, o
escrivão da Junta da Administração da Real Fazenda e respondeu
o procurador da Coroa da repartição desta Capitania a quem ouvi
para formalmente deferir ao suplicante de lhes não oferecer
dúvida na concessão da mesma sesmaria por não encontrarem
inconvenientes que os obstassem pela faculdade que Sua Real
Alteza me permite nas suas Reais Ordens especialmente na de
treze de abril de mil setecentos e trinta e oito para conceder
sesmarias de terras desta Capitania aos moradores dela que me
pedirem. Ei por bem fazer mercê como por esta faço de conceder
em nome de Sua Real Alteza ao dito João Deus Passos na referida
paragem três léguas de terra de comprido e uma de largo debaixo
das confrontações acima declaradas fazendo pião aonde mais
conveniente lhe for para evitar prejuízo de terceiro ao que muito
se atenderá no ato da medição com declaração porém que será

167
obrigado dentro em um ano que terá princípio no dia da data
desta a demarcar judicialmente as ditas terras sendo primeiro
notificados os vizinhos om quem partirem para alegar o que for
a bem da sua justiça e o será também a povoar e cultivar as ditas
terras ou parte delas dentro em dois anos, nos quais se não
compreenderão ambas as margens de algum rio navegável
porque neste caso ficará de uma e outra parte dele a terra que
baste ao uso público e comodidade dos passageiros e de uma
parte junto à passagem do mesmo rio ficará livre meia légua de
terra em quadra para utilidade pública de quem andar a dita
passagem como determina a nova ordem de sua Real Alteza de
onze de março de 1754 reservando os sítios dos vizinhos com
quem partirem suas vertentes logradouros sem que com este
pretexto se queiram apropriar demasiadas terras em prejuízo
desta mercê que faço ao suplicante o qual não impedirá a
repartição das descobertas das terras minerais que em tal sítio
hajam ou possam haver nem os caminhos e serventias públicas
que nele houver e pelo tempo adiante pareça conveniente abrir
para melhor utilidade do bem comum o possuirá as ditas terras
com a condição de nelas não sucederem religiões por título algum
e sucedendo possuírem-nas será com encargo de pagarem delas
dízimos como quaisquer seculares e serão outrossim obrigados a
requerer ao Príncipe Regente Nosso Senhor pelo seu Conselho
Ultramarino confirmação desta carta de sesmaria dentro em
quatro anos contados desta data o que lhe concedo salvo o Direito
Régio e prejuízo de terceiro e faltando ao referido não terá esta
vigor e se julgar as ditas terras devolutas dando-se a quem as

168
denunciar na forma das ordens do mesmo Senhor pelo que
mando ao ministro a quem tocar dê posse ao suplicante das
referidas três léguas de comprido e uma de largo feita
primeiramente a notificação e demarcação como nesta ordeno do
que se fará termo no livro que tocar e assento nas costas deste
para a todo o tempo constar do referido na forma do regimento e
por firmeza de tudo mandei passar a presente carta de sesmaria
que sendo por mim assinada e selada com o selo de minhas armas
se cumprirá inteiramente como nela se contém registrando-se na
Secretaria deste Governo e aonde mais tocar. Dada em Vila Boa
de Goiás aos quatorze de janeiro de mil oitocentos e doze. O
Secretário do Governo Filipe Néri Monteiro de Mendonça a fiz
escrever. D. João Manuel de Meneses. Carta de sesmaria e por
bem fazer mercê a João de Deus Passos de três léguas de terra de
comprido e uma de largo nas sobras da sesmaria de Domingos
Alves da Cunha vertentes ao rio da Velha e Quebra-Anzol distrito
do Desemboque como acima se declara. Para Vossa Excelência
ver. Registrada na Secretaria deste Governo no livro sétimo de
sesmaria a folhas cento e trinta e três verso. Vila Boa, quatorze
de janeiro de 1802 anos. Filipe Néri Monteiro de Mendonça.
Registrada no livro nono que no arquivo desta câmara serve de
registro de sesmaria a folhas cento e sessenta e cinco. Vila Boa, 1
de fevereiro de 1802. Antônio José de Abrunhosa Campos.
Registrada a fls. 59 verso do livro 8º, que neste arquivo da Junta
da Real Fazenda serve de registro de sesmarias. Vila Boa 6 de
fevereiro de 1802. Antônio Luís Tavares Lisboa. Cumpra-se Vila
Boa 9 de fevereiro de 1802. Matos.

169
Cessão. Cedo e traspasso toda a ação jus e domínio que
tenho em um título de sesmaria tirado na Secretária deste
Governo de Vila Boa de Goiás na pessoa de Manuel Pereira
Machado para poder com ele requerer sua medição e demarcação
e posse com a condição de pagar o auto do dito título e custas da
medição cuja cessão o faço muito de minha livre vontade e
poderá dele gozar pôr e dispor como seu que fica sendo de hoje
para todo o sempre sem oposição minha e nem dos meus
herdeiros e por verdade passo a presente cessão. Arraial do
Desemboque 9 de abril de 1802. João de Deus Passos.
Cessão segunda. Cedo e traspasso toda a ação direito jus
domínio e senhorio que tenho no título de que trata a cessão
supra na pessoa do sr. José Francisco de Azevedo que poderá
haver posse dele e das terras constantes do mesmo título que as
poderá possuir e desfrutar por si e seus herdeiros a sucessores de
hora em diante cuja cessão faço muito de minha livre vontade
sem constrangimento de pessoa alguma e para clareza por não
saber ler nem escrever pedi e roguei ao capitão Custódio Ferreira
de Sousa que este por mim fizesse e como testemunha assinasse
e eu me assino com o meu sinal costumado que é uma cruz sinal
de que uso perante as testemunhas abaixo assinadas hoje.
Lajeado 3 de maio de 1807. Sinal de Manuel Pereira Machado
uma cruz. Como testemunha que este fiz a rogo do sobredito –
Custódio Ferreira de Sousa. Como testemunha que este vi fazer e
assinar Joaquim da Silva e Oliveira. Como testemunha que vi
fazer e assinar Raimundo da Cunha Leitão.

