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RESUMO: O presente artigo foi elaborado para tratar dos conceitos de ciberdemocracia,
enxame digital e governança policêntrica. Desse modo, utilizou-se do método dedutivo
argumentativo e da análise bibliográfica, como principal fonte para o embasamento
científico do tema. Almeja-se, outrossim, demonstrar a necessidade de análise minuciosa
do que é a democracia em rede, para então encontrar alternativas viáveis para seu uso
universal e consciente. Com o objetivo de ressaltar a tecnologia Blockchain como
possibilidade existente de resgatar aspectos democráticos, transparentes e acessíveis para
os usuários da rede, nos moldes da ciberdemocracia.
Palavras-chave: Ciberdemocracia – Enxame digital – Internet – Governança policêntrica
– Blockchain.
1 INTRODUÇÃO
Com o advento da Internet, Levy (2013) tinha suas expectativas sobre a criação de
um ciberespaço que congregaria comunidades virtuais, promovendo uma nova cultura
digital e, consequentemente, o desenvolvimento de um exercício democrático global,
livres das fronteiras físicas, configurando a ciberdemocracia. O filósofo francês (LEVY,
2013) defendeu com otimismo o crescimento do ciberespaço como uma transformação
positiva da comunicação, se a humanidade explorasse suas potencialidades nos planos
econômico, político, cultural e, sobretudo, humano.
Nesse contexto, surge a ideia de cibercultura dentro do ciberespaço, como conjuntos
de técnicas, de práticas, de atitudes, de modo de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o ciberespaço. Isso influenciaria, de forma interativa e em
tempo real, a informação, o conhecimento, possibilitando a influência dos cenários social,
político, econômico e cultural existentes. Surgiria, assim sendo, uma “cidade universal”
nesse espaço online, que seria público, globalizado pelos computadores e que incentivaria
o aprendizado de indivíduo em grupo, universalizando a inteligência coletiva, a fim de
garantir aos indivíduos, por meio de uma lei planetária possível, uma democracia
verdadeiramente participativa: a ciberdemocracia.
Assim sendo, a constante participação dos indivíduos poderia reconstruir a noção
de uma democracia verdadeiramente participativa. Se, por um lado, as premissas de Levy
criaram uma expectativa de democracia planetária, com participação popular,
fortalecendo a relação cidadão e Estado, por meio do acesso à informação e da facilitação
de comunicação, de modo a promover uma democracia mais transparente com políticas
públicas de governança justas, por outro, as mobilizações sociais, como as de 2013, o
Caso Snowden, e a Primavera Árabe foram facilitadas, de modo que houve
desenvolvimento de ferramentas como a de accountability social.
Apesar disso, a realidade atual mostra uma exclusão digital seja pela efetiva falta
de acesso à rede seja pelo desconhecimento de manuseio da ferramenta. As comunidades
do ciberespaço, desenhadas por Levy (2003), foram dominadas por grandes corporações
multinacionais, que segregam informação, codificam comportamentos, dominam dados e
tornam os membros reféns de sua atividade online.
A partir do cenário apresentado por Levy (2003), Han (2018) contesta a criação da
ciberdemocracia no ciberespaço, sendo que os espaços públicos de manifestação,
proporcionados pelas redes, se transformaram em indignações efêmeras e difusas, de
indivíduos contrariados e com pouco poder efetivo.
A alta performance do algoritmo, por exemplo, acaba por criar grupos baseados em
gostos similares dos usuários, analisando aquilo que se compra, que se compartilha, ou
que até mesmo é curtido, de modo a criar uma falsa percepção da realidade. Essa distorção
é campo fértil para disseminação de fake news, comprometendo, ainda mais, a eficácia da
democracia no ciberespaço.
O ciberespaço de Levy foi dominado pelas grandes corporações, munidas de
mecanismos de busca e de compartilhamento de informações de última geração, sem
fronteiras e mais fortes que os Estados, moldam os fluxos de informação de modo a
deixarem os usuários presos numa bolha invisível que doutrina apenas a partir daquilo
que lhe é familiar, impedindo os usuários de interagirem com outras formas de pensar. É,
no entendo, muito difícil que o usuário perceba que está sugestionado à maneira de pensar
de sua bolha.
O dataísmo, conforme defende Han (2018), provou que o Big Data e a Mineração
de Dados fulminam a liberdade democrática, na medida em que – a partir da experiência
da eleição de Trump nos EUA – permitem aos candidatos uma visão completa dos
eleitores, com perfis altamente precisos. Dessa forma, algoritmos cada vez mais
inteligentes permitem prever o comportamento da votação e otimizar os apelos dos
candidatos, promovendo uma psicopolítica digital que permite intervenções sutis na
psique, e possivelmente mais rápido do que o livre arbítrio.
Além disso, a internet criou um mecanismo de liberdade de expressão anônimo, no
qual a mensagem está apartada do mensageiro, o que destrói valores pessoais, sociais e
morais de quem emite uma opinião. A fluidez, volatilidade e anonimidade da
comunicação acaba suscitando animosidades, de modo que as manifestações sociais se
tornam incontroláveis, inconstantes e efêmeras. Assim sendo, as ondas de indignação
surgem frequentemente em vista de acontecimentos que têm muito pouca relevância
social ou política, tornando a sociedade da indignação uma sociedade do escândalo.
Nesse contexto, torna-se fácil mudar o foco da contestação das massas na internet
para aquilo que é infundado. Não há unidade discursiva, apesar de ser uma forma de
accountability social. São vários cidadãos enraivecidos protestando sem destinatário
específico, como massas de indignação efêmeras e dispersas. Essas manifestações são o
enxame digital defendido pelo sul-coreano, fruto de um homo digitalis que, embora
preserve sua identidade privada, manifesta-se essencialmente de forma anônima, não nos
ambientes públicos e políticos de outrora. Isso furta a visão globalista e planetária de Levy
(2003), uma vez que sem o espirito de solidariedade e de cooperação, não se alcançarão
os resultados esperados.
3 A INTERNET COMO UM COMMON POOL RESOURCE PARA ELINOR
OSTROM
A respeito disso, os atores sociais dispersos devem se reunir com o objetivo comum
de estabelecer uma estrutura prática destinada a conscientizar os indivíduos sobre a
escassez do bem comum, a fim de instituir uma forma simples, prática e acessível de
utilizar dele. Assim sendo, estipular critérios próprios de debate, de participação e de
deliberação na rede, por meio de regras transparentes e informativas, poderiam garantir o
uso consciente da Internet no exercício da ciberdemocracia. Isso será possível utilizando
de uma efetiva accountability social dos grupos locais identitários que integrem as redes.
A Blockchain pode ser considerada uma alternativa viável para o uso democrático
da bem comum internet, de modo que ela combate as bolhas informacionais de Pariser
(2012) e os enxames digitais de Han (2018). A Blockchain é uma tecnologia
revolucionária na Internet por representar a transição da informação para o valor dentro
da rede. Assim sendo, por meio de um código-fonte aberto, qualquer usuário pode,
gratuitamente, desenvolver novas ferramentas de transações e aplicações, como para o
exercício do voto e das deliberações.
5 CONCLUSÃO
BERNBOM, Gerald. Analyzing the Internet as a common pool resource: The problem of
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LÉVY, Pierre. Ciberdemocracia. Lisboa, Instituto Piaget, 2003.
PARISER, Eli. O filtro invisível: o que a Internet está escondendo de você. Rio de Janeiro,
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2021.