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LÚCIA SANTAELLA

Cultura das Mídias

EDIÇÃO REVISTA E AMPLIADA

1996
EXPERIMENTO
Sal)taella, Lúcia
Cultura das mídias / Lúcia Santaella Sumário
- São Paulo : Experimento, 1996.
292 p.; 21 cm
Bibliografia.
ISBN 85-85597-18-6
l. Meios de comunicação de massa. 2.
Televisão. 3. Poesia visual. I. Título.

CDD 302.23 APRESENTAÇÃO DA SEGUNDA EDIÇÃO ................................................... 9

APRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃC .................................................. 23


Ficha catalográfica fornecida pela Biblioteca da PUC-SP

/ CULTIJRA DAS MÍDIAS ....................................................................... 27


Cultura e comunicação .......... .................................................. 29
Comunicação e informação ...................................................... 3 J
Copyright © Lúcia Santaella A rede entre as mídias ............................................................. 34
A rede dentro das mídias .........................................................40
As linguagens das mídias ......................................................... 42
Mídias e interatividade ............................................................ 48

A CRIAÇÃO NO JORNAL E NA LITERATIJRA ............................................. 5 J.


Comecemos pelo jornal ............................................................ 5 J
Voltemos um século no tempo .................................................. 52
Para fechar esse parênteses ...................................................... 53
Chegamos ao ponto de reatar as pontas com o presente ............ 53
Revisão: Berenice Haddad Mas... examinemos a questão mais cuidadosamente ................. 53
Editoração Eletrônica: Ricardo Melani "E todo o resto é literatura?" ........................ ........................... 55
Capa: Ana Aly Todavia, "minha" própria questão deve ser examinada .
com lentes aproximativas... ...................................................... 56
"Há que diferenciar as árvores da floresta" ............................... 56

À LUZ DO ESPELHO .............................................................. 59


Os interiores do signo .............................................................. 59
O SIGNO

A imagem no espelho .............................................................. 60


Editora Experimento Imagem técnica e realidade ...................................................... 60
Avenida Ipiranga 84/503 A cena da representação ........................................................... 61
O1046-01 O São Paulo SP Narciso reencenado .................................................................. 63
Telefone: (011) 288-0124 O investimento simbólico ......................................................... 64
A fratura da auto-identidade .................................................... 65
Amor como espelho cruzado ................................................... 67
O nacional e o internacional .................................................. 150
PÓS-MODSRNIDADE: ALGUNS PINGOS NOS JS ........................................ 69 O museu hoje ......................................................................... 151
Um pouco de sua história ........................................................ 69
Diagrama das controvérsias .................................................... 70
MUSEU E PR ODUÇÃO DE CULTURA .................................................... 155
E no Brasil? ............................................................................ 73
Teorias da cultura .................................................................. 156
Encenações da grande arte ...................................................... 79
Uma questão primeira ............................................................ 160
Pingando os is ......................................................................... 80
SEMIÓTICA E ARTE: FEIXES DE INTELIGIBILIDADE ................................ 163
OlJTR (A) IDADE DO MUNDO ............................................................. 85 Focos de iluminação .............................................................. 164
Nostalgias do corpo uno .......................................................... 86 Homos semioticus .................................................................. 165
O cérebro está crescendo ......................................................... 88
Nascimento das teorias semióticas ......................................... 166
Demolição de valores .............................................................. 89
Arte: ruptura e irrupções ........................................................ 167
Limiar antropológico .............................................................. 90
O marco decisivo da fotografia ............................................... 169
Florestas de tempo .................................................................. 92
Duchamp: o Leonardo da desconstrução ................................ 170
PÓS-MODERNO & SEMIÓTICA ............................................................ 95
ESPECULAÇÕES HOLOGRÁFICAS ......................................................... 173
A crise da modernidade .......................................................... 96
Objetos de luz ........................................................................ 173
Mudanças paradigmáticas ...................................................... 101
Anti-mimetismo ..................................................................... 175
Um ensaio de interpretação .................................................... 104
Semiótica e pós-estruturalismo ............................................... 109
ILHA ELETRÔNICA .......................................................................... 179
A consciência do duplo .......................................................... 179
O DEBATE PÓS-MODERNO ................................................................ 115
O mundo e sua imagem ......................................................... 180
O nascimento da polêmica ..................................................... 115
A pulverização das totalidades ............................................... 118
O CRESCIMENTO DAS MÍDIAS E DOS SIGNOS ........................................ 183
Os paroxismos da hiper-realidade .......................................... 120
Os signos estão crescendo ...................................................... 185
A ressurreição iluminista ....................................................... 121
A extra-somatização dos meios .............................................. 187
As complexidades do dilema .................................................. 123
As máquinas inteligentes ....................................................... 191
A sugestão de um diagrama ................................................... 126
A desconstrução vanguardista ................................................ 128
O HOMEM E AS MÁQUINAS .............................................................. 195
A revolução informática e a universidade ............................... 131
As máquinas musculares ........................................................ 196
As máquinas sensórias ........................................................... 199
VIDEOTEXTn: HÁB!TAT ELETRÔNICO DA ESCRITA .................................. 135
· . ' · As máquinas cerebrais .................... ................ .... . ....... .. . 20 J
Perspect1va h1stonca .............................................................. 135
Videotexto como multimídia .................................................. 138 O COMPUTADOR COMO MÍDIA SEMIÓTICA ........................................... 209
As designações do computador ............................................... 209
TENDÊNCIAS DA POESIA VISUAL ....................................................... 143
O computador como mídia ............... ..................................... 212
Na trilha da escrita ................................................................ 143 O computador como mídia semiótica ..................................... 215
A escrita e a página ............................................................... 145
O signo como mediação ......................................................... 222
As letras se puseram de pé ..................................................... 146
O signo como meio ................................................................ 226
A invasão dos duplos ............................................................. 146 As facetas do computador ...................................................... 230
Revigora-se a escrita .............................................................. 147
VIVEIROS DE SIGNOS: ENTRE O CÉU E A TERRA ................................... 239
O MUSEU NA ERA DA INFORMAÇÃO ................................................... 149
A terra sente e pensa .............................................................. 239
Os olhos da terra estão no céu . ............. ................... . .239 Apresentação da segunda edição
Há mais signos entre o céu e a terra do que sonham nossos
olhos nus ................ ............. .... ............. ............... • •. · · 240
O céu não é mais o limite........... ........... .... ......... . .. 240
Nosso corpo tem a beleza do globo... .... ........................... .... 240
Eterna luta entre Tânatos e Eros .................. ......................... 24 l
Artes do céu................................................................. •..... • · · 24 l
Vida corpo e mente celestes............................. ...... ............. 241
Inst;nte de cintilação .......................................... ................. 242 I
········ 243 Desde 1980, quando apareceu meu primeiro livro, Produção
de linguagem e ideologia, cuja segunda edição revista e ampliada
CEU E VIDA ......................... ··· .. ···· ··· ················ ···

eE·u E CORPO ·························· ....... ··· ···· · ····· ··················· ······· 255 foi publicada recentemente (Cortez., 1996), venho defendendo a
tese da inoperância das separações rígidas entre cultura erudita,
CÉU E MENTE ............................. ·· ..····· · ·.·· · ·
················· · · ··· ·· · · ···· 259 popular e cultura de massas. Essa mesma idéia veio se desenvolver
Por anda a luz? ................................................ . •. • •······· • • • ····· 267 em 1982, no livro Arte & cultura. Equívocos do elitismo (Cortez.,
Salto mutante da criação ........................................... • • •... • • • •·· • 268 3ª ed., 1995) e, mais tarde, em 1986, no livro Convergências. Po­
esia concreta e tropicalismo (Nobel, 1986) Esses três livros, sem
269
Semblante sensível do inteligível ....... . ........ ................ ... • • • •
···.... ···· ·· ·· ········· ········ 27 l
dúvida, são bastante diversos, mas, na base dos argumentos neles
INFORMAÇÕES SOBRE OS ARTIGOS ................... ·.
desenvolvidos, há uma concepção comum, a de que a cultura de
.............................. 275 massas não deveria ser considerada simplesmente como uma ter­
ceira forma de cultura a ser somada às formas mais tradicionais e
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................

polarizadas de cultura, a erudita, de um lado, e a popular, de outro.


Ao contrário, o advento da cultura de massas veio trazer profundas
modificações na antiga polaridade e separação entre o popular e o
erudito, produzindo novas mtersecçõcs, através, principalmente, da
absorção de ambas para dentro das malhas da cultura de massas.
Quando este livro Cultura das mídias foi publicado pela pri­
meira vez, cm· 1992, com a palavra mídias no plural, tentava cha­
mar atenção para uma nova ordem de questões que estavam recém­
surgindo. Empurrando o trinômio popular-erudito e massivo para
uma espécie de pano de fundo, as questões apontavam para paisa­
gens inaugurais no universo da cultura resultantes de uma diversi­
dade de fatores emergentes. Lembro-me de que, na época, hesitei
quanto ao emprego da palavra mídias, plural de mídia. Finalmente,
acabei adotando essa alternativa por me parecer a mais apropria­
da. Mídia já era correntemente usada para se referir aos meios de
informação e de notícias em geral, assim como aos meios publicitá­
rios. Entretanto, esse sentido estrito da palavra não me servia, pois
havia uma constelação de novos fatores a que buscava dar expressão.
10 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 11

Entre esses fat o res, destacavam-se: ( l ) o s trânsit o s, de dados em computadores remotos. Após alguns minutos ou horas
complementaridades e intercâmbios incess_antes de um meio d_e �o­ de exame de um documento pelas vias da WWW (World Wide Web
municação para outro e outros, e que chamei de redes entre as m1d1as, = Rede com a extensão do mundo) -- um sistema de ligações entre
(2) a crescente onipresença da informatiza�ã?_ invadindo todos os arquivos digitais de textos, som e gráficos, acessados sem esforço
setores da vida social e privada, (3) as poss1b1hdades abertas pelas a partir de um computador em qualquer parte do globo - essa
formas de comunicação interativas, (4) as novas modalidades de pessoa pode entrar em contato, através do correio eletrônico (e­
criação artística presentes na exploração dos potenciais de uma mail), com o autor do documento examinado e dar início a um
estética das mídias e entre as mídias. Enfim, sintetizando esses fa­ diálogo que pode durar dias, meses ou até mesmo anos.
tores havia a previsão de que o advento da comunicação e cultura Há dois tipos de diálogo mediado por computador: não­
infor:natizadas e interativas - que escolhi chamar pelo nome de sincrônico e sincrônico . No primeiro caso, através do correio ele­
cultura das mídias para diferenciar da cultura de massas - iria trônico particular, uma pessoa escreve sua mensagem num momento
provocar tanto ou mais efeitos de transforma_ção sobr� a cultura de diferente daquele em que o receptor a receberá e lerá. A diferença
massas quanto esta havia provocado na antiga p olandade entre a de tempo entre a emissão e recepção, entretanto, é mínima, poden­
cultura erudita e p opular. do levar alguns minutos ou apenas segundos. A comunicação em
II grupo, baseada no mesmo princípio do correio eletrônico, inclui
milhares de grupos cujos tópicos de discussão distribuem-se entre
Não apenas a previsão está se cump rindo como parece estar (l) o profissional, acadêmico e científico, (2) o recreativo, (3) os
se cumprindo de uma maneira muitc;, mais veloz e acentuada �o que tópicos que exigem ajuda grupal (por exemplo, entre pessoas soli­
se poderia esperar. Quem iria imaginar, há menos de �ma d�ca?a, tárias, recém-divorciadas, pessoas em dieta alimentar etc.). Em to­
que existiria hoje, nos Estados Unidos, p or exemplo, cmco m1lhoes dos esses casos, as mensagens são postadas para um endereço cen­
de metros quadrados de redes de telefonia interligadas na formação tral e automaticamente distribuídas pelos endereços pessoais de todos
de um ciberespaço (cyberspace) dominado pela Internet, um vas_to os subscritores. Em alguns grupos, um moderador edita e distribui
labirinto comunicacional de redes educacionais, governamentais, as mensagens em conjuntos. Em outros casos, os indivíduos lêem
militares e comerciais conectadas tanto dentro do perímetro da mensagens armazenadas em um computador central ou num com­
América do Norte quanto com o restante do mundo? Quem poderia putador pessoal, em vez de recebê-las no seu endereço particular.
prever que, nessa imensa rede planetária, mais de três mil� õ� s de Os modos sincrônicos de comunicação via computador per­
computadores e de pessoas com as mais dive��as cara�tenst1cas, mitem que pessoas se liguem simultaneamente numa conversa,
em mais de três dezenas de países (números, ahas, que so tendem a digitando mensagens uma para a outra em tempo real. Quando a
crescer), estariam hoje interligados ? função "fala" é ativada, no sistema operacional unix, dois indiví­
. �
Trata-se daquilo que vem sendo cham�do de cor:riumc�çao duos podem ler as mensagens que um está mandando para o outro
mediada p or computador e que tran�pira num c1ber:spaço m�orporeo no momento mesmo em que as mensagens estão sendo digitadas,
e abstrato consistindo apenas de impulsos eletromcos e mforma­ como se estivessem conversando no telefone. Há várias formas
ção. Para ter acesso a um tal universo, em que as coorde�adas grupais de comunicação sincronizada, dentre as quais a mais popu­
usuais de tempo e espaço físico estão suspen�as, basta po_ ssmr um lar é a IRC, sigla para Internet Relay Chat (ver Danet 1995:9).
terminal de computador, um modem, uma lmha telefónica e ur:ri Com tudo isso, dá-se o aparecimento de um feixe dinâmico
endereço .eletrônico. Seus processos incluem não apenas a comum­ inaudito: novos registros lingüísticos, um novo tipo de escrita fala­
cação, através do computador, de pessoa a pessoa ou pessoa e gru­ da, um modo de escrever o ralizado, novas maneiras de se expres­
po, mas também contatos pessoais com o computador, quando uma sa r, de se relacionar com o outro e de perceber o mundo na sua
pessoa pode acessar arquivos ou interagir com programas e bancos globalidade. Geram-se aí modalidades inéditas de diálogo, ou
12 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 13

melhor, de multiálogo, e de socialização estimuladas e intensifica­ pequena máquina inesperada, o computador pessoal, que de peque­
das pelo surgimento de fonnas radicalmente nãohierarquizadas, na, tanto quanto o telefone, só tem a aparência. Do mesmo modo
global e imediatamente disponíveis, remarcavelmente não censura­ que o telefone s� �stenderia nas novas tecnologias de transmissão,
das de acesso às info1mações dos mais diversos tipos, num univer­ o computador d1g1tal trazia no seu bojo a capacidade de transfor­
so em que espaço real e distância estão se tornando cada vez mais mar todas as infonnações textuais, videográficas e sonoras em im­
irrelevantes, substituídos que são pelas dimensões imprevistas de pulsos eletrônicos, absorvendo-as nos seus processamentos inter­
espaço e tempo intersticiais, entre o real e o virtual. nos. Além disso, quando o telefone incorporou tecnicamente O ele­
Ciro Marcondes Filho (1994:4) observa com muita proprie- mento gráfico, tornou-se possível não apenas falar, mas também
dade que esc �ever pelo telefone �e -mail), imprimir pelo telefone (fax), pro­
d�z1r e gravar sons e v1deos (secretária eletrônica, TV slow-scan,
o uso da técnica, neste final de século, realiza sem o suporte ide­ v1deofone) (cf. Kac 1992:55). Está aí exposta toda a infra-estrutu­
ológico do iluminismo, a intenção de tornar transparentes as ações, ra de suporte para� �rande mutação comunicacional de que somos
as intenções, as fonnas de agir. As redes mediáticas, os sistemas
testemunhas e part1c1pantes e que, na previsão de Mario Costa sob
informáticos de todo o planeta constituem uma rede em que to­
dos entram e saem e cujo volume de trocas torna impensável o º, tí !ulo de Sublime tecnológico ( 1995), atinge dimensões antr�po­
controle. No emaranhado de possibilidades que se multiplicam a log1cas.
cada dia, as pessoas podem encontrar múltiplas novas formas de Roy Ascott (1995), por seu lado, diz que a transform ação
tornar mais efetiva sua relação com a sociedade, a política, a pela qual passamos é, acima de tudo, uma transformação da cons­

cultura circundante. c1encia. A Revol�ção Eletrônica, que ligou as telecomunicações ao
computador, está agora acontecendo no cérebro humano e esten­
Processos de comunicação interativos multidirecionais são dendo nossa noção de mente, uma mente do tamanho do mundo em
assim instaurados num hiperespaço disseminado de infonnação em corp�s '!_Ue dese�volv�m a capacidade de "cibercepção", isto é, a
fluxo que, opondo-se à rigidez topológica de qualquer modelo line­ ampl1a _ 5ao e ennquec1mento tecnológico dos nossos poderes de
ar, compartilha as propriedades dos sistemas não lineares, tais como �ogmç�o e percepção. As neotecnologias da inteligência nas mídias
aqueles que se encontram na hipennídia e na auto-similaridade es­ 1�tcrativ�s plan�tárias impulsionam o pensamento associativo,
tatística das fractais (ver Kac 1992:48). Enfim, são processos de h1perm ed1ad�, htperconectado de um cérebro global que Ascott
comunicação tão diferenciais e inovadores ao ponto de estarem cri­ chama de h1percortex. Através das redes da bioeletrônica e
ando um tipo muito especial e proliferante de cultura que está rece­ nanotecnologia,
_ .o �er humano está se movendo na direção de uma
bendo o nome de cultura do computador. radical rematenahzação, de uma reconfiguração das estruturas
A bem da verdade, o grande pivô desse lugar sem lugar das moleculares do nosso mundo.
redes telemáticas não é apenas o computador, mas é também nada
mais nada menos do que o telefone, esse primeiro e grande meio
III
interativo, aquele mesmo que, junto com o automóvel, o aeroplano Se, no início da década, a expressão cultura das mídias soava
e o rádio, funcionou, na primeira metade deste século, como um um po�c� vaga _ até mesmo para mim, de lá para cá, no contexto das
símbolo da vida moderna. emerge?c1as acima delineadas, a expressão foi se incorporando com
O que não se podia antever naquela época, entretanto, é o n�t��a!tdade crescente ao vocabulário comum e cotidi ano. Cultura
quanto o poder do telefone estaria fadado a se estender com o ad­ m1d1a!1ca ou mediática (como querem alguns) tornou-se voz cor­
vento dos canais de telecomunicação, os satélites e, então, as fibras rente Juntamentecom uma série de outras expressões pertencentes
óticas. Menos ainda se poderia antever que o telefone, com esses _
ao m�smo paradigma semântico, tais como redes midiáticas tec­
poderes tão globalmente amplificados, iria se ligar a uma outra nologias midiáticas, globalização dos sistemas de comunic�ção,
14 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 15

cultu ra virtual, cultura do cib eresp aço, cultu ra telemática, cultu r_a telepresença nasce do acoplamento da robótica com a tel emática.
das telecomunicações , mídias interativas , mídias das telecomuru­ Enquanto os cientistas pesqui sam a telepresença como um meio
cações , era das mídias , cu ltu ra mundial, e assim por diante . pragmático e operaci onal de equaci onamento da robótica com a
Há menos de cinco anos , eram ainda poucos os que col�a­ experiência humana, para os artistas , por out ro lado, segundo Eduar­
vam ênfase nas misturas entre as mídi as , fenômeno que chame i de do K�c ( l 993 :52) nos informa , a tel e p resença s ignifica "u m
redes entre as mídias e que, também em 1 992, num artigo sob o questionamento das estruturas unidirecionai s de comunicação que
ardo Kac,
título de "Aspectos da estética das telecomunicações", Edu marcam �to as belas artes (pintura, escu ltu ra), de um lado , quan­

nu ma p ros pecção hoj e intei ramente cump rida, d en om inava de to os me10s de massa (televisão, rádi o), de outro" . K ac vê a
hipe rmídia para se referir à união, em um só apa rato , do telefone , telep resença como "um meio de expressar, em nível estético as
televi s ão sec retária eletrônica, videodi sco, gravad or , c om putador, mudanças cultu rai s advindas do controle remoto visão rem�ta
fax/e-m;il, videofone, processador de texto, e muit o ma i s , dizia telekinés ica e troca de informação audiovis ual em t;mpo real" n�
ele . Atu al mente, a hib ridização das mídi as salta aos
o lh os , confor­ contexto em que '.'os participantes são convidados a experi;nci ar
me foi lucidamente apontada por Ricardo Anderáos
( 1 995 :5), na m undos remotos , mventados a parti r de pers pectivas e escalas dife­
s a sob r � ova
e
su a p articip ação como convidado ao grupo de pesqui rentes das humanas". Como uma nov a experiênci a comunicativa
teoria da comunicação, sob coo rdenação de Ci ro M ar
condes Filho, a te lep res enç a dá conta "da natu reza mu lti modal do s ev ento�
na ECNU SP, participação esta registrada em um dos cadernos col ab?rativos, inte rativos das redes telecomu nicaci onai s que ca­
Atrator Estranho : racte nzam as trocas s im bólicas no final do s écul o XX". P a r a
Ascott ( 1 995), numa cultu ra que está progressivamente envolvida
Acredito que os paradigmas de comunicação que temos em men­ ?ª ��mplex�dade �as relações e na sutileza dos sistemas, ligada ao
te não se adequam muito bem à descrição de um processo que mv1 s 1ve l e 1matenal, ao evolutivo e o evanes cente em s íntese à
está acontecendo em todo o mundo - atingindo a televisão, os �e�g�cia e à aparição, as redes telemáticas converre'm-se nos meios
jornais, revi stas, estúdios de cinema de Hollyw�, �s empre�s � nvil eg1ados para a arte, pois os princípios da indeterminação e
de informática, fenômeno que já se tornou cornque1ro denomi­ mce rteza, d? final em ª?e�o , interatividade e trans ição só podem
narmos de "convergência" . Há um grande processo - que ainda ser verdadeuamente sat1s fe1tos nas redes da interatividade.
não está muito claro para nós - através do qual todas a mídias, Interpreta�o s imilar é a de M ario Costa ( l 995 :37, 42), quan­
todos os meios de comunicação vão se misturando uns aos ou­ do afirma que, com as novas tecnologias eletroeletrônicas da co­
tros se encavalando para gerar uma nova realidade de comuni­ municaçã�, _no� situamos diante �e uma transformação radical no
cação, uma nova realidade de pesquisa e entretenimento para o ,
campo estettco , acrescentando amda que essas tecnol ogias
século 2 1 .

É ce rto que , j á na década passada, era com�m se enco�trar a não podem ser consideradas, de modo nenhum, na sua essência,
refe rênci a multim ídia, especialmente para os artistas que ti ravam
como uma nova forma de linguagem, cujo destino é ainda e sem­
partido de uma mistu ra de me ios de comunica� e� su as ob r� . pre aq�el e_ de encarregar-se das intencionalidades expressivas e
No entanto tratava-se a inda basicamente da utthzaçao dos meios comumcauvas do homem: as novas tecnologias não são uma lin­
de comunic�ção de massa . Embora eminentemente c rítica e p rom�­ �agem, são um ser que excede toda paisagem interior ao sujeito
e mstaura uma nova situação material.
tora de s ínteses s urp reendentes e originais, não era nada compara­
vel a uma arte concebida especia lmente para as mídias de teleco­ A arte que, a parti r de um certo momento, "deixou de desem­
municações, ou àquil o que, ma is recentemente e dentro do espaço penhar uma função vital, dis solvendo-se no consumo de luxo no
eletrônico virtual da telemática, vem sendo chamado de telepresença. valor econômico, na decoração, no entretenimento etc.", diant� do
Dentro do contexto ma ior da arte e letrônica interativa, a desafio das neotecnologias, volta novamente a assumir "um sentido
16 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS M ÍDIAS 17

forte" ao colocar em cena "a situação do nosso sistema nervoso" e prescindia da alfabelização, a cultura midiática, eminentemente
tomar manifestas "as forças reais que plasmam o nosso ambiente e interativa, exige-a sob pena de uma barreira comunicativa irreme­
nos educam sobre os tempos vindouros". diável. Este problema se toma ainda mais sério. entretanto. quando
"A nova ordem tecnológica", no dizer de Ciro Marcondes Fi­ se considera que a própria cultura de massas está passando por
lho (1994: 9), repercute não só na cultura e artes, mas também nos modificações profundas com tendência a se transformar cada vez
elementos sociológicos, econômicos e políticos propriamente ditos. mais, modificações, de resto, para as quais já chamei atenção quando
De fato, sem a tdemática, não seria possível aquilo que vem sendo da publicação da primeira edição deste volume. justamente ao final
chamado de pós-capitalismo (Marcondes Filho 1 994) ou de capita­ do artigo "Cultura das mídias", que também dá título ao livro.
lismo mundial do megamercado, da hiperconcorrência dos conglo­
merados (P. E. A. Resende 1 994). Sem a telemática, não seria pos­
IV
sível a internacionalização da economia, a globalização como um Mais recentemente, essa mesma questão das transformações
momento novo dentro da expansão capitalista, fenômenos cujas que se operam no universo da cultura popular de massas sob im­
contradições para as sociedades mais à margem, tais como as lati­ pacto da globalização foi analisada num lúcido ensaio sobre ''O
no-americanas, vem sendo estudada em nosso meio principalmente global e o local: mídia, identidades e usos da cultura", por M. C
por Octavio Ianni (1992), Milton Santos et ai. (1993) e Renato Mira ( 1994: 1 3 1 - 1 49). A autora dá início à sua análise pela discus­
Ortiz ( 1 994). De todo modo, são as redes mundiais de comunica­ são da indissociabilidade entre o avanço da globalização e a
ção que permitem e descentramento das atividades capitalistas e a redefinição das culturas ou identidades locais, evidenciando que tal
formação de conglomerados muitas vezes mais poderosos do que processo toma inoperantes os conceitos analíticos de imperialismo
os Estados nacionais, visto que, mesmo estando espalhadas pelo e dependência cultural, que dominavam nas análises sociais da cul­
mundo, "as empresas estão ligadas por uma rede de informação tura até há alguns anos, pois "é no próprio interior da globalização
capaz de aproximá-las imediatamente quando necessário" (M. C. da mídia que se desenham suas contratendências" (ibid.: 1 38).
Mira 1994: 1 32-133). A bem da verdade, a cultura global não teve início estritamen­
Enfim, parece óbvio que, "com a globalização, não podemos te com a união da informática e dos canais de telecomunicação.
ficar parados, estamos condenados a avançar" (lwasa 1995:5). Desde a invenção da fotografia, seguida pelo cinema e fonografia,
Mesmo no Brasil, com a infra-estrutura sucateada de suas redes de já brotavam as sementes de uma tendência à desfronteirização dos
telecomunicações, bem ou mal - mais mal, aliás, do que bem - produtos culturais que teve à frente os Estados Unidos, produzindo
estamos na internet. "As tecnologias estão aí", observa Marcondes o fenômeno de americanização cultural do mundo que só se acen­
Filho ( 1 995:4), cada vez menores, mais leves, mais próximas do tuou com o advento da televisão e que perdura até hoje de uma
nosso corpo, de nossa convivência. Inundam o planeta, maneira mais relativizada em função das recentes "novas identifi­
cações globais e locais" dos processos culturais (Stuart Hall, cita­
do por Mira 1994: 1 45).
invadem nosso- c ot idiano c omvelocidade esp antosa e o q ue nos
Não se pode esquecer que, já na década de 60, embora com
resta a fazer é mudar n ossas formas arcaicas e obs ti nadas de pen­
uma postura eminentemente apolítica, Marshall McLuhan, tendo
s ar, ab andonarvelhas teorias e rel ac ionarmo-nos c om esses no­
diante de si, naquela época, apenas os dois maiores representantes
vos "seres", buscando enc ontrar uma boa fom1a de c onvivência e
da indústria cultural de massas. o rádio e a TV, no seu tão discutido
atuaç ão crí tic a nesta nova soc iedade.
É em razão disso que, nunca tanto quanto agora, a persistên­ prognóstico de que o mundo estaria se transformando em uma gi­
cia do analfabetismo, a existência dos excluídos da educação tor­ gantesca aldeia global, antecipou muitos dos aspectos da atual
naram-se um dos absurdos mais inaceitáveis. Se, a cultura de mas­ mundialização dos sistemas de comunicação. O que parece mais
sas - especialmente o rádio, a televisão e mesmo o cinema - interessante de ser observado agora, sob o ponto de vista que a
18 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 19

segu nda metade dos anos 90 nos dá, é que, naquilo em que deve ria vários fatores que apontam muito mais pa ra a especia�i�ação,.; di­
ter acertado, McLuhan, de fato, errou . Mas acertou na mosca, acer­ ve r sid a de e m u ltiplicida de do q u e p a ra a ma ss1f1c a ç a ? e
tou inteiramente naquilo que não poderia ter antecipado. Com ece­ hom ogeneidade como a globalização poderi� levar a preve r_._ Cita r
m os pelo e rro.
apenas algu ns desses fato res já parece su fi� 1entem?n�e eloqu e�t:.
Sim , inegavelmente, o mundo pa rece esta r adquirindo as ca­ O fato de qu e as programações locais de radio e telev1sao
racte rísticas de uma aldeia global, mas não são os gig antes
dos tenham começado a at rair muito mais público do qu e as programa­
meios de massa, rádio e t�levisão, os protagonistas responsáveis
ções importadas levou à p roliferação de est ações de rá�io e ao f�r­
por essas ca racterísticas. E certo que, do ponto de vista da o rgani­
talecimento de sistem as nacionais de televisão. Tendo isso em vis­
zação econômica, emp resarial, a globalização das mídias "levou à
ta, mesmo quando os modelos são importados, eles passam p or
formação de grandes conglomerados, que se espalham pelos conti­
adaptações de acordo com o gosto local _ q�e transfigu ram, 121mIB:s
nentes, combinam o controle de rádio e teledifusão, im p rensa, edi­
vezes de maneira su rp reendentemente cnativa, a p rogr amaçao on-
ção, indústria fonográfica e edição de filmes, além de domina rem o ginal.
setor de distribuição, com satélites e redes de cabo" (Mira 1994: 136). . . _ .
Out ro fator que me rece ênfase é o da mult1phcaçao dos canais
Ent r eta n t o, dife r ente m ente dos lúg u b r es p r ognóst icos de TV, gerando a especialização e especificidade crescente da p ro­
concernentes à indústria cultural p reconizados pela Escola de Frank­
gramação para cada canal e, por vezes, dentro de u� 1:1esmo �anal,
furt e mais conforme à recente observação de Kevin Robins (citado o que, por sua vez, permite ao espectado r o exerc1c10 da smta:-e
por Mira 1994:138),
idiossincrática do zapping, conforme foi estu dado, em nosso meio,
a crescente mobilidade das corporações está associada com a pos­ por A rlindo Machado (1993) ., Embo�a n? Br�sil tal fator não s:j a
sibilidade de fracionamento e subdivisão de operações e de situá­ ainda com pletamente perceptlvel, a mclm�ç�o d�s prog ram�çoes

las em diferentes luga res, e, neste processo, tirar vantagem de para a segmentação dos repertórios e 1:1uit1phcaçao, , v1 �ando a va­
pequenas va riações da na tureza das diferentes localidades. A riedade e atendimento às diferenças de rnteresse do publico, tende a
matriz espacial do capitalismo no período pós-fordista é a de que, se tomar regra, tal como já é regra no rádio. Um aspe�to qu� :ªm �
de fato, combina e articula tendências em direção tanto à globa­ bém é dominante no rádio, e que vem se incorporando a telev1sao, e
lização quanto à localização. o da interatividade. Exemplo disso, no Brasil, é o Você Decid� qu e
tanto interesse despertou na p rogramação televisiva em nível mter­
As conseqüências desse processo para as produções cultu­ n acional. I m portante ainda para a consideração da c r escente
rais, sob o título de localismo, regionalismo, presença das minori­ pluralidade de opções e especial_iz�ç�o é o sistem � de TV a ca�o,
as, gosto pela alteridade etc. estão entre os tópicos que vêm sendo
por assinatura, fenômeno ainda mc1p1ente no Brasil, m as_ que ati�­
sobejamente discutidos nos chamados cultural studies e nos textos ge números inacreditáveis num país como os Estados Umdos, anti-
relativos ao pós- m oderno e pós-modernidad e.
go berço da cultu ra de m assas. . , .
Se, sob o aspecto m ais infra-estrutural, o das t ransações eco­ A tudo isso ainda se soma o advento de meios tecmcos cada
nômicas, os sistemas de comunicação, de fato, internacionaliza­ vez mais baratos, que permitem o aparecimento de estações de _gr a­
ram-se, sua m undialização sendo evidente, é necessário, contu do,
vação de pequeno porte, assim como o de filmadoras �omést1cas,
distingui r, com o o faz Mi r a, cit ando S rebe rny-Moh amm adi além dos videocassetes, videodiscos que, cada vez mais, povoam
( I 994:135), dois fenômenos que não se identificam, qu ais sejam: a os domicílios receptores dos meios de massa o utrora hegemônicos .
globalização das emp resas, de u m lado, e o modo como as mensa­ O barateamento desse tipo de tecnologia tem produzido efeitos qu e
gens são nelas p roduzidas, além do fluxo das comunicações que estão longe de serem desprezíveis. Considere-se, por exem plo, a
elas p ropiciam, de outro. Sob o ponto de vista da p rogramação das proliferação de pequ enas em p resas de vídeo independentes que p res­
mídias de massa, o rádio e, mais especialm ente, a televisão, há
tam serviços ou vendem seus p rodutos para as gr andes emp resas
20 LÚCIA SANTAELLA C\!ITURA DAS MÍDIAS 21

de televisão. Considere-se ainda o fato de que o videocassete tem este livro é necessária e literalmente um livro cm progresso, cm
realizado a proeza de levar o cinema para dentro de casa, um fenô­ contínuo crescimento. Nesta sua segunda edição, foram adiciona­
meno cujo crescimento pode ser medido pelo número de dos novos artigos que atualizam os temas e reconfiguram as idéias
videolocadoras que se espalham pelas grandes e pequenas cidades dos artigos anteriores. O tópico da pós-modernidade alonga-se ag�ra
de quase todo o mundo. com a incorporação de dois novos ensaios, o crescimento dos sig­
Enfim, o que todos os fatores acima parecem evidenciar é que nos e das mídias é discutido em paralelo com a relação do homem e
a idéia McLuniana de uma aldeia global, a partir dos meios de das máquinas, além da inserção de um longo ensaio sobre o com­
comunicação de massa, encontra-se hoje seriamente comprometida putador, esta personagem que não poderia deixar de se fazer pre­
pela multiplicação do diferencial, pelo crescimento da especializa­ sente no cenário movediço de uma cultura das mídias.
ção, do específico no seio mesmo da globalização. "Diante de um
número tão grande, de um circuito de trocas culturais tão amplo, Lúcia Santaella
cria-se o contexto que propicia a construção de identidades plurais março - 1996
e transitórias." (Mira 1994: 145)
Contudo, embora não esteja, de fato, nos meios de cultura de
massa, conforme previsto, a aldeia global, como uma realidade in­
contestável do mundo atual, encontra-se num outro circuito bem
mais recente que McLuhan não teve qualquer condição de prever.
Uma aldeia global, efetivamente interativa e planetária, impõe-se
quando se pensa
na estruturação da comunicação segundo redes complexas, se­
gundo sistemas interligados que, de uma forma ou de outra, abar­
cam todo o mundo e criam uma espécie de teia que vincula (do
ponto de vista tecnológico, mas principalmente, no ponto de vis­
ta abstrato, o que não é exatamente material) os indivíduos (Mar­
condes Filho J 994: 5).
A aceleração tecnológica, entretanto, está sendo tão impressi­
onante que não nos permite afirmações conclusivas. Quando se sabe
da iminência da TV interativa, que permitirá a união da TV com o
computador, não apenas o sonho macLuniano estará perto de sua
realização mais plena quanto a cartografia do mundo, nas suas
trocas complementares entre o global e o local, terá, de fato, adqui­
rido, como queriam Deleu ze e Guattari (ver P. E. A. Resende
1994.27-38), a dimensão do rizoma, cuja configuração em treliça
dá margem a derivações infinitas, com conexões transversais inelu­
tavelmentc descentradas.
V
No desafio de se defrontar com temas tão candentes e febris,
Apresentação da primeira edição

I
Nos primeiros meses do ano de 1987, a convite do DAAD,
permaneci em Berlim para um estágio de pesquisa sobre "Cultura e
Meios de Comunicação" junto ao Centro de Semiótica e Comuni­
cação da Universidade Livre, sob a direção de Marlene Posner­
Landsch. O artigo "Cultura das Mídias", que abre esta coletânea,
foi escrito ao final do estágio e traz, sem dúvida, as marcas não
apenas da pesquisa realizada nos livros das bibliotecas tanto da
Universidade Livre quanto da Universidade Técnica, mas também
da experiência de viver numa cidade eminentemente antiprovinciana,
que buscava sublimar e compensar a torpeza política do Muro na
pujança de processos culturais borbulhantes e heterogêneos. A ge­
ografia de Berlim ocidental era trivial. Em contraste, entender os
mananciais e meandros de escoamento da cultura era um jogo de
acasos e surpresas cotidianamente renovados. Pós-moderna avant
la lettre, a cidade era avessa a qualquer forma de pureza. A mistu­
ra de estilos estéticos em convivência pacífica com a ironia do mau
gosto explícito, a sobreposição, justaposição e os cruzamentos de
estratos culturais distintos e até antagônicos, a eletricidade das bor­
das alternativas de cultura, o sentimento onip resente de
provisoriedade numa população que, pela ausência de promessa de ·
futuro, se sabia de passagem, tudo isso dava a Berlim um perfil
trêmulo e oscilante similar às marcas que as ondas do mar vão
deixando na areia. Lá, de uma certa forma, qualquer estrangeiro se
sentia um irmão entre estrangeiros.
Impressões à parte, o que verdadeiramente deixou marcas no
artigo em questão foi a percepção e a experiência da coexistência e
complementaridade entre diversos estratos e formas de cultura: o
erudito e o alternativo, o acadêmico e o popular, os pequenos círcu­
los e os meios de massa, o formal e o informal, o central e o perifé­
rico, o antigo e o novo, todos tinham seu espaço de existência sem
24 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ DIAS 25

as opressões de hierarquias rígidas. Disso resultou a idéia da --rede cada vez mais, a tomar a cultura de massas uma entre outras . Aba­
entre mídias". Ou melhor: o fato de não haver hipertrofias, no valor los similares aos que a cultura de massas produziu nas formas eru­
ou função de uma camada e uma forma de cultura sobre outras ditas e populares de cultura deverão ser produzidos pelas mídias
deixava entrever com maior nitidez os trânsitos e intercâmbios d� interativas sobre a cultura de massas. além de que essas mídias,
umas e de outras. Veio daí também a opção pela palavra ''mídias" elas mesmas, também transformam os modos de produção e fruição
no plural. das formas tradicionais de cultura. Enfim, na cultura das mídias. a
regra é a comutação e a mutabilidade.
II
III
A aclimatação do termo mídia no Brasil não tem se dado sem
ambigüidades. A origem do termo é latina. medium (singular) e Depois da permanência em Berlim, em todas as oportunida­
media (plural) querem dizer meio e meios. Em inglês. os termos des que surgiram para que me manifestasse sobre algum aspecto da
são us �dos p ara design�r um meio (medium) e os meios (media) de cultura. o foco de minha atenção se voltou sempre para as muta­
comumcaçao, pronunc1ando-s� midium e midia. Durante algum ções que as mídias têm provocado nas formas tradicionais de cultu­
� en:ipo _, � o B ra s ! I , as grafias media e mídia aparece ram ra. Observando o conjunto de textos selecionados para compor o
1 �d1scnmmadamente, assim como aparecia o plural mídias antece­ volume, salta aos olhos a preocupação especialmente voltada para
dido, também indistintamente, do artigo masculino (os mídias) ou a poesia e a arte. Justamente as mais nobres dentre as formas de
feminino (a mídia). Recentemente, a palavra mídia, sem s. antece­ cultura, tidas como superiores, funcionam como um privilegiado
dida do artigo feminino (a mídia), fixou-se mais dominantemente e balão de ensaio para a verificação da hipótese das mutações que as
é empr�gada, quer no sentido estrito de jornalismo impresso, quer mídias estão aptas a produzir.
n? sentido de meios noticiosos e informativos em geral, incluindo o A bem da verdade, o estágio em Berlim não significou, de
rad10 e a televisão modo algum, uma virada radical, um giro copemicano cm relação
A opção pela palavra mídias no plural, empregada neste li­ ao que já vinha pensando e produzindo no campo da interpretação
vro, não foi casual, mas deliberada. O que se pretende pôr em rele­ das formas culturais. Significou, isto sim, uma confirmação que
�� são ju_st_amente os traços diferenciais e sui g eneris, quase trouxe maior segurança quanto às posições que defendi em Con­
1d1oss111crat1cos, de cada midia individual, para caracterizar a cul­ vergências - Poesia concreta e tropicalismo (Nobel, 1986) e,
tura que nasce nos trânsitos, intercâmbios, fricções e misturas en­ antes disso, cm Arte & cultura - equ ívocos de elitismo ( 1982,
tre os diferentes meios de comunicação, produzindo como conse­ Cortez. 3ª ed., 1995). Há mais de dez anos, venho buscando argu­
qüência um movimento constante de transfonnação nas formas tra­ mentar que as dicotomias rígidas entre cultura de massas vs. erudi­
dicionais de produção de cultura. eruditas e populares, assim como ta, popular vs. elite, kitsch vs. vanguarda, automação vs. reprodu­
nos processos de produção e recepção da cultura de massas. ção, reprodução vs. artesanato, não são mais operativas nem
A expressão "cultura dos meios de comunicação" não foi uti­ unívocas, mas profundamente mediadas, combinadas e mesmo mis­
liz�da porque o sentido de meios de comunicação já e stá turadas, misturas estas que só tendem a aumentar com o advento
md1ssoc1avclmente ligado à comunicação de massas. A expressão dos meios informatizados.
··cultura pós-massa" poderia ter sido empregada, caso ela não cri­ Prova de que a pesquisa em Berlim foi sentida como uma feliz
asse a falsa impressão de que os gigantescos impérios dos meios de confirmação de idéias, que já estavam sendo trabalhadas há algum
comunicação de massas não são mais operativos. Continuam sen­ tempo, está no conjunto de ensaios escritos antes de 1987, e que
do, mas não mais com a mesma exclusividade, digamos, de dez foram incluídos neste volume cm perceptível sintonia com os de­
anos atrás. A interatividade das mídias e a transformação possível mais . Aliás, a preocupação com os intercâmbios e complementaridades
da tela de TV em tela informática, entre outros fatores, tendem, entre os meios já é tão antiga cm meu pensamento que coincide com o
26 LÚCIA SANTAELLA

pri1:1eiro texto de minha autoria que recebeu publicação "A criação


no Jornal e na literatura" ( l 976), aqui incluído como uma espécie
Cultura das mídias
de semente de que este livro é um fruto.

Lúcia Santael/a.
agosto - 1992

Não há palavra mais dificil de definir do que a palavra cultu­


ra, dificuldade que resulta não da falta de definições, mas do exces­
so. Todos os campos das humanidades, da filosofia às ciências so­
ciais, da filologia à antropologia, e esta especialmente, possuem
definições específicas de cultura, adaptadas e adequadas à delimi­
tação das fronteiras do conhecimento que cada um desses campos
recobre.
Para os propósitos deste ensaio, escolhi uma definição de cul­
tura estabelecida dentro de uma área de investigação que apresen­
ta, a meu ver, maiores sintonias com os níveis de indagação que
aqui formularei. Trata-se da semiótica ou ciências dos signos. Não
resta dúvida que muitas teorias da cultura, em áreas as mais diver­
sas, apresentam características nitidamente semióticas, principal­
mente quando explicam a dimensão cultural através dos sistemas
simbólicos de uma dada formação social. No entanto, enquanto nas
conhecidas ciências humanas os estudos da cultura são utilizados
para compreender os agentes dos processos culturais, o homem, a
semiótica, por seu lado, coloca ênfase nos modos como esses siste­
mas são processados para produzirem sentido e serem comunica­
dos. A diferença se dá, portanto, no fato de que, para as outras
ciências, a cultura é um meio para atingir um fim: a investigação
do homem nas suas múltiplas realizações. Já para a semiótica, os
processo sígnicos e comunicativos são um fim em s1 mesmos. Todo
o esforço da semiótica se endereça para a investigação dos modos
como os mais diferenciados processos de linguagem engendram-se,
codificam-se e funcionam comunicativa e culturalmente. Nesse sen­
tido, os agentes desses processos, seres humanos ou não, visto que
há processos comunicativos entre animais, assim como entre má­
quinas, não são um fim, mas um dos elementos integrantes da lin­
guagem.
É assim que a teoria da cultura, elaborada por semioticistas
trabalhando na antiga União Soviética, sem deixar, evidentemente,
28 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS M Í DIAS 29

de apontar para as finalidades sociais, eminentemente coesivas da cultura. estimula a formação de um número cada vez mais cres­
cultura, trata de interpretá-la, antes de tudo, como produção de cente de novos códigos para compensar peias inadequações dos
signos e de sentido: códigos existentes. Esse fator proliferante é o ímpeto do dina­
A cultura é a totalidade dos sistemas de significação através dos mismo das culturas.
quais o ser humano, ou um grupo humano particular. mantém a Em síntese: aquilo que pode melhor caracterizar as concep­
sua ,mesão (seus valores e identidade e sua interação com o mun­ ções semióticas da cultura é a ênfase que se coloca na relação entre
do). Esses sistemas de significação, usualmente referidos como cultura e comunicação, até o ponto de se chegar, inclusive, a iden­
sendo sistemas modeladores secundários (ou a linguagem da cul­
tificar a função de ambos os termos uma vez que os fenômenos
tura). englobam não apenas todas as artes (literatura. cinema,
culturais só funcionam culturalmente porque são também fenôme­
pintura. música, etc.), as várias atividades sociais e padrões de
comportamento, mas também os métodos estabelecidos pelos quais nos comunicativos, conforme foi formulado por Umberto Eco
a comunidade preserva sua memória e seu sentido de identidade (1974: 1 O): "Na cultura, toda entidade pode tomar-se um fenômeno
(mitos. história, sistema de leis, crença religiosa, etc.). Cada tra­ semiótica. As leis da comunicação são as leis da cultura. A cultura
balho particular de atividade cultural é visto como um texto ge­ pode ser estudada completamente sob o perfil semiótica".
rado por um ou mais sistemas. (A Shukman 1986: 166) CULTURA E COMUNICAÇÃO

Essa definição, à primeira vista, não parece apresentar ne­ Sob esse enfoque, a mais importante questão, que se encerra
nhuma novidade em relação às definições de cultura que a antropo­ na relação entre cultura e comunicação, está no fato de que, por
logia costuma nos fornecer. No entanto, o termo texto já funciona considerar o funcionamento da cultura como inseparável da comu­
aí como indicador da ênfase que a semiótica coloca na concepção nicação, a semiótica está apta a desempenhar um papel fundamen­
da atividade cultural como linguagem (texto) que visa a um efeito tal no estudo dos meios de comunicação ou aquilo que preferimos
comunicativo. Para a semiótica, a função comunicativa é essencial aqui chamar de mídias. Isto porque a semiótica percebe os proces­
e prioritária para que a cultura possa se atualizar como tal, confor­ sos comunicativos das mídias também como atividade e processos
me A. Shukman (ibid.: 167) argumenta na continuidade de seu arti­ culturais que criam seus próprios sistemas modelares secundários,
go: gerando códigos específicos e signos de estatutos semióticos pecu­
É um postulado do enfoque semiótico da cultura que esta é um liares, além de produzirem efeitos de percepção, processos de re­
mecanismo para processar e comunicar informação. Sistemas cepção e comportamentos sociais que também lhes são próprios .
modelares secundários operam com convenções ou códigos que O tenno cultura é tão geral e abrangente que a ele s e pode
são compartilhados pelos membros de um grupo social. Diferen­ associar qualquer tipo de atributo. Há, entre outros, a cultura uni­
temente da linguagem natural onde, grosseiramente falando, uma versal, a cultura muito desenvolvida ou pouco desenvolvida, a cul­
identidade de código pode ser assumida entre os falantes de uma tura nacional, as culturas greco-romanas, a cultura agrícola, a cul­
comunidade lingüística. os códigos dos sistemas modelares se­ tura política, a cultura dos séculos, e agora, a cultura das mídias.
cundários são variáveis adquiridas em graus variados (ou mesmo Se cultura já é inseparável de comunicação, no caso das mídias isto
não adquiridos) pelo indivíduo no curso de sua maturação e edu­ se toma ainda mais indissociável, uma vez que mídias são, antes de
cação (... ). Toda troca cultural envolve, portanto, algu m ato de tudo, veículos de comunicação, do que decorre que essa cultura só
"tradução", na medida cm que um receptor interpreta a mensa­ pode ser estudada levando-se �m conta as inextricáveis relações
gem de um emissor através de seu(s) código(s) apenas parcial­ �ntre cultura e comunicação. Não é senão em razão disso que a
mente compartilhado(s). O fato da comunicação ser parcial e até semiótica, por não separar cultura de comunicação, parece se apre­
mesmo. em alguns casos. ser não-comunicação, dentro de uma sentar como uma área de investigação equipada para colocar sob

--
30 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 31

sua mira as novas formas de produção de cultura instauradas pelas sós, a abalar as divisões estratificadas entre cultura erudita, popu­
mídias. lar e de massas como campos perfeitamente separados e excludentes.
São muitos aqueles que, dissociando cultura de comunicação, _Ao c_on_t�ário, quanto mais as mídias se multiplicam mais aumenta
se recusam a conceber as mídias como produtoras de cultura, de a movimentação e interação ininterrupta das mais diversas formas
modo que a expressão cultura das mídias seria, para eles, uma de cultura, dinamizando as relações entre diferenciadas espécies de
contradição de termos, um contra-senso. Isso ocorre porque as con­ produção cultural. A multiplicação das mídias tende a acelerar a
cepções tradicionais de cultura são extraídas de uma visão bastante dinâmica dos intercâmbios entre formas eruditas e populares, eru­
parcial, que concebe cultura exclusivamente como patrimônio, he­ ditas e de massa, populares e de massa, tradicionais e modernas,
rança ou acervo do passado a ser preservado. Como conseqüência, etc.
entende-se que o termo deve recobrir apenas as atividades tidas
como nobres (literatura, arte, teatro, cinema de arte etc.), produzi­
COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO

das pelas elites culturais, sob incentivo das classes política e eco­ De um modo geral, pode-se dizer que, onde quer que uma
nomicamente dominantes. Ou então, no outro extremo, privilegi­ informação seja transmitida de um emissor para um receptor, tem­
am-se as culturas populares, como ocorre no Brasil e América La­ se aí um ato de comunicação. Não há, portanto, comunicação sem
tina, por exemplo, ou as culturas alternativas, como é o caso típico informação. Mas não há também transmissão de informação sem
de Alemanha, nos seus antagonismos com as culturas eruditas e um canal ou veículo através do qual essa informação transite, as­
oficiais, evidenciando que, na própria produção cultural, já estão sim como não há comunicação ou ligação entre um emissor e um
desenhadas as clivagens entre classes dominantes e dominadas, entre receptor se estes não compartilharem, pelo menos parcialmente, do
l produtores oficias e marginais. Num terceiro setor, separado des- código através do qual a informação se organiza na forma de men­
ses dois extremos, é de hábito se colocar a cultura de massas, vista sagem. Não é necessário desenvolver aqui a descrição dos elemen­
como um lixo, reino da vulgaridade, império da redundância, mas­ tos que tomam parte no processo comunicativo. Esse assunto já foi
sa homogênea de mensagens pasteurizadas. largamente discutido, entre outros, por Umberto Eco (1971: 1-51).
Modalizando essas radicalizações, o que postulo neste ensaio Mas é necessário esclarecer que uma das características primordi­
é que a cultura das mídias, entendida diferentemente de cultura de ais da cultura das mídias é a ênfase que se coloca na informação
massas, como tentarei esclarecer mais a frente, não se constitui como elemento substancial de todo processo comunicativo. Desde
numa pasta homogênea e disforme de mensagens, mas apresenta o advento da imprensa escrita, que deu início à civilização das mídias
uma enorme e sempre crescente diversidade de veículos de comuni­ e que logo adquiriu sua feição de veículo para a transmissão de
cação, tendo cada um deles uma função específica e diferencial, notícias diárias, o fator dominante nesse processo comunicativo é a
função esta que se engendra através da interação de uma multipli­ acumulação diária de informações para compor o mosaico
cidade de códigos e processos sígnicos que atuam dentro de cada jornalístico. Esse acúmulo de informações tem precedência sobre
mídia, produzindo no receptor efeitos perceptivos e comunicativos a variação de pontos de vista acerca de uma mesma informação,
também diferenciais e específicos. A cultura dás mídias tende a se assim como tem precedência sobre o detalhamento, os comentários
indiscriminadamente tachada de vulgar e concebida como e sobre o contexto mais amplo em que se insere a informação, como
homogeneidade indistinta porque ela é sempre vista através das lentes veremos mais adiante. Antes disso, merece ser enfatizada a dife­
de uma concepção erudita de cultura, tal como esta é produzida e rença que se deve estabelecer entre informação e comunicação. De
difundida nas formas e nos meios mais tradicionais de produção de acordo com B. Stanosz ( l 986: 138-139),
cultura.
A hipótese que formulo é a de que o advento e o crescimento o ponto crucial do pro blema é a correta del im itação dos fenô­
constante e cada vez mais absorvente das mídias tendem, por si menos que devem ser a braçados pelo co nce ito de um ato de
32 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ DIAS

comu nicação. A delimitação deve ser tão aguda quanto possível parti r di sso, que os processo s de comu nicação
e deve resultar na distinção de uma cla sse de fenômenos que têm através das mídias
ten. dem a acentu ar e aumentar a margem de
todos os seus traços essenciais em comum, sendo diversos ape­ . , .
· da mtencionalida info rm ação que e· trans
m 1tt da a re ve1 1a
na s em suas propriedades remanescentes. No caso sob di scussão, de dos atos comunicativos .
A? raham Moles ( 1986:483-484) diz
o melhor critério para determinar propriedades essenciais parece que '·comu nicação de
ma ssa e a �u�le tipo de comunicação que oco
ser o critério funcional. Se doi s tipos de comportamento h umano rre entre um emi s so r e
uma n:1uittph c 1d�de de receptores es palha
preenchem a mesma função na vida social e um deles é tomado dos através de um campo
g�?grafico e social, isto é, receptores sem
como um comportamento comu nicativo, o outro também deve qualquer conexão entre
s 1 . E acres centa:
ser recoberto por esse termo, não importando as diferença s tisi­
ca s, biológica s e psicológicas entre eles. Comunicação de massa está em contras
te
cação pesso� a pessoa na qual o emissor direto com a comuni­
es
A função dos atos de comunicação depende da transmi ssão i n­ receptor aceita seu emissor. Comunicação colhe seu receptor e 0
de massa é' desse modO,
tencional de informação. Assim, o comportamento de um certo um proce sso no qual uma
_ . pessoa fala para muitas, e é assim
tipo é comunicativo se ele serve como um meio de se transmitir compelida a igno rar os traços di stint
ivos
informação intencionalmente. Para desempenhar este papel, o margem ampla, a comunicação de mas desta s última s: numa
sa é anônima. Ela leva
comportamento deve ser controlável. Se, por exemplo, alguém se�s recept �res em conside
ração apena s como um público-meta
desmaia, seus companheiros recebem a informação de que esse C�Ja s prop neda �es recepto ras, espec
ialmente seu repertório de
alguém está bem, ma s isso não é ato comunicativo, pois o des­ signos , sao considerada
s como mais o u me no s hom
modo que ape nas seus traços gerais ogênea s, de
maio não pode ser intencional, uma vez que ele não é controlá­ são levados em considera­
vel. Além disso, a intencionalidade depende de um conjunto de ção.
regra s de acordo com as quai s o comportamento será interpreta­
do: o comportamento de urna pessoa resulta de um ato de comu­
. S-�, de; µ� lado, de fato, a comunicação de massa t
SJ!fe�ar o pub ende a con­
nicação apena s se ele for intencionado para se r interpretado po r lico re�ep tor como uma massa hom
as d1fe�en as num um
ogê nea , nive lando
alguma ou tra pessoa de acordo com um certo conju nto de regra s, _ � co traçado ger al, por outro lado,
t ransmissao desse p roc so de o modo de
mai s ou menos convencionalmente adotado numa comunidade à . �� comunicação tende a aumentar a
margem de 1 mpon de
qual ambas as pessoa s pertencem, e se essa outra pessoa real­ rab1hdade da informação que é t
que esca pa ao controle da in ten rans mit ida e
mente interpreta o comportamento de aco rdo com esse conju nto cionalidade do ato comunicativo
de regras. Iss? ocorre porque na comunic
ação pe s s oa a pe ss oa
face a face �
� 1 s,s o� e receptor P?�em i r ajustando, pa sso a pas so', as diferenç�s
A difere nça - aí estabelecida entre informação e comunicação,
m

/ mv e1 s�entre os cod1gos culturai s e os repertórios de si n os que


embora di s cutível, parece ter uma função operacional bastante rica ao ou nao comp
art 1 lhad s . Es se aJu stam
gr au _ de _controle sobre a �mfo en to tende a aumenta
r 0
g
na medida em que evidencia que, se um ato comunicativo é u m ato rmação que é trans mitid a no ato
em qu e a informação é intencionalmente trans mitida, pode-se con­ mumcattvo. O me s mo n o orr co­
� � e nos proces sos de comun icação de
cluir que todo ato comunicativo s empre mantém , res idualmente, �assa, de modo que mu ita mformação não con
uma margem de conteúdo informativo que es capa ao controle e cionada pode chegar aos recept trolada e não inten­
ores à revelia do emi ssor
i ntencionalidade dos agentes envolvidos na comunicação. E s se re­ A maior razão para o aumento
nos p rocessos de comunicação de inform ação não �ontrolada
s íduo informativo pode ou não se r captado pelo receptor, e, sendo
de mass a está no e ntanto, num O
captado, pode ou não s er consciente. Se é ou não captado e cons ci­ tro aspecto que c stuma ser bas u
? tante negligen'ci ado por aque les que
ente , é algo totalmente i mponderável e casual, vi s to que não há so, bus cam conteudos nas ens
agens : o fato de q ue a s mídi as in
nada que pos s a con trolar sua transmissão. Não é dificil perceber, a guraram, ante s de tudo, a m�istur au­
a de códigos e de proces sos sígnico
s
CULTURA DAS MÍDIAS 35
34 LÚ CIA SANTAELLA

- , i· ltaneidade semiótic a das desconectado de fonte identificáveis, excet o no caso de jornais


numa mesma men sagem , isto e, \� r�om osta n a sinc rom a de ofici ais. Trata-se, portanto, de uma forma de serviço, que retros­
ge
mensag�n s . U m� mesma mens� s do v e�b al e não-ve
rba l . I s so pectivamente pode ser vista em descontinuidade e como um novo
vári os si stemas s1g� c s, s da e começo na história da comunicação. Em certo sentido, o jornal
�� � ação trans miti
ponderabI i e da inform
i na m i

tende a au menta r a i m
o
. ·1 que foi mais inovador do que o livro impresso - a invenção de uma
r sob re �qm
e de c ontrole do emi sso
dim inu ir a possibilidad nova forma literária, soci al e cultural - mesmo que não tenha
o
ª çao n a n
os receptores pode rao
-porventu ra c aptar como mfor ma ú do mas sido assim considerado quando apareceu. Sua distintividade, com­
me

t mente pob r� no c onte


sagem . São mensagens aparen � \ que parada com outras formas de comunicação cultural, repousa no
e, nc as a m i s u ra de códig�s
com pl exas scmioticamente , i sto � rte das ve zes seu individualismo, orientação para a realidade, utilidade, secu­
nsagem . larização e adequação para as necessidades de uma nova classe,
concorrem para c ompor ª me m e

i �:� :e nte p ob res �
m
ssa c � a burguesia citadina. Sua novidade consisti a não na tecnologi a
julgam-se as mensagens de ma é
e;:;igo (gera!men te o verbal)
o v

ou maneira de distribuição, mas nas suas funções para um a clas­


pasteu rizadas p. orque- apenas um - o de sinais p -
ndo-se d a p rofu sa se distinta, num clima político e social mais permissivo e em
l evado em conside raçao, esquece- . coexist . . -
ro
ta
cessos sígnicos e códigos que es ta.o
ah mdo. Voltaremos transformação.
m

bém a esse assunto mais adiante . Embora o livro imp resso tenha sido o primeiro veículo de
A REDE ENT RE AS MÍD IAS massa, foi o jornal que deu início às c aracterísticas da cultura das
. - p ri meira m ídia mídias que, embora não esteja separada das outras formas de cul­
um c açao d e massas, a
Qu ando se fala em com . · o �, n o entanto segu n do nos tura que coexistem nas sociedades m odernas, ap resenta caracterí s ­
1 A n�
que vem à nossa mente é o JOma . meios de ticas singu l ares e uma especificidade que lhe é p rópria . Dentre es­
in forma. D. Mc quail (1983: 19), a
histo na d�s mod _ e�os ses caracte res, cumpre pôr em evidência o fator de provisoriedade
q e, no
eçou com o hvro impresso u u­
���umc�ção de massas com ra a _ p rod que parece ser a mola-mestra da c u ltu ra das mídias em oposição à
es rec urso téc nic o pa
mi c10 n ao passav� de um simpl ., tens iv amente du rabilidade e permanência que ca racterizam as formas mais tradi­
re

ha • · d
nic cionais de cultura. Um jornal, por exempl o, é feito para ser lido
:ó�:a:Ua1;�:t� q::: ?ºv� téc �
�!�o �;:::t����t;/;:f
d
num dia e jogado fora no dia seguinte. Um filme, que é visto hoje ,
o, ap a rec��do os p
levo� a uma mudança de conteúd . :��ç�a;;o será su bstituí do por outro, no mesmo cinema, daqui a pou cos di as
n

gios ?s q e u�to aux ilia ram


fletas políticos e reli _ ou semanas. Programas de tel evisão só serão em parte repet i dos em
na

ail c ontmua.
u m

m un do m edi eva l. Mc qu um outro programa de televisão, que funcionará c omo d oc umentá­


• da mvenç - da im prensa. que rio dos programas anteriores, e assim por diante . Enfim, trata-se de
Mas só foi duzentos anos depois ·
mal
mos como o pr tipo de uf JO de
otó 11ma cultu ra do efêmero , do pass ageiro, fugaz. Cultu ra que, por
ao

aqui lo que h oje reconhece


panfletos e novos ivros isso inesino, p roduz nostalgia Sentimos nostalgia dos filmes dos
começou ,a se distinguir dos bilhetes, ter
II. Seu pri ncip al precursor parece �_fill, por exemplo, mas não dizemos que temos nostalgia do
fims do secul o XV I e XV . carta d? que o li� ' ro _. as cart s c m
sido , de fato , muito mais a construtivismo ou dos romances de Dostoievski, embora haJ a ca­
p re­
o
t res ,
a

iços postais rudi men a sos em que a nostalgia pode passar a ser imposta e forçosamente
notícias circulando através de serv
ocupadas em t ransmit ir notíci s e ev entos relevantes par� os ne­ sentida, quando um estilo nas artes é tomado como objeto do cir­
ensão, de�t o
gócios e comércio. Foi assim uma ext ��, tm�a�:i�; :t��
a
cuito das mídias. Neste caso, no entanto, já se trata de u ma muta­
r

blica, de uma atividade que , há l argo te meir�s j or­


ção que a cultu ra das mí di as im põe sobre a cultu ra tradicional.
erem. Os pri
diplomacia e nas grandes casas �e com �lar, b as: c merci al Outra característica da cultu ra das mí dias está no seu fato r de
nais fo ram marcados po r : aparew�1e�to re\int:orm aça �e istro mobilidade . Um a mesma i n fo rmação p assa de mí dia a m ídia,
(oferecidos à venda), propósitos mul�•pl os hco , no ��al�ent ; rep etin do- se c om a lgum as variações na aparênci a É a cul tu ra
pub l icidade, diversão , fofoca) , carater pub
CULTURA DAS MÍDIAS 37
LÚ CIA SANTAELLA
36

espaço-tem po . Ou seja, qu anto maior for o número d e mídias e


p
.
os 1ç� - o aos rocessos.
Cu ltu ra do descontínuo , quanto mais diferenciadas e plurais forem suas linhas de comp re­
dos e v t ? . m oposição aos
con­
õ e J meteóricas, e
o
, P ensão e construção interp retativa dos fenômenos, mais democráti­
em
nt
n s
c! n:1
e
do es q � e analítica. Quand
e a p�Jfu ;di.dad
de ª
ca será a rede das m ídias, na medida em que a mu ltiplic idade dos
o
p
m e
i t
ue o abso da

textos . . l a' o que for , passa a ter car . -


q u er c01sa, seJ a
los
l pontos de vista fornece ao púb lico receptor alternativas de escolha
m
, q
s a er
i
a
'
1
ma
pel as , . an arecer. Envel
hecimento precoce d m
vol att1 : aparece_ para des d en t re interp re tações diversas. Mas Cirino in teligentemente ac res­
d as ua

o que a
m a

fo�ç âo-� �e � õ p� --=-- --- -


- d e du rar
m O ritmo do t emp

;ef���rir:ação. As sim sendo exem­


d
, o tem­ centa que, no que diz respeito à competição entre as m ídias,
1d� t p �
p róp na ; :ação numa revista semanal, p or_ parece que ajustiça só pode ser atingida, quando todos os pontos
oe s b e

po de duraçao de uma m
m a m

t p o�e duração d
es sa mesma informaçao nu de vista básicos tiverem uma chance de apresenta r notícias e en­
t iv c.
m
i
p o, é dife r � , ·
de um J omal tel evis
t
. , . que sera ta mbcm dtfierente tretenimento que lhes são próprios, envolvendo uma mesma quan­
n e do e e
,
e
.
o

j ornal dia . ação e notícia.