170
De audiência. Aos vinte dias do mês de maio de 1807 nesta
paragem chamada o Lajeado da freguesia de N. S. do Desterro do
julgado do Desemboque comarca de Vila Boa de Goiás em
audiência publica e que para esta medição a partes e seus
procuradores estava fazendo o Juiz Ordinário deste julgado e o
capitão Custódio Ferreira de Sousa Juiz Comissário das
Sesmarias por comissão do Juiz Privativo desta comarca, em a
dita audiência por José Francisco de Azevedo foi dito e requerido
ao dito Juiz Comissário que para a presente audiência e termos
dela vinha citado vizinho e confrontante Manuel Pereira
Machado para o conteúdo na fé da citação adiante que
apresentava que pelo que fosse servido mandá-lo apregoar e que
sendo não comparecendo por si e nem por outrem houvesse por
citado e mandasse que ficasse esperado até a primeira audiência
com pena de revelia e outrossim que em virtude da cessão que
apresentada tinha lhe pertencia o título junto que suposto havia
sido concedido para diferente lugar cujo já se achava medido
como a outro título mais antigo que ele havia comprado as terras
do lugar de que se tratava a vários aposseadores por cujo motivo
fosse servido em observância do bando de Sua Excelência
mandar-lhe medir neste dito lugar até se lhe inteirar as terras que
pelo mesmo título lhe eram concedidas o que tudo sendo visto e
ouvido pelo Juiz Ordinário seu requerimento na forma do
referido e da fé da citação feita ao vizinho confrontante mandou-
se apregoar por uma rapaz ladino que servia de porteiro na
presente audiência o qual apregoou na forma costumada de que
não compareceu pelo que houve o dito Juiz Comissário por citado

171
e mandou que ficasse separado até a primeira audiência com
pena de revelia e que no enquanto se seguissem os termos da
medição e demarcação para cujo efeito nomeou para piloto da
dita medição e demarcação a Leandro da Silva Bueno e para
ajudante do mesmo a Policarpo (sic) Joaquim de Paiva e que
primeiro prestassem de sua mão juramento dos Santos
Evangelhos e para constar faço este termo de requerimento de
audiência em que assina o dito Juiz Comissário. Eu Raimundo da
Cunha Leitão, tabelião, que o escrevi, Declaro que adiante junto
a dita fé de citação e é o que adiante se segue e eu sobredito
tabelião o declarei. Sousa.
Certidão. Certifico que a requerimento de José Francisco de
Azevedo citei ao vizinho confrontante Manuel Pereira Machado
para no tempo medição da sesmaria de que se trata alegar os
embargos ou protestos que tivesse com pena de revelia e debaixo
da mesma pena demarcar-se e dar-se posse das terras concedidas
ao sobredito sesmeiro em fé do que passo a presente e assino hoje
20 de maio de 1807. Raimundo da Cunha Leitão.
Juramento ao piloto e seu ajudante. Exame da agulha e
corda (Ininteligível).
Levantamento do marco pião. Aos vinte dias do mês de
maio de mil oitocentos e sete anos nesta paragem do Lajeado da
freguesia de N. S. do Desterro do povoado do Desemboque
comarca de Vila Boa de Goiás e terras da sesmaria de que se trata
onde foi vindo o Juiz Comissário deste dito julgado o capitão
Custódio Ferreira de Sousa comigo tabelião adiante nomeado e o
piloto Leandro da Silva Bueno e seu ajudante Policarpo (sic)

172
Joaquim de Paiva, sendo em uma chapada de campo um tanto
cerrado e ao pé do marco da sesmaria já medida e demarcada a
José Francisco de Azevedo sesmeiro de que se trata pelo qual foi
dito e requerido ao dito Juiz Comissário que aquele lugar lhe
mandou pôr o marco pião da presente sesmaria para dele se
correr os rumos até se lhe preencher as terras que pelo mesmo
título lhe estavam concedidas sendo seu comprimento de leste
rumo de leste a oeste e a largura para o norte e que no caso que
em alguns dos rumos se não possa inteirar por encontrar terras
aposseadas por outrem lhe mandasse inteirar para outro
qualquer rumo onde haja terras devolutas o que tudo sendo visto
e ouvido pelo dito Juiz Comissário mandou apregoar três vezes
por um rapaz ladino se havia alguma pessoa que com embargos
ou protestos houvesse de impedir o levantamento daquele marco
pião naquele lugar pretendia pôr da presente sesmaria
comparecesse e por não haver quem o impedisse mandou o dito
Juiz Comissário pôr naquele dito lugar um marco pião de pau de
folha larga com sete palmos e meio fora da superfície da terra
com uma face lavrada e nela se imprimiu duas letras uma P que
diz pião e uma S que diz sesmaria virada para o rumo do norte
com três testemunhas ao pé de pau de sucupira que uma aponta
o rumo de leste e outra rumo de oeste e outra aponta o rumo de
norte e sua largura e logo no mesmo lugar ordenou o dito Juiz
Comissário ao piloto e seu ajudante que com o agulhão e a corda
seguissem daquele lugar seguissem os rumos da presente
sesmaria na forma requerida pelo sesmeiro e para constar faço
este termo em que assina o dito Juiz Comissário piloto e seu

173
ajudante e as testemunhas presentes o tenente Joaquim da Silva
e Oliveira e José Raimundo Vilas Boas. Eu Raimundo da Cunha
Leitão tabelião que o escrevi, Sousa. Leandro da Silva Bueno.
Policarpo Joaquim de Paiva. Joaquim da Silva e Oliveira José
Raimundo Vilas Boas.
Rumo do marco pião para o leste.
Aos vinte dias do mês de maio de mil oitocentos e sete anos
nesta paragem e terras da sesmaria de que se trata da freguesia
de N. S. do Desterro do julgado Desemboque comarca da Vila Boa
de Goiás pelo piloto Leandro da Silva Bueno e seu ajudante
Policarpo Joaquim de Paiva e as testemunhas abaixo nomeadas
assinadas se mediram do lugar do marco pião para o rumo de
leste a fazer o comprimento da sesmaria até um chapadão de
campo cerrado e ao pé do marco da quadra de sesmaria já medida
e ao mesmo sesmeiro duas mil seiscentas e sessenta braças de
terra onde no mesmo lugar se marcou em um pau nativo de
jatobá no qual se lavrou uma face e nela se imprimiu uma letra S
que diz sesmaria virada para o rumo do norte com duas
testemunhas ao pé fincadas também de pau e uma aponta o rumo
de oeste e outra aponta o rumo de norte para constar faço este
termo em que assina o Juiz Comissário piloto e o ajudante com
testemunhas o tenente Joaquim e Oliveira e José Raimundo Vilas
Boas e eu Raimundo da Cunha Leitão tabelião que o escrevi.
Sousa. Leandro da Silva Bueno. Policarpo Joaquim de Piava.
Joaquim da Silva e Oliveira. José Raimundo Vilas Boas.
Rumo do marco pião para o leste.

174
Aos 21 dias do mês de maio de 1807 anos nesta paragem do
Lajeado da freguesia de N. S. do Desterro do julgado
Desemboque, comarca da Vila Boa de Goiás e terras da sesmaria
de que se trata pelo piloto Leandro da Silva Bueno e seu ajudante
Policarpo Joaquim de Paiva e as testemunhas abaixo nomeadas
e assinadas se mediram do lugar do marco pião para o rumo do
leste a fazer comprimento da sesmaria três mil e cem braças de
terra para constar faço este termo em que assina o Juiz
Comissário piloto e seu ajudante e as testemunhas o tenente
Joaquim da Silva e Oliveira e José Raimundo Vilas Boas e eu
Raimundo da Cunha Leitão tabelião que escrevi. Sousa. Leandro
da Silva Bueno, Policarpo Joaquim de Paiva, Joaquim da Silva e
Oliveira, José Raimundo Vilas Boas.
Segue o mesmo rumo.
Aos vinte e dois dias do mês de maio de mil oitocentos e sete
anos nesta paragem do Lajeado da freguesia de N. S. do Desterro
do julgado de Desemboque comarca de Vila Boa de Goiás e terras
da sesmaria de que se trata pelo piloto Leandro da Silva Bueno e
seu ajudante Policarpo Joaquim de Paiva e as testemunhas
abaixo nomeadas e assinadas se mediram em seguimento do
rumo do este a inteirar o comprimento da sesmaria até um
campo e cerrado ao pé de um pântano de buriti que fica a rumo
de leste duas mil e duzentas braças de terra que com as três mil e
cem fazem quantia de cinco mil e trezentas braças de terras onde
no mesmo lugar se marcou num pau nativo de sucupira no qual
se lavrou uma face e nesta se imprimiu uma letra S que se diz
sesmaria virada para o rumo do norte com duas testemunhas ao

175
pé fincadas também do mesmo pau que uma aponta rumo do
leste comprimento da sesmaria e outra aponta o rumo do norte
sua largura. Para constar faço este termo em que assina o Juiz
Comissário, piloto e seu ajudante e as testemunhas tenente
Joaquim da Silva e Oliveira, José Raimundo Vilas Boas e eu
Raimundo da Cunha Leitão tabelião que escrevi. Sousa. Leandro
da Silva Bueno, Policarpo Joaquim de Paiva, Joaquim da Silva e
Oliveira, José Raimundo Vilas Boas.
Rumo do marco do oeste para o norte.
Aos vinte e três dias do mês de maio de mil oitocentos e sete,
nesta paragem do Lajeado da freguesia da N. S. do Desterro do
julgado do Desemboque comarca da Vila Boa de Goiás e terras de
que se trata, pelo piloto Leandro da Silva Bueno e seu ajudante
Policarpo Joaquim de Paiva e as testemunhas abaixo nomeadas
e assinadas se mediram do lugar do marco do oeste a fazer a
largura e quadra da sesmaria para o rumo do norte até uma
vargem de campo limpo ao pé de um córrego que verte do
pântano de buritis vertente ao Uberaba três mil duzentas e trinta
braças de terra onde no mesmo lugar se pôs um marco de pau de
aroeira com cinco palmos fora de superfície da terra com uma
face lavrada e nela se imprimiu a letra S que diz sesmaria virada
para o rumo do sul com duas testemunhas ao pé do mesmo pau
que uma aponta o rumo do leste comprimento da sesmaria e
outra aponta o rumo do sul sua largura. Para constar faço este
termo em que assina o Juiz Comissário, piloto e seu ajudante e as
testemunhas Joaquim da Silva e Oliveira e José Raimundo Vilas
Boas e eu Raimundo da Cunha Leitão que o escrevi. Sousa.

176
Leandro da Silva Bueno Policarpo Joaquim de Paiva Joaquim da
Silva e Oliveira José Raimundo Vilas Boas.
Rumo do pião para o norte. Aos vinte e quatro dias do mês
de meio de mil oitocentos e sete anos nesta paragem do Lajeado
de freguesia de N. S. do Desterro do julgado do Desemboque
comarca de Vila Boas de Goiás, e terras de sesmaria de que se
trata, pelo piloto Leandro da Silva Bueno e seu ajudante
Policarpo Joaquim de Paiva e as testemunhas abaixo nomeadas
e assinadas se mediram do lugar de pião para o rumo do norte a
fazer a largura e quadra da sesmaria até ao alto da serra em cima
de um morrinho mais alto que naquele lugar se achava vertentes
ao ribeirão do Lajeado três mil e oitocentas braças onde no
mesmo lugar se pôs um marco de pau de folha larga com cinco
palmos fora da superfície da terra lavrado onde se imprimiu a
letra S que diz sesmaria virada para o rumo do sul com três
testemunhas ao pé também do mesmo pau que uma aponta o
rumo do leste e outra da oeste comprimento da sesmaria e outra
aponta o rumo sul sua largura. Para constar faço este termo em
que assina o Juiz Comissário, piloto, seu ajudante e as
testemunhas tenente Joaquim da Silva e Oliveira e José
Raimundo Vilas Boas e eu Raimundo da Silva Leitão tabelião que
o escrevi. Sousa. Leandro da Silva Bueno. Policarpo Joaquim de
Paiva. Joaquim da Silva e Oliveira e José Raimundo Vilas-Boas.
De audiência.
Aos vinte e cinco dias do mês de maio de mil oitocentos e
sete anos nesta paragem do Lajeado de freguesia de N. S. do
Desterro do julgado do Desemboque comarca de Vila Boa de