Se , p ara u ma tidade de dinheiro, uma mesma tecnologia e uma mesma força
q x 1 s t� entre mform
ç em info r- -
no

É a. dife r n , onnar a notícia artística.


interessa e trans fi - E' por
e
q
ue
1
a
an
e

revista sem _ ' . t tíci da informaç ao.


rnal mter sa
o ue

mação, para o J o
a

a continuidade de O ra, sabe-se da dificuldade para se atingir o ideal aí formula­


otícia que tem
a
te
re er a no

an s � t ta �
is so que,.qu ��� J omal impr esso
, e mais .ainda ?º do, u ma vez que a competição entre as mídias é, antes de tudo,
c
ra
v , .
do

algu ns dias , h � em hierarqu ias d1


ferenc1a­ econômica. Nessa medida, há empresas de comunicação mais ricas
nt da �ot't
o as
c1
era
p
a

tel evisivo, o � � I sto ocorre porque aquilo e outras mais pobres. Mesmo que disponham de au tonomia de pon­
t1vo �esapa�;:m;�� �
rea a e me o

das até seu grad� m po v ai passand o, tos de vista, as mais pobres não disporão de uma tecnologia de
onf rme o te
que in teress� �o J ornal e ª � o�ativo que pode ou não ser recu p�­ ponta. E quanto à força artística, o melhor dela, com raríssimas e
do ?ado t �}
a notíci a v ai vt ran maté ria interpre
tativa e op1- quixotescas exceções, vai para onde se paga melhor. Por outro lado,
rado no conte xt.o . is ampl o de uma . sem . a tendência do mercado competitivo é que as empresas poderosas,
, ou de u ma revis
ta . ana
nativa d o p rop no J 0m al b 1· t·1-
ma

das m í dias é a mo cedo ou tarde, acabam por engolir as mais frágeis. Esses pontos
l

n:i tal d cu t
Enfim , o traç .
forma ão de uma m ídia a ou
tra, foram levantados porque fazem falta na discussão da usual fragili­
en a l ura
A d a
e de tr an �
o fun

dade, a cap acidad � � d:ç;es na ;parência. Ess d s dade das mídias alternativas, de um lado, e, de ou t1o lado, p ara se
l e ves mo t tc -
de
nh
ado
p ant compreender o costumeiro fracasso das mídias nã o com erciais,
es
c co no t-empo' mas, e q
nd em a durar pou .
de
t
ada du
çã
a o
ic suportadas pelo Estado.
a om n u
co
m-se em dive�:::/f �r���:: de proliferação das
e

ram , mu ltiplica
n a o
Quanto à proliferação das mídias, esta não se dá apenas ent re
mu

Ou tro as. pecto dessa cu . me sma natu re z


, vel.a- mídias de igual natu reza, mas também entre mídias de natu reza
sso

. ' . E v i dentemente m 1' d.


i .a
n 1 d i . i , v1s- diversa. Embora à primeira vista essas mídias criem a imp ressão
próp i. canais de TV, j orn . re
as da

t ' c ompete m en' tre s


as
1a.
m
rta 1 nc
as a s
. . ares de vendagem
u de que competem entre si, por exemplo, o j ornal impresso e m rela­
os p nme1 ros _ 1 ug
e
p l
men
tam A

l .
e A

fort
b d e
tc.
a
é ção ao televisivo, este cm relação ao boletim radiofõnico etc. tal
da ou e a
tas e 1ses em que o mercado
� entar nos
e s
n s)
u e
Isso t ankfurt e seus píg fato não se dá. As m ídias tendem a criar redes intercomplementares.
l r�scol ª de F r
críticas à .indústna cultu �a m e nt e os f at o r e s n e g ativ os . d a
end e a au e o o
Cada mídia, devido à sua natureza, apresenta potenciais e limite s
1 en t e
j á e n f a tiz a r a m s uf1c _o e da cultu ra promovida pelas m1' dias.· que lhe são próprios. Esses não são nunca idên ticos de uma mídia à
1

· · - _da tnformaç a
1

mercant11 izaçao . cos tu mam se r ne g


1 !- outra, de modo que na rede das mídias, cada u ma terá funções
ns aspectos que
Prefiro
genciados.
e vid e n ci ar a q ui alg u

), u m dos princípios da
diferenciais.
A audição de uma notícia no boletim radiofõníco, por exem­
l
liberda
D e a
d
c ordo
c
c
átic
o m R.
p
C irino O 97 4 :.2 1 4
ara º � esso

, fi rmação é qu e um grande
::°p�s sa c oe xisti r no mesmo
plo, na maior parte das vezes, desperta a cu riosidade do ouvinte,
levando-o a buscar o noticiário da TV em busca de maiores detalhes e,
1
vi s t a d I er en t
a
s
r
p t
emo
d
de
núm e ro

-
e on o de
CULTURA DAS MÍDIAS 39
38 LÚC IA SANTAELLA

diversas formas de cultu ra, fazendo-as saltarem de um setor a ou ­


s da notícia para a quai foi des­
principalmente, das imagens viva tro. Aquilo que costuma ser chamado de repetição ou redundância
ri o noturno da TV, _ mmtas_ vezes,
pertado. Assim também, e noticiá

l
gu inte n a quando se j ulgam as men sagens das mídias, deveria ser repe nsado'.
al impresso do _ dia se
\ eva o espectador a bu scar o jorn i talh amento uma vez que, se, de fato, tudo p arece se repetir, a repetição se dá
cimentos e m
expectativa de encontrar nele esclare rta a aten­ dentro de uma diversidade funcional do caráter comunicativo dife­
de
p
a or

u nto realmente
analítico e interp retativo . E se o ass � p orque
rencial de �ad_ a mídia. Além dis so, há todo u m j ogo de intercâmbios
e r
m
des

rá u ma revista
ção e· interesse do leitor, este bu sca icias (...) de uma midi a a outra, gerando ve rdadeiras famílias de mídias as
l
not
an

o das reportagens
se

passa a desej ar "uma interpretaçã quais apresentam um aspecto bastante curioso: o da con dens ação
o _ eventos,
s
e

do nos antecedente
que lh e dê u m insight mais profun o J ul gamen- ou brevidade.
s d

um esclarecimento a
cerca des ses eventos e, sobretudo, Se tornarmos as mí dias noticiosas como exemplo, o gradativo
Haacke 1982:69) _
to confiável de u m expert". (W. rv , a p
. .
art�r d i s s?,. sao
aument? ?º _fator de conden saç�o toma-se visível na passagem de
O que pode ser imediatam nt bs uma m1�i a a ou tra. A p rofundidade e extens ão interp retativa de
um só recepto r v ai ad
qu mndo
e e o e ado

as várias facetas de informação que t a e s pec­ �ma revista semanal fica sen sivelmente condensada no j ornal diá­
dia a ou tra : de ou vin
na medida em que passa de uma mí f ?º• mas se_ compararm�s ao noticiário de TV, este estará para o
e

to vai gradualme�te _ �rmando


tador, de espectador a leitor, enquan Jornal assi m c omo o Jor n al e s tá p ara a r e vista se m a n a l. A
partir de u m� mu l�iphc!dade de
sua opinião acerca da realidade a condensação tenderá a se acentuar se passarmos do noticiário da
m receptor ideal, isto e, aquele
fonte s. É claro que se trata aí de u as c ­ TV ao boletim radiofünico e se re duzirá ainda mais no videotexto e
das mí�ias até as _ úl tim _ ?�
que pode e, de fato, leva o potencial mi n teletexto.
on de am � dom ma_ a
seqüências. Sabe-se que em países . t-r.a �u_Itura das mídias, quanto mais a mensagem tende r à bre-
populaçao, como e o caso do
se a

da
fisica e intelectual de gran de part dia, de
vidade, mais el3: será �hada de superficial. Não se pode saber até
em acesso a u ma s ó mí
Brasil, o receptor, quando mu ito, t
e

q�e ponto esse tipo de Julgame nto não passa de um vício, e nquanto
imensionalidade fica embotado
modo que o pote ncial para a multid i:1'1º se le
_ var em conta o fato de que, em primeiro lugar, a condensação
n uma única dimensão. e um tipo de organização de linguagem que visa reter de uma me n­
bs e r v ad o, a p a rtir d a
O u tro asp e ct o q u � po de s e r o sagem apenas seu s :'"aços essenciais e fundamentais, o que, aliás,
, é que o interesse despertado
inte rcomplementaridade das mídias ar o
ap�esenta uma funçao altame nte mnemônica e de retenção rápida
rede �as mídi� pode lev
pelas informações col hidas dentro da rm ço num o tro da informação. Em segu ndo lugar, esse aspecto de conden sação de
ssas mfo
l eitor a buscar u m aprofundamento de se urna men sagem não é nunca auto-suficiente em relação àquela men­
u
o. O q
es
mpl
a

l ivro, p x
veículo tido como mais erudito, o -s sagem, uma vez que as mídias de caráter breve convivem com as
ue
mí i não
e e
i �
or
sito de míd �
p reten de demonstrar aí é que o trân outras de c��ter oposto : Ora, a me nsagem não se compõe em cada
e

s m1di , m s
a a

a da cu ltu r
interrompe dentro da esfera exclusiv urna _ das midias em particular, mas através da funcionalidade dife­
as a
as n
da
fo
a
dentro das !
pode fazer avançar o flanco para devi do a u m
re?�i al de cada mídia na s ua inter-relação com a totalidade das
rm e dita s de

s nã t ma am _
cu ltu ra. Quantos livr m�d1as. �xemphficand ?: _ se o boletim radiofünico tem por função
bes t-se ller s
artes
ela de TV? E, quando p
r

filme? E, no Brasil, devido a uma nov


o o se o

p so s não pnmor_d1al apenas participar ao ou vinte a ocorrência de um evento


são televisionados, quan tas
de u m b al é ou concerto ? O u o
a te_ levisão mostrará � imagens vivas do mesmo evento, enquant�
a
TV
es

m estimulada p l
vão ao concerto ou balé porque fora o Jo�� I aprofundara os det.:..,n es , fornece ndo, inciu sive, da dos
q j_ vi­
á o
e a
po
s
o pela TV
contrário, quantos não vêem um concert didos em quantida des ,
avahativos sobre aquele mesmo evento, e assim por diante .
r ue

são ven
ram ao vivo? Quantos discos ou ?fitas . E� síntese, as mídias tendem a se e ngendrar como redes q ue
depois de u m conce rto ou
show , . � mterhgam, e, nessas red,es, cada mídia particular tem uma fun­
m g r q e c lt das m1d1 as tende a
Enfim, é a cultu ra çao que lhe é específica. E por isso que o aparecimento de cada
celerar o trâns ito e ntre as
u u ra

colocar em movimento, ou sej a, tende a a


e e al u a
40 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS
41

nova mídia, por si só, tende a redimensionar a fun ção das outras.
Quando uma nova mídia surge, geralmente provoca atritos, fric­ Para exem pl ificar a diversidade .
funcional
· e a pluralid ade de
ções, até que gradativamente as mídias anterior es v ão, com o pas­ dimensões internas a cada mídia
n dª �el or o que a te
vi sto que esta se constitu i em u�a spe : . ! � _ levi são,
sar do tempo, redefinindo as prioridades de suas funções. c1� e nud1a al�ente ab
sQrv�n�e que pode trazer para d ­
_Com o último aspecto da rede intermídias, es sa rede parece entro
que r outra -forma de cultura · do . de SI q�al quer m1d1a e qual­
estar caminhando ultimamente para a geração de mídias que são ci�em ao J0?1al , do teatr
espetáculos musicais do des� � o aos
elas próprias formadas e resultantes da inte ração de diferentes
de mú sica erudita à� mesas-re �1ma o ª.º circo, dos concertos
nh º
mídias. Até que ponto, por exemplo, a produção do jornal impresso don as de discussão pol
não é hoje senão uma enorme mistura de mídias eletrônicas, isto é,
entrevistas às novelas. Quand
o se c.
iaz referência . . ítica, das
se ela fosse um veículo hom A a, te1ev1são como
o que seria hoj e do jornal sem o arsenal de equipamentos de regis­ , uando se fazem críticas 1
efeitos neg�tivos que ela prov� aos
tro, transmissão e impressão eletrônicos? =�:� r�ceptores, sem lev
essa sua, diversidade constitu1 · - ar em conta
. iva, nao se pode saber ate. qu
essas cn t1cas são inteiramente e ponto
Egbon ( 1 98 2 · I 87) nos •"eve vaT1 das' uma vez que aquil o que M
A REDE DENTRO DAS MÍDIAS

A mesma diversidade funcional que ocorre entre as mídias · Ia acerca das m1'd'ias em
acentuadamente verdadeiro quando se trat ge ral parece
volta a se apresentar, sob um outro ângulo, dentro de cada mídia. a de TV:
Basta lembrar novamente a pluralidade de dimensões também do A TV pode co ntribuir para .
mo
jornal impresso, na multiplicidade de matérias de que ele se consti­ sarnentos e atitudes das pesso dificar em mmt os aspectos o. -s pen-
..
cogmtiv as em tennos de suas expen .
tui. Das sim plés notícias até as matérias inte rpretativas, destas aos as, suas crenças e . enc1as
opiniões, assim
editoriais e matérias argumentativas etc. Além disso, o diagrama mentos. O que é dific1·1 d1· . , como seus c mpo rta-
visa
nas relações compl exas entr r e a mass - a d, e v�na · , ve1s.
que entra
o

interno dos diferentes departamentos das empresas j ornalísticas se ea .


estrutura sempre mais ou menos de acordo com uma classificação mento, atitude e o compo rtam expos1çao as m1dias e o conheci-
.
deJo foi até agora capaz de ent . o humanos , O que nenhum mo-
comum em todos os grandes jornais: "a) política, b) sociedade, c) 1 ª com�,Jetamente (.. .).
economia, d) arte, c) mídia, t) ciência, g) religião, h) esportes, i) por si só não faz com que ;
:�;�ç:s sociais e culturais _ A mídia
m iscelânea (ou diversos) e j) propaganda" (W. Haacke 1982:70).
O maior impacto das m ocorram
en agens de T resi de no
! ores sociais latentes atraves� V esforço de va�
Essa simultaneidade é característica fundamental de todo jornal de outras forças na socied
ade.
im presso, com pondo aquilo que McLuhan chamou de estrutura em Não foi senão em função .
mosaico. Ou seja, o jornal de cada dia compõe-se de uma síntese natu reza interna de _ da necessidade de se considerar a
sincrética dos mais variados campos e setores da realidade de que o · uma mi'dia de suas carac
ao invés de se p ôr eA . . tens· 1icas
· ·
iman entes
· "' e uni: d1rec
n ,as 1ona lm n te nos se us efei
próprio jornal é parte. As hie rarquias que os diferentes jornais esta­ soc1�1· s qu e Ja m es tos
b elecem e ntre os d e partamentos - h i erarqu ias, aliás, que Curran et ai · ( J 982 · 2 ;)
segu mte: · apontaram para 0
transparecem no próprio jornal impresso pela importância do lugar
e pela quantidade de espaço que são dedicados a um determinado Ge�almeme uma das mai s
im rtantes m udanças nas
assunto - tendem a ser mais ou menos s emelhantes em todos os mais recentes em comunic _ pesquisas
açfcde massa, seJ
jornais. Isto é, política é muito mais importante do que arte, econo­ ou plura,listas' tem sido a m elas m arxistas
o re -
mia interessa muito mais do que ciência, e assim por diante. Embo­ caractenst icas formais do .d'1rec1onament, o. da a. tençao para as
d iscur d
� _as m1d1as. A infl uência da
ra essas ordens nos pareçam inquestionáveis, cumpre lembrar que semiol ogia e da li ngu.. 1stic
, .
co mum.cação de massa a no d1 rec1 onamento .
o

não se trata de importâncias eternas, mas históricas e que suas hi­ - da pesqms a em
tem sido im ant� nao
erarquias, elas mesmas, funcionam como indicadores das ideologi­ aden do aos estu dos já :: a�enas como um
exist ,
as que dominam em nossa historicidade. edade, controle e trabal h . entes efettos poht1co s, p ropri­
m as também dev ido ao m terno nas o rganizaçõe s das míd i as 1
repensam ento de rel a tos
o

existentes �

CULTURA DAS MÍDIAS 43
LÚCIA SANTAELLA
42

mí dias qu e s ão pelas pesqui sas dos meios de comunicação é o fator semiótico das
reconheci damente i nsati sfató ri os do pod er das mensagens produzidas pelas mídias . São mensagens que se organi­
freqü entemente feitos. zam no entrecruzam ento e na inter-relação bastante densa de dife­
imanentes das rentes códigos e de process os s ígn ico s diversos , compondo estru tu­
Se , de um lado, a cons ideração dos caracteres
P r out lado, mesmo
o ras de natureza altamente híbrida. A rigor, todas as mídias, des de o
mensagens de uma mídia são importantes, ? eraça� o, normalmen­ jornal até as mídias mais recentes , são formas híbridas de lingua­
d
quando esses caracteres são levados e� co�si e sere uperados . gem, i sto é, nascem na conjugação simultânea de diversas lingua­
ví io qu ão difíc eis d ��
te ocorrem aí certos c s e s
um a mid ia de acor­ gens : Suas mensagens são compostas na mi stura de códigos e p ro­
julg m n ag n d
Trata-se da tendênci a a ar as e s e s e
uados a uma outra cessos s ígni cos com estatutos semi óticos difere nciai s . D aí se poder
do com critérios de julgamento que são adeq
ão lugare�-com,�s as afirm ar qu e todas as mídia s , de sde o jornal , são po r n atu re za
mídia ou a uma outra forma de cultura. Já s
criti cas que são feitas à supe
rfic�lidade das �ensag�� � ornah�ticas • intermídias e multimídias. Ou seja, a natureza mes ma de qualquer
r e cntenos de Jul ga­ mídia, aquilo que a caracteriza como tal, é o fato de ser inter e
Comumente tais criticas s ão feitas a parti � o tos sob e o J_ r­ multimídia .
imp �
mento que vêm da cultura livresca e que são vt_ s�i o que e�, entao, Além di sso, enqu anto as formas tradicionais de cultura exigi­
ri i o jorna l t l �
nal. O mesmo se repete na
c t cas a e e
o parametros de ava- am a presença fís ica dos doi s pólos da cadeia comuni cativa, emis­
cons iderado superficial porque julgado segund
sor e rece pto r, no caso das mídias , essas relações podem variar,
liação que s ão próprios do jornal �presso. .
arde10 cntico
,.
M as é a televi são a grande vitima de um bom� de pr ra­ desde as formas cunhadas de comun icação de massas , nas quai s o
qualquer �i�o ?� lugar do emissor é ocupado por poucos e o lugar do receptor por
que se dirige indiscriminadamente a todo e nu di das nud ias ,
cteri za omo uma uma massa indiferenciada, até as formas mai s recentes de cultu ra.
ma que ela oferece. ArY se cara c a
so e e devor toda �s s qu e aqui estamos chamando de mídias, em que o receptor é único,
i sto é, tem um caráter antropof'agico. Ela ab r:--is arte ana�is , �olclo­
ma interagindo com uma máquina com .alternativas variadas de opções
outras mídias e formas de cultura, desde as do cm

ema, Jornal,
erud itas : a parti r de uma fonte potenc ialmente infinita de informações .
ricas e prosaicas até as formas mai s ,
u
tário té o irco , te ro e tc . Ora, em geral, � bale ou � A rigor, no entanto, as linhas divisórias entre onde as formas
documen a c at
ir m ne s_a?­
do tele� iona d � s, adqu � mai s antigas de cultura acabam e onde começa a cultu ra das mídias
concerto, por exemplo, quan
s e ce

feiç õe qu ão próp n as daqmlo que a TV po s sibi�ita não podem ser rigidamente demarcadas . S e o teatro tem em comum
amente nov as s e s
óbvio, a p_resença viva com as mídi as o fato de se r multilingu agens , o livro vai ter em
ou limita. Perde-se, nesses casos , como é e ouvido �o recep­
o olho comum o fato de ter um ún i co emi sso r, tendo uma massa anônima
dos emíssores e receptores, além de qu e
dad
_
os �os hnutes de
da ran mi ão d TV, fi cam mol como pólo receptor. , .�iás , de acordo com a hipótes e cent ral que
tor, quando _ c mo veiculo._ te�a pe­
t s ss e
o está sendo defendida neste ensaio. as demarcações não são rígidas
enquadramento e cortes típicos da �elevisa _ � perda de acu stica
ao, e inflexíveis porque o próprio advento da cultura das mídias, por si
quena, imagens panorâmicas de baixa definiç de seu e c to como
es perdem mui to �� s ó, modificou sens ivelmente todo o território da cultu ra, transfor ­
etc . A ss im, também, os film
dife nças qu litat iv entr e uma nudia e outra . mando-o num território movente, sem contornos definidos , em qu e
1 filmes, dadas re a as
erdas e ganhos , em que
as
No entanto, trata-se sempre de um jogo de p formas de p rodução e recepção de mens agens se mtercambiam, se
e ab sorver �u alquer ou!ra c ruzam, constantemente .
' 0 mai s relevante é O fato de que a TV pod ão, ntmo e aparen-
mídia, impondo a el as qualidades de organizaç É em razão di sso que as tentativas de caracterização me ra­
cia que lhe são p róprios . mente hi stóri ca da cultu ra das mídias como sendo aque la que apa­
receu a partir da Revolução Industrial, com seus meios mecànicos
AS LIN GUA GEN S DAS MÍD IAS de produção, acentuando-se na Revolução Eletrônica, também fa­
s negligenc iados lham. Toda a parte cenográfica e sonográfi ca de uma peça de teatro
Um dos fatores mai s complexos e talvez mai

-
44 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 45

ou mus ical hoje, por exemplo, faz uso de recursos altame? te sofis­ d e s crição, anális e e avaliação dos processo s de comuni cação
ticados mecânicos e eletrônicos das mai s variadas espécies, reve­ multimídias , devem levar em cons ideração "o estatuto s emiótico
lando um intercâmbio com as mídias , mais do que uma s eparação. específi co dos s i s temas de s ignos envolvidos . J ss o tornaria po ss ível
O que dizer, então, dos meios de produçã� da a �e, tidos _t�adi­ fazer mai s claramente a diferença entre canai s físicos e s entidos
c ionalmente como prototípicos das formas mai s eruditas e eliti stas fisiológicos de trans mi s são, de um lado, e entre modos de estrutura
de cultura, quando a arte avança seu flanco para todos os meios , s emióti ca e códigos de organização s i stêmica de signos , de outro
des de os mecânicos aos eletrônicos (cinema, vídeo) até todas as lado". _Desse modo, o autor si stematiza os componentes de ação
espéc ie s mais avançadas de produção da imagem (holografia, ima- comumcativa multimídia como s i stemas problemati camente com­
gens sintéticas etc .). . plexos de canais fis icos, sentidos psicofisiológicos , modos s emióticos
Enfim s e as linhas divisórias das fronte ira s entre a cultura e códigos s i stêmicos que se caracterizam do s eguinte modo:
das mídias ; as outras formas de cultura não podem ser nitidamente
traçadas, pode-se, no entanto, afinnar que o advent� das mídias Canais (por ondas de luz, por ondas sonoras, bioquímicos,
coinc idiu com a complexidade semióti ca cada ve z mais acentuada
termodinâmicos, eletromagnéticos e por transmissão); sentidos
das mídias, caracterizando-as como multimídias por natureza.. De (acústicos, olfativos, gustativos. hápticos e óticos); modos
acordo com E. W. Hess -Lüttich (1982:7), processos de comumca­ semióticos (ícones, índices, símbolos. sintomas e impulsos) e
códigos sistémicos (verbais, para-verbais, não-verbais, sócio­
ção multimídia s ão processos que env_olve� complexas r e� aç�s
perceptivos, psicofisicos).
internas entre códigos semióticos, cana is fis1cos e modos fis 1olo_g1-
cos de percepção sens ória. Num trabalho posterior, I-_Ies s-Lütt1ch Isso evidencia a pluralidade semiótica de aspectos que as men­
(1986;573) apontou para a dificuldade em se caractenzar s agens multimídias envolvem e que têm de ser levadas em cons ide­
ração quando s e tem em mira a descrição, análi se e julgamento
a estrutura de uma mensagem produzida por sistemas de signos,
de�sas mensagens. Em s íntese: são men sagens intersemióticas para
sinais ou códigos de canais múltiplos e poli-sensórios, cada um
cuJa produção concorre muitas vezes mais de uma mídia, o que
deles governado por suas próprias regras seletivas e combinatórias.
Não se trata claramente de uma série homogênea e de um único envolve , na sua feitura e leitura, uma pluralidade de códigos e de
nível de signos ou sinais que emergem, mas trata-se, isto sim, de p �ocessos s ígnicos (ou modos semiótico s, no dizer de Lüttich), exi­
uma rede de modos de expressão radicalmente diferenciados (... ). gmdo _ a concorrência de divers os sentidos r eceptores para sua
Uma mera hierarquia de níveis semióticos, no entanto, cortada decochficação e fruirão, o que produz efeitos psicofísicos e cognitivos
em fatias de igual duração, não leva em conta as diferenças de também variados no receptor.
estatuto semiótico e função comunicativa dos signos de cada ní­ Cons iderando-se código como "um conjunto de s ignos e re­
vel, e uma mera segregação binária de semiose multimídia em gras para sua combinação, que são usados no envio e recepção de
sinais de duração permanentemente ou não-permanentemente (...) mensagens",.?e modo que "código é sinônimo de si stema de s igno"
não resolve o problema da fratura temporal diferenciada dos ca­ (�an. M. M e1Jer 1_98!:230), o amálgama de códigos e processos
nais envolvidos no processo. s1gmcos que c?n�t1�1 a complexidade semiótica das mensagens sig­
_
mfica a coex1stenc1a e combmação de dois ou mais códigos em
Lüttich está evidenciando aí a complexidade semiótica dos uma só mensagem. Es sa s imultaneidade e o entrelaçamento d e có­
processos comunicativo s multimídias, a diver sidade de_n!ve i s e_ fim­ digos não são frutos da soma de cada um dos códigos , mas confi­
ções desse tipo de proces so, as s im como o caráter mult1d1men s 1onal guram uma gestalt que varia de mensagem a mensagem ou d e ntro
das linguagens que interagem na produção das men sagens e dos de uma mesma mensagem. Por exemplo: numa determinada mídia
canai s s en s ório s que interatuam na recepção des s a s men s agen s . pode dominar uma detenninada hierarquia de códigos , como no
A partir di s s o, Lüttich propõe que a s pe squis as que visam à cas o de muitos jornai s impres sos em que o verbal escrito domina

-
46 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ DIAS 47

sobre O cód igo i magét ico. Mas há casos de _mídias em �u e a hierar­ modelo i deogrâmi co. Em s íntese : o cinema é uma linguagem-sínte­
qui a entre os cód igos é semp re móvel. osc 1l ant_e, d om ma��o, n um se: pintu ra, fotografia, teatro, além do som, músi ca e linguagem
_
mome nto , o código verbal o ral, e, lo go a seguir, o 1 maget1co, q� e ve rbal oral e gestual. Tod os esses códigos se amalgamam num rit­
cede l ugar à interação eqüitati va do i magét_i co e sonoro , e ass i m mo plást i co e interagem em movimentos de tran s fonn açã o constan ­
_
por diante, como é o caso da TV. Enfim, os mve1_ s e graus de i m por­ te d� hi era rqui a entre eles, de modo que a cada instante um códig o
tân cia de cada c ódigo e os movimentos das hierarquias entre os dom ma sobre o utros, para ser, l ogo a segu ir, do minado po r outros,
códigos v ão compon do mensagens sem i ot i cament� d� vers1 � c�das e ass i m s uce ss i vamente.
-
nas quai s i mpera não a redundância, mas a coope raçao mtercodig�s, O elenco dos exemplos ficari a certamente insufic i ente se nã o
interlinguagens tanto na formação da men sagem qu anto no efeito se menci onas s e a TV, a mais híb ri da de todas as mí di as , q ue absor­
de comp reen s ão a ser p roduzi do no receptor. ve e deglu te todas as outras . Nessa medida, por mais que a men sa­
Quando afirmamos que todas as m ídi a� já tê� _ um caráter gem tran� mitida pela TV seja banal, su perficial e es quemáti ca, sua
intennídi a que i mpl ica no acoplamento de vanos códi gos o� lm­ complexidade semióti ca é semp re grande. Tudo se dá ao mesm o
guagen s , basta pensarmos no jornal . para '!,ue e� sa afi�açao s e tempo : som, verbo , i magens que podem ad qu iri r feições as m ais
to me patente. O jornal compõe - se da mteraçao e s1multan_., 1 dade da d� vers�s e m � ltifacetadas , além do ri tmo dos co rtes , junções, ap ro­
. l inguagem verbal escr ita, da linguagem fotografic ,
a e � lmgu a�em xunaçoes e d1 stanc1amentos que provalvemente se constituem n um
-
gráfica, evi dente esta na variação do tamanho e pos1 çao dos t ipos dos aspectos mai s característicos dessa mídia.
gráficos no espaço da página como aspect<: substantivo da men sa­ A maior part e dos estud os dos mei os de comunicação sã o
gem. Cu ri oso observar como a sofist1caçao cres�ente do u so da conte udistas, isto é, buscam nas mensagens apenas seus conteúdos
linguagem dos t ipos no jornal con se�e, sob esse angu lo trnnsfor­ verbais o� verbalizáveis. Es ses estudos se es quecem das peculi ari­
:
mar o caráte r ve rbal da palavra escnta q ue passa a ª?q u m r car�c ­
1

dades e nquezas que as interações entre linguagens podem cri ar e


1

terí sticas de lin guagem p l ást ica, nas verd�de i ra� ar�mtetu ras grafi­
�os.efeitos diferencir fos na perce pção do rece ptor que essas pe cu ­
co-imagéticas que a men sagem jornalísti ca vai c �1ando, - � as esse handades estão aptas a p rod uzi r. E m síntese : fica negligenc i ado 0
,
aspecto plás tico na configuração. da mensagem J om�h st1ca e, na fato de que o modo como essas mensagens se articulam é tão i m ­
realidade , gerado por uma outra lmgu ag em qu e tambe� atua den­ portante para a recepção quanto aqu il o que elas dizem. Além di s s o
tro dessa m í di a : a linguagem diagramática, i st o é, o s diagrama� de n ão é levada em conta a riq ueza d e se nti dos pe rcepti vos q ue pode�
distribu ição da in fonnação no esp_aço da página s�o �u a�e tão i m ­ P.otenci almen.te i nteragi r no ato de recepção dessas mensagens, as­
portantes para a geração do sentido _quanto a prop na lmguagem s1m como a diversidade de efeitos p si cofísi cos e cognitivos que e las
ve rbal im p res s a que p reenche esses diag ramas. podem produzi r.
Ou tro exemp lo bastante palpável de inter-�el ação de �od , .1 os
� Conclusão : tal como ocorre em toda mensagem, de acordo
e lingu agens está no c inema. Ei sen ste_in, �liás, foi u � dos y n_m� i ros co,� o conh�c1do esquema de Charles Morris, as mensagens das
a perceber e levar e sse fator da mídi a cmemato grafica as � ltimas m 1d1as tambem s e estruturam em trê s nívei s : sintáti co, semântico e
conseqüênc ias . Que o c i ne ma é feito de imagens em mov 1mento, pr�81?ático. Se o ní vel sin táti co é a relação entre os s ignos, o se­
_
i sto todos sabemos . O que Eisenstein percebeu e enfati camente de­ m ant1co, a rdação do sign o com o que ele sign ifica e o pragmáti co ,
monstrou é q ue o cin ema (foto grafi a � m _mov i m�nto! p�� ab sorver a relação do signo com o usuári o , no cas o das mensagens das mídias
_
para dentro de s i diferentes códigos p1ctoncos, i sto e, códigos ge�a­ esses �í�e i s se to mam ma is complexos . Uma vez que as m ensag en�
dos dent ro da pintu ra, lição , aliás, que Peter G reenaway tambem d�s m1.d 1�s . se e�gendram na coexistênci a de vári as linguagens , o
_
esplendidamente ass imi lou . Mas Ei senstcin demonstrou amda q�e rnv�l s mtàtlco nao se reduz á relação de si gno a s i gno de um mesmo
0 cinema pode recriar as regras do teatro (no caso, o teatro Kab_uk1), ,
cód1�0, . mas de �1st�mas de �ignos dive rsos em interações semp re

-
as si m como engendrar seu s p rocesso s de montagem a partir do m utáveis e de d1 ficil s 1tematização. Isso explica a dificuldade de
48 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIA<.; 49

descrição do nível semântico, uma vez que as relações de significa­ em 1982, as mídias que vão do jornal à televisão como mídias tra­
do, quando vários códigos e processos sígnicos estão envolvidos, dicionais em oposição às tecnologias mais recentes de dissemina­
são redes complexamente urdidas que afetam uma série de canais ção da informação, tais como terminais domésticos de publicação,
receptores ao mesmo tempo, o que toma o nível pragmático tam­ videotexto, televisão por assinatura, correios eletrônicos, videocas­
bém intrincado, visto que os efeitos cognitivos, quando vários ca­ sete etc. que são altamente interativos e bidirecionais, implicando
nais perceptivos estão envolvidos, são mais dificeis de serem aferi­ na escolha de informação pelo usuário.
dos, medidos ou julgados. É por isso que foi afirmado, no início Com isso, o que essas novas mídias estão indicando, em pri­
deste trabalho, que as mensagens das mídias têm uma margem de meiro lugar, é que elas proliferam através do reaproveitamento das
imponderabilidade quase impossível de ser controlada. mídias já existentes, provocando um desvio produtivo no uso das
tradicionais mídias de massa. Em segundo lugar, elas também pa­
recem estar demonstrando que deverão provocar na cultura de mas­
MÍDIAS E INTERATIVIDADE

A opção que foi feita neste artigo de adotar o termo mídias ao sas tanto ou mais efeitos de transformação do que esta produziu
invés de meios de comunicação de massa foi proposital, embora à nas formas eruditas e populares de cultura.
primeira vista pouco política. A escolha do termo comunicação de
massa é, por si, evidenciadora da contradição específica desses
meios, isto é, do fato de que eles são meios de produção que estão
sob o poder político de uma minoria economicamente privilegiada,
sendo suas mensagens produzidas por poucos para serem recebi­
das por uma massa de consumidores que não participa da escolha
das mensagens que lhe são dirigidas.
O ponto de vista que foi aqui adotado, no entanto, e que, para
bem demarcar sua diferença, adotou a expressão "cultura das
mídias", pretendeu colocar em evidência a questão de que a já tra­
dicional cultura de massas está hoje convivendo com outros tipos
de mídias que não podem mais ser chamados de massa. Neste con­
texto, as mídias de massa, embora em convivência e simultaneida­
de com novas formas de comunicação mais interativas e
bidirecionais, que as novas mídias possibilitam, estão cada vez mais
crescentemente tendendo a se constituir meramente numa primeira
e rudimentar etapa rumo à provável consolidação de uma cultura
das mídias.
Trocando em miúdos: os meios mecânicos de impressão grá­
fica, que deram origem ao jornal, a invenção do telégrafo, da foto­
grafia e do cinema foram imediatamente seguidos pela Revolução
Eletrônica com o aparecimento do rádio e da televisão. Foram es­
sas duas últimas mídias, aliás, que levaram a cultura de massas ao
clímax. No entanto, as novas tecnologias de computação e comuni­
cação digital, com seus fluxos transbordantes de dados, nos fazem
atualmente considerar, conforme já nos indicava J. O. Boyd-Barrett

-----
A criação no j ornal e na literatura

Mais fácil seria sair pela tangente, simplificando a relação


jornal-literatura em um dos dois de seus extremos: "jornalismo e
literatura nada têm em comum, são atividades distintas, sem inter­
câmbios", ou "a literatura está sendo engolida pela linguagem
jornalística (e vice-versa) não havendo mais entre ambas qualquer
distinção". Não sairei por essas tangentes, mas devo reconhecer
que só poderei atar ou desatar (como queiram) apenas algumas das
pontas desse novelo, entre outras tantas.
COM ECEMOS PELO JORNAL

A ebulição de q,1estões em tomo da linguagem jornalística


parece sintomática de uma linguagem que se encontra em estado de
prontidão. Creio que as linguagens, assim como os seres humanos,
só se autopensam sob pressão. Quando nos sentimos destituídos de
algo que julgamos nos pertencer por princípio e ad aeternitatem
resistimos ao impacto com força igual ao golpe: resistência que se
traduz em autoquestionamento. Não é pois por acaso ou porque se
cansou de seu próprio estereótipo que a linguagem do jornal busca
sua transformação.
Um dos lados da questão: os meios de reprodução cada vez
mais aperfeiçoados e a conseqüente era do consumo e do desperdí­
cio de produtos (entre os quais também a informação) propiciaram
o advento de um número cada vez maior de jornais impressos. A
quantidade aumenta a concorrência e a competição leva a quanti­
dade a ser repensada em termos de diferenciação. Cada jornal tenta
encontrar sua própria face ou, pelo menos, traços distintivos que
garantem sua faixa de público. Esta procura de face pode ter uma
gama de variações que vai desde a tentativa de reversão da quanti­
dade em qualidade, ou a intensificação de processos verbo-visuais
no uso substantivo do espaço-folha, do tamanho dos tipos, da inte­
gração imagem-palavra, até os jornais que manipulam
52 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ DIAS 53

sensacionalisticamente as manchetes, apelando para um público consciências que podemos ter do mundo: pela denúncia do verismo
incauto que consome ficção espalhafatosa como se fosse notícia . como duplicação de aparências falsas (porque meramente aparen­
Outro lado do problema: o advento dos meios eletrônicos veio, tes); pela exploração de novas estruturas de linguagem que trans­
sem dúvida, se não roubar, pelo menos transformar alguma das tornam hábitos adquiridos, desmascarando o que o discurso esta­
funções que o jornal detinha quase hegemonicamente. Tendo nos belecido cala ou camufla; pela busca de uma readaptação
dotado do poder da multilocação, a televisão nos permite participar (homeostática) de nossa linguagem no mundo etc.
dos acontecimentos, até para além da esfera terrestre, no momento
mesmo em que são vivenciados. Isto parece funcionar como uma PARA FECHAR ESSE PARÊNTESES
faca de dois gumes para o jornal. Se, por um lado, a notícia da Neste acelerado século em que cada vez mais deixa de existir
televisão funciona como um aperitivo que pode conduzir a curiosi­ o tempo para passar o tempo, ou em que a TV preenche quase
dade do receptor a uma busca de complementação da informação hegemonicamente esse tempo, pereceu o romance como desfastio
por parte do jornal, por outro lado, cria a exigência de que a infor­ ficcional ou como imitação da realidade. E a literatura na sua emer­
mação jornalística não fique meramente no nível de vitrine dos fa­ gência de perdas (não apenas para o jornal, mas também para o
tos. cinema, rádio, televisão) morreu como linguagem institucionalizada
Um pequeno paralelo retrospectivo talvez nos leve a enxergar (voltaremos a isto).
com maior lucidez a problemática atual do jornal. O jornal, por seu lado, após um primeiro momento (suas fases
ainda artesanais) de importação de beletrismo literário, foi gradati­
vamente desenvolvendo seu próprio know-how (pós-industrializa­
VOLTEMOS UM SÉCULO NO TEMPO

Ao se crer reprodutora do real, com as ferramentas de uma ção) buscando para si uma imagem de objetividade, economia e
observação crua do presente em estado bruto, a literatura viu seu imparcialidade que o mosaico jornalístico parecia realizar, satisfa­
desejo de transparência realista denunciado como ilusão de ótica zendo a necessidade de condensação infomiativa e fornecendo ao
nos falseamentos em que caiu o naturalismo. Por outro lado, obri­ leitor doses cotidianas para sua reserva de acontecimento - (fic­
gada a ir cedendo ao jornal uma tarefa que este, por sua própria ção).
natureza, poderia mais eficazmente realizar (no seu registro dos
acontecimentos na dinâmica mutável e autocorretora do dia-a-dia),
CHEGAMOS AO PONTO DE REATAR AS PONTAS COM O PRESENTE
a literatura descobriu nas raízes de seu autoquestionamento a cons­ Quando os meios eletrônicos tiram do jornal impresso o pri­
ciência de seu ser-linguagem: o realismo do discurso. Tanto é as­ meiro lugar na fila dos acontecimentos, a necessidade de veicular
sim, que as melhores obras que chamamos realistas nos colocam informações que cheguem além de um mero mostruário de fatos
face a face com o realismo da linguagem: obriga o jornal a penetrar a crosta aparente dos fenômenos - e
- cf. os ritmos da dicção flaubertiana numa mudança de agora é sua vez de questionar sua própria ilusão de imparcialidade
movimentos sem aviso prévio, numa suspensão do fio narrativo (de objetiva, repensando suas funções e seu ser de linguagem. Já se
enredo) que tensiona os registros de linguagem desromancizando o toma possível delinearmos algumas reações que o jornal tem reve­
romance; lado diante de seu próprio impacto. Está se tomando voz quase
- cf. os silêncios reticentes de Machado que abalam profun­ corrente que muitas das realizações da linguagem jornalística pou­
da e surdamente a função narrativa, fazendo evadir o sentido para co ou nada têm a dever a uma criação literária.
zonas que se mantêm aquém ou além de cenas meramente episódicas.
Enfim, levada a contar de um modo que o jornal não podia e MAS ••• EXAMINEMOS A QUESTÃO MAIS CUIDADOSAMENTE
nem tinha por função contar, a literatura entrou num corpo a corpo Em primeiro lugar, essa voz quase corrente vem confirmar a
primordial com a linguagem desvelando simultaneamente novas
54 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 55

colocação de McLuhan de que o advento de um meio tende a fazer caracteíizam (hoje, mais do que nunca, e no Brasil) a função do
ver o meio anterior como arte. Não resta dúvida que a instantaneidade jornal. Isto porque o processo criativo no jornalismo é tanto mais
de produção da linguagem televisiva, nos seus processos de criativo quanto mais despertar para uma vinculação crítica com o
impromptu, desloca por contraste as produções jornalísticas para imediatismo dos acontecimentos, pois o jornal trabalha dentro de
um estatuto quase artesanal. Daí a aproximação imediata do jornal uma função-compromisso social explícito: gerar no seu mosaico
com a literatura, pois esta, assim como a arte em geral, tal como do mundo-de-cada-dia a visão crítica da atualidade.
foram concebidas, antes da reprodutividade técnica, se afiguram E o jornalista, deste modo, não é apenas aquele que escreve,
como embriões legítimos do artesanato. Assim é que, pelo fato de ou que configura mensagens, mas aquele que, para tal, deve ser não
se tratarem ambos - literatura e jornal - de linguagens impres­ um espectador impessoal, mas um decodificador de fatos, isto é, o
sas, nada mais natural que se tome a literatura como referente das leitor da trama (linguagem) do real. Seria exigir muito? Não, se nos
realizações criativas no jornal, do mesmo modo que é comum se afir­ lembrarmos que os fatos e o papel que os registra compõem o coti­
mar diante de uma fotografia bem realizada: "Parece uma pintura". diano dos jornalistas, o que deveria permitir a entrada diária no
No entanto, cumpriria perguntannos: qual literatura? qual pin­ jornal e entre os jornais de uma função corretora de seus auto­
tura? Porque o simples fato de que as comparações ocorrem tão enganos diante dos acontecimentos. Só isto libertaria o jornal de
naturalmente deixa entrever que, para muitos, se trata de uma pin­ seu mito de verismo, substituindo uma visão apaziguadora ou
tura e de uma literatura institucionais, já diluídas, degustadas, sem pseudocrítica do real pela consciência de que o jornal propõe uma
o mistério, o enigma e desafio que caracterizam atos criadores de organização mutável de dados provisórios do dia-a-dia, na busca
linha de frente, antenas vivas do organismo social. Por outro lado, de uma verdade que recua porque seu encontro é a busca.
o imediatismo daquelas comparações parece ignorar o fato de que
nosso século nos coloca dentro do confronto não apenas de duas "E TODO O RESTO É LITERATURA?"
linguagens, literatura e jornal, mas da coexistência não passiva de Os saltos e golpes dos caminhos por que tem passado a litera­
uma série de linguagens que se interpenetram, gerando processos tura contemporânea têm desnorteado qualquer tentativa de explica­
de migração de recursos, de produção de linguagens intermediári­ ção acabada e definida de seu ser. Correm vozes, tais como: "a
as, híbridas (entre a literatura e o jornal, entre a literatura e o cine­ literatura está morta", "não tem mais função", "o elitismo da lite­
ma, entre o cinema e o jornal etc.). ratura moderna é alienante", "o escritor deve atuar no seu momen­
Mas, por outro lado ainda, é exatamente esse confronto de to histórico", "não há público para essa linguagem esotérica", "a
linguagens que leva cada meio a explorar radicalmente recursos literatura cria seu próprio mundo" etc etc. E essa teia contraditória
que são só seus, que o diferenciam dos demais, garantindo sua so­ e muitas vezes enraivecida de linhas vai compondo uma visão
brevivência e funcionalidade. E assim que o jornalismo se lança à anuviadora, um� espécie de ruptura na nossa retina mental, ao
exploração de seu caráter de montagem gráfico-visual-imagética, mesmo tempo que, talvez, nessa tensão confusa se torna possível
configurando processos simultaneístas, contrapontísticos que pro­ "divisar algumas luzinhas divididas" (para falar como Riobaldo).
curam tirar um máximo de efeitos significativos de seu espaço O entrechoq ue dessas vozes parece sintomático de que muitos
mosaiqmco. não interiorizaram ainda a função primordial do jornal (nem mes­
Cumpre, no entanto, salientar que tais realizações só se tor­ mo num momento em que a TV veio radicalizar essa função): ensi­
nam realmente efetivas no jornal (como jornal) na medida em que nar a ler (apalpar) mosaiquicamente o mundo. O grande intercâm­
não visem simplesmente um "decor" chamativo, mistificador, mas bio do jornal com a literatura parece deste modo estar sendo igno­
saibam tirar partido desse campo de relações entre a palavra, a rado : só uma leitura simultaneísta e compressiva de mosaico per­
imagem, a arquitetura gráfica, fazendo germinar nos interstícios mite entreluzver a constelação de rupturas que tem configurado a
do dito e do entredito as raízes críticas que fundamentalmente literatura de nosso século.

...
56 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ DIAS 57

A progressão crescente de novos meios e novas linguagens que poderíamos denominar enclaves de invenção que rompem
que produz uma dinâmica de reajustamentos constantes nos meios as barreiras entre as artes e entre os signos, subvertendo estereóti­
já existentes, não poderia deixar intocável a aura literária. Ao con­ pos estruturais e o conseqüente entorpecimento de nosso estar no
trário, o poder dos outros meios (e aqui poder também no sentido mundo. Soa elitista? Ou o tachar de elitismo não é em si mesmo
de complexo econômico) demonstra, por oposição, a patética fragi­ profundamente indiciador de uma letargia que impede nossos senti­
lidade. da literatura. Porém, paradoxo: só a autoconsciência dessa dos de se entregarem ao desafio de questionar um mundo comprado
fragilidade pode desentranhar forças vivas. pronto que prescinde de nossa intervenção sensória, motora, lúdica,
A literatura não foi devorada pelos outros meios, seu proces­ corpo a corpo?
so de autodevoração esteve sempre à frente, compondo flagrantes São enclaves qu• resistem a rótulos e engavetamentos, impos­
de seu poder de pré-sentimento do mundo. Não se trata de morte, sibilitando diluições imediatas:
mas de suicídio. Autofagia que se traduz em negação a qualquer - cf. poemas que se transformam em arquiteturas gráficas
tipo de apropriação institucional - mesmo que seja (e antes de ou em móbiles táteis;
mais nada) a da própria literatura: resistência bruta à - cf. prosas que se recusam prosear;
compartimentação e sedimentação, esforço por se manter "à mar­ - cf. ficções que se negam referenciar fatos e reverenciam
gem da margem" de sistemas estabelecidos (principalmente os ar­ em sínteses vertiginosas a memória ESCRITA da humanidade;
tísticos). - cf. contos que fendem a barreira entre ilusão e realidade
Mas a autofagia não se faz sem choques, e internos, pois a par desvelando um outro real nas dimensões intersticiais da palavra e
dessas criações que se alimentam no interdito, aparecem produções da vida.
que visam (muitas vezes ingenuamente) realimentar o estabelecido Não seriam essas as centrais elétricas (Maiakovski) que dis­
- linguagens institucionalizadas para o usufruto de ideologias: tribuem energia inventiva, injetam consciências estruturais em ou­
pedagógicas, morais, religiosas, políticas... Daí, minha pergunta tras linguagens? Outras linguagens que continuamos a chamar de
anterior: mas qual literatura? quando se fala em penetração da lite­ literatura, mas que se trata hoje, na realidade, de produções híbri­
ratura no jornal. das: entre o jornal e a criação, entre a crítica e a criação etc. para
11 não nos alongarmos. Mas, para reatar especificamente o novelo
TODAVIA, 11 M INHA PRÓPRIA QUESTÃO DEVE SER EXAMINADA
que nos toca, acredito que o que se tem chamado hoje de retorno a
COM LENTES APROXIMATIVAS
uma literatura mimética, neo-realista, engajada no momento histó­
Não podemos negar um evidente intercâmbio de recursos e rico, não é outra coisa senão uma produção híbrida entre o jornal e
migração de linguagens que extrapola a mera esfera da relação a criação, cuja qualidade depende de um grau de aproximação maior
jornal e literatura. Um intercâmbio, aliás, que deve ser buscado, em relação à criação e menor em relação ao estereótipo. Não há
pois é na fenda entre dois sistemas de signos e nas brechas do siste­ aqui qualquer tom pejorativo referente a essas linguagens híbridas,
ma instituído que podem germinar novas estruturas de linguagem se lembrarmos a importância do jornal na sua função primordial­
(o estereótipo do novo nasce sempre no interior de um mesmo siste­ mente crítica das circunstâncias.
ma). E é aqui que precisamos um pouco de crítica poundiana nas Mas há que perceber que o que chamei enclave inventivo pa­
vetas. rece hoje caminhar pari passu com a ciência. Se as invenções desta
propõem modelos cognitivos do mundo, pragmatizados pela técni­
"HÁ QUE DIFERENCIAR AS ÁRVORES DA FLORESTA" ca, as invenções da arte propõem modelos sensitivos que os veícu­
los de comunicação podem evitar (de maneira crítica e não decora­
Acredito que realmente morta está a literatura e a própria arte
tiva), configurando novos modos de sentir o mundo (não no sentido
como sedimentação de preceitos e como receituário para se enxergar o
sentimentalóide, mas no sentido de fusão dos nossos sentidos).
mundo "por trás de olhos cegos". Há vida ainda, no entanto, no

..
O signo à luz do espelho
(uma releitura d o mito d e Narciso)

Farei aqui uma inversão. Ao invés de utilizar a Semiótica (que


é a teoria dos signos, isto é, teoria de todas as formas, modalidades
ou tipos de linguagem) como meio de leitura do mito de Narciso,
preferi o contrário: tomar o mito como meio de explicitação daqui­
lo que, no meu modo de ver, subjaz na raiz de todo processo de
linguagem. Trocando em miúdos: considero a estrutura lógica des­
se mito como paradigmática, exemplar e, portanto, hábil para ilus­
trar uma questão que está na medula mesma de toda e qualquer
atividade de linguagem. Para tal, é necessário que façamos uma
pequena viagem pelas entranhas do signo. Ao final dessa viagem,
espera-se que esta inversão apareça como uma estratégia capaz de
revelar que a lógica embutida nesse mito é aquela que talvez mais
fundo mergulhou nos meandros mais recônditos da condição hu­
mana, ou seja, a condição de trazermos imprimida em nossa natu­
reza a marca que faz de nós seres simbólicos, seres de linguagem.
OS INTERIORES DO SIGNO

O signo como entidade elementar de toda e qualquer lingua­


gem é alguma coisa que representa uma outra coisa para alguém.
Quando digo que o signo é alguma coisa, quero dizer que todo
signo é, em si mesmo, uma realidade concreta, material, física. Essa
materialidade pode tomar corpo, por exemplo, na fala oral, escrita
ou impressa. Os sons, que emitimos ao falar, são realidades fisicas,
a palavra inscrita em pedra, couro, papel ou tela eletrônica é um
corpo material e sensível, como são materialidades sensíveis todas
as outras formas de linguagem. Enumeremos algumas: a
gestualidade ou paisagens em movimento que o corpo e o rosto vão
desenhando em contraponto com o som da voz; as formas rítmicas
que o corpo plasticamente configura na dança; uma simples man­
cha de cor num papel ou vídeo, além de todos os desenhos, formas,
60 LÚCIA SAN TAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 61

imagens e gráficos que, desde as grutas de Lascaux, vêm cinema, televisão, até a holografia, que se tomam capazes de
crescentemente povoando a face do mundo. Enfim, seja em som, ilustrar exemplarmente essa que' tão. Mal podemos hoje avaliar o
massas físicas, linhas, cores, luzes, volumes, movimentos, o signo enorme impacto sobre o ser humano provocado pela invenção da
é sempre uma realidade material, concreta. fotografia. Por se tratar de uma fixação fotoquímica dos sinais de
Contudo, um signo só é signo porque esse corpo material que luz emitidos pelos próprios objetos do mundo, à maneira de um
o constitui está para alguma coisa que não é ele mesmo. Ele só espelho, a fotografia estabelece uma conexão tisica, dinâmica,
funcióna e age como signo porque substitui, representa, está no factual e existencial com os objetos reais que ela registra. Não foi e
lugar de alguma coisa que não é ele. Nessa medida, o signo é tão não continua sendo casual a euforia dos ingênuos e incautos diante
material quanto tudo aquilo que chamamos de realidade, ao mesmo da fotografia: através de um processo fisico-químico de correspon­
tempo que carrega o poder de representar para alguém isso mesmo dência ponto a ponto, finalmente é a própria realidade que o ho­
que é chamado de realidade. Seu caráter, portanto, é o caráter de mem se tomou capaz de flagrar. Parece, enfim, transposta a brecha
um duplo. Sem deixar de ser ele mesmo, ele simultaneamente re­ da diferença entre o signo e o objeto por ele representado.
presenta, substitui, aponta para, ocupa o lugar de um outro que Não é também casual o processo de aperfeiçoamento das ima­
está fora dele. gens técnicas. É a realidade "tal qual é" que precisa ser agarrada,
capturada. Se o mundo é para nós colorido, a fotografia imediata­
mente virou cor. Se o mundo é dinâmico, o cinema tratou de pro­
A I MAGE M DO ESPELHO

Por volta de fins dos anos 20, um pensador marxista russo cessar as imagens num movimento fiel ao movimento das coisas tal
(ligado ao Círculo de Bakhtin), V. N. Volochinov, forneceu-nos do como ocorre nas cenas da nossa percepção real. No entanto, falta­
signo uma definição imagética capaz de esclarecer com precisão a va ainda vencer o descompasso do tempo. Veio, então, a televisão:
duplicidade paradoxal do signo como algo que é, a um só tempo, o mundo flagrado no instante mesmo �o seu ir existindo. Vivemos,
ele mesmo e um outro. A definição fornecida por Volochinov apro­ contudo, num universo tridimensional. Cumpria vencer a barreira
xima-se daquela que nos é dada pelo funcionamento do espelho. bidimensional da imagem. Inventou-se a holografia e nela a im­
Todo signo é, em maior ou menor medida, uma espécie de imagem pressão, por fim, de que o mundo foi capturado na sua condição
especular: o signo não é apenas um corpo fisico que habita a reali­ volumétrica real. A fascinação e hipnotismo que a holografia hoje
dade, mas também é capaz de refletir essa realidade de que ele é nos produz deve provavelmente apresentar semelhanças com o efeito
parte e que está fora dele. provocado pela fotografia em nossos antepassados.
Ao refletir, no entanto, o signo, necessariamente e sem esca­
patória possível, também retrata essa realidade, isto é, ao refletir o
A CENA DA REPRESENTAÇÃO

signo transforma, transfigura e, até um certo ponto e numa certa Entretanto, por entre esses antepassados, alguns menos ingê­
medida, deforma aquilo que ele reflete. Esse processo é inevitável nuos, na maior parte artistas e pensadores, introjetaram critica­
pelo simples fato de que por mais aproximadamente fiel que o sig­ mente a invenção da imagem técnica, convertendo-a e traduzindo-a
no possa ser em relação àquilo que ele reflete ou representa, ele não instantaneamente em termos de consciência de linguagem. Enquan­
pode ser, em si mesmo, esse outro. Sendo sua função a de represen­ to os ingênuos se compraziam na festa ilusionista da realidade, es­
tar, o signo só pode expressar, substituir ou, quando muito, apontar tes tiraram proveito da ilusão para virá-la do avesso, descamando
para esse outro. Entre o signo e aquilo que ele representa abre-se a a cena da representação. Mas que cena é essa? Não parece ser
brecha, o hiato, a fissura da diferença. outra senão aquela que habita o coração do mito de Narciso e que,
como todo mito, cifra no seu bojo a sabedoria de um ensinamento.
É assim que, enquanto os hipnotizados acreditavam ter, na
I MAGE M TÉCNICA E REALIDADE

Mas são as imagens técnicas, essas que vão da fotografia, fotografia e congêneres, a própria realidade diante dos olhos, os
62 LÚCIA SANTAELLA CULllJRA DAS MÍ DIAS 63

artistas, por seu lado - estes que, por fatalidade congênita, estão aberta entre signo e realidade, colocando-nos cara a cara com a
vetoriados exatamente para o pulsar da brecha entre signo e reali­ fugacidade do vivido e dilatando a nossa consciência da morte. Se
dade --, foram, sem muito alarde, povoando o mundo com novas o registro técnico é capaz de congelar o instante num flagrante eter­
versões, releituras do mito de Narciso. (Parece estar certo Borges no, esta eternização inevitavelmente aponta para seu avesso: a
ao dizer que as grandes metáforas, leituras do mundo, são poucas, irrepetibilidade e morte irremediável do flagrante capturado. A vida
muito poucas, e quase todas se perfizeram no mundo grego. O resto aparece para morrer a cada instante. O que a imagem captura é o
são reapresentações dessas metáforas sob uma nova entonação.) rapto da vida. Esta que é habitada pelo tempo e que se consuma
Não é por acaso que é contemporânea à invenção da fotogra­ como morte em cada átimo de tempo. Não é preciso mencionar
fia a invasão dos duplos na literatura de que a obra de Edgar Poe é aqui o quanto estamos perto daquela superstição primitiva de que a
exemplo exemplar. São esses duplos justamente que, quando lidos imagem rouba um pedaço da vida. Não é preciso enfatizar que é
à luz do signo, ou melhor, à luz do espelho sígnico, escancaram por este caminho que encontramos uma das portas de entrada para
para nós a fratura da linguagem. Senão vejamos. o coração de Narciso. Aliás, sob este aspecto da dialética morte e
Por mais tisica e quimicamente perfeito que possa ser o regis­ vida inclusa no signo, foi através de um novela de A. B. Casares, A
tro de um objeto, situação ou aquilo que chamamos de realidade, invenção de Morei, por nós considerada uma das mais perscrutantes
este registro não é "a realidade". Um simples passeio pelos interio­ versões contemporâneas do mito de Narciso, que essa porta de en­
res da representação nas imagens técnicas é, por si só, capaz de trada nos foi aberta.
tornar evidente essa questão. As imagens são produzidas por apa­ NARCISO REENCENADO
relhos que, por sua própria natureza, têm potencialidades e limites
e, como tal, só podem registrar o "real" numa certa medida e dentro Trata-se, na novela, da invenção de uma máquina fantástica,
de uma certa capacidade. Esses aparelhos são máquinas que neces­ muito mais fantástica do que sonharia qualquer holografia. En­
sariamente introjetaram sistemas codificados de representação que, quanto na representação holográfica tem-se o registro em luz
longe de nos fazer ver o "real" tal qual, ao contrário, representam­ impalpável e flutuante da tridimensionalidade dos objetos, a inven­
no de acordo com a mediação de uma determinada codificação da ção de Morei, por sua vez, vai muito além. Essa máquina é capaz
visualidade. Isso, se não enfatizarmos o fato de que esses registros de registrar cada coisa e cada ser existente não apenas no seu volu­
dependem do ponto de vista do observador, da visão de mundo que me e proporção tridimensionais reais, mas em toda a sua completude
sua condição de classe social lhe dá, do enquadramento e angulação de ser, até o limite da sutileza do cheiro e da transpiração. Cada
escolhidos, enfim, revelam alguns traços do "real", ocultando ou­ situação e instante vivido, ao ser colhido pelo registro dessa máqui­
tros, conforme já o demonstrou lucidamente Arlindo Machado nb na, pode se repetir ao infinito. Premiada parece, enfim, a vida pela
seu ensaio sobre A ilusão especular na fotografia (Brasiliense). eternidade. No entanto, algo estranho começa a acontecer. Cada
Esses registros são, portanto, duplos. E, diante desses duplos, a palmo de terra, a vegetação, as plantas, flores e seres humanos que
realidade é aquilo que continuamente escapa, recua, escorrega. foram capturados e, portanto, duplicados por esse registro infinita­
Por outro lado, enquanto esses duplos podem ser reproduzi­ mente perfeito e repetível, começam a passar por um lento proces­
dos e reencenados indefinidamente (esse o caráter primordial da so de extinção até o desaparecimento na morte. Nos seres huma­
imagem técnica), o objeto do registro, o objeto da representação, nos, a deterioração inicia-se pela extremidade dos dedos: a morte
ou seja, a chamada realidade, por ser aquilo que foi capturado e de fora para dentro.
congelado no flagrante do registro, é justo aquilo que não pode ser Conforme se pode ver, na mais fantástica metáfora ficcional,
repetido, que ficou para trás e, como tal, já morreu . o que se tem aí denunciada é a impossibilidade de se subverter o
Como se pode ver, quando mais estreitado aparece o vínculo caráter do signo como duplo, visto que se este, o signo, fosse capaz
tisico entre o registro e o objeto registrado, mais se alarga a fenda de atingir a mais absoluta identidade e completude em relação ao

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66 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 67

uma imagem integral de si, que fatalmente nos aparece sob forma
de miragem e eclipse, relâmpago e escuridão. Trata-se do enigma da consciência (lá onde falam as pulsões), sobre as quais não pode­
de se conhecer a si mesmo que inevitavelmente nos aparece como mos exe �cer autocontrole e em relação às quais o eu é uma espécie
um mosaico, colcha de fragmentos cujas formas, a cada instante de de barqmnho navegando em águas tempestuosas.
cada hora, incessantemente para reconstituir, reconstruímos. O jogo p arece infernal. Não por acaso o "conhece-te a ti mes­
. Conhecer o próprio eu é traduzi-lo em pensamento. O eu re­ mo" persegue a vida de cada se r e a vida da humanidade inteira
presentado no pensamento não é o mesmo eu que pensa. Ambos desde tempos imemoriais. Não é senão sob a insígnia da alteridade
parecem se cruzar, m as só parecem. Tangenciam-se, apenas, pois �ediação �o outro do e u p�ra o eu, que Lacan estruturou seu mag�
entre o eu que pensa e o eu objetivado no pensamento, introduz-se �tfic� ensa,� so�re o Estagw_ do espelho, no qual a constituição da
o im perceptível descompasso da temporalidade: o jogo do tempo. 1dent1dade d1alet1camente se mstaura na fratura da alteridade. Não
O eu, enquanto pensa, é presente vetoriado para o futuro e, portan­ n?s dete remos em comentários sobre �sse ensaio, visto que os espe­
_ A mmto melhor do que nós. Segui­
to, está sempre além do eu objetivado no pensamento que está sem ­ c1ahs� em Lacan podem faze-lo
pre aquém (já é passado). Esse eu que pensa caminha incondicio­ mo�, pois, para uma outra breve consideração que, então, nos colo­
nalmente no fluxo do tempo. Para observar o eu como objeto do cara frente a frente com o mito de Narciso.
pensamento, uma ação reflexiva tem de ser executada. Nessa ação
reflexiva o eu irremediavelmente se duplica. Há um eu que segue
AMOR COMO ESPELHO CRUZADO

avante na corrente da vida, ao mesmo tempo que se volta para o Queremos nos referir à fascinação que o sentim ento de amor
próprio pensamento a fim de observar a imagem do eu que aí se exe rce sobre nós. Trata-se aí talvez (digo talvez porque nesses te r­
proj eta. Nessa image m, o eu necessariamente aparece como outro, _
� � mov �1�?S n ada afirmo, só formulo hipóteses) de uma das
diferente daquele eu que, enquanto pensa, avança no fluxo da vida.
e os
urucas poss1b1hdades ( outra seria a da criação) de estreitamento da
E porque avança pensando, só pode conhecer a im agem do eu que fen<!3- do eu que, como alteridade, atravessa a identidade. "A reali­
se objetiva no pensamento, traduzindo-a num pensamento subse­ zaçao �o �or", nos diz L�can, "não é fruto da natureza, mas da
qüente. Não apenas o pensamento é diálogo, o próprio eu é dialógico. graça, tsto e, de um acordo mtersubjetivo impondo sua harmonia à
Pensar o eu é inevitavelmente apreendê-lo como um outro do eu. _
natureza dtlace rada que a suporta."
Este outro funciona como uma espécie de signo, isto é, como uma
. Para co�preendermos essa harmonia, basta lem brar ou ima-
representação do eu para si mesmo. A auto-identidade está, portan­ gmar a marca mconfundível do amor na face dos olhos do outro ao
to, fraturada pela diferença e alteridade. E essa alteridade �ão se �e endereçar para o eu. O que essa marca projeta não é senão a
reduz à atividade do pensamento, mas penetra também pelos mean­ im age� do eu imprimida na te la do olhar do outro. Mas Lacan fala
dros desse grande mito que chamamos de sentimento. Sentir é aqui­ �a re�hzação do amor, o que pressupõe a reciprocidade. Temos de
lo que consubstancia e dá corpo ao eu que avança no fluxo da vida. unagmar, portanto, dois olhares que se cruzam e sintonizam na
Ao mesmo tem po que o sentir não pode ser separado do pensamen­ troe�. �o ponto e:'ato desse cruzamento (algo semelhante às bodas
to porque o eu avança pensando, o sentir se constitui numa espécie alqmm1cas de do �s corpos que se abraçam), é que se instaura a
de contraponto melódico do pensamento e, com o tal, é justamente c��ce de h�1:11om�, sobrepondo-se ao dilaceramento de nossa con­
aquilo que não dá para ser pensado. Pensar o sentimento é transfor­ _
dtça? s1mbohca: a imagem do outro que seu olhar projeta se cruza
mar sentimento em pensamento e, portanto, perder exatamente aquilo nas imagem do seu eu projetada pelo olhar do outro.
que faz dele sentimento. Isso, se não mencionarmos que cada pen­ Não é dificil pe�ceber que Narciso se esvai pela carência des­
samento se faz indissoluvelmente acom panhar por uma tonalidade se cruzam �nto. Narciso se esquece de si porque confunde sua im a­
de sentimento que lhe é própria. Isso, se não mencionarmos que o �em, um signo d? eu, com o próprio eu. Aliena-se no signo, toma a
sentir congrega todas as camadas mais profundas e mais indefinidas imagem por reah�de e desvanece como objeto, isto é, como reali­
dade que, fora da imagem, determina a imagem . Perde-se de si por
68 LÚCIA SANTAELLA

não perceber a fenda, a brecha da diferença entre o próprio eu, este


Pós-modernidade: alguns pingos nos is
que avança no fluxo da vida, e a imagem (representação) do eu.
Perde-se por não perceber a imagem como outro do eu, isto é, frag­
mento parcial e incompleto que, como toda imagem, pode estar no
lugar do eu, substituí-lo, representá-lo, sem que, no entanto, possa
ser o .eu. Perde-se, enfim, porque lhe falta a experiência amorosa,
essa via cruzada na qual, tal como Narciso, também nos perdemos, O pós-moderno está aí. Debate que fervilha em várias partes
mas diferentemente de Narciso, nos perdemos para nos ganhar. Única do mundo. Para fingir que é questão da menor importância não dá
instância talvez, em que nos perdemos no outro enquanto o outro se mais. Ridicularizá-lo, por outro lado, é apenas uma máscara de
perde em nós. Unica instância, sempre muito frágil, tenra e transi­ pretenso desprezo para escamotear aquilo que, no fundo não é se­
tória, em que nosso ,olhar é o espelho do outro, enquanto o olhar do não a ignorância. Detratá-io, com todas ou algumas l;tras, num
outro nos espelha. Unica instância, enfim, em que, num lampejo, a extremo, ou bater palminhas apologéticas, no outro extremo. não
fenda da alte1idade estreita-se até a fina película da quase identidade. passam de manifestações da mesma e velha ideologia maniq�eísta
que encontra, agora e como sempre, no Brasil, solo fértil para sedi­
mentação.
Em meio a uma complexa constelação de questões que o pós­
moderno está trazendo para as discussões mais atuais, uma coisa
parece certa: embora seja uma condição histórica que não se limita
a qualquer fronteira nacional, cada país ou cultura está fazendo
de!e. uma l�i� ra muito peculiar, num defrontamento com a proble­
mat1ca pohttco-cultural que é própria de sua conjuntura. Diríamos:

c� país está trazendo sardinha do pós-moderno para sua pró­
pna brasa (ou para aquilo que lhe abrasa). Creio que estamos em
tempo e hora de encontrar com que configurações aparecemos na
constelaçã� (o� �om que _ ela aparece a nós), a menos que queira­
mos_ ficar tmpav1dos e stlentes, enquanto vamos engolindo, sem
�eshnde� e sem alarmes críticos, festejadas manifestações das prá­
ticas mais conservadoras e imitativas do pós-moderno como se fos­
sem seu cantinho exclusivo.
UM POUCO DE SUA HISTÓRIA

Pode-se dizer que, a despeito de sua desavença fundamental


m
C? , �s destinos da nossa história, o pós-moderno já fez e já tem
histo_na. Segundo nos informa A. Huyssens (1 984 ), em seu longo
ensaio "Mapeando o pós-moderno", no contexto norte-americano
o term� já era usado na crítica literária, nos anos 50, por I . Howe �
H. Levm. Nos a.11os 60, reapareceu enfaticamente nos trabalhos de

L
70 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ DIAS 71

críticos literários, tais como L. Fiedler e I. Hassan que tinham idéi­ política da teoria: posições ideológicas no debate pós-modernista"
as bem divergentes do que uma literatura pós-moderna seria. Inte­ parece profundamente iluminador, na medida em que consegue ar­
ressante notar que, já em 1965, a publicação de um artigo de L. mar um diagrama de relações entre as diferentes posições assumi­
Fiedler, denominado "Os novos mutantes", com o uso exacerbado das nos discursos sobre o pós-moderno, revelando, pelo confronto,
do pós (pós-branco, pós-macho, pós-humanista, pós-puritano etc.), não apenas as divergências, mas também as implícitas inclinações
num-tom celebratório e salvacionista, alimentado pela iconoclastia políticas que aí se digladiam.
pop e pelas esperanças da contracultura, produzia profunda reper­ Segundo Jameson, há fundamentalmente quatro posições ge­
cussão. rais, e cada uma delas é suscetível de uma expressão politicamente
Mas foi nos inícios dos anos 70 que o termo adquiriu força, crítica ou reacionária, o que nos dá a possibilidade de oito varia­
primeiro na arquitetura, então na dança, teatro, pintura, cinema e ções. Há, assim, os defensores do pós-moderno a partir de um pon­
música. Em fins dessa mesma década, o pós-moderno já havia en­ to de vista antimodernista. Sua expressão até um certo ponto críti­
contrado suas vias de penetração na Europa e, a partir de Paris e ca, principalmente na arquitetura, R. Venturi ( 1972), C. Jencks
Frankfurt (com Lyotard e Habermas, principalmente), o termo pas­ ( I 977), P. P. Portoghese ( 1981), por exemplo, manifesta-se na au­
sou a intensificar sua feiyão de debates controversos e sência de qualquer celebração utópica do pós-moderno, aliada a
posicionamentos divergentes. E assim que, nesta primeira metade um novo sentido do universo urbano oposto à ortodoxia do moder­
da década de 80, a constelação modernismo/pós-modernismo, nas nismo que, na proliferação desmesurada de arrogantes e monumen­
diferentes artes, e modernidade/pós-modernidade, na teoria social, tais caixas de vidro, transformou as cidades em gigantescos em­
tomou-se um dos terrenos mais debatidos na vida intelectual de blemas dos poderosos. Esta posição, no entanto, pode ser posta a
vários países. E, segundo Huyssens, os debates se expandem preci­ serviço de uma política cultural reacionária, quando a oposição
samente porque aquilo que está em jogo é muito mais do que ape­ crítica (cm T. Wolfe, por exemplo) se faz acompanhar por um ódio
nas a existência ou não-existência de um novo estilo nas artes, muito apaixonado contra os modernos, o que aliás só reaviva os mesmos
mais do que a simples escolha de uma linha teórica que seja erigida horrores arcaicos que o modernismo, quando apenas emergia, pro­
como mestra e a mais correta. vocava na burguesia e nos espectadores classe média.
A segunda posição caracteriza-se por um pró-modernismo/
anti-pós-modernista. Na sua inclinação conservadora (da revista
DIAGRAMA DAS CONTROVÉRSIAS

Tendo em comum apenas a visão de que o projeto da New Criterion, de H. Kramcr e da exposição Beckmann, Berlim-
modernidade agora aparece como profundamente problemático, no 84, por exemplo), esta posição tem por finalidade denunciar a ir­
contexto mais recente, é tal a diversidade de formas e produtos responsabilidade e superficialidade do pós-moderno em geral, atra­
artísticos e culturais que plausivelmcnte poderiam ser caraterizados vés da reafirmação de um modernismo domesticado, desprovido de
como pós-modernos e é tal a variedade de perspectivas, que os dis­ sua ponta cortante, cuja tradição deve ser impecavelmente preser­
cursos teórico-críticos apresentam sobre a questão, que o conceito vada. No seu lado progressista, essa posição vai encontrar seu maior
mesmo de pós-moderno está se tomando cada vez mais antagônico representante na figura de Habermas ( 198 1).
a se transformar em nova fonte de totalização, em se erigir como Concordando-se ou não com os argumentos de Habcrmas, sua
prática e/ou discurso monolítico que assuma o domínio do campo entrada no debate teve, pelo menos, o mérito de tomá-lo menos
cultural e social. De fato, percorrer o caminho dos diferentes ensai­ simplista. Até então, o pós-moderno estava reduzido, especialmen­
os e livros sobre o assunto, é se dar conta da relativização e desafio te nos Estados Unidos, a um jogo de mero descarte: ou o pós-mo­
que um pensamento impõe sobre outro, gerando uma polifonia de derno era, de saída, tirado de campo como uma fraude e o moder­
vozes que repele a veleidade dos exclusivismos unívocos. nismo erigido como verdade universal, ou o modernismo era con­
Sobre esse aspecto, o artigo de Frcdric Jamcson ( 1984) "A denado como elitista e o pós-moderno aplaudido como populista,
CULTURA DAS M Í DIAS 73
72 LÚCIA SANTAELLA

A visão negativa da posição de Lyotard pode ser encontrada


ou então, havia a proposição leviana de um "vale tudo" que nã,? era em todos os neolukacsianos que, repudiando as formas modernis­
senão a versão cínica do capitalismo consumista (obsolescenc1a tas como réplicas de reifícação da vida capitalista, vêem o pós­
programada) para a qual nada vale. , _ moderno como mera degeneração dos impulsos já estigmatizados
Com Habermas, a reafirmação do valor moderno e o repudio do próprio modernismo. Tendo como representante central o arqui­
das práticas e da teoria do pós-moderno serviram para ?�nuncia � a teto veneziano M. Tafuri, esta posição se enquadra na moldura
crescente aliança, principalmente na Alemanha, das praticas, a_rt1s­ conceituai de uma tradição marxista clássica para a qual não há
t i c a s e culturais pós-modernas com as forç as polit1cas qualquer possibilidade de transformação radical da cultura, antes
ncoconservadoras. O resgate do poder utópico, crítico e essencial­ de uma revolução radical das relações sociais elas mesmas.
mente negativo (opositivo) do moderno, proposto por Habermas, O que o conflito entre todas essas posições, e especialmente a
está ancorado na sua visão da história que procura manter a pro­ querela entre Habem1as e Lyotard (em cujos detalhes não entrarei
messa do liberalismo e as heranças do iluminismo que encontrari­ aqui), evidenciam é que as posturas assumidas diante do pós-mo­
am suas formas de objetivação no proj eto emancipatório ?ª derno estão vinculadas a leituras e visões diferenciais do próprio
modernidade. A questão central formulada por Habermas, ou seJa, modernismo que, aliás, abrigou um fogo cruzado de tendências e
até que ponto o pós-moderno é uma revolta contr_a f�lên�ia da
ª, vertentes, ficando longe de ser o monolito a que muitos tentam re­
razão e cm que ponto tais revoltas se tomam reac1onanas, e uma duzi-lo. Nessa medida, compreende-se porque o pós-moderno pa­
questão fortemente marcada pelo peso da história alemã recente.
rece exigir indagações peculiares que, no confronto e tensões com a
Segundo Jameson, a situação nacional, em que Habermas pensa e
produção extranacional, levem em consideração os caracteres his­
escreve, ancora suas denúncias, uma vez que as formas do moder­ tóricos dos caminhos e contradições da modernidade e modernismo
nismo crítico podem lá reter algo do poder subvertor que perderam
e do binômio moderno/pós-moderno em cada país no qual essa in­
em alguns outros lugares.
dagação se opera. Estão fora de letra, portanto, as litanias de um
Passemos, pois, à terceira e quarta posições. Enquanto as duas
projeto totalizador unificado, assim como a grandiloqüência
primeiras caracterizam-se pela aceitação de um novo termo como
empobrecedora de julgamentos totalizadores absolutos.
expressando alguma ruptura decisiva em relação ao moderno, as
duas outras posições repudiam tal ruptura histórica, pondo em ques­ E NO BR<\SIL?
tão a utilidade mesma de categoria do pós-moderno. Nessa medida,
o pós-moderno não seria senão uma crise ou ciclo inscrito na con­ Limitando-me àquilo que explicitamente aqui se colocou sob
tinuidade histórica do próprio modernismo. Dentro dessa concep­ a égide do "pós" e que recebeu alguma forma de publicação (com a
ção, mas com uma proposta das mais engenhosas, encontra-se F. ressalva de que apesar do esforço para evitar lacunas, estas são, em
Lvotard ( 1979, 1984). geral, inevitáveis), penso que o primeiro crítico a utilizar a denomi­
· Fortemente marcado por uma v isão l i bertár i a do nação pós-moderna na esfera da arte foi Mário Pedrosa. Conforme
experimentalismo nas artes e da capacidade cult� ral revolucio�á­ atestam os fragmentos de alguns de seus textos da década de 60,
ria das formas anti-representativas, Lyotard aceita o termo pos­ selecionados por Otília B. F. Arantes e republicados na Arte em
modemo mas concebe-o como promessa de um retomo e reinvenção Revista - 7, M. Pedrosa - em antecipação e consonância com
do pode� subvertor do modernismo. Esta acepção profética e aquilo que hoje se tomou típico entre os críticos norte-americanos
regeneradora é, de um lado, inseparável de uma leitura t1p1camcnte - estabelecia, no período que se abre e se segue à pop-arte, o
, marco de passagem do moderno ao pós moderno. Concebendo esse
francesa do modernismo (aliada a alguns pressupostos da estet1ca
adorniana) e, de outro lado, é também inseparável de uma espécie marco como indicador da consumação das experiências estéticas
de fé nas possibilidades inscritas cm novas formas sociais que um do modernismo e como manifestação de "um fenômeno cultural e
período pós-industrial estaria colocando em plena emergência. mesmo sociológico inteiramente novo", Pedrosa caracterizava a arte