177
Goiás terras da sesmaria de que se trata em audiência pública que
para esta sesmaria a partes e seus procuradores estava fazendo o
Juiz Ordinário deste julgado o capitão Custódio Ferreira de
Sousa e Juiz Comissário da sesmaria deste mesmo julgado por
comissão do juiz privativo da sesmaria e demarcação desta
comarca por José Francisco de Azevedo sesmeiro de que se trata
foi dito e requerido ao dito Juiz Comissário que da audiência
passada para esta presente audiência havia ficado esperado o
vizinho confrontante Manuel Pereira Machado pelo que fosse
servido mandá-lo apregoar o que sendo e não comparecendo por
si e nem outrem por ele que seus poderes tivesse a sua revelia o
houvesse por lançado dos embargos ou protestos com que se
houvesse de opor à medição a demarcação da presente sesmaria
e que do marco do leste se não tinha corrido a quadra por razão
o encontrar em terras pertences à viúva Catarina Correia e só sim
queria que ficasse servindo de divisa do referido marco do leste
pelo espigão que fica entre o ribeirão do Veadinho e a Rocinha
até a estrada que vem da dita viúva para Manuel Pereira
Machado e daí para cima pelo veio do córrego denominado
Veadinho até o serrote cuja divisa havia ele sesmeiro feito
cômodo a Manuel Pereira Machado quando lhe comprou as
terras digo comprou as referidas terras que lhe mandasse dar
posse das terras que se houveram medidas e demarcadas e que
protestava havendo erro dúvida na dita medição desfazê-lo a
todo tempo e requerido repor que tudo sendo visto e ouvido pelo
Juiz Comissário seu requerimento conformado dos termos dos
autos por mim escrivão deles mandou apregoar o dito

178
confrontante por um rapaz ladino e que servisse de porteiro na
presente audiência que apregoou na forma do costume de que
não compareceu nem outrem por ele que seus poderes tivesse
pelo que houvesse o dito Juiz Comissário lançado dos embargos
ou protestos com que se houvesse de opor à medição e
demarcação da presente sesmaria e mandou que eu tabelião
desse posse das terras medidas e demarcadas na forma de seus
rumos ao referido sesmeiro na forma do estilo e que o mais se
cumprisse na forma requerida. Para constar faço este termo de
requerimento de audiência em que assina o Juiz Comissário e eu
Raimundo da Cunha Leitão que o escrevi.
Posse. Consta do escrivão. Para o Juiz. Para o piloto. Para o
ajudante. Soma tudo 43$202.
Traslado do termo de remessa. Não declara tudo por
extenso por ter no outro que trasladei da sesmaria de Santo
Antônio das Lajes tudo declarado.

179
LUÍS D’ALINCOURT

Ultimamente chegou ao conhecimento dos infra-assinados


uma cópia de trechos da obra de Luís d’Alincourt intitulada
Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá publicada em
1830.
Referindo-se à segunda viagem do Anhanguera escreveu
este autor: “Recobrando novo ânimo, tentou segunda (viagem)
e como às apalpadelas foi formando o trilho que depois se
chamou estrada, e, com mais fortuna desta vez, completou suas
esperanças descobrindo Goiás. Eis aqui o método imperfeito por
que se abriu a estrada de São Paulo a Goiás, que, se algumas
modificações tem sofrido são devidas ao cuidado e particular
comodidade de seus habitadores.”
D’Alincourt esteve em Farinha Podre tanto na ida em 1818
como na volta em 1823.

180
PRIMÓRDIOS DE UBERABA

Os principais guias para o estudo dos primórdios de


Uberaba são:
1º - Autos das demarcações das sesmarias de José Francisco
de Azevedo nas paragens de Santo Antônio das Lajes e do
Lajeado, processadas em abril e maio de 1807.
Estes autos estão em poder do coronel Joaquim Soares de
Azevedo, em cópia e foram acima transcritos. Estavam até agora
inéditos.
2º - Título de doação feita a Santo Antônio e São Sebastião
e ao procurador que houver dos mesmos santos, já transcrito
neste opúsculo; tem a data de 28 de dezembro de 1812 e foram
doadores Tristão de Castro Guimarães e sua mulher.
3º - Augusto Saint Hilaire. Voyage aux Sources du Rio S
Francisco etc.
4º - História Topográfica da Freguesia de Uberaba Vulgo
Farinha Podre. Este precioso escrito, cuja data é de 1824 a 1826,
segundo o coronel Sampaio, e certamente anterior a 1827, é
devido, segundo o mesmo coronel e o autor das Alegações, à pena
do ilustrado cônego Antônio José da Silva, primeiro vigário desta
freguesia.
Foi publicado na Revista do Arquivo Público Mineiro ano
1º fascículo 2º p. 339-344.
A primeira parte deste valiosíssimo escrito contém uma
ralação das entradas que no começo do século XIX se fizeram na
parte ocidental do Triângulo Mineiro e outras notícias de subido

181
valor histórico; a segunda parte contém noções
interessantíssimas não só de estatística como das riquezas
naturais da zona.
Acima está reproduzida a primeira parte dessa História por
interessar à questão dos patrimônios.
Releva dizer que o padre Antônio José da Silva foi o
deputado que apresentou e defendeu na Assembleia Provincial
em 1840 o projeto de lei que mais tarde se converteu na resolução
nº 206 de 2 de abril de 1841, acima transcrita e que criou o
Patrimônio Municipal, resolução em cujo artigo 1º se lê: “Na vila
de Uberaba ninguém poderá edificar dentro de uma légua
quadrada, EM TERRENO DEVOLUTO, sendo o centro de que
deve partir a medição a Matriz Velha, sem licença da Câmara
Municipal da mesma vila”.
Esta História Topográfica é digna do mais sabido apreço; é
a única crônica local e dessas crônicas escreve o autor das
Alegações serem “em caso de tanta magnitude um elemento de
valor inestimável para o conhecimento da incógnita procurada”
e que “a espécie tem nelas um verdadeiro marco a estabelecer a
linha de separação entre o certo e o incerto para o brilho da
verdade histórica”.
Se assim são em geral as crônicas locais, que valor não
deverão ter as afirmações contidas na História Topográfica, a
crônica dos primórdios desta freguesia escrita pelo seu ilustrado
primeiro vigário?
5º - Escrituras públicas e inventários nos Cartórios desta
cidade.