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74 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 75

pós-moderna como um novo ciclo de características e finalidades explorando, cm contraponto, as facetas possíveis e prováveis do pós­
diferentes de todos os movimentos que a precederam. modemo.
Quase duas décadas depois, segundo nos informa Antonio Então, em março de 84, na revista Ar te em São Paulo
Bivar no seu artigo "O raio laser é mais bonito do que a Vênus de Annateresa Fabris publicou o artigo "Notas sobre o pós-moderno":
Milo'?"(F'olhetim - 443, julho de 85), em agosto de 82, por suges­ no qual o título parece muito modesto para a pesquisa das mais
tão sµa o pós-moderno foi tema da festa de aniversário da revista sérias que fundamenta o panorama indispensável que a autora nos
Around. Ainda em dezembro de 82, Sérgio Prado lançou no Masp fornece das diferentes correntes e vertentes das práticas e teorias do
o Manifesto pós-modernismo lá � faturo interior aqui. Então, em pós-moderno em várias partes do mundo.
maio de 83, a revista Around realizou um número especial de cará­ Em outubro de 84, Haroldo de Campo publicou, em dois nú­
ter pós-moderno. meros subseqüentes do Folhetim, o ensaio "Poesia e modernidade"
A partir disso, de que tenho notícia, a primeira obra que apa­ que, tendo também como título ' 'O Poema pós-utópico", insere a
receu no Brasil, trazendo contribuições para a questão da pós­ poética contemporânea na constelação de uma modernidade pós­
modemidade, foi o livro Pós-história, de Vilem Flusser, publicado utópica. Em função de uma concepção sincrônica do termo
no primeiro semestre de 83. Pós-história é um mosaico que vaza as modernidade, H. de Campos toma o Lance de dados de Mallarmé
clausuras do conhecimento dito acadêmico: do chão que pisamos como poema que teria conseguido enfrentar "a crise ou a impossi­
ao céu, do nosso saber ao nosso receio, do nosso trabalho à nossa bilidade da epopéia no mundo dividido, cindido da modernidade e
embriaguez, de nossa morada, roupa e encolhimento, até nossas resolver o impasse cm favor da poesia..." a partir do que configura
imagens, nossa escola e nossa espera... tudo isso é visto por uma uma espécie de arqueologia das relações entre poesia e modernidade,
lente que descama as ilusões de um otimismo ingênuo e nos faz avaliando as respostas que poetas de várias línguas e nacionalida­
circular no tecido das contradições e brechas a serem abertas nesta des encontram para o poema-desafio de Mallarmé. Concebendo o
era da informática e automação. poema mallarmaico como inscrito dentro de uma revolução inclu­
Em agosto de 83, Arte em Revista - 7 lançou um número sive epistemológica, que já prenuncia a condição pós-moderna, H.
monográfico sobre o pós-moderno. Com o enorme mérito de ter de Campos recusa a acepção do termo pós-moderno como sinôni­
acionado o debate no Brasil, a revista efetivamente comete o que mo de antimoderno, considerando a transformação com que o pre­
está cônscia de estar cometendo, isto é, ''o pecado por injustiça em sente nos desafia como inauguradora de uma instância pós-utópi­
relação à variedade da produção artística e à complexidade do tema". ca. Exauridas as forças de qualquer projeto totalizador acalentado
Isto talvez se deva ao fato da seleção de obras e textos ter ficado pelas vanguardas e de qualquer promessa (política, cultural ou es­
dominantemente presa às origens, ou seja, ao marco de passagem tética) que acelera a corrida do presente em busca de redenção no
estabelecido por M. Pedrosa, o que leva à falsa impressão de que o futuro, a poética da ''agoridade" é uma poética da "história plu­
pós-moderno no Brasil se limita ao nascimento (morte das van­ ral". Esta, em vez de ensejar os caminhos da abdicação e dos
guardas) e prolongamentos da contraparte brasileira da pop-arte. ecletismos fáceis, incita, isto sim, "à apropriação crítica de uma
De qualquer modo, ficou lançado o desafio para se entender a natu­ pluralidade 1e passados, sem uma prévia determinação exclusivista
reza complexa da continuidade e transformações do pós-moderno do futuro" E assim que H. de Campos encontra na operação tradu­
desde os anos 7 O. tora um dispositivo auxiliar essencial para a poesia pós-utópica do
O desafio não tardou a ser respondido. Em outubro de 83, presente.
Ronaldo Brito publicou no Folhetim o artigo "Pós-moderno: pós, Vale notar que essa concepção de modernidade, vista sob o
pré, quase ou anti?" _ Como o título já indica, evitando os prisma de uma constelação, evita o engodo cm que caíram e ainda
dogmatismos das respostas prontas, de dentro de uma profunda caem muitos dos debates, principalmente entre os norte-americanos,
intimidade crítica com a história da arte moderna, R. Brito foi ao tentarem localizar o pós-moderno dentro de uma linha histórica

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76 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ DIAS 77

periódica. Não resta dúvida qu�, por trás dessa li�a, não está �e­ e desdém, crítica e humor) - a emergência de uma mudança de
_
não uma concepção euro-amencana centrada da h1stona que ve a sensibilidade que no termo pós-moderno, e mais ironicamente em
cultura da modernidade, com seu lado cortante, movendo-se no es­ Póstudo, parece se imantar.
paço e no tempo de Paris, no fim do século XIX e inícios do XX, Não é preciso colocar ênfase no pomo da discórdia que o po­
para Moscou e Berlim, nos anos 20, e para Nova York nos anos 40. ema despertou e que, através da discórdia, fez passar o termo "Pós"
Esta visão, ligada a uma teleologia da arte moderna e que tem s_eu para o domínio público. Em meio às publicações em tomo do poe­
subtexto não dito na ideologia da modernização, só podena re1vm­ ma e muitas vezes do poeta, aponto para uma matéria publicada na
dicar para a cultura americana dos anos 60, na sua insurreição Folha Ilustrada, em 21 de abril de 85 ("Dropes da nova cultura"),
pop-hippie e na sua escatologia tecnocibemética, o nascimento do assinada por Matinas Suzuki Jr. No lance breve e contundente de
pós-moderno. . . apenas dois parágrafos, referentes ao "Póstudo", lindamente se
A visão sincrônica, assumida por H. de Campos, e que 1hum- configura o que está, por-fim e com-tudo, implicado nesse giro
na toda a obra de Octavio Paz, ao contrário, permite entrever que o paradigmático que, pelo menos por enquanto, o termo pós-moder­
modernismo está pontilhado de projetos não programáticos que já no deveria estar servindo para expressar. Com olhos que apaipam e
traziam de nascença a marca da pós-modernidade, na medida em ouvidos que auscultam, M. Suzuki perscruta a realidade dessa con­
que nasciam em estado de crise, carregando dentro de si a antevi�ã_o dição histórica, traduzindo-a numa lúcida síntese de informação
de sua própria morte. Projetos que, entre o tudo e o nada, se eqmh­ sensível.
bravam no quase. Antes desse fervilhamento em tomo de "Póstudo", no entanto,
Ainda no final de 84, foi aqui publicado o livro Da vanguarda em princípios de março de 85, Julio Praza defendeu uma tese Sobre
ao pós-moderno, de Eduardo Subirats. Partindo do pressupos�o de tradução intersemiótica que pela maneira original com que cir­
que o fracasso da modernidade é um fato sobre o qual não p�tram cunscreve a teoria e prática da tradução intermídia como forma de
dúvidas, Subirats delineia os caminhos que levaram a essa cnse ao arte no contexto da pós-modernidade, merece ser mencionada. Par­
pôr em evidência as forças ambivalentes que coexistiram no seio tindo de uma apropriação analógica da concepção p olítica
das vanguardas: de um lado, seu caráter utópico, civilizatório, benjaminiana da história para o terreno estético, J. Plaza concebe
transgressor, crítico e emancipador, de outro, sua inevitável trans­ "o projeto tradutor como projeto constelativo entre diferentes pre­
formação subseqüente em meras atrofias manipuladoras _e sentes e, como tal, desviante e descentralizador, na medida em que,
legitimatórias. Diante do vazio das redenções frustras e do senti­ ao se instaurar, necessariamente produz reconfigurações
mento de niilismo que o acompanha, Subirats propõe "um monadológicas da história". Traduzir implica uma escolha do pas­
redelineamento polêmico da história da arte moderna em busca de sado como modo de interferir na iminência do presente, o que, além
uma nova energia crítica como princípio de resistência e impulso de definir um projeto estético, define também um projeto político,
para o futuro, contra as interpretações acadêmicas vigentes do visto que não é qualquer coisa que se escolhe, mas aquilo que pode
moderno e contra as falsificações praticadas pelos apologistas do incidir criticamente na arte do presente.
pós-moderno". Opondo-se à onda da estilização pós-moderna que se mani­
Em fins de janeiro de 85, Augusto de Campos publicou no festa na bricolagem do pastiche e no historicismo eclético das cita­
Folhetim seu poema "Póstudo". Se está certo P. N . Medvedev ções, Plaza concebe e pratica a tradução como "modo mais atento
( 1978), ao dizer que artista é aquele que flagra e dá forma à sensi­ de ler a história" e de recontextualização cultural das formas artís­
bilidade ainda em geração, ao processo vivo daquilo que apenas ticas. Por se tratar de tradução intersemiótica (entre diferentes
germina no horizonte da criação, penso que este poema de A . de mídias, códigos e linguagens) fica aí implicado também o pensa­
Campos condensadamente encapsula -- no instantâneo de um mento crítico sobre a historicidade dos meios de produção de lin­
jogo cruzado de vozes discordantes (fracasso e riso, esperança guagem, na medida em que estabelece o confronto lúcido e lúdico
78 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 79

dos meios entre si, evidenciando a relatividade dos suportes (arte­


sanais, mecânicos, eletroeletrônicos) e dilatando a noção de arte o enraizamento do pós-moderno na questão que deve provavelmen­
para além da simples eleição de um suporte exclusivo. t� c��stituir seu cerne: a reflexão sobre o tempo. Num mergulho
A tradução intersemiótica aparece, assim, como exercício de dialet1co para dentro da modernidade, evidencia o que dela deve ser
transculturação que, longe de apagar, acentua as tensões entre a re�gatado, n a_ dimensã? diferencial e multifacetada do presente,
história e a arte, o político e o estético, os meios e a interferência evitando assim o esvaziamento de um sentido crítico profundo do
criadora do artista, na medida em que gera formas que se configu­ pó�-modern� qu�, na sua ambigüidade, propõe "a prudência como
ram nos trânsitos e conexões entre diferentes suportes e linguagens, metodo, a 1roma como crítica, o fragmento como base e 0
pondo em xeque as velhas setorizações das dicotomias inoperantes descontínuo como limite"
entre cultura de massas vs. erudita, popular vs. elite, kitsch vs. van­ Logo a seguir, julho de 85, o Folhetim editou um outro
guarda, reprodução vs. arte-aurática, automação vs. artesanato . . . mon?gráfic_o - Pós -moderno, capítulo 2 � que nos dá, então, as
Curioso observar o quanto esse trabalho de J. Plaza está em man1�estaçoes caracter_ ísticas do pós-moderno em campos específi­
sintonia com uma espécie de reviravolta crítica que se opera hoje cos: hter�tura (por Ja1r F. dos Santos), arquitetura (por Ségio Pra­
dentro do próprio pós-moderno e que, segundo nos informa D. Polan do) e meios de massa (por Antonio Bivar).
( 1984), reclama por intelectos inventivas que construam media­ Como se pode ver, queira-se ou não, pelo menos há mais de
ções entre setores outrora separados, criando novas formas de prá­ um ano, a questão do pós-moderno parece ter esquentado em nosso
_
ticas culturais - "não meramente artistas de vanguarda que desa­ me10. E ??s textos �encionados, fica evidente a feição eminente­
fiam o regime de ideologia dominante, construindo um mundo à mente cnt1ca, al�rta: mterrogante, dialética e anticomplacente com
parte, mas produtores (o artista como produtor, diria Benjamin) 9ue o d,e�ate esta se mstalando no Brasil. Nesse contexto, portanto,
numa densidade cultural que não pode mais ser caracterizada como e n,5> m�mmo desolador, para não dizer aberrante, a constatação de
de massa, superior, popular ou vanguardista de modo unívoco". quao distante fi�ou e está desse debate aquilo que se propala como
Daí que os novos inventores estejam trabalhando para redefinir a s�ndo_ nosso m�1or evento estético-cultural de internacional impor­
arte como uma das práticas que pode tentar mediar experiências tãnc1a: a 18ª Bienal de São Paulo.
que tanto os neo-pseudo-vanguardismos quanto a ideologia domi­ ENCENAÇÕES DA GRANDE ARTE
nante da arte (aura) dominante trabalham para manter em separa­
ção. Enquanto Habermas luta por denunciar a avalanche
Imediatamente após as publicações geradas pelo poema de A. e
�� onservadora que se manifesta, entre outras coisas, na cena ar­
de Campos, o Folhetim editou um excelente número monográfico t1st1co-cultural de ·seu próprio país, essa cena que, na forma de
sobre o pós-moderno. O número, ele mesmo, acabou por assumir farsa (n�o � seus sucedâneos), reedita aquilo que já foi história
uma certa qualidade pós-moderna, visto que, com apenas três arti­ (express1omsmo), aqui no Brasil, vê-se convertida em "celebração
gos, conseguiu configurar a heterogeneidade fundamental na qual e� ca�s�ica" (cr�ndice ritualizada) a farsa da farsa (sobras da sopa
se inscreve a pós-modernidade. No texto de Ismail Xavier, enfim se h1stonc1sta da história).
faz soar uma voz denunciadora que desmascara, sem receios sub­ E �quanto _ algumas cabeças pensantes, nos Estados Unidos,
reptícios, a regressão nostálgica do pastiche (no caso, cinemato­ denunciam o _s1mulac�o estético dessa corrente nostálgica do pós­
gráfico) que, sob o rótulo de pós-moderno, oculta aquilo que não m��rno_, rev1val _ sent1mental de um tempo em que "a arte era ainda
passa de conformismo oba-oba, "que neutraliza o teor crítico do arte , remo da pmtura-pureza (afinal o que seria do mercado de
metacinema, transforma seus procedimentos em cacoete e explora arte _ se os a�istas não fossem contaminados pelo vírus dessa nos­
a aparência do moderno sem trazer o seu pathos, sua interrogação, talgia?), aqui, não apenas inquestionavelmente se aceita para O ví­
seu inconformismo". No texto de Nicolau Sevcenko, encontramos rus o batismo de "nova pintura", mas ainda é dado a ele uma con­
sagração institucional que o converte em espetáculo... O que há de
80 LÚCIA SANTAELLA CULTIJRA DAS MÍDIAS 81

novo, enfim, na dita "magia primária", nos surfistas travestidos de sua força motriz. Isso, pelo muito ou pelo pouco, para que chegue­
selvagens e nas grandiloqüentes pinceladas com ilusões de grandeza mos ao fim do século ainda bípedes e não de quatro.
senão o abandono leviano de uma consciência crítica, a perda da Se a concepção mesma de tempo e de história, como progres­
ironia, reflexividade e autodúvida, além da mise-en-scene ("Gran­ são linear, teleológica, que norteou o modo capitalista de produção,
de tela") que, na exacerbação quantitativa do mesmo, busca no desde o Renascimento (é por acaso que os primeiros escritos de
muito o álibi para o novo? história começaram lá?), chegou a um ponto de exaustão e conse­
· É por coincidência que a presença de um só artista, pós-mo­ qüente inflexão (afinal, o que os dominantes de todos os tempos
1

derno - J. Cage - avant la lettre (compositor, designer, performer, deixaram registrado da história inteira da humanidade inteira, cabe
pensador, poeta, tudo isso e mais que isso ao mesmo tempo), foi hoje nos armazéns da memória de um computador), como enfrentar
capaz de, sem nada dizer, tomar visível a plástica restauração de o desmoronamento de um futuro projetado de antemão? �
um modernismo domesticado que, de tão exclusivista, não conse­ Virar as costas às tensões e dilaceramentos de presente, citan­
guiu se aproximar nem mesmo da versão mais simplória do pós­ do esquizofrenicamente os signos do passado (pastiche) ou através
moderno (exemplo: Documenta-7, de Kassel) que é aquela do de frenéticas pinceladas sobre telas amnésicas, batizadas de "neo­
ecletismo fácil? qualquer coisa", são apenas fáceis modos de escape que, acobertados
É claro que há um setor reservado para "os caminhos do futu­ pela mistificação dos museus e grandes mostras, produzem - como
ro" ("Entre a ciência e a ficção"), pois, no que concerne à arte, único efeito seguro - idílicos enlaces com o mercado (cf. F.Jameson
quanto mais a questão dos meios tecnológicos for mantida à parte e 1983). Que os partidos desse idílio sejam tirados sem perda de tem­
empurrada para o futuro, mais espaço fica preservado no presente po, pois, nesta era da mercadoria, inclusive simbólica, como
para a proliferação crescente das galerias que, ao fim e ao cabo, obsolescência programada, ele provavelmente pouco durará.
para engordar os bolsos dos marchands1 não precisam de outra Não basta, porém, destramar as encenações que posam de
coisa senão apenas e principalmente da mais-valia ideológica em­ grande arte, assim como não passa de alarde de araque saudar as
prestada pela aura secular daquela que, entre todas, é a mais aurática sementes de uma nova utopia tecnológica, quando sua verdadeira
- a pintura. Por trás das embaçadas nuvens dessa aura, no entan­ face é tecnocrática. Não basta ainda, no outro extremo, evidenciar,
to, o que se esconde aí não é nem mesmo uma questão política, mas como o faz H. Poster (1983), que, por trás do pluralismo ingênuo
- no rés do chão - monetária do pastiche, está a noção quixotesca de que todas as posições na
cultura e na política estão agora abertas e igualitárias, ou evidenci­
ar, como o faz G. Raulet (1984), que o interesse pós-moderno, nas
PINGANDO OS IS

É por isso que, embora concordando com Nicolau Sevcenko apropriações do provinciano, de vernáculos locais e de tradições
de que o pós-moderno é "um enigma que não merece a violência de regionais (travestidas de populistas), corresponde exatamente à
ser decifrado", considero, pelo menos, que a heterogeneidade de desterritoriali.zação produzida pelo capitalismo.
indagações com que o presente nos desafia, sob o rótulo de pós­ É certo que não podemos concordar com Habermas na identi­
moderno ou não (pouco importa o nome que se dê), tem de ser ficação sine qua non do pós-moderno com o neoconservadorismo,
enfrentada num estado interrogante. Interrogação que se refaz a visto que, cada vez mais, para a intranqüilidade dos críticos e his­
cada amanhecer. O sentido crescente de que não estamos fadados a toriadores da arte e cultura, o pós-moderno está ficando longe de
completar o projeto da modernidade, nem por isso significa que ser mera questão de um novo estilo nas artes, um outro ou último
temos necessariamente de cair na abdicação resignada, na passo na revolta sem fim do moderno contra si mesmo, para apare­
irracionalidade ou no frenesi apocalíptico (teleologia negativa) que cer (segundo Jameson 1984b) como uma modificação geral da pro­
não são senão o lado do avesso das euforias visionárias que tinham dução cultural ela mesma, e das próprias condições da arte, dentro
o mítico homem moderno como seu herói e a arte moderna como de uma reestruturação social do capitalismo pós-industrial como
ClJlTlJRA DAS M I DIAS 83
82 LÚCIA SANTAELLA

um presente como história no qual a concepção mesma da história


um sistema.
parece ter sido levada de roldão. Estamos provavelmente num tempo
Desse modo, já estamos a tal ponto dentro de uma cultura da
em que o próprio tempo tem de ser reinventado.
pós-modernidade (e isto é valido não apenas para os países cen­
Há mais de um século, na irrupção da Revolução Industrial
!rais) que ,seu repúdio fácil é tão impossível quanto sua celebração dentro do universo da cultura, enquanto alguns poetas iam para a
líresponsavel é complacente e corrupta. Dentro desse contexto,
beira do lago lacrimejar a perda da natureza, Charles Baudelaire,
então, no qual tudo passa a ser pós-moderno, a tarefa primordial
como umfl,aneur, farejava na cidade (floresta de símbolos) a emer­
que se coloca é, ainda e sempre, a de "diferenciar as árvores da
floresta". E, se todas as noções familiares das formas opositivas de gência de uma sensibilidade em estado de crise que seus poemas,
cultura (vanguarda, arte engajada, realismo crítico, estética da ao flagrar, inauguraram.
negat ! v_idade, códigos alternativos, recusa da representação, Diante das capacidades enormemente expandidas para o pro­
reflex1v1dade. . . ) perderam muito ou tudo de seu poder subvertor, o cessamento das informações que armazenam para uma memória
dtlema que se coloca é redefinir as possibilidades da crítica em instantânea, nos bancos dos computadores, todas as técnicas, for­
termos pós-modernos. Crítica tanto às versões domesticadas do mas e imagens modernistas e pré-modernistas, assim como gêne­
modernismo quanto às fáceis variedades pós-modernas do "vale ros, códigos, mundos e imagens de culturas populares e da moder­
tudo". Sem onipotências, nem humilhações. Quanto às onipotênci­ na cultura de massas, que artistas estão hoje choramingando à bei­
as, a modernidade ela mesma já deu conta de pôr suas ingenuidades ra do lago, e quais estão farejando, na floresta do tempo, isto que
a nu. As humilhações (que paradoxalmente podem assumir a fei­ talvez seja um outro tempo?
ção de um cinismo jocoso e contente) de que vivemos sob um "sis­
tema total", sem esperança de intervenção, correspondem precisa­ P. S. de l 992 - Este trabalho foi escrito em outubro de l 985.
mente às bandeiras de todas as ideologias conservadoras do alto Diferentemente dos outros ensaios incluídos neste volume, este é
capitalismo. um ensaio eminentemente conjuntural, situacional, polemicamente
� certo que o dilema pós-moderno parece estar, cada vez mais, ligado às circunstâncias históricas do momento, o que o caracteri­
,
consc10 do caráter contingente de sua crítica sobre o campo cultu­ zaria como um texto mais próximo do registro jornalístico do que
ral específico no qual ela se opera. Não é com muita dificuldade acadêmico. Por duas vezes, imediatamente após sua escrita e um
q�� passa��s a enxergar � bancarrota da "grandes narrativas" (es­ ano mais tarde ( l 986), as tentativas de publicá-lo cm jornal não
tetlcas, poht1cas e culturais), uma vez que o totalizante sempre de­ foram bem-sucedidas. Seis anos transcorridos, se resolvi incluí-lo
g�nera em totalitário. Dificil, no entanto, é se ver livre do "incons­ hoje, nesta coletânea de artigos, é porque, de um lado, tanto sua
c_1ente político" (no dizer de Jameson, 198 l ) dessas grandes narra­ sintonia com a temática do livro quanto seu valor documental pare­
tivas, uma vez que, aparentemente desacreditadas no nível consci­ cem suficientes para resgatá-lo do limbo. De outro lado, e o que me
ente, elas apenas se deslocaram para o nível subjacente, continuan­ parece mais importante, os pontos aí defendidos continuam viva­
do a operar, mas _ agor� com uma efetividade inconsciente que pro­ mente atuais. Quanto às posições críticas assumidas, o filtro im­
duz tantos �u mais efe1tos, nos modos de pensar, agir, sentir e criar, placável do tempo parece tê-Ias francamente confirmado. A biblio­
_ grafia sobre o assunto, a partir de 1986, cresceu em ritmo
do que quaisquer totalidades explícitas.
exponencial no mundo. No Brasil, também surgiram obras de im­
_ Daí que a emergência desta era esteja resistindo a todas as portância que têm dado à questão a atenção sóbria e rigorosa que
leituras que a submetem a julgamentos moralizantes, de um lado
como resiste muito mais aos ensejados diagnósticos psicológicos'. ela faz por merecer.
de outro. Conforme Jameson, o único caminho que lhe parece ade­
quado é uma . vi�ã? dialética e hi �tórica que busque agarrar o pre­
sente como h1stona. Quanto a mim, gostaria, porém de completar:
Outr(a)idade do mundo

Com o advento da prensa tipográfica, em meados do século XV,


os copistas tornaram-se calígrafos. Por quase um século, enquanto
a tipografia acelerava seu curso, esses calígrafos continuaram a
trabalhar "no comércio quase exclusivo das encomendas de luxo".
Na maior parte das vezes, seus manuscritos, "encomendados por
patronos ricos, não eram senão recopiados de livros já impres­
sos". E isso assim continuou, até que a caligrafia - arte aplicada
- "virou simples passatempo" ou exercício escolar de controle
motor para deixar a letra mais bonita. (Curt Bühler)

Gastaram-se vãs sutilezas a fim de se decidir se a fotografia era


ou não arte, porém não se indagou antes, se essa própria inven­
ção não transformaria o caráter geral da arte; os teóricos do cine­
ma sucumbiriam no mesmo erro. Contudo, os problemas que a
fotografia colocara para a estética tradicional não eram mais que
brincadeiras infantis em comparação com aquelas que o filme
iria levantar. (Walter Benjamin).

De modo geral, é preciso considerar a impossibilidade de qual­


quer país moderno existir sem tecnologia. Não é que apenas com
tecnologia nós vamos sair da crise: sem ela, nós afundamos na
barbárie. (Milton Santos)

Creio que as citações acima, por si mesmas, já dão o que


pensar. E porque dão o que pensar, cuidadosamente as escolhi como
delimitação de um canteiro no qual busco semear alguns comentá­
rios, indagações e inquietações. A escolha não foi arbitrária. As
citações demarcam seqüencialmente três momentos que chamarei
de (1) idade moderna (do Renascimento até o século XIX), (2) fase
de transição e demolição dos valores modernos (fase que corres­
ponde àquilo que foi batizado de Modernismo, vigente até por volta
1
-
86 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 87

dos anos 60-70 do nosso século) e (3) idade pós-moderna (que é ser humano, enquanto indivíduo, e as instituições, enquanto socie­
também chamada de pós-industrial, pós-histórica, era da comuni­ dade, criam contra cada nova técnica. E quanto maior o impacto de
cação, informática, telemática, abrindo as portas para uma nova transformação social que essa técnica estiver fadada a produzir
idade pós-mídia-intermídia). tanto maior será a resistência.
A divisão acima só tem por intenção funcionar como um mapa Assim se deu com a implantação do código alfabético no mundo
de orientação, pontos de referências gerais, pontilhados de exce­ grego. No Fedro de Platão, o advento do alfabeto fonético é visto
ções particulares. Não se pretende impingir uma visão do tempo como enfraquecimento e perda inexorável da memória dos indiví­
como seqüencialidade linear. Ao contrário, o tempo dos fatos e fei­ duos e do contato inter-humano. De fato, tal perda se dá em nível
tos humanos deve obedecer a algo assim como os dois pólos desco­ individual. Mas se dá simultaneamente uma transformação em ní­
bertos pela psicanálise, o pólo pulsional e o pólo do desejo. En­ vel da espécie: o armazenamento do acervo humano não depende
quanto o primeiro é reversível, o segundo é irreversível. Para o mais de um ou mais cérebros que desaparecerão com a morte dos
pólo pulsional, portanto, só há compulsão para a repetição, não há indivíduos. Armazena-se fora do cérebro para transcender a morte.
tempo. Assim sendo, nem tudo que se repete na história da humani­ Assim também se deu com a invenção da tipografia, a cujo
dade, necessariamente se repete como farsa. Há algo também de impacto as elites sociais reagiram conforme a citação de C. Bühler
reversível nessa história . Ou seja: aquilo que não muda na mudan­ nos informa, ou seja, numa opção inadvertida pela regressão. Os
ça para emudecer a mudança. mesmos miasmas morais, que hoje cercam a televisão (superficiali­
Pelo menos para a história das linguagens e do advento de dade, fonte de imbecilização etc.), cercaram o cinema no início do
seus meios de produção, isso parece funcionar. É por causa disso século (ver Sklar, 1978). E quase as mesmas objeções que, no Fedro
que abri este artigo - não sem um viés de ironia - com a citação platônico, se opunham à tecnologização da palavra, hoje se opõem
sobre o aparecimento da tipografia. Não é difícil perceber aí um ao computador: enfraquecimento da memória humana, preguiça para
certo paradigma que parece estar hoje se repetindo: os patronos o trabalho etc.
ricos, de lá, correspondem aos empresários da arte, de cá etc. etc ... Enfim, fico nesses exemplos, que já são suficientes para ex­
Não é à toa que Herbert Simon, guardando as devidas proporções, por a_impressão de que a humanidade (pelo menos a humanidade
compara a revolução da informação hoje processada pelos compu­ ocidental) assim reage porque somos vítimas de uma esperança
tadores, à revolução processada no passado pela impressão dos nostálgica de retorno à plenitude de um corpo uno-primordial
tipos móveis. Não é por acaso que a invenção tipográfica, junto a Linguagens não são simples instrumentos para ligar os ho­
outras invenções nos primórdios do capitalismo, inaugurou a idade mens entre si. Somos constituídos pelas linguagens (todos os com­
moderna, assim como a telemática inaugura hoje esta idade pós­ ponentes semióticos) que produzimos. Estamos nelas e somos pres­
moderna. Entre as duas, no interregno, fica a Revolução Industrial critos por elas. As linguagens são molduras que configuram, con­
que pôs em crise a era moderna. ferem uma imagem ao mundo e a nós mesmos.
Mas é melhor ir devagar com o andor porque este santo é de Com o aparecimento de cada nova técnica ou ineio de produ­
barro. O rei está nu e as palavras precisam ser modalizadas para ção de linguagem, desde o alfabeto fonético, no mundo grego, até
não ferir as ditas suscetibilidades humanas. os mecanismos informáticos hoje, é alguma habilidade ou poder
humano em nível individual que se desloca e se expande, sendo
transposto para o nível coletivo da espécie. Nesse deslocamento, o
NOSTALGIAS DO CORPO UNO

Olhando-se retrospectivamente para o advento de cada novo homem transitoriamente perde uma parte de si, a imagem que tem
meio de produção, circulação e armazenamento de linguagens, há de si e do mundo. Nessa imagem estão consubstanciados os "valo­
sempre uma coisa que se repete no tempo inapelavelmente, repi­ res humanos", que são tão relativos quanto a própria imagem. Se a
sando no mesmo ponto: as resistências e barreiras psíquicas que o imagem se fragmenta, os valores escorregam entre as fendas. O
88 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 89

homem se sente despaisado (sem pais, sem país e sem paisagem).


Perdendo qualquer um de seus valores (e um valor é, antes de tudo, regressiva de conservadorismo?
uma forma de identificação), o ser humano se agarra freneticamen­ Na plena expansão da telefonia e das transmissões de TV atra­
te à perda, como se esse frencsi fosse capaz de suspender a perda, vés de satélites artificiais, fibras óticas e cabos coaxiais, no apare­
mantendo inatingível o seu valor. cimento dos videocassetes, audiocassetes e videodiscos, no adven­
to dos chips de silício que transformam computadores em meios
revolucionários de comunicação, em plena explosão da computa­
O CÉREBRO ESTÁ CRESCENDO

É no corpo humano (o próprio corpo como suporte) que a ção gráfica cujas imagens "brincam com o impossível", no mo­
evolução biológica instalou o primeiro aparelhamento complexo de mento mesmo em que os bancos de dados tendem a se expandir em
produção de linguagem: o cérebro e seus meios de transmissão, redes multiformes e que as mídias tendem a interagir criando casa­
aparelho fonador, gestualidade, sutilezas do rosto, do ouvido e do mentos inesperados, não é por tentativa de suspensão das perdas
olhar... Cada nova técnica de produção, troca e armazenamento de que valores demolidos voltam a posar como se estivessem impávi­
linguagem, que desloca essa produção do corpo e a estende para dos e intactos?
um suporte externo, é sempre recebida como uma ameaça à integri­ Desconfio que as formas e aparatos tradicionais da arte conti­
dade do corpo, da sua imagem e da imagem do mundo. Daí a resis­ nuam a receber as bênçãos exclusivas da nomeação de arte não
tência. apenas porque elas rendem monetariamente. Ao contrário, elas ren­
No século passado, C. S. Peirce curiosamente dizia: "O uni­ dem no mercado porque estão sustentadas por valores perdidos que,
verso está em expansão. Onde mais poderia ele crescer senão na justo porque perdidos, valem mais. Mas vamos devagar com o andor.
cabeça dos homens?". De fato, isso parece estar acontecendo. O
cérebro e os sentidos humanos estão crescendo, mas crescem para
DEMOLIÇÃO DE VALORES

fora da cabeça e do corpo na multiplicidade de seus prolongamen­ Se a compulsão repetitiva da resistência à tecnologização das
tos. E hoje, as inteligências artificiais, os sintetizadores de som e a linguagens se constitui em regra, a fotografia curiosamente funcio­
profusão multiforme das imagens técnicas que digam se isso é ver­ nou quase como exceção a essa regra. Casual?
dade ou não. Mas nisso, são as faculdades humanas nos seus mo­ Nada foi mais e tão esperado qúanto a fotografia. Desde a
dos de ver, sentir, querer, agir, compreender, deseja;, sonhar e en­ implantação da perspectiva monocular no Renascimento, a pintura
louquecer, que passam por transfomações num ritmo tão veloz que ocidental sonhava ser fotografia. E foi justamente a imposição
não deixa atrás de si senão cacos de nossa auto-imagem, sobre o racionalista de um modo de ver hierarquizado em tomo de um cen­
pano de fundo de um modelo de mundo, da prévia idade moderna, tro que foge para o infinito, por trás do qual se oculta o poder, que
que se estilhaçou. os mecanismos da câmera fotográfica introjetaram. Essa imagem
Em proporção correspondente àquilo que sente como perda, o monocular dita realista entrava em perfeita correspondência com
homem reage e resiste no apego a valores em processo de os sistemas fortemente hierarquizados da linguagem escrita e do
dissolvência. E, entre outros, agarra-se agora justamente àqueles tonalismo na música, assim como correspondia aos critérios de
que são mais capazes de produzir mais-valia ideológica: os valores verdade como registro e documentação de uma realidade visível.
em_blemáticos e divinizados da Grande Arte. É por acaso que, de­ Contudo, se o registro tido como fidedigno do real era o espe­
pois de tudo que o Modernismo fez para dinamitar e demolir as rado na fotografia, o inesperado foi sua possibilidade infinita de
"moedas de prestígio" que sustentavam as encenações burguesas reprodução. O tiro saiu pela culatra. Se a pintura sonhava ser foto­
que posavam como Grande Arte, estejamos agora, dos Estados grafia, mal podia sonhar que seria a própria fotografia que aciona­
Unidos da América à Itália, da Itália à França, da França à Alema­ ria a crise dos valores de autenticidade e unicidade sobre os quais
nha, da Alemanha ao Brasil... engolfados nesta onda absurdamente se erigia o "belo" clássico.
Se as contradições não aparecem pela porta da frente, elas
90 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 91

penetram sorrateiramente pela porta dos fundos. Não foi pela porta horizonte crepuscular do Modernismo coincidiu C?m o surgimento
da frente da fotografia que as contradições C?meçaram a gritar, de novas tecnologias em crescimento desmedido. E justamente nes­
mas pela porta dos fundos da própria arte. E por acaso que as se cruzamento (por volta dos anos 60) que diferentes teóricos hoje
resistências das elites sociais à mudança não se deram em relação à localizam os primórdios do pós-moderno. E, nesses primórdios, a
fotografia, mas em relação à corrosão implacável a que as artes do arte partia na busca de outros caminhos de intervenção: pop-arte,
Modernismo iam submetendo os valores do passado? arte-projeto, happenings, ambientes, instalações...
Enquanto se discutia se a fotografia era ou não arte, desde o Mas não é por essa trilha que pretendo seguir, a de tentar
século passado as artes não iam fazendo outra coisa senão a . rotular e engavetar manifestações que nasciam sob a insígnia da
gradativa e implacável implosão de seus sistemas de codificação heterogeneidade e do provisório. Pretendendo, isto sim, pôr ênfase
herdados do Renascimento, dos suportes e materiais e dos modos na gradual e cada vez mais avolumada consciência, dos anos 70
de fazer arte, em todas as áreas e campos. Desconstruíram a partir para cá, de que estamos diante de um universo diferencial que se
de dentro, utilizando, muitas vezes, os mesmos suportes e aparatos tomou ilegível tanto para as categorias de pensamento próprias da
que pretendiam negar. Caso contrário não haveria implosão, mas idade moderna quanto para as esperanças e utopias que sustentam
um mero saltar fora. os projetos modernistas. Daí a vigência do termo pós (pós-moder­
Assistiu-se, assim, a um processo gradativo, mas veloz, de no, pós-histórico, pós-industrial etc).
demolição do passado. Passar a limpo o passadó, processo muito É por isso que, tanto quanto posso ver, o pós-moderno, apesar
diferente de um imaturo e prematuro desprezo pelo passado. Uma de incluir o fenômeno ora corrente da obsolescência programada
espécie de "revirginização" de um território. O que se estava acos­ das ondas e da moda, não se confunde com um simples modismo,
tumado a chamar de arte, pouco ou nada tinha a ver com esse novo nem se confunde com um novo estilo nas artes, assim como não se
horizonte virgem (ver esta frase de Duchamp: "Não concordo em confunde com uma derradeira crispação de um Modernismo agoni­
absoluto com esse negócio de me transformarem em um clássico da zante.
pintura francesa, primeiro por causa da minha resistência em ser Apesar de incluir as interpretações que os novos filósofos pós­
um artista como os artistas são concebidos hoje, e a palavra artista modernos fazem dele, o pós-moderno não se reduz a essas interpre­
também é uma concepção da qual tentei fugir antes de mais nada"). tações. A homogeneidade e força centralizadora dos discu�sos (ci­
Mas simultaneamente aos processos de desconstrução, assis­ entíficos, estéticos, políticos, ideológicos ...) da idade moderna pro­
tiu-se também a processos de reconstrução (a partir de um grau piciavam que esses discursos soassem como vozes da verdade. A
zero) de procedimentos gerados ainda em suportes tradicionais (ver, heterogeneidade e descentramento dos discursos pós-modernos são
por exemplo, Mondrian na pintura, Varese na música, ruptura do dedos apontando para a relatividade e incompletude que carateriza
verso na poesia e do enredo na prosa etc.). Essas criações levaram cada um deles. Hoje sabemos que toda e qualquer interpretação
seus suportes e materiais ao limiar da exigência de aparecimento de depende dos referenciais que sustentam o pensamento de quem in­
outros meios para a produção de suas linguagens, ao mesmo tempo terpreta. Daí as indisfarçáveis diferenças entre as interpretações
que geravam novos processos perceptivos e novas formas de sensi­ francesas, as alemãs, as italianas e as norte-americanas, entre ou­
bilidade. tras, do pós-moderno, para não mencionarmos o "jeito bem brasi­
De fato, o ponto de chegada desses artistas-antenas coincidiu leiro" com que as discussões sobre o pós-moderno foram se im­
com o ponto de entrada de um grande número de novas tecnologias plantando em nosso meio.
que cresceu e continua a crescer em ritmo exponencial. Em síntese: tal como posso ver (e sem esconder a relatividade
da minha visão), o pós-moderno corresponde ao limiar de uma ou­
tra era cuja configuração estamos longe de poder delinear. E isso
LIMIAR ANTROPOLÓGICO

Embora complexas, as pedras do jogo parecem se encaixar. O deve assim se dar porque uma das características desta era está
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provavelmente na impossibilidade.de se representar o mundo como homem busca asilo no passado. Daí os revivais, as retrospectivas,
totalidade unificada por categorias rígidas que gravitam em tomo as nostalgias...
de um centro. É por isso que, sem nenhuma intenção totalizadora, Contudo, tentando agarrar o passado, paradoxalmente é a pró­
limito-me a rascunhar aqui alguns dos aspectos sobre os quais pa­ pria circulação de signos que se ativa. E as florestas de signos em
rece se fundar o caráter radicalmente diferencial do pós-moderno trânsito geram florestas de tempo (presentificação de todos os pas­
que, aliás, prefiro chamar de pós-modernidade. sados). Tempo que rola numa rapidez inimaginável. Só que não
rola mais para a frente (como queria a concepção de história vigen­
te até o Modernismo), rola para dentro das memórias informatizadas.
FLORESTAS DO TEMPO

Toda linguagem representa o mundo, serve como mapa de• E, nessas memórias, os documentos da (pré) história (pós) vão vi­
orientação para o mundo, mas simultaneamente encobre o mundo. rando dados computadorizados, programados, arborizados, conec­
Essa é a contradição que encarna e, ao mesmo tempo, descama o tados em redes. Dados programados são dados eternamente
animal humano. Quando as linguagens começaram a crescer e se repetíveis, substituíveis, voláteis. O que chamávamos de realidade
multiplicar (fenômeno que está se tomando cada vez mais evidente ou vida vira rede-teia de conexões. Decifrar a realidade é decifrar
da Revolução Industrial para cá) a função de representação foi suas teias. Ler estruturas e conexões. Apreender interstícios.
cedendo passo à emergência (também cada vez mais evidente) de Se, conforme nos dizia Benjamin, a fotografia e o cinema, por
um quarto reino (reino dos signos) na biosfera. Quanto mais as si mesmos, já levantaram problemas para a estética tradicional, o
linguagens crescem, mais a biosfera vai se povoando de signos e se que dizer agora? Há algumas décadas atrás, antes da implosão ele­
transmutando em "noosfera". O exemplo mais recente disso são as trônica, Brecht também dizia:
imagens sintéticas da computação gráfica. Imagens "realistas" de
coisas que não existem no real porque são criadas por sínteses Desde que a obra de arte se toma mercadoria, essa noção ( de
obra de arte) já não se lhe pode mais ser aplicada; assim sendo,
sígnicas. O real é apenas uma das atualizações do possível. Como
devemos com prudência e precaução - mas sem receio - re­
ficam, nessa, os valores epistemológicos daquilo que costumáva­ nunciar à noção de obra de arte, caso desejemos preservar sua
mos chamar de realidade? função dentro da própria coisa como tal designada. Trata-se de
i'

Ora, esse universo noosférico é ainda demasiadamente novo uma fase necessária de ser atravessada sem dissimulações; essa
para que nele nos sintamos em casa. O homem se sente e�tranho no virada não é gratuita, ela conduz a uma transformação funda­
próprio ninho que criou, além de que as linguagens parecem estar mental do objeto e que apaga seu passado, a tal ponto que, caso a
crescendo muito mais velozmente do que a capacidade humana de nova noção deva reencontrar seu uso - e por que não? - não
adaptação a esse crescimento na readequação de seus valores éti­ evocará mais qualquer das lembranças vinculadas à sua antiga
cos e estéticos. Daí a face absurda e apocalíptica com que o mundo significação.
se nos apresenta e nossa revolta contra o fato de que tal crescimen­
to coexista ainda com a miséria, a fome, violência, a salvageria e os E por que não? É o caso de repetir com Brecht. Embora os
mais danosos irracionalismos. promotores de festas/espetáculos e os mercadores continuem suas
Por outro lado, enquanto a biosfera se constitui em território transações apoiados nos valores e aparatos remanescentes das an­
de habitação, o reino dos signos é território em trânsito. Não pode­ tigas significações da arte, por meandros insuspeitos brotam �eres
mos ocupá-lo. São os signos que transitam e nos atravessam humanos sensíveis e sintonizados nesta nova era, "artistas" que
ininterruptamente por instantes evanescentes. E, nisso, é a noção sabem farejar, sem pânico, alarido e sem desvario, o grande núme­
do tempo como duração e da história como progressão linear que ro de tarefas para a sensibilidade que os trânsitos e as florestas de
são levadas de roldão. O futuro é improvável demais e o presente tempo hoje colocam diante de si.
complexo demais para nos darem acolhida. Exilado de si mesmo, o Agonizam os antigos valores, transformam-se os suportes e
94 LÚCIA SANTAELLA

os meios de circulação das linguagens, mas não morre a sensibilidade


Pós-moderno & semiótica
singular e peculiaríssima ('força estranha") que sempre fez, faz e
fará do artista o que ele é. E dele que provavelmente já estão vindo
(sabe-se lá por quais interstícios!) e virão (que chamem de arte ou
não! ) respostas para as prementes necessidades do universo sensí­
vel que a contemporaneidade nos coloca: novas formas de inter­
câmbio entre a biosfera (ou o que chamamos de vida) e a "noosfera"
(ou que chamamos de redes sígnicas); novas conexões que ponham Se não estou mal informada, a primeira obra de importância,
em xeque as velhas setorizações das dicotomias inoperantes entre publicada no Brasil, responsável pela abertura do debate sobre o
cultura de massas vs. erudita, popular vs. elite, kitsch vs. vanguar­ pós-moderno em nosso meio, foi Arte em Revista - 7, editada por
d�, reprodução vs. arte aurática, automação vs. artesanato . . . ; Otília B. F. Arantes, em agosto de 1983, há mais de dez anos, por­
reI��enção da nossa subjetividade junto à reinvenção de valores tanto. Recordo-me muito bem de ter lido a revista na época, mas
minhas atenções são, infelizmente, sempre tão parciais que não
�s!et1cos que traz consigo a reinvenção de uma ética, visto que a consegui me dar conta, na ocasião, nem da pertinência do assunto
etlca se satura na estética...
Em suma, não pretendi, nem pretendo cair num novo nem do pioneirismo dessa edição, fatores que só viria valorizar
macluhanism? m�ssiânico e apolítico. Conforme Marx compreen­ algum tempo mais tarde.
deu _ e W. BenJamm retomou, o crescimento das forças produtivas é Em maio de 1985, logo depois das acaloradas polêmicas, des­
eqwvalcnte ao crescimento das forças de destruição. Traduzindo pertadas pelo poema "Póstudo", de Augusto de Campos, o Folhe­
em termos ps�quicos: o crescimento da complexidade l}umana equi­ tim publicou um número monográfico sobre o Pós-moderno. Guar­
vale ao crescimento de seu poder de autodestruição. E o preço que do na lembrança, a imagem vívida, quase fotográfica, da exata hora
pagamos. Nunca os textos de Freud (especialmente o Para além do do dia, da claridade imprecisa da luz, do local e das condições em
princípio de prazer) soaram tão atuais! que li o artigo de Ismail Xavier e o de Nicolau Sevcenko especial­
Enfim, se conseguirmos ultrapassar este limiar ou iminência mente. Antes mesmo de terminada a leitura, pensei: "Eis aí uma
de nos destruirmos, penso que, se inventarmos os caminhos que questão que merece atenção". Anotei a bibliografia indicada por
nos safem disso, como seres humanos estaremos saltando para um Ismail Xavier e prometi a mim mesma que iria reservar algum tem­
outro patamar. Qual será? Se começarmos a observar a familiari­ po para o assunto daí em diante. Vale dizer que o editorial de Marília
dade, intimidade, agilidade mental, disposição espontânea sensibi­ Pacheco Fiorillo, bastante polêmico, foi também grandemente res­
hd de (nã� venham dizer que não!) com que as crianças'. desde a ponsável pela decisão.
� Coincidentemente, naquela mesma semana, estava de partida
mais terna idade, estão interagindo com este universo cada vez mais
povoado de sígnos, botões e seres (sonoros e visuais) sintetizados, para um estágio de pós-doutorado nos Estados Unidos, através de
talvez possamos enxergar aí algum prenúncio. bolsa concedida pela Fapesp. Meu programa de trabalho em
semiótica estava suficientemente sobrecarregado para não me dei­
xar acalentar nenhuma esperança de poder dedicar muito do meu
tempo para pesquisar sobre o pós-moderno. Qual não foi a promis­
sora surpresa, logo no primeiro dia de aula de um dos cursos, quan­
do vim a saber que todo o seu programa versava com exclusividade
exatamente sobre pós-modernidade.
. Foi um período de atividade intensa. O assunto, competente e
apaixonadamente apresentado pelo professor Donald Preziosi,
96 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 97

fi_sgou meu interesse de maneira obstinada. Ao final do estágio, tive Introduzir o pós-moderno através do jogo dessas variações de
ª!nda a oportunidade de p��icipar de um simpósio sobre essa ques­ posição, é já uma maneira de evidenciar, de saída, que se trata de
tão que contou com a part1c1pação de professores de várias univer­ um debate controverso e ardiloso justamente porque o fenômeno
sidades americanas. Nas artes, nas humanidades, nas ciências soci­ sob discussão deve estar entre os mais heteróclitos e desafiadores
ais, pelos quatro cantos dos Estados Unidos, não se falava em ou­ que já surgiram nos últimos tempos. Não obstante a heterogeneida­
tra coisa. Voltei desse estágio com a certeza de que não se tratava de, que é sua marca registrada, há alguns traços comuns que ajuda­
de u� simples modismo, mas de um problema que havia chegado ram a delineiar seu perfil. Todos vieram a concordar, por exemplo,
para ficar. De lá para cá, em nenhum momento o curso da história com a inevitabilidade da evidência de que o projeto da modernidade
deixou de confirmar essa suspeita. começou a aparecer como profundamente problemático. Tornou-se
Passei os meses imediatamente seguintes no B rasil, tenninan­ muito difícil continuar acreditando nas suas "supremas ficções".
do d� ler a extensa bibliografia que havia trazido comigo e iniciei a Seus estilos de batalha, tidos como subversivos, chocantes, toma­
escntu ra de um artigo, sintomaticamente denominado Pós ­ ram-se canônicos; sua vocação heróica, salvacionista, perdeu o vi­
m �dern(dade: algun� pingos nos is (inserido neste volume). En­ gor; suas crenças messiânicas, asfixiadas pela ingenuidade, esgo­
sa10 polem1co, na ansiedade de tentar resgatar o assunto da levian­ taram-se no vazio.
dade com que estava sendo, de modo geral e com raras exceções Deixando marcas, em primeiro lugar, nas artes, literatura e
tratado no Brasil, acabei dando a ele um tom paradoxalmente mo� arquitetura, o mal-estar, e até mesmo revolta para com os estilos e
?e;?o, comb�ti_vo. Falt?u-me a ironia necessária para colocar as ideologias da modernidade, foi se espalhando por todas as esferas
ideias no espmto do pos-moderno. Não obstante seu teor crítico da cultura, das políticas e até mesmo das ciências. As grandes li­
quase conjuntural, seu conteúdo não envelheceu . Com uma mudan� nhas de demarcação, que separavam a cultura superior da cultura
ça sutil ?º to� , es�ecialmente na veemência, que certamente de massas, o erudito do popular, o crítico do criativo, o estético do
abrandana, assmo, amda hoje, embaixo das mesmas idéias que Já político, foram perdendo a nitidez, exigindo formas de atuação ade­
defendi . quadas a um quadro de valores em crise. O discurso do conheci­
A CRISE DA MODERNIDADE mento não foi menos afetado. Em meio a disciplinas acadêmicas,
ainda sobreviventes dos propósitos iluministas, projetos extraordi­
As referênci <l:s bio�bibliográficas acima justificam-se porque nariamente novos emergiram. Onde localizar o trabalho de M.
_ Foucault, por exemplo, na filosofia, história, teoria social ou ciên­
n �o pretendo re�et1r aqm o que já está discutido lá. Apenas retoma­
r�1, de modo mmto breve, o que chamei de diagrama das controvér­ cia política? E o que dizer da crítica literária de um Fredric J ameson
sias, �orque ele funciona com bastante propriedade para mapear a ou de um Edward Said, para ficarmos em poucos exemplos?
questão, marcand_o de �aneira ilustrativa as diferentes posições que Embora sua explicitação mais socialmente visível só tenha se
podem ser assumidas diante do debate. Essas posições se resumem dado nos anos 70, a emergência do pós-moderno já havia começa­

l
numa espécie de jogo de verso-reverso que assim se expressa: ( 1 ) do a se fazer sentir desde fins dos anos 50 e inícios dos 60. Segundo
aq�eles que assumem uma posição progressista pró-pós-moderna, 1 Huyssens, no seu antológico ensaio Mapping the postmodern
�ti-moderna; (2 � os que assumem uma posição reacionária pró­ ( 1 984: 1 6), o pop, no sentido vasto, foi o contexto no qual a noção
pos-moderna: �ti-moderna; (3) então, a posição progressista pró­ de pós-moderno primeiramente tomou forma. Mas foi na arquitetu­

l
moderna, anti-pos-moderna; (4) essa mesma posição na sua versão ra que as presunções proto-políticas e as emoções do profundo e do
conservadora; (5) então, as posições daqueles que não aceitam nem monumental, que marcaram o alto modernismo, desabaram frente
mesmo o tenno "pós" como digno de qualquer atenção: (5 . 1 ) os aos jogos de imaginação e aos cometimentos em relação ao super­
q;ie têm �ma_ inclinação progressista, de um lado, e (5 .2) os que ficial (em todos os sentidos dessa palavra) que o pós-moderno pôs
tem uma mclmação reacionária, de outro lado (ver J ameson 1 984.). em curso (Jameson l 984b :XVIII). De mero estilo na arquitetura e


l_
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nas artes, seu espectro de reverberações foi se dilatando até chegar tradição iluminista, e animado pela crença na eficácia e saneamen­
perto do consenso de que se trata de um novo ponto de partida na to da ação comunicativa, percebeu que, na Alemanha, as ondas
cultura, de um giro paradigmático, de realinhamentos político-so­ pós-modernistas, sob o disfarce de uma nova ruptura, estavam, na
ciais, de uma mudança de sensibilidade como parte de uma trans­ realidade, aliadas a forças regressivas e conservadoras. A pertinência
formação cultural de grande magnitude. da crítica, por ele desferida contra o pós-moderno, só pode ser bem
A um olhar retrospectivo, fica notável que a margem de influ­ compreendida à luz do projeto inteiro de sua teoria social crítica,
ência do pós-moderno amplificou-se, de fato, quando vozes discor­ embasada na defesa da modernidade iluminista, modernidade esta
dantes de intelectuais renomados se fizeram ouvir. Tomou-se fa­ que não se identifica com o modernismo estético dos críticos literá­ 1

mosa a querela, nem sempre direta, mas sempre reverberante, entre rios e historiadores da arte. Esquematizando, suas questões foram 1

Habermas e os franceses. Não obstante o caráter sui-generis e alta­ as seguintes: como o pós-modernismo se relaciona com o moder­
1

mente polêmico da defesa habermasiana do projeto emancipatório nismo? Até que ponto as formações sociais e culturais dos anos 70 �
da modernidade, fiel aos ideais iluministas, sua intervenção injetou podem ser caracterizadas como pós-modernas? Até que ponto o
!

densidade política no debate, discutindo com procedência as possí­ pós-modernismo é uma revolta contra a razão e o iluminismo, e em
veis alianças do pós-moderno com o neoconservadorismo. Foi um que ponto tais revoltas se tornam reacionárias?
passe de mágica. Cientistas políticos, sempre tão sisudos e solenes, A base da controvérsia que Habermas gerou com os franceses
avessos aos descometimentos que devem ser deixados aos artistas, repousa, antes de tudo, na concepção radicalmente distinta de
aderiram à questão, entrando com certa discrição na polêmica. modernidade professada por cada um dos lados dos debatedores.
Vale a pena, para se ter uma idéia do campo de tensões, sinte­ Segundo Huyssens (ibid.: 33) muito bem nos apresenta, a visão
tizar, em pinceladas breves, as posições de alguns dentre aqueles francesa da modernidade começa com Nietzsche e Mallarmé e cor­
que esse debate contribuiu para tornar famosos ou mais famosos, responde ao que a crítica literária e artística veio chamar de moder­
em certos casos. Andreas Huyssens, editor da New German Criti ­ nismo, uma questão prioritariamente estética ligada às energias li­
que , que publicou alguns números monográficos sobre moderno e beradas por uma destruição deliberada das forças entorpecedoras
pós-moderno, na década de 80, postulou (1984:48-50), por exem­ das linguagens cristalizadas. Para Habermas, a modernidade recua
plo, que até a melhor tradição do Iluminismo que ele trata de resgatar e
reinscrever dentro do discurso filosófico atual numa nova forma.
o pós-modernismo não pode ser simplesmente percebido como Enquanto os franceses têm uma visão estereotipada do
uma seqüela ao modernismo, como último passo na revolta sem iluminismo, reduzindo-o, ao fim e ao cabo, à história do terror e
fim do modernismo contra si mesmo. A sensibilidade do pós­ encarceramento que vai dos jacobinos, via os meta-discursos de
moderno do nosso tempo é diferente tanto do modernismo quan­ Hegel e Marx, até o Gulag soviético, Habermas, por seu lado, con­
to do vanguardismo precisamente porque coloca a questão da cebe a visão francesa da modernidade como sendo, na realidade,
tradição e conservação cultural, do modo mais fundamental, como anti-moderna ou pós-moderna, especialmente devido à relativização
uma postulação estética e política. (...) O pós-modernismo está em que ela coloca os poderes da razão. Seria de se estranhar que
longe de tornar o modernismo obsoleto. A crise do modernismo
pudesse haver acordo entre esses dois lados do debate.
vai além da crise de suas correntes internas que o ligam à ideolo­
Vistos ambos através de um olhar mais isento, numa generali­
gia da modernização. Na era do capitalismo tardio, é também
uma nova crise da relação da arte com a sociedade. (...) Uma zação um pouco grosseira e até mesmo abusiva, pode-se dizer que,
cultura pós-moderna, emergindo dessas constelações políticas, para os franceses, a linguagem é a fonte de todos os aprisionamen­
sociais e culturais, terá de ser um pós-moderno de resistência. tos, de um lado, e das possíveis rupturas e subversões, de outro. É
sobre ela que devem se voltar todas as lutas, pois é dela que advêm
A posição de Habermas é bem mais complexa. Afiliado à todos os efeitos, tanto psíquicos quanto culturais e políticos. Que

.,.
.1

J
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1 00 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS M Í DIAS 101

se chame isso de moderno ou pós-moderno, a eles pouco importa. esferas do social quanto nas relações entre as culturas do primeiro
Para Habermas, por seu lado, modernidade significa crítica e eman­ e outros mundos.
cipação humana. Sua posição, aliás, difere dos frankfurtianos an­
teriores, particularmente Adorno e Horkheirner, pois estes desen­
Mt:DANÇAS PAR.\DIGMÁTICAS

volveram, na sua Dialética do esclarecimento ( I 985), uma visão Marcante, e provavelmente a posição que tem se provado cada
da modernidade que está muito mais próxima da sensibilidade fran­ vez mais atual, é a de Fredric Jameson nos Estados Unidos que,
cesa do que de Habermas. De qualquer modo, concordando-se com desde 1983 , tem dado ao termo uma compreensão ampla e profun­
Habermas ou não, na sua convicção de que o projeto moderno ain­ damente enraizada nas transformações dos modos de produção no
da está por ser completado, ele sempre esteve certo na percepção de capitalismo tardio. Dizia ele (1983: 113-117):
que o pós-moderno está longe de ser uma simples controvérsia so­
bre estilos artísticos, ampliando-se para uma questão de política e Pós-moderno não é apenas uma outra palavra para a descrição de
cultura no geral. um estilo particular. É também um conceito periódico cuja fim­
Conforme já mencionei com bastante ênfase, no artigo escrito ção é relacionar a emergência de novos caracteres formais na
em 1985, cada país tem dado ao pós-moderno uma versão que lhe é cultura com a emergência de um novo tipo de vida social e uma
própria, principalmente porque a compreensão do que seja o pós­ nova ordem econômica - ou seja, aqui lo que é sempre
moderno depende do perfil que o modernismo adquiriu e das carac­ eufemisticamente chamado de modernização, sociedade pós-in­
terísticas ideológicas e políticas com que se revestiu, em cada país dustrial ou de consumo, sociedade das mídias ou do espetáculo,
em que se desenvolveu. A concepção do pós-moderno é fortemente ou capitalismo multinacional. ( . . . ) Tanto não-marxistas quanto
marxistas chegaram ao sentimento geral de que, em algum pon­
dependente desses fatores. A maneira como o pós-moderno veio
to, após a segunda guerra mundial, uma nova espécie de socieda­
sendo tratado no Brasil, por exemplo, uma maneira de um modo de começou a emergir.
geral, digamos, com raríssimas exceções, leviana e até irresponsá­
vel, é, de um lado, sem dúvida, fruto de seqüelas deixadas por
discordâncias não resolvidas relativas ao modernismo brasileiro, Cada vez mais intensamente, de fato, tem-se firmado a c�rte­
de outro lado, deve ser devida a uma tendência à leviandade pró­ za de um cenário social em mutação, devido prioritariamente a fa­
pria da cultura brasileira, mesclada agora ao estado de transe da tores de ordem econômica. Um sistema financeiro altamente instá­
nossa conjuntura política, desde a morte de Tancredo Neves, que vel e integrado combina-se com desequilíbrios internos e globais,
tem tirado dos intelectuais e pesquisadores não apenas os meios no quadro da nova ordem internacional, "balizado pelo declínio da
mais elementares de subsistência da própria pesquisa, mas tam­ hegemonia norte-amerícana, pela emergência de blocos regionais
bém, e o que consegue ser até pior, as condições de ânimo para e, recentemente, pelo fim da Guerra Fria", conforme Julio Cesar
pensar questões que, pretensamente, seriam de exclusiva responsa­ Castro descreveu, no seu projeto de pesquisa sobre as transforma­
bilidade do primeiro mundo. Afinal, sempre temos a desculpa de ções do capitalismo na pós-modernidade, que está sendo desenvol­
que sequer entramos na modernidade, o que toma supérfluo pensar vido na Universidade de North Carolina, USA.
tudo o que possa porventura vir depois, em mais um exemplo dessa É impressionante notar como o ritmo das mudanças tem-se
confusão e identificação simplificada, e sempre infeliz, entre feito numa aceleração inaudita e é quase assustador se dar conta da
modernidade econômica, política, cultural e estética, como se todas rapidez com que análises econômicas e sociais têm envelhecido e se
fossem misturas de um mesmo saco. Irônica e paradoxalmente, uma tomado obsoletas. Só um exemplo já será aqui suficiente para de­
das questões a serem revistas no contexto da pós-modernidade é monstrar isso, pois eles existem em abundância. Em abril de 1990,
i
1
justamente a da função e espaço da cultura ela mesma, do seu papel Abraham Lowenthal, um dos mais conhecidos estudiosos de temas

histórico e dialeticamente único, tanto na relação com as demais latino-americanos nos Estados Unidos, publicou, na Folha de S.

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102 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 103

Paulo, um artigo inédito, que se abria com as seguintes palavras:


descompromisso do everything goes ("vale tudo"). A fartura de
Neste início da década de 90, a história parece estar em acelera­ material bibliográfico sobre a questão, produzida nessa década, é
ção. Mudanças inacreditáveis estão ocorrendo em muitas partes impressionante. Em todos os campos e rincões das áreas de conhe­
do mundo e em muitos campos. O desenvolvimento tecnológico cimento, nas humanidades ou não, houve manifestações em profu­
cm computadores, lasers, na engenharia genética, nas fibras óti­ são. Editoras se especializaram no assunto e se fizeram mais co­
cas e na supercondutividade começa a remodelar a economia nhecidas por isso. Na Itália e na Inglaterra, só para ficarmos em
mundial. A surpreendente vitória da política democrática e da dois países, os tópicos sobre pós-modernidade chegaram a ganhar
economia de me1cado fez com que se fale sobre o "fim da histó­ popularidade.
ria" ou, pelo menos, o fi m da Guerra Fria como conceito Enfim, nesta década que se inicia, cessada a turbulência dos
organizador das relações internacionais. anos 70 e arrefecido o calor dos comprometimentos, assistimos hoje
As palavras de Lowenthal (o efeito é nítido) estão aí impreg­ a uma espécie de consenso irrecusável acerca do pós-moderno.
nadas da euforia diante dos então recentes e indeléveis abalos sís­ Ninguém tem mais coragem, por exemplo, de descartá-lo como sim­
micos do Leste Europeu, que, de fato, chegaram a gerar a ilusão de ples moda passageira. Trata-se de uma questão de fato. O modo de
que a história cedia, por fim, os louros da vitória ao liberalismo interpretá-lo pode diferir, e muito, mas não há mais como ignorá­
econômico. Mal podia ele supor que, em menos de dois anos, os lo. Além disso, seu horizonte parece ter abraçado todos os campos
Estados Unidos estariam enfrentando uma recessão imprecedente, do pensamento e do fazer humanos.
no contexto de sua transformação, em menos de dez anos, de maior Em síntese, não apenas no contexto sócio-econômico-políti­
credor em maior devedor mundial. Enfim, nunca foi tão difícil se co, mas principalmente no mundo mais restrito das ditas pesquisas
fazerem previsões e prognósticos, tanto econômicos quanto políti­ avançadas, são inegáveis as evidências de mudanças paradigmáticas
cos, culturais e sociais em geral. Mas são as instabilidades e mu­ na compreensão humana do mundo e de si mesma. As teorias do i 1

danças co_ ntínuas da ordem econômica que parecem estar hoje dan­ caos determinista, na matemática, as pesquisas dos sistemas auto­
do razão a Jameson na sua insistência, desde fins dos anos 70, na organizativos, estruturas dissipativas, investigações da ordem a
impossibilidade de se separar os fatores estéticos e culturais dos partir do caos, no mundo físico, rebatem no avanço das ciências
movimentos econômicos, pela força que estes têm para trazer con­ cognitivas, que estão ganhando um novo estoque de idéias a respei­
seqüências de todas as ardens, inclusive psíquicas. to de representações e processos, assim como estão aparecendo novas
Olhando-se para trás, é possível chegar a caracterizar o perfil metodologias para o teste de hipóteses através do uso da simulação
com que o pós-moderno se apresentou em cada uma das duas últi­ computacional, tudo isso aliado a mudanças profundas nos modos
mas décadas, assim como o perfil que já começa a se delineiar de viver, pensar, produzir e reproduzir conhecimento graças às con­
nestes anos 90. Em 70, as artes e a arquitetura tomaram a dianteira tinuamente renovadas tecnologias de apoio que não cessam de se
na cena. Essa década correspondeu à visão que se tornou, por al­ aprimorar. Trata-se decididamente de uma nova paisagem de mun­
gum tempo, dominante de que o pós-moderno era mais um estilo ou do que tem exigido modificações profundas no nosso intelecto e
crispação na seqüência de rupturas que caracterizou a tradição do sensibilidade.
modernismo. Apenas uma tendência a mais para entrar na cadeia Mas como está ou fica a semiótica nessa paisagem, o leitor já
da obsolescência programada das modas estéticas. As característi­ deve, Qá algum tempo, estar se perguntando. Para ensaiar respos­
cas aparentes dessa tendência estavam no pastiehe ou esquizofrenia tas, tenho de apresentar, de modo breve, que posição tenho assumi­
das citações, conforme Jameson viria batizar, mais tarde. do diante desse debate e que tipo de interpretação tenho feito da
Então, os anos 80 viram nascer o que se pode chamar de pós­ questão. Disso depende a maneira como vejo o papel que a semiótica
moderno de resistência, uma reação crítica a o cinismo e tem desempenhado e pode ou não desempenhar nessa paisagem em
mutação.