182
6º - Antônio Borges Sampaio. Nomenclatura das Ruas etc.
– Cônego Hermógenes – Igreja Matriz e Sertão da Farinha
Podre.
Faça-se uma síntese dos autos de sesmarias acima
publicados.
A primeira sesmaria demarcada para José Francisco de
Azevedo foi a da paragem de Santo Antônio das Lajes.
José Gonçalves Pimenta, tendo obtido do Governo de Goiás
em 25 de janeiro de 1803 uma sesmaria no Taquaral no rio das
Velhas abaixo do Desemboque, cedeu esta concessão a José
Francisco de Azevedo em 9 de abril de 1806.
Este em 27 de abril de 1807 requereu que esta sesmaria lhe
fosse demarcada na paragem de Santo Antônio das Lajes.
Deferido, fez-se a demarcação terminada a 2 de maio do mesmo
ano e julgada em 3 de março de 1821.
A segunda sesmaria demarcada para o mesmo José
Francisco de Azevedo foi a da “paragem chamada do Lajeado”.
João de Deus Passos, tendo obtido do mesmo Governo de
Goiás em 14 de janeiro de 1802 uma sesmaria ou sobra entre os
rios das Velhas e Quebra-Anzol (no atual distrito de Dores de
Santa Juliana, município do Araxá), transferiu-a em 9 de abril do
mesmo ano a Manuel Pereira Machado, que por sua vez
transferiu a José Francisco de Azevedo, para quem foi demarcada
junto à sua primeira sesmaria de paragem de Santo Antônio das
Lajes.
Primeira conclusão.

183
Escreveu o coronel Sampaio (Sertão de Farinha Podre, p.
10, in fine):
“No dia 25 de janeiro de 1803 instalou-se a medição da
sesmaria concedida pelo Governo de Goiás a José Gonçalves
Pimenta, a requerimento de José Francisco de Azevedo, que a
tinha adquirido por cessão do dito Pimenta. A instalação teve
lugar ‘na paragem chamada Santo Antônio da Lajes’ onde se
fundou a primitiva povoação, sendo esta sesmaria a mais
antiga atualmente conhecida no Sertão da Farinha Podre”.
Do confronto desse trecho com os autos acima transcritos
resultam evidentes os seguintes enganos do venerando escritor:
1º - A data de 25 de janeiro de 1803 não é a da instalação
dos trabalhos da demarcação, mas sim a da concessão da
sesmaria pelo Governo de Goiás a José Gonçalves Pimenta. A
data da instalação da demarcação foi 27 de abril de 1807.
2º - A denominação da paragem não é Santo Antônio da
Laje mas Santo Antônio das Lajes.
3º - Não foi nessa paragem que se fundou a primitiva
povoação, mas sim na paragem do Lajeado, na qual se instalou a
demarcação da segunda sesmaria do mesmo José Francisco de
Azevedo; pois, como do texto dos autos acima transcritos se vê, a
sesmaria de Santo Antônio das Lajes, a primeira demarcada,
ficava ao sul da segunda e dividida com a fazenda de Ponte Alta,
Santo Inácio e Bebedouro, onde era confrontante o tenente
Joaquim da Silva e Oliveira. A segunda sesmaria, a da paragem
do Lajeado, ficava ao norte desta e esta segunda sesmaria é que
compreendia parte da bacia do Lajeado, na qual bacia mais tarde

184
em 1812 se levantou a casa de oração a Santo Antônio e São
Sebastião, segundo o cônego Silva.
4º - Não foi “essa sesmaria de Santo Antônio das Lajes a
mais antiga” no Sertão da Farinha Podre; pois, como se viu, na
parte deste escrito intitulada POLICIAMENTO DA ESTRADA E
TERRA DOS ÍNDIOS, várias sesmarias foram nesta zona
concedidas cerca de 60 a 70 anos antes desta, quando se tentou
a infrutífera colonização da beira da estrada do Anhanguera pela
raça branca e a data da concessão da sesmaria demarcada na
paragem denominada o Lajeado 14 de janeiro de 1802 é ainda
anterior à respectiva data de sesmaria de S. Antônio das Lajes, 25
de janeiro de 1803.
Apontam-se esses quatro enganos naquelas poucas
palavras citadas do venerando historiador, enganos que o texto
daqueles autos torna manifestos, a fim de que o leitor não se
surpreenda quando mais adiante se apontarem neste escrito
outros enganos do mesmo escritor, a cuja memória os infra-
assinados prestam a mais profunda consideração.
Seja-lhes relevada a ousadia, já que o fazem seguindo o
exemplo do autor das Alegações, que à p. 82 delas foi o primeiro
a pôr à mostra erro do venerando coronel Sampaio e que erro! –
o da data da criação da freguesia de Uberaba!
Segunda conclusão. O fato de haver José Francisco de
Azevedo requerido que as sesmarias, de que era cessionário, se
demarcassem nessas paragens, leva a crer que aí não houvesse
em abril de 1807 nem os primeiros rudimentos do primitivo
núcleo da povoação do Lajeado e isto é confirmado pelo padre

185
Antônio José da Silva em sua História Topográfica, onde diz:
“Os lugares que ela (a freguesia de Uberaba) compreende eram
incultos e desertos até 1807 e apenas conhecida a estrada do
Anhanguera” e ainda confirmado mais pelo fato de não haver
nos processos das demarcações dessas duas sesmarias
confrontantes do lado do poente, lado mais tarde aposseado por
Tristão de Castro que, segundo o escrito de 28 de dezembro de
1812, o doou a Santo Antônio e São Sebastião.
Segundo a narrativa da História Topográfica, de 1807 em
diante teve lugar a entrada da primeira bandeira a fim de
explorar o sertão.
Em julho de 1810 entrou para o sertão a segunda bandeira
e dela era chefe o major Eustáquio, já então Comandante Regente
dos Sertões da Farinha Podre. Tendo partido no começo de julho
de 1810 regressou “na decorrência de dois meses” tendo se
internado 30 léguas “até o rio Prata”, tendo lançado várias
posses pelo sertão.
Depois dessa expedição o major Eustáquio seguiu para Casa
Branca de Minas, isto é, de setembro em diante.
“Em 13 de fevereiro de 1811 obtiveram o mesmo sargento-
mór Eustáquio e outros provisão da Mesa de Consciência e
Ordens para erigirem uma capela com orago da Senhora do
Monte do Carmo; mas até o presente não levaram à prática sua
pretensão sem dúvida porque a povoação, onde querem erigir a
referida capela, ainda hoje é muito pouco considerável”. (Padre
Antônio José da Silva. Hist. Top.)

186
Como é sabido, tem-se atribuído a esta data de 13 de
fevereiro de 1811 a elevação de Uberaba à categoria de distrito,
sem contudo se apontarem jamais os termos em que foi lavrado
esse ato e não há muito a imprensa local festejou-a como a data
do centenário.
O Dicionário de Milliet Saint Adolphe cita essa data; mas
segundo se vê claramente da História Topográfica, acima
transcrita, em 1812 foi que “se levantou no sítio chamado o
Lajeado uma pequena casa de oração onde se colocaram Santo
Antônio e São Sebastião; celebrou ali por pouco tempo os santos
mistérios com autoridade do reverendo Antônio José Tavares,
vigário do Desemboque, o padre José de Morais; E DEPOIS SE
TRANSFERIU por comodidade para a margem do Uberaba,
JUNTO À ESTRADA DE GOIÁS, onde está hoje formado o
arraial”.
Em 1811, portanto, não tinha ainda havido a
TRANSFERÊNCIA, que, segundo o testemunho da luminosa
crônica local escrita pelo primeiro vigário desta freguesia,
DEPOIS de levantada a casa de oração do Lajeado em 1812,
depois desse fato, é que a transferência se fez para o local onde
hoje se ostenta a opulenta Uberaba, esplêndida jóia engastada no
extremo oeste da terra mineira.
Qual, porém, será o lugar onde se pretendia levantar a
capela à N. S. do Carmo em virtude da licença de 13 de fevereiro
de 1811?
O trecho citado caracteriza-o por duas circunstâncias: 1º -
não se ter erigida a capela até a data em que a História

187
Topográfica era escrita (1824-1826); 2º - ser ainda a esse tempo
muito pouco considerável a povoação desse lugar.
Esse lugar não é o povoado de Uberaba, sede da freguesia,
cuja história o cônego Silva escrevia: pois como acima se viu a
transferência da povoação Lajeado para aqui foi posterior a 1812
e este povoado já se tinha desenvolvido tanto, que ao tempo em
que o cônego escrevia essa história, era já desde anos antes, desde
1820, sede da freguesia.
Esse lugar não é também o Lajeado que em 1812 teve
construída sua capela a Santo Antônio e São Sebastião.
Nem Uberaba, pois, e nem o Lajeado.
Talvez seja o povoado de N. S. do Carmo do Prata, cujo
povoamento terá começado em seguida à exploração aí feita em
1810 pelo major Eustáquio.
É sabido que nessas excursões, cujo objetivo era lançar
posses no sertão, o major Eustáquio e os outros entrantes
aposseavam largos tratos de território.
Parte de uma das fazendas possuídas pelo major, a do
córrego das Pedras, foi, em 22 de julho de 1834, vendida por
herdeiros a Valeriano Antônio Mascarenhas (Cartório do 1º
Ofício, liv. 1º, fl. 62).
Seja, porém, qual for, esse lugar não é Uberaba nem o
Lajeado.
As duas conclusões acima são perfeitamente legítimas a
dar-se crédito aos autos de demarcação transcritos e à História
Topográfica, ambos os documentos em flagrante desacordo, nos

188
pontos acima indicados, com as narrativas do coronel Sampaio e
do advogado da Matriz.
Embora o muito que merecem estes dois últimos escritores,
o primeiro dos quais, o coronel Sampaio escreveu sua primeira
memória Nomenclatura cerca de 70 anos depois desses
acontecimentos, o segundo, o advogado da Matriz, inspirado
geralmente no primeiro, embora seu incontestável mérito, não
podem ser adotadas suas afirmações em desacordo absoluto com
os autos das demarcações das sesmarias de 1807 e com o
testemunho do primeiro vigário desta freguesia, contemporâneo
dos acontecimentos de que se trata e que registrou na sua
História Topográfica com imparcialidade e verdade a crônica
local.
Terceira conclusão.
Nos autos das demarcações das sesmarias de José
Francisco de Azevedo, acima transcritos, se vê que o nome de
Tristão de Castro Guimarães não aparece entre os dos
confrontantes dos quais foi feita citação; e até as testas ou
testadas das sesmarias (assim se chamava o lado voltado para
sertão) se mediram sem embaraços opostos por aposseantes:
donde é de crer-se que ao tempo daquelas demarcações (1807),
Tristão de Castro, que no título de doação (1812) se disse
confrontante da sesmaria de José Francisco de Azevedo, não
tinha ainda começado sua posse; e assim sendo, essa posse,
doadas àqueles santos, era posterior ao ano de 1807; sendo a
doação de 1812, conclui-se que essa posse não tinha 6 anos de
começada.