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1 04 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 105

provocado por essa indefinição, o do descompromisso ético e dis­


UM ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO

Num ensaio escrito em 1986, denominado "A Outr(a)idade túrbio narcísico que ela tende a gerar e que assim se expressa: "se
do mundo", publicado originalmente no Folhetim (inserido neste os antigos valores ruiram e a realidade não se estabiliza num perfil
volume), retomei a discussão do pós-moderno iniciada no artigo definido, que cada um se encapsule na esfera de seu mundo pró­
so�re "os pingos nos is", amadurecendo e explicitando de modo prio, embevecido diante de um espelho intocável pelas máculas do
mais claro meu entendimento do problema. Justifico, mais uma vez real". É impressionante o número de intelectuais e artistas que tem
essa autocitação porque, de lá para cá, esse entendimento não so� se acomodado no regozijo que esta projeção imaginária lhes dá.
freu -�udanças _substanciais. Radicalizei tanto a questão naquela Mas, do outro lado do espelho, no qual se movimentam os homens
ocas�ao, que hoJe, passado o tempo, ela soa mais compreensível e e mulheres de ação, a situação não é nada melhor. Ao contrário.
convmcente do que soava então. O que era, há seis anos' mero Basta ver a degradação e crise, muitas vezes escandalosa (esse não
pressentimento e ousadia para expressá-lo, hoje aparece como é um privilégio brasileiro), dos políticos no mundo.
confirmável, uma vez que as interpretações dos fatos vindas das Enfim, trata-se de uma passagem (a idéia de limiar implica a
mais variadas fontes, parecem estar correndo, com certa constân­ de passagem) dificil, exigindo poderes inéditos para a reinvenção
cia, na direção do que lá enunciei. Poderia ter se dado o contrário da ética à luz não da moral, pois esta é sempre conservadora, mas
mas, tanto quanto posso ver, não é esse o caso. da estética, tal como foi concebida por C. S. Peirce (ver, sobre isso,
O que lá foi afirmado, dentro do subtítulo de "Limiar antro­ Santaella 1994b), na qual reina o que é pura e simplesmente admi­
pológico", punha ênfase na gradativa e cada vez mais avolumada rável, o que causa admiração para o bem ou para o mal, e, por isso,
consciência dos anos 70 para cá, de que estamos diante de um uni­ produz atração ou repulsão. (Certo deve estar o MIT ao colocar
verso diferencial que se tornou ilegível tanto para as categorias de cientistas junto com artistas, ligados pela simples justaposição, sem
pens�ento próprias da idade moderna quanto para as esperanças nenhum vínculo predeterminado, provavelmente para que o cientis­
e utopias que sustentaram os projetos modernistas. ta possa estar exposto à convivência com mentes e sensibilidades
Nestes últimos anos, desde que a conclusão acima foi afirma­ que não se deixam guiar senão pelos comprometimentos diante do
da, tenho _ colecio�ado re�erências de pensadores, críticos, cientis­ admirável).
tas ou artistas, cuJa maneira de ver e até mesmo de conceber o pós­ De fato, o pós-moderno, como o próprio prefixo configura,
moderno apresenta similaridades com a minha. É certo que essa pressupõe, evidentemente, um moderno que lhe tenha sido anterior.
visão é bastante vaga, metafórica, mas não há condições de preci­ Que moderno é esse? Corresponde ao que foi chamado de moder­
sar seu caráter visto que ainda vago, indefinido, em processo, sem nismo na literatura, artes e arquitetura, ou não? Além disso, há
nada ?e �efiniti\o é o próp�o fe?ômeno que está sendo apreciado, muitos termos envolvidos : moderno, pós-moderno, modernismo,
e, mais amda, nos estamos 1mphcados como partes integrantes do modernidade, pós-modernidade. Que relação há entre eles?
processo. São mutações pelas quais nós mesmos estamos passan­ A interpretação, agora em termos de periodização, que fui
do. Não há como "separar o dançarino da dança". desenvolvendo para essas questões difere ligeiramente do que têm
Por ?utro lado, a visão é também polêmica. Como postular a sido as interpretações correntes do pós-moderno. Para começar,
A prefiro a denominação de pós-modernidade em lugar de pós--mo­
emergenc1a de uma nova era, quando é o problema da história e do
te�po que está justamente sob questão? A palavra "era", de fato, derno . Penso, aliás, que o nome que se escolhe não é casual, nem é
esta sobrecarregada de signifi cados que não se quer transmitir aqui. sem conseqüências. A expressão pós-moderno está quase sempre
De todo modo, no entanto, não vejo como renunciar à idéia de um aliada a uma concepção do fenômeno dentro de uma temporalidade
novo limiar. Que características esse limiar tem ou terá é difi­ histórica que se insere na cadeia seqüencial das vanguardas históri­
cil delinear. É certo também que um grande problema iode ser cas do modernismo, o prefixo "pós" indicando uma reação opositiva,
mas ainda remetendo à sua inserção dentro da lógica daquilo que
.{
1 06 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS ! 07

Octavio Paz chamou de tradição de ruptura do modernismo. Mes­


mo .que se queira dar ao pós-moderno uma interpretação diferenci­ correspondeu ao advento da ciência e filosofia mo�ernas, que tive­
al, m?ependente da cadeia dos movimentos vanguardistas, a ex­ ram Newton e Descartes como figuras mestras. E o período que
pressao carrega a marca de um movimento ou estilo. Tanto é assim marcou a ascenção da burguesia ao poder econômico e, então, po­
qu�, �ueira-se o� não, ela acabou por se fixar como denominação lítico. Correspondeu, enfim, à vigência das concepções de tempo e
propna desse estilo na arquitetura, nas artes, na música etc. de história como progressão linear, concepções estas que duraram
1:
pelo menos cinco séculos e que só foram postas em crise com a
. _O termo_pós-m_odernidade, ao contrário, envolve uma genera-
1
'1
! 1zaçao que nao o deixa ser confundido com um estilo ou moda. Por chegada da pós-modernidade.
isso mesmo, cono� bem mais a idéia de periodização, evidente­ É na modernidade que os sistemas artísticos foram codifica­
mente �uma relaçao temporal de posterioridade em relação à dos nas cinco belas artes visuais (desenho, pintura, gravura, escul­
modernidade que, por sua vez, cumpre ser definida previamente tura e arquitetura), quando também se fixou o sistema tonal na
para que s� possa, �ntão, definir o que lhe adviria como pós. Embo­ música, sistema cuja forte hierarquização só encontrou paralelos
ra be� mais complicada, sempre preferi enxergar o fenômeno por na hierarquização da perspectiva monocular na pintura. Faz parte
essa via. ainda da modernidade a literatura do herói problemático, que teve
Em síntese, a concepção, que expus em "A outr(a)idade do inicio com o Quixote e que veio encontrar seu apogeu no romance
mu?d�" e que m�tenho até hoje, com algumas alterações, assim se burguês, para ser por fim desconstruída no Ulysses e Finnegans
delme1a: (1) a idade moderna ou modernidade estende-se do Wake de Joyce. É também o período da poesia em versos, escrita,
Renascimento até. P?r volta de meados do século XIX; (2) segue-se que seria levada ao limite de saturação, justamente da escrita, por
uma fas.e de trans1çao e demolição ou desconstrução dos valores da Mallarmé.
modern1dade, esta fase correspondendo àquilo que foi batizado de Está muito próxima de nós, e por isso mesmo a conhecemos
. bem, a história do modernismo nas artes, música, literatura, arqui­
�odern1s�o nas artes, incluindo a música, literatura e arquitetura,
vigente ate por :'olta dos anos 60 ou 70 do nosso século ; (3) sem tetura. Essa história correspondeu, de acordo com a interpretação
uma demarcaçao de data muito bem definida, e muitas vezes que estou aqui lhe dando, à desconstrução das cenas da modernidade,
superposta em relação ao modernismo (aliás, não há verdadeira­ em todas as suas formas de aparição. Há figuras chaves dessa
ment_ e. um
_ a separação entre ambos, conforme veremos mais adian­ desconstrução, algumas delas já mencionadas no parágrafo anteri­
te), m.1cia-se � idade pó�-m�erna ou pós-modernidade, a qual tem or. A Joyce e Mallarmé, acrescente-se Duchamp, Satic, Artaud, só
_ para ficarmos com os mais radicais, verdadeiros baluartes da
�eceb1d_o _ vanas denommaçoes complementares, tais como era da
r
i

mfo �a�1c_a, telemática, pós-cultura de massas, era pós-industrial, derrisão de todo um universo de formas e valores que haviam exer­
_ cido sua hegemonia sobre a cultura durante séculos.
pos-h1stonca etc.
Pos?-'l�r periodi zações é sempre esquemático, quase ingênuo. Na ciência, com a teoria da relatividade, irrupções similares
!oda yenod1zação e�v�lve o esquecimento das exceções que são, também surgiram para abalar os pilares que sustentavam o edificio
mvanavelmente, m�1s ncas do que_ as regras. A divisão acima pro­ newtoniano e, na filosofia, nada menos do que Nietzsche e, então,
posta, no en�to, so pretende funcionar como uma hipótese de tra­ Freud funcionaram como verdadeiras minas subterrâneas dinami­
balho, um d1�grama sugestivo para nos ajudar a pensar muitos dos tando as certezas autoconfíantes da razão exclusivista.
problemas diante dos quais o pós-moderno ou pós-modernidade Em suma, nos mais variados campos, o modernismo se carac­
tem nos colocado. Senão vejamos. terizou como um grande movimento crítico, desconstrntor dos prin­
Numa síntese grosseira, a modernidade teve início quando cípios, certezas e valores que deram sustento a toda uma era, a
com_eçar� a �er semea�os os pri�eiros germens do modo de pro­ moderna. Funcionou como urna espécie de "revirginização" de ter­
duçao cap1tahsta, ou seJa, na cnse do feudalismo. Esse período ritório, limpeza e preparação do terreno para o que estava por vir,
algo que até hoje não está ainda claramente definido, mas que não
I
CULTURA DAS MÍDIAS !09
108 LÚCIA SANTAELLA

s idéias sobre a relação


deixa dúvidas de que se trata de um novo horizonte cultural e, mais to rna-se, enfim, possível pinc�lar alguma
do que isso, antropológico. É por isso que é muito dificil e sempre entre pós-modernidade e sem1 0t1ca .
artificial tentar demarcar com nitidez quando exatamente a pós­
modernidade teve início. Mais artificial ainda, é tentar rotular au­
SEM IÓTICA E PÓS- ESTRlJTl :RALISMO

tores e obras como modernistas ou pós-modernos. Há uma Em algum as de suas primei ras verten tes, de extr � ção
leVJana,
sobreposição de forças, nem sempre visíveis, ligando o modernis­ linguística, especialmente � saus�uriai:ia, a soviétic�; � hjelms
mo à pós-modernidade. A única grande diferença entre ambos está das teonas gre1ma s1anas, a s m1ot1ca nasceu com
e a primeira fase � �
apenas e muito mais na perda das ilusões heróicas, dos ideais de No campo das c1enc1a s da lmgua gem, estrutu ­
0 estruturalismo.
?
grandeza e da agressividade combativa, ainda infantis e mesmo similar es àquele s que o modern ismo p �o­
ralismo produziu efeitos
adolescentes, dos modernistas, perda esta que caracteriza uma duziu nas artes e literatura. Tanto isso é verdade que, na �t1ga
mudança substancial sob o nome de pós-modernidade. União Soviéti ca, o Círculo Lingüístico de Praga, o Formalismo
Se não há uma linha divisória muito rígida separando o mo­ russo e as revoluções que se processaram na poesia, teatro, artes
dernismo da pós-modernidade, há, no entanto, a possibilidade de gráficas, pintura etc. foram to�o� si'!1ultâne�s. Não é difícil _afir­
demarcação do momento em que ruiram as ilusões salvacionistas mar que há alguma relação de s1milandade unmdo o estruturalismo
do modernismo. Essa demarcação foi dada pelo movimento pop e nas ciências humanas ao modernismo nas artes. A vocação mode­
pela insurreição pós-moderna na arquitetura. Nessa medida, pode­ lar do estruturalismo ecoa na vocação programática do modernis-
se dizer que aquilo que recebeu o nome de pós-moderno é um fenô­ mo, por exemplo. _ . _ ,
meno passageiro e provisório, de fato, um novo estilo, até mesmo Também não fica dificil concluir, a partir disso, que o pos-
uma moda. Não se confunde com a pós-modernidade concebida estrnturalismo está para o pós-moderno, assim como o estrutura­
como uma era, mas corresponde, provavelmente, à primeira toma­ lismo está para o moderno. As denominações não são c�suais. E �as
da de consciência de que estamos numa outra idade da cultura e carregam significados. Não é à toa que pós-estrnturahsmo_ e pos­
possivelmente do homem. modemo, não obstante suas distintas paternidades e os d1stmtos
Funcionando ainda corno marca explícita dessa nova era, apa­ campos a que se aplicam, apresentam o _ mesmo prefixo. De res!o,
recem os sinais das mutações provocadas pela Revolução Eletrôni­ há ainda uma coincidência temporal umndo ambos. Tanto o pos­
ca, com suas máquinas inteligentes, trazendo conseqüências para modemo quanto o pós-estruturalismo tomaram-se evidentes nos
as relações do homem com o trabalho, o lazer, a produção do co­ anos 70.
nhecimento, das linguagens e mensagens, assim como para as rela­ A expressão pós-estruturalismo refere-se, como se sabe, a uma
ções e para a comunicação dos homens entre si (essas mutações, série de autores diferenciados, situados na França, que, retomando
aliás, têm sido tão profundas que não tem faltado retórica às inter­ a herança saussuriana, aplicaram-na, transformando-a de modo
pretações apocalípticas de seus possíveis efeitos sobre nossas vi­ crítico e quase crísico, a uma série de campos diversos . Pod�-se
das e nossos sonhos). Enquanto a Revolução Industrial marcou o dizer, desse modo, que J. Derrida é um filósofo pós-estruturahsta,
advento do modernismo, pode-se dizer que a pós-modernidade está que L. Althusser é um teórico social pós-estruturalista, que M.
sendo marcada pela Revolução Eletrônica, além ou paralelamente Foucault é um filósofo-historiador pós-estruturalista, assim como
às marcas das mudanças surpreendentes por que têm passado os se pode dizer, last but nol least, que J. Lacan, pelo menos _ na sua
modos de produção capitalistas ou não, assim como os sistemas fase do registro simbólico, é um psicanalista pós-estruturalista, o�
políticos. Se não é pecar por excesso de otimismo, pode-se dizer melhor, um leitor freudiano do estruturalismo, mais do que um lei­
que, na pós-modernidade, os sistemas políticos autoritários toma­ tor estruturalista de Freud.
ram-se objetos de abominação. Nesse caldeirão de pensamentos rigorosamente férteis e
Tendo esse panorama esquemático como pano de fundo, vigorosamente críticos, germinou o que também se poderia chamar
I
1 10 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 11 1

de uma semiótica pós-estruturalista, especialmente nos trabalhos na sua obsessão com a écriture e a escrita, alegoria e retórica, e, no
de J. Kristeva e R. Barthes. Mas a mais formidável repercussão do seu deslocamento da revolução e da política para o estético, está
pós-estruturalismo francês viria a ser aquela que seria produzida enraizado na tradição modernista ela mesma. Huyssens continua:
sobre a cultura das humanidades, especialmente literária, nos Esta­ Penso que devemos entreter a noção de que, ao invés de ofere­
dos Unidos. Sendo despertada inicialmente nas elites de Yale, o cer uma teoria do pós-moderno e desenvolver uma análise da cultu­
fenômeno rapidamente se espalhou como uma verdadeira epidemia ra contemporânea, a teoria francesa nos fornece uma arqueologia
(com sentido não pejorativo, mas também pejorativo, não raras da modernidade, urna teoria da modernidade no estágio de sua exaus­
vezes) por todos os departamentos de literaturas e literatura com­ tão. É como se os poderes criativos do modernismo tivessem emi­
parada dos Estados Unidos. Aclimatado e acondicionado ao con­ grado para a teoria e chegado à sua completa autoconsciência nos
texto norte-americano, o fenômeno recebeu a denominação de textos pós-estruturalistas . A despeito de seus laços com a tradição
deconstruction ("desconstrução"). da estética modernista, o pós-estruturalismo oferece uma leitura do
Ora, a onda desconstrucionista, na América, coincidiu com a modernismo que difere substancialmente daquela oferecida pelo New
efervescência dos debates sobre pós-moderno. Era essa composi­ Criticism, Adorno ou Greenberg. Não é mais o modernismo da "era
ção que borbulhava por todos os seus pontos cardeais em meados da ansiedade", o modernismo torturado e ascético de um Kafka,
dos anos 80. A conclusão óbvia, que se pode extrair disso, é que um modernismo de negação e alienação, ambigüidade e abstração,
desconstrução ou pós-estruturalismo e pós-moderno são uma só e o modernismo da obra de arte fechada e acabada. É sim um moder­
mesma coisa, ou, no mínimo, de que se trata de fenômenos muito nismo de transgressão lúdica, de um desenrolar ilimitado da
similares. De fato, desde os anos 70, emergiu um consenso de que, textualidade, um modernismo confiante na sua rejeição da repre­
se o pós-moderno representava uma vanguarda contemporânea nas sentação e realidade, na sua negação do sujeito, da história e do
artes, o pós-estruturalismo deveria ser seu equivalente na teoria sujeito da história; um modernismo bem dogmático na sua rejeição
critica. Tal paralelismo foi favorecido peias teorias e práticas da da presença e no seu elogio sem fim das faltas e ausências, traços
textualidade e intertextualidade que borraram as fronteiras entre o que produzem, não ansiedade, mas fruição.
texto literário e o texto critico. Não era de se estranhar que os no­ Mais adiante no mesmo texto, no entanto, Huyssens modaliza
mes dos pós-estruturalistas franceses ocorressem com gritante re­ sua posição, inserindo, enfim, o pós-estruturalismo no pós-moder­
gularidade nos discursos do pós-moderno. no. Se o pós-estruturalismo for visto como um fantasma do moder­
Estranhamente, pelo menos à primeira vista, no seu artigo nismo na vestimentá da teoria, ele argumenta, então isso seria pre­
sobre pós-modernidade, Huyssens (1984:3 8-40) discorda dessa iden­ cisamente o que faz o pós-moderno. Um pós-moderno que se .extrai
tificação, quase óbvia, do pós-moderno com o pós-estruturalismo. agora não de urna rejeição ao modernismo, mas antes, se apresenta
Segundo ele, o pós-estruturalismo está muito mais próximo do como uma leitura retrospectiva que, em alguns casos, está intelfa­
modernismo do que é usualmente assumido pelos advogados do mente alerta quanto às limitações do modernismo e das ambições
pós-moderno. Postula, então, que o pós-estruturalismo é um dis­ políticas que falharam. O dilema do modernismo foi sua inabilida­
curso de e sobre o modernismo e que, se formos localizar o pós­ de, a despeito das boas intenções, para construir uma critica efetiva
moderno no pós-estruturalismo, isso deve ser encontrado apenas da modernidade burguesa e modernização. Huyssens conclui, en­
nos modos como as várias formas do pós-estruturalismo abriram tão, que o gesto pós-estruturalista, na medida em que abandona
novas problemáticas no modernismo, reinscrevendo-o nas forma­ toda pretensão de critica, que vá além dos jogos de linguagem, da
ções discursivas do nosso próprio tempo. Todavia, se é verdade epistemologia e do estético, parece, pelo menos, plausível e lógico.
que o pós-moderno é uma condição histórica que o torna suficien­ Visto sob essa luz, o pós-estruturalismo parece selar o destino do
temente único e diferente da modernidade, então é remarcável per­ projeto modernista o qual, mesmo quando se limitou à esfera artís­
ceber o quão profundamente o discurso critico pós-estruturalista, tica, sempre carregou a visão de uma redenção da vida moderna
1 12 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 1 13

através da cultura. Que tais visões não são mais possíveis de serem nenhuma, como campo de saber, para não dizer ciência, porque
sustentadas, pode estar no coração da condição pós-moderna, com­ esta denominação me abrigaria a uma longa discussão, a semiótica
pleta ele. não se situa mais no paradigma do moderno. Sua condição
Embora a discussão de Huyssens soe muito engenhosa, penso interdisciplinar, sua indisposição para a compartimentalização, sua
que diante dos impasses, que ele aí apresenta, tão comuns nessa dificuldade para encontrar espaço nas estruturas curriculares das
tentativa de se demarcar precisamente as linhas divisórias entre universidades tipicamente modernas, coloca-a com nitidez dentro
modernismo e pós-moderno, é que se mostra mais frutífera e flexí­ do paradigma que E. Morin chamou de paradigma da complexida­
vel uma periodização como aquela que apresentei anteriormente, de, e que aqui estamos chamando de pós-modernidade.
em que não há uma separação completamente rígica entre o moder­ E por essas razões que não parece fazer sentido uma tendên­
nismo nas artes e literatura e a pós-modernidade. Ou melhor, o cia que está surgindo na Europa atual de se tentar pensar que ca­
modernismo corresponderia muito mais a um período extremamen­ racterísticas teria uma semiótica pós-moderna, concluindo-se, en­
te rico e conturbado de desconstrução da modernidade e, portanto, tão, que tal semiótica seria aquela que estaria buscando retomar as
de transição entre a era moderna e a pós-moderna do que a um raízes filosóficas das linguagens, raízes que, como se sabe, o estru­
período contra o qual o pós-moderno se insurge. Afinal, se assim turalismo, com maior ou menor intensidade, dependendo do caso,
fosse, quantos pós-modernos não existiriam dentro do próprio mo­ abandonou .
dernismo? O primeiro problema, evidente na tendência acima, é o de que
Quando digo "desconstrução da modernidade", evidentemen­ ela parece ignorar que tal retorno às raízes filosóficas da lingua­
te a palavra "desconstrução" remete à denominação que o pós-es­ gem já foi feito pelo pós-estruturalismo. Que semiótica pode ter
truturalismo recebeu nos Estados Unidos. Isso poderia levar à in­ ignorado a grande repercussão que o pós-estruturalismo provocou,
terpretação de que estou tomando o pós-estruturalismo como sinô­ em primeiro lugar, na própria semiótica? Em segundo lugar, essa
nimo de modernismo, uma vez que é ao período de transição do colocação do adjunto pós-moderno à semiótica, já é, por si mesma,
modernismo que vim atribuindo a função da desconstrução dos indicativa de que se trata de uma concepção do pós-moderno como
valores modernos. Pode até ser que assim seja, mas não estritamen­ uma moda da qual a semiótica não poderia estar fora. Ou seja, uma
te, visto que, repito mais uma vez, tentar delimitar com justeza até espécie de revigorante para manter a sua juventude.
onde vai o modernismo e onde começa o pós-moderno, assim como Enfim, se a questão é, de fato, a do enraizamento da semiótica
rotular com precisão que obras são modernistas e, conseqüente­ na filosofia, na semiótica de C.S .Peirce, filosofia é o que não falta.
mente, antigas e quais já podem receber o passaporte de pós-mo­ E já que chegamos a C. S . Peirce, cumpre dizer que, embora ele
dernas, não passa de discussão bizantina. tenha sido um pensador que, por fatalidade biográfica (1839- 1 9 1 4),
Se tomarmos a semiótica como referência, por exemplo, onde só pode ter sido um homem do século XIX, seu pensamento, no
se localiza sua, versão pós-estruturalista? No modernismo ou no entanto, o levou além de si mesmo e do seu tempo. Não há mina
pós-moderno? E em situações como essa que a noção de modernidade mais rica de sugestões para se pensar as hipercomplexas problemá­
como uma era tem muito mais valor operativo do que a noção de ticas da pós-modernidade do que a filosofia da linguagem e filoso­
pós-moderno, que, de resto, não consegue escapar de sua sina de fia da ciência de Peirce. Trabalhando com conceitos, tais como o de
mera moda intelectual. Na era da pós-modernidade, pouca diferen­ falibilismo, indeterminação, vagueza, incerteza, sem perder o ri­
ça faz localizar-se a semiótica na fase de transição para a pós­ gor, ele nos deixou um verdadeiro manancial para enfrentarmos os
modernidade ou inteiramente dentro dela. Aliás, quando se trata desafios da pós-modernidade, sem prejuízos para a ética e sob o
das ciências, que, de modo geral, estão menos afeitas às modas, domínio da estética. Mas isso já seria uma outra e longa história
uma periodi7..ação muito rígida é sempre pouco funcional. que deixo para uma outra ocasião.
O que, de todo modo, pode ser afirmado, é que, sem dúvida
O debate pós-moderno

É dificil oferecer uma descrição do binômio modernidade/pós­


modernidade que não se tome uma meditação sobre as dificuldades
da própria descrição. A insistência crescente com que esse assunto
tem se apresentado aos nossos olhos, ouvidos e pensamento, há
mais de uma década, é proporcional à sua resistência a ser apreen­
dido em uma formulação e mapeamento simples e fáceis. As posi­
ções assumidas diante desse debate têm sido díspares e, por vezes,
apaixonadamente controversas. Buscando escapar do comodismo
ou de alguma forma de consciência comprometida que se manifesta
na negação tout court do pós-moderno, de um lado, e evitando, de
outro lado, a ingenuidade de uma laudação insípida, tenho me recu­
sado a lidar com o assunto, sem pelo menos cartografar brevemen­
te seu território e indicar minimamente o modo como tenho entendi­
do essas discussões. Em razão disso, antes de entrar especifica­
mente no tema correlato da universidade na cultura brasileira, que
deixarei para o final, farei uma narrativa rápida das tensões que
têm se polarizado no campo minado das noções sobre modernidade/
pós-modernidade.
O NASCIMENTO DA POLtMICA

O termo pós-moderno é um pouco mais antigo do que se pode


imaginar. Segundo parece, foi utilizado pela primeira vez, em 1 934,
por Federico de Onis num artigo publicado em uma antologia de
poesia espanhola e hispano-americana. Então, em 1 959, I. Howe
publicou um ensaio sobre "Sociedade de massas e Ficção pós-mo­
derna". Nos anos 60, alguns críticos literários, principalmente nos
Estados Unidos, já o utilizavam com certa desenvoltura e, nos anos
70, o termo estava perfeitamente aclimatado tanto na literatura
quanto na arquitetura, para depois se expandir para as artes plásti­
cas, fotografia, dança, música, cinema, até começar a tomar conta
de quase todas as práticas culturais e teorias sobre o cultural e
-
1 16 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 1 17

social, nas academias e fora delas. Em 1979, Jean-François Lyotard


Condição pós-moderna, de Lyotard. Ainda no outono de 1984, a
publicou La condition postmoderne, o nó crucial que parecia estar New German Critique lançou um outro número monográfico, no
faltando para unir todos os elos da cadeia. A avalanche de manifes­
qual Habermas retomava a polêmica �om os fr�ceses e Andr�as
tações, até então relativamente dispersas, recebeu a confirmação Huyssens, um dos editores da rev1 �� a, pu_ b! 1cava � m art1g o
interdisciplinar que estava precisando. _
antológico, "Mapeando o pós-moderno , que ma tambem coloca­
. No início, o pós-moderno foi marcado por posições divergen­ lo no rol dos expoentes do movimento. Foi em 1984 também que
tes e quase sempre maniqueístas, do tipo amor ou ódio. Com a Richard Rorty, neopragmatista norte-americano, simp�tizante da
entrada de Habermas no debate, a questão veio adquirir a espessu­ causa desconstrucionista, interferiu na polêmica, publicando �m
ra histórica, filosófica e política que estava lhe faltando. Em setem­ artigo sob o título de " Habermas e Lyotard sobre _a pos­
bro de 1980 , ao receber o Prêmio Adorno, Habermas proferiu um modernidade", artigo este que foi imediatamente respondido por
discurso sobre "A modernidade -- um projeto inacabado" . Nesse Habermas ainda no mesmo ano. Em 1985, foi a vez de Rorty res­
discurso, ao distinguir o antimodernismo dos ' 'jovens conservado­ ponder a lyotard, num artigo com o título de "Cosmopolitismo
res" em relação ao pré-modernismo dos "velhos conservadores" e o sem emancipação".
pós-modernismo dos neoconservadores, dava início a uma polêmi­ .
Conclusão : por volta de 1 985, não havia depa�ento um­
ca com os seus vizinhos franceses, que atingia, de um lado, os pós­ versitário nas áreas de artes, literatura e todas as humarudades, de
estruturalistas, especialmente Derrida, via Bataille e Foucault, cha­ norte a sul leste a oeste, dos Estados Unidos, que não fervilhasse
mados de ''jovens conservadores", e, d e outro lado, os em discussões sobre pós-estruturalismo, desconstrucionismo e pós­
neoconservadores, representados pelo arauto da pós-modernidade, modernismo. Em 1 986, Lyotard, novamente irônico, publicou um
Lyotard. Era tudo o que faltava para levantar a fervura do debate. livro com o título de O pós-moderno explicado às crianças: cor­
O número de revistas e coletâneas dedicadas ao assunto começou a respondência J 982-1985. Daí para a frente, o número de publica­
proliferar. ções, tanto na América do Norte quanto na Europa, espec1a�e�te
Já em l 98 1, a revista New German Critique, publicada pela Itália e Inglaterra, cresceu tão enormemente que, conforme f01 m�ito
Universidade de Wisconsin, USA, editou um número monográfico bem e ironicamente dito por Sérgio Paulo Rouanet ( 1 987:229), 'te­
no qual Habermas retomava ao tema com um artigo sob o título de mos de aceitar filosoficamente o fato de que na opinião de grande
''Modernidade versus pós-modernidade". Em 1983, Lyotard publi­
número de pessoas, nem todas lunáticas, entramos na era da pós­
cou na coletânea de ensaios Inovação/renovação : novas perspecti ­
modernidade" .
vas nas humanidades, editada por lhab e Sally Hassan, um artigo Quanto ao Brasil, num artigo escrito em outubro de 1 985,
irônico, sob o título de " Respondendo à questão: o que é o pós­ mas só publicado sete anos depois (Santaclla 1992b), fiz um levan­
modernismo ·,, cm que dava respostas a Habermas e outros críticos. tamento relativamente exaustivo das publicações sobre o tema que
Ainda em 1 983, a coletânea de ensaios, sob o título de O anti­ aqui apareceram, desde os escritos inaugurais de M�rio Pedro�a,
estético. Ensaios sobre cultura pós-moderna, tirava uma editora na década de 60 (cf. Otília Arantes 1983), até o partido se�acio�
obscura (Bay Press) do anonimato. Nessa coletânea, aparecia tra­ nalista que a mídia soube tirar das polêmicas que se segutr� .ª
duzido para o inglês, o artigo de Habermas, deflagador da polêmi­ publicação, em janeiro de 1985, no Folhetim, suplemento domllll­
ca, assim como Fredric Jameson, prestigiado crítico norte-ameri­ cal da Folha de S. Paulo, do poema "Póstudo" de Augusto de Cam­
cano de linha marxista entrava também no debate, com um artigo pos . De lá para cá, o diagnóstico dado_ por André Singer, em 1 99 1 ,
sobre ' 'Pós-modernismo e sociedade de consumo", para penetrar, parece ainda fiel ao destino que tem sido dado ao assunto no pais:
_
logo mais, na seara dos principais teóricos da pós-modernidade. Só
em 1 984, Jameson publicou três importantes artigos sobre o tema, A polêmica sobre o pós-moderno esteve em voga no Brasil no
entre os quais o prefácio da tradução para a língua inglesa da início dos anos 80. Depois perdeu-se na mesma bruma em que
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1 18 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 1 19

foram parar modas como o althusserianismo, o foucaultismo, o incredulidade e o abandono das narrativas centralizadoras, a
bloco histórico e outras. É claro que especialistas sérios continu­ ciência passou a ser paradoxalmente regida pelas figuras do
am trabalhando com os conceitos relevantes de cada uma das dissenso e da invenção.
ondas que varrem o cenário cultural de tempos em tempos, mas
para o público mais amplo tais palavras se esfumam na lembrança. A ciência pós-moderna [diz Lyotard (1979:60)] -ao preocupar­
se com coisas indecidíveis, os limites do controle preciso, confli­
De fato, se o grande público só tem presente à mente os flashs tos caracterizados por informações incompletas, fracta, catástro­
descontínuos daquilo que aparece na mídia, há, no entanto, um fes e paradoxos pragmáticos - está teorizando a sua própria
número razoável de intelectuais brasileiros que tem tratado a pós­ evolução como descontínua, catastrófica, não retificável e para­
modernídade não apenas como urna onda evanescente, mas como doxal. Ela está modificando o sentido da palavra conhecimento,
um conceito com história, espessura temporal e continuidade críti­ ao mesmo tempo que exprime como essa mudança pode ocorrer.
ca. Há hoje autores nacionais, especialistas no assunto e com idéias Está produzindo não o conhecimento, mas o desconhecido.
próprias (ver, especialmente Rouanet 1 987, 1 993; Paulo e Otília Em lugar dos princípios universais e generalizáveis, típicos
Arantes 1 992, assim como Teixeira Coelho 1 986 e J. Ferreira dos dos discursos legitimadores da ciência tradicional, tem-se a pulve­
Santos 1 987, além de algumas coletâneas de artigos), e o tema tan­ rização dos discursos na relatividade das redes flexíveis dos jogos
to faz parte integrante dos programas de um grande número de de linguagem que encontram sua forma otimizada de produção e
disciplinas acadêmicas ao nível de graduação quanto é objeto de difusão nas novas tecnologias de comunicação.
investigação ao nível de pós-graduação numa variedade de áreas. Não apenas a ciência, mas todo o tecido social pós-moderno é
A PULVERIZAÇÃO DAS TOTALIDADES uma malha multiforme de jogos de linguagem em cuja dissemina­
ção o próprio sujeito se dissolve, "disperso em nuvens de elementos
Quando Lyotard escreveu seu livro, não podia, nem por so­ narrativos". Nessa rede proliferante e incontrolável de interações
nho, supor que ele funcionaria, de um lado, como uma força linguajeiras, sobra como opção para uma cultura pós-moderna
aglutinadora em relação a manifestações intelectuais e artísticas "reativar uma arte do sublime, o que comprova a impossibilidade
que vinham dispersamente pipocando, à espera de um ponto de ou impotência da arte, ou da representação em geral, diante de cer­
fervura que lhes desse coesão, e, de outro, como um estopim daqui­ tos tipos de extremismo ou vastidão, na natureza ou além dela"
lo que viria a se constituir num dos assuntos mais candentes a ocu­ (Connor 1992: 1 72). Enquanto a arte modernista ainda permitia o
par o espírito das humanídades neste final de século. Disso só se prazer na apreensão do sublime em forma artística, a arte pós-mo­
pode concluir que as idéias expressas no livro deviam corresponder derna vai além, na direção do sublime, ao destruir a própria forma.
a insatisfações, ansiedades e angústias humanas, até então ainda Não por acaso, para Lyotard ( 1 989:42), "a pós-modernidade não é
vagas e difusas, que estavam à espreita de um corpo que lhes desse uma era nova. É a reescrita de alguns traços reivindicados pela
forma. modernidade . . . ".
A discussão do livro gira em tomo da função da narrativa Embora bastante exacerbadas, porque levadas a extremos de
como forma de legitimação dos discursos e procedimentos científi­ dispersão, as idéias de Lyotard nitidamente soam como reverbera­
cos. As duas principais narrativas, ou melhor metanarrativas, que ções de Derrida e, mais particularmente, de Foucault. Veio d�ste a
cumpri� essa função, desde a Revolução Francesa, eram a políti­ descrença de que possa haver uma metateoria mediante a qual to­
ca e a filosófica. A partir da 21 Guerra Mundial, contudo, começou das as coisas venham a ser ligadas ou representadas. Foi ele que
a se operar urna gradual e crescente perda de legitimidade dessas nos instruiu para "desenvolver a ação, o pensamento e os desejos
metanarrativas que acarretou no "declínío do poder regulatório geral através da proliferação, da justaposição e da disjunção", e para
dos próprios paradigmas da ciência" (Connor 1 992: 32). Com a preferir a multiplicidade à unidade, a diferença à identidade,
1 20 LÚCIA SANTAELLA CUITURA DAS MÍ DIAS 121

entrando no mo \imento dos fluxos e dos arranj os móveis em aparências, o poder só está lá para ocultar o fato de que já não
de�n � ento dos � 1stemas. Não são poucos, em razão disso, os existe.
pro-pos-modermstas que reivindicam a paternidade de Foucault. Similar à de Baudrillard, embora menos apocalíptica, é a tese
defendida, do outro lado do Atlântico, por F. Jameson. O que define o
OS PAROXISMOS DA H IPER-REALIDADE
perfil das socie�ades pós-moderna�, . para ele_, é a expansão do po­
Diagnósticos muito mais exacerbados do que os de Lyotard der do capital, mvadmdo os domm1os do signo, da cultura e da
ao ponto de se afastarem quase diametralmente de Foucault vê� representação. Daí a impossibilidade de se conter, no interior da
do ��in�ipal ensaísta do regime do simulacro, Jean Baudrilla�d. A cultura, "os ritmos inexoráveis de apropriação e de alienação do
sequencia de suas obras publicadas (especialmente 1974 1976 capitalismo de consumo" (Connor 1992:45). O pós-modernismo,
1977, 198 1, 1983) _re\ela uma capacidade camaleônica es;antos� eis a tese, não é senão a lógica cultural do capitalismo avançado
para a mudan ç� de 1de1as. Tomando como referência apenas a últi­ (Jarneson 1984), produzindo como efeito tanto a des�iferenciação
ma fase, � _do simulacro e do conceito coetâneo de hiper-realidade, das tradicionais fronteiras entre cultura popular, erudita e de mas­
sob sua ot1ca sombna, a realidade está sendo cada vez mais con­ sas, quanto a substituição da figuração psíquica do sujeito aliena­
vertid� em signos vazios, reduzindo-se dramaticamente a nossa do, típica do capitalismo emergente, pela figuração esquizofrênica
c�pac1dade de resistência a esse esvaziamento. Todos os rincões da dominante na cena pós-moderna. Se a idéia de alienação estava
fundada na pressuposição de um ego coerente e íntegro, de uma
�ida_ contemporânea _ estão !nvadidos por objetos e experiências ar­
t1fic1almente p �oduz1dos (signos) que não têm mais relação nenhu­ identidade centrada da qual se alienar, agora a fragmentação, a
ma com a re�hdad�. Eles são seus próprios simulacros puros, ten­ instabilidade das linguagens e discursos gera a esquizofrenia do
t�ndo ser �ais reais que a realidade (hiper-reais). Sob o regime da sujeito fracionado (Jameson 1983). O mesmo sintoma encontra for­
h1per-reahda�e,_ entram em colapso todos os antagonismos, até mas de inscrição na arte. Em lugar das obras monumentais do alto
modernismo, tem-se a apropriação, canibalização e sucateamento
�esmo os m�1s mvete�ados (ativo e passivo, engajamento e aliena­ de fragmentos de textos e imagens anteriores, uma arte que se
çao, _ subversao e autôndade, socialismo e capitalismo). Os opostos
se d1ssolv�m un� nos outros, e todos os atos acabam por beneficiar compraz de restos. Enfim, não há nada que possa resistir à insensi­
ª. todos, d1s�emmando-se em todas as direções. Nesse sistema de bilidade do capitalismo tardio, nem os desafios políticos, nem a
simulacros mtercambiáveis, é tão completa a identificação entre aura dos textos culturais sagrados, muito menos as sofisticações de
poder e representações do poder que o poder pode ser considerado mentalidades sutis.
efet1vame�t� �omo desaparecido (Connor 1992: 178).
_ A RESSURREIÇÃO ILUMINISTA
A est1hsi1ca pos-moderna do sublime, tão prezada por Lyotard,
. Ao fim e ao cabo, embora haja discordâncias nos detalhes, há
e le�ada a um tal nível de paroxismo, na hipertrofia baudrillardiana
d� smmlação, que evapora no ar sem deixar traços. Se em Lyotard, uma inegável complementaridade nas posições defendidas por cada
_ um dos autores acima. A única voz, eminentemente dissonante, a
ha, e certo, uma pulverização das metanarrativas em
micronarrativas, resta ainda, na trama política e social a concor­ destoar do coro, foi, indubitavelmente, a de Habennas. Por isso
rência . diferencial � inde_cidível dos jogos de Iinguage:n. Já para mesmo, não há dúvida também que Haberrnas tem funcionado, no
Baudnllard, tudo, mclus1ve o poder, se difunde com tamanha uni­ debate, como uma espécie de antitérmico, infalível para abaixar a
!ºr_m 1dade que está fadado a terminar numa neutralidade febre das visões sideradas (pró ou contra) que encontram pouso
m?1fere_nciada. "Esquecer Foucault" significou, assim, evidenciar especialmente nos epígonos da pós-modernidade. O pomo da dis­
a mut11I_dade de se tentar detectar o funcionamento do poder nas córdia, disparado por Habermas, encontra-se no espírito de
rede_s dispersas, mas ainda localizadas, de micropoder. Na era antimodernidade que está implícito no termo ''pós". Não há nada mais
do simulacro, porque também partilha do sagrado horizonte das complicado do que se chegar a um consenso quanto à delimitação

122 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 1 23

tempo a! �aqu ilo que é chamado de modernidade.


� Afinal, quando
ela se in1c 10u e q uando t erminou , se é q jogos sem destino das linguagens .
ue te nha terminado ?
encontra o nó de toda Aí se
a q ues tão, que não es tá
sendo fácil desatar
Para Habermas, o proj eto da mod
AS COMPLEX IDADES DO DILEMA

? século XVIII. Esse proj eto eq uivearnid ade entrou em foco du rant�
lia a um extraor dinário esforço
As questões envolvidas na polêmica evidenciam que o dile1!1a
u�telectual dos pensadores ilumini pós-moderno nem de longe se restringe a meras mudan�as de es_t 1lo
stas para, através do
z�q, revelar as_ qualidades universais, uso da ra­ na arquitetura e nas artes, como podem pens�r os mais_ desavisa­
eternas e imu táveis da
m?ade, com v1s�s a emanci á-! huma­ dos. "Há mais coisas envolvidas do que a última moda intelectual
mitos , super st1ç_ p � do jugo irracional das religiões , imp ortada de Paris ou do que a mais nova reviravolta do mer cado
oes e das arb1traneda
des do p oder ilegítimo
sofi a m dern a, desde . A filo­ de arte de Nova York" (Harvey 1993: 18). As mu danças estilí sti cas
_ � Kant, tan to quanto a economia p
soc1o! og 1a, desd Marx olítica e a funcionaram como sinais de alarme, na década de 70, para as trans ­
� e depois Weber, ass u
m iram a tarefa pri­
mordial de refl tir sob
: r m odernidad e, medindo
formações antes de tudo de sensibilidade com que o espírit� dito
suas promessas e pós-moderno estava se expressand? · Hoje: te�do já "a�ref�c1do o
sua� fa lhas . Nao obs
tante seus flagrantes fracassos e
e a

P:c1alme?te em Hiroshima, Nagasaki, videntes es­ frenesi apocalíptico e a esquizofrema das c1taçoes , que s mahzaram
nos camp os 'de concentra­ a e ntr ada da arte numa er a mai s pr opriamente pós -mode m � "
çao, e gntantes nas ameaças nuc
leares, nos esq uadrões da morte
enfim , em tod s s " (Santaella 1992.: 134), isso pode gerar_ em �lguns (aqueles que vi­
? � monstros que o sonho da razão produz", nã�
obs tante a D1aletrca
do esclarecimento (Ado rno e H vem apenas da observação dos efeitos 11ned1atos que os fe?oA �enos
orkheim er da moda produzem na superficie da paisa�em cultural) � ilusao de
�, 985), Habermas continua a ap ostar no proj eto
da modernidade . que o pós-moderno já morreu. C_omo estilo, d: fato? Jª dev� t�r
S� bem �u� com forte dose de cet
icismo qu anto às suas metas,
m wta angus tia quant morrido. Mas como questão a ser interrogada, sao mwtos os sma1 s
? � �elação entre meios e fi
mo n t cante a
, ns e certo p essimi s ­ de que os dilemas continuam vivos , basta ver o núm�ro cres cente
.? ? ��ss 1 b 1hdade de realizar tal proj eto nas condições A adend ao deba .
e�onom 1 a e poht1ca
� � s contemporâneas ", p
de publicações , no mundo todo, daqueles que tem ? �
ara ele, a mode rnidad
ainda e stá inacabada
(Harvey 1993:24). e Cada vez mais parece haver um consenso qu anto a complexi­
. . �mbor a tenha dado o n ome de condição pós -moderna p ara dade dos problemas que estão sendo postos em discu_ssão. Pouco
v�c1ss1tud�s do contemporâneo, importa o nome que se escolha dar a essa nova comple�1d�de. A�n­
tanto quanto Habermas, Lyotar
as
nao �credita em qualquer ruptur tece que, por enquanto, o termo pós-moderno ou, mai s am�, pos­
a radi cal sep arando a
o rni
d
do pos-modemo. De onde vem, m odemidade, parece estar tendo o poder de congregar a v anedade
_ então, a di ssenção e
m
ntre ambos ?
de dad e
Antes de t_udo, das difer enças na tradição mo
de diagnós ticos em tom o de um denominador comum . H a�ey
dern a a que cada um
deles se fiha. Enquant
o, para Habermas , a modernidade (1993), abrindo seu livro com a tes� de que "uma m��ança ab :ss�I
de nascença do il um inis traz a marca vem ocorrendo nas práticas culturais , bem como poht1co-e�ono�1-
_ mo, para o s francese
s , desde F oucault, p as
sando por De nda, até
Lyotard e outros como Deleuze e G ­ cas , desde m ais ou menos 1972", e conc luindo-o com a d1sc� ssao
� uattari 0
ponto de partida está em Nietzsc sobre ser o pós-modernismo algo pat�lógico ou o "�res�ág10 de
he, Freud, Heidegger, quer diz�r
suas fontes de referê
nc ia estão j ustamente naqueles q uma revolu ção dos eventos humanos mais profunda e ate mru s ampla
ram os sonhos da razão. A grand ue dinamita� do que as já ocorridas na geografi� his tór �c� d o capitali smo"
e di scórdia en tre Habe
Lyota�d n asce con seqüentement rmas e (ibid. :294), apresenta-nos uma bela s intese (1b 1d.: 19) d�s marcas
e da aver são haberm
par oxismo a que Lyotard condu i p elo do pensamento pós-moderno : o privilégio da heterogene1dad: e da
z a descrença na p ossibilidade d
as ana
co�senso entre os h
omens . Enquanto Habe
e difer e nç a como forç as li b e rt ado r as , a fr a g 121 e ntaç ao , a
salidade dos valores
rmas ins is te na univer­ indeterminação e a intensa desconfi ança em r elaçao a tod�s os
e nas qualid d s
hum ana, Lyotard exacer ba o re � � dialógicas da comunicação discursos univer sais ou totalizantes ; a redescoberta do pragmatismo
lat1 v1smo derrotista, implícito n
os na filosofi a , a mudança de idéi a sob r e a filosofi a da c iênc ia,
124 LÚCIA SANTAF.LLA CULTURA UAS M Í DIAS 125

promov ida po r K uhn ( 1975) e Feyera ben d ( 1985): a ênfase mod erni dadc'' ent re asp as, explica-
foulcaultiana na descontinuidade e na d ife rença na história e a pri­ Seu u so de ··modcrni dade/pós- · , m10· de�e ser sa
se' assim , como sinalização de qu
e o b mo _ � , do c-'rom
m azia dada por ele a "correlações polimorfas 1m m o e f;am 1 ia-
cm vez da causalida­ com
de simples ou complexa": novos descobrimentos na matemática - extrema p recau ção. "Qu alque r,,pes'soa, " - e !�ªr de notar,
m
e
um
1 o
acentu an do a in determi�ação (a teoria da catást ridade com os deb ates recentes , d1z e e, n P , (p. l l ). Dai
d d
b1g ?s
º

ue esses termos são escorregadios, vagos e_ am


a
rofe e do caos a
�eomctria d?� fractais) -- ; o ressu rgimento da preocu pação, 'na ung, uma
u

escolh ido utilizá-los no sentido he1�cggen�o d e �nmm


et1ca, na poht1c a e na antropologi a, com a v !r. · te co movente,
··outro".
alidade e a dignidade do
dispos1 ção' u m estado de ânimo que e amo fo, pr
s n s modos
i e
p
r o

Há muitos que parecem estar de acordo com Harvey qu anto mas qu e, na~ o obstante, exerce �ma . infl. uência .
odero a o

ao caráter revolucionário daquilo que está sendo s inalizado sob o como pensamos , agimos e expenenciamos as co1 s�� -
nome de pós-m odernidade. Numa entrevi sta dada a Bernardo Car­ Também evitando radicalismos e bastante cnt1co em re1 aça_ o
ouanet (1987 )
valho, cm Nova York, Petc r Eisenman ( l 99 l ), chamado pela mídi a à propensão irracionali sta do pós-m_odemo, S. P. R
de
de o '·D avi d Lynch da a rquitetura", ao rece
assume uma posição no debate cuJ_as nu a� ças o ap roximam
t e en­
d itava na existência do pó s -modernismo,
ber a pergunta se acre­ H abermas. Pela engenhos idade da d1s_ct:sssao qu_e Rouan
com
d s

v olve, vale a pena smtetizá-la na defimçao, po s 1çao e p roposta


e
assim respon deu :
que O au tor a finaliza (ibid.: 269-270). Para ele, o pos -mod emo
Talvez não d a maneira ingênua com que a cultura arquitetônica
te ntou defini-l o, incorporando pedaços do passado. Mas não há a
menor dúvida de que a cultura da mídia está numa era pó s-mo­ é muito mais uma fadiga crepuscular de uma época que parece
extinguir-se ingl o riam ente que o hino de júb i
l o de amanhãs que
de rna. não utópica, não ho lística, não teleo
lógica. Todos esses despontam . À c nsc ência pó -m � rna nã� correspo nde uma
aspe�tos, as diferenças no papel do sujeito em relação ao objeto,
realidade pós-moderna. Nesse sentido, ela. e um �1 �ples mal­
o i s o e

os g ene ros e as classes intercambiáveis, tud


o i sso refl ete um v e r­
estar da modernidade , um sonho da mode rni da de
. E, hteralmen­
d adeiro pó s-modernismo. Nã o se trata de
estilo mas de uma
te falsa consciência, porque é a consciência de uma ruptura �ue
não h ouve. Ao mesmo tempo, é também consciência verd�deua,
mudança cosmológica e paràdigmática (grifos �eus)

_ No seu julg�mento, Eisenman consegue ir mais além da posi­ po rque alude, de algum modo, às defo rmações da modenudade.
çao bastante radical que defendi (Santaell a l 994 ) sobre a pó
m oderni dade como um limiar antropológic
s­ A seguir, Rouanet expõe sua pos ição ativa diante do dile ma,
o de cuj"a trave ssi a não dizendo:
temos ainda cond ições de medi r as conseqüênci as.
M ais _ponderado e cauteloso é o ponto de vista defendi do p
or A modernidade não está extinta (...). Não podemos fugir d�la.
R. Be rnstem ( l 99 l ). Ao explicar a escolha do títu lo de seu livr
oA Temos de completá-Ia e corrigi-l a. Foi a modernidade que cnou
st ente
neva constelação. Os horizo ntes ético-políticos da modernida
de/ o s padrões normativ os que nos permit e m co mparar o e xi
pós-modernidade , o autor deixa claramente explicitado seu m com O desejável. Ser mode rno é critica a m e�m d _ r al com
odo anunci da pelo
e e
foi
da
a qu
od
de ver o plu ralismo de vozes que está soando na contemporaneid a -
r

ade.
os crité rios da modernidade id
d uma
a
- mancipa ção
e
sa aut
e l
Extramdo a me�f�ra constel�ção dos escritos de Adorno e B Ilumini smo , com sua pro me
enja­
s de o e e

m m, e s u a defimçao de Martm Jay, com


o "um feixe de elementos h umanidade razoável.
m utávei s m a is justapostos do qu e integr
_ ados, que res iste à red ução Por fim, su bstitu i a exp ressão pós-moderno por neomoderno,
a um de1�om mado_r com u_m , núcleo essencial ou p ri m eiro princí
,
ge rador , Bernst em conside ra a metáfora tão fértil porque preten
pio significando por este a b u sca, "'no arquivo �orto da mode�1dade
demonstrar, com ela, q�e nossa s ituação ou cond ição moderna/p d o senti do a utêntic o da m od erni d ade ; a c o nt e st a � ao d a
ós­ "modernidade atual em nome d a modernidade virtual"; a exigênci a
de

moderna de safi a e resi ste a qualquer


tentativa reduci onista (p.9). de um programa inflexivelmente mode rno, como única forma de
1 26 LÚCIA SANTAELLA

CUL11JRA DAS MÍDIAS 1 27

concretizar as esperanças sedimentadas no proj


em oposição a todas as fantasias pós-modernaseto da modernidade fil fia Galileu e Francis Bacon, na ciência, vindo receber seu
.
A SUG ESTÃO DE UM DIA GRA MA tr:eí�to em arte final no �iravelmente ?em acab�do modelo
mecânico e detenninista do umverso newtomano. Na htera� ra, a
No final de seu livro, Cultura pós-modern
a. Introdução às 0bra de in iciação está no D. Quixote de la Man�ha, que ve10 d_ar
teorias do contemporâne o, S. Connor on· gem ao roman ce moderno do herói. problemático, e, na poesia,
( 1 992 : 1 98) propõe que " -
está nos inventores do soneto, forma ideal da vers1_fic�çao.
à tarefa de uma pós-modernidade teórica O ensaio "O que é o iluminismo?", de Kant, s1gruficou o apo-
(sem dissipar suas energias em fantasias do futuro tem de ser geu da modernidade' clímax que. corresponde ao momento em que
tentemente derrotada, nem
de marginalidade po­
estreitar-se num profissionalismo uma era adquire a autoconsc1e • A nc1a de seu perfil propn
, · ? . N o mundo
autopromotor e nem agir como legitimação olítico-social, esse apogeu tomou fonna na Revolu�ao_ Frances�,
aliena�tes da "sociedade de informação" cultural dos efeitos
do) fol)ar formas novas e mais i nclusivas
do capitalismo avança­ �uando a burguesia, já dominante no p�orama_ econon:iico, ad�m­
de
Haverá quem veja isso como apenas mais uma coletividade ética. riu O domínio do cenário político. Dep01s do chmax, so pode vir a
no universalismo, mas não
recaida desfibrada queda. Quando se trata de uma era civilizatória, a queda nunca se
se trata disso: trata-se de um chama­ dá de chofre , nem em ritmo homogên_eo..: o proc e� so de seu
do para a criação de um quadro comum
de desvanescimento, sendo ziguezagueante, e tã� de�con!muo e l ento
fator capaz de garantir a continuidade de concordância, único
uma diversidade global quanto O de sua ascenção. De t�o modo, o pnmeuo smal_ de 9ue_ a
de vozes.
razão, força motriz da modernidade, es?va lo�ge da orupo!enc1a
_Desde 1 985 (ver Santaella 1 986 e com que posava, veio de Hegel. A razao �r�1a no seu b_oJ� um
um d1a�rama temporal do trinômio mod 1 994 ), venho esboçando vírus capaz de transmutá-la em seu contrano: a �ontrad1çao. A
ernidade/modernismo/pó
moderrudade que, sem a ambição de s­ filosofia de Hegel é, entre outras coi �a�, �m� t�ntattva_ colossal de
funcionar como um quadro
comum de concordância, parece, no en
tanto, servir como auxiliar salvar a inteireza da razão apesar da 1mmenc1a mescapavel da con-
para u� conciliação relati_va das pos tradição. . .
ições antagônicas que o de­
bate pos-moderno tem su c1tado. Trata-s
� O advento da Revolução Industnal, que veio, se� duv1 ' ·da
ral que aban�ona a polandade merame de um diagrama tempo­
e
colocar em aceleração o processo produtivo do capitahsmo, foi
entre moderrudade vs. pós
nte dicotômica da oposiçã
o paradoxalmente aquilo que col�aria em evidência as m�elas das
A -modernidade, pas sando a compreender
o fenom�no �entro de um
esquema triádico relações sociais através das quais esse modo �e produça� se _sus­
parece simplificar as coisas, mas funcio . Como todo esquema, tenta. O detetive incansável dessas mazelas foi Marx, o pnm�uo a
panorama capaz da síntese, sem feri a, pelo menos, como um
n
r a irredutibilidade de cada tirar partido do princípio da contradição, tal como ele se manifesta
uma das vozes que tem se pronunciad
o na diversidade do debate. no mundo real e histórico em que os homens se movem, trabalham,
De acordo com tal diagrama, e com sofrem e lutam em desumana desigualdade de condições. A auto­
estratificação simplificad
todos os riscos de uma nomia da razão, presti�iada por Kant, a! imen� uma cobra n� se
ora, a modernidade ou era moderna _ �
começa no iluminismo, como querem não seio: a ausência de sentido, que Weber ma, mais tarde: expor a lu
_ alguns filósofos, nem com
Baude_la1re, como querem os literato do dia, na sua crítica da racionalização do mund? social. . .
s, m
feudalismo e os P?"1ór�ios do modo de as recua para a crise do N esse mesmo terreno minado, deu-se o surgimento do pnme1-
produção capitalista . Seus
marco � temporais mais ou men os
ziguezagu eantes estão n o ro grande derrisor da racionalidade, Nietszche, r�ivindicando o
Renasctmento nas artes, quando se dá renascimento das arrebentações do êxtase, na energia e na vontade
a codificação dos sistemas
artísticos nas cin� belas artes, a inve de poder, que o império da r�� e_:'cl�sivista tev� a faculdade de
nção da perspectiva na pint
ra e a aurora do sistema u­ asfixiar. Não obstante as d1ss1denc1as pessoais entre ambos,
tonal na música. Está em Descartes
, na Nietszche representou para a filosofia aquilo que Wagner representou
a
LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ OIAS 1 29
1 28

para a música. Wagner foi aquele que colocou o sistema tonal em A partir dos anos 60. contudo, algo diferencial começou a
sofrimento, fazendo ruir as peças hierárquicas que sustentavam seu emergir de um feixe de fatores dominados pela explosão da cultura
edificio. Depois de Wagner, a música ocidental não seria mais a de massas e sob o impacto da Revolução Eletrônica, no seio do
mesma , do mesmo modo que, depois de Nietszche, não haveria mais capitalismo de consumo. Este provocaria a mais prodigiosa expan­
maneiras de esquecer tudo aquilo que a razão hegemônica nos faz são do capital do qual nada, absolutamente nada, ficana a salvo,
perder. nem mesmo os bens do espírito mais etéreo. Há quase uma unani­
. Cézanne, com sua maçã, faria para os códigos da pintura, midade por parte dos teóricos e comentadores em colocar nesse
herdados do Renascimento, o mesmo que Wagner, especialmente momento o marco de nascimento do pós-moderno, que viria encon­
no prelúdio de Tristão e Isolda, fez para a dissolvência do tonalismo. trar na arquitetura sua forma mais exuberante e visível de manifes­
Contribuindo para essa irrupção crísica, longe de ter sido o arauto tação.
da modernidade, Baudelaire foi, de fato, o primeiro a dar forma Num primeiro momento, o pós-moderno, que aparecia nitida-
poética à sensibilidade em estado de crise e perigo dos valores mo­ mente como um novo estilo nas artes, foi compreendido como uma
dernos em agonia. As Flores do mal foram o canto de cisne da era mera subversão dos preceitos do alto modernismo. Embora prece­
moderna que se iniciara no Renascimento, e puseram o território da dido do prefixo pós, que denota antagonismo e superação, tinha
arte em prontidão para os abalos sísmicos e turbulências estéticas tudo para ser confundido com um passo a mais na tradição de rup­
que iriam surgir com aquilo que foi chamado de Modernismo nas turas instaurada pelo modernismo. Gradativamente, no entanto, a
artes, literatura e música. Enquanto isso, Freud já desfechava gol­ realidade foi enviando sinais cada vez mais potentes de que não se
pes mortíferos no que restava de autoconfiança e arrogância ao tratava apenas de um estilo artístico, mas de um feixe espesso de
sujeito da razão. questões que começavam na ciência, atravessavam as artes e cultu­
ra, economia e política, avançando até os mais recônditos rincões
do cotidiano humano. Não é por acaso que o debate sobre o tema
A DESCONSTRUÇÃO VANGUARDISTA

Do mesmo modo que, na fisica, berço do mecanicismo, a teo­ continua fervilhando.


ria da relatividade e, mais tarde, a teoria quântica iriam minar os O diagrama, que estou aqui propondo e que toma como ponto
alicerces do modelo newtoniano de universo, em todos os campos de partida o recuo da modernidade para o Renascimento, não esta­
artísticos entrariam em ação forças desconstrutoras dos códigos e belece uma oposição ou ruptura entre o modernismo e a pós­
sistemas herdados do Renascimento, numa seqüência e, muitas ve­ modernidade. Ao contrário, o modernismo correspondeu ao ponto
zes, sincronicidade de rupturas inauditas-: o lance de dados que, de inflexão, precipitação da crise da razão, desconstrução dos va­
estilhaçando o verso, levou a poesia aos confins do infinito, o Ulysses lores modernos, enquanto a pós-modernidade deve corresponder
comprimido num só dia que colocou o romance num salutar beco provavelmente à aurora de uma nova era, do mesmo modo que a
sem saída, o branco sobre o branco na pintura, rebatendo no silên­ Renascença abriu as portas da era moderna. As transformações
cio weberniano, foram todos acontecimentos inaugurais e abissais (para usar a expressão de Harvey) que estão se operando
irreversíveis. Aquilo.que costumamos chamar de modernismo com no fazer científico - especialmente na biociência, na neurociência
suas agitações vanguardistas, entre duas guerras mundiais, não e na engenharia genética -, as reviravoltas nos procedimentos
corresponde senão ao processo de renúncia implacável a um passa­ metodológicos e nos processos de legitimação da ciência. a veloci­
do posto cm ruínas (para fazer uso desta imagem tão cara a W. dade das mutações econômicas e políticas, a mudança de paradigma
Benjamin), algumas vezes acompanhado pela esperança em um na produção de imagens e sons através da mformática, o cresci­
futuro redentor. Duchamp, Satie e os dadaistas em geral, por exem­ mento ininterrupto dos meios e dos signos, que tanto susto está
plo, estão do lado da pura derrisão, a Bauhaus, Mondrian, por ou­ p rovocando nos profetas do apocalipse, os bancos e redes de dados
tro lado, procuravam os caminhos utópicos do futuro. que parecem deixar o globo terrestre do tamanho de uma bola de
130 LÚCIA SANTAELLA
-
CULTURA DAS MÍDIAS 13l

bilhar, têm tudo para nos autorizar a suspeitar de que se trata, de


fato, de um novo limiar antropológico cujas conseqüências não es­ interações indis solúveis que ela tece com o sentimento, a ação, 0
tamos ainda podendo prever. acontecimento, a afecção, o acaso e os fatos brutos. Trata-se de
Sintetizando a proposta, portanto, a modernidade começou expor o caráter radicalmente dialógico da racionalidade no seu co­
onde começou o capitalismo, onde começaram a filosofia e a ciência mérc!o coi:n as . fronteiras sempre muito movediças entre o mundo
modernas, quando a pintura se tornou portátil e a música saiu da extenor e mtenor, o anárquico e a ordem, o vital e o destrutivo a
igreja. A crise da modernidade, que coincidiu com a crise do impé­ percepção e o sonho, o autocontrole e o inconsciente, a ação � a
_
rio da razão, foi u m processo lento, tendo se acelerado no final do C?n�e'?plaçao. Enfim, a necessidade de repensar a razão, no limiar
século XIX, com Nietszche, para terminar sua derrocada em Freud. histonco que atravessamos hoje, não pode ser minimizada, visto
Aquilo que é chamado de modernismo nas artes funciona como que as extensões de nosso cérebro nos computadores, bancos e re­
u ma passagem i ntermediária entre a modernidade e pós­ des de dados que povoam o globo, necessitam de um sujeito huma­
modernidade, passagem marcada pela desconstrução implacável dos no que tenha, no míni mo, uma visão menos desdenhosa e
códigos e valores do moderno. Sob os pontos de vista que esse autodestrutiva de sua própria racionalidade. É nesse sentido que a
diagrama nos dá, ao invés de uma ruptura, há, na verdade, uma mensa�e � de f:Iabe�as tem mais atualidade do que as mensagens
continuidade entre o modernismo e a pós-modernidade. Daí a difi­ apocahp!1cas ? �nfehzmente mais populares. Há algo, de fato, no
culdade e a quase bizarria em se tentar localizar com precisão um p�ssad_o Iiumm1sta que tem de voltar à tona e que certamente volta­
artista, escritor ou pensador como modernista ou pós-moderno. A ra, assim que cessar o alarido dos relativistas. Afinal a razão não
única e nítida diferença, que marca a passagem para o pós-moder­ é o demônio que o desdém dos irracionalistas desenh�.
no, está na crescente incredulidade, a partir dos anos 60, em rela­ A REVOLUÇÃO INFORMÁTICA E A UNIVERSIDADE
ção aos ideais heróicos, aos sonhos utópicos que o modernismo
acalentou. A perda irremediável de valores, crenças e sonhos, que , Diante_ do complexo emaranhado de interrogações com que a
essa incredu lidade provocou, trouxe .consigo u rna tendência para a pos-modern1dade nos desafia, pensar a posição e papel da universi­
exacerbação das facetas diametralmente opostas àquelas qu e fo­ dade dentro desse quadro de questões emergentes não é tarefa da
ram prescritas pela razão na era moderna. Vem daí a tendência ao qu�l uma só pessoa possa se safar. Algumas delimitações se fazem
irracionalismo, relativismo, descontínuo, ao antifundacionalismo, assim n�cessária� . Não_ apenas por necessidade, mas também por
através dos quais o pós-moderno veio definindo seu perfil. , _ focalizar apenas uma única questão relativa à
est_rate�ia, dec1d1
Atualmente, contudo, parece estar emergindo a demanda por umvers1dade. Sendo única, chama mais a atenção, exatamente aquilo
um espaço epistêrnico intermediário, equ ilibrando-se entre os ex­ que pretendo fazer aqui.
tremos do u niversalismo racionalista, de um lado, e do relativismo ,Não importa �ue posição se tome ou que interpretação se dê
pulverizador, de outro. Prova disto são os recentes, e aqu i bastante ao pos-modemo, ha uma questão de base que nunca deixa de com­
citados, livros de Connor ( 1992) e Harvey ( 1993), mas mu ito espe­ parecer, �ireta ou indiretamente, no conjunto de idéias e argumen­
cialmente, o brilhante livro de R. Bernstein sob o título de Para tos_que sao postos em discussão: as revoluções tecnológicas que
além do objetivismo e relativismo ( 1 988). Em síntese, o desafio estão transfof'!1ando, nas. bases, as relações humanas, seus proces­
mais premente que se apresenta ao homem contemporâneo está na sos de comunicação, a dinâmica do conhecimento, as formas de
tarefa da reinvenção da razão. Se o papel da racionalidade foi tra�alh�, os modos de sentir e as transações políticas e econômicas
hipertrofiado no passado, isso não significa que tenhamos de naciona�s e globais. Dentro desse elenco de aspectos, aquele que
abandoná-la à mercê dos irracionalismos destrutivos, que são ape­
nas o outro lado da moeda da própria racionalidade. Urna visão :a _mais de perto a uni �ersi �ade, é certamente a dinâmica do co-
ecimento. Como a umvers1dade tem se posicionado frente às
mais flexível da razão humana implica em compreendê-la nas
� �ças dessa dinâmica? Em que medida a universidade tem se
ud
msendo ou ficado à margem das revoluções na informática e nas
1 32
133
LÚCIA SANTAELLA
CULTIJRA DAS MÍDIAS

telecomunicações? Essas são fundamentalmente as pergu ntas que


formação de bancos sociais e individuais de uso simples e práti­
pretendo colocar em discu ssão como centrais para a visão da uni­
co, e eliminando as rotinas burocráticas que tanto paralizam o
versidade no contexto mutante do pós-moderno. trabalho científico; c) transmitir <!e forma muito flexível a infor­
É certo que são muitas as mu danças que estão se operando no mação através do telefone conectado ao computador, de forma
mundo do conhecimento sob impacto da irrupção tecnológica. A barata e precisa; d) integrar a imagem fixa ou animada, o som e
biptecnologia, a engenharia genética, as novas formas de energi a, o o texto de maneira muito simples, e com custos reduzidos; e)
apare cimento de novos materiais, especialmente novos tipos de con­ manejar os sistemas sem ser especialista; acabou-se o tempo cm
dutores, são conseqüências flagrantes do advento de formas de co­ que o usuário tinha de aprender uma "linguagem", ou simples­
nhecimento às qu ais a humanidade não teria tido possibilidade de mente tinha que parar de pensar no problema de seu interesse
chegar sem a interação direta com tecnologias altamente sofistica­ científico para pensar no como m:mejar o computador. A gera­
das. S e, em meio às tecnologias avançadas, pu s ênfase apenas na ção de programas user-friendly, ou seja, amigos do usuário, tor­
telemática, é porque esta diz respeito ao potencial atual desse cam­ na o processo pouco mais complicado que o da aprendizagem do
po para a tradu ção, armazenamento e difusão do conhecimento. uso da máquina de escrever, mas exige também uma mudança de
A esse respeito, L. Dowbor ( 1 993) e C. S eabra ( 1 993) forne­ atitudes frente ao conhecimento de forma geral, mudança cultu­
cem uma série de indicações contundentes tendo em vista a espan­ ral que, esta sim, é freqüentemente complexa . (ibid.:5-6)
tosa aceleração no ritmo das renovações científicas. Dowbor diz,
por exemplo, que, nos útimos 20 anos, dobraram os nossos conhe­ Para quem freqüenta e convive com a indigência tecnológi ca
cimentos científicos, relativamente à totalidade dos conhecimentos das universidades brasil eiras em geral, pode parecer que as indica­
técnicos acumulados durante a história da hu manidade, enqu anto ções acima fazem parte de um filme do tipo Viagem ao futuro .
Seabra afirma que a quantidade de informação produzida diaria­ Enquanto as universidades, altamente equ ipadas, d o Primeiro M un­
mente supera a qu e pode ser absorvida por um ser humano du rante do, preocupam-se com a manutenção do diálogo e dos ideais da
toda a su a vida. Esse acúmulo de informação vem hoje acompa­ pesquisa, frente à sobrevaloriz.ação do mero aparato técnico, no
nhado de meios de estocagem e troca em igual nivel de correspon­ Brasil, ao contrário, o ensino e a pesquisa continuam impávidos
dência. O casamento da informática com as telecomunicações, a a�da presos à era da lousa e giz, caneta e papel. Enqu anto, nas
telemática, torna possível e cada vez mais barato transmitir tudo uruversidades de Primeiro Mundo, os sistemas de consulta on-line
-- textos, imagens, som - em grandes volumes e com rapidez. permitem o acesso a um número incalculável de títulos de publica­
Dowbor completa: ções e o intercâmbio inter-universitário permite o empréstimo da
publicação desejada em pou cos dias, aqui, a imensa maioria de
o fato essencial é que podemos transformar em sinais magnéti­ nossas indigentes bibliotecas não está sequer informatiz.ada. Ne sse
cos, qualquer informação sob forma de som, de escrita ou de ima­ estado de carência, chegamos à biz.arria de levar meses para ter
gem fixa ou animada. Uma vez que este processo é dominado, acesso às informações de um livro e, às vezes, anos para o acesso a
em grande escala, com grande rapidez e de forma barata, a male­ um artigo, e isso qu ando chegamos a saber que el es existem . S e no
abilidade dos conhecimentos é profundamente revolucionada. Primeiro Mundo, faz mu ito sentido assu mir posições críticas' em
Pondo de lado os diversos tipos de exageros sobre a "inteligência relação aos efeitos da tecnologia e alertar para os perigos d e seu s
artificial", ou os pavores dos que desconhecem os processos, a exageros tecnocráticos, aqui, ao contrário, temos de reivindi car e
realidade é que a informática permite: a) estocar, de forma práti­ lutar para que nossas universidades saiam do tunel do tempo.
ca, em disquetes, em discos rígidos e em discos laser, gigantes­
cos volumes de informação ( ... ), centenas de milhões de unida­ . O . pior, nisso tudo, é que a maior força estagnadora dessas
uruvers1dades não é nem mesmo econômica, mas mu ito mais de
des de informação ao preço de algumas centenas de dólares; b) m entalidade, a m e ntalidade provinciana, e ndógena e
trabalhar essa informação de forma inteligente, permitindo a autocomplacente, esta mesma qu e furciona como antídoto contra
o
134 LÚCIA SANTAELLA

os desafios do confronto com a alteridade. Com raras exceções, o Videotexto: hábitat eletrônico da escrita
pesquisador brasileiro não tem sequer urna pálida idéia das possi­
bilidades que a telemática hoje abre para a pesquisa, aprendizagem
e intercâmbio de conhecimentos, nem se dá conta "de que o custo
total de um equipamento de primeira linha, com enorme capacidade de
estocagern de dados, impressora a laser, modem para conexão com
telefone, scanner para transporte direto de textos ou imagens do
papel para a forma magnética, é inferior ao preço de um telefone" . Qualquer nova tecnologia de comunicação ou não, mas prin-
(Dowbor 1 993 :6). cipalmente a de comunicação, tende inevitavelmente a criar seu
É certo, nos diz mais uma vez Dowbor (ibid. : l ), "que as no­ respectivo meio ambiente humano e social. Ambientes tecnológicos
vas tecnologias surgem normalmente através dos países ricos e, em n�o são recipientes puramente passivos de pessoas, mas processos
seguida, através dos segmentos ricos de nossa sociedade". Daí ter­ ativos que remodelam não só pessoas, mas também outras tecnolo­
mos "urna tendência natural para indentificá-las com interesses de gias (M. McLuhan 1 972: 1 5). De fato, a história não tem cessado
grupos econômicos dominantes. No entanto, uma atitude defensiva de nos mostrar que qualquer novo meio de produção de linguagem
frente às novas tecnologias pode terminar por acuar-nos a posições e de processos comunicativos também produz novas formas de con­
em que os segmentos mais retrógrados da sociedade se apresentam teúdos de linguagem, produzindo simultaneamente novas estrutu­
corno arautos da modernidade". Não se trata, portanto, de fomen­ ras de pensamento, outras modalidades de apreensão e intelecção
tar a aceitação científica e cultural dos ditos efeitos alienantes da do mundo, ao mesmo tempo que tende a provocar fundas modifica­
sociedade de informação, mas de lutar por diminuir o descompasso ções �os modos de ver e viver e nas interações sociais.
entre a atualização tecnológica que é hoje já parte integrante das E claro que essas modificações não se fazem sentir num passe
empresas de comunicação, mesmo em um país na periferia da nova de mágica. Num primeiro momento, quando uma nova tecnologia
ordem internacional como o Brasil, e o atraso no aparato técnico de comunicação surge no horizonte social, ela necessariamente pro­
que caracteriza a vida universitária neste país. As tecnologias de duz -�m c_hoque in�cial e conflitos em relação aos sistemas e proces­
estocagern e difusão de informação provocam mudanças no modo sos Ja existentes, isto porque um novo meio de comunicação inevi­
mesmo de se produzir e, especialmente, recuperar o conhecimento. tav�lmente tende a levar os meios anteriores já estabelecidos a um
Se há um lugar, portanto, onde elas não podem faltar, este lugar é a reaJustamento de suas funções e finalidades. Isso não ocorre de
universidade. Nessa medida, urna parte fundamental dos estudos e modo imediato. O choque inicial, via de regra, se faz acompanhar
debates sobre a pós-modernidade, que se desenvolvem dentro das de co�fusões, entraves e equívocos que só vão se dissipando de
universidades, deveriam estar voltados para a reivindicação de que maneira gradual. na medida em que o novo meio vai, pouco a pou­
nossas universidades acertem o passo com o presente, inserindo-se co, penetrando e se definindo na vida social, gerando novos hábitos
nos circuitos informacionais contemporâneos. de percepção e de interação comunicativa, nas áreas do trabalho,
lazer, entretenimento e associação. Só então os germens de trans­
for:mação social e pessoal, que toda nova tecnologia traz no seu
boJo, realmente se efetivam e se tornam visíveis.
PERSPECTIVA HISTÓRICA

Como estudiosos e investigadores dos fenômenos da comuni­


cação, nosso papel, contudo, não é o de espectadores passivos des­
ses processos, esperando, no entorpecimento míope e de braços
1 36 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 137

cruzados, pelos efeitos que uma nova tecnologia virá, no futur� , Da pedra, madeira ou metal como suportes da escrita na An­
determinar. Ao contrário, nosso papel tem de ser aquele de part1c1- tiguidade, passou-se para um meio mais flexível, os rolos de papiro
pantes atentos e ativos, na busca de identificação e reconhecimento e, então para as peles que permitiam o aparecimento dos códices
das modificações que parecem mais iminentes, de modo a ler, com- (formas rudimentares do livro). Em Roma, por volta de 200 a.C.,
preender e mteragir nos processos enquanto eles ocorrem. já existiam verdadeiras indústrias para o processamento de peles.
. Para se delinear o perfil do videotcxto, pelo menos sob o an- Mas a grande revolução só chegaria ao Oriente por volta do século
gulo que pretendemos enfocar (o da linguagem escrita), parece-nos XII, quando os árabes levaram o papel até a Espanha e Itália.
imprescindível colocá-lo numa perspectiva _ histórica _que _ n�s per­ No século XIV, o papel já era, em todo o continente europeu,
mita : ( 1) detectar suas raízes na históna; (2) d1scnmmar a material dominante e hegemônico, espécie de patamar básico e im­
especificidade potencial de suas funções em meio aos outros e múl­ prescindível para o advento, em 1450, de uma outra invenção: a da
tiplos meios de comunicação que hoje lhe são contemporâneo� ; (3) tipografia manual que viria trazer o apogeu do livro e fazer dele,
visualizar para onde se orienta seu campo de forças como meio de por 4 ou 5 séculos o meio privilegiado para o registro, transmissão
produção e difusão de mensagens. . . e memória-acervo do conhecimento culturalmente acumulado, trans­
A retrospectiva histórica que aqm efetuaremos pode, a, pn­ formando a linguagem em bem portátil de consumo.
meira vista, parecer chocante, visto que nosso fio condutor fomos Contudo, inesperadas reviravoltas no mundo da linguagem
buscá-lo há três e meio milênios. Lá se deu a primeira grande in­ iriam ocorrer com a Revolução Industrial pelo aparecimento de
venção: a da escrita fonética ou código alfabético, sem o qual os máquinas reprodutoras que viriam abalar nas bases a hegemonia
rumos da filosofia, assim como os da ciência, no Ocidente, não secular do livro e o privilégio da linguagem escrita como meio de
teriam sido o que foram. Não se trata aí de tecermos julgamentos produ9ão de linguagem e de veiculação de mensagens.
de valor, se esse sistema de escrita é o melhor ou o pior, se os frutos E certo que a impressão mecânica acarretou no aumento quan­
que dele germinaram foram bons ou maus. Trata-se, isto sim, de titativo e na produção em massa de livros, mas ela também trouxe
enfatizarmos o fato de que esse sistema está sobrevivendo há 35 consigo a explosão do jornal, a ponto de Hegel ter dito que a oração
séculos com modificações relativamente pequenas, a despeito de matutina dos homens era o jornal. Com a impressão mecânica e a
todas as mudanças históricas que se processam nos meios pelos sofisticação dos tipos gráficos, com o telégrafo e, principalmente, a
quais a escrita alfabética é produzida e nos suportes e canais atra­ fotografia foi a própria natureza livresca da linguagem escrita que
vés dos quais ela é veiculada. Usando apenas 22, 24 ou 26 letras ou começou a passar por fundas transformações no jornal (Santaella
sinais, pode-se dar conta de uma língua inteira, passar-se de uma 1981:5).
língua para outra sem grandes dificuldades, transferir-se de um A constelação de notícias e informações jornalísticas, o jogo
suporte para outro, seja ele pedra, madeira, metal, osso, tecido, diagramático, isto é, o lugar de ocupação de cada informação na
pele ou papel. página, veio provocar a necessidade de se criar mensagens escritas
De fato, não é senão a alta taxa de simplicidade, economia, mais esquemáticas, breves e condensadas, próprias para uma leitu­
adaptabilidade e conveniência do sistema alfabético, que lhe garan­ ra rápida, muito diferente do debruçamento e recolhimento solitá­
tiu a sobrevivência por milênios. Se olharmos, aliás, com certa aten­ rio exigido pela leitura de um livro.
ção para os 35 séculos de sua história veremos que, de lá par� cá, Contudo, se o jornal viria provocar mudanças na natureza da
.
as transformações que se processaram foram todas elas relativas linguagem escrita, o advento de outros meios de produção de
lin­
aos suportes para o registro, veiculação e armazenamento da escri­ guagem - os visuais - viria transformar suas funções
e utiliza­
ta, num processo de difusão cada vez mais abrangente que, da Re­ ções sociai s .
volução Industrial para cá, vem crescendo em progressão geomé­ Até o século passado, a escrita era o único meio de entreteni­
trica. mento e uma das formas dominantes de realização
do lazer. Essa
ux J(ICIA SANTAF LLA
CULTIJRA DAS MÍDIAS 139

sua função foi sendo gradativamente engolida por outros veículos nada precisamos dizer. Ele fala por si. Tanto isso é verdade que,
d..: comunicação A fotografia e seu desenvolvimento na película desde seu nascimento até hoje, poucos abalos a televi.,ão sofreu,
cinematográfica vieram golpear a exclusividade do livro como meio apesar de todas as críticas de cunho intelectualista que, contra ela,
de entretenimento. Mas golpe mais fundo seria desferido pela Re­ foram desferidas. Mas, recolocando, em outras bases, o processo
volução Eletrônica no nosso século. de transmissão da televisão em si, é no telefone que o videotexto foi
O rádio como meio de transmissão da linguagem sonora (mu­ encontrar seu meio de transmissão. Ora, na imensa floresta dos
sical e oral) e a televisão como meio altamente híbrido (som e ima­ meios de cot?-unicação atuais, o único de caráter interpessoal, isto é
gem). capaz de deglutir canibalisticamcntc todos os outros meios. (e isso enfatizamos), o único meio que só existe enquanto diálogo é
só deixava de fora a escritura. I sso compunha um panorama que o telefone. Diálogo entendido aqui como conexão imediata entre
relegava a linguagem escrita, cada vez mais. para um pano de fi.111- um e?1issor_ e um receptor. A isso se acresce ainda o fato de que o
do. Em síntese. a linguagem escrita parecia. no nosso século. a terceiro meio que compõe o sistema videotexto é o computador,
grande deserdada. como se os outros veículos de comunicação esti­ essa fantástica máquima-memória que aí funciona como meio de
vessem realizando uma espécie de sublevação ou vingança contra armazenamento dos dados e centro de irradiação das informações.
sua ocupação no cenário da comunicação e cultura Falar em videotexto, nessa medida, é falar num sistema com­
E certo que a indústria gráfica-editorial. por seu turno. não plexo que funde, num único e particularíssimo nó, esses três meios
ficou à margem das grandes revoluções tecnológicas do nosso tem­ que até agor� tinham e continuam tendo suas funções especificas,
po. abastecendo-se incessantemente de meios relacionados com a mas que _no s1s_tema videotexto se unem e formam um só corpo. No
i nformática e a telemática: o teletexto. o tckx. a vidcofoto. rádio e entanto, isso amda não é tudo. Os fornecedores de infom:ação para
telefoto. a elaboração instantânea de textos cm monitores de TV e a central de dados são os mais diversos e diferenciados cobrindo
sistemas de fotocomposição incluindo o raio laser ( Plaza 1 986) É potencialmente uma imensa gama de funções, utilizaç�s e finali­
certo ainda que os sistemas de microfilmes e microfichas significa­ dades.
ram um outro ponto de sustentação ou porto de ancoragem para a Revela-se, a partir disso, a gigantesca dialética das forças
_
linguagem escrita como meio de am1azcnamcnto do acervo cultu­ centn9etas e centrífugas que atuam no sistema videotexto: as mais
ral. No entanto. quando se pensa na tremenda massa de informa­ diversificadas fontes de informações convergem para uma central
ções contida e armazenada hoje em fitas magnéticas. cm videotcipes de dados onde essas informações são alocadas e armazenadas para
e cm películas cinematográficas. pode-se perceber que. nessa fun­ serem distribuídas para os mais diversificados destinos, assim que
ção. a linguagem escrita também deixou de ser exclusiva c�amadas. Desse modo, qualquer receptor, ao acionar o teclado do
VIdeotexto, tem por parceiro do seu diálogo a memória de um com­
\'IDEOTEXTO C0\10 \tl U I \ I Í D L\ p_utador com a qüal o receptor interage e conversa a partir de um
sistema d� escolhas, potencialmente imenso, que lhe dá margem
Nesse cenário. aparentemente irreversível. de gradativas per­
das de sua hegemonia. eis, porém, que ressurge a linguagem escrita para selecionar o que quer e dispensar o que não quer.
num novo hábitat: o videotcxto. O poder revolucionário dos cfoitos Difícil não pressentir, em função dessa brecha dialógica, o
p oder revolucionário que o videotexto traz no seu bojo, como meio
sociais desse novo hábitat só podemos pressentir. visto que seu _
d� ace�so a, informação, quando uma central de dados se coloca à
aparecimento é ainda recente na paisagem do mundo. mas os ger­
mes desses efeitos já podem ser vislumbrados. Basta. para tal. olhar­ d1spos1ção e chega ao ambiente doméstico do receptor com um sim­
ples apertar de botões.
mos com alguma atenção para os meios que se acoplam e se
interpenetram para formar o sistema vidcotcxto. Para co�preendermos esse poder revolucionário, no entanto,
temos de no� hvrar de, pelo menos, dois preconceitos básicos: primei­
No televisor. o vidcotcxto tem seu meio de produção ou edi­
ro, o de que informação significa única e exclusivamente irfonnação
ção e de recepção Sobre o poder de penetração social desse veículo
140 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 141

livresca, ou de que a única infonnação verdadeira e profunda é sistema, o Brasil, por problemas econômicos, deixou de incentivar
aquela que o livro ou o jornal veiculam. A linguagem escrita, sem e desenvolver o projeto. Na França, país em que· o videotexto foi
dúvida, emigrou agora para o videotexto, assim como há um século mais bem-sucedido, existem hoje sete milhões de terminais e dezes­
atrás ela emigrara do livro para o jornal. Essa mudança de suporte seis mil bases de dados. O sistema, no Brasil, foi praticamente pa­
acarreta necessariamente numa mudança de natureza da linguagem ralisado há quatro anos. Ultimamente está se reativando em fun­
ou no desenvolvimento de uma sobrenatureza que o suporte anteri­ ção, de um lado, de bases de dados de grande interesse, tais como _a
or não lhe pennitia desenvolver. Aquilo que o jornal significou em _
do Tribunal de Justiça, para advogados e a do Detran, para pohc1-
termos de condensação e abreviação do espaço de ocupação da ais e despachantes. De outro lado, a indústria brasileira tem colo­
linguagem escrita, em tennos de revelação de qualidades e potenci­ cado, no mercado, micro-modems que transfonnam os PCs cm ter­
alidades visuais da linguagem e em tennos de desenvolvimento de minais para acesso às bases de dados do videotexto.
funções específicas que o livro, por si mesmo, não tem o poder de
desenvolver porque sua especificidade é outra, assim também o
videotexto deverá significar no sentido de recriação da linguagem
escrita em fonnas abreviadíssimas adaptáveis ao espaço da tela de
TV, isto é, dizer o máximo num mínimo de espaço-tempo, através
dessas novas propriedades de uma escrita-desenho em movimentos
de luz-cor.
Segundo preconceito: o de que o nascimento de um novo meio
deve levar à morte o meio que lhe está mais próximo na mesma
família de meios. Ao contrário, a história nos tem demonstrado que
a tendência dos meios não é a de desintegração (e o videtexto é o
exemplo mais flagrante disso}, mas a de criar sistemas integrais,
interdependentes de modo que um meio se alimenta do outro ao
mesmo tempo que o retroalimenta.
Aliás, essa tendência à integração já existe também no pró­
prio processo de formação da linguagem no videotexto. Trata-se
de uma linguagem que é, a um só tempo, escrita, desenho,
diagramação, página, quadro, animação e seqüência. Para entendê­
la como tal, cumpre, no entanto, olhá-la de frente, apalpando suas
especificidades, pois que ela não é o livro, não é o jornal, não é a
pintura, não é a fotografia, não é a televisão e nem está aí para
competir com esses meios. Trata-se de uma outra coisa que, só no
encontro de sua qualidade diferencial, encontrará seu destino.