189
Quarta conclusão.
Foi levantada em 1812 a casa de oração no Lajeado com o
orago de Santo Antônio e São Sebastião.
A doação feita por Tristão naquele mesmo ano, em que se
levantou a dita casa de oração no Lajeado, está concebida nestes
termos: “fazemos doação ao Senhor Santo Antônio e a S.
Sebastião para patrimônio de sua igreja”.
“Depois” é que a povoação* “se transferiu por comodidade
para a margem do Uberaba junto à estrada de Goiás onde está
hoje [escreveu o padre Silva] formado o arraial”.
A conclusão legítima é que a doação foi feita à casa de
oração do Lajeado e não a de Uberaba, que só depois, com a
transferência, veio a existir.
Escreveu o coronel Sampaio no folheto Cônego
Hermógenes, p. 6, linha 17-18: “De 22 de outubro de 1809 até 19
de dezembro de 1812, voltou a paroquiar o padre Antônio José
Tavares Coitinho de Sá”. Nesse mesmo ano de 1812, pois,
terminou o vicariato do padre Tavares e como, segundo acima
afirma o padre Antônio José da Silva e o prova o requerimento
do padre Hermógenes publicado na Igreja Matriz, p. 15, foi com
a autorização do dito padre Tavares que na casa de oração do
Lajeado “se celebraram os santos mistérios”, logicamente se
conclui que a construção da capela do Lajeado já estava em ponto
muito adiantado ou mesmo terminada antes de 19 de setembro

*
Vigário Silva não escreveu que a “Povoação se transferiu...” e, sim, que “celebrou
ali por pouco tempo os Santos Mistérios [...] o padre José de Morais, e depois se
transferiu por comodidade para margem do Uberaba junto a estrada de
Goiás...” (Nota do Editor)
190
de 1812, data em que findou o vicariato do dito Tavares, sendo
feita a doação por Tristão a 28 do mesmo mês e ano.

191
CONFRONTOS

SÉCULO XX
O coronel Antônio Borges Sampaio, cujas memórias foram
escritas cerca de 70 anos e mais depois dos acontecimentos que
interessam à questão dos Patrimônios, escreve (Igreja Matriz, p.
10, linhas 4-9).
“Elevada que foi a ermida ou capela de Santo Antônio e
São Sebastião de Uberaba à categoria de distrito pelo decreto
de 13 de fevereiro de 1811, Tristão de Castro Guimarães e sua
mulher Frutuosa Rodrigues constituíram-lhe patrimônio,
dando uma légua de terras por título de 28 de dezembro de
1812”.
O autor das Alegações escreve também (p. 7, linha 29 à 30).
“O fato [transferência dos moradores do Lajeado para
Uberaba] operou-se tão rapidamente que no princípio de 1811 já
em abandono estavam as choças do Lajeado e transferidos para
aqui seus habitantes. Em consequência quando o ato de 13 de
fevereiro de 1811 elevou o novo povoado à categoria de distrito
já estavam aqui residindo os moradores da primitiva
localidade.”
Escreve mais à p. 15 da Alegações, linha 7 a 10:
“Quanto ao patrimônio, constante da doação feita por
Tristão de Castro e sua mulher, está ele situado nesta cidade e
suas imediações.
E só por absurdo se pode querer deslocá-lo para as
cabeceiras do Lajeado.”

192
SÉCULO XIX

O cônego Antônio José da Silva, homem de ilustração pouco


comum e o primeiro vigário desta freguesia de Uberaba,
contemporâneo dos acontecimentos que interessam à questão
dos Patrimônios, afirma em sua História Topografia da
Freguesia de Uberaba, acima transcrita, de 1824 a 1826:
“Em 13 de fevereiro de 1811 obtiveram o mesmo sargento-
mór Eustáquio e outros provisão da Messa da Consciência e
Ordens para erigirem uma capela com orago da Senhora do
Monte do Carmo; mas até o presente não levaram à prática sua
pretensão, sem dúvida porque a povoação do lugar onde
querem erigir a referida capela ainda hoje é mui pouco
considerável.
Em 1812 se levantou NO SÍTIO CHAMADO O LAJEADO
uma pequena casa de oração onde se colocaram Santo Antônio
e São Sebastião; celebrou ali por pouco tempo os santos
mistérios, com autoridade do reverendo Antônio José Tavares,
vigário do Desemboque, o padre José de Morais; E DEPOIS se
transferiu por comodidade para a margem do Uberaba JUNTO
À ESTRADA DE GOIÁS, onde está hoje formado o arraial”.
O ilustrado cônego Antônio José da Silva, em sua História
Topografia da Freguesia de Uberaba, não diz uma só palavra
sobre patrimônio da igreja da sede da freguesia, da qual era a um
tempo o primeiro vigário e o primeiro historiador; escreveu essa
História como se lhe fosse TOTALMENTE DESCONHECIDA a
existência desse patrimônio; entretanto nela trata de tudo o que

193
poderia interessar ao exato conhecimento da freguesia: história,
mineralogia, zoologia, fitologia, potamografia, portos, orografia
e raça indígena.
Só não tem UMA ÚNICA palavra para o agora famoso
patrimônio da igreja de sua freguesia!
O mesmo vigário, quando deputado, apresentou e defendeu
na Assembleia Provincial de Minas o projeto de lei que se
converteu na Resolução nº 206 de 2 de abril de 1841, acima
transcrita, que criou o Patrimônio Municipal, e em cujo art. 1º se
lê:
“Na vila de Uberaba ninguém poderá edificar dentro de
uma légua quadrada, EM TERRENO DEVOLUTO, sendo o
centro, de que deve partir a medição, a Matriz Velha, sem
licença da Câmara Municipal da mesma vila”.
Esta declaração do ilustrado deputado, o primeiro vigário
de Uberaba, declaração solenemente feita perante a Assembleia
Legislativa da Província, de que em TERRENO DEVOLUTO se
criava o patrimônio municipal é a confissão da não existência do
patrimônio da Igreja de Uberaba, confissão feita pelo primeiro
vigário desta freguesia contemporâneo da tal doação.
“TERRENO DEVOLUTO” ou terras devolutas eram terras
“das aldeias de índios quando não tinham mais o destino a que
se aplicavam” escreve o autor da Alegações à p. 60, linhas 30 etc.
e continua “Não se tornavam, em tais condições, res derelicta,
mas eram, como TERRENOS DEVOLUTOS, devolvidas ao
domínio do Estado.