P.S . DE 1 992 - Este artigo foi escrito em outubro de 1 983,


no ano de implantação do programa-piloto de videotexto em São
Paulo. Esse projeto telemático da Telesp foi iniciado no Brasil jun­
tamente com sua implantação em países desenvolvidos, como In­
glaterra e França. Enquanto esses países continuaram a investir no

Falar sobre tendências da poesia visual é pos1c1onar essa po­


esia na perspectiva do tempo. Tendência significa propensão, força
que determina o movimento de um corpo. Falar em tendências sig­
nifica, portanto, auscultar e apalpar para quais direções de futuro
os impulsos do presente se inclinam. Para isso, necessário se faz
não apenas um diagnóstico da situação atual, que leve em conside­
ração a diversidade de suas aparências e seus desdobramentos, mas
também a síntese de um olhar capaz de perceber, na cintilação de
uma mônada, as potencialidades do passado que vingaram no pre­
sente como vetores que apontam para o futuro.
A tarefa não é fácil. No entanto, a Mostra Internacional de
Poesia VISual de São Paulo (Centro Cultural São Paulo, julho-agosto
de 1988), tal como foi organizada nos mapeamentos de Philadelpho
Menezes, já funcionou como um diagnóstico do panorama (pode­
se dizer: planetário) presente. Resta-nos assumir o desafio a que
este panorama nos incitou, ensaiando um lance de olhar sintético,
na tentativa de iluminar passado e futuro no instantâneo do presente.
NA TRIHA DA ESCRITA

Nem toda poesia foi ou é escrita. Isso parece óbvio. Contudo,


nas sociedades letradas do Ocidente, é comumente esquecido, de
um lado, que sua poesia nasceu do e com o canto e a música, de
outro lado, o quanto esse tipo de poesia marcou indelevelmente a
história da própria poesia entre nós, assim como é n egligenciado o
quanto de poesia há nos cancioneiros populares e mesmo nas músi­
cas comerciais dos modernos meios de massa. A relação canto­
poesia está aqui sendo lembrada como meio de explicação, razão
que encontrei para compreender porque foi só muito tardiamente,
ou melhor, a partir praticamente de inícios do século XX que, no
Ocidente, a visualidade veio à flor da pele da poesia. Antes disso, a
exploração do aspecto visual era só esporádica ou marginalmente
1 44 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 145

tratada. Esse é um lado da história. Vejamos o outro lado. legibilidade da escrita. Em outras palavras: substituições de suportes
Toda poesia escrita é visual, mas nem toda poesia escrita tem sempre se fizeram acompanhar por uma estetização da escrita, ou
apelo visual. Esquecer que poesia escrita, seja ela de que tipo for, é melhor, pela consciência da natureza também plástica e sensível do
poesia visual, é desconhecer a natureza do código, canal e suporte código escrito.
que possibilitam a materialização desse tipo de poesia. Cumpre Foi preciso esperar a chegada do século XX e da explosão do
indagar, no entanto, por que não costumamos considerar qualquer jornal, no entanto, para que a linguage� escrita passasse por u�a
poesia escrita como sendo poesia visual. Para isso, precisamos re­ transformação tão intensa que acarretana na mudança de sua pro­
correr a um divisor de águas que distingue, de um lado, a poesia pria natureza.
escrita sem apelo visual, e, de outro, a poesia escrita com apelo visual.
Para considerar a poesia escrita, que não apresenta a consci­
A ESCRITA E A PÁGINA

ência do seu caráter visual, é preciso tocar a questão nos seus co­ Com a variação dos tipos gráficos, letras que gesticulam na
meços. Toda fala, em qualquer língua, nasce da combinatória regrada página, com a distribuição diversificada da linguagem impressa na
de um número finito e altamente reduzido de sons. O alfabeto oci­ diagramação jornalística, com o aumento da extensão do espaço da
dental, escrita fonética, é a tradução visual desses sons. O som página, um novo campo de possibilidades se abriu para a escrita. A
transposto para a imagem do som. Ora, esse alfabeto não é, de palavra começou a adquirir uma corporeidade inesperada e o espa­
modo algum, tão simples quanto se pode, à primeira vista, pensar. ço que acolhe esses corpos uma dinamicidade promissora.
Ao contrário, a escrita fonética é fruto da descoberta da engenhosa Como não poderia deixar de ser, a poesia foi a primeira a
maquinaria, funcionalmente econômica, que preside a fala. Não é levar até as últimas conseqüências a mutação que esses novos fato­
por acaso que esse sistema está sobrevivendo há 35 séculos com res poderiam acarretar. O "Lance de dados" transpôs o limiar da
modificações relativamente pequenas, a despeito de todas as mu­ escrita ocidental como mero desenho do som para uma indagação
danças de suporte, no registro visual do alfabeto, que ocorreram no aberta no seio do possível e impossível i;la escritura. É por isso que,
decorrer de todos esses séculos. a meu ver, o aspecto visual do poema mallarmaico é apenas uma
É provável, contudo, que, justo por ser profundamente maleável conseqüência superficial de uma revolução mais subterrânea e mais
e transferível de um suporte a outro, devido ao alto grau de arbitra­ visceral do que aquilo que os olhos podem pressentir. Revolução a
riedade que o alfabeto ocidental herdou do sistema fonético, essa que o olhar apenas não tem acesso. Por ser inacessível aos olhos, a
escrita tem a peculiaridade de se fazer passar despercebida aos sen­ questão mallarmaica diz respeito a um outro tipo de visualidade
tidos. Ou seja, não tem pregnância. Não exerce sobre o olhar o que, na falta de um nome melhor, chamaria de visualidade estrutu­
poder de cativá-lo e fixá-lo. ral ou diagramática. Toda grande poesia, mesmo oral, e principal­
A origem oral da poesia ocidental, que resultou nas formas mente a música, é portadora dessa visualidade que só pode ser sen­
poéticas fixas, baseadas em critérios sonoros, e a baixa tida na sincronicidade dos sentidos. Trata-se de diagramas inter­
sensorialidade do alfabeto são fatores capazes de justificar a im­ nos, fluxo e refluxo do demônio das analogias, força de atração e
portância secundária, ou até mesmo nula, que o aspecto visual, repulsão das semelhanças e diferenças, energia do tempo configura­
durante séculos, desempenhou na poesia. do nas malhas da linguagem. Isto tem pouco a ver com o visual ótico.
Por ser sintomático, é curioso observar que, no decorrer de 35 Tanto quanto posso perceber, nessa vertente, grande parte da
séculos, quando houve mudança de suporte ou meios de registro, produção da Poesia Concreta do grupo Noigrandres no Brasil nas­
circulação e veiculação da escrita (da pedra, madeira, osso, metal ceu da tarefa inaugural de desentranhar, extrojetar na superficie da
ao couro, do couro ao papiro, do papiro ao papel), esses momentos página o cerne diagramático do poema. Tomar visível seus diagra­
de mudança foram acompanhados por considerações, e mesmo re­ mas multiplamente direcionados, formas que desenham sentidos. O
alizações estéticas relativas à forma, espaço, procedimento e resultado desse processo, embora visível, traz à baila processos

1 46 LÚCIA SANTAEI I A CULTURA DAS MÍ DIAS 1 47

que estão mais próximos do visual ideogrâmico do que do visual seres, replicantes, duplos. As imagens fotográficas e cinematográ­
ótico Por isso mesmo, é dentro desse contexto que a visualidade da ficas foram povoando o universo dos vivos e com eles criando no­
Poesia Concreta paulista deve ser pensada, contexto esse que im­ vos espaços de convivência que teriam deixado os habitantes de!
plica necessariamente a conjunção da problemática do olho e do caverna platônica cm estado de mais absoluta perplexidade. As
ouvido do visível na correlação com as formas da música, invisí­ fotografias, juntamente com as técnicas emergentes de gravura,
veis aos olhos. Embora tenha sido o primeiro movimento a discutir deram à imagem uma prevalência e uma potencial reprodutor no
a visualidade na poesia e a produzir com conseqüência poemas século passado.
visualmente pregnantcs, penso que a problemática colocada pela Nesse novo contexto, a linguagem escrita, já segura de sua
Poesia Concreta inclui_ mas transborda as fronteiras da poesia es­ dimensão plástica, e também premiada por novas técnicas de im­
tritamente visual. Para discutir essas questões, todavia, teríamos pressão e reprodução, longe de se intimidar diante da presença pre­
de levar este trabalho para rotas que não tenho aqui espaço para valecente da imagem, começou, ao contrário, a flertar com as ima­
seguir. Retorno, pois_ à trilha da escrita. gens, atraindo-as para sua companhia, em jogos de cumplicidade e
reuniões "tête-à-tête". As técnicas de colagem de letras e imagens,
AS LETRAS SE PI '.SERA!\I DE P É palavras e coisas surgem intempestivamente desses namoros. Mas
Com a sofisticação crescente dos meios de impressão, as le­ a tranqüilidade desses acasalamentos estava para ser ferida. O ad­
tras começaram a se erguer. Saindo de sua posição rastejante, fo­ vento absorvente da televisão iria mandar para o segundo plano os
ram abandonando a condição de pequenos insetos imóveis sobre os namoros da escrita e da imagem.
quais os olhos se debruçam. As palavras cresceram em tamanho, Durante alguns anos e mais de uma década, a tela eletrônica
verticalizaram-se, invadiram as ruas, compondo a nova paisagem parecia ter relegado a linguagem escrita ao reduto do mundo do
de uma outra natureza : urbana, artificial, veloi. agitada. A poesia papel. Já no cinema e no rádio, a recuperação da l inguagem oral,
futurista, com seus substantivos desamarrados, brilhando nus na em detrimento da escrita, havia posto em crise a hegemonia do
autonomia, é emblemática dessa paisagem. livro como modo de entretenimento e meio de circulação de l ingua­
Assim, a linguagem escrita, no Ocidente, descobriu também gem e cultura. Então, com a presença da televisão (esse pequeno
uma segunda natureza, a de sua pregnância visual, que se sobrepôs aparelho, aparentemente inofensivo, que invade nossas casas como
ao seu originário estado servil de simples reprodutor visível do au­ quem não quer nada e só gradativamente vai mostrando seus tentá­
dível. De um mero epifenômeno da fala, a escrita passou a assumir culos de gigante), a linguagem escrita parecia ter ficado decidida­
o risco e o desafio de sua fisicalidade plástica . Desse desafio, bro­ mente órfã das telas eletrônicas, passando para um plano minoritário
tou a consciência de laços comuns, até então despercebidos, que e secundário.
unem as escritas fonéticas a todas as outras formas de escrita não Uma nova revolução, contudo, estava por acontecer. Certo
alfabéticas. Não por acaso começamos a assistir nesse século, a estava Borges ao retomar Shakespeare, lembrando que "as pala­
uma verdadeira confederação das escritas que rompendo suas li­ vras são mais eternas do que os mármores e os metais". Uma nova
nhas de isolamento, despudoradamente se puseram a namorar e, era para a linguagem escrita parece estar agora germinando.
copulando, especialmente em muitos dos trabalhos da arte gestual_
geraram novos rebentos cm formas de escrita imprevistas.
REVIGORA-SE A ESCRITA

Paralelamente a isso, no entanto, outras transforn1ações se Com as acoplagens de meios que resultam no videotexto, com
faziam sentir no mundo das linguagens. os novos programas e processadores de textos, com a computação
gráfica, que pode também incorporar a escrita ao justapor e fundir
A li\'VASAO DOS Dl;PLOS
a imagem da escrita à escrita da imagem, é todo um novo horizonte
O mundo industrial ocidental começou a ser invadido por novos que se descortina e cujos efeitos e repercussões não temos ainda
148 LÚCIA SANTAELLA

condições de aferir. O que se pode adiantar é que as conseqüências O museu na era da informação
serão provavelmente tanto ou mais revolucionárias do que foram
as do papel e da prensa tipográfica na era de Guttemberg. No que
diz respeito à poesia, neste caso inevitável e inexoravelmente visu­
al, abrem-se perspectivas que estamos apenas começando a apalpar.
Tanto quanto me é possível perceber, penso que a explosão
indiscriminada, desde os anos 60, de manifestações variadas de
poesia visual, que pipocam pelo mundo sob os nomes mais diver­
Em 1985, durante estágio de pós-doutoramento na Universi­
sos (poesia experimental, poesia alternativa, desdobramentos da dade de Indiana, USA, graças a uma bolsa de estudos concedida
poesia concreta, arte postal, arte gestual, poesia visiva, grafismo,
pela Fapesp, tive oportunidade, entre outras pesquisas, de assistir a
letrismo etc.), aliada à dissolvência das tradicionais fronteiras, que
um �ur�o sobre Arte e Pós-Modernismo, ministrado por Donald
separavam artes plásticas e poesia, são efeitos de questões que pro­
Prez1os1, então chefe do Departamento de Arte e História da Arte
curei focalizar neste trabalho: a confederação das escritas, as con­
na State University - Nova York. Da bibliografia desse curso
junções e fricções do verbo e da imagem, o aparecimento de novos
constava, entre outros, "O Museu de Arte Moderna como ritual d�
meios de impressão e reprodução da escrita, assim como da ima­
capitalismo tardio" (Allan Wallach 1978) e "Sobre as ruínas do
gem e, principalmente, o advento do suporte eletrônico que abre
Museu" (Douglas Crimp 1983). Só esses títulos são, por si, mes­
para a escritura caminhos para novas aventuras provavelmente hoje
mos, capazes de colocar em evidência o teor e a direcionalidade do
quase insuspeitas.
programa desse curso.
O resultado mais importante disso tudo é a dilatação da noção
os Estados Unidos, estava-se, naquele ano, no ápice da in­
de escritura a que estamos assistindo, noção esta que está passando � 1:l
fluencia, sobre as humanidades, do movimento intelectual chama­
a atrair para o seu reino desde as descobertas do universo biológico
do de deconstruction, aliado e temperado por debate cerrado sobre
com as escrituras do código genético (a ADN não é senão uma
espécie de escrita), passando por todas as formas de escritura im­ � pós-modernidade. Tratava-se de uma demolição generalizada e
1mplacável de todos o princípios e valores da ordem estabelecida
pressas na e pela própria natureza, até a multiplicidade de escritas
criadas pelo homem, que incluem as diversas modalidades de nota­ da �st�turação i�ediatamente legível de informações sempre dis�
ções musicais e invadem hoje o universo da luz e da cor que, nos pomve1s, dos arqmvos saturados de organização e despidos de sur­
meios eletrônicos, se comportam como dígitos de uma espécie rica, presa, das mostras, exposições e acervos de arte perfeitamente
múltipla e variegada de alfabeto qualitativo cujas conseqüências, gerenciados e direcionados.
em termos de realizações, nossos sentidos estão ainda infelizmente Enfim, tratava-se de desconstruir a boa ordem logocêntrica
muito toscos para pressentir. das formas de armazenamento e circulação dos processos da arte,
do saber e da cultura, para evidenciar as tendenciosidades as
distorções e imposições que se ocultam por trás de um geren�ia­
mento sem falhas.
No que diz respeito aos Museus, colocava-se sob mira da cri­
tica os ri�ais e cerimoniais oferecidos ao público como experiênci­
as de saciedade em que nada falta e tudo já vem pronto.
A crítica demolidora da boa ordem e da saturação de informa­
_
çoes, a bus�a de ?rechas e lapsos e de novas estratégias da desor­
dem, o desejo da imprevisibilidade das descobertas e da alteridade
eram recebidas como prenúncios de uma temporalidade histórica
1 50 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 15 1

emergente e forma de sensibilidade correspondente, denominadas presente e às imprevisibilidades do futuro. Sem isto, em poucas
pós-modernas. décadas, estaremos reduzidos à situação de hordas primitivas em
Ao final do curso, durante os debates, tive oportunidade de relação aos países mais adiantados. O ritmo das invenções técni­
emitir (para receber como resposta os olhares surpresos e incrédu­ cas, do crescimento da informação e da transformação de valores
los dos que me ouviam) a seguinte conclusão: "Se isso é pós­ não p�rdoa qualquer uma das formas de disfarce da xenofobia .
. modernidade, por fatalidade congênita e tendência incorrigível, nós,
E no contexto dessas indagações e postulações que passo a
brasileiros, sempre fomos pós-modernos". delinear alguns dos pontos a que, segundo meu ponto de vista, de­
O NACIONAL E O INTERNACIONAL vemos estar alertas para pensar o Museu hoje.

No entanto, diferentemente do que essa conclusão pode levar O MUSEU HOJE


a crer, ou seja, de que estamos isentos da tarefa de pensar a pós­ Inicio tal pensamento com uma passagem acerca da prensa
modernidade, ao contrário, ela não nos dispensa de interrogar so­ tipográfica, que considero paradigmática e que aqui tomarei como
bre as particularidades e idiossincrasias de brasileiros no confronto metafórica para questionar a situação do Museu:
com o debate internacional que hoje se trava em relação a essa
questão. Nem o dissabor (para fazer uso de um eufemismo) de es­ Com o advento da prensa tipográfica, em meados do século 15,
tarmos no Terceiro Mundo, nem a tragédia (para não fazer uso de os copistas tornaram-se calígrafos. Por quase um século, enquanto
um eufemismo) social e descompasso histórico, que vivenciamos, a tipografia acelerava seu curso, esses calígrafos continuaram a
nos livra de estarmos inseridos, tanto quanto qualquer outro país trabalhar "no comércio quase exclusivo das encomendas de luxo".
do planeta (do Primeiro ao Terceiro Mundo), no contexto da pós­ Na maior parte das vezes seus manuscritos, "encomendados por
modernidade. Essa unidade, no entanto, não pode ocultar a diversi­ patronos ricos, não eram senão recopiados de livros já impres­
dade. Na unidade internacional do pós-moderno, ocupamos uma sos". E isso assim continuou, até que a caligrafia - arte aplicada
posição diversa e exatamente inversa à dos países do Primeiro - "virou simples passatempo" ou exercício escolar de controle
Mundo (que aqui exemplifiquei através dos Estados Unidos). motor para deixar a letra mais bonita. (Curt Buhler)
Se as estratégias da desordem surgem para eles como válvu­ O que essa citação deixa imediatamente patente é a
las de escape dos excessos de organização, para nós (que. desde historicidade dos meios de produção, circulação e consumo de lin­
sempre, já as tivemos) elas brotaram e brotam como subproduto de guagens, mensagens .e cultura. Ou seja, embora sejamos tentados
nossas carências. Se, para eles, o caminho é driblar as imposições pela ilusão de que os chamados "bens culturais" têm a nobreza
da distribuição ordenada e da saturação da informação, para nós, o intocável do eterno, eles estão, na realidade, tão sujeitos às vicissi­
desafio é, justo o contrário, fertilizar os meios de produção, tudes da história e ao desgaste do tempo quanto quaisquer outras
armazenamento, circulação e recepção-consumo de informações coisas. Isto quer dizer: a criação da arte, da ciência e da cultura tem
técnicas, artísticas e científicas. Para tal é preciso não ter medo de bases históricas e materiais e depende de meios também históricos
buscar formas racionais e criativas de estocagem e processamento, e materiais de produção, circulação e difusão, que determinam e
é preciso não poupar esforços para ser organizado e perfeccionista. implicam novas formas de recepção e de consumo.
Tanto quanto posso ver, não há nada mais subversivo e revolucio­ Para pensar qualquer fenômeno como fenômeno de cultura é
nário no Brasil de hoje do que a seriedade, honestidade. escrúpulo preciso pensá-lo no processo de comunicação, visto que os fenôme­
e vocação em termos individuais e a luta pela atualização das infor­ nos culturais só funcionam culturalmente porque são também pro­
mações técnicas, políticas, artísticas, científicas e pedagógicas no cessos comunicativos. Para a análise de tais processos, temos de
nível coletivo. Tanto quanto posso ver. mais uma vez, essas são as considerar como se caracterizam e se entrelaçam as quatro fases
armas que temos de buscar para fazer frente às complexidades do em que toda e qualquer mensagem está envolvida: a produção, o
1 52 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 153

armazenamento, a circulação e/ou difusão e a recepção e/ou consumo.


O Museu costuma ser localizado, antes de tudo, na fase ou Terceira pergunta: como fica o Museu diante das novas
setor de conservação e armazenamento de produtos s?brec�rr_ega­ tecnologias que permitem e exigem a mudança do conceito de
dos de aura, ou seja, os produtos artísticos _como objetos urucos. memória, documento e acervo? Hoje, com um laboratório de repro­
Isso explica a grade semântica que caracten� o �u�eu nas suas dução fotográfica, é possível organizar uma coleção de imagens da
as sociações com as idéias de monumentos cenmoma1s per:t�ncen­ história da pintura maior que o acervo de qualquer Museu do pla­
tes à classe dos templos, igrejas, santuários e certas espec1es de neta. E com uma coleção de fitas de vídeo pode-se organizar uma
palácios. filmoteca que cinemateca alguma poderia sequer almejar. Em ou­
Não pretendo seguir, contudo, por esse rumo de ana, 1·1se se- tras palavras: diante das facilidades dos novos meios de estocagem
gundo a ótica da crítica ffil: aur� d? �useu_ ou do �useu como de mensagens e das capacidades enormemente expandidas das in­
, _ formações que armazenam para uma memória instantânea, nos
cerimonial ideológico. Isso ja f01 feito a saciedade. A maneira de
uma estranha no ninho, o que pretendo trazer à ton� são perguntas. bancos dos computadores, todas as técnicas, formas e imagens mo­
Faltam-me condições e também vocação para pontificar �espostas. dernistas, pré-modernistas, antigas e primitivas, as sim como gêne­
A introdução deste texto não foi casual. Com e�a, busquei preparar ros e códigos, mundos e imagens de culturas populares e da moder­
o terreno para lançar questões acerca das fu�çoes do Museu na era na cultura de massas, como fica aquilo que costumávamos chamar
da informação e no contexto da pós-mode�1�d�. de arte, assim como a função do Museu?
Primeira pergunta: que tipo de sobrev1venc1a pode ter o Mu­ Sintetizando: não foi por acaso que aqui trouxe a citação so­
seu se não enfrentar o desafio de repensar a arte e suas form� de bre o inexorável destino da caligrafia. Posso talvez estar exageran­
produção para além da exclusiva concepção de arte como obj eto do, o que, aliàs, nestas circunstâncias não é pernicioso, mas estou
único? Em outras palavras: será que podemos es�apar ?ªs trans­ relativamente convicta de que, se o Museu não enfrentar, com sa­
formações que os novos meios e as novas tecnologias estão trazen­ bedoria e sem desvarios, o conjunto de questões que tentei aqui
do para a criação? Fazer face a esta �refa parece urgente. Temos elencar, em menos tempo do que podemos imaginar, ele não passará
de considerá-la até suas últimas conseqüências, mesmo que a preço de algo semelhante a um mausoléu para visitas em dias de finados .
de abandonarmos o nome e a concepção de arte que herdamos do
Renascimento. .
Segunda pergunta: como repensar o Mu�eu di�te _da gntante
falência e derrocada das velhas setoriz.ações e d1cotorruas moperantes
entre folclore vs. elite, kitsch vs. vanguarda, reprodução vs. arte
aurática, automação vs. aretesanato? Trocand? em miúdos: � vel�­
cidade dos circuitos de informação e os me10s de comumcaçao
modernos estão configurando novos trânsitos_ e conexões entre es­
_
ses setores culturais outrora vistos no comodismo da� �eparaçoe� .
Em que medida o Museu pode contribuir par� p�op1c1ar o movi­
mento e intercâmbio gerados por novas assoc1açoes ent�e seto�es
diferenciados de produção artística? (Observe1!1 qu� evito aqui a
palavra interdisciplinaridade. Esta palavra, c_uja o�gem remonta
às academias, aprisiona nossa cabeça nos recmtos tidos com? ex�

-
clusivos do saber, e nos impede de pensar, por exemplo, que nao ha
nada mais interdisciplinar do que a televisão).
Museu e produção de cultura

O título acima se organiza numa interessante sucessão de


metonímias, isto é, numa seqüência de partes para o todo. Assim
como o museu é uma parte da produção cultural, a produção é uma
parte da cultura. Nessa medida, cultura é um conceito mais amplo
do que produção e produção cultural é evidentemente um conceito
e uma realidade mais amplos do que museu. Essa seqüência do
título acabou por produzir efeitos concretos em minhas reflexões,
de modo que elas se apresentarão também numa sucessão, mas em
ordem exatamente inversa ao título. Começarei do mais amplo - a
cultura - até atingir o mais específico - o museu.
Muitas são as acepções, denotações e mesmo conotações do
termo cultura. Todas as áreas e subáreas do conhecimento no cam­
po das humanidades definem cultura a seu modo, em função do
recorte específico que cada área impõe a esse campo. Para tomar
ainda mais complexa a variedade dessas acepções, de algu mas dé­
cadas para cá, a cultura passou a se constituir numa espécie de
objeto privilegiado dos estudos semióticos que se desenvolvem, sob
a rubrica de Semiótica da Cultura, em várias partes do mundo,
muito especialmente Alemanha, União Soviética, Estados Unidos e
mesmo Japão. A coincidência da rubrica não impede a diversidade.
Embora partam de pressupostos que são similares porque são
sernióticos, esses estudos se desenvolvem tão diferencialmente que
se torna possível acrescentar à expressão mais um genitivo para
identificar, pelo lugar, as distinções dos grupos que têm se dedica­
do à questão. Por exemplo: a semiótica da cultura de Berlim, de
Bochum, de Tartu, etc.
Não pretendendo, contudo, penetrar nos meandros desses es­
tudos que têm, inclusive, se colocado em confronto - por vezes
complementar, por vezes positivo - com a antropologia, ao deslo­
car, para dentro de um paradigma serniótico, as bases para a com­
preensão da cultura. Por razões que se tomarão óbvias ao final
deste trabalho, ao invés de tentar apreender as possíveis novas
1 56 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 157

c?ntribuições que a semiótica traz para o entendimento da comple­ ideologia não pode ser divorciada da realidade material das lingua­
XIdade cultural, prefiro resgatar três autores e respectivas obras gens nas quais a ideologia toma corpo. Nessa medida, na
q�e, d��tro do paradigma que poderíamos chamar de paradigma da materialidade mesma das linguagens e de seus meios de produção,
histonc1dade, nos permitem pensar o museu de hoje, ou seja, os os autores resgatam o aspecto material e histórico de qualquer fe­
desafios com que as contradições do presente fustigam nossa com­ nômeno cultural e ideológico concreto.
preensão da cultura e do museu na cultura. Propõem como tarefas básicas a serem cumpridas por um es­
tudo da cultura: primeiro, a preocupação com a individualidade
TEORIAS DA CULTURA
qualitativa, os traços distintos do material, formas e propósitos de
Os três autores são díspares no tempo e no espaço. Não exer­ cada área da criação ideológica. A especificidade da arte, literatu­
ceram quaisquer influências uns sobre os outros. Partiram de fun­ ra, ciência, técnica, ética, religião, meios de comunicação não pode
�entos distintos, assim como localizam-se em áreas e posições ser ignorada sob pena de uma pasteurização geral que ignora que
diferentes dentro das humanidades. Não obstante tantas diferenças, cada área tem sua própria linguagem, suas próprias formas, meios,
suas ?br� acabam chegando a resultados similares que, no que diz recursos para aquela linguagem, assim como suas próprias leis es­
resp�1t� a cultura'. as tomam complementares e conseqüentemente pecíficas para a refração ideológica de uma realidade comum. Nes­
pass1ve1s de uma Junção. Duas dessas obras, de um lado, a do rus­ sa medida, embora a especificidade de cada uma dessas áreas natu­
so P. N. Medvedev, cujo subtítulo propõe Uma introdução crítica ralmente não deva obscurecer sua unidade ideológica comum, tam­
a uma poética sociológica ( 1 928), e, de outro lado, a do brasileiro bém não deve ser absolutamente o caminho dos estudos da cultura
Robert Srou �, Modos de produção: elementos da problemática nivelar essas linguagens, ocultando sua pluralidade essencial.
( 1 978), e mais recentemente seu livro Clas ses regimes, ideologias Segunda tarefa: a preocupação com as características e for­
( 1 987), a meu ver, não têm recebido a atenção que merecem. Há mas de intercurso social através das quais o sentido dessas lingua­
quase dez anos venho citando esses dois teóricos em meus traba­ gens se realiza. Terceira tarefa: o estudo dos modos pelos quais se
lhos? pois e�co�tro neles meios eficazes para a tarefa de pensar e dá a reflexão e a refração da realidade nos produtos ideológicos,
deslmdar a mtnncada malha da cultura nas sociedades complexas isto é, a que interesses no jogo das lutas entre agentes coletivos, ou
mod�mas. O terceira deles, hoje bem conhecido e divu lgado no melhor, na luta de classes, esses produtos se prestam (Santaella
B!asil, � Walte� �enjamin. V�jamos, portanto, na seqüência, que 1985.:50).
n�o sera cronolog1ca, as contnbuições que, segundo meu ponto de Como se pode ver, a proposta integrativa aí evidenciada, ao
vista, esses autores podem trazer para o desafio que é a compreen­ mesmo tempo que dá à produção processos e produtos culturais a
são dos processos culturais neste final de século. autonomia relativa que eles merecem, reintegra-os na unidade com­
Começ�do com a obra de Medvedev, escrita provavelmente plexa e interativa das dimensões do político e do econômico. Vem
em c?-autona col!' M . . B�tin, uma síntese de suas propostas é daí, de um lado, a impossibilidade de separação e isolamento do
suficiente para ev1denc1ar a importância de que se revestem. cultural em relação aos outros domínios. Diz Medvedev: "o medo
Sem tr�ir as bases do materialismo histórico, mas partindo de do ecletismo se explica pela ingênua noção de que a especificidade
uma redefiru�ão altamente operacional do conceito de ideologia, os e individualidade de um domínio dado, só podem ser preservados
autores enfatizam a necessidade de um esforço para se repensar o através de seu absoluto isolamento, ignorando tudo que está fora
estudo da cultura através do que chamam de uma ciência das ideo­ dele. No entanto, todo domínio ideológico adquire sua real indivi­
logias. Ampliando a visão da ideologia para além do limite estrito dualidade e especificidade na intervenção viva com outros domíni­
de falsa consciência, consideram como ideológica qualquer criação os" (ibid.:28). De outro lado, as propostas de Medveved também
ou pr�ução �e _cultura e reivíndicam que o estudo das ideologias preservam a unidade no respeito à diversidade dentro do próprio
domínio do cultural. Isto é, cada área de produção da cultura (que
tem meios obJet1vos para se processar, quando se considera que a

L •
1 58 LÚCIA SANTAELLA
f CULllJRA DAS MÍ DIAS
1 59

de existência social
idealistas que negam as condições materiais
ele denomina de criação ideológica) tem potenciais, limites, recur­ 5-36)
ao político e cultural (Santaella 1 982: 3
sos e meios que lhe são próprios, as sim como leis peculiares de
inter-relações dos
refração ideo lógica, mas qu e só se defin em no confronto, conflito e Para que fiquem mais compreensíveis as
e cultural� e das quatro e_s �eras
complemen taridade com outras áreas. três territórios (econômico, político
ada temtono e_ ,dos te_:nt?no�
Es s e mesmo caráter in tegrativo da teoria é também o caráter que se intersecciona_m dentro de c alt as , estao ! mda
ui nomear ess as esf eras, que,
domin ante na ob ra de Srour. Sem ter conhecido as propostas de entre si, cumpre aq te-
or de Srour ( 1 987). Assim
Medveved , a t eoria de Srour incrivelmente s e ass emelha a um siste­ mente explicitadas no livro p osteri
matização rigoros a e consistente das idéias que, lá na Rússia, cinco mos: ação e dist�buiçã_? .
décadas antes, Medvedev havia, assistematic amente, l ançado, s em l . No econômico: produção, tr� conserv
ustiça, � de hberaçao.
n unca ter c hegado a conhecer s eus res u ltados. Essas sincronias tão 2. No político : segurança, administração, j
simbohco) ideo l o-
ca�as a · L. Borges, parecem evidenc iar que a real id ade, ela p ró­
! 3. N o cultural: (que agora Srour chama de
p na, vai criando exigências para o pensamento. As teorias vêm gia, ciência, arte e técnica.
dess as es feras s ao
s emp re no encalço de problemas que o real histórico des afiadora­ Levando-se em conta que todas e cada u ma
instrum�ntos de trabalho
mente , ap res enta ao pensamento . também es feras p rodutivas, mediadas por
t s coletivos da s mais di­
E as sim que, s em saber que estava dialogando com as idéias particulares, em que s e confrontam agen �
a de Srour nov as b as e s
de Medvedev, Srour des envolve-as dentro de um s iste ma altamente versas modalidades, iss o forneceu à teon
s basicamente simp les,
coerente e il u minador que aqui também p asso a sintetiza r. para a construção de u ma teoria de clas se
de t odas as fraç õ e s e
mas capaz de abranger a complexidade
Sem abandonar a tripartição das formações sociais nas instânci­ nte mas às cl_asses de
s ubfracções , camadas e categorias sociais �
as ou dimensões do econômico, político e cultural, Srour edades classistas que
que não es capa nenhum s er viv ente nas soci
sinonimizou o conceito de modo de produção com o de estrutura . _
recob rem o gl ob o. .
social, entendendo esta como princípio de articulação das rela­ l m p p
Além disso, o primado da p rática rnat � , � ,
o n a ao
ções estruturais, e considerando estas como as relações que con­ imb
o a
l ? hc�
co
u tu
ena

do mundo, também exten s ivo


à produ çã
frontam agentes coletivos e que são mediadas por instrumentos J
s
r
ou
W l
o c l ra

põe s ua teoria em sintonia com o pen s am � � � n


de trabalho particulares. Por não restringir as estruturas apenas
n amt
is I
a te
m,
de
fo
o
is
en

às relações econômicas, estendendo-as, com inegável coerência, para o qual as linguagens, s ejam elas qua � � ou

acordo com �ei?s, i_nstru­


re a t as

não, s ão mat eri lm nt p uzid as d


para as relações políticas e culturais, o autor redefiniu modo de as p rop nas lingua­
mentos e técnicas que s ão tão históricos quanto
a e e rod e

produção como não restrito à produção econômico-material, re­ nos pu s ei:-mos a l er


cuperando, de forma absolutamente conectada, as condições de gens e as instituições que as abrigam. Assim,
amp _o _de l �gu,a�em
se

existências dessa mesma produção e resgatando a especificidade Srou r à l uz de Benjamin, ou vice-versa, cada
t i s e histonc�s
c

e autonomia das produções política e cultural. Com isso articu­ na p rodução simbólica trabalha com objetos � � de p rod�ç�o
na
m
a

lam-se não apenas quatro esferas que compõem cada uma das espec íficos, com instrumentos de
trabalho e tec
, den�:º � � rop na
cas

três dimensões (econômica, política, cultural), como também que são também materiais e históricos. Portanto
arte, cienc1a, ideolo­
!ntersecciona-se dinâmica e dialeticamente o jogo de suas inter­ produção cultural, seja na esfera específi�a da
que seus p rodutos
mtra e sobre determinações. A reafirmação do postulado materi­ gia, técnica e s uas inter-relações, na medida e�
para �les a esfera
alista do primado da prática, como apropri ação do mundo, isto é, são materialmente p rodu zidos, teremos também
ou difusão . � na
processo de transformação de um dado objeto, tornou-se mais da produção, troca, cons ervação e �strib_ui�ã? _ do p oht1- co,
mJunç oes
complexa ao abraçar também a instância política e cultural, res­ medida em que também estão submetidos as
guardan do, certamente, as devidas especificidades e retirando do esses p rodutos também devem ser
lidos sob o enfoque das e sfer as
caminho os entulhos e entraves das concepções ainda fortemente

1 60 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 161

da segurança, administração, justiça e deliberação. redistribuições e refuncionalizações que os novos meios e processos
de produção, troca, conservação e distribuição cultural impõem
aos meios e instituições mais tradicionais, de outro, a possibilidade
U MA QU ESTÃO PRI M E IRA

Sem me prolongar nos aspectos mais estritamente indicativos de incorporação e apropriação desses novos meios dentro dos mei­
das teorias que aqui foram trazidas à baila, quero pôr ênfase no os e instituições tradicionais, transformando-os.
enriquecimento que elas podem nos proporcionar para a leitura dos Termino citando uma frase de Benjamin (1975:19-20) da qual
.fenômenos e processos culturais do homem contemporâneo. As extraio um fragmento de paráfrase:
sociedades e o campo de forças entre elas se tomaram complexos
demais para um olhar e espírito desavisados. O mundo ficou dema­ Gastaram-se vãs sutilezas a fim de se decidir se a fotografia era
ou não arte, porém não se indagou antes se essa própria invenção
siadamente complicado. Nele não há mais lugar para a inocência
não transformaria o caráter geral da arte; os teóricos do cinema
ou ingenuidade, nem mesmo quando guiadas pelas mãos santas das sucumbiriam no mesmo erro. Contudo os problemas que a foto­
boas intenções. De pronto, no fogo cruzado da complexidade, a grafia colocara para a estética tradicional não eram mais que
ingenuidade vira tolice ou imbecilidade. As teorias, quando ade­ brincadeiras infantis em comparação com aquelas que o filme
quadamente rigorosas, nos auxiliam a enxergar, pensar e lutar por iria levantar.
transformar.
Daí a seleção das teorias, aqui apresentadas, como instrumen­ Que não nos esqueçamos, assim, de levantar aqui a questão
tais que me parecem suficientemente condizentes com a complexi­ primeira da qual muitas outras decorrerão: em que medida os no­
dade do real e promissoras para a análise de problema não apenas vos meios de armazenamento da informação cultural não são capa­
do museu, mas de quaisquer outras instituições de produção, troca, zes de transformar substancialmente a concepção mesma de mu­
conservação e/ou distribuição (difusão) de produtos culturais, seja seu?
na esfera da ideologia ou divulgação, na ciência, arte e técnica.
Os desafios das sociedades modernas são incomensuráveis.
Parece não haver dúvida de que a Revolução Eletrônica e o adven­
to das sociedades pós-históricas, pós-industriais, e provavelmente
pós-massa, estão nos colocando no limiar de uma reviravolta com
repercussões antropológicas inauditas. O fato de estarmos neste
país (Brasil) desgraçadamente defasado e miseravelmente corrom­
pido não nos livra do dever ético de auscultar intelectualmente para
onde estão soprando os ventos do planeta. Onde quer que esteja­
mos, no museu, na universidade, numa editora ou num jornal, te­
mos de abrir a face dos olhos para as aceleradas transformações
que estão se operando em níveis de produção, troca, conservação e
difusão dos produtos culturais.
Há um ano, também num encontro para pensar o museu, pro­
pus pensá-lo dentro da era na qual ele hoje se insere: a era da infor­
mática (Santaella 1988). Não vou repetir o que já disse lá. De qual­
quer modo, parece-me tarefa urgente que, para pensá-lo, estejamos
munidos de boas teorias - pois "não há nada mais prático do que
uma boa teoria" - que nos auxiliem a perceber, de um lado, as
Semiótica e arte: feixes de
inteligibilidade

Há muitas estéticas e muitas semióticas. Do lado da estética,


a multiplicação desmesurada e as mudanças cada vez mais fre­
qüentes e mesmos intensas nas tendências, setores, manifestações e
caminhos ditos de arte são notórios. Do lado da semiótica, segundo
nos informa Thomas A. Sebeok (199l b : l ), não existe ainda um
tratado compreensível, e nem mesmo um compêndio manuseável,
sobre a história da semiótica, se é que uma conquista tão monu­
mental possa ser realizada por um só autor.
Não há nada mais labiríntico do que o tema da relação entre
semiótica e arte. Erigir um único tipo de manifestação à condição
de arte e privilegiar com exclusividade apenas uma entre as corren­
tes teóricas da semiótica, para poder estabelecer uma relação con­
vincente entre ambas, seria tentar encontrar uma rápida e enganosa
saída do labirinto. Ao invés disso, prefiro comprazer-me nele. Des­
confio, no entanto, que há alguns focos de iluminação que podem
nos ajudar a pensar no interior do labirinto, compreendendo algu­
mas linhas do seu desenho.
A semiótica não é especificamente uma teoria da arte. Tendo
por objeto todo e qualquer tipo de semiose (ação do signo), seja
essa semiose celular, vegetal, animal, humana, natural, artificial ou
estelar, a semiótica, embora inclua, não se restringe, conseqüente­
mente, nem mesmo a uma delimitação no campo das ciências hu­
manas. Existe uma semiótica da biologia, das inteligências artifici­
ais, assim como pode existir uma semiótica cosmológica. Onde quer
q ue haja informação, processos de transmissão, recepção e
armazenamento de mensagens (pouco importa se por vias naturais
ou artificiais, através do homem, aquém ou além, a partir ou à
revelia dele, também pouco importa), isso será uma questão
semiótica .
Inevitavelmente, portanto, a arte é também, e sem nenhuma

1 64 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 165

dúvida, uma questão semiótica. Um tipo especial e peculi�r _ de foram conseqüências; (4) o surgimento de novas tecnologias, me­
semiose. É nesse sentido que se pode falar de uma ou vanas mórias artificiais e sociedades informatizadas de que termo pós­
semióticas da arte ou das artes, com a preocupação de se levar em moderno é uma das evidências
conta que a imensa abrangência de campos a que � semiótica se Não podemos, porém, entrar em comentários sobre os itens
aplica é inversamente proporcional aos limites daqwlo que ela tem elencados acima, sem que seja antes dissolvido um equívoco que
o poder de desvendar. Isto é: a semiótica es� ªP?1 � revelar, ?,º � costuma ser freq üente. Não se deve confundir o surgimento gradativo
· fenômenos, tão-só e apenas seus modos de açao s1gmca, o que Jª e da semiótica como ciência, que é fenômeno historicamente bem re­
uma formidável empresa, quando se entende signo no sentido mais cente (tem pouco mais de um século), com a condição antropologi­
amplo possível como recobrindo desde as formas mais rudimenta­ camente semiótica do ser humano, que é simultânea e inseparável
res de informação até os sistemas hipercomplexos. de sua homini ou humanidade, e que vem se acentuando no proces­
so civilizatório, com todas as contradições nele implicadas. Isso,
no entanto, tem de ser visto em mais detalhes.
FOCOS DE ILUMINAÇÃO

Alertei o leitor para o fato de que não irei desenvolver aqui


uma entre as alternativas possíveis das semióticas possíveis das
HüMO SEMIOTICOS

artes. Acredito que um primeiro patamar para compreender a rela­ O homem é um ser de linguagem. A afirmação é óbvia. Sua
ção da semiótica com a arte tem de ser percorrido no interior do compreensão nem tanto. A evolução biológica da espécie humana
labirinto de intersecções que ambas sempre travaram e que se tor­ incidiu, antes de tudo, sobre o desenvolvimento progressivo da cai­
nou mais denso a partir do início do século XIX. Para isso, existem xa craniana, isto é, do cérebro. Entre a evolução privilegiada do
focos de iluminação que se acendem nos pontos de junção entre o sistema nervoso central do homem e a performance quer lhe é espe­
surgimento da semiótica como ciência, a intensificação da cífica, a linguagem simbólica, deve ter havido um ajustamento es­
intersemiose das linguagens e os intrincados caminhos da arte, no treito de modo a tomar a linguagem não tão só o produto, mas uma
decorrer deste último século e meio. das condições iniciais dessa evolução (cf. Monod 1972: 148). A
Minha hipótese, portanto, é a de que há fatores históricos, caça como ação combinada de um grupo, a produção de artefatos,
funcionando como feixes de inteligibilidade, que nos capacitam a regida por normas reconhecíveis, o processo de trabalho como ati­
explicar porque a crescente emergência da semiótica como ciência, vidade projetiva e disciplinada são desempenhos exclusivos do ho­
de um lado, entra em correspondência, de outro lado, com a tam­ mem que pressupõe a capacidade simbólica, sem a qual nenhuma
bém crescente intermiose das linguagens que é, por sua vez, previsão seria possível.
coextensiva à dissipação dos rígidos sistemas de codificação (entre Há, sem dúvida, aquilo que poderíamos chamar de linguagem
as artes e no interior de cada arte) herdados do Renascimento. ou de processos de comunicação nos animais. O animal registra,
São os seguintes os fatores que iluminam tanto a trajetória da associa e até transforma informações adaptadas a programas de
semiótica quanto a desconstrução dos sistemas artísticos (é eviden­ ação, assim como tem meios de aferir o mundo exterior em repre­
te que há outros fatores não só na diacronia, mas _ também na sentações ajustadas a esses programas. Contudo, não há nada no
sincronia; os escolhidos são, contudo, a meu ver, suficientes para o animal que se assemelhe à maquinaria combinatória dos fonemas
que pretendo demonstrar): ( 1) o advento dos meios industriais d� que rege a complexidade de organização das línguas humanas, nem
reprodução, de que, no mundo da linguagem, a fotografia fo i há, em qualquer animal, 1 capacidade projetiva e simuladora do
paradigmática; (2) a ascensão dos objetos utilitários à condição de cérebro apta para estabelecer novas combinações e associações
signos de que, no universo da arte, o objet trouvé de Marcel criadoras que, aliadas às sutilezas da mão e do corpo, permitem ao
Duchamp era sintomático; (3) a explosão dos meios e produtos da homem produzir linguagens para fora do corpo e do cérebro, isto é,
cultura de massa de que a pop ar t e a contracultura, por exemplo, povoar o mundo de signos.

h
1 66 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS M Í DI AS 1 67

Foi a ordem simbólica, inaugurada no homem, como aconte­ estanques, a codificação dos sistemas artísticos em setores separa­
cimento único na biosfera, que abriu caminho para a criação de um dos (arquitetura, escultura, desenho, pintura, gravura, música, dança,
novo reino . noológico, reino dos signos e da cultura. A capacidade teatro, literatura) e a exclusividade da linguagem escrita como meio
simbólica é, por sua própria natureza, proliferante. A linguagem privilegiado para a produção e transmissão da cultura, desde o
não se responsabiliza apenas por produções que respondem à ne­ Renascimento até o século XIX, serviram para sufocar, por alguns
_ cessidade de sobrevivência física (objetos, vestimentas, arquitetu­ séculos , a emergência de uma teoria dos signos que desse conta de
ras etc.), mas também a necessidades impostas pela sobrevivência uma visão interativa e intercomunicante de todas as linguagens que
psíquica. Os rituais, deuses e mitos, o canto, a música, os jogos, as o homem é capaz de ler, criar, reproduzir e transformar.
primeiras inscrições devem ter a mesma antiguidade do homem. Porém, o advento de um número crescente de meios para a
Embora a produção e comunicação semióticas sejam produção de sistemas de signos não verbais ou híbridos (jornal,
grandemente devidas à estrutura ordenada e ordenadora da língua, fotografia, cinema, quadrinhos. publicidade, out-doors, televisão,
elas não se restringem a ela. Extravasam-se. Esse extravasamento vídeo, holografia, imagens digitais ... ) veio provocar e continua pro­
se acentuou no momento em que o homem buscou transferir para vocando profundos abalos e mutações no panorama das lingua­
suportes externos, fora do corpo, sua capacidade para produzir lin­ gens, subvertendo a hegemonia secular do código verbal. Ao mes­
guagens. Iniciou-se aí a longa aventura do olhar e da escuta huma­ mo tempo, no espaço da página jornalística e na publicidade, a
nas que começou nas inscrições nas grutas, passando por todas as linguagem escrita foi se descobrindo como um código visual com
formas de escrituras, códigos imagéticos e notações, que se dilatou potencialidade imagéticas, o que foi, imediatamente, apropriado e
na invenção de instrumentos, suportes e materiais para a produção radicalizado pela poesia até a revelação inquestionável da natureza
da imagem e do som, e que cresceu desmedidamente· a partir da intersemiótica e não apenas lingüística do código escrito.
Revolução Industrial com suas máquinas capazes de pro-reprodu­ Ainda está para ser avaliado o caráter revolucionário da re­
zir linguagens, explodindo nas máquinas providas de inteligência cente entrada da escrita nos suportes eletrônicos. Com o videotexto,
da Revolução Eletrônica. os �rocessadores de textos e a digitalização da tela eletrônica, que
Os seres noológicos proliferaram a tal ponto que, no mundo abnga e multiplica as possibilidades imagéticas da escritura, abri­
contemporâneo, estamos convivendo, esbarrando, buscando, dese­ ran:i-se as portas de uma nova era para a linguagem verbal cujos
j ando e nos comunicando com signos em cada canto do nosso coti­ efeitos serão tão ou mais reverberantes do que os da civilização do
diano e em cada milésimo de instante de nossa vida, muito mais do papel impresso.
que convivemos e dialogamos com seres carnais. Em sí�tese: o mundo, de um século e meio para cá, foi se
t<:m�ndo gntantemente semiótico. Não há como ignorar essa evi­
NASCIMENTO DAS TEORIAS SEM IÓTICAS ?enc1a. � s - teorias s_emióticas são con�emporâneas às explosões
Desde sempre a humanidade esteve apta a uma natureza mtersem1oticas na paisagem do mundo. E por acaso que a semiótica,
semiótica e não exclusivamente lingüística. Já no mundo grego, era como ciência, começou a nascer imediatamente após a invenção da
aguda a consciência da diversidade de signos que pululavam no �?tografia, quando as primeiras imagens congeladas de um instante
Ja passado (souvenir da vida transcorrida) começaram a invadir
homem e em tomo do homem. Por isso mesmo, embriões de uma recantos do nosso cotidiano?
teoria dos signos podem ser encontrados nos textos dos filósofos
gregos e prosseguidos pelos escolásticos. Como explicar o fato des­ ARTE: Rl 1 PTl:RA E IRRUPÇÕES
ses primórdios de uma teoria semiótica terem sido subitamente si­
lenciados no Ocidente, para só voltarem a emergir com urgência no Evidentemente, a arte não poderia estar incólume ou imune às
século XX? explosões i� tersemióticas que abalaram e continuam abalando quais­
Provavelmente a divisão dos processos de signos em campos quer fronteiras rígidas entre as linguagens. Ao contrário, a arte tem


p:.
1 68 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 1 69

funcionado, no último século e meio, simultaneamente como ele­


mento detonador e como sonda. alguma luz diacrônica sobre o nascimento da ciência semiótica cm
Quando falamos cm arte, nunca é demais lembrar que aquilo sintonia com a crescente trajetória da intcrsemiose nas linguagens e
que, no Ocidente, costumamos chamar de arte e que, ainda hoje, a também crescente dissolução das fronteiras fixas entre as artes.
temos o hábito de compreender como sendo arte, é um produto Apontei, então, para quatro fatores. Na verdade, esses fatores se
histórico que foi cunhado e estabelecido como tal na Renascença. juntam, em dois grupos de dois com um ponto de partida e um
· Curioso observar que mais de um século de tremores de terra no ponto de chegada em cada um deles: 1) na era industrial-mecânica
interior da própria arte, que desconstruíram os sistemas de da invenção da fotografia até as clarividências de Marcel Duchamp:
codificação, dissolveram as fronteiras entre as artes e desnortea­ 2) na era cletroeletrônica, da explosão da cultura de massas até os
ram os processos de valoração legados pelo Renascimento, não foi primórdios de uma cultura informatizada, pós-massa.
ainda suficiente para propiciar a reinvenção da nossa noção de arte.
(Aprofundar essa problemática seria objeto de um outro trabalho.)
O MARCO DECISIVO DA FOTOGRAFIA

É por isso que assistimos hoje a uma espécie de divórcio entre arte O primeiro pensador a se dar conta do imenso poder transfor­
e criação. mador da fotografia foi Walter Benj amin, no seu antológico ensaio
Explicando: embora a criação possa coincidir com o que ain­ sobre A obra de arte na era da reprodutividade técnica ( 1975).
da é designado como sendo arte, tal coincidência nem sempre ocor­ Embora nem sempre absorvidos na sua radicalidade, os efeitos da
re. Há produtos que, sob o peso da tradição, são considerados ar­ invenção da fotografia no mundo da arte, especialmente da pintura,
tísticos sem que por eles perpasse nenhuma pulsação criadora. Há já foram evidenciados em inumeráveis versões interpretativas do
outros, de outro lado, que, por não estarem pousados ou circulando ensaio benjaminiano. Embutido nas subversões provocadas no uni­
nos circuitos ditos artísticos, podem estar cintilando como "pontos verso artístico, existe um ângulo de visão epistemológico ou mais
luminosos" bem na frente dos nossos narizes, sem que se alerte propriamente semiótica que a fotografia traz consigo que, a meu
para sua força criativa. ver, não tem sido suficientemente apreendido.
Felizmente os caminhos da criação não transitam obrigatoria­ Conforme já procurei demonstrar cm outros trabalhos
mente pelos corredores das instituições artísticas ou pelos salões de (Santaella 1984, 198\: 162- 166), é possível extrair da leitura da
vemissage, nem dependem exclusivamente do aval ou julgamento fotografia como signo uma teoria ilustrada das características fun­
dos corretores da arte. Por isso mesmo, um século e meio de abalos damentais de todo e qualquer signo. Os artistas foram os primeiros
subterrâneos e de rupturas no interior de cada fonna de arte e nas a perceber que, por trás de sua aparência inofensiva, a fotografia
relações entre as artes parece ter estado preparando o terreno de estava preparada para exercer subliminarmente muito mais influ­
sinestesia dos sentidos humanos para as irrupções da ê�cia �obre nossa leitura do mundo do que se poderiam, à primeira
hipercomplcxidade e intersemiose que, provavelmente, tenderão a vista, 1magmar.
�aracterizar os ofícios da criação daqui para a frente. Acerca disso, Foi a fotografia que tomou pela primcir� vez evidente, colo­
fomos premiados recentemente no Brasil com um artigo de Lívio c�ndo na face dos nossos olhos, 'a irremediável separação entre
Tragtenberg ( 1988), brilhante, atento e perturbadoramente lúcido s1�no e objeto. Fez ruir a ilusão da representação, dissolvendo a
no seu enfrentamento dos desafios intersemióticos (por ele chama­ m1 �agcm de uma relação idílica entre o signo que representa e o
do de interdisciplinares) que "o desenvolvimento de novos meios e objeto representado. Depois da fotografia, nossa consciência de lin­
materiais aplicados à atividade artística impõe ao criador". g�ag_em se tomou maliciosa. Não há ingenuidade que resista à evi­
É nesse ponto do presente que temos de nos reencontrar com dencia da subtração e diferença que a fotografia põe a nu. Em toda
os nós de conjunção ou feixes de inteligibilidade propostos mais no relação, algo é subtraído. O vão da diferença: inominável. Sob as
início deste artigo e que, segundo anunciei, são capazes de lançar vestes do signo, algo cai. Este algo é tudo aquilo que o objeto é, e
que se subtrai porque o signo não pode recobrir. Não é que não haja

>
170 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 171

sempre, em maior o menor grau, uma revelação do objeto pelo pelo arrepio imperceptível de um certo mal-estar.
signo. Ocorre que aquilo que o signo não revela é justo o mais �� universo da cultura e das artes, Duchamp, com suas
importante: o segredo indevassável, mistério intransponível das ante�1soes do futuro, é uma espécie de rito de passagem: ponto
c01sas. termmal do apogeu da �ra mecânica-industrial ao mesmo tempo
A fotografia é paradigmática porque, mais cedo ou mais tar- �ue re�resenta
_ a� pnme1ras sementes do universo eletrônico pós­
-de, todas as formas de arte sofreram os efeitos de um espírito des­ mdustnal. E por isso que a arte pop, na sua reação ao desmesurado
confiado e malicioso que começou a visitá-las e desconfortá-las. A crescimento dos meios e produtos da cultura de massas não foi
desconfiança para com as ilusões da representação. senão a explicitação de uma atividade estética inseparável da críti­
ca que já estava implícita em Duchamp.
DUCHAMP: O LEONARDO DA DESCONSTRUÇÃO
Não é preciso nos demorarmos na descrição ou mesmo na
Outro nó de conjunção ou feixe de inteligibilidade se apresen­ me�ção de to�as as _ m?dalidades críticas das formas de engajemento
ta quando os objetos industriais, produzidos em série, começaram ou mtervençao art1st1cas, assim como nos inumeráveis caminhos
a povoar o mundo, evidenciando que o reino das coisas é também alternati � os que buscaram fazer frente à pasteurização e
um reino de signos. Depois da linha de montagem industrial, as homogeneidade da comunicação de massas. Passo imediatamente
coisas nunca mais foram as mesmas. Perderam a sagrada inocên­ para o presente, no qual parecem estar germinando no interior dos
cia de objetos únicos e passaram a funcionar como signos, isto é, próprios meios de comunicação e entre eles, sob � influxo trans­
réplicas de um protótipo. bordante da teleinformática, as contradições que deverão funcionar
O primeiro a se dar conta das repercussões que os objetos como antí_dotos co?tra a uniformização e massificação dos meios

como signos trariam para a arte foi Marcel Duchamp. Nas suas de comumcaçao e mformação.
enigmáticas contravenções, Duchamp estava ironicamente eviden­ �s tecn?l?gias n:iais recentes de disseminação da informação,
ciando que, assim como qualquer imagem tem seu caráter de signo, o ca�ater mais mterattvo e bidirecional de terminais domésticos de
um objeto, qualquer objeto, também tem sua natureza sígnica que pu�hcação e de videotexto, por exemplo, os novos meios computa­
lhe é própria. Do mesmo modo que uma palavra muda de sentido, donzados para a produção de imagem, o novo alfabeto de luzes da
quando se desloca de um contexto para outro, também os objetos c?mputação gráfica que redimensiona, em bases radicalmente iné­
encontram nos usos, inevitavelmente contextuais, a consumação de ditas a n?ssa noção de es_critura, são inaugurais de uma era pós­
seus significados. massa, h1percomplexa e mtensamente intersemiótica, cujo limiar
Se a fotografia inaugurou, no mundo da linguagem, a era da e�tamos começando a atravessar. Os efeitos que esses fatores pode­
reprodução mecânica, provocando a crise da representação, levada rao provocar nos processos de produção da arte são imprevisíveis.
a efeito pelas artes, Duchamp, antecipatoriamente, pôs termo a essa Na � onta _do iceberg, aparecem os cacoetes do pastiche ,
era, antevendo o esgotamento do dilema entre figurativo vs. não­ �sqmzofre? 1a d�s �i?çõe � , batizados de pós-moderno. O que está
figurativo, no terreno da arte e para além desse terreno, assim como tmerso e amda mv1s1vel so podemos adivinhar: provavelmente um
levou o questionamento dos suportes das artes até o limite da outro salto de transformação com repercussões muito mais inten­
dissolvência. Duchamp não foi apenas um artista, mas também um sas do q�e foram aquelas da era industrial. O presente só nos deixa
pensador não verbal da mais alta estatura. Na era da desconstrução, pressentir. Ao futuro cabe nos confirmar ou desmentir.
desempenhou papel similar, embora em posição exatamente inver­
sa, àquela que o polivalente Leonardo desempenhou para as cons­
truções renascentistas. Sua figura é, nesse sentido, emblemática
porque, depois dele, não há instituições, espetáculos, promoções
ou eventos artísticos que não sejam subcutaneamente atravessados

>
-
Especulações holográficas

Do grego halos (inteiro) + graphos (sinal): holografia ou ima­


gem inteira. Registro luminoso tridimensional de um objeto, con­
servando todas as suas características de profundidade. Ou ainda:
reconstrução de um objeto ou cena como uma imagem luminosa
tridimensional completa.
Com o advento de uma fonte de quase pura luz - a do raio
laser -fonte de luz que produz raios de alta coerência espacial e
temporal, foram encontrados os requisitos básicos para o
armazenamento da informação em qualquer ponto no campo da
onda luminosa. Luz coerente está apta a produzir um efeito de in­
terferência. Coerência e interferência constituem-se, assim, no
binômio que torna possível o registro holográfico. Não há, porém,
registro de algo sem um suporte desse registro. Na holografia, o
suporte é uma lastra ou "prato" ou chapa fotográfica vítrea cuja
sensibilidade ótica é capaz de. armazenar linhas compactas de in­
terferência (perto de mil por milímetro) e que, mesmo sendo uma
superfície plana, bidimensional, é capaz de reproduzir, reconstruir
(se iluminada adequadamente) uma imagem tridimensional em to­
dos os seus contornos reais e com todas as suas infinitas perspecti­
vas, assim como o objeto original.
Esta, em pinceladas toscas e grosseiras (visto que não é pe­
quena a complexidade física de tal processo), nossa rudimentar ten­
tativa de definição do processo holográfico, ensaio de introdução
de que nos valemos como via de aproximação dessa nova forma de
registro da imagem. Aproximação que escolhemos ser do tipo
"câmaralenta", isto é, aquela que permite um caminho às apalpa­
delas e evita a brutalidade das certezas diante de coisas ainda incer­
tas, processos em progresso.
OBJETOS DE LUZ

Trata-se, na holografia, de um novo meio, de um aparato


técnico-científico ainda recente e, como tal, potente (campo de
a
1 74 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 1 75

possibilidades a serem exploradas) efrágil (passível de experimen­


tações ainda não sedimentadas). Portanto, como todas as coisas em cena "real '.' � quando visto em diferentes ângulos, a relação muda
'
estado nascente - ser em processo - guarda essa margem de entre as vanas partes da cena, produzindo tanto a paralaxe hori­
indeterminação entre aquilo que já é e aquilo que poderá vir-a-ser. zontal quanto a vertical.
Toma-se dificil, nessa medida, desprender-se da aura de fascínio, Diante de um holograma, não há como evitar pensar que o
curiosidade e encantamento diante desses novos objetos (signos feitos so�o da voc�ção mimética humana seja talvez chegar àquela má­
_
de pura luz) que o meio holográfico é capaz de pôr no mundo. qu_ma _ fantast,ca da Invenção de Morei (ficção de A. B . Casares),
Talvez maior impacto sedutor esses registros (signos-objetos) m��mna _capa_z de registrar, reproduzir, eternizar não apenas a
de luz provocam em nós do que provocaram em nossos antepassa­ tnd1mens1onahdade volumétrica e colorida dos seres e das coisas
dos as primeiras chapas fotográficas capazes de etemização ad­ ":ªs sua � rópria palpabilidade até o limite do cheiro. Neste ponto, �
infinitum do instante. No entanto, nem a fotografia, antes, nem a vao da d1fe �ença entre o signo (representação) e a própria coisa
holografia, agora, podem ser lidas como realizações humanas es­ desaparecena, morrendo a própria coisa por carência da diferença.
tanques. Embora os princípios fisicos, que presidem a ambas, se­ Na holografia, no entanto, se bem que o objeto se comporte
jam radicalmente diferentes, assim como são diferentes os que pre­ como se fosse "real" na sua tridimensionalidade, esse objeto é feito
sidem à televisão, todos esses meios fazem parte de uma mesma de �ura luz. Efei�o de luz dançando na impalpabilidade negra e
aventura humana. Desde que o homem, ainda nas cavernas, se tor­ v�1a do espaço. E, no entanto, esse vão que separa (diferencia) o
nou capaz de fixar através do traçado de um desenho uma imagem obJ :to real de s�a rep :esentação luminosa - vão que faz do signo
do mundo, deu-se por iniciada essa longa jornada de complexificação o nao-ser do ob3eto, nao-ser que paradoxal e inalienavelmente fim­
crescente na sua "vocação mimética". da a captura do objeto - é justamente essa tridimensionalidade
Sabe-se da riqueza informacional do olho humano, órgão re­ impalp�vel que leva a_ holografia a transpirar em magia.
ceptor privilegiado para a interação homem-mundo e para a cria­ Diante desse me10, portanto, ainda mágico na sua novidade,
ção de sistemas de orientação no espaço. Do desenho às técnicas co1!1o estabelec�r _ julgamentos ou pareceres estéticos, quando um
pictóricas e plásticas, das gravuras à fotografia, desta ao cinema, artista dele se ut1!1za para uma apropriação criadora? Até que pon­
da TV à holografia, são todos saltos evolutivos que encerram mu­ to e em que medida, por exemplo, um cientista, no recesso de um
danças de qualidade nos modos visuais através dos quais o homem lab?ratório, engajado no avanço de aperfeiçoamento técnico desse
busca a apropriação sensível e inteligível do mundo. Para se apro­ me10, testando esse aperfeiçoamento nas aventuras do ensaio e do
priar visualmente do mundo, o homem povoa o mundo com seres erro, não tem muito ou quase tudo de um artista? Até que ponto e
vicários, co-reais, desdobra o mundo em signos. E o que chama­ em que medida, por exemplo, um holograma, qualquer holograma,
mos mundo visual tem de contar com essa zona fronteiriça entre as no frescor de seu aparecimeto recente entre as coisas do mundo
próprias coisas e os sistemas de representação (signos) dessas mes­ n�o é capaz_ d� produzir no receptor os mesmos efeitos de regenera�
mas coisas, pois que são justamente esses meios e sistemas de re­ çao da sens1b1hdade perceptiva que caracterizam os objetos estéti­
presentação que dialeticamente nos reensinama ver as coisas, que cos? �m que ponto,_ pois, encontrar, num trabalho com hologramas,
criam e sutilizam nossos modos de ver. a qualidade diferencial que funda uma atividade criadora e lhe dá teor?
É antiga a busca de representação imagética da tridi­ . � �itando cair no tecnicismo ingênuo, que acredita na
mensionalidade dos corpos sensíveis. Com o estereoscópio, essa art1st1c1dade em si de um novo meio de produção de linguagem e
tentativa parecia estar chegando a termo. Contudo, a despeito da me?sag�ns, �em levar em conta a peculiar intervenção criadora do
ilusão das três dimensões através da perspectiva, as figuras artista, ensaiaremos aqui um sinal de resposta.
estereoscópicas não se modificam com diferentes posições da vi­