194
Assim é que se entende a expressão – terras devolutas –
aplicada às extintas aldeias de índios conforme a opinião do
ínsigne Teixeira de Freitas”.
“Em terreno devoluto” declarou o vigário Antônio José da
Silva em 1840.
E hoje, que ginástica sofística, que acrobacia do intelecto se
faz para transferir da casa de oração levantada em 1812 a Santo
Antônio e São Sebastião “no sítio chamado o Lajeado” para a
Matriz de Uberaba a doação de Tristão e para acomodar na área
da atual cidade (sita nas terras dos índios) a área doada em 1812
por Tristão junto à capela do Lajeado!
Século XX e século XIX! Quantum mutatus ab illo!
Quando pensaria o bom vigário Antônio José da Silva que,
90 anos depois, o advogado da Igreja de sua freguesia de Uberaba
viria negar a proximidade da estrada de Goiás “junto à estrada
de Goiás” e arredá-la para o vau do Bebedouro?!
Com que pasmo, com que surpresa, o primeiro cronista de
Uberaba, se ressuscitar pudesse, contemplaria os prodigiosos
esforços que se fazem hoje ajeitar na cidade de Uberaba e seus
arredores as terras da doação feita por Tristão junto a Capela do
Lajeado!
Ilustre e venerando vigário Antônio José da Silva, que falta
fazes no século XX!
Abril – 1911.
Alexandre de Sousa Barbosa.
Silvério José Bernardes.

195
O TESTEMUNHO DE ESCHWEGE

O testemunho de Eschwege sobreleva nesta questão,


porque à autoridade de notável cientista e observador aliava a das
funções oficiais de que estava investido. Como é sabido, exerceu
ele o cargo de Superintendente das Minas e foi em 1816 mandado
à região que demora entre o rio Grande e o Paranaíba para fixar
os limites das capitanias de Minas e Goiás. Aí teve ocasião de
estudar com cuidado os aldeamentos e a língua de seus
habitantes. Não podia estar a pregar carapetões com menosprezo
de seu nome e reputação.
Quando assina, portanto, às terras indianas a largura de 3
léguas, deve e não pode deixar de merecer fé, que só pode ser
elidida por documento autêntico.
Eschwege corrobora e põe em evidência a fidelidade do
testemunho do ilustre Saint Hilaire que três anos depois dele
palmilhou a mesma região com a mesma curiosidade cientifica.
Eis o que escreve Eschwege na sua conhecida obra Brasilien
die Nuen Welt (O Novo Mundo Brasileiro), publicada em 1824, à
página 81:
“Os bororós têm propriamente sua sede na província de
Mato Grosso, não longe de Cuiabá, e dividem-se em várias
tribos que falam línguas diferentes – as Bororó, Paresi e Cavixi.
Quando a setenta ou oitenta anos, a estrada direta de São
Paulo para Goiás foi aberta à própria custa por um homem
empreendedor, de nome Bartolomeu Bueno da Câmara Lemos,
Anhanguera, cuja família ainda hoje, em recompensa, recebe os

196
dinheiros de passagem no rio Grande e vários outros, mas como
esta estrada, entre o rio Grande e o rio Paranaíba, era muito
solitária e exposta aos ataques dos selvagens caiapós,
transportou-se grande parte dos índios bororós, que viviam em
relações amigáveis com os portugueses, para esta regiões e
concedeu-se-lhes o distrito entre o rio Grande e Paranaíba com
1 légua e ½ da largura de ambos os lados da estrada,
distribuíram-nos ao longo desta estrada e construíram-lhes
casas com a condição de defenderam a região, para a
segurança dos viajantes, contra os caiapós.
O Governo nomeou um chamado diretor, que residia na
aldeia de Santa Ana, não longe do rio das Velhas, onde também
construiu-se uma aldeia, a cuja frente está um vigário.
Há alguns anos ainda pagavam um ferreiro para
conservar sempre em bom estado a ferramenta dos índios”.
(Do Lavoura e Comércio).

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ERRATA
Na plantinha junta intitulada Os Patrimônios, na qual está
esboçada a topografia dos arredores desta cidade, escaparam
alguns erros que a inteligência do leitor suprirá. Entre outros
notam-se os seguintes: córrego da vau, morro da Calga, Espição
do Cabacal e Lunes José, que se devem ler córrego do Vau,
Morro da Galga, Espigão do Cabaçal e Lanes José.

O traço, que representa a estrada do Anhanguera, passa na


ponte do Vau, quando deveria estar abaixo dela junto ao córrego
do Vau.

O nome Delfino Gomes deveria estar no primeiro claro


reentrante acima da palavra partida e não onde está.

A diferença de ortografia, que se nota entre a primeira e a


segunda parte dos autos de sesmarias, é devida ao fato de não
terem sido feitas pela mesma pessoa as cópias destinadas à
imprensa.

198
199
LEGENDA
A estrada do Anhanguera nas imediações da cidade e as
distâncias do ponto de partida da medição à barra do Lajeado e
ao local da primitiva povoação foram medidas pelos louvados.
A posição do Caçu é a determinada pela Comissão
Exploradora do Planalto Central da República.
A topografia da cidade é a determinada na planta do dr.
Ataliba Vale.
A distância entre Caçu e a divisa da fazenda de Santa
Gertrudes não foi medida.
A divisa da fazenda de Badajós foi traçada segundo a citação
feita no folheto “Alegações Finais”, a folhas 18 in fine.
O esboço topográfico da zona está conforme os trabalhos do
dr. Domingos de Angelis (fazendas do Caçu o Boscobel), dr. José
Maria dos Reis (Tabuões e Retiro), José Teodoro Barbosa (Vau)
e a planta da divisão da cabeceira do Caçu.
A divisa da fazenda de Santa Gertrudes desde o rio Uberaba
até o morro da Galga é estudo do dr. Lacombe verificado pelo dr.
Calógeras.

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O presente livro teve sua composição,
em computador PC-Intel Core Duo
300 GHz e sua organização procedidas
nos meses anteriores, sendo publicado
neste blog no mês de Outubro de 2022,
em Uberaba/Brasil.

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