-
são. Ora, um holograma agora é capaz de se comportar como uma
ANTI-M I M ETISMO

Sabe-se que, nos centros tecnológicos mais avançados do globo,


1 76 LÚCIA SANTAELLA CULTIJRA DAS MÍDIAS 1 77

correm, mais ou menos céleres, pesquisas que visam às possíveis contrafluxo de atrito crítico em relação à vocação ilusionista da
aplicações e usos da holografia nos mais diversos campos, da ar­ númese. Isso talvez se chamasse consciência da linguagem. E pou­
quitetura à geografia, da química à medicina, da micrologia à co importam as vias, os materiais ou os meios de que o artista pode
astrofísica e astronomia... Sabe-se que investimentos mais ou me­ fazer uso para subverter essa vocação: panos, papéis, parede, chão,
nos gigantescos subsidiam pesquisas sigilosas para as futuras ex­ telas, madeira... ou os próprios meios técnicos que dão suporte às
plorações comerciais de uma holovisão (cinema e TV holográficos). ilusões da mímese.
Trata-se de estudos que investem material humano-técnico-cientí­ À crescente sofisticação do aparato técnico à disposição da
fico em atividades que visam à finalidades e aplicações práticas, humanidade, o artista responde fazendo incidir a dominância do
atividades movidas pela intencionalidade lógica dos horizontes prag­ nervo criador sobre a peculiaridade e a singularidade das marcas
máticos. de sua invenção no processo e produto da criação. Desloca-se a
Quando um novo veículo de produção de linguagem surge, ele dominante dos meios ou das técnicas pela sobredeterminação das
necessariamente produz um remanejamento funcional dos meios já marcas criadoras do artista. Cada criação gera seu lugar de nasci­
existentes. Mais que isso, porém, e o que mais nos interessa aqui: o mento e se gera dele.
surgimento de um novo meio traz consigo novos materiais e modos Não são poucas as implicações críticas que isso acarreta para
de operar e receber linguagem de que o artista pode dispor para os um tecnicismo ingênuo que crê que a "corrida de ouro" da criação
fins da criação. Por dominância, o que parece caracterizar, portan­ esteja estritamente na mera apropriação do dernier-cri tecnológico
to, a atividade criadora de um artista não apenas com hologramas, pelo artista. Não são miúdos os atritos que isso também produz no
mas com qualquer meio que lhe esteja disponível - desde os mais outro lado da moeda, a mística da criação restrita ao mundo artesa­
artesanais até os mais tecnologicamente sofisticados - é sua utili­ nal. Mas, além disso, · e o que parece ser mais conturbador: a
zação desse meio nesse espaço não finalista e, por isso mesmo, contracorrente crítica da criação abala nas bases e abalroa, antes
perturbador da criação, isto é, sem quaisquer outras finalidades de tudo, a concepção do tempo linear e da história como progresso
senão aquelas que regem a própria criação. Atividade impulsiona­ da teleonomia ocidental. Não é simples a urdidura dos porquês e
da por essa mesma espécie de exuberância sem finalidade que move das implicações que essas questões encerram. Ninguém mais do
o prazer e intercepta o poder. que o artista está apto a auscultar, com os sensores da intuição, os
É nos arcanos da alma lúdica ( entre o rigor e o jogo, o brin­ caminhos da sensibilidade a serem abertos através do potencial com
quedo e a pesquisa, nos tênues interstícios da liberdade e da disci­ que as novas tecnologias o desafiam.
plina, da lucidez e da inocência, na aventura e no risco) que o artis­
ta extrai a obstinação da criação. Depois de W. Benjamin, não é
mais novidade se falar da crise nas artes no Ocidente sob o impacto
dos meios de reprodução, notadamente a partir da invenção da fo­
tografia. De lá para cá, contudo, já se pode discernir que, enquanto
os meios de reprodução (fotografia-cinema-TV-holografia) evolu­
em no aperfeiçoamento técnico dessa espécie de poder mimético
(registro que busca uma fidelidade ilusionista e servil ao "real"), o
que temos chamado de crise da arte não é senão essa outra espécie
de contracorrente crítica em relação à vocação mimética dos meios
de reprodução.
Se alguma coisa pode caracterizar uma atividade diferencial e
dominantemente criadora, de cem anos para cá, é sua inserção nesse
Ilha eletrônica

Lá, onde tudo é possível,


o impossível é a v ida

Tempo reversível, vida de trás para diante, um mesmo aconte­


cimento repetindo-se indefinidamente em mudanças imperceptíveis,
bruscas interrupções ou desfile de pontos de vista, montagem
inconsútil de fragmentos disparatados, coesão interna entre ima­
gens geneticamente diversas, ritmo frenético que nenhum delírio,
pesadelo ou viagem psicodélica conseguiriam jamais imitar. De que
prestígios não é capaz uma ilha de edição de vídeo munida de com­
putador mais um séquito de complementos?
A CONSCIÊNCIA DO DUPLO

Mas onde é que tudo isso começou? Na fotografia, creio. Se


assim for, o tiro do sonho mimético-realista da humanidade saiu
pela culatra.
O vídeo * é, por enquanto, o último descendente na familia
das imagens técnicas, isto é, imagens produzidas por máquinas,
que têm na fotografia sua genitora.
Embora o vídeo seja mais propriamente filho da Revolução
Eletrônica, com seu enorme salto diferenciador no modo de produ­
ção-recepção da imagem, que divorciou as imagens mecânicas (fo­
tografia, cinema) das imagens eletrônicas, há, não obstante, em
todas as imagens técnicas, um mesmo fio condutor que as une: a
duplicação do mundo.
A consciência do duplo nasce com a fotografia. Essa, aliás, é

• O termo vídeo estará sendo usado, neste trabalho, na acepção extensiva


que a ele Arlindo Machado confere no seu livro A arte do vídeo ( 1 988). Ou
seja, a palavra vídeo engloba todos os tipos de imagens eletrônicas, como
"imagem codificada em linhas sucessivas de retículas luminosas", o que in­
clui aquilo que genericamente é chamado de televisão.(N.Ja A.)
1 80 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 181

uma consciência de dois lados: o lado ingênuo-celebra'tório e o lado brecha, fenda, hiato entre o mundo e sua imagem. Desabamento do
problemático-angustiante. sonho idílico da unidade. Quanto mais um aparelho ou máquina se
De fato, para um olhar ingênuo, a fotografia é a réplica per­ aperfeiçoa no registro mimético de mundo, mais evidente se torna
feita de um fragmento do mundo. Documento inquestionável do sua impossibilidade de ser igual àquilo que registra. Há um
vivido. Captura do instante para a eternidade. descompasso, defasagem entre o ritmo do mundo, matéria vertente
Desde suas primeiras imagens nas grutas, a humanidade tem do vivido, e a capacidade do registro. A febre da vida não cabe em
· sonhado com a reprodução do mundo visível. Registrar num supor­ imagens. Sob as vestes da imagem, algo cai . Esse algo é o real que
te duradouro a evanescência do instante. Sob esse aspecto, o ad­ resiste na sua irredutibilidade.
vento da fotografia foi uma festejada conquista. Afinal, lá está. . . A consciência do duplo instaura o dilaceramento do roubo da
um pedaço do mundo, tal qual, mimeticamente duplicado num ne­ vida pela morte. O instante capturado na eternidade do registro é o
gativo, matriz infinita de cópias, antídoto contra a fugacidade. flash congelado de um vivido que se esvaiu. A eternidade é a prova
Mas o sonho da mímese não podia parar aí. Faltava o movi­ irrefutável da transitoriedade da vida provisória. Cada instante,
mento. Inventou-se então o cinema, movimento pouco a pouco ajus­ porque irremediavelmente passageiro, incuba sua própria morte_. O
tado até a imitação real. registro, na ânsia de documentar a vida, documenta o passageiro,
Como se a potencialidade mimética de cinema não bastasse, fugaz, para sempre perdido.
com a Revolução Eletrônica a humanidade ainda inventaria um A consciência do duplo é uma consciência fragmentada. A
poderosíssimo meio de registro e transmissão, em tempo real, de moldura do registro é fruto de um corte abrupto e arbitrário que
sons e imagens que iriam chegar a nós, dentro de nossa própria divide e separa o mundo - vasto mundo - de sua imagem. Toda
casa, como chegam a água e a luz. imagem é uma sinédoque. Contudo, surpresa maior. O advento da
É certo que a imagem televisiva, p roduzida por u m imagem técnica, à maneira de um apres-coup, veio evidenciar que
bombardeamento de elétrons, não é tão nítida e precisa e nem tão o olhar, qualquer olhar, mesmo na mais l�mpida nudez de sua
pregoante quanto a fotográfica. Mas com a televisão estava supe­ pretensa inocência, é sempre fragmentado. E por isso que a foto­
rada, enfim, a limitação do tempo gasto na revelação, hiato entre o grafia é uma espécie de hipérbole do olhar. Tanto quanto a fotogra­
mundo e sua cópia. E por tudo isso que os ingênuos se comprazem fia, o olhar é um constructo, limitado pelo ângulo, nível de aproxi­
na celebração das conquistas realistas da imagem. Mas é justamen­ mação ou di stanciamento, ponto de vi sta e adversidade
te essa celebração que os novos recursos eletrônicos, das mais intransponível entre aquele que vê e aquilo que é visto. A fragmen­
modernas ilhas de edição, vêm ferir mortalmente. tação fotográfica funciona, assim, como denúncia de uma limita­
A profusão das misturas entre real e irreal, registro e manipu­ ção congênita do olhar humano. O cubismo foi tão desconcertante
lação, imagens referenciais, imagens sintéticas, intercambiadas ou porque, entre outras coisas, é uma evidência dessa limitação. Por
sobrepostas, autonomia rítmica, que se desloca e desprende do tempo isso mesmo o cubismo preparou nossa sensibilidade ótica, perceptiva
do referente, até a invenção de um universo próprio, são as caracte­ e mental para o advento do cinema: colagem de fragmentos.
rísticas que afastam cada vez mais o vídeo de sua pretensa genealogia Chegado o cinema, contudo, acentua-se ainda mais a dupla
e vocação realista. É esse afastamento, de resto, que nos permite face do duplo. A costura de fragmentos em movimento real cria a
rever e recuperar a vertente problemática e angustiante do duplo, ilusão da continuidade. Assim sendo, ao mesmo tempo que gera
cuja semente já estava na fotografia, mas que a euforia mimético­ munição para os adeptos do realismo, o cinema começa paradoxal
realista ingenuamente vinha colocando na sombra. e crescentemente a ir de encontro à sua mais profunda vocação: a
O MUNDO E SUA I MAGEM narrativa ficcional. Mesmo quando se prende a regras estritas da
documentação e do registro histórico, nada pode refrear o intenso
A consciência do duplo abre e intensifica a consciência da poder do cinema para excitar o imaginário.

- 0]
1 82 LÚCIA SANTAELLA

O advento da televisão, por seu lado, também Veio detonar à


sua maneira a acentuação da dupla face do duplo. Ao mes�o tem­ O crescimento das mídias e dos signos
po que permite a captação quase miraculosa_ de si��ções no mstan­
te mesmo em que são vividas, sua natureza mcomg1�elme�te frag­
mentária e fragmentadora gera inadvertidamente um distanciamento
que, por si só, desvela a brecha que separa a �agem �o r�ferente.
Nessa medida a ilha de edição é recurso 1mprescmd1vel para
a montagem da :nu ltiplicidade de fragmentos_ da imagem
videográfica. Quanto mais essa imagem foi se sofistican�o,�no en­ Quando se tenta refletir sobre qualquer questão relativa às
tanto, quanto mais recursos de formação, e mesmo de cnaçao� ele­ novas tecnologias, que estão crescentemente se tomando onipresentes
trônica da imagem foram se juntando aos recursos de captaçao da na vida humana, antes de tudo, é necessário ampliar os horizontes
imagem, mais foram também se sofisticando as ilhas de edição p_ara da questão, colocando-a numa perspectiva semiótica, histórica, an­
,
permitir a convivência, se não pacífica, pelo menos democrat1ca, tropológica, e mesmo evolutiva, mais vasta. Isso ajuda a evitar as
das imagens de gêneses diversas. E isto até o ponto de estarmos duas tendências mais comuns nas avaliações da tecnologia: a inge­
hoJe chegando ao ponto da mais formidável reviravolta na face nuidade laudatória, de um lado, e a crítica apocalíptica, de outro.
mimética da história das imagens técnicas. Nas relações que se tecem, aliás inseparáveis, entre tecnologia e
Cada vez mais as imagens videográficas chegam a nós lam­ comunicação, a exigência de superação das avaliações extremadas
buzadas de ilusão, verdadeira apoteose da irrealidade. Mas na me­ se toma ainda mais premente, visto que compreender as transfor­
dida em que não são embusteiras, em que não se pretendem fazer mações de ordem social e também psíquica que estão se operando
passar por espelhos do mundo, na medida em que despudoradamente na comunicação e na cultura sob impacto das novas tecnologias é
se apresentam como outros mundos que se agregam ao mundo, sem uma tarefa que não pode ser neglicenciada. Compreender esse im­
nenhuma pretensão de aprisioná-lo nas malhas da representação, pacto já é andar um bom caminho no en�endimento das mudanças
essas imagens, pelo menos, nos livram da ilusão maior de que a mais globais pelas quais as sociedades e o próprio ser humano es­
imagem pode conter o mundo. Que signo teria poder suficiente para tão passando neste final de século e de milênio.
pagar seu débito com o real? O fenômeno da comunicação é muito mais abrangente e ilimi­
taclo do que pode dar conta um olhar antropocêntrico. A comunica­
ção está longe de ser um privilégio exclusivo do cérebro humano.
Lá, onde nada é impos sível, Seus processos já operam nas próprias moléculas orgânicas.
fica de fora
a carnação concreta do existir. Transportada inicialmente pelo código molecular primordial,
sujeita a uma contínua mudança qualitativa e quantitativa dos
segmentos genéticos e, posteriormente, transportada pela rede
imunológica de células que operam através de substâncias
medidadoras ativas, a comunicação é necessariamente urna pro­
priedade de toda e qualquer forma de vida (Sebeok 1 993:3).
Assim concebida, no seu sentido mais vasto, "como transmis­
são de qualquer influência de uma parte de um sistema vivo para
uma outra parte, de modo a produzir mudança", visto que aquilo
que é transmitido são mensagens, a comunicação "como capacidade
"'
CULTURA DAS MÍDIAS 1 85
1 84 LÚCIA SANTAELLA

para gerar e consumir mensagens, algo que é comumente atribuído de _ que, sem deixar de ser parte da biosfera (reino mineral, vegetal e
só aos humanos, está presente nas formas vivas mais humildes, animal), graças ao crescimento do neo córtex e de sua capacidade
sejam elas bactérias, plantas, animais ou fungos, além de aparece­ s �bólica, emergência única na biosfera, o homem foi capaz de
rem nas suas partes componentes tais como as unidades subcelulares ena � � n:1 quarto remo, o da noosfera, também chamado pelo
(por exemplo, as mitocôndrias) as células, organelas, órgãos e as­ sem1�tlc1sta russo, I. Lotman, de semiosfera, reino dos sign os ou
sim por diante". Do mesmo modo, das lmguagens, estas feitas de sinais, gestos, movimentos, sons,
traços, formas, luzes, volumes, imagens, notações, palavras, ci­
o código genético global também pode ser (como fertilmente tem fras, álgebras, símbolos etc.
sido) analisado em termos comunicacionais: a mensagem se ori­
gina na molécula, no programa mestre chamado DNA, seu fim
OS SIGNOS ESTÃO CRESCENDO
sendo marcado por uma proteína. O jogo intrincado de ácidos A hipótese com a qual venho trabalhando há algum tempo,
nucleicos e proteínas, a essência da vida no universo, fornece o para com�reender o crescimento contínuo dos sign os e das lingua­
modelo prototípico para todas as formas de comunicação (Sebeok gens, da circulação de mensagens e o conseqüente crescimento do
199 1 .: 23). própri_o cérebro humano, é a de que esse quarto reino, o noológico,
Só há comunicação quando algo é transportado de um lugar a sem_ 1osfera, está em expansão ininterrupta. Para essa expansão,
para outro. Esse transporte visa a exercer alguma influência ou aquilo que chamamos de canais ou meios para a comunicação de
produzir alguma transformação no lugar de destino. Só pode haver mensagens tem desempenhado, desde tempos imemoriais, um pa­
transformação quando aquilo que é transportado contém alguma p�l fundamental. As novas tecnologias - cuja emergência e cres­
espécie de informação. Toda informação precisa se corporificar em cimento em progressão aparentemente geométrica vêm ocupando a
algo. Esse algo se constitui naquilo que é chamado de mensagem, atenção e mesmo assustando o intelecto dos analistas do social -
que, por sua vez, só existe quando materializada em signos, os devem estar muito provavelmente inseridas na linha de continuida­
quais, para serem capazes de informar, devem estar de alguma for­ d� da e�pan��o semiosférica. Longe de ser apenas urna conseqüên­
ma codificados. Ora, para ser transportada de um lugar para outro, cia d� msac1a�el produ�ã� capitalista, creio que o advento e pro­
a informação, materializada numa mensagem, necessita de um ca­ gr�ssao dos me10s tecnolog1cos são partes de um programa evolutivo
nal. Conclusões: ( 1 ) não há comunicação sem transmissão de in­ �UJO desenrolar podemos retrospectivamente traçar, mas cujo des­
formação; (2) não há informação que não esteja encarnada numa tmo, oculto, não podemos senão desconhecer.
mensagem: (3) não há mensagens sem signos; (4) não pode haver �s signos, ou _elementos componentes das mensagens, são,
transmissão de mensagens sem um canal que a transporte. Mas por s1 mesmos, realidades materiais, concretas. Todas as mensa­
isso tudo já é sobejamente conhecido. O que não é tão conhecido é gens, por mais evanescentes ou imateriais que pareçam, estão· sem­
o fato de que, quando são perscrutadas em seus elementos constitu­ pre e�camadas rio corpo dos sign os. No entanto, conforme já foi
intes - os signos - percebe-se que "as mensagens permeiam toda mencionado, para serem transportadas, transmitidas, para que 0
a biosfera, o sistema de fluxo dirigido e responsivo da matéria e processo de comunicação se efetive, as mensagens necessitam de
energia que constitui a totalidade da vida na Terra" (Sebeok 1 99 l ª: um canal. �ste pode �eceber outros tipos de denominação, tais como
22). suporte, veiculo, me10 etc., mas a função é sempre a mesma: a de
As mensagens humanas, são, assim, apenas aquelas mais vi­ que _as mensagens, nas quais os processos sígnicos (ou processos
síveis aos próprios humanos, mas estão longe de ser as únicas que de lmguagem) se configuram, sejam transmitidas de uma fonte a
se cruzam e se interpenetram na biosfera. Dentro dessa rede um destino. Portanto, quando se trata de analisar o fenômeno da
intrincada, de que a humanidade, ela mesma, deve ser uma conse­ comunicação, esse componente do processo - o canal -desempe­
qüência, a especificidade do ser humano está provavelmente no fato nha o papel mais substancial.
1 86 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 187

Tome-se como ilustração dessas afirmações a mais primordi­


al de todas as linguagens: a fala. Em primeiro lugar, há uma fonte transmitida como vibração de um corpo-cérebro a outro. Mas 0
geradora de signos, o cérebro. Também no cérebro estão armaze­ mais _i":po�te a ser notado, neste momento, é que, através da
nadas as regras de codificação desses signos. Essas regras, no en­ descnçao acima dos componentes do processo de comunicação efe­
tanto, estão intimamente vinculadas ao tipo de canal através do tuado pela fala, torna-se evidente que aquilo que é chamado de
qual esses signos vão ser veiculados para serem comunicados. O meio de _comunicação como sinônimo de suporte ou de canal é algo
·canal é o aparelho fonador. A sabedoria evolutiva aproveitou-se de bem mais amplo e complexo do que parece à primeira vista. Desse
vários órgãos funcionais da respiração, sucção e degustação, agre­ �odo, é possível perceber que a fonte da comunicação, que é o
gando-lhes as funções articulatórias da fala. Assim, a boca, este c:rebro, pode também ser caracterizada como um meio de produ­
estupendo órgão plurifuncional do comer, respirar e beijar, serve çao, de que o aparelho fonador é, sem dúvida, verdadeiramente o
também à fala. Do mesmo modo, servem os pulmões, traquéia, canal,_ ou meio de transmissão, o ouvido é o meio receptor, enquan­
laringe e cordas vocais. Um outro canal, receptor, também alocado to o cerebro desempenha ainda e simultaneamente a função de meio
no corpo e ligado ao cérebro - o ouvido -, exerce a função de recepção. Com isso, tem-se aí, o que costumo chamar de desdo­
decodificadora dos padrões sonoros que, ao serem remetidos ao bramento dos meios que operam em quaisquer processos de comu­
cérebro, onde estão annazenadas as leis de codificação dos sons, nicação: o meio de produção de signos, o de armazenamento o de
'
produzem sentido. transmissão, e o meio de armazenamento. Que um mesmo meio
É certo que o desenvolvimento atual das pesquisas sobre o possa realizar funções superpostas, não anula a diferenciação entre
funcionamento do cérebro pennite perceber que, dentro do próprio essas quatro funções fundamentais.
cérebro, com suas sinapses ou redes de conexões entre os neurônios, Se a fala, na sua auto-suficiência, é um processo de comuni­
também se realizam processos de comunicação, com fontes, canais cação p �vilegiado, uma vez que tem tudo o que precisa no próprio
de transmissão de mensagens, canais de recepção e meios de co�o, ha nesse processo uma falha que não poderia escapar à sa­
_
armazenamento que lhe são próprios. Não utilizarei o cérebro como gacidade evolutiva. Se, de um lado, o cérebro é um fantástico meio
exemplo, no entanto, porque a extrema especialização dos fenôme­ de pr�ução de signos, de outro lado, no desempenho de sua função
nos cerebrais nos desviaria para um discurso técnico que fugiria às de me1� de armazenamento, ele é, infelizmente, muito precário por­
finalidades da mera ilustração que estou aqui buscando. que faclimente perecível. Quando um indivíduo morre, tudo que foi
De todo modo, se, dentro do cérebro, já se operam processos acumulado, tudo que foi annazenado em seu cérebro, morre com
de comunicação autônomos, não existe, assim, qualquer separação ele. Como poderiam as culturas humanas preservar seu acervo de
entre os signos, a linguagem, e aquilo que se costuma chamar de saber e de_ �onquistas, como poderia a espécie evoluir, se sofria
consciência . Que a materialidade da consciência está dada na dessa frag1hdade na sua raiz? Conforme já afirmei em um outro
materialidade da própria linguagem, é, de resto, uma constatação trabalho (Santaella 1987), "era preciso encontrar formas de tradu­
que já havia sido feita com perspicácia por Marx e Engels, quando, ção do audível em visível pa�a que o perene pudesse se vingar da
na Jdelogia alemã (s/d:36), ironicamente diziam: "Desde sempre perversidade do perecível". E essa busca pelo perene dos signos,
pesa sobre o 'espírito ' a maldição de estar 'imbuído' de uma maté­ como uma espécie de compensação contra a mortalidade contra a
ria que aqui se manifesta sob a forma de camadas de ar em movi­ provisoriedade da vida, que parece ter estado, desd; sempre,
mento, de sons, numa palavra, sob a forma da linguagem". norteando a crescente expansão dos meios que operam nos proces­
Nessa medida, a fala, que, aliás, é inseparável da gesticula­ sos de comunicação.
ção, dos movimentos do rosto e do corpo, realiza a proeza de ser
auto-suficiente no sentido de não precisar, para ser produzida, de
A EXTRA-SOMATIZAÇÃO DOS M EIOS

nada que esteja fora do próprio corpo; só precisando do ar para ser As primeiras formas de desenho, nas pedras e nas grutas, e
todas as formas de escritura, pictográficas, ideográficas e alfabéticas
1 88 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS M ÍDIAS 1 89

deram início ao processo de cxtra-somatização do meio de Assim, a mão, ligada a certas habilidades motoras do corpo, passa
armazenamento dos signos, quer dizer, dentre os quatro meios que a desempenhar o papel de mediadora entre as faculdades imaginativas
operam nos processo de comunicação e que estavam todos encar­ e cognitivas do cérebro e um dado suporte, no qual os signos ficarão
nados no próprio corpo, um deles, o meio de armazenamento, co­ armazenados. Mas para realizar tal função, a mão precisa de uma
meçou a ter, fora do corpo, prolongamentos para a capacidade de extensão, isto é, instrumentos capazes de realizar as inscrições no
memória que é própria do cérebro. Senão vejamos. suporte. Esses instrumentos podem ser os mais variados, mas serão
Enquanto as fonnas pictográficas e ideográficas são mais sen­ sempre prolongamentos da mão. Desse modo, mão e instrumentos
síveis e motivadas porque mantêm uma analogia visual, e mesmo passam a funcionar como meios de produção, extensores do cére­
ideogrâmica, com aquilo que querem representar, o código alfabé­ bro, deixando, no mundo externo, marcas da capacidade simbólica
tico, embora aparentemente mais arbitrário, realiza, no entanto, a do homem. O canal ou meio de transmissão, que, na fala, estava no
proeza de conseguir traduzir e transferir, para um suporte visual, a corpo, desloca-se agora para o suporte externo, enquanto o olho,
faculdade articulatória da fala. É, por isso mesmo, a tradução mais como órgão codificador e decodificador, e o olhar, como definidor
econômica, no sentido de que, do mesmo modo que a fala é toda da intencionalidade e finalidade da visão (Aumont 1993 :59), pas­
ela, em todas as línguas, produzida com um número mínimo de sam a exercer a função de meios de recepção.
sons engenhosamente articulados, assim também, com um número Crescendo no mundo exterior, os signos, tais como escultu­
mínimo de representantes visuais desses sons, as escritas alfabéti­ ras, desenhos, pintura, linguagem escrita, armazenados em supor­
cas transpõem, para a visualidade, o caráter articulatório da fala. tes específicos, isto é, em livros e quadros, desde suas formas mais
Não foram poucas nem triviais as conseqüências do apareci­ primitivas e rudimentares, começaram a exigir o aparecimento �e
mento dos primeiros meios extra-somáticos de preservação da me­ meios de conservação. Armazenagem e conservação têm de carm­
mória humana. A primeira delas foi a de dar início a um processo nhar necessariamente juntas. Surgiram, assim, os templos, as bibli­
remarcavelmente crescente de alargamento da funcionalidade e es­ otecas e museus. Não foi causal o impacto provocado pelo apareci­
pecialização da visão humana. No princípio timidamente, hoje ili­ mento da tinta a óleo na Renascença. "Com o gradual acréscimo de
mitadamente, o ser humano começou a povoar o planeta de ima­ material oleoso na têmpera sobre madeira, surgiu a tinta a óleo,
gens bi e tridimensionais e de escritas que também não são outra com maiores possibilidades de manuseio e maior flexibilidade, cri­
coisa senão um certo tipo de imagem. Ora, ao sair do cérebro, as ando a possibilidade de utilização do tecido como suporte, quase
imagens, como figuras ou como escrita, precisam de suportes ex­ sempre o linho" (Sogabe 1990: 11). Como material menos sujeito à
ternos nos quais possam se encarnar para durar. No caso das ima­ degradação, o óleo em tecido permitiu aliar a natureza leve, móvel
gens bidimensionais - em pedra, osso, metal, parede, placa de e portátil do quadro à necessidade de sua conservação.
argila, madeira, couro, papiro, tecido e papel - a progressão, que Índice maior da tendência à proliferação crescente a que os
vai da pedra ao tecido e papel, indica a passagem crescente do signos estão fadados, entretanto, seria aquele da invenção da pren­
suporte fixo, preso ao solo, para o suporte transportável. Se o aces­ sa tipográfica, inaugural daquilo que McLuhan (1972) veio tornar
so aos suportes fixos pressupunha o deslocamento do receptor ao conhecido como a Galáxia de Gutemberg. O meio de produção
local, os suportes portáteis viriam permitir o deslocamento dos pró­ passa aí a ser, em si mesmo, um meio de reprodução, permitindo
prios suportes no espaço, evidenciando a necessidade de concilia­ que, a partir de uma única matriz, uma infinidade de cópias sejam
ção da durabilidade com a mobilidade necessária à circulação da produzidas. Têm início aí, no livro impresso, os primórdios ?ºs
informação (Sogabe 1990:9). processos de comunicação de massa que, vindo estender a poss1b1-
Quando estendem a memória para fora do corpo, as imagens lidade da recepção das mensagnes para um público cada vez maior,
externas também produzem necessariamente modificações nos meios ainda não tiraria das elites econômica ou politicamente privilegia­
de produção, de transmissão e de recepção de suas mensagens. das a detenção dos meios de produção de linguagem e de cultura.

--
--,.,--­
i

CULTURA DAS MÍ DIAS 191


1 90 LÚCIA SANTAELLA

O mesmo princípio da prensa tipográfica está na base da gra­ intensificar a circulação dos signos e das mensagens. Se antes os
vura na qual o suporte funciona como uma matriz reprodutora, receptores tinham que se locomover até onde os signos estavam,
com a reprodução, os signos e as mensagens passaram a ir ao en­
permitindo a sua multiplicação em outros suportes. Processos rudi­
contro de seus receptores. Mantendo algo em comum com esses
mentares de reprodução já existiam desde os gregos: a fundição e a
meios reprodutores, a fotografia viria introduzir algumas novida­
cunhagem. Mas seria só com a reprodução em madeira que se con­
des revolucionárias em relação ao passado. Entre as novidades,
seguiria "a reprodução do desenho, muito tempo antes de a impren­
sa permitir a multiplicação da escrita". A Idade Média viria acres­ talvez a mais inédita seja a de ter dado início ao aparecimento cres­
centar o cobre e a água-forte à madeira. Mesmo assim, as técnicas cente de máquinas dotadas de alguma inteligência. Um dos grandes
de reprodução teriam de esperar pelo início do século XIX para unpactos das novas tecnologias deve estar justamente nesse fato
encontrar seu progresso decisivo com a litografia que, "ao subme­ inaudito, de que, ao estenderem a capacidade simbólica do cérebr�
ter o desenho à pedra calcária, em vez que entalhá-lo na madeira ou para o mundo exterior, estão permitindo o crescimento cerebral para
fora da caixa craniana. Embora haja uma tendência a se considerar
gravá-lo no metal - permitiu pela primeira vez às artes gráficas
não apenas se entregar ao comércio das reproduções em série, mas que os computadores foram as primeiras máquinas que incorpora­
produzir, diariamente obras novas". Ao ilustrar a atualidade coti­ ram alguma forma de inteligência, as raízes dessa questão, a meu
diana, o desenho tomou-se íntimo colaborador da imprensa (Ben­ ver, remontam à fotografia .
jamin 1 975 : 1 2). AS MÁQUINAS INTELIGENTES
Conforme já enunciei em outra ocasião (Santaella 1 994 : 1 59),
é necessário aqui lembrar que análise similar, à que foi acim1 esbo­ Já é amplamente conhecido o fato de que a câmera fotográfi-
çada acerca da imagem, caberia também à música. Se é totalmente ca, conforme nos afirma Arlindo Machado (1 984:30-32),
produzida no corpo, no caso do canto, ela foi gradativamente se já estava inventada desde o Renascimento, quando proliferou sob
separando do corpo com o aparecimento dos instrumentos musi­ a forma de aparelhos construídos sob o princípio da camera obs­
c�is, ficando _só a mão e a boca como elos de ligação entre o corpo­ cura. ( . . . ) Do ponto de vista óptico, já estava resolvido no
cerebro e os mstrumentos extra-somáticos. Também, na música, o Renascimento o problema da fotografia; o que a descoberta das
advento das formas de notação, da música escrita, tiraria da memó­ propriedades fotoquímícas dos sais de prata significou foi sim­
ria cerebral um excesso de sobrecarga como meio de armazenamento, plesmente a substituição da mediação humana (o pincel do artis­
além de que a música iria, de modo similar à imagem, ao encontro ta que fixa a imagem da câmera escura) pela mediação química
de meios de reprodução do som, de maneira que a evanescência do do daguerreótipo e da película gelatinosa.
material sonoro pudesse ficar gravada em suportes duráveis.
O grande salto de transformação viria, no entanto, com a pas­ Com o código de representação da perspectiva artificia/is que
sagem do mundo artesanal, em que o corpo e a mão ainda reinavam completou e corrigiu a camera obscura, "faltava apenas descobrir
soberanos, para o mundo industrial-mecânico, quando apareceram um meio de fixar o 'reflexo luminoso' projetado na parede interna
as primeiras máquinas rudimentarmente inteligentes, capazes, elas da camera obscura. A descoberta da sensibilidade à luz de alguns
n:iesmas, de produzir linguagem, até então tarefa e privilégio exclu­ compostos de prata, no começo do século XIX, veio solucionar
sivo do cérebro. A primeira dessas máquinas, inaugural daquilo esse problema e representou o segundo grande passo decisivo na
que viria receber mais propriamente a denominação de meios invenção da fotografia".
tecnológicos, foi a câmera fotográfica. Como se pode ver, o que a câmera fotográfica fez foi introjetar,
O que se tem na escrita e na gravura é apenas a automatização verdadeiramente materializar, numa máquina, uma certa inteligên­
reprodutiva. Nelas, o meio de armazenamento extensivo da memó­ cia visual acerca do funcionamento do olho e da fixação do reflexo
ria cerebral, tem uma natureza reprodutora qu� cumpre a função de da luz, além de uma certa inteligência representativa e imitativa da
CULTIJRA DAS MÍDIAS 193
LÚCIA SANTAELLA
192

rep rod uto ra a inteligência visual do ser humano, essa capacidade


s uper ficie chap ada, �
t ridim en s ion al idade da vis ão numa
mba s
c r ep rodutora ainda e stá neles separada da capacidade produtora.
los . � as , com _ �era
intel igências acumuladas du rante sécu Quer dizer, há uma separação entre o ato de fotografar e film ar e o
a
b1hd
a

ropn eda�e ou h a�e


fotog r áfica, pela p rimeira vez, al guma � emah da numa m�­ ato de copiar, seguidos de uma outra separação e m relação ao pro­
a

ext
dos sentidos e da inteligência humana foi �
atiz a� essa h ab 1- cesso de recepção. Com o advento da televisão, es ses atos e proces ­
i c paz d � ut
quin a q1.,1e, daí para a frente , _ e se hrru�r a u m sos se t omaram s imu ltâneos , inaugu rando o fenômeno da s incronia
o fotografico esta longe d
ser a a a om

lidad�. E por isso q ue o at n­ d� todos os , elementos q ue entram no p rocesso de comunicação.


mero ape rta r de um botã
o . N esse �t o, t e _ ':1 d� ha�er necessan �e
enc1a vi s ual autom t 1 �a Amda tambem representam um avanço nos meios de conservação e
te um diálogo ou embate ent re a mtehg _ rafo. Mas o n:1a1_ s im­ preservação das mensagens , tanto no as pecto de economia do espa­
a

o fot?g
da m áquina e a inteligência sen sível d ço ocupado por esses meios quanto no aspecto de s ua durabilidade .
portante nisso tudo, de onde advé .º � : rte im pacto p roduzido pela
1ad a grande aven_tura - Mas não demoraria para que a quantidade de informação imagética ,
fotografia, é q ue nela se deu por m1c �
m

e v1d e nt� n a s s oc1e � ad �


q ue pode ser acumulada em fitas magnéticas , viesse parecer irris ó­
cont e mp oran eam ent e m ais do q u� _ �a com o surgimento das tecnologias informáticas na s ua possibi­
s

qumas mai s ou menos mte h­


informatizadas - da exten são em ma n . lidade de codificação numérica.
an o para p roduzi� linguage �
gente s da capacidade do cé rebro hu� ci­ De fato, com as tecnologias da informação, que Pierre Lévy
et er a aceleraçao do . cre s
Daí para a frente , nada mais poden a _ d p ç d t , (1993), por exemplo, chama pelo nome de "tecnologias da inteli­
o da sem1 n �
mento dos s ignos , da dilataçã _
gência", um novo limiar revolucionário começou a se del inear n o
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r ção que , da su � _
até um ponto tal de satu a e co­ horizonte humano cu jas cons eqüências e im plicações estamos ain­
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ara o ceu nos sat e htes ?


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e imagen s já e tã h j mig and p_


n xp ç do da longe de poder comp reender. Basta dize r q ue se trata agora não
e sen so n ament
r o

m unicação , n os saté l ite s d


s o o e

apenas de urna extensão da capacidade visual sen sória do homem


e e as e lora oes

cos mo s . . _
g afi c inci d ! u c om � auto_mat1zaçao tal como ocorreu no mundo mecânico, mas da exten s ão de ce �
O ap arecime nt d fot
1?1 r s s o, ah da ao te­ capacidades cerebrais , além de que p ropicia, pela primeira vez, o
da impressão. A rep rodu ção acelerada da p � � � nci�a mai_ s a
o a o r a o

fenô�en o da inter�tividade comunicativa. Mais do que is so ainda,


smis s ão da n?t1c1a a dista
légrafo, que permitiu a t ran : penmte o aces so d1�eto à im:ormação. O que são os grandes comp u ­
çã do u nta J nta ram-s e o� t res �uma
fotogr afia com s ua voc � � _ tado�e s das redes informatizadas p l anetárias, aos q uais qu alquer
onar a explosao do Jornal
l u

composição tão imbatível que vma ocasi


a o e

homem moderno. Inau gu­ «:nnmal, ou micro computador pes soal, pode estar atado, senão
como obrigatória "oração matutina" do fia, acompa­ gigante scos cérebros , competências e saberes , fora da corpo huma­
e mas sas , jornal e fotogra
rais do advento da cu lt ura d no, qu e e�tã? aí disponíveis para serem seletivamente apropriados
possibil itou surgi� ento
o
nhados da m ultiplicação dos l ivros , qu e por �ada md1víduo e por coletividades inteiras? As trans formações
cinema, como meio de
do rom ance-folhet im, depois segu idos do q ue i s so e stá produzindo na comunicação e cultura hu manas s ão
entret enimento de mas s as,
tu do i s so p rovocaria fortes abalos na
rias à cultu­ tão_ vastas ao ponto de desafiar noss a capacidade reflexiva. A pri­
elite s. As contradições próp
exclu s ividade cultural das mei� conseqüência mais visível dessas t ransformações está na cri­
el a que se
a da era elet romecânica, aqu
ra mas s ificada, cultu ra típic se evidente que os meios informatizados estão p rodu zindo nas no­
est endeu da fotog rafia e
jornal até ao cinema, for� la�gament ções t radi cionais de cul tura erudita e popular e nos fenômenos de
e

tirar a relevanc1a_ d
debatidas pelos c ríti cos do social . Sem comunícação d� massas. Quanto às outras transformações, elas e stão
s

ocar em relevo e o �­ p
esse

infindáveis debates , o que aqui importa col em p rocesso diante dos nossos olhos , sensíveis aos nossos ouvidos
fera que , nos meios eletro­
r

cesso contínuo de c rescimento da semios e ocorrendo dentro do nosso p róprio pen samento. Para percebê-las
.
nicos viria encontrar um aliado estupendo há q ue estar alerta.
p ci ente a fotografia e o
Embora os meios mecânicos,
para uma máquina
alm

cinema, já sejam meios de p rodução que passam


es e


O homem e as máquinas

Assim como os utensílios, as ferramentas são também artefa­


tos. Confonne estipula a etimologia da palavra, derivada do adjeti­
vo latino utensilis, que significa "próprio para o uso", utensílios
são produzidos com a finalidade precípua de serem usados. Dife­
rentemente dos utensílios, entretanto, as ferramentas são artefatos
projetados como meio para se realizar um trabalho ou uma tarefa.
Funcionam, por isso mesmo, como extensões ou prolongamentos
de habilidades, na maior parte das vezes manuais, o que explica
porque as ferramentas são artefatos de tipo engenhoso. Sua cons­
trução pressupõe o ajustamento e integração do desenho do artefa­
to ao movimento físico-muscular humano que o artefato tem a fina­
lidade de amplificar. Nesse sentido, máquinas são uma espécie de
ferramenta, visto que são também projetadas como meio para se
atingir um certo propósito. Diferentemente das ferramentas, contu­
do, as máquinas apresentam um certo nível de autonomia no seu
funcionamento.
Definir o que são máquinas não é simples. Num sentido muito
amplo, a palavra se refere a uma estrutura material ou imaterial,
aplicando-se a qualquer construção ou organização cujas partes
estão de tal modo conectadas e inter-relacionadas que, ao serem
colocadas em movimento, o trabalho é realizado como uma unida­
de. É nesse sentido que se pode comparar o corpo ou o cérebro
humanos a máquinas. Numa acepção um pouco mais específica, no
tenno máquina está implicado algum tipo de força que tem o poder
de aumentar a rapidez e a energia de uma atividade qualquer. Isso é
o que acontece até mesmo nos tipos mais rudimentares de máqui­
nas como uma antiga e pesada catapulta medieval usada para se
atirar pedras. Essa catapulta era constituída basicamente de uma
alavanca muito forte com um receptáculo para as pedras, numa
extremidade, e de cordas torcidas de modo a puxar a alavanca para
trás sob forte pressão, até ela ser repentinamente solta, disparando
o míssil.
1 96 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 1 97

A transmissão ou modificação na aplicação do p oder, for� a "O século XIX foi marcado pelo signo da Revolução Industrial
ou movimento, características do funcionamento das maqumas, , ve�o cujo emblema era a máquina a vapor, capaz de converter a energia
ganhar um novo impulso com o aparecimento dos mo!ores. I:Ia :'ª­ química do carbono em energia cinética e finalmente em trabalho
rios tipos de motores, a vapor, de combustão, pneumatico, hidrau­ mecânico. Qualquer motor tem como input alguma energia não me­
lico elétrico. Todos eles têm cm comum a capac1da?e de tran�for­ cânica e como output algum trabalho mecânico' ' (Marcus 1995).
ma; uma energia dada em energia cinética, mecâmc_a. Dep?1s. da As máquinas, que a Revolução Industrial introduziu, maravi­
invenção dos motores, a palavra máquina, num �en�1do mais lite­ lharam nossos antepassados porque eram capazes de substituir a
ral, passou a se restringir a equipamentos que d1spoem d� algum força fisica do homem. Primeiramente pela utilização do vapor, e,
tipo de motor. Foram o� motores _ que trouxeram � m � ovo impulso mais tarde, pela utilização da eletricidade, a energia da máquina foi
para o ideal de autonomia no funcionamento �as maqumas, de m_odo posta a serviço dos músculos humanos, livrando-os do desgaste
que, elas passaram a ser basicamente entendidas como um conJun­ (Schaff 199 1:22). A Revolução Industrial foi uma revolução ele­
to de partes ou corpos sólidos, de um lado, e d� um gerador de tromecânica, característica esta inscrita na natureza de suas má­
energia cinética, mecânica, de outro, que trans1?1te força e mov� ­ quinas cuja potência não poderia ir além da imitação dos gestos
mento entre essas partes de um modo predetermmado e com finali- humanos mais grosseiros e repetitivos, enfim, dos movimentos
dades predeterminadas. . mecânicos. Trata-se de máquinas servis, tarefeiras, que trabalh am
O pensamento sobre as relações, e �esmo s�br� a analogia, para o homem, ou melhor, substituem o trabalho humano naquilo
homem-máquina não é recente. Já aparecia em Anstoteles, esteve que este tem de puramente tisico e mecânico. Além disso, tal subs­
na base da concepção dualista do ser humano em De�cartes; tendo tituição não se dá em igualdade de condições, pois a máquina é
ocupado de uma forma ou de outra a_ mente de multas filo� ofos. capaz de acelerar os movimentos, intensificando a realização das
Embora o estudo histórico e comparativo das reflexoes filosofic s tarefas.

sobre as máquinas seja de grande interesse, não _será_ esse o cami­ Toda máquina começa pela imitação de uma capacidade hu­
nho que minhas considerações_ to?1a�ão . a segmr, v1s!o que m:u mana que a máquina se torna, então, capaz de amplificar. É nesse
objetivo é mapear os três princ1pa1s mve1s que dete�te1 na re� a�ao sentido que já existiam máquinas bem antes da Revolução Industri­
homem-máquina: ( 1 ) o nível muscular-motor, (2) o mvel sensono e al. Uma alavanca, por exemplo, é uma máquina na medida em que
(3) o nível cerebral. . seu ponto de apoio, ao se aproximar do objeto a ser movimentado,
Esses três níveis são históricos, quer dizer, o muscular prece­ converte-se em um amplificador de força. Além dessas máquinas
de O sensório que, por sua vez, precede o cerebral. Isso não quer dedicadas a ampliar a força, existiram também engenhos voltados
dizer, entretanto, que o aparecimento �e um n�vo m, �el leve ao de­ para a mecanização da l ocomoção. "O movimento de grandes pe­
saparecimento do anterior. Ao contráno, um �1vel nao �ula o ou­ sos arrastados sobre troncos gigantes foi um precursor do veículo
tro, mas permite a convivência, e, por vezes, 11:1staura ate mesmo o de rodas, que traduziu o poder próprio ao homem de l ocomover-se
intercâmbio ou colaboração com o nível antenor. - um poder ampliado no seu devido tempo mediante a incorpora­
ção de motores de toda espécie" (Beer · 1974:25).
As duas características acima, já presentes nos rudimentos de
AS MÁQUINAS MUSCU LARES

Se antes da Revolução Industrial, as relações entre homem e qualquer máquina, seriam aquelas que definiriam o perfil das pri­
máquin� eram ainda incipientes, limitando-se a truculentos artefa­ meiras máquinas industriais: a substituição amplificada da força
tos, do tipo de uma catapulta, ou a instrumentos, tais como os _ de tisica humana e a mecanização da locomoção. É justamente esse
tortura, o relógio e alguns instrumentos de me?1?� e de pesqmsa tipo de funcionamento que esteve na base das primeiras noções de
como o telescópio, a partir do século XVIII e lillc10 do ?'IX, �sse robô, máquina à imagem e semelhança dos músculos humanos,
cenário começou a passar por profundas e crescentes mod1ficaçoes. pronta para trabalhar para o homem ou em seu lugar.


T

1 98 LÚCIA SANTAE LLA CULTURA DAS MÍDIAS 199

Embora tenha sido um invento da Revolu ção Indu strial, �s promove r o advento de uma máqu ina totalmente nova, tão nova e
máquinas mu sculares sob revivem até hoj e sob ":1úl�
iplas aparên�1- complexa a ponto de ir se afastando cada vez mais da idéia de uma
as, não estando, nem de longe, confinadas nas fabn�as,_ nas, indu s­ máqu ina, co nform e será disc u tido mais adiante. Trata-se do com­

trias . In felizmente, a similaridade entre homem e maqu ma e tom�­ pu tador, dispositivo com habilidades que apresentam algu ma simi­
da mu ito ao pé da letra, o que impede o reconhecimento das_ �ulti­ laridade com as habilidades do cérebro.
dões de robôs muscu lares que tomam conta do nosso cot1d1ano, Ao serem acoplados à produ ção ind u strial, os computadores
sem que tenham necessariamente � f��a humana, ,sen:1 que tenham nos deram o primeiro exe mplo verdade iro de dispositivos capazes

a nossa aparência. Dentro dessa 1de 1a de �ma maqu ina cap_az de de controlar máqu inas, transformando o cenário da produção na
aumentar ou mesmo substituir funções fis1co-mu scu lares, s�o ro­ medida em que permitiram o aparecimento de fábricas inteiramente
bôs máqu inas tais como o eleva�or, o auto1!1óvel, uma batedei ra d,e automatizadas, nas qu ais os operários são substituídos por robôs
bolo, um liqu idifi cador, um asptrador de po, e outros tantos utens1- que eliminam com êxito crescente o trabalho h umano na produ ção
lios qu e facilitam a vida doméstica. e nos serviços (Schaff 1 99 1 :22). De fato, as fábricas m ode rnas
Exigências muito mais compl exas do que as _ dos pequenc�s contam com ilhas de máqu inas computadorizadas que fabricam
robôs domésticos, contudo, são aque las que a nece
ss1d�e de p r_ec! ­ ou tras máqu in as. Demac ( 1 990: 2 1 1 ) nos diz que, mu ito brevemen­
são na mecanização 4as ferramentas apresenta para a �ndu s�nah­ te, essas ilhas estarão conectadas num arqu ipélago de agentes pro­
zação da produ ção. E po r isso que, j unto com
a �phficaçao da dutores intercomunicantes. Antes do advento do com putador, as
fo rça e mecani za ção do mo � im en to, u �� ou t ra capaci dade humana máq u inas não passavam de robôs acéfalos, p u ramente mu sc u lares.

que p recisou ser imitada foi a da p rec1 sao. Pa r� s u sten tar uma fer­ O comp utador veio lhes trazer um pouco de cérebro para seu s mús­
_
ramenta, u ma p ren sa inicia um a cadeia ev � lut1va _ _ finalm�nte,
qu e, cu los embrutecidos. Essa passagem, entretanto, do n ível mu scu lar
to ecânic o q , al d 1m1ta r, amp hfica ao cere bral não se deu diretamente . Foi mediada pe lo advento de
engendra u m instrumen m ue em e

a capacidade de p recisão (idid.:2 5). A • um outro tipo de máqu i na, op erativa no níve l mais propriamente
. _
Os problemas apresentados pela prec1sao mecamc�-�as !erra­ sensório, que iria introdu zir uma outra ordem de questõe s.
mentas são os seguintes: "como se pode controlar a sequencia �
atividades p recisas; como se pode acoplar u ma peç� de t rab�lho a
AS MÁQUINAS SENSÓRIAS

peça seguinte e como se pode intervir nessa seqüênc_1a? Esse tipo d� Ainda no contexto da Revolu ção Industrial, distinta das má­
flexibilidade no elaborado p rocesso de fabricar obj etos pertence a qu inas su bstitutivas do esforço muscu lar humano, uma ou tra espé­
capacidade humana=', pois implica uma atividade de controle da cie de máqu inas começou a aparecer. Trata-se das máqu inas que
mais alta ordem cuja execução requer "não apenas as ferramentas fu ncionam como extensões dos sentidos humanos especializados,
altamente enervadas dos dedos e cu idadosamente controladas �os quer dizer, extensões do olho e do ou vido de que a câme ra fotográ­
arcos reflexos do sistema nervoso autônomo, mas requer tambem fi ca foi i naugural . O fu ncionamento de tais máq u in as está ligado de
nos países de
um céreb ro". É em razão disso que as indústrias, mane ira tão visce ral à especialização dos sentidos ou aparelhamen­
há algu m te?1po, o
economia e tecnologia avançada, exigiam, até tos da visão e da escuta humanas que a denominação de aparelhos
trabalho integrado das máqu inas e dos homen s. � _ e cerebros
Co os lhes cabe muito mais aj u stadamente do que a de máqu inas .
hu manos adaptáveis à mecanização acelerada das maqu mas de que Enquanto as máqu inas mu scu lares são engenhosas, os apare­
Charl es Chaplin nos deu uma esplêndida caricatura em Tempos lhos ou máqu inas sensórias são máqu inas construídas com o au xí­
modernos . lio de pe squ isas e teorias científicas sobre o fun cionamento dos
Não foi, entretanto, preciso esperar muito para que o Jogo da sentidos humanos, mu ito especialmente o olho. São, por isso mes­
civilização transformasse os Te"':pos m�de�nos nu� d�cu��nto mo, máqu inas dotadas de uma inteligência sensíve l, na medida em
históri co. As con quistas n otáve is da c1 enc1a e da tecmca mam que corporifi cam um ce rto nível de conhecimento teórico sob re o

b
200 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS M Í DIAS
20 1

funcionamento do órgão que elas prolongam. São também máquinas vi s uai s e auditi vos são signos roubados ao mundo, q11er dizer,
cogniti"as tanto quanto são cognitivos os órgãos sensórios Se os capturados da realidade para dentro de uma câmera ou gravado r e
s entido s humanos funcionam como janelas para o mundo, canais d�volv1dos ao mundo c�mo duplos, imagens e ecos daquilo que
de pa s sagem, meios de conexão entre o mundo exterior e o interior, existe. O s aparelho s sao, por isso, máquina s pa radoxalmente
s e algumas funçõe s ce reb rai s já começam a ser executadas nos ní­ us urpadoras e doadoras. De um lado. rou bam pedaços da realida­
veis do olho e do ouvido, todos es ses papéis tamb ém se incorporam de, de outro, mandam esses pedaço s de volta, cuspindo-os para
aos aparelhos. fora na torma d� signos. Ent retanto, além de duplicadores, os apa­
Enquanto as máquinas muscula res fo ram feitas para traba­ rel hos s ao tam bem reproduto'.es, g ravado res ad infinitum dos frag­
lhar, os aparelhos foram feitos para simular o funcionamento de me,nto s que registram. Alem de repl icantes s ão, s o b retudo
um órgão sensório. São, de fato, conforme os caracterizou McLuhan p roliferantes, dotados de um alto .pode r pa ra a proliferação de sig�
( 1972), p rolongamentos ou extensões dos órgãos dos sentidos, si­ nos Os aparelhos func!onam, ass im, corno ve rdadeiras us ina s para
mulando seu funcionamento. Mas, ao simular esse funcionamento, :
a p1o?uçao de signos. E por ess�s razõ�s que, não o bstante as gran­
os aparelhos extensores se torna ram capazes de p roduzir e repro­ d�s diferenças nos modos de registro, difu são, distri buição e recep­
duzir entidades inauditas que viriam p rovocar modificações pro­ çao que separam a fotografia do cinema e que separam mai s ainda
fundas na própria paisagem do mundo. a�bos _da videografia .e esta da holografia, todos e s s�s aparelho�
Enquanto as máquinas tarefeiras imitam e amplificam os po­ sao regidos por denomma�o res comuns, entre eles, p rincipalmente:
deres da musculatura humana, acelerando o ritmo do trabalho, os ( 1) o fato de serem ve rdadeiras usmas sígnicas e (2) o caráter vicário
aparelhos são máquinas de registro, que não apenas fixam, num dos. s 1gnos que produzem, o cordão umb ilical que liga esses s ignos
suporte rep rodutor, aquilo que os olhos vêem e os ouvidos escutam, _
md1ssoluvcl e serv1lrnente à realidade.
mas também amplificam a capacidade humana de ouvir e ver, ins­ De fa �o, é tal a dependência que os signos p roduzidos pelos
taurando novos prismas e perspectivas que, sem os aparelhos, o aparelhos tem do real que toda a reflexão teó rica e crítica sob re os
mundo não teria. Enfim, enquanto as máquinas musculares produ­ aparelho s, com exceção daquela levada a efeito por McLuhan, des­
zem objetos, os aparelhos produzem e reproduzem signos: imagens locou-se quase por completo da relação dos apa relhos com O ser
e sons. humano para urna fixação nas relações que os signos produzidos
Se, depois do advento das máquinas musculares, o mundo por esses ap.arelhos estabelecem com a realidade, centralizando- se
começou a ser crescentemente povoado de objetos industrializados, em temas tais como fidelidade, infidelidade, imitação, cópia, s imu­
depois do advento dos aparelhos, ele começou a ser crescentemente lacro, falseame�to,. verossimilhança etc. Não é por acaso que o s
povoado, hiperpovoado de signos. Ao funcionarem como prolon­ aparelhos ou maquinas sensórias não suscita ram e continuam não
gamentos da visão e audição, os aparelhos extensores dos sentidos suscitando discus sões sobre a robotização das faculdades huma­
amplificam a capacidade humana de produzir signos, isto porque nas. Tal discussão a nível teórico e execução a nível prático teria de
os aparelhos não são apenas extensões do processamento sensório,
_ �ra r pelo advento do computado r que, inicialmente, de modo
esp
eles são também máquinas de registro e reprodução ou gravação tlmido, mas agora de maneira cada vez mais frontal tem nos des a­
daquilo que os sentidos captam. Uma fotografia, por exemplo, é fiado com revoluções inéditas que não pa ram de cres cer cm pro­
uma imagem, uma visão do real, registrada num suporte, o negati­ porções e complexidade.
vo, que, além de duradouro, funciona como uma matriz de infinitas
cópias. Nesse sentido, os outputs ou produtos sígnicos dos apare­ AS Mc\Ql' I\TAS CEREBRAIS

lhos são também formas de memória extra-somática da visão e da Se a Rev�lução lndu � trial tomou dominante, por todo o sécu­
audição. 1� ?'IX, a rnetafora da rnaquma a vapo r. a Revolução Eletrônica
Não há dúvida de que os registros fixados pelos aparelhos vma coloca r cm primeiro plano, na segunda metade do século XX,


202 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 203

a imagem do computador com todas as metáfo�as dele derivadas.


_ inteligência . A diferença entre um dispositivo, por mais extrema­
Entre estas, a mais usual é a de que o cerebro e um computado� e
vice-versa. A raiz dessa metáfora, segundo Marcus ( 1 995), reside mente complexo que sej a, e um computador digital, visto como
no fato de que nós, de fato, temos no nosso corpo a estrutur� �ssen­ uma variante de uma máquina Turing, está no fato de que o compu­
cial de um computador, e isso desempenhou um pape� d�cis�vo na tador não é simplesmente uma complicada rede de impulsos elétri­
invenção dos computadores. J?o mesmo modo� a assmulaça� dos cos, nem apenas um dispositivo que caminha mediante estados dis­
seres vivos à imagem da máquina a vapor tambem esteve enraizada tintos como um autômato de estados finitos, mas é um dispositivo
no fato de termos a essência de uma máquina a vapor na noss� que processa símbol os. C om o computador digital deu-se por in­
estrutura viva . Assim, a invenção da bomba se deve grandemente a ventado um meio para a imitação e simul ação de processos mentais
metáfora do nosso coração como uma bomba. (Pylyshyn 1 984:49-86, ver também Meunier 1 99 1 ).
A possibilidade de se imitar a vi� atra�é� de um artefato tem Newell e Simon ( 198 1 :64-65) nos fornecem uma descrição
intrigado a humanidade desde tempos ime�onais (ver Cohe� 1_ 966). sintética dos passos evolutivos que, desde meados do sécul o XX, o
Assim, por exemplo, enquant� o� mecam�mos _ de um r�l�g�o , �a computador digital foi tomando rumo à realização cada vez mais
idade p ré-industrial, ainda se lmu�v3:111 pnmai:13:111e�!e a imitaçao plena da computação como transformação regrada de expressões
do movimento, os aparelhos ou maqumas s�nsonas J ª passa�� a formais vistas como códigos simbólicos interpretados. A lógica
imitar o funcionamento dos órgãos dos sentidos. Começou ai a �­ formal já havia nos famili arizado tanto com os símbolos, tratados
_ sintaticamente , como matéria-prima do pensamento, quanto com a
vestigação de p rocessos humanos internos, nem semp r� observaveis,
que iria culminar no aparecimento, em meados d� seculo �, de idéia de se poder manipulá-los de acordo com p rocessos formais
um modo muito abstrato de se compreender mecamsmo, quer d_izer, cuidadosamente definidos. A máquina Turing fez o processamento
mecanismo entendido no sentido computacionai, tai �mo fot en­ sintático dos símbolos ser verdadei ramente maquinal, afirmando a
gendrado por Alan Turing, naquilo que ficou �o�ec1do como a universalidade potenci al de sistemas simbólicos estritamente defi­
máquina de Turing. Diferentemente de , u�a �quma �e�amen_!-e nidos. O conceito de armazenamento de programas para computa­
física, Turing inventou uma máquina teonc� c�JOS prop�sitos �ao dores reafirmou a interpretabilidade de símbolos já implícita na
essencialmente teóricos. Trata-se de uma maquma q�� visava il� ­ máquina Turing. O p rocessamento de listagens trouxe à tona as
minar as noções de calculabilidade e� geral, p�rmitmdo_ reduzir capacidades denotativas dos símbol os, definindo o p rocessamento
todos os métodos de cálculo a um conJunto subJ acente, simples e de símbolos de uma manei ra tal que permitia a independência da
básico de operações. No seu todo, essa máqui� é composta _por estrutu ra fixa da máquina fisica subjacente. N ewell e Simon com­
um certo número de estados, sendo capaz de ler simbolos localiza­ pletam esse panorama, afirmando que, por volta de 1 956, todos
dos em quadrados numa fita infinita. Alguns quadrados pod�m �s­ esses conceitos já estava..rn disponíveis, junto com o harcfrVare para
tar vazios. As operações básicas são desempenhadas pela m�u �a implementá-los.
em resposta a uma combinação de: ( l ) o estado em que a maquina Os primeiros computadores, nos anos 40, pesavam toneladas,
está e (2) o símbolo que ela está lendo, _naquele mon:iento, no qua­ ocupavam andares intei ros de grandes prédios e exigiam , para se­
drado. A tabela para a máquina é aquilo que lhe diz o que fazer rem p rogramados, a conexão de seus ci rcuitos, por meio de cabos,
numa dada situação, de uma maneira semelhante a um p rograma em um painel inspi rado nos padrões tel effinicos. E ram verdadeiros
de um computador comum (Brown 198 � :8 � -82). . brutamontes, dinossauros mantidos em isolamento do mundo dos
O que estava sendo incubado na maquina Tunng �ao �ra ape­ leigos. Nos anos 50, os cabos ainda existiam, mas já estavam reco­
nas mais uma tecnologia industrial, nem mesmo uma maquma para lhidos para dentro da máquina, cobertos por uma nova pele de pro­
a replicação sensó ri a do mundo , mas uma fe rramen� m!electu­ gramas e dispositivos de leitura . Mas foi só nos anos 70 que o uso
_ das telas foi generalizado e, desde então, tel a e teclado tomaram-se
al di retamente relevante para o desvel amento do s mistenos da
partes tão integrantes do computador a ponto de confundirem-se
tpt

204 LÚCIA SANTAELLA


CULTIJRA DAS MÍDIAS 205

com ele. A grande revolução, entretanto, só viria com o advento �o industrialização, as musculares, foram máquinas puramente
computador pessoal, uma inovação imprevisí_vel_que trans�orm�na imitativas e grosseiramente fisicas, as segundas máquinas, as sen­
a informática num meio de massa para a cnaçao, comumcaçao e
sórias, por serem menos rudes e mais sutis, já começaram a perder
simulação. Hoje, um computador concreto, a _ pr�ço rel�tiv,amente a natureza de máquinas para se converterem em aparelhos produ­
acessível e que qualquer pessoa pode poss� 1r? e const1tmdo por tores de signos, extensores dos órgãos dos sentidos. Já no terceiro
uma infinidade tal de dispositivos matena1s, cada vez mais nível da relação entre homem e máquina, que chamo de nível cere­
miniaturizados, e de camadas justapostas de programas que se tor­ bral, é a própria noção de máquina que está sendo definitivamente
nou impossível estabelecer quaisquer fronteiras sobre onde começa substituída por um agenciamento instável e complicado de circui­
e onde acaba um computador. , . . , . tos, órgãos, aparelhos diversos, camadas de programas, interfaces,
Cada vez mais a comunicação com a maquma, a pnnc1p10
cada parte podendo, por sua vez, decompor-se em redes de interfaces.
abstrata e desprovida de sentido para o usuário, foi substituída por De fato, dentro deste novo universo, a palavra máquina deixou de
processos de interação intuitivos, metafóricos _e sensóri_o-motores
ser a palavra de ordem, para ser substituída pelas conexões mais
em agenciamentos informáticos amáveis, imbncados e mtegr,ad�s
fluidas das interfaces, através das quais os computadores vão
aos sistemas de sensibilidade e cognição humana. Enfim, o propno
crescentemente se potencializando para novas interações
computador, no seu processo evolutivo, foi gradativamente
humanizando-se, perdendo suas feições de máquina, ganhando no­ com seu m ei o am bi ente tisico e humano em sistem as i nt eli gen­
vas camadas técnicas para as interfaces fluidas e complementar�s t es de gerenci am ent o de bancos de dados, módulos de compr een­
com os sentidos e o cérebro humano até o ponto de podermos hoJe são da linguagem natural, dispositivos de reconhecimento de for­
falar num processo de coevolução entre o homem e os ag�n �iament�s m as ou sist emas esp eci alistas de autodi agnóstic o e i nt erfaces de
informáticos, capazes de criar um novo tipo de coletiv1�ade nao i nt erfaces : t elas, ícones, botões, m enus, dispositiv os aptos a
mais estritamente humana, mas híbrida, p�s-humana, cups fron­ conectar em-se cada v ez m elhor aos módulos cognitivos e sens o­
teiras estão em permanente redefmição. E justamente esse novo ri ais hum anos. (Lévy 1 993 : l 07)
ecossistema sensório-cognitivo, que está lançando novas bases para
se repensar a robótica não mais como máquinas 9ue trabalhan:1 para Tudo isso, no entanto, só se tomou possível graças ao grande
sintetizador que é o modelo digital, capaz de conectar, num mesmo
0 homem mas como a emergência de um novo tipo de humanidade.
tecido eletrônico, a imagem, o som e a escritura, e, com isso, capaz
Na :nedida em que sistemas cibernéticos vão se integrando a
de conectar, dentro de sua rede, o cinema, a radiotelevisão, o jorna­
sistemas psíquicos, na medida em que redes n�urais arti��iai� vão
se ligando a redes neurais biológicas, é um conJunto cogn1hvo mau­ lismo, a edição, as telecomunicações e, certamente, a informática.
Por ser, em si mesma, um princípio de interface, a codificação digi­
dito que se configura, é a dimensão do cérebro e mente que se move
tal, com seus bits de imagens, textos, sons, imbrica, nas suas tra­
na direção de uma cultura bioeletrônica. Segundo Roy Ascott
mas, nosso pensamento e nossos sentidos. É o grande processador
(1995 :5), no início do século XXI, o ser humano já terá se movid?
leve, móvel, maleável e inquebrantável.
para além de uma sociedade informacional, para alé":1 das frontei­
Se as máquinas musculares amplificam a força e o movimen­
ras de um espaço eletrônico. O homem se reencontrara com a natu­
to físico humano e as máquinas sensórias dilatam o poder dos sen­
reza mas uma natureza radicalmente revista pela geração de um
tidos, as máquinas cerebrais amplificam habilidades mentais,
ambiente holístico de mente e matéria, de sistemas auto-organizativos
notadamente as processadoras e as da memória. Bancos de dados
e maieriais inteligentes, ambiente tão espiritual quanto material
são hipermemórias e o universo de circuitos e interfaces da síntese
constitutivo de uma condição humana pós-biológica numa cultura
digital é um universo, antes de tudo, transductor e processador de
de complexidade criativa.
signos. Graças à capacidade do computador para transformar em
Enquanto as primeiras máquinas, engendradas no cerne da
impulsos eletrônicos toda informação de dados, voz e vídeo, nesse
206 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 207

universo, não há signo que não possa ser absorvido, traduzido, milhões de computadores em mais de três dezenas de países,
manipulado e transformado. conectando pessoas das mais diversas proveniências, das universi­
Ampliando a capacidade dos sentidos humanos, .º� aparelh�s dades, negócios, artes etc. Permeado pela telemática, o fluxo da
ou máquinas sensórias registram, copiam o mundo v1s1vel e aud1• informação se toma o tecido mesmo da realidade (Kac 1 992:47),
vel, sendo basicamente produtores e, sobretudo, reprodutores de gerando formas de sociabilidade inéditas e a emergência de um
signos Em razão disso, promoveram e continuam promovendo m�a mundo mental sem fronteiras que Ascott (1 995) chama de
proliferação desmedida de signos. Não há qualquer canto ou nncao hipercórtex.
do mundo que não esteja hiperpovoado de signos . Dotados de A natureza híbrida, biocibemética, do ciberespaço e realidade
interfaces transdutoras, os computadores funcionam como verda· virtual acentua-se e amplia-se para um nível planetário nos eventos
deiros aspiradores desses signos, manipulando•os das mais varia­ telecomunicativos chamados de telepresença, nascida da união da
das formas. · Os signos cresceram de maneira tão desmedida que robótica com a telemática. Kac (1993 :5 1) nos diz que "a telepresença
precisam de hipercérebros para processá-los. Amplificando o p�­ está sendo explorada pelos cientistas como uma mídia pragmática
der de processamento cerebral, os computadores parecem estar hoJe e operacional que busca equacionar a experiência humana e a
desempenhando esse papel de hipercérebros manipuladore� da robótica. O objetivo é alcançar um ponto em que os traços
avalanche de signos que são produzidos pelos aparelhos. Com isso, antropomórficos do robô se combinem às nuanças dos gestos hu­
são os sentidos e o cérebro que crescem para fora do corpo huma­ manos". Bastante explorada também na arte, a telepresença "cria
no estendendo seus tentáculos em novas conexões cujas fronteiras um contexto único em que os participantes são convidados a expe­
estamos longe de poder delimitar. rimentar mundos remotos inventados a partir de perspectivas e es­
Entre as novas conexões encontram-se as interfaces do ser calas diferentes da humana" em eventos telecomunicativos de natu­
humano e computador em paisagens híbridas nas quais espaços e reza multimodal colaborativa e interativa" (ibid. :52).
ambientes biológicos se misturam com imagens, espaços e ambien­ Chamando de híbridos da internet os processos de co-existên­
tes sintetizados em processos conhecidos sob o nome de ciberespaço cia de espaços reais e virtuais, de sincronicidade de ações, controle
e realidade virtual. De acordo com Kac ( 1 993 :50), ciberespaço é remoto em tempo real, operações de robôs e colaboração através de
um espaço sintético no qual "um ser humano equipado com hardware redes, Kac ( 1 995: 1 73-1 78) observa que novas fo rmas de interface
apropriado pode atuar tendo por base umfeedback visual, acústico entre humanos, plantas, animais e robôs se desenvolverão como
e mesmo tátil obtido de um software". Mais genérica do que um resultado da expansão das tecnologias de comunicação e
ciberespaço é a realidade virtual que "descreve um novo campo de telepresença.
atividade devotada a promover o desempenho humano em ambien­ Em suma, num ecossistema com tais caracterí�ticas, o que se
tes de imagens sintetizadas" que representam dados do computador. delineia é o perfil de um limiar inaudito que a humanidade está
Ainda mais impressionante, entretanto, revela-se o poder de atravessando cujas conseqüências e implicações serão provavel­
interface e manipulação sígnica do computador, quando se pensa mente mais profundas em termos antropológicos do que foram aque­
na sua aliança com os novos canais de telecomunicação, com as las que a Revolução Neolítica provocou. Esse limiar está produzin­
novas tecnologias de transmissão por satélite e fibra ótica, forman­ do formidáveis mutações nas dimensões do nosso corpo, sentidos e
do redes computadorizadas de extensão planetária. Com isso, a �érebro, fazendo-os alcançar uma dimensão planetária e cósmica
informação pode atravessar oceanos e continentes tão facilmente maugural de uma nova antropomorfia cujas rotas de sensibilidade
quanto se podem atravessar as salas de um edifício. Assiste-se as­ e inteligibilidade não podemos deixar de explorar.
sim à criação de uma cultura telemática multidirecional, de
conectividade global de pessoas e lugares cuja forma mais conheci­
da se encontra na Internet, uma imensa rede mundial que liga
O computador como mídia semiótica

O computador tem sido indiscriminadamente chamado de fer­


ramenta, jogo de ferramentas, dispositivo, instrumento, máquina,
equipamento, aparato e mídia. Todas essas designações circuns­
crevem, de fato, aspectos dos vários modos pelos quais podemos
fazer uso do computador e indicam funções que o computador pode
realmente desempenhar. Entretanto, ele desempenha todas essas
funções de um modo muito especial .
AS DESIGNAÇÕES DO COMPUTADOR

Antes de tudo, o computador é um objeto fisico, um tipo mui­


to complexo de objeto, é verdade, mas mesmo assim, ele é tão real
e material quanto qualquer objeto físico. Entretanto, em função da
variedade de operações e multiplicidade de tarefas que o computa­
dor pode realizar, precisamos adicionar a designação de sistema
dinâmico para descrever a complexidade particular de sua realida­
de fisica.
No seu nível mais elementar, o computador desempenha a fun­
ção de uma ferramenta não apenas no sentido estrito de algo que é
usado para um trabalho manual, mas também no sentido geral de
um implemento útil para se executar um trabalho mais abstrato ou
realizar uma operação, quer dizer, algo necessário à prática de uma
profissão. Nesses sentidos, o computador pode ser entendido em
analogia com ferramentas do tipo de uma máquina de escrever,
uma caneta, uma escova, um arquivo.
Todavia, o computador como um sistema está tão longe de ser
uma simples ferramenta quanto ele está de ser uma ferramenta ape­
nas manual. É por isso que uma designação um pouco mais apro­
priada seria a de jogo de ferramentas (Newell 1 980: 1 78) para des­
crever sua complexa realidade fisica composta de muitas unidades
distintas e inter-relacionadas. Mas aqui, novamente, as funções que
o computador desempenha vão além das potencialidades de um jogo
de ferramentas . Seus mecanismos visam realizar tarefas muito
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especializadas e, para esses propósitos sofisticados, sua caracteri­ Entretanto, não apenas o corpo externo do compu�d�r, -�
zação como um dispositivo é claramente adequada. Igualmente, ou também suas partes internas e complicadas junções de niv:is mdi­
ainda mais pertinente, é sua descrição como um instrumento. Há cam sua natureza composta, o que pesa contra sua concepçao co�o
pelo menos dois sentidos da palavra instrumento que a tomam apli­ uma simples máquina. Há, de fato, muitos suplemen�os que �ª-º
cável ao computador. Num sentido, um instrumento é uma ferra­ inseparáveis do computador. Há, antes �e tudo, as unidade�,!���
menta especial usada num tipo de trabalho em que movimentos cas, o teclado, o monitor e os cabos para Juntar essas partes. �
finos e treinados são requeridos. Num segundo sentido, um instru­ , ·
desses bas1cos, · do a uma grande vane-
o computador pode ser 11ga
mento é um dispositivo especial - do tipo usado para gravar, re­ dade de outros recursos tais como impressora, scanner, mesa de
gular, controlar - que funciona sobre dados obtidos pelo próprio desenhos, mouse, drive;, câmeras, videotape e v1deodisc_o_. Quar
dispositivo. Nesse nível de especialização, o computador preenche tudo que depende de eletricidade pode ser recebido ou emitido pe 0
uma espécie de função similar à de um gravador, de uma câmera computador" (Paulsell 1990: 199). Vale a a pena notar quJ.:dos
fotográfica, ou de um mecanismo para medir calor etc. Nesses ca­ esses componentes aumentam em número e tamanho na me I em
sos, a palavra instrumento sugere uma certa prontidão de aplicação que se sai de um computador pessoal para uma estação de trabalh0
ao problema considerado muito mais do que uma simples utilidade. ou mainframe.
De acordo com Flusser (1985:25-29), dispositivos e instru­ Internamente' a subdivisão do computador em partes c?mpo-
mentos são, sobretudo, produtos técnicos. Isso explica porque eles nentes ou aquilo que costuma ser chamado de seus mecani�m,
se tornaram crescentemente refinados desde a Revolução Industri­ não é �enos diversa do que suas partes externas. Brown 0 989: I 05-
al. Dispositivos são extensões dos órgãos humanos dos sentidos e, l 06) afirma que, embora "não haj a nada semelhante a um compu­
como tal, eles são capazes de simular e ampliar as funções desses tador típico, visto que há vários modelos de computadore�, que
, • . . .
órgãos. Depois da Revolução Industrial, quando o projeto desses servem a propos1to s d1stmtos e mcorporam difierentes padroes de
dispositivos começou a ser auxiliado pela pesquisa científica, eles construção", é ainda possível indentificar "certos componentes fim­
passaram a ser chamados de máquinas. damentais que qualquer computador irá possuir de uma forma ou
A idéia de uma máquina, contudo, não é tão recente quanto a de outra". Esses componentes, j unt o com aqueles qu e fazer_n ª
Revolução Industrial. No seu sentido antigo, a palavra máquina interface com as partes externas, são pelo menos cinco: (1) umda­
ª
referia-se a uma estrutura ou construção, material ou imaterial. de de processamento central; (2) a memória; (3) os re�urs�s de
Essa duplicidade semântica também aparece no seu sentido mais input; (4) os recursos de output; (5) as vias de comumcaçao ou
moderno, quando máquinas designam corpos materiais ou fluidos, buses .
assim como eletricidade. Desde a Revolução Industrial, uma má­ A unidade de processamento central é a parte mais �portante
quina passou a ser entendida como um conj unto de partes ou cor­ do computador. Ela está contida num único chip, quer dizer, uma
pos sólidos, assim como corpos fluidos ou eletricidade nos condu­ pequena peça de silício com um circuito integrado gravado em su_a
tores que transmitem força, movimento e energia de um modo pre­ superfície. Essa central se divide em subcomponentes : �LI) ª un�­
determinado e para certas finalidades. Mas o sentido mais relevan­ dade de lógica aritmética que desempenha operações basicas, tais
te que se associa à idéia de uma máquina é o de um dispositivo . - - mu1t1p. . - . dores
como ad1çao, subtraçao, 11caçao etc., (1.2) os ac um. ula .
complexo para realizar um trabalho, capaz de ir além das nossas que mantêm os números que estão s endo usados pela um dade ant­
limitações físicas ou mentais, e, na maior parte das vezes, de ma­ mética; ( l . 3) o relógio que sincroniza as atividades d?.c omputado r
neira mais rápida e precisa do que a mão e mente humanas. Nesse que precisam ser desenvolvidas j unto com_ outras, er_n�t •� do um pul­
sentido que ampiia nossos poderes fisicos e mentais de modo so regular e (1.4) os registros. Estes são ameia subdivididos em set�
conectado, o computador pode ser considerado como a mais pode­ subcomponentes: ( l.4.1) um registr o de memória de eodere_ ços,
rosa de todas as máquinas, como, de fato, costuma ser considerado. ( l .4. 2) um registro de memória de dados; ( l .4.3) algu ns registros
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de status; ( l .4.4) alguns registros dos propósitos gerais; (1 . 4 . 5 ) um atingir um fim. Desde o final dos anos 60, um significado mais
calculador de programa; ( l .4.6) um registro de instrução e ( l . 4.7) específico, largamente utilizado no contexto da comunicação de
um indicador de arquivos. massas, veio se incorporar ao sentido corrente da palavra meio
De acordo com a descrição que nos é dada por Aho e Ullman (medium, em inglês). No domínio da teoria da comunicação, o ter­
(1992: 144), o computador junto com suas funções de programação mo foi muito discutido em função dos escritos de Marshall McLuhan.
é uma hierarquia de abstrações chamada de máquinas virtuais ou Nesse contexto, meio começou a ser usado em conexão próxima
níveis. Cada nível, com exceção do nível mais baixo, é implementado com os termos veículo e canal. Veículo indica um meio de transmis­
através da tradução e interpretação das instruções daquele nível são ou comunicação, sendo mais específico e tangível do que meio,
através das instruções ou dispositivos dos níveis mais baixos. Há enquanto canal sugere muito mais do que meio a idéia de um cami­
um crescimento graduado de abstração, como se segue: (1) circuito nho físico de transmissão ou comunicação.
eletrônico ou lógica digital; (2) microprograma; (3) linguagem da Nas três últimas décadas, com o enorme desenvolvimento dos
máquina; (4) núcleo do sistema operacional; (5) linguagem modernos sistemas de comunicação, informação e entretenimento,
as sembly; (6) linguagem da programação; (7) programa de aplica- a palavra meio começou a ser substituída por sua forma plural
ção. mídia (media, em inglês), especialmente na expressão mass media,
Todas as partes internas e externas, componentes e traduzida, então, para o português como meios de massa. Hoje, a
subcomponentes, indicadas até aqui, justificam a descrição do com­ palavra mídia em português, adaptação do inglês media, é usada
putador não meramente como uma máquina, mas como um equipa­ para se referir tanto aos sistemas de comunicação, tais como revis­
mento tendo em vista os recursos fisicos, implementas e maquina­ tas, jornais, rádio, televisão etc., quanto a uma peça de propaganda
ria que entram em ação assim que alguém coloca o computador que pode estar no rádio, num programa de TY, nos jornais etc.
para fu ncionar. Entretanto, mais adequada do que equipamento é a Embora o sentido amplo de meio como algo que é empregado
descrição do computador como um aparato, um termo muito geral como via para se atingir um fim seja perfeitamente aplicável ao
que engloba instrumentos, ferramentas, máquinas e aplicações, in­ computador, é no seu sentido mais específico de fornecimento e
cluindo a idéia de um sistema ou processo, todos eles usados para comunicação de informações ao público que a designação de mídia
propósitos técnicos ou científicos. tem sido utilizada para o computador.
Embora o termo aparato seja suficientemente genérico para Não se pode dizer que já existe um consenso quanto ao enten­
sugerir uma coleção ou conjunto de materiais, ou seja, o complexo dimento docomputador como uma mídia (ver Hoppé e Nake 1995).
de instrumentalidades e processos envolvidos em qualquer sistema Mas, de outro lado, também não se pode negar que o processamen­
de computação, o termo aparato enfatiza apenas a materialidade do to e comunicação de dados realizados pelo computador são formas
sistema, deixando de trazer à baila os aspectos mais abstratos do de comunicação. K. Paulsell (1990: 195), por exemplo, observa que
funcionamento do computador. Mais apropriada em relação a es­ "mesmo que nenhum ser humano esteja especificamente originan­
ses aspectos é a descrição do computador como mídia. do ou recebendo a informação, e mesmo se o computador automa­
ticamente processe os dados, sem uma instrução específica para
fazer isso, em quaisquer desses casos, a comunicação estará, assim
O COMPUTADOR COMO MÍDIA

A design ação para o computador, que tem sido recentemente mesmo, ocorrendo através do computador como mídia".
empregada com mais freqüência, é a de mídia (ver Andersen 1986, Além do nível da dinâmica comunicativa que ocorre dentro do
Bolz et al. 1992, Andersen et al. 1993, Nake 1994 e Hoppé e Nake computador, há mais obviamente os processos de comunicação entre
1995 ). o computador e seus usuários, assim como a comunicação entre

-
No seu sentido mais geral, mídia é sinônimo de meio, este usuários mediada por computador (cf. Danet 1995:9). Além disso,
concebível como aplicável a qualquer coisa que é empregada para há também comunicação entre computadores através de recursos
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que permitem que o computador envie dados, por meio de um canal uma mídia semiótica (Andersen e Mathiassen 1986; Andersen 1986,
de comunicação; e isso pode ser feito por qualquer micro computa­ 1990., 1990b, 1991, 1992, 1993, 1995; Andersen e Holmqvist 1990;
dor. Através de um modem, qualquer computador pode ser conectado Meunier 1989).
e transmitir sinais, via telefone, a qualquer outro computador. Na
verdade, "a comunicação entre computadores pode viajar de diver­
O COMPUTADOR COMO MiDIA SEMIÓTICA

sas maneiras. De um sala a outra, de um prédio a outro, entre cida­ Há dois tipos de investigações que caracterizam o computa­
des, entre continentes, via linhas telefônicas, via circuitos dor como mídia semiótica: aquelas que são implicitamente semióticas
computacionais ou através de redes computacionais especiais" e as que são explicitamente semióticas.
(Paulsell 1990:200). Uma semiótica implícita do computador
As novas tecnologias de transmissão, os novos canais de tele­ Em 1972, Newell e Simon desenvolveram a noção de siste­
comunicação (satélites, fibras óticas etc.) ao serem conectados aos mas simbólicos físicos para compreender como as pessoas resol­
computadores, estão criando redes computadorizadas gigantescas vem problemas, uma vez que elas próprias são sistemas que mani­
que ligam imediatamente qualquer parte do mundo com qualquer pulam símbolos. Mais tarde, em 1980, Newell reafirmou os funda­
outra (cf. Demac 1990). Tendo em vista a proporção planetária mentos dos sistemas simbólicos físicos de modo mais sistemático.
desse cenário comunicativo, fica difícil negar que o computador Esse conceito, que emergiu da experiência e análise que Newell
pode, realmente, funcionar como uma mídia. De fato, já existem tinha do computador e de como programá-lo para desempenhar
aplicativos de comunicação por computador bem conhecidos, como tarefas intelectuais e perceptivas, foi definido como se segue: um
as transações financeiras via computador, o correio eletrônico, sistema simbólico físico é "uma classe muito grande de sistemas
teleconferência, serviços de dados on-line, nos quais computadores capazes de produzir e manipular símbolos, sendo realizáveis den­
equipados com discos rígidos de alta capacidade estocam uma vas­ tro do nosso universo físico". A hipótese é a de que esses símbolos,
ta quantidade de dados que podem ser acessados em poucos minu­ que são internos ao conceito de sistema, "são, de fato, os mesmos
tos (Paulsell 1990:200). Não apenas os tipos de informação arma­ símbolos que nós, seres humanos, produzimos e usamos todos os
zenados nos computadores e acessíveis por telecomunicação conti­ dias em nossas vidas", o que significa que "os humanos são exem­
nuam a crescer, como os recursos comunicativos se tomam cada plos de sistemas simbólicos físicos, e, em virtude disso, a mente se
vez mais sofisticados. insere no universo físico" (Newell 1980: 136). Depois de descrever
As outras espécies de recursos, que recentemente contribuí­ o funcionamento de um sistema simbólico físico paradigmático e
ram para criar a idéia do computador como uma mídia, agora no depois de definir sua natureza essencial, Newell (1980 : 172-173)
reino dos programas (software) que podem correr em qualquer com­ considera o computador digital como um exemplo-chave para a
putador pessoal, são os vários programas de computação gráfica, realização de um sistema simbólico no nosso universo físico. A
multimídia, hipertexto e hipermídia. Esses programas permitem a originalidade da tese de Newell, conforme foi apontada por Meunier
produção de tipos sofisticados de mensagens ver-bais, visuais e so­ (1989:46), está no fato de que "ela contrasta com uma concepção
noras que também podem ser transmitidas por correio eletrônico, puramente materialista (senão reducionista) da inteligência artifi­
criando uma idéia inteiramente nova de publicação eletrônica on­ cial", uma vez que
line. Em síntese, a capacidade do computador de transformar em
impulsos eletrônicos quaisquer dados e informações em vídeo ou aquilo que caracteri za as o perações de um com putado r m anifes­
som é uma evidência de que o computador não é apenas uma mídia, t an do um com portamento inteli gente não são as o pe rações nu­
mas está caminhando para se tomar a mídia de todas as mídias. mé ricas, não im po rt a quão com plexas el as possam ser, nem mes­
Além de ser uma mídia, ou talvez justamente porque o é, a caracte­ mo, num grau m ais alto, o perações que reali zam m ani pul ações
rização mais abrangente do computador é aquela que o define como mecânicas e mesmo eletrônicas sofisticadas. Ao cont rário, um
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computador inteligente é aquele que processa um tipo especial o comportamento do computador pode ser analisado em quaisquer
de signo - quer dizer, signos simbólicos. Assim, uma inteligên­ dos níveis segu intes:
cia artificial é uma máquina cujo comportamento racional con­ ( l ) A máquina tisica, em que o computador é uma rede com­
siste em manipular símbolos fisicos.
plexa de componentes que operam de acordo com as leis da tisica,
Meunier enfatiza a radicalidade da tese de Newell uma vez gerando atividade elétrica e magnética.
que- ela não situa mais a inteligência artificial (IA) "dentro de uma (2) A máquina lógica em cujo nível os componentes são abs­
teoria relacionada apenas com a materialidade da tecnologia e en­ trações lógicas representadas por atividades nos componentes fisi­
genharia. Ao contrário, ele tira a IA dessa teoria inserindo-a, goste­ cos.
se disso ou não, dentro de uma teoria semiótica (ibid. :46). Com (3) A máquina abstrata que, na maioria dos computadores
essa compreensão dos sistemas computacionais como aqueles que modernos, é um único processador seqüencial abstrato que cami­
manipulam símbolos interpretáveis, já no começo dos anos 70, nha através de uma série de instruções. Cada instrução é uma ope­
mesmo sem ter feito uso do termo semiótica, Newell estava, de ração simples de busca ou armazenagem de um símbolo ou de de­
modo implícito, dando nascimento a uma concepção do computa­ sempenho de uma . operação lógica ou aritmética, tal como uma
dor como mídia semiótica. comparação, ou uma adição, ou uma multiplicação. Este é usual­
Também implicitamente semióticos são os estudos de IA que mente o nível mais baixo no qual o programador tem controle sobre
enfatizam o problema da representação (ver, por exemplo, Bobrow os detalhes das atividades.
e Collins 1 975; Palmer 1 978; Winston 1 98 1 ; Rich 1 983; Anderson (4) Uma linguagem de alto nível, que executa operações ele­
1 983; Pylyshyn 1 984; Winograd e Flores 1 986; Joma 1 990). De mentares num nível mais adequado para representar domínios per­
fato, tudo que diz respeito à representação entra inteiramente no tencentes ao mundo real. Fórmulas desse nível de lingu agem são
escopo de uma investigação semiótica. O livro de Winograd e Flo­ convertidas por um compilador numa seqüência de operações para
res On understanding computer and cognition ( 1986) é um bom a máquina abstrata.
exemplo no campo da IA que enfatiza o papel relevante desempe­ (5) Um esquema de representação para os fatos se refere às
nhado pela representação na programação. Em um dos capítulos convenções ou organização uniforme da estrutura simbólica da lin­
do livro, dedicado ao tópico dos computadores e representação, ao guagem de alto nível que representa os fatos sobre o mundo (ibid. : 87-
discutirem o quanto a programação depende da representação, os 89).
autores afirmam que "quando alguém escreve um programa, esse O que deve ser retido com respeito à torre de níveis acima é
programa é sempre sobre alguma coisa ( . . . ) há um assunto para o que cada nível inferior desempenha a função de representar as ati­
qual o programador endereça seu programa" (ibid.: 84). Os siste­ vidades prescritas pelo nível superior. Entretanto, não há transpa­
mas formais lógicos utilizados pelos programadores "estabelecem rência ou correspondência item por item nesses processos de repre­
correspondências entre as fórmulas desses sistemas e as coisas re­ sentação. Um simples passo da linguagem de alto nível, por exem­
p res en tadas de um modo tal que as operações atingem a plo, "pode compilar codificadamente, usando instruções diferentes
veridicalidade desejada" (ibid. :85). da máquina. Além disso, a determinação daquilo que ela compila
O modo mais importante de caracterizar o computador como �e�enderá de propriedades globais de um código de nível superior"
uma máquina complexa, com níveis inter-relacionados de repre­ (1b1d.:90). Em síntese: embora não haja dúvidas de que o computa­
sentação, aparece na definição de Winograd e Flores considerando dor é uma máquina semiótica, suas operações semióticas são muito
a possibilidade única do computador digital de construir "sistemas intrincadas e interdependentes, constituindo uma verdadeira rede
que cascateiam níveis de representação um sobre o outro em gran­ semiótica com níveis de referencialidade muito complicados.

-
de profundidade" (ibid. : 87). Ao operar um programa típico de IA, Uma semiótica explícita do computador
Desde meados dos anos 80, tanto a proposta de uma semiótica
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da informática em geral quanto a do computador como mídia como mídia semiótica operada por meio de signos a serem interpre­
semiótica em particular foram explicitamente desenvolvidas nos tados pelos usuários, mas a própria ação dos usuários é também
estudos de P. B. Andersen ( 1 986, 1990•' 19906, 1 99 1 , 1 992, 1 993, parte da produção de signos numa semiose de intercâmbios.
1 995), alguns outros trabalhos tendo sido publicados junto com L. Andersen ( 1995:24-25) acrescenta que
Mathiassen ( 1 986) e B. Holmqvist ( 1 990). No seu primeiro artigo
sob-re "Semiótica e informática: o computador como mídia'' sob as interfaces, nos intestinos do sistema, também encontra­
( 1 986:64-70), Andersen descrevia os sistemas de computador como mos signos. O sistema ele mesmo é especificado por um texto de
mídias ainda num sentido metafórico. Em analogia com os jornais, programa (que é um signo, visto que ele representa um conjunto
livros, fitas, filmes, vídeos e televisão, o computador era visto como de execuções possíveis de programa para o programador). A exe­
cução em si envolve um compilador ou intérprete que controla o
um canal através do qual os seres humanos se comunicam, particu­
computador por meio de um texto de programa, e uma vez que o
lannente de acordo com dois tipos de transmissão entre o usuário e compilador é um texto que representa um conjunto de textos de
o componente do computador, como se segue: ( 1 ) inputs são fluxos programas permitidos, o compilador também é um signo - de
de dados do componente humano ao componente computacional; fato, ele é um meta-signo que, em algumas versões, assemelha-se
(2) outputs são fluxos de dados na direção oposta. A originalidade muito a uma gramática comum.
do artigo não está tanto nessa proposta, mas está na teoria geral da
semiótica que o autor usa como uma moldura de referência para a De fato, qualquer sistema de computação é "uma rede com­
descrição do computador como mídia, especialmente através da plexa de signos". Em cada um de seus vários níveis há textos e
análise de comunidades semióticas baseadas no computador. "na medida em que mudamos de níveis, os conceito� significado�
Uma perspectiva ampla da semiótica do computador, incluin­ pelo texto se modificam. Nos níveis inferiores, o significado dos
do as fundações teóricas desse novo campo e de suas aplicações, signos está relacionado com as partes físicas da máquina, como
pode ser encontrada no livro de Andersen sobre A theory ofcomputer registros e células de annazenamento". Nos níveis superiores, os
semiotics ( 1990.). Escolhendo a glossemática de Hjelmslev como textos têm de ser interpretados diferentemente, de acordo com no­
base semiótica na defesa da tese de que o computador é operado vos conceitos de software (ibid.:24).
por meio de signos cujos significados devem ser interpretados pe­ Numa visão retrospectiva, vale a pena notar quão perto a des­
los usuários e de que o trabalho baseado no computador é um uso crição dada por Newell ( 1 980: 1 73- 1 75) dos sistemas simbólicos
de signos, o autor cria um mapa geral para a semiótica do compu­ fisicos, com suas séries de níveis de tecnologia, estava da "rede
tador. A segunda parte do livro é inteiramente dedicada ao estudo complexa de signos", mencionada por Andersen. Newell não só foi
do computador, sob um ponto de vista semiótico, e a terceira parte, capaz de reconhecer a realidade simbólica dos sistemas de compu­
à linguagem, trabalho e design. tação, mas ele também previu a imensa variedade de maneiras físi­
Vários aspectos de uma semiótica do computador foram obje­ cas de realizar qualquer sistema fixo de símbolos.
tos de estudo de Andersen, incluindo a estética do hipertexto ( 1 9906). A semiótica do computador também recebeu alguma atenção
No seu trabalho mais recentemente publicado sobre sistemas dentro do contexto mais amplo da ciência cognitiva (ver Ouellet,
interativos ( 1 995:5), ele apresenta o computador como uma "mídia ed. 1 989 e Nõth 1 994). De acordo com Meunier ( 1989:55), por
elástica", quer dizer, uma mídia cuja principal característica con­ exemplo, "os projetos de IA parecem estar tão ligados à tecnologia
siste na atividade física do usuário sobre ela, quando "os movimen­ computacional que tendemos a nos esquecer que sua verdadeira
tos da mão do usuário de um sistema interativo devem ser uma originalidade está no sistema semiótico complexo que eles põem
parte integral do significado desse sistema". A compreensão em funcionamento. A IA é, de fato, uma semiótica aplicada. Ela
semiótica do computador fica grandemente alargada por esse últi­ estuda o funcionamento de um tipo de signo chamado de símbolo
mo ponto de vista. Os sistemas de computação não são vistos apenas num sistema construído ou artificial interpretável em tennos

b
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cognitivos". sua memória central, quer dizer, eles lidam com informações em
Para Ouellet ( l 989:2), se entendermos a inteligência e o co­ uma variedade de níveis de abstração, cada um deles tendo seu
nhecimento como sistemas e processos simbólicos, a semiótica tem próprio modelo de dados, a partir do qual o nível superior é
duas tarefas relacionadas com esse entendimento: implementado. Uma lista breve de algumas das capacidades do
computador é uma outra evidência de sua habilidade para funcio­
O primeiro é o de estabelecer que espécie de sintaxe, semântica e nar como símbolo arbitrário. Abstrações de problemas do mundo
pragmática está implicada na linguagem natural e artificial do real podem ser representadas e manipuladas dentro do computador.
pensamento tal como se manifesta numa máquina ou no cérebro, "Eles podem ser programados para simular qualquer sistema fisi­
o que significa que temos de investigar a natureza e o funciona­ co" (P. H. Winston 1 9 8 1 :4), e suas atividades são claramente
mento dos tipos de signos envolvidos nos sistemas de representa­ cognitivas: eles buscam instruções na memória central, decodificam­
ção simbólica, analisando os modos como esses signos ( 1) estão nas e as executam (Aho e Ullman 1992: 148). Em síntese: os com­
relacionados uns aos outros, (2) podem fazer sentido ao se referi­ putadores podem resolver problemas difíceis, podem ajudar espe­
cialistas nas atividades de análise e design, podem entender um
rem ao mundo 'externo' ou a representações 'internas', tais como
intenções, crenças, conhecimento etc., e (3) são usados por um
agente (humano ou mecânico) como meio para alcançar algum inglês simples, podem auxiliar na manufatura de produtos, podem
alvo específico ou realizar alguma tarefa especial. Essa é a fun­ aprender a partir de exemplos e precedentes, e podem também mo­
ção teórica de uma teoria dos signos no contexto dos estudos delar o processamento de informações (P. H. Winston 198 1 :6- 1 9).
cognitivos e da IA. Embora as afirmações acima claramente indiquem a natureza
semiótica do computador, infelizmente os conceitos de símbolo nas
A segunda tarefa da semiótica, que Ouellet caracteriza como ciências cognitivas e da computação são, em geral, muito vagos e
prática ou empírica, para ajudar os cognitivistas na sua exploração até mesmo simplistas. Qualquer definição do símbolo requer uma
da mente humana e da mente mecânica, é a de fornecer modelos fundação semiótica, que sempre falta no discurso sobre os símbo­
formais específicos de comportamento serniótico, tais como produ­ los nas ciências da computação. Os semioticistas, por seu lado,
ção e compreensão discursivas, reconhecimento de histórias, pro­ desenvolveram teorias do símbolo altamente complexas, mas, infe­
cessos de categorização, raciocínio lógico ou prático, compreensão lizmente, com poucas exceções (cf., por exemplo, Nõth 1 996), quase
de signos visuais etc., todos eles sendo tipos de signos ou processa­ nenhuma pesquisa tem sido feita sobre os diferentes tipos e mistu­
mento de informação para os quais diferentes campos de estudos ras de signos que ocorrem nos vários níveis inter-relacionados dos
semióticos desenvolveram representações meta-semióticas, mode­ sistemas computacionais, desde o nível de recurso fisico até o nível
los ou gramáticas." mais evidentemente simbólico da comunicação entre programado­
É verdade que, entre cientistas da computação e cognitivistas, res e computadores e entre computadores e usuários.
há um consenso sobre a natureza simbólica do computador, que O que estou tentando sugerir é que muitos recursos descriti­
contém símbolos formais manipuláveis por regras. Mais de uma vos e conceituais para a análise dos sistemas de computação ainda
década atrás, Pylyshyn ( 1 98 1 :68) mencionava "a crescente com­ estão disponíveis na semiótica de C. S. Peirce. Suas definições e
preensão dos processos computadocionais e dos computadores di­ classificações de signos, em todos os seus níveis de degeneração,
gitais como símbolos gerais". Polyshyn ( 1 984) menciona que a são muito pertinentes, especialmente os diferentes graus de
consideração do computador como urna ferramenta intelectual já iconicidade (ver Santaella 1 995: 1 4 1 - 1 55), a tipologia dos índices e
data dos anos 50 (cf. Turing 1 950 e Shannon 1 950). também a complexa noção de legi-signo e simbolicidade. Esta últi­
De fato, qualquer descrição do computador é urna evidência ma, aliás, não significa necessariamente apenas uma representação
de seu caráter simbólico e cognitivo. Os computadores lidam com arbitrária do mundo, nem exige qualquer espécie de correspondên­
dados, programas, linguagens e instruções que são arquivados na cia com estados atuais do mundo. Este assunto, entretanto, é muito


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complexo para ser discutido aqui, uma vez que o objetivo que te­ de um signo. Aqui, a palavra signo está sendo certamente emprega­
nho em mente é argumentar sobre a noção peirceana do signo, num da no seu sentido extensivo, refermdo-se à relação sígnica comple­
nível mais abstrato do que o da aplicação dos tipos de signos para �, tomada como o processo triádico irredutível do signo, objeto e
descrever processos atualizados ou redes de signos como eles ocor­ mterpretante. Nesse sentido, o signo é um terceiro, funcionando
rem dentro e entre os diferentes níveis do sistema computacional. como um sinônimo geral para terceiridade ou mediação, enquanto
De acordo com a definição peirceana do signo, os traços es­ a qualidade é um sinônimo de primeiridade e reação é de secundidade
senciais das relações sígnicas dão origem a várias camadas de sen­ (cf. CP 4.3). Em 1867, Peirce também usou representação como
tido. Minha hipótese é a de que essas camadas podem nos ajudar a um sinônimo de terceiridade, signo ou mediação. Em 1 898, entre­
entender porque o computador é uma espécie muito complexa de tanto, ele declarou que, naquela época (1867), ainda não conhecia
máquina semiótica que funciona, ao mesmo tempo, como um obje­ línguas o suficiente para se dar conta de que tentar fazer a palavra
to físico, uma ferramenta, um canal, uma mídia, e, sobretudo, como representação expressar uma idéia tão mais geral do que lhe seria
um signo ou mediação. possível, era injurioso. A palavra mediação era muito melhor do
que repres�ntação (CP 4.3). Foi assim que a representação passou
O SIGNO COMO M EDIAÇÃO a ser considerada por ele como uma espécie dentro do gênero da
mediação, como será discutido mais adiante.
Quando falamos do signo, no contexto da semiótica peirceana,
No s�u segundo sentido mais específico, a palavra signo se
de acordo com a forma lógica da semiose por ele descrita, há dois
refere e�tntamente ao termo mediador na relação triádica, um ter­
sentidos para a palavra signo, um sentido extensivo e um sentido
mo '!1ed1�dor que ocupa a posição lógica de um primeiro, enquanto
específico. A fundação do sentido extensivo está na sua categoria
o obJeto e um segundo e o mterpretante um terceiro (ver, sobre isso,
fenomenológica da terceiridade. A fenomenologia de Peirce diz que
Santaella 1995, especialmente o capítulo denominado "Do signo").
há, em qualquer coisa, qualquer que seja, na natureza ou no pensa­
Numa carta a Jourdain, no ano de 1908, Peirce escreveu:
mento, três categorias onipresentes, universais, que ele veio a cha­
"M�a defmição de signo foi tão generalizada que, por fim, deses­
mar pelos nomes muito gerais de primeiridade, secundidade e
perei-me de fazer qualquer pessoa compreendê-la. Com o propósi­
terceiridade.
As características mais básicas da primeiridade, que é a cate­
!º -�e '!le _fazer ent�nder,_ eu agor� a limitei" (cf. Fisch 1986:342). A
1de1a hm1tada do signo a qual Peirce se refere é mais simplificada e
goria monádica, são: originalidade, acaso, espontaneidade, possi­
menos abstrata, de�do o signo como alguma coisa que repre­
bilidade, incerteza, imediaticidade, presentidade, qualidade e senti­
senta uma outra c01sa para alguém. A inserção da palavra "al­
mento. Na secundidade, que é a categoria diádica, encontramos
guém': �o lugar _ da sua noção mais complexa de interpretânte é,
idéias relacionadas com polaridade, tais como força bruta, ação e
sem duvida, aquilo que toma a definição mais fácil de ser entendi­
reação, esforço e resistência, dependência, conflito, surpresa.
da, mas, ao me�mo tempo, a toma menos interessante para ser apli­
Terceiridade, ou a categoria triádica, está ligada às idéias de gene­
cada a processos de cognição e comunicação que não dependem da
ralidade, continuidade, crescimento, evolução, representação e
consciência humana, tais como aqueles que ocorrem, por exemplo,
mediação. Mediação foi, finalmente, considerada por Peirce como
na natureza e nos fenômenos biológicos e de inteligência artificial.
a característica mais geral da terceiridade. "A mediação entre
secundidade e primeiridade" (CP 5.121) foi a definição que ele deu . Para se reter o potencial mais completo da definição peirceana
de signo, temos que fazer a rota oposta àquela que Peirce se sentiu
de terceiridade. "Um terceiro", Peirce afirmou, numa outra passa­
obrigado a fazer, isto é, temos de considerar a definição de signo no
gem (CP 8.332), "é algo que traz um Primeiro em relação com um seu nível mais abstrato e genérico. O que essa defmição mais gene­
Segundo ... Um Signo é uma espécie de Terceiro". ra�izada traz à baila é a função mediadora do signo entre o objeto e
Em muitas outras passagens, Peirce reafirmou que urna das o mterpretante, e as relações de determinação do signo pelo objeto
espécies mais simpks de generalidade ou terceiridade está na forma
224 LÚCIA SANTAELLA T CULTURA DAS MÍ DIAS 225

e do interpretante pelo signo. Uma vez que os três elementos, signo. signo produz ou modifica Isto significa que a ação do signo só
objeto e interpretante. neles mesmos, ou melhor_ na sua realidade pode se completar quando ele determina um interpretante que será.
existencial, podem pertencer a várias ordens de realidade, como por �ua vez. detemunado pelo mesmo obJeto que detemüna o sig­
objetos singulares, classes gerais, ficções, representações mentais, no. E por isso que Peirce afirmou (cf Parmentier 1 985 28) que a
impulsos físicos, ações humanas, ou leis naturais, aquilo que cons­ ação do objeto sobre o interpretante é "determinação mediada" e
titui a relação sígnica, na sua forma lógica, é o modo particular que o interpretante, ele mesmo, uma ··representação mediada" do
pelo qual essa tríade está conectada (cf. Pannentier 1985:26). objeto, ocupa, portanto. a posição lógica de um terceiro na relação
Comecemos pela discussão da função mediadora através de triádica.
uma das definições abstratas de signo: Em síntese: o signo determina o interpretante, mas o determi­
Na sua forma genuína, Terceiridade é a relação tríádica existente na como uma deteminação do objeto. O interpretante como tal é
entre um signo, seu objeto e o pensamento interpretante, ele mes­ determinado pelo objeto na medida em que é determinado pelo sig­
mo um signo, considerado como constituindo o modo de ser de no. Além disso, essa tríade implica numa constante expansão do
um signo. Um signo faz a mediação entre o signo interpretante e processo de semiose uma vez que o interpretante, por sua vez, de­
seu objeto. (CP 8.332) termina um signo posterior, tomando-se assim. ele mesmo, um sig­
no desse interpretante futuro. A semiose é, desse modo, um proces­
A ação do signo ou semiose é a de funcionar como um medi­ so infinito ou uma séne infinita num processo que opera em duas
ador entre o objeto e o efeito que o signo produz numa mente atual direções, "regredindo na direção do objeto e progredindo na dire­
ou potencial. Esse efeito ou interpretante é indiretamente devido ao ção do interpretante·· (cf MS 599:32).
objeto através do signo. A mediação do signo em relação ao objeto Parmentier enfatiza que a relação do signo é constituída pela
implica na produção do interpretante que será sempre devido à ação conexão de um vetor de representação, apontando do signo e
lógica do objeto, quer dizer, sua ação mediada pelo signo. A esse interpretante para o objeto, e um vetor de determinação. do objeto
respeito, a referência do signo ao objeto não depende de uma inter­ apontando na direção do signo e do interpretante. A posição do
pretação pessoal. Ela é uma propriedade objetiva do signo, uma signo é mediada entre o objeto e o interpretante, tanto no vetor da
propriedade que dá ao signo o poder de produzir um inte,rpretante, representação quanto no da detemünação. O signo em si mesmo
quer esse interpretante seja, de fato, produzido ou não. E por essa faceia simultaneamente em duas direções faccia o objeto numa
razão que não podemos aceitar a expressão "um efeito produzido relação passiva de ser determinado e faceia o interpretante numa
na mente" como sendo explanatória do interpretante. No entanto, relação ativa de determinação.
para melhor se entender o termo mediação é necessário considerar Como se pode ver. enquanto a função mediadora do signo é
o problema da determinação, no sentido lógico que Peirce deu ao geral, a função representativa corresponde apenas a um dos vetores
verbo "determinar". da função mediadora do signo. É por isso que a representação é
A afirmação peirceana de que o signo é determinado pelo ob­ apenas uma espécie dentro do gênero multifacetado da mediação.
jeto nos leva a pensar que o objeto tem primazia real sobre o signo. Esse termo. mediação, refere-se tanto à relação triádica do signo
No entanto, na forma lógica do processo triádico, o objeto é um em geral quanto ao termo médio dessa relação em particular. Ao
segundo em relação ao signo que é um primeiro. A primazia real do mesmo tempo, esse termo médio, que por vezes Peirce também cha­
objeto não pode, desse modo, ser confundida com primazia lógica. mou de representamen, ocupa a posição mediadora no vetor da
Embora o signo seja determinado pelo objeto, este último só é aces­ determinação e também no vetor da representação. O signo ou
sível pela mediação do signo. O objeto é algo distinto do signo e represen tamen é, assim. um elemento de síntese, e para sua posi­
isso explica porque o signo não pode substituir o objeto, mas ape­ ção mediadora todas as relações semióticas convergem. O signo é
nas representá-lo e indicá-lo para a idéia ou interpretante que o determinado pelo objeto. mas ele, simultaneamente, representa o
227
226
CULTURA DAS MÍDIAS
Ii'lCIA SANTAFU J\

está essencialmente numa relação triádica com seu ob�e · to que o


objeto O s igno determi na o in t
erpretante, e, a o detem11n á-l o, o s ig­ ·
deter:mma e com o Interpretante que o Signo determina. Aquilo
t refa de representar o obJ eto pela
no trans fere ao i nterpreta nte a a que e comumcado �o ObJeto através do Signo ao Interpretante é
med i ação do s ign o uma Forma; quer dizer, não é nada que se assemelhe a um exis­
tente, mas � �m poder, é o fato que algo deveria acontecer sob
ce�s c�nd1çoes. Essa forma está realmente encarnada em um
O SIG:\0 COMO :\tEIO

· Nos dois sentidos do termo medi ação, acima discutidos. o sen­ obJe�o, sigmfi�ando que a relação condicional que consti tui a for­
t ido ext ens iv o que s e refer
e à rel ação triádica do s igno e o sentido ma , e verdadeira tal como a forma está no Objeto. No Signo ela
o ou termo méd i o da
especific o referindo-se ao signo em s i mes m pass a­
esta encarnada apenas no senüdo representativo, significando �ue,
s i nônimo de med iação. Numa em virtud� de alguma modificação real do Signo, ou qualquer
trí ade, a pal avra mei o é um
, ele pedia ao lei ­ outra, o Signo se toma portador do poder de comunicá-la a um
gem em que P eirce desc revia su as t rês categorias t e rcei­ Interpretante. (MS 793:2-4)
o (mea ns), ou medium, é um
to r para "ob s erv ar que um mei
07)
4 3 . Numa
ro", que é também "uma l i gação ou Med iação" (NEM _ Co?fonne foi apo�tad? por Johansen (1993:60), essa defini­
nte o termo med ium
carta a L ady Welby (SS :32) , ele usou novame �ªº �o sign o como um Meio para a comunicação de uma Forma"
s e refer ir ao s igno
com o um sinôn imo de mediação, mas agora p ar a ��p�ica n� nat:ire za dinâmica e ativa do signo. A semiose é u ma
médi o d rel ção triádica, como
ele m esm o, es pecificamente o term a a
açao ou mfluenc! a que é, ou envolve a cooperação de três e lemen-
_
um medi um ligando o objeto e o i nterpretante.
o

ua dout rina de tos, tais como o signo, �eu o�Jet_o e seu interpretante" (CP 5.494).
Nos seu s últ imos es cri tos , Peirce general izou s
n çã de comunica­ ��h�s�n observa que isso significa que um signo é uma relação
medi ação e medi um ainda mai s , focalizand
(cf. P armenti e r . rnam1c a e m e d iad o ra p e l o menos entr e três p o siçõ e s
o
e
a o
emi
o

ção com o um traç o ess encial de toda mterdepend,entes: ª�tra_vés da qu al ele produz significado.
de um mei o de
os
a idé
s

1 985: 42). No seu s ent ido básico, que impl ica


r p roces­ . . O carat er d1�am1co _e mediador do signo, acima m enci onado,
ia
"qu lque
comun icação, medi ação pode ser defi n ida como or mei o
m�ica que a fun?ªº do signo como um meio de comunicação tem
p
a

col ocados em articu l çã


so no qu al doi s elemen tos s ão
que serve de :1s aspecto �. Ha a camada abstrata, que já foi discutida mais aci-
a o

ou at ravé s d a i nt erven ção


de um terceiro elemento a, � tambem uma camada mais concreta que será ana lisad a a
fa , em qu l­
veículo ou de mei o de comunicação" (ibid .:25). De segmr. Nun:i �uscrito �283: 128-130), P eirce apresenta uma pas­
a
qu l um
to
o pel o
quer p rocesso de comun icação, deve haver um mei sagem _elucidativa que dife rencia os dois aspectos do sign o como
a
fu çã
a
. Foi
mensagem é t rans mit i da de uma cognição a outra um meio:
n o
é um
a
o s ig
medi adora do s igno que levou Peirce a postular que
a
um
no
as, ou en tr
espécie de "mei o de comun icação", entre duas idéi Um meio de co?1unicação é algo, A, que, ao sofrer a ação de
o e u ma idéi a
e

obj eto e uma idéi a , ou melh , e t e um bjet algu�a outra c01sa, N, por seu lado, age sobre algo, I, de uma tal
está clarament e
i nterp retante que o signo produz ou modifica. Isso
r o
mane1,ra que �nvolve sua determinação por N, de modo que I
or n

afirmado na seguinte pas sa ge


m: devera, atraves �e A, e somente através de A, ser agido por N.
Um Signo pode ser definido como um Medium para a comunica­ :�demos propos1tada �ente �elecionar um exemplo algo imper-
e1t?. A saber, um ammal, digamos, um mosquito, é agido pela
ção de uma Forma. Não é logicamente necessário que aí se con­ en�idade da doença zimótica e, por sua vez, age sobre um outro
sidere qualquer coisa que possua uma consciência, quer dizer, o amm�I ª? qual �le co1?unica a febre. A razão pela qual esse exem­
sentimento da qualidade comum e peculiar aos nossos sentimen­ plo nao e perfeito está no fato de que o meio ativo é da natureza
tos. Mas é necessário que haja duas, se não três, quase-mentes,
�e um veí �ulo, que difere de um meio de comunicação, ao agir
estas significando coisas capazes de variadas determinações em obre o obJeto transportado e determiná-lo a uma mudança de
relação às fom1as do tipo comunicado. Como um medium, o Signo locação, onde, sem a interposição subseqüente do veículo, ele

>
228 LÚCIA SANTAELLA
CU LTU RA DAS MÍ DIAS
229

age ou é agido pelo objeto ao qual ele é transmitido. Um signo.


veículo sen sív el. E ssa interde
por outro lado. na medida em que preenche a função de signo, e pendência do me.io e do vei, c ul
s er melhor entendida . o pod e
nenhuma outra, conforma-se com perfeição à definição de um . qua ndo se con . as du as fionnas .mter-
rclac10nadas de cau salidade ~ s1 d, era
meio de comunicação. Ele é determinado pelo objeto, mas em sao bas 1cas par a a
da semiótica filos ófi ca de Pei;�; compreensão
nenhuma outra maneira senão aquela que lhe possibilita agir so­
b�e a quase-mente: e quanto mais perfeitamente ele preencher a Com a exceção de alguns d . .
sua função de signo, menos efeito ele terá sobre a quase-mente tais como V Potter ( 196 7), J. Ra ntre os especialistas em Pe irce
osd
e

senão aquele de determiná-la como se o objeto ele mesmo tivesse ( I 98 I l 983.), L· s antae lla ( 1992 ell O 977 , 1981, 1983) T Short
' 1994 ) H. pape ( 1993), _ alé
agido sobre ela. de alg_umas passagens em Joh ~ m
an�en ( 199 ;), nao tem recebido a
merec i da atenção O pa el d
enh
O conce ito p eirceano de meio de comunicação é o conceito do de causação final e s u a �ontr:�:: ado �elo conceito peircean o
sign o, n o sentido de u ma mediação abstrata, e quanto mai s abstrato ' causaçao efi ci ente, p ara a c
preensão de processos s ígnicos om-
for o me i o, mai s ele desempenhará o papel de um mediador, algo .
Para Peirce, há doi s tipos d
e for
, ças ou aç°: s em todo o un
que mediatamente determina ou influencia o interpretante, funcio­ ve. r, so : (1) ação diádica, que , i-
n ando p ar a tran s p ortar a emanação do objet o sobr e a mente . e mecamca ou dm
, . amic_a, e (2) açao -
tn adica, que é inteligente ou s
interpretadora (cf. MS 634:24). Deve ser notado, no entanto, qu e a ígn, ica. A ação diadic� ti01 equa .
com , .a c ausação eficiente , tambem cham ci onada
função abs trata do signo como um me i o de comunicação não ex­ tn· ad1ca com a cau sação final _ ad.a de açao bru ta, e a aça~ o
clu i seu funcionamento também como u m veículo. Ao contrário, A ç o pe1rceana ?e ca� sa
ciente é a de uma ação efetiva ção e fi­
ela o inclu i e pressupõe . A fim de agir como u ma mediação ou me io �en�� :ru ta, ce�a, nao raci on
tencente ao hic et nunc s ingul al, per­
ar n _s ua oca� iao.
de comunicação, o s igno tem de estar corporificado, tem de estar por outro lado, é O tip� de A _ causação final,
materializado n u m veículo sensível ou forma express iva. Na ver­ opos ição a for as. É ca saçao ~ cau , .s/çao que e exercida por le i_ s em
dade, Peirce sempre "insi stiu na necessidade de estudar formas ex­ log1ca, caus�ção da mente (
Ransdell (197\. l 63) a�mna CP 1 .250 ).
press ivas ou r epresentações externas ao invés de ficar tentanto exa­ q.ue a cau-s açao final é a fionn , .
a gen en-
ca de um processo' a tende'nci
minar o p en s am ento ele mesmo atravé s de alguma forma de . a p ara um estado fi
ma1, e "os traços
gerai s dessa tendênci a em q .
ua 1que r mei? que O
introsp ecção não mediada" (CP 1.55 l , cf. Pannentier l 985:43). A realizar. (... ) A idéia de que process o possa se
pr ce
importânci a da corporificação do s igno p ara sua ação como u m forma é amp Iamente reconh � ssos vivos e. xemplificam uma tal
. ec ida
mei o de comunicação p ode ser claramente observada n a segu inte mai s acei tos tai s como ' c1· b ' · h,oje em di a sob ,,,ou tros. ro, tu los
' ernet ica e ' homeo sta
citação: �emente, al�uns novos rótu s � : M ai s
los como 'teleonomi a , ut �e c��-
auto-orgamzação ' , . a op o1es 1 s ,
Por um signo quero dizer qualquer coi sa, real ou fictícia, que é etc. , tambem podena
_
O aspecto de maior ongmalid . m se ane xar à li s ta.
~
capaz de estar numa forma sensível, é aplicável a algo diferente ade na concepça .
causa final, enti:etanto, es _ o p e 1rce ana de
_
dele, que já é conhecido, e que é capaz de ser interpretado em
efi ciente Amb ~ ~ tá no fat , o .de q ue ela nao exclm cau s ação
outro signo, que chamo de seu Interpretante, de modo a comuni­ com at1ve1s que � caus
ação final de qual­
quer pr�esso :� �::;
car algo sobre o objeto que pode não ter sido previamente conhe­ r a�izada atraves �a cau saçã
o q ue s ign ific o e fic i ente ,
cido (MS 654:7). a que se di�:g i: p a
proces so � ossa es tar se ra u m fim nao quer dizer q ue
_ parado de um aspecto meram
Signi fi ca, Is t� s im, ente fisi co.
ess e
A idéia que Peirce queria transmitir, quando estabeleceu a qu e a cau sa final depende da for .
difere nça entre o veículo e o mei o é a de que a função abstrata ou Para sua realizaçã_ . . ça bru ta e fi1s 1c
o E mbora seJ�m tip
representativ a de u m meio é mai s complexa do que a de um veícu­ diádica , - cega · os di s ti� tos de ação
, u ma é
a

, a outra tnád1ca - mtehgente


l o. Mas is so não s ignifica que o s igno p ode desemp enhar sua fun­ inseparave1.s . P _
e1rce di sse q ue "cau sa
~ ~ _, e 1as sa-o
ção comunicativa independentemente de estar encarnado em u m nada sem cau s çao fimal_ nao pode ser imagi-
ação e fici ente ,. mas,
nem por i sso, seu s modos de

b
210 LÚCIA SANTAELLA CULTU RA DAS MÍ DIA S
2, 1

ação s ão contrári os polariz.ados " (CP 1.2 13, cf. Santaclla l 994 d :40 6- gravação . reg istro de tran smi ssão do som
_ _ e da
407) . dor tambe m e uma maquma semiótica Dife imagem . 0 computa­
E sses doi s modos inseparávei s de ação são aquele s que carac­ rentemente daquela s_
entretanto. a se111 1ose do computador é
terizam a sem i ose: a forma sens ível, material do s igno, s ua expres­ a únic a que. nela mes ma
1ndependemente dos processos de interaçã
, o e int e rpretação d os usu
s ão e xterna , aquil o que lhe poss ibilita agir em um processo de co­ ª:1os , pode atm glf o nível mais complexo de �
m unicação, corres ponde à s ua ação efici ente, enquanto s eu papel s1m bol o. Como um res ul
t odos os s ign os . 0 do
tado de s ua com plexid
comple men tar, me di ador e lógico, co rre s ponde ao as p e cto_ de ade s e m iótica. 0
compu_tador pode desempenhar o papel
causação final . I sso s ignifica que, para exercer seu poder l o, g1 co, quer dizer o pape l do signo e m sua
de mediação ou terceirid ade
: inteireza. preenchendo lite ral�
medi ad or, o s igno preci sa estar fí s icamente corporificado . O s co�­ mente e na o apenas me tafo
ricamente a função epistemológica
pos materi ai s dos s ignos são responsáve i s pel os processos comum­ mode l ar o mund o. S enão de
vej amos .
cativos , por tran smitir informação de uma certa fonte a um certo Prob�emas reais d� ?1undo são abs
, traídos pe los ci enti stas da
destino. Eles funcionam como os mei os fi s icos, como os ve1culos comp�taçao com o aux1h o de teorias
, e, então, essas abstrações,
através dos quais a informação vi aj a . M as , ao mesmo tempo, atr a­ que sao tam be, m chamadas de conh
ecim ent o, s ão sim bol ic
vés desse mei o ativo, o s i gno é uma representação, desempenhando r ep re s en ta das e manip ul adas den ame n te
tr o do com pu tad o r. Br own
o papel de uma medi ação abstrata trans mitindo significad o de um ( ! 989: 1 1- 1 1?) observa que o conhecimento nec
objeto a um interpretante . · essário a qualquer
_ _ _ �1 stema mtehgente pode ser ampl amente dividid
o em du as partes :
A s di s cussões acima dos doi s sentidos de si gno ou med1 açao itens de conhecimento e estruturas d
· . - e conhecime nto . --o s I ,
como terce iridade e como o t ermo m édio ou m ei o na ca dei a as c0t s�s m · dIVJd
· ua1s que se press ·ten s sao
, upõe que o si stema conheça". tais
semiótica, ass i m como a discussão dos dois aspectos inter-rel acio­ c�mo Obj etos, propne?ades de o
bj etos, rel ações ent re objetos
nad os do conceito de me i o como um corpo fi sico e como uma re­ num e:os, figuras geometncas , e .
assim por diante. ( . .
presentação, podem agora nos auxiliar a compreender porque _ o tam_bem queremos saber como co . ) Mas nós
l ocar esse conhe cimento jun to. e é
computador é simultaneamente um signo, uma mediação, um meio aqm que as estruturas de co ecime
� nto entram ··. A s principai s for­
e também um veículo. mas �e estruturas de conh ecimen
to s ão: ( I ) es paço de esta
a�anJ o de_ fatos que permite ao si s do um
tema sabe r para onde el e p ode ou
nao p ode ir, imediatamente a partir
AS FACETAS DO COMPUTADOR
do e stado que ele está conside­
Não pode haver dúvidas de que o computador é _ �m signo rando ?º mom ento; (2) representa
ção de procedimento, que permi­
genuíno no sentido peirceano, quer dizer, é uma tercemd�de o� te �o sistema en�ontrar seu cam
mho através de um arranj o hierár­
medi ação. E ntre todos os tipos dife rentes de in strumentos, d1spos 1 - q� i_co de proced mentos ; (3) sistem
! as de produção. que u
sam uma
tivos e m áquinas que foram inventados pel a hum anidade, o compu­ ser�e de produçoe . q�c são reg
� ras dizendo que, se esse é o caso
tador é o primeiro que pode ser sernioticamente caracterizado como então tal e tal sera feito ; ( 4) form ,
uma terceiridade genuína ou signo. Embora outros tipos de máqui­ parec.i dos com p equenos es ca atos , que s ão, mctafori
camente
ninhos (ibid. : 112 ).
nas técnicas, tais como as câmeras fotográficas e cinematográfi­ , Temos de considerar, no entant o, que
e co�ec 1mc t� sobre algum qualqu er conhecimento
cas, rádio e televis ão, recursos de gravação sonora etc. tenham tam­ � a coi sa . Assim , qua lque
nhecimento e ) ª uma represe r teoria ou co­
bém a natureza de s ignos, eles são tipos degenerados de signos . A ntação, uma es pécie de mode lagem
comp aração s emiótica des ses tipos diferentes de máquinas nos le­ mund�. Os sis temas notac1 do
ona1 s e lógicos . que s
t uz1r �s fatos e teorias ão usados para
varia muito l onge dos objetivos deste artigo, pois o que cumpre �
responder é porque o computador é capaz de ati ngir o nível mais g:, que e aceita pel o com bre o mundo numa e spécie de lingua­
putador, são representações de s
so

complexo do s igno, enquanto as out ras máquinas não podem . º.1 el, a saber representaçõe egundo
s de represen tações . É
À seme lhança de todos os outros tipos de máquinas para a si;erar que ha: represent importante con-
ações do p onto de vista d
os processo s nel as

b
23 2 LÚCIA SANTAELLA
CUUURA DAS MÍ DIAS
23J

definidos e representações do ponto de vista das n?tações que são


reconhecer que as representações na IA são versões est ilizadas do
usadas para expressá-las (Anderson 1 983 :46). Al em de sere� re­
presentações de fatos e teorias sobre o �undo, _essas notaç�es e mundo ( cf. Chamiac e McDermott 1 984: 8 )
sist emas lógicos são também representaçoes de dife rente� espec1es E ste tópico é n_1uito relevante para a análise do computador
de raciocí n io ou facu l dades mentais. Isso exp l ica a vanedad� de como um me i o sem1ot1co, mas discuti- l o nos l evaria l onge demais .
sistemas l ógicos que são usados na IA para representar � mam p� ­ Para o argumento a ser desenvol vido, basta dizer que toda i n fo rma­
lar informação, t ai s como lógica dos predicados, _ l og1ca nao ção _ processada pelo computador não é um mero exercício despro­
monotônica raciocín io probabi lístico, lógica modal e 111tens10nal e pos itado, mas, ao contrário, está sempre a serviço de um fim ; tanto
l ógica.fi,zzy (cf. Rich 1 9 83, Chamiak e McDennott 1 984).
i sso é verdade qu e o p oder de um sistema artificial pode ser medido
O papel central da representação (cf. Winst on 1 98 1 :2 1 -24) o P ?r sua habi l idade para atingir estados finais diante de variações,
_ dificu l dades e complexidades colocadas pela tarefa a s er cumprida
papel exp l anatório das representações e o apelo a rep resentaçao
:_

(cf. Pylyshyn 1 984:23-32) têm sido muito e�fat 1zados na IA._ As (cf. Newell and Simon 1 98 8:37).
modal idades da representação são vánas. Ha, po r exempl o, tipos Ferramentas e _ máquinas são projetadas para propósitos parti­
de representação ou códigos como os que foram propost os _ po r cu lares , para atmgir certos fi ns, mas enquanto al guns deles são
exten sõ �s da nossa força física e outros extensões de nossos órgãos
Anderson ( 1 983:45-85), a saber: ( 1 ) um fio temporal que codifica
a ordem de um con junto de i tens; (2) uma imagem espacial, que dos senti dos, os computadores são extensões do nosso cérebro. Com
codifica a configuração espacial ; (3) proposição abstrata, que co­ �u � habilidade de armazenar e manipular s ímbol os, o computador
difica o sent ido. Há, a lém disso, os dois ramos bem conhec1d_os da 1m1ta a mente na s ua capacidade de funcionar como um meio de
p rogramação, também chamados de r�pres_en!a0es do conh�c1men­ computação e um meio de rep resentação (cf. foma 1 990: 1 95).
to: o declarativo e o procedural , cuJas d1 stmçoe s s e base1�m �m , �lém de se r um mei o ou mediação no sentido peirceano mais
doi s t ipos de conhecimento (Winograd 1 975: 1 85-2 1 0). O p nme1ro genenco, � computa�or também funciona como um signo no se­
gundo sen�1do que Peirce conferiu a essa palavra, isto é, como um
deles o conhecimento decl arat ivo, refere-se a fatos que conhece­
te �o méd10 na rel ação t riádica do signo, objeto e interpretan te. A
mo s , 'e o segundo, o p rocedural , refere-se a -�-abilidades que sabe­
s �m 10 �e mais bás ica na qual o computador ocupa a posição do
mbs como desempenhar (Anderson 1 983:vm). Do m_esmo modo
s ign o e aquela dos processos e operações que se desen v ol vem est ri­
que, em al gumas l inguagens, temos sent�nças declarativas e 1m�c­
rati vas ass im também há dois tipos de linguagens de computaçao. �ente dentro �o con:iputador. Aqui, o computador não pode ser
v1st � c�mo um signo s impl es, mas muito comp lexo, dados os vári­
'·Uma �spécie usa dec l arativas , dizend� ao co_mputador que isto ou
os, niye1s de determinação e representação de sua semios e i n terna.
aqui lo é o caso, e a outra u sa imperativas dizen do- lhe para fazer
Há amda duas outras semioses básicas de acordo com as quais o
al gi.lma coisa" (Brown 1 989: 1 1 2). . c?mputador funciona como o i nterpretante ou como o objeto do
Não se pode negar que representação é um c_once1to chave
para os teóricos da IA e da ciência _ cogn it iva. Infebzme�te, esses signo res pectivamente. Estas são semioses computacionais vistas
dos pontos de vista do program ador, de um lado, e do Usuário, do
teó ricos tomam como ponto de partida apenas uma noçao vaga e
ou tro.
amp l a de '·represen tação do conhecime�to". I s so oblitera_ tanto o
Winograd e Fl ores ( 1 986: 84-92) nos deram uma descrição de
metanívcl dup l o da representação dos sist emas formais qu�nt� a alguns dos �spect os representati vos envo l vidos na programação.
natureza real do computador como um signo genuíno ou med1açao,
Essa descnçao pode nos aJudar a mapear a semiose do compu tador
cujos objetos semióticos já são signos genuínos, pertencentes �o
do p�nto , de vista do programador, quan do o program a ocupa a
universo da terceiridade. Entretanto, como resultado de uma espe­
P�siç �o log1ca do termo médio ou signo na rel ação triádica. Aqui, o
cie de i ntuição sobre a cadeia complexa de mediações na qual o
p nme1ro aspecto a ser anal isado diz respei to ao caráter referencial
computador se i n sere, os cientist as da computação são capazes de dos programas de computação, que são sempre programas sobre


234 LÚCIA SJ\NTJ\ELLA
CUITURA DAS MÍ DIAS
235

alguma coisa. programas sobre algum assunto ao qual o p �ograma há uma tal rede de signos operando den
: tro de computador, que so­
d;r dirige um certo programa. O assunto é o obj eto sen11ot1co q� e mos levados a ver sua semiose inte
determina o signo que. no caso. é o programa. O signo, por sua wz, rna como um caso de semiose
composta. Winograd e Flores ( 1986:86
representa esse objeto, o assunto, até um certo ponto e sob certas -89) apresentam uma clara
descrição geral das cascadas de níve
capacidades. is de representação, um sobre
o out ro, que con stit uem as ope raç
A expressão '·até um certo ponto"· refere-se ao fato que, o pro_ ões
computacional. Uma vez que esses níve inte rna s do sist ema
grama não representa o assunto em tod�s os seus as�e��os. ma� is já foram mencionado s
mais atrás . a síntese dada por New
apenas naqueles que estão sob cons1deraçao. A expressao sob cer ell e Simon ( 198 1: 35-66) dos
sistemas simbólicos fisicos será tom
tas capacidades" refere-se às habilidades do s1gn� para rep �esentar ada aqui como uma moldura
_ geral de referência para um resumo da
seu objeto. Na programação, essas habilidades sao d�pendentes da semiose composta que ocor­
re dentro do computador. De acordo
lógica do sistema que está sendo usado e da extensao em que as com essa visão (ibid.:6 4):
fórmulas do sistema estabelecem correspondências c_om o estado Sistemas simbólicos são coleções de pad
de coisas sendo representado. A representação e _ o conjunt� de ope­ rões e processos, estes
últi mos sendo capazes de produzir, dest
_ ruir e modifica r os pri­
rações projetados no programa têm de ser vend�cos. Supoe-se que mei ros. As propriedades mais importa
ntes
produzam resultados que são corretos e':1 �elaçao ao assunto. poderem designar objetos, processos ou dos padrões são as de
outros padrões, e . quan­
o programa como um signo opern t1p1camente sob a forma de do designam processos, eles podem ser
interpretados. Intepretação
causação final. Sua aplicação se dmge p ara um estado final, um significa levar à frente o processo desi
gnado. As duas classes
objetivo. O computador tem de realizar certas tarefas de �cardo mais significantes de sistemas simbóli
cos com os quais esta mos
com um projeto geral. Os programas ta�bém têm de ser efic1en1:_es. fam iliarizados são os seres humanos
e os computadores.
E O são na dependência de quão efic1entei:nent � as operaçoes
A característica mais relevan te dessa
computacionais são desenvolvidas. Ao operacionalizar o design do definição está na ênfase
sobre o caráter simbólico da semiose
programa. 0 computador age como seu interpretante. Mesmo quando interna do computador. A
hierarquia de abstrações, também cha
0 computador acaba operando de maneira bem-sucedida dentro de mada de "máquinas virtuais"
(cf. Aho e Ullman 1992 : 143 ), que
um domínio inteiramente fora das intenções dos programadores que com eça com os circuitos
s ubjacentes e progride
construíram seu programa, ele ainda ag� com? um interpretante através da linguagem da
tema operacional, a linguagem da pro máquina até o sis­
desse programa - um interpretante criativo, altas -, assim co1120 gramação e, eventualmente.
os p acotes aplicativos que correm
opera sob a forma de causalidade fin�I, A fom:ia da caus� fi �al nao na máquina são. todos eles, na
realidade, padrões sim
pressupõe que seu fim seja predeterminado. Ha uma tendenc1a p �ra bólicos e processos inter- relacionado
meio da referencialidade interna, e s por
um fim. Entretanto, como o processo não pode escapar da �nfluen­ interp retados em termos de re­
gras operacionais. Mesmo no nível
cia do acaso objetivo e pura possibilidade, o fim nunca esta fecha­ fisico mais elementa r. o compu­
tador já lida com símbolos. Qualqu
do. Quanto mais complexos são os assuntos a serem representados er p adrão de impulsos ou esta­
dos elétricos já é uma representaçã
e os sistemas formais que os representam, menos de�ermin1sta e o de números. Em sínt ese : qual­
que r atividade que é processada
mais aberto à interferência do acaso o estado final sera. pelo computador é uma atividade
sim bóli ca.
No segundo tipo de semiose, em que o comp_utador, ou me
Newell e Simon ( 198 1 :40) contribuíra
Jhor. suas operações internas func10nam como um signo ou o term � m com duas noções ct:n­
médio da relação triádica, os programas projetados pelos progra­ �rais para a definição de sistemas simbólicos
interpretação. ' 'Uma expressão . a saber. designa ção e
madores são o objeto semiótica do computador, enquanto os o �tputs designa um objeto se. dada uma
exp ressão, o sistema pode ou afet
gerados nas execuções do prog ram a pelo computador sao os ar o objeto ele mesmo. ou se com ­
_ P�rtar de modos dependentes do obje
interpretantes. Desse ponto de vista. há tantos níveis de representaçao. signação está no acesso ao to". Assim, a essência da de­
objeto via expressão. A interpretação


2]6 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 2]7

significa que --o sistema pode interpretar uma ex� ressão se a tipos de signos sem os quais o símbolo não poderia funcionar, a
expressão designa um processo e se. dada a expressao. o sistema saber, o� íco�es e os índices. Nenhum símbolo pode funcionar como
pode levar o processo à frente". tal sem mclulf níveis indexicais de rcferencialidade e níveis icônicos
De fato, designação, a relação do símbol� com o obJeto ao de sig?ifi_cação..: Como pode a robótica ser estudada, por exemplo,
qual o símbolo se aplica, e interpretação, o efe1t? produ �1do pelo se os md1ces nao forem levados em consideração? E como podem
símbolo numa quase-mente, são as duas caractenstlcas bas1cas da os processos de modelagem e simulação ser analisados sem o auxí­
definição peirceana de símbolo. Também básica é a natureza arbi­ lio da _ noç�o semiót ! ca do ícone? O estudo dos ícones e índices, que
trária do símbolo. Assim, quando Winograd e Flores ( 1 986:86) tambem sao operativos semioticamente nos sistemas internos es­
observam que não há nada no design da máquina ou nas operações t�turas e pa �rões dos processos computacionais, é um capítul� em
de seus p rogramas que dependa, de qualquer modo, do fato de que s1 mesmo, CUJO desenvolvimento ainda espera pelos semioticistas
as estruturas simbólicas sejam vistas como representando qualquer embora Nõt� ( 1 �96) já tenha dado a isso um primeiro impulso.
coisa, eles estão precisamente confirmando o caráter ª�bitrário do O terceiro tipo de semiose parte do ponto de vista dos usuári­
.
símbolo. Que a representação esteja na mente do_ us � ano, co�o os os dos programas dos computadores e dos intérpretes de seus
autores (ibid. :86) observam, corresponde quase mteiramente � de­ ou �puts . N�sse processo, as operações dentro do computador são o
finição peirceana de símbolo como o tipo de signo no qual o signo obJeto do s1�no, seus outputs funcionam como signo e o comporta­
e o obj eto representado estão relacionados apenas porque o
interpretante os representa como relacionados. �en�o dos mt�rpretes e usuários são os interpretantes da relação
� 1gn1ca. Este e o _h �º- de semiose que tem atraído mais atenção e
Entretanto. de acordo com Peirce, o interpretante não deve mteresse dos sem1ot1c1stas, muito provavelmente como um resulta­
ficar restrito à �ente do usuário. A interpretação produzida por do � pre�s�posição_ de que só existem processos semióticos quan­
uma única mente é meramente uma e nem mesmo o tipo mais im­ do há u �uar� os dos signos. Este é um outro assunto muito pertinen­
portante de interpretante. O mais relevante deles c�nsiste nas re­ te que, mfehzmente, extrapola o escopo deste artigo.
gras gerais e lógicas de interpretação que a _mente mte� retadora Concluo meu argumento, portanto, focalizando a natureza do
atualiza no ato de interpretação. Sem a efetividade dos sistemas de ompu
regras que sustentam as operações do computador, não poderiam � �ador como um meio. Se consideramos o tenno signo no sen­
tido p elfceano com? um sinônimo de meio (medium), o computa­
existir processos de designação e interpretação entre as camadas de dor � - �e fato, um tipo mmto especial de meio, uma vez que todos
padrões e estruturas dentro do computador. ., . , os s1gn1ficados que Peirce deu à palavra signo são aplicáveis ao
Outro aspecto importante da defimç�o sem10tica do sim?olo comp�tador. Ele � u� � �ediação ou terc_eiro . É também um signo
que também foi apontada por Newe\l e Simon ( l 981:64) esta no o� me10 na relaçao tnad1ca do signo, obJeto e interpretante. Além
seu caráter evolutivo. "Um sistema simbólico físico", eles afirmam, disso, o computador pode agir como um interpretante num outro
''é uma máquina que produz, através do tempo, uma coleção processo de semiose, e finalmente também pode ser o objeto num
evolutiva de estruturas simbólicas. Tal sistema existe num mundo processo de semiose adicional.
de objeto·s que é mais amplo do que essas expressões � imbólicas".
Essa idéia de que os símbolos crescem. e que tal crescimento apre­ _ O fa!o de que o computador é um signo no sentido de meio
nao _exclui. de modo algum, seu funcionamento como um veículo
senta um certo nível de autonomia, foi enfatizado por Pelíce em do signo. Afinal de contas, de um certo ponto de vista, o computa­
muitas ocasiões. dor pode simplesmente ser considerado como uma máquina física
Se é verdade que há quase um consenso entre cientistas da co� uma rede complexa de componentes, tais como cabos, circui­
computação de que os computadores ma�ipula�- símbolos, _ tam­ tos mtegrados e discos magnéticos. Esses componentes, que ope­
bém é verdade que a preocupação com a simbohc1dade dos signos ra� de acordo com as leis da fisica, podem ser descritos em termos
manipulados pelo computador. de certa forma. os cegou para outros de impulsos elétricos que viajam através de uma rede de elementos
+

LÚCIA SANTAELLA
238

r con:10 u ma m�quina fi�ica e �e:�u� ��


Viveiros de signos: viajantes entre o céu
el etrôni cos. O comp utado
l, o obJ eto matenal que da �o rp e a terra
e
de fato a forma sensíve .
a sua comp
semiótica e, assim, ao signo em toda
lexidad e

Quanto mais se expande o universo incomensurável, mais vai


deixando como saldo a consciência de-quão pequena e, paradoxal­
mente, qu ão prec iosa é a Terra, nosso nicho . Esta pequena b olinha
- uma entre as outras da galáxia, que também é apenas uma entre
outras galáxias - por enquanto, até qualquer prova (contato) em
contrário , é (talvez porque o universo, de fato, j oga dados) a única
bolinha pensante. Na iminência da dobra do século - 200 1 se
aproximando - ainda para nosso conhecimento, estamos sós no
universo . SOS . Pequena Terra Preciosa.
A TERRA SENTE E PENSA

Na frase acima, nenhum conto da carochinha, nenhum novo


vitalismo , animismo ou panteísmo disfarçado de ficção científica.
Seu sentido é literal : a Terra pensa enquanto sente, ou pensa porque
sente. A crosta (pele) terrestre está se povoando de sensores: rada­
res, radiotelescópios, antenas de radioastronomia. À maneira de
órgã o s co l e t o res, d etec t o r e s, rec eptore s u ltra-sens ívei s e
processadores, tradutores necessariamente inteligentes, esse s
sensores funcionam como enormes visores e ouvidos gigantes, ja­
nelas abertas para o espaço à escuta de longínquas informações.
Dotada de sentidos, a Terra ausculta a energia radiante de remotos
corpos celestes, barulhos na barriga do cosmos, ecos, vozes, infindos
sinais de um universo infinito .
OS OLHOS DA TERRA ESTÃO NO CÉU

Ao mesmo tempo , o espaço orbital, em distintos planos de


distância do globo, está habitado por satélites equipados com apa­
relhos dotados de sistemas óticos que, funcionando como olhos,
devolvem à Terra imagens de si mesma. O corpo da Terra e seu
olhar celeste, conectados por complexo s sistemas de aquisição,
CULTURA DAS MÍ DIAS 24 1
240 LÚC IA SANTAELLA

co rpo, em aparelhos de vi são, audição e computadores cada vez


dados, m�têm um in�ercâmbio
tran s mi s são e processamento de , ma is potente s. Esses aparelh os, no es tági o atual, atin giram uma
i ntercomunicant�s . Mu 1t�s o�hos
ininterrupto de men sagens: vasos 1am m a1 d_a escala có sm ica , funci onand o com o extens ões se nsív e i s e intelig en­
ao r edor do planeta, es
piam, conte1:1pl_am, r�st
, trans mi­
s
tes do globo terrestre. Con seqüentem ente, a dimens ão do corpo
os s

s a1 s c?d1ficad� s que
re

Terra, processam sua tradução em m vertidos em imagens . humano, com seus órgãos sensores e mentai s , esten didos e dilata­
tidos à Ter ra, são reprocessados dos, já alcança hoje uma es cala que começa a extrapolar o plane ta.
e con
E SON HA M
O CÉU E A TER RA DO QU
l�Á MA IS SIG NO S ENT RE ETERl\'A LUTA ENTRE TÂNATOS E EROS
NOSSOS OL HO S NU S

err a pode ver a s i me � :


Não obstante, o perigo que espreita a Terra (pequena bolinha
Tendo vários olhos no Céu , a T
m

ív l. Qu an�s vi s oe carunchada à mane i ra da Rosa de Blake, caruncho que vem de


sm

o lim ite do i rreconhec �


múltipla s ap arênc ias até
s

o é denso e fa s � m ant�
. Ha � T�rra dentro) vítima da vida i nteligente a que ela p róp ri a deu abrigo, é
da Terra o Céu nos envia? O jog
á, vis.tas do Ceu ? Ha o Ceu visto ameaçador demai s para ser ignorado pela sens ibilidade alerta e
vista da Terra. Qu antas Terr as h
do vistos n� C�' u ?. des assossegada d os arti stas planetári os. E nquanto, de um la do,
da Terra . Qu antos Céus há, quan es que podero so � i n i m ig os se ig ual am na corrida p ara a conq u i s t a
ast ronom1 co� � de nav
Atr avés da mediação de satélites m •d arm aze­ armamentista do es paço e na pul s ão da morte (pervers a vi ngança
vão sendo t an � � �
deixam o sei o da órb ita terrest re d cos ­ do homem contra s i mesmo) que pode, no instantâneo de um flash
s e
i tt �
r s

ens de recessos cada v


z m
nadas n a Terra i mag
� Lua
o
co�verter a :rerra e� cogumel os de fogo, de out ro lado, a·lguns
s
1
m
p rfi �
ma s
d
e

mo s numa evidente
tendência expans i oni sta:
acttcos ... artistas mumdos de mdestrutível pul s ão in dôm ita da vida buscam
c
g l
e
d
a su

o estelar aos se gre


ao e�paço planetário, da exploraçã nos trâns itos entre o Céu e a Terra, as plataformas móvei s de fança�
os a

men ta para lúc idas e me igas pombas mensage iras de um sonh o


ITE
O CÉU NÃO É MA IS O LIM
inédito.
rada de u ma noite e�trelada
A vi são desl umb rante e deslumb
ti ca do esp aço - es tá sen do
_ mi ragem da imensidão enigmá
i magen� em clo!e- up, c�ad�s
ARTES DO CÉU

despud oradamente devassada por


, ouvidos e c�r�b �o nao estão _ Em vári �s partes da Terra, está começando a pipocar a i magi­
de Céus dentro do Céu . Nossos olhos a ol�o nu , naçao de p roJ etos de porte, natureza e resultados dife renci ados
mai s ou apen as aqui o
nde pensamos que estão. .Inv1 s 1ve1 s
nave gam no es paço orb
ital �o sideral projet_?s , no entant?,. que se irmanam quanto ao foco para onde �
os s ensores , que h oj e coraçao pen sante dmge o olhar do sentimento . São as artes do Céu .
mgo, nem
me s
d
e

re arador, n �
- para os quais não há descans� p !e�a, p ro­ O es paço celeste, ou melhor, a interface Terra-Céu como su porte
e om

s ito entre o C
feriado -, est rategi camente em tran a Terra e da Arte. Su porte cujo acesso i mplica, em maior ou menor grau , no
a
C
eu e

u e da Terr a . D
du zem inces santemente signos do Cé acompanhamento do dernier cri da ciência espacial de ponta e no
o eu

da Terra ao Céu . uso de tecnologia sofi sticadíssima, de aparelhos e equ ipamentos


NOS SO CORPO TEM A BELEZA
DO GLO BO que perambu lam pelo espaço orbital e mesmo s ideral. Para a reali­
s ig­ zaç�� d� tais proje tos, os arti sta s têm de pedir carona no itinerário
bele za embu tida nes ses
A beleza desses s ignos, a idéi a de i áv , ? s e da c1encia. O que trazem de volta da j ornada, no entan to, é surp re­
ia de sses signos s ão a
dm ! �
nos e a bel e za da idé •�­ endente e encantador. Algo que só o pás saro onírico da arte pode
tore
g n�
s se
1
e
l
r
capta d p m
i rresi stíve i s demai s para não serem transportar.
i on ri s . �u é a _beleza que nao
os e o ma a

quieto e irrequ ieto dos arti stas �i s � � d1


propna mensao hum�a que
tem mais escala humana ou f01 a olhos e ouvidos do
VIDA, CORPO E MENTE CELESTES
tidos , es pec i al mente os
mu dou de esc ala . Os sen
d o para fo ra do seu No Bras il, há uns doi s pares de anos, p roj eto começou a
, assim como seu cérebro, estão cresc
en um
homem
242 LÚCIA SANTAELLA

gemlinar na irreprimível cabeça imaginante de Wagner Garcia, nas Céu e vida


suas assíduas visitações de estudo e aprendizagem junto aos inves­
tigadores do Instituto de Pesquisas Espaciais em São José dos Cam­
pos-SP e nas suas trocas de conhecimento e indagação sobre o pos­
sível e impossível do binômio poética-ciência com o astrofísico
carioca Jorge Albuquerque Vieira. O resultado desses anos de
ininterrupta demanda fertilizou na annação de uma trilogia de per­
fil cosmológico: ( 1 ) Sky and L(fe (poética da incerteza sobre a vida Porque é muito mais espessa
inteligente na infinitude do espaço), (2) Sky and Body (flagrantes a vida que se desdobra
do corpo da Terra no movimento de ascensão de u m balão em mais vida,
estratosférico) e (3) Sky and Mind (ensaio sobre os vários planos como uma fruta
de inteligência visual que conectam um alvo na superfície da Terra é mais espessa
com seus olhares celestes). que sua flor
INSTANTE DE CINTILAÇÃO
João Cabral de Melo Neto
São perquirições sobre a Vida, Corpo e Mente do Céu sob os
múltiplos pontos de vista da Terra e vice-versa, três projetos auto­
nomamente pensados, mas lindamente engatados e inteligentemen­
te unificados graças àquele súbito instante de iluminação com que No século IV a. C., Metrodorus, um filósofo grego, já pres­
os artistas ou mesmo os cientistas são premiados depois de longos sentia que considerar a Terra como único mundo povoado no espa­
ou intensos períodos de gestação de um projeto. Através de ensaios ç� infinito é tão absurdo quanto afirmar que num campo inteiro de
e erros, por incontáveis momentos de incandescência mental e de tngo apenas um grão ge'lllinará.
quase insana distração para com as coisas prosaicas da vida, em Quase 25 séculos transcorridos, o universo atualmente
meio a estados contínuos de observação abstrativa e de testagem observável revela que nossa galáxia é apenas uma entre dez bilhões
dos movimentos internos do pensamento no confronto com os cons­ de galáxias. Nosso Sol é apenas uma entre trezentos bilhões de
trangimentos externos da realidade, eis que, de repente, quando estrelas presentes apenas na nossa galáxia. O Sol, com seu cortejo
menos se espera, no clarão de um relâmpago, o quebra-cabeça se de planetas, e a galáxia que tornaram nossa existência possível não
arma, sob o impulso das forças ocultas da mente, aliado ao ponto são incomuns ou basicamente diferentes de outras galáxias e estre­
de maturação dos materiais sobre os quais o pensamento se debru­ las. Se algumas décadas atrás, os astrônomos, diferentemente de
çou . Assim se deu a armação da trilogia de Wagner Garcia. O pro­ n�sso ancest_ral grego, acreditavam que os sistemas planetários si­
duto final do projeto é uma sinfonia visual de imagens em vídeo, mtlares ao sistema solar, assim como o hábitat para a vida que a
painéis fotográficos e diagramas explicativos para a fruição de um Terra fornece, eram extremamente raros e possivelmente únicos,
olhar pensante. Contudo, tanto quanto as imagens resultantes, a n� presente, os avanços em ciências tão diversas quanto a astrono-
mentalização inspirada que foi lhes dado origem e que lhes serve de 0:Uª e a biologia molecular erodiram as razões para se pensar que o
arcabouço se faz merecedora do carinho de uma atenção cuidadosa � •stema planetário e a biogênese em planetas propícios sejam
mcomuns. Os materiais e processos que conduzem à origem e evo­
lu�ão da vida estão interconectados com a origem e evolução do
universo.
As probabilidades da existência de outros sistemas solares e,
w

244 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 245

conseqüentemente, de vida além da Terra, sugeridas pela ambiência INPE. Aliou-se ao astrofísico Jorge Albuquerque Vieira (sem o qual
científica moderna, aliadas ao tremendo desenvolvimento tecnoló­ Sky and Ltfe não teria sido possível). Tudo isso, para quê? (Per­
gico dos aparelhos de observação, criaram as condições para o sur­ gunta, aliás, que não se faz a um artista; para o artista não existe
gimento, nos Estados Unidos, do programa SETI - The Search for por quê, nem para quê; seu trabalho simplesmente existe.)
Extraterrestrial lntelligence (A Busca de Inteligência Extraterres­ Wagner não é ingênuo. Não freqüentou a ciência de ponta
tre) em tomo do qual se reúnem todos os cientistas solidários à para competir com os cientistas. Tinha inúmeros quase pensamen­
demanda de evidências de que a vida na Terra não é solitária tos na cabeça (girando, mudando, borboleteando, sumindo, voltan­
(Morrison et al.1979). Nessa busca, o que parece animar os cien­ do), mas uma única imaginação fixa, imperturbavelmente imutá­
tistas e fascinar os leigos é o fato de que, na tentativa de uma res­ vel: queria inserir um corpo poeticamente estranho, ou estranhamente
posta para o enigma - há vida ou não? -, fica muito difícil poético, nos circuitos de recepção, processamentos e transmissão
discernir qual das duas alternativas - sim ou não - seria a mais de sinais da radioastronomia. Seu foco de miragem era a vida -
fantástica. No contexto atual, aliás, dado o grande número de su­ vida que te quero vida - para além do Globo. Na sua cabeça de
gestões favoráveis à vida além da Terra, a hipótese da nossa soli­ artista, impávida e colossalmente, fixa a idéia iluminada de que,
dão e da unicidade de nosso patrimônio biológico parece muito para indagar sobre a vida, nada mais vital do que a poética. Porém
mais espantosamente inacreditável do que seu contrário. não queria uma poética babacamente metafórica, ilustrativa, poéti­
De qualquer modo, não há índices de que a dúvida possa ser ca do comentário, à margem e à distancia dos estremecimentos mais
proximamente sanada. Para uma indagação astronômica, o tempo recentes das descobertas nas ciências. Buscava uma poética da fric­
também é contado astronomicamente. Enquanto isso, esforços são ção: cara a cara com os abalos e tremores de terra que o desenfre­
despendidos na elaboração de estratégias para a busca (principal ado ritmo de crescimento científico e de seu suportes e subprodutos
tarefa do programa SETI) e na utilização otimizada dos instrumen­ tecnológicos estão fadados a provocar nas anacrônicas e cínicas ou
tos de observação de que o presente dispõe. ingênuas ideologias travestidas de humanismo, assim como nas
É no contexto das questões acima que o estudo Sky and Life formas de arte e cultura mercantis que lhes dão sustento.
de Wagner Garcia foi tomando forma. A incerteza e a dúvida são Resumindo: os percalços para realizar seu desejo foram mui­
os mais fortes componentes da curiosidade. Cientistas e artistas, tos. Esqueçamo-los. Eles se perdem nas franjas cinzentas do cotidi­
cujo estofo é verdadeiro, são seres imantados na incerteza. O tipo ano. Notas de rodapé inscritas no escuro. Cumpre registrar o que
de tratamento, todavia, que costumam dar a ela, os diferencia. En­ veio à luz.
quanto a ciência se debruça sobre o incerto como uma questão a ser O ponto de partida eram sinais captados de estrelas de tipo
sanada, ultrapassada ou, pelo menos, explicada, visando à satisfa­ G5 (estrelas com características similares ao Sol). Sinais que re­
ção (descanso da irritação da dúvida), através de respostas pelo gistram as pulsações cósmicas de astros aptos ao oficio (tal como o
menos prováveis, a arte, ao contrário, busca dar forma sensível à Sol) de doação de vida.
dúvida, fazer a incerteza virar coisa, expô-la à superfície dos senti­ Em termos semióticos, os sinais recebidos são índices do com­
dos. portamento da fonte que os emite. Por isso mesmo, esses sinais, ao
Wagner Garcia está há anos respirando na atmosfera das pes­ serem interpretados na Terra, fornecem uma série de informações
quisas espaciais. Tomou-se íntimo freqüentador de todo o arsenal sobre sua fonte. Em si mesmos, os sinais não têm inteligência. São
tecnológico do complexo que compõe o Instituto de Pesquisas Es­ meros indicadores, indiferentes ao fato de serem captados ou não.
peciais-SP. Coletou as informações que estavam disponíveis e saiu Continuam existindo, na sua missão, haja ou não uma antena de
à caça das que não estavam disponíveis. Observou o trabalho dos radioastronomia para coletá-los e cabeças pensantes para interpretá­
técnicos, o funcionamento dos aparelhos, compartilhou algumas los.
das indagações e dos resultados de pesquisas dos investigadores do Nota-se que a antena, em si mesma, já é um sensor dotado de
246 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 247

inteligência, pois, se assim não fosse, não poderia receber os sinais É por tudo isso que, no instante em que Wagner Garcia, com
que recebe. A antena é inteligente. Os sinais não são. Se fossem, seu projeto Sky and Life, entrou no circuito em que transita a inter­
seriam sinais de vida. Neste caso, então, sendo ainda sinais, índices rogação sobre a vida no cosmos, de saída, já estavam encapsulados,
de vida, são também símbolos, porque a vida, semiótica e biologi­ nesse projeto, os dois projetos subseqüentes: Sky and Body e Sky
camente, é símbolo: lei governando particulares, um código geral and Mínd. A vida é, por sua própria natureza, vida inteligente.
que cónforma as atualizações singulares à sua imagem e semelhan­ Nesse sentido, o entendimento da palavra mente se amplia para
ça. É por isso que toda forma de vida é uma forma de inteligência. recobrir todas e quaisquer formas vitais aquém ou além do homem,
Vida é aquilo que detém a informação para sua própria reprodu­ na Terra ou no Céu. Ao mesmo tempo, indagar sobre a vida cósmi­
ção, de modo que vida e auto-reprodução são s�nônimos. Nesse ca é necessariamente pensar as características dos corpos celestes
sentido, a morte está subsumida ao ciclo da vida. E uma espécie de propícios a abrigá-la. Inicia-se, já no interior do primeiro estudo de
excremento da vida. Wagner Garcia, um jogo combinatório implícito dos elementos vida­
A energia radiante, que é emitida por qualquer corpo (terres­ corpo-mente que se repetirá em novas redistribuições nos estudos
tre ou celeste) com temperatura superior a zero grau absoluto, é um subseqüentes. Em Sky and Life, interrogar sobre a vida inclui as
ingrediente fundamental da vida, pois é essa energia que toma pos­ interrogações acerca do corpo e mente da vida. Voltemos, pois, ao
sível os processos dinâmi�os. Sem a informação, no entanto, a ener­ percurso dessa interrogação, retomando o passo do projeto.
gia é destituída de vida. E a informação que se responsabiliza pelo Rememorando a questão central: como introduzir uma poéti­
comando, controle, coordenação, reprodução e, até mesmo, pela ca, intrometer-se pelas vias do sensível, no circuito de inteligibilidade
modificação e adaptação do uso da energia. Toda espécie de vida, da ciência? Tendo passado por uma seleção, para a qual Wagner
vida auto-reprodutiva, baseia-se no código genético; este é um meio Garcia contou com a inestimável colaboração do astrônomo
extremadarnente engenhosCT de armazenar informação de como se Williams Villas Boas, os sinais das estrelas G5 estavam lá. Não se
reproduzir, multiplicar e armazenar esta mesma informação, inclu­ tratava de fazer deles uma leitura poética, mas em nível de produ­
indo a informação de como construir um organismo mais compli­ ção. Como implementar esses sinais com sensibilidade sem des­
cado. truir suas características elementares, ou melhor, como chegar,
Parece que a tendência da vida para o cérebro já estava inscri­ transmutado, ao ponto de saída do circuito, sem perder, pelo cami­
ta na própria vida. Conforme foi crescendo em complexidade, a nho, os dados de entrada ?
vida foi tendo a necessidade de uma central de ligações e distribui­ Semioticamente, tratava-se de fazer emergir a proeminência

(
ções (o cérebro), capaz de transformar informações de entrada em icônica (reino do possível, paroxismo qualitativo do sensível e do
apropriadas ações de saída. Assim como a vida estava grávida de sentimento) a partir dos sinais de rádio, tomados como dados de
cérebro, o cérebro estava grávido (ou ávido) de linguagem. Neste entrada. Ora, esses sinais são despojados, carentes de apelo sensó­
ponto, o da linguagem - emergência única na biosfera - foram rio. Inútil, portanto, tentar exacerbar o aspecto icônico minima­
tocadas os gonzos da hipercomplexidade e de seu rebento expansi­ mente presente na materialidade em que o sinal se corporifica. Em
vo, a noosfera, reino dos signos, inteligência corporificada de arte­ casos como esse, é preciso fazer o índice avançar para o nível sim­
fatos, objetos, moradia, instrumentos, meios de transporte e comu­ bólico e, então, saturar o simbólico na hipercomplexidade até
nicação, incluindo, no estágio atual, entre milhares de outros ape­ converté-lo em efeito de pura e nua qualidade, irrupção do ícone.
trechos e aparatos, as antenas de radioastronomia... Enfim, tudo ao As idéias iam tomando corpo na medida mesma em que eram
nosso redor, e agora em redor e para além da Terra, tudo que ainda discutidas principalmente com Jorge Alburquerque Vieira a quem
inadvertidamente chamamos de coisas, são signos, seres noológicos, coube a exímia execução de um tratamento dos sinais (índices) que,
que povoam a natureza e englobam a própria natureza, que tam­ através de um esforço de materialização, passaram por uma
bém já virou signo (o serviço meteorológico que o diga!). transcodificação em nível simbólico, reaparecendo, assim, numa


248 LÚCIA SANTAELLA CULTTJRA DAS MÍDIAS 249

gramática ex pressa através de u m es paço de estados ou de fases. É se encontra com det ermin ada temperatura, ou pr es são, ou volu­
Jorge A. Vieira ( 1 988:2-4) quem nos informa sobre a complexa me etc. Ou sej a, um moment o, um estágio, u ma fa se de su a exis­
trajetória desses sinais rumo a u m ti po de codificação capaz de tência. Um único pont o é t odo o sist ema num moment o hi stórico.
fazê-los rebater no plano s imbólico e simultaneamente estourar,
ressurgindo como í cones na e piderme dos sentidos para sedu zir a
Qu an do o sist ema mu da, suas caract erí sticas t erão mu dado e o
perce pção:
pont o desloc a-se no es paço, geran do u ma traj etóri a. Essa tr aj etó­
Na ciência moderna, observamos in dícios de incertezas intrí nse­ ria não é o camin ho percorrido pelo corpo n o espaço n ormal,
cas à naturez a, que não ex pr essam só a ign orância do suj eit o. E como ocorreria num espaço de representaçõ es, mas é agor a u ma
já conhecemos dois processos básicos: 1) do caos, do incerto, do part e de su a história ou de sua evolução. Esse espaço qu e não
in det erminado, da pertur bação, da flutuação emerge a organiz a­ r epres enta o cor po e sim sua história é o espaço de est ados ou de
ção [ver a t eoria das estruturas dissipat ivas de Prigogine); 2) do fases. Os atrat ores, estran hos ou não, são entidades geométricas
det erminado, bem comportado, daquilo que é ex pre sso por u ma n esses espaços para os qu ais t en dem as traj etórias históricas de
r egra ou lei, do estável emerge o caos, e mais ain da, u m caos sistemas em evolução. Assim, se um sist ema não mu da ao lon go
ex pre sso por u ma regra simples e conhecida, logo, in dependente do t empo, um único pont o o represent a. Se o sistema é pertur ba­
da ign orância humana. Trata-se aí das modern as t eorias do caos do, u ma pequena traj etória 'aban don a' o pont o, mas volt a a ele,
e atrat ores estranhos. D essa última escola teórica, s abemos que quan do o sistema 'acalma'. Esse ponto é um atr at or de est abili­
atrat ores e str an hos ( entidades geométricas, num ín dice qu e si­ dade. Atr atores podem s er pontos, curvas fechadas ou ciclos ou
mula u m espaço, chamado espaço de fa ses ou estado, par a on de entidades tridimensionais como um t oro (um pn eu) etc. Atrat or es
convergem as ór bitas históricas do sist ema r epresentado) são estranhos, os qu e govern am a transição de um r egime estacioná­
fr actai s, ou s ej a, estruturas de dimension alidade fracionária qu e rio para os caos, têm formas estran has e geralmente são curvas
geralmente se repet em ' internamente' (um pequen o pedaço de qu e se dobr am s obre si pró prias. Ou su perfícies etc. E s ão esses
fr actal conté m a estrutura fr act al, um pedaço do pedaço também atr at ores qu e são t ambé m fract ai s, sua estrutur a repetin do-se exa­
etc.). (... ) A ssim, se um determin ado fenômen o é descrit o por t ament e devido a ess as dobras n o es paço de fas es. (... ) Exist em
u ma mens agem qu e possui um componente determinista at enu a­ sist emas cuj o comportamento n o t empo pode ser representado
do por u m caótico (a pr esença de "ruí do", na forma de regras de por um espaço de fases puramente t empor al. E quando o s eu com­
sint ax e de curt o alcance int ersimbólico, como n os process os portamento possuir escalas temporais mais ou men os bem defi­
ergó dicos) a lingu agem tí pica do mesmo, se colocada num espa­ nidas, o chamado espectro t emporal pode ser reflexo de u m es­
ço de fa ses, pode evidenciar algum aspecto de u m atr ator estra­ pectro de freqüências.
nho. (.. . ) Elaborados esses pressu postos, Jorge A. Vieira iniciou o pro­
cesso de transcodificação dos sinais, de modo a converter os índi­
Tomemos u m sist ema qualqu er qu e mu de n o t empo, qu e ces originais em símbolos de u ma gramática. Assim ele nos ex plica
evolu a n o tempo. Ess e sistema, ao mu dar, t em mu dadas algumas seus procedimentos:
ou mu itas de su as caract erí sticas. P or ex emplo, forma, cor, t em­
peratura, volume, densidade, pr essão int erna etc. É pos sível cons­ n os sinais por nós estu dados, codificamos os fenômen os n ão pela
truir u m espaço matemático on de cada eix o in dicavalores dessas sua int en sidade, ou sej a, pela amplitu de dos registros, mas sim
caract erí st icas mutáveis. M at emat icamente, podemoli tomar n pela duração em t empo das estruturas do sinal. Se essas dur açõ es
eix os ortogonais, mas se quisermos aproximar essa con strução s ão t omadas como sign os, eles formam um alfabeto e a man eira
de n ossa percepção, ficamos limit ados a três eixos somente. (... ) como u ma depen de da outra, como uma influencia ou implica n a
U m pont o n esse espaço in dica um est ado do sistema, quando ele ocorrência de outra, traduz a gramática do s inal, a fa ix a de influ­
ência int ersimbó licas etc. Se colocamos num eix o todos osvalores

e
ÜJCIA SANTAELLA CULTURA DAS M Í DIAS 25 1
250

que essas durações possam ter (" tn) e colocarmos um outro eixo. de provocação que, fazendo cócegas e produzindo espasmos na
perpendicular ao primeiro mas tal que seja calibrado em " tn + 1. perc�pção, exige olhos táteis, ligeiros e voláteis para sua recepção.
teremos um espaço bidimensional. de fases. puramente tempo­ No mvel das 1mpheações subentendidas, as fractais adquirem, den­
ral. onde cada ponto mostra como a temporalidade do sinal. num tro do proJeto Sky and L �fe , uma força e forma dinâmicas
determinado estágio. depende das anteriores ou posteriores. Isso emblemáticas da própria vida. Que os sinais de rádio encontras­
vai delinear a influência intersimbólica a nível de pares de sig­ sem, por fim, sua tradução em fractais não foi sem conseqüências
nos. algo como as leis que regem a ocorrência de 'dígrafos· ou Senão vejamos.
•sílabas· . A computação gráfica em geral e as fractais em particular e
de modo mais intenso estão trazendo para o mundo questões
Tendo os sinais sido codificados segundo a gramática acima semióticas das mais originais. Sabe-se que por trás e por baixo das
enunciada, o passo seguinte foi a construção de dois reticulados imagens computadorizadas (necessariamente animadas e modula­
iguais, ou seja, dois reticulados que podem ser superpostos. ''No das: música da luz), que aparecem na tela de um monitor, estão
primeiro", continua Jorge A. Vieira, fórmulas matemáticas quase sempre bastante complicadas. Não foi
são marcados os pontos pelas medidas dos tempos, por exemplo, senão o computador que tomou viável essa mediação formidavel­
se uma flutuação do sinal dura 2 seg., seguida por uma de 6 seg. mente inédita entre a aridez dos cálculos numéricos das equações
e depois por uma de 4 seg., teríamos os pontos dados pelas coor­ matemáticas, de um lado, e, de outro, a exuberância visualizável
denadas (2, 6 ), ( 6 ,4). Cada par 'amarra' um signo (no caso. uma das imagens que aparecem na tela como uma luxúria para os senti­
duração temporal) ao seu posterior. Graficamente, exprimimos dos. _Isto quer dizer: o computador tomou possível que a saturação
um vínculo entre os signos. No segundo reticulado, é desenhada da h1percomplexidade simbólica estourasse na irrupção do ícone.
a fractal escolhida pelo artista. Os pontos do primeiro são colo­ Tradução intersemiótica instantânea do inteligível (equações nu­
cados em cima do segundo. Quando o sinal 'comandar' : seja a méricas) em sensível (dinâmica da forma multiluzcor na sua mais
transformação t2 a t 6. isso gera o ponto de coordenadas (2, 6 ) pura nudez qualitativa). Conexão imediata da abstração inteligente
que, colocado no espaço da fractal, 'cobre' um ponto do mesmo. com as turbulências sensórias da percepção.
Se o fenômeno prossegue, em sua história, pontos vão correr no No caso das fractais, aliás, seria impossível gerar suas ima­
espaço de fases. logo. sobre a fractal. A mudança do sinal gera gens sem a ajuda de computadores porque, mesmo quando se parte
uma mudança sobre a fractal. Esse é o mapeamento. (Vieira de fórmulas razoavelmente simples, sua geração requer que elas
1 988:4-6) sejam calculadas inúmeras vezes e, a cada vez, usando o cálculo
anterior como início do próximo, e assim por diante (Canizza Filho
Mapeado o percurso, o facho da trajetória do projeto passou
et a �. 1988:3). Assim, quanto mais potente for o computador, mais
às mãos do engenheiro e pesquisador do INPE Guaraci José Erthal,
s e r a c a p a z de acolher a c omplexidade matemátic a d a s
responsável pela execução da programação e processamento das
multidimensões, que subjaz à imagem, e mais instantâneo será o
imagens fractais. Na tela do monitor, aqueles sinais das estrelas
tempo de resolução dos milhões de cálculos numéricos necessários
G5, após sucessivos tratamentos intersemióticos, ressurgiram
para resolver as equações fractais. Mas a mais inesperada revela­
transmutados na forma de fractais em animação. O sonho da inje­
ção que as formas fractais trazem consigo está na super nova con­
ção de sensibilidade aplicada aos sinais, por tão longo tempo aca­
cepção da natureza que elas inauguram e na similaridade de sua
lentado e perseguido por Wagner Garcia, não poderia ter encontra­
dinâmica com os processos de crescimento prototípicos da vida .
do uma realização mais perfeita no seu modo de aparição e nas
Nas imagens fractais,
sutilezas que subentende.
No nível de ebulição dos sentidos, a animação das fractais, cada parte da figura, por minúscula que seja, repete a forma
com sua inquientante beleza, surge como urna espécie desconcertante


252 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS M Í DIAS 253

macroscópica predominante, como se fosse uma miniatura do inacreditavelmente minúsculo de um universo plástico infinito ou
quadro. Não fossem os limites impostos pelos pontos de resolu­ de vários universos infinitos que se atravessam de fo rma comple­
ção do monitor ou da impressora, poderíamos continuar o exame .,
xa (Machado 1988: 15 3) e que a idéia da dimensão fractal é a de
ao infinito, 'ampliando' detalhes cada vez menores e fazendo vir ''um continuum de detalhes sempre crescentes, numa progressão
à tona novas reverberações do motivo plástico principal (Macha­ tal que chega a um número infinito de dimensões possíveis. cujos
do 1988: l 5 l ).
espaços intermediários estão além da capacidade de aferição do
Ora, essa auto-similaridade da figura, que não resulta de urna mstrumental em uso atualmente", sendo um número fractal aquele
arbitrariedade teórica, mas de uma propulsão determinada pela pró­ que posiciona a dimensão nos intervalos até então ignorados
pria lógica interna de geração das fractais, corresponde exatamente (Canizza Filho et. ai. 1988:4), não se pode deixar de perceber que
ao princípio de auto-similaridade que comanda a germinação da as imagens fractais entram nos circuitos de Sky and Life quase
vida. inacreditavelmente como o desénho mesmo das indiscerníveis suti­
Do mesmo modo, tal como nas fractals, não há nada na natu­ lezas da vida e da infinitude insondável do cosmos.
reza. que seja perfeitamente uniforme. E quanto mais complexos e A indagação sobre a vida inteligente no espaço recebeu a pró­
dinâmicos os fenômenos, quanto mais flutuantes, fluídos, mistura­ pria forma espessa da vida que transborda para o infinito. Coinci­
dos, erráticos e turbulentos, mais eles resistem às assépticas geo­ dência? Arbitrariedade? Nem uma nem outra. Quando o artista leva
metrias dos números inteiros e das dimensões nitidamente o movimento do seu desejo e o cientista a atenção de sua retina
compartimentadas, para encontrar sua resolução nas dimensões mental até às últimas conseqüências, um mesmo limiar, na conti­
fracionadas. "Nuvens não são esferas, montanhas não são cones, o nuidade do projeto humano do homem é atingido. Que, neste caso,
litoral não é um círculo nem os raios viajam em linha reta", eis uma as fractals tenham aparecido no caminho do desejo do artista e no
das famosas frases do matemático B. Mandelbrot (cf. 1983, 1986, percurso de resolução do cientista não é arbitrário, assim como não
1988) para apresentar esse novo lugar geométrico fracionai, no é arbitráno e nem fortuito que as fractais se apresentem como a
intervalo entre o ponto e a linha, a linha e a superficie, o plano e o mais recente representação de imagem da vida e do cosmos que o
sólido, o sólido e o tempo, lugar fugidio, capaz enfim de acolher a nível ge nossa compreensão do universo nos permite hoje atingir.
espessa franja de fenômenos naturais que escorregam por entre as E por isso que as fractais desempenham, neste proj eto de
fendas das rígidas tramas da ordem, da regularidade, da necessida­ Wagner Garcia, um papel emblemático, que fornece o testemunho
de. O mais perturbador e fascinante em tudo isso, no entanto, é o da fantástica fusão do sensível e inteligível que a computação grá­
fato de que as fractals não são simplesmente o lado contrário, ape­ fica das multidimensões está hoje inaugurando, ao mesmo tempo
nas o avesso da ordem, mas sim a descoberta de uma outra ordem, que atualiza essa fusão no seu próprio processo de realização atra­
isto é, aquela que abriga o caos, acaso, mutação, fusão, continui­ vés da indissociável conjunção do trabalho do artista e do cientista,
dade, em síntese, aquilo que, na vida, borbulha com vida. culminando nas fractais em si mesmas que dão forma à mais con­
Quando se sabe que o novo sistema matemático, que está temporânea conquista da inteligência humana no seu caminho de
encapsulado nas fractais, parece ser tão poderoso e sensível a ina­ entendimento dos meandros enigmáticos da vida e do infinito. Se
cessíveis sutilezas a ponto de poder descrever intrincados sistemas, há uma face epistemológica para a imagem com que o mundo hoje
tais como a interconexão de neurônios ou a distribuição das galáxi­ nos aparece, essa imagem tem as feições de fractais em animação.
as, não se pode deixar de perceber a ressonância íntima com que as Não obstante tudo isso, o projeto Sky and Life não parou aí.
fractais se amalgamam no projeto Sky and Life. As fractais, com suas pulsações perceptíveis, ocupam, é certo, o
Quando se sabe que cada flagrante de imagem fractal - com centro cardíaco do projeto, mas o estudo pretende ir além delas.
seus ninhos em redemoinhos - não é senão um "fragmento Wagner Garcia ainda quer devolver os sinais ao Céu. Um novo e
complicadíssimo processamento recodificador, deverá reconverter

.,,
LÚCIA SANTAELLA
254

as fractals em sinais para emissão em radioastronomia.


De �ol� os Céu e corpo
dife­
sinais: chegaram do Céu e retomarão ao Céu. Mas retomarao be­
i u a s
rentes , transfigurados por um quase-mais-alén:1 da � � � � � me
1mpn
doria sensível empresta à inteligência e que a mtehgenc1a
à vida.
Ao fim e ao cabo, Sky and Life será tão-só e apenas um clipe
no".
cósmico tangido pela marca de "humano, demasiadamente hwna
Eu es tou apaixonado
por uma menina Terra
signo de elemento Terra
do mar se diz Terra à vista
Terra para o pé firmeza
Terra para a mão carícia
Outros as tros lhe são guia
( . .)
De onde nem tempo nem espaço
que a força mande coragem
pra gente te dar carinho
durante toda a viagem
que realizas no nada
através do qual carregas
o nome da tua carne
Terra Terra
por mais distante l'
,I
o errante navegante
quem jamais te esqueceria?

Caetano Veloso

Quando Gagarin atravessou o Céu, navegando longe no espa­


ço desmaterializado, para seu desapontamento, pelo caminho não
cruzou com deuses, mas foi o primeiro ser terrestre a ter o privilé­
gio de se comover com a imagem do corpo da Terra.
Quando os primeiros astronautas desceram na Lua, a coisa
mais sensível que trouxeram de volta não foram exemplares de ro­
cha e pó para investigação, mas a imagem invertida do Céu, "um
céu de outro lugar" (ver Plaz.a 1987: 150-15 1): projetando-se contra


256 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 257

o fundo infinito do cosmos, o corpo impressivo da Terra perfilado Dentro desse contexto, numa espécie de ritual celebratório do
no horizonte da Lua. ano 2000, o projeto Sky and Body de Wagner Garcia se configura
Hoje, as fotos da Terra, do ponto de vista do espaço, estão em como um hino visual de ternura pelo corpo da Terra.
toda parte, usadas e abusadas por quaisquer espécies de propagan­ Trata-se de uma viagem de um balão estratosférico, que foi
da. Em todas elas, no entanto, ainda se mantém intacto e vivo o lançado em Birigui-SP, transportando como carga útil um equipa­
efeito �e ternura comovida que elas nos provocam. Afinal, que lin­ mento de slow-scan TV acoplado a urna câmera de vídeo CCD. O
do planeta azul é este nosso! Azul deve ser o corpo da vida. slow-scan convertia o sinal luminoso da câmera em sinal áudio
A Terra em que pisamos, habitamos, por onde andamos, atra­ enviando por telemetria esses sinais à Terra. Durante quatro horas'.
vessamos, viajamos, no contato (roçar) com sua superficie, produz o balão, em seu movimento de ascensão, desde a superficie do gra­
uma poderosa sensação de abrigo, segurança, acolhida, tal qual a mado até a visão da curvatura do planeta, foi gravando e transmi­
proteção de um imenso colo de mãe. Não é à toa que a Terra é mãe, tindo, em tempo real, as imagens do corpo da Terra, do plano micro
em oposição ao desconhecido, enigmático e contraditório Céu. Ora ao macro.
é luz, engravidando a Terra de vida, ora é escuro mistério do infini­ A slow-scan TV, como o próprio nome diz, é uma TV de var­
to insondável. redura lenta. Enquanto a TV comercial transmite 30 imagens por
A vista aérea da Terra, por sua vez, ao nos arrancar do conta­ segundo a s low-scan leva, no mínimo, 8 segundos para. formar uma
to com a superficie é, simultaneamente, encantadora e inquientante. tela. A vagarosa e gradual varredura, preenchendo gradativamente
Na mudança de escala do olhar, a paisagem da Terra - borbulhante a tela, a imagem brandamente se formando diante dos nossos olhos,
nas formas e cores da natureza e acrescida pelas linhas, vincos, produz uma mudança de ritmo perceptivo, numa temporalidade ti­
estrias e configurações variadas das marcas do fazer humano - picamente tátil. As imagens de baixa definição exigem participa­
transforma-se em uma espécie de planta-baixa, chapada, mas ao ção mais ativa dos sentidos, um olhar mais curioso e háptico, ca­
mesmo tempo tátil e multiforme. Deixando o abrigo dos volumes, racterístico de uma sensibilidade exploratória, que avança pouco a
1,,

ganha-se, na realização do imemorial sonho de voar e na excitação pouco, mas que se mantém, de começo a fim, como agente do pro­
1

dos sentidos, o que se perde em aconchego. cesso.


Nada, no entanto, é comparável à indescritível sensação O movimento de ascensão do balão estratosférico, se compa­
provocada pelas imagens do corpo terrestre a partir de uma distân­ rando ao de qualquer outro meio de transporte aéreo, é também
cia cósmica. A bolha de luz azul, flutuando na amplidão negra do lento e gradativo. Cria-se, assim, na junção do movimento do balão
finnamento, desloca-se subitamente da posição de mãe para a situ­ com o tempo próprio da slow-scan, urna isomorfia rítmica. Ambos
ação de filha. Filha do universo. Quão frágil, surpreendentemente, avançam num compasso similar, enquanto configuram uma espé­
quão tenra e delicada se apresenta a esfera da Terra, quão fugaz o cie de namoro tátil com o corpo da Terra. Fonnam-se desse corpo,
tempo astronômico do sistema solar, contra o silêncio desconheci­ e em homenagem. a ele, imagens de branda e tema sensualidade,
do do infinito. Sob esse prisma, então, além do alhures, é carinho e desde a textura do gramado até a curvatura do globo.
ternura, inevitavelmente, que o corpo do planeta - assim meiga­ Certos sempre estiveram os orientais, no diagrama cósmico
mente miúdo e solitário - faz brotar em nós. do / Ching, em qualificar a Terra no gênero feminino: aquilo que
É por isso que S. von Hoemer ( 1985:4) diz que as fotos da recolhe e engendra, o que toma possível que as coisas tenham for­
Terra, a partir do espaço, deveriam estar penduradas diante dos ma visível, o repouso, a suavidade, o brando. É como uma fêmea,
olhos de todos os homens de poder. A fragilidade do planeta frente de fato, que a Terra é tratada nesta celebração high tech com que
à infinitude sugere quão facilmente a beleza da Terra pode ser des­ Wagner Garcia acaricia seu corpo, corpo que é abrigo da vida, vida
truída pelo nosso descuido. É mais carinho e gratidão que a Terra que é inseparável da mente, mente que se expande para o Céu.
parece reclamar e merecer.


T

Céu e mente

A produção é prodigalização.
Tendo atingido o limite do crescimento,
o ser vivo transborda de energia,
canalizando-a para a produção de outros seres vivos:
1

dá vida aos que devêm dele.


É assim operacionalizado, em seu aspecto produtivo,
o conceito nietzschiano de devir dionisíaco

André Marcolini

Entre os incontáveis escritos do norte-americano Charles


Sanders Peirce ( 1839-19 14) - cientista, matemático, filósofo, ló­
gico e fundador da Semiótica, a moderna ciência dos signos - há
uma passagem magnífica, pronunciada em 1863, quando Pierce
era ainda muito jovem, que diz o seguinte:
Por que o homem, um ser no qual o impulso natural está primei­

r
ro na sensação, depois na razão, depois na imaginação, então no
desejo, então na ação, teve de parar na razão. como ele tem feito
há 2.500 anos? Isso é inatural, e não pode durar. O homem deve
continuar, para usar todos esses poderes e energias que lhe foram
dadas, a fim de que ele possa imprimir a natureza com seu pró­
prio intelecto, conversar com ela e não meramente ouvi-la
(SW: 1 3).
Alguns anos atrás Gunho-1988), deixando o Instituto de Pes­
quisas Espaciais, em São José dos Campos-SP, ao anoitecer, de­
pois de ter observado mais de uma centena de slides e ouvido
esclarecedoras explicações acerca de processos de sensoriamente
remoto, gentil e brilhantemente fornecidas pelo pesquisador Paulo

.,,
260 L(1c1A SANTAELLA
l CUUURA DAS MÍDIAS 26 1

Robe rto Martini, tomou-se imposs ível, des de então, deixar de pen - Pº: exemplo, templos e museus, desde suas formas mai s rudimentares
sar no caráter p remonitó rio da afirmação pcirceana , . �te a� mais sofisticadas ); então su rgem as máqui nas in ci pientemente
A aqu i s ição de imagens da superfic ie da Terra atrav es de sis- 1 �tcl 1gentes, cap azes, elas me_sma, de produzir linguagens, p rodu­
temas senso res que , operando em n í vel aéreo ou orbital, estabe le­ zmdo-as a part1r de uma m atnz_ reprodutora (a câmera fotográfic a,
as inte rp retações por e�empl o, que tem, no negativo, s ua matriz reprodutora); então ,
cem conexões ime diatas entre o Céu e a Te r ra, e
dessas i magen s, realizadas por pesqui sadores de sensoriamento re­ n um !n� nvel salto �e co�p l �xidade e con densação, a Revolu ção
e , tal como p revm E letromc a tr� cons igo maquinas com inteligência capaz de produ­
moto são evid ênci a s notáve is e inegáv eis de qu
Pcirc�, o homem já está equipado e dotado dos meios neces sários zu, rep�oduztr, armazena r lin gu agens, tu do isso ao mesmo tem po,
p ara conversar com a n atureza. . de que e exemplar o computador com seu séquito de s uplementos.
A crosta terrestre e o espaço aéreo , orbital e mes mo sideral Tendo povoa �o a su perficie terrestre com crias cada vez m ais
não s ão ou tra coi sa c omplexas do s eu intelecto, é na direção do Cé u qu e a s extens ões
estão sendo povoado s po r equipamentos que
senão sofistic ad pl xa xte sõ s d i telecto hum a no. D e da me nte humana agora põem sua mira. Os equipame�tos que
temente_, tem c re scentem ente estão se alocando no Céu, forma m famílias e ;edes
o n
i
n e
d vez
s e
,
e
p
com
s
e
sd
as
fato, o homem, de
. D de p nmei­ �e uma ,r arte, os s atélites de comunicação, ao trans mitir a voz �
crescen
l ct
ma
t
s
i
a
p óp
ca
u
e
s
em re
m
e
imprimi do a nature za _os _
ms c n­ imagem ,, de um �onto qualqu er do globo para o outro em fração de
es
p
n e e o
, desde
rio
tur
r
t
e
arq
co
ros rudimentos de arte fat s
s p segundo (J, Stemer 1988), permitem o estabelecimento de um fa
as nmetra
s b rta
a
d
e
p
os e ui

ções n as grutas, des de a s p s


q e s buloso sistem a instan�eo de comunicação em nível planetário�
rimeira
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hu
s
te
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s d
ica
r
s
,
rimeira

matas, são extrojeções do érebr e

imprimem sobre a natureza, gerando, na bios fera, os p_rimeiros _re­


u
De ou tra parte, os satehtes de sens oriamento remoto inau guraram
c o ma ca a men m a

u m proc�sso ?e conve rs a �ão entre homem e natureza, nu m nível tal


bentos de um novo rein o fadado a crescer e se mult1phcar : o remo
dos s ign os ou noosfera. de . sofi st1c açao . e enten�imento que teria a s sombrado até m es mo
Segu ndo nos informa M. D. Papagiannis ( 1 980 :48-49) , são Pe!fce, se com iss o el � tives s e podido sonhar um séc ulo atrás .
qu atro os p rincípios que governam a vida: " 1 . a vida tende a se Em te'"?1os gerais, segundo nos informa C. A Steffen et ai
expan di r com o um gá s, par a oc upar todo o espaço
dis�onív�l ; 2. a ( 198! :l), o sistem a de sensoriamento remoto pode ser m apeado no�
vida se ada pta às ex i gênc i as do espaço que se tomo u di �po mvel ;_ 3. s egu mte s termos :

a vida se desenvolve conti nu amente em di reção a


íveis de maior
Um flux? de ra�iação eletroma_gnética ao se propagar pelo espa­
organização; 4. quanto mais c9mplexo o nível de organização, m ais
n

ço �ode mtera�u com superfic 1es ou objetos, sendo por estes re­
a vez, nes se
r apidamente a vida cresce". E premonitória, mais um
o ação do si�n o. �etldo,_absorvido e mesmo reemitido. As variações que essas
sentido, a con cepção peirceana de semiose com mteraçoes _ produzem no f1 uxo considerado dependem fortemente
Semiose foi por ele considerada como sinônimo de P siquê , p nncí ­ da s propriedades físico-químicas dos elementos irradiados e 0
pio de vida, que, por sua vez, é também um sinônimo de mente, flu_xo resultante constit�i uma valiosa fonte de informações a res­
inteligência ou c rescimento contínuo, devir ou expansão de com­ pe_1to daquelas superfi
_ cies ou objetos. Essa idéia tem motivado a
_
plexidade. É por isso que a engenhosa defin ição de sign o_ de Pe1rce cnaçao de e�mpame ntos que, situados a grandes distâncias de
e ra cionaliza o
n ão é outra cois a senão um mod elo lógico que op alvos natur�1 �, podem detectar e registrar o fluxo de radiação
m ovimento de c r s i t tín o vida. �letromagnet1ca (REM) proveniente destes; as informações ob­
Sendo a tendênci a da vida s e desdobrar, crescer em comp lex i -
ou
tida�, geralmente sob a forma de g ráfi cos ou imagehs, são então
e c men o con u

dade, a s sim como a v ida se expande n a mente, a mente se expande anahsadas p�r es pecialista s na busca de dados que os auxiliem
nos signos (lingu age ns) que ela extrojeta. Crescendo fo ra do corpo no desenv?lv1mento de proj etos de pesquisa e controle de recur­

-
humano, os signos precisam de novos hábitats . Surgem, então, os sos naturais.
m eios de armazenamento das lin gu agens ( os livros , a
s bibliotecas,
LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍ DIAS 263
262

Observemos, no entanto com mais vagar. cada uma das perso­ Há um peculiar teor de inteligência que é próprio da natureza em si
nagens e sistemas auxiliares ou mediadores que atuam no circuito mesma. �ão fosse isso, a conversação entre homem e natureza, que
de comunicação homem-natureza. Para tal comecemos pelo papel o sensonamento remoto permite, não teria sido possível.
desempenhado pela natureza. Porque se deu conta da inteligibilidade dois sinais emitidos
Há antes de mais nada. como foco gerador, fonte de todo o pela natu_reza, assim que o nível de desenvolvimento tecnológico
processo, o Sol, que prodigaliza energia. ' "A irradiação solar tem lhe perm1t1u: o homem cons!ruiu sofisticados olhos celestes que
como efeito a superabundância da energia na superficie do globo" podem ler, la de cima, a escntura da natureza. São esses olhos ou
(G. Bataille, apud A. Marcolini, 1988:3). Em outras palavras: a sensores - não é difícil c oncluir - que funcionam, n o
energia radiante ou energia eletromagnética, emitida pelo sol, pro­ sensonamento remoto, como mediadores, canais de conexão n o cir­
paga-se pelo espaço vazio, viaja pela atmosfera e irradia a superfi­ cuito de comunicação, processamento de signos entre homem-na­
cie da Terra, sendo por ela refletida. tureza. Senão, vejamos:

Quando um fluxo de REM irradia um objeto, três fenômenos A REM refletida ou emitida por um alvo, desde que conveniente­
podem ocorrer: parte do fluxo é refletido; parte penetra no obje­ �ente registrada e analisada, contém uma grande quantidade de
to, sendo progressivamente absorvido; e parte consegue atravessá­ mformação. Assim, a REM refletida ou emitida por um alvo sob
lo, emergindo novamente para o espaço (C. A. Steffen et ai. certas circunstâncias, após incidir sobre o olho humano. pod� ser
1 98 1 : 1 1). transformada em impulso nervoso, que é interpretado pelo cére­
bro, gerando a sensação da visão. Entretanto, o olho humano é
U ma vez que a superficie terrestre é dotada de vida e que a um sensor remoto capaz de responder a uma faixa
vida é uma miríade de sinais, serão bastante diferenciadas as pro­ extremadamente estreita do espectro eletromagnético (...). Com
priedades radiantes de diferentes partes dessa superficie. O com­ o desenvolvimento tecnológico, o homem conseguiu ampliar a
portamento espectral da água, por exemplo, é diferente do c ompor­ sua capacidade de 'sentir ' a REM, desde comprimentos de onda
tamento espectral do solo nu que será, por sua vez, diferente da extremadamente curtos (raios cósmicos) até comprimentos de
vegetação, e assim por diante. Esse comportamento espectral ou onda de centenas de metros, construindo dispositivos sensores
grau ou curva de reflectância é também chamado de assinatura que operam em grande parte do espectro eletromagnético. As­
espectral. Isto quer dizer: a superficie da Terra, nas suas variadas sim, pode-se dizer que um sensor remoto é um dispositivo capaz
densidades de água, vegetação, nudez, vai apresentar variadas as­ de responder à REM de determinada faixa do espectro eletro­
sinaturas de luz. magnéti�o, registrá-la e gerar um produto numa forma adequada
Conforme o próprio nome (assinatura) diz, algo se produz para ser mterpretada pelo usuário ( C. A. Steffen et ai. 198 1 :27).
como fruto da relação entre o Sol e a Terra. Ao ser fecundada pela São com_�lexas as modalidades de sensores: há os fotográfi­
energia radiante do Sol, a Terra reage e responde com uma espécie
de escritura, assim como reage e responde com diferenciadas assi­ �os e os rad1ometros. Estes se dividem em radiômetros não
unage�ores (que simplesmente medem a radiância proveniente de
naturas luminosas ao ser ferida pela seca, pelas queimas, devasta­
ção, ou quando é umidecida e fertilizada pela água. A crosta terres­ �m obJeto para o qual são apontados) e os imageadores (que geram
imagens de uma cena). Para os fins que aqui nos interessam, cum­
tre é, desse modo, um imenso texto feito de luz, onde cada variação pre �olocar _atenção também nos radiômetros imagead ores
de energia radiante, refletida ou emitida, tem sua própria assinatu­

rl
mult1espectra1s, capazes de observar a mesma cena em várias fai­
i
ra. Literalmente, portanto, a superficie da Terra escreve com luz. x'.15 es!'ectrais, através de separadores de feixes (prismas, redes de
1

Antes de qualquer interferência do homem, e mesmo que a d1fraçao etc.) que operam no sistema Landsat.
1

humanidade não existisse, a natureza, ela própria, já se constituiria Os satélites da série Landsat, lançados em 197 1, 1975. 1978,
num sutil sistema de sinais, numa delicada rede, escritura de luz.
,. 1
264 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS M Í DIAS 265

e
1982 e 1984 , deslo cam-s e em uma órbita quase polar _ Os olhos celestes, com que a Terra está hoje dotada, exercem,
heliossincrona, permitindo que os dados sobre uma mesm a reg1ao como se pode ver, uma função de autoproteção. Os olhos da Terra
da Terra sejam adquiridos regularmente em condições semelhantes funcionam como anteparos protetores do seu corpo e sinais de aler­
de iluminação. A aquisição de dados é executada pelos sensores ta contra os carunchos humanos que o planeta pode estar abrigan­
que os satélites abrigam. O funcionamento desses sensores, porta­ do. Por isso mesmo, para um leigo, não há nada mais fascinante do
dores de uma sutilíssima inteligência visual (Sistema Imageador que começar a compreender as imagens resultantes do sensoriamento
Multiespectral - e Sistema de Televisão RBV), tem uma c�mplex1- remoto. Essas imagens revelam a Terra como um corpo sensível
dade técnica que não vem ao caso aqui detal?ar. Basta_ �1zer que que pode ser ferido, sofre, se ressente, regenera, tem cicatrizes,
95% do globo são imageados de forma sinóptica e repet1t1va pelos revigora-se... Da perspectiva do Céu, o planeta é um ser sutil e
sensores que, do Céu, transmitem os dados coletados para a Ter_ra delicado porque vivo. É com suavidade que a vida palpita.
onde o sistema Landsat tem seus complementos: estações de rastreio, Infelizmente a hipertrofia do caráter letal das tecnologias muito
recepção e gravação das imagens geradas pelo MSS e �BV (no tem contribuído para sufocar e ocultar o fato de que há tecnologias
Brasil situada em Cuiabá que, por ser o coração geografico da com uma dimensão estética cuja brandura e beleza deve ser posta
Amér/ca do Sul, permite o recobrimento da maioria de seus paí­ em evidência, tal como cumpre ser enfatizado o aspecto meigo,
ses), laboratórios eletrônicos de processamento de imagens e de fecundo, sutil e vital da ciência e tecnologia espaciais. É por isso,
processamento fotográfico, e os bancos de dados para acesso aos sem dúvida, que Wagner Garcia esteve alerta e sensibilizado quan­
1

do mapeou seu projeto Sky and Mind. Depois de alguns anos de


\'
1

usuários.
As imagens, que resultam de todo esse processo, são fontes assídua presença no INPE, exposto e inseminado pelo devir
valiosas de informações para a pesquisa, mas exigem, para s�a ª. dionisíaco da ciência espacial, Wagner Garcia foi inevitavelmente
interpr etação , o conhec imento das caract erístic as espac1 a1s, levado ao terceiro membro de sua trilogia: a indagação da vida e a
espectrais e temporais de seu conteúdo. Na �o�ta de cá do pro�es­ celebração do corpo só podiam se expandir para a mente do Céu
so, portanto, situam-se os intérpretes espec1ahzados, verda?e �r�s Embora endereçando-se para o Céu, tudo começou com a es­
semioticistas argutos e diligentes, capazes de perceber cada mmuc1a colha e tratamento de um alvo na Terra. Ou melhor: o batismo do
ou detalhe imperceptível, capazes de ler todos os sinais e_ signos da processo se efetuou através de uma interferência no ciclo vital da
cifra de luz que são as imagens que resultam dos equipamentos natureza. Wagner aproveitou o plantio do solo para executar um
mediadores nessa complexa conversação entre a natureza e o ho- desenho ou inscrição de grande porte na superfície da Terra. O
mem. local escolhido foi uma fazenda na região de Barretos (SP) que
A partir desse diálogo, tomou-se possível utiliza a técnica de irrigação nas suas plantações. O instrumento
irrigador, localizado num dado ponto do território, gira 360º, de
monitorar a evolução dos parâmetros meteorológicos em escala modo que o diâmetro alcançado pela água desenha uma grande
planetária e, com isso, compreender e prever fenômenos com circunferência no solo ocupado pelo plantio.
precisão incomparavelmente melhor do que antes. Os satélites A interferência de Wagner Garcia foi das mais engenhosas
de sensoriamento remoto passaram a perscrutar cada ponto da enquanto idéia, ao mesmo tempo, das mais simples enquanto exe­
superfície da Terra e dos mares, possibilitando um conheciment�
cução. O pivô de irrigação estava programado para receber uma
detalhado e, ao mesmo tempo, global dos recursos naturais e agn­
colas. Também passou-se a monitorar e conhecer conseqüências plantação de milho na parte superior e arroz na inferior. Sem per­
negativas da atividade humana: a poluição das águas, do ar e até turbar o ciclo normal da plantação de milho, ao contrário, aprovei­
mesmo a recente descoberta do buraco de ozônio sobre a Antártida tando-se dele, Wagner inscreveu, na parte superior da circunferên­
(J. Steiner 1 988). cia, o triagrama Ch 'ien, que no J Ching representa o Céu. Isto é,
quando o milho foi colhido, três grandes tiras simétricas e seqüenciais
266 LÚCIA SANTAELLA
ClJUlJRA DAS M ÍDIAS 267

do terreno ficaram cobertas de palha, formando o desenho do


de imagens. Olhos celestes varriam o alvo escolhido e trabalhado
trigrama Ch 'ien. Algum tempo depois, o plantio de arroz, na p arte
por Wagner, desenvolvendo-lhe imagens captadas a oitocentos mil
inferior do terreno, foi sendo gradativamente aproveitado ate fo�­
metros de distância no Céu. Enquanto isso, na Terra, Wagner ia
mar a inscrição do trigrama Chên, que representa o trovão, movi­
produzindo outras gravações que viriam configurar uma verdadei­
mento brotar ou apressar.
ra sinfonia de olhares cm que o estudo Sky and Mind acabou por se
Não era porém o conteúdo representativo dos trigran:ias do / corpori ficar.
Ching que estava no objetivo, nem é isso exatamente o que 1mp�rta · De uma parte, foram gravadas imagens em vídeo, percorren­
no projeto, visto que o desenho dos trigrama� não depe�d,a estn�­ do o território a pé, depois, de carro. Isto é, imagens a partir da
mente dos desígnios de Wagner Garcia, mas tmha de_ l f
escala do olhar humano junto ao solo. De outra parte, o mesmo
casuisticamente se adaptando ao ciclo natural da Terra, sem fenr o
alvo foi imageado do ponto de vista de uma aeronave equipada com
tempo previsto pela plantação do milho e, depois_, do arroz. sensores utilizados nos processos de aerofotogranometria. Por fim,
O que importa, isto sim, é o caráter plástico e a escala de longe no Céu, dos satélites retomaram, do mesmo território, ima­
inscrição, que foi calculada para o grau de resolução do se?sor, ou gens coletadas em nível orbital.
seja, para ser visualizada e ficar perceptív�I ao se�so� orbital. En­
Os três planos ou escalas de captação de imagens de um mes­
fim, é o jogo dialógico entre a natureza, mterferenc1a humana a mo alvo por meio de sistemas óticos, necessariamente diferencia­
resposta dos sensores que constitui o cerne do projeto Sky and Mind.
dos, põem em flagrante evidência o teor de sofisticação hoje atingi­
Trata-se de um acionamento múltiplo, envolvendo uma
do pela inteligência visual do homem. O confronto dos três níveis
pluralidade de fatores. Em primeiro lugar, tem-se a utilização do
funciona como uma demonstração sensível do amplo espectro da
plantio da Terra para a execução de um desenho no solo. Escrever
visão humana que já transcendeu de longe, inacreditavelmente lon­
na Terra, aproveitando-se do plantio não foi, neste projeto, um ato
ge, a escala do olhar renascentista, indo muito além do ponto de
casual. Nesse nível, Sky and Mind reporta-se diretamente ao seu
vista aéreo, para se dilatar no espaço orbital num movimento que
projeto-irmão Sky and Life, visto que os c�clo_s d� fertilidade do ,. se expande à maneira da própria expansão do universo.
solo são os sinais mais loquazes da exuberanc1a vital do plane�.
A orquestração das diferentes e expansivas escalas do olhar,
Em segundo lugar, essa inscrição, na superficie da Terra,_ aprovei­
realizada por Sky and Mind, se constitui, assim, numa perturbadora
tando-se daquilo que germina na própria Te_rr�, foi propo� 1talmente
demonstração de que o corpo do homem tem hoje o tamanho do
executada numa escala passível de sens1bhzar a acmdade dos
planeta, enquanto a inteligência de seu olhar e, conseqüentemente,
sensores orbitais. Portanto, numa escala apropriada ao olhar de
sua mente estão se abrindo no Céu e para o Céu. É por acaso que,
uma perspectiva celeste, o que põe em relevo a dimensão �a Terra
para lá, justamente na direção desse novo limiar, com amorosa sua­
como corpo, irmanando, neste nível, Sky and Mind ao proJeto S"1
vidade e brandura, alguns artistas estão começando a atirar as se­
and Body. Em terceiro lugar, no entanto, e aqui começa a se ey1-
tas de Eros?
denciar a especificidade deste terceiro estudo, tem-se aí uma cun�­
sa sobreposição de escrituras para culminar numa não menos cun­ POR ONDE ANDA A LUZ?
osa sobreposição de olhares.
Desenhando o solo com o produto da própria Terra, Wagner Em 1961, durante um Simpósio realizado no Philadelphia
Garcia acionava um dado comportamento espectral daquela parte Museum College ofArt, Marcel Duchamp dizia:
do solo, ou seja, acionava a Terra para que ela reagisse com uma Se podemos agora antever o lado mais técnico de um possível
assinatura luminosa determinada. Enquanto Wagner escrevia com futuro, é bem provável que o artista, cansado do culto à pintura a
os produtos do próprio solo, a Terra assinava com luz. Essa assina­ óleo, se veja abandonando esse processo de quinhentos anos de
tura, captada pelos sensores orbitais, retomava à Terra sob forma idade, que restringe sua liberdade de expressão através de suas
I
268 LÚCIA SANTAELLA CULTURA DAS MÍDIAS 269

amarras acadêmicas. Outras técnicas já apareceram recentemente ditas artísticas. De outro lado, enquanto alguns irrestritamente se
e podemos prever que, tal como a invenção de novos instrumen­ entre � am a uma obsessiva, mas nem sempre formal e
tos musicais muda toda a sensibilidade de uma era, o fenôme­ conce1tualm�te refletida e conseqüente "pesquisa de materiais" para
no da luz, devido ao seu presente progresso científico, possa, a arte concebida como artefato, outros se dedicam à produção de
entre outras coisas, vir a ser uma nova ferramenta para o novo engenhocas que parodiam os extremos da sociedade consumista
artista. denunciando o esquizóide mal-estar da civilização. Enquan to ai�
Algumas décadas antes, no clímax da produção cm série do gun� lutan:1 por encontr�r �m lugar ao sol no tê te-a-tê te com a pro­
mundo industrial, Duchamp já havia levado o questionamento da duçao de 1mag�ns propiciada pela corrida das novas tecnologias,
arte como objeto único a uma reductio ad absurdum. Sabiamente ou �ros, menos m�en� os, se retraem no vazio agônico em que a

antevia, desde então, a inexorável dissipação das fronteiras que ompres�nça da_ c1encia e engenharia, com suas tecnologias cada
separavam as artes entre si, assim como provavelmente previa o �ez mais sofisticadas, está conduzindo a função tradicional do ar­
desaparecimento das delimitações entre arte e não-arte. Foi justa­ tista. Em meio a isso, e ao mesmo tempo, começam a vir de muito
mente essa ausência de divisas que, ocasionando a dilatação dos longe, para além do espaço orbital, os ecos de uma inaudita dilata­
referenciais, que regiam o fazer artístico até o limite da perda de ç�o da escala humana que reclama o advento de sensibilidade iné­
quaisquer parâmetros, conduziria os artistas à mais arrebatada caça ditas, aptas à t_ arefa de ���ciar uma nova antropomorfia que co­
ao tesouro do "novo". meça a emerg1r das poss1b1hdades abertas por alianças inaugurais
Na década de 60, testemunhando o célebre e volátil aproveita­ entre o homem (a máquina, a ciência, a técnica, a invenção) e 0
mento técnico-científico do fenômeno da luz e suas conseqüências mundo.
para a produção da imagem, Duchamp também já pressentia em A formidável mudança de dimensão do corpo, olhar, cérebro
que nível de monotonia, inocuidade e desgaste chegaria o confronto e men�e �umanos par� um . nível planetário e cósmico, o preço
artístico entre figuração vs. abstração. Hoje, as fractais, por si sós. apocahpt1co e perda de 1dent1dade, que a enormidade dessa mudan­
tornaram obsoletas. desviando para um outro paradigma _ � provocan?o, tra� desafios imprevistos aos espíritos mais
ç� es
epistemológico, quaisquer tentativas de debates sobre as questões VISlonanos, que �ª.º. fustigados pelas exigências de sinalização das
da figuratividade, assim como a multiplicidade de meios para a rotas para a sens1b1hdade que podem, porventura e heuristicamente
aquisição e processamento de imagens só tem crescentemente atur­ conduzir ao continuum da vida na sua voragem expansionista.
dido as nostálgicas pretensões dos artistas na manutenção de seus
tradicionais papéis de inventores exclusivos da visualidade.
SEM BLANTE SENSÍVEL DO INTELIGÍVEL

Uma das idéias fixas dos pesquisadores do programa SETI


�he Search for Extr�terrestrial lntelligence (A Busca de Inteligên­
SALTO MUTANTE DA CRIAÇÃO

Hoje, tendo cessado, há muito tempo, a turbulência artística c �a Extra!errestre) e a de 9�� o encontro da vida inteligente, num
dos intermitentes cometimentos heróicos do Modernismo, e tendo mvel ma1_s avançado de � IVlhzação, nos forneça a prova de que 0
também já arrefecido o frencsi apocalíptico e a esquizofrenia das desenvolvimento tecnológico não é necessariamente autodestrutivo.
citações, que sinalizaram a entrada da arte numa era mais propria­ A demanda da vida fora da Terra, desse modo, significa também
mente pós-moderna, o panorama da produção artística, embora bas­ esperança de sobrevivência e promessa de preservação ante as in­
tante confuso e hcteróclito, ainda assim, permite a detecção de al­ cessantes ameaças de Tânatos.
gumas de suas mais evidentes tendências. Enquanto não nos chegam confirmações de que não é infun­
Há, de um lado, uma espécie de resignação perversa em rela­ dada a esperança de continuidade da espécie, não obstante suas
ção ao paroxismo fetichista a que ficaram submetidas as mercadorias contradiç�s e_ dilaceramentos, quase imperceptivelmente, corre no
ar, nos trans1tos entre o Céu e a Terra, uma espécie de apelo a que
I
270 LÚCIA SANTAELLA

não podem e não deixam de se expor e atender as sensibilidades que


hoje se sintonizam nos novos limiares da imaginário humano. O Informações sobre os artigos
que essas sensibilidades têm de inédito é o fato de que não são
pessoais, meramente individuais, mas complexas e híbridas. São
sensibilidades ascéticas e éticas, que nascem nos laços promíscuos
(e muitas vezes espontâneos e casuais) de conjunção,
complementaridade e fusão estética do trabalho de cientistas, enge­
nheiros, analistas e artistas, tal como os projetos Sky and Life­
Body-Mind, de Wagner Garcia, lindamente encarnam. . _Informamos, a seguir, as fontes e datas originais dos artigos
Há muitos fenômenos, aliás, que atualmente se alistam no mclmdos nesta coletânea:
paradigma de uma nova intersecção que põe na face dos nossos
olhos o semblante sensível do inteligível. Um computador é um �ULT URA �A MÍD� S, _inédito. Escrito cm 1987, durante está­
instrumento que, na computação gráfica, por exemplo, permite o gio de pesquisa na Uruversidade Livre de Berlim sob os auspícios
cruzamento instantâneo da abstração inteligente com a do DAAD.
sensorialidade epidérmica. As imagens, na tela do monitor, que fes­
tejam os nossos sentidos, são encarnações tangíveis de fórmulas A CRIAÇÃO NO JORNAL E NA LITERATURA publicado em
matemáticas complexas e ininteligíveis aos leigos. Assim, também, Revista DeSignos 2, Departamento de Arte, PUC-SP, 1976.
inaugurando inesperadas conjunções entre ciência e arte, a tecnolo­
gia espacial produz um excedente de beleza e fascínio, algo que O SIGNO À LUZ DO ESPELHO, publicado em Folhetim 400
sobra, um excesso que extravasa os planos, propósitos e limites Folha de S. Paulo, 16 de setembro de 1984. Republicado em Do�
estritos da ciência. São as franjas estéticas da tecnologia que bro­ c umentos lnternacionales de Comunicación 25, CIAC. Barcelo­
tam da sua exuberância, algo tranbordante, tão surpreendentemen­ na, 1986, traduzido por Alfredo Mateo.
te inútil, mas ao mesmo tempo tão essencialmente vital quanto o
gozo numa relação sexual. Nesse mesmo paradigma se alistam as PÓS-MODERNIDADE:
_ ALGUNS PINGOS NOS IS, inédito.
sensibilidades híbridas que agora despontam no horizonte do devir Escnto em ?utubro de1985, após estágio de pesquisa na Universi­
humano. dade de Indiana, USA, sob os auspícios da Fapesp.
Numa passagem particularmente feliz, M. D. Papagiannis
( l 980:4 7) nos diz: "Se levamos a questão suficientemente longe, OUTR(A)IDADE DO MUNDO, publicado em Folhetim 505 Fo-
nosso planeta não é senão uma enorme nave interestelar, que tem lha de S. Paulo, 12 de outubro de 1986.
estado navegando em tomo da Galáxia, há milhões de anos, sem
que ninguém pareça estar se dando conta desta colossal viagem PÓS-M�DERNO & SEMIÓTICA, publicado em Pós-moderno
cósmica". As sensibilidades complexas, que estão começando a &. Sam1ra Chalhub (ed.). Rio de Janeiro: Imago, 1994.
nascer no ventre híbrido da inquietação visionária do artista com a
curiosidade insaciável do cientista, estão hoje lançando à espécie O DEBATE PÓS-MODERNO, inédito. Uma versão prelim
_ inar foi
humana lúcidos e meigos sinais de alerta para o despertar de nossa apre�e�� no Cic!o de Debates sobre "Universidade
'. e Cultura
consciência em relação a essa viagem, assim como para a necessi­ �rasileira , promovido pelo Jornal O Estad o de S. Paulo em 7 de
dade de que ela seja guiada pelo faro do perfume da vida Junho de 1993 .

"?DEOTEXTO: HÁBITAT ELETRÔNICO DA ESCRITA iné­


dito. Apresentado no II Congresso Internacional de Video�xto.
272 LÚCIA SANTAELLA
CULTURA DAS MÍDIAS 273

Telesp, outubro de 1983. VIVEIROS DE SIGNOS: VIAJANTES ENTRE O CÉU E A


TE �, publicado em edição bilingüe (inglês-português) no catá­
TENDÊNCIAS DA POESIA VISUAL, inédito. Apresentado no logo-livro Trilogy, de Wagner Garcia, 1989.
Seminário da Mostra Internacional de Poesia Visual, Philadelpho
Menezes (org.). São Paulo, agosto de 1988.

O MUSEU NA ERA DA INFORMAÇÃO, inédito. Apresentado


no Seminário sobre Museus Nacionais: Perfil e Perspectivas. Rio
de Janeiro, junho de 1988.

MUSEU E PRODUÇÃO DE CULTURA, inédito. Apresentado no


II Colóquio do Museu da Casa Brasileira. São Paulo, junho de
1989.

SEMIÓTICA E ARTE: FEIXES DE INTELIGIBILIDADE, pu­


blicado em Revista de Arte 2. Pucamp, 1988.

ESPECULAÇÕES HOLOGRÁFICAS, parte de um artigo publi­


cado originalmente no Catálogo da exposição "Holografias de
Wagner Garcia". SP, MIS, outubro de 1982. Republicado em Arte
em São Paulo 1 2, novembro de 1982.

ILHA ELETRÔNICA, publicado -em Jornal Nicolau, ano III, nº


24. Curitiba, 1989.

O CRESCIMENTO DAS MÍDIAS E DOS SIGNOS, publicado


originalmente sob o título de "O impacto das tecnologias na comu­
nicação", em FACOM, ano 1, n.2, 1995.

O HOMEM E AS MÁQUINAS, inédito. Uma versão preliminar


foi apresentada no Simpósio sobre "Arte no século XXI: a
humanização das tecnologias". Memorial da América Latina, São
Paulo, novembro de 1995.

O COMPUTADOR COMO MÍDIA SEMIÓTICA, inédito. Escri­


to para participação no Colóquio sobre "lnformatics and Semiotics"
Schloss Dagstuhl, Alemanha, sob os auspícios da Capes, fevereiro
de 1996.

/,'
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